Vida e Obra de Filosofos

274
Tales de Mileto (*624 a.C +545 a.C) Vida e obra: Tales é em geral considerado o primeiro filósofo do Ocidente e o pai da ciência. Ele e os pensadores milésios que o seguiram foram os primeiros a procurar explicações naturalistas para os fenômenos, em vez de apelar para os mitos e ações de deuses antropomórficos. Foi um político empenhado na luta contra os persas, além de astrônomo e um observador do céu tão atento a ponto de distrair-se e cair num buraco de rua. Ele foi capaz de prever um eclipse do Sol ocorrido em 585 a.C. Principais ideias: Segundo Tales, o princípio de tudo está na água. A resposta pode parecer insatisfatória, mas a sua importância está no fato de que pela primeira vez na história do pensamento, busca-se uma solução racional, não mais fantasiosa, para a questão da origem de tudo. Ele parte do princípio de que tudo o que está vivo depende de água. Bibliografia: CHAUI, Marilena – Iniciação à Filosofia; Ed. Ática, 2009 /LAW, Stephen – Guia Ilustrado Zahar de Filosofia; Ed. Zahar, 2008. http://filsofos-vidaeobra.blogspot.com.br/2009/08/tales-de-mileto-624-545-ac.html Pitágoras de Samos (*582a.C +497a. C) O filósofo grego Pitágoras, que deu seu nome a uma ordem de pensadores, religiosos e cientistas, nasceu na ilha de Samos no ano de 582 a.C. A lenda nos informa que ele viajou bastante e que, com certeza, teve contato com as ideias nativas do Egito, da Ásia Menor, da Índia e da China. A parte mais importante de sua vida começou com a sua chegada a Crotona, uma colônia Dórica do sul da Itália, então chamada Magna Grécia, por volta de 529 a.C. 1

Transcript of Vida e Obra de Filosofos

Page 1: Vida e Obra de Filosofos

Tales de Mileto (*624 a.C +545 a.C)

Vida e obra: Tales é em geral considerado o primeiro filósofo do Ocidente e o pai da ciência. Ele e os pensadores milésios que o seguiram foram os primeiros a procurar explicações naturalistas para os fenômenos, em vez de apelar para os mitos e ações de deuses antropomórficos. Foi um político empenhado na luta contra os persas, além de astrônomo e um observador do céu tão atento a ponto de distrair-se e cair num buraco de rua. Ele foi capaz de prever um eclipse do Sol ocorrido em 585 a.C.

Principais ideias: Segundo Tales, o princípio de tudo está na água. A resposta pode parecer insatisfatória, mas a sua importância está no fato de que pela primeira vez na história do pensamento, busca-se uma solução racional, não mais fantasiosa, para a questão da origem de tudo. Ele parte do princípio de que tudo o que está vivo depende de água.

http://filsofos-vidaeobra.blogspot.com.br/2009/08/tales-de-mileto-624-545-ac.html

Pitágoras de Samos (*582a.C +497a. C)

O filósofo grego Pitágoras, que deu seu nome a uma ordem de pensadores, religiosos e cientistas, nasceu na ilha de Samos no ano de 582 a.C. A lenda nos informa que ele viajou bastante e que, com certeza, teve contato com as ideias nativas do Egito, da Ásia Menor, da Índia e da China. A parte mais importante de sua vida começou com a sua chegada a Crotona, uma colônia Dórica do sul da Itália, então chamada Magna Grécia, por volta de 529 a.C.

De acordo com a tradição, Pitágoras foi expulso da ilha de Samos, no mar Egeu, pela tirania de Polycrates. Em Crotona ele se tornou o centro de uma organização, largamente difundida, que era, em sua origem, uma irmandade ou uma associação voltada muito mais para a reforma moral da sociedade do que uma escola de filosofia.

A irmandade Pitagórica tinha muito em comum com as comunidades Órficas que buscavam, através de práticas rituais e de abstinências, purificar o espírito dos crentes e permitir que eles se libertassem da “roda dos nascimentos”. Embora o seu objetivo inicial tenha sido muito mais fundar uma ordem religiosa do que um partido político, a Escola de Pitágoras apoiou ativamente os governos aristocratas. 

A verdade é que esta Escola chegou a exercer o controle político de várias colônias da Grécia Ocidental, principalmente as existentes no sul da Itália. Foi também a sua influência política que levou ao desmembramento e à dissolução da Escola de Pitágoras. A primeira reação contra os

1

Page 2: Vida e Obra de Filosofos

Pitagóricos foi liderada por Cylon e provocou a transferência de Pitágoras de Crotona para a cidade de Metaponto, onde residiu até à sua morte, no final do séc. VI ou no início do séc. V a.C

Na Magna Grécia, isto é, nas colônias fundadas pelos gregos na Itália, a Ordem Pitagórica se manteve poderosa até à metade do séc. V a.C. A partir daí foi violentamente perseguida, e todos os seus templos foram saqueados e incendiados. Os Pitagóricos remanescentes se refugiaram no exterior: Lysis, por exemplo, foi para Tebas, na Beócia, onde se tornou instrutor de Epaminondas; Filolaus, que segundo a tradição, foi o primeiro a escrever sobre o sistema Pitagórico, também se refugiou em Tebas. 

O próprio Filolaus, junto com mais alguns adeptos de Pitágoras, retornou mais tarde à Itália, para a cidade de Tarento, que se tornou a sede da Escola Pitagórica. Entre eles estava Archytas, amigo de Platão, figura proeminente da Escola, não só como filósofo como também como homem de estado, na primeira metade do séc. IV a.C. No entanto, já no final deste século, os Pitagóricos tinham desaparecido, como Escola Filosófica.

A ESCOLA PITAGÓRICA

Parece que, por volta da metade do séc. V a.C., houve uma divisão dentro da Escola, De um lado, estavam os “matemáticos”, representados por nomes do peso de Archytas e Aristoxenus, que estavam interessados nos estudos científicos, especialmente em matemática e na teoria musical; de outro lado estavam os membros mais conservadores da Escola, que se concentravam nos conceitos morais e religiosos, e que eram chamados de akousmatikoi (plural de akousmata, os adeptos das tradições orais). Estes elementos – religiosos e científicos – estavam já presentes nos ensinamentos de Pitágoras.

As doutrinas ensinadas por Pitágoras são as seguintes:

1. - Em primeiro lugar, e acima de tudo, estava a crença de Pitágoras na existência da alma. Ele também acreditava na transmigração das almas dos indivíduos, mesmo entre diferentes espécies. Esta transmigração poderia ocorrer em seres mais ou menos evoluídos. Se um indivíduo tivesse uma vida virtuosa, o seu espírito poderia inclusive se libertar da carne, isto é, deixaria de reencarnar. Este conceito filosófico foi atribuído a Pitágoras por Platão, em sua obra Fédon (que relata os momentos que antecederam a morte de Sócrates pela ingestão de cicuta). Não se pode deixar de ressaltar a importância deste conceito na história das religiões.

2. - Levar uma vida virtuosa consistia em obedecer a certos preceitos, muitos deles vistos hoje como tabus primitivos, como, por exemplo, não comer feijão ou não remexer no fogo com um pedaço de ferro. Estritamente morais eram as três perguntas que cada um devia se fazer ao final do dia, e que eram: Em que é que eu falhei hoje? O que de bom eu deveria ter feito hoje? O que é que eu não fiz hoje e deveria ter feito? Um dos principais meios externos que ajudavam a purificar o espírito era a música.

3. - A fascinação da Escola pelos números deve-se ao seu fundador. A maior descoberta de Pitágoras foi à dependência dos intervalos musicais de certas razões aritméticas existentes entre cordas de comprimentos diferentes, igualmente esticadas. Por exemplo, uma corda com o dobro do comprimento de outra emite a mesma nota musical, mas uma oitava acima, isto é, mais aguda. Tal fato contribuiu decisivamente para cristalizar a ideia de que “todas as coisas são números, ou podem ser representadas por números”. Este princípio foi à pedra de toque da filosofia de Pitágoras. Em sua obra Metafísica, Aristóteles afirma que os números representavam na filosofia de Pitágoras o que os quatro elementos – Terra/Ar/Fogo/Água

2

Page 3: Vida e Obra de Filosofos

representaram no simbolismo de outros sistemas religiosos. De acordo com este princípio, todo o universo poderia ser reduzido a uma ”escala musical e a um número”. Assim, coisas como a razão, a justiça e o casamento, poderiam ser identificadas com diferentes números. Os próprios números, sendo ímpares e pares, ou limitados e ilimitados, de acordo com Aristóteles, se constituíam na primeira definição das noções de forma e de matéria. 

Os números um e dois encabeçavam a lista dos dez primeiros pares de opostos fundamentais, dos quais os oito pares seguintes eram “um” e “muitos”, “direita e esquerda”, “masculino e feminino”, “repouso e movimento”, “reto e curvo”, “luz e escuridão”, “bom e mau” e “quadrado e oblongo”. Esta era a filosofia do dualismo metafísico e moral, através da qual se chegou ao princípio que via o universo como a harmonia dos opostos, no qual “o um” gerou toda a serie de números existentes.

Assim, a música e a crença no paraíso estelar, (originalmente associados à Astrologia da Babilônia) são os pontos de união entre o conteúdo religioso da filosofia de Pitágoras com os estudos matemáticos e científicos realizados mais tarde pela ala científica de sua Escola. O primeiro a apresentar um sistema compreensivo foi Filolaus, um de seus discípulos.  

A ARITMÉTICA PITAGÓRICA

Para Pitágoras a Divindade, ou Logos, era o Centro da Unidade e da Harmonia. Ele ensinava que a Unidade, sendo indivisível, não é um número. Esta é a razão porque se exigia do candidato à admissão na Escola Pitagórica a condição de já haver estudado Aritmética, Astronomia, Geometria e Música, consideradas as quatro divisões da Matemática. Explica-se também assim porque os Pitagóricos afirmavam que a doutrina dos números, a mais importante do Esoterismo, fora revelada ao Homem pela Divindade, e que o Mundo passara do Caos à Ordem pela ação do Som e da Harmonia. A unidade ou 1 (que significava mais do que um número) era identificada por um ponto, o 2 por uma linha, o três por uma superfície e o quatro por um sólido. A Tetraktys, pela qual os Pitagóricos passaram a jurar, era uma figura do tipo abaixo:

.

. .

. . .

. . . .

representando o número triangular 10 e mostrando sua composição como sendo 1 + 2 + 3 + 4 = 10. Adicionando-se uma fileira de cinco pontos teremos o próximo número triangular de lado cinco, e assim por diante. Mostrando que a soma de qualquer série de números naturais que comece pelo número 1 é um número triangular. A soma dos números de qualquer série numérica composta por números ímpares e que comece por 2 é um número quadrado. E a soma dos números de qualquer série numérica de números pares que comece pelo número 2 é um número oblongo, ou retangular.

Este é o princípio matemático que levou à 47ª Proposição de Euclides, o matemático grego que divulgou o Teorema de Pitágoras, pelo qual o quadrado da hipotenusa de um triângulo retângulo é igual à soma dos quadrados dos dois outros lados, ou catetos. A demonstração deste teorema é a Joia do Ex-Venerável mais recente de uma Loja Maçônica, em homenagem a Pitágoras, e que simboliza a doutrina científica e esotérica de sua Escola de Filosofia. O mesmo raciocínio usado na formulação do teorema acima, quando o triângulo retângulo é isósceles, (com catetos ou

3

Page 4: Vida e Obra de Filosofos

lados iguais) levou os Pitagóricos a descobrir os números irracionais, como, por exemplo, a raiz do número 2, que é igual a 1,4142,,,, (dízima periódica).

A GEOMETRIA PITAGÓRICA

Em Geometria não se pode obter uma figura totalmente perfeita, nem com uma, nem com duas linhas retas. Mas três linhas retas em conjunção produzem um triângulo, a figura absolutamente perfeita. Por isso é que o triângulo sempre simbolizou o Eterno – a primeira perfeição, o Grande Arquiteto do Universo. A palavra que designa a Divindade principia, em todas as línguas latinas, por um D, e em grego por um “delta”, ou triângulo, cujos lados representam a natureza divina. No centro do triângulo está à letra Yod , inicial de Jehovah – o Criador, expresso nos idiomas teuto-saxônicos pela letra G, inicial de God, Got ou Gottam, cujo significado filosófico é geração.

Numerosas – e valiosas – foram as contribuições da Escola de Pitágoras no campo da Geometria. Assim, por exemplo, a demonstração de que a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a dois ângulos retos, ou 180 graus. Também formularam a teoria das proporções e descobriram as médias aritmética, geométrica e harmônica. Foi ainda Pitágoras quem descobriu a construção geométrica dos cinco sólidos regulares, isto é, o tetraedro ou pirâmide de quatro lados, o octaedro, o dodecaedro e o icosaedro. A construção do dodecaedro requer a construção de um pentágono regular, também conhecida dos Pitagóricos, que usavam o Pentagrama ou Estrela Pentagonal ou Flamígera, como símbolo de reconhecimento entre os seus membros. 

A ASTRONOMIA PITAGÓRICA

Pitágoras foi o primeiro a afirmar que a Terra e o Universo tinham forma esférica. Ele também anteviu que o Sol, a Lua e os Planetas então conhecidos possuíam um movimento de translação, independente do movimento de rotação diário. A Escola de Pitágoras desenvolveu também um sistema astronômico, conhecido como sistema Pitagórico. A última versão deste sistema, atribuída aos discípulos Filolau e Hicetas de Syracusa, deslocava a Terra do centro do Universo, e fez dela um planeta do mesmo modo que os planetas então conhecidos, que giravam em torno do fogo central – o Sol. Este sistema, elaborado cerca de 400 a.C., antecipou em cerca de 2.000 anos os mesmos princípios defendidos por Galileu Galilei, pelos quais foi condenado pela Santa Inquisição. Galileu demonstrou a base científica do sistema, a partir da qual Copérnico e Kepler iriam comprovar que era o Sol e não a Terra o centro da Via Láctea – a nossa Galáxia.

A MÚSICA PITAGÓRICA 

Pitágoras não só utilizava a música para criar uma inefável aura de mistério sobre si mesmo, como também para desenvolver a união na sua Escola. A música instruía os discípulos e purificava suas faculdades psíquicas. Na educação, a música era vista como disciplina moral porque atuava como freio à agressividade do ser humano. Pitágoras considerava a música o elo entre o homem e o cosmos. O Cosmos era para ele uma vasta razão harmônica que, por sua vez, se constituía de razões menores, cujo conjunto formava a harmonia cósmica, ou harmonia das esferas, que só ele conseguia ouvir.

Pitágoras, avatar do deus Apolo, compunha e tocava para seus discípulos a sua lira de sete cordas. Deste modo ele refreava paixões como a angústia, a raiva, o ciúme, anseios, a preguiça e

4

Page 5: Vida e Obra de Filosofos

a impetuosidade. A música era uma terapia que ele aplicava não só para tranquilizar as mentes inquietas, mas também para curar os doentes de seus males físicos.

Pitágoras foi o descobridor dos fundamentos matemáticos das consonâncias musicais. A partir daí, ele visualizou uma relação mística entre a aritmética, a geometria, a música e a astronomia, ou seja, havia uma relação que ligava os números às formas, aos sons e aos corpos celestes.

A HERANÇA DE PITÁGORAS

A história posterior da filosofia de Pitágoras se confunde com a da Escola de Platão, discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles, e que foi também ardente admirador e discípulo de Pitágoras. Platão herdou, de um lado, as doutrinas de seu mestre e, de outro, bebeu a sua sabedoria nas mesmas fontes do filósofo de Samos. Segundo Amônio Sacas, toda a Religião-Sabedoria estava contida nos Livros de Thot (Hermes), onde Pitágoras e Platão beberam os seus conhecimentos e grande parte de sua filosofia.

Desde os primeiros séculos da era cristã que é comprovada a existência, em Roma, das práticas e doutrinas religiosas de Pitágoras, principalmente as relacionadas com a imortalidade da alma. Pitágoras disputava então, com outras religiões, um lugar predominante no panteão da Roma Imperial. A comprová-lo as capelas pitagóricas descobertas pela arqueologia, nas quais os iniciados aprendiam os mistérios de Pitágoras, e onde eram introduzidos no culto de Apolo.

Os afrescos encontrados no subsolo da Porta Maggiore, em Roma, mostram temas Pitagóricos. O nacionalismo romano também está ligado a Pitágoras através da obra Metamorfoses, de Ovídio, que nela relatou a teoria da reencarnação, defendida pelo filósofo de Samos. Os discípulos diretos de Platão também retornaram aos princípios Pitagóricos; e os neoplatônicos, com Jâmblico, no séc. IV d.C. também os adotaram, juntamente com os mais recentes escritos Pitagóricos, isto é, os Hinos Órficos. Do séc. I d.C. ao séc. VI d.C. a doutrina de Pitágoras influenciou grandes filósofos que escreveram e divulgaram a sua filosofia. Alguns deles foram Apolônio de Tiana, Plotino, Amélio e Porfírio. 

Depois que os cristãos conquistaram, no séc. IV d.C. o controle do Estado, os Pitagóricos tornaram-se, gradualmente, uma minoria perseguida. No entanto, as ideias de Pitágoras continuaram a ser pregadas na antiga escola de Platão, até que no séc. VI d.C. Justiniano, imperador do Oriente, fechou a Academia e proibiu a pregação da filosofia e das doutrinas consideradas pagãs pelo catolicismo. A partir desta época prevaleceu a era do obscurantismo da Idade Média. Mas as doutrinas de Pitágoras foram abertamente pregadas por um período de 1.200 anos, que se estende do séc. VI a.C. ao sec. VI .

Apesar de perseguido pela religião oficial Pitágoras foi, para grandes figuras do Catolicismo, como Santo Ambrósio, uma figura de referência por ter sido visto como intermediário entre Moisés e Platão, No séc. XVI, de acordo como o interesse do autor, Pitágoras era apresentado como poeta, como mágico, como autor da Cabala, como matemático, ou como defensor da vida contemplativa. Rafael, famoso pintor italiano, retratou Pitágoras como um homem idoso, de longas barbas, entre filósofos, no quadro “Escola de Atenas”. 

ANTÓNIO ROCHA FADISTA

http://www.maconaria.net/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=47

5

Page 6: Vida e Obra de Filosofos

Empédocles de Agrigento (* 490 a.C + 430 a.C)

Empédocles foi um filósofo, médico, legislador, professor, místico além de profeta, foi defensor da democracia e sustentava a ideia de que o mundo seria constituído por quatro princípios: água, ar, fogo e terra. Filósofo grego pré-socrático, Empédocles propôs uma explicação geral do mundo, considerando todas as coisas como resultantes da fusão dos quatro princípios eternos e indestrutíveis: terra, fogo, ar e água. Tudo seria uma determinada mistura desses quatro elementos, em maior ou

menor grau, e seriam o que de imutável e indestrutível existiria no mundo.

Segundo Aristóteles, fundou a oratória. Foi também fundador da primeira teoria biológica. Sua doutrina pode ser vista como uma primeira síntese filosófica. Para Empédocles, duas forças fundamentais responsáveis pela manutenção do universo: O AMOR que unia os elementos (raízes) e o ÓDIO que os separava. A morte para ele era simplesmente a desagregação dos elementos. Segundo ele, todos nós fazíamos parte do todo que se renovava em ciclos; reunindo-se (nascimento) e separando-se (morte).

Seu pensamento influenciará os pensadores da escola atomista. No Naturalismo esboçou o que podemos citar como os primeiros passos do pensamento Teórico Evolucionista: “Sobrevive aquele que está melhor capacitado”, aproximadamente 2460 anos antes de Charles Darwin. Tendo seguido Tales de Mileto na mesma linha de pensamento evolutivo: “O mundo evoluiu da água por processos naturais”.

Na política opôs-se à oligarquia, defendendo a democracia. Cedo virou figura legendária: ele mesmo se atribuía poderes mágicos. Conta a lenda que ele teria se suicidado atirando-se na cratera do Etna, para provar que era um deus. Substitui a busca dos jônicos de um único princípio das coisas pelos quatro elementos, combinando ao mesmo tempo o ser imóvel de Parmênides e o ser em perpétua transformação de Heráclito, salvando ainda a unidade e a pluralidade dos seres particulares. Esses princípios, também chamados “raízes”, seriam eternamente subsistentes, jamais engendrados, e de sua união ou separação nasceriam e pereceriam todas as coisas. Os quatro elementos se uniriam sob a força do amor e se separariam sob o influxo do ódio. Os mananciais e os vulcões seriam provas da existência de água e fogo no interior da Terra.

Escreveu dois poemas em jônico: Sobre a Natureza e Purificações, cujos fragmentos chegaram até nós e cuja influência continua a fazer-se sentir, como, por exemplo, em René Char. Segundo Empédocles, no poema Katharmoi – As purificações – do qual resta somente uma centena de versos, a intervenção do ódio está na origem de todas as coisas e dos seres individuais, que se vão diversificando até a separação total e o domínio absoluto do mal. Entretanto, o princípio do amor voltará a triunfar, unificando e misturando tudo até a configuração de uma só coisa, Sphairos, a esfera perfeita, na qual o mundo presente tem princípio e fim.

No mundo atual há seres individuais e, portanto, ódio e injustiça, o que exige um processo de purificação que só terminará quando o amor triunfar.

.http://www.biografia.inf.br/empedocles-de-agrigento-filosofo.html

6

Page 7: Vida e Obra de Filosofos

Sócrates (*469a.C. +399 a.C.)

Vida: Pouco sabemos sobre os detalhes da vida de Sócrates. Nasceu em Atenas, filho de um escultor e de uma parteira. Quando jovem, serviu no exército contra Esparta na Guerra do Peloponeso, mas, fora isso, sempre viveu em Atenas, onde se casou e teve vários filhos. A julgar pelas descrições tinha uma cara feia.

Ficava parado por horas, aparentemente perdido em pensamentos. Contudo, tinha grande senso de humor, e sua graça e carisma atraíram a devoção de

muitos. Suas indagações críticas, contudo, irritavam alguns atenienses. Embora tenha sobrevivido à Era dos Trinta Tiranos, após a derrota de Atenas por Esparta, apenas quatro anos depois que a democracia foi restabelecida, Sócrates foi levado a julgamento e condenado à morte por desrespeito aos deuses e por corromper os jovens. Poderia ter fugido, mas escolheu aceitar sua sentença e tomou voluntariamente a cicuta que o matou. Platão assistiu ao julgamento e se sentiu inspirado a preservar a sua memória em diálogos.

Principais ideias: Sócrates interessava-se sobretudo pelas questões morais que afetam nossas vidas, como o que é justo, corajoso e bom. Considerava que sua missão era expor a ignorância dos outros quanto à verdadeira natureza dessas virtudes e era conhecido por constranger os sábios da época ao revelar a confusão implícita em seus pensamentos morais. Iniciava sua abordagem fazendo a seus interlocutores uma pergunta como "o que é a coragem?" ou "o que é o amor?" e passava a examinar as limitações das respostas.

Buscava não uma definição de dicionário, mas as naturezas essenciais desses conceitos: em outras palavras, o que é que todos os atos corajosos compartilham que os torna corajosos. Nossa dificuldade em descobrir a essência desses conceitos revelava, segundo ele, a profunda ignorância em que todos vivemos quanto ao que realmente importa.

Para Sócrates, o relevante era o espírito crítico, assim como o reconhecimento da própria ignorância era o primeiro e decisivo passo para o conhecimento.A sua principal tese com relação a ética era a de que a integridade moral é sua própria recompensa.

Ele dizia que fazer o mal prejudica o perpetrador muito mais do aquele a quem o mal é feito, pois, embora infortúnios externos possam ocorrer, a verdadeira boa vida consiste em pureza da alma. Para ele as más ações era resultado de ignorância. Segue-se que o conhecimento da virtude moral é de nosso maior interesse e deveria ser nosso objetivo essencial, e que expor a ignorância de outrem é fazer-lhe um favor.

fonte: LAW, Stephen; Guia Ilustrado Zahar - Filosofia, Jorge Zahar, ED.

http://filsofos-vidaeobra.blogspot.com.br/2009/08/socrates.html

7

Page 8: Vida e Obra de Filosofos

Platão (*a.C 427 +347 a.C.)

Vida e obra: Platão foi o primeiro filósofo a construir um corpo de obra substancial e que chegou até nós. Com Aristóteles, foi a mais importante influência da filosofia ocidental. Nascido numa família ateniense nobre, Platão tinha parentesco com membros do governo aristocrático dos Trinta Tiranos (404-403 a.C.) mas se suas origens não o predispunham contra a democracia ateniense, o julgamento e a execução de seu mestre, Sócrates, em 399, certamente o fizeram.

Em 387 retornou a Atenas e fundou a Academia. Baseada no princípio de que os alunos deviam aprender a criticar e a pensar por si mesmos, em vez de aceitar as ideias de seus mestres, esta é considerada a primeira universidade. Muitos dos mais brilhantes intelectos do mundo clássico estudaram ali, inclusive Aristóteles. Platão visitou a Sicília mais duas vezes para instruir o príncipe Dionísio, na esperança de produzir um soberano-filósofo, mas sem grande sucesso. Sua obras mais importantes são: Apologia; Fédon; República; Leis. Escritos na forma de diálogos.

Principais ideias: Platão observou que afirmações sobre coisas físicas envolvem sempre uma restrição. P. ex., não podemos dizer que um objeto é plenamente belo ou que uma pessoa é completamente corajosa. Eles serão sempre belos ou corajosos sob algum aspecto ou em algum grau, não atingindo o ideal da beleza ou da coragem.

Mas se nada no mundo pode ser considerado verdadeiramente belo, como chegarmos ao ideal de beleza? E o que todos os atos de coragem têm em comum? Platão responde a ambas as perguntas postulando a existência real da "ideia" ou "forma" de beleza, coragem e outros termos gerais. A ideia é o universal a que tais termos se referem. Um carvalho, p. ex., é um membro de uma classe particular de coisas - carvalhos - porque se assemelha a ideia eterna do carvalho. Esta ideia não pode ser observada com os sentidos, ela só pode ser alcançada através de uma espécie de visão intelectual. Esta é, em essência a teoria das ideias, pela qual Platão é mais lembrado.

Conhecimento: Como Heráclito. Platão pensava que as coisas percebidas pelos sentidos estão sempre se tornando outra coisa. Mas o conhecimento, conclui ele, tem que ser daquilo que é plenamente, o que significa, que não podemos ter, de fato, conhecimento do mundo dos sentidos. O conhecimento deve ser o das ideias, isto é, daquilo que não muda, a ideia do carvalho sempre será a ideia do carvalho, ela não perece. Assim, Platão divide a realidade em dois reinos, o mundo físico do vir-a-ser e um mundo do ser constituído por ideias eternas e perfeitas. Cabe ao filósofo atingir esse mundo.

Portanto, aprender não é realmente descobrir algo novo, mas recordar, visto que tudo já existe anteriormente no mundo das ideias. Se todo conhecimento é recordação, como afirma Platão, isso mostra que a alma existe antes do nascimento e abre a possibilidade de que ela sobreviva à morte física.A República foi a primeira de muitas tentativas de delinear uma cidade ideal. Platão rejeita a democracia como sistema de governo, alegando que o povo não está qualificado para governar. Seu modelo é um Estado em que o conflito eterno foi abolido e cada cidadão cumpre seu papel.

8

Page 9: Vida e Obra de Filosofos

Isso significa instituir um regime rigoroso de treinamento e seleção para produzir um grupo de elite de governantes sábios e incorruptíveis. Estes, os guardiões de seu Estado, merecerão o nome de "filósofos", porque serão genuínos amantes da sabedoria. E eles devem adquirir o conhecimento do bem, para poder governar efetivamente em nome do bem do Estado.

Bibliografia: CHAUI, Marilena – Iniciação à Filosofia; Ed. Ática, 2009 /LAW, Stephen – Guia Ilustrado Zahar de Filosofia; Ed. Zahar, 2008

http://filsofos-vidaeobra.blogspot.com.br/2009/08/socrates.html

Aristóteles (*384 a.C +322 a.C.)

Vida: Aristóteles nasceu em Estagira, no norte da Grécia. Tinha ligações com a família real da Macedônia, seu pai sendo médico do rei Filipe. Aos 17 anos foi enviado para estudar na Academia de Platão, em Atenas. Permaneceu ali por 20 anos até a morte de Platão. Em 343 aceitou o convite para se tornar o preceptor de Alexandre, filho do rei Macedônio. Voltou para Atenas com 49 anos e fundou o Liceu. Como Sócrates, porém, foi acusado de impiedade. Fugiu para não permitir que os atenienses "pecassem duas vezes contra a filosofia", mas morreu um ano depois de uma

doença estomacal.

Principais ideias: A simples extensão da obra de Aristóteles é assombrosa, e as disciplinas e termos que utilizou dirão até hoje: ética, lógica, metafísica, meteorologia, física, economia e psicologia. Há mais de 2000 anos sua influência sobre o pensamento europeu tem sido profunda. Aristóteles desconfiava das ideias de Platão com respeito ao mundo dos sentidos, sua busca teve um caráter mais empírico e valoriza as investigações gradativas do cientista. Para ele o conhecimento deve se fundar no que podemos experimentar, portanto, o seu ponto de partida é contrário ao de Platão que valorizava o "mundo das ideias", para ele, o ponto de partida deve ser os sentidos, o mundo da experiência, ir além disso é se perder no misticismo.

Aristóteles definia as coisas em termos das finalidades que elas tinham. Assim, não existe algo como a árvore ideal, distinta daquelas que crescem à nossa volta. As coisas ou "substâncias" consistem não só em matéria física bruta, mas também na forma que assumem. O que torna uma planta ou animal o que ele é não é a matéria de que é composto, mas o modo como esta se organiza. Diferentes árvores são a mesma coisa não por se assemelharem a ideia de árvore como pensava Platão, mas por possuírem uma estrutura comum.

Aristóteles nos vê fundamentalmente como seres sociais, e o governo uma instituição para nos ajudar a alcançar uma boa vida na sociedade. Como seu papel é facilitar e não impor, ele rejeita a ideia do Estado de Platão governado por filósofos, julgando a democracia mais apta a alcançar essa meta.

fonte: LAW, Stephen; Guia Ilustrado Zahar - Filosofia, Jorge Zahar, ED. 2008 /

http://filsofos-vidaeobra.blogspot.com.br/

Epicuro (*341 a.C +270 a.C.)

9

Page 10: Vida e Obra de Filosofos

Vida: Em suas escavações, os arqueólogos notaram que nas casas gregas e romanas havia um grande número de estátuas com a efígie de Epicuro, às vezes até de pequenas dimensões.

É verdade que os antigos gostavam de colecionar imagens dos sábios, mas este é um caso especial, porque as estátuas do filósofo de Samos estavam presentes mesmo nas casas dos homens comuns, sem interesses intelectuais.

A explicação para esse fato é de grande relevância filosófica: acreditava-se que contemplar o rosto de Epicuro tivesse o poder de aquietar o espírito. Epicuro comparava a sua filosofia à medicina: queria ser o médico da alma. A escola de Epicuro devia ser muito semelhante a uma casa de cura: um simples e tranquilo jardim nos arredores de Atenas, distante do ruído da cidade e da política. Ali o filósofo acolhia a todos, sem distinção: mulheres, escravos até mesmo prostitutas em crise. Curava o corpo com os medicamentos mais adequados e, o espírito, com a força do exemplo. E, mesmo gravemente doente e sofredor, na última carta que escreveu a um amigo saudava a vida: doce, feliz e sempre digna de ser vivida.

Principais ideias: Para Epicuro o objetivo da vida feliz é o prazer, mas, em que consiste a felicidade? É bom ter muitos desejos?

Segundo este filósofo o prazer e a felicidade são certamente os critérios condutores do ser humano. O problema está em definir qual é o verdadeiro prazer e como otimizar o bem-estar pessoal, lembrando que a um prazer imediato corresponde muitas vezes uma dor futura. Segundo Epicuro a solução mais sábia está em submeter a busca da felicidade ao juízo da razão. É preciso, portanto, eliminar os medos inúteis (da morte, dos deuses, da dor), moderar as necessidades de modo que o seu gozo não se transforme no contrário e, principalmente, a tranquilidade do espírito, a serenidade.

Cálculo do prazer - Consiste na ideia de Epicuro de que é possível maximizar o bem-estar da vida por meio do cuidadoso cálculo matemático, dos sacrifícios e do prazer decorrentes de um comportamento. O cálculo não deve considerar somente as consequências imediatas, mas também, as de longo prazo, posto que, frequentemente, satisfazer um desejo provoca uma imediata felicidade.

Necessidades - Epicuro distingue três tipos de necessidades:

1) Necessidades naturais e essenciais, a serem saciadas sempre (por exemplo, a fome, a sede, o sono). Dependem das necessidades biológicas do corpo e, se não forem satisfeitas, produzem a morte. 2) Necessidades naturais e não essenciais, a serem buscadas com moderação ou nem mesmo assim (por exemplo, comer bem ou demais, exceder-se nas práticas sexuais).

3) Necessidades não naturais e não essenciais, que nunca devem ser buscadas, pela sua natureza artificial (glória, sucesso, riqueza, riqueza, beleza).

10

Page 11: Vida e Obra de Filosofos

Hedonismo - Corresponde à doutrina do Epicurismo, pela qual o prazer é o fim e o princípio de uma vida feliz, objetivo em direção ao qual todo indivíduo orienta a própria ação. No entanto, segundo Epicuro, é preciso distinguir entre prazer efêmero (felicidade, alegria) e prazer estável, definido pela negativa, como ausência de dor. Dado que somente o segundo tipo de prazer é perseguido pele sábio, o Epicurismo condena a tentativa de satisfazer indiscriminadamente todo desejo, defendendo a necessidade do racionalismo ético, ou seja, um sensato controle da razão sobre as emoções e as pulsões do espírito.

Bibliografia: CHAUI, Marilena Iniciação à Filosofia; Ed. Ática, / LAW, Stephen – Guia Ilustrado Zahar de Filosofia; Ed. Zahar, http://filsofos-vidaeobra.blogspot.com.br/

Marco Túlio Cícero (*106 a.C +43 a.C)

A Lei Natural “XXII – A verdadeira lei é a reta razão em harmonia com a natureza, difundida em todos os seres, imutável e sempiterna, que, ordenando, nos chama a cumprir o nosso dever, e, proibindo, nos aparta da injustiça.

E, não obstante, nem manda ou proíbe em vão aos bons, nem ordenando ou proibindo opera sobre os maus. Não é justo alterar esta lei, nem é lícito derrogá-la em parte, nem ab-rogá-la em seu todo. Não podemos ser

dispensados de sua obediência, nem pelo Senado, nem pelo povo.

Não necessitamos de um Sexto Aelio que no-la explique ou no-la interprete. E não haverá uma lei em Roma e outra em Atenas, nem uma hoje e outra amanhã, ao invés, todos os povos em todos os tempos serão regidos por uma só lei sempiterna e imutável. E haverá um só Deus, senhor e governante, autor, árbitro e sancionador desta lei. Quem não obedece esta lei foge de si mesmo e nega a natureza humana, e, por isso mesmo, sofrerá as maiores penas ainda que tenha escapado das outras que consideramos suplícios.” (De republica, III, 22).

Marco Túlio Cícero, advogado, orador, filósofo estóico, senador e escritor romano. O maior dos oradores e pensadores políticos romanos. Cícero nasceu numa antiga família da classe equestre, duma povoação do interior do Lácio, a quem tinha sido dada a cidadania romana somente em 188 a.C. e que nunca tinha por isso participado na vida política de Roma. O pai proporcionou aos dois filhos, Marco, o mais velho, e Quinto, uma educação muito completa, sendo que Marco Túlio Cícero, após ter aprendido na escola pública e ter chegado a maioridade, passando a vestir a toga virilis, foi entregue aos cuidados do célebre senador e jurista romano Múcio Cévola que o pôs a par das leis e das instituições políticas de Roma.

Durante a Guerra Social do princípio do século I a.C. 91 a 88 a.C. Cícero passou brevemente pela vida militar, passo necessário para poder participar plenamente na vida política romana, tendo estado presente numa campanha militar sob o comando do cônsul Pompeu Estrabão.

11

Page 12: Vida e Obra de Filosofos

Regressado a vida civil, começou a estudar filosofia com Filão, o Acadêmico, mas a sua atenção centrou-se na oratória que estudou com a ajuda de Molo, o principal retórico da época, e de Diodoto, o Estóico. Cícero é considerado o primeiro romano que chegou aos principais postos do governo com base na sua eloquência, e ao mérito com exerceu as suas funções de magistrado civil.

O primeiro caso importante que aceitou foi a defesa de Amerino, um escravo liberto, acusado de parricida por um favorito de Sila, nessa época ditador de Roma. Esta ação corajosa levou-o a sair prudentemente de Roma, após a conclusão do pleito, tendo viajado durante dois anos, oficialmente para se restabelecer de uma doença. Em Atenas reencontrou o seu colega de escola Pompónio Ático, com quem estabelecerá a partir daí uma longa, e muito célebre, Correspondência.

No Oriente concluiu a sua formação filosófica e retórica. Regressado a Roma em 76 a.C. após a morte de Sila, começou a sua carreira política, sendo nomeado questor da Sicília no ano seguinte, província que governou com sucesso.

De regresso a Roma aceitou dirigir, em 70 a. C. o processo que a população da ilha intentou contra o pro-pretor da ilha, Verres, por corrupção. Venceu o processo obrigando este a sair de Roma.

No ano seguinte, 69 a. C. cinco anos depois de regressar da Sicília, foi eleito edil e mais tarde, cumpridos os dois anos de intervalo entre magistraturas, foi escolhido para pretor, 66 a.C., discursando pela primeira vez a partir da Rostra – a antiga plataforma dos oradores no Fórum de Roma – em defesa da Lex Manilia, que pretendia entregar a Pompeu o governo de várias províncias orientais, como base para atacar o rei do Ponto, Mitríades VI Eupator, em luta contra Roma no norte da península da Anatólia, Ásia Menor.

No fim da sua atuação como pretor, decidiu concorrer ao consulado, tendo por isso recusado a nomeação para o governo de uma província do império, o pagamento normal para o exercício do cargo de pretor. Foi eleito cônsul em 62 a.C., para o exercício do ano seguinte. Nesse cargo conseguiu destruir a Conjuração de Catilina, tendo sido declarado Pai da Pátria por essa atuação em defesa das instituições republicanas. Mas o regresso triunfal de Pompeu a Roma, e a institucionalização do primeiro Triunvirato, fez com que as ambições políticas de Cícero sofressem um rude golpe, fazendo com que voltasse às atividades forense e literária.

Mas a atuação de um seu inimigo político, P. Clódio, que criticava a atuação de Cícero durante a conjuração de Catilina, devido a execução dos conjurados sem julgamento, fez com que abandonasse voluntariamente Roma em 58 a.C. e a Itália indo para o exílio na  Grécia, por onde focou, até que se instalou em Tessalônica no norte da província, o que não impediu a votação de uma lei que o desterrava.

A perseguição de P. Clódio continuou, atacando a família mais próxima e as propriedades de Cícero, até que Pompeu interveio e conseguiu, com a ajuda de parentes e de amigos de Cícero, que o Senado se decidisse a chamá-lo do exílio. Quando regressou, em 57 a.C., o Senado foi recebê-lo as portas da cidade, sendo a sua entrada quase uma procissão triunfal.

12

Page 13: Vida e Obra de Filosofos

Seis anos mais tarde, em 51 a.C., devido a uma lei de Pompeu, que obrigava os senadores de nível consular ou pretoriano a dividirem as províncias vagas entre si, foi governar a Cilícia. Aí, nas costas meridionais da Ásia Menor, antigo centro da pirataria do Mediterrâneo oriental, lutou vitoriosamente contra tribos rebeldes das montanhas, recebendo dos seus soldados o título de Imperador.

Demitiu-se e regressou a Roma por volta do ano 50 a.C., com intenção de reclamar a realização de um triunfo. Mas o começo das lutas entre Pompeu e César, que deram origem a Guerra Civil, impediram a sua efetivação.

Querendo manter-se neutro na feroz luta política da época tentou agradar aos dois campos, sem conseguir agradar a nenhum deles. Mas manteve-se sempre mais perto de Pompeu, e do partido senatorial, do que de César, e do partido popular, e de facto acabou por se decidir, mas muito timidamente, pelo campo senatorial. Após a batalha de Farsalia, 48 a.C., e a fuga consequente de Pompeu e a morte deste no Egito, recusou-se a comandar tropas e regressou a Roma, governada por Antônio enquanto representante pessoal de César.

Cícero passou então a dedicar-se integralmente a filosofia e a literatura, sendo desta época o tratado De Republica.

Os empréstimos feitos a Pompeu, naturalmente não pagos, empobreceram-no, tendo necessidade de pedir a assistência do seu velho amigo Ático, e de se divorciar da sua mulher, Terência, casando com Publilia, uma jovem de meios. Nessa período, Túlia, filha do seu primeiro casamento, morreu, o que provocou o divórcio da sua segunda mulher, que não teria mostrado suficiente pesar pela morte da enteada.

O assassinato de César em 44 a.C. trouxe-o de novo para o centro da atividade política. Tentou recuperar a influência política, e a direção do partido senatorial, mas Antônio ocupou o lugar de Júlio César, e a Cícero só lhe restou escrever as orações contra o sucessor de César conhecidas como Filípicas.

A sua oposição a Antônio granjearam-lhe o interesse de Octávio.

Cícero não se deixou enganar pelo filho adotivo de César, e as resoluções do Senado contra Antônio tiveram origem nele. Mas Octávio, eleito cônsul, chegou a acordo com Antônio e Lépido, antigo general de Júlio César, formando-se o segundo triunvirato.

Cícero retirou-se com alguns familiares para Túsculo, a sul de Roma. Aí teve conhecimento que Octávio o tinha abandonado e que Antônio o tinha colocado na lista dos proscritos, uma declaração de morte. Viajou para Fórmio, na costa adriática, com intenção de embarcar para a Grécia. Mas acabou por ficar afirmando «Moriar in patria soepe servata» (Morra eu na pátria que tantas vezes salvei), o que aconteceu nas mãos de soldados comandados por um seu antigo cliente. Cortaram-lhe a cabeça e as mãos e, por ordem de Antônio, pregaram-nas na Rostra.

http://www.biografia.inf.br/marcos-tulio-cicero-o-estoico-filosofo.html

Lucius Aneu Sêneca (*04 a.C +65 d.C)

13

Page 14: Vida e Obra de Filosofos

Sêneca, Sobre a brevidade da vida: A vida divide-se em três períodos: o que foi, o que é, e o que há de ser. Destes o que vivemos é breve, o que havemos de viver, duvidoso; o que já vivemos certo… O tempo presente é brevíssimo, tanto que a alguns parece não existir, pois está sempre em movimento; frui e precipita-se; deixa de ser antes de vir a ser; é tão incapaz de deter-se, quanto o mundo ou as estrelas, cujo infatigável movimento não lhes permite permanecer no mesmo lugar… Deve-se aprender a

viver por toda a vida, e, por mais que tu talvez te espantes, a vida toda é um aprender a morrer…

Não foi a lógica dos Estóicos gregos, nem mesmo sua teoria do mundo físico que, sobretudo, atraiu o interesse dos Estóicos romanos. Foi antes sua moral da resignação, principalmente nos aspectos religiosos que ela permitia desenvolver.

O primeiro representante do estoicismo romano, sem contar as ideias estóicas que se encontram no ecletismo de Cícero, foi Lucius Annaeus Sêneca, nascido em Córdoba (Espanha), aproximadamente quatro anos antes da era cristã.

A obra literária e filosófica de Sêneca, tido como modelo do pensador estóico durante o Renascimento, inspirou o desenvolvimento da tragédia na Europa.

Oriundo de família ilustre, era filho de Lucius Aneu Sêneca o Velho, célebre orador. Conhecido como Sêneca o Jovem, era filho de Sêneca filho de Lúcio Aneu Sêneca o Velho, (55 a.C – 39 a.C) célebre orador, que teve renome como retórico e do qual restou uma obra escrita (Declamações). Devido a sua origem ilustre foi enviado a Roma. O futuro filósofo Sêneca foi educado em Roma, onde estudou a retórica ligada à filosofia. Em pouco tempo tornou-se famoso como advogado e ascendeu politicamente, passando a ser membro do senado romano e depois nomeado questor.

Com a saúde abalada pelo rigor dos estudos, passou uma temporada no Egito para se recuperar e regressou a Roma por volta do ano 31 da era cristã.

Nessa ocasião, iniciou carreira como orador e advogado e logo chegou ao Senado.Em 41 envolveu-se num processo por causa de uma ligação com Julia Livila, sobrinha do imperador Claudius I, que o desterrou.

Claudius II: No exílio, Sêneca dedicou-se aos estudos e redigiu vários de seus principais tratados filosóficos, entre os três intitulados Consolationes (Consolos), em que expõe os ideais estóicos clássicos de renúncia aos bens materiais e busca da tranquilidade da alma mediante o conhecimento e a contemplação.

Agrippina II: Por influência de Agrippina II, sobrinha do imperador e uma das mulheres com quem este se casou, Sêneca retornou a Roma em 49.

14

Page 15: Vida e Obra de Filosofos

Agripina tornou-o preceptor de seu filho, o jovem Nero, e elevou-o a pretor em 50. Sêneca contraiu matrimônio com Pompeia Paulina e organizou um poderoso grupo de amigos.

Logo após a morte de Claudius I, ocorrida em 54, o escritor vingou-se com um escrito que foi considerado obra-prima das sátiras romanas, Apocolocyntosis divi Claudii (Transformação em abóbora do divino Claudius). Nessa obra, Sêneca critica o autoritarismo do imperador e narra como ele é recusado pelos deuses.

Quando Nero foi nomeado imperador, Sêneca converteu-se em seu principal conselheiro e tentou orientá-lo para uma política justa e humanitária. Durante algum tempo, exerceu influência benéfica sobre o jovem, mas aos poucos foi forçado a adotar atitudes de complacência. Chegou mesmo a redigir uma carta ao Senado na qual justificava a execução de Agrippina II em 59.

Foi então muito criticado pela fraca oposição a tirania e a acumulação de riquezas de Nero, incompatíveis com as concepções estóicas. Com o avanço dos delírios de Nero e a execução de Agripina no 59, Sêneca, depois de condescender um pouco com os maus instintos de Nero, retirou-se da vida pública em 62, passando a se dedicar exclusivamente a escrever e defender sua filosofia. No ano de 65 foi acusado de participar na conjuração de Pisão, recebendo de Nero a ordem de suicídio, que executou em Roma, no mesmo ano.

Sêneca escreveu oito tragédias, que foram uma espécie de modelo no Renascimento e inspirou o desenvolvimento da tragédia na Europa. No entanto, seu maior sucesso foram os seguintes tratados de moral:

*Da Brevidade da Vida; * Da Vida feliz; * Da Clemência ;* Dos Benefícios; etc.

Numa prosa coloquial, seus trabalhos exemplificam a maneira de escrever retórica, declamatória, com frases curtas, conclusões epigramáticas e emprego de metáforas.A ironia é a arma da qual se utiliza com mestria, principalmente nas tragédias que escreveu, as únicas do gênero na literatura da antiga Roma. Versões retóricas de peças gregas, elas substituem o elemento dramático por efeitos brutais, como assassinatos em cena, espectros vingativos e discursos violentos, numa visão trágica e mais individualista da existência.

Sêneca retirou-se da vida pública em 62. Entre seus últimos textos estão a compilação científica Naturales quaestiones (Problemas naturais), os tratados De Tranquillitate Animi (Sobre a tranquilidade da alma), De vita beata (Sobre a vida beata) e, talvez sua obra mais profunda, as Epistolae morales dirigidas a Lucilius, em que reúne conselhos estóicos e elementos epicuristas na pregação de uma fraternidade universal mais tarde considerada próxima ao cristianismo.

Acusado de participar na conjuração de Pisão, em 65, Sêneca recebeu de Nero a ordem de suicidar-se, que executou em Roma, no mesmo ano, com o ânimo sereno que defendia em sua filosofia.

Obra: Cartas Morais de Sêneca, escritas entre 63 e 65 e dirigidas a Lucílio, misturam elementos epicuristas com ideias estóicas dirigidas a Lucílio.

15

Page 16: Vida e Obra de Filosofos

Mostra o filósofo na plenitude de seu pensamento e doutrina estóica. As Cartas, contém observações pessoais e reflexões, sendo um testemunho do cotidiano da vida em Roma na época. Podemos notar também, a intemporalidade dos temas abordados, como a moral, a política, a sociedade, enfim, a precariedade da condição humana que se arrasta há mais de dois mil anos.

Entre seus 12 Ensaios Morais, destacam-se Sobre a Clemência, endereçado a Nero sobre os perigos da tirania. Sobre a Brevidade da Vida, uma exortação a filosofia e Sobre a Tranquilidade da Alma, que tem como tema o problema da participação na vida pública.Além dessas obras, Sêneca escreveu 9 tragédias e uma obra-prima da sátira latina, Apokolokintosis, que ridiculariza Cláudio e suas pretensões a divindade.Apokolokintosis quer dizer exatamente “transformação em abóbora”: apoteose significa transformação do homem em deus; portanto (colocynte=abóbora), transformação em abóbora. Abóbora no sentido de bobo, homem sem intelecto.

Todas essas obras revelam que, para Sêneca, a filosofia é uma arte da ação humana, uma medicina para os males da alma e uma pedagogia que forma os homens, para o exercício da virtude. É portanto um moralista, sua concepção do mundo repete as ideias dos estóicos gregos. A razão universal transforma-se em Sêneca num deus pessoal, que é sabedoria, previsão e atenção, sempre em ação para governar o mundo e realizar uma ordem maravilhosa.

“A questão não é morrer cedo ou tarde, e sim de morrer bem ou morrer doente. E morrer bem significa ter a sorte de escapar do perigo de viver doente.” Cartas a Lucílio – Livro VIII – Carta 70.

“Tu receias a morte, tal como receias os boatos: há coisa mais ridícula do que ver um homem com medo… de palavras?O filósofo Demétrio costumava dizer, com humor, que tanta importância dava aos clamores dos insensatos como ao ruído que produzimos no baixo ventre!…

“Que diferença me faz” – dizia ele “que o som saia por cima ou por baixo?!” Cartas a Lucílio – Livro XIV – Carta 91.

“Se um homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável.”

“Ninguém pode ser desprezado por outrem, se não se desprezou antes a si mesmo.”

“Deve-se finalmente escolher com cuidado os homens: ver se eles merecem que lhes consagremos uma parte de nossa existência e se são gratos ao sacrifício de tempo que lhes fazemos; pois há os que chegam a considerar os serviços que lhes prestamos como um benefício para nós mesmos.”

“Evitemos, porém, o mais possível as naturezas tristes e queixosas, que não deixam escapar nenhuma ocasião para se lamentar. Por mais fiel, por mais dedicado que possa ser, um companheiro de humor inconstante e que se queixa a cada momento é inimigo de nossa tranquilidade.”

16

Page 17: Vida e Obra de Filosofos

“Retornar para o lugar de onde se vem: que há de cruel nisto? Quem não souber morrer bem terá vivido mal.”

“Em seguida, a primeira coisa a evitar é desperdiçar nosso esforço ou em objetos inúteis ou de maneira inútil […]. Que todo esforço tenha pois, um alvo preciso e seja apropriado para um resultado.”

Carta de Sêneca a Sereno:

Eis que faz muito tempo, por Hércules, que eu me pergunto a mim mesmo sem nada dizer, ó Sereno, com o que poderia comparar semelhante disposição de espírito; e o que me parecia assemelhar-lhe mais é o estado daquelas pessoas que convalescem de uma longa e grave enfermidade, e sentem ainda de tempos em tempos alguns calafrios e leves indisposições; e que, uma vez livres dos últimos traços de seu mal, continuam a se inquietar com perturbações imaginárias, a se fazer, ainda que restabelecidas, tomar o pulso pelo médico e consideram como febre a menor impressão de calor. Sua saúde, ó Sereno, não deixa nada mais a desejar, mas aquelas pessoas não estão habituadas novamente à saúde: assim, ainda se vê estremecer e agitar-se a superfície de um mar calmo, quando a tempestade acabou de se aplacar.

Assim também os procedimentos enérgicos nos quais encontramos auxílio anteriormente não são mais próprios: tu não precisas mais nem lutar contra ti nem te censurar nem te atormentar. Estamos na etapa final: tem fé em ti mesmo e convence-te de que segues o bom caminho, sem te deixares desviar pelas inúmeras pegadas dos viajantes extraviados à direita ou à esquerda e dos quais alguns se desgarram nas proximidades da estrada.

O objeto de tuas aspirações é, aliás, uma grande e nobre coisa, e bem próxima de ser divina, pois que é a ausência da inquietação. Os gregos chamam este equilíbrio da alma de “euthymia” e existe sobre este assunto uma muito bela obra de Demócrito. Eu o chamo “tranquilidade”, pois é inútil pedir palavras emprestadas para nosso vocabulário e imitar a forma destas mesmas: é a ideia que se deve exprimir, por meio de um termo que tenha a significação da palavra grega, sem no entanto reproduzir a forma.

Vamos, pois, procurar como é possível à alma caminhar numa conduta sempre igual e firme, sorrindo para si mesma e comprazendo-se com seu próprio espetáculo e prolongando indefinidamente esta agradável sensação, sem se afastar jamais de sua calma, sem se exaltar, nem se deprimir. Isto será tranquilidade. Procuremos, de um modo geral, como alcançá-la: tu tomarás, como entenderes, tua parte do remédio universal.

Mas ponhamos desde logo o mal em evidência, em toda a sua diversidade: cada qual nele reconhecerá o que lhe diz respeito. Ao mesmo tempo, dar-te-ás conta de tudo quanto tens menos a sofrer deste descontentamento de ti, do que aqueles que, estando ligados por uma profissão de fé faustosa e ornando, com nome pomposo, a miséria que os consome, teimam no papel que escolheram por questão de honra, mais que por convicção.

Para todos esses doentes o caso é o mesmo: tanto tratando-se daqueles que se atormentam por uma inconstância de humor, seus desgostos, sua perpétua versatilidade e sempre amam somente aquilo que abandonaram, como aqueles que só sabem suspirar e bocejar.

17

Page 18: Vida e Obra de Filosofos

Acrescenta-lhes aqueles que se viram e reviram como as pessoas que não conseguem dormir, e experimentam sucessivamente todas as posições até que a fadiga as faça encontrar o repouso. Depois de terem modificado cem vezes o plano de sua existência, eles acabam por ficar na posição onde os surpreende não a impaciência da variação mas a velhice, cuja indolência rejeita as inovações. Ajunta ainda, aqueles que não mudam nunca, não por obstinação, mas por preguiça, e que vivem não como desejam, mas como sempre viveram.

Há, enfim, inúmeras variedades do mal, mas todas conduzem ao mesma resultado: o descontentamento de si mesmo. Mal-estar que tem por origem uma falta de equilíbrio da alma e das aspirações tímidas ou infelizes, que não se atrevem a tanto quanto desejam, ou que se tenta em vão realizar e pelas quais nos cansamos de esperar. É uma inconstância, uma agitação perpétua, inevitável, que nasce dos caracteres irresolutos.

Eles procuram por todos os meios atingir o objeto de seus votos: preparam-se e constrangem-se a práticas indignas e penosas. E, quando seu esforço não é recompensado, sofrem não de ter querido o mal, mas de o ter querido sem sucesso.

Desde então, ei-los presos, ao mesmo tempo, do arrependimento de sua conduta passada e do temor de nela recair, e pouco a pouco se entregam à agitação estéril de uma alma que não encontra para suas dificuldades nenhuma saída, porque ela não é capaz nem de mandar nem de obedecer às suas paixões; entregam-se à aflição de uma vida que não chega a ter expansão e, enfim, a esta indiferença de uma alma paralisada no meio da ruína de seus desejos.

Tudo isto se agrava quando, superada uma tão odiosa angústia, nos refugiamos no ócio e nos estudos solitários, nos quais não se saberá resignar uma alma apaixonada da vida pública, e paciente de atividade, dotada de uma necessidade natural de movimento e que não encontra em si mesma quase nenhum consolo. De sorte que, uma vez atraídos pelas distrações que as pessoas atarefadas devem mesmo às suas ocupações, não mais suportamos nossa casa, nosso isolamento e as paredes de nosso quarto; e nos vemos com amargura abandonados a nós mesmos.

Daí este aborrecimento, este desgosto de si, este redemoinho de uma alma que não se fixa em nada, esta sombria impaciência que nos causa nossa própria inércia, principalmente quando coramos ao confessar as razões, e o respeito humano recalca em nós nossa angústia: estreitamente encerradas numa prisão sem saída, nossas paixões aí se asfixiam. Daí a melancolia, a languidez e as mil hesitações de uma alma indecisa, que a semi-realização de suas esperanças prolonga na ansiedade e seu malogro na desolação; daí esta disposição para amaldiçoar seu próprio repouso, para lamentar-se por não ter nada a fazer e para invejar furiosamente todos os sucessos do próximo (pois nada alimenta a inveja como a preguiça, e se desejaria ver todo o mundo malograr, porque não se soube obter êxito).

Depois deste despeito pelos sucessos dos outros e deste desespero de não ser bem sucedido, começa o homem a se irritar contra a sorte, a se queixar do século, a se recolher cada vez mais em seu canto e aí se abriga sua dor no desânimo e no aborrecimento. A alma humana é, com efeito ou instinto, ativa e inclinada ao movimento. Toda ocasião para se despertar e para se afastar lhe é agradável. Certas feridas provocam a mão que as irritará e se fazem raspar com prazer: o sarnento deseja o que irrita sua sarna. Pode-se dizer o mesmo destas almas, em que as paixões, tanto como as úlceras malignas, consideram um prazer atormentar-se e sofrer.

18

Page 19: Vida e Obra de Filosofos

Não existem igualmente prazeres corporais que se reforçam com uma sensação dolorosa, como quando uma pessoa se vira sobre o lado que ainda não está fatigado e se agita sem cessar procurando uma posição melhor? Deitamos ora de bruços ora de costas, experimentando sucessivamente todas as posições possíveis. E não é isso o natural da doença, nada suportar por muito tempo e tomar a mudança por um remédio?

Dai aquelas viagens que se empreendem sem nenhum intuito, aquelas voltas a esmo ao longo das costas, e esta inconstância sempre inimiga da situação presente que alternativamente experimenta o mar e a terra: “Depressa, vamos a Calábria”.

Logo se está cansado das doçuras da civilização. “Visitemos as regiões selvagens, exploremos o Brútio (Calábria) e as florestas da Lucânia.” Todavia, nestas solidões, suspira-se por qualquer coisa que dê descanso aos olhos fatigados pelo rude aspecto de tantos lugares áridos.

“A caminho de Tarento, com seu porto e seu inverno tão doce, e para esta opulenta região que seria capaz de sustentar sua população de outrora! Mas não, retornemos a Roma: faz muito tempo que meus ouvidos estão privados dos aplausos e do barulho do circo e tenho desejo de agora ver correr sangue humano.”

Assim como as viagens se sucedem, um espetáculo substitui o outro, e como diz Lucrécio: “Assim cada um foge sempre de si mesmo”. Mas para que fugir se não nos podemos evitar? Seguimo-nos sempre, sem nos desembaraçarmos desta intolerável companhia.

Assim, convençamo-nos bem de que o mal do qual sofremos não vem dos lugares, mas de nós mesmos, que não temos força para nada suportar: trabalho, prazer, nós mesmos; qualquer coisa do mundo nos parece uma carga. Isto conduziu muitas pessoas ao suicídio: porque suas perpétuas variações as faziam dar voltas, indefinidamente, no mesmo círculo, e elas consideravam impossível toda novidade. Assim tomaram desgosto pela vida e pelo mundo e sentiram aumentar em si o clamor furioso dos corações: “Mas como, sempre a mesma coisa?”

Os Estóicos: Depois de Cícero ter iniciado a história da filosofia em língua latina, formulando sua síntese eclética, o movimento de ideias mais importante dentro do pensamento romano foi o desenvolvimento das doutrinas estóicas, também originárias da Grécia, como o epicurismo e o ecletismo. A escola estóica foi fundada por Zenão de Cício (336-264 a.C).

O estoicismo grego propõe uma imagem do universo segundo a qual tudo o que é corpóreo é semelhante a um ser vivo, no qual existiria um sopro viral (pneuma), cuja tensão explicaria a junção e interdependência das partes. No seu conjunto, o universo seria igualmente um corpo vivo provido de um sopro ígneo (sua alma), que reteria as partes e garantiria a coesão do todo. Essa alma é identificada por Zenão como sendo a razão e, assim sendo, o mundo seria inteiramente racional. A Razão Universal ou Logos, penetra em tudo e comanda tudo, tendendo a eliminar todo tipo de irracionalidade, tanto na natureza, quanto na conduta humana, não havendo lugar no universo para o acaso ou a desordem.

A racionalidade do processo cósmico se manifesta na ideia de ciclo, que os estóicos adotam e defendem com rigor. Herdeiros do pensamento de Heráclito de Éfeso (séc. VI a.C), os estóicos concebem a história do mundo como sendo feita por uma sucessão periódica de fases,

19

Page 20: Vida e Obra de Filosofos

culminando na absorção de todas as coisas pelo Logos, que é Fogo e Zeus. Completado um ciclo, começa tudo de novo: após a conflagração universal, o eterno retorno.

Tudo o que existe é corpóreo e a própria razão identifica-se com algo material, o fogo. O incorpóreo reduz-se a meios inativos e impassíveis, como o espaço e o vazio; ou então àquilo que se pode pensar sobre as coisas, a ideia, mas não às próprias coisas.

Nesse universo corpóreo e dirigido pelo fatalismo dos ciclos sempre idênticos, tudo existe e acontece segundo predeterminação rigorosa, porque racional. Governada pelo Logos, a natureza é por isso justa e divina e os estóicos identificam a virtude moral com o acordo profundo do homem consigo mesmo e, através disso, com a própria natureza, a qual é intrinsecamente razão. Esse acordo consigo mesmo é o que Zenão chama “prudência” e dela decorrem todas as demais virtudes, como simples aspectos ou modalidades.

As paixões são consideradas pelos estóicos como desobediências à razão e podem ser explicadas como resultantes de causas externas às raízes do próprio indivíduo; seriam, como já haviam mostrado os cínicos, devidas a hábitos de pensar adquiridos pela influência do meio e da educação. É necessário ao homem desfazer-se de tudo isso e seguir a natureza, ou seja, seguir a Deus e à razão Universal, aceitando o destino e conservando a serenidade em qualquer circunstância, mesmo na dor e na adversidade.

Ballone GJ – Sêneca, in. PsiqWeb – Psiquiatria Geral – Geraldo J. Ballone, http://gballone.sites.uol.com.br/hlp/seneca.html

Santo Agostinho (*354 +430)

Vida e obra: Um dos grandes santos da fé católica, Agostinho produziu, segundo ele próprio, inacreditáveis 230 obras. As mais conhecidas são sua autobiografia, as Confissões, em que narra sua vida pecaminosa e a descoberta de Deus, e a Cidade de Deus, sua descrição do reino divino.Agostinho foi criado como um cristão por sua mãe na África do Norte, mas, na juventude, quando estudava em Cartago, ficou insatisfeito com a aparente simploriedade das escrituras cristãs. Em busca de uma religião digna de um filósofo, tornou-se seguidor dos maniqueístas, seita fundada pelo profeta Mani, crucificado na Pérsia em 277.

Embora, segundo suas Confissões, o tempo que passou em Cartago e nas proximidades, estudando e depois ensinando, tenha sido bastante licencioso, aos 18 anos, foi morar com a mãe de seu filho. Não se sabe por que nunca se casaram; talvez ela fosse ex-escrava, caso em que o casamento seria proibido pela lei romana.

Em 384 a família mudou-se para a Itália, onde Agostinho entrou em contato com o neoplatonismo, que, vencendo sua relutância, ajudou a convencê-lo a se reconverter ao cristianismo em 386. Ele retornou à África do Norte em 391, agora preparado para uma vida de celibato, e tornou-se presbítero e, mais tarde, Bispo de Pipona. fundou uma comunidade de

20

Page 21: Vida e Obra de Filosofos

discípulos em sua cidade natal, Tagaste, na Numídia. Morreu em Hipona aos 75 anos, quando a cidade estava cercada por vândalos que, em seguida, a saquearam.

Principais ideias: Agostinho abandonou a fé cristã inicial sobre tudo por não poder compreender a ideia de um criador imaterial do universo material, e por sua incapacidade de lidar com os problemas do mal e do sofrimento. Esta última dificuldade surge da fé cristã de que seu Deus-criador é consciente, misericordioso e onipotente. Um ser assim teria conhecimento do mal em sua criação e seria tanto propenso a quanto capaz de eliminá-lo. O fato de não tê-lo feito pesa fortemente contra a sua existência.Talvez não surpreenda, portanto, que o maniqueísmo tenha parecido de início mais satisfatório a Agostinho, pois caracteriza o universo em termos de luta entre o bem e o mal.Mas o maniqueísmo não forneceu uma solução duradoura para a mente inquisitiva de Agostinho, e seus embates com as obras de Platão e Plotino ofereceram-lhe uma saída para essas dificuldades.

A ideia neoplatônica de um mundo imaterial de ideias e do bem ou o uno como o princípio primeiro de todo ser dava lugar para um criador espiritual que é a causa de todas as coisas. Só Deus é inteiramente real; o mundo criado é menos real por estar diante dele. Ao mesmo tempo, Deus ilumina objetos de contemplação intelectual. Assim, enquanto os sentidos são uma fonte inconfiável de conhecimento, a compreensão genuína começa com a contemplação da própria mente e eleva-se gradualmente até a contemplação de Deus. Por fim, a verdadeira iluminação espiritual é alcançada através da união com Deus.A concepção que Agostinho desenvolveu de pecado original - a queda - como fonte de sofrimento, condizente com o relato do Gênesis, tornou-se a concepção oficial da Igreja. A culpa de Adão é transmitida através das gerações, tornando-nos todos justamente puníveis.

Uma justificação do mal: A teodicéia de Agostinho continua sendo uma das maneiras mais engenhosas de lidar com o problema do mal. Tudo o que Deus criou é bom, e o mal só ocorre quando sua criação é corrompida. Assim, Deus não pode ser considerado responsável pela criação do mal, que decorre das ações livres de anjos e homens.

Bibliografia: CHAUI, Marilena – Iniciação à Filosofia; Ed. Ática, 2009 / LAW, Stephen – Guia Ilustrado Zahar de Filosofia; Ed. Zahar,

http://filsofos-vidaeobra.blogspot.com.br/2009/08/santo-agostinho.html

Santo Anselmo (*1033 +1109)

Nasceu no ano de 1033, em Aosta (Itália), tendo sido elevado ao priorado em 1063. Morreu na data de 21 de abril de 1109, em Canterbury (Inglaterra). Faleceu quando procurava esclarecer a natureza e a origem da alma. Das suas obras, mencionamos: Monologion, que tem como objeto a essência divina. Contém as provas ontológicas da existência de Deus. Refere-se também à controversa questão da Trindade – Deus é único na sua natureza e triplo na sua pessoa.

21

Page 22: Vida e Obra de Filosofos

Proslogion – Santo Anselmo investiga a possibilidade de existir um único argumento, que por si só seja suficiente para garantir a existência de Deus, e concebe-o então, como aquilo de que se não pode pensar algo maior, ou seja, aquilo que é maior do que o maior que se possa pensar – desta obra ressalta o que a partir de Kant é referido como argumento ontológico, e que foi retomado por S. Boaventura, Duns Escoto, Descartes e Leibniz e rejeitado por S. Tomás e Kant.

Da Verdade – Diálogo em treze capítulos, trata da verdade, que é a retidão da relação com Deus. Da Liberdade de Escolha – Diálogo em 14 capítulos, demonstra que a liberdade é um poder – a vontade que não tem o poder de pecar é mais livre do que aquela que o tem . É fundamentalmente conhecido pela prova ontológica da existência de Deus. Se Deus é o que de maior pode ser pensado, e se como tal esse objeto do pensamento não tem existência, outro como ele e que exista será maior. Assim o maior dos objetos do pensamento terá de existir, sob pena de ser possível a existência de um maior, ao que Deus existe.

A sua investigação é essencialmente religiosa, já que se entrega nas mãos de Deus para compreender. É pela fé que pretende atingir o conhecimento supremo. Pede a Deus que o ensine a procurá-lo e implora-lhe que se lhe mostre, já que o não pode procurar sem o seu ensino, nem encontrá-lo sem que se mostre.

Crê para compreender. Não procura entender para crer, mas crê para entender e tem a firme convicção de que se não acreditar primeiro, nada poderá compreender – se não temos fé nada poderemos entender. Por outro lado, a fé é uma exigência cuja validade deve ser demonstrada e validada pela razão.

Deus é um ser, acerca do qual, nada de maior ou de mais perfeito pode ser pensado. Está em todo o lado, para além do espaço e do tempo, vivendo um presente perfeito.

Deus não é justo, mas é a própria justiça. Criou o mundo do nada. A Trindade é incompreensível. Usa a seguinte imagem para desvendar no possível, o seu mistério: Há uma fonte donde brotam águas, um rio que delas nasce e por fim um lago que as acolhe. A este conjunto, a estas três realidades, damos o nome de um rio, de Nilo.

Apesar de serem realidades distintas, não lhes damos nomes diferentes. Há uma verdadeira trindade na unidade e uma unidade na diversidade. No que toca à alma, Santo Anselmo segue Santo Agostinho.

Ela é uma reprodução da Trindade, imortal, destinada a amar Deus. Tanto a justa quanto a injusta têm o atributo da imortalidade, mas os seus destinos são obviamente diversos, pois a primeira é premiada e a segunda eternamente punida.

Anselmo acreditava na capacidade da razão para investigar os mistérios divinos e propunha a prova ontológica da existência de Deus: se temos a ideia de um ser perfeito e se a perfeição absoluta existe, o ser perfeito logo existe. Para ele, todas as verdades cristãs eram filosoficamente demonstráveis.  

http://pt.wikipedia.org/wiki/Anselmo_de_Cantu%C3%A1ria

22

Page 23: Vida e Obra de Filosofos

Pedro Abelardo (*1079 +1142)

Filósofo e teólogo escolástico, Pierre Abélard ou Abailard, em latim Petrus Abelardus, nasceu em Le Pallet, perto de Nantes, França, por volta do ano 1079, e morreu no priorado de Saint-Marcel, perto de Châlons-sur-Saône, a 21 de abril de 1142. Apaixonado desde cedo pela filosofia, estudou lógica, entre 1094 e 1106, em Loches e Paris, entrando logo em conflito com o tradicionalismo de seus mestres. Foi professor em Melun, Corbeil e Paris, ensinando dialética, o que lhe valeu intermináveis perseguições. Popular com os alunos, era odiado pelos demais mestres.

Enquanto professor em Notre Dame, conheceu a bela e culta Heloísa, sobrinha do cônego Fulbert. Convidado por Fulbert, torna-se preceptor de Heloísa. Eles se apaixonam e mantêm uma relação secreta durante os anos de 1117-1119. O escândalo ocorre quando descobrem que terão um filho. Abelardo sequestra Heloísa, enquanto Fulbert exige o casamento, que acaba acontecendo, mas em segredo, sem que Fulbert saiba.

Sentindo-se enganado, o cônego suborna um criado e outros de seus empregados, a fim de realizar sua vingança. Em certa noite, todos invadem a casa de Abelardo, castram o jovem e fogem. Humilhado, Abelardo se retira, então, para a Abadia de Saint Denis, enquanto Heloísa se torna freira no Mosteiro de Argenteuil. Mais tarde, os agressores foram presos e castigados com a mesma mutilação e com a perda dos olhos, enquanto o cônego Fulbert teve seus bens confiscados e foi desterrado de Paris.

Sem abandonar a filosofia, Abelardo passa a dedicar-se aos estudos teológicos. Escreve o "Tratado sobre a unidade e a trindade divina" ou "Teologia do bem supremo", obra que foi condenada pelo Concílio de Soissons (1121). Obrigado a abandonar a abadia por contestar a identificação tradicional de Saint Denis com Dionísio, o Areopagita (um suposto mártir do século 1 d. C.), fundou com seus discípulos o Mosteiro do Paracleto, que mais tarde doou a Heloísa e suas freiras.

Como abade de Saint-Gildas-de-Ruys, combateu a corrupção e quase foi assassinado pelos monges corruptos. Voltando a ensinar na escola de Sainte Geneviéve, recomeçaram os ataques às suas doutrinas teológicas e viu-se condenado pelo papa e pelo Concílio de Sens. Pretendia apelar para Roma, mas morreu antes de se realizar esse desejo.

Crítico indomável

Abelardo defendia a abstração dos universais, opondo aos conceitos reinantes de "vox" (nominalismo) e "res" (realismo) o "sermo", função lógica do espírito. Para ele o conceito é universal, enquanto se aplica aos indivíduos que dele participam, representando, portanto, uma situação e não uma coisa sem si. Procurou aproximar a teologia da lógica, ligando a trindade cristã ao conceito Um-Alma-Mente do neoplatonismo.

Acreditando na capacidade da mente humana de alcançar o verdadeiro conhecimento natural e supernatural, defendia o exame crítico das Escrituras à luz da razão. Prestava especial atenção à linguagem, suscetível a tantas interpretações quanto à diversidade dos que a empregam.

23

Page 24: Vida e Obra de Filosofos

Abelardo renovou o método de ensino da escolástica com a obra "Pró e contra", sobre a interpretação das Escrituras à luz da razão e dos dogmas. O sistema adotado até então era a compilação de sentenças sem qualquer crítica, método erudito que Abelardo substituiu pelo método inquisitivo.

Opondo as afirmações positivas ("sic") às afirmações contrárias ("non"), Abelardo usa o exame crítico e a discussão dialética para elucidar as controvérsias. Introduz uma espécie de ceticismo na teologia, afirmando que só da dúvida surge o conhecimento. Procurava, assim, dar base lógica à doutrina cristã, mas seus métodos foram considerados heréticos.

O pensamento de Abelardo é todo fundamentado na lógica e na dialética. Apesar de ignorar a matemática e não ter qualquer interesse pelas ciências naturais, Abelardo foi um gênio crítico indomável, considerado como o melhor lógico de sua época e talvez o pensador mais profundo e original sobre linguagem e lógica de toda a Idade Média. Seu pensamento aproxima-se, em sua essência, do conceitualismo moderno, e por sua moral individualista foi precursor do racionalismo francês.

Fonte: Enciclopédia Mirador Internacional http://educacao.uol.com.br/biografias/pedro-abelardo.jhtm /

São Tomás de Aquino (*1224 +1264)

“Se a felicidade humana é o fim da nossa atividade, ela só pode ser alcançada através de nossos atos. Esses atos nos levam, direta ou indiretamente, ao fim almejado. E a razão é o meio de que dispõe o homem para alcançar esse fim.” Tomas de Aquino, in “Suma Contra Gentiles”, c. 104.

A moral tomista é uma moral sem obrigação, uma moral sem sanções. Repele o legalismo kantiano ou escotista para permanecer com a filosofia do ser evolutivo sobre a base de Deus; e quanto às sanções, não conta com

“recompensas” extrínsecas, mas com o resultado de uma evolução normal, dentro e sob a garantia de uma ordem que sabemos ser da divindade.

“Onde quer que se estabeleça uma ordem de finalidade bem determinada, é de necessidade que a ordem instituída conduza ao fim proposto e que o afastar-se dela implique já o privar-se de tal fim. Pois, o que é em razão de um fim, recebe sua necessidade desse mesmo fim; e um vez posto, salvo o caso de força maior, o fim é conseguido”.

Nasceu Tomás de Aquino, no castelo de Roccasecca, da família feudal dos condes de Aquino. Era unido pelos laços de sangue a família imperial e as famílias reais de França, Sicília e Aragão. Recebeu a primeira educação no grande mosteiro de Monte cassino, passando a mocidade em Nápoles como aluno daquela universidade. Depois de ter estudado as artes liberais, entrou na ordem dominicana, renunciando a tudo, salvo a ciência. Tal acontecimento determinou uma forte reação por parte de sua família, mas Tomás de Aquino triunfou da oposição e se dedicou ao estudo assíduo da teologia, tendo como mestre Alberto Magno, primeiro na universidade de Paris 1245 d.C a 1248 d.C., e depois em Colônia.

24

Page 25: Vida e Obra de Filosofos

Após uma longa preparação e um desenvolvimento promissor, a escolástica chega ao seu ápice com Tomás de Aquino. Adquire plena consciência dos poderes da razão, e proporciona finalmente ao pensamento cristão uma filosofia. Assim, converge para Tomás de Aquino não apenas o pensamento escolástico, mas também o pensamento Patrísticos, que culminou com Tomás de Aquino, rico de elementos helenistas e neoplatônicos, além do patrimônio de revelação judaico-cristã, bem mais importante. Para Tomás de Aquino, porém, converge diretamente o pensamento helênico, na sistematização imponente de Aristóteles. O pensamento de Aristóteles, pois, chega a Tomás de Aquino enriquecido com os comentários pormenorizados, especialmente árabes.

Também Alberto, filho da nobre família de duques de Bollstädt, 1207 d.C. a 1280 d.C., abandonou o mundo e entrou na ordem dominicana. Ensinou em Colônia, Friburgo, Estrasburgo, lecionou teologia na universidade de Paris, onde teve entre os seus discípulos também Tomás de Aquino, que o acompanhou a Colônia, aonde Alberto foi chamado para lecionar no estudo geral de sua ordem.

O Tomismo: É como é chamado o sistema filosófico de Tomás de Aquino e que se tornou também um sistema teológico incorporado à doutrina da igreja católica. Baseia-se, o tomismo, no princípio de que entre razão e fé, mesmo com as distinções existentes, há uma estreita colaboração entre ambos. Segundo a filosofia teológica do tomismo a razão pode demonstrar algumas verdades da fé, como a existência a unicidade de Deus. Também pode explicar o mistério da fé por meio de imagens e metáforas. Serve o tomismo para responder às objeções dos ateus.

A atividade científica de Alberto Magno é vastíssima: trinta e oito volumes tratando dos assuntos mais variados – ciências naturais, filosofia, teologia, exegese, ascética. Em 1252 Tomás de Aquino voltou para a universidade de Paris, onde ensinou até 1269, quando regressou a Itália, chamado a corte papal. Em 1269 foi de novo a universidade de Paris, onde lutou contra o averroísmo de Siger de Brabante; em 1272, voltou a Nápoles, onde lecionou teologia. Faleceu no mosteiro de Fossanova, aos quarenta e nove anos de idade.

Os frades não mentem: Santo Thomaz de Aquino provocava os escolásticos de seu tempo com o refrigério da razão, demonstrando ser possível à Igreja valer-se dos ensinamentos de Aristóteles. Quase respondeu aos tribunais da Inquisição, mas livrou-se pela inteligência.

No mosteiro, eram poucos os frades que conseguiam acompanhá-lo. Certa feita resolveram vingar-se. Durante uma refeição, levantaram-se subitamente, foram à janela e avisaram: “Venha ver, Thomaz, um boi voando!”. Foi, e enfrentou tremendas gargalhadas. Perguntaram-lhe como podia acreditar que um boi voava. Era o mesmo que acreditar no acoplamento de Aristóteles com a Igreja. Resposta que calou todo mundo: “Eu só não acredito, mesmo, que frades possam mentir…”.

As Obras: As obras do Aquinate podem-se dividir em quatro grupos:

1. a lógica • a física • a metafísica • a ética de Aristóteles • a Sagrada Escritura • a Dionísio pseudo-areopagita • aos quatro livros das sentenças de Pedro Lombardo

25

Page 26: Vida e Obra de Filosofos

2. Sumas: • Suma Contra os Gentios, baseada substancialmente em demonstrações racionais. • Suma Teológica, começada em 1265, ficando inacabada devido a morte prematura do autor.

3. Questões: • Questões Disputadas – da verdade, da alma, do mal. • Questões várias.

4. Opúsculos: • Da Unidade do Intelecto Contra os Averroístas. • Da Eternidade do Mundo.

O Pensamento: A Gnosiologia: Diversamente de Santo Agostinho, e em harmonia com o pensamento aristotélico, Tomás de Aquino considera a filosofia como uma disciplina essencialmente teorética, para resolver o problema do mundo. Considera também a filosofia como absolutamente distinta da teologia, – não oposta – visto ser o conteúdo da teologia arcano e revelado, o da filosofia evidente e racional. A gnosiologia tomista – diversamente da agostiniana e em harmonia com a aristotélica – é empírica e racional, sem inatismos e iluminações divinas.

O conhecimento humano tem dois momentos, sensível e intelectual, e o segundo pressupõe o primeiro. O conhecimento sensível do objeto, que está fora de nós, realiza-se mediante a assim chamada espécie sensível. Esta é a impressão, a imagem, a forma do objeto material na alma, isto é, o objeto sem a matéria: como a impressão do sinete na cera, sem a materialidade do sinete; a cor do ouro percebido pelo olho, sem a materialidade do ouro.

O conhecimento intelectual depende do conhecimento sensível, mas transcende-o.O intelecto vê em a natureza das coisas – intus legit – mais profundamente do que os sentidos, sobre os quais exerce a sua atividade. Na espécie sensível – que representa o objeto material na sua individualidade, temporalidade, espacialidade, etc., mas sem a matéria – o inteligível, o universal, a essência das coisas é contida apenas implicitamente, potencialmente.

Para que tal inteligível se torne explícito, atual, é preciso extraí-lo, abstraí-lo, isto é, de individualizá-lo das condições materiais. Tem-se, deste modo, a espécie inteligível, representando precisamente o elemento essencial, a forma universal das coisas.Pelo fato de que o inteligível é contido apenas potencialmente no sensível, é mister um intelecto agente que abstraia, desmaterialize, desindividualize o inteligível do fantasma ou representação sensível.

Este intelecto agente é como que uma luz espiritual da alma, mediante a qual ilumina ela o mundo sensível para conhecê-lo; no entanto, é absolutamente desprovido de conteúdo ideal, sem conceitos diferentemente de quanto pretendia o inatismo agostiniano.E, ademais, é uma faculdade da alma individual, e não noa advém de fora, como pretendiam ainda i iluminismo agostiniano e o panteísmo averroísta.

O intelecto que propriamente entende o inteligível, a essência, a ideia, feita explícita, desindividualizada pelo intelecto agente, é o intelecto passivo, a que pertencem as operações racionais humanas: conceber, julgar, raciocinar, elaborar as ciências até a filosofia.Como no conhecimento sensível, a coisa sentida e o sujeito que sente, formam uma unidade mediante a espécie sensível, do mesmo modo e ainda mais perfeitamente, acontece no conhecimento intelectual, mediante a espécie inteligível, entre o objeto

26

Page 27: Vida e Obra de Filosofos

A Metafísica: A metafísica tomista pode-se dividir em geral e especial.A metafísica geral – ou ontologia – tem como objeto o ser em geral e as atribuições e leis relativas. A metafísica especial estuda o ser em suas grandes especificações: Deus, o espírito, o mundo. Daí temos a teologia racional – assim chamada, para distingui-la da teologia revelada; a psicologia racional (racional, porquanto é filosofia e se deve distinguir da moderna psicologia empírica, que é ciência experimental); a cosmologia ou filosofia da natureza (que estuda a natureza em suas causas primeiras, ao passo que a ciência experimental estuda a natureza em suas causas segundas).

O princípio básico da ontologia tomista é a especificação do ser em potência e ato.Ato significa realidade, perfeição; potência quer dizer não-realidade, imperfeição.Não significa, porém, irrealidade absoluta, mas imperfeição relativa de mente e capacidade de conseguir uma determinada perfeição, capacidade de concretizar-se.Tal passagem da potência ao ato é o vir-a-ser, que depende do ser que é ato puro; este não muda e faz com que tudo exista e venha-a-ser. Opõe-se ao ato puro a potência pura que, de per si, naturalmente é irreal, é nada, mas pode tornar-se todas as coisas, e chama-se matéria.

A Natureza: Uma determinação, especificação do princípio de potência e ato, válida para toda a realidade, é o princípio da matéria e de forma. Este princípio vale unicamente para a realidade material, para o mundo físico, e interessa portanto especialmente a cosmologia tomista. A matéria não é absoluto, não-ente; é, porém, irreal sem a forma, pela qual é determinada, como a potência é determinada, como a potência é determinada pelo ato.

É necessária para a forma, a fim de que possa existir um ser completo e real (substância). A forma é a essência das coisas (água, ouro, vidro) e é universal.

A individuação, a concretização da forma, essência, em vários indivíduos, que só realmente existem (esta água, este ouro, este vidro), depende da matéria, que portanto representa o princípio de individuação no mundo físico.

Resume claramente Maritain esta doutrina com as palavras seguintes: “Na filosofia de Aristóteles e Tomás de Aquino, toda substância corpórea é um composto de duas partes substanciais complementares, uma passiva e em si mesma absolutamente indeterminada – a matéria – outra ativa e determinante – a forma”. Além destas duas causas constitutivas, matéria e forma, os seres materiais têm outras duas causas: a causa eficiente e a causa final. A causa eficiente é a que faz surgir um determinado ser na realidade, é a que realiza o sínolo, a saber, a síntese daquela determinada matéria com a forma que a especifica.

A causa final é o fim para que opere a causa eficiente; é esta causa final que determina a ordem observada no universo. Em conclusão: todo ser material existe pelo concurso de quatro causas – material, formal, eficiente, final; estas causas constituem todo ser na realidade e na ordem com os demais seres do universo físico.

O Espírito: Quando a forma é princípio da vida, que é uma atividade cuja origem está dentro do ser, chama-se alma. Portanto, têm uma alma as plantas (alma vegetativa: que se alimenta, cresce e se reproduz), e os animais (alma sensitiva: que, a mais da alma vegetativa, sente e se move).

27

Page 28: Vida e Obra de Filosofos

Entretanto, a psicologia racional, que diz respeito ao homem, interessa apenas a alma racional. Além de desempenhar as funções da alma vegetativa e sensitiva, a alma racional entende e quer, pois segundo Tomás de Aquino, existe uma forma só e, por conseguinte, uma alma só em cada indivíduo; e a alma superior cumpre as funções da alma inferior, como a mais contém o menos.

No homem existe uma alma espiritual – unida com o corpo, mas transcendendo-o – porquanto além das atividades vegetativa e sensitiva, que são materiais, se manifestam nele também atividades espirituais, como o ato do intelecto e o ato da vontade.A atividade intelectiva é orientada para entidades imateriais, como os conceitos; e, por consequência, esta atividade tem que depender de um princípio imaterial, espiritual, que é precisamente a alma racional.

Assim, a vontade humana é livre, indeterminada – ao passo que o mundo material é regido por leis necessárias. E, portanto, a vontade não pode ser senão a faculdade de um princípio imaterial, espiritual, ou seja, da alma racional, que pelo fato de ser imaterial, isto é, espiritual, não é composta de partes e, por conseguinte, é imortal. Como a alma espiritual transcende a vida do corpo depois da morte deste, isto é, é imortal, assim transcende a origem material do corpo e é criada imediatamente por Deus, com relação ao respectivo corpo já formado, que a individualiza. Mas, diversamente do dualismo platônico-agostiniano, Tomás de Aquino sustenta que a alma, espiritual embora, é unida substancialmente ao corpo material, de que é a forma. Desse modo o corpo não pode existir sem a alma, nem viver, e também a alma, por sua vez, ainda que imortal, não tem uma vida plena sem o corpo, que é o seu instrumento indispensável.

DEUS: Como a cosmologia e a psicologia tomistas dependem da doutrina fundamental da potência e do ato, mediante a doutrina da matéria e da forma, assim a teologia racional de Tomás de Aquino depende – e mais intimamente ainda – da doutrina da potência e do ato.

Contrariamente a doutrina agostiniana que pretendia ser Deus conhecido imediatamente por intuição, Tomás de Aquino sustenta que Deus não é conhecido por intuição, mas é cognoscível unicamente por demonstração; entretanto esta demonstração é sólida e racional, não recorre a argumentações a priori, mas unicamente a posteriori, partindo da experiência, que sem Deus seria contraditória. As provas tomistas da experiência de Deus são cinco: mas todas têm em comum a característica de se firmar em evidência (sensível e racional), para proceder a demonstração, como a lógica exige.

E a primeira dessas provas – que é fundamental e como que norma para as outras – baseia-se diretamente na doutrina da potência e do ato. “Cada uma delas se firma em dois elementos, cuja solidez e evidência são igualmente incontestáveis: uma experiência sensível, que pode ser a constatação do movimento, das causas, do contingente, dos graus de perfeição das coisas ou da ordem que entre elas reina; e uma aplicação do princípio de causalidade, que suspende o movimento ao imóvel, as causas segundas a causa primeira, o contingente ao necessário, o imperfeito ao perfeito, a ordem a inteligência ordenadora”.

Se conhecermos apenas indiretamente, pelas provas, a existência de Deus, ainda mais limitado é o conhecimento que temos da essência divina, como sendo a que transcende infinitamente o intelecto humano. Segundo o Aquinate, antes de tudo sabemos o que Deus não é (teologia negativa), entretanto conhecemos também algo de positivo em torno da natureza de Deus, graças precisamente a famosa doutrina da analogia.

28

Page 29: Vida e Obra de Filosofos

Esta doutrina é solidamente baseada no fato de que o conhecimento certo de Deus se deve realizar partindo das criaturas, porquanto o efeito deve Ter semelhança com a causa. A doutrina da analogia consiste precisamente em atribuir a Deus as perfeições criadas positivas, tirando, porém, as imperfeições, isto é, toda limitação e toda potencialidade. O que conhecemos a respeito de Deus é, portanto, um conjunto de negações e de analogias; e não é falso, mas apenas incompleto.

Quanto ao problemas das relações entre Deus e o mundo, é resolvido com base no conceito de criação, que consiste numa produção do mundo por parte de Deus, total, livre e do nada.

Nota introdutória ao Tratado sobre o brincar de Tomás. Luiz Jean Lauand:

O comentário de Tomás, cerca de três vezes mais volumoso do que o original aristotélico (1127 b 30 – 1128 b 10), segue, passo a passo, a tradução de que Tomás dispunha. Tal tradução, apesar de muito boa para os padrões da época, é obscura em certas passagens, como aquela em que Aristóteles, para ilustrar a diferença entre a atitude viciosa e a virtuosa, contrapõe as antigas às novas comédias. Diz o original aristotélico: “Para os antigos autores cômicos era a obscenidade o que provocava o riso; para os novos, é antes a insinuação, o que constitui um progresso”. Já na tradução de que Tomás se vale não há tal contraposição e o Aquinate entende “suspeita” onde o original diz “insinuação”. Daí sua afirmação, interessante, mas que nada tem que ver com o texto aristotélico: “E (Aristóteles) diz que tal critério é especialmente manifesto quando consideramos os diálogos tanto nas antigas como nas novas comédias. Porque, se em algum lugar nessas narrações ocorria alguma fala torpe, isso gerava em alguns a irrisão enquanto tais torpezas se convertiam em riso. Para outros, porém, gerava a suspeita, enquanto suspeitavam que aqueles que falavam torpezas possuíam algum mal no coração” (859).

De resto não há grandes discrepâncias. Tomás pouco acrescenta a Aristóteles nos pontos 853, 855 a 858, 860 a 863, 865 e 866. E, dentre as novidades em relação ao original, destaca-se a bela fundamentação do brincar como virtude (850 e 851).

TRATADO SOBRE O BRINCAR (Comentário à Ética a Nicômaco, Livro IV, 16). Santo Tomás de Aquino (Trad. Luiz Jean Lauand)

INTRODUÇÃO

850- Aristóteles, depois de ter determinado as virtudes que dizem respeito aos atos humanos sérios, estabelece neste capítulo uma certa virtude que diz respeito ao brincar.

E sobre três pontos incide sua análise:

I- Mostra que pode dar-se virtude e vício sobre o brincar.

II- Trata da virtude que versa sobre o brincar e dos vícios que lhe são opostos.

III- Mostra a diferença entre essa virtude e outras duas, anteriormente tratadas.

I- Existe uma virtude do brincar.

29

Page 30: Vida e Obra de Filosofos

A respeito do primeiro ponto, deve-se considerar que não teria sentido falar de virtude e vícios referentes a atos que em si são maus e não se podem dar sob forma de bem (1), como mostramos anteriormente. Assim, pois, se o brincar não pudesse ter caráter de bem, não poderia haver uma virtude que tivesse por objeto o brincar.

851- O brincar, porém, algum caráter de bem possui, na medida em que é útil para a vida humana. Pois, assim como o homem necessita, de vez em quando, interromper o trabalho e descansar da atividade física, assim também, de vez em quando, necessita subtrair-se à tensão de ânimo exigida pelas atividades sérias, para repouso da alma: e isso é o que se faz pelo brincar.

E por isto Aristóteles diz que, ao proporcionar ao homem um certo repouso das preocupações – que nesta vida e no relacionamento humano não faltam -, o brincar tem caráter de bem, de bem útil. Daí que no brincar possa dar-se um harmonioso diálogo e comunicação entre os homens: de tal modo que no brincar o homem diga e ouça adequadamente o que lhe é de proveito. Há, contudo, uma grande diferença entre dizer e ouvir; há muitas coisas que um homem decentemente ouve, mas não poderia decentemente dizer.

II-A virtude do brincar e os vícios que lhe são opostos

II.1- O meio e os extremos no brincar.

(No dizer, no ouvir e) Onde quer que haja diferenças entre o que convém fazer e o que não convém fazer, aí também haverá não só o meio (da virtude), mas também o excesso e a falta (dos vícios) em relação ao meio. E, assim, a respeito da brincadeira, há também termo médio e extremos.

II.1.1- O vício por excesso.

852- Aristóteles mostra, inicialmente, o que caracteriza o vício por excesso e diz que aqueles que exageram no brincar caem na irrisão e se chamam bomolochi, isto é, os que furtam no templo, à semelhança das aves de rapina, dos abutres que voavam ao redor do templo para roubar as vísceras dos animais imolados. Assim também estes espreitam a fim de que possam “roubar” algo para convertê-lo em irrisão (2) .

Tornam-se assim importunos pois sempre querem fazer rir e aplicam-se mais a esse desejo do que ao de não dizer algo inconveniente ou imoral e que não agrida aqueles com quem se metem com essas suas troças. De fato, tanto mais eles querem dizer alguma grosseria ou algo que possa ferir o outro quanto, com isto, induzem os outros ao riso.

II.1.2- O vício por falta.

853- Em segundo lugar, Aristóteles mostra o que é o vício por falta. E diz que aqueles que não querem dizer algo engraçado e se irritam com os que o dizem, na medida em que assim se agastam, tornam-se como que duros e rústicos, não se deixando abrandar pelo prazer do brincar.

II.1.3- O termo médio no brincar.

30

Page 31: Vida e Obra de Filosofos

854- Em terceiro lugar, Aristóteles mostra o que é o termo médio da virtude no brincar. E diz que aqueles que se portam convenientemente no brincar são chamados eutrapeli, que significa “os que bem convertem”, porque convertem em riso, de modo conveniente e versátil, as coisas que se dizem ou fazem.

II.2- O brincar como indicador das disposições morais.

855- Aristóteles mostra como o que foi dito acima é próprio da diversidade das disposições morais. E diz que esses movimentos da alma no voltar-se para o riso (no exagero, na adequação ou na falta) são um certo indício da disposição moral interior. Pois, assim como pelos movimentos corporais exteriores se discernem as disposições interiores do corpo, assim também pelas ações exteriores se conhecem nossas disposições morais.

II.3- O excesso tomado por virtude.

856- Aristóteles mostra como, algumas vezes, o extremo é falsamente considerado como meio. E diz que há muitos que exageram na apreciação do riso e há muitos que folgam mais do que o devido com as brincadeiras e com que se diga a outros troças que os ridicularizem. Por isso, para esses, os bomolochi são chamados eutrapeli – porque são por eles muito apreciados, pois passam da medida no brincar, o que a muitos homens agrada exageradamente.

Isso não impede que continue de pé a grande diferença objetiva que há entre os bomolochi e os eutrapeli, como evidenciamos acima (3).

II.4- Caracterização dos hábitos acima enunciados: a virtude e os vícios do brincar.

II.4.1- O virtuoso em relação ao brincar em geral.

857- Inicialmente, Aristóteles afirma que o que caracteriza o termo médio da virtude do brincar é aquilo que é próprio do epidéxios, isto é, do homem bem adaptado e disposto ao convívio humano. É próprio dos que têm tal atitude ouvir e dizer ludicamente o que condiz com um homem equilibrado e livre, no sentido de que tem o ânimo livre de paixões servis (3).

858- Em segundo lugar, Aristóteles argumenta em favor do que havia dito: onde quer que se dê algo que se possa fazer decentemente, há campo próprio de virtude. E acontece que no brincar pode-se falar e ouvir de modo conveniente: e isto se torna evidente pela diferença entre os modos de brincar. Pois o brincar no homem livre, que se dirige por si mesmo e espontaneamente a agir bem, difere do brincar do homem servil, que se ocupa de coisas servis. E o brincar do homem educado, que aprendeu como deve brincar, difere do homem indisciplinado, cuja brincadeira não é refreada por nenhuma moderação.

Donde é evidente que é próprio do termo médio da virtude a decência no dizer e no ouvir, que se dão no brincar.

859- A seguir, Aristóteles apresenta um certo critério para distinguir o brincar do homem educado do indisciplinado. E diz que tal critério é especialmente manifesto quando consideramos os diálogos nas antigas e nas novas comédias.

31

Page 32: Vida e Obra de Filosofos

Porque se em algum lugar nessas narrações ocorria alguma fala torpe, isso gerava em alguns a irrisão enquanto tais torpezas se convertiam em riso. Para outros, porém, gerava a suspeita, enquanto suspeitavam que aqueles que falavam torpezas possuíam algum mal no coração.

É óbvio, portanto, que não é pouco importante para a moral se um homem diz na brincadeira coisas torpes ou honestas.

II.4.1.1- O virtuoso ante um caso especial: o das troças.

860- Aristóteles, inicialmente (primeiro membro), se questiona se se pode determinar o que é portar-se bem no troçar quanto àquilo que se fala e, portanto, se se pode determinar um falar que convém ao homem liberal, virtuoso e modesto. Ou (segundo membro) se não se determina o bom troçar por isso, mas antes por parte do fim ou efeito: procurar não ferir a quem ouve; ou ainda mais: procurar agradá-lo.

861- E, respondendo à questão quanto ao segundo membro, Aristóteles diz que, sendo muitas e diversas para cada um as formas do odiável e do agradável, é indeterminado o que fira ou agrade a quem ouve. Aquilo que agrada, naturalmente, qualquer um de bom grado o ouve; as falas que se podem dizer aos outros (contanto que não se pretenda feri-los) são, ao que parece, as mesmas que alguém pacientemente aceita ouvir.

862- Quanto ao que dizer nas troças, Aristóteles mostra que algo pode ser determinado quanto ao primeiro membro, isto é, quanto às troças que se dizem. É evidente que o homem virtuoso não fará qualquer troça, pois a troça é uma certa ofensa. Não participa das troças, na medida em que o que nelas se diga difame ou ofenda alguém, o que está proibido pelos legisladores (4). Mas há outras troças que não se proíbem e de que convém participar pelo prazer ou para a emenda de alguém ser feita sem difamação. Aquele, pois, que em troçando se porta equilibrada e livremente, esse é para si mesmo lei, pois, por opção pessoal, evita o que a lei proíbe e faz uso do que a lei concede.

863- Por fim, Aristóteles conclui que tal é o termo médio do virtuoso, quer se denomine epidéxios, isto é, bem adaptado, quer eutrapelus, isto é, o que bem converte.

II.4.2- Caracterização do mal do excesso.

864- Aristóteles caracteriza o mal do excesso e diz que o irrisor é pior que o bomolochus, pois o irrisor o que quer é vexar alguém, enquanto o bomolochus não pretende isso, mas, simplesmente, gracejar, embora para este objetivo não poupe a si mesmo nem aos outros quando se trata de fazer rir; e converte a sua conduta e o que os outros dizem ou fazem em objeto de riso; e diz o que nunca diria um homem virtuoso; e algumas das coisas que ele diz não só não as diria, mas nem sequer as ouviria o homem virtuoso.

II.4.3- Caracterização do mal da falta.

865- O rústico ou duro, esse, já não traz nenhuma contribuição para as conversas lúdicas e se aborrece com todos. E nisto consiste seu vício: em repelir totalmente o brincar que, como o repouso, é necessário para a vida humana.

32

Page 33: Vida e Obra de Filosofos

III- A distinção entre a virtude do brincar e duas virtudes anteriormente tratadas.

866- Aristóteles faz a distinção entre esta virtude e duas anteriores. E diz que três são os termos médios no convívio humano de palavra e ação. A diferença entre essas virtudes se dá pelo fato de que uma versa sobre a veracidade no dizer e no agir; as outras duas versam sobre o agradável. Destas, uma se dá no brincar e a outra (5) no relacionamento sério.

1) Não existem, por exemplo, virtudes referentes ao ato de invejar ou ao de praticar adultério, que são, por natureza maus.

2) Esta interpretação do significado da palavra não se encontra no texto de Aristóteles comentado.

3) Tomás não se refere à liberdade (e à servidão) como condição social, mas como qualidade moral.

4) O brincar é necessário, entre outras razões, por suavizar as relações humanas. Daí que seja uma perversão o brincar que constrange e discrimina (pense-se por exemplo nas piadas que fomentam preconceitos raciais).

5) Trata-se da virtude que leva a um comportamento correto e equilibrado entre o bom relacionamento com os outros e o não transigir (sob pretexto de cordialidade ou harmonia) no que eticamente não se pode transigir.

http://www.biografia.inf.br/santo-tomas-de-aquino-filosofo.html

Erasmo de Rotterdam (*1467 +1536)

Erasmo ficou conhecido como Erasmo de Rotterdam, mas seu nome era Desidério Erasmo e ele foi um pregador do evangelismo filosófico. Nasceu na cidade de Rotterdam, na Holanda.

Em 1488 ingressou na ordem dos agostinianos e virou padre, depois aceitou o cargo de secretário do bispo de Combai, na França. Em Paris estuda teologia, escreve Colóquios e Antibárbaros, que é considerada uma obra escolástica, crítica da exaltação dos valores da Antiguidade clássica. Viaja pela primeira vez para a Inglaterra

em 1499, onde toma contato com o movimento humanista e conhece aquele que seria seu grande amigo, Thomas More. Traduz o Novo Testamento. Mantém vasta correspondência. Denuncia a vida na igreja como distante da fé. Fala que os cristãos devem seguir os ensinamento simples de Cristo, sendo que a estrutura da igreja e da vida monástica haviam se tornado distantes do amor de Deus, de Sua benevolência e da prática evangélica que Erasmo defende na Filosofia Christi.

Os homens renascentistas dedicaram-se à várias atividades. Eles começaram a contar a nova realidade. Cervantes, no célebre livro Dom Quixote de la Manchaconta-nos a história de um

33

Page 34: Vida e Obra de Filosofos

louco, apegado à valores que já não existiam como a dignidade, decência e nobreza de caráter do cavaleiro medieval.

Erasmo de Rotterdam escreve um livro, Elogio da Loucura,(dedicado a Thomas More) onde apresenta a loucura como uma deusa que conduz as ações humanas. Identifica a loucura em costumes e atos como o casamento e a guerra. Diz que é ela que forma as cidades, mantém os governos, a religião e a justiça. Ele critica muitas atividades humanas, identificando nelas mediocridade e hipocrisia.

Vejamos o que ele diz sobre a Loucura:

A Loucura fala em primeira pessoa no livro, defendendo sua imagem e ponto de vista. 

As crianças- a alegria da infância a torna a idade mais agradável, porque a natureza dá às crianças um ar de loucura. 

O casamento- se as mulheres pensassem sobre o assunto veriam que não é vantajoso. Dores no parto, filhos, dever conjugal. Só a loucura para fazerem agir dessa maneira, assim a Loucura é a origem da vida. A única preocupação das mulheres é se tornar mais agradável. Mas a crítica maior de Erasmo é para a Igreja. Ele era cristão, mas foi contra a hierarquia dessa instituição (Igreja), que declara guerras, faz cerimônias e rituais em demasia, e discutem eternamente o mistério divino, sendo que o mandamento de Cristo é apenas a prática da caridade.

Defende um retorno à simplicidade do início da Igreja. Lutero estava juntando adeptos em suas pregações e convidou Erasmo, mas este permaneceu na Igreja católica, apontando defeitos. Mais tarde polemizou contra Lutero a favor do livre-arbítrio, que o protestante não acreditava. Erasmo é considerado o principal pensador do humanismo. Critica os teólogos, pois esse condenam, por poucos motivos, muitas pessoas como hereges.

Os bispos vivem alegremente, entregam-se à diversão material e esquecem que o seu nome significa zelo e solicitude pela redenção da alma, mas não esquecem das honrarias e o dinheiro. Os monges, para Erasmo, não fazem nada, mas não dispensam o vinho e a mulheres. O papa não tem a salvação que Cristo fala, pois se tivessem abria mão de seu patrimônio e dos impostos. Erasmo critica o imposto que a igreja cobra para não condenar as almas após a morte. E os papas aprovam a guerra, que é cruel e desumana.

Para Erasmo, milagres  e superstições como o inferno, duendes e fantasmas são coisas de ignorantes. Ele tem opiniões também sobre política.

No livro A instituição do Príncipe cristão fala da teoria da soberania, o poder do príncipe é legitimado pela dedicação ao bem comum e pela aceitação dos cidadãos.

É a favor da eleição do chefe, contrário ao monarquismo hereditário. O objetivo de Erasmo é regenerar a Europa, pondo o ideal evangélico contra as guerras. Para se chegar à paz, tem que se desarmar os países, tirar dos príncipes o direito de declarar guerra e mobilizar a força nacional em favor da paz

http://www.consciencia.org/erasmo.shtml

34

Page 35: Vida e Obra de Filosofos

Nicolau Maquiavel (*1469 +1527)

Uma vida no seu tempo: Nicolau Maquiavel nasceu em Florença, em 3 de maio de 1469, sendo o terceiro dos quatro filhos (dois homens, duas mulheres) de Bernardo Machiavelli e Bartolomeu Nelli. Pertencia a uma família tradicional, que não chegava a ser abastada, com pelo menos dois séculos de existência em Florença. Em seu livro Para Conhecer o Pensamento de Maquiavel, Duvernoy afirma que a família Machiavelli era “honorável ideologicamente, à vontade nesta Florença comunal onde vivem como cidadãos de artes

subalternas”. Seu pai era advogado e também estudioso em humanidades, influenciado pelos ventos da Renascença que há tempos sopravam na Itália. Bernardo Machiavelli se empenhou para proporcionar ao pequeno Nicolau uma educação dentro dos melhores padrões de seu tempo. Aos sete anos, Nicolau começou a estudar matemática e latim e, aos oito, entrou na escola de Battista de Poppi. Aos doze anos, começou a estudar com o latinista Paolo de Ronciglione e, segundo o testemunho de seu pai, redigia muito bem em latim.

A infância e a juventude de Maquiavel correspondem também ao desabrochar de uma nova era, a Idade Moderna, que soterra as antigas instituições medievais em um vendaval de transformações. É uma época de efervescência, particularmente rica e conflituosa, o epicentro de grandes crises e, ao mesmo tempo, geradora de grandes soluções. Para se ter uma ideia de como esse período foi marcante, basta assinalar que Maquiavel conviveu e foi marcante protagonista do Renascimento intelectual, que é, sem dúvida, um dos mais significativos momentos da cultura humana. Foi contemporâneo dos grandes descobrimentos marítimos e da Reforma protestante. Foi espectador e agente do processo de gestação de um novo tipo de Estado, o Estado moderno centralizado, que aboliu os particularismos políticos feudais e instalou o absolutismo monárquico, cuja forma de governo prevaleceu até o início da Idade Contemporânea.

Todo esse cenário grandiloquente pode ser resumido em apenas uma palavra: transição. As mudanças de instituições e de valores em uma velocidade alucinante, em um ritmo nunca vivido antes pela civilização ocidental cristã, caracterizam uma situação verdadeiramente revolucionária. Nenhum setor da vida e da sociedade estava livre do alcance do vendaval transformador que tudo atingia, tudo desestabilizava.

A vida de Maquiavel corresponde a um tempo de indefinições estruturais: aa ordem feudal fora devastada pelo crescimento das cidades e pelo fortalecimento crescente de atividades mercantis, artesanais e financeiras, que a cada dia se incompatibilizavam mais e mais com a economia agrária, então baseada no feudo autossuficiente e na exploração servil do trabalho. Embora o feudalismo resistisse, como tentou continuar ainda nos séculos seguintes, era forçado a abrir um espaço cada vez maior para novos conceitos e padrões.

Os dois fundamentos básicos sobre os quais se apoiava a estrutura medieval de poder, o clero e a nobreza, já não conseguiam manter sozinhos a hegemonia política. A trama de dominação do feudo erguia-se em um complexo escalonamento de poder até chegar ao rei, substituída por uma outra composição que incluía os burgueses ligados às corporações de ofício e de comércio e os

35

Page 36: Vida e Obra de Filosofos

grandes financistas. O Estado feudal, marcado pela descentralização política, pela qual cada nobre era detentor de parte da soberania e tinha direito ao seu próprio exército, sua justiça, sua moeda e seu sistema tributário, cedia lugar ao Estado moderno, centralizado e unificado. Agora, a ideia de governo absoluto, totalmente estranha aos padrões medievais era a palavra de ordem.

Na Idade Média, o poder era sempre limitado. O poder do rei limitado pelos grandes nobres, os dos nobres pelas imposições do costume, da tradição ou da “vontade de Deus”, que compunham uma “constituição invisível”, o que assegurava garantias contra o arbítrio dos poderosos até ao mais humilde servo de gleba.

Tudo isso se passava sob as bênçãos e a rígida fiscalização da Igreja Católica. No quadro de parcelamento de poder do feudalismo, a Igreja constituía um verdadeiro superestado, territorialmente apoiado nas possessões pontifícias, localizadas no centro da Itália, e também sobre amplos domínios territoriais espalhados por toda a Europa ocidental. O poder da Igreja medieval era reforçado por um vasto arsenal ideológico, um código severo de leis canônicas, além de tribunais eclesiásticos quase sempre dispostos a antecipar para este mundo o julgamento e as penas que as almas deveriam sofrer apenas no além-túmulo.

A reação contra a Idade Média, injustamente chamada pelos humanistas do Renascimento de “Idade das Trevas”, alcança todos os valores e instituições, sobretudo a Igreja. A burguesia invocava novos valores cosmopolitas, ridicularizava a nobreza e seus atributos e transformava a Igreja em alvo das mais severas críticas.

Os conflitos do mundo

Maquiavel foi educado em meio ao ambiente humanista do Renascimento. O teocentrismo medieval era substituído pela ideia de que o homem está em primeiro lugar, constituindo o centro de todas as preocupações. A crítica era um exercício cotidiano que se contrapunha à aceitação passiva de verdades absolutas, patrocinada pela Igreja durante séculos. Os homens cultos voltavam-se para os padrões clássicos, buscando inspiração e modelos na Grécia e Roma antigas.

No tempo de Maquiavel, a Igreja fora alvo da maior bateria de ataques de toda a sua história. A ignorância do clero, a vida dissoluta dos grandes prelados, a comercialização de indulgências e relíquias eram criticadas. Os homens de negócios investiam contra as doutrinas arcaicas do justo preço e da condenação da usura. Pregadores fanáticos pediam a volta do cristianismo à pureza primitiva e a abolição da burocracia eclesiástica, que dificultava o acesso dos homens a Deus. O espírito crítico do Renascimento atingia, a um só tempo, os valores feudais, a nobreza e seu estilo de vida, a Igreja e sua concepção de mundo e poder. Maquiavel reflete tudo isso. Cada passo de sua obra é balizado pelos padrões do seu tempo. O Estado moderno, centralizado, tendo o governo concentrado nas mãos de um rei com poderes absolutos, constituirá um dos seus fascínios. Desse Estado moderno, Maquiavel será um dos principais ideólogos.

Esse novo Estado em formação se constrói sobre uma base nacional, pois com o apoio dos homens de negócios, o monarca desempenha uma atividade unificadora, como na França, na Espanha, em Portugal, processos que Maquiavel acompanhou de perto. Entretanto, na Itália a tendência centralizadora esbarra em um obstáculo irremovível: os Estados pontifícios, plantados no centro da península, impedem a unificação. Alguém disse que a Igreja

36

Page 37: Vida e Obra de Filosofos

não tinha forças para unificar a Itália sob a sua égide, mas era forte o suficiente para impedir essa unificação. Essa unidade seria o grande sonho da vida de Maquiavel e é com base nesse sentido que ele direciona O Príncipe.

Quando Maquiavel nasceu, e ao longo de sua vida, a península italiana era um verdadeiro quebra-cabeças político, composto por Estados soberanos de dimensões territoriais, regimes políticos e diversos estágios de desenvolvimento. Os principais eram o Reino de Nápoles, controlado pela família Aragão; os Estados pontifícios, que estavam nas mãos da Igreja; o Estado florentino, por muito tempo controlado pela família Medici; o Ducado de Milão e a República de Veneza. Em torno dessas unidades principais gravitavam outros estados menores que, embora fossem teoricamente independentes e soberanos, na prática eram levados a alinhamentos subservientes com os mais fortes para garantir sua sobrevivência. A ausência de um poder centralizador capaz de representar o interesse nacional, acrescida das rivalidades e dos conflitos internos, faria da Itália uma presa fácil à ambição de outros Estados já constituídos em monarquias e em plena fase de expansão, como foi o caso da Espanha, França e, um pouco mais tarde, do Império Germânico.

Nos últimos anos do século XV, um verdadeiro terremoto político assolou a península, trazendo desordem e instabilidade. Os condottieri, mercenários contratados pelas famílias burguesas para constituir seus “braços armados” nas disputas políticas locais a controlar o poder. As disputas internas nas cidades chegam ao auge do acirramento. As rivalidades entre os principais Estados facilitam a invasão de franceses e espanhóis, que vão deixando suas marcas em todos os lugares. O espanhol Rodrigo Bórgia transformou-se no papa Alexandre VI, que marcou seu pontificado pela corrupção e pela violência. A partir de 1494, sob a liderança de Carlos VIII, os franceses impuseram sua presença de norte a sul. Naquele ano, em Florença, Maquiavel assiste à entrada de Carlos VIII e a consequente expulsão de Pedro de Medici da cidade, acusado pela população de ter sido fraco ante o invasor. Segundo Paul Larivaille, em seu trabalho A Itália no tempo de Maquiavel, a presença dos estrangeiros seria irreversível após 1494. presença constate, crescente e finalmente determinante em praticamente todos os conflitos da península. As repúblicas italianas passam a cumprir o papel de coadjuvantes no jogo político de seu próprio país.

Maquiavel faz política

A Florença de Maquiavel tinha cerca de cinquenta mil habitantes e ocupava um território aproximado de quinze mil quilômetros quadrados. Sua economia baseava-se no artesanato, especialmente no setor têxtil, no comércio e na atividade bancária, sendo essa última uma garantia para a cidade à posição de um dos mais importantes centros financeiros de toda a Europa. Não é por acaso que os seus banqueiros mais célebres, os Medici, desempenham um papel tão importante na política de seu tempo e na vida de Maquiavel.O poder dos Medici, príncipes modernos, que fundamentaram sua força não em atividades feudais, mas sim na dinâmica artesanal, mercantil e financeira, era exercido respeitando instituições comunais e republicanas seculares. A concentração de poder da família era – podemos dizer – informal e decorria do papel preponderante que ela exercia nos da administração de Florença.

A deposição dos Médici proporcionou o domínio político de Florença por um pregador fanático, Girolano Savonarola, responsável pela instalação de uma república teocrática onde o poder era

37

Page 38: Vida e Obra de Filosofos

atribuído a Cristo. Era, de certo modo, uma antecipação radical da Reforma protestante que Lutero e Calvino conduziriam alguns anos depois. A experiência de Savonarola, o “profeta desarmado”, como Maquiavel o denomina, terminou na fogueira, em 1498. A queda de Savonarola deixou muitos cargos públicos vagos, e foi neste espaço que Maquiavel iniciou sua carreira de homem público. Depois do expurgo, comandou o cargo de secretário da segunda chancelaria do governo florentino, que já havia reivindicado anteriormente, sem sucesso. Logo em seguida, tornou-se secretário dos “Dez do Poder”, conselho cuja atribuição era administrar as relações de Florença com outros Estados.

A república democrática florentina, liderada por Piero Soderini, atribuiu muitas missões diplomáticas importantes a Maquiavel, cujos objetivos eram aumentar sua vivência política. Em 1500 vai para  a França, em missão diplomática. Em 1502 está em Pistóia. No ano seguinte acompanha de perto a trajetória de César Bórgia, o Duca o militares na rota da unificação italiana. César, citado e exaltado por Maquiavel, é um exemplo de político cujas ações desconheciam os limites éticos na busca de um objetivo maior.

A morte do papa, seu pai e patrocinador, apaga a estrela de César Bórgia que, aliás, faleceu pouco depois. Em Roma, Maquiavel acompanha  a sucessão papal, e nos anos seguintes limitou-se a desempenhar missões diplomáticas na Itália e no exterior.

Em 1505 recebeu a incumbência de constituir uma milícia para a República. Assim, recrutou, organizou e treinou tropas que, por fim, não alcançaram o objetivo de oferecer garantias às instituições republicanas.

Em 1510, Maquiavel atuou como mediador entre o papa e o rei da França. O agravamento do conflito entre ambos os levou à guerra. Os franceses venceram as tropas pontifícias, e Florença é ameaçada pela Santa Liga, entidade criada pelo papa Júlio II para lutar contra a França. O governo republicano de Soderini caiu em 1512, e os Medici voltaram ao poder. A partis daí, começou o ostracismo de Maquiavel.

Exonerado de suas funções, proibido de ter acesso ao prédios públicos de Florença, o ex-secretário amargaria dias ainda mais difíceis. Em fevereiro de 1513 foi descoberto um complô contra os Médici, e Maquiavel figurava entre os suspeitos. Preso e torturado, foi multado e condenado à prisão.

Enquanto isso, ampliava-se o poder dos Medici. Neste mesmo ano de 1513 o cardeal Giovani de Medici transforma-se no papa Leão X. É o primeiro florentino a alcançar o papado.Indultado por intervenção direta de Juliano de Medici, com quem mantivera um bom relacionamento na juventude, Maquiavel tenta, sem êxito, retornar à vida pública. Impedido de trabalhar, recolheu-se ao exílio na propriedade da família, de San Andréa in Percussina, perto de San Casciano, a cerca de quarenta quilômetros de Florença. O Príncipe começava a nascer, embalado pelas agruras do exílio.

Mãos à obra

Quem tentou, até hoje, enquadrar O Príncipe como tratado filosófico ou científico teve, no mínimo, de se exceder em malabarismos teóricos para sustentar suas posições. Muita tinta foi gasta para tentar explicar supostas intenções científicas escondidas nas entrelinhas do livro,

38

Page 39: Vida e Obra de Filosofos

muitos raciocínios foram elaborados para captar sentidos imaginários mais profundos escondidos nos desvãos do trabalho.

Como O Príncipe é uma obra muito rica, tem o poder de inspirar interpretações, recriações e ampliações de ideias. Mas, ao acompanharmos o seu nascimento, percebemos que o pragmatismo foi a sua marca registrada, desde os primeiros momentos.

A intenção do autor não era outra senão produzir um manual do que hoje denominamos “marketing político”. Um manual que ajudasse na unificação da Itália, fortalecesse o poder absoluto e o auxiliasse na recuperação dos cargos públicos que ocupara durante a fase republicana da política florentina.

Maquiavel, que vivia a angústia e a solidão do exílio, cultivava a vontade decidida de recuperar seu emprego e sua posição. A melhor ideia que temos do seu dia-a-dia foi fornecida por ele mesmo, em uma carta célebre que escreveu ao seu amigo Francesco de Vettori, embaixador em Roma e homem ligado aos Medici:

“Pela manhã, eu acordo com o sol e vou para o bosque fazer lenha; ali permaneço por duas horas verificando o trabalho do dia anterior e ocupo o meu tempo com os lenhadores, que sempre têm desavenças, seja entre si, seja com os vizinhos [...] Deixando o bosque, vou à fonte e de lá para a caça.Trago um livro comigo, ou Dante, ou Petrarca, ou um destes poetas menores, como Tibulo, Ovídio ou outros: leio suas paixões, seus amores e recordo-me dos meus, delicio-me nesse pensamento. Depois, vou à hospedaria, na estrada, converso com os que passam, indago sobre as notícias de seus países, ouço uma porção de coisa e observo a variedade de gostos e de características humanas. Enquanto isso, aproxima-se a hora do almoço e, com os meus, como aquilo que me permitem meu pobre sítio e meu pequeno patrimônio. Finda  a refeição, retorno à hospedaria [...] lá me entretenho jogando cartas ou tric-trac [...]

Assim desafogo a malignidade de meu destino [...] Chegando a noite, volto à minha casa e entro no meu gabinete de trabalho. Tiro as minhas roupas cobertas de sujeira e pó, e visto as minhas vestes dignas das cortes reais e pontifícias. Assim, convenientemente trajado, visto as cortes principescas dos gregos e romanos antigos. Sou afetuosamente recebido por eles e me nutro do único alimento a mim apropriado e para o qual nasci. Não me acanho ao falar-lhes e pergunto das razões de suas ações; e eles, com toda a sua humanidade, me respondem. Então, durante quatro horas não sinto sofrimento, esqueço todos os desgostos, não me lembro da pobreza, e nem a morte me atemoriza [...]”

Denominar O Príncipe de obra de marketing político não significa qualquer intenção de releitura da obra ou de reinvenção de Maquiavel. Trata-se apenas de repor o trabalho no seu contexto primitivo, no seu sentido primordial, desde a concepção do roteiro até o resultado final. Maquiavel usou o livro tentando sensibilizar os Medici para a situação. Quando foi escrito, estava destinado a Juliano de Medici. Mas com sua morte, acabou dirigido a Lorenzo de Medici. Outro trecho da mesma carta a Vettori nos mostra bem uma ideia do estado de espírito e da disposição do autor:

“O que me leva a dedicar o meu opúsculo a Juliano é a necessidade que me aflige, porque me consumo e não posso continuar por muito tempo assim sem que a pobreza faça de mim

39

Page 40: Vida e Obra de Filosofos

indivíduo desprezível; e depois, eu gostaria que os Medici me dessem um emprego, mesmo que começassem por me mandar empurrar um rochedo; pois, se mais tarde eu não conseguisse ganhar os seus favores, eu só teria de culpar a mim mesmo. Quanto ao meu tratado, se for lido perceber-se-á que os quinze anos que passei aprendendo a arte da política, não os passei nem dormindo nem brincando; e deveria haver grande interesse em se servir de um homem cheio de experiência adquirida à custa de outrem. Não se deveria, além disso, duvidar de minha lealdade, pois, tendo sido sempre fiel aos meus compromissos, não é agora que vou aprender a não cumpri-los; e não é ao fim de quarenta e três anos – esta é a minha idade – de bons e leais serviços que podemos mudar a nossa natureza. Da minha bondade e da minha lealdade, aliás, dá testemunho a minha pobreza atual.”

No oferecimento do livro, Maquiavel roga a Lorenzo que o receba como um testemunho da sua submissão, afirmando que o maior presente que podia oferecer ao governante era a lealdade de, em pouco tempo, com a leitura do pequeno volume, “compreender aquilo que em tantos anos e com tantos incômodos e perigos vim a conhecer”. E conclui com um apelo: “E se Vossa Magnificência, das culminâncias em que se encontra, alguma vez volver os olhos para baixo, notará quão imerecidamente suporto um grande e contínuo infortúnio”.Maria Tereza Sadek, no texto Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual de virtù assinala que, depois da redação de O Príncipe, a vida do autor é marcada por uma contínua alternância de esperanças e decepções.

Maquiavel busca incessantemente, sem sucesso, durante vários anos, retomar suas funções públicas. Lorenzo de Medici, a quem oferece o livro, pelo que se sabe, jamais sequer irá abri-lo. Somente após a morte de Lorenzo, em 1519, Maquiavel volta a ser ouvido pelos governantes de Florença: o cardeal Júlio de Medici pede-lhe sugestões sobre a organização política do Estado. No ano seguinte, a Universidade de Florença encomendou-lhe a história da cidade, nascendo daí as Istorie Fiorentine, obra inacabada e também motivo de sua última frustração política.

Em 1527, os Medici caem mais uma vez. Agora é a Nova República que vê Maquiavel com maus olhos. Para os republicanos, ele simplesmente se transformou em um inimigo. Os esforços para agradar aos Medici e a contratação como historiador oficial foram suficientes para leva-lo de novo ao ostracismo. Profundamente abatido, Maquiavel adoece e morre em junho de 1527, aos 58 anos.

Destino cumprido

Maquiavel não conseguia viver longe do poder, mas a sua condição social era um obstáculo quase intransponível para uma carreira política mais ambiciosa. Dificilmente conseguiria ser príncipe. Sua trajetória de burocrata foi cumprida, podemos dizer, no limite de suas possibilidades.Como intelectual do seu tempo, era praticamente impossível que ele conseguisse uma independência pessoal e financeira. Todos os grandes nomes do Renascimento italiano, das letras ou das artes, dependeram dos mecenas, ricos burgueses que financiavam as atividades intelectuais e artísticas como forma de diferenciação dos antigos valores cultivados pela nobreza. Burocrata, diplomata, pensador, historiador, teatrólogo, Maquiavel é um marco no pensamento universal. Entre as obras que produziu, algumas se destacam de sua época e integram o patrimônio da humanidade.

40

Page 41: Vida e Obra de Filosofos

A Mandrágora, peça de sua autoria, é apontada como a melhor comédia do Renascimento. Histórias Florentinas, livro encomendado pelos Medici, depois de sua reabilitação, é também considerado pelos críticos como o melhor livro sobre a história do Renascimento italiano. Discurso Sobre a Primeira Década de Tito Lívio é retratado como um dos grandes livros de história e doutrina política de todos os tempos.

Homem múltiplo e talentoso, Maquiavel é um dos expoentes de uma época fértil em grandes personagens. No entanto, nada do que produziu se compara a II Príncipe, cujo sucesso não chegou a saborear e que só foi publicado pela primeira vez cinco anos depois de sua morte.

Se foi a reabilitação tão desejada junto aos Medici ou a necessidade de unificação de sua pátria que transformaram um republicano convicto como era Maquiavel em ardente defensor da monarquia absoluta, não podemos avaliar. Aliás, nem interessa saber se a sua conversão foi sincera ou apenas conveniente. Não temos a menor intenção de julgar Maquiavel, nem o homem nem o político. E também não queremos, do mesmo modo, julgar O Príncipe. Pretendemos apenas analisar  a obra pelo prisma do marketing político, buscando e apresentando a verdade maquiaveliana nos fatos e nos escritos do autor, não na fantasia.

É a ação dos grandes homens, cujo conhecimento apreendeu “por meio de uma grande experiência das coisas modernas e de uma contínua lição das antigas”, que orienta Maquiavel. E é com o espírito desses grandes homens que ele dialoga imaginariamente em suas solitárias noites de reflexão.

Sua visão da História e da política não é dialética, não se baseia na mudança, mas na estabilidade. Ele acredita em valores perenes, da mesma família das ideias estáveis e universalmente válidas do pensamento socrático. Em uma época de mutação, ele busca valores estáveis, a fim de oferecer alicerces a um novo tempo.

Assim, embora leve em consideração as mudanças no cenário político e se preocupe em refletir sobre esse assunto, está em busca dos valores duradouros que orientam a prática política. Temendo ser mal interpretado pelos poderosos em sua ousada pretensão de dizer-lhes o que fazer, Maquiavel adverte, logo no oferecimento do livro, que para conhecer o caráter do povo é preciso ser príncipe e para conhecer o caráter do príncipe é preciso ser povo. Assume, assim, com relação ao poder, a aproximação solidária e o distanciamento profissional que caracterizaram os profissionais do marketing político do século XX.

Em carta datada de 13 de março de 1513, enviada ao mesmo amigo Vettori, Maquiavel parecia antecipar sua trajetória: “O destino determinou que eu não saiba discutir sobre a seda nem sobre a lã; tampouco sobre questões de lucro ou de perda. Minha missão é falar sobre o Estado. Será preciso submeter-me à promessa de emudecer, ou terei de falar sobre ele”.

No túmulo de Maquiavel, em Florença – aliás vizinho ao de Michelangelo – há uma lápide com a inscrição latina Tanto nomini nullum por elogium, ou seja, “Tão grande nome nenhum elogio alcança-o”.

Texto extraído do livro Maquiavel O Poder. Editora Martin Claret. São Paulo. José Nivaldo Júnior

http://www.biografia.inf.br/nicolau-maquiavel-filosofo.html

41

Page 42: Vida e Obra de Filosofos

Thomas More (*1478- + 1535).

A forma latinizada de seu nome é Thomas Morus, e More é a forma inglesa. More nasceu e morreu em Londres, Inglaterra. Era filho de juízes do banco dos reis. Com quinze anos virou pajem do cardeal Morton, da Cantuária. Foi um pensador humanista, otimista em relação à solução dos problemas, bastando para isso bem conduzir a razão e obedecer a natureza. Tinha muitas relações e amizades, apesar de reconhecer injustiças nas nações da Europa. Em 1497 foi terminar os estudos em Oxford, onde tomou contato com Desiderius Erasmo, filósofo e teólogo

de Rotterdam, Holanda. Se tornaram grandes amigos, e More era como um discípulo de Erasmo, mais velho, que dedicou à ele seu principal livro Elogio da Loucura. Mantiveram correspondência. Thomas More chegou à chanceler da Inglaterra e escrevia para Erasmo: “Não podes avaliar com que aversão me encontro nesses negócios de príncipe, não há nada de mais odioso do que essa embaixada.” More falava de sua missão diplomática de resolver uma importante dissidência entre Henrique VIII, a quem chama de invencível e dono de um gênio raro, e o príncipe Carlos da região de Castela.

Henrique VIII fundou o anglicanismo, religião oficial da Inglaterra, para poder se casar de novo. Isso não era permitido pela Igreja Católica, e Henrique, consultando o Papa, descobriu que só podia casar com outra mulher em caso de morte da atual. Certamente por algum problema genético, Henrique só tinha filhas mulheres. Mas achando, que o defeito estava nas mães, mandou matar diversas esposas. Ele queria um descendente homem. O principal motivo da fundação do anglicanismo foi a permissão do divórcio. More era católico e não aceitou a nova religião. Em 1532 pediu demissão do cargo. Em 1533 ofendeu Ana Bolena, uma das esposas de Henrique VIII, não assistindo sua coroação e não prestando fidelidade aos seus descendentes. Na religião anglicana o chefe de estado era o chefe de religião. Desgostado, Henrique condenou More a prisão perpétua e depois à morte por crime de alta traição. Foi decapitado em 1535.

Seu principal livro é um livro político, A Utopia, que em grego significa “não lugar, lugar que não existe”. A Utopia é uma ilha afastada do continente europeu, mas no livro, Rafael Hitlodeu (Hitlodeu quer dizer aproximadamente nonsense, contador de disparates) não especifica em que oceano ela fica, só diz que foi parar lá depois de embarcar numa das viagens de Américo Vespúcio, e voltou lá depois. A Ilha de Utopia abarca a sociedade ideal, esse termo depois virou sinônimo de coisa ideal, inatingível, mas esse significado semântico foi dado por More. Há jogos de palavras também com o nome do rio Anidro, sem água, do príncipe, Ademo, sem povo e da capital Amauroto, evanescente, que some como miragem.

Pode-se considerar o termo utopia como o sinônimo de uma coisa boa, porém não alcançável. Isso dá um certo tom pejorativo. Mas será que é válido pensar em utopias? Por exemplo, no início do século XIX, era uma utopia a escravidão acabar ou o homem voar, mas isso acabou ocorrendo depois.

Thomas More admirava Platão  e tirou a inspiração para A Utopia da República. Hitlodeu cita expressamente sua admiração à Platão. Podemos considerar certas influências de More ao

42

Page 43: Vida e Obra de Filosofos

escrever o livro. Ele era um humanista muito culto, e conhecia as línguas clássicas, grego e latim. Na república, Platão nos falara de uma cidade ideal, onde os reis-filósofos governariam. Os dois livros se passam na forma de um diálogo, que é quase um monólogo.

Na República de Platão, não havia a família, os filhos eram tirados dos pais e os casamentos eram selecionados de modo a garantir a eugenia. More preserva a família, a eleva à categoria de educadora. Toda a sociedade uropiana é familiar, More chega a falar que a Ilha é uma “Grande Família”. Na história do livro, More, em primeira pessoa conta que conheceu algumas pessoas durante sua viagem diplomática, que o afastou mais de quatro meses da família e da pátria. Uma dessas pessoas era o já citado Rafael Hitlodeo, viajante experimentado, que sabia diversas coisas de diversos países ao redor do globo. Assim, o livro passa para o relato de Rafael, que inicialmente fala de povos como os açorianos e maçorianos, suas sociedades e dos polileritas, seu sistema de justiça. Esse povo, de uma nação dependente da Pérsia, vivem longe do mar numa terra fértil. São pacíficos, e quando alguém é apanhado em furto, é obrigado a devolver o produto do crime ao dono, e não ao Estado. Nos rebeldes e ociosos são aplicados castigos físicos. Os criminosos são marcados na cabeça, e transformados em escravos. More descreve uma discussão sobre ser possível ou não aplicar essa legislação na Inglaterra. Nessa discussão, um bufão ridiculariza os freis, chamando-os de vagabundos, e o frei ali presente fica colérico. Mas More era como Erasmo, achava o cristianismo bom em seu princípio, mas com a mensagem deturpada através dos séculos. Para More, “torceram o evangelho como se fosse uma lei de chumbo, para modelá-lo segundo os maus costumes dos homens”.

Uma sociedade justa deveria ter leis pouco numerosas (More era advogado) e as riquezas repartidas. A principal crítica social de More gira em torno da abolição da propriedade privada. Adverte que a igualdade seria impossível com a propriedade. É um dos primeiros a atacar a propriedade na era cristã. Na República de Platão, os cidadão adotavam um regime de comunhão de bens. Proudhon mais tarde chamaria a propriedade de roubo. Na Utopia existe também a comunhão de bens. No livro segundo o personagem Gabriel descreve a Utopia:

É uma ilha em forma de semi-círculo, de quinhentas milhas de arco. Tem uma fortaleza e é inacessível para quem não é nativo, pois existem poucos caminhos que escapam dos rochedos. O nome da ilha vem de seu fundador, Utopus, que primeiro se apoderou dela. Existem cinquenta e quatro cidades. Na capital, são trinta famílias com quarenta indivíduos cada. Cada família é dirigida por uma filarca, ou aquela que ama. Existe renovação anual do trabalho agrícola, uma das principais atividades. Todos os meses há uma festa. Tem mel e sucos de frutas. Fazem música nas horas de lazer, além de outras coisas.

Nas cidades da Utopia, grande parte das casas são de três andares. Tem palacetes também. Eles são governados por um príncipe. As crianças são educadas nas escolas. Além de agricultores, os utopianos são tecelões, pedreiros, oleiros e carpinteiros. As mulheres trabalham nos serviços mais leves, como a tecelagem. Todos usam as mesmas roupas. Vestir roupas luxuosas é censurável, pois elas incitam a desigualdade e a falsa superioridade. A vaidade, no livro é criticada em diversos aspectos. O trabalho não é esgotante, são seis horas por dia, mas todos trabalham. Dessa forma, não sãos as massas trabalhadoras que tem que fazer o trabalho dos vagabundos e parasitas, como por exemplo certos nobres e religiosos. More retoma o exemplo do zangão da República, que não trabalha.

43

Page 44: Vida e Obra de Filosofos

O mais velho é o chefe, depois os maridos, que são servidos pela suas esposas. As crianças obedecem aos pais e todos respeitam os mais velhos.

More critica o orgulho e a vaidade, que levam ao luxo supérfluo. Efetivamente, diz que todos os países do mundo adotariam o regime de Utopia se não fosse o orgulho, “esse pai de todas as pestes”. Utopia não tem dinheiro. Existem hospitais e médicos, apesar deste serem pouco requisitados, pois todos são saudáveis. É uma das profissões mais respeitadas. O prazer não está ligado ao luxo. Esse leva a um “falso prazer”, que deve ser descartado, por ser na verdade desagradável. O verdadeiro prazer pode ser mental ou corporal. Um prazer mental, pode vir, por exemplo quando se compreende uma coisa. O prazer corporal pode também vir de várias formas, como no ato de comer, de extrair excrementos, ou de aliviar algum excesso, como é o caso da relação sexual. Mas o principal prazer corporal é a saúde contínua. Aprovam a volúpia que não leva ao mal. More descreve o que ele consideram volúpia, não apenas a sensual, mas todo o prazer do corpo, que deve ser cultivado. Apesar de por fora não parecerem, todos são vigorosos. A saúde perfeita tem equilíbrio entre todas as partes do corpo.

O bem individual é submetido ao bem geral. Tem ouro e prata importados, mas esses estão abaixo dos ferros, e não são valorosos. Na religião acreditam na imortalidade da alma. Deus existe e recompensa a virtude. Os utopianos acreditam em felicidade após a morte, por isso não choram os mortos, só os doentes. A virtude se consegue vivendo segundo a natureza. A razão leva adoração de Deus, os dois estão em comunhão. Só existimos por causa de Deus. A religião de Utopia funciona como uma espécie de regulador social, pois é do temor à Deus que advém a busca por justiça. Pois, se não pensarmos em uma vida após onde seremos julgados, todos buscarão todas as espécies de prazer, sem nenhum limite. A religião tem algum preceitos básicos, com influência (do More autor) de escolas diferentes e até mesmo contrárias, como a epicurista e estóica. O catolicismo também deixa sua marca, e Hitlodeu conta, que conseguiu converter vários Utopianos à essa religião. Os utopianos tem liberdade de culto e tolerância religiosa, mas são vistos como suspeitos os que não acreditam em uma força na natureza que tudo rege, tenha ela o nome que tiver, ou não acreditam na imortalidade da alma.

A caça é proibida, por ser considerada crueldade. Houve outras interações culturais na Utopia. Gabriel, que permaneceu lá por cinco anos ensinou grego. Todos ficaram admiradores da cultura grega. Gabriel passou alguns livros clássicos. Gabriel também ensinou o cristianismo, e conquistou muitos adeptos. Todos concordam que existe um ser supremo. Os materialistas são desprezados como resultado de uma natureza inerte e impotente. Existem poucos padres. Mas há festas religiosas todos os meses, e um culto muito poderoso, que enche todos de reverência e temor à Deus. O sacerdote nessas ocasiões uma roupa diferente, feita de penas. Depois da passagem inicial , todos cantam. A música é vista como uma tipo especial de prazer, que embevece todos os sentidos ao mesmo tempo.

A guerra na Utopia é motivo de vergonha, mas às vezes é necessária. Os zapoletas, de uma nação vizinha vivem para a guerra e são semi selvagens. Todos são treinados para defender a República em caso de guerra. Mas são pacíficos. Os sacerdotes rezam primeiro pela paz e depois pela vitória de Utopia. Se um utopiano é humilhado em terra estrangeira, exige-se a punição dos culpados. Se o caso se complicar, é guerra. Mas ninguém busca a glória no campo de batalha. Preferem até pagar mercenários para lutar em seu lugar, visto que tem acúmulo de ouro. A única função do ouro é pagar mercenários, além é claro de servir para a feitura de pinicos e correntes para escravos. Na ilha tem escravos, que são geralmente prisioneiros de

44

Page 45: Vida e Obra de Filosofos

guerra ou criminosos. Existem alguns estrangeiros que se oferecem para serem escravos, só para poderem viver na ilha. esses são muito respeitados, pois o trabalho é algo enaltecido por todos. Os utopianos são muito patrióticos, preferem qualquer um de seu país à um rei estrangeiro. Na ilha, todos estão em casa em qualquer cidade. Viajam com um visto do príncipe. As cidades não são muito distantes. E apesar de ninguém ter nada, todo mundo é rico. Nos centros das casas são depositados materiais de primeira necessidade produzidos, que são pegos pelos pais de famílias.

More ergueu seu protesto, principalmente contra as injustiças da Inglaterra de Henrique VIII. Ataca a monarquia e as instituições, bem como a vida de luxos inúteis em cima do trabalho de outros. Se inspirou em Platão e anarquistas e comunistas se inspiraram nele.

http://www.consciencia.org/more.shtml

Michel de Montaigne (*1533 +1592)

Michel Eyquem nasceu em dia não sabido no Castelo de Montaigne, de propriedade de seu pai, na Dordonha (França). Adotou o nome da propriedade ao herdá-la em 1568. Sua mãe descendia de judeus portugueses. Michel de Montaigne foi educado em latim e sempre dedicou interesse às letras, passando, porém, progressivamente, da poesia à história. Também se interessava pelos relatos de viagem e teve oportunidade de encontrar um índio sul-americano conduzido à Europa, que lhe inspiraria o magnífico capítulo 31 do Livro 1 dos seus "Ensaios": "Dos Canibais", onde

demonstra com grande eficácia sua crítica dos preconceitos e do etnocentrismo (em plena época da guerra das religiões).

Conselheiro do Parlamento de Bordeaux de 1557 a 1570, Montaigne aí conheceu o poeta e pensador Ettiénne de La Boétie. Tornou-se seu amigo até a morte precoce de La Boétie, em 1563, aos 33 anos. Em 1574, após a Noite de São Bartolomeu - massacre de protestantes por católicos em Paris - Montaigne fez no Parlamento de Bordeaux um discurso notável em prol da tolerância religiosa, e conclamando todos a evitar a violência e estabelecer a ordem pela força da palavra e das ideias.

Aos 32 anos, em 1565, ele havia se casado com Françoise de la Chassaigne, onze anos mais jovem que ele. Teve com ela seis filhos, dos quais apenas uma menina, Leonor sobreviveu.Condecorado em 1571 pelo rei Henrique 3o com a ordem de Saint-Michel e nomeado Cavalheiro ordinário da Câmara do rei, também foi honrado por Henrique 4o em 1577 com o título de Cavaleiro de sua Câmara. Elegeu-se prefeito de Bordeaux e exerceu o cargo entre 1580 e 1581. Ao fim de sua vida, preferiu tornar-se um simples observador da vida pública. Tendo começado a escrever em 1572, publicou os dois primeiros volumes de "Ensaios" em 1580, mas a eles acrescentou um terceiro volume e diversas modificações em 1588 e neles trabalhando ainda em 1592, seu último ano de vida.

45

Page 46: Vida e Obra de Filosofos

Montaigne fez de si mesmo seu grande objeto de estudo, mas, estudando a si mesmo, estudava na verdade o ser humano. Segundo um estudioso, "Montaigne se descobriu escrevendo os 'Ensaios' e seu livro o fez ao mesmo tempo em que ele fazia seu livro".

Ensaios é sua obra-prima

Humanista, Montaigne defende um certo número de teses sobre as quais sempre retoma em seus Ensaios. Tendo uma vida dividida entre uma carreira jurídica e administrativa (foi prefeito de Bordeaux, França), aproveitava-se dos retiros em seu castelo para se isolar e escrever. O tema: a sabedoria.

Ensaios é sua obra-prima, que floresceu após 20 anos de reflexão. Consiste em um modo de pensar crítico à sociedade do século XVI, embora aborde temas variados. Algumas de suas teses são:

1 – Toda ideia nova é perigosa;

2 – Todos os homens devem ser respeitados (humanismo)

3 – No domínio da educação, deve-se respeitar a personalidade da criança.

Esta última tese chama atenção, já que para Montaigne deve-se formar um homem honesto e capaz de refletir por si mesmo. Este homem deverá procurar o diálogo com os outros, tendo senso de relatividade sobre todas as coisas. Assim, ele conseguirá se adaptar à sociedade onde deverá viver em harmonia com os outros homens e com o mundo. Ele será um espírito livre e liberto de crenças e superstições.

Segundo Montaigne, os pensamentos e atitudes do homem estão submetidos ao tempo, que pode metamorfoseá-los. Para chegar a esta conclusão, costuma-se ver o pensamento de Montaigne dividido em três etapas evolutivas:

A primeira fase é a do estoicismo, na qual o filósofo adota, sob a influência de seu amigo La Boétie, a pretensão estoica de alcançar a verdade absoluta. Mas seu espírito convive mais com a dúvida, e a experiência estoica certamente marcou, para sempre, a ruptura de Montaigne com qualquer ideia de verdade absoluta.

A segunda fase, como consequência da primeira e também em razão do ambiente em que viveu, numa França dividida pelos conflitos intelectuais entre católicos e protestantes, com muita violência e guerras, Montaigne é seduzido pelos filósofos do ceticismo, da dúvida. Segundo estes, se o homem não sabe nada de si mesmo, como pode saber tanto sobre o mundo e sobre Deus e sua vontade? A dúvida é para Montaigne uma arma contra o fanatismo religioso.

Na terceira e última etapa, já maduro e ao fim de sua vida, Montaigne se interessa mais por si mesmo do que por outros filósofos. Seus últimos escritos, os “Ensaios”, são muito pessoais. Ele se persuadiu de que o único conhecimento digno de valor é aquele que se adquire por si mesmo. Seu ceticismo ativo é uma tentativa de crítica radical dos costumes, dos saberes e das

46

Page 47: Vida e Obra de Filosofos

instituições da época. Com isto, a contribuição de Montaigne é fundamental na constituição do pensamento moderno.

Os “Ensaios” tratam de uma enorme variedade de temas: da vaidade, da liberdade de consciência, dos coxos, etc., e por serem ensaios não têm uma unidade aparente. Livremente, o

filósofo deixa seu pensamento fluir e ganhar forma no papel, vagando de ideia em ideia, de associação a associação. Não escreve para agradar os leitores, nem escreve de modo técnico ou com vistas à instrução. Ele pretende, ao contrário, escrever para as gerações futuras, a fim de deixar um traço daquilo que ele foi, daquilo que ele pensou em um dado momento. Montaigne adotou o princípio grego “Conhece-te a ti mesmo”. Portanto, segundo ele, a escrita é um meio de chegar a este conhecimento de si.

Ensaios é sua obra prima: Por João Francisco P. Cabral 

 http://www.brasilescola.com/filosofia/as-ideias-michel-montaigne.htm http://educacao.uol.com.br/biografias/michel-de-montaigne.jhtm

Francis Bacon (*1561 +1626)

O iniciador do empirismo é Francis Bacon. Enalteceu ele a experiência e o método dedutivo de tal modo, que o transcendente e a razão acabam por desaparecer na sombra. Falta-lhe, no entanto, a consciência crítica do empirismo, que foram aos poucos conquistando os seus sucessores e discípulos até Hume. Ademais, Bacon continua afirmando - mais ou menos logicamente - o mundo transcendente e cristão; antes, continua a considerar a filosofia como esclarecedora da essência da realidade, das formas,

sustentáculo e causa dos fenômenos sensíveis. É uma posição filosófica que apela para a metafísica tradicional, grega e escolástica, aristotélica e tomista. Entretanto, acontece em Bacon o que aconteceu a muitos pensadores da Renascença, e o que acontecerá a muitos outros pensadores do empirismo e do racionalismo: isto é, a metafísica tradicional persiste neles todos histórica e praticamente ao lado da nova filosofia, tanto mais quanto esta é menos elaborada, acabada e consciente de si mesma.

Vida e Obras

Francis Bacon nasceu no dia 22 de janeiro de 1561 na York House, Londres, residência de seu pai sir Nicholas Bacon, que nos primeiros vinte anos do reinado de Elizabeth tinha sido o Guardião do Sinete. "A fama do pai", diz Maucaulay, "foi ofuscada pela do filho". Mas sir Nicholas não era um homem comum." A mãe de Bacon foi lady Anne Cooke, cunhada de sir William Cecil, lorde Burghley, que foi tesoureiro-mor de Elizabeth e um dos homens mais poderosos da Inglaterra. O pai dela tinha sido o tutor-chefe do rei Eduardo VI; ela mesma era linguista e teóloga, e não tinha dificuldade em se corresponder em grego com bispos. Tornou-se instrutora do filho e não poupou esforços para que ele tivesse instrução. Bacon frequentou a Universidade de Cambridge, e viveu também em Paris. Começou a sua carreira de

47

Page 48: Vida e Obra de Filosofos

homem político e jurista, antes sob a rainha Isabel, e, depois, sob Jaime I, subindo até aos mais altos cargos: advogado geral em 1613, membro do Conselho particular em 1616, chanceler do reino em 1618. Foi agraciado por Jaime I com os títulos de Barão de Verulamo e Visconde de S. Albano. Entretanto foi acusado de concussão e condenado pelo Parlamento a uma multa avultada. Perdoado pelo rei, retirou-se para as suas terras, dedicando-se inteiramente aos estudos. Faleceu em 1626. Teve uma inteligência muito esclarecida, convencido da sua missão de cientista, segundo o espírito positivo e prático da mentalidade anglo-saxônica.

A obra principal de Bacon é a Instauratio magna scientiarum, vasta síntese que deveria ter compreendido seis grandes partes. Mas terminou apenas duas, deixando sobre o resto esboços e fragmentos. As duas partes acabadas são precisamente: I - De dignitate et argumentis scientiarum; II - Novum organum scientiarum. Como se vê pelos títulos, e mais ainda pelo conteúdo, trata-se de pesquisas gnosiológicas, críticas e metodológicas, para lançar as bases lógicas da nova ciência, da nova filosofia, que deveria dar ao homem o domínio da realidade.

Os Ensaios

Sua ascensão parecia tornar realidade os sonhos de Platão de um rei-filósofo. Porque, passo a passo com a sua subida para o poder político, Bacon estivera escalando os píncaros da filosofia. É quase inacreditável que o imenso saber e as realizações literárias desse homem fossem apenas os incidentes e as digressões de uma turbulenta carreira política. Era seu lema que se vivia melhor na vida oculta - bene vixit qui bene latuit.

Não conseguia chegar a uma conclusão sobre se gostava mais da vida contemplativa ou da ativa. Sua esperança era de ser filósofo e estadista, também, como Sêneca; embora desconfiasse de que essa dupla direção de sua vida fosse encurtar o seu alcance e reduzir suas realizações. "É difícil dizer", escreve ele, e "se a mistura de contemplações com uma vida ativa ou o retiro inteiramente dedicado a contemplações é o que mais incapacita ou prejudica a mente." Achava que os estudos não podiam ser um fim ou a sabedoria por si sós, e que o conhecimento não aplicado em ação era uma pálida vaidade acadêmica. 

"Dedicar-se em demasia aos estudos é indolência; usá-los em demasia como ornamento é afetação; fazer julgamentos seguindo inteiramente suas regras é o capricho de um scholar. (...) Os homens astutos condenam os estudos, os homens simples os admiram, e os homens sábios se utilizam deles, obtida graças à observação." 

Eis uma nova nota que marca o fim da escolástica - isto é, o divórcio entre o conhecimento e o uso e a observação - e coloca aquela ênfase na experiência e nos resultados que distingue a filosofia inglesa, e culmina no pragmatismo.

Não que Bacon tivesse, por um instante, deixado de amar os livros e a meditação; em palavras que lembram Sócrates, ele escreve: "sem filosofia, não quero viver", e descreve a si mesmo como, afinal de contas, "um homem naturalmente mais propenso à literatura do que a qualquer outra coisa, e levado por algum destino, contra a inclinação de seu gênio" (isto é caráter), "a vida ativa". Quase que a sua primeira publicação recebeu o título de O Elogio do Conhecimento (1592); o entusiasmo do trabalho pela filosofia nos obriga a uma citação.

"Meu elogio será dedicado à própria mente. A mente é o homem, e o conhecimento é a mente; um homem é apenas aquilo que ele sabe. (...) Não são os prazeres das afeições maiores do que os prazeres dos sentidos, e não são os prazeres do intelecto maiores do que os prazeres das afeições? Não se trata, apenas, de um verdadeiro e natural prazer do qual não há saciedade? Não é só esse conhecimento que livra a mente de todas as perturbações? Quantas coisas

48

Page 49: Vida e Obra de Filosofos

existem que imaginamos não existirem? Quantas coisas estimamos e valorizamos mais do que são? Essas vãs imaginações, essas avaliações desproporcionadas, são as nuvens do erro que se transformam nas tempestades das perturbações. Existirá, então, felicidade igual à possibilidade da mente do homem elevar-se acima da confusão das coisas de onde ele possa ter uma atenção especial para com a ordem da natureza e o erro dos homens? De contentamento e não de benefício? Será que não devemos perceber tanto a riqueza do armazém da natureza quanto a beleza de sua loja? Será estéril a verdade? Não poderemos, através dela, produzir efeitos dignos e dotar a vida do homem com uma infinidade de coisas úteis?"

Sua mais bela produção literária, os Ensaios (1597-1623), mostram-no ainda indeciso entre dois amores, a política e a filosofia. No Ensaio sobre a Honra e a Reputação, ele dá todos os graus de honra a realizações políticas e militares, nenhum a literárias e filosóficas.

Mas no ensaio Da Verdade, ele escreve: "A indagação da verdade, que é namorá-la ou cortejá-la; o conhecimento da verdade, que é o elogio a ela; e a crença na verdade, que é gozá-la, são o bem soberano das naturezas humanas."

Nos livros, "conversamos com os sábios, como na ação conversamos com tolos". Isto é, se soubermos escolher os nossos livros. "Certos livros são para serem provados", outros para serem engolidos, e alguns poucos para serem mastigados e digeridos"; todos esses grupos formam, sem dúvida, uma porção infinitesimal dos oceanos e cataratas de tinta nos quais o mundo é diariamente banhado, envenenado e afogado.

Não há dúvida de que os >Ensaios devem ser incluídos entre os poucos livros que merecem ser mastigados e digeridos. Raramente se encontrará uma refeição tão substanciosa, tão admiravelmente preparada e temperada, em um prato tão pequeno. Bacon abomina os recheios e detesta desperdiçar uma palavra; ele nos oferece uma infinita riqueza numa pequena frase; cada um desses ensaios fornece, em uma ou duas páginas, a destilada sutileza de uma mente de mestre sobre um importante aspecto da vida.

É difícil dizer o que é mais excelente, se a matéria ou o estilo; porque ali se acha uma linguagem de tão alta qualidade na prosa quanto é a de Shakespeare em verso. É um estilo como o do vigoroso Tácito, compacto mas refinado; e na verdade uma parte de sua concisão se deve a uma habilidosa adaptação do idioma e do frasear latinos. Mas a sua riqueza no que se refere a metáforas é caracteristicamente elisabetana e reflete a exuberância da Renascença; nenhum homem, na literatura inglesa, é tão fértil em comparações significativas e substanciosas.

A excessiva sucessão dessas comparações constitui o único defeito do estilo de Bacon: as intermináveis metáforas, alegorias e alusões caem como chicotes sobre os nossos nervos e acabam por nos exaurir. Os Ensaios são como um alimento rico e pesado, que não pode ser digerido em grandes quantidades de uma só vez; mas tomados quatro ou cinco de cada vez, constituem o melhor alimento intelectual.

No ensaio "Da Juventude e da Idade” ele condensa um livro em um parágrafo:

"Os jovens são mais aptos para inventar do que para julgar, mais aptos para a execução do que para o assessoramento, e mais aptos para novos projetos do que para atividades já estabelecidas; porque a experiência da idade em coisas que estejam ao alcance dessa idade os dirige; mas em coisas novas, os maltrata. (...) Os jovens, na conduta e na administração dos atos, abraçam mais do que podem segurar, agitam mais do que podem acalmar; voam para o fim sem consideração para com os meios e os graus; perseguem absurdamente alguns princípios com que toparam por acaso; não se importam em "(isto é, em como)" inovar, o que provoca transtornos desconhecidos. (...) Os homens maduros fazem objeções demais, demoram-

49

Page 50: Vida e Obra de Filosofos

se demais em consultas, arriscam-se muito pouco, arrependem-se cedo demais e raramente levam o empreendimento até o fim, mas se contentam com uma mediocridade de sucesso. Não há dúvida de que é bom forçar o emprego de ambos (...), porque as virtudes de qualquer um deles poderão corrigir os defeitos dos dois.”

Bacon acha, apesar de tudo, que a juventude e a infância podem ter uma liberdade demasiada e, assim, crescer desordenadas e relaxadas. "Que os pais escolhem cedo as vocações e os cursos que pretendem que seus filhos sigam, pois é nessa fase que eles são mais flexíveis; e que não se concentrem demais no pensar dos filhos, pensando que estes irão dedicar-se melhor àquilo para que estejam mais inclinados. É verdade que se os pendores ou a aptidão dos filhos forem extraordinários, é bom não contrariá-los; mas em geral, é bom o preceito" dos pitagóricos: "Optimum lege, suave et facile illud faciet consuetudo" - escolha o melhor; o hábito irá torná-lo agradável e fácil. Porque "o hábito é o principal magistrado da vida do homem."

A política dos Ensaios prega um conservantismo natural em que aspira ao governo. Bacon quer um forte poder central. A monarquia é a melhor forma de governo; e em geral, a eficiência de um Estado varia com a concentração do poder.

"Deve haver três pontos essenciais nas atividades" do governo: "a preparação; o debate, ou exame; e a conclusão" (ou execução). "Se quiserdes presteza, que só o do meio fique a cargo de muitos, com o primeiro e o último ficando a cargo de uns poucos." Ele é um militarista confesso; deplora o crescimento da indústria por considerar que isso deixa os homens despreparados para a guerra, e lamenta uma paz prolongada, por aplacar o guerreiro que existe no homem. Apesar disso, reconhece a importância das matérias-primas: "Sólon disse a Creso (quando, por ostentação, Creso lhe mostrou o seu ouro): "Senhor, se chegar qualquer outro que tenha melhor ferro do que vós, ele será dono de todo esse ouro."

Tal como Aristóteles, Bacon dá alguns conselhos para se evitarem revoluções.

"O meio mais seguro de evitar sedições (...) é afastar a causa; porque se o combustível estiver preparado, é difícil dizer de onde virá a fagulha que irá atear-lhe fogo. (...) Tampouco se segue que a supressão dos rumores" (isto é, da discussão) "com demasiada severidade deva ser o remédio para os problemas; porque muitas vezes o desprezo é a melhor forma de contê-los, e as providências para reprimi-los só fazem dar vida longa à especulação. (...) A substância da sedição é de dois tipos: muita pobreza e muito descontentamento. (...) As causas e motivos das sedições são as inovações na religião; os impostos; as modificações de leis e costumes; o cancelamento de privilégios; a opressão generalizada; o progresso de pessoas indignas, estranhas, as privações; soldados desmobilizados; facções desesperadas; e tudo aquilo que, ao ofender um povo, faz com que ele se una em uma casa comum."

A sugestão de todos os líderes, claro, é dividir seus inimigos e unir os amigos. "De modo geral, é dividir e enfraquecer todas as facções (...) contrárias ao Estado, e colocá-las longe uma das outras, ou pelo menos semear a desconfiança entre elas, não é um dos piores remédios; porque é desesperador o caso em que aqueles que apoiam o governo estão cheios de discórdia e cisões, e os que estão contra ele estão inteiros e unidos."

Uma receita melhor para evitar as revoluções é uma distribuição equitativa da riqueza: 

"O dinheiro é como o esterco, só é bom se for espalhado."

Mas isso não significa socialismo ou, mesmo, democracia; Bacon não confia no povo, que na sua época praticamente não tinha acesso à educação; "a mais baixa das lisonjas é a lisonja do homem do povo", e "Fócion compreendeu bem quando, ao ser aplaudido pela multidão, perguntou o que tinha feito de errado." O que Bacon quer é, primeiro, uma pequena burguesia

50

Page 51: Vida e Obra de Filosofos

de proprietários rurais; depois, uma aristocracia para a administração; e acima de todos, um rei-filósofo. "Quando não há exemplos de que um governo não tenha prosperado com governos cultos." Ele cita Sêneca, Antônio Pio e Aurélio; tinha a esperança de que aos nomes deles a posteridade acrescentasse o seu.

O Pensamento: A "Instauratio Magna"

A Instauratio magna scientiarum deveria ter precisamente representado a reforma do saber, deveria ter constituído a summa philosophica dos tempos novos, e lançado o fundamento do regnum hominis, tão audazmente iniciado pela ciência e pela política da Renascença.

Essa obra deveria ter abraçado a enciclopédia das ciências e compreendido também as técnicas, segundo o novo ideal humano e prático e imanentista. Começa-se, portanto, com a classificação geral das disciplinas humanas, baseada no respectivo predomínio das três faculdades que presidem à organização do saber: memória, fantasia, razão. Essa classificação é baseada não no objeto do conhecimento, e sim no sujeito que conhece. 

1) História tanto civil quanto natural, que registra (memória) os dados de fato; 

2) Poesia, elaboração imaginativa desses dados; 

3) Ciência ou filosofia, isto é, conhecimento racional de Deus, do homem e da natureza.

A teologia natural de Bacon não exclui, mas prescinde da revelação cristã e da religião positiva.

A ciência do homem divide-se em ciência do homem individual (philosophia humanitatis), e em ciência da sociedade humana (philosophia civilis).

A primeira diz respeito ao homem todo, espírito e matéria. A segunda diz respeito à arte de governar e às relações sociais e aos negócios.

A filosofia natural ou física, divide-se em especulativa e operativa. A primeira, por sua vez, se divide em física especial ("que procura a causa eficiente e material"), e em metafísica ("que procura a causa final e a forma"). Pertencem pois à  física operativa as artes mecânicas. Acima das ciências filosóficas particulares, Bacon põe uma ciência filosófica comum, denominando-a filosofia prima. Esta não é a ontologia tradicional, a ciência do ser em geral, mas a ciência dos princípios comuns às várias ciências.

O "Novum Organum"

Entretanto, o que interessa mais a Bacon não é esta ciência dos princípios comuns, e sim a ciência da natureza, e, portanto, o Novum organum, que deveria conter precisamente as regras para a construção da ciência da natureza.

Como é sabido, Bacon reivindica, contra Aristóteles e a Escolástica, o método indutivo. Aristóteles e Tomás de Aquino afirmaram claramente este método, e até o reconheceram como único procedimento inicial do conhecimento humano; entretanto a eles interessavam muito mais as causas do que a experiência, o que transcende a experiência do que a experiência; muito mais a metafísica do que a ciência.

Segundo Bacon, o verdadeiro método da indução científica compreende uma parte negativa ou crítica, e uma parte positiva ou construtiva.

51

Page 52: Vida e Obra de Filosofos

A parte negativa consiste, antes de tudo, em alertar a mente contra os erros comuns, quando procura a conquista da ciência verdadeira. Na sua linguagem imaginosa Bacon chama as causas destes erros comuns, fantasmas - idola - e os divide em quatro grupos fundamentais.

1) Idola tribus, a saber, os erros da raça humana "fundamentados em a natureza como tal" (não se sabe, pois, o verdadeiro por que);

2) Idola specus (por alusão à caverna de Platão) determinados pelas disposições subjetivas de cada um;

3) Idola fori, erros da praça, provenientes do comércio social ou da linguagem imperfeita;

4) Idola theatri, isto é, os erros provenientes das escolas filosóficas, que substituem o mundo real por um mundo fantástico, por um jogo cênico.

Desembaraçado o terreno destes erros, Bacon passa a tratar da natureza positiva, construtiva, da genuína interpretação da natureza para dominá-la. Mas, para tanto, é mister conhecer as que Bacon chama de >formas, isto é, os princípios imanentes, causa e lei da ação e da ordem das naturezas. As naturezas são precisamente os fenômenos experimentais, objeto da física especial (luz, calor, peso, etc.); as formas são leis genéticas e organizadoras das naturezas, as essências ou causas formais, objeto da metafísica de Bacon.

Esta pesquisa, esta passagem das naturezas às formas, dos fenômenos às essências - bem conhecida pela filosofia tradicional - é determinada por Bacon, segundo um método preciso, desconhecido dos predecessores, nas famosas tabulae baconianas.

Para determinar de um modo certo as causas e as leis dos fenômenos - isto é, as formas das naturezas - Bacon recolhe, antes de tudo, o maior número possível de exemplos, em que um determinado fenômeno aparece; depois enumera os casos que mais se assemelham às primeiras, em que, porém, o mesmo fenômeno não aparece.

Enfim registra o aumentar ou o diminuir do fenômeno em questão, quer no mesmo objeto, quer em objetos diferentes. Têm-se, desta maneira, três espécies de registros ou tabelas: 

1-tabelas de presença;

2- tabelas de ausência; 

3- tabelas de gradações.

É evidente que nos casos onde uma determinada natureza ou fenômeno aparecem, aí se encontrará também a sua causa e lei; nos casos em que o fenômeno não se manifesta, aí faltará também a sua causa e lei; e nos casos onde o fenômeno aumenta ou diminui, aí aumentará ou diminuirá também a sua causa e lei.

A causa (forma) dos fenômenos (naturezas) será procurada, portanto, com base nos fenômenos presentes na primeira tabela; não sendo fácil, a princípio, ter-se tabelas completas e isolar as naturezas simples, e desta maneira pôr em evidência a causa, é mister estabelecê-la por hipótese, que será, em seguida, averiguada pelas experimentações.

Essa gnosiologia, metodologia (empírica) é baseada em uma metafísica, uma física materialista e, mais precisamente, atomista, bastante semelhante à de Demócrito. O mundo material é constituído de corpúsculos, qualitativamente idênticos, diversos apenas por grandeza, forma e posição. Estes corpúsculos são animados por uma força, em virtude da qual se agrupam em determinados complexos, que constituem as formas baconianas.

 http://www.mundodosfilosofos.com.br/bacon.htm#ixzz20ErKalkv

52

Page 53: Vida e Obra de Filosofos

Hobbes (*1588 +1679)

Vida e obra: Primeiro materialista moderno, Hobbes corajosamente sustentou, numa época profundamente religiosa, que não existia substância espiritual. É mais conhecido por sua filosofia política, que afirma que é racional indivíduos se submeterem a um soberano forte para assegurar a ordem e a paz.

Thomas Hobbes nasceu na Inglaterra. Após se formar em Oxford foi preceptor do conde de Devonshire e viajou muito pela Europa,

conhecendo os intelectuais da época, como Descartes, Galileu e Gassendi.

Mal voltara à Inglaterra, teve que fugir para a França em 1640, antes da deflagração da Guerra Civil inglesa, durante a qual apoiou os realistas. Nesse período, foi preceptor do futuro rei exilado, Carlos II. Iniciou sua trilogia filosófica com O Cidadão (1642). Sua grande obra, Leviatã, foi publicada em 1651, mas atraiu a atenção desfavorável das autoridades francesas, e Hobbes teve que retornar à Inglaterra no momento em que a Commonwealth de Oliver Cromwell chegava ao fim. Hobbes continuou a escrever e gozou de uma vida intelectual ativa até morrer, aos 91 anos.

Principais ideias: Como os antigos atomistas, Hobbes sustenta que o mundo consiste exclusivamente de partículas materiais em movimento e que a própria ideia de uma substância não material, chave para os conceitos tradicionais de Deus e da alma humana, é contraditória.

Assim, o comportamento de todo o Universo, inclusive a ação humana, é explicável com base em princípios puramente mecânicos. Isso implica que a mente pode ser explicada em termos de movimento no corpo e, em particular, dentro do cérebro. Sensação, imaginação e até pensamento abstrato são redutíveis a processos materiais: toda motivação, nossas aversões e apetites, não passam fundamentalmente do vaivém de partículas em movimento.

Dessa visão materialista da natureza humana brota a filosofia política de Hobbes. Tendo desejos semelhantes, os seres humanos estão fadados a entrar em conflito, num mundo de recursos limitados.

No Leviatã, ele imagina um "estado de natureza" que é a situação anterior à formação da sociedade, em que cada pessoa persegue os próprios interesses: um estado em que cada um está em guerra com os demais.

Como todos estariam em melhor situação se cooperassem, deve ser racional para cada um de nós restringir nossa liberdade e cumprir leis, contanto que possamos crer que todos farão o mesmo.

Para Hobbes, isso pode ser alcançado por um contrato social que entregue o poder a um soberano capaz de impor a obediência universal às leis.

Bibliografia: CHAUI, Marilena – Iniciação à Filosofia; Ed. Ática, 2009 / LAW, Stephen – Guia Ilustrado Zahar de Filosofia; Ed. Zahar, 2008

53

Page 54: Vida e Obra de Filosofos

René Descartes (*1596 +1650)

Vida e obra: A eloquência e a acessibilidade da prosa de  Descartes inauguraram a filosofia moderna. Solapando a filosofia escolástica tradicional do período medieval, ele lançou os fundamentos para uma abordagem sistemática da aquisição do conhecimento, baseada em medida e raciocínio matemático, sobre a qual a ciência se ergue até hoje.Nascido numa aldeia perto de Tours, na França, Descartes foi educado num colégio jesuíta, onde revelou grande aptidão para

matemática. Em 1617 iniciou uma carreira militar e viajou muito pela Europa durante a Guerra dos Trinta Anos, até renunciar a seu posto em 1621. Continuou a viajar até 1629, quando se estabeleceu na Holanda. Ali começou a trabalhar em seu Tratado sobre o mundo - um estudo da natureza e do funcionamento do universo físico.

Ao saber que a Inquisição romana condenara Galileu por sua defesa do sistema copernicano, em 1633, suspendeu a publicação do Tratado sobre o mundo. Sua primeira obra publicada O Discurso do método, introduziu suas ideias metafisicas, além de apresentar um relato autobiográfico de seu próprio desenvolvimento intelectual e um esboço de suas ideias sobre a abordagem apropriada à aquisição de conhecimento.

Fama crescente: Insatisfeito com a acolhida dada ao Discurso do método, Descartes escreveu, em 1641, as Meditações sobre a primeira filosofia, numa tentativa de transmitir sua ideias filosóficas para um público muito mais amplo. Em 1644 publicou Princípios de filosofia, em que reafirmou suas ideias filosóficas, ao lado de discussões de física e cosmologia tomadas do anterior e então ainda inédito Tratado sobre o mundo.

Em 1649, com sua fama crescendo rapidamente pela Europa, foi convidado para lecionar filosofia para a rainha Cristina da Suécia. Aluna exigente, a rainha esperava que as aulas começassem às 5h da manhã, três vezes por semana, e durassem cinco horas cada uma. Desabituado de tal regime, bem como ao frio severo d inverno da Suécia, Descartes contraiu pneumonia e morreu após poucos meses no cargo.

Principais ideias: Muito jovem, Descartes compreendeu que a filosofia tradicional que lhe ensinavam continha muito de duvidoso e discutível. Se ao menos fosse possível aplicar o modo matemático à filosofia e à ciência, pensava ele, poderíamos esperar estabelecer um conhecimento indiscutível e duradouro do mundo. Assim descobriu sua ambição: estabelecer os fundamentos e a estrutura de todo o conhecimento humano vindouro, unificando a ciência num único sistema.

O método da dúvida: Para descobrir algo "firme e constante nas ciências", seguindo o modelo matemático, Descartes acreditava precisar estabelecer primeiro princípios básicos indubitáveis. Para descobri-los, optou por duvidar de tudo em que acreditava. Se alguma crença pudesse sobreviver a esse batismo de fogo, raciocinou, seria um fundamento digno para seu novo corpo

54

Page 55: Vida e Obra de Filosofos

de conhecimento. Duvidou, então, dos seus cinco sentidos, afinal eles podem ser enganosos. Perguntou-se se não poderia estar sonhando e aventou a possibilidade de estar sendo enganado em todas as suas percepções por um espírito maligno. O fruto de seu ceticismo radical foi a primeira certeza do seu novo sistema de conhecimento e a sua descoberta mais famosa está condensada na frase: "Penso, logo existo", afinal, disso ele não poderia duvidar nunca.

Dualismo: A partir do fato de que tinha acesso direto à sua própria mente consciente, mesmo que pudesse duvidar de qualquer coisa física, Descartes foi levado a supor que sua essência consistia em ser uma coisa pensante. Embora uma substância distinta, esse eu material está para Descartes intimamente unido ao corpo físico. E, enquanto o mundo físico, inclusive o corpo, é matematicamente descritível e segue leis físicas precisas, o mundo da mente é livre para seguir os próprios pensamentos.

A nossa capacidade de usar a linguagem e reagir às circunstâncias de maneiras imprevisíveis evidencia que as mentes não são determinadas. Essa capacidade não pode ser reduzida a princípios mecânicos; logo, embora o mundo material deva ser reduzido à ciência matemática, a alma humana requer uma ciência própria.

Bibliografia: CHAUI, Marilena – Iniciação à Filosofia; Ed. Ática, 2009 / LAW, Stephen – Guia Ilustrado Zahar de Filosofia; Ed. Zahar,

http://filsofos-vidaeobra.blogspot.com.br/2009/08/descartes.html

Blaise Pascal (*1623 + 1662)

Vida e Obras: Nascido em Clermont-Ferrand, a 19 de junho de 1623, Blaise Pascal era filho de Ettiénne Pascal, presidente da Corte de Apelação, e de Antoinette Bégon. Segundo sua irmã e biógrafa, Gilberte Périer, Pascal revelou desde cedo um espírito extraordinário, não só pelas respostas que dava a certas questões, mas sobre tudo pelas questões que ele próprio levantava a respeito da natureza das coisas. Perdeu a mãe aos três anos de idade; era o único filho do sexo masculino. Assim, o pai apegou-se muito a ele e encarregou-se

de sua instrução, nunca o enviando a colégios. Mesmo quando, em 1631, a família Pascal mudou-se para Paris, a educação de Blaise permaneceu ao encargo do pai.

A irmã Gilberte escreverá mais tarde: "A máxima dessa educação consistia em manter a criança acima das tarefas que lhe eram impostas” por esse motivo só deixou que aprendesse latim aos doze anos, para que aprendesse com maior facilidade.

Durante esse intervalo não o deixou ocioso, pois o ocupava com todas as coisas de que o julgava capaz. Mostrava-lhe de um modo geral o que eram as línguas; ensinou-lhe como haviam sido reduzidas as gramáticas sob certas regras, que tais regras tinham exceções assinaladas com cuidado, e que por esses meios todas as línguas haviam podido ser comunicadas de um país para outro.

55

Page 56: Vida e Obra de Filosofos

“Essa ideia geral esclarecia-lhe o espírito e fazia-o compreender o motivo das regras da gramática, de sorte que quando veio a aprendê-las sabia o que fazia e dedicava-se aos aspectos que lhe exigiam maior dedicação”.

Além das línguas, Ettiénne Pascal ensinava outras coisas ao filho: dava-lhe rudimentos sobre as leis da natureza e sobre as técnicas humanas. Tudo isso aguçava ainda mais a curiosidade do menino, que queria saber a razão de todas as coisas e não se satisfazia diante de explicações incompletas ou superficiais. Diante de uma explicação insuficiente, passava a pesquisar por conta própria até encontrar uma resposta satisfatória e, quando se defrontava com um problema, não o largava até resolvê-lo plenamente. Aos onze anos, suas experiências sobre os sons levaram-no a escrever um pequeno tratado, considerado muito bom para sua idade.

Ettiénne Pascal era matemático e sua casa era muito frequentada por geômetras. Como queria que Blaise estudasse línguas e, sabendo como a matemática é apaixonante e absorvente, evitou por muito tempo que o filho a conhecesse, prometendo-lhe que a ensinaria quando ele já soubesse grego e latim. Essa precaução serviu apenas para aumentar a curiosidade de Blaise, que passou a se divertir com as figuras geométricas que o pai lhe havia mostrado. Procurava trancá-las corretamente; depois passou a buscar as proporções entre elas e, afinal, depois de propor axiomas relativos às figuras, dedicou-se a fazer demonstrações exatas. Com isso chegou até a 32ª proposição do livro I de Euclides. Estarrecido, o pai verificou que o filho descobrira sozinho a matemática. A partir de então, Blaise recebeu os livros dos Elementos de Euclides e pôde dedicar-se à vontade ao estudo da geometria. Os avanços foram rápidos: aos dezesseis anos escreveu Tratado Sobre as Cônicas, que, no entanto, por sua própria vontade, não foi impresso na época.

Entre a Ciência e a Religião

Não apenas na matemática revelou-se o gênio precoce de Pascal. Nas demais ciências realizou surpreendentes progressos e aos dezenove anos inventou a máquina aritmética, que permitia que se fizesse operação sem lápis nem papel, sem que se soubesse qualquer regra de aritmética, mas com segurança infalível.

O invento de Pascal foi considerado uma verdadeira revolução, pois transformava uma máquina em ciência, ciência que reside inteiramente no espírito. A construção da máquina, foi, todavia, muito complicada e Pascal levou dois anos trabalhando com os artesãos. Essa fadiga comprometeu definitivamente sua saúde, que se tornou muito frágil daí por diante.

Aos 23 anos, tomou conhecimento da experiência de Torricelli (1608-1647) referente à pressão atmosférica e realizou uma outra, denominada "a experiência do vácuo", provando que os efeitos comumente atribuídos ao vácuo eram, na verdade, resultantes do peso do ar.

Mais tarde a partir de 1652 -, passou a se interessar pelos problemas matemáticos relacionados aos jogos de dados. As pesquisas que fez a esse respeito conduziram-no à formulação do cálculo das probabilidades, que ele denominou Aleae Geometria (Geometria do Acaso). O chamado Triângulo de Pascal foi um dos resultados dessas pesquisas sobre jogos de azar: trata-se de uma tabela numérica que,

56

Page 57: Vida e Obra de Filosofos

entre outras propriedades, permite calcular as combinações possíveis de n objetos agrupados n a n.

Um dos últimos trabalhos científicos de Pascal nesse período é o Tratado Sobre as Potências Numéricas, em que aborda a questão dos "infinitamente pequenos".

A essa questão voltará mais uma vez em 1658, num derradeiro estudo científico sobre a área de ciclóide, curva descrita por um ponto da circunferência que rola sem deslizar sobre uma reta. O método aplicado por Pascal para estabelecer essa área abriu caminho à descoberta, do cálculo integral, realizada por Leibniz (1646-1716) e Newton (1642-1727).

Em Ruão, para onde se havia mudado a família Pascal, Blaise conheceu Jacques Forton, senhor de Saint-Ange-Montcard, com quem teve as primeiras discussões a respeito da Bíblia, dos dogmas e da Igreja católica e da teologia em geral.

Blaise e outros jovens, seus amigos, logo consideraram Saint-Ange-Montcard um herético pernicioso. Começa então a fase apologética da obra de Pascal, quando ele se une aos jansenistas do Port-Royal, sob a influência de sua irmã, Jacqueline Pascal, que havia entrado para o convento. Segundo o relato de Gilberte, Jacqueline conseguiu persuadir o irmão de que "a salvação devia ser preferível a todas as coisas e que era um erro atentar para um bem passageiro do corpo quando se tratava do bem eterno da alma". Pascal tinha então trinta anos, quando "resolveu desistir dos compromissos sociais. Começou mudando de bairro e, para melhor romper com seus hábitos, foi morar no campo, onde tanto fez para abandonar o mundo que o mundo afinal o abandonou".

Assim, depois do período em que procurou a verdade científica e a glória humana no domínio da natureza e da razão, Pascal dirigiu seu interesse para as questões da Igreja e da Revelação, acalentando o projeto de reunir a sociedade laica e a cristã e de combater a corrupção que teria sido causada pela evolução dos últimos séculos. Nesse período escreve o Memorial, obra mística, e os trabalhos de cunho apologético Colóquios com o Senhor de Saci Sobre Epicteto e Montaigne e as Províncias.

Na verdade, Pascal foi decisivamente marcado por um acontecimento, que determinou a mudança de sua trajetória espiritual: o "milagre do Santo Espinho". O fato é narrado pela irmã de Pascal, Gilberte Périer: "Foi por esse tempo que aprouve a Deus curar minha filha de uma fístula lacrimal que a afligia havia três anos e meio. Essa fístula era maligna e os maiores cirurgiões de Paris consideravam incurável; e enfim Deus permitiu que ela se curasse tocando o Santo Espinho que existe em Port-Royal, e esse milagre foi atestado por vários cirurgiões e médicos, e reconhecido pelo juízo solene da Igreja".

A cura de sua sobrinha e afilhada repercutiu profundamente em Pascal: "... ele ficou emocionado com o milagre porque nele Deus era glorificado e porque ocorria num tempo em que a fé da maioria era medíocre. A alegria que experimentou foi tão grande que se sentiu completamente penetrado por ela, e, como seu espírito ocupava-se de tudo com muita reflexão, esse milagre foi a ocasião para que nele se produzissem muitos pensamentos importantes sobre milagres em geral".

As análises sobre o milagre são fundamentais no pensamento de Pascal, pois determinam o centro de todas as suas reflexões religiosas e filosóficas: a figura de Cristo, mediador entre o finito (as criaturas) e o infinito (Deus criador). 

Em função de Cristo, Pascal estabelece a verdadeira relação entre os dois Testamentos: o Antigo revelaria a justiça de Deus, perante a qual todos os homens seriam culpados pela transmissão do pecado original; o Novo revelaria a misericórdia de Deus, que o leva a descer entre os homens por intermédio de seu Filho, cujo

57

Page 58: Vida e Obra de Filosofos

sacrifício infunde a graça santificante no coração dos homens e os redime. A ideia central de Pascal sobre o problema religioso é, portanto, a de que sem Cristo o homem está no vício e na miséria; com Cristo, está na felicidade, na virtude e na luz.

A figura de Cristo permite ainda a Pascal distinguir os pagãos, os judeus e os cristãos: os pagãos (isto é, os filósofos) seriam aqueles que acreditam num Deus que é simplesmente o autor das verdades geométricas e da ordem dos elementos; os judeus seriam os que acreditam num Deus que exerce sua providência sobre a vida e os bens dos homens a fim de dar-lhes um sequência de anos felizes; já os cristãos seriam os que creem num Deus de amor e de consolação, que faz com que eles sintam interiormente a miséria em que vivem e a infinita misericórdia de quem os criou.

Somente aquele que chega ao fundo da miséria e da indignidade e que sabe do mediador (Cristo), chegando por intermédio dele a conhecer o verdadeiro Deus, pois só o mediador poderia reparar a miséria do homem.

Jansenismo e Monarquia Absoluta

Com o intuito de reformular globalmente a vida cristã, o holandês Cornélio Jansênio (1585-1638) deu início a um movimento que abalou a Igreja católica durante os séculos XVII e XVIII. Descontente com o exagerado racionalismo dos teólogos escolásticos, Jansênio - doutor em teologia pela universidade de Louvain e bispo de Ypres - uniu-se a Jean Duvergier de Hauranne, futuro abade de Saint-Cyran, que também pretendia o retorno ao catolicismo à disciplina e à moral religiosa dos primórdios do cristianismo. Os jansenistas dedicaram-se particularmente à discussão do problema da graça, buscando nas obras de Santo Agostinho (354-430) elementos que permitissem conciliar as teses dos partidários da Reforma com a doutrina católica.

Jansênio, na obra Augustinus, declarava que a razão filosófica era "a mãe de todas as heresias". Baseando em Santo Agostinho sua doutrina do dúplice amor, sustentava que Adão, antes de pecar, era livre; pelo pecado perdeu a liberdade e tornou-se escravo da concupiscência, que o arrastou para o mal. Em consequência disso, o homem não pode deixar de pecar, a não ser que intervenha a caridade (amor celeste), que o orienta infalivelmente para o bem. Submetidos à lei férrea desse dúplice amor, os seres humanos tornaram-se escravos da Terra ou do Céu, arrastados para a condenação ou para a salvação. Desse modo, independentemente das ações que comete, o homem estaria predestinado para o céu ou para o inferno.

O jansenismo expandiu-se principalmente na França, graças à atuação do abade de Saint-Cyran e de Antoine Arnauld (1612-1694), que, juntamente com outros intelectuais, instalaram-se em Port-Royal. Ali o jansenismo assumiu forma ascética e polêmica, apresentando-se como um verdadeiro cisma, que logo foi atingido pelos anátemas do papa.

Era uma época de profundas transformações políticas na França. A monarquia, em sua evolução, passava de monarquia temperada do Antigo Regime (caracterizada pela primazia da realeza sobre os senhores, graças ao apoio do Terceiro Estado, do corpo de legistas, de administradores e de oficiais) à monarquia absoluta, na qual as atribuições dos oficiais e das cortes são transferidas para o corpo de comissários do rei. Os indicadores do movimento jansenista na França - Saint-Cyran, Arnauld d'Andilly, Antoine Le Maître - pertenciam à nobreza togada e em especial a um grupo desses nobres que esperavam passar à condição de comissários do rei. E a ideologia que vai

58

Page 59: Vida e Obra de Filosofos

diversificar o interior desse grupo apresenta como núcleo a afirmação da impossibilidade radical de se realizar uma vida válida neste mundo; isso leva homens e mulheres não apenas a abandonar a vida mundana, no sentido corrente do termo, mas a abandonar toda e qualquer função social.

Antes do início do movimento, os mais destacados integrantes do grupo de Port-Royal eram amigos e companheiros do cardeal Richelieu, embora dele discordassem quanto a alguns pontos importantes: preconizavam uma aliança com a Espanha católica e luta mortal contra os huguenotes, que estivessem dentro ou fora do país.

Até 1637, a oposição entre o grupo e Richilieu não consistia em indagar se a vida cristã era ou não compatível com a política, mas sim qual era a política cristã. A vitória de Richilieu desencadeou a ruptura com o grupo e um de seus membros (Saint-Cyran) permaneceu, durante dez anos, na prisão do castelo de Vincennes.

 A partir de então é que nasce o jansenismo propriamente dito: afirmação de que é impossível para o verdadeiro cristão e para o verdadeiro eclesiástico participar da vida política e social.

A vanguarda jansenista era constituída por advogados e suas famílias, que se incompatibilizaram com a política de Richilieu; os simpatizantes do movimento eram, em geral, oficiais, advogados e membros das cortes supremas, desgostosos com o poder dos comissários do rei, que passaram a exercer as antigas funções dos oficiais e das cortes. Deve-se notar que o pai de Pascal era membro da Corte Suprema de Clermont-Ferrand.

A oposição dos jansenistas constituía apenas uma das modalidades de oposição que se fazia, na época, à monarquia e que contará com maior número de adeptos depois da Fronda (sublevação contra o primeiro-ministro Mazarin, que se estendeu de Paris às províncias, de 1648 a 1652). Mas jansenismo apresentou duas vertentes: uma preconizava o retiro completo, a segunda optava pela militância religiosa. Esta última é que terá maior sucesso depois da Fronda e é ela que prossegue, no século XVIII, a luta contra a monarquia absoluta. Pascal participa de ambas as correntes, em momentos diversos de sua vida.

Da Militância ao Recolhimento

O jansenismo podia propor uma atitude abstencionista em relação à política porque estava constituído por pessoas que pertenciam a um grupo social cuja base econômica dependia diretamente do Estado. Enquanto nobreza togada, os oficiais, os membros das Cortes, dependiam economicamente do Estado, embora, ideologicamente, dele se afastassem e a ele se opusessem. A situação dos jansenistas é, assim, paradoxal: exprime o descontentamento em face da monarquia absoluta, sem, contudo, poder desejar sua destruição ou sua transformação radical. Os jansenistas são trágicos porque vivem uma situação trágica - e por isso afirmam tragicamente a vaidade essencial do mundo e a salvação pelo retiro e pela solidão.

O centro da trajetória espiritual de Pascal reside no seu encontro com o jansenismo, que lhe permitiu exprimir melhor sua sede de absoluto e de transcendência. A vocação religiosa de Pascal encontra no jansenismo o solo favorável para sua expansão. O "milagre do Santo Espinho" reforçou lhe a tendência mística e a certeza de que "há alguma coisa acima daquilo que chamamos natureza" - como escreve sua irmã Gilberte. Até o encontro com o jansenismo havia na vida de Pascal uma contradição entre a primazia atribuída, em princípio, à religião, e a realidade prática de uma vida

59

Page 60: Vida e Obra de Filosofos

consagrada ao mundo. Esse encontro permite a Pascal estabelecer o acordo entre a consciência e a vida, através da militância religiosa que procura o triunfo da verdade (ciência) na Igreja e o triunfo da fé (religião na sociedade laica.

Esse acordo, porém, não se manterá. Todavia, será ainda entre os jansenistas que Pascal chegará à conclusão de que é importante retirar-se definitivamente do mundo e até mesmo da militância religiosa. Pascal transita, assim, entre as duas atitudes que já existiam entre os próprios jansenistas da militância (Arnauld, Nicole) passa ao retiro (Barcos, Jacqueline Pascal). À fase apologética das Proncinciais segue-se então a fase dos Pensamentos.

Essa mudança é determinada pela condenação do jansenismo pelo papa Alexandre VI. Pascal acaba submetendo-se ao poder papal - e isso significa que a militância religiosa não mais pode ser efetuada. Nessa terceira fase de sua vida, Pascal volta a dedicar-se à ciência (estudos sobre a ciclóide e sobre a roleta, seguidos de discussões com vários sábios da época), mas seus escritos religiosos perdem o tom apologético para se tornar trágicos. Os Pensamentos revelam ser os escritos de um homem a quem "o silêncio eterno dos espaços infinitos apavora".

Na fase final de sua vida e de sua obra, Pascal exprime uma só certeza a de que:

 A única verdadeira grandeza do homem reside na consciência de seus limites e de suas fraquezas. "Pascal descobre a tragédia", escreve Lucien Goldmann, "a incerteza radical e certa, o paradoxo, a recusa intramundana do mundo e o apelo de Deus. E é estendendo o paradoxo até o próprio Deus - que para o homem é certo e incerto, presente e ausente, esperança e risco - que Pascal pôde escrever os Pensamentos e abrir um capítulo novo na história do pensamento filosófico".

 http://www.mundodosfilosofos.com.br/pascal.htm#ixzz20FfpybOG

Baruch Spinoza (*1632 +1677)

Vida e Obras: Baruch Spinoza nasceu em Amsterdam - Holanda em 1632, filho de hebreus portugueses, de modesta condição social, emigrados para a Holanda. Recebeu uma educação hebraica na academia israelita de Amsterdam, com base especialmente nas Sagradas Escrituras. Demonstrando muita inteligência, foi iniciado na

filosofia hebraica (medieval-neoplatônico-panteísta) e destinado a ser rabino.

Mas, depois de se manifestar o seu racionalismo e tendo ele recusado qualquer retratação, foi excomungado pela Sinagoga em 1656. Também as autoridades protestantes o desterraram como blasfemador contra a Sagrada Escritura. Spinoza retirou-se, primeiro, para os arredores de Amsterdam, em seguida para perto de Leida e enfim refugiou-se em Haia. Aos vinte e cinco anos de idade esse filósofo, sem pátria, sem família, sem saúde, sem riqueza, se acha também isolado religiosamente.

Os outros acontecimentos mais notáveis na formação espiritual especulativa de Spinoza são: o contato com Francisco van den Ende, médico e livre pensador; as relações travadas com alguns

60

Page 61: Vida e Obra de Filosofos

meios cristão-protestantes. Van den Ende iniciou-o no pensamento cartesiano, nas línguas clássicas, na cultura da Renascença; e nos meios religiosos holandeses aprendeu um cristianismo sem dogmas, de conteúdo essencialmente moralista.

Além destes fatos exteriores, nada encontramos de notável exteriormente na breve vida de Spinoza, inteiramente dedicada à meditação filosófica e à redação de suas obras. Provia pois às suas limitadas necessidades materiais, preparando lentes ópticas para microscópios e telescópios, arte que aprendera durante a sua formação rabínica; e também aceitando alguma ajuda do pequeno grupo de amigos e discípulos. Para não comprometer a sua independência especulativa e a sua paz, recusou uma pensão oferecida pelo "grande Condé" e uma cátedra universitária em Heidelberg, que lhe propusera Carlos Ludovico, eleitor palatino.

Uma tuberculose enfraquecera seu corpo. Após alguns meses de cama, Spinoza faleceu aos quarenta e quatro anos de idade, em 1677, em Haia. Deixou uma notável biblioteca filosófica; mas a sua herança mal chegou para pagar as despesas do funeral e as poucas dívidas contraídas durante a enfermidade.

Um traço característico e fundamental do caráter de Spinoza é a sua concepção prática, moral, de filosofia, como solucionadora última do problema da vida. E, ao mesmo tempo, a sua firme convicção de que a solução desse problema não é possível senão teoreticamente, intelectualmente, através do conhecimento e da contemplação filosófica da realidade.

As obras filosóficas principais de Spinoza são: a Ética (publicada postumamente em Amsterdam em 1677), que constitui precisamente o seu sistema filosófico; o Tractatus theologivo-politicus (publicado anônimo em Hamburgo em 1670), que contém a sua filosofia religiosa e política.

A princípio desconhecido e atacado, o pensamento de Spinoza acabou por interessar e influenciar particularmente a cultura moderna depois de Kant (Lessing, Goethe, Schelling, Hegel, Schleiermacher, etc.), proporcionando ao idealismo o elemento metafísico monista, naturalmente filtrado através da crítica kantiana.

Baruch Spinoza

O racionalismo cartesiano é levado a uma rápida, lógica, extrema conclusão por Spinoza. O problema das relações entre Deus e o mundo é por ele resolvido em sentido monista: de um lado, desenvolvendo o conceito de substância cartesiana, pelo que há uma só verdadeira e própria substância, a divina; de outro lado introduzindo na corrente racionalista-cartesiana uma pré-formada concepção neoplatônica de Deus, a saber, uma concepção panteísta-imanentista. O problema, pois, das relações entre o espírito e a matéria é resolvido por Spinoza, fazendo da matéria e do espírito dois atributos da única substância divina. Une os dois na mesma substância segundo um paralelismo psicofísico, uma animação universal, uma forma de pampsiquismo. Em geral, pode-se dizer que Descartes fornece a Spinoza o elemento arquitetônico, lógico-geométrico, para a construção do seu sistema, cujo conteúdo monista, em parte deriva da tradição neoplatônica, em parte do próprio Descartes.

Os demais racionalistas de maior envergadura da corrente cartesiana se seguem, cronologicamente, depois de Spinoza; entretanto, logicamente, estão antes dele, pois não têm a

61

Page 62: Vida e Obra de Filosofos

ousadia - em especial Malebranche - de chegar até às extremas consequências e conclusões racionalista-monista, exigidas pelas premissas cartesianas, detidos por motivos práticos-religiosos e morais, que não se encontram em Spinoza. Com isto não se excluem, por parte deles, desenvolvimentos em outro sentido. Por exemplo, não se excluem os desenvolvimentos idealistas do fenomenismo racionalista por parte de Leibniz.

O Pensamento: Deus

A teologia de Spinoza é contida, substancialmente, no primeiro livro da Ética (De Deo). Spinoza quereria deduzir de Deus racionalmente, logicamente, geometricamente toda a realidade, como aparece pela própria estrutura exterior da Ética ordine geometrico demonstrata. Não nos esqueçamos de que o Deus spinoziano é a substância única e a causa única; isto é, estamos em cheio no panteísmo. A substância divina é eterna e infinita: quer dizer, está fora do tempo e se desdobra em número infinito de perfeições ou atributos infinitos.

Desses atributos, entretanto, o intelecto humano conhece dois apenas: o espírito e a matéria, a cogitatio e a extensio. Descartes diminuiu estas substâncias, e no monismo spinoziano descem à condição de simples atributos da substância única. Pensamento e extensão são expressões diversas e irredutíveis da substância absoluta, mas nela unificadas e correspondentes, graças à doutrina spinoziana do paralelismo psicofísico.

A substância e os atributos constituem a natura naturans. Da natura naturans (Deus) procede o mundo das coisas, isto é, os modos. Eles são modificações dos atributos, e Spinoza chama-os natura naturata (o mundo). Os modos distinguem-se em primitivos e derivados. Os modos primitivos representam as determinações mais imediatas e universais dos atributos e são eternos e infinitos: por exemplo, o intellectus infinitus é um modo primitivo do atributo do pensamento, e o motus infinitus é um modo primitivo do atributo extensão.

As leis do paralelismo psicofísico, que governam o mundo dos atributos, regem naturalmente todo o mundo dos modos, quer primitivos quer derivados. Cada corpo tem uma alma, como cada alma tem um corpo; este corpo constituiria o conteúdo fundamental do conhecimento da alma, a saber: a cada modo de ser e de operar na extensão corresponde um modo de ser e de operar do pensamento. Nenhuma ação é possível entre a alma e o corpo - como dizia também Descartes - e como Spinoza sustenta até o fundo.

A lei suprema da realidade única e universal de Spinoza é a necessidade. Como tudo é necessário na natura naturans, assim tudo também é necessário na natura naturata. E igualmente necessário é o liame que une entre si natura naturans e natura naturata. Deus não somente é racionalmente necessitado na sua vida interior, mas se manifesta necessariamente no mundo, em que, por sua vez, tudo é necessitado, a matéria e o espírito, o intelecto e a vontade.

O Homem

Do primeiro livro da Ética - cujo objeto é Deus - Spinoza passa a considerar, no segundo livro (De mente), o espírito humano, ou, melhor, o homem integral, corpo e alma. A cada estado

62

Page 63: Vida e Obra de Filosofos

ou mudança da alma, corresponde um estado ou mudança do corpo, mesmo que a alma e o corpo não possam agir mutuamente uma sobre o outro, como já se viu.

Não é preciso repetir que, para Spinoza, o homem não é uma substância. A assim chamada alma nada mais é que um conjunto de modos derivados, elementares, do atributo pensamento da substância única. E, igualmente o corpo nada mais é que um complexo de modos derivados, elementares, do atributo extensão da mesma substância. O homem, alma e corpo, é resolvido num complexo de fenômenos psicofísicos.

Mesmo negando a alma e as suas faculdades, Spinoza reconhece várias atividades psíquicas: atividade teorética e atividade prática, cada uma tendo um grau sensível e um grau racional.

A respeito do conhecimento sensível (imaginatio), sustenta Spinoza que é ele inteiramente subjetivo: no sentido de que o conhecimento sensível não representa a natureza da coisa conhecida, mas oferece uma representação em que são fundidas as qualidades do objeto conhecido e do sujeito que conhece e dispõe tais representações numa ordem fragmentária, irracional e incompleta.

Spinoza distingue, pois, o conhecimento racional em dois graus: conhecimento racional universal e conhecimento racional particular. A ordem oferecida pelo conhecimento racional particular nada mais é que a substância divina; abrange ela, na sua unidade racional, os atributos infinitos e os infinitos modos que a determinam. E desse conhecimento racional intuitivo, místico, derivam necessariamente a felicidade e virtude supremas. Das limitações do conhecimento sensível decorrem o sofrimento e a paixão, dada a universal correspondência spinoziana entre teorético e prático.

Visto o paralelismo psicofísico de Spinoza, é claro que o conhecimento, no sistema spinoziano, não é constituído pela relação de adequação entre a mente e a coisa, mas pela relação de adequação da mens do sujeito que conhece a mens do objeto conhecido.

A Moral

Como é sabido, Spinoza dedica ao problema moral e à sua solução os livros III, IV e V da Ética. No livro III faz ele uma história natural das paixões, isto é, considera as paixões teoricamente, cientificamente, e não moralisticamente. O filósofo deve humanas actiones non ridere, non lugere, neque detestari, sed intelligere; assim se exprime Spinoza energicamente no proêmio ao II livro da Ética. Tal atitude rigidamente científica, em Spinoza, é favorecida pela concepção universalmente determinista da realidade, em virtude da qual o mecanismo das paixões humanas é necessário como o mecanismo físico-matemático, e as paixões podem ser tratadas com a mesma serena indiferença que as linhas, as superfícies, as figuras geométricas.

Depois de nos ter oferecido um sistema do mecanismo das paixões no IV livro da Ética, Spinoza esclarece precisamente e particularmente a escravidão do homem sujeito às paixões. Essa escravidão depende do erro do conhecimento sensível, pelo que o homem considera as coisas finitas como absolutas e, logo, em choque entre si e com ele. Então a libertação das paixões dependerá do conhecimento racional, verdadeiro; este conhecimento racional não depende, entretanto, do nosso livre-arbítrio, e sim da natureza particular de que somos dotados.

63

Page 64: Vida e Obra de Filosofos

No V e último livro da Ética, Spinoza esclarece, em especial, a condição do sábio, libertado da escravidão das paixões e da ignorância. O sábio realiza a felicidade e a virtude simultânea e juntamente com o conhecimento racional. Visto que a felicidade depende da ciência, do conhecimento racional intuitivo - que é, em definitivo, o conhecimento das coisas em Deus - o sábio, aí chegado, amará necessariamente a Deus, causa da sua felicidade e poder. Tal amor intelectual de Deus é precisamente o júbilo unido com a causa racional que o produz, Deus. Este amor do homem para com Deus, é retribuído por Deus ao homem; entretanto, não é um amor como o que existe entre duas pessoas, pois a personalidade é excluída da metafísica spinoziana, mas no sentido de que o homem é idêntico panteisticamente a Deus. E, por conseguinte, o amor dos homens para com Deus é idêntico ao amor de Deus para com os homens, que é, pois, o amor de Deus para consigo mesmo (por causa precisamente do panteísmo).

Chegado ao conhecimento e à vida racionais, o sábio vive já na eternidade, no sentido de que tem conhecimento eterno do eterno. A respeito da imortalidade da alma, devemos dizer que é excluída naturalmente por Spinoza como sobrevivência pessoal porquanto pessoa e memória pertencem à imaginação. A imortalidade, então, não poderá ser entendida senão como a eternidade das ideias verdadeiras, que pertencem à substância divina. De sorte que imortais, ou eternas, ou pela máxima parte imortais, serão as almas ou os pensamentos dos sábios, ao passo que às almas e aos pensamentos dos homens vulgares, como que limitados ao conhecimento e à vida sensíveis, é destinado o quase total aniquilamento no sistema racional da substância divina.

A Política e a Religião

Spinoza tratou particularmente do problema político e religioso no Tractatus theologico-politicus. Considera ele o estado e a igreja como meios irracionais para o advento da racionalidade. As ações feitas - ou não feitas - em vista das penas ou dos prêmios temporais e eternos, ameaçados ou prometidos pelo estado e pela igreja, dependem do temor e da esperança, que, segundo Spinoza, são paixões irracionais. Elas, entretanto, servem para a tranquilidade do sábio e para o treinamento do homem vulgar.

No estado de natureza, isto é, antes da organização política, os homens se encontravam em uma guerra perpétua, em uma luta de todos contra todos. É o próprio egoísmo que impede os homens a se unirem, a se acordarem entre si numa espécie de pacto social, pelo qual prometem renunciar a toda violência, auxiliando-se mutuamente. No entanto, não basta o pacto apenas: precisa o homem do arrimo da força para sustentar-se. De fato, mesmo depois do pacto social, os homens não cessam de ser, mais ou menos, irracionais e, portanto, quando lhes fosse cômodo e tivessem a força, violariam, sem mais, o pacto. Nem há quem possa opor-se a eles, a não ser uma força superior, porquanto o direito sem a força não tem eficácia. Então os componentes devem confiar a um poder central a força de que dispõem, dando-lhe a incumbência e o modo de proteger os direitos de cada um. Só então o estado e verdadeiramente constituído. Entretanto, o estado, o governo, o soberano podem fazer tudo o que querem: para isso têm o poder e, portanto, o direito, e se acham eles ainda no estado de pura natureza, do qual os súditos saíram.

O estado, porém, não é dominador supremo, porquanto não é o fim supremo do homem. Seu fim supremo é conhecer a Deus por meio da razão e agir de conformidade, de sorte que será a razão a norma suprema da vida humana. O papel do estado é auxiliar na consecução racional de Deus. Portanto, se o estado se mantivesse na violência e irracionalidade primitivas, pondo obstáculos ao desenvolvimento racional da sociedade, os súditos - quando mais racionais e,

64

Page 65: Vida e Obra de Filosofos

logo, mais poderosos do que ele - rebelar-se-ão necessariamente contra ele, e o estado cairá fatalmente. Faltando-lhe a força, faltar-lhe-á também o direito. E de suas ruínas deverá surgir um estado mais conforme à razão. E, assim, Spinoza deduz do estado naturalista o estado racional.

O outro grande instituto irracional a serviço da racionalidade é, segundo Spinoza, a religião, que representaria um sucedâneo da filosofia para o vulgo. O conteúdo da religião positiva, revelada, é racional; mas é a forma que seria absolutamente irracional, pois o conhecimento filosófico de Deus decairia em uma revelação mítica; a ação racional, que deveria derivar do conhecimento racional com a mesma necessidade pela qual a luz emana do sol, decairia no mandamento divino heterônomo, a saber, a religião positiva, revelada, representaria sensivelmente, simbolicamente, de um modo apto para a mentalidade popular, as verdades racionais, filosóficas acerca de Deus e do homem; tais verdades podem aproveitar ao bem desse último, quando encarnadas nos dogmas. Por conseguinte, o que vale nos dogmas não seria a sua formulação exterior, e sim o conteúdo moral; nem se deveria procurar neles sentidos metafísicos arcanos, porque o escopo dos dogmas é essencialmente prático a saber: induzir à submissão a Deus e ao amor ao próximo, na unificação final de tudo e de todos em Deus.

 http://www.mundodosfilosofos.com.br/spinoza.htm/#ixzz20Fk2Ow2v

Locke (*1632 +1704)

Vida e obra: Como o primeiro dos grandes filósofos empiristas ingleses, Locke quis determinar os limites do conhecimento humano. Uma vez que isso se dá através dos sentidos, sua aquisição deve ser gradual, limitada pela natureza finita de nossa experiência, que deixa algumas coisas fora do nosso alcance.Locke nasceu na Inglaterra. O pai de Locke lutou ao lado dos parlamentaristas na Guerra Civil inglesa. Locke permaneceu fiel à ideia de que o povo, não o monarca, é o soberano supremo. Estudou na

Westminster School e em Oxford, onde se formou em medicina e, mais tarde, tornou-se professor. Nessa época, seu contato com a escolástica aristotélica não o atraiu para a filosofia. A partir de 1675, porém, passou alguns anos na França, onde estudos da filosofia de Descartes provocaram nele um duradouro impacto. Em 1681, pouco após seu protetor, o conde de Shaftesbury, ser julgado por traição, partiu para a Holanda, onde trabalhou em seu Ensaio sobre o entendimento humano. Defendeu ativamente a ascensão de Guilherme de Orange e retornou à Inglaterra após a Revolução Gloriosa de 1688. Em 1690, Locke publicou o Ensaio e os Dois tratados sobre o governo, as obras que lhe valeram sua reputação. 

Principais ideias: Locke foi profundamente influenciado pela teoria "corpuscular" da matéria, de Robert Boyle, uma restauração da ideia dos antigos atomistas de que o Universo é composto por partículas pequenas demais para serem vistas, e em cujos termos o comportamento e a aparência de todas as coisas materiais podem ser explicados. Esses corpúsculos sólidos podem ser descritos em termos geométricos - possuem posição, tamanho e forma e se movem no espaço -, mas nossa percepção de qualidades, como cores, odores e sons, é resultado dos

65

Page 66: Vida e Obra de Filosofos

arranjos insensíveis dessas partículas. A visão da realidade de Locke é, portanto, firmemente mecanicista.Locke abraça uma teoria "representativa" da percepção, isto é, a percepção é consequência do impacto de objetos físicos sobre os nossos órgãos dos sentidos, e as sensações produzidas são como uma imagem da realidade. Só temos acesso direto às nossas próprias sensações e devemos inferir delas a natureza do mundo lá fora. Ele afirmava que só pode haver conhecimento das características observáveis dos objetos, não do que realmente são. Assim, ele abre espaço para que o cético questione o nosso conhecimento da realidade.

Política

 A filosofia política de Locke foi tão influente quanto sua obra em teoria do conhecimento. Seguindo Hobbes, ele usou o estratagema do "estado de natureza" para justificar a autoridade política. Antes da politização, os homens se uniam em bandos para se defender e precisavam encontrar um juiz imparcial para servir de árbitro em conflitos internos. O juiz precisava do apoio da comunidade como um todo. Cada indivíduo tinha que reconhecer a autoridade suprema da lei. Há portanto um contrato implícito entre súditos e soberano: a autoridade deste não é absoluta; ele tem que responder, em última instância, perante a maioria. Se o soberano viola os termos do contrato, os governados têm o direito de se rebelar.

Bibliografia: CHAUI, Marilena – Iniciação à Filosofia; Ed. Ática, 2009 / LAW, Stephen – Guia Ilustrado Zahar de Filosofia; Ed. Zahar,

http://filsofos-vidaeobra.blogspot.com.br/2009/08/locke.html

SIR ISAAC NEWTON (*1642 +1727)

Embora Newton não tivesse sido um filósofo, no entanto a sua obra, no terreno da física e da matemática, impactou de tal forma a filosofia, que levaria a uma reformulação da Teoria do Conhecimento no contexto da perspectiva transcendental, abandonando de vez a antiga perspectiva realista. Dois pensadores do século XVIII desincumbiram-se dessa tarefa: David Hume e Immanuel Kant. Por este motivo, vale a pena estudar os aspectos básicos da vida e da obra de Newton.

Isaac Newton nasceu em Woolsthorpe, condado de Lincolnshire, Inglaterra, em 1642. Ainda criança perdeu o pai, tendo-se casado a sua mãe, em segundas núpcias, com um pastor. Com 18 anos de idade, ingressou na Universidade de Cambridge. Ali trabalhou ao longo de sua vida.

Em 1665 colou grau de Bacharel of Arts and Sciences, tendo-se doutorado em física e matemáticas em 1668. Com a idade de 26 anos começou a sua carreira de catedrático na Universidade. Com motivo da peste negra, que assolou a Europa em 1666, o nosso autor teve de se refugiar na sua casa, na zona rural de Woolthorpe, durante vários meses, tendo aproveitado o tempo para iniciar as suas pesquisas científicas.

66

Page 67: Vida e Obra de Filosofos

Hugh Mattew Lacey sintetiza assim as atividades de Newton ao longo deste período: “Newton desenvolveu o teorema do binômio, que ficaria conhecido pelo seu nome, e o método matemático das fluxões, que originaria o cálculo infinitesimal e integrado, considerado a mais importante inovação da história da matemática, desde os gregos antigos.

O método das fluxões considera cada grandeza finita como engendrada por um movimento ou fluxo contínuo, tornando possível calcular áreas limitadas, total ou parcialmente, por curvas, bem como os volumes das figuras sólidas.

A essas duas contribuições seguiram-se duas outras, concebidas também, nos aspectos essenciais, no retiro forçado em Woolthorpe: uma teoria sobre a natureza da luz e as primeiras ideias sobre a atração gravitacional.

A primeira mostra que a luz branca é constituída pela união das chamadas sete cores fundamentais do espectro.

A segunda explica que a Lua mantém-se em órbita graças à força gravitacional.

Em 1672, Newton foi eleito membro da Royal Society.  Três anos depois, enviou a essa academia as suas anotações sobre a reflexão e as cores da luz. Em 1685 apresentou à Royal Society os dois primeiros livros da sua obra principal, os Philosophiae Naturalis Principia Matemática, que foram publicados dois anos depois.

Em 1689 Newton foi eleito para o Parlamento como deputado pela Universidade de Cambridge. Em 1703 foi eleito presidente da Royal Society. No ano seguinte, publicou o seu tratado de Óptica. Recebeu o título de Cavaleiro de mãos da rainha Ana da Inglaterra, em 1705.

Principais elementos da física newtoniana.

1 - Newton deitou as bases da física moderna, que tinha sido esboçada por Galileu. O sábio inglês efetivou a axiomatização da mecânica. É bem verdade que não da forma de um sistema não contraditório de proposições. Mas, certamente, no sentido de um conjunto de proposições evidentes (ou que julgamos aceitáveis), precedidas por uma série de definições básicas, em virtude das quais os termos utilizados nos axiomas ganham o seu sentido, sendo que daí pode ser deduzido o conjunto da mecânica. O pensador achava-se diante de um amontoado enorme de conceitos e de princípios, que configuravam um caos epistemológico. Newton introduziu ordem e coerência nesse contexto, tomando como inspiração. Os Elementos de Euclides. Os estudiosos consideram que a construção newtoniana não é tão aprimorada quanto a euclidiana. No entanto, cabe-lhe o inegável mérito de ter sistematizado, com simplicidade e elegância, os princípios básicos da física moderna.

2 - Os princípios da física newtoniana são constituídos pelos três axiomas ou leis do movimento, que podem ser sintetizados da seguinte maneira: Primeira lei do movimento (denominada também de princípio da inércia)

todo corpo persiste no seu estado de repouso ou de movimento retilíneo uniforme, enquanto não for obrigado, pela ação de forças, a modificar esse estado. Segunda lei

67

Page 68: Vida e Obra de Filosofos

do movimento: a mudança da quantidade de movimento é proporcional à força motriz que age e é produzida seguindo a linha reta na a qual a força trabalha. Terceira lei do movimento: toda ação é acompanhada de uma reação do mesmo tamanho e de direção oposta.

3 – Das três leis do movimento Newton tira os seguintes postulados: Princípio da conservação da quantidade de movimento: num sistema fechado, a quantidade de movimento total é constante. Princípio da relatividade da mecânica clássica: num sistema fechado, o centro de gravidade se movimenta segundo um movimento retilíneo uniforme e os movimentos recíprocos das partes não se modificam quando se imprime ao sistema um movimento retilíneo uniforme.

4 – Há, na matéria, uma força que a capacita para oferecer resistência; daí se segue que cada corpo, enquanto depende de si próprio, persiste no seu estado de repouso ou de movimento retilíneo uniforme. Essa força é denominada por Newton também de vis inertiae (força de inércia).

5 – O movimento inercial dos corpos se dá no contexto do espaço absoluto. Numa concessão que fez à imaginação metafísica (recordemos que Newton era um fervoroso comentarista dos livros sagrados), o sábio inglês definiu o espaço absoluto como sensorium Dei (órgão sensorial de Deus, mediante o qual o Ser Supremo se relaciona com os corpos extensos). Isso ensejou acirrado debate com outros pensadores da época, notadamente com Leibniz. O nosso autor, importante figura do mundo intelectual britânico, não se engajou pessoalmente na polêmica com o filósofo prussiano, tendo sido representado nesse debate por Clarke.

6 – Vis impressa ou força é uma ação que se exerce sobre um corpo, com vistas a modificar a sua posição de repouso ou de movimento retilíneo uniforme. A mudança efetivada pela força pode afetar a magnitude da velocidade, bem como a direção da mesma.

7 - A quantitas motus (medida do movimento) é o produto da velocidade multiplicada pela massa (quantitas materiae). Newton define a massa como o produto do volume pela densidade. A quantitas motus é a quantidade de movimento, mv, que Descartes tinha denominado de impulso.

8 – Num corpo já em movimento, o novo movimento, que lhe é comunicado por uma força, se junta ao que já possuía (se recebe a força no mesmo sentido do movimento original), ou se subtrai ao mesmo (se recebe a força em sentido inverso). Uma força aplicada a um corpo, lhe comunica uma quantidade de movimento. Duas forças são entre si como as quantidades de movimento que elas comunicam ao mesmo tempo.

9 – A força, para Newton, é uma realidade física, apreendida unicamente como fenômeno. Ela consiste numa ação exercida sobre um corpo e pode ter diversas origens (choque, pressão, atração). Mas o cientista britânico fica longe de se perguntar qual é a natureza oculta dessa força, qual a sua essência. Somente lhe interessa o ponto de vista cinemático que apreende a realidade “como aparece”, ou no terreno fenomenal. É a partir daí que se constrói, em Newton, a física ou ciência da natureza.

68

Page 69: Vida e Obra de Filosofos

10 – Aplicação dos três axiomas ou leis do movimento aos corpos celestes, mediante a aplicação do princípio geral da gravitação, que é formulado assim: 

Toda vez que há duas partes de matéria no Universo, elas exercem, uma sobre a outra, uma força de atração cujo tamanho é proporcional às quantidades de matéria (massas) dessas partes, e inversamente proporcional ao quadrado da sua distância mútua.

Torna-se possível, a partir desse princípio, explicar todos os movimentos do Universo de forma matemática e reunir um grande número de fenômenos num princípio universal. O cálculo infinitesimal foi criado por Newton para tornar possível a representação matemática das variáveis que, no Universo, constituem todos os movimentos do mesmo. Caminho bem diferente do trilhado por Leibniz para formular o cálculo infinitesimal, que deveria traduzir, matematicamente, a harmonia cósmica.

11 – Significação do Princípio da Gravitação Universal para a história do pensamento: Graças a esse princípio, todas as oposições entre diferentes categorias de movimento (naturais e forçados, terrestres e celestes) são superadas, e não há mais diferença essencial entre o lançamento de uma pedra e o movimento da lua, por exemplo. O movimento de um planeta é representado como a resultante do movimento retilíneo uniforme seguindo a tangente, em relação à trajetória que teria se fosse subtraído a toda força exterior e ao movimento de queda em relação à Terra.

12 – Forte oposição, nos séculos XVII e XVIII, às leis de Newton: Como frisa o cientista e filósofo belga Jean Ladrière, “O pensamento físico achava-se então em pleno mecanicismo. A matéria era representada como constituída por partículas (átomos) e qualquer ação de uma força era entendida como movimentos dessas partículas. Rejeitava-se, então, qualquer modo de ação diferente do representado pelas forças de choque. Admitiam-se unicamente as ações por contato, e não se poderia admitir uma força que agisse à distância, através do espaço vazio, sem intervenção de um meio intermediário, mediante o qual a ação pudesse se propagar. Ora, a força da gravitação age à distância, de forma instantânea, sem intermediários” [Ladrière, Elements de critique des sciences et de cosmologie. Louvain: Université Catholique de Louvain, 1967, p. 145].

13 – A filosofia da natureza de Newton, precursora da Perspectiva Transcendental: as forças da natureza não devem ser consideradas, segundo o pensador britânico, como causas profundas do movimento. Trata-se de conceitos matemáticos. Quando se diz que um centro atrai, não se pretende formular a verdadeira natureza da ação de uma força. O peso é devido, a bem da verdade, a uma causa que lhe confere as propriedades que possui. Mas, frisa Newton, eu não posso deduzir fenômenos dessa causa e não posso pretender formular hipóteses a partir daí, sejam elas de tipo metafísico ou mecânico; essas hipóteses não têm lugar na filosofia natural (ou seja, na física). A filosofia natural deve deduzir as propriedades dos fenômenos e generalizá-las por indução. Basta com saber que a gravitação existe, que ela age segundo as leis que conhecemos e que ela é suficiente para dar conta dos movimentos do Céu e da Terra.

http://pensadordelamancha.blogspot.com.br/2010/05/sir-isaac-newton-1642-1727.html

69

Page 70: Vida e Obra de Filosofos

Gottfried Wilhelm von Leibniz (*1646 +1716)

Vida e Obra: Gottfried Wilhelm Leibniz nasceu em Leipzig, a 1° de julho de 1646, filho de um professor de filosofia moral. Desde muito cedo, teve contato, na biblioteca paterna, com filósofos e escritores antigos, como Platão (428-347 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.) e Virgílio (c. 70-19 a.C.), e com a filosofia e a teologia escolásticas. Aos quinze anos começou a ler Bacon (1561-1626), Hobbes (1588-1679), Galileu (1564-1642) e Descartes (1596-1650), passando a dedicar-se às matemáticas. Ainda

aluno da Universidade de Leipzig, escreveu, em 1663, um trabalho sobre o princípio da individuação; depois foi para Iena, a fim de seguir os cursos do matemático Ehrard Wigel.

Desde essa época, Leibniz se preocupou em vincular a filosofia às matemáticas escrevendo uma Dissertação Sobre a Arte Combinatória. Nesse trabalho procurou encontrar para a filosofia leis tão certas quanto as matemáticas e esboçou as premissas do cálculo diferencial, que inventaria ao mesmo tempo que Newton. Por outro lado, no estudo da lógica aristotélica, Leibniz encontrou os elementos que o levaram à ideia de uma análise combinatória filosófica, vislumbrando a possibilidade de cria um alfabeto dos pensamentos humanos, com o qual tudo poderia ser descoberto.

Nos anos seguintes, doutorou-se em direito na Universidade de Altdorf e, em Nuremberg, filiou-se à Sociedade Rosa-Cruz. O ingresso nessa Sociedade valeu-lhe uma pensão e, ao que tudo indica, permitiu que ele se iniciasse na vida política.

A partir de então, a vida de Leibniz, segundo o historiador Windelband, apresenta muitas semelhanças com a de Bacon: Leibniz sabia mover-se agilmente em meio às intrigas da corte a fim de realizar seus grandes planos, sendo dotado também daquela "ardente ambição que levara Bacon à ruína".

Em 1667, Leibniz dedicou ao príncipe-eleitor de Mogúncia um trabalho no qual mostrava a necessidade de uma filosofia e uma aritmética do direito e uma tabela de correspondência jurídica. Por causa desse trabalho, foi convidado para fazer a revisão do “corpus juris latini".

Em 1670, foi nomeado conselheiro da Alta Corte de Justiça de Mogúncia. Com esse título, Leibniz foi encarregado de uma missão em Paris, em 1672. Pretendia convencer o rei Luís XIV a conquistar o Egito, aniquilando, assim, a Turquia e protegendo a Europa das invasões "bárbaras". Esperava, desse modo, desviar as atenções do rei e evitar que ele utilizasse sua potência militar contra a Alemanha. Seu projeto foi rejeitado, mas os três anos de estada em Paris não lhe foram inúteis. Entrou em contato com alguns dos mais conhecidos intelectuais da época: Arnauld (1612-1694), Huygens (1629-1695). Em 1676, Leibniz descobriu o cálculo diferencial, situando-se entre os maiores matemáticos da época.

Fora, no entanto, precedido por Newton, que, desde 1665, já inventara, embora sob ponto de vista diferente, um novo método de cálculo, o método das fluxões. Em Newton, as variações das funções são comparadas ao movimento dos corpos, sendo, portanto, a ideia de velocidade que fundamentava seu cálculo. Leibniz, ao contrário, parte de uma colocação metafísica, introduzindo a noção de quantidades infinitamente pequenas, o que o leva a empregar o algoritmo.

Em 1676, Leibniz encontra-se em Amsterdam com Espinosa, com quem discute problemas metafísicos. No mesmo ano torna-se bibliotecário-chefe em Hanôver, cidade na qual passaria ao

70

Page 71: Vida e Obra de Filosofos

restantes quarenta anos de sua vida. Saiu de Hanôver apenas para percorrer, durante três anos, a Alemanha e a Itália, realizando pesquisas em bibliotecas e arquivos destinadas a fundamentar suas missões diplomáticas.

Em 1711, viajou para a Rússia a fim de propor ao czar Pedro, o Grande, um plano de organização civil e moral para o país. Em seguida, esteve em Viena, onde conheceu o príncipe Eugênio de Savóia, ao qual dedicaria a Monadologia. Nessa época, realizou seus principais trabalhos filosóficos.

De volta a Hanôver, Leibniz encontrou diminuído seu prestígio, com a morte de sua protetora, a princesa Sofia, apesar de ter sido um dos maiores responsáveis para que Hanôver se transformasse em eleitorado e para que fosse criada a Academia de Ciências de Berlim. Relativamente esquecido e isolado dos assuntos públicos, Leibniz veio a falecer a 14 de novembro de 1716.

Racionalismo e Finalismo

Apesar de sua intensa e agitada vida pública, Leibniz deixou uma obra extensa, em que trata de quase todos os assuntos políticos, científicos e filosóficos de seu tempo.

Parte considerável da obra de Leibniz e constituída por escritos de circunstância, com os quais – segundo muitos historiadores – tentava apenas obter favores dos governantes, fazendo todas as conciliações possíveis. Dilthey, ao contrário, considera que Leibniz perseguia um sincero ideal de síntese de todos os conhecimentos e das diferentes confissões religiosas de seu tempo. Outra parte (a volumosíssima correspondência e os trabalhos publicados somente após sua morte) revela – segundo Russel e outros – um pensador bastante diferente do Leibniz público Acrescentando-se a essa dupla face de seus escritos o fato de que muitos deles sequer foram concluídos, torna-se bastante difícil uma interpretação da filosofia leibniziana que não dê margem a dúvida e não suscite polêmica.

De qualquer modo – e embora Leibniz tenha criado um amplo sistema de ideias dotado de "múltiplas entradas" – pode-se tomar para ponto de partida da compreensão da sua filosofia dois temas provenientes de fontes distintas: um da filosofia de Descartes, outro de Aristóteles e da escolástica medieval.

Descartes forneceu-lhe o ideal de uma explicação matemática do mundo; a partir dessa ideia, Leibniz pretendia lançar as bases de uma combinatória universal, espécie de cálculo filosófico que lhe permitiria encontrar o verdadeiro conhecimento e desvendar a natureza das coisas. De Aristóteles e da escolástica, Leibniz conservou a concepção segundo a qual o universo está organizado de maneira teleológica, ou seja, tudo aquilo que acontece, acontece para cumprir determinados fins.

As duas doutrinas foram sintetizadas pela filosofia de Leibniz, aparecendo unificadas na concepção de Deus. Para Leibniz, a vontade do Criador (na qual se fundamenta o finalismo) submete-se ao Seu entendimento (racionalismo); Deus não pode romper Sua própria lógica e agir sem razões, pois estas constituem Sua natureza imutável. Consequentemente, o mundo criado por Deus estaria impregnado de racionalidade, cumprindo objetivos propostos pela mente divina.

Essa síntese entre o racionalismo cartesiano e o finalismo aristotélico apresenta como núcleo uma série de princípios de conhecimento, dos quais se poderiam deduzir uma concepção do mundo e uma ética dotada inclusive de implicações políticas.

71

Page 72: Vida e Obra de Filosofos

O primeiro desses princípios é o de razão. O princípio de razão consiste em submeter toda e qualquer explicação ou demonstração a duas exigências. A primeira funda-se no caráter não-contraditório daquilo que é explicado ou demonstrado; é a razão necessária ou princípio de não-contradição. A Segunda exigência consiste em que, além de explicado ou demonstrado não ser contraditório (e sendo, portanto, possível sua existência), a coisa em questão também existe realmente; é a razão suficiente. O princípio de razão afirma, portanto, que uma coisa só pode existir necessariamente se, além de não ser contraditória, houver uma causa que a faça existir.

Para Leibniz, além da causa eficiente que produz as coisas segundo o princípio de razão (não-contradição e suficiência), intervém também nessa produção a causa final. A primeira é de tipo matemático e mecânico, a Segunda é dinâmica e moral. O fim da produção das coisas é a vontade justa, boa e perfeita de Deus, que deseja essa produção. O finalismo é que sustenta o princípio do melhor: Deus calcula vários mundos possíveis, mas faz existir o melhor desses mundos. O critério do melhor é sobre tudo moral; com ele Leibniz pretende demonstrar que o mal é a simples sombra necessária do bem. O finalismo sustenta, desse modo, o otimismo leibniziano do melhor dos mundos possíveis.

Além dos princípios de razão (não-contradição e suficiência) e do princípio do melhor, que dão conta da produção das coisas, Leibniz faz com que intervenham também os princípios da continuidade e dos indiscerníveis.

O princípio da continuidade afirma que a natureza não dá saltos; assim como não há vazios no espaço, assim também não existem descontinuidades na hierarquia dos seres. Leibniz afirma, por exemplo, que as plantas não passam de animais imperfeitos.

O princípio dos indiscerníveis daria conta da multiplicidade e individualidade das coisas existentes. Leibniz afirma que não há no universo dois seres idênticos e que sua diferença não é numérica nem espacial ou temporal, mas intrínseca, isto é, cada ser é em si diferente de qualquer outro. A diferença é de essência e manifesta-se no plano visível das próprias coisas.

Os princípios do melhor, da não-contradição, da razão suficiente, da continuidade e dos indiscerníveis são considerados, por Leibniz, constitutivos da própria razão humana e, portanto, inatos, embora apenas virtualmente. Nos Novos Ensaios Sobre o Entendimento Humano, Leibniz rejeita a teoria empirista de Locke (1632-1704), segundo a qual a origem das ideias encontra-se na experiência, apenas uma "tabula rasa", uma folha de papel em branco. Para Leibniz, ao contrário, a experiência só fornece a ocasião para o conhecimento dos princípios inatos ao intelecto: 

"Não se deve imaginar que se possa ler na alma, sem esforços e sem pesquisa, essas eternas leis da razão, como o édito do pretor é lido em seu caderno; mas é bastante que as descubramos em nós por um esforço de atenção, uma vez que as ocasiões são fornecidas pelos sentidos". Os empiristas teriam razão ao afirmar que as ideias surgem do contato com o mundo sensível, mas errariam ao esquecer o papel do espírito. Por isso, Leibniz completa a fórmula de Locke – "Nada há no intelecto que não tenha passado primeiro pelos sentidos" – com o adendo "a não ser o próprio intelecto".

Os Fundamentos da Monadologia

Os princípios do conhecimento formulados por Leibniz levaram-no a uma concepção do mundo oposta à cartesiana. Enquanto Descartes formula uma concepção geométrica e mecânica dos corpos, Leibniz constrói uma concepção dinâmica. Nesse sentido, explica os seres não como máquinas que se movem, mas como forças vivas: "Os corpos materiais, por sua resistência e

72

Page 73: Vida e Obra de Filosofos

impenetrabilidade, revelam-se não como extensão mas como forças; por outro lado, a experiência indica que o que se conserva num ciclo de movimento não é – como pensava Descartes – a quantidade do movimento, mas a quantidade de força viva". A partir da noção de matéria como essencialmente atividade, Leibniz chega à ideia de que o universo é composto por unidades de força, as mônadas, noção fundamental de sua metafísica. Essa noção, contudo, não se esgota na adição do atributo força ao conceito da matéria, formulado por Descartes. Leibniz chega também à noção de mônada mediante a experiência interior que cada indivíduo tem de si mesmo e que o revela como uma substância ao mesmo tempo una e indivisível.

As notas que caracterizam as mônadas leibnizianas são a percepção, a apercepção, a apetição e a expressão. Pela percepção as mônadas representam as coisas do universo; cada uma de per si espelha o universo todo. A apercepção é a capacidade que a mônada espiritual tem de auto representar-se, isto é, de refletir; a mônada é a consciência. A apetição consiste na tendência de cada mônada de fugir da dor e desejar o prazer, passando de uma percepção para outra. Finalmente, as mônadas, não tendo "portas sem janelas", não recebem seus conhecimentos de fora, mas têm o poder interno de exprimir o resto do universo, a partir de si mesmas; a mônada é um ponto de vista.

Cada representação por parte das mônadas é um reflexo obscuro, jamais havendo consciência clara de todas as impressões. Isto se deve ao fato de que o universo é múltiplo e infinito, enquanto toda a substância, isto é, toda mônada, com exceção de Deus, é necessariamente finita. Portanto, não é possível "que nossa alma (mônada superior) possa atingir tudo em particular". O corpo humano, para Leibniz, é afetado, de alguma forma, pela mudança de todos os outros; todos os seus movimentos correspondem certas "percepções" ou pensamentos mais ou menos confusos da alma. Assim, a alma também tem algum pensamento de todos os movimentos do universo.

"É verdade", diz Leibniz, "que não nos apercebemos distintamente de todos os movimentos de nosso corpo, como por exemplo o da linfa (...), mas é preciso que eu tenha alguma percepção do movimento de cada vaga de um rio, a fim de poder me aperceber daquilo que resulta de seu conjunto, isto é, esse grande ruído que se escuta perto do mar".

A percepção consciente (apercepção) resulta do conjunto das "pequenas percepções", como o ruído do choque de duas gotas de água, que se deve ouvir mesmo sem ter consciência. Isso explicaria a conservação das lembranças, o trabalho da imaginação nos "bastidores da consciência", assim como a realidade dos sonhos, mesmo quando esquecidos no estado de vigília. Dessa forma, os estados sucessivos da alma estariam ligados uns aos outros e a todo universo.

O inconsciente seria inerente a todas as substâncias criadas e seus diferentes graus seriam paralelos aos graus de perfeição dessas substâncias; a continuidade existente entre os seres não anula a diferença de natureza entre as simples mônadas e os espíritos. Leibniz afirma ainda que existem dois tipos de inconscientes: o inconsciente de percepção, próprio das simples mônadas enquanto são apenas "espelhos do universo", e o inconsciente da imitação, pertencente apenas aos espíritos enquanto não são apenas espelhos, mas espelhos dotados de reflexão. A razão dessa diferença, encontra-se no fato de que as mônadas não possuem o mesmo grau de perfeição: acima das "mônadas nuas" (corpos brutos que só têm percepções inconscientes e apetições cegas) existem "mônadas sensitivas" (animais dotados de apercepções e desejos) e as "mônadas racionais" , com consciência e vontade.

73

Page 74: Vida e Obra de Filosofos

O Melhor dos Mundos Possíveis

O racionalismo leibniziano tende à constituição de um saber globalizador, de uma mathesis universalis. Do ponto de vista lógico, o sistema de Leibniz estrutura-se como um conjunto de múltiplas séries que convergem e se entrecruzam; cada ponto de uma das séries é definido, dentro da complexa teia, por seu lugar, sua posição; por conseguinte, o conjunto todo organiza-se numa topologia. A noção de ordem, em Leibniz, assume feição diferente da que possuía em Descartes: desliga-se da de nexo linear e passa a se vincular à noção de "situação" (as situações resultantes das diversas séries que se entrecruzam). O sistema todo, assim estruturado, conduz à possibilidade de tradução de uma ordem em outra. O pluralismo das séries convergentes que constituem o universo pode assim apresentar-se como pluralismo conciliado e harmônico. Em Leibniz, revive o modelo estóico: o universo é concebido à semelhança de um organismo pleno, cujas partes convivem numa harmonia natural e onde tudo é análogo a tudo.

Para Leibniz, os atos de cada mônada foram antecipadamente regulados de modo a estarem adequados aos atos de todas as outras; isso constituiria a harmonia preestabelecida.

A doutrina leibniziana da harmonia preestabelecida sustenta que Deus cria as mônadas como se fossem relógios, organiza-os com perfeição de maneira a marcarem sempre há mesma hora e dá-lhes corda a partir do mesmo instante, deixando em seguida que seus mecanismos operem sozinhos. Assim, Deus teria colocado em cada mônada, no instante da criação, todas as suas percepções, criando-as de tal modo que cada uma se desenvolve como se estivesse só; seu desenvolvimento, todavia, corresponde, a cada instante, exatamente ao de todas as outras. Graças a essa harmonia preestabelecida, os pontos de vista de cada mônada sobre o universo concordariam entre si. Ao mesmo tempo, Deus escolhe o melhor dos mundos dentre todos aqueles que se apresentam como possíveis. Coloca-se então a questão: como explicar a presença do mal no mundo?

Leibniz tentou responder a esse problema, afirmando inicialmente que o mal se manifesta de três modos: metafísico , físico e moral . O mal metafísico seria a fonte do mau moral, e deste decorreria o mal físico. O mal metafísico é a imperfeição inerente à própria essência da criatura, pois se ela não fosse imperfeita, seria o próprio Deus. A imperfeição metafísica original de definiria, assim, apenas como uma não-perfeição, metafísica original se definiria, assim, apenas como uma não-perfeição, um não-ser, retomando Leibniz concepção neoplatônica e agostiniana.

O mal metafísico é a raiz do mau moral, pois aquilo que é perfeito pode contemplar o Bem, sem possibilidade de erro, mas uma substância imperfeita não é capaz de aprender o todo, tem percepções inadequadas e se deixa envolver pelo confuso. Não se deveria, contudo, responsabilizar o criador pela existência do mal, porque Deus proporciona a todos as mesmas graças, mas cada um pode se beneficiar delas de acordo com sua limitação original. Leibniz afirma que, assim como a correnteza é a causa do movimento do barco, mas não de seu atraso, assim também Deus é a causa da perfeição da Natureza, mas não de seus defeitos. Ao produzir o mundo tal como ele é, Deus escolheu o menor dos males, de tal forma que o mundo comporta o máximo de bem e o mínimo de mal. Na própria origem das coisas, diz Leibniz, exerce-se uma certa matemática divina, ou mecânica metafísica, responsável pela determinação do máximo de existência, tão rigorosa quanto as dos máximos e mínimos matemáticos ou as leis do equilíbrio.

O mal físico é entendido por Leibniz como consequência do mau moral, podendo ser considerado, ao mesmo tempo, uma consequência física da limitação original e uma consequência ética, isto é, punição do pecado. Em decorrência da harmonia preestabelecida, a dor física seria expressão da dor metafísica, que a alma experimenta por causa de sua imperfeição. Segundo Leibniz, Deus autoriza o sofrimento porque este é necessário para a

74

Page 75: Vida e Obra de Filosofos

produção de um Bem Superior: "Experimenta-se suficientemente a saúde, sem nunca se ter estado doente? Não é preciso que um pouco de Mal torne o Bem sensível, isto é, Maior?"

A teoria do Mal, formulada por Leibniz, concluiria assim sua tentativa de síntese sistemática de uma filosofia que concebe o mundo como rigorosamente racional e como o melhor dos mundos possíveis. Algumas passagens das obras do próprio Leibniz, contudo, deixam uma réstia de dúvida sobre seu otimismo:

 "Pode-se duvidar se o mundo avança sempre em perfeição ou se avança e recua por períodos. (...) Pode-se pois questionar se todas as criaturas avançam sempre, ao menos no final de seus períodos, ou se existem também aquelas que perdem e recuam sempre, ou, enfim, se existem aquelas que realizam períodos no final dos quais percebem não ter ganho nem perdido; da mesma forma que existem linhas que avançam sempre, como a reta, outras que voltam sem avançar ou recuar, como a circular, outras que voltam e avançam ao mesmo tempo, como a espiral, outras, finalmente, que recuam depois de terem avançado, ou avançam depois de terem recuado, como as ovais".

http://www.mundodosfilosofos.com.br/leibniz.htm#ixzz20FuTcX00

Giambattista Vico (* 1668 + 1744)

Giambattista Vico nasceu em Nápoles no dia 23 de junho de 1668, seu pai foi um pequeno livreiro que lhe proporcionou, desde cedo, a convivência com os livros. Muito inquieto durante a infância, Vico não conseguiu seguir com regularidade dos estudos elementares, vivia abandonando a escola para dedicar-se ao estudo solitário; insistindo no autodidatismo alcançou uma formação cultural muito vasta, que abrangeu os diversos ramos da Filosofia do seu tempo, além das outras áreas do conhecimento, especialmente a literatura, a retórica, a filologia, a história e o direito. Em

1694 laureou-se em Direito.

A partir de 1699, Vico passou a ocupar a cátedra de Retórica da Universidade Régia de Nápoles, permanecendo nesta atividade até bem pouco tempo antes de sua morte, ocorrida na noite do dia 22 para o dia 23 de janeiro de 1744. Durante o exercício da carreira universitária Vico produziu suas obras filosóficas dedicadas à promoção da ciência social e à emancipação humana. Entre os vários trabalhos publicados, alcançaram maior notoriedade os seguintes escritos: De nostri temporis studiorum ratione (1709), De antiquissima italorum sapientia ex linguae latinae originibus eruenda (1710), Diritto Universale (1720-1722), Autobiografia: la vita di Giambattista Vico scritta da se medesimo (1728) e as três edições daScienza nuova (1725, 1730 e 1744).

A Scienza nuova foi o ápice do propósito acalentado por mais de 30 anos, o de promover o estudo das coisas humanas à esfera científica. Mais que o estabelecimento de uma nova ciência, a obra de Vico foi o marco de fundação do projeto de constituição do estatuto epistemológico das ciências sociais. O projeto de Vico conciliou as duas grandes correntes da filosofia do século XVII, o racionalismo e o empirismo, porque a pesquisa social não pode negligenciar o conhecimento das condições concretas da existência humana, tarefa esta possível de ser executada com o empirismo; contudo, a veracidade da descoberta científica precisa ser

75

Page 76: Vida e Obra de Filosofos

confirmada com a razão humana, de modo que o conhecimento autêntico evidencia a harmonia entre a prática e o pensamento.

Vico dedicou-se ao estudo da poesia primitiva — Homero em especial — para encontrar o primeiro pensamento humano nascido no mundo e que, simultaneamente, constituiu as bases do direito natural para a formação do mundo social. As fábulas antigas são histórias verdadeiras dos costumes dos povos bárbaros, e que devem ser tomadas enquanto tal, e não como verdades filosóficas de um tempo em que ainda não havia no mundo os filósofos. A pesquisa de Vico teve o propósito de descobrir as origens das coisas humanas, para poder explicar os fundamentos da vida em sociedade, cuja finalidade ultrapassou o intento meramente formal da investigação filosófica, Vico formulou também a sua crítica às práticas sociais que impedem a efetivação da igualdade e da liberdade. Os poemas homéricos evidenciam o comportamento bárbaro dos tempos arcaicos, tempos da injustiça e do direito do mais forte. A comunidade humana pode rememorar as suas origem bárbara, e conhecendo as limitações do passado é possível preservar os tempos humanos no presente. Este foi o legado de Vico.

George Berkeley (*1685 +1753)

Vida e obra: nasceu em 1685 perto de Dysert Castle, na Irlanda, de uma família de origem inglesa. Estudou no Trinity College em Dublin, formando-se mestre em artes em 1707. Ordenado pela Igreja anglicana, a princípio ensina grego (sua obra, um dia, assumirá um tom platônico), em seguida hebreu e teologia no Trinity College. Entre 1702 e 1710, podemos seguir, em seu caderno de anotações (Commonplace book), a formação de seu pensamento.

Desde 1709 ele escreve sua Nova teoria da Visão. Seu Tratado sobre os Princípios do Conhecimento Humano é publicado em 1710. As intenções apologéticas de sua obra aparecem claramente nos artigos polêmicos, que escreveu em 1713, no jornal The Guardian, contra as ideias de um célebre livre-pensador, Arthur Collins. Em 1713, igualmente, aparece os Diálogos entre Hylas e Philonous. Berkeley então viaja pela França e pela Itália; em seguida se decide a propagar o pensamento cristão nas possessões americanas da Inglaterra, partindo para as Bermudas, onde sonha fundar um colégio, ideia à qual deve renunciar, posto que o governo inglês não lhe envia os fundos prometidos. Nessa época, ele lê Plotino sobretudo. Ao retornar, é nomeado bispo anglicano de Cloyne. Publica uma nova obra contra os livres-pensadores, "Alciphrom ou o filosofúsculo" (Alciphrom or the minute philosopher). Em 1740, sobrevém uma epidemia na Irlanda, que o improvisa como médico; cuida de suas ovelhas com água de alcatrão (receita que conheceu na América), na qual vê um remédio universal, o que o leva a uma cadeia (seiris, em grego) de reflexões muito platônicas sobre a natureza, a Providência e Deus, que ele nos oferece em sua última obra:

 "Síris ou Reflexões e pesquisas filosóficas concernentes às virtudes da água de alcatrão e diversos outros temas conexos entre si e originados um do outro" (1744). Na Teoria da Visão, Berkeley parte do seguinte problema (colocado pelo físico Molyneux): Como podemos ver a

76

Page 77: Vida e Obra de Filosofos

distância de um objeto? O raio luminoso, orientado perpendicularmente ao olho, só projeta um ponto que invariavelmente é o mesmo, quer a distância seja longa ou curta. Por conseguinte, falando estritamente, não vemos a distância. Um cego de nascença, afirma Berkeley, ao qual fosse dado ver repentinamente, teria a impressão de que todos os objetos tocavam seus olhos (vinte anos após a obra de Berkeley, o cirurgião Cheselden publicará, nas Philosophical Transactions of the Royal Society, a observação de um menino de quatorze anos, operado de catarata, que parece confirmar o ponto de vista de Berkeley. Voltaire, em sua Filosofia de Newton, 1741, torna conhecida essa experiência que Condillac e Diderot discutirão em sua Carta sobre os cegos para uso dos que vêem).

Para Berkeley, a distância, portanto, não é percebida, mas julgada a partir de signos tais como a grandeza aparente ou da luminosidade mais ou menos viva dos objetos. Esse homem pequenino e pouco visível está longe de mim, porque a experiência mostra que quando um homem tem essa grandeza aparente, deve andar por alguns momentos a fim de o tocar. Por conseguinte, a experiência me ensina a interpretar aparências visuais como o sinal da distância maior ou menor dos objetos.

Dessa análise psicológica, Berkeley tira conclusões importantes:

a) Não existe espaço objetivo, espaço "em-si", para Berkeley. O espaço não é o "sensível-comum", simultaneamente percebido pela visão e pelo tato, como dizia a filosofia escolástica, nem a extensão geométrica, tão cara aos cartesianos. Existem dois espaços distintos: um visual, relativo ao sentido da visão, e o que possui apenas duas dimensões, e um espaço tátil (a exploração tátil me revela, na origem, as distâncias dos objetos), o que me ensina a decifrar as correspondências entre esses dois tipos de sensações (visuais e táteis).

b) As correspondências existentes entre os dados visuais e a distância dos objetos não podem ser previstas a priori. É a experiência, e só ela, que me faz conhecer a ligação entre uma mudança de claridade e uma mudança de distância, exatamente como a experiência, isto é, a aprendizagem da língua natal me faz conhecer a ligação convencional entre os objetos e as palavras que os designam. Compreendemos bem que, para Berkeley, o cubo que vejo e aquele em que toco não são um só e mesmo objeto! Não mais existem relações entre um e outro, exceto a que existe entre o cubo em que toco e a palavra de quatro letras com que o designo. É por preconceito que acredito na existência de "objetos". Tudo o que a experiência me fornece é uma multidão de sensações diversas entre as quais existem correspondências. Os dados visuais são o signo dos dados táteis. Ora, toda linguagem é a instituição de um espírito, por conseguinte, uma linguagem universal da natureza (como aquela que faz dos dados visuais o signo das experiências táteis) só pode ser obra de um Espírito universal. As correspondências entre o atlas tátil e o atlas visual simplesmente manifestam a Providência de Deus.

Nominalismo de Berkeley

a) Ele declara não compreender o que seja uma ideia abstrata. Por isso ele se aproxima de Locke e do ponto de vista de todos os outros empiristas ingleses. Por exemplo: que é a ideia abstrata de Homem? Um nome, uma simples palavra (uma imagem concreta, lida ou ouvida), pois, quando represento mentalmente um homem, é preciso que essa imagem seja a de um homem particular, grande ou pequeno, disforme ou bem proporcionado, etc.

77

Page 78: Vida e Obra de Filosofos

b) Todavia, se Berkeley nega a ideia abstrata, ele admite a ideia geral. Por exemplo, essa palavra "homem" que pronuncio não passa, em suma, de uma imagem sonora concreta. Mas essa imagem sonora, eu a faço corresponder a um sem-número de imagens visuais (as de todos os homens que posso ver). A imagem concreta se torna geral quando se transforma em signo, em substituto de outras imagens concretas. Uma imagem concreta, uma ideia concreta (para Berkeley, ideia e imagem são a mesma coisa; a palavra ideia significa representação mental) é o símbolo de outras ideias concretas. No universo de Berkeley, os "signos" desempenham um grande papel. Pensar não é, para ele, aprender uma essência abstrata, mas passar de uma imagem a outra graças à função simbólica.

O Imaterialismo

É a outra doutrina fundamental de Berkeley que facilmente vemos estar ligada ao seu nominalismo. Para ele, toda abstração é ilegítima. E, por exemplo, não tenho o direito de dizer, como Descartes, que a extensão existe objetivamente, ao passo que a cor é subjetiva, pois todos os objetos me são dados simultaneamente como extensos e coloridos. De um modo mais geral, nada me autoriza a imaginar, por abstração, a existência de pretensos objetos materiais fora de meus estados de consciência. "Não posso representar em meus pensamentos uma coisa sensível ou um objeto isolados da sensação que deles tenho; o objeto e a sensação são idênticos e não podem ser abstraídos um do outro." Eis uma porta alta e sólida, pintada de verde e contra a qual me choco dolorosamente. Não é verdadeiramente uma coisa material que existe como tal, fora de minhas sensações! Absolutamente, responde Berkeley. Esta porta nada mais é do que uma soma de representações mentais, um conjunto de "ideias". Sua forma e a extensão que ela ocupa são sensações; sua cor verde uma sensação visual, o contato de minha mão com ela uma sensação tátil e a própria dor que sinto após o choque é um estado de consciência. Não possuo mais o direito de dizer que tenho uma ou várias ideias da porta, posto que ela não passa de um conjunto de ideias. Não tenho a menor razão de abstrair da realidade sensível que é a dos meus estados de consciência, pretensas coisas materiais que, misteriosamente, existiriam além de minhas percepções. A única realidade das coisas é serem percebidas, "Esse est percipi". É certo que o ser não se reduz ao que é passivamente percebido e que eu, que ativamente percebo, também existo. Para Berkeley, portanto, ser é ser percebido ou perceber: "Esse est percipi vel percipere". Não há no mundo senão ideias e espíritos. É o que, nos célebres diálogos, o imaterialista Philonous (esse nome, em grego, significa amigo do espírito), porta-voz de Berkeley, demonstra a Hylas (cujo nome, em grego, significa matéria).

Realismo ou Idealismo?

O que Berkeley rejeita é a realidade de uma substância material que seria o suporte misterioso, invisível, impalpável, das qualidades sensíveis. O que ele não admite é a coisa que estaria oculta sob nossas representações, é um além material que transcenderia o percebido. Sua filosofia, segundo a qual a realidade se reduz ao que nos é dado concretamente, quer nos libertar daquilo que Nietzche, mais tarde, chamará de "a ilusão dos além-mundos". Como diz Bergson muito bem: "O que o idealismo de Berkeley significa é que a matéria é coextensiva à nossa representação, que ela não tem interior, não tem suporte, que ela nada oculta, nada envolve, que se estende superficialmente e que se coloca inteira a todo instante no que ela dá". Berkeley não nega, portanto, a existência das coisas sob a condição de que se aceite que existir é "ser percebido" e nada mais. Dado esse detalhe, Berkeley reclama o bom-senso popular e se ri de Descartes que duvidava de seus sentidos. Berkeley recusa todo ceticismo e aceita o dado tal

78

Page 79: Vida e Obra de Filosofos

qual é: "O cavalo está na cocheira e os livros estão na biblioteca como antes"; o chamado idealismo de Berkeley não passa de um realismo ingênuo. A aparência é que é a verdadeira realidade. O mundo visual tem realmente as cores que aparenta ter, o mundo da audição é verdadeiramente sonoro, etc. Como Philonous declara a Hylas: "Você se engana, não quero transformar as coisas em ideias, quero antes transformar as ideias em coisas, pois os objetos imediatos da percepção que, segundo você, são apenas as aparências das coisas, eu os considero coisas reais".

A filosofia de Berkeley, portanto, é a filosofia do realismo concreto levada às suas últimas consequências: 

o que existe é o que vemos e tocamos. O que não vemos e não tocamos não existe.

Por conseguinte, Berkeley rejeita todas as "abstrações" dos matemáticos e dos físicos. Não aceita a "extensão inteligível" de Malebranche e só admite um espaço sensível. As novas matemáticas do infinitesimal, portanto, serão falsas a seus olhos. O espaço dado aos sentidos não pode ser divisível ao infinito, uma vez divisível ao infinito seria admitir que um fragmento de extensão existe sem ser percebido. Do mesmo modo, Berkeley - antes de Bergson - rejeita como ficção o tempo abstrato, homogêneo e mensurável dos físicos. O único tempo real é o tempo concretamente percebido; "mais longo na dor do que no prazer".

Imaterialismo e Teologia

a) Tal como expusemos, o imaterialismo de Berkeley suscita uma dificuldade. Se não há nenhuma transcendência das coisas, se o objeto nada mais é do que a representação que dele tenho, como é possível que vários espectadores vejam juntos, no mesmo lugar, a mesma coisa? Por exemplo, as pessoas que neste momento se encontram em meu escritório podem dizer que aí existe uma poltrona de couro. Se - como pensava Hylas - a poltrona de couro existe materialmente e nossas sensações a refletem, não há dificuldade. Mas, se como pensa Philonous-Berkeley, nossas sensações não remetem a um objeto exterior, como é que todas as pessoas presentes podem pretender ver a mesma coisa?

b) Berkeley responde a isso, fazendo com que Deus intervenha. Deus já estava encarregado de explicar as admiráveis correspondências entre dados táteis e visuais, era ele o autor dessa linguagem universal e benfazeja da natureza. E agora Berkeley nos diz que Deus é quem nos envia, numa ordem harmoniosa, nossas "ideias", isto é , nossas percepções. A ordem de minhas "ideias", sua admirável concordância com as "ideias", isto é, com as percepções dos outros espíritos, estão erigidas como prova do poder e da bondade do Criador.

c) Por que dizer, com efeito, que Deus criou a matéria e que o homem a conhece por meio de "ideias"? Não se pode fazer economia dessa entidade misteriosa? Basta pensar que o espetáculo do universo, longe de ressaltar de maneira ininteligível uma matéria opaca, é diretamente imprimido pelo Criador na consciência das criaturas. O mundo é uma mensagem de Deus. É um "discurso que Deus faz aos Homens"; ele me fala diretamente quando decifro o mundo sensível.

Quando as metafísicas materialistas falam de substância, de força, de extensão abstrata, colocam uma tela de pesadas ficções entre Deus e essa palavra cotidiana de Deus que é o mundo. Bérgson apreende efetivamente o que há de essencial na doutrina de Berkeley quando a comenta nos seguintes termos: "A matéria seria uma língua em que Deus nos fala. As metafísicas da

79

Page 80: Vida e Obra de Filosofos

matéria, tornando espessa cada sílaba, dando-lhe um destino, erigindo-a em entidade independente, afastariam nossa atenção do sentido do som e nos impediriam de acompanhar a palavra divina". Em todo caso, vemos, por tudo isso, o alcance apologético que Berkeley pretende dar a seu imaterialismo. Aos materialistas, aos ateus que proclamam: Deus não existe, a alma não existe, Berkeley responde: "É a matéria que não existe. Só Deus e os espíritos existem".

O Problema da Evolução em Berkeley

a) Em Siris, Berkeley enriquece seu imaterialismo com uma dimensão nova. A Providência - de quem as virtudes terapêuticas da água de alcatrão lhe recordam a benevolência ativa - surge-lhe, desde então, à maneira dos neoplatônicos, que lera na América, como um fogo sutil que circula através do Universo, como um fluido vital que o penetra inteiramente.

b) Por outro lado, inspirado pelos platônicos que pregam a libertação quanto aos sentidos e insistem no conhecimento das realidades espirituais, Berkeley aprofunda sua reflexão sobre o conhecimento dessas realidades. Da primeira à segunda edição de seus Princípios do Conhecimento, seguimos facilmente o aprofundamento de seu pensamento.

Na primeira edição, Berkeley mostra que as ideias, isto é, as representações mentais, são essencialmente passivas.

É Deus quem nos fornece nossas "ideias", mas não temos ideia do próprio Deus, posto que ele é atividade suprema. Como, então, podemos conhecê-lo?

A segunda edição traz uma resposta a esse problema e Siris vem explicitar essa resposta: temos uma noção de Deus. Este último que, nas primeiras obras, era um Deus cartesiano, criador das ideias em nossas consciências, torna-se um Deus malebranchiano, não apenas causa das ideias, mas morada das Ideias. Entre ele e nossas representações sensíveis surgem (como nas filosofias neoplatônicas) intermediários, arquétipos em que Deus se fundamenta para produzir nossas representações.

Berkeley então nos propõe uma espécie de síntese muito original entre as filosofias de  Locke e de Malebranche, com uma evolução cada vez mais acentuada em sua velhice para o malebranchismo, como sublinhou Gueroult. "Curiosa síntese, diz muito bem F.-J. Thonnard, entre empirismo e espiritualismo, entre gosto pelo sensível e aversão pela matéria." Todavia, Berkeley nunca seguirá Malebranche até o fim. Se, no fundo, aceita a teoria das causas ocasionais na matéria (a ideia visível não é a causa, mas o signo da ideia tangível que Deus produz em mim), se finalmente recai no tema da visão de Deus, se chega mesmo a ir mais além de Malebranche ao negar a existência das coisas materiais (que Malebranche aceita de acordo com o testemunho da Bíblia), Berkeley não aceita que a vontade das criaturas seja uma simples causa ocasional. Ele atribui à pessoa humana uma verdadeira "eficácia", uma liberdade real, recaindo, assim, no espiritualismo tradicional.

 http://www.mundodosfilosofos.com.br/berkeley.htm#ixzz20EU7p9zN

80

Page 81: Vida e Obra de Filosofos

Montesquieu (*1689 +1755)

Vida e obra: Charles-Louis de Secondat, barão de Montesquieu, nasceu na França, foi um dos grandes filósofos políticos do Iluminismo. Curioso insaciável, tinha um humor mordaz. Ele escreveu um relatório sobre as várias formas de poder, em que explicou como os governos podem ser preservados da corrupção. Nobre, de família rica, Charles-Louis formou-se em direito na Universidade de Bordeaux, em 1708, e foi para Paris prosseguir em seus estudos. Com a morte do pai, cinco anos depois, voltou à cidade natal, La Brède,

para tomar conta das propriedades que herdou. Casou-se com Jeanne Lartigue, uma protestante.

O casal teve duas filhas. Em 1716 ele herdou de um tio o título de Barão de La Brède e de Montesquieu, além do cargo de presidente da Câmara de Bordeaux, para atuar em questões judiciais e administrativas da região. Pelos próximos onze anos ele esteve envolvido em julgamentos e aplicações de sentenças, inclusive torturas. Nessa época também participou de estudos acadêmicos, acompanhando os desenvolvimentos científicos e escrevendo teses.

Em 1721, Montesquieu publicou as "Cartas Persas", um sucesso instantâneo que lhe trouxe a fama como escritor. Inspirou-se no gosto da época pelas coisas orientais para fazer uma sátira das instituições e dos costumes das sociedades francesa e europeia, além de fazer críticas fortes à religião católica e à igreja: foi a primeira vez que isso aconteceu no século 18. O livro tem um estilo divertido, mas também é desanimador: apresenta a virtude e o autoconhecimento como impossíveis de serem atingidos.

Montesquieu começou dividir seu tempo entre os salões literários em Paris, os estudos em Bordeaux, o cargo na Câmara e a atividade de escritor. Logo, ele deixaria a função pública para se dedicar aos livros. Foi eleito para a Academia Francesa em 1728. Viajou pela Europa e decidiu morar na Inglaterra, onde ficou por dois anos. Estava muito impressionado com o sistema político inglês e decidido a estudá-lo. Na volta a La Brède, escreveu sua obra-prima, "O Espírito das Leis": foi outro grande sucesso, e também bastante criticada, como haviam sido as "Cartas Persas".

Principais ideias: Montesquieu quis explicar as leis humanas e as instituições sociais: enquanto as leis físicas são regidas por Deus, as regras e instituições são feitas por seres humanos passíveis de falhas.

Definiu três tipos de governo existentes: republicanos, monárquicos e despóticos, e organizou um sistema de governo que evitaria o absolutismo, isto é, a autoridade tirânica de um só governante.

Para o pensador, o despotismo era um perigo que podia ser prevenido com diferentes organismos exercendo as funções de fazer leis, administrar e julgar. Assim, Montesquieu idealizou o Estado regido por três poderes separados, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

81

Page 82: Vida e Obra de Filosofos

Essa é a teoria da separação de poderes e teve enorme impacto na política, influenciando a organização das nações modernas.

O pensador levou dois anos escrevendo "Em defesa do Espírito das Leis", para responder ao vários críticos. Apesar desse esforço, a Igreja católica colocou "O Espírito das Leis" no seu índice de livros proibidos, o Index Librorum Prohibitorum. Mas isso não impediu o sucesso da obra, que foi publicada em 1748, em dois volumes, em Genebra, na Suíça, para driblar a censura. Seus livros seguintes continuaram a ser controvertidos, desagradando protestantes (jansenistas), católicos ordodoxos, jesuítas e a Universidade Sorbonne, de Paris. Montesquieu morreu, aos 66 anos, de uma febre. Estava quase cego. Deixou sem concluir um ensaio para a Enciclopédia, de Diderot e D'Alembert.

Bibliografia: CHAUI, Marilena – Iniciação à Filosofia; Ed. Ática, 2009 / LAW, Stephen – Guia Ilustrado Zahar de Filosofia; Ed. Zahar,

http://filsofos-vidaeobra.blogspot.com.br/2009/08/montesquieu.html

VOLTAIRE (*1694 +1778)

Vida e obra: François Marie Arouct, que adoptou o nome de Voltaire, nasceu em Paris a 21 de Novembro de 1694. Foi educado num colégio de jesuítas e ingressou bastante jovem na vida da aristocracia cortesã francesa. Mas uma disputa com um nobre, o cavaleiro de Rohan, fê-lo ir parar à Bastilha. Nos anos de 1727-29 viveu em Londres e assimilou a cultura inglesa da época.

Nas Cartas sobre os ingleses, ou Cartas filosóficas (1734), regista os vários aspectos daquela cultura insistindo especialmente sobre os temas

mais característicos da sua atividade filosófica, histórica, literária e política. Defende assim a religiosidade puramente interior e alheia a ritos e cerimónias dos Quacres (Lett., I-IV); põe em relevo a liberdade política e económica do povo inglês (1b., lX, X); analisa a literatura inglesa e traduz poeticamente alguns trechos da mesma (1b., XVI11-XX111); e, na parte central, exalta a filosofia inglesa nas pessoas de Bacon, de Locke e de Newton (Ib., XII-XVII). Comparando Descartes a Newton, exalta os méritos de matemático de Descartes, mas reconhece a superioridade da doutrina de Newton (Ib., XIV). Descartes "fez uma filosofia como se faz um bom romance: tudo parece verosímil e nada é verdadeiro".

No mesmo ano de 1734, Voltaire publicou o seu Tratado de metafísica, no qual versa os temas filosóficos que já abordara nas Cartas sobre os ingleses. Em 1734 foi viver para Cirey, em casa da sua amiga Madame de Châtelet, e foram esses os anos mais fecundos da sua atividade de escritor. Voltaire publicou então numerosíssimas obras literárias, filosóficas e físicas. Em 1738 apareceram os Elementos da filosofia de Newton, e em 1740 a Metafísica de Newton ou paralelo entre as opiniões de Newton e Leibniz. 

Em 1750, aceitou a hospitalidade de Federico da Prússia em Sans-Soucie e aí permaneceu cerca de três anos. Após o rompimento das suas relações de amizade com Federico e várias peregrinações, estabeleceu-se na Suíça, no castelo de Ferney (1760), onde pros229 seguiu a sua infatigável atividade graças à qual se tornou o chefe do iluminismo europeu, o defensor da tolerância religiosa e dos direitos do homem. Só aos 84 anos voltou a Paris para dirigir a representação da sua última tragédia Irene, tendo sido acolhido com honras triunfais. 

82

Page 83: Vida e Obra de Filosofos

Faleceu a 30 de Maio de 1778. Voltaire escreveu poemas, tragédias, obras de história, romances, além de obras de filosofia e de física. Entre estas últimas, além das citadas, são importantes o Dicionário filosófico portátil (1764), que nas edições subsequentes se tornou uma espécie de enciclopédia em vários volumes, e O filósofo ignorante (1766), o seu último escrito filosófico.

Mas também é bastante notável pelo seu conceito de história o Ensaio sobre os costumes e o espírito das nações (1740), a que antepôs mais tarde uma Filosofia da história (1765) em que procura caracterizai os costumes e as crenças dos principais povos do mundo. 

Outros escritos menores de um certo relevo são citados adiante. Shaftesbury dissera que não há melhor remédio contra a superstição e a intolerância do que o bom humor. Voltaire pôs em prática melhor do que ninguém este princípio com todos os inexauríveis recursos de um espírito genial. O humorismo, a ironia, a sátira, o sarcasmo, a irrisão aberta ou velada, são por ele empregados de vez em quando contra a metafísica escolástica o as crenças religiosas tradicionais.

Na novela Candide ou de l’optimisme, Voltaire narra as incríveis peripécias e desditas que põem à prova o optimismo de Cândido, o qual encontra sempre maneira de concluir, com o seu mestre, o doutor Pangloss, que "tudo corre o melhor possível no melhor dos mundos". Num outro romance, o Mícrómegas, do qual é protagonista um habitante da estrela Sírius, zomba da crença da velha metafísica segundo a qual o homem seria o centro e o fim do universo e, nas pisadas do Swift das Viagens de Gulliver, aborda o tema da relatividade dos poderes sensíveis, relatividade que pode ser superada somente pelo cálculo matemático. Num Poema sobre o desastre de Lisboa (1755), escrito a propósito do terremoto de Lisboa do mesmo ano, combate a máxima de que "tudo está bem" considerando-a como um insulto às dores da vida, e contrapõe a esperança de um melhor futuro construído pelo homem. 

"Muda é a natureza que em vão interrogamos. não é preciso um Deus que fale ao género humano. Só a ele cabe sua obra explicar, aconselhar o débil, o  sábio iluminar... Nossa esperança é que algum dia tudo esteja bem: Mera ilusão é que hoje tudo esteja bem.

VOLTAIRE: O MUNDO, O HOMEM E DEUS

Diz-se habitualmente que Voltaire, no decurso de toda a sua vida, passou do optimismo ao pessimismo e que, sob este aspecto, os seus últimos escritos marcam uma orientação diferente da dos primeiros. Na realidade, não é possível distinguir oscilações dignas de relevo na atitude de Voltaire sobre este ponto. Ele sempre esteve convencido de que o mal do mundo é uma realidade tão inegável como o bem; que é uma realidade impossível de explicar à luz da razão humana e que tinha razão ao afirmar a insolubilidade do problema e criticar implacavelmente todas as possíveis soluções do mesmo. Mas, por outro lado, esteve também sempre convencido de que o homem deve reconhecer a sua condição no mundo tal qual ela é, não já para se lamentar e para negar o próprio mundo, mas para alcançar uma serena aceitação da realidade. Nas Anotações sobre os Pensamentos de Pascal (1728), que é um escrito juvenil, não pretende refutar o diagnóstico de Pascal sobre a condição humana, mas apenas extrair dela um ensinamento muito diferente. Pascal, com efeito, inferia desta situação a negação do mundo e a exigência de se refugiar no transcendente. Voltaire reconhece que tal condição é a única condição possível para o homem e que, portanto, o homem deve aceitá-la e dela tirar todo o

83

Page 84: Vida e Obra de Filosofos

partido possível. "Se o homem fosse perfeito, diz ele, seria Deus; e as pretensas contrariedades a que vós chamais contradições são os ingredientes necessários de que se compõe o homem, o qual é, como o resto da natureza, aquilo que deve sem. É inútil desesperar por não ter quatro pés e duas asas. E as paixões que Pascal condenava, em primeiro lugar o amor próprio, não são no homem simples aberrações porque o movem a agir, visto que o homem é feito para a ação. Quanto à tendência do homem para se. divertir, Voltaire observa: "A nossa condição é Precisamente Pensar (...)"

Pascal e Voltaire reconhecem ambos que O homem, pela sua condição, está ligado ao mundo; mas Pascal quer que ele se liberte e afaste do mundo, ao passo que Voltaire Pensa que ele o deve reconhecer e amar. A diferença está toda nisto; o pessimismo ou o Optimismo Pouco têm a ver com a questão. 

Voltaire toma os traços fundamentais da sua concepção do mundo dos empiristas e dos deístas ingleses- Decerto que Deus existe como autor do mundo; e, conquanto se encontrem nesta opinião muitas dificuldades, as dificuldades com, que depara a opinião contrária são ainda maiores. Voltaire repete a este propósito a argumentação de Clarke e dos deístas (que reproduz o velho argumento cosmológico): "Existe alguma coisa, Portanto existe alguma coisa de eterno já que nada se produz a partir do nada. Toda a obra que nos mostre meios e um fim revela um artifício: portanto, este universo composto de meios, cada um dos quais tem o seu fim, revela uni artífice potentíssimo e inteligentíssimo" (Dict. phil., art. "Dieu"; Traté de Mét., 2).

Voltaire repudia, portanto, a opinião de que a matéria se tenha criado e organizado por si mesma. Mas, por outro lado,  recusa-se a determinar os atributos de Deus, considerando ambíguo também o conceito de perfeição, que não pode decerto ser o mesmo para o homem e para Deus. E não quer admitir qualquer intervenção de Deus no homem e no mundo humano. Deus é apenas o autor da ordem do mundo físico. O bem e o mal não são ordens divinas, mas atributos do que é útil ou nocivo à sociedade. A aceitação do critério utilitarista da verdade moral permite a Voltaire afirmar terminantemente que ela não interessa de modo algum à divindade. "Deus pôs os homens e os animais sobre a terra, e eles devem pensar em conduzir-se o melhor possível". Tanto pior para os carneiros que se deixam devorar pelo lobo. "Mas se um carneiro fosse dizer a um lobo: tu desprezas o bem moral e Deus castigar-te-á, o lobo responder-lhe ia: eu procedo de acordo com o meu bem físico e, pelo visto, Deus pouco se importa que eu te coma ou não" .

É do interesse dos homens conduzirem-se de modo a tornar possível a vida em sociedade; mas isto requer o sacrifício das paixões próprias, que são indispensáveis, como o sangue que lhes corre nas veias; e não se pode tirar o sangue a um homem, porque pode ser acometido de uma apoplexia (1b., 8). 

No que toca ao conhecimento, Voltaire considera, tal como Locke, que o seu ponto de partida são as sensações e que de se desenvolve mantendo-as e dando-lhes forma. Voltaire repete os argumentos que Locke empregou sobre a existência dos objetos exteriores; e acrescenta um, por sua conta: o homem é essencialmente sociável e não poderia ser sociável se não houvesse uma sociedade e, por consequência, outros homens fora de nós (Ib., 4). As atividades espirituais que se encontram no homem não permitem afirmar a existência de uma substância imaterial chamada alma. Ninguém pode dizer, de facto, o que é a alma; e a disparidade das opiniões a este propósito é muito significativa. Sabemos que é algo de comum ao animal chamado homem e

84

Page 85: Vida e Obra de Filosofos

àquilo que se chama animal. Este algo poderá ser a própria matéria? Diz-se que é impossível que a matéria pense.

Mas Voltaire não admite tal impossibilidade. "Se o pensamento fosse um composto da matéria, eu reconheceria que o pensamento deveria ser extenso e divisível. Mas, se o pensamento é um atributo de Deus dado à matéria, não vejo que seja necessário que tal atributo seja extenso e divisível. Vejo, de facto, que Deus comunicou à matéria outras propriedades que não têm nem extensão nem divisibilidade: o movimento, a gravitação, por exemplo, que atua sem corpo intermediário na razão direta da massa o não da superfície, e na inversa do quadrado das distâncias, é uma qualidade real demonstrada, cuja causa é tão oculta como a do pensamento" (lb., 5). 

Além disso, é absurdo sustentar que o homem pense sempre; sendo assim, é absurdo admitir no homem uma substância cuja essência seja pensar. Será mais verosímil admitir que Deus organizou os corpos tanto para pensar como para comer e para digerir. Posta em dúvida a realidade de uma substância pensante, a imortalidade da alma converte-se em pura matéria de fé. A sensibilidade e o intelecto do homem nada têm de imortal; como se poderia, pois, chegar a demonstrar a eternidade? Não existem certamente demonstrações válidas contra a espiritualidade e a imortalidade da alma; tais demonstrações são destituídas de toda a verossimilhança e é injusto e despropositado pretender efetuar uma demonstração onde somente são possíveis conjecturas. Além disso, a mortalidade da alma não é contrária ao bem da sociedade, como o provaram os antigos hebreus que consideravam a alma material e mortal.

O homem é livre, mas dentro de limites bastante restritos. "A nossa liberdade é débil e limitada, como todas as nossas faculdades. Nós fortificamo-la habituando-nos a refletir e este exercício torna-a um pouco mais vigorosa.

Mas, apesar de todos os esforços que façamos, nunca poderemos conseguir que a nossa razão impere como senhora de todos os nossos desejos; existirão sempre na nossa alma, como no nosso corpo, impulsos involuntários. Se fôssemos sempre livres, seríamos o que o próprio Deus é" (Ib. 5). Na sua última obra filosófica, Le philosophe ignorant (1766), Voltaire insiste na limitação da liberdade humana, que não consiste nunca na ausência de qualquer motivo ou determinação. "Seria estranho que toda a natureza, todos os astros obedecessem a leis eternas, e que houvesse um pequeno animal com a altura de cinco pés que, a despeito destas leis, pudesse agir sempre como lhe aprouvesse, segundo o seu capricho. Agiria ao acaso, e sabe-se  que o acaso não é nada; nós inventámos esta palavra para exprimir o efeito conhecido de toda a causa desconhecida" (Phil. ign., 13). 

VOLTAIRE: A HISTÓRIA E O PROGRESSO 

No decurso da sua atividade historiográfica, Voltaire dilucidou sempre os conceitos em que ela se inspirava.

É como filósofo que ele pretende tratar a História, isto é, colhendo, para lá do amontoado dos factos, uma ordem progressiva que revele o significado permanente deles. A primeira exigência é a de depurar os factos de todas as superestruturas fantásticas de que o fanatismo, o espírito romanesco e a credulidade os revestiram. "Em quase todas as nações, a História é desfigurada pela fábula até ao momento em que a filosofia vem iluminar os homens; e quando, por fim, a

85

Page 86: Vida e Obra de Filosofos

filosofia surge no meio destas trovas, encontra os espíritos tão obnubilados por séculos de erros que mal logra esclarece-os; deparam-se lhe cerimónias, factos, monumentos, estabelecidos para sustentar mentiras" (Essais sur les moeurs, cap. 197). A filosofia é o espírito crítico que se opõe à tradição e separa o verdadeiro do falso. 

Voltaire manifesta aqui com idêntica força a exigência histórica e antitradicionalista que Bayle representara. Mas a esta primeira exigência junta-se uma segunda, a de escolher, entre os próprios factos, os mais importantes e significativos para delinear a "história do espírito humano". Deste modo, cumpre escolher, na massa do material bruto e informe, o que é necessário para construir um edifício; é mister eliminar os pormenores das guerras, tão nocivos como falsos, as pequenas negociações que são apenas velhacarias inúteis, as aventuras particulares que abafam os grandes acontecimentos, o é preciso conservar apenas os factos que, pintam os costumes e fazem nascer desse caos um quadro geral e bem articulado (Ib., fragmento). Voltaire seguiu este ideal, sobretudo no Ensaio sobre os costumes e o espírito das nações. em que dá o máximo relevo precisamente ao nascimento e morte das instituições e das crenças fundamentais dos povos.

Mas em toda a sua obra historiográfica o que importa a Voltaire é pôr em luz o renascimento e o progresso do espírito humano, isto é, as tentativas da razão humana para se libertar dos preconceitos e erigir-se em guia da vida social do homem. O progresso da história consiste precisamente e apenas no êxito progressivo de tais tentativas, já que a substância do espírito humano permanece inalterada e imutável. "Resulta de quadro, diz Voltaire (lb., cap. 197), que tudo o que concerne intimamente à natureza humana se assemelha de um extremo ao outro do universo; que tudo o que pode depender dos costumes é diferente e se assemelha apenas por acaso.

O império do costume é muito mais vasto do que o da natureza; estende-se aos hábitos e a todos os usos, e expande-se na sua variedade por todo o universo. A natureza manifesta assim a sua unidade: estabelece por toda a parte um pequeno número de princípios invariáveis, de modo que o fundo é em toda a parte o mesmo, mas a cultura produz frutos diversos".

Na verdade, o que é susceptível de progresso não é o espírito humano nem a razão, que é a essência dele, mas sim o domínio que a razão exerce sobre as paixões em que se radicam os preconceitos e os erros.

A História apresenta-se assim a Voltaire como história do iluminismo, do esclarecimento progressivo que o homem faz de si mesmo, da progressiva descoberta do princípio racional que o rege; e implica uma alternância incessante de períodos sombrios e de renascimentos.

O conceito voltairiano da História liga-se estreitamente ao iluminismo, porque, na realidade, não é mais do que a historicização do iluminismo, o seu reconhecimento no passado. Mas com isto não se pretendeu aniquilar a problematicidade da História, e Voltaire sente-se ele mesmo um instrumento daquela força libertadora da razão, cuja história pretende descrever.

Fonte: História da Filosofia / Volume sete / Nicola Abbagnano http://forum.consciencia.org/index.php/topic,2218.0.html

86

Page 87: Vida e Obra de Filosofos

Denis Diderot (*1713 +1784)

Denis Diderot nasceu em Langres. Educado em colégio de jesuítas, recebe sólida instrução humanística. Em 1732 instala-se em Paris. Vive apenas de traduções. Depois, dedica-se à direção editorial da "Enciclopédia ou Dicionário lógico das ciências, artes e ofícios", obra gigantesca que preparará ideologicamente a Revolução Francesa. Encarregado pelo livreiro Lebreton de traduzir para o francês a enciclopédia inglesa "Cyclopaedia", de Ephraim Chambers, Diderot transforma o projeto em obra autônoma, suma das tendências científicas,

sociais, econômicas e políticas do Século das Luzes. Em 1750 surge o "Prospecto" da "Enciclopédia", de autoria de Diderot, para incentivar a subscrição popular da obra: mais um manifesto do que um programa editorial.

Compartilhando a direção da "Enciclopédia" com d'Alembert, cujo "Discurso preliminar", no início do primeiro volume, é uma exposição de princípios filosóficos, Diderot vai entregar-se a uma tarefa que o absorverá durante 16 anos.

Diderot tem fé no progresso contínuo, tem a certeza de que a ciência fornece a chave dos enigmas do mundo, de que a religião deve se circunscrever a uma modesta tarefa de regrar o comportamento prático do homem, de que a tecnologia irá construir o futuro econômico das sociedades e de que a política é a arte de eliminar as desigualdades sociais.

Ensaios, ficção, crítica e cartas

Fora da "Enciclopédia", Diderot escreve um volume de reflexões filosóficas ("Pensamentos filosóficos"), em que formula objeções racionalistas contra a revelação sobrenatural. Em 1748 aparece seu livro de contos licenciosos: "As joias indiscretas".

Imediatamente antes da "Enciclopédia", em 1749, Diderot publica o ensaio "Carta sobre os cegos para uso dos que enxergam", tratando sobre a sujeição do homem aos seus cinco sentidos, o relativismo do conhecimento humano e a negação de qualquer fé transcendental. A esse ensaio segue-se imediatamente seu complemento: "Carta sobre os surdos-mudos".

A produção literária de Diderot se desdobra em vários gêneros. Ele escreveu dramas, ensaios, crítica de pintura e romances. Seu "Ensaio sobre a pintura", obra póstuma, é um trabalho de sensibilidade e de finura crítica, que mereceu o elogio de Goethe. No terreno literário, Diderot produziu três romances ou novelas: "Jacques, o fatalista" - o mais pessoal dos seus escritos de ficção, com suas licenciosidades, sua incoerência narrativa, suas digressões à maneira de Laurence Sterne; "A religiosa" - obra licenciosa e anticlerical, denunciando a vida hipócrita dos conventos; e "O sobrinho de Rameau" - sua obra-prima, onde encontramos o melhor do talento de Diderot, um diálogo vivo e espirituoso, uma convincente estruturação de caracteres.

A maior parte da obra de Diderot só foi publicada depois de sua morte, inclusive a correspondência com Sophie Volland (1759-1774), sua última amante, publicada em 1830, um dos melhores epistolários da literatura francesa.

Enciclopédia Mirador Internacional / http://educacao.uol.com.br/biografias/denis-diderot.jhtm

87

Page 88: Vida e Obra de Filosofos

Johann Gottlieb Fichte (*1762 +1814)

Johann Gottlieb Fichte (Rammenau, Saxônia, 19 de maio de 1762 — Berlim, 27 de janeiro de 1814) foi um filósofo alemão. Foi um dos criadores do movimento filosófico conhecido como idealismo alemão, que desenvolveu a partir dos escritos teóricos e éticos de Immanuel Kant. Sua obra é frequentemente considerada como uma ponte entre as ideias de Kant e as de Hegel. Assim como Descartes e Kant, interessou-se pelo problema da subjetividade e da consciência.

Biografia: Era um dos 10 filhos de um artesão modesto. Desde menino já sobressaia por sua capacidade de resumir precisamente o sermão dominical do pastor. Um nobre da

região decidiu finalmente cuidar da sua educação, na escola principesca de Pforta, onde passou seis anos muito difíceis, pois, Fichte sofria com a rigidez da hierarquia, tentando por vezes até fugir. Entretanto, neste mesmo período, Fichte começou a atualizar-se nas discussões mais importantes que estavam acontecendo nos meios filosóficos. Ocupou-se principalmente, da controvérsia entre Lessing e o teólogo Goeze, pastor principal de Hamburgo, sobre a relação entre iluminismo e teologia.

Talvez não apenas por influência de seus pais, mas também por sua própria vontade, Fichte passa a estudar teologia, em 1780, em Jena. No embate que existia entre a liberdade e o determinismo, Fichte manifestava-se a favor do determinismo.

Devido à necessidade financeira e sem haver concluído seus estudos, Fichte passa a trabalhar como preceptor a partir de 1784, primeiramente em Leipzig, depois em Zurique, onde conhece Johana Rahn, uma sobrinha do poeta Klopstock que mais tarde será sua esposa.

Fichte decidiu devotar sua vida à filosofia, depois de ler as três Críticas de Immanuel Kant, publicadas em 1781, 1788 e 1790. Em 1790, ele volta para Leipzig, onde um pupilo seu pede para ter lições sobre a filosofia kantiana. Apesar de mal conhecer as obras de Kant, Fichte aceita o pedido e passa a estudar com afinco as obras de Kant, dando conta das três críticas em poucas semanas. A leitura das críticas foi muito importante para que Fichte superasse o determinismo, fazendo com que se evidenciasse que o "novo mundo" é o mundo da liberdade, que se evidenciava como a chave para entender toda a estrutura da razão. Segundo diz o próprio Fichte em carta a Johana "a vontade humana é livre, e a felicidade não é o fim do nosso ser, mas a dignidade de ser feliz". São portanto, essas convicções que tornam Fichte um filósofo, aos 28 anos.

Sua investigação de uma crítica de toda a revelação obteve a aprovação de Kant, que pediu a seu próprio editor para publicar o manuscrito. O livro surgiu em 1792, sem o nome nem o prefácio do autor, e foi saudado amplamente como uma nova obra de Kant. Quando Kant esclareceu o equívoco, Fichte tornou-se famoso da noite para o dia e foi convidado a lecionar na Universidade de Jena.

Fichte foi um conferencista popular, mas suas obras teóricas são difíceis. Acusado de ateísmo, perdeu o emprego e mudou-se para Berlim.

88

Page 89: Vida e Obra de Filosofos

Filosofia e política

A filosofia de Kant e a Revolução Francesa determinam o pensamento de Fichte. Como construtor do universo pelo conhecimento e como legislador de si mesmo, o homem kantiano se caracteriza pela autonomia. Kant, porém, pensa antes da revolução, ao passo que Fichte é por ela influenciado como acontecimento histórico. Assim, na filosofia alemã e pela filosofia em geral, Fichte quis fazer o mesmo que a revolução fez na política. A revolução propunha uma exigência à qual o dualismo kantiano não podia atender. Impunha-se, então, superá-lo, estabelecendo o monismo da liberdade. Segundo Kant, conhecer é impor à matéria informe, revelada pelos sentidos, as formas a priori da sensibilidade e as categorias do entendimento.

O eu como ato puro

Conhecer, portanto, é transformar, convertendo a "coisa em si" em coisa "para nós". Ora, se não podemos saber como as coisas são em "si mesmas", porque, ao conhecê-las, as transformamos, jamais poderemos ultrapassar os limites da subjetividade, tornando-se o mundo uma criação do sujeito. Eliminando a "coisa em si" e fazendo do eu um absoluto, Fichte leva às últimas consequências o idealismo subjetivo de Kant.

O problema, porém, não está em reduzir o objeto ao sujeito, ou ao eu, mas em explicar de que forma, nada havendo fora do eu, pode o eu limitar-se a si próprio. O eu fichtiano é ato puro, pura atividade - só é na medida em que age e porque age. Ora, para afirmar-se, o eu supõe a resistência, o "choque", o não-eu. A negação do eu está, pois, implícita em sua afirmação. Mas, se é pura atividade, como pode o eu extrair dessa atividade a passividade da resistência, ou do obstáculo, indispensável ao seu exercício? Se não a pode deduzir de si mesmo, deverá postular sua existência por um ato de fé.

O despotismo da liberdade

Na verdade, o que importa salientar é a estrutura dialética do pensamento fichtiano. A afirmação do eu (sujeito, espírito, consciência) implica sua negação ou antítese (objeto, natureza, ser) e, em seguida, a negação da negação da síntese. O momento decisivo dessa dialética é o da contradição, mola propulsora da autoafirmação do eu, pois o momento da síntese, em que o eu reconhece o objeto como seu próprio produto, supõe o momento anterior, da antítese, em que o eu se defronta com sua negação ou contradição.

Enclausurando-se no sujeito-objeto-sujeito, como diz Hegel, Fichte não alcança uma síntese autêntica. Mas fazendo do eu o absoluto, Fichte representa um momento crucial do idealismo alemão, que coincide historicamente com o apogeu da Revolução Francesa.Afirmando o eu abstrato como liberdade absoluta, a revolução desemboca no despotismo da liberdade e no terror, e a filosofia de Fichte - que, em determinado momento, representa a consciência nacional na luta pela independência -, partindo do mesmo princípio, termina, paradoxalmente, na apologia do Estado totalitário, que é, para Fichte, a utopia do futuro.

Fichte também é um dos fundadores do nacionalismo alemão.

Enciclopédia Mirador Internacional / http://educacao.uol.com.br/biografias/johann-gottlieb-fichte.jhtm

http://pt.wikipedia.org/wiki/Johann_Gottlieb_Fichte

89

Page 90: Vida e Obra de Filosofos

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831)

filósofo e ideólogo alemão nascido em Stuttgart, Württemberg, um dos mais influentes da filosofia alemã e considerado o último dos grandes criadores de sistemas filosóficos dos tempos modernos, o pensamento Hegeliano, cuja obra serviu de base para a maior parte das tendências filosóficas e ideológicas posteriores, como o marxismo, o existencialismo e a fenomenologia. Filho de um funcionário público entrou para a Universidade de Tübingen (1788), onde se dedicou ao estudo de teologia e de literatura e filosofia gregas e fez amizade com o poeta Friedrich

Hölderlin e o filósofo Friedrich Schelling este, junto com Hegel, se tornaria uma das maiores figuras do idealismo alemão no início do século XIX.

Fixou-se em Frankfurt (1796), onde Hölderlin lhe conseguira um lugar de preceptor e, depois (1801), tornou-se livre-docente na Universidade de Jena, passando a estudar o idealismo de Johann Gottlieb Fichte e de Schelling, o que originou sua publicação Differenz des Fichte’schen und Schelling’schen Systems der Philosophie (1801) e foi nomeado professor-visitante (1805). Na Universidade deu início ao desenvolvimento dos conceitos que viria a aprofundar na Fenomenologia do espírito (1808) e sistematizar na Ciência da lógica (1812), duas monumentais obras do pensamento ocidental.

Com a ocupação da cidade e o fechamento da universidade pelas tropas de Napoleão, Hegel foi para Bamberg trabalhar como editor. Mais tarde passou a ocupar a cátedra de filosofia da Universidade de Heidelberg.

Fascinado pelas obras de Spinoza e Kant, Hegel é considerado por muitos o maior representante do idealismo alemão do século XIX, e teve impacto profundo no materialismo histórico de Karl Marx e em toda filosofia do século XX.

Em Berlim publicou seu mais importante trabalho de filosofia política, Elementos da filosofia do direito (1821), marcando profundamente o pensamento político europeu durante todo o século XIX e XX.

Assumiu a direção de um jornal, o Bamberger Zeitung, mas depois de um ano foi forçado a partir por causas das guerras napoleônicas, voltando à filosofia, como reitor do Aegidiengymnasium, em Nuremberg. Casou-se (1811) com Marie von Tucher e começou a trabalhar em sua obra Science of Logic (1812-1816). Com ela teve dois filhos, sendo que o mais velho tornou-se um excelente historiador.

O sucesso desse trabalho deu-lhe um contrato como professor pela Universidade de Heidelberg (1816-1818) que deixou para substituir Fichte na Universidade de Berlim (1818), onde lecionou pelo resto da vida, tornando seus cursos uma referência em todas as partes da Europa. Também escreveu sobre psicologia, direito, história, artes e religião e, depois de sua morte, vítima de uma epidemia de cólera, foram publicadas várias coletâneas de aulas sobre religião, estética e história da filosofia, e morreu em Berlim.

90

Page 91: Vida e Obra de Filosofos

FrasesO homem não é mais do que a série dos seus atos. A necessidade, a natureza e a história não são mais do que instrumentos da revelação do Espírito.

A necessidade geral da arte é a necessidade racional que leva o homem a tomar consciência do mundo interior e exterior e a lazer um objeto no qual se reconheça a si próprio. Nada existe de grandioso sem paixão.

Grandeza, entidade variável, mas que, apesar da sua variação, continua sempre a ser a mesma. Nada de grande se realizou no mundo sem paixão.

A filosofia de Hegel é a tentativa de considerar todo o universo como um todo sistemático. O sistema é baseado na fé. Na religião cristã, Deus foi revelado como verdade e como espírito. Como espírito, o homem pode receber esta revelação. Na religião a verdade está oculta na imagem; mas na filosofia o véu se rasga, de modo que o homem pode conhecer o infinito e ver todas as coisas em Deus.

O sistema de Hegel é assim um monismo espiritual mas um monismo no qual a diferenciação é essencial. Somente através da experiência pode a identidade do pensamento e o objeto do pensamento serem alcançados, uma identidade na qual o pensar alcança a inteligibilidade progressiva que é seu objetivo. Assim, a verdade é conhecida somente porque o erro foi experimentado e a verdade triunfou; e Deus é infinito apenas porque ele assumiu os limitações de finitude e triunfou sobre elas. Similarmente, a queda do homem era necessária se ele devia atingir a bondade moral. O espírito, incluindo o Espírito infinito, conhece a si mesmo como espírito somente por contraste com a natureza.

O sistema de Hegel é monista pelo fato de ter um tema único: o que faz o universo inteligível é vê-lo como o eterno processo cíclico pelo qual o Espírito Absoluto vem a conhecer a si próprio como espírito (1) através de seu próprio pensamento; (2) através da natureza; e (3) através dos espíritos finitos e suas auto expressões na história e sua autodescoberta, na arte, na religião, e na filosofia, como Um com o próprio Espírito Absoluto.

O compêndio do sistema de Hegel, a “Enciclopédia das Ciências Filosóficas”, é dividida em três partes: Lógica, Natureza e Espírito. O método de exposição é dialético. Acontece com frequência que em uma discussão, duas pessoas que a princípio apresentam pontos de vista diametralmente opostos depois concordam em rejeitar suas visões parciais próprias, e aceitar uma visão nova e mais ampla que faz justiça à substância de cada uma das precedentes. Hegel acreditava que o pensamento sempre procede deste modo: começa por lançar uma tese positiva que é negada imediatamente pela sua antítese; então um pensamento seguinte produz a síntese. Mas esta síntese, por sua vez, gera outra antítese, e o mesmo processo continua uma vez mais. O processo, no entanto, é circular: ao final, o pensamento alcança uma síntese que é igual ao ponto de partida, exceto pelo fato de que tudo que estava implícito ali foi agora tornado explícito, tudo que estava oculto no ponto inicial foi revelado.

Assim o pensamento propriamente, como processo, tem a negatividade como um de seus momentos constituintes, e o finito é, como a auto manifestação de Deus, parte e parcela do infinito mesmo. O sistema de Hegel dá conta desse processo dialético em três fases:

91

Page 92: Vida e Obra de Filosofos

O sistema começa dando conta do pensamento de Deus “antes da criação da natureza e do espírito finito”, isto é, com as categorias ou formas puras de pensamento, que são a estrutura de toda vida física e intelectual. Todo o tempo, Hegel está lidando com essencialidades puras, com o espírito pensando sua própria essência; e estas são ligadas juntas em um processo dialético que avança do abstrato para o concreto.

Se um homem tenta pensar a noção de um ser puro (a mais abstrata categoria de todas), ele encontra que ela é apenas o vazio, isto é, nada. No entanto, o nada “é”. A noção de ser puro e a noção de nada são opostas; e no entanto cada uma, quando alguém tenta pensá-la, passa imediatamente para a outra. Mas o caminho para sair dessa contradição é de imediato rejeitar ambas as noções separadamente e afirmá-las juntas, isto é, afirmar a noção do vir a ser, uma vez que o que ambas vem a ser é e não é ao mesmo tempo. O processo dialético avança através de categoria de crescente complexidade e culmina com a ideia absoluta, ou com o espírito como objetivo para si mesmo.

Lógica:Natureza. A natureza é o oposto do espírito. As categorias estudadas na Lógica eram todas internamente relacionadas umas às outras; elas nascem umas das outras. A natureza, no entanto, é uma esfera de relações externas. Partes do espaço e momentos do tempo excluem-se uns aos outros; e tudo na natureza está em espaço e tempo e assim é finito. Mas a natureza é criada pelo espírito e traz a marca de seu criador. As categorias aparecem nela como sua estrutura essencial e é tarefa da filosofia da natureza detectar essa estrutura e sua dialética; mas a natureza, como o reino da “externalidade”, não pode ser racional sequencialmente, de modo que a racionalidade prefigurada nela torna-se gradualmente explícita quando o homem aparece. No homem a natureza alcança a autoconsciência.

Espírito:Aqui Hegel segue o desenvolvimento do espírito humano através do subconsciente, consciente e vontade racional. Depois, através das instituições humanas e da história da humanidade como a incorporação e objetivação da vontade; e finalmente para a arte, a religião e filosofia, na qual finalmente o homem conhece a si mesmo como espírito, como Um com Deus e possuído da verdade absoluta. Assim, está então aberto para ele pensar sua própria essência, isto é, os pensamentos expostos na Lógica. Ele finalmente voltou ao ponto de partida do sistema, mas no roteiro fez explícito tudo que estava implícito nele e descobriu que “nada senão o espírito é, e espírito é pura atividade”.

Nos trabalhos políticos e históricos de Hegel, o espírito humano objetiva a si próprio no seu esforço para encontrar um objeto idêntico a si mesmo.

A Filosofia do Direito cai em três divisões principais. A primeira trata da lei e dos direitos como tais: pessoas (isto é, o homem como homem, muito independentemente de seu caráter individual) são o sujeito dos direitos, e o que é requerido delas é meramente obediência, não importa que motivos de obediência possam ser. O Direito assim é um abstrato universal e portando faz justiça somente ao elemento universal na vontade humana.

O indivíduo, no entanto, não pode ser satisfeito a menos que o ato que ele faz concorde não meramente com a lei mas também com suas próprias convicções conscientes. Assim, o problema no mundo moderno é construir uma ordem política e social que satisfaça os anseios de

92

Page 93: Vida e Obra de Filosofos

ambos. E assim também, nenhuma ordem política pode satisfazer os anseios da razão a menos que seja organizada de modo a evitar, por uma parte, a centralização que faria os homens escravos ou ignorar a consciência e, por outra parte, um antinomianismo (argumentação que se desenvolve por meio de antinomias: as proposições mutuamente excludentes) que iria permitir a liberdade de convicção para qualquer indivíduo (liberalismo) e assim produzir uma licenciosidade que faria impossível a ordem política e social.

O Estado que alcançasse essa síntese, haveria de apoiar-se na família e na culpa. Seria talvez uma forma de monarquia limitada, com governo parlamentarista, julgamento por um júri, e tolerância para judeus e dissidentes, e seria diferente de qualquer estado existente nos dias de Hegel.

Na Filosofia da História Hegel pressupôs que a historia da humanidade é um processo através do qual a humanidade tem feito progresso espiritual e moral e avançado seu autoconhecimento. A história tem um propósito e cabe ao filósofo descobrir qual é. Alguns historiadores encontraram sua chave na operação das leis naturais de vários tipos. A atitude de Hegel, no entanto, apoiou-se na fé de que a história é a representação do propósito de Deus e que o homem tinha agora avançado longe bastante para descobrir o que esse propósito era: ele é a gradual realização da liberdade humana.

O primeiro passo era fazer uma transição da vida selvagem para um estado de ordem e lei é a revolução. Em muitos pontos o pensamento de Hegel serviu aos fundamentos do marxismo, e um deles é sua concepção de que os Estados têm que ser encontrados por força e violência pois não há outro caminho para fazer o homem curvar-se à Lei antes dele ter avançado mentalmente tão longe suficiente para aceitar a racionalidade da vida ordenada. Alguns homens aceitarão as leis e se tornarão livres, enquanto outros permanecerão escravos. No mundo moderno o homem passou a crer que todos os homens, como espíritos, são livres em essência, e sua tarefa é, assim, criar instituições sob as quais eles serão livres de fato.

Para o senso comum, a oposição entre verdadeiro e falso é algo de fixo; habitualmente ele espera que se aprove ou se rejeite em bloco um sistema filosófico existente; e, numa explicação sobre tal sistema, ele só admite uma ou outra dessas atitudes. Não concebe a diferença entre os sistemas filosóficos como o desenvolvimento progressivo da verdade; para ele, diversidade significa unicamente contradição. O broto desaparece na eclosão da flor e poder-se-ia dizer que aquele é refutado por esta; do mesmo modo, o fruto declara que a flor é uma falsa existência da planta e a substitui enquanto verdade da planta.

Essas formas não só se distinguem, mas se suplantam como incompatíveis. No entanto, sua natureza cambiante faz delas momentos da unidade orgânica em que não só não estão em conflito mas onde tanto um quanto outro é necessário; e essa igual necessidade faz a vida do conjunto. Mas comumente não é assim que se compreende a contradição entre sistemas filosóficos; e, ademais, o espírito que apreende a contradição habitualmente não sabe liberá-la ou conservá-la livre de sua unilateralidade, e reconhecer na forma, do que parece se combater e se contradizer, momentos mutuamente necessários.

93

Page 94: Vida e Obra de Filosofos

O Absoluto Por Fim Não é Senão Aquilo Que Ele é na Realidade

A vida e o reconhecimento divinos podem, então, se se quiser, ser definidos como um jogo de amor para consigo mesmo; essa ideia cai no nível da edificação e mesmo da insipidez, se lhe retirarmos a seriedade, a dor, a paciência e o trabalho do negativo. Essa vida, em-si, é a serena igualdade e a unidade consigo que nada têm a fazer com o ser-outro e a alienação, nem com a superação dessa alienação. Mas esse em-si é universalidade abstrata caso negligenciemos sua natureza de ser para-si e, por isso, o movimento espontâneo da forma. É inexato crer, ao declarar a forma como igual à essência, que o conhecimento possa se satisfazer com o em-si ou a intuição absoluta da primeira dispensam o acabamento da primeira e o desenvolvimento da segunda.

Precisamente porque a forma é tão essencial à essência quanto a essência a si própria, não se deve apreendê-la ou exprimi-la apenas como essência, isto é, como substância imediata ou pura intuição de si do divino, mas também como forma e em toda riqueza da forma desenvolvida. Só então é que ela é concebida e exprimida como atual. A verdade é o todo. Mas o todo não é senão a essência que se conclui por seu desenvolvimento. Há que dizer do absoluto que ele é essencialmente resultado, que ele não é senão por fim o que ele é em verdade, e é nisto precisamente que consiste sua natureza de ser sujeito atual ou Devir de si.

O Senhor e o Escravo

Buscar a morte do outro implica em arriscar a própria vida. Por conseguinte, a luta entre duas consciências de si é determinada do seguinte modo: elas se experimentam a elas próprias e entre si por meio de uma luta de morte. Não podem evitar essa luta, pois são forçadas a elevar ao nível da verdade sua certeza de si, sua certeza de existir para si; cada uma deve experimentar essa certeza em si mesma e na outra. Só arriscando a própria vida é que se conquista a liberdade. Só assim é que alguém se assegura de que a natureza da consciência de si não é o ser puro, não é a forma imediata de sua manifestação, não é sua imersão no oceano da vida. Essa luta prova que nada existe na consciência que não seja perecível para ela, prova que ela, portanto, não é senão puro ser para-si. O indivíduo que não arriscou sua vida pode certamente ser reconhecido como pessoa, mas não atingiu a verdade desse reconhecimento como consciência de si independente. 

O senhor é a consciência que é por si mesma, mas essa consciência, aqui, está além de seu puro conceito: ela é consciência para-si que é mediada consigo mesma por uma outra consciência  notadamente por uma consciência cuja natureza implica no fato de ela estar unida a um ser independente ou às coisas em geral. O senhor está em relação com esses dois momentos: com a coisa enquanto tal, objeto do apetite, e com a consciência cujo caráter essencial é a coisa externa. Uma vez que o senhor (a), enquanto conceito da consciência de si, é relação imediata do ser para-si, mas (b) é simultaneamente mediação, em outras palavras, um ser para-si que só o é por meio do outro, ele se relaciona (a) imediatamente com os dois e (b) imediatamente com cada um por intermédio do outro.

O senhor tem, com o escravo, uma relação mediata em virtude da existência independente, pois é precisamente a ela que o escravo está preso, ela é sua cadeia e da qual não pode se desprender na luta, o que o levou a mostrar-se dependente, posto que possuía sua independência numa coisa externa. Quanto ao senhor, ele é a potência que domina esse ser externo, pois provou na luta que o considera como puramente negativo; uma vez que ele domina esse ser e que esse ser domina o

94

Page 95: Vida e Obra de Filosofos

escravo, o senhor também o domina. Desse modo o senhor se relaciona com a coisa por mediação do escravo; este último, enquanto consciência de si, relaciona-se negativamente com a coisa e a ultrapassa; mas ao mesmo tempo a coisa é para ele independente e o escravo não pode, por meio de sua negação, chegar a suprimi-la; ele só faz trabalhar.

Em compensação, para o senhor, graças a essa mediação, a relação imediata torna-se a pura negação da coisa ou o seu gozo; aquilo que o apetite não conseguiu, ele o consegue; domina a coisa e se satisfaz na fruição. O apetite não chega a isso por causa da independência da coisa; mas o senhor, ao colocar o escravo contra ela e si próprio, só entra em contato com o aspecto dependente da coisa, fruindo-a puramente; deixa o aspecto independente da coisa para o escravo que a trabalha. 

Este difícil texto de é característico do método hegeliano. Ele inspirou amplamente as análises de nossos contemporâneos sobre as relações do eu com o outro. Na luta de duas consciências, Hegel examina simultaneamente a relação de dois “eu” e a relação de cada eu com sua própria vida. O “senhor”, aquele que é vitorioso no combate, aceitou arriscar a vida. Por conseguinte, ele é mais do que ela, por sua coragem colocou-se acima dos objetos comuns da necessidade e da existência empírica. O vencido, aquele que se rendeu, tem medo de perder a vida. Por conseguinte, ele é, de início, escravo da vida e de seus objetos empíricos. Torna-se também escravo do senhor que o conserva (servus = conservado) a fim de ler em seu olhar temeroso e submisso o reflexo de sua vitória, a fim de se fazer reconhecer como consciência.

 Hegel quer dizer que o senhor não é senhor “em-si”, mas por meio de uma mediação, isto é, uma relação. O senhor se define por sua relação com o escravo (e por sua relação com os objetos que depende, ela própria, da relação com o escravo). No ponto de partida, o senhor domina os objetos da necessidade, posto que no campo de batalha ele se mostrou corajoso, superior à sua vida, portanto, aos objetos das necessidades. Secundariamente, o senhor domina os objetos por mediação do escravo que trabalha, isto é, que transforma os objetos materiais em objetos de consumo e de fruição para o senhor.

Graças ao trabalho do escravo, a relação do senhor com a coisa é uma relação de simples gozo que equivale à negação da coisa. Pensamos nos versos de Valéry: Como o fruto se funde em fruição. Como em delícias ele muda sua ausência. Numa boca em que sua forma se extingue. Concepção Dialética da História da Filosofia.

Em suas lições sobre a história da filosofia, Hegel assinalava que a noção de História da Filosofia “envolve uma contradição interna”. Com efeito, “a filosofia quer conhecer o imperecível, o eterno, seu fim é a verdade. Mas a história conta o que foi numa época e que desapareceu em outra, substituído por outra coisa”. Se a verdade é eterna, “ela não penetra na esfera do que passa e não tem história”. Entretanto, a filosofia encontra-se toda nos sistemas dos filósofos. A ideia geral de filosofia permanece abstrata se não se confunde com os diversos sistemas dos filósofos no decurso da história, assim como a noção geral de fruto só se explicita quando efetivamente se trata de “cerejas, ameixas ou uvas”. Na realidade, cada filosofia corresponde a um momento da história, a uma etapa na conquista do espírito absoluto. Cada filosofia é “o espírito da época existente como espírito que se pensa”. Ela surge “no devido momento, nenhuma ultrapassou seu tempo” (¹). As filosofias sucessivas não se refutam, mas as novas filosofias mostram as anteriores como verdades parciais passíveis de serem integradas numa síntese mais ampla que se elabora com o tempo. A história da filosofia oferece momentos

95

Page 96: Vida e Obra de Filosofos

privilegiados ou, como diz Hegel, “nós” em que vêm se reconciliar dialeticamente os contraditórios. A filosofia de Platão, por exemplo, é a síntese do imóvel ser parmenídico com a mobilidade heracliteana.

Nesse sentido, citaremos um excerto das lições sobre a História da Filosofia:

A razão é una e essa racionalidade una, um sistema e, por isso, a evolução das determinações do pensamento é igualmente racional. Os princípios gerais surgem segundo a necessidade da noção fundamental. A posição dos precedentes é determinada pelo que se segue. O princípio de uma filosofia passa, na seguinte, para a categoria de um momento. Não se refuta uma filosofia, apenas sua posição é que é refutada. As folhas, de início, são o modo de existência mais elevado da planta, depois é o botão e o cálice que, em seguida, se transformam em envoltório a serviço do fruto; é assim que o primeiro elemento é colocado numa categoria inferior pelo seguinte.

As filosofias são as formas do Uno. Um estudo mais avançado mostrar-nos-á como progridem seus princípios, de maneira que o seguinte é uma nova determinação do precedente…

O estoicismo faz do pensamento um princípio, mas o epicurismo proclama verdadeiro o princípio diretamente oposto: o sentimento, o prazer para um, portanto, é o geral e para outro o particular, o individual: para o primeiro, é o homem pensante; para o segundo, o homem sensível. Somente sua reunião constitui a totalidade da noção e o homem, aliás, compõe-se dos dois elementos, do geral e do particular, do pensamento e da sensibilidade. Sua união é a verdade. Mas ambas se manifestam, uma após outra, opondo-se. O ceticismo é o princípio negativo que se eleva contra os dois precedentes; ele afasta o caráter exclusivo de um e outro, mas engana-se quando acredita os ter eliminado, pois ambos são necessários.

Desse modo, a essência da história da filosofia consiste em que princípios exclusivos transformam-se em momentos, em elementos concretos e se conservam, por assim dizer, num nó; o princípio das concepções subsequentes é superior ou, o que dá no mesmo, mais profundo… A história de Platão não é um ecletismo, mas uma reunião das filosofias precedentes que então formam um todo vivo, uma união em uma viva unidade do pensamento…

É importante, antes de tudo, conhecer os princípios dos sistemas filosóficos e em seguida reconhecer cada um deles como necessário; sendo necessário, ele se apresenta em sua época como superior. Se se for mais adiante, a determinação precedente torna-se apenas um ingrediente da nova, ela é assumida sem ser rejeitada. Desse modo, todos os princípios são conservados. Assim, o Uno, a unidade, é o fundamento de tudo; aquilo que se desenvolve na razão progride na unidade dessa razão…

Conhecer verdadeiramente um sistema é tê-lo justificado em-si. Limitar-se a refutar uma filosofia é não compreendê-la; é preciso ver a verdade que ela contém. Nada mais fácil do que criticar, do que ver em alguma parte o caráter negativo; isto é sobretudo gosto característico dos jovens, mas se só se vê a negação, ignora-se o conteúdo que, ele sim, é afirmativo; superasse-o sem que se encontre no interior. A dificuldade consiste em ver o que os sistemas filosóficos contêm de verdadeiro; só quando são justificados em si próprios é que se pode falar de seu limites, de suas deficiências.

96

Page 97: Vida e Obra de Filosofos

Encontramos essa ideia em Marx, num contexto materialista: “Os filósofos não brotam da terra como cogumelos, eles são os frutos de seu tempo, de seu povo, cujas forças mais sutis e mais ocultas se traduzem em ideias filosóficas. O mesmo espírito fabrica as teorias filosóficas na mente dos filósofos e constrói as estradas de ferro com as mãos dos operários. A filosofia não é exterior ao mundo”.

http://www.biografia.inf.br/hegel-filosofo.html

David Hume (*1711 +1776)

Vida e obra: Hume nasceu numa família de pequenos proprietários de terra na fronteira da Escócia e estudou direito na Universidade de Edimburgo. Rejeitou as ideias presbiterianas de sua criação e, após se formar, mudou-se para La Flèche, no norte da França, onde Descartes havia estudado. Ali se concentrou em sua escrita, e em 1739 publicou o Tratado da Natureza Humana.Candidatou-se à cátedra de filosofia nas Universidades de Edimburgo e Glascow, sem sucesso - decerto por causa de sua reputação a favor do ceticismo, em particular no tocante à

religião. Seus Diálogos, que fizeram alguns dos mais devastadores ataques à crença religiosa no cânone filosófico, só foram publicados após a sua morte.

Principais ideias: Hume tentou descrever a mente humana da mesma maneira que outros fenômenos naturais, encontrando as leis gerais que explicam todos os processos mentais.

Seguindo as pegadas empiristas de Locke e Berkeley, via os sentidos como fonte chave de conhecimento. Ele dividiu os conteúdos da mente em duas categorias: "impressões", as percepções que afetam os nossos sentidos; e "ideias", cópias menos vívidas das impressões.

As ideias são os conceitos e pensamentos de coisas que não estamos mais experimentando, mas somos capazes de lembrá-las em nossa mente. O sentido filosófico dessa distinção é insistir que não há nada na mente - nem mesmo o pensamento mais abstrato - que não seja simplesmente sensação transformada.

Para Hume todos os nossos raciocínios sobre os fatos estão baseados na relação de causa e efeito e, estes, por sua vez, estão baseados na experiência. Para Hume há um problema na fundamentação da ciência por meio da observação da experiência porque pela experiência eu apenas desenvolvo um hábito com relação aos acontecimentos, por exemplo, o que me garante que o Sol nascerá amanhã, assim como vem nascendo desde sempre? Eu só acredito que ele nascerá porque até hoje eu nunca vi acontecer o contrário. Ora, as leis da natureza são as interpretações que fazemos dela. Cada princípio científico pode ser contrariado pela natureza porque não é fundamentado pela razão. Nós prevemos, como se fosse um hábito psicológico.

Bibliografia: CHAUI, Marilena – Iniciação à Filosofia; Ed. Ática, 2009 / LAW, Stephen – Guia Ilustrado Zahar de Filosofia; Ed. Zahar,

http://filsofos-vidaeobra.blogspot.com.br/2009/08/hume.html

97

Page 98: Vida e Obra de Filosofos

Rousseau (*1712 +1778)

Vida e obra: Jean-Jacques Rousseau é conhecido como o primeiro filósofo do Romantismo e por seu Contrato social, em que afirma que o ser humano é inatamente bom e tem seu comportamento corrompido pela sociedade. Produziu também peças, poesia, música e uma das mais notáveis autobiografias da literatura europeia.

Ao fugir de casa aos 16 anos, Rousseau foi para a França, onde ele se tornou protegido de madame de Warens, que o converteu ao catolicismo e

se tornou sua amante. Rousseau ganhou a vida como preceptor, músico e escritor, primeiro em Lyon e, após 1742, em Paris. Ali viveu com uma mulher com quem teve cinco filhos ilegítimos, todos entregues a um orfanato.

Colaborou com a Enciclopédia de Diderot. Em 1750, seu Discurso sobre as ciências e as artes ganhou o prêmio da Academia de Dijon. No subsequente Discurso sobre a origem da desigualdade, desenvolveu suas ideias sobre a influência corruptora da sociedade. Em 1762 publicou Emilio, em que expõe sua teoria educacional, e esbouçou sua teoria politica em O contrato social. Foi perseguido por essas obras e teve seus livros queimados em Genebra cidade natal. Ele entrou em um período conturbado, e em certa altura hospedou-se com David Hume na Inglaterra, mas suas acusações paranoicas a seu anfitrião o levaram de volta a Paris.

Principais ideias: Como Hobbes antes dele, Rousseau iniciou sua filosofia política em O Contrato Social imaginado os seres humanos num "estado de natureza" para descrever as origens da organização social.

Diferentemente de Hobbes, apresenta uma concepção romântica da natureza humana. Segundo Rousseau, em seu estado original mítico os seres humanos estão em união com a natureza e exibem compaixão natural uns pelos outros. É a sociedade que representa a origem da opressão e da desigualdade, à medida que o desenvolvimento da razão corrompe e sufoca nossos sentimentos naturais de piedade.

Rousseau imagina um modo de organização diferente para a sociedade, acreditando que, à medida que as pessoas começassem a ver os benefícios da cooperação, poderiam abrir mão de bom grado de seus direitos naturais para se submeter à "vontade geral" da sociedade.

A vontade geral não é simplesmente um agregado das vontades de cada indivíduo, mas o desejo do bem comum da sociedade como um todo. A liberdade em tal sociedade, para Rousseau, não era uma questão de se ter permissão para fazer o que bem se entende, pois satisfazer os próprios desejos não é liberdade, e sim, uma escravização às paixões. A liberdade genuína envolve viver segundo regras sociais que expressam a vontade geral, da qual cada um é participante ativo.

Bibliografia: CHAUI, Marilena – Iniciação à Filosofia; Ed. Ática, 2009 / LAW, Stephen – Guia Ilustrado Zahar de Filosofia; Ed. Zahar,

http://filsofos-vidaeobra.blogspot.com.br/2009/08/rousseau.html

98

Page 99: Vida e Obra de Filosofos

Kant (*1724 +1804)

Vida e obra: Kant caracterizou suas obras como uma ponte entre as tradições racionalista e empirista do século XVIII, e sua revolução na teoria do conhecimento e metafísica talvez seja o desenvolvimento filosófico mais importante dos tempos modernos. Mas sua influência nas áreas da filosofia da religião, ética e estética foi igualmente profunda. Kant passou toda a sua vida em sua cidade natal, Königsberg, sem jamais se afastar de casa por um dia. Em 1740 ingressou na Universidade de Königsberg. Após se formar foi

preceptor particular antes de se tornar docente na universidade, em 1755, ensinando diversas matérias, como física, antropologia e geografia, além de filosofia. Aos 45 anos foi nomeado professor de lógica e metafísica.

Ele foi um dos mais influentes filósofos europeus desde os gregos antigos. Sua reputação foi crescendo aos poucos, chegou ao ponto em que ele passou a se preocupar com a direção assumida pelos que se diziam influenciados por sua filosofia, a saber, os primeiros proponentes do que veio a ser conhecido como Idealismo Alemão.

Embora nunca fizesse viagens longas e tivesse uma rotina tão sistemática que as pessoas podiam acertar seus relógios por ele, não era uma figura solene. Na verdade, gozava de uma vida rica social e era conhecido por suas brilhantes palestras. 

Principais ideias: O primeiro problema que Kant enfrentou foi descobrir como fazer descobertas positivas sobre o que se situa além da experiência humana. Foi estimulado pela insistência cética de Hume de que o conhecimento sobre o mundo requer experiência sensorial - que é impossível estender nosso conhecimento apenas usando a razão. Se correta, essa teoria restringe os limites do conhecimento humano. Em particular, torna impossível o conhecimento da existência de substâncias materiais, de causa e efeito e do eu.

Para superar essa dificuldade, Kant tentou mostrar que podemos descobrir verdades significativas sobre a realidade "a priori" examinando as condições de possibilidade de nossa experiência. Em vez de fazer a pergunta tradicional - nosso conhecimento reflete precisamente a realidade? - Kant pergunta como a realidade reflete a nossa cognição. Ele admitiu que o que conhecemos é determinado pela natureza do nosso aparelho sensorial e cognitivo. Em outras palavras, embora se inicie com a experiência, o conhecimento requer ordenação pela mente humana. E é possível usando a razão, descrever a estrutura que a experiência deve assumir e assim descobrir verdades universais sobre nosso mundo.

Então, o que é essa estrutura? Kant observou que toda nossa experiência do mundo é  espaço-temporal: espaço e tempo são condições a priori da experiência sensorial e são a estrutura necessária que impomos à nossa experiência. Tentou também isolar as categorias de pensamento que nos permitem organizar o material dos sentidos. Essas categorias são condições necessárias para a possibilidade do conhecimento. Como espaço e tempo, estas são características do mundo tal como aparece para as mentes, não como é em si. Desse modo, Kant supera o ceticismo de Hume, mostrando que podemos adquirir conhecimento do mundo tal como aparece para nós. Mas isso significa que não podemos ter conhecimento do mundo além das aparências. E, como podemos apenas aplicar a razão ao Universo tal como aparece

99

Page 100: Vida e Obra de Filosofos

(fenômeno) não podemos usá-la para discutir o Universo como um todo ou o que reside além dele. Isso levou Kant a condenar muita especulação metafísica tradicional - a existência de Deus, a causa do Universo e se ele tem limites no espaço e no tempo, a imortalidade da alma -, já que estas questões não podem ser resolvidas por apelo à experiência real.

Ética: Se a ciência trata do mundo aparente que obedece a leis causais, o que dizer do ser humano? Nossas ações são determinadas por leis físicas?

Kant acreditava que era evidente pela experiência que somos livres, e assim devemos ser mais do que seres fenomênicos. Nosso eu numênico é que deve ser a fonte do livre-arbítrio, dando lugar à ação moral.

Para Kant, só agentes capazes de deliberar racionalmente sobre suas escolhas podem ser ditos livres. Não podemos esperar que nossos deveres sejam prescritos por nenhuma autoridade mais elevada, nem impostos por nossas emoções: devemos descobri-los por nós mesmos, mediante o uso autônomo da razão.

Um dever moral é uma exigência incondicional ou "categórica" ao nosso comportamento. Não requer que façamos algo pelo que podemos ganhar; diz que devemos fazê-lo só porque é nossa obrigação.

Kant compara esses imperativos categóricos, que são genuinamente morais, com os imperativos hipotéticos que não o são. Estes exigem que façamos algo para alcançar alguma outra meta. Para Kant, só um imperativo que tenha realmente alguma aplicação universal (que seja em todas as circunstâncias equivalentes) pode ser moral. Nossa obrigação deve ser sempre agir como desejaríamos que todos os outros agissem. Para Kant, isto equivale a dizer que devemos sempre tratar os outros como fins em si mesmos, e nunca como meios para nossos fins, isto é, devemos respeitar os objetivos dos outros, em vez de usá-los como meios para alcançar os nossos próprios fins.

Bibliografia: CHAUI, Marilena – Iniciação à Filosofia; Ed. Ática, 2009 / LAW, Stephen – Guia Ilustrado Zahar de Filosofia; Ed. Zahar,

http://filsofos-vidaeobra.blogspot.com.br/2009/08/kant.html

Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (*1775 +1854)

Friedrich Wilhelm Joseph Schelling ingressou, aos 16 anos, no seminário protestante de Tübingen, onde foi condiscípulo e amigo de Hölderlin e Hegel. Em Leipzig, estudou matemática e ciências naturais, e em Jena frequentou os cursos de filosofia de Fichte.Aos 23 anos, por interferência de Goethe, foi nomeado professor da Universidade de Gena, na qual estabeleceu íntimo contato com os românticos, os irmãos Schlegel (August Wilhelm e Friedrich), Tieck e Novalis. Em 1803, casou-se com Carolina Schlegel, divorciada de

August Wilhelm Schlegel. Nesse mesmo ano transferiu-se para a Universidade de Würzburg,

100

Page 101: Vida e Obra de Filosofos

onde permaneceu até 1806. De Würzburg foi para Munique, onde conhece a obra do místico Jacob Böhme. Em 1820, passou a ensinar em Erlangen e, em 1827, retornou à Universidade de Munique, onde lecionou até 1841, ano em que foi chamado para suceder Hegel na cadeira de filosofia da Universidade de Berlim, onde liderou a luta contra o hegelianismo. Em 1847, deixou de lecionar, falecendo sete anos depois.

Natureza autônoma

Schelling procede de Kant e de Fichte. O monismo fichteano, reduzindo tudo ao Eu, na realidade era um dualismo, do Eu e do não-Eu, dualismo que suscita o problema da liberdade e da natureza. Em sua primeira filosofia, Schelling, utilizando as descobertas científicas de seu tempo, restabelece a objetividade da natureza, concebendo-a como uma realidade que se basta e se explica a si mesma, dotada de vida própria, criadora e autônoma.

A natureza é o "espírito adormecido" que emerge, ao longo da evolução, até tomar consciência de si mesmo no homem.

Metafísica teísta

Concebendo a natureza como totalidade viva, ou manifestação exterior da razão em sua totalidade, que se desenvolve por força de sua dialética interna, Schelling supera o ponto de vista do entendimento de Kant e de Fichte, e chega ao ponto de vista da razão, que resolve a contradição da natureza e do espírito, do finito e do infinito, do objeto e do sujeito.

Schelling, porém, concebe essa razão de modo místico: é Deus quem cria as coisas ao pensá-las.Em sua última filosofia, Schelling retorna, inclusive, à religião cristã positiva e, em seus trabalhos sobre a mitologia, elabora uma metafísica teísta, fundada na liberdade humana. Exerceu, com isso, influência sobre os precursores do existencialismo.

Estética e idealismo

Schelling é uma das figuras representativas do romantismo alemão, revelando, em sua obra, um senso vivo de beleza e de arte. Sua concepção a respeito do absoluto, unidade da natureza e do espírito, que se revela na história, na arte e na religião, exerceu profunda influência na estética, especialmente na estética hegeliana.

A filosofia de Schelling constitui um elo importante na passagem do idealismo religioso de Kant e de Fichte para o idealismo objetivo de Hegel.

Todavia, embora sustente a possibilidade de conhecimento do absoluto, Schelling não mostra o caminho desse conhecimento e sua intuição intelectual, à maneira do gênio criador, permanece o privilégio de iniciados e eleitos.

Enciclopédia Mirador Internacional http://educacao.uol.com.br/biografias/friedrich-schelling.jhtm

101

Page 102: Vida e Obra de Filosofos

Arthur Schopenhauer (*1788 +1860)

Vida e obra: A prosa de Schopenhauer está entre as mais magníficas na língua alemã, mas sua filosofia é conhecida pelo pessimismo, que ele contrapôs ao otimismo de Hegel, seu contemporâneo. A vida é um processo de contínuo sofrimento para o qual a arte pode ser uma trégua temporária.

Na infância, Schopenhauer passou períodos em Hamburgo, Paris e num internato inglês. Em 1806, após a morte do pai, possivelmente por

suicídio, mudou-se com a mãe para Weimar. Ela era uma romancista de sucesso e promovia saraus literários na casa da família. O jovem Schopenhauer teve uma educação liberal. Doutorou-se na Universidade de Iena e iniciou uma carreira acadêmica, assumindo um cargo na Universidade de Berlim. Ensinou ali ao mesmo tempo que Hegel, a quem desprezava, rotulando-o como charlatão. Schopenhauer acabou deixando a universidade. Viveu o resto de seus dias de sua herança, uma figura solitária e irascível que alcançou certa fama mais tarde na vida.Schopenhauer chegou ao seu sistema filosófico relativamente cedo em sua carreira, como exposto em Sobre a raiz quadrupla do princípio da razão suficiente e O Mundo como vontade e como representação. Suas obras posteriores são essencialmente defesas e refinamentos desse sistema. Produziu também dois ensaios importantes, Sobre a liberdade da vontade e Sobre a base da moralidade.

Principais ideias: Schopenhauer segue Kant, tratando o mundo do fenômeno (o mundo em que vivemos) como sujeito à determinação causal. Mas enquanto para Kant o mundo numênico (o mundo como ele é em si mesmo) estava além do nosso conhecimento. Schopenhauer afirmava que podemos ter acesso a ele "a partir de dentro", através da "vontade". Ele identifica a vontade como uma força impessoal que controla todas as coisas, inclusive nós. Enquanto que no mundo em que vivemos, as coisas nos aparecem de forma diversa, há uma pluralidade, a vontade é a força única que está por trás de tudo o que vemos e ela nos rege. O Universo é, portanto, um grande impulso cósmico para a existência manifestada em seres conscientes particulares, isto é, nós somos manifestação da vontade inconsciente que rege todo o Universo.Influenciado pelo pensamento hindu, Schopenhauer chama o reino fenomênico de "o véu de Maia", caracterizado como um ciclo interminável de luta e sofrimento. A vontade produz desejos nunca totalmente saciáveis, e como estamos sujeitos ao seu controle, não temos domínio sobre nossas próprias vidas - daí o famoso pessimismo de Schopenhauer.Existe uma forma de escapar desse ciclo interminável do desejo e Schopenhauer encontrará nas artes, uma forma de entrar em contato com essa totalidade que permeia tudo, mas, essa forma de transcendência dura o tempo que dura a fruição de uma obra de arte.Porém, existe outra via para escapar do sofrimento e pode ser encontrada na superação da luta produzida pela vontade, que podemos alcançar seguindo um estilo de vida ascético.

Bibliografia: CHAUI, Marilena – Iniciação à Filosofia; Ed. Ática, 2009 / LAW, Stephen – Guia Ilustrado Zahar de Filosofia; Ed. Zahar, 2008 http://filsofos-vidaeobra.blogspot.com.br/2009/08/schopenhauer.html

102

Page 103: Vida e Obra de Filosofos

Augusto Comte (*1798 +1857)

Vida e Obras: Estudante da Politécnica aos 16 anos, Comte é nomeado em 1832 explicador de análise e de mecânica nessa mesma escola e, depois, em 1837, examinador de vestibular. Ver-se-á retirado desta última função em 1844 e de seu posto de explicador em 1851. Apesar de seus reiterados pedidos, não obterá o desejado cargo de professor da Politécnica, nem mesmo a cátedra de história geral das ciências positivas no Collège de France, que quisera criar em benefício próprio.

A obra de Comte guarda estreitas relações com os acontecimentos de sua vida. Dois encontros capitais presidem as duas grandes etapas desta obra. Em 1817, ele conhece H. de Saint-Simon: O Organizador, o Sistema Industrial, e concebe, a partir daí, a criação de uma ciência social e de uma política científica.

Já de posse, desde 1826, das grandes linhas de seu sistema, Comte abre em sua casa, rua do Faubourg Montmartre, um Curso de filosofia positiva - rapidamente interrompido por uma depressão nervosa - (que lhe vale ser internado durante algum tempo no serviço de Esquirol). Retoma o ensino em 1829. A publicação do Curso inicia-se em 1830 e se distribui em 6 volumes até 1842. Desde 1831 Comte abrirá, numa sala da prefeitura do 3.° distrito, um curso público e gratuito de astronomia elementar destinado aos "operários de Paris", curso este que ele levaria avante por sete anos consecutivos. Em 1844 publica o prefácio do curso sob o título: Discurso dobre o espírito positivo.

É em outubro de 1844 que se situa o segundo encontro capital que vai marcar uma reviravolta na filosofia de Augusto Comte. Trata-se da irmã de um de seus alunos, Clotilde de Vaux, esposa abandonada de um cobrador de impostos (que fugira para a Bélgica após algumas irregularidades financeiras). Na primavera de 1845, nosso filósofo de 47 anos declara a esta mulher de 30 seu amor fervoroso. "Eu a considero como minha única e verdadeira esposa não apenas futura, mas atual e eterna". Clotilde oferece-lhe sua amizade. É o "ano sem par" que termina com a morte de Clotilde a 6 de abril de 1846. Comte sente então sua razão vacilar, mas entrega-se corajosamente ao trabalho. Entre 1851 e 1854 aparecem os enormes volumes do Sistema de política positiva ou Tratado de sociologia que intitui a religião da humanidade. O último volume sobre o Futuro humano prevê uma reformulação total da obra sob o título de Síntese Subjetiva.

Desde 1847 Comte proclamou-se grande sacerdote da Religião da Humanidade. Institui o "Calendário positivista" (cujos santos são os grandes pensadores da história), forja divisas

 "Ordem e Progresso", "Viver para o próximo"; "O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim",

funda numerosas igrejas positivistas (ainda existem algumas como exemplo no Brasil). Ele morre em 1857 após ter anunciado que "antes do ano de 1860" pregaria "o positivismo em Notre-Dame como a única religião real e completas".

Comte partiu de uma crítica científica da teologia para terminar como profeta. Compreende-se que alguns tenham contestado a unidade de sua doutrina, notadamente seu discípulo Littré, que em 1851 abandona a sociedade positivista. Littré - autor do célebre Dicionário, divulgador do positivismo nos artigos do Nacional - aceita o que ele chama a primeira filosofia de Augusto

103

Page 104: Vida e Obra de Filosofos

Comte e vê na segunda uma espécie de delírio político-religioso, inspirado pelo amor platônico do filósofo por Clotilde.

Todavia, mesmo se o encontro com Clotilde deu à obra do filósofo um novo tom, é certo que Comte, já antes do Curso de filosofia positiva (e principalmente em seu "opúsculo fundamental" de 1822), sempre pensou que a filosofia positivista deveria terminar finalmente em aplicações políticas e nas fundação de uma nova religião. Littré podia sem dúvida, em nome de suas próprias concepções, "separar Comte dele mesmo". Mas o historiador, que não deve considerar a obra com um julgamento pessoal, pode considerar-se autorizado a afirmar a unidade essencial e profunda da doutrina de Comte.

 Comte, afirmando vigorosamente a unidade de seu sistema, reconhece que houve duas carreiras em sua vida. Na primeira, diz ele sem falsa modéstia, ele foi Aristóteles e na segunda será São Paulo.

A Lei dos Três Estados

A filosofia da história, tal como a concebe Comte, é de certa forma tão idealista quanto a de Hegel. Para Comte "as ideias conduzem e transformam o mundo" e é a evolução da inteligência humana que comanda o desenrolar da história. Como Hegel ainda, Comte pensa que nós não podemos conhecer o espírito humano senão através de obras sucessivas - obras de civilização e história dos conhecimentos e das ciências - que a inteligência alternadamente produziu no curso da história. O espírito não poderia conhecer-se interiormente (Comte rejeita a introspecção, porque o sujeito do conhecimento confunde-se com o objeto estudado e porque pode descobrir-se apenas através das obras da cultura e particularmente através da história das ciências. A vida espiritual autêntica não é uma vida interior, é a atividade científica que se desenvolve através do tempo. Assim como diz muito bem Gouhier, a filosofia comtista da história é "uma filosofia da história do espírito através das ciências".

O espírito humano, em seu esforço para explicar o universo, passa sucessivamente por três estados:

a)  O estado teológico ou "fictício" explica os fatos por meio de vontades análogas à nossa (a tempestade, por exemplo, será explicada por um capricho do deus dos ventos, Eolo). Este estado evolui do fetichismo ao politeísmo e ao monoteísmo.

b) O estado metafísico substitui os deuses por princípios abstratos como "o horror ao vazio", por longo tempo atribuído à natureza. A tempestade, por exemplo, será explicada pela "virtude dinâmica “do ar (²). Este estado é no fundo tão antropomórfico quanto o primeiro (a natureza tem "horror" do vazio exatamente como a senhora Baronesa tem horror de chá). O homem projeta espontaneamente sua própria psicologia sobre a natureza. A explicação dita teológica ou metafísica é uma explicação ingenuamente psicológica. A explicação metafísica tem para Comte uma importância sobretudo histórica como crítica e negação da explicação teológica precedente. Desse modo, os revolucionários de 1789 são "metafísicos" quando evocam os "direitos" do homem - reivindicação crítica contra os deveres teológicos anteriores, mas sem conteúdo real.

c) O estado positivo é aquele em que o espírito renuncia a procurar os fins últimos e a responder aos últimos "por quês". A noção de causa (transposição abusiva de nossa experiência interior do querer para a natureza) é por ele substituída pela noção de lei. Contentar-nos-emos em descrever como os fatos se passam, em descobrir as leis (exprimíveis em linguagem matemática) segundo as quais os fenômenos se encadeiam uns nos outros. Tal concepção do saber desemboca

104

Page 105: Vida e Obra de Filosofos

diretamente na técnica: o conhecimento das leis positivas da natureza nos permite, com efeito, quando um fenômeno é dado, prever o fenômeno que se seguirá e, eventualmente agindo sobre o primeiro, transformar o segundo. ("Ciência donde previsão, previsão donde ação").

Acrescentemos que para Augusto Comte a lei dos três estados não é somente verdadeira para a história da nossa espécie, ela o é também para o desenvolvimento de cada indivíduo. A criança dá explicações teológicas, o adolescente é metafísico, ao passo que o adulto chega a uma concepção "positivista" das coisas.

 São igualmente metafísicas as tentativas de explicação dos fatos biológicos que partem do "princípio vital", assim como as explicações das condutas humanas que partem da noção de "alma".

A Classificação das Ciências

As ciências, no decurso da história, não se tornaram "positivas" na mesma data, mas numa certa ordem de sucessão que corresponde à célebre classificação: matemáticas, astronomia, física, química, biologia, sociologia.

Das matemáticas à sociologia a ordem é a do mais simples ao mais complexo, do mais abstrato ao mais concreto e de uma proximidade crescente em relação ao homem.

Esta ordem corresponde à ordem histórica da aparição das ciências positivas. As matemáticas (que com os pitagóricos eram ainda, em parte, uma metafísica e uma mística do número), constituem-se, entretanto, desde a antiguidade, numa disciplina positiva (elas são, aliás, para Comte, antes um instrumento de todas as ciências do que uma ciência particular).

A astronomia descobre bem cedo suas primeiras leis positivas, a física espera o século XVII para, com Galileu e Newton, tornar-se positiva. A oportunidade da química vem no século XVIII (Lavoisier). A biologia se torna uma disciplina positiva no século XIX. O próprio Comte acredita coroar o edifício científico criando a sociologia.

As ciências mais complexas e mais concretas dependem das mais abstratas. De saída, os objetos das ciências dependem uns dos outros. Os seres vivos estão submetidos não só às leis particulares da vida, como também às leis mais gerais, físicas e químicas de todos os corpos (vivos ou inertes).

Um ser vivo está submetido, como a matéria inerte, às leis da gravidade. Além disso, os métodos de uma ciência supõem que já sejam conhecidos os das ciências que a precederam na classificação. É preciso ser matemático para saber física. Um biólogo deve conhecer matemática, física e química. Entretanto, se as ciências mais complexas dependem das mais simples, não poderíamos deduzi-las de, nem reduzi-las a estas últimas. Os fenômenos psicoquímicos condicionam os fenômenos biológicos, mas a biologia não é uma química orgânica. Comte afirma energicamente que cada etapa da classificação introduz um campo novo, irredutível aos precedentes. Ele se opõe ao materialismo que é "a explicação do superior pelo inferior".

Nota-se, enfim, que a psicologia não figura nesta classificação. Para Comte o objeto da psicologia pode ser repartido sem prejuízo entre a biologia e a sociologia.

A Humanidade

105

Page 106: Vida e Obra de Filosofos

A última das ciências que Comte chamara primeiramente física social, e para a qual depois inventou o nome de sociologia reveste-se de importância capital. Um dos melhores comentadores de Comte, Levy-Bruhl, tem razão de sublinhar: "A criação da ciência social é o momento decisivo na filosofia de Comte. Dela tudo parte, a ela tudo se reduz". Nela irão se reunir o positivismo religioso, a história do conhecimento e a política positiva.

É refletindo sobre a sociologia positiva que compreenderemos que as duas doutrinas de Comte são apenas uma. Enfim, e sobretudo, é a criação da sociologia que, permitindo aquilo que Kant denominava uma "totalização da experiência", nos faz compreender o que é, para Comte, fundamentalmente, a própria filosofia.

Comte, ao criar a sociologia, a sexta ciência fundamental, a mais concreta e complexa, cujo objeto é a "humanidade", encerra as conquistas do espírito positivo: como diz excelentemente Gouhier - em sua admirável introdução ao Textos Escolhidos de Comte, publicados por Aubier - "Quando a última ciência chega ao último estado, isso não significa apenas o aparecimento de uma nova ciência.

O nascimento da sociologia tem uma importância que não podia ter o da biologia ou o da física: ele representa o fato de que não mais existe no universo qualquer refúgio para os deuses e suas imagens metafísicas. Como cada ciência depende da precedente sem a ela se reduzir, o sociólogo deve conhecer o essencial de todas as disciplinas que precedem a sua. Sua especialização própria se confunde, pois - diferentemente do que se passa para os outros sábios - com a totalidade do saber. Significa dizer que o sociólogo é idêntico ao próprio filósofo, "especialista em generalidades", que envolve com um olhar enciclopédico toda a evolução da inteligência, desde o estado teológico ao estado positivo, em todas as disciplinas do conhecimento.

Comte repudia a metafísica, mas não rejeita a filosofia concebida como interpretação totalizante da história e, por isto, identificação com a sociologia, a ciência última que supõe todas as outras, a ciência da humanidade, a ciência, poder-se-ia dizer em termos hegelianos, do "universal concreto".

O objeto próprio da sociologia é a humanidade e é necessário compreender que a humanidade não se reduz a uma espécie biológica: há na humanidade uma dimensão suplementar - a história - o que faz a originalidade da civilização (da "cultura" diriam os sociólogos do século XIX).

O homem, diz-nos Comte, "é um animal que tem uma história". As abelhas não têm história. Aquelas de que fala Virgílio nas Geórgicas comportavam-se exatamente como as de hoje em dia. A espécie das abelhas é apenas a sucessão de gerações que repetem suas condutas instintivas: não há, pois, num sentido estrito, sociedades animais, ou ao menos a essência social dos animais reduz-se à natureza biológica.

Somente o homem tem uma história porque é ao mesmo tempo um inventor e um herdeiro. Ele cria línguas, instrumentos que transmitem este patrimônio pela palavra, e, nos últimos milênios, pela escrita às gerações seguintes que, por sua vez, exercem suas faculdades de invenção apenas dentro do quadro do que elas receberam. As duas ideias de tradição e de progresso, longe de se excluírem, se completam. Como diz Comte, Gutemberg ainda imprime todos os livros do mundo, e o inventor do arado trabalha, invisível, ao lado do lavrador. A herança do passado só torna possíveis os progressos do futuro e "a humanidade compõe-se mais de mortos que de vivos".

Comte distingue a sociologia estática da sociologia dinâmica. A primeira estuda as condições gerais de toda a vida social, considerada em si mesma, em qualquer tempo e lugar. Três

106

Page 107: Vida e Obra de Filosofos

instituições sempre são necessárias para fazer com que o altruísmo predomine sobre o egoísmo (condição de vida social). A propriedade (que permite ao homem produzir mais do que para as suas necessidades egoístas imediatas, isto é, fazer provisões, acumular um capital que será útil a todos), a família (educadora insubstituível para o sentimento de solidariedade e respeito às tradições), a linguagem (que permite a comunicação entre os indivíduos e, sob a forma de escrita, a constituição de um capital intelectual, exatamente como a propriedade cria um capital material).

A sociologia dinâmica estuda as condições da evolução da sociedade: do estado teológico ao estado positivo na ordem intelectual, do estado militar ao industrial na ordem prática - do estado de egoísmo ao de altruísmo na ordem afetiva. A ciência que prepara a união de todos os espíritos concluirá a obra de unidade (que a Igreja católica havia parcialmente realizado na Idade Média) e tornará o altruísmo universal, "planetário".

A sociedade positiva terá, exatamente como a sociedade cristã da Idade Média, seu poder temporal (os industriais e os banqueiros) e seu poder espiritual (³) (os sábios, principalmente os sociólogos, que terão, à sua testa, o papa positivista, o Grão-Sacerdote da Humanidade, isto é, o próprio Augusto Comte).

Vê-se que é sobre a sociologia que vem articular a mudança de perspectiva, a mutação que faz do filósofo um profeta. A sociologia, cuja aparição dependeu de todas as outras ciências tornadas positivas, transformar-se-á na política que guiará as outras ciências, "regenerando, assim, por sua vez, todos os elementos que concorreram para sua própria formação". Assim é que, em nome da "humanidade", a sociologia regerá todas as ciências, proibindo, por exemplo, as pesquisas inúteis. (Para Comte, o astrônomo deve estudar somente o Sol e a Lua, que estão muito próximos de nós, para ter uma influência sobre a terra e sobre a humanidade e interditar-se aos estudos politicamente estéreis dos corpos celestes mais afastados!) Compreende-se que esta "síntese subjetiva", integrando-se inteiramente no sistema de Comte, tenha desencorajado os racionalistas que de saída viram no positivismo uma apologia do espírito científico!

A religião positiva substitui o Deus das religiões reveladas pela própria humanidade, considerada como Grande-Ser. Este Ser do qual fazemos parte nos ultrapassa entretanto - pelo gênio de seus grandes homens, de seus sábios aos quais devemos prestar culto após a morte (esta sobrevivência na veneração de nossa memória chama-se "imortalidade subjetiva").

A terra e o ar - meio onde vive a humanidade - podem, por isso mesmo, ser objeto de culto. A terra chamar-se-á o "Grande-Fetiche". A religião da humanidade, pois, transpõe - ainda mais que não as repudia - as ideias e até a linguagem da crenças anteriores.

Filósofo do progresso, Comte é também o filósofo da ordem. Herdeiro da Revolução, ele é, ao mesmo tempo, conservador e admirador da bela unidade dos espíritos da Idade Média. Compreende-se que ele tenha encontrado discípulos tanto nos pensadores "de direita" como nos "de esquerda".

 Comte rejeita como metafísica a doutrina dos direitos do homem e da liberdade. Assim como "não há liberdade de consciência em astronomia", assim uma política verdadeiramente científica pode impor suas conclusões. Aqueles que não compreenderem terão que se submeter cegamente (esta submissão será o equivalente da fé na religião.

http://www.mundodosfilosofos.com.br/comte.htm#ixzz20LQasF1Z

107

Page 108: Vida e Obra de Filosofos

Søren Aabye Kierkegaard (*1813  +1855)

Kierkegaard é um dos raros autores cuja vida exerceu profunda influência no desenvolvimento da obra. As inquietações e angústias que o acompanharam estão expressas em seus textos, incluindo a relação de angústia e sofrimento que ele manteve com o cristianismo – herança de um pai extremamente religioso, que cultuava a maneira exacerbada os rígidos princípios do protestantismo dinamarquês, religião de Estado.

Sétimo filho de um casamento que já durava muitos anos – nasceu em 1813, quando o pai, rico comerciante de Copenhague, tinha 56 e a mãe 44 –, chamava a si mesmo de "filho da velhice" e teria seguido a carreira de pastor caso não houvesse se revelado um estudante indisciplinado e boêmio. Trocou a Universidade de Copenhague, onde entrara em 1830 para estudar filosofia e teologia, pelos cafés da cidade, os teatros, a vida social.

Foi só em 1837, com a morte do pai e o relacionamento com Regina Oslen (de quem se tornaria noivo em 1840), que sua vida mudou. O noivado, em particular, exerceria uma influência decisiva em sua obra. A partir daí seus textos tornaram-se mais profundos e seu pensamento, mais religioso. Também em 1840 ele conclui o curso de teologia, e um ano depois apresentava "Sobre o Conceito de Ironia", sua tese de doutorado.

Esse é o momento da segunda grande mudança em sua vida. Em vez de pastor e pai de família, Kierkegaard escolheu a solidão. Para ele, essa era a única maneira de vivenciar sua fé. Rompido o noivado, viajou, ainda em 1841, para a Alemanha. A crise vivida por um homem que, ao optar pelo compromisso radical com a transcendência, descobre a necessidade da solidão e do distanciamento mundano, está em Diários.

Na Alemanha, foi aluno de Schelling e esboça alguns de seus textos mais importantes. Volta a Copenhague em 1842, e em 1843 publica A Alternativa, Temor e Tremor e A Repetição. Em 1844 saem Migalhas Filosóficas e O Conceito de Angústia. Um ano depois, é editado As Etapas no Caminho da Vida e, em 1846, o Post-scriptum a Migalhas Filosóficas. A maior parte desses textos constitui uma tentativa de explicar a Regina, e a ele mesmo, os paradoxos da existência religiosa. Kierkegaard elabora seu pensamento a partir do exame concreto do homem religioso historicamente situado. Assim, a filosofia assume, a um só tempo, o caráter socrático do autoconhecimento e o esclarecimento reflexivo da posição do indivíduo diante da verdade cristã.

Polemista por excelência, Kierkegaard criticou a Igreja oficial da Dinamarca, com a qual travou um debate acirrado, e foi execrado pelo semanário satírico O Corsário, de Copenhague. Em 1849, publicou Doença Mortal e, em 1850, Escola do Cristianismo, em que analisa a deterioração do sentimento religioso. Morreu em 1855.

Filósofo ou Religioso?

A posição de Kierkegaard leva algumas pessoas a levantar dúvidas a respeito do caráter filosófico de seu pensamento. Pra elas, tratar-se-ia muito mais de um pensador religioso do que de um filósofo. Para além das minúcias que essa distinção envolveria, cabe verificar o que ela pode trazer de esclarecedor acerca do estilo de pensamento de Kierkegaard. Pode-se perguntar,

108

Page 109: Vida e Obra de Filosofos

por exemplo, quais as questões fundamentais que lhe motivam a reflexão, ou, então, qual a finalidade que ele intencionalmente deu à sua obra.

Estamos habituados a ver, na raiz das tentativas filosóficas que se deram ao longo da história, razões da ordem da reforma do conhecimento, da política, da moral. Em Kierkegaard não encontramos, estritamente, nenhuma dessas motivações tradicionais. Isso fica bem evidenciado quando ele reage às filosofias de sua época – em especial à de Hegel. Não se trata de questionar as incorreções ou as inconsistências do sistema hegeliano. Trata-se muito mais de rebelar-se contra a própria ideia de sistema e aquilo que ela representa.

Para Hegel, o indivíduo é um momento de uma totalidade sistemática que o ultrapassa e na qual, ao mesmo tempo, ele encontra sua realização. O individual se explica pelo sistema, o particular pelo geral. Em Kierkegaard há um forte sentimento de irredutibilidade do indivíduo, de sua especificidade e do caráter insuperável de sua realidade. Não devemos buscar o sentido do indivíduo numa harmonia racional que anula as singularidades, mas, sim, na afirmação radical da própria individualidade.

De onde provém, no entanto, essa defesa arraigada daquilo que é único? Não de uma contraposição teórico-filosófica a Hegel, mas de uma concepção muito profunda da situação do homem, enquanto ser individual, no mundo e perante aquilo que o ultrapassa, o infinito, a divindade. A individualidade não deve portanto ser entendida primordialmente como um conceito lógico, mas como a solidão característica do homem que se coloca como finito perante o infinito. A individualidade define a existência.

Para Kierkegaard, o homem que se reconhece finito enquanto parte e momento da realização de uma totalidade infinita se compraz na finitude, porque a vê como uma etapa de algo maior, cujo sentido é infinito. Ora, comprazer-se na finitude é admitir a necessidade lógica de nossa condição, é dissolver a singularidade do destino humano num curso histórico guiado por uma finalidade que, a partir de uma dimensão sobre-humana, dá coerência ao sistema e aplaca as vicissitudes do tempo.

Mas o homem que se coloca frente a si e a seu destino desnudado do aparato lógico não se vê diante de um sistema de ideias mas diante de fatos, mais precisamente de um fato fundamental que nenhuma lógica pode explicar: a fé. Esta não é o sucedâneo afetivo daquilo que não posso compreender racionalmente; tampouco é um estágio provisório que dure apenas enquanto não se completam e fortalecem as luzes da razão. É, definitivamente, um modo de existir. E esse modo me põe imediatamente em relação com o absurdo e o paradoxo. O paradoxo de Deus feito homem e o absurdo das circunstâncias do advento da Verdade.

Cristo, enquanto Deus tornado homem, é o mediador entre o homem e Deus. É por meio de Cristo que o homem se situa existencialmente perante Deus. Cristo é portanto o fato primordial para a compreensão que o homem tem de si. Mas o próprio Cristo é incompreensível. Não há portanto uma mediação conceitual, algum tipo de prova racional que me transporte para a compreensão da divindade. A mediação é o Cristo vivo, histórico, dotado, e o fato igualmente incompreensível do sacrifício na cruz. Aqui se situam as circunstâncias que fazem do advento da Verdade um absurdo: a Verdade não nos foi revelada com as pompas do conceito e do sistema. Ela foi encarnada por um homem obscuro que morreu na cruz como um criminoso. O acesso à Verdade suprema depende pois da crença no absurdo, naquilo que São Paulo já havia chamado de "loucura". No entanto, é o absurdo que possibilita a Verdade. Se permanecesse a distância infinita que separa Deus e o homem, este jamais teria acesso à Verdade. Foi a mediação do paradoxo e do absurdo que recolocou o homem em comunicação com Deus. Por

109

Page 110: Vida e Obra de Filosofos

isso devemos dizer: creio porque é absurdo. Somente dessa maneira nos colocamos no caminho da recuperação de uma certa afinidade com o absoluto.

Não há, portanto, outro caminho para a Verdade a não ser o da interioridade, o aprofundamento da subjetividade. Isso porque a individualidade autêntica supõe a vivência profunda da culpa: sem esse sentimento, jamais nos situaremos verdadeiramente perante o fato da redenção e, consequentemente, da mediação do Cristo.

O Sofrimento Necessário

A subjetividade não significa a fuga da generalidade objetiva: ao contrário, somente aprofundando a subjetividade e a culpa a ela inerente é que nos aproximaremos da compreensão original de nossa natureza: o pecado original. E a compreensão irradia luz sobre a redenção e a graça, igualmente fundamentais para nos sentirmos verdadeiramente humanos, ou seja, de posse da verdade humana do cristianismo. A autêntica subjetividade, insuperável modo de existir, se realiza na vivência da religiosidade cristã.

A subjetividade de Kierkegaard não é tributária apenas da atmosfera romântica que envolvia sua época. Seu profundo significado a-histórico tem a ver, mais do que com essa característica do Romantismo, com uma concepção de existência que torna todos os homens contemporâneos de Cristo. O fato da redenção, embora histórico, possui uma dimensão que o torna referência intemporal para se vivenciar a fé. O cristão é aquele que se sente continuamente em presença de Deus pela mediação do Cristo. Por isso a religião só tem sentido se for vivida como comunhão com o sofrimento da cruz. Por isso é que Kierkegaard critica o cristianismo de sua época, principalmente o protestantismo dinamarquês, penetrado, segundo ele, de conceituação filosófica que esconde a brutalidade do fato religioso, minimiza a distância entre Deus e o homem e sufoca o sentimento de angústia que acompanha a fé.

Essa angústia, no entender de Kierkegaard, estaria ilustrada no episódio do sacrifício de Abraão. Esse relato bíblico indica a solidão e o abandono do indivíduo voltado unicamente para a vivência da fé. O que Deus pede a Abraão – que ele sacrifique o único filho para demonstrar sua fé – é absurdo e desumano segundo a ética dos homens.

Não se trata, nesse caso, de optar entre dois códigos de ética, ou entre dois sistemas de valores. Abraão é colocado diante do incompreensível e diante do infinito. Ele não possui razões para medir ou avaliar qual deve ser sua conduta. Tudo está suspenso, exceto a relação com Deus.

O Salto da Fé

Abraão não está na situação do herói trágico que deve escolher entre valores subjetivos (individuais e familiares) e valores objetivos (a cidade, a comunidade), como no caso da tragédia grega. Nada está em jogo, a não ser ele mesmo e a sua fé. Deus não está testando a sabedoria de Abraão, da mesma forma como os deuses testavam a sabedoria de Édipo ou de Agamenon. A força de sua fé fez com que Abraão optasse pelo infinito.

Mas, caso o sacrifício se tivesse consumado, Abraão ainda assim não teria como justificá-lo à luz de uma ética humana. Continuaria sendo o assassino de seu filho. Poderia permanecer durante toda a vida indagando acerca das razões do sacrifício e não obteria resposta. Do ponto de vista humano, a dúvida permaneceria para sempre. No entanto Abraão não hesitou: a fé fez com que ele saltasse imediatamente da razão e da ética para o plano do absoluto, âmbito em que o entendimento é cego. Abraão ilustra na sua radicalidade a situação de homem religioso. A fé

110

Page 111: Vida e Obra de Filosofos

representa um salto, a ausência de mediação humana, precisamente porque não pode haver transição racional entre o finito e o infinito. A crença é inseparável da angústia, o temor de Deus é inseparável do tremor.

Por tudo o que a existência envolve de afirmação de fé, ela não pode ser elucidada pelo conceito. Este jamais daria conta das tensões e contradições que marcam a vida individual. Existir é existir diante de Deus, e a incompreensibilidade da infinitude divina faz com que a consciência vacile como diante de um abismo. Não se pode apreender racionalmente a contemporaneidade do Cristo, que faz com que a existência cristã se consuma num instante e ao mesmo tempo se estenda pela eternidade. A fé reúne a reflexão e o êxtase, a procura infindável e a visão instantânea da Verdade; o paradoxo de ser o pecado ao mesmo tempo a condição de salvação, já que foi por causa do pecado original que Cristo veio ao mundo. Qualquer filosofia que não leve em conta essas tensões, que afinal são derivadas de estar o finito e o infinito em presença um do outro, não constituirá fundamento adequado da vida e da ação. A filosofia deve ser imanente à vida. A especulação desgarrada da realidade concreta não orientará a ação, muito simplesmente porque as decisões humanas não se ordenam por conceitos, mas por alternativas e saltos.

 http://www.mundodosfilosofos.com.br/kierkegaard.htm#ixzz20GLkKPQY

Karl Marx (*1818 +1883)

VIDA E OBRA: As ideias de Marx tiveram um efeito profundo na história mundial: 66 anos após sua morte, cerca de um terço da população do globo vivia sob regimes que se diziam fiéis à sua filosofia. Marx pensava que a realidade era historicamente constituída, contendo conflitos internos que levam a mudanças.

Karl Marx nasceu na Alemanha. Embora os ancestrais de Marx fossem rabinos, seus pais se converteram ao luteranismo e ele foi

veementemente antirreligioso desde muito jovem. Estudou Direito na universidade, mas voltou-se para a filosofia, mostrando seu interesse precoce pelo materialismo ao fazer sua tese de doutorado sobre os atomistas gregos, Demócrito e Epicuro. Envolveu-se com os Jovens Hegelianos, sendo particularmente influenciado pela versão materialista do hegelianismo de Feuerbach, mas seu ateísmo o excluiu da carreira acadêmica. Em 1843 foi para Paris e conheceu Friedrich Engels, que se tornaria seu colaborador por toda a vida. A família de Engels conduzia um próspero negócio em Manchester, e através dele Marx se inteirou das condições na Inglaterra industrial e da teoria econômica britânica.

Exilados em 1845, os dois foram para Bruxelas, onde escreveram o Manifesto Comunista (1848). Voltaram à Alemanha para participar da revolução daquele ano, mas Marx teve que buscar refúgio em Londres, onde passou o resto da vida com a família na pobreza, sustentado pelo negócio de Engels. O primeiro volume do notável O Capital foi lançado em 1867; o segundo e o terceiro foram publicados postumamente.

Principais ideias: Como Hegel, Marx acreditava que o processo histórico estava aberto à

111

Page 112: Vida e Obra de Filosofos

investigação racional e que a lei que governava suas transformações era dialética - em outras palavras, as situações históricas contêm conflitos internos que as tornam instáveis, levando à sua extinção e ao surgimento de um novo estado de coisas.

Diferentemente de Hegel, contudo, via a lógica que impelia o curso da história como firmemente material, não espiritual. Já que o motor da mudança social eram forças materiais que afetam as ações humanas.

Marx passou a focalizar a economia. Segundo ele, são os meios de produção e distribuição, e o conflito dialético entre diferentes classes socioeconômicas que estes geram, que determinam o curso da história. Eles compelem as mudanças sociais observáveis entre, digamos, sociedades feudais e industriais, e determinam a natureza de classes sociais distintas e conflitos de classes.

Marx analisou o capitalismo em termos de oposição entre os que possuem os meios de produção, os capitalistas, e os operários industriais.

O trabalho é a fonte última de valor, e o lucro é o resultado da exploração dos operários: extrai-se mais valor do seu trabalho do que eles recebem em salários. Os operários são alienados dos produtos do seu trabalho porque não têm posse sobre eles, e são desumanizados e isolados pela produção em massa.

Segundo Marx, o capitalismo conduz inevitavelmente a uma maior polarização entre capitalistas e operários, à medida que lucros sempre maiores são extorquidos de uma força de trabalho cada vez maior e mais empobrecida. Isso terminará por levar à revolução. Depois que os operários assumirem o controle dos meios de produção, os lucros serão usados em benefício de todos, pondo fim ao conflito de classes e aos processo de mudança dialética. Marx considerava essa análise uma demonstração científica da inevitabilidade do fim da história e da instituição do comunismo.

Bibliografia: CHAUI, Marilena – Iniciação à Filosofia; Ed. Ática, 2009 / LAW, Stephen – Guia Ilustrado Zahar de Filosofia; Ed. Zahar,

http://filsofos-vidaeobra.blogspot.com.br/2009/08/marx.html

Charles Sanders Peirce (*1839 +1914)

Charles Sanders Peirce nasceu no ano de 1839, em Cambridge, Massachussets, nos EUA, no dia 10 de setembro. Filho do matemático, físico e astrônomo Benjamin Peirce, Charles, sob influência paterna, formou-se na Universidade de Harvard em física e matemática, conquistando também o diploma de químico na Lawrence Scientific School. Paralelamente ao seu trabalho no observatório astronômico de Harvard, Charles Peirce se dedicava ao estudo da filosofia, principalmente à leitura de "A crítica da razão pura", de Kant. Entre

1879 e 1884 lecionou na Universidade John Hopkins. Considerado uma pessoa de hábitos excêntricos, além de descuidado e solitário, Peirce não evoluiu na carreira universitária. Em

112

Page 113: Vida e Obra de Filosofos

1887, mudou-se com sua segunda esposa para a cidade de Milford, na Pensilvânia, isolando-se ainda mais.

Entre 1884 e o ano de sua morte, em 19 de abril de 1914, Peirce escreveu cerca de 80 mil páginas de manuscritos, vendidos por sua esposa à Universidade de Harvard, e que vem sendo publicados há várias décadas. Além desses escritos, Peirce deixou textos em periódicos esparsos: resenhas, artigos e verbetes de dicionários. Esse conjunto de trabalhos forma a obra de um pensador original, definida por William James como "lampejos de luz deslumbrante sobre um fundo de escuridão tenebrosa". Considerado como um dos mais profundos e originais pensadores norte-americanos, Peirce deixou contribuições em múltiplas áreas do conhecimento: lógica, semiótica, astronomia, geodesia, matemática, teoria e história da ciência, econometria e psicologia.

Pragmatismo e semiótica

Um dos ensaios de Peirce, "Como fazer claras as nossas ideias", publicado em 1878, foi o primeiro esboço e marco fundador do pragmatismo. Para o filósofo, nossas crenças nada mais são do que normas para a ação. O estabelecimento de uma crença é o único fim de qualquer indagação ou processo racional, desde que se considere como crença um hábito ou regra de ação que, ainda que não conduza imediatamente a um ato, torna possível uma determinada conduta, na ocasião própria.

Dessa forma, para se desenvolver o conteúdo de uma ideia, basta determinar o comportamento que ela é capaz de suscitar, nisso residindo a sua significação. Por mais sutis que sejam as distinções do nosso pensamento, o que realmente importa para Peirce são as consequências práticas que as diferenciam.

Retomando a teoria estóica dos signos, Peirce também foi um dos fundadores da semiótica contemporânea e da lógica das relações, mais tarde desenvolvida por Bertrand Russell. Combatendo o psicologismo, situa-se no caráter estritamente formal da lógica. Chamando a semiótica de "gramática especulativa", elaborou toda uma teoria dos signos e do simbolismo.

Peirce compreende como signo ou representação qualquer coisa que esteja em qualquer relação com outra coisa. Surge numa determinada pessoa e dirige-se a uma outra, em cujo espírito cria um signo equivalente ou até mais desenvolvido. O signo criado é "interpretante" do primeiro. E assim sucessivamente.

O filósofo norte-americano divide a filosofia em três partes: a fenomenologia, a ciência normativa e a metafísica. A primeira tem por objeto o estudo das categorias; a segunda, subdividida em estética, ética e lógica, apoia-se na fenomenologia e na matemática; e a terceira se subdivide em metafísica geral ou ontológica, metafísica psíquica ou religiosa e metafísica física. Sistemático para uns e não sistemático para outros, o pensamento de Peirce tem dado motivo a várias interpretações, mas com unânime reconhecimento de seu pioneirismo na lógica e na semiótica. Sua influência é profunda no pensamento americano, chegando ao operacionismo lógico e às correntes contemporâneas da filosofia da ciência.

Enciclopédia Mirador Internacional / http://educacao.uol.com.br/biografias/charles-sanders-peirce.jhtm

Friedrich Wilhelm Nietzsche (*1844 +1900)

113

Page 114: Vida e Obra de Filosofos

Vida e Obra: Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu a 15 de outubro de 1844 em Röcken, localidade próxima a Leipzig. Karl Ludwig, seu pai, pessoa culta e delicada, e seus dois avós eram pastores protestantes; o próprio Nietzsche pensou em seguir a mesma carreira.

Em 1849, seu pai e seu irmão faleceram; por causa disso a mãe mudou-se com a família para Naumburg, pequena cidade às margens do Saale, onde Nietzsche cresceu, em companhia da mãe, duas tias e da avó.

Criança feliz, aluno modelo, dócil e leal, seus colegas de escola o chamavam "pequeno pastor"; com eles criou uma pequena sociedade artística e literária, para a qual compôs melodias e escreveu seus primeiros versos.

Em 1858, Nietzsche obteve uma bolsa de estudos na então famosa escola de Pforta, onde haviam estudado o poeta Novalis o filósofo Fichte (1762-1814). Datam dessa época suas leituras de Schiller (1759-1805), Hölderlin (1770-1843) e Byron (1788-1824); sob essa influência e a de alguns professores, Nietzsche começou a afastar-se do cristianismo. Excelente aluno em grego e brilhante em estudos bíblicos, alemão e latim, seus autores favoritos, entre os clássicos, foram Platão (428-348 a.C.) e Ésquilo (525-456 a.C.).

Durante o último ano em Pforta, escreveu um trabalho sobre o poeta Teógnis (séc. VI a.C.). Partiu em seguida para Bonn, onde se dedicou aos estudos de teologia e filosofia, mas, influenciado por seu professor predileto, Ritschl, desistiu desses estudos e passou a residir em Leipzig, dedicando-se à filologia. Ritschl considerava a filologia não apenas história das formas literárias, mas estudos das instituições e do pensamento.

Nietzsche seguiu lhe as pegadas e realizou investigações originais sobre Diógenes Laércio (séc. III), Hesíodo (séc. VIII a.C.) e Homero. A partir desses trabalhos foi nomeado, em 1869, professor de filologia em Basiléia, onde permaneceu por dez anos. A filosofia somente passou a interessá-lo a partir da leitura de O Mundo como Vontade e Representação, de Schopenhauer (1788-1860). Nietzsche foi atraído pelo ateísmo de Schopenhauer, assim como pela posição essencial que a experiência estética ocupa em sua filosofia, sobretudo pelo significado metafísico que atribui à música. Em 1867, Nietzsche foi chamado para prestar o serviço militar, mas um acidente em exercício de montaria livrou-o dessa obrigação. Voltou então aos estudos na cidade de Leipzig. Nessa época teve início sua amizade com Richard Wagner (1813-1883), que tinha quase 55 anos e vivia então com Cosima, filha de Liszt (1811-1886).

Nietzsche encantou-se com a música de Wagner e com seu drama musical, principalmente com Tristão e Isolda e com Os Mestres Cantores. A casa de campo de Tribschen, às margens do lago de Lucerna, onde Wagner morava, tornou-se para Nietzsche lugar d "refúgio e consolação". Na mesma época, apaixonou-se por Cosima, que viria a ser, em obra posterior, a "sonhada Ariane". Em cartas ao amigo Erwin Rohde, escrevia: "Minha Itália chama-se Tribschen e sinto-me ali como em minha própria casa". Na universidade, passou a tratar das relações entre a música e a tragédia grega, esboçando seu livro O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música.

O Filósofo e o Músico

114

Page 115: Vida e Obra de Filosofos

Em 1870, a Alemanha entrou em guerra com a França; nessa ocasião, Nietzsche serviu o exército como enfermeiro, mas por pouco tempo, pois logo adoeceu, contraindo difteria e disenteria. Essa doença parece ter sido a origem das dores de cabeça e de estômago que acompanharam o filósofo durante toda a vida. Nietzsche restabeleceu-se lentamente e voltou a Basiléia a fim de prosseguir seus cursos.

Em 1871, publicou O Nascimento da Tragédia, a respeito da qual se costuma dizer que o verdadeiro Nietzsche fala através das figuras de Schopenhauer e de Wagner. Nessa obra, considera Sócrates (470 ou 469 a.C.-399 a.C.) um "sedutor", por ter feito triunfar junto à juventude ateniense o mundo abstrato do pensamento. A tragédia grega, diz Nietzsche, depois de ter atingido sua perfeição pela reconciliação da "embriaguez e da forma", de Dioniso e Apolo, começou a declinar quando, aos poucos, foi invadida pelo racionalismo, sob a influência "decadente" de Sócrates. Assim, Nietzsche estabeleceu uma distinção entre o apolíneo e o dionisíaco: Apolo é o deus da clareza, da harmonia e da ordem; Dioniso, o deus da exuberância, da desordem e da música. Segundo Nietzsche, o apolíneo e o dionisíaco, complementares entre si, foram separados pela civilização. Nietzsche trata da Grécia antes da separação entre o trabalho manual e o intelectual, entre o cidadão e o político, entre o poeta e o filósofo, entre Eros e Logos. Para ele a Grécia socrática, a do Logos e da lógica, a da cidade-Estado, assinalou o fim da Grécia antiga e de sua força criadora. Nietzsche pergunta como, num povo amante da beleza, Sócrates pôde atrair os jovens com a dialética, isto é, uma nova forma de disputa (ágon), coisa tão querida pelos gregos. Nietzsche responde que isso aconteceu porque a existência grega já tinha perdido sua "bela imediatez", e tornou-se necessário que a vida ameaçada de dissolução lançasse mão de uma "razão tirânica", a fim de dominar os instintos contraditórios.

Seu livro foi mal acolhido pela crítica, o que o impeliu a refletir sobre a incompatibilidade entre o "pensador privado" e o "professor público". Ao mesmo tempo, esperava-se com seu estado de saúde: dores de cabeça, perturbações oculares, dificuldades na fala. Interrompeu assim sua carreira universitária por um ano. Mesmo doente foi até Bayreuth, para assistir à apresentação de O Anel dos Nibelungos, de Wagner. Mas o "entusiasmo grosseiro" da multidão e a atitude de Wagner embriagado pelo sucesso o irritaram.

Terminada a licença da universidade para que tratasse da saúde, Nietzsche voltou à cátedra. Mas sua voz agora era tão imperceptível que os ouvintes deixaram de frequentar seus cursos, outrora tão brilhantes. Em 1879, pediu demissão do cargo. Nessa ocasião, iniciou sua grande crítica dos valores, escrevendo Humano, Demasiado Humano; seus amigos não o compreenderam. Rompeu as relações de amizade que o ligavam a Wagner e, ao mesmo tempo, afastou-se da filosofia de Schopenhauer, recusando sua noção de "vontade culpada" e substituindo-a pela de "vontade alegre"; isso lhe parecia necessário para destruir os obstáculos da moral e da metafísica. O homem, dizia Nietzsche, é o criador dos valores, mas esquece sua própria criação e vê neles algo de "transcendente", de "eterno" e "verdadeiro", quando os valores não são mais do que algo "humano, demasiado humano".

Nietzsche, que até então interpretara a música de Wagner como o "renascimento da grande arte da Grécia", mudou de opinião, achando que Wagner inclinava-se ao pessimismo sob a influência de Schopenhauer. Nessa época Wagner voltara-se, ao mesmo tempo, a recusa do cristianismo e de Schopenhauer; para Nietzsche, ambos são parentes porque são a manifestação da decadência, isto é, da fraqueza e da negação. Irritado com o antigo amigo, Nietzsche

115

Page 116: Vida e Obra de Filosofos

escreveu: "Não há nada de exausto, nada de caduco, nada de perigoso para a vida, nada que calunie o mundo no reino do espírito, que não tenha encontrado secretamente abrigo em sua arte; ele dissimula o mais negro obscurantismo nos orbes luminosos do ideal. Ele acaricia todo o instinto niilista (budista) e embeleza-o com a música; acaricia toda a forma de cristianismo e toda expressão religiosa de decadência".

Solidão, Agonia e Morte

Em 1880, Nietzsche publicou O Andarilho e sua Sombra: um ano depois apareceu Aurora, com a qual se empenhou "numa luta contra a moral da auto renúncia". Mais uma vez, seu trabalho não foi bem acolhido por seus amigos; Erwin Rohde nem chegou a agradecer-lhe o recebimento da obra, nem respondeu à carta que Nietzsche lhe enviara. Em 1882, veio à luz A Gaia Ciência, depois Assim falou Zaratustra (1884), Para Além de Bem e Mal (1886), O Caso Wagner,Crepúsculo dos Ídolos, Nietzsche contra Wagner (1888). Ecce Homo, Ditirambos Dionisíacos, O Anticristo e Vontade de Potência só apareceram depois de sua morte.

Durante o verão de 1881, Nietzsche residiu em Haute-Engandine, na pequena aldeia de Silvaplana, e, durante um passeio, teve a intuição de O Eterno Retorno, redigido logo depois. Nessa obra defendeu a tese de que o mundo passa indefinidamente pela alternância da criação e da destruição, da alegria e do sofrimento, do bem e do mal. De Silvaplana, Nietzsche transferiu-se para Gênova, no outono de 1881, e depois para Roma, onde permaneceu por insistência de Fräulein von Meysenburg, que pretendia casá-lo com uma jovem finlandesa, Lou Andreas Salomé. Em 1882, Nietzsche propôs-lhe casamento e foi recusado, mas Lou Andreas Salomé desejou continuar sua amiga e discípula. Encontraram-se mais tarde na Alemanha; porém, não houve a esperada adesão à filosofia nietzschiana e, assim, acabaram por se afastar definitivamente.

Em seguida, retornou à Itália, passando o inverno de 1882-1883 na baía de Rapallo. Em Rapallo, Nietzsche não se encontrava bem instalado; porém, "foi durante o inverno e no meio desse desconforto que nasceu o meu nobre Zaratustra".

No outono de 1883 voltou para a Alemanha e passou a residir em Naumburg, em companhia da mãe e da irmã. Apesar da companhia dos familiares, sentia-se cada vez mais só. Além disso, mostrava-se muito contrariado, pois sua irmã tencionava casar-se com Herr Foster, agitador antissemita, que pretendia fundar uma empresa colonial no Paraguai, como reduto da cristandade teutônica. Nietzsche desprezava o antissemitismo, e, não conseguindo influenciar a irmã, abandonou Naumburg.

Em princípio de abril de 1884 chegou a Veneza, partindo depois para a Suíça, onde recebeu a visita do barão Heinrich von Stein, jovem discípulo de Wagner. Von Stein esperava que o filósofo o acompanhasse a Bayreuth para ouvir o Parsifal, talvez pretendendo ser o mediador para que Nietzsche não publicasse seu ataque contra Wagner. Por seu lado, Nietzsche viu no rapaz um discípulo capaz de compreender o seu Zaratustra. Von Stein, no entanto, veio a falecer muito cedo, o que o amargurou profundamente, sucedendo-se alternâncias entre euforia e depressão. Em 1885, veio a público a Quarta parte de Assim falou Zaratustra; cada vez mais isolado, o autor só encontrou sete pessoas a quem enviá-la. Depois disso, viajou para Nice, aonde veio a conhecer o intelectual alemão Paul Lanzky, que lera Assim falou Zaratustra e escrevera um artigo, publicado em um jornal de Leipzig e na Revista Européia de Florença.

116

Page 117: Vida e Obra de Filosofos

Certa vez, Lanzky se dirigiu a Nietzsche tratando-o de "mestre" e Nietzsche lhe respondeu: "Sois o primeiro que me trata dessa maneira".

Depois de 1888, Nietzsche passou a escrever cartas estranhas. Um ano mais tarde, em Turim, enfrentou o auge da crise; escrevia cartas ora assinando "Dioniso", ora "o Crucificado" e acabou sendo internado em Basiléia, onde foi diagnosticada uma "paralisia progressiva". Provavelmente de origem sifilítica, a moléstia progrediu lentamente até a apatia e a agonia. Nietzsche faleceu em Weimar, a 25 de agosto de 1900.

O Dionisíaco e o Socrático

Nietzsche enriqueceu a filosofia moderna com meios de expressão: o aforismo e o poema. Isso trouxe como consequência uma nova concepção da filosofia e do filósofo: não se trata mais de procurar o ideal de um conhecimento verdadeiro, mas sim de interpretar e avaliar. A interpretação procuraria fixar o sentido de um fenômeno, sempre parcial e fragmentário; a avaliação tentaria determinar o valor hierárquico desses sentidos, totalizando os fragmentos, sem, no entanto, atenuar ou suprimir a pluralidade. Assim, o aforismo nietzschiano é, simultaneamente, a arte de interpretar e a coisa a ser interpretada, e o poema constitui a arte de avaliar e a própria coisa a ser avaliada. O intérprete seria uma espécie de fisiologista e de médico, aquele que considera os fenômenos como sintomas e fala por aforismos; o avaliador seria o artista que considera e cria perspectivas, falando pelo poema. Reunindo as duas capacidades, o filósofo do futuro deveria ser artista e médico-legislador, ao mesmo tempo.

Para Nietzsche, um tipo de filósofo encontra-se entre os pré-socráticos, nos quais existe unidade entre o pensamento e a vida, esta "estimulando" o pensamento, e o pensamento "afirmando" a vida. Mas o desenvolvimento da filosofia teria trazido consigo a progressiva degeneração dessa característica, e, em lugar de uma vida ativa e de um pensamento afirmativo, a filosofia ter-se-ia proposto como tarefa "julgar a vida", opondo a ela valores pretensamente superiores, mediando-a por eles, impondo-lhes limites, condenando-a. Em lugar do filósofo-legislador, isto é, crítico de todos os valores estabelecidos e criador de novos, surgiu o filósofo metafísico. Essa degeneração, afirma Nietzsche, apareceu claramente com Sócrates, quando se estabeleceu a distinção entre dois mundos, pela oposição entre essencial e aparente, verdadeiro e falso, inteligível e sensível. Sócrates "inventou" a metafísica, diz Nietzsche, fazendo da vida aquilo que deve ser julgado, medido, limitado, em nome de valores "superiores" como o Divino, o Verdadeiro, o Belo, o Bem. Com Sócrates, teria surgido um tipo de filósofo voluntário e sutilmente "submisso", inaugurando a época da razão e do homem teórico, que se opôs ao sentido místico de toda a tradição da época da tragédia.

Para Nietzsche, a grande tragédia grega apresenta como característica o saber místico da unidade da vida e da morte e, nesse sentido, constitui uma "chave" que abre o caminho essencial do mundo. Mas Sócrates interpretou a arte trágica como algo irracional, algo que apresenta efeitos sem causas e causas sem efeitos, tudo de maneira tão confusa que deveria ser ignorada. Por isso Sócrates colocou a tragédia na categoria das artes aduladoras que representam o agradável e não o útil e pedia a seus discípulos que se abstivessem dessas emoções "indignas de filósofos". Segundo Sócrates, a arte da tragédia desvia o homem do caminho da verdade: "uma obra só é bela se obedecer à razão", formula que, segundo Nietzsche, corresponde ao aforismo "só o homem que concebe o bem é virtuoso". Esse bem ideal concebido por Sócrates existiria em um mundo suprassensível, no "verdadeiro mundo", inacessível ao conhecimento

117

Page 118: Vida e Obra de Filosofos

dos sentidos, os quais só revelariam o aparente e irreal. Com tal concepção, criou-se, segundo Nietzsche, uma verdadeira oposição dialética entre Sócrates e Dioniso: "enquanto em todos os homens produtivos o instinto é uma força afirmativa e criadora, e a consciência uma força crítica e negativa, em Sócrates o instinto torna-se crítico e a consciência criadora". Assim, Sócrates, o "homem teórico", foi o único verdadeiro contrário do homem trágico e com ele teve início uma verdadeira mutação no entendimento do Ser. Com ele, o homem se afastou cada vez mais desse conhecimento, na medida em que abandonou o fenômeno do trágico, verdadeira natureza da realidade, segundo Nietzsche. Perdendo-se a sabedoria instintiva da arte trágica, restou a Sócrates apenas um aspecto da vida do espírito, o aspecto lógico-racional; faltou-lhe a visão mística, possuído que foi pelo instinto irrefreado de tudo transformar em pensamento abstrato, lógico, racional. Penetrar a própria razão das coisas, distinguindo o verdadeiro do aparente e do erro era, para Sócrates, a única atividade digna do homem. Para Nietzsche, porém, esse tipo de conhecimento não tarda a encontrar seus limites: "esta sublime ilusão metafísica de um pensamento puramente racional associa-se ao conhecimento como um instinto e o conduz incessantemente a seus limites onde este se transforma em arte".

Por essa razão, Nietzsche combateu a metafísica, retirando do mundo suprassensível todo e qualquer valor eficiente, e entendendo as ideias não mais como "verdades" ou "falsidades", mas como "sinais". A única existência, para Nietzsche, é a aparência e seu reverso não é mais o Ser; o homem está destinado à multiplicidade, e a única coisa permitida é sua interpretação.

O Voo da Águia, a Ascensão da Montanha

A crítica nietzschiana à metafísica tem um sentido ontológico e um sentido moral: o combate à teoria das ideias socrático-platônicas é, ao mesmo tempo, uma luta acirrada contra o cristianismo.

Segundo Nietzsche, o cristianismo concebe o mundo terrestre como um vale de lágrimas, em oposição ao mundo da felicidade eterna do além. Essa concepção constitui uma metafísica que, à luz das ideias do outro mundo, autêntico e verdadeiro, entende o terrestre, o sensível, o corpo, como o provisório, o inautêntico e o aparente. Trata-se, portanto, diz Nietzsche, de "um platonismo para o povo", de uma vulgarização da metafísica, que é preciso desmistificar. O cristianismo, continua Nietzsche, é a forma acabada da perversão dos instintos que caracteriza o platonismo, repousando em dogmas e crenças que permitem à consciência fraca e escava escapar à vida, à dor e à luta, e impondo a resignação e a renúncia como virtudes. São os escravos e os vencidos da vida que inventaram o além para compensar a miséria; inventaram falsos valores para se consolar da impossibilidade de participação nos valores dos senhores e dos fortes; forjaram o mito da salvação da alma porque não possuíam o corpo; criaram a ficção do pecado porque não podiam participar das alegrias terrestres e da plena satisfação dos instintos da vida. "Este ódio de tudo que é humano", diz Nietzsche, "de tudo que é 'animal' e mais ainda de tudo que é 'matéria', este temor dos sentidos... este horror da felicidade e da beleza; este desejo de fugir de tudo que é aparência, mudança, dever, morte, esforço, desejo mesmo, tudo isso significa... vontade de aniquilamento, hostilidade à vida, recusa em se admitir as condições fundamentais da própria vida".

Nietzsche propôs a si mesmo a tarefa de recuperar a vida e transmutar todos os valores do cristianismo: "munido de uma tocha cuja luz não treme, levo uma claridade intensa aos subterrâneos do ideal". A imagem da tocha simboliza, no pensamento de Nietzsche, o método

118

Page 119: Vida e Obra de Filosofos

filológico, por ele concebido como um método crítico e que se constitui no nível da patologia, pois procura "fazer falar aquilo que gostaria de permanecer mudo". Nietzsche traz à tona, por exemplo, um significado esquecido da palavra "bom". Em latim, bonus significa também o "guerreiro", significado este que foi sepultado pelo cristianismo. Assim como esse, outros significados precisariam ser recuperados; com isso se poderia constituir uma genealogia da moral que explicaria as etapas das noções de "bem" e de "mal". Para Nietzsche essas etapas são o ressentimento ("é tua culpa se sou fraco e infeliz"); a consciência da culpa (momento em que as formas negativas se interiorizam, dizem-se culpadas e voltam-se contra si mesmas); e o ideal ascético (momento de sublimação do sofrimento e de negação da vida). A partir daqui, a vontade de potência torna-se vontade de nada e a vida transforma-se em fraqueza e mutilação, triunfando o negativo e a reação contra a ação. Quando esse niilismo triunfa, diz Nietzsche, a vontade de potência deixa de querer significar "criar" para querer dizer "dominar"; essa é a maneira como o escravo a concebe. Assim, na fórmula "tu és mau, logo eu sou bom", Nietzsche vê o triunfo da moral dos fracos que negam a vida, eu negam a "afirmação"; neles tudo é invertido: os fracos passam a se chamar fortes, a baixeza transforma-se em nobreza. A "profundidade da consciência" que busca o Bem e a Verdade, diz Nietzsche, implica resignação, hipocrisia e máscara, e o intérprete-filólogo, ao percorrer os signos para denunciá-las, deve ser um escavador dos submundos a fim de mostrar que a "profundidade da interioridade" é coisa diferente do que ela mesma pretende ser. Do ponto de vista do intérprete que desça até os bas-fonds da consciência, o Bem é a vontade do mais forte, do "guerreiro", do arauto de um apelo perpétuo à verdadeira ultrapassagem dos valores estabelecidos, do super-homem, entendida esta expressão no sentido de um ser humano que transpõe os limites do humano, é o além-do-homem. Assim, o voo da águia, a ascensão da montanha e todas as imagens de verticalidade que se encontram em Assim falou Zaratustra representam a inversão da profundidade e a descoberta de que ela não passa de um jogo de superfície.

A etimologia nietzschiana mostra que não existe um "sentido original", pois as próprias palavras não passam de interpretações, antes mesmo de serem signos, e se elas só significam porque são "interpretações essenciais". As palavras, segundo Nietzsche, sempre foram inventadas pelas classes superiores e, assim, não indicam um significado, mas impõem uma interpretação. O trabalho do etimologista, portanto, deve centralizar-se no problema de saber o que existe para ser interpretado, na medida em que tudo é máscara, interpretação, avaliação. Fazer isso é "aliviar o que vive, dançar, criar". Zaratustra, o intérprete por excelência, é como Dioniso.

Os Limites do Humano: O Além-do-Homem

Em Ecce Homo, Nietzsche assimila Zaratustra a Dioniso, concebendo o primeiro como o triunfo da afirmação da vontade de potência e o segundo como símbolo do mundo como vontade, como um deus artista, totalmente irresponsável, amoral e superior ao lógico. Por outro lado, a arte trágica é concebida por Nietzsche como oposta à decadência e enraizada na antinomia entre a vontade de potência, aberta para o futuro, e o "eterno retorno", que faz do futuro numa repetição; esta, no entanto, não significa uma volta do mesmo nem uma volta ao mesmo; o eterno retorno nietzschiano é essencialmente seletivo. Em dois momentos de Assim falou Zaratustra (Zaratustra doente e Zaratustra convalescente), o eterno retorno causa ao personagem-título, primeiramente, uma repulsa e um medo intoleráveis que desaparecem por ocasião de sua cura, pois o que o tornava doente era a ideia de que o eterno retorno estava ligado, apesar de tudo, a um ciclo, e que ele faria tudo voltar, mesmo o homem, o "homem pequeno". O grande desgosto do homem, diz Zaratustra, aí está o que me sufocou e que me

119

Page 120: Vida e Obra de Filosofos

tinha entrado na garganta e também o que me tinha profetizado o adivinho: tudo é igual. E o eterno retorno, mesmo do mais pequeno, aí está a causa de meu cansaço e de toda a existência. Dessa forma, se Zaratustra se cura é porque compreende que o eterno retorno abrange o desigual e a seleção. Para Dioniso, o sofrimento, a morte e o declínio são apenas a outra face da alegria, da ressurreição e da volta. Por isso, "os homens não têm de fugir à vida como os pessimistas", diz Nietzsche, "mas, como alegres convivas de um banquete que desejam suas taças novamente cheias, dirão à vida: uma vez mais".

Para Nietzsche, portanto, o verdadeiro oposto a Dioniso não é mais Sócrates, mas o Crucificado. Em outros termos, a verdadeira oposição é a que contrapõe, de um lado, o testemunho contra a vida e o empreendimento de vingança que consiste em negar a vida; de outro, a afirmação do devir e do múltiplo, mesmo na dilaceração dos membros dispersos de Dioniso. Com essa concepção, Nietzsche responde ao pessimismo de Schopenhauer: em lugar do desespero de uma vida para a qual tudo se tornou vão, o homem descobre no eterno retorno a plenitude de uma existência ritmada pela alternância da criação e da destruição, da alegria e do sofrimento, do bem e do mal. O eterno retorno, e apenas ele, oferece, diz Nietzsche, uma "saída fora da mentira de dois mil anos", e a transmutação dos valores traz consigo o novo homem que se situa além do próprio homem.

Esse super-homem nietzschiano não é um ser, cuja vontade "deseje dominar". Se se interpreta vontade de potência, diz Nietzsche, como desejo de dominar, faz-se dela algo dependente dos valores estabelecidos. Com isso, desconhece-se a natureza da vontade de potência como princípio plástico de todas as avaliações e como força criadora de novos valores. Vontade de potência, diz Nietzsche, significa "criar", "dar" e "avaliar".

Nesse sentido, a vontade de potência do super-homem nietzschiano o situa muito além do bem e do mal e o faz desprender-se de todos os produtos de uma cultura decadente. A moral do além-do-homem, que vive esse constante perigo e fazendo de sua vida uma permanente luta, é a moral oposta à do escravo e à do rebanho. Oposta, portanto, à moral da compaixão, da piedade, da doçura feminina e cristã.

Assim, para Nietzsche, bondade, objetividade, humildade, piedade, amor ao próximo, constituem valores inferiores, impondo-se sua substituição pela virtù dos renascentistas italianos, pelo orgulho, pelo risco, pela personalidade criadora, pelo amor ao distante. O forte é aquele em que a transmutação dos valores faz triunfar o afirmativo na vontade de potência. O negativo subsiste nela apenas como agressividade própria à afirmação, como a crítica total que acompanha a criação; assim, Zaratustra, o profeta do além-do-homem, é a pura afirmação, que leva a negação a seu último grau, fazendo dela uma ação, uma instância a serviço daquele que cria, que afirma.

Compreende-se, assim, porque Nietzsche desacredita das doutrinas igualitárias, que lhe parecem "imorais", pois impossibilitam que se pense a diferença entre os valores dos "senhores e dos escravos". Nietzsche recusa o socialismo, mas em Vontade de Potência exorta os operários a reagirem "como soldados".

Uma Filosofia Confiscada

120

Page 121: Vida e Obra de Filosofos

Apoiado na crítica nietzschiana aos valores da moral cristã, em sua teoria da vontade de potência e no seu elogio do super-homem, desenvolveu-se um pensamento nacionalista e racista, de tal forma que se passou a ver no autor de Assim Falou Zaratustra um percursor do nazismo. A principal responsável por essa deformação foi sua irmã Elisabeth, que, ao assegurar a difusão de seu pensamento, organizando o Nietzsche-Archiv, em Weimar, tentou colocá-lo a serviço do nacional-socialismo. Elisabeth, depois do suicídio do marido, que fracassara em um projeto colonial no Paraguai, reuniu arbitrariamente notas e rascunhos do irmão, fazendo publicar Vontade de Potência como a última e a mais representativa das obras de Nietzsche, retendo até 1908 Ecce Homo, escrita em 1888. Esta obra constitui uma interpretação, feita por Nietzsche, de sua própria filosofia, que não se coaduna com o nacionalismo e o racismo germânicos. Ambos foram combatidos pelo filósofo, desde sua participação na guerra franco-prussiana (1870-1871).

Por ocasião desse conflito, Nietzsche alistou-se no exército alemão, mas seu ardor patriótico logo se dissolveu, pois, para ele, a vitória da Alemanha sobre a França teria como consequência "um poder altamente perigoso para a cultura". Nessa época, aplaudia as palavras de seu colega em Basiléia, Jacob Burckhardt (1818-1897), que insistia junto a seus alunos para que não tomassem o triunfo militar e a expansão de um Estado como indício de verdadeira grandeza.

Em Para Além de Bem e Mal, Nietzsche revela o desejo de uma Europa unida para enfrentar o nacionalismo ("essa neurose") que ameaçava subverter a cultura europeia. Por outro lado, quando confiou ao "louro" a tarefa de "virilizar a Europa", Nietzsche levou até a caricatura seu desprezo pelos alemães, homens "que introduziram no lugar da cultura a loucura política e nacional... que só sabem obedecer pesadamente, disciplinados como uma cifre oculta em um número". No mesmo sentido, Nietzsche caracterizou os heróis wagnerianos como germanos que não passam de "obediência e longas pernas". E acabou rompendo definitivamente com Wagner, por causa do nacionalismo e antissemitismo do autor de Tristão e Isolda: "Wagner condescende a tudo que desprezo, até o antissemitismo".

Para compreender corretamente as ideias políticas de Nietzsche, é necessário, portanto, purificá-lo de todos os desvios posteriores que foram cometidos em seu nome. Nietzsche foi ao mesmo tempo um antidemocrático e um antitotalitário. "A democracia é a forma histórica de decadência do Estado", afirmou Nietzsche, entendendo por decadência tudo aquilo que escraviza o pensamento, sobretudo um Estado que pensa em si em lugar de pensar na cultura. Em Considerações Extemporâneas essa tese é reforçada: "estamos sofrendo as consequências das doutrinas pregadas ultimamente por todos os lados, segundo as quais o estado é o mais alto fim do homem, e, assim, não há mais elevado fim do que servi-lo. Considero tal fato não um retrocesso ao paganismo mas um retrocesso à estupidez". Por outro lado, Nietzsche não aceitava as considerações de que a origem do Estado seja o contrato ou a convenção; essas teorias seriam apenas "fantásticas"; para ele, ao contrário, o Estado tem uma origem "terrível", sendo criação da violência e da conquista e, como consequência, seus alicerces encontram-se na máxima que diz: "o poder dá o primeiro direito e não há direito que no fundo não seja arrogância, usurpação e violência".

O Estado, diz Nietzsche, está sempre interessado na formação de cidadãos obedientes e tem, portanto, tendência a impedir o desenvolvimento da cultura livre, tornando-a estática e estereotipada. Ao contrário disso, o Estado deveria ser apenas um meio para a realização da cultura e para fazer nascer o além-do-homem.

121

Page 122: Vida e Obra de Filosofos

Assim Falou Zaratustra

Em Ecce Homo, Nietzsche intitulou seus capítulos: "Por que sou tão finalista?", "Por que sou tão sábio?", "Por que sou tão inteligente?", "Por que escrevo livros tão bons?". Isso levou muitos a considerarem sua obra como anormal e desqualificada pela loucura.

Essa opinião, no entanto, revela um superficial entendimento de seu pensamento. Para entendê-lo corretamente, é necessário colocar-se dentro do próprio núcleo de sua concepção da filosofia: Nietzsche inverteu o sentido tradicional da filosofia, fazendo dela um discurso ao nível da patologia e considerando a doença "um ponto de vista" sobre a saúde e vice-versa. Para ele, nem a saúde, nem a doença são entidades; a fisiologia e a patologia são uma única coisa; as oposições entre bem e mal, verdadeiro e falso, doença e saúde são apenas jogos de superfície. Há uma continuidade, diz Nietzsche, entre a doença e a saúde e a diferença entre as duas é apenas de grau, sendo a doença um desvio interior à própria vida; assim, não há fato patológico.

A loucura não passa de uma máscara que esconde alguma coisa, esconde um saber fatal e "demasiado certo". A técnica utilizada pelas classes sacerdotais para a cura da loucura é a "meditação ascética", que consiste em enfraquecer os instintos e expulsar as paixões; com isso, a vontade de potência, a sensualidade e o livre florescimento do eu são considerados "manifestações diabólicas".

Mas, para Nietzsche, aniquilar as paixões é uma "triste loucura", cuja decifração cabe à filosofia, pois é a loucura que torna mais plano o caminho para as ideias novas, rompendo os costumes e as superstições veneradas e constituindo uma verdadeira subversão dos valores.

Para Nietzsche, os homens do passado estiveram mais próximos da ideia de que onde existe loucura há um grão de gênio e de sabedoria, alguma coisa de divino: 

"Pela loucura os maiores feitos foram espalhados pela Grécia".

Em suma, aos "filósofos além de bem e mal", aos emissários dos novos valores e da nova moral não resta outro recurso, diz Nietzsche, a não ser o de proclamar as novas leis e quebrar o jugo da moralidade, sob o travestimento da loucura. É dentro dessa perspectiva, portanto, que se deve compreender a presença da loucura na obra de Nietzsche. Sua crise final apenas marcou o momento em que a "doença" saiu de sua obra e interrompeu seu prosseguimento. As últimos cartas de Nietzsche são o testemunho desse momento extremo e, como tal, pertencem ao conjunto de sua obra e de seu pensamento. A filosofia foi, para ele, a arte de deslocar as perspectivas, da saúde à doença, e a loucura deveria cumprir a tarefa de fazer a crítica escondida da decadência dos valores e aniquilamento: 

"Na verdade, a doença pode ser útil a um homem ou a uma tarefa, ainda que para outros signifique doença... Não fui um doente nem mesmo por ocasião da maior enfermidade".

http://www.mundodosfilosofos.com.br/nietzsche.htm/#ixzz20EXwrDui

Friedrich Ludwig Gottlob Frege (*1848 +1925)

122

Page 123: Vida e Obra de Filosofos

Friedrich Ludwig Gottlob Frege (1848 —1925) foi um matemático, lógico e filósofo alemão. Trabalhando na fronteira entre a filosofia e a matemática, Frege foi o principal criador da lógica matemática moderna, sendo considerado, ao lado de Aristóteles, o maior lógico de todos os tempos.

Em 1879 publicou “Begriffsschrift”, onde, pela primeira vez, se apresentava um sistema matemático lógico no sentido moderno. Em parte incompreendido por seus contemporâneos, tanto filósofos como matemáticos, Frege prosseguiu seus estudos e publicou, em 1884, Die

Grundlagen der Arithmetik (Os Fundamentos da Aritmética), obra-prima filosófica que, no entanto, sofreu uma demolidora crítica por parte de Georg Cantor, justamente um dos matemáticos cujas ideias se aproximavam mais das suas.

Em 1903 publicou o segundo volume de Grundgesetze der Arithmetik (Leis básicas da Aritmética), em que expunha um sistema lógico no qual seu contemporâneo e admirador Bertrand Russell encontrou uma contradição, que ficou conhecida como o paradoxo de Russell. Esse episódio impactou profundamente a vida produtiva de Frege. Segundo Russell, apesar da natureza de suas descobertas marcarem época, sua obra permaneceu na obscuridade até 1903, quando o próprio filósofo e matemático inglês chamou atenção para a relevância dos escritos.

O grande contributo de Frege para a lógica matemática foi o criação de um sistema de representação simbólica (Begriffsschrift, conceitografia ou ideografia) para representar formalmente a estrutura dos enunciados lógicos e suas relações, e a contribuição para a implementação do cálculo dos predicados.

Essa parte da decomposição funcional da estrutura interna das frases (em parte substituindo a velha dicotomia sujeito-predicado, herdada da tradição lógica Aristotélica, pela oposição matemática função-argumento) e da articulação do conceito de quantificação (implícito na lógica clássica da generalidade), tornado assim possível a sua manipulação em regras de dedução formal. (As expressões "para todo o x", "existe um x", que denotam operações de quantificação sobre variáveis têm na obra de Frege uma de suas origens).

Ao contrário de Aristóteles, e mesmo de Boole, que procuravam identificar as formas válidas de argumento, e as assim chamadas "leis do pensamento", a preocupação básica de Frege era a sistematização do raciocínio matemático, ou dito de outra maneira, encontrar uma caracterização precisa do que é uma “demonstração matemática”. Frege havia notado que os matemáticos da época frequentemente cometiam erros em suas demonstrações, supondo assim que certos teoremas estavam demonstrados, quando na verdade não estavam.

Para corrigir isso, Frege procurou formalizar as regras de demonstração, iniciando com regras elementares, bem simples, sobre cuja aplicação não houvesse dúvidas. O resultado que revolucionou a lógica foi o desenvolvimento do cálculo de predicados (ou lógica de predicados)

http://desantoshumanas.blogspot.com.br/2010/09/friedrich-ludwig-gottlob-frege-1848.html

Ivan Petrovich Pavlov (*1849 +1936)

123

Page 124: Vida e Obra de Filosofos

Pavlov era filho de um sacerdote e começou a estudar Fisiologia aos 26 anos, depois de ter-se dedicado também à Teologia e às Ciências Naturais. Estudou principalmente a fisiologia da digestão e, sobretudo, realizou investigações com cães, examinando sua salivação e os sucos gástricos. Baseou seus estudos no condicionamento: fez a experiência de alimentar os cães ao som de uma música determinada; posteriormente, ao ouvirem apenas a música, suas cobaias reagiram com secreção de saliva e de sucos gástricos. A distinção entre o reflexo condicionado e o

não-condicionado tornou-se básica para a psicologia que estuda a reflexologia e a mecânica. Foi essa a direção que tomou, mais tarde, a chamada corrente "behaviorista", segundo a qual ocorre no cérebro humano uma série de reações reflexas e de comparação. Em 1904, Pavlov obteve o Prêmio Nobel de Fisiologia e de Medicina

http://educacao.uol.com.br/biografias/klick/0,5387,1826-biografia-9,00.jhtm

Sigmund Freud (*1856 +1939)

O criador da psicanálise nasceu na região da Morávia, que então fazia parte do Império Austro-Húngaro, hoje na República Checa. Sua mãe, Amália, era a terceira esposa de Jacob, um modesto comerciante. A família mudou-se para Viena em 1860. Em 1877, ele abreviou o seu nome de Sigismund Schlomo Freud para Sigmund Freud. Desde 1873, era um aluno da Faculdade de Medicina da Universidade de Viena, onde gostava de pesquisar no laboratório de Neurofisiologia.

Ao se formar, em 1882, entrou no Hospital Geral de Viena. Freud trabalhou por seis meses com o neurologista francês Jean Martin Charcot, que lhe mostrou o uso da hipnose.

Em parceria com o médico Joseph Breuer, seu principal colaborador, ele publicou em 1895 o "Estudo sobre Histeria". O livro descreve a teoria de que as emoções reprimidas levam aos sintomas da histeria, que poderiam desaparecer se o paciente conseguisse se expressar.

Insatisfeito com a hipnose, Freud desenvolveu o que é uma das bases da técnica psicanalítica: a livre associação. O paciente é convidado a falar o que lhe vem à mente para revelar memórias reprimidas causadoras de neuroses.

Em 1899, publicou "A interpretação dos sonhos", em que afirma que os sonhos são "a estrada mestra para o inconsciente", a camada mais profunda da mente humana, um mundo íntimo que se oculta no interior de cada indivíduo, comandando seu comportamento, a despeito de suas convicções conscientes.

Mesmo com dificuldades para ser reconhecido pelo meio acadêmico, Freud reuniu um grupo que deu origem, em 1908, à Sociedade Psicanalítica de Viena. Seus mais fiéis seguidores eram Karl Abraham, Sandor Ferenczi e Ernest Jones. Já Alfred Adler e Carl Jung acabaram como dissidentes.

124

Page 125: Vida e Obra de Filosofos

A perda de Jung foi muito mais dolorosa, pois Freud esperava que o discípulo, suíço e protestante, projetasse a psicanálise além do ambiente judaico. Além de discordar do papel prioritário dado por Freud ao desejo, Jung se tornou místico.

Sensibilizado pela Primeira Guerra Mundial e pela morte da filha Sophie, vítima de gripe, Freud teorizou sobre a luta constante entre a força da vida e do amor contra a morte e a destruição, simbolizados pelos deuses gregos Eros (amor) e Tanatos (morte). A sua teoria da mente ganhou forma com a publicação em 1923, de "O Ego e o Id".

Em 1936, disse considerar um avanço seus livros terem sido queimados pelos nazistas. Afinal, no passado, eram os autores que iam à fogueira. Mas a subida de Hitler ao poder ditatorial não demorou e a perseguição aos judeus se intensificou. Em 1938, já velho e com câncer, fugiu para a Inglaterra, onde morreu no ano seguinte.

Com Martha Bernays, teve seis filhos. A caçula Ana tornou-se discípula, porta-voz do pai, e uma eminente psicanalista. Atualmente, Freud continua tão polêmico quanto na época em que esteve vivo. Por um lado, é verdadeiramente idolatrado por seguidores ortodoxos da teoria psicanalítica e, aliás, em vida, Freud demonstrava uma inegável satisfação em ser reverenciado como um gênio. Por outro, é visto também como um mistificador, principalmente a partir da década de 1990, quando as descobertas da neurociência questionaram muitos dos princípios fundamentais da psicanálise.

Émile Durkheim (*1858 +1917)

Émile Durkheim nasceu em Épinal, na Lorraine no dia 15 de abril de 1858. Descendente de uma família judia. Iniciou seus estudos filosóficos na Escola Normal Superior de Paris, indo depois para Alemanha. Ainda menino decidiu não seguir o caminho dos familiares levando, pelo contrário, uma vida bastante secular. Em sua obra, por exemplo, explicava os fenômenos religiosos a partir de fatores sociais e não divinos. Tal fato não o afastou, no entanto, da comunidade judaica. Muitos de seus colaboradores, entre eles seu sobrinho Marcel Mauss

formaram um grupo que ficou conhecido como escola sociológica francesa. Entrou na École Normale Supérieure em 1879 juntamente com Jean Jaurès e Henri Bérgson. Durante estes estudos teve contatos com as obras de August Comte e Herbert Spencer que o influenciaram significativamente na tentativa de buscar a cientificidade no estudo das humanidades. Suas principais obras são: Da divisão do trabalho social, As regras do método sociológico, O suicídio, Formas elementares da vida religiosa, Educação e sociologia, Sociologia e filosofia.

Morreu em Paris em 15 de novembro de 1917 e encontra-se sepultado no Cemitério do Montparnasse na capital francesa

125

Page 126: Vida e Obra de Filosofos

Pensamento

Durkheim formou-se em Filosofia, porém sua obra inteira é dedicada à Sociologia. Seu principal trabalho é na reflexão e no reconhecimento da existência de uma "Consciência Coletiva". Ele parte do princípio que o homem seria apenas um animal selvagem que só se tornou Humano porque se tornou sociável, ou seja, foi capaz de aprender hábitos e costumes característicos de seu grupo social para poder conviver no meio deste.

A este processo de aprendizagem, Durkheim chamou de "Socialização", a consciência coletiva seria então formada durante a nossa socialização e seria composta por tudo aquilo que habita nossas mentes e que serve para nos orientar como devemos ser, sentir e nos comportar. E esse "tudo" ele chamou de "Fatos Sociais", e disse que esses eram os verdadeiros objetos de estudo da Sociologia.

Nem tudo que uma pessoa faz é um fato social, para ser um fato social tem de atender a três características: generalidade, exterioridade e coercitividade. Isto é, o que as pessoas sentem, pensam ou fazem independente de suas vontades individuais, é um comportamento estabelecido pela sociedade. Não é algo que seja imposto especificamente a alguém, é algo que já estava lá antes e que continua depois e que não dá margem a escolhas.

O mérito de Durkheim aumenta ainda mais quando publica seu livro "As regras do método sociológico", onde define uma metodologia de estudo, que embora sendo em boa parte extraída das ciências naturais, dá seriedade à nova ciência. Era necessário revelar as leis que regem o comportamento social, ou seja, o que comanda os fatos sociais.

Em seus estudos, os quais serviram de pontos expiatórios para os inícios de debates contra Gabriel Tarde (o que perdurou praticamente até o fim de sua carreira), ele concluiu que os fatos sociais atingem toda a sociedade, o que só é possível se admitirmos que a sociedade é um todo integrado. Se tudo na sociedade está interligado, qualquer alteração afeta toda a sociedade, o que quer dizer que se algo não vai bem em algum setor da sociedade, toda ela sentirá o efeito. Partindo deste raciocínio ele desenvolve dois dos seus principais conceitos: Instituição social e Anomia.

A instituição social é um mecanismo de proteção da sociedade, é o conjunto de regras e procedimentos padronizados socialmente, reconhecidos, aceitos e sancionados pela sociedade, cuja importância estratégica é manter a organização do grupo e satisfazer as necessidades dos indivíduos que dele participam. As instituições são, portanto, conservadoras por essência, quer

seja família, escola, governo, polícia ou qualquer outra, elas agem fazendo força contra as mudanças, pela manutenção da ordem.

Durkheim deixa bem claro em sua obra o quanto acredita que essas instituições são valorosas e parte em sua defesa, o que o deixou com uma certa reputação de conservador, que durante muitos anos causou antipatia a sua obra. Mas Durkheim não pode ser meramente tachado de conservador, sua defesa das instituições se baseia num ponto fundamental, o ser humano necessita se sentir seguro, protegido e respaldado. Uma sociedade sem regras claras (num conceito do próprio Durkheim, "em estado de anomia"), sem valores, sem limites leva o ser humano ao desespero. Preocupado com esse desespero, Durkheim se dedicou ao estudo da criminalidade, do suicídio e da religião. O homem que inovou construindo uma nova ciência inovava novamente se preocupando com fatores psicológicos, antes da existência da Psicologia. Seus estudos foram fundamentais para o desenvolvimento da obra de outro grande homem: Freud.

126

Page 127: Vida e Obra de Filosofos

Basta uma rápida observação do contexto histórico do século XIX, para se perceber que as instituições sociais se encontravam enfraquecidas, havia muito questionamento, valores tradicionais eram rompidos e novos surgiam, muita gente vivendo em condições miseráveis, desempregados, doentes e marginalizados. Ora, numa sociedade integrada essa gente não podia ser ignorada, porque de uma forma ou de outra, toda a sociedade sofreria as consequências. Aos problemas que observou, classificou como patologia social, e chamou aquela sociedade doente de "Anomana". A anomia era a grande inimiga da sociedade, algo que devia ser vencido, e a sociologia era o meio para isso. O papel do sociólogo seria, portanto, estudar, entender e ajudar a sociedade.

Na tentativa de "curar" a sociedade da anomia, Durkheim escreve "Da divisão do trabalho social", onde discorre sobre a necessidade de se estabelecer uma solidariedade orgânica entre os membros desta. A solução estaria em seguir o exemplo de um organismo biológico, onde cada órgão tem uma função e depende dos outros para sobreviver. Se cada membro exercer uma função específica na divisão do trabalho da sociedade, ele estará vinculado a ela através de um sistema de direitos e deveres, e também sentirá a necessidade de se manter coeso e solidário aos outros. O importante para Durkheim é que o indivíduo realmente se sinta parte de um todo, que realmente precise da sociedade de forma orgânica, interiorizada e não meramente mecânica.

http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89mile_Durkheim

Edmund Gustav Albrecht Husserl (*1859 +1938)

Vida e obras: — Edmund Husserl nasceu em Prossnitz, na Morávia (antigo império Austro-Húngaro, hoje Checoslováquia), a 8 de Abril de 1859. Descendente de família judaica, foi, contudo, educado sem instrução religiosa. Fez os estudos secundários em Olmütz e interessou-se sobretudo pela Matemática e pelas Ciências Naturais. Em 1876, começou a frequentar a universidade de Leipzig, no intuito de se dedicar a Astronomia. Como esta disciplina exigia um aprofundamento da Matemática, resolveu continuar os estudos na universidade de Berlim, onde ensinavam os mais

afamados matemáticos da época. Em 1891 é já Viena a sua cidade universitária; aqui se doutorou em Ciências Matemáticas, com a tese Contribuições para o cálculo das variações (Beiträge zur Variationsrechnung), apresentada em 1882, mas que não chegou a publicar. A seguir, foi novamente para Berlim, como assistente do matemático K. Weierstrass. A preocupação de fundamentar a Matemática levou-o a aprofundar a Filosofia, e voltou a Viena onde, durante dois anos (1884-1886), foi aluno de F. Brentano. Por esta altura, recebeu o batismo, numa igreja luterana. O contato com Brentano marcou nele uma fase nova e decisiva.

Entusiasmado pela Filosofia, resolveu dedicar-se exclusivamente a ela, mas no impulso veemente de lhe encontrar uma fundamentação, capaz de sustentar também todas as outras ciências. Por conselho de Brentano, foi para a universidade de Halle, como assistente do psicólogo Karl Stumpf, e apresentou, em 1887, o trabalho de «habilitação» (concurso), Sobre o conceito de número (Über den Begriff der Zahl). As ideias deste opúsculo desenvolveu-as,

127

Page 128: Vida e Obra de Filosofos

numa obra mais ampla, Filosofia da Aritmética (Philosophie der Arithmctik), da qual só escreveu a I parte, publicada em 1891. A partir deste momento, começou Husserl a desiludir-se da eficácia do psicologismo, que pretendia fundamentar a Lógica e a Filosofia na Psicologia Experimental, e pelo qual, até então, se deixara iludir. A ruptura com o psicologismo é marcada por uma das suas obras mais fundamentais. Investigações lógicas (Logische Untersuchungen), publicada em 2 volumes, respectivamente nos anos de 1900 e 1901 (na 2a edição, um pouco remodelaria por Husserl, cujo 1 vol. apareceu em 1913, o II vol. saiu dividido em dois). Em 1906 foi nomeado catedrático de Filosofia em Göttingen. Aqui começa uma nova fase, no desenvolvimento da sua fenomenologia, determinada por um curso dado em 1907 e publicado postumamente, em 1950, com o título: A ideia da fenomenologia (Die Idee der Phanomenologie). Esta ideia domina já um artigo, publicado cm 191 1, na revista «Logos», intitulado Filosofia como ciência de rigor (Philosophie als strenge Wissenschaft), de que possuímos uma tradução portuguesa (Filosofia como ciência de rigor, trad. de A. BEAU, Atlântida, Coimbra, 1052). Um desenvolvimento amplo é apresentado na obra mais importante: Ideias para uma fenomenologia pura e uma Filosofia fenomenológica (Ideen zu einer reinen Phänomenologie und phänomenologischen Philosophie), cujo I volume apareceu em 1913 (NA: Os dois volumes seguintes, o último dos quais foi alterado por Husserl em relação ao plano primitivo, saíram postumamente, em 1952, na série das Obras completas, «Husserliana», a cargo dos «Arquivos de Husserl em Lovaina» e editada pela livraria M. Nijhoff, de Haia.). Em 1916, foi Husserl transferido para Friburgo, na Alemanha. Aqui publicou, em 1929, uma obra importante, Lógica formal e transcendental (Formale und transzendentale Logik), em que o impulso fundamentador das Investigações lógicas é retomado num nível superior, em conformidade com o desenvolvimento da fenomenologia. A esta obra está particularmente ligada outra, publicada só postumamente, em 1939, e redigida, em grande parte, pelo seu assistente, L. Landgrebe, Experiência e juízo (Erfahrung und Urteil). Aposentado em 1928, sucedeu-lhe, na cadeira de Filosofia, M. Heidegger, seu antigo discípulo. Em 1929, deu em Paris duas célebres conferências, cujo desenvolvimento originou uma das mais conhecidas obras de Husserl, Meditações cartesianas (Cartesianische Meditationen), publicada primeiro em tradução francesa, em 1931, e, no original alemão, só depois da morte do autor, em 1950. Dedicou-se, em seguida, a uma nova revisão e sistematização do seu pensamento, elaborando a obra A crise das ciências europeias e a Fenomenologia transcendental (Die Krisis der Europaischen Wissenschaften und die transzendentale Phänomenologie), da qual, em vida, só publicou a I parte, em 1936; em 1954 foi editado o manuscrito na íntegra. Husserl trabalhava ainda nela quando faleceu, em Friburgo, a 26 de Abril de 1938.

O seu estilo é, em geral, difuso e implicado, através das inúmeras obras, por muitas repetições. Revela, no entanto, grande impulso de rigor e seriedade, aliado a uma notável penetração analítica. Na sua vida particular, Husserl foi crente e honesto. Sobretudo nos últimos anos, mostrou particular simpatia pela Igreja católica, na qual contudo não chegou a entrar oficialmente. Sua esposa veio depois a converter-se ao catolicismo.

2. Fim em vista: — Numa época em que Marx se impressionava sobretudo pela miséria social, Husserl, mais intelectualista, ficou admirado perante a miséria intelectual, manifestada pela diversidade de opiniões, em especial no campo da Filosofia. O seu grande ideal foi o da fundamentação radical de todas as ciências para o quê se impunha, em primeiro lugar, estabelecer um fundamento capaz de elevar a Filosofia à dignidade de «ciência no sentido rigoroso». O impulso é de inspiração nitidamente cartesiana, como reconhece o próprio Husserl; mas o modo de realização pretende efetuá-lo com maior radicalismo, para que o triunfo fique garantido: «Desenvolveremos as nossas meditações dum modo cartesiano, como filósofos que

128

Page 129: Vida e Obra de Filosofos

principiam pelos fundamentos mais radicais; procederemos, naturalmente, com uma prudência muito mais crítica e prontos a introduzir qualquer modificação no antigo cartesianismo. Teremos também que esclarecer e evitar certos erros aliciantes em que caíram Descartes e os seus continuadores» (NA: Cart. Medit., «Hitsserliana» I, Haia, 1950, 2, p. 48.).

3. Características da verdadeira fundamentação: Podemos compendiá-las nas exigências seguintes:

1) Deve ser «a priori», isto é, independente da experiência, uma vez que a Filosofia, que se pretende fundamentar, é uma ciência teorética e absoluta que prescinde da experiência, ou dos fatos, sempre contingentes. Este caráter «a priori» tem de ser ainda mais radical do que õ «ego cogito de Descartes. Veremos, no decurso do desenvolvimento, o grau de depuração a que Husserl pretendeu elevá-lo.

2) Esta aprioridade implica, desde já, uma plena ausência de pressupostos. Temos que proceder com inteira liberdade, sem nos deixarmos influenciar por qualquer opinião dominante, quer cientifica, quer filosófica, para nos orientarmos exclusivamente pelas coisas: «Não é das filosofias que deve partir o impulso da investigação, mas sim das coisas e dos problemas» (Fil. como ciência de rigor, p. 72). O apelo às «coisas», pelas quais temos que nos orientar exclusivamente, é um dos pontos em que Husserl mais insiste, e há de determinar o radicalismo absoluto a que chegou.

3) Finalmente, o fundamento radical tem que ser evidente por si mesmo: «É patente que eu, em consequência de ser um filósofo que pretende começar pelos fundamentos, ... não posso admitir ou ter como válido nenhum juízo se o não haurir da evidência» (Cart. Medit., § 5, p. 55.). Esta evidência não pode ser qualquer: Não basta que exclua praticamente a dúvida; tem de a excluir dum modo absoluto, ou seja, deve ser uma «evidência apodítica». Tal evidência é, ao mesmo tempo, autojustificativa, como se exige num fundamento sem fundamento, pois possui um caráter imediato e plenamente reflexo. Este caráter, que domina todo o impulso fundamentador de Husserl, é designada por uma palavra de difícil tradução, Selbstbesinnung, que é urna «autorreflexão» radical, plenamente esclarecedora do «sentido» (Sinn) da coisa.

4. Psicologismo e anti-psicologismo: — As ciências experimentais atingiram, na última metade do século XIX, um apogeu que provocou entusiasmo geral. Entre elas, começou a atrair a atenção a Psicologia Experimental que, devido ao seu método de reflexão introspectiva, naturalmente se propunha também à particular consideração dos que se dedicavam à Filosofia. O próprio Brentano, professor de Husserl, desenvolvia o seu pensamento profundamente influenciado pela Psicologia Experimental. Husserl, com muitos outros pensadores da época, começou a ver nela o fundamento radical da Matemática, da Lógica, da Filosofia e de todas as ciências. Foi nesta orientação que escreveu a Filosofia da Aritmética: «Partira da convicção dominante de que tanto a Lógica em geral, como a Lógica das ciências dedutivas deveriam esperar a sua clarificação filosófica da Psicologia» (Log. Unters., I, prol., Halle, 1922, p. VI). Com efeito, qualquer ciência, mesmo puramente teorética, implica sempre uma atividade psíquica, de que se ocupa precisamente a Psicologia.

Mas, já enquanto escrevia a Filosofia da Aritmética, notou Husserl que uma ciência experimental nunca poderia satisfazer às condições teoréticas duma fundamentação radical. O I volume das Investigações lógicas ê uma crítica cerrada do psicologismo e exerceu, no ambiente

129

Page 130: Vida e Obra de Filosofos

filosófico da época, um influxo decisivo. Husserl chama a atenção para a diversidade entre «ato» e «conteúdo do ato», descurada pelos psicologistas: Não pode haver um «conteúdo do ato» sem um «ato»; daqui porém não se segue que as leis de um sejam as leis do outro. Para que a Psicologia Experimental fosse a ciência absolutamente fundamentadora, teríamos que reger o «conteúdo», que encerra o elemento ideal ou teorético, pelas leis que regulam o «ato». Neste caso, a verdade, que se refere ao «conteúdo», ficaria dependente do processo psicológico, que se refere ao «ato», e seríamos inevitavelmente levados a um puro subjetivismo e relativismo da verdade. Ora esta é, por sua natureza, objetiva e absoluta.

Husserl continua a sua argumentação afirmando que se dá precisamente o contrário: As ciências práticas e empíricas é que dependem das teoréticas ou racionais, e não vice-versa. O «ato» depende pois das leis do «conteúdo», como o funcionamento duma máquina de calcular tem de estar em conformidade com as leis fundamentais da matemática, embora a sua estrutura, e portanto as leis mecânicas que regulam o seu funcionamento, devam variar com os diferentes modelos de máquina. A conclusão inevitável é esta! A ciência radicalmente fundamentadora só pode estar do lado do «conteúdo», isto é, tem de ser independente da experiência e de caráter puramente teorético ou racional.

A ciência racional por excelência é a Lógica (lagos significa «razão»). É portanto no âmbito da Lógica que reside o último fundamento. Ê apenas neste sentido que Husserl se pode dizer um «logicista». A Lógica absolutamente fundamentadora não é porém uma Lógica meramente normativa ou regulativa da retidão do pensamento. Tal função, segundo Husserl, nem é especificamente determinativa da Lógica como tal, embora lhe pertença também. A «Lógica da contradição» postula uma «Lógica da verdade», mais profunda e radical. É no domínio desta última que se manifesta o impulso reflexo de evidenciação que nos põe em contato com as «coisas», de modo que aquilo que se vê não possa ser de outra maneira. Este impulso lógico equivale à Selbstbesinnung de que já falamos; será cada vez mais racionalizado, ou radicalizado, à medida que Husserl, na sua evolução filosófica, for depurando também as exigências de fundamentação que o levaram ao estabelecimento da fenomenologia.

5. Evidência apodítica: — A depuração do impulso fundamentador de Husserl foi orientada pela busca das «evidências apodíticas». Por isso, torna-se imprescindível referirmo-nos a este assunto, dum modo mais pormenorizado.

l) Noção de evidência: lista noção está relacionada com os conceitos de «intenção» e «intuição». Existe apenas uma «intenção significativa» (Bedeutungsintention), quando «significamos intencionalmente» (meinen) o objeto, sem considerar ainda a sua presença, por exemplo, se temos só em conta o conteúdo significativo de um prado. Esta «intenção» pode ser preenchida pela presença do objeto, por exemplo, se nos colocamos diante do prado; neste caso temos uma «intuição». A intuição é portanto o preenchimento duma intenção. A evidência é a consciência da intuição. Mas como «evidência» e «intuição» mutuamente se implicam, Husserl usa, na prática, indiferentemente as duas palavras.

2) Espécies de evidência: — Husserl diversifica fundamentalmente a evidência não a partir do sujeito, mas do objeto. Os objetos podem ser sensíveis, categoriais e universais; temos assim três modos fundamentais de evidência.

O «objeto sensível» é uma singularidade empírica, por exemplo, o prado que está diante de mim, e determina a intuição sensível.

130

Page 131: Vida e Obra de Filosofos

O «objeto categorial» é, primariamente, aquilo que se afirma (kategoréo significa «afirmar»). Corresponde, portanto, ao conteúdo do juízo. Por exemplo, na afirmação: «o prado está florido», o objeto categorial é «o fato de o prado estar florido». Por certa extensão, consideram-se também como «categoriais» os objetos que admitem qualquer aspecto suprassensível ou ideal. Os «objetos categoriais» determinam a intuição categorial, típica na filosofia de Husserl e pela qual se supera claramente a tendência empirista que reduzia todos os nossos conhecimentos a imagens.

Finalmente, os «objetos universais», também denominados «essências» (Wesen) e «eidos» (eidos), correspondem aos vulgarmente chamados «conceitos universais» que se verificam invariavelmente em diferentes indivíduos. Tais objetos determinam a intuição eidética, ou ideação. Como aqui se intromete certo aspecto metempírico, a «ideação» é também sempre uma «intuição categorial», no sentido mais lato, a que nos referimos.

Qualquer destes objetos pode ainda ser apreendido dum modo imediato, ou seja, com a presença do objeto por si mesmo, ou «na sua mesma corporeidade» (leibhaft), — e de um modo indireto, isto é, por meio de uma imagem ou recordação. Só no primeiro caso temos uma «intuição originária», chamada também «percepção» (Wahrnehnumg) no sentido estrito. Este pormenor reveste importância peculiar na filosofia de Husserl, pois é claro que a evidência primordial e radicalmente fundamentadora tem de ser uma «percepção».

3) Graus de evidência: — Nas suas diferentes modalidades especificativas, a evidência pode ainda ser mais ou menos perfeita. Admite portanto graus que Husserl não deixou de esclarecer, para se orientar, no seu impulso fundamentador, pelo mais perfeito de todos.

Sendo a intuição o preenchimento da intenção, será mais ou menos perfeitamente evidente, segundo a plenitude do preenchimento. Assim, quando uma esfera está presente, o objeto pensado intencionalmente é a «esfera». Mas nem todos os elementos desta intenção se encontram preenchidos, pois não podemos observar mais que a metade exterior da esfera. Isto acontece com todos os objetos externos: «As partes do reverso invisível, do interior, etc., estio, sem dúvida, significadas, dum modo mais ou menos determinado, pois estão simbolicamente indicadas através do que aparece primariamente, mas elas mesmas não pertencem ao conteúdo intuitivo (perceptivo ou imaginativo) da percepção» (Ib., III, Halle, 1921, 5 14, p. 56). O objeto pode atingir-se também dum modo mais ou menos claro, conforme a distância, luminosidade, etc. Dum modo geral, a riqueza do preenchimento varia segundo há mais ou menos elementos meramente imaginativos a suprir o aparecimento imediato do objeto ou de qualquer aspecto dele. O supremo grau de intuição só se verificaria na plena adequação entre intencionado e intuído; teríamos então, no sentido perfeitamente rigoroso, uma evidência apodítica. Husserl reconhece que esta adequação plena é um estado-limite que de fato nunca se atinge. Mas o filósofo deve procurar, pelo menos, conseguir aquela adequação que lhe mostre, como absolutamente excluída, a possibilidade do contraditório daquilo de que tem evidência. Só deste modo se atingirá um fundamento que não poderá deixar de ser considerado como primordial.

A grande preocupação de Husserl, sempre insatisfeito na ânsia duma evidência cada vez mais plena, será levar-nos a uma atitude em que a adequação de que se falou seja o mais plena possível, para que se comece por um fundamento de consistência insofismável. Tal é a razão da sua fenomenologia.

131

Page 132: Vida e Obra de Filosofos

6. Noção geral de fenomenologia:  A palavra «fenômeno» (aquilo que aparece; pháinomai significa «aparecer», «brilhar») foi usada na linguagem filosófica já desde Platão e Aristóteles. No decurso da História da Filosofia adquiriu um sentido cada vez mais subjetivo. Em Husserl, desliga-se inteiramente da relação a qualquer objeto exterior à consciência, para se referir ao puro objeto imanente enquanto aparece na consciência.

A palavra «fenomenologia» c de formação mais recente. Parece ter sido usada, pela primeira vez, só cm 176,1, por Lambert que tratou da «fenomenologia, ou doutrina da aparência» (Phänomenologie, oder Lehre des Scheins) (A. LALANDE, Vocabulaire de la Philo., Paris, 1951, pp. 768-769). Foi depois usada por Kant, e sobretudo por Hegel, mas sempre num sentido diferente daquele que lhe deu Husserl. Como indica a terminação, derivada da palavra lógos (descrição, razão), a «fenomenologia» descreve, ou dá a razão íntima do fenômeno. Em Husserl, adquiriu um sentido peculiar, que a seguir determinaremos, correspondente à sua característica noção de «fenômeno». A fenomenologia husserliana pretende pôr-nos em contato com esses «fenômenos», que são as «coisas» enquanto imediatamente conscientes, e levar-nos portanto à evidência primordial, como se exige numa ciência absolutamente fundamentadora, Para Husserl, «a fenomenologia é também e principalmente um método e uma atitude (Denkhaltung): a atitude especificamente filosófica, o método especificamente filosófico» (Idee der Phän., «Husserlinnn» II, Haia, 1950, p. 23). Temos assim naturalmente indicadas duas partes: A primeira refere-se à elaboração da fenomenologia que determina a «atitude filosófica»; a segunda esclarecerá o caráter metodológico da fenomenologia.

7. A elaboração da fenomenologia:  Através duma depuração rigorosa de tudo o que não oferecer as garantias suficientes duma evidência apodítica, Husserl leva-nos ao «objeto» enquanto meramente consciente, acerca do qual não poderá existir dúvida alguma. Este objeto é o «fenômeno puro», constituído na consciência pura intersubjetiva. Sigamo-lo, resumidamente, nesta elevação.

1) Epoché (èpoché) e redução: Espontaneamente vivemos na «atitude natural» (natürliche Einstellung), em que consideramos as coisas como exteriores, e portanto o mundo como existente em si, independentemente da consciência. Ora estas coisas do mundo nunca se apresentam com evidência apodítica: É sempre através dum complexo sucessivo de aparências ou «perspectivas» (Abschattungen) que chegamos à conclusão da existência das coisas exteriores. Dá-se, sem dúvida, uma admirável convergência dessas «perspectivas» que nos leva a acreditar na existência exterior e a tê-la, praticamente como certa. Mas o filósofo não pode contentar-se com certezas práticas; busca certezas absolutas, garantidas por uma «evidencia apodítica». Ora, quem nos garante apoliticamente a existência exterior das coisas, uma vez que estas se atingem sempre dum modo inadequado? Quantas vezes nos vemos na necessidade de corrigir aquilo que, à base de experiências anteriores, considerávamos como certo!

Há qualquer coisa mais evidente do que o objeto exterior: É a própria consciência do objeto exterior. Esta impõe-se apoliticamente: é certa ainda mesmo que tal objeto não exista, ainda mesmo na hipótese de Deus aniquilar tudo o que é exterior. Portanto, o começo absoluto tem que estar no objeto enquanto consciente. Em relação às coisas enquanto existentes exteriormente, o filósofo deve «suspender» o seu juízo.

Tal «suspensão» designou-a Husserl pela equivalente palavra grega, «epoché» (èpoché). Os antigos pirrônicos usaram-na também corno fundamento do cepticismo que defenderam. Husserl, porém, de modo nenhum quer aderir ao cepticismo. Não pretende duvidar de nada.

132

Page 133: Vida e Obra de Filosofos

Praticando a «epoché», não se põe em questão o mundo exterior, mas apenas se «reduz» à consciência, para assim ser possível começar por aquilo que é insofismável. Nada se perde; «apenas se trata duma modificação: permanecendo [a tese do mundo] em si mesma o que é, colocamo-la, no entanto, 'fora de ação', 'fora de circuito', 'entre parênteses' » (Ideen 1, «Husserlinna» III. Haia, 1950, § 51, p. 65).

Temos assim, por um lado, a realidade transcendente que corresponde às coisas enquanto existentes fora ou para além da consciência; por outro lado, a realidade transcendental que se aplica às «coisas», enquanto reduzidas à consciência. Ambos os mundos são reais (wirklich), porque nenhum deles é ilusório. O primeiro é porém real (real) num sentido «natural», ou meramente prático, que não interessa ao filósofo; o segundo é «real» (reell) num sentido primordial e apodítico.

2) Redução psicológica e redução transcendental: — A «redução» à consciência operou-a Husserl através duma série de «epochés» cada vez mais radicais, na qual podemos distinguir duas fases fundamentais.

Temos, primeiramente, uma redução psicológica pela qual «suspendemos» o juízo relativamente à existência de tudo o que é exterior ao sujeito: Coisas e pessoas, seres materiais e imateriais, sem excluir o próprio Deus. Fica apenas em consideração o próprio sujeito cognoscente com os seus atos conscientes. Até aqui, segundo opinião do mesmo Husserl, chegara também Descartes que, praticando a «dúvida metódica», atingiu o ego cogito, o sujeito na sua atualidade pensante. É preciso, porém, ser mais radical.

Husserl exige, por isso, uma redução transcendental. Na «redução psicológica» não se põe ainda «entre parênteses» a existência «natural» ou «mundana» do eu nem dos seus atos, ou «vivências» (Erlebnis) que conservam um caráter psicológico. Precisamos de atingir a «consciência transcendental», a «consciência pura», pondo «entre parênteses», ou praticando a «epoché» relativamente a essas existências psicológicas: A fenomenologia «põe fora de circuito á realidade da natureza, mesmo a realidade do céu e da terra, dos homens e dos animais, do próprio eu e do eu alheio, mas retém, por assim dizer, a alma, o sentido de tudo isso» (Ms. F I 17, Idee der Phän. und ihre Methode (curso dado cm Göttingen em 1909), pp. 75.76.).

Na «consciência puta» ou «transcendental», à que nos elevamos por esta «redução transcendental», as vivências perdem inteiramente o seu caráter psicológico e existencial para conservarem apenas a relação pura do sujeito plenamente purificado ao objetivo enquanto consciente, que é o objeto meramente significado. O «eu», assim depurado, adquire um novo estado, caraterístico do filósofo que pretende começar pelo que há de mais primordial. Este estado é designado como ((atitude fenomenológica», ou «transcendental», em oposição à «atitude natural». O «eu puro» apresenta-se nela como um «expectador desinteressado», ou «imparcial», apto a apreender, sem perigo de erro, todo o que se lhe apresentar como «fenômeno» da consciência.

Descartes chegara ao ego cogito, mas não entrara nele, porque não operou a «redução transcendental». Por isso, teve que deduzir tudo o mais a partir da realidade natural do eu. Husserl explorará as riquezas insondáveis deste «eu puro», só inteligível na explicitação do seu conteúdo interno. O fundamento inicial será portanto não apenas o ego cogito, mas o ego cogito cogitatum.

133

Page 134: Vida e Obra de Filosofos

3) Objeto intencional: — O processo caracteristicamente descritivo da fenomenologia aplica-o Husserl a uma investigação analítica da «consciência pura», na qual e pela qual se «constitui» o objeto enquanto pensado, que é o «fenômeno puro», no sentido plenamente rigoroso. Esta «constituição» é um complemento necessariamente implicado na «redução transcendental»: «A fenomenologia transcendental é fenomenologia da consciência constituinte (Ms. B II 1, p. 25a, cit. por W. BIEMEL, Hasserls Encycl.-Britanica Artikel, em "Tijdschrift voor Philosophie», Lovaina, 12 (1950) 263).

Como fundo, ou elementos primordiais, nesta «constituição» e designação do objeto, temos os «elementos materiais», ou «hiléticos» (hylé significa «matéria»), que correspondem aos «dados sensíveis», e são, por exemplo, a cor e a dureza. Estes apresentam-se numa sequência temporal e segundo diferentes «perspectivas». O tempo exerce portanto uma primeira síntese unificadora. Mas esta unificação só pode efetuar-se mediante um novo elemento unificante da própria dispersão temporal. Tal elemento é o «eu puro». Husserl não viu, logo de início, a exigência desta identidade subjetiva. Na primeira edição das Investigações lógicas julgava ainda poder prescindir dela. Depois, mudou decididamente esta opinião que corrigiu também na segunda edição da obra citada. Tornou-se mesmo um defensor intransigente do «eu puro» come sujeito idêntico. Sem este elemento, a sua fenomenologia teria, sem dúvida, adquirido um sentido e desenvolvimento essencialmente diverso. O «eu puro» é intemporal através da temporalidade e, por isso, identicamente pressente a cada momento do fluxo de consciência que assim se unifica num «presente vivo», no qual e pelo qual se manifesta a identidade do objeto.

Em ordem a esta manifestação, requer-se ainda um «elemento formal» que confira à consciência precisamente o sentido do objeto. Esse elemento é a «intencionalidade», conceito que Husserl tomou de Brentano e este da Filosofia Escolástica. Husserl dá-lhe porem uma modalidade característica, restringindo-o no âmbito da «consciência transcendental».

A «intencionalidade» parte do «eu» e invade temporalmente os «dados materiais», em ordem à designação do objeto enquanto meramente consciente, ou significado. Informando os «dados materiais», dá origem, em união com eles, à vivência subjetivamente considerada a que Husserl chama «nóesis» (nóesis; noéo significa «compreender», «ter um sentido»). A «nóesis» é o elemento «real» (reell) da vivência. Informando os «dados materiais», projeta-os também, em ordem à designação do objeto, e origina a vivência objetivamente orientada, a que Husserl chama «nóema» (nóema). O «nóema» é o elemento «irreal» (irreell), ou «intencional» da vivência. Não é, porém, ainda o «objeto intencional»; encerra apenas o sentido dele: «Cada nóema tem um 'conteúdo', ou seja, o seu 'sentido', através do qual se relaciona com o 'seu' objeto» (Ideen I, 5 § 129, p. 516).

No «nóema» há também elementos que acompanham apenas os especificamente designativos, por exemplo, o fato de um objeto ser imaginado ou recordado, e mesmo a «crença» espontânea da sua existência exterior: São os chamados «caracteres noemáticos».Os elementos especificamente designativos formam uma parte central do «nóema»,— o «núcleo noemático»; ou «sentido objetivo»; é neles, e por eles que o objeto se encontra significado como objeto consciente. Este núcleo varia continuamente através da sucessão temporal e das diferentes «perspectivas», e pode, apesar de tudo, designar o mesmo objeto. O «objeto intencional» está, portanto, no prolongamento do «sentido objetivo» e, por isso, transcende, em certo modo, a vivência, num polo oposto ao «eu puro». Esta «transcendência» efetua-se, porém, na imanência. O «objeto intencional» difere portanto do objeto existente em si, exteriormente à consciência. De «evidência apodítica» é só a consciência do objeto, que brota da apreensão

134

Page 135: Vida e Obra de Filosofos

imediata do «sentido noemático». A existência exterior do objeto foi precisamente o que se pôs «entre parênteses»; não se duvida dela, mas também não se considera filosòficamente.

Husserl chegou assim, como ele mesmo se exprime, a um «idealismo» transcendental fenomenológico». Este «idealismo» mantém-se, contudo, apenas na «atitude transcendental». Na «atitude natural», a realidade é concebida como existente em si, independentemente da consciência: «É evidente que o mundo é o que é, em si e por si, quer vivamos ou morramos, quer conheçamos ou não» (Kant und die Idee de Transzendentalphän., «Husserliana» VII, Haia, 1956. p. 245.). Mesmo na «atitude transcendental», «o idealismo fenomenológico não nega a verdadeira existência do mundo real» (Nachwort, «Husserliana» V, Haia, 1952, p. 152). Não se trata portanto de um idealismo real, à maneira de Berkeley, como se o mundo exterior ficasse reduzido a uma «ilusão subjetiva». É antes um idealismo metódico: «Por uma razão de método... tomamos como norma a redução fenomenológica» (Ideen I, § 64, p. 152). A realidade exterior apenas deixa de se ter em conta e considera-se a sua mera significação imanente, para não ultrapassar os limites do que se impõe com «evidência apodítica». Podemos dizer que se trata antes duma idealização, pois se considera o aspecto meramente ideal da realidade conhecida. E este aspecto coincide com o «objeto intencional» da fenomenologia de Husserl.

4) Intersubjetividade — Atingida esta depuração «transcendental», um problema inquietou ainda o espírito insatisfeito de Husserl: Oferece a «evidência apodítica», determinada pela presença do «objeto intencional», uma garantia absoluta. Por outras palavras: Porque motivo essa evidência fundamental é válida não só para um indivíduo que conhece, mas para qualquer sujeito cognoscente? Só neste último caso adquire uma validez absoluta, e portanto objetiva, no sentido mais rigoroso. Um conhecimento objetivo tem de ser inevitavelmente intersubjetivo. Deste modo, Husserl viu-se na necessidade de tratar da questão do «outro-eu» e da constituição do objeto para uma pluralidade de sujeitos.

Quando a objetividade se fundamenta pela relação a um objeto exteriormente imposto, basta provar esta imposição como necessária, independentemente das condições individuais do sujeito, para garantir a sua validez. Mas se o objeto se considera como meramente significado, depende, como tal, apenas da atividade do sujeito. O único modo de garantir o seu caráter absolutamente válido é esclarecer que o conhecimento dele não é, apesar de tudo, meramente subjetivo, mas necessariamente intersubjetivo. Assim fica afastada a hipótese duma anomalia individual.

Ora, segundo Husserl, graças a uma espécie de sentimento interior, ou «intropatia» (Einfühlung), constituem-se, na consciência transcendental, outros eus, como sujeitos cognoscentes, idênticos a mim mesmo. O sujeito fenomenológico eleva-se então a um grau superior, apresentando-se como um entre muitos. Atinge-se assim uma espécie de «nós transcendental», e é para esta pluralidade que o sujeito individual cognoscente apreende o objeto como válido. O «objeto intencional», constituído intersubjetivamente, é, para Husserl, o «fenômeno» no seu pleno grau de «evidência apoita». Chegou-se à clarificação máxima que nos é possível obter, onde não falta nem clareza pela visão do objeto imediatamente presente à consciência, nem objetividade pela sua validez geral para uma multidão de sujeitos, a que se confere caráter absoluto.

8. 0 caráter metodológico da fenomenologia: A atitude reflexiva a que Husserl pretendeu elevar-nos com a elaboração da sua fenomenologia, que culmina na consciência transcendental intersubjetiva, deve invadir o desenvolvimento filosófico e o de todas as ciências, para que estas

135

Page 136: Vida e Obra de Filosofos

adquiram uma consolidação insofismável. É sob este aspecto que se apresenta o caráter metodológico da fenomenologia, o qual reveste duas modalidades.

Em primeiro lugar, a fenomenologia é um método de evidenciarão, O apelo à evidência foi sempre de todos os filósofos. Mas só Husserl pretendeu fundar uma ciência destinada a colocar o filósofo numa atitude reflexiva de evidenciação, pondo «entre parênteses», dum modo radical, tudo o que não tivesse a transparência da própria presença do objeto, enquanto meramente pensado. Neste sentido, o «método fenomenológico» adquire um interesse especificamente filosófico e husserliano. A fenomenologia, assim concebida, foi designada por Husserl como «Filosofia primeira», ou ciência primordialmente fundamentadora. É o resultado imediato do esforço de Husserl, na elaboração da fenomenologia.

Em segundo lugar, a fenomenologia é um método descritivo. Uma vez atingida essa atitude reflexa, o filósofo, e o cientista em geral, só têm que contemplar e descrever aquilo que se lhes depara na consciência transcendentalmente pura. Nesta acepção, a fenomenologia é, para Husserl, uma «disciplina puramente descritiva que explora, pela intuição pura, o campo da consciência transcendentalmente pura» (Ib., § 59, p. 141).

A dedução não é inteiramente rejeitada, mas desempenha apenas um papel acessório enquanto pode contribuir para colocar o fenomenólogo na presença intuitiva do objeto. O método fenomenológico, neste segunda modalidade a que nos referimos, é, porém, de si, rigorosamente analítico. Enquanto Descartes investiga o que se conclui do cogito, Husserl pretende exclusivamente levar-nos a averiguar o que nele se inclui: «Ao contrário de Descartes, nós dedicamo-nos à exploração do campo infinito da experiência transcendental» (Cart. Medit, § 13, p. 69).

Este método descritivo apresenta-se como um complemento necessário da atitude de evidenciação, no decurso do desenvolvimento da Filosofia e das Ciências. Substituí-lo pela dedução, seria renunciar à «evidência apodítica» que, por sua mesma natureza, tem de ser imediata. Na mente de Husserl, não fecha inevitavelmente o acesso às verdades metempíricas, pois o «fenômeno» husserliano estende-se também para além do objeto meramente sensível. Mas é inegável o perigo duma restrição a este nível.

O caráter descritivo do método fenomenológico, ao contrário do método de evidenciação, não é exclusivamente filosófico, pois pode usar-se fora deste âmbito, nem tipicamente husserliano. A descrição analítico-reflexiva foi de todos os tempos, dum modo mais ou menos acentuado. Mas Husserl insistiu particularmente neste processo analítico e ninguém se lembrou, antes dele, de o elevar ao plano da «atitude transcendental».

9. Conclusão: — Com a sua fenomenologia quis Husserl estabelecer o fundamento radical da Filosofia e de todo o saber humano. Internado na «atitude fenomenológica» ou «transcendental», que é uma certa mentalidade crítico-reflexiva, deverá o filósofo, e o cultor das ciências em geral, desenvolver fenomenologicamente a Filosofia e qualquer disciplina científica. Este trabalho deixou-o Husserl à posteridade. A elaboração da fenomenologia é já, sem dúvida, uma Filosofia, mas não é, evidentemente, toda a Filosofia. A Lógica conseguiu Husserl interná-la no próprio impulso fundamentador, de tal maneira que ((Lógica pura» e «fenomenologia pura» vieram, praticamente, a identificar-se. A Ética foi uma disciplina filosófica que o preocupou já antes de escrever as Investigações lógicas e sobre a qual deu, pelo menos, 16 cursos, entre 1891 e 1924. Contudo, nas suas obras publicadas refere-se a ela poucas vezes e muito de passagem (NA: Entre os manuscritos de Husserl, sobretudo na secção F,

136

Page 137: Vida e Obra de Filosofos

encontram-se muitos apontamentos sobre Ética. A. ROTH sistematizou as ideias destes escritos numa obra recentemente publicada: Edmund Husserls ethische Untersuchungen, M. Nijhoff, Haia. 1960.). Não sem certo humor, declarava em 1930, com mais de 70 anos, que «se lhe fosse concedida a idade de Matusalém», poderia ainda aspirar à elaboração duma Filosofia e tornar-se assim verdadeiro «filósofo». Mas teve de se contentar com ser apenas um contínuo «principiante», vendo, apesar de tudo, «diante de si estendida a ‘terra prometida’, a terra da verdadeira Filosofia» (Nachwort, p. 161).

Husserl teve, de fato, muitos entusiastas do método fenomenológico; nenhum, porém, integralmente na linha por ele traçada. É que a elaboração da sua fenomenologia e, consequentemente, o método fenomenológico de evidenciação, está longe de se impor com a evidência que ele mesmo exigia. Daqui a sua preocupação inquietante em repisar as suas ideias, numa insatisfação contínua até a morte. Nem deixou de experimentar a pungente desilusão de quem vê frustrado o ideal mais querido: «Filosofia como ciência, como ciência séria, rigorosa, apoliticamente rigorosa — sonho que se desfez» (Crises, «Husserl Iana» VI, Haia, 1954, Beil. XXVIII, p. 508), Podemos dizer que foi vítima da sua mesma ânsia de evidenciação que o levou a um exagero radical, equivalente a uma falta de radicalismo. Pôr tudo rigorosamente «entre parênteses», a fim de parar na mera significação, equivale a afirmar que se significa, ultimamente, aquilo que não existe, e portanto aquilo que não se pode significar. Husserl exigiu o «nóema» para explicar o sentido do «objeto intencional»; porque não exige, com igual direito, o objeto exterior existente em si para justificar o próprio «nóema»? De outro modo, qualquer coisa fica por fundamentar, no impulso husserliano de fundamentação: os «elementos materiais», necessários como determinantes específicos do «nóema».

A «atitude natural» tem de ser, sem dúvida, elevada a um estado de eliminação de todos os preconceitos e depurada numa séria crítica reflexiva; mas não tanto que se suprima a base essencial da reflexão humana que é a existência exterior à mesma consciência reflexa. Assim concebida, a «atitude natural» não é «ingênua», mas verdadeiramente «científica» e, como tal, exigência concreta duma última fundamentação rigorosa. Os inconvenientes da «atitude transcendental» foram já salientados por Heidegger ao próprio Husserl, quando, em nota ao artigo fenomenologia, escrito por Husserl para a «Encyclopaedia Britanica», frisava a incompreensão do «eu absoluto», resultado da «epoché» radical, e diferente do «eu fáctico», ou «antural», ainda não reduzido (Cfr. W. BIEMEL, artigo citado anteriormente, p. 268.). Outro discípulo de Husserl, N. Hartmann, reconheceu também a necessidade de depurar a fenomenologia do «idealismo transcendental» (N. HARTMANN, Grundzüge einer Meth. der Erkenntnis, Berlim, 1925, pp. 164-168). O método husserliano de evidenciação, que obrigava o filósofo, e o cientista em geral, a manter-se na «atitude transcendental», não encontrou seguidores que o prolongassem em ordem à elaboração duma «Filosofia rigorosa» e de um sistema científico plenamente fundamentado, como Husserl ambicionava.

Pelo contrário, a fenomenologia como método «descritivo» teve ampla aplicação, sobretudo no âmbito da Psicologia (NA: A propósito, cfr. F. J. J. BUYTENDIJK, La signification de la phénoménologie husserlienne pour la Psychologie actuelle, em «Husserl et la pensée moderne», Haia, 1959, pp. 98-114 (publica-se também o origina] alemão: pp. 78-98).), e foi adotada por quase todos os filósofos que se costumam enquadrar na corrente existencialista (NA: Sobre as fenomenologias de Husserl. Heidegger, Sartre e Merleau-Ponty escreveu uma série de três artigos P. THÉVENAZ, Qu'est-ce que la phénoménologie, em «R. de Théologie et de Philosophie», Lausanne, 2 (1952) 9-30, 126-140, 294-316.). Se Kierkegaard sugeriu ao Existencialismo muitos dos seus temas prediletos, Husserl forneceu-lhe o processo de

137

Page 138: Vida e Obra de Filosofos

desenvolvimento. Uma Filosofia do concreto devia naturalmente simpatizar com um método de exposição analítico-reflexivo. Mas também não deixou de se manifestar, nesta aplicação, o perigo da fenomenologia descritiva, já anteriormente salientado: Muitos destes filósofos não chegaram a ultrapassar o âmbito do ser imediatamente conhecido, circunscrito aos limites do espaço e do tempo, encerrando-se num plano meramente finito. Jaspers e Marcei sentiram mesmo a necessidade de renunciar à fenomenologia, pelo menos na medida em que pretenderam estender as reflexões filosóficas a uma implicação do Infinito no finito.

Não foi só o método descritivo, ou analítico-reflexivo, que encontrou amplo acolhimento. O impulso de evidenciação e seriedade, deixado por Husserl, influenciou profundamente a mentalidade filosófica posterior. Dele brotou, em grande parte, um ambiente de maior respeito e compreensão mútua entre as diversas correntes filosóficas e, particularmente, entre escolásticos e não escolásticos. O apelo filosófico, lançado nas Investigações lógicas, conseguiu não só destronar o Psicologismo, que pretendia colocar a Filosofia ao nível das ciências experimentais, mas, sobretudo, orientar o pensamento contemporâneo numa direção preponderantemente realista. Este último aspecto não está diretamente em conformidade com a mente de Husserl, no ulterior desenvolvimento da fenomenologia; mas é uma consequência lógica do mesmo impulso de evidenciação e sinceridade que, até a morte, acompanhou as suas reflexões filosóficas. Apresenta-se, assim, Husserl como um autor fundamental que marca um ponto decisivo no decurso da História da Filosofia.

Fonte: João Cardoso de Castro Filósofo e Mestre em Educação, UFRJMurilo Cardoso de Castro ,Doutor em Filosofia, UFRJ

http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/articles/article.php?id=42

Max Weber (*1864 +1930)

Max Weber nasceu na cidade de Erfurt, na turíngia, a 21 de abril de 1864. A turíngia está hoje sumida no anonimato da República Democrática Alemã, o estado Comunista da Alemanha Oriental. Mas, em 1864, fazia parte dos domínios prussianos, dessa potência que foi a perplexidade e a obsessão de toda a vida de Weber. Seu pai, grande industrial têxtil na Alemanha Ocidental, pertenceu ao partido liberal-conservador; sua mãe era de família de professores liberais e humanistas.

Weber se tornou eminente professor universitário, jornalista influente, historiador, economista, filósofo e, principalmente, sociólogo. Marcou o estigma de uma enfermidade psíquica, que constituiu impedimento ao ininterrupto exercício do magistério universitário. Weber estudou direito nas universidades de Heidelberg, Gottingen e Berlim, adquirindo competência profissional em história, economia e filosofia.

A Epistemologia Weberiana

A epistemologia weberiana pode ser compreendida como resultado a articulação de suas premissas com uma afirmação aparentemente antitética. As premissas são:

138

Page 139: Vida e Obra de Filosofos

1-O conhecimento só é possível a partir de referência a valores e interesses;2- Valores e interesses não podem ser validados ou hierarquizados segundo critérios objetivos. A afirmação é a seguinte: é possível alcançar um conhecimento objetivo, universalmente válido, científico, no sentido mais forte da palavra.A questão então é entender como é possível para Weber, partindo das duas premissas indicadas, chegar a essa última afirmação. Talvez a melhor estratégia seja considerar, inicialmente, as próprias premissas.

O que está sendo chamado aqui de premissas da epistemologia weberiana, são na verdade as duas perspectivas básicas que definem a concepção de Weber no que se refere à relação entre conhecimento , com realidade e valores. Seguindo uma orientação claramente neokantiana, weber assume, de forma radical e com todas as implicações daí decorrentes, o postulado da existência de uma separação clara entre os planos do conhecimento e da realidade, cuja transposição é sempre parcial, provisória e, sobretudo, mediada por uma série de categorias e construções conceituais definidas conforme os valores e interesses de quem busca o conhecimento.

A realidade é entendida como algo infinito, que pode ser apreendido a partir de inúmeros ângulos, mas jamais na sua totalidade ou essência.

As características do paradigma sociológico weberiano só se definem à luz da visão de mundo mais ampla de weber, dentro da qual de articulam uma concepção específica sobre o que é a realidade sócio histórica e uma reflexão profunda sobre a natureza do empreendimento científico. Talvez o ponto central da perspectiva weberiana seja o reconhecimento de que a realidade humana não possui um sentido intrínseco e unívoco, dado de modo natural e definitivo, independentemente das ações humanas concretas. Weber pressupõe que a realidade é infinita e sem qualquer sentido cognoscível imanente. Seriam os sujeitos humanos que estabeleceriam recortes na realidade e se posicionariam distante deles conferindo –lhes sentido.

Weber assume essa perspectiva de modo radical. Orientado por ela, procura excluir das Ciências Sociais qualquer proposição que busque definir de modo geral e substantivo qual a lógica da história, qual a dimensão estrutural determinante da sociedade ou qual o sentido último subjacente às ações individuais. Todas essas definições suporiam a existência de uma realidade atemporal, naturalmente dada, subjacente e determinantes dos fenômenos empíricos. Weber não apenas não acredita na existência desses determinantes a históricos do comportamento humano, como defende que não seria possível defini-los de um modo objetivo, verificável segundo as regras da ciência.Quando Weber afirma enfaticamente que a Ciência Social que ele pretende praticar é uma “Ciência da realidade “o que ele esta querendo acentuar ;e, em grande medida, esse compromisso com a análise de realidades empíricas concretas, tornadas significativas por agentes historicamente situados.

http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAD2cAD/sociologia-marx-weber-durkheim#ixzz20L4IWFZ6

Bertrand Russel (*1872 + 1970)

139

Page 140: Vida e Obra de Filosofos

Por que repetir erros antigos, se há tantos erros novos a escolher? A provocação espirituosa de Bertrand Russell bem demonstra seu interesse pela vida, pela liberdade e pelo conhecimento. De família aristocrática, Bertrand Russell cedo perdeu seus pais. Foi criado pelo avô, Lord John Russell e, com a morte deste, pela avó, Lady Russell. Educado em casa, por tutores, Bertrand Russell ingressou em 1890 na universidade de Cambridge, para estudar filosofia e lógica.

Em 1894 casou-se com Alys Pearsall Smith, uma americana seguidora da seita quacre, de quem viria a se separar em 1911. Dedicando-se ao estudo da lógica e da matemática, Russel passou a publicar seus ensaios em revistas especializadas. Em 1901 descobriu o famoso "paradoxo de Russell", com grande repercussão no campo da lógica.

Em 1908, tornou-se membro do "Trinity College", em Cambridge. Dois anos depois publicou o primeiro volume de sua obra "Principia Matemática", que se tornou célebre. Bertrand Russell ganhou reputação como um dos maiores lógicos do século 20 e um dos fundadores da filosofia analítica. Durante a Primeira Guerra Mundial, Russell dedicou-se ao ativismo político. Em consequência de seus protestos contra a guerra, foi expulso, em 1916, do Trinity College. Dois anos depois, foi condenado a cinco meses de prisão, onde escreveu "Introdução à Filosofia Matemática".

Em 1920 Russell viajou para a Rússia e a seguir foi para Pequim (China), onde viveu durante um ano como professor de filosofia. No ano seguinte casou-se com Dora Black, com quem teve dois filhos. Nessa época ganhou a vida escrevendo livros populares de ética, física e filosofia. Seus escritos para o grande público despertaram grande interesse.Em 1927 fundou a escola experimental "Beacon Hill", junto com sua esposa. Com a morte de seu irmão, em 1931, Bertrand Russell tornou-se o terceiro Conde Russell, título que pouco usou. Tendo-se divorciado de Dora em 1935, casou-se no ano seguinte com uma estudante da Universidade de Oxford chamada Patrícia Spence, com quem teve um filho.

Mudou-se para os Estados Unidos em 1939, para lecionar na Universidade da Califórnia. Logo em seguida foi convidado a atuar como professor no City College de Nova York. Sua nomeação, no entanto, acabou sendo anulada, sob a alegação de improbidade moral, por suas opiniões radicais.

Em 1944 Russell retornou à Inglaterra, integrando novamente os quadros do Trinity College. No ano seguinte publicou sua extensa "História da Filosofia Ocidental". Cinco anos mais tarde, foi agraciado com a Ordem do Mérito e, em 1950, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura.

Em 1952 casou-se com Edith Finch, a quem conhecia desde 1925. Sua participação política tornou-se cada vez maior. Em 1958, iniciou uma campanha pelo desarmamento nuclear e, em 1962, atuou como mediador na crise dos mísseis, em Cuba, impedindo a deflagração de um conflito atômico. Com Albert Einstein e outros cientistas organizou o movimento "Pugwash", contra a proliferação de armas nucleares.

Bertrand Russell e o rigor lógico

140

Page 141: Vida e Obra de Filosofos

A Guerra Civil Americana mal terminara e Nietzsche estava no auge de sua produção intelectual quando Bertrand Russell nasceu em 18 de maio de 1872 em Trelleck, na fronteira do País de Gales. Era uma época de apogeu do Império Britânico e Russell pertencia a uma família aristocrática da Inglaterra Vitoriana. Mas sua primeira infância foi marcada por tragédias. Antes dos cinco anos de idade já tinha perdido a mãe, o pai e a irmã. Ele e seu irmão mais velho foram criados pelos avós paternos. Lord Russell, o avô deles, havia sido primeiro-ministro britânico em duas ocasiões e a chegada dos irmãos Russell mereceu até uma carta da Rainha Vitória parabenizando Lady Russell.

Bertrand recebeu sua educação em casa por meio de tutores e isolado de outras crianças enquanto seu irmão mais velho foi enviado ao colégio. A solidão de Bertrand começou a ser quebrada quando ele tinha 11 anos de idade e seu irmão Frank decidiu lhe ensinar geometria. A beleza abstrata da matemática o encantou e o ajudou a afastar a ideia do suicídio que frequentemente lhe vinha à cabeça. Russell acreditava que o mundo abstrato da matemática lhe daria a certeza que lhe faltara nos primeiros anos de vida. Aos 16 anos Russell foi para um internato em Londres fazer um curso preparatório onde passou dois anos. Em 1890, ganhou uma bolsa de estudos para o Trinity College, em Cambridge, onde Isaac Newton havia estudado e dado aulas.

No período em Cambridge mergulhou nos estudos da matemática, mas o nível do ensino o decepcionara e no quarto ano voltou-se para a filosofia. Suas primeiras influências foram a metafísica e o idealismo de Hegel. Pouco antes de ir para Cambridge, Russell havia se enamorado por Alys Pearsall Smith, uma quacre americana cinco anos mais velha, e quando ele completou 21 anos se casaram contrariando a opinião de Lady Russell. Ao se formar em filosofia, Russell foi eleito fellow do Trinity College, um cargo que lhe deixava como obrigação apenas pesquisar. Nesse período, Russell e Alys viajaram pela Europa e passaram um longo período na Alemanha, onde Russell escreveu o livro “Socialdemocracia Alemã”, revelando seu novo interesse: a política.

Na volta a Cambridge, Russell percebeu que o idealismo de Hegel não dava conta da realidade da experiência física e adotou uma visão empírico-materialista do mundo. Ele decidiu também enfrentar uma questão que lhe incomodava desde que seu irmão o apresentou à geometria euclidiana e seus axiomas: como se poderiam descobrir os princípios fundamentais sobre os quais se erguia a matemática? Após conhecer o matemático italiano Giuseppe Peano e sua proposta de trabalhar os fundamentos do número, Russell ficou entusiasmado pelo rigor lógico e acreditou que aquilo o ajudaria a desenredar os princípios básicos da matemática. Em 1903, ele publicou a obra “Os Princípios da Matemática” que o consagrou como um pensador de primeira grandeza, notadamente na Europa. Mas Russell não estava contente. Pretendia escrever um segundo volume no qual firmaria sua argumentação na forma mais precisa dos símbolos lógicos.

Durante dez anos, Russell e seu professor de matemática em Cambridge, Alfred North Whitehead, desenvolveram o projeto que pretendia mostrar que a lógica é a juventude da matemática e a matemática é a maturidade da lógica. No meio desse caminho, encontraram uma falha que atingia o núcleo da argumentação lógica deles, que ficou conhecida como paradoxo de Russell. Levaram anos para superá-lo e não o conseguiram fazer completa e satisfatoriamente. Ainda assim, a obra “Principia Matemática”, que foi o resultado desse esforço hercúleo publicado em três volumes a partir de 1909, foi recebida como um marco na história do

141

Page 142: Vida e Obra de Filosofos

pensamento e influenciou profundamente a investigação matemática, científica e filosófica por toda a Europa.

Bertrand Russell e a filosofia política

Enquanto se dedicava à obra “Principia Matemática”, o que lhe foi mentalmente desgastante, Bertrand Russell enfrentava também uma crise em seu casamento com Alys. Ao se dar conta de que não amava mais a esposa, ele se sentiu no dever moral de informá-la disso. O casal passou quase uma década de tormento na relação até que se separaram definitivamente em 1911. Durante esse período, Russell se apaixonou e desapaixonou-se diversas vezes. Uma de suas mais duradouras amantes foi Lady Ottoline Morrell, a exótica esposa de um amável e liberal membro do Parlamento britânico.

Em 1911, além da separação de Alys, outro acontecimento teria forte impacto sobre Russell. Um jovem herdeiro da mais poderosa família industrial do Império Austro-Húngaro apareceu nos aposentos de Russell em Cambridge disposto a discutir suas ideias lógicas sobre os fundamentos da matemática. Seu nome era Ludwig Wittgenstein e Russell ficou impressionado com aquele impetuoso jovem de empertigadas maneiras vienenses. Wittgenstein passou a visitar Russell e bombardeá-lo com questões desde se devia cometer suicídio ou tornar-se um filósofo. Russell havia decidido guiá-lo pacientemente em sua busca da lógica como se fosse o Santo Graal. Ele foi o mentor do jovem filósofo que fundou seus pensamentos na lógica e na linguagem e que, anos à frente, discordaria radicalmente de Russell.

Desde o início de sua busca pelo conhecimento, Russell almejava reunir filosofia e ciência, como havia sido feito na Grécia antiga. Mas ao passar dos 40 anos e devido aos ataques de Wittgenstein, Russell decidiu que a filosofia se tornara difícil demais para ele. Abandonou a ideia de construir uma filosofia original abrangente e procurou desenvolver uma filosofia popular. A primeira obra dessa nova fase foi “Os Problemas da Filosofia”, publicada em 1912. Passou também a ser um ativista político o que lhe custou o emprego em Cambridge, após se envolver em protestos pacifistas. Em 1918, passou seis meses preso em Brixton e nesse período de solidão escreveu o livro “Análise da Mente”. Ao sair da prisão manteve seu ativismo, seus princípios liberais e seus casos amorosos, entre eles um com Vivien Eliot, a mentalmente instável esposa do poeta T.S.Eliot. Em 1919, conheceu e casou-se com a jovem e independente Dora Black, de 25 anos. Viajaram para a União Soviética para verem de perto o resultado da revolução bolchevique. Russell não só não se impressionou com Lênin, com quem teve uma audiência particular, como também ficou horrorizado com os efeitos da revolução, o que resultou na obra “Teoria e Prática do Bolchevismo”, uma crítica contundente ao que vira. 

Em 1933 Russell, com 63 anos de idade, já separado de Dora e recém-casado com sua assistente de pesquisa de 25 anos, mudou-se para os Estados Unidos. Lá escreveu “História da Filosofia Ocidental”, livro que se tornou um best-seller e é até hoje considerada uma das melhores obras sobre o assunto. Em 1944, ao retornar a Grã-Bretanha foi reconduzido à condição de fellow do Trinity College e considerado um “sábio nacional”. Em 1950 recebeu o Prêmio Nobel de literatura, por ser um “apóstolo da humanidade e da livre expressão”, segundo a BBC. Em 1961 voltou a ser preso, com 89 anos de idade, em um protesto contra as armas nucleares. À medida que ficou mais velho sua militância se intensificou. Nos anos 60 foi um dos principais opositores à Guerra do Vietnã e um atuante pacifista.

142

Page 143: Vida e Obra de Filosofos

http://hid0141.blogspot.com.br/2010/08/biografia-de-bertrand-russell.html

Moritz Schlick (* 1882 + 1936)

Moritz Schlick (Berlim, 14 de Abril de 1882  Viena, 22 de Junho de 1936) foi a figura central do positivismo lógico e do Círculo de Viena. Nascido em Berlim numa abastada família, estudou física em Heidelberg, Lausana e na Universidade de Berlim com Max Planck. Em 1904 completou sua tese "sobre a reflexão da luz num meio não-homogêneo". Em 1908 publicou "a sabedoria da vida", um volume curto sobre eudaemonismo, a teoria de que a felicidade é o objetivo ético mais elevado. A sua tese de habilitação, "a natureza da verdade de acordo com a lógica moderna", foi publicada em

1910. Vários ensaios sobre estética seguiram-se, nos quais Schlick virou a sua atenção para problemas da epistemologia, a filosofia da ciência, e questões gerais sobre a ciência. Nesta última categoria Schlick distinguiu-se pela publicação em 1915 de um ensaio sobre a teoria especial da relatividade. Também publicou "espaço e tempo na moderna física", um tratamento mais sistemático da física pós-newtoniana.

Em 1922 Schlick tornou-se professor de filosofia de ciências indutivas na Universidade de Viena, após duas nomeações sem sucesso em Rostock e Kiel. No mesmo ano ocorreram dois eventos que alteraram o rumo da sua vida. Primeiro, um grupo de filósofos e cientistas (incluindo Rudolf Carnap, Herbert Feigl, Kurt Gödel, Hans Hahn, Otto Neurath e Friedrich Waismann) sugeriram a Schlick que iniciassem encontros regulares para discutir ciência e filosofia. Chamaram-se inicialmente a Associação Ernst Mach, mas ficaram conhecidos como o Círculo de Viena.

O segundo grande evento de 1922 foi a publicação do "Tractatus Logico-Philosophicus" de Wittgenstein, a primeira das suas duas obras, a qual se enquadrava ainda dentro dos princípios do positivismo (Wittgenstein iria mais tarde repudiar o primeiro livro que escreveu, para inverter completamente a sua filosofia).

Schlick e o seu grupo ficaram impressionados com o seu livro, que propunha entre outras coisas uma teoria lógica dos símbolos e uma teoria pictórica da linguagem. Foi um tópico de discussão de vários encontros.

Schlick contatou Wittgenstein pessoalmente em 1924, tendo elogiado perante o círculo as virtudes do livro. Wittgenstein concordou em reunir-se com Schlick e Waissmann para discutir o Tractatus e outras ideias. Através da influência de Schlick, Wittgenstein foi encorajado a considerar o retorno à Filosofia após uns 10 anos de ociosidade. Ironicamente, é em parte devido ao apoio de Schlick que Wittgenstein começou a escrever as reflexões que iriam fazer parte da segunda (e última) obra de Wittgenstein, "Investigações filosóficas". As discussões de Schlick e Waismann com Wittgenstein continuaram até que o último achou que ideias germinais dele tinham sido usadas sem permissão por Carnap.

Wittgenstein continuou as discussões por cartas a Schlick, mas a sua ligação com o Círculo de Viena terminou em 1932.

143

Page 144: Vida e Obra de Filosofos

Schlick tinha trabalhado no seu "Teoria Geral do Conhecimento" entre 1918 e 1925, e apesar de posteriores desenvolvimentos da sua filosofia terem refutado várias alegações epistemológicas, a "Teoria Geral" é talvez a sua obra mais notável, pelo seu raciocínio agudo contra o conhecimento sintético "a priori". Entre 1926 e 1930, Schlick terminou o seu "Problemas de Ética", no qual ele surpreendeu alguns dos seus colegas do círculo ao incluir a ética como um ramo viável da filosofia. Também nesta altura, o Círculo de Viena publicou "A visão científica do mundo: O Círculo de Viena", como homenagem a Schlick. A sua posição fortemente anti-metafísica cristalizou o ponto-de-vista do grupo.

Com a ascensão do Nazismo na Alemanha e na Áustria, muitos dos membros do Círculo de Viena fugiram para a América e para o Reino Unido. Schlick, no entanto, continuou na Universidade de Viena. Numa visita de Herbert Feigl em 1935, ele expressou o horror que sentia com os acontecimentos na Alemanha.

Em junho de 1936, Schlick subia as escadas da Universidade onde ia dar uma aula, quando foi confrontado por um antigo aluno que o interpela com uma conversa pomposa sobre um ensaio que ele tinha escrito. Quando Schlick objetou, o estudante puxou de uma pistola e atingiu Schlick no peito. Schlick morreria pouco depois. O estudante foi julgado e sentenciado mas tornou-se um herói para os sentimentos racistas em crescimento na cidade, tendo sido retratado como o "ariano heróico" que se levantou contra a "filosofia Judia sem alma" do Círculo (que Schlick não era Judeu foi ignorado por essas mesmas pessoas). Numa grotesca manipulação da justiça, o estudante obteve a liberdade condicional pouco depois e viria a tornar-se um membro do partido Nazi austríaco após o Anschluss (anexação da Áustria pela Alemanha Nazi a 12 de Março de 1938).

http://pt.wikipedia.org/wiki/Moritz_Schlick

Ludwig Joseph Johann Wittgenstein (*1889 +1951)

Ludwig Joseph Johann Wittgenstein, um dos principais filósofos modernos do século XX, estudioso da matemática, membro do Círculo de Viena, inovador da história da Lógica nos anos 20, respeitado até hoje como um dos criadores da filosofia analítica, nasceu na cidade de Viena, na Áustria, no dia 26 de abril de 1889, fruto da união entre Karl e Leopoldine Wittgenstein. Caçula de uma prole de oito filhos, ele era neto de Hermann Christian e Fanny Wittgenstein, de procedência judaica, mas depois convertidos ao Protestantismo. Do lado materno também havia a

presença do judaísmo, mas Leopoldine foi criada segundo os parâmetros do catolicismo, adotados igualmente na educação de seus filhos.

Sua formação se deu em uma atmosfera propícia ao desenvolvimento artístico e intelectual, pois seus pais devotavam-se apaixonadamente à música, transmitindo aos filhos esta paixão. Seu pai chegou a atuar como um mecenas na Áustria de então, abrindo suas portas para a frequência de vários artistas conhecidos, entre eles Johannes Brahms e Gustav Mahler. Este ambiente marcou positivamente o filósofo, embora ele não demonstrasse nenhuma tendência musical. Seus textos são povoados por símbolos e alegorias referentes à música. Esta sensibilidade exacerbada

144

Page 145: Vida e Obra de Filosofos

provocou igualmente nesta família uma inclinação negativa para a melancolia e até mesmo para o suicídio, o que levou três dos irmãos de Ludwig a praticarem este ato. Outra triste coincidência foi este grande pensador ter estudado junto com Adolf Hitler na Realschule, durante a adolescência.

Pertencente a uma das mais afortunadas famílias austríacas, ele revelou desde cedo sua inclinação para o universo da lógica, ingressando nos cursos de engenharia de Berlim e Manchester. Entre 1912 e 1913 ele investigou mais profundamente a Matemática, ao lado de Bertrand Russel, devotando-se a prosseguir estes estudos posteriormente na Noruega. Ele também influenciou as esferas da filosofia da linguagem e da epistemologia, entre outros campos acadêmicos. Grande parte de sua obra foi lançada depois de sua morte, mas na busca da solução para os problemas filosóficos, ele produziu ainda em vida o Tratado Lógico-Filosófico, ou Tractatus Logico-Philosophicus, lançado em 1921 no idioma alemão, e vertido para o inglês um ano depois.

Seus escritos iniciais foram inspirados pelos conceitos de Arthur Schopenhauer, bem como pelas recentes elaborações lógicas de Bertrand Russel e Gottlob Frege. Por sua vez, o Tractatus marcou intensamente as ideias predominantes no Círculo de Viena, em seu positivismo pontuado pela lógica. O filósofo tinha a ambição de encontrar respostas definitivas para as questões filosóficas e, ao publicar seu livro, acreditou realmente ter atingido sua meta, dedicando-se então à educação em escolas primárias nos vilarejos carentes da Áustria, servindo também em um mosteiro como simples jardineiro. Esta decisão nasceu provavelmente da mensagem cristã transmitida pelo amigo Leon Tolstoi, o qual encontrara ao longo da Primeira Guerra.

Ludwig perde seu pai em 1913, tornando-se seu herdeiro, mas logo se despoja destes bens, oferecendo boa parte dela a diversos artistas e escritores de sua terra natal, entre eles o poeta alemão Rainer Maria Rilke e Georg Trakl, que se suicida sem conhecer seu protetor. Com o início da Primeira Guerra, em 1914, ele passa a servir voluntariamente no exército austríaco, chegando a combater no front da Rússia e na Itália, conquistando vários prêmios por sua coragem. Ele realiza neste período uma espécie de diário, onde anota seus pensamentos, suas crenças, e a leitura destas páginas revela uma intensa transformação em sua ideologia espiritual de adepto ao ateísmo em sua estadia na cidade de Cambridge, ele se torna cristão por inspiração de Tolstoi. Em 1918 ele cai prisioneiro na Itália, mas é liberado um ano depois. É neste momento que o pensador começa a escrever sua grande obra, o Tractatus.

Em 1929 ele retoma sua vida acadêmica em Cambridge, concluindo seu doutorado e devotando-se a elaborar uma sequência de seu livro, pois então ele se dá conta de que não conseguiu resolver os intrincados desafios filosóficos. Ele parte, assim, para o que se convencionou chamar de anti-filosofia, da qual resulta sua obra Investigações Filosóficas, só publicada depois de sua morte, em 1953. Alguns estudiosos classificam este trabalho como pertencente a uma etapa denominada de ‘Novo Wittgenstein’, em contraposição ao ‘Wittgenstein Primeiro’. Nas duas fases, porém, ele foi marcado pelos princípios da filosofia analítica.

Durante a Segunda Guerra, Wittgenstein e seus familiares são amplamente perseguidos, em consequência de seu passado judaico, sendo destituídos de boa parte de sua fortuna. Em 1939 o filósofo decide assumir uma cidadania britânica, tomando posse de uma cátedra em Cambridge, mas deixa seu posto com o final da Guerra. Nesta época ele se divide entre a Irlanda, Oxford e

145

Page 146: Vida e Obra de Filosofos

Cambridge. Ele morre na residência de seu médico e grande amigo, Dr. Bevan, no dia 29 de

abril de 1951, na cidade de Cambridge.

http://www.infoescola.com/biografias/ludwig-wittgenstein/

Martin Heidegger (*1889 +1976)

Martin Heidegger foi filósofo, escritor, professor universitário, reitor e um dos grandes pensadores do século 20. Nascido em uma pequena cidade católica, seu pai era sacristão e sua mãe era amiga da mãe do jovem Conrad Grober, que viria a se tornar arcebispo de Friburgo. Heidegger estudou em Constança, de 1903 a 1906, e em Friburgo até 1909, onde se tornou um excelente aluno de grego, latim e francês, interessando-se pela leitura de Brentano e dos filósofos gregos.

Em 1909, Heidegger ingressou na Universidade de Friburgo e iniciou o curso de teologia. Paralelamente, continuou seus estudos sobre Aristóteles, e iniciou as primeiras leituras de Husserl, que o levariam ao método fenomenológico. Interessou-se também pela filosofia de Maurice Blondel e pelo pensamento de Kierkegaard, que o fez refletir sobre outro tipo de pensamento que não o católico.

A partir de 1911, influenciado pelo filósofo Heinrich Rickert , Heidegger estudou as obras de Hegel, Schelling, Kierkegaard e Nietzsche, Kant, Dostoievsky, Rilke, Trakl, e começou a redigir textos que resultariam em obras posteriores.

Em 1915, Husserl foi para Friburgo e Heidegger tornou-se seu assistente. Husserl o influenciou em toda a sua obra sobre o "Ser" e transmitiu a ele toda a doutrina fenomenológica.Dois anos depois, Heidegger casou-se com sua aluna Elfriede Petri, com quem teve 2 filhos. Ela era luterana, filha de um oficial do exército e, desde o noivado, empenhou-se pelo trabalho de Heidegger, que lhe dedicou grande parte de suas obras.

Heidegger envolveu-se também com outra aluna, Hannah Arendt, de ascendência judia, que iria se transformar em uma das mais famosas filósofas políticas. Mesmo depois de separados, os dois mantiveram uma longa correspondência.

De 1915 a 1923, Heidegger assumiu o posto de professor substituto na Universidade de Friburgo e, de 1923 a 1928, foi professor da Universidade de Marburgo (Prússia), publicando sua maior obra filosófica "Ser e Tempo", em 1927. Após o lançamento dessa obra, Heidegger foi considerado o maior nome da filosofia metafísica. Depois Sartre modificaria esse título e lançaria o termo "existencialismo", mas Heidegger repudiou tal classificação.

Em Marburgo, Heidegger fez amizade com Rudolf Bultmann, que o levou a conhecer melhor a teologia protestante. Também era amigo de Max Scheler e Karl Jaspers. Entretanto, seu mestre Husserl decepcionou-se com "Ser e Tempo". Além disso, com o crescimento do nazismo, os dois ficaram em campos diferentes, pois Husserl tinha ascendência judia.

146

Page 147: Vida e Obra de Filosofos

Quando Hitler se tornou chanceler, em 1933, Heidegger tornou-se reitor da Universidade de Friburgo, apoiando o nacional-socialismo. Após a Segunda Guerra Mundial, Heidegger assumiu a cadeira de Husserl na Universidade de Friburgo e redigiu obras de cunho filosófico, pequenos artigos e ensaios.

Entre as principais obras de Heidegger encontram-se: "Novas Indagações sobre Lógica" (1912), "O Problema da Realidade na Filosofia Moderna" (1912), "A Doutrina do Juízo no Psicologismo - Uma Contribuição Crítico-positiva à Lógica" (1914), "A Doutrina das Categorias e da Significação em Duns Scoto" (1916), "O Conceito de Tempo na Ciência da História" (1916), "Ser e Tempo" (1927), "Que é Metafísica?" (1929), "Da Essência do Fundamento" (1929), "Kant e o Problema da Metafísica" (1929), Hölderlin e a Essência da Poesia" (1936). Também podem ser citadas "Da Essência da Verdade" (1943), "Introdução à Metafísica" (1953), "Da Experiência de Pensar" (1954), "O que é isto, a Filosofia?”(1956), "Da Pergunta sobre o Ser" (1956), "O Princípio da Razão" (1956), "Identidade e Diferença (1957), "A Caminho da Linguagem" (1959), "Língua e Pátria" (1960), "Nietzsche" (1961), "A Pergunta sobre a Coisa" (1962), "Tese de Kant sobre o Ser" (1962), "Marcos do Caminho" (1967), "Sobre o Assunto Pensamento" (1969), "Fenomenologia e Teologia" (1970), "Heráclito" (1970).

Deus em Heidegger

Ao fazer uma abordagem sobre Deus, no pensamento de Heidegger, vale destacar, antes de qualquer coisa, que este Filósofo “em determinados aspectos do seu pensar, como metafísica, não demonstra nem ateísmo e muito menos ser teísta”. Sendo assim, não é tarefa fácil discorrer acerca de Deus em Heidegger, devido à complexidade da sua linha de raciocínio, que por sinal, não é apresentada de maneira sistematizada. 

Em suas reflexões a respeito do ser-aí, o ser e o sagrado, o alemão têm por objetivo elucidar o sentido da existência humana. Desta forma, o sagrado aparece no pensamento de Heidegger como que mais instrumento para refletir e esclarecer o porquê da existência do ser humano. E este sagrado por sua vez não recebe uma “conceituação” similar ao âmbito religioso. Aliás, para o pensador alemão o sagrado deixa-se conhecer no ambiente silencioso. 

O ambiente silencioso é como que uma definição a “destruição” dos conceitos ou teorias presentes na sociedade acerca de Deus, pois o sagrado não pode ser capturado nas categorias lógicas. Essas categorias lógicas segundo Heidegger estão inseridas na metafísica, que de certa forma apresenta respostas definitivas ou fechadas a respeito de Deus. 

Na compreensão do filósofo alemão uma abordagem do Divino nunca deve trazer um parecer decisivo pronto e inalterado. Ou seja, no pensamento sobre Deus precisa haver abertura para o novo. Além disso, a posição de Heidegger é que na própria reflexão em busca de conhecer Deus o ser humano pode se isentar do uso da linguagem representativa. Pois para ele a compreensão de Deus não se evidencia na capacidade de explicar o Divino via linguagem representativa, na qual todos têm acesso. 

Este conceito contrapõe-se a teoria científica que entende que o conhecimento é legitimado no ato de poder explicar a lógica do conhecido. Daí entende-se o porquê o pensador classifica a linguagem poética como uma linguagem autêntica, até mesmo por que para ele a “essência da poesia não é obra do homem, mas sim dom do ser. Na linguagem do poeta, não é o homem que fala, e sim a própria linguagem – e, nela, o ser”. 

147

Page 148: Vida e Obra de Filosofos

Portanto, para Heidegger Deus só pode ser “explicado” na linguagem poética. Pois nela o homem se cala e quem fala é a própria linguagem e consequentemente o ser. E vale lembrar que na concepção do filósofo é no silêncio que Deus se revela. 

http://educacao.uol.com.br/biografias/martin-heidegger.jhtm/ http://existencialismo.sites.uol.com.br/heidegger.htm

                 

Rudolf Carnap (*1891 +1970)

Rudolf nasceu no norte da Alemanha, em uma família cuja prosperidade só foi alcançada na geração de seus pais. Com ela, CARNAP pôde desfrutar de uma educação de qualidade, a qual se iniciou no Colégio de BARMEN e prosseguiu na Universidade de JENA (que abrigou Filósofos como Kant, dentre outros notáveis) de 1910 a 1914. Ali, enquanto escrevia sobre Física, CARNAP estudou cuidadosamente a “Critica da Razão Pura”, de Kant (como se sabe, essa obra investiga o alcance e os limites do raciocínio Humano), em um curso ministrado por Bruno Bauch

e a “Lógica Matemática” de Gottlob Frege (1848 – 1925).Tais interesses já sinalizavam sua inclinação para o aspecto “prático, concreto” da Filosofia. Já era possível vislumbrar a sua disposição em ver o papel da Filosofia no Século XX apenas como a tarefa de fazer a análise lógica e os esclarecimentos dos Conceitos Científicos. Para ele, vários dos “Problemas Filosóficos (ou das questões analisadas pela Filosofia)” que aparentemente são intrincados e profundos, em verdade, inexistem, pois – de acordo com suas concepções materialistas – não podem ser comprovados (tampouco refutados) por Experiências Cientificas. Seriam, com efeito, pseudoproblemas originados apenas por confusões lógicas advindas da forma equivocada de como a Linguagem é utilizada.Após servir ao Exército alemão e lutar na 1ª Guerra Mundial por três anos, CARNAP obteve permissão para prosseguir seus estudos em Física na Universidade de BERLIN, entre 1917 e 1918. Nessa ocasião, aliás, foi aluno de Albert Einstein.

Da capital alemã, o Filósofo transferiu-se para a Universidade de Freiburg onde escreveu sua Tese em que estabeleceu uma Teoria Axiomática (composta por Axiomas – as premissas evidentes e aceitas como verdadeiras, sem a necessidade de comprovação dessa condição) sobre o Espaço/Tempo. O resultado alcançado pela Tese não foi, porém, tão favorável quanto era esperado por CARNAP.

O Departamento de Física julgou-a “muito filosófica” e Bruno Bauch, do Departamento de Filosofia, considerou-a “pura Física ortodoxa (sem qualquer acrescimento ao Saber já estabelecido. Sem qualquer ousadia que lançasse novas luzes sobre o tema)”, que apenas repetia as Teorias de Espaço/Tempo já conhecidas. Porém, apesar do malogro no meio acadêmico, a obra foi publicada em 1922.

Antes dessa publicação, CARNAP travou relações com o Filósofo Bertrand RUSSELL que gentilmente respondeu à sua missiva com um longo manuscrito em que copiou trechos de sua obra máxima “Principia Matemática (escrita em parceria com Alfred N. Whitehead)” e lhe

148

Page 149: Vida e Obra de Filosofos

ofereceu como um presente providencial, haja vista que a miséria em que a Alemanha ficou após a derrota na Guerra não permitia ao Filósofo, nem à Universidade, comprar os exemplares necessários. E também providencial por lhe dar alguns subsídios para consolidar seu Ideário em que a Lógica (a Racionalidade) e Materialismo Positivista tiveram lugar destacado.

Em 1924 e 1925 CARNAP também participou de Seminários com o inglês Edmundo Husserl o fundador da Fenomenologia e o contato com esse Mestre reforçou seu cabedal de conhecimentos e embasou a continuidade de seu trabalho sobre a Física, olhada sob o ponto de vista do “Positivismo Lógico”.

NOTA do AUTOR – o Positivismo Lógico, como se sabe, é o Sistema Filosófico que rejeita toda visão Metafísica, Sobrenatural e afirma que só existe efetivamente aquilo que é material, físico, concreto. E, ainda, que possa ser verificada, comprovada ou refutada.

Todos os Pensadores que conheceu tiveram decisiva importância em seu Saber, mas foi em Hans Reichenbach que CARNAP encontrou seu espírito irmão, com o qual manteve estreita colaboração e fraternal amizade durante toda vida. Hans, durante uma Conferência em 1923, apresentou-o a Moritz Schbick que o convidou para trabalhar em seu departamento na Universidade de Viena. Ali, CARNAP foi empossado em 1926 e a partir daí reuniu-se aos outros intelectuais que formaram o famoso “Circulo de Viena”. Liderados por Schlick, o grupo incluía Hans Hann, Friedrich Waimann, Otho Neurath e Herbert Feigl, além de CARNAP.

Na ULCA, o Filósofo escreveu sobre Conhecimentos Científicos, sobre a Dicotomia entre o Analítico e o Sintético e sobre o Principio da Verificação. Temas afins ao seu Ideário, no qual o Progresso Científico é o objetivo e o condutor dos Homens.

Na sequência abordaremos suas duas obras fundamentais, onde ele detalha sua concepção em defesa da Lógica, do Positivismo, do rigor no emprego da Linguagem e a sua contestação à Metafísica.

1 - Estrutura Lógica do Mundo “AUFBAU” – nessa obra, CARNAP reflete sobre o Empirismo*, afirmando que todos os Termos Científicos são análogos aos termos que nomeiam os Fenômenos (lembrando que Fenômenos são os fatos, as coisas que captamos através dos nossos Sentidos [tato, visão, audição, paladar e olfato]).*Empirismo – o Sistema Filosófico que defende a tese de que o Conhecimento que adquirimos nos chega exclusivamente através do que os nossos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) conseguem captar, para só depois serem Racionalizados.O Sistema que ele utilizou para montar, ou estruturar seu Livro escora-se no critério único de que um Elemento é semelhante ao outro. Ou seja, um termo, ou um nome científico é análogo ao seu correspondente fenomênico. Ora, se os termos científicos são naturalmente Lógicos, os termos que definem os fenômenos também o serão, portanto a Estrutura, ou o Formato do Mundo, formado pelos Fenômenos, só pode ser Lógica.Sua obra foi fortemente influenciada pelo trabalho de Russerl, “Principia Matemática”, contudo, com o correr do tempo, ele se afastou dos Conceitos que ali defendera e chegou até a proibir a tradução da obra para o inglês até 1967.

2 - Pseudoproblemas em Filosofia – nesse livro, CARNAP defendeu seu ponto de vista de que muitas questões filosóficas não tem qualquer significado, haja vista que aquilo que as sustem é

149

Page 150: Vida e Obra de Filosofos

apenas erro de Linguagem. Aliás, foi por isso que ele, e inúmeros outros Pensadores contemporâneos, rejeitou peremptoriamente toda Metafísica, alegando que nada que seja Sobrenatural pode ser comprovado. Essa rejeição foi o tema que mais lhe deu fama, mas não necessariamente prestigio, pois, além daqueles que viam (e veem) essa posição como uma ótica medíocre, alguns Filósofos importantes, como Willard Quine e Karl Popper, argumentaram que seus padrões sobre o que seria “Significativo, ou Importante” eram tão rígidos que se tornaram meras Idealizações, ao contrário do que se verifica na prática das Ciências.

O imponderável deve sempre ser aceito, ao menos como possibilidade, pois como afirmava Popper em sua “Teoria da Falsificabilidade”, nenhuma quantidade de comprovações positivas pode, ou deve, assegurar que uma Teoria é verdadeira, já que bastará um único resultado negativo para demonstrar a sua incorreção. Logo, afirmar a completa inexistência do Sobrenatural, ou Metafísico e reduzir a importância e a função da Filosofia (ao decretar que seu único papel, em virtude do sucesso e da hegemonia das Ciências, é a Análise Racional ou Lógica e o esclarecimento dos Conceitos Científicos) configura um grave erro na medida em que suprime do Homem o arcabouço mental que o diferencia das outras criaturas. Será torná-lo um mero “Ser” ocupado com a monótona burocracia dos Conceitos estipulados e prisioneiro dos estreitos liames do Materialismo.

Sobre esse aspecto, outra censura se juntou à dos Filósofos citados. Foi proferida pelo Erudito Thomas Kuhn que na década de 1960 – tanto quanto outros Pensadores da época – iniciou seus estudos sobre as implicações impostas à Sociedade pelo Progresso Científico (poluição, aquecimento global etc.). Esse questionamento iniciou a desconstrução do “totem” em louvor ao “Avanço das Ciências” que fora erigido nos anos anteriores. Com isso, teve inicio a rejeição ao Materialismo que embasa o Positivismo Lógico, a arena em que CARNAP brilhara.

Todavia, antes de encerrarmos será justo vermos em seu Ideário – bem como nos Sistemas similares – um luta honesta, embora incorreta, contra o “excesso” de Metafísica que, seguramente, é tão pernicioso quanto a sua supressão total. Afinal, foi em razão desse excesso que prosperaram as Crenças religiosas e as crendices místicas que manipularam a Humanidade ao longo dos séculos, com funestas consequências.

Outro ponto a lhe ser creditado é o que se refere à sua importante contribuição ao Pensamento Ocidental ao pregar o necessário cuidado no uso da Linguagem para se evitar ambiguidades ao se falar sobre as Ciências; e o aparecimento de falsos problemas a serem resolvidos pela Filosofia.

Fabio Renato Villelahttp://www.recantodasletras.com.br/ensaios/3733546

Jean Piaget (*1896 +1980)

Jean Piaget (1896-1980) foi um renomado psicólogo e filósofo suíço, conhecido por seu trabalho pioneiro no campo da inteligência infantil. Piaget passou grande parte de sua carreira profissional interagindo com

150

Page 151: Vida e Obra de Filosofos

crianças e estudando seu processo de raciocínio. Seus estudos tiveram um grande impacto sobre os campos da Psicologia e Pedagogia.

Sua Vida: Jean Piaget nasceu no dia 9 de agosto de 1896, em Neuchâtel, na Suíça. Seu pai, um calvinista convicto, era professor universitário de Literatura medieval.

Piaget foi um menino prodígio. Interessou-se por História Natural ainda em sua infância. Aos 11 anos de idade, publicou seu primeiro trabalho sobre sua observação de um pardal albino. Esse breve estudo é considerado o início de sua brilhante carreira científica. Aos sábados, Piaget trabalhava gratuitamente no Museu de História Natural.

Piaget frequentou a Universidade de Neuchâtel, onde estudou Biologia e Filosofia. Ele recebeu seu doutorado em Biologia em 1918, aos 22 anos de idade. Após formar-se, Piaget foi para Zurich, onde trabalhou como psicólogo experimental. Lá ele frequentou aulas lecionadas por Jung e trabalhou como psiquiatra em uma clínica. Essas experiências influenciaram-no em seu trabalho. Ele passou a combinar a psicologia experimental - que é um estudo formal e sistemático - com métodos informais de psicologia: entrevistas, conversas e análises de pacientes.

Em 1919, Piaget mudou-se para a França, onde foi convidado a trabalhar no laboratório de Alfred Binet, um famoso psicólogo infantil que desenvolveu testes de inteligência padronizados para crianças. Piaget notou que crianças francesas da mesma faixa etária cometiam erros semelhantes nesses testes e concluiu que o pensamento lógico se desenvolve gradualmente. O ano de 1919 foi um marco em sua vida. Piaget iniciou seus estudos experimentais sobre a mente humana e começou a pesquisar também sobre o desenvolvimento das habilidades cognitivas. Seu conhecimento de Biologia levou-o a enxergar o desenvolvimento cognitivo de uma criança como sendo uma evolução gradativa.

Em 1921, Piaget voltou à Suíça e tornou-se diretor de estudos no Instituto J. J. Rousseau da Universidade de Genebra. Lá ele iniciou o maior trabalho de sua vida, ao observar crianças brincando e registrar meticulosamente as palavras, ações e processos de raciocínio delas.

Em 1923, Piaget casou-se com Valentine Châtenay, com quem teve três filhas: Jacqueline (1925), Lucienne (1927) e Laurent (1931). As teorias de Piaget foram, em grande parte, baseadas em estudos e observações de seus filhos que ele realizou ao lado de sua esposa.

Enquanto prosseguia com suas pesquisas e publicações de trabalhos, Piaget lecionou em diversas universidades europeias. Registros revelam que ele foi o único suíço a ser convidado para lecionar na Universidade de Sorbonne (Paris, França), onde permaneceu de 1952 a 1963. Até a data de seu falecimento, Piaget fundou e dirigiu o Centro Internacional para Epistemologia Genética. Ao longo de sua brilhante carreira, Piaget escreveu mais de 75 livros e centenas de trabalhos científicos.

Sua Obra

Piaget desenvolveu diversos campos de estudos científicos: a psicologia do desenvolvimento, a teoria cognitiva e o que veio a ser chamado de epistemologia genética. A essência do trabalho

151

Page 152: Vida e Obra de Filosofos

de Piaget ensina que ao observarmos cuidadosamente a maneira com que o conhecimento se desenvolve nas crianças, podemos entender melhor a natureza do conhecimento humano. Suas pesquisas sobre a psicologia do desenvolvimento e a epistemologia genética tinham o objetivo de entender como o conhecimento evolui.

Piaget formulou sua teoria de que o conhecimento evolui progressivamente por meio de estruturas de raciocínio que substituem umas às outras através de estágios. Isto significa que a lógica e formas de pensar de uma criança são completamente diferentes da lógica dos adultos. Em seu trabalho, Piaget identifica os quatro estágios de evolução mental de uma criança. Cada estágio é um período onde o pensamento e comportamento infantil é caracterizado por uma forma específica de conhecimento e raciocínio. Esses quatro estágios são: sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal.

Fase 1: Sensório-motor

No estágio sensório-motor, que dura do nascimento ao 18º mês de vida, a criança busca adquirir controle motor e aprender sobre os objetos físicos que a rodeiam. Esse estágio se chama sensório-motor, pois o bebê adquire o conhecimento por meio de suas próprias ações que são controladas por informações sensoriais imediatas.

Fase 2: Pré-operatório

No estágio pré-operatório, que dura do 18º mês aos 8 anos de vida, a criança busca adquirir a habilidade verbal. Nesse estágio, ela já consegue nomear objetos e raciocinar intuitivamente, mas ainda não consegue coordenar operações fundamentais.

Fase 3: Operatório concreto

No estágio operatório concreto, que dura dos 8 aos 12 anos de vida, a criança começa a lidar com conceitos abstratos como os números e relacionamentos. Esse estágio é caracterizado por uma lógica interna consistente e pela habilidade de solucionar problemas concretos.

Fase 4: Operatório formal

No estágio operatório formal – desenvolvido entre os 12 e 15 anos de idade – a criança começa a raciocinar lógica e sistematicamente. Esse estágio é definido pela habilidade de engajar-se no raciocínio abstrato. As deduções lógicas podem ser feitas sem o apoio de objetos concretos.

No estágio das operações formais, desenvolvido a partir dos 12 anos de idade, a criança inicia sua transição para o modo adulto de pensar, sendo capaz de pensar sobre ideias abstratas.

Conclusão: Em seus estudos sobre crianças, Jean Piaget descobriu que elas não raciocinam como os adultos. Esta descoberta levou Piaget a recomendar aos adultos que adotassem uma abordagem educacional diferente ao lidar com crianças. Ele modificou a teoria pedagógica tradicional que, até então, afirmava que a mente de uma criança é vazia, esperando ser preenchida por conhecimento. Na visão de Piaget, as crianças são as próprias construtoras ativas do conhecimento, constantemente criando e testando suas teorias sobre o mundo. Ele forneceu uma percepção sobre as crianças que serve como base de muitas linhas educacionais atuais.

152

Page 153: Vida e Obra de Filosofos

http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/biografia_jean_piaget.htm

Vida e obra: Popper é mais conhecido como filósofo da ciência e por suas críticas das filosofias políticas utópicas. Afirma que a ciência não avança fazendo generalizações a partir de observações, mas fazendo conjecturas ousadas que devem ser testadas. É a verificabilidade que dá poder a uma teoria científica. Popper concluiu seu PhD em Viena em 1929. Sua primeira obra A lógica da descoberta científica, esboçou suas ideia sobre o método científico, desenvolvidas depois em Conjecturas e refutações. Em 1937, judeu diante da iminente anexação da Áustria pela Alemanha nazista,

Popper emigrou para a Nova Zelândia. Durante a guerra escreveu, A Sociedade aberta e seus inimigos, uma defesa da democracia liberal através de uma crítica da filosofia de Platão, Hegel e Marx. Após o conflito, lecionou na London School of Economics, tornando-se professor em 1949. Em O eu e seu cérebro, escrito com John Eccles, defende uma forma de interacionismo mente-corpo.

Principais ideias: Para os falsificaionistas - entre os quais Popper é um dos mais importantes -, o valor de um conhecimento científico não vem da observação de experiências, mas da possibilidade de a teoria ser contrariada, ou melhor, falseada. Com a ideia de que a teoria precede a experiência, os falsificacionistas admitem que toda explicação científica é hipotética; no entanto, é o melhor que temos.

Quanto mais uma teoria puder ser falseada, melhor seria ela. Por exemplo, ignorando a pressão atmosférica e outros fatores, se dissermos que "a água ferve a 100 graus Celsius", qual a contradição possível, ou melhor, o que tornaria falsa essa afirmação? A resposta seria: ao chegar a 100 graus Celsius a água não ferveria ou ferveria antes. No momento em que uma teoria é falseada, o cientista tentará melhorá-la ou a abandonará. O fundamental é que tenhamos em mente o seu limite.Karl Popper apontará critérios para uma boa teoria científica: 1. Tem de ser clara e precisa, não podendo ser obscura ou deixar margem para várias interpretações. 2. Deve permitir a falsificabilidade; quanto mais é melhor. 3. Deve ser ousada, para progredir em busca de um conhecimento mais aprofundado sobre a realidade.

Bibliografia: CHAUI, Marilena – Iniciação à Filosofia; Ed. Ática, 2009 / LAW, Stephen – Guia Ilustrado Zahar de Filosofia; Ed. Zahar, 2008

http://filsofos-vidaeobra.blogspot.com.br/2009/08/karl-popper.htm l

Theodor Wiesengrund Adorno (*1903 +1969)

Wiesengrund-Adorno, nascido em Frankfurt, no dia 11 de setembro de 1903, formou-se em filosofia, sociologia, psicologia, e tornou-se também musicólogo e compositor, graduando-se na Universidade de Frankfurt.

153

Page 154: Vida e Obra de Filosofos

Posteriormente fundou, ao lado de Max Horkheimer, Walter Benjamin, Herbert Marcuse e Jürgen Habermas, entre outros, a célebre Escola de Frankfurt.

Seu pai, Oscar Alexander Wiesengrund, era um alemão de procedência judaica, porém convertido à religião protestante, enquanto sua mãe, a italiana Maria Bárbara Calvelli-Adorno, dedicava-se à música erudita e professava o catolicismo. Mais tarde o filho adota o sobrenome materno, passando a ser conhecido como Theodor W. Adorno.

Sua formação musical foi, em parte, realizada com sua meia-irmã pelo lado de mãe, Agathe, primorosa pianista. Além de se sobressair nos estudos desenvolvidos no Kaiser-Wilhelm-Gymnasium, frequentou um curso particular com o compositor Bernhard Sekles e tornou-se especialista no filósofo Immanuel Kant, graças às aulas oferecidas por seu camarada Siegfried Kracauer, um ‘expert’ na Sociologia do Conhecimento.

O empenho intelectual de Adorno o levou a defender, já em 1924, sua tese sobre a fenomenologia de Edmund Husserl. Antes mesmo de se formar ele se torna amigo de Walter Benjamin e de Max Horkheimer, seus futuros companheiros de militância intelectual e política. Sua trajetória intelectual tem início em 1933, quando lança sua tese sobre Kierkegaard. Outro contato importante no universo filosófico é com o principiante Lukács, em 1925. As primeiras publicações deste filósofo alemão – A Teoria do Romance e História e Consciência de Classe -, mais tarde rejeitadas por ele, para completa desilusão de Adorno, influenciam profundamente sua produção acadêmica, sustentando seus ideais e os rumos de sua mente brilhante. Benjamin também deixa marcas fundamentais no pensamento adorniano, que se identifica plenamente com os conceitos desenvolvidos pelo amigo.

Futuro crítico contundente dos meios de comunicação de massa, ele percebe, nos seus anos de exílio nos Estados Unidos, serem eles peças essenciais da engrenagem que alicerça a indústria cultural. Esta criação do Capitalismo molda a mentalidade dos que a ela aderem inconscientemente, semeando o conformismo e a resignação na população que se encontra inerte diante de um sistema implacável que desfigura a essência do ser.

Adorno foi mais um dos adeptos da Escola de Frankfurt que, durante o processo de nazificação da Alemanha, foi obrigado a se refugiar na América, por ser de ascendência judaica e também por sua vocação para o socialismo. Depois de uma passagem pela Suíça, ele atendeu a um convite de Horkheimer para trabalhar na Universidade de Princeton. Sua impressão sobre os Estados Unidos não foi das melhores. Sofisticado intelectual europeu, incomodou-o profundamente o ar de uniformização presente em tudo, a despeito dos conceitos norte-americanos de individualidade e do cultivo das diferenças.

Este universo regido pelos interesses, pelo lucro e pelas conveniências o levou a uma reflexão mais atenta sobre a massificação da cultura. Inclinado a compreender esse paradoxo americano, ele estuda a fundo a mídia dos EUA, e descobre sob a aparente liberdade apregoada pelo ‘American Way of Life’, uma ideologia padronizada que a tudo perpassa, com a intenção de sujeitar a massa apática, induzindo-a ao consumismo e à submissão ao sistema.

Com o término da Segunda Guerra, Adorno professa a volta do Instituto de Pesquisa Social para Frankfurt, juntamente com seus membros. Após a aposentadoria de Horkheimer, Adorno assume sua diretoria, na década de 50. Pouco antes de sua morte, em 6 de agosto de 1969, ele

154

Page 155: Vida e Obra de Filosofos

assumiu uma posição controvertida diante dos rebeldes do movimento estudantil que, em 31 de janeiro deste mesmo ano, pretendiam suspender sua aula para darem sequência aos protestos que se espalhavam pelas ruas da Europa. Surpreendentemente ele recorreu á polícia para reprimir as manifestações, o que causou um mal-estar entre ele e os estudantes, além de o contrapor ao seu antigo companheiro, Marcuse, que se aliara aos alunos nos movimentos que se alastravam pelo continente europeu. Adorno parte sentindo-se aviltado pelos adeptos de uma esquerda para ele considerada ultrarradical.

Não deve causar surpresa o fato de que as crianças nascidas fora do casamento sejam geralmente as melhores cabeças; são o resultado de uma hora espirituosa. Os filhos legítimos muitas vezes resultam do tédio”.(Theodor Adorno)

Seus Ideais

Influente filósofo do século 20, o alemão Theodor Adorno  lutava contra o que chamava de “indústria cultural”, termo tão usado atualmente.

A Filosofia de Theodor Adorno, considerada uma das mais complexas do século XX, fundamenta-se na perspectiva da dialética. Uma das suas importantes obras, a Dialética do Esclarecimento, escrita em colaboração com Max Horkheimer durante a guerra, é uma crítica da razão instrumental, conceito fundamental deste último filósofo, ou, o que seria o mesmo, uma crítica, fundada em uma interpretação negativa do Iluminismo, de uma civilização técnica e da lógica cultural do sistema capitalista (que Adorno chama de “indústria cultural“). Também uma crítica à sociedade de mercado que não persegue outro fim que não o do progresso técnico.

A atual civilização técnica, surgida do espírito do Iluminismo e do seu conceito de razão, não representa mais que um domínio racional sobre a natureza, que implica paralelamente um domínio (irracional) sobre o homem; os diferentes fenômenos de barbárie moderna (fascismo e nazismo) não seriam outra coisa que não mostras, e talvez as piores manifestações, desta atitude autoritária de domínio sobre o outro.

Na Dialética Negativa, Theodor Adorno intenta mostrar o caminho de uma reforma da razão mesma, com o fim de libertá-la deste lastro de domínio autoritário sobre as coisas e os homens, lastro que ela carrega desde a razão iluminista, e o que opõe-se à filosofia dialética inspirada em Hegel, que reduz ao princípio da identidade ou a sistema todas as coisas através do pensamento, superando suas contradições (crítica também do Positivismo Lógico, que deseja assenhorar-se da natureza por intermédio do conhecimento científico), o método dialético da “não-identidade“, de respeitar a negação, as contradições, o diferente, o dissonante, o que chama também de inexpressável: o respeito ao objeto, enfim, e o rechaço ao pensamento sistemático. A razão só deixa de ser dominadora se aceita a dualidade de sujeito e objeto, interrogando e interrogando-se sempre o sujeito diante do objeto, sem saber sequer se pode chegar a compreendê-lo por inteiro.

Essa admissão do irracional (segundo ele, pensar no irracional é pensar nas categorias tradicionais que supõem uma reafirmação das estruturas sociais injustas e irracionais da sociedade) leva Adorno a valorizar a arte, sobretudo a arte de vanguarda.

http://educacao.uol.com.br/biografias/theodor-adorno.jhtm

155

Page 156: Vida e Obra de Filosofos

Burrhus Skinner (*1904 +1990)

Você sabia que os pombos são supersticiosos? Pois bem, certa vez o psicólogo Burrhus Skinner colocou vários pombos numa caixa e passou a alimentá-los em intervalos fixos, independentes do comportamento do pombo. Ele observou que os pombos associavam a comida a algum comportamento que tivessem tido logo antes de serem alimentados.Por isso, um dos pombos passou a mover a cabeça para um lado e para o outro, enquanto outro dava voltas na gaiola, e assim por diante.

Desse modo, Skinner concluiu que os pombos tinham comportamentos supersticiosos. Ele é um dos grandes expoentes da psicologia experimental.

De família presbiteriana, Burrhus Skinner teve uma infância tradicional. Cursou o Hamilton College, graduando-se em inglês. Depois de formado, voltou para a casa dos pais e tentou a carreira de escritor - que acreditava ser sua vocação - durante um ano.

Desistindo deste intento, passou uma breve temporada em Greenwich Village, em Nova York, onde levou uma vida boêmia. Ingressou então na Universidade de Harvard, no departamento de psicologia. Concluiu o mestrado em 1930 e o doutorado em 1931.

Nos anos seguintes, passou a dedicar-se às suas pesquisas, lecionando, dando palestras e escrevendo. Permaneceu em Harvard até 1936. Em seguida foi para a Universidade de Minnesota. Nessa época casou-se com Yvonne Blue, com quem teve dois filhos.

Em 1938 Skinner publicou seu primeiro livro, "O Comportamento dos Organismos". Logo a seguir, com bolsa de estudos da Fundação Guggenheim, escreveu "Comportamento Verbal". Sete anos mais tarde, ingressou na Universidade de Indiana, como catedrático, e, em 1948, foi convidado a lecionar em Harvard, onde permaneceu até o fim da vida.

Burrhus Skinner conduziu um trabalho pioneiro no campo da psicologia experimental e foi um dos defensores do behaviorismo. Além das obras citadas, publicou diversos livros e artigos sobre psicologia experimental. Trabalhou até o último dia de sua vida. Morreu aos 86 anos, em consequência de uma leucemia.

http://educacao.uol.com.br/biografias/burrhus-skinner.jhtm

Jean-Paul Sartre (*1905 +1980)

Vida e Obra : “A Filosofia aparece a alguns como um meio homogêneo: os pensamentos nascem nele, morrem nele, os sistemas nele se edificam para nele desmoronar. Outros consideram-na como certa atitude cuja adoção estaria sempre ao alcance de nossa liberdade. Outros ainda, como um setor determinado da cultura. A nosso ver, a

156

Page 157: Vida e Obra de Filosofos

Filosofia não existe; sob qualquer forma que a consideremos, essa sombra da ciência, essa eminência parda da humanidade não passa de uma abstração hipostasiada.”

O texto acima constitui as linhas iniciais do livro Questão de Método, escrito, paradoxalmente, por um homem que jamais deixou de fazer de todos os momentos de sua vida uma permanente reflexão sobre os problemas fundamentais da existência humana.

Jean-Paul Sartre nasceu em Paris, no dia 21 de junho de 1905. O pai faleceu dois anos depois e a mãe, Anne-Marie Schweitzer, mudou-se para Meudon, nos arredores da capital, a fim de viver na casa de Charles Schweitzer, avô materno de Sartre. Sobre a morte do pai, escreverá mais tarde: “Foi um mal, um bem? Não sei; mas subscrevo de bom grado o veredicto de um eminente psicanalista: não tenho Superego”.

Seja como for, talvez a ausência da figura paterna em sua vida possa explicar por que Sartre se tornou um homem radicalmente livre, tomada a expressão no sentido que ele lhe dará posteriormente: não existe uma natureza humana, é o próprio homem, numa escolha livre porém “situada”, quem determina sua própria existência.

Outro traço marcante na formação de Sartre foi a imaginação criativa, alimentada pela leitura precoce e intensiva: “...por ter descoberto o mundo através da linguagem, tomei durante muito tempo a linguagem pelo mundo. Existir era possuir uma marca registrada, alguma porta nas tábuas infinitas do Verbo; escrever era gravar nela seres novos foi a minha mais tenaz ilusão , colher as coisas vivas nas armadilhas das frases...” Como consequência, aos dez anos de idade quis tornar-se escritor e ganhou uma máquina de escrever. Seria seu instrumento de trabalho por toda a vida.

Em 1924, aos dezenove anos de idade, Sartre ingressou no curso de filosofia da Escola Normal Superior, onde não foi aluno brilhante, mas muito interessado, especialmente pelas aulas de Alain (1868-1951), que dedicava atenção particular à discussão do problema da liberdade. Na Escola Normal, Sartre conheceu Simone de Beauvoir (1908 - 1986), “uma moça bem-comportada” que lhe afirmou : “A parti r de agora, eu tomo conta de você”. Desde então, nunca mais se separaram.

Terminado o curso de filosofia, em 1928, Sartre teve de prestar o serviço militar e o fez em Tours, na função de meteorologista Depois disso obteve uma cadeira de filosofia numa escola secundária do Havre, cidade portuária. Nessa época escreveu um romance, A Lenda da Verdade, recusado pelos editores. Em 1933, passou um ano em Berlim, estudando a fenomenologia de Edmund Husserl (1859-1938), as teorias existencialistas de Heidegger e Karl Jaspers (1883-1969) e a filosofia de Max Scheller (1874-1928). A partir desses autores, Sartre foi levado a obras de Kierkegaard (1813-1855). Apoiado nessas referências principais, Sartre elaborou sua própria versão da filosofia existencialista.

Na Alemanha, Sartre iniciou a redação de Melancolia, romance mais tarde concluído e intitulado A Náusea. De volta à França, publicou, em 1936, A Imaginação e A Transcendência do Ego, trabalhos marcados por forte influência da fenomenologia. Em 1938, foi editada A Náusea. Um ano depois, uma coletânea de contos,  O Muro, e o ensaio Esboço de uma Teoria das Emoções; em 1940, mais um ensaio, O Imaginário, que, como o anterior, utilizava  o método fenomenológico.

157

Page 158: Vida e Obra de Filosofos

O “engajamento” existencialista

 Ao estourar a Segunda Guerra Mundial, Sartre foi convocado para servir como meteorologista na Lorena. Em junho de 1940, caiu prisioneiro e foi encerrado no campo de concentração de Trier, Alemanha. Cerca de um ano mais tarde, conseguiu escapar e, na primavera de 1941, encontrou-se, em Paris, com Simone de Beauvoir.

Em Paris, Sartre fundou o grupo Socialismo e Liberdade, a fim de colaborar com a Resistência, produzindo panfletos clandestinos contra a ocupação alemã e contra os colaboracionistas franceses. Em março de 1943, encenou sua primeira peça teatral, intitulada As Moscas, uma lenda grega, segundo o programa. Na verdade, todos os elementos da peça funcionavam simbolicamente: o reino de Agamenão era a França ocupada; Egisto, o comando alemão que depusera ás autoridades francesas; Clitemnestra, os colaboracionistas; a praga das moscas, o medo de setores cada vez mais amplos da população; o gesto final de Orestes, eliminando a praga das moscas, uma exortação à luta contra os alemães.

No mesmo ano, Sartre publicou um volumoso ensaio filosófico, iniciado em 1939: O Ser e o Nada, obra fundamental da teoria existencialista. Em 1945, uma nova peça teatral, Entre Quatro Paredes, põe em cena personagens que vivem os dramas existenciais abordados por Sartre nas obras teóricas. Os romances que escreveu na mesma época fazem o mesmo: A idade da Razão,Sursis, Com a Morte na Alma.

Terminada a Segunda Guerra Mundial, em 1945, Sartre dissolveu o movimento Socialismo e Liberdade, por corresponder apenas a uma necessidade da Resistência, e fundou a revista Os Tempos Modernos, juntamente com Merleau-Ponty (1908-1961), Raymond Aron (1905-1983) e outros intelectuais. Na revista apareceram os trabalhos mais diversos, colocando e analisando os principais problemas da época, sem qualquer espírito sectário.

Em 1946, diante das críticas à sua filosofia existencialista, exposta em O Ser e o Nada, Sartre publica O Existencialismo é um Humanismo, onde mostra o significado ético do existencialismo. No mesmo ano, publica também duas peças, Mortos sem Sepultura e A Prostituta Respeitosa e o ensaio Reflexões Sobre a Questão Judaica, onde defende a tese de que a emancipação dos judeus só será possível numa sociedade sem classes. Em 1948, encena As Mãos Sujas e, três anos depois, O Diabo e o Bom Deus. No plano da ação política, política essa época marca a aproximação de Sartre do Partido Comunista, ao qual acaba por filiar-se, em 1952. A intervenção soviética na Hungria, em 1956, leva-o, porém, a romper com o Partido e escrever um artigo, O Fantasma de Stálin, no qual explica sua posição, em face dos desvios do espírito do marxismo por parte das autoridades soviéticas.

Nos anos seguintes, Sartre continuaria sendo, ao mesmo tempo, um homem de ação e de pensamento. Em 1960, publica um extenso trabalho, a Crítica da Razão Dialética, precedido ido pelo ensaio Questão de Método, nos quais se encontram reflexões no sentido de unir o existencialismo e o marxismo. A obra literária também não cessa e no mesmo ano é estreada a peça Sequestrados de Altona, cujo tema é o problema do colonialismo francês na Argélia, embora a ação transcorra na Alemanha nazista. O interesse pelo problema argelino liga-se, em Sartre, aos problemas mais gerais do Terceiro Mundo. Viaja para Cuba e para o Brasil (1961) e vê no conflito vietnamita um alargamento “do campo do possível” por parte dos revolucionários vietcongs.

158

Page 159: Vida e Obra de Filosofos

Em 1964, surpreende seus admiradores com As Palavras, análise do significado psicológico e existencial de sua infância. No mesmo ano é-lhe atribuído o Prêmio Nobel de Literatura, mas ele o recusa. Receber a honraria significaria reconhecer a autoridade dos juízes, o que considera inadmissível concessão. A carreira Literária de Sartre parecia a muitos ter-se encerrado com As Palavras. Em 1971, porém, Sartre surpreende de novo seu público, com a primeira parte de um extenso estudo sobre Flaubert, L'Idiot de Famille.

O Ser e o Nada: Itinerário do pensamento sartreano

 Do ponto de vista estritamente filosófico, o itinerário do pensamento de Sartre inicia-se com A Transcendência do Ego, A Imaginação, Esboço de uma Teoria das Emoções e O Imaginário, publicados entre 1936 e 1940. Neles encontram-se aplicações do método fenomenológico formulado por Husserl, ao mesmo tempo que o autor se afasta do mestre e chega a criticar algumas de suas posições. Mas a obra na qual se encontra a filosofia existencialista que celebrizou Sartre é O Ser e o Nada.

O Ser e o Nada subintitula-se ensaio de ontologia fenomenológica, o que desde o início define a perspectiva metodológica adotada pelo autora A abordagem proposta pretende não confundir o objetivo do livro com as metafísicas tradicionais. Estas sempre contrastaram ser a aparência, essências subjacentes à realidade e fenômenos, o que estaria atrás das coisas e as próprias coisas como suas manifestações. A ontologia fenomenológica superaria essa dual idade pela descrição do ser como aquilo que se dá imediatamente, ou seja, não propondo explicar a experiência humana por referência a uma realidade extra fenomenal. Nesse sentido, a ontologia fenomenológica seria idêntica a outras espécies de descrições fenomenológicas, como as que o próprio Sartre realizou com relação às emoções e ao imaginário. Para Sartre, o dualismo de ser e parecer não tem mais “direito de cidadania na filosofia”. O ser de um existente qualquer seria precisamente aquilo que parece e não existiria outra real idade fora do fenômeno: “O fenômeno pode ser estudado e descrito enquanto tal, pois ele é absolutamente indicativo de si mesmo”. Isso não quer dizer que o fenômeno não seja verdadeiramente um ser. Para Sartre, o ser do fenômeno é posto pela própria consciência e esta tem como caráter essencial a intencionalidade. Em outros termos, a consciência visa a um objeto transcendente, implicando, portanto, a existência de um ser não-consciente. Poder-se-ia então concluir que existem dois tipos de ser: o ser-para-si (consciência) e o ser-em-si (fenômeno).

Do ser-em-si somente se pode dizer que ele “é aquilo que é”. Isso significa que o “ser-em-si é opaco para si mesmo”, nem ativo nem passivo, sem qualquer relação fora de si, não derivado de nada, nem de outro ser: o ser-em-si simplesmente é. Daí o caráter de absurdo que o ser-em-si carrega como sua determinação fundamental. A densidade opaca, o absurdo do ser-em-si provocaria no homem o mal-estar, que Sartre denomina náusea.

Para Sartre, o ser-para-si, a consciência, é radicalmente diferente, definindo-se “como sendo aquilo que não é e não sendo aquilo que ele é”. Enquanto o ser-em-si é inteiramente preenchido por si mesmo e sem nenhum vazio, a consciência é constituída por uma descompressão do ser. A consciência é presença para si mesma, o que supõe que uma fissura se instala dentro do ser. Essa fissura, ou descolamento, é a marca do nada no interior da consciência. O nada é um “buraco” mediante o qual se constitui o ser-para-si, e o fundamento do nada é o próprio homem: “mediante o homem é que o nada irrompe no mundo”.

159

Page 160: Vida e Obra de Filosofos

O ser-para-si conteria, portanto, uma abertura e seria precisamente essa abertura a responsável pela faculdade do para-si no sentido de sempre poder ultrapassar seus próprios limites. Enquanto o ser-em-si permaneceria fechado dentro de suas próprias fronteiras, o ser-para-si ultrapassar-se-ia perpetuamente, e esse poder de transcendência seria expresso através das formas do tempo. Em outros termos, o ser-para-si seria um ser para o futuro, seria espontaneidade criadora.

Segundo Sartre, o tempo é também expressão de mistura entre o em-si e o para-si e essa mistura constitui a existência humana. Dentro dessa perspectiva, o passado não existe, a não ser enquanto ligado ao presente; todo indivíduo pode afirmar: eu sou meu passado e no momento de minha morte não serei mais do que o meu passado que, agora, é meu presente. O passado, pensa Sartre, é a marca do em-si. Enquanto o homem é consciente de si mesmo, no presente, ele vive segundo o modo do para-si; contudo, o seu passado tem todas as características do em-si. Da mesma forma como o corpo humano das sereias termina em cauda de peixe, a existência humana constitui-se, sobretudo, pela espontaneidade da consciência, mas encontra atrás de si um ser que tem toda a fixidez de uma coisa qualquer do mundo.

Apesar disso, afirma Sartre, não é possível ver na consciência algo distinto do corpo: Este não é uma coisa que se liga exteriormente à consciência; pelo contrário, é constitutivo da própria consciência. A consciência é, estruturalmente, intencional e, portanto, relação com o mundo; o corpo exprime a imersão no mundo, característica da existência humana. O corpo é um centro, em relação ao qual se ordenam as coisas do mundo e, por isso, constitui uma estrutura permanente que torna possível a consciência. Sartre vai mais longe em sua interpretação, dizendo que o corpo é a própria condição da liberdade. Não existe liberdade sem escolha e o corpo é precisamente a necessidade de que haja escolha, isto é, de que o homem não seja imediatamente a total idade do ser. O corpo é, por conseguinte, tanto a condição da consciência como consciência do mundo, quanto fundamento da consciência enquanto liberdade.

Dramas da liberdade

 A teoria sartreana do ser-para-si conduz a uma teoria da liberdade. O ser-para-si define-se como ação e a primeira condição da ação é a liberdade. O que está na base da existência humana é a livre escolha que cada homem faz de si mesmo e de sua maneira de ser. O em-si, sendo simplesmente aquilo que é, não pode ser livre. A liberdade provém do nada que obriga o homem a fazer-se, em lugar de apenas ser. Desse princípio decorre a doutrina de Sartre, segundo a qual o homem é inteiramente responsável por aquilo que é; não tem sentido as pessoas quererem atribuir suas falhas a fatores externos, como a hereditariedade ou a ação do meio ambiente ou a influência de outras pessoas. Por outro lado, a autonomia da liberdade, enquanto determinação fundamental e radical do ser-para-si, vale dizer do homem, faz da doutrina existencialista uma filosofia que prescinde inteiramente da ideia de Deus. Sartre tira todas as consequências desse ateísmo, eliminando qualquer fundamento sobrenatural para os valores: é o homem que os cria. A vida não tem sentido algum antes e independentemente do fato de o homem viver; o valor da vida é o sentido que cada homem escolhe para si mesmo. Em síntese, o existencialismo sartreano é uma radical forma de humanismo, suprimindo a necessidade de Deus e colocando o próprio homem como criador de todos os valores.

Ao lado das análises volumosas e rigorosamente técnicas de O Ser e a Nada, nas quais se encontra exposta a filosofia existencialista, Sartre expressou seu pensamento através de várias

160

Page 161: Vida e Obra de Filosofos

obras I literárias, que o colocam como um dos maiores escritores do século XX. Nelas encontram-se todos os temas fundamentais de sua concepção do homem, real realizados no plano concreto das personagens, suas ações e suas situações existenciais.

Antoine Roquentin, personagem principal de A Náusea (1938), vive sozinho, sem amigos, sem amante, nada lhe importando, nem os outros homens, nem ele mesmo; o mundo para ele não tem nenhuma razão de ser e é absurdo porque composto de seres em-si: a cidade, o jardim, as árvores.

Pablo Ibietta, republicano espanhol, personagem central de O Muro, vive uma das “situações-limite” descritas por Sartre: momentos de intensificação de conflitos sociais e individuais, quando o homem é obrigado a fazer uma escolha e afirmar sua liberdade radical. Pablo Ibietta, preso e torturado pelos fascistas de Franco, vê postas à prova as virtudes da coragem, fidelidade e sangue-frio. O próprio Sartre  viveu uma dessas “'situações-limite”, quando preso num campo de concentração nazista, em 1940, do qual conseguiu fugir, fazendo sua escolha: participar da resistência ao invasor alemão.

O problema da ação e da liberdade constitui o tema da trilogia de romances Os Caminhos da Liberdade. No primeiro, A Idade da Razão (1945), as questões individuais predominam, a história e a política são panos de fundo. Mathieu Delorme, jovem professor de filosofia, procura a liberdade pura, sem compromisso de qualquer espécie; Brunet, ao contrário, personifica a renúncia da liberdade pessoal em favor do engajamento político; Daniel ilustra a tese gideana da liberdade como ato gratuito, sem qualquer motivo; Jacques abandona os sonhos juvenis de liberdade para casar-se, ter um trabalho, viver uma vida “regular”. No segundo volume da trilogia, Sursis (1945), os acontecimentos políticos revelam que os projetos de vida individuais são, na verdade, determinados pelo curso da história, tornando-se ilusória a busca da liberdade num plano puramente pessoal: a liberdade é sempre vivida "em situação" e realizada no engajamento de projetos voltados para interesses humanos comunitários. Apenas um compromisso com a história pode dar sentido à existência individual. Em Com a Morte na Alma (1949), último romance da  trilogia, trilogia, Mathieu ilustra a tese do engajamento gratuito; ele arrisca a própria vida apenas para retardar algumas horas a investida das tropas alemãs.

Outras obras literárias de Sartre ilustram as teses existencialistas. Canoris, personagem da peça Mortos sem Sepultura (1946), é um homem de ação, pronto para enfrentar a morte pela causa da liberdade.  Hugo, nas Mãos Sujas (1948), é um  intelectual da classe média, engajado no Partido Comunista, não “por convicção” mas para satisfazer sua necessidade de ação. Na peça O Diabo e o Bom Deus (1951), Goetz é um nobre da Idade Média que abandona seus privilégios para fazer o bem aos camponeses. Inspirados nesse exemplo, os camponeses rebelam-se contra todos os senhores feudais e empregam a violência. Goetz acaba por concluir que, para transformar o mundo, a violência, às vezes, é necessária; é preciso “ter as mãos sujas”, para combater a opressão; o Bem abstrato e sobrenatural nada consegue realizar, só o próprio homem é criador de sua liberdade.

Existencialismo e marxismo

 O homem enquanto ser-em-situação, a  necessidade de engajamento, a responsabilidade pessoal por todas as ações e projetos de vida e, sobretudo, a liberdade como raiz fundamental da pessoa

161

Page 162: Vida e Obra de Filosofos

humana são as coordenadas do pensamento existencialista de Sartre. As obras puramente teóricas expõem seus fundamentos filosóficos, e o teatro, o romance e o conto revelam concretamente essas ideias. Por outro lado, a própria vida do autor, principalmente depois de 1940, quando passou a participar ativamente dos acontecimentos políticos de seu tempo, também é testemunho de suas teses.

As posições filosóficas iniciais de Sartre sofreram transformações, à medida que o filósofo buscou inserir o existencialismo numa concepção mais ampla. Essas transformações derivaram, por um lado, do próprio existencialismo sartreano, que constitui uma filosofia “aberta”, e, por outro, do engajamento social e político do filósofo. Do ponto de vista da fundamentação teórica, essa nova concepção de Sartre encontra-se em Questão de Método e Crítica da Razão Dialética, publicadas em 1960.

Nessas obras, o problema fundamental colocado pelo autor é saber se é possível constituir uma antropologia ao mesmo tempo estrutural e histórica. Em outros termos, o objetivo visado por Sartre é saber se há possibilidade de se reencontrar uma compreensão unitária do homem, para além das várias teorias, das várias técnicas, das várias ciências que o investigam. Sartre, contudo, não pretende inventar esse novo saber do homem. Não se trata de opor à tradição uma nova filosofia, capaz de fornecer soluções para os problemas que as antigas doutrinas sobre o homem não conseguiram resolvera Esse novo saber já existe segundo Sartre e circula anonimamente entre os homens: o marxismo. O marxismo, para Sartre, é a filosofia insuperável do século XX, “é o clima de nossas ideias, o meio no qual estas se nutrem... a totalização do saber contemporâneo”, porque reflete a práxis que a engendrou. Na mesma linha de ideias, Sartre afirma que, depois da morte do pensamento burguês, o marxismo é, por si só, “a cultura, pois é o único que permite compreender as obras, os homens e os acontecimento i mentos”.

Sartre, contudo, não quer se referir ao marxismo oficial, tampouco pretende revisar ou superar as obras de Marx, pois para ele o marxismo supera-se a si mesmo, sendo uma filosofia que, por conta própria, se adapta às transformações sociais. Por outro lado, também não pretende voltar ao materialismo dialético puro e simples, pois este – pensa Sartre – não conseguiu dar conta das ciências, que permanecem ainda no estágio positivista. Também não se trata do materialismo histórico exclusivamente. Separar o materialismo dialético do materialismo histórico constituiria uma divisão artificial dos domínios do saber e contrariaria o espírito do marxismo, que pretende ser um projeto de totalização do conhecimento.

Dentro da concepção sartreana de que o marxismo constitui a “filosofia de nosso tempo”, o existencialismo é concebido como “um território encravado no próprio marxismo” que, ao mesmo tempo, o engendra e o recusa. O marxismo de Sartre é, assim, um marxismo existencialista, dentro do qual o existencialismo seria apenas uma ideologia. Um segundo aspecto de sua doutrina consistiria no modo pelo qual Sartre procura resolver o problema das relações materiais de produção, através do projeto existencial. O que não significa que se trate de um existencialismo tingido de marxismo, posto que o existencialismo esteja “encravado” no marxismo. Significa antes que, se o saber é marxista, sua linguagem pode ser a linguagem do existencialismo. Ao afirmar que o marxismo “é a filosofia insuperável de nosso tempo”, Sartre não faz dela uma filosofia eterna. A rigor afirma , o marxismo deverá ser superado quando existir “para todos uma margem de liberdade real além da produção da vida”. Pode-se imaginar, no futuro, num universo de abundância, uma filosofia que seja apenas uma filosofia da liberdade; mas a experiência atual não permite sequer imaginá-la.

162

Page 163: Vida e Obra de Filosofos

Bibliografia: SARTRE – Os Pensadores – Ed. Abril – Consultoria: Marilena Chauí

Hannah Arendt (*1906 +1975)

Hannah Arendt (Linden, 14 de Outubro de 1906 — Nova Iorque, 4 de Dezembro de 1975) foi uma teórica política alemã, muitas vezes descrita como filósofa, apesar de ter recusado essa designação. Emigrou para os Estados Unidos durante a ascensão do nazismo na Alemanha e tem como sua magnum opus o livro "Origens do Totalitarismo". Cientista política e vítima do racismo antissemita, Hannah Arendt tornou-se um dos grandes nomes do pensamento político contemporâneo por seus estudos sobre os regimes totalitários e sua visão crítica da questão judaica. A liberdade, o

abandono das tradições culturais e a administração tecnocrática da sociedade foram alguns de seus temas principais.

Nascida numa rica e antiga família judia de Linden, Hannover, fez os seus estudos universitários de teologia e filosofia em Königsberg (a cidade natal de Kant, hoje Kaliningrado). Arendt estudou filosofia com Martin Heidegger na Universidade de Marburgo, relacionando-se passional e intelectualmente com ele. Posteriormente Arendt foi estudar em Heidelberg, tendo escrito na respectiva universidade uma tese de doutoramento sobre a experiência do amor na obra de Santo Agostinho, sob a orientação do filósofo existencialista Karl Jaspers. Hannah Arendt doutorou-se em filosofia em 1928, na Universidade de Heidelberg.

Ao começar sua obra, “A condição humana”, Hannah Arendt alerta: condição humana não é a mesma coisa que natureza humana. A condição humana diz respeito às formas de vida que o homem impõe a si mesmo para sobreviver. São condições que tendem a suprir a existência do homem. As condições variam de acordo com o lugar e o momento histórico do qual o homem é parte. Nesse sentido todos os homens são condicionados, até mesmo aqueles que condicionam o comportamento de outros tornam-se condicionados pelo próprio movimento de condicionar. Sendo assim, somos condicionados por duas maneiras:

1-Pelos nossos próprios atos, aquilo que pensamos, nossos sentimentos, em suma os aspectos internos do condicionamento.2-Pelo contexto histórico que vivemos, a cultura, os amigos, a família; são os elementos externos do condicionamento.

Hannah Arendt organiza, sistematiza, a condição humana em três aspectos:

Labor - Trabalho - Ação

O “labor” é processo biológico necessário para a sobrevivência do indivíduo e da espécie humana. O “trabalho” é atividade de transformar coisas naturais em coisas artificias, por exemplo, retiramos madeira da árvore para construir casas, camas, armários, objetos em geral. É pertinente dizer,- ainda que sedo-, para a autora, o trabalho não é intrínseco, constitutivo, da espécie humana, em outras palavras, o trabalho não é a essência do homem. O trabalho é uma atividade que o homem impôs à sua própria espécie, ou seja, é  o resultado de um processo cultural. O trabalho não é ontológico como imaginado por Marx. Por último a “ação”. A ação é a necessidade do homem em viver entre  seus semelhantes, sua natureza é eminentemente social. O homem quando nasce precisa de cuidados, precisa aprender e apreender, para

163

Page 164: Vida e Obra de Filosofos

sobreviver. Qualquer criança recém nascida abandonada no mato morrerá em questão de horas. Por isso dizemos que assim como outros animais o homem é um animal doméstico, porque precisa aprender e apreender para sobreviver. A mesma coisa não acontece com aqueles animais que ao nascer já conseguem sobreviver por conta própria, sem ajuda. A qualidade da ação supõe seu caráter social ou como escreve Hannah, sua pluralidade. 

Tanto ação, labor e trabalho estão relacionados com o conceito de “Vita Ativa”. Para os antigos, a “Vita Ativa” é ocupação, inquietude, desassossego. O homem, no sentido dado pelos gregos antigos, só é capaz de tornar-se homem quando se distancia da “vida cativa” e se aproxima da vida reflexiva, contemplativa.

É justamente nessa visão de mundo grega que os escravos não são considerados homens. O escravo ao ocupar a maior parte de seu tempo em tarefas que visam somente à sobrevivência de si e de outros, é destituído do conceito grego de homem, mas por outro lado ele não deixa de ser humano. Portanto, dentro dessa lógica só é homem aquele que tem tempo para pensar, refletir, contemplar. Nietzsche afirma em seu “Humano, demasiado humano “que, aquele que não reserva, pelo menos, ¾ do dia para si é um escravo.

A base disso encontramos em  Sócrates: se é apenas para comer, dormir, fazer sexo, que o homem existe, então, ele não é homem, é um animal. Pois assim era visto o escravo: um animal. Um animal necessário para à formação de “homens”. É muito importante salientar que a escravidão da Grécia antiga é bem diferente da escravidão dos tempos modernos. Pois, na era moderna a escravidão é um meio de baratear a mão-de-obra, e assim, conseguir maior lucro. Na antiguidade a escravidão é um meio de permitir que alguns, por exemplos,  os filósofos, tivessem o controle do corpo, das necessidades biológicas; a temperança. Para os gregos, a escravidão, do ponto de vista de quem se beneficia dela, - os próprios filósofos da época - salva o homem de sua própria animalidade, e não lhe prende às tarefas pragmáticas. A dignidade humana só é conquistada através da vida contemplativa, reflexiva: uma vida sem compromisso com fins pragmáticos.

A religião cristã toma emprestado a concepção de mundo grego, e vulgariza a dignidade humana. Agora qualquer indivíduo pode, e deve viver, uma vida contemplativa. Enquanto na Grécia antiga a vida contemplativa era destinada aos filósofos, no cristianismo ela é destinada a todos. Essa é única forma que o cristianismo encontra para convencer os homens a rezar.

Hannah Arendt identifica três formas dicotômicas de trabalho:

Improdutivo e Produtivo - Qualificado e não Qualificado - Intelectual e Manual.

Como a intenção da autora é mostrar a fraqueza do pensamento de Karl Marx, ela diz que o conceito de trabalho usado por Marx, é  um conceito comum de sua época: trabalho é trabalho produtivo. Segundo a autora esse conceito de trabalho produtivo, isto é, trabalho que produz objetos, matéria; eclodiu das mãos dos fisiocratas. A escolha de Marx pelo uso do termo trabalho como trabalho que produz, que gera, que cria, estava em moda na época.

Com o avanço do processo de industrialização haveria de designar algum nome para todo aquele trabalho que não estava ligado ao trabalho industrial, daí nasceu o trabalho intelectual em contraposição ao trabalho manual. Tanto um como outro, faz uso das mãos, quando colocados em prática.

O intelectual precisa das mãos para escrever seu pensamento. Nesse sentido o trabalho intelectual também é trabalho manual. É dessa forma que o trabalho intelectual é integrado dentro do conceito “trabalho” da revolução industrial. A ideologia que atravessa os tempos

164

Page 165: Vida e Obra de Filosofos

modernos é a seguinte: Qualquer coisa que se faça tem que ser necessariamente produtivo, tudo deve ser transformado em mercadoria, ou seja, o valor de troca tem a última palavra.

Qual é o caráter objetivo implícito do conceito “força de trabalho” em Marx? Compreende que todos tem a mesma força de trabalho, até mesmo aqueles que são fisicamente mais fracos. Assim, Marx consegue formar o conceito de “valor de troca”, tempo de trabalho necessário dispendido para produzir um objeto. Necessário para quem? Para todos. Se o tempo médio da produção de um sapato é de seis horas, todos os trabalhadores devem se adequar. Marx não explica como ele consegue calcular o tempo médio abstrato, o tempo social?

Portanto, ele, pressupõe que todos devem ter a mesma força de trabalho, e desconsidera as diferenças subjetivas. É obvio que uma criança não tem a mesma força de trabalho de um adulto, nem o deficiente físico terá a mesma força, sem falar nas diferenças mais minuciosas. Em suma, Marx pensava que todos devem ter a capacidade de produzir um mesmo objeto num tanto “x” de horas. E é isso que será exigido pelos proprietários dos meios de produção.

A força de trabalho é aquilo que o homem possui por natureza, só cessa com a morte. Diferente do produto, a força de trabalho não acaba quando o produto termina de ser produzido. Portanto, a força de trabalho é aquilo que Hannah Arendt entende por “labor”. “O labor não deixa atrás de si vestígio permanente”. (101, Arendt)

Arendt dá alguns exemplos que nos pode ajudar entender o conceito de labor. Qual é a diferença entre um pão e uma mesa? A mesa pode durar anos e o pão dura, como muito, dois dias. O trabalho é força gasta para produzir a mesa. O labor é a força dispendida para produzir o pão. Mesa: objeto material produzido para o uso cotidiano e ocupa lugar no espaço. Pão: elemento material produzido para à sobrevivência de seres vivos e não ocupa lugar no espaço, visto que durante a digestão o pão é transformado em energia do corpo.

“O que os bens de consumo são para a vida humana, os objetos de uso são para o mundo do homem”.(Arendt) O bem de consumo é o pão e o objeto de uso é a mesa. O primeiro permite a vida; o segundo é necessário aos relacionamentos humanos. Em suma, o homem se torna dependente daquilo que produz. E para a autora, torna-se dependente é torna-se condicionado. Daí encontramos a justificativa do nome do livro: “A condição humana”. Quais são as condições que o homem se impõe e se submete para permanecer em sociedade, para viver em coletividade? Se fossemos analisar essa questão mais pormenorizadamente teríamos necessariamente de falar sobre auto repressão do prazer, aquilo que  Freud chama de controle do superego sobre o id. Mas não podemos esquecer que o nosso fim neste trabalho é perscrutar alguns aspectos e vertentes que o trabalho tem na obra da escritora alemã.

Sendo assim, como entender uma realidade que tem como pedra de toque o que chamamos  trabalho? Para que o mundo dê curso à vida é preciso transformar o abstrato em matéria, o impalpável no papável. Isso é uma necessidade humana. Sociedades ocidentais e não-ocidentais (tribais) realizam esse processo de maneiras diferentes. Na primeira, existe o valor de troca, na segunda, não há valor de troca. A palavra trabalho é um termo, conceito, ocidental que é constitutivo do capitalismo, das sociedades ocidentalizadas. E este conceito não pode ser aplicado nas sociedades não ocidentalizadas, onde o capitalismo não existe. Portanto, não faz sentido dizer que os índios trabalham. Eles não trabalham, apenas realizam atividades.

Estamos num ponto delicado do nosso trabalho. Um ponto que é ignorado por grande parte de estudiosos das ciências. A afirmação: os índios não trabalham, não quer dizer que eles são preguiçosos, quer dizer que eles não produzem valor de troca, portanto, não realizam trabalho.

165

Page 166: Vida e Obra de Filosofos

Quando Marx pensa que o trabalho pode ser constitutivo do homem, ele não está usando como pressuposto o conceito valor de troca. E, é importante entender isso, porque esse foi o lugar onde ele foi mais mal interpretado. Peço que esqueçam do conceito valor de troca por um momento. Vamos imaginar aquela velha estória do homem que se encontra isolado, sozinho numa ilha. Ele quer encontrar alguma forma para sair da ilha. E para isso ele deverá construir um barco,  irá trabalhar. Antes de construir o barco o homem tem a ideia do que seja um barco, isto é, ele já viu um barco pelo contato direto. Ao ver um barco pela primeira vez, ele forma o conceito de barco. Então, imagina um barco, cria a imagem na mente, para depois construí-lo.

A construção do barco dependente necessariamente do conceito  barco. Esse exercício de imaginar e depois construir é próprio do ser humano, e, é nesse sentido que Marx diz que o homem é o único animal que trabalha. O homem imagina e depois faz. Se acrescentamos o valor de troca, temos o trabalho capitalista. O trabalhador da fábrica sabe de antemão qual objeto irá produzir, sabe para que será usado. Todo objeto antes de ser construído tem sua finalidade, sua utilidade.

Nesse aspecto entre o meio (recurso usado para obter um fim) e o fim, temos a distinção entre objeto e instrumento. O instrumento é usado para produzir o objeto, por exemplo, o alicate é usado na produção de automóveis. Uma vez acabada a produção do automóvel, este serve como meio de transporte. A princípio temos o automóvel como fim, e num segundo momento temos o automóvel como meio. Ele é um fim em relação ao alicate, e depois, é um meio em relação ao homem. Se em relação ao alicate temos um objeto, em relação ao homem temos um instrumento. É nesse sentido que Arendt fala que existe um processo circular entre meio e fim, instrumento e objeto; em que todo fim se torna meio e todo meio se torna fim. Assim nos explica Hannah Arendt: “Num mundo estritamente utilitário, todos os fins tendem a ser de curta duração e a transformar-se em meios para outros fins.” (Arendt, 167)

Nenhum instrumento é produzido a bel-prazer, é produzido para atender ao tipo de objeto desejado. O que realmente importa ao empregador é o objeto final acabado, o instrumento é apenas o meio. Por isso dizemos que os meios de produção são instrumentos usados para gerar mais-valia. Usados por quem? Pelo trabalhador assalariado. Quando o assalariado não percebe que o uso que ele faz do instrumento, -seu trabalho-, gera mais- valia, dizemos que ele se encontra num estado de alienação.

Vamos voltar um pouco na distinção entre trabalho e labor. Já foi dito que o labor é trabalho gasto para produção de alimentos. Portanto, é o que mantem a saúde do indivíduo. Só assim ele poderá trabalhar. Nesse aspecto o labor é pré-requisito do trabalho. O que quer dizer isso? Não é possível, (dentro dos termos de Arendt), existir trabalho sem labor, ainda que seja possível o inverso. Ao passo que o labor produz a matéria para incorporá-la ao organismo, o trabalho a produz para que esta seja usada na produção de outros objetos e na materialização do abstrato (exemplo, colocar no papel uma ideia).

Uma outra distinção entre trabalho e labor consiste em que, enquanto o labor exige o consumo rápido ou imediato, o trabalho não. A lógica do trabalho é a durabilidade dos objetos. Sua durabilidade permite a acumulação e estoque dos objetos.

É por meio da troca de produtos,-troca intermediada pelo valor de troca-, que se dá as relações humanas, visto que, durante a produção os homens encontram-se isolados uns dos outros. “Sem isolamento nenhum trabalho pode ser produzido” (Arendt, 174). “Somente quando para de trabalhar e quando o produto está acabado é que o trabalhador pode sair do isolamento” (Arendt, 174). Nesse sentido de trabalho, Arendt imaginara um trabalho industrial. Se incluímos os

166

Page 167: Vida e Obra de Filosofos

serviços, nem uma das afirmações anteriores se sustentam. Tendo em vista que muitos serviços são realizados no contato direto entre os homens.

http://www.mundodosfilosofos.com.br/a-condicao-humana-hannah-arendtt.htm#ixzz20L8WsURs

Claude Lévi-Strauss (*1908 +2009)

Um dos grandes pensadores do século 20, Lévi-Strauss tornou-se conhecido na França, onde seus estudos foram fundamentais para o desenvolvimento da antropologia. Filho de um artista e membro de uma família judia francesa intelectual, estudou na Universidade de Paris.

De início, cursou leis e filosofia, mas descobriu na etnologia sua verdadeira paixão. No Brasil, lecionou sociologia na recém-fundada Universidade de São Paulo, de 1935 a 1939, e fez várias expedições

ao Brasil central. É o registro dessas viagens, publicado no livro "Tristes Trópicos" (1955) que lhe trará a fama. Nessa obra ele conta como sua vocação de antropólogo nasceu durante as viagens ao interior do Brasil.

Exilado nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), foi professor nesse país nos anos 1950. Na França, continuou sua carreira acadêmica, fazendo parte do círculo intelectual de Jean Paul Sartre (1905-1980), e assumiu, em 1959, o departamento de Antropologia Social no College de France, onde ficou até se aposentar, em 1982.

O estudioso jamais aceitou a visão histórica da civilização ocidental como privilegiada e única. Sempre enfatizou que a mente selvagem é igual à civilizada. Sua crença de que as características humanas são as mesmas em toda parte surgiu nas incontáveis viagens que fez ao Brasil e nas visitas a tribos de indígenas das Américas do Sul e do Norte.

O antropólogo passou mais da metade de sua vida estudando o comportamento dos índios americanos. O método usado por ele para estudar a organização social dessas tribos chama-se estruturalismo. "Estruturalismo", diz Lévi-Strauss, "é a procura por harmonias inovadoras".

Suas pesquisas, iniciadas a partir de premissas linguísticas, deram à ciência contemporânea a teoria de como a mente humana trabalha. O indivíduo passa do estado natural ao cultural enquanto usa a linguagem, aprende a cozinhar, produz objetos etc. Nessa passagem, o homem obedece a leis que ele não criou: elas pertencem a um mecanismo do cérebro. Escreveu, em "O Pensamento Selvagem", que a língua é uma razão que tem suas razões - e estas são desconhecidas pelo ser humano.

Lévi-Strauss não vê o ser humano como um habitante privilegiado do universo, mas como uma espécie passageira que deixará apenas alguns traços de sua existência quando estiver extinta.

Membro da Academia de Ciências Francesa (1973), integra também muitas academias científicas, em especial europeias e norte-americanas. Também é doutor honoris causa das

167

Page 168: Vida e Obra de Filosofos

universidades de Bruxelas, Oxford, Chicago, Stirling, Upsala, Montréal, México, Québec, Zaïre, Visva Bharati, Yale, Harvard, Johns Hopkins e Columbia, entre outras.

Aos 97 anos, em 2005, recebeu o 17o Prêmio Internacional Catalunha, na Espanha. Declarou na ocasião: "Fico emocionado, porque estou na idade em que não se recebem nem se dão prêmios, pois sou muito velho para fazer parte de um corpo de jurados. Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter presente".

http://educacao.uol.com.br/biografias/claude-levi-strauss.jhtm

Maurice Merleau-Ponty (*1908 +1961)

Maurice Merleau-Ponty nasceu em Rochefort-sur-Mer a 14 de março de 1908 e morreu em Paris a 3 de maio de 1961. Aluno da Escola Normal Superior, formou-se em filosofia em 1930. Lecionou no Liceu de Beauvais de 1931 a 1933, no Liceu de Chartres de 1934 a 1935 e na Escola Normal Superior de 1935 a 1939.

Foi mobilizado para a 2ª Guerra Mundial entre 1939 e 1940. Depois, ensinou durante quatro anos no Liceu Carnot e participou da

resistência contra a ocupação nazista. Em 1945, quando se doutorou, foi nomeado diretor de cursos e conferências da Universidade de Lyon, da qual se tornou professor titular em 1948. Nessa época, fundou, com Jean-Paul Sartre, a revista Os tempos modernos, da qual foi assíduo colaborador.

Na Sorbonne, de 1949 a 1952, ocupou as cadeiras de psicologia e pedagogia, sendo eleito para o Colégio de França em 1952, onde lecionou até a data de sua morte.

"Gestalt", a consciência e o mundo

Para Merleau-Ponty, a compreensão das formas mais elementares do comportamento exclui a causalidade mecânica e o espaço geometricamente entendido, e implica o recurso a um "espaço ligado ao corpo como uma parte de sua carne", pois o objeto da ciência dos seres vivos é a apreensão daquilo que os torna vivos.

A teoria da "Gestalt" (forma), permitindo interpretar a forma como estrutura, facilita a compreensão fenomenológica do ser vivo, enquanto união dialética e indecomponível da alma e do corpo.

As formas realizam, assim, uma síntese da natureza e da ideia, e são conjuntos de forças em estado de equilíbrio ou de mudança constante, de tal sorte que lei alguma pode ser formulada em relação às partes tomadas isoladamente, cada vetor sendo determinado, em grandeza e direção, por todos os outros.

168

Page 169: Vida e Obra de Filosofos

Segundo Merleau-Ponty, o que há de profundo na ideia de "Gestalt" não é a ideia de significação, mas a de estrutura, de junção de uma ideia e uma existência indiscernível, que confere aos materiais um sentido, a "inteligibilidade em estado nascente".

No que se refere à análise da percepção, no pensamento do filósofo francês a fenomenologia se torna existencial, pressupondo apenas, como "lógos", o próprio mundo, e ensinando que filosofar é reaprender a ver o mundo, voltar às próprias coisas.

Em que momento a consciência se insere no mundo? A teoria clássica da percepção não o explica - e a psicologia não consegue descrever esse momento. Assim, não existe a "sensação pura", o azul sem o céu, o amarelo sem o reflexo nervoso. A sensação se insere sempre num "campo", no qual é espontaneamente interpretada.

A percepção que funda e inaugura o conhecimento, implica a significação do percebido, condição de todas as associações apreendidas como conjunto. Perceber também não é lembrar-se, porque invocar a lembrança pressupõe o que se pretende explicar por seu intermédio.

Na opinião de Merleau-Ponty, o mundo humano é um "intermundo", no qual a transcendência dos outros seres humanos é mais "resistente" que a dos objetos, porque os outros são consciência e liberdade.

Para os outros, nós somos "pedaços de mundo", e a relação entre as consciências e a relação dialética do senhor e do escravo.

Não há, pois, apenas homens e coisas, mas também esse "intermundo" que chamamos de história , simbolismo, verdade a fazer, cuja mola não seria a negação pura, mas a promessa de "sentido", que subsiste apesar dos mais graves "contrassensos", e representa a esperança da humanidade.

Embora interrompida por sua morte prematura, a obra de Merleau-Ponty representa importante contribuição ao desenvolvimento da fenomenologia.

Filósofo do "sentido", ele foi dos primeiros a interessar-se pela linguística positiva. Procurando revelar a dialética que articula o sentido proferido com o que se acha implícito em nosso comportamento e nas coisas, Merleau-Ponty abriu novas e fecundas perspectivas à pesquisa fenomenológica.

Fonte: Enciclopédia Mirador Internacional / http://educacao.uol.com.br/biografias/maurice-merleau-ponty.jhtm

Thomas Kuhn (*1922 +1996)

Vida e obra: Nasceu nos Estados Unidos. Formado como físico questionou, em A Estrutura da revolução científica, a visão ortodoxa do progresso científico como a acumulação gradual do conhecimento. Em vez disso, propôs que a ciência se desenvolve através de períodos bem definidos.

169

Page 170: Vida e Obra de Filosofos

Principais ideais: Kuhn afirma que há períodos de "ciência normal", em que cientistas dão por certos os pressupostos da estrutura teórica dominante da época, ou "paradigma". Este (a dinâmica newtoniana, por exemplo) dita que tipos de problemas há e os métodos que os cientista usam para resolvê-los. O conceito mais importante para Kuhn é o de paradigma (modelo). Durante um tempo, todos os cientistas procuram orientar suas pesquisas com base em um modelo, de maneira a preservar a verdade científica. O que não se encaixar nesse modelo será excluído; será considerado anomalia, mas isso também pode indicar que o cientista não aplicou corretamente o modelo e sua metodologia.Para Kuhn, o determinante das normas da ciência é o paradigma aceito pelos cientistas. Mas, por motivos nem sempre racionais, os cientistas mudam de paradigma, após uma crise da ciência normal, o que, em geral, é fundamentado na anomalia, isto é, quando a ciência normal não consegue responder a alguns problemas, como a órbita de Mercúrio para a física newtoniana.Essa crise se estende até uma revolução científica, quando a maneira de fazer ciência muda completamente. Quando ocorre essa mudança, segundo Kuhn, chega-se a uma nova ciência normal, a partir desse momento praticada com um novo paradigma.A ordem do desenvolvimento da ciência por Thomas Kuhn é a seguinte: 1.Pré-ciência. 2.Ciência normal. 3.Crise. 4.Revolução científica. 5.Nova ciência normal.

Bibliografia: CHAUI, Marilena – Iniciação à Filosofia; Ed. Ática, 2009 / LAW, Stephen – Guia Ilustrado Zahar de Filosofia; Ed. Zahar,

http://filsofos-vidaeobra.blogspot.com.br/2009/08/thomas-kuhn.html

Paul-Michel Foucault (*1926 +1984)

Nascido em uma família tradicional de médicos, filho do cirurgião Paul Foucault e de Anna Malapert, nasceu em Poitiers, no dia 15 de outubro de 1926.  Michel Foucault frustrou as expectativas de seu pai, cirurgião e professor de anatomia em Poitiers, ao interessar-se por história e filosofia.  Na sua educação escolar encontrou todas as influências necessárias para guiá-lo no caminho da filosofia. Seu primeiro mentor foi o Padre De Montsabert, do qual herdou seu gosto pela história. Além disso, era um autodidata e adorava ler.

Foucault viveu o contexto da Segunda Guerra Mundial, o que estimulava ainda mais seu interesse pelas Ciências Humanas. Mesmo contrariando os desejos paternos de que seguisse a Medicina, suas condições sócio financeiras lhe permitiam seguir com seus estudos.

 Em 1945, com o fim da Guerra, Michel passa a morar em Paris, apoiado pela mãe, Anna Malapert e, neste mesmo ano, tenta pela primeira vez entrar na Escola Normal Superior, mas é reprovado. Vai estudar então no Liceu, onde tem aulas com o famoso filósofo hegelianista Jean Hyppolite. No ano seguinte, em 1946, ele consegue finalmente ingressar na Escola Normal Superior da França (Ècole Normale), e aí tem aulas com Maurice Merleau-Ponty.

Foucault realiza sua graduação em Filosofia na Sorbonne, em 1949 obtém o diploma de Psicologia e coroa seus estudos filosóficos com uma tese sobre Hegel, orientado por Jean

170

Page 171: Vida e Obra de Filosofos

Hyppolite. Foucault foi sempre mentalmente inquieto, curioso e angustiado. Seu temperamento fechado o fez uma pessoa solitária, agressiva e irônica.

Em 1948, após uma tentativa de suicídio, iniciou um tratamento psiquiátrico. Em contato com a psicologia, a psiquiatria e a psicanálise, leu Platão, Hegel, Marx, Nietzsche, Husserl, Heidegger, Freud, Bachelard, Lacan e outros, aprofundando-se em Kant, embora criticasse a noção do sujeito enquanto mediador e referência de todas as coisas, já que, para ele, o homem é produto das práticas discursiva. Em 1950 entrou para o Partido Comunista Francês, mas afastou-se devido a divergências doutrinárias e ingerências pessoais.

Michel Foucault, em 1951, passa a ministrar aulas de psicologia na Escola Normal Superior e, entre seus alunos, estão Derrida e Paul Veyne, entre outros. Ainda neste ano ele adquire uma experiência fundamental no Hospital Psiquiátrico de Saint-Anne, que irá repercutir posteriormente em seus escritos sobre a loucura. O filósofo começa a seguir as trilhas do Seminário de Jacques Lacan, e neste mesmo período aproxima-se de Nietzsche, através de Maurice Blanchot e Georges Bataille.  Michel Foucault, em 1951, passa a ministrar aulas de psicologia na Escola Normal Superior e, entre seus alunos, estão Derrida e Paul Veyne, entre outros. Ainda neste ano ele adquire uma experiência fundamental no Hospital Psiquiátrico de Saint-Anne, que irá repercutir posteriormente em seus escritos sobre a loucura. O filósofo começa a seguir as trilhas do Seminário de Jacques Lacan, e neste mesmo período aproxima-se de Nietzsche, através de Maurice Blanchot e Georges Bataille. No campo psicológico, ele conclui seus estudos em Psicologia Experimental. No ano de 1952 cursou o Instituto de Psychologie e obteve diploma de Psicologia Patológica. No mesmo ano tornou-se assistente na Universidade de Lille. Foucault lecionou psicologia e filosofia em diversas universidades, na Alemanha, na Suécia, na Tunísia, nos Estados Unidos e em outras. Escreveu para diversos jornais e trabalhou durante muito tempo como psicólogo em hospitais psiquiátricos e prisões.

De 1970 a 1984, Michel ocupa o cargo de Professor de História dos Sistemas de Pensamento no Collége de France, no qual ele toma posse com uma aula que se torna famosa sob o título de “Ordem do Discurso”.Viajou o mundo fazendo conferências. Em 1955, mudou-se para Suécia, onde conheceu Dumézil. Este contato foi importante para a evolução do pensamento de Foucault. Conviveu com intelectuais importantes como Jean-Paul Sartre, Jean Genet, Canguilhem, Gilles Deleuze, Merlau-Ponty, Henri Ey, Lacan, Binswanger, etc.

Aos 28 anos publicou "Doença Mental e Psicologia" (1954), mas foi com "História da Loucura" (1961), sua tese de doutorado na Sorbone, que ele se consolidou como filósofo, embora preferisse ser chamado de "arqueólogo", dedicado à reconstituição do que mais profundo existe numa cultura - arqueólogo do silêncio imposto ao louco, da visão médica ("O Nascimento da Clínica", 1963), das ciências humanas ("As Palavras e as Coisas", 1966), do saber em geral ("A Arqueologia do Saber", 1969). Suas obras, desde a “História da Loucura” até “A História da Sexualidade”, que com sua morte ficaria inacabada, enquadram-se dentro da Filosofia do Conhecimento.  

Em “História da Loucura”, ele explora as razões que teriam levado, nos séculos XVII e XVIII, à marginalização daqueles que eram considerados desprovidos da capacidade racional. Seus estudos sobre o saber, o poder e o sujeito inovaram o campo reflexivo sobre estas questões. Tudo que se concebia sobre estes temas em termos modernos é transgredido pelo pensamento

171

Page 172: Vida e Obra de Filosofos

foucaultiano, o que levam muitos a considerarem o filósofo, a despeito de sua própria auto opinião, um pós-moderno.

Esteve no Brasil em 1965 para conferência à convite de Gerard Lebrun, seu aluno na rue d'Ulm em 1954. Em 1971 ele assumiu a cadeira de Jean Hyppolite na disciplina História dos Sistemas de Pensamento. A aula inaugural foi "a Ordem do discurso". . Várias vezes esteve no Brasil, onde realizou conferências e firmou amizades. Foi no Brasil que pronunciou as importantes conferências sobre "A Verdade e as Formas Jurídicas", na PUC do Rio de Janeiro.

A obra seguinte, "Vigiar e Punir", é um amplo estudo sobre a disciplina na sociedade moderna, para ele, "uma técnica de produção de corpos dóceis".

Foucault analisou os processos disciplinares empregados nas prisões, considerando-os exemplos da imposição, às pessoas, e padrões "normais" de conduta estabelecida pelas ciências sociais. A partir desse trabalho, explicitou-se a noção de que as formas de pensamento são também relações de poder, que implicam a coerção e imposição.

A princípio Foucault seguiu uma linha estruturalista, mas em obras como “Vigiar e Punir” e “A História da Sexualidade”, ele é concebido como um pós-estruturalista. A questão do ‘poder’ é amplamente discutida pelo filósofo, mas não no seu sentido tradicional, inserido na esfera estatal ou institucional, o que tornaria a concepção marxista de conquista do poder uma mera utopia. Segundo ele, este conceito está entranhado em todas as instâncias da vida e em cada pessoa, ninguém está a salvo dele. Assim, Michel considera o poder como algo não só repressor, mas também criador de verdades e de saberes, e onipresente no sujeito.

Ele estuda o que de mais íntimo existe em cada cultura ou estrutura, investigando a loucura, o ponto de vista da Medicina, em “Nascimento da Clínica”, a essência das Ciências Humanas, no livro “As Palavras e as Coisas”, os mecanismos do saber em “A Arqueologia do Saber”. Na sua produção acadêmica ele investiu contra a psiquiatria e a psicanálise tradicionais. Além da sua obra conhecida, muitos cursos e entrevistas do autor contribuem para uma melhor compreensão de sua forma de pensar.Assim, é possível lutar contra a dominação representada por certos padrões de pensamento e comportamento sendo, no entanto, impossível escapar completamente a todas e quaisquer relações de poder. Em seus escritos sobre medicina, Foucault criticou a psiquiatria e a psicanálise tradicionais. Deixou inacabado seu mais ambicioso projeto, "História da Sexualidade", que pretendia mostrar como a sociedade ocidental faz do sexo um instrumento de poder, não por meio da repressão, mas da expressão. O primeiro dos seis volumes anunciados foi publicado em 1976 sob o título "A Vontade de Saber".

Em 1984, pouco antes de morrer, publicou outros dois volumes: "O Uso dos Prazeres", que analisa a sexualidade na Grécia Antiga e "O Cuidado de Si", que trata da Roma Antiga. Foucault teve vários contatos com diversos movimentos políticos. Engajou-se nas disputas políticas nas Guerras do Irã e da Turquia. O Japão é também um local de discussão para Foucault.Os Estados Unidos atraíram Foucault em função do apoio à liberdade intelectual e em função de São Francisco, cidade onde Foucault pode vivenciar algumas experiências marcantes em sua

172

Page 173: Vida e Obra de Filosofos

vida pessoal no que diz respeito à sua homossexualidade. Berkeley tornou-se um polo de contato entre Foucault e os Estados Unidos.

Em 25 junho de 1984, o filósofo foi vítima de agravamento gerado pela AIDS, que provocou em seu organismo uma septicemia, levando-o a óbito.  Foucault morreu aos 57 anos, em plena produção intelectual. 

  http://www.infoescola.com/psicologia/michel-foucault

 

 

173

Page 174: Vida e Obra de Filosofos

174