Victor Margolin - O Design e a Situação Mundial

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    ARCOS VOLUME1 1998 NMERONICO

    O design e a situao mundial1

    Victor Margolin

    O mundo est em tumulto. Defrontamo-nos hoje com o que Horst Rittel

    denominava uma classe de problemas do sistema social mal formulados, em

    que as informaes so confusas, em que existem muitos clientes e formadores

    de opinio com valores conflitantes e em que as ramificaes do prprio sistema

    se acham profundamente confusas.2 Uma maneira de conferir sentido a esse

    tumulto tem sido a construo de modelos da situao mundial, de forma aidentificar reas problemticas. Foi iniciado um importante esforo nesse sen-

    tido pelo Clube de Roma, organizao formada em 1968 por iniciativa do in-

    dustrial italiano dr. Aurelio Peccei. Em decorrncia de suas primeiras reunies,

    o Clube de Roma resolveu empreender um projeto excepcionalmente ambicio-

    so para examinar o complexo de problemas que desafiam os homens de todas

    as naes: a pobreza em meio riqueza; a degradao do meio ambiente; a

    perda de confiana nas instituies; o crescimento urbano descontrolado; a

    insegurana no emprego; a alienao da juventude; a rejeio de valores tra-

    dicionais; e a inflao e outras rupturas econmicas e monetrias.3 O projeto

    pressupunha que era possvel entender o mundo como um sistema e analis-

    lo como um todo. O resultado foi um relatrio publicado pela primeira vez em

    1972, The limi ts to growth(Os limites do crescimento), que defendia vigorosa-

    mente a necessidade de se conquistar um equilbrio global baseado em limites

    ao crescimento da populao, no desenvolvimento econmico dos pases

    menos desenvolvidos e em uma ateno redobrada aos problemas ambientais.O relatrio definia o que os autores vieram a chamar de uma problmat ique, ou

    problemtica, que poderia vir a ser alterada e desenvolvida de modo a incor-

    1O original do presente artigo foi publicado em 1996 como Global equilibrium or global expansion:

    design and the world situation, Design issues, v.12, n.2. Desde l, foram publicadas verses

    reduzidas em espanhol, italiano e alemo.2O conceito de um problema perverso, desenvolvido porRittel, citado por Buchanan a partir de

    um artigo de C. West Churchman; ver Richard Buchanan, Wicked problems in design thinking,

    Design issues, v. 8 (1992), p. 16.3Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jrgen Randers & William H. Behrens III, The limit s to

    growt h: a report for t he Club of Romes project on the predicament of mankind(Nova Iorque: New

    American Library, 1974), p. x.

    ODESIGNEASITUAOMUNDIAL

    artigo

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    DESIGN, CULTURAMATERIALEOFETICHISMODOSOBJETOS

    porar novos dados. Desde que foi publicado este relatrio, o Clube de Roma

    assumiu e desenvolveu outros estudos, sendo um deles o recenteThe fi rst global

    revolution(A primeira revoluo global), publicado em 1991.4 Os esforos do

    Clube de Roma, paralelamente aos estudos de outras comisses internacionaiscomo a Comisso Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento, dirigida

    pela ex-primeira ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland, e que produziu

    em 1987, sob o patrocnio da ONU, o relatrio Our common future (Nosso

    futuro comum), resultaram na promulgao do que passarei a denominar de

    um modelo de equilbrio para o mundo.5 Este modelo parte da premissa de

    que o mundo um ecossistema de equilbrio delicado, baseado em recursos

    finitos. Se os elementos desse sistema forem avariados ou colocados em dese-quilbrio, ou ainda se forem esgotados recursos essenciais, o sistema sofrer

    um estrago significativo e possivelmente entrar em colapso. Nos ltimos anos,

    esse modelo de equilbrio vem ganhando amplo apoio como uma meta a ser

    objetivada. Tem motivado a formao e a atividade de vrios partidos verdes

    na Europa e na Amrica do Norte, tem informado os programas de partidos

    progressistas em muitos pases e tem induzido uma srie de conferncias das

    Naes Unidas sobre meio ambiente, populao e direitos da mulher. No en-

    tanto a incapacidade desse modelo de acomodar o crescimento dinmico da

    produo e do comrcio internacional, que sustenta o desenvolvimento da

    economia global emergente, levou muitos empresrios e grande parte da

    opinio pblica dos pases industrializados a ignor-lo ou a apoi-lo apenas da

    boca para fora.

    Em oposio ao modelo de equilbrio, o meio empresarial internacional e

    muitos consumidores operam de acordo com o que chamarei de modelo de

    expanso mundial. Segundo este modelo, o mundo constitudo por mercadosem vez de naes, sociedades ou culturas. Os produtos desempenham o papel

    de valores simblicos do intercmbio econmico, atraindo capital que tanto

    4Alexander King & Bertrand Schneider, The first global revolution: a report by t he council of the Club

    of Rome(Nova Iorque: Pantheon Books, 1991).5VerOur common future(Oxford: Oxford University Press, 1987). Entre outros relatrios a abordarem

    o tema do desenvolvimento sustentvel nos ltimos anos esto: The global 2000 report to t he

    President of the U.S.: entering th e 21 st century(Nova Iorque: Pergamon Press, 1980); Herman E.

    Daly & John B. Cobb, Jr.,For the common good: redirecting t he economy toward communit y, the

    environment, and a sustainable future (Boston: Beacon Press, 1989); e tambm o documento adotado

    pelos pases participantes da conferncia Rio92 da ONU: Daniel Sitarz, org., Agenda 21: t he earth

    summ it strat egy to save our planet (Boulder: Earth Press, 1993).

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    pode vir a ser reinvestido na produo como incorporado na acumulao de

    riqueza privada ou corporativa. At recentemente o mercado global estava

    centrado naqueles pases economicamente desenvolvidos que Kenichi Ohmae

    e outros autores definem como a Trade, ou seja, a Amrica do Norte, a Europae o Japo.6 Esta rea de comrcio desenvolvido se amplia agora para incluir a

    China, os pases industrializados emergentes do Sudeste Asitico e alguns pa-

    ses em outras regies do mundo, como o Brasil.

    As diferentes propostas de desenvolvimento social previstas pelo modelo

    de equilbrio e pelo modelo de expanso no esto apenas em conflito; esto

    numa rota de coliso que j vem gerando um desgaste considervel, o qual se

    evidencia nas diferenas cada vez maiores entre ricos e pobres tanto em ter-mos globais quanto locais, no desenvolvimento de uma infra-estrutura de infor-

    mao que privilegia alguns e exclui outros, e numa gama de situaes ambi-

    entais precrias que ameaam provocar danos permanentes ao planeta. A tenso

    entre os dois modelos extrema e precisa ser encarada se pretendemos superar

    os aspectos menos atraentes de cada um.

    O modelo de equilbrio mais sensato mas exige uma limitao do consumo

    que se configura em desafio direto ao modelo de expanso. Existe, todavia,

    muita oposio reduo na manufatura de bens implcita na crtica ao

    consumo proferida pelo Clube de Roma e esta oposio pode ser colocada em

    termos econmicos, polticos ou pessoais. Quem opera dentro do modelo de

    expanso acredita que a inovao e o desenvolvimento de produtos so a fora

    motriz da economia global. Esse tipo de pensamento pode abarcar, inclusive,

    referncias ao modelo de equilbrio como, por exemplo, nas tentativas de

    incorporar princpios de sustentabilidade ao design de novos produtos ou ao

    redesenho de produtos existentes.7 Trata-se, porm, de um raciocnio dominadoessencialmente pela f no poder da inovao tecnolgica para enriquecer a

    experincia humana. A relao entre produtos e experincia se pauta na con-

    vico de que os bens materiais so capazes de prover uma satisfao ilimitada.

    6Ver Kenichi Ohmae, Triad power (Nova Iorque: Free Press, 1985). A Trade como regio

    mercadolgica serviu de tema central para o congresso do ICSID de 1985, em Washington, D.C.;

    ver a minha crtica a este congresso no artigo Corporate interests dominate worldesign 85

    Congress in D.C., New art examiner(maro de 1986), pp.32-35.7Ver os captulos sobre Green design e Responsible design for ethical consuming em Nigel

    Whiteley,Design for society (Londres: Reaktion Books, 1993), pp.47-133; ver tambm John Elkington

    Associates, The green designer(Londres: Design Council, 1986).

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    O materialismo tem se tornado parte to integrante das noes de felicidade

    que o desenvolvimento de produtos encontra-se emaranhado de forma quase

    inextricvel busca do melhoramento da vida humana.

    Isto implica conseqncias importantes. Primeiramente, inexistem restries busca de aperfeioamento dos produtos e inexiste, igualmente, qualquer

    consenso a respeito do que seria uma qualidade de produto suficiente. Essa

    situao perpetuada por fabricantes que chamam constantemente a ateno

    do pblico para as caractersticas excepcionais de produtos criados para mer-

    cados avanados e especializados, o que particularmente evidente nos setores

    de equipamentos para atividades de lazer como atletismo, ciclismo, nutica e

    tnis.8

    Evidencia-se tambm no mercado americano de aparelhos de som emque algumas empresas adaptaram para o uso domstico tecnologias de

    telecomunicaes extremamente avanadas. Por exemplo, a Apogee Acoustics

    lanou em 1992 um sistema de caixas de som custando 60 mil dlares enquanto

    a Madrigal Audio Laboratories, de Connecticut, colocou venda um proces-

    sador digital por quase 14 mil dlares.9 Embora relativamente poucas pessoas

    possam adquirir aparelhos to caros, cada definio dos limites mais altos do

    mercado provoca uma cadeia de reaes que redefine todos os parmetros.

    Esse efeito se manifesta pela diferenciao de nveis de qualidade, que gera,

    por sua vez, uma gama extraordinria de produtos oferecidos ao consumidor,

    o qual passa a medir o valor de sua aquisio em relao aos padres mais

    elevados da rea e at mesmo a almejar um upgradede qualidade, quando as

    circunstncias permitirem. Freqentemente, a qualidade do produto est alm

    daquilo que o usurio pode aproveitar mas, mesmo assim, a compra efetuada

    porque o produto representa o que h de melhor e isto vem a constituir-se em

    uma declarao simblica. Hoje, o refinamento dos produtos muito maissofisticado do que quando Thorstein Veblen formulou a sua noo do consumo

    conspcuo, h quase um sculo.10Os novos produtos de hoje no constituem

    apenas verses desnecessrias e extravagantes de produtos que j existem: so

    antes a materializao de melhorias concretas que alteram a experincia

    humana em seu sentido mais profundo.

    O modelo de expanso tambm opera pela criao de mercados para novos

    8Sobre a predileo americana por equipamentos esportivos de ltima gerao, ver John Skow,

    Geared to the Max, Time(6 de setembro de 1993), pp.48-50.9This sonic boom is made in America, Business Week(4 de maio de 1992), p.140.

    10Ver Thorstein Veblen, Theory of the leisure class (Boston: Houghton Mifflin, 1973).

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    produtos onde antes no existia nada. Hoje, o nmero de objetos em uso

    dirio nos pases industrializados est em expanso e no em declnio porque

    aes desempenhadas anteriormente pelas prprias pessoas, ou aes que nem

    se faziam necessrias, passaram a ser desempenhadas por produtos, espe-cialmente por produtos inteligentes. Um bom exemplo est no uso do pagere

    do telefone celular. A vontade de estar prontamente acessvel e de poder

    alcanar os outros tornou desejvel ou mesmo imperativo o uso constante de

    telefones celulares ou pagers. O sucessor do bip, inicialmente de uso exclusivo

    dos mdicos e de outras profisses de urgncia, hoje utilizado at por

    adolescentes que reivindicam o contato imediato a qualquer momento. Isto

    no somente criou um mercado enorme parapagers e telefones como tambmdesviou somas imensas para as companhias provedoras dos servios de trans-

    misso telefnica.11Os fabricantes tentam, no momento, elevar os terminais

    de vdeo a esse mesmo padro de ubiqidade, j que algumas companhias

    areas pretendem introduzir terminais capazes de transmitir filmes evideo games

    ao passageiro diretamente no seu assento.

    O desenvolvimento e a disseminao desses novos objetos tecnolgicos faz

    parte de um processo de estimulao das expectativas do consumidor de mo-

    do a criar novas demandas de produtos. E no h nenhum limite vista. At

    mesmo uma atividade como a jardinagem, que nunca exigiu equipamentos

    extravagantes, virou alvo para a venda de apetrechos de luxo como luvas de

    pelica, calas especiais, protetores de joelho, carssimos podadores suos, um

    regador de alto preo para atingir locais de acesso difcil e at uma pzinha de

    prata que custa dois mil dlares.12 A velocidade de inovao continua a crescer,

    particularmente na eletrnica, e os usurios so condicionados a participar do

    processo atravs do upgradeconstante de produtos existentes e da aquisio denovos. A sofisticao do funcionamento uma das promessas dessa nova onda

    de produtos inteligentes que incluem, entre outros: cortadores de grama

    eletrnicos com sistemas de monitoramento computadorizados que alteram a

    potncia do motor de acordo com a espessura da grama, ou uma casa inteligente

    11O produto principal neste caso o servio telefnico e no o pager ou o celular. Para as

    companhias telefnicas quase vale a pena distribuir os aparelhos gratuitamente ou vend-los a

    baixo custo para atrair mais consumidores para o seu verdadeiro servio: o uso de canais de

    comunicao. Questes conexas so tratadas em Peter Coy & Neil Gross, The technology pa-

    radox, Business Week (6 de maro de 1995), pp. 76-81, 84.12

    Power gardening,Time (10 de junho de 1995), pp. 52-57.

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    cujo sistema de controle faz tudo automaticamente: desde ligar a mquina de

    caf at regular o sistema desprinklerspara o gramado.13 Estas e outras inovaes

    ingressam no mercado com tamanha velocidade que lcito questionar se,

    daqui a um sculo, haver ainda algo a ser feito por mos humanas.Embora cortadores de grama e casas inteligentes permaneam no mbito

    de opes do consumidor, so outro caso os planos para uma rede nacional de

    rodovias inteligentes nos Estados Unidos, projeto para o qual o Departamento

    de Transportes j reservou 200 milhes de dlares em verbas de pesquisa ao

    longo de sete anos. Caso chegue a ser implementado, o sistema de rodovias

    inteligentes constituir um exemplo daquilo que Ivan Ill ich chamou de mo-

    noplio radical, o qual no deixa s pessoas nenhuma opo seno utiliz-lo.14

    Os motoristas sero obrigados a pagar pelo upgradepara um carro inteligente,

    equipado para transitar nessas rodovias, e toda a populao ser obrigada a

    custear a converso para o sistema novo atravs do aumento de impostos.15

    Equipar todo o sistema rodovirio dos Estados Unidos para acomodar veculos

    inteligentes acarretar um custo de bilhes de dlares, soma que poderia muito

    bem ser gasta em servios sociais que o pas precisa de forma urgente.

    Seria fcil continuar a relatar, dentro do discurso expansionista, casos de

    pesquisa e desenvolvimento de produtos justificados pela promessa de uma

    vida melhor. Porm no to fcil alterar os prprios termos do discurso.

    Enquanto os custos e benefcios de projetos como as rodovias inteligentes no

    forem medidos em relao ao que seria necessrio para enfrentar os problemas

    econmicos e ambientais que continuam a nos ameaar em escala global, esses

    projetos continuaro a receber o apoio de industriais vidos por criar novos

    produtos e mercados a qualquer preo e tambm de polticos que vislumbram

    a a oportunidade de gerar empregos para a sua base eleitoral.O argumento mais srio a favor do modelo de expanso, e contra polticas

    que garantam a sustentabilidade global, talvez seja a equao que se faz entre

    participao no mercado e poder poltico. A ascenso do Japo sua atual

    13Ver Philip Elmer-DeWitt, Tools with intelligence, Time (23 de dezembro de 1991), p. 80; e

    Heather Millar, Smart houses: getting switched on,Business week(28 de junho de 1993), pp.

    128-129.14Ivan Illich, Tools for convivialit y(Berkeley: Heyday Books, 1973), pp. 51-57.15

    Sobre carros e rodovias inteligentes, ver Kathleen Kerwin, The smart cars ahead, Business

    week (1 de maio de 1995), p. 158-E-6; e Christina Del Valle, Smart highways, foolish choices?,

    Business week (28 de novembro de 1994), pp. 143-144.

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    posio de influncia poltica resultou diretamente do seu esforo extraor-

    dinrio, durante os anos do ps-Guerra, para se tornar um ator principal na

    economia global. O exemplo japons foi devidamente abarcado pelos seus

    vizinhos que hoje rivalizam entre si no sentido de desenvolver uma infra-estrutura capaz de atrair investimentos e indstrias estrangeiros. Assimiladas

    as lies essenciais sobre o gerenciamento industrial, Coria do Sul, Hong Kong

    e outras naes vizinhas logo passaram a construir suas prprias fbricas, a

    iniciar a produo e a exportar. Os parceiros estrangeiros revelaram-se rpidos

    para aproveitar as novas oportunidades e a sua avidez em ampliar as prprias

    operaes acelerou o progresso econmico desses pases.16 Se de fato existe

    uma conexo direta entre participao econmica e poder poltico, que tipode argumento pode ser utilizado para redirecionar a energia desses pases para

    o desenvolvimento sustentvel, e no para a expanso de mercado?

    Considerando-se o dinamismo do modelo de desenvolvimento global pela

    expanso, bem como o seu poder de estimular aspiraes humanas pelo con-

    forto e pelo prazer e, ainda, os ganhos polticos em jogo na busca de poder

    econmico, remota a probabilidade de se atingir uma absteno significativa

    do consumo.17Conquistar isto de outra forma que no seja a adeso voluntria

    e individual exigiria uma reestruturao total da economia mundial e surgem

    da questionamentos srios sobre como manter um padro de vida adequado

    ou melhorado para o mesmo nmero de pessoas que j o possuem justamente

    por participarem do modelo de expanso global. Significaria tambm renegar

    uma premissa amplamente aceita nas economias avanadas: a de que um padro

    de vida confortvel, com recursos suficientes para que cada um se desenvolva

    como quiser, uma meta vlida para todos. A mudana para um modelo de

    equilbrio se torna ainda mais difcil uma vez que s pode ser efetuada atravsdo pagamento da dvida acumulada tanto por empresas quanto por governos

    que ignoraram as regras da boa cidadania ambiental, ao operarem de acordo

    com o modelo de expanso. Os custos para limpar rios poludos, purificar o ar

    16Ver Asias supercities: Hong Kong is still no. 1 but rivals are nipping at its heels, Business

    week (1 de maio de 1995), pp. 154-E-2, 152-E-4.17

    Paul Hawken tem buscado um terreno intermedirio entre os dois modelos, advogando uma

    atuao empresarial mais intensiva em prol da sustentabilidade; ver o seu livro The ecology of com-

    merce: a declaration of sustainabilit y(Nova Iorque: Harper Collins, 1993). Entre outras propostas,

    Hawken chama a ateno para o tema da ecologia industrial, argumentando que a adoo de

    polticas ambientais acertadas trar vantagens econmicas para as empresas.

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    contaminado e recuperar solos desnutridos so astronmicos mas precisam

    ser encarados para que restauremos o equilbrio ecolgico correto do planeta.

    Como parte de sua estratgia de identificao sistemtica de problemas

    globais, o Clube de Roma tambm desenvolveu um mtodo analtico deresposta apelidado de rsol ut ique; porm a sua rsol ut iqueno reconhece o grau

    de oposio entre as foras do modelo de expanso e os objetivos do

    desenvolvimento sustentvel. O Clube prope que se trabalhe atravs de insti-

    tuies pblicas novas e existentes, sem reconhecer a dificuldade de se rees-

    truturar a relao entre os modelos de expanso e de equilbrio. A soluo do

    Clube baseia-se em novos valores coletivos, que esto surgindo de maneira

    ainda nebulosa, como um cdigo moral para a ao e para o comportamento18

    ,mas isto constitui antes uma esperana do que uma estratgia.

    Os proponentes de cada modelo operam atravs de caminhos que diminu-

    em ou marginalizam o poder do outro enquanto postergam suas respectivas

    promessas de utopia para algum ponto no futuro, no qual suas estratgias de

    realizao no tm mais que ser testadas contra as crticas da oposio. Os par-

    tidrios do modelo equilibrista invocam de forma pouco realista a reduo

    radical do consumo enquanto os expansionistas insistem em desconversar a

    precariedade do estado ambiental do planeta e os riscos polticos do aumento

    constante da disparidade entre ricos e pobres. Conseqentemente, estamos

    entregues a um processo de negao intensa da necessidade de forjar rela-

    es entre os valores conflitantes desses dois modelos.

    Existe um vcuo no que diz respeito conciliao desses dois modelos que

    pode ser preenchido atravs de uma reformulao da prtica e do ensino do

    design. O design a atividade que gera planos, projetos e produtos. uma

    atividade que produz resultados tangveis, os quais podem funcionar comodemonstraes ou como discusses das maneiras em que poderamos viver. O

    design est reinventando constantemente os seus objetos de estudo, sua rea

    de abrangncia; no se limita, portanto, a categorias antiquadas de produtos.

    O mundo espera novidades da parte dos designers. Esta a natureza do design.

    O design incorpora tcnicas metodolgicas para projetar linhas de ao

    produtivas. Bons designers possuem uma capacidade aguada de observao,

    anlise, inveno, configurao e comunicao. Se entendemos o design comouma prtica que abrange desde a comunicao visual at os macro-ambientes,

    18Ibid., p. 137.

    ODESIGNEASITUAOMUNDIAL

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    podemos dotar a profisso de uma maior flexibilidade e de uma autoridade

    adicional para abordar uma grande variedade de problemas. Quando o design

    no se limita a produtos materiais, os designers podem influir nas organizaes

    e nas situaes de diversas maneiras.Diante das dificuldades extremas de reconciliar as diferenas entre

    expansionistas e equilibristas ao nvel discursivo dos valores e da tica

    estratgia que tanto a ONU quanto o Clube de Roma insistem em perseguir

    pode ser possvel avanar de modo mais proveitoso atravs de projetos e

    produtos que demonstrem novos valores em ao. Pode ser que o pblico se

    mostre mais suscetvel a estas coisas do que a um argumento que se restringe

    ao nvel da proposio e no da demonstrao. Ns que refletimos e atuamosna rea do design, precisamos enfrentar agora o problema de como alargar o

    campo de ao tradicional do design: de uma atividade que serve aos industriais

    para uma atividade engajada na busca de solues para o tipo de problemtica

    identificada pelo Clube de Roma e por outros grupos preocupados com a

    situao mundial. Trilhando esse caminho, os designers podero buscar, pela

    arte da demonstrao, conciliar os melhores aspectos dos modelos de expanso

    e de equilbrio e assim contribuiro de maneira importante para garantir uma

    continuidade proveitosa da vida no Planeta Terra.

    ODESIGNEASITUAOMUNDIAL

    Victor Margolin professor adjunto de histria do design da

    Universidade de Illinois, Chicago, Estados Unidos, e vemrealizando palestras e cursos em diversas partes do mundo. Tem

    voltado a sua ateno, ultimamente, aos efeitos da globalizao

    sobre o futuro da prtica do design. Destacam-se dentre as suas

    inmeras publicaes os livros Design di scourse, D iscoveri ng designe

    The idea of design, dos quais participou como organizador. Seu livro

    mais recente The struggle for ut opia: Rodchenko, Li ssi tzky, Moholy-

    Nagy, 1917-1946 (Chicago: University of Chicago Press, 1997).

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    DESIGN, CULTURAMATERIALEOFETICHISMODOSOBJETOS

    Abstract

    TITLE:Design and the World Situation

    AUTHOR:Victor Margolin

    This essay addresses the dilemmas posed by the

    conflict between two opposing paradigms of

    world development: an expansion model,

    which proposes a continual enlargement of mar-

    kets as the solution for problems of unequal dis-

    tribution of wealth, and an equilibrium model,

    which argues that the abuse of finite resources

    and other environmental concerns must neces-

    sarily impose limits to economic growth. The au-

    thor suggests that the field of design is ideally

    positioned to provide new approaches capable

    of achieving a fruitful integration of these two

    apparently irreconcilable positions. Design, due to

    the very nature of its methodological techniques,

    is endowed with the ability to devise producti-

    ve courses of action, if only designers can mana-

    ge to widen their traditional sphere of action to

    embrace the larger concerns at stake in ensur-

    ing the well-being of the world in general and

    not just particular segments of its population.

    ODESIGNEASITUAOMUNDIAL

    Resumo

    O presente artigo aborda os dilemas provoca-

    dos pelo conflito entre dois paradigmas opostos

    de desenvolvimento mundial: um modelo de

    expanso que prope o crescimento contnuo

    de mercados como a soluo para os problemas

    de distribuio desigual de riqueza e um mo-

    delo de equilbrio que aponta o abuso de recur-

    sos finitos e outras questes ambientais como

    limites necessrios ao crescimento. O autor su-

    gere que o campo do design idealmente cons-

    titudo para oferecer novas abordagens capazes

    de efetuar uma integrao profcua entre estas

    duas posies aparentemente irreconciliveis.

    Devido prpria natureza dos seus mtodos e

    tcnicas, o design possui a capacidade de con-

    ceber novos rumos produtivos, desde que os

    designers sejam capazes de ampliar a sua esfera

    de ao tradicional para abarcar questes mais

    amplas das quais dependem a manuteno do

    bem-estar geral do mundo e no apenas aquele

    de alguns segmentos da populao.