Viagem ao Engenho de Santana

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PROJETO DE PRODUÇÃO DE MATERIALDIDÁTICO LAHIGE - UESC

VIAGEM AO ENGENHODE SANTANAElaboração: Teresinha Marcis

Editora da UESC

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M313 Marcis, Teresinha. Viagem ao Engenho de Santana / Teresinha Marcis. - Ilhéus: Editus, 2000. 86p.

1.Engenho de Santana - História 2. Engenhos - Ilhéus-(Ba) - Brasil - História. 3. Brasil - História - Capitaniashereditárias. I. Título.

ISBN-85-7455-016-7 CDD-981.425

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA

CÉSAR BORGES - GOVERNADOR

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO

ERALDO TINOCO MELO - SECRETÁRIO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ

RENÉE ALBAGLI NOGUEIRA - REITORA

MARGARIDA CORDEIRO FAHEL - VICE-REITORA

PROJETO GRÁFICO:ADRIANO LEMOS

CAPA E ILUSTRAÇÃO:CRISTIANO MAIA

© 2000 by TERESINHA MARCIS

Direitos desta edição reservados àEDITUS - EDITORA DA UESC

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SSSSSUPERUPERUPERUPERUPERVISÃOVISÃOVISÃOVISÃOVISÃO DEDEDEDEDE P P P P PRODUÇÃORODUÇÃORODUÇÃORODUÇÃORODUÇÃO: MARIA SCHAUN; RRRRREVISÃOEVISÃOEVISÃOEVISÃOEVISÃO: MARIA LUIZA NORA, DORIVAL DE

FREITAS; CCCCCOORDOORDOORDOORDOORD. . . . . DEDEDEDEDE P P P P POLÍTICAOLÍTICAOLÍTICAOLÍTICAOLÍTICA E E E E EDITORALDITORALDITORALDITORALDITORAL: JORGE MORENO

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Agradecimentos ,

Moradores do povoado do Rio do EngenhoSenhora Alice MaranhãoEquipe LAHIGEProfessores do curso de História da UESC

E especialà Ivaneide Almeida, pelo acompanhamento integrale elaboração deste trabalho e professor MarceloHenrique pelos debates sobre o texto.

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Sumário

Apresentação ........................................................................................7Localização do povoado do Rio do Engenho .......................................9

1 - O Começo da história do Engenho de Santana .............. 11Capitanias Hereditárias .......................................................................15A Sesmaria de Mem de Sá ..................................................................18

2 - Por que um engenho em terras tão distantes? ................ 21

Engenhos de açúcar no Brasil e naCapitania de São Jorge dos Ilhéus ......................................................22Representação de um engenho movido a energia hidráulica ..............23

3 - Então, mãos-a-obra! - e quem trabalha? .......................... 27Relação colonos e nativos: dominação e resistência ...........................28A presença indígena no Engenho de Santana ....................................35Fugas e levantes de indios do Engenho de Santana ............................36

4 - O Engenho de Santana: Propriedade dos jesuítas ......... 41

5 - O trabalho escravo do negro africano ............................. 43O trabalho na produção do açúcar ......................................................45Transportando o açúcar .......................................................................48

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6 - Vida e morte nas senzalas do Engenho de Santana:O cotidiano dos escravos no tempo dos jesuítas ................... 51A senzala .............................................................................................52Escravo: trabalho a qualquer custo .....................................................53Permissão para cultivar suas próprias plantações:incentivo ou estratégia dos senhores de engenho ...............................55Vestuário e alimentação ......................................................................58Vida familiar .......................................................................................60Trabalho exaustivo, saúde debilitada .................................................61Nascimento e morte ............................................................................62

7 - Novos proprietários do Engenho de Santana ea rebelião dos escravos ........................................................... 65Carta escrita pelos escravos do Engenho de Santana ..........................67O Significado histórico da carta .........................................................70Novo proprietário, nova rebelião ........................................................71

Considerações finais ...........................................................................75Maiores informações ..........................................................................77Glossário .............................................................................................83Bibliografia .........................................................................................85

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O livro "Viagem ao Engenho de Santana " é fruto do projetode produção de Material Didático sobre temas de História Regionaldo LAHIGE. O presente trabalho revela ao público em geral, mas,especialmente aos estudantes e professores do ensino regular, as-pectos poucos conhecidos da formação histórica da região cacaueira,de um passado que durante muito tempo permaneceu distante pelafalta de material e pesquisas que ultrapassassem os limites do sécu-lo XX e a produção do cacau.

A escolha do tema, um engenho de açúcar, se justifica pelaimportância dos acontecimentos que marcaram todo o desenvol-vimento regional, que se inicia com a chegada dos colonizadorese se constrói sobre os territórios dos povos nativos, desconsideradosna definição do novo modelo de apropriação das terras: na Capita-nia de São Jorge do Ilhéus e as sesmarias doadas para pessoasricas e influentes para a implantação dos engenhos de açúcar.

O conteúdo está organizado seguindo uma ordem cronoló-gica dos acontecimentos relacionados direta ou indiretamente aoengenho. Aborda a chegada dos portugueses e a ocupação das ter-ras; o modelo de colonização adotado, focalizando a Capitaniadoada a Jorge de Figueredo, a doação da sesmaria a Mem de Sá,que implantou o Engenho de Santana em 1537.

Estes fatos são contextualizados, apontando suas influênci-as na vida dos povos indígenas, especialmente dos Tupiniquim eAimoré. Aborda as estratégias de dominação e utilização dos in-dígenas para o trabalho nos engenhos, bem como as lutas e resis-tências históricas destes povos. Vale ressaltar a transcrição da car-

Apresentação

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ta de Mem de Sá sobre a Batalha dos Nadadores e os levantes deíndios ocorridos no Engenho de Santana .

A história do engenho continua e, no período em que foipropriedade dos padres jesuítas é possível reconstituir um poucodo cotidiano dos escravos do engenho.

Um acontecimento marcante, a histórica rebelião dos escra-vos, que em 1789 ocuparam o engenho, e escreveram uma cartade reivindicação para negociar o retorno ao trabalho. Esta carta,se constitui num importante documento histórico, pois revela osescravos como agentes históricos, que resistindo à exploração pro-curam negociar melhores condições de vida e trabalho.

O livro traz, também, muitas imagens que contribuem parailustrar aspectos do texto e como elemento de reflexão para pro-fessores e alunos. Os documentos também são parte integrante dolivro, visando estimular a pesquisa de fontes primárias e proporci-onar uma leitura crítica dos mesmos, mais de acordo com o con-texto atual.

A conclusão do trabalho é apresentada como desafio paranovas pesquisas que aprofundem a leitura dos acontecimentosregistrados e de outros aspectos que ainda necessitam de maioresinformações.

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Localização do povoado doRio do Engenho

O que hoje é um tranqüilo povoado já foi sedede um grande engenho de açúcar pertencente

a Mem de Sá, o terceiro Governador Geral do Brasil.Prof. Arléo Barbosa

Povoado Rio do Engenho

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Eu não posso nem assistir a novela na hora emque estão maltratando os escravos. Fico me lem-brando do que minha madrasta contava. As pes-soas eram muito carrascas naquela época. E pen-sar que tudo o que a novela mostra aconteceumesmo por aqui.

Fala da senhora Estelina, 71 anos, moradora mais antiga do povoado do Riode Engenho, se referindo à novela de época, "Força de Um Desejo" , daGlobo. Dona Estelina ouvia muitas histórias que sua mãe de criação e ex-dona de cativeiro contava.

Esse lugar hoje está muito diferente. Quando eu era pe-quena o rio tinha cachoeiras, no outro lado tinha a casade farinha e serraria. Aqui, (apontando para o início dascasas), era uma grande olaria. Hoje ainda se encontramuitos pedaços dos tijolos.As mulheres ganhavam a vida lavando roupa. Eu mesmofui lavadeira..

Depoimento de dona Laura, 63 anos, moradora do povoado.

Aqui era tanta água que se pescava de rede dearrasto. Quando colocava os peixes na canoa,tinha de remar em pé porque não sobrava espaçopara sentar.

Seu Balbino, conhecido como Roxinho, pescador, nascido em Olivença.Casado com dona Laura, mora há 10 anos no local, mas já o conhece delongas datas.

Estelina, Amélia e Cleonice

Balbino - morador

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22 de abril de 1500, data histórica da chegada da es-quadra portuguesa, comandada pelo Almirante Pedro Álva-res Cabral, na costa das terras do Brasil.

O Começo da história doEngenho de Santana

Desembarque de Cabral em Porto Seguro - Oscar da Silva

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O quadro de Os-car Silva representa odesembarque dos por-tugueses na baía dePorto Seguro. Ele re-trata o encontro entredois povos diferentes:os nativos e os portu-gueses recém-chega-dos. Estes últimos ti-nham armas, caravelase atravessaram o oceano movidos pela busca de riquezas.

Embora um pouco decepcionados por não encontraremlogo ouro e prata, o que valorizaria mais o achado, os recém-chegados tomaram posse da terra em nome do rei de Portu-gal. Assim, a terra, a fauna e a flora e os povos nativos foramtransformados em "propriedade" da Coroa Portuguesa.

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Durante um período de trinta anos após a chegadade Cabral, naus portuguesas saíam dos portos de Lisboaem direção ao Brasil, com a finalidade de explorar as ri-quezas naturais e também garantir a posse da imensa costabrasileira.

Como Portugal detinha o monopólio comercial dosprodutos de suas colônias, combatia os outros europeusque também promoviam viagens de exploração.

Muitas frotas, portuguesas ou não, chegavam e logosaíam carregadas de pau-brasil, macacos, sagüis, papagaiose até índios para serem vendidos como escravos na Europa.

Ataque a corsário - livro de Hans Staden

Em 1531, uma frota portu-guesa capturou uma nau francesa,chamada Peregrina. Encontraramnos porões:

15 mil toras de pau-brasil, três mil pe-les de onça, 600 papagaios e 1,8 tone-ladas de algodão além de óleos medi-cinais, pimenta, sementes de algodãoe amostras de minerais. (Citado porBUENO, 1998, vol. II, p. 108-109).

Assim, até 1530, o mapa do Brasil era representado pelaexploração dos recursos naturais, com utilização intensa dotrabalho dos nativos no corte e carregamento da madeira e na

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caça de animais. Os próprios nativos, queos europeus denominaram de índios, tam-bém eram transformados em mercadori-as, vendidos como escravos na Europa.

A coroa portuguesa, apesar doimenso Império colonial e do monopóliocomercial, via sua economia se tornarcada vez mais fraca: além do luxo da cor-te, os custos das guerras para manuten-ção do império drenavam os altos lucrosobtidos pela exploração das colônias. Ou-tros europeus, principalmente Inglaterrae França, combatiam o monopólio portu- Mapa do Brasil de 1519

guês e a legalidade do Tratado de Tordesilhas.

Em 1494, o papa Ale-xandre VI e os reis dePortugal e Espanhaassinaram um tratadoque dividia as terras,"descobertas ou adescobrir" entre osdois reinos. Portugalficou com a parte doOriente, fonte das va-liosas especiarias ecom a parte do litoraldo Brasil.

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A queda dos lucros, a necessidadede aumentar os gastos de guerra para ga-rantir a posse das colônias e o crescenteinteresse de outros países de tambémocuparem as terras do Brasil, levaram ogoverno português a tomar medidas paraa colonização efetiva.

Para tal empreendimento, adota-ram um modelo já experimentado nascolônias portuguesas da África. As ter-ras do Brasil foram divididas em 15 gran-des lotes, chamados capitanias e doadasa 12 pessoas abastadas do reino. Essadivisão teve como base marcos geográ-

Mapa das capitanias

ficos, embora pouco definidos, mas desconsiderando com-pletamente as diversas nações indígenas que habitavam o li-toral e o Interior. Inicia-se assim o sistema das CapitaniasHereditárias.

Fonte: Brasil 500 anos

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Capitanias Hereditárias

Carta de doação da Capitania de São Jorge dos Ilhéuspelo rei D. João III à Jorge de Figueredo

1534: A quantos esta minha Carta virem faço saber queconsiderando eu quanto serviço de Deus e meu, pro-veito e bem de meus Reinos, e senhorios, e dos naturaessubditos deles, e ser minha Costa, e terra do Brasil maispovoada de que de agora foi assim para se nele haverde celebrar o culto, e Ofícios Divinos (...) e provocar aela os naturaes, e súditos deles de se a dita terra povo-ar e aproveitar, houve por bem de mandar repartir eordenar em capitanias de certas em certas léguas paradelas prover aquelas pessoas, que bem me parecessem,pelo qual resguardando eu os muitos serviços que Jor-ge de Figueredo Corrêa, fidalgo de minha Casa e es-crivão de minha Fazenda, a mim me tem feito; (...) poresta presente Carta faço mercê, e irrevogável doação(...) segundo adiante irá declarada de cincoenta lé-guas de terra da dita Costa do Brasil e que começa-rão na ponta da Bahia de Todos os Santos da banda doSul, e correrão ao longo da Costa (...) quanto coubernas cincoenta léguas, (...) e entrarão na mesma largu-ra pelo sertão (...) (BARBOSA, 1987, p. 33).

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No documento está escrito queo Rei de Portugal é o dono de todas asterras do Brasil e registra a doação deum imenso lote de terra ao fidalgo dacorte Jorge de Figueredo. A capitaniadoada media o equivalente a 450 kmde largura na costa e no interior. Mes-mo não estando muito claros os mar-cos que identificam os limites da cita-da capitania, é possível deduzir, pelosmapas atuais, que iniciava-se no rioJaguaripe ou no Jequiriçá, ao sul dailha de Itaparica e estendia-se até o rioGrande, atual Jequitinhonha, segundo

relato de Gabriel Soares de Sousa em seu Tratado Descritivodo Brasil, em 1587.

O documento aponta as obrigações dos capitãesdonatários: tinham de fundar vilas e implantar fazendas,tornar as terras produtivas e lucrativas, além de defendê-las contra os povos estrangeiros ou nativos que se opuses-sem aos interesses da Coroa Portuguesa.

Jorge de Figueredo Corrêa, capitão-donatário da capi-tania de "São Jorge dos Ilhéos", era escrivão da FazendaReal e um dos homens mais ricos de Portugal.

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Marco da Capitania de SãoJorge dos Ilhéus

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Jorge de Figueredo não saiu da corte para to-mar posse da capitania, designando FranciscoRomero como seu lugar-tenente ou representan-te. Romero, comandando a primeira armada, com-posta por três naus, chegou nas terras da capitaniadepois de longa viagem sem contratempos natu-rais. Vieram muitos homens, cerca de 250, instru-mentos de guerra e de lavoura e o necessário parasobreviverem os primeiros tempos. (ROCHAPOMBO, vol. I. 1953 - p. 144).

Brasão de Jorge deFigueredo Corrêa

Desembarcaram na ilha de Tinharé, próximo aBoipeba; ergueram um forte na localidade de Morro deSão Paulo e iniciaram a exploração das terras. Logo encon-

Aparentemente, esta gravura de Rugendas, de 1835,intitulada "Colônia em Ilhéus", representa o espaço geográ-fico da atual praia do Pontal onde se vê ao fundo o Morro dePernambuco.

traram outro lugar que fi-cava em uma península, en-tre quatro ilhéus edesaguadouro de rios noAtlântico. Esse local pos-sibilitava fáceis ações dedefesa e excelente ancora-douro.

Aí fundaram a Vilade São Jorge que se tornoua sede da Capitania de SãoJorge dos Ilhéus.

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A Sesmaria de Mem de Sá

Jorge de Figueredo, apesar de muito rico, buscou as-sociar-se a outras pessoas influentes para investir na pro-dução de açúcar. Assim, distribuiu sesmarias, que eramgrandes extensões de terras e alguns privilégios para o pro-prietário ou sesmeiro. O tesoureiro-mor Fernão Álvares deAndrade (o donatário da Capitania do Maranhão) recebeuuma sesmaria; outra foi doada ao rico banqueiro de origemflorentina, Lucas Giraldes, cuja família enriquecera com otráfico de especiarias do Oriente; e outra para Mem de Sá,futuro terceiro Governador Geral do Brasil.

A sesmaria de Mem de Sá media o eqüivalente a 10Km de largura e 6,30 km de comprimento. Localizava-seàs margens do rio Santana, atualmente conhecido como riodo Engenho. O documento de doação deixa claro a inten-ção de implantar engenhos de açúcar nas terras do Brasil:

Digo eu Jorge de Figueredo Correia, por este meu assi-nado, que dou ao senhor Mem de Sá uma légua e maismeia de largura e uma légua de comprido na minhaCapitania do Brasil, com todas as águas, que nestaterra se acharem, para ele fazer todos os engenhos deassucar que quizer; de que me pagará de cada enge-

nho uma arroba de assucar de cinco em cada um ano...(Citação em MONTEIRO, 1999, p.12).Mem de Sá

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Mem de Sá não chegou a visitar sua posse, mas man-dou erguer logo um engenho de açúcar denominado deSantana. Foi um engenho de grande porte, movido a energiahidráulica e utilizando extensa mão-de-obra escrava. Sua ca-pacidade de produção chegava a 10 mil arrobas de açúcaranuais.

O Engenho de Santana foi o centro econômico da Capi-tania durante séculos, sendo considerado um modelo para osfazendeiros da região.

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O consumo do açúcar, antes uma rara especiaria do Ori-ente, se tornava cada vez mais popular na Europa.

Comerciantes portugueses, responsáveis pelapopularização do consumo, impulsionavam as plantações de cananas Ilhas da Madeira e São Tomé, então colônias na África.

Por que um engenho emterras tão distantes?2

Moenda rústica - Debret

O açúcar era produzido em engenhos de pequeno, mé-dio e grande porte, que representavam o potencial de produ-ção e investimentos necessários. Os pequenos, também cha-mados de engenhocas, eram movidos por força animal ouhumana. Os grandes, denominados engenhos reais, eram mo-vidos a energia hidráulica.

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Engenhos de açúcar no Brasil e na Capitania deSão Jorge dos Ilhéus

No Brasil, o açúcar foi o principal produto que impul-sionou a colonização e definiu o modelo agrícola: amonocultura para exportação, cultivada em latifúndios e comutilização intensa de mão-de-obra escrava.

Fonte: Dados de MAURO, Fréderic, 1960 -citado por Scharwtz, 1988, p. 148.

Na Bahia foram construídos vá-rios engenhos de grande porte. Na Ca-pitania de Ilhéus existiam oito enge-nhos em 1560-64, período que esta per-tenceu ao sesmeiro e proprietário de en-genho, Lucas Giraldes, (CAMPOS, p.54 -55). A tabela ao lado comprovaum período de boa fase do açúcar naCapitania e o declínio por volta de 1583com registro de apenas 03 engenhos.Verifica-se uma tentativa de recupera-ção em 1612, mas com visível retração a partir de 1629. Em1724, existia apenas o Engenho de Santana nas terras da Ca-pitania de Ilhéus.

A instalação de um engenho no Brasil exigia um altoinvestimento, uma vez que era necessário trazer de fora to-dos os equipamentos. Devido ao alto custo de implantação,pequenos agricultores não tinham condições de construir seus

Número de Engenhos naCapitania de Ilhéus, 1570-1629

Ano Nº engenhos

1570 08

1583 03

1612 05

1629 04

*1724 01

*Scharwtz, p. 86

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próprios engenhos, geralmente atuando como fornecedoresde cana aos grandes proprietários que se tornariam os pode-rosos Senhores de Engenho.

1. Casa-grande;2. Senzala;3. Casa de Engenho (moendas);4. Capela;5. Casas de empregados livres;

Representação de um engenho movido a energiahidráulica

6. Canavial (partidos de cana);7. Curral;8. Reserva florestal9. Roças de subsistência;10. Rio.

O Engenho de Santana , segundo documentos históri-cos, se caracterizava como um engenho Real, ou seja, eramovido a energia hidráulica, dotado de instalações de gran-des dimensões e com grande quantidade de escravos.

História e Vida, Ática

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A ilustração anterior permite visualizar o complexo deum engenho real semelhante ao Santana, que existiu na loca-lidade registrada na foto abaixo.

Vista panorâmica do local onde se localizava o complexo do En-genho de Santana

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Ruínas do engenhoAo lado: pedra mó, provavelmente dacasa de farinhaabaixo, à esquerda: caldeirão de ferro;à direita: vestígios do canal construidopara desviar as águas do rio.

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"O engenho representava uma verdadeira povoação, obri-gando a utilização não só de muitos braços, como as neces-sárias terras de canaviais, de mato, de pasto e de manti-mentos. Com efeito, da casa de engenho, da de moradia,senzala e enfermarias, havia que contar com uns cem colo-nos ou escravos, para trabalharem umas mil e duzentas ta-refas de massapé (de novecentas braças quadradas), alémde pastos, cercas, vasilhames, utensílios, ferro, cobre, jun-tas de bois e outros animais." (Vitor Viana - Formação Eco-nômica do Brasil, citação em SIMONSEN, 1977, p. 98).

Engenho - Rugendas

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A implantação dos engenhos não era nada fácil, exigiamuitos trabalhadores e materiais de cobre e ferro importadosda Europa. Os colonos que aqui chegavam, diante de tantaterra povoada apenas pelos nativos, preferiam ter sua própriaroça a trabalhar como empregados. Assim, todos esperavamse valer da mão-de-obra dos indígenas.

A extensão da capitania de São Jorge dos Ilhéus ocu-pava áreas de pelo menos dois povos: os Aimoré e osTupiniquim, (ver mapa na página 79), sendo que os

Então, mãos-a-obra ! -e quem trabalha?

Encontro com Europeus - Rugendas

3

Tupiniquim, que já conheciamo ir e vir dos europeus desde operíodo da exploração do pau-brasil, logo perceberam que osrecém-chegados tinham vindopara ficar, recebendo-os comoinvasores de suas terras.

Os colonos, dotados desuperioridade técnica, instru-mentos de trabalho e armas, sub-

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jugaram os Tupiniquim que se tornaram a principal forçada colonização: eles trabalharam nas lavouras de cana eengenhos, atuaram como fornecedores de alimentos e ain-da elementos de defesa contra ataques de outras tribos nati-vas e de europeus interessados na exploração das riquezasdo Brasil.

Como "pagamento", continuaram recebendo bugigan-gas e alguns instrumentos úteis ao trabalho, como machados,anzóis e até armas.

Relação colonos e nativos: dominaçãoe resistência

Subjugados, os Tupiniquim tornaram-se aliados doscolonos portugueses nos primeiros tempos da colonização,levando a capitania e os engenhos a atingir um período deprogresso e lucros. A exploração dos nativos se intensificadevido à necessidade crescente de mão-de-obra para acom-panhar o crescimento dos empreendimentos portugueses. Osíndios não compreendem a ganância dos colonos em produ-zir mais do que o necessário para viver e resistem cada vezmais, recusando os trabalhos forçados em troca de bugigan-gas, fugindo para o interior, destruindo plantações e ame-drontando os colonos.

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As expedições militares foram, então, uma das maiseficazes estratégias para garantir a submissão dos índios e aeliminação dos resistentes. Como exemplo desta atuação nacapitania de Ilhéus, citamos o acontecimento a seguir.

No ano de 1559, os Tupiniquim se revoltaram, cercan-do a vila de Ilhéus e paralisando a produção dos engenhos. Acausa da revolta foi o assassinato de um índio, ficando o as-sassino impune. Os índios, como vingança, se revoltaram e,segundo Silva Campos (1981, p. 42), chegaram a matar umou dois brancos e atacar uma roça. O mesmo autor deduzque esses foram os únicos atos de vingança dos índios, po-rém os colonos e demais moradores entraram em pânico, aban-donaram as plantações e se esconderam na vila de São Jorge,sede da capitania.

GUERRILHAS, Rugendas

O próprio Mem de Sá,proprietário do Engenho deSantana e Governador Geraldo Brasil comandou o exérci-to que atacou os índiosrebelados. Após a campanha,ele escreveu uma carta ao reide Portugal, a qual transcre-vemos para melhor compre-ensão do ocorrido.

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Narração com base na carta de Mem de Sá ao rei, cuja transcrição originalconsta na página 80.

Ao receber um recado de que os gentios Tupiniquim da Ca-pitania de Ilhéus haviam se rebelados, que mataram muitos cris-tãos, destruiram e queimaram todos os engenhos do lugar,sendo que os moradores estavam cercados na vila de São Jorgesem ter o que comer a não ser laranjas, o Governador convocouimediatamente o conselho para planejar o socorro aos colonos.

Reunindo um exército de portugueses e índios aliados, se-guiram para atacar os Tupiniquim. Quando desembarcaram nasterras de Ilhéus já era noite. No caminho encontraram uma aldeiaa distância de sete léguas da vila. A aldeia situava-se em um altopequeno, todo cercado de água de lagoas que atravessaram commuita dificuldade. Antes de duas horas da manhã chegaram nolocal, destruindo e matando todos que quiseram resistir.

No caminho para Ilhéus foram queimando e destruindo to-das as aldeias. Os sobreviventes se juntaram e seguiram o exérci-to. Mem de Sá fez então uma cilada, cercando os índios, queforam obrigados a buscar fuga nadando no mar. O comandantemandou então os índios aliados nadar atrás deles mar a dentrocerca de duas léguas ou 13 Km. Lá no mar pelejaram de maneiraque nenhum Tupiniquim ficou vivo. Trouxeram todos os corpospara terra, colocando-os ao longo da praia, formando uma fileirade quase meia légua ... Essa batalha foi denominada como a Bata-lha dos Nadadores.

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Depois desta batalha, acontecida na praia que tem onome de Cururupe, os índios sobreviventes se renderam, sendocondenados a pagar os prejuízos. Essa medida representou alegitimação da escravidão.

A capitania, por outro lado, passa por um período deprosperidade, atingindo boa produção de açúcar, o que leva adeduzir, segundo Silva Campos (1981, p. 51), que a alegadadestruição dos engenhos não fôra tão arrasadora como re-clamaram os proprietários.

Também como estratégia de "pacificação", ou seja, tor-nar os índios dóceis, submissos e úteis ao modelo de civili-zação europeu, a coroa portuguesa escolheu os padres daCompanhia de Jesus para catequizar os índios brasileiros eformar aldeamentos. Os primeiros jesuítas chegaram com oGovernador Geral do Brasil, Tomé de Souza, em 1549. Visi-tavam as propriedades dos senhores de engenho, onde prega-vam, batizavam e faziam casamentos.

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Para formar os aldeamentos, os jesuítas recebiam terrase ajuda financeira. Muitos índios simulavam aceitar a con-dição de convertidos e para escapar do aprisionamento refu-giavam-se nos aldeamentos, onde passavam a conviver comoutros nativos, independente da etnia a que pertenciam. As-sim, tinham aos poucos sua cultura e hábitos naturaisdescaracterizados, devido à imposição de novos valores e cos-tumes, de acordo com o modelo europeu de civilização. Osíndios eram ensinados a comer com talheres, vestir roupas,cantar , rezar, e, o mais importante, a trabalhar seguindo adisciplina imposta pelo ritmo da produção comercial.

Esta ilustração de Rugendas, 1835, mesmo representando outro tempo e espa-ço, apresenta detalhes que indicam um processo de descaracterização culturaldos índios. Veja as casas ao fundo, os instrumentos de trabalho e algumaspessoas já trajando roupas, o que contrasta com a naturalidade da nudez dosdemais nativos.

A postura do padre é de professor que está ensinando, talvez como construiruma casa. Observem a presença de negros, pois neste período os jesuítas tam-bém utilizavam escravos africanos para o trabalho nas suas possessões.

Aldeia de Tapuias -Rugendas - Bib. Nacional de S. Paulo

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Cultivavam também lavoura de subsistência, fornecen-do alimentos como farinha, frutos e cereais aos colonos ejesuítas; trabalhavam ainda nos engenhos e na confecção deartesanato.

Assim, os aldeamentos se constituíram numa estraté-gia eficaz de dominação dos índios.

Manuel da Nóbrega visitou algumas vezes a capitania,mas os primeiros aldeamentos dos jesuítas foram iniciadosnas terras de Camamu e Taperoá, por volta de 1560-62 (CAM-POS, 1981, p. 53). O próprio Mem de Sá doou parte de umasesmaria que lhe pertencia, localizada nas terras de Camamu.Neste local, os jesuítas mandaram levantar uma igreja, umcolégio, casas dominicais e aí fixaram residência.

Vale ressaltar que os jesuítas nãodispensavam o uso das armas e queconcordavam com as expedições mi-litares para combater a resistência. Emrelação à campanha militar contra osTupiniquim, o próprio Manuel daNóbrega, em carta ao cardeal InfanteDom Henrique, relata a investida deMem de Sá, alegando que "essas al-mas", os índios mortos, podem entrarno reino dos céus, e que o castigo de-morou, mas foi enviado por Deus. Anchieta e Nóbrega na cabana de Pindobaçu

(frag) - Benedito Calixto

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Outro padre, Francisco Pires, também referindo-se àcampanha, conta, satisfeito, que do exército do governo, ne-nhum branco correu perigo e apenas dois dos índios alista-dos, morreram (Silva Campos, 1981, p. 43-44).

O governo português, em 1570, por influência dos je-suítas, proibiu a escravização de índios aldeados e liberou acompra de escravos africanos. Essas medidas não impedi-ram os colonos de intensificar o aprisionamento dos índios,através das bandeiras e do incentivo de guerras inter-tribais.

Os povos indígenas também foram vítimas de várias epi-demias, como sarampo, varíola, gripe. As viroses atingirammortalmente a população nativa, uma vez que seu organismonão tinha defesa natural e seus hábitos haviam sido modifica-dos para uma vida sedentária e de alimentação escassa.

ENTERRO - Rugendas

Um surto de varíola,em 1562-63, quase dizimoua população Tupiniquim .Os sobreviventes fugiampara o interior da floresta, es-palhando a epidemia e redu-zindo ainda mais a mão-de-obra para os colonos (CAM-POS, 1981, p. 58-64).

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A escassez de mão-de-obra aumenta a partir deste perí-odo, provocando aumento dos aprisionamentos de escravosentre o povo Aimoré. Estes reagem e eclodem várias revol-tas com prejuízos das plantações e engenhos, inclusive o deSantana.

Para proteger os engenhos, foram deslocados enormescontingentes de índios Tapuia e Potiguar, sendo que muitosficaram no aldeamento do conde de Linhares, então proprie-tário do Engenho de Santana , como atestam os documentosa seguir (SCHWARTZ, 1988, p. 53).

A presença indígena no Engenho deSantana

O Engenho de Santana, assim como osdemais engenhos do período colonial, utilizoumão-de-obra indígena. O autor Stuart Schwartz(1988, p. 59) em seu livro Segredos Internosapresenta os seguintes dados:

(...) em 1572, registra-se número de 109 índiosescravos , sendo 65 homens e 44 mulheres (...)Em 1599, um grupo de Tapuia impelidos pelafome apareceu no Engenho Santana , em Ilhéus,e foi usado como mão-de-obra. (...)

Índio Camacã - Mogoio - Debret

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Em 1603, novamente havendo escassez debraços, um grupo de dezoito índios foi tra-zido do sertão, foi também nessa época queos Potiguar de Pernambuco foram levadospara Ilhéus. (SCHWARTZ, 1998, p.59)

Índia Camacã - Debret

Fugas e levantes de indios do Engenho deSantana

Índio Botocudo - Debret

O engenho de Santana, em 1580, estavaalugado para Jorge Francisco Tomas. Neste pe-ríodo, os índios aldeados fizeram um levante efugiram, sendo encontrados posteriormente nasterras do Taípe, pertencentes a um certo senhor,chamado de Anrique Llois. Esse fato é conhe-cido pelo registro, em Cartório público, da or-

dem judicial para que este senhor devolvesse ao dono doEngenho de Santana, Dom Fernando de Noronha (Conde deLinhares), dezoito casais de índios que lá se encontravam.

(...) Lourenço da Veiua diz ser serto mais que Vossa Senhoria(...) mandou que lhes fosem entregues trynta quasais de topimambos forros (...) ao engenho de Santa Ana que é de DomFernando de Noronha (...) que estavão em Taipe em poder de

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Anrique Llois (...) como lhe foram dados por repartição dopovo por ver coanta necesidade o engenho do dito DomFernando tinha delles por ser fronteiro e ter continoa guerracom os aimores (...)

(Documento do Arquivo da Torre do Tombo - Cartório dos jesuítas - Maço

16, nº 24: Provisão para tornarem para a Fazenda dos Ilhéos certos índios

que della se haviam ausentado - 1579, 1582. (fl. 2v: CEDOC - UESC).

Outro levante e fuga no engenho foram registrados emprocesso judicial para comprovação do fato ocorrido, atravésde depoimentos do administrador e de outras testemunhas.Para facilitar a leitura, o fragmento do documento foi reescri-to em linguagem atual, acrescentando-se pontuaçãoinexistente no documento original:

Diz Domingos Fernandes, administrador do Engenho deSantana, que é do senhor conde de Linhares, que a 21-Out.-1602, se levantaram os gentis forros com mais alguns morado-res que estavam assentados em um lugar que se chama"Mariape" '(Maria Jape?)' . Os gentios foram trazidos do ser-tão pelos Reverendos Padres da Companhia de Jesus, paraguardar as fronteiras do engenho. Num domingo, quinze oudezesseis índios foram ao dito engenho, dizendo que iam veros parentes como faziam outras vezes. Logo se levantaramcom os índios escravos da fazenda e se prepararam para fugir

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para o sertão. Vendo que os escravos queriam fugir, seu sobri-nho e seu filho foram tentar impedir que outras pessoas fugis-sem. Os índios atiraram muitas flechas, sendo necessário queos escravos da guiné com suas mulheres e filhos se escondes-sem no baluarte. Do baluarte poderiam até matar alguns comas espingardas, mas não fizeram pois certamente os índios quei-mariam a fazenda. Assim, foram-se da fazenda mais ou menostrezentas almas (...)."

(Documento do Arquivo da Torre do Tombo - Cartório dos jesuítas - Maço

16, nº 4: Instrumento com o tratado de uma petição de testemunhas para se

provar um levantamento do gentio no engenho de Santa Anna dos Ilhéos,

18 de novembro de 1603. Pfl . 2v, 3v: CEDOC - UESC).

Os dados descritos também ilustram a estratégia de do-minação portuguesa sobre os índios e o processo dedescaracterização de sua cultura através da formação dosaldeamentos. A partir de 1580, alguns proprietários influen-tes na corte, a exemplo do conde de Linhares, então proprie-tário do Engenho de Santana, receberam autorização régiapara implantar aldeias nas proximidades de seus engenhos.

A condição dos índios aldeados pouco se diferenciavada escravidão, uma vez que eram submetidos à autoridade doproprietário português. Os índios, mesmo sendo forros (nãoescravos) não tinham liberdade de viver onde escolhessem,

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por isso, fugiam em busca da liberdade como se comprovano documento aqui transcrito.

Os jesuítas enviavam aos novos aldeamentos autoriza-dos pelo governo os índios já aldeados e catequizados emoutras regiões, como o caso dos Potiguar que viviam origi-nalmente no litoral de Pernambuco. Isso significa adescaracterização das etnias e da cultura de cada povo, im-portante estratégia para a dominação dos nativos, utilizadapelos colonizadores do Brasil.

Os índios aldeados eram utilizados para os serviços es-peciais, como consertos nas construções da propriedade, nocultivo de roças de subsistência, na defesa e captura de ou-tros índios. Essa prática permitia aos senhores concentrar amão-de-obra escrava na produção direta do açúcar, de ondeesperavam obter os lucros do investimento.

Pescaria em Ilhéus - Rugendas

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De 1618 a 1759, o Engenho de Santana passou a funcio-nar sob os cuidados dos padres de Ilhéus e de Lisboa, que em-preenderam melhorias, adquiriram escravos africanos e recu-peraram o antigo prestígio que o engenho tinha na região.

Foram construídas beneficiadoras de algodão, de ca-cau e arroz; uma olaria, uma serraria e uma casa dominical;

O Engenho de Santana:Propriedade dos jesuítas4

Carro de Boi - óleo de Frans Post

Essa ilustração de Frans Post permite imaginar como era o Engenho deSantana , a importância do rio, a utilização do carro de boi para transportar ascanas e até o desmatamento da floresta para dar lugar aos canaviais. Escra-vos, com pouca roupa e descalços, faziam parte da paisagem.

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também concluíram a construção da igreja. Osjesuítas ainda aumentaram as possessões de ter-ras e implementaram novas plantações de canae outros cultivos, como algodão e mandioca.Essas instalações, assim como o engenho, erammovidas a energia hidráulica (MONTEIRO,1999, p. 18).

As construções de igrejas geralmente sãomarcadas por lendas, que permanecem no ima-

A Igreja de Santana, cuja data de construção ainda é desconhe-cida, fazia parte do complexo do engenho e ainda permaneceem bom estado de conservação. É tombada pelo PatrimônioHistórico e Artístico da Bahia. Consta que os jesuítas concluí-ram a construção em 1733 (MONTEIRO, 1999 - p. 18).

do um local no alto domorro, as aparições con-tinuavam.Os moradores contam queas aparições cessaram de-pois da construção daigreja próximo ao rio.

Segundo eles, aindaé possível ver na pedra, asmarcas dos pés da Santa.

Imagem da Senhora Santana

Foto

: LA

HIG

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ginário das gerações atuais. A Igreja de Santana é um exem-plo típico deste fenômeno. Conta a lenda que a Santa , insis-tentemente aparecia em uma pedra, dentro do rio Santana. Paraos moradores, isso indicava que ela, a Santa, queria ficar pró-ximo ao rio. Como os construtores da igreja haviam escolhi-

Foto

: LA

HIG

E

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O Engenho de Santana já registrava 130 escravos noinventário (1573), feito após a morte de Mem de Sá e decla-rados como bens de sua filha (SCHWARTZ, 1988, p. 395).Embora a composição dos escravos não seja exclusivamentede negros africanos, a presença destes já era realidade comofoi possível observar a partir dos documentos sobre o levantedos índios.

Na Europa, o consumo do açúcar se tornava cada vezmais popular. O lucro dos comerciantes justificava qualquer

O trabalho escravo donegro africano5

O corte de cana - História e Vida ,Ática.

meio de produzir mercadoriatão doce e valiosa. Os comer-ciantes, porém, encontraramuma nova forma de aumentarainda mais os lucros: o tráficode escravos africanos.

O tráfico de escravos seintensifica, inclusive, com o in-centivo da Coroa Portuguesa,que encontra nesta atividade

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um meio de aumentar sua arrecadação através das taxas eimpostos cobrados. O lucro dos comerciantes era garantidopela obtenção, a baixíssimo custo na Costa Africana, dos ne-gros aprisionados, e, com a venda dos mesmos para os se-nhores de engenho da colônia.

Mercado de escravos em Salvador - Rugendas

A ilustração acima demonstra a chegada de uma "carga de escravos" ea intensa movimentação de homens brancos, comerciantes e funcioná-rios da coroa que registravam cada "peça" para a cobrança de taxas eimpostos. Após esse registro, os escravos eram levados para a venda.

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O trabalho na produção do açúcar

"No Engenho Santana , os cativos levantavam-se por voltade cinco horas da manhã e faziam as orações matinais antesde seguirem para o campo." (SCHWARTZ, 1988, p. 128).

Historiadores do século XVI, a exemplo de Antonil, des-creviam um engenho como "uma verdadeira fábrica de açú-car". O processo de produção era dividido em várias etapas eo trabalho era intenso.

O trato dos canaviais ocupava a maioria dos escravos,homens e mulheres, às vezes durante o dia e à noite. Era preci-so preparar a terra para o plantio das canas, derrubar as matas,queimar e limpar o terreno.

Na safra, os escravos trabalhavam no corte e carrega-mento das canas. Uma dupla tinha a tarefa de cortar o equiva-lente a 4.200 canas ou 350 feixes.

Derrubada - Rugendas

Dentro dos engenhos, haviao trabalho nas moendas, onde se in-troduziam as canas para retirar ocaldo. Ocorriam freqüentes aciden-tes, como o da escrava Marcelina,do Engenho de Santana, que per-deu um braço durante esse traba-lho repetitivo e estafante(SCHWARTZ, 1988, p. 131).

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Havia ainda os trabalhos de limpeza, e outras funçõescomo: recolher o bagaço e jogar fora, iluminar o local, aju-

Engenho - gravura de Rugendas - reprodução

Atualmente, com o desenvolvimento dos motores a combustão, a mo-agem da cana pode ser feita até nos pequenos carrinhos que vendemo caldo na rua. O açúcar agora é produzido, em escala industrial, nasgrandes usinas do sudeste e nordeste brasileiro. O trabalho é feito porassalariados, que ainda lutam contra os baixos salários e por melho-res condições de trabalho nas usinas e nos canaviais.

dar nas caldeiras, retirar a espuma do caldo fervente, etc...

A ilustração abaixo é a representação da moenda de umengenho real, movido a energia hidráulica. A roda d'água,ao fundo, girava impulsionada pela água que corria por umcanal construído para aumentar a força da correnteza. Aroda movimentava assim as demais engrenagens até amoenda. Esse ritmo contínuo exigia muitos trabalhadorespara transportar canas e colocar próximo à moenda.

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Algumas escravas assumiam otrabalho da casa de purgar, onde omelado, depois de cozido nas caldei-ras, era armazenado dentro de vasosde barro para branquear. Os vasostinham a forma de sino, com umfuro na extremidade por onde escor-

Acondicionando o açúcar na casa de purgar -História e Vida, Ática

ria a água. Na casa de purgar, o açúcar ficava em repousodurante um mês recebendo alguns cuidados.

Depois de retirado dos vasos, o açúcar empedrado eraquebrado e separado segundo a qualidade: a parte superior for-mava uma massa branca e fina, de maior valor comercial, e asoutras partes, na medida em que concentravam mais impurezas,tornavam-se mais escuras, portanto, de qualidade inferior.

O açúcar, depois de quebrado e separado, era expostoao sol para secar, sendo então pesado e embalado em caixo-tes de madeira, preparados para o transporte.

O trabalho nas caldeiras - História e Vida, Ática

O trabalho nas caldeiras era omais especializado: ocupava 04 ho-mens nas caldeiras e 04 nas tachas, maiso mestre-de-açúcar e seu auxiliar.

O trabalho mais duro era nasfornalhas, o verdadeiro inferno dosengenhos. Para as fornalhas eram

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designados os escravos rebeldes e os portadores de infec-ção, na crença de que o calor os penitenciasse ou os curas-se. Porém, o resultado sempre favorecia o funcionamentodo engenho e nunca o escravo. Em 1626, o feitor do En-genho de Santana, depois de capturar um escravo fugiti-vo, designou-o para o trabalho na fornalha como punição.O escravo suicidou-se, atirando-se às chamas(SCHWARTZ, 1988, p. 131).

Transportando o açúcar

Geralmente, os grandes engenhos, como o Santana, parafacilitar o transporte, localizavam-se às margens de rios. As-sim, barcos menores transportavam o carregamento de açú-car pelo rio Santana, até o porto de Ilhéus, de onde o açúcarseguia em escunas para Salvador onde era comercializado.

A ilustração exemplifica a variedade das embarcações.Os barcos menores eram movidos a remo e pequenas velas;

Óleo de Sunqua (frag.)

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Barco à vapor, fragmento do óleo de Luís Carlos Peixoto - Revolta de 6de setembro de 1893.

os barcos maiores ou escunas, utilizados para navegação emrotas marítimas, eram movidos apenas a vela.

A navegação a vapor na Bahia só teve início em 1819, quando foiinaugurada a primeira linha entre Salvador e Cachoeira. A empresade navegação pertencia a Felisberto Caldeira Brant, o Visconde deBarbacena, que nesta época também era proprietário do Engenho deSantana (MONTEIRO, 1999, p. 20 ).

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Os dados e informações deste capítulo constam da obraSegredos Internos, do historiador Stuart Schwartz. Em suaobra, o autor analisa o Engenho de Santana como um enge-nho atípico, ou seja, diferente da maioria dos engenhos deaçúcar do Brasil colonial. Acrescenta como possível justifi-cativa, a localização do Engenho de Santana distante doRecôncavo Baiano, onde se concentrava a maioria da popu-lação escrava, e ao fato de ser administrado durante longotempo pelos padres jesuítas. Essa situação "atípica" permi-tiu aos escravos maiores possibilidades de resistência, for-çando a negociação com os proprietários e chegando a con-quistar algumas condições favoráveis, mesmo dentro do re-gime da escravidão. A seguir, apresentaremos algumas situ-ações que o autor trabalhou na obra citada.

Vida e morte nas senzalas doEngenho de Santana: O cotidi-ano dos escravos no tempo dosjesuítas6

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A senzala

O padre Teixeira, administrador do Engenho de Santana,em 1730 escreveu uma carta aos seus superiores, fazendouma série de reclamações e denúncias acerca do comporta-mento e do tratamento dispensados aos escravos. Ele denun-ciou que as casas da senzala situavam-se em um morro íngre-me, dispostas em três fileiras ou ruas, e não eram visíveis daresidência do administrador, situação que deixava os cativoscom demasiada liberdade, na opinião dele. Ele também re-clama que, ao invés das portas serem trancadas a chave comonos demais engenhos, ali as portas eram abertas, sendo fre-qüentes as fugas dos escravos jovens para namorar durante anoite. Quando ele descobria as fugas, mandava açoitar osenvolvidos (SCHARWTZ, 1988, p. 329).

Victor Frond (frag)

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Escravo: trabalho a qualquer custo

Os castigos físicos eram a forma mais comum para man-ter o escravo submisso e obediente. Essa prática era tambémutilizada pelos padres jesuítas. Nos canaviais, a labuta sem-pre era acompanhada por um feitor e sua chibata, como rela-ta um jesuíta do Engenho de Santana. Ele alegava que ape-nas palavras não bastavam, que era necessário andar pelo ca-navial com o diabo na boca e o pau nas costas dos pobres(Citado por SCHARWTZ, 1988, p. 130).

Castigos domésticos - Rugendas

Apesar da chibata nunca ter sido dispensada, os senho-res de escravos, quando lhes era conveniente, utilizavam ou-tras estratégias para manterem os escravos trabalhando. Mui-

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tos autores coloniais escreveram sobre a importância de tra-tar bem os escravos, principalmente aqueles que realizavamserviços mais especializados. Um melhor tratamento era umaboa maneira para conseguir certa "colaboração" no trabalho,evitando muitas vezes um prejuízo maior, como a perda daprodução ou qualidade do açúcar, além de evitar fugas e re-voltas. Os jesuítas do Engenho de Santana também utiliza-vam essas artimanhas: em 1743,o administrador do engenho,padre Pedro Teixeira, escreveu uma carta aos padres do Co-légio de Santo Antão de Lisboa agradecendo as medalhasreligiosas que foram enviadas aos escravos como presente.Ele ressaltou que os escravos ficaram muito satisfeitos e "tra-balharam com mais disposição"( Scharwtz, 1988, p. 140) .

O trabalho dentro do engenho - Brasil 500 anos - Ed.Abril

A localização do Enge-nho de Santana também difi-cultava a contratação de mão-de-obra branca e livre para ostrabalhos que exigiam especi-alização, como: mestre-de-açúcar, feitores, carpinteiros.Esses cargos, no Engenho deSantana, eram freqüentemente

ocupados por escravos da casa, que, logicamente, não impu-nham o mesmo rigor exigido pelos "oficiais" brancos, comose percebe em uma carta de desabafo de um administradordesse engenho em 1750:

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- os escravos trabalham pouco, menos de cinco horas - es-creveu ele.- Quando reclamo, eles vem com respostas; eu digo que osbrancos trabalham mais que os negros e eles respondem -os brancos ganham dinheiro, nós nada.

O feitor se lamentava, considerando-se um grande peca-dor para estar neste engenho, onde chegava a ouvir respostas"malcriadas" dos escravos (SCHARWTZ, 1988, p. 141-142).

Essa situação certamente não era muito comum, mes-mo no Engenho de Santana, como sugere o registro da rotinados escravos neste engenho: os cativos levantavam-se cercade cinco horas da manhã e faziam as orações matinais antesde seguirem para o campo. Tinham um pequeno café maisou menos às nove , três ou quatro horas depois almoçavamali mesmo no campo, e continuavam trabalhando até o anoi-tecer (SCHARWTZ, 1988, p. 128).

Permissão para cultivar suas próprias plantações:incentivo ou estratégia dos senhores de engenho

Durante os três séculos em que vigorou a escravidãono Brasil, os senhores de escravos foram desenvolvendo no-vas estratégias para manter os cativos nas propriedades, comoa permissão para cultivar suas próprias roças. Alguns discu-tiam a liberação de um dia de trabalho do canavial para que o

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escravo plantasse os próprios alimen-tos. Mas essa questão não era a re-gra geral entre os senhores de escra-vos, sendo que muitos consideravam"perigoso", pois implicava em ce-der a posse de ferramentas e maiorliberdade ao escravo. Outros propri-etários analisavam as vantagens,principalmente em relação ao repas-O trabalho na roça - História e Vida, Ática

se dos custos da alimentação ao próprio escravo, além da pos-sibilidade de manipulação dessa permissão para obter maiorsubmissão dos escravos.

No Engenho de Santana os escravos tinham permissãopara cultivar suas próprias roças, o que significava algumapossibilidade de melhoria de vida, mesmo às custas de traba-lho redobrado. Durante a administração dos jesuítas, os es-cravos trabalhavam de segunda a sábado, e segundo a tradi-ção religiosa, guardavam apenas os domingos e dias santos.Como não foram encontradas, ainda, evidências de que osjesuítas liberavam dias normais de trabalho no engenho, osescravos deviam ocupar os períodos de descanso para cuidardas próprias plantações.

Os escravos do Engenho de Santana podiam vender seusprodutos, inclusive ao próprio engenho, que comprava porum terço do valor (SCHARWTZ, 1988, p. 141).

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Quando, em 1789, os escravos do Engenho de Santanafizeram uma rebelião e escreveram uma carta para negociar avolta ao trabalho, (ver p. 44-47), várias reivindicações esta-vam relacionadas à permissão de ter suas próprias planta-ções, tais como:- reivindicavam os dias de sexta e sábado para o trabalho

próprio, o que demonstra que o proprietário, Manuel SilvaFerreira, não liberava nenhum dia para essa finalidade.

- reivindicavam também poder plantar em terras apropri-adas: "Podemos plantar nosso arroz onde quisermos,em qualquer brejo (...)", já que o acesso à terra parafazer roças era dificultado, pois os canaviais ocupavama maioria das terras agricultáveis.

- e "uma barca grande" para que pudessem transportartambém os seus produtos até a Bahia (Salvador), sempagar frete.

Mercado na baia dos mineiros - Rugendas

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Vestuário e alimentação

O vestuário dos escravos variava conforme a função queocupavam e o local em que trabalhavam, conforme se podeobservar através dos desenhos e pinturas que muito repre-sentam o cotidiano da época colonial.

H. Alken e Henry Chamberlain - Largo da Glória - Museu Castro Maia, RJ.

Os proprietários de escravos é que deveriam fornecer ovestuário para seus escravos. No Engenho de Santana , osjesuítas costumavam distribuir na Páscoa. Cada escravo re-cebia uma medida de tecido grosseiro de fio cru e as mulhe-res um tecido de algodão rústico para fazerem saias(SCHARWTZ, 1988, p. 125). Em muitos engenhos a distri-buição chegava a acontecer de dois em dois anos.

No período da rebelião dos escravos no Engenho deSantana (1789), o vestuário foi objeto de reivindicação: Os

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martineiros que andam a lancha (...) hão de ter gibão debaeta, e todo vestuário necessário (p. 46). É fácil deduzirque o então proprietário, Manuel Ferreira, não fornecia rou-pas adequadas e suficientes para que o escravo exercesse asua função, uma vez que determinadas tarefas exigem a re-posição de roupas mais rapidamente.

Escravo e escrava cozinhando - (frag.) - Rugendas

Durante a administra-ção dos jesuítas, a alimenta-ção básica dos escravos noEngenho de Santana consis-tia de farinha e carne seca,mas devido à dureza do tra-balho, os escravos passavammuita fome e a comida nun-ca era suficiente para reporas energias gastas. Um padre observou escandalizado queos escravos viviam comendo o que encontravam: ratos docanavial, peixes, galinhas, bananas, etc.

Por volta de 1730, o arroz passou a ser cultivado, comple-tando a alimentação, assim como a carne de baleia, cuja caça naBahia era intensa neste período. (SCHARWTZ, 1988, p. 126).

Quando doentes, os escravos deveriam receber melhoralimentação, como carne de galinha e remédios para garantira recuperação rápida e o retorno ao trabalho.

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Vida familiar

A vida familiar dos escravos era uma discussão polêmi-ca entre os proprietários. O mais comum era a opinião de queo escravo não deveria ter família para não interferir no traba-lho. Outros consideravam a vida familiar uma boa maneira deaumentar o número de escravos através dos nascimentos, che-gando inclusive a determinar casamentos independente da von-tade dos escravos envolvidos. Já alguns proprietários "calcu-lavam" que era mais barato comprar escravos jovens do quecriar as crianças até a idade de se tornarem lucrativas.

Enfim, a possibilidade de manipulação da vida familiardos escravos acabava se tornando mais uma maneira de man-ter os escravos na propriedade, dificultando as fugas, e sendoutilizada como forma de punição ou ameaça, uma vez que ossenhores podiam vender os membros da família sem nenhu-ma restrição.

Habitação dos negros - Rugendas

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Entre os jesuítas também havia divergências de opini-ões, como se comprova pelas disputas entre administradoresdo Engenho de Santana. O padre Pedro Teixeira, que admi-nistrou o engenho em 1730, denunciou o seu antecessor, opadre Figueredo, que por não concordar com o casamentoentre os escravos, realizou apenas 34 casamentos entre os178 escravos no período de 27 anos que administrou o en-genho (SCHARWTZ, 1988, p. 292).

Trabalho exaustivo, saúde debilitada

As condições no interior dos engenhos e casas de fari-nhas eram úmidas e insalubres, favorecendo a prolifera-ção das doenças. (Brasil 500 anos, Vol. 7, p. 402)

Em 1753, um adminis-trador do Engenho deSantana queixou-se da com-pra de escravos de outras fa-zendas, que geralmente che-gavam doentes. Os escravosficavam constantemente do-entes, devido ao trabalhoexaustivo e às más condiçõesde vida no cativeiro. Fato-res psicológicos decorrentesda condição de cativo, como a falta de liberdade, privaçõesdo relacionamento familiar, saudade de sua terra de origem,etc, certamente contribuíam para aumentar o índice de do-enças e mortalidade.

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Os proprietários consideravam tais doenças como umartifício que o escravo utilizava para fugir do trabalho. Umadministrador do Engenho de Santana , alegava que a "paci-ência de Jó" não era suficiente para tratar escravos que sem-pre andavam "ou fingiam" estar doentes. Além do mais,também contabilizavam os prejuízos, uma vez que eram ne-cessários cuidados para a rápida recuperação (SCHARWTZ,1988, p. 328-329).

As mulheres, depois do parto ou quando estavam mens-truadas, segundo um administrador do Engenho de Santana ,"aproveitavam" para escapar das duras tarefas diárias e dasobrigações religiosas, alegando que "o cheiro dos mortos naIgreja", prejudicava a saúde neste período (SCHARWTZ,1988, p. 329).

Nascimento e morte

Normalmente a composição dapopulação escrava do engenho não fa-vorecia o aumento do número de nas-cimentos. Existiam poucas crianças eo número de mulheres era inferior aode homens. Essa era também a com-posição no Engenho de Santana , quecontava ainda com um número de in-capacitados e velhos.Enterro - Rugendas

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O índice de mortalidade infantil e adulto era alto(SCHARWTZ, 1988, p. 322). A mortalidade era alta entrecrianças até cinco anos, provocadas pelo tétano, desnutri-ção, insalubridade e falta de cuidados, uma vez que as mãestrabalhavam em tempo integral, impossibilitando aamamentação e o tratamento dos filhos.

As mães também sofriam de subnutrição e cansaço físi-co, o que provocava abortos e baixa fertilidade.

Quando ocorria uma morte na senzala, os escravos pe-diam aos administradores pano para fazer a mortalha e enter-rar o morto.

Quando nascia um bebê noEngenho de Santana , o parto erafeito pelas parteiras que ajudavama mãe, benziam e rezavam para aSanta protetora. As parteiras cor-tavam o cordão umbilical da cri-ança e o untavam, usando como re-médio óleo e pimenta. Essa prática acabava sendo prejudici-al, pois favorecia a infecção do mal-de-sete-dias ou tétano,geralmente provocando a morte (SCHARWTZ, 1988, p. 329).

O pai pedia insistentemente, aos feitores, frango, vinho,cebola e outros alimentos para o resguardo do bebê. Se ofeitor recusasse, os escravos ameaçavam fugir para o mato

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Essa pintura de Debret, de 1830, intitulada "Uma senhora brasileira emseu lar", retrata o comportamento das mulheres brancas que tinhamuma educação voltada para o lar. Os escravos domésticos, emboracom uma situação menos rude que os escravos do campo, viviam sob aameaça dos castigos físicos, como revela a presença do chicote na ces-ta. As crianças escravas serviam de diversão até que se tornassem lu-crativas.

Debret, Jean Baptiste. Viagens Pitorescas. Tomo I - Vol. I e II - p. 135

(SCHARWTZ, 1988, p. 329). Mas nem sempre o nascimen-to era bem vindo, sendo inúmeros os casos de abortos provo-cados pelas mães, na intenção de impedir nascimentos de fi-lhos escravos.

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Em 1759, o governo português expulsa os padres jesu-ítas e confisca todos os seus bens. Os jesuítas de Ilhéus, quehaviam se instalado na capitania desde o início da coloniza-ção, foram expulsos e deportados, tendo seus bens, inclusiveo Engenho de Santana , confiscados pelo governo.

Desenho de Seth, quilombolas mantêm vigilância para não serem ata-cados de surpresa.Fonte: Piletti, Nelson e Claudino. História e vida - Brasil: da pré-história àindependência. Vol. 1 - p. 73.

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Novos proprietários do En-genho de Santana e a rebe-lião dos escravos7

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O engenho é posteriormente arrematado em leilão pú-blico pelo Provedor da Casa da Moeda da Bahia, Manuel daSilva Ferreira, que não consegue fundos suficientes para efe-tuar o pagamento integral, permanecendo em dívida com ogoverno. Durante sua administração, ocorreu uma históricaluta de escravos no Brasil registrada a seguir:

Em 1789, os escravos do Engenho de Santana se rebe-laram, sob a liderança de um "cabra" chamado Gregório Luís.Mataram o feitor e ocuparam o engenho, paralisando a pro-dução por dois anos (SCHWARTZ, 1988. p. 142).

Atendendo à solicitação do proprietário, o governo en-viou expedição militar para debelar a revolta. Quando foramatacados, escreveram um tratado de paz, objetivando negoci-ar as condições para voltar ao trabalho. Manuel Silva Ferreirafingiu aceitar as condições e alforriar o líder, porém quandoos rebeldes retornaram, os líderes foram vendidos noMaranhão e Gregório Luís foi para a prisão.

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Carta escrita pelos escravos doEngenho de Santana

Meu senhor, nós queremos paz e não que-remos guerra; se meu senhor quiser pazhá de ser nessa conformidade, se quiserestar pelo que nós quisermos a saber.Em cada semana nos há de dar os dia desexta-feira e de Sábado para trabalharmospara nós não tirando um destes dias porcausa de dia santo.Para podermos viver nos há de dar rede,tarrafa e canoas.Não nos há de obrigar a fazer camboas, nema mariscar, e quando quiser fazer camboase mariscar mandes os seus pretos Minas.Para o seu sustento tenha lancha de pesca-ria ou canoas do alto, e quando quiser co-mer mariscos mandes os seus pretos Minas.Faça uma barca grande para quando forpara a Bahia nós metermos as nossas car-gas para não pagarmos frete.Na planta da mandioca, os homens quere-mos que só tenham tarefa de duas mãos emeia e as mulheres de duas mãos.

Victor Frond (frag)

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A farinha há de ser de cinco alqueires ra-sos, pondo arrancadores bastantes paraestes servirem de pendurarem os tapetes.A madeira que serrar com serra de mão,embaixo hão de serrar três, e um em cima.A medida de lenha há de ser como aqui sepraticava, para cada medida um cortador,e uma mulher para carregadeira.A tarefa de cana há de ser de cinco mãos, enão de seis, e a dez canas em cada freixe.No barco há de por quatro varas, e um parao leme, e um no leme puxa muito por nós.Os martineiros que andam na lancha alémde camisa de baeta que se lhe dá, hão deter gibão de baeta, e todo o vestuário ne-cessário.Os atuais feitores não os queremos, façaeleição de outros com a nossa aprovação.Nas moendas há de por quatro moedeiras,e duas guindas e uma carcanha.Em cada caldeira há de haver botador defogo, e em cada terno de faixas o mesmo,e no dia de Sábado há de haver remedia-velmente peija no Engenho.

Negros serradores de tábuas -Debret

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O canavial do Jabirú o iremos aproveitarpor esta vez, e depois há de ficar para pas-to porque não podemos andar tirando ca-nas por entre mangues.Poderemos plantar nosso arroz onde qui-sermos, e em qualquer brejo, sem que paraisso peçamos licença, e poderemos cadaum tirar jacarandás ou qualquer pau semdarmos parte para isso.A estar por todos os artigos acima, e con-ceder-nos estar sempre de posse da ferra-menta, estamos prontos para o servirmoscomo dantes, porque não queremos seguiros maus costumes dos mais Engenhos.Poderemos brincar, folgar, e cantar em to-dos os tempos que quisermos sem que nosempeça e nem seja preciso licença.

(Transcrição do texto original in: REIS, João Josée SILVA, Eduardo. Negociação e Conflito: A re-sistência negra no Brasil escravista, 1989).

Lundu - Rugendas

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O Significado histórico da carta

A carta de reivindicação aquireproduzida, escrita pelos próprios es-cravos, se constitui num importante eraro documento histórico. Cabe res-saltar que, conforme citação de Eduar-do Silva (REIS, 1989, p. 15-17), decada mil escravos, em 1872, apenasum sabia ler e escrever. Esta carta nosrevela o escravo como um agente his-

tórico ativo, que buscava melhorar sua vida e as condições detrabalho, mesmo dentro do regime de escravidão.

Especialmente no conflito e ocupação do Engenho deSantana , eles reivindicaram melhores condições de vida:"direito de folgar, dançar e cantar"; também formularam rei-vindicações trabalhistas, como: limitação da quantidade decanas por feixe, aumento do número de trabalhadores para odesenvolvimento de determinadas tarefas, a posse dos ins-trumentos de trabalho, maior tempo disponível para suas ati-vidades pessoais, limitação da jornada de trabalho, etc.

Também permite observar as diferenças existentes en-tre os escravos. Não se pode generalizar a idéia de que aescravidão tornou todos os escravos iguais. Eles mantinhamsua cultura original, a língua, os costumes, etc, elementos

Batuque - Rugendas

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que já tornam evidentes as grandes diferenças entre eles. Acondição de cativo também obrigava os escravos a buscar aconquista de certas condições mínimas de vida, ocorrendodisputas entre os próprios escravos. Desta forma, os criou-los ou nascidos na terra, por conhecerem a língua, os costu-mes, as "manhas", etc, tinham mais vantagens em relaçãoaos escravos vindos da África, chamados de "pretos minas".Assim, os escravos do Engenho de Santana , tal como os ín-dios, deixaram registrados para a história, momentos impor-tantes de luta e resistência. Muitas reivindicações ainda es-tão na pauta de negociação dos trabalhadores rurais assalari-ados, sem-terras e do povo indígena, que continuam em lutacontra a exploração comandada pelo capital, interesses delatifundiários e governantes sem escrúpulos.

Vencida a rebelião, o engenho retorna para o controlede Manuel Ferreira que ainda não tinha quitado a dívida como governo.

Novo proprietário, nova rebelião

No ano de 1810, o brigadeiro dos reais Exércitos,Felisberto Caldeira Brant Pontes, o Marquês de Barbacena,habilitando-se como credor de Manoel Ferreira e sua esposa,solicitou o levantamento dos bens e da dívida do casal, tor-nando-se desde então o proprietário do engenho.

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Durante o período em que pertenceu ao Marquês deBarbacena, os escravos fizeram uma nova rebelião e ocupa-ção do engenho. Na correspondência oficial datada de 14 dejulho de 1828, enviada pelo Juiz de Paz João Pereira Guima-rães ao Visconde de Camamu, estão registradas as medidastomadas para socorrer o administrador do engenho que ale-gava risco de vida.

No documento, o Juizde Paz relata os ataques fei-tos em mocambos da região,que eram acampamentos for-mados de escravos fugidos doengenho e de outras fazendas.Nesses mocambos, os escra-vos cultivavam roças de man-dioca e cana para subsistên-

cia, que os soldados destruíram para impedir o esconderijodos rebelados. Relata também a luta ocorrida contra os es-cravos que se mantinham dentro do engenho, de onde saíramferidos soldados e escravos. A rebelião acabou com a prisãodos líderes (REIS e SILVA, 1989).

Apesar dos acontecimentos, o Marquês proprietáriomodernizou o engenho, transformando a propriedade em ummodelo para os outros fazendeiros. Os viajantes europeus

Jogo da capoeira - Rugendas

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Spix e Martius, em passagem por Ilhéus em 1819, registra-ram a existência de um engenho, o Santana, com 260 escra-vos e produção de 9 mil a 10 mil arrobas de açúcar, além decereais e algodão (SPIX e MARTIUS, 1976, Vol. II, p. 159).

O Marquês de Barbacena permaneceu como proprietá-rio do Engenho até 2 de março de 1834, quando se registra odocumento de posse do novo proprietário, o Brigadeiro Joséde Sá Bittencourt e Câmara, herdeiro do Dr. BitencourtAccioli, figura de destaque na história oficial de Ilhéus. Onegócio envolveu a permuta entre as terras da Sesmaria deSantana e terras que Bittencourt possuía em Minas Gerais.

Na escritura do engenho consta a seguinte descrição dosbens:

(...) que ele Marquez de Barbacena dá e sede já aossobreditos contratistas o Engenho de Santa Anna com todasas terras, prédios, embarcações e duzentos e quatro escra-vos (...) as benfeitorias do engenho com moendas horizon-tais e roda de água, casas de caldeira, casa de esmagarcom tanque de madeira para mel, uma casa de estolas comalambique novo de destilação contínua, tabuleiras de ferroquando para estufa, engenho de serrar madeira, olaria, bar-ca de transportar cana e embarcação de coberta lavadapara levar caixas à cidade da Bahia (...) (Citado emMONTEIRO, 1999, p. 23-24).

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A situação do engenho em 1834, quando o BrigadeiroSá Bittencourt tomou posse era a seguinte: existiam 183 es-cravos e um recém-nascido, sendo que 21 estavam velhos,cegos e aleijados, os quais foram rejeitados por não possuí-rem nenhum valor. O administrador alegou que 07 haviamfalecido e que 15 haviam fugido.

Após a morte do Brigadeiro e de sua esposa, enterradosna Capela de Santana, os bens e as terras foram inventariados,passando para posse dos herdeiros no ano de 1896. No in-ventário de 1862, ainda foram registrados nomes de 66 es-cravos, fábricas e acessórios, o que nos permite deduzir, en-tre outras questões, a longa duração da escravidão e da pro-dução de açúcar e derivados (cachaça), nas terras de Ilhéus.Vale lembrar que a escravidão foi oficialmente extinta noBrasil , apenas em 1888.

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Considerações finais

Ainda são raras informações do período de 1896 à 1960,ano em que Othon Coutinho Dias comprou a extensão dasesmaria de Santana. Neste período acontece a transição dotrabalho escravo para o assalariado, a substituição do açúcarpelo cacau produzido por emigrantes que chegavam em gran-des levas do nordeste, e imigrantes estrangeiros que chega-vam atraídos pela grande quantidade de terras devolutas epela notícia de financiamento para implantação de roças decacau.

O engenho não funcionava mais, e segundo a senhoraAlice Maranhão, atual proprietária, existiam apenas ruínasda roda d'água e da moenda mas que desapareceram. DonaAlice também conta que a Igreja estava em estado deplorávele em completo abandono, sendo aos poucos recuperada paraa retomada das atividades religiosas em homenagem à Sra.Santana. Existem algumas ruínas expostas (ver fotos) e osmoradores afirmam que muitas coisas ainda permanecementerradas.

Inúmeros acontecimentos e documentos também per-manecem desconhecidos, necessitando ser pesquisados ereconstituídos, a exemplo da Igreja de Santana, patrimôniohistórico e cultural melhor preservado; a transição do traba-

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lho escravo para o assalariado; a substituição dos canaviaispor outros cultivos e a história da população que viveu nolocal, uma vez que os descendentes dos antigos escravostambém não sabemos ainda que caminho tomaram.

Atualmente, um pequeno povoado, habitado por famí-lias de trabalhadores rurais, pescadores, lavadeiras e aposen-tados, compõe o local onde funcionou todo o complexo doengenho: casa de purgar, das moendas, a roda d'água, alémdas senzalas e demais instalações, como serraria, olaria e casade farinha.

A força da história ainda permanece viva no povoado eafeta o imaginário das pessoas, especialmente a história daexistência da escravidão, como se percebe no depoimento dadona Estelina (p. 4 ). As ruínas do engenho permitem ima-ginar um elevado "progresso" econômico no período de seufuncionamento, o que aumenta o contraste com a simplicida-de e falta de recursos dos moradores atuais. Eles deixamtransparecer, nas conversas, o desejo de ver o local melhorare se "desenvolver".

Enfim, ainda há muitas coisas a serem "descobertas eexploradas" pelos novos aventureiros da atualidade.

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Os proprietários do Engenho de Santana:cadeia sucessória

Maiores informações

- Mem de Sá, o terceiro governador-geral doBrasil, (1557 a 1572), é conhecido na his-tória pela expulsão dos franceses do Rio deJaneiro e pelas lutas promovidas contra osíndios, especialmente na Bahia, foi o pri-meiro proprietário do Engenho de Santana. Durante seu governo, doou sesmarias aosjesuítas e aumentou suas próprias posses-sões, adquirindo terras no Recôncavo, ondeimplantou mais um engenho de grande por-te, chamado Sergipe.

- Ao morrer, em 1572, apenas dois filhos es-tavam vivos para herdar a fortuna e conti-nuar a linhagem da família. Porém, o her-deiro varão Francisco de Sá, morreu oitomeses depois do pai, restando apenas a fi-lha, Felipa de Sá. Esta, deixou o conventoonde vivia e casou-se com Fernando deNoronha, futuro conde de Linhares.

- Felipa morreu em 1618, sem herdeiros.Deixou os bens ao Colégio de Santo Antãode Lisboa. Os padres de Ilhéus reclamaram

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a posse, o que gerou um processo jurídicoe, em acordo firmado entre os padres jesuí-tas do colégio de Ilhéus e de Lisboa, o en-genho passou a ser administrado por am-bos, até a expulsão dos jesuítas ocorrida em1759.

- O engenho foi então arrematado em leilãopúblico por Manoel da Silva Ferreira, pas-sando em 1810, às mãos de Felisberto Cal-deira Brant, o Marquês de Barbacena.

- Posteriormente, em 1834, o Marquês nego-ciou as terras do engenho com SáBitencourt, que se tornou proprietário até1896, quando as terras da sesmaria foramdivididas entre os herdeiros (SCHWARTZ,1988, p. 394-398).

- Atualmente pertencem, na totalidade, à se-nhora Alice Maranhão Dias.

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Fonte: Brasil 500 ANOS: Editora Abril, p. 45.

Os povos indígenas que habitavam olitoral brasileiro na época da chegadados portugueses pertenciam a dois tron-cos linguísticos distintos: os Tupi-guarani e o Jê, que os Tupi chamavamTapuia, como mostra o mapa ao lado.Entre os Tupi, existiam os poderososTupinambá, que viviam no litoral, des-de Sergipe até Camamu e osTupiniquim, descendentes dosTupinambá, que viviam ao longo dolitoral de Ilhéus até a atual BaixadaSantista.Entre o grupo Tapuia, destaca-se o povoAimoré, que habitava o Espírito San-to, Ilhéus e regiões fronteiriças do sulda Bahia. Este povo guerreiro ofere-ceu resistência contínua durante sécu-los ao regime de colonização. Os por-tugueses, a partir do século XVIII,passaram a chamar os Aimoré deBotocudos.

Os povos indígenas do Brasil no período da ocu-pação portuguesa

Maiores informações

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Carta de Mem de Sá ao rei de portugal relatandoos acontecimentos que culminaram com a bata-lha dos nadadores

Maiores informações

Neste tempo veio recado ao governadorcomo o gentio Tupiniquim da Capitania deIlhéus se alevantava e tinha morto muitoscristãos e destruído e queimado todos os en-genhos dos lugares e os moradores estãocercados e não comiam já senão laranjas elogo o pus em conselhos e posto que muitoseram que não fosse por ter poder para lhesresistir nem o poder do Imperador fui compouco gente que me seguiu e na noite queentrei em Ilhéus fui a pé dar em uma aldeiaque estava a sete léguas da vila em alto pe-queno toda cercada de água ao redor de la-goas e as passamos com muito trabalho eantes da manhã de duas horas dei na aldeiae a destruí e matei todos os que quiseramresistir e a vinda vim queimando e destruin-do todas as aldeias que ficaram atrás e porque o gentio se ajuntou e me veio seguindoao longo da praia lhes fiz algumas ciladas eonde os cerquei e lhes foi forçado deitarem

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a nado no mar da costa brava. Mandei ou-tros índios atrás deles e gente solta que osseguiram perto de duas léguas e lá no marpelejaram de maneira que nenhumTupiniquim ficou vivo, e todos trouxeram aterra e os puseram ao longo da praia porordem que tomavam os corpos perto demeia légua ... ( Varnhagen, 1956 - Tomo I,p. 315) .

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Glossário

ALQUEIRE : medida agrária, equivalente a 27.225 m2 no Nordeste.ARROBA : medida de peso; no século XVI, equivalia a 14,75 kg.BAGAÇO : caules de cana após a moagem.BAETA : batas, vestuário comum dos escravos.BALUARTE : fortaleza, lugar seguro.BEXIGAS : varíolaBREJO : terra constantemente úmidaCALCANHA: escrava que cuida da iluminação no engenho.CALDEIREIRO : trabalhador das caldeiras do engenho.CALUMBÁ : trabalhador que despeja água nas engrenagens da moenda parareduzir o atrito e que cuidava de recipientes para o caldo da cana.CASA DO ENGENHO : construção que abrigava a moenda.ETNIA : grupo humano biológica e culturalmente homogênio.PERMUTA : trocaENGENHO REAL : engenho movido por roda d’água.FREIXE - FEIXE : determinada porção de cana recolhida pelos escravos.LUGAR-TENENTE : Pessoa que temporariamente ocupa e desempenha asfunções de outra.LEVANTE: insurreição, motim.NAU : embarcação grande, navio.QUINDA : aparelho para guindar, transportar o caldo da cana, da moenda paraas caldeiras.MARQUÊS : Governador de marcas ou fronteiras, cargo importante no períododas conquistas de terras.MARTINEIROS : escravos responsáveis pelo transporte dos barcos.MESTRE DE AÇÚCAR : o encarregado da direção geral das operações dafábrica do engenho.

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MONOPÓLIO COMERCIAL : privilégio de exploração ou venda de certoproduto; posse exclusiva.PRETOS MINAS : escravos trazidos da região de Minas, na África.TRATADO DE TORDESILHAS : Acordo legalizado pelo papa, queestabelecia a divisão de todas as terras entre as coroas da Espanha e Portugal.MOCAMBOS : habitação precária, feita de vegetação. Habitação de escravos,geralmente feita no mato por escravos fugidos.FORROS : libertosPEIJA : encerramento do trabalho no engenho.

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Bibliografia

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