VIADUTOS SOBRE OS RIOS GALVÃO E REAL – I: Superestrutura

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4 as Jornadas Portuguesas de Engenharia de Estruturas VIADUTOS SOBRE OS RIOS GALVÃO E REAL – I: Superestrutura Júlio Appleton Eng. Civil A2P Consult, Lda Lisboa António Costa Eng. Civil A2P Consult, Lda Lisboa Nuno Travassos Eng. Civil A2P Consult, Lda Lisboa António Coutinho Eng. Civil Consultor Geotécnia Lisboa SUMÁRIO A presente comunicação tem como objectivo apresentar os projectos e a execução dos Viadutos sobre os Rios Galvão e Real, cuja obra foi iniciada no final de 2004 e concluída no verão de 2006. Palavras-chave: Viaduto, Estaca, Pilar, Viga, Tabuleiro. 1. DESCRIÇÃO DA ESTRUTURA, SUA INTEGRAÇÃO E CONDICIONAMENTOS Estas obras inserem-se no troço do IP6 que liga Peniche à A8, tendo por objectivo transpor os vales dos Rio Galvão e Rio Real, com excelente aptidão agrícola, onde, para além dos referidos rios, existe ainda uma rede de valas e canais de rega e também um conjunto de charcos isolados, sobre os quais se desenvolvem as duas obras. O Rio Galvão é um afluente do Rio Real, distando cerca de um quilómetro entre si quando cruzam o traçado do IP6. O comprimento total das obras é de 1204 m e 616 m, nos vales do Galvão e do Real, respectivamente. Os tabuleiros desenvolvem-se a uma altura acima do terreno que não excede os 10 metros, havendo locais em que os pilares têm cerca de 2 metros acima do solo. A extensão destas obras resulta directamente da decisão de não atravessar estes vales em aterro. O Viaduto sobre o Rio Galvão insere-se num troço em curva com um raio de 1200 m, prolongado por uma recta com um desenvolvimento de 760 m. O Viaduto sobre o Rio Real insere-se num troço em curva com um raio de 600 m. Os dois viadutos distam cerca de 200 m entre si, correspondendo a uma colina que separa os vales dos dois rios. Os viadutos têm estruturas idênticas, sendo cada um constituído por dois tabuleiros com 13.35 m de largura, um para cada faixa de circulação, separados por uma junta longitudinal com 0.15 m. Cada um dos viadutos está subdividido por uma junta transversal. 1

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VIADUTOS SOBRE OS RIOS GALVÃO E REAL – I: Superestrutura

Júlio Appleton Eng. Civil

A2P Consult, Lda Lisboa

António Costa Eng. Civil

A2P Consult, Lda Lisboa

Nuno Travassos Eng. Civil

A2P Consult, Lda Lisboa

António Coutinho Eng. Civil

Consultor Geotécnia Lisboa

SUMÁRIO A presente comunicação tem como objectivo apresentar os projectos e a execução dos Viadutos sobre os Rios Galvão e Real, cuja obra foi iniciada no final de 2004 e concluída no verão de 2006. Palavras-chave: Viaduto, Estaca, Pilar, Viga, Tabuleiro. 1. DESCRIÇÃO DA ESTRUTURA, SUA INTEGRAÇÃO E CONDICIONAMENTOS Estas obras inserem-se no troço do IP6 que liga Peniche à A8, tendo por objectivo transpor os vales dos Rio Galvão e Rio Real, com excelente aptidão agrícola, onde, para além dos referidos rios, existe ainda uma rede de valas e canais de rega e também um conjunto de charcos isolados, sobre os quais se desenvolvem as duas obras. O Rio Galvão é um afluente do Rio Real, distando cerca de um quilómetro entre si quando cruzam o traçado do IP6. O comprimento total das obras é de 1204 m e 616 m, nos vales do Galvão e do Real, respectivamente. Os tabuleiros desenvolvem-se a uma altura acima do terreno que não excede os 10 metros, havendo locais em que os pilares têm cerca de 2 metros acima do solo. A extensão destas obras resulta directamente da decisão de não atravessar estes vales em aterro. O Viaduto sobre o Rio Galvão insere-se num troço em curva com um raio de 1200 m, prolongado por uma recta com um desenvolvimento de 760 m. O Viaduto sobre o Rio Real insere-se num troço em curva com um raio de 600 m. Os dois viadutos distam cerca de 200 m entre si, correspondendo a uma colina que separa os vales dos dois rios. Os viadutos têm estruturas idênticas, sendo cada um constituído por dois tabuleiros com 13.35 m de largura, um para cada faixa de circulação, separados por uma junta longitudinal com 0.15 m. Cada um dos viadutos está subdividido por uma junta transversal.

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O Viaduto sobre o Rio Galvão compreende os seguintes vãos: Viaduto Poente: 2 x 28 m + 13 x 35 m = 511 m Viaduto Nascente: 19 x 35 m + 28 m = 693 m

Figuras 1 e 2: Planta e alçado do Viaduto do Rio Galvão

O Viaduto sobre o Rio Real compreende os seguintes vãos: Viaduto Poente: 28 m + 8 x 35 m = 308 m Viaduto Nascente: 8 x 35 m + 28 m = 308 m

Figuras 3 e 4: Planta e alçado do Viaduto do Rio Real

Figura 5: Vista aérea do Viaduto do Rio Real

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Figuras 6 e 7: Vistas laterais dos Viadutos do Rio Galvão e do Rio Real

Em resultado da pequena largura dos rios e valas atravessadas pelos viadutos, foi possível adoptar quase sempre o mesmo vão corrente de 35 m (excepto nas extremidades dos viadutos), por forma a que o tabuleiro tivesse altura constante. Esta situação foi ainda ponderada tendo em conta a reduzida altura ao solo ao longo de todo o desenvolvimento dos viadutos, em função do que se optou por uma grandeza de vãos que implicasse uma altura de tabuleiro bem proporcionada com a sua distância ao solo. Cada tabuleiro é constituído por uma laje apoiada em duas vigas longitudinais pré-esforçadas com 2.30 m de altura. Estas são apoiadas em pilares/estaca e nos encontros, através de aparelhos de apoio. Adoptaram-se 4 pilares/estacas em cada apoio do tabuleiro. As estacas têm 1.50 m de diâmetro e estão afastadas de 6.70 m a eixo. Os pilares estão colocados no prolongamento do eixo das estacas, mas têm secção octogonal com 1.70 m de largura entre faces paralelas. Cada par de pilares/estacas estão ligados entre si através de uma viga transversal, localizada ao nível da base dos pilares, por forma a aumentar a rigidez transversal dos pórticos e diminuir o comprimento de encurvadura dos pilares/estacas nesta direcção. Por razões estéticas, decorrente da proximidade dos tabuleiros relativamente ao solo, optou-se por não usar travessas ao nível do topo dos pilares.

Figura 8: Corte transversal

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Figuras 9 e 10: Vistas sob o Viaduto – Pilares correntes

Os pilares de junta entre os viadutos poente e nascente, adoptam secções similares às dos restantes, sendo apenas prolongada a dimensão segundo o eixo longitudinal por forma a receber os dois aparelhos de apoio do tabuleiro existentes na zona da junta sem necessidade de um elemento local com uma forma que excedesse a secção do pilar. Cada um destes pilares foram fundados em maciços de 2 estacas (Rio Galvão) e 4 estacas (Rio Real), com um diâmetro de 0.80 m, unidos por travessas ao nível dos maciços, ambos com 1.50 m de altura.

Figuras 11 e 12: Vistas dos pilares de junta - Rio Galvão

Os encontros são do tipo perdido sendo a viga de estribo fundada directamente em estacas com 0.80 m de diâmetro. A solução adoptada justifica-se pela reduzida altura do viaduto na zona dos encontros, necessitando apenas da realização de uma pequena plataforma de aterro para implantação da viga de estribo. Esta solução apresenta vantagens significativas sob o ponto de vista económico e de facilidade de execução. As vigas do tabuleiro têm 2.30 m de altura, 0.60 m de largura na base e 0.70 m na ligação à laje. Junto aos apoios nos pilares, num comprimento de cerca de 6.0 m para cada lado dos

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mesmos, as vigas alargam gradualmente até atingirem larguras de 1.0 m na base e 1.10 m na ligação à laje. A laje entre vigas tem um vão de 6.40 m com 0.25 m de espessura na zona central e 0.45 m na secção de apoio. As consolas laterais têm 2.75 m e 2.80 m de comprimento com espessura variável entre 0.22 m na extremidade e 0.45 m no encastramento. As vigas estão interligadas por carlingas nos alinhamentos dos apoios dos pilares e encontros. O pré-esforço longitudinal é constituído por cabos de traçado composto por troços parabólicos, associado à betonagem tramo a tramo, com uma consola de 6.0 m (posteriormente aumentada em fase de obra para 8.0 m no Rio Real a pedido do empreiteiro para melhor conjugação com o sistema construtivo).

C D

Figura 13: Extracto do desenho de pré-esforço

A concepção sísmica baseou-se na decisão de fazer participar todos os pilares na resistência à acção dos sismos. No entanto, dado o elevado desenvolvimento das obras e a reduzida altura dos pilares, não é viável fixar todos os pilares ao tabuleiro para as acções das deformações impostas pela retracção, fluência e variação uniforme de temperatura. Assim, concebeu-se um sistema estrutural em que parte dos pilares, são dotados de apoios móveis, com guiamento longitudinal, para as acções lentas e apoios fixos para acções rápidas. Para o efeito foram adoptados dispositivos de fixação para a acção dinâmica (“shock transmiter”) que, sob a acção dos movimentos rápidos induzidos pela acção sísmica, fixam os pilares ao tabuleiro, obrigando-os a participar na resistência. O número de alinhamentos transversais de pilares com este sistema de apoios é de 7 e 12, respectivamente nos Viadutos Poente e Nascente do Rio Galvão de um total de 33 (14 + 19) alinhamentos de pilares correntes e de 4 no Viaduto sobre o Rio Real (2 no Viaduto Poente e 2 no Viaduto Nascente) de um total de 16 (8 + 8). Na ligação do tabuleiro aos restantes pilares (excepto pilares de junta) foram adoptados aparelhos fixos (restrição de deslocamentos e rotações livres) para todas as acções. Nos encontros e nos pilares de junta foram adoptados apoios móveis com guiamento longitudinal e sem acoplamento dos dispositivos de fixação atrás referidos. Na obra do Rio Galvão, concebeu-se um sistema estrutural em que os sete alinhamentos de pilares adjacentes ao encontro poente e doze alinhamentos de pilares adjacentes ao encontro nascente, fundados nas formações com menor deformabilidade, são dotados de apoios móveis para as acções lentas e apoios fixos para acções rápidas por intermédio dos referidos dispositivos de fixação para a acção dinâmica (“shock transmiter”). Estes dispositivos foram acoplados aos aparelhos de apoio e foram colocados nos pilares dos alinhamentos B a H, X a

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AI. Estes aparelhos de apoio permitem as rotações de flexão do tabuleiro e impedem o deslocamento vertical e transversal. Os apoios nos alinhamentos I a O e Q a W são fixos (impedindo também o deslocamento longitudinal), e os restantes são móveis (permitem o deslocamento longitudinal).

Figuras 14 e 15: Dispositivos de fixação para a acção dinâmica

Na obra do Rio Real, os dispositivos de fixação para a acção dinâmica foram também acoplados aos aparelhos de apoio, nos pilares dos alinhamentos B, C, Q e R (dois alinhamentos adjacentes a cada um dos encontros). Estes aparelhos de apoio permitem as rotações de flexão do tabuleiro e impedem o deslocamento vertical e transversal. Os apoios nos alinhamentos D a I e K a P são fixos (impedindo também o deslocamento longitudinal), e os restantes são móveis (permitem o deslocamento longitudinal). Refira-se que a adopção de aparelhos de amortecimento sísmico nesta obra não se mostrou interessante dada a pequena altura dos pilares e a sua consequente elevada rigidez conduzir à plastificação das secções para os deslocamentos associados ao funcionamento dos referidos amortecedores. Na escolha dos vãos entre pilares, a concepção adoptada teve ainda em conta o processo construtivo que foi idealizado em fase de projecto, mas também as condições geotécnicas, que não só obrigaram à execução de estacas, como limitaram o porte dos meios aplicáveis em obra que se apoiassem (cimbres) ou que circulassem sobre o terreno. Esta situação decorre da fraca capacidade do solo superficial, aliada à existência de um nível freático quase à cota da superfície do terreno. Acresce ainda que o estudo hidrológico realizado mostrou que o leito de cheias é em geral inundado todos os anos, o que tem implicações significativas na fase de construção da obra dada a influência na quase totalidade da extensão das obras em resultado da extensa planura dos vales. Com base no estudo hidrológico foi recomendado em projecto que a zona de implantação dos pilares/estacas fosse colocada a seco através de aterros provisórios a realizar até à cota do nível de cheias para um período de retorno de 10 anos e que o estaleiro fosse implantado a uma cota superior à cota do nível de cheias para um período de retorno de 1000 anos.

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Do estudo hidráulico realizado conclui-se que a profundidade máxima da infraescavação será de 3.5 m a 4.5 m, o que não coloca quaisquer problemas uma vez que, atendendo à elevada deformabilidade da camada aluvionar, essa formação tem pouca influência no comportamento da estrutura e as estacas vão a profundidades muito superiores não havendo possibilidade de descalçamento de fundações. Segundo o estudo hidrológico, os níveis de cheias calculados para períodos de retorno de 2, 10, 50 e 1000 anos são de 11.74 m, 12.27 m, 12.71 m e 13.40 m, respectivamente. A face inferior das vigas dos tabuleiros tem uma cota mínima de 13.30 m e 14.70 m, respectivamente, no Rio Galvão e no Rio Real. No primeiro, considerou-se essa cota aceitável apesar de estar abaixo da cota de cheia com um período de retorno de 1000 anos, em face de o tabuleiro apresentar-se a essa cota numa extensão muito pequena por comparação com a largura do vale, não significando um constrangimento relevante. Para um melhor reconhecimento geotécnico das formações interessadas realizou-se uma campanha de sondagens e ensaios complementar à campanha inicial fornecida pelo dono de obra. Na campanha de sondagens inicial foi identificada uma acentuada variabilidade da profundidade a que ocorriam as formações capazes de fundar as estacas, apesar da planura da superfície. O respectivo relatório concluiu ainda uma tensão de segurança no solo de apenas 3.5 MPa. Estes resultados eram limitativos da carga a aplicar em cada estaca e por conseguinte da solução para o tabuleiro e respectivos vãos, a que acresciam várias zonas com dúvidas quanto à localização da ponta das estacas. Esta situação ocorria apesar de se dispor de 28 sondagens no vale do Rio Galvão e 16 no Real. Por este motivo realizou-se uma campanha complementar, com novas sondagens quando as da campanha inicial estivessem a uma distância superior a 8 metros dos alinhamentos de pilares e se verificasse uma variação significativa do nível do substrato (definido para este fim como a camada para a qual NSPT > 60 numa espessura superior a 5 m) ao longo do desenvolvimento longitudinal dos viadutos. Pretendeu-se deste modo definir a cota prevista para a ponta das várias estacas e com os novos ensaios procurar validar uma tensão de dimensionamento superior à proposta no relatório existente, o que se traduziria numa economia significativa nas obras (reduzindo o diâmetro das estacas). As novas sondagens foram localizadas com base na localização dos pilares definida no estudo prévio dos viadutos. Na campanha complementar foram realizadas 32 sondagens mecânicas (20 para a obra do Rio Galvão e 12 para o Rio Real) com realização de ensaios de penetração dinâmica tipo SPT (Standard Penetration Test) visando a caracterização geotécnica dos terrenos atravessados, complementadas ensaios de penetração estática com medição de tensões neutras – CPTU (em 4 locais em cada obra), ensaios com o pressiómetro Ménard (19 ensaios nos furos da obra do Rio Galvão e 5 na obra do Real), ensaios com Cross-Hole (2 ensaios em cada obra), determinação do nível de água em cada furo e ensaios de laboratório. O comportamento sísmico é fortemente dependente do comportamento dos solos de fundação, cuja caracterização em detalhe será apresentada num segundo artigo. Apresenta-se em seguida uma caracterização resumida das formações encontradas.

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2. CONDICIONAMENTOS GEOTÉCNICOS 2.1 Vale do Rio Galvão De acordo com o relatório das sondagens as formações interessadas pela obra do vale do Rio Galvão correspondem, ao complexo conhecido por “Margas e Calcários de Dagorda” (J1ab), o qual se encontra recoberto por terrenos plio-plistocénicos (PQ) e terrenos aluvionares (a). Os depósitos aluvionares que ocorrem em relação com o leito de cheia do Rio Galvão têm uma espessura variável com um máximo de cerca de 9 metros e constituição arenosa, areno-lodosa, lodosa e argilo-siltosa. O comportamento geotécnico dos materiais que constituem o depósito aluvionar corresponde a valores de SPT entre 2 e 4. Os terrenos atribuídos ao plio-plistocénico têm espessura muito variável ao longo da zona interessada pela obra, apresentando alguma heterogeneidade composicional nos materiais ocorrentes. Tratam-se de areias finas a médias, com fracção siltosa e argilosa. Alguns horizontes arenosos são desprovidos de finos (areias uniformes). Intercalam por vezes, horizontes de solos finos, de composição argilo-siltosa, predominante. Como tendência verifica-se nos horizontes superiores das fácies arenosas até profundidade variável entre 4.5 e 15 metros, comportamento medianamente compacto traduzido por predomínio de valores de NSPT compreendidos entre 10 e 30. Os horizontes arenosos inferiores manifestaram comportamento compacto e muito compacto, indicado por valores de NSPT entre 30 e 60. Nas passagens finas, argilo-siltosas, foram obtidos valores de NSPT entre 10 e 20 nas camadas superiores e de NSPT > 30 em profundidade. No local de execução das sondagens S108 a S110 e S121 a S127, ocorrem materiais argilo-margosos e margas gipsíferas que representam o jurássico inferior (J1ab). Nesta formação foi possível obter valores de NSPT entre 14 e 60. Toda a obra foi fundada em estacas, com comprimentos variáveis entre 9 e 29 m. 2.2 Vale do Rio Real As formações interessadas por esta obra são as mesmas do vale do Rio Galvão. Os depósitos aluvionares que ocorrem em relação com o leito de cheia do rio Real têm uma espessura variável com um máximo de cerca de 14 metros e constituição arenosa, areno-argilosa e argilo-siltosa. O comportamento geotécnico dos materiais que constituem o depósito aluvionar corresponde a valores de SPT entre 3 e 7. Os terrenos atribuídos ao plio-plistocénico têm espessura muito variável ao longo da zona interessada pela obra com um máximo de 17 m, apresentando alguma heterogeneidade composicional nos materiais ocorrentes. Tratam-se de argilas siltosas com intercalações de areias finas a médias, por vezes argilosas com seixo disperso. São materiais com comportamento geotécnico muito diversificado. As fácies arenosas têm comportamento

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medianamente compacto indicado por valores de NSPT compreendidos entre 10 e 30. A fácies fina, argilo-siltosa, tem comportamento no geral de consistência média e dura, conforme indicam os valores de NSPT que se situaram mais frequentemente entre 5 e 15. Os terrenos jurássicos que fazem o substracto são constituídos por argilas margosas e margas gipsíferas. Nesta formação foi possível obter valores de NSPT entre 11 e 60. As condições geológicas-geotécnicas implicam que a obra tenha sido fundada em estacas, com comprimentos variáveis entre 15 e 30 m. 3. MATERIAIS ESTRUTURAIS Os materiais a utilizar na execução das obras de arte foram escolhidos tendo em conta as indicações das Especificações do então ICOR (actual EP).

Quadro 1: Betões

Componente REBAP NP ENV 206 Classe de Classe de Exposição

Ambiental

Construtivo Cubos 20x20

(MPa)

Cilindros 15x30/Cubos

15x15

(MPa)

Abaixamento

NP ENV 206

REBAP NP ENV 206

E 378

Regularização B20 C 16/20 - - - -

Estacas B40 C 35/45 S3 / S4 Muito

Agressivo

4 a ECl2

Sapatas e Maciços de

Encabeçamento

B40 C 35/45 S2 / S3 Moderadamente Agressivo

2 a EC2

Lajes de Transição

B40 C 35/45 S2 / S3 Moderadamente Agressivo

2 a EC2

Encontros em Elevação e

Pilares

B40 C 35/45 S2 / S3 Moderadamente Agressivo

2 a EC4

Tabuleiro B40 C 35/45 S2 / S3 / S4 Moderadamente Agressivo

2 a EC4

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Quadro 2: Aços

Componente

Construtivo

Armadura Passiva

(REBAP)

Recobrimento

(mm)

Regularização - -

Estacas A500NR 70

Sapatas e Maciços de Encabeçamento

A500NR 50

Lajes de Transição A500NR 40

Encontros em Elevação e Pilares A500NR 40

Tabuleiro A500NR 40

Aço para armaduras pré-esforçadas – Classe A 1670/1860 – EURONORM 10138. 4. ASPECTOS PARTICULARES DOS PROJECTOS Foram adoptados, acoplados aos apoios móveis, dispositivos de fixação para a acção dinâmica (“shock transmiter”) que, sob a acção dos movimentos rápidos induzidos pela acção sísmica, fixam os pilares ao tabuleiro. Não foram colocados esses dispositivos nos encontros e pilares de junta. A análise sísmica da estrutura assim concebida revelou que esta concepção é adequada para o problema em apreço envolvendo uma reduzida deformação e uma participação de todos os pilares na resistência sísmica. Para o cálculo dos esforços devidos à acção sísmica efectuou-se uma análise dinâmica da estrutura recorrendo-se aos espectros de resposta prescritos no R.S.A.. Para essa análise elaboram-se modelos tridimensionais das estruturas, considerou-se um coeficiente de comportamento de 2, um terreno do tipo II, zona sísmica A (coeficiente de sismicidade α = 1.0) e um coeficiente de amortecimento de 5%. Na determinação da acção do sismo apenas foi considerado o peso dos elementos da estrutura e das restantes cargas permanentes. A verificação da segurança dos pilares foi efectuada com base em modelos tridimensionais do viaduto, os quais permitiram a determinação dos esforços devidos à acção sísmica através de uma análise dinâmica e os esforços devidos à variação uniforme de temperatura, retracção e efeitos axiais do pré-esforço. Dado o diferente tipo de apoios do tabuleiro para as acções atrás referidas, foi necessário elaborar dois modelos de cálculo, um para a acção sísmica e outro para as deformações lentas. Para avaliar os efeitos da acção sísmica considerou-se também a interacção solo-estrutura, modelando o terreno através dos módulos de reacção horizontal. Dada a incerteza relativa à quantificação destes parâmetros através dos ensaios geotécnicos realizados, adoptou-se uma metodologia conservadora tomando limites superiores e limites inferiores para os valores dos módulos de reacção. Esta metodologia permite determinar os esforços mais desfavoráveis nos

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pilares/estacas numa gama alargada de características de deformabilidade das camadas de solo interessadas. Estas hipóteses de cálculo foram posteriormente verificadas através de ensaios de carga em estacas. Foi também considerada a possível liquefação das camadas de solo mais susceptíveis a este fenómeno. Desta forma, para o cálculo dos efeitos da acção sísmica, foi necessário, para cada meio viaduto, definir dois modelos de cálculo, um associado a características de deformabilidade mais elevadas e outro associado a características de deformabilidade mais baixas. Os deslocamentos em juntas e aparelhos de apoio foram obtidos com os modelos mais condicionantes, correspondentes a uma maior deformabilidade dos solos. As frequências próprias obtidas para os viadutos do vale do Rio Galvão foram as seguintes: Viaduto Poente – Kterreno elevado: fl = 1.07 Hz ft = 1.38 Hz Viaduto Poente – Kterreno baixo: fl = 0.94 Hz ft = 1.25 Hz Viaduto Nascente – Kterreno elevado: fl = 1.34 Hz ft = 1.38 Hz Viaduto Nascente – Kterreno baixo: fl = 1.10 Hz ft = 1.25 Hz

Figuras 16 e 17: Modelo tridimensional do viaduto do Rio Galvão

As frequências próprias obtidas para os viadutos do vale do Rio Real foram as seguintes: Viaduto Poente – Kterreno elevado: fl = 0.92 Hz ft = 1.35 Hz Viaduto Poente – Kterreno baixo: fl = 0.78 Hz ft = 1.29 Hz Viaduto Nascente – Kterreno elevado: fl = 0.78 Hz ft = 1.34 Hz Viaduto Nascente – Kterreno baixo: fl = 0.70 Hz ft = 1.23 Hz No que se refere às fundações, o critério adoptado para definir a cota da ponta da estaca foi o de fazer penetrar a estaca 4 diâmetros, no mínimo, no estrato portante e verificando a segurança relativa à capacidade de carga do terreno.

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5. PROCESSO CONSTRUTIVO O terreno apresenta zonas lodosas com elevada deformabilidade que dificultam a circulação de máquinas e limitam fortemente a carga transmissível ao terreno sem recurso a fundações por estacas. Também a variabilidade da espessura e características das formações aluvionares que ocorrem junto à superfície, tornam a estimativa dos assentamentos de fundações directas muito difíceis. Acrescem os condicionamentos hidráulicos decorrentes dos períodos de cheias nos vales, uma vez que é frequente o alagamento de partes significativas dos mesmos em cada inverno. Em face destas condicionantes, preconizou-se em fase de projecto, a execução de plataformas de trabalho por intermédio de aterros provisórios, os quais deveriam ser realizados a uma cota que impedisse o alagamento do local dos trabalhos em cheias com um período de retorno de 10 anos. Estes aterros deveriam ser dotados de condutas que permitissem o escoamento da água, em linhas de água já existentes e não só. Preconizou-se ainda que o tabuleiro fosse realizado tramo a tramo com recurso a cimbres móveis (superiores ou inferiores) apoiados nos pilares, ainda que pontualmente houvesse necessidade de desbastar o terreno para ganhar cota para a passagem do cimbre móvel. Desaconselhou-se a utilização de cimbres apoiados directamente no solo. A opção da empresa construtora, Somague, S.A., foi no sentido de utilizar um cimbre aéreo auto-lançável no Viaduto do Rio Real e um cimbre apoiado directamente sobre o solo no Viaduto do Rio Galvão. A obra foi iniciada em finais de 2004. Especificou-se a realização pelo empreiteiro de 3 ensaios de carga vertical e de 2 ensaios de carga horizontal em “estacas de ensaio” de Ø800 mm, com o objectivo de aferir o dimensionamento das estacas segundo o critério de carga/assentamento. A execução de estacas foi realizada com recurso a tubo moldador recuperável, em face da natureza do terreno e nível freático. Com o objectivo de analisar a integridade das estacas utilizou-se o método do “Cross-Hole – Sonic Coring”. Para tal foi testado pelo menos uma estaca por cada alinhamento transversal ou todas as estacas de um determinado alinhamento quando numa delas fossem detectadas anomalias. Trata-se de um ensaio de diagrafia sónica entre furos, onde sensores ultra sónicos são usados para medir o tempo de propagação do som através do betão. Os ensaios implicaram a instalação de tubos metálicos, antes da betonagem, desde o topo das estacas até à sua base. Para a realização dos maciços de encabeçamento de estacas do pilar de junta na obra do Rio Galvão houve necessidade de executar ensecadeiras provisórias, com recurso à realização de cortinas de estacas prancha em face da proximidade de uma linha de água e da permeabilidade dos solos no local. Em face das distintas situações portantes e de deformabilidade apresentadas pelos solos ocorrentes, o empreiteiro apresentou duas soluções de fundação do cimbre, a aplicar consoante cada caso. Nas zonas envolvendo formações argilosas do Pliocénico, recorreu-se à

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fundação das torres do cimbre por intermédio de lajetas em betão armado, apoiadas sobre um aterro constituído por saibros gresosos com 0.30 a 0.50 m de espessura. Nas zonas envolvendo a formação aluvionar (com espessuras variando de 2 a 10 metros) o cimbre apoia-se sobre lajetas de betão armado, cada uma por sua vez apoiada num conjunto de 4 estacas de eucalipto (Ømédio de 0.20 m). Estas estacas foram cravadas com recurso a martelo pneumático com vibro-percussão, com comprimentos até 12 metros com o objectivo de solicitar os estratos arenosos (PQ) ocorrentes sob a camada aluvionar. A cravação com o balde de escavadora com carga estática crescente seguido de percussão foi igualmente experimentado, mas foi abandonado por implicar mais danos na cabeça das estacas e introdução de excentricidades. Em contraponto, o método adoptado (martelo pneumático com vibro-percussão) revelou-se mais capaz de levar a ponta das estacas até estratos de maior resistência e de manter a integridade das estacas. Para aferir o desempenho dos aterros foram realizados ensaios com placa em aterros com 0.30 m, tendo-se obtido deformações até 3.5 mm para tensões aplicadas até 250 kPa. Todavia, admitiu-se que as tensões a aplicar sobre o aterro não podiam exceder 150 kPa, transmitindo-se ao terreno natural subjacente tensões que não podiam exceder 100 kPa, por forma a obter deformações verticais aceitáveis. Também as estacas de eucalipto foram sujeitas a ensaios de carga, aplicada através de carregamentos verticais na cabeça das mesmas, segundo patamares crescentes de carga até um máximo de 200 kN. Obteve-se uma deformação máxima de 5.70 mm. A máxima tensão aplicada na cabeça da estaca foi de 4.8 MPa (estaca com Ø de 0.230 m). Na solução adoptada para fundação do cimbre, cada estaca não recebia mais de 140 kN (valor médio resultante da carga de uma torre dividida pelas 4 estacas respectivas). O pré-esforço longitudinal é constituído por cabos de traçado composto por troços parabólicos, associado à betonagem tramo a tramo, com cabos de continuidade e cabos secundários que se cruzam sobre os pilares (figura 13). Nas juntas de betonagem, os primeiros adoptam ancoragens com acoplador e os segundos ancoragens de extremidade.

Figuras 18 e 19: Ancoragens na junta de betonagem - Rio Galvão

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No Rio Real, por forma a adaptar o projecto do viaduto em causa ao processo construtivo com cimbre aéreo auto-lançável, foi solicitado pelo empreiteiro a execução de negativos horizontais nos pilares, a execução em 2ª fase de uma zona de laje sobre as carlingas e a execução da junta de betonagem a 8 m do eixo dos pilares. Este cimbre era constituído por uma viga principal com 82 m de comprimento, com 15 braços de suspensão da cofragem afastados de 3.0 m e 3 pórticos de apoio do cimbre sobre os pilares.

Figura 20: Montagem da cofragem suspensa do cimbre aéreo no primeiro tramo - Rio Real

Figura 21: Apoio do cimbre num pilar e abertura da cofragem na zona em consola – Rio Real

Nas duas obras as carlingas foram realizadas em 2ª fase, recorrendo-se a acopladores para a armadura longitudinal das carlingas, tendo o desempenho dos mesmos sido objecto de alguns ensaios com varões emendados à tracção. Nestes, constatou-se roturas nos varões e não nos acopladores, com forças na rotura iguais às obtidas em ensaios de varões sem acopladores.

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Figuras 22 e 23: Armadura de uma carlinga e aspecto de um varão após rotura em ensaio

Figuras 24 e 25: Pormenor do apoio do pórtico de sinalização – prolongamento da consola

Figuras 26 e 27: Vistas aéreas dos Viadutos sobre os Rio Galvão e Real

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