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VERSÃO NÃO-OFICIAL* PERANTE A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO Brasil – Medidas Relativas à Importação de Pneus Reformados (WT/DS332) SEGUNDA PETIÇÃO DO BRASIL 11 de agosto de 2006 * Esta versão é uma tradução livre da petição apresentada pelo Brasil à OMC no dia 11/08 e não tem valor jurídico. Seu único propósito é permitir o acesso do público mais amplo aos argumentos apresentados pelo Brasil.

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VERSÃO NÃO-OFICIAL*

PERANTE A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO

Brasil – Medidas Relativas à Importação de Pneus Reformados

(WT/DS332)

SEGUNDA PETIÇÃO DO

BRASIL

11 de agosto de 2006

* Esta versão é uma tradução livre da petição apresentada pelo Brasil à OMC no dia 11/08 e não tem valor jurídico. Seu único propósito é permitir o acesso do público mais amplo aos argumentos apresentados pelo Brasil.

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SUMÁRIO

ÍNDICE DE CASOS ....................................................................................................................iv

I. INTRODUÇÃO.................................................................................................................1

II. O BRASIL DEMONSTROU QUE A PROIBIÇÃO DE IMPORTAÇ ÕES É NECESSÁRIA PARA PROTEGER A SAÚDE HUMANA E O MEIO AMBIENTE E, PORTANTO, JUSTIFICA-SE PELO ARTIGO XX(B )....................3

A. O Brasil demonstrou que a proibição de importações enquadra-se no âmbito das políticas concebidas para proteger a saúde e vida humana, animal e vegetal ......................................................................................................4

1. A acumulação de resíduos de pneus cria um risco de dengue, febre amarela e outras doenças perigosas no Brasil.............................................5

2. A acumulação de resíduos de pneus cria um risco de incêndios de pneus e de lixiviação tóxica, os quais têm efeitos adversos substanciais sobre a saúde humana e o meio ambiente.............................11

3. A proibição de importações é concebida para reduzir os riscos da acumulação e destinação final de pneus ...................................................11

B. O Brasil demonstrou que a proibição de importações é “necessária” para alcançar o legítimo objetivo de política pública do Brasil de evitar a geração desnecessária de resíduos adicionais de pneus e riscos associados.........13

1. Os interesses protegidos pela proibição de importações são vitais e do mais alto grau de importância ..............................................................13

2. A CE não identificou uma alternativa que permitiria ao Brasil atingir o seu nível escolhido de proteção..................................................14

a. A destinação final de resíduos de pneus traz consigo significativos custos econômicos e ambientais.............................16

b. O armazenamento em pilhas é uma prática perigosa que não é mais aceita como uma solução legítima de gestão de resíduos de pneus ..........................................................................20

c. A incineração de resíduos de pneus em fornos de cimento e instalações semelhantes não permite ao Brasil atingir o nível escolhido de proteção...........................................................25

(i) Os países incineram resíduos de pneus porque métodos de destinação final menos prejudiciais não

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são capazes de lidar com os volumes existentes de resíduos .............................................................................25

(ii) A incineração em fornos de cimento provoca riscos à saúde e ao meio ambiente ..............................................26

d. A reciclagem de material não tem capacidade para absorver os volumes existentes de resíduos de pneus .................................32

e. O Brasil não pode atingir o nível de proteção que elegeu sem proibir as importações de pneus de ciclo de vida mais curto ..............................................................................................34

3. A proibição de importações não restringe o comércio de forma injusta ou desequilibrada...........................................................................36

4. A proibição de importações contribui de forma significativa para conter doenças transmitidas por mosquitos e reduzir a incidência de incêndios perigosos de pneus e lixiviação tóxica.................................37

a. A proibição de importações reduz a acumulação de resíduos de pneus ..........................................................................39

(i) Uma alta porcentagem dos pneus usados no Brasil são reformados..................................................................39

(ii) A proibição de importações reduziu a quantidade de resíduos de pneus que precisam ser coletados e destinados no Brasil ..........................................................41

b. A proibição de importações contribui substancialmente para os esforços do Brasil de combate à dengue e outras doenças transmitidas por mosquitos .............................................42

c. A proibição de importações reduz o risco de incêndios perigosos de pneus e lixiviação tóxica..........................................45

d. As importações de pneus usados através de medidas liminares não descaracterizam a eficácia da proibição de importações na redução do volume de resíduos de pneus ............45

III. O Brasil demonstrou que a proibição de importações cumpre os requisitos do caput do Artigo XX .........................................................................................................48

A. A proibição de importações não é aplicada de uma maneira que constitua discriminação “arbitrária ou injustificável” ..........................................................49

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B. A proibição de importações não é aplicada de uma maneira que constitua uma “restrição disfarçada ao comércio internacional” .........................................53

IV. AS MULTAS ANTI-CIRCUNVENÇÃO SÃO COMPATÍVEIS COM O GATT ...............................................................................................................................56

V. O BRASIL DEMONSTROU QUE A ISENÇÃO DOS PAÍSES DO MERCOSUL É AUTORIZADA PELOS ARTIGOS XXIV E XX(D) DO GATT ...............................................................................................................................56

A. O Mercosul é uma união aduaneira em conformidade com o Artigo XXIV........56

1. O Mercosul é compatível com os Artigos XXIV:5(a) e 8(a)....................57

2. O Mercosul foi notificado de forma apropriada e está sendo examinado sob o Artigo XXIV do GATT ................................................59

3. Os fatos de Turkey – Textiles são marcadamente diferentes dos fatos do presente caso ...............................................................................60

B. A isenção limitada do Mercosul é justificada pelo Artigo XX(d) do GATT.......62

C. O Brasil está trabalhando em conjunto com seus parceiros do Mercosul para implementar uma política comum de resíduos que permitiria ao Brasil manter uma aplicação erga omnes da proibição de importações.......................... 65

VI. O BRASIL DEMONSTROU QUE AS NORMAS ESTADUAIS, NA MEDIDA EM QUE TENHAM EFEITO, NÃO SÃO INCOMPATÍVEIS COM A OMC ..................................................................................................................66

VII. CONCLUSÃO.................................................................................................................67

Lista de Anexos ................................................................................Erro! Indicador não definido.

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ÍNDICE DE CASOS

Canada – Dairy (Article 21.5 – New Zealand and US)

Appellate Body Report, Canada – Measures Affecting the Importation of Milk and the Exportation of Dairy Products – Recourse to Article 21.5 of the DSU by New Zealand and the United States, WT/DS103/AB/RW, WT/DS113/AB/RW, adopted 18 December 2001, DSR 2001:XIII, 6829

EC – Asbestos Appellate Body Report, European Communities – Measures Affecting Asbestos and Asbestos-Containing Products, WT/DS135/AB/R, adopted 5 April 2001, DSR 2001:VII, 3243

EC – Asbestos Panel Report, European Communities – Measures Affecting Asbestos and Asbestos-Containing Products, WT/DS135/R and Add.1, adopted 5 April 2001, as modified by the Appellate Body Report, WT/DS135/AB/R, DSR 2001:VIII, 3305

EC – Tariff Preferences Panel Report, European Communities – Conditions for the Granting of Tariff Preferences to Developing Countries, WT/DS246/R, adopted 20 April 2004, as modified by the Appellate Body Report, WT/DS/246/AB/R

EEC – Parts and Components

GATT Panel Report, European Economic Community – Regulation on Imports of Parts and Components, adopted 16 May 1990, BISD 37S/132.

Korea – Various Measures on Beef

Appellate Body Report, Korea – Measures Affecting Imports of Fresh, Chilled and Frozen Beef, WT/DS161/AB/R, WT/DS169/AB/R, adopted 10 January 2001, DSR 2001:I, 5

Mexico – Taxes on Soft Drinks

Appellate Body Report, Mexico – Tax Measures on Soft Drinks and Other Beverages, WT/DS308/AB/R, adopted 6 March 2006

Mexico – Taxes on Soft Drinks

Panel Report, Mexico – Tax Measures on Soft Drinks and Other Beverages, WT/DS308/R, adopted 7 October 2005

Turkey – Textiles Appellate Body Report, Turkey – Restrictions on Imports of Textile and Clothing Products, WT/DS34/AB/R, adopted 19 November 1999, DSR 1999:VI, 2345

US – Gambling Appellate Body Report, United States – Measures Affecting the Cross-Border Supply of Gambling and Betting Services, WT/DS285/AB/R, adopted 20 April 2005

US – Gasoline Appellate Body Report, United States – Standards for Reformulated and Conventional Gasoline, WT/DS2/AB/R, adopted 20 May 1996, DSR 1996:I, 3

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US – Line Pipe Panel Report, United States – Definitive Safeguard Measures on Imports of Circular Welded Carbon Quality Line Pipe from Korea, WT/DS202/R, adopted 8 March 2002, as modified by the Appellate Body Report, WT/DS202/AB/R

US – Shrimp Appellate Body Report, United States – Import Prohibition of Certain Shrimp and Shrimp Products, WT/DS58/AB/R, adopted 6 November 1998, DSR 1998:VII, 2755

US – Spring Assemblies GATT Panel Report, United States – Imports of Certain Automotive Spring Assemblies, adopted 26 May 1983, BISD 30S/107

US – Wool Shirts and Blouses

Appellate Body Report, United States – Measure Affecting Imports of Woven Wool Shirts and Blouses from India, WT/DS33/AB/R and Corr.1, adopted 23 May 1997, DSR 1997:I, 323

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VERSÃO NÃO-OFICIAL*

Brasil – Medidas Relativas à Importação de Pneus Reformados (WT/DS332)

SEGUNDA PETIÇÃO DO BRASIL

I. INTRODUÇÃO

1. O Brasil demonstrou neste processo que sua proibição de importações de pneus

reformados é uma medida necessária para proteger a saúde humana e o meio ambiente1 de riscos

causados pela acumulação e destinação final de resíduos de pneus. Como tal, a proibição é

justificada pelo Artigo XX(b) do GATT 1994. O Brasil também demonstrou que a isenção da

proibição de importações e das multas anti-circunvenção que concedeu aos países do Mercosul é

autorizada pelo Artigo XXIV. O Brasil, da mesma forma, comprovou que a isenção é também

justificada pelo Artigo XX(d) porque foi adotada para assegurar o cumprimento das leis e

regulamentos brasileiros que incorporam compromissos firmados no âmbito do Mercosul.

Finalmente, o Brasil demonstrou que as medidas estaduais questionadas justificam-se pelo

Artigo XX(b) mas que, de qualquer forma, tais medidas estaduais não têm qualquer efeito

jurídico independente das medidas federais.

2. Há fatos fundamentais neste caso com relação aos quais as partes concordam. Por

exemplo, o Brasil e a CE concordam que a acumulação de resíduos de pneus apresenta riscos à

saúde humana e ao meio ambiente, incluindo doenças transmitidas por mosquitos e emissões

prejudiciais. O Brasil e a CE também concordam que medidas para reduzir a acumulação de

resíduos de pneus são respostas legítimas a tais riscos. Finalmente, o Brasil e a CE concordam

que as multas anti-circunvenção são medidas acessórias de imposição que devem prevalecer ou

não em conjunto com a proibição de importações. Para além desses pontos, as partes

essencialmente discordam.

3. O Brasil demonstrou que a proibição de importações reduz a acumulação de resíduos de

pneus e que a proibição é necessária para reduzir os riscos da acumulação, assim como os da

destinação final. A CE argumenta, no entanto, que a proibição de não é necessária e alega que

1 O Brasil utiliza o termo “meio ambiente” para se referir a “saúde ou vida animal ou vegetal” no sentido do Artigo XX(b) e “saúde” para se referir a saúde ou vida humana.

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outras alternativas permitiriam ao Brasil atingir o mesmo nível de proteção. Como o Brasil

demonstrou em suas alegações anteriores, e o fará novamente nesta petição, a CE está

equivocada.

4. A CE argumenta que a Resolução CONAMA 258 e o programa “Paraná Rodando

Limpo” são medidas alternativas razoavelmente disponíveis. A esse respeito, a CE também está

equivocada. Enquanto a proibição de importações é uma medida de não-geração (de resíduos), a

Resolução 258 e o “Paraná Rodando Limpo” são meramente esquemas de coleta que não

reduzem os riscos provocados pela destinação final de resíduos de pneus.

5. A CE também argumenta que o Brasil pode destinar seus resíduos de pneus com

segurança se simplesmente empregar os três métodos seguintes: armazenamento em pilhas,

incineração em fornos de cimento, e reciclagem de material. A CE admite que a reciclagem de

material—o método menos arriscado dos três—não é capaz de absorver todo o volume existente

de resíduos de pneus. No território da CE, a reciclagem de material absorve apenas pouco mais

de um quarto dos resíduos de pneus.2 Os resíduos de pneus remanescentes precisam, portanto,

ser armazenados em pilhas ou incinerados. No entanto, tanto o armazenamento quanto a

incineração apresentam riscos significativos à saúde. A CE está removendo suas pilhas de pneus

existentes, ao invés de criar novas pilhas, e sua própria Agência de Meio Ambiente aconselha

que a incineração é apropriada apenas “se nenhuma outra saída for possível.”3

6. Uma vez que, atualmente, a destinação final de resíduos de pneus apresenta riscos à

saúde que não podem ser eliminados, apenas a não-geração desses resíduos pode atingir o nível

de proteção pelo qual o Brasil optou. A proibição das importações de pneus reformados pelo

Brasil evita a geração desnecessária de resíduos de pneus adicionais e, logo, reduz o volume de

resíduos de pneus que deve ser incinerado ou destinado através de outros métodos que trazem

riscos sanitários ou ambientais. Aí reside a contribuição da proibição.

7. A CE alega que a proibição de importações não contribui significativamente para a meta

do Brasil de reduzir os riscos provocados por resíduos de pneus, pois os pneus novos usados no

2 Vide EC’s First Oral Statement, at para. 81. 3 European Environment Agency, Waste from Road Vehicles 2 (2001) (“EU – Waste from Road Vehicles”) (Exhibit BRA-108).

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Brasil não são aptos à reforma e porque os reformadores brasileiros operam largamente com

carcaças importadas, obtidas através de liminares judiciais. Isso simplesmente não é verdade. O

Brasil demonstrou que 30% de suas carcaças domésticas são aptas à reforma e que elas são de

fato reformadas. O Brasil explicou que as medidas liminares não reduzem a importância da

contribuição da proibição das importações de pneus reformados para a busca dos objetivos da

política pública brasileira. De qualquer forma, essas medidas liminares logo deixarão de ser

concedidas.

8. A CE também questionou a isenção da proibição de importações concedida pelo Brasil

aos seus parceiros do Mercosul, medida que o Brasil adotou para cumprir uma decisão de um

Tribunal Ad Hoc do Mercosul. A CE argumenta que o Brasil precisa demonstrar que a isenção é

necessária para a formação do Mercosul. Entretanto, o Artigo XXIV não impõe tal exigência em

relação a medidas que envolvem a liberalização interna.

9. Em resumo, as medidas questionadas pela CE são totalmente compatíveis com as

obrigações do Brasil na OMC.

II. O BRASIL DEMONSTROU QUE A PROIBIÇÃO DE IMPORTAÇÕES É NECESSÁRIA PARA PROTEGER A SAÚDE HUMANA E O MEIO AMBIENTE E, PORTANTO, JUSTIFICA-SE PELO ARTIGO XX(B )

10. O Brasil demonstrou decisivamente—e a CE não replicou—que a proibição das

importações de pneus reformados é necessária para proteger a população do Brasil de danos

significativos à saúde e ao meio ambiente causados pela acumulação e destinação final de

resíduos de pneus adicionais. A proibição atinge esse objetivo ao evitar a geração desnecessária

de resíduos de pneus adicionais no Brasil, o que por sua vez reduz a acumulação de volumes de

resíduos de pneus aos quais se deve dar destinação final no Brasil.

11. De início, deve-se notar que a CE reconheceu que:

medidas concebidas para evitar a incidência de [doenças como o câncer, a dengue, a febre amarela, doenças respiratórias, ou problemas de reprodução] entre humanos potencialmente enquadram-se no escopo do Artigo XX(b) do GATT.4

4 Vide EC’s First Oral Statement, at para. 16.

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12. A CE também reconheceu que:

como uma questão de princípio, medidas que objetivam a redução da acumulação de resíduos de pneus podem constituir uma resposta legítima aos problemas de saúde provocados por resíduos de pneus, desde que as medidas de redução não sejam discriminatórias e que as medidas necessárias tenham sido adotadas para gerenciar todas as correntes de resíduos corretamente.5

13. Em outras palavras, a CE não disputa que o Brasil pode—em conformidade com suas

obrigações na OMC—promover uma política de redução de resíduos de pneus para minimizar os

riscos associados a esses resíduos, incluindo a imposição de uma proibição das importações de

pneus reformados. A CE alega, no entanto, que o objetivo por trás das medidas brasileiras não é

a proteção da saúde humana e do meio ambiente e que a política de gerenciamento de resíduos

de pneus do Brasil não é o meio mais eficaz e apropriado para atingir o objetivo brasileiro. Essas

alegações são infundadas.

14. Nas Seções II. A, II. B, e III. abaixo, o Brasil resumirá as evidências nos autos que

demonstram, em conformidade com o Artigo XX(b), que: (1) a proibição de importações é

concebida para proteger a saúde ou vida humana, animal ou vegetal, (2) a proibição é necessária

para realizar esse objetivo de política pública, (3) os riscos ambientais e de saúde pública

invocados pelo Brasil são genuínos, (4) não há nenhuma alternativa razoavelmente disponível à

proibição de importações, (5) a proibição de importações contribui significativamente para que o

Brasil atinja os objetivos que procura alcançar, e (6) a proibição de importações cumpre os

requisitos do caput do Artigo XX.

A. O Brasil demonstrou que a proibição de importações enquadra-se no âmbito das políticas concebidas para proteger a saúde e vida humana, animal e vegetal

15. O Brasil demonstrou que resíduos de pneus apresentam riscos substanciais à saúde

pública e ao meio ambiente, e que a proibição de importações é concebida para reduzir tais

5 EC’s Response to Question 38 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 53 (grifos nossos).

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riscos.6 A CE, no entanto, em seus comentários ao Painel, questionou a genuinidade desses riscos

à saúde pública e, em suas perguntas ao Brasil, solicitou até mesmo uma confirmação de que

“casos de dengue ou malária no Brasil estão ligados à presença de resíduos de pneus”, como se

pudesse haver qualquer dúvida.7 Vale recordar que, apenas dois anos atrás, a própria CE

reconheceu os riscos à saúde pública provocados pela acumulação de resíduos de pneus no Brasil

no contexto desta própria disputa:

Claramente, resíduos de pneus que poluem o interior do país representam um problema significativo de saúde pública e de meio ambiente no Brasil, notadamente na medida em que podem coletar águas de chuva e, portanto, potencialmente fornecer criadouros para mosquitos (aedes aegypti) que podem disseminar a dengue e, em algumas circunstâncias, a febre amarela urbana.8

16. A CE não explicou por que questiona agora a existência desses bem reconhecidos riscos.

1. A acumulação de resíduos de pneus cria um risco de dengue, febre amarela e outras doenças perigosas no Brasil

17. O Brasil de fato documentou exaustivamente, em sua Primeira Petição, que pneus

empilhados e descartados ilegalmente alimentam epidemias de doenças transmitidas por

mosquitos no Brasil através do fornecimento de criadouros ideais para os mosquitos.9

18. Apesar disso, o Brasil responderá à alegação mais recente da CE e demonstrará que a

incidência de dengue e outras doenças no Brasil está de fato “ligada à presença de resíduos de

pneus.”10

6 Vide Panel Report, EC – Asbestos, at para. 8.186 (explicando que onde existe um risco, “uma política que procura reduzir a exposição ao [mencionado] risco deve enquadrar-se no âmbito das políticas concebidas para proteger a saúde ou vida humana”). 7 EC’s Questions to Brazil following the First Substantive Meeting of the Parties, Question 12; vide também EC’s First Oral Statement, at paras. 42-48. 8 European Commission, Directorate General-Trade, Examination Procedure Concerning an Obstacle to Trade, Within the Meaning of Council Regulation (EC) No 3286/94, Consisting of Trade Practices Maintained by Brazil Affecting Trade in Retreaded Tyres, Report to the Trade Barriers Regulation Committee 13 (2004) (“EC Report”) (Exhibit EC-2) (grifos nossos). 9 Vide Primeira Petição do Brasil, Seção III.A.1. 10 EC’s Questions to Brazil following the First Substantive Meeting of the Parties, Question 12; vide também EC’s First Oral Statement, at paras. 42-48.

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19. Um estudo de 1997 que examinou a colonização de aedes aegypti na região de São José

do Rio Preto, no Estado de São Paulo, durante o período de 1985 a 1991, concluiu que larvas de

aedes aegypti e aedes albopictus ocorrem mais freqüentemente em pneus:

[O aedes aegypti] é um grande problema para a população humana pois, juntamente com o Aedes albopictus, detém a capacidade de agir como vetor da febre amarela urbana, da dengue e da dengue hemorrágica, podendo causar sérias epidemias.

. . .

Das 455 coletas em recipientes, 25% foram positivas para o vetor, sendo a maior parte em pneus (72%). As larvas positivas foram coletadas em 14 PE, principalmente nas borracharias, depósitos de pneus e recauchutadoras, e nas lojas e depósitos de materiais de construção.

. . .

Os pneus foram os principais responsáveis pela dispersão passiva do mosquito através de intenso comércio realizado com este tipo de material, entre os municípios da região, entre a região e os demais municípios do Estado de São Paulo e mesmo com outras localidades brasileiras.

. . .

Com a presença de mosquitos vetores da dengue e da febre amarela, a região passou a sofrer risco de ocorrência de epidemias..11

20. Um estudo de 2005 que examinou a proliferação de larvas de aedes aegypti no município

de Santos, Estado de São Paulo, relatou resultados semelhantes:

A positividade média dos tipos de recipientes apresentou diferenças significativas, sendo os maiores valores para pneu (11,9%), outros materiais úteis (5,6%), recipientes para armazenamento de água (4,6%) e outros fixos (4,2%). . . . O pneu

11 Francisco Chiaravalloti Neto, Ph.D., Descrição da Colonização de Aedes Aegypti na Região de São José do Rio Preto, São Paulo, Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Volume 30, No. 4, at 279-280, 282, 284 (1997) (Exhibit BRA-109).

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foi o recipiente que apresentou a maior positividade entre aqueles pesquisados.12

21. Um estudo sobre os mosquitos vetores da febre amarela em duas ilhas fluviais no Estado

do Paraná também relatou uma maior incidência de larvas de mosquitos em pneus do que em

outros criadouros.13 O estudo atribuiu a introdução dos mosquitos ao transporte de pneus usados

para as ilhas para servirem como defensas para barcos nos pontos de atracação (um uso de

engenharia civil). Uma vez que o vírus da febre amarela estava presente nas ilhas, o estudo

alertou que a migração do mosquito para as mesmas “sugere a possibilidade de transferência

desse vírus [da febre amarela] para área urbana [já] infestada com a presença de Aedes aegypti

no Estado do Paraná.”14

22. Pesquisas também indicam que pneus são os criadouros favoritos dos mosquitos. Um

estudo de 2001 concluiu:

Os criadouros preferenciais para Ae. aegypti e Ae. albopictus são os recipientes artificiais como: latas, vidros, vasos de cemitérios, caixas d’água e pneus. Dentre os criadouros artificiais, onde ambas as espécies são encontradas, os pneus têm merecido atenção da vigilância epidemiológica por apresentarem criação relevante desses mosquitos. Esses depósitos conseguem armazenar grande quantidade de água, proporcionam baixa evaporação e são importantes artigos de comércio em nível nacional e internacional, o que facilita a dispersão passiva das espécies.15

23. Um estudo sobre espécimes de mosquitos em Londrina, Estado do Paraná, conclui que os

mosquitos preferem pneus a outros criadouros:

Nos pneus foram coletados 88.7% do total de larvas analisadas e das 81 repetições, um único pneu não esteve colonizado por

12 Maria de Fátima Domingos, Ecological Aspects of Aedes Aegypti ( Linnaeus) in Santos, São Paulo State, Brazil (2005) (Exhibit BRA-110). 13 Edilson C Cristóvão et al., Aedes Albopictus Em Ilhas Fluviais do Rio Paraná e Implicações na Transmissão de Febre Amarela, Revista de Patologia Tropical, Volume 34 (2005) (Exhibit BRA-111) (“Foram coletados 358 imaturos de Ae. albopictus em 36 criadouros. A maior freqüência de larvas foi observada em pneus (13) e latas (11).”). 14 Id. 15 Nildimar Alves Honório e Ricardo Lourenço-de-Oliveira, Frequency of Aedes Aegypti and Aedes Albopictus Larvae and Pupae in Traps, Brazil, Revista de Saúde Pública, Volume 35, No. 4, at Introduction (2001) (Exhibit BRA-112) (citações internas omitidas).

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[mosquitos] durante todo o experimento. [] Pneus têm se caracterizado como criadouro preferido por muitas espécies de mosquitos. Segundo Beier et al. (1983), a preferência por pneus pode ser explicada pela semelhança desses artefatos com ocos de árvore.16

24. Um estudo no Norte do Estado do Paraná relatou resultados semelhantes:

O pneu caracterizou-se como o recipiente mais aceito pelos culicídeos. . . . Coletaram-se 21.003 larvas de Culicidae. As latas contribuíram com 6,0%, potes plásticos com 8,9%, bambus com 8,8%. A abundância dominante foi em pneu, com 76,3% dos espécimens coletados.17

25. No Estado do Espírito Santo, pesquisadores encontraram da mesma forma altos níveis de

mosquitos em depósitos de pneus:

No Espírito Santo o A. albopictus tem sido encontrado em alta densidade nos depósitos de pneus usados. . . . Na tabela 3 estão os depósitos pesquisados no Município de Anchieta e, entre eles, destacam-se os pneus.18

Governos e pesquisadores de outros países também reconheceram a preferência dos mosquitos

por pneus.19

16 João A. C. Zequi, Imaturos de Culicidae (Diptera) Encontrados em Recipientes Instalados em Mata Residual no Munícipio de Londrina, Paraná, Brasil, Revista Brasiliera de Zoologia, Volume 22, No. 3, at 657 (2005) (Exhibit BRA-113). 17 José Lopes, Departamento de Biologia Animal e Vegetal da Universidade Estadual de Londrina, Mosquito (Diptera: Culicidae) Ecology of Natural and Artificial Rural Breeding Places in Northern Parana, Brazil. V. Larvae Captured in Artificial Reservoirs Installed in Ciliary Forest, Revista de Saúde Pública, Volume 31, No. 4, at 370 (1997) (Exhibit BRA-114) (grifos nossos). 18 Joaquim A. Ferreira Neto et al., First Observations on Aedes Albopictus in the State of Espírito Santo, Brasil, Cadernos de Saúde Pública, Volume 3, No. 1, at 57-58 (1987) (Exhibit BRA-115). 19 Vide, e.g., Strange Invaders, Penn State Agriculture Magazine, Fall 2003 (Exhibit BRA-116) (“Pneus velhos armazenando água são criadouros favoritos para mosquitos.”); Wisconsin Department of Health and Family Services, Breeding Habitat Source Reduction 1 (2003) (Exhibit BRA-117) (“Pneus são criadouros de mosquitos especialmente notórios.”); S. Malard et al., Institut National de Recherche et de Sécurité (France), La Dengue: un Problème de Santé Publique Lié à des Activités Professionnelles, Dossier Médico-Technique, Documents pour le Médecin du Travail, No. 94, at 155 (2003) (Exhibit BRA-118) (“Un stockage de pneus en plein air peut rapidement devenir une niche écologique favorable au développement d’une colonie de moustiques, y compris Aedes albopictus, vecteur potentiel de la dengue.”); Chartered Institute of Environmental Health (UK), Emerging Mosquito-Borne Diseases 26 (2005) (Exhibit BRA-145) (“O papel de pneus descartados no fornecimento de criadouros é bem documentado.”).

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26. Outro risco da acumulação de resíduos de pneus é a disseminação de doenças através do

transporte interestadual de resíduos de pneus para operações de destinação final. O Brasil

promove a destinação final de pneus próxima a sua origem; entretanto, o transporte desses

resíduos não pode ser evitado em certos casos. Por exemplo, a região amazônica possui poucas

instalações para destinação final, e por uma boa razão—o armazenamento em pilhas ou a

incineração de resíduos de pneus poderia ser devastadora para o frágil ecossistema da região.20

Quando pneus usados na região amazônica são reformados, menos resíduos de pneus são

gerados, e menos resíduos de pneus precisam ser transportados para outras regiões, reduzindo

dessa forma os riscos da dispersão de mosquitos. A CE se opôs a esse ponto argumentando que

(1) poucas pessoas vivem na região amazônica, e (2) tal região “não terá uma indústria de

reforma, o que freqüentemente significará que pneus novos tornar-se-ão resíduos de pneus após

sua primeira vida, da mesma maneira que pneus reformados.”21 Isso simplesmente não é

verdade.

27. A Amazônia tem em torno de 119 reformadores que são totalmente capazes de reformar

pneus usados na região.22 A população da região é de mais de 20 milhões de habitantes, sendo

que 14 milhões dos quais vivem em áreas urbanas. As maiores cidades da região, Manaus e

Belém, têm populações de 1,4 milhões e 1,5 milhões respectivamente, o que equivale

aproximadamente ao tamanho de cidades como Milão, Barcelona, Viena e Bruxelas. Há pouca

dúvida de que quantidades substanciais de pneus consumidos na região serão reformados,

reduzindo assim o volume de resíduos de pneus que deve ser transportado para outras regiões.

28. Os riscos do transporte de resíduos de pneus são bem reconhecidos e especialistas e

agentes ambientais do Reino Unido, EUA e Canadá alertaram sobre esses riscos. Um agente de

saúde do Reino Unido ilustrou o problema do transporte como se segue:

20 Vide Non-Party Submission by Humane Society International in Brazil – Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres (WT/DS332), at para. 28 (Exhibit BRA-98). 21 EC's Response to Question 47 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 63. 22 Vide Associação Brasileira do Segmento de Reforma de Pneus, Information Regarding the Tyre Retreading Sector in Brazil 1 (2006) (Exhibit BRA-95).

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[A]través do movimento interno desses pneus, pode-se monitorar o movimento desses mosquitos ao longo dos sistemas rodoviários interestaduais, o qual é realmente bastante engenhoso.23

29. Um estudo japonês de 2002 apontou que pneus transportados para operações de

destinação final (no caso, fornos de cimento) poderiam estar infestados com mosquitos.

No limite mais ao norte do mosquito, Higashiyama, localizada no lado leste do distrito de Tohoku, há uma cimenteira na qual pneus usados são utilizados como combustível e matéria-prima. Esses pneus, que poderiam estar infestados com mosquitos, são freqüentemente transportados de grandes cidades nas redondezas. Foi demonstrado que esse tipo de atividade econômica tem uma forte conexão com a disseminação do Ae. albopictus.24

30. Um estudo do Centro para a Prevenção e Controle de Doenças dos EUA relatou:

O ae. albopictus, um dos principais mosquitos ao longo de grande parte de seu âmbito, é um vetor competente em laboratório para pelo menos 22 arbovírus, incluindo muitos vírus de importância para a saúde pública. . . . A relação postulada entre a dispersão e rotas principais de transporte era de se esperar para uma espécie transportada largamente por atividades humanas como o movimento comercial de pneus velhos para a reforma, reciclagem ou outros propósitos. Muitos dos 28 locais infestados por mosquitos que não estavam localizados no sistema interestadual eram grandes empresas reformadoras de pneus, outros negócios que lidam com grandes números de pneus usados ou inservíveis, ou entulhos ilegais de pneus.25

31. O Comitê de Saúde Ambiental do Quebec, no Canadá, notou da mesma forma que:

Jusqu'à présent, le transport inter-régional des pneus usagés a été identifié comme étant le facteur principal de [la propagation

23 Biting Back, Environmental Health Practitioner, December 2004, at 368-371 (Exhibit BRA-119) (citando Jolyon Medlock, Health Protection Agency, UK, referindo-se à disseminação do aedes albopictus nos EUA). 24 M. Kobayashi et al., Analysis of Northern Distribution of Aedes albopictus (Diptera culidae) in Japan by Geographical Information System, Journal of Medical Entomology, Volume 39, No. 1, at 9 (2002) (Exhibit BRA-120). 25 Chester G. Moore & Carl J. Mitchell, Aedes albopictus in the United States: Ten-Year Presence and Public Health Implications, Emerging Infectious Diseases, Volume 3, No. 1 (1997) (Exhibit BRA-121).

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d’Aedes Albopictus] aux états-Unis. Sa distribution demeure toutefois, pour l'instant, limitée aux dépotoirs de pneus.26

[Tradução não-oficial: Até o presente, o transporte inter-regional de pneus usados foi identificado como o principal fator por trás da propagação do Aedes Albopictus nos Estados Unidos. Sua distribuição, no momento, permanece limitada a depósitos de pneus.]

32. Essas evidências demonstram de forma conclusiva que a acumulação de resíduos de

pneus, assim como o seu transporte, apresenta riscos genuínos de doenças transmitidas por

mosquitos no Brasil. A alegação da CE em sentido contrário não pode ser levada a sério.

2. A acumulação de resíduos de pneus cria um risco de incêndios de pneus e de lixiviação tóxica, os quais têm efeitos adversos substanciais sobre a saúde humana e o meio ambiente

33. O Brasil também demonstrou que a acumulação de resíduos de pneus cria um risco

significativo de incêndios de pneus, que liberam muitas substâncias prejudiciais no meio

ambiente, incluindo dioxinas, furanos e metais pesados.27 Pneus armazenados em pilhas e

descartados ilegalmente também levam à lixiviação de substâncias químicas tóxicas.28 No

entanto, em relação a pilhas de pneus, a CE argumenta que os incêndios são meramente uma

conseqüência de gestão inadequada.29 Esse argumento também não tem mérito. Pilhas de pneus

são freqüentemente perigosas. De fato, a própria CE reconhece os riscos e promove ativamente a

remoção de pilhas de pneus.30

3. A proibição de importações é concebida para reduzir os riscos da acumulação e destinação final de pneus

34. O Brasil também demonstrou que a proibição das importações de pneus reformados é

concebida para reduzir os riscos de doenças transmitidas por mosquitos e de incêndios de pneus

através da redução da acumulação de resíduos de pneus no Brasil. A Ministra do Meio Ambiente

26 Environmental Health Committee of Quebec, Canada, Les Pneus hors d'Usage et le Risque de Transmission de Maladies Infectieuses par les Moustiques (2003) (Exhibit BRA-122). 27 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 29-33. 28 Vide infra, nota de rodapé 70. 29 Vide EC’s First Written Submission, at para. 103. 30 Vide infra, Seção II. B.2.b.

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do Brasil, Marina Silva, afirmou em seu discurso perante o Painel que “[a]s medidas

questionadas pela Comunidade Européia constituem elementos essenciais do amplo programa

brasileiro de proteção à saúde pública e meio ambiente dos riscos causados por resíduos de

pneus.”31

A EC não contestou ativamente o fato de que a proibição de importações foi concebida para

reduzir os riscos da acumulação de resíduos de pneus, exceto em seu endosso pouco

entusiasmado de um argumento levantado por uma terceira parte.32 A terceira parte alegou que a

proibição de importações não foi concebida para atingir os objetivos afirmados porque (1) o

Brasil não reforma todos os seus pneus novos, (2) pneus de veículos comerciais podem ser

reformados mais de uma vez, e (3) os importados do Mercosul estão isentos da proibição.33 Esse

argumento não pertence à análise da política pública porque as primeiras duas razões alegadas

estão relacionadas à eficácia da proibição, e não à sua concepção (design). De qualquer forma, o

Brasil demonstrou que um grande número dos pneus que consome são reformáveis, e são de fato

reformados.34 O Brasil também demonstrou que reformados para veículos comerciais, da mesma

forma que reformados para automóveis, têm vida útil remanescente menor porque foram

reformados pelo menos uma vez.35 A terceira razão alegada está inteiramente deslocada. A

isenção do Mercosul é uma medida separada, e não parte da proibição de importações. A isenção

foi instituída em um momento posterior ao da proibição de importações, em função de um laudo

arbitral publicado por um tribunal internacional, e é justificada por dispositivos do GATT

distintos daqueles que justificam a proibição. No pedido de estabelecimento do Painel e na

Primeira Petição da CE,36 está claro que a proibição de importações e a isenção do Mercosul são

medidas distintas, que não devem ser confundidas. A isenção do Mercosul simplesmente não é

parte da concepção da proibição de importações e o Painel não deve ser erroneamente levado a

31 Ministra do Meio Ambiente Marina Silva, Discurso inicial do Brasil na Primeira Audiência, para. 9. 32 Vide EC’s First Oral Statement, at para. 19, citando Korea’s Third Party Submission, at para. 12. 33 Vide Korea’s Third Party Submission, at para. 12 (citada em EC’s First Oral Statement, at para. 19). 34 Vide infra, Seção II. B.4.a. 35 Vide Resposta do Brasil à Pergunta 5 do Painel após a Primeira Audiência. 36 Vide Request for the Establishment of a Panel by the European Communities, WT/DS332/4; EC’s First Written Submission, at para. 47.

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considerar a isenção do Mercosul quando estiver analisando a justificativa da proibição de

importações sob o Artigo XX(b).

B. O Brasil demonstrou que a proibição de importações é “necessária” para alcançar o legítimo objetivo de política pública do Brasil de evitar a geração desnecessária de resíduos adicionais de pneus e riscos associados

35. O segundo elemento da análise do Artigo XX(b) é a necessidade. O Brasil demonstrou

que a medida é necessária.37 O Brasil comprovou que a proibição protege interesses que são

vitais e do mais alto grau de importância, que não existe uma alternativa à proibição

razoavelmente disponível, que a proibição não restringe o comércio de maneira injusta, e que

contribui de forma significativa para o objetivo proposto.

36. Como o Brasil explicou em sua Primeira Petição, a determinação da necessidade no

sentido do Artigo XX(b) exige a “pesagem e balanceamento” de uma série de fatores: a

importância do interesse protegido, a existência de alternativas razoavelmente disponíveis, o

impacto sobre o comércio, e a contribuição para o objetivo proposto.38 Nenhum fator isolado é

conclusivo: a força de um fator pode compensar a fraqueza relativa de outro. Quando

examinadas à luz desses fatores, as evidências apresentadas pelo Brasil demonstram que a

proibição de importações é necessária no sentido do Artigo XX(b). O Brasil abordará esses

fatores, e as evidências apresentadas em relação aos mesmos, nas seções 1 a 4 seguintes.

1. Os interesses protegidos pela proibição de importações são vitais e do mais alto grau de importância

37. O Brasil demonstrou—e a CE não contestou—que os interesses protegidos pela proibição

de importações (proteção da saúde e vida humana, animal e vegetal) são fundamentais. O Brasil

apresentou provas que demonstram bastante detalhadamente os diversos riscos ambientais e de

saúde provocados pela acumulação, transporte e destinação final de resíduos de pneus.39 A

proteção da população e do meio ambiente do Brasil desses seriíssimos riscos é um valor que é

37 Vide Primeira Petição do Brasil, Seção IV.A.1.b. 38 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 97-98. 39 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 22-36; Primeira Sustentação Oral do Brasil, paras. 14-18, 27.

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de fato “tanto vital quanto do mais alto grau de importância.”40 Esse fato está comprovado.

Trata-se de uma questão superada.

38. O Órgão de Apelação notou que “quanto mais vitais ou importantes os interesses ou

valores comuns almejados, mais fácil será aceitar como ‘necessárias’ as medidas concebidas para

atingir tais fins.”41 A proteção da saúde humana e do meio ambiente é um valor tão fundamental

que pesa substancialmente a favor da necessidade da medida.

2. A CE não identificou uma alternativa que permitiria ao Brasil atingir o seu nível escolhido de proteção

39. A parte demandante, neste caso a CE, tem o ônus de identificar uma medida alternativa

que esteja razoavelmente disponível para o Brasil.42 A CE deixou de fazê-lo.

40. A CE argumenta que esquemas de coleta, tais como a Resolução CONAMA 258 e o

Paraná Rodando Limpo, são alternativas.43 Entretanto, esses esquemas de coleta não são

instrumentos de não-geração—eles não reduzem os riscos da destinação final de resíduos de

pneus e portanto não são alternativas.44

41. A CE também argumenta que uma combinação do armazenamento em pilhas, incineração

em fornos de cimento e reciclagem de material permitiria que o Brasil desse destinação final a

seus resíduos de pneus de forma segura. Entretanto, a própria CE admite que a reciclagem de

material—o menos arriscado dos três métodos—pode absorver apenas uma fração dos volumes

de resíduos de pneus. Os volumes remanescentes devem ser empilhados ou incinerados. Tanto o

armazenamento em pilhas quanto a incineração apresentam riscos significativos à saúde, e

quanto menos resíduos de pneus precisarem ser empilhados ou incinerados, melhor. Portanto, ao

se considerar medidas alternativas, deve-se olhar para medidas de não-geração.

40 Appellate Body Report, EC – Asbestos, at para. 172 (grifos nossos). 41 Appellate Body Report, EC – Asbestos, at para. 172. Vide também Appellate Body Report, Korea – Various Measures on Beef, at para. 162 (“Quanto mais vitais ou importantes forem aqueles valores ou interesses comuns, mais fácil será aceitar como ‘necessária’ uma medida concebida como um instrumento de imposição.”). 42 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 116-117 (citando o Appellate Body Report, US – Gambling, at para. 320). 43 Vide EC’s First Written Submission, at paras. 110, 112, 137; EC’s First Oral Statement, at paras. 71, 74-81. 44 Vide Primeira Sustentação Oral do Brasil, para. 53.

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42. A CE acusa o Brasil de “eliminar métodos alternativos um a um,” quando eles “deveriam

ser implementados dentro de um esquema de política pública, não em isolamento.”45 A CE

conclui que “os argumentos do Brasil demonstram que esse tipo de esquema de política pública

não existe para o seu território.”46 Ao contrário, o Brasil tem uma abrangente política pública de

gerenciamento de resíduos de pneus—a qual inclui a proibição de importações—que promove

uma combinação de diferentes métodos para dar destinação final a resíduos de pneus—em

grande medida, os mesmos métodos utilizados na CE. O Brasil utiliza grânulos de borracha para

áreas de lazer e outras aplicações, a Petrobrás está processando quantidades limitadas de resíduos

de pneus em uma unidade pirolítica experimental, e agentes públicos e privados no Brasil estão

ativamente desenvolvendo e testando tecnologias de asfalto-borracha.47 No entanto, esses

métodos—seja individualmente ou em combinação—não podem lidar com os volumes

existentes, e a incineração, portanto, permanece necessária.

43. Cabe lembrar que uma medida alternativa não está “razoavelmente disponível” se for

meramente teórica, ou se impuser um “ônus indevido”, ou se não “preservar o direito do

Membro demandado de atingir o nível de proteção que deseja em relação ao objetivo

proposto.”48 Uma medida alternativa tampouco está “razoavelmente disponível” se o seu

resultado ou efeito é incerto.49 No contexto da presente disputa, isso significa que para que uma

alternativa seja considerada “razoavelmente disponível”, ela deve ser capaz de garantir com um

grau razoável de certeza que permitirá ao Brasil reduzir os riscos da acumulação e destinação

final de resíduos de pneus na máxima medida possível.

44. Nem a CE nem qualquer das terceiras partes ofereceu uma medida alternativa que esteja

razoavelmente disponível. De fato, tal alternativa não existe. Os contínuos desafios enfrentados

pela CE na gestão de seus crescentes volumes de resíduos de pneus ilustram esse fato, como

descrito abaixo.

45 EC's Response to Question 46 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 58. 46 EC's Response to Question 46 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 58. 47 Vide Primeira Petição do Brasil, para. 74. 48 Appellate Body Report, US – Gambling, at para. 308, citando Appellate Body Report, EC – Asbestos, at paras. 172-174. Vide também Appellate Body Report, Korea –Various Measures on Beef, at para. 180. 49 Vide Panel Report, Mexico – Taxes on Soft Drinks, at para. 8.188.

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a. A destinação final de resíduos de pneus traz consigo significativos custos econômicos e ambientais

45. Permanece o fato básico de que resíduos de pneus são resíduos perigosos que envolvem

altos custos de destinação, tanto em termos econômicos quanto ambientais. Os pneus

permanecem sendo um ônus e normalmente se deve pagar para dar-lhes destinação final.50 Um

funcionário da Associação de Fabricantes de Borracha dos EUA resumiu apropriadamente essa

realidade:

Atualmente, na maior parte do mundo, um fato básico da vida sobre pneus inservíveis é que eles são lixo nesse sentido econômico; isto é, custa dinheiro para removê-los do ponto de geração para um local de processamento, uso, ou destinação final. Ainda que existam alguns mercados que valorem pneus inservíveis positivamente, esse valor pode não ser suficiente para transportar o pneu inservível para aquele mercado. Além desses custos diretos de gerenciamento, pneus inservíveis podem gerar também custos sociais indiretos através das conseqüências de sua maneira de uso.51

46. O Anexo 84 da própria CE descreve os desafios substanciais que a CE continua a

enfrentar na gestão de seus resíduos de pneus:

• Ausência da opção do aterro para a UE

• Garantir um tratamento ecológico da corrente inteira

• Promover soluções econômicas eficientes e sustentáveis

• Resolver a questão das pilhas históricas de pneus

• Controlar a exportação de pneus em fim de vida para países de baixa renda.52

50 Vide, e.g., Martin Kemp, The Hidden Cost of Waste Disposal, Telegraph, 15 January 2006 (Exhibit BRA-123) (observando que, no Reino Unido, as taxas médias para a destinação de pneus são de £ 1.5 por pneu); County of Santa Barbara, Solid Waste Facilities, Material Prices (2006) (Exhibit BRA-124) (listando taxas de destinação de US$ 2 por pneu de automóvel, US$ 5 por pneu de caminhão médio, US$ 75 por pneu de equipamento, e US$ 100 por pneu de terraplenagem). 51 John Serumgard, Internalization of Scrap Tire Management Costs: A Review of the North American Experience, in Proceedings of the Second Joint Workshop of the Secretariat of the United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD) and the International Rubber Study Group on Rubber and the Environment, at 3 (1998) (Exhibit BRA-125). 52 European Tyre & Rubber Manufacturers’ Association, End-of-life Tyres: A Valuable Resource with a Wealth of Potential 4 (2006) (“End-of-life Tyres”) (Exhibit EC-84) (Exhibit BRA-126) (apesar de a CE já ter incluído este

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47. Aquele Anexo observa que a União Européia alargada enfrenta o “desafio de gerenciar,

de uma forma ambientalmente apropriada, mais de 3,2 milhões de toneladas métricas de pneus

usados,” a um custo anual de pelo menos € 600 milhões.53 Com um pneu de automóvel pesando

aproximadamente 6,5 quilogramas, isso equivale a um custo de destinação final de € 1.2 por

pneu de automóvel equivalente.

48. Durante as últimas décadas, os países da CE dispuseram em aterros a maior parte de seus

resíduos de pneus.54 Quando a Diretiva sobre Aterros exigiu que os Estados-membros da CE

parassem de dispor em aterros pneus inteiros até 2003 e pneus cortados até 2006, a maioria dos

governos-membros, assim como a indústria, batalhou para encontrar outras opções de destinação

final. Em um Relatório de 2002, a Agência Ambiental Européia expressou a preocupação de que

alguns países da UE “ainda [precisavam] encontrar opções alternativas para mais de dois terços

de seus resíduos de pneus para alcançar a meta.”55

49. Um representante da indústria no Reino Unido resumiu a situação àquela altura como se

segue:

A maioria dos locais de aterro estão agora fechados para pneus inteiros. Ao longo dos próximos poucos meses as empresas poderão utilizar os locais remanescentes – a um custo mais alto. Após isso, nenhuma forma prática de destinação final legal está atualmente à vista.56

50. Em 2004, um ano após a entrada em vigor da proibição do aterro de pneus inteiros e

apenas dois anos antes que o aterro de todos os resíduos de pneus se tornasse proibido, muitos

países europeus continuavam a armazenar em aterros e em pilhas volumes substanciais de

resíduos de pneus. De acordo com a Associação Européia de Fabricantes de Pneus & Borracha,

entre os 25 países da UE, apenas nove recuperaram 90% da geração anual; os 16 países

remanescentes recuperaram menos de 61 porcento, sendo que sete deles recuperaram algo entre

estudo nos registros, o Brasil também o está apresentando como um anexo porque algumas informações importantes não estão visíveis na cópia do estudo apresentada pela CE). 53 Id. 54 EU – Waste from Road Vehicles, at 4 (Exhibit BRA-108). 55 European Environment Agency, Paving the Way for EU Enlargement 27 (2002) (Exhibit BRA-127). 56 FLTA Fights EU Directive Schedule, Connecting Industry, 11 December 2003 (Exhibit BRA-128).

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zero e 25 porcento.57 Sem a incineração, essas taxas de recuperação seriam substancialmente

menores.

51. Ainda hoje, com a proibição completa do aterro em vigor, em torno de 20 porcento dos

resíduos de pneus na CE estão ainda sendo dispostos em aterros, de acordo com o anexo

apresentado pela própria CE.58 À luz dessa informação, é dificilmente surpreendente escutar o

Presidente da Agência Ambiental Britânica admitir: “Como uma nação, temos um problema com

a destinação final de resíduos de pneus.”59

52. Os EUA enfrentaram desafios semelhantes em relação à destinação final de resíduos de

pneus, como observou um funcionário da Associação de Fabricantes de Borracha dos EUA:

Os Estados Unidos são uma economia completamente desenvolvida, apesar de que ao olhar para algumas de nossas experiências envolvendo pneus inservíveis pode-se pensar o contrário.60

53. Um funcionário de reciclagem do Estado de Nova Jersey resumiu apropriadamente os

desafios atuais da destinação final de pneus:

Pneus triturados têm uma aplicação bastante limitada. Há apenas um determinado número de superfícies de recreação que necessita de placas de borracha, aterros que necessitam de material de drenagem, e estradas que necessitam de recapeamento – algumas das variedades de reutilização de pneus. A queima de pneus como uma fonte de energia é também problemática.61

54. O Canadá também enfrenta problemas semelhantes:

[A] reciclagem de pneus inservíveis em larga escala não é uma realidade atualmente. Apesar da contribuição da implementação de opções como o aterro, a exportação de pneus utilizáveis ou para superfícies, e a queima (combustível derivado de pneus), tais

57 End-of-life Tyres, at 5 (Exhibit EC-84) (Exhibit BRA-126). 58 End-of-life Tyres, at 6 (Exhibit EC-84) (Exhibit BRA-126). 59 UK: Clamping Down On Illegal Tyre Dumping, Newsletter of the European Environmental Press, 4 September 2002 (Exhibit BRA-129). 60 Serumgard, supra nota de rodapé 51, at 19 (Exhibit BRA-125). 61 Kathleen Cannon, Where Mosquitoes And Tires Breed, New York Times, 8 July 2001 (Exhibit BRA-130).

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opções não tiveram um impacto significativo sobre a vasta oferta de pneus inservíveis da nação. . . . Apenas um pequeno número de aplicações foi desenvolvido para o uso de borracha reciclada, mas muitas outras surgirão à medida que os custos do cumprimento de regras ambientais se elevam. Alguns dos limitados usos existentes para a borracha reciclada incluem o asfalto-borracha, pisos esportivos, e tapetes de borracha e bases de carpete.62

55. Essas informações contradizem plenamente a alegação da CE de que as opções

disponíveis de destinação, quando “implementadas dentro de um esquema de política pública,

não em isolamento, [podem] garantir um gerenciamento adequado dos resíduos de pneus.”63 Se a

capacidade de destinação a que se refere a CE estivesse de fato disponível, nada impediria que os

Membros da CE atingissem 100 porcento de recuperação. No entanto, hoje, nem uma

recuperação de 100 porcento da geração anual de resíduos de pneus nem a eliminação das pilhas

históricas de pneus foi atingida.64

56. Os diversos desafios que países desenvolvidos continuam a enfrentar em relação a

resíduos de pneus deixam claro que quanto menos pneus um país precisar gerenciar, tanto

melhor. Essa é precisamente a razão pela qual tanto o Brasil quanto a CE adotam a não-geração

(ou a prevenção) de resíduos de pneus como a melhor solução para o problema. O Brasil listou

em suas respostas ao Painel um número de regulamentos da CE que reafirmam que a não-

geração é o princípio mais importante da gestão de resíduos, e especificamente resíduos de

pneus.65

57. Não mais podendo dispor pneus em aterros, a CE não esconde o fato de que está

enxergando as exportações como uma forma de reduzir parte de seu passivo de resíduos de

pneus. A indústria de reciclagem de pneus da CE reconheceu isso:

na medida em que aumentaram as pressões para reduzir a utilização do aterro de pneus, particularmente na UE e em partes

62 Human Resources and Social Development Canada, Rubber Industry (circa 1999) (Exhibit BRA-131). 63 EC’s First Oral Statement, at para. 72. Vide também EC's Response to Question 46 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 58. 64 End-of-life Tyres, at 6 (Exhibit EC-84) (Exhibit BRA-126). 65 Resposta do Brasil à Pergunta 37 do Painel após a Primeira Audiência. Vide também EU – Waste from Road Vehicles, at 1 (Exhibit BRA-108) (salientando que “[o] objetivo geral da estratégia de gestão de resíduos da UE é evitar a geração de resíduos”).

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da América do Norte, um número maior de países ocidentais estão exportando seus pneus usados para regiões em desenvolvimento. Os mesmos padrões podem ser vistos no âmbito inter-regional entre países mais desenvolvidos e menos desenvolvidos.66

58. Na própria CE, o Reino Unido recebeu quantidades substanciais de pneus usados de

outros países europeus, alarmando o Grupo de Trabalho sobre Pneus Usados da Grã-Bretanha:

Mais recentemente, o mercado para pneus de meia-vida foi reduzido, mas pneus ainda estão sendo importados para este país a partir da Europa continental, sendo que o Reino Unido se torna o responsável, ao final, por sua destinação. O Grupo continua a preocupar-se com o nível dessas importações, que significa que o Reino Unido continua a ser o lixão de pneus da Europa.67

59. A proibição das importações de pneus usados e reformados pelo Brasil baseia-se nessa

mesma preocupação: o Brasil não quer receber pneus usados e reformados de ciclo de vida mais

curto e “[ser] o responsável, ao final, por sua destinação” e ser “o lixão de pneus da Europa.”

60. O Brasil explicará agora por que uma combinação de armazenamento em pilhas,

recuperação energética, e reciclagem de material não é uma alternativa.68

b. O armazenamento em pilhas é uma prática perigosa que não é mais aceita como uma solução legítima de gestão de resíduos de pneus

61. O armazenamento em pilhas não é sequer um método de destinação final porque não

elimina os resíduos de pneus. Ao contrário, ele simplesmente concentra resíduos, juntamente

com os seus riscos, em uma localidade. Pilhas de pneus são perigosas, ainda que gerenciadas

apropriadamente, porque (1) fornecem criadouros para mosquitos e roedores transmissores de

doenças,69 (2) levam à lixiviação de compostos químicos perigosos no meio ambiente,70 e (3)

66 Valerie L. Shulman, Ph.D., Secretary General of the European Tyre Recycling Association, The Use of Economic and Regulatory Instruments to Encourage the Environmentally Sound Management of Post-Consumer Tyres, in Proceedings of the Fourth Joint Workshop of the Secretariat of the United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD) and the International Rubber Study Group on Rubber and the Environment, at 29-30 (Exhibit BRA-9). 67 Used Tyre Working Group (UK), Sixth Report of the Used Tyre Working Group 6 (2001) (Exhibit BRA-55) (grifos nossos). 68 Vide EC’s First Oral Statement, at para. 74. 69 Vide supra, Seção II. A.1.

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liberam emissões perigosas durante incêndios. Além disso, pode ser difícil dar destinação final a

pneus previamente empilhados porque estes podem ter sido contaminados por outros materiais

no local ou a partir da exposição ao meio ambiente.71

62. A CE reconhece os riscos provocados pelo armazenamento em pilhas de resíduos de

pneus, mas alega que esses “riscos emergem de instalações gerenciadas inapropriadamente”72

ou “no caso de gerenciamento incorreto.”73 A CE argumenta em suas Respostas às Perguntas do

Painel:

[S]omente pneus abandonados ou colocados de forma negligente em pilhas unicamente de pneus podem tornar-se criadouros para mosquitos e somente acidentes ou incêndios criminosos em pilhas mal concebidas ou sem controle causam colunas de fumaça.74

63. Para apoiar seu argumento de que pilhas de pneus são uma “opção apropriada” para a

destinação de resíduos de pneus, a CE, em sua Primeira Sustentação Oral, remete o Painel às

práticas de gerenciamento previstas nas Diretrizes da Basiléia sobre Pneus e em regulamentos da

Califórnia.75 Mas as Diretrizes da Basiléia são explícitas no sentido de que mesmo com o

controle apropriado, o armazenamento em pilhas “pode apenas ser utilizado para a estocagem

temporária antes que pneus em fim de vida sejam encaminhados a uma operação de

70 See Jonathan M. Horner, Southlands College, Roehampton Institute London, Environmental Health Implications of Heavy Metal Pollution from Car Tyres, Reviews on Environmental Health, Volume 11, No. 4, at 178 (1996) (Exhibit BRA-132) (“Os resultados das análises do solo demonstrando contaminação significativa por cádmio, chumbo e zinco nas proximidades do entulho de pneus sugeriram que os pneus podem ser uma fonte dos metais.”). Vide também MWH New Zealand Ltd., End-of-Life Tyre Management: Storage Options, Final Report for the Ministry for the Environment 16 (2004) (Exhibit BRA-133) (“[P]ode haver uma liberação vagarosa de contaminantes no solo, águas superficiais [e] lençóis freáticos (eg metais pesados de lixiviação derivada de pneus) durante as operações normais. . . . pode haver uma liberação rápida de contaminantes. . . por exemplo devido à inundação da área.”). Vide id. p. 8-11 para uma discussão detalhada sobre a lixiviação de resíduos de pneus. 71 Serumgard, supra nota de rodapé 51, at 29 (1998) (Exhibit BRA-125). 72 EC’s First Oral Statement, at para. 75 (grifos nossos). 73 EC's Response to Question 34 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 45 (grifos nossos). 74 EC's Response to Question 34 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 45 (grifos nossos). 75 EC’s First Oral Statement, at para. 74.

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recuperação.”76 De acordo com essas Diretrizes, “o aterro e o armazenamento em pilhas são as

opções menos desejáveis.”77 E na Califórnia, a Lei sobre Reciclagem de Pneus estadual enumera

entre seus principais objetivos “[a] limpeza, redução ou outras soluções relacionadas a pilhas de

resíduos de pneus.”78

64. A CE deveria conhecer bem os riscos do armazenamento em pilhas. Pesquisadores do

Instituto de Pesquisa sobre Desenvolvimento, por exemplo, relataram que “[e]n France

métropolitaine, Aedes albopictus avait été identifié sur plusieurs sites ce stockage de pneus usés

entre 1999 et 2004.”79 [“Na França metropolitana, Aedes albopictus foram identificados em

muitos depósitos de pneus usados entre 1999 e 2004.”] Incêndios nas pilhas de pneus da CE

continuam a causar danos substanciais à saúde e ao meio ambiente.80

65. No momento, o Ministério de Ecologia e Desenvolvimento Sustentável da França, por

exemplo, está buscando a eliminação das pilhas:

En France, pendant de nombreuses années, des groupes de réflexion, rassemblant les principaux partenaires professionnels concernés par les pneumatiques usagés ont travaillé sur des solutions à mettre en œuvre afin de résorber les stocks de pneumatiques usagés. [] Ainsi, sur la base des travaux réalisés, le ministère de l’écologie et du développement durable, en collaboration avec les autres ministères et professionnels concernés, a élaboré le décret . . . relatif à l’élimination des pneumatiques usagés.81

[Tradução não-oficial: Na frança, durante muitos anos, grupos de reflexão formados pelos principais especialistas interessados na questão dos pneus usados trabalharam para encontrar soluções para eliminar as pilhas de pneus usados. [] Assim, com base nos

76 Basel Convention Technical Guidelines on the Identification and Management of Used Tyres 12 (Exhibit BRA-40) (grifos nossos). 77 Id. at 11 (grifos nossos). 78 California Tire Recycling Act of 1989, California Public Resource Code Sec. 42885.5(b)(2) (grifos nossos). 79 Institut de Recherche pour le Développement, Le Tour du Monde d'un Moustique, Sciences Au Sud, No. 34 (2006) (Exhibit BRA-134). 80 See Health Protection Agency (UK), Chemical Hazard and Poisons Report 7-10 (2003) (“UK – Chemical Hazard Report”) (Exhibit BRA-10). 81 Ministère de l’écologie et du développement durable (France), Réglementation de la collecte et de l’élimination des pneumatiques usages, 10 November 2005 (Exhibit BRA-135).

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trabalhos realizados, o ministério da ecologia e do desenvolvimento sustentável, em colaboração com outros ministérios e profissionais interessados, elaborou um decreto. . . relativo à eliminação dos pneus usados.]

66. Isso significa que ou a CE não está gerenciando bem suas pilhas de pneus, ou que

controlar os riscos das pilhas de pneus é muito mais difícil do que a CE gostaria que o Painel

acreditasse. Com base nas fortes evidências apresentadas pelo Brasil, no entanto, não é de

surpreender que a Agência Ambiental Britânica, em um relatório que o Brasil citou em sua

Primeira Petição, tenha concluído: “Pneus armazenados em pilhas. . . representam um risco de

incêndio. . . . Incêndios no passado causaram poluição severa do ar e das águas, portanto

precisamos reduzir esse risco.”82 Mas ainda há mais.

67. A Agência Britânica de Proteção à Saúde observa da mesma forma que:

Pneus apresentam riscos significativos ao meio ambiente. . . . Entulhos de pneus atraem animais nocivos e as águas paradas coletadas da chuva pelo aro interno dos pneus fornece um criadouro excelente para mosquitos como o Aedes aegypti, um vetor da dengue e da febre amarela. Entretanto, no Reino Unido, o principal risco dos entulhos de pneus para a saúde pública relaciona-se às colunas de fumaça tóxica liberadas se os pneus se incendiarem. . . . Crimes de incêndio são um problema comum; a causa de mais da metade dos incêndios registrados no Reino Unido.83

68. Mais revelador ainda é o fato de que a própria CE está trabalhando para eliminar pilhas

de pneus. De acordo com o Anexo 84 apresentado pela própria CE, a questão das pilhas

históricas de pneus está entre os desafios da UE em relação à gestão de resíduos de pneus:

[A] UE tem milhões de pneus usados que foram ilegalmente descartados ou empilhados. Essas pilhas históricas podem, em alguns casos, apresentar uma potencial ameaça à saúde humana (risco de incêndios, abrigo para roedores ou outras pestes tais como mosquitos ….). A estimativa atual relativa a essas pilhas

82 Environment Agency (UK), Tyres in the Environment, at Foreword (1998) (Exhibit BRA-1). 83 UK – Chemical Hazard Report, at 8 (Exhibit BRA-10).

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históricas espalhadas na UE alargada é de 5,5 milhões de toneladas (1,73 vezes a geração anual de 2004).84

69. No Reino Unido, o Grupo de Trabalho sobre Pneus Usados estabeleceu o Grupo de

Trabalho sobre Pilhas de Pneus para fornecer diretrizes para a remoção dessas pilhas (o Reino

Unido tem pelo menos oito pilhas que excedem 100.000 pneus em tamanho).85 O grupo de

trabalho, que inclui representantes do governo e da indústria, publicou um documento-guia para

assistir agentes públicos e privados na remoção de pilhas de pneus. Esse documento identifica

diversos fatores que tipicamente motivam a decisão de remover pilhas de pneus:

Fatores tendem a abranger desde a intrusão visual, passando por desconforto social e perdas econômicas até riscos e danos ambientais significativos em situações em que a pilha de pneus está situada em um local sensível à dispersão de lixiviação de qualquer incêndio de pneus.86

70. Nos Estados Unidos, a maioria dos estados proíbe novas pilhas de pneus e exige que

proprietários e operadores das pilhas existentes deixem de aceitar novos pneus e desenvolvam

planos para eliminar as pilhas.87 O Departamento de Proteção Ambiental de Massachusetts, por

exemplo, afirma categoricamente que “[o] armazenamento em pilhas não é uma opção de

destinação.”88

71. Programas de gestão de resíduos de pneus nos Estados-membros da CE e em outros

países desenvolvidos desencorajam veementemente o armazenamento em pilhas. Não há,

simplesmente, nenhuma razão para que o Brasil empregue uma alternativa perigosa que foi

84 End-of-life Tyres, at 4 (Exhibit EC-84) (Exhibit BRA-126). 85 The Environment Council, Stockpile Working Group, Seeking Solutions for Waste Tyres: Informing the Environment Agency’s Waste Tyres Program – Tyre Stockpile Paper 23 (2004) (Exhibit BRA-136) 86 Id. 87 Vide Serumgard, supra nota de rodapé 51, at 19 (Exhibit BRA-125). De acordo com a Associação de Fabricantes de Borracha dos EUA:

A remediação de pilhas de pneus é um dos objetivos principais de todo grande programa estatal destinado a pneus inservíveis. Muitas vezes, a força motriz por trás da adoção de um programa destinado a pneus inservíveis foi um incêndio em uma pilha de pneus que gerou publicidade adversa e uma alto nível de conscientização pública no sentido de que algo deveria ser feito para limpar pilhas de pneus usados. Id. at 29.

88 Massachusetts Department of Environmental Protection, Fact Sheet - Best Management Practices for Automotive Recyclers: Waste Tyres 2 (2006) (Exhibit BRA-137).

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rejeitada em grande parte do mundo desenvolvido. No que se refere a pilhas de pneus, os

problemas de “gerenciamento inadequado” não se confinam a países em desenvolvimento.

c. A incineração de resíduos de pneus em fornos de cimento e instalações semelhantes não permite ao Brasil atingir o nível escolhido de proteção

72. A incineração de pneus em fornos de cimento é perigosa para a saúde humana e o meio

ambiente. A CE admite, em sua Primeira Sustentação Oral, que “alguns governos e comunidades

científicas expressaram preocupação sobre a incineração de resíduos de pneus.”89 A CE também

admite que a incineração “pode levar à emissão de dioxinas, furanos e outros poluentes

orgânicos persistentes.”90 No entanto, a CE argumenta que (1) a segurança da incineração não é

o ponto em questão porque o Brasil permite a prática, e (2) controles apropriados de emissão

poderiam tornar a incineração segura.91 Ambos os argumentos são falhos.

(i) Os países incineram resíduos de pneus porque métodos de destinação final menos prejudiciais não são capazes de lidar com os volumes existentes de resíduos

73. O Brasil permite a incineração não porque se trata de uma prática segura, mas porque os

métodos menos arriscados não são capazes de absorver os volumes existentes no Brasil de

resíduos de pneus, ainda que sejam utilizados de forma combinada.

74. A incineração não é mais que uma solução de curto prazo até que métodos de destinação

final mais seguros e eficazes sejam desenvolvidos. A Agência Européia do Meio Ambiente

reconhece isso:

Resíduos de pneus usados devem ser primeiramente evitados através de sua reforma, em segundo lugar através da reciclagem, e se nenhuma outra saída for possível o pneu deve ser utilizado para a recuperação energética.92

89 EC’s First Oral Statement, at para. 76. 90 EC’s First Oral Statement, at para. 76. 91 Vide EC’s First Oral Statement, at paras. 77-79. 92 EU – Waste from Road Vehicles, at 2.

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75. Até mesmo os fabricantes de pneus europeus, que não se opõem à incineração,

concordam que o método é simplesmente “o processo mais viável para se chegar no curto/médio

prazo à eliminação da disposição em aterros.”93 Eles reconhecem que “a reciclagem é a principal

meta de longo prazo.”94

76. No Canadá, a província de Ontário proibia a incineração até que sofreu um devastador

incêndio de pneus na pilha de Hagersville em 1996. Naquela que se tornou uma das maiores

crises ambientais do Canadá, em torno de 14 milhões de pneus foram queimados no meio

ambiente, produzindo fumaça tóxica e óleo pirolítico.95 O governo da província decidiu, com

efeito, que enquanto a incineração era perigosa, o armazenamento em pilhas era ainda mais

perigoso.

77. Enquanto a incineração permanece necessária para dar destinação final aos volumes de

resíduos de pneus existentes, apenas a não-geração é capaz de eliminar os riscos da destinação. O

Brasil promove a política da não-geração. A proibição das importações de pneus reformados é

necessária para que o Brasil atinja seu objetivo de não-geração.

(ii) A incineração em fornos de cimento provoca riscos à saúde e ao meio ambiente

78. Enquanto é verdade que fornos de cimento que queimam pneus devem obedecer a limites

de emissão tanto no Brasil quanto na CE, esses limites não oferecem uma garantia completa

contra emissões prejudiciais. Fornos de cimento no estado da arte, operados apropriadamente,

reduzem, mas não eliminam, os danos à saúde e ao meio ambiente.

79. Em suas Respostas às Perguntas do Painel, a CE reconheceu que a incineração de

resíduos de pneus apresenta riscos à saúde pública e ao meio ambiente, ainda que ocorra sob

93 G. Paolo Giuliani, BLIC (European Association of Rubber Industry), Management of End-of-Life Tyres: The Point of View of Tyre Manufacturers, in Proceedings of the Fourth Joint Workshop of the Secretariat of the United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD) and the International Rubber Study Group on Rubber and the Environment, at 5 (2000) (Exhibit BRA-138). 94 Id. 95 Laurent Simon & Thierry C. Pauchant, Developing the Three Levels of Learning in Crisis Management: A Case Study of Hagersville Tire Fire, Review of Business, Fall 2000, at 7 (Exhibit BRA-139).

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condições controladas; mas a CE não considerou o risco “significativo.”96 Cabe ao Brasil, porém,

escolher o nível de risco que aceita,97 e a política brasileira é reduzir as emissões de substâncias

perigosas que ocorrem durante a incineração na maior medida possível através da promoção da

não-geração.

80. Em sua Primeira Petição, o Brasil apresentou diversos estudos,98 todos concluindo que a

utilização de combustíveis derivados de pneus (“TDFs”) em fornos de cimento aumenta as

emissões de muitas substâncias perigosas.99 Nesta petição, para rebater a sugestão da CE de que

a incineração em fornos de cimento é uma medida alternativa razoavelmente disponível, o Brasil

está anexando os documentos Exhibit BRA-141 and Exhibit BRA-142, evidências adicionais que

catalogam resultados de diversos testes de queima em cimenteiras utilizando TDFs. Esses

resultados demonstram que preocupações substanciais permanecem em relação à segurança da

incineração em fornos de cimento.

81. Limites de emissão não são capazes de eliminar os riscos da incineração por duas razões.

Primeiro, dioxinas e outras substâncias são emitidas por fornos de cimento e estas podem ser

prejudiciais mesmo em níveis muito baixos, como o Brasil demonstrou em sua Primeira

Petição.100 A Agência de Proteção Ambiental dos EUA concluiu que dioxinas são prejudiciais

independentemente da quantidade.101 O Conselho Consultivo Científico da agência apontou que

as emissões de compostos semelhantes à dioxina a partir de determinada fonte, ainda que muito

baixas, podem ser altamente prejudiciais quando combinadas com emissões a partir de outras

fontes:

96 Vide EC's Response to Question 47 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 63. 97 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 114, 126-127 (citando o Appellate Body Report, US – Gambling, at para. 308, Appellate Body Report, EC – Asbestos, at paras. 172-174, Appellate Body Report, Korea –Various Measures on Beef, at para. 180). 98 Estes incluíram estudos da Agência de Proteção Ambiental dos EUA, do Prof. Schwartz da Universidade da Califórnia, do German Okopol Institut fur Okologie und Politik, e do Dr. Neil Carman, um ex-investigador do Conselho de Controle do Ar do Texas. 99 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 44-50. 100 Vide Primeira Petição do Brasil, para. 33. 101 Vide General Accounting Office (US), Environmental Health Risks: Information on EPA’s Draft Reassessment of Dioxins 28 (2002) (Exhibit BRA-33).

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[E]nquanto as concentrações no meio ambiente de cada composto individual possam ser muito pequenas para produzir efeitos preocupantes, as exposições combinadas podem estar produzindo efeitos que merecem preocupação. 102

82. Segundo, a incineração tende a ser mais segura no papel do que na prática: testes de

queima utilizados para fins de permissão freqüentemente criam uma imagem melhor do que as

verdadeiras operações no dia-a-dia.103 Condições muito específicas de combustão são exigidas

para limitar o dano provocado pela incineração de pneus. Se a temperatura na câmara de

combustão não for suficientemente alta, a combustão incompleta ocorrerá, produzindo altos

níveis de dioxinas tóxicas, furanos, bifenilas policloradas e hidrocarbonetos aromáticos

polinucleares.104 Além disso, fornos de cimento freqüentemente apresentam defeitos de

combustão e outros problemas, que aumentam a probabilidade de maiores níveis de emissões

tóxicas.105

83. Finalmente, os fornos de cimento não são concebidos para incinerar resíduos. Muitos

deles apenas podem utilizar combustíveis derivados de pneus enquanto os limites de emissão

permanecerem pouco estritos. Na medida em que esses limites se tornam mais rígidos, os fornos

precisam ou instalar equipamentos caros de redução ou simplesmente parar de incinerar resíduos

de pneus.106 Na CE, até mesmo os novos fornos de cimento estão apenas agora sendo dotados

dos equipamentos necessários “para utilizar pneus em fim de vida como combustível

suplementar, e permanecer em cumprimento com os limites de emissão atmosférica que entrarão

em vigor em 2008.”107

102 Environmental Protection Agency (US), A Science Advisory Board Report: A Second Look at Dioxin 102 (1995) (Exhibit BRA-140). 103 Vide Public Comments submitted by Neil J. Carman, Ph.D. on behalf of the West Valley Citizen’s Air Watch on Resolution 97-425 to Authorize Tire-Derived Fuel Use in Cement Kilns and Utility Boilers for Energy Recovery, submitted on 22 October 1997 to the California Integrated Waste Management Board (Exhibit BRA-141) (descrevendo diversas estratégias que operadores de fornos empregam para obter melhores resultados nos testes). 104 Id. 105 Id. 106 Vide Primeira Petição do Brasil, para. 49 (notando que a parcela de mercado da recuperação energética na Áustria caiu de 70 para 40 porcento após a introdução de limites de emissão mais estritos em 2000). 107 End-of-life Tyres, at 4 (Exhibit EC-84) (Exhibit BRA-126).

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84. A Associação Européia de Reciclagem de Pneus alertou:

A Diretiva sobre Incineração de Resíduos, que será plenamente implementada até 2008, poderia limitar o uso de pneus pós-consumo em fornos de cimento mais antigos. Novos fornos de cimento, que devem reduzir emissões até 2005, foram ou estão atualmente sendo adaptados com os equipamentos de redução necessários. No entanto, a utilização de pneus nos fornos em que é utilizado o processo úmido poderia ser interrompida até 2008, uma vez que o equipamento de redução necessário para baixar as emissões não está no momento disponível. Estima-se que quase 20% ou pouco mais de 100.000 toneladas de pneus pós-consumo seriam afetados.108

85. A Agência Ambiental Européia observou da mesma forma:

A utilização em fornos de cimento em que se aplica o processo úmido não é uma solução ambiental ótima; ademais, essa opção será limitada pelos padrões de emissão mais estritos impostos a partir de 2008 pela Diretiva sobre a incineração de resíduos.109

86. Em suas Respostas às Perguntas do Painel, a CE, em um único parágrafo, tenta de forma

pouco entusiasmada argumentar que a incineração em fornos de cimento está livre de riscos à

saúde e ao meio ambiente.110 Primeiro, cita um estudo comissionado pela indústria cimenteira

(Anexo EC-86), o qual a CE alega conter “as evidências científicas mais recentes,”

demonstrando que a incineração de resíduos de pneus não aumenta as emissões de dioxinas e

furanos.111 A CE não indiciou a página específica desse estudo de 200 páginas onde o Painel

poderia encontrar os fundamentos daquela afirmação, e a leitura que o Brasil fez do estudo

tampouco encontrou apoio para tal ambiciosa alegação.

108 Vide, e.g., Shulman, supra nota de rodapé 66, at 19 (Exhibit BRA-9). 109 EU – Waste from Road Vehicles, at 3 (Exhibit BRA-108) (grifos nossos). Vide também a Primeira Petição do Brasil, paras. 49-50. 110 Vide EC's Response to Question 48 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 65. 111 Vide EC's Response to Question 48 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 65, citando o World Business Council for Sustainable Development, Cement Sustainability Initiative, Formation and Release of POPs in the Cement Industry 70 (2006) (“Cement Industry Study”) (Exhibit EC-86).

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87. O estudo é dificilmente baseado nas “evidências científicas mais recentes”—ele pesquisa

testes de queima ao longo de diversas décadas e cita apenas dois testes recentes que atingiram

emissões bastante baixas (um teste de 1999 na Colômbia e uma queima em 2003 no Vietnã).112

Além disso, não há indicação de que pneus foram os combustíveis alternativos utilizados nesses

testes.

88. Quando são discutidos no estudo especificamente TDFs, as informações fundamentam o

argumento do Brasil, e não o da CE. O estudo descreve testes que foram conduzidos em 16

fornos alemães desde 1989 e conclui:

Quando comparado à queima apenas de carvão, o uso de combustíveis alternativos resultou num crescimento das emissões de dioxinas, de uma base muito baixa de 0.002-0.006 ng I-TEQ/M3 a . . . 0.08 ng I-TEQ/ M3 no caso de pneus usados.113

Isso representa um crescimento entre 1.233% e 3.900% nas emissões de dioxinas.

89. Finalmente, o estudo reconhece que a queima de combustíveis alternativos, tais como

pneus, resíduos de óleo e plásticos poderiam resultar em emissões de metais pesados.114 Aponta

ainda para os limites de emissão dos Estados Unidos, que não oferecem proteção completa dos

riscos da incineração, mas apenas proteção contra “riscos significativos.”115

90. A CE também cita um estudo do IVL Instituto Sueco de Pesquisas Ambientais, o qual a

CE afirma demonstrar que “a substituição de carvão como combustível no forno de cimento por

pneus usados foi o segundo melhor cenário em seis avaliados no estudo.”116 A afirmação da CE é

enganosa. Em primeiro lugar, esse estudo de três páginas, comissionado pela indústria de

pneumáticos sueca,117 não hierarquiza métodos de destinação final de resíduos de pneus de

acordo com seus benefícios ambientais. Ao invés disso, faz uma comparação limitada do

112 Cement Industry Study, at 70 (Exhibit EC-86). 113 Id. at 97. 114 Id. at 66. 115 Id. at 32. 116 EC's Response to Question 48 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 65. 117 Vide Svensk Däckåtervinning AB, SDAB in English (Exhibit BRA-143).

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impacto ambiental de substituir os materiais originais por pneus usados em um pequeno número

de aplicações.118 Por exemplo, o estudo compara níveis de lixiviação a partir de pneus usados e a

partir da borracha virgem quando utilizados em campos de futebol.

91. Com relação à análise dos fornos de cimento, o estudo padece de uma grande fraqueza:

ele não mediu as emissões de dioxinas e furanos—as emissões mais perigosas produzidas

durante a incineração.119 Essa profunda deficiência efetivamente torna as conclusões obtidas no

estudo irrelevantes. Além disso, o estudo não fornece quaisquer informações sobre a

metodologia utilizada ou a origem dos dados analisados. Algo que o estudo faz, no entanto, é

sugerir que materiais de pneus utilizados na engenharia civil e outros usos de reciclagem de

material levam à lixiviação de chumbo, níquel, cromo e cádmio.120 Essa lixiviação de substâncias

perigosas é uma das razões pela qual a segurança de certos usos de reciclagem é tudo menos

garantida, como o Brasil observou em sua Primeira Petição.121

92. Um estudo do Instituto Fraunhofer citado pela CE em sua Primeira Sustentação Oral, o

qual “monetarizou” os benefícios ambientais de diversos métodos de destinação, padece da

mesma falha do estudo do IVL: não calculou as emissões de dioxinas e furanos.122 Tampouco é

clara a fonte das informações sobre as emissões. Finalmente, as conclusões do estudo

contradizem plenamente a própria Agência Ambiental da CE, que afirmou que a incineração em

fornos de cimento é um método de destinação final de último recurso.123

93. As evidências apresentadas pelo Brasil, e mesmo pela CE, demonstram que a incineração

de resíduos de pneus em fornos de cimento e instalações semelhantes é tudo menos seguro. É

certamente verdadeiro que limites mais estritos de emissão produzirão menos emissões. Limites

de emissão de nível zero para dioxinas e outras substâncias perigosas poderiam, em princípio,

118 Vide IVL Swedish Environmental Research Institute LTD, LCA Utilization of Used Tyres 1 (Exhibit EC-87). 119 Vide id. at 2 (“Para chumbo, níquel, cromo e cádmio, exatamente os mesmos resultados da utilização de energia fóssil foram obtidos.”). 120 Vide id. at 3. 121 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 52-59. 122 Vide EC’s First Oral Statement, at para. 78, citando o Fraunhofer Institute Materialfluss und Logistik, Study on Cost-benefit Scenarios for Recycling in the EU 126 (Exhibit EC-62). 123 EU – Waste from Road Vehicles, at 2 (Exhibit BRA-108).

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tornar a incineração de resíduos de pneus substancialmente mais segura. No entanto, como a

própria experiência da CE demonstrou, limites mais estritos deixam menos fornos de cimento

desejosos ou capazes de incinerar pneus. Se os limites de emissão forem demasiadamente

rígidos, a incineração não mais será técnica ou economicamente viável. Nesse caso, os resíduos

previamente incinerados terão de ser dispostos em aterros ou pilhas. É por essa razão que, até

que destinações mais seguras sejam capazes de absorver todos os volumes existentes de resíduos

de pneus, os governos continuarão a permitir alguns riscos da incineração, de forma a evitar os

riscos maiores do aterro e do armazenamento em pilhas. Como os riscos são inevitáveis, a única

maneira de minimizá-los é reduzir os volumes de pneus aos quais se deve dar destinação final

através desse método.

d. A reciclagem de material não tem capacidade para absorver os volumes existentes de resíduos de pneus

94. O terceiro método de destinação final sugerido pela CE é a reciclagem de material.124 A

reciclagem de material envolve o uso de grânulos de borracha na engenharia civil e outros

propósitos, tais como a construção de áreas de recreação ou o asfalto-borracha. Como tal, não se

trata de reciclagem em sentido próprio porque o material não é reutilizado em pneus novos.125

Apesar desse fato, a reciclagem de material é preferível ao armazenamento em pilhas e à

incineração porque é geralmente mais segura e extrai o maior benefício ambiental dos resíduos

de pneus, em seguida da reforma. No entanto, usos de reciclagem de material não são sempre

econômica e tecnicamente viáveis, e podem absorver apenas uma fração da geração anual de

resíduos de pneus.126 Portanto, não se trata de uma medida alternativa que esteja razoavelmente

disponível para atingir o nível de proteção desejado.

95. Ambos o Brasil e a CE promovem usos apropriados de reciclagem de material. A

Agência Ambiental Européia, por exemplo, recomenda aos Estados-membros que “[a] reforma e

a reciclagem de pneus deve ser encorajada e aumentada, preferivelmente à combustão e geração

124 O único verdadeiro método de reciclagem em relação a pneus é a desvulcanização. Entretanto, a desvulcanização não é capaz de lidar com grandes volumes de resíduos de pneus em função de seu alto custo, incertezas ambientais, e obstáculos tecnológicos. Vide Primeira Petição do Brasil, para. 52. Vide também CalRecovery, Inc., Evaluation of Waste Tire Devulcanization Technologies (2004) (Exhibit BRA-144). 125 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 52-53. 126 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 52-60; Primeira Sustentação Oral do Brasil, paras. 34, 54.

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energética.”127 A Agência reconhece, entretanto, que na CE—assim como no Brasil—os usos de

reciclagem de material permanecem limitados e incapazes de absorver os volumes existentes de

resíduos de pneus:

Um número excessivo de pneus ainda está sendo disposto em aterros ou queimado. Apesar de terem havido desenvolvimentos positivos na reciclagem, o cumprimento das Diretivas da CE sobre aterros e sobre emissões na combustão de resíduos exigirá consideráveis investimentos em novas instalações de reforma e reciclagem de pneus usados. . . . Um importante obstáculo é obter material reciclado de alta qualidade, de forma que pneus novos possam ser produzidos tanto de materiais virgens quanto de material reciclado.128

A Associação Européia de Reciclagem de Pneus também admite que “[s]em o TDF a montanha

de pneus continuaria a crescer,” pelo menos no futuro previsível.129

96. Deve-se ter em mente que as aplicações de reciclagem de material—apesar de

freqüentemente mais seguras—não são sempre a melhor solução. De acordo com a Associação

de Fabricantes de Borracha dos EUA, uma organização que apóia usos de engenharia civil e

outras formas de reciclagem de material:

Cada uso potencial de engenharia civil traz consigo um conjunto específico de constrangimentos técnicos, ambientais e econômicos que precisam ser totalmente avaliadas antes que a aplicação seja aceita.130

97. O Brasil reconhece esses constrangimentos e descreveu muitos deles em sua Primeira

Petição.131 Apesar dos mesmos, o Brasil trabalha ativamente para desenvolver novas aplicações

para resíduos de pneus e aprimorar a segurança e aceitabilidade de mercado daquelas existentes.

127 EU – Waste from Road Vehicles, at 1 (Exhibit BRA-108). 128 EU – Waste from Road Vehicles, at 3 (Exhibit BRA-108) (grifos nossos). 129 Vide Shulman, supra nota de rodapé 66, at 41 (Exhibit BRA-9). 130 Serumgard, supra nota de rodapé 51, at 10 (Exhibit BRA-125). 131 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 52-60.

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Por exemplo, o Brasil observou em sua Primeira Petição que financia a pesquisa sobre asfalto-

borracha e sediou uma conferência internacional sobre o tema.132

98. Permanece o fato, entretanto, de que a capacidade dos usos de reciclagem de material

continua limitada. A própria CE admite que os usos da reciclagem de material contribuem para

dar destinação a pouco mais de um quarto dos resíduos de pneus da CE.133 O próprio fato de que

a CE continua a incinerar e a dispor seus pneus em aterros, mesmo reconhecendo que a

reciclagem de material é ambientalmente superior, é uma confirmação de os usos da reciclagem

de material não são capazes de absorver os volumes existentes de resíduos de pneus.

99. Reconhecendo esses limites, a CE aconselha que o Brasil utilize a incineração e o

armazenamento em pilhas adicionalmente à reciclagem de material.134 Como o Brasil explica

abaixo, no entanto, o armazenamento em pilhas e os fornos de cimento não permitem que o

Brasil alcance o nível de proteção escolhido em função de seus riscos inerentes.

e. O Brasil não pode atingir o nível de proteção que elegeu sem proibir as importações de pneus de ciclo de vida mais curto

100. O Brasil demonstrou que os métodos de destinação final de resíduos de pneus disponíveis

exigem que volumes substanciais de resíduos de pneus sejam incinerados em fornos de cimento.

O Brasil também demonstrou que a incineração gera efeitos prejudiciais à saúde e ao meio

ambiente. Portanto, a destinação final de resíduos de pneus através dos métodos hoje disponíveis,

incluindo aqueles a que se refere a CE, não atinge o nível de proteção desejado, e não pode

substituir a não-geração. Até que a reciclagem segura de material e outros usos possam absorver

a geração anual de resíduos de pneus sem um efeito adverso sobre a saúde humana e o meio

ambiente, o Brasil deve evitar na maior medida possível a geração de resíduos adicionais, para

reduzir os volumes que precisam ser incinerados.

132 Vide Primeira Petição do Brasil, para. 74. 133 Vide EC’s First Oral Statement, at para. 81. 134 Vide EC’s First Oral Statement, at para. 72 (sugerindo que opções diferentes de destinação final “deveriam todas ser implementadas dentro de um esquema de política pública, não em isolamento, para garantir uma gestão apropriada dos resíduos de pneus”).

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101. O Órgão de Apelação em EC – Asbestos decidiu que era “incontroverso que os Membros

da OMC têm o direito de determinar o nível de proteção da saúde que consideram apropriado em

uma determinada situação,”135 isto é, de traçar a linha divisória entre permitir o mais alto nível de

risco e não permitir qualquer risco. O Órgão de Apelação observou previamente que é

“perfeitamente legítimo” que um Membro reduza o nível de risco à saúde, sem eliminá-lo

completamente.136

102. O nível de proteção pelo qual o Brasil optou é reduzir os riscos da acumulação e

destinação final de resíduos de pneus na máxima medida possível. Esse alto nível de proteção

exige que o Brasil evite todos os riscos de resíduos de pneus que possam ser evitados. Para

alcançar isso, o Brasil precisa reduzir a geração de resíduos de pneus na medida do possível

porque quanto maiores os volumes de resíduos de pneus, maiores os riscos. Até que seja possível

dar destinação final aos volumes existentes de resíduos de pneus sem um efeito adverso sobre a

saúde pública e o meio ambiente, apenas a não-geração (também denominada “prevenção”)

permitirá ao Brasil atingir o nível escolhido de proteção. Como o Brasil demonstrou, o objetivo

da não-geração exige que o Brasil reforme os pneus que consome e proíba as importações de

pneus usados e reformados de ciclo de vida mais curto.

103. A CE não contesta os benefícios da não-geração. A diretiva sobre a incineração de

resíduos que a CE cita em sua Sustentação Oral,137 proclama que “a prevenção de resíduos

deveria ser a prioridade de qualquer política racional de resíduos em relação à minimização da

produção de resíduos e das propriedades perigosas dos resíduos.”138

104. Em sua resposta ao Painel, a CE propõe três alternativas à proibição de importações que

poderiam evitar a geração de resíduos: “melhor manutenção dos veículos,” “campanhas

135 Appellate Body Report, EC – Asbestos, at para. 168. 136 Vide Appellate Body Report, EC – Asbestos, at para. 168. 137 Vide EC’s First Oral Statement, at para. 77. 138 Directive 2000/76/EC of the European Parliament and of the Council of 4 December 2000 on the Incineration of Waste, at (8) (Exhibit BRA-34).

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educacionais sobre melhores hábitos de direção,” e promoção do transporte público.139 Em sua

Primeira Sustentação Oral, a CE também sugeriu que o Brasil poderia utilizar compras

governamentais para encorajar a reforma de pneus nacionais.140 De início, o Brasil observa que

já implementou um número de medidas que encorajam a não-geração, e está no processo de

implementar outras. Com relação ao transporte público, é dificilmente necessário implementar

uma campanha pública para urgir a população a utilizá-lo porque em países em desenvolvimento

como o Brasil, a maior parte da população não possui automóveis e já utiliza o transporte

público. Quanto a regras sobre compras governamentais, apenas seriam necessárias se no Brasil

houvesse baixa demanda por pneus reformados—o que não é o caso.141 Finalmente, o Brasil

estaria interessado em saber especificamente quais “melhores hábitos de direção” os brasileiros

deveriam aprender.

105. Fundamentalmente, no entanto, essas “alternativas” não permitirão ao Brasil atingir seu

objetivo de evitar a geração de resíduos na máxima medida possível. O objetivo do Brasil é evitar

a geração de tantos resíduos quanto possível: isto é, se a proibição das importações permitisse ao

Brasil reduzir seus resíduos de pneus em 20 porcento, sua substituição por outra alternativa de

não-geração que possa atingir uma redução de 20 porcento não atingiria o nível de proteção

escolhido pelo Brasil.

106. A CE não propôs nenhuma alternativa que poderia assegurar o objetivo de não-geração

almejado pelo Brasil. De fato, tal alternativa não existe. Portanto, a proibição é necessária no

sentido do Artigo XX(b).

3. A proibição de importações não restringe o comércio de forma injusta ou desequilibrada

107. O Brasil reconhece que a proibição de importações, por definição, tem um efeito

restritivo—tal efeito é necessário para que o Brasil evite as importações de pneus de ciclo de

139 Vide EC's Response to Question 38 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 54. 140 See EC’s First Oral Statement, at para. 57. 141 A produção de pneus reformados continua a crescer e todas as carcaças nacionais reformáveis estão sendo reformadas e comercializadas com sucesso. Vide supra, Seção II. B.4.a.

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vida mais curto—mas esse efeito restritivo, por si só, não torna as medidas brasileiras

desnecessárias.142 Como o Brasil explicou em suas alegações, as medidas que adotou impõem

um ônus igualmente pesado sobre a indústria nacional.143

108. Entretanto, o Brasil reconhece e compartilha da preocupação sistêmica de que decisões

admitindo uma proibição de importações não deveriam levar a abuso das exceções gerais

previstas no Artigo XX. Os fatos únicos do presente caso, porém, justificam as medidas

brasileiras. Pneus são diferentes da maioria das outras correntes de resíduos na medida em que

não podem ser reciclados e transformados em pneus novos, e não podem ser dispostos em aterros

ao final de sua vida útil. No entanto, é necessário dar-lhes destinação final. Uma vez que,

atualmente, a destinação final de pneus apresenta riscos significativos à saúde pública e ao meio

ambiente, quanto menos resíduos de pneus forem gerados, melhor. Enquanto um país não pode

banir completamente os pneus, pode reduzir a geração dos resíduos de pneus através da reforma

dos pneus que consome e da proibição das importações de pneus com ciclo de vida mais curto.

Finalmente, deve-se atribuir peso também ao fato de que o impacto comercial das medidas

brasileiras não é nem injusto nem desequilibrado.

4. A proibição de importações contribui de forma significativa para conter doenças transmitidas por mosquitos e reduzir a incidência de incêndios perigosos de pneus e lixiviação tóxica

109. O Brasil demonstrou que a proibição de importações contribui de maneira significativa

para a redução dos riscos à saúde e ao meio ambiente derivados da acumulação, transporte e

destinação final de resíduos de pneus.144 A CE não apresentou provas contrárias às evidências

brasileiras.

110. A Ministra Marina Silva disse ao Painel:

Os assuntos principais em causa nesta disputa são a saúde pública e o meio ambiente. O impacto que o resultado desta disputa terá na

142 Como o Brasil observou em sua Primeira Sustentação Oral, a proibição da CE sobre as importações de amianto foi considerada compatível com a OMC. 143 Vide Primeira Petição do Brasil, para. 110; Primeira Sustentação Oral do Brasil, para. 52. 144 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 105-109; Primeira Sustentação Oral do Brasil, paras. 47-51; Sustentação Oral Final do Brasil, paras. 7-13.

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capacidade do Brasil de preservar esses dois valores fundamentais não pode ser ignorado.

[O] próprio país gera uma quantidade significativa de pneumáticos capazes de alimentar essa indústria de reforma, proporcionando mais uma vida a este produto e reduzindo o passivo ambiental. O mesmo não ocorre com o pneu reformado importado, posto que o mesmo já está no seu último ciclo de vida útil.

A importação de pneus usados e reformados torna muito mais graves as dificuldades envolvidas no gerenciamento de resíduos de borracha. Por isso é que a proibição de sua importação constitui medida ambiental legítima e necessária.145

111. A CE argumenta que a proibição “não tem relação direta com os interesses protegidos,

que são a vida e a saúde neste caso,” pois “não está relacionada a resíduos de pneus, mas a pneus

reformados.”146 O argumento da CE é míope, superficial e formalista. Como o Brasil demonstrou

claramente, as importações de pneus reformados aumentam os volumes de resíduos de pneus

porque esses pneus não podem ser novamente reformados e tornam-se resíduos mais cedo que

pneus novos. A própria CE reconheceu que a reforma “evita que um pneu usado seja descartado

desnecessariamente.”147

112. A CE também argumenta que o Brasil precisa quantificar a contribuição da proibição de

importações para a redução dos riscos de doenças transmitidas por mosquitos e incêndios de

pneus.148 Nem todo risco pode ser expresso em termos estritamente numéricos, no entanto. Não é

possível, por exemplo, rastrear um caso específico de dengue a um mosquito em particular que

se criou em um pneu velho que poderia ter sido evitado. Ao mesmo tempo, é bem reconhecido

que a redução dos volumes de resíduos de pneus reduz a incidência de dengue. É exatamente por

isso que o Órgão de Apelação em EC – Asbestos observou que “um risco pode ser avaliado ou

em termos quantitativos ou em termos qualitativos.”149 O Órgão de Apelação rejeitou

categoricamente o argumento de que uma “quantificação” dos riscos é necessária, e decidiu que

145 Ministra do Meio Ambiente Marina Silva, Discurso Inicial do Brasil na Primeira Audiência, paras. 2, 7, 8. 146 EC's Response to Question 34 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 46. 147 Vide EC’s First Written Submission, at para. 45. 148 Vide EC’s First Oral Statement, at paras. 42-47. 149 Appellate Body Report, EC – Asbestos, at para. 167 (grifos nossos).

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“não há nenhum requisito no Artigo XX(b) do GATT . . . de quantificar, como tal, o risco à

saúde ou vida humana.”150 O Brasil demonstrou que a proibição de importações reduz a

acumulação de resíduos de pneus e, conseqüentemente, também reduz os riscos da acumulação

de tais resíduos.

113. A CE também argumentou, em relação à contribuição das medidas, que: (1) a proibição

não reduz a acumulação de resíduos de pneus no Brasil porque pneus novos usados no Brasil não

são reformáveis e, ainda que fossem, podem não ser efetivamente reformados;151 (2) o Brasil não

demonstrou que a proibição de importações contribui para a prevenção de problemas de saúde no

Brasil;152 e (3) na medida em que qualquer reforma ocorra no Brasil, ela não contribui para a

redução dos resíduos de pneus porque os reformadores brasileiros processam carcaças

importadas, e não brasileiras.153 Cada uma dessas assertivas está incorreta.

a. A proibição de importações reduz a acumulação de resíduos de pneus

114. Reitere-se, a contribuição direta da proibição de importações reside na redução da

quantidade de resíduos perigosos que se acumulam no Brasil, e assim reduz os danos derivados

da acumulação, assim como do transporte e da destinação final. A CE argumenta, no entanto,

que as importações de pneus reformados não aumentam os volumes de resíduos de pneus do

Brasil porque pneus novos usados no Brasil não seriam reformáveis ao fim de seu primeiro ciclo

de vida, e aqueles que fossem reformáveis poderiam não ser de fato reformados.154 Ao contrário

da sugestão da CE, porém, o Brasil reforma uma porcentagem comparativamente alta dos pneus

consumidos internamente, e a proibição contribui substancialmente para a redução dos resíduos

de pneus no Brasil através da eliminação das importações de pneus que não podem ser

reformados.

(i) Uma alta porcentagem dos pneus usados no Brasil são reformados

150 Appellate Body Report, EC – Asbestos, at para. 167 (grifos nossos). 151 Vide EC’s First Oral Statement, at paras. 30-41. 152 Id. at para. 42-48. 153 Id. at para. 39. 154 Vide EC’s First Written Submission, at paras. 81, 109, 127; EC’s First Oral Statement, 35-38.

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115. A CE alega que uma nota técnica da agência brasileira INMETRO fundamenta o

argumento de que pneus usados no Brasil não são reformáveis.155 No entanto, como o Brasil

explicou em sua resposta à Pergunta 25 do Painel, a nota não refletia a visão da agência, mas

meramente registrava as visões expressas à agência pela indústria de reforma. Adicionalmente, a

nota falava de “viabilidade econômica”, e não de reformabilidade efetiva.

116. Para evitar especulação sobre os níveis de reformabilidade, o Brasil apresentou dados

concretos de reformabilidade agregados pela Mazola, a empresa que seleciona pneus aptos à

reforma para a principal revendedora do Brasil. Esses dados, o Brasil acredita, fornecem a

estimativa disponível mais confiável.156 Os dados mostram que em torno de 30 porcento das

carcaças brasileiras são reformáveis. Esse nível de reformabilidade é bastante alto se comparado

às estimativas disponíveis para países como o Reino Unido, a França, a Austrália e os Estados

Unidos.157 Ademais, as informações fornecidas pelos reformadores brasileiros (Anexo BRA-95)

claramente demonstram que carcaças nacionais estão de fato sendo reformadas.158

117. A CE alega que “não há uma explicação plausível sobre por que os reformadores

brasileiros despenderiam recursos consideráveis para obter o direito de importar carcaças

reformáveis, se tais carcaças estivessem prontamente disponíveis no Brasil.”159 A explicação é

que as carcaças importadas são substancialmente mais baratas que as carcaças nacionais. Em

2005, o preço médio FOB de uma carcaça importada foi de apenas US$ 1.04.160 No entanto, o

preço de uma carcaça nacional, de acordo com reformadores brasileiros, é de R$ 15 a R$ 20, o

que equivale aproximadamente a US$ 7 a US$ 9 dólares.161 Os mesmos reformadores relatam

que uma carcaça importada custa pouco mais de $3, o que, enquanto maior que o preço FOB,

ainda permanece substancialmente menor que o preço de uma carcaça nacional.

155 EC’s First Oral Statement, at para. 35 156 Vide Resposta do Brasil à Questão 17 do Painel após a Primeira Audiência. Vide também a Primeira Petição do Brasil, para. 79. 157 Vide Primeira Petição do Brasil, para. 79. 158 Vide também Resposta do Brasil à Questão 20 do Painel após a Primeira Audiência. 159 EC's Response to Question 20 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 36. 160 Fonte: Sistema Alice, DEINT / SECEX / MDIC. 161 Vide Disputa Milionaria, Revista da Indústria, March 2006, at 75 (Exhibit BRA-147).

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118. É por essa exata razão que os reformadores brasileiros têm agressivamente buscado a

importação de pneus usados através de medidas liminares. No entanto, a preferência dos

reformadores por carcaças importadas baratas dificilmente indica que não há carcaças brasileiras

reformáveis disponíveis.

119. Na medida em que possa haver uma aparente escassez de oferta de carcaças domésticas

reformáveis, essa escassez é um reflexo do excesso de capacidade da indústria de reformados

brasileira—e não de baixas taxas de reformabilidade. Ao longo dos últimos anos, a produção de

reformados no Brasil cresceu de 14 milhões de pneus para 18,7 milhões de pneus—um

crescimento de 33 porcento. Esse crescimento da produção foi acompanhado de um crescimento

da capacidade e é possível que os reformadores agora necessitem de mais carcaças reformáveis

do que o número gerado pelo Brasil, mesmo com seus altos níveis de reformabilidade, para

sustentar seus altos níveis de produção.162 No entanto, os reformadores brasileiros assumem o

risco de qualquer crescimento excessivo de sua capacidade. O Brasil não tem interesse em ajudar

a indústria de reformados a sustentar suas taxas de crescimento se isso requer a importação de

carcaças de ciclo de vida mais curto às quais será necessário dar destinação final no Brasil. O

interesse do Brasil é reduzir, na medida do possível, os volumes de resíduos de pneus. O fato de

que o Brasil proíbe as importações de carcaças, o que é uma desvantagem para a indústria

nacional, demonstra que o objetivo do Brasil não é beneficiar a indústria nacional, mas sim

proteger a saúde pública e o meio ambiente.

(ii) A proibição de importações reduziu a quantidade de resíduos de pneus que precisam ser coletados e destinados no Brasil

120. Em sua Pergunta 40, o Painel questionou ao Brasil quanto menos resíduos de pneus o

Brasil acumula como resultado de sua proibição das importações de pneus reformados.163 Em sua

resposta, o Brasil prometeu fazer os melhores esforços para obter essas informações.164 Para isso,

o Brasil solicitou a um economista brasileiro especializado que preparasse uma análise para

avaliar o impacto da proibição em diversos cenários. O estudo concluiu que:

162 Vide Information Regarding the Tyre Retreading Sector in Brazil, prepared by Associação Brasileira do Segmento de Reforma de Pneus (Exhibit BRA-95). 163 Vide Perguntas do Painel ao Brasil após a Primeira Audiência, Pergunta 40.

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Os volumes de resíduos e custos de destinação final estarão nos níveis mais baixos de apenas pneus novos forem importados; estarão no nível mais alto se pneus usados e reformados forem importados adicionalmente a pneus novos.165

121. O estudo também avaliou cenários envolvendo importações de (1) pneus novos e

reformados, e (2) pneus novos e usados, mas não reformados. Concluiu que em ambas as

situações os resíduos de pneus e os custos de destinação final seriam mais altos do que seria o

caso se apenas as importações de pneus novos fosse permitida.166 O estudo também concluiu que

a proibição das importações de reformados—mesmo com os níveis existentes de pneus usados

importados através de liminares—reduz os volumes de resíduos e custos de destinação final.167

Isso demonstra que as importações de pneus usados através de autorizações judiciais não

reduzem o valor da contribuição das importações de pneus reformados.

122. O Brasil apresenta esse estudo no Exhibit BRA-146.

b. A proibição de importações contribui substancialmente para os esforços do Brasil de combate à dengue e outras doenças transmitidas por mosquitos

123. A campanha do Brasil contra a dengue, que designou a redução de resíduos de pneus

como um alvo central, tem sido a principal razão para o declínio da incidência da dengue em

anos recentes.168 Através do encolhimento dos volumes de resíduos de pneus, a proibição de

importações reduz a quantidade de resíduos de pneus que serão empilhados ou ilegalmente

descartados, e, conseqüentemente, reduz os criadouros de mosquitos.

124. A CE sugere, no entanto, que a redução dos volumes de resíduos de pneus pode não

contribuir realmente para o combate à dengue no Brasil. A CE cita uma afirmação de um agente

164 Vide Resposta do Brasil à Pergunta 40 do Painel após a Primeira Audiência. 165 Expert Report of Plinio M. Nastari, M.Sc., Ph.D., July 2006, at para. 39 (“Nastari Report”) (Exhibit BRA-146). 166 Nastari Report, at paras. 37-38 (Exhibit BRA-146). 167 Nastari Report, at paras. 35, 38 (Exhibit BRA-146). 168 Vide supra, Seção II. A.1, explicando que os resíduos de pneus têm sido a principal força motriz por trás da epidemia de dengue no Brasil.

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de saúde do Brasil, que observa que eliminar os resíduos de pneus, por si só, não resolveria o

problema da dengue.169

125. A afirmação é inteiramente correta. Enquanto resíduos de pneus são um dos mais

comuns—e freqüentemente preferidos—criadouros dos mosquitos, outros itens também servem

como criadouros, como barris, tanques, latas e garrafas de plástico.170 Para eliminar a dengue, o

Brasil precisa atingir todos os principais recipientes, e é isso precisamente o que tem feito em sua

campanha contra a dengue.

126. A campanha é um abrangente programa que promove um amplo leque de atividades para

alcançar as metas de redução da dengue. Adicionalmente aos esforços de coleta de pneus, a

campanha foca-se na promoção de mudanças de hábito da população brasileira que reduziriam o

número de criadouros disponíveis, envolvendo todos os recipientes.171 Para promover sua

mensagem, a campanha conduz a divulgação de mídia que inclui mensagens de televisão e rádio,

materiais educacionais impressos, anúncios em outdoors e telemarketing.172 A campanha

também inclui a fiscalização, monitora a resistência do aedes aegypti a inseticidas, o oferece

aconselhamento sobre o tratamento de pacientes com dengue.173

127. No entanto, resíduos de pneus recebem atenção especial em função de seu grande

potencial de servir para a proliferação e disseminação de mosquitos.174 Ignorá-los seria

irresponsável. Como observou a Ministra Marina Silva, uma pesquisa do Ministério da Saúde em

mais de mil municípios revelou que resíduos de pneus foram os criadouros mais importantes em

um quarto deles, e o segundo ou terceiro mais importante nos demais municípios.175

128. O foco do Brasil em resíduos de pneus está em consonância com os métodos

internacionalmente reconhecidos de combate a doenças transmitidas por mosquitos. A

169 Vide EC’s First Oral Statement, at para. 47. 170 Vide, e.g., Resolução Conjunta SMA/SS 1/2002 (Exhibit BRA-67). 171 Technical Note No. 25/DIGES/SVS/2006, at para. 3 (Exhibit BRA-148). 172 Technical Note No. 25/DIGES/SVS/2006, at Component 6 (Exhibit BRA-148). 173 Technical Note No. 25/DIGES/SVS/2006, at Components 1-3 (Exhibit BRA-148). 174 Vide supra, Seção II. A.1. 175 Ministra do Meio Ambiente Marina Silva, Discurso Inicial do Brasil na Primeira Audiência, para. 6.

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Organização Mundial de Saúde, por exemplo, aconselha a ter em mira os resíduos de pneus,

como “recipientes principais”, no combate à dengue:

[N]úmeros relativamente pequenos de ‘recipientes principais’ (e.g. pneus velhos, recipientes para armazenamento de água) podem produzir a maioria dos mosquitos adultos que provocam surtos de doenças. Uma vez que sejam identificados os recipientes mais produtivos, o controle dirigido aos vetores da dengue torna-se mais viável e acessível. Ao mesmo tempo, o controle dirigido aos vetores pode ajudar a minimizar o uso de substâncias químicas que podem ser caras e ter outros impactos ambientais e de saúde no longo prazo.176

129. O Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos EUA, da mesma forma, enfatiza que:

[A] infestação pode ser contida através de programas de fiscalização, remoção de criadouros (especialmente pneus), interrupção da dispersão interestadual de pneus, e uso prudente de inseticidas em locais onde há criadouros.177

130. A proibição de importações também contribui para reduzir o risco de doenças através da

redução das quantidades de resíduos de pneus que devem ser transportados por longas distâncias

para operações de destinação final. Como o Brasil explicou acima, o transporte de resíduos de

pneus é freqüentemente o principal motor por trás da disseminação da dengue.178 O Brasil

encoraja a destinação final de resíduos de pneus próxima a sua origem. No entanto, nos casos em

que é necessário o transporte por longas distâncias, quanto menos resíduos forem gerados, menos

resíduos precisarão ser transportados, e conseqüentemente será menos provável a ocorrência da

disseminação.179

131. A CE argumentou em sua Primeira Sustentação Oral que “[c]omo as importações de

pneus reformados está proibida desde 2000, esses problemas de gestão de resíduos obviamente

176 World Health Organization, Better Environmental Management for Control of Dengue (circa 2006) (Exhibit BRA-149) (grifos nossos). 177 Center for Disease Control and Prevention, Aedes Albopictus Infestation – United States, Brazil, Morbidity and Mortality Weekly Report, 8 August 1986 (Exhibit BRA-20) (grifos nossos). 178 Vide supra, at paras. 19, 26-31. 179 Vide supra, at paras. 26-27.

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não são atribuíveis à importação de pneus reformados.”180 Esse argumento exemplifica a

invariável falha (ou recusa) da CE de perceber o papel que a proibição de importações cumpre no

esforço do Brasil de reduzir os riscos provocados por resíduos de pneus. Esses riscos são

derivados da acumulação, transporte e destinação final de todos os resíduos de pneus. Quanto

mais resíduos existirem, maiores os riscos. As importações de pneus reformados inegavelmente

contribuem para a acumulação de resíduos de pneus no Brasil porque eles são produtos de ciclo

de vida mais curto. A proibição das importações de pneus reformados claramente não pode

eliminar os danos à saúde e ao meio ambiente em sua totalidade porque os resíduos de pneus

continuarão a ser gerados. No entanto, como um resultado direto da proibição das importações,

haverá menos resíduos, e com menos resíduos haverá menos incêndios de pneus, menos casos de

dengue e menos danos provocados por fornos de cimento ou outros métodos de destinação final.

c. A proibição de importações reduz o risco de incêndios perigosos de pneus e lixiviação tóxica

132. Através da redução dos volumes de resíduos de pneus, e conseqüentemente das

quantidades de pneus que são armazenados em pilhas ou descartados ilegalmente, a proibição

reduz também os riscos à saúde causados por incêndios de pneus e lixiviação tóxica. Vide Seção

II. A.2.

d. As importações de pneus usados através de medidas liminares não descaracterizam a eficácia da proibição de importações na redução do volume de resíduos de pneus

133. A CE alega que “os reformadores brasileiros operam muito largamente com pneus

importados de terceiros países.”181 Argumenta que a proibição de importações não contribui para

a redução dos resíduos de pneus porque grandes volumes de carcaças estão sendo importados

para o Brasil.

134. O Brasil proíbe as importações tanto de pneus usados quanto de reformados. Cada

elemento da proibição de importações pelo Brasil (i.e., pneus reformados e pneus usados)

contribui de forma independente para o objetivo do Brasil de redução de resíduos. A

contribuição da proibição para a redução de resíduos adicionais não é descaracterizada pelas

180 Vide EC’s First Oral Statement, at para. 47. 181 Vide EC’s First Oral Statement, at paras. 39, EC’s First Written Submission, at para. 80

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tentativas de contornar a proibição das importações de pneus usados através de medidas

liminares—da mesma forma que o banimento pela França do amianto não seria descaracterizado

se um juiz em algum lugar na França permitisse a importação de amianto. Contanto que o Brasil

continue a reformar os pneus que consome, menos reformados importados significarão mais

pneus usados nacionais reformáveis e menos resíduos. No entanto, limitar as importações de

pneus usados tanto quanto possível permitirá ao Brasil reduzir seus resíduos de pneus ainda

mais, e é por isso que o Brasil se opôs vigorosamente às liminares.

135. Como uma questão de fato, a CE exagera amplamente a medida em que os reformadores

brasileiros utilizam pneus usados importados em sua produção. Como o Brasil explicou em suas

respostas ao Painel, entre 2001 e 2005, mais de 84 milhões de pneus foram reformados no Brasil,

mas apenas 27 milhões de pneus usados foram importados.182 Nem todos os pneus usados

importados eram reformáveis, mas mesmo que fossem, em torno de 57 milhões (dois terços)

ainda teriam sido reformados a partir de carcaças domésticas.

136. Como demonstrado pelo Brasil, o Governo Federal tem trabalhado vigorosamente para

salvaguardar a integridade da proibição, não apenas das importações de pneus reformados, mas

também daquelas de pneus usados. De acordo com uma ampla pesquisa envolvendo decisões

publicadas nos últimos doze anos, o Governo tem sido muito bem sucedido na oposição às

medidas liminares autorizando as importações de pneus usados, tendo sido capaz de reverter 67

porcento dessas liminares na primeira instância, e 92.5 porcento em sede de recurso.183 Em face

do crescente precedente, autorizações judiciais de importações de pneus usados através de

liminares estão decrescendo rapidamente184 e as importações de pneus usados logo cessarão.

137. O peso da jurisprudência torna-se claro quando se analisam as decisões publicadas este

ano. Até o momento, em 2006, todas as decisões de segunda instância no Brasil referentes às

importações de pneus usados foram favoráveis à posição do Governo Federal de que a proibição

182 Respostas do Brasil às Questões 20 e 41 do Painel após a Primeira Audiência. 183 Vide Primeira Petição do Brasil, para., 153. Vide também Demarest & Almeida Advogados, Memorandum on Brazilian Judiciary’s Position on Importation of Used Tyres, 23 August 2005 (Exhibit BRA-86). 184 Demarest & Almeida Advogados, Demarest & Almeida Advogados, Tables for Searching Legal Actions Judged in 2006 (2006) (Exhibit BRA-151)

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de importações é legal e necessária para proteger o meio ambiente e a saúde pública.185 Quando

se trata das decisões de instância inferior, a situação não é muito diferente. Até julho, dezesseis

pedidos de medida liminar foram apresentados requerendo autorizações para a importação de

pneus usados. Treze desses pedidos foram denegados ad portas, enquanto os remanescentes

foram submetidos a recurso e logo serão julgados em segunda instância, pelos Tribunais

Regionais Federais. Considerando-se os precedentes, espera-se que as três medidas liminares

concedidas por juízos locais sejam revogadas pelos Tribunais Regionais Federais.

138. Ademais, adicionalmente à agora quase unânime visão dos juízes e tribunais brasileiros, o

Supremo Tribunal Federal em breve julgará a questão. Há dois “Recursos Extraordinários”

atualmente pendentes perante o Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, os quais

logo serão remetidos ao Supremo Tribunal Federal. Esses recursos são uma medida de último

recurso dos maiores importadores de pneus usados do Brasil, em resposta às decisões judiciais a

favor das alegações do IBAMA e da União que levaram à revogação das liminares que

temporariamente permitiram à empresa importar pneus usados.186

139. Uma dessas disputas é o caso apresentado pela CE, a qual alegou ser ele representativo da

posição do judiciário brasileiro em relação à proibição das importações de pneus usados (Anexo

EC-46). A decisão naquele caso era uma “Suspensão de Mandado de Segurança.”187 A decisão

do Superior Tribunal de Justiça citada pela CE deve ser entendida à luz da natureza jurídica

específica desse tipo de decisão. No sistema jurídico brasileiro, os fundamentos de um pedido de

Suspensão de Mandado de Segurança são bastante restritos. O Presidente do STJ pode

“suspender” uma liminar concedida em Mandado de Segurança apenas em circunstâncias

excepcionais.188 Uma “suspensão” é considerada como uma “medida política extrema”, e

pouquíssimo casos cumprem os requisitos.189

185 Essas decisões foram publicadas nos seguintes processos: AI 2005.02.01.001764-6; MS 2003.51.01.020151-7; MS 2001.02.01.033748-9; AI 2005.02.01.008437-4; MS 2004.70.01.010625-6/PR. 186 Essas decisões foram publicadas pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região nos Mandados de Segurança 2002.51.01.014705-1 e 2003.51.01.020151-7. Vide também a Resposta do Brasil à Pergunta 18 do Painel após a Primeira Audiência. 187 Vide Exhibit EC-46. 188 Vide Law No. 8,437 of 30 June 1992, Art. 4 (Exhibit BRA-152) 189 Vide Exhibit EC-46, p. 3.

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140. À luz da natureza excepcional e dos estritos requisitos da “Suspensão de Mandado de

Segurança,” torna-se evidente que a decisão citada pela CE não é representativa de como os

tribunais brasileiros estão lidando com pedidos de medidas liminares autorizando as importações

de pneus usados. Isso é confirmado pela decisão publicada na mesma disputa pelo Tribunal

Regional Federal da 2ª Região em 7 de março de 2006.190 Levando em conta todos os elementos

de fato do caso e sem os constrangimentos procedimentais de uma “Suspensão de Mandado de

Segurança”, o Tribunal aceitou o recurso apresentado pelo IBAMA e pela União e cassou a

medida liminar concedida naquele caso.191

141. Não pode haver dúvidas, portanto, de que o judiciário brasileiro reconhece o papel de

proteção da saúde e do meio ambiente cumprido pela proibição de importações. Isso se reflete

pelo revelador pequeno número de liminares que está sendo concedido. Os precedentes

efetivamente impedirão que quaisquer futuras liminares autorizem as importações de pneus

usados. Qualquer dúvida que ainda possa existir será eliminada pela decisão do Supremo

Tribunal Federal.

142. Conclui-se que o Brasil demonstrou que resíduos de pneus permanecem sendo resíduos

perigosos aos quais não é possível dar destinação de forma segura. Nenhuma alternativa, além da

não-geração, permitiria ao Brasil atingir seu objetivo de reduzir os riscos da acumulação e

destinação final de resíduos de pneus tanto quanto possível. Por essa razão, a proibição pelo

Brasil das importações de pneus reformados de ciclo de vida mais curto é necessária no sentido

do Artigo XX(b).

III. O BRASIL DEMONSTROU QUE A PROIBIÇÃO DE IMPORTAÇÕES CUMPRE OS REQUISITOS DO CAPUT DO ARTIGO XX

143. O Brasil demonstrou em sua Primeira Petição e durante a primeira audiência com o

Painel que aplica a proibição de importações de boa-fé e de maneira razoável, em conformidade

com o caput do Artigo XX.192 Especificamente, o Brasil demonstrou que a aplicação da

190 Vide Demarest & Almeida Advogados, Analysis and Comments About a Judicial Action Involving the Company “BS Colway” (2006) (“BS Colway analysis”) (Exhibit BRA-151) 191 Vide BS Colway Analysis (Exhibit BRA-151). 192 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 130-156.

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proibição de importações não constitui discriminação “arbitrária ou injustificável” ou uma

“restrição disfarçada ao comércio internacional.”

144. A CE, inversamente, não foi capaz de demonstrar que o Brasil aplica a proibição de

importações de uma maneira que seja ou discricionária, baseada em mera opinião ou preferência,

caprichosa, imprevisível, inconsistente, despótica, tirânica, legalmente injustificada, injusta,

irrazoável, incorreta ou indefensável. Em outras palavras, a CE não demonstrou que a proibição

de importações é aplicada de uma maneira arbitrária ou injustificadamente discriminatória.

145. Vale recordar que o propósito do Artigo XX é evitar abuso na aplicação das exceções

gerais contidas nos parágrafos (a) a (j).193 Ele garante que as exceções aos dispositivos não serão

“abusadas ou utilizadas equivocadamente.”194 A questão jurídica relevante sob o caput é se uma

medida é aplicada razoavelmente e de boa-fé. O Brasil demonstrou que a maneira em que aplica

a proibição de importações é de fato de boa-fé, razoável, e de forma alguma excessiva. A CE, no

entanto, acusa o Brasil de aplicar a medida de má-fé—uma acusação grave. Especificamente,

reclama que a proibição de importações não cumpre os requisitos do caput porque (a) os países

do Mercosul estão isentos da proibição de importações,195 (b) quantidades limitadas de pneus

usados são importados através de liminares judiciais,196 e (c) a proibição de importações protege

a indústria brasileira de pneus.197 Apesar de já ter abordado e rebatido esses argumentos, o Brasil

o fará novamente, de forma breve, nas seções que se seguem.

A. A proibição de importações não é aplicada de uma maneira que constitua discriminação “arbitrária ou injustificável”

193 Vide Appellate Body Report, US – Gasoline, 22, citando United States – Imports of Certain Automotive Spring Assemblies, BISD 30S/107, at para. 56; adopted on 26 May 1983. 194 Vide Appellate Body Report, US – Gasoline, at 22 (“O caput fundamenta-se no princípio de que enquanto as exceções no Artigo XX podem ser invocadas como uma questão de direito, elas não deveriam ser aplicadas de forma a frustrar ou prejudicar as obrigações jurídicas daquele que tem o direito sob as regras substantivas do Acordo Geral. Se essas exceções não devem ser abusadas ou utilizadas equivocadamente, as medidas que se enquadrem nas exceções específicas devem ser aplicadas razoavelmente, com devida observância aos deveres jurídicos da parte que alega a exceção e aos direitos das outras partes envolvidas.”) 195 EC’s First Written Submission, at para. 154. 196 EC’s First Written Submission, at para. 155. 197 EC’s First Written Submission, at para. 160.

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146. A CE alega que a proibição de importações é aplicada de uma maneira que é arbitrária e

injustificadamente discriminatória porque não se aplica a pneus reformados importados pelo

Brasil de outros países do Mercosul e porque uma quantidade limitada de pneus usados está

sendo importada através de autorizações judiciais.198 Nenhum desses fatos torna a aplicação da

proibição de importações arbitrária ou injustificadamente discriminatória.

147. Cabe enfatizar de início que o critério do caput não é meramente discriminação, mas

discriminação “arbitrária” ou “injustificável”. Assim, como o Brasil observou em sua Primeira

Petição, o critério de discriminação contemplado no caput do Artigo XX é diferente do critério

de discriminação contemplado no tratamento a produtos sob outras obrigações substantivas do

GATT.199 Portanto, para rebater a comprovação prima facie estabelecida pelo Brasil de que a

proibição de importações é compatível com o caput, a CE precisaria aduzir provas suficientes

para demonstrar não apenas que a proibição de importações é aplicada de uma maneira

discriminatória, mas, ademais, que tal discriminação é arbitrária ou injustificável.

148. Para recordar, uma medida é arbitrária quando é “dependente de vontade ou prazer,”

“discricionária,” “baseada em mera opinião ou preferência,” “caprichosa, imprevisível,

inconsistente,” “irrestrita no exercício de vontade ou autoridade,” “despótica, tirânica.”200 É

“injustificável” quando não pode ser “legal ou moralmente justificada,” ou demonstrada como

“defensável” ou “justa, razoável, ou correta.”201 Isso, indubitavelmente, é um significativo ônus

da prova, o qual a CE não satisfez no presente caso.

149. O Brasil explicou em sua Primeira Petição,202 em sua Sustentação Oral perante o

Painel,203 e novamente em suas respostas às perguntas do Painel204 que a isenção da proibição de

importações concedida aos países do Mercosul é justificada e razoável e não é de forma alguma

198 EC’s First Written Submission, at paras. 147, 154 and 155. 199 See Primeira Petição do Brasil, paras. 133, 134, citando o Appellate Body Report, US – Gasoline, at 23, o Appellate Body Report, US – Shrimp, at para. 150; e o Panel Report, EC – Tariff Preferences, at para. 7.225. 200 The New Shorter Oxford English Dictionary, Volume 1 107 (1993). 201 The New Shorter Oxford English Dictionary, Volume 2 1466 (1993). 202 See Brazil’s First Written Submission, at paras. 130-142. 203 See Brazil’s First Oral Statement, at para. 64. 204 See Brazil’s Response to Question 73 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties.

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caprichosa, discricionária, irrestrita, muito menos despótica ou tirânica. A isenção foi adotada

pelo Brasil depois que um Tribunal Ad Hoc do Mercosul decidiu que o Brasil tinha a obrigação

de direito internacional, prevista no Mercosul, de isentar os países do Mercosul de “novas”

restrições, incluindo a proibição.205 O Brasil argumentou durante todo o processo—sem

sucesso—que a proibição de importações não era uma “nova” restrição, o que significava que o

Brasil tinha o direito de impor tal proibição aos demais países do Mercosul. O Tribunal

discordou e decidiu contra o Brasil. O Brasil, ciente de todas as suas obrigações internacionais,

implementou a decisão do Tribunal do Mercosul—ainda que discordando da mesma—mas o fez

da forma mais estreita possível. Isentou da proibição de importações apenas pneus remoldados

(uma subcategoria de pneus reformados) provenientes dos países do Mercosul, porque o caso do

Mercosul se referia apenas àquela categoria de pneus reformados.

150. À luz dos fatos e das circunstâncias em que o Brasil isentou os países do Mercosul da

proibição de importações, e da maneira em que o fez, não pode haver dúvidas de que tal isenção

é razoável. De fato, a isenção foi adotada para cumprir obrigações de direito internacional. O

que é irrazoável, em contraste, é que a CE sugira que o Brasil aplicou a proibição de importações

de má-fé, ou que assumiu obrigações de direito internacional no Mercosul com o objetivo de

contornar as obrigações de não-discriminação previstas na OMC ou de abusar de seu direito de

adotar medidas cobertas pelas exceções previstas no Artigo XX do GATT.

151. A CE também falha em sua alegação de que a proibição de importações é aplicada de

maneira arbitrária ou discriminatória porque quantidades limitadas de pneus usados são

importados pelo Brasil através de medidas liminares.206 De acordo com a CE, permitir as

importações de algumas carcaças, mas não todas, constitui uma discriminação irrazoável. Em

primeiro lugar, afirmar—como o faz a CE—que “a proibição de importações foi suspensa pelos

juízes brasileiros” é uma grosseira representação falsa dos fatos.207 Essa caracterização revela a

falta de entendimento dos fatos por parte da CE. A proibição de importações não foi de forma

alguma “suspensa”. Está em vigor e é imposta pelas autoridades.

205 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 137, 138; Resposta do Brasil à Pergunta 73 do Painel após a Primeira Audiência. 206 EC’s First Written Submission, at paras. 147, 154, 155; EC's Response to Question 53 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 69.

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152. Como o Brasil explicou em diversas ocasiões, quantidades limitadas de pneus usados são

importadas através de autorizações judiciais.208 Essas autorizações são concedidas pelos juízes

inaudita altera parte, antes que o governo tenha sequer a oportunidade de apresentar seus

argumentos e explicar ao juiz por que a argumentação da parte autora (e seu pedido liminar) não

tem mérito de deveria ser rejeitada. Na grande maioria dos casos (67 porcento em primeira

instância, e 92.5 porcento em sede de recurso), o juiz ou tribunal cassou a liminar, após ouvir a

explicação do procurador do governo sobre a base jurídica que fundamenta a proibição de

importações.209 A importância essa jurisprudência é que a importação de pneus usados através de

medidas liminares não mais estará disponível, na medida em que se assenta o precedente, e será

definitivamente interrompida quando o Supremo Tribunal Federal decidir a questão.210 Quando

isso ocorrer no futuro próximo, a questão das medidas liminares será irrelevante.

153. Ademais, ao contrário do que alega a CE, não há discriminação iminente na importação

de pneus usados. Essas medidas liminares foram concedidas independentemente da origem dos

pneus usados importados. Se o que a CE quer dizer com discriminação no contexto das liminares

for que estas têm “as mesmas externalidades ambientais para o Brasil independentemente do país

onde tenham sido produzidas,”211 o Brasil concorda. É por isso que consistentemente se opôs—

com sucesso, na maioria das vezes—às medidas liminares. No entanto, o fato de que pneus

usados importados através de autorizações judiciais produzem as mesmas externalidades no

Brasil independentemente do país de origem não torna a aplicação da proibição de importações

arbitrária ou injustificadamente discriminatória no sentido do caput do Artigo XX.

154. Finalmente, a CE afirma que a proibição de importações é discriminatória em relação a

pneus reformados importados porque, apesar de produzirem as mesmas externalidades

ambientais que pneus novos, o Brasil não adotou medidas para garantir que pneus novos

consumidos em seu território sejam reformados uma vez que se tornem pneus usados.212

207 Vide EC’s First Written Submission, at para. 147. 208 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 153-154; Primeira Sustentação Oral do Brasil, para. 51, Respostas do Brasil às Perguntas 13-15 do Painel após a Primeira Audiência. Vide também supra, Seção II. B.4.d. 209 Vide Primeira Petição do Brasil, para. 153. 210 Vide Seção II. B.4.d. 211 EC’s First Written Submission, at para. 155. 212 EC’s First Written Submission, at para. 149.

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Qualquer diferença de tratamento entre reformados importados e nacionais, no entanto, é

necessária para cumprir o objetivo de redução de resíduos das medidas.213 A CE concorda que

essa diferença de tratamento é compatível com o caput.214

155. De qualquer forma, o Brasil demonstrou—e a CE reconheceu—que sua legislação interna

(Resolução CONAMA 258/1999) impõe estritas obrigações de Responsabilidade Estendida do

Produtor (REP) que exigem que fabricantes locais e importadores de pneus novos coletem e

dêem destinação final a cinco pneus inservíveis para cada quatro pneus novos importados ou

fabricados internamente.215 Enquanto isso não é formalmente um tratamento idêntico, essas

obrigações de coleta e destinação final demonstram que não há intenção protecionista por trás da

proibição de importações.

156. Conclui-se, assim, que não há nada arbitrário ou injustificável sobre a maneira em que o

Brasil aplica a proibição das importações de pneus reformados ou usados. Todas as assertivas da

CE em sentido contrário são sem fundamento e desmentidas pelos inegáveis fatos deste caso.

B. A proibição de importações não é aplicada de uma maneira que constitua uma

“restrição disfarças ao comércio internacional”

157. O Brasil demonstrou que sua proibição não é aplicada de uma maneira que constitua uma

restrição disfarçada ao comércio internacional.216 Para recordar, para que uma medida não

cumpra o critério de “restrição disfarçada ao comércio internacional” previsto no caput do Artigo

XX, ela deve impor restrições que sejam “disfarçadas” ou, como observou o Órgão de Apelação,

deve equivaler a “discriminação arbitrária ou injustificável no comércio internacional.”217 Como

demonstrado pelo Brasil em suas alegações anteriores neste caso, e enfatizadas nesta Segunda

Petição, a proibição de importações não é aplicada de uma maneira arbitrária ou

injustificavelmente discriminatória. Ao contrário, a proibição das importações de pneus usados

213 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 139-142 214 Vide EC’s First Oral Statement, at para. 94 (“A CE jamais alegou que a não-aplicação da proibição a pneus reformados produzidos a partir de carcaças domésticas constitui discriminação arbitrária ou injustificável.”). 215 Vide Primeira Petição do Brasil, para. 72. 216 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 143-155. 217 Vide Primeira Petição do Brasil, para. 145, citando o Appellate Body Report, US – Gasoline, at 25.

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aumenta significativamente os custos de produção para os reformadores brasileiros.218 Já as

importações de pneus novos, na verdade, cresceram na ordem de aproximadamente 53 porcento

no período de 2000 a 2005.219 Além disso, a proibição de importações não levou a um aumento

das vendas de fabricantes nacionais de pneus novos.220

158. Como o Brasil também demonstrou em sua Primeira Petição, o fato de que o Brasil não

procura proteger ou conceder uma vantagem a sua indústria nacional de pneus é ainda

evidenciado pelas estritas obrigações de responsabilidade do produtor que o Brasil impõe sobre

fabricantes nacionais de pneus novos, assim como pela proibição das importações de carcaças,

que nega aos reformadores nacionais o acesso a matéria-prima para a indústria nacional de

reformados.221

159. A CE insiste, entretanto, que a proibição de importações é uma “restrição disfarçada ao

comércio internacional” porque supostamente “protege os reformadores brasileiros e os

fabricantes brasileiros de pneus novos da concorrência com reformados importados.”222 Todas as

tentativas da CE de fundamentar essa alegação foram insuficientes e erraram o alvo.

160. De acordo com a CE, as importações de pneus usados através de autorizações judiciais

protegem a indústria brasileira “ao garantir-lhe a oferta de material necessária para continuar a

produzir pneus reformados.”223 Primeiro, como o Brasil explicou repetidamente, o Governo

Federal se opôs consistentemente e com sucesso às autorizações judiciais que permitiram a

importação de quantidades limitadas de pneus usados. Como explicado acima, a tendência a

conceder liminares foi revertida.224 A firme oposição do Brasil às importações de pneus usados

categoricamente nega qualquer sugestão de que o país procura conceder uma vantagem à

indústria nacional. De fato, não há nenhuma evidência de que a proibição das importações tenha

218 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 151-162. 219 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 147-148 para informações detalhadas sobre as importações de pneus pelo Brasil. 220 Vide Primeira Petição do Brasil, para. 148. 221 Vide Primeira Petição do Brasil, para. 72. 222 EC's Response to Question 51 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 66. 223 EC's Response to Question 51 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 67. 224 Vide supra, seção II. B.4.d.

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sido concebida ou tenha o efeito de proteger a indústria nacional. As tentativas de contornar a

proibição não perturbam a natureza não-protecionista e o efeito da proibição de importações.

161. Segundo, é desengenhoso por parte da CE reclamar que “as importações de pneus usados

da CE pelo Brasil . . . contribui para a proteção dos reformadores brasileiros ao garantir-lhes a

oferta de material necessária para que continuem produzindo pneus reformados.”225 Cientes da

posição do governo brasileiro, as autoridades da CE deveriam fazer tudo ao seu alcance para

impedir as exportações de pneus usados da CE para o Brasil.

162. Terceiro, o Governo do Brasil está negociando uma política de resíduos comum com os

parceiros do Mercosul, que restauraria a aplicação original erga omnes da proibição de

importações.226 Isso constitui evidência adicional de que não há interesses protecionistas por trás

da proibição de importações.

163. A outra alegação da CE é que a proibição de importações é uma “restrição disfarçada ao

comércio internacional” porque as exportações de pneus reformados da CE foram substituídas

por importações de reformados provenientes dos países do Mercosul.227 Essa alegação não é

precisa. Primeiro, as importações provenientes do Mercosul não substituíram as importações

provenientes da CE e outros países. Em 2005, depois da imposição da proibição, o Brasil

importou apenas 157.473 pneus reformados. A importações provenientes da CE antes da

proibição das importações, por outro lado, variaram entre aproximadamente 1,5 e 2,2 milhões

nos anos que precederam a proibição de 2000.228

164. A CE também argumenta que a indústria brasileira de pneus se beneficia das importações

de pneus reformados dos países do Mercosul produzidos com carcaças importadas baratas.229

Está claro, porém, que essas importações não beneficiam a indústria brasileira. Ao contrário, a

exportação de pneus usados a outros países do Mercosul colocam os reformadores brasileiros em

225 EC's Response to Question 51 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 67. 226 Vide infra, Seção V. C. 227 Vide EC’s First Oral Statement, at para. 97; EC's Response to Question 51 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at paras. 66-68. 228 Vide EC – Report, at 31 (Exhibit EC-2). 229 Vide EC's Response to Question 51 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 68.

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desvantagem, pois permitem que concorrentes de outros países do Mercosul usem carcaças

importadas baratas, enquanto se nega aos reformadores brasileiros, devido à proibição de

importações, a utilização de carcaças importadas. Isso aumenta os custos de produção dos

reformadores brasileiros e, portanto, cria uma vantagem competitiva para reformadores de outros

países do Mercosul.

165. Pelas razões expostas acima, o Brasil reitera que a proibição de importações se justifica

pelo Artigo XX(b), pois é necessária para proteger a saúde humana e o meio ambiente, e porque

é aplicada de uma maneira compatível com o caput do Artigo XX.

IV. AS MULTAS ANTI-CIRCUNVENÇÃO SÃO DA MESMA FORMA COMPATÍVEIS COM O GATT

166. O Brasil e a CE concordam que as multas anti-circunvenção são uma medida acessória de

imposição e devem prevalecer, ou não, em conjunto com a proibição de importações.230 Como o

Brasil provou que a proibição de importações justifica-se pelo Artigo XX(b), as multas anti-

circunvenção são da mesma forma justificadas pelo Artigo XX(b).

V. O BRASIL DEMONSTROU QUE A ISENÇÃO DOS PAÍSES DO MERCOSUL É AUTORIZADA PELOS ARTIGOS XXIV E XX(D) DO GATT

167. O Brasil demonstrou que os Artigos XXIV e XX(d) do GATT justificam a isenção da

proibição de importações e das multas anti-circunvenção concedida pelo Brasil aos países do

Mercosul. Assim, desfez a comprovação prima facie da CE de que as medidas brasileiras são

incompatíveis com os Artigos XIII:1 e I:1 do GATT. O Brasil respeitosamente remete o Painel

aos parágrafos 58-60 de sua Primeira Petição.

A. O Mercosul é uma união aduaneira em conformidade com o Artigo XXIV

168. O Brasil aduziu evidências suficientes para comprovar prima facie que o Mercosul é uma

união aduaneira em conformidade com os parágrafos 5 e 8 do Artigo XXIV e que a isenção dos

países do Mercosul da proibição e das multas é justificada pelo Artigo XXIV. A CE não fez

nada para rebater essa comprovação prima facie. Sequer questionou seriamente se o Mercosul é

230 Vide EC’s Response to Question 65 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at paras. 73, 75. Vide também EC’s First Written Submission, at paras. 172-174, 179.

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uma união aduaneira que cumpre os requisitos do Artigo XXIV do GATT ou alegou que o

Mercosul não cumpre suficientemente qualquer desses requisitos.231 Ao contrário, a CE

reconheceu explicitamente que o Mercosul é uma união aduaneira no sentido do Artigo XXIV do

GATT, o que significa que a CE reconhece que o Mercosul enquadra-se na definição de união

aduaneira do Artigo XXIV:8(b).

1. O Mercosul é compatível com os Artigos XXIV:5(a) e 8(a)

169. A CE afirma que o Brasil tem o ônus de provar que o Mercosul cumpre os requisitos do

Artigo XXIV:5(a) e 8(a) do GATT. O Brasil satisfez esse ônus. O Artigo XXIV:5(a) impõe a

condição de que tarifas e outros regulamentos impostos quando da instituição de uma união

aduaneira (ou um acordo temporário que leve à formação de uma união aduaneira), em relação

ao comércio com países que não sejam partes de tal união ou acordo, “não devem no total ser

mais altas ou mais restritivos” que tarifas ou regulamentos de comércio aplicáveis nos territórios

constituintes antes da formação de tal união (ou da adoção de tal acordo temporário). O Mercosul

cumpre esse requisito.

170. Como o Brasil explicou em sua Primeira Sustentação Oral, o Mercosul está atualmente

sendo examinado pelo Comitê de Acordos Regionais (CRTA) sob o Artigo XXIV.232 Os

Membros da OMC, incluindo a CE, participaram ativamente nesse processo. No contexto do

exame do Mercosul sob o Artigo XXIV:5(a), o CRTA instruiu o Secretariado a calcular a média

de tarifas aplicadas e coletadas.233 Os resultados dos cálculos do Secretariado revelam que a

média das tarifas (em porcentagem) antes da instituição da união aduaneira era de 12,5 porcento.

No momento da instituição da união aduaneira, foi de 12 porcento. Já em 2006, a média aplicada

das tarifas externas comuns foi de 10,4 porcento.234 Assim, com base nos cálculos do

Secretariado da OMC, o Mercosul cumpre o requisito do Artigo XXIV:5(a), pois as tarifas e

outros regulamentos no momento de sua instituição (1995), e atualmente (2006), não são “em

sua totalidade” maiores ou mais restritivos que aqueles aplicados antes de sua formação.

231 Vide EC's Response to Question 76 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 80. 232 Vide COM.TD/133. 233 Vide Committee on Regional Trade Agreements, WT/COMTD/1/Add.15, 24 May 2005. 234 See Committee on Regional Trade Agreements, WT/COMTD/1/Add.15, 24 May 2005, at 3.

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171. O Artigo XXIV:8(a) exige a liberalização interna das tarifas e outros regulamentos

restritivos ao comércio com relação a “substancialmente todo o comércio” entre os territórios

constituintes. A isenção da proibição das importações e das multas anti-circunvenção é

compatível com esse requisito.

172. O Artigo XXIV:8(a) também exige a aplicação de substancialmente as mesmas tarifas

externas e outros regulamentos comerciais ao comércio com terceiras partes. A CE reconhece

que o Mercosul “tem uma tarifa externa comum e uma política comercial externa comum.”235 O

Mercosul eliminou “substancialmente todas” as tarifas e regulamentos restritivos inter se.

173. O Brasil respeitosamente indica ao Painel os documentos que o Brasil e seus parceiros do

Mercosul apresentaram ao longo da revisão do CRTA para informações adicionais sobre o

cumprimento pelo Mercosul do Artigo XXIV:5(a) and 8(b). O Painel pode basear-se nas

informações submetidas ao CRTA (que o Brasil incorpora nesta petição por referência), assim

como o painel em US – Line Pipe baseou-se em informações submetidas pelas partes do Acordo

de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) para concluir que os Estados Unidos

comprovaram prima facie que o NAFTA está em conformidade com o Artigo XXIV:5(b) e (c), e

com o Artigo XXIV:8(b).236 O painel também observou que o fato de que o CRTA ainda não

havia publicado uma decisão sobre a conformidade do NAFTA com o Artigo XXIV:8 não era

suficiente para refutar a comprovação prima facie estabelecida pelos Estados Unidos.237

174. O cálculo da média das tarifas era o último grande obstáculo no exame do Mercosul pelo

CRTA. Durante a reunião de 3 de abril de 2006, o Presidente do Comitê observou que o Comitê

parecia ter agora todas as informações factuais necessárias e que o Secretariado da OMC havia

começado a redigir o relatório sobre o exame do Mercosul. Com base nisso, o Presidente

também observou que o exame logo seria concluído.238

235 Vide EC's Response to Question 76 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at paras. 82. 236 Panel Report, US – Line Pipe, at paras. 7.142-144. 237 Panel Report, US – Line Pipe, at paras. 7.144. 238 Vide Note on the Meeting of 3 April 2006, WT/COMTD/1/Add.16, at para. 14.

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175. Conclui-se que o Brasil satisfez o seu ônus e aduziu evidências suficientes para

comprovar prima facie que o Mercosul cumpre os requisitos contidos nos Artigos XXIV:5(a) e

8(b). De acordo com regras bem estabelecidas sobre o ônus da prova, cabe agora à CE refutar a

presunção de conformidade estabelecida pelo Brasil.239 Se a CE desejar formal e decididamente

questionar a posição do Brasil—e da Argentina, Paraguai, e Uruguai—de que o Mercosul não

está em conformidade com o Artigo XXIV, deve fazê-lo com base em evidências concretas e

suficientes. Meras suposições, comentários pouco entusiasmados, e assertivas sem substância

não substituem fatos concretos, especialmente em relação a uma questão tão séria quanto a

conformidade com o Artigo XXIV do GATT da segunda maior união aduaneira do mundo.

2. O Mercosul foi notificado de forma apropriada e está sendo examinado sob o Artigo XXIV do GATT

176. A CE e certas terceiras partes, incluindo os EUA, argumentaram que os membros do

Mercosul não notificaram a união aduaneira sob o Artigo XXIV, mas o fizeram apenas sob a

Cláusula da Habilitação. A questão é inequívoca. A CE e os Estados Unidos argumentam que o

Mercosul não foi notificado de acordo com o Artigo XXIV, parágrafo 7, e sugerem que, em

conseqüência, o Brasil não pode invocar o Artigo XXIV como justificativa para a isenção. O

Artigo XXIV:7 afirma que uma parte contratante que decida ingressar em uma união aduaneira

ou acordo temporário que leve à formação de uma união aduaneira deve prontamente notificar as

PARTES CONTRATANTES e deve tornar-lhes disponíveis as informações concernentes à

união proposta. Notadamente, não há requisitos específicos sobre a forma ou conteúdo da

notificação. Não há nada no parágrafo 7 que afirme que a notificação deve explicitamente

informar que está sendo feita de acordo com o Artigo XXIV:7. A CE e os Estados Unidos estão

colocando a forma antes do conteúdo.

177. De qualquer forma, a notificação inicial do Mercosul cumpre os requisitos do Artigo

XXIV:7. Em 17 de fevereiro de 1991, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, agindo através do

Secretariado da Associação Latino-Americana de Integração, notificaram as PARTES

CONTRATANTES de que, em 26 de março de 1991, haviam acordado o Tratado de Assunção,

que estabelecia o Mercosul. A notificação explica que o objetivo do Tratado é facilitar a criação

239 Vide Appellate Body Report, US – Wool Shirts and Blouses, at 13; mais recentemente, Appellate Body Report, Canada – Dairy (Article 21.5 – New Zealand and US II), at para. 66.

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das condições necessárias para o estabelecimento de um mercado comum entre os quatro países.

Também explica o programa de liberalização, a coordenação das políticas macroeconômicas, e a

tarifa externa comum, entre outras questões.

178. Claramente, a notificação cumpre o requisito do Artigo XXIV:7 de informar as PARTES

CONTRATANTES, pronta e adequadamente, de que as partes decidiram ingressar em uma

união aduaneira. Ademais, qualquer dúvida que poderia existir foi desfeita quando os Estados

Unidos, em junho de 1992, expressaram sua visão de que o Mercosul deveria ter sido notificado

sob o Artigo XXIV:7. Na comunicação, os próprios Estados Unidos reconhecem explicitamente

que o Mercosul é uma união aduaneira. Como notado acima, a CE também reconheceu

explicitamente que o Mercosul é uma união aduaneira.240

179. De qualquer forma, os termos de referência do Grupo de Trabalho afirmam muito

claramente que o Grupo foi estabelecido para examinar o Mercosul “à luz dos dispositivos

relevantes da Cláusula da Habilitação e do GATT, incluindo o Artigo XXIV.” A CE, os Estados

Unidos, e todos os outros Membros participaram ativamente nesse processo de exame e não

objetaram ao exame da união aduaneira do Mercosul pelo Comitê de Acordos Regionais com

base no fato de que o Mercosul não foi notificado sob o Artigo XXIV:7.

3. Os fatos de Turkey – Textiles são marcadamente diferentes dos fatos do presente caso

180. Certas terceiras partes argumentaram que o Brasil não demonstrou que a isenção limitada

da proibição de importações e das multas anti-circunvenção concedida aos países do Mercosul

foi instituída quando da formação da união aduaneira e que tal formação teria sido impedida se a

isenção não houvesse sido instituída.241 Tais argumentos baseiam-se na premissa de que

exatamente a mesma análise adotada pelo Órgão de Apelação em Turkey – Textiles se aplica ao

presente caso. Essa premissa é completamente equivocada. Como o Brasil explicou em sua

Primeira Petição, os fatos deste caso são marcadamente distintos daqueles de Turkey – Textiles.

Diferentemente da Turquia, o Brasil não está invocando o Artigo XXIV para justificar medidas

que erguem barreiras ao comércio com outros Membros da OMC. A medida neste caso é a

240 EC's Response to Question 76 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 80. 241 Vide, e.g., Third Party Submission of TPKM, at paras. 11-13.

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isenção dos países do Mercosul da proibição. Isto é, a medida consiste em remover restrições

internamente para liberalizar o comércio dentro do território da união aduaneira, de acordo com

o Artigo XXIV:8(a) do GATT.

181. Como o Brasil explicou durante a Primeira Audiência com o Painel, um caso mais

relevante para o exame do Painel da defesa do Brasil sob o Artigo XXIV é US – Line Pipe.242

Esse caso considerou se os Estados Unidos poderiam excluir seus parceiros do NAFTA, Canadá

e México, da aplicação de medidas de salvaguarda a outros Membros da OMC. O painel naquele

caso tomou nota da decisão do Órgão de Apelação em Turkey – Textiles e a distinguiu dos fatos

daquele caso. Explicou que “as conclusões do Órgão de Apelação em Turkey – Textiles foram

condicionadas pelos fatos do caso.”243 Explicou que, em Turkey – Textiles, o Órgão de Apelação

estava abordando uma medida que impunha novas restrições contra terceiros países, enquanto no

caso US – Line Pipe a medida era parte da eliminação de tarifas e outros regulamentos restritivos

entre as partes do acordo de livre comércio. Com base nessa distinção, o painel concluiu que

“[s]e a alegada violação do GATT 1994 forma parte da eliminação de ‘tarifas e outros

regulamentos restritivos ao comércio,’ não pode haver dúvida de que é necessária para a

eliminação de ‘tarifas e outros regulamentos restritivos ao comércio.’’244 Conclui, assim, que não

estava “nem um pouco convencido” de que se deveria exigir dos Membros que demonstrassem a

necessidade desse último tipo de medida.245 O mesmo é verdadeiro no presente caso.

182. De forma semelhantes aos fatos em US – Line Pipe, neste caso a medida em questão não

impõe novas restrições contra terceiros países mas, ao contrário, elimina regulamentos restritivos

entre as partes de uma união aduaneira. Como o Brasil explicou em sua Primeira Petição, a

isenção dos países do Mercosul da proibição de importações e das multas anti-circunvenção é

nada mais que o cumprimento pelo Brasil da CMC No. 22/00—uma medida que facilita o

comércio entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e procura eliminar regulamentos restritivos

ao comércio entre esses territórios—conforme interpretado pelo Tribunal Ad Hoc do Mercosul.

Aquela medida é totalmente compatível com o propósito de uniões aduaneiras e áreas de livre

242 Vide Executive Summary of Brazil’s Closing Statement at the First Substantive Meeting of the Parties, at 5. 243 Panel Report, US – Line Pipe, at para. 7.148. 244 Panel Report, US – Line Pipe, at para. 7.148. 245 Panel Report, US – Line Pipe, at para. 7.148.

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comércio, que é “facilitar o comércio entre os territórios constituintes” da união e eliminar

“regulamentos restritivos ao comércio… com relação a substancialmente todo o comércio” entre

aqueles territórios.246 No contexto factual deste caso, portanto, e em consonância com as

conclusões do painel em US – Line Pipe, não se exige que o Brasil demonstre que a medida foi

“necessária” para a formação da união aduaneira.

183. A CE, porém, sustenta neste caso o mesmo argumento que apresentou—sem sucesso—

em US - Line Pipe. O painel naquele caso discordou do argumento da CE. A CE agora

abertamente questiona as conclusões do painel em US - Line Pipe. Afirma que não compartilha

da visão do painel de que o teste de necessidade articulado pelo Órgão de Apelação em Turkey -

Textiles não se aplica a situações de fato em que a medida em questão foi parte da liberalização

comercial interna entre as partes de uma área de livre comércio (ou união aduaneira).247 Apesar

da insistência da CE em apresentar esse argumento perdedor, a conclusão em US - Line Pipe é

apropriada e não deveria ser perturbada.

B. A isenção limitada do Mercosul é justificada pelo Artigo XX(d) do GATT

184. O Brasil demonstrou que a isenção do Mercosul da proibição de importações e das multas

anti-circunvenção é também justificada pelo Artigo XX(d) porque é uma medida que é

“necessária para assegurar o cumprimento de leis ou regulamentos” que não são inconsistentes

com o GATT.248

185. Para enquadrar-se no Artigo XX(d), a medida deve ser (a) concebida para assegurar o

cumprimento de leis ou regulamentos que não sejam eles próprios incompatíveis com algum

dispositivo do GATT 1994, e (b) “necessária” para assegurar tal cumprimento.249 O Brasil

demonstrou que a isenção do Mercosul cumpre ambos os requisitos. A isenção dos países do

Mercosul da proibição e das multas é necessária para assegurar o cumprimento pelo Brasil de

246 Vide Artigo XXIV:5 and 8(a)(i) do GATT. 247 Vide EC’s Response to Question 77 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 84. 248 Primeira Petição do Brasil, paras. 173-185. 249 Appellate Body Report, Korea – Korea –Various Measures on Beef, at para. 157. Vide também Appellate Body Report, Mexico – Taxes on Soft Drinks, at para. 67.

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suas obrigações no âmbito do Mercosul, conforme determinado pelo Tribunal Ad Hoc do

Mercosul.

186. O Brasil demonstrou—e a CE reconheceu—que, com a adoção da isenção do Mercosul, o

Brasil estava assegurando o cumprimento de suas obrigações internacionais, que foram

incorporadas ao direito interno.250 O Brasil também demonstrou que sua obrigação no âmbito do

Mercosul (i.e., a eliminação de regulamentos restritivos ao comércio entre os territórios

constituintes) é totalmente compatível com o GATT.251 A CE não contesta esse fato.252

187. A CE, da mesma forma, não mais contesta o fato de que as obrigações do Brasil no

âmbito do Mercosul estão contidas em “leis ou regulamentos” no sentido do Artigo XX(d).253

De fato, o Brasil demonstrou em sua Primeira Petição que os acordos e protocolos relevantes do

Mercosul foram incorporados ao direito interno brasileiro.254

188. A única discórdia entre a CE e o Brasil diz respeito a se o termo “assegurar o

cumprimento de leis ou regulamentos” aplica-se ao cumprimento pelo governo de obrigações

internacionais. A CE argumenta que não; que o termo “assegurar o cumprimento” significa

impor leis ou regulamentos “com relação a outros atores, tipicamente pessoas naturais ou

jurídicas”, ao invés do próprio governo.255 Não há base jurídica ou fundamento—seja nos textos

legais ou na jurisprudência—para a estreita interpretação da CE do Artigo XX(d).

189. O único caso que a CE cita para fundamentar seu argumento é EEC – Regulation on

Imports of Parts and Components.256 De acordo com a CE, esse caso confirma que o termo

“assegurar o cumprimento” no Artigo XX(d) “implica que o cumprimento é ‘assegurado’ pelas

250 Primeira Petição do Brasil, paras. 176-180; EC's Response to Question 83 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 94. 251 Primeira Petição do Brasil, para. 177. 252 Vide Seção V. A. 253 Vide EC's Response to Question 83 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at paras. 93-94; EC’s First Oral Statement, at para. 137. 254 Primeira Petição do Brasil, para. 178. 255 EC's Response to Question 83 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 94. 256 Vide EC’s First Oral Statement, at para. 135 (citando o GATT Panel Report, EEC – Regulation on Imports of Parts and Components, at para. 5.18).

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autoridades governamentais contra outros sujeitos na ordem jurídica interna.”257 Aquele caso não

confirma isso. A passagem de EEC – Regulation on Imports of Parts and Components citada

pela CE (para. 5.18) simplesmente observa que o Artigo XX(d) cobre apenas leis e regulamentos

“que exigem imposição.” O que o painel estava dizendo era simplesmente que as leis e

regulamentos devem criar obrigações jurídicas para que tais leis e regulamentos se enquadrem no

âmbito do Artigo XX(d). Não há absolutamente nenhuma menção ou sugestão de que apenas

obrigações que recaem sobre indivíduos, em oposição ao Estado, são relevantes no âmbito

daquele dispositivo. As obrigações que recaem sobre o Estado ou seus agentes exigem imposição

tanto quanto as obrigações que recaem sobre indivíduos.

190. A interpretação do Artigo XX(d) pelo Órgão de Apelação em Mexico – Taxes on Soft

Drinks confirma que não há fundamento para a posição da CE.258 Em sua interpretação, o Órgão

de Apelação não fez qualquer distinção entre leis e regulamentos que precisam ser impostas em

relação a “indivíduos” (pessoas naturais ou jurídicas), em oposição a “governos.” O Órgão de

Apelação explicou que:

[O]s termos "leis ou regulamentos" abarcam regras que formam parte do sistema jurídico interno de um Membro da OMC, incluindo regras derivadas de acordos internacionais que tenham sido incorporadas ao sistema jurídico interno de um Membro da OMC ou que tenham efeito direto de acordo com o sistema jurídico daquele Membro da OMC.259

191. Simplesmente não há fundamento, jurídico ou qualquer outro, para diferenciar entre leis e

regulamentos que regulam a conduta do Estado ou seus agentes, de um lado, e aqueles que

regulam a conduta de indivíduos ou sujeitos do Estado, de outro lado. Também não há

fundamento para traçar uma distinção baseada na frase “assegurar o cumprimento,” como a CE

agora tenta fazer.260 Aceitar tal interpretação restringiria de forma inadmissível o escopo do

Artigo XX(d), de uma forma jamais pretendida pelos Membros.

257 EC’s First Oral Statement, at para. 135. 258 Appellate Body Report, Mexico – Taxes on Soft Drinks, para. 79. 259 Appellate Body Report, Mexico – Taxes on Soft Drinks, para. 79. 260 EC's Response to Question 83 of the Panel following the First Substantive Meeting of the Parties, at para. 94.

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192. Finalmente, o Brasil também demonstrou—e a CE não contestou—que a isenção dos

países do Mercosul da proibição de importações e das multas anti-circunvenção é aplicada de

uma maneira compatível com o caput do Artigo XX.261 A isenção que o Brasil adotou foi

limitada ao que era estritamente necessário para cumprir suas obrigações no âmbito do Mercosul

e a decisão do Tribunal Ad Hoc do Mercosul.262

C. O Brasil está trabalhando em conjunto com seus parceiros do Mercosul para implementar uma política comum de resíduos que permitiria ao Brasil manter uma aplicação erga omnes da proibição de importações

193. A meta do Brasil é eliminar a isenção do Mercosul. Atualmente, o Brasil tem uma

obrigação jurídica de cumprir a decisão do tribunal. No entanto, está trabalhando ativamente em

conjunto com seus parceiros do Mercosul para implementar uma política comum de resíduos e

espera poder brevemente proibir importações de pneus reformados de outros países do Mercosul.

194. O Brasil e a Argentina levantaram primeiro a questão do gerenciamento de resíduos, e

especificamente importações de pneus usados, durante a Reunião de Ministros do Meio

Ambiente de 2004, em Brasília, argumentando que os membros do Mercosul deveriam

harmonizar seus regulamentos e proibir tais importações.263 Durante a reunião seguinte, em 2005

em Assunção, os Ministros aprovaram a criação de um grupo de trabalho para preparar a Política

do Mercosul sobre Gerenciamento Ambiental de Resíduos e Responsabilidade Pós-Consumo.264

Os Ministros aprovaram uma versão inicial do acordo sobre a política de resíduos durante a

reunião de março de 2006 em Curitiba. O acordo designa pneus usados como resíduos especiais,

reconhecendo os princípios da não-geração, e estabelecendo como um de seus objetivos o

“[desencorajamento da] entrada na região de resíduos e produtos de terceiros países que

261 Vide Primeira Petição do Brasil, paras. 182-185. 262 Vide Primeira Petição do Brasil, para. 184. 263 Vide Minutes of the Second Meeting of Environmental Ministers of Mercosul in Brasília, 8 November 2004, at 2 (Exhibit BRA-153). 264 Minutes of the Third Meeting of Environmental Ministers of Mercosul in Asuncion, 30 June 2005, at Section 3 (Exhibit BRA-154).

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impliquem um problema ambiental.”265 O Acordo estará pronto para implementação quando for

submetido ao Conselho do Mercado Comum (principal órgão do Mercosul) no final de 2006.

VI. O BRASIL DEMONSTROU QUE AS NORMAS ESTADUAIS, NA MEDIDA EM QUE TENHAM EFEITO, NÃO SÃO INCOMPATÍVEIS COM A OMC

195. O Brasil demonstrou que as medidas estaduais questionadas não são incompatíveis com o

Artigo III:4 do GATT porque os dispositivos relacionados à importação nessas medidas são

superados pela lei federal e não têm efeito.

196. A CE argumenta que as medidas estaduais são independentes da proibição federal de

importações, e que se a proibição federal fosse revogada, as medidas estaduais “continuariam a

restringir o comércio dos pneus reformados importados no Rio Grande do Sul.”266 Isso não é

verdade.

197. Como o Brasil explicou em suas Respostas às Perguntas 61 e 62 do Painel, na medida em

que as medidas estaduais pretendem regulamentar o comércio interestadual ou internacional, elas

não têm efeitos jurídicos. No Brasil, o governo federal tem jurisdição exclusiva nessas áreas e os

estados são constitucionalmente proibidos de transgredi-la. O efeito prático disso é que apenas o

governo federal (através do Departamento de Operações de Comércio Exterior, “DECEX”) pode

conceder licenças de importação, e aplicará a lei federal—e não a estadual—para determinar se

uma autorização deveria ser apropriadamente concedida.267 Portanto, se a proibição federal

continuar em vigor, as leis do Rio Grande do Sul não poderiam permitir importações.

Inversamente, se a proibição federal fosse revogada, o estado não poderia banir as importações.

198. O Brasil observa ainda que, em julho de 2006, a Casa Civil da Presidência da República

publicou uma Nota Técnica dando ciência ao Advogado-Geral da União de que as normas

265 Draft Decision: Agreement on the Mercosul Policy for Environmental Management of Special Universal Wastes and Post Consumer Responsibility, included as Annex IV to Minutes of the First Extraordinary Meeting of Environmental Ministers of Mercosul in Curitiba, 29 March 2006 (Exhibit BRA-155). 266 EC’s First Oral Statement, at para. 109. 267 Vide Resposta do Brasil à Pergunta 56 do Painel após a Primeira Audiência.

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estaduais violam dispositivos da Constituição brasileira e recomendando-lhe que interpusesse

uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. O Brasil anexa a Nota a esta petição.268

VII. CONCLUSÃO

199. Pelas razões expostas acima, o Brasil novamente requer, respeitosamente, que o Painel

decida que:

(i) A proibição das importações de pneus reformados pelo Brasil (contida na Portaria

No. 14 de 17 de novembro de 2004) justifica-se pelo Artigo XX(b) do GATT,

pois é medida necessária para proteger a saúde e vida humana, animal e vegetal;

(ii) As multas anti-circunvenção (aplicadas de acordo com o Decreto 3.919 de 14 de

setembro de 2001) são justificadas pelo Artigo XX(b) e (d) do GATT, pois são

medidas de imposição acessórias à proibição de importações;

(iii) A isenção limitada aos países do Mercosul do banimento das importações pelo

Brasil (tornada efetiva através da Portaria No. 14 de 17 de novembro de 2004) é

autorizada pelo Artigo XXIV, pois foi adotada de acordo com as obrigações do

Brasil no âmbito do Mercosul – uma união aduaneira que é compatível com o

Artigo XXIV;

(iv) A isenção limitada aos países do Mercosul do banimento das importações é

também justificada pelo Artigo XX(d), pois é necessária para assegurar o

cumprimento das obrigações do Brasil no âmbito do Mercosul, que por sua vez

não é incompatível com o GATT; e

(v) As medida estaduais do Rio Grande do Sul (Lei No. 12.114 de 5 de julho de

2004) são justificadas pelo Artigo XX(b) do GATT 1994 porque são medidas

necessárias para proteger a saúde e vida humana, animal e vegetal. De qualquer

forma, uma vez que as medidas estaduais não têm qualquer efeito jurídico

268 Office of the Chief of Staff to the President, Official Letter SAJ No. /05-, 26 June 2006 (Exhibit BRA-156).

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independente, não é necessário que o Painel chegue a uma conclusão

independente sobre essas medidas.

200. Dessa forma, o Painel deve rejeitar todas as alegações aduzidas pela CE em sua Primeira

Petição de 27 de abril de 2006.

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Lista de Anexos

Exhibit BRA-108 European Environment Agency, Waste from Road Vehicles (2001)

Exhibit BRA-109 Francisco Chiaravalloti Neto, Ph.D., Descrição da Colonização de Aedes Aegypti na Região de São José do Rio Preto, São Paulo, Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Volume 30, No. 4 (1997)

Exhibit BRA-110 Maria de Fátima Domingos, Ecological Aspects of Aedes Aegypti (Linnaeus) in Santos, São Paulo State, Brazil (2005) (doctoral thesis, University of São Paulo)

Exhibit BRA-111 Edilson C Cristóvão et al., Aedes Albopictus Em Ilhas Fluviais do Rio Paraná e Implicações na Transmissão de Febre Amarela, Revista de Patologia Tropical, Volume 34 (2005)

Exhibit BRA-112 Nildimar Alves Honório e Ricardo Lourenço-de-Oliveira, Frequency of Aedes Aegypti and Aedes Albopictus Larvae and Pupae in Traps, Brazil, Revista de Saúde Pública, Volume 35, No. 4 (2001)

Exhibit BRA-113 João A. C. Zequi, Imaturos de Culicidae (Diptera) Encontrados em recipientes instalados em mata residual no munícipio de Londrina, Paraná, Brasil, Revista Brasiliera de Zoologia, Volume 22, No. 3 (2005)

Exhibit BRA-114 José Lopes, Departamento de Biologia Animal e Vegetal da Universidade Estadual de Londrina (Mosquito (Diptera: Culicidae) Ecology of Natural and Artificial Rural Breeding Places in Northern Parana, Brazil. V. Larvae Captured in Artificial Reservoirs Installed in Ciliary Forest, Revista de Saúde Pública, Volume 31, No. 4 (1997)

Exhibit BRA-115 Joaquim A. Ferreira Neto et al., First observations on Aedes albopictus in the State of Espírito Santo, Brasil, Cadernos de Saúde Pública, Volume 3, No. 1 (1987)

Exhibit BRA-116 Strange Invaders, Penn State Agriculture Magazine, Fall 2003

Exhibit BRA-117 Wisconsin Department of Health and Family Services, Breeding Habitat Source Reduction (2003)

Exhibit BRA-118 S. Malard et al., Institut National de Recherche et de Sécurité (France), La Dengue: un Problème de Santé Publique Lié à des Activités Professionnelles, Dossier Médico-Technique, Documents pour le Médecin du Travail (2003)

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Exhibit BRA-119 Biting Back, Environmental Health Practitioner, December 2004

Exhibit BRA-120 M. Kobayashi et al., Analysis of Northern Distribution of Aedes albopictus (Diptera culidae) in Japan by Geographical Information System, Journal of Medical Entomology, Volume 39, No. 1 (2002)

Exhibit BRA-121 Chester G. Moore & Carl J. Mitchell, Aedes albopictus in the United States: Ten-Year Presence and Public Health Implications, Emerging Infectious Diseases, Volume 3, No. 1 (1997)

Exhibit BRA-122 Environmental Health Committee of Quebec, Canada, Les Pneus hors d'Usage et le Risque de Transmission de Maladies Infectieuses par les Moustiques (2003)

Exhibit BRA-123 Martin Kemp, The Hidden Cost of Waste Disposal, Telegraph, 15 January 2006

Exhibit BRA-124 County of Santa Barbara, Solid Waste Facilities, Material Prices (2006)

Exhibit BRA-125 John Serumgard, Internalization of Scrap Tire Management Costs: A Review of the North American Experience, in Proceedings of the Second Joint Workshop of the Secretariat of the United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD) and the International Rubber Study Group on Rubber and the Environment (1998)

Exhibit BRA-126 European Tyre & Rubber Manufacturers’ Association, End-of-life Tyres: A Valuable Resource with a Wealth of Potential (2006)

Exhibit BRA-127 European Environment Agency, Paving the Way for EU Enlargement 27 (2002)

Exhibit BRA-128 FLTA Fights EU Directive Schedule, Connecting Industry, 11 December 2003

Exhibit BRA-129 UK: Clamping Down On Illegal Tyre Dumping, Newsletter of the European Environmental Press, 4 September 2002

Exhibit BRA-130 Kathleen Cannon, Where Mosquitoes And Tires Breed, New York Times, 8 July 2001

Exhibit BRA-131 Human Resources and Social Development Canada, Rubber Industry (circa 1999)

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Exhibit BRA-132 See Jonathan M. Horner, Southlands College, Roehampton Institute London, Environmental Health Implications of Heavy Metal Pollution from Car Tyres, Reviews on Environmental Health, Volume 11, No. 4 (1996)

Exhibit BRA-133 MWH New Zealand Ltd, End-of-Life Tyre Management: Storage Options, Final Report for the Ministry for the Environment (2004)

Exhibit BRA-134 Institut de Recherche pour le Développement, Le Tour du Monde d'un Moustique, Sciences Au Sud, No. 34 (2006)

Exhibit BRA-135 Ministère de l’écologie et du développement durable (France), Réglementation de la collecte et de l’élimination des pneumatiques usages, 10 November 2005

Exhibit BRA-136 The Environment Council, Stockpile Working Group, Seeking Solutions for Waste Tyres: Informing the Environment Agency’s Waste Tyres Program – Tyre Stockpile Paper (2004)

Exhibit BRA-137 Massachusetts Department of Environmental Protection, Fact Sheet - Best Management Practices for Automotive Recyclers: Waste Tyres (2006)

Exhibit BRA-138 G. Paolo Giuliani, BLIC, Management of End-of-Life Tyres: The Point of View of Tyre Manufacturers, Fourth Joint Workshop of the Secretariat of UNCTAD (2000)

Exhibit BRA-139 Laurent Simon & Thierry C. Pauchant, Developing the Three Levels of Learning in Crisis Management: A Case Study of Hagersville Tire Fire, Review of Business, Fall 2000

Exhibit BRA-140 Environmental Protection Agency (US), A Science Advisory Board Report: A Second Look at Dioxin (1995)

Exhibit BRA-141 Public Comments submitted by Neil J. Carman, Ph.D. on behalf of the West Valley Citizen’s Air Watch on Resolution 97-425 to Authorize Tire-Derived Fuel Use in Cement Kilns and Utility Boilers for Energy Recovery, submitted on 22 October 1997 to the California Integrated Waste Management Board

Exhibit BRA-142 Letter from Neil J. Carman, Ph.D., to Richard Toshiyuki Drury, Citizens for Better Environment, Re: Proposed Permit No. 1003026(J) to Burn Tire Derived Fuel; California Portland Cement Company, 14 November 1995

Exhibit BRA-143 Svensk Däckåtervinning AB, SDAB in English (last viewed 2006)

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Exhibit BRA-144 CalRecovery, Inc., Evaluation of Waste Tire Devulcanization Technologies (2004)

Exhibit BRA-145 Chartered Institute of Environmental Health (UK), Emerging Mosquito-Borne Diseases (2005)

Exhibit BRA-146 Expert Report of Plinio M. Nastari, M.Sc., Ph.D., July 2006

Exhibit BRA-147 Disputa Milionaria, Revista da Indústria, March 2006

Exhibit BRA-148 Technical Note No. 25/DIGES/SVS/2006 of Ministry of Health

Exhibit BRA-149 World Health Organization, Better Environmental Management for Control of Dengue (circa 2006)

Exhibit BRA-150 Demarest & Almeida Advogados, Tables for Searching Legal Actions Judged in 2006

Exhibit BRA-151 Demarest & Almeida Advogados, Analysis and Comments About a Judicial Action Involving the Company “BS Colway” (2006)

Exhibit BRA-152 Law No. 8,437 of 30 June 1992

Exhibit BRA-153 See Minutes of the Second Meeting of Environmental Ministers of Mercosul in Brasília, 8 November 2004

Exhibit BRA-154 Minutes of the Third Meeting of Environmental Ministers of Mercosul in Asuncion, 30 June 2005

Exhibit BRA-155 Draft Decision: Agreement on the Mercosul Policy for Environmental Management of Special Universal Wastes and Post Consumer Responsibility, 29 March 2006

Exhibit BRA-156 Office of the Chief of Staff to the President, Official Letter SAJ No. /05-, 26 June 2006