Versão corrigida-Tese Dami

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  • FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE

    e melodia de msicas populares paraguaias

    - UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE LETRAS CLSSICAS E VERNCULAS

    DAMI GLADES MAIDANA BAZ

    As relaes entre entoao frasal

    melodia de msicas populares paraguaias

    VERSO CORRIGIDA

    SO PAULO

    2011

    i

    FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    LETRAS CLSSICAS E VERNCULAS

    melodia de msicas populares paraguaias

  • ii

    Dami Glades Maidana Baz

    As relaes entre entoao frasal

    e melodia de msicas populares paraguaias

    Tese apresentada ao Departamento de Letras Clssicas e Vernculas da Faculdade de Filosofia Letras e cincias Humanas da Universidade de So Paulo como requisito para obteno do ttulo de Doutora em Filologia e Lngua Portuguesa. rea de concentrao: Filologia e Lngua Portuguesa.

    VERSO CORRIGIDA

    De acordo:____________________________

    Orientador: Prof. Dr. Waldemar Ferreira Netto

    SO PAULO

    2011

  • iii

    FICHA CATALOGRFICA Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

    Catalogao da Publicao Servio da Biblioteca e Documentao

    Faculdade de Filosofia Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo

    Baz, Dami Glades Maidana. As relaes entre entoao frasal e melodia de msicas populares paraguaias / Dami Glades Maidana Baz; Orientador Waldemar Ferreira Netto. -So Paulo, 2011. 160f. :Il.

    Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia Letras e cincias Humanas da Universidade de So Paulo. Departamento de Letras Clssicas e Vernculas. rea de concentrao: Filologia e Lngua Portuguesa.

    1. Entoao. 2. Prosdia. Guarani jopar. 4. Msica Paraguaia.5. Lnguas em Contato I. Ttulo. II. Netto,Waldemar Ferreira. CDD

  • iv

    FOLHA DE APROVAO

    Dami Glades Maidana Baz As relaes entre entoao frasal e melodia de msicas populares paraguaias

    Tese apresentada Faculdade de Filosofia Letras e cincias Humanas da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutor em Letras.

    Aprovado em:

    Banca Examinadora Prof. Dr. :______________________________________________________________

    Instituio:_____________________________________________________________

    Assinatura: ____________________________________________________________

    Prof. Dr. :______________________________________________________________

    Instituio:_____________________________________________________________

    Assinatura: ____________________________________________________________

    Prof. Dr. :______________________________________________________________

    Instituio:_____________________________________________________________

    Assinatura: ____________________________________________________________

    Prof. Dr. :______________________________________________________________

    Instituio:_____________________________________________________________

    Assinatura: ____________________________________________________________

    Prof. Dr. :______________________________________________________________

    Instituio:_____________________________________________________________

    Assinatura: ____________________________________________________________

  • v

    Agradeo a Deus.

    minha me, Fidelina Baz, por cruzar a fronteira seca e rida do Paraguai-Brasil,

    oportunizando o meu caminhar.

    Ao meu orientador, pessoa de raro valor, pelo seu comprometimento e seriedade em orientar.

    Aos falantes e cantores paraguaios e indgenas que participaram das entrevistas em So Paulo,

    SP, de Dourados, MS, e de Pedro Juan Caballero, Paraguai.

    Rdio Mburukuy, de Pedro Juan Caballero, Paraguai.

    Aos mediadores de minha pesquisa de campo: Professora Marina Wenceslau, Sr. Florentin,

    Sr. Luiz, professora Cludia da escola indgena de Dourados, MS e meu padrinho Lucdio

    Cardoso.

    Aos familiares do Brasil, irmos Jos Antnio e Beatriz, cunhada ngela e sobrinhos:

    Danielle, Renan, Lucas, Yasmin e Maria Clara.

    Aos familiares do Paraguai, tio Silvio Vaez e famlia, tio Jos Vaez e famlia, tia Reina e

    famlia, primo Elgio e famlia.

    Aos amigos do Paraguai: Sr. Lcio e famlia.

    Aos meus professores de Teoria musical Evandro Higa e Nvea Abujamra Nasser.

    Aos amigos que me auxiliaram nesta trajetria: Isabel de Andrade Moliterno, Saulo Alves

    (cuchi morot), Elisabeth, Joana, Suely, Suzana, Rodrigo, J, Eduardo Cornachione, Silvanira,

    Paulo Nunes, Jlio Couto, Jlio Galharte, Elanir Frana, Paulo Leme, Ben, Suelen,

    Wanderlei, Grazielle Arantes Ribeiro e Bruno Ribeiro, Marlene Arantes, Ana Anglica, Maria

    Elisa, Dona Dia, minha madrinha Naurelina Cardoso, Dona Esther, Rosemary Ortega,

    Andreza e Rodrigo, Nazar.

    Aos amigos msicos: Alberto Batata, Vitor de So Jos, Pedro Ribeiro, Adriano Franco de

    Oliveira (Magoo) e Fernando Bola.

    Capes.

  • vi

    Dedico esta tese minha av,

    Francisca Vaez,

    minha inspirao.

  • vii

    RESUMO

    Esta tese busca averiguar as relaes entre entoao frasal no guarani e melodia de msicas populares paraguaias. Foram analisados falas e cantos de sujeitos do gnero masculino e feminino. Segue-se por base o modelo de anlise proposto por Ferreira Netto (2006), que analisou a prosdia da lngua portuguesa observando a frequncia fundamental como uma srie temporal. Os dados, colhidos por meio de pesquisa de campo, foram analisados com o uso do aplicativo ExProsodia. A anlise centrou-se nas finalizaes de canto e de fala guarani do Paraguai da sociedade paraguaia popular. Os resultados obtidos apontaram para finalizaes predominantemente plagais tanto na fala quanto no canto.

    Palavras-chave: Prosdia, Entoao, Lnguas em Contato; Guarani jopar, Msica paraguaia.

  • viii

    ABSTRACT

    This research aims at describing the relationship between the sentence intonation of the Paraguayan Guarani and the melody of Paraguayan popular songs. Ferreira Netto (2006) model of analysis was used. He analyzed the Portuguese prosody considering the fundamental Frequency as a temporal series. The data were collected through field research. Analysis and tabulation of data were conducted using the software ExProsodia. The analysis focused specifically the end of sentences of spoken Guarani and the melody of songs. The results pointed out that the end of the spoken sentences as well as songs were similar and mainly plagal.

    Key-words: Prosody, Intonation, Contact Language; Guarani jopar, Paraguayan songs.

  • ix

    ndice de Frases Falante 1 52

    Frase 001: Despacito y con buena letra jaha hese 52

    Frase 002 Aha araha uno quanto universitrio 53

    Frase 003 Nhande Brasilero kure pi 54

    Frase 004 Nde la mejor hina 55

    Frase 005 Ahama Argentina, ahama Uruguaipe, ahama en todo Brasil pero na cambiai Paraguai mbaetev

    56

    Falante 2 57

    Frase 006 cualquer cosa ro hecha ro japo hagu 57

    Frase 007 Ikatu jav no vamo tambin 58

    Frase 008 Ape ibarato ve amoi 59

    Frase 009 Ndai kuaai te hina 60

    Frase 010 Ha igusto la partido 61

    Falante 3 62

    Frase 011 Paraguay, Brasil onhorir hagu

    62

    Frase 012 Opyta solamente kunhakarai ha anciano mimi ha mit 63

    Frase 013 Onhemongueta ha oreuni quatro mil mita mimi 64

    Frase 014 Ha peango oparire la guerra praticamente el Paraguay opyta totalmente destruido oyta la Paraguay

    65

    Frase 015 Ha omonde chupe kuera como si fuera um persona adulto 66

    Falante 4 67

    Frase 016 Ore mitame 67

    Frase 017 Ore tio oro mombeu la historia la ocorreha ojecha pa lo mita omunha (lobison)

    68

    Frase 018 che abuelo omanoma ojapoma casi die anho 69

    Frase 019 Ha osapukai pui 70

    Frase 020 Opa la kuarusse upei rire 71

    Falante 5 72

    Frase 021 Anhemondui ha upea rupinte adipar 72

    Frase 022 E que neste momento heta vece aimea guar quarter pe la anhemmodyi akue

    73

    Frase 023 Ajegusta petei kunhare 74

  • x

    Frase 024 ahendu pe ruguasu ray ha mbaeicha ohande sei milha puerto pe este pe guardian oime jav

    75

    Frase 025 Nda hechai mbaeve la upepe Che anhemondui kuri 76

    Falante 6 76

    Frase 026 Iporante Dom Floriano ha Karai Jose 77

    Frase 027 Hiante ande neira ro josaludai ko nuevo ao 78

    Frase 028 Hae ou ar ciudad Conceicion pe 79

    Frase 029 Igualmente pe eme guar 80

    Frase 030 Ha upei ha ningo mbaevete gueterei no japoi 81

    Falante 7 82

    Frase 031 ni nha atentai atentai la che causori 82

    Frase 032 Ha entonce upei hi ora ta mante la cuatro 83

    Frase 033 Ha upei ou sei ndo ou sei 84

    Frase 034 Amombeuta petei kariay ovisitaro guare pe ichica 85

    Frase 035 Ha upei ohaaro petei cruzamiento 86

    Falante 8 87

    Frase 036 La principal cosa la nhande me la nhande membype hae la estudio

    87

    Frase 037 Ombaapo okapi calle pe 88

    Frase 038 Arovia nhandejara ha entero santo pe 89

    Frase 039 Ha entonce ojeroky pa rire 90

    Frase 040 Ha upepe isy ja onhenhotyma 91

    Falante 9 92

    Frase 041 Ahendu ne ko hina la pe kunhakarai anguete ojapoa hina la

    sidra

    92

    Frase 042 nda haei la upea 93

    Frase 043 Che areko 57 areko petei 17 94

    Frase 044 Aiko pe tape quince pe 95

    Frase 045 Porque igusto la iprograma 96

    Falante 10 97

    Frase 046 Ha ndaipori voingo la sabio no ijequivocaia 97

    Frase 047 ha che ko nda haei voi sbio 98

  • xi

    Frase 048 Pero nhande piko ja jesegui ar moda re modernore 99

    Frase 049 Pe modernizacion que nhande raha va pava 100

    Frase 050 Upea ko ja nhande raha tape vare 101

    Canto 1 102

    Frase 051 Mokoi guyrai oikova onheeva che roga cherere cada pytymby 102

    Frase 052 Kuatia mimi ijuru pe kuera upepe oity ha oveve jey 103

    Frase 053 Upeicha oiko heta aretema ha upei te veoi oikema che koty pe

    te

    104

    Frase 054 Guyrai mi mi inheekua ha ni mboraihu imboe py re 105

    Frase 055 Koro nda rairo ta ko ambuero ahama jaju japyt hagu 106

    Canto 2 107

    Frase 056 Petei pyharevpe re sengue okaaguy vi 108

    Frase 057 Che resa renonde te gui re se a kue re vev 109

    Frase 058 Nde rera ko che anhoe ko che aga roga ite gui 110

    Frase 059 Nde nhanh ahaesegui purahei pe amonhe 111

    Frase 060 Hae ta ndeve ipah, adio,adio Panambi 112

    Canto 3 113

    Frase 061 Amanota de quebranto yvyra mi jaula pe guaicha 113

    Frase 062 Porque nda rekoi consuelo mi linda paloma blanca 114

    Frase 063 Ayumiro ndo ro topai 115

    Frase 064 Aperdetema la esperana 116

    Frase 065 Ambuassy voi ro raihu rague ingrata paloma blanca 117

    Canto 4 118

    Frase 066 Che triguenha mi reke pukavy yvoty (...) ne anho petei 118

    Frase 067 Nderaihu porava oguahe nde roqueme mbarak pu pe nde

    mombau se mi

    119

    Frase 068 Erovasse ha Che yei ka sy nde pochyva chendive 120

    Frase 069 Nda sufri moai la nde porei ni la nde japo vai kue cherehe 121

    Frase 070 Che mbaeve (ou) paite pe ro salud 122

    Canto 5 122

    Frase 071 Heta avya rire 122

  • xii

    Frase 072 Guyra mi kaaru py 123

    Frase 073 Ou jey chendive 124

    Frase 074 Petei che poryme 125

    Frase 075 Koaga peina asype roime yey onhendive 126

    Canto 6 127

    Frase 076 Rohechagau che sy mi por/ pya tarova to nhandu che sy 127

    Frase 077Reikua angau pya tarova na Che monguevei ymaiteguiv 128

    Frase 078 Hia pa che pepo avave ha nde upepe aguah ronhandu che sy 129

    Frase 079Arekova inhongatugape amo nde anga ruguape Che sy nde mboraihumi

    130

    Frase 080 Ha upei kuarahy hataicha ohesapeva ha omimbi 131

    Canto 7 132

    Frase 081 Um tierno canto quiero brindarte 132

    Frase 082 Al recordarte mi santani 133

    Frase 083Donde he vivido siempre feliz 134

    Frase 084 Oime upepe kunha horyva ndai katuveima Che resarai 135

    Frase 085 Hei asyva pe ipurahei 136

    Canto 8 137

    Frase 086 Mombyguy che reta" 137

    Frase 087 Naiomoai ro haihuv 138

    Frase 088 Upe hante aikove nde renda peve vokoi ro rech 139

    Frase 089 ha Che reta Paraguai 140

    Frase 090 Che arovia nderehe 141

    Canto 9 142

    Frase 091 Ndai katuveima Aiko 142

    Frase 092 e nel oscuro silencio 143

    Frase 093 O pe che sentimiento 144

    Frase 094 Che jopyta Che kamba 145

    Frase 095 Marapiko e neste mundo ereko aicossev 146

    Canto 10 147

  • xiii

    Frase 096 Mombyrygui niko ay 147

    Frase 097 Ahendu gallo sapukai 148

    Frase 098 Ajaheota mante querida/ Che corazon ko no aguantai 149

    Frase 099 Adis lucerito Alba, adis lucero por 150

    Frase 100 Por que nde niko re pytama otro ite rembi gosar 151

  • xiv

    SUMRIO

    INTRODUO 16

    1. BASES TERICAS 20

    1.1 Alguns aspectos da entoao 20

    1.2 Msica e linguagem 21

    1.3 Msica ocidental x outras 23

    1.4 Melodia 23

    1.5 Harmonia 25

    1.6 Os intervalos de consoantes e dissonantes e a srie harmnica 25

    1.7 Tonalidade 27

    1.8 Modos autntico e plagal 27

    1.9. Cadncia 29

    1.10 Centro tonal 30

    2 A ORIGEM DO PARAGUAI

    32

    2.1 As influncias jesuticas 32

    2.2 A Formao do guarani do Paraguai 34

    2.3 O fortalecimento da lngua e da msica guarani paraguaia durante as

    guerras

    35

    2.4 Guarani jopar: uma lngua marginal 36

    2.5 A msica paraguaia 38

    2.6 As maneiras de cantar 41

    3 A PESQUISA DE CAMPO 44

    3.1 A pesquisa de campo em So Paulo SP 45

    3.2 A pesquisa de campo em Dourados MS 46

    3.3 A pesquisa de campo em Pedro Juan Caballero Paraguai 47

    3.4 A coleta de dados da fala e do canto femininos 47

    35.1 Descrio dos sujeitos 48

    3.5.1.1 Falantes do gnero masculino 48

  • xv

    3.5.1.2 Falantes do gnero feminino 48

    3.5.1.3 Canto do gnero masculino e feminino 49

    3.5.1.4 A metodologia 49

    4 AS ANLISES DAS FRASES 51

    Falante 1 52

    Falante 2 57

    Falante 3 62

    Falante 4 67

    Falante 5 72

    Falante 6 77

    Falante 7 82

    Falante 8 87

    Falante 9 92

    Falante 10 97

    Canto 1 102

    Canto 2 107

    Canto 3 112

    Canto 4 117

    Canto 5 122

    Canto 6 127

    Canto 7 132

    Canto 8 137

    Canto 9 142

    Canto 10 147

    5 CONSIDERAES FINAIS 155

    6 REFERNCIA BIBLIOGRFICA 156

    ANEXOS 160

  • 16

    INTRODUO

    Esta tese tem por finalidade averiguar as relaes entre a entoao na fala guarani e a

    melodia de msicas populares paraguaias cantadas em guarani, na sociedade popular. Este

    trabalho encaixa-se no projeto temtico ExProsodia, desenvolvido junto Universidade de

    So Paulo, tendo como objetivo usar um aplicativo homnimo que analisa automaticamente a

    entoao da fala (FERREIRA NETTO, 2008)1.

    Segue-se por base o modelo de anlise proposto por Ferreira Netto (2006), que analisa

    a prosdia da lngua portuguesa observando que a frequncia fundamental tida como uma

    srie temporal. A frequncia fundamental (F0), alm de ser uma sequncia de variaes

    temporais, subdivide-se em componentes. Um determinado ponto escolhido na srie temporal

    a soma dessas componentes que juntas contriburam para sua formao.

    Tendo em vista que a proposta desse grupo visa ao aprimoramento do aplicativo de

    anlise automtica da entoao, sob um vis interlingustico e intercultural, tem-se o interesse

    de desenvolver a investigao em torno da lngua guarani jopar nos mesmos moldes

    propostos2.

    Dessa maneira, o intuito geral desta pesquisa observar se as entoaes frasais dos

    falantes paraguaios podem ser caracterizadas e descritas com aspectos semelhantes anlise

    musical. E, mais precisamente, verificar se as finalizaes das entoaes na fala e na msica

    populares paraguaias em guarani so semelhantes entre si. No h pretenso de universalizar

    os dados, mas oferecer subsdios para a anlise lingustica, sob a perspectiva da sua prosdia,

    e para a anlise musical.

    A rotina ExProsodia um instrumento de anlise automtica da entoao e pauta-se na

    hiptese de que a entoao do portugus brasileiro (PB) pode ser decomposta em 5 tons. A

    rotina principia suas operaes estabelecendo a mdia geral das frequncias para os valores

    vlidos para os candidatos a pico silbico. Valores vlidos so definidos aprioristicamente,

    como:

    1 O aplicativo ExProsodia est registrado no INPI,pela Universidade de So Paulo,sob nmero 08992-2,conforme publicao no RPI 1974,em 04/11/2008. ExProsodia-Anlise automtica da entoao na Lngua Portuguesa (FERREIRA NETTO,2008,p.2 de 13). 2 Um dos motivos do interesse por este tipo de pesquisa est relacionado s origens da autora desta tese, que nasceu no Paraguai, em Pedro Juan Caballero, cidade que faz divisa com Ponta-Por, MS, e mudou-se aos quatro anos para a cidade de Dourados. Esta pesquisadora teve uma experincia profissional com a msica regional paraguaia, em guarani, o que ampliou sua sensibilidade com relao s nuances culturais ligadas ao Paraguai.

  • 17

    Limiar inferior de frequncia: 50 Hz. Opo do usurio.

    Limiar superior de frequncia: 350 Hz. Opo do usurio.

    Limiar inferior de durao: 4 frames ou 20 ms (1 frame = 5 ms). Opo do usurio

    Limiar superior de durao: 60 frames ou 300 ms (1 frame = 5 ms). Opo do usurio.

    Limiar de intensidade: 2000 RMS. Opo do usurio.

    Partindo do pressuposto de que a anlise da fala envolve muitos fundamentos

    musicais, ser necessrio utilizar a teoria que enfoque estes dois aspectos: a fala e a msica. O

    tipo de anlise proposto em Ferreira Netto (2006) ser seguido nesta pesquisa porque um

    modo alternativo de anlise, em que se prescinde de constituio hierrquica em prol de uma

    constituio de unidades prosdicas como elementos componentes de uma srie temporal.

    Em geral, as unidades prosdicas preconizadas tomam as variaes de frequncia

    como componentes, entendidas como ritmo tonal, direo tonal e acento de insistncia. O

    autor enuncia que, dentre as mais variadas possibilidades que se desenvolveram, o uso da

    linguagem parece ter priorizado a produo e a manipulao das ondas mecnicas. Assim,

    elementos como frequncia, amplitude, durao, repetio, superposio e outros acabam

    manipulados pelo homem com o intuito especial de chamar a ateno para fenmenos

    subjetivos.

    Segundo Ferreira Netto (2006), a prosdia emocional de frases caracteriza-se pela

    variao de tons abaixo de 1khz em pontos da frase, estabelecendo uma curva meldica bem

    definida que os ouvintes associam a diferentes estados emocionais. Do mesmo modo,

    fenmenos prosdicos menores, como durao voclica, intensidade e pausas, atuam como

    marcadores prosdicos capazes de expressar emoes. Trata-se, pois, de um fenmeno

    complexo que necessita ser avaliado como um grupo de manifestaes lingusticas cuja

    finalidade expressar algum estado emocional.

    A possibilidade de definio de uma coleo de tons cuja harmonia se estabelece a

    partir de um tom fundamental uma das caractersticas prprias da interpretao musical

    (SCHOENBERG, 2001). A sequncia meldica apresenta diferentes trajetrias, envolvendo

    afastamentos do tom fundamental e aproximaes. Assim, cria sempre a expectativa de que o

    ponto final de tal trajetria seja esse mesmo tom fundamental. Entretanto, a coleo de sons

    harmnicos estabelecidos a partir do fundamental no linear, isto , no se estabelece pela

    proximidade de frequncias. A exemplo disso, na fala, as variaes ultrapassam os limites

  • 18

    daquela variao aceita para a melodia; tais variaes no soam to afinadas, como na msica.

    Como se trata de um padro muito diverso daquele das interpretaes meldicas, na fala

    pode-se perceber variao mnima de at 0,1% do som que se produz (ROEDERER, 2002). A

    sensao auditiva, portanto, no ser agradvel, j que as frequncias estaro muito prximas.

    Essa proximidade harmnica ocorre pela adaptao mtua dos movimentos moleculares ao

    formarem as ondas sonoras (FERREIRA NETTO, 2006).

    Uma maneira de contornar o problema sobre as variaes na fala seria estabelecer uma

    escala em que as unidades sonoras se formem com bandas de 3 st (semitons) com uma

    tendncia central previamente definida. Esse limite de 3 st de variao tonal da fala foi

    proposto por T' Hart (1981) e adaptado por Ferreira Netto (2008) que apresenta, em seu

    trabalho, para ilustrar essas variaes, o grfico:

    Como se pode observar, o vrtice do tringulo assinala para um ponto mdio, no-

    marcado, que se estabelece na sequncia grave>agudo das frequncias da onda sonora. A

    componente F o tom-alvo da declinao pontual, que constituda por um intervalo ideal

    decrescente de 7 st do tom mdio (TM) alcanado at o momento Zt (FERREIRA NETTO;

    ROSA; CONSONI, 2008).

  • 19

    No que diz respeito entoao da fala, Ferreira Netto & Baz (2009), ao analisarem a

    entoao da fala espontnea guarani indgena com a entoao da leitura na lngua portuguesa,

    verificaram que as finalizaes ocorreram de forma semelhante.

    Neste trabalho, formula-se como hiptese central que a produo da msica e a da

    prosdia sujeitam-se a aspectos semelhantes entre si. Essa hiptese ser testada na anlise das

    finalizaes na entoao frasal tanto da fala quanto do canto.

    Esta Tese constitui-se de quatro partes essenciais.

    Na primeira seo, pretende-se estabelecer uma relao geral entre msica e

    linguagem; sero enfocados alguns aspectos da entoao da fala, bem como conceitos

    relevantes sobre a msica ocidental em contraste com outras.

    A segunda parte faz referncia formao histrica, lingustica e musical do Paraguai.

    A terceira seo descrever a maneira como se deu a pesquisa de campo, a coleta de

    dados, o estabelecimento do corpus para anlise, a descrio dos sujeitos e a metodologia

    usada para sua interpretao.

    A quarta parte envolve a aplicao prtica do modelo de anlise proposto por Ferreira

    Netto (2006). Sero apresentadas as anlises das frases cantadas e faladas e os resultados

    dessas anlises.

  • 20

    1. Bases Tericas

    1.1 Alguns aspectos da entoao

    O termo prosdia possui um grande nmero de conceitos e de unidades. No caso da

    lngua portuguesa, entende-se que ritmo, entoao e nfase sejam hipnimas de prosdia.

    Desse modo, devem ser compreendidos como fenmenos prosdicos distintos um do outro,

    necessrio considerar essa diferena para a compreenso da linguagem. A prosdia, por sua

    vez, interpretada como srie temporal, produto da coordenao de quatro componentes:

    declinao frasal, ritmo tonal, entoao e acento lexical (FERREIRA NETTO, 2006).

    Consoni (2010), em sua pesquisa, chama a ateno para o uso do termo prosdia, que

    muitas vezes utilizado indistintamente do termo entoao. A possvel confuso entre os

    termos parece estar relacionada dificuldade de definir o que seria a entoao, sendo que

    diversas definies do termo so encontradas. Assim, tal termo pode estar relacionado

    exclusivamente a variaes de frequncia fundamental, como pode tambm incluir variaes

    de outros parmetros prosdicos a exemplo da durao e da intensidade. Nesse ltimo caso, a

    definio est muito prxima da definio de prosdia.

    Troubetzkoy (1969) considerou a entoao como uma variao de tom ao longo da

    sentena. Para o autor, as lnguas europias no utilizam essa variao para diferenciar

    palavras; desse modo, a entoao teria um valor fonolgico diferenciador de sentenas. Esse

    valor seria descrito como variaes ascendentes e descendentes de tons. As variaes tonais

    significariam as funes conclusivas, de continuidade e enumerativa. As funes conclusivas

    e de continuidade estariam relacionadas s variaes tonais descendentes e ascendentes. A

    descrio da funo enumerativa no foi privilegiada pelo autor. Troubetzkoy (1969) props a

    existncia de um acento frasal, o qual seria usado para enfatizar uma palavra da sentena,

    completando-a com algum significado especfico.

    J, segundo Pike (1945), na entoao, todo som recebe uma variao de pitch, at um

    som isolado seria produzido por freqncias que constituiriam seu pitch. Para este lingusta,

    cada lngua apresentaria padres de variao de pitch de acordo com suas necessidades

    funcionais, no havendo, desse modo, uma lngua no mundo que fosse monotnica. As

    variaes nos padres de pitch estariam relacionadas com as mudanas na relao entre o

    falante e sua sentena, ou entre a sentena e seu contexto de produo. A proposta de Pike

  • 21

    (1945) sobre a entoao do ingls de que essa poderia ser dividida em 4 nveis de contraste:

    E (extra high), H (high), M (mid) e L (low).

    In English, four relative but significant levels (pitch phonemes) can be found which serve as the basic building blocks for intonation contours. These four levels may, for convenience, be labeled extra-high, high, mid, and low, and may be numbered from one to four beginning with the one which is extra-high; a fall from high to low would be a change from pitch level two to pitch level for. (PIKE, 1945, p. 25-26)

    Bolinger (1964), ao pesquisar a lngua inglesa e a espanhola, demonstrou a diferena

    da variao tonal entre elas, observando que o ingls possui trs tons: dois tons altos e um tom

    baixo, e no espanhol h a presena de dois tons: um tom alto (H) e um tom baixo (L).

    Entretanto, o autor chamou a ateno para fatos de entoao que, apesar de idnticos, no tm

    o mesmo sentido quando ocorrem em lnguas diferentes.

    Ferreira Netto (2008) sugeriu que a entoao fosse uma sequncia de tons produzidos

    pela voz, podendo ser decomposta em componentes estruturadores e semntico-funcionais. As

    componentes estruturadoras relacionam-se com o esforo que o falante realiza com o objetivo

    de sustentar a voz e, dessa forma, manter uma frequncia relativamente estvel. O autor

    define a repetio da frequncia relativamente estvel, nos momentos mensurados de f0,

    como o tom mdio ideal da fala (TM).

    1.2. Msica e linguagem

    A relao entre msica e fala j foi objeto de pesquisa de diversos autores e a

    discusso se a msica fora anterior ou posterior fala parece ter sido ponto central dos

    trabalhos.

    Levman (1992) aponta a similaridade dessas reas quanto sua natureza e funo.

    Ambas foram desenvolvidas juntamente com o processo evolutivo do ser humano, sendo que

    as vocalizaes produzidas tornavam-se indispensveis, uma vez que eram necessrias a

    sobrevivncia. O autor assevera que a primeira lngua ocorreu com a forma de msica e de

    fala.

    Segundo Levman (1992), a lngua estava mais prxima da msica e mais distante dos

    conceitos que abarcavam a fala. Posteriormente, com a descoberta da dupla articulao, a

    lingustica concebeu que as duas reas eram distintas, evoluindo, dessa maneira,

  • 22

    separadamente. Tais similaridades evidenciam-se nas diferentes disciplinas que dialogam com

    elas.

    Para Wallaschek (1891, p. 149, apud LEVMAN, 1992), a msica posterior

    lingustica, no sentido de que a motivao seria primeiramente rtmica e posteriormente viria

    a voz. A msica teve sua primeira manifestao atravs da dana e desenvolveu-se pelas

    sequncias formuladas dos sons. Isto geraria, posteriormente, a existncia das melodias.

    Os autores Aniruddh e Joseph (2003) observaram que a relao entre o sistema de

    percepo e o padro rtmico da linguagem j vm de uma longa data. Segundo eles, os

    compositores, como outros membros de suas culturas, interiorizam o padro rtmico da

    linguagem como parte da aprendizagem da fala de sua lngua materna.

    A explicao de Aniruddh e Joseph (2003) sugere que, quando os compositores

    escrevem msicas, os ritmos lingusticos esto em seus ouvidos, e eles podem,

    conscientemente ou inconscientemente, desenhar esses padres e fabricar a msica em ondas.

    Essa msica, por sua vez, recebe tambm influncia do repertrio musical que esses

    compositores ouviam em sua infncia. importante perceber na explicao a existncia de

    uma conexo obrigatria entre lingustica e ritmo musical. Eles compararam o ritmo das

    msicas instrumentais inglesas e francesas com os padres rtmicos lingusticos da fala desses

    mesmos grupos de falantes. Excluram, entretanto, as msicas cantadas porque entenderam

    que elas refletiriam, obviamente, o ritmo da fala.

    Antes de Aniruddh e Daniele (2003), o lingusta Hall j estudara a relao entre a

    msica Helgar e a entoao da fala britnica (HALL,1953). Para o autor, j no era surpresa a

    msica vocal influenciar a prosdia da fala. Essas msicas adaptam-se s propriedades dos

    padres rtmicos e meldicos do texto. Os padres da fala podem ser considerados como uma

    msica instrumental. Entretanto, essa comparao j fora controversa at ser sistematicamente

    testada. Isso se deve ausncia de mtodos para quantificar a prosdia e, desse modo, realizar

    a comparao entre a msica e a fala. Aniruddh e Joseph (2003) contribuem de forma

    significativa ao utilizar um padro de medida temporal na fala, o nPVI, que mede o nvel da

    diferena duracional entre os elementos sucessivos em uma sequncia. Foi desenvolvido para

    explorar as diferenas rtmicas entre as lnguas stress-timed, compactas, e syllable-timed. No

    caso da ltima, suas slabas so pronunciadas com certa clareza (ANIRUDDH e JOSEPH,

    2003).

  • 23

    Esta tese considera que a msica e a fala influenciam-se mutuamente. Entretanto, a

    discusso sobre a msica ser anterior ou posterior fala no ponto central deste trabalho,

    uma vez que a relevncia est na relao entre os campos musical e lingustico.

    3 Msica ocidental x outras

    No perodo clssico, em meados do sculo XVIII, a msica ocidental buscou, com mais

    intensidade, a unidade tonal, que passou a dominar todos os seus elementos (COMPTE,

    1977, p.242). Tais elementos sero apresentados a seguir, levando-se em considerao no s

    o vis ocidental, mas tambm o no ocidental.

    1.4 Melodia

    As nuances e as particularidades acerca da msica de diferentes sociedades j foram

    objeto de estudo de diversos autores, como E. M. Hornbostel (apud THOMSON, 1958, p. 41),

    que observa a incapacidade da sociedade ocidental de entender o funcionamento da msica

    no ocidental. possvel compreender que o autor esteja referindo-se msica de uma

    sociedade de tradio oral, pois o seu objeto de estudo compreendia a msica negra africana

    (African negro music).

    Segundo Hornbostel, os musiclogos da poca desaprovavam o conhecimento

    apreendido da msica desses povos a partir de estudos realizados com os prprios cantores

    nativos. O autor, de forma cuidadosa, mas no menos crtica, considerava que a relao entre

    melodia e harmonia dessas sociedades no corresponderia maneira ocidental. Portanto,

    analis-las sob esse vis traria arbitrariedades, impossibilitando uma compreenso mais

    apropriada. A melodia dessas sociedades seria concebida diferentemente, isto , sem

    considerar a harmonia tradicional.

    Com o suporte da etnomusicologia, a autora Mary Key (1963, p. 17), ao pesquisar os

    indgenas Siriono da Bolvia, observou a ausncia de instrumentos na msica desses povos. A

    melodia, segundo a sua anlise, no possua definio. A preciso no aspecto rtmico,

    entretanto, era muito presente.

    O conceito de melodia no mbito musical ocidental bastante amplo. Pode-se iniciar

    essa discusso pela etimologia. Bruno Kiefer afirma que a palavra mel-odia originada do

  • 24

    grego, que, por sua vez, derivada de melos e od. O significado de melos relativo

    sucesso meldica de sons e od significa canto (KIEFER, 1987, p. 49).

    Com o apoio da Fsica e da Psicofsica, Juan Roederer (2002) faz um estudo sobre a

    msica e define uma melodia como uma mensagem musical, uma sequncia ou superposio

    de notas individuais. A mensagem musical pode ser denominada como gestalt tonal caso seja

    significativa no sentido em que a ela sejam atribudos valores. Esses valores resultam de uma

    srie de operaes cerebrais de anlise, que so comparaes com mensagens previamente

    armazenadas, bem como associaes na memria.

    Segundo Roederer, alguns atributos da melodia so considerados elementos-chave na

    msica ocidental. A tonalidade, por exemplo, que o predomnio de uma certa nota na

    sequncia, responsvel pela sensao de retorno tnica, modulao e ritmo

    (ROEDERER, 2002, p. 23).

    Para Waldemar Ferreira Netto, a melodia seria um conjunto de tons utilizados em

    sequncia para a formao de uma unidade perceptualmente considerada como gestalt. Na

    msica ocidental, caracteriza-se pelo estabelecimento de limites finais bem marcados

    (FERREIRA NETTO, 2009).

    1.5 Harmonia

    A harmonia da msica ocidental est amparada na cincia dos acordes cujos sons

    combinam entre si, simultaneamente. Portanto, a melodia amparar-se- na harmonia dos

    acordes musicais. H os acordes consonantes, cujos intervalos entre as notas so agradveis

    ao ouvido, e os acordes dissonantes, em que o resultado soa desagradvel ao ouvido

    (COMPTE, 1977).

    Sob o vis da msica no ocidental, Kilza Setti mostra que, na msica indgena

    guarani Mby, por exemplo, a fora polarizadora dos ncleos tonais obedece a outras

    determinantes, pois as melodias e harmonias monocrdias caracterizam um ncleo tonal que

    descartam hierarquias de tom (SETTI, 1994/95).

    Roederer (2002, p. 22) afirma que, ao ouvir duas ou mais notas concomitantes, o

    crebro capaz de separ-las individualmente, dentro de certas limitaes. Desse modo, as

    sensaes novas, ainda que no to bem definidas, porm musicalmente importantes, so

  • 25

    originadas da conexo entre duas ou mais notas superpostas, o que leva coletivamente ao

    conceito de harmonia.

    Paula da Cunha Corra afirma que o termo harmonia, desde Homero a Aristxeno e os

    tericos alexandrinos da Grcia antiga, foi utilizado nas esferas de atividades da maonaria e

    da carpintaria. H pelo menos quatro sculos teve o sentido de "presilhas ou encaixes

    (CORRA, 2008, p.7). A autora aponta que pode existir uma aproximao de sentidos do

    termo harmonia com arma, uma palavra dlfica cujo significado unio, amor

    (CORRA, 2008, p. 23).

    Na esfera musical, atribuam-se s antigas escalas musicais o significado de harmonia,

    cuja denominao posterior veio a ser o sistema de escalas musicais. No incio as harmoniai

    musicais denominavam o conjunto de notas que se ouvia em uma determinada melodia, e

    mais tarde, as possibilidades tericas (CORRA, 2008, p.8).

    1.6 Os intervalos de consoantes e dissonantes e a srie harmnica

    O estudioso da teoria musical, Hugo Riemann (1943), ao tratar dos intervalos de

    consoantes, observa que esses intervalos consoantes soam para os nossos ouvidos como um

    unssono, uma oitava dobrada e uma quinta. O autor j relacionava o soar dos intervalos

    consoantes com a srie harmnica, uma vez que considerou a progresso de frequncias como

    originrias de um som fundamental.

    Riemann, ao tratar dos intervalos de consoantes e dissonantes, nota que a distino

    entre eles anterior poca da fixao dos fundamentos da teoria dos acordes, ou seja, j se

    distinguiam os intervalos de consoantes e dissonantes, antes de estabelecerem o conceito de

    harmonia. A palavra latina consonans significa junto, que soam juntos, e dissonans, que

    soam separadamente. As consoantes constituem-se de intervalos que se completam entre si

    at a oitava (RIEMANN, 1943, p.26)

    Entre os acordes, h os que podem ser denominados como dominante ou sensvel, pois

    se encontram exatamente sobre tais notas da escala. Tais acordes estabelecem pontos atrativos

    ou de tenso que devem ser resolvidos na tnica. A escala

    uma srie de sons ascendentes ou descendentes que procedem por graus, conjuntos, numa ordem determinada. H duas espcies de escalas: a diatnica e a cromtica. A escala diatnica procede por tons e semitons diatnicos. Isto , por

  • notas de nome diferente. Compreende de uma srdescendentes (COMPTE

    Schoenberg (2001) afirma que as consoantes so originadas dos primeiros harmnicos

    do som fundamental, ou seja, a proximidade entre eles que determinar o soar mais perfeito.

    Dessa maneira, os primeiros harmnicos so mais perceptveis do que outros, sen

    familiares ao ouvido e contribuindo

    so mais fracas e, portanto, menos perceptveis, dificilmente audveis. Dessa forma, soam aos

    ouvidos de maneira estranha, inusitada. O caso que o

    de serem analisados pelo ouvido, que desiste das tentativas de anlise precisa

    impresso sensorial como um todo captada.

    Para Schoenberg (2001), a energia do som

    pelos ouvintes. o universo sensorial que uma vez relacionado com o complexo total do som

    se relaciona igualmente com os harmnicos mais distantes.

    a nota d o ponto de partida, e, por

    alturas que ressoam como resultado das

    respectivos harmnicos.

    Exemplo da srie harmnica

    Segundo Roederer (2002, p.23), so as sensaes estticas de consonncia e

    dissonncia que descrevem o car

    notas. Desse modo, h uma necessidade de resoluo de acordes ou intervalos dissonantes.

    notas de nome diferente. Compreende de uma srie de 8 sons ascendentes ou COMPTE, 1977,p. 67).

    Schoenberg (2001) afirma que as consoantes so originadas dos primeiros harmnicos

    do som fundamental, ou seja, a proximidade entre eles que determinar o soar mais perfeito.

    Dessa maneira, os primeiros harmnicos so mais perceptveis do que outros, sen

    contribuindo ao fenmeno total do som. Ele observa que as dissonantes

    so mais fracas e, portanto, menos perceptveis, dificilmente audveis. Dessa forma, soam aos

    ouvidos de maneira estranha, inusitada. O caso que os sons mais distantes no so pa

    de serem analisados pelo ouvido, que desiste das tentativas de anlise precisa

    impresso sensorial como um todo captada.

    ara Schoenberg (2001), a energia do som, embora no esteja presente, percebida

    uvintes. o universo sensorial que uma vez relacionado com o complexo total do som

    relaciona igualmente com os harmnicos mais distantes. Observa-se, no quadro abaixo, que

    a nota d o ponto de partida, e, por isso, denominada como som fundamental. A

    alturas que ressoam como resultado das frequncias da escala harmnica sero os seus

    Exemplo da srie harmnica

    Segundo Roederer (2002, p.23), so as sensaes estticas de consonncia e

    dissonncia que descrevem o carter agradvel ou irritante de certas superposies de

    notas. Desse modo, h uma necessidade de resoluo de acordes ou intervalos dissonantes.

    26

    ie de 8 sons ascendentes ou

    Schoenberg (2001) afirma que as consoantes so originadas dos primeiros harmnicos

    do som fundamental, ou seja, a proximidade entre eles que determinar o soar mais perfeito.

    Dessa maneira, os primeiros harmnicos so mais perceptveis do que outros, sendo mais

    observa que as dissonantes

    so mais fracas e, portanto, menos perceptveis, dificilmente audveis. Dessa forma, soam aos

    mais distantes no so passveis

    de serem analisados pelo ouvido, que desiste das tentativas de anlise precisa; porm, a

    embora no esteja presente, percebida

    uvintes. o universo sensorial que uma vez relacionado com o complexo total do som

    se, no quadro abaixo, que

    nominada como som fundamental. Assim, as

    uncias da escala harmnica sero os seus

    Exemplo da srie harmnica

    Segundo Roederer (2002, p.23), so as sensaes estticas de consonncia e

    ter agradvel ou irritante de certas superposies de

    notas. Desse modo, h uma necessidade de resoluo de acordes ou intervalos dissonantes.

  • 27

    1.7 Tonalidade

    A tonalidade (ou tom) um conjunto dos sons constitutivos duma escala diatnica,

    ou seja, escala de sete notas, podendo ser maior ou menor (COMPTE, 1977, p.71).

    Segundo Schoenberg uma tonalidade expressa pela utilizao de todas as suas

    notas. Uma escala ou parte dela e certa disposio de acordes iro afirm-la com maior

    clareza. Tanto na msica clssica, quanto na popular, a mera alternncia entre I e V ser

    suficiente para que tal clareza ocorra (SCHOENBERG, 2004, p.29).

    Essa alternncia o passeio entre a tnica, primeira nota, e a nota dominante, quinta

    nota da escala. A esta alternncia atribui-se a sensao de o ouvido desejar que a melodia

    retorne tnica.

    1.8 Modos autntico e plagal

    Segundo observaes de Ferreira Netto (2010), na noo de modo autntico, a tnica

    estar nos extremos da escala. O conceito de modo plagal, que j fora debatido entre os

    gregos, foi retomado pelo terico renascentista italiano Gioseffo Zarlino. Uma das

    caractersticas do modo plagal que possui a tnica fora dos extremos da escala. Desse modo,

    a tnica encontrada no centro ou prximo dele. Uma msica em modo plagal caracteriza-se

    por ser uma variao em torno de um tom central. Ferreira Netto (2010) exemplifica,

    analisando duas msicas: um fandango paulista, retirado do livro de Rossini Tavares de Lima,

    Folclore de So Paulo, de 1954, e uma msica Kaiow, retirada do livro de Helza Camu,

    Introduo ao estudo da msica indgena brasileira, de 1977.

    As linhas dos grficos em vermelho indicam o tom mdio, (tom central) e as linhas

    azuis o desenho meldico (grficos citados de Ferreira Netto, 2010).

  • 28

    Fandango Paulista

    Msica guarani kaiow

    Note-se que a melodia do fandango se desenvolve praticamente toda acima do tom

    mdio e do centro tonal. O centro tonal, bem definido, um tom grave, no extremo baixo da

    escala, o que uma caracterstica da msica tonal e do modo autntico.

    A msica guarani no diferencia com clareza o tom mdio de um centro tonal

    qualquer. A melodia se desenvolve em torno desse tom mdio, e, por isso, est no modo

    plagal.

  • 29

    1.9 Cadncia

    Sob o vis da msica ocidental, o conceito da cadncia a concluso de uma frase

    harmnica, isto , de uma srie de acordes logicamente encadeados. H quatro espcies de

    cadncias: a cadncia completa, a cadncia imperfeita ou interrompida, a cadncia plagal e a

    perfeita (COMPTE, 1977).

    Quanto msica no ocidental, entretanto, os etnomusiclogos Longacre e Chenoweth

    (1986), ao observarem a presena da cadncia formal na Europa e em outras sociedades

    letradas, afirmam que, nas sociedades de tradio oral, as cadncias no so to claramente

    definidas. Dessa maneira, exemplificam o caso dos Marimberos da Guatemala, cujas

    finalizaes de seus cantos rituais ocorrem de forma divergente expectativa de um ouvinte

    desconhecedor do universo musical dessas sociedades. Percebe-se que espera de uma

    finalizao preparada, ou seja, da cadncia perfeita que resolve do V para o I, esse ouvinte

    frustra-se e pergunta-se quando e como a cano termina.

    As observaes de Andrade (1996) sobre os cantos indgenas dos Mby demonstram

    que as finalizaes e passagens dos cantos dessa sociedade podem soar bruscas e inesperadas,

    causando surpresa. Os cantos indgenas dos Mby, nas finalizaes, possuem uma

    descendncia meldica com caracterstica de dois em dois semitons. Tal ocorrncia, segundo

    ele, seria para produzir os glissandos, isto , a passagem de uma nota a outra.

    As finalizaes de msicas no ocidentais, em especial as da msica guarani indgena,

    parecem no buscar o retorno tnica. Desse modo, a cadncia plagal definida como

    finalizadora de frases extensas que possui menor clareza e menos poder de confirmao do

    que a cadncia autntica (SCHOENBERG, 2001, p. 428) parece ser a responsvel pelas

    finalizaes dos cantos dessas sociedades.

    A antroploga Deise Montardo (2002), ao pesquisar os indgenas guarani Kaiow e

    Nhandeva de MS, sugere que haja um sistema musical maior no sentido em que a msica se

    relaciona com espacialidade e cosmologia. Nos rituais sagrados, por intermdio da msica

    que eles percorrem o caminho que os leva s aldeias divinas. O mais interessante que a

    exegese que a autora obteve dos Kaiows e Nhandevas aponta para um movimento de subida

    nos caminhos os cantos e alguns discursos finalizam com a expresso: haaa.

  • 30

    1.10 Centro tonal

    Como observou Ferreira Netto, Gioseffo Zarlino, no sculo XVI, desenvolveu uma

    noo decisiva para a msica ocidental, o semitom. Por consequncia dele, ocorreu a insero

    da nota sensvel, o SI, na escala e, portanto, tambm na harmonia musical (FERREIRA

    NETTO, 2010). Zarlino mostrava a importncia desse semitom, a nota Si, na escala diatnica.

    O trtono um intervalo de trs tons, a exemplo dos intervalos das notas f/si. A nota si, que

    um semitom inserido na escala diatnica, forma o princpio harmnico da modulao. Desse

    modo, criou-se o trtono, para dentro de si mesmo. Zarlino procurou, de fato, estabelecer a

    escala a partir do intervalo de teras e no de quintas. A partir de Do (do, mi, sol), Sol (sol, si,

    r) e F (f, l, do) possvel montar toda a escala: do, re, mi, fa, sol, la, si e do, em que

    aparece o Si e, consequentemente, o trtono f-si que joga o tom de volta para si mesmo. Nos

    modelos anteriores, o que se encontrava era um trtono: o mi-si que levava o tom para a

    quinta, ou seja, o f.

    Segundo observaes de Ferreira Netto (2010), apesar de Zarlino (1571) no ter

    deixado evidente que a definio de uma sequncia de acordes D7>T, (G7>C, na figura)

    gerou a noo de centro tonal, todavia, essa criao acabou se tornando um divisor de guas

    da msica chamada ocidental em relao a todas as outras.

    WISNIK (2005) afirma que a nota sensvel gera uma harmonia/melodia recorrente,

    isto , circular. Dessa maneira, pode existir uma preparao acentuada para a modalizao,

    retornando ao prprio tom do preparo.

    J no universo indgena, conforme Kilza Setti, uma das nuances musicais do povo

    guarani o fato de a voz estar condicionada afinao nica da guitarra. O violo rasqueado

    num nico acorde bordo tenderia a limitar o mbito de sua linha meldica. A funo do

    violo (mbarak guass) atua como determinante e cerceador da voz, porm, desempenhando

    um outro papel fundamentalmente rtmico. Simultaneamente, o clima tonal mantido,

    tornando-se um instrumento com funo ambgua (SETTI, 1995, p. 93-94). Nesse caso,

    estaramos pensando em um modo plagal, em que o centro tonal se encontra no centro da

    escala e nas extremidades.

  • 31

    O centro tonal da teoria musical ocidental possui sons aparentados cuja relao

    muito estreita, proporcionando uma dependncia entre eles. Por exemplo, na relao das notas

    sol, d, f, Schoenberg observa que a nota sol depende de d na mesma direo em que d

    sofre a influncia de f (SCHOENBERG, 2001, p. 62).

    Para Schoenberg (2001), so esses parentes mais prximos que oferecem estabilidade

    ao som fundamental, criando a nfase na expectativa de retorno ao tom gerador de uma

    escala, fato marcante do final de uma melodia.

    O prximo captulo far referncia formao histrica, lingustica e musical do

    Paraguai.

  • 32

    2.0 A ORIGEM DO PARAGUAI

    2.1 As influncias jesuticas

    O Paraguai um pas cuja histria se relaciona s redues jesuticas e lgica de

    catequizao das populaes da regio platina (BAZ, 2006; HIGA, 2010). Os agrupamentos

    coordenados pela Companhia de Jesus foram chamados de redues. O intuito dos jesutas era

    reunir um grande nmero de ndios, vindos de diferentes grupos tnicos. Estes conviveram em

    um aldeamento nico como se fosse uma mesma etnia (BAZ, 2006). A lngua guarani era

    predominante no local e a comunicao dos ndios desaldeados ocorria em guarani. Isso

    acarretou uma espcie de processo de guaranizao3.

    O projeto colonial de reduo pretendia integrar os ndios a um novo sistema, um te

    pyahu, que seria tambm uma nova lngua (MELI, 1995, p.18). Desse modo, a grande

    maioria da populao paraguaia descendente desses povos cuja procedncia, portanto, vem

    dos aldeamentos indgenas, das redues jesuticas:

    Castellanizada de palabra, esta gente seguia tan guarani como antes en la palabra. Ahora traian un nombre espaol, haban dejado de ser ndios,pero hablaban en guarani. De esto modo un grupo considerable de indgenas, hablantes en guarani, se incorporaba a la masa de los paraguayos,con lo que cerraba un proceso que ya se haba iniciado con fuerza cuando muchos guaranes de las Misiones jesuticas, salido de sus pueblos, haban pasado a las ciudades de espaoles o se haban conchabado como peones en las estncias, como note en su lugar (MELI, 1992, p.166/168).

    As redues jesuticas, assim, tm fundamental importncia no processo de formao

    e aculturao musical e lingustica do Paraguai. A origem do estado jesutico do Paraguai,

    tambm conhecido como reino Teocrtico Jesutico-indgena junto ao Paran e ao Uruguai

    ocorreu em 1609 e obedeceu determinao de Felipe II para que os ndios fossem

    reduzidos pelos jesutas (CAMPESTRINI; GUIMARES, 1991, p.14).

    Entretanto, a converso dos indgenas ao cristianismo j ocorrera anteriormente como

    empreitada das ordens religiosas franciscanas, dominicanas e agostinhas. Elas

    desempenharam atividades missionrias antes que os jesutas viessem fundar as clebres

    3 Guaranizao denota aqui, de forma restrita, uma predominncia lingustica. Nas redues jesuticas, o guarani era falado por um maior nmero de ndios, sobrepondo-se ento s outras lnguas.

  • 33

    misses do Paraguai nos sculos XVII e XVIII (CHAUNU, 1979, p.36). As redues

    franciscanas, estabelecidas a partir de 1580, foram pioneiras no uso da lngua guarani como

    fenmeno relevante para a evangelizao dos ndios. A msica, a dana e o artesanato

    desses povos entre jesutas eram estimulados e, desse modo, a sua manuteno garantida

    (SZARAN, 1997, p.409).

    Posteriormente s ordens religiosas franciscanas, dominicanas e agostinhas, no

    transcorrer dos sculos XVII e XVIII, os jesutas desenvolveram um trabalho lingustico e

    etnolgico bastante aprofundado.

    Embora protegessem os indgenas, exerciam concomitantemente uma tirania. As

    peculiaridades musicais autctones eram colocadas em segundo plano e a msica da Igreja,

    soberana, exercia o papel de ser a ferramenta de controle cultural (HIGA, 2010, p.50).

    Portanto, com a vinda dos jesutas, no sculo XVII, as expresses culturais desses povos

    foram visivelmente ameaadas por rgidas normas de educao e prticas baseadas nos

    conceitos europeus vigentes (GUTIERREZ, 1987, p.39)

    Os jesutas submeteram os ndios ao conhecimento da msica ocidental, europeia no

    intuito de arrebanh-los e amans-los no grmio da Santa Madre Igreja. Introduziram, desse

    modo, o costume de cantar o louvor divino ou de tocar qualquer msica durante as missas

    (HIGA, 2010, p. 57). Nesse contexto, entre indgenas submetidos nova cultura jesutica,

    surgem msicos e fabricantes de instrumentos copiados do mundo ocidental:

    Em Japey: hoje, dia 25, veio ao nosso encontro, rio abaixo, o Padre Jos Seravia, da reduo Santa Cruz. Trouxe consigo vinte msicos, que tocavam msica sobre diversos tipos de instrumentos.(...) vive aqui em So Miguel um bugre de nome Incio Paica. msico distinto, sabe fabricar cornetas e toc-las, sabe fazer clarins ou trombetas de guerra; (...) aprendeu e exerce com louvor muitos outros ofcios (SEPP, 1972, p. 62).

    A msica ganhou importncia capital no processo evangelizador, alcanando nveis

    surpreendentes tanto na execuo do repertrio como na construo de instrumentos,

    chegando mesmo a produzir compositores ndios no sculo XVIII (HIGA, 2010, p.53).

    Os reverendos Padres e os senhores irmos Paulo e Gabriel Sepp perguntaro: se a nas redues cantas tantas missas solenes, ladainhas. Vsperas e missas, quem te compes os salmos, as ladainhas, os hinos,os ofertrios, quem as missas e os muitos motetes? E quem foi que ensinou a esses ndios a cantar, a tocar o rgo, a

  • 34

    tocar trompas, charamelase fagotes? (...) Foram os primeiros Padres Missionrios, nossos santos predecessores. (SEPP, 1972, p.73)

    2.2 A Formao do guarani do Paraguai

    A formao da lngua guarani do Paraguai resulta do contato entre lnguas muito

    diferentes: o espanhol e o guarani indgena. Este processo lingustico que ocorre entre lnguas

    em contato j fora observado por vrios lingustas, entre os quais se destaca Edward Sapir

    (1980, p.122), que considerava natural que lnguas faladas em uma vasta rea fossem

    multiplicadas dialetalmente resultando em mudanas inevitveis. Estas passam a se

    influenciar mutuamente.

    A lngua guarani do Paraguai proveniente do contato entre os jesutas e os indgenas

    guarani. Os jesutas, para garantir o xito da catequizao, comunicavam-se em guarani.

    Nota-se, portanto, a utilizao frequente de termos hispnicos nos escritos religiosos em

    guarani, datados do sculo XVIII, como nestes exemplos:

    Neipe cumpli que los mandamientos de la Ley de Dios,porque pecumpli ramo, pee condename a los infiernos. [Cumpram os mandamentos de Deus porque seno o cumpris os condenareis ao inferno] (Cardell 1758/1900, Declaracin de la verdad, Buenos Aires, em: B. Meli 1992:59 )

    Pai Nosso

    Tounde Reino y ore moaruki ume jep tentao pupe (Anchieta) Tour nd Reino y ore moar carum yepe tentao pup (Catecismo de

    Arajo) Tou ndereco marngatu orebe y eypotareme angaipa pipe ore

    (Bolaos) Do Sculo XVIII a traduo ao Guarani de La conquista Espiritual de A. Ruiz de Montoya apud Harald Thun percebe-se a palavra ano em espanhol:

    Aba reta y caray e haccue tup upe ynemboaguivje uca hague Pay de la comp. A de IHS poromboeramo ara cae P. Antnio Ruiz Icaray e ba mongetaipi hare oiquatia caray ne rupi ao 1733 pipe. Idibid.

  • 35

    O guarani do Paraguai pode ser denominado guarani jopar e suas caractersticas so

    hbridas, j que resulta de um processo de crioulizao4, como mostra este verso de uma

    msica tradicional do Paraguai, citada por Baz (2006, p.18):

    Amanota de quebranto yvyrami jaula pe guaicha.

    1p/ morrer/ vou de preocupao passarinho jaula como.

    Vou morrer de preocupao como passarinho enjaulado.

    Porque nda rekoi consuelo ingrata paloma blanca.

    Porque no tenho consolo ingrata pomba branca.

    (verso de msica tradicional do Paraguai; letra de Neneco Norton)

    O autor Meli (1992) considera que a lngua guarani se apresenta como til, adequada

    e necessria por caracterizar-se como uma lngua do cotidiano e realizada em ambientes

    domsticos. So caractersticas do guarani paraguaio os hispanismos presentes em seu lxico.

    Segundo Meli (1992), a variante jopar manifesta-se na fala concreta e d-se em um

    continuum de formas variantes e heterogneas, sendo caracterizada pela sua indefinio. O

    jopar uma variante que possui vitalidade e adaptao para ocupar o seu lugar no mundo

    moderno, pois transforma-se, perde certos recursos e apropria-se de outros. Entretanto, na

    conscincia social dos falantes, o jopar objeto de condenao e desvalorizao. Tal

    evidncia pode ser observada nas afirmaes de que eles no falam um guarani bem falado,

    atribuindo tal ineficincia aos emprstimos do espanhol.

    2.3 O fortalecimento da lngua e da msica guarani paraguaia durante as guerras

    Os dois conflitos internacionais A Guerra do Paraguai (1864 -1870) e a Guerra do

    Chaco (dcada de 1930) foram fundamentais para o reforo do nacionalismo (MELI 1992,

    p.172). Nessa poca, o guarani foi motivo de uma grande lealdade lingustica. O nacionalismo

    era comparado ao corao da nao, o smbolo do verdadeiro esprito do povo, a figura

    singular da nao (MELI 1992, p.176). O povo necessitava sentir-se unido contra os seus

    4 Crioulizao: processo de contato lingustico entre duas lnguas, resultando em uma outra lngua.

  • 36

    inimigos. Dessa maneira, a populao e o exrcito paraguaio comunicavam-se na lngua

    guarani.

    La guerra de 1864 a 1870 se nutri con la sonora armonia del idioma autoctono. [...] El drama hondo y terrible, la tragedia singular de aquella poca los sufri, as, el pueblo paraguayo,en guarani. Era la lengua en que lloraban las mujeres de la residenta y en la que odiaban y peleaban los varones de nuestra tierra (CENTURIN, 1947, p. 75).

    Pelo exrcito paraguaio a lngua guarani foi utilizada como uma arma fundamental a

    favor do pas. Os exrcitos inimigos, desconhecedores totalmente da lngua nativa, no

    compreendiam as informaes que eram veiculadas de forma estratgica entre os

    combatentes. Desse modo, aumentavam as chances de organizao militar e da prpria

    populao (BAZ, 2006, p.16).

    A msica igualmente cumpriu um papel crucial durante as guerras. A ela atribua-se a

    responsabilidade de manter os nimos das tropas. Desse modo, no perodo da guerra da

    trplice aliana (1865-1870), Francisco Solano Lpez mandava organizar bailes semanais em

    pleno campo de batalha (VERSEN, 1976, p.134).

    2.4 Guarani jopar: uma lngua marginal

    O interesse dos estrangeiros em implantar o uso do espanhol sempre esteve presente e

    as tentativas fracassadas no decorrer do tempo justificavam-se por no haver uma necessidade

    para a aquisio de uma segunda lngua. Entretanto, o contato sociocultural entre as diferentes

    culturas alteraram o quadro lingustico de monolinguismo guarani.

    Desse modo, o contato entre as sociedades envolvidas no ocorreu de forma pacfica.

    A poltica contra a lngua guarani ocorreu de forma intensa na poca do ps-guerra, guerra do

    Paraguai, (1864 -1870). As concepes ideolgicas da Argentina foram implantadas e o

    espanhol era um sinnimo de civilizao e de cultura enquanto a lngua guarani era o grande

    vilo responsvel pelo atraso do pas. Desse modo, as famlias passaram a rejeitar o guarani e

    o seu uso restringiu-se ao trato com os criados, sendo proibido nas escolas (MORNIGO,

    1990, p.180).

    Os estrangeiros preferiram atacar a lngua guarani, cujo lxico e a sintaxe divergiam

    do espanhol e das lnguas indo-europias. Um dos argumentos destes era que a lngua nativa

  • 37

    do Paraguai entorpecia a intelectualidade do povo. Assim, aos olhos europeus, matar o

    guarani seria a soluo. Eles, portanto, atacaram a fala, denegrindo-a, para impor o ensino da

    gramtica europia ao povo, para europeiz-los (BARRET, 1978).

    A lngua guarani sofria discriminao tambm por ser uma lngua indgena. Os

    professores do Paraguai, cujos estudos foram realizados na Argentina, possuam um profundo

    desprezo s lnguas indgenas. Tais idias se firmaram no Paraguai em 1887 com a vinda do

    poltico e educador Domingos Faustino Sarmiento. Posteriormente, em 1894, o ministro da

    educao Manuel Dominguez fortalece o rechao lngua guarani considerando-a inimiga do

    progresso cultural do Paraguai (MELI, 1992, p.170). Dessa maneira, naquele momento, a

    educao foi intensamente marcada pela presena do espanhol nas escolas.

    Se prohiba hablar em Ella, en horas de clase, el guarani, y a fin de hacer efectiva dicha prohibicin, se haban distribudo a los cuidadores o fiscales unos cuantos anillos de bronce que entregaban al primer que pillaban conversando em guarani. ste los traspasaba a outro que hubiera incurrido en la misma falta y as sucesivamente, durante toda la semana hasta el sbado en que se pedia la presentacin de dichos anillos, y cada uno de sus poseedores como incurso em el delito, llevaba el castigo de cuatro o cinco azotes (CENTURIN, 1894, in RUBIN 1974, p. 24).

    Outro motivo de vergonha relaciona-se histria lingustica do guarani paraguaio,

    cuja formao deriva da populao rural, os campesinados. no ambiente rural que esta

    evolui e revela-se de forma mais autntica, pois na oralidade do povo que esta se realiza

    (MELI,1992,p.181).

    Los habitantes de esta campaas hablan solamente el guarani [...] todos los paraguayos, varones y mujeres, hablan guaran y la maioria de las clases bajas no hablan outro idioma; sin embargo, el idioma oficial es el espanol y la gente de sociedad afecta despreciar el guarani (MELI, 1992,p.162).

    O guarani mantinha-se presente no cotidiano dos camponeses e manifestava-se

    livremente na poesia. A relao entre lngua e msica bem patente uma vez que as poesias

    originadas do guarani falado no meio rural tornar-se-iam as letras para msicas paraguaias

    (MELI, 1992, p.172).

    Sabe-se que o guarani jopar resulta do contato entre duas lnguas diversas. No

    entanto, o bilinguismo no deve ser confundido com a formao do guarani paraguaio: o uso

  • 38

    de duas lnguas no Paraguai uma caracterstica desse pas5. Desde 1992, a Constituio do

    Paraguai declara, no artigo 144, que so idiomas oficiais do Paraguai o espanhol e o guarani

    (MELI, 1995). O bilinguismo resulta da relao estreita entre uma lngua e a outra,

    buscando um dilogo entre os dois sistemas lingusticos. Uma sociedade pode considerar-se

    bilngue apesar da populao no ser completamente bilngue (MELI, 1995, p.124).

    Os resultados dos censos de 1950, 1962 e 1982 do Paraguai demonstraram que no

    campo, a porcentagem de monolngue guarani era de 60,25% havendo 31,21% paraguaios

    bilngues. Na zona urbana, entretanto, os monolngues guarani era de 14,50% e os bilngues

    70,82% (MELI, 1992, p.191).

    2.5 A msica paraguaia

    A pesquisa de HIGA (2010) sobre a msica paraguaia de grande relevncia, dada a

    inexistncia de estudos similares sobre os gneros musicais no Brasil, bem como a escassa

    bibliografia estrangeira. O pesquisador investigou as msicas de maior representatividade

    cultural no Mato Grosso do Sul. Nesse estado, a presena do povo paraguaio expressiva, por

    isso a cultura paraguaia faz parte do cenrio cultural. A polca-paraguaia, a guarnia e o

    chamam foram os gneros privilegiados na pesquisa de Higa.

    Segundo o musiclogo, a historiografia da msica paraguaia aponta que a polca-

    paraguaia surgiu no final do sculo XIX, com manifestao no ambiente rural, foi resultado

    da influncia da msica tradicional espanhola com as danas de salo de origem europia. A

    polka um dos gneros mais populares de dana de salo da Bohmia no sculo XIX. uma

    dana rpida cujo compasso 2/4 e construda em forma ternria (Dictionnaire

    encyclopdique de la musique,1988, p.502-II).

    A msica tradicional da Espanha emprestou, no aspecto rtmico, os compassos 3/4 e

    6/8 usados alternadamente e tambm a tcnica de rasgueo, que consiste numa tcnica de

    execuo do violo (e de vrios instrumentos de cordas dedilhadas), na qual o instrumentista

    desliza os dedos sobre as cordas rapidamente, como se fosse um leque se abrindo (HIGA,

    2010, p.117).

    5 Este trabalho, entretanto, no se atm a determinar os tipos e nveis de bilinguismo encontrados no Paraguai.

  • 39

    No Paraguai, a polka europia teve ampla aceitao nos sales burgueses do sculo

    XIX. Posteriormente, o termo polka foi adotado pelo povo paraguaio para denominar a sua

    prpria msica. Segundo Higa (2010, p.101), j em 1828, no Ensayo Histrico sobre la

    Revolucin paraguaya, de Rengger y Longchamp, existia uma msica popular acompanhada

    por guitarra6 mesclada s contradanas espanholas.

    El canto se acompaa com guitarra,[...] el tema de las canciones es, generalmente, desafortunado, los lamentos de un celoso, etc. Hay pocos cantos nacionales. La danza es pesada sin gracia. Se baila contradanzas espaolas,cuyas figuras o evoluciones son a veces agradables. Los msicos son los mismos que tocan en las Iglesias porque afuera de estos casi nadies sabe tocar decentemente. (SZARAN,1997, p.22 ).

    Nesse relato, observa-se que a prtica musical era proveniente dos missionrios

    jesutas e os msicos exerciam suas atividades tanto no ambiente profano como no religioso.

    preciso ressaltar que a lngua guarani desempenhou funo importante, uma vez que

    frequentemente foi utilizada na msica paraguaia. Os missionrios jesutas podem ser

    considerados os responsveis por dar espao lngua guarani (HIGA, 2010, p.133)

    Em contrapartida, a presena de instrumentos musicais europeus, bem como a

    ausncia daqueles de origem indgena na msica paraguaia demonstra que a influncia

    jesutica, de forma vigorosa, atuou no sentido de impor a cultura musical europia aos povos

    nativos do Paraguai.

    A origem do violo remete s guitarras mouriscas e s violas de arco medievais

    (HIGA, 2010, p.133). A harpa diatnica bastante representativa na msica paraguaia e foi

    introduzida pelos jesutas no perodo das Redues. Esta oriunda das antigas civilizaes

    mesopotmicas. Aps vrias transformaes, constituiu-se, nos sculos XVI e XVII em um

    instrumento diatnico com 7 a 24 cordas, sendo utilizada como acompanhamento do canto e,

    durante o perodo barroco, como baixo contnuo (HIGA, 2010, p.133).

    Outro instrumento trazido pelos imigrantes europeus o acordeon, instrumento

    aerfono de fole, inventado no sculo XIX (MICHELS, 1997, p.45). O contra-baixo, utilizado

    para a marcao rtmica de base ternria e reforo harmnico, integrou especialmente as

    orquestras tpicas e conjuntos folclricos mais requintados da poca. Posteriormente, foi

    substitudo pelo baixo eltrico (HIGA, 2010, p.138).

    6 A palavra guitarra significa violo.

  • 40

    No decorrer do tempo, as prticas musicais paraguaias se realizam atravs de bandas

    de msica e conjuntos folclricos nos quais os instrumentos como harpa, guitarras e,

    esporadicamente, violino e flauta transversa eram utilizados para compor o grupo. Nas

    ltimas dcadas do sculo XIX, surgiram as orquestras cujo repertrio era constitudo por

    valsas, polcas (provavelmente as europias), mazurkas e habaneras, schottish. Com a

    atividade de animar bailes, incorporaram mais violinos, contra-baixos, acorden, piano,

    bandonen, clarinetes, trompetes e at trombones (SZARAN,1997, p.349 )

    O msico paraguaio popular, de forma geral, identificava o nome de polca como um

    gnero europeu. Entretanto, ele considerava os tangos antigos, milongas e habaneras

    igualmente como polcas (HIGA, 2010, p.318). Toda essa influncia, ao longo do tempo,

    resultou na polca paraguaia.

    Lo que si es indudable, es que la Polca paraguaya, de cuyos Orgenes reales no podemos hacer nada ms que supociones, ya que el nombre no da por si solo ninguna pista concreta irrebatible, ha adquirido caractersticas propias y personalidad definida (CERRUTI, 1964, p.7).

    Amparado nos estudos de Tinhoro (1998), Higa (2010) analisa a introduo das

    danas europias no contexto brasileiro no sculo XIX e o comportamento da elite brasileira.

    As classes mdia e alta brasileira limitavam-se a consumir as modas importadas. Desse modo,

    as danas deveriam ser executadas de acordo com o padro europeu. Entretanto, as classes

    sociais mais baixas nacionalizaram esse conhecimento, no sentido de que as valsas e as

    mazurkas adquiriam outras nuances, sendo acrescidas do ritmo da senzala. Para Higa (2010,

    p.118), os msicos rurais do Paraguai vivenciaram semelhante processo e, dessa forma,

    transformaram a msica executada nos sales da elite do Paraguai, substituindo a roupa de

    festa pelo chapu de palha.

    Vuelve a repetirse aqui el proceso de traslacin de las formas musicales y coreogrficas a los estratos populares y rurales, pero son tantos los factores que inciden en la recreacin que nos encontramos frente a espcies que cambian totalmente las formas y guardan solamente el nombre, como el caso de la polca rural, que se diferencia totalmente de la que tuvo apogeo en los centros urbanos. (CERRUTI,1964, p.6).

  • 41

    No mbito da forma musical, a polca-paraguaia, a guarnia e o chamam possuem

    caractersticas singulares. A guarnia e o chamam no aspecto rtmico baseiam-se na polca-

    paraguaia (HIGA, 2010, p. 318).

    Na primeira metade do sculo XX, surgem a guarnia e o chamam. So gneros

    originados a partir das diferentes interpretaes que os msicos davam polca j formalmente

    estabelecida na tradio musical (HIGA, 2010). O gnero guarnia foi criado na dcada de 20

    pelo compositor Jos Asuncin Flores (1908-1972), segundo Ocampo (1980, p.29). O antigo

    purajhi asy, traduzido por canto triste, possui um andamento lento e um carter

    melanclico.

    A paternidade do chamam ainda alvo de disputa entre a Argentina e o Paraguai; a

    tnue fronteira cultural do Paraguai com o norte da Argentina provocou a substituio da

    harpa paraguaia pelo acordeon, que, ao acordeonizar a polca paraguaia, provocou

    mudanas meldicas e de andamento levando os argentinos a advogar a criao do gnero

    polka Correntina. O chamam seria uma derivao dessa polca Correntina. (HIGA, 2010,

    p.137).

    2.6 As maneiras de cantar

    O significado da palavra purahei cantar e se aplica s vrias formas de cantar do

    povo paraguaio. Da as expresses purahei asy (canto triste), purahei yoyvy, que significa

    canto em duplas, purahei kelee que seria o canto que exalta polticos e atos hericos

    (SZARAN, 1997, p. 396). H muitas composies realizadas nas formas de purahi do

    Paraguai.

    O purahei asy canto cujos temas so a nostalgia da famlia e os desenganos

    amorosos, retratando a realidade das pessoas humildes. Associa-se guarnia, criada por Jos

    Asuncin Flores dcada de 20.

    O purahei yoyvu um canto de origem rural cujas vozes dos cantores so empostadas

    e com vibratos em abundncia, em duos. Na execuo da msica, eles permanecem muito

    prximos, frente a frente um com o outro.

    Los cantores ubican frente a frente y a veces es suficiente que uno de ellos sepa bien la letra de la cancin; el que secunda va mirando el movimiento de los lbios

  • 42

    del companero y toma, aunque sea la ultima slaba del verso (OCAMPO, 1980, p.332).

    As vozes dos cantores so harmonizadas em quintas ou teras paralelas. Dessa

    maneira, a melodia principal seria a voz mais grave a segunda voz; por sua vez, desenvolve

    um registro agudo com voz de cabea ou falsete. Nos momentos de grande animao so

    emitidos sonoros gritos, os sapuca, cuja demonstrao de euforia e satisfao (CERRUTI,

    1964, p.139).

    Interessante a observao de Dario Gmez Serrato (apud HIGA, 2010, p.139) que

    atribui aos gritos vrios significados, sendo a forma da entoao o principal elemento para

    entender o significado de cada grito ou os diferentes estados de nimo do paraguaio. Os

    gritos, segundo Serrato, podem ser provocativos, invocativos, no sentido de chamar a si

    mesmos ou pedindo a presena de espritos para amedrontar os colegas com assombraes.

    Tambm podem ocorrer para demonstrar a satisfao em finalizar uma atividade.

    Quanto ao tom provocativo do grito, o autor afirma que: ya es la rubrica del desafio

    sin palabras ofensivas al rival, en el baile pueblerino entre ruedas de mujeres y entre zancadas

    sigzagueantes y al trmino de las elecciones em las que gan el candidato de su predileccin

    (SERRATO, s/d, apud HIGA, 2010, p. 139)

    Segundo Serrato (s/d apud HIGA, 2010, p.139), o grito piiipu, tpico do ambiente

    rural, reconhecido pelos camponeses por intermdio da inflexo da voz, da extenso, da

    entoao. So tais caractersticas que definiro o estado de nimo do emissor.

    O purahei kelee so canes antigas, cujos temas so patriticos e de exaltao de

    feitos hericos. As composies de Carlos Miguel Jimnez e Toledo ez designado Bajo

    el manto del ceibo um exemplo de purahei kelee. Esta cano foi dedicada ao Presidente

    Federco Chvez. Entretanto, aps a queda de seu governo, as gravaes posteriores omitiram

    as referncias ao homenageado. A cano Mariscal Estigarribia uma polca dedicada ao

    marechal (OCAMPO, 1980, p. 38).

    Sero destacadas a seguir as caractersticas relacionadas ao trs gneros estudados por

    Higa:a guarnia, o chamam e a polca. A guarnia, quanto ao andamento, geralmente mais

    lenta que a polca, e o chamam, por sua vez, tem o andamento mais moderado que a polca.

    Gimenez (apud HIGA, 2010) afirma que a msica distribuda em duas partes, parte

    A e parte B. Na parte A, possvel encontrar melodias construdas em modo menor e, na

    segunda, a parte B, em modo maior. Segundo Higa (2010, p. 190), no total de 30 msicas por

  • 43

    ele analisadas foi encontrada uma porcentagem de 37% de guarnias, cuja melodia se

    apresenta em modo menor na parte A e parte B no modo maior. A porcentagem de 12,5%

    com a parte A em modo menor e incio da parte B com relativo menor. As melodias dos

    chamams analisados apresentaram a construo meldica 50% no modo maior e 50% no

    modo menor.

    Quanto aos encadeamentos harmnicos, as polcas paraguaias utilizam as dominantes

    secundrias; seria a dominante da dominante, ou seja, se a primeira nota for d, o seu quinto

    grau ser sol e o quinto grau de sol ser r. Os chamams apresentam-se com a porcentagem

    de 75% de dominantes secundrias. As guarnias apresentam encadeamentos harmnicos do

    II grau menor, V e I e dominantes secundrias.

    O prximo captulo descreve a maneira como se deu a pesquisa de campo, a coleta de

    dados, o estabelecimento do corpus para anlise, a descrio dos sujeitos e a metodologia

    usada para sua interpretao.

  • 44

    3.0 A PESQUISA DE CAMPO

    As pesquisas de campo ocorreram nos meses de julho de 2008, de julho a dezembro de

    2009 e setembro de 2010, nas cidades brasileiras de So Paulo, SP, e Dourados, MS, bem

    como na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero. Vrias gravaes foram realizadas, tanto

    de programas de rdio como de conversas espontneas, at que fosse selecionado e definido o

    objeto de estudo.

    A coleta de dados privilegiou produes de fala espontnea. Foram feitas gravaes de

    falas espontneas de paraguaios, que moravam em Dourados, Mato Grosso do Sul. O objetivo

    foi observar o alcance das caractersticas da entoao em relao ao canto e s variaes

    lingusticas.

    At que o corpus fosse definido, o projeto passou por vrios estgios: inicialmente, a

    inteno era investigar a sociedade indgena guarani e os paraguaios. O tema da pesquisa

    tratava das relaes entre entoao frasal e melodia do ponto de vista das tradies tnicas de

    guaranis e de paraguaios. Nessa etapa, a tnica foi a coleta de dados de msica e de fala em

    lngua guarani indgena e em lngua guarani paraguaia.

    Os materiais de msica indgena foram cedidos pela etnomusicloga Kilza Setti. As

    msicas foram coletadas por ela na ocasio em que realizou pesquisa de campo com o grupo

    guarani Mby. Aps a seleo de 20 melodias do acervo de Kilza Setti, constatou-se que no

    seria possvel isolar o som dos instrumentos e da voz uma vez que a frequncia de

    instrumentos, a exemplo do violo e da rav possuem a mesma faixa de frequncia da voz. A

    interferncia desses instrumentos prejudicou os resultados das anlises. Dessa maneira, o

    material foi descartado, sendo necessrio buscar outras possibilidades para adquirir os dados

    de fala e da msica do guarani indgena.

    A pesquisadora deslocou-se ento para Dourados, MS, a fim de investigar o guarani

    indgena Kaiow. Entretanto, as dificuldades inerentes a um trabalho de campo pareciam

    intransponveis, provocando atrasos na realizao da coleta de dados. Por motivos variados, a

    realizao das gravaes no ms de junho no foi possvel. As chuvas contnuas no ms de

    julho e agosto de 2009 impossibilitaram a entrada de veculos na aldeia Bororo, a situao

    delicada do problema de demarcao de terras indgenas no estado (MS), a burocracia e a

  • 45

    morosidade para se obter uma autorizao da FUNAI para adentrar na rea seriam, pois, as

    dificuldades enfrentadas no transcurso do trabalho de campo.

    Posteriormente, aps um ms de espera, foi possvel realizar as gravaes com os

    indgenas Kaiow de Dourados, MS. A conversa estabelecida com eles fluiu de uma forma

    muito natural, embora fossem seguidas as orientaes do professor Doutor Waldemar Ferreira

    Netto no que concerne ao formato do discurso deles, que diferente do dilogo de brasileiros

    e paraguaios. Os indgenas no tm hbito de assaltar turnos7, evitando os imperativos e a

    abordagem direta. Em especial, notou-se como diferente construir um dilogo com um

    indgena guarani.

    Foi evitado o Mbaeichapa pa nde rera? (Qual o seu nome?), frase bastante comum

    para desenvolver uma conversa entre paraguaios. Nesse contato, foram percebidas as

    diferenas sutis entre o guarani paraguaio e o guarani indgena. Houve dilogos com

    indgenas cuja sociedade de tradio oral. Entretanto, os dados coletados desses povos

    foram insuficientes e, desse modo, descartaram-se as anlises da fala e da msica guarani

    indgena, havendo um recorte do corpus, que se concentrou nas relaes entre entoao na

    fala da lngua guarani e a melodia de msicas populares paraguaias cantadas em guarani. Essa

    experincia demonstrou que o universo indgena tem o seu prprio tempo, outro passo, alheio

    aos cronogramas, aos planejamentos institudos pelas sociedades no indgenas.

    3.1 A pesquisa de campo em So Paulo - SP

    Nessa segunda etapa, a cidade de So Paulo no seria contemplada conforme o

    cronograma constante do projeto; a mesma acabou por ser includa, pois a pesquisadora

    estava incumbida de encontrar paraguaios falantes do guarani para uma pesquisa do

    departamento de Lingustica da USP, com a finalidade de realizar gravaes com esses

    mesmos falantes. Encontr-los foi uma tarefa um tanto rdua, uma vez que desconhecia o

    local em que fixavam residncia. Aps vrias pesquisas e tentativas de realizar gravaes,

    dois paraguaios que trabalhavam no Consulado Paraguaio em SP dispuseram-se a realizar as

    gravaes. Entretanto, a indisponibilidade de horrio dos falantes impediu que a pesquisa

    fosse realizada.

    7 O tema da dissertao de Baz (2006) Anlise de marcadores conversacionais em guarani jopar poder contribuir para o conhecimento de aspectos do discurso em guarani do Paraguai.

  • 46

    A insistncia em encontrar falantes paraguaios em SP levou a pesquisadora ao

    encontro com um falante paraguaio radicado em So Paulo, h mais de vinte anos, empresrio

    de cantores paraguaios. Esse encontro foi de fundamental importncia para a pesquisa, pois

    ele foi responsvel pela indicao dos demais informantes nessa cidade.

    Uma das facilidades em conseguir as narrativas pessoais de fala guarani paraguaia

    deve-se ao fato de a pesquisadora iniciar a conversa em sua lngua materna, o guarani

    paraguaio. Isto possibilitou que a conversa flusse de forma espontnea. Foram realizadas trs

    gravaes de fala espontnea com trs participantes masculinos. A realizao das gravaes

    no foi fcil, pois, no local8 em que ocorreram se realizava um evento com muito barulho.

    As gravaes do canto tambm foram realizadas pelos mesmos falantes. Nesse

    quesito, entretanto, foi percebido como seria difcil registr-los, pois as desculpas para no

    cantar eram muitas, dentre elas: a de no ser cantor, no se lembrar de letras de msica e

    mesmo a de no gostar de cantar. O rudo sonoro tambm foi um das dificuldades em realizar

    uma gravao de qualidade para a pesquisa. Mais tentativas de encontros ocorreram com

    esses falantes; entretanto, os horrios de trabalho desse grupo praticamente inviabilizavam a

    possibilidade de gravar a sua fala e a msica paraguaia. Foram aproveitadas as gravaes de

    canto e de fala de um entrevistado.

    3.2 A pesquisa de campo em Dourados - MS

    A proximidade com os familiares de Dourados, MS, permitiu pesquisadora uma

    aproximao mais intensa com os moradores dessa cidade. Nessa etapa da pesquisa,

    privilegiou-se a coleta de dados de msica, especialmente o canto masculino. Foram gravados

    os cantos de profissionais e amadores da cidade de Dourados, MS, no ms de julho de 2008.

    Essas gravaes ocorreram em duas reunies realizadas em casas de paraguaios e de

    familiares moradores do local.

    Os cantores sabiam previamente que se tratava de uma pesquisa para coletar msicas

    paraguaias. Num ambiente descontrado, as msicas eram cantadas por todos os participantes.

    Os instrumentos paraguaios como harpa paraguaia e violo eram executados alegremente

    pelos msicos. Entretanto, a dificuldade enfrentada pela pesquisadora foi realizar as gravaes

    de canto capela, ou seja, sem acompanhamento de nenhum instrumento, condio

    8 Clube Anhanguera situado no bairro do Bom Retiro,So Paulo, SP.

  • 47

    imprescindvel para a pesquisa. Desse modo, a gravao de canto sem a interferncia dos

    instrumentos no ocorreu nesse momento. Por outro lado, o contato foi importante para

    viabilizar outros encontros.

    Em um segundo encontro no ms de junho de 2009, foi possvel realizar as gravaes

    seguindo as necessidades desta pesquisa, e foram gravados oito cantores que cantaram trs

    msicas cada um, totalizando 24 cantos masculinos. Trs falas espontneas tambm foram

    gravadas.

    3.3 A pesquisa de campo em Pedro Juan Caballero - Paraguai

    Em meados de Agosto de 2009, a pesquisadora fixou residncia em Pedro Juan

    Caballero e finalizou a coleta de dados de fala.

    Mais uma vez a proximidade com seus familiares, desta vez os familiares do Paraguai,

    permitiu pesquisadora uma aproximao mais intensa com os moradores da cidade, alm de

    possibilitar o contato e a investigao com os parentes dos falantes entrevistados oriundos de

    outras cidades desse pas. Assim, foi possvel gravar as falas de informantes de cidades

    variadas do Paraguai, possibilitando uma coleta de dados interessante de fala masculina. No

    total foram registradas dezoito falas masculinas do guarani paraguaio, com duraes em torno

    de trinta minutos para cada.

    3.4 A coleta de dados da fala e do canto femininos

    Posteriormente, houve o acrscimo de cantos e fala femininos. O objetivo foi de

    observar o alcance das caractersticas da entoao em relao ao canto e s variaes

    lingusticas de cada categoria: masculino e feminino. Considerou-se que os resultados das

    anlises seriam mais eficazes e seguros se analisassem os dois gneros.

    As falas foram extradas de programas produzidos pela Rdio Mburucuy, localizada

    na cidade de Pedro Juan Caballero, Paraguai. A programao da rdio voltada para a

    populao da zona rural e de pequenos centros urbanos cujos habitantes so, na sua grande

    maioria, monolngues no guarani paraguaio. Foram coletadas, por ocasio da pesquisa de

    campo de dissertao de mestrado da pesquisadora, em 2006, aproximadamente dez horas de

    gravao desses programas.

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    Quanto ao canto, foram registrados pela pesquisadora quinze cantos de msica

    guarani. As msicas foram selecionadas segundo o repertrio musical da falante.

    3.5 Descrio dos sujeitos:

    3.5.1 Falantes do gnero masculino

    Falante 1- morador de Pedro Juan Caballero, Paraguai, com 30 anos, motorista, falante de

    guarani jopar (ou paraguaio).

    Falante 2 - morador da cidade de Dourados, MS, Brasil, com 25 anos, pedreiro, falante de

    guarani jopar (ou paraguaio).

    Falante 3 - morador da cidade de Pedro Juan Caballero, Paraguai, com 40 anos,

    recepcionista, falante de guarani jopar (ou paraguaio).

    Falante 4 - morador de So Paulo, com aproximadamente de 30 anos, costureiro, falante de

    guarani jopar (ou paraguaio).

    Falante5 - morador da cidade de Pirabebuy, Paraguai, com aproximadamente de 30 anos,

    cantor e costureiro, falante de guarani jopar.

    3.5.1.1 Falantes do gnero feminino

    Falante 6 - moradora da cidade de Pedro Juan Caballero, Paraguai, com 50 anos, dona de

    casa, falante de guarani jopar.

    Falante 7 - moradora da cidade moradora da cidade de Dourados, MS, 78 anos, dona de casa,

    falante de guarani jopar (ou paraguaio)

    Falante 8 - moradora da cidade de Pedro Juan Caballero, Paraguai, com 58 anos, dona de

    casa, falante de guarani jopar.

    Falante 9 - moradora da cidade de Pedro Juan Caballero, Paraguai, com 54 anos, dona de

    casa, falante de guarani jopar.

    Falante 10 - moradora da cidade de Pedro Juan Caballero, Paraguai, com idade de 60 anos,

    dona de casa, falante de guarani jopar.

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    3.5.1.2 Canto do gnero masculino e feminino

    Cantor 1 Morador de So Paulo, com 30 anos, costureiro e cantor. o mesmo sujeito da

    fala 5.

    Cantor 2 Morador de Dourados, MS, com 60 anos, mestre de obras.

    Cantor 3- Morador de Dourados, MS, com 37 anos, mestre de obras.

    Cantor 4 - Morador de Dourados, MS, com 25 anos, pedreiro. o mesmo sujeito da fala 2.

    Cantor 5 - Morador de Dourados, MS, com 30 anos, vendedor de sopa paraguaia e chipa.

    Todos os cantos femininos foram cantados pela pesquisadora: cantos de 6 a 10.

    3.5.1.3 Metodologia

    As primeiras gravaes de fala e canto masculinos realizaram-se com um computador,

    laptop e microfone unidirecional. No segundo momento, as polcas9 foram registradas com

    gravador digital, cujos microfones so headset unidirecionais, com pelo menos dois canais.

    Foi utilizada memria flash e, posteriormente, as msicas foram transferidas para o

    computador.

    Quanto s particularidades de como se efetuaram as gravaes, alguns comentrios

    sero importantes para co