Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
ALINE GADELHA DE ALMEIDA DUARTE
VELHICE E ESPAÇO RURAL:
(RE) DESENHANDO DISCURSOS
FORTALEZA-CEARÁ
2015
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ALINE GADELHA DE ALMEIDA DUARTE
VELHICE E ESPAÇO RURAL:
(RE) DESENHANDO DISCURSOS
Dissertação apresentada à Coordenação do
Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas
Públicas e Sociedade – MAPPS, do Centro de
Estudos Sociais Aplicados, da Universidade
Estadual do Ceará – UECE, como requisito
parcial para obtenção do título de mestre.
Orientadora: Profª. Dra. Maria Helena de
Paula Frota.
Coorientadora: Profª. Dra. Adriana de Oliveira
Alcântara.
Área de concentração: Políticas Públicas e
Sociedade.
FORTALEZA-CEARÁ
2015
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A Deus, sem o qual nada disso faria sentido;
Dedico esta conquista, especialmente, à pessoa
mais importante desse mundo, minha amada
mãe, Maria do Carmo Gadelha; ao meu
exemplo de vida, meu pai Edmilson Duarte (in
memoriam); aos meus irmãos Clausens,
Alessandra e Iara; e ao meu noivo, Márcio
Max, que, com todo o apoio, amor e paciência,
sempre me incentivaram nessa árdua jornada.
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AGRADECIMENTOS
Ao meu querido pai, Edmilson Duarte Lima(in memorian), que sempre foi minha fonte de
inspiração e referência de amor;
Á minha estimada mãe, Maria do Carmo Gadelha Duarte, pela dedicação, pelas orações e
“cafezinhos” nas madrugadas. Seria muito difícil trilhar essa jornada sem seu constante
incentivo;
Aos meus irmãos Clausens, Alessandra e Iara que sempre me apoiaram nesse objetivo de
vida;
Às minhas lindas sobrinhas, Maria Letícia, Maria Luíza e Maria Lara, que mesmo não
passando muito tempo com elas por causa dos constantes estudos, sempre me incentivaram
muito;
Ao meu noivo, Marcio Max Pelosi Júnior, pelo carinho e compreensão durante essa jornada;
À minha querida e estimada coorientadora, Adriana de Oliveira Alcântara,que me fez se
apaixonar cada vez mais por esta temática. Meu crescimento pessoal e acadêmico adveio do
seu apoio e ensinamento, que me fizeram melhorar enquanto ser humano;
À minha orientadora, Maria Helena de Paula Frota, que sempre me apoiou;
Aos meus tios, Evanilde Almeida e Hélio Pereira, que desde o início acreditaram na minha
pesquisa e que foram pilares no desenvolvimento desta;
Aosinterlocutores de Iracema, que se tornaram amigos, pela confiança e entrega em poder
compartilhar suas estórias de vida;
Aoagente comunitário de saúde, por me acolher tão amavelmente e me apresentar a
localidade de Iracema.
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RESUMO
Volta-se ao estudo sobre os velhos que residem no espaço rural, enfocando, principalmente,
seu cotidiano. Um dos interesses da pesquisa foi saber a percepção que os velhos têm de si
mesmos no espaço rural, articulada com suas experiências de vida, com as relações
estabelecidas e os estereótipos sociais, que pudessem, porventura, embotar sua autonomia e
seu potencial criativo. Nesse sentido, foi explorado o modo como se estruturam as relações de
parentesco entre os membros da comunidade, a fim de conhecer como os velhos se
comportavam e assumiam suas identidades dentro do grupo. O locus empírico foi uma área
rural do interior do Ceará que possui 12 velhos, sendo cinco mulheres e sete homens. Partindo
disso, realizou-se um estudo bibliográfico para compreender à luz da produção sociológica, os
processos subjetivos e da prática cotidiana, mediante suas conversas, tradições, famílias,
dentre outros aspectos. Esta pesquisa é de natureza qualitativa e, do ponto de vista
etnográfico, foi realizada sob o enfoque da História Oral, mediante a coleta dos discursos e
análise dos dados. Ao longo da investigação, foi visto que o espaço rural transforma
realidades tradicionais, de modo a criar formas de ser e de estar nesse espaço, instaurando-se
outros papeis sociais. Acerca destes, observa-se, não necessariamente, como se supunha, uma
padronização de atribuições específicas para homens e mulheres; percebe-se uma não
internalização de valores simbólicos advindos do capitalismo que entende o velho como
“descartável” e “inútil”, mas, ao contrário, verificou-se um crescente protagonismo deles ante
a realidade do envelhecimento. Em suma, a pesquisa contribuiu para conferir maior visão
social a esse segmento, não somente no que diz respeito ao contexto geográfico, em que estes
sujeitos estão inseridos, porém, sobretudo, no concernente ao cenário social, ao se refletir
sobre a emergência da efetivação de políticas públicas em lugares “esquecidos” e/ou
marginalizados.
Palavras-chave: Velhice. Espaço Rural. Cotidiano.PolíticasPúblicas.
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ABSTRACT
Back to the study of the old residing in rural areas, focusing mainly on their daily lives. One
of the research interests was to know the perception that the old have of themselves in rural
areas, combined with their life experiences, with established relationships and social
stereotypes, which could perhaps dull their autonomy and their creative potential. Thus, it was
explored how to structure the relationships among community members in order to know how
the old behaved and assumed their identities within the group. The empirical locus was a rural
area of the state of Ceara which has 12 old, five women and seven men. From this, we
performed a literature study to understand in the light of sociological production, the
subjective processes and everyday practice, through their conversations, traditions, families,
among other things. This research is qualitative and ethnographic point of view, was carried
out with a focus on oral history by the collection of speeches and data analysis. Throughout
the investigation, it was seen that the countryside turns traditional realities, to create ways of
being and living in that space, establishing up other social roles. On these, there is not
necessarily as was supposed, a standardization of specific tasks for men and women; there is a
perceived lack of internalisation of symbolic values arising from capitalism that understands
the old as "disposable" and "useless", but rather, there is a growing role of them before the
age of reality. In short, the research helped to bring greater social views in this segment, not
only with regard to the geographical context in which these subjects are inserted, but, above
all, regarding the social scene, to reflect on the emergence of effective public policy in places
"forgotten" and / or marginalized.
Keywords: Old age. Rural Area.Everyday.Public Policy.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 10
2 (RE) PENSANDO A VELHICE E SUA MULTIDIMENSIONALIDADE ............ 15
2.1 QUEM É O SUJEITO QUE ENVELHECE .................................................................. 15
2.2 FAMÍLIA E RELAÇÕES DE PARENTESCO ............................................................. 31
3 REFLEXÃO SOBRE O ESPAÇO RURAL: ENTRE CONCEITOS E
CONTEXTOS ............................................................................................................... 36
3.1 DIVERGÊNCIAS ENTRE OS CONCEITOS DE URBANO E RURAL..................... 36
3.2 AS CATEGORIAS ESPACIAIS: SÍTIO, SERTÃO, ROÇA, BAIRRO, RURAL ....... 40
3.3 A VIDA NO ESPAÇO RURAL .................................................................................... 43
4 POLÍTICAS PÚBLICAS E VELHICE ..................................................................... 49
4.1 O CENÁRIO BRASILEIRO NA CRIAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA
A VELHICE ................................................................................................................... 49
4.2 NAS TRAMAS DO ESTATUTO DO IDOSO: OS CAMINHOS ................................ 62
4.3 POLÍTICAS PÚBLICAS NO ESPAÇO RURAL BRASILEIRO ................................. 66
5 O PERCURSO METODOLÓGICO: LOCUS, SUJEITO E REFERENCIAL
TEÓRICO-METODOLÓGICO ................................................................................. 72
5.1 CAMPO DA PESQUISA ............................................................................................... 72
5.2 OS SUJEITOS DA PESQUISA ..................................................................................... 81
5.3 NAS TRILHAS DA HISTÓRIA ORAL: A ESCOLHA DE UM REFERENCIAL
TEÓRICO-METODOLÓGICO ..................................................................................... 90
5.4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................... 94
5.4.1 Velhice ........................................................................................................................... 94
5.4.2 Espaço rural .................................................................................................................. 98
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 106
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 110
APÊNDICES ................................................................................................................. 120
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1INTRODUÇÃO
A temática da velhice, algumas vezes, assusta as pessoas, pois carrega a ideia de morte
e finitude, própria da atualidade, desvelando-se de forma diferente em épocas e culturas
distintas. A busca de um sentido da vida, o cuidado com o eu e o primado da intimidade
tornam-se discussões recorrentes na literatura, de modo a compreender as disposições no lidar
com a velhice – a nossa e a dos outros.
Esta pesquisa voltou-se à velhice no âmbito rural. A escolha desta temática surgiu, em
especial, de uma afinidade pessoal, da experiência como psicóloga, no Centro de Referência
da Assistência Social-CRAS, e pela ausência de mais pesquisas que privilegiem a velhice na
ambiência de ruralidade.
A figura da avó, marcada por uma identidade de intenso trabalho na roça -de realizar
os afazeres domésticos, de criar os filhos e netos, de cuidar dos “negócios da família” e de se
empenhar nos estudos - favoreceu o surgimento da nossa admiração e profundo respeito por
uma pessoa que, apesar dos muitos anos vividos, era feliz e possuía uma boa qualidade de
vida.
Na qualidade de psicóloga, trabalhamos ao longo de cinco anos nos CRASs de vários
municípios cearenses. As tarefas desenvolvidas por profissionais desse equipamento social
visam, sobretudo, a fortalecer os vínculos familiares, comunitários e sociais bem como
atender as pessoas em situação de vulnerabilidade social e afetiva. Com efeito, deparamos
com público desprovido de direitos sociais, com um suporte familiar fragilizado : as pessoas
acima de 60 anos.
Já a identificação com o panorama rural decorre das diversas lembranças da infância
nesse espaço. As memórias do sertão, como sendo um lugar marcado por uma rica cultura de
festividades, do fumo, do leite da vaca, dos banhos no açude, do vaqueiro, do curral, da
vaquejada, da casa grande, das conversas no alpendre, nos instigaram a estudar com maior
propriedade esse espaço.
Outro fator que despertou nossa motivação foram os escassos estudos acerca da
velhice rural. Aliás, trata-se de um tema objeto de duplo preconceito: ser velho e residir no
espaço rural nordestino. O descaso generalizado por parte da sociedade contemporânea em
relação a este assunto não despertou a devida atenção. “Não tendo um lugar social, também
não tinham um lugar teórico”. (MOTTA, 2003,p. 223)
A novidade de se estudar a velhice e o envelhecimento no Brasil ganhou mais
notoriedade quando, nos anos 1990, os meios de comunicação coletiva divulgaram
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exaustivamente o crescimento demográfico dessa parcela da população e também pela
experiência cotidiana de maior convivência com as pessoas de mais idade na esfera da vida
pública e privada. Como aponta Barros (2003 p. 9), “(...) a velhice ultrapassa os limites das
vidas particulares de cada um e de cada família, para, com outras tantas questões, atrair a
atenção de nossa sociedade”.
Afinal, o que é velhice? Simone de Beauvoir (1990, p.15) define “(...) como um
fenômeno biológico com reflexos profundos na psique do homem, perceptíveis pelas atitudes
típicas da idade não mais jovem nem adulta, da idade avançada”. Nesse sentido, a autora
atribui a este conceito algo incomum, subjetivo, e que adquire conotações funcionais e
relacionais para se fazer coerente.
A velhice é um conceito bem complexo, pois requer análise aprofundada de suas
múltiplas dimensões - a biológica, a psicológica, a existencial, a cultural, a econômica, a
política - para se chegar a uma conceituação que melhor expresse essa realidade (COSTA,
2003). Dessa forma, entender o sujeito que envelhece é pressupor que tais alterações são
naturais e gradativas, podendo se verificar em idade mais precoce ou avançada, e em maior ou
menor grau, principalmente, de acordo com o modo de vida de cada um.
Desde o nosso nascimento, envelhecemos e somos subsidiados por uma trajetória
mutante e inacabada. Nesse sentido, independentemente da nossa idade e vontade, somos
perpassados pelo fenômeno do envelhecimento. Ainda que queiramos negar e disfarçar,
envelhecemos.
O crescimento do contingente de velhos, ensejado pela queda de fecundidade e por
um prolongamento da vida subsidiado pelos avanços tecnológicos, começou a ser um fator
redirecionante dos interesses de pesquisa e de elaboração/execução de políticas públicas
(MOTTA, 2003).
Esse estudo sobre envelhecimento se mostra essencial, na medida em que o aumento
desse público interfere na vida do próprio sujeito (com estigmas e preconceitos advindos da
contingência capitalista), na família, na economia de um país, nas políticas públicas, dentre
outros fatores globais. Portanto, aqui se torna necessário refletirsobre que velhice é essa, o que
se fazer com essa parcela da população “inativa” (preconceitos advindos do capitalismo) no
que diz respeito à destinação de políticas, onde “alocá-la” e como investir.
É importante salientar que as pessoas atravessam o fenômeno de envelhecimento de
forma singular, variando conforme suas culturas, educação, seus estilos de vida, suas famílias,
as características de personalidade, o ambiente em que vivem, dentre outros fatores.
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As sociedades modernas, segundo Costa (2003), criam estrategicamente, por meio da
produção de imagens, representações de si mesmas, buscando formar núcleos unitários, com o
objetivo de instalação de poder, de dominação.
Podemos ainda observara representação da velhice de forma estigmatizada, associada
a valores depreciativos, expressos por jargões como: o velho não aprende, o velho é uma
criança e por isso precisa ser protegido, o velho é assexuado, o velho não tem condição de
tomar decisão por si, o velho é um coitadinho, entre outros. Estes estereótipos foram
preconizados por uma ideologia dominante que prioriza atributos associados à juventude, ao
belo, ao produtivo e ao funcional, compatíveis com a sociedade capitalista.
O envelhecimento como locus de acontecimentos diversos denota o modo como os
velhos estão recriando padrões de envelhecer nas sociedades capitalistas, sobretudo, quando
se tenta delinear as especificidades das áreas urbanas e rurais, onde trabalham e convivem
com familiares e amigos.
O papel social das pessoas de mais de 60 anos é específico, variando conforme
costumes, leis, cultura, dentre outros. O velho camponês, dentro da família, passa a ser
reconhecido como aquele que transmite conhecimentos da terra e da vida, figura de respeito
(WOORTMANN e WOORTMANN, 1999); já nas sociedades ocidentais e urbanas as pessoas
de mais idade são havidas como inúteis dentro de seu lar, especialmente quando não recebem
o benefício da aposentadoria.
A pesquisa se desenvolveu na localidade de Iracema, pertencente ao Município de
Paramoti, tendo como público-alvosete homens e cinco mulheres acima de sessenta anos, uma
vez que é expresso no Estatuto do Idoso que quem atingiu essa idade é considerado velho.
Com suporte no entendimento da existência das formas diversas de “se envelhecer”, é
que este trabalho exprime como objetivo conhecer a velhice rural, enfocando, principalmente,
a vida cotidiana diante de algumas transformações ocorridas ao longo dos anos, como o êxodo
rural e a aposentadoria.
Partindo disso, torna-se necessário compreender como essas mudanças configuram o
espaço rural, modificando realidades tradicionais, formas de ser e estar nesse espaço, de modo
a instaurar papéis sociais, bem como o convívio entre o velho e o novo, lembrando o que diz
Fernandes (2006, p. 238) “(...) como não há ruptura definitiva com o passado, a cada passo
este se reapresenta na cena histórica e cobra seu preço(...)”
Dessa forma, quem é o sujeito que envelhece no âmbito rural? Há novas formas de ser
e estar nesse espaço? Aque espaço rural nos reportamos; quais são as realidades
tradicionais?Também foi de interesse saber se os velhos estão interiorizando os padrões de
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envelhecimento da atualidade, bem como analisar o desenvolvimento de estereótipos sociais
que embotam a autonomia destes sujeitos e compreender a percepção quetêm de si mesmos.
Ao longo da pesquisa, também foi delineado o perfil socioeconômico dos sujeitos,
pois identificamos as expressões implicadas nos papéis sociais destes homens e mulheres. As
principais categorias analíticas discutidas foram velhice, espaço rural e cotidiano à luz de
teóricos como: Beauvoir (1990), Goldfarb (1998, 2006), Bosi (1994), Debert (1988, 1994,
1999, 2003, 2013), Neri (1993, 2003, 2005, 2007), Leite (2004), Alcântara (2008, 2010,
2013), Camarano (2001, 2002, 2004, 2013), Reis (2006), Woortmann e Woortmann (1993,
1997, 1999), Agnes Heller (1970), Certeau (1996), Faria, Sá Motta e Ven (1996), Augras
(1996), Frota (2004, 2012), Jucá (2003), Rogers (2006), dentre outros.
Desse modo, realizamos um estudo bibliográfico para compreender, à luz da produção
sociológica, os processos subjetivos e da prática cotidiana, mediante suas conversas, tradições
e famílias, dentre outros aspectos. Esta pesquisa é de natureza qualitativa e, sob o prisma
etnográfico, foi realizada sob o enfoque da História Oral, mediante a coleta dos discursos e
análise dos dados.
As reflexões desenhadas neste experimento acadêmico são apenas campos de
possibilidades e vertentes de uma análise empreendida sobre as particularidades da velhice à
luz de alguns estudiosos. Fiel à leitura deste fenômeno social, os capítulos foram descritos
como resultado de uma discussão de pressupostos teóricos e metodológicos, retratando apenas
uma visão parcial da realidade, que poderá ser submetida a constantes reinterpretações.
No capítulo 2- (Re)pensamento da velhicee sua multidimensionalidade - são
privilegiados o perfil demográfico da população brasileira,conceitos e ideias importantes
acerca do envelhecimento. Também foram discutidos os enquadramentos, enfatizando os
mitos e a repercussão que isso acarreta na vida destas pessoas. Ainda mencionamos as
relações de parentesco, de modo a conhecer o modo como as pessoas se comportam,
desempenham papéis e assumem identidade psicossocial dentro do grupo (família).
No capítulo 3- Reflexão sobre o espaço rural: entre conceitos e contextos –
analisamos as características do que seja espaço rural no Brasil, perfilando suas conotações
em contraste com o mundo urbano. Recorremos a uma caracterização dos termos sítio, sertão,
roçado, bairro rural e rural, como forma de atribuir sentido ao modo de vida e às relações no
espaço da pesquisa. Posteriormente, nos debruçamos sobre a vida desse ser humano que vive
no espaço rural, analisando como se processam suas relações familiares, enfocando também a
questão de gênero.
No capítulo 4- Políticas públicas e velhice - foram indicadas as realidades mundiais e
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brasileiras na criação de políticas públicas, como forma de emular estudos para a ampliação,
universalização e efetivação na prática; posteriormente, examinamos criticamente o Estatuto
do Idoso, sob os enfoques políticos, econômicos e sociais, na intenção de revelar aspectos
balizadores no reforço de estereótipos contra os velhos; depois, estudamos duas políticas
públicas em curso no espaço rural – Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).
No capítulo 5- O percurso:locus, sujeitos e referencial teórico-metodológico - foi
realizada uma descrição do campo da pesquisa, bem como delineada a trajetória dos sujeitos
envolvidos e a metodologia utilizada. As representações dos interlocutores foram relacionadas
à problematização do estudo como forma de responder às questões expressas pelo ensaio.
Assim, inquirimos sobre velhice, espaço rural, modos de vida, cotidiano e costumes. Foram
criadas fichas individuais de cada família, onde as falas, silêncios, gestos e outros aspectos
foram registrados. Organizamos as entrevistas em função das perguntas formuladas,
relacionando com as categorias analíticas velhice e espaço rural.
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2 (RE) PENSANDO A VELHICE E SUAMULTIDIMENSIONALIDADE
2.1Quem é o sujeito que envelhece
O número de velho cresceu e evoluiu rapidamente ao longo dos últimos anos.
Segundo dados do Banco Mundial (2011), este contingente irá mais do que triplicar nas
próximas quatro décadas, passando de menos de 20 milhões (11%), em 2010, para cerca de 65
milhões (49%) em 2050.
De acordo com a Síntese dos Indicadores Sociais, realizada pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística -IBGE (2013), em 2012, a participação relativa dos idosos de 60
anos ou mais de idade1 foi de 12,6% da população total; para o grupo com 65 anos ou mais de
idade, a participação foi de 8,6%.Dessa forma, percebe-se, então, que o aumento da
expectativa de vida enseja preocupações governamentais e acadêmicas, fazendo emergir mais
demandas e, consequentemente, outros desafios, os quais exigem respostas, via políticas
públicas e sociais.
O saber sobre a velhice se difunde na sociedade pelos meios de comunicação,
universidades, sociedades beneficentes e científicas, em especial, após o advento da Geriatria
e Gerontologia. Para Reboul (1973), a Gerontologia estudava o envelhecimento, destacando
aspectos biológicos, psicológicos, sociais e econômicos, possuindo uma visão médica e
social, aplicando-se ao domínio da doença; já a Geriatria era considerada ciência médica ramo
da Gerontologia e da Medicina que trata da saúde das pessoas de idade avançada em todos os
seus aspectos - preventivo, clínico, terapêutico, de reabilitação e de vigilância contínua.
Por tal razão, o termo Gerontologia, mesmo tendo sido utilizado em 1903 por
Matchinicoff para identificar o estudo sobre a velhice, foi somente na segunda metade do
século XX, com muitas pesquisas, que ganhou notoriedade e um caráter social, atrelado a
aposentadoria e lazer (SILVEIRA, 2002). Já na Psicologia, o grande avanço ocorreu com Erik
Erikson em 1950 com a ampliação das etapas da vida adulta até a idade madura. E já na
década de 1970, na visão dessa autora, a visibilidade e as pesquisas acerca desse público
cresceram em decorrência do aumento da expectativa de vida e do ônus das aposentadorias
para o Estado.
No entendimento de Carneiro e Guimarães (2012), a velhice se relaciona às
modificações no corpo, pois, com o avançar da idade o sujeito passa a ser alvo de um desgaste
1 Idoso, segundo a Organização Mundial de Saúde-OMS, em países em desenvolvimento, é aquele que tem 60
anos ou mais de idade. Nos países desenvolvidos, a idade se estende para 65 anos.
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natural. Os sinais externos mais diversos são cabelos sem cor, rugas, flacidez, reduções nas
capacidades auditiva, visual, muscular e cognitiva (memória e percepção).
Ainda de acordo com as autoras, em razão de tantas mudanças corporais, algumas
pessoas se assumem velhas, enquanto outras tendem a prorrogar esse momento. Tais
transformações visíveis contribuem para que socialmente as pessoas passem a associar a
feiura com a velhice, porquanto o ideal apregoado pela Modernidade que é exigido é o de um
corpo jovem e rígido, portanto, o velho passa a ser feio.
O envelhecimento, porém, não necessariamente, implica o declínio de funções
cognitivas, pois, mesmo com a perda de grupos celulares e da diminuição de alguns sistemas
bioquímicos que levam ao prejuízo cognitivo, a pessoa tem limiares orgânicos e aspectos
subjetivos, ativados para a manutenção do equilíbrio homeostático necessário para uma boa
qualidade de vida.
Muitos gerontólogos e geriatras asseveram que a velhice não é doença. Portanto, “...
envelhecer não significa adoecer. Não é a presença de doença que melhor determina o grau de
saúde da população idosa, mas o impacto que um dano na saúde tem sobre o aspecto
funcional do indivíduo” (CARNEIRO; GUIMARÃES, 2012, p. 11).
O fato de reportar-se à velhice recai no assunto sobre as formas pelas quais a vida é
periodizada. Para pensarmos a produção e a reprodução da vida social, torna-se necessária a
discussão de algumas dimensões que recaem sobre a velhice de forma transversal.
Na visão de Debert(2003, p. 51), a idade não é algo natural, nem constitutivo de
grupos sociais; tampouco é um fator explicativo de comportamentos humanos; na pesquisa
antropológica, “a idade é concebida como um processo biológico elaborado simbolicamente
com rituais que definem fronteiras entre idades pelas quais os indivíduos passam e que são
específicas de cada sociedade”.
Nesse sentido, estudar o fenômeno das categorias de idade, sob o prisma da
Antropologia, sugere a necessidade de transcender os particularismos que tendem a conceber
como naturais e imutáveis os fatos e/ou eventos sociais. Logo, sob uma perspectiva histórica,
as representações sociais sobre a velhice e a forma pela qual são tratados pelos mais jovens,
adquirem significados singulares em contextos históricos, sociais e culturais distintos.
Como leciona Debert (2003), os recortes de idade e a definição de práticas legítimas
associadas a cada etapa da vida não resultam de uma evolução científica nem do
desenvolvimento biológico; trata-se de uma verdadeira luta política, de uma manipulação dos
poderes ligados a determinados grupos sociais. Portanto, as categorias de idade são
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elaborações culturais que mudam historicamente e que retratam realidades sociais distintas,
definindo espaços de poder e privilégios.
No curso da vida, a diferença entre idade cronológica, tempo geracional e níveis de
maturidade é ponto importante, pois define espaços privilegiados para a ação na organização
social e que, portanto, merecem ser abordadas (DEBERT, 2003).
A pesquisadora da UNICAMP considera que a idade cronológica baseada num
sistema de datação é valorizada para as sociedades não ocidentais; já nas sociedades
ocidentais, funciona como importante marcador social, independentemente da estrutura
biológica e da incorporação de estádios de maturidade.
Nas sociedades não ocidentais, os estudos antropológicos apontam que,
independentemente da idade, existe uma valorização dos estádios de maturidade na estrutura
social; os rituais de passagem de um estádio para outro são definidos não pela idade e sim
pela transmissão de status social. Significa isso exprimir que, embora o desenvolvimento
biológico seja considerado, o reconhecimento da capacidade de realizar certas tarefas se torna
um atributo de validação cultural.
Outro aspecto importante, relatado por Fortes (1984), diz respeito à importância do
sistema de datação no estabelecimento de direitos e deveres políticos. Logo, a idade
cronológica assume preponderância, quando o quadro político-jurídico aufere precedência
sobre as relações familiares e de parentesco.
Em relação à idade geracional, Debert (2003) exprime que tal critério se faz
relevante para estruturar a família e o parentesco. Assim, tal definição adquire importância
crucial no estabelecimento de regras familiares, responsabilidades epapéissociais. Portanto,
quando se fala de gerações, a referência se torna a família, enquanto as idades são
institucionalizadas politica e juridicamente.
Para compreendermos o fenômeno do envelhecimento, primordial é entendermos
algumas noções sociológicas acerca do conceito de gerações, e como sucedem as ações
coletivas empreendidas por estas.
Na visão de Motta e Weller (2010), a palavra geração ganhou notoriedade no
período de manifestações culturais ou políticas (“os cara pintadas”) ou de desenvolvimento
tecnológico (geração NET), atribuídos principalmente pelos meios de comunicação. Esse
período, pois, foi marcado pelas formas de protestos dos jovens acerca da insatisfação da
realidade sociocultural vivenciada; foi, então, que estes jovens se mostraram à sociedade
como seres atuantes e não alienados.
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Feixa e Leccardi (2010) apontam três momentos históricos acerca da temática
geracional: durante os anos 1920, período entre as duas grandes guerras, quando as bases
filosóficas foram formuladas em torno da noção de “revezamento geracional” (sucessão e
coexistência de gerações); durante os anos 1960, na época do protesto, uma teoria em torno da
noção de “conflito geracional” (fundamentada sobre a teoria do conflito) e, a partir de 1990,
surgindo uma ideia em torno de “sobreposição geracional” (no advento da tecnologia, os
jovens são mais habilidosos do que as gerações anteriores).
Vale trazer à tona, com efeito, a ideia de que a análise de Mannheim (1952) sobre
geração é um “divisor de águas na história sociológica” (FEIXA e LECCARDI, 2010, p.189).
Sua conceituação de geração objetivava distanciar-se do positivismo (a relação entre o ritmo
da história e o das gerações é vista em termos quantitativos; tempo social é “biologizado”;
novas gerações tomam o lugar das antigas) e da perspectiva romântico-histórica (consiste de
pessoas que partilham o mesmo conjunto de experiências históricas, o mesmo “tempo
qualitativo”; o que importa é a qualidade dos vínculos).
Karl Mannheim postula a noção de que geração não é uma data comum -
“demarcação geracional”-, mas é parte do processo histórico de que jovens da mesma idade-
classe compartilhavam. Portanto, o cientista acentuava um caráter histórico no devir social,
chegando também a não desvincular gerações e grupos de idade.
As pesquisas realizadas por esse sociólogo trazem dois importantes conceitos que
concedem visão mais ampla acerca do campo geracional: “conexão geracional” e “unidade
geracional”. A conexão geracional é uma prática coletiva que produz um vínculo geracional
baseado na vivência e na reflexão coletiva em torno dos mesmos acontecimentos; já a unidade
geracional é definida como visões distintas de mundo sobre um mesmo acontecimento
(MOTTA e WELLER, 2010).
Logo, Mannheim (1952) ensina que a simples vivência de gerações em momentos
históricos-sociais comuns, não necessariamente, leva a um desenvolvimento de iguais
perspectivas, pois a relação entre aqueles que partilham de uma mesma unidade geracional é
desenvolvida com origem nas tendências formadoras de um coletivo surgidas da apropriação
de conteúdos.
Nesse sentido, o conceito de gerações rompe com a ideia de unidades
geracionais concretas e coesas e nos instiga a centrar nossas análises nas
intenções primárias documentadas nos conteúdos, ações e expressões de
determinados grupos, ao invés de buscarmos caracterizar suas especificidades
enquanto grupo. (MOTTA e WELLER, 2010, p.177)
19
Outros componentes que remetem à importância do conceito dizem respeito à
existência de uma conexão entre o tempo individual e social na pesquisa geracional (FEIXA e
LECCARDI, 2010; ABRAMS, 1982). Logo,
[...] a capacidade da consciência geracional de promover um contato profundo com o
tempo da vida.....a dimensão genealógica implica por sua vez na consciência de que
as mudanças biográficas têm seu próprio lugar determinado pela descendência.
(MOTTA e WELLER, 2010, p.178)
Efetivamente, as interconexões da individualidade com a sociedade se processam com
suporte em mudanças sócio-históricas, fundindo-se em tempo biográfico e tempo histórico,
criando, desse modo, a geração social.
As pesquisas sobre gerações, desenvolvidas por Motta e Weller (2010), apontam dois
caminhos primordiais: uma dimensão antropológica, referente a várias formas de grupos e
categorias por idade, incluindo classificações nas posições da família e na organização social
mais ampla; a outra dimensão é sociológica e política, destacando as relações de poder entre
as gerações, apontando funções de solidariedade e de conflitos entre as gerações.
ZygmuntBauman (2007) ampara-se nos escritos de Jose Ortega y Gasset, para
argumentar a ideia de uma coexistência parcial entre gerações, relatando que as fronteiras que
as separam são ambíguas. O sociólogo coloca, tanto quanto o Filósofo espanhol acreditavam,
que os limites entre as gerações não eram claramente definidos, chegando muitas vezes certas
características a atravessar tais barreiras.
No tocante às relações entre às gerações, Feixa e Leccardi (2010) mencionam que,
com o envelhecimento da população, surgem também mais desigualdades na interação das
pessoas que se relacionam ao mundo do trabalho e à divisão de recursos públicos, podendo
ensejar muitos conflitos geracionais. Bauman (2007) reforça esse pensamento, quando
menciona que a convivência pacífica ou conflitiva entre gerações é algo não atual, mas existe
desde muito tempo.
Na perspectiva de Ferrigno (2007), a Modernidade é caracterizada pelo
distanciamento entre as gerações, fortalecido pelo estabelecimento de espaços sociais
específicos para cada grupo etário. As crianças na escola, por exemplo, são estimuladas a
conviver com outras da mesma idade, os jovens passam a “andar em tribos” etc. Portanto,
exceto o espaço familiar, os velhos não são estimulados a conviver com outras gerações. Para
Ferrigno (2007, p.233), as observações sistemáticas e depoimentos dos participantes
permitiram constatar que o convívio intergeracional promove o desenvolvimento de atitudes
mais positivas em relação às demais gerações.
20
Dessa forma, o contato entre distintas gerações promove a assimilação de novas
atitudes, pois permite ver uma mesma situação de maneiras diferentes, favorecendo o respeito
à diferença (SILVEIRA, 2002). Quando as pessoas passam a viver nessa nova realidade,
mudanças internas (maior consciência, responsabilidade e comprometimento social) e nas
relações com o outro e com o mundo são verificadas, proporcionando um bem-estar social de
todos. Portanto, os velhos estão vivos e necessitam estar inseridos socialmente nos mais
diversos ambientes e junto a outras gerações, numa perspectiva de troca mais igualitária.
As pesquisas sobre relações geracionais, nos conduz a investigar sobre as formas
pelas quais os sujeitos lidam com as singularidades de cada geração, além do papel social que
cada um desempenha no grupo. Nesse tocante, faz-se necessário apontarmos alguns estudos
sobre a estrutura das famílias brasileiras para, então, compreendermos como se processam as
redes de relações familiares.
Alcântara (2010) faz uso das ideias de Peixoto e Luz (2007), no que se refere ao
crescimento das famílias e à coexistência de três a quatro gerações. A primeira modalidade
diz respeito a pais e filhos, solteiros ou não, e que sempre moraram juntos, bem como às
filhas, mães solteiras com seus filhos, que nunca tiveram separadas dos pais; a segunda é
demarcada pelo fato de os mais jovens morarem com os mais velhos em virtude de estes
últimos terem melhores condições de vida, advindos principalmente da renda da
aposentadoria.
De acordo com pesquisa do PNAD/2007, divulgada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística- IBGE- (2008): 1,8 milhão dos velhos, especialmente as mulheres,
estavam sob a responsabilidade dos filhos, genros ou de outros parentes e expostos a algumas
vulnerabilidades, como baixo poder aquisitivo, problemas de saúde e sentimentos de solidão
provocados pela viuvez.
A este respeito, Alcântara (2010), menciona que as famílias brasileiras que moram
com velhos vivem melhor, em virtude da questão financeira, por poderem suprir as
necessidades básicas de toda a família. Isso decorre das relações de dependência entre os
membros da família.
De que família, porém, estamos falando? As mudanças nas últimas décadas fizeram
com que os modelos ideais de família nuclear (mãe, pai e filhos) fossem quebrados e os
papeis domésticos passassem a se tornar conflituosos desde de o momento em que não
sobrava espaço para a dimensão individual, característico do mundo contemporâneo (LOPES
&CALDERONI, 2007). As novas famílias passaram a denotar configurações bem distintas:
unidades domésticas plurigeracionais, agrupamento ampliado, duplas conjugais que optam
21
por não ter filhos, casos de produção independente, casais ocupando residências separadas,
parceiros conjugais homossexuais etc.
De acordo com estes estudiosos, o próprio envelhecimento de um membro da família
afetava toda a estrutura psíquica dos demais elementos constituintes; os filhos passavam a
perceber que seus pais não eram mais cuidadores e sim que necessitavam de cuidados.
Quaisquer mudanças na estrutura das famílias ensejavam crises e que exigiam uma força a
fim de gerar uma reorganização interna (LOPES & CALDERONI, 2007). A dinâmica de
modificação de papéis torna-se complexa, pois move componentes de onipotência, cobrança,
culpa, narcisismo, relação de poder etc.
Segundo Lopes e Calderoni (2007), a rede de relações entre pais e filhos torna-se
peculiar, pois é subsidiada por componentes afetivos complexos, que transformados ante as
mudanças profundas na vida dos membros. A responsabilidade de cuidar dos componentes
mais velhos é delegada, ao longo dos tempos, à família, justamente esta que se transforma
rotineiramente.
Na atualidade, para Moragas (1997) ainda é predominante a ideia de que a família
deve prover as mais variadas necessidades do ser velho, sejam de ordem física, psíquica ou
social, especialmente quando existe dificuldade no tocante a autonomia e dependência.
É a família, durante toda a existência do indivíduo, o núcleo de cuidados e afetos
propulsores de suas diversas potencialidades. Ela serve como vínculo que o
relaciona à sociedade, constituindo-se de laços de compromissos e lealdade entre
seus membros, tanto na linha ascendente quanto na descendente (SILVA, p. 71,
2007).
Será que a família atualmente exerce com efetividade a figura de protetora e
cuidadora dos mais velhos? A resposta a esta pergunta enseja muita polêmica, pois é objeto de
controvérsia entre estudiosos. Sabe-se é que ainda existem lacunas nas pesquisas que
circundam os conflitos contemporâneos relativos ao envelhecimento (LOPES &
CALDERONI, 2007).
O fato dos idosos viverem com os filhos não é garantia de presença, nem de respeito
e nem de prestígio, nem da ausência de maus-tratos. As denúncias de violência física
contra idosos aparecem nos casos em que diferentes gerações convivem na mesma
unidade doméstica. (DEBERT, p. 32, 1999)
A que velho, porém, nos reportamos? É imprescindível delinear um caminho do
envelhecimento, de modo a compreender as representações sociais a respeito da nomeação de
vários conceitos que circundam tal categoria.
De acordo com a antropologia do envelhecimento, o rápido aumento da população de
mais de 60 anos virou um “problema social”, pois ensejam sérias consequências econômicas
(PEIXOTO, 2003). Uma classe social surgia como categoria nova e possuidora de
22
necessidades sociais e que, portanto, era merecedora de atenção e cuidado. Não só o Estado,
como também os pesquisadores, os estudiosos e principalmente a sociedade como um todo,
devem se adaptar a essa nova realidade social.
Os estudos de Peixoto (2003) apontam que alguns documentos oficiais publicados
antes dos anos 1960 denominavam as pessoas que possuíam mais de 60 anos simplesmente de
velhas, já carregando de forma implícita um esquecimento a esta parcela da população. Já no
final desta década, o Brasil começou a receber influência da Europa a respeito de uma
mudança da imagem da velhice, recuperando a noção de idoso, advindo do cenário francês
como alguém que merecia ser tratado com respeito.
Na visão dessa estudiosa, as duas conotações, velhoe idoso, passaram a enunciar e
demarcar lugares e práticas sociais distintos, chegando a afetar a forma pela qual a sociedade
enxergava as pessoas de mais idade. Se “a denominação desses dois estabelecimentos marca
uma certa ambivalência, a descrição de suas instalações mostra bem o tratamento diferenciado
dispensado às diversas camadas sociais”. (PEIXOTO, 2003, p.78)
Logo, o termo velhopassa então a assumir uma conotação negativa, pois chegava a
designar as pessoas de mais idade pertencentes às camadas populares e que apresentavam
traços de declínio.
Em relação à ideia de “terceira idade”, esse conceito chega a ser empregado nas
proposições relativas à criação de atividades sociais, culturais e esportivas, designando os
“jovens velhos” e aposentados dinâmicos, como a representação francesa denotava
(PEIXOTO, 2003).
Acerca desta nomeação de conceitos direcionados aos velhos, Neri (2003) expõe que,
algumas formas de tratamento aparentemente carinhosas como “velhinho”, “tia”, “melhor
idade”, “terceira idade”, dentre outros, podem mascarar preconceitos, pois são artifícios
semânticos.
Dessa forma, se existe uma necessidade social da criação e substituição de outros
vocábulos e expressões para caracterizar as pessoas de mais idade, significa que a sociedade
tenta ocultar algum estigma perante esse público. Portanto, essas várias palavras objetivam
suavizar essa fase da vida, trazendo a questão do politicamente correto, desconsiderando o
real sentido da palavra velho.
Convém exprimir, porém, que, mesmo com a existência de esforços na mudança de
nomenclatura, isso não pôde ser acompanhado pela implantação de uma política social
voltada para a velhice (PEIXOTO, 2003).
23
No âmbito de políticas sociais, é importante frisar que, inicialmente, algumas
modificações na legislação brasileira (em especial com a criação da aposentadoria-velhice em
1973), chegaram a alterar a representação social do aposentado, rotulando de não produtivas e
velhas as pessoas de mais idade. Dessa forma, no Brasil industrial, o ciclo de vida passou a
ser reestruturado e a velhice a designar a época do repouso e do não trabalho (PEIXOTO,
2003).
Com efeito, a associação entre decadência e velhice se espalha pelo Brasil chegando
a afetar, em especial, a imagem que o velho tem de si mesmo. Assim, a percepção negativa da
velhice passa a ser associada com desânimo, perda de vontade de viver e dependência física
(BOKANY e VENTURI, 2007).
Com esse preconceito sociocultural, a velhice passou a ser sinônimo de declínio e
morte, sendo, muitas vezes, incorporada pelas pessoas de mais de 60 anos (CARNEIRO e
GUIMARÃES, 2012), chegando a acarretar algumas consequências: abandono do velho pela
família, morte social da pessoa, baixa autoestima, depressão e dificuldade na busca de
tratamento que prejudicam sua qualidade de vida.
Um importante aspecto na velhice ganha representação e passa a exercer influência
no comportamento das pessoas: a morte. Segundo Agostinho (2004), o sujeito lida com a
morte conforme direciona sua vida, os valores, os medos, as regras, os papéis sociais e
sonhos.
Elias (2001) postula a ideia de que, nas sociedades modernas, a morte é percebida
como perigo e, quando identificada com o sofrimento alheio, chega a causar grande temor,
pois representa a finitude.
Franco (2007) utiliza-se dos pensamentos de Oliveira e Pinto (2003), quando
expressa a noção de temor da morte advir da lembrança, com nossos medos de infância, de
que ela se associa com assassinatos, e dos mistérios que circundam os ritos em torno deste
fenômeno. Portanto, muitas pessoas, ao envelhecerem, vivem assustadas, pois carregam a
ideia de morte como algo traumático e pavoroso.
Karl Gustav Jung (2003) menciona que os velhos chegam a recorrer aos mitos como
forma de amparar suas angústias ante a proximidade da morte; ele diz que o mito traz uma
possibilidade de dar sentido às experiências humanas, indicando um norte para as atitudes
vitais.
As ideias de França (2003) concebem duas formas de tratar a morte: de teor físico e
de cunho social. A ordem física refere-se a uma deterioração natural e gradativa das funções
orgânicas e corpóreas, advinda com o passar dos anos; já a morte social ocorre quando a
24
pessoa deixa de pertencer a um determinado grupo, seja por limite de idade ou por perda de
função, o que é característico do mundo ocidental.
Dentro dessa visão, advinda do capitalismo, a sociedade “insere’ o velho no mercado
de consumo, vendendo uma imagem para a mídia irreal, chegando a “adestrar” as amarguras
desse público com o objetivo de fazê-lo esquecer sua condição de proximidade com a morte
(FRANCO, 2007). Logo, a sociedade realiza uma espécie de controle social ante o contato
com a morte.
A morte é um fenômeno do envelhecimento, e a dor das perdas de pessoas queridas,
por ser uma constante lembrança do velho e da proximidade da própria hora, chega a causar
angústia e temor (FRANÇA, 2003). Essa estudiosa menciona que a dificuldade dos velhos em
comentarem sobre as perdas se atrela ao fato de eles verem na morte do outro a possibilidade
de sua finitude.
Com base nesse fato, podemos relatar uma matéria do Jornal Zero Hora (1998), ao
mencionar que as perdas podem trazer a consciência da morte e que a velhice passa a ser uma
fase em que as pessoas tendem mais a morrer, seguindo o ciclo natural da vida. A publicação
menciona ainda que o tabu da morte perturba, dependendo da forma como é encarado e que
fugir do assunto traz angústia ao sujeito.
Em outro contexto, trazemosos estudos de Carneiro e Guimarães (2012) os quais
citam Philippe Ariès (2003), ressaltando que as mudanças nas representações a respeito da
morte também influenciam a atitude das pessoas relacionadas à finitude. Ao longo dos
tempos, com as transformações socioculturais a história da humanidade vai se delineando e,
juntamente com ela, a representação da morte.
[...] a segunda fase da Idade Média, a morte se torna um evento, solidificado pelo
medo do julgamento final e pela necessidade de prestar contas. Já, no renascimento,
a morte se torna distante, chamada de morte selvagem. No século XVIII, a morte
possui um sentido novo: a morte de si mesmo é negada, enquanto que a morte do
outro é patética....término do século XIX, a presença do moribundo gerava
incômodo e esse era transferido para o hospital (CARNEIRO e GUIMARÃES,
2012, p. 8-9).
Nos estudos de Sevalho (1993), nos povos com escrita, a doença era como obra dos
deuses, maldições ou castigos divinos, adquirindo uma conotação de punição ou de algo
errado. Assim, o medo e a culpa se relacionavam a doença, e morrer doente era uma punição
para os pecadores. Para esse estudioso, na Idade Média, o doente deveria ser mantido a
distância, pois isto significava o medo do sofrimento e da morte. No Renascimento, com o
racionalismo de Descartes, surge a ideia de postergar a morte.
25
Logo, ao se fazer uma análise da revisão histórica da representação da morte,
percebe-se é que existiram transformações profundas nesse processo e que colaboraram para a
formação social desse conceito atrelado a uma ideia negativa, que deveria ser temida e
afastada, pois era algo desconhecido.
A relação da velhice com a morte passa a ser uma concepção fatalista e que,
portanto, deveria ser evitada, devendo-se trabalhar sempre para elaborar uma representação
mais otimista e que restitua o sujeito na família e na sociedade como ser responsável por sua
história. Na visão de Carneiro e Guimarães (2012), a morte deveria ser compreendida como o
fim do ciclo, como algo natural e certo na vida do ser humano.
A consciência e a aceitação da finitude não deveriam ser angustiantes e
aprisionadoras, nem serem vistas apenas como marcadoras do fim; deveriam possibilitar-nos
uma continuidade real, mobilizando-nos ao desapego; a ideia trazida pela Modernidade de um
modelo ideal, de sujeitos imortais, onipotentes e belos, deveria ser abandonada por um
entendimento que se configurasse como um “sentido maior” da existência humana
(FRANCO, 2007).
No envelhecimento, dois conceitos devem receber uma atenção especial, pois nos
ajudam a refletir melhor essa etapa de vida tão singela : o corpo e o tempo. O corpo (do
ponto de vista da Psicanálise) a que iremos nos remeter se refere a algo que seja investido
libidinalmente e sobre o qual incidem afetos, prazeres e emoções e que vão deixando marcas,
criando uma imagem que nos permitirá reconhecer que somos sempre os mesmos, apesar das
mudanças do tempo (GOLDFARB, 1998).
Na visão dessa autora, quando o sujeito velho menciona que seu corpo já não lhe
deixa fazer tantas coisas, este nos “fala” que sente seu corpo como algo estranho e
desconhecido, como um outro que o prejudica, pois já não serve como instrumento, que o
ataca de fora, gerando uma sensação de desprazer e sofrimento. Ela ainda continua seu
pensamento, mencionando que, quando o velho se olha no espelho (ou no olhar dos outros),
percebe uma imagem atrelada à degeneração das capacidades corporais e físicas, passando a
não se reconhecer, pois capta esta imagem com susto e estranheza, como se esta fosse de
outro. Logo, ao se olhar no espelho, este lhe devolve uma imagem atrelada a uma identidade
em que se confirmam os prejuízos físicos, antecipando-se a velhice e a finitude, gerando
grande ansiedade na pessoa.
O tempo, para a Psicanálise, exprime um caráter subjetivo, pois atua nessa
elaboração e na história vivencial da pessoa. A história do sujeito se constitui no passado
“historizado” no presente, em um passado presentificado que acarreta consequências para ele.
26
O tempo psicológico é a percepção da passagem de nossa vida e que está sujeita a
profundas transformações; ele está ligado à consciência de finitude que se inicia com as
experiências com a proximidade da morte (GOLDFARB, 1998). O velho passa a sentir um
grande temor no avançar dos anos, pois percebe que “já não tem tanto tempo pela frente, só
resta mais um pouco”.
Freud analisa a transitoriedade e remete à ideia de que o sujeito sente um temor pela
morte e um consequente amor pela vida, pensando na noção de valor àquilo que é belo. Isto é,
o escasso tempo que o velho tem para gozar de sua vida faz com que ele dê mais valor a esta.
É preciso considerar que esta época de temor da morte e das incertezas que ela
comporta é também uma época de extremo e apaixonado amor pela vida, expressa
na ligação afetiva dos homens às coisas terrenas: os amigos, os parentes, os animais,
as plantas. (RODRIGUES, 1983, p. 135)
Analisando outro contexto do envelhecimento, encontramos amparo em Leite (2004),
para considerar que o comportamento coletivo depende da existência de um conjunto de
regras estabelecidas socialmente e que toda atividade humana está sujeita ao hábito. Com base
nisso, as regras culturais (que estão a favor do capitalismo) postulam ideias que “transmitem”
(por imposição) uma imagem depreciativa dos velhos e que são interiorizadas de forma
alienada e distorcida pela sociedade. Portanto, o velho se sente inútil, descartável e
inadequado para uma sociedade que valoriza a juventude.
Nesse tocante, citamos algumas ideias de Émile Durkheim (1925), quando ele
expressa a moral como elemento central de seu pensamento. Esse estudioso assinala que a
moral é um sistema de regras de ação que predeterminam a conduta, as quais nos dizem como
devemos agir. Deste modo, na óptica de Rodrigues (2008), boa parte dos velhos se encontra
submetida a uma ordem social (sistemas de normas que conceituam a imagem depreciativa do
velho) esmagadora que o marginaliza, deixando-o à mercê da sociedade.
Rodrigues (2008) referencia os pensamentos de Durkheim para aludir que existem
várias instituições tradicionais e modernas (Estado, família, religião etc) que podem exercer
coerção (independentemente do nosso desejo) no sentido de assumir um papel de entidade
moral e reguladora. Logo, o velho passa a “aceitar” o que é empreendido por essa ideologia
dominante, uma vez que não quer se sentir “à parte” do sistema social.
Torna-se importante salientar, então, como se procedem às avaliações negativas que
desqualificam as pessoas de mais idade. Para tanto, algumas discussões acerca das nossas
atitudes e comportamentos se fazem necessárias.
Na compreensão de Neri (2007, p.35), as atitudes são definidas como avaliações de
pessoas em relação a objetos sociais, para as quais concorrem processos afetivos e cognitivos
27
que juntos orientam nossas ações: “Nossos comportamentos em relação aos idosos e à velhice
dependem da interação entre crenças, que podem ser corretas ou incorretas, e entre afetos, que
podem ser positivos, negativos ou neutros, fracos ou fortes”.
Neri (2007), ao citar Osgoodet al (1955), menciona que os nossos comportamentos
em relação à velhice irão depender da interação de crenças, que poderão ser corretas ou
incorretas, e de afetos, que podem ser positivos, negativos, fracos ou fortes. A autora ainda
explica que a força das atitudes orientadoras do nosso comportamento social bem como
nossas motivações e emoções derivam da conexão entre atributos cognitivos e afetivos.
Alguns preconceitos e estereótipos resultam de falsas crenças a respeito da
competência e da produtividade das pessoas de mais idade (NERI, 2007). Daí o critério etário
fundamentado por motivos econômicos começa a passar por discriminação social, e o velho a
valer menos nas trocas sociais.
Com efeito, Neri (2003) fundamenta-se nas ideias de Butler (1969), ao dissertar que
a estigmatização deriva de alguma pessoa ou grupo se sobrepor a outro, ou seja, os velhos
passam a ser discriminados por grupos mais poderosos, que controlam o acesso a
determinados recursos ou em razão de exibir ou não certo atributo. Portanto, as sociedades
industriais, que valorizam a agilidade da juventude, passam a rejeitar as pessoas de mais idade
por não se encaixarem no critério etário exigido. Dessa forma, os velhos são limitados quanto
ao acesso a domínios importantes da vida, afetando diretamente seu statussocial, o bem-estar
psicológico e até mesmo a saúde física.
O advento da industrialização faz nascer no sujeito o mito da juventude eterna, apelo
constante dos meios de comunicação, como se o envelhecimento precisasse ser combatido a
todo custo pelos inúmeros produtos de beleza que surgem no mercado. As tintas de coloração
para os cabelos brancos, as vitaminas fortificantes, os remédios que prometem um vigor
sexual, as vestimentas que ganham um ar de maior jovialidade e outros meios surgem contra
ou a favor de um bom envelhecimento.
Considerando todos esses adereços criados por uma necessidade social, resta-nos saber
se quando uma pessoa faz uso de uma tinta de coloração capilar não está evitando o processo
natural de perda de melanina (se evita o envelhecer) ou se está querendo envelhecer bem, com
uma aparência mais saudável. Eis aí uma velhice que é atual e que é (re) constituída
diariamente.
Para Ecléa Bosi (1994, p.19),”ser velho é sobreviver” a uma sociedade capitalista que
opera aqueles que nada têm a produzir nos termos do capital. Ela fala ainda que os velhos não
realizam sua função social porque se encontram desarmados e que a destruição dos suportes
28
materiais da memória que a sociedade capitalista se empenha em apagar, esvazia um sentido
da existência humana. Logo, os sujeitos envelhecidos,
[...] sem projeto, impedidos de lembrar e de ensinar, sofrendo as adversidades de um
corpo que se desagrega à medida que a memória vai-se tornando cada vez mais viva,
a velhice, que não existe para si, mas somente para um outro (...) (1994, p.19).
Então, o desmoronamento cultural da velhice como categoria oprimida, despojada e
banida da sociedade, privilegia o jovem e o novo. Como salienta Beauvoir (1990), torna-se
essencial romper o silêncio opressor que opera na velhice.
Neri (2003), utiliza-se das análises de Kalish (1979) e Palmore (1990), relatando a
existência de estereótipos compassivos e preconceitos positivos. O primeiro se refere a um
preconceito etário que realça a dependência e a incapacidade, contribuindo para a criação e o
fortalecimento de novas avaliações negativas. O próprio Estatuto do Idoso, na visão da autora,
torna-se implicitamente preconceituoso, uma vez que foi calcado numa visão de velhice
doente e economicamente dependente, que deve ser tutelada por instituições sociais. Vale
salientar que esta discussão é aprofundada no quarto capítulo, no debate das políticas
públicas.
O segundo preconceito se refere a uma supervalorização de atributos positivos dos
velhos, chegando a induzir falsas crenças e criar enganosas expectativas de competência. Um
exemplo disto é a noção de que todos os velhos são sábios, uma vez que experiências
significativas, flexibilidade e abertura de julgamentos são critérios pertinentes aos sábios, mas
que nem todos os velhos os possuem.
Ante esse âmbito de “morte social” do velho, sua exclusão e isolamento, gradualmente
passam a ser repensados (FRANCO, 2007); a Gerontologia começa a vestir uma nova
roupagem começando a rever uma série de mitos atrelados a imagens negativas da velhice
(DEBERT, 2013); os velhos começam a lutar para quebrar preconceitos e estereótipos.
Apesar da conotação de peso que os idosos ainda carregam, a sociedade já começa a
integrá-los de diversas formas. A agora chamada terceira idade é um público para o
qual já existem faculdades, cursos dos mais variados tipos, atividades físicas
específicas às suas necessidades, departamentos de instituições educacionais, como
a área da Geriatria e Gerontologia, além de direitos voltados exclusivamente para
ela. (FRANCO, 2007, p.111-112)
Então, os estereótipos carregados de pessimismo, gradativamente, vão sendo
substituídos pela imagem dos idosos como seres ativos e que são capazes de dar respostas
criativas e adaptativas às situações de mudanças sociais.
Convém considerarmos que, em virtude da existência de movimentos a favor dos
direitos para as pessoas acima de 60 anos, de protestos, dos benefícios advindos da
Constituição de 1988 e da criação do Estatuto do Idoso, mesmo com seus preconceitos
29
implícitos, este representou um avanço. Houve um período em que as condições destes
agentes melhoraram sensivelmente, uma vez que se comprovou um progresso social,
chegando a se criar padrões em relação à velhice (NERI, 2003). Prova disso é a existência de
um modelo positivo de elaboração social da velhice, sinalizando que a sociedade já aponta a
existência de formas de envelhecer, mais positivas e saudáveis do que antigamente.
Alguns estudiosos já começam a aprofundar suas pesquisas que acenam para a
possibilidade de uma mudança nas reflexões e nos comportamentos em relação à velhice. Neri
(2003) faz uso dos estudos de Hess (2006), relatando que existem algumas variáveis que
podem moderar a influência de atitudes negativas em relação à velhice: sistema de educação
de qualidade pautado no respeito e nos direitos para os mais velhos, as interações com esses
agentes, o acesso a informações que contrariem os estereótipos, o acesso a informações sobre
as reais capacidades dos velhos com menor foco na idade e pouca ansiedade em relação ao
próprio envelhecimento.
A ideia do velho como ser ativo começa a estimular práticas sociais que visam a
garantir a participação do idoso na vida social com independência, dignidade e igualdade de
oportunidade (DEBERT, 2013).
Essa ideia de maior participação do velho no meio social que ainda está sendo
potencializada por políticas públicas e movimentos/conquistas sociais, paulatinamente traz,
repercussões macro e microssociais; sua identidade como ser inútil pôde ser (re) vista na
ocupação do mercado de trabalho; sua autopercepção e autoestima adquirem uma outra
conotação.
Na atividade dos velhos, a Síntese dos Indicadores Sociais realizada pelo IBGE
(2013), indica que a proporção destes que não recebe aposentadoria ou pensão pode estar
relacionada à inserção no mercado de trabalho, em que a taxa de ocupação foi de 27,1%,
sendo que 15,3% das pessoas eram ocupadas e aposentadas e o tempo médio de trabalho era
de 34,7 horas semanais. Já para as pessoas de 65 anos ou mais de idade, a taxa de ocupação
foi de 19,4%, diferenciando-se para homens (29,6%) e mulheres (11,6%).
Segundo pesquisa realizada por Camarano (2013), cujas ponderações procedem da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)/IBGE de 1998, 2003 e 2008, bem
como registros do Ministério da Previdência Social (MPS), a aposentadoria ou o recebimento
de um benefício social não significa, necessariamente, a saída do mercado de trabalho.
Isto significa que boa parte dos velhos, mesmo estando aposentada, ainda se encontra
realizando atividades laborais. Foi visto que, apesar de os homens se aposentarem em média
aos 60 anos, nos três anos considerados, eles deixaram o mercado de trabalho quatro anos
30
mais tarde, em 1998, e três em 2008. Diferentemente dos homens, parece que, para as
mulheres, a aposentadoria significava, de fato, uma saída do mercado de trabalho.
A pesquisa apontou que a mulher, apesar de viver oito anos a mais do que os homens
(70 e 78 anos respectivamente), passam menos tempo na atividade profissional do que os
homens. Para elas, a aposentadoria significava uma saída do mercado de trabalho, sendo em
parte explicada pela nupcialidade ou fecundidade.
Sumarizando, em 2008, um homem vivia, em média, 70 anos, passava 40,3 anos nas
atividades econômicas, 12,0 na condição de aposentado, 5,6 trabalhando e
aposentado e 2,6 anos com alguma incapacidade. Neste caso, 1,2 ano a menos que as
mulheres. Estas podiam esperar viver aproximadamente 78 anos, dos quais 29,0
anos no mercado de trabalho, 11,2 na condição de aposentadas, aproximadamente 2
como aposentadas e trabalhando e 3,8 com dificuldades para a vida diária.
(CAMARANO, KANSO e FERNANDES, 2013, p. 27)
Ainda segundo dados desta pesquisa, alguns fatores - como complemento de renda,
custo de oportunidade elevado pela saída precoce da atividade econômica, boas condições de
saúde e autonomia -são alguns fatores que talvez expliquem a permanência do aposentado no
mercado de trabalho. Para os componentes da pesquisa, participar do mercado de trabalho
significava afirmar sua participação social e que a saída precoce poderia significar numa
desintegração social, desencadeando depressão, alcoolismo, dentre outras adversidades. Todas
essas incapacidades e privações podem ser onerosas para o Estado e demandar políticas
específicas.
Portanto, se verificam vários aspectos que colaboram para a inserção e permanência da
pessoa de mais de 60 anos no mercado de trabalho, possibilitando maior visibilidade e
respeito desse público no ambiente social.
Em relação a formas de participação e organização do velho no cenário social,
podemos citar o movimento dos idosos, os fóruns, o Conselho Municipal do Idoso e as
associações que, mesmo sendo frágeis politicamente, são importantes por sua abrangência e
pela natureza de suas reivindicações (MACHADO, 2007).
Convém o fato de que conquistas do segmento idoso advêm da participação popular
por pressionar o Estado na efetivação dos direitos, como lembra Alcântara (2014, p.9), a
despeito da importância dos movimentos sociais, bem como da questão social da velhice
como responsabilidade do Poder Público:
A Política Nacional do Idoso é resultado de toda uma mobilização da sociedade
civil. Foi esta que, para além dos governantes, lutou e reivindicou, ao longo do
século passado por melhores condições de vida para o velho, uma vez que, casa,
comida e cama não eram o suficiente para prestar a assistência devida.
31
Torna-se necessário, pois, que as pessoas mais velhas se insurjam como protagonistas,
como personagens capazes de exercer autonomamente papeis sociais; que elas atuem não
como personagem principal, mas como um ser que age sobre a narrativa e ocupa um lugar na
história (CORREA, JUSTO, ROZENDO, 2010).
2.2 Família e relações de parentesco
Ao adentrarmos o estudo do processo de envelhecimento, torna-se imprescindível
compreendermos o conceito de família, como se configuram as relações entre os membros
(relações de parentesco), de modo a conhecer como as pessoas se comportam, desempenham
os papeis e assumem sua identidade psicossocial dentro do grupo.
Consoante Ribeiro (1999), o termo família é derivado do latim “famulus” que
significa “escravo doméstico”. Este termo foi criado na Roma antiga para designar um novo
grupo social que surgiu entre as tribos latinas, ao serem introduzidas a agricultura e também a
escravidão legalizada.
No Direito Romano clássico, a família natural passa a ser definida baseada no
casamento e nos vínculos de sangue, sendo constituída apenas dos seus cônjuges e dos filhos.
Nessa época, a família se encontrava sob a autoridade do mesmo chefe (estrutura patriarcal),
sendo formados vínculos matrimoniais, dando origem a novas famílias. Essa era a estrutura
dominante deste período.
Nessa época, passa-se a observar a família como um “produto ideológico”, força
moralizadora de determinado momento (FONSECA, 2007), pois essa célula servia de base às
forças de repressão, ou seja, o governo tomava medidas para justificar suas ações violentas
(exemplos: taxas de divórcio, controle de natalidade etc). Assim, estudiosos e alguns
movimentos de oposição ganharam força no rastro do “declínio do estado do bem-estar
social”, tecendo críticas de ver a família como locus privilegiado de problemas e soluções
sociais. Nesse sentido, na análise dessa autora, a família deixa de ser “célula básica” de
qualquer sociedade, passando a ser analisada como uma noção política e científica
historicamente situada.
No pensamento de Alcântara (2010) sobre família, esta relata que tal instituição deve
ser vista em sua multiplicidade de expressões, com suas diversidades de práticas, valores e
visões de mundo, contrapondo-se ao modelo hegemônico da família nuclear burguesa, isto é,
composta de mãe, pais e filhos (esposa e filhos devem obediência irrestrita ao marido).
32
A existência dessa estrutura hierarquizada, advinda do modelo hegemônico, pôde ser
contrastada nesta pesquisa de campo, quando verificamos uma diferenciação na divisão
sexual do trabalho. Na conversa com os sujeitos da pesquisa, notamos uma não padronização
de atribuições específicas para homens e mulheres; o espaço da rua passava a ser um lugar da
mulher, sendo a casa um espaço não exclusivamente feminino; enfim, foi percebida a
existência de relação dos interlocutores de forma não hierarquizada.
Vivemos num tempo repleto de alternativas e ao mesmo tempo normativo; os papeis
não-rigidamente preestabelecidos são objetos de constantes negociações, na busca
de construção de uma nova lógica simbólica...O limite entre o que é pertencente ao
domínio público e o que cabe ao privado fica em suspenso.(LOPES &
CALDERONI, p. 225, 2007)
Nas conversas com algumas pessoas, percebemosuma internalização de valores
simbólicos, advindos da cultura local, que naturalizavam as relações sociais e que se
encontravam sob o aparato ideológico (NERI, 2007), como mostra o relato de uma senhora da
comunidade
Minha fia, as coisas aqui tão muito diferente...antigamente o homi só beijava na
mulher pra casar...hoje existe o tal dos fica que as meninote tudo embuxa é cedo...é
um fogo quente no rabo (ANA, 61 anos).
Antes os fio da gente respeitava nois...hoje se a gente não cuida eles bate em nós,
grita com nós e quer é mandar em nós...num obedece mais...as coisas hoje mudaram
pra pior...aqui eu já disse que leva péia e é muita se num mi
obedecer...(FERNANDA, 70 anos).
Estas expressões revelam ideologias dominantes perante um dado contexto histórico,
cultural e social que as pessoas utilizam para expressar suas visões de mundo sobre um dado
assunto. E é nesse sentido que pretendemos analisar homens e mulheres que residem no
espaço rural, os quais, com suas particularidades (jargões, costumes, ditos populares e
crenças) adquirem um cotidiano familiar próprio, com suas regras e códigos. Desse modo, de
acordo com alguns estudos antropológicos, observamos como os velhos vivem e o que fazem
e não o que as regras preestabelecidas enunciam.
[...] observar o que existe e o que significa para os nativos. Isso conduz â oposição
entre o ideal e o real, entre teoria nativa e comportamento concreto. O importante é a
ênfase na prática (interesses, ambição etc) como sendo a realidade da vida social,
mais do que padrões ideais. (WOORTMANN, 2002, p.14)
Tomando como referência Sarti (2004), torna-se necessário pensar a família como
uma realidade que se constitui pelo discurso sobre si própria, entendendo como esta se perfaz
dentro de uma cultura, ordenando as relações de parentesco (entre irmãos, pais e filhos e entre
marido e mulher).
Em Malinowski, a família é derivada de impulsos fisiológicos-psicológicos da
pessoa, podendo ser compreendida nos termos de uma psicologia do indivíduo
33
(WOORTMANN, 2002). Tomando como referência Malinoswki, Woortmann (2002, p.10)
menciona que a cultura é a interação constante do organismo com o meio secundário em que
vive e que “a família é o resultado de condições que se manifestam no sujeito, no marco
cultural e na relação de ambos com o ambiente físico”, sendo esta condição necessária para a
sobrevivência deste no grupo; para aquele autor, os impulsos orgânicos são determinantes da
cultura.
Para a Antropologia a família é definida pela naturalidade e pela culturalidade. O
conceito de família é cultural, pois cada sociedade possui seu conceito sobre valores,
atribuindo sentido a estes, a responsabilidade e aos privilégios de cada membro constituinte
do núcleo familiar (WOORTMANN, 2002). Nesse sentido, a literatura socioantropológica
atribui importância ao estudo da família como processo, ou seja, como uma instituição que
adquire identidade, levando em conta as transformações advindas no meio extra e
intrafamiliar.
Uma das principais contribuições da Antropologia é justamente pensar na
“desnaturalização” e na “desuniversalização” da família, ou seja, do conceito de modelo
hegemônico de família nuclear burguesa. Logo, os estudos antropológicos reconhecem as
relações familiares como complexidades sociais, em que se estabelece a pluralidade, sob a
perspectiva de que as normas impossibilitam a apreensão de um universo tão heterogêneo e
dinâmico (ALCÂNTARA, 2010).
Em Malinowski, a instituição família é a família nuclear, correspondendo ao
princípio de reprodução como necessidade básica. Sua ênfase psicológica o afastava da noção
de sistema (grupos de parentesco); o parentesco, para ele, se resume à família individual
examinada internamente (divisão sexual do trabalho, relação entre pais e filhos) e como a
fonte das extensões que resultam das relações genealógicas (WOORTMANN, 2002).
Woortmann e Woortmann (2002, p. 29) fazem uso das ideias de Fortes (1964)
quando se remetem à ideia de universalidade da família nuclear:
[...] a mulher deve ter uma relação especial como um homem externo a seu grupo de
descendência, que é sociologicamente o ‘pai’ da criança, e esta relação é o foco da
‘legitimidade’ da criança, de seu status referencial no sistema de parentesco mais
amplo.
O princípio da universalidade da família nuclear de Malinowski era o foco genético
do parentesco. Sarti (1992) exprime que, o parentesco passa a ser estudado pela Antropologia
para regular as relações sociais em comunidades tribais, uma vez que estas não eram
dimensionadas pelo Estado.
34
É importante ressaltar a diferença que Sarti (1992) faz quando menciona os conceitos
de família e parentesco. Para ela, apesar de ambos tratarem de fatos básicos da vida
(nascimento, acasalamento e morte), a família pode ser definida como um grupo social
concreto, e o parentesco como uma abstração, uma estrutura formal.
Quando se refere a Robin Fox, Sarti (1992) argumenta que os estudos do parentesco
se dedicam a analisar o modo como a pessoa faz com os fatos básicos da vida, por que ela faz
e por que escolhe determinadas ações; diferentemente de Malinowski, para quem o parentesco
é determinado de forma genética, partindo da situação simples da relação parental até suas
ramificações mais complexas.
Os estudos de Sarti (1992) relatam que o parentesco, para Lévi-Strauss, é uma
estrutura formal e universal, e que a existência da variabilidade advém dos variados arranjos
dos elementos do parentesco. A autora menciona ainda que o sistema de parentesco deveria
analisar porque tais elementos se articulavam de determinada maneira dentro de uma
organização social.
Para ela, o parentesco resulta de três relações básicas: da descendência (pai e filho e
mãe e filho), consaguinidade (entre irmãos) e afinidade (casamento, aliança) e que
variabilidade está em como se faz essa combinação entre estes elementos. Sarti (1992, p. 71)
continua, ainda: “Isto porque a descendência não tem nada a ver com o vínculo de parentesco
biológico entre pai e filho, mas com a definição social das regras de transmissão de direitos de
uma geração a outra”.
Segundo as ideias propostas pela Antropologia, dentro da família, o pai exerce uma
figura constituída socialmente pelo casamento, enquanto a mãe e os filhos são figuras
naturais; o casamento existe para legitimar a prole, definindo qual é o lugar ocupado por este.
Logo, essa aliança legitima a relação com os filhos e não do homem com a mulher (SARTI,
1992).
Consoante informa a autora, Lévi-Strauss aborda um caráter não natural da família,
uma vez que não pensa no átomo do parentesco desde uma unidade biológica; ele passa a
adotar uma dimensão cultural com a introdução de uma nova figura no parentesco, exercida
pela inclusão do irmão da mãe; ele postula, pois, então uma “desnaturalização da família”,
separando a família da unidade biológica.
Sendo assim, este estudo se volta, ainda que de forma parcial, às relações de
parentesco e da divisão sexual do trabalho da comunidade de Iracema, analisando a
combinação das relações, “qual o significado, que relações são proibidas, não são proibidas,
com quem se pode ou não casar, o que isso significa em termos de descendência” (SARTI,
35
1992), enfatizando também a variabilidade. Nesse sentido, pensamos sobre como se instauram
as mudanças na família, associadas a um ou a outro elemento constitutivo desta,
contextualizando-a em termos de condições sociais.
36
3UMA REFLEXÃO SOBRE O ESPAÇO RURAL:ENTRE CONCEITOS E
CONTEXTOS
3.1Divergências entre os conceitos de urbano e rural
São muitas as dificuldades teóricas e metodológicas encontradas pelos estudiosos do
assunto e pelos formuladores de políticas sociais em definir o que é rural no Brasil. A
compreensão de tal conceito se torna pertinente, em especial quando se inicia uma reflexão do
que seja urbano e rural no País (ALCÂNTARA, 2010). Nesse sentido, discutimos neste
capítulo acerca de tais recortes espaciais condizentes com mudanças sociais e históricas.
De fato, porém, o que é rural? Sorokin e Zimmermmann (1929) entendem que tal
espaço deve ser conceituado de acordo com suas características econômicas, isto é, o rural
abriga a produção agropecuária, e todas as demais atividades estão a ela subordinadas de
forma secundária. De modo geral, de acordo com os relatos dos interlocutores, o espaço rural
é compreendido como aquele ocupado pelo trabalho na agricultura e na criação de gado,
marcado por um estilo de vida longe da violência. Dotora eu até gosto daqui sabe...morar
aqui na zona rural é bom porque a gente lida com a terra e com os bichos e com as
vacas...isso é o rural...é tranquilo, fica longe dos barulhos, dos ladrões... (MARIA, 65 anos).
Nesse sentido, o rural emerge para os moradores como um lugar marcado por
características singulares que lhe conferem uma significação particular. O rural abriga a
relação do homem com a terra, da criação de animais e de relações familiares pautadas em
princípios de reciprocidade e solidariedade na divisão de tarefas. O modo de vida dos agentes
do espaço rural é traduzido como algo em que eles acompanham, alguma coisa que eles
regem e participam ativamente das tarefas domésticas e da lida na roça. A tranquilidade é
percebida como algo natural e que já faz parte do cotidiano; os sons advindos dos animais e
dos poucos carros que ali passam reforçam esse silêncio ensurdecedor de que eles gostam e
que qualquer alteração nesse meio chega a ser sentida como uma intranquilidade.
Na visão de Reis (2006), nas primeiras décadas do século XX, a sociedade brasileira
se configurava como amplamente rural. Já na segunda metade deste, porém, o Brasil se tornou
um país urbano, ou seja, mais de 50% de sua população passou a residir nas cidades. Isso foi
ocasionado, sobretudo, pela intensa industrialização que carecia de mão de obra e mercado
consumidor. Portanto, a urbanização se apoiou no êxodo rural e, então, os migrantes se
dirigiam às cidades em busca de emprego, salários e melhores condições de vida.
Para esse estudioso, de 1940 a 1980, o esvaziamento das áreas rurais e o crescimento
desordenado das cidades criaram mudanças significativas no espaço rural. A população
37
brasileira, que até a década de 1940 era eminentemente rural, passou a caracterizar-se como
urbana, haja vista a migração decorrente da industrialização. Nos últimos 50 anos, de acordo
com Delgado e Cardoso Júnior (2004), essas migrações alteraram a configuração do espaço
rural, especialmente do ponto de vista econômico, em razão do aumento da pobreza e
exclusão social no contexto da “modernização’ da agricultura. Outro aspecto em que as
migrações refletiram, de sobremaneira, no rural, diz respeito às novas configurações
familiares.
Minha fia, uns ano ai atrás quando inventaram essas fábrica nas cidades a gente viu
um bocado de gente indo morar lá sabe...por causa que lá tinha emprego...hoje eu
tenho um filho que mora em Fortaleza e que deixou meu netinho pra eu cuidar...ele
vem aqui de vez em quando...ele vem passa uns dias cuidando de mim e depois vai
embora...fico com muita saudades dele. (MARGARIDA, 71 anos)
Os filhos foram para as cidades em busca de melhores condições de vida e deixaram
os netos para que os avós tomassem de conta. Nesse sentido, os velhos passaram a exercer,
por conta das adversidades, um papel de pais dos netos, ou seja, passaram a cuidar de forma
afetiva e material de seus netinhos.
De acordo com pesquisa realizada por Bertuzzi, Morais e Paskulin (2012), as
mudanças significativas no espaço rural, como o êxodo rural, a mecanização da agricultura e a
busca de trabalho não agrícola fora de casa pela mulher, chegaram a abalar, de alguma forma,
as condições de possibilidade de proteção dos velhos, a autoestima e a socialização. Tais
acontecimentos externos, portanto, afetam a relação desses agentes consigo mesmo, com os
outros e com o mundo.
Aqui eu moro sozinha mesmo...depois que meus filhos foram pra Fortaleza...agora
uns já vei pra cá de novo...mas antes, quando eles foram eu fiquei aqui sozinha sem
ninguém pra cuidar de mim...era eu que cuidava da casa, que tirava meu dinheirinho
que fazia tudo...quando tava doente tinha ninguém pra cuidar de mim...ainda bem
que hoje um filho veio embora e mora aqui bem perto...qualquer coisa, bato na porta
dele... (MARGARIDA, 71 anos)
Portanto, a migração de alguns filhos/netos dos entrevistados de Iracema produziu
sentimento de tristeza, ocasionado pelo distanciamento físico e por um reordenamento de
papéis.
Minha fia quando eles foram morar em Fortaleza eu sofri que só...chorava muito e
me sentia sozinha aqui nessa casa grande...nem saia de casa...agora não...agora que
eles já chegaram de novo, até meus netos fazem companhia pra mim...mas no
começo eu sofri viu? (MARGARIDA, 71 anos).
A Constituição de 1988 representou uma conquista para os velhos rurais, pois com ela
veioa previdência rural, chegando a inverter o quadro quanto à subsistência das famílias e ao
estímulo à produção agrária, favorecendo uma nova imagem aos velhos. Com o surgimento de
mais técnicas de produção, o espaço urbano deixou de ser o lugar exclusivo da indústria e o
38
rural começou a absorver outras atividades, além daquelas de natureza agrícola. Tais medidas
modernizadoras no espaço rural, no entanto, não fizeram com que este perdesse suas
especificidades (ALCÂNTARA, 2010).
Com suporte no conceito de submissão das áreas rurais ao espaço urbano, Reis (2003)
ressaltou que, pouco antes da disseminação do capitalismo urbano-industrial, se originou um
conflito entre essas duas realidades distintas e que criou um enraizamento de estereótipos, o
qual se espalhou por todo o mundo e que talvez ainda perdure até hoje: o urbano está
associado à incorporação do capitalismo e do progresso da técnica, enquanto o rural é um
espaço definido pelo refúgio da aristocracia decadente e de antigas relações e formas de vida.
Reis (2006) utiliza-se dos pensamentos de Silva (1996), quando postula que o urbano
estaria associado ao novo, ao progresso capitalista das fábricas, e o rural ao velho, à velha
ordem social vigente. Na visão de três entrevistados, o rural se relaciona ao espaço marcado
pelo atraso e o urbano pela tecnologia. Aqui a gente num tem nada...pense num lugarzin ruim
e atrasado...lá em Paramoti pelo ou meno tem canto p gente ir, loja, pracinha e o forró dos
véi... (MARIA, 65 anos).
O espaço rural é percebido como um lugar sem maiores atrativos, especialmente
quando contrastado com a cidade ou sede do município onde são oferecidas atividades de
lazer, socialização e venda de artigos “diferentes”.
É importante mencionar que tal dicotomia não chegava a representar simplesmente um
corte geográfico e sim uma divisão em classes sociais. Assim sendo, durante o século XX,
auge da industrialização, o espaço rural passou a abrigar atividades do tipo não agrícola e os
espaços rurais e urbanos a não mais serem compreendidos de forma separada.
De que forma, no entanto, se procedeu a essa interpenetração dos espaços rurais e
urbanos? A compreensão dessa resposta se volta ao entendimento da existência de duas
abordagens do que sejam rural e urbano: a visão dicotômica e a ideia de continuum(REIS,
2006). Na primeira, o rural é pensado como algo que se opõe ao urbano, ou seja, cada espaço
assume identidade própria. Na segunda, ocorre uma aproximação entre tais espaços, chegando
a acatar a ideia de polos extremos. Portanto, a visão de Reis (2003), tomada a partir de
Siqueira (2001), considera a ideia de que a visão dicotômica se constitui como a primeira
etapa, para só depois ocorrer a noção de continuum. Dessa forma, com a urbanização das
áreas rurais, torna-se complexa uma definição universal do que é urbano e rural, já que tais
realidades distintas clamam por adequações específicas.
Outro aspecto que colabora para a ambiguidade do que é urbano e do que se entende
rural advém da própria legislação brasileira. A legislação que ainda vigora data do Estado
39
Novo (1937), momento em que o País era eminentemente rural e que considerava urbana toda
sede de município (cidade) e de distrito (vila), o que colocava “o país dentre os mais atrasados
do ponto de vista territorial”. (REIS, 2006) Portanto, tal definição não considerava e ainda não
o faz considerar as características funcionais e estruturais, o que pode vir a comprometer a
destinação de recursos para os espaços rurais. Reis (2006) aborda que o prevalecimento do
espaço urbano na demarcação territorial diz respeito a interesses políticos, econômicos e
tributários.
Vale salientar que a importância em se delimitar o que é urbano e o que é rural,
atentando para evitar distorções, baseia-se na pretensão de prover um instrumento prático para
orientar os planejadores e legisladores na definição de políticas públicas e alocação de
recursos, tendo em vista as distintas necessidades do espaço rural. (FOSSA e FRANÇA,
2002)
Estudos de Rua (2006, p. 88) apontam que nesse movimento de unificação urbano-
rural, embasado por uma lógica capitalista, “surge um ambiente não como um “novo rural”,
mas como novas territorialidades, híbridas, mistas de “urbano” e “rural”, em que novas
geografias são identificadas”. Ele defende a ideia de “urbanidades no rural”, pleiteando a
manutenção de especificidades deste espaço, mesmo quando impactado pela força do urbano.
O capitalismo recria um rural, capaz de, participantes de lógicas complexas,
integrar-se, desigualmente, à múltiplas escalas que marcam as interações espaciais
do mundo atual. Esse processo de integração afeta, sobremaneira, a (re) construção
ou a manutenção da identidade social do agricultor e os rebatimentos territoriais
desse processo. (RUA, 2006, p. 83)
As razões capitalistas fazem emergir mais representações do espaço, com outras
imagens e sentidos, sendo difundidas como “um novo rural”. A compreensão da ruralidade
aqui expressa retrata uma representação social, definida culturalmente por atores sociais que
desempenham atividades não homogêneas e que não estão necessariamente remetidas à
produção agrícola. (CARNEIRO, 1998, p. 12)
Dessa forma, empregaremos ao longo deste trabalho o conceito de rural estudado por
João Rua, uma vez que percebemos Iracema e seus moradores sendo perpassados por novas
lógicas estruturais advindas da era da globalização e informatização, sem perder, porém, a
essência da existência que os configura. É justamente nesse espaço rural marcado por sentidos
e significados singulares que tencionamos discutir sobre os agentes que lá residem,
entendendo as relações sociais que estabelecem e seu cotidiano.
40
3.2As categorias espaciais: sítio, sertão, roça, bairro, rural
Os estudos sobre a ruralidade demonstram que esse espaço é permeado por inúmeros
elementos do cotidiano rural. Em geral essas comunidades denotam características que as
diferenciam dos agrupamentos do espaço urbano, em termos de organização e de valores
culturais. São manifestações da cultura rural que, na maioria das vezes, permanecem nesse
ambiente ou até mesmo são levados para a cidade.
Então, recorremos a uma caracterização dos termos sítio, sertão, roça, bairro e rural
como forma de atribuir sentido ao modo de vida e às relações do espaço elencado desta
pesquisa. Com efeito, pesquisas desenvolvidas em várias regiões do Brasil demonstraram que
peculiaridades das mais diversas estão no universo rural. Essas singularidades foram encontradas
nos trabalhos desenvolvidos por Cândido (2010), Antônio Filho (1999, 2011), Alcântara (2010),
Woortmann (1990, 1995, 1997, 1999), Pietrafesa de Godoi (1999) e Heredia (1979).
O conceito de sertão é analisado por Alcântara (2010), passando a dizer respeito ao
período anterior à chegada dos portugueses ao Brasil, indicando as terras interiores
impossibilitadas de comunicação. Para Antônio Filho (1999), este termo foi utilizado para
designar um lugar rude e distante do litoral.
Segundo o Dicionário Houaiss (2001), o termo sertão é definido com uma região do
agreste, coberta de mato e afastada do litoral e dos núcleos urbanos, ligada ao ciclo do gado,
onde permanecem tradições e costumes antigos.
Para Antônio Filho (2011), o sertão no Brasil corresponde à vasta zona interiorana,
que começou a ser penetrada ainda no século XVI, logo depois da chegada dos colonizadores,
quando as fazendas de gado foram separadas das fazendas agrícolas, particularmente na
região Nordeste.
Esse autor admite que a palavra “sertão” exprime uma origem multivariada, cujo
significado convergia para um só sentido: locus cujo sentido é o interior das terras ou do
continente, podendo ou não vir implícito à ideia de aridez ou de área despovoada. Os
documentos gerados nos diários ou registros das viagens do período das grandes navegações
dos séculos XV e XVI deixam claro que a palavra “sertão” era de uso corrente pelos
portugueses, descartando, assim, a possibilidade de ser um ‘brasileirismo’. Para ele, o termo
sertão tem a conotação de um só sentido: a interioridade, mas que se expressa na fisiologia da
paisagem, numa diversificação muitas vezes sem similaridade.
41
Na perspectiva de Pietrafesa de Godoi (1999), o sertão corresponde ao espaço que
abrange cerca de 90% do território nordestino, onde as temáticas de compadrio, as relações de
vizinhança e de família são as mais predominantes.
Já o vocábulo sítiopode ser compreendido como qualquer propriedade rural grande ou
pequena (CÂNDIDO, 2010). Já na acepção de Woortmann (1995), o termo sítiochega a
caracterizar a condição de fraco, ao passo que propriedade designa a condição de forte.A
autora aprofunda sua reflexão, mencionando que tal termo remete a múltiplos sentidos, por
exemplo, à ideia de unidades de parentesco.
Assim, nesta multiplicidade de conceitos, “sítio”, em seu sentido mais restrito,
equivale ao conjunto ‘casa-quintal” e, por excelência, “o espaço da mãe da família:
portanto, um espaço feminino”. Porém, se o sitiante possui mais de um terreno,
distante de sua casa, esta será identificada como “chão de morada”. “Sítio, então,
designa o espaço da família elementar, pois a residência é neolocal, no que
corresponde à casa”. (ALCÂNTARA, 2010, p. 76)
Outro significado a que podemos fazer alusão, se refere ao termo sítio, cujo termo diz
respeito ao espaço do “pai de família” corresponder ao roçado, ao mato etc, além de abarcar
“o ciclo evolutivo da família” (ALCÂNTARA, 2010). Nesse sentido, esse espaço simbólico
do ‘pai’ quando articulado a um padrão residencial, assume um caráter patrilocal na medida
em que define a saída da mulher do sítio de seu pai para o “chão de morada” do seu marido. O
“chão de morada” corresponde ao lote de terra que o filho recebe do pai, localizado bem
próximo a casa dos pais, onde aquele irá construir sua casa em separado.
O sítio perpassa a família extensa e a família elementar, decorrente da estruturação
familiar. Quando casa, o filho possui atividades em comuns - criação de animais, plantação,
farinhada – no espaço do “pai de família” - e a mulher possui atividades privadas, ou seja,
cada uma cuida de afazeres domésticos e da cozinha.
Em Iracema, não percebemos a existência dessa realidade, pois o filho homem,
esporadicamente, morava distante dos pais, enquanto as mulheres, às vezes, residiam próximo
aos seus pais. Essa organização residencial entre os moradores obedece à questão financeira,
uma vez que as mulheres passam a residir na propriedade dos pais, caso o marido não receba
um “chão de morada” do pai dele.
Woortmann (1995) relata ainda que a ideia de sítio pode corresponder a bairro rural, a
um território de parentesco; das pessoas que residem nesse espaço geográfico manterem laços
muito próximos, seja pelo sangue ou pelo casamento e serem unidas pelas relações de
reciprocidade. Nesse cenário, citaremos os interlocutores de Iracema que possuem a mesma
linhagem familiar, “Ferreira Gomes”, embora não mantivessem proximidade física e afetiva.
42
O bairro ruralpode ser entendido como unidade social intermediária do grupo familiar
e outras formas mais complexas de solidariedade social. Esta unidade se caracteriza como um
grupo de vizinhança que se reúne para trabalhos de ajuda mútua e participa de festejos
religiosos locais, não compreendendo, necessariamente, uma divisão administrativa
(CÂNDIDO, 2010)
Sob este aspecto poderíamos definir o bairro [...] como o agrupamento mais ou
menos denso de vizinhança, cujos limites se definem pela participação dos
moradores nos festejos religiosos locais. Quer os mais amplos e organizados,
geralmente com o apoio na capela consagrada a determinado santo; quer os menos
formais, promovidos em caráter doméstico. Vemos, assim, que o trabalho e a
religião se associam para configurar o âmbito e o funcionamento do grupo de
vizinhança, cujas moradias, não raro muito afastadas umas das outras, constituem
unidade, na medida em que participam no sistema destas atividades (CANDIDO,
2010, p. 51).
Esse autor ainda define o bairrocomo um grupo formado por famílias que participam
de trabalhos comunitários e de festas religiosas coletivas locais - sendo um agrupamento
maior do que a família e menor do que uma vila. Deste modo, o bairro é uma unidade
integrada, fazendo parte de um conjunto amplo, podendo ser de um distrito ou município.
Então, os laços de amizade são elementos responsáveis pela organização, das
comunidades rurais, determinando as características locais e o maior ou menor nível de
ordenamento destas.
A unidade social do bairro é dada por festas religiosas, podendo ser de alguma
família, várias famílias ou de todo o bairro. A festa, contudo, é realizada em homenagem a um
santo padroeiro, envolvendo em geral toda a comunidade.
Beatriz Heredia (1979) faz-nos entender o conceito de roça, quando analisa a questão
do público e do privado em seus estudos. Para ela, existe a separação do espaço masculino
como sendo de produção, portanto público; já o feminino, é entendido como de consumo,
consequentemente, local privado.
Na análise dessa autora, a separação obedece a um critério patriarcalista intensivo nas
relações no campo. O espaço do patriarca, do provedor da família, liga-se ao roçado, onde se
movem as relações de produção e comercialização, ao passo que o locusfeminino se relaciona
à unidade de consumo. Portanto, o roçado é definido como público, assumido pelo homem, e
a casa ao local privado, assumido pela mulher.
No caso de Iracema, percebemos que não existe essa separação bem delimitada, pois a
mulher pode e chega a assumir atividades do roçado, enquanto o homem ocupa muitas vezes
a cozinha. Neste sentido, apreendemos uma relação de reciprocidade na divisão de tarefas.
43
O termo ruralpode ser compreendido, na acepção de Cândido (2010), como um lugar
que exprime, sobretudo, localização, sendo caracterizado por um tipo social e cultural,
indicando o que é, no Brasil, o universo das culturas tradicionais do homem do campo.
Após a colonização ao Novo Mundo, seja por transferência e modificação dos traços
da cultura original, houve incorporação e reinterpretação de traços, que foram se alterando ao
longo do contínuo rural-urbano. Nesse sentido, ressaltamos o cotidiano dos moradores de
Iracema, que não chegaram a modificar seus hábitos e modos de vida, e sim os incorporaram
àqueles em curso. O televisor, o telefone e o fogão a gás foram elementos incorporados de
outra cultura (tecnológica e da cidade grande) e que fazem parte da vida dos moradores,
embora não se deixe de utilizar ainda o fogão a lenha, por exemplo.
Esta pesquisa é desenvolvida com base no conceito de rural, ou seja, as
especificidades de vida desses moradores (hábitos, costumes, ritos, gírias, cotidiano etc),
reinterpretadas ao longo de mudanças sociais e econômicas, é o que confere o caráter singular
a essa cultura e que, portanto, pretendemos analisar.
3.3 A vida no espaço rural
Desde agora nos debruçaremos sobre a vida desse homem que vive na ambiência rural,
como se processam suas relações familiares, enfocando também o gênero. Para tanto, os
estudos de Heredia (1979), Rogers (2006), Cândido (2010), Woortmann (1997) são
referenciados, pois são necessários para o desenvolvimento da pesquisa.
Os ensaios de Rogers (2006) versam acerca de uma reflexão sobre o ser camponês
como classe-objeto, na medida em que sua identidade cultural passa a ser isenta de pulsões e
vibrações. Na acepção do autor, as teorias sobre o rural se pautam sobre o corpo camponês,
compreendendo a sexualidade como funcional e central à reprodução sócio-biológica de um
grupo, em prol da manutenção das relações [parentais e vicinais] centrípetas...(Pág. 27).
Em Iracema, percebemos que a sexualidade não ocorre de acordo com o pretenso
modelo ideal de parentela, uma vez que, nos laços entre as famílias – pautados pelas relações
de parentesco – as paixões não eram ditadas socialmente. Verificamos, portanto, que os
moradores, apesar de pertencerem a uma mesma linhagem (homens eram irmãos ou primos),
não se viam obrigados a perpetuar o parentesco, oferecendo liberdade de escolha nas questões
afetivas dos filhos e/ou netos. Logo, os corpos dos sujeitos de Iracema não estavam
enclausurados em paradigmas.
44
Para ele, fazer falar a “classe camponesa” é representá-la, é fazê-la existir
diferentemente, por si mesma e para a sociedade, em um grupo que o inconsciente coletivo
anula simbolicamente, referenciando-o como de “pessoas simples”, “humildes” dentre outras
categorias.
Rogers (2006) entende a condição de camponês como sendo um ser de dependência e
submisso, cuja posição na estrutura social é ocupada de forma variável, segundo as sociedades
e as épocas, mas dominada pela relação com o cidadão e a vida urbana, ou seja, a existência
camponesa está atrelada diretamente ao habitante e à vida da cidade.
Cândido (2010), ensina que no meio rural o casamento é importante nas condições de
trabalho e também na vida sexual.
Não sei o que seria da minha vida sem essa véia...ela me faz companhia, me ajuda
com os bichos e ainda cuida da casa...só não vai mais na roça mais eu porque ficou
doente dos olhos e não pode mais pegar sol e nem quintura...mas antes, ia plantar,
colher e cuidar do gado...ainda cuida de mim...mi ajuda em tudo...aliás a gente se
ajuda...e se respeita e se gosta também...não sei o que seria di mim sem essa
véia...(JOÃO, 70 anos).
Logo, as mulheres são vistas pelos maridos como companheiras no trabalho da roça e
também como figuras importantes na constituição da afetividade e da família.
Esse autor exprime que os filhos homens, desde pequenos, acompanham os pais na
lida da roça, com o objetivo de familiarizar-se com a experiência das técnicas agrícolas e no
trato com os animais. Já as mulheres, desde cedo, aprendem os afazeres domésticos e passam
a ajudar as mães nessa tarefa. Em Iracema, as filhas ajudam em casa, mas também realizam
outras atividades fora, como, por exemplo, no plantio das hortas e na venda destas na
comunidade.
Ressaltamos, com efeito, que o critério para definição de passagem da adolescência
para a vida adulta para os homens é o trabalho na roça, por volta dos 13 anos. Nessa idade, os
homens já “saem para os forrós”, namoram, fazem compras etc.
A masturbação é menos praticada no rural do que nas cidades, pois o jovem do campo
tem menos estímulo erótico (ROGERS, 2006). Quando este sucumbe, porém, ao desejo,
recorre muitas vezes ao coito com animais. Segundo Cândido (2010), essa prática com
animais é correntes. E como nem todos possuem gado de porte, os jovens acabam por utilizar
a cabra, porcos e galinhas. Esta fase, chamada de “masturbação compensatória”, chega a ser
45
superada sem dificuldades nos primeiros contatos com mulher, que se estabelece de forma
cedo devido ao casamento precoce.
Rogers (2006) se baseia nos estudos de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1976) sobre a
divisão do trabalho sexual. A socióloga menciona sobre o padrão autoritário da decisão do
homem nos negócios da família. Já as mulheres, apesar de se responsabilizarem de educar os
filhos pequenos, “obedecem” a uma autoridade familiar exercida pelo pai.
Em Iracema, percebemos que, algumas vezes, a decisão final resulta na comunhão das
opiniões dos pais ou até mesmo na voz altiva da mãe. A autoridade não chega a ser paterna.
Tia por favor deixa vai...queria muito ir pra novena em Canindé, mas eu sei que só
posso ir se tu deixar ou se tu for comigo...o tio já deixou...mas sei que só posso ir se
tú deixar...queria que o tio que decidisse essas coisas...mas eu sei que é tú que
manda...deixa...por favor...(JÚLIA, 16 anos).
Aqui em casa a gente educa ele pro mundo...eu e João que decidimo se ia ou não
pras coisas...pros forró dele...hoje ele já cresceu ai não decidimo mais nada...mas
antes? Antes ele pedia e tudo e a gente resolvia se pudia ir e tudo...(MARIA, 65
anos).
A educação dos filhos era pautada pelo mecanismo de reciprocidade, ou seja, a
decisão de determinados assuntos familiares e até mesmo nos “negócios da família” era feita
pelos pais, ou quando muito, pela mulher.
Para a socióloga paulistana, a mulher camponesa tem statusde subordinação ao
homem, principalmente ao pai, em seguida, ao cônjuge. Na sociedade camponesa, embora
havendo divisão de tarefas segundo os sexos, a mulher apenas acompanha o marido.
A realidade percebida em Iracema é bem diferente da visão postulada por Queiroz.
Percebemos que não havia divisão das tarefas segundo o sexo, embora a mulher nem sempre
ocupasse o espaço da roça em virtude de sua condição de saúde ou por não gostar, e não por
uma imposição do marido ou até mesmo social. A mão de obra feminina não era vista como
ajuda e sim como trabalho.
Acho que aqui em casa ela trabalha mais do que eu na roça...eu quase não vou mais
por problemas de saúde... sei disso porque vejo e porque faço aqui em casa o que for
preciso fazer e tem coisa pra danar...o trabalho em casa também cansa, é
puxado...mas os dois fazem as coisas e no final dá tudo certo...(JOÃO, 70 anos)
De acordo com os interlocutores, os espaços geográficos da casa e da roça eram
atribuídos como trabalhos, ou seja, essa separação ocupava apenas um espaço simbólico, pois
46
tanto o homem quanto a mulher se ocupavam destes. Portanto, a divisão de trabalho sexual
vivenciada em Iracema é o inverso da postulada por Moura, pois o trabalho da mulher não é
percebido como caráter complementar.
É importante ressaltar que, embora o “trabalho da casa” coubesse aos homens e às
mulheres, a educação das tarefas domésticas era de responsabilidade da mulher.
Já Heredia (1979), ao analisar o trabalho familiar de pequenos produtores do Nordeste
brasileiro, assinala que o trabalho no roçado é o labor do pai, definindo este âmbito como
estritamente masculino. Já as atividades da casa não são consideradas trabalhoe
correspondem ao universo feminino. Em circunstâncias excepcionais, embora as mulheres
assumissem tarefas masculinas, como o trabalho na roça, por exemplo, estavam subordinadas
às decisões e à autoridade paterna (ROGERS, 2006).
De acordo com os estudos de Heredia (1979), na maioria das vezes, a casa é pautada
no respeito da separação espacial. Exemplo disso está no fato de a sala (como lugar de
recepção das pessoas que não são da família) ser percebida como locusmasculino, lugar
público, e a cozinha como local de consumo, portanto feminino. Isso nos mostra a separação
destas duas unidades, a de consumo e a de produção, mediante os quais podemos perceber as
divisões de papeis sociais, dentro dessa sociedade em que a lógica da produção é familiar. O
homem é aquele que provê a casa por intermédio do roçado; somente o trabalho dele é
reconhecido na família, portanto, subjuga a mulher. E, ainda que haja um trabalho doméstico,
este não é considerado como trabalho, ou, mesmo que haja ajuda da mulher ou das crianças
no roçado, constitui-se somente como ajuda, e até mesmo como obrigação. Toda esta
contradição entre casa e roçado implica o cotidiano das pessoas e serve de referência para
análise da natureza patriarcal da organização social.
No que tange á categoria trabalho, Rogers (2006) menciona a valorização do trabalho
realizado no espaço rural, pois nele há um dispêndio de energia e suor, contrastando com os
trabalhadores urbanos.
Aqui a gente trabáiamuito...sol a sol...tem isso não...lá na cidade o povo é tudo nos
escritórios com ar condicionado...aqui a lida é dura...nosso bem mais precioso é essa
terra que Deus nos deu...indo pra roça, o suor pinga do rosto e nem água nóis bebe
às vezes...eu dou valor meu suor, eu dou valor meu trabalho...(FABIANO, 71 anos).
47
Nesse âmbito, os moradores não veem a terra apenas como objeto de trabalho,mas
como moralidade, algo pautado no cenário de relações éticas. A terra é havida como
patrimônio da família, sobre a qual se faz o trabalho que constrói a família enquanto valor.
Como patrimônio, ou como dádiva de Deus, a terra não é simples coisa ou mercadoria.
(WOORTMANN, 1990, p. 12)
Rogers (2006) menciona que as pesquisas de Woortmann e Woortmann (1997)
retratam a sexualidade, mais especificamente da mulher, em tom jocoso. Exemplo disso é a
significação que a existência ou não de pelos pubianos, apelidados por “mato”, assume nas
relações afetivas. Para a comunidade a mulher deve manter o “mato” até o casamento para
que o marido possa “plantar” nela na noite de núpcias. A raspagem deve ser feita durante toda
a vida de casada, pois as viúvas devem manter os pelos. Algumas mulheres mencionam que
elas mesmas “brocam o mato delas”, pois governam seu próprio corpo.
Para Woortmann e Woortmann são concepções classificatórias que demarcam
espaços de gênero, lugar da sexualidade e do desejo cuja tradição não deve ser
transgredida, para que sejam mantidas as fronteiras sociais. Nesse contexto, o
discurso é ainda pautado, apesar de suas aberturas, na perpetuação do imaginário
instituído sobre o corpo do camponês (ROGERS, 2006, p. 37-38).
Outro ponto interessante expresso em Paulo Rogers em sua dissertação, diz respeito ao
lugar onde se exercia a sexualidade. Para ele, o quarto da casa não era exclusivo para se ter
relações sexuais, e sim o espaço da roça. A roça tornava-se mais adequada para tais atividades
quando as plantas alcançavam certa altura e dava para manter uma privacidade. Nesse
período, as plantas estariam “quentes” e, segundo as mulheres, as pessoas também. O autor
passa a associar a “quentura” da mulher camponesa com o período de florescência das
plantas, remetendo a uma tríade Deus-homem-natureza.
Para Woortmann e Woortmann (1991), no estudo das sociedades camponesas, o que
prevalece é a questão do pátrio poder, reforçado nas pesquisas de Rogers (2006). Para os
autores, as mulheres se veem em relação aos homens em um processo que perpassa a
complementaridade para a dependência, ou seja, embora as famílias fossem organizadas de
forma hierárquica, havia uma complementaridade entre os gêneros, no plano da ideologia.
Assim, para a antropóloga, a mulher foi “incluída” no homem, como se fosse seu
“braço”. Nesse sentido, como não perceber uma clara analogia com o mito cristão da
Criação, em que o corpo-bíblico do camponêsparece dar testemunha do “milagre”
divino. (ROGERS, 2006, p. 39)
48
O casamento no campesinato sergipano, de acordo com Woortmann e Woortmann
(1993), funcionava como algo que transformava o rapaz em homem, sendo necessário casar-
se segundo as regras, que eram, sobretudo, práticas de reprodução do grupo como um todo.
Em Iracema, percebemos que as relações afetivas são pautadas por regras, por
exemplo, o fato de uma moça embuxarsem ser casada revela uma vergonha para a família,
sendo necessário e “obrigatório” o matrimônio.
Por isso que eu digo sempre a ela...pode namorar, se agarrar bem muito, mas nada
de transa...eu digo pra ela que ela ainda é nova, que tem que estudar e ganhar
dinheiro...que depois que engravida ai pronto, vai ter que casar...aí perde o gosto de
estudar e ai o destino é só ficar em casa parindo um atrás do outro...eu oriento muito
ela aqui...por isso eu fico aqui na cola dela...ela me acha chata às vezes, mas me
escuta...(ANDRÉIA, 65 anos)
Portanto, o espaço rural possui características amplas e gerais, mas que se tornam
específicas segundo as mais diversas regiões do Brasil, decorrentes de um tom peculiar
quanto aos costumes, hábitos, regras e ao modo como as pessoas se organizam socialmente.
49
4POLÍTICAS PÚBLICAS E VELHICE
4.1O Cenário brasileiro na criação das políticas públicas para a velhice
Estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) mostram que
houve um alargamento do topo da pirâmide etária, o qual é observado pelo crescimento da
participação relativa da população com 65 anos ou mais, que era de 4,8% em 1991, passando
a 5,9% em 2000 e chegando a 7,4% em 2010. Dessa forma, o aumento dessa projeção etária
provocou a necessidade de se discutir os rumos da população e gerir as formas de viver
(CORREA, JUSTO e ROZENDO, 2010).
Essa gerência da vida humana, do governo dos corpos, tornou-se fundamental para a
elaboração de estratégias de governabilidade. No sentido foucaultiano, isto significava a
existência de um dispositivo biopolítico para o governamento e controle das populações
(LOPES, 2007). Logo, as políticas públicas foram elaboradas a fim de organizar a vida
humana, de criar estratégias para dar conta de segmentos da sociedade.
As políticas públicas podem ser compreendidas como o campo do conhecimento, que
busca, ao mesmo tempo, colocar o governo em ação e analisar essa ação. (SOUZA, 2006,
p.26). Este governo age de forma não apartada da sociedade, uma vez que esta não apenas o
influencia e o legitima, mas também é modelada e transformada pelas políticas
governamentais (CORTES e LIMA, 2012). Definir políticas públicas significa priorizar metas
gerais, estabelecendo as competências dos vários agentes envolvidos em seu cumprimento e
delimitar o grau de intervenção do Estado (BORGES, 2002).
A complexidade envolvida nas relações entre Estado e Sociedade subsidiadas pelos
acontecimentos políticos, econômicos e sociais,é o que atribui uma concretude à existência de
políticas públicas. Portanto, elas não podem ser compreendidas como não contextualizadas.
Ante essa realidade, as políticas públicas destinadas às pessoas de mais de 60 anos
foram estabelecidas ao longo dos anos e se destinam a contribuir para o exercício de uma
velhice mais ativa e participativa, pautada em um compromisso a ser assumido por toda a
sociedade.
Para entendermos a emergência dos direitos sociais para os velhos, devemos fazer uma
leitura da conjuntura histórica e política do Brasil, de maneira a reportar a luta dos
movimentos sociais, a aliança de vários setores do Estado com esses movimentos e das
mudanças em torno das representações do velho como ser histórico e digno (FALEIROS,
2012).
50
Não tem havido, pois, política social desligada dos reclames populares. Em geral, O
Estado acaba assumindo alguns destes reclamos, ao longo de sua existência
histórica. Os direitos sociais significam, antes de mais nada, a consagração jurídica
de reivindicações dos trabalhadores. Não significam a consagração de todas as
reivindicações populares, e sim a consagração daquilo que é aceitável para o grupo
dirigente do momento. (VIEIRA, 1992, p.23)
Sabemos que o Brasil sofreu, ao longo dos séculos, uma relação desigual e
desfavorável mantida por Portugal na mercantilização. Assumindo papel de colônia, o Brasil
se tornou um país dependente e parasita, dificultando a formação de uma identidade nacional.
Tais relações assimétricas de poder estruturaram sistemas que chamamos de coronelismo,
clientelismo e corporativismo, embasando a tipificação de laços políticos entre Sociedade e
Estado (PRADO, 2012).
No final do século XIX e início do século XX, a assistência social era relacionada aos
princípios de uma sociedade escravocrata, governada pela oligarquia rural. O processo de “dar
esmolas” (atendimento pronto, direto) era destinado aos mais necessitados, exemplo do
assistencialismo filantrópico no Brasil (CAMARANO, 2004). Simultanemente, assistia-se a
uma transição da sociedade senhorial escravocrata para o modelo burgês. A emergência da
categoria pobre data desta época, pois a elite, a Igreja e os políticos asilavam em instituições
assistenciais os pobres - órfãos, os leprosos, mendigos e velhos. Daí, nasceu uma correlação
negativa entre pobreza e asilo.
Para Camarano (2004), no Brasil pode-se mencionar que a constituição da velhice
como categoria social advém de 1890, quando foram fundados asilos para abrigar velhos
desamparados e não desamparados. Foi nesse tempo, que teve início um trabalho de
desvinculação da ideia de velhice com mendicância, pobreza e desamparo.
No entendimento de Prado (2012), alguns autores utilizam o ano de 1930 como marco
da política social no Brasil, anterior ao período “lassez-faire”, pois o Estado quase não
intervinha na área social, deixando por conta do mercado. Para a estudiosa, o estabelecimento
de um serviço de proteção social para os trabalhadores, incluindo os velhosex-trabalhadores,
foi demarcado com a criação das caixas de aposentadorias e pensões (CAPs), em 1923,
destinadas aos ferroviários.
Portanto, somente alguns trabalhadores vinculados a grandes empresas tinham
benefícios previdenciários, ficando a maioria excluída do sistema. Para Camarano (2004), as
primeiras políticas previdenciárias de iniciativa estatal para trabalhadores do setor privado
surgiram no início do século XX, com as leis de criação do seguro de acidentes de trabalho
em 1919 e com a criação das CAPs. Nos anos 1930, o Brasil já contava com uma política de
bem-estar social, que incluía previdência social, saúde, educação e habitação.
51
Com a crise de 1929, os níveis de comércio exterior diminuíram, entrando em cena
uma elite ex-agrária que se lançou no setor industrial. Essa crise do capitalismo fez emergir
uma pressão, apontando para uma mudança trabalhista e social do Estado, de modo a criar
condições para que algumas reivindicações de trabalhadores fossem aceitas e
fossemampliadas a participação deste. Então, essa instância passou a cuidar da questão social
na forma de contenção do movimento dos trabalhadores e de estabelecer um mercado para
alguns setores da indústria nacional. Esse processo de centralização política situa o Estado
como eixo organizador da sociedade (PRADO, 2012).
Em 1933, somaram-se às CAPs os institutos de aposentadorias e pensões (IAPs),
fundados pelo Estado para atender apenas determinada parcela da população, de acordo com
algumas categorias profissionais. Logo, na Era Vargas, boa parte dos trabalhadores urbanos já
possuía o sistema de proteção, exceto os trabalhadores rurais. Dessa forma, das décadas de
1930 a 1950, foram intensas as lutas dos trabalhadores aposentados, restringindo, porém, a
categorias específicas (CORREA, FRANÇA e HASHIMOTO, 2010).
Segundo Faleiros (2012), na Constituição de 1934, a velhice era pactuada como
situação que merecia favor, atrelada à filantropia aos maiores de 60 anos. Os direitos dos
velhos só se tornaram tangíveis quando relacionados à sua inserção produtiva no trabalho
industrial. Dessa forma, a pessoa que não trabalhava se tornava improdutiva e velha, sendo
excluída da esfera social. Vale salientar que, nesse período, aos trabalhadores rurais, ainda
haviam sido reconhecidos os direitos trabalhistas, ficando sob a responsabilidade da
oligarquia rural.
Portanto, mesmo com os movimentos sociais cada vez mais frequentes, em especial
das pessoas de mais de 60 anos, velhice ainda era uma questão privada, do âmbito da família
ou da filantropia ou até mesmo da religião (FALEIROS, 2012).
Em 1948, foi elaborada a Declaração Universal dos Direitos Humanos que trazia como
princípio fundamental a promoção da dignidade do ser humano por deliberação consensual
dos estados participantes (FALEIROS, 2012). Este documento torna-se importante na medida
em que povos e nações se comprometem a garantir uma proteção universal dos direitos
humanos e a influenciar o surgimento na sociedade de pactos, deliberações, leis, constituintes
ou assembleias que se traduzissem no estabelecimento de uma questão de cidadania.
Vale salientar, porém, que a efetivação da cidadania para as pessoas de mais de 60
anos se articulou com o processo democrático e ainda se desenvolve e se concretiza, ao longo
dos anos, com a história política e social do País, em uma estrutura de estabelecimento de
direitos iguais, numa sociedade desigual (FALEIROS, 2012).
52
O autor ainda menciona a ideia de um modelo de proteção social estabelecido de 1930
a 1964, chamado ‘getulista”, baseado em específicas categorias profissionais de grandes
empresas em troca de controle social das classes trabalhadoras. Em 1964, instalado o regime
militar no Brasil, ocorreu a abertura para o capital estrangeiro, sem a promoção de reformas
sociais, ensejando a ampliação da desigualdade social e a limitação de direitos civis e
políticos. Na verdade, a política social nesse período foi utilizada para encobrir as verdadeiras
intenções do regime (“cortina de fumaça”) que seriam atenuar as pressões sociais e aumentar
o poder do Estado sobre a sociedade (PRADO, 2012).
Os anos que se sucederam a 1960 foram marcados por duas iniciativas que tiveram
impacto no desenvolvimento futuro de políticas públicas para os velhos: a Sociedade
Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), em 1961, e a iniciativa do Serviço Social do
Comércio (SESC) (CAMARANO, 2004). A primeira objetivou amparar a velhice e cooperar
com outras organizações interessadas em atividades educacionais, assistenciais e de pesquisa
relacionadas à Geriatria e à Gerontologia. Por seu turno, o SESC consistiu em um trabalho
com um pequeno grupo de comerciários preocupados com a solidão e desamparo dos velhos.
Até então, as instituições que cuidavam dos velhos eram apenas voltadas para o atendimento
asilar.
No ano de 1966, foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) sendo
responsável pela assistência médica da população urbana; em 1971, veio o Programa de
Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) que concedia aos trabalhadores rurais alguns
benefícios, embora fossem menores do que o INPS (PRADO, 2012). Tanto no INPS quanto
no PRORURAL, porém, existia uma reafirmação do vínculo empregatício para a concessão
do benefício.
Essa reorganização da previdência, no regime autoritário da ditadura militar, retirou
dos trabalhadores aposentados a gestão e a administração, que eram fonte de poder
dos sindicalistas. Os sindicatos e as lideranças dos trabalhadores são excluídos do
cenário político nacional. O movimento dos trabalhadores aposentados ficou
fragilizado e desmobilizado por décadas... (PRADO, 2012, p. 77).
Em 1974, o velho de mais de 70 anos que houvesse contribuído ao menos um ano para
a previdência passou a ser contemplado, no valor de 50% do salário-mínimo (à exceção da
aposentadoria por invalidez do trabalhador rural, que era de 75% do salário- mínimo) sem a
necessidade de vínculo empregatício para o pagamento dos benefícios pelo Estado, a chamada
Renda Mensal Vitalícia (RMV). As principais condições para sua elegibilidade eram: não
receber nenhum benefício, ter contribuído por pelo ou menos 12 meses ou alternativamente
53
ter trabalhado por cinco anos em atividades na época não coberta pela previdência e não
auferir um valor superior à importância do benefício (CAMARANO, 2004).
A criação do FUNRURAL em 1975 foi um marco para os trabalhadores rurais, pois
era concedido meio salário-mínimo à população velha do meio rural. A previdência rural era
devida ao chefe de domicílio de mais de 65 anos que comprovasse ter trabalhado em
atividades rurais (CAMARANO, 2004). Como ressalta Prado (2012), entretanto, esse valor
concedido estava longe de prover a subsistência dos velhos, e, além do mais, atingia poucas
pessoas, uma vez que a expectativa de vida na época era de 57, 1 anos.
Em 1974, foi instituído o Programa de Assistência ao Idoso (PAI) direcionado aos
aposentados e pensionistas, que tinha como finalidade a criação de grupos de convivência
cujo intuito era a promoção social por meio de atividades físicas, recreativas e culturais
(CORREA, FRANÇA e HASHIMOTO, 2010; PRADO, 2012). Destacam-se, então, os
Grupos de Convivência do SESC (1963) que perduram até a atualidade.
Na análise de Camarano (2004), não só o PAI, mas também muitos outros programas,
projetos e serviços implantados na época, possuíam uma linha ideológica com o fim de
amenizar as tensões sociais. Portanto, inicialmente, essas políticas tinham um caráter apenas
assistencial, sendo o asilamento a única política concreta para os velhos.
Até a década de 80, as políticas voltadas para a pessoa idosa estavam centradas na
garantia de renda e do asilamento. Aqueles que tinham condições socioeconômicas
não participavam de programas sociais, nem de serviços oferecidos aos idosos.
Nesse contexto de exclusão e políticas incipientes, começam a surgir os primeiros
movimentos e associações de idosos a reivindicar seus direitos (FRANÇA et al,
2013, p. 264).
Assim, as políticas do Governo Federal, até então, consistiam em caracterizar os
velhos como pessoas necessitadas e dependentes, atreladas a uma visão de vulnerabilidade
deste segmento. Mudanças paulatinas nessa visão foram tomando corpo ao longo dos anos
1980 por influência do debate internacional.
Foi nessa época que também eclodiram movimentos sociais organizados em vários
segmentos da sociedade em torno da defesa dos direitos das pessoas de mais de 60 anos.
Começaram a surgir as primeiras associações de velhos, dentre as quais a Associação
Cearense Pró-Idoso (ACEPI, 1977), sendo reconhecidas como as primeiras manifestações
sociais no sentido de pressionar por políticas direcionadas à velhice (FRANÇA et al, 2013).
Em 1981, foi criado em São Paulo o Programa Pró-Idoso, que tinha como finalidade a
conscientização e a mobilização social, o treinamento de recursos humanos mediante ações de
promoção, prevenção e assistência, além de fomentar o papel da comunidade e da família na
atenção ao velho (CORREA, FRANÇA e HASHIMOTO, 2010). Destacam-se a importância
54
da Geriatria e da Gerontologia como campo da ciência que ganharam força na educação para
a velhice (DEBERT, 1999).
A criação do Conselho Estadual do Idoso, no Estado de São Paulo, em 1986, tinha
como função principal a elaboração de diretrizes para a implantação de ações em prol da
defesa dos direitos do segmento. Dentre essas ações, destaca-se a criação de núcleos regionais
do idoso (NRI), um local de atenção e apoio à comunidade somente para os idosos por meio
de atividades, como gincanas, excursões, atividades físicas, dentre outras, a fim de extinguir a
imagem do velho como ser incapaz. Vale salientar, no entanto, que esses locais, muitas vezes,
segregavam socialmente estas pessoas, pois concebiam espaços produtores de “guetificações”,
ou seja, os velhos passavam a não se socializar com pessoas de outras faixas etárias, realçando
a discriminação (CORREA, FRANÇA e HASHIMOTO, 2010).
Em 1982, ocorreu a I Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, em Viena, com o
objetivo de debater pontos relativos aos idosos; os desdobramentos deste evento resultaram na
criação do Plano Internacional de Ação para o Envelhecimento, com o intuito de firmar entre
os países o planejamento de uma política de atendimento nas áreas social, econômica, médica
e também legal para os mais velhos, firmando uma parceria entre Estado e Sociedade
(CORREA, FRANÇA e HASHIMOTO, 2010; PRADO, 2012).
Camarano (2004) menciona que o momento da Assembleia coincide com o período da
democratização do Brasil, o que resultou num avanço em políticas de proteção para a velhice.
Depois de um longo período de crises políticas do regime militar e movimentos
sociais, numa tentativa de legitimar a democracia, surge a Constituição de 1988, dispondo
sobre princípios assegurados aos velhos e instituindo a participação da sociedade civil nas
decisões políticas; os artigos situam na família a responsabilidade pelo amparodos velhos, na
velhice ou na enfermidade, assegurando a participação dele na comunidade e promovendo o
bem-estar (FRANÇA et al, 2013 e PRADO, 2012). A Constituição de 1988
Introduziu o conceito de seguridade social, fazendo com que a rede de proteção
social deixasse de estar vinculada apenas ao contexto estritamente social-trabalhista
e assistencialista e passasse a adquirir uma conotação de direito de cidadania. O
texto legal estabeleceu, como princípios básicos, a universalização, a equivalência
de benefícios urbanos e rurais, a seletividade naconcessão, a irredutibilidade do
valor das prestações previdenciárias, a fixação dobenefício mínimo em um salário
mínimo, a equanimidade no custeio e a diversificaçãoda base de financiamento, a
descentralização e a participação da comunidade, de trabalhadores, empregadores e
aposentados na gestão (artigo 194 da Constituição). Assim sendo, a seguridade
social passou a ser conceituada como ‘um contrato coletivo, integrante do próprio
direito de cidadania, onde os benefícios seriam concedidos conforme a necessidade e
o custeio seria feito segundo a capacidade de cada um. (CAMARANO, 2004)
55
Essa Carta Magnaprovocou uma mudança na imagem do velho assistido e
improdutivo, para o velho ativo e sujeito de direitos; de um velho cuidado exclusivamente
pela família para uma pessoa protegida pelo Estado e pela Sociedade. As políticas de
previdência, assistência social e saúde que incluem os velhos passaram por um complexo de
transformação que foi do Estado liberal dos anos 1920 a um Estado de proteção restrita sob a
égide do “varguismo”, apresentando caráter excludente (não protegia os velhos da zona rural);
finalmente, a Constituição de 1988 passou a instituir uma proteção de caráter integral
(FALEIROS, 2012).
Ainda, porém, que os direitos dos velhos tenham avançado com a Constituição de
1988, o Estado transferiu a responsabilidade, mediante parcerias dessa questão social, para a
família e a sociedade civil; entretanto, observa-se é que a família encontra entraves no
cumprimento desse dever, em virtude do empobrecimento (CAMARANO, 2004; PRADO,
2012).
Debert e Simões (2006) destacam a crescente diversidade e fluidez dos arranjos
familiares no Brasil e a ênfase dada pelo Estado às obrigações da família, como
forma de encobrir a falta de investimentos em novas modalidades de atendimento
institucionais que garantam a dignidade da velhice. Ressaltam que a família perdeu a
centralidade como provedora de cuidado a velhice e que vêm aumentando as
expectativas dos idosos quanto à independência financeira e à autonomia ante os
filhos, como condições para a manutenção de relações afetivas e de trocas
prazerosas entre gerações. (SIQUEIRA, 2007, p. 219-220)
A responsabilidade extrema delegada à família talvez devesse ser ponderada e
repensada, pois o apoio do Estado se faz fundamental nesse panorama social. Logo, mesmo a
proteção social dos velhos sendo institucionalizada como dever do Estado pela Constituição
de 1988, o que se verifica são poucos avanços e muitos retrocessos em termos de política
social.
Consoante Tânia Prado (2012), a Constituição de 1988 traz um caráter dúbio, pois, ao
mesmo tempo em que possui uma ideologia liberal-democrática e universalista, sendo
mobilizada por vários segmentos das classes populares objetivando a universalização dos
direitos e defesa social, chega a respeitar e dar atenção à ordem burguesa.
Outro ponto constitucional curioso, relativo à proteção dos velhos, analisado por
Camarano (2004), diz respeito ao artigo 227 do capítulo VII que versa sobre o direito à vida,
entre outros:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
56
Logo, verificamos que, mesmo esse capítulo tratando de questões atreladas a família,
criança, adolescente e idoso, este último foi marginalizado em sua concretude.
Com as reformas da Constituição, foi extinta a aposentadoria por tempo de serviço, sendo
concedida no regime geral aos 35 anos de contribuição para o homem e 30 anos para a
mulher; a aposentadoria por idade é concedida ao homem aos 65 anos e à mulher aos 60 anos
com período de contribuição (FALEIROS, 2012). Já no âmbito rural, os trabalhadores passam
a ser incluídos na previdência social com um salário-mínimo e redução de cinco anos em
relação ao previsto aos trabalhadores urbanos. Portanto, a previdência passa a ser instituída
como um sistema de proteção ao trabalhador com caráter de redistribuição de renda, sendo
mantida pela contribuição do trabalhador e de toda a sociedade (FRANÇAet al, 2013;
FALEIROS, 2012 e PRADO, 2012).
Para regulamentar os princípios dessa Constituição, foi criada (1993) a Lei Orgânica
da Assistência Social (LOAS), que estabeleceu a concessão do Benefício da Prestação
Continuada (BPC) às pessoas maiores de 70 anos com carência comprovada, com uma renda
em torno de um salário-mínimo. Verificou-se, entretanto, que tal benefício era excludente,
pois era negado a alguns velhos que não se enquadravam em tal perfil essa renda. Com o
tempo e lutas sociais, a idade mínima para esse recebimento passou a ser de 67 anos em 1998
e de 65 anos em 2004 (FRANÇAet al, 2013).
O resultado de muitas lutas sociais fez eclodir a organização da Confederação
Brasileira de Aposentados (COBAP), em 1990, que objetivava a recomposição das perdas
salariais em quantidade de salários-mínimos na época da concessão das aposentadorias bem
como pela conquista de direitos sociais e cidadania (FALEIROS, 2012). Os membros dessa
organização pregavam por uma justiça social no sentido de receber uma quantidade de
salários-mínimos de aposentadoria que fosse equivalente ao que tivessem contribuído ao
longo dos anos.
A participação da sociedade civil nas políticas públicas, garantida pela Constituição de
1988, auxiliou na criação da lei da Política Nacional do Idoso (PNI) em 1996.
As principais diretrizes norteadoras da PNI consistem em: incentivar e viabilizar
formas alternativas de cooperação intergeracional; atuar junto às organizações da
sociedade civil representativas dos interesses dos idosos com vistasaformulação,
implementação e avaliação das políticas, planos e projetos; priorizar o atendimento
dos idosos em condição de vulnerabilidade por suas próprias famílias em detrimento
ao atendimento asilar; promover a capacitação e reciclagem dos recursos humanos
nas áreas de geriatria e gerontologia; priorizar o atendimento do idoso em órgãos
públicos e privados prestadores de serviços; e fomentar a discussão e o
desenvolvimento de estudos referentes à questão do envelhecimento.
(CAMARANO, 2004)
57
A finalidade desta foi prover condições para que sejam promovidas a autonomia, a
integração e a participação dos velhos por meio de políticas saúde, cultura e lazer dentre
outras (PRADO, 2012). A PNI prevê a participação no relacionamento intergeracional e por
meio de organizações representativas num sistema de descentralização, conforme estabelece a
Constituição. Essa lei criou os conselhos de direitos do idoso (CDI) e ações governamentais
que deveriam implementar as políticas para os velhos nas mais diversas áreas, como saúde,
assistência, habitação e cultura (FALEIROS, 2007). Ela foi “a primeira lei brasileira
específica a assegurar os direitos da pessoa idosa e a considerar, em seu objetivo, um ser que
têm direitos e deve ser diferenciado em suas necessidades físicas, sociais, econômicas e
políticas”.(FRANÇA et al, 2013, p.265)
Depois da criação dessa política, com repercussão nacional,foi instituído o Conselho
Nacional do Idoso (CNI) cuja principal ação foia substituição dos asilos por centros de
convivência e estimulação à assistência ambulatorial e domiciliar (FRANÇA, CORREA e
HASHIMOTO, 2010).
Mesmo, porém, com os avanços advindos com a PNI, essa política foi alvo de muitas
críticas, pois chegou a desconsiderar a participação dos velhos e das entidades civis que
representavam seus interesses, uma vez que foi elaborada pelos representantes de vários
ministérios, sob a coordenação da Secretaria Nacional de Promoção Social.
[...] estamos, portanto, diante de algumas contradições, em especial, a relativa
participação dos idosos, sua organização e representatividade versus a criação de
Leis ou Instituições que os “defenderiam”, sem que os próprios idosos nelas estejam
presentes como verdadeiros atores [...]. (PAZ, 2001, p. 26)
Ante as necessidades de saúde das pessoas de mais de 60 anos, foi instituída a Política
Nacional de Saúde do Idoso (PNSI) em 1999, com o objetivo de promover um
envelhecimento saudável, uma manutenção e melhoria em sua capacidade funcional, bem
como a prevenção e a reabilitação dos velhos (PRADO, 2012). Observa-se, porém, uma
dificuldade dessa política em se concretizar, haja vista o sistema de saúde pública do País
estar obsoleto e comprometido.
Em 2002, ocorreu em Madri a II Assembleia Mundial do Envelhecimento, com o
objetivo primordial de promoção de saúde e bem-estar da velhice e da criação de um ambiente
favorável ao envelhecimento. Esse evento também pretendia rever os desafios da última
assembleia que foram: as consequências do enfraquecimento dos vínculos familiares advindos
do processo migratório e o impacto econômico procedente das pensões e seguridade social
(FRANÇAet al, 2013).
58
Após muitos embates políticos de várias organizações dos velhos, de entidades de
aposentados e pensionistas (como a COBAP), da Associação Nacional de Gerontologia e
outros órgãos atrelados a esses movimentos em que reivindicavam a junção de várias
diretrizes, surgiu o Estatuto do Idoso, em 2003, com vistas a reconhecer por lei os direitos e
deveres dos que envelhecem, assegurando prioridades e protegendo-os de toda forma de
violência com base numa legislação específica (CENEVIVA, 2004). Este documento versa o
velho como um sujeito de direitos e político. O Estatuto se tornou marco legal para a
consciência sobre os velhos no País, no intuito de priorizar, reforçar e ampliar as questões
contidas na PNI, especialmente aquelas relacionadas a saúde e cidadania. É importante
salientar que a reunião das muitas leis em um só documento pretendeu tornar a atuação do
Ministério Público mais rápida no que se refere à violação de direitos (PRADO, 2012).
O grande avanço do Estatuto do Idoso está na previsão de estabelecimento de crimes
e sanções administrativas para o não cumprimento dos ditames legais. No caso de
violação destes ditames, caberá ao Ministério Público (MP) agir para a garantia dos
mesmos. O artigo 4º determina que todos estão obrigados a prevenir a ameaça ou
violação dos direitos do idoso. Aqueles que não cumprirem com esse dever serão
responsabilizados, sejam pessoas físicas ou jurídicas (empresas, instituições,
entidades governamentais etc. Esta responsabilidade não é apenas criminal, mas
também civil (CAMARANO, 2013, p.9).
A lei prevê o direito à concessão de um salário-mínimo desde os 65 anos, ou seja, dois
anos a menos do que já estava estabelecido, a todos com situação de renda per capita familiar
igual ou inferior ¼ de salário mínimo.
Alguns estudiosos, como Soares (2000) e Laurell (2000), alegam que um Estado
atrelado a uma política neoliberal faz emergir uma crise fiscal minimiza a conquista de
direitos sociais. Na verdade, ocorre é que o Brasil, empenhado em se adequar à nova ordem
internacional dessa política, de acordo com normas exógenas, reduz os gastos públicos,
minimizando a ação estatal, de modo a abrir as portas de forma irrestrita ao mercado e a
realocar recursos necessários. E é justamente nessa linha de raciocínio que o Brasil adota
estratégias (corte dos gastos sociais e descentralização) para implantar ações que favorecem
odesemprego estrutural, a exclusão social e o aumento da pobreza. Montaño (2005) faz uso
das palavras de Soares (2003):
Diante desse quadro de enorme complexidade, no entanto, ao invés de evoluirmos
para um conceito e uma estratégia no sentido de constituir uma rede universal de
proteção social que explicite o dever do Estado na garantia de direitos sociais,
retrocedemos a uma concepção de que o bem-estar pertence ao âmbito privado, ou
seja, as famílias, a comunidade, as instituições religiosas e filantrópicas, devem
responsabilizar-se por ele, numa rede de “solidariedade” que possa proteger os mais
pobres. (MONTAÑO, 2005, p. 12)
59
É justamente nesse modelo de Estado que minimiza suas ações no campo social
(transferência de atribuições das esferas federal e estadual para a municipal, esta não tendo
condições efetivas de mantê-las) e apela à solidariedade social, caracterizada por ações focais
e seletivas. São ações tímidas, com pouca efetividade social, denotando um claro desmonte da
proteção social e desestabilização das garantias conquistadas pela classe trabalhadora
(PRADO, 2012). Portanto, dentro de uma perspectiva de “Estado mínimo” com maior
importância ao mercado, a substituição dos direitos sociais pela filantropia e mercantilização
impacta a proteção social às pessoas de mais de 60 anos no Brasil.
Retomando, com este percurso de atenção voltada para a velhice, o Ministério da
Saúde, com o propósito de pactuar as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), criou em
2006, o Pacto em Defesa da Vida, constituído por um conjunto de compromissos sanitários,
expressos em objetivos de processos e resultados e derivados da análise da situação do País e
das prioridades definidas pelo Governo Federal, estaduais e municipais; este documento
objetiva dar atenção e priorizar os velhos; neste sentido, surgem os serviços especializados de
média e alta complexidade (atenção diferenciada de internação e atendimento domiciliar) para
atendimento a esse público (FRANÇA et al 2013).
No ano de 2006, ocorreu a I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa
(ICNDPI),com estratégias para implementação da rede de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa
(RENADI); o evento teve por tema “Construindo a Rede de Proteção e Defesa da Pessoa
Idosa”, discutido com base no Plano Internacional para o Envelhecimento, na Política
Nacional do Idoso, no Estatuto do Idoso, nas deliberações da IX Conferência Nacional dos
Direitos Humanos e de outros dispositivos legais que versavam sobre tal temática (FRANÇA
et al 2013 ). A Conferência foi baseada em oito eixos temáticos, que se articulavam em vários
aspectos de uma política de direitos para os velhos, de modo a garantir a diversidade, as
especificidades e a transversalidade. Já em 2009, ocorreu a II Conferência Nacional dos
Direitos da Pessoa Idosa (II CNDPI), com a finalidade de avaliar o estabelecimento da
RENADI, os avanços e desafios enfrentados na implementação das políticas (FRANÇA et al
2013).
O Programa Nacional dos Direitos Humanos- PNDH-3, criado em 2009, é expresso
como um marco no País na proteção aos excluídos e propõe no terceiro objetivo da décima
diretriz avalorização dos velhos e promoção de sua participação na sociedade (BRASIL,
2010).
As ações e programas relativos aos velhos fizeram surgir a necessidade de
financiamento para assegurar os direitos a esse público, sendo elaborado, então, o Fundo
60
Nacional do Idoso. O FNI é gerenciado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa
(CNDI) e a verba adquirida advém da dedução do imposto de renda de pessoas físicas e
jurídicas às doações realizadas aos fundos municipais, estaduais e nacional. (FRANÇA et al,
2013). Portanto, esse passou a ser um passo importante, com vistas a garantir condições
concretas para o estabelecimento de uma política consistente para os velhos.
Outro importante evento acontecido em prol dos velhos foi a III Conferência Nacional
dos Direitos da Pessoa Idosa (III CNDPI), em 2011, que objetivava discutir os avanços e
retrocessos da PNI e demais assuntos referentes ao envelhecimento, tendo como tema “O
compromisso de todos por um envelhecimento digno no Brasil” (FRANÇA et al 2013).
Portanto, segundo a demógrafa Camarano (2004), em um percurso histórico atrelado
ao contexto socioeconômico, podemos considerar profundas transformações nas políticas
setoriais do Brasil. Na política de renda (previdência e assistência), verificamos conquistas no
que se refere à idade de se aposentar, aos valores em torno deste benefício, bem como numa
mudança de paradigma de “coitadinho” para uma pessoa que pode ser ativa e participativa.
No âmbito da saúde, apontamos o surgimento de muitos serviços, programas e projetos
embasados sempre na Geriatria e Gerontologia, no sentido de promover maior independência
física, psicológica e financeira.
Já em relação aos cuidados de longa permanência, foram concretizados com asilos,
albergues, casas de repouso, dentre outros, para os portadores de algum tipo de limitação
física, mental ou econômica. No que tange às políticas de integração social, perpassam todas
as demais questões, descrevendo estratégias de ação nas áreas de educação e cultura, esporte e
turismo bem como atividades relacionadas às associações de aposentados e pensionistas.
Ao longo da história contemporânea, a emergência dos direitos sociais para os velhos
expressa um caráter peculiar que foi adquirindo mais visão pública nas lutas pela previdência
social em um processo marcado por embates políticos significativos.
Assim, podemos afirmar que a política da aposentadoria contribuiu para que as
imagens e significados em torno do envelhecimento adquirissem novos contornos e
traços mais revitalizadores dessa fase da vida. O aposentado passa a ser aquele que
ingressa em um novo período propício para a realização de outros projetos de vida,
tanto para o consumo, como para o descanso [...] (FRANÇA et al, 2010, p. 235).
Vale ressaltar que não somente a aposentadoria, mas também a intervenção do Estado
e outras políticas públicas subsidiaram na conquista de várias figurações para a experiência do
envelhecer, trazendo novos sentidos para esse público.
Essa conquista de direitos dos velhos, em muitos momentos, está atrelada à realidade
social e política mundial. A trajetória de acesso e garantia de direitos passa por uma história
61
de avanços e recuos, recebendo impactos de forças políticas que assumem o poder e do
capitalismo (FALEIROS, 2012). Portanto, as garantias assinaladas na lei precisam ganhar
corpo no meio social, pois, muitas vezes, permanecem no plano virtual; é necessário que tais
direitos ganhem de fato concretude e ressonância no cenário social.
Os direitos dos idosos estão passando por transformação substancial, mas muito
recente. Com novos tratamentos, a sobrevivência se estendeu a grupos cada vez
maiores de pessoas, sem que a sociedade ou o Poder Público lhe preserve o direito
de viver bem, na normalidade das relações com a comunidade e com seu entorno
social. Há muito de sonho no Estatuto do Idoso, mas, ainda assim, é lei digna de
nota, com a esperança de que sua aplicação prática não seja desmentida pelo futuro.
(CENEVIVA, 2004, p. 21)
Assim,a necessidade da efetividade de direitos no cotidiano dos velhos só se tornará
possível mediante a integração de vários segmentos da sociedade para fortalecimento dessas
políticas públicas, a fim de garantir a práxis desses direitos a esse público.
Apesar de tantas conquistas, os direitos dos velhos ainda não são garantidos em sua
integralidade. As pessoas de mais de 60 anos têm direito à renda previdenciária ou assistencial
e à atenção à saúde, mas o acesso ainda é profundamente desigual, cabendo à família o
cuidado dos velhos dependentes. A própria Constituição possibilitou a consolidação, tanto do
direito à idade avançada com dignidade, participação e proteção, como do direito individual e
coletivo, embora ainda persista uma grande desigualdade social (FALEIROS, 2012). Na
prática cotidiana, os direitos dos velhos são violados das mais diversas formas, tanto pelo
Poder Público como pela família e pela sociedade; já o Ministério Público “deixa um pouco a
desejar” no que se refere à repressão penal na violação desses direitos, mecanismo este
instituído no Estatuto (GODINHO, 2007).
A história de intensas lutas e movimentos sociais pode contribuir para uma mudança
na imagem do velho para si e a sociedade. Esse pacto de cuidados, porém, só se efetiva com
serviços articulados, com protagonismo do velho, com recursos financeiros e humanos e
compromisso dos gestores do sistema (FALEIROS, 2012).
A sociedade só se tornará menos injusta se houver efetividade no pacto na redução das
desigualdades. Já a criação de leis, portarias, e outras diretrizes não tem o efeito de mudar um
sistema concentrador e excludente, mas amplia direitos à inclusão no desenvolvimento da
cidadania, a qual se configurará quando os velhos forem sujeitos de sua história, por meio da
participação política e do exercício da autonomia, num Estado e numa sociedade de direitos
democraticamente constituídos (FALEIROS, 2012).
62
4.2 Nas tramas do estatuto do idoso: os caminhos
O Estatuto do Idoso(Lei nº. 10.741, de 1º de outubro de 2003) representa um avanço
social e resulta de inúmeros eventos, reuniões e propostas que chegaram ao Congresso
Nacional com toda força e vigor. Mesmo aprovada, não significa que tudo está resolvido, mas
que ainda há muito por fazer (KRUG, 2004).
Dada a complexidade dos seus objetivos e de tentar privilegiar a variedade e
singularidade de aspectos na promoção de condições de vida satisfatória para este segmento
etário, poderíamos imaginar que o Estatuto encontrasse dificuldades em sua implementação e
concretude.
Inicialmente, podemos começar com apreocupação de conhecer quem efetivamente
preparou este instrumento legal. Sabemos que um grande coletivo social (associações de
aposentados, pensionistas e estudiosos em Gerontologia) foi o responsável pela elaboração.
Resta saber, entretanto, no que essas pessoas pensavam, se seria resultado de uma visão
individual residual ou se foi constituído pela nossa óptica “cheia de culpas” ou se pelos velhos
mesmo, e também se estes estariam preocupados em retratar a realidade de todos os velhos
(KRUG, 2004). Estas são indagações que podem ajudar na compreensão deste instrumento,
do ponto de vista macrossocial.
A essência do Estatuto dispõe sobre a “proteção integral” aos velhos. Em sua
disposição, menciona quais são os principais direitos estabelecidos: direito à vida, à saúde, ao
trabalho, à previdência, a assistência, à educação, à cultura e ao lazer, à moradia e ao voto.
Neste sentido, o direito a uma morte digna não foi incluído nos direitos assegurados
(CAMARANO, 2013), passando o Estado e a Sociedade a se isentar de responsabilidade.
Leite (2005) menciona que em mais de uma passagem, o Estatuto registra que se
destina basicamente aos velhos desprovidos de recursos suficientes. Dessa forma, o estatuto
estaria excluindo aqueles em situação economicamente tranquila, que também são velhos e
precisam de integração à vida social.
Outro ponto pertinente é o desconhecimento da existência do Estatuto, por parte dos
velhos e da sociedade de forma geral, como um dispositivo legal que versa sobre direitos e
deveres, ensejando uma piora na qualidade de vida e uma dificuldade na efetivação de
direitos, numa alienação, no surgimento de um produto acomodado e “domesticado” pelos
grupos dominantes (KRUG, 2004).
O Estatuto, em alguns momentos, dispõe sobre a atuação em redes, na
responsabilidade pública e nas parcerias que devem suceder, decorrentes inclusive da
63
Constituição de 1988. É esquecido, porém, ou não é levado em consideração o fato de que o
Brasil é um país onde a maioria das pessoas vive movida pelo individualismo e
competitividade advindos do capitalismo, o que dificulta uma ajuda mútua ou uma atuação
em rede de solidariedade (KRUG, 2004).
O artigo 1º versa sobre a fixação da idade dos velhos em 60 anos ou mais, indo ao
encontro do que foi apregoado pela ONU (NERI, 2005). Estabelecendo, entretanto, um marco
na idade, não se leva em consideração a heterogeneidade do grupo, ou seja, na elaboração de
políticas públicas e inserção dos velhos em programas, serviços e instituições, pode vir a
ocorrer uma inadequação de motivação desses sujeitos em fazer parte ao que está sendo
proposto e até mesmo em uma incongruência biológica, ou seja, de alguns envelhecerem antes
ou depois dos 60, atrelando o envelhecimento a um determinado ponto do curso de vida
social. Como discorre Camarano (2013, p. 10),
Para o estabelecimento da regra, cabe definir o conteúdo do grupo populacional
criado em termos de outras dimensões além das utilizadas para classificação,
dimensões estas que são muitas vezes inferidas e não observadas. Em outras
palavras, o grupo social “idoso”, mesmo quando definido apenas pela idade, não se
refere apenas a um conjunto de pessoas com muita idade, mas a pessoas com
determinadas características sociais e biológicas.
A heterogeneidade diz respeito às variadas formas de envelhecer, o que é , de certa
forma, muito subjetivo. “O velho brasileiro não existe. Existem várias realidades de velhice
referenciadas a diferentes condições de qualidade de vida individual e social” (NERI, 1993, p.
39).
O próprio artigo 2º reporta-se a assegurar aos velhos todas as oportunidades e
facilidades para preservação da saúde física e para o desenvolvimento, em condições de
liberdade e dignidade. Na visão de Neri (2005), o Brasil é um país que não tem condições e
valores para garantir isso à população, pois, em razão do seu contexto socioeconômico e
cultural existe uma restrição de oportunidades para esse público, pois não assegura a
continuidade de papéis adultos além de determinada idade.
As políticas públicas seguem um critério definidor ante a visão que se tem do público-
alvo. O estereótipo dos velhos como grupo homogêneo, com necessidades especiais, embute
uma ideia de que estes são frágeis (econômica, fisica, social e afetiva) e que estão bem
próximo da morte; isto pode ser verificado quando se analisam alguns artigos que mencionam
oferecer atendimento imediato e prioritário (NERI, 2005;CAMARANO, 2013).
Na verdade, economicamente, os velhos são privilegiados com a cobertura dos
benefícios da seguridade social, o que faz esse segmento não ser considerado pobre. Do ponto
de vista afetivo, muitos velhos possuem uma rede de apoio estruturada familiar e até mesmo
64
uma elevada autoestima, fugindo do estereótipo de que todo velho tem depressão e é triste. Já
socialmente, eles passam a ser privilegiados com gratuidade ou com um desconto de 50%
para os velhos pobres. O Estatuto, no entanto, não estipula fontes de financiamento para os
dispositivos estabelecidos, resultando no encarecimento em entradas de cinema, teatros,
eventos e transporte público, visto que essas tarifas estão sendo compartilhadas com toda a
sociedade, podendo produzir conflitos intergeracionais (CAMARANO, 2013). Os benefícios
criados para tentar compensar os velhos por sua “pobreza”, a eles não beneficiam, impondo
custos adicionais para a sociedade. Neri (2005) menciona que talvez fosse mais pertinente que
se remunerassem melhor as aposentadorias e pensões para que os velhos pudessem
dignamente pagar pelo seu lazer.
Em relação à fragilidade física, vale mencionar que nem todos os velhos são pobres e
com dificuldades de locomoção, o que torna incoerentes alguns artigos que versam sobre a
reserva de assentos e prioridade de embarque em transporte coletivo. Portanto, esses direitos,
talvez, devessem ser garantidos para os velhos que tivessem impossibilidade ou dificuldade
no deslocamento (CAMARANO, 2013). A autora também argumenta se a obrigatoriedade de
assentos não desincentiva a formação de uma cultura de solidariedade.
No artigo que fala sobre a atuação dos conselhos previstos pela PNI, verifica-se que,
na prática, estes funcionam como estruturas burocráticas e legitimadoras das propostas
governamentais, mediante a nomeação de pessoas de confiança, e não como instâncias
fiscalizadoras das políticas públicas (NERI, 2005).
Nos artigos que mencionam sobre assegurar para os velhos o direito integral à saúde,
garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, promover distintos tipos de atendimentos com
profissionais especializados, bem como fornecer gratuitamente medicamentos, órteses e
próteses, é expressa uma preocupação na alocação de recursos adicionais para atender a essa
nova demanda. Isso pode vir a ensejar conflitos nas relações com o Poder Público, pois
exigirão recursos que precisarão ser retirados de outras áreas; e, como o Estatuto não é claro
na alocação das fontes de financiamento, isso pode vir a dar ensejo a tensões intergeracionais
(CAMARANO, 2013).
A importância da família na recuperação do velho é expressa no Estatuto, quando se
reporta à exigência contínua de um acompanhante nos hospitais. Na prática, o Poder Público e
os hospitais “acham essa brecha” e responsabilizam o familiar por tarefas antes exigidas por
um funcionário do hospital, ensejando uma sobrecarga sobre os familiares dos velhos
(CAMARANO, 2013).
65
Ao longo de todo esse dispositivo legal, em algumas passagens apontamos a
responsabilidade da família pelo seu velho dependente, como, por exemplo, o Art 3º: “V-
priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento
asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria
sobrevivência”.
Tal consideração, contudo, não leva em conta as profundas mudanças na família, haja
vista a atribuição da mulher em relação ao papel de cuidar. Essa situação impede a inserção
dessa mulher no mercado de trabalho e, por conseguinte, afeta a vida financeira familiar
(KRUG, 2004; NERI, 2005 e CAMARANO, 2013). Essa passagem também não leva em
conta que nem sempre o velho tem vontade de residir com a família e, desta, nem sempre ser
um espaço acolhedor e de segurança, em virtude de poder ocorrer vários tipos de violência em
relação a esse público (CAMARANO, 2013).
No tocante à educação, o Estatuto afirma que o Poder Público deve criar
oportunidades de acesso dos velhos à educação, adequando currículos, metodologias,
materiais e programas às suas peculiaridades. Não é atribuição do Poder Público criar tais
oportunidades, pois cabe à escola, instituição que representa o Estado; o mesmo ocorre
quando o Estatuto delega ao Poder Público a responsabilidade de criar as universidades da
terceira idade; na verdade, cabe às universidades, que têm autonomia para isso (NERI, 2005).
Nessa questão de incentivo à educação, o Estatuto versa sobre facilitar a leitura por
meio de letras maiores em virtude de perdas visuais dos velhos; entretanto, os que envelhecem
deveriam poder usar óculos e operar da catarata. Mais uma vez, provavelmente, essa
passagem exime o Estado da responsabilidade de seu papel de prover serviços básicos (NERI,
2005).
Estas reflexões não têm o objetivo de negar a importância e a legitimidade ou a
pertinência do Estado brasileiro, mas de explicitar uma ideologia da velhice que reflete um
problema médico-social, ou seja, que os velhos devem ser tutelados porque são doentes,
dependentes, vulneráveis, frágeis e incapazes (NERI, 2005). Portanto, os preceitos instituídos
no Estatuto não são compatíveis com uma visão crítica da realidade brasileira, dificultando a
compatibilidade e a adequação das políticas públicas destinadas aos velhos. Um olhar mais
refinado, levando em consideração a heterogeneidade, a dignidade, a cidadania e a equidade,
poderão vir a colaborar na pauta de decisões e ações pertinentes à elaboração de políticas
públicas.
66
A efetividade das regulações do Estatuto do Idoso deverá ser refletida em um contexto
macro, considerando-se a necessidade de mecanismos para todos os grupos etários, onde a
solidariedade será o pilar para a promoção do bem-estar social.
4.3Políticas públicas no espaço rural brasileiro
O semiárido brasileiro é caracterizado por uma expressiva falta de água, o que leva a
uma limitação na agropecuária e enfatiza a necessidade de políticas públicas direcionadas para
esse espaço. Sendo assim, estas são de suma importância para uma região, pois sua falta dificulta a
fixação do homem no seu meio, levando-os ao êxodo rural e à elevação da população nas grandes
cidades, ensejando sérios problemas sociais urbanos. Portanto, esses problemas poderiam ser
minimizados se houvesse a efetividade dessas políticas para o rural, pois dessa forma a pessoa não
perderia o prazer de viver em sua região.
A intervenção do Estado na agricultura pôde congregar dois tipos de política
econômica: a macroeconômica e a setorial (DELGADO, 2008). A política macroeconômica
buscou afetar a economia tanto em termos de quantidades (quantidade total da moeda e taxa de
crescimento) quanto de preços (taxa de câmbio, de juros e o nível geral dos preços). Ainda
segundo o autor, ela é composta pela combinação das políticas fiscal, monetária, comercial e
cambial, influenciando diretamente a taxa de crescimento da renda nacional e do Produto Interno
Bruto - PIB, a entrada e saída de recursos externos, o saldo da balança de pagamentos, o ritmo
inflacionário, dentre outras. Portanto, seu caráter amploinfluencia diretamente o setor
agropecuário. Então, a política macroeconômica pode dificultar ou neutralizar a concretude das
políticas direcionadas para a agricultura.
A de ordem setorial é uma política econômica que influencia diretamente o
comportamento econômico-social de um setor específico da economia nacional, seja na área de
transportes, agricultura, dentre outros. Em relação à agricultura, podemos relatar a existência de
três tipos de política econômica setorial: a agrícola, a agrária e a política diferenciada de
desenvolvimento rural (DELGADO, 2008).
A política de conteúdo agrícola trata de questões especificamente ligadas à produção,
à produtividade e aos processos técnicos que buscam expandir esses aspectos (MAIA; MELO e
MIELITZ NETO, 2010). Ela afeta o comportamento conjuntural dos agricultores e dos mercados
agropecuários, como os fatores estruturais (uso da terra e carga fiscal) que determinam seu
comportamento, e chega a privilegiar políticas de mercado (preços dentre outros), como políticas
estruturais (fiscal, de infraestrutura, dentre outras). Logo, ela condiciona e regula as relações de
67
preços de produtos, de outros fatores, influenciando o grau de integração intersetorial e de
internacionalização da agricultura (DELGADO, 2008).
Já a política de teor agrário se refere aos aspectos relacionados à organização e ao uso
do espaço rural, aos impactos que a produção causa no ambiente, aos fluxos e cadeias de mercado,
entre outros (MAIA; MELO e MIELITZ NETO, 2010). A política de conteúdo agrário é estrutural
de longo prazo e está assentada na concepção de que a propriedade e a posse de terra são fatores
que condicionam a estrutura da produção agrícola e as relações de poder no rural, determinando a
riqueza dos diversos tipos de agricultores.
Na óptica de Delgado (2008), a população brasileira hoje possui uma agricultura não
estagnada, em que o problema alimentar no País não chega a ser a incapacidade de produzir
alimentos, e sim de nível de renda que permita garantir preços e competitividade para o mercado
externo e interno; é uma agricultura agroalimentar que já se articula a interesses urbanoindustriais,
nacionais e internacionais. E é nesse cenário de complexidade econômica que o autor aponta a
necessidade de uma política de feição agrícola para a execução de um projeto democrático no
espaço rural brasileiro.
Sem uma política agrícola adequada, não há projeto democrático de modernização
da agricultura brasileira: desde, pelo ou menos, a década de 1960 a política agrária,
por si só, não é suficiente para viabilizá-lo. A separação entre política agrícola e
política agrária é, portanto, totalmente falsa e politicamente atrasada e é preciso
encarar com seriedade a necessidade de sua integração. (DELGADO, 2008, p. 212)
Delgado (2008) exprime a ideia de que as políticas ou programas diferenciados de
desenvolvimento rural são destinados aos produtores rurais pobres, não integrados à
modernização produtiva. As políticas de desenvolvimento rural objetivam uma integração da
política de perfis agrícola e agrário, considerando as particularidades dos segmentos
empobrecidos e não integrados, a necessidade de criação de políticas públicas que se
harmonizem a esse público e uma preocupação com a sustentabilidade (preservação de
recursos naturais e meio ambiente).
No Brasil, as questões agrárias e agrícolas aparecem fragmentadas, demandando
diversas políticas públicas, algumas com ações mais contingentes, outras destinadas a grupos
particulares e outras de caráter mais amplo.
Tal compreensão também é precedida do entendimento do que foi e do que é a
questão agrária em cada momento histórico vivido e em cada região do país, e,
também, de como essas questões têm motivado a implementação de políticas
públicas para o meio rural e sua recepção.(MAIA; MELO e MIELITZ NETO, 2010,
p, 10)
68
Nesse sentido, estudamos visões de teóricos acerca da questão agrária no Brasil,
analisando a complexidade do desenvolvimento econômico e social no País, com vistas a
compreender o desenho de políticas públicas no espaço rural.
Nas décadas mais recentes, o êxodo rural contribuiu para criar desequilíbrios nas
estruturas sociais e econômicas no plano macro, bem como uma transformação das estruturas
sociais no espaço rural. Uma das consequências dessa “expropriação” do campesinato foi à
organização de ligas camponesas e sindicatos de trabalhadores rurais que, juntos, enfrentavam
um regime de dominação (PALMEIRA, 2008).
Os movimentos sociais observados no rural nos anos 1950 e as alterações de poder
dentro do Estado nos anos anteriores ao golpe de 1964 resultaram na elaboração de uma
legislação específica para o rural, sendo a primeira o Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963.
Este foi aprovado no Congresso e representou um marco, pois os trabalhadores do rural
passavam a ter os mesmos direitos dos trabalhadores urbanos, tendo até mesmo a
sindicalização fortalecida. Portanto, os latifundiários e empresários sentiram-se lesados e
descontentes com tal medida. A seguir, surgiu o Estatuto da Terra, em 1964, crucial para o
novo aparato jurídico para uma legislação complementar (PALMEIRA, 2008). Este
documento abria a possibilidade de variadas vias de desenvolvimento da agricultura, mas, ao
mesmo tempo, oferecia instrumentos de intervenção do Estado.
A repressão ao movimento dos trabalhadores rurais empreendida pelo regime militar
não conseguiu impedir a expansão desses. O cimento ideológico dessa época de 1968,
motivada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores, foi à bandeira da reforma agrária
(PALMEIRA, 2008 e DELGADO, 2008).
Não se trata, simplesmente, de um problema de governo, nem de um problema que
envolva determinados grupos. O que está em jogo na questão da reforma agrária
hoje- por força dos processos sociais que vivemos – é a oposição entre dois
movimentos que envolvem confrontos de interesses diversificados e que, por assim
dizer, atravessam toda a sociedade. Nesse confronto, o que, por sua vez, está em
jogo é a própria maneira de operar o Estado (PALMEIRA, 2008, p. 198).
Até 1979, os trabalhadores rurais amadureceramprojeto próprio, propondo “uma
reforma agrária ampla, massiva, imediata”, passando a associar reforma agrária a democracia.
De 1979 a 1984, intensas lutas foram travadas em torno de preços mínimos e outros itens da
política de teor agrícola, da previdência social, greve de assalariados e outras se sucederam,
afirmando a organização do movimento sindical em um campo que deixou de ser uma simples
oposição entre trabalhadores rurais e latifundiários.
Até o final dos anos de 1980, as políticas públicas para o rural brasileiro eram
intensivamente centralizadas no Estado, com o objetivo de promover o crescimento
69
econômico, acelerando a industrialização, sendo fomentada com base nos interesses das
oligarquias rurais e urbanoindustriais; a preocupação se dava, sobretudo, em relação ao
crescimento do volume produzido com a incorporação de inovações tecnológicas pelas
atividades agropecuárias (MAIA; MELO e MIELITZ NETO, 2010 e PALMEIRA, 2008). O
espaço rural passou a ser compreendido apenas como locus das atividades da agricultura.
A conjuntura política e social brasileira mudoucom a redemocratização, favorecendo a
intensificação de movimentos organizados; houve a crise financeira do Estado na década de
1980 e a adoção do modelo neoliberal em 1990. A descentralização político-administrativa
propiciada pela Constituição de 1988 fez repassar aos governos municipais atribuições antes
delegadas às esferas estaduais e federal, passando a valorizar o município em sua diversidade
como instância adequada para implementação, gestão e fiscalização das políticas públicas por
meio dos conselhos, sindicatos, cooperativas, associações, ONGs e outros; também fez surgir
elementos como igualdade e liberdade, favorecendo o estudo e a concretude de temas, como
poder local, autogestão, participação social, desenvolvimento sustentável e outros
(HESPANHOL, 2008).
Portanto, nos anos de 1990, as políticas públicas direcionadas para o espaço rural
começaram a passar por mudanças em termos de concepção, estruturação e formas de
implementação.
Favareto e Demarco (2004) fazem uma rápida retrospectiva da evolução das
políticas públicas para o desenvolvimento rural onde: os anos 70 tiveram como
principal marca a massificação das políticas e processos sociais desencadeados com
a chamada modernização conservadora (privilégio a grande propriedade,
tecnificação e mecanização das lavouras, grande oferta de crédito); os anos 80, por
sua vez, trouxeram uma crise desse mesmo modelo o que se materializou nos custos
sociais, ambientais, e na inviabilidade do padrão de financiamento anterior; os anos
90, no rastro da crise, foram os anos de ascenção da agricultura familiar como
segmento reconhecido socialmente e alvo de políticas específicas até então inéditas e
associado a isso, foi o período em que se consolidou a ideia de que o envolvimento
dos agentes influencia positivamente a boa aplicação de recursos públicos. Já a
primeira década do novo século se inicia sob a influencia da chamada abordagem
territorial, numa tentativa de valorizar a escala local no estabelecimento de
dinâmicas de desenvolvimento e a redução do rural ao agrícola. (PEREIRA e
SILVA, 2009, p. 5)
No âmbito rural, uma das primeiras alterações foi à criação, em 1996, de uma política
direcionada para a agricultura familiar, o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF). A agricultura familiar pode ser definida por Barros (2006,
p. 47) como o “cultivo da terra realizado por pequenos proprietários rurais, tendo como mão-
de-obra essencialmente o núcleo familiar, em contraste com a agricultura patronal, que utiliza
trabalhadores contratados, fixos, ou temporários, em propriedades médias ou grandes”.
70
Portanto, os empreendimentos familiares são administrados pela família, com ou sem auxílio
de terceiros, sendo uma unidade de produção e de consumo.
O PRONAF tem o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável do segmento
rural, constituído pelos trabalhadores familiares, de modo a propiciar-lhes o aumento da
capacidade produtiva, a geração de empregos e melhoria na renda (FONSECA e SOUSA,
2011). Financiado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o PRONAF financia
projetos individuais ou coletivos que ensejem renda aos agricultores familiares. Ainda
segundo estes autores, o acesso ao PRONAF se processa com uma discussão da família sobre
a necessidade do crédito, seja para custeio de máquinas ou safra; após o financiamento, a
família procura o sindicato rural ou a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
(EMATER) para a obtenção da declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP), que deverá ser
emitida segundo a renda anual e as atividades exploradas, direcionando o agricultor para as
linhas específicas de crédito a que tem direito.
No âmbito das políticas públicas para o espaço rural, houve a incorporação de alguns
princípios, como o envolvimento e a participação de vários ministérios e secretarias,
principalmente no plano da União, na formulação das ações, bem como na tentativa de se
integrar aos programas criados, como é o caso do Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA).
Este Programa surgiu em julho de 2003, no governo Lula, juntamente com o Programa
Bolsa Família (PBF), visando a fortalecer diretamente a agricultura familiar, auxiliando o
agricultor na compra de seus produtos, sendo financiado pelo Ministério de Desenvolvimento
Social e Combate à Fome, repassados à CONAB por via de convênio (MAZZINI e
OLIVEIRA, 2010). O PAA tem como objetivo principal garantir o acesso aos alimentos com
regularidade e qualidade a pessoas em situação de insegurança nutricional, ensejando renda e
trabalho no espaço rural por meio da aquisição direta de alimentos produzidos pelos
agricultores do município (HESPANHOL, 2008).
[...] costumamos dizer que o Programa “junta a fome com a vontade de comer”: o
produtor precisa vender, e é dado a oportunidade para que venda a um preço justo,
seguindo a tabela de preços da CONAB; as entidades precisam de recursos
financeiros para adquirir alimentos, recebem gratuitamente, através da doação feita
pela CONAB, que compra a produção e doa toda a produção.(MAZZINI e
OLIVEIRA, 2010, p. 11)
Os produtores rurais, para participarem do PAA, devem se enquadrar no perfil, de
acordo com os critérios estabelecidos pelo PRONAF, e estar organizados em associações,
cooperativas ou grupos informais de, no mínimo, cinco agricultores (HESPANHOL, 2008).
Pretende-se, dessa forma, estimular a organização coletiva dos produtores rurais.
71
Com base na pesquisa realizada no espaço rural de Iracema, percebemos que apenas
duas famílias foram beneficiadas pelo PRONAF e pelo PAA. Ao serem indagados sobre a
existência de tais programas, poucos velhos disseram terem real conhecimento sobre as
diretrizes e vantagens acerca deles. Portanto, supomos que as famílias não foram beneficiadas
tanto por falta de divulgação dos programas, quanto da desativação da Associação, bem como
da existência de um número significativo de pessoas analfabetas.
A localidade de Iracema é repleta de possibilidades de atividade agropecuária,
contudo, o nível de analfabetismo, a falta de qualificação profissional e as adversidades
naturais da região, possivelmente, decerto, afetam a produtividade e o rendimento das
famílias.
Portanto, mesmo poucas famílias sendo beneficiadas pelos programas, podemos
considerar verdadeiras conquistas para estas, uma vez que foi percebida maior rentabilidade,
opções de diversificação da produção, intento de realizar uma organização dos produtores e,
principalmente, melhoria na solidariedade familiar. Ao passar pelas residências dos
interlocutores, a expressão de maior ajuda mútua foi verificada e explicitada justamente nas
famílias beneficiadas com os programas.
Logo, percebemos a importância do fortalecimento e do desenvolvimento da
agricultura como instrumentos que ensejam renda e melhoria na qualidade de vida das
pessoas. São fundamentais, porém, políticas públicas diferenciadas para as unidades
familiares, já inseridas no mercado e que minimizem a exclusão daquelas em situações mais
problemáticas.
Nesse sentido, é necessário questionarmos a forma como as políticas municipais são
conduzidas, para que a agricultura mantenha seu papel socioeconômico e não reduza sua
razão produtiva.
72
5O PERCURSO: LOCUS, SUJEITOS E REFERENCIAL TEÓRICO-
METODOLÓGICO
5.1 Campo da pesquisa
Explanamos aqui nosso campo de pesquisa, a forma de inserção neste, a descrição do
nosso público-alvo, nossas impressões, dentre outros dados pertinentes para a compreensão
sobre os velhos que moram no espaço rural.
É importante salientar que as informações assinaladas foram obtidas de observações,
do contato com os sujeitos da pesquisa e com a ajuda primordial de elementos coletados com
o agente comunitário de saúde – A.C.S – que, além de morar em Iracema, trabalhava há
muitos anos nesta função.
A pesquisa foi realizada em uma localidade no interior do Ceará, denominada Iracema,
desenvolvida ao longo de dez meses, cujo público-alvo foram as pessoas que tivessem 60
anos ou mais, critério etário este adotado pelo Estatuto do Idoso que considera como velhos
aqueles com idade maior ou igual a 60 anos. Vale salientar que os sujeitos possuíam idade de
60 a 85 anos. A localidade de Iracema possui 13 famílias em sua totalidade, oito das quais
possuem pessoas velhas – sete homens e cinco mulheres. Deste modo, foram realizadas
entrevistas semiestruturadas com os 13 interlocutores que residiam nesse espaço. No total,
foram feitas três visitas domiciliares a cada participante.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE (2013),
Iracema é uma localidade pertencente ao Município de Paramoti. Antes de ser elevado à
categoria de município, Paramoti era conhecido como distrito (pelo Decreto-Lei nº 448, de 20
de dezembro de 1938) de Canindé. A Lei nº 3.962, de 10 de janeiro de 1967, elevou-o à
categoria de município.
O Município de Paramoti é localizado a 104,1 km da capital, Fortaleza, sendo que o
acesso se dá pelas vias BR-02 e CE-162. O tempo estimado de viagem é de aproximadamente
uma hora e trinta minutos de Fortaleza (APRECE, 2014).
Localizada à margem esquerda do rio Canindé, Paramoti também é banhado pelos rios
Curu e Batoque. Paramoti é uma palavra originária do tupi, que significa rio seco ou rio que
se estreita (IBGE, 2010).
73
Paramoti forma, com os Municípios de Santa Quitéria, Hidrolândia, General Sampaio,
Caridade e Canindé, o chamado Sertão de Canindé. A sede de Paramoti se localiza no norte
cearense fazendo divisa com os seguintes municípios: General Sampaio, Apuiarés, Caridade,
Pentecoste e Canindé (IBGE, 2010).
Paramoti possui uma área absoluta de 482,65 Km2, uma área relativa de 0,32% e uma
população de 11.308 habitantes, dos quais 5.814 homens (51,41%) e 5.494 mulheres
(48,59%); outro dado importante a ser considerado é a população urbana, composta de 5.768
habitantes (51,01%) e a população rural de 5.540 pessoas (48,99%) (IBGE, 2010).
O Município possui clima quente, semiárido (média de 26 a 28 graus Celsius), com
relevo de depressões sertanejas e de maciços residuais e com uma vegetação arbustiva aberta.
Os períodos chuvosos ocorrem normalmente dos meses de janeiro a abril (IBGE, 2010).
Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD,
2000), que tem como objetivo promover o desenvolvimento e eliminar a pobreza no mundo,
Paramoti possui um Índice de Desenvolvimento Humano - IDH baixo, configurando em torno
de 0,597. Já o Produto Interno Bruto (PIB), que representa a soma dos valores monetários de
todos os bens e serviços finais, exprime um valor de aproximadamente R$ 40. 707,646 mil,
segundo fontes do IBGE (2010). Religiosamente, Paramoti liga-se à Paróquia de Senhora
Sant’ana (26/07), vinculada a Arquidiocese de Fortaleza.
Segundo dados da Secretaria de Saúde de Paramoti (2014), dentre as atividades e
políticas implantadas diretamente para os velhos, podemos destacar: uma reunião, um
equipamento social, uma semana comemorativa e o atendimento prestado pela equipe do
Programa de Saúde da Família-PSF.
As reuniões são desenvolvidas na forma de palestras, tendo como público os
hipertensos e diabéticos que residem na sede e no espaço rural do Município. Tais atividades
são facilitadas por profissionais da Secretaria de Saúde, ocorrendo uma vez por mês no espaço
físico.
O equipamento social, mais conhecido como Casa do Idoso, corresponde a um prédio
alugado pela Prefeitura, destinado a desenvolver atividades de lazer e socialização. As
atividades são o tradicional forró pé de serra, jogos de cartas e viagens esporádicas para
lugares turísticos. Essas atividades ocorrem uma vez por semana e são coordenadas pela
equipe técnica do Centro de Referência da Assistência Social- CRAS, composta pela
assistente social e pela psicóloga.
Anualmente, na primeira semana de outubro, as secretarias municipais elaboram um
plano de atividades (exames rotineiros, filmes, palestras etc) a serem desenvolvidas para
74
comemorar a Semana do Idoso. Esse evento é planejado de forma antecipada, contando com
ampla participação da comunidade.
Na área da saúde, também podemos destacar os atendimentos prestados pela equipe do
Programa de Saúde na Família-PSF (médico, enfermeiro e auxiliar de Enfermagem) que
disponibilizam este serviço na Sede (no hospital e nas casas dos velhos acamados) e nos
espaços rurais (geralmente os atendimentos ocorrem uma vez ao mês e se concentram, via de
regra, na casa dos líderes comunitários) do Município focalizado.
Segundo informações da Secretaria de Saúde do Município (2014), Paramoti perfaz
em sua territorialização 83 localidades.2
O locusempírico da pesquisa pôde ser descrito como correspondente às longas
caminhadas nesse espaço com o objetivo apenas de observar e explorar cada pormenor que
saltava aos olhos. Esta localidade se apresentou como sendo o lugar marcado pelo sol
“escaldante”, pela terra rachada, pelo clima árido e seco, o que favoreceu uma paisagem de
árvores tímidas e folhas ressecadas. Rios e córregos se tornaram um cenário um tanto inédito
nesse espaço; os animais estavam magros e se apresentavam em pequena quantidade.
A seca, os animais morrendo, a terra rachada eram aspectos intrigantes, pois não
conseguíamos compreender como aquelas famílias adotavam um modo de viver tão simples,
mas que, ao mesmo tempo, deixava transparecer um sentimento de felicidade e união entre os
membros.
Ao mesmo tempo, também carregávamos uma lembrança do rural da infância como
um lugar de festividades, do fumo, do leite da vaca, dos banhos no açude, do vaqueiro, do
estábulo, da vaquejada, da casa grande, das conversas no alpendre, enfim, todo aquele cenário
peculiar nos instigou a estudar com maior propriedade esse espaço.
Resolvemos percorrer Iracema em horários distintos para tentar entender e apreender o
dinamismo do local. No horário matinal, de quatro às sete da manhã, percebemos a circulação
de pessoas a pé, algumas carroças e alguns vaqueiros tangendo animais.
2As localidades deParamoti são: Melado, Caçamba Nova, Caçamba do meio, Caçamba de Cima, Veneza,
Pereiros, Extremas, Iracema, Torrões, Siriema, Ternura, Santa Rita, Ruzilha, Amontada, Aracajá, Riacho do Meio, Barra do Batoque, Nogueira, Boa Esperança, Poço Vermelho, Alto Vermelho, Capivara, Sabonete-I, Monte Pedal, Marin, Altamira, Passagens, Candeia, Carnaubinha, Pau d’Arco, Jurema, Lagoinha, Muquém, Lisboa, Angelim, Ubiba, Sabonete-II, São Matias, Pajeú, Ipueiras das Pedras, Piedade, Cachoeira da Piedade, Várzea Grande, São José, Santa Tereza, Santa Úrsula, Boa Esperança-II, Campo Novo, Ramalhete, Alegre-I, Alegre-II, Carnafístula, Retiro, Bom Jardim, Lagoa dos Patos, Miramar, Bom Princípio, Barra do Juá, Papel, Garrote, Guaribas, Arião, Lagoa do General, Ipiranga, Pereiros-II, Sangria, Mulungu, Bom Retiro-II, Paraíso, Logradouro, Riacho do Feijão, Remédio, Dentro, Cangati-I, Cangati-II, São João, Patos, Oriente, Umburana, Pitombeira, Bom Retiro-I, Laje e Salvação.
75
As pessoas que circulavam a pé caminhavam sem pressa (em sua maioria eram
homens velhos que talvez estivessem indo para o roçado), com passadas leves, mas firmes, a
princípio, nos olhavam de forma curiosa, chegando, muitas vezes, a não cumprimentar. Já os
animais se deslocavam de forma lenta e tímida parecendo externar o horror da seca do
Nordeste rural, onde são escassas a água e a comida.
As carroças tinham uma aparência deteriorada e um tanto rústica, possuindo a função
de transportar capim para o gado e leite para a venda em algumas fazendas. Já os vaqueiros
“conversavam” com o gado, desenvolvendo uma sintonia “de quase perfeição”; começamos a
perceber afetividade e amorosidade dessa relação diária na fala desses vaqueiros, quando
expressavam “que não sabiam viver sem o mugido desses animais”.
O movimento de carros era pouco pela manhã, sendo curioso o fluxo contínuo e
intenso de caminhões carregando areia durante todo o dia, à noite e principalmente de
madrugada. Apenas alguns sujeitos comentaram sobre tal fato; o movimento seria advindo a
mando de empresários que tentavam comprar areia proveniente de um grande rio (chamado de
rio Canindé e seu fluxo passava por alguns municípios), inclusive por Iracema.
No horário de dez às duas da tarde, o fluxo de pessoas e carros diminui
consideravelmente, pressupondo a constatação de que as pessoas estivessem no horário do
almoço ou de descanso em suas casas.
No final da tarde e começo da noite, percebíamos uma grande circulação de pessoas
que, provavelmente, retornavam as suas casas, seja do trabalho da agricultura, da criação de
gado, de constantes “bicos” na sede do Município ou da casa de uma comadre.
Nesse sentido, observamos que a cotidianidade desses agentes sociais se voltava para
as atividades necessárias a sua sobrevivência (HELLER, 1970), ou seja, independentemente
da ordem vigente (de quem seja a pessoa do prefeito ou mesmo seu patrão), tais sujeitos
atribuíam um sentido ao seu trabalho (ainda que informal).
Outro importante fato observado diz respeito às pessoas de mais idade nos alpendres
das casas, conversando com seus filhos ou mesmo ficando a olhar a paisagem que não cessava
de transmitir um silêncio e uma paz infinita.
As casas têm uma aparência modesta e antiga, levantando a hipótese de que pouca ou
nenhuma reforma ou reparo fora realizado. As casas de Iracema-I se localizam de forma
distante umas das outras, sendo simples, pequenas e construídas à base de tijolos e com
banheiro. A maioria das casas era própria, possuindo televisor, conjunto de som e geladeira.
76
A localidade de Iracema-I não possui Posto de Saúde, portanto, os moradores se
deslocam mensalmente para a localidade de Melado, com o objetivo de receberem
atendimento médico. Vale salientar que Melado dista 10 km, aproximadamente, de Iracema-I.
Na óptica do A.C.S e de alguns sujeitos da pesquisa, Iracema possui abastecimento de
água encanada e energia elétrica; na localidade, há cinco cisternas nas casas e um pronto
atendimento da Defesa Civil com a disponibilização de água mediante carro-pipa. A
localidade não possui telefone público e a maioria das casas não tem sinal de telefonia celular.
Nesse cenário, em determinada manhã, acordamos e deparamos com a falta de água.
Chegaram a explicar que existia um racionamento na comunidade, onde diariamente de sete
às nove da manhã faltaria água. Dessa forma, teríamos que prestar mais atenção às
representações da comunidade, pois poderia existir uma distância entre os ditos e a realidade
vivenciada ou, ainda, aos sentidos e significados acerca “do que era ter água” para eles, visto
estarem acostumados a viver em uma realidade tão adversa.
Iracema não tem creche e possui uma escola desativada e deteriorada, desde 2010, e
que parou de funcionar, pois, como trabalhava em regime de seriação (várias séries juntas) e a
comunidade era pequena, o restrito número de alunos impossibilitou a continuidade das aulas
em razão do alto orçamento despendido. Então, a comunidade se mostrou indignada com o
prefeito que estava empossado na época.
O A.C.S mencionou que a comunidade reclamava muito da igreja, desativada desde
2009, a qual congregava um número grande de famílias (Diário de campo, 20/05/2014).
Até o período de maio de 2014, Iracema possuía uma associação comunitária, que
tinha como presidente uma pessoa de outra localidade; foi mencionado pelos sujeitos que
apesar de a Associação “funcionar”, não havia reuniões periódicas há muito tempo. O A.C.S
também disse que estava legalizada, pois os documentos “estavam em dia” e que os sujeitos
tinham compromisso no pagamento da mensalidade.
Alguns meses depois, no mês de setembro do mesmo ano, foi mencionado que a
Associação havia sido desativada, embora a maioria dos depoentes atribuísse importância ao
funcionamento desta, em virtude de viabilizar projetos sociais e suscitar melhores condições
de vida.
Agora, acreditamos ser necessário descrever como se procederam os contatos iniciais
dos pesquisadores com os sujeitos da pesquisa a fim de compreender a importância da
interação destes para o desenvolvimento do estudo.
Estabelecemos um propósito de, no primeiro encontro com os interlocutores esclarecer
a nossa proposta de trabalho para as famílias, bem como obtermos o consentimento para sua
77
realização, procurando manter um momento de conversa informal, a fim de favorecer a
interação e a confiança. Posteriormente, os contatos com os velhos foram intensificados
mediante a realização de entrevistas semiestruturadas, pois pretendíamos uma maior
aproximação com os estilos de vida dos sujeitos,com suas rotinas, suas famílias, seus
trabalhos, a fim de apreender o modo de vida destes. Em paralelo às visitas, foram registradas
falas, gestos e silêncios no diário de campo e gravador, o que nos ajudou, sobremaneira, na
condução desta pesquisa.
Alcântara (2004) cita Bonazzi, ao argumentar que a relação de confiança exige do
entrevistador uma grande disponibilidade, sendo de suma importância ter o primeiro contato
com o sujeito, preparar o esquema da entrevista, a fim de organizar melhor a pesquisa. Nesse
sentido, resolvemos fazer contatos iniciais com os sujeitos, sem interrogá-los, apenas
observando gestos, silêncios, atitudes e olhares, tentando apreender as informações contidas
nos discursos dos entrevistados.
Em algumas casas visitadas, no primeiro contato, percebemos que fomos recebidas
com desconfiança. Em certos momentos, alguns depoentes chegaram a nos perguntar se
éramos a um fiscal do Governo, pois sabiam que ali já haviam passado várias pessoas
perguntando sobre a renda mensal familiar.
Então, percebemos claramente a apreensão das pessoas em suas casas, no início da
pesquisa, chegando a verbalizar uma relação do nosso trabalho ao corte do benefício, podendo
ser tanto da aposentadoria quanto do Programa Bolsa Família. Isso mostra também que as
rendas provenientes de tais benefícios são de suma importância para o sustento familiar, pois
um possível corte poderia comprometer algumas necessidades básicas da família. A
desvinculação da nossa imagem, porém, foi sendo desfeita com nossa visita mais constante na
comunidade. O sentimento de confiança também pôde ser comprovado nos convites feitos
para um cafezinho e/ou almoço.
Então, dia a dia, nossa atuação constante como pesquisadora na comunidade foi
possibilitando a criação de elos de amizade e de convivência amistosa e pacífica com as
pessoas.
Um fato importante, que talvez tenha influenciado na condução do estudo, foi o grau
de parentesco que tínhamos com dois sujeitos (Andreia e Paulo) da localidadesob exame. Na
verdade, ao longo da observação exploratória, foi escolhida uma localidade que fosse próxima
à sede do Município e que houvesse pessoas de mais de 60 anos.
O A.C.S que trabalhava na Secretaria de Saúde da Sede do Município, nos orientou
quanto à escolha da localidade de Iracema-I, pois seria um lugar onde as casas seriam
78
próximas umas das outras (isso facilitaria “as caminhadas a pé”) e que as pessoas teriam
maior disponibilidade de contribuir com a pesquisa. Nesse tocante, a escolha foi realizada sem
o conhecimento prévio de que os parentes residiriam em tal espaço.
Pensamos ser pertinente relatar a trajetória da estada em Iracema, a começar pela
nossa chegada à localidade. As reflexões desenhadas nesta pesquisa são apenas campos de
possibilidades e vertentes de uma análise empreendida sobre as particularidades do velho que
reside na área rural.
Vale ressaltar que, desde o princípio, houve boa recepção por parte dos nossos
parentes, o que nos deixou mais tranquilas na estada. A aproximação com o público-alvo foi
favorecida pelo contato com Andreia e Paulo que indicaram como se chegar aos atores da
pesquisa. Eles se tornaram peça fundamental no início do estudo, bem como o A.C.S,
chegando, muitas vezes, a justificar a nossa presença como pesquisadora para alguns
“curiosos” da comunidade. Dona Andreia, o povo quer saber quem é essa mulher bunita e
lôra que tá andando por aqui...é do governo é? Ela veio pra investigar nóis, foi? Ela quer o
quê hein? Meu marido nem quer ficar mais no alpendre com medo da moça... (Diário de
campo, 21/07/2014).
Na qualidade de pesquisadora, sentimos na pele o que é um estranho na comunidade.
Na fase inicial e exploratória da pesquisa, quando simplesmente andávamos pela localidade,
percebemos algumas pessoas olhando para nós de forma curiosa e nada amistosa. Certa vez,
presenciamos um adolescente jogando pedras contra nós, quando íamos passando. Nas
palavras de Certeau (1996), tal situação recai muito bem quando ele enuncia: sair à rua
significa correr o risco de ser reconhecido, e portanto apontado com o dedo. Dessa forma, a
mensagem social emitida, por meio de um sorrir/não sorrir e jogar pedras, passou a ser um
código inicial da nossa intrusão na comunidade.
De acordo com Oliveira (1999), um pesquisador ou um estranho para o grupo pode
trazer incômodos no dia a dia dos sujeitos. Até que ponto estaríamos sendo intrusas na
comunidade? Até quando estaríamos sendo vistas como uma ameaça, já que fomos
comparadas com pessoas do governo e que poderíamos intervir na vida daquelas pessoas?
De fato, alguns participantes de um grupo podem vir a sentir um mal-estar resultante
de fatores externos, como nossa presença, por exemplo, que chegam a ameaçar a estrutura
interna, causando um temor de que o modo de vida (comportamentos, tradições, costumes e
renda familiar) pudesse ser rompido e conduzisse a uma quebra de unidade da comunidade
(OLIVEIRA, 1999). Portanto, deveríamos ter muita cautela na aproximação dessas pessoas,
79
de forma a esclarecer nossos objetivos e tentar minimizar qualquer sensação negativa que
chegasse a alterar o dia a dia dos sujeitos.
Quando perguntado para o A.C.S sobre o agendamento dos encontros (marcando dia,
horário e lugar) com os sujeitos da pesquisa, ele relatou não necessitar desse planejamento
prévio, pois sabia os horários em que estes estariam em casa. Ele chegou a mencionar que um
momento “bom de se conversar”, talvez, fosse de cinco a nove da noite, pois é o horário em
que já chegavam do roçado e porque também apresentavam hábitos de dormir cedo, em sua
maioria.
Fazendo constantes reflexões, porém, percebemos que seria interessante visitar os
domicílios em horários distintos, como forma de combinar com os sujeitos a disponibilidade
do dia, horário e local. As visitas foram realizadas, na maioria das vezes, nos alpendres das
casas e, quando não nos quartos, nos períodos da manhã e final de tarde, pois estes seriam,
segundo os sujeitos, os turnos em que chegavam da lida ou que já estavam desocupados de
suas atividades rotineiras. Acreditamos que seja importante informar o fato de,
esporadicamente, as conversas e entrevistas ocorrerem com a chegada de outras pessoas da
comunidade. Alguns depoentes se sentiam incomodados com o barulho das pessoas que
chegavam ou se sentiam envergonhados e nos convidavam para ir para o quarto a fim de
concluir o diálogo.
Se você não se incomodar eu queria ir lá pra dentro...pode até ser no meu
quarto...essa zoada toda e esse povo de fora vai querer ficar ouvindo nossa
conversa..aqui em Iracema tem um povo muito enxerido que vivi da vida alheia
(MARIA, 70 anos).
Moça bora falar lá na cozinha? Mais tarde vai chegar gente procurando pelo meu
marido e vão atrapaiar nossa conversa...e o que nós vamos conversar é sobre minha
vida né? Então num qiriaqui qualquer um escutasse não..(FERNANDA, 67 anos).
Percebe-se nesta fala é que, para a depoente, “ser de fora” tem relaçao com visita, não
ser da família, não importando os níveis de aproximação que a pessoa estabelece com a
comunidade (SILVEIRA, 2003). Na verdade, a nossapresença como pesquisadora já traduz
uma fala para “um de fora”, considerando que não estávamosintegrada à comunidade.
O que se nota é que, a despeito de alguns poderem ser acolhidos na casa e
considerados amigos, tendo em vista a sua trajetória na comunidade, esse
acolhimento não resulta na modificação da atitude de silêncio que o povo-de-santo
adota uniformemente. Há, em verdade, uma construção silenciosa de consideração
contínua à reserva de conteúdos latentes, do segredo, que são relembrados a cada
contato com o outro, com o “de fora”. (SILVEIRA, 2003, p. 137)
Então, este incômodo com a presença e escuta curiosa de membros não familiares,
chegava a instalar um certo silêncio, chegando até mesmo a nos chamar para dentro de casa.
[...] o incansável trabalho de curiosidade que, como um inseto de imensas antenas
explora com paciência todos os cantinhos do espaço público, sonda os
80
comportamentos, interpreta os acontecimentos e produz sem cessar um rumor
questionável incoercível (CERTEAU, 1996, p. 51).
Portanto, a curiosidade passa a ser uma pulsão interior da prática cotidiana na
comunidade; de um lado, alimentada por motivações na relação de vizinhança e, de outro,
tentando abolir a sensação de estranheza. Daí se processam as relações de “proximidade”
pautadas por essa estranheza, o que talvez venha a justificar o fato de pertencerem a uma
mesma linhagem familiar e não manterem muito contato entre si. As visitas aos compadres
eram muito esporádicas. Então, cabem aqui as ideias de Certeau (1996, p. 73), na medida em
que o contato entre os moradores de Iracema, mesmo não sendo amistoso e frequente, era
inevitável.
O bairro impõe um Know-how da coexistência indecidível e inevitável
simultanemante: os vizinhos ai estão, cruzo com eles na escada do prédio, na minha
rua: impossível evita-los sempre: “é preciso conviver”, encontrar um equilíbrio entre
a proximidade imposta pela configuração pública dos lugares, e a distância
necessária para salvaguardar a sua vida privada.
Ainda nesse âmbito, o silêncio e a sensação de estarem “acuados” justificou a nossa
preocupação com a falta de colaboração dos velhos, o que poderia prejudicar o andamento da
nossa pesquisa.Então, passamos a observar atentamente as expressões, olhares e atitudes
quanto à nossa chegada, e desconfiamos que o desconforto poderia advir de Andreia, que
esporadicamente nos acompanhavanas visitas.
Essa forma de silêncio pode existir, também, no seio da família ou em pequenos
grupos e comunidades humana. Ele se expressa no mutismo daquele que cala porque
não tem nada a dizer ou porque não sabe o que dizer ou porque tem medo de dizer.
(PASCUCCI, 2011, p. 77-78)
Lançamos como hipóteses o fato dos nossos parentes possuírem um maior grau de
instrução, por esse casal residir na casa principal (local onde moraram as pessoas que deram
início à linhagem) e talvez adotar uma postura de certa autoridade perante a comunidade,
ainda que de forma inconsciente.
Nesse âmbito, citamos as ideias de Neri (2007), quando menciona que determinado
grupo pode vir a se sentir discriminado por outros mais poderosos. Logo, a percepção de que
nossos parentes possuem uma sobreposição sociocultural em relação à comunidade (somente
eles são velhos com nível superior de instrução e que possuíam um melhor poder aquisitivo),
pode ter sido traduzida pelo anseio e/ou resistência de alguns agentes sociais colaborarem
com o estudo.
81
Em razão disso, conversamos com Andreia sobre tal assunto e ela chegou a
compreender o receio das pessoas em falarem na presença dela. Assim, a partir de então, não
veríamosproblemas em percorrer a comunidade sem a sua companhia.
Vale salientar que o contato anterior a esta pesquisa foi mínimo, pois, quando criança
e adolescente, esporadicamente, passávamos as férias nesta, chegando a brincar e a ter maior
aproximação somente com nossos primos, que ali residiam, e com os que vinham de
Fortaleza. Nesse sentido, julgamos não haver contaminação nem dificuldades em desenvolver
os estudos acerca das pessoas que residiam neste locusempírico por não ter havido uma
comunicação com os moradores de lá.
5.2 Os sujeitos da pesquisa
O tipo de trabalho aqui realizado sugere que alguns aspectos sociológicos, como
gênero, idade, classe social e etnia sejam priorizados e se relacionem em sua complexidade,
conferindo um sentido biossocial, perpassando o indivíduo e o coletivo que se corporifica em
homens e mulheres de várias idades e raças (MOTTA, 1999). Nesse sentido, de início,
faremos a descrição de características gerais dos sujeitos do estudo.
Conforme exposto, de todos os sujeitos da pesquisa, observamos a maioria masculina
(sete homens e cinco mulheres). Em relação ao gênero, segundo os dados do IBGE (2013),
ocorre uma feminização da velhice (55,7 %) nas áreas metropolitanas do Nordeste do Brasil,
embora não seja encontrada nesta pesquisa um percentual de gênero correspondente na área
rural.
A composição das famílias dos interlocutores pode ser descrita da seguinte forma:
quatro casais de velhos, um viúvo, uma viúva e dois velhos, que são casados com mulheres
que possuem menos de 60 anos de idade. No que diz respeito aos arranjos domésticos dessas
famílias, a maioria reside com os filhos maiores de 25 anos, o que confirma os dados
apontados pelo IBGE (2013), que se reportam à prevalência de 30,2% de idosos que vivem
com os filhos e/ou outro parente ou agregado. A pesquisa também enuncia que 85,2 % dos
velhos estavam em arranjos onde havia outra pessoa com quem estabelecesse alguma relação
familiar, seja cônjuge, filho, outro parente ou agregado, o que chega a se coadunar com a
realidade verificada em Iracema.
Os sujeitos da pesquisa pertencem, praticamente, a uma linhagem de família: sãoos
Ferreiras Gomes. Portanto, os homens que residem em Iracema possuem laços de parentesco
muito próximos, sendo irmãos, tios, sobrinhos etc; já as mulheres, quando não fazem parte
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dessa linhagem, são provenientes de outras localidades do Município de Paramoti. De acordo
com depoimentos dos interlocutores, antigamente a linhagem predominante era os Santos
Lessas (Diário de campo, 05/05/2014).
Diante da constatação em que “todo mundo aqui é parente”, Antônio Cândido (2010)
define o que ele chama de “blocos familiares” como sendo uma vizinhança imediata de
membros da mesma família, dentro de um grupo ou subgrupo coeso e mais disposto à
solidariedade vicinal.
Um dado socioeconômico a ser registrado remete à existência de somente duas
famílias receberem o auxílio financeiro do Programa Bolsa Familia-PBF 3 e todos os velhos
serem aposentados pela agricultura, exceto uma pessoa que, recentemente, se aposentou por
tempo de serviço. Tal realidade se coaduna com a encontrada na Síntese dos Indicadores
Sociais do IBGE (2013), a qual mostra que a maioria dos velhos, cerca de 76,3%, recebe
algum benefício da previdência social, sendo que 76,2% são homens e 59,4% mulheres. A
pesquisa também aponta que a principal fonte de rendimento dos velhos provém da
aposentadoria e de pensão, chegando a ser de 66,2 %. Dentro do universo dos velhos da
pesquisa, apenas quatro homens trabalham na agricultura ou na criação de gado; três destes
não trabalham mais, sendo um deles doente.
Em relação ao nível socioeducacional, apenas seis velhos sabem ler e escrever com
muita dificuldade, enquanto os outros seis velhos não sabem sequer escrever o nome. Esse
analfabetismo das pessoas mais velhas ocorrente no Nordeste brasileiro se coaduna com os
dados alarmantes advindos do IBGE (2013), onde 47,1% dos velhos possuem menos de um
ano de estudo ou não têm um grau de instrução. É importante também mencionar que a
pesquisa aponta o Nordeste como a região de maior índice de analfabetismo.
Em relação ao estado de saúde, observa-se que a hipertensão e a Diabetes Mellitus são
as doenças mais comuns nos interlocutores, acometendo cinco homens e duas mulheres. Dos
12 velhos da localidade, apenas três fazem uso de medicação controlada para transtornos de
ansiedade e depressão.
Foi verificado também que todos os velhos realizam alguma atividade, desde aquelas
na roça (plantar, colher, criar gado etc) até a realização de atividades domésticas (cuidar das
galinhas, cozinhar, cuidar da casa etc). De acordo com dados do IBGE (2013), com a
3O Bolsa Família (PBF), segundo dados do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à fome (2009), é
um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 70 a R$ 140) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 70), de acordo com a Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004 e o Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004.
83
diminuição da fecundidade e de maior longevidade da população, aumenta de 14, 9 para 19, 6
a razão dos velhos para cada grupo de 100 pessoas em idade potencialmente ativa, ou seja, no
decorrer dos anos verifica-se que esse público se torna cada vez mais ativo.
Outro dado importante a ser relatado diz respeito ao grau de dependência dos velhos –
seja do ponto de vista físico, econômico ou emocional -de uma outra pessoa. Dentre esses
sujeitos, somente um velho tem grau de dependência emocional da família em virtude de
tomar medicação controlada para conter os surtos psiquiátricos. Quer dizer, a maioria dos
interlocutores não exprime grau de dependência. Segundo informações do IBGE (2013),
No Brasil, em 2002, a razão de dependência total foi de 59,3 pessoas
economicamente dependentes para cada 100 pessoas em idade potencialmente ativa,
passando para 55,0 em 2012, ao considerar que o grupo de idosos é composto pelas
pessoas de 60 anos ou mais de idade. Assim, este indicador mostra que há uma
diminuição do grupo que, em tese, é economicamente dependente em relação ao
grupo de pessoas potencialmente ativas.
Agora, achamos conveniente traçar o perfil de cada um dos velhos, para descrever o
que fazem, como e com quem se relacionam, sua rotina diária, enfim entender um pouco
sobre quem são e seus modos de vida, para só então compreender seus discursos e
comportamentos.
Para resguardar a identidade dos entrevistados, atribuímos nomes fictícios aos
interlocutores, obedecendo ao critério de gênero. Nossos parentes foram nomeados da
seguinte forma: a mulher como Andreia e o homem como Paulo.
Destacamos, também, que este estudo se realizou de acordo com o que preconiza a
Resolução 446/12, do Conselho Nacional de Saúde, a qual traz disposições e normas a
respeito de pesquisas com seres humanos. Portanto, os sujeitos da pesquisa assinaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que os resguarda sobre os aspectos éticos e de
sigilo envolvidos no processo.
Pedro (77 anos)-
Natural de Iracema, católico e não alfabetizado (lê com dificuldades e escreve pouco).
Ele é pai de quatro filhos homens: Francisco José (tem 39 anos, trabalhava como agricultor e
por motivo de acidente no trabalho está parado há dois anos com problemas na perna; estudou
até o 7º ano); Ediberto dos Santos (tem 22 anos e possui ensino médio completo; trabalha no
depósito de construção perto da localidade e ganha um salário- mínimo); Jailton dos Santos
(tem 18 anos e possui ensino médio completo; trabalha como pedreiro, ganhando cerca de R$
84
40,00 por dia); Jair dos Santos (tem 17 anos e possui ensino médio completo; ele também
trabalha no depósito, fazendo bicos). Moram com ele cinco pessoas: os quatro filhos e a
esposa (Ana, 60 anos) que se aposentou como funcionária pública.
A renda da família é constituída de duas aposentadorias (a do genitor como agricultor
e a da esposa como merendeira da escola do Município de Paramoti) e de um salário-mínimo
advindo do trabalho do Ediberto. Francisco José está parado, portanto não possui renda, e
Jailton e Jair não possuem renda fixa, pois trabalham fazendo bicos. A família não recebe a
renda proveniente do Programa Bolsa Família (PBF). Ambos os velhos portam hipertensão
arterial. O filho F.J.S.G mencionou que o acidente de trabalho ocorreu quando uma máquina
“quase rapava a perna dele” há cerca de dois anos e que desde então apresentou dores e vem
lutando para conseguir seu auxílio-doença que só conseguiu por três meses. “Mas moça tem
problema não...enquanto nós for vivo ele tem o di comer...o negocio é quando nós se for...”
Em relação a sua cotidianidade, ele relatou que acordava às quatro e meia da manhã,
dava comida aos porcos e cuidava das vacas; depois fazia o café e ia se balançar. Disseque
gostava de ouvir rádio, se balançar e de beber um pouco no fim de semana no bar ali próximo.
Quanto à divisão de tarefas, os filhos sempre ajudam, pois “vão pegar água um dia
outro não...e um dia vai um e no outro dia vai outro...é sempre assim...eles sabem que
precisam fazer, não precisa nem a gente mandar”.
Comentouque sabia fazer trança para fazer chapéus e bolsas.
Moça eu sabia fazer chapéu e bolsas, a senhora quer ver? Mas não faço mais não,
porque num tem mais saída...depois que chegou esses tal de boné, o povo num quis
mais usar de palha não, aí eu parei de fazer...e eu até que gostava de fazer e ainda
ganhava um dinheirinho...mas fazer o que né...” (PEDRO, 77anos).
Ana (61 anos)
Mulher do Pedro, natural de Paramoti,católica e alfabetizada. Ela mora com o marido
e os quatro filhos. A renda da família é constituída de duas aposentadorias: a sua (como
merendeira da escola do Município de Paramoti) e a do marido (como agricultor). Ela possui
hipertensão arterial. Disse gostar de cuidar de sua casa e que por isso não costumava sair.
“Não minha filha eu gosto é de ficar em casa mesmo...assisto minha novelinha, cuido das
galinhas faço almoço e pronto”.
Ela chegou a mencionar que gostava de sua casa limpa, mas que com o intenso
movimento de caminhões todos os dias, ficava muito difícil manter a casa limpa.
Minha filha depois que esses caminhão passa deixa um bocado de poeira e que por
mais que a gente limpe, tem poeira qui não acaba mais...eles passam direto, até de
madrugada ficam aí trabalhando tirando areia do rio...o dono das caçamba tá
85
mandando eles agoar depois que passam mais não adianta nada, é muita poeira...ô
negócio chato!
Bruno (62 anos)
Natural de Iracema, católico e alfabetizado. Ele mora com a mulher e um filho de 35
anos. Os três são agricultores e o velho cuida do gado. A esposa e o filho têm hipertensão
arterial. A renda familiar é proveniente da sua aposentadoria e a da sua mulher. A família não
recebe a renda proveniente do PBF.
Plantava milho e feijão e ia diariamente para a roça cuidar do gado. Sabia cozinhar e
ajudava sempre que necessário. “Minha esposa se aposentou há pouco tempo, então quando
não dava tempo eu mesmo fazia o almoço e cuidava da casa...tem isso não, é um ajudando o
outro”.
Gosta de assistir ao jornal diariamente, pois acha importante saber o que está
acontecendo no mundo. Ele disse ainda que “as coisas estavam muito difíceis” e que por isso
começava a pensar em morar na cidade.
Sr. Bruno falou que “algumas coisas tinham mudado para melhor e outras pra pior”.
Ele disse que hoje “já tinha remédio, telefone, carro, televisão e aposentadoria que melhorava
a vida dos velhos para melhor”. Em contrapartida, “os netos não obedeciam mais os mais
velhos e desrespeitavam muito”.
Fabiano (71 anos)
Natural de Iracema, católico e alfabetizado. Ele mora com Matilde (47 anos), dois
filhos e uma filha, que é a mais nova. Os filhos são: J.R.A.G (21 anos e possui ensino médio
completo); J.R.A.G (18 anos, possui ensino médio completo e faz bicos como pedreiro) e
M.R.A.G (17 anos e possui ensino médio completo). Matilde apresenta hipertensão arterial. A
renda da casa é proveniente da aposentadoria dele. Quando solteiro morava no estado do Pará
e veio para o Ceará por causa dos pais. Essa terra aqui é dos meus avós. Vim pra cá pra
cuidar da minha mãe porque meus irmãos já tinham tudo se casado e ela tava muito doente.
Trabalha muito fazendo “bicos”. A gente faz o que dá certo...eu gosto de trabalhar...num
gosto de me acomodar não...o que aparece eu vou fazendo pra ganhar mais um dinheirinho.
A família possui uma horta na forma de mandala que vende produtos para as pessoas
da comunidade. Aqui todo mundo ajuda um pouco...um planta aqui e outro faz outra coisa ali
e outro vende... Então, Fabiano mencionou que, há alguns meses, chegou a vender sua
86
produção de coentro e cebolinha para um programa do governo (Programa de Aquisição de
Alimentos-PAA), mas que deixou de vender, pois havia atraso no pagamento da sua
produção. Portanto, começou a vender seus produtos de porta em porta para garantir a
sobrevivência da família.
Margarida (71 anos)
Natural de Iracema,viúva, analfabeta e não trabalha na agricultura. Ela morava com
um filho até o ano de 2011, pois ele havia morrido do coração. Ele bebia muito e num ia pra
médico...pobi do Wellington. Tem filhos e netos que residem em Fortaleza (que de vez em
quando iam visitá-la) e um outro filho que mora na localidade de Iracema-I., Sr. Albuíno.
Disse que não gosta de sair de casa e que seu salário “quem tira” é a esposa de seu
filho que mora ali próximo, pois não gosta de sair de casa. Já morou com alguns netos, mas
que “não tinha se dado” porque brigavam muito com eles. Toda noite um neto seu dorme com
ela para fazer companhia. Tem problemas de saúde, pois é hipertensa, logo pedia ajuda a sua
nora para os afazeres domésticos, pagando-lhe uma quantia a cada dia de faxina realizada.
Sua renda é proveniente da aposentadoria e da pensão do marido.
Margarida chegou a mencionar sobre a associação desativada, dizendo que quando
havia reuniões ela participava. Quando a gente precisa de alguma coisa é mais fácil a gente
conseguir...e desse jeito sem funcionar... Mencionou que na localidade não tinha atrativos
para os velhos. Minha filha aqui falta é tudo pra gente...tem é nada. Quando indagada se os
direitos dos velhos eram respeitados, a mesma disse de forma indignada que não eram de
forma alguma. Quando eu ia tirar meu dinheiro, eu cansava de sair as três da manhã e
chegava lá era tudo misturado...uma bagunça só...
Maria (65 anos)
Natural de Canindé e alfabetizada. Mora com João, 70 anos, e um filho (A.M.P.G de
29 anos). O filho é muito apegado a eles e se relacionam muito bem.
Meu filho graças a Deus se dá muito bem com a gente...de vez em quando, quando
ele pode nos ajuda aqui em casa...ele respeita muito a gente e se preocupa
também...nunca nem falou alto com a gente...hoje em dia as coisas tão tudo
mudada..pra pior...a educação antes era melhor, era mais rígida, os castigos eram a
palmatória e o milho...os pais podiam bater nos filhos e eles obedeciam...hoje em
dia, ninguém pode nem falar alto com eles...eu agradeço a Deus pelo filho
maravilhoso que é. (MARIA, 65 anos)
Ela e o marido são aposentados e o filho cursou até o ensino fundamental. O marido
tem depressão e por isso faz uso de medicação controlada. Minha fia teve um dia que ele teve
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uma crise de quebrar tudo aqui dentro de casa...queria que você visse...agora eu nem deixo
ele ir pra roça porque ele fica com dor de cabeça por causa do sol e tenho medo dele ter
outra crise daquelas...deus me livre!
O filho é hipertenso e ela fez cirurgia de catarata e glaucoma há pouco tempo. Eu não
cozinho aqui não...como eu não posso chegar na beira do fogo por causa dos olhos, ele é que
faz tudo dentro de casa. Um outro filho seu mora na casa ao lado e uma filha reside na casa da
frente.
João não gosta de sair de casa e não deseja sair da localidade, pois gosta muito de criar
animais e de viver na tranquilidade.
Minha filha ele disse que só sai daqui morto...eu num gosto muito daqui porque as
coisa que tinha aqui pra gente acabou tudo...tinha missa, igreja, novena, festa na
igreja, quermesse...era muito bom...a gente se divirtia mais, passeava e via
gente...agora, o povo aqui mesmo da localidade passa um tempo sem se ver...cada
um fica na sua casa...eu que vou pra casa de outros compadres lá no Melado a pé.
(MARIA, 65 anos)
Esporadicamente, viaja para Fortaleza para casa de parentes, pois “gosta de passear” e
que tem vontade de sair de Iracema.
João (70 anos)
Natural de Iracema, não é alfabetizado. Mora com Maria (65 anos) e um filho. A renda
familiar é proveniente da sua aposentadoria e da Maria. Faz uso de medicação controlada para
ansiedade e depressão, e por isso não trabalha mais na roça.
Antigamente havia a Casa do Idoso no Município de Paramoti, mas que recentemente
havia fechado por causa da política e os jovens acabaram fazendo um abaixo-assinado para
reabrir o local. Minha filha lá era bom...tinha coisa pros velhos..forró e tudo...agora não tem
é nada em canto nenhum...nem aqui e nem na cidade.
Outro fato curioso era que os pais do velho ensinavam a ele e os irmãos a cozinhar
desde cedo, pois achava que o homem deveria saber de tudo.
Lembro muito do papai ensinando a gente a acender a lenha e a cozinhar arroz e
feijão...dizia que a gente tinha que saber de tudo..plantar, colher, cozinhar e ajudar a
mulher a fazer as coisas dentro de casa e fora de casa também...é assim que nós faz
aqui..cada um ajuda o outro a fazer a de tudo um pouco...(JOÃO, 70 anos).
André (85 anos)
Natural de Iracema, católico e não alfabetizado. Reside com a filha, o genro, um neto e
a esposa e alguns bisnetos. A renda proveniente da família advém da aposentadoria dele, pois
a filha e o genro trabalham na agricultura. Faz uso de medicação controlada e quando entra
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em crise fica “sem rumo”. Pessoa mais velha da comunidade. Na verdade, não conhecemos
este velho, pois nas visitas realizadas durante a pesquisa ele estava “desaparecido na mata”.
Algumas pessoas da comunidade comentaramque ele era negligenciado pela família,
tendo sua alimentação bem limitada. Segundo moradores, houve uma denúnciaanônima de
maus tratos contra André, realizado no Centro de Referência da Assistência Social. Em razão
disso, a filha já chegou a depor algumas vezes perante o juiz para se defender de tal acusação.
Segundo relato da filha, ela já chegou a procurar de forma espontânea a delegacia para prestar
queixa diante do desparecimento do pai.
Teve uma época que veio uma moça aqui, uma tal de assistente social bem
enjoadinha ela...quase dizendo que a gente maltratava meu pai...acho que insinuando
que a gente não dava de comer direito...ele aqui bebia leite todo dia, comia mistura
as vezes duas vezes ao dia, só que quando ele se atacava e não queria comer, a gente
não tinha culpa...até o remédio eu comecei a dar na boca dele pra ele não esquecer
pra ele não ter aquelas crises de novo...o povo falava que a gente queria era o
dinheiro da aposentadoria dele, mas aqui todo mundo sempre trabalhou muito pra ter
nosso dinheirinho...eu lá que queria o dinheiro do meu pai...(BRUNA, 55 anos).
A família possuía criadouro de peixes e os vendia para os mercados locais e para
programas do Governo Federal. Também trabalhavam na criação, abate e comercialização de
galinhas caipiras pela região.
Carlos (76 anos)
Natural de Iracema, católico e não alfabetizado. Mora somente com Fernanda (70
anos). A renda familiar é proveniente da sua aposentadoria e da Fernanda. Possui um filho
que mora em Paramoti, outro em Fortaleza e outros dois que moram “aqui”. Trabalha todo dia
na roça. Carlos gostava de sair sempre para visitar seus amigos na localidade e relatou que
não queria sair dali. Eu gosto de morar aqui na zona rural...é tranquilo...eu não quero sair
daqui não.
Fernanda (72 anos)
Natural de outra localidade do Município de Paramoti, é católica. Possui um filho que
mora em Paramoti, outro em Fortaleza e outros dois que moram ali próximo. Apresenta um
sério problema de circulação, o que a impede de andar “normalmente”, além de ainda ser
hipertensa. Por conta da dificuldade de locomoção, a mulher dificilmente, sai de casa, indo
somente à missa aos domingos quando a filha (Alexandrina) vai pegá-la de carro. Tem coisa
que eu não gosto de fazer e nem posso mais por causa das minhas pernas...eu costumo pagar
pra barrer o terreiro de casa a cada quinze dias. A filha mora na casa em frente a sua,
ajudando nos afazeres domésticos todos os dias. Mas ela só me ajuda..eu que cozinho e cuido
89
da minha casa. Alexandrina possui um pequeno comércio de produtos alimentícios vizinhoà
casa deles. Esporadicamente, sai de casa por causa das pernas, indo conversar com os
compadres que residem em outra localidade. Não se sente sozinha, pois noras e netos estão
sempre “indo lá”.
Relatou sobre o enorme incômodo que causava na sua casa por causa do intenso
trânsito de caminhões que por ali passavam. Minha filha eles passam e deixam dez quilos de
areia na nossa casa...tenho que limpar toda hora...além de ainda eu não concordar em tirar
essa areia do rio...acho tudo isso muito errado.
Andreia (65 anos)
Natural de outra localidade do Município de Paramoti, católica e alfabetizada. Possui
um filho morando em Fortaleza e duas filhas residindo nos EUA, que ajudam os pais sempre
que podem. Atualmente costura jalecos para vender em Fortaleza e no hospital de Paramoti.
Mora com o marido Paulo, e uma sobrinha do marido (M.J.F.G, 15 anos) que a ajuda nos
afazeres domésticos. A renda familiar é proveniente da criação e venda de animais (porco e
ovelhas) que o esposo realiza, bem como da aposentadoria advinda do trabalho como
professora, do dinheiro que recebe pela comercialização dos jalecos e do auxílio-doença do
marido.
Mencionouque achava muito errado o que estavam fazendo com o rio ali perto, pois
todos da comunidade acabavam sendo prejudicados, além de estar prejudicando a natureza.
Paulo (69 anos)
Natural de Iracema, católico e alfabetizado. Possui um filho morando em Fortaleza e
duas filhas residindo nos EUA, que ajudam os pais sempre que podem. Mora com o esposa
Andréia e uma sobrinha (M.J.F.G, 15 anos), que ajuda nos afazeres domésticos. Cuida de
alguns animais, como porco e ovelhas, fazendo isso tanto porque gosta como porque é
necessário para complementar a renda familiar. É epilético, hipertenso e possui uma lesão no
menisco direito. Recebe auxílio-doença há aproximadamente dois anos por causa de
problemas no joelho. A perícia é renovada a cada 90 dias mediante consulta médica.
Sobre o fluxo de caminhões, Paulo relatou não entender como a Prefeitura e outros
órgãos permitiam tamanha devastação.
Isso é um absurdo...fico revoltado com tudo isso... pelo ou menos ninguém aqui
vendeu terra pra esses areeiros...pra piorar eles passam com tudo e faltam levar a
gente...tua tia até deixou de caminhar porque eles passam aqui com muita
90
velocidade que ela fica é com medo de acontecer uma desgraça, de ser atropelada.
(PAULO, 70 anos)
Ontem eu encontrei um dos donos desses caminhões lá no restaurante e disse um
bocado de coisa...que tivesse respeito com os moradores daqui, pra passarem mais
devagar pra não acontecer algo mais grave...ele pediu desculpas e falou que iria falar
com seus trabalhadores...fora isso, a raiva que eu tenho é do povo mesmo sabe, de
vender a mil réis a garantia do nosso ar, da preservação do nosso ambiente.
(PAULO, 70 anos)
5.3 Nas trilhas da História oral: a escolha de um referencial teórico e metodológico
Inicialmente, foi realizada, na fase exploratória, uma pesquisa bibliográfica com a
participação e observação direta dos sujeitos. A etnografia foi escolhida objetivando a
compreensão da vida social, como esta é produzida e reproduzida por esses agentes por meio
de uma observação e descrição profunda desse espaço, observando o que acontece, escutando
o que é dito e fazendo perguntas. Na verdade, buscamos entender o significado das
perspectivas imediatas que eles têm do que fazem (FLICK, 2009).
Acerca da discussão sobre oralidade, este estudo foi baseado nas obras de: Jucá
(2003), Almeida (2009), Fernandes e Loureiro (2009), Bosi (1994), Alcântara (2004), Augras
(1996), Faria, Sá Motta e Ven (1996), Campos, Demartini e Lang (1998), dentre outros.
A história dos velhos aqui pesquisados foi traçada pela vida em Iracema, enfocando
seu dia a dia, suas relações e o espaço rural onde vivem. As histórias de vida só foram
compreendidas com base, primordialmente, na história oral, que pode ser considerada como
uma metodologia qualitativa voltada a conhecer a realidade dos modos de vida dos velhos de
Iracema com base em dados coletados, no caso, as fontes orais, que foram analisados e
interpretados (CAMPOS, DEMARTINI e LANG, 1998).
As histórias de vida dos velhos foram compreendidas com base nos depoimentos orais,
nas entrevistas semiestruturadas, nas observações realizadas, no referencial teórico e no diário
de campo.
O diário de campo e o gravador foram instrumentos valiosos que auxiliaram na
transformação do indizível em dizível, pois, como discorre Rojas (1999),
O indizível nos relatos orais é o não explícito das vivências dos indivíduos que
vivem num meio social determinado. A transformação do indizível em dizível
consiste em pôr em palavras as emoções e ações, próprias ou alheias, vivenciadas
por uma pessoa. É passar aquilo que está obscuro para a nitidez da palavra.
91
A história oral foi um recurso metodológico escolhido, pois objetivou a coleta de
depoimentos gravados e reproduzidos dos velhos, associados a um apoio teórico
(historiografia e memória) (JUCÁ, 2003, p.18). Como esse estudioso disserta,por isso, as
informações prestadas por eles trazem subsídios valiosos à compreensão do passado, uma
vez que elas são apresentadas de uma maneira mais espontânea, deixando fluir o conteúdo
restaurador do passado.
Neste sentido, seguindo o raciocínio do autor, os depoimentos dos velhos foram
importantes em decorrência de um valor histórico, resgatando-lhes o valor de suas memórias.
Por via da história oral, as experiências cotidianas dos velhos foram filtradas por meio de um
processo dialógico, a fim de contribuir com uma análise da realidade social mediante o
registro e uso de entrevistas informais (ALMEIDA, 2009).
No decorrer do estudo, sentimos necessidade de associar os depoimentos e o diário de
campo a outras fontes de dados e recorremos à coleta e análise de documentos, quais sejam: a
Ficha de Cadastro das Famílias e de um Levantamento Qualitativo e Quantitativo das famílias
de Paramoti, mapa do Município de Paramoti e atas de reuniões da Associação de Iracema.
Percebemos que a associação com essas técnicas nos permitiu ter uma visão mais ampla e
variada da realidade em estudo. A diversidade dessas fontes tornou-se fundamental pela
riqueza que a complementaridade entre elas pôde permitir (CAMPOS, DEMARTINI e
LANG, 1998).
É pertinente ressaltar que, nas entrevistas, alguns velhos falavam pouco, silenciavam e
até desviavam de assunto quando vinha à tona algo que se relacionava à retirada de areia do
rio ali perto. Portanto, ficamos atentas à escuta do não dito, pois isso poderia denotar um
desejo de se disfarçar algo, podendo nos oferecer meios de chegarmos mais perto do cerne da
questão (AUGRAS, 1996).
Nesse processo, recorremos à palavra do outro, que pôde ser obtida e gravada, dando
origem a um valioso documento. Essa palavra do outro foi captada pelos depoimentos orais
dos sujeitos, nos quais se buscou obter o testemunho do seu modo de vida em Iracema, de
algumas vivências e da participação em determinadas situações(CAMPOS, DEMARTINI e
LANG, 1998).
Percebemos uma complexidade nos depoimentos orais, pois retratavam as situações
heterogêneas e o antagonismo de tensões que nela se exprimiram (AUGRAS, 1996). Portanto,
foram necessárias não só a escuta pura e simples dos depoimentos, mas levamos em
consideração as observações atentas da realidade, dos fatos. Exemplo disso diz respeito às
crenças dos sujeitos da pesquisa, mencionando que na localidade não havia problemas com
92
abastecimento de água e, posteriormente, percebemos que a água só era fornecida em
determinados horários, ou seja, havia racionamento do produto.
Fernandes e Loureiro (2009) discorrem sobre a concepção de Haguette (1999), ao se
reportarem ao fato de que a história oral é uma técnica de coleta de discursos que se baseia no
depoimento oral, gravado, e que é obtido por meio de uma relação entre entrevistador e
entrevistado, agente social ou mesmo uma testemunha de acontecimentos significativos para a
compreensão da sociedade. Com efeito, o uso do gravador contribuiu de forma preponderante
para apreensão das falas dos sujeitos.
A escuta dos diálogos foi realizada de forma criteriosa, pois se tornou necessária a
transcrição destes para dar suporte e muitas vezes reforçar o referencial teórico. As
transcrições das falas, gírias e expressões emitidas pelos interlocutores se tornaram elementos
imprescindíveis para subsidiar conceitos e auxiliar na compreensão da realidade
sociocultural.Para tanto, foram explicitados os objetivos da pesquisa, solicitando,
previamente, uma autorização dos depoentes, a fim de resguardar a identidade pessoal. Após
esse momento, as falas foram devidamente interpretadas e analisadas, com apoio no nosso
referencial teórico escolhido, que versava sobre a velhice no âmbito rural.
Com efeito, vale mencionar que os velhos não nos forneceram dados e sim discursos,
sendo necessária nossa análise destes últimos. É claro que o exame desses discursos foi
difícil,pois retratou a complexidade (AUGRAS, 1996).
Fernandes e Loureiro (2009)referem-se aos pensamentos de Portelli, quando postula a
ideia de que a história oral deve ser entendida como um evento em igualdade, em que existem
trocas entre os sujeitos sem relação de poder; em que a relação de parceria é baseada em
confiança mútua, com um objetivo comum, transformando o mundo do pesquisador e do
pesquisado.
Minha fia eu num vô mentir pra você...no começo eu te achava uma lôra toda
nojentinha e que vinha aqui pra encher nosso saco...mas depois eu vi que tú até que
é legal e simpática...até conseguiu arrancar de mim minhas coisas...eu sei que tú
num vai falar dos meus segredos por aí não...eu acredito em tú... (MARGARIDA, 71
anos).
Eu que num ia falar da minha vida nem a pau pra a senhora...mas depois num é que
eu acabei contando...vala... (ANA, 61 anos).
As entrevistas foram marcadas por intersubjetividade, movimento dialético entre nossa
subjetividade e a dos velhos (CAMPOS, DEMARTINI e LANG, 1998). Na acepção de
Augras (1996, p. 35) “a tão almejada neutralidade científica, no campo das ciências sociais , é
uma falácia. De qualquer maneira que se vá ao campo, fica-se enredado pela estrutura e
93
dinâmica do mesmo”. Portanto, atentamos para o fato deque as entrevistas com subjetividade,
davam riqueza ao todo; que a nossa interpretação “era o sentido que atribuímos aos fatos, que
os faz existir como tais”.(AUGRAS, 1996, p. 36)
Ainda falando na relação entre entrevistado e entrevistador, ressaltamos a importância
da preocupação com a ética, não só na entrevista,mas também em outros trabalhos técnicos,
que se orientam em termos da moralidade, dos padrões do que seja considerado certo ou
errado (CAMPOS, DEMARTINI e LANG, 1998). Após a concessão da entrevista, um dos
sujeitos nos solicitou, por diversas vezes, que cortássemos da gravação o conteúdo em que ele
dava sua opinião sobre a retirada de areia do rio. Assim sendo, esclarecemos a ele que teria
seu pedido aceito, pois confiança e ética seriam cruciais para o desenvolvimento da pesquisa.
Alcântara (2004) faz uso das ideias de Pinto, quando menciona que a história oral tem
um comprometimento com os excluídos da história oficial e de denúncia social das camadas
marginalizadas da sociedade. A análise dos grupos excluídos que não tiveram a oportunidade
de expressar suas angústias e anseios pode ser feita com base no referencial teórico e
metodológico da história oral, pois a apreensão das versões pode nos ajudar a compreender a
vida destes inseridos em uma conjuntura.
Minha fia sempre quis dizer isso que tava entalado aqui ó...o povo daqui não
percebe que só através da associação conseguimos água pra cá? E que depois
podemos conseguir mais coisas não? Aí ninguém faz nada pra mudar isso?
(MARIA, 65 anos).
Fiquei triste quando soube que nossa associação acabou...se voltar é claro que vou
pras reunião pois quero o melhor pra cá...(MARGARIDA, 71 anos).
Numa mesma direção, Bosi (1990, p.37) destaca:
O principal esteio do meu método de abordagem foi a formação de um vínculo de
amizade e confiança com os recordadores. Esse vínculo não traduz apenas uma
simpatia espontânea que se foi desenvolvendo durante a pesquisa, mas resulta de um
amadurecimento de quem deseja compreender a própria vida revelada do sujeito.
A História Oral foi uma metodologia também utilizada como forma complementar
principalmente no confronto de opiniões coletadas e que expressavam distintas tendências
ideológicas (JUCÁ, 2003). Com suporte nesse fato, as fontes documentais, os depoimentos
coletados e a observação foram elementos norteadores para desmistificar algumas ideias
atribuídas por uma cultura ocidental e dominante, e que ampliaram a compreensão da
realidade estudada.
Assim, trazemos duas ideias conceituais postuladas por muitos autores, imbricadas por
uma noção machista e nordestina, que contradisseram o modo de viver do velho que reside
94
neste espaço rural. A primeira se refere ao fato de o homem se ocupar exclusivamente do
espaço público, ao passo que a mulher, fica na esfera privada.
Em Iracema, de acordo com os relatos e observações, percebemos uma quebra nesse
estigma, uma vez que amaioria dos homens não só sabia cozinhar como também realizavam
tal prática de forma quase que cotidiana; já as mulheres, em sua maioria, se ocupavam dos
afazeres domésticos, mas também “resolviam as coisas na rua” (Diário de campo,
04/12/2014).
A segunda se refere à quebra do estereótipo do velho tido como inútil, encostado e que
não trabalha mais; na localidade, foi percebida uma dinâmica na vida dos depoentes, seja com
a “lida na roça”, cuidando da casa, cuidando dos bichos, indo àrua fazer pagamentos ou indo a
Fortaleza para passear (Diário de campo, 04/12/204).
Ainda relacionado a este contexto, expressemos que esse dinamismo vivenciado por
alguns sujeitos refletianas características da comunidade, retratando a relação entre o
individual e o coletivo (FARIA,MOTTA e VEN, 1996).
“(...) o que existe de individual e único numa pessoa é excedido, em todos os seus
aspectos, por uma infinidade de influências que nelas se cruzam e às quais não pode,
por nenhum meio escapar, de ações que sobre elas se exercem e que lhe são
inteiramente exteriores(...) A história de vida é, portanto, técnica, que capta o que
sucede na encruzilhada da vida individual com o social. (QUEIROZ, 1991, p. 21)
Portanto, esta metodologia colaborou no estudo dos velhos que residem no espaço
rural, mediante coleta e análise de suas falas, enfocando seu cotidiano, os novos papeis sociais
e os estereótipos que contribuem para a constituição da identidade desses sujeitos.
5.4 Resultados e discussão
De acordo com objetivo aqui proposto, no momento da realização das entrevistas as
declarações foram observadas, de modo a relacioná-las com a problematização do estudo.
Dessa forma, foram criadas fichas individuais de cada família, em que cada fala, silêncios,
gestos e aspectos que não foram vislumbrados na entrevista pudessem ser registrados. Depois
disso, houve uma organização das respostas e reunidas categorias analíticas que mais
sobressaíam.
5.4.1 Velhice
Beauvoir (1990) nos fala de um envelhecimento compreendido em sua totalidade,
levando em conta também aspectos culturais; Goldfarb (2006) menciona a importância da
95
subjetividade como aspecto preponderante no envelhecimento e na melhoria da qualidade de
vida. Portanto, percebemos em Iracema que os sujeitos envelhecem de forma particular,
obedecendo a uma rede de normas, costumes e tradições advindos da comunidade, imbricados
em um processo formador de suas identidades. No que se refere à imagem de si, os depoentes
em foco, em sua maioria, não se sentem velhos, apesar de terem conhecimento da idade deles.
Dôtora eu não mi sinto velho não...mermo tendo 74 anos nus côro, eu num mi sinto
não...ainda dô pros gastos...(CARLOS, 74 anos).
Me acho cansada...não velha...(MARIA, 65 anos).
Já outros depoentes associam a velhice a um bom estado de saúde, ou seja, passam a
associar a velha dualidade velhice e doença.
Minha filha num sinto nada...então acho que num me sintuvéi não...sobre a minha
saúde graças a Deus eu tô bem...me livrei de um câncer, de doença na vesícula e no
útero...(MARGARIDA, 70 anos).
Quando eu tinha problemas na coluna e tava quase sem andar eu me sentia velho
mesmo...mas agora depois dos remédio que o dôto passou eu me sinto é
novo...(PEDRO, 77 anos).
Já para Bosi (1994), a velhice como categoria social era entendida como algo maléfico
para a sociedade industrial, uma vez que não representa uma mão de obra eficiente para o
mercado. Quando perguntado aos sujeitos em questão sobre o que é uma pessoa velha alguns
responderam associando ao trabalho, de ser útil para si e para o outro.
Velho é aquele que não trabalha mais. Essa questão de ser velho é só no nome,
modequê eu ainda trabalho...aqui em Iracema num tem velho não...o velho hoje
trabalha mais que os novo...(JOÃO, 62 anos).
Velho é aquele que não pode fazer mais coisa alguma...que não tem serventia de
nada...não pode trabalhar e nem ir pra lida...(CARLOS, 74 anos).
Ser velho é servir pra alguma coisa...(PEDRO, 77 anos).
Debert (2003) e Neri (2007) relatam sobre a existência de atitudes e preconceitos em
relação à velhice, podendo afetar diretamente o seustatus social, o bem-estar psicológico e a
saúde física.
O povo acha que nós num serve de nada...e eu acho q a gente serve até mais que os
novo porque a gente tem vontade de trabalhar e trabalha...pensa que ser véi é tá
condenado a morte...meu véi ficou com doença dos nervo porque quando morava na
cidade o povo botou na cabeça dele qui o pobitava já morrendo porque já tinha mais
de 60 nos côro e porque tava com a tal da catarata...ele ficou impressionado e mi
dizia que queria morrer porque num prestava mais pra nada...pra tirar essa tristeza
dele só com os remédios que o dotô passou...(FERNANDA, 70 anos).
Meu marido que cozinha aqui em casa porque eu fui operada do olho e não posso
chegar nabêra do fogo...mas ele cozinha também porque gosta...desde novo que ele
cozinha aqui pra gente...o povo já ficou mangando dizendo que ele não era homem
por isso...eu nem ligo pra essas besteiras que o povo fala, porque sei que meu véi é
muito é homem...tem gente fraca que ninguém pode falar nada...eu? o povo pode
96
falar o que for que não encarna não...eu sei do meu valor...(MARIA, 65 anos).
Portanto, de acordo com a maioria dos relatos, os sujeitos, apesar de serem vítimas de
preconceito social e de terem consciência disso, percebemos é que eles não incorporam isso
internamente; que, mesmo se sentindo velhos na idade, chegam a assumir essa identidade,
mesmo sabendo da existência de fragilidades. Somente um discurso foi de encontro a isso:
Aline o velho é discriminado em qualquer lugar desse planeta...até porque na
verdade o velho é pior do que criança mesmo...precisa ter cuidado em tudo, na
alimentação, nos remédios e até em conversar porque senão ele fica com
depressão...chegando nessa idade, é só esperar a morte mesmo...o velho já não tem
memória, não pode trabalhar porque é lento, não faz mais sexo, não tem serventia de
nada...é acabado! (PAULO, 69 anos).
De acordo com os três últimos relatos, percebemos uma diferença de gênero no
processo de internalização de estereótipos. Na acepção de Lopes (2006), os homens e
mulheres sofrem perdas com o avanço da idade, enfrentam preconceitos e estereótipos, mas os
recursos de enfrentamento passam a ser diferentes.
Um fato que me pareceu significativo foi o relato da Sra. Maria (65 anos), ao contar
que o marido (João, 70 anos) cozinhava e fazia o almoço todos os dias; ela disse ainda que
ele, esporadicamente, trabalhava na roça por causa do seu problema de saúde. Para Frota
(2004), essa divisão binária entre o feminino e o masculino era fruto de consenso social, como
posição dominante e traduzida como a única possível e que necessitava ser desconstruída,
incluindo uma noção de política, bem como uma referência às instituições e à organização
social.
João verbalizou a noção de que, quando pequenos, ele e os irmãos aprenderam a
cozinhar observando os pais na cozinha e que “isso não fazia dele ser menos homem e pior
que as mulheres”. Portanto, a atitude desta família de criar e preparar os homens para o
mundo privado vai de encontro ao que está posto por uma cultura machista e que quase
sempre é nordestina. Nesse âmbito, cabem muito bem os pensamentos de Frota (2004) ao
mencionar que a categoria gênero se torna eficaz quando socialmente construída e passa a ter
uma significação em contextos de relações de poder.
Em relação a isso, Maria disse que algumas pessoas chegavam a estranhar a prática do
marido na cozinha, atrelando isso à perda de sua masculinidade. Ela disse que não se
incomodava com isso, pois “achava correto um poder ajudar o outro”.
A Sra. Maria continuou ainda a verbalizar que ajudava o marido no pagamento das
contas, que discutia com ele sobre os negócios da família e que ainda visitava a cidade de
Paramoti constantemente para fazer compras.
97
[...] Recriam a cultura e acabam interferindo nos padrões da sociedade. Não há
divisão para elas, na prática cotidiana, entre o público e o privado. A submissão é
aparente. Na realidade, elas são o alicerce, a fortaleza da família. Mantém o controle
e o poder, passando de modo seguro esses valores para a família. (Leite, 2004, p.81)
Para Debert (1999, p. 144)
[...] as diferenças nas formas como homens e mulheres representam o que é a velhice
e percebem as mudanças ocorridas no envelhecimento....são elementos fundamentais
para entendermos o uso sexualmente diferenciado desses espaços: um público
masculino na luta pelos direitos do cidadão e pela redistribuição da riqueza e um
público feminino na luta por mudanças culturais amplas que caracterizam os novos
movimentos sociais.
Logo, de acordo com os relatos dos depoentes, não existe uma especificidade de
gênero na situação da velhice na realidade de Iracema, o que vem a contrapor o pensamento
de Debert, isto é, a condição de gênero enseja representações e relações particulares. Abre-se
outra realidade, a da existência de variados projetos individuais em que muitas vezes são
redefinidos os papéis familiares.
Para Leite (2004), a questão de gênero é apontada como fator curioso, pois em seus
estudos a mulher não é vista de forma submissa, representando o alicerce e a fortaleza da
família. Nos diálogos travados, João reconhecia sua mulher como alguém independente, que
conversava com ele sobre os problemas da vida e que a via em condição de igualdade.
Esses negócio de homem na roça e mulher na cozinha não combina com Iracema
não...aqui a gente se ajuda e somos iguais...desde pequeno que meus pais ensinaram
nós a isso...a gente ia pra serra e era obrigado a cozinhar...aprendemos aí, desde
cedo...meu pai cozinhava e dizia pra nós que homem tinha que ajudar a mulher em
tudo...na cozinha também (JOÃO, 70 anos).
O fato de internalizar os dois papéis (mundo da casa e mundo público) em Iracema fez
com que estas mulheres participassem das decisões da família, embora não deixassem de lado
seus objetivos femininos; tendo seu espaço conquistado, a família a situa em um cenário de
destaque (LEITE, 2004).
Então, a categoria gênero aqui é compreendida como uma categoria social imposta e
construída e, portanto, resultado de incertezas, controvérsias e cheias de ambiguidades
(FROTA, 2004).
Lopes (2006, p. 136) faz uso das ideias de Goldani, delineando as diferenças de gênero
das pessoas de mais de 60 anos: À medida que envelhecem, homens e mulheres ficam menos
parecidos, como resultado de diferenças genéticas, de gênero, de raça, classe social e
cuidados prévios com a saúde.
Assim, salientamos que os homens e mulheres de Iracema envelhecem de forma
diferente. A análise da identidade e do curso de vida das mulheres velhas foi influenciada por
suas experiências familiares e por seus papéis de mães e esposas, fundamentais para a sua
98
compreensão como mulheres (LOPES, 2006). Esta estudiosa faz uso do pensamento de
Goldani (1999, p. 79, 89 e 91), mencionando que
As mulheres idosas brasileiras desta segunda metade do século vivenciaram
transformações fundamentais ocorridas no país, muitas das quais lhes beneficiaram e
outras tantas que apenas lhes serviram para ratificar sua condição feminina desigual
e discriminada em várias instâncias da vida nacional (...) assim, o perfil
sociodemográfico das mulheres idosas em diferentes momentos resulta da
complexidade das instituições sociais e do modo sistemático pelo qual as famílias, o
mercado e o Estado interferem e diferenciam suas vidas (...) Portanto, um
pressuposto importante é que os indivíduos constroem seus cursos de vida, tomando
e implementando decisões, mas estas são favorecidas ou constrangidas pelas
políticas, condições sociais e econômicas nas quais os indivíduos se encontram.
Logo, o perfil das mulheres de Iracema nos fala que, mesmo sendo submetidas a um
aparato ideológico de dominação e talvez tendo sido criadas em famílias que pregavam um
histórico de submissão, quando se tornaram casadas, passaram a assumir uma identidade
pautada na autonomia e independência que talvez tenha sido influenciada pelos valores e
princípios regidos na vida dos seus maridos, os homens velhos de Iracema.
Portanto, as novas imagens do envelhecimento e as relações que se estabelecem ao
longo desse processo expressam mudanças sociais e passam a redefinir identidades, relações
familiares, o próprio curso de vida e a dialética dependência/interdependência entre as
gerações (GOLDANI, 1999).
5.4.2 Espaço rural
Aqui examinamos os comportamentos, atitudes e falas dos velhos que residem em
Iracema, a fim de compreender seus modos de vida em um ambiente marcado pela
singularidade. Os sujeitos da pesquisa constituem suas vidas remetendo a aspectos do
cotidiano, seja mediante processos de dominação ou de conformismo, pelo fato de em
algumas circunstâncias “Iracema não ter nada para fazer” e de “é assim mesmo...adianta
não....aqui não tem nada pra gente não” ou até mesmo de expressar o seu sentimento de
alegria em residir no rural: “prefiro mil vezes aqui do que na cidade...gosto daqui...só saio
morto daqui”.
Para melhor compreensão do que seja é esse cotidiano vivenciado pelos sujeitos,
citamos Certeau (1996, p. 31)
O cotidiano é aquilo que nos é dado a cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos
pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente. Todo dia,
pela manhã, aquilo que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de
viver, ou de viver nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. O
cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. É uma história a
meio-caminho de nós-mesmos, quase que em retirada, às vezes velada.
99
Os depoimentos orais sugeriram que a forma como é conduzido o dia a dia é algo
inerente a eles, que muitas vezes chegam a se acostumar com o ritmo cadenciado de ações,
apenas como algo que é “necessário fazer”.
Todo dia eu faço a mesma coisa...de manhãnzinha eu dou de comida dos pinto, dô
de comida as galinha e barro o terreiro..nisso minha fia o arroz já tá no fogo..eu
barro a casa todinha porque não gosto de casa imunda não...umas dez hora nós
almoça e depois vou assistir minha nuvela...num gosto nem de passar pano e nem de
lavar os prato não....mas tem que fazer né....faço a janta e depois nós dromi.
(MARIA, 65 anos)
Eu gosto do meu dia sabe..começo as quatro da manhã(...) o que tenho que fazer eu
faço(...) vou dormir é cedo...depois da minha novela, tranco as porta , bebo meu
leitinho e vou me deitar. (ILMAR, 70 anos)
Aqui num tem esse negocio de gostar ou não dona...o que for preciso eu
faço...cozinho, lavo, trabalho na roça, dou de comida pros bichos...num tem quem
faça por nós...(PEDRO, 77anos)
Na visão de Certeau (1996), essa impressão de hábitos banais não deve ser entendida
como um fluir tranquilo de um dia da semana após o outro, mas como um ritmo produzido no
tempo por parte de cada família e pelo qual esta pratica sua singularidade.
Dona Fernanda (70 anos) refere-se à execução de suas tarefas domésticas da seguinte
forma: “todo dia faço a mesma coisa...do mesmo jeitin...num acho ruim não...pelo ou menos
eu já sei fazer”. Nesse sentido, a vida cotidiana dela recai numa dimensão espontânea, em que
as ações se processam de forma automática e irrefletida (HELLER, 1970). Dessa forma, a
habitação dos moradores da comunidade é marcada por práticas familiares que remetem à
“estrutura formigante das atividades ritmadas por espaços e relações” (CERTEAU, 1996).
Embora os interlocutores reconhecessem a importância de alguns aparatos
tecnológicos (telefone, computador, máquina de lavar, dentre outros) que teriam sido
herdados do mundo moderno e que facilitavam a sua rotina diária, sete velhos mencionaram
que gostavam de residir no rural e cinco relataram que “só sairiam dali mortos”. Eles
justificaram isso, dizendo que “minha fia adoro esse silêncio, essa calmaria...”, “gosto da
rotina de todo dia tirar e beber o leite quente da vaca, coisa que noutro canto num tem”,
“gosto de plantar todo dia aqui...essa é a minha terra”. Logo, na visão de Giuliani (1990, p.
65): “(...) essa mudança impõe uma nova maneira de “habitar”, uma nova maneira de investir,
material e simbolicamente, na terra, cria um novo “território social”; a “desterritorialização”,
enfim, é também uma “reterritorialização”
Dessa forma, embora aceitassem e comprovassem os benefícios advindos do espaço
urbano, chegavam a querer conviver no locus rural com suas características bem preservadas,
ideia do neo-ruralismo preconizada (GIULIANI, 1990).
100
No contato com os sujeitos, pudemos apreender alguns hábitos, costumes e
características que marcavam aquela forma de viver peculiar. Com base nisso, percebemos
que os depoentes priorizavam a alimentação, vinculando a realização de um valor moral
(ALCÂNTARA, 2010; SARTI, 1992).
Minha fia aqui pode fartá tudo, mas comida nunca fartô graças a Deus...sempre tem
um cafezin, um queijin e uma bruaca. Mistura nuca farta, sempre tem farinha, feijão
e ovo e às vezes tem mortadela, frango e carne...quem se encosta aqui também
nunca passôfomi. Nós trabáia pra isso, pra ficar de buxo cheio. (CARLOS, 74 anos)
Portanto, percebemos que as projeções desses agentes gravitam à órbita de um cuidado
com a satisfação alimentar da família e que isto adquire valor para a comunidade.
Continuando na apreensão desses modos de viver dos sujeitos, percebemos que os
homens, geralmente, trabalhavam na agricultura e as mulheres se detinham aos afazeres
domésticos, mas que essa inversão de papéis também ocorria (Diário de campo, 07/07/2014).
Os homens ajudavam suas mulheres nos afazeres domésticos, chegando muitas vezes não só a
cozinhar, mas a “administrar a casa”. Essa ação de ajuda recíproca foi algo verbalizado pelos
velhos, por seus filhos e percebido por nós no contato diário com as famílias.
Corroborando a diferenciação entre papéis masculinos e femininos,citamos, as ideias
de Leite (2004, p. 74): “Porém as formas dessa divisão sexual são extremamente variadas,
assim como, também, variam a extensão e a rigidez da separação entre tarefas que se dizem
dos homens e aquelas atribuídas às mulheres”.
Os discursos e as práticas dos velhos de Iracema tecem vivências e reflexões que
tencionam uma ruptura com as bases da sociedade machista, patriarcal e androcêntrica, e,
também, as percebemos enredadas pelos limites desta realidade desigual (FROTA, 2004).
As singularidades dessas relações nos despertaram a possibilidade de um olhar
diferenciado para Iracema, como um espaço particular, que poderia a vir a romper alguns
tabus impostos socialmente. Certeau (1996, p. 57) acredita que a ocupação desses espaços não
seja suficiente para explicar a diferença entre os sexos.
Torna-se até inadequada quando, baseando-se em uma psicossociologia ingênua,
julga poder afirmar, em nome das suas características formais, a “essência”
(masculina ou feminina) dessa porção do espaço urbano ou privado; assim o reto, o
direito, o duro seriam as marcas indiscutíveis de espaços masculinos (o falo
sacrossanto), ao passo que o macio, o curvo, o sinuoso seriam as características do
espaço feminino (o não menos sacrossanto útero da mãe).
Portanto, podemos desmistificar a identidade dos sexos atrelada aos domínios de
espaços, dando uma ideia de complementaridade entre estes: “o rígido e o macio, o seco e o
úmido, o lógico e o poético”. (CERTEAU, 1996)
101
Ao longo da pesquisa, percebemos que os sujeitos moravam com seus filhos e os
sustentavam financeiramente. Então, é válida a reflexão de Camarano et al (2004, p.145) para
que “[...] não se sabe se, por exemplo, se do ponto de vista dos velhos os arranjos familiares
predominantes estão refletindo as suas preferências ou se são resultado de uma “solidariedade
imposta””, ou seja, a convivência dos filhos com os pais velhos pode ser fruto,
principalmente, de razões econômicas, cabendo aos pais velhos prestar apoio material aos
filhos ainda dependentes.
Minha fia, aqui tudo mora mais eu...como num tem emprego aqui pra eles, eles
ajuda nóis nas coisas aqui dento de casa e na roça. É um gasto só...tem uns que faz
uns bicos por aqui...mas tando desocupado eles ajuda com tudo (FERNANDA, 67
anos).
Observamos a existência de afetividade e cuidado entre os sujeitos e netos/filhos
distantes, pois estes últimos, algumas vezes, mandavam dinheiro, ligavam e visitavam os
pais/avós nos feriados. Desse modo, seguindo o raciocínio de Alcântara (2010, p.96),
A Antropologia descarta a ideia de família como restrita ao grupo residente no
mesmo domicílio, entendendo que a separação espacial não implica,
necessariamente, a ausência de vínculos familiares, os quais se impõem para além da
coabitação, conforme demonstro nesta pesquisa.
O advento da saída de alguns filhos/netos para as cidades em busca de empregos e
melhores condições de vida (fenômeno da industrialização) criou no velho de Iracema um
sentimento de saudosismo; a criação de vários programas do Governo de transferência e/ou
geração de renda, como o Programa Bolsa Família, ensejou um sentimento de abandono, de
não ter quem o ajude na roça.
Depois que veio esse bocado de coisa ai do governo, esse bocado de bolsa, o povo
num quer mais ajudar nóis na roça não...ficam tudo dento de casa esperando o
dinheirinho...esse povo novo é um povo muito é preguiçoso...(CARLOS, 74 anos).
Dentro do universo dos sujeitos, cerca de nove deles mencionaram sentir saudades de
como viviam anos atrás na referida localidade. Eles se referiam à igreja ativada, às
quermesses e às organizações dos eventos da igreja que congregavam e faziam interagir as
pessoas, tornando-as mais próximas e/ou unidas. A igreja era, portanto, o elo mediador das
relações. Essa valorização do passado, bem como as instituições fundamentais da cultura dos
velhos, decorrem, para Cândido (2010), de uma caracterização ideal do passado.
Dos 12 entrevistados, dez sujeitos mencionaram que a educação “de antes” era melhor,
pois os pais tinham mais autoridade perante os filhos, que os pais podiam bater e eles
obedeciam. Na visão de Cândido (2010), esta tentativa de comparar as atuais condições de
102
vida com as antigas recebe o nome de saudosismo transfigurador, o que pode chegar a
provocar certos comportamentos (inquietação e apreensão) de reação e adaptação.
Os depoentes mencionaram se sentirem respeitados por seus filhos/netos, embora
presenciassem um total desrespeito aos mais velhos em outros ambientes e nas famílias de
seus compadres.
Eu? Fui criado na base da chinelada mesmo...meu pai bastava só olhar...
(MARGARIDA, 71 anos).
Antigamente o respeito era tão grande, que onde tinha velho os mais novo tinham
que pedir permissão pra entrar... (FERNANDA, 72 anos).
Aqui não são nem doido de num mi respeitar...eles tudo aqui mi respeita e é muito
viu? eu faço que nem meu pai, só olho pra eles e eles já sabem... (JOÃO, 70 anos).
Percebemos que os sujeitos apresentavam um processo de envelhecimento bem
singular e distinto, pois, muitas vezes, os mais velhos possuíam mais disposição e saúde,
enquanto os velhos mais novos denotavam mais indisposição e limitações. Isso se vinculava à
rede de apoio familiar, ao acesso a serviços de saúdes, ao próprio envelhecimento celular, que
é bem subjetivo, ao suporte emocional perante os problemas adversos, dentre outros fatores.
Portanto, percebemos que os depoentes demonstravam o envelhecimento como algo
relacional e relativo, algo que se vinculava com muitos fatores ao longo da história de vida da
pessoa (WOORTMANN e WOORTMANN, 1999).
Nos diálogos com os interlocutores, ao expor o objetivo geral da pesquisa, alguns
destes deram risadas, mencionando que não entendiam nosso interesse no cotidiano deles, já
que “não serviriam mais para nada”. Podemos, então, citarPatto (1993, p. 127), fazendo uso
do pensamento de Heller (1970)
[...] os preconceitos têm a função de consolidar e de manter a estabilidade e coesão
de integrações sociais, principalmente das classes sociais (...) por isso, a maior parte
dos preconceitos é produto das classes dominantes, pois é a elas que interessa
manter a coesão de uma estrutura social, conseguida em parte graças à mobilização,
através de preconceitos, dos que representam interesses.
Todos os sujeitos disseram que, na referida localidade, “não havia nada para eles”
(nenhum lazer, atividade ou programa social) e que não havia empregos para os filhos,
obrigando estes últimos a se dirigirem para a Sede de Paramoti ou mesmo para Fortaleza em
busca de melhores condições de vida (Diário de campo, 20/07/2014).
Aqui tem é nada pra gente não... (ANA, 61 anos).
Iracema tá com zero pra gente...só tem muita é poeira... (MARGARIDA, 71 anos).
Num tem forró, num tem praça, nem um terço...acho que falta é tudo... (JOÃO, 70
anos).
103
Sabe qual é o problema Aline? Os políticos só olham pra cá na hora dos votos...mas
não investem nada aqui não...(PAULO, 69 anos).
Até aquele centro do idoso lá em Paramoti foi fechado...nam...o pouco que tinha já
acabou...(MARIA, 65 anos).
Nesse sentido, isso denota a insatisfação com a falta de políticas públicas para eles no
âmbito rural.
Conforme dito, no decorrer da pesquisa ocorreu a desativação da Associação,
chegando a deixar alguns depoentes “revoltados”, pois acreditavam na existência de
melhorias para a comunidade. Mesmo tendo sido, no entanto, percebido um desejo de mudar
aquela situação, eles não faziam nada para isso; era um sentimento de descrença e
desmotivação aliado a “o governo esqueceu de nós” e um “nada vai mudar”.
Esse não movimento das camadas marginalizadas, dos velhos rurais, demonstrava um
conformismo relativo a essa situação. Na sua visão de cotidiano, Heller (1970) exprime que
todos os segmentos sociais podem expressar seus anseios em prol de uma ‘revolução’. A
própria história oral funcionou na pesquisa como um canal paraexternalizar as emoções,
possibilitar opções de manifestações e de denúncia social; dar vez e voz aos oprimidos
(ALCÂNTARA, 2004).
Acho muito importante sim a associação...sem ela aí que não vamos conseguir mais
nada pra cá...(BRUNO, 62 anos).
Fica todo mundo dizendo que é importante mas ninguém faz nada pra mudar
isso...precisamos urgente que ela volte a funcionar...(FABIANO, 71 anos).
Sinto raiva da gente mesmo...como a gente pôde deixar isso acontecer hein?
(MARIA, 65 anos).
Ao longo das conversas, percebemos que muitos moradores de outras localidades
haviam vendido seus lotes de terra do rio que passava por Iracema para os empresários;
porém, nenhum residente em Iracema havia vendido seu pedaço de terra. Dessa forma,
mesmo não mantendo contatos próximos entre eles, os sujeitos haviam feito uma espécie de
“contrato”, segundo o qual nenhum deles venderia lotes de terra aos interessados.
Aqui em Iracema ninguém vende não...o povo não percebe que além de desmatar a
natureza, a gente é que vai sair prejudicado, pois tirando a areia do rio vai um dia
faltar água....e quem vai ser prejudicado? Só nós....(PAULO, 69 anos).
Claro que aqui ninguém vende...(MARIA, 65 anos).
Nesse sentido, na acepção de Certeau (1996), entre essas relações, são estabelecidas
“regras” de uso social nessa comunidade, em que a ruptura delas significaem repressões
minúsculas; ou seja, essa lei reprime o que “não convém”, “o que não se faz”. Portanto, de
104
forma implícita, algum comportamento contrário ao que é “imposto” pode ser banido como
sinal de comportamento ilegítimo.
O povo daqui né nem besta de vender não...(MARIA, 65 anos)
Acho que se algum dia, alguém daqui, vender terra pra eles...nem sei o que
acontece...(FERNANDA, 70 anos).
Acho que aqui ninguém vende porque ninguém acha isso certo...(ANDREIA, 65
anos).
Outro importante fato verificado na comunidade diz respeito a poucos sujeitos se
mostrarem dispostos a comentar sobre o assunto da retirada de terra do rio. Pascucci (2011)
destaca que o silêncio é fundante porque existe dentro das palavras um sentido, que nem
sempre está explícito; que o silêncio é a base de significação e que esse “resto” é o verdadeiro
sentido. Ela faz uso das ideias de Orlandi (2007, p. 13):
O silêncio é a respiração (o fôlego) da significação: um lugar de recuo necessário
para que se possa significar, para que o sentido faça sentido. Reduto do possível, do
múltiplo, o silêncio abre espaço para o que não é “um”, para que permite o
movimento do sujeito. O real da linguagem- o discreto, o um- encontra sua
contrapartida no silêncio.
Portanto, o silêncio obscurecia um sentido fundante diante do ocorrido, talvez
caracterizado, a princípio, por um medo dos depoentes das pessoas de maior poder. Esse
medo também foi compreendido, pois, certa vez, há alguns meses, houve um incêndio
intencional em uma das máquinas por disputa de poder entre diferentes empresários pelos
lotes de terras. Outra suposição desse silêncio também decorre de os membros dessa
comunidade demonstrarem um comodismo e inércia diante dos fatos.
Um fenômeno interessante observado nas conversas com os entrevistados diz respeito
às fofocas, ou seja, ao disse-que-me-disse. Isso pôde ser evidenciado nos comentários “da
vida alheia”, ao motivo da nossa presença na comunidade (inicialmente associando ao corte
de benefício) e especialmente nas discussões sobre a política.
As fofocas também diziam respeito ao que poderia estar ocorrendo com André, aquele
velho que surtava e que era suspeito de sofrer maus tratos da família. Muitos sujeitos
suspeitavam fortemente desse fato, haja vista a família já ter ido depor, via denúncias
anônimas, por diversas vezes, junto ao sistema policial.
Nossa visita à casa de André foi havida como a mais demorada, pois, como ele não
estava (havia “fugido”), seu filho, genro e nora conversaram bastante, sempre justificando as
constantes fugas (desequilíbrio mental) e ressaltando a proteção e apoio que prestavam a ele.
“[...] Se um dia parassem os moinhos da boataria na “aldeia”, a vida perderia muito
de seu tempero. O aspecto essencial delas não era simplesmente o interesse que se
tinha pelas pessoas, mas o fato de se tratar de um interesse coletivo” (ELIAS, 2000,
105
p.122).
Portanto, as fofocas passaram a assumir importante papel em denunciar uma situação
social verificada contra uma pessoa, e não simplesmente em “bisbilhotar a vida do outro”.
O pobizim é açurrado dentro de casa. Eles querem é o dinheiro dele...nem comida
pra ele dão direito...o pobi vive de roupa rasgada perambulando por aí...e parece que
quem fica com o dinheiro dele é a própria filha, a senhora acredita? Ô povo sem
vergonha.....nam....(FERNANDA, 70 anos).
Em relação ao caso de André, vale mencionar que desde o início da pesquisa ele se
encontrava desaparecido e que, no final da investigação, ele foi encontrado morto em um
município vizinho e que estavam apurando os fatos sobre as reais condições de sua morte.
Nesse sentido, para estudarmos sobre os velhos de Iracema, tornou-se essencial refletir
sobre como a velhice se exibia no espaço rural, aprofundando o modo desse sujeito
envelhecer com âmbito em suas representações e práticas sociais.
106
6CONSIDERAÇOES FINAIS
A proposta desta pesquisa foi analisar a velhice no espaço rural, com ênfase no
cotidiano dos sujeitos, no espaço geográfico de Iracema, localidade esta pertencente ao
Município do Paramoti, localizada ao norte do Estado do Ceará.
A pesquisa de campo foi pautada no trabalho etnográfico, de maneira a discutir os
dados acerca de velhice, do conceito de rural, das políticas públicas direcionadas a este
público e dos modos de vida e relações dos interlocutores, revelando heterogeneidade que vai
ao encontro do que seja velhice.
Portanto, esse universo não homogêneo serviu de base para investigarmos e
depararmos múltiplas questões que devem ser merecedoras de atenção, em virtude dessas
diversidades dos modos de vida dos interlocutores irem de encontro ao que está posto
socialmente.
A economia, o clima seco e árido, as relações de compadrio e familiares, a valorização
da comida e do trabalho na roça, o saudosismo das coisas que ocorriam antigamente e outras
particularidades conferiram um sentido próprio e único ao velho que reside em Iracema, e que
de certa forma, agrega um significado complexo na sociedade de sua pertença.
Em Iracema, os depoentes são, em maioria homens, indo de encontro à feminização da
velhice predominante nas áreas urbanas. A hipótese é de que, em Iracema, o fato de as
mulheres transitarem entre os domínios públicos e privados (trabalhando na agricultura e nos
afazeres domésticos) e de antigamente elas parirem em casa com escassas condições de saúde,
fazcom que elas tenham a menor sobrevida.
Do universo dos sujeitos entrevistados, ressaltamos que todos os homens são de
origem de Iracema, família dos “Ferreiras Gomes”, enquanto algumas das mulheres nasceram
em outras localidades do Município de Paramoti.
Os velhos, tanto homens quanto as mulheres, são aposentados pela agricultura.
Portanto, em decorrência da universalização do direito à aposentadoria, esta renda era a
principal fonte de sustento familiar, suprindo as necessidades dos filhos/netos, haja vista a
situação de desemprego ou subemprego (bicos) destes últimos, como a realização de faxinas
ou as diárias de pedreiro.
Em relação aos cuidados com a saúde, foi percebido o fato de que cinco interlocutores
portavam a hipertensão arterial como doença mais comum, e que, por não manifestarem seus
sintomas de forma visível, estes passavam a não lhe conferir tanta importância, não fazendo
consultas regulares ou deixando de tomar os remédios conforme o prescrito. Isto era
107
agravado, ainda mais, pelas esporádicas visitas de médicos à comunidade e pela percepção de
que “quando tiver que morrer a gente morre”.
No tocante ao nível socioeducacional, percebemos que, em sua maioria, os sujeitos
eram alfabetizados, embora só lessem e escrevessem com dificuldades, decorrentes de poucos
anos de estudos. Já os filhos, em sua maioria, possuíam o ensino médio completo, embora
seus trabalhos estivessem voltados para trabalhos subalternos ou na agricultura, de baixa
remuneração, impossibilitando, assim, mudanças maiores.
Os depoentes gostam de realizar os afazeres domésticos, de trabalhar na agricultura e
de visitar os compadres. Eles mencionaram que, embora “não tivesse nada para os velhos” em
Iracema, gostavam de residir na localidade. Nesse âmbito, ressaltamos a falta de políticas
públicas para os velhos, mais especificamente no espaço rural. Todos mencionaram a
importância da existência, em Iracema, de órgãos e equipamentos voltados para eles nas áreas
de saúde, educação, cultura e lazer, como construção de um posto de saúde, da casa de idoso,
de uma praça e de uma igreja. A maioria desconhece o Estatuto do Idoso, seja por possuírem
poucos anos de estudo e até mesmo pela falta da divulgação do documento. As políticas
públicas em Iracema que beneficiam os velhos são: a aposentadoria, o PRONAF e PAA,
embora esta última não esteja sendo efetivada na prática, por falta de pagamento da Prefeitura
aos produtores rurais.
As pessoas, ao se referirem à existência de aparatos e equipamentos sociais (igreja,
casa do idoso) para os velhos, concentraram suas falas no período atual julgando que
antigamente se encontravam melhor. O saudosismo surgiu em decorrência da ativação de uma
memória afetiva, que perpassava o restabelecimento de laços afetivos entre os moradores que
iriam se encontrar mais vezes, bem como do acesso aos direitos para eles.
Os resultados analisados colidiram, sobremaneira, com a recorrente associação entre
velhice e inutilidade, da ideia do velho ser alguém incapaz de trabalhar, de “não servir mais
para nada”. Na verdade, nem as limitações de saúde são um impedimento para a continuidade
no trabalho desses sujeitos, associam a ideia de valor-trabalho, cuja falta representa sua morte
social (WOORTMANN, 1990). Os interlocutores, por interiorizarem essa imagem de que
estão sempre aptos a trabalhar e de ajudar os filhos, ainda que financeiramente, de poderem
resolver “suas coisas na rua”, de poderem, ainda, controlar seu dinheiro da aposentadoria,
aparecem como pessoas independentes e ativas, o que vai de encontro ao que está socialmente
imposto culturalmente.
Nesse sentido, mesmo que a cultura capitalista “esmague” os velhos com seus
estereótipos que vinculam a ideia de velhice a inutilidade, ainda que os sujeitos da pesquisa
108
tenham conhecimento desta realidade, os discursos sugerem que eles não interiorizam os
padrões negativos de envelhecimento da atualidade. Provas disso são as ações contínuas em
seus cotidianos e suas verbalizações, que denotam uma autonomia no gerenciamento de si
próprios.
Ao longo da pesquisa, surgiram nuanças que revelaram dar um contorno diferente à
compreensão do cotidiano dos sujeitos. A ideia de calar e de fazerem um pacto de “silêncio”
em torno de algo que ocorre na comunidade (tirar areia do leito do rio que passava por
Iracema), sugeriu a ideia de uma união e solidariedade entre os moradores, chegando a
derrubar a barreira do distanciamento e proximidade, ou seja, ainda que não fossem “tão
próximos afetivamente”, os interlocutores comungaram da ideia de preservar a natureza e se
uniram em prol do bem comum.
Outra observação remete às fofocas aparecidas no decorrer da pesquisa, que não
funcionaram somente como “falar da vida alheia” e sim como uma denúncia de uma situação
social (suspeita de violência contra André), ou seja, mais uma vez, a solidariedade emerge
nessa comunidade.
Consideramos pertinente em Iracema o fato de os homens e mulheres realizarem
atividades nos domínios públicos e privados. Os homens foram criados pautados em
princípios de que “a gente foi ensinado desde pequeno a cozinhar e a ajudar nossas esposas
em casa”; portanto, os homens, além de trabalharem na roça, cozinhavam e ajudavam nos
afazeres domésticos. Já as mulheres, algumas provenientes de outras localidades, cuidavam da
casa, mas também ajudavam seus maridos “nos negócios da casa”. Logo, essas relações de
gênero podem ser compreendidas como uma elaboração social que define a identidade
sexuada de homens e mulheres, que mesmo sendo permeada de poder, utilizam os dois
espaços na ruptura das desigualdades (FROTA, 2004).
Na visão de Heller (1970), a vida cotidiana tem sempre uma hierarquia espontânea
determinada pela época. Nesse sentido, a cotidianidade desses agentes foi se modificando de
modo específico em função de diversas transformações, como o êxodo rural, a mecanização
da agricultura, os benefícios da aposentadoria, do PBF, do PRONAF, PAA e da emergência
de outras politicas e instrumentos para esse público. Essas mudanças ocasionaram
transformações nas formas de ser desses agentes, de estar nesse espaço rural, bem como
alterando relações e papéis sociais.
Logo, a apreensão do modo de vida dos interlocutores enfatizou as especificidades do
espaço rural, as relações que este estabelecia com o outro e com a terra, os costumes, as
tradições, as condições econômicas, dentre outros fatores.
109
Nosso país exprime características bem distintas no plano de Estados, cidades e
regiões que perpassam e são influenciadas por questões sociais, econômicas e políticas. A
necessidade de se estimular pesquisas para o velho que reside no cenário rural decorre dos
escassos estudos acerca de tal temática e de propiciar a definição de políticas públicas
específicas para esse público. Portanto, esta investigação se torna fundamental para
desmistificar a velhice rural, bem como fomentar estudos nessa área para (re) desenhar
caminhos na sociedade.
110
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120
A P Ê N D I C E S
121
APÊNDICE 1
TERMO DE CONSENTIMENTO
VELHICE E ESPAÇO RURAL: (RE) DESENHOS DOS DISCURSOS
AUTORAAline Gadelha de Almeida Duarte (Aluna do curso de Pós-graduação do Mestrado
de Políticas Públicas e Sociedade- UECE.
ORIENTADORA Prof. Dra. Maria Helena de Paula Frota.
COORIENTADORA Prof. Dra. Adriana de Oliveira Alcântara.
SUMÁRIO DO PROJETO Pesquisa qualitativa, com vistas à obtenção do título de mestre,
cujo objetivo éanalisar o cotidiano dos velhos que residem no espaço rural.
CONSENTIMENTO Com base no exposto acima, dou meu consentimento para participar da
pesquisa na localidade de Iracema – na qualidade de colaborador – e também para divulgação
de dados por mim fornecidos.
______________________________ Data:___/___/____
Local
__________________________
Assinatura do participante
Discuti este projeto com o participante, usando linguagem compreensível e adequada. Na
minha avaliação, propiciei as informações necessárias para os depoentes, de acordo com os
princípios éticos da pesquisa, e também acredito que eles tenham compreendido os meus
esclarecimentos.
_____________________________ Data: ___/___/____
Local
__________________________
Assinatura do responsável
122
APÊNDICE 2
ROTEIRO PARA AS ENTREVISTAS COM OS SUJEITOS
Fale-me um pouco do seu dia a dia. Trabalha na roça? Que tipo de atividade e com que
frequência exerce? Alguém ajuda? Gosta do que você faz no seu dia?
Quais suas atividades domésticas? Com quem mora? Existe divisão de atividades
domésticas? Como foram feitas essas atribuições? Alguém ajuda nos seus afazeres? O que
gosta de fazer quando está em casa? O que não gosta de fazer em casa?
O que faz quando não está trabalhando? O que gosta de fazer quando não está trabalhando? O
que não gosta de fazer?
Participa de algum grupo, associação ou outra atividade na localidade? Costuma sair com os
amigos? Com qual frequência? Para onde? Com quem?
Quem é o chefe da família? Quem exerce a função de fazer as compras dos alimentos para a
família? Com que frequência faz isso? Esta função é delegada ou a pessoa faz porque quer?
Qual a renda familiar? Quantas aposentadorias? A família recebe a renda proveniente do
Programa Bolsa Família (PBF)?
Como julga sua convivência familiar? Como é o relacionamento entre todos? O que acha
importante no bom relacionamento? Com quem mais conversa? Sobre o que conversa?
Sente-se velho? O que é ser velho?
Como era a velhice antigamente (no tempo dos seus pais ou avós)? Como acha que é a velhice
hoje? (Em relação aos costumes, educação, lazer, aposentadoria) Algo mudou? Por que acha
que mudou (ou não mudou)? Como gostaria que a velhice fosse hoje? Sente-se valorizado por
sua família? Acha que o velho é valorizado na sua localidade? No seu Município? E no seu
País? Por quê?
É feliz com sua vida? Por quê?
Conhece alguma política pública para os velhos? Conhece o Estatuto do Idoso? Acha que
existe alguma politica pública para os velhos em Paramoti? E em Iracema?
123
APÊNDICE 3
SUJEITOS DA PESQUISA
Pedro (77 anos)- Ele é natural de Iracema, sendo católico e não é alfabetizado. Mora com os
quatro filhos e a esposa. A renda da família é constituída de duas aposentadorias: a sua (como
agricultor) e a da mulher (como merendeira da escola do Município de Paramoti). Ele possui
hipertensão arterial. Trabalha diariamente na agricultura.
Ana (61 anos)- Natural de Paramoti. Católica. Ela é alfabetizada. Mora com o marido Pedro e
os quatro filhos. A renda da família é constituída de duas aposentadorias: a sua (como
merendeira da escola do Município de Paramoti) e a do marido Pedro (como agricultor). Ela
possui hipertensão arterial.
Bruno (62 anos)- Natural de Iracema. Católico. Alfabetizado. Ele mora com a mulher e um
filho de 35 anos. Os três são agricultores e o velho cuida do gado. A mulher e o filho portam
hipertensão arterial. A renda familiar é proveniente da sua aposentadoria e da sua mulher. A
família não recebe a renda proveniente do PBF.
Fabiano (71 anos)- Natural de Iracema. Católico. Possui escolaridade do ensino médio
completo. Ele mora com a esposa e três filhos d A esposa do genitor apresenta hipertensão
arterial. A renda da casa é proveniente da aposentadoria dele e do PBF no valor de R$ 68,00.
Margarida (71 anos)- natural de Iracema.Viúva. Ela não é alfabetizada. Ela mora sozinha.
Ela apresenta problemas de saúde, pois é hipertensa. Sua renda é proveniente da
aposentadoria e da pensão do seu marido.
Maria (65 anos)- natural de Canindé. Alfabetizada. Ela mora com o esposo João (70 anos) e
um filho. A renda familiar é proveniente da sua aposentadoria e do seu marido. Ela fez
cirurgia de catarata e não enxerga direito depois disso, embora ainda continue fazendo seus
afazeres domésticos.
João (70 anos)- natural de Iracema. Ele não é alfabetizado. Ele mora com sua esposa Maria
(65 anos) e um filho. A renda familiar é proveniente da sua aposentadoria e da sua esposa. Ele
faz uso de medicação controlada para ansiedade e depressão e por isso não trabalha mais na
roça.
André (85 anos de idade)- católico. Ele não é alfabetizado.Ele mora com a filha, o genro e
netos. A renda proveniente da família advém da aposentadoria dele, pois a filha e o genro
trabalham na agricultura. Ele faz uso de medicação controlada e que quando entra em crise
fica “sem rumo”.
Carlos (76 anos de idade)- católico. Ele não é alfabetizado. Ele mora somente com a esposa.
A renda familiar é proveniente da sua aposentadoria e da sua esposa. Ele disse que possui um
filho que mora em Paramoti, um outro em Fortaleza e outros dois que moram “aqui”. Ele
trabalha todo dia na roça.
Fernanda (72 anos)- católica. Ela não é natural de Iracema. Ela não é alfabetizada. Ela mora
somente com o esposo. A renda familiar é proveniente da sua aposentadoria e do seu marido.
Ela possui hipertensão arterial. Ela não trabalha na roça.
124
Paulo (69 anos)- católico. Ele é natural de Iracema. Ele é alfabetizado. Ele mora com a
esposa e uma sobrinha que ajuda nos afazeres domésticos. Ele possui hipertensão arterial e faz
uso de medicação controlada para isso. Ele não trabalha na roça plantando, embora cuide dos
seus animais para subsistência. A renda familiar é proveniente de sua aposentadoria por
motivo de doença e da aposentadoria de sua esposa como professora. Ele possui três filhos:
um mora em Fortaleza e outros duas filhas foram residir nos EUA em busca de melhores
condições de vida.
Andréia (65 anos)- católica. Ela é natural de Tabuleiro do Norte. Ela é alfabetizada. Ela mora
com o marido e uma moça (sobrinha do marido) que a ajuda nos afazeres domésticos. Ela é
aposentada como professora e seu marido aposentado por motivo de doença. Ele possui três
filhos: um mora em Fortaleza e outros duas filhas foram residir nos EUA em busca de
melhores condições de vida.
125
APÊNDICE 4
FOTOS
FOTOS DA LOCALIDADE DE IRACEMA
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FOTOS DA LOCALIDADE DE IRACEMA
127
FOTOS DA CASA DA MARIA E JOÃO
Utiliza os dois tipos de fogão, mas prefere o fogão a lenha.
Casal
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FOTOS DA CASA DA MARGARIDA
Criação de galinhas
Controle de água diária Fogão a lenha
Seu maior lazer: assistir televisão
129
FOTOS DA CASA DA FERNANDA E CARLOS
Casal
Produção de chapéu e bolsa de palha
130
FOTOS DA HORTA DE ANDRÉIA E PAULO
Horta da família
131
FOTOS DA RETIRADA DE AREIA DO RIO CANINDÉ
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FOTOS DA RETIRADA DE AREIA DO RIO CANINDÉ
133
FOTOS DA CASA DO FABIANO
Horta onde os alimentos eram destinados ao Programa de Aquisição de Alimentos – PAA.
Hoje, a família vende os produtos de porta em porta.
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FOTOS DA CASA DO FABIANO
Casal com uma filha