VEJA O QUE EU FAÇO COM VOCÊ - OU COMO RECRIAR SIGNOS, ALTERAR SENTIDOS E IDEOLOGIAS NAS IMAGENS...
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VEJA O QUE EU FAO COM VOC: OU COMO RECRIAR SIGNOS, ALTERAR SENTIDOSE IDEOLOGIAS NAS IMAGENS MIDITICAS
Sainy C. B. Veloso FAV/UFG
RESUMO
O artigo sintetiza experincias didticas na formao de futuros professores, explorandoimagens de revistas, no curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal deGois. Esse espao miditico desafiador como interao social e definio de relaes depoderes definidores de classe, gnero, identidade sexual e racial. As propostas estimulam odesenvolvimento do estudante interpretao de imagens, ressignificao crtica e construopotica das imagens. Esses ensaios artsticos so contradiscursivos? Eles constroem,
promovem reflexes estticas e questionamentos culturais? Nosso arcabouo terico so aesttica de Nicolas Bourriaud e a discusso das ideologias das imagens sob o aportethompsoniano.
Palavras-chave: imagens, mdia, poder, educao visual.
SOMMAIRE
L'article rsume les expriences d'enseignement dans la formation des futurs enseignants,explorant les images des magazines en cours de diplme en Arts visuels, da UniversidadeFederal de Gois. Cet espace mdias est stimulant comme l'interaction sociale et de ladfinition des pouvoirs, classe dfinition sexe, identit raciale et sexuelle. Encouragerl'laboration de propositions visant l'interprtation des images tudiant, rvaluation critique etconstruction potique des images. Ces essais sont discours artistique contre ? Ils construisentdes rflexions esthtiques et des questions culturelles ? Notre cadre thorique sont l'esthtiquede Nicolas Bourriaud et discussion des idologies des images dans le cadre de la contributionde thompsoniano.
Mots cls: images, mdias, pouvoir, ducation visuelle.
Introduo
Este artigo sintetiza uma prtica pedaggica exercida na disciplina Arte, Percepo e
Aprendizagem, ministrada por mim na Faculdade de Artes Visuais (FAV) da
Universidade Federal de Gois. Como tambm coordeno o grupo de estudo e pesquisa
intitulado Processos Miditicos: Imagem, Educao e Cultura, na mesma universidade,
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reflito aqui sobre o poder das imagens miditicas, o modo como percebemo-las e o
exerccio de alterao de seus signos.
Impossvel discutir o ensino de arte contemporneo sem abordar a importncia que as
imagens miditicas exercem em nosso cotidiano. Uma avalanche de imagens invade
nosso espao privado via televiso, revistas, internet, jornal, e se proliferam no espao
pblico via outdoors, folders, anncios, propagandas , sofisticando-se em seus
discursos.1 A velocidade desse transbordamento de imagens impede sua assimilao e
traz em seus discursos uma pletora de smbolos, esteretipos, marcas de gneros, e
preconceitos. Importante lembrar que a mdia aqui entendida como reprodutora de
ideologia, a qual constri e propaga signos que podem articular sentidos, o arcabouo
simblico e ideolgico de nossos estudantes. Comumente, essas formas simblicas
reproduzem as relaes ideolgicas, de dominao, tal como define John B. Tompson
(2000, p. 75-76): "ideologia so as maneiras como o sentido serve para estabelecer e
sustentar relaes de dominao.
Atualmente, os produtos nesses supermercados de imagens sugerem um
esvaziamento de sua significao, onde importa mais a conexo do que o sentido
(SODR, 2002, p. 246), pois apresentam o j pensado, dispensando a simbolizao.
Eliminada a significao, resta apenas o signo seu referente e consumo. Mas, se
assim for o objeto da visualizao tomado somente como apario , como ensinar
arte nessa contemporaneidade miditica? possvel apreender e at mesmo
transformar esses cdigos culturais miditicos quando pensamos em um ensino que
no pactua com a fora simblica que dissimula a estrutura das relaes sociais e a
reproduz?
Esses questionamentos levaram-me a realizar experincias em sala de aula, com
estudantes de Licenciatura da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de
Gois. O foco eram as imagens de revistas, elegidas para o exerccio do olhar e da
interpretao de imagens na relao com seus significados culturais e ideologias
veiculadas, usando a abordagem da cultura visual. Nesse sentido, encaramos a
necessidade de revisar conhecimentos e saberes em e por meio dos signos miditicos
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da cultura visual e suas representaes visualizadas em revistas, para, a partir de
ento, do mesmo contexto e meio, alterar esses signos e retir-los da rasura
significante. Com essa prtica de discusso a respeito do que vemos e sabendo que
nosso olhar influenciado por ideologias, reconhecemos, portanto, o signo comotransmissor. Selecionar, recortar e colar, novamente, imagens de revistas, permitem
aos estudantes alterar e reconfigurar esses signos. Assim, abre-se a possibilidade para
aprendizagem de maneira desafiante, constituindo coletivamente um espao de trocas
e compartilhamento de experincias.
Reorganizar ideias, buscar outros sentidos
No obstante bebermos na fonte tompsoniana sobre ideologia, Michel Foucault quenos adverte. O autor, ao comentar sobre a noo de ideologia como algo que de
difcil utilizao, ressalta o cuidado que devemos ter em com ela lidar, pois, queira-se
ou no, ela est sempre em oposio virtual a alguma coisa que seria a verdade
(FOUCAULT, 1998, p. 7). O que nos d abertura para tambm escamotear a realidade,
sermos tendenciosos e criarmos verdades legitimadoras absolutas, tais quais aquelas
que estaramos combatendo. Ao transpor essas questes para as imagens,
consideradas em seus discursos visuais, o objetivo era que os estudantes
reconhecessem que todos os signos de uma imagem valem pelos signos que nela no
se encontram, em razo de suas (im)possibilidades histricas de emergirem em
visualidade,2 de identificarem o jogo de poder que as perpassa, de produzirem outros
sentidos.
A primeira experincia consistiu na seleo de uma nica imagem,3 para interpretao
e anlise em sala de aula, aps os estudos sobre ideologia e discusses de como ela
incorporada e transmitida pela mdia. De maneira especfica, eu esperava que os
estudantes liberassem a imagem em circulao no mercado cultural para uma
pluralidade de sentidos. Contudo, somente uma imagem (fig. 1) atendeu ao objetivo
proposto. Para assim avaliar, tomei como critrio a potica da (re)criao da
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imagem individual, em seus aspectos formais de significados, estticos, de ps-
produo, de maneira completamente diferenciada da imagem escolhida por todos. H
na imagem de S. uma interpretao irnica e trgica, construda somente com a
manipulao de duas imagens. Uma imagem da guerra em preto e branco, sem suas
definies de tempo e lugar, foi retirada de uma reportagem jornalstica de uma revista.
Nela, um soldado, guerreiro de um pas supostamente de populao branca, protege e
ampara em seus braos, que no empunham armas, uma criana machucada (com
fome) de outra etnia. No canto direito, S. inseriu um smbolo retirado de um folder,
propaganda colorida de uma cadeia mundial de fast-food, que promove de modo
promocional um dia feliz. O estudante, ao relacionar os dois signos, estaria dizendo
que ambos se apoiam e se sustentam, com isso expressando a trgica e irnica
contradio do mundo capitalista? Seja qual for a inteno de S., o importante sua
percepo, compreenso e reverso dos signos, simbolos e cones miditicos, bem
Fig. 1. Imagem manipulada em computador por S.
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como das ideologias que perpassam cotidianamente o seu campo de visualidade, de
maneira supostamente inofensiva.
Para Nicolas Bourriaud (2009, p. 8), a arte contempornea corresponde tanto a essa
multiplicao do mercado cultural quanto assimilao ao mundo da arte de formas
ignoradas e at mesmo desprezadas. No obstante Bourrinaud centrar-se em formas
de saber geradas pelo surgimento da nova rede tecnolgica, adequei seu modo de
conceber a produo artstica atual s revistas. O autor explica que, ao inserirmos
nossas atividades artsticas nas dos outros, contribumos para abolir a distino entre
produo e consumo, criao e cpia, ready-made e obra original. Esse procedimento
ps-produtivo baliza o processo de produo contemporneo. Assim, as prticas
contemporneas no estariam mais preocupadas com a ideia de original, singular, mas
em como reorganizar elementos j existentes, dando a eles novos sentidos. Esse
procedimento tem uma relao forte com os ready-mades de Marcel Duchamp, cuja
"virtude primordial", segundo o autor, o estabelecimento de "uma equivalncia entre
escolher e fabricar, entre consumir e produzir.4
Nessa equivalncia reside o exerccio libertrio em selecionar e recriar os signos de
maneira reflexiva e crtica tal como fez a estudante R. T, estudante da mesma
disciplina, todavia, de outra turma com a qual repeti a experincia. Contudo, dessa vez,
as imagens foram escolhidas individualmente. R. T. mostrou-se muito entusiasmada ao
encontrar essa imagem na revista, externando para toda turma seu contentamento.
A figura 2, a seguir, mostra a imagem selecionada por R. T. Trata-se de uma bolsa de
couro marrom, lanada por uma marca famosa e muito conhecida, em anncio de
revista, e identificada pelo seu logotipo.
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As revistas, como um meio de comunicao de massa, uma mdia poderosa. Elas
expressam, transmitem e reproduzem informaes. Dessa maneira, e como todas as
outras mdias (televiso, jornais, internet, rdio, entre outras), as revistas reproduzem
uma determinada realidade de uma pequena minoria e consagra como se fosse a
realidade de toda a populao, ou seja, uma realidade invertida. Como j sabido com
Thompson (2000) que a ideologia um sistema de representao pelo qual se constri
sentido sobre o mundo e assim estabelece e sustenta relaes de dominao,
constatamos sua inseparabilidade da experincia vivencial cotidiana dos indivduos,
hoje, posta em imagens. Imagens que alm de construrem e perpetuarem
representaes e ideologias criam outras, de acordo com o produto que se quer vender.
Dizer isso significa afirmar que a ideologia impregna hbitos, desejos, reflexos das
pessoas por meio das imagens que a veiculam. Ideologias difundidas em e pelas
imagens, mas nem sempre com possibilidade de serem praticadas. Mas postas como
verdades reais, por um sistema que produz suas prprias verdades, a beneficio de
poucos.
Qual o poder de compra de uma estudante que ganha o salrio mnimo, tem despesas
com nibus e ajuda no oramento domstico, para comprar uma bolsa que custa R$
1.200,00?
Fig. 2a. Imagem retirada de uma propaganda em revista.
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Todavia, a bolsa objeto de desejo. Ela representa elegncia, acesso aos bens de
consumo e incluso social. Esse questionamento foi feito por R. T. e posto em imagem
(fig. 2b).
Imagem recriada e manipulada em computador pela estudante em questo. Nela
podemos perceber dois porcos com sua pele estampada pelo logotipo da marca da
bolsa, o qual, hoje, sinnimo de status, em razo de seus altos preos. R. T. mora em
Goinia, capital do estado de Gois, regio onde predomina a cultura rural. O porco
um animal popular, comum, na viva cotidiana dos goianos. Portanto, de baixo preo e
acesso a todos. Assim, ao inserir um smbolo de uma marca famosa e cara na pele
dos porcos vivos, R. T. popularizou a marca e banalizou seu valor. Segundo a
estudante, essa atividade nos leva desmistificao da imagem, perda do medo de
desconstru-la, desvendar verdades construdas implcitas e explicitas nas imagens.
Fig. 2b. Imagem manipulada em computador por R.T.
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De maneira geral, obtivemos melhores resultados nas imagens refeitas no somente
quanto clareza, ao acabamento e crtica aos discursos das imagens como tambm
quantidade de estudantes que atenderam ao proposto nas articulaes e
manipulaes dos elementos da linguagem visual. A estudante M. S. R. afirmou:trabalhar com imagens de revistas, (re)significando-as, foi um processo de recriao,
de reflexo e crtica dentro de um mundo em que h um turbilho de imagens, em sua
grande maioria, manipulveis.
Possibilitar aos estudantes a interpretao da imagem a partir de seus conhecimentos
viabiliza a construo de um processo de subjetivao do signo e refora a confiana
na expresso do que se percebe na imagem de acordo com a memria. Importante
aqui lembrar que, quando falo do signo, estou falando da contribuio da Semitica e
diversas outras reas aos Estudos da Cultura Visual. esse processo de subjetivao
que os Estudos da Cultura Visual possibilitam ao estudante, ou seja, a construo de
um pensamento diferente, ao quebrar a estrutura da linguagem visual.
A importncia desse procedimento reside na constatao da fragmentao da
subjetividade que atualmente constitui uma posio fundamental na nova configurao
do social no Ocidente:
[...] o autocentramento se conjuga, ento, ao valor da exterioridade. Assim, osdestinos do desejo assumem uma direo autocentrada e exibicionista. Ter,aqui, ser. Ter objetos, usufru-los, proporcionaria a satisfao almejada eimplicaria ser reconhecido como imagem por um outro que tambm , situandoo sujeito numa determinada definio identitria. (BARTUCCI, 2002, p. 9).
Ao assim considerar, a condio de visibilidade fator de identidade. Identidade
baseada em ter, consumir. Nesse cenrio, as imagens miditicas tm um grande peso.
Elas criam desejos de consumo, com os quais os estudantes se identificam, e por meio
da aquisio dos produtos vendidos pelas revistas passam a crer no reconhecimento do
signo que constri suas identidades. Identidades rasas (HALL, 2001). Dentro dessa
lgica, possuir uma bolsa de marca famosa sinnimo de pertencimento e
reconhecimento social. Questionar tal entendimento e possibilitar o exerccio de
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subjetivao por meio da memria so aes que religam e realizam a inscrio do
estudante, no registro da simbolizao.
Relembrar e reconstruir o passado a partir do presente na cultura da visualidade
importante no apenas para aquele que lembra, pois a vivncia de cada um contribui
para a anlise de uma conjuntura, do cotidiano, dos valores e da cultura de uma
sociedade. Se vivemos uma crise da identidade, como afirmam alguns autores, a
memria5 vem, tambm, tornando-se uma soluo para essa crise. Memria no em si
mesma, mas sim no lugar do outro, de modo que ela se desloca marcada pelo que
Michel De Certeau (1994, p. 168) considera como jogo mltiplo da alterao.
Consideraes finais
Se a identidade um conceito sob rasura, tal como o entende Stuart Hall, a memria
deixa ver um pouco mais do que esconde sob essa rasura da imagem, que na cultura
da visualidade construtora de identidade. De fato, no difcil concluir que no
horizonte intersubjetivo da imagem, no presente, esvaziada e desinvestida de trocas
inter-humanas, que devemos travar a grande luta de nosso tempo.
Notas
1 Consultar Michel Foucault (1998, p.135).2 Por visualidade considero tudo aquilo que se d a ver, perceber.3 O objetivo era perceber a diversidade de recriaes a partir de uma nica imagem.4 Em entrevista para o Canal Contemporneo. Disponvel em: . Acesso em: 12 jan. 2012.
5 Ver Veloso (2010).
Referncias
BOURRIAUD, Nicolas. Ps-produo: como a arte reprograma o mundo contemporneo. SoPaulo: Martins, 2009.
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_______. Canal Contemporneo. Disponvel em:. Acesso em: 12 jan.2012.
CERTEAU, Michel de. A inveno do cotidiano: artes do fazer.Petrpolis: Vozes, 1994.
FOUCAULT, Michel. Microfsica do poder. Rio de Janeiro: Graal Editora, 1998.
SODR, Muniz. Antropolgica do espelho. Petrpolis: Vozes, 2002.
HALL, Stuart. A identidade cultural na ps-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora,2001.
THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crtica na era dos meios decomunicao de massa.6. ed. Petrpolis: Vozes, 2000.
VELOSO, Sainy. Visualidades: memria e cultura visual. 2010. Disponvel em:http://www.anpap.org.br/anais/2010/pdf/ceav/sainy_coelho_borges_veloso.pdf. .>. Acesso em:28 mar. 2012.
Sainy Veloso doutora em Histria Cultural pelo Departamento de Histria da Universidade deBraslia. Mestra em Artes pela mesma universidade; especialista em Linguagens Artsticas elicenciada em Educao Artstica pela Faculdade Dulcina de Moraes, em Braslia. Atualmente professora na Faculdade de Artes Visuais (FAV), na Universidade Federal de Gois. Coordenao grupo de pesquisa Processos Miditicos: Imagem, Educao e Cultura.