Vavó xixi

download Vavó xixi

If you can't read please download the document

description

Conto africano

Transcript of Vavó xixi

Almir dos Santos

Resumo: Sabemos que a literatura Africana uma literatura recente, de uma definio ainda em construo e que possui grande importncia para a sociedade da Angolana, Cabo Verde, Moambique, Guin Bissau, que serviu para o processo de reivindicao da libertao do povo africano das marcas do colonizador portugus. O presente trabalho procura identificar o engajamento literrio que dois contos do livro Luuanda apresentam, sobretudo, as diferenas das marcas de reivindicao e como se d o discurso ps-colonialista em Baltazar Lopes no conto A Caderneta. Utilizaremos tericos como Thomas Bonnici (2005) que trata sobre o discurso ps-colonialista, bem como Vima (2006) que faz meno dos contos de Luuanda, enfocando os aspectos estticos e ticos, para entendermos como os personagens representam a sociedade africana, revelando os nveis de desgraada e misria, resultante ao processo de colonizao e, tambm o saber ancestral como pea chave, nessa intensa imagem de luta e resistncia que os mussesques e personagens simbolizam nas narrativas.Palavras Chave: Discurso ps-colonialista libertao saber ancestral1. IntroduoA Literatura Africana de Lngua Portuguesa fortemente marcada pelo processo de reivindicao de libertao poltica, econmica, sobretudo cultural e, sob esse ponto percebemos um lado utilitrio, que a mesma apresenta, porm, isso no foi motivo para que considerar uma literatura de baixa qualidade, pois que os escritores deste perodo, como exemplo, um dos escopos desse ensaio, Luandino Vieira, trouxe grande contribuio no sentido da reflexo em torno de alguns elementos para se pensar, como o exlio que o povo angolano sofreu devido s marcas da colonizao de Portugal e tambm, a situao de luta e resistncia desse mesmo povo que ansiava por uma realidade prspera. H ainda de mencionar a perspectiva do discurso colonialista dessa literatura em Luandino viera, em que o narrador tenta dar voz aos moradores dos musseques, para que tenham conscincia das marcas da colonizao e juntos consigam uma sociedade africana justa e igualitria. Sob esse Vis do Exlio, Edwar Said em seu ensaio Reflexes sobre o exlio faz uma colocao muito importante:Chegamos ao nacionalismo e a sua associao essencial ao exlio. O nacionalismo uma declarao de pertencer a um lugar, a um povo, a uma herana cultural. Ele afirma uma ptria criada por uma comunidade de lngua, cultura e costumes e, ao faz-lo, rechaa o exlio, luta para evitar seus estragos. Com efeito, a interao entre nacionalismo e exlio como a dialtica helegiana do senhor e escravo, opostos que informam e constituem um ao outro. (SAID, 2003, p. 49)A viso de Said deixa clara a idia de que a condio de exilado, algum que est afastado de sua terra, no caso os africanos diferente, pois so exilados dentro de sua prpria terra, devido ao fato da colonizao, na medida em que no tem voz dentro da sociedade e so marginalizados, sendo vistos como objetos, ou seja, fontes lucrativas de trabalho escravo, e no como sujeitos agentes de sua prpria histria. Aflora-se um instinto de nacionalismo e exatamente isso que Luandino Vieira faz ao escrever principalmente o livro Luunda, com intuito de defender sua ptria, valendo do recurso literrio e esttico, que permitiu com que fizesse denuncia social da poca, mas tambm, o teor revolucionrio que os contos desse livro apresentam intensamente, uns mais outros menos.De acordo com Vima Lia, dois aspectos so importantes para realizarmos uma leitura de Luuanda: a idia de que a literatura exige um posicionamento de quem l, ou seja, uma avaliao critica e uma formulao de um juzo de valor, que faz da leitura fundamentalmente uma atitude tica em que fala Se bonita, se feia, vocs quem sabem. Eu s juro no falei mentira e estes casos passaram nesta nossa terra da Luanda. (p.132)Esse Final no conto estria da galinha e do ovo muito sagaz, cujo narrador pede que o leitor avalie a estria. Essa avaliao no se d somente no ngulo esttico, ou seja, o narrador no pede que o leitor avalie a narrativa somente como obra literria, mas pede tambm um posicionamento tico desse leitor, que deve concordar com os valores que ela veicula, e em ultimo caso, interioriz-los e coloc-los em pratica; ou discordar da ideologia que a narrativa sustenta.No ensaio tica e compromisso em Luuanda, Vima Lia de Rossi afirma:Na linguagem recriada por Luandino Vieira, a incorporao da dico autctone, revela-se como uma espcie de fora vital dinamizadora de sentidos [...] No Contexto histrico, a atualizao dessa forma oral cristalizada, de grande valor tico e expressivo na cultura tradicional angolana, deve ser compreendida no como afirmao de verdades sedimentadas, e sim, como a possibilidade de afirmao de novas verdades afinadas com as demandas daquele presente histrico. (2003, p.49)A linguagem literria de Luandino Vieira, apesar de ser rica em questes estticas, apresenta uma dimenso utilitria, justamente no quesito da reivindicao de libertao do povo africano do colonialismo portugus. A mistura do quimbundo com o portugus proposital dentro de seus contos, para mostrar a idia de que, mesmo com o hibridismo da linguagem, o dialeto do povo africano resistiu e permanece vivo como smbolo da resistncia. Nos textos desse escritor, h um engajamento na medida em que se vale da representao dos musseques e personagens contraditrios, com intuito de levar o leitor a adotar a postura tica e critica frente da situao colonial que o povo africano estava enfrentando, haja vista que a literatura africana nasce sob esse signo da reivindicao, em que existe a viso do cho histrico, sentido por esse povo. Essa linguagem literria trabalha exatamente com a cultura africana, dando voz aos personagens dentro dos contos, personagens estes, representando a situao colonial, sendo emblemas fortemente de luta e resistncia.O dilogo estabelecido entre os modos da cultural oral e os modos da cultura letrada realiza, ento, uma superao literria da dicotomia existente entre tradio e modernidade. Em termos sociais, tal sntese cultural pode se pensada como a superao da realidade de opresso tpica do colonialismo. (MARTIN, 2006, p.208)No ensaio Luuanda: Violncia e escrita, Tnia Macedo afirma que ser nos fins dos anos 50 e inicio dos 60 que a capital angolana se tornar o cenrio por excelncia dos textos angolanos, smbolo de resistncia e luta pela liberdade.Com efeito, percebemos que o conto Vav xixi e seu Neto Zeca Santos formaliza esteticamente a capital angolana, gerando imagens de resistncia e identidade, na medida em que o escritor seleciona personagens centrais da narrativa, uma mulher velha e uma criana que representam smbolos muito onipotentes de resistncia e identidade, pois dentro da cultura africana, a figura do idoso de extrema importncia, haja vista que responsvel por repassar conhecimentos ancestrais s geraes mais novas, possibilitando assim, a unio dos vivos aos antepassados.V-se ntida a imagem de identidade de Vav Xxi principalmente:Assim, quando vav adiantou sentir esses calores muito quentes e os ventos a no querer mais soprar como antigamente, os vizinhos ouviram-lhe resmungar talvez nem dois dias iam passar sem a chuva sair. Ora a manh desse dia nasceu com as nuvens brancas mangonheiras no princpio; negras e malucas depois a trepar em cima do musseque. E toda a gente deu razo em vav Xixi: ela tinha avisado, antes de sair embora na Baixa, a gua ia vir mesmo.(VIEIRA, 2006, p. 11)Todos os personagens na narrativa respeitam e admiram Vav Xxi e, com isso, seu lugar de honra visvel, de grande importncia para todos. H de dizer que esse aviso da chuva que se aproxima de relevncia, pois sempre quando ocorriam as chuvas, os musseques inundavam, ocasionando muitos estragos e as guas sujas traziam consigo doenas, contaminando os locais da regio atingidas pelas fortes chuvas:O musseque, nessa hora, parecia era uma sanzala no meio da lagoa, as ruas de chuva, as cubatas invadidas por essa gua vermelha e suja correndo caminho do alcatro que leva na Baixa ou ficando, teimosa, em cacimbas de nascer mosquitos e barulhos de rs. (VIEIRA, 2006, p.12) sem sombras de dvidas que com os musseques, que Luandino vieira consegue formalizar a capital angolana, pois nesse lugar, que vive em agrupamentos scias, todos aqueles que foram vtimas da tragdia colonial e que com o j foi dito no inicio dessa dissertao, exilados dentro de sua prpria terra, ocasionando perda de identidade,e partir desse vis, que Luandino na Elaborao de Luuanda consegue mostrar essa capital, mas no sob o vis da derrota e sim , sob a perspectiva de uma nova realidade que se aproxima.O hibridismo que no somente nesse conto, mas tambm nos demais que compe Luuanda, serve de grande marca da cultura africana, mesmo em contato com a lngua do colonizador, permanece viva e presente.O conto Estria da Galinha e do Ovo enforma esteticamente a soluo vislumbrada por Luandino Vieira para construo de uma nova realidade histrica para Angola, na medida quem o autor escolhe personagens centrais da narrativa, mulheres e crianas.

importante dizer que nesse conto, a figura do idoso questionada, diferentemente no primeiro conto, em que Vav tem seu lugar de honra dentro da cultura de seu povo. Primeiramente Vav Bebeca chamada para resolver a maka E se revela incapaz de resolv-la e ainda chama quatro outros personagens nada dignos para ajud-la na resoluo do impasse e com isso, ele lugar de honra colocado em voga. Analisemos quando a personagem fala:- Calma ento! A cabea fala, o corao ouve! Praqu ento, se insultar assim? Todas que esto falar no mesmo tempo, ningum que percebe mesmo. Fala cada qual, agente v quem tem a razo dela. Somos pessoas, sukua, no somos bichos! (VIEIRA, 2006, p. 111)Apesar de Vav Bebeca dizer um provrbio, dando todo um ar de que possui grande sabedoria, e que ser a pea chave para resolver o conflito, todos acabam se decepcionando, pois ela delega a resoluo do conflito a personagens do segmento do musseque,que no possuem uma dignidade confivel, at porque todos mesmo que de forma direta ou indireta queriam levar vantagem e ficar com o ovo.Vav Bebeca apresenta uma imagem de resistncia e identidade, ma medida em que ela uma moradora do musseque (Sambizanga), e esse elemento formal da narrativa representa uma forma de resistncia ao poder colonial e, conseqentemente, ou seus habitantes tambm. A personagem representa imagem de identidade, na medida em que ela apresentada como idosa e o idoso tem um lugar de honra na cultura africana. Apesar de a personagem representar uma imagem de resistncia e identidade, ela tambm representa alienao decorrente do sistema colonial, alienao esta devido ao fato da incapacidade de resolver o conflito e isso, ocasiona no rebaixamento do lugar de honra do idoso na cultura africana.Discurso Ps Colonialista em Baltazar LopesSegundo Thomas Bonnici, no ensaio Teoria e critica ps-colonialista, se no discurso denominado colonialista, o sujeito colonial no tem nenhum espao a partir do qual pode falar, uma vez que silenciado e oprimido pelo colonizador, e os que falam ou pensam fora dos parmetros do discurso dominante so apresentados como loucos ou reduzidos ao emudecimento, exemplo disso a lngua cortada do personagem Friday no romance Foe (1986), de J. M. Coetzee, smbolo do colonizado mudo por ato voluntario do colonizador. J no discurso ps-colonial dada voz a quem no tinha voz, ou seja, de objeto de fala passa a ser agente de sua prpria fala. Na medida em que o discurso passa a ser produzido sob a perspectiva do subjugado, emerge o que o estudioso chama de agncia:O colonizado fala quando se transforma num ser politicamente consciente que enfrenta o opressor. [...]. Materializa-se, portanto, o processo de agncia, seja a capacidade de algum executar uma ao livre e independentemente, vencendo os impedimentos processados na construo de sua identidade.(BONNICCI, 2005, p. 233)O Conto A caderneta formaliza esteticamente o discurso ps colonialista, na medida em que o discurso presente no conto vale-se da perspectiva de uma mulher cabo-verdiana, que passa a ser agente de sua prpria historia, que vem para dar voz as mulheres que sofriam o estigma da prostituio.Um fato importante que confirma que o discurso presente no conto ps colonialista, est no fato de que a personagem principal que conta a historia, no d voz ao doutor na narrativa, pois o mesmo representa a camada social de prestgio e , simbolicamente a camada do opressor, do dominante.O senhor doutor vai com pressa? Mas o senhor doutor vai atender minha razo: No verdade? Senhor doutor no me deixe desamparada! Eu lhe conto. Aquela gente a no porto da Companhia? No faz diferena. Sabe, senhor doutor, eu j no tenho idade para comprometer ningum. Palavra! Por esta luz divina Nem idade, nem fora, nem gag... (LOPES, 1987, p.15) A narrativa um tanto digressiva e a narradora quer a qualquer custo convencer o doutor e se livrar da caderneta, que simbolizava humilhao para as mulheres de Cabo Verde. Nota-se que esse narrador agente de sua prpria historia, na medida em que realiza seu discurso sobre seu ponto de vista. Essa narradora no discrimina a prostituio, pelo contrario explica o motivo do porque as mulheres cabo verdianas se prostituta, devido a questo do fechamento do porto em Cabo Verde. O governo legitima a profisso de prostituta e instaura a caderneta. Sob o Vis da reivindicao de no adeso a essa caderneta ( ficha limpa para poder exercer a profisso) que a narrativa se constri e o discurso dessa mulher volta-se para esse aspecto de ser sujeito agente, aquele q tem voz dentro da sociedade e quer, no caso, mudar o estigma da prostituio que est sofrendo, pois a mesma no prostitua, afirmando categoricamente:No nego, senhor doutor, no posso negar. Naquele dia recebi um homem. Era um estrangeiro, creio que era sueco, ou Noruega, dum vapor que tinha chegado ao porto. (LOPES, 1987, p. 16)De fato o conto representa forte imagem de denuncia social das condies de explorao no s da mulher como tambm da sociedade cabo-verdiana como um todo.Portanto, o referido conto importante dentro dos estudos culturais tendo em vista seu lado esttico e, sobretudo, denunciante das mazelas sociais dos povos das regies da africana. Sua leitura imprescindvel a qualquer pessoa interessada em uma literatura oriunda de situao ps -colonizao que aborda tematicamente e esteticamente processo de reivindicao no s pela libertao poltica bem como condies de sobrevivncia nessas terras colonizadas.BibliografiaBONNICCI, Thomas; ZOLIN, Lcia Osana (org.). Teoria e crtica ps-colonialistas. In: Teoria Literria: abordagens histricas e tendncias contemporneas. 2. ed. Maring: EDUEM, 2005. _________________. O ps-colonialismo e a literatura: estratgias de leitura. Maring: EDUEM, 2000.SAID, Eduard. Reflexes sobre o exlio e outros ensaios. Trad. Pedro Maia Soares. So Paulo: Companhia das Letras, 2003. p.46-60.CHAVES, Rita; Macdo, Tania. Marcas da diferena: as literaturas africanas de lngua portuguesa. So Paulo: Alameda, 2006. VIEIRA, Jos Luandino. Luuanda : estrias. So Paulo: Companhia das Letras, 2006. Almir dos Santos

Resumo: Sabemos que a literatura Africana uma literatura recente, de uma definio ainda em construo e que possui grande importncia para a sociedade da Angolana, Cabo Verde, Moambique, Guin Bissau, que serviu para o processo de reivindicao da libertao do povo africano das marcas do colonizador portugus. O presente trabalho procura identificar o engajamento literrio que dois contos do livro Luuanda apresentam, sobretudo, as diferenas das marcas de reivindicao e como se d o discurso ps-colonialista em Baltazar Lopes no conto A Caderneta. Utilizaremos tericos como Thomas Bonnici (2005) que trata sobre o discurso ps-colonialista, bem como Vima (2006) que faz meno dos contos de Luuanda, enfocando os aspectos estticos e ticos, para entendermos como os personagens representam a sociedade africana, revelando os nveis de desgraada e misria, resultante ao processo de colonizao e, tambm o saber ancestral como pea chave, nessa intensa imagem de luta e resistncia que os mussesques e personagens simbolizam nas narrativas.Palavras Chave: Discurso ps-colonialista libertao saber ancestral1. IntroduoA Literatura Africana de Lngua Portuguesa fortemente marcada pelo processo de reivindicao de libertao poltica, econmica, sobretudo cultural e, sob esse ponto percebemos um lado utilitrio, que a mesma apresenta, porm, isso no foi motivo para que considerar uma literatura de baixa qualidade, pois que os escritores deste perodo, como exemplo, um dos escopos desse ensaio, Luandino Vieira, trouxe grande contribuio no sentido da reflexo em torno de alguns elementos para se pensar, como o exlio que o povo angolano sofreu devido s marcas da colonizao de Portugal e tambm, a situao de luta e resistncia desse mesmo povo que ansiava por uma realidade prspera. H ainda de mencionar a perspectiva do discurso colonialista dessa literatura em Luandino viera, em que o narrador tenta dar voz aos moradores dos musseques, para que tenham conscincia das marcas da colonizao e juntos consigam uma sociedade africana justa e igualitria. Sob esse Vis do Exlio, Edwar Said em seu ensaio Reflexes sobre o exlio faz uma colocao muito importante:Chegamos ao nacionalismo e a sua associao essencial ao exlio. O nacionalismo uma declarao de pertencer a um lugar, a um povo, a uma herana cultural. Ele afirma uma ptria criada por uma comunidade de lngua, cultura e costumes e, ao faz-lo, rechaa o exlio, luta para evitar seus estragos. Com efeito, a interao entre nacionalismo e exlio como a dialtica helegiana do senhor e escravo, opostos que informam e constituem um ao outro. (SAID, 2003, p. 49)A viso de Said deixa clara a idia de que a condio de exilado, algum que est afastado de sua terra, no caso os africanos diferente, pois so exilados dentro de sua prpria terra, devido ao fato da colonizao, na medida em que no tem voz dentro da sociedade e so marginalizados, sendo vistos como objetos, ou seja, fontes lucrativas de trabalho escravo, e no como sujeitos agentes de sua prpria histria. Aflora-se um instinto de nacionalismo e exatamente isso que Luandino Vieira faz ao escrever principalmente o livro Luunda, com intuito de defender sua ptria, valendo do recurso literrio e esttico, que permitiu com que fizesse denuncia social da poca, mas tambm, o teor revolucionrio que os contos desse livro apresentam intensamente, uns mais outros menos.De acordo com Vima Lia, dois aspectos so importantes para realizarmos uma leitura de Luuanda: a idia de que a literatura exige um posicionamento de quem l, ou seja, uma avaliao critica e uma formulao de um juzo de valor, que faz da leitura fundamentalmente uma atitude tica em que fala Se bonita, se feia, vocs quem sabem. Eu s juro no falei mentira e estes casos passaram nesta nossa terra da Luanda. (p.132)Esse Final no conto estria da galinha e do ovo muito sagaz, cujo narrador pede que o leitor avalie a estria. Essa avaliao no se d somente no ngulo esttico, ou seja, o narrador no pede que o leitor avalie a narrativa somente como obra literria, mas pede tambm um posicionamento tico desse leitor, que deve concordar com os valores que ela veicula, e em ultimo caso, interioriz-los e coloc-los em pratica; ou discordar da ideologia que a narrativa sustenta.No ensaio tica e compromisso em Luuanda, Vima Lia de Rossi afirma:Na linguagem recriada por Luandino Vieira, a incorporao da dico autctone, revela-se como uma espcie de fora vital dinamizadora de sentidos [...] No Contexto histrico, a atualizao dessa forma oral cristalizada, de grande valor tico e expressivo na cultura tradicional angolana, deve ser compreendida no como afirmao de verdades sedimentadas, e sim, como a possibilidade de afirmao de novas verdades afinadas com as demandas daquele presente histrico. (2003, p.49)A linguagem literria de Luandino Vieira, apesar de ser rica em questes estticas, apresenta uma dimenso utilitria, justamente no quesito da reivindicao de libertao do povo africano do colonialismo portugus. A mistura do quimbundo com o portugus proposital dentro de seus contos, para mostrar a idia de que, mesmo com o hibridismo da linguagem, o dialeto do povo africano resistiu e permanece vivo como smbolo da resistncia. Nos textos desse escritor, h um engajamento na medida em que se vale da representao dos musseques e personagens contraditrios, com intuito de levar o leitor a adotar a postura tica e critica frente da situao colonial que o povo africano estava enfrentando, haja vista que a literatura africana nasce sob esse signo da reivindicao, em que existe a viso do cho histrico, sentido por esse povo. Essa linguagem literria trabalha exatamente com a cultura africana, dando voz aos personagens dentro dos contos, personagens estes, representando a situao colonial, sendo emblemas fortemente de luta e resistncia.O dilogo estabelecido entre os modos da cultural oral e os modos da cultura letrada realiza, ento, uma superao literria da dicotomia existente entre tradio e modernidade. Em termos sociais, tal sntese cultural pode se pensada como a superao da realidade de opresso tpica do colonialismo. (MARTIN, 2006, p.208)No ensaio Luuanda: Violncia e escrita, Tnia Macedo afirma que ser nos fins dos anos 50 e inicio dos 60 que a capital angolana se tornar o cenrio por excelncia dos textos angolanos, smbolo de resistncia e luta pela liberdade.Com efeito, percebemos que o conto Vav xixi e seu Neto Zeca Santos formaliza esteticamente a capital angolana, gerando imagens de resistncia e identidade, na medida em que o escritor seleciona personagens centrais da narrativa, uma mulher velha e uma criana que representam smbolos muito onipotentes de resistncia e identidade, pois dentro da cultura africana, a figura do idoso de extrema importncia, haja vista que responsvel por repassar conhecimentos ancestrais s geraes mais novas, possibilitando assim, a unio dos vivos aos antepassados.V-se ntida a imagem de identidade de Vav Xxi principalmente:Assim, quando vav adiantou sentir esses calores muito quentes e os ventos a no querer mais soprar como antigamente, os vizinhos ouviram-lhe resmungar talvez nem dois dias iam passar sem a chuva sair. Ora a manh desse dia nasceu com as nuvens brancas mangonheiras no princpio; negras e malucas depois a trepar em cima do musseque. E toda a gente deu razo em vav Xixi: ela tinha avisado, antes de sair embora na Baixa, a gua ia vir mesmo.(VIEIRA, 2006, p. 11)Todos os personagens na narrativa respeitam e admiram Vav Xxi e, com isso, seu lugar de honra visvel, de grande importncia para todos. H de dizer que esse aviso da chuva que se aproxima de relevncia, pois sempre quando ocorriam as chuvas, os musseques inundavam, ocasionando muitos estragos e as guas sujas traziam consigo doenas, contaminando os locais da regio atingidas pelas fortes chuvas:O musseque, nessa hora, parecia era uma sanzala no meio da lagoa, as ruas de chuva, as cubatas invadidas por essa gua vermelha e suja correndo caminho do alcatro que leva na Baixa ou ficando, teimosa, em cacimbas de nascer mosquitos e barulhos de rs. (VIEIRA, 2006, p.12) sem sombras de dvidas que com os musseques, que Luandino vieira consegue formalizar a capital angolana, pois nesse lugar, que vive em agrupamentos scias, todos aqueles que foram vtimas da tragdia colonial e que com o j foi dito no inicio dessa dissertao, exilados dentro de sua prpria terra, ocasionando perda de identidade,e partir desse vis, que Luandino na Elaborao de Luuanda consegue mostrar essa capital, mas no sob o vis da derrota e sim , sob a perspectiva de uma nova realidade que se aproxima.O hibridismo que no somente nesse conto, mas tambm nos demais que compe Luuanda, serve de grande marca da cultura africana, mesmo em contato com a lngua do colonizador, permanece viva e presente.O conto Estria da Galinha e do Ovo enforma esteticamente a soluo vislumbrada por Luandino Vieira para construo de uma nova realidade histrica para Angola, na medida quem o autor escolhe personagens centrais da narrativa, mulheres e crianas. importante dizer que nesse conto, a figura do idoso questionada, diferentemente no primeiro conto, em que Vav tem seu lugar de honra dentro da cultura de seu povo. Primeiramente Vav Bebeca chamada para resolver a maka E se revela incapaz de resolv-la e ainda chama quatro outros personagens nada dignos para ajud-la na resoluo do impasse e com isso, ele lugar de honra colocado em voga. Analisemos quando a personagem fala:- Calma ento! A cabea fala, o corao ouve! Praqu ento, se insultar assim? Todas que esto falar no mesmo tempo, ningum que percebe mesmo. Fala cada qual, agente v quem tem a razo dela. Somos pessoas, sukua, no somos bichos! (VIEIRA, 2006, p. 111)Apesar de Vav Bebeca dizer um provrbio, dando todo um ar de que possui grande sabedoria, e que ser a pea chave para resolver o conflito, todos acabam se decepcionando, pois ela delega a resoluo do conflito a personagens do segmento do musseque,que no possuem uma dignidade confivel, at porque todos mesmo que de forma direta ou indireta queriam levar vantagem e ficar com o ovo.Vav Bebeca apresenta uma imagem de resistncia e identidade, ma medida em que ela uma moradora do musseque (Sambizanga), e esse elemento formal da narrativa representa uma forma de resistncia ao poder colonial e, conseqentemente, ou seus habitantes tambm. A personagem representa imagem de identidade, na medida em que ela apresentada como idosa e o idoso tem um lugar de honra na cultura africana. Apesar de a personagem representar uma imagem de resistncia e identidade, ela tambm representa alienao decorrente do sistema colonial, alienao esta devido ao fato da incapacidade de resolver o conflito e isso, ocasiona no rebaixamento do lugar de honra do idoso na cultura africana.Discurso Ps Colonialista em Baltazar LopesSegundo Thomas Bonnici, no ensaio Teoria e critica ps-colonialista, se no discurso denominado colonialista, o sujeito colonial no tem nenhum espao a partir do qual pode falar, uma vez que silenciado e oprimido pelo colonizador, e os que falam ou pensam fora dos parmetros do discurso dominante so apresentados como loucos ou reduzidos ao emudecimento, exemplo disso a lngua cortada do personagem Friday no romance Foe (1986), de J. M. Coetzee, smbolo do colonizado mudo por ato voluntario do colonizador. J no discurso ps-colonial dada voz a quem no tinha voz, ou seja, de objeto de fala passa a ser agente de sua prpria fala. Na medida em que o discurso passa a ser produzido sob a perspectiva do subjugado, emerge o que o estudioso chama de agncia:O colonizado fala quando se transforma num ser politicamente consciente que enfrenta o opressor. [...]. Materializa-se, portanto, o processo de agncia, seja a capacidade de algum executar uma ao livre e independentemente, vencendo os impedimentos processados na construo de sua identidade.(BONNICCI, 2005, p. 233)O Conto A caderneta formaliza esteticamente o discurso ps colonialista, na medida em que o discurso presente no conto vale-se da perspectiva de uma mulher cabo-verdiana, que passa a ser agente de sua prpria historia, que vem para dar voz as mulheres que sofriam o estigma da prostituio.Um fato importante que confirma que o discurso presente no conto ps colonialista, est no fato de que a personagem principal que conta a historia, no d voz ao doutor na narrativa, pois o mesmo representa a camada social de prestgio e , simbolicamente a camada do opressor, do dominante.O senhor doutor vai com pressa? Mas o senhor doutor vai atender minha razo: No verdade? Senhor doutor no me deixe desamparada! Eu lhe conto. Aquela gente a no porto da Companhia? No faz diferena. Sabe, senhor doutor, eu j no tenho idade para comprometer ningum. Palavra! Por esta luz divina Nem idade, nem fora, nem gag... (LOPES, 1987, p.15) A narrativa um tanto digressiva e a narradora quer a qualquer custo convencer o doutor e se livrar da caderneta, que simbolizava humilhao para as mulheres de Cabo Verde. Nota-se que esse narrador agente de sua prpria historia, na medida em que realiza seu discurso sobre seu ponto de vista. Essa narradora no discrimina a prostituio, pelo contrario explica o motivo do porque as mulheres cabo verdianas se prostituta, devido a questo do fechamento do porto em Cabo Verde. O governo legitima a profisso de prostituta e instaura a caderneta. Sob o Vis da reivindicao de no adeso a essa caderneta ( ficha limpa para poder exercer a profisso) que a narrativa se constri e o discurso dessa mulher volta-se para esse aspecto de ser sujeito agente, aquele q tem voz dentro da sociedade e quer, no caso, mudar o estigma da prostituio que est sofrendo, pois a mesma no prostitua, afirmando categoricamente:No nego, senhor doutor, no posso negar. Naquele dia recebi um homem. Era um estrangeiro, creio que era sueco, ou Noruega, dum vapor que tinha chegado ao porto. (LOPES, 1987, p. 16)De fato o conto representa forte imagem de denuncia social das condies de explorao no s da mulher como tambm da sociedade cabo-verdiana como um todo.Portanto, o referido conto importante dentro dos estudos culturais tendo em vista seu lado esttico e, sobretudo, denunciante das mazelas sociais dos povos das regies da africana. Sua leitura imprescindvel a qualquer pessoa interessada em uma literatura oriunda de situao ps -colonizao que aborda tematicamente e esteticamente processo de reivindicao no s pela libertao poltica bem como condies de sobrevivncia nessas terras colonizadas.BibliografiaBONNICCI, Thomas; ZOLIN, Lcia Osana (org.). Teoria e crtica ps-colonialistas. In: Teoria Literria: abordagens histricas e tendncias contemporneas. 2. ed. Maring: EDUEM, 2005. _________________. O ps-colonialismo e a literatura: estratgias de leitura. Maring: EDUEM, 2000.SAID, Eduard. Reflexes sobre o exlio e outros ensaios. Trad. Pedro Maia Soares. So Paulo: Companhia das Letras, 2003. p.46-60.CHAVES, Rita; Macdo, Tania. Marcas da diferena: as literaturas africanas de lngua portuguesa. So Paulo: Alameda, 2006. VIEIRA, Jos Luandino. Luuanda : estrias. So Paulo: Companhia das Letras, 2006.