Variações

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Tarquínio Hall VARIAÇÕES 1945 TIPOGRAFIA FUNCHAL MADEIRA

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Primeiro livro publicado por Tarquínio Hall em 1945

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Tarquínio Hall

VARIAÇÕES

1945 TIPOGRAFIA FUNCHAL

MADEIRA

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VARIAÇÕES

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EM PREPARAÇÃO

Economia e História (temas coloniais)

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Tarquínio Hall

VARIAÇÕES

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A Meus pais

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CANÇÃO Ilha maravilha Esta linda ilha Serras altaneiras Deixando correr ribeiras Sob um túnel de verdura… - Paisagem luxuriosa Vestindo os montes, vaidosa, D’uma capa de verde escura

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Ondulações Irregulares Que inspiram canções Populares… Montes e outeiros Formando cumeadas E desfiladeiros De silhuetas rendadas… Encostas relvada Multicores

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Semeadas De casas e de flores… Vertentes Transpirando Nascentes Que se vão ligando - Medrando… Água que corre, gaiata Muito branca, cor de prata Cabriolando E cantando

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Em cachões divinais Por arroios sinuosos Por riachos tortuosos Por ribeiras sensuais… - Verdadeira Maravilha, Esta ilha Da Madeira! Toda um jardim em flor A flutuar no mar, A segredar

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Canções d’amor E a ostentar A tela Mais bela Que Deus quis pintar!...

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FADO Esses lábios desbotados De tanta noite perdida, Por mais pintados que’stejam Não mentem a tua vida… São sentinelas dormentes Duma boca que consente, No disfarce de um desejo, A boca de toda a gente.

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HIPOCRISIA Dobraria o teu penar Em cada frase que pinto, Se te fosse a confessar Toda a verdade que minto… Porque as letras que desenho, Sem caneta e sem papel, São desejos que não tenho, São escárnios de Babel…

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CANTIGA Se queres ser feliz na vida Faz como as ondas do mar: Não desejes quem procuras, Procura quem te encontrar… O céu tem tantas estrelas, Todas brancas a brilhar. Dão mais brilho todas elas Quando brilham par a par.

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Procurei um dia a sorte, Procurei até cansar… A sorte que eu procurava Encontrei-a sem contar.

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MEDITAÇÃO As ondas, O mar… Uma após outra Sempre a marulhar, Sempre a marulhar!... Quem me dera saber Compreender, Adivinhar

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O teu segredo! Muitas vezes Deitado Ao teu lado, Começo a olhar, A cismar, A cismar… Mas desisto sempre Sem chegar A compreender, A adivinhar O teu segredo!

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CONTRADIÇÃO Adoro-te tanto, tanto, Que até chego a recear Que te deixa possuir, Que passes a ser vulgar… Porque em geral Todo o encanto Só dura enquanto Não é banal.

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Eu queria adorar-te sempre! Nega-me o teu amor! – Mente!

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FANTASIA Às vezes acordo E sonho acordado Que durmo outro sono Contigo ao meu lado… E porque mantenho A cara coberta E os olhos fechados, Eu julgo que tenho

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Na boca deserta Teus lábios colados… Só tenho medo Que a madrugada Transforme em nada Tão doce enlevo! Mas pode a luz do dia Cegar a fantasia De quem anseia amar!?...

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INTROSPEÇÃO Visão fantástica dum outro ser! Espectro divino Que tu compreendes, Mas que eu não sei compreender: Deus! Os teus olhos E os meus Choraram um dia juntos

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Defronte da mesma cruz; Mas eu não sabia ver Nem podia compreender Essa força divina Que embalava o nosso pranto… . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Um vago arrependimento Pairou por sobre o meu passado… E ao reparar em mim mesmo Senti, a partir desse momento, Que uma vida nova havia começado!

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TELEVISÃO Ficaste tão triste, tão dolente, Naquela noite em que me topaste A sonhar… a sonhar com toda a gente!... Passava da meia noite: um céu sem estrelas: Uma lua nova afogada nas nuvens. Que belas As figuras que eu pintava no quadro preto da distância! Olhaste-me, pasmada, sem poder compreendê-las!

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E eu, alucinado, sentia na tua ânsia O desejo de também poder vivê-las Ah! Como seria belo se essa noite não findasse E mais tarde a madrugada não revelasse A esplêndida loucura do meu sonho maravilha!

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DÚVIDA Às vezes procuro, sozinho na noite, Sozinho na noite, olhando as estrelas, Procuro e encontro, voltado p’ra elas, Incerta na noite a sombra que sou… E sinto um incompreensível calafrio Ao debruçar-me nesse abismo colossal!

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E pasmo ao reparar que ainda existo Na vastidão incomensurável desse mesmo abismo! - Mas não seria melhor não existir Ou existir mas mais incompletamente?

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ALUCINAÇÃO Olho o passado; olho o presente e não sou eu… Uma luta sem luta afogou-se numa existência sem vida!... E eu que ainda fui forte, que ainda quis lutar, Senti-me vencido nessa luta sem vida!... Ah! Quem me dera ter o teu musculo, a tua febre de viver. Saber ensimesmar-me, como dantes, no teu mundo à parte! E era criminoso, e era sábio, e era herói, sem que tu e os outros se apercebessem disso.

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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . E no fundo éramos iguais; - Só na aparência diferentes…

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DESÂNIMO Continuar nesta vida, Como um condenado, A olhar sem ver e a presenciar sem querer E sem poder As humilhações do destino… Continuar nesta luta desigual Que já não posso vencer

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- E que sei que já não posso vencer… Temer um ponto final Em cada instante que vem. É cruciante Para quem não tem No mundo Outra amante Senão a própria vida!

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SNOBISMO O teu snobismo é um espirro de mulher devassa. É o sentir num desejo que morre a alegria de o viver. É a luta inglória entre o querer e o não poder. É o eco duma gargalhada quando essa gargalhada passa… Porque representas essa comédia horrível a toda a gente que passa na rua? Porque tentas no disfarce do impossível Exibir uma máscara que não é tua?

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Tem tanto de jocoso e de escarninho Esse figurino que trazes sempre em cena, Que se acaso te topo no caminho nem sei bem se hei-de rir se hei-de ter pena…

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CARTA Não me voltes a escrever Acredita que te minto se tiver que responder. Não me obrigues a fingir Mais uma vez Uma afeição que não sinto E que talvez Nunca mais venha a sentir.

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Às vezes ainda tento Conservar-te na lembrança Se me vens ao pensamento; E faço um esforço incrível Na maravilhosa esperança De vencer o impossível Mas mais fortes que o meu querer São uns olhos que me odeiam, Que faíscam, que incendeiam, E que eu não posso esquecer

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REALIDADE O meu pensamento hesita, cambaleante, Entre a tua apatia e o meu nada querer, É a desilusão d’um beijo, já muito repetido, É a febre d’um desejo e o desejo de o não ter… E eu que sou o intervalo do teu sonho oculto Vivo no pensamento o cais da tua inconstância E na tua inconstância a veleidade d’um momento - Momento que para quando paras de viver.

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Ah! Se eu pudesse ser ontem, e tu amanhã, Talvez fosses minha! e partiria contigo, Sempre que partes sem eu saber p’ra onde!

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CIÚME Se quando me beijas d’olhos cerrados E me apertas, como louca, contra o peito, No delírio d’um desejo insatisfeito – Fosse a mim e só a mim que tu beijasses, - Serias o meu amor! Mas a tua imaginação não para na minha boca E eu vivo a nostalgia duma boca que me beije! E tu vives a nostalgia duma boca que desejas!

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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Raciocínio: entrechocam-se realidades… E olho com ternura essa mulher bacante Que sabe guardar na distância do impossível, Uma eterna fidelidade ao seu sonhado amante.

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RETROSPEÇÃO Sozinho no meu quarto, Um cubículo imundo e sem janelas - Um palácio para o meu entendimento, Vou escrevendo subconscientemente Recordações confusas, baralhadas, Mutiladas pelo tempo, - Restos moribundos d’outras noites de Natal Que ainda relembro vagamente… Mas este papel é horrivelmente transparente

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E eu vejo através da sua transparência Que as palavras fogem mal acabo de escrevê-las Para uma distância que não posso calcular… E sinto-as, sem reparar que estou a vê-las! E vivo-as, sem que possa acompanhá-las E sofro ao reparar na distância colossal Que separa este quarto da minha noite de Natal.

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SINFONIA

I

Chuvisca. Venta. Na noite que se avizinha Há uma sinfonia de Beethoven, Mas uma sinfonia sem ritmo, Em que as notas somos nos todos, - Todos os que medram na incerteza E morrem na ilusão… Mas nós queríamos ser o ritmo d’uma outra sinfonia, D’uma sinfonia imensa, Com biliões de notas,

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- D’uma sinfonia universal, humana, Em que se cantasse a alegria de viver

II Inverna. Noite. O vento açoita a natureza. E em cada rajada há ciúmes de “peckinois” Deitados em colchões de luxo… E os homens que não encontraram ainda O ritmo da sua melodia, Vivem na alucinação d’um sonho a ressurreição De Cristo… E sentem-se irmãos! E amam-se como irmãos! Mas uma rabanada mais forte transporta-os novamente Para as suas casas sem paredes nem telhados… Olham-se: meditam. E em cada lágrima que escorre há um romance de Dostoievsky!

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ANSIEDADE Porque me fazes sombra E atropelas no caminho Sempre que quero chegar mais além? - Será porque vou sozinho!?... Mas não sabes que sozinho Nunca puderei alcançar Essa terra bendita onde vive o outro eu? Dá-me a alegria de morrer exausto! Dá-me liberdade, - deixa-me passar!

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Eu quero ser um eterno peregrino. Eu quero percorrer o Universo inteiro Em busca d’outros homens Que me queiram compreender! Mas… onde está o Universo? Onde estão os outros homens? Ah – ah – ah – ah – ah – ah - Pulhas! Pulhas que me odeiam, Que me fazem sombra

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E atropelam no caminho Só porque anseio para toda a gente Mais luz, mais claridade, Mais vida, menos dor Menos ansiedade E mais amor!

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Última página A

Margarida E

Ana Telles de Freitas

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Índice

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Pag. Canção ………………………………………………………………….13 Fado ……………………………………………………………………..19 Hipocrisia ………………………………………………………………20 Cantiga ………………………………………………………………….21 Meditação ………………………………………………………….…23 Contradição …………………………………………………………..25 Fantasia ………………………………………………………………..29 Televisão ……………………………………………………………….31 Dúvida …………………………………………………………………..33 Alucinação ………………………………………………………….…35 Desânimo …………………………………………………………..…37 Snobismo ……………………………………………………………...39 Carta …………………………………………………………………….41 Realidade ………………………………………………………………43 Ciúme ……………………………………………………………………45 Retrospeção ……………………………………………………….…47 Sinfonia ………………………………………………………………...49 Ansiedade …………………………………………………………….51

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Este livro acabou de imprimir-se aos 4

Dias do mês de Maio de 1945, na

“Tipografia Funchal”

Madeira

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Publicado na internet no blog da Biblioteca Museu Tarquínio Hall por Vítor Paulo Fernandes em 10 de Setembro de 2014.

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Biblioteca Museu

Tarquínio Hall

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