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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA VANESSA DE OLIVEIRA VICENTE A JUSTIÇA TRIBUTÁRIA PRATICADA NA INSTÂNCIA JUDICIÁRIA: HERMENÊUTICA OU ARGUMENTAÇÃO MOTIVADA CURITIBA 2018

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

VANESSA DE OLIVEIRA VICENTE

A JUSTIÇA TRIBUTÁRIA PRATICADA NA INSTÂNCIA JUDICIÁRIA: HERMENÊUTICA OU ARGUMENTAÇÃO MOTIVADA

CURITIBA 2018

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VANESSA DE OLIVEIRA VICENTE

A JUSTIÇA TRIBUTÁRIA PRATICADA NA INSTÂNCIA JUDICIÁRIA: HERMENÊUTICA OU ARGUMENTAÇÃO MOTIVADA

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Centro Universitário Curitiba.

Orientador: Maurício Dalri Timm do Vale

CURITIBA 2018

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VANESSA DE OLIVEIRA VICENTE

A JUSTIÇA TRIBUTÁRIA PRATICADA NA INSTÂNCIA JUDICIÁRIA: HERMENÊUTICA OU ARGUMENTAÇÃO MOTIVADA

Monografia aprovada como requisite parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Faculdade de Direito de Curitiba, pela Banca

Examinadora formada pelos Professores:

Orientador: __________________________

___________________________ Prof. Membro da Banca

Curitiba, de de 2018.

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RESUMO O presente trabalho objetiva visitar a doutrina que trata sobre as principais técnicas de interpretação e argumentação jurídica da atualidade. Ambas são ferramentas são utilizadas no dia-a-dia forense, por advogados e magistrados. A importância de seu estudo se dá pelo fato de que, é por meio delas, que as decisões são tomadas e explicadas. Suas manifestações também serão analisadas na prática, utilizando decisões recentes, em matéria tributária, serão mapeadas as principais técnicas que os Ministros do STF utilizam. Com base nas técnicas identificadas, quando possível, será identificado a existência de alguma motivação extrajurídica, para ao fim, traçar as possíveis consequências dos julgados. Palavra-chave: interpretação, argumentação, consequências.

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SUMÁRIO

RESUMO......................................................................................................................4

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 5

2 A INTERPRETAÇÃO ............................................................................................... 6

2.1 INTERPRETAÇÃO GRAMATICAL OU LITERAL .................................................. 9

2.2 INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA ..................................................................... 11

2.3 INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA .................................................................... 13

2.4 INTERPRETAÇÃO INTENCIONALISTA ............................................................. 15

2.5 INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA ......................................................................... 21

3 A ARGUMENTAÇÃO ............................................................................................. 24

3.1 ARGUMENTAÇÃO LÓGICO DEDUTIVA E NÃO DEDUTIVA ............................. 26

3.2 ARGUMENTAÇÃO CONSEQUENCIALISTA ...................................................... 32

3.3 ARGUMENTAÇÃO DIALÉTICA E RETÓRICA ................................................... 42

3.4 OUTRAS TÉCNICAS DE ARGUMENTAÇÃO ..................................................... 51

3.5 LEI COMPLEMENTAR Nº 95, DE 1998 .............................................................. 53

4 ANALISES .............................................................................................................. 57

4.1 REXT 593.849/MG x ADI 1851/AL ...................................................................... 57

4.2 REXT 574.706/PR .............................................................................................. 65

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 73

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 77

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho buscará analisar as técnicas de interpretação e

argumentação jurídica aplicadas às normas tributárias nas decisões dos tribunais

superiores, com o objetivo de compreender seus elementos.

Entendemos como interpretação a busca de sentido das normas, para posterior

subsunção dos fatos e a argumentação como a tentativa de demonstrar que a

interpretação que se obteve é a mais correta, devendo ser acatada. Esta última exige

mais energia para que a construção da estrutura argumentativa consiga aderência do

interlocutor.

A metodologia utilizada é a do estudo e sintetização das principais técnicas

interpretativas e argumentativas para, então, verificar como estas se manifestam nos

julgados que, por sua vez, foram escolhidos entre os de maior relevância proferidos

recentemente.

Desde que foi abandonada a figura do juiz boca da lei, a interpretação e a

argumentação são essenciais para um bom deslinde das questões levadas ao apreço

do judiciário. Enquanto a interpretação possibilita identificar normas que devem ser

excluídas do sistema, por se incompatível com este ou não se mostrarem realizadoras

do objetivo de sua criação, a argumentação possibilita transmitir estas ideias de forma

a se obter a total aderência daqueles que podem decidir. Desta forma, a interpretação

e a argumentação são criadoras da realidade.

As técnicas interpretativas e argumentativas aqui estudadas, no entanto, são

as utilizadas pelas pessoas com poder de decisão sobre o fato. Estes, além de

analisar todas as argumentações apresentadas, devem fazer a sua própria

interpretação destas e, por fim, argumentar de forma a justificar a sua decisão.

Além de identificar as técnicas empregadas, haverá uma tentativa de entender

suas as implicações práticas.

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2 A INTERPRETAÇÃO

A atividade interpretativa visa obter entendimento da norma posta, para então

demonstrar que determinado fato se subsumi ou para balizar determinada conduta.

Para Karl Engisch interpretar é “fornecer ao jurista o conteúdo e o alcance (extensão)

dos conceitos jurídicos”1.

Conforme Engisch, a atividade interpretativa nem sempre foi permitida aos

juízes, havia ainda concepção de que as normas deveriam ser de tal forma objetivas

e claras que não fosse necessário o esforço da interpretação. Com o passar do tempo,

tal rigor se mostrou impraticável, as leis não alcançaram o grau de perfeição suficiente

para serem aplicadas a todos os casos possíveis e, com a evolução sócio-política,

mesmo o comando de estrita vinculação com a lei deixou de ser exigido2. No entanto,

conforme o autor, estamos em um momento em que a lei deve ser respeitada, mas,

para interpreta-la é lícito buscar elementos externos, em suas palavras:

A situação actual é a seguinte: a vinculação à lei dos tribunais e das autoridades administrativas não está tão reduzida quanto, no começo do nosso século, a chamada Escola do Direito Livre considerou ser inevitável e correcto; está-o todavia em certa medida e de modo a obrigar-nos a orientar as nossas considerações metodológicas noutras direções e por outras vias.3

Ainda para o autor, a atividade do interprete perante o caso concreto é dotada

de grande complexidade, uma vez que para cada fato da vida não há necessariamente

uma norma que determine as suas consequências, mas são diversas normas

relacionadas que devem ser interpretadas conjuntamente, neste sentido:

Uma primeira e mais complicada tarefa de que o jurista tem de se desempenhar para obter a partir da lei a premissa maior jurídica consiste em reconduzir a um todo unitário os elementos ou partes de um pensamento jurídico-normativo completo que, por razões <<técnicas>>, se encontram dispersas – para não dizer violentamente separadas. Mais exatamente, é tarefa do jurista reunir e conjugar pelo menos aquelas partes constitutivas do pensamento jurídico-normativo que são necessárias para a apreciação e decisão do caso concreto.4

1 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 3ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1964, p. 102. 2 Idib., p. 170-171. 3 Idib., p. 172. 4 Idib., p. 93.

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Considerando esta complexidade, o emprego de técnicas de interpretação é

fundamental. Inclusive, como se verá, a depender da técnica utilizada, a interpretação

de determinada norma, poderá ter resultados diferentes. Exemplificamos. O emprego

da interpretação sistemática, que se baseia na coerência das normas do sistema

jurídico, poderá obter entendimento diverso, sobre o mesmo fato, do que a

interpretação gramatical, uma vez que esta busca, apenas, na norma em análise os

elementos necessários para determinar qual conduta deve ser adotada.

A possibilidade de resultados distintos, conforme a técnica interpretativa

escolhida, foi identificada por Engisch, para o autor, uma possível resolução do

impasse seria o emprego de mais de uma técnica.

Quando Savigny diz que os elementos gramatical, lógico, histórico e sistemático não constituem <<quatro espécies de interpretação de entre as quais podemos escolher conforme o nosso gosto e arbítrio, mas diversas atividades que devem intervir conjuntamente para que se possa chegar a uma interpretação lograda>>, o que ele faz é passar por cima do problema com uma formulação hábil. Nós temos de contar com a possibilidade de os diferentes métodos conduzirem a resultados contraditórios, com a possibilidade de, por exemplo, o sentido verbal nos encaminhar numa determinada direção e a coerência sistemática ou a génese histórica do preceito numa outra.5

Para Karl Engisch, os métodos de interpretação podem ser divididos em:

[...] interpretação segundo o teor verbal (a interpretação <<gramatical>>), a interpretação com base na coerência (conexidade) lógica (a interpretação <<lógica>> ou <<sistemática>>, que se apoia na localização de um preceito no texto da lei e na sua conexão com outros preceitos), a interpretação a partir da conexidade histórica, particularmente a baseada na <<história da gênese do preceito>>, e finalmente a interpretação baseada na ratio, no fim, no <<fundamento>> do preceito (a interpretação <<teleológica>>).6

Para Carlos Maximiliano a divisão da interpretação é imprópria, pois, conforme

o autor, há apenas a interpretação, que se serve de diversos processos, nestes

termos:

Tradicionalmente, além de dividir a interpretação quanto à sua origem, em autêntica e doutrinal, também a decompunham, conforme os elementos de que se servia, em gramatical e lógica. Hoje não mais se aceitam semelhantes denominações impróprias. A interpretação é uma só; não se fraciona:

5 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 3ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1964, p. 118. 6 Idib., p. 111.

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exercita-se por vários processos, no parecer de uns; aproveita-se de elementos diversos, na opinião de outros: o gramatical, ou melhor, filológico; e o lógico, subdividido este, por sua vez, em lógico propriamente dito, e social, ou sociológico. A diferença entre os dois principais elementos, ou processos, consiste em que um só se preocupa om a letra do dispositivo; o outro, com o espirito da norma em apreço.7

Os diferentes métodos e técnicas de interpretação, como se verá, realmente

trazem campos de intersecção, demonstrando, conforme Carlos Maximiliano8, uma

unicidade. Inclusive em alguns casos, a escolha da utilização de um ou de outro

método se dá pela insuficiência do aplicado a priori.

Podemos exemplificar o que acima foi dito, considerando que em determinado

caso, a aplicação da interpretação gramatical, poderá em certa medida obter um

resultado plausível, no entanto, se não for feita a interpretação sistemática, as

consequências trazidas poderão estar em desacordo com outras normas, causando

uma injustiça na resolução do problema.

Com a divisão de métodos de interpretação surgiu o problema da

hierarquização, Engisch destacou duas tentativas, a pandectista9 que considera que

toda interpretação deve iniciar pelo sentido literal da lei, e caso não obtenha êxito,

buscar outros métodos; já para “a chamada teoria da alusão

(<<Andeutungstheorie>>)”10, independentemente do método utilizado, “o sentido a

obter através desta deve por qualquer forma ser ainda compatível com o <<teor

literal>> da lei”11. O autor conclui que, não se devem aplicar regras rígidas quanto ao

método de intepretação mais apropriado, pois há uma impossibilidade de fixar a

hierarquia, nestes termos:

Uma interpretação orientada de um modo puramente científico pode, sem dúvida, servir-se de cada um dos métodos e deve mesmo fazê-lo. O teórico do Direito pode, se quiser, assumir a posição do historiador puro, mas pode, dos mais variados pontos de vista objectivistas, interrogar o texto legal sobre o seu possível conteúdo e destacar aquilo que neles se contém e dele resulta de <<razoável>>, <<adequado aos fins práticos da vida>>, <<ajustado à actual situação>>.12

7 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 106. 8 Idib., p. 106. 9 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 3ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1964, p. 119. 10 Idib., p. 119. 11 Idib., p. 119. 12 Idib., p. 148-149.

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Nas seções seguintes serão trazidas as principais técnicas interpretativas, sem

a pretensão de as exaurir.

2.1 INTERPRETAÇÃO GRAMATICAL OU LITERAL

Para Karl Larenz, toda atividade de interpretação deve começar pela busca do

sentido literal de seus termos, pois, o próprio legislador, utiliza o mesmo instrumento

para comunicar a sua vontade que os demais cidadãos, logo, hipoteticamente, o que

desejava expressar, foi expresso na forma da lei, neste sentido, o autor nos ensina:

Nos domínios em que cada um entra em contacto com o Direito, seja, por exemplo, nos negócios do dia-a-dia, os termos da linguagem jurídica são parte integrante da linguagem geral, mesmo quando se utilizem nesta última com menor precisão. Por esta via toda e qualquer pessoa tem um acesso imediato ao mundo do Direito (18), de que necessita para poder orientar-se num ambiente social a que, justamente, pertence também a presença da ordem jurídica. Por este motivo, a linguagem das leis não pode afastar-se tanto do uso linguístico geral como ocorre com a linguagem de algumas ciências. A linguagem jurídica é um caso especial da linguagem geral, não é uma linguagem simbolizada, completamente desligada dela. Isto tem como consequência, como já repetidamente sublinhámos, que não é capaz de alcançar a exactidão de uma linguagem simbolizada, de maneira que os seus termos continuam a necessitar de interpretação.13

Para o autor, quando a literalidade do texto não resultar em sua plena

compreensão deve-se iniciar a atividade de interpretação. A interpretação literal, em

um primeiro momento, parece singela, no entanto, não podemos perder de vista que,

entre a linguagem escrita em determinada época e a sua utilização ao longo dos anos,

há variações do sentido dos termos empregados, e conforme o autor:

Há-de partir-se, ao averiguar o possível e o aqui, porventura, decisivo sentido literal, do uso linguístico ao momento do surgimento da lei ou do uso no presente? O legislador parte do uso linguístico do seu tempo. Se se trata de um termo da linguagem técnico-jurídica, que o legislador usou no sentido em que era entendido em seu tempo, há que partir do significado de então do termo. Se se partisse, sem mais, do significado actual, haveria provavelmente de se falsear a intenção do legislador.14

13 LARENZ, KARL. Metodologia da Ciência do Direito. 3ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 451. 14 Idib., p. 455.

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Para Maximiliando, igualmente a primeira tentativa de interpretação deve ser a

gramatical, conforme o autor, para o seu desempenho é necessário obediência aos

requisitos:

1) Conhecimento perfeito da língua empregada no texto, isto é, das palavras e frases usadas em determinado tempo e lugar; propriedades e acepções várias de cada uma delas; leis de composição; gramática; 2) Informação relativamente segura, e minuciosa quanto possível, sobre a vida, profissão, hábitos pelo menos intelectuais e estilo do autor; orientação do seu espírito, leituras prediletas, abreviaturas adotadas; 3) Noticia completa do assunto de que se trata, inclusive a história respectiva; 4) Certeza da autenticidade do texto, tanto em conjunto como em cada uma das suas partes.15

Para o autor, a interpretação gramatical deve ser afastada apenas quando a

opção pela literalidade da lei causar resultado diverso do que todo o sistema busca.

Nos alerta, citando François Geny, que é igualmente nocivo o apego exagerado à

literalidade, sob pena de “sacrificar as realidades morais, econômicas, sociais, que

constituem o fundo material e como o conteúdo efetivo da vida jurídica, a sinais,

puramente lógicos, que da mesma não revelam senão um aspecto, de todo formal”16,

nestes termos, prossegue:

Guia-se bem o hermeneuta por meio do processo verbal quando claros e apropriados os termos da norma positiva, ou do ato jurídico. Entretanto, não é absoluto o preceito; porque a linguagem, embora perfeita na aparência, pode ser inexata; não raro, aplicados a um texto, lúcido à primeira vista, outros elementos de interpretação, conduzem a resultado diverso do obtido com só emprego do processo filológico. Sobretudo em se tratando de atos jurídicos, a justiça e o dever precípuo de fazer prevalecer a vontade real conduzem a decidir contra a letra explícita, fruto, às vezes, de um engano ao redigirem.17

O autor aponta como possível motivo de a interpretação literal não bastar, ao

fato de que a verbalização de um pensamento por um interlocutor, não possui a

capacidade de reproduzir o mesmo pensamento em quem o escuta. Para o autor há

perdas na transmissão de ideias por meio da comunicação, fazendo com que o

receptor tenha uma sombra daquilo que se buscou expressar18. E ainda, aliado ao

15 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 107. 16 Idib., p. 111. 17 Idib., p. 113. 18 Idib., p. 117.

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fato que de no processo legislativo, por diversas vezes, as discussões são

apressadas19, não havendo a devida atenção aos termos que serão utilizados.

2.2 INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA

Nas palavras de Juarez Freitas, sistema jurídico pode ser conceituado como:

Uma rede axiológica e hierarquizada topicamente de princípios fundamentais, de normas estritas (ou regras) e de valores jurídicos cuja função é a de, evitando ou superando antinomias em sentido lato, dar cumprimento aos objetivos justificadores do Estado Democrático, assim como se encontram consubstanciados, expressa ou implicitamente, na Constituição.20

Para Freitas, a atividade de interpretação de uma norma é a interpretação de

todo o sistema normativo. A hierarquia entre princípios, regras e valores contamina,

faz com que uma norma seja reflexo de todo o sistema.21

Por sua vez conceitua interpretação sistemática como:

[...] a interpretação sistemática deve ser entendida como uma operação que consiste em atribuir, topicamente, a melhor significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às normas estritas (ou regras) e aos valores jurídicos, hierarquizando-os num todo aberto, fixando-lhes o alcance e superando antinomias em sentido amplo, tendo em vista bem solucionar os casos sob apreciação.22

Para o autor, a interpretação sistemática é mais que apenas uma técnica

interpretativa, sendo para ele a única forma de realmente entender os enunciados das

normas, uma vez que esta não existe isolada do seu sistema, neste sentido:

Em outras palavras, não se deve considerar a interpretação sistemática como simples elemento da interpretação jurídica. É a interpretação sistemática, quando entendida em profundidade, o processo hermenêutico por excelência, de tal maneira que ou se compreendem os enunciados prescritivos no plexo dos demais enunciados, ou não se alcançará compreendê-los sem perdas substanciais. Nesta medida, mister afirmar, com

19 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.118-119. 20 FREITAS, Juarez. A Intepretação Sistemática do Direito. 4ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2004. p. 54. 21 Idib., p. 70. 22 Idib., p. 80.

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os devidos temperamentos, que a interpretação jurídica é sistemática ou não é interpretação.23

A principal característica da interpretação sistemática é a sua capacidade de

dirimir antinomias.

Para Engisch, a interpretação sistemática e a teleológica possuem pontos de

intersecção, podendo ser, em algumas situações de difícil distinção, uma vez que a

“interpretação sistemática ela é já, em larga medida e simultaneamente, intepretação

teleológica”24; no entanto, é possível, considerando as palavras de Carlos

Maximiliano25, classificar de modo grosseiro que a interpretação sistemática se

preocupa com a letra da lei, mesmo que esta seja dispersa em diversos textos, e a

teleológica com o seu espírito, pois, busca o sentido da norma mesmo que fora do

direito positivado, neste sentido:

Assim, por exemplo, poderemos considerar uma interpretação sistemática, mas não teleológica, a explicitação do sentido duma cominação penal no sistema das penas sob o ângulo da justiça retributiva. Inversamente, temas uma interpretação teleológica, mas não sistemática, quando os fins prosseguidos pela norma se situam fora do próprio ordenamento jurídico (como, por exemplo, a educação visando à formação de um homem de bons costumes).26

Ainda, para Maximiliano, a interpretação sistemática, se justifica por:

Não se encontra um princípio isolado, em ciência alguma; acha-se cada um em conexão íntima com outros. O Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio. De princípios jurídicos mais ou menos gerais deduzem corolários; uns e outros se condicionam e restringem reciprocamente, embora se desenvolvam de modo que constituem elementos autônomos operando em campos diversos.27

23 FREITAS, Juarez. A Intepretação Sistemática do Direito. 4ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2004, p. 72-74. 24 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 3ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1964, p. 114. 25 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 106. 26 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 3ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1964, p. 114-115. 27 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 128.

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A interpretação sistemática busca entender a norma como parte de um corpo

maior, e desta forma não pode ser contrária ou apresentar algum elemento que

implique em sua exclusão, desta forma o sentido de sua interpretação considerará se

o sentido das demais não indica caminho diverso.

2.3 INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA

Para Engisch a interpretação teleológica deveria ser substituída pelo que

chama de “interpretação a partir do fundamento ou razão”28, isto porque, para o autor,

em algumas ocasiões, o fim a ser alcançado poderá trazer percepções de mundo ou

questões morais que não são compartilhadas por todos, neste sentido:

Todavia, apesar de toda a capacidade de expansão que comporta, a ideia de interpretação teleológica não deixa de necessitar de complementação. Nem sempre e em todos os casos os <<fins>> nos oferecem os últimos princípios válidos. Ideias e forças que só a contragosto pensaremos e formularemos como fins, podem constituir os fundamentos decisivos para a interpretação e compreensão das normas jurídicas. Estamos a pensar em princípios éticos (retribuição pela culpa), postulados da justiça e da igualdade, postulados políticos-ideológicos (mundividenciais), forças irracionais como o poder e o ódio.29

Para Larenz, a interpretação teleológica possibilita ao interprete entender a

norma por meio da superação da literalidade, da intenção do legislador e dos dados

históricos do momento de sua criação, apreendendo o seu sentido, nestes termos:

Interpretação teleológica quer dizer interpretação de acordo com os fins cognoscíveis e as ideias fundamentais de uma regulação. A disposição particular há-de ser interpretada no quadro do seu sentido literal possível e em concordância com o contexto significativo da lei, no sentido que corresponda optimamente à regulação legal e à hierarquia destes fins. A esse respeito, o intérprete há-de ter sempre presentes a globalidade dos fins que servem de base a uma regulação. Certamente que estes fins terão sido as mais das vezes tidos também em conta pelo legislador, mas este não necessita de ter dado conta de todas as consequências em particular dai decorrentes. É verdade que o intérprete, ao partir dos fins estabelecidos pelo legislador histórico, mas examinando ulteriormente as suas consequências e ao orientar a eles as disposições legais particulares, vai já para além da <<vontade do legislador>>, entendida como facto histórico, e das ideias

28 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 3ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1964, p. 116. 29 Idib., p. 116.

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normativas concretas dos autores da lei, e entende a lei na sua racionalidade própria.30

Sobre a importância da intepretação teleológica, Maximiliano nos ensina:

Considera-se o Direito como uma ciência primariamente normativa ou finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na essência teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providencias, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi regida.31

O autor ainda elenca quatro regras, que entende necessárias para se obter a

finalidade da lei:

a) As leis conforme no seu fim devem ter idêntica execução e não podem ser entendidas de modo que produzam decisões diferentes sobre o mesmo objeto; b) Se o fim decorre de uma série de leis, cada uma há de ser, quanto possível, compreendida de maneira que corresponda ao objetivo resultante do conjunto; c) Cumpre atribuir ao texto um sentido tal que resulte haver a lei regulado a espécie a favor, e não em prejuízo de quem ela evidentemente visa proteger; d) Os títulos, as epígrafes, o preâmbulo e as exposições de motivos da lei auxiliam a reconhecer o fim primitivo da mesma32.

É perceptível que tanto para Larenz, quanto para Maximiliano, que a

interpretação finalística possui um lugar especial. Como dito anteriormente, para

Maximiliano, não se deve separar as técnicas interpretativas, há apenas uma atividade

de interpretar, que utiliza diversos vieses para se obter a melhor aplicação da norma,

quando não se apresenta a priori, por meio de seu texto.

A interpretação teleológica se aproxima da interpretação histórica, podendo ser

considerada sua extensão, isto porque, enquanto esta busca os fatores históricos que

produziram a norma, aquela identifica a finalidade que se pretendeu obter. Em outras

palavras, a interpretação dos dados históricos que levaram à criação da norma,

30 LARENZ, KARL. Metodologia da Ciência do Direito. 3ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 468. 31 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 151-152. 32 Idib., p.158.

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poderia ser insuficiente se a sua finalidade não fosse observada, pois teria um caráter

apenas descritivo; enquanto que a busca pelo seu elemento finalístico pode direcionar

a conduta a ser adotada toda vez que fatos semelhantes se mostrarem.

2.4 INTERPRETAÇÃO INTENCIONALISTA

Dentre as técnicas utilizadas para interpretar as normas há a que busca a

intenção do legislador, o que pode não ser tão simples. Para Karl Engisch a busca

pela intenção ou não do legislador para obter a interpretação adequada é o problema

central da teoria da teoria jurídica da interpretação.33 O autor destaca a existência de

duas teorias a respeito, a objetivista e a subjetivista.34

Para os subjetivistas, a vontade do legislador é essencial para que se encontre

o sentido da lei; já para os objetivistas, após a sua feitura, a lei é autônoma e completa,

seu sentido deve ser buscado nela mesma.35

O autor toma a posição em favor da teoria objetivista, logo, não importa a

vontade do legislador, mas sim, como a nova lei se conforma com as circunstâncias

presentes e como ela adapta se aos novos diplomas legais. Vai além considerando

que o “juiz em especial é o portador do <<Terceiro Poder>> do Estado, um igual do

legislador”, logo, “por meio da interpretação objetivista, apenas deixa valer a lei com

este sentido, ele defende a sua própria autonomia”36. No entanto cede, considerando

que, para que abrace inteiramente a teoria objetivista, seria necessário a instituição

de métodos rígidos de interpretação, o que por si mesmo, não é adequada a atividade

interpretativa, uma vez que é fruto da atividade humana37. Por fim conclui:

Pelo que bem podem ter razão aqueles que dizem que a questão do correcto método interpretativo quer dizer, do escopo último da interpretação, não pode ser decidida de uma vez por todas no sentido desta ou daquela doutrina, mas, antes, está esse método na dependência das particulares tarefas que lhe cumpra levar a cabo. Aplicado ao Direito significa isto que depende da função jurídica da interpretação, da atitude do interprete perante a lei em cada caso

33 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 3ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1964, p. 140. 34 Idib., p .141. 35 Idib., p. 141-142. 36 Idib., p. 144. 37 Idib., p. 146.

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e, em certas circunstancias, mesmo da estrutura da ordem jurídica e de regras legais positivias, a questão de saber qual dos métodos é o correcto.38

Para Meir Dan-Cohen, em obra organizada por Andrei Marmor, para se

encontrar a intenção do legislador, mesmo este individualizado, deve considerar que

o seu discurso não necessariamente é seu como pessoa39. O autor conceitua como

“sequencia-padrão” o discurso que é fiel a intenção de quem profere, por outro lado,

o “discurso distanciado” é aquele que corresponde à intenção de terceiros, este

cabível aos discursos oficiais40, o que difere um do outro é o que o autor chama de

“condição de sinceridade/insinceridade”41. Neste sentido:

Algumas situações discursivas, em outras palavras, podem apresentar uma questão quanto a quem é o verdadeiro falante cujas intenções devem controlar a interpretação de uma dada elocução. Mas elas não estão eximidas da condição de sinceridade. Tão logo o verdadeiro falante fosse identificado, a sequencia-padrão seria restaurada e a condição satisfeita.42

Outro fator que pode distanciar o legislador de suas intenções é definido, pelo

autor como “renúncia à condição”43, que consiste em delimitar, sob qual prisma, o

interlocutor deve ser avaliado.

A possibilidade de se proferir um discurso dissociado de sua intenção, segundo

Dan-Cohen, é possível devido a seu conceito do “eu”, nos explica:

O eu, nessa visão é pelo menos em parte constituído de papeis sociais e estados mentais. Mas, um eu não é meramente uma concatenação de papeis e intenções. Para formar um único eu, um amontado de papeis e intenções deve ser unificado de alguma maneira. Um eu, poderíamos dizer, é um conjunto integrado de papeis sociais e estados mentais. [...] Os diferentes papeis e intenções deve formar um arranjo harmônico, inter-relacionado e interagente que possamos imaginar como dotado de certa ‘densidade’ ou constituindo um ‘cerne’. Tal descrição espacial do eu abre espaço imediato para a possibilidade de que uma pessoa [...] possa ocupar papeis e nutrir estados mentais que estão ligados muito tenuamente aos elementos que formam esse cerne para que sejam considerados partes do eu.44

38 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 3ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1964, p. 146-147. 39 MARMOR, Andrei (Org.). Meir Dan-Cohen: Interpretando o Discurso Oficial. 1ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 652. 40 Ibid., p. 653. 41 Ibid., p. 652. 42 Ibid., p. 654. 43 Ibid., p. 657. 44 Idib., p. 660.

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O autor ainda considera que o “eu” para assumir determinado estado mental

ou agir conforme determinado papel, deve passar pelo “processo de identificação”45,

logo, a posição que toma ou o discurso que profere, não é totalmente destituído de

suas concepções internas, mas estas, não são explicitas a ponto de se estabelecer

uma ligação imediata entre o discurso proferido e a motivação subjetiva. Por outro

lado, o eu aparente é “interpretado por outros”46, estes relacionam a motivação do

discurso daquele a determinados aspectos exteriores captados na interpretação,

neste sentido:

A inclinação para a identificação com qualquer novo papel ou intenção pode ser compreendida em termos das propriedades dinâmicas dos papeis e intenções existentes da pessoa: quão inclinados eles são a ligar-se ou a interagir com o novo acréscimo. A identificação descreve, portanto, um processo interior ou subjetivo pelo qual o eu é moldado e modificado. Mas o eu também tem uma existência pública, interpessoal. Os contornos e propriedades dessa entidade objetiva são um produto do que podemos chamar de processo de interpretação por outros.47

Desta forma o autor nos apresenta a dificuldade em aplicar a técnica da

interpretação conforme o legislador, pois, é necessário lidar com uma série de

informações sobre ele e seu meio, considerar as possíveis trocas entre a esfera

objetiva e subjetiva, cuja dinâmica não é reproduzível no momento em que se

pretende alcançar o sentido de sua vontade.

A possível solução, apontada pelo autor, é a de que, como os legisladores tem

a possibilidade de se distanciarem de seus atos e discursos, enquanto exercentes do

cargo público, existindo normas protetoras, a busca por sua intenção é válida e

possível, uma vez que o discurso distanciado é enfraquecido na medida em que

protegem o seu “eu” das repercussões negativas de seus atos e discursos, havendo

inclusive uma espécie de acordo de cavalheiros que estabelece que as ofensas

proferidas entre eles cessam quando não cumprem mais seus papeis de

legisladores.48

Para Jeremy Waldron, na mesma obra organizada por Andrei Marmor, a

utilização da interpretação conforme o legislador se baseia na crença de que este

45 MARMOR, Andrei (Org.). Meir Dan-Cohen: Interpretando o Discurso Oficial. 1ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 661. 46 Ibid., p. 661. 47 Ibid., p. 661. 48 Ibid., p. 672.

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possua maiores probabilidades de instituir regras mais apropriadas para os cidadãos

seguirem, do que eles próprios, é o que o autor denomina de argumento a favor da

autoridade49. Porém, o autor, considera que esta crença não pode ser utilizada de

forma simples, uma vez que, modernamente, as leis não são instituídas por uma

pessoa, mas sim debatidas entre muitas, dificultando a busca pela intenção do

legislador, já que está não é uma intenção e sim a reunião de diversas50.

Desta forma, considerando conjuntamente as dificuldades apresentadas por

Dan-Cohen e Waldron, a complexidade da técnica de interpretação conforme a

intenção do legislador aumenta de forma exponencial, uma vez que se, para conseguir

chegar a intenção de um legislador, na visão de Dan-Cohen, devemos considerar seus

aspectos subjetivos, ou seja, suas experiencias e concepções de mundo, que são

alteradas pelo suas trocas com o meio, maior será a dificuldade de estabelecer as

intenções de cada legislador envolvido no processo de criação de uma lei.

Para Waldron, além da multiplicidade de legisladores, outro fator que poderá

comprometer, o que se considera como intenção do legislador, é o fator temporal, uma

vez que, aqueles estarão impregnados com a visão da época.

Considerando um grupo de legisladores que deverão produzir uma lei

especifica, Waldron conclui que ela poderá não ter intenção alguma, na medida em

que ela será publicada com pontos controversos, que lá constaram, apenas, por

motivos de concessões mutuas, neste sentido:

A legislação, assim presumi, é o produto de uma assembleia de múltiplos membros, abrangendo uma quantidade de pessoas com objetivos, interesses e históricos radicalmente diferentes. Nessas condições, as estipulações específicas de uma lei em particular são muitas vezes o resultado de compromissos e de votação por partes. É perfeitamente possível que nossa lei imaginada [...] considerada como um todo, não reflita os propósitos ou intenções de quaisquer dos legisladores que a aprovaram conjuntamente. [...] No que diz respeito à seção (1) da lei, os legisladores poderiam ter divergido quanto à exceção de bicicletas (que chamarei de B), quanto à exceção às ambulâncias (A), e quanto à inclusão, além dos partes municipais, dos partes estaduais (E). Suponha que os legisladores dividiram-se em três fracções iguais quanto a essas questões: Facção 1 Facção 2 Facção 3

B B ~B A ~A A ~E S S

49 MARMOR, Andrei (Org.). Jeremy Waldron: As Intenções dos Legisladores e a Legislação não-intencional. 1ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 497. 50 Ibid., p.498.

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A votação majoritária sucessiva dessas várias questões produziria a nossa conhecida lei – B, A, E – mesmo que essa combinação não correspondesse à preferência de ninguém.51

O autor defende que a busca pela intenção do legislador não obterá resultado,

uma vez que “não devemos nos deixar enganar por uma analogia obsessiva com as

ações de pessoas naturais ao buscar um equivalente legislativo para todos os eventos

ou estados associados com a ação na psicologia de agentes inviduais”52. Ainda para

o autor, a intenção do legislador encontra-se nos limites da norma, neste sentido:

Um legislador que vota a favor (ou contra) um dispositivo como ‘nenhum veículo terá permissão para entrar em qualquer parque estadual ou municipal’ faz isso com base na suposição de que – colocando toscamente – aquilo que as palavras significam para ele é idêntico ao que significarão para aqueles a quem são dirigidas.[...] Contudo, embora indiquem um lugar para a referências às intenções – as intenções dos usuários da língua como tais – em qualquer descrição abrangente do que está ocorrendo, não oferecem nenhuma justificativa para a visão de que, simplesmente porque uma peça específica de legislação tem um significado linguístico, deve incorporar uma intenção particular atribuível a um usuário da língua. 53

Para Waldron, utilizar-se das anotações feitas nas sessões deliberativas de

determinadas normas, para identificar a intenção do legislador, poderá fazer com que

a interpretação seja equivocada e tendenciosa, pois escolherá um fragmento que não

pode ser considerado como a decisão completa, no máximo teria uma natureza

indiciária, conforme o autor:

Pois, se um juiz recorre, para além do texto de uma lei, às intenções de legisladores específicos, está recorrendo a coisas ditas ou feitas durante o curso da aprovação do projeto de lei. Nessa etapa, a síntese decisiva pode não ter surgido nem se cristalizado nas mentes individuais, e podemos estar lidando com o que só pode ser descrito pro tem como ‘a conciliar e combinar opostos... pelo rude processo de uma luta entre combatentes lutando sob estandartes hostis’. Nessa etapa, considerar as inscrições em qualquer um dos estandartes como indicação da síntese definitiva subjacente à lei pode ser muito inseguro.54

Por fim o autor conclui, que clamar pela intenção do legislador para interpretar

normas, que possam ter sentido diverso, é equivocado na medida em que as normas

51 MARMOR, Andrei (Org.). Jeremy Waldron: As Intenções dos Legisladores e a Legislação não-intencional. 1ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 505. 52 Ibid., p. 509. 53 Ibid., p. 510-511. 54Ibid., p. 529.

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são instituídas pela legislatura, não pelos legisladores, e os resultados que aquela

traz, apesar de ser a concretização das deliberações destes, não possui intenção a

ser alcançada, justamente porque é a união de várias intenções, que não possuem

sentido vinculante individualmente55.

Neste sentido:

É de uma decisão que precisamos, não necessariamente uma personalidade, e, portanto, não é meramente por uma questão de lógica que devemos no abster de atribuir estados mentais à legislatura. Do mesmo modo, porém não há nenhuma justificativa para privilegiar os estados mentais de qualquer facção na legislatura como canônicos no que diz respeito à decisão que foi tomada pelo todo. A decisão é tomada em nome e no interesse de toda a comunidade, e espera-se que se tenha chegado a ela de maneira que encoraje em vez de excluir a pluralidade de contribuições provenientes de uma variedade de direções.56

O autor ainda segue considerando que, após todos os debates, a formulação

da norma seguirá as formalidades necessárias para manter seu próprio sentido, como

a união de todas as intenções, em suas palavras “os legisladores têm direito de insistir

na autoridade do texto, e nada além do texto, como a única coisa que se pode ter

certeza de que esteve em primeiro plano nos esforços legislativos de cada membro”57.

Por sua vez, Heidi M. Hurd, defende igualmente que a interpretação da norma

jurídica deve ser separada da intenção do legislador. Para a autora a busca pela

intenção daqueles responsáveis em estabelecer normas, é devido ao reconhecimento

deles como autoridade, no entanto, prega que a única autoridade que deve ser

reconhecida como tal é a norma58.

A autora considera que uma interpretação intencionalista é adequada apenas

se o direito for considerado portador de uma autoridade inspiradora59, influente60,

prática61 ou teorética62.

Todas refletem um grau, maior ou menor, da necessidade de entender o

sentido de uma prescrição conforme a motivação de quem a proferiu. Desta forma, se

55 MARMOR, Andrei (Org.). Jeremy Waldron: As Intenções dos Legisladores e a Legislação não-intencional. 1ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 533. 56 Ibid., p. 533-534. 57 Ibid., p. 535. 58 Ibid., p. 610. 59 Ibid., p. 611. 60 Ibid., p. 615. 61 Ibid., p. 620. 62 Ibid., p. 628.

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considerarmos o direito como uma autoridade inspiradora, para que a norma seja

plenamente atendida não bastará que se faça conforme mandam seus comandos, é

necessário agir conforme a sua intenção, desta forma, é necessário interpretar a

intenção de quem a proferiu, caso contrário, agindo conforme a prescrição, porém

sem considerar a intenção, será o mesmo que não ter agido.

Por sua vez, se o direito for considerado uma autoridade influente, a intenção

do legislador poderá, ou não, ser considerada no momento da ação.

Considerando o direito uma autoridade prática, os comandos deverão

simplesmente serem obedecidos, não se deve buscar a intenção do legislador, caso

contrário estará desconsiderando o caráter de autoridade da norma. Porém, caso a

norma traga conceitos demasiadamente abertos, a intenção deverá ser buscada para

que se atue conforme a prescrição.

Já se o direito foi considerado uma autoridade teorética, significa que seus

comandos são apenas (re)afirmadores dos que a moral prescreve. Serão utilizados

nos casos em que o comando para agir de determinada forma não possa ser

imediatamente definido como correto ou incorreto considerando apenas preceitos

morais.

A autora propõe que a autoridade do direito deve ser teorética, no entanto quem

dará sentido a norma não será seu autor, mas o interprete, que é dotado da mesma

sensibilidade moral do que quem cria as normas63.

2.5 INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA

A interpretação histórica os elementos sociais ativos no momento da

construção da norma, para alcançar os objetivos a que destinava. Se aproxima da

interpretação intencionalista, na medida em que a vontade do legislador, esta surgida

pelo momento histórico em que vivia, deve ser levada em consideração.

Para Karl Engisch, a interpretação histórica também é convergente com a

teleológica, justamente por buscar a finalidade da construção da norma, com base

nos elementos históricos existentes à época, conforme o autor:

63 MARMOR, Andrei (Org.). Heidi M. Hurd: Interpretando as Autoridades. 1ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 638.

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A interpretação teleológica e a interpretação-histórica entrelaçam-se uma na outra, especialmente quando é posto a descoberto o fim que o legislador teve em mente. Para além disso, a correta compreensão dos preceitos esforça-se por descobrir os planos de fundo histórico-culturais e o significado da tradição. Assim, por exemplo, o princípio de que só há lugar à punição quando exista um fundamento [...], hoje expressamente formulado no artigo 103 da Constituição [...] apenas pode ser compreendido e adequadamente interpretado remontado às suas raízes históricas no século do Iluminismo.64

Conforme as palavras do autor, a interpretação histórica é o prolongamento da

intepretação intencionalista, uma vez que para se chegar àquela, perquire-se qual a

intenção do legislador, para após buscar os elementos históricos que o afetou, neste

sentido:

Ora de forma igual ou semelhante se processa a compreensão histórica de uma lei: começando com o sentido factualmente mentado e querido, põe seguidamente a claro as conexões históricas mais próximas, descobre os <<motivos>>, interroga os pontos de vista dos seus autores e, finalmente investiga todo o subsolo das raízes históricas e a atmosfera espiritual em que a lei se desenvolveu e formou.65

Já para Karl Larenz, a interpretação histórica a exemplo da interpretação literal,

perquire o significado que o legislador utilizou66.

Para Maximiliano, o elemento histórico é essencial, uma vez que reflete sobre

toda a sociedade e suas criações, incluindo nesta, o Direito, para o autor:

Pois bem: se o presente é um simples desdobramento do passado, o conhecer este parece indispensável para compreender aquele: daí a grande utilidade da História do Direito, para o estuda da ciência jurídica. Segundo o chanceler Portalis, a História é a ‘Física Experimental da legislação’; acrescenta Geny ser a História do Direito a Física Experimental da jurisprudência’.67

Mas para o autor, é necessário moderação na interpretação por meio dos seus

elementos históricos constitutivos, pois pode se incorrer em dois extremos, o do apego

excessivo ao passado e o desapego com tudo o que é histórico68. As consequências

seriam que, em relação ao primeiro, o direito sofreria com a presença de institutos que

64 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 3ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1964, p. 117. 65 Ibid., p. 139. 66 LARENZ, KARL. Metodologia da Ciência do Direito. 3ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 463. 67 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 138. 68 Ibid., p. 140-141.

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foram relegados, pois já não satisfazem o momento histórico atual, impedindo assim

sua evolução; e quanto ao segundo, ocorreria inovações que não possuiriam

fundamentação, produzindo normas esquizofrênicas e sem ligação sistêmica.

A interpretação histórica visa obter o sentido buscado na época das discussões

legislativas para, a partir daí entender, no caso concreto qual a melhor aplicação da

interpretação da lei. No entanto, não se pode limitar a buscar apenas aos elementos

históricos da sua promulgação, deve também analisar a sua evolução por meio de

alterações de seu texto ao longo dos anos.

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3 A ARGUMENTAÇÃO

Para Neil Maccormick a argumentação jurídica é “uma ramificação da

argumentação prática, que consiste na aplicação da razão por parte dos seres

humanos para decidir qual é a forma correta de se comportarem em situações onde

haja escolha”69. Para Manuel Atienza, há um certo grau de dificuldade em estabelecer

o conceito de argumentação, no entanto, identifica, entre as diversas tentativas de

criação do conceito e da teoria, elementos em comum, conforme o autor:

E pelo que se refere às teorias mais desenvolvidas da argumentação jurídica, as que se desenvolvem já a partir dos anos setenta (MacCormick, Alexy, Peczenik, Aarnio...) poderia dizer-se que aquilo que as caracteriza essencialmente é o esforço para integrar duas noções distintas de argumentação: a noção lógico-formal, vinculada à racionalidade formal, e outra concepção ligada ao que, em termos gerais, poderia chamar-se racionalidade prática; por isso, os (bons) argumentos jurídicos devem cumprir requisitos da lógica formal (consistência nas premissas, respeito pelas regras de inferência na passagem das premissas à conclusão) e da racionalidade prática (universalidade, coerência, etc.) [...]70

O autor considera também que a argumentação suporta três concepções

distintas, “seriam a concepção ou perspectiva formal, a material e a pragmática,

podendo fazer-se dentro desta última, uma sub-distinção entre a dialética e a

retórica”71. Ainda para o autor, as três concepções não são auto excludentes, podem

se complementar, neste sentido, o autor nos ensina que “a correção formal dos

argumentos é, com frequência, um instrumento efectivo para conseguir persuadir um

auditório, e, desde logo, mostrar a incorrecção formal de um argumento é uma

poderosa arma dialéctica”72, e ainda:

Finalmente, o Direito é, em minha opinião, um claro exemplo de construção racional em que as três concepções ou dimensões aparecem combinadas de maneira que, no raciocínio jurídico, não é possível prescindir de qualquer delas. Uma exemplificação rápida que pode dar-se deste fenômeno é que uma dessas três concepções está intimamente relacionada com algum valor básico dos sistemas jurídicos: a certeza, com a concepção formal (basta recordar a ideia weberiana da racionalidade formal do Direito moderno que, como vimos, poderia considerar-se agora como unilateral, redutora); a

69 MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. IX. 70 ATIENZA, Manuel. O Direito como Argumentação. 1ª. ed. Lisboa: Escolar Editora, 2014, p. 87-88. 71 Ibid., p. 100. 72 Ibid., p. 122.

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verdade e a justiça com a concepção pragmática. O ideal da motivação judicial poderia exprimir-se, por isso, dizendo que se trata de pôr as boas razões na forma adequada para que a persuasão seja possível.73

Para Manuel Atienza, a argumentação é a ferramenta do jurista, apesar destes,

em sua maioria não se dedicar a afiná-la74; igualmente ela é utilizada antes mesmo

da instituição da norma, quando surge uma demanda social e durante os debates para

concretizar a solução em norma; em um segundo momento, nos órgãos responsáveis

por decidir questões de fato ou de direito, este último sendo considerado pelo autor

como algo relacionado ao problema de interpretação; e por fim na construção

dogmática, esta possuindo um campo de intersecção com a argumentação utilizada

nos órgãos julgadores, neste sentido:

Esses processos de argumentação não são muito diferentes dos efetuados pelos órgãos aplicadores, uma vez que se trata de oferecer, a esses órgãos, critérios – argumentos – para facilitar-lhes (em sentido amplo) a tomada de uma decisão jurídica que consiste em aplicar uma norma a um caso. [...] enquanto os órgãos aplicadores tem de resolver casos concretos [...] o dogmático do direito se ocupa de casos abstratos [...] Contudo, parece claro que a distinção não pode sempre (ou talvez quase nunca) ser feita de forma muito taxativa. Por um lado porque o praticante precisa recorrer a critérios fornecidos pela dogmática [...] e ao mesmo tempo a dogmática se apoia também em casos concretos. 75

Ainda para Atienza, o estudo da argumentação pode ser dividido em dois

contextos, o da descoberta, momento em que se define premissas e conclusões, e o

da justificação, quando são realizados os testes. Para o autor, o primeiro momento

está relacionado a atribuição de valor aos fatos e informações obtidas no caso

concreto; já o segundo é análise se as premissas possuem respaldo lógico ou

aceitável em seu contexto76, neste sentido explica:

Descobrir não é decidir, mas apenas encontrar algo, digamos um acto de conhecimento, embora para encontrar esse algo seja necessário tomar certas decisões. E decidir é realizar uma acção, portanto, um acto de vontade, se bem que a decisão haja que basear-se em determinadas descobertas relativas ao mundo (que Fulano esteve tal dia em tal lugar, que deu uma punhalada em Cicrano, etc.). No que se refere ao outro termo da dicotomia, “justificar” uma teoria científica não é exatamente o mesmo que “justificar”

73 ATIENZA, Manuel. O Direito como Argumentação. 1ª. ed. Lisboa: Escolar Editora, 2014, p. 125-126. 74 ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito: Teorias da Argumentação Jurídica. 2ª. ed. São Paulo: Landy Editora, 2002, p. 17-20. 75 Ibid., p.18. 76 Ibid., p. 23-24.

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uma decisão; sem ir mais longe, a justificação de uma decisão supõe assumir um raciocínio prático (de que pelo menos uma das premissas é uma norma, um desejo, etc., quer dizer, uma entidade que tem um sentido de adequação do mundo à mente) [...]77

O autor pontua a existência de duas formas de argumentação jurídica, uma

utilizando a lógica-formal e a outra empregando elementos especiais que não podem

ser considerados sem uma determinada carga de valoração78.

Há que se pontuar que ambos os contextos poderão ser considerados como

extensão um do outro, isto porque, segundo Atienza, no contexto da descoberta e da

justificação, o juiz não poderá utilizar premissas externas aos fatos e ao direito.

Para Maccormick a argumentação é o meio utilizado para justificar uma

decisão, informando os motivos que relaciona o fato a uma determinada norma

aplicável.79 O autor considera ainda que a argumentação vai além da simples

justificação da subsunção do fato à norma, ela é essencial no que denomina

justificação de segunda ordem.

A justificação de segunda ordem, segundo o autor, é a explanação dos motivos

que levaram uma determinada solução a um caso concreto ser vencedora em

detrimento de outra igualmente aplicável:

A justificação de segunda ordem deve, portanto, envolver a justificação de escolhas: escolhas entre possíveis deliberações rivais. E essas são escolhas a fazer dentro do contexto especifico de um sistema jurídico operante. Esse contexto impõe algumas limitações óbvias ao processo.80

A justificação de segunda ordem, para Maccormick, pode ser considerada

como um mecanismo de manutenção da coerência do sistema normativo. Quando

existir ao menos duas soluções para o mesmo caso, conflitantes entre si e,

inicialmente, válidas, a justificação de segunda ordem irá escolher dentre elas a

hipótese que se mantém coerente com o restante do sistema normativo.81

3.1 ARGUMENTAÇÃO LÓGICO DEDUTIVA E NÃO DEDUTIVA

77 ATIENZA, Manuel. O Direito como Argumentação. 1ª. ed. Lisboa: Escolar Editora, 2014, p. 133. 78ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito: Teorias da Argumentação Jurídica. 2ª. ed. São Paulo: Landy Editora, 2002, p. 54. 79 MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. XV. 80 Ibid., p. 129. 81 Ibid., p.131.

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A argumentação lógica dedutiva, utiliza a concepção de premissas e

proposições para evidenciar que a conclusão alcançada é a possível dentro da análise

dos fatos.

Para Maccormick a lógica dedutiva poderá ser utilizada na argumentação

jurídica, inclusive em alguns casos, a justificação da decisão pode ser apenas nela

embasada82 83; e a conceitua como:

Uma argumentação dedutiva é uma argumentação que se propõe a demonstrar que uma proposição, a conclusão da argumentação, será implícita em alguma outra proposição ou proposições, as ‘premissas’ da argumentação. Uma argumentação dedutiva será válida se, não importa qual seja o teor das premissas e da conclusão, sua forma for tal que suas premissas de fato impliquem (ou acarretem) a conclusão.84

Já para Atienza, quanto a aplicação da lógica dedutiva na argumentação, o

autor nos ensina que ela “não pretende oferecer um modelo que descreva como

alguém, de facto, argumenta, mas melhor, como deve argumentar, ou melhor ainda,

oferece um modelo para controlar a qualidade dos argumentos”85.

Nas decisões que utilizam a argumentação dedutiva, teremos como premissas

a norma e o fato, sendo a conclusão a aplicação ou não da lei ao fato em perspectiva;

teremos então, por exemplo, uma norma que discipline que, quem aufere renda será

tributado, se “A” obteve renda, logo, será tributado (p ⊃ q), neste sentido:

A noção de ‘pertinência e aplicabilidade’ é de fato explicável exatamente por referência à lógica (dedutiva) de subsunção [...]. Uma norma do direito é geral em termos, pois estipula que, sempre que ocorrer um dado conjunto de fatos operativos (p), uma determinada consequência legal deverá se seguir (q). Quando um juiz num dado caso ‘constata fatos’ que equivalem a uma manifestação de p, a pertinência da norma jurídica ao caso fica estabelecida, e a consequência legal que deve ser aplicada.86

A justificação das decisões por meio da argumentação lógico dedutiva se atém

apenas aos fatos e as normas; elementos como moral, questões sociais e políticas,

pouco podem interferir.

82 MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.Ibid. p. 23. 83 Ibid., p. 46. 84 Ibid., p. 26. 85 ATIENZA, Manuel. O Direito como Argumentação. 1ª. ed. Lisboa: Escolar Editora, 2014, p.134. 86 MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 68.

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Para Maccormick, a argumentação por dedução é possível por haver uma

aceitação, por todos, da existência de uma norma com poder de definir os fatos

relevantes, e de autoridades, juízes, responsáveis por identificar os fatos e aplicar a

norma (se “p” então “q”), sendo este inclusive o ponto de contato entre positivistas e

jusnaturalistas87.

Neste contexto a justificação da decisão é alcançada pelo fato de haver norma

válida como premissa maior, um fato como premissa menor, e por fim, a conclusão,

que seguirá rigorosamente as proposições.

Para Maccormick, a aplicação da lógica dedutiva na argumentação que

justifique as decisões, é plenamente possível, no entanto, há limites88.

Para abordar um dos limites da lógica dedutiva aplicada à argumentação

jurídica, o autor se volta para o entendimento de como são erigidas as normas aceitas

por todos89 e como são instituídas autoridades socialmente reconhecidas, com poder

de aplicar a norma ao caso concreto; chegando à conclusão de que, a argumentação

por dedução se limita até quando não necessitar explicar as próprias premissas, e que

estas serão aplicadas, pois, há um juiz que assim deve agir, que por sua vez obtém

seu dever-poder de um sistema maior que é aceito por todos, neste sentido:

Se houver, porém, razões pelas quais os juízes devam respeitar esse dever de fazer vigorar aquelas normas, que dentro do sistema, é seu dever-como-juízes fazer vigorar, a justificação por dedução original é somente tão conclusiva quanto essas outras razões de sustentação. Em suma, existem razões justificatórias pressupostas para aceitar a justificação por dedução, e essas razões não são em si mesmas explicadas por nossa explanação anterior do conteúdo da justificação por dedução. [...] Por enquanto, basta que nosso estudo do ‘problema para o positivismo’, com o qual esta seção começou, tenha indicado que a justificação por dedução ocorre dentro de uma estrutura de razoes de sustentação que ela não explica.90

Exemplificando, consideremos que se determinado fato “p” ocorrer, será

aplicada a norma “q” (p ⊃ q). No entanto, “q” não tem sua origem explicitada, nada

sabemos sobre como “q” foi obtido, sobre quais premissas foram consideradas para

que se defina “q” como a norma aplicável.

87 MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 78-79. 88 Ibid., p. 67. 89 Ibid., p. 80. 90 Ibid., p. 83.

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Para maior clareza, reproduzindo o exemplo dado com fatos descritos;

considerando que determinada pessoa auferiu renda em seus negócios (“p”), existindo

uma norma que diga que, quem aufere renda, deve recolher o imposto “x” (“q”); logo

quem aufere renda em seus negócios deve recolher o imposto “x”, o antecedente e o

consequente, por si, são de fácil identificação; porém não há demonstração de o

porquê o consequente “q” tem este aspecto, sua validade está assentada no fato de

ser uma norma inserida por determinadas pessoas, com esta prerrogativa (legislador),

e aplicada ao caso concreto por outra, igualmente amparada na aceitação comum

(Fazenda Pública ou Judiciário).

A argumentação lógica dedutiva, utiliza um sistema hermético para justificar as

decisões, qualquer elemento que pergunte qual a validade de suas premissas é

afastado, podemos citar como exemplo prático o artigo 28 da Lei Paulista nº 13.457,

de 2009:

Artigo 28 - No julgamento é vedado afastar a aplicação de lei sob alegação de inconstitucionalidade, ressalvadas as hipóteses em que a inconstitucionalidade tenha sido proclamada: I - em ação direta de inconstitucionalidade; II - por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, em via incidental, desde que o Senado Federal tenha suspendido a execução do ato normativo.91

Ao impossibilitar que seja questionada a inconstitucionalidade da aplicação de

uma norma, limita a apreciação da sua validade; a institui como válida apenas porque

percorreu o rito próprio, iniciado pela autoridade legitimada, e aplicada por quem tem

o direito de fazê-lo; questões exteriores são taxativamente desconsideradas como

premissas relevantes para decidir, se atentando apenas e tão somente se verificado

“p”, então “q”.

Está limitação é apontada por Atienza, que nos explica que a lógica dedutiva

vai até a justificação interna de uma decisão, porém, quando é chamada a validar a

decisão em todo o contexto ela pode não ser suficiente, neste sentido:

Mas, naturalmente além dos casos simples há também casos difíceis (de que se ocupa em especial a teoria da argumentação jurídica), isto é, suposições nas quais a tarefa de estabelecer a premissa fática e/ou a premissa normativa exige novas argumentações que podem ou não ser dedutivas. Wróblewski (e

91 BRASIL, SÃO PAULO. Lei nº 13.457, de 18 de março de 2009. Dispõe sobre o processo administrativo tributário decorrente de lançamento de ofício, e dá outras providências. Disponível em < https://www.fazenda.sp.gov.br/epat/PortalContribuinte/FAQ/Lei_PAT.aspx>. Acesso em: 16 out. 2017.

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a sua terminologia é hoje amplamente aceita) chamou ao primeiro tipo de justificação, o que se refere à validade de uma inferência a partir de premissas dadas, justificação interna. E ao segundo tipo de justificação, o que põe à prova o caráter menos ou mais fundamentado de suas premissas, justificação externa. A justificação interna é apenas questão de lógica dedutiva, mas, na justificação externa, é preciso ir além da lógica em sentido estrito.92

Neste sentido, Maccormick, ressalta a limitação da justificação por dedução,

nestes termos: “as justificações por dedução não explanam uma estrutura de valores

que fornece a base para que elas sejam tratadas como conclusivas, mas ocorrem

dentro desta estrutura”93.

Outra limitação da lógica dedutiva, é o fato de que, uma das premissas poderá

ser ambígua, ou com possibilidades diversas de interpretações, logo, conforme a que

se assume como correta, alterará o consequente, e por sua vez a conclusão

alcançada94; a principal implicação neste contexto é a de que haverá margem para a

escolha da conclusão, e em decorrência disto, de sua consequência.

Ainda para Atienza, a aplicação da lógica dedutiva se situa no campo da lógica

formal, porém, quando aplicada ao direito é necessário que o conteúdo das premissas

seja apreciado em seus aspectos materiais, neste sentido:

Quem tem que solucionar um problema material não pode adoptar em relaão aos enunciados, que funcionam como premissas, uma atitude hipotética, descomprometida, como aconteceria na concepção formal, mas tem que comprometer-se com a sua verdade ou correcção e, por consequência, com a verdade ou correcção da conclusão. [...] Na concepção material da argumentação não se abstrai, pois, do conteúdo, embora sim – pelo menos até certo ponto – das especificidades, da situação, de quem argumenta. As verdades são ou não verdades, independentemente da maneira como as enuncia [...]95

Quanto aos limites da lógica dedutiva, aplicada a questões de direito, Atienza

considera como sua limitação a possibilidade de premissas visivelmente falsas,

verterem em conclusões verdadeiras, nos ensina:

Um primeiro motivo de insatisfação – aliás óbvio – deriva precisamente do fato de que a lógica dedutiva só nos oferece critérios de correção formais, mas não se ocupa das questões materiais ou de conteúdo que, claramente,

92 ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito: Teorias da Argumentação Jurídica. 2ª. ed. São Paulo: Landy Editora, 2002, p. 51 93 MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 178. 94 Ibid. p. 85. 95 ATIENZA, Manuel. O Direito como Argumentação. 1ª. ed. Lisboa: Escolar Editora, 2014, p. 109.

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são relevantes quando se argumenta em contextos que não sejam os das ciências formais (lógica e matemática).96

O autor também nos apresenta a possibilidade de utilização da argumentação

lógica indutiva no direito, apropriado para situações em que há a possibilidade de mais

de uma conclusão plausível97, acompanhando este entendimento Irving M. Copi, nos

ensina:

Um raciocínio indutivo, por outro lado, envolve a pretensão, não de que suas premissas proporcionem provas convincentes da verdade de sua conclusão, mas de que somente forneçam algumas provas disso. Os argumentos indutivos não são ‘válidos’ nem ‘inválidos’ no sentido em que estes termos de aplicam aos argumentos dedutivos. Os raciocínios indutivos podem, é claro, ser avaliados como melhores ou piores, segundo o grau de verossimilhança ou probalibilidade que as premissas confiram às respectivas conclusões.98

Quanto aos argumentos indutivos, Atienza nos ensina:

De qualquer modo, o centro de uma concepção formal da argumentação é a lógica dedutiva, ou seja, a dedução desempenha aqui um papel de modelo porque: 1) nos argumentos dedutivos, a forma lógica é o único critério de controle, enquanto que nos outros elementos que não são formais (o que torna válida uma indução não é só uma questão de forma); 2) os argumentos não dedutivos podem sempre converter-se em dedutivos se forem acrescentadas certas premissas (se se “saturam”), de maneira que os esquemas dedutivos podem usar-se – pelo menos até certo ponto – como mecanismos de controle; assim, pode perguntar-se: em que medida é plausível a premissa que faz falta acrescentar para que determinado argumento – por exemplo, um argumento por analogia – seja dedutivamente válido?99

O autor ainda diferencia a lógica dedutiva da indutiva pelo fato de que naquela,

a forma assume importância própria, já nesta, a forma é secundária, devendo ser

apreciado “fatores materiais e contextuais”100.

São formas de argumentação indutiva a analogia e a inferência provável. Para

Copi argumentar por analogia exige uma definição dos pontos de contato, para depois

concluir que se determinada característica ou funcionalidade se manifesta em uma,

96 ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito: Teorias da Argumentação Jurídica. 2ª. ed. São Paulo: Landy Editora, 2002. p.33-34. 97 Ibid., p. 42. 98 COPI, Irving M. Introdução à lógica. 2ª ed. SãoPaulo: Editora Mestre Jou, 1978. p.35. 99 ATIENZA, Manuel. O Direito como Argumentação. 1ª. ed. Lisboa: Escolar Editora, 2014, p. 116. 100 Ibid., p. 184.

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possivelmente se manifestará na outra101, estes pontos de contato, para Atienza, pode

ser nomeado com “círculo de semelhança”102.

Como o argumento por analogia é utilizado para alcançar uma das conclusões

plausíveis entre diversas, a probabilidade de assertividade da conclusão escolhida

será tanto maior se for possível apresentar a maior quantidade de pontos de contato

entre as situações análogas e ao mesmo tempo, evidenciar que apesar dos pontos

que os diferenciam, a conclusão possível para ambas é a mesma; no entanto, a força

do argumento por analogia estará na relevância dos dados comparados103, neste

sentido:

A questão de relevância é de suprema importância. Um argumento baseado numa só analogia relevante, referente a um só exemplo, será muito mais convincente do que um outro argumento que assinale uma dúzia de pontos de pontos de semelhança irrelevante entre o exemplo da conclusão e uma porção de exemplos enumerados nas premissas. [...] O fator de relevância deve ser explicado em função da causalidade. Num argumento por analogia, as analogias relevantes são aquelas que se referem a propriedades ou circunstancias relacionadas casualmente.104

A argumentação por analogia é uma técnica que possibilita diminuir antinomias,

é utilizado principalmente quando demandas sociais surgem sem regulamentação.

3.2 ARGUMENTAÇÃO CONSEQUENCIALISTA

Uma das formas de argumentação que será analisada no presente trabalho é

a consequencialista.

Para Maccormick, justificar um ato é “demonstrar que é certo e justo fazer x”105,

e que se for apresentada a hipótese de “y” ser igualmente certo e justo, ou ainda, que

fazer “x” é injusto, a justificação de segunda ordem irá indicar qual das possibilidades

não fere o sistema jurídico, sendo este o “corpo coerente e coeso de normas cuja

101 COPI, Irving M. Introdução à lógica. 2ª ed. SãoPaulo: Editora Mestre Jou, 1978. Ibid. p. 315. 102 ATIENZA, Manuel. O Direito como Argumentação. 1ª. ed. Lisboa: Escolar Editora, 2014, p.200. 103 COPI, Irving M. Introdução à lógica. 2ª ed. SãoPaulo: Editora Mestre Jou, 1978. Ibid.Ibid. p. 318-321. 104 Ibid., p. 321-322. 105 MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 83.

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observância garante certos objetivos valorizados que podem todos ser buscados em

conjunto de modo inteligível”106.

O autor introduz o conceito da argumentação consequencialista ligado ao

conceito de justificação de segunda ordem, neste sentido:

Tomando esses três pontos em conjunto, deduzo que a justificação de segunda ordem diga respeito ao ‘que faz sentido no mundo’, na medida em que ela envolve argumentos consequencialistas que são essencialmente de caráter avaliatório e, portanto, em certo sentido, subjetivo. Esse é o primeiro elemento essencial da justificação de segunda ordem. 107

Destarte, quando em um caso concreto não há norma que se aplique

diretamente, a utilização de analogias com casos abstratamente semelhantes, é a

saída viável. Mas a analogia deverá comprovar que é possível, por atender em última

instância, os objetos da norma análoga, e ainda não infringir o arcabouço do sistema

jurídico, neste sentido:

O fato de que tanto os juízes como os advogados atuam nos limites da lei existente e das analogias e princípios nela disponíveis possibilita a formulação de deliberações em potencial e elimina a possibilidade de generalizações arbitrárias ou extravagantes, como ponto de partida para justificação de segunda ordem.108

Para o autor, qualquer argumentação, considerando as consequências, deve

ater-se os princípios constitucionais fundamentais, porém, ainda assim, haverá outra

variante externa, qual seja a “visão da teoria constitucional, ela mesma derivada da

prática constitucional”109 do aplicador da norma, neste sentido:

O que revê a discussão anterior nesta seção deste capítulo é que essas razões de sustentação são de fato expressas em termos de argumentos baseados nas consequências de possíveis deliberações opostas acerca da validade ou obrigatoriedade em determinados contextos genéricos; sendo que a avaliação de consequências pertinentes depende de critérios de ‘justiça’ e de ‘senso comum’; e acima de tudo, da referência a princípios constitucionais básicos que por sua vez recorrem a pressupostos fundamentais sobre filosofia política e a correta distribuição da autoridade entre os órgãos superiores do Estado.110

106 MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 135. 107 Ibid., p. 134-135. 108 Ibid., p.157. 109 Ibid., p. 171. 110 Ibid. p. 178.

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Para Maccormick, os argumentos consequencialistas não devem ser

considerados como utilitarismo, principalmente o hedonista, uma vez que, ao contrário

deste, pondera maior quantidade de variantes, como por exemplo, o que deve ser

considerado justo e o proveito público da decisão.111

Segundo o autor, o divisor de águas entre a argumentação dedutiva e a

consequencialista é que aquela consegue dar aparência de justificação a uma decisão

apenas por demonstrar que a conclusão obtida é decorrência das premissas

empregadas, porém a última, deve demonstrar que as suas consequências tornam a

escolha, dentre as decisões possíveis, a mais desejável.112

Para Maccormick, as diretrizes políticas estão inseridas na argumentação

consequencialista, uma vez que os juízes devem avaliar as normas aplicáveis e

buscar nelas quais são os seus objetivos implícitos113, desta forma:

O que deve ser essencial ao ‘aspecto interno’ da norma de reconhecimento é algum compromisso consciente de exercer os valores políticos que parecem ampará-la e de sustentar de modo concreto os princípios políticos considerados inerentes à ordem constituída da sociedade em questão.114

Para Tathiane dos Santos Piscitelli, “por argumentos consequencialistas

entenda-se, neste momento inicial, aqueles que se preocupam com as consequências

do julgado”115. A autora defende a utilização destes argumentos de forma expressa

nas decisões, pois, identifica que as consequências das decisões, já são levadas em

consideração, no entanto, por carregar a mácula de extrajurídicos, são omitidos como

fundamento da decisão, impedindo que as partes interessadas contra argumentem.

A autora considera como responsável por esta necessidade de afastar tudo o

que não tem base jurídica das decisões, Alfredo Augusto Becker, pois, a sua visão de

Estado e do direito, exposta no livro “Teoria Geral do Direito Tributário” ainda não foi

superada pelos órgãos julgadores; tornando qualquer menção explicita a elementos

econômicos, políticos ou sociais uma espécie de tabu, algo que trará vergonha ao

julgador que o utilizar para justificar a sua decisão, neste sentido:

111 MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 147. 112 Ibid., p. 178. 113 Ibid., p. 177. 114 Ibid., p. 179. 115 PISCITELLI, Tathiane dos Santos. Argumentando Pelas Consequências no Direito Tributário. 1ª. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 3.

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Porém, essa razão, por ser classificada como “política” ou “extrajurídica” em face da concepção de direito tributário eleita como rival pela presente obra, que ainda prevalece nos nossos tribunais, não pode ser exteriorizada, sob pena de deslegitimar, do ponto de vista jurídico, o julgamento. Daí, portanto, falar-se em (in)segurança jurídica: um argumento “coringa” que se amolda a quase todas as decisões tributárias[...]116

Conforme Becker, nas decisões proferidas, não cabe a apreciação de

elementos econômicos ou políticos pois, estas variantes já foram consideradas no

momento em que o Estado, buscando a sua própria perpetuação, cria a regra jurídica,

como podemos observar:

Aquele ser social (Estado), tomando conhecimento de sua própria existência real, por intermédio de sua consciência social, procura defender-se. E a fim de proteger a sua existência (garantir sua sobrevivência), impõe uma disciplina (regras de conduta) obrigatória àquela relação constitucional natural (pré-jurídica) e deste modo assegura a continuidade e a realização da relação. Para impor disciplina (regras de conduta) obrigatória (coercibilidade), o ser social utiliza o seu poder (sua capacidade de agir). E no momento em que o ser social (Estado) criou a primeira regra de conduta obrigatória, visando garantir sua própria sobrevivência, surgiu a primeira regra jurídica e com esta o Direito. Só a partir deste momento é que o ser social estatal envolveu-se em atmosfera jurídica e se poderá falar em regra jurídica. Ao criar a Constituição, o Estado criou o seu próprio mundo jurídico [...] Este mundo jurídico, uma vez criado pelo Estado, passa a integrar o mundo universal formado pela totalidade de todas as cousas existentes[...]117

Segundo o autor, no momento em que o Estado toma consciência de sua

existência, para perpetuar-se, constitui regras jurídicas de obediência geral, para criá-

las no entanto, ele poderá utiliza-se de qualquer elemento, este não poderá ser

considerado como não jurídico, pois ainda não existe este caráter; ele cria o seu

próprio mundo, com suas próprias regras jurídicas; neste momento, por exemplo, ele

poderá eleger que determinado fato social, configurará a hipótese de incidência de

determinado tributo, sendo desta forma instituída uma regra jurídica.

Ainda, considerando a visão de Becker, as decisões não podem ser orientadas

por elementos extrajurídicos pois, estes, já foram considerados na formação da regra.

Quando determinado juiz argumenta “isto poderia causar grande perda de

arrecadação”, referindo se às consequências de sua decisão, de por exemplo

116 PISCITELLI, Tathiane dos Santos. Argumentando Pelas Consequências no Direito Tributário. 1ª. ed. São Paulo: Noeses, 2011. p. 115. 117 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 6ª. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p.220-221.

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considerar determinada hipótese de incidência menos abrangente do que a

usualmente utilizada; ou em outro exemplo, considerar direito ao crédito de impostos

em determinada operação, que anteriormente não era concedido, ele ignora que a

regra jurídica, anteriormente criada para aquele fato gerador, já não continha, no

primeiro exemplo uma dilação na hipótese de incidência, e no segundo, que ela previa

o crédito.

A autora, elege a teoria de Becker como rival, e deste ponto defende que os

argumentos consequencialistas podem e devem ser utilizados em julgamentos

tributários; defende, inclusive, uma nova concepção do direito tributário, na qual estes

argumentos teriam campo fértil; as bases desta nova concepção do direito são:

Conforme visto, tendo-se em conta a premissa de que o direito tributário é, a um só tempo, constituído e constituidor do Estado, estando-se diante de um Estado Democrático de Direito a função da tributação será, além de fornecer receitas para o Estado cumprir com as necessidades públicas básicas, assegurar referida forma de Estado e tal se dará pela realização da justiça fiscal. Do ponto de vista formal, tal se verifica pela observância dos princípios da legalidade, anterioridade, irretroatividade e da capacidade contributiva em seu aspecto objetivo. Já de uma perspectiva material, o Estado Democrático de Direito se efetiva pela função distributiva que se vê agregada à tributação e manifestada pelos princípios da capacidade contributiva subjetiva, do não-confisco e do tratamento diferenciado de entes visando à uniformidade geográfica, além de técnicas de proporcionalidade, progressividade e seletividade, relacionadas às bases impositivas. Essa outra concepção do direito tributário, ora firmada e suficientemente justificada, constitui um instrumento relevante para avaliar a possibilidade da argumentação pelas consequências no direito tributário: argumentos consequencialistas cujo conteúdo revele a consideração de um dos elementos aqui referidos serão válidos do ponto de vista jurídico e, assim, passíveis de serem tomados como razão de decidir, sem o risco de ser-lhes imprimida a pecha de argumentos políticos ou econômicos.118

Para Piscitelli, a teoria de Becker apresenta dois pontos fracos; o primeiro é a

sua teoria de Estado e da formação da regra jurídica; e por atribuir ao autor e a sua

teoria o entendimento de que os objetivos do Estado não influenciaram o direito

tributário. O segundo erro de Becker, segundo a autora, é considerar que nas decisões

o julgador poderá apenas fazer um raciocínio lógico-dedutivo, formando a norma

particular. Concluindo que, a Constituição não poderá ser considerada apenas como

base formal para a construção do direito tributário; ao contrário, o direito tributário

apenas mais um instrumento para que os objetivos insculpidos na Carta Magna sejam

118 PISCITELLI, Tathiane dos Santos. Argumentando Pelas Consequências no Direito Tributário. 1ª. ed. São Paulo: Noeses, 2011. p. 233.

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alcançados, possibilitando então que questões políticas, econômicas ou sociais

influenciem na decisão em questões tributárias, pois, podem não estar expressas nas

normas tributárias, mas são objetivos da Constituição, e devem ser alcançados por

todos os meios necessários119.

Ainda, conforme a autora, os princípios insculpidos na Constituição Federal

quanto à limitação da competência tributária do Estado, devem ter nova interpretação,

passando a ser técnicas para a obtenção de receita para a Estado conseguir realizar

suas funções; para Piscitelli “o fundamento do direito tributário não estaria nos

princípios constitucionais que limitam o poder de tributar, mas sim na necessidade de

tributação, tendo em vista o seu papel financiador”120; desta forma, princípios como o

do não confisco, respeito à capacidade contributiva, apenas delimitam como devem

ser obtidos os tributos, no entanto, todo o sistema tributário é voltado precipuamente

a obter recursos para a administração pública realizar sua função.

A autora entende o direito tributário como ramo inseparável do direito

financeiro, e a razão de sua existência é a existência do próprio Estado, é a principal

forma de prover rendas; desta forma, nas ações em que disputam fisco e contribuinte,

as consequências da decisão devem ser consideradas em função de como afetará o

Estado na realização de seus objetivos.

Ainda, a forma que o Estado assume, igualmente irá influenciar nas decisões

que deverão ser tomadas. Argumentação pelas consequências, poderá considerar

elementos econômicos como jurídicos.

[...] o modelo de Estado influi nas formas e justificativas de atribuição de ônus aos particulares e, assim, na concepção de direito tributário – a depender da forma de constituição do Estado e dos elementos institucionais que ele apresentar (liberal, intervencionista, social), ter-se-á consequências diretas nos modos e porquês da tributação e tais justificativas não são elementos externos, pré-jurídicos: fazem parte do Estado e do direito tributário tal como ele existe e, assim, não devem ser ignorados.121

Tal abertura, para elementos externos serem alçados a categoria de

argumentos jurídicos é criticada por Roberta Simões do Nascimento:

119 PISCITELLI, Tathiane dos Santos. Argumentando Pelas Consequências no Direito Tributário. 1ª. ed. São Paulo: Noeses, 2011. p. 86-88. 120 Ibid., p. 122. 121 Ibid., p. 93.

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Inicialmente, no que toca à sua proposta de considerar os argumentos consequencialistas como se jurídicos fossem. Ora, os argumentos jurídicos somente podem ter como conteúdo o próprio direito, seja diretamente por suas fontes – como as normas e a jurisprudência, por exemplo –, seja por alguma outra relação a essas fontes, como a analogia ou os métodos de interpretação, ilustrativamente. Assim, os argumentos consequencialistas não são e não podem ser considerados estritamente jurídicos.122

Na mesma linha, Becker, que foi mais além, classificando esta atitude como

uma das responsáveis pela “demência” na aplicação do Direito Tributário:

Há juristas – adverte F. Carnelutti – que quase sempre cometem o erro de aceitar e utilizar empiricamente os conceitos das ciências pré-jurídicas, sem cuidarem de pesquisar o novo e diferente conteúdo (significado) que elas passam a vestir no momento em que entram no mundo jurídico. Este mau costume – lamenta F. Carnelutti – tem gerado dentro do Direito dificuldades numerosas e graves. Ora, em nenhum outro ramo do Direito estas dificuldades são tão numerosas e tão graves quanto as que este mau hábito tem gerado dentro do Direito Tributário. O maior equivoco no Direito Tributário é a contaminação entre princípios e conceitos jurídicos e princípios e conceitos pré-jurídicos (econômicos, financeiros, políticos, sociais, etc.).123

A argumentação consequencialista tem como fator limitador o princípio da

universalidade. Uma decisão após proferida deve ser de tal forma correta que, para

casos semelhantes, a mesma decisão possa ser tomada, e assim repetida a cada

momento, conforme Piscitelli, “todas as decisões teriam por consequência lógica sua

universalidade e uma decisão justificada deveria apresentar razões pelas quais tal

universalização seria aceitável”124.

O princípio da universalização, como consequência da força normativa da

decisão, limita o argumento consequencialista, se este não puder ser aplicado aos

demais casos, sem causar dano a ordem jurídica, nas palavras da autora:

Contudo, perguntar pela aceitabilidade da universalização da decisão equivale a, a partir de uma consideração formal, apresentar uma questão material. Ou seja, pondera-se se as consequências da universalização da decisão são aceitáveis e, portanto, se a decisão materialmente pode ser

122 NASCIMENTO, Roberta Simões. O Consequencialismo Econômico nas Decisões do Supremo Tribunal Federal em Matéria Tributária: Um estudo crítico. 224f. Monografia (mestrado) – Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2013. 123 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 6ª. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p.41. 124 PISCITELLI, Tathiane dos Santos. Argumentando Pelas Consequências no Direito Tributário. 1ª. ed. São Paulo: Noeses, 2011. p. 24-25.

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aplicada a todos (ainda que de forma potencial), sem afronta à ordem jurídica.125

A universalização de uma decisão pode ser indesejada, desta forma, a decisão,

por suas consequências, deve ser afastada; para verificar se deve ou não ser

invocada, deve-se buscar quais os valores relevantes para aquele sistema em que

será aplicada, se os subverterem, a decisão não poderá ser universalizada e nem

aplicada ao caso concreto, logo as consequências afastam a sua escolha126; esses

valores são os limites materiais à aplicação da argumentação pelas consequências.

Também como forma de verificar se determinado argumento, que leva em

consideração as consequências da decisão, deve ser utilizado, Piscitelli, utiliza o

conceito de boas razões, estas seriam universalizáveis127. Conforme a autora, a

existência de boa razão para decidir, inclusive, é necessária à justificação da decisão:

A identificação e aplicação da norma geral ao caso concreto depende dessa atividade de interpretação e de ponderação de razões e é neste momento que a atividade de justificação aparece como condição para que se alcance uma boa decisão. Por essa razão, a justificação de uma decisão não implica na sua validade. A decisão será válida se promulgada por uma autoridade competente e segundo o procedimento previsto. Todavia, somente estará justificada se contiver boas razões para a interpretação veiculada pela decisão.128

Poderão ser considerados como boas razões e, portanto, hábeis a integrar as

decisões dos julgados, elementos extrajurídicos, uma vez que sopesadas as teses

conflitantes, ambas se mostram igualmente válidas, cabendo então analisar quais as

consequências de cada uma.

Em estudo anterior, Luis Fernando Schuartz129, se propôs a identificar e

classificar três categorias de argumentos consequencialistas, considerando, ao fim, a

sua aplicação, se irrestrita, danosa a todo o sistema jurídico.

O autor define como consequencialista qualquer manifestação, podendo variar

de uma tentativa de encontrar a melhor solução entre as possíveis e depois de

125 PISCITELLI, Tathiane dos Santos. Argumentando Pelas Consequências no Direito Tributário. 1ª. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 31. 126 Ibid., p. 121. 127 Ibid., p. 18. 128 Ibid., p. 109. 129 SCHUARTZ, Luis Fernando. Consequencialismo Jurídico, Racionalidade Decisória e Malandragem. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 248, p. 130-158, mai. 2008. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/41531>. Acesso em: 30 Ago. 2017.

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esgotadas todas as técnicas cabíveis; até àquela que utiliza as consequências de

decisão com o mesmo peso de qualquer outro elemento da decisão, isto é, como um

fato ou direito discutido.

Uma complicação na utilização de argumentos consequencialistas, segundo

Schuartz, é que para cada dado extrajurídico inserido, este deve ser fundamentado,

no entanto, quem deles se utiliza nem sempre dispõe da informação completa ou do

total entendimento dos dados; outro complicador é o fato de que as decisões devem

guardar coerência entre si, devendo ser aplicadas da mesma forma em casos

semelhantes. Logo a decisão não pode apenas levar em conta as consequências ao

caso concreto, como também serem replicadas a cada nova situação semelhante,

exigindo dos juízes uma capacidade de antever as consequências, as vezes, poderão

não ter certeza de sua realização, não apenas no caso em concreto, mas em um

universo de casos que serão julgados.

Mais adiante, o autor traz três categorias de argumentação consequencialista,

quais sejam, a festiva; a militante e a malandro; possuindo em comum o fato de que

são utilizadas quando as decisões, que utilizam apenas a aplicação de regra jurídica

parecerem contrárias aos objetivos daquele que a utiliza 130.

O autor descreve o consequencialismo festivo como aquele que importa

superficialmente doutrina estrangeira “para uso meramente ornamental131, ao sabor

dos caprichos e veleidades do usuário de fragmentos de doutrinas e teorias cientificas

e filosóficas que se encontram em voga nos centros culturais”. Paradoxalmente este,

segundo o autor, é o seu único ponto forte, quando comparado ao segundo tipo de

consequencialismo, pois ao menos, o festivo, busca embasar suas afirmações em

doutrinas balizadas, mesmo que de forma superficial.

O consequencialismo militante é utilizado por aquele que busca justificar a

decisão querida, utilizando-se do sistema normativo, principalmente dos princípios,

conforme o autor:

O apelo do consequencialismo militante vem dessa reverência nominal à Constituição, articulada em um discurso que combina, retoricamente, respeito à tradição e sua adaptação às necessidades do momento. Se a decisão judicial conforme a regras produz resultados que contrariam aquilo que exige

130 SCHUARTZ, Luis Fernando. Consequencialismo Jurídico, Racionalidade Decisória e Malandragem. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 248, p. 130-158, mai. 2008. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/41531>. Acesso em: 30 Ago. 2017. doi:http://dx.doi.org/10.12660/rda.v248.2008.41531. 131 Ibid.

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um princípio constitucional, fica relativamente fácil defender a sua invalidade jurídica quando se assume adicionalmente que há algum tipo de hierarquia entre as regras e o princípio em questão. [...] O recurso às consequências, tipicamente, é a cartada coringa, lançada sobre a mesa de forma a conduzir a discussão para um terreno no qual todos os gatos são pardos: o sujeito que faz uso do argumento não tem como prová-lo aos demais; mas estes tampouco poderão provar a sua negação.132

Ainda conforme o autor, o argumento consequencialista militante é utilizado por

aquele que tem “simpatia por uma determinada causa”133, desta forma utiliza

argumentos extrajurídicos para justificar uma decisão, que seja a favor do seu ponto

de vista, pois, simplesmente considera que agindo assim, estará realizando uma

espécie de “justiça material” à sua causa, e nem enrubesce; os argumentos

extrajurídicos são invocados e demonstrados, não se busca uma forma de ocultar-

lhes por meio de doutrinas.

Podemos identificar que Piscitelli defende um consequencialismo semelhante

ao militante, principalmente quando defende a sua “nova concepção do direito

tributário”, como é possível identificar nos seguintes trechos de sua obra:

[...] a Constituição da República tem um papel que vai além de ser mero antecedente lógico das categorias de direito tributário (e, portanto, simples fonte formal); trata-se, ao invés, do instrumento institucional pelo qual se positiva uma dada concepção de direito tributário, que não pode ser apartada de sua finalidade mantenedora do Estado, e (ii) essa concepção de direito tributário deve ser aplicada na resolução de casos tributários e um instrumento exemplar para tanto são os argumentos consequencialistas.134

E mais:

Apenas uma concepção de direito tributário que parta da consideração que este ramo de direito é parte constitutiva do Estado, cuja existência é institucional, é capaz de melhor resolver não apenas os problemas ligados à justificação de casos tributários e, assim, dos limites materiais da argumentação nessa área, preocupação específica deste trabalho, mas igualmente solucionar impasses teóricos que se encontram presentes até os dias atuais, como esse da natureza jurídica das contribuições.135

132 SCHUARTZ, Luis Fernando. Consequencialismo Jurídico, Racionalidade Decisória e Malandragem. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 248, p. 130-158, mai. 2008. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/41531>. Acesso em: 30 Ago. 2017. doi:http://dx.doi.org/10.12660/rda.v248.2008.41531 Ibid. 133 Ibid. 134 PISCITELLI, Tathiane dos Santos. Argumentando Pelas Consequências no Direito Tributário. 1ª. ed. São Paulo: Noeses, 2011. p. 88. 135 Ibid., p.95.

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Por fim, o Schuartz, delimita o chamado consequencialismo malandro, o

classificando como a forma mais complexa, pois busca na dogmática forma de

subverter a ordem e apresentar outra que seja mais aceitável.

Rigorosamente falando, portanto, as construções do consequencialismo malandro são sempre juridicamente inválidas ex ante; a sua legitimação se obtém apenas ex post, se e somente se elas são bem sucedidas, i. e., se persuadem as pessoas que deveriam persuadir para que a solução do caso seja desejada. Neste sentido pode-se dizer, da malandragem de sucesso, que é legalização silenciosa de um estado de exceção.136

Para Maccormick o limite para aplicação da argumentação consequencialista

está no próprio sistema jurídico e no papel dos juízes, uma vez que estes estão

limitados a proferirem suas decisões mantendo a coesão daquele, neste sentido:

Entre as razões pelas quais esse é um requisito da justificação jurídica está a de que há limites para a esfera de ação da atividade judicial legítima: os juízes devem fazer justiça de acordo com a lei, não legislar para o que parecer a seus olhos uma forma de sociedade idealmente justa. Embora isso não queira dizer e não possa querer dizer que eles somente devem proferir decisões diretamente autorizadas por dedução a partir de normas válidas e estabelecidas do direito, em sentido e até certo ponto, quer dizer, sim, e deve querer dizer que ada decisão, por mais aceitável ou conveniente por motivos consequencialistas, deve também ser autorizada pela lei como ela é. Na medida em que as normas detalhadas existentes sejam ou possam ser racionalizadas em termos de princípios mais gerais, princípios cujo teor vai além do âmbito de normas já estabelecidas, um fundamento suficiente e suficientemente legal existe para justificar como decisão legal alguma deliberação inovadora e a decisão particular sujeita a ela.137

Assim a argumentação consequencialista deverá buscar em todo o sistema em

que a decisão está sendo proferida, elementos que a impeça de ser proferida, por

torna-la incoerente com todo o sistema jurídico.

3.3 ARGUMENTAÇÃO DIALÉTICA E RETÓRICA

136 SCHUARTZ, Luis Fernando. Consequencialismo Jurídico, Racionalidade Decisória e Malandragem. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 248, p. 130-158, mai. 2008. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/41531>. Acesso em: 30 Ago. 2017. doi:http://dx.doi.org/10.12660/rda.v248.2008.41531. 137 MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 136-137.

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Para Manuel Atienza a argumentação retórica e dialética são subdivisões da

argumentação pragmática e são as mais empregadas na prática forense. Para o autor,

ambas buscam a persuasão e o convencimento, neste sentido:

As premissas e as conclusões, na concepção pragmática da argumentação não são nem enunciados por interpretar, nem enunciados interpretados como verdadeiros e correctos, mas enunciados aceites. A argumentação, num diálogo, só pode prosseguir, na medida em que se produz essa aceitação. [...] Também nestes caso, os fins concretos de uma argumentação pragmática podem ser variadíssimos: convencer os membros de uma comissão para que votem em determinado sentido, ganhar um pleito [...]. Enquanto que a finalidade abstrata é sempre a mesma: a aceitação por parte dos outros, a persuasão, que é a maneira de solucionar o problema de que provinha a argumentação.138

A argumentação dialética consiste na utilização do argumento anterior,

apresentado pelo opositor, na construção do próprio argumento, é um sistema de

contraposição construtiva, gradual e orientado a um objetivo, conforme o autor:

Observe-se que, como não podia ser de outra forma, o que caracteriza um diálogo, a concepção dialética da argumentação, é que cada um dos intervenientes se apoia no que o outro disse (ou no que se depreende que o outro disse). A atitude de cada um dos intervenientes pode ser propriamente dialogante (a cooperação na procura da verdade ou da correcção) ou estratégia (ganhar a contrario) ou pode consistir em alguma dessas duas atitudes básicas.139

E ainda, para o autor, a estrutura argumentativa dialética se assemelha a regras

processuais, informam quando e quem argumentará e impõe que tipo de argumento

pode ser apresentado, conforme o autor:

Os critérios de correcção, se nos situamos no plano da dialética, têm por carácter essencialmente processual, no seguinte sentido. O vencedor dos debates atenienses, por exemplo, era o que conseguia que o seu opositor incorresse em contradição, balbuciasse ou começasse a falar sem sentido... mas sempre e quando se tivessem respeitado certas regras de fair play (responder às perguntas que deveriam ser respondidas, etc.).140

138 ATIENZA, Manuel. O Direito como Argumentação. 1ª. ed. Lisboa: Escolar Editora, 2014, p.119-120. 139 Ibid., p. 113. 140 Ibid., p. 120.

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Desta forma, apesar da argumentação dialética não ter que se preocupar com

as inferências formais, ainda assim, deve se ocupara com as inferências não formais

“tratar-se-ia [...] da garantia ou do apoio de um argumento”141.

Para Atienza, a possibilidade de se estabelecer os procedimentos a serem

adotados no desenvolvimento da argumentação dialética a aproxima da lógica, neste

sentido:

De facto, nos últimos tempos desenvolveram-se diversos sistemas de “lógica dialética”, dos processos de argumentação em contextos dialécticos, de maneira que aí desempenham um papel não unicamente os argumentos em sentido estrito, mas também os actores (conforme se trate, por exemplo, do proponente – o defensor de uma tese – ou do oponente – o contraditor), cada uma das jogadas ou movimentos (actos elocucionários) que executam, os compromissos que contraem, etc.142

Por sua vez, o argumento retórico parte de determinados pontos que são

aceitos pelo público, em menor ou maior grau, para a partir dele, construir o discurso.

O elemento dialético, no entanto, pode ser considerado como oculto, uma vez que o

discurso retórico é igualmente destinado a convencer o público da correição de

determinado ponto de vista ou ação a ser tomada, porém, o discurso do opositor não

é explicito nele.

Para Atienza, no argumento retórico, a exemplo da argumentação dialética com

suas regras processuais, necessita ter o que denomina de regras técnicas, para que

o discurso seja aceito como instrumento de persuasão, neste sentido:

Todavia, no caso da retórica, não pode falar-se – ou não é obvio que possa falar-se – de regras de processo; aqui não há dois contendores que participam num jogo de acordo com certas regras, mas um orador que constrói um discurso para conseguir persuadir o auditório; não são, portanto, regras processuais, mas, mais exatamente, regras técnicas que, por assim dizer, só se aplicam a uma parte, o orador, e cuja não observância tem como consequência, simplesmente a ausência de persuasão, ou seja, que não se consiga o efeito pretendido.143

Ainda para o autor, outro elemento de aproximação entre as duas técnicas

argumentativas é a de que, em ambas, não há uma busca do argumento formalmente

válido, mas sim do convencimento da plateia144.

141 Atienza 2, p. 118. 142 Atienza 2, p. 327 143 Atienza 2, p.121. 144 Atienza 2, 337.

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O autor nos informa que a retórica era objeto de desconfiança, sendo

considerado por Platão como algo falso e enganoso, pois não se compromissava com

a verdade, mas, apenas, com a aparência de verdade145, da mesma forma que poderia

ser utilizada para persuadir e convencer algo falso ou injusto.146

Modernamente Atienza pontua três operações essenciais da retórica, sendo

elas:

A inventio tem por objetivo fixar o estudo da causa e encontrar os argumentos que vão ser utilizados para provar ou refutar. [...] A segunda parte da atividade retórica (e da teoria retórica) é a dispositivo, ou seja, a organização de um discurso (oral ou escrito) em partes. As divisões básicas [...] eram: o exordio ou introdução, em que se tratava sobretudo de conseguir a atenção do destinatário; a narrativo ou exposição dos fatos da causa; a argumentatio, de que se distinguia a probatio (apresentação das provas favoráveis) e a refutatio (destruição das provas contrárias); e a peroratio ou conclusão, em que se recorda aos destinatários os aspectos mais relevantes da exposição (recapitulatio)[...] A terceira parte da atividade retórica é a elocutio, o estilo, ou seja, a apresentação do dicurso de uma maneira atractiva, para conseguir persuasão. Para isso o discurso deve ter certas qualidades: puritas ou correção linguística; perspicuitas ou clareza da expressão; ornatos ou embelezamento do texto mediante citações ou imagens, quer sejam de dicção ou de pensamento, e urbanitas ou elegância de estilo. 147

Desta forma, o argumento retórico, além do conteúdo material, busca persuadir

e convencer também pela força de seu estilo, o que reforça a ideia de que, o

argumento retórico é construído em ração de seu auditório, neste sentido nos informa

Chaïm Perelmann e Lucie Olbrechts-Tyteca:

O que conservamos da retórica tradicional é a ideia mesma de auditório, que é imediatamente evocada assim que se pensa num discurso. Todo discurso se dirige a um auditório, sendo muito frequente esquecer que se dá o mesmo com todo escrito. Enquanto o discurso é concebido em função direta do auditório, a ausência material de leitores pode levar o escritor a crer que está sozinho no mundo, conquanto, na verdade, seu texto seja sempre condicionado, consciente ou inconscientemente, por aqueles a quem pretende dirigir-se.148

Para os autores, o contato entre o orador e o auditório deve ser construído, na

medida que este deve ter a atenção apreendida, quando aquele lhe mostra que

145 ATIENZA, Manuel. O Direito como Argumentação. 1ª. ed. Lisboa: Escolar Editora, 2014, p. 338. 146 Ibid., p. 351. 147 Ibid., p. 349-351.

148 PERELMAN, Chaïm. OLBRECHTS-TYTECA, Lucie; Tratado da Argumentação: A Nova Retórica. 3ª. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014, p.7.

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discursará sobre fatos que lhe são de interesse149. Nos ensinam ainda que, após a

obtenção do interesse do auditório, será necessário obter a sua adesão, no entanto,

devido a diversidade de sua composição deve-se estabelecer um ponto

unanimemente aceito, denominando o de “acordo do auditório universal”.150

Para Perelmann e Olbrechts-Tyteca, a retórica e a dialética caíram em desuso

a partir da obra de Descartes, uma vez que “a concepção claramente expressa por

Descartes, na primeira parte do Discurso do método, era a de considerar ‘quase como

falso tudo quanto era apenas verossímil’”151. Os autores resgatam a concepção antiga

de que um elemento básico para a construção da argumentação retórica é o auditório

a quem se destina, no entanto, sua teoria não é voltada para angariar as massas e

sim a construção de estruturas argumentativas, neste sentido:

A rejeição da primeira limitação resulta do fato de nossas preocupações serem muito mais as de um lógico desejoso de compreender o mecanismo do pensamento do que as de um mestre de eloquência cioso de formar praticantes; basta-nos citar a Retórica de Aristóteles para mostrar que nosso modo de encarar a retórica pode prevalecer-se de exemplos ilustres. Nosso estudo preocupando-se sobretudo com a estrutura da argumentação, não insistirá, portanto, na maneira pela qual se efetua a comunicação com o auditório. Conquanto seja verdade que a técnica do discurso público difere daquela da argumentação escrita, como nosso cuidado é analisar a argumentação, não podemos limitar-nos ao exame da técnica do discurso oral. Além disso, visto a importância e o papel modernos dos textos impressos, nossas análises se concentrarão sobretudo neles.152

Os autores entendem que as técnicas argumentativas retóricas podem ser

divididas em quatro grupos. No entanto, tal divisão é meramente para fins didáticos,

uma vez que o discurso retórico, comumente, salta de uma técnica a outra, conforme

a necessidade.153

O primeiro grupo é composto pelos argumentos quase-lógicos, que para os

autores, seriam aqueles que se aproximam dos “raciocínios formais, lógicos ou

matemáticos”154, inclusive utilizando a áurea de autoridade que a lógica reflete155.

149 PERELMAN, Chaïm. OLBRECHTS-TYTECA, Lucie; Tratado da Argumentação: A Nova Retórica. 3ª. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014, p.20. 150 Ibid., p.35. 151 Ibid., p.1. 152 Ibid., p. 6. 153 Ibid., p.212. 154 Ibid., p. 219. 155 Ibid., p. 135.

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Dentro deste grupo encontramos a técnica denominada “contradição e

incompatibilidade”156, que se espelha em princípios da lógica formal como o da

identidade, não contradição e do terceiro excluído. Tal técnica busca revelar quais

proposições são contraditórias e incompatíveis entre si, sobre esta técnica, os autores,

nos ensinam:

Com efeito, é raro que a linguagem utilizada na argumentação possa ser considerada inteiramente unívoca, como a de um sistema formalizado. A contradição lógica, discernível de um modo puramente formal, é intimamente ligada ao sistema e independe de nossa vontade e das contingencias, pois é inelutável no âmbito das convenções aceitas. Não é isso que se dá com a argumentação, onde as premissas penas raramente definidas de um modo inteiramente unívoco; [...] Todas essas razões fazem com que, exceto nos casos totalmente excepcionais – quando acontece ao narrador extrair alguns elos de seu raciocínio de um sistema formal -, não seja permitido alegar uma contradição no sistema do adversário.157

Por sua vez, a incompatibilidade se caracteriza pela existência de teses que se

excluem, obrigando que se opte em descartar uma, para que não se comprometa a

outra.

Dentre o grupo de técnicas argumentativas quase-lógica, podemos citar ainda

a “regra de justiça”158, que consiste em identificar objetos semelhantes, para que o

tratamento aplicado a um, seja replicado aos demais, neste sentido:

A regra de justiça requer a aplicação de um tratamento idêntico a seres ou a situações que são integrados numa mesma categoria. A racionalidade dessa regra e a validade que lhe reconhecem se reportam ao princípio de inércia, do qual resulta, notadamente, a importância conferida ao precedente.[...] [...] A regra de justiça reconhece o valor argumentativo daquilo a que um de nós chamou de justiça formal, segundo a qual os ‘seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados do mesmo modo’.159

Outra técnica semelhante à regra de justiça é a dos “argumentos de

transitividade”160, que possibilitam que determinada tese, seja acolhida por possuir um

elemento de ligação com outra, anteriormente acatada. Mas ao contrário da técnica

anterior, o elemento comum, não se encontra na tese defendida, mas é um

156 PERELMAN, Chaïm. OLBRECHTS-TYTECA, Lucie; Tratado da Argumentação: A Nova Retórica. 3ª. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014, p.221. 157 Ibid., p. 222. 158 Ibid., p. 248. 159 Ibid., p.248. 160 Ibid., p. 257

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prolongamento de uma característica da tese paradigma, que pretende que a alcance,

os autores exemplificam:

Esta nos oferece, ademais, um bom exemplo da diversidade dos esquemas argumentativos que podem estar envolvidos: em vez de uma transferência do tipo a R b, b R c, pode-se ver aí uma transferência do tipo a = b, b = c, logo, a = c [...].161

O segundo grupo de técnicas argumentativas elencadas pelos autores, são a

dos “argumentos baseados na estrutura do real”162, que abriga argumentos que

estabelecem “uma solidariedade entre juízos admitidos e outros que se procura

promover”163.

Encontramos neste grupo “argumento do desperdício164”, que consiste em

valorizar as etapas anteriores a um resultado pretendido, para que não se desvencilhe

do caminho percorrido até o momento. Neste sentido, os autores elucidam:

É particularmente apreciado aquilo cuja presença viria completar favoravelmente um conjunto, que então se pode encarar como estando na própria natureza das coisas. Numa concepção otimista do universo, a ideia de desperdício incentiva a completar estruturas, integrando nelas aquilo cuja ausência é sentida como algo que se deixou escapar. O sentimento de algo que se deixou escapar pode desempenhar um papel, mesmo quando não se sabe exatamente em que consiste a oportunidade perdida.[...]165

Dentro do grupo de técnicas argumentativas baseadas na estrutura do real,

existe o subgrupo das “técnicas de ruptura e de refreamento opostas à interação ato-

pessoa”166, que consistem em rejeitar atos atribuídos a um sujeito, levando em

consideração que este é bom ou mau, ou que pratica atos bons ou maus,

incompatíveis com o que se pretende atribuir a ele; outra possibilidade desta técnica

argumentativa é considerar que o ato possui atributos positivos ou negativos que o

incompatibilizam com determinado sujeito, nestes sentido:

161 PERELMAN, Chaïm. OLBRECHTS-TYTECA, Lucie; Tratado da Argumentação: A Nova Retórica. 3ª. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014, p. 257 162 Ibid., p. 297. 163 Ibid., p. 297. 164 Ibid., p. 317. 165 Ibid., p. 319. 166 Ibid., p. 353.

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A técnica mais eficaz para impedir a reação do ato sobre o agente é considerar este um ser perfeito, no bem ou no mal, considera-lo um deus ou um demônio. A técnica mais eficaz para impedir a reação do agente sobre o ato é considerar este último uma verdade ou a expressão de um fato.167

Em certa medida, a técnica de ruptura é contrária ao argumento de autoridade,

uma vez que nesta o prestigio do sujeito é que faz o ato ou opinião ser considerada

como boa ou má, conforme os autores:

Muitos argumentos são influenciados pelo prestígio. É o caso, como vimos, do argumento pelo sacrifício. Mas existe uma série de argumentos cujo alcance é totalmente condicionado pelo prestígio. A palavra de honra, dada por alguém como única prova de uma asserção, dependerá da opinião que se tem dessa pessoa como homem de honra; [...]168

O terceiro grupo de técnicas argumentativas, trazidas pelos autores, é das

“ligações que fundamentam a estrutura do real”169, que consistem em demonstrar que

características de uma tese específica podem ser generalizadas, em um movimento

semelhante à indução. Ainda para os autores a utilização de precedentes é ilustrativo

desta técnica, neste sentido:

Em direito, invocar o precedente significa trata-lo como um exemplo que fundamenta uma regra, nova pelo menos sob alguns de seus aspectos. Por outro lado, uma disposição jurídica é com frequência encarada como um exemplo de princípios gerais, reconhecíveis a partir desta disposição.170

Dentre as técnicas deste grupo, encontramos a aplicação da ilustração, cujo

objetivo é reforçar o entendimento de que determinada regra, obtida na análise de um

caso particular é replicado em diversas situações, logo, reforçando a sua correção,

neste sentido:

Enquanto o exemplo era incumbido de fundamentar a regra, a ilustração tem a função de reforçar a adesão a uma regra conhecida e aceita, fornecendo casos particulares que esclarecem o enunciado geral, mostram o interesse deste através da variedade das aplicações possíveis, aumentam-lhes a presença na consciência. Embora haja situações em que se pode hesitar quanto à função cumprida por tal caso particular introduzido numa argumentação, ainda assim a distinção proposta nos parece importante e

167 PERELMAN, Chaïm. OLBRECHTS-TYTECA, Lucie; Tratado da Argumentação: A Nova Retórica. 3ª. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014, p. 353. 168 Ibid., p. 347. 169 Ibid., p. 399. 170 Ibid., p. 400.

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significativa, pois, sendo o papel da ilustração diferente daquele do exemplo, sua escolha estará sujeita a outros critérios. Enquanto o exemplo deve ser incontestável, a ilustração, da qual não depende a adesão à regra, pode ser duvidosa, mas deve impressionar vivamente a imaginação para impor-se à atenção.171

Ainda neste grupo de técnicas argumentativas, encontramos a metáfora, que

para o autor é “pelo menos no que tange à argumentação, como uma analogia

condensada”172, os autores a definem como:

Na tradição dos mestres de retórica, a metáfora é um tropo, ou seja, ‘uma mudança bem-sucedida de significação de uma palavra ou de uma locução’; seria mesmo o tropo por excelência. Pela metáfora, diz-nos Dumarsais, ‘transporta-se, por assim dizer, a significação própria de um nome para outra significação, que só lhe convém em virtude de uma comparação que existe na mente’.173

No entanto, considerando os ensinamentos dos autores, a metáfora é a técnica

argumentativa a qual não se deve lançar mão com frequência, pois seu efeito é

diminuído pelo desgaste do uso recorrente, uma vez que as figuras relacionadas,

passam a ser reconhecidas como seu uso comum174.

O quarto grupo de técnicas argumentativas é denominado de “dissociação das

noções”175, é o contraponto das demais técnicas na medida que as anteriores

buscavam demonstrar a ligação entre elementos para embasar a tese, esta objetiva

obter a aderência à tese demonstrando que não possui determinadas características.

Neste sentido os autores ensinam:

A técnica de ruptura de ligação consiste, pois, em afirmar que são indevidamente associados elementos que deveriam ficar separados e independentes. Em contrapartida, a dissociação pressupõe a unidade primitiva dos elementos confundidos no seio de uma mesma concepção, designados por uma mesma noção. A dissociação das noções determina um remanejamento mais ou menos profundo dos dados conceituais que servem de fundamento para a argumentação. Já não se trata, nesse caso, de cortar os fios que amarram elementos isolados, mas de modificar a própria estrutura destes.176

171 PERELMAN, Chaïm. OLBRECHTS-TYTECA, Lucie; Tratado da Argumentação: A Nova Retórica. 3ª. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014, p. 407. 172 Ibid., p. 453. 173 Ibid., p. 453. 174 Ibid., p. 459. 175 Ibid., p. 468. 176 Ibid., p. 468.

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Dentre suas técnicas está a que consiste em separar a falsa aparência daquela

que expressa a realidade, desta forma, é possível retirar as amarras conceituais

impostas a objetos que possuem determinada aparência. Neste sentido, os autores

nos ensinam:

Essa primeira constatação ressalta imediatamente o caráter equivoco, o significado e o valor indecisos da aparência. É possível que a aparência seja conforme ao objeto, confunda-se com ele, mas é possível também que ela nos induza ao erro a seu respeito. Enquanto não tivermos razão alguma de duvidar dela, a aparência é apenas o aspecto sob o qual o objeto se apresenta, entende-se, por aparência, por serem incompatíveis, não podem ser aceitas todas ao mesmo tempo, é que se opera, graças à distinção entre as aparências que são enganosas e as que não o são, uma dissociação que dá origem ao par ‘aparência-realidade’, do qual cada termo remete ao outro de uma maneira que devemos examinar com maior atenção.177

Como dito, as técnicas argumentativas se apresentam de forma separada

apenas para fins didáticos, uma vez que a prática da retórica insta o orador a utilizar

de todos os meios possíveis para obter o seu intento.

3.4 OUTRAS TÉCNICAS DE ARGUMENTAÇÃO

Abordaremos nesta sessão outras técnicas argumentativas menores, que por

muitas vezes são tomadas como falácias ou erística.

Para Atienza, falácias são argumentos aparentemente válidos178, para o autor

somente pode se entender um argumento como falacioso, em seu sentido pejorativo,

se intencionalmente for utilizado como estratégia argumentativa para levar o

adversário ao erro, para o autor, a constatação da falácia não é a priori, determina-se

como falacioso, após a verificação em seu contexto179.

Segundo Copi, uma técnica possível no campo da argumentação é a apelação

a quem é reconhecidamente uma autoridade em referência ao tema em discussão180.

177 PERELMAN, Chaïm. OLBRECHTS-TYTECA, Lucie; Tratado da Argumentação: A Nova Retórica. 3ª. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014, p. 472. 178 ATIENZA, Manuel. O Direito como Argumentação. 1ª. ed. Lisboa: Escolar Editora, 2014, p. 355. 179 Ibid., p. 357-359. 180 COPI, Irving M. Introdução à lógica. 2ª ed. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1978, p.81.

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O uso desta técnica argumentação visa dar uma maior carga de prestígio ao

argumento que se defende, mostrando que se está em companhia de pessoas que

são reconhecidamente estudiosas do assunto, defendendo uma opinião mais

balizada.

Para o autor, o apelo à autoridade não necessariamente será uma falácia,

podendo ser considerado como argumento indiciário de correção da posição que se

defende, se a autoridade for reconhecida no campo da matéria em discussão. Por

outro lado, o apelo ao prestigio de pessoa renomada, mas, em campo diverso, pode

ser considerado falacioso, uma vez que se utiliza apenas do prestigio pessoal, não do

reconhecimento da autoridade no campo em que se busca ganhar a disputa.

Já para Arthur Schopenhauer, o apelo a autoridade terá maior ou menor

eficácia conforme o conhecimento do adversário sobre a autoridade invocada181, o

que condiciona a, antes da utilização do estratagema, ter uma prévia noção da

profundidade do conhecimento da outra parte sobre o assunto. Para o autor, também

são considerados argumentum ad verecundiam opiniões universalizadas, aceitas por

muitos, mesmo que nenhum dentre estes muitos seja reconhecido como especialista

no assunto182.

Para Perelmann e Tyteca, o argumento de autoridade foi amplamente atacado

quando passou a ser utilizado em excesso, pois impedia a livre pesquisa cientifica183,

isto porque, o abuso desta técnica inibiu a buscar por vertentes diferentes das que as

“autoridades” professassem.

Ainda para Copi, podem ser listados como técnica argumentativa as que, após

terminadas todas as possibilidades racionais, apelam para demonstração de algum

tipo de força, seja ela bruta ou apenas de influenciar determinado resultado, este tipo

de argumento é chamado de ad baculum. O autor cita o seguinte exemplo de sua

aplicação:

O cabo eleitoral de um partido politico usa o argumentum ad baculum, quando recorda a um deputado que ele (o cacique) representa a manobra a seu bel-prazer tantos milhares de votos no distrito eleitoral do deputado ou tantos contribuintes potenciais para as campanhas de angariação de fundos.184

181 SCHOPENHAUER, Arthur. Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997, p. 164. 182 Ibid., p.167. 183 PERELMAN, Chaïm. OLBRECHTS-TYTECA, Lucie; Tratado da Argumentação: A Nova Retórica. 3ª. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014, p. 348. 184 COPI, Irving M. Introdução à lógica. 2ª ed. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1978, p. 75.

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Com a utilização do argumentum ad hominen se busca desacreditar uma

proposição não atacando os seus termos, mas sim considerando a reputação ou

posição daquele que a proferiu, nos ensina Copi:

O modo como por vezes, este argumento falaz pode persuadir é através do processo psicológico de transferência. Se pode ser provocada uma atitude de desaprovação em relação a uma pessoa, essa atitude terá possibilidades de tender para transbordar do campo estritamente emocional e converter-se em desacordo com o que essa pessoa diz. Mas esta conexão é só psicológica, não lógica. Assim, o mais perverso dos homens pode, por vezes, dizer a verdade ou raciocinar corretamente.185

O autor ainda nos cita outras falácias, como a do acidente, que “consiste em

aplicar uma regra geral a um caso particular, cujas circunstâncias ‘acidentais’ tornam

a regra inaplicável”186; a do acidente convertido, que é considerar especificidades de

determinado objeto como presente em outros187; e a falsa causa, que é criação de um

falso nexo de causalidade entre um efeito e causa188.

Os argumentos falaciosos trazem uma áurea de verdade que, no entanto, não

se mantém em uma segunda análise. É particularmente perigoso sua utilização em

conjunto com a técnica dialética, uma vez que, caso o adversário a perceba poderá

demonstrar como o discurso do opositor é equivocado.

3.5 LEI COMPLEMENTAR Nº 95, DE 1998

A atividade de interpretação das normas legais se inicia pela apreensão do

sentido de seu texto, considerando apenas os elementos que traz estampados; sendo

necessário indagar se dispositivos mal redigidos são suficientes para causar

interpretações divergentes entre os diversos sujeitos que com ele lidam.

A legística, segundo Fabiana de Menezes Soares, é a ciência que busca

aumentar a concretização dos objetivos dos textos legais, por meio dos elementos

185 COPI, Irving M. Introdução à lógica. 2ª ed. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1978, p. 76. 186 Ibid., p. 82. 187 Ibid., p. 83. 188 Ibid., p. 83.

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formais que facilitam a sua compreensão189; as técnicas da criação de normas,

conforme esta ciência, devem ser aplicadas antes mesmo de sua edição, conforma a

autora:

A Legística Material reforça a faticidade (ou realizabilidade) e a efetividade da legislação, seu escopo é atuar no processo de construção e escolha da decisão sobre o conteúdo da nova legislação, em como o processo de regulação pode ser projetado, através da avaliação do seu possível impacto sobre o sistema jurídico, por meio da utilização de técnicas (como por exemplo check list, modelização causal, reconstrução da cadeia de fontes) que permitam tanto realizar, diagnósticos, prognósticos, mas também verificar o nível de concretude dos objetivos que justificaram o impulso para legislar e dos resultados obtidos a partir da sua entrada em vigor 190.

A autora defende que textos legais mal redigidos podem, inclusive, afetar todo

o sistema normativo:

A Legística se debruça sobre um contexto, no qual discussões grassam e expressam fenômenos típicos de nosso tempo onde a legislação (aqui compreendida como conjunto de atos normativos) está em expansão, e muitas vezes concorre para a falta de coerência do sistema normativo, o que culmina por afetar a completude do ordenamento jurídico.

Por sua vez, Jair Francelino Ferreira, identificou que as normas podem tornar-

se incoerentes quando sofrem alterações sucessivas:

A inexistência de um limite objetivo para a quantidade de alterações que determinada lei pode sofrer por meio de leis alteradoras permite que convivamos no nosso ordenamento jurídico com leis tão remendadas que não lhes resta quase mais nada do texto original. Esse fato tende a contribuir para o aumento de incoerências textuais no corpo desses “franksteins” jurídicos ainda em vigor.191

A Lei Complementar nº 95, de 1998, foi editada em atendimento ao parágrafo

único do art. 59 da CF, entre seus objetivos, está o de trazer clareza formal às normas

legais, em sentido amplo, possibilitando por meio de hierarquização dos componentes

189 SOARES, Fabiana de Menezes. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 50, p. 124, jan - jul.,2007. 190 Ibid. 191 FERREIRA, Jair Francelino. A Lei Complementar nº 95, de 1998, e a Técnica de Alteração das Leis: Incoerência e Controvérsias Textuais na Legislação Federal Decorrente do Procedimento de Alteração das Leis. 63f. Monografia (especialização) – Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor), da Câmara dos Deputados, Curso de Especialização em Instituições e Processos Políticos do Legislativo, Brasília, 2009.

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e signos um entendimento lógico de seu sentido, como se observa principalmente em

seu artigo 11192:

Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas: I - para a obtenção de clareza: a) usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legislando; b) usar frases curtas e concisas; c) construir as orações na ordem direta, evitando preciosismo, neologismo e adjetivações dispensáveis; d) buscar a uniformidade do tempo verbal em todo o texto das normas legais, dando preferência ao tempo presente ou ao futuro simples do presente; e) usar os recursos de pontuação de forma judiciosa, evitando os abusos de caráter estilístico; II - para a obtenção de precisão: a) articular a linguagem, técnica ou comum, de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma; b) expressar a idéia, quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico; c) evitar o emprego de expressão ou palavra que confira duplo sentido ao texto; d) escolher termos que tenham o mesmo sentido e significado na maior parte do território nacional, evitando o uso de expressões locais ou regionais; e) usar apenas siglas consagradas pelo uso, observado o princípio de que a primeira referência no texto seja acompanhada de explicitação de seu significado; f) grafar por extenso quaisquer referências a números e percentuais, exceto data, número de lei e nos casos em que houver prejuízo para a compreensão do texto; g) indicar, expressamente o dispositivo objeto de remissão, em vez de usar as expressões ‘anterior’, ‘seguinte’ ou equivalentes; III - para a obtenção de ordem lógica: a) reunir sob as categorias de agregação - subseção, seção, capítulo, título e livro - apenas as disposições relacionadas com o objeto da lei; b) restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um único assunto ou princípio; c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida; d) promover as discriminações e enumerações por meio dos incisos, alíneas e itens.

A Lei Complementar nº 95, de 1998, é um exemplo de Legística formal, pois

institui parâmetros básicos para a estruturação das normas, uma lei deve “ser lógica

no sentido técnico”193; sempre que necessário, para fins do objeto de investigação do

192 BRASIL. Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 de fevereiro de 1998. 193 MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 51.

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presente trabalho, ela será utilizada para verificar se, a divergência em discussão,

entre contribuinte e administração fazendária, se originou por má redação da norma,

ou ainda, por interpretação incorreta das próprias disposições da citada Lei

Complementar.

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4 ANALISES

Para Atienza, as decisões devem ser justificadas, não podendo ser impostas

apenas porque a autoridade que a proferiu possui a prerrogativa, neste sentido:

[...] especialmente no contexto do Direito moderno, no qual a obrigação estabelecida de ‘motivar’ – justificar – as decisões contribui não só para torna-las aceitáveis -, e isso é particularmente relevante nas sociedades pluralistas que não consideram como fonte de legitimidade ou de consenso coisas tais como tradição ou autoridade -, como também para que o Direito possa cumprir a sua função de guia da conduta humana.194

Desta forma, o presente capítulo buscará identificar nos votos de maior

relevância, das decisões, além das técnicas interpretativas, quais são os elementos

utilizados para alcançar a conclusão da sentença. Buscará ainda demonstrar os

efeitos práticos da interpretação e argumentação, quando elas puderem alterar

entendimentos anteriormente estabelecidos.

Obviamente não se espera que a cada trecho do relatório das decisões seja

possível identificar claramente qual forma de argumentação ou interpretação se

utilizou, além de não ser algo enunciado no texto, há intersecções entre as diversas

formas e ainda, em especial, quanto as técnicas argumentativas, não as revelar é, por

diversas vezes, uma estratégia.

4.1 REXT 593.849/MG x ADI 1851/AL

Como exemplo de alteração de entendimento jurisprudencial sobre a mesma

matéria, analisamos uma alteração recente sobre a possibilidade de restituição do

ICMS recolhido por substituição tributária.

No início de 2017, os Ministros do Supremo Tribunal Federal julgaram, em

regime de repercussão geral, o Recurso Extraordinário 593.849/MG195, estabelecendo

194 ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito: Teorias da Argumentação Jurídica. 2ª. ed. São Paulo: Landy Editora, 2002. p. 25. 195 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário nº 593.849/MG. Recorrente: Parati Petróleo Ltda. Recorrido: Estado de Minas Gerais. Relator: Min. Edson Fachin. 2017. Disponível

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que o contribuinte poderá recuperar o valor do ICMS Substituição tributária se a base

de cálculo aplicada à sua operação for menor do que a presumida no momento da

aquisição. Este entendimento alterou o anteriormente julgado na Ação Direta de

Inconstitucionalidade 1851/AL196, que considerava como possível a restituição apenas

se a operação subsequente não ocorresse, reafirmando os termos da Cláusula

segunda do Convênio ICMS nº 13, de 1997, com a seguinte redação:

Cláusula segunda: Não caberá a restituição ou cobrança complementar do ICMS quando a operação ou prestação subsequente à cobrança do imposto, sob a modalidade da substituição tributária, se realizar com valor inferior ou superior àquele estabelecido com base no artigo 8º da Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996. 197

A ADI foi proposta em 1998 e julgada em 2002. Na ocasião, considerando o

relatório do Ministro Ilmar Galvão, os autores argumentaram que, em síntese, o

referido dispositivo feria o artigo 150, em seu parágrafo 7º, da Constituição Federal:

§ 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.198

Os autores também argumentaram de forma a chamar a atenção para a

consequência da cláusula segunda do convênio em apreço, ao evidenciar a

repercussão econômica da impossibilidade de restituir os valores recolhidos acima do

realizado, conforme o seguinte trecho, ainda extraído do relatório do Ministro Ilmar

Galvão:

Sustenta, mais, que a utilização do regime de substituição tributária há de ser neutra relativamente ao arquétipo do imposto, não sendo ele compatível que,

em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2642284>. Acesso em 16 out. 2017. 196 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1851/AL. Requerente: Confederação Nacional do Comércio - CNC. Requerido: Governador do Estado de Alagoas. Relator: Min. Ilmar Galvão. 2017. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266781>. Acesso em 16 out. 2017. 197 BRASIL. Convênio ICMS nº 13, de 21 de março de 1997. Harmoniza procedimento referente a aplicação do §7º, artigo 150, da Constituição Federal e do artigo 10 da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996. Disponível em < https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/1997/cv013_97>. Acesso em 05 nov. 2017. 198 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em 05 nov. 2017.

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da aplicação de técnica de simplificação arrecadatória, resulte tributação maior que a devida, em prejuízo não apenas do consumidor, mas também do contribuinte substituído, que terá de competir em desigualdade com outros que operem sob regime de pagamento de tributo calculado sobre o valor da última operação, com que se sujeitem a sistema em que o tributo só seja cobrado do comerciante.199

Ainda, podemos extrair que os autores buscaram interpretar o parágrafo 7º do

art. 150 da CF/88, de forma a tirar dele maior alcance, utilizando a interpretação

sistemática:

Ademais, nos dizeres da inicial, para que se possa ter por justificado e legitimado o regime de substituição tributária para a frente, forçoso entender-se que o direito à restituição do tributo ocorre não apenas quando o fato gerador presumido não vier a realizar-se, mas também na hipótese mais frequente de não se realizar ele nas dimensões previstas à época do recolhimento, sob pena de sujeitar-se o contribuinte ao pagamento do imposto maior do que o devido e, ainda, de ter-se por inócua a própria previsão constitucional de restituição do excesso.200

Os requeridos, por sua vez, alegaram que o instituto da substituição tributária

visa atender aos princípios de maior economia, eficiência e celeridade na arrecadação

de tributos; que a base de cálculo presumida é aceita pela Constituição Federal, e que

é regulada por lei; que retirar das operações a base de cálculo presumida iria esvaziar

o próprio instituto da substituição tributária, logo confrontando igualmente a Carta

Magna; que haverá pagamento maior do que o devido apenas nas situações em que

não foram observadas os critérios estabelecidos para o seu cálculo.

O voto do Relator, Ministro Ilmar Galvão, votou no sentido de julgar a pretensão

do requerente improcedente.

Após tecer comentários sobre o histórico da instituição da substituição tributária

no sistema jurídico, bem como a sua regulamentação e suas outras formas de

aplicação, argumentou pelas consequências benéficas da aplicação do instituto em

referência a diminuição da sonegação fiscal, nestes termos:

Graças ao instituto da substituição, o tributo, em vez de ser exigido de centenas ou de milhares de produtores, é recolhido por um só contribuinte,

199 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1851/AL. Requerente: Confederação Nacional do Comércio - CNC. Requerido: Governador do Estado de Alagoas. Relator: Min. Ilmar Galvão. 2017. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266781>. Acesso em 16 out. 2017. 200 Ibid.

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possibilitando uma fiscalização mais simples e eficaz, capaz de evitar a sonegação. Tem por efeito o diferimento do imposto, calculado em razão de pressuposto material já verificado.201

O Ministro deixa visível o seu entendimento, prol a arrecadação de imposto por

substituição tributária, quando por diversas ocasiões, colaciona doutrinadores que

defendem a plena aplicação desta forma de arrecadação, utilizando-se assim a

técnica do argumentum ad verecundiam.

Por fim, quanto a questão da possibilidade de ressarcir o valor recolhido em

montante maior, conclui:

O fato gerador do ICMS e a respectiva base de cálculo, em regime de substituição tributária, de outra parte, conquanto presumido, não se revestem de caráter de provisoriedade, sendo de ser considerado definitivo, salvo se, eventualmente, não vier a realizar-se o fato gerador presumido. Assim, não há falar em tributo pago a maior, ou a menor, em face do preço pago pelo consumidor final do produto ou serviço, para fim de compensação ou ressarcimento, quer de parte do Fisco, quer de parte do contribuinte substituído. Se a base de cálculo é previamente definida em lei, não resta interesse jurídico em apurar se correspondeu ela à realidade.202

Podemos classificar o argumento do Ministro Ilmar Galvão como

aparentemente dedutivo, uma vez que utiliza os parâmetros do parágrafo 7º do art.

150 da CF, para definir a abrangência da possibilidade de restituição.

Mas, no entanto, nos parágrafos adiante, é possível identificar que o Ministro

relator, considerando a universalização de sua decisão, objetiva preservar o instituto

da substituição tributária, que defende como plenamente válido, neste sentido

extraímos os seguintes insertos:

Admitir o contrário, valeria pela inviabilização do próprio instituto da substituição tributária progressiva, visto que implicaria, o que concerne ao ICMS, o retorno ao regime de apuração mensal do tributo e, consequentemente, o abandono de um instrumento de caráter eminentemente prático, porque capaz de viabilizar a tributação de setores de difícil fiscalização e arrecadação. Na verdade, visa o instituto evitar, como já acentuado, a necessidade de fiscalização de um sem-número de contribuintes, centralizando a máquina-fiscal do Estado num universo consideravelmente menor, e com acentuada redução do custo operacional e consequente diminuição da evasão fiscal. Em suma, propícia ele maior

201 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1851/AL. Requerente: Confederação Nacional do Comércio - CNC. Requerido: Governador do Estado de Alagoas. Relator: Min. Ilmar Galvão. 2017. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266781>. Acesso em 16 out. 2017. 202 Ibid.

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comodidade, economia, eficiência e celeridade na atividade estatal ligada à imposição tributária. Não seria, realmente, de admitir que, diante desses efeitos práticos, decisivos para a adoção da substituição tributária, viesse o legislador a criar mecanismos capaz de inviabilizar a utilização do valioso instituto, com a compensação de eventuais excessos ou faltas, em face do valor real da última operação, determinando o retorno da apuração mensal do tributo, prática que justamente teve por escopo obviar.203

Considerando o trecho extraído, é perceptível que o Ministro, para defender a

sua posição, buscou apenas considerar os benefícios que o regime de substituição

tributária trouxe a administração, evidenciando apenas um deles, que é a simplificação

da arrecadação, no entanto, outro não evidente é que, limitando a restituição como se

encontrava, a Fazenda Pública obtinha o direito de manter em seus cofres o valor

excedente ao realmente devido, aumentando a sua arrecadação.

Tanto assim fez que, desconsiderou a interpretação do contribuinte de que,

uma posição contrária a restituição de valores cobrados a mais nas operações

anteriores, esvaziaria “a própria previsão constitucional de restituição do excesso”204.

Esta ocultação da motivação, conforme visto anteriormente, é combatido por

Piscitelli, pois para a autora, a argumentação consequencialista é válida e deve ser

amplamente evidenciada, para igualmente poder ser contestada pela outra parte.

Seguindo este raciocínio, infere-se que se o Ministro Relator assentasse suas

razões em, além da maior efetividade de arrecadação e menor evasão, também no

fato de que a Fazenda Pública obtém o montante superior de arrecadação, abriria

brecha para os interessados questionarem se este valor excedente é de direito da

administração pública.

Em resumo o Ministro Ilmar Galvão defende a posição tomada, com os

seguintes argumentos:

a) Ser prevista na legislação, colacionando ampla gama de normas, inclusive

revogadas para demonstrar a previsão no ordenamento, além da pretensão

de evidenciar o atendimento ao princípio da legalidade;

b) Os benefícios alcançados, sendo evidenciado apenas a simplificação para

a administração pública arrecadar impostos e a diminuição da evasão fiscal;

203 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1851/AL. Requerente: Confederação Nacional do Comércio - CNC. Requerido: Governador do Estado de Alagoas. Relator: Min. Ilmar Galvão. 2017. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266781>. Acesso em 16 out. 2017. 204 Ibid.

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c) Apesar de o valor do ICMS por meio da substituição tributária ser calculado

sob base presumida, não significa que a base seja provisória, logo, não

deve ser corrigida.

Desta forma, ficou estabelecido que não haverá possibilidade de restituição de

valores recolhidos em montante superior ao presumido.

Os trechos acima também evidenciam que o Ministro Ilmar Galvão utilizou a

interpretação teleológica para definir a razão da existência do instituto da substituição

tributária, sendo ela, a de facilitar o controle e recolhimento do imposto pelo Estado.

O entendimento quanto à matéria do ADI 1851/AL, se manteve por anos, até

que em 2017 o Supremo Tribunal Federal foi confrontado novamente com a discussão

sobre o parágrafo 7º do art. 150 da Constituição, dando entendimento diverso e

contrário ao proferido em 2002.

No RE 593.849/MG, o contribuinte alegou que a hipótese de restituição do valor

do ICMS substituição tributária era devido tanto quando não ocorresse a saída

posterior, como quando houvesse diferença entre o valor recolhido na operação

anterior e o efetivamente praticado.

O Relator foi o Ministro Edson Fachin, que já na abertura de seu voto evidenciou

que as questões em discussão versam sobre a saúde financeira dos Estados e as

garantias constitucionais dos contribuintes.

Igualmente descreveu a evolução histórica da aplicação da substituição

tributária e as considerações que levaram a decisão da ADI 1851/AL.

O Ministro Relator, fez uso do argumenum ad verecundiam, utilizando-se de

doutrinadores como Neil Maccormick, Misabel Derzi entre outros para embasar o seu

ponto de argumentação de que o princípio da praticidade, defendido pelo Ministro

Ilmar Galvão, entre outros, no julgamento da ADI 1851/AL, não poderá ser utilizado

de forma que viole o direito de contribuintes de ser tributado conforme o que é devido,

neste sentido conclui:

Conclui-se, então, que uma interpretação restritiva do §7º do artigo 150 da Carta Constitucional, para fins de legitimar a não restituição do excesso, representaria injustiça fiscal inaceitável em um Estado Democrático de Direito, fundado em legítimas expectativas emanadas de uma relação de confiança e justeza entre Fisco e Contribuinte. Em suma, a restituição do

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excesso atende ao princípio que veda o enriquecimento sem causa, tendo em conta a não ocorrência da materialidade presumida do tributo.205

Do trecho destacado, é possível identificar também que o Ministro Relator

utilizou a interpretação sistemática e teleológica, na medida em que, considerou os

preceitos ínsitos em uma democracia, cuja finalidade, dentre outras é assegurar aos

contribuintes um tratamento justo.

Para proferir voto contrário ao que foi estabelecido pela ADI 1851/AL, o Ministro

Relator considerou questões diversas, como a constitucionalidade, segurança jurídica

e limitação ao poder de tributar; tais questões não foram abordadas no voto do Ministro

Ilmar Galvão, que se concentrou no princípio da praticidade para considerar que a

restituição não era devida.

Há que se pontuar que, o argumento de que a complexidade da arrecadação

não pode ser transferida para o contribuinte, foi visitado antes de proferida a decisão

na ADI 1851/AL, conforme se vê nas interrupções do Ministro Carlos Velloso,

enquanto o Ministro Sepúlveda Pertence proferia se voto, conforme extraímos:

Ministro Sepúlveda Pertence [...] A Emenda Constitucional 03/93, de que resultou o § 7º do art. 150, veio dar ao fisco um mecanismo eficaz para determinado tipo de circulação econômica e fez a ressalva. Agora, se esta ressalva é interpretada de modo a inviabilizar o instrumento fiscal que se autorizou, a meu ver, o que se está é negando a efetividade no sentido principal. Ministro Carlos Velloso: Data vênia, isso é uma questão da responsabilidade da fiscalização, vale dizer, do Fisco. Ministro Sepúlveda Pertence: Excelência, mas se a fiscalização pudesse ser feita com perfeição, não haveria razão para o instituto da substituição tributária.

Para o Ministro Teori Zavascki, a mudança no entendimento quanto a ADI

1851/AL é indevida, pontuando os seguintes argumentos:

O ideal, nesse domínio de imposição tributária, seria que a base de cálculo, em todas as operações, correspondesse exatamente ao valor da operação, no exato momento em que ela ocorresse, e que nesse momento se exigisse do contribuinte a satisfação da exação. Em outras palavras: o ideal seria que não houvesse o fenômeno da chamada “substituição tributária progressiva” ou “para frente”.

205 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário nº 593.849/MG. Recorrente: Parati Petróleo Ltda. Recorrido: Estado de Minas Gerais. Relator: Min. Edson Fachin. 2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2642284>. Acesso em 16 out. 2017.

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Todavia, por opção do próprio legislador constituinte (EC 03/93), preocupado originalmente em evitar a guerra fiscal entre Estados, mas também em razões de praticidade e eficiência na arrecadação do tributo, foi introduzido o § 7º do art. 150 da CF, que certamente representa um modelo específico, e como tal deve ser interpretado e aplicado, mesmo que não atenda à perfeição o modelo idealizado.206

Do trecho é possível destacar a utilização da interpretação intencionalista,

quando buscou no desejo do constituinte a instituição da técnica de substituição

tributária progressiva, igualmente utilizou a interpretação teleológica.

Analisando o parágrafo 7º do artigo 150 da Constituição Federal, entendeu,

interpretando gramaticalmente, que é indevida a restituição do valor de ICMS

recolhido pela técnica da Substituição Tributária, quando o valor recolhido

anteriormente for maior que a efetiva.

O Ministro Dias Toffoli, prevendo que haveriam novas demandas dos Estados

contra os contribuintes para cobrar tributo quando o valor recolhido a título de

substituição tributária se comprovasse menor do que o efetivamente ocorrido,

argumentou que:

Então, fico a imaginar qual seria a solução: de duas que param em pé, de duas que têm fundamentos constitucionais extremamente sólidos, qual é aquela que daria uma solução prática, já que, como disse o Ministro Luiz Fux e os que o antecederam, é uma via de mão dupla; tanto favorece o valor final ao Fisco quanto ao particular. A solução do Ministro Ilmar Galvão, no final da sua decisão, ao estabelecer e fixar aquele valor provisório como um valor definitivo, evita os conflitos, as várias discussões a respeito. [...] Diante de duas soluções que param em pé, que têm fundamentos sólidos, eu vou pedir vênia ao Relator e aos que o acompanharam, com sólidos fundamentos, para trazer uma solução mais prática. E a solução mais prática, mais pragmática que entendo que traz menos conflituosidade e pacifica mais o tema é manter a jurisprudência.207

É visível que argumentou considerando as consequências de uma reforma,

estas não necessariamente aplicadas à arrecadação, mas sim a quantidade de

demandas que o STF, hipoteticamente, seria chamado a dirimir.

206 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário nº 593.849/MG. Recorrente: Parati Petróleo Ltda. Recorrido: Estado de Minas Gerais. Relator: Min. Edson Fachin. 2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2642284>. Acesso em 16 out. 2017. 207 Ibid.

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Por sua vez, o Ministro Gilmar Mendes, igualmente, argumentou pelas

consequências, no entanto, as que se refletirão no campo da arrecadação, nestes

termos:

Nesse sentido, na linha do que já disse o ministro Toffoli, eu seria muito cauteloso no que diz respeito à mudança da jurisprudência. Já não estamos em um momento brilhante em termos econômicos e financeiros. Estamos vivendo, talvez, a maior depressão que esse país já enfrentou. Naquela conversa que Vossa Excelência muito bem conduziu com o Ministro da Fazenda, tivemos oportunidade de ouvir que, quando a economia e o PIB crescem, a tendência brasileira é que o crescimento da receita se projete ainda mais. E, quando a economia decresce, o decréscimo da receita é mais acentuado. Atualmente, economistas de renome, como José Roberto Afonso, têm observado que, em função de uma realidade, o retorno do desenvolvimento econômico não se vai traduzir no regresso ao estágio existente da tributação. Por quê? Porque hoje já se usa de outras estratégias. Veja que se generalizou, gostemos ou não, aquilo que chamam na linguagem trabalhista, um pouco pejorativa, de "pejotização" - antigos empregados que agora são pessoas jurídicas. Portanto, nessa parte, a arrecadação tributária cai. Usa-se Skype ou WhatsApp para fugir da telefonia; e, logo, não se fazer incidência de ICMS. Portanto, estamos aqui a desarrumar um sistema que funciona. E não é o momento de "acender fósforo para ver se tem gasolina no tanque". É essa a minha ponderação.

A ADI 1851/AL e o RE 593.849/MG discutiram a mesma matéria, no entanto,

as decisões são contrárias, houve mudança de entendimento na esfera judicial com

base apenas na argumentação, isto porque, não houve grande alteração na

sistemática da substituição tributária que justificasse uma mudança radical de

posicionamento. Os votos que pugnaram pela manutenção do entendimento exarado

na ADI 1851/AL possuem uma base consequencialista econômica ou institucional, já

os contrários, apreciaram a evolução do sistema de substituição tributária, uma vez

que se tornou possível mensurar a cada operação os valores que se realizaram.

4.2 REXT 574.706/PR

Outra emblemática decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 2017

é referente ao ICMS não integrar a base de cálculo do PIS/COFINS, discutido no

Recurso Extraordinário 574.706/PR208. Além da aplicação nas matérias discutidas, a

208 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário nº 574.706/PR. Recorrente: Imcopa Importação, Exportação e Indústria de Óleos Ltda. Recorrido: União. Relatora: Min. Cármen Lúcia. 2017.

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decisão trouxe reflexos inclusive para outros impostos, uma vez que neste julgamento

foi definido a abrangência do que integraria o conceito de receita.

Considerando o voto do relator, identificamos que o recorrente argumentou que

o valor dos ICMS deve ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS por aquele

não integrar o patrimônio do contribuinte, sendo mero intermediador responsável por

reter o valor do imposto e repassa-lo à Fazenda Pública; que a presente sistemática

fere o princípio da capacidade contributiva.

Por sua vez, a União argumentou que a jurisprudência é pacífica no

entendimento da matéria, inclusive sendo o entendimento sumulado, em evidente

argumentum ad verecundiam; que o valor do ICMS é componente do custo da

mercadoria, integrando assim a formação do preço dos bens, não desnaturando o fato

de ser destinado aos cofres da Fazenda Estadual; que há outros tributos na mesma

condição; que há reconhecimento em julgamentos anteriores que tributos podem

compor a base de cálculo de outros tributos, e que o entendimento contrário irá

repercutir nestes entendimentos consolidados.

É possível identificar elementos retóricos na manifestação da União, no trecho

seguir é aplicada a técnica da transitividade:

d) outros tributos que também compõem os custos da mercadoria ou do serviço são destinados a pessoas jurídicas de direito público, e nem por isso deixam de ser considerados custos e deixam de ser contabilizadas no valor da receita bruta;

Os procuradores da União buscaram demonstrar a existência de elementos em

comum entre o PIS/COFINS com outros tributos, apesar de não os citar, pontuando

que as características destes últimos não afetam o seu tratamento e desta forma, não

poderia ser dado tratamento adverso a aquele.

No voto da Ministra Relatora, foram destacados trechos de precedente em que

o conceito de faturamento foi abordado, como o Rext 346.084-6209, nas inserções

introduzidas é possível distinguir a utilização da interpretação literal dentro de uma

interpretação sistemática, conforme segue:

Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13709550>. Acesso em 16 out. 2017. 209 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário nº 346.084/PR. Recorrente: Divesa Distribuidora Curitibana de Veículos S/A. Recorrido: União. Relator: Min. Ilmar Galvão. 2005. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=261096 >. Acesso em 24 mar. 2018.

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A Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/1976) prescreve que a escrituração da companhia ‘será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos’ (art. 177), e, na disposição anterior, toma de empréstimo à ciência contábil os termos com que regula a elaboração das demonstrações financeiras […]. Nesse quadro normativo, releva apreender os conteúdos semânticos ou usos linguísticos que, subjacentes ao vocábulo receita, aparecem na seção relativa às ‘demonstrações do resultado do exercício’. Diz, a respeito, o art. 187 daquela Lei: [...]210

Conclui-se que, conforme Carlos Maximiliano já havia sinalizado, a distinção

das técnicas interpretativas é possível apenas em um contexto didático, mas a sua

aplicação prática exige que seja utilizada em sua plenitude.

Por sua vez, a utilização de precedente, por si, é uma técnica argumentativa,

abrigada no terceiro grupo da classificação de Perelmann, que se denomina “ligações

que fundamentam a estrutura do real”.

Em outro trecho extraído de precedente trazido pela Ministra Relatora, o Rext

240.785211, no voto do Ministro Eros Grau, é detectável a argumentação lógica

dedutiva:

Impõe-se, então, distinguirmos: de um lado, teremos receita bruta/faturamento; de outro, a receita bruta que excede a noção de faturamento, introduzida pela Emenda Constitucional nº 20/98, para a determinação, de cuja totalidade – insisto - são irrelevantes o tipo de atividade que dá lugar a sua percepção e a classificação contábil adotada. Não tenho dúvida em afirmar que o montante do ICMS integra a base de cálculo da COFINS. Está incluído no faturamento, pois o ICMS é imposto indireto que se agrega ao preço da mercadoria. Seria porventura admissível a suposição de que o faturamento corresponde à percepção de somente uma parcela ou porção do preço da mercadoria? Como se pudéssemos seccionar e dizer que o faturamento é o total de uma parcela do preço auferido pelo agente econômico no exercício de sua atividade.212

As proposições são a) incide PIS/COFINS sobre o faturamento; b) os custos

incorridos na produção ou comercialização de bens integram o preço da mercadoria;

c) ICMS é um custo, logo, d) incide PIS/COFINS sobre o montante do custo

representado pelo ICMS.

210 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário nº 346.084/PR. Recorrente: Divesa Distribuidora Curitibana de Veículos S/A. Recorrido: União. Relator: Min. Ilmar Galvão. 2005. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=261096 >. Acesso em 24 mar. 2018. 211 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário nº 240.785/MG. Recorrente: Auto Americano S/A Distribuidor de Peças. Recorrido: União. Relator: Min. Marco Aurélio. 2014. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630123 >. Acesso em 24 mar. 2018. 212 Ibid.

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Adiante, em outro trecho, a Ministra Relatora traz a manifestação do defensor

do contribuinte, que se pronunciou nos seguintes termos:

O punctum saliens é que a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS leva ao inaceitável entendimento de que os sujeitos passivos destes tributos ‘faturam ICMS’. A toda evidência, eles não fazem isto. Enquanto o ICMS circula por suas contabilidades, eles apenas obtêm ingressos de caixa, que não lhes pertencem, isto é, não se incorporam a seus patrimônios, até porque destinados aos cofres públicos estaduais ou do Distrito Federal.213

No discurso é possível identificar a técnica da dissociação das noções,

teorizada por Perelmann. O defensor do contribuinte demonstrou que o ICMS possui

a falsa aparência de custo, mas que a este não se assemelha, pois, seu registro

contábil é apenas transitório.

A Ministra Relatora, no RExt 574.706/PR, então conclui:

Desse quadro é possível extrair que, conquanto nem todo o montante do ICMS seja imediatamente recolhido pelo contribuinte posicionado no meio da cadeia (distribuidor e comerciante), ou seja, parte do valor do ICMS destacado na “fatura” é aproveitado pelo contribuinte para compensar com o montante do ICMS gerado na operação anterior, em algum momento, ainda que não exatamente no mesmo, ele será recolhido e não constitui receita do contribuinte, logo ainda que, contabilmente, seja escriturado, não guarda relação com a definição constitucional de faturamento para fins de apuração da base de cálculo das contribuições.214

É possível inferir que a técnica da dissociação de noções, em relação ao voto

da Ministra Relatora, foi determinante para que decidisse pela exclusão do montante

de ICMS do conceito de faturamento, para fim de recolhimento do PIS/COFINS.

No voto do Ministro Fachin observa-se um posicionamento contrário à visão de

argumentação consequencialista de Tathiane Piscitelli, nestes termos:

A esse respeito, guia-se por brilhante reflexão levada a efeito no voto divergente e vencedor do Ministro Marco Aurélio no RE 150.764, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, j. 16.12.1992, DJ 02.04.1993: “Senhor Presidente, não me preocupa o problema de caixa do erário, como também não preocupa aos demais Ministros que integram esta Corte. Preocupame,

213 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário nº 240.785/MG. Recorrente: Auto Americano S/A Distribuidor de Peças. Recorrido: União. Relator: Min. Marco Aurélio. 2014. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630123 >. Acesso em 24 mar. 2018. 214 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário nº 574.706/PR. Recorrente: Imcopa Importação, Exportação e Indústria de Óleos Ltda. Recorrido: União. Relatora: Min. Cármen Lúcia. 2017. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13709550>. Acesso em 16 out. 2017.

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sim, a manutenção, a intangibilidade da ordem constitucional”. Caso assim não fosse, este E. Supremo Tribunal Federal estaria relegando a segundo plano a atribuição de guarda da Constituição e assumindo a realização de política fiscal e respectivos efeitos distributivos, ao controlar impropriamente o superávit ou déficit do Tesouro Nacional.215

Pela visão exposta pelo Ministro, ao contrário do que prega Piscitelli, as

decisões em matéria tributária não devem ter como premissa a arrecadação, mesmo

em última análise, quando se pondera quais são os objetivos do Estado e quais as

formas que possui para os realizar.

No mesmo sentido o Ministro Luís Roberto Barroso, para quem “por convicção

antiga, eu não produziria, por temor ao horror econômico, o horror jurídico”216, e mais

adiante, “[...]aqui a gente tem que avaliar o que é certo e o que é errado sem ser

indiferente às questões fiscais, mas sem permitir que elas interfiram na definição do

que é certo e errado, quando esse não seja o caso”217.

O Ministro Edson Fachin traz citação doutrinária, que por sua vez, utiliza-se da

técnica argumentativa de dissociação de noções:

“Como referido, a receita constitui um elemento novo e positivo para a mutação patrimonial, representando um plus frente à noção geral de ‘ingresso’. A despeito de ser um elemento positivo para a variação patrimonial, a receita não implica, necessariamente, acréscimo patrimonial, pois também está presente nas vendas com prejuízo. Daí a distinção entre receita, de um lado, e renda ou lucro, de outro. Diversamente do conceito de receita, os de renda e lucro pressupõem acréscimo patrimonial – e, por vezes, são reconduzidos ao próprio conceito de acréscimo patrimonial. Pressupõem e limitam-se ao acréscimo patrimonial.218

No momento em que dissocia o conceito de receita e lucro (pelo entendimento

a contrario sensu do termo trazido, qual seja, prejuízo), o argumento de que o

PIS/COFINS deve ser calculado sobre todo o valor que componha o faturamento é

215 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário nº 574.706/PR. Recorrente: Imcopa Importação, Exportação e Indústria de Óleos Ltda. Recorrido: União. Relatora: Min. Cármen Lúcia. 2017. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13709550>. Acesso em 16 out. 2017. 216 Ibid. 217 Ibid. 218 VELLOSO, Andrei Pitten. ICMS na base de cálculo dos tributos sobre a receita: premissas e corolários lógicos da tese jurídica. In: Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 75, dez. 2016. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao075/Andrei_Pitten_Velloso.html >. Acesso em 24 mar. 2018.

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possível, pois afastou a concepção de que tenha que existir um acréscimo ao

patrimônio do contribuinte.

O Ministro Barroso por sua vez buscou amparo na interpretação gramatical,

mas conforme menciona, mas não foi possível dirimir o conflito:

Eu não sei se por algum desígnio ou por fatalidade, a verdade é que nem a legislação, nem a emenda tentaram tornar a nossa vida mais fácil. Primeiro, porque a legislação fala em receita bruta; a Constituição falava em faturamento; e vem a Emenda nº 20 e acrescenta: ao lado do faturamento, a receita. Então, você tem receita bruta na legislação, faturamento na Constituição, com o acréscimo da Emenda nº 20, que fala em receita, sendo que, já existindo a controvérsia - porque a controvérsia é anterior à Constituição de 88 - sobre o ICMS integrar ou não a base de cálculo do PIS/Cofins, nenhuma dessas normas resolveu de maneira expressa esse problema, que, de certa forma, atormenta a jurisprudência de longa data. Portanto, a evolução normativa não contribuiu, eu diria, para abreviar o problema nem reduzir a sua intensidade. Esse é o quadro normativo.219

Então, para firmar entendimento, buscou auxilio na interpretação da intenção

do constituinte, cuja opção originária seria “tributar o faturamento, de modo que

eventual ponderação com a capacidade contributiva foi superada pela própria

Constituição”220, e continua:

Portanto, o constituinte tem, no artigo 195, um elenco de previsões de bases de cálculo e ele previu o faturamento separadamente de outras bases de cálculo. Poderia ter previsto receita líquida? Poderia. Poderia ter previsto lucro? Poderia. Até previu, mas previu o lucro separadamente do faturamento. Portanto, ao tributar faturamento, o constituinte originário, a meu ver, fez uma escolha, e, se é escolha do constituinte originário, eu penso que não há sequer como se possa questioná-la.221

E ainda:

A inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins não viola - aqui também me parece importante - qualquer direito fundamental do contribuinte - eu não vejo, aqui, um direito fundamental em jogo. Quando o constituinte pretendeu excluir um tributo da base de cálculo de outro, ele o fez, expressamente, como está no art. 155, § 2º, inciso XI, da Constituição, onde se lê: "XI - não compreenderá, em sua base de cálculo," - diz a Constituição, expressamente, nós estamos no artigo 155, § 2º, o imposto previsto no inciso II, que é o ICMS - "o montante do imposto sobre produtos industrializados, quando a

219 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário nº 574.706/PR. Recorrente: Imcopa Importação, Exportação e Indústria de Óleos Ltda. Recorrido: União. Relatora: Min. Cármen Lúcia. 2017. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13709550>. Acesso em 16 out. 2017. 220 Ibid. 221 Ibid.

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operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos."222

No voto do Ministro Marco Aurélio, há outra dissociação de noção, nestes

termos:

Segundo aspecto: tanto faz considerar faturamento – como previsto no artigo 195, inciso I, da Constituição Federal -, como receita bruta, porque, desenganadamente, o contribuinte não fatura e não tem, como receita bruta, tributo, ou seja, o ICMS.223

Para o Ministro o conceito de faturamento ou receita bruta não importam, pois

quando se trata de ICMS, simplesmente não fatura imposto.

No presente Recurso Extraordinário é sensível o que Maccormick chamou de

“conflito de avaliações baseadas na justiça e avaliações com base na ‘conveniência’

ou no ‘interesse público’”224, notavelmente no voto do Ministro Gilmar Mendes, que

inclusive destinou capítulo especifico para tratar das consequências que previa para

uma decisão favorável ao contribuinte, neste sentido:

Enumero minhas razões de decidir e explico cada uma delas com vagar a seguir: [...] d) a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS gera consequências perversas ao sistema tributário e ao financiamento da seguridade social, tais como, a busca por novas fontes de financiamento ou o aumento de alíquota para fazer face às perdas de receitas, as quais são necessárias para o cumprimento dos encargos do Estado Social, e o aumento de complexidade e do custo de administração do sistema tributário; [...] f) o expediente de reduzir a arrecadação por via oblíqua torna ainda mais complexo e oneroso nosso sistema tributário.225

222 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário nº 574.706/PR. Recorrente: Imcopa Importação, Exportação e Indústria de Óleos Ltda. Recorrido: União. Relatora: Min. Cármen Lúcia. 2017. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13709550>. Acesso em 16 out. 2017. 223 Ibid. 224 MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 174. 225 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário nº 574.706/PR. Recorrente: Imcopa Importação, Exportação e Indústria de Óleos Ltda. Recorrido: União. Relatora: Min. Cármen Lúcia. 2017. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13709550>. Acesso em 16 out. 2017.

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Considerando a destinação dos tributos como receita do Estado para que este

realize seus objetivos, a argumentação no sentido de que se tomada determinada

decisão que possa diminuir a arrecadação de uma espécie tributária que, por fim

levará à elevação da alíquota de outra, conforme o voto do Ministro Gilmar Mendes,

ainda pode ser considerado como uma espécie de argumentum ad baculum, pois há

uma ameaça de uma possível ação indesejada, que forçará a consequências

danosas, ou seja, uma espécie de violência.

Enquanto a linha de argumentação dos outros Ministros era sobre se a

abrangência do conceito de receita deveria abarcar o montante dos impostos, o

Ministro Gilmar Mendes buscou ancorar seus argumentos em presunções de aumento

futuro de alíquota e da complexidade do sistema tributário.

Em outras palavras, considerou as consequências de um voto favorável, para

nega-lo.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A interpretação é o exercício necessário para que se obtenha o entendimento

da prescrição normativa para, a partir deste ponto, orientar a conduta, saber o que é

permitido ou proibido, entender quais são as hipóteses de incidência de determinado

tributo etc. As técnicas argumentativas, por sua vez, são as responsáveis por

conseguir a adesão do público, tornando-os participantes da mesma visão. Ambas

são largamente utilizadas pelos operadores do direito, em todos os seus ramos.

A atividade interpretativa aplicada às normas em geral, parte do seu texto,

buscando no significado das palavras insculpidas, o comando que deve ser

obedecido. Quando não bastar apenas o texto, é possível consultar todo o sistema

em que está inserida; a finalidade a ser alcançada; o desejo do legislador ou ainda os

fatos históricos que existiam à época, para se definir qual o seu sentido.

As técnicas argumentativas, por sua vez, demonstram uma maior

independência entre si. Pode-se argumentar que determinada norma deve ser

entendida neste sentido, pois, considerando preceitos lógicos, é a única conclusão

possível, ou, afirmar que ela deve ou não ser acatada, pois suas consequências são

danosas ou benéficas.

Ainda quanto as técnicas de argumentação, merecem destaque a dialética e a

retórica, pois, se verificou que sua utilização é ampla, sendo o pano de fundo para a

aplicação concomitante com outras. Observou-se sua manifestação inclusive nos

votos dos Ministros, que apesar de o construir com base na argumentação retórica, é

dialética, no momento em que utiliza um ponto esboçado por outro.

Por sua vez, os órgãos judiciários, dotados do poder de decisão, devem

demonstrar como interpretaram determinado dispositivo, e argumentar buscando a

justificação de suas decisões tomadas com base em seu entendimento. A partir daqui,

a interpretação e a argumentação jurídica são capazes de formar a realidade, pois

inevitavelmente, o que for decidido será aplicado.

As decisões em matéria tributária, por alcançarem justamente uma das

maneiras com que o Estado obtém recurso, afetam não apenas os litigantes, mas toda

a sociedade. A realidade criada, a partir de uma decisão em matéria tributária, terá

influencia direta na arrecadação, logo, nos recursos destinados à seguridade social,

educação, infraestrutura. Pode-se dizer, que nesta matéria, a interpretação e a

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argumentação possuem uma importância ainda maior, pois além da criação da

realidade, também poderá formatar o futuro.

Conforme Maccormick, as decisões proferidas, principalmente por órgãos

recursais, devem se aplicar ao caso concreto e a todos os casos semelhantes, é a

justiça formal, segundo o autor226.

A aplicação da justiça formal pelos magistrados exige capacidade para

entender que determinada decisão, apesar de ser aplicada no caso em julgamento,

criará precedentes que, em nome da coerência, serão aplicados em casos futuros,

neste sentido:

O dever que tenho de tratar casos semelhantes de modo semelhante implica que devo decidir o caso de hoje com fundamentos que eu esteja disposto a adotar para a decisão de casos semelhantes no futuro, exatamente tanto quanto implica que hoje eu devo levar em consideração minhas decisões anteriores em casos semelhantes no passado. As duas implicações são implicações de adesão ao princípio da justiça formal; e quem quer que concorde quanto ao dever de juízes de acatar ao princípio da justiça formal está comprometido com essas duas implicações.227

Desta forma, considerando o poder vinculante dos precedentes, é de se

considerar como danoso os efeitos de uma decisão direcionada a atender

determinado momento histórico ou político, pois, após a satisfação da necessidade

momentânea, sua própria configuração se alterará; a dinâmica determinará que os

precedentes se alterem novamente.

A aplicação de precedentes é diretamente vinculada à segurança jurídica. Além

de normas que prescrevam ou não proíbam ações, os precedentes informam, com

certo grau de certeza, qual será a intepretação e a aplicação das normas nos casos

concretos semelhantes.

Por exemplo, anteriormente ao RExt 593.849/MG havia o entendimento do ADI

1851/AL, que não considerava devido o seu ressarcimento do valor de ICMS recolhido

por substituição tributária em montante superior ao devido. Desta forma, por anos,

toda a pretensão de ressarcimento de valores recolhidos em montante superior ao

devido foi indeferida.

226 MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 97. 227 Ibid.

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Os resultados obtidos nas análises dos julgados, demonstram que, há uma

preocupação com as decisões proferidas em relação à arrecadação do Estado. No

entanto, não se sabe se pelo momento histórico, ainda assim as decisões foram

favoráveis ao contribuinte.

Não é visível a olho nu quais foram os efeitos econômicos da decisão da ADI

1851/AL, porém, isto é diferente de dizer que não existiram. Podemos no mínimo,

considerar que o valor final das mercadorias foi alterado, o que inclusive, pode ter

afetado os índices de inflação do período. Por sua vez, no RE 574.706/PR, a decisão

favorável aos contribuintes criou precedentes para que inclusive questões pacificadas

como o ICMS compor a sua própria base ser discutidas novamente, igualmente sobre

outros impostos que incidem sobre impostos.

Já Karl Engish, no capítulo introdutório de sua obra intitulada Introdução ao

Pensamento Jurídico, pontua que um dos motivos para os leigos não se debruçarem

com tanto afinco ao estudo do direito, em comparação com outras ciências sociais, é

justamente a variação da jurisprudência. O autor considera que após tantos anos

dedicação, os juristas ainda não conseguiram delimitar aquilo que chama de “o

verdadeiro Direito”, neste sentido destacamos:

Já das leis que regem o Direito e através das quais este impõe o seu domínio se aguarda sempre aquela validade universal que se espera das verdades e das leis da natureza. E ficamos profundamente decepcionados quando a não encontramos. Pascal deu a tal decepção uma expressão clássica com estas palavras tantas vezes citadas: <<Quase nada há de justo ou injusto que não mude de natureza com a mudança do clima. Três graus de altura polar revolucionam toda a jurisprudência. Um meridiano decide sobre a verdade. Após alguns anos de posse, alteram-se leis fundamentais. O Direito tem as suas épocas. Divertida justiça esta que um rio ou uma montanha baliza. Verdade aquém, erro além Pireneus>>. O facto de os juristas, apesar de todos os seus aturados esforços não terem até hoje conseguido encontrar o verdadeiro Direito, não o terem conseguido relacionar com a <<natureza>>, seja esta a natureza do homem seja a natureza das coisas, faz com que a sua ciência apareça frequentemente a uma luz pouco favorável. E também a conhecida crítica que Julius V. Kirchmann, ele próprio um jurista, fez (1848) à Jurisprudência como ciência se funda precisamente nessa circunstancia <<o sol, a lua, as estrelas brilham hoje da mesma forma que há milhares de anos; a rosa desabrocha ainda hoje tal como no paraíso; o Direito, porém, tornou-se desde então diferente. O casamento, a família, o Estado, a propriedade, passaram pelas mais diversas configurações>>.228

228 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 3ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1964, p. 9.

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A argumentação busca conteúdo para que determinada decisão pareça

aceitável, devendo então ser obedecida, e assim recolhido o imposto ou anulada a

pretensão do crédito tributário; cabendo perquirir então, se dentro de seus termos

há apenas argumentos jurídicos, ou se outras questões, como a política e o

momento econômico influenciam nas decisões dos julgados.

É possível indicar que há motivação econômica para os argumentos proferidos,

tanto os favoráveis ao contribuinte, quanto aos contrários. Dentre os Ministros,

observa-se que, apenas o Gilmar Mendes atua com uma visão consequencialista, de

forma aberta, argumentando pelo impacto econômico na arrecadação.

A utilização de componentes econômicos nas decisões do STF, por sua vez,

pode gerar outras consequências danosas aos contribuintes, como aumento de

tributos por vias oblíquas, dificultando a sua plena defesa, enquanto para o ente

arrecadador, haverá a possibilidade de obter maiores recursos.

Desta forma, conclui-se que, as técnicas de interpretação e argumentação, são

utilizadas para inserir elementos não jurídicos nas decisões em matéria tributária, no

entanto, observa-se ainda que, há uma tentativa de se ater ao texto da norma e a

universalização das decisões, como limites da interpretação e argumentação.

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