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 VAMOS FALAR DE MAGIA? (1) Confusões e definições Vamos começar falando daquilo que a magia não é, e de porque se fala tanto nela ultimamente, com o surgimento de incontáveis gurus das mais variadas procedências, roupagens e metodologias. O misticismo anda sem dúvida muito em moda, nos dias de hoje. Não é para menos. O imenso vácuo existente entre o chamado “conhecimento científico”, e uma visão filosófica que torne seu uso coerente, fez com que a humanidade, munida de recursos que não sabe bem para que servem, corresse cada vez mais vertiginosamente para lugar nenhum, buscando sensações que preencham sua lacuna referente a metas e objetivos claros. Com aspir ações extremam ente simplific adas, resumidas apena s em “se dar bem” materialmente e em justificar os meios utilizados para isso com uma noção de competitividade pretensamente necessária, a sociedade humana sofre sem per ceber, embora os sintomas sej am absolu tam ent e clar os, a dor de uma profunda ausência de significado para a vida. Sente, sem decodificar cognitivamente, a profunda fragilidade do que se adotou como “conduta de vida”, e a do qu e se convencionou como “cód ig o de princípios”. Sua existência se resume, na prática, a conquistar uma sobrevivência confortável, e é por este valor que é julgada sua qualidade como ser humano. Os chamados conceitos éticos são a penas frases superficiais, aplicadas de forma estereo tip ada em uma vida igualmente pasteurizada, onde as inu mer áveis nuan ças do nosso comp ortamento são releg adas a um segu nd o pl ano e enq uadradas dentro de pad rões que eviden tement e não têm con diçõ es de explicá-las, compreendê-las ou sequer acomodá-las de uma forma aceitável para o esp írito e suas abstra çõe s, que são sim ple smente omitidas, qua ndo não negadas. Dentro desse quadro, é natural que o ser humano, com sua atávica busca de razão para existir, se volte para o fantástico e o divino, querendo milagres que lhe dêem, de graça, as respostas e os favores que a lógica absolutamente matemática que rege tudo indica que só virão pela c onquista, via mérito. Isso é, cl ar o, um pr at o cheio para os es pe rtalhões e bem intencionados delirantes de plantão.

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VAMOS FALAR DE MAGIA? (1)

Confusões e definições

Vamos começar falando daquilo que a magia não é, e de porque se fala tantonela ultimamente, com o surgimento de incontáveis gurus das mais variadasprocedências, roupagens e metodologias.

O misticismo anda sem dúvida muito em moda, nos dias de hoje.

Não é para menos. O imenso vácuo existente entre o chamado “conhecimentocientífico”, e uma visão filosófica que torne seu uso coerente, fez com que ahumanidade, munida de recursos que não sabe bem para que servem, corressecada vez mais vertiginosamente para lugar nenhum, buscando sensações quepreencham sua lacuna referente a metas e objetivos claros.

Com aspirações extremamente simplificadas, resumidas apenas em “se darbem” materialmente e em justificar os meios utilizados para isso com uma noçãode competitividade pretensamente necessária, a sociedade humana sofre semperceber, embora os sintomas sejam absolutamente claros, a dor de umaprofunda ausência de significado para a vida.

Sente, sem decodificar cognitivamente, a profunda fragilidade do que se adotoucomo “conduta de vida”, e a do que se convencionou como “código deprincípios”.  Sua existência se resume, na prática, a conquistar uma

sobrevivência confortável, e é por este valor que é julgada sua qualidade comoser humano.

Os chamados conceitos éticos são apenas frases superficiais, aplicadas de formaestereotipada em uma vida igualmente pasteurizada, onde as inumeráveisnuanças do nosso comportamento são relegadas a um segundo plano eenquadradas dentro de padrões que evidentemente não têm condições deexplicá-las, compreendê-las ou sequer acomodá-las de uma forma aceitável parao espírito e suas abstrações, que são simplesmente omitidas, quando nãonegadas.

Dentro desse quadro, é natural que o ser humano, com sua atávica busca de

razão para existir, se volte para o fantástico e o divino, querendo milagres quelhe dêem, de graça, as respostas e os favores que a lógica absolutamentematemática que rege tudo indica que só virão pela conquista, via mérito.

Isso é, claro, um prato cheio para os espertalhões e bem intencionadosdelirantes de plantão.

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Fica fácil “venderem” seus sistemas de pensar, fantasiosos ou apenastrapaceiros, como se fossem sistemas mágicos verdadeiros, levando multidões atentarem obter, através de rituais muitas vezes até tradicionais, mas praticadossem embasamento, as graças do que os antropólogos e sociólogos chamam de“maravilhoso pagão” ou “maravilhoso cristão” – um “mundo” entre o mítico e omístico onde o homem, abandonando suas limitações, solicita e recebe dosdeuses, deusas e entidades fantásticas do panteão escolhido, a realização“instantânea” de seus desejos, como se fosse dele, e não de uma dinâmica deincontáveis processos, o poder de transformar fatos abstratos e concretos a seubel prazer.

Sem dúvida, um brilhante exercício do ego brincando de Pai (ou mãe) daCriação, uma história em quadrinhos virtuais no computador da mente que,

gratificado pelo alívio da ilusão, venda os olhos da própria inteligência parafingir-se “amigo do Chefe”, capaz de comandar, com um estalar de dedos,qualquer contingência do destino.

O que, embora engraçado, divertido e até um bom paliativo para a insegurançade encarar um mundo que nos oferece muito mais perguntas do que respostas,é apenas um jogo de crianças que, na hora do vamos ver, do defrontar-se,desmorona como um castelo de cartas e deixa atrás de si só a sensação defrustração inerente a quem descobre que viajou na maionese e tem, de repente,que encontrar uma solução para a situação que sua própria atitude gerou.

Uma definição

A magia, no entanto, é outra coisa, completamente diferente. Podemos defini-la,para início de conversa, como “ciência da transformação da realidade peloaprimoramento da consciência”, e é tão antiga quanto o homem, e evoluiparalelamente a ele, já que é o produto direto de sua percepção do universo ede seu processo de contínua renovação.

Como vocês acabaram de ler, eu disse ciência, e não outro termo, porque amagia tem, antes de tudo, a mania da exatidão e a sede da comprovação.

Como os seres humanos, seu principal vetor de desenvolvimento, secaracterizam justamente pela relatividade de suas capacidades de ver, sentir,

compreender e vivenciar, a magia, para ser precisa, necessita ter comoparâmetro inicial de sua atuação a constatação do óbvio, ou seja, de que todasas suas manifestações, por partirem de seres relativos, serão relativas também.

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Assim, a magia não tem verdades operacionais definitivas. Para ela, nãoexistem esquemas completamente equacionados, nem forças superiores ouinferiores.

Isso porque, em um todo que está sempre, quando visto em partes (únicamaneira de observá-lo, já que temos limites claros), em aceleradatransformação, “aquilo que está em cima é como aquilo que está embaixo”, não existindo possibilidades comparativas não arbitrárias entre omelhor e o pior, o mais evoluído ou o menos evoluído.

Portanto, sempre que alguém lhe falar em espíritos superiores, avatares donosda verdade, ou espíritos inferiores, entidades baixas (porque mais próximas deuma densidade pseudamente pejorativa), saiba que esta pessoa, mesmo queesteja vestido de Merlin (ou Fata Morrigan, no caso de uma mulher), pode ser

tudo, menos um mago na acepção científica do termo.A magia não é maniqueísta, nem tem predileções por cores ou direções de fluxo,não estabelece hierarquias entre as energias, apenas sincronicidades eprobabilidades de interação.

Age em função da leitura que faz das regras do jogo, conhecida pelos leigoscomo leis cósmicas, diante das quais tudo está perfeitamente equiparado einterligado, com um aspecto não podendo existir sem o outro, todoscomplementando os outros e sendo por estes complementados.

E o mago, o que é?

A primeira característica de um mago em crescimento é desconfiar de suaprópria verdade sempre, continuando, em qualquer circunstância, a tentar torná-la mais completa.

Deste modo, o que lhe parece ser a mais lúcida certeza hoje, é simultaneamenteo ponto de partida para a certeza de logo mais, já que está fadada a se modificarpelo movimento cognitivo da consciência, que está, pelas próprias leis queregem tudo, permanentemente no rumo de obter abrangência cada vez maior.

O mago, portanto, não tendo verdades fixas, também não tem um conjunto dedogmas que siga cegamente, nem doutrinas fechadas a pregar ou defender.

Sabe, pela natureza intrínseca do conhecimento oriundo dos homens, que todosos deuses são igualmente verdadeiros e falsos.Verdadeiros porque permitem, dentro das fronteiras perceptivas de cada um, ocontato com um Princípio Inteligente Criador, mesmo que deficientementemoldado por seu visualizador, e falsos porque obviamente a parte não pode

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compreender e nem conhecer o que para ela é o Todo, e qualquer concepçãoque tenha do inconcebível é por si mesma imperfeita, relativa e subjetiva.

Mais que isso, percebe que, se aplicar um mínimo de lógica aos acontecimentose ao caminho que deve trilhar para conhecer a verdade será fatalmente o dasoma dos fragmentos – mais explicitamente, a reunião de um máximo depercepções individuais possíveis relatando o movimento das coisas, de modo aque prismas e ângulos diferentes (porque parciais), observados em diversasépocas e civilizações, mostrem, juntos, um quadro mais ou menos amplo das leisuniversais agindo.

Isso significa que os magos de verdade não se atêm a um conjunto depercepções exclusivo de uma única raça ou cultura, mas buscam, na reunião devários desses conjuntos, uma maneira razoavelmente exata de analisar os

dinamismos que compõem e alteram a realidade para, utilizando-os ouinterferindo neles do modo adequado, participarem conscientemente dasmudanças, dirigindo-as para objetivos pré-determinados.

É interessante notar que a percepção do homem tem enfoques com caligrafiaprópria, que traduzem seu próprio ritmo energético.

Graças a isso, um chinês vê o fenômeno do crescimento de uma planta comouma relação cíclica do meio, o gaulês como uma dádiva da força feminina, oafricano como a expressão de uma vibratória da natureza, o hindu como umamini-respiração bramânica, os toltecas do antigo México como o atrito decomunicação entre as emanações de um todo inconcebível e indecifrável,

matemáticos e físicos quânticos de hoje como uma inteiração entre o observadore o observado na denominada conexão de Rosten-Einstein.

Podíamos ainda citar os assírios, os persas, os gregos, os indígenas, os xamãs,os egípcios, os hebreus, os escandinavos, os nórdicos, os celtas, os incas, ossufis e uma enorme lista de povos, tradições e correntes de pensamento cujaspremissas se assemelham enormemente, com incontáveis pontos em comum.

  Todos representam, na verdade, olhares espantosamente lúcidos de magosdistribuídos na linha do tempo, observando os mesmos movimentos com óculosde diferentes cores.Em algumas situações, a ótica chinesa atua com maior eficiência prática. Em

outras, a hindu. Em outras, a da ciência (ou magia?) ocidental.

O mago, para transformar a realidade através de sua consciência, deveparticipar, compreender e utilizar o que cada uma dessas visões possibilita notempo certo.

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E também se preparar para dar prosseguimento ao progresso do próprioconhecimento mágico, desenvolvendo uma linguagem que leve as descobertasde sua época e cultura para outros tempos e civilizações.

Para isso, deve conhecer profundamente as leis universais, as suas muitasfacetas e, principalmente, como elas agem sobre ele próprio, para que possamanter alguma autonomia nos rumos de sua existência.

 Tudo começa, inclusive, com o “conhece-te a ti mesmo”, regra número dequalquer mago que se preze.

E continua no aprendizado e equilíbrio de seus muitos centros de percepção, quesó alinhados lhe darão a chance de aprimorar a consciência, chave de tudo.

Mas isto já é outra história, que fica para outra vez. E que vamos desenvolverem outros papos, aqui mesmo, toda semana, enquanto os lábios da sabedoriapuderem se abrir para os ouvidos do entendimento.

Hugo Leal