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Revista Estudos Amazônicos • vol. X, nº 2 (2013), pp. 75-116 Partindo para o lado cultural : Valor, patrimônio cultural e precarização na história dos sistemas sonoros de Belém do Pará * Darien Vincent Lamen ** Resumo: Na cidade de Belém do Pará, Amazônia brasileira, sistemas sonoros animam a vida social da periferia urbana há mais de sessenta anos. Técnicos, engenheiros e marceneiros autodidatas encontraram meios de viver da sonorização na economia informal, acumulando até um patrimônio material. Porém, a partir dos anos 1990 vários fatores contribuíram para a marginalização de seu trabalho e a precarização de seu patrimônio, levando muitos a procurar uma outra forma de articular o valor de suas vidas. Através das histórias de vida de uma família de trabalhadores de som, esse artigo tem como objetivo investigar a relação entre subjetividade, trabalho e valor sob regimes de precariedade. Palavras-chave: Aparelhagem; Valor; Precariedade. Abstract: In Belém do Pará, Brazil, locally-assembled sound systems have been animating social life on the urban periphery for over half a century. Self-taught sound system engineers, builders, and technicians have found livelihoods in an unstable informal economy by crafting sound and designing stage spectacle. Since the 1990s, however, several factors have conspired to render their trade increasingly

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Revista Estudos Amazônicos • vol. X, nº 2 (2013), pp. 75-116

Partindo para o lado cultural: Valor, patrimônio cultural e precarização na história dos sistemas sonoros de Belém do

Pará*

Darien Vincent Lamen**

Resumo: Na cidade de Belém do Pará, Amazônia brasileira, sistemas

sonoros animam a vida social da periferia urbana há mais de

sessenta anos. Técnicos, engenheiros e marceneiros autodidatas

encontraram meios de viver da sonorização na economia informal,

acumulando até um patrimônio material. Porém, a partir dos anos

1990 vários fatores contribuíram para a marginalização de seu

trabalho e a precarização de seu patrimônio, levando muitos a

procurar uma outra forma de articular o valor de suas vidas.

Através das histórias de vida de uma família de trabalhadores de

som, esse artigo tem como objetivo investigar a relação entre

subjetividade, trabalho e valor sob regimes de precariedade.

Palavras-chave: Aparelhagem; Valor; Precariedade.

Abstract: In Belém do Pará, Brazil, locally-assembled sound systems have been

animating social life on the urban periphery for over half a century.

Self-taught sound system engineers, builders, and technicians have

found livelihoods in an unstable informal economy by crafting

sound and designing stage spectacle. Since the 1990s, however,

several factors have conspired to render their trade increasingly

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marginalized and their patrimony increasingly precarious, leading

some to emphasize the value of their life’s work in other terms. By

examining the way one family of sound system workers has

navigated shifting valuations of cultural labor, this paper

contributes to larger discussions of the relationship of subjectivity,

work, and value under regimes of precarity.

Key-words: Sound System; Value; Precarity.

“Tempo é dinheiro”, respondeu Milton Almeida

Nascimento ao meu pedido por uma entrevista

etnográfica. Do outro lado da grade de ferro na

frente de sua casa sob o sol forte de uma tarde

amazônica em 2009, eu tinha acabado de me

apresentar e explicar de forma bastante esotérica

minha pesquisa sobre o valor cultural dos sistemas

sonoros, também conhecidos como aparelhagens,

aos quais ele tinha se dedicado durante todo seu

trajeto profissional como técnico, engenheiro e

proprietário de som. Apesar de não recusar

explicitamente o pedido que eu tinha lhe feito, ele

deixou claro que achava suspeitos os motivos dos

assim chamados “pesquisadores,” dizendo que um

jornalista à procura de informações tinha aparecido

recentemente na porta de sua casa e acabou

sumindo com vários documentos de valor pessoal e

histórico.

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Revista Estudos Amazônicos • 77

Na hora em que eu bati na porta, Milton estava

ocupado na sua oficina, localizada no porão da casa

onde mora na periferia de Belém do Pará. Cercado

por prateleiras de alto-falantes, peças para

amplificadores e discos de vinil abrangendo mais de

50 anos, Milton continua consertando e

reformando equipamentos eletrônicos como

“hobby” deixando a maior parte do trabalho que

ainda sustenta a empresa familiar e a marca Alvi

Azul para três dos filhos que moram ou na parte

superior da casa ou na vizinhança. O mais novo,

Milton Júnior, estava em casa aquele dia em 2009 e

parecia ansioso para intermediar a conversa que

acontecia pela grade de ferro e propôs uma troca.

Sem perder tempo, ele tentou me recrutar como

colaborador para um projeto—um termo agora

ubíquo advindo do jargão burocrático de estado—

que idealizava há anos. “De repente,” disse ele,

“poderíamos trabalhar junto para mostrar a

contribuição cultural que os locutores, controlistas

e técnicos de sistemas sonoros fizeram à sociedade

urbana amazônica. De repente poderíamos

publicar um livro ou documentário para ajudar a

preservar o legado da família. De repente

poderíamos até montar um sonoro de amplificação

valvulada, para mostrar como era na época, o

encanto daquela tecnologia...”

Esse artigo tem como objetivo abordar a relação trabalho-valor-

precariedade entre duas gerações que vivem da economia de

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“sonorização” em Belém do Pará. O fato de muitos trabalhadores da

primeira geração terem ficado às margens do mercado atual os leva a

perguntar-se o que restará de seu patrimônio quando falecerem, seja em

bens materiais ou legado imaterial? Afinal quanto vale o reconhecimento

popular e o reconhecimento institucional? Como medir o valor de algo

que nem o mercado capitalista nem a burocracia do estado sabem

valorizar?

Diante das mudanças econômicas que provocam tamanha incerteza,

alguns trabalhadores de segunda geração (geralmente os filhos e sobrinhos

da primeira) procuram oportunidades para traduzir o valor do ofício

familiar para as economias de cultura novas que têm surgido na

encruzilhada entre mercado e estado com base na produção e

gerenciamento de patrimônio cultural. Porém, a tentativa de “partir para

o lado cultural”, conforme Júnior, pode representar mais do que uma mera

estratégia econômica. Sua formulação também procura elaborar um tipo

de valor que ultrapassa ou transborda tanto a economia de sonorização,

com seu desprezo pelo “trabalho morto” do passado, como o que

chamarei de indústria do patrimônio cultural, com sua tendência a

“reificar” o trabalho cultural, sujeitando-o ao gerenciamento burocrático.

Esse artigo dialoga com debates teóricos nas ciências sociais sobre o

valor, sua produção e contestação e sua transmissibilidade entre

“regimes”1 e “hierarquias”2 de valor. Partindo do trabalho do antropólogo

David Graeber, farei uso de uma distinção heurística entre “valor no

sentido econômico” e “valores no sentido sociológico.”3 Enquanto o

valor econômico se define em relação ao valor de troca de algo, valor

sociológico se manifesta através do peso moral relativo dado, por

exemplo, ao trabalho em relação ao lazer, a autonomia individual em

relação à manutenção da hierarquia social, a acomodação em relação à

preservação e etc. Sem dúvida, existe certa correspondência entre valor

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econômico e valor social na medida em que, conforme observa Arjun

Appadurai, valor econômico “nunca é uma propriedade inerente de

objetos; é uma avaliação feita sobre eles por sujeitos”4 coletivamente e,

por outro lado, valores sociológicos são determinados em parte pelo

sistema econômico no qual esses sujeitos se encontram. No entanto, faz-

se uso dessa distinção como heurística para ajudar na identificação dos

momentos de maior disjunção entre o econômico e o sociológico, pois é

justamente nesses momentos, digamos, de “torção” que se torna

disponível à subjetividade um tipo de valor, muitas vezes mal definido,

que transborda ou ultrapassa o regime de valor constituído. Como

veremos a seguir, essa mais-valia pode nortear uma crítica do status quo que

acaba por potencializar a reconfiguração da política na luta sobre valor e

trabalho no sistema capitalista.

Esse artigo tem como base as histórias de vida reconstruídas através

das entrevistas formais e informais concedidas entre 2009 e 2013 pelo

técnico e engenheiro de som Milton Almeida, sua primeira esposa Júlia e

o filho mais novo deles, Milton Júnior. A história de vida, ferramenta

bastante utilizada na metodologia etnográfica, se tornou extremamente útil

na elaboração do presente argumento pois representa um meio de articular

valor, trabalho e subjetividade através da narração. Através da análise de

suas biografias, procuro esclarecer a relação entre valores sociológicos

específicos que surgem de modos de produção históricos e as formas de

auto narração através das quais tais valores são compreendidos

subjetivamente. A primeira parte do artigo entrelaça a história política

econômica com as histórias de vida de Milton e Júnior e sua narração do

trabalho e valor. Procuro destacar os momentos em que a auto narração

heroica e confiante-de-si-mesma se desmorona e a subjetividade parece

frustrada ou até mesmo ameaçada, pois são esses os momentos em que os

regimes de valor dominantes que costumam nortear nossos desejos e

ações se tornam visíveis e alvo de questionamento crítico. Como explica

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Judith Butler em seu livro Giving an Account of Oneself (“Prestando contas

de si mesmo”):

Quando o “eu” procura prestar contas de si mesmo,

contas que devem incluir as condições de seu

próprio surgimento, deve por necessidade virar um

teórico social. (...) A desapropriação pode ser a

condição para o inquérito moral, a condição sobre

a qual surge a moralidade em si. Se o “eu” não se

conforma com as normas morais, isso significa que

o sujeito deve deliberar sobre essas normas e uma

parte da deliberação abordará uma compreensão

crítica de sua gênese social e significado. Nesse

sentido, deliberação ética tem a ver com a operação

da crítica.5

O recorte etnográfico com o qual iniciei esse artigo mostra as

implicações do meu trabalho com a cultura musical de Belém na

reprodução ou contestação de regimes de valor locais. Appadurai explica

que “a política de valor é em muitos contextos uma política de

conhecimento”6 e, assim sendo, o “trabalhador de conhecimento” (até

mesmo um acadêmico de credenciais institucionais precários como o

autor) está inserido inevitavelmente na política de valor de seu campo de

pesquisa. Nesse sentido, pude perceber que meu interesse pela questão da

relação subjetividade-precariedade não era apenas “intelectual” mas

também pessoal, sobretudo no que diz respeito à ontologia do trabalhador

(de cultura) e à política de valor. Consciente da impossibilidade de “me

manter limpo” dessa política, desenvolvi em parceria com Milton, Júnior

e outros trabalhadores de som um projeto criativo e colaborativo paralelo

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à minha própria produção acadêmica que segue as normas tradicionais

(isto é, a publicação de artigos). O processo colaborativo que narrarei a

seguir me levou a refletir sobre duas tendências relacionadas e cada vez

mais comuns tanto no hemisfério norte como no hemisfério sul. A

primeira é a narração da precariedade com o discurso nostálgico da

“perda” e a segunda é a confusão de precariedade econômica com

precariedade existencial ou ontológica. A esquerda tradicional tende a

narrar a precariedade com o discurso da perda, enfocando a erosão de

assistência pública, o desmantelamento do sindicalismo e a desintegração

da sociedade civil em si. Aliás, nas sociedades do trabalho onde

subjetividade e trabalho costumam se confundir (como mostra a pergunta

ubíqua à qual rotineiramente sujeitamos crianças e adolescentes — “o que

você quer ser quando crescer?”), essa perda econômica também se vivencia

como uma perda ontológica. Conforme observam Conti et al, “O abismo

da desregulamentação da sociedade do risco se abre diante de nós e, pars

pro toto, a precariedade de trabalho se torna a precariedade da existência, a

possibilidade concreta de não sair-se dessa, apesar de toda a boa

vontade.”7

A partir dessas reflexões pude repensar o processo de pesquisa como

um processo criativo potencializador de novas narrativas e novas

subjetividades. Sem reproduzir a ideologia neoliberal que “chama

precariedade com o nome falso de flexibilidade,”8 quero frisar a exigência

política de procurarmos maneiras alternativas de narrar a precariedade,

mais especificamente como condição de possibilidade, primeiramente,

para uma crítica de regimes de valor hegemônicos, e em seguida, para a

elaboração de uma política que não se contente com nostalgia nem deseje

retornar aos “tempos áureos” que, para muitos sob cujas costas esse

passado foi construído, nem foram tão dourados assim. A intensificação

da precariedade e a propagação da miséria no capitalismo contemporâneo,

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tanto no hemisfério norte como no hemisfério sul, fazem com que essa

questão se torne cada vez mais urgente em todo planeta.

Milton Almeida Nascimento e o surgimento da economia de

sonorização de Belém

Os sistemas sonoros comerciais de Belém surgiram em meados do

século XX, no fluxo de várias ondas de migração rural-urbana que

proporcionou à Amazônia a maior proporção de população urbana a rural.

Entre 1950 e 1980, a população de Belém aumentou de 242.000 para

827.000 habitantes devido à migração de uma população cabocla regional,

entre outras, que até então subsistiam de agricultura familiar e extrativismo

nas terras de seus patrões mas que vinham para a cidade à procura de

trabalho assalariado e oportunidades escolares. Segundo Mitschein,

Miranda e Paraense, uma maioria dos migrantes eram

(...) produtores agro extrativos nos moldes da

tradicional agricultura cabocla, vivendo, via de

regra, uma desapropriação ‘silenciosa’ gerada pela

sucessiva degradação das suas condições de

produção (...) [e pela] clara tendência de

concentração da propriedade fundiária.9

Com a estagnação da economia regional extrativista, a monetização

veio a representar uma proteção contra a volatilidade dos ciclos

produtivos, o poder econômico desproporcional do regatão (comerciante

ambulante e atravessador rural) e a autoridade do patrão que se mantinha

através de valores sociais paternalistas.10 A oportunidade, ou melhor

dizendo, a obrigação que o trabalho assalariado representava nessa

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conjuntura fez das cidades regionais polos de atração onde migrantes

esperavam encontrar uma maior densidade de emprego formal e acesso a

serviços públicos. A urbanização amazônica se deu também dentro de um

contexto nacional marcado pela industrialização capitalista, o crescimento

de um proletariado urbano e o surgimento do populismo Varguista e

Baratista.

A economia de Belém, até então a maior cidade da Amazônia, dependia

de sua função de entreposto regional ligando o interior, os portos

internacionais e as cidades metropolitanas do litoral brasileiro. Tudo

indica que a maior parte dos migrantes rurais que chegavam à cidade não

foram incorporados no mercado de trabalho formal, no sentido de prestar

serviço “mediante contrato jurídico e (...) garantias trabalhistas e

previdenciárias, incluindo (...) a possibilidade de sindicalização.”11 Pelo

contrário, migrantes eram obrigados a improvisar seus meios de vida às

margens da economia formal, às vezes juntando trabalho assalariado com

atividades comerciais informais como descarregamento de barcos,

revenda de alimentos básicos para suas vizinhanças, serviços domésticos

para famílias burguesas e assim por diante. Para pessoas engenhosas que

conseguiram descobrir os segredos da eletrônica (e mantê-los escondidos),

a sonorização — esfera de trabalho midiático englobando tanto funções

publicitárias como sociais de lazer — representava mais uma fonte de

renda e, para alguns, até mesmo a possibilidade de capitalização modesta.

Tony Leão da Costa observa que embora a teoria social tenda a retratar

a cidade grande como “o lugar da desagregação das relações sociais

tradicionais e desenvolvimento de um individualismo cada vez mais

hegemônico,” as cidades “também eram espaço de desenvolvimento de

laços culturais e identitários alternativos dentro do mundo disperso e

fragmentado.”12 Os sistemas sonoros eram os principais responsáveis por

animar espaços sociais através dos quais assentamentos periféricos

urbanos foram transformados em bairros e comunidades socialmente

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coesos. As primeiras sedes que compunham o circuito de festas

“sonorizadas” também funcionavam como clubes sociais, futebolísticos,

profissionais e beneficentes, assim servindo de infraestrutura para o

florescimento do que poderíamos chamar, seguindo o Norman Stolzoff

em seu estudo sobre o dancehall jamaicano, de “contra-mundos culturais.”13

Esses contra mundos desfrutavam de certa autonomia na música ouvida

— muitas vezes de procedência caribenha — em relação ao resto da cidade

e do Brasil, pois virou costumeiro entre os sistemas sonoros rodar discos

de vinil “exclusivos” que não tinham sido lançados no Brasil, mas que

vinham nas malas dos viajantes, comerciantes e contrabandistas que

atracavam nos portos da região.14 Nesse sentido, os sistemas sonoros

fizeram um papel instrumental não somente na construção de mundos

mais socialmente coesivos nas margens da cidade e de sua economia. Os

sonoros também contribuíram para a criação de uma vida cultural vibrante

para além da mera sobrevivência ou “reprodução social.” Essa mais-valia

se manifestava nos passos ligeiros e estilo vistoso dos dançarinos; no

ecletismo cosmopolita da música tocada; no design engenhoso e cada vez

mais futurista dos sistemas sonoros; e assim por diante. Em outras

palavras, os sistemas sonoros de Belém, além de serem uma fonte de renda

ou emprego, eram produtores de valor social e mais-valia cultural.

Dentro desse cenário, vários técnicos, marceneiros, locutores e outros

encontravam meios de vida e maneiras de contribuir para a vida social nas

periferias urbanas de Belém. Entre eles está Milton Almeida Nascimento,

nascido em 1939 na Ilha do Marajó, na desembocadura das águas

amazônicas. Seu pai, Manoel Gildo Nascimento, possuía um barco e um

mercado no povoado de Soure. Ele trabalhava como comerciante

ambulante, abastecendo os interiores com mercadoria em troca de ouro

garimpado nos barrancos. Durante uma de suas viagens, Manoel faleceu

e foi enterrado no interior por pessoas da tripulação. Uma semana depois,

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a notícia chegou à mãe do Milton, Nazaré de Almeida Nascimento, que

seu marido tinha falecido de febre amarela, mas boatos de “jogo sujo”

circulavam pela comunidade. O patrimônio da família, desde o mercado

até os barcos, foi dividido entre os irmãos masculinos do Manoel,

deixando Nazaré “sem nada.”

Por volta de 1946, Nazaré se mudou para Belém com suas duas filhas,

sua mãe e Milton para procurar emprego e matricular seus filhos na escola.

Graças a uma pequena poupança de pepitas de ouro, a família conseguiu

comprar uma casa de cavaco no bairro do Marco. A avó do Milton,

conhecida como “Finada Pastora,” era responsável por manter a ordem

doméstica enquanto Nazaré saía a trabalho monitorando o uso de energia

elétrica para a companhia estatal, Pará Elétrica. Sob a insistência da

Nazaré, Milton e suas irmãs frequentaram várias escolas privadas, mas

Milton não chegou a terminar seus estudos. Segundo ele, seus deveres

escolares sempre ficaram em segundo plano pois sua mãe dependia dele

para ajudar a completar a renda de casa. Depois do turno escolar, Milton

trocava de roupa e atravessava a cidade para tomar conta de um comércio

informal que Nazaré matinha. Lá Milton vendia café, pão, leite e cigarros

até dez da noite, o horário em que sua mãe encerrava seu trabalho com a

Para Elétrica. Juntos eles retornavam para casa.

Essa rotina dura compunha o pano de fundo sob o qual o Milton

narrou a descoberta de seu “dom” de “mexer com eletrônica.” Ele citou

dois episódios como exemplos de sua engenhosidade diante da

precariedade. No final da década de 1940, a produção de energia elétrica

na cidade mal supria a demanda em casa. Milton disse que seus vizinhos

ficaram impressionados quando inventou um modo de iluminação

doméstica colocando lâmpadas de lanterna, fios e pilhas velhas dentro de

um tubo de taboca. Durante o mesmo período, Milton improvisou seu

primeiro “picarpe” (do inglês pick-up), montando um rádio elétrico dentro

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de uma caixa de fruta e ligando tudo a um toca-discos de 78 rotações, que

seus vizinhos vinham alugar para animar festas de aniversário no bairro.

O dom do Milton continuou chamando a atenção e ganhando a

admiração dos outros. Aos 17 anos, Milton se alistou no serviço militar,

mas lá descobriu que a linha que separa reconhecimento de exploração

podia ser tênue. Enquanto soldado da 5a Companhia da Guarda de Belém,

Milton era encarregado de fazer conserto de rádios e geradores que eram

mandados para a fronteira com as Guianas. Apesar de trabalhar

principalmente por tentativa e erro, Milton se destacava na eletrotécnica e

percebia que sua habilidade até ultrapassava a dos seus superiores. Aos

poucos Milton começou a ressentir da autoridade sobre ele.

Ao mesmo tempo, Milton disse ter afeto de filho para pai por um major

que o incentivava a fazer curso para cabo sargento. Entretanto, depois de

“levar uma bronca” pública de um tenente capitão e na frente de sua

namorada, ele resolveu desistir da carreira militar e pediu para sair do

exército. Milton explicou que o major o aconselhou a tentar se-acalmar,

dizendo, “Olha rapaz, militar é um patrimônio para filhos e netos. Presta

bem a atenção! Tu tá com meio passo pra subir.” Anos depois no cinema

Cine Paraíso, Milton encontrou por acaso o soldado que tinha sido

terceiro colocado nos exames para cabo sargento no qual Milton tinha

conseguido segundo colocado. Milton disse ter se arrepiado ao descobrir

que o soldado tinha subido para o posto de tenente-coronel. “Eu corri

minha vida, só que [aquilo] era um patrimônio eterno né? Agora ele tá

aposentado como coronel (...) mas eu não” disse Milton com um tom de

remorso nada típico de seu modo de auto narração. No momento

seguinte ele pareceu dominar seu arrependimento, canalizando novamente

sua indignação em um discurso com peso moralista. “Fui viver das minhas

mãos. Tenente coronel, coronel não faz nada nêgo. Nada nada. Só faz

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dar ordem. Aí passei a trabalhar das minhas mãos, da minha vista e minha

mente.”15

Figura 1 - “Passei a trabalhar das minhas mãos, minha vista e minha mente”

Aos 70 anos, Milton Almeida Nascimento conserta alto falantes em sua oficina,

agosto 2013

Fonte: Foto pelo autor

Existem continuidades entre o regime de valor militar, centrado nos

valores de hierarquia e obediência, e o regime de valor paternalista

tradicional no qual a economia regional extrativista se baseava. Com a

decadência dessa economia e a ascensão do capitalismo industrial urbano,

o empreendedorismo—isto é, “trabalhar das mãos, vista e mente”—veio

a representar uma alternativa às indignidades tanto do sistema extrativista

como do regime de trabalho assalariado na imaginação de uma classe

urbana emergente. A realidade cotidiana que Milton vivenciou na sua

juventude chamou sua atenção para o fato de que o trabalho assalariado

do tipo que sua mãe desempenhava não proporcionava autonomia nem

garantia proteção contra precariedade. Apesar de sua ambivalência diante

do fato de ter renunciado a um possível “patrimônio eterno” em um

momento impetuoso de insubordinação ao regime de valor militar, Milton

deixou de narrar sua vida como perda de outro presente possível. Através

de um discurso heroico e individualista que corresponde ao regime de

valor “empreendedorista” em ascensão durante a segunda metade do

século XX, ele insistiu com argumentos moralistas no valor da produção

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88 • Revista Estudos Amazônicos

criativa em oposição ao trabalho não-produtivo dos militares e o trabalho

alienado dos assalariados.

Em Belém, muitos trabalhadores que vivem de sonorização se dizem

obrigados a viver segundo a “lei do mais esperto.” Diferente da “ética

protestante” weberiana, a lei do mais esperto implica numa ética que

valoriza não somente sacrifício pessoal e ganhos incrementais, mas a

engenhosidade, a artimanha e até uma certa malandragem. Em sua

etnografia sobre o sistema de aprendizagem artesanal em Creta, Grécia,

Michael Herzfeld oferece uma série de observações sobre a proximidade

de artesania e artimanha com relevância para nossa análise da auto

narração do Milton. Para muitos artesãos em Creta,

(...) a aquisição até da técnica mais básica vira objeto

de uma luta sobre a posse de conhecimento. Ao

ponto mais extremo desse idioma heroico de

orgulho masculino se encontra o raro artesão que se

gaba de nunca ter sido aprendiz—um homem que

nunca aceitou a autoridade de outro sobre ele e

sempre dependeu de sua própria esperteza. Ele

triunfa sobre seus colegas como um todo pelo

simples artifício de ter furtado deles sua expertise sem

se sujeitar a ninguém.16

Embora Milton reconheça a contribuição de outros técnicos e colegas

para seu aprendizado inicial, ele insistiu no fato de ter sido sempre um

aprendiz sem mentor. O fato das pessoas “sabidas” esconderem os

segredos da eletrotécnica dificultava a vida dos novatos, fazendo com que

Milton tivesse que “roubar” seu conhecimento nos moldes de um

Prometeu paraense:

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Maior parte desses técnicos de hoje em dia não lê,

não sabe ler cores [de resistência]. Que agora vem

o número né. Naquele tempo não. Vinha em cores

né, como em número mas aí se raspava os número,

já era! Pra não dar o segredo! Mas eu era sagaz. Eu

pegava, aí eles tinham isso aqui raspado, eu levava

lá no centro (...) Manuel Barata. Aí [um colega]

media no teste. “Olha, mediu tanto.” Eu escrevia.

Aí eu montava assim, até pegar macete. Foi uma

luta. Eu lutei muito.17

Gabar-se da sagacidade ou esperteza faz da necessidade uma virtude,

mas frequentemente a “lei do mais esperto” se manifesta como uma

tendência à auto maximização sem escrúpulos e solidariedade. Até certo

ponto, medo de “olho gordo” costuma servir de mecanismo social através

do qual uma “sociedade da esperteza” coloca em cheque o egoísmo

individual. Mas segundo Milton, ganância e falta de solidariedade são

problemas endêmicos da economia de sonorização em Belém. Ele se

deparou com uma realidade paralela mas bem distinta na cena de radiola

em São Luís do Maranhão ao passar três anos lá em “exílio” com sua

aparelhagem Trovão Azul:

Olha, lá tinha um dono de aparelhagem doente.

Acamado. As grandes se reuniu pra fazer uma festa

em prol daquele, daquele proprietário. (...) Me

falaram de ir, eu: “não, eu vou.” Pra tocar, pra dar o

dinheiro pra ele. Aqui, eles faz é pisar em cima de

ti! (...) [Como se pensassem] “É um a menos!” (...)

Eu falava aqui isso. “Vocês deveriam pegar o bril

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90 • Revista Estudos Amazônicos

de São Luís olha.” Pegaram porra nenhuma. Só

ganância.18

Seu cinismo em relação à classe de proprietários de aparelhagens de

Belém reflete as dificuldades Milton enfrentou ao longo dos três mandatos

que passou como presidente da Associação Profissional dos Proprietários

de Aparelhagens Sonoras do Estado do Pará (APASEPA). Em 1978, um

consórcio de mais de cem proprietários de aparelhagem estabeleceu a

associação para defender seus interesses econômicos e exercer sua

influência social diante de políticos que caçavam votos, policiais que

procuravam propinas e oficiais que tentavam impor impostos. A

associação resolveu impor padrões de tamanho e decibel sobre todos os

sócios na tentativa de se proteger das autoridades que ameaçavam multar

e confiscar sonoros aleatoriamente. Ao mesmo tempo, a APASEPA

começou a emitir contratos oficiais para combater segundo eles a

“concorrência desleal,” impedindo que festeiros (organizadores e

produtores de eventos) colaborassem com sonoros novos para rebaixar

preços e prejudicar as aparelhagens de maior porte.

Milton fazia parte de um bloco minoritário da associação que apoiava

a ideia de transformá-la em sindicato para representar tanto os interesses

dos proprietários como dos empregados da categoria. Porém, a iniciativa

se esbarrou na oposição forte de proprietários que entendiam a

formalização das condições de trabalho até dos carregadores de caixa

como uma ameaça ao patrimônio que tinham acumulado até então.

Narrando sua tentativa de sindicalizar o setor como mais um exemplo de

sua vontade heroica, embora mal sucedido, Milton disse:

Quando nós metemos, eu disse “vamos legalizar os

funcionários (...) se tenho quatro homens, eu

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Revista Estudos Amazônicos • 91

legalizo os quatro homens.” Né? Pra ganhar seu

salário certo. [Os outros proprietários diziam] “Tu

é doido! E se um cara desse te joga na justiça? Não

trabalho só pra pagar...” Me derrubaram. Cada

coisa que eu criava com essas ideias como

presidente. (...) [Eu dizia] “Vamo botar (...) médico,

pra atender os filhos do funcionário. Nós temo

local [a sede da associação] pra fazer isso. Um

advogado pra defender os cesto... vocês vão ser

sócios do sindicato das aparelhagem.” Não

aceitaram nêgo. Aí nós metemo, não passou lá em

Brasília. Perguntaram quantos funcionários a gente

tinha. “Nenhum!” Com’é que pode virar

sindicato?19

O compromisso do Milton para com a classe de empregados informais

de aparelhagens pode ser compreendido com relação ao paternalismo

mencionado acima. O tipo de relacionamento que Milton procurava

cultivar com seus empregados se espelhava no relacionamento que seus

benfeitores-patronos (como o major citado acima) cultivavam com ele na

ausência de um patrimônio próprio. Por exemplo, a primeira

oportunidade que Milton teve de gerenciar um sistema sonoro surgiu

quando um conhecido de camada social mais alta herdou um sonoro

mono, Sonoro Barbosa, de seu pai. A partir do momento em que o

conhecido pediu ao Milton “tomar conta para nós dois,” ele virou o

principal responsável por aperfeiçoar o som, agendar eventos e inovar o

nome (mudando primeiro para “O Conversível” e depois para “Alvi Azul”

em homenagem ao clube de futebol Paysandu). Anos depois, Carlos

Aguiar, homem de família com influência política e social na cidade, dava

preferência a Milton na hora de distribuir discos de vinil “exclusivos” de

Page 18: valor, patrimônio cultural e precarização na história dos sistemas ...

92 • Revista Estudos Amazônicos

música caribenha que trazia das viagens para o exterior. De forma

parecida, Milton explicou como procurava manter um bom

relacionamento com seus empregados ou “meninos,” fazendo visitas em

suas casas, patrocinando excursões anuais a praia, dividindo hospedagem

com eles quando Alvi Azul tocava no interior e promovendo uma festa

todo final de ano em que os empregados dividiam o lucro entre si.

A mistura de afeto e arrogância implícita no uso culturalmente

específico do termo “meninos,” até mesmo com referência a homens com

mais idade, exemplifica as contradições inerentes do paternalismo. Por

um lado, o paternalismo enquanto sistema social pode impor certos limites

aos comportamentos mais abertamente mercenários do tipo justificado e

autorizado pela “lei do mais esperto.” A “ética” paternalista exige um

compromisso material do patrão com seus peões como se obrigado por

ligações familiares. Por outro lado, o paternalismo mistifica a autoridade

e naturaliza divisões rígidas e hierárquicas por sexo, raça e classe,

organizando sociedade e o lugar de trabalho segundo uma mesma lógica—

a da família chefiada pelo homem geralmente de descendência europeia.

A capacidade do Milton se narrar como empreendedor heroico e

autônomo dependia do trabalho subvalorizado desses “meninos” assim

como de sua primeira esposa Dona Júlia. No auge das atividades

comerciais dos sistemas sonoros da franquia Alvi Azul, Júlia era a principal

responsável por questões financeiras e contratuais. Ela contribuiu

também para a criação da imagem profissional da empresa, costurando os

uniformes da equipe e as capas para as caixas e mesa de som. Porém, seu

trabalho acontecia fora do olhar público e não contava com o mesmo tipo

de reconhecimento nem remuneração. Resumindo, a subjetividade plena

do empreendedor autônomo é subsidiada pelo trabalho de seus

subordinados e subordinadas, aqueles que não contam na visão da

sociedade paternalista e capitalista como agentes.

Page 19: valor, patrimônio cultural e precarização na história dos sistemas ...

Revista Estudos Amazônicos • 93

Embora Milton Almeida narre sua história de vida de uma forma que

o apresenta como o arquétipo do homem que se fez sozinho, a fundação

econômica que potencializou essa narrativa aos poucos se desfez,

obrigando-o a enfrentar, às vezes dolorosamente, a contingência de sua

subjetividade heroica assim como a precariedade de seu patrimônio

material e imaterial. A decadência de Belém como principal centro urbano

da região Norte no final do século XX contribuiu para a estagnação da

economia em geral. Ao mesmo tempo, a disponibilidade de equipamentos

eletrônicos baratos fabricados em Manaus e São Paulo prejudicou o

mercado local de construção, adaptação e conserto de sistemas sonoros.

Somado a esses fatores externos, a consolidação de um monopólio sobre

o circuito festeiro entre algumas dinastias de aparelhagem e seus sócios em

boates, produtoras de eventos e distribuidoras de cerveja também

contribuiu para a queda de demanda para aparelhagens novas. Circulam-

se até boatos alegando que os novos lançamentos tecnológicos das

dinastias sonoras são financiados com dinheiro sujo investido por

empresários nordestinos. Mesmo que não sejam verdadeiros, esses

comentários funcionam como meio de tentar pôr em cheque a acumulação

desproporcional de poder econômico e social entre seus conterrâneos.

Muitas vezes ouvi essas acusações desembocarem em um lamento mais

amplo sobre a erosão do valor de viver “das mãos, vista e mente.” Às

vezes, esses lamentos até se transformavam em declarações sobre o “valor

cultural” ou “criativo” da sonorização, dessa forma apontando para além

de um desejo reacionário pelos “tempos áureos” em um regime de valor

constituído, para um princípio constituinte de valor. Dessa forma, como

argumenta Judith Butler, a desapropriação pode se tornar a condição que

possibilita o inquérito moral e o questionamento crítico.

Júnior Almeida e a partida para o lado “cultural”

Page 20: valor, patrimônio cultural e precarização na história dos sistemas ...

94 • Revista Estudos Amazônicos

Diante das mudanças recentes no ramo de sonorização, os três filhos

atualmente envolvidos com o dia a dia da empresa familiar tiveram que

diversificar suas atividades comerciais para sobreviver dela. Embora um

cliente ou outro ainda procure a oficina Alvi Azul para encomendar uma

aparelhagem nova destinada para campanhas políticas ou publicitárias no

interior, as atividades cotidianas das quais os irmãos dependem abrangem

consertos de equipamento, trabalhos pontuais para produtoras como

técnico de som, trabalhos freelance como DJ para bares e eventos fechados

entre outros. Aqui enfocamos os trabalhos desenvolvidos pelo filho mais

novo de Milton e Júlia, sobretudo aqueles relacionados com seu sonho de

valorizar o legado de seu pai em termos de sua importância social e

cultural.

Milton Almeida Nascimento Júnior, o mais novo dos seis filhos de Júlia

e Milton, nasceu em 1971. Ele foi criado durante um período que ainda é

lembrado pelos pais como o auge da empresa Alvi Azul. No entanto,

Júnior ainda era jovem demais para participar dos negócios e dos deveres

de casa que ocupavam seus pais e irmãos. Na sua juventude, o único

trabalho relacionado à sonorização que Júnior exercia era a seleção e

gravação de fitas personalizadas a pedido de fãs do Alvi Azul, atividade

que contribuiu para sua formação na música. Em 1987, aos dezesseis anos

de idade, Júnior entrou mais a fundo no ramo das aparelhagens. Mas

diferentemente das outras dinastias sonoras da época que treinavam os

filhos do proprietário para assumir o posto de DJ e função de cara pública

da empresa, Júnior e seus irmãos trabalhavam sempre “nos bastidores.”

Embora Júnior desenvolva atualmente vários trabalhos freelance como DJ,

ele deixou a entender que não se identificava o suficiente com a cena das

festas de aparelhagem para virar o DJ do Alvi Azul.

Page 21: valor, patrimônio cultural e precarização na história dos sistemas ...

Revista Estudos Amazônicos • 95

Como a gente trabalhava muito nos bastidores,

assim, o meu primo que era DJ. Papai na verdade

fez ele. Nilsinho (...) gostava também do mesmo

som que eu gostava mas gostava do movimento de

aparelhagem... pra tocar. Por que aparelhagem,

você tem que gostar. Tem que se identificar. E a

gente já trabalhava nos bastidores.20

Como um dos membros da família mais introvertidos, com habitus e

gosto musical mais intelectualizados, Júnior disse se identificar mais com

os lugares fechados frequentados por um público menos agitado. Ele

justificou isso também pelo fato desses espaços proporcionarem maior

liberdade de tocar uma variedade de estilos musicais não aceitos em festas

de aparelhagem atuais, e também pelo fato de não ter que “animar a

plateia” no microfone.

Devido às dificuldades associadas com o mercado atual de

aparelhagens, Júnior optou por uma vida mais sossegada afastado do

circuito de grandes festas. Durante o período dessa pesquisa, ele

trabalhava de dia prestando serviço para a loteria “Carimbó dá sorte” e

fazia “publicidade volante” com seu carro-som nos bairros periféricos da

cidade. Apesar de que ainda sonhe em algum dia voltar para o mercado

de aparelhagem com o nome de Alvi Azul, Júnior explicou que seu serviço

atual tinha a vantagem de ser regular. Terminado seu serviço às 18 horas,

Júnior podia passar tempo com sua família e trabalhar freelance como DJ

no bairro. Ao mesmo tempo, o trabalho regular não necessariamente

significa emprego seguro. Devido aos pagamentos mensais que precisava

fazer para financiar a caminhonete velha que usava no trabalho, dinheiro

não costumava sobrar em abundância. Durante dezembro de 2013, a

caminhonete apresentou um problema mecânico e ficou por mais de uma

semana na oficina do vizinho. Enquanto não conseguia consertar o

Page 22: valor, patrimônio cultural e precarização na história dos sistemas ...

96 • Revista Estudos Amazônicos

veículo, o irmão do Júnior era obrigado a cobrir seu turno para evitar que

fosse demitido. Diante de tal precariedade, Júnior esteve sempre alerto

para oportunidades novas de completar a renda de casa, mas também não

deixou de sonhar com projetos “culturais” como meio de atenuar a

mesmice do trabalho cotidiano, esperançoso de avistar um horizonte além

da precariedade do presente.

Do ponto de vista de Júnior, os caminhos que mais parecem levar para

a renovação do sonho e legado do Alvi Azul são os que “partem para o

lado cultural.” Partir para o lado cultural significa, em primeiro lugar,

romper com o regime de valor dominante entre as aparelhagens “de

ponta,” sobretudo a supervalorização da novidade tecnológica e o lucro

acima do trabalho vivo e a sociabilidade. Em segundo lugar, partir para o

lado cultural também significa refutar um discurso classista que caracteriza

o ramo como meramente e universalmente alienado, mercenário e

mercadológico—isso é, sem valor “cultural.”

Por mais eficaz que o discurso de “valor cultural” seja como defesa da

sonorização contra o capitalismo selvagem e o elitismo, ao partir para o

lado cultural corremos o risco de acabar por afirmar um regime de valor

burocrático, elitizado em torno do que poderíamos designar de Cultura-

maiúscula. No contexto neoliberal de hoje a Cultura-maiúscula se forma

na encruzilhada entre os interesses burocrático-estaduais e capitalista-

mercadológicos. Cultura-maiúscula segue a lógica economicista para a

qual George Yúdice apontou no seu livro sobre a “conveniência da

cultura,”21 transformando-se em um recurso a ser gerenciado, cultivado e

investido “por cima” e ao mesmo tempo instrumentalizado, mobilizado e

trocado por reconhecimento, benefícios ou prestígio institucional “por

baixo.”

Júnior percebe com sagacidade o crescimento de uma economia

cultural em torno da produção e gerenciamento de “patrimônio cultural”

Page 23: valor, patrimônio cultural e precarização na história dos sistemas ...

Revista Estudos Amazônicos • 97

como uma abertura que talvez permita a valorização de seu legado familiar

dentro de um regime de valor em aparente ascensão. Apropriando-se de

discursos com ampla circulação institucional, Júnior chama atenção para

o trabalho “artesanal” que seu pai desenvolvia numa tentativa de

reformular o valor de seu trabalho em termos de uma contribuição ao

“patrimônio cultural” do estado do Pará. Porém, manejar o discurso do

patrimônio cultural com êxito requer certas concessões ao poder,

conforme alerta o Michael Herzfeld. Na sua etnografia sobre os desafios

que os artesãos de Creta encontram ao tentar valorizar seu trabalho numa

sociedade cada vez mais dominada por valores tecnocratas burgueses,

Herzfeld diz que uma das poucas opções à sua disposição é transformar

seu trabalho-vivo em um objeto estático e legível por instituições estaduais

e indústrias culturais como “tradição.” Esse processo implica a entrega de

uma cultura viva para a “hierarquia global de valor” que “claramente acede

aos valores disseminados mundialmente pelos poderes coloniais europeus

de outrora”22:

Em todo lugar, desde a França com seu patrimoine

até a Tailândia com seu conceito análogo de moradok

(…) vemos a noção generalizada em todo planeta

que, da mesma forma que a cultura é a propriedade

do indivíduo coletivo conhecido como nação,

heritage [“patrimônio”] é sua realização enquanto

transferência de propriedade coletiva entre

gerações. Heritage nesse sentido se substitui por

história, da mesma forma que cultura se substitui

por sociedade: em ambos os casos, o processo

temporal é ocluído pela percepção de uma

eternidade coletiva.23

Page 24: valor, patrimônio cultural e precarização na história dos sistemas ...

98 • Revista Estudos Amazônicos

Implícito nesse processo de transformar cultura em Cultura é o

trabalho secundário de uma camada que chamarei de “pós-produtores de

cultura.” Na etnografia do Herzfeld, o trabalho de pós-produção não

“entra em cena” em nenhum momento, contribuindo para a mistificação

do processo através do qual a transformação cultura-Cultura se dá. É

preciso analisar produção e pós-produção cultural como um conjunto para

esclarecer como funciona a divisão do trabalho da qual depende a

“indústria do patrimônio cultural.” A supervalorização do trabalho do

pós-produtor de cultura nessa conjuntura reflete e ao mesmo tempo

produz uma distinção de classe social. Segundo Herzfeld, tal distinção

pressupõe a priori o valor social elevado de “uma mente que é autônoma e

externa à encarnação física do ego e a um sistema social controlador ao

qual o ego está obrigado a se submeter.”24 Os artesãos de Creta que

apostariam na transformação de seu trabalho em patrimônio cultural

nacional como estratégia para sobreviver à imaterialização da economia e

manter sua subjetividade intacta se encontram obrigados por um tipo de

pacto faustiano, como explica Herzfeld:

O custo de subir no sistema de classes é abandonar

costumes habituais de fala e gesto que fazem da

“tradição” um elemento essencial e internalizado do

ego; [uma vez abandonada] a tradição se torna

objetivada e comodificada ao lado de fora daquele

ego. Virando assim um objeto de gerenciamento e

autoria, as pessoas que continuam a guardar [a

tradição] “dentro” de si mesmas permanecem

marginalizados do mainstream da modernidade.25

Page 25: valor, patrimônio cultural e precarização na história dos sistemas ...

Revista Estudos Amazônicos • 99

Em outras palavras, Herzfeld argumenta que aceder à hierarquia global

de valor implica tanto a imobilização e objetivação daquele trabalhador

que “encarna” a cultura tradicional dentro de si como a nova subjetivação

concomitante de um gerente ou pós-produtor de cultura cujo trabalho é

supervalorizado em função de sua abstração da produção cultural em si.

Milton se mostrou ciente dos problemas e possibilidades provocados

pela patrimonialização da cultura e a correspondente divisão do trabalho

cultural, mas tentou manejar o discurso de patrimônio cultural de forma

“sagaz,” navegando as contradições de um sujeito que busca se autenticar

como a encarnação do patrimônio cultural sem deixar de se afirmar como

autor de si mesmo. Veja por exemplo como ele tentou se posicionar em

relação a um mestre venerado de carimbó (tradição musical percussiva que

começou a conquistar reconhecimento oficial a partir dos anos 1970) não

só como colega mas também como um empresário:

[Aparelhagem] é um patrimônio... paraense. Porque

ela surgiu de muitos e muitos anos né. Antes de

mim, surgiu vários. Só que não evoluíram. Foram

construindo e acabando, construindo [e acabando],

sem chegar ao ouvido dos políticos. E eles acharam

[numa recente decisão legislativa] que não é um

patrimônio histórico. Com’é que o carimbó foi?

Por quê? [Mestre] Verequete, seu Verequete pegava

apoio das aparelhagem. Pra poder conhecer o

carimbó dele. Trabalhei um tempo com ele aqui,

fazia show né. A gente saía. Eu tinha um carimbó.26

Júnior, por sua vez, demonstrava receio de assumir o papel de pós-

produtor do legado de seu pai, reconhecendo que o mercado de

patrimônio cultural hoje exige capacidades técnicas e equipamentos caros

Page 26: valor, patrimônio cultural e precarização na história dos sistemas ...

100 • Revista Estudos Amazônicos

muito além dos que tem ao seu dispor. Ademais, na visão do Júnior a

elaboração de um projeto sobre a história e contribuição cultural das

aparelhagens não é motivada pela busca de retorno financeiro nem

necessariamente prestígio institucional. Para Júnior, conhecer e entrevistar

a “velha guarda” foi especialmente significante pela oportunidade que

representava de entrar mais profundamente na história de sua família e seu

pai como co-narrador e co-criador, em vez de apenas observar

passivamente o seu decorrer desde as margens como na sua juventude.

Usando a metodologia etnográfica como ferramenta para trabalhar a

memória viva, buscamos desenvolver um projeto que evitasse a reificação

do passado que costuma assombrar projetos desse tipo. Como narrarei a

seguir, mesmo sem conseguirmos patrocínio oficial nem do setor privado

nem do setor público — ou, talvez melhor dizendo, justamente por não

termos sido obrigados a prestar contas para um patrocinador oficial —

pudemos dar início a um processo social de comemoração e

questionamento sobre trabalho, valor e subjetividade, criando assim as

condições de possibilidade para a descoberta e formulação de outros

princípios de valor social além dos valores legitimados pelo mercado ou o

estado.

Para além da saudade? O trajeto do Projeto Sonoro Paraense

Ao começo de nossa colaboração, Júnior e eu falávamos em montar

um “museu popular da aparelhagem,” conceito que fez estranhar muitos

patrocinadores que consultamos devido ao costume entre aparelhagens de

grande porte de vender ou jogar fora discos, tecnologias e outros afins

Page 27: valor, patrimônio cultural e precarização na história dos sistemas ...

Revista Estudos Amazônicos • 101

com cada lançamento novo. Também enfrentamos o cinismo até de

alguns membros da família, que criticavam Júnior por correr atrás de um

mero sonho, de colocar sua caminhonete mesmo em estado precário à

disposição de uma pesquisa sem fins lucrativos e assim arriscar seu meio

de locomoção e de sustento. Enquanto isso, os interlocutores do poder,

diferente dos que caucionavam com boa vontade que o passado não tinha

valor econômico, diziam em má fé que o passado dos sonoros e da geração

que os fizeram não tinham valor econômico, cultural nem social, já que

interessava apenas a um público restrito “de coroa de periferia.” Até

mesmo alguns veteranos do ramo de sonorização questionavam os

motivos da pesquisa, como o próprio Milton tinha questionado os meus.

Perguntavam de qual forma pretendíamos tomar proveito de suas

memórias, se não íamos nos apropriar do patrimônio modesto imaterial

que lhes restava. Não obstante, a maior parte da velha guarda da qual nos

aproximamos partilhou suas histórias e narrou suas vidas com muito gosto

e generosidade, tornando-se assim parceiros do projeto, como explico

abaixo.

Um dos pontos de partida para o que acabamos chamando de “Projeto

Sonoro Paraense” eram os poucos projetos para os quais já tinham

conseguido patrocínio público ao “partir para o lado cultural” dos

sonoros. Destacaram-se dois projetos realizados por Suely Nascimento,

filha de Sebastião Nascimento (b.1928, d.2010) do Sonoro Diamante

Negro, incluindo um filme de curta metragem lançado em 2003 com uma

Bolsa para Pesquisa em Arte do Instituto de Artes do Pará, e um livro

fotográfico elaborado a partir do mesmo material e publicado em 2010

com o apoio da “Conexões Artes Visuais”, iniciativa do Ministério da

Cultura.

As atividades profissionais de Suely enquanto jornalista fotográfica

assim como sua formação em comunicação contribuíram para seu

domínio tanto da linguagem gráfica como da linguagem verbal que são

Page 28: valor, patrimônio cultural e precarização na história dos sistemas ...

102 • Revista Estudos Amazônicos

reconhecidas pela indústria de patrimônio cultural. Seu filme —um ensaio

fotográfico com música — é composto de fotos tiradas entre 1997 e 2003

nas festas promovidas pelo sonoro de seu pai. As imagens retratam

momentos íntimos antes, durante e depois da festa entre casais, dançarinos

e amigos. O livro apresenta as mesmas fotos em formato de disco de vinil,

objeto emblemático desse “passado áureo.” O fato de muitas das fotos

em preto e branco mostrarem sedes quase vazias contribui para a beleza

assombrosa dos trabalhos e para a melancolia do projeto enquanto

homenagem póstuma a Sebastião Nascimento.

A linguagem gráfica e verbal mobilizadas nesses projetos ajuda a

construir o imaginário nostálgico de um passado que vem a ser

“resgatado,” preservado e convertido em memória pública justamente no

momento em que (nos dizem que) ele está quase para se perder. A

justificativa do projeto ganha força e se torna legível às fontes

patrocinadoras por reproduzir a relação de identidade entre família e

nação, patrimônio familiar e patrimônio cultural:

Acredito que o livro vai resgatar e divulgar uma

parte da memória de Belém, da história do

‘Diamante Negro’ e dos dançarinos que

frequentavam essas noites meio de sonho. E o

‘Sonoro Diamante Negro’ pode ter, assim, uma

obra brasileira que preserve a sua história.27

A identidade pressuposta entre o intangível—cultura e memória—e a

precariedade faz da objetivação de um passado em desaparecimento uma

preocupação pública urgente.

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Revista Estudos Amazônicos • 103

Figura 2 – Dançarinos anônimos em preto e branco, baile do Sonoro Diamante

Negro

Fonte: Foto por Suely Nascimento28

Porém, o projeto de transformar a memória popular em memorial

público corre o risco de marginalizar e objetivar justamente aquelas

pessoas das quais se apropria a memória dita “precária,” perdendo a

oportunidade de renovar as redes sociais que as sustentavam e as

sustentam. Na coleção de ensaios intitulada de Memory Against Culture

(“Memória contra cultura”), o antropólogo Johannes Fabian desafia o

leitor a imaginar um tipo de memória insubmissa que resiste à reificação e

controle dentro de regimes de valor institucionalizados, sejam estaduais,

sejam acadêmicos:

Memória popular é popular desde que não seja

coletada, canonizada ou promovida por instituições

ou entidades políticas. Pode manter sua

contraposição às pretensões governamentais—ou

acadêmicas—de controlar e ditar a memória desde

que não seja (ou desde que não seja apenas ou

principalmente) memória num sentido que

corresponde ao conceito alemão de Erinnerung:

tomar, apropriar-se, concentrar ou procurar um

centro.29

Page 30: valor, patrimônio cultural e precarização na história dos sistemas ...

104 • Revista Estudos Amazônicos

Refletindo sobre a relação entre essa “memória no sentido de coletar”

e uma “memória coletiva,” ele faz a seguinte colocação:

Embora pareça plausível que coletar quase sempre

e naturalmente seja vinculado à

memória/recordação (...), [a proposta] inversa deve

ser tratada com cuidado: a memória/recordação

precisa ser vinculada à coleta? (…) Pode-se ter um

“agente coletivo” da coleta e, caso sim, como

teríamos que imaginar a forma de engajamento

desse agente na coleta?30

Com essa pergunta ecoando em meus ouvidos, viemos a reformular o

projeto para evitar que a lógica do resgate dirigisse o projeto. Procuramos

meios de engajar a “velha guarda” dos sonoros não como objetos em um

processo de coleta ou Erinnerung, mas como agentes em um processo que

começamos a elaborar a partir do conceito de “co-memoração.”

Iniciamos a primeira fase do projeto em 2010 com o lançamento de

um arquivo etnográfico virtual que contém depoimentos de pessoas que

protagonizavam o início da história das aparelhagens. 31 Lá postávamos

trechos de áudio e vídeo editados, junto com fotos e outros materiais dos

primeiros quarenta anos de sonorização popular em Belém. Apesar das

barreiras de acesso à internet em Belém limitarem o alcance desse formato,

um site nos permitia publicar materiais de forma mais rápida e dinâmica

em comparação à temporalidade glacial e o formato não-interativo de

outras formas de publicação. O site bilíngue passou a receber centenas de

visitas, dezenas de contribuições, postagens e contatos novos e também

serviu de inspiração e fonte primária para outros acadêmicos e pós-

Page 31: valor, patrimônio cultural e precarização na história dos sistemas ...

Revista Estudos Amazônicos • 105

produtores de cultura.32 Porém, viemos a questionar seu valor e utilidade

para a própria velha guarda. O site do Projeto Sonoro Paraense não seria

apenas um exemplo mais “high-tech” de Erinnerung, que acabava trocando a

conveniência da Cultura-maiúscula pela conveniência do Conhecimento-

maiúscula?

Em julho de 2013, eu, Júnior e outros colaboradores discutimos a

possibilidade de organizar uma série de encontros da “velha guarda” no

intuito de “socializar” o processo de comemoração, sem por enquanto

exigir qualquer resultado definido. Através desses eventos pretendíamos

engajar mais a participação daquele agente coletivo que acena o Fabian,

passando a pensarmos o Projeto Sonoro Paraense como um pretexto para

reanimar a sociabilidade entre pessoas da velha guarda que costumavam

se encontrar com mais frequência na oficina, na porta de casa ou na

APASEPA, e ao mesmo tempo engrossar e ampliar essas redes sociais,

convidando outros trabalhadores de cultura paraense para participar.

Chamamos as pessoas que tinham concedido entrevistas e materiais para

contribuir para a programação da primeira edição na sede histórica do

bairro periférico de Terra Firme com discursos, músicas e vídeos-

homenagens. Edições futuras contariam com um comitê organizador que

planejaria encontros itinerantes que passariam por vários bairros,

resistindo a obrigação de canalizar o social em objeto de Cultura

“comodificável” ou gerenciável que obedecesse a lógica da

“conveniência.”

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106 • Revista Estudos Amazônicos

Figura 3 – 1o “Encontro Sonoro” na sede do Terra Firme Esporte Clube,

dezembro 2013

Pres. João Monteiro e no microfone controlista Sebastião Meireles

Fonte: Foto pelo autor

Contudo, antes de concluir, cabe aqui uma breve ressalva final sobre a

importância dos objetos como mecanismos ou veículos necessários para

o processo de subjetivação e realização do valor além dos limites de

tempo, espaço e geração. Como teoriza David Graeber,

Quando você reconhece o valor de um objeto, você

vira um tipo de ponte sobre o tempo. Isto é, você

reconhece não somente a existência de uma história

de desejos e intenções passados que contribuíram

para a forma do objeto no presente, mas essa história

também se estende através de seus desejos, sonhos e intenções,

mobilizados novamente naquele ato de

reconhecimento (...) Objetos de fetiche viram

espelhos para as intenções manipuladas do

observador. E de certa forma a própria noção de

desejo requer essa fetichização.33

Durante uma conversa preliminar em que discutíamos as possíveis

finalidades da nossa pesquisa, fiquei preocupado com a maneira em que

Júnior insistia em dar uma forma tangível ao legado da velha guarda, pois

parecia aceder nitidamente à hierarquia global de valor em que o escrito se

valoriza mais do que o oral, a história mais do que a memória, o fato mais

do que o sonho.

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Revista Estudos Amazônicos • 107

As pessoas antigas ficaram aí. Estamos andando aí

com essa pesquisa, viu que ficaram só com sonho

na mente. Alguns tão morrendo sem nenhum

reconhecimento. (...) O que eu queria desse projeto

é não deixar que essa história acabe. A história que

eu falo do início da aparelhagem. Que ela não passe

despercebida né, que ela não vire um comentário de

bar... aquela coisa assim “você se lembra?” Não,

quero que vire um fato mesmo. Então meu

trabalho não é de hoje, é de muito tempo. Tenho

esse sonho [de] deixar uma coisa criada pra eles. (...)

A minha preocupação aqui é que eles tenham

alguma história de fato. Montada em áudio ou

vídeo ou livro ou alguma coisa.34

Ao longo de nossa parceria, Júnior insistia com certa frequência na

ideia de construir junto com seu pai um sistema sonoro amplificado à

válvula para servir de destaque do projeto, “igual como era na época” antes

da chegada do transistor, momento hoje visto como divisor das águas

entre os modestos sonoros que cumpriam uma função social, e as

estrondosas aparelhagens que passaram a cumprir uma função mais

mercadológica a partir do fenômeno Antônio Maurício Dias da Costa

chama da “corrida tecnológica.”35 Sem querer entrar no mérito dessas

críticas (que por sua vez correm o risco de estigmatizar mais ainda os

jovens que frequentam as festas de aparelhagem hoje), o ponto relevante

para ressaltar aqui é a capacidade que o objeto “encantado” tem para

provocar o questionamento de valores dominantes e possibilitar uma

reconfiguração do desejo, inclusive uma subversão da vontade heroica e

masculina. Considera por exemplo a linguagem típica com a qual Milton

descreve a tecnologia valvulada:

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108 • Revista Estudos Amazônicos

Você tem que escutar o som à válvula. A diferença

é muita! Não é pouca. Tu vai sentir a música parece

que é mais viva... KT 66. O nome de válvula [boa],

é bojuda assim, a grade dela é de ouro. (...) Quando

a válvula tá legal, de noite fica tudo azulado dentro,

sabe, aquele azul bonito, oscilando. Aquilo é

música passando! Tu te impressiona de ver aquilo

trabalhando, quando ela está bem equilibrada.

Quando ela tá mal equilibrada, ela fica vermelha. Aí

depois de um mês não presta. A válvula cansa. O

transistor não cansa. Mas assim foi modificando.36

Embora a tecnologia do transistor se alinhe mais com os valores

dominantes de poder, longevidade e progresso, ela é menosprezada por

não ter a mesma vitalidade do som à válvula. A forte atração exercida por

esse objeto, mesmo caracterizado pelo desgaste, convida o ouvinte a

questionar os valores dominantes que têm orientado o desejo

individual(ista) sob a lei do mais esperto.

Conclusão: para uma outra narração da precarização

Ao longo das últimas décadas, diminuiu bastante a demanda para a

construção e adaptação de sistemas sonoros em Belém. A desvalorização

do trabalho ao qual Milton e outros se dedicaram durante tantos anos

representa para ele não somente uma precarização econômica mas

também uma precarização ontológica que às vezes se expressa como

nostalgia conformada, outras vezes como ressentimento e uma vez até

como desespero. Em verão de 2013, durante uma viagem de ônibus de

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Revista Estudos Amazônicos • 109

volta de uma entrevista no município de Marituba, Júnior disse ter

encontrado seu pai recentemente no seu quarto sozinho, abatido, falando

de suicídio. Milton lamentava o fato de que “ninguém valoriza mais a

criação.” Júnior tentou consolar seu pai, afirmando que tinha

testemunhado, através da pesquisa etnográfica e as ligações e visitas que

recebia em resposta ao projeto, o fato de que “sua história continua” nas

histórias que os outros contam “em todo canto, por aí.” Por isso achei

comovente ouvir o Milton falar que o respeito e o reconhecimento que

seu nome comanda serve, de certa forma, como seu patrimônio mais

precioso:

Tá aí meu patrimônio. Isso aqui foi tudo com suor

(...) Hoje você pode perguntar em todo Belém.

Falar em Alvi Azul... meus filho se passam, “Égua

papai!” É uma porta pra eles. Eles vão fazer um

troço, eles [dizem] “sou filho do Seu Milton do Alvi

Azul.” “Óia tu és filho do Milton?” Pronto. Foi

isso que ganhei.37

Apesar da acumulação de um patrimônio material representar a

principal medida de valor de uma vida de trabalho segundo valores

paternalistas e capitalistas, das margens da economia de sonorização atual,

Milton é obrigado a elaborar um princípio de valor alternativo a partir do

reconhecimento social.

Ao decorrer da pesquisa etnográfica, fui percebendo que a minha

aproximação aos “pesquisados” assim como meu envolvimento em suas

vidas, lutas e sonhos cotidianos contribuíram para minha própria

subjetivação enquanto trabalhador de conhecimento, trabalhador de

cultura e, de certa forma, trabalhador “precário.” Na medida em que os

laços profissionais e pessoais foram ficando mais estreitos, produzindo até

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110 • Revista Estudos Amazônicos

relações de amizade em excesso do tipo de relação economicista que é

considerada normativa entre “pesquisador” e “pesquisado,” percebi não

somente o potencial mas também a exigência de desenvolver um papel

solidário para com esses outros trabalhadores de cultura que passavam por

um processo de desprezo e desvalorização de seu trabalho, enfrentando

depressão e incerteza num contexto de precarização neoliberal que

abrange não somente as “periferias” do Brasil e do hemisfério sul mas cada

vez mais os “centros” do hemisfério norte também.

Já que o pesquisador não pode “se manter limpo” da política do

conhecimento, como observa Johannes Fabian, falta definir qual a nossa

visão de mudança política e agência coletiva. No que diz respeito à

pesquisa etnográfica da memória, Fabian insiste que “devemos evitar

prosseguir nas nossas investigações como se pudéssemos manter o

pensamento e o conhecimento acadêmico e popular (e, claro, a memória)

a uma distância segura um do outro, ou, pior ainda, tentar evitar o

problema, tratando a memória como um objeto moral ou estético.”38 Por

minha parte, passei a vislumbrar no processo de pesquisa colaborativa

etnográfica uma possível ferramenta para trabalhar as contradições de

precarização econômica-ontológica, fazer as pazes com o passado e

reanimar a dimensão social que dá sentido às nossas ações. No livro The

Problem with Work (“O problema com o trabalho”) que trata a política “pós-

trabalhista” e o papel da esperança e o ressentimento na subjetivação do

trabalhador, Kathi Weeks escreve:

O primeiro passo para [construirmos] uma

temporalidade nova e mais esperançosa (...)

necessita que antes possamos arrancar um presente

viável do passado, que possamos alterar nossa

relação com um passado que ameaça transformar a

Page 37: valor, patrimônio cultural e precarização na história dos sistemas ...

Revista Estudos Amazônicos • 111

gente nos artefatos, em vez dos autores, do presente

(...) A solução é “redimir o passado” querendo-o,

ou, como descreve Nietzsche, transformar todo

“foi assim” em “mas assim eu quis! Assim hei de

querer!” Mas o ponto que quero frisar: precisamos

entender essa vontade que “quer o passado” como

uma vontade criativa; a afirmação do presente (...)

não é simplesmente uma autorização ou uma

ratificação de tudo produzido pelo passado, mas

uma intervenção ativa em nossos meios de habitar

o passado.39

Nesse sentido, contar sua própria história de vida e ouvir sua história

contada por outros pode ajudar a geração do Milton amenizar a melancolia

e até o desespero diante de uma história que foge de seu controle e autoria

e parece ser autora dela. Juntar as histórias de vida do ramo de sonorização

pode até contribuir para uma história popular regional “vista de baixo.”

Uma história popular desse tipo funcionaria como intervenção importante

na representação calcificada da população cabocla como mero “resquício”

de processos históricos de colonização e urbanização. Segundo essas

representações, na melhor das hipóteses a população cabocla sobrevive,

na pior das hipóteses ela sofre uma perda irremediável de cultura, memória

e comunidade.40

Porém, antes de trilhar o caminho da afirmação cultural, trajeto

conhecidíssimo entre várias vertentes de Estudos Culturais, comunicação

e etnomusicologia, devemos nos perguntar como podemos contribuir,

enquanto trabalhadores de conhecimento, para um modo de produção de

valor que não se contente com a recuperação do sujeito heroico autor-de-

si-mesmo, nem com a validação do regime de valor capitalista ao qual essa

forma de subjetividade correspondeu. Pois, conforme mencionado acima,

Page 38: valor, patrimônio cultural e precarização na história dos sistemas ...

112 • Revista Estudos Amazônicos

essa forma de subjetividade era subsidiada pelo trabalho subvalorizado de

mulheres e “meninos” que, segundo a ideologia hegemônica, eram

excluídos da categoria de sujeito pleno no meio da sonorização. Por isso,

a afirmação do passado e as formas de subjetividade que ele produziu sem

uma perspectiva crítica não basta. Como finaliza Weeks

Afirmar-se como um agente (...) significa se abrir

para a possibilidade de deixar de existir também. (...)

O que significaria respondermos à possibilidade de

deixar de existir em um futuro diferente, um futuro

em que nem nós nem nossos filhos (...) existiríamos,

e respondermos, aliás, com alegria e esperança em

vez de medo e ansiedade?41

Ao encarar o processo doloroso de objetivação e marginalização na

economia cultural atual, o que seria necessário para a primeira geração de

trabalhadores de sonorização poder largar o desejo de retornar a um

passado idealizado e perdido? O que seria necessário para encarar a

precarização sem nostalgia e sem medo de deixar de existir enquanto

sujeitos heroicos autores-de-si-mesmos? Como obviar a ligação entre a

precarização presente, a ética da lei do mais esperto e a história da corrida

tecnológica, fazendo com que a impossibilidade de um “retorno” se torne

evidente?

Em vez de narrar o passado com o discurso da perda, devemos

entender a precarização como uma condição de possibilidade para a

identificação de novos horizontes na luta sobre trabalho e valor. Pois

como observou Júnior, é justamente das margens, através do processo de

desapropriação, que uma formulação alternativa de valor pode se tornar

visível.

Page 39: valor, patrimônio cultural e precarização na história dos sistemas ...

Revista Estudos Amazônicos • 113

A gente sempre tinha aquela visão de dentro [da

aparelhagem] né. A gente carregava, instalava,

participava das festas. A gente sobrevivia dela,

então a gente tinha que fazer ela tocar bem, pra

ganhar dinheiro pra sobreviver. De um tempo pra

cá, uns dez anos mais ou menos, eu comecei a vê-la

de outra forma. Pra ver... a criação né. Como a gente

‘tava envolvido com a parte financeira, de fazer ela

tocar pra ganhar dinheiro pra gente viver, (...) a

gente não via a parte técnica. A gente passava por

ela assim só. (...) Aí de um tempo pra cá, cheguei a

ver a criação deles, de todos eles da época. (...) Eles

tinham que criar coisas aqui no Norte que vinham

de fora mas que tinham que se adequar com o

público paraense. Então desde a criação da parte

técnica até o móvel, a parte das caixas... era criação

deles.42

Por um lado, enfatizar o aspecto criativo que norteava o trabalho de

sonorização serve como meio de refutar o consenso elitista que a

aparelhagem enquanto instituição é uniformemente alienada,

mercadológica e imediatista, ou seja, que é sem valor cultural e social. Por

outro lado, reconhecer a importância daquilo que Júnior chama de criação

pode fortalecer uma crítica da supervalorização da evolução constante e o

lucro no meio de sonorização, desde que seja, antes de tudo, uma

autocrítica. A partir do trabalho criativo e colaborativo, passei a ver a

importância de começarmos a narrar a precariedade de outra forma —

sobretudo, como uma condição de possibilidade e uma provocação que

pode nos levar não somente ao questionamento crítico como também a

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114 • Revista Estudos Amazônicos

uma reconfiguração da agência coletiva que a confiança cega no valor de

um ego heroico e autor-de-si-mesmo ou de um estado paternalista ou de

uma carreira profissional a todo custo antes impedia.

Artigo recebido em setembro de 2014

Aprovado em outubro de 2014

NOTAS

* Quero agradecer a American Council of Learned Societies (ACLS) por apoiar essa

pesquisa.

** Etnomusicólogo, Professor do Institute for Research in the Humanities da University of

Wisconsin-Madison, Wisconsin-EUA.

1 APPADURAI, Arjun. Commodities and the Politics of Value. In: Idem. The

Future as Cultural Fact: Essays on the Global Condition. London: Verso Press,

2013, pp.20-21. 2 HERZFELD, Michael. The Body Impolitic: Artisans and Artifice in the Global

Hierarchy of Value. Chicago: Chicago University Press, 2004, pp.17-18. 3 GRAEBER, David. Toward an Anthropological Theory of Value: The False Coin of Our

Own Dreams. New York: Palgrave, 2001, p.1.

4 APPADURAI, 2013, p.9. Todas as traduções de inglês para português são minhas.

5 BUTLER, Judith. Giving an Account of Oneself. New York: Fordham University, p.7-8.

Tradução Livre.

6 Idem, p.12.

7 CONTI, Antonio, Anna Curcio, Alberto De Nicola, Paolo Do, Serena Fredda,

Margherita Emiletti, Serena Orazi, Gigi Roggero, Davide Sacco, Giuliana Visco.

The Anamorphosis of Living Labour. Ephemera: Theory and Politics in Organization.

Vol. 7, fasc.1, 2008, p.83. 8 Idem, Ibidem.

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Revista Estudos Amazônicos • 115

9 MITSCHEIN, Thomas; MIRANDA, Henrique; PARAENSE Mariceli.

Urbanização Selvagem e Proletarização Passiva na Amazônia: O Caso de Belém. Belém:

CEJUP NAEA/UFPA, 1989, p.62. 10 Sobre a erosão do sistema de aviamento, veja MCGRATH, David. Parceiros

no crime: o regatão e a resistência cabocla. Novos Cadernos NAEA, Vol. 2, fasc. 2,

1999, pp.57-72. 11 MITSCHEIN, 1989, p. 35.

12 LEÃO DA COSTA, Tony. Música de subúrbio: Cultura popular e música popular

na hipermargem de Belém do Pará. Tese de doutorado, História Social,

Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, 2013, p.91. 13 STOLZOFF, Normal. Wake the Town and Tell the People: Dancehall Culture in

Jamaica. Durham: Duke University, 2005, s.p.

14 LAMEN, Darien. Claiming Caribbeanness in the Brazilian Amazon: Lambada,

Critical Cosmopolitanism, and the Creation of an Alternative Amazon. Latin

American Music Review. Vol. 34, fasc. 2, 2013, pp.131-161. 15 ALMEIDA NASCIMENTO, Milton. Entrevista. Julho 2013. Belém do Pará. 16 HERZFELD, 2004, p. 92. Tradução livre. 17 ALMEIDA NASCIMENTO, 2013. 18 Idem. 19 Idem. 20 Idem.

21 YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo

Horizonte: Editora UFMG, 2006.

22 HERZFELD, 2004, p.2.

23 Idem, p.198. Tradução livre. 24 Idem, p.195. 25 Idem, Ibidem. 26 ALMEIDA NASCIMENTO, 2013. 27 NASCIMENTO, Suely. Do sonoro de Belém às artes de Carajás. O Liberal,

Belém do Pará, 27/07/2010. 28 NASCIMENTO, Suely. Sonoro Diamante Negro. Rio de Janeiro: Conexão Artes

Visuais/FUNARTE, 2010, s.p.

29 FABIAN, Johannes. Memory Against Culture: Arguments and Reminders.

Durham: Duke University Press, 2007, p.104. Tradução Livre. 30 Idem, p.105. 31 PROJETO SONORO PARAENSE. Disponível em www.sonoroparaense.com.

Acesso em 01/08/2014.

32 Veja por exemplo Leão da Costa 2013; MEIRELES, Maurício. Projeto registra

a história das primeiras aparelhagens do Pará. O Globo. 17/03/2014. Disponível

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em http://oglobo.globo.com/cultura/projeto-registra-historia-das-primeiras-

aparelhagens-do-para-11894876. Acesso em 07/09/2014; Projeto quer guardar

história das aparelhagens. Diário do Pará. 05/01/2014. Disponível em

http://www.diarioonline.com.br/entretenimento/cultura/noticia-268865-

projeto-quer-guardar-historia-das-aparelhagens.html. Acesso em 07/09/2014;

Evolução das aparelhagens inspira pesquisadores. Programa É do Pará da TV

Liberal da Rede Globo. 22/03/2014. Disponível em

http://redeglobo.globo.com/pa/tvliberal/edopara/noticia/2014/03/evolucao-

das-aparelhagens-inspira-pesquisadores.html. Acesso em 07/09/2014. 33 GRAEBER, 2001, p.115, grifos meus.

34 ALMEIDA NASCIMENTO JÚNIOR, Milton. Entrevista. Novembro 2009.

Belém do Pará.

35 DIAS DA COSTA, Antonio Maurício. Festa na cidade: o circuito bregueiro em Belém

do Pará. 2a edição. Belém: EDUEPA, 2009, p. 81.

36 ALMEIDA NASCIMENTO, Milton. Entrevista. Outubro 2009. Belém do

Pará. 37 ALMEIDA NASCIMENTO, 2013. 38 FABIAN, 2007, p.100. 39 WEEKS, Kathi. The Problem with Work: Feminism, Marxism, Antiwork Politics,

and Postwork Imaginaries. Durham: Duke University Press, 2011, pp. 199, 200-

201. Tradução livre. 40 Para uma perspectiva “clássica” sobre a “des-caboclização” e a migração urbana,

veja os ensaios em PARKER, Eugene (org). The Amazon Caboclo: Historical and

Contemporary Perspectives. Williamsburg, VA, EUA: College of William and Mary,

1985, pp.xvii-li. Para respostas críticas à historiografia dessa população, veja ADAMS,

Cristina; MURRIETA, Rui; NEVES, Walter; HARRIS, Mark (orgs.). Sociedades

Caboclas Amazônicas: Modernidade e Invisibilidade. São Paulo: Annablume, 2006 e

NUGENT, Stephen. Coordinates of Identity in Amazonia: At play in the fields of

culture. Critique of Anthropology vol.17, fasc.1, 1997, pp.33-51.

41 WEEKS 2011, p. 202.

42 ALMEIDA NASCIMENTO JÚNIOR, 2009.