Utilização do Geo-radar na identificação de feições...

13
Revista de Geologia, Vol. 19 (1), 2006 35 Revista de Geologia, Vol. 19, nº 1, 35-47, 2006 www.revistadegeologia.ufc.br Utilização do Geo-radar na identificação de feições associadas ao escorregamento ocorrido em Realeza, Manhuaçu – MG Paulo Roberto Antunes Aranha a & Frederico Garcia Sobreira b Recebido em 23 de novembro de 2004 / Aceito em 22 de maio de 2005 Resumo Este trabalho relata a utilização do Geo-radar na identificação de fraturas e outras superfícies de fraqueza que podem ter condicionado o escorregamento rotacional em talude com presença de moradias no distrito de Realeza, Manhuaçu, MG. Esse talude é formado pelo manto de intemperismo (saprólitos ou solos residuais) recoberto por solo laterítico, o qual apresenta características geotécnicas de solo, preserva ainda estruturas reliquiares da rocha que lhe deu origem (fraturas, foliação e outras descontinuidades). Em conseqüência das fortes chuvas que atingiram a região de Manhuaçu durante o mês de janeiro de 2003, ocorreu grande movimentação na encosta, afetando uma área aproximada de 12.000 m 2 , considerando a base da encosta até a BR-116. O Geo-radar foi utilizado para investigar em subsuperfície as características do saprólito, bem como a localizar e analisar a continuidade das fraturas que são observadas na superfície. A análise dos radargramas possibilitou dimensionar os trabalhos de sondagem SPT, e serviram de suporte para o correto diagnóstico do problema. Palavras-Chaves: Geo-Radar, Saprólito, Escorregamento Rotacional, Radargramas, SPT Abstract This paper shows the application of GPR on fractures and others subsurface structures presents on rotational slide that ocurrs at Realeza District, Manhuaçu, MG. The slope is characterized by the presence of weathered mantle overlaid by lateritic soil. These materials have geotechnical behavior of soil, however presents rock former structures, fractures, foliation etc, which induced soil weakness lines (zones). After heavy rains occurred on January 2003 on area, the slides had occurred over an area of 12,000 m 2 . The GPR was used to obtain the identification of fractures and other subsurface structures in order to constrain the chose of SPT site. These results allow modeling slide branch and propose risk reduction. Keywords: GPR, rotational slide, saprolite, radargrams, SPT a Instituto de Geociências – Depto de Geologia / UFMG, Campus Pampulha, Avenida Antônio Carlos, 6627. Tel.: 34995442. E-mail: [email protected] b Depto de Geologia - Escola de Minas – UFOP, Campus – UFOP, Morro do Cruzeiro, S/N. E-mail: [email protected]

Transcript of Utilização do Geo-radar na identificação de feições...

Revista de Geologia, Vol. 19 (1), 2006

35

Revista de Geologia, Vol. 19, nº 1, 35-47, 2006www.revistadegeologia.ufc.br

Utilização do Geo-radar na identificação de feições associadas aoescorregamento ocorrido em Realeza, Manhuaçu – MG

Paulo Roberto Antunes Aranhaa & Frederico Garcia Sobreirab

Recebido em 23 de novembro de 2004 / Aceito em 22 de maio de 2005

ResumoEste trabalho relata a utilização do Geo-radar na identificação de fraturas e outras superfícies de

fraqueza que podem ter condicionado o escorregamento rotacional em talude com presença de moradiasno distrito de Realeza, Manhuaçu, MG. Esse talude é formado pelo manto de intemperismo (saprólitosou solos residuais) recoberto por solo laterítico, o qual apresenta características geotécnicas de solo,preserva ainda estruturas reliquiares da rocha que lhe deu origem (fraturas, foliação e outrasdescontinuidades). Em conseqüência das fortes chuvas que atingiram a região de Manhuaçu durante omês de janeiro de 2003, ocorreu grande movimentação na encosta, afetando uma área aproximada de12.000 m2, considerando a base da encosta até a BR-116. O Geo-radar foi utilizado para investigar emsubsuperfície as características do saprólito, bem como a localizar e analisar a continuidade das fraturasque são observadas na superfície. A análise dos radargramas possibilitou dimensionar os trabalhos desondagem SPT, e serviram de suporte para o correto diagnóstico do problema.

Palavras-Chaves: Geo-Radar, Saprólito, Escorregamento Rotacional, Radargramas, SPT

AbstractThis paper shows the application of GPR on fractures and others subsurface structures presents

on rotational slide that ocurrs at Realeza District, Manhuaçu, MG. The slope is characterized by thepresence of weathered mantle overlaid by lateritic soil. These materials have geotechnical behavior ofsoil, however presents rock former structures, fractures, foliation etc, which induced soil weaknesslines (zones). After heavy rains occurred on January 2003 on area, the slides had occurred over anarea of 12,000 m2. The GPR was used to obtain the identification of fractures and other subsurfacestructures in order to constrain the chose of SPT site. These results allow modeling slide branch andpropose risk reduction.

Keywords: GPR, rotational slide, saprolite, radargrams, SPT

aInstituto de Geociências – Depto de Geologia / UFMG, Campus Pampulha, Avenida Antônio Carlos, 6627.Tel.: 34995442. E-mail: [email protected]

bDepto de Geologia - Escola de Minas – UFOP, Campus – UFOP, Morro do Cruzeiro, S/N.E-mail: [email protected]

Revista de Geologia, Vol. 19 (1), 2006

Aranha & Sobreira, Utilização do Geo-radar na identificação ...36

1. Introdução

Este estudo foi realizado no local conhecidocomo loteamento Sagrada Face e adjacências, nodistrito de Realeza – Manhuaçu – MG (Fig. 1),afetado por grandes movimentações na encosta,em decorrência das chuvas de janeiro de 2003. Adimensão do movimento, o número de instalaçõesatingidas, incluindo a rodovia BR 116, e a possibi-lidade de recorrências em novos períodos dechuva foram mais que suficientes para justificarum estudo detalhado do problema e a execuçãode medidas corretivas. Assim, foram realizadosestudos que buscaram dimensionar o volume dematerial movimentado e identificar fraturas efeições da subsuperfície relacionadas com osescorregamentos. Estes elementos são a base paraos cálculos de estabilidade da encosta quedefinirão uma solução mais indicada para acorreção do problema. Para melhor definiçãodestes elementos foi realizado um levantamentogeológico/geomorfológico de campo, com aidentificação do tipo de rocha, estruturas superfi-ciais e tipos de solos, e a descrição do histórico

da movimentação do talude. Esta prática é comumnos estudos desse tipo, servindo de recomendaçãoimportante encontrada em toda a bibliografia quedescreve métodos de investigação geotécnica.Para observar a subsuperfície foi escolhido ométodo Geo-radar, o qual vem sendo utilizadoem diversos tipos de estudos ambientais (Grasmu-ceck, 1996; Jol et al. 1996; Lawton & Jol, 1994; eoutros) e em estudos geotécnicos/geomorfológicos(Aranha et al., 1998, 1999 e 2002; Bacellar, 2000;Neves et al., 1997; Parizzi, 2004; Ucha et al.,1999; Ulriksen, 1982; e outros). Mais além, para acaracterização geotécnica foram realizados ensaiosde SPT, com instalação de piezômetro em furo parao monitoramento do nível e da pressão de água nosubsolo.

A Vertente, onde ocorreu o escorregamento,localiza-se no município de Manhuaçu, MG, e fazparte de uma colina convexa cuja porção maissuave foi ocupada por loteamento (Fig. 2). Osubstrato rochoso é formado gnaisses que deramorigem a espesso manto de intemperismo, com20 a 30 m de espessura, recoberto por camadade solo laterítico mais desenvolvido (até 5 m). O

Fig. 1. Mapa de localização do distrito de Realeza. Em detalhe observa-se a localização do Talude onde ocorreu odeslizamento.

Aranha & Sobreira, Utilização do Geo-radar na identificação ...

Revista de Geologia, Vol. 19 (1), 2006

37

solo residual, de constituição siltosa e pouco coeso,não apresenta estabilidade em cortes muitos altospodendo sofrer processos de erosão eescorregamentos. Este material, embora comcaracterísticas geotécnicas de solo, preserva aindaestruturas reliquiares da rocha que lhe deu origem(fraturas, foliação e outras descontinuidades), asquais formam superfícies de fraqueza. Na basedesta encosta passam duas estradas importantes(BR-116 e BR-262), paralelas e desniveladascerca de 2 m uma da outra. Na margem direita daBR-l16 (sentido Bahia), diversas intervençõesrealizadas ao longo dos anos (construção daestrada, criação de terrenos para construção,terraplanagens) criaram taludes com alturas de25 m em alguns pontos. No terreno plano situadona base da vertente existem três edificações, umadelas com dois pavimentos.

A partir do topo desses taludes, na parte maissuave da encosta, foi implantado o loteamentoSagrada Face, que ocupa quase todo terço inferiorda vertente para montante. O desmatamento daárea para a implantação do loteamento e a altera-ção da drenagem natural foram as principais inter-venções antrópicas no local, uma vez que osdeclives suaves permitiram a ocupação regular,sem a criação de cortes e aterros altos.

2. Metodologia

Como etapa inicial dos trabalhos buscou-seidentificar as feições relacionadas ao escorrega-mento tendo como fonte as informações forneci-das pelos moradores e as trincas observadas nossolos e nas paredes das casas. Segundo osmesmos, os movimentos iniciaram-se no dia 19de janeiro e se caracterizaram pela sua lentidão,sendo percebidos inicialmente pelo surgimentode trincas em paredes e pisos de algumas casas,ruas e taludes (Figs. 3a e b). No dia 22 de janeiro,a massa ainda estava em movimentação com aevolução das trincas e o surgimento de novasfeições semelhantes. Ainda segundo os morado-res, à noite foi possível escutar os ruídos provoca-dos pelo movimento. No dia 24, a movimentaçãoainda continuava, fato constatado pelo surgimen-to de novas trincas e o aumento de algumas pré-existentes. Neste dia foi constatado também umpequeno soerguimento na pista da BR 116. Oprocesso cessou com o passar das chuvas, ao fimde uma semana.

Baseando-se nesses dados foi possívelidentificar a superfície principal de ruptura nasuperfície do terreno. Para observar as estruturasda subsuperfície nas proximidades dessa super-

Fig. 2. Foto da encosta onde ocorreu o escorregamento no bairro Sagrada Face, Realeza.

Revista de Geologia, Vol. 19 (1), 2006

Aranha & Sobreira, Utilização do Geo-radar na identificação ...38

fície utilizou-se o Geo-radar. Escolheram-se pontosna área e obtiveram-se os perfis.

O Geo-radar emite ondas de rádio de 10 a3.500 MHz, no solo para detectar as reflexõesdo sinal e, a partir destes dados, inferir aestruturação do subsolo. O campo eletromagnéti-co (EM) que varia no tempo consiste doacoplamento dos campos elétricos (E) e magnéti-co (H). O equipamento de radar consiste dequatro elementos principais: unidade de transmis-são, unidade de recepção, unidade de controle eunidade de visualização. O transmissor produzum pulso de alta voltagem com mínima duração,o qual é aplicado na antena transmissora que oirradia para o solo/rocha. O sinal transmitido sepropaga no solo/rocha e os sinais refletidos sãodetectados pela antena receptora e repassadospara o sistema de recepção de sinais. A propaga-ção do sinal depende das propriedades dielétricasdo solo/rocha onde a onda eletromagnética, sepropagará através do meio. Como as proprieda-des dielétricas das rochas são primariamentecontroladas pelo seu conteúdo de água, o radar ésensível às variações de composição (pH,viscosidade, temperatura, etc.) dos fluidosintersticiais das rochas e às mudanças estruturais

destas, preenchidas ou não com água. As mudançasnas propriedades dielétricas da rocha causam areflexão do sinal, que na superfície é captado pelaantena receptora, sendo posteriormente amplificado,digitalizado e gravado.

Os perfis foram obtidos com antenasreceptora e transmissora com distância constante,conhecido como “commom-offset”, e o conjuntoé transportado ao longo de uma linha (direção),obtendo-se um perfil das reflexões versus posição.Para a obtenção da velocidade foram executadosperfis CMP em cada uma das linhas. Os principaisparâmetros definidos para a obtenção dos dadosforam: a) freqüência central da antena: 100 MHz;b)janela de tempo (aproximado): 400 ns; c)intervalo de amostragem temporal: aproximada-mente 10 vezes a freqüência central da antena; d)espaçamento entre as estações: 0,20 m; e)espaçamento entre as antenas: 1,0 m; f) orientaçãoda antena: perpendicular à direção da linha.

O Geo-radar está sendo usado em diferentesaplicações e lugares, como sua técnica deaquisição é muito semelhante à sísmica de refle-xão, muito do processamento aplicado a este,também está sendo usado no processamento dedados de radar (Fisher et al., 1992a, b, e outros).

Fig. 3. Fotos das trincas devido ao escorregamento, a) nas paredes de casas; b) na rua do loteamento.

Aranha & Sobreira, Utilização do Geo-radar na identificação ...

Revista de Geologia, Vol. 19 (1), 2006

39

O processamento envolve três (3) estágios diferentes:a) Edição de dados: retirada de traços duplicadosou com problemas na aquisição, b) Processamentobásico: 1 - Decliping, 2 - Dewow: retirada de ruídosde baixa freqüência, 3 - Localização do tempo“zero” nos perfis, 4 - Filtragem: filtro gaussiano,freqüência central de 100 MHz; e c) Processamentoavançado: 1 - Conversão do radargrama em tempopara radargrama em profundidade: a partir dainterpretação das velocidades nos perfis CMP´s –a qual variou de 96 na superfície a 78 m/ms na parteinferior (velocidade média 85 m/ms), 2 - Migraçãodos dados a partir do perfil de velocidade. Após aesse processamento efetuou-se a interpretação dosperfis (radargramas). A interpretação foi baseadana forma gráfica das feições encontradas tendo porbase a continuidade e aspectos das reflexões dosinal. Nos perfis (radargramas) foram identificadosalguns refletores que podem indicar variação bruscana estrutura ou composição do solo. O sinal comgrande amplitude que aparece nos radargramas, naparte superior, ou seja, nos primeiros metros, nãorepresenta informação, são apenas as ondas quesaem diretamente da antena transmissora,propagam-se imediatamente abaixo da superfície, esão captadas pela antena receptora, sendoconhecidas como ondas diretas.

A sondagem SPT foi orientada pelosresultados dos perfis de Geo-radar, observando-se a inclinação da fratura principal e dassecundárias. O Standard Penetration Test (SPT)é um ensaio dinâmico que consiste em cravar nofundo de um furo de sondagem, devidamentelimpo, um amostrador normalizado. A cravaçãoé feita recorrendo-se a um pilão com 63,5 kgf depeso que cai livremente de uma altura de 75 cm,sobre um batente, que por sua vez está ligado aum conjunto de varas, cuja ponta é o amostradornormalizado. O ensaio é composto por duas fases:a) na primeira, o amostrador é cravado 15 cm,registrando-se o respectivo número de pancadas;a esta fase correspondem em regra solosremexidos pelo que o valor obtido nesta fase émeramente indicativo; e b) na segunda fase, oamostrador é cravado mais 30 cm, sendo oresultado do ensaio SPT o número de pancadasobtido. Se após 60 pancadas, a penetração não

atingir os 30 cm, termina-se o ensaio medindo apenetração obtida. Obtem-se um perfil de penetra-ção em cada ponto amostrado.

3. Discussão

A superfície principal de ruptura foi mapeadana área, o que gerou um modelo tri-dimensionaldo escorregamento (Fig. 4). Dentro dos limitesdefinidos por esta trinca principal, várias outrasfeições secundárias puderam ser observadasgeralmente paralelas à principal (Fig. 5). Verifi-cou-se que o setor leste (lado direito em vista dejusante para montante) sofreu maior movimenta-ção, pois a abertura da trinca neste lado era decerca de 10 cm, enquanto que do outro lado estaabertura era bem menor, inclusive sendo de difícildetecção ou desaparecendo em alguns pontos.

A cobertura de solos não apresenta grandesvariações, podendo ser o perfil típico descritocomo tendo uma cobertura de solo bemdesenvolvido (colúvio), argilo-siltoso de consis-tência mole à média até 3,5 a 6 m de profundidade.Subjacente a esta cobertura, ocorre nível silto-argiloso de consistência mole a média, comestruturas da rocha original preservadas (soloresidual de gnaisse) e espessura em torno dos 3,5a 4 m. A partir da profundidade de 7,5 a 8 m osubsolo torna-se silto-arenoso, compacto a muitocompacto, com estruturas reliquiares da rochaoriginal preservadas, podendo ser classificadocomo um solo saprolítico ou saprólito de gnaisse.

As sondagens a percussão indicaram haveruma homogeneidade nos perfis do subsolo, porémalgumas anomalias puderam ser detectadas. Deum modo geral ocorre cobertura de solo bemdesenvolvido (colúvio), argilo-siltoso deconsistência mole a média (NSPT abaixo de 8),cuja base encontra-se entre 3,5 e 6 m deprofundidade. O topo desta camada encontra-semodificado por aterros e escavações. Subjacentea esta cobertura, ocorre um nível silto-argilosode consistência mole a média (NSPT abaixo de11 a 13), com estruturas da rocha originalpreservadas (solo residual de gnaisse) e espessuraem torno dos 3,5 a 4m, A partir de 7,5 a 8 m deprofundidade o subsolo torna-se silto-arenoso,

Revista de Geologia, Vol. 19 (1), 2006

Aranha & Sobreira, Utilização do Geo-radar na identificação ...40

Fig. 4. Modelo esquemático do escorregamento do talude.

Fig. 5. Foto mostrando à direita a trinca principal, e à esquerda a trinca secundária com mergulho contrário.

Aranha & Sobreira, Utilização do Geo-radar na identificação ...

Revista de Geologia, Vol. 19 (1), 2006

41

compacto a muito compacto (NSPT acima de 20),com estruturas reliquiares da rocha originalpreservadas, podendo ser classificado como umsolo saprolítico ou saprólito de gnaisse. A homo-geneidade dos perfis das sondagens permitiu acorrelação dos finos e identificação de anomaliasnos valores de resistência à penetração obtidosnos ensaios SPT, mais além, estes resultadosapresentaram uma correlação positiva com osrefletores interpretados nos radargramas. Alocalização dos perfis e dos ensaios SPT estãomostrados na Figura 6.

3.1. Rua Levindo Barbosa - Perfil Geo-radar1 e Sondagem SPT 2

O radargrama do perfil 1 foi obtido comantenas de 100 MHz, ao longo da rua LevindoBarbosa (Fig. 7). Neste perfil, foram interpretados

alguns refletores bem definidos. Estes refletores estãodelineados na Figura 7b (radargrama interpretado doperfil 1). Nela, foram identificados os refletores S1,S2 e S3, interpretados como sendo os contatos entrediferentes níveis de solo (com propriedades dielétricasdiferentes). Ainda na Figura 7b estão marcados doisrefletores bem definidos, nas distâncias 18 a 19 m e33 a 34 m, que são reflexões provenientes detubulações existentes no subsolo da rua. Observa-seum lineamento bem inclinado que começa na distânciade 11 m, que se projeta descendentemente na seçãoe representa a continuidade da trinca principal emsubsuperficie. Na parte inicial, este refletor é bemdefinido, no entanto, após 7 m de profundidade omesmo não acontece, principalmente devido àpresença de ruídos (campos EM de outras fontes:rádio-transmissões, reflexões das ondas nospostes, etc.). Este refletor é perfeitamente correla-cionado com a ruptura existente na área.

Fig. 6. Mapa do loteamento Sagrada Face, com a localização dos perfis de Geo-radar e dos ensaios SPT. A linhademarca o contorno da superfície de ruptura.

Revista de Geologia, Vol. 19 (1), 2006

Aranha & Sobreira, Utilização do Geo-radar na identificação ...42

A Sondagem SPT2 foi realizada 10 m a norteda trinca principal, buscando verificar a continui-dade desta para jusante (Fig. 8). Os dados daperfuração confirmaram o refletor S1 como sendoo contato do nível coluvionar argilo-siltoso superfi-cial com o nível residual silto-argiloso (3,6 m deprofundidade). A 8 m de profundidade, foi con-firmado o refletor S3 como sendo a transição dosolo residual silto-argiloso para o solo saprolíticosilto-arenoso. No entanto, este refletor podetambém representar a continuidade da superfíciede ruptura (Fig. 7), mesmo porque a partir destaprofundidade há uma melhora considerável naresistência a penetração do solo (NSPT > 20). Na

profundidade de 5,8 m, houve perda de água totaldurante a perfuração, indicando a continuidade daruptura principal ou a presença de trincas secun-dárias. Este dado confirma o refletor S2 (Fig. 7).O nível d’água foi encontrado a 14,20 m deprofundidade, bem abaixo da zona de ruptura.

3.2. Rua Antônio Bento Soares - Perfil Geo-radar 6

O perfil 6 foi obtido no lote 37, localizadona rua Antônio Bento Soares. O radargramaobtido com antenas de 100 MHz está mostrado naFigura 9. Nele podem ser observados os refletores

Fig. 7. Radargrama do perfil 1, rua Levindo Barbosa, a) sem interpretação, b) interpretado.

Aranha & Sobreira, Utilização do Geo-radar na identificação ...

Revista de Geologia, Vol. 19 (1), 2006

43

Fig. 8. Perfil SPT 2 obtido na rua Levindo Barbosa.

que marcam o contato entre os níveis de solo,interpretados como S1, S2 e S3, que representamas mudanças no subsolo. No saprólito observam-se refletores internos inclinados, os quais podemestar correlacionados com a foliação ou mesmo umsistema de fraturas da rocha pretérita, que por sua

vez, possui inclinação contrária à declividade davertente. Os lineamentos identificados comosuperfícies de ruptura são concordantes com ageometria esperada da superfície principal, masindicam claramente haver na realidade uma zona decisalhamento ou ruptura. Estas superfícies ficaram

Revista de Geologia, Vol. 19 (1), 2006

Aranha & Sobreira, Utilização do Geo-radar na identificação ...44

bem visíveis no radargrama, penetrando até osaprólito na profundidade de 10 m.

3.3. Rua Antônio Bento Soares - Perfil Geo-radar 7 e Sondagens SPT 1 e SPT 5

O perfil 7 foi obtido na parte final da ruaAntônio Bento Soares começa na altura do lote8 e termina no encontro desta com a rua KennedyCarvalho. O radargrama foi obtido com antenasde 100 MHz (Fig. 10). O perfil foi definido deforma a se observar tanto a superfície de rupturaprincipal, como outras superfícies menos nítidas,defronte ao lote 7. No radargrama podem serobservados os refletores que marcam o contatoentre os níveis S1, S2 e S3. No saprólito, obser-vam-se pequenos refletores inclinados, os quaispodem se correlacionados com a foliaçãoprincipal ou com um sistema de fratura da rochaparental. Os lineamentos presentes no início doradargrama (defronte ao lote 7) com inclinação nosentido da vertente, foram interpretados comosuperfícies de ruptura. Estas fraturas apresentam-

se com pouca inclinação e penetração ao longo dosaprólito, atingindo uma profundidade estimada de6 a 8 m. Estas feições confirmam os indícios de queesta área está sendo afetada pela movimentaçãolocal. Na parte final do radargrama observam-seoutros lineamentos com inclinação contrária àdeclividade da vertente. Estes lineamentosrepresentam a zona principal de ruptura, sendoconcordantes com a geometria desta em superfície,e estão perceptíveis até uma profundidade de 10 m.

Ao longo deste perfil, foram realizadas duasperfurações: SPT 1, em frente ao lote 7 (a 10 mdo início do perfil) e SPT 5, a 10 m a norte dasuperfície de ruptura principal (Fig. 6). A sonda-gem SPT 1 mostrou o perfil de solo típico daárea, tendo valores de NSPT baixos (menores que10) até cerca de 8m de profundidade, coincidindocom os lineamentos obtidos no radargrama. Umaqueda na resistência a penetração ocorre a 12 mde profundidade. No processo de perfuração,verificou-se a perda total de água a 5,80 m deprofundidade e a perda parcial aos 12 m. Noprimeiro, caso fica confirmada a zona de ruptura

Fig. 9. Radargrama interpretado do perfil 6, obtido no lote 37 da rua Antônio B. Soares.

Aranha & Sobreira, Utilização do Geo-radar na identificação ...

Revista de Geologia, Vol. 19 (1), 2006

45

Fig.

10.

Rad

argr

ama

do p

erfil

7, o

btid

o ao

long

o da

rua

Ant

ônio

B. S

oare

s.

Revista de Geologia, Vol. 19 (1), 2006

Aranha & Sobreira, Utilização do Geo-radar na identificação ...46

e no segundo, embora no local da sondagem SPT 1os lineamentos não fossem detectados à profun-didade de 12 m, seu prolongamento no radargra-ma mais a jusante atinge estes valores deprofundidade. O nível d’água no furo foi encon-trado a 13,9 m.

A sondagem SPT 5 mostrou o perfil daencosta incompleto, certamente por conta dedeslizamentos anteriores, ocorrendo quase quesomente o solo saprolítico silto-arenoso (a partirde 1,80 m). No entanto, se comparado com osdados obtidos dos outros furos, os valores deNSPT foram mais baixos nos 8 primeiros metros,inclusive com uma queda ainda maior a 10 m deprofundidade. O terreno só ganha maior resistên-cia a partir dos 15 m de profundidade. Estes dadosconfirmam a existência de zonas de fraqueza(provável ruptura) até cerca de 14 m de profundi-dade, confirmando o esperado pelas observaçõesde campo e dos perfis de Geo-radar. Estes dadosconfirmam a ocorrência de uma movimentaçãolocal, dentro da massa maior deslocada. O níveld’água foi encontrado na profundidade de 11 me não houve perda de água durante a perfuração.

4. Conclusões

As observações de campo e os estudos deinvestigação do subsolo, com os perfis de Geo-radar e sondagens SPT, permitiram a elaboraçãodo modelo geomecânico da encosta e a caracteri-zação dos processos ocorrentes.

Os dados obtidos permitiram deduzir que omovimento que afetou a encosta pode ser definidocomo um grande movimento rotacional oucircular, envolvendo todo terço inferior da verten-te. A forma da superfície de ruptura principal e asfeições secundárias, observadas em pequenostaludes na área, indicam este tipo de movimento.A ruptura principal tem uma geometria em formade “concha”, sendo mais inclinada (70 a 80º)próximo à superfície, tornando-se mais suave emprofundidade. As sondagens e perfis geofísicosrealizados mostraram a penetração desta ruptura atéprofundidades da ordem dos 15m, mas esta podealcançar profundidades maiores. No entanto, assondagens mostraram que o nível inferior do solo

(solo saprolítico ou saprólito) foi pouco afetado, umavez que é bem mais compacto e resistente que osníveis superiores.

Por outro lado, embora considere-se estasuperfície de ruptura principal, os dados dassondagens e dos perfis geofísicos mostraram quena realidade ocorre uma zona de ruptura ou cisa-lhamento, com cerca de 5 m de espessura, ondese repetem várias rupturas menores. Os traba-lhos de campo na época das chuvas tambémpermitiram a verificação de outras zonas de maiormovimentação dentro da grande massa deslocadamostrando a desestruturação total do material.As rupturas secundárias, a grosso modo ortogo-nais à superfície principal, observadas nosradargramas, também contribuem para estadesestruturação.

Conclui-se que a integração entre geofísicae geotécnica mostrou-se eficiente e eficaz para acorreta interpretação do fenômeno ocorrido notalude.

Referências Bibliográficas

Aranha, P.R.A., Augustin, C.H.R.R., Lucio, P.S. & Neves,F.A.P.S., 1998, Estudo das coberturas superficiais naregião de Gouveia - MG, com o uso de GPR (groundpenetrating radar). XL Congresso Brasileiro deGeologia, Belo Horizonte, 387.

Aranha, P.R.A., Augustin, C.H.R.R. & Botelho, M.A.B.,1999, The use of Ground Penetrating Radar (GPR) toAccess Subsurface Structures near a Hollow With aGully, Gouveia, MG-Minas Gerais. I RegionalConference on Geomorphology (IAG-UGB), Rio deJaneiro, 67.

Aranha, P.R. A., Augustin, C.H.R.R. & Sobreira, F.G.,2002, The use of GPR for characterizing undergroundwheathered profiles in the sub-humid tropics. Journalof Applied Geophysics, 49:195-210

Bacellar, L.A.P., 2000, Condicionantes Geológicos,Geomorfológicos e Geotécnicos dos Mecanismos deVoçorocamento na Bacia do Rio Maracujá, Ouro Preto,MG. Tese de Doutoramento, COPPE/UFRJ, Rio deJaneiro, 226p.

Fisher, E., McMechan, G.A. & Annan, A.P., 1992a,Acquisition and processing of wide-aperture groundpenetrating radar data. Geophysics, 57 (4): 495-504.

Fisher, E., McMechan, G.A., Annan, A.P. & Cosway, S.W.,1992b, Examples of reverse-time migration of single-channel, ground-penetrating radar profiles.Geophysics, 57 (4): 577-586.

Aranha & Sobreira, Utilização do Geo-radar na identificação ...

Revista de Geologia, Vol. 19 (1), 2006

47

Grasmueck, M., 1996, 3-D ground-penetrating radar appliedto fracture imaging in gneiss. Geophysics, 63 (3): 1053-1061.

Jol, M.H., Smith, D.G. & Meyers, R.A., 1996, DigitalGround Penetrating Radar (GPR): A New GeophysicalTool for Coastal Barrier Research (Examples from theAtlantic, Gulf and Pacific Coasts, U.S.A.). Journal ofCoastal Research, 12 (4): 960-968.

Lawton, D.C. & Jol, H.M., 1994, Ground PenetratingRadar Investigation of the Canada Creosote Site,Calgary. Canadian Society of ExplorationGeophysicists - Recorder, Abril, 13-18.

Neves, F.A.P.S., Aranha, P.R.A. & Lucio, P.S., 1997,Estudos de voçorocas usando GPR. XII SimpósioRegional de Geologia (SBG), Penedo, 1: 35.

Parizzi, M.G., 2004, Condicionantes e Mecanismos deRuptura em Taludes da Região Metropolitana de BeloHorizonte. Contribuições às Ciências da Terra, SérieD, v. 10, Ouro Preto, 213p.

Ucha, J.M., Vilas Boas, G.S., Botelho, M.A.B., Ribeiro,L.P. & Santana, P.S., 1999, Utilização do radar depenetração no solo – GPR na identificação dascamadas de fragipã e de duripã nos solos desenvolvidossobre os sedimentos do grupo Barreiras. VII Congressoda Abequa. O quaternário e o Meio-Ambiente.CDROM, Porto Seguro, VIIABEQUA_1CP011.pdf.

Ulriksen, C.P.F., 1982, Application of impulse radar tocivil engineering. Tese de Doutorado, Departamentode Geologia de Engenharia, Lund University ofTechnology, Lund, Suécia, 175p.

A s s i n

e

A s s i n

eREVISTA DE GEOLOGIA

GARANTA o recebimento dos números da REVISTA DE GEOLOGIAFAÇA uma assinatura anual

As intruções encontram-se no site

www.revistadegeologia.ufc.br