Utilização de Técnicas de Digitalização 3D na Correlação … · 2010-05-26 · citar as...

15
Nono Simpósio de Mecânica Computacional Universidade Federal de São João Del-Rei – MG 26 a 28 de maio de 2010 Associação Brasileira de Métodos Computacionais em Engenharia Utilização de Técnicas de Digitalização 3D na Correlação Numérica e Experimental dos Modos de Deformação em Testes de Impacto M. E. Silveira 1 ; F. T. Samesima 2 ; F. M. Passos 2 ; J. A. Dares 2 ; 1 Universidade Federal de São João del Rei - UFSJ , Campus Alto Paraopeba, MG CEP: 36420-000 e-mail: [email protected] 2 Aethra Sistemas Automotivos S.A. - Contagem - MG CEP: 32242-000 e-mail: [email protected] , [email protected] , [email protected] Resumo. Os testes de impactos (conhecidos como "crash test") são imprescindíveis nas etapas de desenvolvimento de produto na indústria automotiva, pois através destes é possível avaliar um veículo ou mesmo um componente isolado quanto ao seu desempenho no que se refere à segurança dos ocupantes. Porém, estes ensaios são altamente destrutivos o que pode tornar o processo de desenvolvimento lento e dispendioso. A utilização de métodos computacionais para simulação de crash tests tem aumentado consideravelmente nas últimas décadas, através do uso de software de simulação numérica robustos geralmente baseados em técnicas de elementos finitos. Por se tratar de um fenômeno com alto grau de não linearidade, estes softwares devem possuir formulações adequadas, que considerem a não linearidade material, geométrica e de contorno. Porém, uma das dificuldades do processo de validação dos resultados numéricos está na correlação entre o nível e o modo de deformação do componente. Nesse trabalho, o foco principal foi correlacionar resultados numéricos e experimentais de componentes automotivos estampados em aço quando submetidos a grandes deformações causadas por ensaios de impacto. Com a utilização de um digitalizador 3D foi possível digitalizar o componente ensaiado e gerar um arquivo digital (iges) de forma que o pós- processador do software de simulação numérica pudesse sobrepor os resultados simultaneamente (numérico e experimental). Os resultados mostraram que a utilização de procedimentos de digitalização 3D é muito útil para auxiliar na correlação de resultados de componentes de formas complexas, uma vez que foi possível avaliar qualquer seção do componente deformado, bem como a sua evolução durante o teste de impacto. Palavras chaves: Impacto, Digitalização 3D, Elementos Finitos.

Transcript of Utilização de Técnicas de Digitalização 3D na Correlação … · 2010-05-26 · citar as...

Nono Simpósio de Mecânica Computacional Universidade Federal de São João Del-Rei – MG 26 a 28 de maio de 2010 Associação Brasileira de Métodos Computacionais em Engenharia

Utilização de Técnicas de Digitalização 3D na Correlação Numérica e

Experimental dos Modos de Deformação em Testes de Impacto M. E. Silveira1; F. T. Samesima2; F. M. Passos2; J. A. Dares2;

1 Universidade Federal de São João del Rei - UFSJ , Campus Alto Paraopeba, MG

CEP: 36420-000

e-mail: [email protected] 2 Aethra Sistemas Automotivos S.A. - Contagem - MG

CEP: 32242-000

e-mail: [email protected] , [email protected] , [email protected]

Resumo. Os testes de impactos (conhecidos como "crash test") são imprescindíveis nas etapas de desenvolvimento de produto na indústria automotiva, pois através destes é possível avaliar um veículo ou mesmo um componente isolado quanto ao seu desempenho no que se refere à segurança dos ocupantes. Porém, estes ensaios são altamente destrutivos o que pode tornar o processo de desenvolvimento lento e dispendioso. A utilização de métodos computacionais para simulação de crash tests tem aumentado consideravelmente nas últimas décadas, através do uso de software de simulação numérica robustos geralmente baseados em técnicas de elementos finitos. Por se tratar de um fenômeno com alto grau de não linearidade, estes softwares devem possuir formulações adequadas, que considerem a não linearidade material, geométrica e de contorno. Porém, uma das dificuldades do processo de validação dos resultados numéricos está na correlação entre o nível e o modo de deformação do componente. Nesse trabalho, o foco principal foi correlacionar resultados numéricos e experimentais de componentes automotivos estampados em aço quando submetidos a grandes deformações causadas por ensaios de impacto. Com a utilização de um digitalizador 3D foi possível digitalizar o componente ensaiado e gerar um arquivo digital (iges) de forma que o pós-processador do software de simulação numérica pudesse sobrepor os resultados simultaneamente (numérico e experimental). Os resultados mostraram que a utilização de procedimentos de digitalização 3D é muito útil para auxiliar na correlação de resultados de componentes de formas complexas, uma vez que foi possível avaliar qualquer seção do componente deformado, bem como a sua evolução durante o teste de impacto. Palavras chaves: Impacto, Digitalização 3D, Elementos Finitos.

Nono Simpósio de Mecânica Computacional Universidade Federal de São João Del-Rei – MG – ABMEC

1 INTRODUÇÃO O crash test (teste de impacto) consiste no impacto de veículos automotores contra

barreiras rígidas. Tem por objetivo simular e avaliar o desempenho do automóvel em situação de acidentes de trânsito a fim de verificar se cumprem determinadas normas de segurança.

A fim de regulamentar os padrões de segurança dos automóveis, foram criadas agências regulamentadoras, que passaram a certificar e qualificar os veículos quanto ao seu desempenho nos ensaios de crash test. Hoje, as mais conhecidas mundialmente são a EuroNCAP e a NHTSA. O EuroNCAP é um programa de avaliação de desempenho da segurança de veículos produzidos e vendidos na Europa, fundado em 1997 pelo Laboratório de Pesquisa do Transporte no Reino Unido. Atualmente é uma organização independente financiada principalmente pela União Européia e pelos fabricantes de automóveis da região. A NHTSA (National Highway Traffic Safety Administration) é uma agência do governo dos Estados Unidos encarregada em avaliar os padrões dos veículos vendidos no mercado norte-americano, no que diz respeito ao desempenho, economia de combustível e segurança. Também licencia fabricantes de veículos e importadores, além de poder permitir ou obstruir a importação de veículos. Recentemente, a NHTSA criou o NCAP (New Car Assessment Program), um programa com o intuito de melhorar a segurança dos ocupantes através do desenvolvimento e implementação de informações de segurança que encoraja os fabricantes a tornar seus veículos mais seguros. No Brasil, a partir de 2010 devem entrar em vigor as normas de segurança para crash test, onde se pode citar as normas de impacto frontal ABNT (2005) e impacto traseiro ABNT (2005b).

Os tanques de combustíveis produzidos em aço estampado (sheet metal forming) também necessitam atender a certos requisitos de desempenho e segurança. Preocupados com o avanço dos tanques de plásticos no mercado automobilístico, os principais produtores de tanques metálicos mundiais criaram a SASFT (Strategic Alliance for Steel Fuel Tanks). A SASFT foi organizada pelo AISI (American Iron and Steel Institute) em 2000 para trazer em conjunto as diversas disciplinas comerciais envolvidas no projeto, fabricação e fornecimento de tanques metálicos para o mercado automobilístico. Atualmente, conta com empresas espalhadas pelos principais mercados do mundo, tais como: Aethra (Brasil), Donghee (Korea), Elsa (EUA), Horie Metal (Japão), Martinrea (Canadá), Metalsa (México), Unipart Eberspacher (Reino Unido), etc. Entre as principais características dos tanques metálicos, podem-se citar:

• Baixas emissões evaporativas - A inerente impermeabilidade dos aços é ideal para limitar estas emissões evaporativas, o que tornou possível a certificação dos tanques metálicos com o PZEV (Partial Zero Emission Vehicle).

• Reciclabilidade - Os tanques de aços são altamente recicláveis. • Durabilidade - Tanques de aços produzidos pelo SASFT têm demonstrando atender

aos severos requerimentos de durabilidade, tanto de corrosão quanto estrutural. • Segurança - Em caso de impactos frontais, laterais e traseiros, é necessário manter a

integridade dos sistemas de combustíveis, sem haver vazamento ou explosão. O aço, devido à sua alta resistência e grande capacidade de absorver impactos, tem mostrado desempenhos satisfatórios em todos os testes de segurança.

Neste quesito de segurança, o posicionamento do tanque no veículo é um fator decisivo na segurança de um automóvel. Tanques de combustíveis localizados na parte traseira do automóvel, dependendo do nível do impacto, podem causar incêndios no veículo em caso de colisões traseiras. Já em picapes e utilitários, normalmente o tanque de combustível está localizado na lateral do veículo e em sentido longitudinal. Neste caso, o risco maior de incêndio é para o caso de colisões laterais.

Além da sua localização, o projeto e a fabricação de um sistema de combustível automotivo exercem um papel fundamental na sua segurança. O tanque de combustível bem como o tubo de abastecimento (fuel filler pipe) devem atender a determinados

Nono Simpósio de Mecânica Computacional Universidade Federal de São João Del-Rei – MG – ABMEC

requisitos de segurança nos possíveis casos de colisão do veículo. Normalmente, as próprias montadoras criam as suas normas de segurança para componentes específicos do veículo, como é o caso do tanque de combustível. Em etapas iniciais de projeto (ou na fase de validação do componente de um novo fornecedor), é providencial a realização do teste de impacto apenas do tanque de combustível, para em etapa posterior, realizar o crash test sobre veículo inteiro. Para a realização do teste de impacto do tanque de combustível, muitos fabricantes utilizam o ensaio de impacto por trenó (Silveira et al., 2008). Este procedimento consiste em um trenó guiado por trilhos que é erguido até uma determinada altura, para então ser solto e atingir o tanque (parcialmente abastecido com água) com uma energia cinética pré-estabelecida, Figura 1. Neste teste, são avaliados os níveis de deformação do tanque, bem como condições de estanquiedade após o impacto (não deve haver vazamento de líquido ou ar).

Figura 1 - Projeto de um equipamento de impacto por trenó.

Estes testes de impactos são classificados como ensaios altamente destrutivos e

geralmente necessita-se de um número variado de testes até a validação completa do produto, podendo tornar o procedimento oneroso, além de aumentar consideravelmente o tempo de validação. Com o avanço da informática juntamente com o surgimento de computadores de alto desempenho, o uso de simulação numérica em crash test aumentou consideravelmente, tornando o processo de validação do produto mais rápido, reduzindo custos e aumentando a sua confiabilidade. As principais ferramentas de análise numérica disponíveis no mercado para este fim são baseadas no Método dos Elementos Finitos (FEM), utilizando formulações lagrangianas incrementais no tempo a partir de técnicas de integração explícitas e implícitas. Nestas formulações, devem ser considerados o comportamento não-linear do material (plasticidade), a não-linearidade geométrica (grandes deslocamentos e grandes deformações) e a não linearidade de contorno (contato e atrito entre os componentes).

Uma das dificuldades no processo de validação dos resultados numéricos é a correlação entre o nível e o modo de deformação do tanque, uma vez que a pressão interna e a energia podem ser medidas através de sensores específicos. O principal objetivo deste trabalho foi propor uma metodologia de correlação numérica/experimental do teste de impacto de tanques de combustíveis automotivos, utilizando um digitalizador a laser 3D.

Nono Simpósio de Mecânica Computacional Universidade Federal de São João Del-Rei – MG – ABMEC

2 MATERIAIS E MÉTODOS ENSAIO EXPERIMENTAL Um equipamento para ensaio de impacto por trenó de tanques de combustíveis, que

atendesse aos requisitos e normas das montadoras, foi construído pela Aethra Sistemas Automotivos, conforme mostra a foto da Figura 2. A energia de impacto é fornecida pela norma do fabricante e a altura em que o trenó será solto pode ser determinada através das equações de energia cinética e potencial, Equação (1).

; ; ;cp c c

EE E mgh E h

mg= ⇒ = ⇒ = (1)

Figura 2 - Equipamento de ensaio de impacto por trenó da Aethra. Neste trabalho, um tanque de aço foi abastecido com 15 litros de água. A massa do

trenó é de 439.5 kg e a energia de impacto (já desconsiderando a perdas por atrito) igual a 3200 J. O tanque foi hermeticamente fechado para impedir o vazamento de líquido e de ar durante o impacto.

DIGITALIZAÇÃO LASER 3D O Digitalizador Laser 3D (3D laser scanner) é um equipamento usado para capturar

imagens de um objeto físico e transformar em um formato digital. O seu princípio de funcionamento baseia-se na projeção de luz de laser sobre as superfícies a serem digitalizadas enquanto câmeras triangularizam o perfil delineado pelo laser, permitindo que o objeto seja digitalizado em 3D. O digitalizador utilizado neste trabalho foi um equipamento do tipo Arm Mounted, produzido pela empresa FARO, Figura 3. Este tipo de digitalizador mapeia a localização do objeto a ser digitalizado em relação a base do equipamentos. Assim, tanto o objeto quanto a base do digitalizador devem ser rigidamente fixas, com o mínimo de interferência externas.

Nono Simpósio de Mecânica Computacional Universidade Federal de São João Del-Rei – MG – ABMEC

Figura 3 - Tanque ensaiado no trenó de impacto junto com o digitalizador 3D. Desta forma, o tanque ensaiado no teste físico foi fixado em uma superfície rígida

como mostra a figura acima. Depois de digitalizado, foi utilizado o software Geomagic para processar e gerar um arquivo iges (Figura 4) de modo que o pós-processador do software de CAE pudesse ler simultaneamente o arquivo digitalizado com os resultados obtidos por elementos finitos.

Figura 4 - (a) Tanque batido (ensaiado no trenó de impacto); (b) tanque digitalizado; (c) superfícies iges do tanque digitalizado.

(a) (b)

(c)

Nono Simpósio de Mecânica Computacional Universidade Federal de São João Del-Rei – MG – ABMEC

SIMULAÇÃO NUMÉRICA O método dos elementos finitos começou a ser introduzido nos meados da década de

cinqüenta como uma ferramenta analítica para auxiliar nos projetos em engenharia (Szabó et al., 1991). A partir da década de sessenta, com o avanço do setor espacial, a demanda por métodos mais eficientes e confiáveis aumentou vertiginosamente, tanto nas universidades quanto no setor privado. A análise não-linear em elementos finitos também teve início nesta época. Entres os primeiros artigos sobre análise não-linear estão os de Argyries (1965) e Marcal et al., (1967), citados em Belytschko et al., (2000). Pedro Marcal, que lecionava na Universidade de Brow, criou em 1969 uma empresa para lançar no mercado o primeiro software de elementos finitos não-linear, chamado MARC, cuja formulação implícita ainda é utilizada até hoje. Um marco do avanço das formulações explícitas em elementos finitos foi o trabalho de John Hallquist no Lawrence Livermore Laboratory. John iniciou seu trabalho em 1975 e a primeira versão do código explícito Dyna foi lançado em 1976. O código Dyna evoluiu ao longo do tempo e serviu de base para vários programas comerciais tais como o Radioss, LS-Dyna, PamCrash e o Dytran. O Radioss foi criado originalmente em 1987 pela empresa francesa Mecalog, com o objetivo de abordar questões de interação fluido-estrutura. Atualmente, o Radioss é reconhecido mundialmente pelo seu bom desempenho em problemas relacionados à segurança de ocupantes (crash test e safety). Recentemente, a Mecalog foi incorporada pela Altair Engineering, atual fornecedora do Radioss, software que foi utilizado nas simulações de impacto neste trabalho.

A equação de equilíbrio de uma análise dinâmica discretizada em elementos finitos pode ser dada como:

[ ]{ } [ ]{ } [ ]{ } ( ){ }M U C U K U F t+ + =ɺɺ ɺ (2)

onde [M] é a matriz de massa, [C] é a matriz de amortecimento, [K] é a matriz de rigidez e { F(t)} é o vetor de forças externas. Os vetores de aceleração, velocidade e deslocamentos são dados por { }Uɺɺ , { }Uɺ e { }U para t = t0. O Radioss usa em sua formulação explícita o

método das Diferenças Finitas Central que utiliza a Equação (2) avaliada no tempo t, onde os vetores de aceleração e velocidade são assumidos como sendo (Dhatt et al., 1984):

{ } { } { } { }( ){ } { } { }( )

2

12

1

2

t t t t t t

t t t t t

U U U Ut

U U Ut

−∆ +∆

−∆ +∆

= − +∆

= − +∆

ɺɺ

ɺ

(3)

A solução para { }t tU

+∆ pode ser escrita como:

[ ] [ ] { } { } [ ] [ ] { }

[ ] [ ] { }

2 2

2

1 1 2

2

1 1

2

t t t t

t t

M C U F K M Ut t t

M C Ut t

+∆

−∆

+ = − − − ∆ ∆ ∆

− ∆ ∆

(4)

Pode-se observar que, a cada time-step não é necessário a fatorização das matrizes,

uma vez que [C] e [M] são aproximados para matrizes diagonais (lumped mass). Este é o principal fator da robustez e baixo custo computacional dos métodos explícitos. A estabilidade do problema está condicionada ao tamanho do time-step, uma vez que este é

Nono Simpósio de Mecânica Computacional Universidade Federal de São João Del-Rei – MG – ABMEC

determinado pelo Critério de Courant, que está diretamente relacionada ao tamanho do elemento e velocidade do som no meio (Owen et al., 1986).

Neste problema, foi utilizado o Método do Lagragiano Atualizado (Update Lagrangian), e o tanque modelado com elementos de placa com interpolação bi-linear e 6 graus de liberdade por nó. Neste caso, foi adotado o modelo de Mindlin, onde a seção transversal permanece plana após a deformação, mas não necessariamente ortogonal (Szabó et al., 1991). Este elemento possui um ponto de integração apenas, o que é providencial para evitar problemas de locking, porém pode gerar resultados duvidosos devidos ao fenômeno de hourglass (modos espúrios de energia zero). Para contornar este problema, foi utilizado o elemento QEPH do Radioss que adiciona forças e momentos "anti-hourglass", através da construção de um campo de velocidades que permanece sempre ortogonal aos modos dos elementos, solução proposta por Flanagan et al. (1981). Ao longo da espessura foram utilizados 5 pontos de integração. O material foi modelado como sendo do tipo elasto-plástico (com formulação adequada para considerar os efeitos da taxa de deformação) com encruamento isotrópico e critério de escoamento de Von Mises. A atualização das tensões é feito através de um processo iterativo incremental proposto por Mendelson (1968), sendo mais preciso (porém de maior custo computacional) que o tradicional retorno radial.

Para modelar os efeitos do fluido presente no interior do tanque, foi utilizada a formulação lagrangiana baseada em partículas hidrodinâmicas, SPH (Smoothed Particled Hydrodynamics). A formulação SPH foi desenvolvida originalmente por Lucy, Gingold e Monaghan para a simulação de problemas astro-físico (Idelsohn, 2004). Ela é baseada na formulação lagrangiana, tido como uma aproximação complementar ao método ALE (Arbitrary Lagrangian Eulerian) utilizado em problemas de interação fluido / estrutura, pois tem a proposta de evitar a restrição que uma malha poderia impor quando largas distorções surgem em uma simulação de elementos finitos. Este método permite que qualquer função possa ser expressa em termos dos valores de um conjunto desordenados de pontos, chamados na literatura de partículas. As leis de conservação da mecânica do continuo, na forma de equações diferenciais parciais, são transformadas para equações integrais através do uso de aproximações de Kernel.

E para simular o efeito da pressão devido à redução de volume do tanque durante o impacto, foi utilizada uma técnica de Volume de Controle. Através de uma superfície fechada, criada através de uma malha de elementos de placa do Radioss, é possível configurar um Volume de Controle (Monitored Volume), onde o modelo numérico estará submetido às relações adiabáticas entre pressão e volume. Nesta técnica é possível definir as porcentagens de volumes compressíveis e incompressíveis do modelo.

DADOS MATERIAIS E GEOMÉTRICOS Na Figura 5 tem-se o modelo do tanque, trenó e anteparo discretizados em elementos

finitos, com as respectivas espessuras dos componentes. O trenó de impacto e os suportes do tanque foram considerados como corpos rígidos (indeformáveis). O tanque é inteiramente feito em aço EEP (que na indústria automotiva corresponde a aços de "Estampagem Extra Profunda"), material com elevado alongamento e excelente estampabilidade.

Nono Simpósio de Mecânica Computacional Universidade Federal de São João Del-Rei – MG – ABMEC

Figura 5 - Especificação dos principais componentes envolvidos no teste de impacto de um

tanque de combustível. Em simulações de impacto, é muito importante ter um modelo constitutivo que

represente bem o comportamento do material para um grande intervalo de taxas de deformação, que podem variar de um comportamento quasi-estático até valores da ordem de 300s-1 (Benassi, 2005). Atualmente, há alguns modelos constitutivos bem difundidos na comunidade científica para descrever o comportamento dinâmico de materiais metálicos, tais como: Cowper-Symonds, Johnson-Cook e Zerilli-Armstrong, (Huh et al., 2003), (Hubert et al., 2006) e (Schwer, 2007). O modelo Johnson-Cook, usado neste trabalho, foi desenvolvido empiricamente em 1983 e é atualmente o mais utilizado devido a sua simplicidade em obter os parâmetros:

( ) ( )mn Tcba −

++= 1ln1

0εεεσɺ

ɺ (5)

onde a, b e n são parâmetros referentes ao encruamento, c e 0εɺ devido aos efeitos dinâmicos e m devido à temperatura. Os valores destes parâmetros para um aço EEP foram obtidos através do trabalho publicado por Thomphson (2006), que utilizou um material de composição e comportamento similares.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

O resultado da simulação numérica do teste de impacto por trenó do tanque de

combustível é mostrado na Figura 6.

Modelo do Trenó

Semi Corpo Superior (0,95 mm)

Flange (1,8mm)

Reforços (1,0mm)

Suportes

Semi Corpo Inferior (0,85mm)

Nono Simpósio de Mecânica Computacional Universidade Federal de São João Del-Rei – MG – ABMEC

Figura 6 - Resultado da simulação numérica do teste de impacto por trenó.

Na Figura 7 é possível ver a vista frontal tanto do resultado da simulação numérica (em azul) quanto do tanque digitalizado do ensaio experimental.

Figura 7 - (a) Resultado da simulação numérica (azul), (b) tanque digitalizado

resultante do ensaio experimental (vermelho).

Em uma análise visual preliminar, os resultados são relativamente próximos. Porém, não é possível, apenas visualmente, realizar uma análise mais quantitativa da correlação destes resultados. Neste trabalho, o fato do tanque ensaiado experimentalmente ter sido digitalizado permitiu sobrepor as geometrias de ambos os resultados (numérico e experimental), como mostra a Figura 8.

Figura 8 - Resultados da simulação numérica (azul) e ensaio experimental (vermelho) sobrepostos.

Nono Simpósio de Mecânica Computacional Universidade Federal de São João Del-Rei – MG – ABMEC

Com as geometrias sobrepostas, foi possível fazer cortes transversais no tanque e avaliar o quão próximo o resultado da simulação numérica está do resultado experimental, para cada seção transversal. As Figuras 9a, 9b e 9c mostram exemplos destas seções transversais feitas ao longo do comprimento do tanque (direção positiva do eixo y) nas distâncias de: 300mm, 500mm e 700mm respectivamente.

Figura 9 - Seções transversais dos resultados sobrepostos feita ao longo do eixo y: (a)

300mm; (b) 500mm; (c) 700mm

Na Figura 9c pode-se observar no corte da seção transversal que na parte inferior do tanque, há uma pequena discrepância entre os resultados numérico e experimental. Através de um pós-processador adequado (no caso, foi utilizado o Hyperview), foi possível medir

(a) (b)

(c)

Nono Simpósio de Mecânica Computacional Universidade Federal de São João Del-Rei – MG – ABMEC

esta diferença. De posse desta ferramenta, a correlação entre os resultados numérico e experimental deixou de ser meramente visual e passou a ter valor quantitativo.

A Figura 10 mostra uma visão geral de diversos cortes feitos na seção transversal do tanque, com intervalos de 100mm entre eles. Pode-se observar que os resultados estão muito próximos, evidenciando que o modelo numérico está bem correlacionado.

Figura 10 - Cortes transversais feitos ao longo do eixo y dos resultados sobrepostos.

A Figura 11 mostra os resultados das energias cinética, interna e de hourglass

gerado pelo Radioss. Pode-se observar que a técnica de controle de hourglass do elemento QEPH teve êxito em controlar os modos espúrios de vibração, uma vez que a energia de hourglass foi praticamente desprezível se comparada à energia interna absorvida pelo sistema.

Figura 11 - Energia interna, cinética e de hourglass avaliada durante a simulação de impacto pelo Radioss.

Nos gráficos da Figuras 12, têm-se as curvas da variação do volume e pressão do

tanque ao longo do tempo, gerados a partir da formulação de Volume de Controle. Nota-se

Nono Simpósio de Mecânica Computacional Universidade Federal de São João Del-Rei – MG – ABMEC

que a pressão interna gerada pela redução de volume teve um aumento considerável (cerca de 50%).

Figura 12 - Variação do volume da pressão ao longo do tempo. Na Figura 13 tem-se a visualização do comportamento do fluido (água no caso) no

interior do tanque durante o impacto. A formulação SPH permitiu incluir os efeitos de inércia do líquido no interior do tanque durante o impacto.

(a)

Nono Simpósio de Mecânica Computacional Universidade Federal de São João Del-Rei – MG – ABMEC

(b)

(c)

Nono Simpósio de Mecânica Computacional Universidade Federal de São João Del-Rei – MG – ABMEC

Figura 13 - Visualização do comportamento do fluido (simulado por SPH) no interior do tanque durante o impacto do trenó.

4 CONCLUSÕES

Este trabalho consistiu principalmente em implementar um método mais preciso para avaliar e correlacionar resultados numéricos de ensaio de impacto de componentes automotivos, através da digitalização do resultado experimental. A digitalização permitiu monitorar os modos e níveis de deformação ao longo do componente analisado.

Através destes resultados, será possível ajustar melhor os parâmetros da simulação numérica, alterando o refinamento da malha, tipo de elementos, equações constitutivas, leis de encruamento, critérios de escoamento, etc., com o objetivo de tornar os resultados da simulação de impacto mais confiáveis. Esta metodologia pode também ser aplicada a outros componentes automotivos, tais como pára-choques, portas e barras de proteção lateral.

Como próximo passo para melhorar os resultados da simulação numérica, dados mais precisos da curva tensão-deformação para diferentes taxas de deformação estão em fase de estudo junto com outras empresas e instituições de pesquisa. E numa segunda etapa, os dados obtidos da simulação do processo de estampagem, tais como deformação plástica residual e espessura final serão introduzidos no modelo numérico, a fim de tornar os parâmetros iniciais de entrada mais próximo da realidade.

(d)

Nono Simpósio de Mecânica Computacional Universidade Federal de São João Del-Rei – MG – ABMEC

Agradecimentos Agradecimentos especiais ao gerente da Engenharia de Produto da Aethra, Marley de

Souza Lemos, pelo apoio e incentivo ao projeto, e ao gestor de Modelagem da Aethra, Francis Garcia Diniz, pelas contribuições na digitalização dos tanques de combustíveis.

5 BIBLIOGRAFIA

ABNT NBR 15300-1, 2005. Proteção ao ocupante - Ensaio de impacto frontal - Parte 1:

Requisitos de desempenho. Associação Brasileira de Normas Técnicas. ABNT NBR 15240, 2005b. Comportamento da estrutura do habitáculo - Requisitos para o

ensaio de impacto traseiro. Associação Brasileira de Normas Técnicas. Belytschko, T., Liu, W. K., Moran, B., 2000. Nonlinear Finite Elements for Continua and

Structures. John Wiley & Sons. Benassi, F., 2005. Modulação de Pulso para Regularização da Taxa de Deformação em

Teste com Barra de Hopkinson. Dissertação de Mestrado, USP - São Paulo. Dhatt, G., Touzot, G., Cantin, G., 1984. The Finite Element Method Displayed. John Wiley

& Sons. Flanagan, D., Belytschko, T., 1981. A uniform strain hexahedron an quadrilateral with

orthogonal hourglass control. Int. Journal Numerical Methods in Engineering, Vol. 17, pp. 679-706.

Hubert, W., Meyer, Jr., 2006. A modified Zerilli-Armstrong constitutive model describing the strength and localizing behavior of Ti-6Al-4V. Army Research Laboratory Report, September.

Huh, H., Lim, J. H., Song, J. H., Lee, K.-S., Lee, Y.-W. & Han, S. S., 2003. Crashworthiness assessment of side impact of an auto-body with 60 TRIP steel of side members. International Journal of Automotive Technology, Vol. 4, No. 3, pp. 149 - 156.

Idelsohn, S. R., Onate, E. and Del Pin, F., 2004. The particle finite element method: a powerful tool to solve incompressible flows with free-surfaces and breaking waves. International Journal for Numerical Methods in Engineering, Vol. 61, pp 964-989.

Mendelson, A., 1968. Plasticity: Theory and Application. MacMillan Co. New York. Owen, D. R. J., Hinton, E., 1986. Finite Elements in Plasticity: Theory and Practice. Pine-

ridge Press Limited, Swansea. Schwer, L., 2007. Optional strain-rate forms for the Johnson Cook constitutive model and

the role of the parameter Epsilon-0. LS-Dyna Anwenderforum, Frankenthal. Silveira, M., E., Passos, F., M. and Dares, J., A. 2008. Simulação numérica do teste de

impacto por trenó de tanques de combustíveis utilizando formulações implícitas e explícitas. VIII Simpósio de Mecânica Computacional - SIMMEC 2008, Belo Horizonte.

Szabó, B., Babuska, I., 1991. Finite Element Analysis, John Wiley & Sons. Thompson, A. C., 2006. High Strain Rate Characterization of Advanced High Strength

Steels. Master of Applied Science Thesis, University of Waterloo, Ontário. 6 DIREITOS AUTORAIS

Os autores são os únicos responsáveis pelo conteúdo do material impresso incluído neste trabalho.