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Usos e funções da música •1) Ivo Supicic, "Les functions sociales de la musique", in Vanhulst, Henri / Haine, Malou (ed.s), Musique et Société, Bruxelas: Univ. Bruxelas, 1988: 173-182); p. 173: "as funções sociais da música devem ser distinguidas das suas utilizações práticas na sociedade. A utilização diz respeito a um uso da música que é directamente observável, uma situação ou um aspecto global sobretudo exterior, factual e, poderia dizer-se, quase superficial. As funções sociais da música dizem respeito, pelo contrário, não somente a uma dada utilização da música num quadro social qualquer, mas ainda aos fins ou às razões de uma tal utilização, o significado social que uma música ou uma obra musical pode revestir para um grupo social ou para uma sociedade global." •2) Flávio Pinho, A Música Tradicional de Penha Garcia: continuidade e mudança, Univ. Nova de Lisboa, 1985: p. 95 e seguintes): “1.2 Usos e funções Do elenco estabelecido por Merriam, com base nas categorias estabelecidas por Herskovits para o tratamento dos materiais culturais 233 , a nossa investigação permitiu reconhecer os seguintes usos para a música em Penha Garcia 234 : a) Associação com a actividade económica- os trabalhos agrícolas colectivos (ceifa, monda, vindima) constituíam ocasiões privilegiadas para a execução e transmissão de todo o tipo de cantos. Esta associação tem vindo progressivamente a desaparecer, o que se explica pela mecanização de alguns dos referidos trabalhos (ceifa e monda), bem como pela falta de mão-de-obra, consequência dos fortes movimentos migratórios da segunda metade do século 235 . b) Associação com as instituições sociais- os eventos sociais mais importantes continuam a ser marcados pela presença da música, apesar de o 233 HERSKOVITS 1948:238-240, cit. in MERRIAM id.:217-219. 234 Para uma análise dos usos e funções da música na vizinha Monsanto (Festa do Castelo), veja-se CARVALHO / OLIVEIRA 1987. 235 Ver pág. 103.

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Usos e funções da música

•1) Ivo Supicic, "Les functions sociales de la musique", in Vanhulst, Henri / Haine, Malou (ed.s), Musique et Société, Bruxelas: Univ. Bruxelas, 1988: 173-182); p. 173:

"as funções sociais da música devem ser distinguidas das suas utilizações

práticas na sociedade. A utilização diz respeito a um uso da música que é directamente observável, uma situação ou um aspecto global sobretudo exterior, factual e, poderia dizer-se, quase superficial. As funções sociais da música dizem respeito, pelo contrário, não somente a uma dada utilização da música num quadro social qualquer, mas ainda aos fins ou às razões de uma tal utilização, o significado social que uma música ou uma obra musical pode revestir para um grupo social ou para uma sociedade global."

•2) Flávio Pinho, A Música Tradicional de Penha Garcia: continuidade e mudança, Univ. Nova de Lisboa, 1985: p. 95 e seguintes):

“1.2 Usos e funções Do elenco estabelecido por Merriam, com base nas categorias estabelecidas

por Herskovits para o tratamento dos materiais culturais233, a nossa investigação permitiu reconhecer os seguintes usos para a música em Penha Garcia234:

a) Associação com a actividade económica- os trabalhos agrícolas colectivos (ceifa, monda, vindima) constituíam ocasiões privilegiadas para a execução e transmissão de todo o tipo de cantos. Esta associação tem vindo progressivamente a desaparecer, o que se explica pela mecanização de alguns dos referidos trabalhos (ceifa e monda), bem como pela falta de mão-de-obra, consequência dos fortes movimentos migratórios da segunda metade do século235.

b) Associação com as instituições sociais- os eventos sociais mais importantes continuam a ser marcados pela presença da música, apesar de o

233 HERSKOVITS 1948:238-240, cit. in MERRIAM id.:217-219. 234 Para uma análise dos usos e funções da música na vizinha Monsanto (Festa do Castelo), veja-se CARVALHO / OLIVEIRA 1987. 235 Ver pág. 103.

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repertório tradicional ter sido substituído em grande parte por música de origem urbana (moderna ou ligeira nas festas e bailes e nas discotecas recentemente surgidas; litúrgica oficial, nas romarias locais e regionais e nas festividades religiosas). Em relação aos cantos próprios de certos ciclos do ano (Janeiras, Entrudo) ou ligados ao ciclo da vida (cantigas de embalar, Parabéns e Serenata aos Noivos), encontram-se em grande parte reduzidos a uma expressão folclorizada -o que não diminui a sua relevância social, como deixamos claro mais adiante, na análise das suas funções. Quanto às cantigas infantis, a universalização dos modernos meios áudio-visuais de comunicação levou ao seu absoluto desuso.

c) Associação com o sistema de crenças e com o controle do poder- este último aspecto manifesta-se através da existência de um canto mágico-religioso usado ainda hoje contra as trovoadas: o Bendito dos trovões (nº 15)236. Este Bendito e o restante repertório religioso demonstram uma vitalidade impressionante, explicável pela acentuada religiosidade de uma população extremamente envelhecida.

d) Associação com as outras expressões estéticas- a execução do repertório músico-coreográfico popular assumiu há muito uma forma institucionalizada e folclorizante, em prejuízo da espontaneidade que a caracterizava até ao surgimento, na região e no resto do país, dos ranchos folclóricos.

e) Associação com a linguagem- o canto continua a ser veículo privilegiado para a transmissão da poesia popular- das quadras aos romances- servindo também de suporte para a sua criação improvisada (cantares ao desafio)237.

Para Merriam, a música realiza em todas as culturas um certo número de funções principais238, que podem ser vistas como verdadeiros universais culturais. Eis as suas manifestações no repertório estudado:

a) Função de expressão emocional- desde logo o próprio acto de cantar -sobretudo o repertório profano, mas também certos cantos religiosos, como as Alvíssaras da Páscoa- encontra-se associado à exteriorização da alegria -ainda quando esta emoção se reduz a tal dimensão exterior:

[nº 55.2]

Quem me a mim ouvir cantari Julgará qu' eu 'stou alegri 236 Também conhecido como "Bendito de Quinta-Feira da Ascensão", por estar de igual modo associado a esta data, outrora muito importante no calendário religioso local. 237 Infelizmente, não conseguimos registar nenhum destes cantares -em vias de desaparecimento devido à idade avançada dos seus últimos cultores. 238 Cfr. op. cit.:218-219. No mesmo sentido, LORTAT-JACOB 1977:93: "[...] l'intervention de la musique dans le social n'est pas «neutre». Toute société confie à la musique un certain nombre de fonctions".

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Tenh' o coração mais negro Qu' à tinta com que s' escrevi

A análise temática do texto das canções239 revela-nos expressões de todo o tipo de emoções e sentimentos: alegria e tristeza; amor, ciúme, despeito, agressividade (ex.: cantares ao desafio); brejeirice, desejo sexual e erotismo (rondas, serenatas, Entrudo, São João), horror (alguns romances), exaltação religiosa (o correspondente repertório), antagonismo social (cantigas de trabalho), etc. Também através do texto literário é possível abordar assuntos tabus, como o incesto (nº 60), os desejos reprimidos (nº 61), os amores ilícitos, a doença e a morte (*PC-54), etc. Outras vezes, é através do uso de certos cantos, independentemente do seu texto, que esta função se realiza: assim se passa nas modas coreográficas, nas cantigas de embalar ou no Bendito dos Trovões (nº 15). Note-se ainda que, se a música serve para expressar emoções, também a sua ausência pode preencher a mesma função: é o caso da proibição de cantar em público durante o luto, que encontrámos ainda vigente em Penha Garcia.

b) Função de satisfação estética- no entender de Malm, a música tem, em maior grau do que outros aspectos da cultura, a capacidade para comover emocionalmente e satisfazer esteticamente240. Na música ocidental, esta é, inclusivamente, uma das principais funções241, tanto na chamada música erudita, como na moderna música popular urbana: o tipo de música ideal ("a melhor, a mais grandiosa") é a música concebida fundamentalmente para ser ouvida em concertos ou recitais, ou fruída através de aparelhagens sonoras domésticas cada vez mais sofisticadas. Uma música que -também idealmente- não acompanha outras actividades da vida242, ao contrário da música não urbana ou tradicional, que, em regra, tende à "funcionalidade" -o que apenas significa que é julgada, não pela sua "beleza", mas antes pela idoneidade para cumprir as suas funções específicas243. Este panorama já não corresponde à realidade, em Penha Garcia como no resto do país: como resultado do processo

239 Ver Análise Literária. 240 MALM 1985:225. Segundo este autor, o prazer estético ocorre sempre que um membro de uma determinada cultura percebe subliminal ou conscientemente as características específicas da sua música que o emocionam, e começa a antecipar o desenvolvimento de uma determinada peça. Esta antecipação, necessária a uma real participação activa ou passiva na música, só se torna possível devido ao emprego -que o autor considera universal- de alguns padrões e progressões semi-repetitivos na execução musical (cfr. op. cit.: 224-225). 241 "In the literate societies the function of aesthetic enjoyment ranks high, as does entertainment" (NETTL 1983: 151). 242 O que não corresponde, evidentemente, à realidade: nunca se ouviu tanta música em tantas e tão distintas situações da actividade humana. Basta pensar na sua omnipresença nos locais de trabalho. 243 Cfr. NETTL 1985:21.

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de aculturação, verifica-se uma definitiva separação das qualidades de "músico" e de "espectador", acentuando-se a fruição passiva e "funcionalmente" isolada da música; as condições e meios de fruição da música tradicional tendem, assim, a ser semelhantes aos dos restantes géneros musicais. Estas transformações acarretam, naturalmente, um reforço da importância da função de satisfação estética.

c) Função de entretenimento- uma das principais funções nas sociedades letradas244, em íntima relação com a função de satisfação estética. Entretenimento e satisfação de um "público" que não participa activamente na produção musical e que se distingue em absoluto dos "músicos" (em regra, profissionais, para quem a música é, antes de mais, fonte de rendimentos económicos). Ora, do ponto de vista dos executantes, o entretenimento surge como principal motivação da adesão aos dois Ranchos Folclóricos existentes em Penha Garcia: os ensaios, as actuações públicas, as digressões, proporcionam ocasiões únicas de convívio e divertimento245.

d) Função de comunicação246- a caracterização do processo ritual por Edmund Leach vale por inteiro para a execução da música tradicional, enquanto acção expressiva247: "Num acto ritual comum, culturalmente definido, o único «compositor» que temos é o antepassado mitológico. Há um padrão ordenado que foi estabelecido pela tradição e que determina as actuações. Diz-se «é costume entre nós». Existe, por via de regra, um «maestro», um mestre de cerimónias, um sumo-sacerdote, um protagonista. São as acções destes indivíduos que fornecem os marcos temporais à restante comunidade. Mas não encontramos um público distinto, porque os executantes e os ouvintes são os mesmos. Tomamos parte em rituais, porque é a nós mesmos que queremos enviar mensagens colectivas"248. Excepto num reduzido número de cantos -os Parabéns, Serenatas e Janeiras- essa cumulação das qualidades de emissor e receptor nas mesmas pessoas era a regra nas formas tradicionais de execução do repertório musical que investigámos. Com a folclorização do mesmo repertório, as duas posições da relação comunicacional tendem a ser ocupadas

244 "In the case of entertainment, use and function may be identical" (NETTL 1983:149). 245 Sobretudo para os não jovens, em grande número no RANCHO FOLCLÓRICO DE PENHA GARCIA. Do currículo deste Rancho, além de actuações por todo o país, consta uma participação no Festival da 3ª Idade em Mâcon-França. 246 Tanto MERRIAM (1964:223) como NETTL(1983:151) consideram que esta função é de difícil acesso, por entenderem que, se é certo que a música comunica sempre algo, não é muito claro o quê, como e a quem. 247 No comportamento humano, LEACH distingue: as actividades biológicas naturais do corpo humano; as acções técnicas, "que modificam o estado físico do mundo exterior"; as acções expressivas, "que dizem simplesmente algo sobre o estado do mundo, tal como se apresenta, ou têm por objectivo alterá-lo através de meios metafísicos" (LEACH [1992]:19). 248 LEACH [1992]:66.

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por pessoas distintas: os tocadores / cantadores / dançarinos são emissores e o "público" -local ou não- é receptor. A necessidade de comunicar com um público que não se confina já à área da aldeia ou até da região, leva hoje os grupos institucionalizados a executarem preferentemente música tonal e coreográfica, com acompanhamento instrumental em que predominam os acordeões -ou seja, a música que corresponde às representações colectivas correntes sobre o "folclore" musical português.

e) Função de representação simbólica- Merriam, admitindo que a música parece funcionar como uma parte simbólica da vida -pelo menos no sentido de representar outras coisas-, indica quatro modos de manifestação dessa relação na experiência humana, cada um relacionado com conceitos de signos e símbolos num grau ascendente de abstracção249. Esses quatro modos, e as suas manifestações no repertório que estudámos, são os seguintes:

1º- a música é simbólica quando é veículo de significados directos- dificilmente se poderá sustentar que a música possa transportar estes significados. Nattiez observa justamente que "a música não é [...] desprovida de possibilidades expressivas ou significantes, mas esta função semântica é-lhe dada de certo modo do exterior pelo ouvinte"250. Dos textos literários dos cantos podem, sem dúvida, extrair-se significados directos, mas esses textos, "though shaped and modified by music,[...] are inevitably linguistic rather than music behavior as such"251.

2º- a música é simbólica quando reflecte emoções e significados culturalmente definidos- temos um bom exemplo no Bendito dos Trovões (nº 15): a um ouvinte ocidental252, o ritmo sincopado e o andamento desta música podem sugerir, respectivamente, os próprios trovões e o medo ou sobressalto de quem assiste a uma trovoada; outra seria a interpretação de um estranho a essa cultura -ou mesmo de um membro dessa cultura que desconhecesse o título ou o uso da dita música. Outro exemplo tem a ver com a adscrição da

249 MERRIAM 1964: 234. Para NATTIEZ (s/d:26), " a música não tem a função de veicular significados, antes jogando somente com as possibilidades sintácticas oferecidas pelo sistema de referência (tonal ou outro)"; mais adiante (pág. seguinte), sobre a função da música, cita JAKOBSON: "A linguagem tem por função principal, entre outras, a função cognitiva, enquanto na música, porque se trata de um domínio artístico, a função estética é de primeira importância" (NATTIEZ ibid.). LÉVI-STRAUSS, numa célebre fórmula (1971:579), nega à música o sentido: "la musique, c'est le langage moins le sens", este está "hors du son et on ne peut l'y réintegrer à moins d'y voir avec Baudelaire [...] une forme commune où, selon la personnalité de chaque auditeur, une série illimitée de contenus significatifs différents peuvent s'insérer" (Id., ibid. :580). 250 NATTIEZ s/d: 26. 251 MERRIAM op.cit.: 237. No mesmo sentido, MOLINO (s/d: 117): "Em vão se explicará a significação de uma música, mesmo quando esta procura ilustrar as palavras de um poema" e RUWET ([1972]:48), que refere a coexistência de dois sistemas -o linguístico e o musical- na música vocal, "car il y a bien réalisation simultanée des deux systèmes, c'est-à-dire ni compromis, ni assimilation d'un système par l'autre". 252 "Certainly from the standpoint of the performer, it [=the music] is not symbolic" (MERRIAM op. cit.:250).

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tristeza ao modo menor, na cultura ocidental: é nesse modo que está a Canção da Tristeza (nº 55), bem como os romances com finais trágicos (nºs 59 e 60).

3º- a música é simbólica quando reflecte outros comportamentos, organização e valores culturais- desde logo aos diferentes papéis sociais de crianças e adultos correspondem cantigas próprias de cada grupo etário: as cantigas infantis do primeiro, todas as restantes do segundo; as distinções sexuais também se manifestam na música, através de instrumentos musicais e cantos reservados a um ou a outro sexo (o adufe às mulheres, os outros instrumentos aos homens; as cantigas de embalar às mulheres, as serenatas aos homens); encontramos também músicas que a comunidade considera símbolos da sua identidade como grupo social: é o caso do canto de Penha Garcia à Senhora da Azenha (nº 18) –contraposto ao que se canta em Monsanto- e das Janeiras de Penha Garcia (nº 32) -contrapostas às da vizinha aldeia do Salvador253. Deve-se ter em conta que, a este nível, só se pode considerar a música como simbólica se a isolarmos do resto da cultura: "if we take the functional and integrative approach, then music is no more symbolic of culture as a whole than culture is of music, for music is simply an integral part of culture and thus inevitably reflects its general structures and values"254.

4º- A música é simbólica quando reflecte aspectos mais profundos e fundamentais do comportamento humano- é o texto literário dos cantos, e não o musical, que permite uma abordagem interpretativa aprofundada, seja em termos freudianos, seja em termos junguianos-durandianos. Essa abordagem não cabe no âmbito e objectivos da nossa investigação e, pela sua complexidade, exige adequada especialização científica. Quanto à música, julgamos que, também aqui, têm resultado infrutíferas as tentativas de encontrar verdadeiros universais, válidos para todas as culturas255.

f) Função de resposta física- função que ganha particular importância na música coreográfica, nas cantigas infantis, nas cantigas de embalar: em todas elas, é a música que desencadeia e conforma a resposta física. Já não é manifestamente o caso das cantigas de trabalho penhagarcienses, em que não há nenhuma ligação directa -excepto na temática literária- com as operações agrícolas em que são entoadas256, contrariamente ao que se passa noutros locais.

253 A nossa informante Catarina Chitas recusou-se a ensinar as Janeiras do Salvador aos jovens penhagarcienses que lho pediam, e que argumentavam que eram mais bonitas do que as da sua aldeia. 254 MERRIAM 1964: 250. 255 Sobre a questão dos universais musicais, ver NETTL 1983: 36-43. 256 Tanto que, durante essas operações, são também entoados outros cantos, de qualquer tipo.

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g) Função de garantia da conformidade ("enforcing conformity") com as normas sociais- o texto literário de alguns cantos é revelador do que a comunidade considera correcto ou errado. Assim, condena-se: a avareza (nº 32.5), a murmuração e a difamação (*CI-6), o sexo pré-conjugal (*PC-57), a cupidez, a apartação do matrimónio (nº 61), o incesto (nº 60), a dissimulação, o rapto e a traição (nº 62), a contrariação do amor (*PC-54); valoriza-se a caridade (nº 5), o trabalho (nº 26), a honradez e a generosidade (nº 32), a fidelidade conjugal (nº 61) e a firmeza amorosa (nºs 63 e *PC-54).

h) Função de validação das instituições sociais e rituais religiosos- em Penha Garcia, a música tradicional é componente fundamental de certas cerimónias religiosas257, com destaque para as que são próprias do Ciclo da Quaresma e da Páscoa: a Encomendação das Almas, os Martírios, o Louvado Nossisso, as Alvíssaras.

i) Função de contribuição para a continuidade e estabilidade da cultura- esta função constitui, de certa forma, o corolário de todas as restantes: "If music allows emotional expression, gives aesthetic pleasure, entertains, communicates, elicits physical response, enforces conformity to social norms, and validates social institutions and religious rituals, it is clear that it contributes to the continuity and stability of culture"258. A cultura toda se reflecte nela e por ela é veiculada, com uma amplitude que só se observa em raros outros aspectos dessa mesma cultura. Um dos domínios da cultura mais resistentes à mudança259, comunica aos outros domínios com que entra em relação -a religião, a língua, a dança, etc.-, bem como à cultura no seu todo, essa mesma continuidade e estabilidade.

j) Função de contribuição para a integração da sociedade- apesar de nas principais festividades e cerimónias religiosas ou lúdicas -Festa da Padroeira, romaria da Senhora da Azenha, Jornadas Etnográficas «Penha Garcia Antiga»- serem já dominantes outros géneros musicais, a música tradicional local continua aí presente, através de espectáculos a cargo dos grupos folclóricos da aldeia; como em raras outras ocasiões da vida colectiva, todos os membros da comunidade -velhos e novos, os que partiram e os que ficaram, os que tocam / dançam / cantam e os que simplesmente assistem- se reúnem em torno da sua música.

257 Outros géneros também já se tornaram inseparáveis de alguns rituais religiosos: é o caso da música litúrgica oficial nas missas e da música de banda filarmónica nas procissões. 258 MERRIAM 1964:225. 259 Cfr. NAZARÉ 1984:198.

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