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USO DE MODELAGEM HIDRODINÂMICA VISANDO A SEGMENTAÇÃO
DE CORPOS D’ÁGUA RASOS PARA ENQUADRAMENTO: o caso do Lago
Guaíba (RS)
Adriano Rolim da Paz1; Luis Gustavo de Moura Reis2 & Henrique Vieira Costa Lima3
RESUMO O comportamento hidrodinâmico de um corpo d’água tem papel de destaque sobre todoo ecossistema, por exemplo, influenciando a dinâmica de nutrientes, poluentes e sedimentos e adistribuição espacial de fitoplâncton e zooplâncton. Ao identificar padrões de circulação da água emlagos e estuários e estabelecer uma segmentação com base em comportamentos hidrodinâmicoshomogêneos, geram-se subsídios de suma importância no processo de planejamento egerenciamento dos recursos hídricos. Neste artigo é descrito o estudo realizado sobre o LagoGuaíba, que constitui o principal manancial de abastecimento para mais de 1,5 milhões dehabitantes, incluindo o município de Porto Alegre, servindo ainda como importante via denavegação, balneário e receptor de grande volume de efluentes industriais, domésticos e agrícolas.Empregando um modelo hidrodinâmico bidimensional horizontal, simulou-se o Lago Guaíbavisando identificar padrões de circulação da água e estabelecer um zoneamento hidrodinâmico. Talzoneamento subsidiou a segmentação do Lago para Enquadramento em classes de usopreponderante com base na Resolução n. 20/1986 do CONAMA. Baseado nos resultados do modelonumérico e outros planos de informações, o lago foi dividido em partes, onde cada uma delas é alvode consulta pública que subsidiará planos e obras quando as mesmas estiverem Enquadradas.
ABSTRACT Hydrodynamics plays an important ecological role to ecosystems. It influencesnutrient, pollutant and sediment dynamics as much as ecological patterns such as phytoplanktonand zooplankton spatial distribution. Understanding water circulation patterns in ecosystems suchas lakes and estuaries and then establishing homogeneous hydrodynamic areas may producevaluable information for water resources planning and management. This paper describes ahydrodynamic study of Lake Guaíba, which is the mainly water supply to over 1.5 million people,including cities such as Porto Alegre. Lake Guaíba also constitutes an important navigation route,bathing area and receives a great volume of industrial, domestic and agricultural wastewater.Using a two-dimensional, depth-averaged, hydrodynamic model, Lake Guaíba was modelled andsimulated aiming to establish its hydrodynamic segmentation into homogeneous areas. Suchhydrodynamic segmentation furnished fundamental information to development of a lakesegmentation aiming to apply the definition of Water Quality Objectives based on CONAMA decreen. 20/1986. Analysis of each lake segment by local population will furnish basic information todevelopment and implementation of further basin projects.
Palavras-chave: Enquadramento, Lago Guaíba, modelagem hidrodinâmica bidimensional
1 Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH/UFRGS), Av. Bento Gonçalves, 9500. Porto Alegre (RS). Email: [email protected] CONCREMAT Engenharia e Tecnologia S/A, Rua Furriel L.A. Vargas, 380/202. Porto Alegre (RS). Email: [email protected] CONCREMAT Engenharia e Tecnologia S/A, Eng. Civil, doutorando PPGRHSA-IPH-UFRGS Av. Santos Dumont, 1789/203. Fortaleza (CE).E-mail: [email protected].
INTRODUÇÃO
A circulação da água desempenha um papel de destaque sobre os ecossistemas aquáticos
como lagos, estuários e banhados, influenciando a distribuição espacial de micro-organismos
bentônicos, fitoplâncton, zooplâncton e macrófitas aquáticas, bem como a dinâmica de nutrientes,
poluentes e sedimentos. O comportamento hidrodinâmico repercute na maior ou menor “aptidão”
de zonas do corpo d’água ao uso dos seus recursos hídricos para determinadas finalidades. Por
exemplo, áreas com pequena velocidade e oscilação do nível da água tendem a se tornarem mais
propícias para certas espécies da fauna depositarem os ovos ou mesmo “descansarem”,
principalmente caso a velocidade de locomoção seja baixa. Outro exemplo é quanto à deposição de
sedimentos no fundo do corpo d’água, que está diretamente relacionada à velocidade do
escoamento, refletindo em áreas com granulometrias diferentes dos sedimentos e, portanto, com
potenciais distintos para mineração. No mesmo sentido, a circulação da água determina o modo
como ocorre o transporte e a dispersão de poluentes, indicando áreas mais ou menos adequadas ao
lançamento de efluentes.
Conforme a identificação de padrões de circulação da água, pode-se estabelecer uma
segmentação do corpo d’água através do agrupamento de áreas homogêneas quanto ao
comportamento hidrodinâmico. Tal segmentação constitui um dos planos de informação que,
superposto aos demais, tais como, o uso e cobertura do solo nas margens, aspectos culturais e
antropológicos na bacia e qualidade atual das águas, fornece subsídios fundamentais para o
gerenciamento dos recursos hídricos no corpo d’água e na bacia hidrográfica correspondente.
O estudo do comportamento hidrodinâmico do Lago Guaíba (RS), descrito neste artigo, teve
como objetivo obter uma segmentação do referido corpo d’água, com base na identificação de
padrões de circulação da água, visando subsidiar a segmentação para fins de Enquadramento em
classes de uso preponderante, segundo a Resolução CONAMA n. 20/1986. Empregando um modelo
matemático, realizou-se a simulação numérica hidrodinâmica do Lago Guaíba, considerando
determinadas condições de vento, de vazão afluente nos rios formadores e de oscilação do nível da
água na interface com a Lagoa dos Patos, ao sul.
PROCESSO DE ENQUADRAMENTO DA BACIA DO LAGO GUAÍBA
O Enquadramento dos corpos d’água é um dos instrumentos da Política Nacional de Recursos
Hídricos constante na Lei Federal no 9.433, de 8 de janeiro de 1997, segundo a qual tal instrumento
visa “assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem
destinadas” e “diminuir os custos de combate à poluição das águas, mediante ações preventivas
permanentes”.
O processo de elaboração do Plano de Bacia do Lago Guaíba (RS) tem se caracterizado por
intenso processo político de decisão descentralizada através do Comitê de Bacia, suportado
tecnicamente pela Secretaria do Estado do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (SEMA/RS).
Nesta nova concepção do Estado do Rio Grande do Sul, uma das etapas de execução dos planos de
bacia já considera o Enquadramento dos corpos d’água da bacia em classes de uso preponderante,
como parte integrante do plano, através de uma grande articulação onde esse processo é coordenado
pelo órgão ambiental do Estado.
O Bacia do Lago Guaíba, unidade G80 do Sistema Estadual de Recursos Hídricos do Rio
Grande do Sul, possui uma área total de 2.970 km2, onde 2.423 km2 correspondem à área territorial
e 547 km2 corresponde a área do espelho d´água. Esta vasta superfície líquida é entrecortada por
enseadas (“sacos”) e reentrâncias, onde usos bastante diversificados, tais como balneário,
lançamento de efluentes, mineração, agricultura irrigada, captação para abastecimento público e
industrial, proteção da vida aquática e outros.
Do exposto acima, pode-se perceber que usos tão conflitantes instalados numa mesma bacia,
de um corpo d’água cujo comportamento é controlado pela influência dos ventos, pelos níveis da
Laguna dos Patos e pelas vazões dos seus rios formadores, requerem um conhecimento mínimo da
hidrodinâmica deste sistema, a fim de que a segmentação submetida à consulta pública para
Enquadramento assegure um plano de ações efetivas.
Uma das estratégias adotadas no processo de Enquadramento na Bacia do Lago Guaíba foi a
divisão dos corpos d’água da bacia em trechos menores, facilitando a manifestação da população
sobre cada um deles. Foram adotados os seguintes planos de informação para o estabelecimento dos
segmentos a serem enquadrados na bacia em questão (CONCREMAT, 2004): (a) aspectos
antropológicos e dinâmica social da bacia; (b) aspectos do uso e ocupação do solo; (c) qualidade e
uso atual das águas; (d) comportamento hidrodinâmico do Lago Guaíba.
MODELAGEM HIDRODINÂMICA BIDIMENSIONAL (MODELO IPH-A)
Para estudar a circulação da água em corpos d’água rasos como lagoas, estuários, zonas
costeiras e banhados, onde os processos horizontais são mais importantes e predominam sobre os
verticais e a coluna d’água é usualmente assumida como bem misturada, ou seja, com pouca ou
nenhuma estratificação vertical (Rosman, 1989), normalmente são empregados os modelos
hidrodinâmicos bidimensionais horizontais (2DH), que se caracterizam por utilizar as equações da
continuidade e dinâmicas integradas na vertical.
Neste estudo do Lago Guaíba, empregou-se o modelo 2DH denominado IPH-A, que constitui
um sistema computacional destinado à simulação da circulação e do transporte de massa em corpos
d’água bidimensionais, sendo resultante de uma série de estudos realizados no IPH/UFRGS
(Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) na modelagem
de estuários e lagoas (Casalas, 1996). Para a resolução numérica do sistema de equações que
descrevem o escoamento, o modelo IPH-A emprega o método das diferenças finitas, aplicando um
esquema semi-implícito de direções alternadas (ADI – Alternating Direction Implicit), baseado no
esquema adaptado por Leendertse, mas com algumas modificações (Casalas, 1996). Em Paz (2003),
consta todo o equacionamento em diferenças finitas usado pelo modelo, bem como o detalhamento
do modo de resolução do sistema de equações.
MODELAGEM E SIMULAÇÃO DO LAGO GUAÍBA
Localização e caracterização do Lago Guaíba
Tendo a Região Metropolitana de Porto Alegre nas suas margens, o Lago Guaíba constitui um
corpo d’água de fundamental importância para o Estado do Rio Grande do Sul, sendo manancial de
abastecimento para quase 1,5 milhões de pessoas, além de servir como área de mineração de areia,
diluição de efluentes domésticos, agrícolas e industriais, área de lazer, banho e pesca, e ainda via de
navegação, unindo boa parte do interior do Estado à Lagoa dos Patos, de onde se alcança o Porto de
Rio Grande e o Oceano Atlântico (Figura 1).
A área drenada para o Lago Guaíba é de 82.842 km2 (cerca de 1/3 do Rio Grande do Sul),
constituindo a Região Hidrográfica do Guaíba (RHLG) que, juntamente com as Regiões
Hidrográficas do Rio Uruguai e das Bacias Litorâneas, compõe a divisão adotada pelo Sistema
Estadual de Recursos Hídricos desse Estado. Tal sistema definiu também a subdivisão da RHLG em
bacias, sendo a Bacia do Lago Guaíba (Unidade G80) propriamente dita a última contribuinte ao
referido corpo d’água, tendo área de 2.973 km2 (onde 547 km2 são referentes ao espelho d’água).
Os rios Jacuí, Caí, Sinos e Gravataí constituem os formadores do Lago Guaíba, em cuja bacia
estão situados, parcialmente ou totalmente, os municípios de Porto Alegre, Canoas, Viamão,
Eldorado do Sul, Guaíba, Barra do Ribeiro, Barão do Triunfo, Cerro Grande do Sul, Sertão Santana,
Sentinela do Sul, Tapes, Nova Santa Rita, Triunfo e Mariana Pimentel.
Uma das informações imprescindíveis para a simulação hidrodinâmica bidimensional é a
batimetria do corpo d’água. Para o Lago Guaíba, utilizou-se uma série de pontos batimétricos
retirados de uma carta náutica, cujo referencial é o zero DHN (Diretoria de Hidrografia e
Navegação – Marinha do Brasil), situado a 0,1428 m acima do nível médio do mar. Observa-se que
a maior parte do Lago apresenta profundidades relativamente pequenas, entre 0 e 4 m, à exceção do
canal de navegação que segue ao longo de todo o comprimento do lago no sentido norte-sul, com
profundidades típicas entre 4 e 6 m e alguns valores pontuais maiores (Figura 2).
Figura 1 – Estado do Rio Grande do Sul com indicação das três regiões hidrográficas e detalhe daBacia Hidrográfica do Lago Guaíba.
Condições de contorno, parâmetros e condições iniciais de simulação
Neste estudo, foi realizada a modelagem hidrodinâmica do Lago Guaíba considerando o Delta
do rio Jacuí a montante do Lago, ao Norte, e estendendo até a interface com a Lagoa dos Patos, ao
Sul. Por simplificação, a vazão dos rios formadores do Lago Guaíba (rios Jacuí, dos Sinos, Caí e
Gravataí) foi considerada concentrada em um único ponto (com valor constante igual a 1.600 m3/s)
no rio Jacuí, onde se considerou condição de contorno aberta tipo velocidade. No extremo Sul do
Lago, adotou-se condição de contorno aberta tipo nível, representando a Lagoa dos Patos, sendo
empregada na simulação a variação de nível apresentada na Figura 3. Todo o restante do contorno
modelado foi considerado fechado (velocidade nula perpendicular ao contorno).
465000 470000 475000 480000 485000 490000 495000Coordenadas UTM
6640000
6645000
6650000
6655000
6660000
6665000
6670000
6675000
6680000
6685000
6690000
-1
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
N
Figura 2 – Curvas de nível batimétricas do Lago Guaíba e Delta do Jacuí (valores em metros,referidos ao zero DHN).
No modelo IPH-A, adotou-se uma malha numérica de cálculo com espaçamento uniforme
igual a 250 m. Este estudo procurou avaliar situações de curto período de tempo (períodos de 48 h
de simulação), sendo o passo de tempo de cálculo de 1 min, correspondendo a números de Courant
em torno do valor 2,0. Tal valor está abaixo do limite acima do qual foram verificados problemas
numéricos com esquemas do tipo ADI (Benqué et al., 1982), usado no estudo.
Os coeficientes de ajuste do vento (CV), de rugosidade de Manning (n) e de viscosidade
turbulenta (εT) têm seu valor geralmente determinados através de uma calibração do modelo, sendo
em alguns casos adotados valores clássicos citados na literatura especializada. Por exemplo, o
coeficiente de ajuste do vento varia, normalmente, entre 1,0x10-6 e 4,0x10-6, podendo, inclusive, ser
utilizada uma expressão para determiná-lo em função da velocidade do vento em cada instante
(Weiyan, 1992). Quanto aos outros coeficientes, os valores de n = 0,02 e εT = 10 m2/s são
Batimetria (m)
Delta dorio Jacuí
rio Jacuí
Saco deSanta Cruz
Ponta da Cadeia
Ponta do Dionísio
Praia de Ipanema
Ponta da Serraria
Ponta Grossa
Ponta do Arado Velho
Ponta das CanoasMorro
do Coco
Saco deItapuã
Ponta da Fortaleza
Ponta EscuraSaco do Pinho
Ponta doSalgado
Ponta doJacaréPonta doCeroulas
Ponta daFigueira
Lagoa dos Patos
Gasômetro
5 km
normalmente adotados na modelagem hidrodinâmica de corpos d’água como o Lago Guaíba,
caracterizado por pequenas profundidades e sem a presença significativa de vegetação aquática.
Figura 3 – Condição de contorno aberta de nível imposta no extremo Sul do Lago Guaíba,representando a oscilação da Lagoa dos Patos (nível d’água acima do zero DHN).
Face às informações disponíveis e aos objetivos deste estudo, optou-se por adotar valores
usuais de literatura para os coeficientes de ajuste do vento, de rugosidade de Manning e de
viscosidade turbulenta na modelagem do Lago Guaíba, sem a realização de calibração. Os valores
adotados foram: CV = 2,5 x 10-6, n = 0,02 e εT = 10 m2/s. Na simulação realizada, foi considerado
um vento espacialmente uniforme sobre todo o Lago Guaíba, mas de velocidade e direção variáveis
no tempo, sendo adotada a série disponível apresentada na Figura 4.
Figura 4 – Condições de vento adotadas para a simulação do Lago Guaíba (a direção indica adireção de origem do vento, cujo ângulo é medido em relação ao Norte).
Como é usualmente realizado na modelagem hidrodinâmica bidimensional horizontal, foram
consideradas velocidades iniciais nulas e nível inicial constante em todos os elementos, sendo
adotado o valor de 0,8 m (acima do nível zero DHN – Divisão Hidrográfica Nacional). Convém
ressaltar apenas que, para evitar instabilidades numéricas, a vazão (no caso, a velocidade) no rio
Jacuí imposta como condição de contorno foi incrementada linearmente do valor nulo, no instante
inicial, até o valor constante adotado, no instante t = 1 h.
Análise dos resultados da simulação
De modo geral, com a simulação realizada concluiu-se que ocorreu um escoamento
preferencial ao longo do canal de navegação do Lago Guaíba, notadamente distinguível da
circulação da água nas demais áreas do Lago. A “interação” entre o canal de navegação e as regiões
externas foi bastante reduzida, preponderando dois tipos de circulação da água principais, que
pouco se “misturaram” (Figura 5):
(i) escoamento ao longo do canal de navegação, onde se verificaram as maiores velocidades,
chegando a alcançar próximo de 0,10 m/s;
(ii) escoamento nas áreas fora do canal, caracterizado por acompanhar o contorno do Lago
com velocidades relativamente inferiores à do canal. Algumas regiões de circulação mais estagnada
apresentaram velocidades em torno de 0,01 m/s.
A vazão afluente considerada para o rio Jacuí, com valor de 1.600 m3/s, representa uma
situação próxima à vazão média (1.969 m3/s) e contribuiu para a “segregação” entre o canal de
navegação e as demais regiões do Lago. Observou-se que tal vazão constituiu o principal agente
governante do escoamento no Lago Guaíba, que foi praticamente orientado no sentido Norte-Sul,
ou Delta do Jacuí-Lagoa dos Patos.
A importância da contribuição do rio Jacuí foi evidenciada devido à pequena intensidade do
vento considerado, com velocidades inferiores a 10 km/h (Figura 4), bem como devido à oscilação
do nível imposta à Lagoa dos Patos (Figura 3). Como mostra a referida figura, impôs-se uma
oscilação inferior a 10 cm no nível da Lagoa dos Patos, representada pela condição de contorno
aberta, com a tendência principal de rebaixamento do nível ao longo das 48 h do intervalo de
simulação – a Lagoa inicia com um nível de 0,8 m acima do zero DHN e termina a simulação com
0,73 m. Com isso, o escoamento no Lago Guaíba foi bem caracterizado pela afluência no Delta do
Jacuí e pela vazão de saída para a Lagoa dos Patos, tornando o sentido Delta do Jacuí – Lagoa dos
Patos o predominante do escoamento ao longo de todo o intervalo de simulação.
A distribuição espacial do módulo da velocidade do escoamento foi praticamente idêntica em
instantes de tempo distintos, independente da direção do vento no instante considerado (Figura 5).
Observam-se em tal figura dois mapas de velocidades muito semelhantes, embora sejam referentes
a instantes de tempo nos quais a direção do vento oscilava em torno de direções aproximadamente
opostas. Conclui-se que a ação do vento não teve papel de destaque no padrão de circulação da água
no Lago Guaíba, devido à pequena intensidade do vento considerado, predominando a influência da
vazão dos rios formadores e da oscilação do nível na Lagoa dos Patos.
t = 8,5 h
N
t = 24 h
N
(a) (b)
Figura 5 – Mapas com distribuição espacial do módulo da velocidade do escoamento no LagoGuaíba e Delta do Jacuí, nos instantes de tempo (a) t = 8,5 h e (b) t = 24 h.
A seguir, é apresentada uma seqüência de campos de velocidades em toda a região do Lago
Guaíba e Delta do Jacuí, referente ao instante t = 24 h (Figuras 6 a 8). Em tais figuras, as setas
representam os vetores velocidade do escoamento, no instante de tempo considerado, os quais estão
orientados na direção do fluxo e têm seu tamanho proporcional ao módulo da velocidade do
escoamento em cada ponto. Novamente, pode-se observar como a intensidade da velocidade do
escoamento é superior na região do canal de navegação em relação às demais áreas do Lago.
módulo da velocidadedo escoamento (m/s)
Delta dorio Jacuí
rio Jacuí
Saco deSanta Cruz Ponta da Cadeia
Ponta do Dionísio
Praia de IpanemaPonta da SerrariaPonta Grossa
Ponta do Arado VelhoPonta das Canoas
Morro do Coco
Saco deItapuã
Ponta da Fortaleza
Ponta EscuraSaco do Pinho
Ponta doSalgado
Ponta doJacaréPonta doCeroulas
Ponta daFigueira
Lagoa dos Patos
Gasômetromódulo da velocidadedo escoamento (m/s)
Delta dorio Jacuí
rio Jacuí
Saco deSanta Cruz Ponta da Cadeia
Ponta do Dionísio
Praia de IpanemaPonta da SerrariaPonta Grossa
Ponta do Arado VelhoPonta das Canoas
Morro do Coco
Saco deItapuã
Ponta da Fortaleza
Ponta EscuraSaco do Pinho
Ponta doSalgado
Ponta doJacaré
Ponta doCeroulas
Ponta daFigueira
Lagoa dos Patos
Gasômetro
N
N
Figura 6 – Campos de velocidade do escoamento na parte norte do Lago Guaíba e Delta do Jacuí,no instante t = 24 h.
Escala: 0,25 m/s
Escala: 0,25 m/s
rio Jacuí
Delta dorio Jacuí
Saco deSanta Cruz
Ponta da Cadeia
Saco deSanta Cruz
Ponta da Cadeia
Gasômetro
Ponta do Dionísio
Lag
o Gu a í b a
N
N
Praia de Ipanema
Ponta da Serraria
Ponta Grossa
Ponta daFigueira
Ponta doJacaré
Ponta doJacaré
Ponta do Ceroulas
Ponta do Arado Velho
Ponta doSalgado
Escala: 0,25 m/s
Escala: 0,25 m/s
Lag
o Gu a í b a
Figura 7 – Campos de velocidade do escoamento na parte central do Lago (em t = 24 h).
N
N
Figura 8 – Campos de velocidade do escoamento na parte Sul do Lago Guaíba (em t = 24 h).
Durante as simulações, várias observações foram realizadas acerca do padrão de circulação da
água no Lago Guaíba, para as condições consideradas. A seguir, serão enumeradas e comentadas
algumas delas, seguindo uma ordem de Norte para Sul no Lago, sendo os fundamentos baseados
nos mapas de velocidade do escoamento já apresentados e na análise das trajetórias de alguns
Escala: 0,25 m/s
Escala: 0,25 m/s
Ponta doSalgado
Ponta dasCanoas
Ponta do Arado Velho
Saco do Pinho
Ponta Escura
Ponta Escura
Condição de contorno aberta: nívelda Lagoa dos Patos
Ponta da Fortaleza
Saco de Itapuã
Morrodo Coco
Ponta dasCanoas
Lag
o Gu a í b a
flutuadores (Figuras 9 a 11) – usando o próprio modelo IPH-A, simulou-se o lançamento de
flutuadores (bóias) em diversos pontos do Lago durante o cálculo hidrodinâmico.
a) a vazão que aflui pelo braço direito do Delta, após o deságüe do Rio Jacuí, foi bem
superior às vazões dos demais braços. Ressalta-se que a simplificação de considerar
toda a vazão dos rios formadores concentrada no rio Jacuí contribuiu para isso,
embora a vazão desse rio seja mesmo bem superior a dos demais rios, como pode ser
deduzido comparando as respectivas vazões médias: rio dos Sinos (79 m3/s), rio Caí
(120 m3/s), rio Gravataí (24 m3/s) e Jacuí (1.969 m3/s).
b) no braço central do Delta do Jacuí, observa-se a formação de três pequenas áreas de
estagnação da circulação da água. Deve ser ressaltado que, para maiores inferências
sobre a hidrodinâmica do Delta do Jacuí, é necessária uma representação mais
detalhada do mesmo, diminuindo o espaçamento da malha de cálculo e verificando seu
traçado e batimetria;
c) na região da Ponta da Cadeia, observou-se que nem todo o escoamento que chega ao
Lago, pelos canais do Delta, tende a seguir para o canal de navegação. Pelo contrário,
como mostraram as trajetórias dos flutuadores números 6, 36 e 37, pode-se considerar
que apenas o escoamento no terço mais a oeste da seção transversal segue para o
canal, o que ocorreu para o flutuador 37. A outra parte do fluxo segue contornando a
margem do Lago até a Ponta do Dionísio (flutuadores 6 e 36). Uma possível
explicação é a grande vazão que chega ao Lago pelo canal da direita, com certa
inclinação, além do próprio efeito de “alargamento súbito da seção”;
d) na região próxima à margem leste do Lago, que se estende do Gasômetro até a Ponta
do Dionísio, observou-se um escoamento que segue paralelo à margem (flutuadores 6,
7, 9 e 36);
e) devido à grande vazão afluente nas imediações da Ponta da Cadeia, já mencionada, ao
canal de navegação e à presença de uma ilha, a região norte do Lago, a oeste da Ilha
da Pintada – região do Saco de Santa Cruz – apresenta uma circulação da água
relativamente quase desprezível (flutuador 8);
f) continuando a análise para o sul do Lago, o escoamento principal permanece seguindo
o canal de navegação, agora se aproximando da margem oeste do Lago, ao sul do
município de Guaíba, devido à Ponta de Dionísio;
g) na região próxima à margem, entre a ponta ao sul do município de Guaíba e a Ponta da
Figueira, ocorre uma zona de pouca circulação da água, com o escoamento principal
se deslocando para o centro/leste do Lago a partir da Ponta da Figueira, aproximando-
se da Ponta Grossa;
h) na praia de Ipanema, observou-se que a circulação da água segue preponderantemente
o contorno da margem, havendo uma região entre a Ponta da Serraria e a Ponta Grossa
com velocidades bem reduzidas;
i) nessa região central do Lago, as velocidades do escoamento no canal de navegação
são inferiores àquelas no canal mais ao norte. As maiores velocidades foram
observadas nas imediações da Ponta Grossa, devido ao deslocamento do fluxo
principal em sua direção, como já mencionado;
j) o escoamento que vem próximo à margem direita do Lago Guaíba, na metade sul,
passando pela Ponta da Figueira, Ponta do Jacaré e Ponta do Ceroulas, praticamente
segue para sudeste em direção à Lagoa dos Patos, formando uma região cuja
circulação da água fica praticamente estagnada, nas imediações da sede municipal de
Barra do Ribeiro. Tal região pode ser visualmente delimitada por uma linha imaginária
ligando a Ponta do Ceroulas à Ponta do Salgado;
k) nesta parte sul do Lago, o escoamento principal, seguindo o canal de navegação, passa
rente à Ponta do Arado Velho e da Ilha Fr. Manoel e segue daí até a Lagoa dos Patos,
praticamente em linha reta;
l) devido ao canal principal, no extremo sul do Lago são identificadas claramente três
regiões com circulação da água muito reduzida, que são o Saco do Pinho, o Saco de
Itapuã e a área entre a Ponta das Canoas e o Morro do Coco.
636
377
910
8
29
11
12
13
14
N
Figura 9 – Trajetórias de alguns flutuadores até o instante t = 48 h, lançados no início da simulação(t = 0) na parte norte do Lago Guaíba (pontos de lançamento indicados pelo círculo escuro, com a
respectiva numeração).
Ponta da Cadeia
Gasômetro
Delta dorio Jacuí
Saco deSanta Cruz
Ponta do Dionísio
Praia de Ipanema
Ponta da Serraria
Ponta da Figueira1 km
Lag
o Gu a í b a
2322
32
20
31
14
30
17 16
18
19
15
N
Figura 10 – Trajetórias de alguns flutuadores até o instante t = 48 h, lançados no início da simulação(t = 0) na parte central do Lago Guaíba (pontos de lançamento indicados pelo círculo escuro, com a
respectiva numeração).
Ponta Grossa
Ponta daSerraria
Ponta do Arado Velho
Ponta do Jacaré
Ponta do Ceroulas
Ponta doSalgado
Saco do Pinho
Ponta daFigueira
1 km
Lag
o Gu a í b a
24
19
33
34
35
26
2521
23
27 18
N
Figura 11 – Trajetórias de alguns flutuadores até o instante t = 48 h, lançados no início da simulação(t = 0) na parte sul do Lago Guaíba (pontos de lançamento indicados pelo círculo escuro, com a
respectiva numeração).
Morro do Coco
Saco de Itapuã
Ponta da Fortaleza
Ponta Escura
Condição de contorno aberta: nível da Lagoa dos Patos
Saco do Pinho
Ponta doSalgado
Ponta dasCanoas
Ponta do Arado Velho
Ilha Fr.Manoel
1 km
Lag
o Gu a í b a
SEGMENTAÇÃO DO LAGO GUAÍBA COM BASE NA HIDRODINÂMICA
Os resultados da simulação hidrodinâmica bidimensional do Lago Guaíba possibilitaram
inferir sobre o comportamento de determinadas regiões do Lago quanto ao padrão de circulação da
água. Considerando a direção e a intensidade do escoamento e as trajetórias dos flutuadores,
realizou-se uma segmentação do referido corpo d’água em áreas que apresentaram respostas ou
comportamentos hidrodinâmicos semelhantes, face àquelas condições de simulação adotadas.
Foram estabelecidos sete tipos de regiões (Figura 12):
• região 1: afluentes formadores do Lago Guaíba, desde a condição de contorno aberta no
rio Jacuí até a Ponta da Cadeia (região do Delta do Jacuí). Apresenta velocidade do
escoamento em torno de 0,1 m/s;
• região 2: região de desembocadura do escoamento afluente do Delta do Jacuí, estendendo-
se da Ponta da Cadeia até o município de Guaíba, conforme orientação do canal de
navegação. Apresenta as velocidades do escoamento mais elevadas em todo o Lago
Guaíba;
• região 3: região que se estende como prolongamento da região 2 até a altura da Ponta do
Salgado (a oeste) e da Ponta das Canoas (a leste), sempre se mantendo pelo centro do lago
(canal de navegação), com leve inflexão ao final. Apresenta velocidades altas, porém
inferiores às da região 2;
• região 4: região que continua seguindo o canal de navegação desde a região anterior, com
menores velocidades do escoamento que esta, até a Lagoa dos Patos, praticamente em
linha reta;
• região 5: estreita área nas laterais do canal de navegação, estendendo-se por todo ele, onde
se percebe a mudança significativa na velocidade do escoamento em relação ao canal;
• região 6: zonas de baixas velocidades (em torno de 0,03 m/s) que ocupam a maior área do
lago, situando-se entre o canal de navegação e as margens. O escoamento é bem
caracterizado por seguir paralelo à margem do lago, seguindo sua forma;
• região 7: áreas onde ocorre praticamente a estagnação do fluxo – relativamente às demais
regiões –, alcançando velocidades inferiores a 0,01 m/s. São áreas caracterizadas por
estarem “protegidas” do escoamento nas demais áreas do lago devido à própria
configuração da margem e à presença de pontas, como as Pontas do Ceroulas e do
Salgado.
465000 470000 475000 480000 485000 490000 495000
Coordenadas UTM
6640000
6645000
6650000
6655000
6660000
6665000
6670000
6675000
6680000
6685000
6690000
tipo 1
tipo 2
tipo 3
tipo 4
tipo 5
tipo 6
tipo 7
Figura 12 – Segmentação do Lago Guaíba em sete tipos de regiões, com base no padrão decirculação da água.
CONCLUSÕES
Neste artigo foram apresentados alguns resultados da simulação hidrodinâmica bidimensional
do Lago Guaíba e a posterior segmentação do referido corpo d’água em regiões com padrões de
circulação da água semelhantes.
É importante ressaltar que a segmentação foi baseada na simulação realizada, cujos principais
resultados foram apresentados neste artigo e a descrição detalhada consta em CONCREMAT
Delta dorio Jacuí
rio Jacuí
Saco deSanta Cruz
Ponta da Cadeia
Praia de Ipanema
Ponta da Serraria
Ponta Grossa
Ponta do Arado Velho
Ponta das CanoasMorro
do Coco
Saco deItapuã
Ponta da Fortaleza
Ponta Escura
Saco do Pinho
Pontado Salgado
Ponta doJacaré
Ponta doCeroulas
Ponta daFigueira
Lagoa dos Patos
Gasômetro
Ponta do Dionísio
N
(2004). Estudos interessantes poderiam ser realizados variando as condições de vento, de vazão
afluente do rio Jacuí e de nível na Lagoa dos Patos. Ainda mais importante seria a realização de
campanhas de medição de nível, corrente e vento em vários pontos do Lago Guaíba, o que
forneceria subsídios que respaldariam/ confrontariam os resultados gerados com a simulação,
proporcionando maior segurança nas inferências realizadas ao final.
À despeito das ressalvas e face às informações disponíveis, a caracterização do padrão geral
de circulação da água e a posterior segmentação do Lago Guaíba constituem informações valiosas
para o processo de Enquadramento do Lago Guaíba. Tal estudo hidrodinâmico juntamente com
outros planos de informação como uso e ocupação do solo nas margens, qualidade das águas, uso
atual das águas, características antropológicas e sociais da bacia, possibilitaram definir uma
segmentação do Lago Guaíba para fins de Enquadramento em classes de uso preponderante,
segundo a Resolução no 20, de 18 de junho de 1986, do Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA), como descrito em CONCREMAT (2004).
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à CONCREMAT Engenharia e Tecnologia S.A. pelo apoio ao
desenvolvimento deste trabalho.
BIBLIOGRAFIA
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Uso. Recursos Hídricos, n. 33, 37 p.
CONCREMAT (2004). “Relatório A3 – Confronto entre disponibilidades e demandas hídricas no
Cenário Tendencial, Capítulo 1 – Proposta de Enquadramento”, Estudos preliminares para
subsídio ao Plano de Bacia do Lago Guaíba, 40 p.
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do banhado do Taim (RS)”. Dissertação de Mestrado, Instituto de Pesquisas Hidráulicas,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 176 p.
ROSMAN, P. C. (1989). “Modelos de circulação em corpos d’água rasos” in Métodos numéricos
em recursos hídricos. Ed. por Silva, R. V., ABRH, v. 1, c. 3, pp. 156-221.
WEIYAN, T. (1992). “Shallow water hydrodynamics – mathematical theory and numerical solution
of a two-dimensional system of shallow water equations”. Elsevier Oceanography Series, 55 p.