Uso de imagens
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AS IMAGENS NO ENSINO DE CIÊNCIAS: O QUE DIZEM OS ESTUDANTES SOBRE ELAS?
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Autor 2 Resumo Nos livros didáticos e outros gêneros discursivos empregados por professores e estudantes, bem como, nas avaliações oficiais, como o ENEM, a leitura de imagens tem sido uma competência valorizada no atual contexto sócio-histórico e, por isso, também, merecido destaque nas pesquisas em ensino de Ciências. Nesse cenário, objetivou-se identificar os sentidos atribuídos por estudantes sobre como empregam e compreendem as imagens em seus processos de aprender Ciências. Para tal, foram coletados dados por meio de um questionário elaborado com recursos do Messenger-MSN e e-mail, respondido por estudantes da 3ª série do Ensino Médio. Além da apresentação de um panorama das pesquisas com uso de imagens no ensino de Ciências, as conclusões sugerem a valorização de processos educativos que incentivem os estudantes à formação de uma cultura visual na leitura de imagens. Palavras-chave: Imagem. Ensino de Ciências. Biologia.
THE IMAGES IN SCIENCE TEACHING: WHAT DO STUDENTS SAY ABOUT THEM?
Abstract In textbooks and other discursive genres used by teachers and students, as well as, in official assessments, as ENEM, the reading of images has been a competence valued in the current socio-historical context and also, has been given more attention in the researches in Science teaching. In this context, it was aimed to identify the meanings attributed by students about how they use and understand the images in their process of learning Science. For this, data were collected through a questionnaire prepared with resources from MSN-Messenger and e-mail, answered by students in 3rd grade of High School. Besides presenting an overview of the researches about the use of images in Science teaching, the conclusions suggest the enhancement of educational processes that encourage students to construct a visual culture in the reading of images. Keywords: Images. Science teaching. Biology.
1 Discentes do curso de Ciências Biológicas, da Universidade Regional de Blumenau – FURB. Blumenau/SC. E-mais dos autores não identificados, assegurando uma avaliação cega 2 Docente do curso de Ciências Biológicas e pós graduação, da Universidade Regional de Blumenau – FURB. Doutora em Educação Científica e Tecnológica. E-mail da autora não identificado, assegurando uma avaliação cega
INTRODUÇÃO
Desde a pré-história as imagens sempre estiveram presentes na vida do homem,
principalmente representadas como pinturas rupestres. Com o desenvolvimento das
civilizações, as imagens passaram a ser fundamentais, ilustrando e contribuindo na produção
de sentidos para eventos econômicos, históricos e culturais dos diferentes coletivos de
pessoas.
Diferente do homem pré-histórico que se comunicava por meio das imagens
geralmente nos ambientes em que convivia, atualmente, com os avanços tecnológicos, a
comunicação por imagens ampliou-se, rompeu fronteiras e passou a ser fortemente difundida
no cotidiano por meio de outdoors, internet, vídeos, jornais, revistas, entre outros. Além de
desempenharem um importante papel na construção, no registro e na comunicação da
produção humana, as imagens passam a ser também disseminadas nos espaços da escola
como um elemento importante nos processos educativos.
Nos livros didáticos e outros gêneros discursivos trabalhados nas escolas, nos
materiais áudios-visuais elaborados ou adotados pelo professor, nos materiais produzidos ou
difundidos pelos estudantes, as imagens3, na forma de desenhos, fotografias, diagramas,
gráficos, esquemas e charges, estão presentes e valorizadas nos processos educativos dos
diferentes componentes curriculares e, entre eles, no ensino de Ciências. Tal pressuposto
pode ser sustentando tendo como referência as competências previstas em avaliações externas
do Ministério da Educação - SAEB, Prova Brasil e ENEM – que na elaboração das questões
(itens) buscam avaliar, por exemplo, a compreensão dos estudantes de “[...] informações de
natureza científica e social obtidas da leitura de gráficos e tabelas, realizando previsão de
tendência, extrapolação, interpolação e interpretação”. Ainda, se os estudantes são capazes de
“relacionar informações apresentadas em diferentes formas de linguagem e representação
[...]” ou “analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando
textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das
manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção” (BRASIL, 2011).
Castro e Tiezzi (2005), utilizando como base os resultados do Relatório Pedagógico do
ENEM de 2002, inferiram que os participantes demonstram ausência do domínio de leitura
compreensiva, apresentando dificuldade em relacionar textos com linguagens expressas por
3 Optou-se empregar o termo imagens como sinônimo de figuras, uma vez que no cenário da pesquisa em Ensino de Ciências geralmente emprega-se esse termo.
imagens, evidenciando assim, a necessidade de práticas e pesquisas na área envolvendo
estudos empíricos com estudantes.
Considerando sua importância no atual contexto educacional, buscamos compreender
a utilização das imagens e suas relações com o ensino de Ciências, tendo como referência o
seu emprego pelos próprios estudantes. Para tal, organizamos uma pesquisa com o objetivo de
identificar os sentidos atribuídos por estudantes sobre como empregam e compreendem as
imagens em seus processos de aprender Ciências. Compreendemos que o conhecimento
elaborado pela pesquisa tem relevância científica e social uma vez que pode servir de subsídio
para professores refletirem e ressignificarem seus processos educativos, “ouvindo” o que
dizem os estudantes sobre aprender com as imagens, como também, contribuir para futuras
investigações com este objeto de estudo.
A pesquisa foi realizada tendo como referência no ensino de Ciências a área de
Biologia, prevista na matriz curricular para o Ensino Médio. A opção por este componente
curricular tem como justificativa o fato de que os conteúdos conceituais previstos para seu
ensino serem amplamente ilustrados nos materiais didáticos e, dentre as diretrizes previstas
nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Médio - PCNEM para Biologia, está
previsto o domínio por parte dos estudantes de habilidades de expressão e comunicação,
dentre elas a “leitura de diferentes imagens”.
Para socialização da pesquisa, inicialmente abordaremos um aporte teórico elaborado
a partir de um levantamento da produção científica4, sobre o emprego de imagens e processos
educativos de Ciências/Biologia nos espaços escolares, a fim de compreender aspectos dessa
relação, bem como evidenciar os pressupostos que orientam as nossas leituras/interpretações
das informações coletadas em campo, com os estudantes do Ensino Médio.
AS IMAGENS NOS PROCESSOS EDUCATIVOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS
As imagens nas aulas de Ciências possuem um papel mais central na construção e
comunicação das idéias científicas do que aqueles tradicionalmente a elas atribuídos, como os
de meras ilustrações ou de auxiliares na memorização.
Além do ponto de vista da comunicação, é possível pensar as imagens sob uma
perspectiva discursiva, como destacam Silva et al. (2006, p. 221) e com os quais
4 Com base em resultados de pesquisas nacionais apresentadas em eventos como o Encontro Nacional em Pesquisa de Ensino de Ciências - ENPEC e periódicos científicos que divulgam pesquisas de ensino de Ciências e Biologia.
concordamos, pois, “[...] consideramos que os sentidos são produzidos sob determinadas
condições que abarcam o texto/a imagem, o sujeito e o contexto. Nesse sentido, a imagem não
é concebida como transmissora de informação, mas parte de um processo mais amplo de
produção/reprodução de sentidos”. Em outras palavras os significados para uma imagem
surgem na interação do sujeito leitor com a imagem, a partir das particularidades e restrições
de um contexto.
Nessa direção, Carneiro, Dib e Mendes (2003) defendem que as imagens
desempenham um papel importante no processo de ensino e de aprendizagem. Sendo,
portanto, imprescindível que durante as aulas de ciências as imagens sejam exploradas pelo
professor juntamente com os estudantes, pois o domínio do processo de leitura das imagens
pelo estudante tem relação direta com a aprendizagem de conhecimentos científicos.
Cassiano (2002) aponta que as imagens, na sua dimensão pedagógica, não podem ser
vistas apenas como “figuras que embelezam e ajudam a vender um livro”, mas como forma de
linguagem que pode contribuir para a aprendizagem de conceitos científicos e para a
otimização da dinâmica de comunicação em sala de aula.
Este pressuposto é, também, contemplado nos Parâmetros Curriculares Nacionais de
Ciências Naturais - PCN’s, que afirmam que ao interpretar figuras os estudantes realizam
comparações, estabelecem relações, elaboram registros e outros procedimentos desenvolvidos
em sua aprendizagem, fazendo uso de conceitos e atitudes que elaboraram (BRASIL, 1998).
Além disso, em concordância, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio – PCNEM inferem que o estudante, ao interpretar fotos, esquemas, desenhos, tabelas,
gráficos, presentes nos textos científicos ou na mídia, que representam fatos e processos
biológicos e/ou trazem dados informativos sobre eles, desenvolvem competências
fundamentais para a aprendizagem de Biologia. (BRASIL, 1999).
Quando refletimos o uso das imagens nas aulas de Ciências, o livro didático merece
destaque. Esta fonte de leitura faz um largo uso de imagens, sendo alguns ocupados por até
dois terços do seu espaço com esta forma de linguagem, que se apresenta com uma variedade
de estilos e formas. De acordo com Carneiro (1997), no Sistema Educacional Brasileiro o
livro didático é o eixo em torno do qual gira o processo de ensino de Ciências e por isso, este
instrumento tem sido nas últimas décadas objeto de várias pesquisas.
A presença de imagens em textos didático-científicos tem sido objeto de estudo de
educadores em ciência, sob uma variedade de perspectivas que incluem a interpretação e
compreensão da imagem, sua legibilidade, seu potencial como auxiliares na aprendizagem e
memorização de conceitos (MARTINS; GOUVÊA; PICCININI, 2005; SILVA; MARTINS,
2008).
Carmagnani (1999) expõe que apesar das diversas críticas, o livro didático, é, ainda,
um dos materiais educativos mais utilizados na escola e, em muitos contextos, a única fonte
de acesso ao saber institucionalizado, que auxilia o professor no exercício de sua prática
pedagógica e os estudantes na assimilação dos conteúdos.
Nos livros didáticos há representações visuais, tais como: fotografias, esquemas,
gráficos, fluxogramas, diagramas, desenhos, charges, histórias em quadrinhos, dentre outros.
(MENDES, 2006; CASSIANO, 2002).
Em levantamentos de artigos publicadas nas atas dos ENPEC’s e periódicos científicos
de ensino de ciências, podemos constatar um crescente interesse pelo estudo das imagens e
suas relações com a aprendizagem e o ensino de ciências. Destacam-se alguns trabalhos de
autores brasileiros, que vem constituindo linhas e grupos de pesquisas sobre imagens com
diferentes objetos de estudo, como análise de imagens em diferentes gêneros textuais e
interpretação de imagens por estudantes e/ou professores, contribuindo com as discussões do
ensino de ciências nas escolas e universidades.
Martins (1997) publicou o primeiro estudo no Brasil de funções das representações
visuais em aulas de Ciências, desenvolvendo assim, um referencial teórico que explica o
papel das representações visuais na comunicação de idéias científicas.
No estudo realizado por Carneiro (1997), analisando imagens empregadas em livro de
Ciências, demonstrou-se que imagens podem constituir bom recurso para promover a
compreensão e a aprendizagem dos conhecimentos, tendo função motivadora quando estimula
a discussão do tema, e explicativa quando ilustra e complementa as informações do texto ou
explicita comandos que facilitam a realização de tarefas.
Freitas e Bruzzo (1999), no desafio de compreenderem a natureza da presença das
imagens, nos atuais livros didáticos de biologia, registraram que informações contidas nas
imagens são significativas para o aprendizado correto dos conhecimentos biológicos, não
constituindo apenas detalhes, mas permanecendo na memória visual com clareza e, muitas
vezes, substituindo o texto que foi esquecido.
Ao estudar o papel pedagógico das imagens Carneiro, Dib e Mendes (2003),
verificaram que os estudantes atribuem significados variados às imagens que ilustram um
texto didático, entretanto, os mesmos buscam identificar os elementos comuns entre estas.
Martins et al. (2003) analisaram os tipos de recursos visuais utilizados, sua freqüência
de ocorrência e os diferentes papeis desempenhados pelas imagens em livros didáticos,
concluíram que as imagens podem ser utilizadas para promover abordagens interdisciplinares
e favorecer a contextualização de explicações científicas.
Pesquisas como as destacadas nos permitem perceber as implicações do emprego das
imagens na Escola. Ainda, com a inserção das tecnologias de comunicação e informação no
contexto escolar, as imagens são um potencial objeto de estudo para novas investigações em
suas relações com processos educativos relacionados ao Ensino de Ciências.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa foi realizada na Escola Técnica do Vale do Itajaí – ETEVI, que se encontra
vinculada a Universidade Regional de Blumenau – FURB, situada na cidade de
Blumenau/SC. Nesta escola, os estudantes podem usufruir da infraestrutura da Universidade,
como laboratórios, biblioteca, auditórios, complexo desportivo, dentre outros. Os estudantes
são egressos de diferentes escolas de Ensino Fundamental de Blumenau e região, uma vez que
a ETEVI não possui este nível de ensino. Assim as turmas são formadas por estudantes das
redes municipais, estaduais e particulares de ensino, evidenciando uma diversidade de
formação de seus estudantes.
Participaram da pesquisa 37 estudantes de uma turma da 3ª Série do Ensino Médio,
sendo que a maioria destes estudam desde o 1º ano do Ensino Médio na ETEVI. Optamos por
estudantes da terceira série do Ensino Médio, pelo fato dos mesmos terem estudado os
conteúdos da 1ª Lei de Mendel – A Lei da Segregação Genética, assunto selecionado para
coleta de dados.
Para identificar os sentidos atribuídos por estudantes sobre como empregam e
compreendem as imagens em seus processos de aprender Biologia, aplicamos para a coleta de
dados um questionário elaborado a partir de duas abordagens. Na primeira, buscamos
identificar como os estudantes diferenciavam as imagens, tais como gráficos, esquemas e,
bem como, a importância que atribuíam a estas imagens para aprender Biologia. Na segunda
abordagem, procuramos compreender os processos de produção da leitura de imagens pelos
estudantes. Nesta direção, a fim de tornar a atividade interessante para os estudantes e mais
próximo de seu cotidiano, as questões do questionário foram elaboradas fazendo uso dos
recursos do Messenger-MSN e e-mail e as imagens utilizadas na atividade foram retiradas de
Livros Didáticos de Biologia5.
5 AMABIS, J. M.; MARTHO, G. R. Biologia: Biologia das células. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2004. ______. Biologia: Biologia das populações. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2004.
A interpretação dos dados foi realizada com a construção de categorias elaboradas a
priori com base na revisão teórica e, também, emergentes, elaboradas a partir das respostas
dos estudantes. Esta análise não teve como intenção quantificar as respostas, mas sim avaliá-
las em relação aos aspectos qualitativos, conforme o objetivo da pesquisa. Ainda, as
categorias organizadas são apresentadas com excertos de textos das respostas dos estudantes,
os quais foram identificados por números a fim de preservar suas identidades.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir dos dados coletados elaboramos quatro categorias de análise para apresentá-
los e discutí-los. Sendo elas: a) Sentidos atribuídos pelos estudantes para o emprego da leitura
de figuras; b) Sentidos atribuídos pelos estudantes em relação à finalidade da utilização das
imagens; c) Sentidos atribuídos pelos estudantes às figuras com apoio da legenda; e d) Leitura
compreensiva das imagens. Nelas encontram-se excertos dos dizeres dos estudantes, no qual
foram mantidos na forma original da escrita.
Sentidos atribuídos pelos estudantes para o emprego da leitura de figuras
Ao analisarmos os dizeres dos estudantes em relação ao emprego da leitura de figuras
para estudar Biologia, percebemos que prevaleceram as categorias de reposta “quase sempre”
e “raramente” para o emprego da leitura. Ao analisar as justificativas dos estudantes que
“quase sempre” costumam ler imagens para o estudo de Biologia percebemos que estes
utilizam as imagens para auxiliar e complementar o texto escrito, como se faz notar por
alguns excertos: “Só leio figuras quando elas são apresentadas no texto em que estou lendo.
Para interpretar melhor uma figura preciso de um texto que fale um pouco sobre ela”
(Estudante 17). Ou ainda: “Depois de estudar o assunto teórico, procuro interpretar as
figuras, pois, reforça o conteúdo” (Estudante 12). E também: “Sempre que o texto contém
figuras (quase sempre) procuro lê-las, pois muitas vezes o esquema proporciona um melhor
entendimento para o texto” (Estudante 6).
As respostas dos estudantes estão em consonância com as afirmações de Carneiro
(1997) e Carneiro, Dib e Mendes (2003), pois para os autores uma das funções pedagógicas
da ilustração é de contribuir para melhor compreensão do texto e, ao mesmo tempo, funcionar
como elemento que estimule a curiosidade dos estudantes. No entanto, perceber uma imagem
não significa perceber um conceito, mas reconstruir, através dela, das situações didáticas e
aspectos cognitivos do estudante, as informações por ela transmitidas (CARNEIRO, 1997).
Gouvêa e Martins (2003) destacam ainda que as imagens que acompanham o texto são
ferramentas estéticas que permitem pausas para reflexões durante a leitura.
Entre os estudantes que responderam que “raramente” utilizam imagens para o estudo
de Biologia, percebemos que preferem ler textos descritivos às ilustrações, muitas vezes
ignorando-as. Alguns estudantes afirmam que possuem dificuldades na interpretação de
esquemas, considerando-os confusos e de difícil entendimento, como se faz notar em alguns
excertos: “Quando entendo o que estava escrito no texto, pulo a figura, pois não acho
necessário se já entendi” (Estudante 9). Assim como: “Só dou uma olhada, mas não leio as
figuras, não consigo interpretá-las na maioria das vezes” (Estudante 2). Ou ainda: “Porque
dependendo o assunto entendo mais facilmente lendo do que observando” (Estudante 20).
Os estudantes que “raramente” utilizam imagens, de forma geral, dão mais
importância ao texto escrito. Barbosa (1995 apud GOUVÊA; MARTINS, 2003) expõe que na
sociedade moderna, a ênfase dada à educação pelo texto escrito foi muito maior do que a
ênfase dada à educação pela imagem, tornando esta última como uma atividade marginal,
associada à ornamentação, ao lúdico, ao dispensável, secundário e ilustrativo.
Segundo Cassiano (2002) a função mais explicita da imagem no livro didático é a de
contribuir para melhor compreensão do texto, facilitando a construção pelo estudante de um
modelo mental do conteúdo ou do objeto apresentado. Assim, salienta o autor que as imagens
também podem estimular a leitura, tornando essa tarefa menos cansativa para o estudante. No
entanto, se faz imprescindível, como destaca Leite, Silveira e Dias (2006) que precisamos
motivar os estudantes às diversas formas críticas de leitura, seja a escrita ou mesmo a leitura
de imagens, pois devemos considerar que a apreensão e significação dos saberes se dão pela
interação dos indivíduos com os processos de leitura, em espaços formais e não formais de
aprendizagem.
Sentidos atribuídos pelos estudantes em relação à finalidade da utilização das imagens.
Em relação os sentidos atribuídos pelos estudantes sobre a finalidade da utilização das
imagens em materiais de ensino de Biologia apresentamos em três categorias, as quais
destacamos exemplos de excertos das respostas dos estudantes : a) para ilustrar o conteúdo e
torná-lo mais atrativo: “Sim, porque não são todos os assuntos que nos podemos ver, e as
figuras ilustram como são o que não podemos ver” (Estudante 11); b) para melhor
entendimento e fixação do conteúdo, proporcionando uma melhor explicação, interpretação e
compreensão: “Contribuem. Porque na maioria das vezes esclarecem dúvidas que somente
no texto não é possível esclarecer” (Estudante 35); c) para exemplificar situações práticas e
cotidianas: “Contribuem, porque a gente consegue ter uma visão melhor do que acontece na
prática” (Estudante 23). Os sentidos atribuídos pelos estudantes vão ao encontro das
inferências de Carneiro, Dib e Mendes (2003) e Martins et al. (2003), pois estes destacam que
as imagens desempenham diversas funções nos livros didáticos, sendo definidas conforme a
sua relação com o texto que acompanham.
Pesquisas demonstram que as imagens podem constituir um bom recurso para facilitar
a compreensão e aprendizagem dos conhecimentos, e também funções relacionadas à
orientação de leitura, estímulo de interesse ou curiosidade, demonstração de procedimentos,
ilustração de idéias ou argumentos, relações entre níveis de explicação e descrição de
fenômenos. Assim, não se pode esquecer que as ilustrações de um livro didático têm também
um caráter cientifico (CARNEIRO, 1997; MARTINS et al., 2003).
Identificamos nos dados coletados das percepções dos estudantes, as três funções
básicas de uma imagem em relação ao texto (motivadora, explicativa e retencional), conforme
o que foi descrito por Duchastel e Waller (1979). A função motivadora exerce um papel de
estímulo que desperta a curiosidade, o interesse do estudante pelo texto e a discussão do tema;
a função explicativa é a mais comum e visa explicitar uma mensagem verbal tornando-a mais
inteligível para os estudantes, sendo esta ação direcionada para a compreensão da mensagem;
e a função retencional é mais difícil de ser apreendida, pois se baseia na capacidade de se
recuperar imagens na memória em contraste às ideias verbais, assim como, no fato de que
qualquer tópico ou domínio do discurso tem uma estrutura interna que pode ser explorada em
termos visuais com a finalidade de se fazer emergir da memória determinadas lembranças.
Calado (1994) investigando a utilização de imagens nos processos educativos
apresentou 12 diferentes funções de comunicação para as mesmas, sendo elas: expressiva,
persuasiva, poética, decorativa, representativa, organizadora, interpretativa, transformadora,
memorizadora, de complemento, dialética e substitutiva. Dentre estas, nove podemos
relacionar com as obtidas em nossa pesquisa: expressiva (com forte caráter afetivo-emocional,
transmitindo mais do que a informação contida na mensagem); persuasiva (apresentam
caráter motivador e de convencimento); decorativa (atraem o leitor); representativa
(concretiza os conteúdos transmitidos pelo texto); organizadora (atribui coerência aos
conteúdos informados no texto); interpretativa (permite melhor compreensão da informação);
memorizadora (facilita a retenção dos conteúdos); complemento (acrescentam conhecimentos)
e substitutiva (transmite a mensagem de forma autônoma).
Observamos que os estudantes investigados possuem uma percepção da utilização das
imagens e as consideram como instrumento de complementação e suporte do texto,
aproximando-se das conclusões de pesquisadores da área.
Sentidos atribuídos pelos estudantes às figuras com apoio da legenda.
Buscamos observar se os estudantes utilizam a legenda para ler e entender as duas
imagens apresentadas, bem como se conseguiam diferenciar a foto de micrografia eletrônica,
da imagem de uma representação esquemática de um cromossomo condensado, como
podemos observar na Figura 1.
Figura 1 – Imagens utilizadas na atividade para verificar a percepção dos estudantes sobre as
figuras com apoio da leitura da legenda.
Fonte: Amabis e Martho (2004a, p. 162)
Grande parte dos estudantes não utilizou a legenda para ler e entender as imagens, pois
respondiam a questão de forma subjetiva, sem considerar as informações da legenda, como
por exemplo: “Na figura A, o cromossomo é mostrado sem muitos detalhes, uma visão geral,
e a figura B permite uma análise mais detalhada” (Estudante 5). Ou ainda: “O primeiro nos
mostra uma foto de vários cromossomos, e a segunda um esquema de como é um cromossomo
bem de perto” (Estudante 23). E também: “Na figura A mostra vários cromossomos e a
figura B representa o cromossomo individualmente” (Estudante 17). Percebemos que alguns
estudantes utilizaram da leitura da legenda para explicar a imagem, pois empregaram palavras
em acordo com a mesma, como podemos observar no excerto: “A foto A mostra cromossomos
humanos apresentados no microscópio. A figura B é uma ilustração, ela apenas representa
um cromossomo, destacando seus detalhes, ele não é uma imagem real” (Estudante 27).
A) Micrografia mostrando cromossomos humanos condensados (microscópio eletrônico de varredura, colorização artificial; aumento de aproximadamente 5.000x). B) Representação esquemática de um cromossomo condensado.
Podemos inferir, pela maioria das respostas, que os estudantes não são habituados a
observarem as diferenças entre as imagens (esquemas, fotos com aumento) contidas nos livros
e nos materiais utilizados pelos professores, levando-os a um olhar generalizado para
diferentes imagens. Esta dificuldade pode estar associada com o que afirma Bruzzo (2004),
que nas ilustrações de Biologia, presentes nos livros didáticos, nas revistas de divulgação e
nos artigos científicos algumas imagens em nada se assemelham às formas visíveis com o
olho desarmado e mesmo com o uso de microscópios. Elas em nada lembram as formas
conhecidas e não mantêm qualquer proximidade com a nossa experiência visual corriqueira;
constituem um mundo que só podemos imaginar.
Zimmermann e Evangelista (2004) salientam ser de fundamental importância a
presença do professor em sala de aula ajudando os estudantes a lerem as imagens, já que uma
imagem, mesmo que escolhida criteriosamente, não “fala por si só”. Ainda, segundo os
autores, faz se necessário que o professor destaque certos aspectos, faça referência aos
símbolos, legendas e esquemas presentes.
Leitura compreensiva das imagens
Apresentamos aos estudantes, um diagrama a ser explicado que representava o
cruzamento de coelhos conforme a Figura 2.
Figura 2 – Atividade de coleta de dados com o recurso o e-mail
Cruzamento de coelhos albino e cinza, formando de descendentes heterozigóticos.
Fonte: Atividade elaborada pelas autoras e diagrama do coelho retirado do livro Amabis e Martho (2004b, p. 26)
Na interpretação das respostas, podemos perceber três tendências nos sentidos
expressos pelos estudantes, as quais denominamos de “repetições”, com base nos estudos, na
perspectiva do dispositivo teórico-metodológico, da análise de discurso, sistematizada por
Orlandi (1998). Para autora, a repetição não é compreendida como o “mesmo”, mera cópia,
pois quando os estudantes leem uma imagem, já o fazem interpretando, marcados pela
formação discursiva a que pertencem (os sentidos atribuídos as imagens se modificam na
medida em que se modificam as posições daqueles que a empregam); bem como pelo
interdiscurso (uma memória discursiva que lhes garante ler e compreender as imagens “nesse”
e “em seus” contextos sócio-históricos) e na intertextualidade (nas relações que fazem do
texto da imagem com outras leituras). Em outras palavras:
Lida a partir de diferentes formações discursivas, uma mesma imagem pode significar de diferentes modos. Deste ponto de vista teórico, trata-se do sujeito inserido e parte de uma história, de uma sociedade e de uma cultura que já vêm constituindo sentidos e modos de leitura. Assim, o sujeito não é o centro ou origem do processo de produção de sentidos, mas parte de um processo que se iniciou antes. Sentidos já produzidos, e cujas condições históricas de sua leitura foram apagadas, intervêm na produção de novos sentidos. É uma espécie de memória, não psicológica, nem subjetiva – uma memória discursiva (SILVA, 200, p. 221 apud ORLANDI, 1999).
Nesta direção, Silva et al. (2006, p. 221), fazem uma importante reflexão sobre o
contexto e os sentidos na leitura das imagens:
É assim que o contexto, que no sentido estrito significa a situação imediata e no sentido amplo o contexto histórico-social, intervém nos processos de produção dos sentidos de forma constitutiva e não “externa”. Ele intervém porque é o próprio lugar de onde o sujeito lê/olha, interpreta (e não percebe que está interpretando).
Nessa forma de se compreender a interpretação de um texto (em nossa pesquisa, a
imagem é um texto), Orlandi (1998) distingue três possibilidades de repetição: a empírica
(que seria o simples exercício mnemônico); a formal (a repetição com outras palavras) e a
histórica (que repete, mas se propõe desvelar, questionar, argumentar e posicionar-se,
construindo novos sentidos).
Assim, observamos excertos de respostas dos estudantes, organizadas nessas
repetições: a) quanto ao exercício de repetição mnemônica (apenas descrição da imagem):
“Pois bem. A geração P tem dois coelhos de cores diferentes branco e preto, respectivamente
100% dominante A e 100% a cruzando os dois teremos um indivíduo heterozigoto dominante
A e recessivo a: Aa” (Estudante 28); b) quanto ao exercício de repetição formal (explicar com
outras palavras): “Na geração P foi cruzado um coelho cinza (homozigoto dominante) com
um coelho branco (homozigoto recessivo). Os gametas do coelho cinza são 100% dominantes
e do coelho branco 100% recessivo, já que os dois são homozigóticos. Então na geração F1,
após o cruzamento AA x aa, o coelho vai ser cinza, pois todos os genótipos serão dominantes
e heterozigóticos” (Estudante 24); c) quanto ao exercício de repetição histórica (a produção
de novos sentidos, com emprego do vocabulário científico): “As características dos seres
vivos dependem dos seus genes. Existem os dominantes, no caso do coelho cinza (AA), que
prevalecem sobre os recessivos, do coelho albino (aa), portanto no cruzamento dos dois,
apenas um gene de cada um irá para o descendente, é o cinza que irá aparecer (Aa)”
(Estudante 36)
Outra investigação realizada foi referente à interpretação de um gráfico.
Figura 3 – Atividade de coleta de dados com o recurso o Messenger-MSN
Fonte: Atividade elaborada pelas autoras.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
I II III
Populações
%
AA
Aa
aa
Notamos pelas respostas que os estudantes ao analisarem o gráfico responderam além
das proporções solicitadas no enunciado, entretanto a maioria não considerou e/ou percebeu
os homozigotos recessivos da população da II, conforme excerto: “Na população I a
proporção de homozigotos (AA e aa) são iguais, 25% e a proporção de heterozigotos é 50%.
Na população II a proporção de homozigotos (AA) é 25% e a de heterozigotos (Aa) é 75%.
Na população III a proporção de homozigotos (AA) e heterozigotos (Aa) são iguais 25% e
homozigotos (aa) é de 50%” (Estudante 17). Percebemos também que alguns estudantes
responderam o resultado do cruzamento entre homozigotos e heterozigotos, sendo que este
não foi solicitado, evidenciando que os estudantes estão condicionados a responderem
questões desse tipo que exigem os resultados dos cruzamentos, assim ao interpretarem o
gráfico já o “leem” com “um olhar formatado”, conforme podemos notar no excerto: “Na fase
I há ¼ de possibilidades de nascer um individuo recessivo. Na fase II não tem possibilidades
de nascer um individuo recessivo. Na fase três há ½ de possibilidades de nascer um indivíduo
recessivo” (Estudante 19). As dificuldades dos estudantes em fazer a leitura e interpretação
do gráfico, em detrimento das outras imagens, foram observadas nesta pesquisa. Visto que
muitos não apresentaram a leitura dos valores dos eixos em relação as colunas e legenda, ou
seja, respondendo de forma diferente da esperada (na formação discursiva da ciência),
conforme exemplo: “(I) 50% e mais ou menos 25%. (II) 80% e mais ou menos 25% só do
azul. (III) mais ou menos 25% do vermelho, 25% do azul e 50% do verde” (Estudante 9).
Este resultado demonstrou consonância com as pesquisas de Roloff (2005) e Nass
(2008) que afirmam que estudos indicam que tanto crianças como adultos manifestam
dificuldades em tarefas envolvendo a construção, a compreensão e a análise de dados
organizados em gráficos e tabelas. Um pressuposto para isso, é que os gráficos têm um nível
de abstração relativamente elevado, sendo considerados mais abstratos que as fotografias, os
desenhos naturalísticos, mapas e diagramas, que os estudantes mais convivem. Dessa forma,
como faz notar Roloff (2005) o trabalho com gráficos e tabelas em sala de aula, deveria
promover discussões e reflexões para a solução de uma situação problema que fosse levantada
pela turma ou instigada pelo professor, exercitando assim as diferentes interpretações e
entendimentos dos mesmos.
Os gráficos desempenham um papel fundamental na comunicação científica. Assim, a
instrução de estudantes para uma adequada compreensão e interpretação de gráficos não pode
inexistir (NASS, 2008). Além disso, a escola deve proporcionar ao estudante a formação de
conceitos que o auxiliarão no exercício de sua cidadania. Pois, ao cidadão não basta entender
as taxas de inflação, desemprego, crescimento populacional, entre outras. É necessário que o
estudante analise de forma crítica os dados apresentados, ponderando e questionando, até
mesmo sua veracidade (ROLOFF, 2005).
Por fim, as interpretações dos sentidos que os estudantes atribuem ao uso das imagens
em seus processos de aprender Biologia, nos permitem inferir que eles podem ler imagens de
formas diferentes e, por isso é relevante que o professor valorize a expressão das diferentes
leituras, para assim, intervir na produção de sentidos mais próximos aos valores da produção
científica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A maior parte dos estudantes investigados emprega imagens no estudo de Biologia
para ilustrar o conteúdo, torná-lo mais atrativo, complementar e dar suporte, exemplificar
situações práticas e cotidianas, proporcionando uma melhor explicação e compreensão do
texto escrito. Contudo, podemos perceber que há muitas dificuldades dos estudantes em
ultrapassarem a repetição mnemônica e exercitarem uma interpretação com repetição histórica
das diversas representações visuais do contexto em que se encontram, assim enfatizamos, a
necessidade de uma alfabetização visual, com uma melhor exploração destes recursos em sala
de aula, visto que na mídia estão amplamente difundidos.
Com base nos resultados dessa pesquisa, sugerimos que o professor de Ciências ao
trabalhar com os estudantes os conceitos científicos utilizando imagens, incentive-os para um
olhar curioso e interessado para estas, por meio da leitura e discussão das legendas e aplicação
de atividades com elaboração das mesmas; motivação na elaboração de textos a partir das
imagens e vice-versa; observação das características entre desenhos e fotografias ou
tamanhos, ampliações e resoluções, bem como a disposição de cortes longitudinais e/ou
transversais, dentre outras; reflexão com o grupo sobre as tecnologias envolvidas na
elaboração das imagens de Ciências, como por exemplo, fotomicrografias, esquemas
elaborados em programas de computador, dentre outros. Ainda, é importante valorizar as
imagens e suas relações com a evolução histórica do conhecimento científico, desde os
desenhos manuais elaborados pelos primeiros naturalistas/cientistas, até a micrografia
eletrônica obtida de um microscópio eletrônico de varredura. Além disso, abordar os direitos
autorais das imagens, quando apresentadas nos trabalhos, sempre aludindo à fonte consultada.
Assim, a partir deste incentivo os docentes podem proporcionar aos estudantes nas
aulas de Ciências processos de construção de uma cultura visual, na qual os estudantes
possam elaborar conceitos científicos fazendo uso da leitura de imagens.
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