Universidades portuguesas já têm mais de 170 cursos em inglês
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Universidades
Já há maisde 170 cursos
superioresemPortugal quesão dadossó em inglêsATUALPÁGS.4ES
Universidades portuguesas játêm mais de 1 70 cursos em inglêsInternacionalização. Atrair novos estudantes é o principal objetivo da crescente aposta no ensino, integral ou parcial,em língua estrangeira. Representantes de alunos nacionais não se queixam e até vêem benefícios nestas ofertas
JOANA CAPUCHO
As universidades portuguesas jádão mais de 170 cursos totalmenteem inglês, especialmente ao nívelde mestrados e doutoramentos. Sóa Universidade do Porto dispõe decerca de 60 ciclos de estudos inte-gralmente na língua inglesa nas vá-rias faculdades, lá a School of Busi-ness and Economics (SBE) , da Uni-versidade Nova de Lisboa lecionatodas as aulas em inglês, à exceçãode alguns cursos, que no primeiroano de licenciatura têm cadeirasem português. Para os represen-tantes dos alunos, a aposta das uni-versidades na internacionalizaçãotem inúmeras vantagens para osestudantes portugueses.
De acordo com o levantamen-to feito pelo DN, as universidadesdo Porto, Aveiro, Coimbra, Lisboa,Algarve, Trás-os-Montes e AltoDouro, a Nova de Lisboa e o ISCTE- Instituto Universitário de Lisboatêm uma vasta oferta formativalecionada em inglês. Tal como osinstituto politécnicos de Leiria,Bragança e Coimbra .
Para losé António Rosseau,professor universitário e especia-lista em marketinge distribuição,esta aposta "é nitidamente umaestratégia de marketing, mas étambém uma necessidade dasuniversidades". E esclarece: "Temhavido um decréscimo do núme-ro de alunos portugueses, por for-ça do decréscimo da natalidade eaté do excesso de oferta. É neces-sário ir buscar potenciais alunos aoutros mercados."
O docente de marketing reco-nhece que "perdemos um poucoa identidade linguística, mas os
países têm de se desligar disso
para apostar na internacionaliza-ção. Não há espaços para nacio-nalismos", considera.
Para os estudantes portugue-ses, aprender numa língua estran-geira no próprio país poderá pare-cer desconfortável. Mas Rousseauvê vantagens nessasofertas em inglês: "Écerto que a aprendi-zagem na nossa lín-gua podia ser maisfácil, mas é um desa-fio que os preparapara a diáspora, paratrabalharem emmultinacionais", diz
O presidente da AssociaçãoAcadémica da Universidade deAveiro, André Reis, concorda:"Este é o caminho a ser seguidopelas universidades portuguesas",pois "os estudantes têm de estarcada vez mais preparados para
trabalhar fora do seu pais e o ensi-no em inglês permite-lhes issomesmo". Opinião partilhada porRúben Alves, presidente da Fede-ração Académica do Porto: "A
oferta formativa em inglês é o ca-minho mais natural e tende a
massificar-se. Trata -
se de uma apostacom inúmeras mais-valias, desde a cria-ção de um 'ecossiste-ma' com culturas di-ferentes à oferta deferramentas aos es-tudantes para quepossam ter maior li-
berdade de escolha, numa alturaem que a realidade do mercadode trabalho está cada vez maisglobalizada."
Economia e Gestão são os quemais apostam no inglês, até nopróprio nome das instituições,como são exemplos o InstitutoSuperior de Economia e Gestão daUniversidade de Lisboa (Schoolof Economics and Management)
e a Nova School of Business andEconomics (SBE). O responsávelpela área de desenvolvimento in-ternacional da Nova BSE, JoãoAmaro de Matos, explica que estaoferta "tem tudo que ver com o
posicionamento internacionaldas universidades." Desta forma,a BSE "tem maior capacidade deatrair alunos estrangeiros do quese ensinasse em português, e
quem vem para cá estudar tempotencial de aprender português.Ensinar inglês é um serviço que sefaz à cultura e à língua, é um trun-fo face ao regime monolinguísti-co da maior parte do mundo. É er-róneo defender a exigência do
português, porque se valorizamais a cultura e a língua ensinan-
Economia eGestão são as
áreas que maisapostam no inglês
DÉCADA DE 1990
Nova foi pioneira
> A escola de Economia daNova, atualmente designadade Nova School of Businessand Economics, foi uma dasinstituições pioneiras doensino em inglês no País.Começou por oferecer algu-mas cadeiras optativas em in-glês, em 1995/96, para fazerface às necessidades dos estu-dantes estrangeiros que rece-bia no âmbito de intercâm-bios. "Percebemos imediata-mente que os alunos portu-gueses preferiam aulas emportuguês, pelo que os cursoslecionados em inglês ficavamapenas com alunos estran-geiros", conta João de Matos,desta escola. Como o objetivopassava pela "partilha de cul-turas entre alunos, só haviauma solução: as cadeiras op-tativas passaram a ser dadastodas em inglês. E percebe-mos que isso não era umabarreira assim tão grandepara os alunos". Com o Trata-do de Bolonha, a universida-de aproveitou a reestrutura-ção "e passou a oferecer todosos cursos em inglês".
do em inglês". A linguista AntóniaCoutinho corrobora: "Vindo pa-ra Portugal, quem sabe se nãoaprendem, se não se interessam,se não podem tornar-se dinami-zadores da nossa língua. Temosmais a ganhar quando nos proje-tamos do que quando nos fecha-mos em nós próprios."
Graças à aposta na internacio-nalização, o Instituto Politécnicode Bragança, adianta o vice-presi-dente Luís Pais, "é hoje uma insti-tuição multicultural, onde 13%dos seus estudantes possuem na-cionalidade não portuguesa".
No ISCTE - Instituto Universi-tário de Lisboa há uma licencia-tura em Gestão em inglês, bemcomo sete mestrados. Fonte dauniversidade acrescentou ao DN
que nos outros cursos algumasunidades curriculares são lecio-nadas em inglês, seja porque osdocentes são estrangeiros sejaporque existem alunos estrangei-ros em número suficiente paracriar uma turma." Várias outrasfaculdades confirmaram queavançam para o ensino dos mó-dulos em inglês quando existemalunos estrangeiros.
As universidades do Minho,Évora, Madeira e Açores não res-ponderam em tempo útil às ques-tões do DN, não tendo sido possí-vel saber se dispõem de cursosnestas condições.
Rita Campos e Cunha, docente
"Para mimaté é mais fácildar aulas"Se para alguns docentes a passa-gem do ensino em português parainglêspodetrazerproblemas.paraRita Campos e Cunha a adaptaçãonão podia ter sido mais fácil. licen-ciou-se em Psicologia, em Portu-gal, fez mestrado em Gestão de Re-cursos Humanos, em Nova lorque,e doutoramento em Gestão, em In-glaterra. É professora na Universi-dade Nova, School of Business andEconomics (SBE) desde 1997. "Nãotive dificuldade alguma em adap-tar-me. Para mim até é mais fácildar aulas em inglês, aprendi toda aterminologia em inglês", explica.Aprofessora de Gestão de RecursosHumanos e diretora do mestrado
em Gestão considera que "os alu-nos se adaptam muito rapidamen-te, até porque nos mestrados já têmum requisito de entrada que é o do-mínio da língua inglesa". Quem seinscreve sabe que precisa de saberfalar, escrever e compreender bema língua. "Os alunos que entram nomestrado e fizeram a licenciaturana escola estão bem preparados."Atualmente, cerca de 40 % dos es-tudantes de mestrado da Nova SBEsão estrangeiros. Rita Campos eCunha reforça que a passagempara o ensino em inglês "permitiuà universidade ter mais alunos in-ternacionais, do Norte da Europa edaÁsia, por exemplo".
Dentro das salas de aula daNova SBE só se fala inglês. "Háuma grande diversidade cultural,o que enriquece as próprias aulas",salienta a docente. Nas horas deatendimento abrem-se exceções:"Se os alunos são portugueses, co-locam as dúvidas em português."Rita Campos e Cunha aponta al-gumas vantagens desta forma deensino: "Estudar numa língua in-ternacional prepara-os para irpara qualquer parte do mundo e
ganham imensos contactos domundo inteiro. Além disso, apren-dem a ser mais desenvoltos, no-meadamente através da apresen-tação de trabalhos."
Diogo Bebiano, aluno
"Tinha colegasque eram mause se adaptaram"
"Sempre me safei bem a inglês.O mais difícil era dominar a gíria daeconomia e da gestão, mas facil-mente comecei a aprender." DiogoBebiano, 21 anos, é aluno do mes-trado de Finanças na Nova Schoolof Business and Economics (SBE),onde tirou a licenciatura de Gestão.No primeiro ano, o ensino era emportuguês, mas os livros e materialde apoio estavam na língua inglesa."Tinha colegas que eram maus a in-
glês e se adaptaram", revela.Pouco depois de começar a li-
cenciatura, a turma fez um examede inglês "para ver quem precisavade apoio." Diogo não se recorda danota, mas estava acima do patamarque requeria aulas complementa-res. No exame que fez antes do mes-trado sabe que teve quase nota má-xima. Para isso contribuiu tambémuma forte presença de alunos inter-nacionais na escola: "Dou-me mui-to bem com os estudantes de Eras-mus e faço muitos trabalhos comalunos estrangeiros. É algo que aNova incentiva e que nos obriga afalar inglês", conta.
No decorrer do curso, Diogo es-tudou dois meses em Hong Kong,onde aproveitou para praticar. "Co-nheci pessoas de todo o mundo. Háaqui uma questão multiculturalmuito importante. A aprendizagemem inglês abre-nos portas paraaprendermos com os outros", su-blinha. E mais: "Abre-nos portaspara o mundo todo. Muitas pessoasquerem ir para o estrangeiro no fimdo curso e um dos requisitos é serfluente no inglês." Diogo já foi a vá-rias entrevistas de emprego parafora de Portugal, todas conduzidasem inglês. "Mesmo para empresasportuguesas é frequente mudarpara o inglês a meio da entrevistapara testarem a língua."
Até fora do contexto das aulas,Diogo assume passar grande partedo tempo a falar inglês. "Há quasesempre um colega estrangeiro e,poruma questão de respeito, não sefala português", explica.
3 PERGUNTAS A...
"A diversidadelinguísticaé uma riqueza"
ANTÓNIACOUTINHOEspecialistaem linguística
Como vê a oferta de cursosministrados integralmenteem inglês nas universidadespúblicas portuguesas?Há uma multiplicidade dequestões que se têm de ter emconta. Tornar as universida-des pontos de referência nopanorama internacional obri-ga a ter mecanismos que cap-tem públicos. Oferecer unida-des curriculares em inglês éuma estratégia para nos im-plantarmos internacional-mente. É uma forma de nosinscrevermos como pares emrelação aos melhores da Eu-ropa e do mundo. Esta ofertatem de ser equilibrada. Háuma necessidade de assegu-rar que continuamos a ter en-sino em português, temos decontinuar a reforçar o seu pa-pel no mundo.Considera que existe nestaoferta algum desrespeitopela língua portuguesa?Não acho que haja desres-peito. Preocupava-me era sesó tivéssemos ensino em in-glês. A diversidade linguísti-ca é uma riqueza. É impor-tante que se continue a ensi-nar em inglês, e até noutraslínguas, se for relevante paraa área. Esta necessidade de in-ternacionalização não tem deser exclusivamente em inglês.Só haveria desrespeito se hou-vesse inversão de lógicas.
O mundo de hoje é multilin-guístico e as universidadestêm de corresponder a isso.É fundamental que nos pro-jetemos para a Europa e o
mundo, mas temos de pre-servar a nossa língua e o en-sino em português.Esta será uma tendênciapara continuar a crescer nospróximos anos?Certamente que sim. O mo-vimento que temos hoje, comtodos os problemas da glo-balização, é de circulação depessoas e de saberes. E vaiacentuar-se, se as universi-dades quiserem posicionar -
-se de forma estratégica e con-correncial. Fazer isto é umaforma de captar alunos e dedar a conhecer o trabalho quese faz aqui. É uma forma denos afirmarmos.