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Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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Haines, Andres FerrariH153p Política energética da Rússia : efeitos na inserção

internacional do país = Russian energy policy : effects on the international projection of the country / Andres Ferrari Haines, Angela Gallina Brandalise.-Porto Alegre : UFRGS/FCE/ DERI, 2018. 17 p.: il. -- (Texto para Discussão / Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas ; n. 1/2018)

1. Economia da energia. 2. Política energética : Rússia. 3. Energia : Rússia. 4. Vladimir Putin : governo. I. Brandalise, Angela Gallina. II. Título. III. Série.

CDU 620.2(470)

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Política Energética da Rússia: Efeitos na Inserção Internacional do País

Russian Energy Policy: Effects on the International Projection of the Countr

Andres Ferrari Haines*Angela Gallina Brandalise**

Resumo: O presente artigo visa verificar de que forma a política energética da Rússia foi essencial para a inserção internacional do país, especialmente após o início do governo de Vladimir Putin. Para tanto, apresenta-se a evolução tanto de fatores internos, como da política energética do país, desde a União Soviética até o primeiro mandato de Putin, focando nos setores de gás e petróleo.

Palavras-chave: Energia. Política energética. Rússia. Vladimir Putin.

Abstract: This article aims to verify how the Russian energy policy was essential to the international projection of the country, especially after the beginning of Vladimir Putin´s government. In order to do that, it presents the evolution of both internal factors and energy policy since the Soviet Union until the first term of Putin, focusing on the gas and oil industry.

Keywords: Energy. Energy policy. Russia. Vladimir Putin.

JEL Classification: .

Introdução

O presente artigo visa verificar de que forma a política energética da Rússia – focando no petróleo e no gás natural –, como estratégia geopolítica, foi essencial no primeiro mandato do presidente Vladimir Putin para que ele pudesse se fortalecer diante do sistema internacional e reverter a desordem instaurada em seu país após a queda da União Soviética.

Primeiramente, são apresentados os fatores internos, a partir das reformas de Mikhail Gorbachev na União Soviética, até a Rússia sob o comando das reformas liberalizantes de Boris Yeltsin e a crescente desordem que se instaurou no país nesse período. Realiza-se, brevemente, uma introdução a respeito do setor energético do país até o governo de Putin e suas principais características. Em seguida, se aborda a transição para o governo de Putin e suas ações para reverter a situação caótica do país.

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* Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected]** Pós-Graduanda do curso de Especialização em Estratégia e Relações Internacionais Contemporâneas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected]

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Andres Ferrari Haines, Angela Gallina Brandalise

A partir exposição da situação da Rússia no início do governo Putin, a última sessão busca expor alguns fatores que cercam a política energética do seu primeiro governo e entender de que forma elas auxiliaram na inserção internacional do país, por meio da utilização de uma estratégia geopolítica. É válido ressaltar que o objetivo não é explicitar cada uma das políticas energética, mas sim expô-las de uma maneira geral para se entender o papel dos recursos energéticos a partir dos anos 2000.

Queda da União Soviética e início da Nova Rússia: as reformas de Gorbachev, a desordem de Yeltsin e a centralização de Putin

2.1 As reformas de Mikhail Gorbachev e a queda da União Soviética

Em 1985, Mikhail Gorbachev chega ao cargo de Secretário-Geral do Partido Comunista em um momento de grandes problemas econômicos, políticos e sociais. Desse modo, tendo consciência de que essa situação levaria a uma crise ainda maior, um pequeno grupo próximo de Gorbachev concluiu que a estagnação econômica dos anos 1980 representava uma ameaça ao governo do partido por causa da falta de produtos, grandes filas nas lojas, racionamento de comida e pobreza (MCFAUL, 2001), o que tornava a situação econômica bastante difícil, mas não catastrófica.1

Dessa forma, o Secretário-Geral e um grupo seleto de líderes soviéticos idealizaram o que ficou conhecido como perestroika,2 que era entendida por Gorbachev como sinônimo de renovação (FORTESCUE, 2010). Apesar de a diminuição na taxa de crescimento econômico soviético servir de estímulo à perestroika, a reforma econômica nunca foi a prioridade de Gorbachev, mas, sim, a reforma política (BROWN, 2010). A maioria da liderança do partido não estava muito disposta a seguir na direção de reformas políticas de grande alcance, e, por isso, cada estágio da radicalização do processo de reforma na União Soviética durante a perestroika era completamente dependente da habilidade de manobra de Gorbachev.

Junto com a perestroika, tentou-se gerar dinamismo na sociedade, por meio, por exemplo, da glasnost, que representava a transparência e abertura na sociedade soviética. Graças à glasnost e à democratização, as questões como separação de poderes, reforma civil, liberdades políticas, direito de emigrar, remoção da discriminação contra povos e religiões, etc. se tornaram aspectos de política e legislação, embora ainda não formalmente garantidos por lei (REDDAWAY, 2010). Considerado o pai da glasnost, Aleksand Iakovlev3 era simpático à ideia de que a democratização era o mais importante 1 Havia muita insatisfação na sociedade soviética nos anos anteriores ao lançamento da perestroika, mas nenhuma pressão séria para mudança. Não havia greves, nem desordem significativa, nem rebeliões dentro dos partidos, militares, KGB ou da população como um todo.2 Quando Gorbachev começou a liderar o Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética (CPSU) tinha a ideia de reconstruir algo já existente. Porém, em meados de 1988, ele estava desmontando as estru-turas políticas soviéticas, adotando políticas feitas para substituí-las por algo novo, mudando da ideia de renovação para substituição do que existia.3 Trazido por Gorbachev, em 1985, ao Comitê Central como chefe do Departamento de Propaganda. A aproximação entre os dois se deu quando Gorbachev visitou o Canadá em 1983, onde Iakovlev era embaixador soviético.

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e urgente que deveria ocorrer na sociedade, antes mesmo de qualquer objetivo econômico no impulso inicial, ideia compartilhada por Gorbachev (COLIN, 2007). Com a glasnost, houve mudanças nos corpos editoriais de revistas, e com a maior liberdade de expressão apoiada por Gorbachev, as críticas ao governo aumentaram. Muitas vezes, em vez de essas críticas pressionarem para ocorrer mudanças, só contribuíam para surgir reclamações no politburo sobre a irresponsabilidade da imprensa (BROWN, 2010). Assim, se subentende que a mudança do país dependia da disposição e vontade política dos detentores do maior poder institucional dentro do sistema, pois era uma revolução a partir “de cima”.

Contudo, entre 1989 e 1990, Gorbachev não havia recebido apoio suficiente para a perestroika, e, assim, os líderes envolvidos perdem o controle sobre os efeitos do processo de reforma na sociedade, principalmente pela emergência de um grande número de grupos independentes expondo programas que eram nacionalistas, populistas, libertários ou simplesmente opostos ao comunismo (FORTESCUE, 2010). Além disso, a maioria das repúblicas, excluindo a Ásia Central, abandonou os supostos princípios comunistas rígidos do centralismo democrático, ou seja, de obediência absoluta aos comandos centrais, ignorando os apelos de Gorbachev para segurar o país unido: muitos líderes buscaram preservar seu próprio poder ao passar a defender o nacionalismo da sua república, acelerando, assim, a desintegração da união (REDDAWAY, 2010).

Na fase final e mais radical da perestroika, houve mudanças de regras que permitiam, por exemplo, livre discurso e eleições. Contudo, essas políticas não foram bem sucedidas na criação de um conjunto de instituições políticas para governar a União Soviética. Ao invés disso, em agosto de 1991 suas inovações institucionais levaram a confrontações violentas entre forças opositoras, cada uma reivindicando autoridade soberana sobre o mesmo Estado (MCFAUL, 2001).

2.2 Yeltsin e a nova Rússia: a ascensão dos oligarcas

No final dos anos 1980, e início dos anos 1990, como resultado das políticas iniciadas por Gorbachev, um diferente tipo de regime político e econômico foi surgindo na Rússia, voltado ao capitalismo, com reformas liberalizantes, como a privatização de grandes empresas estatais e doação de terras a grupos locais que ficaram conhecidos como “oligarcas”. Os chamados oligarcas emergiram nesse período como detentores de grandes fortunas obtidas a partir de sua atuação nos setores de comércio e finanças e provenientes da antiga elite soviética ligada ao Partido Comunista, em sua maioria (KOTZ; WEIR, 2007). Os oligarcas se aproveitaram da situação econômica caótica dos últimos anos da União Soviética e dos primeiros do período pós-soviético para emergirem, aproveitando-se da rápida inflação, escassez de alguns produtos, grande diferença entre os baixos preços domésticos e altíssimos preços de mercado mundiais das matérias-primas russas e outros bens e altas taxas de juros (KOTZ; WEIR, 2007).

O novo presidente da Rússia a partir de 1991, Boris Yeltsin, entrou com o objetivo de desvincular seu país da União Soviética e de sua economia planificada, instituindo um sistema econômico baseado na propriedade privada. Em 1994, 70% de todas as empresas industriais russas tinham sido privatizadas e mais de 40 milhões de russos possuíam ações (SEGRILLO, 2007). Nesse contexto, diversos momentos de tensão

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durante seu governo tumultuaram o cenário político: o impasse entre o governo Yeltsin e a Duma, incluindo violência no próprio parlamento, e a nova Constituição;4 a primeira guerra na Chechênia; e a eleição presidencial de 1996, que colocou o papel dos oligarcas no centro. Para completar, até 1999, todos os anos da década (exceto 1997) apresentaram crescimento negativo do PIB (SEGRILLO, 2007), além de que as regiões foram tendo cada vez mais autonomia em relação a Moscou, por meio de acordos informais e formais. O resultado disso foi que, em 1994, “[...] as autoridades regionais adquiriram o direito de serem eleitas pelas assembleias locais [...] em contrapartida, as autoridades regionais, fortalecidas, abriam mão de propósitos secessionistas e garantiam apoio irrestrito de seu prestígio e de suas máquinas políticas e administrativas ao presidente da Federação, no caso, Boris Yeltsin” (REIS FILHO, 2008, p. 54).

A partir do último estágio do governo de Yeltsin, que inicia em 1996, ocorre uma onda de privatizações das instituições estatais e o aumento da influência dos grupos oligarcas, controlando grande parte dos partidos políticos russos (COLIN, 2007). Mais tarde, a crise financeira provocou a redução da influência desses grupos no país, revelando-se vulneráveis a riscos políticos. A partir daí, problemas de transparência foram surgindo, especialmente pelo fato de que as ações das principais companhias privatizadas ficaram concentradas na mão desses oligarcas, ou seja, de pessoas que, por sua proximidade com o círculo de poder de Yeltsin, acabavam ficando com parte das privatizações mais poderosas (SEGRILLO, 2008). O auge da corrupção se deu, segundo Segrillo (2008), entre 1995 e 1996, com o que ficou conhecido por “empréstimos por ações”. Esse mecanismo consistia em um pequeno grupo de banqueiros oligarcas que concorriam para fazer empréstimos ao governo tendo como garantia o controle integral de ações de grandes empresas. A inadimplência levou à transferência de bens estatais a alguns oligarcas que ficaram com empresas russas importantes a preços irrisórios e condições suspeitas (SEGRILLO, 2008).5 Muitos desses bancos formados por oligarcas emergiram desse programa como grandes impérios financeiros e industriais (MCFAUL, 2001).

O fato é que a oligarquia russa surge durante a queda do sistema soviético, num período de definição do que seria a Rússia. Dessa maneira, os oligarcas se aproveitam da situação para aumentar seu poder sem gerar dinamização no país: acumulam capitais por meio da redistribuição da propriedade, o que os torna indivíduos extremamente ricos que passam a ter o controle de grandes partes da economia da antiga União Soviética (KAGARLITSKY, 2002). Assim, conflitos em torno da divisão de propriedade vieram a representar o principal conteúdo da vida política russa.

4 Essa Constituição de 1993 era controversa. Não ficou claro, por exemplo, o que aconteceu com a separa-ção de poderes no nível regional, ou como ficou a questão dos numerosos direitos que foram proclamados e não garantidos. A partir de 1993, a base do sistema político se tornou de forte poder presidencial (KA-GARLITSKI, 2002).5 A primeira fase de privatização na Rússia ocorreu rapidamente entre 1992 e 1995, quando a economia estatal passou ao setor privado. É na segunda fase de privatização, de 1995 a 1998, que esse programa de empréstimos por ações vigorou.

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2.2.1 Setor energético na economia da Rússia a partir de Yeltsin: petróleo e gás

Primeiramente, é válido notar que ainda que a indústria de petróleo soviética na época de Gorbachev, centrada na Sibéria Ocidental, continuasse a aumentar sua produção, não seria o suficiente para atenuar o declínio econômico (YERGIN, 2014). Contudo, a União Soviética deixou alguns legados no setor de energia: enorme rede de grandes empresas industriais que controlavam o gás natural, o carvão, as malhas ferroviárias, as indústrias de eletricidade e as linhas de distribuição de petróleo (SANTANA, 2015), embora estivessem completamente desintegrados.6

Segundo Yergin (2014), em 1992, Boris Yeltsin, a partir do Decreto nº 1.403, privatizou a indústria petrolífera, o que resultou numa estrutura de propriedade plural nesse setor já que o ministério do petróleo foi dividido em diversas empresas independentes, acentuando a barganha política interna na Rússia, tanto verticalmente – entre o poder federal e o poder regional –, quanto horizontalmente – entre empresas rivais (RUTHLAND, 20087 apud SANTANA, 2015). Assim, as empresas petrolíferas – Lukoil, Yukos8 e Surgut – seriam integradas verticalmente, combinando áreas de exploração e produção de petróleo com sistemas de refino e comercialização. O Estado manteria participação substancial na estrutura de propriedade durante um período de transição de três anos, enquanto as novas empresas tentavam assumir o controle. O controle acionário de outras empresas também na indústria petrolífera ficaria nas mãos do que deveria ser uma empresa estatal temporária, a Rosneft. Contudo, depois do esquema de empréstimos por ações, grupos industriais financeiros, os oligarcas, passaram a ter o controle dessas empresas (DIXON, 2008).

Destaca-se, dentro do mecanismo de empréstimos por ações, o caso da Sibneft, já que a associação de dois oligarcas, Roman Abramovich e Boris Berezovsky, que emprestaram US$ 100 milhões ao governo russo, receberia como garantia metade da Sibneft (YERGIN, 2014). Quando o governo não conseguiu pagar pelo empréstimo, os oligarcas ficaram com a empresa. A Sibneft acabou sendo vendida à Gazprom. A Yukos e a TNK também passaram por processo similar.

Da mesma forma aconteceu com outras empresas petrolíferas, sendo que algumas tiveram suas ações adquiridas por empresas ocidentais que passaram a atuar em importantes campos russos.9 Além disso, confirma-se o grande papel dos oligarcas na Rússia, que aumentavam seu poder político e econômico significativamente no país, especialmente a partir do governo de Boris Yeltsin. Como resultado disso, a produção de petróleo caiu pela metade e o setor energético russo ficou divido entre grupos estrangeiros e a emergente classe oligárquica.

6 A indústria petrolífera, por exemplo, era comandada por três ministérios separados: um para exploração, outro para produção e oleodutos e outro para refinaria (DIXON, 2008).7 RUTHLAND, Peter. Putin’s economic record: is the oil boom sustainable? Europe-Asia Studies, v. 60, n. 6, p. 1051-1072, 2008.8 A Yukos foi criada a partir de cinco associações de produção e cinco empresas de refinaria.9 Esse é o caso também da Sidanco, que foi adquirida por oligarcas a partir do mecanismo de empréstimos em troca de ações em 1995. A empresa dividia a propriedade com a TNK do maior campo de petróleo da Sibéria Ocidental, o Samotlor, e a BP inglesa adquiriu 10% da Sidanco.

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2.2.2 Decadência dos oligarcas

Até o colapso do rublo em 1998, a posição dos principais grupos oligárquicos parecia relativamente estável. A maioria desses grupos teve uma estrutura similar, incluindo uma companhia que exportava matérias-primas para o mercado mundial, um banco cujos lucros eram acumulados e meios de comunicação por meio dos quais faziam propaganda dos méritos do capitalismo liberal (COLIN, 2007). O dinheiro das vendas das matérias-primas era usado para a compra de políticos, jornalistas e funcionários estatais (KAGARLITSKI, 2002), deixando de ser utilizado para fins de desenvolvimento interno e recuperação do país já frágil. Após o choque de 1998, os grupos oligárquicos se desintegraram, já que enfrentaram grandes perdas econômicas, sendo que muitos apoiavam Yeltsin, que, consequentemente, sai enfraquecido também.

Em princípio, a desvalorização do rublo aumentou as perspectivas dos produtores. De fato, as empresas descobriram que seus produtos se tornaram competitivos. As importações caíram e a indústria russa conquistou novos mercados. Tal declínio melhorou a balança comercial, que, em princípio, deveria ter ajudado a estabilizar a moeda russa. Entretanto, as empresas haviam sofrido por muitos anos as consequências da falta de investimentos adequados e da perda de trabalhadores qualificados. Os laços econômicos entre as regiões haviam sido quebrados. Como resultado, a produção não podia ser aumentada mesmo quando alguns produtos tinham uma demanda alta. Dessa maneira, as indústrias precisavam de grandes investimentos para sua modernização e conquista de mercados. O enorme potencial tecnológico do setor militar-industrial podia ser utilizado para fins pacíficos, porém apenas se o dinheiro ganhado da venda de petróleo e gás começasse a ser direcionado para conversão. Seria necessário também um grande esforço contra a corrupção, junto com o cumprimento correto das decisões adotadas.

2.3 Transição para o governo Putin

Com todo o contexto descrito, a população russa desenvolveu um entendimento das contradições entre seus próprios interesses e os das elites, porém não havia nem hábitos populares de organização própria, nem confiança por parte das massas em sua própria força (KAGARLITSKY, 2002). Somado a esse problema de ordem social, a vida política estava desordenada também. Entre março de 1998 e agosto de 1999, a Rússia passou por cinco primeiros-ministros com diferentes orientações (REIS, 2007).

Além disso, o país já havia sofrido diversas derrotas no nível geopolítico. Para começar, a guerra na Chechênia, julgando-se pela opinião das pesquisas, agiu como principal fator que dissuadiu os bielorrussos da união com a Rússia (KAGARLITSKY, 2002). Essa guerra deteriorou as relações da Rússia com os países islâmicos e incitou o ódio dos países do terceiro mundo em relação à Rússia (KAGARLITSKY, 2002).

A situação econômica provocou inúmeras transformações, mas, dada a situação, qualquer mudança era um choque. Manter o frágil equilíbrio político se tornou impossível. Em meio aos conflitos na Chechênia e a uma guerra de mídias, a época das reformas liberais se enfraqueceu. Em 1998, o PIB per capita encolheu para 71% do que era em 1992 e o ambiente político ficou completamente desordenado. O

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conservadorismo nacional de Vladimir Putin foi tido como a saída para as reformas liberais de Yeltsin (FORTESCUE, 2010). Assim, o Estado russo se encaminhou para uma maior centralização, organização e assertividade no controle de setores estratégicos, tais como os de meios de comunicação e energético (KOTZ; WEIR, 2007).

O papel da política energética na inserção internacional russa no primeiro mandato de Vladimir Putin Os soviéticos surgiram como exportadores relevantes de petróleo apenas na década de 1960 e de gás natural na década de 1970 (YERGIN, 2014). Essas atividades econômicas, junto com a exportação de outros recursos naturais, foram os únicos meios pelos quais a União Soviética teve contato com outros países, a fim de garantir a moeda forte necessária ao país fechado. Essas exportações garantiram, especialmente no período da Guerra Fria, o suprimento de alimentos, a importação de equipamentos e bens de consumo e a base financeira para a corrida armamentista e conquista de paridade nuclear com os Estados Unidos.

Em meados da década de 1990, as receitas provenientes da exportação de petróleo representavam em torno de dois terços dos ganhos em moeda forte do governo russo (YERGIN, 2014). Na mesma década, “[...] a indústria petrolífera estava sendo administrada por quase duas mil associações, empresas e organizações descoordenadas que antes pertenciam ao Ministério da Indústria da ex-URSS [...]”, e em poucos anos, a produção russa caiu em torno de 50% (YERGIN, 2014, p. 37). Nesse sentido, havia necessidade de reintegração da cadeia de petróleo e gás em termos administrativos e econômicos.

Em meio a essa situação, ocorre a renúncia de Yeltsin em 1999, deixando como sua escolha o então primeiro-ministro, Vladimir Putin. A partir disso, Putin passou a implantar medidas a fim de amenizar os danos causados pelo período neoliberal na Rússia e reafirmar a posição do país no sistema internacional. Para tanto, foi necessário realizar reformas políticas, econômicas e sociais no país e reformular a relação entre políticas interna e externa russas em diversos aspectos. O trecho a seguir faz parte do documento The foreign policy concept of the Russian Federation aprovado por Putin em 2000, que demonstra o objetivo de “[...] alcançar posições firmes e de prestígio na comunidade mundial [...]”, especialmente após a desordem do período anterior:

Garantir segurança confiável do país e fortalecer a sua integridade soberana e territorial, alcançar posições firmes e de prestígio na comunidade mundial, totalmente consistentes com os interesses da Federação Russa como uma grande potência, como um dos mais influentes centros do mundo moderno, e que são necessárias para o crescimento do seu potencial político, econômico, intelectual e espiritual (RUSSIAN FEDERATION, 2008, on-line, tradução nossa).10

10 Do original: “To ensure reliable security of the country, to preserve and strengthen its sovereignty and territorial integrity, to achieve firm and prestigious positions in the world community, most fully consistent with the interest of the Russian Federation as a great power, as one of the most influential centers of the modern world, and which are necessary for the growth of its political, economic, intellectual and spiritual potential.” (RUSSIAN FEDERATION, 2008, on-line).

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Por isso, acredita-se que uma das principais mudanças políticas e econômicas ocorridas na Rússia a partir da entrada de Vladimir Putin é o papel central que os recursos energéticos passaram a ter na consolidação do Estado russo no cenário internacional, a partir dos recursos econômicos obtidos por meio das exportações de energia – que garantiram a recuperação interna do país e atuação no nível regional – e investimentos atraídos e realizados por empresas do ramo energético.

Isso seria possível pelo fato de Putin atribuir grande importância a esses recursos como promotores do desenvolvimento econômico, como pode ser analisado no seu artigo escrito em 2006, no qual defende que o Estado tem um papel importante na regulamentação e desenvolvimento de indústrias de extração e processamento, que podem prover as bases para toda a economia russa avançar para um desenvolvimento econômico sustentável, além de defender o apoio estatal ao potencial exportador do país (PUTIN, 2006).11 Tal convicção significou a reversão das políticas liberais da década passada, culminando na nacionalização da maioria do setor energético sob três gigantes: a Gazprom, a maior produtora de gás natural do mundo, a Rosneft, a maior produtora de petróleo do país, e a Transneft, que detém o monopólio do transporte de petróleo por oleodutos (GOODRICH; LANTHERMANN, 2013).

De igual modo, buscou-se reduzir o papel dos oligarcas no que diz respeito a questões políticas, enfraquecendo as oligarquias locais, a fim de centralizar o poder em Moscou. Dessa forma, o governo “[...] promoveu renegociações com quase todos os grandes projetos de energia controlados por estrangeiros, reduzindo seus direitos contratuais [...]”, (ALVES, 2011, p. 191), bem como com os controlados por setores internos, materializados pelos oligarcas. Enfim, sob o governo de Boris Yeltsin, a criação de conglomerados empresariais e a consolidação de monopólios privados marcaram seu período de governo. Em contrapartida, com Putin é marcante o aumento do poder do Estado sobre as empresas, via reformulação regulatória e acionária da cadeia de petróleo e gás, principalmente entre as ligadas ao setor de exploração de recursos naturais (ALVES, 2011, p. 190), o que recobrou a capacidade fiscal do Estado russo, junto com o aumento dos preços das commodities a partir do final dos anos 1990 (SANTANA, 2015).

Nesse sentido, se enxergam os recursos energéticos russos como uma ferramenta para o projeto de poder além de suas fronteiras. Contudo, isso não ocorre sem que a Rússia sofra alguns constrangimentos, principalmente pelo fato da energia ser um dos principais fatores de ligação do país como o mundo, servindo como uma espécie de “ponte energética” entre os mercados europeu e asiático, tanto por causa do fornecimento à Europa, quanto pelo fato de deter os principais gasodutos e oleodutos da região (GARCIA, 2010). Somado a isso, há o fato de que, após o fim da União Soviética, o rápido crescimento nos preços do petróleo e do gás permitiu que a Rússia progredisse de uma posição de decadência, especialmente com o colapso financeiro de 1998, para sucessivos anos de crescimento econômico. Quando Putin se tornou presidente em 2000, a Rússia estava ainda se recuperando da crise de 1998. Seguido da crise, o governo desvalorizou o rublo, o que ajudou a estimular exportações e a demanda doméstica por produtos russos (SHARPLES, 2012). Além disso, com a crescente demanda por sua energia, criaram-se vários vínculos de interdependência com o mundo, seja pelo fato de que alguns países dependem do fornecimento russo de energia, seja porque os russos

11 Artigo escrito a partir de sua tese de doutorado de 1997.

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igualmente necessitam dos recursos econômicos provenientes da exportação energética e receita proveniente de suas empresas.12

Tendo em vista os aspectos supracitados, se constata que a política energética russa passou a basear-se praticamente na promoção de exportações de hidrocarbonetos, assim como no controle, pelo Estado, de processos estratégicos como a exploração de petróleo e gás natural. A centralização do poder estatal foi verificada também em episódios como a nacionalização da Yukos, bem como na tentativa de fortalecimento de estatais já existentes, a fim de transformá-las em grandes conglomerados financeiro-industriais como a Gazprom,13 para que pudessem competir internacionalmente com corporações transnacionais do ocidente (ADAM, 2008). Putin buscou, então, expandir a participação acionária do Estado em bancos e firmas, restringir o grau de manobras econômicas e institucionais de autoridades regionais e empresas estratégicas e enfraquecer os oligarcas, a fim de retomar a capacidade burocrática e fiscal do país (SANTANA, 2010). Um fato importante para a garantia do controle sobre as políticas energéticas, como apontado por Santana (2015), é a consolidação e o emprego da burocracia ao criar um aparato legal para transformar sua agenda em poder efetivo.14 Além disso, o Kremlin mudou a perspectiva na negociação de acordos de fornecimento com os antigos estados soviéticos e a Europa, prendendo-os entre grandes volumes a preços extraordinariamente altos, já que esses clientes não tinham alternativa. Também começou a cortar fornecimento de energia para alguns mercados, culpando os Estados de trânsito problemáticos, tais como a Ucrânia (GOODRICH; LANTHERMANN, 2013), ou seja, passou a se utilizar dos recursos energéticos como elementos de barganha, por vezes de forma agressiva.

Grande parte da reestruturação do país em termos de desenvolvimento e estabilização a partir dos anos 2000 pode ser atribuída aos ganhos provenientes das exportações de gás e petróleo, que aumentaram a receita do governo significativamente. Segundo Oliker et al. (2009), os ganhos com exportações de petróleo, gás e produtos de petróleo refinado eram de $28 bilhões, em 1998, e, em 2007, estavam em $217 bilhões, devido tanto ao aumento de preço do petróleo e gás russo, quanto pelo aumento do volume de petróleo exportado, já que a demanda mundial por recursos energéticos estava crescendo. Contudo, frequentemente não são analisados outros setores que atuaram na reconstrução da Rússia e possibilitaram o crescimento econômico, como mostrado no Gráfico 1. O fato é que parte dos ganhos com exportações de petróleo foram colocados em um fundo de estabilização15 e investido externamente, o que não representaria um estímulo ao crescimento econômico (OLIKER et al., 2009). Assim, os setores de petróleo e gás tiveram um papel importante, embora não exclusivo, na reestruturação da economia russa, (OLIKER et al., 2009). No entanto, o papel da energia

12 Um exemplo disso é o fato de que mais de 30% do fornecimento de petróleo bruto e gás natural à Europa foi proveniente da Rússia em 2014, assim como, no mesmo ano, mais de 70% das exportações brutas e quase 90% das exportações de gás natural foram para a Europa (UNITED STATES OF AMERICA, 2015).13 Durante a primeira década de 2000, o governo russo fez investimentos na empresa e deu apoio decisivo politicamente, por meio da criação da legislação favorável a seus interesses e de acordos interestatais fir-mados entre países produtores, corredores ou importadores de gás natural. Em 2005, o Estado russo passou a controlar 50,002% das ações da Gazprom (ADAM, 2008).14 Putin vai possibilitar a criação de uma rede burocrática estatal com a participação de funcionários oriun-dos dos quadros dos serviços de segurança (os siloviki da Segurança Federal da Rússia) que vão ocupar cargos em áreas essenciais dentro do setor energético, militar, de transporte e de comunicação.15 O Fundo de Estabilização do Petróleo foi criado em 2004 com o objetivo de economizar parte das reser-vas com o aumento de receitas fiscais propiciadas pela elevação do preço do petróleo.

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não pode ser diminuído na reconstrução da economia da Rússia, especialmente com o início do governo Putin, pois o fundo de estabilização se mostrou essencial em outros momentos, tal como na crise de 2008, além de que o restante que não vai para o fundo é aplicado na economia. Ainda, Adam (2008) destaca que os recursos provenientes da valorização dos recursos energéticos, especialmente o gás, permitiram a implementação de reformas nos setores de armamentos, alumínio, madeira, carros, além de atividades relacionadas à química, engenharia e agricultura.

Gráfico 1 - Percentual de crescimento em setores da economia russa entre 1998-2007

Fonte: Elaboração própria a partir de Oliker et al. (2009).

Somado aos fatores apresentados, a internacionalização das empresas é algo a ser levado em consideração também. Segundo Alves (2011), o petróleo atinge seu preço mais baixo em 1998, ano em que a Rússia sofre grave crise de balanço de pagamentos, e, em 1999, o nível de reservas atinge seu mínimo. Com a desvalorização, isso muda, o PIB cresce e a balança comercial volta a apresentar superávits em 1999 e 2000. Além da desvalorização cambial, foi fundamental para a recuperação russa o crescente aumento do preço das commodities energéticas (ver Gráfico 2), somado à queda do custo médio de produção petrolífera que havia caído com a crise de 1998 (DIXON, 2008). Isso provoca cada vez mais a internacionalização das empresas russas, tanto pelo aumento do número de reservas, quanto pelo aumento do lucro de empresas dos setores de energia, metalurgia e mineração, implicando na capacidade de investimento interno e externo e de endividamento (ALVES, 2011). Dessa forma, segundo Santana (2015), as receitas tributárias federais originárias do gás e do petróleo, que em 2001 representavam 20% dos ganhos, passaram a representar 49% em 2011. Ao mesmo tempo, o autor aponta que as despesas com infraestrutura aumentaram de US$ 7 bilhões, em 1999, para US$ 111 bilhões em 2010 (de 3,5% do PIB para 7,4% do PIB).16 O crescimento do PIB russo no ano de 2000 foi marcado por um rápido avanço em investimentos, sendo que ficaram concentrados no setor energético, o qual sozinho contribuiu com 31% dos investimentos em 2000 (KOTZ; WEIR, 2007).

16 Putin (2006, p.51) critica a falta de investimentos na expansão das empresas extrativas ao constatar que mais de 60% dos gasodutos estavam sendo usados há mais de 20 anos, enquanto a média era 33.

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Gráfico 2 – Reservas internacionais, preços e volumes da exportação de gás natural, petróleo e derivados (2000-2008)

Fonte: Alves (2011).

A atuação das empresas se dá pela busca de campos de petróleo e gás onde a exploração apresenta menos custos e é mais rápida do que nas reservas russas, já que muitas se encontram em regiões de difícil acesso (ALVES, 2011). Isso vai ocorrer principalmente nas ex-repúblicas soviéticas, marcando, assim, a presença de estatais russas no que seria uma área de influência. Dessa forma, Lo (2003) afirma que a conexão entre a questão econômica e geopolítica emerge claramente no nível regional, no qual os fatores econômicos estão crescentemente formando a conduta da política externa e seus resultados. Os investimentos em distribuição e varejo de petróleo e gás na Europa Ocidental realizados pela Lukoil e pela Gazprom também são uma marca da atuação de empresas energéticas internacionalmente, que, consequentemente, influenciam a política externa russa. Um fator interessante desse componente econômico que a política energética herda da União Soviética é que com a sua dissolução “[...] os ativos anteriormente pertencentes a uma única empresa (cujo comando era centralizado) – e que estavam espalhados entre as firmas que a sucederam (nos diversos países que surgiram), deixam assim, buracos na cadeia de valor das empresas russas” (ALVES, 2011, p. 180). Por isso, foi necessária a aquisição das empresas que atuavam naqueles países para o controle centralizado da exploração dos recursos.

Alves (2011) verifica que as principais empresas internacionalizadas foram as que exploraram os recursos naturais do país, ou seja, petróleo e gás, mineração e metalurgia, bem como algumas empresas do setor de serviços públicos, como telecomunicações e energia elétrica, cuja área de atuação abrange especialmente os países da antiga União Soviética. Sua atuação consistiu na participação dessas empresas nas ex-repúblicas soviéticas em contratos de longo prazo, resultando no aumento do investimento direto estrangeiro da Rússia nesses países a partir dos anos 2000 (ALVES, 2011).

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Dessa forma, verifica-se que emerge um novo componente na inserção externa russa: o aspecto econômico, materializado pela atuação das empresas. Nesse caso, especifica-se a atuação das empresas energéticas, mas existem outras que da mesma forma são importantes atores que influenciam a política externa, tais como bancos e produção militar (COLIN, 2007). Lo (2010) traz o conceito de “economização” da política externa, ou seja, o potencial econômico como fonte de poder, que, nesse caso, acredita-se que seja materializado principalmente pela atuação dessas empresas. Contudo, para Adam (2008 p.152), a escolha de Putin, de usar o potencial econômico do país para recuperar prestígio no sistema internacional, não pode ser desvinculada do aumento dos valores dos recursos energéticos presentes na conjuntura da época, o que tornou possível à Rússia encontrar um elemento com o qual pudesse competir na economia mundial.

Lo (2003) apresenta alguns temas que dominaram a dimensão econômica da política externa, tais como: a ligação direta entre uma política externa ativa e a prosperidade e transformação socioeconômica doméstica; a campanha para integrar a Rússia nos processos econômicos internacionais;17 e a motivação do lucro. Logo, enquanto a atividade econômica interna não se desenvolveu, e os preços das commodities estavam baixos, esse processo de economização da política externa que possibilitou a inserção internacional da Rússia foi extremamente fraco.

A posse de reservas se mostrou, além de uma grande oportunidade, um grande desafio para a Rússia, especialmente pela sua posição geográfica, que faz com que o sistema de transporte de energia passe por países que já pertenceram à União Soviética (COLIN, 2007), ou seja, seria necessário um sistema eficiente e seguro para o escoamento dos recursos exportados. Isso porque “[...] as empresas de energia russas, em especial a Gazprom, deram-se conta de que a ideia da Rússia como uma ‘superpotência energética’ vinha ao encontro de seus objetivos, particularmente no plano internacional.” (COLIN, 2007). Dessa forma, a internacionalização das empresas se torna um grande objetivo entre os principais atores no setor energético, mais especificamente do gás e do petróleo:

Os executivos do gás e do petróleo argumentam que, para ser respeitada como uma força global, a Rússia deve controlar, nos países para os quais exporta recursos energéticos, todo o sistema de fornecimento e distribuição, como gasodutos, oleodutos, refinarias e instalações de armazenagem (COLIN, 2007, p. 130).

Levando em consideração o trecho citado e o fato de que os principais destinos das exportações e investimentos energéticos russos são países europeus ou antigos membros da União Soviética, pode-se enxergar o aspecto geopolítico da atuação da Rússia. A partir de suas empresas energéticas, o país cria vínculos de interdependência, podendo reorientar suas exportações e investimentos para áreas estratégicas e garantir, assim, a reafirmação russa no cenário internacional. Putin (2006) afirma que a atuação dessas empresas é tida como um fator de integração com as antigas repúblicas da União

17 Nesse ponto é válido lembrar que a Rússia também tentou se inserir no sistema internacional por meio da tentativa de participação em órgãos multilaterais.

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Soviética. Dessa forma, como um dos passos para alcançar a proeminência no sistema internacional, a Rússia se projetaria na região, mantendo a dependência energética que os países vizinhos possuem – assim como os da Europa Ocidental – perante os russos, que configura uma conexão assimétrica (ADAM, 2008). Lo (2003) retoma o fato de que a maioria das exportações de gás natural estava direcionada para o leste europeu, especialmente até a queda da União Soviética, e para as antigas repúblicas após a queda. A partir do governo Putin, a Europa ocidental passou a representar dois terços do total de gás exportado pela Rússia. Assim, é possível fazer uma relação entre a estratégia geopolítica russa e sua atuação em certos países onde pretendem exercer influência por meio de investimentos, bem como pelo controle de gasodutos e oleodutos. Essa conexão entre geopolítica e atuação das empresas emerge mais claramente no nível regional, no qual fatores econômicos moldam as condutas de política externa frequentemente. O nexo entre a capacidade econômica materializada pela atuação dessas empresas – e consequentemente do Estado – e os fins estratégicos nos mostra que a geopolítica está implícita na questão econômica, a qual serve como estratégia para fortalecer a inserção internacional da Rússia e retomar, a partir dos anos 2000, sua atuação geopolítica que havia sido enfraquecida.

Considerações finais

Além da importância para a receita do Estado, o setor de energia contribuiu para a sua estabilidade e industrialização. A Rússia, por meio do seu setor energético, passou a ser capaz de expandir sua influência tanto no nível regional, quanto no global. Isso ocorre pelo fato do país ser um dos principais fornecedores de energia para a Europa e para outros países que faziam parte da antiga União Soviética, bem com por possuir fronteiras territoriais com os europeus e os asiáticos, além de uma habilidade de barganhar quando necessário. Nos países vizinhos, a adoção de algumas medidas faz de Moscou um grande ator na região, por meio do controle produção regional, do subsídio a fornecimento de energia do controle da infraestrutura de transporte, etc.

Partindo do pressuposto de que, para uma forte inserção internacional e um ressurgimento como grande potência, seria necessária a reestruturação interna, as políticas energéticas que aumentaram o papel dos recursos naturais no desenvolvimento do país foram essenciais para amenizar os efeitos da desordem interna. A importância dada aos recursos energéticos – que gerou receita maior para ser aplicada no país –, somada ao desenvolvimento de outros setores da economia russa e à conjuntura econômica no primeiro mandato de Putin, garantiram grandes lucros às empresas energéticas e possibilitaram, assim, a inserção internacional mais proeminente da Rússia a partir da economização da política externa.

Assim, a política energética da Rússia como estratégia geopolítica foi essencial, no primeiro mandato de Putin, para que o país pudesse se fortalecer no sistema internacional pelo componente da economização, adicionado à política externa russa, materializado pela atuação das empresas energéticas especialmente. As políticas energéticas de Putin, no seu primeiro mandato, giraram em torno de sua percepção de que os recursos naturais são promotores do desenvolvimento econômico, resultando

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na promoção de exportações, na utilização da infraestrutura energética herdada, bem como nos investimentos nesse ramo e a internacionalização das empresas do setor de energia. Tudo isso faz parte de uma estratégia geopolítica de inserção internacional que pode ser observada até hoje.

Referências

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