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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ TAINARA LIRIO A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO PENAL CURITIBA 2014

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

TAINARA LIRIO

A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO PENAL

CURITIBA

2014

TAINARA LIRIO

A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO PENAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Direito na Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Professor Orientador: Daniel R. S. de Avelar

CURITIBA

2014

TERMO DE APROVAÇÃO

TAINARA LIRIO

A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO PENAL

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, de de 2014.

_________________________________________

Bacharelado em Direito Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: _____________________________________

Prof. Daniel Ribeiro Surdi de Avelar Universidade Tuiuti do Paraná _____________________________________ Prof. Universidade Tuiuti do Paraná _____________________________________ Prof. Universidade Tuiuti do Paraná

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelo amor, incentivo e apoio incondicional.

A esta universidade, sеυ corpo docente, direção е administração qυе

oportunizaram а janela qυе hoje vislumbro υm horizonte superior, eivado pеlа

acendrada confiança nо mérito е ética aqui presentes.

Ao meu orientador Daniel Avelar, pelo suporte nо pouco tempo qυе lhe coube,

pelas suas correções е incentivos.

Agradeço а todos оs professores pоr mе proporcionarem о conhecimento nãо

apenas racional, mаs а manifestação dо caráter е a efetividade dа educação nо

processo dе formação profissional, pоr tanto qυе sе dedicaram а mim, nãо somente

pоr terem mе ensinado, mаs por terem mе feito aprender. А palavra mestre, nunca

fará justiça аоs professores dedicados аоs quais sеm nominar terão оs meus

eternos agradecimentos.

Aos colegas de classe pela espontaneidade e alegria na troca de

informações e materiais numa rara demonstração de amizade e solidariedade.

E, finalmente, аоs meus amigos Maicon, Ronaldo e Thayana, companheiros dе

morada е irmãos nа amizade, o meu singelo agradecimento.

À todos vocês, por fazerem parte dа minha formação, toda a gratidão que não

consigo expressar com palavras.

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o

nome de ano, foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da

exaustão.

Doze meses dão pra qualquer ser humano se cansar e

entregar os pontos.

Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com

outro número e outra vontade de acreditar, que daqui pra

diante vai ser diferente.

Carlos Drummond de Andrade

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso tem como tema “A duração razoável do

processo penal”. O direito a ser julgado em um prazo razoável apenas foi inserido

como princípio na Constituição Federal Brasileira de 1988 com o advento da EC

45/2004, que inseriu no art. 5º o inciso LXXVIII com a seguinte redação: “a todos, no

âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e

os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. A principal questão em

análise está em definir qual seria o prazo razoável para o julgamento de um

processo, aqui especificamente no âmbito processual penal, tendo em vista que o

legislador brasileiro adotou a chamada “doutrina do não prazo”, ou seja, os prazos

são despidos de sanção, o que se iguala a ineficácia dos mesmos. Ainda como

objetivo faz-se necessário analisar as soluções compensatórias que devem decorrer

da violação desse direito fundamental, tendo em vista ser o Estado o titular do direito

de punir e o responsável pela prestação da tutela jurisdicional adequada e

tempestiva. A metodologia de pesquisa é essencialmente teórica, com base na

doutrina e jurisprudência atuais, englobando também a análise de diplomas

internacionais através do direito comparado. Urge, portanto, a necessidade de se

definir um prazo máximo para a duração do processo penal e também qual a

solução mais adequada para compensar o descumprimento desse prazo, de modo

que se torne eficaz o direito a um processo sem dilações indevidas.

Palavras-chave: Duração razoável do processo penal. Processo Penal. Prazo

razoável. Doutrina do não prazo. Responsabilidade Estatal.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................7

2 O TEMPO COMO ESTIGMA NA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO...9

3 O DIREITO A SER JULGADO EM UM PRAZO RAZOÁVEL NAS

DECLARAÇÕES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS............................11

3.1 ABORDAGEM HISTÓRICA.............................................................................11

3.2 O SURGIMENTO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO NAS

DECLARAÇÕES INTERNACIONAIS E NO DIREITO COMPARADO.......................12

4 O DIREIRO À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO NO SISTEMA

JURÍDICO BRASILEIRO E A DOUTRINA DO NÃO-PRAZO...................................17

4.1 O EQUILÍBRIO NECESSÁRIO ENTRE A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO

PROCESSO PENAL E AS DEMAIS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS..................18

4.2 OS CRITÉRIOS ADOTADOS PELO TRIBUNAL EUROPEU DE DIREITOS

HUMANOS E A DOUTRINA DO NÃO-PRAZO..........................................................19

4.2.1 A Complexidade do Caso................................................................................21

4.2.2 A Atividade Processual do Interessado...........................................................22

4.2.3 A Conduta das Autoridades Judiciárias...........................................................23

4.3 O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE COMO ELEMENTO INTEGRADOR.....24

5 A EFETIVA DURAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR E SEUS EFEITOS

MATERIAS E MORAIS..............................................................................................26

6 SOLUÇÕES COMPENSATÓRIAS.................................................................28

6.1 SOLUÇÕES COMPENSATÓRIAS NO ÂMBITO DO DIREITO CIVIL.............28

6.2 SOLUÇÕES COMPENSATÓRIAS DE NATUREZA PENAL...........................29

6.3 SOLUÇÕES PROCESSUAIS..........................................................................29

6.4 SOLUÇÕES SANCIONATÓRIAS....................................................................30

7 AS DECISÕES INTERNACIONAIS E ALGUNS PRECEDENTES

PARADIGMÁTICOS NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA....................................31

8 CONCLUSÃO..................................................................................................35

REFERÊNCIAS..........................................................................................................36

7

1 INTRODUÇÃO

Precisamos, definitivamente, falar sobre a duração razoável do processo. Isso porque se o acusado inicia a partida processual com a presunção de inocência, a demora no desfecho do processo é uma forma de tormento torturante e deve ser mitigado com medidas paliativas, sob pena de praticarmos a tortura psicológica com a demora processual. Para tanto, precisamos compreender os lugares e nos implicarmos nas posições, especialmente de garantes, para que tudo não passe de uma promessa de amor. (DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO SEM CONTRAPARTIDA É COMO PROMESSA DE AMOR, MORAIS DA ROSA, 2014)

O presente trabalho apresenta como tema A Duração Razoável do Processo

Penal. A escolha foi inspirada pela leitura do artigo “A duração razoável do processo

penal: em busca da superação da doutrina no não prazo” 1 escrito pelo professor

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho em conjunto com o Professor Daniel Ribeiro

Surdi de Avelar. A pretensão do presente estudo está em analisar a eficácia do

direito constitucional de ser julgado em um prazo razoável como garantia

fundamental do indivíduo, que apenas foi inserido de maneira expressa na

Constituição Federal com o advento da Emenda nº 45 de 2004, que inseriu no artigo

5º da Carta Magna o inciso LXXVIII, embora o referido princípio já fizesse parte do

ordenamento jurídico brasileiro pela ratificação de Tratados Internacionais.

O tema aqui proposto se justifica pela contribuição da discussão acadêmica

vigente, que ainda se demonstra deficitária em relação ao assunto, principalmente

no que diz respeito às soluções que devem ser adotadas pelos tribunais caso reste

configurada a violação a esse direito fundamental. A ampliação do debate aqui

trabalhado é de extrema relevância sob a ótica de um processo penal justo e

garantista, onde o Estado, titular do direito de punir, deve entregar ao jurisdicionado

uma tutela eficaz e tempestiva, com a observância de todas as garantias

fundamentais inerentes ao acusado.

A abordagem metodológica utilizada se deu por meio de pesquisa doutrinária e

jurisprudencial a cerca do tema, buscando reunir, revisar e expor o que tem sido

discutido no cenário jurídico atual.

Como objetivo geral, o presente trabalho buscou verificar como o princípio da

duração razoável do processo tem sido aplicado no âmbito jurídico nacional, e quais

as soluções têm sido adotadas pelo tribunais no caso de descumprimento do

mesmo. Para tanto, no capítulo 2, fez-se um breve apontamento sobre o tempo

1 Direito e Processo Penal. Entre a prática e a ciência. 2013. Organizador: Paulo Cesar Busato.

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como estigma para o acusado, buscando demonstrar que um processo penal que se

arrasta demasiadamente fere a dignidade da pessoa humana e o princípio da

presunção da inocência. No capítulo 3 foi abordado o surgimento da duração

razoável do processo nas Declarações Internacionais de Direitos Humanos e no

direito comparado.

No ponto 4, estudamos como esse princípio foi inserido no ordenamento

jurídico brasileiro e qual tese foi adotada para garantir a efetivação do mesmo,

verificando também o necessário equilíbrio entre a aceleração processual e as

demais garantias fundamentais. Ainda nesse ponto, trabalhamos os critérios

adotados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos para configurar a existência

ou não de dilações processuais indevidas. No capítulo 5 foi feita uma breve análise

de como o instituto da prisão cautelar perde sua essência quando utilizado de

maneira incorreta, e o efeito negativo que isso causa ao imputado. No ponto 6,

foram aduzidas as soluções que podem ser adotadas pelos tribunais, ou mesmo

pelo legislador, em uma tentativa de compensar a violação sofrida pelo acusado em

decorrência da não observação do direito de ser julgado em um prazo razoável. No

ponto 7, fez-se uma breve exposição de julgados internacionais e nacionais com o

intuito de demonstrar como tem sido efetivado o princípio da razoável duração do

processo.

Finalmente, na conclusão, constamos que, ainda que a legislação brasileira

não trabalhe com prazos definidos para que o processo penal não dure mais do que

o considerado razoável, é possível, sim, equilibrando e sopesando princípios

constitucionais, entregar ao jurisdicionado a tutela estatal que lhe é devida.

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2 O TEMPO COMO ESTIGMA NA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Tempo2. Para NEWTON (1687) o tempo deve ser considerado como uma

grandeza absoluta “o tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si só e por

própria natureza, flui uniformemente, sem relação com nenhuma coisa externa, e é

também chamado de duração”. Essa ideia de tempo universal, onde independem

objeto e seu observador, pois o tempo é igual em todos os lugares, trata de uma

visão determinista, em que, para conhecer o futuro, bastava dominar o presente.

Em 1905 surge a Teoria da Relatividade escrita por EINSTEIN, contestando a

premissa de tempo como algo absoluto, rompendo-se o paradigma antes

estabelecido e trazendo uma visão de tempo como algo relativo, entrelaçado ao

espaço e variável conforme a posição e o deslocamento do observador. O que

restou foi a incerteza, pois tudo é relativo, e a percepção do tempo é distinta para

cada um de nós.

Clássico exemplo utilizado por EINSTEIN para explicar a Teoria da

Relatividade: “quando um homem se senta ao lado de uma moça bonita, durante

uma hora, tem a impressão de que passou apenas um minuto. Deixe-o sentar-se

sobre um fogão quente durante um minuto somente – e esse minuto lhe parecerá

mais comprido que uma hora. – Isso é relatividade”.

Em uma perspectiva realista, podemos trabalhar o tempo objetivo, qual sejam

as horas marcadas pelo relógio estabelecidas por uma convenção humana que tem

duração igual para todos os seres, e o tempo subjetivo, que varia de acordo com

cada observador.

A problemática gerada pelo tema está em definir qual seria o tempo razoável

de duração de um processo, pois como bem destaca Aury Lopes Jr.:

O processo não escapa do tempo, pois ele está arraigado na sua própria concepção, enquanto concatenação de atos que se desenvolvem, duram e são realizados numa determinada temporalidade. O tempo é elemento constitutivo e inafastável do nascimento, desenvolvimento e conclusão do processo. (LOPES JR., 2005, p. 92).

2 SM (lat tempu) 1 Medida de duração dos seres sujeitos à mudança da sua substância ou a mudanças acidentais e sucessivas da sua natureza, apreciáveis pelos sentidos orgânicos. 2 Uma época, um lapso de tempo futuro ou passado. 3 A época atual. 4 A idade, a antiguidade, um longo lapso de anos. 5 A existência humana considerada no curso dos anos. 6 Época determinada em que ocorreu um fato ou existiu uma personagem (com referência a uma hora, a um dia, a um mês ou a qualquer outro período). 7 Ocasião própria para um determinado ato; ensejo, conjuntura, oportunidade. (...) 12 Delonga, dilação, prazo. (...) Fonte: Dicionário Michaelis.

10

A dificuldade prática acerca do tema está em encontrar o equilíbrio entre um

processo que se arrasta ao longo do tempo, ao ponto de negar ao jurisdicionado a

efetiva prestação da tutela estatal, e um processo demasiado célere, que viole suas

garantias e direitos fundamentais. Ao abordar o assunto, Aury Lopes Jr. e Gustavo

Henrique Badaró (2009, p. 13) cunham a expressão “(de)mora jurisdicional [...] na

medida em que existe uma injustificada procrastinação do dever de adimplemento

da obrigação de prestação jurisdicional [...], adequada a construção (de)mora judicial

no sentido de não-cumprimento de uma obrigação claramente definida [...]”.

O tempo, aqui subjetivo, pode ser considerado como verdadeiro estigma3, pois

mesmo solto, o imputado que se encontra livre do cárcere tem seus direitos tolhidos,

estando à mercê do Estado, tendo seus direitos e garantias fundamentais violadas,

causando-lhe incerteza e angústia que decorrem da própria demora do processo

enquanto pena. Caem por terra a garantia da Jurisdicionalidade (pois o processo se

torna pena prévia à sentença), a da Presunção da Inocência (pois quanto mais longo

o processo, menor a credibilidade em torno da versão do acusado) e a da Ampla

Defesa e Contraditório (pois na medida em que a excessiva delonga do processo

dificulta o exercício eficaz da resistência processual, resta ao acusado o estigma

social de culpa).

Ainda, em sua obra (Des)Aceleração Processual, Décio Alonso Gomes nos

alerta para os problemas gerados por um processo que se arrasta ao longo do

tempo:

A duração prolongada do processo enseja dois tipos de problemas: de um lado, expõe a pessoa imputada à angústia da incerteza e ao efeito estigmatizante social; de outra ponta, não apresenta à sociedade uma resposta estatal às atividades consideradas nocivas, o que acaba lhe retirando o crédito e prestígio, deslegitimando-o como instância de solução de conflitos.(GOMES, 2007, p.11-12)

Resta agora analisar a duração razoável do processo como Princípio

Constitucional do Estado Democrático de Direito sob a ótica da legítima atuação

estatal e a efetiva prestação da tutela jurisdicional devida, de modo que se

preservem os direitos e garantias fundamentais que cabem ao imputado.

3 SM (lat stígma) 1 Marca indelével. Fonte: Dicionário Michaelis.

11

3 O DIREITO A SER JULGADO EM UM PRAZO RAZOÁVEL NAS

DECLARAÇÕES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

3.1 ABORDAGEM HISTÓRICA

Com a evolução da sociedade surge também o dever do Estado em administrar

a justiça e manter a chamada paz social. É o chamado poder punitivo estatal, que

permite ao Estado Soberano a aplicação da lei penal aos agentes pela prática de

ilícitos. O Estado deve, então, atuar com presteza e eficácia na prestação da tutela

jurisdicional, com o fim de afastar a sensação de impunidade e insegurança que

assola a sociedade.

Ao abordar o assunto, Cesare Beccaria trabalha o ius punienedi, o direito de

punir estatal, fundamentando esse direito de punir em uma necessidade humana de

ceder parte de sua liberdade em detrimento do bem comum, como podemos

observar a seguir:

Nota-se, em todas as partes do mundo físico e moral, um princípio universal de dissolução, cuja ação só pode ser obstada nos seus efeitos sobre a sociedade por meios que impressionam imediatamente os sentidos e que se fixam nos espíritos, para contrabalançar por impressões vivas a força das paixões particulares, quase sempre opostas ao bem geral. Qualquer outro meio seria insuficiente. Quando as paixões são vivamente abaladas pelos objetos presentes, os mais sábios discursos, a eloquência mais arrebatadora, as verdades mais sublimes, não passam, para elas, de um freio impotente que logo despedaçam. Por conseguinte, só a necessidade constrange os homens a ceder uma parte de sua liberdade; daí resulta que cada um só consente em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, isto é, precisamente o que era preciso para empenhar os outros em mantê-lo na posse do resto. O conjunto de todas essas pequenas porções de liberdade é o fundamento do direito de punir. Todo exercício do poder que se afastar dessa base é abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito; é uma usurpação e não mais um poder legítimo. (BECCARIA, 1956, p. 33) [grifo meu]

Para Aury Lopes Jr. (2013, p. 190) “o caráter punitivo está calcado no tempo de

submissão ao constrangimento estatal, [...] porque o tempo, mais que o espaço, é o

verdadeiro significante da pena”. Ora, o que aqui se propõe analisar é a garantia do

acusado de ser julgado em um prazo razoável, e em que medida a inobservância

estatal sobre esse princípio viola os direitos e garantias fundamentais do indivíduo,

12

tendo em vista que o Estado se apossa de maneira ilegal do tempo do particular, de

maneira dolorosa e irreversível.

3.2 O SURGIMENTO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO NAS

DECLARAÇÕES INTERNACIONAIS E NO DIREITO COMPARADO

A preocupação com o direito de ser julgado em um prazo razoável surge, ainda

que implicitamente, após a Segunda Guerra Mundial, coincidindo com a

promulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 10 de Dezembro

de 1948, que trouxe em seu artigo X a seguinte redação: “Toda pessoa tem direito,

em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal

independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento

de qualquer acusação criminal contra ele”. O referido artigo serviu de base para os

diplomas legais subsequentes que tratam do tema, quais sejam a Convenção

Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais

(CEDH) e a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH).

Para Aury Lopes Jr. e Gustavo Henrique Badaró:

Os principais fundamentos de uma célere tramitação do processo, sem atropelo das garantias fundamentais, é claro, estão calcados no respeito à dignidade do acusado, no interesse probatório, no interesse coletivo no correto funcionamento das instituições e na própria confiança na capacidade da justiça de resolver os assuntos que a ela são levados, no prazo legalmente considerado como adequado e razoável. (BADARÓ, LOPES JR., 2009, p. 14)

O principal problema na (de)mora em se julgar alguém em um prazo razoável é

a complexidade trazida pelo lapso temporal (qualquer que seja) transcorrido da data

do fato até a sentença, pois se está julgando um homem completamente diferente

daquele que praticou o delito. Isso ocorre porque o homem que praticou o fato não é

o mesmo que está em julgamento e não será o mesmo ao cumprir a pena. O

principal responsável a garantir uma justa aplicação da pena e um processo sem

dilações indevidas e tempestivo é o Estado.

Explicitamente, o direito a ser julgado em um prazo razoável surge em 1787,

com a VI Emenda à Constituição dos Estados unidos da América4, assegurando ao

4 Emenda VI – Em todos os processos criminais, o acusado terá direito a um julgamento rápido e

público, por um júri imparcial do Estado e distrito onde o crime houver sido cometido, distrito esse que

13

acusado o direito a um julgamento público e rápido (speedy and public trial) sem o

atropelo de suas garantia fundamentais (due process of law).

Aury e Badaró (2009, p.18-19 apud TROKER, 1974, p.278-279) afirmam que

“uma duração excessiva ou um retardamento irrazoável do pronunciamento

judiciário pode equivaler a uma violação ao direito a tutela jurisdicional”, de maneira

que o direito a um processo sem dilações indevidas é elemento corolário do devido

processo legal.

Em 1950 a Convenção Europeia de Direitos do Homem trouxe em seu artigo

6º, §1º o direito a ser julgado no prazo razoável como regra geral, aplicável a

processos de qualquer natureza, com o seguinte texto:

Toda pessoa tem o direito a que sua causa seja ouvida com justiça, publicamente, e dentro de um prazo razoável, por um Tribunal independente e imparcial estabelecido pela Lei, que decidirá dobre os litígios sobre seus direitos e obrigações de caráter civil ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. [sem grifo no original]

Especificamente em matéria processual penal, para os casos em que o

acusado estiver preso cautelarmente, o artigo 5º, §3º do referido diploma legal veio

com a seguinte redação:

Toda pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1º, c, do presente artigo, deve ser trazida prontamente perante um juiz ou um outro magistrado autorizado pela lei a exercer a função judiciária, e tem o direito de ser julgado em um prazo razoável ou de ser posto em liberdade durante a instrução. O desencarceramento pode ser subordinado a uma garantia que assegure o comparecimento da pessoa à audiência. [sem grifo no original]

Ainda que de maneira genérica, aplicável tanto ao processo civil quanto ao

penal, a CEDH positivou o direito a um julgamento no prazo razoável, trazendo

também disposição específica ao processo penal no que concerne ao

desencarceramento do acusado preso cautelarmente.

Em 1966, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou o Pacto Internacional

sobre Direitos Civis, que pela primeira vez trouxe o termo “sem dilações indevidas”

em seu art. 14, nº3:

será previamente estabelecido por lei, e de ser informado sobre a natureza e a causa da acusação; de ser acareado com as testemunhas de acusação; de fazer comparecer por meios legais testemunhas da defesa, e de ser defendido por um advogado.

14

Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade a, pelo menos, às seguintes garantias: (...) de ser julgado sem dilações indevidas.

Já o artigo 9º do diploma supracitado fala especificamente do direito a

julgamento no prazo razoável no âmbito penal, diferentemente da Convenção

Europeia, que tratava dos prazos no âmbito geral da justiça. Vejamos:

Qualquer pessoa, presa ou encarcerada em virtude de infração penal, deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que asseguram o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, à execução da sentença. [sem grifo no original]

Importante também citar a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22

de Novembro de 1969, em seus artigos 7º e 8º, respectivamente:

Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. [sem grifo no original] Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. [sem grifo no original]

Por fim, temos a proclamação da Carta dos Direitos Fundamentais da União

Europeia, em 7 de dezembro de 2000, que traz em seu artigo 47 seguinte texto:

Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal. Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo. [sem grifo no original]

15

É ampla a preocupação com o direito a um julgamento no prazo razoável no

âmbito dos tratados e convenções internacionais, mas importante também aludir à

consagração desse princípio no direito comparado. Vejamos:

Constituição Italiana de 1948:

Art. 111. La giurisdizione si attua mediante li giusto processo regolato dalla legge. Ogni processo si svolge nel contraddittorio tra le parti, in condizioni di parità, davanti a giudice terzo e imparziale. La legge ne assicura La ragionevole durata.5

A Constituição Portuguesa de 1976:

Art. 20. Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (...) 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

A Constituição Espanhola de 1978:

Art. 24. 1. Todas las personas tienen derecho a obtener La tutela efectiva de lós jueces y tribunales em El ejercicio de SUS derechos e intereses legítimos, sin que, en ningún caso, pueda producirse indefensión. 2. Asimismo, todos tienen derecho al Juez ordinario predeterminado por la ley, a la defensa y asistencia de letrado, a ser informados de la acusación formulada contra ellos, a um proceso público sin dilaciones indebidas y con todas las garantias, a utilizar lós médios de prueba pertinentes para su defensa, a no declaras contra si mismos, a no confesarse culpables y a la presunción de inocencia.

A Constituição do Canadá de 1982:

11. Any person charged with na offence hás the right (...) b) to be tried whithin a reasonable time.6

A Constituição da Colômbia de 1991:

Art. 29. El debido proceso se aplicará a toda clase de actuaciones judiciales y administrativas. Nadie podrá ser juzgado sino conforme a leyes preexistentes al acto que se le imputa, ante juez o tribunal competente y com observância de la plenitud de las formas proprias de cada juicio. Em materia penal, la ley permisiva o favorable, aun cuando sea porterior, se

5 Tradução livre: “A jurisdição atua mediante o processo justo regulado por lei. Todo processo se desenvolve em contraditório entre as partes, em condições de igualdade, perante um juiz alheio e imparcial. A lei assegurará a sua duração razoável”. 6 Tradução livre: “Toda pessoa acusada de um delito tem direito de (...) b) ser julgada dentro de um prazo razoável”.

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aplicará de preferencia a la restrictiva o desfavorable. Toda persona se presume inocente mientras no se la haya declarado judicialmente culpable. Quien sea sindicado tiene derecho a la defensa y la assistencia de um abogado escogido por el, o de oficio, durante la investigación y el juzgamiento; a um debido processo publico sin dillaciones injustificadas; a presentear pruebas y a controvertirlas que se alleguen em su contra; (...)

A Constituição do Paraguai de 1992:

Art. 17. Em el proceso penal, o em cualquier outro Del cual pudiera derivarse pena o sanción, toda persona tiene derecho a: (...) 10. El accesso, por si o por intermedio de su defensor, a las actuaciones procesales, las cuales em ningún caso podrán ser secretas para ellos. El sumario no se prolongará más allá del plazo estabelecido por la ley.

A Constituição da Venezuela de 1999:

Art. 26. Toda persona tiene derecho de acceso a lós órganos de administración de justicia para hacer valer sus derechos e intereses, incluso lós colectivos o difusos, a la tutela efectiva de los mismos y a obtener com prontitud la decisión correspondiente. El Estado garantizará uma justicia gratuit, accesible, imparcial, idônea, transparente, autônoma, independiente, responsable, equitativa y expedita, sin dilaciones indebidas, sin formalismos o reposiciones inútiles.

A Constituição da Bolívia de 2009:

Art. 115. I. Toda persona será protegida oportuna y efectivamente por los jueces y tribunales em el ejercicio de sus derechos e intereses legítimos. II. El Estado garantiza el derecho al debido proceso, a la defensa y a uma justicia plural, pronta, oportuna, gratuita, tranparente y sin dilaciones.

O que se extrai do que até o momento foi trabalhado é que o direito de ser

julgado em um prazo razoável é latente na ordem supranacional, sendo intensa a

preocupação dos Estados em garantir que esse direito seja realmente efetivado,

havendo inclusive previsão de que o acusado seja posto em liberdade se não for

julgado em um prazo razoável ou sem dilações indevidas.

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4 O DIREITO À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO NO SISTEMA JURÍDICO

BRASILEIRO E A DOUTRINA DO NÃO-PRAZO

A primeira Constituição Brasileira, de 1824, que teve inspiração no

absolutismo, não previa um poder judiciário independente, e tampouco mencionava

garantias e direitos individuais e por consequência não previu o direito a um

processo com duração razoável.

Por outro lado, a Constituição Republicana de 1891, que recebeu inspiração da

Constituição norte-americana, ainda que não falasse da duração razoável do

processo previu pela primeira vez no Brasil o habeas corpus e trouxe também de

maneira inédita a expressão “plena defesa”.

A Constituição de 1934, que durou pouco mais de três anos, pela primeira vez

mencionou o tema da duração razoável do processo em seu art. 113, nº35,

determinando que a lei deveria assegurar “o rápido andamento dos processos nas

repartições públicas”, mas foi logo substituída pela Constituição de 1937, que deu

início ao período ditatorial do Estado Novo, onde não se podia falar em garantias e

direitos fundamentais.

As Constituições de 1946 e 1967 também nada falaram do processo sem

dilações indevidas, cabendo à atual Constituição de 1988 eliminar qualquer

resquício do período ditatorial no Brasil.

Justamente em decorrência do longo período ditatorial pelo qual o país passou,

a nova assembleia constituinte preocupou-se em assegurar direitos e garantias

individuais, ainda que em sua redação original não tenha mencionado o tempo

razoável de duração dos processos, entendendo que esse direito estava implícito no

art. 5º, incisos XXXV e LIV, que tratam da efetividade da jurisdição e do devido

processo legal.

Ora, ainda que a Constituição de 1988 não tenha trazido dispositivo expresso a

cerca da duração razoável do processo, o Congresso Nacional, por meio do decreto

legislativo nº 277, de 26 de maio de 1992, aprovou o texto da Convenção Americana

de Direitos Humanos, na forma prevista pela lei. Em 25 de setembro de 1992 o

Governo Brasileiro então ratificou a referida Convenção, e esta passou a integrar o

7 O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º É aprovado o texto da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto São José) celebrado em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, por ocasião da Conferência especializada Interamericana sobre Direitos Humanos.

18

ordenamento jurídico brasileiro. Ainda que ratificada, houve questionamento em

relação à natureza hierárquica do referido diploma legal, pelo qual a doutrina

majoritária adotou a tese da paridade, conferindo à CADH status de igualdade em

relação à lei federal. Sobre o assunto, é importante a lição de André Luiz Nicolitt:

Não obstante a plena eficácia entre nós, o Pacto Internacional – o mesmo de diga Pacto São José d Costa Rica - nunca tiveram grande efetividade. Diversamente do que ocorre com os países da Europa – talvez por terem sido palco de inúmeras guerras e violações dos direitos humanos - as declarações de direito no Brasil tradicionalmente não ganham relevância no cotidiano do ordenamento jurídico. (NICOLITT, 2006, p. 18)

Superada a discussão, a Emenda Constitucional nº 45 de 8 de dezembro de

2004 veio com o objetivo de promover uma reforma do Poder Judiciário Brasileiro,

devido a morosidade da prestação jurisdicional, adicionando o inciso LXXVIII ao art.

5º da Constituição, que trouxe a seguinte redação:

A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

O direito a um processo no prazo razoável passou a ser, então, um direito

constitucional explícito, que deve ser observado tanto no âmbito judicial quando no

administrativo. O que deve considerado, no entanto, é que esse direito não pode ser

utilizado para promover a aceleração processual, pois dessa maneira seriam

violados outros inúmeros direitos e garantias do indivíduo.

4.1. O EQUILÍBRIO NECESSÁRIO ENTRE A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO

PROCESSO PENAL E AS DEMAIS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

Indiscutível que todo indivíduo tem direito a um processo justo e sem dilações

indevidas, porém o problema tem raiz na aceleração que pode levar ao atropelo das

demais garantias fundamentais do indivíduo, pois “a promessa de eficácia e

agilidade da justiça penal nem sempre se revelam por meio de um compromisso

ético com uma justiça penal de qualidade” (GOMES, 2007, p. 33).

É imprescindível mencionar a obra de Alexandre Morais da Rosa e Sylvio Lourenço

Filho sobre a efetivação do direito fundamental à razoável duração do processo

penal:

19

O tempo razoável para o processo, concebido como convergência de garantias, não é necessariamente o tempo mais curto, mas justamente o tempo adequado para que o processo cumpra suas funções. A aceleração processual, não raro, pode retirar a razoabilidade de sua duração. Processo “Instantâneo” ou “quase instantâneo” não é razoável e representa, inclusive, verdadeira contradição, pois – conforme já salientado – a própria noção de processo implica transcurso de tempo, lapso razoável para que possa ser decidido. A finalidade de instantaneidade ou de aceleração repentina do processo determina um verdadeiro atentado contra sua própria noção e nessa medida representa agressão ao princípio da razoável duração do processo.

Portanto, quando se fala em razoável duração do processo é necessário ter em

mente que a celeridade almejada deve respeitar as demais garantias inerentes ao

processo penal, como a ampla defesa e o contraditório, entre outras. Para Alexandre

Morais da Rosa e Sylvio Lourenço Filho, há que se ter uma postura de resistência ao

discurso eficientista que diz que o processo penal deve tramitar no menor espaço de

tempo e com o menor custo possível, pois dessa maneira os direitos e garantias

fundamentais do Estado Democrático de Direito se igualariam a verdadeiros

estímulos à impunidade, não sendo possível conceber a ideia de um processo justo

com tais objetivos.

4.2. OS CRITÉRIOS ADOTADOS PELO TRIBUNAL EUROPEU DE DIREITOS

HUMANOS E A DOUTRINA DO NÃO PRAZO

Existem dois sistemas para garantir a eficácia do direito a um processo no

prazo razoável, o sistema de prazos fixos, onde cabe ao legislador fixar prazos na

legislação, e o sistema do não prazo, adotado pelo legislador pátrio e pelas

Convenções Internacionais, onde a violação do prazo razoável seria definida através

de critérios pré-estabelecidos.

Para Aury Lopes Jr. (2012, p. 206) a não fixação de prazos certos e

preclusivos para a garantia do direito ao processo sem dilações indevidas equivale à

equação prazo sem sanção = ineficácia. Da mesma maneira, Maria Thereza Rocha

de Assis e Moura e Thais Aroca Datcho Lacava (2009, p. 407) aduzem que “a todo e

qualquer acusado, deve ser garantido saber, de antemão, quanto tempo poderá

durar o trâmite procedimental, pois, como é sabido, a existência do processo traz

como consequência não só a pesada carga de estar sendo processado, como a

estigmatização social, e até mesmo reflexos sobre o quantum da pena”.

20

Para André Luiz Nicolitt (2006, p. 26) “os argumentos acerca da necessidade

de fixar o prazo podem ser assim sintetizadas: a) é uma exigência do Estado

Democrático de Direito; b) a não fixação deixa à margem grande arbitrariedade ao

juiz; c) a fixação do prazo é consequência do princípio da legalidade”.

Um típico exemplo de sistema que adotou prazos fixos é o processo penal

paraguaio, de maneira que o direito ao processo no prazo razoável seja realmente

eficaz. O art. 136 do Código Procesal Penal de La Republica del Paraguay (Ley nº

1.286/1998) traz em sua redação uma duração máxima de 4 anos para o processo,

prazo esse que poderia ser estendido por mais 12 meses caso houvesse sentença

condenatória, a fim de possibilitar a tramitação dos recursos:

Art. 136. Toda persona tendrá derecho a uma resolución judicial definitiva em um plazo razonable. Por lo tanto, todo procedimiento tendrá una duración máxima de cuatro años, contados desde el primer acto del procedimiento. Este plazo solo se podrá extender por doce meses más cuando exista uma sentencia condenatoria, a fin de permitir la tramitación de los recursos. La fuga o rebeldía del imputado interrumpirá el plazo de duración del procedimiento. Cuando comparezca o sea capturado, se reiniciará el plazo.

O sistema adotado pelo Brasil e pelos países europeus é o do não prazo,

onde cabe ao Poder Judiciário, na análise do caso concreto, definir se houve ou não

violação ao direito de ser julgado em um prazo razoável, ainda que não haja sanção

para o descumprimento do referido princípio constitucional. Passemos a análise dos

critérios adotados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

Foi em 1968, no caso Wemhoff8, que a Comissão Europeia de Direitos

Humanos deu o primeiro passo para fixar critérios para a definição da desarrazoada

duração do processo, através do qual se convencionou chamar de “doutrina dos

sete critérios”, que deveriam ser apreciados em conjunto para auferir se houve ou

não violação ao direito de um processo no prazo razoável. São os critérios:

a) a duração da prisão cautelar;

b) a duração da prisão cautelar em relação à natureza do delito, à pena fixada

e à provável pena a ser aplicada em caso de condenação;

c) os efeitos pessoais que o imputado sofreu, tanto de ordem material como

moral ou outros;

d) a influencia da conduta do imputado em relação à demora do processo;

8 Julgado pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos em 27 de junho de 1968.

21

e) as dificuldades para investigação do caso (complexidade dos fatos,

quantidade de testemunhas e réus, dificuldades probatórias, etc.);

f) a maneira como a investigação foi conduzida;

g) a conduta das autoridades judiciais.

O TEDH, no entanto, optou por um referencial mais enxuto, denominado de

teoria dos três critérios, que analisava apenas:

a) a complexidade do caso;

b) a atividade processual do interessado;

c) a conduta das autoridades judiciárias.

Para Aury Lopes Jr. e Gustavo Henrique Badaró (op. cit., p. 41) é

inconcebível tratar do direito de ser julgado em um prazo razoável sem a fixação de

um limite temporal pré-estabelecido, pois os critérios para definir se a dilação é

indevida ou justificada são totalmente arbitrários, sem qualquer possibilidade de

refutação. Façamos uma análise pormenorizada dos critérios adotados pelo TEDH.

4.2.1. A COMPLEXIDADE DO CASO

Em muitas vezes a complexidade do caso é utilizada como justificativa para a

demora processual, mas isso não pode ser tido como regra, pois este é o aspecto

que serve de base para a determinação da duração razoável do processo por parte

do TEDH (NICOLITT, 2006, p. 77). A complexidade deve ser analisada sobre três

aspectos: a complexidade dos fatos, a complexidade do direito e a complexidade do

processo.

A complexidade fática geralmente se deve às controvérsias que se

estabelecem em torno dos fatos juridicamente relevantes, refletindo diretamente na

instrução probatória, devendo ser levado em consideração o número de réus e de

vítimas, a repercussão social gerada pelo caso, a gravidade do delito, etc.

A complexidade jurídica reside geralmente nas divergências de interpretação

sobre o enquadramento de determinado fato a determinada regra jurídica, sem

maiores problemas, tendo em vista não ser recorrente.

A complexidade processual se apresenta de maneira mais evidenciada, pois

são inúmeros os incidentes que podem surgir ao longo do processo, como bem

destacam Maria Thereza Rocha de Assis Moura e Thais Aroca Datcho Lacava:

22

Têm sido apontado como fatores que identificam uma causa como complexa, e assim justificam uma razoável delonga no procedimento, a necessidade de expedição de cartas precatórias, julgamento de incidentes processuais, bem como realização de exames e perícias e outras diligências, tais como degravação de conversas telefônicas interceptadas, expedição de ofícios, pluralidade de acusados e testemunhas, assim como a existência de autos muito volumosos, que a demandem maior tempo para a análise de ordenação dos atos. Mesmo assim, sempre há que ser analisada a razoabilidade do tempo gasto para cada uma dessas medidas.

Ora, talvez a complexidade do caso seja o fator determinante na razoável

duração do processo, tamanho o seu desdobramento, mas o que deve ficar em

mente é que a responsabilidade pela melhoria na qualidade da prestação

jurisdicional não é apenas tarefa do Poder Judiciário, é também do Estado e da

sociedade, que devem buscar os meios necessários para efetivar o direito a ser

julgado em um prazo razoável (MORAIS DA ROSA, SILVEIRA FILHO, 2006, p. 49).

4.2.2. A ATIVIDADE PROCESSUAL DO INTERESSADO

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos também considera como critério

para constatação da violação do direito de ser julgado em um prazo razoável a

conduta exercida pela defesa durante o processo, de modo que a demora não possa

ser imputada ao acusado quando sua atividade inativa decorrer da não obrigação de

cooperar com a persecução penal (MORAIS DA ROSA, SILVEIRA FILHO, 2006, p.

50). É constante a preocupação em garantir ao acusado todos os meios de defesa e

recursos oferecidos pelo ordenamento jurídico vigente, o que não se pode admitir é

o abuso desse direito com intuito meramente protelatório:

Neste aspecto podemos registrar os exemplos da reiteração de adiamentos de audiências requeridos pelas partes, ora em razão de alegação de saúde, quando o problema não impede o comparecimento, outra em razão de frequentes trocas de advogados. Destaca-se ainda a hipótese de fuga do acusado impedindo ou retardando o julgamento, pois se entende que o fugitivo não pode, em princípio criticar o caráter não razoável da duração do processo que tenha ocorrido em razão de sua fuga.

O TEDH entende que a atuação da defesa no processo é critério de menor

importância frente ao dever do Estado em regular corretamente o andamento do

mesmo, pois é seu dever defender o acusado com todos os meios admitidos em

direito.

23

4.2.3. A CONDUTA DAS AUTORIDADES JUDICIÁRIAS

Conforme já trabalhado anteriormente, cabe ao Estado, detentor do poder

punitivo, prestar a efetiva tutela jurisdicional, sempre com observância às garantias e

direito fundamentais do indivíduo. Conforme André Nicolitt:

(...) aferição da atuação das autoridades judiciais tem sido preponderante para concluir pela existência ou não de violação de direito à duração razoável do processo por parte do TEDH. A responsabilidade do Estado decorre exatamente deste ponto, e a referida Corte tem sido inclemente quando identifica nexo entre a dilação e a atuação da autoridade.

Cabe ainda mencionar a atuação do Ministério Público no ordenamento

jurídico brasileiro, como instituição essencial destinada à administração da justiça,

pois a eventual atuação do Ministério Público que cause demora ao processo, de

maneira injustificada, deve ser vista como atuação Estatal, visto que o mesmo faz

parte das autoridades incumbidas de processar e julgar o acusado.

Conforme Carlos Henrique Ramos (2008, p. 100-101), foram desenvolvidos

parâmetros pelo TEDH com a finalidade de auferir a responsabilidade dos agentes

estatais pela demora na prestação jurisdicional, restando violada a garantia do

direito ao processo no prazo razoável quando:

a) Nos casos considerados não complexos, não sejam solucionados tempestivamente ou, em se tratando de um caso que verse sobre questões complexas, os juízes não empreendam esforços para o seu adequado enfrentamento; b) Os postulados éticos de demandar e ser demandado, além dos deveres típicos de colaboração, que não sejam obedecidos. Neste caso, reitera-se que não pode ser imposta à defesa a obrigação de colaboração com a persecução penal; c) Os deveres dos juízes e dos auxiliares da justiça, mais precisamente aqueles relacionados com a correra condução do processo e com o cumprimento dos prazos, não sejam corretamente obedecidos; e d) O Estado, como um todo, não adote providências estruturais para melhor aparelhar o sistema Judiciário. (RAMOS, 2008, p. 100-101)

O Tribunal Europeu é rígido quanto a esse critério, pois além do caráter

punitivo de suas decisões, é indiscutível o objetivo de despertar a atuação do Estado

para que sejam tomadas medidas para estruturar o poder judiciário internamente, de

modo a garantir ao acusado o direito de ser julgado em um prazo razoável.

24

No Brasil, a Emenda Constitucional nº 45 primou pela efetivação do “Pacto de

Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano” 9, diante da crise

vivida pelo Poder Judiciário, reconhecendo seus problemas estruturais do sistema

de administração da justiça, porém, não se verificaram grandes avanços desde

então. Para Nelson Nery Jr., o critério da demora processual imputada aos agentes

estatais deve ser observada sob dois aspectos, a crise passageira e a crise

estrutural, de modo que na primeira o atraso seria justificável, ao passo que na

segunda não:

O excesso de trabalho, o número excessivo de processos, o número insuficiente de juízes ou de servidores, são justificativas plausíveis e aceitáveis para a duração exagerada do processo, desde que causas de crise passageira. Quando se tratar de crise estrutural do Poder Judiciário ou da Administração, esses motivos não justificam a duração exagerada do processo e caracterizam ofensa ao princípio estatuído na CF 5º LXXVIII. (NERY JR., 2009, p. 316)

Devidamente analisados os critérios adotados pelo TEDH, a solução mais

adequada para Aury Lopes Jr. e Gustavo Henrique Badaró seria a diminuição de

tempo burocrático, através de inserção de tecnologia e da otimização de atos

cartorários e mesmo judiciais. Seria necessária também uma reordenação do

sistema recursal, e, ainda, um (re) pensar os limites e fins do próprio direito penal

material. Seria reler a aceleração processual não pela perspectiva utilitarista, mas

sim pelo viés garantista constitucional.

4.3. O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE COMO ELEMENTO INTEGRADOR

Além dos critérios adotados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos (a

complexidade do caso; a atividade processual do interessado; e a conduta das

autoridades judiciárias) faz-se necessário analisar a questão da razoável duração do

processo à luz do princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, pois incontestável

que a proporcionalidade é inafastável na ponderação e valoração dos bens jurídicos

envolvidos na relação processual.

9 Poucos problemas nacionais possuem tanto consenso no tocante aos diagnósticos quanto à questão judiciária. A morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões retardam o desenvolvimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade e solapam a crença dos cidadãos no regime democrático. (Exposição de Motivos nº 204 de 15 de Dezembro de 2004).

25

O referido princípio encontra-se estabelecido na Convenção Europeia (art. 5º,

§3º), na Convenção Americana (art. 7.5) e no Pacto Internacional sobre direitos Civis

(art. 9º, nº3), e embora já fizesse parte do nosso ordenamento jurídico por força da

Convenção Americana de Direitos Humanos10 ganhou força com o advento do art. 5º

inciso LXXVIII da Magna Carta.

O que não se pode permitir é que o acusado se torne refém do processo e de

toda carga negativa inerente a ele, ficando na incerteza de sua sorte. Como nos

ensinam Aury Lopes Jr. e Gustavo H. Badaró

(...) o processo no prazo razoável não é o processo em sua celeridade máxima. Para se respeitar o direito ao processo no prazo razoável, a busca da celeridade não pode violar outras garantias processuais como a ampla defesa e o direito de a defesa possuir o tempo necessário para seu exercício adequado. (LOPES JR., BADARÓ, 2006, p. 44)

É necessário, portanto, que o processo dure algum tempo, pois a aceleração

eficientista privaria o acusado de direitos a ele inerentes, o que não se pode permitir

é a demora injustificada, seja qual for o motivo que deu causa a ela. Para os autores

acima citados (2006, p. 45), “o princípio da razoabilidade (...) é considerado

essencialmente quando vinculado ao valor indivíduo, visto como garantia da

jurisdição para o indivíduo. Trata-se de uma garantia do indivíduo dentro do

sistema jurídico”. [grifo dos autores]

Dessa maneira, é indiscutível, ante a adoção da doutrina do não prazo pelo

legislador pátrio, que o princípio da razoabilidade, ainda que cláusula genérica, seja

o elemento que integra todos os critérios que são utilizados pelo Tribunal Europeu

de Direitos Humanos na verificação de ocorrência ou não da violação do direito a um

processo sem dilações indevidas.

10 DECRETO Nº 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992 DECRETA: Art. 1° A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, apensa por cópia ao presente decreto, deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém.

26

5 A EFETIVA DURAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR E SEUS EFEITOS MATERIAIS

E MORAIS

Ainda que o objeto do presente estudo não seja exclusivamente a duração

indevida da prisão cautelar no processo penal, e sim o processo penal como um

todo, tendo em vista que esta decorre geralmente da conduta do acusado, a prisão

cautelar pode ser considerada um indicador, conjuntamente com os demais critérios,

que determine o retardamento do processo.

Importante mencionar duas decisões do TEDH:

No caso Wenhoff, é certo que o processo terminou com uma condenação. Porém, bem poderia ter acabado com uma absolvição e, ademais, mantendo a pessoa demasiado tempo em detenção preventiva, este será levado ao desespero, e uma pessoa desesperada defende sua inocência com uma vontade consideravelmente diminuída.11

Em uma sociedade democrática, o fato de manter um homem durante mais de sete anos na incerteza, na inquietude, na angústia do que será dele, com os sofrimentos que se produzirão em sua vida profissional e social, constituem uma clara vulneração no artigo 6.1 de que se trata.12

O TEDH, na busca de definir um prazo razoável para a prisão cautelar

prevista no artigo 5º, §3º da Convenção Europeia de Direitos Humanos, afirma a

necessidade de se encontrar um “padrão comum europeu” que seria razoável para

qualquer dos países signatários da referida Convenção, mas fato é que isso não

ocorre, cabendo ao poder judiciário de cada Estado a valoração do referido

dispositivo.

No Brasil não existe prazo máximo para a duração da prisão preventiva, ou

tampouco a previsão de imediata liberação no caso de violação desse prazo; com

exceção apenas da prisão temporária, que tem limite estabelecido em lei, o que

vigora é a incerteza acerca da duração da prisão cautelar, podendo esta perdurar

enquanto o juiz ou tribunal entender estar presente o periculum libertatis.

Para Aury e Badaró é necessária uma urgente discussão em torno da

matéria, de modo que a lei venha a estabelecer prazos máximos de duração das 11 Caso Wenhoff. Sentença proferida em 27.07.1968. LOPES JR., Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, p. 51. 12 Caso Neumeister. Sentença proferida em 27.07.1968. LOPES JR., Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, p. 51.

27

prisões cautelares, ou ainda um “dever de revisar periodicamente” a medida

adotada, como é feito em outros sistemas jurídicos.

A prisão cautelar, ainda que se diga o contrário, tem natureza punitiva e pode

ser considerada pena processual. Vejamos a lição de Carnelutti sobre o assunto:

(...) as exigências do processo penal são de tal natureza que induzem a colocar o imputado em uma situação absolutamente análoga ao de condenado. É necessário algo mais para advertir de que a prisão do imputado, junto com sua sujeição, tem, sem embargo, um elevado custo ? O custo se paga, desgraçadamente em moeda justiça, quando o imputado em lugar de culpável é inocente e já sofreu, como inocente, uma medida análoga a pena; não se esqueça que se a prisão ajuda a impedir que o imputado realize manobras desonestas para criar falsas provas ou para destruir provas verdadeiras, mais de uma vez prejudica a justiça porque, ao contrário, lhe impossibilita de buscar e de proporcionar provas úteis para que o juiz conheça a verdade. A prisão preventiva do imputado se assemelha a uma daquelas medicinas heroicas que devem ser propinadas pelo médico com suma prudência, porque podem curar o enfermo mas também pode ocasionar-lhe um mal mais grave; quiçá uma comparação eficaz se possa fazer com a anestesia e sobre tudo, com a anestesia geral, a qual é um meio indispensável para o cirurgião, mas ha se este abusa dela! (LOPES JR., BADARÓ, 2006, p. 54, apud CARNELUTTI, 1950, p. 75)

Ora, quando a prisão cautelar é utilizada de maneira indevida, como

instrumento de justiça instantânea, se perde a própria noção do instituto, que deveria

primar pela manutenção da ordem pública a garantir uma adequada instrução

processual, e não restar configurada como pena ao acusado, de maneira a violar o

princípio da presunção de inocência.

Mais uma vez, cabe ao juiz no caso concreto utilizar o Princípio da

Razoabilidade para auferir se a medida imposta é adequada ao fim que se propõe,

não permitindo que o instituto se torne comum e ordinário, pois tal aplicação causa

um efeito sedante da opinião pública (LOPES JR., BADARÓ, 2006, p. 55),

estigmatizando o acusado como culpado sem que sequer haja sentença ou

instrução criminal.

28

6 SOLUÇÕES COMPENSATÓRIAS

Não resta dúvida de que a todas as pessoas deve ser assegurado o direito à

razoável duração do processo, pois quando violada essa garantia, os danos muitas

vezes podem ser irreparáveis, pois o estigma de culpa carregado pelo acusado ao

longo do processo não pode ser mensurado por quem não vivenciou àquela

angústia. Diante da responsabilidade do Estado-juiz, que não prestou a tutela

jurisdicional de maneira efetiva, nos resta buscar soluções que possam indenizar ou

reparar o dano causado ocorrido por um julgamento que não tenha observado um

prazo razoável.

Para tanto, trabalharemos as soluções sugeridas por Aury Lopes Jr. E Gustavo

Henrique Badaró, que brilhantemente dissertam sobre o tema, adotando a seguinte

classificação: (1) soluções compensatórias no âmbito do direito civil; (2) soluções

compensatórias de natureza penal; (3) soluções processuais; (4) soluções

sancionatórias.13

6.1. SOLUÇÕES COMPENSATÓRIAS NO ÂMBITO DO DIREITO CIVIL

Na esfera cível, é complexa a tarefa de se fixar uma indenização em desfavor

do Estado ante ao descumprimento do direito de ser julgado em um prazo razoável,

pois como bem ensina Yussef Said Cahali (1982, p. 201) “a irreparabilidade de

danos causados pelos atos judiciais, sem embargo da concessão feita à

reparabilidade dos danos resultantes do erro judiciário, constitui o último reduto da

teoria da irresponsabilidade civil do Estado”.

Essa teoria deve ser superada, e o dever de indenizar do Estado não apenas

deve decorrer de erro judicial, conforme prevê a Constituição Federal14, mas

também indenizável o tempo apossado ilegalmente do acusado que não teve seu

processo julgado em um prazo razoável, pois os prejuízos decorrentes de uma

dilação processual indevida devem ao menos ser (ou tentar ser) reparados. Para

Aury e Badaró: 13 A classificação é de PASTOR, Daniel R., El Plazo Razonable en el processo del Estado de Derecho. Buenos Aires, 2002. 14 Art. 5º, inc. LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.

29

(...) a reparação é devida pelo atraso injustificado em si mesmo, independentemente da demonstração de danos causados às partes, até porque, estes são presumidos. Também independe do resultado final do processo, isto é, se o acusado foi condenado ou absolvido, pois em qualquer destes casos, o Estado não terá prestado a tutela jurisdicional do prazo razoável.

O Estado, portanto, não deve ser isento de sua responsabilidade de também

indenizar civilmente os danos causados pela demora processual, embora, conforme

devidamente observado pelos autores (Op. cit.), na prática haja uma imensa

dificuldade em tal solução compensatória, tanto pela resistência corporativa dos

tribunais em reconhecer o funcionamento anormal da justiça, quanto pela timidez

dos valores fixados a título de indenização, sempre insignificantes em decorrência

de uma violência de tal natureza.

6.2. SOLUÇÕES COMPENSATÓRIAS DE NATUREZA PENAL

Nessa seara, várias soluções já foram propostas, desde a nulidade do

processo até a absolvição do acusado.

Ora, se configurado o caráter punitivo do tempo, ou seja, o tempo como pena

processual, cabe ao juiz, no caso concreto, “compensar a demora reduzindo a pena

aplicada, pois parte da punição já foi efetivada pelo tempo” (LOPES JR., BADARÓ,

2006, p. 122). O juiz então, no caso concreto, deveria utilizar a atenuante genérica

do art. 66 do Código Penal, podendo inclusive, segundo os autores, e dependendo

do tempo transcorrido, fixar a pena abaixo no mínimo legal.

Cabível também a figura do perdão judicial, nos casos em que a lei o admite,

pois o processo se arrastou por tanto tempo, atingindo o agente de forma tão cruel,

que a própria pena se tornou desnecessária.

Outra solução de natureza penal completamente inovadora é a absolvição do

acusado, que foi adotada pela 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul, que se utilizou dos critérios estabelecidos pelo TEDH para

reconhecer a demora processual e absolver os acusados.

6.3. SOLUÇÕES PROCESSUAIS

30

Para Aury e Badaró (Op. Cit.) a melhor solução processual seria a extinção do

feito, tendo em vista que o poder que o Estado exerce no processo deve ser calcado

no tempo, tempo que deve ser razoável, pois de maneira contrária ficamos sujeitos

ao autoritarismo Estatal. Vejamos:

(...) a extinção do feito é a solução mais adequada, em termos processuais, na medida em que, reconhecida a ilegitimidade do poder punitivo pela própria desídia do Estado, o processo deve findar. Sua continuação, além do prazo razoável, não é mais legítima e vulnera o Princípio da Legalidade, fundante do Estado de Direito, que exige limites precisos, absolutos e categóricos – incluindo-se p limite temporal – ao exercício do poder penal estatal. (LOPES JR., BADARÓ, 2006, p. 126)

Isto posto, faz-se necessária uma atuação legislativa, ou mesmo judiciária,

mais enérgica, de modo que se encontre uma solução processual adequada, quer

seja ela a extinção do feito, a suspensão da execução ou dispensabilidade da pena,

o indulto e comutação, etc., o que não se pode permitir é que o direito de ser julgado

em um prazo razoável seja tido como mera “ficção jurídica” .

6.4. SOLUÇÕES SANCIONATÓRIAS

A solução aqui proposta é a de punir o servidor (juízes, promotores, etc.)

responsável pela dilação indevida. Essa talvez seja a solução mais difícil de ser

alcançada, pois ainda que haja previsão de sanção penal (Art. 319 do CP - crime de

prevaricação) e administrativa (Art. 93, II, alínea e da CF – não promoção do juiz por

retenção injustificada de autos), a raiz do problema está no corporativismo, de

maneira que os tribunais não punem os juízes porque, muitas vezes, também estes

cometem os mesmo “delitos”.

Há também previsão de sanção pecuniária aplicável ao juiz e promotor que não

observarem os prazos legais (Art. 801 do CPP), mas como já mencionado, as

sanções não são aplicadas. Dessa maneira, uma possível solução seria a tipificação

penal pela demora injustificada , aplicável a todos os servidores que derem causa à

demora na prestação jurisdicional, de modo que se coibisse essa prática protelatória

e os responsáveis fossem verdadeiramente punidos.

31

7 AS DECISÕES INTERNACIONAIS E ALGUNS PRECEDENTES

PARADIGMÁTICOS NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

O Brasil é passível de ser demandado perante a Corte Americana de Direitos

Humanos, e essa, por sua vez, sofre indiscutível influência das decisões proferidas

pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, algumas das quais analisaremos a

seguir. Por ser um direito constitucional “jovem”, o princípio da razoável duração do

processo ainda é pouco aplicado nos julgados Brasileiros, mas temos algumas

decisões paradigmáticas que merecem nossa atenção.

Conforme já estudado, não há um critério único e rígido para definir se houve

violação ao princípio da duração razoável do processo, tendo em vista a adoção da

doutrina do não prazo pelo TEDH e pelo ordenamento jurídico brasileiro. As

decisões aqui apresentadas se fundam nos critérios estabelecidos pelo TEDH e

trazem algumas das soluções apresentadas no ponto 6 do presente trabalho.

A primeira decisão que se apresenta é do TEDH, onde o Estado Suíço foi

condenado a indenizar o particular pela violação do direito de ser julgado em um

prazo razoável:

Caso “Zimmermann y Steiner contra Suíça”, Sentença de 13.07.1983: esse caso é de natureza administrativa, mas considerando que o direito a um processo sem dilações indevidas está inserido no princípio geral da celeridade, também é invocável sua violação. Trata-se de uma ação de danos contra o Estado Suíço, tendo como objeto a reclamação junto ao TEDH, a demora de aproximadamente 3 anos e meio para julgamento de um recurso junto ao Supremo Tribunal Federal Suíço. A dilação foi considerada indevida e o Estado condenado a indenizá-la. [grifo do autor]15

A Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu a seguinte decisão:

Caso “Gimenez contra Argentina”, Sentença de 01.03.1996: o réu foi condenado por delitos de roubo a uma pena de 9 anos de prisão. Cautelarmente, ficou detido por cerca de 5 anos. A Corte expressão seu reconhecimento pelo avanço legislativo daquele país, que havia promulgado lei estabelecendo o limite de duração da prisão preventiva, de 2 anos. Destacou a possibilidade de uma cautelar exceder o prazo fixado no sistema jurídico interno (2 anos), sem com isso ser considerado, automaticamente, como “indevido”, ao mesmo tempo em que uma prisão cautelar poderia ser vista como excessiva, ainda que sua duração fosse inferior ao prazo de 2 anos. No caso em questão, a partir da doutrina dos três critérios, entendeu que houve dilação indevida do processo e excesso na duração da prisão cautelar. [ grifo do autor]16

15 LOPES JR., Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique; p. 74, Op. Cit. apud PASTOR, Daniel. 16 LOPES JR., Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique; p. 75, Op. Cit. apud PASTOR, Daniel.

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Os tribunais brasileiros, ainda que lentamente, têm aderido ao direito de um

processo sem dilações indevidas, merecendo destaque o Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul, pioneiro no seguinte julgado:

Penal. Estupro e Atentado violento ao pudor. Autoria e materialidade suficientemente comprovadas. Condenação confirmada. Redimensionamento da pena. Atenuante inominada do artigo 66 do Código Penal caracterizada pelo longo e injustificado tempo de tramitação do processo (quase oito anos) associado ao não cometimento de novos delitos pelo apelante. Unânime. (TJRS. Apelação Crime nº 70007100902, Quinta Câmara Criminal, Relator: Luís Gonzaga da Silva Moura, Julgado em 17/12/2003).

Essa decisão foi proferida antes mesmo do advento da Emenda Constitucional

nº 45, tendo adotado uma solução compensatória de natureza penal, ao aplicar a

atenuante prevista no artigo 66 do Código Penal.

Outras decisões surgiram nessa mesma linha:

EMBARGOS INFRINGENTES. ATENUANTE GENÉRICA. DEMORA NA TRAMITAÇÃO DO PROCESSO. 1. O tempo transcorrido, no caso em tela, sepulta qualquer razoabilidade na duração do processo e influi na solução final. A denúncia foi recebida em 1999. Sobreveio sentença quase oito anos depois. Há que ser reconhecido o direito de ser julgado num prazo razoável, nos termos do artigo 5°, LXXVIII, da Constituição Federal. 2. A solução compensatória para a demora excessiva do processo pode situar-se, também, na aplicação da atenuante inominada prevista no artigo 66 do Código Penal, com a redução da pena. EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS. POR MAIORIA (TJRS. Embargos infringentes n ° 70025316019, Terceiro Grupo de Câmaras Criminais, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 19/12/2008). ROUBO. TRANSCURSO DE MAIS DE SEIS ANOS ENTRE O FATO E A SENTENÇA. PROCESSO SIMLPLES SEM COMPLEXIDADE. ABSOLVIÇÃO. 1. O tempo transcorrido, no caso em tela, sepulta qualquer razoabilidade na duração do processo e influi na solução final. Fato e denúncia ocorridos há quase sete anos. O processo, entre o recebimento da denúncia e a sentença demorou mais de cinco anos. Somente a intimação do Ministério Público da sentença condenatória tardou quase cinco meses. Aplicação do artigo 5°, LXXVIII. Processo sem complexidade a justificar a demora estatal. 2. Vítima e réu conhecidos; réu que pede perdão à vítima, já na fase policial; réu, vítima e testemunha que não mais lembram dos fatos. 3. Absolvição decretada. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO. (TJRS. Apelação Crime N° 70019476498, Sexta Câmara Criminal, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 14/06/2007).

Outra solução compensatória é o trancamento do processo pelo excesso de

prazo, conforme observado na decisão a seguir:

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HABEAS CORPUS. EXCESSO DE PRAXO. DIREITO CONSTITUCIONAL DE SER JULGADO NUM PRAZO RAZOÁVEL. JULGAMENTO ANTECIPADO DO PROCESSO PENAL. INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA SITUAÇÃO PROCESSUAL FALTA DE JUSTA CAUSA. 1. O tempo transcorrido, no caso em tela, sepulta qualquer razoabilidade na duração do processo e influi na solução final. Os fatos remontam aos meses maio e junho 1997 e a denúncia foi oferecida somente em 2004, sete anos depois da ocorrência dos fatos. Em se tratando de processo simples, com apenas dois réus e um fato delituoso, há que ser reconhecido o direito de ser julgado num prazo razoável nos temos do artigo 5°, LXXVII, da Constituição Federal. 2. A prescrição penal atinge o direito de punir o Estado, em face do transcurso do tempo e tem por base a ausência de resposta punitiva do Estado no prazo razoável, o que o torna inválida a incidência do ius puniendi. 3. Possível é o reconhecimento de prescrição, antecipadamente, sem necessidade de instrução do feito quando, dos autos se inferir demonstração inequívoca de que, mesmo havendo condenação, em face da pena aplicada, esta resultaria sem utilidade. 4. Desaparece o interesse de agir do Estado quando o processo é utilizado para instrumentalizar o nada, o vazio, o inócuo e para maquiar situações em que não há trabalho útil. É dever do magistrado julgar antecipadamente o feito e prestar uma jurisdição útil, que atinja a cidadania. ORDEM CONCEDIDA. (TJRS. Habeas Corpus N° 70021828561, Sexta Câmara Criminal, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 08/11/2007).

Cabe ainda citar a decisão paradigmática, também de lavra do Desembargador

Nereu José Giacololli, que reconheceu a necessidade de equilíbrio entre o direito à

razoável duração do processo e as demais garantias fundamentais:

APELAÇÃO CRIME. FURTO QUALIFICADO. VÍCIO NA CITAÇÃO. 1. No caso em apreço, o juízo deprecado recebeu a precatória de citação no dia 29/06, às 18h30min, conforme certidão expedida pelo escrivão, uma seta-feira, inviabilizando o seu cumprimento. O interrogatório foi realizado no dia 02/07, uma segunda-feira, consoante calendário da época. Com isso, o imputado que sequer foi totalmente citado não teve nenhum dia útil para tentar manter algum contato com um defensor ou com a Defensoria Pública. 3. Assim, o problema da duração do processo há se tomar, como primeiro ponto de partida, a perspectiva dos direitos do imputado, devendo ter em conta que o processo penal no estado de direito reclama tempo, ou seja, aquele que resulta necessário para satisfazer o exercício de todos os direitos do imputado, o que não foi observado no caso em apreço. O direito ao processo em um prazo razoável, assegurado na Constituição Federal e na Convenção Americana de Direitos Humanos, deve ser observado, nessa senda, sob uma dupla perspectiva, ou seja, deve-se evitar tanto a demora processual, quanto um processo demasiado expedito, no sentido de atropelar os direitos e garantias fundamentais. 4. Imprescindível destacar que a própria lei processual garante, no artigo 185, § 2°, do Código de Processo Penal, que antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor. 5. Daí também a oportunidade de denunciar não só a violação da duração razoável do processo no caso, célere, expedito demais, atropelando as garantias mas também todo o sistema de nulidades no nosso Código de Processo. PROCESSO ANULADO DESDE A CITAÇÃO. (TJRS. Apelação Crime N° 70027722123, Sexta Câmara Criminal, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 24/09/2009).

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Finalmente, é importante verificar a atual posição do Supremo Tribunal Federal

a cerca do assunto:

Há comprovação nos autos de que a marcha processual ainda continua em razão de diligências requeridas pelo próprio paciente, que atua em defesa própria, não configurando, portanto, constrangimento ilegal flagrante decorrente do alegado excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal. (HC 96.511, rel. min. Menezes Direito, julgamento em 28-4-2009, Primeira Turma, DJE de 29-5-2009.) No mesmo sentido: HC 108.821, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 28-2-2012, Segunda Turma, DJE de 10-4-2010; HC 102.449, rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 21-9-2010, Segunda Turma, DJE de 22-10-2010; HC 98.255, rel. min. Cármem Lúcia, julgamento em 17-11-2019, Primeira Turma, DJE de 16-4-2010; HC 98.082, rel. min. Ricardo Lewandoviski, julgamento em 24-11-2009, Primeira Turma, DJE de 12-2-2010. Não caracteriza constrangimento ilegal o excesso de prazo que decorra do direito do réu de, retardando a realização do júri, insistir no reexame da pronúncia mediante recursos em sentido estrito e extraordinário. (HC 88.995, rel. min. Cezar Peluso, julgamento em 12-2-2008, Segunda Turma, DJE de 28-3-2008.) No mesmo sentido: HC 98.388, rel. min. Ellen Gracie, julgamento em 23-3-2010, Segunda Turma, DJE de 16-4-2010. Alegação de excesso de prazo para o término da instrução criminal. (...) Ausência de constrangimento ilegal ao status libertais do acusado, que, foragido, foi citado por edital e teve sua revelia decretada (CPP, art.366). Excesso de prazo não caracterizado. (RHC 80.968, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 18-9-2001, Segunda Turma, DJE de 17-9-2010.) O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivado portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu – traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tomar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5°, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei. ( HC 85.237, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 17-3-2005, Plenário, DJ de 29-4-2005.) No mesmo sentido: HC 102.668, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 5-10-2010, Primeira Turma, DJE de 1°-2-2011; HC 103.793, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 22-6-2010, Segunda Turma, DJE de 6-8-2010; : HC 95.634, rel. min.Ellen Gracie, julgamento em 2-6-2009, Segunda Turma, DJE de 19-6-2009; : HC 95.492, rel. min. Cezar Peluso, julgamento em 10-3-2009, Segunda Turma, DJE de 8-5-2009; : HC 97.050, rel. min. Eros Grau, julgamento em 17-2-2009, Segunda Turma, DJE de 1°-7-2009; : HC 93.639, rel. min. Eros Grau, julgamento em 16-12-2008, Segunda Turma, DJE de 14-8-2009; : HC 87.164, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 4-4-2006, Segunda Turma, DJE de 29-9-2006.

O que pode se extrair dos julgados acima, é que apesar dos tribunais

brasileiros reconhecerem o direito à razoável duração do processo ainda de maneira

acanhada, é que o assunto tem sido frequentemente aduzido nas demandas

judiciais.

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8 CONCLUSÃO

O direito a razoável duração do processo constitui uma importante garantia

constitucional aos jurisdicionados, haja vista que um dos maiores problemas do

judiciário brasileiro está justamente calcado na morosidade da tutela estatal.

O que se verificou ao longo deste trabalho, é em que pese o direito a um

julgamento no prazo razoável seja um princípio constitucional explícito, não se

observa grande efetividade do mesmo no âmbito da jurisprudência nacional, isso

devendo talvez a adoção da doutrina do não prazo como critério para estabelecer se

houve ou não violação do referido direito. É latente a necessidade de uma definição

do que seria um prazo razoável para julgamento, como fez por exemplo, o sistema

jurídico paraguaio, que adotou o sistema de prazos fixos para aferição da violação,

pois quando o acusado não é julgado em um prazo razoável, inúmeras outras

garantias constitucionais lhe são negadas.

Contudo, é necessário ter cautela ao tentar se estabelecer um prazo razoável,

a fim de que se evite a aceleração eficientista, que seria tão prejudicial ao acusado

quanto à morosidade. A chave está no equilíbrio: entregar ao jurisdicionado uma

tutela estatal justa e eficaz, com a observância de suas garantias constitucionais,

sem que haja dilações indevidas durante o processo. Além da fixação de prazos,

urge também a necessidade de, em alguma medida, compensar o acusado pelo

descumprimento desse direito, embora o tempo que lhe foi tirado, estando ele preso

ou em liberdade, jamais possa ser efetivamente mensurado ou indenizado.

Acredita-se, portanto, que o abandono da doutrina do não prazo, com a

consequente fixação de prazos para o que se considera um julgamento sem

dilações indevidas, bem como o estabelecimento de sanções no caso de seu

descumprimento seja o caminho mais adequado para garantir ao acusado a eficácia

de seus direitos e garantias fundamentais.

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__________.Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera

dispositivos dos art. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111,

112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e

acrescenta os art. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. Acesso em

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