UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Lucimari de Lima dos...

65
UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Lucimari de Lima dos Santos ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE CURITIBA 2011

Transcript of UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Lucimari de Lima dos...

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Lucimari de Lima dos Santos

ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

CURITIBA 2011

ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

CURITIBA 2011

Lucimari de Lima dos Santos

ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Thais Santi Cardoso da Silva

CURITIBA 2011

TERMO DE APROVAÇÃO

Lucimari de Lima dos Santos

ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba,.... de ............... de 2011.

_________________________________

Curso de Direito

Universidade Tuiuti do Paraná

_____________________________

Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografias

Orientadora: ______________________________________ Prof. (a) Thais Santi Cardoso da Silva

____________________________________ Prof. (a)

Membro da Banca Examinadora

____________________________________ Prof. (a)

Membro da Banca Examinadora

AGRADECIMENTOS A todos que contribuíram para a reflexão e realização deste trabalho, especialmente, ao meu esposo pela compreensão e apoio, em todos os momentos desta jornada.

Dedico este trabalho a todos aqueles que, direta ou indiretamente, acreditam e me incentivam a correr atrás dos meus ideais, em especial a minha família.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO................................................................................................. 07

2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE............................................ 09

2.1 ORIGEM DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE...................... 10

2.2 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE JURISDICIONAL............... 11

2.2.1 Sistema Difuso (de origem norte-amerciana)................................................ 11

2.2.2 Sistema Concentrado (de origem austríaca)................................................... 13

2.2.3 Sistema Misto (adotado no Brasil)................................................................. 15

2.3 CONTROLE DE CONSTITUCINALIDADE BRASILEIRO......................... 16

3. ASPECTOS ATUAIS DO CONTROLE DE CONSTITUCINALIDADE BRASILEIRO

23

3.1 O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE NO STF............. 23

3.2 TRANSFORMAÇÕES NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO ..................... 25

3.2.1 Requisito do Esgotamento de Instâncias Ordinárias................................... 25

3.2.2 Repercussão Geral da Questão Constitucional........................................... 27

3.2.3 Sobrestamento dos Processos de Questões Idênticas.................................. 28

3.2.4 A Participação do Amicus Curiae no Recurso Extraordinário....................

3.2.5 Modulação Temporal dos Efeitos da Decisão pelo STF ............................

29

33

3.2.6 Súmula Vinculante.................................................................................... 35

4. O PAPEL DO SENADO FEDERAL NO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

38

4.1 A ABSTRATIVISAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO ................................... 43

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 55

RESUMO

A presente monografia tem por objetivo a análise da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade no Brasil, que é a tendência do Supremo Tribunal Federal ampliar os efeitos da decisão proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade, atribuindo-lhe efeitos vinculantes de modo a deixá-lo mais abstrato. Analisa-se o sistema de controle de constitucionalidade adotado em nosso ordenamento, especialmente o controle difuso realizado pelo Supremo Tribunal Federal e as transformações ocorridas no recurso extraordinário, bem como a possibilidade de modulação dos efeitos das decisões, a edição de Súmula vinculante, a participação do Senado Federal no controle difuso de normas e a possibilidade da ocorrência do fenômeno da mutação do artigo 52, X, da Constituição Federal. Como fontes, foram realizados estudos bibliográficos da doutrina mais consagrada, tanto na corrente que é a favor, como na que se posicionam contra o instituto em comento, das modificações legislativas pertinentes, em especial da emenda constitucional nº 45, da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da sua tendência a abstrativização do controle difuso. É relevante o estudo na medida em que o tema se encontra em discussão no STF, o que a depender do posicionamento adotado pela Corte haverá uma drástica mudança no sistema de controle aqui adotado.

Palavras-chave: controle de constitucionalidade, Supremo Tribunal Federal, abstrativização.

7

1 INTRODUÇÃO

Hodiernamente, a discussão a respeito do controle jurisdicional no Brasil

tem chamado à atenção de boa parte da doutrina, uma vez que encontra-se em

discussão no Supremo Tribunal Federal a possibilidade de extensão dos efeitos

erga omnes as decisão proferida em sede de controle difuso, sem contudo haver a

participação do Senado Federal, em razão de suposta ocorrência da mutação

constitucional do inciso X do artigo 52 da Constituição Federal.

Em razão disso, o presente trabalho objetiva analisar as transformações

ocorridas no recurso extraordinário de modo a deixá-lo mais abstrato, bem como

a Reclamação 4335-5 a qual está pendente de julgamento no Supremo Tribunal

Federal, visto que a análise do mencionado caso demonstra a adoção de posturas

pioneiras relacionadas ao controle de constitucionalidade assim como uma

redefinição do papel do Senado Federal e do próprio STF nesta via de controle.

Para tanto, a pesquisa desenvolveu-se em âmbito preponderantemente

bibliográfico. Realizou-se além do estudo jurisprudencial junto ao Supremo

Tribunal Federal, um levantamento legislativo assim como abordagem da

literatura jurídica a respeito da temática.

A primeira parte destina-se a expor um breve histórico dos sistemas de

controle de constitucionalidade relatando sua origem e seus conceitos básicos de

modo a esclarecer as diferenças que predominam entre os dois sistemas difuso e

concentrado.

8

Em seguida são apresentados os meios de controle de constitucionalidade

adotado no Brasil, a fim de esclarecer o que justifica a coabitação dos dois

sistemas difuso e concentrado de modo a formar um sistema misto. Em sequencia

passamos a estudar a os efeitos das decisões do principal órgão encarregado da

jurisdição constitucional em nosso ordenamento.

Na segunda parte, tratar-se-á, também de forma abreviada e com o

intuito de situar o leitor, das transformações ocorridas no recurso extraordinário

que visam a torná-lo mais abstrato. Por este motivo, neste tópico passamos a

abordar os temas mais intrigantes em sede de controle difuso realizado pela via

concreta, de modo a demonstrar a ocorrência, tanto em sede legislativa como

jurisprudencial, da aproximação dos dois sistemas de controles.

Na terceira parte, o principal ponto do trabalho recairá sobre a atuação do

Senado Federal no controle difuso de normas realizado pelo Supremo Tribunal

Federal e a possibilidade de mutação do inciso X do artigo 52 da Constituição

Federal.

E por fim, analisam-se as argumentações proferidas por alguns

Ministros, nos votos da referida Reclamação, em que divergem sobre a

necessidade de manutenção do papel tradicionalmente atribuído ao Senado

Federal em sede de controle difuso de constitucionalidade, expondo os principais

apontamentos doutrinários tanto a favor como contra o posicionamento adotado

pelos Ministros.

9

2 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

O controle de constitucionalidade tem por objetivo impedir que norma

contrária a Constituição permaneça no ordenamento jurídico, atuando, assim,

como meio de fiscalização da compatibilidade entre uma lei ou ato normativo e a

Carta Constitucional.

Segundo Luís Roberto Barroso: “A declaração de inconstitucionalidade

consiste no reconhecimento da invalidade de uma norma e tem por fim paralisar

sua eficácia.” (2009, p. 01).

Trata-se de um importante mecanismo para assegurar a supremacia da

Constituição, a qual, segundo pensamento de Kelsen, está no topo da pirâmide

normativa. Deste modo, a Constituição tem o condão de regular a produção das

demais normas do ordenamento jurídico positivo. Com isso, o que se pretende é

que as leis infraconstitucionais estejam em consonância com a Lei Maior.

Para a professora Regina Ferrari: “toda a problemática do controle de

constitucionalidade envolve a supremacia constitucional, cujo sentido se estriba

num conjunto de valores a ser preservado, representando os princípios basilares

do Estado.” (2003, p. 17).

Sobre o tema, afirma a autora acima que: “A superioridade da

Constituição representa a mais eficaz garantia da liberdade da dignidade do

10

indivíduo, obrigando a enquadrar todos os atos normativos nas normas nela

previstas.” (2003, p. 18).

Neste sentido, Luís Roberto Barroso ensina que: “Um dos fundamentos

do Controle de constitucionalidade é a proteção dos direitos fundamentais,

inclusive e sobretudo os das minorias, em face de maiorias parlamentares

eventuais.” (2009, p. 2).

O que se pretende com esse controle, segundo o autor citado, é evitar

que direitos conferidos à sociedade pelo constituinte originário, com o objetivo

de protegê-la, sejam excluídos pelas injunções estritamente políticas.

Assim, para assegurar a Supremacia do texto constitucional, a norma

declarada inválida por ser contrária a Constituição não poderá ser aplicada, pois

em caso de conflito deverá prevalecer à norma constitucional.

2.1 ORIGEM DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Segundo afirmam estudiosos do tema, foi o caso Marbury v. Madison,

julgado pela Suprema Corte norte-americana em 1803, que deu a origem ao

controle de constitucionalidade, porém, esta não foi pioneira, segundo

ensinamento de Luís Roberto Barroso já havia precedente neste sentido, como se

vê da lição transcrita abaixo:

“De fato, havia precedentes identificáveis em períodos diversos da história, desde a Antiguidade, e mesmo nos Estados Unidos o argumento já havia sido deduzido no período colonial, com base no

11

direito inglês, ou em cortes federais inferiores e estaduais. Além disso, no plano teórico, Alexander Hamilton, no Federalista n. 78, havia exposto analiticamente a tese, em 1788. Nada obstante, foi com Marbury v. Madison que ela ganhou o mundo e enfrentou com êxito resistências políticas e doutrinárias de matizes diversos.” (2009, p. 27).

No entanto, é pacífico o entendimento doutrinário de que foi o

mencionado caso que consagrou o princípio da supremacia do poder judiciário e

iniciou o judicial review ou controle pelo judiciário da constitucionalidade das

leis.

No leading case, o juiz John Marshall deixou de aplicar lei ofensiva a

Constituição, sob o argumento de que os tribunais não devem perder de vista a

Constituição, pois se ela é superior a qualquer ato ordinário do Poder Legislativo,

a Constituição e não a lei ordinária há de reger o caso, a que ambas dizem

respeito.

2.2 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE JURISDICIONAL

O controle jurisdicional dos atos normativos é realizado pelo Poder

Judiciário, podendo ser realizado de duas maneiras, através do controle difuso

por qualquer juiz ou tribunal e do concentrado realizado por um único órgão.

O sistema é classificado como difuso ou concentrado de acordo com a

forma que ele é exercido, pois cada qual apresenta características próprias,

conforme será analisado.

12

2.2.1 Sistema Difuso (de origem norte-amerciana)

O sistema de controle difuso de constitucionalidade é a fiscalização

constitucional que é realizada pelo Poder Judiciário, por qualquer juiz ou

tribunal.

Todavia, em que se pese qualquer órgão jurisdicional possa realizar o

controle constitucional, é a Suprema Corte quem desempenha um papel decisivo

no campo constitucional, pois cabe a ela dar a palavra final.

Neste diapasão são os apontamentos de Mauro Cappelletti:

O resultado final do princípio do vínculo aos precedentes é que, embora também nas corte norte-americanas possam surgir divergências quanto à inconstitucionalidade de uma determinada lei, através do sistema das impugnações a questão de inconstitucionalidade poderá acabar, porém, por ser decidida por órgãos judiciários superiores e, em particular pela Supreme Court, cuja decisão será daquele momento em diante, vinculatória para todos os atos do judiciário. Em outras palavras, o princípio do stare decisis opera de modo tal que o julgamento de inconstitucionalidade da lei acaba, indiretamente, por assumir uma verdadeira eficácia erga omnes e não se limita então a trazer consigo o puro e simples efeito da não aplicação da lei a um caso concreto com possibilidade, no entanto, de que em outros casos a lei seja, ao invés de novo aplicada. (1992, p. 80/81).

Conforme exposto acima, esta forma de sistema teve sua origem no

direito norte-americano, consolidando-se com a decisão da Suprema Corte no

caso Marbury v. Madson.

13

No sistema difuso, segundo a concepção mais tradicional, a lei

inconstitucional é absolutamente nula, pelo que o juiz apenas declara a nulidade

da lei inconstitucional.

Por esse motivo, a decisão proferida, nesta via de controle, produz

efeitos ex tunc, ou seja, retroagirão à data da edição da lei, tornando-a incapaz de

gerar efeitos.

Por fim, anota-se que o controle judicial difuso de constitucionalidade é

exercido pela via incidental, sendo o pedido prejudicialmente ao exame do

mérito, de modo que a alegada inconstitucionalidade será a causa de pedir

processual.

Assim, o controle difuso de constitucionalidade se presta a apreciação de

uma lesão a dispositivo constitucional verificada em um caso concreto,

ocorrendo a declaração da inconstitucionalidade apenas incidenter tantum.

2.2.2 Sistema Concentrado (de origem austríaca)

O sistema de controle concentrado de constitucionalidade, como o

próprio nome diz, é aquele que se concentra em um único tribunal, sendo

exercido, normalmente, por Cortes Constitucionais. Este é o modelo adotado

pelos tribunais constitucionais europeus, conhecidos como sistema austríaco, por

ter se originado na Áustria.

14

Ensina Luís Roberto Barroso, que: “No sistema concentrado, o controle

de constitucionalidade é exercido por um único órgão ou por um número

limitado de órgãos criados especificamente para esse fim ou tendo nessa

atividade a sua função principal". (2009, p. 47).

Segundo estudiosos, Hans Kelsen foi o idealizador deste método de

fiscalização de constitucionalidade, sendo este sistema adotado pela primeira vez

na Constituição Austríaca de 1920.

Ao que se sabe, Kelsen, apesar de concordar com o controle de

constitucionalidade, afinal foi ele o idealizador da pirâmide normativa, negava

aos juízes a possibilidade de realizar esse controle por entende que isso daria

muito poder aos magistrados, por isso ele defendia a ideia de um órgão

autônomo, com a tarefa exclusiva de realizar o controle de constitucionalidade.

Segundo esse pensamento, a fiscalização de constitucionalidade não

seria uma função própria do Judiciário, mas uma função autônoma. Por isso, a

necessidade de um órgão constitucional autônomo para exercer esta função, de

modo a propiciar a independência de seus julgamentos.

A principal característica do sistema Austríaco é que, enquanto o

controle difuso só podia ser efetuado incidentalmente no curso de um processo

comum, neste o controle é realizado como motivo principal da ação.

Segundo Cappelletti, no sistema austríaco, diferentemente do sistema

norte-americano da nulidade, “a Corte Constitucional não declara uma nulidade,

15

mas anula, cassa uma lei que, até o momento em que o pronunciamento da Corte

não seja publicado, é válida e eficaz, posto que inconstitucional”. (1992, p. 116).

Por isso, a declaração de inconstitucionalidade, no sistema concentrado,

produz efeitos erga omnes, ou seja, uma vez pronunciada nulidade de uma lei, ela

perde sua força obrigatória em relação a todos.

Segundo doutrinadores, com a reforma de 1929, o sistema austríaco

passou a admitir que refutada a aplicação da norma por ser inconstitucional, o

pronunciamento da Corte deveria ter aplicação também em relação aos fatos

ocorridos antes de ser declarada a inconstitucionalidade, desde que limitados

àquele caso concreto.

Ao que se sabe, o modelo austríaco de jurisdição concentrada foi

adotado por diversos países europeus, sendo conservado até os dias atuais.

2.2.3 Sistema Misto (adotado no Brasil)

O controle misto de constitucionalidade é o que adota os dois sistemas

anteriormente estudados, ou seja, o sistema admite o controle tanto pela via

concentrada como pela via difusa.

No sistema difuso, conforme exposto acima, atribui-se a todos os órgãos

do Poder Judiciária a prerrogativa de afastar a incidência de lei inconstitucional

nas demandas judiciais que lhe são submetidas.

16

Já no sistema concentrado reconhece-se a determinado órgão da cúpula a

competência para julgar ações de cunho abstrato.

O Brasil, atualmente, adota o sistema misto, em que se conjugam o

modelo difuso e o modelo concentrado de controle de constitucionalidade.

Como se sabe, em nosso ordenamento o controle posterior pode ser

exercido tanto na forma concentrada como difusa, podendo ser realizado por

todos os órgãos que o compõe Judiciário, desde que adotado o procedimento

adequado entre meios disponíveis.

Cumpre assinalar, ainda, que no Brasil surgiram muitas alterações nos

dois sistemas de controle de constitucionalidade. Ocorre que alguns princípios

específicos de determinado sistema vem sendo mitigando, aproximando cada vez

mais um modelo do outro.

2.3 CONTROLE DE CONSTITUCINALIDADE NO BRASIL

O presente capítulo tem por objetivo apresentar algumas considerações

acerca do controle de constitucionalidade no Brasil.

2.3.1 Quanto à natureza

No Brasil, segundo Pedro Lenza, vige o sistema de controle jurisdicional

misto dos atos normativos, podendo ser realizado o controle tanto por um único

17

órgão através do sistema concentrado como por qualquer juiz ou tribunal por

meio de sistema difuso (2009, p. 217).

Todavia, tem-se, excepcionalmente, o controle político de

constitucionalidade, que é aquele que entrega a fiscalização de

constitucionalidade a órgão de natureza política.

Em nosso ordenamento o controle posterior, em regra, é realizado pelo

Judiciário, mas os Poderes Legislativo e Executivo também possuem

mecanismos de controle repressivo como os previstos nos artigos 49, V e 62, da

atual Constituição.

Segundo Luís Roberto Barroso “o Veto executivo a projeto de lei por

entendê-lo inconstitucional (veto jurídico) bem como a rejeição de projeto de lei

na Comissão de Constituição e Justiça, seriam exemplos de controle político.”

(2009, p. 42/43)

Além disso, também é realizado pelo Chefe do Poder Executivo quando

deixa de aplicar uma lei por entender que ela é inconstitucional.

Por fim, o judiciário exerce o controle posterior dos atos normativos

tanto pelo sistema concentrado como pelo sistema difuso, o que será objeto de

estudo neste trabalho.

2.3.2 Quanto ao Momento

2.3.2.1 Controle Preventivo

18

O controle de constitucionalidade pode ocorrer em dois momentos, o

primeiro chamado de preventivo é realizado no projeto de lei, impedindo a

inserção no sistema normativo de normas que padeçam de vícios, já o segundo

incide sobre a lei que está em vigor, apta a produzir efeitos potenciais ou

efetivos, por isso é chamado de controle repressivo.

O controle prévio poderá ser realizado pelo Legislativo, pelo Executivo

e pelo Judiciário. Neste último caso, o controle é realizado pela via de exceção,

em defesa de direito de parlamentar.

O controle realizado pelo Legislativo consiste em verificar, através de

suas comissões de constituição e justiça, se o projeto de lei contém algum vício

que poderá ensejar sua inconstitucionalidade.

O Executivo desempenha o controle através da sanção ou veto do

projeto de lei aprovado. No termos do artigo 84, V, da Constituição Federal, cabe

ao Chefe do Executivo vetar o projeto lei que considerar inconstitucional ou

contrário ao interesse público.

Em fim, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal o controle

preventivo pode ocorrer pela via jurisdicional quando for vedado pela própria

Constituição o trâmite da espécie normativa, o que vem sendo reconhecido como

“direito ao devido processo legislativo”.

2.3.2.2 Controle Repressivo

19

O controle posterior ou repressivo é realizado quando a lei ou ato

normativo já está em vigor, mas possui determinado vício formal ou material que

compromete sua validade. Esse método de controle visa impedir a aplicação de

norma inconstitucional, destina-se a paralisar sua eficácia.

Os órgãos competentes a realizar o controle das normas variam de

acordo com o sistema de controle adotado pelo Estado, o qual é classificado pela

doutrina em controle político, jurisdicional e híbrido.

O controle político, também chamado de francês, encontra-se em

Estados onde o controle é exercido por um órgão distinto dos três poderes, sendo

este órgão responsável por assegurar a supremacia da Constituição. Este é o

modelo utilizado em alguns países europeus onde o controle é realizado pelas

Cortes ou Tribunais Constitucionais.

O sistema de controle judicial de constitucionalidade é realizado pelo

Poder Judiciário, por qualquer juiz ou tribunal por meio do controle difuso, ou

concentrado por um único órgão.

E por fim, a doutrina chama de híbrido o sistema que adota as duas

formas de controle acima. Neste modelo, algumas normas se sujeitam ao controle

perante um órgão distinto dos três poderes, enquanto outras são submetidas à

apreciação do Poder Judiciário.

2.3.3 Quanto à Competência

20

Em decorrência do modelo de sistema misto aqui adotado, é possível

realizar o controle de constitucionalidade tanto pela via principal como pela via

incidental.

Na primeira hipótese o controle da norma é realizado como questão

prejudicial do pedido, cabendo à análise a qualquer juiz ou tribunal. Já na

segunda, o controle poderá ser realizado pela via principal quando a análise da

constitucionalidade da norma for o objeto da ação. Neste caso, a apreciação da

matéria é de competência originária do STF, sendo proposta a ação diretamente

naquela Corte.

2.3.4 Quanto à Capacidade

A Constituição traz no artigo 103 o rol taxativo de legitimados ativos

para exercer o controle concentrado de normas, assim a propositura desta ação

está limitada às entidades e órgãos ali previstos.

Já no controle difuso não há que se falar em rol de legitimados ativos

como ocorre no controle concentrado, aqui, qualquer pessoa, desde que

preenchidos os requisitos da ação, poderá requerer que se afaste a incidência de

uma norma que entenda ser inconstitucional.

Porém, tal pedido ocorre de forma incidental, prejudicialmente ao exame

do mérito, de modo que a alegada inconstitucionalidade será a causa de pedir

processual.

21

2.3.5 Quanto aos Efeitos da Decisão

No que concerne à extensão dos efeitos no controle concentrado não há

controvérsias, é pacifico o entendimento de que todos são atingidos pela decisão,

ou seja, a decisão neste sistema produz efeito erga omnes para todos conforme

disposição constitucional.

No que concerne ao momento em que a decisão passará a produzir

efeitos, nem sempre será aplicada a teoria kelseniana da nulidade da norma. É

que nosso sistema passou a admitir a mitigação dos efeitos da declaração de

inconstitucionalidade, sendo possível em casos excepcionais o Supremo decidir o

momento em que a decisão passará a ter efeito.

Passando aos efeitos da decisão proferida em sede de controle difuso,

temos que a regra é que estes se produzam entre as partes litigantes.

Assim, os efeitos da decisão, em regra, valem somente para as partes

litigantes em juízo, não atingindo terceiros que não participaram do processo.

Porém, já existem mecanismos que possibilitam estender os efeitos da

decisão, nos casos julgados pelo Supremo, para todos os que se encontrarem na

mesma situação, evitando, assim, que cada um venha a provocar o judiciário

individualmente.

22

Entre os possíveis meios de estender os efeitos da decisão do Supremo,

um deles encontra previsão expressa no artigo 52, inciso X, da Constituição de

1988, o qual estabelece “ser competência do Senado Federal suspender a

execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão

definitiva STF”.

Assim, declarada a inconstitucionalidade da lei pelo Supremo, em sede

de controle difuso, deve ser comunicado ao Senado para que este, através de

resolução, suspenda a execução da norma para que todos os que se encontrarem

em situações análogas possam se beneficiar da decisão, porém, esta valerá a

partir do momento em que a resolução for publicada na imprensa oficial.

Entretanto, necessário se faz enfatizar que o dispositivo Constitucional

Supracitado vem sendo objeto de discussão no STF, o que, aliás, é objeto deste

trabalho.

A questão de a declaração de inconstitucionalidade proferida incidenter

tantum produzir efeitos somente inter partes não gera maiores perplexidades no

caso de essa decisão ser proferida por juiz monocrático ou por qualquer tribunal.

No entanto, não há consenso na doutrina e jurisprudência quanto aos

efeitos da decisão quando proferida em sede de recurso extraordinário, pelo pleno

daquele órgão designado constitucionalmente para ser o guardião da

Constituição.

23

No que tange ao momento em que passa a produzir efeitos a decisão que

declara a inconstitucionalidade da norma no controle difuso, em regra, produz

efeitos retroativos, ex tunc, de modo que a lei se torna nula, pois é atingida desde

sua edição.

Deste modo, em relação a estas partes que litigarem no processo onde

incidentalmente se der a declaração de inconstitucionalidade, os efeitos

retroagirão à data da edição da lei, tornando-a incapaz de gerar seus efeitos

lesivos em relação àquela parte que arguiu a inconstitucionalidade.

No entanto, o STF já entendeu que, mesmo no controle difuso, os efeitos

da decisão poderão projetar-se para o futuro, efeitos ex nunc, trata-se da

“modulação dos efeitos da decisão”, o que também será abordado

oportunamente.

Desta forma, os efeitos das decisões no controle difuso, segundo STF,

quanto a sua extensão podem ser inter partes ou erga omnes, e quanto ao

momento que produzem efeitos, podem ser tanto ex nunc como ex tunc, a

depender da matéria discutida.

24

3 ASPECTOS ATUAIS DO CONTROLE DE CONSTITUCINALIDADE

BRASILEIRO

Atualmente, pode-se afirmar que, não há mais um sistema clássico de

controle difuso em nosso país, pois este vem sofrendo sucessivas alterações de

modo a deixá-lo abstrato, consoante às modificações legislativas, constitucionais

e da própria jurisprudência do Supremo.

Por este motivo, passamos a abordar os temas mais relevantes que

envolvem o controle difuso realizado pela via concreta, sobre tudo as

transformações ocorridas no recurso extraordinário.

O objetivo deste tópico é demonstrar de que forma as decisões do STF,

mesmo oriundas do controle difuso, têm projetado seus efeitos para além das

partes envolvidas.

3.1 O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE NO STF

Conforme exposto anteriormente, o controle difuso de

constitucionalidade pode ser exercido por qualquer juiz ou tribunal. Sendo

possível a parte sucumbente, através de recurso, devolver a análise da matéria a

uma instância superior, podendo levar a discussão da matéria aos Tribunais

Superiores.

25

Deste modo, poderá a questão, por meio do recurso extraordinário,

chegar até o Supremo Tribunal Federal que realizará o controle difuso de

constitucionalidade da norma atacada de forma incidental.

O recurso extraordinário, segundo doutrinadores, não se presta a exercer

juízo sobre o mérito da questão guerreada, pois sua finalidade é assegurar o

regime federativo por meio do controle da aplicação da Constituição Federal.

O cabimento deste recurso exige que a decisão recorrida verse sobre

controvérsia acerca da aplicação ou interpretação da Constituição Federal. Por

isso, tal recurso possui um âmbito restrito, só permitindo a discussão de

determinadas situações, sendo conhecido como de fundamentação vinculada.

Assim, as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário estão,

taxativamente, previstas no artigo 102, inciso III da Constituição vigente.

Segundo esse dispositivo:

Compete ao Supremo julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única e última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

Segundo estabelece o Regulamento Interno do Supremo Tribunal

Federal, para o julgamento da matéria pela Corte o quórum deve ser de oito

ministros, e para ser proclamada a (in) constitucionalidade do preceito do ato

impugnado é necessário que, em um ou outro sentido, se manifestem seis

ministros.

26

3.2 INOVAÇÕES NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO E NO CONTROLE

DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

3.2.1 Requisito do Esgotamento de Instâncias Ordinárias

O recurso extraordinário só é admissível quando já esgotadas todas as

possibilidades recursais nas instâncias ordinárias. Assim, se ainda for cabível

algum recurso ordinário, este deverá ser interposto anteriormente porque só após

o julgamento deste estaria diante da decisão de “última instância” a que se refere

o artigo 102, III, da Constituição Federal.

Sobre assunto, afirma Fredie Didier Jr. que:

Os recursos extraordinário e especial pressupõem um julgado contra o qual já foram esgotadas as possibilidades de impugnação nas várias instâncias ordinárias ou na instância única. Não podem ser exercidos per saltum, deixando in albis alguma possibilidade de impugnação. As Cortes de cúpula só devem manifestar-se sobre questão que tenha sido resolvida na instancia ordinária. (2010, p. 266),

Neste contexto, observa-se a Súmula 282 do STF que exige, para

interposição do recurso extraordinário, a existência de prequestionamento da

matéria constitucional. Assim, em tese, só será cabível o recurso se a questão

constitucional estiver presente nos autos, e houver sido decidida pelo tribunal.

Pois segundo disposição da referida Súmula “É inadmissível o recurso

extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal

suscitada”.

27

Necessário enfatizar, que há decisões proferidas por ministros daquela

Corte no sentido de que as regras do prequestionamento devem ser flexibilizadas,

o que, segundo a lição de Fredie Didier Jr e Leonardo José Carneiro da Cunha,

“relativizou a exigência deste requisito” (2008, p. 262).

No entanto, como exposto acima, para interpor um recurso

extraordinário é necessário esgotar as vias ordinárias, deste modo se a questão

não houver sido examinada pelo tribunal, não obstante ter sido suscitada pela

parte, deverá ser oposto embargos de declaração com o objetivo de suprir a

omissão da decisão proferida.

Deste modo, sendo cabíveis embargos infringentes ou embargos de

declaração, tais recursos deverão ser utilizados, pois só após o julgamento destes

recursos é que se tem a decisão de “última instância” necessária para interpor

recurso extraordinário.

Esta é uma exigência prevista na súmula 281 do STF, que assim dispõe:

“É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na justiça de origem,

recurso ordinário de decisão impugnada”.

Entretanto, pode ocorrer a interposição simultânea de dois recursos,

tendo sido interposto recurso extraordinário por uma das partes, a outra

interponha embargos de declaração. Neste caso, entende o Supremo que é

impossível o reconhecimento do recurso por afronta ao princípio da

singularidade recursal.

28

Segundo o entendimento firmado na Suprema Corte, é necessário que

haja disposição legal sobre a possibilidade de interposição simultânea de recursos

para que possam ser admitidos, como por exemplo, a interposição simultânea de

recurso extraordinário e de recurso especial contra uma mesma decisão que

ofender a Constituição e Lei federal por haver previsão expressa na Constituição.

3.2.2 Exigência de Repercussão Geral da Questão Constitucional

Diante do excessivo número de recursos endereçados a Corte Suprema,

inviabilizando a correta prestação jurisdicional, o legislador brasileiro mais uma

vez buscou no direito norte-americano o modelo para tentar solucionar o

problema. Sendo então criado um mecanismo de controle da admissibilidade do

recurso extraordinário ligado a relevância das matérias levadas ao conhecimento

do Supremo Tribunal Federal.

Assim, a EC nº 45/2004 acrescentou o § 3º ao artigo 102 da Constituição

de 1988, o que inovou em matéria de recurso extraordinário. Prescreve o

dispositivo o ônus que tem o recorrente de “demonstrar a repercussão geral das

questões constitucionais, discutida no caso,” a fim de que o “tribunal examine a

admissão do recurso, somente podendo recusá-lo por dois terços dos seus

membros”.

O conceito de repercussão geral está presente nos §§ 1º e 3º do artigo

543-A do CPC. O § primeiro dispõe que “Para efeito da repercussão geral, será

considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista

29

econômico, político, social ou jurídico, que ultrapasse os interesses subjetivos da

causa”. Já nos termos do §3º do dispositivo em comento, haverá repercussão

geral, “sempre que o recurso impugnar decisão contrária à súmula ou

jurisprudência dominante do Tribunal”.

Sendo assim, precisará o recorrente demonstrar que o tema discutido no

recurso transcende o caso concreto, revestindo-se de caráter geral, observado o

dispositivo supracitado. Pois a falta de alegação da repercussão geral da questão

constitucional torna inadmissível o recurso extraordinário.

Ao que se vê, o instituto da repercussão geral visa reservar a atividade

jurisdicional do Supremo às questões mais importantes para a coletividade, dado

a importância que possui o referido órgão.

Assim, o referido instituto funciona como um filtro ao proceder com a

triagem no excessivo número de processos, que via recurso extraordinário, são

encaminhados a Suprema Corte Brasileira.

Sobre o tema, importante observar, que de acordo com o texto

constitucional, o exame da repercussão geral é afeto unicamente ao plenário do

STF, de modo que somente o Supremo poderá declarar se não há, ou não,

repercussão geral da causa constitucional. Assim, é vedado ao Presidente ou

Vice-presidente do tribunal local indeferir o processamento do recurso

extraordinário por falta de repercussão geral.

30

Deste modo, ainda que ausente à repercussão geral uma vez alegada pela

parte, à questão constitucional será submetida ao Supremo para análise de

eventual existência de repercussão no caso concreto.

3.2.3 Sobrestamento dos Processos de Questões Idênticas

Dispõe o artigo 543-B caput, CPC, que se houver multiplicidade de

recursos com fundamento em idêntica controvérsia, caberá ao presidente do

tribunal a quo selecionar um ou mais recursos representativos da questão

controvertida e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os

demais até o pronunciamento definitivo da Corte.

Caso o Supremo rejeite a alegação de repercussão geral, prevê o art. 2º

do referido artigo que “os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente

admitidos”. Isso significa que o tribunal de origem passará a não admitir os

recursos sobrestados, sob o argumento de que a STF já se pronunciou sobre o

tema.

Reconhecida a repercussão geral dos recursos extraordinários, os

recursos sobrestados devem ser apreciados pelos Tribunais, Turmas de

Uniformização ou Turmas Recursais, que podem declará-los prejudicados ou

retratar-se, no caso de não retratação a causa será remetida para julgamento pela

Suprema Corte, nos termos do § 3º e 4ª do artigo em comento.

31

Com isso, verifica-se que sobrestamento dos processos é mais um

instituto que visa filtrar o recebimento do recurso extraordinário delimitando

cada vez mais a atuação do Supremo.

3.2.4 A Participação do Amicus Curiae no Recurso Extraordinário

Como se sabe, a intervenção do amicus curiae no Brasil é admitida,

principalmente, nos processos de controle de constitucionalidade concentrado,

nos quais ele exerce um papel de legitimador das decisões judiciais, ao promover

o debate constitucional e permitir que a sociedade também expresse seus valores.

Segundo Fredie Didier Jr “É o amicus curiae verdadeiro auxiliar do

juízo. A sua participação consubstancia-se em apoio técnico ao magistrado.”

(2009, p. 390).

Segundo o autor citado a intervenção do amicus curiae “serve para

proporcionar ao Supremo Tribunal Federal “pleno conhecimento de todas as suas

implicações ou repercussões” dos seus julgamentos.” (2009, p. 390).

No mesmo sentido, o Ministro Celso Mello qualifica a atuação do

amicus curiae, no processo objetivo de controle de normativo abstrato, “como

fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte” (MELLO, Celso de,

2001, apud, LENZA; Pedro, 2008, p. 230).

Cassio Scarpinella Bueno “a atuação do amicus curiae tem a função de

legitimar da própria prestação da tutela jurisdicional”, segundo o autor “ele se

32

apresenta perante o Judiciário como adequado portador de vozes da sociedade e

do Estado” (2011, p.161)

Apesar da grande importância a participação do amicus curiae perante o

Supremo sempre foi muito restrita, apenas nas ações de controle concentrado a

participação formal de terceiros interessados na causa era aceita. Tal ato se

justificava na ausência de previsão legal sobre o tema, já que em nosso

ordenamento só havia previsão para órgãos ou entidades se manifestarem apenas

nas ações diretas de inconstitucionalidade, conforme disposto no art. 7º da Lei

9868/99.

Atualmente, tem sido objeto de análise doutrinário as diversas hipóteses

de cabimento do amicus curiae, as quais merecem ser observadas.

Segundo entendimento de Pedro Lenza “é possível a aplicação, por

analogia, da regra que admite o amicus curiae da ADI (art. 7º, §2º da Lei

9.868/99) para a ADC”, para ele é “admissível, com algumas ressalvas, a figura

do amicus curiae na ação declaratória de constitucionalidade (2008, 232).

Embasando sua opinião em julgados do STF, autor citado menciona a

possibilidade de se admitir, excepcionalmente, a presença de amicus curiae na

ADPF, desde que configuradas as hipóteses de cabimento (2008, p. 233).

Gustavo Santana Nogueira identifica outras hipóteses de cabimento do

amicus curiae, além daquelas analisadas pela doutrina tradicional:

33

Processos de interesse da CVM (artigo 31 da Lei n° 6.385/76); Processos de interesse do CADE (artigo 89 da Lei n° 8.884/94); Controle difuso de constitucionalidade (artigo 482, parágrafo 3°, do Código de Processo Civil); no âmbito dos Juizados Especiais Federais (artigo 14, parágrafo 7°, da Lei n° 10.259/2001) (NOGUEIRA, Gustavo Santana, 2005, apud, LENZA; Pedro, 2008, p. 233).

O autor Pedro Lenza enfatiza, ainda, outras duas importantes hipóteses

de amicus curiae, in verbis:

O procedimento de edição, revisão e cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo STF (artigo 3°, parágrafo 2°, da Lei n° 11.417/2006), e análise da repercussão geral pelo STF no julgamento de recurso extraordinário (artigo 543 – A, parágrafo 6°, do CPC, introduzido pela Lei n° 11.418/2006)” (LENZA; Pedro, 2008, p. 233).

A Lei 11.417/06 ao instituir a repercussão geral no recurso

extraordinário também previu, em seu art. 3º, §2º, a intervenção do amicus curiae

nos processos para edição, revisão e o cancelamento de súmula vinculante.

Nelson Rodrigues Netto, ao tratar do tema, assim justifica a intervenção

amicus curiae no recurso extraordinário:

É o perfil de corte constitucional do STF e a necessidade de que suas decisões contenham legitimidade social, que justifica a intervenção de amicus curiae no julgamento da repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário (e no próprio julgamento de seu mérito). (2011, p. 384).

Segundo o autor citado o fundamento de validade da referida intervenção

no recurso extraordinário é o mesmo que possui as ações de controle concreto:

A intervenção do amicus curiae, segundo nosso sentir, é forma de participação “de potências públicas pluralistas enquanto intérpretes em sentido amplo da Constituição, (...) Muito embora as respectivas decisões possuam eficácias diferentes, identificamos esse mesmo fundamento de validade para a intervenção do amicus curiae tanto no

34

julgamento extraordinário, quanto nos julgamentos dos chamados “processos objetivos. (2011, p. 385).

Pelo exposto, pede-se concluir que a razão para permitir a intervenção do

amicus curiae nos processos subjetivos se justifica na necessidade de

pluralização das decisões do STF para propiciar a legitimidade democrática nos

julgamentos dos recursos extraordinários.

Para Nelson Netto “é a formação de decisões paradigmáticas pelo STF

que aproxima o julgamento dos recursos extraordinários daqueles realizados nos

denominados processos objetivos”.

Diante da evolução da aplicação desse instituto, e diante das alterações

legislativas ampliando as hipóteses de cabimento do amicus curiae, observa-se

mais uma vez a tendência em adotar a abstrativização do controle difuso de

constitucionalidade.

3.2.5 Modulação Temporal dos Efeitos da Decisão pelo STF

Conforme já exposto acima, a norma infraconstitucional pode ser

declarada total ou parcialmente inconstitucional sempre que apresentar

incompatibilidade com a Constituição. A controvérsia que surge é quanto aos

efeitos dessa declaração, isto é, se retroagem à sua origem ou se é aplicada

apenas para o futuro.

35

A modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade foi

expressamente consagrada com o advento da Lei 9868/99, a qual eu seu artigo 27

prevê a possibilidade de Supremo restringir os efeitos de sua declaração e a

decidir em que momento a decisão passará a ter eficácia, desde que aprovada

pela maioria de dois terços de seus membros. In verbis, o dispositivo citado:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Ocorre que como a Lei tratava da ação direta de inconstitucionalidade e

da ação declaratória de constitucionalidade, de modo a regular apenas o controle

concentrado, pairava a dúvida sobre a possibilidade de aplicar a modulação dos

efeitos nas decisões proferidas em controle difuso.

No entanto o STF já aplicava esse instituto bem antes da existência de

previsão legal, conforme se infere dos julgados proferidos pela Corte, como no

julgamento do RE 78.594, quando atestou, em Recurso Extraordinário, que a

inconstitucionalidade de lei estadual não torna nulo os atos praticados por oficial

de justiça nomeado com fundamento na mesma lei.

Não obstante, o STF já decidiu, por analogia, que é possível, em casos

excepcionais, alterar a data da produção dos efeitos da decisão que declara

inconstitucional de uma norma também no controle difuso. É o que se depreende

do RE 197.917/SP cujo teor do acórdão foi transcrito:

36

VISTOS, RELATADOS E DISCUTIDOS ESTES AUTOS, ACORDAM OS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM SESSÃO PLENÁRIA, NA CONFORMIDADE DA ATA DO JULGAMENTO E DAS NOTAS TAQUIGRÁFICAS, POR MAIORIA DE VOTOS, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO PARA, RESTABELECENDO, EM PARTE, A DECISAO DE PRIMEIRO GRAU, DECLARAR INCONSTITUCIONAL, INCIDENTER TANTUM, O PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 6º DA LEI ORGÂNICA Nº 226, DE 31 DE MARÇO DE 1990, DO MUNICÍPIO DE MIRA ESTRELA/SP, E DETERMINAR À CÂMARA DE VEREADORES QUE, APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO, ADOTE AS MEDIDAS CABÍVEIS PARA ADEQUAR A SUA COMPOSIÇÃO AOS PARÂMETROS ORA FIXADOS, RESPEITADOS OS MANDATOS DOS ATUAIS VEREADORES – (RE 197.917/SP, STF, MINISTRO RELATOR MAURICIO CORREIA. DJ 07/05/2004).

Quanto à doutrina há uma divisão de posicionamentos, não obstante

renomados doutrinadores, entre eles o Ministro Gilmar Mendes, elogiem o

instituto da modulação, há alguns que o consideram inconstitucional.

Já os que são contra baseiam-se no fundamento de que a Constituição

não atribuiu competência expressa ao Poder Legislativo para fixar os efeitos das

decisões proferidas no controle concentrado, de modo que essa tarefa está

reservada ao Judiciário.

Os doutrinadores adeptos da modulação dos efeitos assim como as

decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal têm como fundamentos

básicos os princípios da boa fé e da segurança jurídica.

37

3.2.6 Súmula Vinculante

A Emenda Constitucional 45\2004 acrescentou na Constituição o artigo

103-A, em que prevê a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal editar

súmula com caráter vinculante e obrigatório em relação aos demais órgãos do

Poder Judiciário e à Administração direta e indireta, nas esferas federal, estadual

e municipal.

Segundo o dispositivo acima, “o Supremo Tribunal federal pode aprovar

súmula vinculante, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços

dos seus membros, após reiteradas decisões sobre a matéria constitucional” (art.

103, A, CF).

Entretanto, segundo se infere da lição dos Professores Marinoni e

Arenhart, mesmo antes da existência da súmula vinculante, o que o Supremo

decidia já influenciavam as decisões dos demais órgãos do judiciário que

seguiam a mesma orientação, para com isso evitar a reforma dos seus julgados

por instâncias superiores.

Na prática, há muito tempo as decisões do Supremo Tribunal Federal exerciam já peso enorme nas decisões dos demais órgãos judiciários, mesmo por que ir contra tais orientações importaria, no mais das vezes, ver a decisão, mais cedo ou mais tarde, alterada por instância superior. (2010, p. 636).

Contudo, bem asseveram os autores citados acima:

Faltava, de toda sorte, instrumento que tornasse efetivamente obrigatório a seguir a orientação do Supremo, o que importava, por vezes, em pesado fardo ao jurisdicionado, que deveria aguardar o esgotamento de todos os outros recursos, para só então ver aquele caso julgado pelo tribunal. (2010, P. 636).

38

Segundo esses autores: “faltava um instrumento capaz de tornar para

administração pública – que como se sabe, é a parte mais presente nos feitos

judiciais – obrigatória à decisão do Supremo Tribunal Federal” (2010, P. 636).

Observa-se se assim, que a Súmula Vinculante foi implantada no

ordenamento jurídico brasileiro com o objetivo de evitar decisões contraditórias

de matérias já pacificadas pelo Supremo, evitando-se assim, que tais ações se

arrastem por longo período congestionando ainda mais nossos tribunais.

Importante esclarecer, que não é qualquer tema que pode dar ensejo a

edição de súmula vinculante. Segundo prescreve o artigo 2º, §1º da Lei 11.417, a

súmula vinculante só pode ter por objeto a validade a interpretação e a eficácia de

normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre

esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave

insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica

questão.

Neste sentido, aconselham os autores supracitados, que é preciso

sabedoria para empregar tal medida, evitando-se possíveis radicalismos:

Evidentemente, por estar permeada de conceitos abertos, a limitação de objetos posta na lei conhecerá visíveis problemas. O uso indiscriminado da súmula vinculante pode conduzir à estagnação da jurisprudência, que dificilmente acompanhará a evolução social. Por outro lado, a timidez do uso desta medida estimulará a litigância temerária e o uso do processo como meio de protelar a satisfação de direitos. (2010, p. 637).

Em casos de eventual desrespeito a súmula vinculante, por parte do

Poder judiciário ou da Administração Pública, o artigo 7º da citada Lei autoriza o

39

uso da reclamação, junto ao Supremo Tribunal Federal, a fim de que este possa

restaurar a força de sua decisão.

O uso de reclamação contra decisão judicial prescinde de impugnação

do ato desobediente por qualquer meio de recurso, já em se tratando de ato

administrativo este é um requisito indispensável, conforme se depreende da

disposição sob análise.

Sobre o assunto, dispõe o § 1º do artigo 7º sobre a necessidade de

esgotamento das vias administrativas de impugnação como pressuposto para

admitir o uso da reclamação, quando se tratar de ato da Administração Pública.

A edição, a revisão e o cancelamento da súmula vinculante são

estabelecidos pela Lei 14.417/2006, a qual traz em seu artigo 3º o rol de

legitimados para inciativa de tais atos, e subsidiariamente, aplica-se o Regimento

Interno do Supremo Tribunal Federal conforme disposto no artigo 10 da Lei.

40

4 O PAPEL DO SENADO FEDERAL NO CONTROLE DIFUSO DE

CONSTITUCIONALIDADE

Consoante retratado anteriormente, o Supremo Tribunal Federal, através

de recurso extraordinário, pode realizar o controle difuso de constitucionalidade

pela via incidental, sendo que a decisão proferida nesta ocasião é despida de

efeito vinculante, produzindo efeito apenas entre as partes.

No entanto, existe um permissivo constitucional para atribuir efeito

vinculante a essas decisões, de modo a tornar possível a extensão dos efeitos a

todas as pessoas que se acharem em situações idênticas.

Desta forma, uma vez declarada à inconstitucionalidade da lei, pelo

Supremo Tribunal Federal no controle difuso, de forma definitiva, o artigo 178

do RI do STF estabelece que será feita a comunicação, logo após a decisão, a

autoridade ou ao órgão interessado, bem como após o seu trânsito em julgado ao

Senado Federal, para efeito do artigo 52, X da Constituição Federal.

Por sua vez, o artigo 52, X da Constituição estabelece ser de

competência privativa do Senado Federal via resolução suspender a execução, no

todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do

Supremo Tribunal Federal.

Sendo assim, somente a partir da promulgação da resolução pelo Senado

Federal a lei declarada inconstitucional pelo STF no caso concreto passaria a

produzir efeito erga omnes.

41

Ressalta-se que o dispositivo em questão vem sendo objeto de muitas

discussões no meio jurídico, sendo, inclusive, afirmado por alguns doutrinadores

que ele passou por uma mutação constitucional.

A discussão versa sobre a vinculação do Senado frente à decisão do

Supremo, de modo que as opiniões se dividem em torno da obrigação do referido

órgão a suspender a execução da lei declarada inconstitucional.

A corrente majoritária afirma que o Senado Federal não é obrigado a

suspender a execução da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do

STF, sob pena de quebra do Princípio da Separação dos Poderes.

Neste sentido, a lição de Pedro Lenza:

Deve-se, pois, entender que o Senado Federal não está obrigado a suspender a execução de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Trata-se de discricionariedade política, tendo o Senado Federal total liberdade para cumprir o art. 52, X, da CF/88. Caso contrário, estaríamos diante de afronta ao princípio da separação dos Poderes (2010, p. 231).

Discute-se também a aplicação da expressão “no todo ou em parte”

presente no dispositivo em questão, se ela deve ser interpretada de modo que ao

Senado Federal é vedado modificar, ampliando ou restringindo, a extensão da

decisão exarada pelo Supremo.

Ainda sobre o tema, o autor citado acima ensina que:

A expressão “no todo ou em parte” deve ser interpretada como sendo impossível o Senado Federal ampliar, interpretar ou restringir a extensão da decisão do STF. Assim se toda a lei foi declarada inconstitucional pelo STF, em controle difuso, de modo incidental, se entender o Senado Federal pela conveniência da suspensão da lei, deverá fazê-lo “no todo”, vale dizer, em relação a toda a lei que já havia

42

sido declarada inconstitucional, não podendo decidir menos do que o decidido pela Excelsa Corte. Em igual sentido, se, por outro lado, o Supremo, no controle difuso, declarou inconstitucional apenas parte da lei, entendendo o SF pela conveniência da suspensão da lei, deverá fazê-lo exatamente em relação à “parte” que foi declarada inválida, não podendo suspender além da decisão do STF. (2010, p. 230).

Sobre o assunto, convém transcrever o entendimento de Lênio Streck:

Como se trata de uma das Casas do Poder Legislativo, o Senado Federal não teria como estar vinculado ao entendimento do Supremo Tribunal, o que também é pacificamente aceito pelo próprio STF. Porém, se o Senado Federal decidir pela suspensão, deverá fazê-lo, nos termos do entendimento esboçado pelo STF, a fim de preservar a autoridade dos julgados deste último.

Diante disso, ressai claro o entendimento de que o Senado não está

obrigado a suspender a lei declarada inconstitucional, mas se o fizer estará

adstrito ao que foi decidido pelo Supremo não podendo extrapolar esse limite.

Outra discussão gira em torno dos efeitos da resolução, alguns entendem

que uma vez suspensa à execução da lei, via resolução, pelo Senado Federal, a

referida suspensão produz efeito ex nunc, ou seja, apenas para o futuro.

Perfilha deste entendimento Osvaldo Aranha Bandeira de Mello,

sustentando que a “única solução que atenda aos interesses de ordem pública é

que a suspensão produzirá os efeitos desde a sua efetivação, não atingindo as

situações jurídicas criadas sob a sua vigência” (1980, p. 211).

No entanto, atualmente, o que mais gera polêmica quanto ao referido

dispositivo, é a necessidade de atuação do Senado Federal para suspender a

norma declarada inconstitucional pelo Supremo. Há quem entenda que esse

43

artigo sofreu uma mutação constitucional, de modo que a atuação do Senado é

apenas de dar publicidade ao ato.

Sobre o assunto, partilha desse entendimento o Ministro Gilmar Mendes:

Parece legítimo entender que a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de publicidade. Dessa forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar a conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado para que publique a decisão no Diário do Congresso. Tal como assente, não é (mais) a decisão do senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa força normativa. Parece evidente ser essa a orientação implícita nas diversas decisões judiciais e legislativas acima referidas. Assim, o senado não terá a faculdade ou não de publicar ou não a decisão, uma vez que não cuida de decisão substantiva, mas de simples dever de publicação, tal como reconhecido a outros órgãos políticos em alguns sistemas constitucionais (...). A não-publicação não terá o condão de impedir que a decisão do Supremo assuma a sua real eficácia. (2008, p. 1090)

Por outro lado, há quem entenda ser fundamental o papel do Senado

Federal no controle difuso, e que o disposto no art. 52, X da CR/88, é

imprescindível uma vez que seu objetivo é a participação pública no controle de

tais pronunciamentos decisórios.

Neste sentido, os ensinamentos da professora Regina Ferrari:

Preliminarmente, é preciso dizer que o constituinte chamou a si o fato de determinar o efeito vinculante para as ações declaratórias de constitucionalidade e não estendeu à outras ações que realizam a fiscalização abstrata de Constitucionalidade em nosso sistema jurídico é porque não quis, o que leva a dedução que no caso em tela o que se considera um silêncio eloquente, ou seja, foi o efeito pretendido por ele. Portanto não estaria na disposição do legislador ordinário estender tais efeitos para além da disposição constitucional. (2003, p. 44)

44

Importante asseverar, que segundo doutrinadores, a manifestação do

Senado Federal, em se tratando do referido controle, representa muito mais do

que uma simples técnica de separação de poderes, pois representa uma forma de

participação democrática.

Sobre o tema, segue o entendimento esposado por Lênio Strekc:

Mas o modelo de participação democrática no controle difuso também se dá, de forma indireta, pela atribuição constitucional deixada ao

Senado Federal. Excluir a competência do Senado Federal – ou conferir-lhe apenas um caráter de tornar público o entendimento do Supremo Tribunal Federal – significa reduzir as atribuições do Senado Federal à de uma secretaria de divulgação intra-legistativa das decisões do Supremo Tribunal Federal; significa, por fim, retirar do processo de

controle difuso qualquer possibilidade de chancela dos representantes do povo deste referido processo, o que não parece ser sequer sugerido pela Constituição da República de 1988.

Ademais, admitir que todas as decisões proferidas pelo Supremo em

sede controle difuso produzam efeitos vinculantes, segundo a doutrina

majoritária, contraria aos princípios constitucionais da ampla defesa e do

contraditório, uma vez que tal decisão abarca pessoas que não tiveram a

oportunidade de participar do processo.

São os ensinamentos do professor Arenhart ao tratar de tema semelhante:

De fato, não se pode admitir que o primeiro processo instaurado a respeito de certa controvérsia acabe por resultar em decisão que será indistintamente aplicada para todos os demais casos, sem que os limites destes outros direitos tenham, de fato e de maneira concreta, a possibilidade de apresentar seus argumentos e interferir na decisão

45

judicial. A garantia do contraditório em sua versão moderna, tem sido vista como não apenas o direito de se manifestar, mas de influir efetivamente na decisão judicial. Não há dúvida de que esse direito é violado se a decisão judicial já esta pronta, mesmo antes de iniciada a ação em que o interessado pretende apontar os argumentos.” (2009, p.334)

Pertinentes são as palavras de Lênio Strekc, ao tratar do assunto:

Como se não bastasse reduzir a competência do Senado Federal à de um órgão de imprensa, há também uma consequência grave para o sistema de direitos e de garantias fundamentais. Dito de outro modo, atribuir eficácia erga onmes e efeito vinculante às decisões do STF em sede de controle difuso de constitucionalidade é ferir os princípios

constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (art. 5.º, LIV e LV, da Constituição da República), pois assim se pretende atingir aqueles que não tiveram garantido o seu direito constitucional de participação nos processos de tomada da decisão que os afetará.

Logo, ao se admitir o novo papel atribuído ao Senado Federal, qual seja

o de mero órgão destinado a dar publicidade às decisões do Supremo Tribunal

Federal estar-se-ia admitindo a violação de direitos assegurados pela

Constituição.

4.1 A ABSTRATIVISAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO E A MUTAÇÃO DO

ARTIGO 52, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O controle incidental ou difuso, conforme exposto acima, vem passando

por transformações que visam a aproximá-lo do controle concentrado, no que

tange à extensão de seus efeitos.

46

A prova disso são as modificações no recurso extraordinário para um

sistema em que o STF julga teses jurídicas muito mais do que casos concretos.

Sobre o assunto encontra-se aguardando julgamento no Supremo

Tribunal Federal a Reclamação 4335, em que se discute a possibilidade de uma

nova intepretação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle

difuso realizado pela Corte.

A referida Reclamação foi ajuizada pela Defensoria Pública da União,

contra decisões do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penal de Rio Branco –

AC, que indeferiram os pedidos de progressão de regime de condenados por

crimes hediondos, alegando que tais decisões estariam desrespeitando a decisão

proferida pelo STF no HC 82959/SP, em que foi reconhecida, incidenter tantum,

a inconstitucionalidade do §1º do artigo 2º da Lei 8.072/90.

O Referido dispositivo vedava a progressão de regime para os

condenados por prática de crimes hediondos, sendo impugnada sua

constitucionalidade sob o argumento de ferir o princípio constitucional da

individualização da pena previsto no artigo 5º, LXVI, da Constituição Federal.

O pedido foi indeferido sob o argumento de que a decisão proferida pelo

Supremo para produzir efeitos erga omnes depende da suspenção do ato, através

de resolução, pelo Senado Federal, nos termos da Constituição, o que não

ocorreu no caso do referido julgado.

47

Importante observar, que a reclamação, segundo disposição

constitucional, visa preservar a competência Supremo Tribunal Federal e garantir

a autoridade de suas decisões quando revestidas de efeitos vinculantes.

Assim, por entender que as decisões do magistrado a quo contrariam a

decisão proferida pelo Supremo foi proposta a referida Reclamação.

Como é sabido, em nosso sistema coexistem as duas formas de controle,

o difuso e o concentrado, assim, a decisão proferida em sede de controle difuso

não possuem efeitos vinculante, portanto, contra o descumprimento de tais

decisões, em tese, não cabe Reclamação para o Supremo.

Por esse motivo, a procedência da referida Reclamação, a depender do

que será decidido, representa uma alteração no sistema de controle de

constitucionalidade, ou nas palavras de Lênio Strekc “estabelecerão uma ruptura

paradigmática no plano da jurisdição constitucional no Brasil”.

Sobre o tema, assevera Lênio Streck, que:

(...) o final dos debates entre os Ministros daquela Corte, poder-se-á chegar, de acordo com o rumo que a votação tem prometido até o momento, a uma nova concepção, não somente do controle da constitucionalidade no Brasil, mas também de poder constituinte, de equilíbrio entre os Poderes da República e de sistema federativo.

48

Ao tratar do tema, o Ministro Gilmar Mendes, Relator da reclamação em

questão, faz menção a tendência de ampliação do cabimento de Reclamação:

A reclamação Constitucional – sua própria evolução o demonstra – não mais se destina apenas a assegurar a competência e a autoridade de decisões específicas e bem delimitadas do Supremo Tribunal Federal, mas também constitui-se como ação voltada à proteção da ordem constitucional como um todo. A tendência hordiena é, pois, que a reclamação assuma cada vez mais o papel de ação constitucional voltada à proteção da ordem constitucional como um todo. Os vários óbices à aceitação da reclamação em sede de controle concentrado já foram superados, estando agora o Supremo Tribunal Federal em condições de ampliar o uso desse importante e singular instrumento da jurisdição constitucional brasileiro. (2008, p. 1.302).

Diante da posição adotada pelo Supremo nos últimos tempos, apesar de

os votos estarem divididos, há grande probabilidade que a tese apontada pelo

Relator seja aceita pela maioria.

Assim, diante do estágio em que se encontra o julgamento da

Reclamação em comento1, em que quatro Ministros da Corte já proferiram seus

votos: Gilmar Mendes; Eros Grau, Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa, o que

tem feito à doutrina é analisar os fundamentos apontados nestes votos, o que será

objeto de análise a seguir.

1 Até a conclusão deste trabalho, o julgamento está no seguinte ponto: “Após o voto de vista

doSenhor Ministro Eros Grau, que julgava procedente a reclamação, acompanhando o Relator; do voto do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence, julgando-a improcedente, mas concedendo habeas corpus de ofício para que o juiz examine os demais requisitos para deferimento da progressão, e do voto do Senhor Ministro Joaquim Barbosa, que não conhecia da reclamação, mas igualmente concedia o habeas corpus, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello e a Senhora Ministra Cármen Lúcia. Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Vista - Devolução dos autos para julgamento. Plenário, 10-02-2011 ”.

49

Em seu voto como Relator da referida reclamação o Ministro Gilmar

Mendes expõe que a decisão proferida no HC 82858/SP é dotada de efeitos erga

omnes, opinando pela procedência da reclamação.

No entendimento desse Ministro a aplicação que o STF vem conferindo ao

dispositivo em comento “indica que o referido instituto mereceu uma

significativa reinterpretação a partir da Constituição de 1988” ().

Segundo o entendimento esposado no voto do Ministro Gilmar Mendes:

É possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto.

Entende o Ministro “o instituto da suspensão pelo Senado assenta-se hoje

em razão de índole exclusivamente histórica”. Para ele “a ampliação do sistema

concentrado, com a multiplicação de decisões dotadas de eficácia geral tornou-se

comum no sistema a decisão com eficácia geral”.

Alega em seu voto o referido Ministro que diante das modificações

ocorridas no controle de constitucionalidade com a Constituição de 1.988, torna-

se inevitável as reinterpretações ou releituras dos institutos vinculados ao

controle incidental, como a disposição da suspensão de execução da lei pelo

Senado.

Segundo entendimento desse Ministro “as decisões proferidas pelo STF,

em sede de controle incidental, possuem eficácia que transcende o âmbito da

50

decisão, o que indica que a própria Corte vem fazendo uma releitura do texto

constante do art. 52, X, da Constituição de 1988”.

Por fim, alega o Sr. Ministro em seu voto com relator da ação em

comento, que:

A natureza idêntica do controle de constitucionalidade, quanto às suas finalidades e aos procedimentos comuns dominantes para os modelos difuso e concentrado, não mais parece legitimar a distinção quanto aos efeitos das decisões proferidas no controle direto e no controle incidental.

Para esse Ministro o instituto da súmula vinculante “veio a reforçar a

ideia de superação do referido art. 52, X, da CF na medida em que permite aferir

a inconstitucionalidade de determinada orientação pelo próprio Tribunal, sem

qualquer interferência do Senado Federal”.

Desta forma, o Ministro Gilmar Mendes deu procedência à referida

reclamação por entender que a ausência de suspenção da norma pelo Senado não

tem o condão de impedir que a decisão do Supremo produza efeitos vinculantes.

O Ministro Eros Grau, em voto-vista, julgou procedente a reclamação e

acompanhou o voto do relator, no sentido de que, pelo art. 52, X, da CF, ao

Senado Federal está atribuída competência apenas para dar publicidade lei

declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede controle

difuso, haja vista que essa decisão já possui caráter vinculante.

No seu entendimento, deve ser feito uma releitura do artigo 52, X, da

Constituição Federal através do fenômeno da mutação constitucional.

51

Segundo o Min. Eros Grau:

(..) passamos em verdade de um texto [pelo qual] compete

privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, a outro texto: “compete privativamente

ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte , por decisão definitiva do Supremo.”

Contrária a essa tese, são os ensinamentos de Lênio Strekc ao sustentar

que para auferir efeitos vinculantes as decisões do Supremo em sede de recurso

extraordinário devem-se utilizar dos procedimentos previstos na Constituição

Federal:

Decidir – como quer, a partir de sofisticado raciocínio, o Min. Gilmar Mendes – que qualquer decisão do Supremo Tribunal em controle difuso gera os mesmos efeitos que uma proferida em controle concentrado (abstrato) é, além de tudo, tomar uma decisão que

contraria a própria Constituição. Lembremos, por exemplo, uma decisão apertada de 6 a 5, ainda não amadurecida. Ora, uma decisão que não reúne sequer o quorum para fazer uma súmula não pode ser igual a uma súmula (que tem efeito vinculante – e, aqui, registre-se, falar em “equiparar” o controle difuso ao controle concentrado nada mais é do que falar em efeito vinculante). E súmula não é igual a controle concentrado.

Assevera o autor supracitado que “se o Supremo Tribunal Federal

pretende dar efeito vinculante em controle difuso, deve editar uma súmula ou

seguir os passos do sistema, remetendo a decisão ao Senado”.

52

Ao que se vê, os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau posicionam-se

no sentido de dar uma nova interpretação para o artigo 52, X da Constituição

Federal, em que asseveram uma autêntica mutação constitucional.

Nota-se que os referidos Ministros deferiram o pedido de reclamação

sob o argumento de que deve ser feita uma releitura do referido artigo, no sentido

de que ao Senado Federal compete a publicação da decisão, tendo em vista que a

própria decisão incidental definitiva do Supremo emanaria efeito vinculante.

Todavia, parte significativa da doutrina discorda dos argumentos

constantes nos votos dos Senhores Ministros, sob o fundamento de que, dar

procedência a referida reclamação extrapola o limite de poder concedido ao

Supremo pela Constituição e, ainda, que a prática invade esfera de outro Poder.

Os autores STRECK; OLIVEIRA; LIMA teceram críticas contundentes

quanto ao posicionamento adotado pelos Ministros que julgaram procedente a

reclamação 4335. Para eles a decisão proferida em controle concreto estendendo

os efeitos “erga omnes” e vinculante na decisão, configura-se um caso de

“mutação inconstitucional”. Afirmam, ainda, que esta decisão resultou em

flagrante violação a norma constitucional disposta no art. 52, X da CF/88,

alegando inclusive que a Corte “substituiu o poder constituinte pelo Poder

Judiciário” (2007. P. 21).

53

Todavia, o Ministro Joaquim Barbosa e o, então ministro, Sepúlveda

Pertence não anuíram com os argumentos proferidos pelo relator, proferindo em

seus votos argumentos contrários aos acima delineados, conforme passaremos a

expor.

Com efeito, o Min. Sepúlveda Pertence julgou improcedente a

reclamação, mas concedeu habeas corpus de ofício para que o juiz a quo

averiguasse os demais requisitos para deferimento da progressão.

Conforme noticiado no informativo nº 453, o Sepúlveda Pertence

discordou em reduzir o papel do Senado o qual vem sendo mantido em quase

todos os textos constitucionais, desde 1934. Asseverou que apesar de a

competência atribuída ao Senado no controle difuso se tornar cada vez mais

obsoleta, diante da prevalência do controle concentrado, “combatê-lo, por meio

do que chamou de projeto de decreto de mutação constitucional, já não seria mais

necessário.” (informativo 453).

No mesmo sentido, decidiu o Ministro Joaquim Barbosa que, por sua

vez, manifestou-se pelo não conhecimento da reclamação, todavia, também

concedeu o habeas corpus de ofício.

Conforme noticiado no informativo nº 453, o Ministro Joaquim Barbosa

entendeu que “a suspensão da execução da lei pelo Senado não representaria

obstáculo à ampla efetividade das decisões do Supremo”. Asseverou, ainda, que a

54

concessão de habeas corpos resolveria a situação, pois o que suscitaria o interesse

da reclamante não seria a inércia do Senado em relação ao disposto no art. 52, X,

da CF, mas a decisão divergente da orientação da Corte enquanto não suspenso o

ato pelo Senado. Sugeriu a edição de súmula vinculante para atribuir efeito erga

omnes as decisões proferidas pela Corte, mantendo-se a leitura tradicional do

dispositivo em questão e afastando a ocorrência da mutação constitucional do

referido dispositivo. Enfatizou que tal proposta, além de estar impedida pela

literalidade do art. 52, X, da CF, vai de encontro às regras de auto-restrição.

(informativo 453). Por fim, sugeriu também, a edição de súmula vinculante para

atribuir o efeito desejado as decisões do Supremo.

Como se vê, tanto Joaquim Barbosa como Sepúlveda Pertence, afirmam

que o Supremo deve valer-se do instituto da súmula vinculante, em relação à

validade, a interpretação e a eficácia da norma, sem, contudo, precisar reduzir o

Senado a um órgão de publicidade de suas decisões.

Além disso, o Ministro Joaquim Barbosa afastou a ocorrência da

mutação constitucional sob o argumento de que “a proposta do relator, ocorria

pela via interpretativa, tão-somente a mudança no sentido da norma

constitucional” ademais, ressaltou “que ainda que se aceitasse a tese da mutação,

seriam necessários dois fatores adicionais não presentes: o decurso de um espaço

de tempo maior para verificação da mutação e o consequente e definitivo desuso

do dispositivo”.

55

Lênio Strekc bem assevera sobre prováveis consequências da não

observação do dispositivo constitucional em comento:

Deixar de aplicar o artigo 52, X, significa não só abrir precedente de não cumprimento de norma constitucional – enfraquecendo sobremodo a força normativa da Constituição – mas também suportar as consequências, uma vez que a integridade também supõe integridade da própria Constituição. E, não se pode esquecer que a não aplicação de uma norma é uma forma de aplicação. Incorreta. Mas é.

Por esse motivo, questiona-se, se sendo o Supremo o Guardião da

Constituição, estaria ele autorizado a realizar a interpretação do referido

dispositivo constitucional.

Sobre o tema, pertinentes são as palavras de Strekc:

“Ora, um tribunal não pode mudar a constituição; um tribunal não pode “inventar” o direito: este não é seu legítimo papel como poder jurisdicional, numa democracia. A atividade jurisdicional, mesmo a das cortes constitucionais, não é legislativa, muito menos constituinte” (2007, p. 21).

Apesar de ser favorável a mutação do dispositivo em comento, o próprio

Gilmar Mendes faz a seguinte observação sobre o instituto da Mutação

constitucional:

Por isso é que todos os juristas, e não apenas os interpretes/aplicadores da Constituição, quando analisam os processos informais de criação do direito por via interpretativa, advertem, à partida, que uma coisa são as leituras que, mesmo novas, ainda se mantenham no espectro dos significados aceitáveis de um texto jurídico, e outra, bem distinta, são as criações sub-reptícias de novos preceitos, mediante interpretações que ultrapassam o sentido literal possível dos enunciados jurídicos e

56

acabam por transformar os seus interpretes em legisladores sem mandato. (2008, p 1304.)

Segundo Roberto Barroso a mutação constitucional “consiste em uma

alteração do significado de determinada norma da Constituição, sem observância

do mecanismo constitucionalmente previsto para as emendas e, além disso, sem

que tenha havido qualquer modificação do seu texto” (2008, p. 294).

Observa o referido autor sobre o instituto da mutação constitucional,

que:

Este novo sentido ou alcance do mandamento constitucional pode decorrer de uma mudança na realidade fática ou de uma nova percepção do Direito, uma releitura do que deve ser considerado ético ou justo. Para que seja legítima, a mutação precisa ter lastro democrático, isto é, deve corresponder a uma demanda social e efetiva por parte da coletividade, estando respaldada, portanto, pela soberania popular. (2009, p. 296).

Barroso considera a interpretação constitucional como uma terceira

modalidade de constituinte, o que segundo esse autor “já foi denominada por

célebre publicista francês como poder constituinte difuso, cuja titularidade

remanesce no povo, mas, que acaba sendo exercido por via representativa pelos

órgãos do poder constituído”.

57

Por fim, o autor supracitado alerta para possibilidade de ocorrência de

mutações que contrariem a Constituição gerando, assim, “mutações

inconstitucionais”.

Este tem sido o fundamento dos que se posicionam contra a mutação

constitucional do dispositivo em questão, pois entendem que estaria ocorrendo

uma mutação inconstitucional.

Entretanto, cumpre observar, que o julgamento da referida Reclamação

encontra-se suspenso, o que obsta uma conclusão definitiva do presente trabalho.

Pois, diante da complexidade da questão, seria necessário aguardar o

pronunciamento final da Corte para maior aprofundamento do tema.

58

5 CONCLUSÕES

O presente estudo teve por análise a ocorrência da abstrativização do

controle difuso de constitucionalidade no Brasil e a apreciação do instituto da

mutação constitucional do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal de 1988.

Assim, o estudo teve por base as modificações constitucionais e

legislativas acerca do tema, e, em especial, a análise dos votos dos eminentes

ministros da Corte proferidos no julgamento da Reclamação 4335.

Como visto, em nosso país foi adotado sistema misto de controle de

constitucionalidade, sendo o sistema difuso de origem norte-americana, contudo,

sem adotá-lo fielmente, haja vista não se aplicar aqui a vinculação aos

precedentes, que atribui efeito vinculante as decisões das Cortes Superiores.

Em razão disso, observa-se a ocorrência de uma transformação gradativa

do sistema difuso de constitucionalidade, como forma de atribuir efeitos

vinculantes as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

Ao que se vê, as alterações decorrentes dessa nova perspectiva do

legislador objetivam restringir ao máximo a atuação do Supremo à sua função

primordial, guardião da Constituição, de modo a afastar lides meramente

privadas de sua jurisdição.

No entanto, algumas dessas alterações têm gerado perplexidade na

doutrina, pois ao limitar a interposição de recursos ao Supremo e permitir que as

decisões da Corte passem a produzir efeitos para todos, independentemente de

59

participarem do processo, estaria ferindo aos princípios constitucionais do devido

processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

A questão mais polêmica no que refere-se a tendência a abstrativização

do controle difuso encontra-se pendente de julgamento no Supremo, trata-se da

ocorrência do fenômeno da mutação constitucional do artigo 52, inciso X, da

Magna Carta.

O referido dispositivo atribui ao Senado Federal a função de suspender a

eficácia da norma declarada inconstitucional pelo Supremo em sede controle

difuso. O que está em discussão é o papel do Senado nesta via de controle, sendo

atribuído a este órgão por alguns doutrinadores, entre ele o eminente Ministro

Gilmar Mendes, apenas a função de dar publicidade as decisões daquela Corte.

Nota-se, porém, que a redução da função do Senado a mero órgão de

publicidade das decisões do Supremo não encontra guarida em nosso

ordenamento, haja vista a previsão expressa na Constituição atribuindo-lhe tal

função. Ademais, é sabido que a atuação do referido órgão na suspensão da

norma têm caráter representativo, uma vez que a este é atribuído o poder dever

legislativo para representar o povo.

Assim, a mutação do referido dispositivo, como pretendem alguns

ministros, a fim de reduzir a função do Senado na suspenção da norma declarada

inconstitucional vai contra os fundamentos que regem o Estado de Direito, pois

invade a competência de outro Poder destituindo-lhe de funções primárias.

60

A função do Supremo como guardião da Constituição Federal também é

questionada diante desse posicionamento, estaria o referido órgão autorizado a

realizar a mutação do dispositivo supra, uma vez que não há na Constituição

qualquer previsão nesse sentido, não seria esta uma interpretação

inconstitucional.

No mais, já existem elementos capazes de atribuir o efeito desejado as

decisões da Corte, como a edição de Súmula Vinculante, no entanto, se

pretendem os ministros estender os efeitos da decisão sem utilizar tal instituto,

deverão atender ao disposto na Constituição e submeter a norma ao Senado para

que seja suspensa, evitando-se, assim, transgredir norma constitucional.

Diante do exposto, conclui-se que é imperioso manter a função

constitucionalmente atribuída ao Senado Federal no âmbito do controle difuso,

sob pena de invadir sua esfera de competência e violar um dos mais importantes

princípios democráticos, o princípio da separação dos Poderes.

61

BIBLIOGRAFIA

ALKMIM, Marcelo. Teoria da Constituição, Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

APPIO, Eduardo. Controle Difuso de Constitucionalidade: Modulação dos

Efeitos Uniformização da Jurisprudência e Coisa Julgada, 1ª ed. Curitiba: Juará, 2010.

ÁVILA, Ana Paula. A Modulação de Efeitos Temporais pelo STF no Controle de

Constitucionalidade, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Celso Bastos, 2002.

BARONI, Rodrigo Otávio. Ação Rescisória e Recursos para os Tribunais

Superiores, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

BARROSO, Luís Roberto. Controle de Constitucionalidade no Direito

Brasileiro, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BARROSO, Luís Roberto. Mutação Constitucional. Estudos de Direito

Constitucional em Homenagem a Profª Maria Garcia, São Paulo: Saraiva, 2010.

BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae: uma homenagem a Athos Gusmão Carneiro. In O Terceiro no Processo Civil Brasileiro e Assuntos Correlatos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

CAPPELLETTI, Mauro. Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado, 2ª ed. Porto Alegre: Fabris, 1992.

DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento, Salvador: Jus Podivm, 2009.

DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de

Direito Processual Civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo

nos tribunais, 7ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2009. DIDIER JÚNIOR, Fredie. Transformações do Recurso Extraordinário. in

Processo e Constituição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da Declaração de

Inconstitucionalidade, 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. FERRARI, Regina Maria Macedo. Controle de Constitucionalidade das Leis

Municipais, 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

62

FERREIRA FILHO, Manoel Gonsalves. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2009.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, ed. 14ª. São Paulo: Saraiva, 2010. MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo

Civil Processo do Conhecimento, V2, 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no

Recurso Extraordinário, 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil:

comentado artigo por artigo, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

MENDES, Leonardo Castanho. O Recurso Especial e o Controle Difuso de

Constitucionalidade, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. MENDES, Gilmar Ferreira Mendes; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

MENDES, Gilmar Ferreira; O papel do Senado Federal no controle de

constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004. P. 149-168.

RODRIGUES NETTO, Nelson. A intervenção de Terceiros nos Julgamentos da Repercussão Geral do Recurso Extraordinário. In O Terceiro no Processo Civil Brasileiro e Assuntos Correlatos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

STRECK, Lênio Luiz; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; LIMA, Martonio Mont'Alverne Barreto. A Nova Perspectiva do Supremo Tribunal

Federal sobre o Controle Difuso: Mutação Constitucional e Limites da

Legitimidade da Jurisdição Constitucional. In: Revista da Faculdade Mineira de Direito, v. 10, n.20, 2ºsemestre de 2007. p. 37-57. VADE MECUM 2010. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010. BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Reclamação 4335-5 AC. Disp. em:http://www.stf.gov.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero= 4335&classe=Rcl&orig em=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M. Acesso em: 11 de março de 2011.

63

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Reclamação 4335-5 AC. Disp. Em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo463.htm> Acesso em: 03 de out. de 2010. GRAU, Eros Roberto. Reclamação 4335-5 AC – Voto. 2007. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/imprensa/pdf/rcl4335eg.pdf> Acesso em: 03 de out. de 2010. MENDES, Gilmar Ferreira Mendes. Reclamação 4335-5 AC – Voto. Disponível em: http://www.stf.gov.br/imprensa/pdf/RCL4335gm.pdf. Acesso em: o3 de out. de 2010.