UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale...
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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Letícia Monira Bordim Fachin Carmo
O ENSINO DAS ARTES VISUAIS PARA CRIANÇAS CEGAS E COM BAIXA
VISÃO ATRAVÉS DO DESENHO
CURITIBA
2012
Letícia Monira Bordim Fachin Carmo
O ENSINO DAS ARTES VISUAIS PARA CRIANÇAS CEGAS E COM BAIXA
VISÃO ATRAVÉS DO DESENHO
Monografiaapresentada a Especialização em Artes
Visuais, Práticas Pedagógicas e Linguagens
Contemporâneas, da Faculdade de Ciências
Humanas, Letras e Artes, da Universidade Tuiuti
do Paraná, como requisito parcial para a obtenção
do título de Pós Graduanda - Especialista.
Orientadora: Prof.Ms. Camilla La Pastina.
CURITIBA
2012
TERMO DE APROVAÇÃO Letícia Monira Bordim Fachin Carmo
O ENSINO DAS ARTES VISUAIS PARA CRIANÇAS CEGAS E COM
BAIXA VISÃO ATRAVÉS DO DESENHO
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Especialista em
Artes Visuais do Curso de Pós-Graduação latu sensuem Ensino das Artes Visuais:
Práticas Pedagógicas e Linguagens Contemporâneas da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, de setembro de 2012.
Prof.Ms. Renato Torres
Coordenador do Curso de Pós-Graduação Ensino das Artes Visuais: Práticas Pedagógicas e Linguagens Contemporâneas Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador: Profª. Camilla Carpanezzi La Pastina Universidade Tuiuti do Paraná
Curso de Pós-Graduação Ensino das Artes Visuais: Práticas Pedagógicas e Linguagens Contemporâneas
Profª. ____________________ Universidade Tuiuti do Paraná
Curso de Pós-Graduação Ensino das Artes Visuais: Práticas Pedagógicas e Linguagens Contemporâneas
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais, Walter e
Silvana, minha irmã Ana Carolina, ao
Pietrângelo, aos meus avós, Arioly, Neide,
Geraldo e Magdalena, meus tios, Regina, Ana
Flávia e Paulo, aos meus colegas e meus
professores, que durante o período de curso me
apoiaram e me deram forças para concluir mais
esta etapa em minha vida.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, primeiramente, por me
permitir chegar onde estou hoje; ao Pietrângelo,
por ter me dado o incentivo de cursar esta
especialização, e pelos puxões de orelha; à
Cibele, pela paciência, pela força e por ter
acreditado neste projeto; à tia Ana e Pedro
Henrique, por passarem parte do seu tempo me
“socorrendo” de última hora; a Camilla e a
Thaís, por me aceitarem como orientanda; aos
meus pais que me deram a vida e que tanto se
esforçaram para me dar condições de poder
construir minha carreira.
RESUMO
Esta monografia de especialização aborda como tema o ensino das artes visuais para crianças
cegas e com baixa visão, tendo como objetivo fazer uma reflexão sobre o assunto. Optou-se
por dividir este trabalho em três capítulos, intitulados: “A Educação Inclusiva”; “A Arte e a
Inclusão dos Deficientes Visuais” e “O Ensino do Desenho para Crianças Cegas”. No
primeiro capítulo são abordadas as diversas leis de inclusão de pessoas com qualquer tipo de
deficiência no ambiente escolar e mesmo na sociedade, não apenas os cegos; bem como um
breve histórico da educação inclusiva.No segundo capítulo é feita uma reflexão sobre o
mundo da Arte e o público cego; tendo como base uma experiência realizada pelas
professoras Adriane Cristine Kirst e Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva, em que o
público cego é levado a ter visitas mediadas no Museu de Arte de Santa Catarina. Neste
capítulo também é apresentada uma pesquisa da professora Dra. Amanda Tojal, daPinacoteca
do Estado de São Paulo, onde se estudam as possibilidades do uso de matrizes táteis para
ampliar aspossibilidades de experiência estética do público cego. No terceiro capítulo é
apresentada uma síntese da publicação “Desenho infantil e seu ensino a crianças cegas”, da
pesquisadora e professora de artes visuais Maria Lúcia B. Duarte.
Palavras-chave: Ensino da Arte - Educação Inclusiva – Arte para Crianças cegas
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................8
2 A EDUCAÇÃO INCLUSIVA...........................................................................................9
3 A ARTE E A INCLUSÃO DOS DEFICIENTES VISUAIS........................................13
4 O ENSINO DE DESENHO PARA CRIANÇASCEGAS............................................22
4.1 POR QUE ENSINAR DESENHO A CRIANÇAS CEGAS?................................39
4.2 COMO ENSINAR DESENHO A CRIANÇAS CEGAS?.....................................39
4.3 QUE DESENHOS ENSINAR ÀS CRIANÇAS CEGAS?...................................40.
4.4 COMO AUXILIAR OS PROFESSORES DAS SALAS DE AULAS
INCLUSIVAS?..................................................................................................................40
5 CONCLUSÃO..................................................................................................................42
REFERÊNCIAS........................................................................................................................43
ANEXO 1. Resenha do livro “O Olhar da Mente”, de Oliver Sacks........................................45
8
1INTRODUÇÃO
Esta monografia de especialização aborda como tema o ensino das artes visuais para
crianças cegas e com baixa visão, tendo como base, dentre outros, a publicação: “Desenho
infantil e seu ensino a crianças cegas”, da professora Maria Lúcia Batezat Duarte, que
acompanha uma garota cega desde a infância até a adolescência; “O Olhar da Mente”,
publicação do médico neurologista Oliver Sacks, que acompanha pacientes cegos e seus jeitos
de “ver” o mundo. Através destes e outros pesquisadores, o objetivo deste trabalho é fazer
uma reflexão sobre o ensino das artes visuais para crianças cegas e com baixa visão.
Para tanto optou-se por dividir este trabalho em três capítulos, intitulados: “A Educação
Inclusiva”; “A Arte e a Inclusão dos Deficientes Visuais” e “O Ensino do Desenho para
Crianças Cegas”. No primeiro capítulo, A Educação Inclusiva, são abordadas as diversas leis
de inclusão de pessoas com qualquer tipo de deficiência no ambiente escolar e mesmo na
sociedade, não apenas os cegos; é apresentado também, um breve histórico da educação
inclusiva.
No segundo capítulo, A Arte e a Inclusão dos Deficientes Visuais, é feita uma reflexão
sobre o mundo da Arte e o público cego, tendo como base uma vivência realizada pelas
professoras Adriane Cristine Kirst e Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva, em que o
público cego é levado a ter visitas mediadas no Museu de Arte de Santa Catarina- MASC.
Neste capítulo também é apresentada uma pesquisa da professora Dra. Amanda Tojal,
daPinacoteca do Estado de São Paulo, onde se estudam as possibilidades do uso de matrizes
táteis para ampliar as possibilidades de experiência estética do público cego.
Em “O Ensino do Desenho para Crianças Cegas” é apresentada uma síntese da publicação
“Desenho infantil e seu ensino a crianças cegas”, da pesquisadora e professora de artes
visuais Maria Lúcia B. Duarte.
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2 A EDUCAÇÃO INCLUSIVA
A educação é um direito de todos e, indiscutivelmente, um dos sistemas mais importantes da
sociedade. Porém, é bem conhecida a luta dos movimentos em prol da inclusão, para que as
pessoas com algum tipo de necessidade educacional especial tenham seus direitos
reconhecidos.
Antes da década de 60 os indivíduos portadores de deficiências eram considerados
“ineducáveis”, e, portanto, eram atendidos separados dos não deficientes, em instituições
especiais. Segundo Mendes (2006), esta segregação ocorria partindo do pensamento em que
estas pessoas seriam melhor atendidas se ensinados em ambientes separados dos demais.
Nas décadas de 60 e 70, surgiram as bases para uma proposta de unificação que beneficiaria
os deficientes ao proporcionar mais desafios e oportunidades de aprendizado ao viverem em
ambientes diversos, realistas, que proporcionariam interações sociais, facilitando o
aprendizado. Os não deficientes também seriam beneficiados com a presença de pessoas que
lhes ensinariam sobre as diferenças, as deficiências e sobre a superação, promovendo a
aceitação das potencialidades e limitações. As escolas passaram a aceitar indivíduos com
necessidades educacionais especiais nas classes comuns. Porém, a política de integração
escolar acabou resultando numa estrutura fragmentada e nem sempre acessível a todos.
Na década de 80, teve início a defesa de um único sistema de ensino de qualidade e aberto
para todos, o que acabou sendo a base para a fase inicial da educação inclusiva.
Atualmente, temos várias leis que asseguram os direitos das pessoas com deficiência: a
Constituição Federal do Brasil (1988) dá respaldo aos que propõem avanços significativos
para a educação escolar de pessoas com deficiência, quando elege, como fundamentos da
república, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a promoção do bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Ela
garante, também, o direito à igualdade e trata do direito universal à educação. O texto da Lei
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de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) mostra que “os sistemas de ensino
assegurarão aos educandos com necessidades especiais: currículos, métodos, técnicas,
recursos educativos e organizações específicas, para atender às suas necessidades”.
A Declaração de Salamanca, que apresenta os procedimentos-padrão das Nações Unidas para
a equalização de oportunidades para pessoas portadoras de deficiências afirma:
Escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades
acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para
todos; além disso, tais escolas proveem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de
todo o sistema educacional. (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994)
Segundo Mendes (2006), o cenário que se observa na realidade se configura da seguinte
forma: os alunos que têm acesso à escola não têm ensino de qualidade; há falta de
profissionais qualificados; há falta de recursos; ainda há serviços com modelo de segregação;
há descaso dos governantes e tendência de privatização destes serviços; além de uma lenta
demanda por ampliação de vagas na rede regular pública de ensino.
Diante desse quadro, o que não se pode perder de vista é que qualquer esforço realizado em
prol do desenvolvimento e aprimoramento da educação inclusiva pode ter início em sala de
aula, com o professor. Nesse cenário de inclusão, apresentar-se-ão ao professor situações que
nunca foram antes experimentadas, caberá a ele enfrentar os desafios e proporcionar ao aluno,
seja qual for sua necessidade especial, condições para que possa interagir e realizar suas
atividades em igualdade de condições com os outros colegas.
Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a partir do
curso que coordena ou do seminário que lidera, pode transformar o país. Mas pode
demonstrar que é possível mudar. E isto reforça nele a importância de sua tarefa político-
pedagógica” (1996, P 112). No livro Pedagogia da Autonomia, Freire deixa claro o fato de
que ensinar exige do professor rigorosidade metódica, pesquisa, respeito aos saberes dos
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educandos, o risco, a aceitação do novo e a rejeição a qualquer forma de discriminação, a
reflexão crítica sobre a prática. Ensinar requer a convicção de que a mudança é possível,
reconhecer que a educação é ideológica, ter disponibilidade para o diálogo e, principalmente,
querer bem o educando.
No modelo tradicional de ensino, a inclusão torna-se difícil devido a práticas pedagógicas
mecanicistas, não eficazes, vazias de significados e objetivos. São práticas que refletem os
valores da nossa sociedade, que privilegiam o aprendizado de comportamentos padronizados
que acabam por não dar espaço à construção de relações dialógicas, sem vínculos afetivos e
nem autonomia. Nosso contexto educacional geralmente não se adapta à real necessidade dos
alunos, pois centra seu método pedagógico na transmissão de conhecimentos adquiridos
através de modelos prontos.
Numa realidade como essa, tem-se dificuldade de inserir crianças com algum tipo de
deficiência, bem como de inserir crianças que forçosamente serão diferentes umas das outras.
Mesmo as crianças ditas “normais” sentem dificuldades todos os dias no contexto escolar,
porque não estão verdadeiramente incluídas no processo de ensino-aprendizagem.
Nunes (2006) afirma que uma escola é inclusiva quando procura educar todos os alunos em
salas de aulas regulares e isto significa não só permitir a todos a educação e a frequência na
escola regular, mas também oferecer a todos uma série de desafios e oportunidades que sejam
adequados às suas habilidades e necessidades. E ainda, uma prática inclusiva na escola deve
investir em mudanças fundamentais, tais como: perceber nas diferenças uma oportunidade de
aprendizagem; derrubar barreiras em prol da participação de todos; estimular o uso de todos
os recursos possíveis ao aprendizado; investir nas práticas e conhecimentos já existentes;
enfatizar uma linguagem ligada à prática e investir na aceitação de riscos.
Para que essas transformações ocorram, mesmo que a longo prazo, é necessário que o
professor abandone sua zona de conforto e procure novos caminhos, provocando processos
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criativos em sala de aula. É o professor que aceita o desafio de construir algo novo,
condizente com as necessidades do outro, que poderá receber um aluno com deficiência em
sala de aula e potencializar as suas capacidades. É por essa necessidade de propor novos
caminhos, que se faz necessário compreender o exercício docente inclusivo. Porém é
necessário, também, que haja políticas públicas que respaldem o educador, para que ele se
sinta preparado para exercer esta função.
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3A ARTE E A INCLUSÃO DOS DEFICIENTES VISUAIS
A Arte é uma atividade complexa, historicamente situada, que envolve as várias dimensões
humanas: social, cognitiva, afetiva e motora, portanto, exige um aprendizado que considere
todas essas dimensões, presentes no homem de forma integrada. Sendo assim, a arte-educação
é um importante instrumento para a formação de um homem mais pleno, pois possibilita o
melhor conhecimento de nossas emoções e sentimentos, bem como da sociedade que nos
rodeia. É importante ter em mente que a produção artística não aparece do nada, mas é fruto
da interação do artista com o seu meio; é resultado, portanto, de um momento histórico, que é
traduzido pela visão do artista na obra por ele produzida. Esta obra, por sua vez, acaba por ser
transformada pela visão do público e pelo que este interlocutor tem a dizer sobre ela. Sendo
assim, tanto a produção quanto a fruição da arte é o resultado da interação social entre o
artista, o público e o meio; é numa relação dialógica entre o “saber do eu” e o “saber do
outro” que a significação da obra se efetiva.
Lopes (2006) nos aponta que importância do papel do outro no processo de interação,
percepção e formação da consciência é destacado por Bakhtin e Vygotsky, uma vez que
ambos acreditam que a consciência individual se forma a partir do social e a autoconsciência é
dada através do outro, do diálogo e da interação entre o Eu e o Outro, do contato social e do
contato consigo mesmo. Assim, a arte-educação é uma ponte que possibilita o acesso a
múltiplas formas de interação.
Para Buoro (1996), a finalidade da Arte na educação é possibilitar uma relação mais
consciente do ser humano no mundo e para o mundo, pois contribui na formação de
indivíduos mais críticos e criativos que atuarão na transformação da sociedade.
Tendo em vista a importância da Arte para a formação de indivíduos plenos e atuantes na
sociedade, o contexto escolar deve possibilitar o conhecimento artístico a todos os alunos, no
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sentido de uma educação mais inclusiva, pois no ambiente das artes a abertura às diferenças
deve significar, sobretudo, possibilidades de enriquecimento do processo.
Conforme Martins (2002), uma postura inclusiva não é aquela que faz de conta que todos
somos iguais, mas é aquela que pressupõe que a partir das diferenças podemos construir um
universo mais rico de aprendizagens e de produção da vida sociocultural.
Sendo assim, através da educação pela Arte, o aluno se desenvolve, tornando-se capaz de
perceber as inúmeras diferenças e diversidades culturais que estão ao seu redor, contribuindo
para uma sociedade mais humanizada.
Até aqui tratamos sobre a importância da arte-educação na vida de todos os indivíduos, resta
agora saber de que forma trabalhar o ensino das artes visuais em sala de aula sem ser
excludente, mas valorizando todas as diferenças, em especial as decorrentes de deficiência
visual.
Para Vygotsky (1997) a deficiência é um fenômeno social, pois só a partir desse estigma é que
o outro se sente desqualificado, pois os cegos não se percebem como diferentes senão pelo
modo como a sociedade os vê. A sociedade tem uma concepção de que os deficientes visuais
devem aprendera se adaptar ao nosso mundo e cultura visuais para viverem melhor. Segundo
Perlin (1998), essa concepção é construída e sustentada por uma ideia de identidade visual
como superior a tudo que se refere aos cegos. A cegueira deve ser considerada apenas como
uma condição de existênciadiferente e digna de respeito.
Evidentemente, a criança com deficiência visual encontra uma série de dificuldades de
adaptação ao ser inserida na escola, não por ser deficiente de algo que faça falta para a sua
constituição como sujeito, mas por estar inserida num contexto construído para pessoas de
uma cultura diferente da sua, uma cultura visual.
Para o professor de Arte, apresentam-se uma série de questões desafiadoras, tais como: de que
maneira acontece a interação entre os estudantes numa sala de aula inclusiva; o que vem a ser
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uma sala de aula inclusiva; saber como, quando, de que forma e se acontece a inclusão. O que
se percebe é que quanto mais se busca uma resposta, mais perguntas surgem.
Embora as dificuldades pareçam ser muitas, o resultado das pesquisas e da experiência em
sala de aula de vários educadores, aponta o importante papel do objeto pedagógico e a
necessidade de se adaptar para que sirva verdadeiramente às necessidades de todos dos alunos
de forma a promover o desenvolvimento das suas aptidões.
Segundo Borba (2006), um bom começo é saber se conhecemos bem as crianças com as quais
vamos trabalhar, se sabemos o que eles gostam ou não de fazer, se temos conhecimento de
seus interesses, se sabemos ouvi-los e criamos espaço para que eles nos conheçam também.
Essa aproximação cultural é fundamental para que se planeje atividades que sintonizadas com
o interesses e necessidades dos alunos. Geralmente, o aluno com deficiência ou aluno com
problema de aprendizagem é visto pela sua limitação. Mas o papel do educador é prestar
atenção ao que o aluno pode fazer, e assim planejar práticas que enfatizem as qualidades e
possibilidades desses alunos, respeitando as limitações de uma sala regular com outros trinta
alunos que também necessitam de cuidado.
Nesse sentido, Fonseca da Silva e Bornelli (2007), apontam a necessidade de produção de
objetos pedagógicos para ampliar as possibilidades de inclusão nas escolas regulares.
Apontam, ainda, a possibilidade de construir, na sala de aula, muitas atividades que estimulem
a produção e trabalhos que ampliem a compreensão da Arte. Junto a cada ação podem ser
proporcionados aos alunos momentos de reflexão, que colaboram para a autonomia do grupo,
propiciando que a inclusão aconteça naturalmente.
O que pudemos observar nas propostas de vários educadores é a predileção pelos jogos como
objeto pedagógico. Inúmeros são os fatores motivadores dessa predileção, pois através dos
jogos é possível desenvolver aspectos importantes para a produção de conhecimento, bem
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como para a inclusão, cooperação, desenvolver o espírito de grupo, respeito pelos outros, e
consequentemente respeito às diferenças.
Para Piaget (apud Souza, 1997), o jogo é uma atividade fundamental no desenvolvimento
infantil, pois é por meio dele que a criança interage com o mundo.
Para Schwartz (2002), tanto o jogo quanto a arte possuem atributos de grande importância no
processo educacional: ambos estimulam o potencial criativo, possibilitando a criação e a
elaboração de novos esquemas de significação e de interpretação dos valores culturais,
podendo também interferir na sua transformação.
Ainda segundo Schwartz, o jogo e a arte são importantes na construção do ser humano
integral, pois proporcionam experiências de resolução de problemas, favorecem uma
aprendizagem mais efetiva, promovem interação social, quebra de padrões do cotidiano,
aumento da receptividade da sensibilidade, do humor, da capacidade de recreação mais
espontânea e a autoconfiança, que facilitam a apreensão da cultura e incorporação de novos
significados.
Desenvolver jogos em artes visuais oferece o desafio de promover a interatividade em
diferentes graus. Aplicar a potencialidade dos jogos, aliando-a ao fator pedagógico, favorece a
descoberta do meio social, pois garante a liberdade de ação e reflexão, manipulação,
experimentação e modificação, delegando autonomia ao sujeito.
Inúmeras são as propostas de jogos envolvendo a aprendizagem das artes visuais, cabendo ao
professor a adaptação destes de acordo com as necessidades dos seus alunos, bem como ao
objetivo que se pretende atingir. Porém, com relação à inclusão dos alunos portadores de
deficiência visual, é notável o fato de que todas as propostas partem do pressuposto de que
esses alunos possuem a capacidade de reconhecer pelo tato ou audição os componentes
primários das figuras representas, como as formas geométricas. É no mínimo
questionávelapresentar a um cego congênito descrições verbais de objetos, ou figuras em alto
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relevo, ou ainda maquetes de objetos sem antes capacitá-lo a reconhecer tais figuras, por meio
da aprendizagem do desenho; seria quase a mesma coisa que ler uma bela história em inglês
para uma criança que não conhece esse idioma.
Para ampliar a perspectiva do problema que procuramos apresentar na atual concepção de
procedimentos que supostamente visam à inclusão, apresentaremos uma síntese da pesquisa
desenvolvida a partir de experiências de mediação com pessoas cegas no Museu de Arte de
Santa Catarina – MASC. O projeto se consolidou em uma parceria do Núcleo de Arte
Educação – NAE-MASC com a Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. E faz
parte do artigo das professoras Adriane Cristine Kirst e Maria Cristina da Rosa Fonseca da
Silva, intitulado “Quando o cego vai ao Museu”.
As autoras contam que iniciaram o projeto considerando o caráter diferenciado da mediação
com público cego fundamentado no argumento construído por Ballastero (2003) que diz que
no caso dos invidentes as sensações auditivas, olfativas, táteis e térmicas passam a ocupar um
lugar privilegiado na experiência sensorial. Sua experiência sensorial do mundo é, portanto,
qualitativamente diferente. Igualmente, quando pensaram a mediação da pessoa cega,
buscaram sistematizaroutros modos de interação com o objeto artístico além do visual, dando
ênfase àutilização de outros sentidos de percepção.
Na prática, foram estimuladas as capacidades de descrição dos objetos artísticos, poisentre o
público cego adulto esta atividade ganha valor, pois é associada à suaexperiência na leitura de
figuras e fotografias no cotidiano.O projeto teve início no ano de 2006, quando perceberam
que não havia uma frequência de pessoas cegas ao museu de artes visuais.
Numa primeira etapa, investigaram como os mediadores de outras instituiçõesrelatavam a
necessidade de pensar o tipo de mediação a ser constituída. A partir destascontribuições foi
agregado ao projeto experiências relatadas e desenvolvidas como as da Pinacoteca do Estado
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de São Paulo, pois havia necessidade de adaptar o material para qualificar o processo de
mediação.
Como não havia trajetória de ações inclusivas no MASC e também recursos
parainvestimentos consideráveis, buscaram iniciar a mediação do público a partir de
objetosescultóricos que facilitavam a percepção tátil. As esculturas foram escolhidas por
possibilitar o acesso tátil dos cegos, também pela possibilidade de perceber seu material,
tamanho, forma e conceito. A ação dos mediadores voltava-se a atender os cegos, em
contextualizar a obra e o espaço onde ela está colocada.
No segundo ano, 2007, a partir de uma consultoria da professora Dra. Amanda Tojal
daPinacoteca do Estado de São Paulo, que possui um longo trabalho em torno da
inclusãosocial, o projeto iniciou a atividade de produção de matrizes táteis para ampliar
aspossibilidades de experiência estética do público cego. Foi proposto um material educativo
adaptado para o Braille.
Nesta experiência, foi levantado através de estudos as características necessárias ao tipo de
maquete que se queria, e, posteriormente, aprimeira maquete foi testada por um estagiário
cego do Laboratório de EducaçãoInclusiva – LEDI que funciona dentro da UDESC. Ao tatear
a maquete e discuti-la foi identificado que, para o público cego, não interessava a reprodução
da obra em todos os seus detalhes, mas sim uma síntese perceptível pelo tato dos diferentes
planos da obra em questão.
As autoras destacam que na maquete de uma das pinturas,o responsável por ela errou ao
apresentar todas as possibilidades de volume e contraste na obra, pois impossibilitava que a
pessoa cega desenvolvesse sua leitura tátil, devido ao fato de o objeto apresentar uma
quantidade de detalhes muito grande prejudicando a percepção do cego. Ainda foram
produzidos dois desenhos em alto relevo, onde as linhas foram representadas por material
texturizado, que não permitia uma leitura tátil compatível, pois os contrastes eram
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demasiadamente pequenos e abstratos dentro da realidade de um público cego pouco
especializado.
Cabe frisar que o tato e a mediação através de um diálogo sobre a obra sãoimprescindíveis e
as duas ações colaboram entre si para a ampliação da compreensão do objeto artístico,
segundo as autoras. Contam que uma das obras teve a maquete construída no mesmo material
que a escultura original, onde o cego pôde tocar na escultura e depois na maquete num
tamanho que tornasse possível captar o seu todo, ponto importante para a compreensão
através do tato.
Quanto à mediação, esta deve ter o cuidado em descrever os ambientes nos quais a pessoa
está, e a importância de desenvolver matrizes táteis de quadros e esculturas e também
maquetes do espaço físico do museu.
Dentro do processo de pesquisa da qualidade da matriz tátil e sua usabilidade com o público
cego, promoveram visitas com este público para perceber sua interação equalificar os
processos de mediação específicos. Para finalizar, as autoras afirmam a necessidade
decontinuar o desenvolvimentosistemático de objetos pedagógicos que ampliem a
aprendizagem das pessoas comdeficiência no museu de arte, neste caso o público cego.
Segundo as autoras:
As imagens estão presentes no cotidiano das pessoas de forma cada vez
maior e maisrápida na medida em que a sociedade torna-se cada vez mais
uma sociedade guiadapelo visual. As pessoas cegas fazem parte desta
sociedade, portanto dar condições paraque estas saibam lidar com a
visualidade torna-se imprescindível. A cegueira não deveser um
empecilho definitivo, mas algo que inspire outras maneiras de se pensar
eexperimentar a imagem e aqui neste artigo o pensamos especificamente
através da arte. As matrizes táteis, juntamente com o material em Braille e
a mediação desenvolvida ao longo da pesquisa relatada, mostraram-se
instrumentos importantíssimos para que as pessoas cegas tenham uma
proximidade com a obra de arte. A grande maioria dos cegos que
visitaram o MASC ao longo do projeto nunca havia visitado nenhum
museu de arte, também nunca tinham tido contato com a arte. Prover
condições para que o cego integre a sociedade na qual ele vive de maneira
mais crítica e participativa é possível mediante algumas práticas que dêem
condições a estes sujeitos reconhecendo seus direitos aos bens culturais.
Criar condições de inclusão, partindo da obra de arte, do museu e dos
profissionais da área, trará grandes contribuições para a vida dos cegos.
(...) Com as matrizes táteis, o cego pode ter uma experiência estética de
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interpretar as obras, assim como seus colegas, criando condições para que
a inclusão realmente aconteça.(KIRST; SILVA, 2006, p 10)
Sem desmerecer de maneira alguma as iniciativas de qualquer profissional que tem por
objetivo promover a inclusão das pessoas com deficiência visual aos ditos sistemas gerais da
sociedade e, em particular, às instituições que visam promover a cultura e o conhecimento
como a escola e os museus, insistimos no ponto de que os procedimentos adotados para
promover a inclusão devem ser comprovadamente efetivos. Como aponta Márcia Cardeal, no
seu artigo “Metáforas Visuais – redundâncias táteis”:
É inegável que o discurso pela inclusão, com todas as suas complexidades,
necessita de maior reflexão e aprofundamento por parte da sociedade de
modo geral e, mais especificamente, por parte dos educadores. Sabemos que
implantar ações em nome de um mero e formal cumprimento de leis ou
decretos pode resultar simplesmente em um número a mais (ou a menos)
nos dados estatísticos. Quantificar, aumentar o número de indivíduos com
alguma defasagem sensorial, mental ou física frequentando escolas
regulares não é o bastante, enquanto não houver um olhar para a qualidade
dessa escola.(CARDEAL, 2011, p 145)
No artigo citado, Cardeal questiona a utilidade de ilustrações em relevo nos ditos livros
inclusivos, se estas colaboram ou causam ruído ao entendimento do texto. Ou se, pior ainda,
são totalmente dispensáveis, por não serem reconhecidas através da leitura tátil. Foi realizada
uma entrevista com 13 alunos, com idade entre 8 e 16 anos, apresentando as ilustrações em
relevo de 4 livros infantis e constatou-se que a maioria dos desenhos não foram reconhecidos,
principalmente os que continham excesso de detalhes na sua composição. Porém, o dado mais
importante, a nosso ver, foi que as crianças que tiveram menos dificuldade em reconhecer as
figuras foram as que tiveram algum tipo de contato com a aprendizagem de desenho.
Cardeal aponta que foram detectados basicamente dois elementos facilitadores para a
legibilidade tátil das ilustrações em relevo: a esquematização da forma e a experiência com o
desenho. A autora finaliza:
Pode-se ainda pontuar que o ensino do desenho, através de configurações
simples, assume um papel fundamental no que se refere ao
reconhecimento de imagens tátil-visuais. Neste sentido, portanto, se o que
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se busca é efetivamente a inclusão da criança cega no ensino regular, o
ensino do desenho pode representar uma importante conquista no âmbito
do seu desenvolvimento cognitivo. (CARDEAL, 2011, p 166)
Por compartilhar da mesma opinião de que o reconhecimento das imagens táteis pelo
deficiente visual só se dá por meio do conhecimento prévio das noções de formas, e que esse
conhecimento só é possível através da aprendizagem do desenho, e sendo esse
reconhecimento imprescindível para que haja a possibilidade de uma verdadeira inclusão do
deficiente visual nas aulas de artes visuais, acreditamos que a pesquisa da professora Maria
Lúcia B. Duarte é de fundamental importância para embasar a necessidade do ensino do
desenho a crianças cegas, que será visto no próximo capítulo.
22
4O ENSINO DE DESENHO PARA CRIANÇAS CEGAS
Este capítulo irá apresentar uma síntese das principais ideiasdo livro “Desenho infantil e
seu ensino a crianças cegas”, que é o resultado do trabalho da pesquisadora e professora de
artes visuais Maria Lúcia B. Duarte, que tem o objetivo de defendero ensino de desenho
infantil a crianças cegas, demonstrar do que é possível e, principalmente, porque sem um
conhecimento prévio de desenho, sem a noção de planificação das figuras que o desenho pode
dar, as pessoas com deficiência visual congênita não conseguem ler imagens em relevo, pois o
desenho é o primeiro passo para a compreensão da imagem tátil visual. Esse livro é fruto de
dez anos de pesquisas e investigações, um estudo de caso longitudinal realizado num período
de sete anos, alguns estudos de casos transversais, troca de experiência com outros
pesquisadores e instituições especializadas.
Na primeira parte a autora apresenta os fundamentos teóricos e na segunda, apresenta o
método com o qual trabalhou com sua aluna Manuella por um período de sete anos, na
aprendizagem de desenho de esquemas gráficos tátil-visuais e outras investigações de caráter
transversal.
A autora relaciona a memória, aprendizagem e o desenho infantil, apresentando e explicando
as modalidades sensoriais e seu papel na aprendizagem.Para ela, a compreensão dos processos
neurológicos de formação da memória e da aprendizagem é fundamental ao pensamento
pedagógico, assim a partir de estudos neurológicos atuais ela propõe alguns fundamentos que
direcionaram as suas investigações sobre como ensinar desenho para crianças cegas: aprender
implica construir uma memória na mente; uma memória é construída por meio de uma
impressão; uma impressão provoca uma especificidade em um neurônio, quando uma
impressão oriunda de uma modalidade sensorial ativa esse processo (DUARTE, 2011, p 21).
23
São várias as modalidades sensoriais pelas quais gravamos na mente as memórias do que
vivenciamos: modalidade gustativa, olfativa, visual, tática ou háptica e as modalidades
proprioceptivas (percepções do corpo: ossos, músculos, cartilagens) e interoceptivas
(estímulos viscerais) e a sensoriomotricidade (modalidade especificamente motora).Algumas
memórias podem estar ligadas a apenas uma modalidade sensorial, outras dependem de várias
modalidades. O pensamento, a evocação de um objeto ou de uma cena exige a ação
concomitante de várias memórias específicas. Os processos mentais que envolvem mais de
uma modalidade sensorial são denominados multimodais (DUARTE, 2011, p 21).
Assim, as palavras e os objetos do mundo possuem significado na nossa vida, quandopara
essas palavras e coisas existem na nossa mente padrões neurais, imagens mentais, que a elas
correspondem , preenchendo-as de sentido.
A autora explica que tanto para ver como para desenhar é necessário destacar um ou vários
objetos de uma multiplicidade de objetos existentes ao nosso redor, ou seja, é necessário um
recorte. Para o homem comum, o desenho é um recurso de registro dos objetos do mundo e
para desenhar precisa pensar nos objetos eliminando a sua tridimensionalidade, é preciso
reduzir o objeto a uma só face. A criança aprende por imitação, percebendo a atuação dos
adultos, que uma fotografia “representa” as pessoas, aprende o sentido das imagens como das
palavras.
A capacidade de reconhecer um objeto pelos seus aspectos mais relevantes, percepção visual
totalizadora, é impossível para a criança cega de nascença. Porém,segundo Duarte, o desenho
realizado com linhas simples e táteis pode proporcionar essa percepção.
Arnheim (1980)entende o desenho infantil como um esquema de representação bidimensional
das formas visuais, em que conceitos visuais são traduzidos em conceitos representativos e
considera a vida mental da criança intimamente ligada à sua experiência sensória. Por isso,
conclui que o desenho infantil apoiado na modalidade sensorial visual é um recurso para a
24
elaboração de conceitos mentais generalizantes. Já para Wallon (1979), as representações ou
padrões mentais, bem como as representações gráficas dos objetos pelo desenho infantil são
“imagens-definições”. O desenho infantil, então, representa os objetos por meio de
configurações gráficas construídas a partir de linhas e planos. Os planos têm como referência
formas básicas (geométricas) que resumem, no espaço bidimensional, as múltiplas aparências
dos objetos do mundo.
Sendo o desenho infantilassim compreendido, Duarte (2011) observa que maquetes
tridimensionais que enfatizem o aspecto geral, geometricamente característico do objeto,
poderiam permitir à criança cega congênita uma percepção tátil, similar à percepção visual.
Para explicar como se processa o desenho infantil a partir da imagem mental, a autora
apresenta as conclusões a que chegou Luquetao realizar um longo e completo estudo sobre o
desenho infantil, no qual apresentaduas proposições inovadoras: a apresentação de cinco
elementos que definem o desenho na infância e as diferentes etapas do desenvolvimento
gráfico infantil a partir da concepção de realismo.
Segundo Luquet (1969), os elementos do desenho infantil seriam: a intensão, a interpretação,
o tipo, o modelo interno e o colorido. As concepções de tipo e modelo interno são de maior
importância, porque Luquet compreendeu o ato de desenhar na infância como o resultado de
todo um processo mental próprio, no qual uma imagem mental precisa encontrar uma solução
gráfica, bidimensional. Tipo e modelo interno são interdependentes. Tipo é o desenho
propriamente dito, aquilo que configura o objeto por meio de linha de contorno sobre o papel;
modelo interno é a memória do objeto enquanto desenho,é a imagem na mente, de um
desenho que a criança já realizou, ou seja, uma representação mental que traduz o desenho.
Em Luquet (1969), o termo realismo é utilizado para indicar a relação entre o ato gráfico e o
cotidiano da criança. Indica que por meio do desenho a criança apreende os objetos do
mundo, identificando-os, diferenciando-os e classificando-os. Sendo assim,o desenho infantil
25
e suas derivações referem-se ao desenho figurativo, ao desenho que corresponde a um objeto
concreto do mundo real. O desenho infantil é necessariamente o resultado de um processo de
registro gráfico dos objetos do mundo, no qual basta que a figura desenhada contenha
componentes gráficos suficientes para a sua identificação. Duarte denomina “esquema” esse
desenho mínimo e suficiente.
Ao relacionar o desenho infantil com a cognição e o papel do esquema gráfico, a autora
considera o ato de desenhar na infância um recurso cognitivo, compreendendo que o desenho
corresponde a uma imagem mental visual capaz de permitir pensar por meio dela, porque
apresenta os objetos do mundo de um modo genérico e simplificado.
Para Duarte (2011), o desenho infantil é resultado de um processo imitativo. Os desenhos
infantis são simples e neutros, capazes de representar toda uma categoria de objetos,
necessitando apenas pequenos acréscimos que ajudem a identificação. Esses desenhos passam
a compor as referências de mundo, por meio das quais a crianças vai interagindo e passando a
fazer parte da sua sociedade e da sua cultura. Os mecanismos cognitivos de classificação a
partir de semelhanças e diferenças formais, utilizados na infância, permanecem ativos ao
longo da vida, pois tais recursos mentais facilitam e organizam os processos de conceituação e
pensamento. A partir dessas reflexões pode-se perceber a importância do desenho na infância
eportanto, o ensino da prática do desenho à crianças invisuais.
Para explicar as categorias e níveis cognitivos, Duarte (2011) cita Rosch (1973), afirmando
queuma categoria é uma concentração de formas e objetos considerados similares, tendo
como princípio reunir o máximo de informação com o mínimo de esforço;já a informação
veiculada é eficaz porque as crianças agrupam objetos preferencialmente por suas
propriedades perceptivas (formais) ou funcionais (ações) (p 52).
Com relação acognição, visualidade e propriedades dos objetos, a autora cita as propriedades
elencadas por Richard (2004): a) propriedades perceptivas: aparência (forma, cor, tamanho);
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b) propriedades componenciais: descrevem os componentes dos objetos (encosto, pés); c)
propriedades funcionais: referentes à utilização dos objetos (bater, pregar); d) propriedades de
procedimento de utilização: indicam como proceder com o objeto para realizar sua função (se
pega pelo cabo); e) propriedades de comportamento: indicam ações realizadas pela entidade
(voar). As propriedades mais usadas pelas crianças em seus desenhos seriam propriedades
perceptivas e componenciais. As diferentes propriedades dos objetos do mundo, evidenciadas
pelo contexto cultural, permitem que os sujeitos identifiquem, diferenciem, classifiquem e
atribuam um sentido aos objetos também na sua representação pelo desenho (RICHARD,
2004).
Para Damásio (2000), as imagens mentais que compõem a rede cognitiva mental são
resultantes de imagens originadaspor várias modalidades sensoriais. Os códigos visuais ou
imagens físicas dos objetos procedentes unicamente da modalidade perceptiva visual guardam
um aspecto de totalidade e concretude dos objetos.
Duarte (2011) observa que pesquisas sobre o desenho infantilligam o ato de desenhar à
necessidade de comunicação. Darras(1996) encontra equivalência entre o desenho infantil
esquemático, repetitivo, irrefletido e neutro e os termos verbais que Rosch (1978) havia
situado no nível cognitivo de base. Este pesquisador cunhou o termo iconotipo (um ícone que
é típico) “para nomear os esquemas mais genéricos e mais repetitivos no conjunto de imagens
visuais utilizadas nos processos artísticos e comunicacionais, um termo que remete a toda
uma categoria” (p 59).A partir das formulações teóricas de Rosch e Darras, a autora afirma ser
possível considerar que:
a) Por economia cognitiva, as informações obtidas no mundo físico são reunidas em
classes e subclasses; b) As classes e subclasses dos objetos são organizadas com
basenas experiências perceptivas (modalidades sensoriais) e nas categorizações organizadas pela linguagem na cultura; c) essas classificações permitem o rápido
reconhecimento dos objetos do mundo físico e portanto a definição de procedimentos
possíveis de interação entre sujeitos e objetos; d) desenhos infantis realizados de modo esquemático apresentam, tal como a linguagem verbal, objetos genéricos e
neutros, pertencentes ao nível cognitivo de base. (DUARTE, 2011 P 60)
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Com base nas pesquisas apresentadas, a autora afirma que os esquemas na produção infantil
funcionam como um propósito de representação, sendo imagens visuais capazes de
interiorizar a categoria cognitiva de objetos. Estes objetos tem a mesma função da palavra,
porém atuam como representações icônicas, semelhantesàs formas dos objetos do mundo
(DUARTE, 2011 P 60).
Para deixar clara a relação entre categorias cognitivas, nível de base e esquemas gráficos que
as crianças desenham, a autora usa o exemplo da palavra “pássaro”:
Na língua portuguesa, a palavra “pássaro” designa claramente uma
espécie da classe de animais denominada “aves”. Os pássaros são
diferenciados das aves por apresentarem algumas particularidades no bico,
nos pés e na qualidade de voo. A categoria “pássaros” apresenta as
seguintes propriedades: animais de corpo ovoide, com dimensão média de
um palmo, cabeça arredondada, corpo coberto de penas, bico, cauda e
duas asas laterais (propriedades perceptivas – formais – e propriedades
componenciais); são animais que voam, vivem em bandos na natureza,
constroem ninhos, andam com 2 pés, emitem sons ou “cantam”
(propriedades de comportamento).(DUARTE, 2011, p 61)
Duarte (2011) explica que os desenhos infantis de representaçãodo pássaro, as principais
características que determinam a figura se dividem em duas maneiras diferentes: pássaro
pousado, representado com formas como cabeça, corpo, asas, pés e cauda; ou pássaro em vôo,
em que o movimento do voo forma uma letra “v”, levemente curvada. A autora observa que
além do círculo primordial, o binômio horizontalidade/verticalidade é fundador da
configuração gráfica e pictural do desenho infantil (p 61-62).
Pela construção teórica apresentada, exemplificada por inúmeros desenhos realizados por
alunos, a autora passa a indicar as características definidoras do desenho infantil que ela
denomina “esquemas gráficos”: a) Esquema gráfico é um desenho aprendido e memorizado
que pode ser repetido, porque correspondem a padrões mentais responsáveis por uma imagem
visual cerebral e por sequência motora de gestos necessários à realização de seu traçado; b)
um esquema gráfico é uma imagem mínima ou imagem-conceito de um objeto, que satisfaz a
mente devido à facilidade e à economia cognitiva de seu reconhecimento; c) um esquema
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gráfico é construído por meio de linhas, especialmente horizontais e verticais, e por meio de
formas geométricas básicas, especialmente o círculo, o quadrado, o triângulo e suas variações.
Isso porque corresponde a um conceito representativo, direto e simples, do objeto; d) os
esquemas gráficos são sempre sintéticos, genéricos e neutros, capazes de representar toda uma
categoria de objetos, apresentam as propriedades perceptivas e componenciais mais
características de uma categoria de objetos (DUARTE, 2011, P 67-68).
A autora acrescenta que os esquemas gráficos também se caracterizam por evidenciarem uma
aprendizagem na sociedade e na cultura (2011, p 68). É aquele tipo de desenho que se
cristaliza e que é utilizado pelo sujeito pelo resto da vida toda vez que é solicitado a desenhar
este ou aquele objeto. Esse tipo de desenho, aprendidos e utilizados na infância, não tem
nenhum valor artístico, sua essência é conceitual e sua função é cognitiva e comunicacional
(2011, p 69).
Para Duarte (2011), desenhar é uma atividade de grande contribuição ao desenvolvimento
humano e os ditos “esquemas gráficos”, utilizados na infância, são recursos cognitivos e
comunicacionais que permanecem úteis ao sujeito a vida toda. Assim, o ensino de desenho
para crianças cegas vai além da necessidade de integrá-las ao processo educacional, mas
significa permitir a elas acesso a códigos gráficos que, além da sua função comunicacional,
oferecendo diversos recursos eficazes para a aprendizagem.
Com relação ao desenho e a invisualidade, a autora afirma que estamos tão acostumados a
pensar com imagens visuais mentais que esquecemos que desde muito cedo construímos um
imenso arquivo de imagens táteis, sonoras, visuais e olfativas. A questão que ela propõe é a
possibilidade de desenhar sem ver e como substituir a modalidade visual pelas outras
modalidades sensórias.
O ato de ver, de tornar presente na mente (representar) uma imagem visual produzida na
retina, mobiliza áreas do cérebro muito semelhantes àquelas requisitadas no ato de realizar
29
imagens mentais conhecidas e memorizadas, mas ausentes à percepção. A configuração
mental dos objetos exige o trabalho de padrões neurais equivalentes, quer esta configuração
seja realizada na presença do objeto (percepção visual) ou em sua ausência rememorada
(imagem mental visual).
A criança começa a desenhar em meio a dificuldades de discernimento entre informação
visual e imagem visual mental. Mas como pensar e desenhar sem ver, de fato? Duarte
dimensiona a cegueira em dois aspectos diferentes: a existência de um aparelho funcional que
promova a captação de imagens e possuir ou não uma experiência de vida que facilite a
decodificaçãodos sinais projetados na mente pelo aparelho visual. Duarte (2011) esclarece
que o cego de nascença não consegue decodificar imagens,mesmo que seu aparelho visual
fosse reparado, seu cérebro não estaria preparado para assimilar estas imagens, levando um
certo tempo até que a mente se acostume e seja capaz de decodificar o objeto ou figura (p 75).
A visãoé de certa forma,treinada ao longo da infância, assim como a prática da fala, em que
os significados das palavras vão aos poucos sendo assimilados, ou seja, é necessário que haja
uma repetição de formas, letras, palavras, objetos, etc, para que a criança seja capaz de
assimilar o que vê e escuta.Desta forma,Duarte entende que a percepção visual é construída
pouco a pouco como a linguagem (2011, p 75).
Com o passar do tempo, a criança começa a perceber as imagens simultaneamente e formar
cenas contendo vários elementos combinados.Para as pessoas cegas não existe essa
percepção. Nomundo não visual, os objetos são compostos a partir de sequências temporais
do tato. Cegos de nascença não conseguem criar uma cena da mesma forma que uma pessoa
vidente. A autora afirma que a criança cega de nascença só percebe em totalidade os objetos
que cabem na sua mão, parecendo ser este o limite da percepção tátil totalizadora. Da mesma
forma, a pessoa cega desconhece a aparência dos objetos. Para Duarte (2011), o sentido de
dimensão do objeto é dado pelo tempo que as mãos gastam para percorrer a sua forma (p 76).
30
A possibilidade de a pessoa cega compreender as bordas de superfície dos objetos e, portanto,
suas linhas de contorno, através da modalidade tátil, determinou o ponto de partida para a
construção de um método de ensino de desenho para crianças cegas.
Para a autora, asocialização de um bebê cego é carente de expressividade fisionômica e
corporal, dada a falta de visualização de gestos e expressões para imitar. Esse é apenas o
começo das dificuldades de uma criança cega, pois sem a visualidade, o bebê não tenta
alcançar os objetos e nem realizar tarefas esperadas em cada idade. A ausência da visão dos
objetos anula o estímulo para realizar as primeiras ações. Essas observações confirmam a
necessidade de exercício do uso do tato com a criança cega, visando auxiliá-la como recurso
prático e cognitivo (DUARTE 2011, p 76).
Embora as imagens mentais das pessoas cegas sejam provenientes especialmente de sensações
perceptivas sonoras e táteis, quando se trata de reconhecer imagens visuais representadas com
linhas de contorno tátil, as pesquisas realizadas revelam baixos resultados obtidos por pessoas
cegas. Na pesquisa de Marcia Cardeal, citada no capítulo anterior, por exemplo, os melhores
resultados foram obtidos por sujeitos que praticavam o desenho.
Dentre os sujeitos invisuais não há uma prática usual do desenho, conforme Duarte (2011),
com base nas pesquisas de Hatwell. Tais sujeitos desenham apenas quando solicitado,
apresentando então, numerosas dificuldades, sendo uma delas a decupagem das figuras em
planos sucessivos, pois ignoram o modo de tratamento bidimensional necessário, fato
decorrente da falta de visualidade. (DUARTE 2011, p 79-80)
As pesquisas comprovam, também, a dificuldade das pessoas cegas em conservar na memória
e reconhecer tatilmente desenhos de objetos; e, ainda, apontam como causa de reações de
resistência ao desenho, a dificuldade e sobrecarga mental exigida pelo reconhecimento de
linhas em relevo bidimensional representando os objetos.Portanto, em exercícios com
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imagens táteis é necessário um intenso trabalho cognitivo para minimizar as dificuldades de
procedimentos.
Afirma a autora que cada ação humana, compreensão de objetos e de si mesmo, assim como
toda aprendizagem, dependem da motrocidade. Ao pegar um objeto, percebe-se duas
representações no cérebro, sendo elas: uma representação mental do objeto e uma
representação da própria ação. Segundo Duarte, a memória motora permite a antecipação e
regulagem das ações. (DUARTE 2011, p 81)
Pesquisas demonstraram que pode haver a representação de uma ação pelo cérebro sem que
ela venha a ser efetivamente executada pelo sujeito; demonstram também, que as imagens
mentais resultantes da motrocidade do corpo no cérebro importam e atuam nos procedimentos
humanos tanto quanto as imagens mentais advindas de outras modalidades
sensoriais.(DUARTE 2011, p 83).
As pesquisas revelaram, também, que existe semelhança entre os processos mentais de
percepção visual (em ato) e a evocação da imagem mental (atualização na memória , na
mente, de um objeto ou evento), pois requerem os mesmo componentes cerebrais quando um
desenho é realizado com o objeto presente e é executado por meio de observação visual
direta.
Outro dado importante das pesquisas foi a observação de que pacientes com lesões cerebrais
que impossibilitam a realização de desenhos com a observação visual de objetos eram capazes
de desenhar um tipo de desenho que foi denominado “desenho de rotina”. Nesses desenhos a
imagem visual mental do objeto cujo acesso está impossibilitado pela lesão é substituída por
uma memória motora de procedimentos. Os desenhos praticados intensamente antes da lesão
podem ser realizados.
Os dados dessas pesquisas demonstram a capacidade cerebral para preservar imagens motoras
e procedimentos de ação que permitem a execução de desenhos, mesmo na
32
impossibilidadevisual do objeto ou da imagem mental visual do objeto, ou seja, revelam a
possibilidade de desenhar por meio da atualização mental de uma outra imagem, não visual,
mas também codificadora dos objetos.
Após tudo o que foi exposto, Duarte enfatiza a existência de dois fatores de maior importância
aos projetos que visem ao ensino do desenho para crianças cegas: a compreensão de que
nosso cérebro retém as sequências motoras necessárias às ações empreendidas, sendo que
memorizamos os objetos como uma sensação motora de nossa ação e a relação entre os
desenhos rotineiros, estes executados através da memória procedural entre pacientes com
lesões visuais e o automatismo gráfico, entre os quais, encontramos os esquemas gráficos.
(DUARTE 2011, p 84).
Acerca da condição de invisualidade e da imitação como recurso de aprendizagem, Duarte
cita Wynnykamen (1990), definindo a imitação como o uso intencional da ação de outro para
servir de guia a uma atividade própria, orientada a um objetivo. Então, a autora traz à tona três
campos de conduta onde a imitação é utilizada como método de aprendizagem participante ou
principal: a aquisição de competências linguísticas e comunicacionais; a aquisição de saberes
sociais e relacionais; e a aquisição de conceitos e regras de resolução de problemas. Duarte
acrescenta ainda que as crianças trabalham naturalmente os processos imitativos de maior
relevância ao seu desenvolvimento e integração. (DUARTE 2011, p 84).
Duarte (2011) observa que a criança tem sua capacidade de imitação visuomotora
impossibilitada quando nasce cega. Portanto, nos processos de aprendizagem dessa criança
“ganham importância os processos imitativos que se utilizem de uma performance motora
realizados com base em percepções do corpo, nas quais a visão não seja um recurso
necessário ao espelhamento do gesto realizado” (p 87). De acordo com a autora, o contato
físico e ação devem estar ligados, devendo o gesto a ser imitado, ser realizado junto com a
criança. (p 87).
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Duarte afirma terprocurado encontrar procedimentos de ensino-aprendizagem para substituir
os processos de imitação, nas nações com crianças cegas, com base na modalidade visual;
foram concebidos procedimentos que não necessitam da modalidade mencionada através de
fundamentos e reflexões teóricas sobre motrocidade e imitação, ainda que a modalidade aqui
tratada figure como referência para a configuração dos objetos pelo desenho. (DUARTE
2011, p 87).
A seguir será apresentada a sequência de ensino com base na modalidade tátil, na
sensoriomotricidade e nas percepções do corpo formuladas por Duarte.
São três etapas que pressupõem sempre uma relação entre o professor, que
ao desenhar junto com a criança, oferece-lhe um modelo de traçado do
objeto por meio da percepção dos movimentos que executa, e a criança em
processo de aprendizagem, que produz o modelo oferecido pelo professor
ao realizar os mesmos gestos e movimentos percebidos na ação conjunta.
A criança deve acompanhar o traçado de linhas mantendo a sua mão sobre
a mão do professor para assim perceber o movimento realizado durante o
traçado. (DUARTE, 2011, P 88)
Segundo a autora, a primeira etapa chama de Reação, é a realização do mesmo traçado,
conforme ele foi executado, imediatamente após o acompanhamento do movimento do
professor pelo aluno, ou seja, uma ação sem o tempo de reflexão igual àquela que foi
executada. A segunda etapa seria a Repetição, que deve exigir da criança uma reflexão sobre
o traçado do desenho e a decisão de como começar o novo traçado, antes de executar
novamente a ação percebida.A terceira etapa, denominada pela autora de Imitação, acontece
quando o desenho é criado sem ser antecipado pela percepção do traçado efetuado pelo
professor.O resultado esperado na etapa final é que a criança já tenha construído memórias e
imagens mentais suficientes nos campos da operação sensoriomotora, da sequência do traçado
eda percepção tátil da linha ou figura desenhada, sendo assimcapaz de realizar o traçado da
linha ou da figura sem a ajuda do professor.(DUARTE 2011, p 89)
Oobjetivo a ser alcançado é que, após os exercícios de aprendizagem, o sujeito seja capaz de
utilizar o traçado da linha ou figura aprendida para produzir outras figuras.
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“O trabalho realizado pela imitação sensoriomotora possibilita à criança invisual a aquisição de um esquema mental do objeto desenhado capaz de atuar como
recurso cognitivo nas mais variadas situações em que o objeto aprendido pelo
desenho possa ser considerado um representante geral de uma categoria” (DUARTE,2011, P 90).
Na segunda parte, a autora expõe sua proposta de um método de ensino de desenho e
reconhecimento de imagens gráficas simples para crianças cegas, exemplifica sua proposta
por meio de dados obtidos no seu estudo de caso longitudinal, realizado com Manuella, sua
aluna por sete anos (2002 a 2009) e justifica, por meio de uma explicação detalhada, seus
procedimentos e suas escolhas quanto a seleção dos elementos a serem ensinados.
Antes, porém, a autora expõe, de forma mais clara para que não reste dúvidas, por que ensinar
desenho a crianças cegas. Devido à importância desses motivos, serão apresentados:
a)Porque o desenho, na infância, antecede a escrita; b) Porque o desenho planifica a
imagem visual e permite uma compreensão da aparência visual dos objetos do
mundo; c) Porque pelo desenho é possível reduzir e representar em totalidade coisas muito grandes; d) Porque um desenho em relevo é o único modo de uma
pessoa cega ter contato com imagens visuais e uma percepção aproximada de mil
mensagens que nas páginas impressas das revistas e livros ou web, expõem conteúdos, conceitos, modismos, arte, cultura, conhecimento; e) Porque para ler
imagens tátil-visuais planas é preciso, primeiro, aprender a desenhar e, desenhando,
compreender o que é uma planificação das figuras; f) Porque desenhar e ler imagens visuais em relevo pode ser um importante aliado na conquista de
independência e autonomia pela pessoa cega. (DUARTE 2011, p 95)
Em seguida, a autora passa a discorrer sobre o modo como as crianças desenham,
primeiramente, descrevendo as fases do desenho infantil.
Aos 18 meses, segundo a autora, a criança já é capaz de empunhar um lápis e produzir seus
primeiros rabiscos: pontos e linhas curtas, os quais a criança ainda não é capaz de controlar.
Com o passar do tempo, a crianças vai desenvolvendo a capacidade de controlar e repetir seus
gestos e executar gestos mais longos (DUARTE, 2011, P 97). Lowenfeld (1979) denominou
duas etapas gráficas de “garatujas desordenadas” e “garatujas controladas”. As garatujas se
estendem nas crianças até os 3 anos, portanto, após muito exercício, a criança consegue
controlar a linha que traça, para fechar e construir uma figura. O fechamento da linha e a
construção das primeiras figuras apresentam uma forma circular. A partir dela, as crianças
constroem as primeiras figuras, estipulando a elas os devidos significados (p 99-100).
35
Nessa fase, a criança alia ao seu desenho uma narrativa, que descreve o que está desenhando,
imprimindo significado ao grafismo. A autora conta que nas suas primeiras experiências com
Manuella, ao traçar linhas sobre o papel, seus movimentos seguiam o mesmo ritmo que as
narrativas sobre o que estava desenhando. No entanto, a autora podia perceber um certo
desconforto em Manuella, como se ela intuísse que seu desenho era diferente do das outras
crianças de sua idade (8 anos), com as quais tinha contato diariamente na sala de aula. Para
Duarte, essa era uma boa razão para ensinar o que e como as crianças desenham.
Segundo Duarte (2011, p 101), a fase das garatujas precisa ser vivida e experimentada por
todas as crianças, por ser essencial para que elas adquiram controle sobre os gestos que vão
garantir a possibilidade de escrever e desenhar figuras, sendoque para a criança cega, a
necessidade é a mesma que para a criança visual. Porém, vários fatores dificultam essa
vivência: o despreparo dos pais para lidar com a invisualidade dos filhos; creches e escolas
despreparadas para receber as criançascegas e a falta de preparo para receber estas crianças. O
resultado desta realidade é o abandono da criança cega, provocando inúmeros atrasos
cognitivos, não pela a ausência da visualidade, mas devido a inadequação da sociedade e do
sistema educacional às necessidades de cada criança.
A autora conta que em sua vivência com crianças invisuais pode observar que a ausência de
visão torna a criança temerosa com o contato dos materiais, objetos e ambientes
desconhecidos, por isso é preciso que a ausência de visão seja substituída por procedimentos
verbais e táteis para que a criança cega possa acompanhar as atividades com tranquilidade e
segurança.
Segundo Luquet (1969), as crianças visuais reconhecem as primeiras figuras que desenham ao
acaso por analogia morfológica, ou seja, por uma experiência visual. Duarte considera
necessário trabalhar a compreensão formal dos objetos e dos componentes do desenho: as
linhas e planos. (DUARTE 2011, p 102).
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Tanto cegos como videntes são capazes de compreender as linhas de contorno de um objeto
ou forma. A autora explica que com as crianças cegas é preciso o usode recursos táteis e
verbais para identificar os objetos, percorrendo as linhas de contorno de cada forma. Exercitar
muito a percepção tátil dos objetos e de linhas de contorno é importante para um futuro
desenho, porque é através da linha de contorno que acontece a planificação e o rebatimento de
um objeto no espaço gráfico por meio de linhas e planos, ou seja, a concepção do desenho
propriamente dita.(DUARTE 2011, p 103).
Segundo Duarte (2011), a criança cega necessitade uma gráfica, exercitandoo traçado de
linhas retas e curvas em diferentes direçõese em movimento; é necessário também apresentar
e desenhar as figuras geométricas básicas. A autora descreve detalhadamente os
procedimentos utilizados nos seus estudos de caso, exemplificando o ensino de cada
elemento, bem como propondo uma série de recursos didáticos, que obtiveram resultados
positivos: a apresentação em relevo tátil de linhas e figuras, a construção de linhas e figuras
em procedimentos de imitação sensoriomotora, o ditado de linhas e figuras por meio da
indicação verbal de direções e dimensões, exercícios de liga-pontos, a percepção tátil de
figuras recortadas em material espesso. Duarte enfatiza em vários momentos a necessidade de
manter o caráter lúdico, de brincadeira em todo o processo e para tanto, aconselha o uso de
histórias, músicas e cantigas. (DUARTE 2011, p 125).
A autora salienta que aprender de modo tátil não é uma tarefa fácil para a criança cega,e que é
necessário constantemente retomar, revisar e repetir os movimentos durante todo o processo
de aprendizagem. Duarte adverte que o desenvolvimento nunca ocorre de modo contínuo,
pois as dificuldades e facilidades não são iguais entre as crianças. (2011, p 126).
Duarte (2011) considera fundamental a compreensão do ato de desenhar, para que o desenho
faça realmente sentido como representação planificada de um objeto (p 126).
37
Ao abordar o ensino de esquemas gráficos, a autora retoma as principais justificativasdo seu
ensino a crianças cegas que são os esquemas gráficos; imagens sintéticas dos objetos, que se
estruturam graficamente a partir de linhas e formas básicas,apresentando as características
principais de uma categoria de objetos. A repetição é essencial à eficácia comunicacional e
cognitiva dos esquemas gráficos, promovendo o automotismo gráfico que os transforma em
desenho de rotina, sendo independente à visualidade do objeto ou forma. Estes, segundo
Duarte, são desenhos realizados de maneira muito semelhante pelas crianças ocidentais desde
que se tem registro de desenhos infantis.(DUARTE 2011, p 128).
Para Duarte (2011), é importante ensinar os esquemas gráficos infantis às crianças cegas,
porque eles são capazes de informar sobre a aparência dos objetos de forma simples e
sintética. Para isso, os esquemas gráficos a serem ensinados em condição de invisualidade
devem ser grafados em relevo para que possam ser reconhecidos por meio de percepção tátil
(p 129).
Para demonstrar sua sequência metodológica, Duarte (2011) apresenta de forma detalhada o
seu trabalho com Manuella na aprendizagem dos esquemas gráficos tátil-visuais. As diretrizes
consideradas mais importantes pela autora são:
a) Usar como referência os desenhos infantis; b) construir maquetes tridimensionais
de figuras planificadas em relevo emborrachado e de desenhos lineares a partir de
linhas e formas geométricas simples; c) manter sempre a mesma sequência de movimentos (sensoriomotricidade) no trabalho com as três representações do objeto
(a maquete tridimensional, a representação plana em relevo e o desenho linear), seja
para a percepção das bordas de superfície dos modelos e de suas linhas de contorno, seja para a produção dos esquemas gráficos ou para a leitura tátil dos desenhos
produzidos; d) repetir constantemente cada etapa de reconhecimento e construção
dos esquemas, para que a representação do objeto seja compreendida e a sequência gráfica memorizada.(DUARTE 2011, P 139-140)
Depois dos esquemas gráficos aprendidos separadamente, é possível criar composições de
elementos no desenho. Asdiferentes figuras desenhadas juntas no mesmo espaço gráfico
fornecemà criança invisual a noção de relação entre os objetos e a ideia de totalidade que se
assemelha à vivênciade uma criança visual. Para realizar tal objetivo, deve-se trabalhar
verbalmente com a criança cega, realisando uma sucessão de esquemas gráficos diferentes em
38
um mesmo desenho, auxiliando a criança a posicioná-los com orientações familiares a ela, do
tipo em cima/embaixo, à esquerda/à direita. Outra maneira é construir maquetes de objetos
tridimensionais reunidos, ou ainda sugerir o desenho que ilustre o momento de uma narrativa
(DUARTE 2011, p 156).
Duarte (2011) apresenta os resultados obtidos em seu estudo de caso longitudinal com
Manuella e de outras pesquisas transversais realizadas com outros alunos, os quais
demonstram as possibilidades cognitivas e comunicacionais dos esquemas gráficos tátil-
visuais, como também evidencia as diferentes modalidades sensoriais utilizadas pelas crianças
e adolescentes invisuais na sua produção gráfica (p 157).
Estes dados confirmam que a aprendizagem de esquemas gráficos tátil-visuaispermite a
interação entre crianças visuais e invisuais, por terem, além do fator educacional, um cunho
comunicacional, podendo também ser usados para redigir mensagens à quem não domina o
braile (DUARTE, 2011 P 187).
Com relação às modalidades sensoriais utilizadas, a autora ressalta que:
As configurações somatossensoriais e os desenhos multimodais, que
podem surgir como consequência da aprendizagem de esquemas gráficos,
perdem precisão quando avaliados em sua função comunicacional, mas
revelam de modo bastante consistente processos cognitivos cuja origem é
dada por modalidades sensoriais que não a modalidade visual,
especialmente quando os registros gráficos são acompanhados por uma
descrição verbal da pessoa que o realizou.(DUARTE, 2011, P 187)
Esse uso de outras modalidades perceptivas, observadas nos desenhos, é de extrema
importância para o professor entender melhor os recursos acessíveis ao seu aluno invisual, e
assim construa, com ele, uma boa aprendizagem em todas as áreas do conhecimento.
Os esquemas gráficos são muito úteis às crianças cegas justamente por poderem ser ensinados
e aprendidos na situação de invisualidade e por contribuírem para a compreensão de síntese e
aparência dos objetos do mundo.
Em seus comentários finais, a Duarte enfatiza o fato de que os professores de Artes Visuais
não costumam se interessar pelo estudo dos desenhos de crianças e adultos; as salas de aula
39
não possuem o mesmo apelo. Ressalta que seus estudos, em especial o caso de Manuella,
foram realizados de forma individual, o que possibilitou a dedicação total da parte da
professora, já o trabalho em uma sala de aula, devido à diversidade do grupo, apresenta uma
série de dificuldades diferentes das apresentadas pela experiência individual.
Duarte (2011) passa a destacar e resumir os argumentos apresentados em seus estudos e
indicar as ações que considera mais necessárias, respondendo a quatro questões (p 192-193):
4.1. Por que ensinar desenho a crianças cegas?
Porque é um recurso cognitivo importante ao oferecer uma possibilidade de totalização dos
objetos; porque o ato de desenharoferece oportunidade de comunicação que transcendem a
fala e a escrita; e, principalmente, porque as pesquisas indicam, que para as pessoas cegas,
desenhar é um ensino necessário para que possa aprender a leitura de imagens em relevo, seja
qual for a sua natureza: didática, informacional, comunicacional ou artística. Porque todo o
esforço em pesquisas e produção de equipamentos para a compreensão de imagens em relevo
destinadas às pessoas invisuais é inútil sem que as crianças cegas desde o nascimentos
compreendam, pelo ensino do desenho, o processo de planificação e representação de objetos
tridimensionais de modo bidimensional (DUARTE, 2011 P 192).
4.2. Como ensinar desenho a crianças cegas?
As crianças invisuais precisam ser ajudadas a perceber e compreender as bordas de superfície
dos objetos e sua transformação em linhas de contorno. Precisam do uso das linhas em relevo,
da percepção e da repetição do movimento motor que devem imitar. As crianças invisuais
40
precisam de mais tempo e de muita repetição para aprender desenhar o esquema gráfico
(DUARTE 2011, P 192).
4.3. Que desenhos ensinar às crianças cegas?
Com o objetivo de promover o acesso às imagens de mídia e oferecer recursos cognitivos e
comunicacionais, devem se ensinar os desenhos que as crianças e adultos visuais desenham
com mais frequência e permanência: os esquemas gráficos do nível cognitivo de base.
A quarta questão, a nosso ver, pressupõe o prévio conhecimento do professor com relação ao
método utilizado e, principalmente, o engajamento total do mesmo ao ensino de desenho à
criança invisual (DUARTE 2011, P 193).
4.4. Como auxiliar os professores das salas de “aulas inclusivas”?
Oferecendo aosprofessores material pedagógico adequado para o ensino de linhas e figuras
geométricas básicas e, depois, para o ensino de esquemas gráficos tátil-visuais (maquetes
tridimensionais; jogos de montar e desmontar com os esquemas gráficos tátil-visuais dos
objetos produzidos em material emborrachado, similares às maquetes tridimensionais; cartelas
com os esquemas gráficos tátil-visuais dos objetos, que mantenham a identidade visual entre a
maquete e a representação bidimensional em material emborrachado e a prancha telada, que
deve ser utilizada sob a folha de papel para tornar tangível a linha de desenho realizada pela
criança) (DUARTE 2011, P 193).
Finalmente, não se pode esquecer o caráter lúdico, a brincadeira que devem permear as tarefas
e exercícios de compreensão das figuras na condição de invisualidade. De acordo comLuquet
41
(1927),o desenho da criança parte de um ato de diversão, e nada impede que a criança aprenda
se divertindo.
Como fica evidente, depois dos estudos realizados por Duarte, o ensino de desenho, por meio
dos esquemas gráficos é essencial para o reconhecimento de representações tátil-visuais,
consequentemente, é fundamental a um ensino regular que objetive a verdadeira inclusão da
criança cega, pois representa a possibilidade de uma compreensão efetiva dos processos e
modos utilizados, bem como do próprio mundo que a rodeia.
42
5CONCLUSÃO
A partir da análise dos dados aqui computados, foi visto que, até a década de
60, os portadores de deficiências eram excluídos da sociedade por serem considerados
“ineducáveis” e recebiam atendimento em instituições especiais. Somente a partir da
década de 80 esta visão foi modificada, através da promulgação da Constituição
Federal de 1988.
A pesquisa realizada em torno do ensino das artes visuais para crianças cegas
ou com baixa visão conclui que esteé um tema ainda pouco explorado, pois muito se
fala em inclusão, mas poucos são os recursos e capacitações oferecidas aos professores
para que a inclusão de fato aconteça.
Para que chegasse à quantidade de informações necessária para a publicação
de seu livro, Maria Lúcia B. Duarte levou cerca de dez anos ensinando e investigando
os desenhos de uma garota cega de nascença, que hoje é capaz de desenhar o prédio
onde mora, sem nunca tê-lo visto.
Sendo assim, pode-se dizer que o ensino das artes visuais para crianças cegas é
um processo longo, e que exige do educador paciência, interesse e vontade de aprender
a ensinar, além de serem necessárias políticas públicas que respaldem o educador, para
que este trabalho seja possível, levando em conta que além do aluno de inclusão, ainda
existem os outros trinta e poucos na sala que também precisam ser assistidos.
43
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45
ANEXO 1- Resenha do livro “O Olhar da Mente”, de Oliver Sacks
No livro “O Olhar da Mente“, por meio do acompanhamento de pacientes, Oliver Sacks
mostra que é possível remodelar a arquitetura cerebral para compensar deficiências graves. O
conjunto olho-cérebro usa pistas para construir um modelo do mundo na cabeça de cada
pessoa. Os casos mais exemplares que Sacks descreve ajudam a mostrar que até as pessoas
que chamamos de normais apenas usam seu cérebro para construir uma espécie de modelo do
mundo, que nunca é a mesma coisa que o “mundo real” em si. As pessoas não têm a menor
ideia de como essas coisas funcionam. Isto é, a menos que você as analise. Ver pessoas cujas
faculdades de reconhecimento foram lesadas faz, por exemplo, com que seja possível
perceber que certa capacidade está associada a certa parte do cérebro.
Em seu livro, Sacks descreve como algumas pessoas lidam com a cegueira total. Alguns de
seus pacientes constróem mundos imaginários inteiros, com mil detalhes e situações, uma
vida visual paralela à vida dos não cegos. E há os que aguçam os outros sentidos de tal forma
que se tornam completamente independentes, até mesmo do uso de bengala.
O autor explica que estudos mostram que algumas áreas do córtex visual podem ser
realocadas e usadas para processar sons e sensações do tato. Existe uma certa flexibilidade ou
plasticidade no cérebro que permite mudanças radicais em resposta a uma privação sensorial.
Em um dos casos apresentados, o de um rapaz que ficara cego aos 21 anos, o autor conta que,
ao invés de adaptar o modo visual para o auditivo, este rapaz decidiu desenvolver no mais alto
grau o seu “olhar interior”, ou seja, sua capacidade de trabalhar com “imagens mentais”,
desenvolveu sua capacidade de criar, reter e manipular imagens na mente que o ajudava a
fazer coisas que pareciam impossíveis a um cego. Outro caso era completamente o oposto, um
senhor que não usou suas imagens mentais de modo deliberado perdeu-as dentro de dois anos,
tornando-se incapaz de lembrar a aparência de coisas as mais comuns. No caso de uma
46
senhora que ficou cega aos doze anos, Sacks conta que a maneira encontrada foi usar seus
outros sentidos, juntamente com descrições verbais, memórias visuais e “uma forte
sensibilidade pictórica e sinestésica” para construir imagens mentais detalhadas. O autor
chama a esses de “cegos visuais”, pois utilizam suas imagens mentais para se adaptar à
condição de invisualidade.
Oliver Sacks (2010) explica que o córtex visual, isolado do exterior, torna-se
supersensível a todo tipo de estímulo interno, ou seja, aos sinais vindos de outras áreas
cerebrais, tais como auditivas, táteis e verbais, bem como a pensamentos, memórias e
emoções. Esses estímulos entram em conjunto na formação das imagens mentais. Sacks
afirma que, por meio da combinação de exames de tomografia com experimentos sobre
visualização de imagens, foi possível mapear as áreas cerebrais envolvidas na execução de
tarefas que exigem visualizar imagens, assim foi possível perceber que a visualização de
imagens ativa muitas das mesmas áreas do córtex visual ativadas pela percepção, o que
demonstra que as imagens mentais são uma realidade fisiológica além de psicológica e que
usam alguns dos mesmos caminhos neurais que a percepção visual. Por meio desses estudos
foi possível também observar que a percepção e a visualização de imagens têm uma base
comum nas partes visuais do cérebro.
Alguns neurocientistas, segundo Sacks (2010), aventam que a percepção visual depende
das imagens mentais e fazem uma correspondência entre o que o olho vê e as imagens da
memória no cérebro. Para esses cientistas, o reconhecimento visual sem essa correspondência
não poderia ocorrer. Kosslyn, neurocientista citado por Sacks, chega a supor que visualizar
imagens é crucial para o raciocínio, para resolver problemas, planejar e teorizar. Kosslyn fala
na duplicidade no modo como as pessoas pensam, contrastando o uso das representações
“figurativas” (diretas e imediatas) com as “descritivas” (analíticas e mediadas por símbolos
47
verbais ou de outros tipos), dependendo do indivíduo e do caso a ser resolvido um modo será
preferido ao outro.
À luz dessas informações, Sacks se coloca a seguinte questão “Se o papel central das
imagens mentais é permitir a percepção e o reconhecimento visual, para que elas servem a
uma pessoa cega? E o que acontece a seus substratos neurais, as áreas visuais que ocupam
quase metade de todo córtex cerebral?”(p 203). O autor observa que nos adultos que perdem a
visão há pouca degeneração do córtex cerebral em si, que não há diminuição de atividade e
que, ao contrário, há atividade e sensibilidade intensificadas: “O córtex visual, privado da
entrada de informações provenientes da visão, continua a ser um bom terreno neural, vago e
clamando por uma nova função” (p 204). Em alguns casos, pode liberar mais espaço cortical
para as imagens mentais, em outros, pode ser usado por outros sentidos (percepção e atenção
auditiva ou percepção e atenção táteis). A ativação do córtex, mesmo na ausência de
informações captadas pela retina, pode ser uma parte essencial da base neural das imagens
mentais. Sacks nota que o fortalecimento de outros sentidos com a cegueira permite
adaptações extraordinárias como a capacidade de usar indicações sonoras ou táteis para sentir
a forma ou tamanho de um espaço e das pessoas e objetos que ele contém (visão facial).
Interessante perceber como muitos cegos dizem que as bengalas os ajudam a “enxergar” o
ambiente: o tato, a ação e o som são transformados em um quadro visual. Essa substituição
sensorial depende da plasticidade do cérebro.
Certo, restaurar a visão de quem já teve, seja por cirurgia ou dispositivos de substituição
sensitiva é possível, pois a pessoa tem um córtex cerebral intacto e memórias visuais, mas dar
visão a uma pessoa cega congênita, que nunca viu a luz ou imagens parece impossível.
Porém, Sacks esclarece que “embora o córtex visual em cegos congênitos tenha um volume
mais de 25% menor, aparentemente ele ainda pode ser ativado por substituição sensorial” (p
208). Fato que foi confirmado por exames de ressonância magnética funcional. O autor
48
acrescenta que “poderíamos supor que os cegos congênitos não possuem nenhuma imagem
mental, já que nunca tiveram experiência visual. No entanto, alguns declaram ter elementos
visuais claros e reconhecíveis em sonhos” (p 208). Fato que pode ser atestado por
experimento realizado em 1973, comparando cegos congênitos com pessoas de visão normal e
encontrando atividade visual equivalente nos dois grupos enquanto sonhavam. Os cegos
congênitos conseguiram reproduzir os componentes visuais de seus sonhos por meio de
desenhos, embora tivessem uma taxa menor de recordação de seus sonhos. Assim, chegou-se
à conclusão de que os cegos congênitos possuem conteúdos visuais em sonhos.
Sacks afirma que os cegos congênitos geralmente têm experiências perceptuais variadas,
mediadas pela linguagem e por imagens mentais de um tipo não visual: imagens mentais
auditivas ou olfativas. Mas a questão é “podem ter imagens mentais do tipo visual, um olhar
da mente?” (p 209). O autor apresenta o exemplo de crianças que nasceram cegas e possuem
uma memória superior e são verbalmente precoces, podendo desenvolver uma extraordinária
fluência na descrição de rostos e lugares que outros podem até a chegar a duvidar que sejam
cegas; cita o exemplo dos escritos de Helen Keller pela sua brilhante qualidade visual e se
coloca a questão: “Em que grau a descrição, a imagem posta em palavras, pode funcionar
como substituto para o ato real de ver ou para a imaginação visual pictórica?” (p 210). Para
elucidar a questão cita o caso de Arlene Gordon, que ficou cega aos 40 anos, para quem a
linguagem e a descrição tinham papel importante, pois estimulavam sua capacidade de formar
imagens mentais e em certo sentido lhe possibilitavam “ver”. Ela conta que ao viajar fazia
perguntas aos seus companheiros para que pudessem formar uma imagem mental, e tais
perguntas ajudavam-nos a perceber coisas que eles não prestavam atenção: “É tão comum
pessoas que têm visão não verem nada. É um processo recíproco – enriquecemos mutuamente
os nossos mundos” (p 210) – comenta Arlene. Oliver Sacks finaliza, declarando que existe
aqui um paradoxo que ele não consegue resolver: “se de fato existe uma diferença
49
fundamental entre vivência e a descrição, entre o conhecimento direto e o conhecimento
mediado do mundo, por que então a linguagem é tão poderosa? A linguagem, a mais humana
das invenções, pode possibilitar o que, em princípio, não deveria ser possível. Pode permitir a
todos nós, inclusive os cegos congênitos, ver com os olhos de outra pessoa” (p 210).