UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Guilherme...
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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Guilherme Langner
A MORAL INTERNACIONAL E SEU CONCEITO DE GUERRA JUSTA
CURITIBA
2011
Guilherme Langner
A MORAL INTERNACIONAL E SEU CONCEITO DE GUERRA JUSTA
Trabalho de conclusão de conclusão de curso apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito para obtenção do grau de bacharel em direito. Orientador: Wagner D´angelis
CURITIBA
2011
TERMO DE APROVAÇÃO
Guilherme Langner
A MORAL INTERNACIONAL E SEU CONCEITO DE GUERRA JUSTA
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, __ de ___________________ de 2011.
________________________________
Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Pesquisa
Banca Examinadora :
_______________________________
Orientador: Prof. Dr. Wagner Rocha D'Angelis
Membro da Banca: ______________________________
Membro da Banca: ______________________________
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..................................................................................................... 07 2. A MORAL DA GUERRA NO TEMPO............................................................... 12 2.1 O MUNDO GREGO, A INEXISTÊNCIA DE UMA DOUTRINA DA GUERRA JUSTA.......................................................................................................................... 13 2.2 A GUERRA DOS ROMANOS.............................................................................. 15 2.3 IDADE MÉDIA: O DOMÍNIO DA IGREJA........................................................ 17 2.4 IDADE MODERNA E CONTEMPORÂNEA...................................................... 21 2.4.1 Maquiavel: “Os fins justificam os meios”.......................................................... 21 2.4.2 Hobbes: “A guerra de todos contra todos”......................................................... 25 2.4.3 Kant: “A paz perpetua”....................................................................................... 28 3. CONCEPÇÃO DICOTÔMICA: IDEALISMO X REALISMO....................... 36 3.1 IDEALISMO......................................................................................................... 36 3.2 REALISMO........................................................................................................... 40 3.3 QUADRO COMPARATIVO................................................................................. 45 4. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E SEU CONCEITO DE GUERRA JUSTA......................................................................................................................... 46 4.1 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS........................................................ 47 4.2 O CONCEITO DE GUERRA JUSTA SEGUNDO A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS..................................................................................................... 48 4.3 EUA X IRAQUE UMA CONCLUSÃO................................................................ 49 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 52 REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS........................................................................... 54
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1. INTRODUÇÃO
Este estudo tem por objetivo demonstrar algumas raízes filosóficas ocidentais
da moral internacional sobre a guerra, seu desenvolvimento e sua aplicação no direito
internacional, findando por esclarecer qual é moral proclamada pela Organização das
Nações Unidas.
O estudo partirá de alguns preceitos históricos da moral de guerra, buscando
atingir seu ápice desvelando as duas principais linhas de pensamento mais importantes
e conhecidas, realista e idealista.
O tema não é nada recente, porém muito pouco abordado, o que gera certa
apreensão, principalmente em uma época em que se fala tanto em globalização.
Este modo de pensar um mundo sem fronteiras faz surgir várias questões, por
exemplo; qual o objetivo da guerra em uma realidade política internacional que
pretende defender a democracia e os Direitos Humanos? Uma paz perpétua seria
possível levando em consideração a própria natureza humana? O que poderíamos
considerar uma guerra justa? Perguntas estas que cabe à filosofia responder, o direito
não vem antes das perguntas se não depois e o direito tão somente utiliza-se das
respostas filosóficas para estruturar-se, logo a filosofia é a própria origem do Direito,
sendo assim, não pode ficar à margem de análise, ao contrário, deve lastrear todo o
bojo de nosso conhecimento, caracteriza-se aqui a pertinência da utilização da filosofia
e seu perfeito enquadramento na disciplina do Direito Internacional Público.
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Importante frisar que a guerra sempre foi uma das formas de as sociedades e,
mais recentemente dos Estados, resolverem seus litígios, nota-se tal afirmação pela
própria história da humanidade, fronteiras foram desenhadas, civilizações extintas,
novos Estados criados.
A política internacional e a história humana desenrolaram-se quase em sua
totalidade em meio a conflitos, ou seja, moldaram-se nos campos de batalha. Desde o
tempo em que a humanidade era nômade até a descoberta da agricultura, a guerra
sempre esteve presente, tanto dentro dos estados como entre os estados.
O modo de se ver a guerra também mudou com o passar do tempo. Na
antiguidade acreditava-se que no campo de batalha era onde “as mais belas virtudes do
homem se desenvolviam” (CASTRO, 2006), como, por exemplo, entre os espartanos.
Já para os judeus a guerra era um recurso de ultima ratio. Depois com o cristianismo e
seus estudiosos, como Santo Agostinho, que considerava injusta as guerras de
destruição, vingança ou busca do poder, do mesmo modo que Santo Tomás de Aquino,
que entendia como uma guerra justa aquela que tivesse uma causa justa.
Entretanto, com o suposto desenvolvimento do homem, ao invés de ser
reduzida e extinta, como alguns pensadores chegaram a alegar, pelo contrário, os
conflitos foram potencializados, como nas palavras de Thales Cavalcanti Castro:
“A catástrofe humana resultante das duas grandes guerras mundiais, ocorridas na primeira metade do século passado, não logrou êxito em desencorajar ou mesmo abolir o 'animus belligerandi' – o instinto agressor nato da humanidade.” (ibidem)
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Aparentemente vive-se, portanto, um estado de guerra perpétua. John Locke
em sua obra Segundo Tratado Sobre o Estado conceituou o estado de guerra da
seguinte forma:
“O estado de guerra é uma condição de inimizade e destruição; e, portanto, um estado que declara intenção ponderada e fria com relação à vida de outrem, por meio de palavra ou ação, não movida por paixão ou precipitado, e o coloca, pois, em guerra contra aquele a quem declarou tal intenção (…), é, pois razoável e justo que eu possa ter o direito de aniquilar aquilo que ameaça a destruir-me.” (LOCKE, 2006 , p. 23).
O que se vislumbra é o contrario do que queriam os irenistas, que tinham em
comum a crença na possibilidade de estabelecimento de uma paz mundial, pensamento
que tem como precursor Kant, que em sua obra A Paz Perpétua (1795) traz a idéia de
formação de uma federação de Estados livres e republicanos, norteada pela
importância do império do Direito.
Porém, apesar de vivermos em um estado de atenção, já houve tentativas
de se equilibrar os ânimos, ou ao menos “humanizar” a guerra, como é o caso do
Protocolo de Genebra de 17 de junho de 1925 que obriga seus signatários a abrir mão
do emprego na guerra de gases asfixiantes, tóxicos ou similares e de todos os líquidos,
materiais ou processos análogos, e o Tratado de Renúncia a Guerra (Pacto de Paris ou
Briand-Kellog) assinado em Paris no dia 27 de agosto de 1928, onde Alemanha,
Estados Unidos, Bélgica, França, Inglaterra, Irlanda, Itália, Japão, Polônia e
Tchecoslováquia renunciam a guerra como forma de ilidir suas diferenças, termo claro
no artigo primeiro do respectivo pacto:
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“As Altas Partes Contratantes declaram, solenemente, em nome de seus respectivos povos, que condenam o recurso à guerra para a solução das controvérsias internacionais, e a isso renunciam, como instrumento de política nacional, em suas relações recíprocas.”
Como se sabe, não surtindo efeito tais pactos, a humanidade
testemunhou sua fragilidade na eclosão da Segunda Guerra Mundial, com a utilização
de armas de destruição em massa e mais tarde com a utilização de armas tóxicas pelos
Estados Unidos na guerra do Vietnã. Neste sentido, Hugo Grocio, citando o
pensamento de Dión, Plutarco, que afirma “Nada de lo escrito tiene valor em las
guerras, pero los costumbres todos las guardam, aunque estén em la situación más
enconada.” (GROCIO, 1979, p. 23).
Para Grocio não há lei escrita efetiva, somente a lei natural. Segundo ele talvez
ai resida o motivo pelo qual não há respeito aos tratados e acordos internacionais.
Desta forma demonstra-se a grande fragilidade da Organização das Nações Unida que
acaba por se tornar o instrumento de efetivação do poder de uma aristocracia
internacional ao invés de evitar ou ilidir conflitos bélicos.
Com esta pequena demonstração acerca de assunto tão denso e controverso para
alguns, se vê que a guerra sempre foi uma preocupação, hoje vista como uma
preocupação maior pelo potencial destrutivo das armas. Um grande expoente do
pacifismo e idealismo moderno é Noberto Bobbio, que no prefácio à primeira edição
italiana de sua obra “O problema da guerra e as vias da paz”, deixa claro sua
preocupação:
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“A afirmação de que diante da guerra atômica somos, ou devemos ser, todos objetores, no limite, a convicção de que era chegado o momento de repor em evidência o tema da não-violência, de começar a considerá-lo o tema fundamental do nosso tempo.” (BOBBIO, 2003. p. 17)
Os idealistas, segundo Thales Cavalcanti, citando Joshua Goldstein, “enfatizam
que os eventos internacionais são mais influenciados pela lei internacional, pela
moralidade, pelo altruísmo e pelas organizações internacionais” (CASTRO, 2006),
porém as tentativas de atuação desta escola do pensamento se mostraram frágil,
fracassando em todas suas tentativas de consolidação, como a Liga das Nações e o
Pacto de Kellog-Briand.
De outro lado encontram-se os realistas, que segundo Thales Cavalcanti
“dominam os estudos das relações internacionais desde a Guerra Fria. A idéia central
destes estudiosos é que as relações internacionais são focalizadas no poder”
(CASTRO, 2006), estes consideram que o cenário internacional é de anarquia.
Blenda Lara Fonseca do Nascimento considera que o realismo:
“delineia uma quadro razoavelmente cinzento da Política Internacional. O sistema internacional é transposto para uma arena na qual os Estados buscam oportunidade de ter maiores vantagens, uns em relação aos outros, não conferindo qualquer espaço para o estabelecimento de relações de confiança.” (NASCIMENTO, 2007, p. 47).
Deste modo, levando o cenário das Relações Internacionais a “uma tendência
natural ao caos e à violência” (ibidem, p. 47) descrita por Thomas Hobbes em sua obra
Leviatã.
A partir desta discussão, entre estas duas escolas do pensamento (idealista x
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realista) tende-se a construir um conceito de guerra justa.
Além de conceitos prontos é preciso percorrer toda uma filosofia, o que seria
guerra justa em vários tempos da humanidade. Como visto no início desta introdução,
houve modos diferentes de entender a guerra, da forma mais honrosa até como algo a
ser repudiado. Mas o que seria justo na guerra? Para Aristóteles (2001, p. 17) a
“justiça é aquela disposição de caráter que torna as pessoas com as disposições de
caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente
e a desejar o que é justo” entendendo por injustiça o contrário a isto. Porém é
necessário ter cuidado com conceitos fechados.
2. A MORAL DA GUERRA NO TEMPO
A guerra sempre esteve entre os fatos humanos mais analisados e discutidos
pela filosofia, justamente por tratar indiretamente sobre a questão da vida e da morte.
Tal preocupação deve-se também pelo fato de que por muito tempo foi o embate
belicoso que determinou a sobrevivência ou não de uma sociedade, sua liberdade ou
escravização, e por ser tão recorrente, tanto na realidade quanto no imaginário
humano, traçando-se uma linha temporal notamos que a forma como se pensa a guerra
mudou, principalmente nos últimos séculos. Ao voltarmos os olhos para a antiguidade,
o cenário que notamos é a da insubmissão da guerra ao direito, quando voltamos para
o presente, a guerra não é mais vista como algo lícito, e a tentativa de manter uma
organização internacional que além de outras atribuições visa “regular” o
comportamento dos mais beligerantes demonstram esta mudança moral.
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2.1 O MUNDO GREGO - A INEXISTÊNCIA DE UMA DOUTRINA DA GUERRA
JUSTA
Os filósofos gregos dedicaram pouca atenção no que tange a relação entre os
Estados, pois despendiam maiores esforços em discutir sobre a política interna de suas
cidades. A consequência disto é que há poucas reflexões sobre o tema guerra, ante o
desinteresse em definir uma forma organizada de relação internacional. Mesmo assim,
existem escritos de cunho histórico que nos permitem contornar a moral grega acerca
do tema. Hermes Huck traz uma passagem onde Tucídides, historiador grego do século
V a.c, descreve o diálogo de generais atenienses com magistrados da ilha de Mélos,
demonstrando com que olhos os gregos vêem a guerra, dando a ela uma característica
de inexorabilidade e sua insubmissão ao direito, pois
“(...) aos exércitos cabe conquistar tudo o que podem, seja por uma necessidade de natureza, seja para não ficarem vulneráveis aos ataques dos inimigos. Afinal destina-se aos homens a conquista da vitória e do poder, desde que tenham força para tanto.” (HUCK. 1996. p. 2)
Outra passagem que se torna interessante e que demonstra o pensamento grego
sobre a guerra é a de Cleómenes, rei de Esparta, que "não hesitava em afirmar que
sempre era justo o mal que se pudesse infligir aos inimigos”. (idem. p. 24).
O direito não se aplicava às guerras da antiguidade clássica, e para os gregos a
guerra contra os bárbaros era justificada pelas riquezas e glórias que as vitórias traziam
ao povo grego; a guerra era vista como naturalidade, sendo um meio de tomar as
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riquezas do inimigo e torná-lo escravo.
Para o povo grego a guerra é vista como algo inevitável. Mas apesar de ser um
povo que comumente exaltava aspectos da guerra por considerar que muitas das
virtudes do homem eram afloradas nos combates, foram os gregos que nos legaram
algumas “regras” éticas e morais como bem frisa Huck:
“Os gregos legaram para o curso da história da guerra conceitos como os de direito de asilo, imunidade de agentes diplomáticos, respeito e proteção aos lugares sagrados, bem como várias regras de comportamento dos beligerantes no campo de batalha regras estas que vieram a servir de base ao jus in bello, desenvolvido no curso dos milênios de guerras que se seguiram” (HUCK. 1996. p. 24)
Na filosofia de Aristóteles e Platão vemos a recorrência do tema Estado com
poucas passagens, ou até mesma nenhuma, acerca da relação entre eles num âmbito
internacional. Nota-se o desinteresse pelo tema quanto à formação de uma lógica
destas relações. Mesmo assim, achamos recomendações de Platão aos gregos, para que
se portassem diante dos bárbaros da mesma forma que se portavam diante outros
gregos.
Em a Política, Aristóteles externa seu preconceito contra estrangeiros. Apesar
de ter uma frase a ele atribuída de que não era ateniense, mas sim um cidadão do
mundo, não era assim que ele via outros “cidadãos do mundo”, já que considerava
qualquer estrangeiro inimigo natural, destinado a tornar-se escravo, sendo a guerra
contra o estrangeiro naturalmente justa, assim como nota Huck (idem, p. 24) que a
guerra torna-se uma caçada.
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Os estóicos possuem grande importância quanto sua concepção de política,
pois demonstram que, apesar de rara, a idéia de colaboração internacional está presente
na história política e no pensamento grego.
Portanto, a respeito de uma teoria, uma doutrina da guerra justa na Grécia, é
possível concluir-se que é inexistente naquele período, apesar de ter legado ao futuro
sementes que vieram a construir uma teoria da guerra justa.
2.2 A GUERRA DOS ROMANOS
A doutrina da guerra justa, segundo Huck (HUCK. 1996. p. 24), é um legado dos
tempos do domínio de Roma, onde surge associada com crença religiosa e sacrifícios e
rituais, estando presente no escrito de um dos maiores representantes da filosofia
latina, Cícero:
“Numa república deve-se antes de tudo o mais observar os direitos da guerra: há duas espécies de conflitos, os que se resolvem por debate e os que se resolvem pela violência; como o primeiro é exclusivo do homem e a outra é comum aos animais, só se deve recorrer a esta se for impossível empregar aquela” (CICERO, 1962 p. 507)
Desta forma, afirma Marco Aurélio de Medeiros Jordão que “o uso da
violência não passa de um último recurso a ser utilizado somente quando outros meios
considerados mais adequados à resolução de conflitos se mostrem impossíveis ou
simplesmente falhos” (JORDÃO, 2008).
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Devido a este raciocínio, em que o homem pode resolver suas diferenças de
maneira racional, a guerra se transforma em ultima ratio, além deste fato moral,
Outro ponto relevante para República Romana era a “vontade dos deuses”, que
Huck descreve como determinante à justeza ou não de um conflito:
“a guerra, a paz, os tratados com outros povos eram temas sujeitos ao ius sacrum, um conjunto de regras e práticas adotadas pelo colégio de sacerdotes, denominado fetiales. Cabia a eles decidir se a demanda ou solicitação feita por Roma e inatendida pelos outros povos caracterizava-se como uma causa justa para guerra. (...) entendendo os fetiales que a recusa estrangeira era justo motivo para o uso da força armada, recomendavam ao Senado o recurso à guerra. Ante tal recomendação, cabia ao Senado e ao povo romano decidir pela declaração da bellum justum et ipiu. Nesse momento, a guerra, que nascia com um fundamento religioso, transformava-se em matéria de direito público.” (HUCK. 1996. p. 28)
Para análise do assunto aprovado pelo colégio de sacerdotes (Colégio dos
Feciais), explica ainda Huck (idem, p. 28), havia a observação de quatro causas
fundamentais para que uma guerra fosse considerada justa, a saber:
i) a violação do território romano;
ii) a violação pessoal ou o insulto aos embaixadores de Roma;
iii) a violação de tratados firmados com Roma; e
iv) o apoio ao inimigo por uma nação considerada amiga de Roma.
Os deuses fazem parte da vida dos romanos em todos os aspectos, sendo
requisitado ainda mais em tempos de guerra, a cada combate este auxílio era
solicitado, e as formalidades religiosas deveriam ser seguidas até o fim, pois elas dava
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legitimidade à guerra.
Portanto, diferentemente dos gregos, os romanos desenharam um conceito de
guerra justa, conceito este que buscava sua justificativa em seus deuses através do
colégio dos sacerdotes e posteriormente aprovadas pelo Senado e pelo povo romano,
Huck (idem, p. 30) aponta ainda que Cícero, em sua obra a República, também
“considera que só poderiam ser consideradas justas e legítimas as guerras que fossem
encetadas por fundas razões de vingança ou ainda por motivo de defesa”.
Com o passar da história veio o conceito de Pax Romana, baseada na idéia da
vontade do mais forte, disto decorrendo, como finaliza Huck, citando Hans Kelsen:
“Roma e sua civilização foram construída sobre dois pilares fundamentais, a confiança
em seus deuses e o poder de seus exércitos” (HUCK. 1996. p. 29).
Cabe registrar que o conceito de Pax Romana teve sua consolidação durante o
Império de Otávio Augusto ( 27 a.C.-14 d.C.), tempo em que o mundo romano viveu em
paz e segurança, sem nenhum confronto externo, pela exteriorização absoluta do poder
das armas.
2.3 IDADE MÉDIA - O DOMÍNIO DA IGREJA
Durante a idade média o que imperou foi a vontade da igreja católica. Apesar
de o conceito de Justum Bellum ter sido criado pelos romanos, foi nesta época em que
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ela foi debatida com mais veemência, pois a Igreja necessitava justificar suas ações. O
conceito de guerra justa por ela adotado o foi de forma tormentosa, abrindo brecha
para uma série de críticas, como a de São Basílio, que desaprovava a participação da
Igreja em qualquer tipo de guerra ou apoio a ela.
Foi com Santo Agostinho, no final do século IV, ao tomar emprestado de
Cícero “o argumento de que o recurso extremo da guerra busca a final, a restauração
da paz.” (HUCK, 1996, p. 31), que houve um ponto de concentração do pensamento
sobre a guerra. Conquanto seja um paradoxo a idéia de que a guerra busca a
consolidação da paz, mesmo assim, se a guerra realizada não buscasse a paz, seria
considerada injusta.
Antes de tudo, importante se faz ressaltar qual a importância, à época, de se
julgar se a guerra era ou não justa. Assim:
“A qualificação de justiça de uma determinada guerra não implicava apenas conseqüências morais. Havia uma série de direitos que decorria de uma guerra considerada justa, como o de matar e fazer prisioneiros, o de exigir resgates e fazer jus ao saque.” (HUCK, 1996. p. 34).
Entre o objetivo da guerra pela busca da paz, Santo Agostinho definiu cinco
condições para que uma guerra fosse considerada justa, a saber:
1. A intenção deverá ser sempre a de restabelecer a paz;
2. O objetivo deverá ser sempre a de restabelecer a justiça;
3. A guerra deve ser acompanhada de uma disposição interior de amor cristão
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entre as partes;
4. A guerra só deve ser empreendida sob a autoridade de um soberano
legítimo; e
5. A conduta da guerra deve ser justa.
Com o ponto quatro acima, nota-se que para Agostinho há necessidade de um
soberano legítimo, isto é “para ele, em seus Escritos Políticos, nem todas as guerras
são moralmente justificáveis, no entanto, se ela é inevitável isso deve ser um assunto
do rei, ou seja, o ato de guerrear é uma extensão do ato de governar” (JORDÃO,
2008); ou seja, a decisão da guerra está nas mãos do governador, pois ela faz parte
integrante da política e do ato de governar. Porém, mesmo que a guerra fosse
considerada com justo motivo o seu resultado poderia não trazer esta justiça, pois o
“inocente” poderia ser derrotado e o culpado vencer, portanto, para vencer este
contraditório, afirmava Agostinho que a justiça cabia somente a Deus e que esta seria
exercida no juízo final.
Foi com base no pensamento de Santo Agostinho que a Igreja construiu sua
doutrina sobre a guerra.
No século XIII, Tomás de Aquino, segundo Hucke, retoma as idéias de Santo
Agostinho, porém ao invés de indicar cinco requisitos para julgar uma guerra de justa
ou injusta, elenca somente três:
1) a autoridade do príncipe;
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2) a causa da guerra resida numa indiscutível injustiça; e
3) a intenção lícita dos combatentes, pois estes devem estar voltados a fazer
o bem e não o mal.
Conforme as palavras do próprio Tomás de Aquino:
“Três condições têm de ser preenchidas para que uma guerra seja justa. Em primeiro lugar, a autoridade do Príncipe que tem mandato para ordenar que se faça a guerra. […] Em segundo lugar, uma guerra justa deve ser feita por uma causa justa, ou seja, é preciso que aqueles que se atacam mereçam pela sua culpa serem atacados. […] Ademais, os que fazem uma guerra justa, perseguem a paz.” (AQUINO, 2003. p. 40).
Ainda sob o prisma de Huck, para Tomás de Aquino a guerra justa torna-se
uma questão moral que se vincula ao interesse da Igreja. Porém, tal qual no
pensamento de Agostinho, o ‘tomismo’ também parte do preceito que para guerra ter
legitimidade e ser justa deve ser declarada pelo soberano, pois assim evita que a guerra
se torne um ato de banditismo. Todavia, esta distinção entre guerra justa ou injusta era
de difícil constatação, já que não era fácil para os doutores da Igreja identificarem em
que lado estava o bem e o mal, e desta forma eles davam o benefício da dúvida,
considerando justa a guerra para ambos os lados. Esta incerteza, segundo Huck (1996.
p. 31), transformou-se na maior fraqueza do conceito e uma das causas de seu declínio.
Outro doutor da Igreja, Giovanni Legnano, procurou examinar a legalidade do
uso da força, sendo que para ele, a guerra faz parte da criação e que funciona como um
remédio divino para os graves males do mundo, mas também ele admite que a guerra
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deva ser declarada por alguém competente para tanto, posicionamento este que
demonstra que os teóricos da época tinham intenção de reduzir o recurso da guerra
privada, centralizando maior poder nas mãos do Papa.
Não é surpresa alguma que a filosofia de Santo Agostinho tenha sido tão bem
recebida, mesmo ele colocando-se contra a guerra de pilhagem, dando certo aspecto de
moralidade e ética, pois ela também justificava a guerra de catequese, servindo aos
interesses dos Papas beligerantes.
2.4 IDADE MODERNA E CONTEMPORÂNEA
Sabe-se que com o fim da idade média houve drásticas mudanças na forma do
pensar, de agir, uma verdadeira revolução, se fosse citar e falar sobre todos os
pensadores da época que inocularam para o mundo contemporâneo a questão da guerra
justa faltariam páginas, como não é o caso, muito menos o objetivo deste trabalho
aprofundar tanto assim, julgando que este seria um trabalho para outras formas de
graduação, desta forma indica-se aqui apenas os mais importantes pensadores, aqueles
que basearam a criação da dicotomia do realismo e idealismo.
2.4.1 Maquiavel: “O fim justificam os meios”
A filosofia maquiavélica influenciou em muitos aspectos o entendimento
moderno acerca da guerra, principalmente no que tange à construção da teoria realista,
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que trataremos mais adiante, sendo sem dúvida alguma, ao lado da filosofia de
Thomas Hobbes, uma das mais importantes já desenvolvidas, importância esta
endossada por Strauss que afirma que "foi Maquiavel, maior que Cristóvão Colombo,
que descobriu o continente sobre o qual Hobbes pôde edificar sua doutrina" (1954, p.
192).
O pensamento de Maquiavel (1469 - 1527), comumente traduzida pela
máxima "os fins justificam os meios", segundo Isaar Soares de Carvalho (2006):
"situa-se no contexto do Humanismo, caracterizado pela renúncia das tradições mitológicas e dogmáticas e a adoção da racionalidade científica, tanto em relação à natureza quanto ao homem, nas dimensões éticas, sociais, pedagógicas, produtivas e políticas da existência.".
Este pensamento inovador tem como base dois fatores. Primeiramente, a
grande inteligência política do pensador; e por segundo, o contexto histórico onde
estava inserida, época de grande instabilidade institucional da Itália. De suas obras "O
Príncipe" e "a Arte da Guerra" notam-se sua clara intenção de traçar um caminho para
a "Glória italiana". Porém para chegar à glória tão almejada, o primeiro passo
necessário seria reconhecer que a guerra é o estado normal das relações dos homens,
pois como ele mesmo escreve "o desejo de conquista é algo muito natural e comum,
aqueles que obtêm êxito na conquista são sempre louvados e jamais censurados.”
(MAQUIAVEL, 1998, p. 26), sendo assim:
"Maquiavel punha este princípio no fundamento da autoridade política: 'É necessário àquele que estabelece um Estado e lhe confere uma constituição pressupor que todos os homens são maus'" (CASTILHO, 2001, p. 6).
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Para o filósofo o poder nasce da própria natureza humana tendo como seu
fundamento a força, e deste jogo de forças surge conflitos, surge a guerra como algo
tão natural quanto o próprio homem. Assim, sendo algo natural, nunca deve ser evitada
ou adiada.
"Nunca se deve permitir uma alteração da ordem para evitar a guerra, pois assim agindo, a guerra não será evitada, mas apenas adiada, em condições desvantajosas". (MAQUIAVEL, 1998, p.27)
Ante a natureza belicosa do homem, uma vez que para Maquiavel o homem é,
por natureza, mau, cabe aceitar que antes de ser amado o melhor é ser temido, como
em suas palavras:
"com respeito ao ser temido ou amado, que os homens amam de acordo com seu próprio arbítrio, mas temem segundo a vontade do príncipe, portanto, o príncipe sábio deve apoiar-se nos meios ao seu alcance, e não no que de pende do poder alheio, devendo apenas evitar o ódio." (idem. ibidem, p. 90).
Para ele, conforme bem anota Isaar (2006), os preceitos morais e políticos são
valorizados apenas no que tange sua instrumentalidade para manter o poder,
interessando mais as conseqüências sociais e políticas dos valores que a intenção
moral de seus autores, assim tanto o emprego de meios tidos como tradicionalmente
imorais como a violação de princípios morais pessoais poderiam ser admitidos em
nome da utilidade pública, usando-se da violência e da crueldade, não como fim em si
mesmas, mas submetidas à racionalidade.
Dentro do pensamento maquiavélico cria-se um paradoxo onde a crueldade se
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torna um bem, onde ela só não pode como deve ser usada para dar segurança ao
príncipe, para somente depois possibilitar a segurança ao povo.
Para Maquiavel há dois modos de se manter a segurança do príncipe: ou
tratando bem os homens, aqueles que se aliaram ao soberano para ajudá-lo a dominar
outro Estado ou a ascender ao poder, sempre atento e desconfiado para tolher qualquer
vontade destes aliados em atentar contra o príncipe; ou, ainda, aniquilando-os.
Conforme esta linha de pensamento não há problema moral algum em usar de
crueldade para atingir os fins almejados, o príncipe deve antes de tudo agir de acordo
com seus interesses, assim:
"um príncipe prudente não deverá, pois agir contra seus interesses, e quando os motivos que o levaram a empenhar a palavra deixarem de existir. Este preceito não seria bom se todos os homens fossem bons; mas como eles são maus, e não mantêm a palavra, não se está obrigado a agir de boa-fé" (idem p. 92).
Importa frisar que Maquiavel não despreza a importância da moral, em
verdade ele "reconheceu a importância da moral, mas pensava que não poderia existir
nenhuma moral efetiva se não houvesse uma autoridade efetiva. A moral é produto do
poder" (CAAR, 2001, p 85). Para Maquiavel não cabe, portanto, a moral determinar se
uma guerra é justa ou não, esta qualificação depende exclusivamente da necessidade,
uma guerra será justa quando necessária. Neste sentido:
"A causa é justa: iustum enim est bellum quibus necessarium, et pia arma ubi nulla nisi in armis spes est (“ A guerra é justa para aqueles a quem é necessária; e as armas são sagradas quando nela reside a última esperança")" (Idem. p.130).
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De maneira sucinta, para Maquiavel a guerra é justa quando necessária, o meio
pelo qual o príncipe mantém seu poder ou a ele ascende, podendo lançar mão de todos
os meios necessários para atingir suas finalidades tendo em vista a natureza do próprio
homem, que é, como dito pelo próprio filósofo, má.
2.4.2 Hobbes: “A guerra de todos contra todos”
O pensamento de Hobbes (1588 - 1679) influenciou muito a política
internacional, baseado na filosofia de Maquiavel, sendo uma grande inspiração teórica
no tema. O seu pensamento tenta demonstrar como é o homem no estado de natureza,
um estado de guerra permanente, sendo que a paz só é possível a partir do momento
em que cada indivíduo doa um naco de sua liberdade para o Leviatã, ou seja, para o
Estado, pois o homem não consegue sair da anarquia se não há um poder centralizado:
“quando no estado de natureza, ou seja, quando vivem sem autoridade superior capaz de determinar as regras mútuas de convivência e de implementar estas regras (isto é, de impor a ordem), vivem em uma situação de permanente conflito e de 'anarquia', na qual cada um é responsável por sua própria preservação, buscando o máximo de poder possível a fim de manter sua integridade física. Como esta atitude é compartilhada por todos, o que ocorre é uma constante disputa pelo acúmulo de poder, em um jogo claramente de soma zero.” (LACERDA, 2006).
Porém, aponta Lacerda (2005) que Hobbes ao elaborar sua teoria de governo e
da sociedade “pensava basicamente nas instituições necessárias a manter a ordem civil
no interior de um país, no interior de um território dado”. Portanto, sua filosofia não
tem como fim a dinâmica das relações internacionais, ele trata destas relações apenas
de passagem para confirmar seu modelo, mesmo assim tornou-se grande referência
26
neste ambiente e por isto se faz necessário apresentar seu modelo.
Seu método parte de alguns postulados gerais, psicológicos e antropológicos,
sobre a natureza humana, onde os homens vivem naturalmente livres e isolados, em
igualdade de condições. Ou seja:
“Todos possuem as mesmas capacidades: força, inteligência, rapidez, argúcia. Se, por acaso, alguém for mais inteligente ou mais forte que os outros, aquele que está em desvantagem pode ter alguma característica suplementar em que esteja em posição superior, e a partir dela superar o primeiro; ou, então uma aliança entre diversos outros pode perfeitamente subjugar aquele primeiro superior. É nessa possibilidade de os indivíduos bastarem-se a si mesmos ou unirem-se com outros que torna verossímil a igualdade geral de condições nessa liberdade primitiva” (LACERDA, 2005) “A natureza humana fez os homens tão iguais quanto as faculdades do corpo e do espírito que, embora por vezes se encontre um homem manifestadamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer benefício a que outro possa também aspirar, tal como ele” (HOBBES, 1997. p.107).
O conflito nasce do direito que todos têm aos bens, mas se dois homens
aspiram ao mesmo bem, e deste bem não podem gozar conjuntamente, demonstrando
que o simples direito nada lhes assegura, tornam-se inimigos. Em suas palavras:
“Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos nossos fins. Portanto, se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo em que é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos” (Idem, p. 108).
Ao contrário de John Locke, que reconhecia o estado de natureza como sendo
um estado relativamente pacífico e harmonioso onde há sociedades prévias, para
Maquiavel, segundo Lacerda, “o que rege é meramente a conveniência de uns
indivíduos em manterem-se associados a outros, pelo tempo que for necessário para
27
permanecerem vivos ou que a própria aliança não os prejudique” (LACERDA, 2005).
Com grande influência do pensamento de Maquiavel, para Hobbes, o homem
sempre será mesquinho, egoísta, cruel, covarde, ou seja, a pior espécie em quem nunca
se deve confiar, a maneira por ele encontrada para o controle destes “vícios” é a
centralização do poder, sendo única forma de o homem viver em paz é sob a égide de
um poder central, de um Leviatã. Temos que notar que a tentativa de Hobbes não é
falar de relação entre Estados, mas tão somente justificar o poder.
Sobre o estado de guerra nada melhor que registrar as próprias argumentações
de Hobbes, conforme segue:
“durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar a batalha é suficientemente conhecida. Portanto a noção de tempo deve ser levada em conta quanto à natureza da guerra, do mesmo modo que quanto à natureza do clima. Porque tal como a natureza do mau tempo não consiste em dois ou três chuviscos, mas uma tendência para chover que dura vários dias seguidos, assim também a natureza da guerra não consiste na luta real, mas na conhecida disposição para tal, durante todo o tempo que não há garantia do contrário. Todo o tempo restante é de paz” (HOBBES, 1997, p. 109).
Quando se vive neste estado sem autoridade, em estado de natureza, neste
estado de guerra perpétua, “a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e
curta” (HOBBES, 1997, p. 109). Apesar de que para Hobbes a vida em natureza seja tão
desprezível, quando se está vivendo-se neste estado não haveria que se falar em
“maldade” nas atitudes, pois não há autoridade, não há quem possa emitir este
28
julgamento do que é o bem e do que é o mal, desta forma assevera Lacerda:
“A conclusão lógica, mais ou menos evidente a partir dos termos em que o inglês formulou o problema, é que é necessário instituir-se um governo, ou melhor, uma autoridade superior a todos os indivíduos, capaz de decidir o que é certo ou errado, o que é justo ou injusto e de fazer as leis – e, é lógico, capaz de pôr em prática suas decisões.” (LACERDA, 2005)
Para Hobbes a paz só seria possível através de um direito do soberano. O
homem em estado de natureza vive uma eterna guerra, vive em uma anarquia violenta,
anarquia esta que os realistas acabam por projetar nos Estados, tratando-os como seres
dotados de vida, e com vontades próprias, e desta forma, se o cenário internacional for
como a idealizada por Hobbes, não há que se falar em guerra justa ou injusta, pois não
há ninguém com poder superior que possa valorar esta situação, ficando válida a lei do
mais forte.
2.4.3 Kant : “A Paz Perpétua”
Kant também compactua da idéia hobbesiana de que o estado de natureza não
é pacífico, é um estado de guerra permanente no qual, apesar de não haver embates a
todo instante, ocorrem ameaças constantes, fazendo-se imperioso a construção de um
estado de paz, esta possível somente num estado legal, como ele próprio afirma:
“O estado de paz entre os homens que vivem juntos não é um estado de natureza (status naturalis), o qual é antes um estado de guerra, isto é, um estado em que, embora não exista sempre uma explosão das hostilidades, há sempre, todavia uma ameaça constante. Deve, pois, instaurar-se, o estado de paz; a omissão de hostilidades não é ainda garantia de paz e, se um vizinho não propiciar segurança a outro (o que só pode acontecer em um estado legal), cada um pode considerar como inimigo a quem lhe exigiu tal
29
segurança” (KANT, 2008, p. 10).
Para Kant “a guerra é apenas o meio necessário e lamentável no estado de
natureza (em que não existe nenhum tribunal que possa julgar, com a força do direito),
para afirmar pela força o seu direito; na guerra, nenhuma das partes se pode declarar
inimigo injusto (porque isso pressupõe já uma sentença judicial)” (Idem, p.8), portanto
o estado de natureza é aquele desprovido do direito.
Desse modo, para Kant é necessário por parte de todos a utilização da
racionalidade para evitar os conflitos bélicos, esta racionalidade elevada à metafísica
do direito, sendo a única forma de controlar o ímpeto animal do homem, sendo este o
objetivo de sua filosofia. Carlos Henrique Cardim afirma que apesar da dificuldade de
se aplicar as idéias kantianas, ela é possível e escreve no prefácio do livro de Soraya
Nour, que:
“A paz, na perspectiva kantiana de moderado otimismo, é difícil, mas é possível. É impossível atingir um estado perfeito, mas é possível um real aperfeiçoamento das instituições de governo das sociedades humanas, e a história tem dado vários exemplos.” (NOUR, 2004, p. XV).
Diferentemente de Maquiavel ou Hobbes, entre outros pensadores realistas,
Kant nutre certo otimismo acerca da natureza humana, afirmando que o homem possui
uma grande capacidade moral, porém esta ainda está adormecida. Nota-se bem a
diferença, enquanto os dois primeiros viam o homem como naturalmente mau, Kant
tem a esperança que esta moral boa esteja incutida dentro de cada um e o direito tem o
papel de despertá-la.
30
Em busca desta possibilidade, de um estado de paz perpétua, Kant elenca em
sua obra “A Paz Perpétua – um projeto filosófico”, seis artigos preliminares que aqui
se destacará, pois é através deles que se extrai a essência da sua filosofia moral para
guerra.
Inicia-se com “1. Não deve considerar-se como válido nenhum tratado de paz
que se tenha feito com a reserva secreta de elementos para uma guerra futura.”
(KANT, 2008, p. 4). Para Kant, um tratado de paz que não almeja a verdadeira paz,
mas somente um armistício, não significando o fim de todas as hostilidades, não pode
ser considerada paz, mas apenas um “cessar fogo”, pois a intenção neste caso é apenas
recuperar as forças para retornar ao campo de batalha e continuar os embates.
“2. Nenhum Estado independente (grande ou pequeno, aqui tanto faz) poderá
ser adquirido por outro mediante herança, troca, compra ou doação.” (Idem, p. 5).
Kant afirma que o estado é uma pessoa moral e não um patrimônio, “é uma sociedade
de homens sobre a qual mais ninguém a não ser ele próprio tem de mandar e dispor”
(Ibidem), portanto sua anexação a outro Estado significa eliminar sua existência, o que
não deve ser feito, além de que a idéia de expansão territorial torna-se um dos grandes
perigos para a manutenção da paz, como também o “matrimônio” entre estados que
tem como finalidade de aumentar suas forças sem despender recursos ou outros
esforços, pois elas acabam por se tornar uma ameaça aos outros, gerando grande
desconfiança, sendo a origem de grandes instabilidades.
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“3. Os exércitos permanentes (miles perpetuus) devem, com o tempo, de todo
desaparecer.” (idem, p. 6). A manutenção de um exército é uma forma de ameaça
constante, pois sempre estão preparados para guerra, qualquer investimento feito em
um exército causa desconfiança nos outros estados que acabam por se incitarem,
armam-se e para livrar-se do perigo acabam atacando, assim acabam utilizando-se
“dos homens como simples máquinas e instrumentos na mão de outrem (do Estado),
uso que não se pode harmonizar bem com o direito da humanidade”. (ibidem).
Importante frisar que Kant admite uma forma de guerra, a de defesa, mas não através
de forças organizadas como um exército, mas de voluntários, cidadãos “empreendidos
de forma periódica”, pois todos têm direito a se defender.
“4. Não se devem emitir dívidas públicas em relação aos assuntos de política
exterior.” (ibidem). Há diversas formas de um país fomentar sua economia e juntar
recursos, como o melhoramento de infra-estrutura, criação de armazéns para os anos
ruins, que não causam estranheza, as para Kant “um sistema de crédito, como aparelho
de oposição das potências entre si, é um sistema que cresce ilimitadamente, é sempre
um poder financeiro perigoso para reclamação presente das dividas garantidas”, é um
tesouro para guerra, este acumulo financeiro preocupa Kant, pois para ele a riqueza
corrompe o homem e como a guerra parece ser congênita à natureza humana torna-se
um obstáculo para paz perpétua.
“5. Nenhum Estado se deve imiscuir pela força na constituição e no governo
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de outro Estado.” (idem, p. 7). Um Estado não deve interferir na política interna de
outro Estado, pois cabe àquele curar-se de suas enfermidades, tal ingerência é
permitida, segundo Kant, apenas quando o estado estiver mergulhado em anarquia, o
contrario seria uma violação de um direito de um povo independente.
“6. Nenhum Estado em guerra com outro deve permitir tais hostilidades que
tomem impossível a confiança mútua na paz futura, como, por exemplo, o emprego no
outro Estado de assassinos (percussores), envenenadores (venefici), a ruptura da
capitulação, a instigação à traição (perduellio), etc.” (idem, p. 7/8). Mesmo em estado
de guerra, para Kant, deve existir alguma confiança no modo de pensar do inimigo,
pois se assim não o fosse seria impossível negociar alguma paz e o embate se tornaria
uma guerra de extermínio (bellum internecinum), pois ele reconhece que a guerra é um
meio necessário no estado de natureza para afirmar pela força seu direito.
Estes são, como o próprio autor diz, artigos preliminares, um preparativo para
os artigos definitivos. Kant elenca posteriormente, para concretização do ideal
pacifista, outros três. O primeiro diz que “a Constituição civil em cada Estado deve ser
republicana”, pois em sua ótica, “a Constituição republicana oferece um projeto para o
logro de um resultado desejado” (NOUR, 2004, p. XVI), pois nesta forma de
Constituição é inevitável o consentimento dos cidadãos para se declarar guerra e
considerando que as misérias dos combates recaem com mais peso sobre a população,
esta sempre hesita em declará-la, tornando mais difícil o emprego da violência no
enfrentamento de problemas internacionais, o que não é possível nos casos de
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constituições não repúblicanas, quando o Legislador é executor e se confunde no papel
de chefe de Estado, nestes casos, fazer guerra se torna muito fácil, muito mais fácil
pois o soberano, que não é membro mas proprietário do Estado não tem de abrir mão
de sua segurança, nem de seu conforto, ou seja, nas palavras de Kant:
“a guerra não lhe faz perder o mínimo de seus banquetes, de suas caçadas, dos palácios de recreio, das festas cortesãs, etc., e pode, portanto, decidir a guerra como um espécie de jogo por causas insignificantes e confiar indiferentemente a sua justificação por causa do decoro ao sempre pronto corpo diplomático.” (KANT, 2008, p. 13)
Enquanto o povo acaba por carregar todas as misérias conseqüentes da guerra,
sem ao menos ter debatido sobre ela, pois este assunto cabe somente ao soberano
decidir.
Outro ponto vantajoso de tal sistema é a separação dos poderes executivo e
legislativo. Kant entende como republicanismo “o princípio político segundo o qual o
poder executivo está separado do poder legislativo” (NOUR, 2004, p. XVI), pois “o
legislador não pode ser ao mesmo tempo executor da sua vontade” (KANT, 2008, p.
14), se assim o fosse o despotismo e a violência prevaleceriam.
Dentro deste artigo Kant anota três fundamentos que devem ser observados: a
liberdade de seus membros enquanto homens; a dependência destes em relação a uma
única legislação; e a igualdade destes enquanto cidadãos.
O segundo artigo definitivo diz: “o direito das gentes deve fundar-se numa
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federação de Estados livres”. Os Estados, para Kant, se comparam a “homens
singulares”, onde a simples coexistência já os prejudicam em vista à sua segurança,
pois vivem em estado de natureza, estado de constante ameaça, onde não submetem-
se a nenhum poder superior, ou seja, estes Estados são livres para agir de acordo com
suas forças. A solução dada por Kant, para evitar que a guerra seja meio de resolução
de conflitos internacionais, é a criação de uma federação de Estados livres, onde os
impasses resolveriam-se de forma pacífica, abdicando-se, desta forma, do uso da
violência.
A constituição desta federação de Estados livres vem obedecer à máxima do
direito natural que é a de “sair de tal situação”, pois como afirma Kant:
“assim como olhamos com profundo desprezo o apego dos selvagens à sua liberdade sem lei, que prefere mais a luta contínua a sujeitar-se a uma coerção legal por eles mesmos determinável, escolhendo antes a liberdade grotesca à racional, e consideramo-lo como barbárie, grosseira degradação animal da humanidade; assim também os povos civilizados (cada qual reunido num Estado) teriam de se apressar a sair o quanto antes de uma situação tão desprezível” (KANT, 2008, p. 16).
Portanto, para sair deste estado de natureza em que os estados se encontram,
situação de “guerra perpétua”, o caminho proposto pelo filósofo é a criação de um
federação das nações, onde o direito substitui os meio belicosos.
O maior problema por ele apontado para a criação desta federação é que cada
Estado coloca sua soberania acima de qualquer outra, e não se submete a nenhuma
coação legal externa, deste modo o cenário internacional, a convivência entre os
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Estados, compara-se ao que foi acima dito, a uma situação desprezível de barbárie.
O terceiro e último artigo definitivo diz: “O direito cosmopolita deve limitar-
se às condições da hospitalidade universal”. E este vêm seguido de dois suplementos,
o primeiro “Sobre a Garantia da Paz Perpétua”, e o segundo “Artigo secreto da Paz
perpétua.”
Kant entende como hospitalidade “o direito do estrangeiro a não ser tratado
com hostilidade em virtude de sua vinda ao território de outro.” (KANT, 2008, p. 20).
Ao contrário do pensamento de Aristóteles, que considerava o estrangeiro um inimigo
natural, o fundamento de Kant é o simples direito “da propriedade comum da
superfície da terra” (ibidem), devendo os homens suportarem-se uns aos outros, “pois
originalmente ninguém tem mais direito do que outro a estar num determinado lugar
da Terra” (ibidem). O estrangeiro deve ser bem tratado enquanto portar-se de modo
amistoso.
O direito de hospitalidade tende a aproximar os povos de várias partes do
mundo que podem estabelecer relações pacíficas aproximando cada vez mais o gênero
humano de uma constituição cosmopolita. Assim, para Kant:
“a idéia de um direito cosmopolita não é nenhuma representação fantástica e extravagante do direito, mas um complemento necessário de código não escrito, tanto do direito político como do direito das gentes, num direito público da humanidade em geral, e assim um complemento da paz perpétua, em cuja contínua aproximação é possível encontrar-se só sob esta condição.” (idem, p. 22).
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Em sua obra, Kant finaliza, com ar esperançoso:
“Se existe um dever e, ao mesmo tempo, uma esperança fundada de tornar efectivo o estado de um direito público, ainda que apenas numa aproximação que progride até ao infinito, então a paz perpétua, que se segue aos até agora falsamente chamados tratados de paz (na realidade, armistícios), não é uma idéia vazia, mas uma tarefa que, a pouco e pouco resolvida, se aproxima constantemente do seu fim (pois é de esperar que os tempos em que se produzem semelhantes progressos se tornem cada vez mais curtos).” (KANT, 2008, p. 52).
Kant acredita que a paz, que na sua concepção não passa de armistício, pode
ser construída de forma a ser mais duradoura e até mesmo perpetua.
3. CONCEPÇÃO DICOTÔMICA: IDEALISMO X REALISMO
Não existem apenas estas duas escolas do pensamento (Idealista x Realista)
sobre as relações entre Estados, porém, como as outras decorrem destas duas vertentes,
se faz mais imperioso investigar somente estas duas.
3.1 – IDEALISMO
Um dos maiores problemas ao se tratar da teoria idealista recai no fato da
assistematização do pensamento, pois não foram feitos estudos ou compilados livros
com o fito de delinear os limites desta moral, mas tão somente os realistas alcunharam
os defensores de uma resolução pacífica das controvérsias internacionais, dos
defensores das idéias kantianas de idealistas, pois estes não analisavam fatos, mas
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somente julgamentos morais e concepções metafísicas.
Monique Castilho (2001, p.5) conceitua de forma singela o que se entende por
idealismo político, como sendo “aquele que acredita em uma idéia de paz que possa
fazer frente à guerra”. Os idealistas propõe uma mudança na forma de pensar a guerra,
no sentido de não se pensar nela como algo habitual, como defendido pelos realistas.
Se não na prática, os idealistas, ao menos nos livros e nos filósofos, enxergam
uma mudança de pensamento, do belicismo para o pacifismo. Como exemplo desta
mudança, Grotius, autor De Jure Belli ac Pacis (1625), propôs a idéia de que a guerra
é um meio de se chegar a paz. Tempos depois surgiram obras frutos da mente do abade
de Saint-Pierre (1713) e de Kant (1795) e seus projetos de paz perpétua, e como
destaca Monique Castilho (2001, p. 8), outras tentativas, baseadas nos princípios
daqueles dois autores, “bem perto de nós no tempo, o pacto Briand-Kellog (1928) e a
Liga das Nações (1919-1945) quiseram fazer da renúncia à guerra um objetivo
inteiramente político.”, ainda acreditando em uma mudança moral da comunidade
mundial.
Conforme Thales Cavalcanti aponta sobre os estudiosos do idealismo:
“Segundo Joshua Goldstein, os estudiosos do idealismo enfatizam que os eventos internacionais são mais influenciados pela lei internacional, pela moralidade, pelo altruísmo e pelas organizações internacionais, que pelo poder considerado isoladamente. Os idealistas acreditam que a natureza humana é originariamente boa e, com bons hábitos, educação e estruturas internas adequadas, o próprio homem pode se tornar a base de uma relação internacional pacífica e cooperativa” (CASTRO, 2004, página?)
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Veja-se que há uma diferença no que se refere à natureza boa ou má do
homem. Enquanto alguns autores já citados neste trabalho acreditam que a natureza
dele é sórdida e maléfica, os idealistas acreditam que a natureza do homem é boa, e
isto está presente na citação de Kant sobre seu otimismo acerca do gênero humano, “a
reverência que cada Estado faz ao conceito de direito prova que o homem possui uma
grande capacidade moral, ainda adormecida no presente.” (NOUR, 2004, p. XVII).
Diferentemente do realismo, em que os teóricos evitam falar em instituições
internacionais, o idealistas defendem a criação de um órgão internacional que visa
organizar a política, surgindo dai uma teoria institucionalista das Relações
Internacionais baseada na idéia exposta por Kant em “A Paz perpétua”, no que
concerne a criação de uma federação de Estados livres e guiada pelo direito.
Após a Primeira Guerra Mundial, que demonstrou o fracasso da Conferência
Européia de 1815, e que escancarou ao mundo combates de escalas nunca antes
observadas na história do homem, tal tragédia instigou os pensadores da política a
pensar a paz ao invés da guerra, despendendo esforços para tornar realidade a idéia de
paz perpétua, destes projetos de paz, que começaram a ser pensados ainda durante os
combates. Com o tratado de paz cria-se uma Sociedade das Nações, ainda não
negando a guerra como instrumento político, mas tentando definir as justas causas para
uma guerra. Afinal, devido a tragédia da guerra é que surgiu em 1919, em Paris, o
Pacto da Sociedade das Nações, portanto tal documento sofreu duras criticas, mas
como esclarece Huck:
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“Os construtores do Pacto das Sociedades das Nações nunca tiveram consciência, ou mesmo pretensão, de estar elaborando um documento de impacto jurídico. Procuravam equacionar a paz, com a mesma dificuldade que se havia combatido a guerra, com uma preocupação essencial da natureza política. Ademais, mesmo a função política do Pacto não se pode considerar exitosa, pois não se conseguiu dar a Sociedade das Nações uma vocação universal, uma vez que Estados Unidos e União Soviética, já duas potências maiores, dela não faziam parte como Membros.” (HUCK, 1996 p.73).
Apesar de não ser exitosa, conforme colacionado acima por Hermes Huck, a
Sociedade das Nações inspirou a assinatura de diversos tratados, alguns sob sua égide
condenando qualquer forma de agressão como ilegal. Assim, foram firmados o
Protocolo de Genebra em 1924, os tratados de Locarno em 1925, entre outros, e é em
1928 firmado o importante Pacto Briand-Kellog, ou Pacto de Paris, que segundo Huck
“marca decisivamente a luta pela ilegalidade do uso da força pelos Estados”, um pacto
pela renúncia à guerra, excluída a hipótese de guerra de defesa, que nasceu da
negociação entre Estados Unidos e França, mas apesar disto seguiu como um dos mais
importantes passos, segundo os idealistas, para a negação da guerra como meio licito.
Apesar da tentativa dos idealistas em evitar a guerra, a fragilidade do sistema
criado pela Sociedade das Nações acabou por desabar com a eclosão da Segunda
Guerra Mundial, momento este em que o idealismo perde prestígio, pois foi incapaz de
evitar um novo conflito mundial.
Blenda Lara indica como fracasso da Sociedade das Nações:
“bem mais em função do contexto político da época que de algum defeito estrutural. Vitimado pelo comportamento dos Estados-membros, não pode exercer sua influência pacificadora a não ser nos conflitos nos quais as grandes potências não estavam envolvidas” (NASCIMENTO, 2007, p. 82).
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Este sem dúvida foi o maior fracasso da teoria idealista, fracasso este que
legou aos realistas após a Segunda Guerra Mundial um status de superioridade.
3.2 – REALISMO
A teoria realista teve sua origem juntamente com a concepção de Estado
Moderno, porém só veio a ganhar força após a Segunda Guerra Mundial, devido ao
fracasso da teoria idealista em evitar um novo conflito de ordem mundial, sendo assim,
após 1945, impõe-se como modelo teórico dominante.
O realismo é uma resposta à teoria idealista que, como nota Soraya Nour, tenta
reduzir a dimensão política a um quadro jurídico, o que não passaria de ilusão, e desta
forma, buscam:
“demonstrar a predominância na relação entre Estados da dimensão política sobre a dimensão jurídica; o que impede o direito internacional de se desenvolver como ordem normativa válida, desfazendo o sonho idealista de que seu desenvolvimento asseguraria a paz, é a questão política: o conflito entre Estados é político, de tal forma que não pode ser resolvido juridicamente”. (NOUR, 2004. p. 117).
A grande inspiração desta corrente é com certeza encontrada na filosofia de
Maquiavel, com a expressão “os fins justificam os meios”, e Thomas Hobbes,
caracterizada pela expressão “guerra de todos contra todos”, e conforme aponta
Brenda Lara, acerca do pensamento deste último, sobre a relação entre Estados:
“(...) as Relações Internacionais se assemelhariam ao que Thomas Hobbes escreveu em Leviatã (1651): uma tendência natural ao caos e à violência. No
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estado de natureza impera a disputa egoísta entre uns e outros e, somente através da desistência de seu direito natural, a fim de tomar parte em um 'contrato social' delegando poderes a um Leviatã, uma sociedade pacífica poderia ser estabelecida, afastando assim a anarquia.” (NASCIMENTO, 2007, p. 47)
Os realistas, como a própria filosofia hobbesiana, são negativos no que se
referem à natureza humana, ou seja:
“De acordo com a visão realista, no mesmo sentido da concepção hobbesiana, a luta entre homens é inevitável porque as pessoas tem um inerente lado escuro, um grande desejo de dominar: 'um animus dominandi, um natural instinto animal para ganhar poder como um fim em si mesmo.” (THOMPSON, 1994 p. 79 citado por ROURKE, 1997, P16). (ibidem)
Em defesa aos realistas, Aron, incluindo-se claramente entre eles, diz:
“Tentamos fazer a análise das relações internacionais independentemente de julgamentos morais e das concepções metafísicas, tomando como ponto de partida a pluralidade dos Estados; a possibilidade da guerra, cuja sombra recai sobre as decisões dos estadistas; as regras legais e consuetudinárias mais ou menos respeitadas pelos soberanos, porém nunca interpretadas de modo a excluir o recurso à força para salvaguardar os 'interesses vitais' e a 'honra nacional' dos Estados.” (ARON, 1979, p. 539).
Para Aron, este cenário caótico decorre da falta de uma constituição de ordem
civil, esta anarquia internacional, onde a única garantia dos Estados terem seus direitos
respeitados é defendendo-lhes com as próprias mãos, cabendo aos realistas demonstrar
esta natureza humana e visualizar as relações internacionais através de um verdadeiro
foco, com suas verdadeiras intenções, e não através de uma “metafísica romântica”
dos, por eles nominados, idealistas.
Nour (2004) traz o que diria Hans Morgenthau sobre os realistas,
“intelectualmente, o realista político mantém a autonomia de sua esfera
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política, assim como o economista, o advogado e o moralista mantêm o deles. Ele pensa em termos do interesse definido como poder, assim como o economista pensa em temos do interesse como prosperidade; o advogado, em termos de conformidade da ação com leis jurídicas; o moralista, em termos de conformidade da ação com princípios morais.” (NOUR citando MORGENTHAU, 2004, p. 117).
Desta feita afirma Soraya Nour (2004, p. 117) que os realistas analisam
prioritariamente a realidade em vez dos princípios morais, buscando compreender o
que seria politicamente possível ao invés do que seria moralmente desejável.
Os realistas entendem que os Estados são os principais atores internacionais,
por este motivo pouco se fala, dentro desta teoria, de instituições internacionais, como
Liga das Nações ou Organização das Nações Unidas, e órgãos não governamentais são
colocados em segundo plano. Afinal, os Estados são soberanos, não se submetendo a
leis externas, em um cenário em que o mais forte vence. Desta forma o realismo cria
uma série de tensões entre os seus entes:
“O sistema internacional é transposto para uma arena na qual os Estados buscam oportunidades de ter maiores vantagens, uns em relações aos outros, não conferindo qualquer espaço para o estabelecimento de relações de confiança.” (NASCIMENTO, p. 47).
Denota-se que esta teoria gira em torno do poder, demonstrado principalmente
pela capacidade militar dos Estados, ou seja, estes entes vivem em uma ambiente de
“constante disputa pelo acumulo de poder, em um jogo claramente de soma zero”
(LACERDA, 2006).
As conseqüências desta “realidade” fundamentada na anarquia internacional,
para Raymond Aron, é que se vive “a sombra da guerra” onde quem pode mais, manda
43
mais, sendo este poder mensurado a partir da força militar de cada país.
Desta suposta anarquia surgem três princípios que regem o sistema, a se saber:
a oligarquia, a hierarquia e o equilíbrio de poderes. (LACERDA, 2006).
A oligarquia é a multiplicidade de agentes, onde poucos efetivamente se
tornam centros autônomos de decisão política, alguns decidem o funcionamento do
sistema.
A hierarquia indica o relacionamento entre o mais poderoso com o menos
poderoso, trata-se de uma relação entre fortes e fracos.
O último princípio, que é o do equilíbrio, estipula que todas as nações tenham
umas em relação às outras paridade de poderes que acarrete em uma neutralização que
fará que nenhuma aspire a dominar as demais, sendo esta paridade entre dois poderes,
três ou mais.
Para o realismo, a governabilidade internacional, ou o relacionamento entre
Estados, é regida de acordo com a vontade destes entes em se submeter a elas, não há
negação de uma ordem jurídica internacional ou moral, “o que ocorre é que não tem a
menor ilusão quanto a eficácia prática das leis internacionais”. (LACERDA, 2006).
Monique Castilho (2001), professora da Universidade de Poitiers, na França,
na introdução de seu livro intitulado 'A Paz, razões de Estado e sabedoria das Nações'
44
indica que o realista é
“aquele que se mantêm coerente com as leis do mundo, que são as relações de força (...), ser realista é considerar o recurso à violência como a solução mais espontânea em caso de conflito.”
Quem se diz realista julga ver o mundo, as relações entre Estados, de forma
neutra, de como elas realmente funcionam, levando em conta a natureza humana, desta
forma tornando impossível, utópica, qualquer idéia de paz perpétua, pois tal idéia se
igualaria a uma anti-natureza, fora do real, pois é impossível quebrar o jogo de poder
existente no cenário anárquico internacional, e como fruto deste jogo de poderes os
Estados sempre estão em lados distintos, agindo de forma justa ou injusta, às vezes
sendo bom e mau ao mesmo tempo. Nesta linha é a crítica de Raymon Aron aos
idealistas, pois segundo ele, os idealistas tentam dividir os estados entre bons e maus.
“Empenhados numa competição incessante, que determina sua sobrevivência, nem todos os Estados se comportam sempre da mesma maneira; mas não podem ser classificados, de forma permanente, em “bons” e “maus”. É raro que todas as posições criticáveis estejam do mesmo lado e que um dos campos seja puro.” (ARON, 1979, p. 544).
Os realistas não negam as misérias trazidas pela guerra, mas, segundo o que se
viu da construção moral, ela tem sua origem na própria natureza humana e que as
relações giram em torno da disputa de acumulo de poder, sendo assim, nenhum direito
conseguirá extinguir a utilização da guerra como instrumento de política.
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3.3 Quadro comparativo
Para tornar um pouco mais claro este embate entre realistas e idealistas,
insere-se abaixo um quadro comparativo com algumas características de cada uma e
seu contraponto, quadro este adaptado do artigo de Thales Cavalcanti Castro (2004):
REALISMO (Realpolitik) IDEALISMO (Transnacionalismo) Militarismo armamentista Desarmamento das nações Soberania nacional (summa potestas) Humanismo Conceito de “anarquia” no cenário externo
Renúncia da soberania estatal em prol da paz e da cooperação internacional
Estado de natureza hobbesiano Sentimento coletivo de “comunidade internacional
Centralidade do Estado nas relações externas
Ênfase na ética internacional
Cálculo racional do poder Centralidade nas organizações internacionais
Ênfase na unidade nacional e integridade territorial
Supranacionalismo
Geoestratégia e geopolítica do poderio relativo do pais e da conjuntura mundial
Importância no direito internacional público
Beligerância como engrenagem natural das relações internacionais
Abolição da beligerância entre os países
4. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E SEU CONCEITO DE GUERRA
JUSTA
Após percorrer diversas moralidades, apontar os principais pensadores acerca,
demonstrar as duas principais escolas do pensamento internacional, cabe demonstrar
qual o conceito de guerra justa adotado, porém para isto mister se faz adentrar nos
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melindres da maior instituição moral de nossa época e tentar desvelar qual é a sua
tendência, realista ou idealista.
4.1 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
Vários fatores corroboraram para o surgimento da ONU, que surgiu
efetivamente no fim da Segunda Guerra Mundial, mas como bem anota Blenda Lara,
antes mesmo do término da guerra já estava sendo arquitetada, pois no período de
guerra diversas conferências foram realizadas entre os líderes aliados com objetivo de
definir estratégias de beligerância como também estabelecerem um delineamento do
mundo pós-guerra. Neste particular:
“A primeira movimentação relevante constituiu a Declaração firmada em 12.06.41, no Palácio de Saint-James, em Londres, pelos representantes do Canadá, Austrália, Nova Zelândia, União Sul Africana, Grã-Bretanha e os governos europeus exilados em função da ocupação alemã (Bélgica, Checoslováquia, Grécia, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Polônia, Iugoslávia e o do General de Gaulle, da França). Em seu texto, a declaração fazia reconhecer que 'A única base certa de uma paz duradoura se alicerça na cooperação voluntária de todos os povos livres que, em um mundo sem a ameaça de agressão, possam desfrutar de segurança econômica e social'” (NASCIMENTO, 2004, p. 90)
Nota-se do texto da declaração a vontade de se evitar mais conflitos, portanto
a gênese da ONU está incutida de ideais idealistas, de manutenção da paz. Porém o
primeiro documento importante para o surgimento desta organização foi a Carta do
Atlântico, assinada em 14.08.41, supostamente em um navio de guerra americano em
Newfounland, no Canadá. Assinaram a carta o Primeiro Ministro Britânico Winston
Churchill e o Presidente Americano Franklin Delano Roosevelt, e posteriormente a
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URSS. Ela tratava de princípios como soberania territorial, autodeterminação dos
povos, igualdade jurídica entre entidades soberanas, cooperação entre nações,
liberdade de navegação e desarmamento. Na sequência, ocorreram novos encontros, e
em 01.01.42 nasceu a expressão United Nations (Nações Unidas), autoria de Franklin
Roosevelt, inserta na “Declaração das Nações Unidas”, na qual os países aliados se
comprometiam a lutar contra as potências do eixo.
Como aponta Blenda Lara, somente em 01.09.43, com a Declaração de
Moscou, é que China, Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética acordaram
sobre a necessidade de criação de uma organização internacional cuja missão seria a
guarda da paz e a segurança internacional. Após diversas reuniões, a Carta das Nações
Unidas foi Assinada no dia 26.06.1945 e entrou em vigor no dia 24.10.1945, marcada
como data da criação oficial da ONU. Vale lembrar:
“Em suma, através dos elementos apresentados, fica evidente que se buscou uma organização que funcionasse com base no consenso dos principais poderes internacionais com objetivo de trazer a paz duradoura e com atuações eficazes nos conflitos que viessem a eclodir” (NASCIMENTO, 2007, p. 94).
A ONU, portanto, como também se tentou com a Sociedade das Nações (ou
Liga das Nações), foi uma resposta à sangrenta guerra em que o mundo viu-se
mergulhado pela segunda vez, e não é à toa que sua moral gire em torno da paz, que
em seu âmago esteja incutida a idéia kantiana de paz perpétua.
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4.2 CONCEITO DE GUERRA JUSTA SEGUNDO A ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS
O conceito foi lançado no cenário internacional através da Carta das Nações
Unidas, que se inicia da seguinte forma:
“NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, da dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e as melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla. E PARA TAIS FINS praticar a tolerância e viver em paz, uns com outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos.”
Apesar de a teoria idealista ter aparentemente perdido força após a Segunda
Guerra, nota-se do preâmbulo da Carta das Nações Unidas acima transcritas os seus
valores. Sobre o preâmbulo, diz Hermes Huck:
“O Preâmbulo da Carta das Nações Unidas encerra uma solene proposta de preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas gerações consecutivas trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade. Assumindo orientação pragmática e evitando fornecer material para que as discussões teóricas sobre a extensão do conceito se alongassem indefinidamente, a Carta utiliza-se apenas uma única vez do vocábulo guerra, revestido de um sentido amplo e genérico, sem conotações jurídicas ou políticas, justamente nesta frase preambular.” (HUCK. 1996. p. 92).
A Carta evitou falar em guerra, devido ao problema conceitual que poderia
gerar, substituindo pelo termo “uso da força”, sendo assim não há que se falar da
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proibição da guerra, mas do uso da força.
A proibição do uso da força está inserida no artigo 2 - 4, abaixo transcrito,
artigo este que determina que os Membros signatários devam abster-se do uso da força
ou da ameaça contra integridade territorial, independência política dos Estados ou de
qualquer forma contra os princípios da Carta:
“Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.” (CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS, disponível em www.onu-brasil.org.br/doc1.php).
A Carta das Nações Unidas então trouxe, sobre influência dos resquícios da
Sociedade das Nações e à luz da teoria idealista, a proibição do uso da força, porém
com algumas exceções: “1) Em caso de legítima defesa; e 2) através de medidas
militares decretadas pelo Conselho de Segurança como resposta a uma ameaça à paz
ou ato de agressão.” (JORDÃO)
Para a ONU considerar uma guerra justa dependerá, segundo Marco Aurélio
Jordão: 1) da autoridade legítima; 2) da reta intenção; 3) dos motivos justos. Uma
guerra é portanto nomeada justa se for justificada (jus ad bellem) e realizada (jus in
bellum) de modo reto.
4.3 IRAQUE X EUA - UMA CONCLUSÃO
A questão torna-se de fato inconclusiva à luz de um único fato ocorrido
recentemente, a invasão do Iraque pelos Estados Unidos e pela Inglaterra, pois estes
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invadiram um país soberano sem nenhuma autorização da ONU ou de qualquer outro
órgão internacional. Como assevera Erica Ramminger em artigo sobre o tema, tais
países “se colocaram à margem da legalidade internacional, rompendo com os
princípios da mesma Carta com a qual se comprometeram a cooperar”
(RAMMINGER, 2007) colocando em xeque toda a credibilidade existente em uma
regulação internacional através do direito concernente à guerra.
Os EUA tentaram de toda forma justificar a guerra como preemptiva, ou seja,
o ataque preemptivo “consiste numa ação com base na prova, isto é, ameaça explícita,
iminente e reconhecida de que um inimigo está prestes a atacar” (Ibidem). Desta
forma, utilizando-se desta justificativa, Estados Unidos e Inglaterra, tentaram justificar
sua agressão enquadrando-a no conceito explicitado pelo artigo 51 da Carta das
Nações Unidas que diz:
“Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício deste direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir autoridade e a responsabilidade de que a pressente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais” (CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS).
Conforme denota Erica Ramminger, para tentar amenizar os impactos
negativos em seus valores políticos, consequência desta atitude agressiva:
“A administração de Bush apresentou uma radical inovação no entendimento do Artigo 51 da Carta das Nações Unidas no que concerne à permissão do
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uso da força em caso de legitima defesa, pois buscou ampliar a noção de legitima defesa em Direito Internacional” (RAMMINGER, 2007)
Para os EUA a ação no Iraque seria legítima pois argumenta que exerceu um
direito de legitima defesa, uma guerra preemptiva devido à ameaça trazidas pelas
Armas de Destruição em Massa, portanto a mesma autora acima citada assevera que os
EUA tomaram uma atitude preventiva, ou seja, uma forma ilegal do uso da força
mascarada de uma atitude preemptiva, pois neste caso a guerra pode ser justificada
obedecendo aos limites do jus in bello e da teoria da guerra justa já analisados
anteriormente.
Para legitimidade de uma atitude de preempção é necessário atender algumas
condições, não podendo ser utilizada para proteger interesses imperialistas. Deve-se,
portanto, ter certeza que a guerra não seria evitada ou provável em um futuro próximo,
ou seja, tempo curto para que tornasse ignóbil qualquer tentativa diplomática para
contornar o problema, o fato de um país possuir capacidades para atacar não é motivo
bastante forte para justificar a preempção.
Dito isto, os EUA de todas as formas tentaram justificar uma intervenção
militar no Iraque, argüindo que o governo desse país desobedeceu a determinações da
resolução 1441 editado pelo Conselho de Segurança por pressão do próprio EUA,
resolução que trazia em seu texto ameaças ao governo iraquiano de “sérias
conseqüências” se não respeitada, desta forma o governo iraquiano entregou uma
declaração detalhada de seus programas de desenvolvimento de armas de destruição
em massa, negando a existência dos mesmos, porém, segundo os EUA esta declaração
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não era válida, pois apresentava omissões e dados incorretos. Habernas, que passou
dois meses no Iraque, fez criticas ao ataque Estadunidense, diz que:
“a guerra não foi nem um acaso de legítima defesa contra um ataque atual ou iminente, nem foi autorizado por uma decisão do Conselho de Segurança de acordo com o Capítulo VII da Carta da ONU. Tão menos a Resolução 1441, ou uma das dezessete resoluções anteriores (e “perdidas”) a respeito do Iraque podem ser consideradas como autorização suficiente. A 'coalizão dos motivados' confirmou esta falência de atuação já que inicialmente buscou-se uma 'segunda' resolução, mas no fim se recusou a fazer moção para a votação porque não se poderia contar como a maioria 'moral' do Conselho de Segurança não detentora do direito de veto. O procedimento inteiro tornou-se uma farsa uma vez que o Presidente dos Estados Unidos repetidamente declarou uma intenção de agir sem mandato da ONU se necessário.” (HABERNAS, 2003 p. 336 citado por NASCIMENTO, 2007, p. 201).
A comunidade internacional ficou estarrecida com esta atitude unilateral,
como já dito antes, causando sérios abalos à confiabilidade na própria ONU.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta forma, o presente trabalho deve ser visto como uma tentativa de
desvelar o conceito de guerra justa, mais precisamente o conceito adotado pela ONU,
porém devido aos fatos ocorridos nesta última década este conceito se torna amoldado
aos interesses das grandes potências, portanto não há que se falar em um conceito
universalmente aplicado. Os realistas se conformam com as realidades atuais não
buscando qualquer mudança ou justificação para a guerra, porque para eles o ambiente
internacional é regrado pela anarquia, não havendo nenhum poder maior que os
Estados soberanos, não havendo necessidade de se falar em guerra justa ou injusta. Por
outro lado os idealistas tentam se tornar realistas na tentativa de construir uma
realidade onde uma força supranacional consiga controlar os ímpetos dos Estados
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quanto sua beligerância através de um direito internacional efetivo, porém que ainda se
mostra frágil como demonstrado acima.
Em suma, teoricamente temos um conceito de guerra justa. Segundo o que
preceitua a Carta das Nações Unidas, a guerra só é justa quando realizada em caso de
legítima defesa, ou através de medidas militares decretadas pelo Conselho de
Segurança como resposta a uma ameaça à paz ou ato de agressão, ainda dependendo
de autoridade legítima, da reta intenção e dos motivos justo. Porém, na realidade,
quando no outro pólo beligerante tem-se uma grande potência, esta teoria não se
aplica, o que deixa transparecer que a capacidade bélica e econômica por si só
justificam suas atitudes perante todo o globo, dando razão à forma realista de pensar,
demonstrando, ao menos por ora, que esta última prevalece nas relações
internacionais.
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