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0 UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Ângela Cristina dos Santos A INCONSTITUCIONALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS NO ÂMBITO EXTRAPENAL DO DIREITO BRASILEIRO CURITIBA 2012

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Ângela Cristina dos Santos

A INCONSTITUCIONALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES

TELEFÔNICAS NO ÂMBITO EXTRAPENAL DO DIREITO BRASILEIRO

CURITIBA

2012

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Ângela Cristina dos Santos

A INCONSTITUCIONALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES

TELEFÔNICAS NO ÂMBITO EXTRAPENAL DO DIREITO BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito. Orientadora: Professora Esp. Aline Guidalli Pilati

CURITIBA

2012

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TERMO DE APROVAÇÃO

Ângela Cristina dos Santos

A INCONSTITUCIONALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES

TELEFÔNICAS NO ÂMBITO EXTRAPENAL DO DIREITO BRASILEIRO

Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do título de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ____ de ______________ de 2012.

_______________________________ Prof. Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografias do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná

Orientadora: _______________________________ Prof. Esp. Aline Guidalli Pilati

_______________________________ Prof. Membro da Banca

_______________________________ Prof. Membro da Banca

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, aos meus pais, José e Clarice, por serem exemplos de

dignidade e honestidade, pelas lições de vida, pelos conselhos, pelo amor

incondicional e por todo o carinho e apoio a mim confiados;

Aos meus irmãos, Lucas e José, pelo companheirismo e pelos momentos de alegria

proporcionados;

Aos meus avós e padrinhos, Wilson e Ivone, pelos ensinamentos de vida, pela

sabedoria e por toda a atenção e carinho despendidos;

Ao meu noivo, Renato Zen, por todo apoio, carinho, companheirismo e pela paciência

com minha ausência durante os períodos que exigiram de mim uma maior dedicação

no curso de Direito;

À advogada Cristiane S. Gusmão Pereira, que além de ser verdadeira amiga e

companheira de todas as horas, foi quem me ensinou a dar os primeiros passos na

carreira jurídica e responsável pela minha opção pelo curso de Direito;

Ao ilustre professor e amigo Luis Fernando Lopes Oliveira, que me estendeu a mão e

oportunizou novos horizontes em minha vida, me possibilitando um maior aprendizado

e uma nova percepção acerca da compreensão do direito penal;

Aos honrados profissionais do escritório Cal Garcia Advogados Associados, Dr. José

Carlos Cal Garcia Filho, Dr. Daniel Müller Martins, Dr. Eduardo Ferreira da Silva e Drª.

Tatiana Alessandra Espindola, com os quais tive a oportunidade de estagiar e tenho

imenso orgulho em poder integrar a equipe;

À grande amiga Jenaine Mariani, que sempre me estendeu a mão nos momentos em

que mais precisei, por todo o apoio e por deixar o ambiente de trabalho mais

agradável e descontraído.

À Professora Aline Guidalli Pilati, a quem devo a honra de ter recebido orientação e de

ter sido aluna.

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SUMÁRIO RESUMO................................................................................................................... 5 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 6 2 DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................................................. 7 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................ 7 2.2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988......10 2.3 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ....................................................12 2.4 O DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA ................................................13 3 A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA .....................................................................15 3.1 DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS .........................................15 3.2 DA LEI Nº 9.296/1996, REGULADORA DO EXCEPCIONAL AFASTAMENTO DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS......................................................17 3.2.1 Conceitos de interceptações telefônicas e gravações clandestinas ...............19 3.2.2 Hipóteses de cabimento da interceptação........................................................22 4 A UTILIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE PARA AUTORI-ZAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA EM CASOS EXTRAPENAIS........25 4.1 DA MÁXIMA DA PROPORCIONALIDADE........................................................25 4.2 DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS NO ÂMIBITO DO PROCESSO CIVIL ATRAVÉS DA TÉCNICA DA PONDERAÇÃO DE INTERESSES.............................30 4.2.1. Da posição jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça ........................34 4.3 DA INCONSTITUCIONALIDADE DA QUEBRA DO SIGILO TELEFÔNICO NO ÂMBITO DO PROCESSO CIVIL................................................................................36 5 CONCLUSÃO ........................................................................................................42 REFERÊNCIAS.........................................................................................................44

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RESUMO

O presente trabalho, intitulado “A inconstitucionalidade das interceptações telefônicas no âmbito extrapenal do direito brasileiro”, objetiva demonstrar que a interceptação telefônica, utilizada de forma cada vez mais recorrente pelo judiciário como meio de prova, vem despertando, na doutrina e jurisprudência, discussões acerca dos limites que referida prova deve sofrer diante do sigilo das comunicações telefônicas, especialmente quanto ao seu alcance para além dos casos de investigação criminal ou instrução processual penal.

Discute-se, todavia, à luz da Constituição Federal e da Lei nº 9.296/96, a impossibilidade da ponderação de direitos fundamentais para que se possa concluir pelo deferimento de uma interceptação telefônica visando à obtenção de provas em casos extrapenais, especialmente em razão da norma inserta no inciso XII, do artigo 5º, da Constituição Federal não se tratar de um princípio, mas sim de uma regra, que, a priori, não poderia ser ponderada com os princípios fundamentais elencados na Carta Maior.

Para isso, é feita uma análise dos direitos fundamentais em sentido amplo, com especial abordagem aos direitos à intimidade e à vida privada protegidos pela Constituição Federal. Também será desenvolvido um minucioso exame do regramento trazido no artigo 5º, inciso XII, do texto constitucional e das generalidades trazidas pela Lei nº 9.296/96, sendo abordados, neste tópico, a definição de interceptação telefônica, a sua finalidade e hipóteses de cabimento.

Ademais, procura-se explicar a diferença entre regras e princípios constitucionais, de modo a demonstrar a inconstitucionalidade no deferimento de interceptações telefônicas afora do âmbito penal.

Palavras-chave: interceptações telefônicas, direito à intimidade, âmbito extrapenal, princípio da proporcionalidade, inconstitucionalidade.

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende abordar a posição que atualmente vem sendo adotada

pela doutrina e jurisprudência dos nossos tribunais acerca do alcance das

interceptações telefônicas em casos extrapenais, como uma tentativa de se

demonstrar a dissonância desse atual posicionamento com o que preceitua a

Constituição Federal e a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996.

O problema chave que será posto em análise é a impossibilidade da

ponderação do direito fundamental ao sigilo telefônico para que se possa concluir

pelo deferimento de interceptações telefônicas visando à obtenção de provas para

além dos casos de investigação criminal ou instrução processual penal.

Questão que também se mostra fundamental para a discussão do tema, e terá

especial abordagem no presente trabalho, é a controvérsia levantada a respeito da

norma inserta no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal não se tratar de um

princípio, mas sim de uma regra, que, a priori, não poderia ser ponderada, cabendo

apenas a discussão acerca de sua validade, cuja conotação teria geral abrangência.

O tema que será discutido no presente trabalho apresenta significativa

importância para o debate acadêmico, visto que busca demonstrar a impossibilidade

de relativização do regramento excepcional trazido pelo inciso XII do artigo 5º da

Constituição Federal com fulcro no princípio da proporcionalidade.

Busca-se, desta forma, alcançar uma interpretação firme a respeito da

inconstitucionalidade da autorização de interceptações telefônicas como meio de

prova no âmbito extrapenal, de modo que sejam atendidos os direitos e garantias

constitucionais assegurados a qualquer litigante, bem como seja resguardada a

segurança jurídica no ordenamento brasileiro.

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2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

Antes de adentrar no tema efetivamente proposto à discussão neste trabalho,

necessário se faz traçar breves apontamentos acerca dos direitos fundamentais

assegurados no ordenamento jurídico brasileiro, com especial atenção aos direitos à

intimidade e à vida privada, cuja intangibilidade pode ser relativizada nas hipóteses

autorizadas pela Constituição Federal.

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Como origem dos direitos individuais do homem, a doutrina aponta o antigo

Egito e a Mesopotâmia, no terceiro milênio a.C., onde já existiam mecanismos de

proteção individual do cidadão perante o Estado (ÂNGELO PARIZ, 2002). O primeiro

código de leis escrito de que se têm notícias é o Código de Hamurábi (1.690 a.C.),

que é tido como a primeira codificação que consagrou um rol de direitos comuns a

todos os homens, tais como à vida, à propriedade, à honra, à dignidade, à família e

à supremacia das leis em relação aos governantes.

Conforme esclarece Ângelo Pariz (2002), com a propagação de ideias de

caráter filosófico-religiosas, os direitos fundamentais também foram influenciados por

Buda (500 a.C.), em especial com relação à igualdade de todos os homens.

Destaca, o autor, que estudos acerca da igualdade e liberdade também surgem

na Grécia, dos quais se destacavam previsões que dizem respeito à participação

política dos cidadãos (democracia direta de Péricles). Também merece destaque o

complexo mecanismo de interditos estabelecido pelo direito romano, cuja finalidade

visava tutelar os direitos individuais do arbítrio estatal.

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Mais tarde, o Cristianismo vem influenciar diretamente a consagração dos

direitos fundamentais como necessários à dignidade das pessoas, através da

mensagem de igualdade entre os homens, independentemente de origem, raça, cor,

sexo ou credo (ÂNGELO PARIZ, 2002).

Também na idade média, diversos documentos jurídicos reconheciam a

existência de direitos humanos, sempre com o objetivo de limitação do poder estatal.

O desenvolvimento das declarações de direitos humanos, no entanto, se deu a partir

do terceiro quarto do Século XVIII até meados do Século XX (ÂNGELO PARIZ,

2002).

Os antecedentes históricos mais importantes das declarações de direitos

humanos encontram-se na Inglaterra, com: a) a Magna Charta Libertatum,

outorgada em 15.06.1215, que previa, dentre outras garantias, a liberdade da Igreja

da Inglaterra, restrições tributárias, proporcionalidade entre delito e sanção, o devido

processo legal, o livre acesso à Justiça, liberdade de locomoção e livre entrada e

saída do país; b) a Petition of Right, de 1628, que limitava o poder estatal de tributar

e proibia a prisão ou detenção ilegal; c) o Habeas Corpus Act, de 1679, que

regulamentou o instituto do habeas corpus; d) o Bill of Rights, de 1689, que trouxe

grande restrição ao poder estatal, criou o direito de petição, previu a liberdade de

eleição dos membros do Parlamento, vedou à aplicação de penas cruéis e, ainda,

fortaleceu o princípio da legalidade ao impedir que o Rei pudesse, sem o

consentimento do Parlamento, suspender leis ou a sua execução; e, por fim, e) o Act

of Seattlement, de 12.06.1701, que se caracteriza por um ato normativo que veio

reafirmar o princípio da legalidade e da responsabilização política dos agentes

públicos (ÂNGELO PARIZ, 2002).

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Nas palavras de Neide Maria Carvalho Abreu (2008), tiveram notável

relevância para a concretude dos direitos fundamentais as Declarações de Direitos

do Povo da Virgínia que, em 1776, foram incorporadas à Constituição dos Estados

Unidos; e a Declaração Francesa de 1789, consequência da revolução que derrubou

o antigo regime e instaurou a ordem burguesa na França. Tais documentos

culminaram para a evolução e afirmação do Estado de Direito.

Em 1848 foi promulgada a Declaração de Direitos da Constituição francesa,

com o compromisso de preservação de valores conservadores, como a família, a

propriedade, a ordem pública, o progresso e a civilização. Referida declaração

trouxe uma ampliação ao rol dos direitos fundamentais.

O início do século XX foi marcado por preocupações sociais, as quais foram

retratadas em vários documentos constitucionais, tais como: a Constituição

Mexicana de 1917; a Declaração Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador e

Explorado de 1918; Constituição de Alemã de Weimar de 1919; Convenção de

Genebra sobre a Escravatura de 1926; Convenção Relativa ao Tratamento de

Prisioneiros de Guerra (Genebra) de 1929 e a Carta das Nações Unidas, que surgiu

em 1942 e se constituiu a base jurídica para a ação conjunta dos países em prol da

paz mundial, sendo adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas como

“Declaração Universal de Direitos Humanos” em 10 de dezembro de 1948, data em

que o Brasil também assinou o documento.

A Declaração Universal de Direitos Humanos consagrou os direitos à igualdade

e à dignidade da pessoa humana, dispondo, a nível universal, que todos os seres

humanos são todos iguais em garantias e em direitos, independentemente de raça,

cor, sexo, língua, crença, classe social ou quaisquer outras condições.

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Essa declaração, que retomou os ideais da Revolução Francesa, merece

destaque no cenário da consolidação dos direitos fundamentais, na medida em que

contempla um conjunto indissociável e interdependente de direitos individuais e

coletivos, civis, políticos, econômicos, sociais e culturais (ELIANA PACHECO, 2007).

2.2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

No Brasil, os direitos fundamentais foram proclamados desde a Constituição do

Império de 25 de março de 1824 que, em seu artigo 179, ditava direitos semelhantes

aqueles encontrados nos textos constitucionais dos Estados Unidos e da França.

Referidos direitos, no entanto, foram comprometidos com a criação do Poder

Moderador, que concedia poderes ilimitados ao imperador.

Em 1891, a Constituição Republicana retoma os direitos fundamentais trazidos

pela Constituição de 1824. Foram acrescidos, no entanto, importantes direitos

fundamentais, tais como o reconhecimento do direito de reunião e de associação e

das amplas garantias penais, instituindo o habeas corpus, que até então era

garantido apenas por legislação ordinária. O artigo 72, caput, da citada Constituição

também inova ao fazer menção à garantia desses direitos aos brasileiros “e

estrangeiros residentes no país”, ao passo que a Constituição anterior os reconhecia

apenas “aos cidadãos brasileiros”.

As Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967/1969 também trouxeram um rol

de direitos fundamentais semelhantes ao da Constituição de 1981. A partir da

Constituição de 1934, contudo, há uma importante inovação, na medida em que são

incorporados alguns direitos sociais, como o reconhecimento do direito à

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subsistência e à assistência aos indigentes, bem como a criação dos institutos do

mandado de segurança e da ação popular.

A Constituição de 1988, por sua vez, além de estabelecer um regime político

democrático, trouxe um extenso rol de direitos fundamentais e faz referência a esses

direitos por todo o texto constitucional.

A matéria encontra-se, em sua maioria, inserida no Título II da Constituição

Federal, que trata “Dos direitos e garantias fundamentais” e regulamenta os direitos

individuais, coletivos, sociais e políticos, bem como as respectivas garantias. Em seu

artigo 5º, a Constituição traz direitos individuais e de garantias, prescrevendo,

também, direitos e deveres coletivos. No artigo 6º, a Carta define direitos sociais,

cuja concretização incumbe ao Estado. O artigo 7º, por fim, eleva o direito do

trabalho ao nível constitucional, fazendo incidir o dever estatal de tutela, cuja não

observância dá azo a ações constitucionais.

A dignidade da pessoa humana foi consagrada pelo constituinte de 1988 como

valor primordial, devendo servir de diretriz para a interpretação de todas as demais

normas insertas no texto constitucional. Merece destaque, ademais, a priorização

dos direitos humanos no texto constitucional, visto que os direitos e garantias

individuais foram elevados ao patamar de cláusulas pétreas, conforme se depreende

da redação ditada pelo parágrafo 4º, inciso IV, do artigo 601.

De todo o contexto histórico percorrido mundialmente pelo reconhecimento dos

direitos fundamentais, denota-se, porém, que referidos direitos foram impostos

politicamente através de grandes revoluções, guerras civis e outros acontecimentos

de ruptura. Inúmeras mortes são relatadas pela história em nome da liberdade e

igualdade e é fundamentalmente por essa razão que não se deve permitir que o

texto constitucional, garantidor dos direitos fundamentais, venha sofrer infringências 1 “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais.”

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políticas ao bel prazer de interpretações vagas e imprecisas que possam resultar no

desrespeito a tais direitos.

2.3 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

A terminologia “direitos fundamentais” não é a única trazida pela Constituição

Federal e reconhecida pela doutrina com a finalidade de tratar dos direitos

individuais, coletivos, sociais, políticos e de nacionalidade. Termos como “liberdades

individuais”, “liberdades públicas”, “liberdades fundamentais”, “direitos humanos”.

“direitos constitucionais”, “direitos políticos subjetivos”, “direitos naturais”, dentre

outros, também são reiteradamente utilizados a designar tais direitos.

No entender do ilustre Professor José Joaquim Gomes Canotilho (1997), as

expressões “direitos do homem” e “direitos fundamentais” são frequentemente

utilizadas como sinônimas, porém, segundo a sua origem e significado, poderiam ser

distinguidas da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos

os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); e direitos

fundamentais, que são os direitos do homem jurídico-institucionalizadamente

garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem adviriam da

própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os

direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes em uma ordem

jurídica concreta.

Para Alexandre de Moraes (1998), os direitos fundamentais são definidos como

“o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano, que tem por

finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o

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arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e de

desenvolvimento da personalidade humana”.

Na lição de Perez Luño (1979), os direitos fundamentais são assim rotulados:

um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em níveis nacional e internacional.

Podemos concluir, portanto, que os direitos fundamentais tratam-se de direitos

inerentes ao homem e reconhecidos pelo ordenamento jurídico, tais como a vida, a

liberdade, a igualdade, a dignidade, a segurança, a propriedade, a intimidade e a

integridade física e moral, cuja previsão constitucional visa estabelecer condições

mínimas de vida e de desenvolvimento do homem, protegendo todos os indivíduos

contra os excessos do poder estatal, de modo a garantir o bem estar social através

da solidariedade e fraternidade.

2.4 O DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA

A Constituição Federal de 1988 reconhece a intimidade e a vida privada como

direitos fundamentais, normatizando, em seu artigo 5º, inciso X, de forma expressa,

a inviolabilidade de tais direitos e assegurando, inclusive, o direito à indenização

pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Ao comentar o assunto, Celso Ribeiro Bastos (2002), esclarece que, por óbvio,

a Constituição não quis excluir outras formas de punição também compatíveis com a

lesão a estes direitos, haja vista, inclusive, a existência dos crimes contra a honra. O

que ela quis deixar certo é que além da responsabilização administrativa, quando for

o caso, cabe também uma responsabilização de natureza civil. Aqui cabe, aliás,

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fazer um parêntese para ressaltar a previsão no Código Penal dos crimes contra a

violação de domicílio, tipificado no artigo 150; contra a violação de correspondência,

comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica, tipificado nos artigos 151 e 152;

e contra a divulgação do segredo, definido nos artigos 153 e 154 daquele diploma

legal.

O inciso X do artigo 5º da Constituição Federal oferece, portanto, guarida ao

direito à reserva da intimidade assim como da vida privada, os quais, nas palavras

de Celso Ribeiro Bastos (2002), consistem na faculdade que tem cada indivíduo de

obstar a intromissão de estranhos na sua vida particular e familiar, assim como

impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também

impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação

existencial do ser humano.

Na lição de Luiz Flávio Gomes (1997), a intimidade é um dos direitos mais

sagrados do homem na sociedade moderna. Citando obra de Pilar Gómez Pavón, o

Autor destaca que a intimidade é entendida nos dias atuais “como aquele âmbito de

liberdade necessário para o pleno desenvolvimento da personalidade, que deve ficar

preservado de ingerências ilegítimas e que constitui o pressuposto necessário para

o exercício de outros direitos e para a participação do indivíduo na sociedade”

(GÓMEZ PAVÓN apud GOMES, 1997).

Manuel Gonçalves Ferreira Filho, citado por Alexandre de Moraes (2001),

ensina que os direitos à intimidade e à vida privada são parte da proteção

constitucional, conforme segue:

[...] intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto a vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc. (FERREIRA FILHO apud MORAES, 2001)

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Corolário, os bens jurídicos protegidos no artigo 5º da Constituição Federal não

se tratam de elementos isolados, mas integralmente conectados com o princípio da

dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Carta Maior e que

foi assim definida por Ingo Wolfgang Sarlet (2006):

[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar a promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Por se tratar de previsão inserida no Título dos Direitos e Garantias

Fundamentais, depreende-se que os bens jurídicos ali destacados são cruciais,

portanto, para o desenvolvimento do Estado Democrático.

3 A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA

3.1. DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS

Conforme ensina Luiz Francisco Torquato Avolio (2003), o emprego dos meios

eletrônicos para conhecer e documentar o conteúdo de conversações telefônicas (ou

entre pessoas presentes) é, atualmente, bastante comum e difundido e, devido aos

progressos tecnológicos, são acessíveis a qualquer do povo.

Embora o avanço da tecnologia não conheça fronteiras, as legislações de todo

o mundo civilizado, em especial a brasileira que é efetivamente o objeto de estudo

deste trabalho, assentam limites para essa atividade em prol da privacidade de cada

indivíduo e da consagrada inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas.

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Quando se trata especificamente da quebra do sigilo telefônico como meio de

prova processual é que se verifica o confronto de valores de fundo, de um lado a

necessidade do Estado de meios eficazes à luta contra a criminalidade e, de outro

lado, às liberdades públicas.

Em se tratando do sigilo das comunicações telefônicas, embora o cidadão

tenha o direito de manter em reserva fatos de sua vida pessoal, zelando para não

deixar que sua vida privada seja devassada, referida garantia não é absoluta,

comportando exceções legítimas dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

Nos termos do artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, o constituinte

estabeleceu, expressamente, ser inviolável o sigilo das comunicações telefônicas,

excepcionando-se a intervenção, em último caso e por ordem judicial, nas hipóteses

e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal e instrução

processual penal2.

Ao interpretar-se o citado dispositivo constitucional, depreende-se que a própria

Constituição Federal trouxe os requisitos que devem ser cumpridos,

obrigatoriamente, para o afastamento excepcional da garantia de inviolabilidade do

sigilo telefônico, quais sejam: a) por ordem judicial; b) nas hipóteses e formas

estabelecidas em lei; e c) para fins de investigação criminal ou instrução processual

penal.

Nas palavras de Ada Pellegrini Grinover (1973), as garantias individuais

previstas na Constituição Federal “têm sempre feitio e finalidades éticas, não

podendo proteger abusos nem acobertar violações”. Por tais razões, prossegue a

autora, “as liberdades públicas não podem ser entendidas em sentido absoluto, em

face da natural restrição resultante do princípio da convivência das liberdades, pelo

2 Expressa o art. 5º, inciso XII, da CF: “É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

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que nenhuma delas pode ser exercida de modo danoso à ordem pública e às

liberdades alheias”.

Para José Carlos Barbosa Moreira (1987), o direito ao sigilo das comunicações:

[...] é como qualquer outro, limitado e não pode se sobrepor de maneira absoluta a todos os restantes interesses dignos de tutela jurídica, por mais relevantes que se mostrem. Aqui tem igualmente lugar a valoração comparativa dos interesses em conflito e a aplicação do princípio da proporcionalidade.

Como regra, portanto, é assegurada constitucionalmente a inviolabilidade do

sigilo de comunicações e, excepcionalmente, é que se torna possível a admissão de

interceptações telefônicas.

O desrespeito a qualquer dos requisitos trazidos pelo inciso XII, do artigo 5º da

Constituição Federal resulta, pois, em ofensa direta aos direitos fundamentais da

intimidade e da vida privada (art. 5º, X, da CF).

3.2. DA LEI Nº 9.296/1996, REGULADORA DO EXCEPCIONAL AFASTAMENTO

DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e com a consequente

previsão constitucional da possibilidade de quebra do sigilo das comunicações

telefônicas nas hipóteses previstas pelo inciso XII do artigo 5º, tornou-se

imprescindível a elaboração de um estatuto jurídico específico para as

interceptações telefônicas.

Nas palavras de Ângelo Pariz (2002), “desde a Constituição de 1988 não se

reprimia inúmeros ilícitos penais por ter o constituinte remetido ao legislador

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ordinário à regulamentação das hipóteses em que a interceptação seria possível e a

forma a ser observada”.

O dispositivo constitucional, no entanto, somente foi regulado por lei ordinária

em 1996, através da elaboração da Lei nº 9.296, de 24 de julho, que, no

entendimento de Luiz Flávio Gomes (1997), respeitou, em grande parte, o conteúdo

essencial do direito fundamental ao sigilo das comunicações.

Em seu artigo 1º, referida lei permitiu a interceptação telefônica, de qualquer

natureza, para prova em investigação criminal e instrução processual penal,

devendo ser ordenada por juiz competente para a ação principal, sob segredo de

justiça.

A lei reguladora da parte final do inciso XII do artigo 5º da Carta Maior trouxe,

em seus demais dispositivos, uma série de requisitos a serem atendidos para que

seja possível proceder à ingerência aos consagrados direitos à intimidade e à vida

privada nas conversações telefônicas, os quais serão estudados em tópico

específico deste trabalho.

Merece destaque, ademais, que a Lei nº 9.296/1996, em seu artigo 10, tipifica

como crime a interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou

telemática, e até mesmo a quebra do segredo de justiça, sem autorização judicial ou

com objetivos não autorizados em lei.

A realização de interceptação telefônica sem atenção a quaisquer dos

requisitos autorizadores ditados pela norma, portanto, constitui crime, punido com

pena de reclusão de dois a quatro anos e multa.

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3.2.1 Conceitos de interceptações telefônicas e gravações clandestinas

No sentido etimológico da palavra, interceptação significa interromper no seu

curso; cortar, deter ou impedir passagem.

Na lição de Avolio (2003), juridicamente, as interceptações podem ser

entendidas, sem sentido lato, como ato ou interferência nas comunicações

telefônicas, quer para impedi-las, quer para delas apenas tomar conhecimento, em

ambos os casos, com consequências no processo penal.

Ada Pellegrini Grinover (1997) define interceptações telefônicas como a

captação da conversa por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores ou

com o conhecimento de um só deles.

Para Francesco Caprioli (1990), “il concetto di intercettazione pressupone la

terzeità dell’ agente”, ao explicar referida assertiva, Avolio (2003) afirma que, se

interceptar significa captar algo na passagem de um emitente para um destinatário,

seria ilógico que este último interceptasse e, portanto, a terceira pessoa seria

elemento fundamental no conceito de interceptações telefônicas.

Importante destacar, ainda, que a terceira pessoa deve intentar tomar

conhecimento de fatos que, de outra forma, lhe seriam desconhecidos.

Ao diferenciar as modalidades de captação telefônica, Avolio (2003) aponta

seis definições, quais sejam: a) interceptação telefônica stricto sensu; b)

interceptação telefônica conhecida por um dos interlocutores, ou escuta telefônica;

c) interceptação de conversa entre presentes, ou interceptação ambiental; d)

interceptação da conversa entre presentes conhecida por um dos interlocutores, ou

escuta ambiental; e) gravação da própria conversa telefônica, ou gravação

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clandestina; e, f) gravação de conversa pessoal e direta, entre presentes, ou

gravação clandestina ambiental.

Para o Autor, a interceptação em sentido estrito é definida como sendo a

captação da conversa telefônica por um terceiro, sem o conhecimento dos

interlocutores. Na lição de Ada Grinover (1993), é aquela que se efetiva mediante

grampeamento, interferindo, através de uma central telefônica, nas ligações da linha

do telefone que se quer controlar, a fim de ouvir e/ou gravar conversações.

A escuta telefônica é definida pelo Autor como aquela em que há o

consentimento de um dos interlocutores para a efetivação da interceptação

telefônica.

Por sua vez, a interceptação ambiental trata-se da captação da conversa entre

presentes, efetuado por terceiro, dentro do ambiente onde se situam os

interlocutores, com o desconhecimento destes. Aqui também há violação ao direito à

intimidade, contudo, para Caprioli (1990), se o emitente da conversação tem ciência

da presença e identidade de um terceiro – diverso do destinatário – não se verifica

lesão do direito ao segredo, inexistindo interceptação. Caprioli ensina que uma

comunicação é reservada quando quem a realiza pretende reservar-lhe a percepção

a uma gama pré-determinada de sujeitos, com exclusão de todo terceiro que não

seja destinatário.

No que pertine à escuta ambiental, Avolio (2003) a considera quando a

interceptação de conversa entre presentes, realizada por terceiro, se faz com o

conhecimento de um ou alguns dos interlocutores. Para o Autor, essa modalidade de

interceptação se sujeita à mesma disciplina das interceptações ambientais.

As gravações clandestinas são consideradas pelo Autor como aquelas

praticadas pelo próprio interlocutor, na qual inexiste a figura da terceira pessoa, não

21

podendo, portanto, se enquadrar no conceito de interceptação. Consiste, pois, no

registro da conversa telefônica ou da conversa entre presentes por um de seus

participantes, com o desconhecimento do outro.

Segundo ensina o Autor, a legislação brasileira não prevê normas específicas

sobre a matéria e, portanto, sugere a doutrina que se deve considerar lícita a

divulgação de gravação clandestina apenas quando se preste a comprovar a

inocência do acusado, o que não deixa de constituir manifestação do princípio da

proporcionalidade.

Ao tratar da inviolabilidade do sigilo, Tércio Sampaio Ferraz Junior (2011) assim

ensina:

O que fere a inviolabilidade do sigilo é, pois, entrar na comunicação alheia, fazendo com que o que deve ficar entre sujeitos que se comunicam privadamente passe ilegalmente ao domínio de um terceiro. Ou seja, a inviolabilidade do sigilo garante, numa sociedade democrática, o cidadão contra a intromissão clandestina ou não autorizada pelas partes na comunicação entre elas..., o objeto protegido pelo inc. XI, do art. 5º da CF, ao assegurar a inviolabilidade do sigilo, não são os dados em si, mas a sua comunicação. A troca de informações (comunicação) é que não pode ser violada por sujeito estranho à comunicação.

Sobre o tema, aliás, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no

julgamento do Recurso Extraordinário nº 402.717/PR3, por unanimidade de votos,

esposou o entendimento no sentido de que não há ilicitude alguma no uso de

gravação de conversação telefônica feita por um dos interlocutores, sem o

conhecimento do outro, com a intenção de produzir prova do intercurso, sobretudo

para a defesa própria em procedimento criminal.

Naquela decisão, o douto Ministro Cezar Peluso, cujo voto foi acompanhado

pelos demais Ministros, fundamentou seu posicionamento no sentido de que a

gravação clandestina não é ilícita, nem mesmo o seu uso como meio de prova

3 Julgado em 02/12/2008.

22

processual, uma vez que o artigo 5º, inciso XII, da Constituição da República,

protege apenas o sigilo de comunicações telefônicas, na medida em que as põe a

salvo da ciência não autorizada de terceiro. Quem revela conversa da qual foi

partícipe, como emissor ou receptador, não intercepta, apenas dispõe do que

também é seu e, portanto, não subtrai, como se fora terceiro, o sigilo à

comunicação.

No mesmo sentido, encontram-se os seguintes precedentes AP nº 307, Rel.

Min. Ilmar Galvão, julgado em 13/12/1994; AI-AgR nº 503.617, Rel. Min. Carlos

Velloso, julgado em 01/02/2005; RE-AgR nº 402.035, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado

em 09/12/2003; e HC nº 75.261, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgado em 24/06/1997.

É possível concluir, portanto, que a prova obtida através de gravação

clandestina é admissível em nosso ordenamento jurídico, visto que o que se proíbe

é a divulgação indevida.

3.2.2 Hipóteses de cabimento da interceptação

Para Lenio Luiz Streck (2001), a lei instituidora da interceptação se baseia em

três pontos fundamentais, tais quais: a) que a autorização para interceptação deve

ser concedida somente pelo juiz que for competente para apreciação da ação

principal, ou seja, pelo juiz natural; b) que a autorização somente pode ser

autorizada para constituir prova em investigação criminal ou instrução processual

penal; e c) que seja preservado o sigilo do procedimento, sob pena da própria

interceptação ser inviabilizada.

Diz o artigo 1º da Lei nº 9.296/96:

23

Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça. Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

No entender de Luiz Flávio Gomes (1997), “como medida excepcional, só se

justifica em casos delimitados e só para fins criminais, porque aqui pode se entrever

um interesse público deveras saliente, de tal modo a preponderar, em algumas

ocasiões, sobre o sigilo e a intimidade”.

Ao tratar da autorização das interceptações, Streck (2001) afirma que o artigo

2º, incisos I e II, da Lei nº 9.296/1996 institucionalizam os requisitos do fumus boni

iuris e do periculum in mora como pressupostos para a autorização das

interceptações.

Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

O Autor destaca que a necessidade da demonstração da fumaça do bom direito

e o perigo de demora está corroborada também no artigo 4º da lei, na medida em

que o dispositivo estabelece a exigência da comprovação de que a interceptação é

necessária para a apuração da infração, uma vez que a autorização para que o

Estado invada a privacidade da pessoa é remédio (amargo) que deve ser

administrado, contra o indivíduo e a favor da sociedade, de forma (muito)

excepcional.

24

Conforme estabelece o inciso III do artigo 2º da Lei nº 9.296/96, a interceptação

telefônica não será permitida nas hipóteses em que o fato investigado constituir

infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. A contrário sensu, todos

os crimes punidos com pena de reclusão poderão ser alcançados pela lei. Também

estão excluídas do alcance da lei todas as contravenções penais.

Ao comentar a redação do mencionado inciso III, Antônio Gomes Filho (1996)

registra que, ao permitir o enquadramento lato sensu de todos os delitos punidos

com reclusão, a lei viola o princípio da proporcionalidade. Em suas palavras:

[...] longe de atender à natureza excepcional da previsão contida na parte final do art. 5º, inciso XII, da CF, a nova lei conferiu-lhe amplitude suficiente para propiciar o virtual aniquilamento do direito à intimidade assegurado pela cláusula constitucional. Com isso, torna-se cada vez mais evidente a distância entre um modelo garantista de processo penal esboçado pelo constituinte e a realidade legislativa.

O autor alerta, ainda, ao fato de que ao restringir a utilização desse poderoso

recurso técnico às hipóteses que a lei estabelecer para fins de investigação criminal

ou instrução processual, “não pretendeu a Constituição, certamente, outorgar uma

carta branca para que o legislador ordinário autorizasse o seu emprego na apuração

de todos os crimes punidos com reclusão, como faz o art. 2º, III, da Lei 9.296/96”.

Na obra “As nulidades no processo penal” (1997), de autoria de Ada Pellegrini

Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, os

autores destacam que a previsão desarrazoada da lei reguladora das interceptações

telefônicas, ao estender a possibilidade de interceptação a todo e qualquer crime

apenado com reclusão, faz surgir a necessidade de cautela que deverá se portar o

juiz no momento de autorizar a operação técnica de quebra de sigilo.

Essa posição doutrinária também é sustentada por Lenio Luiz Streck (2001)

que afirma somente se justificar a invasão da esfera dos direitos fundamentais do

25

indivíduo para o combate de crimes que representam ameaça aos valores

constitucionais, erigidos como metas pelo Estado Democrático de Direito.

A inobservância de quaisquer dos requisitos trazidos pela Lei nº 9.296/96, bem

como daqueles insertos no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, maculará a

prova de ilicitude, com as consequências de inexistência, ineficácia e nulidade da

sentença que nela se basear.

4 A UTILIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE PARA AUTORI-

ZAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA EM CASOS EXTRAPENAIS

Muito embora a redação traçada pela Constituição Federal faça menção

expressa acerca da possibilidade de interceptações telefônicas apenas no âmbito do

processo ou investigação criminal, a doutrina e a jurisprudência vêm mitigando esse

dispositivo através de uma interpretação fundada no denominado princípio da

proporcionalidade, de modo que esse meio de prova também possa ser utilizado no

âmbito do processo civil.

4.1 DA MÁXIMA DA PROPORCIONALIDADE

Apesar de comumente denominada “princípio”, a proporcionalidade, na teoria

dos direitos fundamentais elaborada por Robert Alexy (2006), não é enquadrada

como um princípio propriamente dito, mas sim como um procedimento de aplicação

normativa.

Nos ensinamentos de Alexy (2006), as normas jurídicas podem ser

classificadas em princípios e regras.

26

Para o autor, os princípios “são normas que ordenam que algo seja realizado

na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”, os

princípios são, portanto, mandamentos de otimização, que podem ser caracterizados

por se satisfazerem em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua

satisfação depende das possibilidades fáticas e jurídicas.

As regras, por sua vez, são consideradas como normas que são sempre

satisfeitas ou não satisfeitas. Nas palavras de Alexy (2006), “se uma regra vale,

então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos.

Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e

juridicamente possível”.

Essa mesma divisão das normas jurídicas é feita por Dworkin (1999), que

distingue os princípios das regras ao fundamento de que estas são aplicadas de

forma “disjuntiva”4, o que significa afirmar que elas valem ou não valem, caso haja a

subsunção dos fatos ao que sua redação determina. Não é possível, por assim

dizer, aplicarem-se ao mesmo fato duas regras que assinalam em direções diversas.

Nesta situação, aplica-se uma ou outra.

Já os princípios diferenciam-se por sua estrutura lógica e argumentativa, por

não admitirem a subsunção pura e simples dos fatos ao seu enunciado, nas

palavras do autor “[...] que se sigan automaticamente cuando se satisfacen las

condiciones previstas” (DWORKIN, 1999). Diferentemente das regras, os princípios

possuem uma dimensão de peso ou importância que deve ser levada em conta

diante dos casos concretos. Nestes, é possível, portanto, que incidam dois (ou até

mais) princípios em concorrência, solucionando-se o problema com a relativização

4 Como ensina DWORKIN (1999, p. 75-78) “Las normas [regras] son aplicables a la manera de disyuntivas. Si los hechos que estipula una norma [regra] están dados, entonces o bien la norma es válida, en cuyo caso la respuesta que da debe ser aceptada, o bien no lo es, y entonces no aporta nada a la decisión. [...] Si se da un conflicto entre dos normas [regras], una de ellas no puede ser válida. La decisión respecto de cuál es válida e cuál debe ser abandonada o reformada, debe tomarse apelando a consideraciones que trascienden las normas [regras] mismas”.

27

do seu peso, ou seja, um deles pode ceder espaço ao outro dependendo de cada

caso concreto, sem que isso enseje a exclusão de qualquer deles da ordem jurídica.

Ao comentar a lição de Robert Alexy, Carlos Vinícius S. Cabeleira (2010),

sustenta que a maior medida possível suscitada pelo autor “é alcançada por meio do

confronto com as outras normas do sistema, em especial os princípios antagônicos”.

A proporcionalidade, portanto, trata-se de um procedimento para solucionar colisões

normativas e extrair a norma jurídica aplicável ao caso concreto, não pode, pois, ser

considerada um princípio, visto que não deve ser aplicada na maior medida possível

e não se sujeita à ponderação com outros princípios.

Alexy (2006) ensina que a aplicação da máxima da proporcionalidade pode ser

divida em três submáximas ou subprincípios: a adequação, a necessidade e a

proporcionalidade em sentido estrito.

A adequação se relaciona entre os fins e meios, ou seja, na constatação de

que o meio utilizado é adequado a alcançar o fim a que se destina. A necessidade,

por sua vez, pressupõe a escolha do meio que intervém em menor intensidade aos

direitos fundamentais, ou seja, aquele meio que evite o sacrifício desnecessário de

tais direitos. Já a proporcionalidade em sentido estrito, trata-se da ponderação entre

os diversos princípios afetados para que se escolha o meio que mais promova um

determinado direito fundamental ao mesmo tempo que menos restrinja o direito

contraposto.

Citando Alexy, Cabeleira (2010) destaca que a verificação da idoneidade da

medida (adequação) deve ser feita sob o enfoque negativo, no sentido de que

somente quando essa se mostrar inequivocadamente ineficaz em relação ao seu

fim, constitui-se a inadequação.

28

Quanto à necessidade, destaca o autor que, havendo dois meios de promover

o mesmo princípio, a escolha deve recair sobre aquele que seja menos gravoso, a

fim de que menos intensamente haja interferência nos demais princípios

eventualmente em concorrência. Exige-se, pois, que qualquer medida tomada não

possa ser substituída por outra igualmente eficaz e menos onerosa.

O subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, também denominada

por Alexy de “lei da ponderação” é definido por Cabeleira (2010) como sendo “a

ideia de otimização em relação às possibilidades jurídicas, estabelecendo-se que

quanto maior o grau de não satisfação ou de detrimento de um princípio, maior a

importância de se satisfazer o princípio concorrente”.

Dessa forma, Alexy (2006) afirma que a proporcionalidade em sentido estrito,

relaciona-se diretamente com a tese de que a otimização relativa de princípios

concorrentes consiste no balanceamento, ou ponderação, desses princípios.

A máxima da proporcionalidade se fundamenta, pois, na necessidade de

compatibilização de princípios que levariam a soluções diversas, quando ambos

venham a incidir sobre uma mesma situação concreta.

Para Cambi (2001), ao interpretar a Constituição sistematicamente, é

imprescindível que o juiz se valha do princípio da proporcionalidade, procedendo o

balanceamento dos interesses e dos valores constitucionais em conflito, a fim de

decidir qual dos direitos deve prevalecer e em que medida o outro deve ser

afastado.

Discorrendo sobre o princípio da proporcionalidade, Daniel Sarmento (2003),

citando a afirmação de Willis Santiago Guerra Filho, assim esclarece:

[...] é ele que permite fazer o “sopesamento” (Abwägung, balancing) dos princípios e direitos fundamentais, bem como dos interesses e bens jurídicos em que se expressam, quando se encontrem em estado de

29

contradição, solucionando-a de forma que maximize o respeito de todos os envolvidos no conflito (GUERRA FILHO apud SARMENTO, 2003).

Segundo Maria Cecília Pontes Carnaúba (2000), o princípio da

proporcionalidade, na Constituição de 1988, pode ser abstraído da disposição

constante do §2º do artigo 5º, cuja redação dispõe que os direitos e garantias

expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos

princípios por ela adotados. Para a autora, esse dispositivo visa, justamente, evitar

que hajam injustiças decorrentes da aplicação intransigente de qualquer norma

prevista no artigo em que se insere.

A proporcionalidade também vem sendo correntemente aplicada pela

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. No julgamento do Habeas Corpus n°

82.424-2/RS, a Suprema Corte acolheu a perspectiva teórica de Alexy, a qual

constou expressamente do voto-vista do Ministro Gilmar Mendes, vejamos:

A máxima da proporcionalidade, na expressão de Robert Alexy (Theorie der Grundrechte, Frankfurt am Main, 1986), coincide igualmente com o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais concebido de modo relativo — tal como o defende o próprio Alexy. Nesse sentido, o princípio ou máxima da proporcionalidade determina o limite último da possibilidade de restrição legítima de determinado direito fundamental. A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do princípio da proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflitos entre princípios, isto é, um conflito entre normas que, ao contrário do conflito entre regras, é resolvido não pela revogação ou redução teleológica de uma das normas conflitantes nem pela explicitação de distinto campo de aplicação entre as normas, mas antes e tão somente pela ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões em sentidos opostos. Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da proporcionalidade para estabelecer ponderações entre distintos bens constitucionais.

Pode-se concluir, portanto, que a proporcionalidade visa operacionalizar uma

interpretação sistêmica da Constituição, de modo a equilibrar os valores e interesses

em conflitos diante de cada caso concreto, uma vez que os princípios ali contidos

30

não podem ser entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição

resultante do princípio de sua convivência.

4.2 DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS NO ÂMIBITO DO PROCESSO CIVIL

ATRAVÉS DA TÉCNICA DA PONDERAÇÃO DE INTERESSES

Na concepção de Fernanda Soares Pinheiro (2006), as interceptações

telefônicas, analisadas sob o enfoque da teoria da proporcionalidade, podem ter

espaço no âmbito do processo civil, desde que, analisados a cada caso os

interesses em conflito, dos males que são apresentados se possa escolher o menor,

“seja a aceitabilidade das gravações clandestinas e interceptações telefônicas, seja

a sua não receptividade, quando o direito contraposto não se configurar superior ao

direito à intimidade, constitucionalmente garantido”.

Afirma a autora que, ainda que exista o dever das partes no processo de se

respeitar o princípio da proibição da prova ilícita, sob pena de que a prova que se

tenha produzido não seja recepcionada nos autos, referido “princípio, como todos os

outros princípios e direitos assegurados constitucionalmente, não pode ser

interpretado de maneira absoluta, exatamente porque tem que conviver com outros

princípios e direitos, também importantes”. Em suas palavras:

Mister se faz que os aplicadores do direito reconheçam a normatividade dos princípios, e que os utilizem com mais afinco, no entanto, reconhecendo que em algumas situações estes possam ser mitigados, utilizando-se de um outro princípio ordenador do sistema, qual seja, o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, em que na situação concreta, colocados em litígio determinados bens jurídicos, existindo uma interceptação telefônica não autorizada, ou uma gravação clandestina, que seja a única prova que prove a inocência do sujeito (em processo penal), ou que ateste estar ocorrendo violência por parte de um pai em relação a seu filho (em processo civil, questão de guarda de filhos), possa então, ser admitida a não-aplicação do princípio da prova ilícita, para o caso específico, recepcionando-se a prova que tenha sido obtida com violação à

31

intimidade, porque em conflito estão a liberdade do sujeito ou a dignidade e integridade física de uma criança.

Para a autora, tratando-se de interesse que se sobressaia ao do sigilo das

comunicações telefônicas, seria possível a decretação de interceptação telefônica

no âmbito do processo civil.

Para exemplificar seu posicionamento, a autora traz a hipótese de uma mulher

que, ao interceptar e gravar várias conversas telefônicas do ex-marido com um

terceiro, descobre que seu ex-marido maltrata fisicamente seu filho, que está sob a

guarda do pai, e, de posse de tal prova, utiliza-a em processo civil para pleitear a

guarda do menor. Nessa situação, assevera a autora que deverão ser sopesados os

valores em jogo, de um lado o direito à intimidade do pai; de outro, a integridade

física do filho que está sendo violada.

A adoção da teoria da proporcionalidade para a admissão da interceptação

telefônica no processo civil, bem como das demais provas consideradas ilícitas, nas

palavras de Fernanda Soares Pinheiro (2006), “não caracteriza uma aprovação à

violação ao direito à privacidade, mas apenas o seu afastamento, no caso concreto,

em função de um direito axiologicamente mais relevante, também protegido

constitucionalmente”.

Para que seja admitida a violação ao direito à intimidade, conclui a autora, o

bem que está em confronto deve ser superior, de uma relevância tal que justifique o

afastamento do direito ao sigilo, bem como que a teoria da proporcionalidade seja

devidamente aplicada, por meio a exigência da presença dos requisitos da

adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (proibição do

excesso).

32

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Nivia Aparecida Azenha (2003), ao

tratar da utilização de provas ilícitas no processo civil através da aplicação do

princípio da proporcionalidade, afirma que:

É certo que não se poderia pensar em sua aplicação imoderada e irrestrita, a ponto de colocar em risco a lisura das provas ou acabar se permitindo de um modo indireto a admissão das provas ilícitas, entre os meios de prova. Mas sob outro ponto de vista, em ocasiões especiais, o princípio da proporcionalidade seria um modo de se obter e salvaguardar o equilíbrio entre os direitos fundamentais conflitantes.

No mesmo sentido, Luciana Vieira Silva (2006) sustenta que a prova ilícita, que

em regra é proibida no juízo cível, poderá nele ser admitida a partir da aplicação do

princípio da proporcionalidade se o bem jurídico a ser protegido superar, por

exemplo, o direito à privacidade, justificando o sacrifício desta. Destaca, a autora,

que:

A materialização dos valores e direitos que se mostram mais importantes, em casos específicos, pode-se dar através da aceitabilidade processual de provas colhidas por meios ilícitos. Tais provas seriam consideradas ilícitas, caso fosse utilizada uma avaliação meramente formal da ilicitude. Mas, aplicando-se o princípio da proporcionalidade, essas provas podem ser aceitas no processo, em determinado caso concreto.

Na lição do professor Cristiano Chaves de Farias (2005), tanto no processo

penal, quanto no processo civil é perfeitamente possível que o bem jurídico tutelado

suplante o bem jurídico privacidade. Exemplificando sua compreensão sobre o tema,

o professor traz algumas situações em que a prova ilícita possa ser utilizada no

processo:

Assim, em casos excepcionais – como nas hipóteses de destituição de poder familiar, de investigação de paternidade ou de ações coletivas – há de ser admitida a prova ilícita, pois o bem jurídico a ser protegido é mais relevante do que o bem jurídico que se admite sacrificar, justificando a sua utilização.

33

O tema também é objeto de estudo de Daniel Sarmento (2003) que, em sua

obra “A ponderação de interesses na Constituição Federal”, assim sustenta seu

posicionamento:

Na nossa opinião, no processo penal, onde os bens jurídicos em jogo são, de um lado, a liberdade corporal do réu, e do outro, a segurança da sociedade, entendemos que não se deve admitir, em hipótese alguma, a prova ilícita em prol da acusação. Os valores constitucionais que regem o direito penal e processual penal são de evidente teor garantista e não parece compatível com a filosofia que se entrevê na obra do constituinte a flexibilização de normas cogentes, que cingem a atividade persecutória do Estado ao estrito respeito dos direitos fundamentais do acusado. Em outros ramos do processo, porém, onde os valores em conflito são de ordem distinta, a ponderação de interesses ora discutida parece-nos admissível. Suponha-se, a título de ilustração, o caso da ação de destituição do pátrio poder, no qual existam provas ilícitas (e.g. gravações clandestinas) evidenciando a prática de abuso sexual dos genitores contra o menor. Nesta hipótese, entendemos que o direito à dignidade e ao respeito do ser humano em formação, assegurado, com absoluta prioridade, pelo texto constitucional (art. 227 CF), assume peso superior que o do direito de privacidade dos pais da criança, justificando a admissibilidade do uso da prova ilícita.

Aqui se faz necessário destacar que, muito embora o autor tenha se utilizado

do termo "gravações clandestinas" para exemplificar seu posicionamento, estava se

referido à efetiva “interceptação telefônica”, visto que trata de hipótese em que um

terceiro realiza a gravação, bem como que, como já mencionado em tópico anterior

deste trabalho, a gravação clandestina não é proibida como meio de prova no

processo, seja no âmbito civil ou penal.

Para parte da doutrina que entende ser possível a utilização de interceptações

telefônicas como meio de prova na seara extrapenal, portanto, o fundamento está

voltado diretamente ao princípio da proporcionalidade, cujos argumentos se elevam

no sentido de que a vedação de provas ilicitamente obtidas no processo civil não se

trata de uma proibição absoluta, devendo ser analisada a cada caso com base na

ponderação dos interesses em conflito.

34

4.2.1. Da posição jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça

A questão que se coloca como objeto de análise no presente trabalho toma

contornos mais polêmicos e controvertidos a partir da recente decisão proferida pelo

Superior Tribunal de Justiça no julgamento do habeas corpus nº 203.405-MS,

julgado em 28 de junho de 2011, onde uma operadora de telefonia se recusou a

apresentar dados à justiça sob o argumento de que a quebra de sigilo telefônico, de

acordo com a Constituição Federal e a Lei nº 9.296/1996, é vedada na esfera

extrapenal.

A controvérsia foi levantada em razão de ordem prolatada por um Juízo cível,

em processo em trâmite perante uma vara de família, no qual haviam indícios da

prática do crime de subtração de incapaz5, em que o Magistrado, ao argumento de

que não seria possível a adoção de qualquer outra medida, uma vez que várias

cartas precatórias foram expedidas para a busca a apreensão da criança e

retornaram sem êxito, determinou que fosse realizada a interceptação das

conversas telefônicas do pai da criança, expedindo ofício à companhia de telefonia

para que tomasse as medidas necessárias para a quebra de sigilo telefônico.

Entendendo ser inviável o cumprimento da decisão proferida pelo Juízo cível e

objetivando garantir que não lhes sobreviesse qualquer consequência de natureza

penal, os representantes da empresa de telefonia impetraram habeas corpus

perante o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. Ao julgar o mérito

do remédio constitucional, o egrégio Tribunal não concedeu a ordem de habeas

corpus aos pacientes, sob os fundamentos que podem ser extraídos da seguinte

ementa:

5 O crime de subtração de incapazes é tipificado pelo artigo 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente

35

HABEAS CORPUS PREVENTIVO - INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - VARA DE FAMÍLIA - TENTATIVA DE LOCALIZAÇÃO DE GENITOR QUE RAPTOU O PRÓPRIO FILHO - RECUSA NO CUMPRIMENTO DE ORDEM EMANADA DE VARA CÍVEL - ALEGAÇÃO DE QUE A MEDIDA É VEDADA NA SEARA EXTRAPENAL - AFASTADA - SITUAÇÃO EXCEPCIONAL - COMETIMENTO DE DELITO A SER AVERIGUADO - FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E VINCULADA - PRAZO PARA AS ESCUTAS READEQUADAO AO DISPOSTO NA LEI 9.296/96 - ORDEM DENEGADA -LIMINAR CASSADA. Conforme cediço e expresso na Lei n. 9.296/96, a realização da interceptação telefônica é vedada na seara extrapenal. Entretanto, tal princípio não é absoluto. No âmbito cível e em situação extremamente excepcional, é admitido este artifício quando nenhuma outra diligência puder ser adotada, mormente quando há possibilidade de se averiguar o possível cometimento do delito disposto no art. 237, do ECA. Se, de um lado prevalece o direito à intimidade daqueles que terão seus sigilos quebrados, de outro há a necessidade de se resguardar, com extrema urgência, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária do menor. No confronto dos direitos individuais subordinados ao princípio maior (dignidade da pessoa humana), as consequências do cumprimento do ato em questão são infinitamente menores do que as que ocorreriam caso o Estado permanecesse inerte.

Inconformados com o decisum, os pacientes impetraram nova ordem de

habeas corpus para o Superior Tribunal de Justiça, alegando que não foram

observados os requisitos que autorizariam a medida extrema de interceptação

telefônica previstos na Lei nº 9.296/1996, uma vez que se trata de medida cabível

apenas em sede de investigação criminal ou instrução processual penal.

O pedido tramitou sob relatoria do Ministro Sidnei Beneti, pela Terceira Turma

do Tribunal Superior, cujos integrantes, por unanimidade de votos, decidiram por

manter o mesmo entendimento adotado pelas decisões singulares no sentido de ser

admissível a interceptação telefônica por vislumbrar que o caso levado à discussão

retrata hipótese excepcional, em que se cogita até mesmo a possibilidade de

desaparecimento do menor. O acórdão restou assim ementado:

HABEAS CORPUS. QUEBRA DO SIGILO TELEFÔNICO. PROCESSO CIVIL. INDÍCIOS DE COMETIMENTO DE CRIME. SUBTRAÇÃO DE CRIANÇA. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL POR FUNCIO-NÁRIO DE COMPANHIA TELEFÔNICA, APOIADO EM ALEGAÇÕES REFERENTES AO DIREITO DA PARTE NO PROCESSO. INEXISTÊNCIA

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DE FUNDADO RECEIO DE RESTRIÇÃO IMINENTE AO DIREITO DE IR E VIR. NÃO CONHECIMENTO. 1.- A possibilidade de quebra do sigilo das comunicações telefônicas fica, em tese, restrita às hipóteses de investigação criminal ou instrução processual penal. No entanto, o ato impugnado, embora praticado em processo cível, retrata hipótese excepcional, em que se apuram evidências de subtração de menor, crime tipificado no art. 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente. 2.- Não toca ao paciente, embora inspirado por razões nobres, discutir a ordem judicial alegando direito fundamental que não é seu, mas da parte processual. Possibilitar que o destinatário da ordem judicial exponha razões para não cumpri-la é inviabilizar a própria atividade jurisdicional, com prejuízo para o Estado Democrático de Direito. 3.- Do contexto destes autos não se pode inferir a iminência da prisão do paciente. Nem mesmo há informação sobre o início do processo ou sobre ordem de prisão cautelar. Ausentes razões que fundamentariam o justo receio de restrição iminente à liberdade de ir e vir, não é cabível o pedido de habeas corpus. 4.- Habeas corpus não conhecido.

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, portanto, a

interceptação telefônica pode ser admitida, em casos excepcionais, afora da seara

penal.

A decisão gerou inúmeras discussões sobre o tema, despertando, na doutrina

especializada na área penal, a irresignação com o posicionamento adotado pela

Corte Superior, na medida em que a excepcionalidade citada no acórdão não guarda

qualquer respaldo com o ordenamento jurídico brasileiro.

4.3. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA QUEBRA DO SIGILO TELEFÔNICO NO

ÂMBITO DO PROCESSO CIVIL

Ao comentar o julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no

habeas corpus antes mencionado, o Mestre João Daniel Rassi (2011) ensina que “a

regra constitucional é a proteção da intimidade (inc.X, art. 5º), que, no caso das

comunicações, se consubstancia na inviolabilidade do seu sigilo. A exceção é a

quebra do sigilo, sendo, por este motivo, limitada pelo constituinte”.

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Citando trecho produzido por Leonei Maruí M. de Almeida, afirma, o autor, que:

[...] o sigilo das comunicações telefônicas apenas pode ser violado para fins de investigação ou processo penal, e de acordo com o procedimento previsto em lei, “sob pena de a prova ser eivada de vício irreparável, em face da inobservância do princípio do devido processo legal” (ALMEIDA apud RASSI, 2011). Dada a excepcionalidade da medida, a Lei 9.296 enumera entre os casos nos quais não cabe interceptação telefônica aqueles em que a prova puder ser feita por outros meios disponíveis. Estas limitações – prova de natureza penal e procedimento previsto em lei – têm seu sentido jurídico.

Isso porque, em se tratando de direitos fundamentais, toda e qualquer limitação

deve ser entendida de forma restrita. Depreende-se, pois, que a previsão

constitucional que excepciona a intervenção ao direito ao sigilo telefônico, constitui

importante garantia do investigado ou acusado, na medida em que torna ilícita toda

a prova constituída em interceptação efetuada para finalidade diversa daquela

prevista em lei.

Fazendo algumas considerações sobre o resultado do julgamento, Camila

Gervasoni Pellin (2012), em artigo publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de

Ciências Criminais – IBCCRIM, destaca que:

[...] está claro que o art. 5o, XII, da CF, ao assegurar o sigilo das comunicações como um direito fundamental do indivíduo em face do Estado, retirou de seu âmbito de proteção apenas as interceptações telefônicas realizadas para fins de instrução penal, seja na fase de investigação ou de Processo Judicial. Apenas com essa finalidade, portanto, é permitida a intervenção no âmbito de proteção deste direito fundamental.

Afirma, a autora, não ser possível a realização de interceptação telefônica em

processos de natureza cível, uma vez que não há permissão, nessa hipótese, para

intervir no âmbito de proteção de tal direito. Em suas palavras, “ao assegurar o sigilo

das comunicações, a Constituição Federal já estabeleceu em que situação seria

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possível restringi-lo, não cabendo ao intérprete fazer uma análise contrária ou mais

abrangente do texto constitucional”.

Essa também é a posição adotada por Vicente Greco Filho (2005) que pode ser

extraída do seguinte fragmento: “no caso, os parâmetros constitucionais são

limitativos. A finalidade da interceptação, investigação criminal e instrução

processual penal é, também, a finalidade da prova, e somente nessa sede pode ser

utilizada”.

Luiz Flávio Gomes (2011), ao tecer comentários sobre a nova ótica adotada

pelo Superior Tribunal de Justiça, afirma, sem deixar margem a qualquer dúvida,

que a “autorização de uma interceptação telefônica para fins civis, ainda mais

quando decretada por juízo cível, viola flagrantemente a CF (art. 5º, inc. XII), assim

como a lei das interceptações (Lei 9.296/96, art. 1º). Está fora da lei e da CF.”

Para o douto professor, a atitude tomada pela Corte Superior “é ato que faz

parte do chamado "Estado subterrâneo" (que fica abaixo no nível da legalidade)”.

Em sua insurgência o autor assim consolida seus ensinamentos:

[...] a garantia da finalidade das interceptações telefônicas (somente são possíveis no campo penal - investigação ou ação penal) é absoluta. O legislador constituinte estabeleceu aí uma regra de proporcionalidade e fez um corte na sua admissibilidade (finalidade). A interceptação telefônica envolve direitos fundamentais muito relevantes (intimidade, privacidade etc.). Logo, só pode ser admitida em casos excepcionalíssimos, dentro da esfera penal (para fins penais). Feita a demarcação constitucional, não pode o juiz reescrever a CF, exercendo poderes superiores aos dos constituintes. Que a interceptação telefônica não é absoluta todos sabemos, visto que a própria CF disse isso. No que diz respeito à sua finalidade (criminal), no entanto, não existe ressalva constitucional. Os juízes (em matéria de garantias) não podem inserir ressalvas constitucionais onde elas não existem, sob pena de conferirmos (a eles) mais poderes que os inerentes ao legislador constituinte (originário).

Depreende-se daí que, embora não se discorde da necessidade da aplicação

da máxima da proporcionalidade para a solução de conflitos entre direitos

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fundamentais, em se tratando da finalidade da interceptação telefônica (para fins

penais), nenhuma ponderação pode ser admitida.

Isso porque, como bem leciona Luiz Flávio Gomes (2011), o próprio constituinte

já estabeleceu uma regra de proporcionalidade na medida em que autorizou,

excepcionalmente, a intervenção no sigilo das comunicações telefônicas, por ordem

judicial, nas hipóteses e na forma em que a lei estabelecer para fins de investigação

criminal ou instrução processual penal.

Conforme ensina Lenio Streck (2001), a proporcionalidade já foi estabelecida,

mal ou bem, na lei regulamentadora. Em suas palavras:

As hipóteses – embora excessivas – são numerus clausus. Valendo-se a tese de que, em nome do princípio da proporcionalidade, seja possível utilizar provas colhidas à revelia da nova Lei, a própria lei não teria mais validade, porque a avaliação da prova colhida mediante “escuta” ficaria ai alvedrio do juiz.

A ponderação das garantias constitucionais é necessária e, justamente por

essa razão, é que a garantia do sigilo das comunicações telefônicas aceita margem

de flexibilidade. No entanto, no que diz respeito à finalidade das interceptações,

nenhuma ponderação pode ser feita, pois a disposição constante da parte final do

inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal estabelece verdadeira regra limitadora

da ingerência ao sigilo telefônico.

Não se duvida de que a interceptação telefônica poderia ser plenamente

justificada naquele caso em específico levado a julgamento perante o Superior

Tribunal de Justiça, visto que a situação envolvia a integridade física e moral de uma

criança, que merece proteção com absoluta prioridade, nos termos da própria

Constituição Federal.

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Contudo, diante da existência de fundada suspeita do cometimento de um

crime praticado pelo pai do menor (artigo 237 do ECA), um procedimento criminal

deveria ser imediatamente instaurado, no qual a decretação da medida cautelar de

interceptação seria realizada por um Juízo criminal, atendendo, de tal modo, todas

as formalidades legais e constitucionais, sem que a medida pudesse gerar qualquer

colisão com o ordenamento jurídico vigente.

É bem verdade que a supressão da lei, em alguns casos, agrada à opinião

pública. Mas é, também, verdade que, com base no agrado à opinião pública por

mais disciplina, mais ordem, e menos legalidade, se construíram muitos regimes

totalitários. Por mais que vozes, hoje, se levantem contra esta ou aquela decisão, e

por mais que apelem para alguma exceção às regras para satisfazer qualquer

desejo tortuoso de justiça, devemos reconhecer que não há outra maneira senão

assegurar a legalidade para evitar que o direito à liberdade seja retirado da

sociedade por um sistema de autoritarismo e abusividade (IBCCRIM, 2011).

Ao admitir, com fulcro na proporcionalidade, o uso de interceptações telefônicas

no âmbito do processo civil, em absoluta contrariedade com o que dispõe a

Constituição Federal e a Lei nº 9.296/96, o Estado estará utilizando as mesmas que

pretende combater: a ilegalidade, o abuso, o arbítrio. A consolidação de um sistema

democrático impõe ao poder público o respeito às normas que ele mesmo produz.

Ademais, cumpre salientar que, em se tratando puramente de uma regra

inserta na Constituição Federal, como é o caso da disposição contida no inciso XII

do artigo 5º, conforme já se mencionou em capítulo anterior em que se procedeu a

diferenciação entre regras e princípios, tem-se que o conflito existente entre regras

ocorre no âmbito da validade e não no campo da ponderação.

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Como bem destaca Alexy (2006), se uma regra vale, então, deve-se fazer

exatamente aquilo que ela exige, nem mais, nem menos.

No mesmo sentido, Dworkin (1999), traz que as regras são aplicáveis de forma

disjuntiva, à maneira do tudo-ou-nada, presentes os pressupostos de fato previstos,

então ou a regra é válida, e a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é

válida, e neste caso em nada contribui para a decisão.

Diante de tais ponderações, tem-se que a disciplina contida no inciso XII do

artigo 5º da Constituição Federal não pode ser ponderada através da máxima da

proporcionalidade, tendo em vista se tratar de uma regra constante do ordenamento

jurídico que, uma vez considerada válida, aplica-se a todos os casos em que a

situação fática se subsumir às suas disposições.

Sob qualquer ponto de vista, portanto, o uso da interceptação telefônica no

processo civil está em absoluta dissonância com o ordenamento jurídico brasileiro,

configurando flagrante violação à Constituição Federal e à Lei nº 9.296/1996.

O atual posicionamento sustentado pela doutrina no sentido de possibilitar

intromissão ao sigilo das comunicações telefônicas afora do âmbito penal deve, pois,

ser categoricamente repudiado, a fim de que seja mantida uma ordem de valores,

pois não se pode perder de vista que “os regimes de exceção se constroem pela

aceitação de brechas legais, pela concordância inicial com pequenas exceções à

legalidade, que vão se tornando regras pelo pensamento de que algum fim – por

mais nobre que seja – justifica a supressão de direitos fundamentais” (IBCCRIM,

2011).

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5 CONCLUSÃO

Diante de toda a exposição colacionada neste trabalho, é possível concluir que

os direitos fundamentais insertos na Constituição Federal de 1988, reconhecidos no

cenário mundial mediante grandes revoluções em nome da liberdade e igualdade,

não podem sofrer infringências políticas fundadas em interpretações vagas e

imprecisas.

A regra constante do artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal é bastante

clara ao excepcionar o sigilo da comunicação telefônica apenas para fins de

investigação criminal ou instrução processual penal. Da mesma forma, também o faz

a disposição contida no artigo 1º da Lei nº 9.296/96, não havendo, portanto, que se

cogitar do seu uso no processo civil.

Os direitos individuais do cidadão de não ter sua vida privada exposta, não

podem ser violados a qualquer custo. A violação a um direito constitucional é

sempre um prejuízo à ordem legal que estrutura democraticamente a liberdade de

cada cidadão.

Embora a constituição relativize expressamente a intervenção no direito ao

sigilo das comunicações telefônicas, referida condicionalidade é prevista como uma

exceção, ganhando aplicabilidade somente quando preenchidos os requisitos legais

e constitucionais para a sua concessão, bem como que seja apresentada como

medida necessária à justificar a violação do direito à intimidade.

O próprio texto constitucional, portanto, se incumbiu de indicar a imperiosidade

da ponderação entre o direito à intimidade e o direito à prova processual, razão pela

qual qualquer decisão ou posicionamento que dê margem à uma aplicação

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extensiva da norma configura um atentado à Constituição e à segurança dos

cidadãos.

Demais disso, em se tratando especificamente do regramento inserto no inciso

XII do artigo 5º da Constituição, depreende-se que a disposição ali contida não

demanda possibilidade de ponderação com princípios constitucionais, uma vez que

se trata de verdadeira regra, cuja discussão se trava apenas no campo de sua

validade, jamais na proporcionalidade da medida por ela ditada.

Embora se reconheça que a perspectiva trazida pela doutrina e jurisprudência

quanto à possibilidade de interceptação telefônica no âmbito extrapenal contemple

razões nobres, visto que buscam proteger direitos de altíssima relevância no

ordenamento jurídico brasileiro, tais como a vida e a integridade física de menores,

não se pode permitir que, sob o pretexto do princípio da proporcionalidade, se

promova a ruptura de todo o ordenamento jurídico.

Para que se proceda o enfrentamento de práticas delitivas em um estado

democrático de direitos, necessário se faz que seja observado o mais estrito

compromisso com o texto legal, possibilitando, desta forma, a certeza de que

assegurar a legalidade é a única forma de evitar um sistema arbitrário de poder.

Adotando como minhas as razões defendidas no editorial do IBCCRIM nº 228

de novembro de 2011, temos que “as conquistas do Estado de Direito, alcançadas

com tanto custo, não podem ser afastadas diante de contingências políticas ou do

clamor social. O respeito aos princípios fundamentais deve ser resguardado com

toda a firmeza, mesmo que diante dos mais intensos brados pela punição a qualquer

custo”.

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