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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Adriano Carlesso RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL EM DIREITO DO TRABALHO CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Adriano Carlesso

RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL EM DIREITO DO

TRABALHO

CURITIBA

2011

RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL EM DIREITO DO

TRABALHO

CURITIBA

2011

Adriano Carlesso

RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL EM DIREITO DO

TRABALHO

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Jefferson Grey Sant‟Anna.

CURITIBA

2011

TERMO DE APROVAÇÃO

Adriano Carlesso

RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL EM DIREITO DO

TRABALHO

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel em Direito do Curso de

Direito das Faculdades de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, de de 2011.

___________________________________

Professor Doutor Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografias do Curso de Direito

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: ____________________________

Prof. Jefferson Grey Sant‟Anna.

Universidade Tuiuti do Paraná

____________________________

Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná

____________________________

Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo proporcionar a verificação legal da existência da responsabilidade civil pré-contratual no Direito do Trabalho brasileiro e quais as vertentes do direito que a amparam. Pretende-se demonstrar que a partir do momento da chamada de um candidato a emprego para o início das tratativas ou testes de aptidão, inicia-se uma relação jurídica que, dependendo do caso concreto, poderá resultar na responsabilidade da empresa em função da não contratação deste candidato. Neste sentido, o presente trabalho tentará expor os fatos geradores desta reparação civil e qual a fundamentação jurídica para a existência da responsabilidade civil no momento anterior à efetivação do contrato de trabalho. Com base em doutrinadores e jurisprudências que tratam do assunto, o estudo tentará demonstrar a influência de outros institutos no Direito do Trabalho, quais são imprescindíveis para a caracterização do tema. Assim, o estudo observará e analisará problemas relacionados a questões decorrentes da fase preliminar ao contrato de trabalho, aplicando os entendimentos oriundos do Direito Civil para a verificação da situação, bem como especificará as questões subjetivas que justificam este tipo de reparação no Direito do Trabalho.

Palavras–chave: responsabilidade; pré-contratual; direito; trabalho; discriminação.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 7 1 NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL .................................. 11

1.1 BREVE HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ..................................... 11 1.2 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................... 12 1.3 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL .................................................... 13 1.3.1 Responsabilidade civil contratual e extracontratual .................................. ........ 14 1.4 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ......................................... 15 1.4.1 Conduta ......................................................................................................... .. 16 1.4.2 Nexo de causalidade ..................................................................................... .. 17 1.4.3 Dano ................................................................................................................ 19 2 RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL EM DIREITO DO TRABALHO .................................................................................................................. .................. 20

2.1 BREVE HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL ... 20 2.2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR NA FASE PRÉ-CONTRATUAL .................................................................................................. ........ 22 2.3 PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO NA CONSTRUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL .................................................. 24 2.3.1 O princípio da boa-fé ....................................................................................... 25 2.3.2 Princípio da autonomia privada ....................................................................... 28 2.4 LIMITES DA AUTONOMIA NEGOCIAL ............................................................. 30 2.5 TEORIAS QUE FUNDAMENTAM A EXISTÊNCIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL ........................................................................................ 31 2.5.1 Teoria obrigacional .......................................................................................... 31 2.5.2 Teoria contratualista ........................................................................................ 34 2.5.2.1 Conceito de contrato ...................................................................................... 34 2.5.2.2 Natureza jurídica da relação de trabalho ....................................................... 35 2.5.2.3 Natureza jurídica da responsabilidade civil pré-contratual e a pré-contratualidade na relação de emprego ........................................ ........................... 37 2.6 ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL .......................................................................................................... 43 2.6.1 Globalização e tecnologia ............................................................................... 43 2.6.2 A discriminação .............................................................................................. 45 2.6.3 Deveres laterais de conduta ........................................................................... 49 2.7 APLICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS NA RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL .......................................................................................................... 51 2.8 O INTERESSE NEGATIVO................................................................................. 54 2.8.1 A perda de uma chance .................................................................................. 55 2.9 A TUTELA DO INTERESSE POSITIVO ......................................................... 57 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 60 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 62

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo apresentar e analisar as tendências

doutrinárias e jurisprudenciais acerca da Responsabilidade Civil Pré-contratual no

Direito do Trabalho que, de certa forma, inova e acrescenta a responsabilidade do

empregador até o momento anterior ao próprio contrato de trabalho.

Neste sentido, a pesquisa apresentará o trabalho como um valor

fundamental no Estado Democrático no Brasil, impondo uma hermenêutica

condizente com tal premissa, que parte da Constituição Federal e dos princípios do

pleno emprego e do direito ao trabalho digno.

Em seguida abordar-se-á brevemente sobre noções gerais sobre a

responsabilidade civil, relatando seu histórico, seu conceito e suas espécies,

adentrando na seara dos pressupostos que a caracterizam.

Tratando especificamente da responsabilidade civil pré-contratual no direito

do trabalho, explanar-se-á sobre seu histórico, seus princípios gerais, os limites da

autonomia negocial, os direitos fundamentais reservados ao candidato a emprego

pela nossa Carta Magna e as teorias que fundamentam a existência do instituto

amparando o trabalhador nesta fase, que é o processo de contratação.

Serão abordadas situações em que a construção sistemática do instituto

“responsabilidade civil” provará a exigência do reconhecimento e da reparação do

dano sofrido pelo trabalhador, utilizando-se do direito civil e dos princípios que o

norteiam para provar sua aplicação no direito do trabalho, em especial na fase pré-

contratual.

Desta forma, demonstrar-se-á, em relação ao campo obrigacional, que a

obrigação não é estática, e sim um processo dinâmico que se desenvolve em fases

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sobre as quais incidem os princípios da solidariedade e da boa fé. Que a autonomia

negocial no contrato de trabalho deve ser analisada de forma mitigada, e tal

fenômeno se amplia na fase pré-contratual ante a natureza do contrato de trabalho

como contrato de adesão. Que os deveres laterais de conduta são oriundos da

cláusula geral da boa fé e da tutela da confiança.

Neste contexto, se verá que a culpa na responsabilidade pré-contratual é a

culpa ampla, derivando diretamente da análise da violação da boa fé e dos deveres

de conduta.

Adentrando nas situações que ensejam a responsabilidade civil no pré-

contrato de trabalho, serão estudados os paradoxos da globalização1 como

fenômeno surgido com a evolução dos meios de comunicação e da integração

econômica, social, cultural e política, e dos avanços tecnológicos, reforçando a

relevância deste tema, vez que, quanto maior a possibilidade de informação do

empresário através destes paradoxos, maior a possibilidade de existência de longos

e discriminatórios sistemas de seleção de trabalhadores, o que é difícil de provar

estatisticamente.

O estudo realizado retrata os entendimentos dos doutrinadores sobre as

formas de verificação legal para o amparo à pessoa discriminada, verificando e

mesclando a legislação civil, em sua concepção de responsabilidade, e a legislação

trabalhista, para provar a incidência do instituto mesmo antes da existência de um

contrato de trabalho.

Tentar-se-á evidenciar a diferença existente, e que deve ser sanada em

relação ao tema estudado, entre direito e justiça no direito do trabalho, e, nesta

1 “[...] processo de superação das fronteiras nacionais no desenvolvimento do comércio, ao mesmo

tempo em que possibilita, também força a integração regional[...]” (COELHO, 2006. p. 47).

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questão, vale mencionar Amauri Mascaro Nascimento, que define estas duas

palavras da seguinte forma:

É direito o que efetivamente é aplicado na vida em sociedade, e não o que é formalmente prescrito ou idealmente desejável, uma reação antinaturalista e antiformalista, portanto, de cunho marcadamente sociológico. (2010, p. 251).

Não há uniformidade na idéia de justiça. É concebida como alteridade – É a concepção do pressuposto básico de que todo homem social interage e interdepende de outros indivíduos -, como retidão de comportamento – age de tal forma que o seu comportamento possa servir de exemplo às demais pessoas – como respeito ao que é dos outros – a cada um o que é seu – e, para o juiz, acrescento, a imparcialidade. O conceito de justiça pode até

mesmo identificar-se em alguns casos com o dever de vingança ou reparação – quero que seja feita justiça. (2010, p. 256).

Outro fator relevante no tema é a evolução da tecnologia como fato

causador da responsabilidade civil pré-contratual, em função de a tecnologia facilitar

aos empregadores o acesso a informações dos seus possíveis futuros funcionários,

permitindo, muitas vezes, que o processo de contratação seja abortado

prematuramente, ou em sua fase final.

O presente trabalho analisará a natureza jurídica do tema proposto,

ressaltando, como justificativa, o poder estrutural do empregador em razão das

ferramentas possibilitadas pela tecnologia, que podem proporcionar a discriminação

do trabalhador, transferindo a casuística da responsabilidade civil para o Direito do

Trabalho, analisando a própria lei civil e suas aplicações ao caso concreto no ramo

do Direito do Trabalho, defendendo a responsabilidade civil incidente antes do

contrato de emprego, em razão de se evitar a injustiça na não reparabilidade de

dano em tal fase.

Assim sendo, o tema desenvolvido neste estudo tem significativa

importância vez que se trata de instituto pouco debatido no Direito do Trabalho,

tendo sua base no Direito Civil, que vem a tratar do amparo legal ao trabalhador na

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fase preliminar ao Contrato Individual de Trabalho, fase esta onde o trabalhador

encontra-se em grau elevado de fragilidade em relação ao empregador.

Ressalte-se que a intenção do presente estudo pauta-se em apresentar o

posicionamento dos doutrinadores e tribunais em que se considera pertinente a

responsabilidade civil pré-contratual no Direito do Trabalho, abordando-se o assunto

de forma a demonstrar qual é a razão do seu cabimento, sem qualquer intenção de

esgotar a questão, demonstrando às pessoas a sua existência.

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1 NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL

1.1 BREVE HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Antes de adentrar especificamente no estudo do tema responsabilidade civil

pré-contratual no Direito do Trabalho, faz-se importante estudar as noções gerais da

responsabilidade civil de forma geral e sucinta, pois tal estudo será a base para o

entendimento da sistematização jurídica que sustenta a existência do tema citado.

Desta forma, inicia-se este estudo com um breve relato sobre o histórico da

responsabilidade civil de forma geral.

Dallegrave Neto (2010) enfatiza que a responsabilidade civil nasceu a partir

do direito romano, sendo pautada no elemento subjetivo culpa, contra o objetivismo

do direito primitivo, com base na pena como responsabilização pelo dano.

Relata o autor que a evolução histórica ocorre desde a idéia de Vingança

Privada, onde o lesado fazia justiça, sem limites, pelas próprias mãos.

Em seguida, conforme o mesmo autor, a responsabilidade civil passou pela

idéia de Retaliação Legalizada, mencionada no Código de Hamurabi e no Código de

Manu, em que o poder público autorizava ou impedia a vingança (DALLEGRAVE

NETO, 2010).

Com o tempo, passou pela idéia de Composição Paritária e Legalizada,

onde o lesado podia exigir bens do ofensor ao invés de uma pena semelhante à

lesão, passando pela Lex Poetelia Papira, que inaugura a idéia de que é o

patrimônio do agente que deve responder pelo fato praticado, e, depois, pela Lex

Aquilia, qual originou a definição de responsabilidade extracontratual, surgindo as

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primeiras idéias de culpa, dano e nexo causal como elementos geradores da

responsabilidade civil (DALLEGRAVE NETO, 2010).

Seguindo a história, o instituto foi reconhecido no Código Civil Napoleônico,

de 1804, que determinou que aquele que desse causa a dano alheio teria o dever de

reparar, dando à responsabilidade civil um conceito de princípio geral, entrando,

finalmente, na Teoria do Risco, na Teoria Subjetiva da Culpa, até a Teoria do

Solidarismo Constitucional pela CF de 1988, objetivando tutelar o trabalhador como

ser humano (DALLEGRAVE NETO, 2010).

Com este breve histórico do reconhecimento da responsabilidade civil é

possível perceber que há tempo ela deixou de ser pautada na idéia de vingança

privada, sendo reconhecida e amparada por lei como instituto objeto de reparação

relativo a um dano causado.

1.2 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Analisado brevemente o histórico da responsabilidade civil de forma geral,

dando seqüência ao presente estudo, inicia-se a abordagem acerca do seu conceito.

Silvio Rodrigues define-o da seguinte forma “A responsabilidade civil vem

definida por SAVATIER como a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar

o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que

dele dependam.” (2003, p. 6).

Segundo Cavalieri Filho (2003), a responsabilidade civil é o dever que uma

pessoa tem de reparar o prejuízo que causou a outra em decorrência da violação de

outro dever jurídico.

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Para Alexandre Agra Belmonte, “é a relação jurídica consistente no dever

garantido por lei, obrigação ou contrato, de reparar, no campo civil, o dano moral ou

patrimonial causado por ato próprio do agente ou por pessoa, animal, coisa ou

atividade sob a sua tutela.” (2009, p. 505).

Segundo Belmonte (2009), o dever de indenizar pode e costuma decorrer da

prática de ato ilícito, bem como de hipóteses às quais não é fundado em culpa, mas

sim na verificação de circunstâncias de natureza objetiva, como o dano, sem

indagação de culpa, nos casos especificados em lei ou quando decorrente do

exercício de atividades que possam acarretar prejuízos à outra pessoa.

Conforme abordagem deste autor, não há a necessária exigência de

existência de culpa para a existência da responsabilidade civil, sendo suficiente a

comprovação do dano para a sua existência.

Pelos conceitos supracitados, percebe-se a presença das idéias descritas

nos artigos 1862 e 9273 do Código Civil, especificamente, que se referem ao instituto

da responsabilidade civil.

1.3 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Para evidenciar a noção de responsabilidade civil cabe ressaltar quais as

espécies de responsabilidade existentes segundo alguns doutrinadores.

2 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar

dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 3 Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

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Silvio Rodrigues (2003) destaca a divisão da responsabilidade civil da

seguinte maneira: responsabilidade penal e civil, responsabilidade contratual e

extracontratual e responsabilidade objetiva e subjetiva.

Em razão das características deste estudo, o que importa é a breve

abordagem da espécie contratual e extracontratual.

1.3.1 Responsabilidade civil contratual e extracontratual

Em termos de responsabilidade civil, em conformidade com os doutrinadores

destacados neste trabalho, deve-se observar com mais relevância neste estudo a

divisão deste instituto em contratual e extracontratual.

A responsabilidade civil contratual é a existente entre o inadimplente e o seu

contratante, oriunda de um vínculo jurídico derivado da convenção entre as partes,

mister se faz a existência do dano, da culpa e do nexo causal entre o

comportamento do agente e o dano ocasionado à vítima (RODRIGUES, 2003).

Para Dallegrave Neto (2010), a responsabilidade civil contratual provém da

inexecução de uma obrigação mantida previamente entre as partes (ofensor e

vítima).

Na responsabilidade civil extracontratual, por sua vez, nenhum liame jurídico

existe entre o agente causador do dano e a vítima até que o ato daquele ponha em

ação os pressupostos geradores de sua obrigação de indenizar, pressupostos estes

que serão estudados no decorrer deste trabalho (RODRIGUES, 2003).

Alexandre Agra Belmonte, sobre a diferença entre a responsabilidade civil

contratual da extracontratual, destaca que:

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Ao contrário da responsabilidade extracontratual, derivada do dever de indenizar (decorrente da lei, sem relação pré-existente entre as partes), na responsabilidade contratual o dano – e a indenização correspondente – advém de descumprimento de cláusula contratual. (2009, p. 538).

Dallegrave Neto, sobre a diferença entre as espécies, descreve:

Entretanto, ainda que haja elementos comuns à responsabilidade contratual e extracontratual – dano, ato ilícito e nexo causal -, a doutrina majoritária reconhece a distinção entre ambas as responsabilidades civis. A extracontratual, também conhecida como aquiliana, decorre de violação de dever geral previsto em lei ou na ordem jurídica; é o ato ilícito que, por si só,

dá origem à relação jurídica obrigacional, criando, para o causador do dano, o dever de indenizar a vítima. (2010, p.101).

Pautadas as principais diferenças entre estas duas espécies, sendo uma

característica das relações jurídicas onde existe um contrato já estabelecido, e a

outra característica das relações onde ainda, ou já, não existe um contrato, passar-

se-á a analisar brevemente os pressupostos da responsabilidade civil.

1.4 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil por si própria é amparada pelo Código Civil de 2002

em seus artigos 186 – que descreve: “aquele que, por ação ou omissão voluntária,

negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que

exclusivamente moral, comete ato ilícito”, demonstrando que sua existência depende

da presença de alguns pressupostos: conduta (ação ou omissão do agente), nexo

causal (relação de causalidade) e dano.

O artigo 187 do mesmo Códex ressalta que também comete ato ilícito o

titular de um direito que, exercendo este direito, excede os limites do seu fim

econômico ou social, agindo em desfavor da boa fé e dos bons costumes,

destacando implicitamente a presença destes pressupostos.

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Para Venosa (2011), em comentário sobre o artigo 927 do Código Civil, a

terminologia “responsabilidade” deve ser utilizada em qualquer situação em que uma

pessoa física ou jurídica, por ação ou omissão, tenha causado um ato ou fato

danoso, podendo acarretar a obrigação da indenização, destacando que qualquer

prejuízo não reparado é fato caracterizador de inquietação social.

Desta forma, percebe-se que a obrigação de indenizar, coroando a

responsabilidade civil, vem do artigo citado, que obriga o causador do ato ilícito a

reparar o dano causado, trazendo o elemento dano como um dos pressupostos.

Rodrigues (2003) também destaca a existência destes pressupostos para a

existência da responsabilidade civil, observando um quarto pressuposto: a culpa do

agente.

Neste sentido, percebe-se a existência destes pressupostos para a

configuração da responsabilidade civil de forma geral, o que será importante para a

construção sistemática da responsabilidade civil pré-contratual abordada mais

adiante, fazendo-se necessária a breve leitura do significado de cada pressuposto.

1.4.1 Conduta

O primeiro pressuposto para a existência da responsabilidade civil,

considerado pelos doutrinadores, é a conduta do agente, de forma que, sem ela, não

haveria como responsabilizá-lo.

Segundo Rodrigues (2003), a conduta, para ele nominada como ação ou

omissão do agente, é o ato próprio ou de terceiro que esteja sob a responsabilidade

do agente, que cause dano a outrem, existindo, por conseqüência, a tutela da

responsabilidade civil.

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Para Cavalieri Filho, a conduta é “o comportamento voluntário que se

exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo conseqüências jurídicas”

(2003, p. 43-44).

Belmonte, tratando do tema responsabilidade civil, entende conduta como

um requisito da responsabilidade, nominando-a como ação lesiva, descrevendo-a

como “a conduta suscetível de causar prejuízo à esfera jurídica de outrem” (2009, p.

508-513).

A conduta do agente, na responsabilidade civil, é tão importante na

caracterização desta responsabilidade que pode, inclusive, ser considerada como

por “culpa objetiva”, elemento característico da culpa, que veremos mais adiante, ou

seja, não há a necessidade da comprovação do ato do agente (conduta danosa)

para que a responsabilidade seja determinada. Destaca Venosa (2011), a exemplo,

que há atividades em que se leva em conta o perigo da atividade do agente, por sua

natureza e pela natureza dos meios adotados, sendo esta atividade suficientemente

capaz de gerar a responsabilidade se acabar causando um dano.

Sabendo-se o que significa a conduta para a caracterização da

responsabilidade civil, se verá adiante como a ação ou a omissão observada neste

pressuposto poderão ser relevantes para a configuração da responsabilidade civil

pré-contratual no Direito do Trabalho.

1.4.2 Nexo de causalidade

O nexo de causalidade é o segundo pressuposto abordado neste trabalho

para a construção da responsabilidade civil. Desta forma, faz-se necessário o

conhecimento de seu conceito.

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Para Rodrigues, é “a prova de existência de uma relação de causalidade

entre a ação ou omissão culposa do agente e o dano experimentado pela vítima.”

(2003, p.17-18).

Para Belmonte (2009), nexo causal é a relação de causa e efeito entre a

conduta do agente e o prejuízo causado, devendo o segundo ser decorrência do

primeiro.

Cavalieri Filho desta que “Nexo de causalidade é elemento indispensável em

qualquer espécie de responsabilidade civil.” (2003, p. 67).

Poderá ocorrer a responsabilidade civil sem culpa, mas jamais haverá

responsabilidade sem a existência do nexo de causalidade e, como vimos na

abordagem do pressuposto “conduta”, o nexo de causalidade pode derivar da

natureza e dos meios adotados para a prática de determinada atividade (VENOSA,

2011).

Carlyle Popp define nexo de causalidade como a “relação direta e imediata

que necessariamente deve haver entre a ação e o dano, destacando que o dano

deve ser o resultado da ação praticada” (2011, p. 293). O autor também destaca que

o nexo causal, pela sua teoria, é relevante na medida em que o dever de indenizar

não nasce da prática do ilícito civil, mas sim do fato ilícito praticado e do dano que

este fato causou.

Sob este contexto, pode-se entender que o nexo de causalidade é, também,

determinante para a configuração da responsabilidade civil, restando apenas a

análise do último pressuposto da responsabilidade civil abordado neste trabalho, o

dano.

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1.4.3 Dano

O dano, como terceiro pressuposto analisado, pela definição e entendimento

dos doutrinadores infracitados, pode ser considerado como o mais importante, pois é

o dano causado ao agente que determinará o quantum indenizatório.

Como conceito, este pressuposto da responsabilidade civil é: o prejuízo

causado ao bem jurídico de determinado sujeito do direito ou de coletividade, por

ação ou omissão imputável a outrem (BELMONTE, 2009).

Destaca o autor que:

Diversamente da sanção penal, destinada a reparar lesões aos interesses da sociedade atingidos por comportamentos antijurídicos tipificados como

crimes e contravenções, a reparação civil do dano cumpre o papel de reparação ou compensação das lesões patrimoniais e extrapatrimoniais injustas, causadas por conduta de terceiro a interesses individuais, homogêneos ou não, coletivos e difusos. (2009, p.509).

Especificamente sobre a responsabilidade civil pré-contratual, que será vista

em breve, Carlyle Popp destaca que:

Para que ocorra a responsabilidade pré negocial, [...] o dano é pressuposto imprescindível. O prejuízo sofrido, material ou imaterial, constitui-se em requisito indispensável dessa forma de responsabilidade. Este dano, porém, não pode ser remoto, provável ou hipotético, mas sim efetivo. Não se ouvide, contudo, que excepcionalmente o dano patrimonial pode ser presumido, como acontece com o dano sofrido a um caminhão pertencente

a uma transportadora ou mesmo quando diga respeito à morte de um dos membros de família pobre. (2011, p.277).

As observações feitas por este autor descrevem que o dano poderá ser

presumido. Principalmente nas relações pré-contratuais em que o candidato a

emprego necessita deste para gerir a sua família. Assim, imprescindível para o

estudo da responsabilidade civil pré-contratual.

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Com o estudo breve dos pressupostos da responsabilidade civil aqui vistos,

pode-se entender melhor a problemática que resultará na existência da

responsabilidade civil pré-contratual que será vista a seguir.

2 RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL EM DIREITO DO TRABALHO

2.1 BREVE HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL

Acerca do assunto responsabilidade civil pré-contratual, interessa realizar

uma breve abordagem de seu histórico.

Conforme observa Capellari (1995 citado por Vargas, 2011, p. 56), a

Responsabilidade Civil Pré-contratual remonta ao Direito Romano.

Observa Vargas, citando Francesco Benatti, que:

No período romano clássico apenas era punido o dolus in contrahendo mediante a actio doli. Admitiu-se também a hipótese de que nos judicia bonae fidei fosse concedida, a quem tivesse sofrido um dano por causa de uma conduta desleal nas negociações, a actio ex contractu; mas tal opinião ficou isolada, apesar da autoridade de quem a formulou. (BENATTI, 1970,

p. 10 citado por VARGAS, 2011, p. 57).

Como a punição era tão somente se houvesse ação dolosa (actio doli), nesta

época a proteção da responsabilidade civil era um tanto precária.

Conforme Vargas:

Rudolf Von Jhering foi o primeiro pensador a idealizar uma teoria que dissesse respeito à responsabilidade pré-contratual, embora outros antes dele se houvessem preocupado com o assunto, porém, sempre do ponto de

vista da invalidade do contrato, portanto, por erro ou dolo. (2011, p. 57).

Diante das teorias sobre o surgimento da responsabilidade civil pré-

contratual, enfatiza-se a descrita por Carlyle Popp (2011), destacando que a

responsabilidade civil pré-contratual nasce com a concepção da culpa in

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contrahendo, em 1861, com a preocupação com o alcance da teoria da vontade,

dominante à época, segundo a qual a vontade interna, ou psicológica, seria o

elemento fundamental do negócio jurídico, de tal maneira que, havendo divergência

entre ela (a vontade) e o conteúdo da declaração externada, deveria prevalecer a

vontade interna, ou seja, ante a confiança da outra parte na validade do negócio

jurídico, é passível de reparação pecuniária o interesse prejudicado com a

declaração de invalidade do negócio firmado.

Entretanto, o primeiro a se referir à possibilidade de indenização pelo

rompimento indevido das negociações preliminares foi Gabriele Fagella, em 1906,

no direito italiano, que concebia uma responsabilidade sem culpa com a indenização

limitada aos danos emergentes (POPP, 2011).

Como a teoria de Jhering não tinha fundamento na confiança e na boa-fé,

mas sim na culpa pela nulidade ou anulabilidade do vínculo jurídico formado, Stoll,

em 1923, surge para aliar a teoria da culpa in contrahendo ao princípio da confiança

e à boa fé (POPP, 2011).

Porém, toda a razão deste histórico e da própria existência da sociedade, da

organização do Estado, das preocupações com toda a gama de direitos e deveres,

inclusive nos chamados direitos difusos como a proteção ao meio ambiente, resume-

se no princípio da dignidade da pessoa (POPP, 2011).

Desta forma, a concepção inicial da responsabilidade civil pré-contratual no

Direito Romano, foi despertando a atenção do meio jurídico, até que Jhering e

Faggella consolidaram o instituto da forma como ora estudado.

Com esta breve abordagem da história da responsabilidade civil pré-

contratual, serão analisadas, a seguir, as previsões constitucionais que amparam o

trabalhador e fundamentam a existência deste instituto.

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2.2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR NA FASE PRÉ-

CONTRATUAL

Sem sombra de dúvidas o trabalho é fundamental para a transformação

social e, com isso, torna-se um valor fundamental assim considerado pela

Constituição Federal de 1988 como “direito fundamental de primeira geração”,

protegendo-se a vida, a liberdade, a igualdade e os valores fundamentais que

consagram a dignidade da pessoa.

Assim, pode-se perceber que as relações de emprego são amparadas pelo

texto constitucional em várias situações.

Como observado por Luciano Augusto de Toledo Coelho:

A Constituição Federal coloca o trabalho como valor (art. 1º, inciso IV), fixa o trabalho como direito social (art. 6º), protege a relação de emprego da despedida arbitrária (art. 7º, inciso I), fundamenta a ordem econômica na valorização do trabalho (art. 170), e torna a busca do pleno emprego um princípio desta ordem (art. 170, inciso VII). (2008, p. 36).

Verbis:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: VIII - busca do pleno emprego.

23

Logo, percebe-se que a própria Constituição ampara a proteção do “Pleno

Emprego” como direito do cidadão, em nome do princípio da dignidade da pessoa,

que vai além da proteção oriunda de um contrato estabelecido, ou seja, amparando

o princípio da busca do pleno emprego o legislador constituinte consagra o direito do

cidadão a ter um emprego.

Se em função de discriminação impede-se um candidato a ingressar no

emprego, por exemplo, vale lembrar a nossa Carta Magna, que preceitua em seu

artigo 5º, verbis:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

A autora Gabriela Neves (2006), analisando a sistemática constitucional,

verifica que, entendendo o trabalho como direito fundamental, pautado na dignidade

da pessoa, sendo este trabalho protegido o trabalho digno, pela própria lógica de ser

um direito fundamental e sendo também um preceito do Estado Democrático de

Direito, faz-se necessário também torná-lo viável.

Abordadas as questões constitucionais que se referem aos direitos do

trabalhador na fase pré-contratual, bem como o posicionamento doutrinário citado,

faz-se necessária a abordagem dos princípios que fundamentam, que explicam a

existência, que amparam a sistemática jurídica utilizada para a construção do tema

do presente trabalho.

24

2.3 PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO NA CONSTRUÇÃO DA

RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL

Como todo regramento jurídico tem base em princípios, faz-se importante

descrever a respeito dos princípios que determinam a construção jurídica da

responsabilidade civil pré-contratual.

Como observado por Américo Plá Rodrigues (1978), os Princípios Gerais de

Direito são também aplicáveis no Direito do Trabalho, pois foram acolhidos em

nosso sistema jurídico com uma função importante como fonte subsidiária do direito,

sendo imprescindível quando, em um negócio jurídico, não se possa resolver pelas

palavras, nem pelo espírito da lei sobre a matéria no caso concreto.

Valmir Antonio Vargas faz a seguinte observação:

A utilização dos princípios gerais do Direito se impõe quando ocorrem problemas de adaptação das leis ou quando não há lei para determinado fenômeno jurídico que surge nas relações jurídicas, e os princípios referidos não têm que ser, necessariamente, princípios contratuais ainda que se destinem a regulamentar convenções entre particulares [...]. (2011, p. 23-

24).

Carlyle Popp (2011), citando o dicionário da língua portuguesa de Aurélio

Buarque de Hollanda Ferreira (1986), destaca que os princípios são a causa

primária, a base, o germe, e é esta noção que deve ser emprestada ao Direito em

função de os princípios serem a própria base de construção das normas.

Com esta síntese percebe-se a importância da utilização dos princípios

gerais de direito na construção da problemática da responsabilidade civil pré-

contratual, fazendo-se necessária a verificação de quais são os princípios utilizados

para esta construção.

25

2.3.1 O princípio da boa-fé

Em razão deste estudo, considerando principalmente a melhor condição em

termos de tecnologia do empregador ao empregado, a boa-fé torna-se o fundamento

e a razão da responsabilidade civil na fase pré-contratual.

O princípio geral da boa-fé deve, então, ser entendido como relevante para o

estudo da responsabilidade civil pré-contratual no direito do trabalho, pois sempre foi

considerado como pressuposto metodológico de interpretação jurídica para

assegurar a equidade seja qual for o tipo de relação jurídica, proporcionando-as um

grau de objetividade dogmática (COELHO, 2008).

Para Carlyle Popp:

A boa-fé visa a compatibilizar o princípio da autonomia privada com as limitações decorrentes da entrada em negociação. Isso porque a parte que

resolve iniciar tratativas pré-contratuais, da mesma forma que está exercendo um direito – liberdade contratual – está assumindo alguns deveres, fruto da boa fé, entre eles o de respeitar a confiança. (2011, p.134).

Como observou Luciano Augusto de Toledo Coelho, “o vigente Código

acatou a tendência européia e elevou a boa-fé a uma condição de pressuposto

inarredável da validade dos negócios jurídicos.” (2008, p. 79).

Dallegrave Neto também menciona o Código Civil pátrio, em seu artigo 4224,

destacando que:

Cumpre observar que tanto o dano pré quanto o pós-contratual não decorrem da violação de obrigação principal do contrato, mas da ofensa a um dever de conduta imanente à figura dos sujeitos do contrato, pautado no princípio da boa fé. (2010, p. 142).

4 Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução,

os princípios de probidade e boa-fé.

26

No mesmo sentido o seguinte julgado:

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL. A responsabilidade civil do empregador não está limitada ao período contratual, podendo alcançar também a fase pré-contratual, à luz do disposto no artigo 422 do CCB, que garante a seriedade nas negociações preliminares, criando uma confiança entre as partes, de modo

a possibilitar o reconhecimento da responsabilidade daquela cuja desistência na concretização do negócio ensejou prejuízos a outrem. Todavia, inexistindo prova nos autos de que o potencial empregador tenha se utilizado de prática discriminatória e de que tenha partido dele a desistência da contratação, não há que se falar em pagamento da indenização civil pretendida. (TRT 03ª R.; RO 1806/2009-074-03-00.1;

Turma Recursal de Juiz de Fora; Rel. Juiz Conv. Marcelo Furtado Vidal; DJEMG 09/06/2010).

No mesmo sentido o TST:

RECURSO DE REVISTA - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL - DANO MORAL. 1. Segundo o

princípio da boa-fé objetiva, que se aplica a todos os contratos, inclusive trabalhistas, previsto nos arts. 113, 187 e 422 do Código Civil, as partes devem agir em conformidade com parâmetros razoáveis de boa-fé, tratando o contratante como parceiro e buscando relação de cooperação. 2. De acordo com as novas diretrizes do Código Civil de 2002, a boa-fé objetiva deve informar todas as fases do contrato. 3. Conclui-se, dessarte, pela

competência da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar pedido de indenização por danos morais ocorridos nas negociações preliminares, porque decorre de relação de trabalho, ainda que na fase das tratativas. Recurso de Revista conhecido e provido. (Processo:RR 931006920035070006 93100-69.2003.5.07.0006. Relator(a): Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. Julgamento: 23/11/2005. Órgão Julgador: 3ª Turma.

Publicação: DJ 10/02/2006).

Assim, os doutrinadores, bem como a jurisprudência, comprovam a

importância e a validade da utilização deste princípio na análise do caso concreto

para o reconhecimento da responsabilidade civil pré-contratual.

Carlyle Popp destaca que: “O princípio da boa-fé não possui somente algum

reflexo de cunho constitucional, mas é a própria materialização do princípio da

dignidade da pessoa humana no âmbito obrigacional.” (2011, p. 53).

27

Ademais, o Código Civil de 2002, em seus artigos 1135, 1876 e 4227,

destacam a importância do princípio da boa-fé na análise do caso concreto, seja em

relação à interpretação, em relação ao ato ilícito do titular de um direito limitando

este direito, ou na postura das partes de um negócio jurídico antes, durante e depois

da formalização deste contrato. (COELHO, 2008).

Para Nascimento (2010), os contratos devem ser regidos tanto pela boa-fé

objetiva como pela boa-fé subjetiva, pois não basta somente que a ação seja

correta, e sim que a intenção da ação também seja no sentido positivo.

O entendimento da boa-fé como um princípio é enfatizada por Miguel Reale

(2001) quando relata a existência dos princípios da eticidade, da socialidade e da

operabilidade como princípios fundamentais do novo Código Civil, sendo a boa-fé

oriunda do princípio da eticidade, comentário destacado também por Luciano Coelho

(2008) em sua obra.

O que se percebe na problemática da responsabilidade civil pré-contratual é

a solução de conflitos entre as teorias da vontade e da declaração. Pois no estado

inferior em que se encontra um candidato a emprego, diante do estado superior do

empregador, a sua única vontade é ser admitido como empregado, pouco

importando pelo que terá que passar para conquistar este emprego. E, é neste

sentido que impera a supremacia do princípio da boa-fé como expressão básica

para a existência de responsabilidade nesta fase do contrato.

5 Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua

celebração. 6 Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os

limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 7 Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução,

os princípios de probidade e boa-fé.

28

Luciano Coelho define a teoria da vontade como a “que propõe a invalidade

como mera dissensão entre vontade real e declarada”, e a teoria da declaração

como a “que considera a essência do manifestado” (2008, p. 81).

Seja qual for a interpretação dada sobre o conceito determinado de boa fé,

dentre as várias formas de entendimento na doutrina, seja este princípio aplicado na

interpretação, na limitação de direitos ou na postura das partes nas fases do

contrato, fato é que abrangem uma multiplicidade de fenômenos na fase pré-

contratual, seja nos deveres de informação, de esclarecimentos, de compromisso

com o sigilo de informações do candidato ou mesmo o de compromisso com o

próprio processo digno de seleção. (COELHO, 2008).

Assim, sendo a relação de trabalho considerada um contrato, deve também

ser munida destes princípios, pela própria função social dos contratos8, sob pena de,

caracterizado um dano, surgir a obrigatoriedade de reparação.

Ressaltada a importância do princípio da boa-fé, faz-se necessária a

abordagem do princípio da autonomia privada.

2.3.2 Princípio da autonomia privada

O princípio da autonomia privada também é considerado pelos doutrinadores

como base para o presente estudo como princípio geral pertinente.

Este princípio é conceituado por Vargas (2011) como um dos elementos de

formação da responsabilidade civil pré-contratual, sendo o primeiro deles em grau

8 Função social dos contratos, para Amauri Mascaro Nascimento (2010) é a limitação da liberdade

contratual, que valoriza em sua interpretação, dentre outras características, a razoabilidade, o bom senso e o equilíbrio.

29

de importância, pois entende que, na falta deste, não se verificam as tratativas

negociais ou a “autorização” pelas partes sobre os reflexos do negócio jurídico a ser

firmado.

Nicola Abbagnano define este princípio da seguinte forma:

Autonomia é termo introduzido por Kant para designar a independência da vontade em relação a qualquer desejo ou objeto do desejo e a sua capacidade de determinar-se em conformidade com uma lei própria, que é a da razão. Kant contrapõe a autonomia à heteronomia, em que a vontade é determinada pelos objetos da faculdade de desejar. [...] Mais

genericamente, fala-se hoje, p. ex., de „princípio autônomo‟ no sentido de um princípio que tenha em si, ou ponha por si mesmo, a sua validade ou a regra da sua ação. (ABBAGNANO, 1999, p.97-98 citado por VARGAS, 2011, p. 93-94).

Para Carlyle Popp:

Toda a perspectiva do princípio da autonomia privada, assim como seus limites, decorrem de uma interpretação sistemática do princípio constitucional da legalidade. Isso porque, estabelecendo a Carta Magna que

“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, a contrario sensu, significa dizer que o particular poderá fazer ou deixar de fazer tudo que a lei não proíba. (2011, p. 219).

Desta forma, o princípio da autonomia da vontade garante aos contratantes

a liberdade de contratar ou não com outro sujeito, sendo esta liberdade, porém,

limitada, como destaca Popp:

O problema persiste, contudo, em se tratando da negativa em contratar,

após uma proposta ou o início de tratativas preliminares visando à formação de um negócio jurídico. Até aonde pode ir o direito de não contratar? Os limites para esta hipótese serão traçados pelo princípio da boa-fé objetiva. (2011, p. 221).

O princípio da autonomia da vontade, pelas considerações doutrinárias

acima expostas, deve ser utilizado como regra para a caracterização da

responsabilidade civil pré-contratual, porém, sofre limitações em sua aplicação no

caso concreto, limitações estas que serão observadas adiante.

30

2.4 LIMITES DA AUTONOMIA NEGOCIAL

Observada a influência da autonomia da vontade na responsabilidade civil

pré-contratual, deve-se levar em conta a existência de limites em sua utilização.

O sistema normativo brasileiro, no que tange a legislação trabalhista, é

entendido por parte da doutrina, em especial por Pedro Romano Martinez, como “um

misto, com aspectos de direito privado – o contrato de trabalho – e de direito público

– por exemplo, a proteção do trabalho -, pondo em causa a clássica distinção entre

direito público e direito privado” (NAHAS, 2009, p. 5), pois há regulamentação

específica por lei, ou seja, uma imposição estatal para regular estas situações, bem

como se deve observar a autonomia da vontade privada nestas relações.

Para Dallegrave Neto, a relação de emprego é sustentada na autonomia

privada, porém, destaca algumas peculiaridades:

Deveras, a relação de emprego encerra natureza contratual. Entretanto a manifestação volitiva das partes, sobretudo a do empregado, é amainada, uma vez que se está diante de um contrato dirigido, de adesão e com forte subordinação jurídica do contratado. (2010, p. 542).

Assim, o autor entende que o contrato de trabalho é formado com estas

características, sendo dirigido, por adesão e por subordinação jurídica.

O entendimento de dirigismo contratual refere-se à intervenção do Estado,

que faz da relação um feixe de normas cogentes. De contrato de adesão, pela

situação inerte do candidato à sua manifestação de vontade diante da necessidade

de emprego, sendo poucas as suas chances de expressar esta vontade. De

subordinação jurídica como a sujeição ampla do empregado diante do empregador

(DALLEGRAVE NETO, 2010).

31

Diante deste entendimento, o Direito do Trabalho não pode ser visto apenas

como uma forma de respeito ao texto celetista, e sim entendido como uma relação

jurídica que respeite os limites da autonomia privada, ampliando o arcabouço

jurídico referente às relações de trabalho, amparando, além das relações pertinentes

ao contrato de trabalho, também a fase pré-contratual (COELHO, 2008).

Com esta passagem sobre os limites da autonomia negocial que regem as

relações de trabalho, principalmente na fase pré-contratual, percebe-se, pela

descrição dos autores, que se deve utilizar um grande arcabouço de normas de

forma sistematizada para que sejam garantidos os direitos do trabalhador, ou, no

caso da pré-contratualidade, os direitos do candidato a emprego, vedando ao

empregador o império da sua vontade, sendo esta restrita pela Constituição, pelos

princípios já vistos e demais normas aplicáveis à relação entre empresário e

empregado, fazendo-se necessária a análise das teorias que fundamentam o

instituto para a seqüência deste estudo.

2.5 TEORIAS QUE FUNDAMENTAM A EXISTÊNCIA DA RESPONSABILIDADE

CIVIL PRÉ-CONTRATUAL

2.5.1 Teoria obrigacional

Tendo a responsabilidade civil pré-contratual cerne principal no Direito Civil,

uma das teorias que devem ser invocadas na construção jurídica do assunto é o

direito das obrigações.

Obrigação, nas palavras de Luciano Coelho, pela definição clássica, é “o

vínculo jurídico que une duas pessoas, em virtude de uma prestação de uma em

32

proveito da outra” (2008, p. 53), fixando um vínculo jurídico entre dois sujeitos

determinados, sendo assim composta esta relação jurídica de um sujeito ativo, um

sujeito passivo e um objeto com valoração econômica, onde a obrigação é vínculo

pessoal que permite a exigência de um à contraprestação do outro.

Para Pontes de Miranda (1958 citado por COELHO, 2008, p. 53), seria uma

espécie de campo maior dos direitos entendidos entre a relação entre duas pessoas

(devedor e credor), correspondente a uma pretensão.

Alexandre Agra Belmonte, tratando de obrigações, destaca que:

Obrigação é o termo jurídico que tem dupla acepção: ampla, como sinônimo de dever jurídico e restrita, a significar determinado tipo de relação jur ídica, a de crédito. É neste sentido, como espécie de vínculo jurídico, que consta do Livro I da Parte Especial do Novo Código Civil (Direito das Obrigações), subsidiariamente aplicável ao Direito do Trabalho, por força do art. 8º, par.

Único, da CLT. (2009, p. 221).

Adentrando mais no assunto responsabilidade civil pré-contratual, Valmir

Antonio Vargas, tratando de características das negociações preliminares, entende

que:

A negativa em contratar por uma das partes não gera obrigações e, consequentemente, responsabilidades, porém, quando esta negativa se dá após um longo período de negociações, tratativas iniciais, que levaram a

despesas com consultas, levantamentos, atos preparatórios, se não exigidos, mas ao menos incentivados pela parte contrária, gera uma responsabilidade passível de indenização por quem a ela deu causa. (2011, p. 63).

Por este entendimento, o autor descreve a inexistência de “obrigação” na

fase preliminar, a qual dá lugar à “responsabilidade”, dando a entender que a

“obrigação” propriamente dita seria a de contratar o trabalhador em fase final de

seleção para um emprego, o que se refere ao “interesse positivo”, que será

abordado mais adiante. E, não existindo esta contratação, resta a responsabilidade

pré-contratual, ou seja, a busca pelo interesse negativo.

33

Dallegrave Neto destaca que:

A despeito do sistema pátrio não adotar a unificação legislativa das obrigações, sendo o contrato de trabalho regulamentado em estatuto autônomo, ainda assim as obrigações trabalhistas oriundas da relação de emprego devem ser analisadas sob a ótica da teoria geral das obrigações, sempre com o cuidado de adaptá-las aos princípios peculiares do Direito do

Trabalho, em especial àquele que versa sobre a proteção ao empregado, a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho. (2010, p. 53).

Para Coelho (2008), as definições dos autores citados sobre as obrigações,

em se tratando de obrigações preliminares, não demonstram existência de

compromissos por entenderem que o que ocorre é mero pacto preliminar com fulcro

em um possível acordo ou contrato. Porém, o que prevalece é que mesmo não

havendo obrigação entre as partes, as obrigações preliminares podem perfeitamente

gerar responsabilidade civil, valendo-se do respeito ao princípio da boa fé objetiva,

que acaba por separar, de certa forma, a relação jurídica em dois momentos

distintos: o da obrigação propriamente dita, sendo este o momento de adimplir com

o que se comprometeu, e o da responsabilidade, sendo este o momento decorrente

da fase pré-contratual.

Esta distinção entre obrigação e responsabilidade seria a distinção entre

“deveres jurídicos” e “obrigação”, destacada por Coelho, da seguinte forma:

“Entende-se, ainda, que a distinção entre deveres jurídicos e obrigação ganha

importância no sentido de diferenciar a obrigação principal daqueles que incidem

antes, durante e após o vínculo obrigacional complexo.” (COELHO, 2008. p. 55).

Clóvis Couto e Silva (1976) traz a concepção da obrigação como “obrigação

como processo”, concepção esta pautada no princípio da boa fé objetiva, em função

da existência do dirigismo contratual, que diminui a autonomia da vontade a uma

das partes na teoria obrigacional na fase do nascimento das obrigações.

34

O que vale neste capítulo é entender que, embora não exista o

entendimento da concepção de obrigação na fase pré-contratual, a responsabilidade

civil deve ser considerada, em razão do princípio da boa fé e, que, o que gera a

responsabilidade civil é exatamente a falta da contratação do candidato a emprego,

ou seja, se existente a contratação (cumprimento da obrigação), incabível qualquer

responsabilização nesta fase.

Assim, dá-se seqüência ao presente estudo, fazendo-se necessária a

análise da teoria contratualista.

2.5.2 Teoria contratualista

A respeito deste tópico é importante a análise do conceito de contrato, da

natureza jurídica da relação do trabalho e da responsabilidade civil pré-contratual e a

pré-contratualidade na relação de emprego, elementos necessários para a formação

da teoria contratualista, demonstrando a pertinência desta teoria no tema estudado.

Tal teoria é pioneira na explicação da natureza jurídica da relação de

emprego, entendendo a relação por uma ótica civilista, assimilando-a as figuras

clássicas de contratos, ou seja, entendendo-a como um contrato (DELGADO, 2010).

Neste sentido, iniciar-se-á a análise destacando o significado de contrato.

2.5.2.1 Conceito de contrato

Para entender a responsabilidade civil pré-contratual faz-se necessário

analisar a problemática da formação dos contratos, entendendo, a princípio, o que é

uma relação de trabalho, se ela pode ser considerada contrato ou não.

35

Inicialmente, interessa entender o que é um contrato.

Para Caio Mário da Silva Pereira, contrato é: “um acordo de vontades, na

conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar,

modificar ou extinguir direitos” (2005, p. 7).

Para Alexandre Agra Belmonte:

Contrato é o negócio jurídico de natureza obrigacional, formado por acordo de duas ou mais vontades contrapostas, para autodisciplinar o estabelecimento, modificação ou extinção de relações jurídicas de caráter patrimonial. (2009, p. 357).

Feitas as observações conceituais sobre contratos, importa entender se o

contrato de trabalho é uma relação contratual.

2.5.2.2 Natureza jurídica da relação de trabalho

Na dogmática jurídica que tenta explicar se a relação entre empregado e

empregador é contrato ou não, há duas concepções: a contratualista, que vê a

relação como um contrato com base no Direito Civil, e a anticontratualista, que vê

a relação como mera “relação de emprego”, regida por lei, ou seja, com a

participação do Estado para regular a relação (NASCIMENTO, 2009).

A dúvida que deverá ser sanada, entretanto, é qual a definição jurídica da

relação entre trabalhador e empregador.

Para Amauri Mascaro Nascimento:

Não há uma separação, uma autonomia absoluta entre contrato e relação de emprego, como se fossem duas realidades distintas no plano jurídico, nem a doutrina alemã relacionista pode servir de base para tal conclusão. Nela a empresa é uma comunidade de trabalho que enfeixa uma só relação, unilateralmente considerada, entre o empregador e os empregados, um todo a serviço do nacional-socialismo. (2010, p. 593).

36

Sob certa ótica, seria um contrato. Sob outra, seria um negócio jurídico. Sob

outra, seria uma relação de emprego tão somente.

Amauri Mascaro Nascimento faz a seguinte ponderação sobre o tema:

A contratualização no âmbito trabalhista é criticada por sua forma de avaliar a relação de emprego como um fato natural. Pode prestar-se a equivocadas interpretações. E, levada às últimas conseqüências, nega a dignidade do ser humano. Reduzem o ser humano a uma condição mínima, como se fosse destituído de vontade, sem criatividade, que nada precisa fazer a não

ser esperar a proteção da lei que tudo se encarregaria. Ao retirar o interesse na formação, no desenvolvimento e na extinção do vínculo de emprego, o objetivismo retira, também, dos sujeitos do contrato de trabalho a vontade, e, ao fazê-lo, massifica o ser humano sob falso pretexto de que ele estará bem protegido. (2010, p. 545).

Pedro Romano Martinez destaca que:

O contrato de trabalho, excluindo a relação laboral da função pública, é, sem dúvida, obrigacional; sendo um dos contratos tipificados no Código Civil (art. 1152). O direito do trabalho autonomizou-se do direito das obrigações, mas o seu núcleo essencial – o contrato de trabalho – inclui-se no âmbito dos contratos obrigacionais, com algumas especificidades,

sendo, por isso, o seu regime de direito privado. (NAHAS, 2009, p. 5).

Dallegrave Neto (2010) e Luciano Coelho (2008), inclusive, entendem que o

contrato de trabalho tem como natureza jurídica um contrato de adesão em função

da forma como se apresenta e da disparidade existente entre as partes da relação

jurídica, em que o candidato, que necessita do trabalho, coloca-se em estado de

completa sujeição ao futuro possível contratante, o que permite uma análise mais

crítica do assunto em analogia ao tratamento dado aos contratos de adesão no

Direito Civil.

Amauri Mascaro Nascimento, entendendo que a relação de trabalho é um

contrato, critica a questão descrevendo a existência de desigualdade no contrato de

trabalho, e sua forma de funcionamento, da seguinte maneira:

Os motivos são encontrados na história do direito do trabalho e na questão social que evidenciou a desigualdade entre as partes do contrato de trabalho, diante da qual, para restabelecimento do equi líbrio, foi necessário

37

restringir a autonomia da vontade, e, no campo contratual, em vez de prevalecerem as cláusulas autodeterminadas pelas partes, a lei interferiu, reduzindo a autonomia das partes e incluindo-se no contrato, ainda que as partes, mesmo não contratando, não quisessem no seu contrato as cláusulas da lei, porque estas passariam a ser automaticamente aplicadas,

ainda que contra a vontade dos sujeitos do contrato (2010, p. 541).

E ainda: “Desse modo, é possível falar em contratualização das relações de

trabalho, porque mesmo as teses que dão ao vínculo entre empregado e

empregador natureza não contratual acabam por se render e usar o contrato de

trabalho.” (NASCIMENTO, 2010, p. 542).

Pela idéia do autor, percebe-se na citação a presença implícita do princípio

da indisponibilidade nos contratos de trabalho, que rege as relações de emprego,

que, por analogia, caberia também na fase pré-contratual, pois esta se trata de uma

fase do contrato, que por sua vez é anterior ao contrato, mas deve ser regida pelos

mesmos princípios.

2.5.2.3 Natureza jurídica da responsabilidade civil pré-contratual e a pré-

contratualidade na relação de emprego.

A responsabilidade civil pré-contratual pertence à teoria dualista da

responsabilidade civil que a enquadra em contratual e extracontratual.

Dallegrave Neto destaca esta teoria:

Em que pese a existência de acirrada controvérsia perante a doutrina pátria e estrangeira, a matéria requer exame proficiente, descartando, desde logo, a visão simplista de que ambas (pré e pós) enquadram-se na

responsabilidade civil do tipo extracontratual, porque na primeira (pré) o vínculo jurídico ainda não se formou, enquanto que na segunda (pós) o contrato já se extinguiu. (2010, p. 142).

Carlyle Popp (2011) destaca que, diante à dificuldade de se determinar a

natureza jurídica da responsabilidade pré-contratual, surgiram diversas teorias para

38

tentar explicá-la, como a da base contratual pura, da base contratual especial ou

quase contratual e do enriquecimento sem causa, como convenção ou garantia

tácita, como declaração unilateral de vontade, como responsabilidade

extracontratual, como abuso de direito, com fundamento na equidade e boa fé e

como natureza variável, o que, por uma questão de brevidade, não será abordado o

conceito de cada uma neste trabalho.

Dallegrave Neto sobre a problemática:

Para enxergarmos o fundamento da responsabilidade civil, devemos considerar que a sociedade democrática de direito é composta por homens livres que detêm o livre-arbítrio para escolher os caminhos que pretendem trilhar em sua vida. Entre as opções possíveis, há inúmeras que não convêm, porque são lesivas ao seu semelhante. A partir dessa dialética,

advém o princípio geral de direito de que a ninguém é permitido prejudicar outrem, consubstanciado pela máxima romana neminem laedere, também, chamada alterum nonm laedere. (2010, p. 98).

A responsabilidade civil pré-contratual para Luciano Coelho (2008) é uma

das grandes vertentes do Direito atual derivativa da complexidade das relações

sociais e da atuação do ser humano diante estas formas, que pode vir a causar dano

a outrem.

A natureza jurídica da responsabilidade pré-contratual está umbilicalmente

ligada ao seu desenvolvimento teórico dentro das diversas correntes que a concebem seja como mera derivação da culpa in contrahendo, seja como instituto autônomo sobre o qual incidem os deveres laterais de conduta e a tutela da confiança. (2008, p. 112).

Para Carlyle Popp: “A responsabilidade civil é instituto jurídico de grande

relevância em todo o sistema jurídico privado, tem natureza ética e visa a conduzir à

paz social” (2011, p. 138).

Dallegrave Neto ainda destaca que a responsabilidade civil não pauta-se

somente no dever de reparação oriundo da culpa pela impossibilidade da teoria da

culpa em sanar todas as questões acerca da responsabilidade:

39

“Originalmente, o fundamento da responsabilidade civil era indissociável do ato ilícito. Contudo, com a evolução do instituto, tornou-se pacífico admitir hipóteses especiais de responsabilidade civil independente de culpa, reforçando a idéia de responsabilidade civil como corolário do dever de indenizar.” (2010, p. 98).

Para este autor, a responsabilidade civil pré-contratual é composta de uma

sistematização de regras que propõe a reparação do dano patrimonial ou extra-

patrimonial sofrido por um agente pelo abuso de direitos de outro, que agiu de forma

ilícita ou assumiu o risco da atividade causadora da lesão (DALLEGRAVE NETO,

2010).

O fundamento da culpa estaria na falta de diligência com relação ao direito

de outrem, fundamento este que serve de base para a diferenciação entre a

responsabilidade contratual, oriunda da violação de contrato, da pré-contratual,

oriunda da violação de lei, princípios, preceitos morais, ou da própria obrigação de

não prejudicar, oriunda do princípio da boa-fé (DIAS, 1983).

O que deve ser analisado, porém, com mais afinco na questão da

responsabilidade civil pré-contratual, considerando as conseqüências que este

instituto gera, seja por dolo ou culpa, ou mesmo pela assunção de risco de praticar o

ato lesivo, é o que preleciona Luciano Coelho:

[...] para que a responsabilidade na fase pré-contratual se configure, necessário que se avaliem, além da imputação do ato praticado que invade a esfera jurídica de outrem, os atos praticados durante toda a fase de negociações e o grau de expectativa criado. (2008, p. 118).

Adverte Coelho (2008) que a responsabilidade civil pré-contratual não se

confunde com o contrato preliminar. A diferença entre um e outro é basicamente a

existência de conversas prévias, debates em relação ao contrato a ser firmado, que

caracteriza o contrato preliminar, enquanto a fase pré-contratual trata-se da fase

40

onde já existe manifestação de vontade entre as partes, ou seja, a do empregador

em ter um empregado, e a do candidato a emprego em encontrar um emprego.

Caio Mário da Silva Pereira (1999), por exemplo, menciona que nas

negociações preliminares não existe força obrigatória, o que existiria na pré-

contratualidade se existentes os requisitos que a caracterizaria.

O que paira na problemática da responsabilidade civil pré-contratual é a

responsabilidade por culpa in contrahendo, que destaca a sujeição do candidato a

emprego, abrindo espaço para a existência do dano, oriunda de um comportamento

de má-fé que acaba implicando na obrigatoriedade de responsabilização civil,

também com base na teoria da confiança (COELHO, 2008).

Por Dallegrave Neto:

[...] a chamada culpa in contrahendo, como o próprio nome sugere, baseia-se numa conduta ilícita do contratante; num agir pautado na culpa ou no dolo do agente que deixa de informar eventual vício ou qualidade essencial do conteúdo do contrato ou mesmo desiste, injustificadamente, de ultimar a negociação preliminar após ter gerado forte expectativa no contratante

adverso. (2010, p. 144).

Para Costa Garcia (2003), o conceito de responsabilidade civil pré-contratual

é a obrigação de ressarcir os danos causados durante a fase, ou durante as

negociações que desembocarão em um contrato, danos oriundos da violação de

algum dever acessório de conduta.

Dallegrave Neto destaca que: “O pré-contrato é um ato jurídico perfeito e

acabado que tem por objeto a promessa de celebração de um contrato futuro e,

portanto, com efeito vinculante às partes.” (2010, p. 145).

Amauri Mascaro Nascimento, sobre o tema “pré-contrato” em sua obra,

relatando a aplicação deste ao direito do trabalho, destaca:

Afigura-se-nos aplicável o contrato preliminar ou pré-contrato ao direito do trabalho, diante da subsidiariedade do direito comum. Há, também nas

41

relações de emprego, situações hoje consideradas pré-contratuais, as quais, se estabelecidas contratualmente, podem evitar divergências futuras. (2010, p. 708).

O mencionado autor refere-se ao instituto como pertencente ao Direito Civil,

descartando a existência de ressarcimentos trabalhistas, ou seja, por esta ótica,

quem deveria julgar a questão seria o Direito Comum, ao contrário da situação pós

EC 45/2004, que entendeu a questão como competência da Justiça do Trabalho

(NASCIMENTO, 2010).

Ademais, evidencia-se a relação jurídica formada entre empregador e

candidato nas tratativas iniciais de um possível contrato de trabalho, restando

evidente a proteção de direitos nesta fase.

Costa Garcia (2003) descreve que na formação do contrato, especificamente

na fase pré-contratual, há três fases distintas, que seriam: a fase de ideação,

negociações preliminares e proposta e aceitação, destacando o grau de

subjetividade existente na fase de ideação onde é difícil caracterizar a ocorrência de

danos por ausência de declaração de intuito negocial. Porém, ressalta a falta de

verificação dos deveres de conduta para a formação do contrato, o que

caracterizaria, sob a observação de dano causado, a responsabilidade por este

dano.

A invasão de privacidade como tratamento vexatório, entrevistas

estressantes, incansáveis baterias de testes sem a aprovação do candidato, ou seja,

qualquer situação que desperte a expectativa de contratação na fase de

recrutamento, também deve ser levada em conta como configuradora do instituto em

função da falta de observação dos limites entre a racionalidade e a invasão

(COELHO, 2008).

42

Exemplificando a questão da pré-contratualidade, cabe ressaltar o seguinte

artigo, que demonstra a falta de cuidado dos empregadores nas tratativas iniciais,

ensejando a aplicação do instituto:

Todos os dias, milhares de candidatos são submetidos a testes psicológicos, entrevistas, dinâmicas de grupo, e outras técnicas variadas, visando ao preenchimento de uma vaga de emprego. Alguns desses instrumentos, como testes, são operados por psicólogos, os quais deverão possuir a qualificação necessária. Outras técnicas são aplicadas por

profissionais dos mais diversos ramos, inclusive psicólogos, pedagogos e administradores. No tocante especificamente aos testes, estes precisam ser revalidados pelo Conselho de Psicologia, e esta revalidação é feita a cada 10 anos, o que significa que um teste aplicado em um candidato hoje pode ser considerado não válido posteriormente. Na última avaliação feita, muitos dos testes avaliados foi reprovada (sic).” (COELHO, 2004, p. 94-95).

Isso demonstra o quanto estes processos de seleção são vulneráveis e

podem por vezes lesar o direito do candidato que, na ansiedade de encontrar um

emprego, não percebe que está passando por procedimento ilegítimo que, muitas

vezes, pode ser considerado abusivo.

Pela explanação dos autores citados, a pré-contratualidade na relação de

emprego deriva das tratativas subjetivas iniciais que são relativas às situações

contratuais que serão firmadas havendo a contratação definitiva, que acabam unindo

candidato a vaga profissional e empregador em uma relação jurídica.

Neste sentido o seguinte julgado:

DANO MORAL E MATERIAL. LESÃO PRÉ-CONTRATUAL. PROMESSA DE CONTRATAÇÃO NÃO HONRADA. DIREITO À INDENIZAÇÃO. As negociações para o preenchimento de um posto de trabalho que ultrapassam a fase de seleção geram para o trabalhador a esperança,

senão a certeza, da contratação, caracterizando a formação de um pré-contrato de trabalho, que envolve obrigações recíprocas, bem como o respeito aos princípios da lealdade e da boa-fé (art. 422 do Código Civil). Evidencia-se a constatação do prejuízo na hipótese do reclamante pedir demissão do emprego anterior, ficando desprovido de meios para sua subsistência e satisfação de seus compromissos financeiros. Devida a

indenização por danos morais e materiais fixada na origem, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil. (TRT 02ª R.; RO 01231-2008-067-02-00-3; Ac. 2010/0470429; Décima Primeira Turma; Relª Desª Fed. Maria Aparecida Duenhas; DOESP 01/06/2010; Pág. 476).

43

Com o estudo da natureza jurídica da responsabilidade civil pré-contratual

observou-se a diferença entre o contrato preliminar e o pré-contrato, demonstrando

em que situações podem ocorrer lesões a direitos que ensejam uma reparabilidade,

restando necessário adentrar no assunto referente a alguns elementos que podem

caracterizar o instituto aqui estudado.

2.6 ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-

CONTRATUAL

2.6.1 Globalização e tecnologia

A responsabilidade civil pré-contratual em Direito do Trabalho, assim como

outros institutos jurídicos, carece de situações concretas para ser vislumbrada e

alegada.

Um dos maiores fatores que contribuíram pela visualização da existência

deste instituto em Direito do Trabalho é a globalização, definida por Milton Santos

(2000 citado em COELHO, 2008, p. 25) como ápice de um processo de

internacionalização do mundo capitalista, com desenvolvimento de técnicas que

agrupam setores econômicos, sendo estas técnicas invasivas e dominantes, o que

evidencia a hipossuficiência do trabalhador em relação ao empregador.

Esta globalização deve ser analisada em função da tecnologia que a

acompanha, que, de certa forma, pode trazer questões jurídicas que se refletem na

ética das empresas em detrimento do trabalhador, devendo ser analisadas em

conformidade com a evolução oriunda deste processo (COELHO, 2008).

44

Em função das possibilidades da tecnologia, pode ocorrer facilmente a

discriminação do trabalhador, diante do grande poder do empregador em descobrir

informações dos seus candidatos.

Vale ressaltar, pelas palavras de Luciano Coelho, que “o Código Civil já

nasceu sob a égide de novas possibilidades tecnológicas não pensadas em seu

projeto” (2008, p. 16), enfatizando que, há muito tempo, são necessárias releituras

para que sejam solucionados casos do presente, em função destas evoluções.

Como destaca Amauri Mascaro Nascimento:

O direito não é um fenômeno estático. É dinâmico. Desenvolve-se no movimento de um processo que obedece a uma forma especial de dialética na qual se implicam, sem que se fundam, os pólos de que se compõe. [...]. De um lado os fatos que ocorrem na vida social, portanto a dimensão fática do direito. De outro, os valores que presidem a evolução das idéias,

portanto a dimensão axiológica do direito. (2010, p. 31).

Neste contexto, observa Jhering, citado na obra de Luciano Coelho:

O direito não exprime a verdade absoluta: a sua verdade é apenas relativa e mede-se pelo seu fim. E assim é que o direito não só pode mas deve mesmo ser infinitamente variado. O médico não receita o mesmo

medicamento a todos os doentes, mas adapta o remédio à doença. Do mesmo modo também o direito não promulga em toda parte as mesmas disposições, adapta-as ao estado do povo, ao seu grau de civilização, às necessidades da época...” (JHERING, 1956, p.334-335 citado por COELHO, 2008, p. 16).

Nas palavras de Luciano Coelho:

A situação do trabalhador candidato a emprego exacerba a sujeição, abre o espaço para o dano, sem, entretanto, a correspondente ótica sob o prisma da responsabilidade pré-contratual, em face do desconhecimento pelos próprios trabalhadores, pelos operadores do Direito, e em face dos dogmas dominantes. (2008, p. 17).

Segundo Coelho (2008), é fato que a tecnologia possibilitou uma

enormidade de ferramentas ao empregador, que hoje tem acesso às informações

pessoais do candidato através dos sites de relacionamento; tem maior controle

sobre o trabalhador através da utilização de celulares com tecnologia cada vez mais

45

avançada, bem como tem acesso a dados genéticos do candidato, possibilitando,

cada vez mais, o controle sobre o trabalhador ou candidato, sendo estas hipóteses

fatores que não podem deixar de ser analisados na relação entre empregador e

empregado sob a ótica da responsabilidade civil. Ao mesmo tempo em que ocorrem

relevantes avanços tecnológicos, abre-se um leque muito grande em relação às

violações de direitos fundamentais, o que reforça a teoria de que estes avanços,

especificamente em Direito do Trabalho, podem trazer grandes lesões aos direitos

do trabalhador.

Neste sentido, faz-se necessário ponderar que a função do Direito é verificar

as influências da evolução tecnológica e da globalização, tomando providências

jurídicas de forma a analisar o Direito de forma mais abrangente, utilizando da

“dinâmica” ressaltada por Nascimento (2010), de forma a limitar os efeitos negativos

oriundos destes dois elementos.

2.6.2 A discriminação

O motivo da discriminação no Brasil é descrita pela característica da grande

miscigenação em que resultou o seu povo, muito bem descrita por Darcy Ribeiro

(1995) em toda sua obra “O povo brasileiro”, onde define a formação do autêntico

brasileiro, como sendo uma mistura de índio, negro, mulato, ou qualquer outra etnia

que tenha imigrado ao nosso país.

Outra questão relevante, que pode influenciar nesta discriminação, é a

formação do nosso povo em razão das influências que recebeu dos primeiros

colonizadores. Roberto Damatta (1986), em sua obra, destaca sua preocupação de

por que o Brasil não deu certo, descrevendo algumas razões, como, por exemplo, o

46

oportunismo, conhecido como o “jeitinho brasileiro”, como característica do nosso

povo que pode influenciar, de alguma forma, na visão de como vemos a nós

mesmos, produzindo efeitos nas relações de trabalho também.

Recente estudo, denominado "Pesquisa das Características Étnico-Raciais

da População: um Estudo das Categorias de Classificação de Cor ou Raça",

realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em seis Estados

brasileiros, demonstra que mais da metade dos entrevistados (63,7%) confessaram

a existência de discriminação em função da cor ou raça em relação ao trabalho,

segundo informações coletadas em 2008 em uma amostra de cerca de 15 mil

domicílios, no Amazonas, Paraíba, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e

Distrito Federal9.

A pesquisa foi realizada em uma Unidade da Federação selecionada em

cada Grande Região, abrangendo os Estados citados, tendo como finalidade permitir

a obtenção de estimativas das proporções de pessoas em cada uma das cinco

categorias de cor ou raça no conjunto das seis Unidades da Federação

selecionadas, em que 71% dos entrevistados, disseram que a cor da pele influencia

nas relações de emprego10.

Reportagem publicada na “Revista Veja”, sob o título: “Minoria da Pesada”, é

outra prova da existência de discriminação, agora demonstrando o preconceito

contra obesos, que penam a procura de emprego. A reportagem destaca, inclusive,

a existência de movimentos contra os preconceitos, ressaltando a obesidade como

fator determinante na conquista a um emprego, cuja discriminação no mercado de

9 Disponivel em: http://www.parana-online.com.br/editoria/pais/news/546023/. Acesso em 22/09/2011.

10 Disponivel em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/caracteristicas_raciais/

PCERP2008.pdf. Acesso em 22/09/2011.

47

trabalho comprova-se por um estudo da Universidade de Michigan, nos Estados

Unidos, coordenado pelo professor de administração Mark Roehling, que pesquisou

empresas da região de Michigan, concluindo que a probabilidade de discriminação

de uma pessoa acima do peso pode ser maior que a de um negro e, até mesmo, de

um ex-presidiário. A reportagem destaca um levantamento da consultoria “Catho”,

que comprova que, em uma lista de razões que podem barrar um pretendente a

emprego, 73% dos entrevistados marcaram como resposta a obesidade11.

Amauri Mascaro Nascimento conceitua discriminação da seguinte forma:

A discriminação caracteriza-se pela presença de um elemento subjetivo, a intenção de discriminar, e de um elemento objetivo, a preferência efetiva por alguém em detrimento de outro sem causa justificada, em especial por motivo evidenciado, revelando escolha de preconceito em razão do sexo, raça, cor, língua, religião, opinião, compleição física ou outros fatores.

(2010, p. 722).

Luciano Coelho destaca que:

Trata-se [...] do comportamento discriminatório no mercado de trabalho que afasta obesos, idosos, algumas mulheres em fase de engravidar, e, ante as novas mudanças culturais, pode afastar fumantes, pessoas com família que

não pretendam se tornar workholics. Avançando mais neste comportamento, em algumas empresas ficam afastados os não dinâmicos, não expansivos, não agressivos, não ambiciosos. [...] é a lógica eugênica muitas vezes colocada de forma implícita e até sutil. (2008, p. 125).

Para assegurar o direito à igualdade, em 1995 entrou em vigor a lei 9.029,

que proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória para efeitos admissionais ou

de relação de emprego, seja por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil,

situação familiar ou idade, inclusive, ressaltando a constituição de crime se

praticados tais atos.

A lei, em seu artigo 2º, traz um rol de situações que caracterizam crime,

considerando, no parágrafo único deste artigo, como sujeito ativo tanto o

11

Disponível em: http://veja.abril.com.br/221100/p_096.html. Acesso em 22/09/2011.

48

empregador como o representante e, na seara pública, o dirigente de órgãos

públicos, seja União, Estados ou Municípios, prevendo, no artigo 3º, cominações de

multa e proibições de empréstimo ou financiamento em instituições financeiras

oficiais a quem desrespeitar a lei.

Em seu artigo 4º, a lei destaca também a obrigatoriedade de readmissão do

empregado e o pagamento integral do período de afastamento em dobro.

Porém, por mais que exista todo um aparato legal para tentar impedir

qualquer forma de discriminação, por força da própria história do Brasil, infelizmente,

ela existe, principalmente nas relações de emprego, como se pode verificar no

julgado abaixo sobre a não contratação de profissional obeso.

DANO MORAL. FASE PRÉ-ADMISSIONAL. OBESIDADE. DISCRIMINAÇÃO. A empresa não é obrigada a admitir candidato que se apresenta para submeter-se a teste seletivo. Entretanto, excluí-lo do procedimento pré-admissional fundado na sua condição física (obesidade) pratica ato discriminatório que justifica a sua condenação ao pagamento de

indenização por danos morais. Recurso de Revista de que não se conhece. (Processo: RR - 410300-79.2008.5.09.0654 Data de Julgamento: 15/06/2011, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/06/2011).

A própria Constituição Federal Brasileira, traz um rol de situações que

vedam a discriminação, posições estas relacionadas: à raça (art. 3º, IV); à origem -

estrangeiros (caput do art. 5º); à religião (art. 5º, VIII); à sindicalizados (art. 5º, XIII,

XVII, XX e XLI); violação à intimidade e à vida privada (art. 5º, X); ao sexo (art. 5º, I e

art. 7º, XXX); à cor (art. 7º, XXX); à idade (art. 7º, XXX); ao Estado Civil (art. 7º,

XXX); à admissão de trabalhador portador de deficiência (art. 7º, XXXI); à opção

sexual (art. 7º, XXX); e ao trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os

profissionais respectivos (art. 7º, XXXII).

Descritas as questões supra em relação à discriminação, além dos fatores

geradores da responsabilidade civil pré-contratual vistos no decorrer deste estudo,

49

vale ressaltar também a questão dos deveres laterais de conduta como elemento

gerador da responsabilidade civil pré-contratual.

2.6.3 Deveres laterais de conduta

Vistos os dois primeiros elementos estudados no presente trabalho, resta a

abordagem acerca dos deveres laterais de conduta que, veremos, também pode ser

considerado um elemento caracterizador da responsabilidade civil pré-contratual.

Para Coelho (2008), trata-se do caminho a ser percorrido, tanto pelo

empregado quanto pelo empregador, rumo ao contrato, que, por sua vez, cria para

ambas as partes um rol de comportamentos no sentido de proporcionar maior

probabilidade de alcance do contrato almejado, que, por si, acabam influenciando a

conduta das partes. Pelo empregador, o comportamento paira no sentido da

informação da existência da vaga, da remuneração, dos benefícios, da forma de

recrutamento, da informação referente à política da empresa ao candidato, etc. Pelo

empregado, o comportamento paira na preparação para uma boa apresentação ao

empregador, como vestimenta, maquiagem no caso de mulheres, verificação e

custos com transporte e alimentação na ida à entrevista. E todo este comportamento

deve ter base no princípio da boa-fé estudado anteriormente.

Autores como Dallegrave Neto, Coelho e Carlyle Popp (2010, 2008 e 2011)

destacam os deveres de lealdade, de clareza, de informação, de sigilo, de

comunicação e até mesmo o dever de declaração de risco.

Esse dever é aludido por Rubio Vicente (2003) em comentários sobre o

50

artigo 1012 da Lei Espanhola n. 50/1980 sobre contrato e seguro, destacando que o

dever de declarar não é contratual, e sim anterior ao contrato, sendo este dever

pressuposto de validade contratual, exigindo o respeito ao princípio da boa fé na

efetivação do contrato (COELHO, 2008, p. 88).

Percebe-se que o autor tem uma visão ainda mais abrangente sobre o

princípio da boa fé na fase anterior ao contrato de trabalho, pois entende que a

declaração de vontade, seja do empregador ou do empregado, é anterior a qualquer

atitude tomada pelas partes a caminho do contrato de trabalho, seja a vontade de

contratar, seja a vontade de ser contratado.

Carlyle Popp descreve os deveres laterais de conduta da seguinte forma: “É

bom frisar que os deveres de comportamento negocial, nos termos da boa-fé, não

significam a responsabilidade de garantir determinado resultado, mas sim se

configuram como verdadeira obrigação de meio.” (2011, p. 195).

Neste sentido, os deveres laterais são uma espécie de deveres residuais

dos procedimentos utilizados nos processos de seleção, ou seja, os deveres de

proteção e sigilo de informações, os deveres de transparência dos processos, os

deveres de informação sobre os resultados, os deveres de comprometimento de

12

El tomador del seguro tiene el deber, antes de la conclusión del contrato, de declarar al asegurador, de acuerdo con el cuestionario que éste le someta, todas las circunstancias por él conocidas que puedan influir en la valoración del riesgo. Quedará exonerado de tal deber si el asegurador no le somete cuestionario o cuando, aun sometiéndoselo, se trate de circunstancias que puedan influir en la valoración del riesgo y que no estén comprendidas en él. El asegurador podrá rescindir el contrato mediante declaración dirigida aL tomador del seguro en el plazo de un mes, a contar del conocimiento

de la reserva o inexactitud del tomador del seguro. Corresponderán al asegurador, salvo que concurra dolo o culpa grave por su parte, las primas relativas al período en curso en el momento que haga esta declaración. Si el siniestro sobreviene antes de que el asegurador haga la declaración a la que se refiere el párrafo anterior, la prestación de éste se reducirá proporcionalmente a la di ferencia entre la prima convenida y la que se hubiese aplicado de haberse conocido la verdadera entidad del riesgo. Si medió dolo o culpa grave del tomador del seguro quedará el asegurador liberado del pago

de La prestación. (Disponível em: https://www.pontgrup.com/docs/descargas/50_1980%20contrato%20de%20seguros.pdf.

Acesso em 22/09/2011).

51

apresentação e comprometimento do candidato, entre outros, são deveres que

devem ser respeitados pelo empresário.

Dallegrave Neto, tratando da violação ao dever de informação e de proteção

de dados, destaca:

Registre-se que a própria categoria dos direitos de personalidade, a rigor enquadrada como direito absoluto e oponível erga omnes, também pode se constituir em conteúdo de dever contratual de conduta, máxime os deveres de proteção, informação e de lealdade entre os contratantes existentes tanto na fase de execução quanto na fase pré e pós-contratual. (2010, p.

150).

Percebe-se então que a responsabilidade civil pré-contratual pode, sim, ser

fundamentada, entre outras questões, em razão da falta de cuidado com os deveres

laterais de conduta.

2.7 APLICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS NA RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-

CONTRATUAL

Para evidenciar a reparabilidade de danos nas situações vistas até agora,

cabe mencionar que a CLT determina, pela redação do artigo 8º, que a Justiça do

Trabalho fará jus à utilização de outros ramos do Direito para sanar problemas a que

a legislação trabalhista seja omissa, ou quando o fundamento procurado não seja

exatamente adequado para sanar a lacuna jurídica do direito a ser tutelado.

Art. 8º. As autoridades administrativas e Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas

gerais de direito, principalmente do direito do trabalho e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

52

Amauri Mascaro Nascimento, em desenvolvimento do tema “Aplicação das

Normas Jurídicas”, enfatiza, por exemplo, a questão da plurinormalidade do

ordenamento:

A complexidade do ordenamento jurídico trabalhista resulta da coexistência, nele, de diferentes tipos de normas produzidas por meio de fontes estatais e não estatais e da dinâmica que apresenta essa plurinormatividade, na medida da sua constante renovação e das naturais dúvidas que, em cada caso concreto, surgem na tarefa de escolher qual é a norma que deve ser

aplicada. (2009, p. 103).

O entendimento das relações de trabalho sob um prisma mais abrangente,

abarcando institutos de Direito Civil, referentes tanto a obrigações como a contratos,

faz-se necessário em função de que:

No campo das relações de trabalho, infelizmente, a CLT ainda toma as rédeas do diploma positivo maior o qual serve como estatuto jurídico para as relações entre patrão e empregado. O Decreto-lei n. 5.452 de primeiro de

maio de 1943, Consolidação das Leis do Trabalho, parte do princípio protetor, mas se apega ao contratualismo e à limitação de direitos como forma de nortear relações altamente desiguais e conflituosas. (COELHO, 2008, p. 59-60).

Esta visão do autor advém do entendimento de que a CLT é uma codificação

das relações específicas entre empregador e empregado, não ensejando maior

leque protetivo que abarque explicitamente as relações na fase anterior ao contrato

de trabalho.

Como descreve José Afonso Dallegrave Neto:

É possível vislumbrar na própria legislação trabalhista uma espécie de código de conquista à classe trabalhadora. Tal conquista é, no entanto, limitada “aos frutos do trabalho laboral do trabalhador”. Para a classe patronal, aludida tutela normativa acaba por funcionar como uma espécie de código de limites, o que vale dizer: uma vez cumprida a CLT, o sistema jurídico se volta a favor do empregador, declarando ilegais as eventuais

reivindicações não consolidadas, ficando, assim, livre (o empresário) na legitimação do lucro sobre a mão de obra. (2010, p. 38-39).

Percebe-se, assim, que a doutrina entende que a verificação dos direitos do

trabalhador não pode ser somente uma questão de respeito ao texto da CLT, e sim o

53

resultado de uma análise com maior abrangência, invocando outros institutos do

sistema normativo nacional e, principalmente, o texto constitucional, para que o

resultado seja conseqüência de uma análise sistematizada do ordenamento jurídico.

Maurício Godinho Delgado destaca que: “A matriz de origem do Direito do

Trabalho é o Direito Civil, em especial, seu segmento regulatório das obrigações.

Em conseqüência, permanecem inevitáveis as relações entre os dois campos do

direito.” (2010, p. 74).

O que deve, entretanto, prevalecer nos contratos de trabalho são os

princípios da boa fé, da solidariedade e da justiça contratual, sendo a CLT, e as

peculiaridades oriundas das relações de trabalho em que não haja menção nela,

interpretada em conformidade com estes princípios. (COELHO, 2008).

Neste contexto, vale ressaltar o que é solidariedade contratual, para

Dallegrave Neto:

No plano jurídico, a solidariedade contratual pode ser vista como a negação da autonomia da vontade em sua concepção voluntarista e egoística e também como um aperfeiçoamento da autonomia privada. Tal evolução representa a transição do Estado Liberal para o Estado Social, importando uma nova visão de contrato: menos individualista, mais sociável. (2010, p.

538).

O destaque do autor ressalta que o cidadão que está à procura de emprego

deve ter seu caso estudado de forma mais abrangente que a mera análise celetista,

pois jamais irá questionar assinatura de documentos ou imposições feitas pelo futuro

empregador nas tratativas iniciais de emprego em virtude da sua necessidade de

trabalhar e da sua hipossuficiência contratual em relação ao futuro empregador,

fatos que enriquecem o entendimento de que o instituto deve ser analisado de forma

sistemática para existir.

54

2.8 O INTERESSE NEGATIVO

Dentro da construção da responsabilidade civil pré-contratual no Direito do

Trabalho, na sistemática das teorias já delineadas no presente estudo, resta abordar

questões referentes ao “interesse negativo”, já mencionado, e o seu significado.

Coelho (2008) destaca a necessidade do “interesse negativo” para o

desenvolvimento do estudo por tratar-se de uma medida de avaliação para a

indenização a ser aplicada no caso concreto existente neste campo.

Dallegrave Neto, comparando a indenização por dano contratual da por dano

pré-contratual, destaca: “Ao contrário, a reparação por dano pré-contratual atende

ao chamado interesse negativo, o que vale dizer: as despesas e os prejuízos

relativos à frustração da formação do contrato.” (2010, p. 143).

Trata-se da análise do caso no sentido de deixar as partes no estado

anterior ao do início das tratativas contratuais, com todos os ganhos ou reposição de

perdas.

Coelho (2008) menciona que o interesse negativo é o interesse na

recomposição das partes, sendo tutelada a confiança, e tal pode ocorrer analisando-

se o nível a que chegaram as tratativas.

Pela explanação doutrinária aqui exposta, o interesse negativo a ser

amparado trata-se do princípio da confiança, que faz com que a parte que,

acreditando na formalização de um contrato, tendo custo, ou deixando de ganhar

alguma coisa, possa ter ressarcidas suas perdas, ou o que deixou de ganhar, pela

quebra deste princípio pela contraparte.

Por Luciano Coelho:

55

Com efeito, o instituto evoluiu para abranger, além do negócio jurídico, também o ato jurídico, ou seja, fora do contexto de um contrato, passou-se a entender interesse negativo como uma proteção à confiança de que um negócio seria efetivado. A partir da ampliação do conceito, define-se o interesse como o dano sofrido pelo destinatário de uma declaração, em

razão da confiança e surgida no inter constitutivo de um determinado ato jurídico. O sentido subjetivo do interesse, portanto, significa quase que uma “tutela do desejo” que protege o valor, o investimento, e que restitui à situação anterior em relação ao momento inicial das tratativas. (2008, p. 107).

Desta maneira, não reflete só nas tratativas, mas também no negócio

jurídico que poderia ser realizado.

A construção doutrinária deste tipo de situação demonstra que a matriz

civilística do conceito sofre adaptações ao ser aplicada no Direito do Trabalho pela

impossibilidade de voltar-se ao estado anterior, vislumbrando-se, no campo pré-

contratual, em sede de dano ao interesse negativo, um ilimitado rol de

possibilidades, envolvendo danos íntimos ou morais (COELHO, 2008).

Nesta seara, percebe-se que o “interesse negativo” tem como base a tutela

da frustração causada ao trabalhador diante a sua não contratação, passando-se

então à análise da “perda de uma chance” como argumento da reparação por

“interesse negativo”.

2.8.1 A perda de uma chance

A perda de uma chance faz parte da construção jurídica que determina o

amparo ao interesse negativo.

O autor Luciano Coelho (2008) descreve-a também como se tratando da

perda sofrida pelo candidato a emprego pela confiança sentida na outra parte, que

deixou de cumprir com o contrato de trabalho que estava sendo formulado no

momento das entrevistas e testes.

56

Carlyle Popp destaca a problemática da indenização em razão da ruptura

ilegítima das tratativas, que gera influência sobre o tema ora estudado, da seguinte

forma:

Os motivos alegados para a ruptura não podem ser falsos, pois se forem e, ante esta circunstância, a outra parte sofrer danos, possível será o dever de indenizar. Imagine-se uma negociação entre dois empresários visando à compra da empresa de um deles. Chega um momento em que o candidato a comprador rompe as negociações alegando que o faz pelos

incontornáveis problemas econômicos da empresa objeto da aquisição. Se, tal informação for divulgada e tornar-se pública, inúmeros transtornos poderá sofrer dita empresa, mormente se a sua atividade depende de um elevado grau de confiança no mercado. (2011, p. 263).

Neste contexto, transferindo-o para a seara trabalhista, não seria justa a não

contratação de um candidato que, acreditando nas tratativas iniciais com uma

empresa, abandonou oportunidade em outra empresa, sem que este tenha devida

reparação material e moral. Pode-se ainda, por analogia, entender que, se o

candidato possui um renomado currículo profissional, como terá argumentos para

justificar a sua não contratação diante da sociedade empresarial? Diante deste fato

hipotético, seria mais que justa a reparação material e moral deste candidato.

Carlyle Popp, em sua obra, referindo-se às formas de tutela no interesse

negativo, destaca que:

Os prejuízos a serem indenizados no âmbito do interesse negativo são todos aqueles que a parte perdeu, ou deixou de ganhar, pelo fato de ter entrado em negociações. Significa dizer que objetiva o retorno ao status quo ante, no que tange aos danos emergentes e, com relação aos lucros cessantes, no reparo por todas as oportunidades perdidas. (2011, p. 279).

O que importa na questão da responsabilidade civil pré-contratual, seja na

questão da discriminação, na perda de uma chance, na desvaloração do princípio da

boa fé e dos deveres laterais de conduta no Direito do Trabalho, do abuso no

momento da seleção de candidatos, da falta de cuidado com as informações

57

pessoais dos candidatos e da frustração de uma expectativa, é que sua base está

na preocupação de que a lesão da confiança não pode ficar desprotegida.

Feitas as considerações sobre o “interesse negativo”, faz-se pertinente

analisarmos o conceito do “interesse positivo” e suas considerações.

2.9 A TUTELA DO INTERESSE POSITIVO

A tutela do interesse positivo significa, em poucas palavras, a

obrigatoriedade do futuro empregador em empregar o candidato a emprego diante

da fase em que se encontra o processo de seleção e do grau de expectativa gerado

a este candidato.

Para fundamentar esta situação, o autor Luciano Coelho faz o seguinte

relato em sua obra:

O Código de Defesa do Consumidor positivou uma hipótese de cumprimento forçado de contrato, no art. 35, I, do diploma. No campo

trabalhista, os dispositivos da Lei 7.853/89 art. 2º, inciso III, d e art. 36 e 8º, III, obrigam a contratação de pessoas portadoras de deficiência. O art. 429 da CLT obriga a contratação de aprendizes no percentual de 5 a 15% dos trabalhadores em empresas cujas funções demandem formação profissional nos serviços de aprendizagem. Não é fato, assim, que é possível que haja obrigatoriedade de contratar. (2008, p. 126).

Desta forma, em que pese haja ao empresário uma geral liberdade de

contratar, dependendo do nível em que se encontram as negociações, e levando em

consideração algumas prerrogativas que justifiquem a tutela positiva, haverá então a

obrigatoriedade de contratação oriunda da responsabilidade civil pré-contratual, com

base em seus fundamentos.

58

O artigo 42713 do novo Código Civil também pode ser utilizado para destacar

a obrigatoriedade de contratar à medida que o processo seletivo avança, por criar

obrigações recíprocas próprias da fase pré-contratual, sendo necessária a

contratação não como oriunda da consideração de aspectos subjetivos, mas sim em

consideração à penalização da empresa que não cumpriu com sua função social.

Luciano Coelho (2008) também destaca a tutela do interesse positivo

amparada pelo Código de Processo Civil pátrio, que reforça ainda mais a aplicação

da teoria da culpa in contrahendo, a saber:

Art. 466-B. Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado.

O Código Civil lusitano no artigo 227, também adota a teoria da culpa in

contrahendo, verbis:

Art. 227. Quem negocia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nas preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.

Assim, Coelho salienta que:

O legislador adotou a teoria da proteção ao interesse negativo e, quanto à expressão “o mesmo efeito do contrato não cumprido”, não se pode dar outra interpretação que não a de que seria possível o cumprimento específico da obrigação mesmo em face da liberdade de contratar, ou seja, pode o juiz do Trabalho, em casos específicos, demonstrada a

responsabilidade pré-contratual e a violação aos deveres de conduta decorrentes da tutela da confiança, impor o cumprimento do contrato conforme seria desejado pela parte. (2008, p. 129).

Desta forma, percebe-se que a liberdade de contratar está limitada em

função da possibilidade de existência de práticas abusivas, e que a conseqüência da

13

A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.

59

não contratação desemboca na obrigatoriedade de indenização, ou até mesmo na

de contratação do candidato a emprego dependendo do caso concreto.

60

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se pretendeu com este Trabalho de Conclusão de Curso, foi

demonstrar o nível de dificuldade que os juristas vêm encontrando quando o assunto

é a responsabilidade civil no pré-contrato de trabalho.

Com isso, procurou-se demonstrar qual é o cerne, como funciona a

construção jurídica que ampara a existência da responsabilidade civil pré-contratual

em Direito do Trabalho, bem como a exigência da utilização de outras fontes do

Direito para sustentar a existência do instituto.

Diante ao presente estudo verificou-se que a tecnologia e a globalização

podem ser determinantes na caracterização do dano ao candidato a emprego, que,

conseqüentemente, ensejará a responsabilidade civil pré-contratual ao possível

futuro empregador.

Que a relação de emprego é considerada como um contrato, e que, desta

forma, faz-se pertinente também a verificação desta sob a ótica da teoria das

obrigações.

Na descrição dos elementos que caracterizam o instituto, verificou-se a

necessidade da análise, a cada caso concreto, sob a ótica do Direito Constitucional,

do Direito Civil, aplicando os princípios gerais do Direito, de forma a levar esta

análise no sentido da busca não só do Direito, mas, acima de tudo, da Justiça,

situação esta comprovada hermeneuticamente pelos institutos vistos nesta

pesquisa.

61

O reflexo de todo este estudo está nas opiniões descritas na jurisprudência

que refletem nos julgamentos em razão das diferentes formas de análise e solução

do caso concreto.

Sem contar que estas situações muitas vezes vêm originando decisões

injustas ao jurisdicionado, que não consegue obter uma resposta favorável ao seu

caso concreto no Judiciário, proporcionando ao empregador uma importância ainda

maior, e destacando ainda mais a supremacia do empregador em detrimento do

trabalhador.

Assim, o trabalho proposto pautou-se em analisar os aspectos da ciência do

direito utilizados nas decisões judiciais sobre o tema, ressaltando uma visão mais

favorável aos candidatos a uma vaga de trabalho, tornando-os, com base na lei,

sujeitos igualados a trabalhador, para a efetividade da proteção de seus direitos.

62

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