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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ SUELEN DOS SANTOS CAMILLO UM PASSEIO POR ALICE: DO ROMANCE AOS QUADRINHOS. CURITIBA 2012

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

SUELEN DOS SANTOS CAMILLO

UM PASSEIO POR ALICE: DO ROMANCE AOS QUADRINHOS.

CURITIBA

2012

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SUELEN DOS SANTOS CAMILLO

UM PASSEIO POR ALICE: DO ROMANCE AOS QUADRINHOS.

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Língua Portuguesa e Estudos Literários, da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito avaliativo para aprovação da Especialização do curso. Orientadora: Professora Ms. Deisily de Quadros.

CURITIBA

2012

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TERMO DE APROVAÇÃO

SUELEN DOS SANTOS CAMILLO

UM PASSEIO POR ALICE: DO ROMANCE AOS QUADRINHOS.

Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do grau de Especialista em Língua Portuguesa e Estudos Literários no Curso de Especialização em Língua Portuguesa da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, ______ de _______________________ de 2012.

__________________________________________________

Especialização em Língua Portuguesa Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador(a): Professora Ms. Deisily de Quadros

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Dedico este trabalho especialmente à

minha família, pelo apoio que recebi

durante todo o tempo que estive fora do

lar com o objetivo do estudo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela bênção diária, me concedendo saúde e a possibilidade

de aprender algo novo a cada dia.

Agradeço também a meus pais, pelos bons exemplos passados, pois sempre

se esforçaram para dar para mim uma educação com qualidade.

Aos professores, em especial a minha orientadora, a qual orientou este

trabalho com seu entendimento do assunto.

A todos agradeço pela atenção, respeito e confiança que depositaram em

mim.

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Resumo

O presente trabalho trata a transposição do clássico Aventuras de Alice no país das

maravilhas para a história em quadrinhos, que ocupa um lugar de destaque na

escola por ser foco de interesse dos pequenos leitores. Temos como objetivo geral

analisar como o clássico foi adaptado à linguagem dos quadrinhos, averiguando as

transformações ou manutenções dos elementos literários, além de estabelecer as

relações entre a obra analisada e as adaptações (quadrinhos) e discutir sobre a

importância das histórias em quadrinhos para Literatura Infantil e Juvenil. Para a

elaboração deste trabalho foi utilizada a pesquisa bibliográfica, que constitui no

exame de obras de vários autores das áreas de literatura e cartunistas. O método

utilizado foi o dedutivo de abordagens, por meio do qual se partiu de proposições

gerais sobre a recepção de literatura infantil e juvenil. Por meio da leitura e análise

de textos teóricos sobre adaptação, clássicos e Estética da Recepção, verificou-se

que a adaptação é uma estratégia para que os leitores em formação tenham acesso

aos clássicos e que o autor responsável pela adaptação é também um leitor e

constrói seu texto pautado no seu tempo histórico, no seu leitor empírico e no seu

repertório.

Palavras-chave: Literatura Infantil e Juvenil; História em Quadrinhos; Adaptações;

Estética da Recepção; Literatura e escola.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - MÔNICA ADOLESCENTE...................... ..............................................58

FIGURA 2 - RAINHA DE COPAS......................... ....................................................61

FIGURA 3 - O CHÁ DAS CINCO......................... .....................................................62

FIGURA 4 - CAMPO DE FUTEBOL ........................ .................................................63

FIGURA 5 - A TARTARUGA E O GRIFO................... ..............................................65

FIGURA 6 - A TURMA DA MÔNICA JOVEM EM SUA REALIDADE ......................66

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................10

2. ANÁLISE DA OBRA AVENTURAS DE ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS ...12

2.1 O AUTOR E SUA OBRA..............................................................................................14

2.2 ALICE E O CONTEXTO HISTÓRICO ........................................................................19

2.3 ALICE E AS PITADAS DE SURREALISMO .............................................................21

2.4 O MUNDO DO REALISMO MÁGICO........................................................................24

2.5 ALICE E CARROLL - CURIOSIDADES.....................................................................26

2.6 OS SÍMBOLOS VISITAM O PAÍS DAS MARAVILHAS..........................................29 3. O SURGIMENTO DAS ADAPTAÇÕES DOS CLÁSSICOS E SEU CONTEXTO

HISTÓRICO. .............................................................................................................33

3.1 LOBATO: ÍCONE DO INÍCIO DAS ADAPTAÇÕES NO BRASIL...........................34

3.2 O SURGIMENTO DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO BRASIL...................37

4. AS ADAPTAÇÕES DE TEXTOS CLÁSSICOS PARA A LEITURA .....................42

4.1 A LEITURA DE HQS E A ESCOLA............................................................................43

4.2 A ADAPTAÇÃO DOS CLÁSSICOS ............................................................................45

4.3 A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS........................................................................50

4.4 CONHECENDO O MANGÁ.........................................................................................52

4.5 A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO.....................................................................................54

4.6 ALICE: DIÁLOGO ENTRE O CLÁSSICO E OS QUADRINHOS.............................57

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................ ......................................................68

REFERÊNCIAS.........................................................................................................70

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho, orientado pelo método dedutivo de abordagem e

desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica, objetiva analisar os elementos

literários presentes em Aventuras de Alice no país das maravilhas, a importância das

histórias em quadrinhos para a literatura infantil e juvenil, bem como analisar como o

clássico foi adaptado à linguagem dos quadrinhos e verificar o espaço que os

mesmos ocupam nas adaptações de textos para crianças.

Aventuras de Alice no país das maravilhas é um clássico da Literatura infantil e

juvenil. Já foi adaptado para a linguagem cinematográfica – filmes e desenhos,

sendo que a adaptação mais recente data de 2010. Neste mesmo período, a

Maurício de Sousa Produções lançou uma leitura do clássico em quadrinhos, em

dois números: A turma da Mônica jovem no país das maravilhas. É com a intenção

de verificar como se deu a manutenção ou transformação dos elementos literários na

adaptação para os quadrinhos que se desenvolve o presente estudo, estabelecendo

as relações entre a obra analisada e a adaptação (quadrinhos).

Por derradeiro, esta monografia, dividida em três capítulos, fará uma breve

análise da obra Aventuras de Alice no País das Maravilhas, o surgimento das

adaptações dos clássicos e seu contexto histórico, a Estética da Recepção e a

adaptação da obra de Lewis Carroll para os quadrinhos, utilizando-se de texto base

do clássico Aventuras de Alice no País das Maravilhas e Revista Turma da Mônica

Jovem, no País das Maravilhas.

Posteriormente, abordaremos os benefícios que estas adaptações podem

trazer para a literatura infantil e juvenil, mostrando o lugar que as histórias em

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quadrinhos ocupam na escola por serem foco de interesse dos leitores em formação,

aproximando-os dos clássicos.

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2. ANÁLISE DA OBRA AVENTURAS DE ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS

No início da obra, Alice estava sentada ao lado de sua irmã e não tinha nada

para fazer: uma vez ou duas ela dava uma olhadinha no livro que a irmã lia, mas não

havia figuras ou diálogos nele.

Não havia nada de muito especial nisso, também Alice não achou muito fora do

normal ouvir um coelho vestido com luvas de pelica falar. A menina avistou que o

coelho dirigia-se para uma grande toca embaixo da cerca e ela resolveu segui-lo e

caiu naquele buraco que parecia ser muito fundo. Após sua queda, Alice encontrou

um frasco de bebida, o qual acaba bebendo, encolhendo logo em seguida. Depois,

encontrou um bolo que a fez voltar ao tamanho real.

No decorrer da obra, Alice acaba caindo em uma lagoa feita de suas próprias

lágrimas, e enquanto nada, encontra-se com um camundongo com quem conversa

muito até comentar sobre sua gata, fato que acaba espantando o rato.

Com o avançar da história, o Coelho Branco volta vagarosamente, procurando

pelo leque e o par de luvas brancas, confundindo assim, Alice com Mary Ann, sua

empregada.

Na trajetória da história, Alice comenta com a lagarta sobre a questão de seu

tamanho, recebendo um conselho do animal.

No decorrer de sua aventura, ela acaba encontrando também uma pomba que

afirma que Alice seria uma serpente, pelo fato de ela possuir um pescoço comprido.

Por um minuto ou dois, Alice parou olhando para a casa, tentando imaginar o

que fazer a seguir, quando repentinamente um lacaio vestido com libré apareceu

correndo vindo da direção da floresta e bateu com estardalhaço na porta com os nós

dos dedos. Quem abriu foi outro lacaio de libré, com uma cara bem redonda, e olhos

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grandes como um sapo; e ambos os lacaios, Alice notou, tinham os cachos dos

cabelos empoados. Ela estava muito curiosa para saber o que se passava e rastejou

para fora da floresta para ouvir.

O Peixe-Lacaio, como Alice chamava-o, começou por retirar por debaixo do

braço uma enorme carta, ou seja, um convite da Rainha para jogar críquete.

Chegando ao local, havia uma porta que dava diretamente para uma grande

cozinha, que estava cheia de fumaça de um lado ao outro: a Duquesa estava

sentada num tamborete de três pernas bem no meio, embalando um bebê e

cantando uma espécie de cantiga de ninar escondido:

Falo grosso com seu bebezinho E espanque-o quando ele espirrar

Porque ele é bem malandrinho, Só o faz para azucrinar.

Refrão:

(com a participação da cozinheira e do bebê) Oba! Oba! Oba! (CARROLL, 1985, p.73).

Neste momento a Duquesa arremessa o bebê para Alice.

Durante a aventura de Alice, ela encontrou também uma mesa arrumada

embaixo de uma árvore, onde a Lebre de Março e o Chapeleiro estavam tomando

chá, um Leirão estava sentado entre os dois, dormindo profundamente, e os outros

dois o usavam como almofada, descansando sobre ele e conversando sobre sua

cabeça. A menina também foi convidada para tomar esse chá com o chapeleiro

maluco.

Como se não bastasse tanta aventura, a menina depara-se com uma grande

roseira de rosas brancas na entrada do jardim, mas havia três cartas de baralho que

eram os jardineiros e se ocupavam em pintá-las de vermelho.

Alice foi convocada pela rainha para jogar críquete e, durante a partida, ainda

teve de enfrentar um julgamento feito pela rainha, sendo que esta era também

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maluca, pois se houvesse algo errado ela pedia a seus subalternos que cortassem a

cabeça de quem desobedecia a suas ordens.

Finalmente, após tanta aventura vivida por essa menina, ela foi acordada por

sua irmã desse sono tão pesado e maluco. Ela levantou-se e saiu correndo,

pensando enquanto corria que aquele tinha mesmo sido um sonho maravilhoso. Mas

sua irmã ficou lá mesmo, pensando na pequena Alice e em suas maravilhosas

aventuras, imaginou como seria o futuro quando Alice se transformasse em uma

mulher adulta, se ela manteria o mesmo coração afetuoso da sua infância. Pensou

também como ela sempre estaria cercada de criancinhas e faria os olhos delas

brilharem com muitas histórias estranhas, talvez até mesmo com o sonho do País

das Maravilhas de há muito tempo. Como ela adoraria compartilhar de suas tristezas

simples e alegrar-se com suas brincadeiras ingênuas, lembrando-se da sua própria

infância e daqueles felizes dias de verão.

2.1 O AUTOR E SUA OBRA

Charles Lutwidge Dodgson (*27/01/1832 – +14/07/1898) é o nome do autor

desta obra fantástica. Ele publicou suas obras sob o pseudônimo de Lewis Carroll,

nasceu em 27 de janeiro de 1832 em Cheshire na Inglaterra. Era professor de

matemática em Oxford, escreveu o primeiro livro Aventuras de Alice no país das

maravilhas em 1865, dedicando sua escrita para Alice Liddell, filha de amigos seus.

A continuidade de sua narrativa se deu com a obra Através do Espelho e o que Alice

encontrou por lá, publicada em 1872. Carroll morreu em 14 de julho de 1898, em

decorrência de uma bronquite.

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Charles Dodgson foi um dos mais distintos professores de Lógica da

Universidade de Oxford. Escreveu várias obras, panfletos e pequenos textos sobre

matemática e Lógica dos quais se destacam:

• A Syllabus of Plane Algebraic Geometry (1860)

• The Fifth Book of Euclid Treated Algebraically (1865/1868)

• An Elementary Treatise on Determinants (1867)

• Some Popular Fallacies about Vivesection (1875)

• Euclid and His Modern Rivals (1879)

• A Tangled Tale (1885)

• The Game of Logic (1887)

• Curiosa Mathematica, (1888)

• Pillow Problems (1893)

• Symbolic Logic (1896)

Em seus livros infantis há inúmeros problemas de matemática e lógica

ocultos no seu texto. Em Aventuras de Alice no país das maravilhas, a personagem

Alice entra em uma toca atrás de um coelho falante e cai em um mundo fantástico e

fantasioso. Muitos enigmas contidos em suas obras são quase que imperceptíveis

para os leitores atuais, principalmente os não-anglófonos, pois continham

referências da época, piadas locais e trocadilhos que só fazem sentido na língua

inglesa.

Um exemplo é quando, durante o chá, o Chapeleiro Maluco pergunta à Alice:

“Em que se parece um corvo com uma secretária?”. A resposta para a charada só

faz sentido na língua inglesa: na secretária nunca (never) se escreve de trás para a

frente e no corvo a palavra nunca (nevar) escreve-se de trás para a frente (raven).

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O livro conta a história da pequena e curiosa Alice, que sonha acordada

enquanto ouve a sua irmã ler um "livro sem imagens" e, quando um estranho coelho

passa correndo a seu lado, falando sozinho, ela decide segui-lo. Enquanto Alice

persegue o coelho através da sua toca escura, chega ao País das Maravilhas, onde

tudo pode existir. O que se segue é uma hilariante e engraçada aventura,

descrevendo os encontros de Alice com os habitantes desta estranha terra

encantada e misteriosa.

As histórias de Carroll possuem referências histórico-linguísticas, sendo muitas

vezes necessária a decodificação para uma compreensão mais ampla de sentido do

que é dito. Carroll usou elementos típicos dos contos de fadas para chamar a

atenção das crianças, como animais que falam e a presença de reis e rainhas, além

da cronologia indefinida. Porém, as histórias de Alice não podem ser consideradas

contos de fadas, pois abordam questões históricas em suas narrativas, como por

exemplo, críticas à sociedade inglesa do período vitoriano.1

A obra reproduz vários aspectos comuns à cultura inglesa da época vitoriana.

Até mesmo na Inglaterra é provável que o leitor de Alice não seja capaz de

compreender todos os significados propostos por Carroll, considerando os costumes

do século XIX, as menções ao folclore regional, as piadas que só eram entendidas

em Oxford e as alusões à sociedade daquele período.

A inversão do sentido presente na obra pode ser caracterizada como crítica,

considerando a Inglaterra de meados do século XIX como um dos países onde mais

se afirmava a racionalidade, ou ao menos um princípio lógico para justificar tudo na

1 O período vitoriano (1837- 1860), as virtudes vitorianas eram especificamente vinculadas à postura moral, entendendo-se moral vitoriana como o conjunto de respostas, tanto emocionais como intelectuais, a um processo histórico permeado por crises, revoluções e avanços científicos. Eram consideradas virtudes, no século XIX inglês, a disciplina, a retidão, a limpeza, o trabalho árduo, a autoconfiança, o patriotismo, entre outros.

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sociedade, até mesmo questões difíceis de serem justificadas, como os privilégios e

a miséria.

Nesta obra, originalmente publicada em 1865, pode-se dizer que há duas

histórias protagonizadas por Alice: Aventuras de Alice no país das maravilhas e

Através do espelho e o que Alice encontrou por lá. Os leitores de Alice descobrem

na obra elementos surreais, ou seja, algo que não existe na realidade humana,

totalmente nonsense, algo que um adulto pode diferenciar da realidade, porém para

uma criança é um chamariz, um convite à leitura. Um exemplo desse fato é quando

ocorrem falas entre Alice e os animais ou algumas situações encontradas no país

das maravilhas, como por exemplo: “ ‘Camundongo!’ disse Fúria, não me

envergonhe com lamúria, vamos já ao tribunal...” (CARROLL, 1985, p.39).

Nesta citação, o camundongo fala de seu próprio rabo, e neste trecho existe o

desenho do rabo do rato, ou seja, o autor deixa a fala do rato com representação de

um rabo comprido, o autor utiliza este momento para chamar a atenção do público

leitor, as crianças.

“ ‘Você não está prestando a atenção!’ disse o camundongo severamente a

Alice. Em que está pensando?” (CARROLL, 1985, p.40). Nesta passagem, o

camundongo, ou seja, o rato continua conversando com Alice, o que caracteriza o

diálogo entre um animal e um ser humano.

No capítulo 5 da obra, Conselho de uma lagarta, a lagarta lê o pensamento de

Alice e tenta aconselhá-la. Tem-se, portanto, mais uma vez o diálogo entre

diferentes espécies: animais e humanos. “Recite ‘Está velho, Pai Willi’, disse a

Lagarta” (CARROLL, 1985, p.58).

Percebe-se durante todo percurso de leitura que a personagem Alice é uma

menina corajosa, inteligente e racional, a quem as coisas mais fantásticas

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simplesmente vão acontecendo, sem muita lógica nem explicação. Na obra existem

fatos que muitas vezes retratam um paralelo entre o sonho e realidade,

característica esta sempre presente no livro. Embora alguns personagens sejam

mais “fixos”, como a própria Alice, o coelho, o camundongo, etc, e estejam presentes

no decorrer da história, muitos outros personagens surgem e desaparecem de forma

rápida como a própria lagarta, por exemplo, que aconselha e desaparece, porém

sempre com algo a ser dito. Esses dizeres algumas vezes são entendidos pela

protagonista e outras não.

A cada capítulo a obra traz algo inusitado, já que não é fácil a antecipação do

que irá acontecer ou de que personagem estranho aparecerá. Isso acontece devido

ao fato do texto tratar-se de um conto maravilhoso, tendo como cenário um lugar

imaginário – o país das maravilhas – onde tudo pode acontecer, não se fazendo

necessária uma sequência lógica dos acontecimentos.

Diversas passagens sugerem a existência de referências e conceitos

matemáticos, como as questões dos trocadilhos humorísticos e também os próprios

jogos de lógica, ou ainda os personagens em formato de cartas de baralhos. Este

fato demonstra que Carroll utiliza desses instrumentos propositalmente, pois como

foi anteriormente relatado ele era matemático. Segue abaixo, um exemplo de

trocadilho e referência da época presentes na obra, porém são difíceis de serem

entendidos hoje em dia, além de só fazerem sentido na língua inglesa:

Como pode o crocodilo Fazer sua cauda luzir, Borrifando a água do Nilo Que dourada vem cair? Sorriso largo,vai nadando, E de manso, enquanto nada, Os peixinhos vai papando Co’a bocarra escancarada! (CARROLL, 1985, p.26).

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Esta citação, por exemplo, trata-se de um dos muitos poemas da cultura

popular do período vitoriano que são parodiados por Carroll em sua obra.

Atualmente, muitos desses poemas originais foram esquecidos, o que faz com que

as paródias passem despercebidas mesmo pelos leitores ingleses.

Entende-se que as obras literárias funcionam como mediadoras entre o leitor e

o mundo. Desse modo, a obra literária contribui para o desenvolvimento da criança e

do adolescente, permitindo à criança dominar e apropriar-se de conhecimentos que

lhe tornam mais hábil, realizando ações que somente realizaria com ajuda de um

adulto. O papel da literatura não é o de ensinar aquilo que a criança tem capacidade

de aprender por si mesma, mas sim fazer com que ela tenha curiosidade em

conhecer o clássico, o leitor pode ser gestor dessa aprendizagem, uma vez que está

capacitado a realizá-la com autonomia. Podemos dizer que essas narrativas

clássicas constroem um leitor autônomo, cujo processo cognitivo é potencializado

pela leitura.

2.2 ALICE E O CONTEXTO HISTÓRICO

Pode se afirmar que a narração existente na obra Alice no país das maravilhas

confronta-se com algumas características da literatura vitoriana, demonstrando que

a obra pode ser lida com um olhar crítico à Inglaterra do século XIX, que tinha como

uma de suas características principais a repressão da vontade individual. Observe

abaixo algumas características presentes na narrativa do livro.

De acordo com o primeiro capítulo da obra pode-se perceber a seguinte

citação:

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Alice começava a enfadar-se [grifo nosso] de estar sentada junto à irmã e não ter nada o que fazer: uma ou duas vezes espiara furtivamente o livro que ela estava lendo, mas não tinha figuras nem diálogos, “e de que serve um livro” – pensou Alice – “sem figuras nem diálogos?” Assim meditava, ponderando (tanto quanto podia, pois o calor a deixava sonolenta e entorpecida) e o prazer de tecer uma grinalda das margaridas valeria o esforço de levantar-se e colher as flores, quando de súbito um Coelho Branco de olhos róseos passou perto dela [...] quando o Coelho tirou um relógio de bolso do colete e deu uma espiada, apressando-se em seguida, Alice levantou-se sem demora, pois assaltou-a a ideia de que jamais vira na sua vida um coelho de colete e bolso, e muito menos com um relógio dentro. (CARROLL, 1985, p.41).

Observa-se que na citação supracitada Alice estava sentada juntamente com

sua irmã e que começava a enfadar-se por não ter nada para fazer. O enfado está

presente no estado inicial de Alice. A palavra “enfado”, segundo dicionários, possui

dois significados, tendo como o primeiro, “desagradável” ou “incômodo”. Seu

segundo significado seria: “zanga” ou “aborrecimento”. Por essa definição, pode-se

dizer que Alice estava ou incomodada pela sua situação ou aborrecida por causa

dela ou as duas coisas. O estado inicial de Alice é o resultado do contexto no qual

ela está inserida, é um estado fixo, de monotonia. Se Alice for considerada como um

indivíduo pertencente à sociedade inglesa vitoriana, sendo representante dessa

sociedade, o seu estado de tédio, cansaço, aborrecimento, na realidade, pode ser

considerado como sendo causado pela sociedade vitoriana que era opressora.

As crianças no contexto atual também muitas vezes encontram-se como Alice,

enfadadas, ora por não terem nada para fazer, ora por terem atividades em excesso.

A passagem da infância para a adolescência continua sendo conflituosa, sendo um

dos fatores que fazem de Alice um clássico: é uma história que continua atual, tendo

ainda o que dizer na atualidade.

Esse estado de tédio, na narrativa, é quebrado pelo elemento mágico,

introduzido pelo Coelho Branco, que desperta em Alice a curiosidade e a vontade de

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ir atrás do que é diferente, da aventura, isto é, ela sai de um estado de tédio, para o

movimento, para a mudança. Alice é manipulada pelo querer entrar na toca do

Coelho. Essa manipulação, entretanto, é impulsionada pelo contexto, ou seja, a

sociedade vitoriana acaba impulsionando Alice a ir atrás de aventura, saindo da

passividade. Ela entra na toca sem pensar como sairia dali ou quais seriam as

consequências de seus atos. Ela simplesmente age, seguindo os seus impulsos:

Ardendo de curiosidade, correu atrás do Coelho campo afora, chegando justamente a tempo de vê-lo enfiar-se numa grande toca sob a cerca. Logo depois Alice entrou atrás dele, sem pensar sequer em como sairia dali outra vez. (CARROLL, 1985, p.41).

Pode-se observar que a atitude da menina é uma transgressão em relação ao

comportamento infantil da época.

Segundo Bruna Perrella Brito (2007), a sociedade da época vitoriana

acreditava que, para se ter um comportamento infantil, as crianças deveriam ter a

consciência de culpa e aprovação. A pressão que os adultos recebiam da sociedade

era, então, repassada para as crianças, que, logo no início da vida, já eram expostas

a um dogmatismo moral e a um maniqueísmo extremista. “O universo infantil era

povoado por esses dois conceitos que, ao final, eram regidos por um único: medo.

Medo da punição – uma das poucas certezas que aquele mundo apresentava”.

(MORAIS, 2004, p.68).

2.3 ALICE E AS PITADAS DE SURREALISMO

O livro Aventuras de Alice no país das maravilhas apresenta uma narrativa de

um sonho de uma garotinha chamada Alice. Como na maioria dos sonhos, é muito

comum que não existam regras para realidade. Alice precisa entender e resolver o

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todo daquele seu novo mundo que existe em seu sonho antes que sua irmã a

acorde e a traga de volta ao mundo real e normal.

Durante a leitura da obra, pode-se observar a viagem de Alice pelo País das

Maravilhas como uma metáfora do surgimento de conflitos e aprendizados da

adolescência, o que é evidenciado pela questão do tamanho da personagem – que

ora torna-se pequena, ora torna-se grande – sentimento oscilante que caracteriza

esta etapa da vida, pois quando crescemos temos de ter mais responsabilidades.

No momento em que o pescoço de Alice cresce, sua capacidade de

observação se torna mais ampla. Depois de experiências vividas na adolescência

passamos a ter uma nova visão do mundo. Alice considera o País das Maravilhas

mais divertido, mas sente saudades do mundo real. O adolescente adora as novas

possibilidades dessa fase, mas sente saudade das facilidades da vida enquanto

criança.

No país das maravilhas, Alice sente que pode usar a mágica como recurso

para tornar-se invencível. Ao afirmar que quando for adulta vai escrever um conto de

fadas, revela o desejo de controlar tudo o que acontece no mundo a sua volta.

Ao final do livro, Alice recupera seu tamanho normal, porém a maturidade vinda

das experiências vividas ao longo da história a investe de uma grande coragem para

enfrentar o julgamento. Quando Alice acorda, sua irmã pensa consigo mesma se ao

crescer ela conservará o coração simples e amoroso da infância. Lembra alguém

que passou pela adolescência e se recorda dela com saudades. Nesse momento, a

irmã de Alice percebe que ela despertou do sonho muito mais madura.

O surreal é uma característica presente na obra. Um exemplo é o fato de Alice

aumentar e diminuir de tamanho sucessivamente em seu sonho. Observe as

citações abaixo:

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Que sensação estranha! disse Alice; devo estar encolhendo como um telescópio! (CARROLL, 1985, p.20). [...] agora só tinha vinte e cinco centímetros de altura e seu rosto se iluminou à idéia de que chegara ao tamanho certo para passar pela portinha e chegar aquele jardim encantador. (Idem, p.20). [...] quando eu for grande, vou escrever um... mas sou grande agora. (Idem, p.46).

Na citação acima Alice, ao descrever sua sensação ao encolher, apresenta

características surrealistas, pois tem-se a ausência da racionalidade e a

manifestação do subconsciente da personagem.

Segundo o dicionário Aurélio, surrealismo é automatismo psíquico puro pelo

qual se propõe exprimir, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra

maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência

de todo controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estética ou moral.

Se observarmos em algumas partes da obra Aventuras de Alice no país das

maravilhas, podemos detectar que Lewis Carroll constrói algumas passagens como

o próprio mundo em que Alice passa, onde ocorrem falas de animais, como o

camundongo, o coelho, a lagarta, etc. Outro fator muito importante também ligado ao

surrealismo é a questão do tamanho do Alice, que passa a ser modificado

simultaneamente.

De acordo com o autor André Breton (2001), o surrealismo é um sonho fora do

mundo real, isso ocorre quando o autor escolhe e cria um personagem e o faz

peregrinar pelo mundo. Haja o que houver, este herói, cujas ações são

admiravelmente previstas, tem a incumbência de não desmanchar, parecendo,

porém, sempre desmanchar quaisquer obstáculos. Os obstáculos da vida podem

parecer arrebatá-lo, rodá-lo, afundá-lo.

As características surreais descritas por André Breton estão presentes na obra

analisada, pois o autor Carroll trabalha muito com a questão do surrealismo,

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principalmente ao citar que os animais, como o próprio camundongo, adquirem

sentimentos e ações que somente os seres humanos possuem.

Há também a questão do tamanho de Alice, que vai além da realidade,

representando o crescimento da menina e os obstáculos encontrados no caminho

para a maturidade. A personagem busca se superar diante de cada obstáculo,

desenvolvendo a postura de uma heroína. Segundo o autor Jean Chevalier (1999), o

herói simboliza a união das forças celestes e terrestres. Mas não goza naturalmente

da imortalidade divina. O herói simboliza o elo evolutivo (o desejo essencial), a

situação conflitante da psique humana agitada pelo combate contra os monstros da

perversão. Pode-se afirmar que Alice, sozinha, procura meios de amadurecer, ou

seja, sair da infância buscando a adolescência e nem mesmo a sua constante crise

de identidade a impede de continuar questionando e desejando mudar seu tamanho

para ultrapassar portas e adentrar recintos novos. A última mudança acontece

espontaneamente, talvez porque Alice estivesse prestes a voltar à realidade.

2.4 O MUNDO DO REALISMO MÁGICO

Segundo Nelly Novaes Coelho (1991), as narrativas que decorrem no mundo

real são algo mágico e maravilhoso, como pode também ser um absurdo, ou seja,

acontecem coisas que alteram por completo as leis no mundo real. Segundo a

autora, foi Lewis Carroll quem explorou muito esse lado do realismo mágico em uma

das obras mais conhecidas, Aventuras de Alice no país das maravilhas, trabalhando

com um até então novo elemento chamado nonsense, o “sem sentido”, graça e

ludismo.

Primeiramente, podemos observar que no próprio título da obra Carroll utiliza

uma maneira de expressar essa magia, pois em seu livro, o país que ele constrói

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para Alice é algo surreal, como foi anteriormente comentado no decorrer deste

trabalho. Outro fator importante a ser discutido é a questão do próprio tamanho de

Alice, também considerado fora do real, algo realmente mágico.

De acordo com Coelho (1991), existem outras passagens que tornaram a obra

cada vez mais interessante e maravilhosa, a questão da própria linguagem devido

ao fato de o autor utilizar uma linguagem modificada e divertida. Também de acordo

com a autora supracitada, para a desestruturação da linguagem na obra, o autor

utiliza-se de diversos fatores, sendo o primeiro deles expressões idiomáticas

inglesas que são transpostas para outro contexto, ou seja, “louco como um

chapeleiro”, “Uma merenda maluca”, etc., utilizando-se a todo o momento as

palavras “louco” e “maluco”.

A segunda desestruturação decorrente na obra são as próprias canções de

ninar, cantigas e poesias escolares que são parodiadas por Carroll de maneira

cômica, como: “Oh como é lindo o crocodilo”. Outro fator muito importante a ser

lembrado são os elementos folclóricos presentes em Alice no País das Maravilhas,

como exemplo, o próprio Gato de Cheshire, que possui um riso de orelha a orelha e

aparece e desaparece para Alice.

Último fator a ser analisado são as palavras parônimas, pois a camada sonora

é explorada perfeitamente pelo autor, dando à narrativa uma grande comicidade

devido ao absurdo que a linguagem acarreta:

...Queremos crer que as maiores dificuldades encontradas pelos tradutores de Alice no país das maravilhas têm sido exatamente a inventividade do autor ao subverter as normas linguísticas, no tratamento das palavras parônimas. (COELHO, 1991, p.163).

Nelly Novaes Coelho (1991) afirma, na citação acima, que a narrativa é muito

divertida em seu formato original, portanto, o tradutor deve ter muito cuidado ao

traduzir a história, pois caso isso não ocorra corretamente, o tradutor pode acabar

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prejudicando a comicidade da obra, ou seja, ela não será tão engraçada como em

sua originalidade.

No decorrer da narrativa, ocorre também o jogo lógico-semântico, no qual

autor critica os diferentes costumes e estilos da época. Pode-se observar esta

característica no capítulo 9, “A história da falsa tartaruga”, onde a tartaruga conversa

com Alice a respeito das matérias estudadas em sua escola, trocando o aprender a

ler por cambalear, escrever por torcer, etc. O autor utiliza-se destes meios

procurando criticar o ensino da época.

2.5 ALICE E CARROLL - CURIOSIDADES

Segundo artigo publicado na revista Literatura (2011), por Marco Aurélio

Lucchetti, professor universitário e pesquisador de cinema e quadrinhos, no Brasil as

pessoas consideram Aventuras de Alice no país das maravilhas (Alice`s adventures

in wonderland, no original) literatura infantil e juvenil.

Ainda de acordo com o autor supracitado, a história de Alice surgiu como

narrativa oral e foi escrita devido a um pedido de uma das três meninas para quem a

história foi feita e contada.

As Aventuras de Alice no país das maravilhas uma obra indicada, inicialmente,

para maiores de dezoito anos, porém a aceitação de adultos para tal faixa etária é

difícil, pois a obra narra façanhas de uma menina em um mundo imaginário com

animais que falam e se expressam e se passa em um lugar que é governado por

cartas de baralho.

Tal livro é conhecido, pela grande maioria, por meio de adaptações, versões,

porém, algumas só empobrecem a obra original e acabam tornando sem graça e

simplório o rico texto de Lewis Carroll, que é destinado, então, ao público infantil.

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Ainda de acordo com Marco Aurélio Lucchetti (2011), lendo-se qualquer uma

das traduções de Alice, o leitor logo perceberá a imensa criatividade de Lewis

Carroll, que, utilizando-se no nonsense, - expressão usada para denotar um estilo

característico de humor sem sentido – fez, em Aventuras de Alice no país das

maravilhas, uma crítica divertida e mordaz às normas naturais que regem nossa vida

e aos costumes da era vitoriana, ou seja, as menções ao folclore regional, as piadas

que só eram entendidas em Oxford e as alusões à sociedade daquele período.

Outra curiosidade que o autor comenta é o fato de que Alice Liddell nasceu em

04 de maio de 1852. Lewis Carroll encontrou-a três anos depois, quando fez suas

primeiras fotos. Tomado de paixão platônica pela menina, Carroll a fotografou muitas

vezes, até Alice tornar-se adulta. Ela veio a se casar em 1880, com Reginald

Hargreaves, e teve três filhos. Morreu no dia 15 ou 16 de novembro de 1934, em

Hampshire, Inglaterra.

Paulo Henrique Fernandes Silveira, na revista Filosofia (2011), fala sobre a

lógica do nonsense em Carroll, afirmando que a mudança de tamanho de Alice – ou

seja, o fato da menina crescer e diminuir nas medições do mundo – não é nonsense,

mas que é improvável que isso ocorra por causa de um simples lanche, como

acontece na obra, quando Alice toma o suco de encolher e come o bolo de espichar,

ou seja, o autor deixa bem claro que nonsense não é algo falso, mas também não é

verdadeiro e nem pode ser. Trata-se de uma preposição absurda que se disfarça de

possível.

Por meio do nonsense, por exemplo, uma crítica à repressora sociedade

inglesa da época é realizada pelo personagem do coelho atrasadinho, que está

sempre estressado.

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Outros simbolismos encontrados na narrativa de Carroll está no fato de estar

tudo azul para a lagarta que Alice encontra fumando um narguilé e do bicho falar

lentamente, 'viajando' e filosofando, são até hoje associados ao consumo de ópio. A

droga que atualmente é ilegal tinha um uso medicinal na época de 1865.

A referência a cogumelos alucinógenos está ligada a lagarta doidona que

explica que comer do cogumelo em que está sentada pode fazer Alice crescer ou

diminuir de tamanho.

O habitante mais alucinado do País das Maravilhas aparece e desaparece em

vários momentos da trama apenas rindo. Pode ser que o gato tenha surgido das

algumas enxaquecas do autor, pois o mesmo relatou vários episódios de

alucinações em seu diário.

Na época em que a história foi escrita, muitos chapeleiros enlouqueciam de

fato, por causa da exposição ao mercúrio usado na fabricação de chapéus, então se

explica o fato de Alice se encontrar com o Chapeleiro Maluco em um tradicional chá

das cinco inglês.

Por meio desses exemplos, verifica-se que o nonsense surge muitas vezes do

real, tornando-se na obra uma preposição absurda, sem lógica, que se disfarça de

possível.

2.6 OS SÍMBOLOS VISITAM O PAÍS DAS MARAVILHAS

Pode-se afirmar que todos os objetos presentes na obra são símbolos, mas

não representam coisa alguma particularmente. Os objetos têm significação

individual e juntos convergem para um significado maior. O jardim pode ser a

simbolização do Jardim do Éden, em sua beleza idílica, permeado de pureza e

inocência, ao qual Alice não tem acesso imediatamente. Em um nível mais abstrato,

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talvez o jardim represente a experiência do desejo, ao qual Alice direciona toda sua

energia e emoção ao tentar alcançá-lo. O jardim é o adentrar na idade adulta, na

maturidade. É um lugar de transição, de passagem da infância e inocência, para um

nível de autoconhecimento.

A Lagarta Azul, assim como o jardim, também possui vários significados. Há

críticos que a veem como uma representação da ameaça sexual, até pelo seu

formato fálico, poderia representar a virilidade masculina. Alice tem que

compreender as propriedades do Cogumelo para ganhar controle sobre seu

tamanho oscilante, que representa as alterações físicas e emocionais da puberdade.

Segundo Chevalier (1999), o cogumelo que faz com que haja uma mudança no

crescimento de Alice é o símbolo da vida regenerada pela decomposição e

fermentação orgânica.

Ainda de acordo com Jean Chevalier (1999), a lagarta tem contra ela o

preconceito desfavorável ligado à larva que foi primitivamente, sendo um gênio

malfazejo. Em linguagem figurada, é a imagem da tendência a um mal aviltante,

como também a da feiura. Para ele, o símbolo da lagarta propõe a discussão de

toda a doutrina da transmissão, sem explicitá-la claramente em si mesma. Há outros

críticos que consideram a Lagarta como uma alusão a alguma substância tóxica,

algum psicodélico alucinógeno, que leva Alice a ter uma percepção surreal e

distorcida do País das Maravilhas.

Outro personagem muito importante que surge na obra é o coelho que aparece

logo no primeiro capítulo. Alice conta para os animais a sua experiência com o

coelho branco. Uma das simbologias do coelho é sua reprodução: o coelho pode ser

associado à fertilidade, que se inicia na menstruação da mulher - que é também um

marco do abandono da infância e do início da sexualidade, entretanto o adjetivo

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branco nos remete à pureza e à inocência, que são características atribuídas às

crianças, referências à própria Alice em relação à sua infantilidade. Logo, o coelho

também carrega nele sua dose dupla, a inocência e o início da sexualidade, e é ele

que desperta a curiosidade de Alice no início da obra, levando-a a pecorrer o trajeto

da infância à adolescência.

Para Jean Chevalier (1999), o coelho, bem como a lebre, está simbolicamente

associado à puberdade, fase em que apesar de não se ter mais a infância, ainda se

produzem frutos dela.

Pode-se afirmar também que os trocadilhos e charadas existentes na obra

também possuem símbolos. É o que se percebe na história contada pelo

camundongo. Observe abaixo:

“Furioso diz para o rato, Que ele conheceu em casa, “Vamos logo para o tribunal: nós dois Eu vou te processar! —Pode, vir logo, não vou querer adiar nem um minuto o julgamento vai ser agora Não tenho mesmo nada para fazer esta manhã.” Disse o rato para o monstro, “Este processo, prezado senhor, sem júri ou jurados, vai ser uma grande perda

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de tempo.” “Eu serei o júri. Eu serei o juiz,” respondeu o esperto Furioso. “Eu vou te julgar agora e agora, vou condená-lo à morte!” (CARROLL, 1985, p.39).

No trecho acima, pode-se perceber que além de o camundongo narrar sua

própria história, ela está no formato de seu próprio rabo, o que nos faz pensar ser

um símbolo na história infantil.

De acordo com o capítulo dez “A quadrilha das lagostas”, a tartaruga

juntamente com o Grifo explicam a Alice como funciona uma quadrilha onde as

lagostas teriam uma participação principal. Na quadrilha Alice aprende que todos

tem de dançar com as lagostas, pois cada par lança a lagosta ao mar. A lagosta tem

casco que no decorrer da vida são trocados e ao ser lançadas ao mar seria a forma

de mostrar que trocam seus cascos, ou seja, a lagosta abandona o casco, ou

infância, para se tornar mais adulta. Entretanto, cria-se a dualidade entre se atirar ao

mar e crescer, ou permanecer no casco, na areia, na terra firme e segura, como a

tartaruga o faz.

No décimo primeiro capítulo, “Quem roubou as tortas”, existe a representação

semelhante a Santa Ceia de Cristo, pois neste capítulo encontram-se uma mesa

onde há doze jurados e neste mesmo local encontra-se uma torta. A torta de

pimenta devido a sua cor vermelha, pode indicar um período menstrual da mulher,

ou seja, um amadurecimento.

No décimo segundo capítulo, “O depoimento de Alice”, no decorrer do

julgamento, Alice provoca um tumulto na corte e é ordenada a se retirar da mesma.

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Durante a obra, a menina recebe ordem de quase todos os personagens e as

cumpre. Porém, quando ela chega ao tribunal, impõe sua opinião, recusando-se até

mesmo a obedecer o Rei. Após o ocorrido, as cartas do baralho tentam atacá-la

mas, ao acordar, Alice percebe que eram folhas que caiam sobre ela. Entende-se,

então, que após demonstrar sua mudança de comportamento, ela inicia uma nova

fase em sua vida, ou seja, sua saída de um mundo de fantasias para um mundo real.

Assim, Aventuras de Alice no país das maravilhas apresenta em sua estrutura

caracterísicas do nonsense, bem como elementos simbólicos. A narrativa, se

observada com linearidade, demonstra ser um pouco confusa, mas sua simbologia

dá sentido a ela, tendo um papel fundamental para sua análise e compreensão.

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3. O SURGIMENTO DAS ADAPTAÇÕES DOS CLÁSSICOS E SEU CONTEXTO

HISTÓRICO.

Segundo Marisa Lajolo (1991), com a publicação de A Menina do Narizinho

Arrebitado em 1921, José Bento Monteiro Lobato inicia o que se convencionou

chamar de fase literária da produção brasileira destinada a crianças e jovens. Sua

obra foi um salto qualitativo, se comparada aos outros que o precederam, já que é

permeada do ânimo de debates sobre temas públicos contemporâneos, que o autor

problematiza de modo a ser compreendido por crianças e expressa em linguagem

original e criativa, na qual sobressai à busca do coloquial brasileiro, antecipatória do

modernismo.

Lobato perde sua ilusão com os adultos, acreditando que só as crianças

poderão modificar o mundo, tornando-as suas interlocutoras privilegiadas. Por isso,

trata em sua obra de temas sérios e complexos que até então não eram

considerados apropriados à infância, como: guerras, burocracia, ciência, petróleo.

Os problemas são apresentados de maneira simples e clara, de modo adequado à

compreensão do leitor. A simplicidade da linguagem, marcada pelo coloquialismo e

por “brasileirismos” inovadores, visa tornar agradável a leitura. Tantas novidades se

associam a época, marcada por revoluções e mudanças em todas as áreas.

Pode-se afirmar que Monteiro Lobato foi o primeiro escritor brasileiro a

acreditar na inteligência da criança, na sua curiosidade intelectual e na sua

capacidade de compreensão. Seus textos estão cheios de citações e alusões que

remetem a outros personagens, a outras épocas históricas e seus protagonistas. Ele

foi um autor engajado, comprometido com os problemas do seu tempo, tendo um

projeto definido: influir na formação de um Brasil melhor através das crianças. A

partir dele, no Brasil, a Literatura Infantil perde uma de suas principais

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características: a de ser um instrumento de dominação do adulto e de uma classe,

modelo de estruturas que devem ser reproduzidas. Devido a este fato, ele passa a

ser conhecido como fonte de reflexão, questionamento e crítica.

Em janeiro de 1921, os anúncios na imprensa noticiaram a distribuição de

exemplares gratuitos de A Menina do Narizinho Arrebitado nas escolas, num total de

500 doações, tornando-se um fato inédito na indústria editorial. Fora atendendo um

pedido do presidente de São Paulo, Dr. Washington Luís, do qual Lobato era

admirador, que fizera o livro. O sucesso entre as crianças gerou continuações:

Fábulas de Narizinho (1921), O Saci (1921), O Marquês de Rabicó (1922), A Caçada

da Onça (1924), O Noivado de Narizinho (1924), Jeca Tatuzinho (1924) e O

Garimpeiro do Rio das Garças (1924), entre outros.

Lobato encerra o ciclo de aventuras dos netos de Dona Benta com a narração

de episódios transcorridos na Grécia clássica, editados durante 1944 e reunidos a

seguir em Os doze trabalhos de Hércules. A partir deste ano, Lobato não publica

livros novos no Brasil e sim na Argentina para onde se muda por algum tempo.

3.1 LOBATO: ÍCONE DO INÍCIO DAS ADAPTAÇÕES NO BRASIL

Monteiro Lobato pode ser considerado o “grande inovador” na literatura para

crianças, pois sempre se mostrou preocupado em escrever uma leitura agradável e

prazerosa aos pequenos. Tal crédito deve-se às fábulas produzidas e às suas

adaptações.

Diferentemente do século XIX até o início do século XX, que possuía uma

literatura de cunho conservador ligado à religião, civismo, entre outros, o autor em

questão ia ao encontro de seus leitores, buscando unir interesse e necessidades nas

suas obras destinadas aos menores.

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Sendo assim, o escritor defendia que a moral das crianças estava no

subconsciente de cada pequeno e que estes não deviam ser submetidos a tal

moralidade de forma crua e direta, mas, sim, a partir de fábulas e todas as suas

características e peculiaridades – narrativas curtas, animais como personagens,

ações com princípios (moral, político, ético):

As fábulas em português que conheço, em geral traduções de La Fontaine, são pequenas moitas de amora no mato – espinhentas e impenetráveis. Que é que nossas crianças podem ler? Não vejo nada. Fábulas assim seriam um começo da literatura que nos falta. Como tenho um certo jeito para impingir gato por lebre, isto é habilidade por talento, ando com idéia de iniciar a coisa. É de tal pobreza e tão besta a nossa literatura infantil, que nada acho para a iniciação de meus filhos. Mais tarde só poderei dar-lhes o Coração de Amicis – um livro tendente a formar italianinhos... (LOBATO, 1972, p. 246)

Nota-se que as suas preocupações com a leitura dos leitores em

formação começam em casa, mas não se esgotam aí, indo muito além do plano de

adaptação das fábulas. Em 1921, em A onda verde: jornalismo, livro publicado pela

Editora Monteiro Lobato e Cia, a partir da recolha de artigos, ensaios e crônicas em

jornais e revistas, o escritor aborda também aspectos relativos à leitura, procurando

explicar a aversão dos brasileiros pelos livros. Trata acidamente do que denomina

de uniformização dos cérebros, pois não se respeita a individualidade ou o gosto

pessoal: a leitura de um poeta, de um romancista ou de um filósofo, no Brasil de

então, segundo ele, é questão de moda. A seleção do repertório de leitura se dá

pelos mesmos critérios com que as pessoas escolhem gravatas ou chapéus.

Entretanto, Lobato discorda dessa postura, como se pode observar pelo olhar crítico

que o escritor lança sobre a função da leitura na escola:

O menino aprende a ler na escola e lê em aula, à força, os horrorosos livros de leituras didáticas que os industriais do gênero impingem nos governos. Coisas soporíferas, leituras cívicas, fastidiosas patriotices. Tiradentes, bandeirantes, Henrique Dias, etc. Aprende assim a detestar a pátria, sinônimo de seca, e a considerar a leitura como um instrumento de suplício. (LOBATO, 1969, p. 84)

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Em suas fábulas, Monteiro Lobato criava discussões entre os adultos e as

crianças, dando voz a estes últimos, que expõem suas opiniões acerca de temas

com relevância política, social, econômica, cultural, entre outros. A construção e

adaptação de fábulas com vínculos nacionais, aposta no uso de expressões

populares, metáforas, neologismos; emprego do folclore (Saci e Cuca) e da tradição

cultural, além da utilização da linguagem infantil, afetividade, proximidade da

oralidade, onomatopéias, predomínio do diálogo, objetividade com a intenção de

divertir os pequenos são características que diferem a literatura de Monteiro Lobato

da que fora produzida até então, com cunho pedagógico e utilitarista.

Ao analisarmos as fábulas de Lobato, devemos pensar na adaptação como

processo característico da produção literária do escritor, não só no caso específico

do reaproveitamento das narrativas de Esopo e La Fontaine como também na

reciclagem de elementos do folclore e da tradição popular, cujos exemplos podem

ser dados pelas presenças da Cuca e do Saci, principalmente, nas narrativas do

Sítio; pela adaptação de obras destinadas, na sua origem, ao público adulto, como o

D. Quixote ou, ainda, nas modificações mais acentuadas, através de cortes,

explicações e simplificações, como se pode ver em Peter Pan.

Um exemplo de adaptação de fábula é A cigarra e as formigas, de Monteiro

Lobato, a partir de A cigarra e a formiga, de La Fontaine. Esta última revela um

modelo capitalista, no qual a produção é bastante relevante e o primeiro animal é

“superior” ao segundo, tendo em vista seu trabalho. Em Lobato, como o próprio título

revela, são duas formigas; a boa e a má. Aqui, a cigarra não é mostrada de modo

depreciativo e merece o reconhecimento da formiga boa.

Quanto à formiga má, no decorrer da narrativa o próprio leitor reconhece sua

maldade, através da narradora, Dona Benta: “Como não soubesse cantar, tinha ódio

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à cigarra por vê-la querida de todos os seres”. O que não acontece na criação de La

Fontaine, na qual não existe compaixão pela cigarra: “OH! bravo! – torna a formiga –

Cantavas? Pois dança agora.”

Enfim, no confronto com a fábula tradicional, o leitor infantil pode não só se

reconhecer nas atitudes das personagens como apreender, de modo produtivo,

crítico e, sobretudo, prazeroso, os mundos engendrados pela genialidade de

Monteiro Lobato em suas adaptações.

Passaremos agora a elucidar como as adaptações, que se destacaram no

Brasil de maneira efetiva com Monteiro Lobato, alcançaram os quadrinhos.

3.2 O SURGIMENTO DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO BRASIL

No século XIX, iniciaram-se as Histórias em quadrinhos no Brasil, com um

estilo diferenciado e satírico como cartoons, charges ou caricaturas. Pouco tempo

depois surgiram as famosas tiras em quadrinhos. No início do século XX foram

publicadas as revistas próprias de histórias em quadrinhos. Mas, apesar de no Brasil

existirem ótimos artistas, sempre houve uma enorme influência estrangeira na área

das HQs, fazendo com que o mercado editorial fosse dominado pelas publicações

de quadrinhos americanos, europeus e japoneses. Atualmente os mangás

(quadrinhos japoneses) estão conquistando, cada vez mais, espaço entre o estilo

comics dos super-heróis americanos que é o predominante. Os grandes artistas

existentes no Brasil costumam trabalhar com ambos os estilos, no caso dos comics

alguns já conquistaram fama internacional (como Roger Cruz que desenhou X-Men

e Mike Deodato que desenhou Thor, Mulher Maravilha e outros).

Apesar da tira em quadrinhos não ser de origem brasileira, acabou por

desenvolver novas características em nosso país. Sob a influência da rebeldia contra

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a ditadura durante os anos 1960 e, tempos depois, de grandes nomes dos

quadrinhos nos anos 1980, no Brasil, a tira acabou por ganhar uma forte

personalidade tornando-se menos comportada quando comparada com a

americana.

O grande precursor na criação das HQs no Brasil foi Ângelo Agostini, cartunista

italiano radicado no país. Ele foi considerado um ótimo autor de desenhos cômicos.

Foi em 30 de janeiro de 1869 que surgiu a primeira história em quadrinhos

brasileira: As Aventuras de Nhõ Quim. Publicada pela revista Vida Fluminense, do

Rio de Janeiro.Em 1883, Agostini iniciou a sua segunda série, As Aventuras de Zé

Caipora.

Na mesma época em que houve a publicação de Little Nemo nos Estados

Unidos, surgiu também a revista O Tico-Tico cuja publicação deu-se no Brasil. A

mesma foi criada por Manuel Bonfim e Renato de Castro. Suas páginas eram feitas

com um tipo de material conhecido como franco-americano, tempos depois foram

substituídos por trabalhos de artistas nacionais, quadrinizados ou não. Alfredo

Storni, Cícero Valladares, Nino Borges e J. Carlos, colaboraram para que a revista

sempre trouxesse novas informações históricas. A revista também publicava alguns

materiais estrangeiros como: As Aventuras do Gato Maluco (de Herriam), As

Aventuras do Ratinho Curioso (na verdade, Mickey Mouse), As Aventuras do Gato

Félix e As Aventuras de Chiquita (a francesa Bécassene), porém o personagem

símbolo de O Tico-Tico viria a ser Chiquinho, sendo que o mesmo era o personagem

norte-americano Buster Brown, lançado por R.F. Outcault em 1902. O cartunista Luis

Gomes Loureiro adaptava as histórias à realidade brasileira, o que resultou na

inclusão de um personagem inexistente na série americana: o negro Benjamim.

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Em uma viagem aos Estados Unidos, o jornalista Adolfo Aizen percebeu o

potencial dos suplementos e acabou lançando o Suplemento Infantil, sendo após

algum tempo renomeado como: Suplemento Juvenil. Para conseguir editar seu

Suplemento e poder vendê-lo aos jornais, Aizen fundou o Grande Consórcio de

Suplementos Nacionais, que tinha um porte muito menor do que seu nome poderia

sugerir.

As vendas do Suplemento Juvenil chegaram a cem mil exemplares, mas

devido alguns equívocos feitos por Aizen acabou por encerrar sua publicação.

A primeira revista exclusivamente de quadrinhos da Ebal foi lançada em 1947.

O Herói trouxe ao Brasil algumas histórias ainda desconhecidas, como Patrulheiros

do Ar, A Amazona dos Cabelos de Fogo e Freddy e Nancy no Circo. Mas o maior

lançamento da Ebal viria em novembro do mesmo ano, com a revista Superman,

que seria publicada pela editora ininterruptamente nas quatro décadas seguintes. A

revista trazia as aventuras do personagem-título e de outros heróis, entre eles

Batman, Joel Ciclone (o Flash original) e Falcão da Noite , todos da DC Comics.

Segundo a pesquisadora Dandara Palankof Cruz, na década de 1960, a Ebal

passou a publicar também material da Marvel Comics. Capitão América e Homem de

Ferro foram os primeiros a darem as caras, seguidos por Homem-Aranha, Quarteto

Fantástico, entre outros. A quantidade de títulos trazidos pela Ebal foi simplesmente

gigantesca e abarcava diversos gêneros.

A partir do final da década de 1960 houve um lento declínio com relação a

editora, que fez com que suas vendas também decaíssem, os livros infantis

passaram a ser mais valorizados, no final da década de 1970, poucos quadrinhos

ainda podiam ser encontrados com o selo da Ebal. Os personagens da Marvel

migraram para outras editoras e o fim da maior editora brasileira de quadrinhos veio

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definitivamente com a desistência de Aizen em publicar os títulos da DC Comics, a

despeito da insistência dos editores norte-americanos para que ele continuasse com

o trabalho no ano 1983.

O declínio da venda dos quadrinhos não foi só na Ebal, foi no mundo inteiro, o

que se deve ao avanço tecnológico, ou avanço progressivo da TV. Muitas editoras

sofreram com a queda nas vendas, várias deixaram de existir. No entanto, esse

quadro tornou a se reverter e tanto os HQs como livros de literatura infantil passaram

a ser produzidos em grande número.

Os quadrinhos no Brasil, portanto, possuem uma longa história. Os

personagens de Maurício de Sousa , criador da Turma da Mônica, estrearam como

tira no fim de 1959. O primeiro personagem da Turma foi o cãozinho Bidu. A Turma

da Mônica começou a ser publicada pela Editora Abril em 1970, depois em 1987

pela Editora Globo e a partir de 2007 pela Editora Panini. Recentemente foi lançada

a Turma da Mônica Jovem - versão adolescente em novo estilo mangá.

A Turma do Pererê, com texto e ilustrações de Ziraldo, venceu a resistência

dos editores e em 1960 surgiu uma a revista em quadrinhos com personagens

brasileiros.

No início dos anos 1970 os quadrinhos infantis predominaram com a

publicação das revistas de Maurício de Sousa e a montagem de um estúdio artístico

feito pela Editora Abril, fazendo com que muitos quadrinistas tivessem uma

oportunidade de crescer profissionalmente com histórias muito conhecidas em nosso

País, como o famoso Zé Carioca e vários outros personagens da Disney. Artistas

brasileiros continuaram a desenhar histórias de personagens infantis e juvenis

estrangeiros.

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Na década de 1990, a História em Quadrinhos no Brasil ganhou impulso com a

realização da 1ª e 2ª Bienal de Quadrinhos do Rio de Janeiro em 1991 e 1993, e a

3ª em 1997 em Belo Horizonte.

Surgiram também na internet diversas histórias em quadrinhos brasileiras,

todas criadas por Fábio Yabu que obtiveram um enorme destaque a webcomics dos

Combo Rangers.

Entretanto, se as adaptações são, em geral, fiéis à história contadas, seria

possível utilizá-las em escolas como os livros atualmente? A proposta é positiva e

seria útil nos estabelecimentos de Ensino Fundamental, Médio e até em

universidades, pois sua leitura também pode levar à reflexão e ao

autoconhecimento.

Porém, para que a adaptação incentive a leitura do texto original, é preciso que

seja o mais fiel possível a ele, procurando manter a riqueza estética da linguagem,

além do enredo. Faz-se, portanto, necessária uma preocupação com a qualidade da

adaptação, evitando subestimar o leitor com excesso de simplicidade no vocabulário.

Mesmo a adaptação deve desafiar o leitor em formação.

Explorar o uso de adaptações no ensino pode ser produtivo, no entanto, é

preciso elucidar que uma adaptação não substitui a obra original, mas pode ser um

caminho atrativo para chegar até ela.

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4. AS ADAPTAÇÕES DE TEXTOS CLÁSSICOS PARA A LEITURA

As adaptações de textos clássicos são uma forma de aproximar o leitor das

obras consagradas e tentam uma democratização e uma recepção mais “facilitada”

para o leitor ainda em formação. A adaptação, no sentido de recontar uma história, é

vista muitas vezes no campo da marginalidade, tal como a literatura infantil e juvenil.

Nesse sentido, o termo é associado aos conceitos de enxugamento, facilitação,

empobrecimento e prejuízos em relação ao original, sem preocupações estéticas. O

adaptador é tido como aquele que muitas vezes se interessa mais por resumir o

original, alterando o seu imaginário, facilitando o vocabulário, proporcionando, até

mesmo, fendas entre as partes do texto.

Para se ter uma visão mais clara do processo de adaptação, deve-se

compreender essa transformação textual como um “jogo de linguagem”,

encontrando-se na adaptação um tipo de processo lúdico, o qual tem o intuito de

aproximar o leitor infantil e juvenil do texto literário, especialmente dos cânones, dos

clássicos.

Argumentos favoráveis à prática da adaptação para a literatura infantil e juvenil

são que ela democratiza a leitura, propicia o diálogo mais acessível ao leitor ainda

em formação, bem como se fortalece no mercado dizendo-se responsável por

aproximar o jovem leitor do texto clássico. No entanto, há também argumentos

desfavoráveis: o processo de condensação ou enxugamento do texto, que não deixa

de ser uma das características primordiais das adaptações para esses leitores, pode

comprometer e polemizar a fidelidade com relação ao texto-fonte.

Carlos Heitor Cony, escritor e autor de diversas adaptações, em As adaptações

dos clássicos e a voz do Senhor (2006), afirma que as adaptações são uma prática

de caráter honesto, pois não há o plágio do texto-fonte. E as adaptações, segundo o

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escritor, podem ser uma ponte para se conhecer o original, principalmente aqueles

textos-fonte que são grandes, ou, “tijolões” como muitos a eles se referem.

Ítalo Calvino (2001) refere-se ao primeiro encontro com os clássicos para a

juventude como “não tão prazeroso”, pois, devido à falta de repertório, e também a

inexperiência de vida, o leitor ainda em formação apresenta dificuldades no ato da

leitura, o que torna o encontro com os clássicos um tanto desgostoso. Nesse

sentido, as adaptações de textos clássicos se torna uma alternativa para aproximar e

chamar a atenção do leitor para as obras consagradas. É o que acontece com o

clássico em questão Aventuras de Alice no país das maravilhas, que é adaptado por

Mauricio de Sousa na revista da Turma da Mônica jovem.

No entanto, se faz necessário perceber que a adaptação nunca substitui o

original, servindo como uma espécie de introdução, sendo responsável pelo primeiro

contato de um leitor com o clássico.

4.1 A LEITURA DE HQS E A ESCOLA

O papel das HQs no ensino da língua não é somente o de servir como

introdução de temas para debates ou, como se pode depreender dos discursos

proferidos sobre os quadrinhos, como facilitador para leitura de gêneros mais

complexos, condenando os quadrinhos à condição de um simples instrumento de

difusão à cultura, mas como opção de diversidades de meios de captar o real e

assumir uma posição dialógica nos embates que se travam. Ou seja, os quadrinhos,

devido a sua própria natureza, oferecem mais facilidade de captação dos

enunciados que estruturam as relações sociais e culturais e isso não pode ser

esquecido pelas escolas.

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As atividades escolares, principalmente no caso de língua portuguesa,

normalmente partem de HQs e as abandonam pelo caminho, usando-as como mote

para introduzir um conteúdo, que vai ser tratado de modo exclusivo, culminando em

uma produção de texto na modalidade escrita, desconsiderando todo o seu aspecto

cultural e social.

A grande contribuição que as HQs podem trazer para o ensino da língua

portuguesa é fazer com que o aluno seja capaz de compreender que produzir textos

é produzir o seu discurso, ou seja, sua versão dos fatos. Assimilando esses

princípios básicos, pelo entendimento, o aluno estaria em condição de transitar

livremente de um modo discursivo a outro, que é o objetivo visado pela escola.

É necessário que as HQs sejam efetivamente trabalhadas pelas escolas em

sua especificidade, a partir de encaminhamentos de atividades durante as quais os

alunos estariam manipulando sentidos usando recursos próprios dos quadrinhos,

não precisando convertê-los em escrita ordinária, situação em que não estariam

mais os usando, mas falando sobre eles. Segundo Coelho (1997, p.194), “as

estórias-em-quadrinhos são tão válidas quanto os livros-de-figuras, como o processo

de leitura acessível ou adequado às crianças pequenas”.

Na citação acima, Nelly Novaes Coelho afirma que assim como os livros com

figuras e desenhos têm muito valor, as estórias-em-quadrinhos2 também são muito

valorizadas, pois, as crianças realmente se interessam muito pelas imagens e não

somente pela história contida em uma obra.

A autora ainda afirma que o interesse maior que os pequenos demonstram

pelos livros ilustrados, ou seja, estórias-em-quadrinhos existe devido ao fato de os

mesmos serem ilustrados e apresentarem uma facilidade quanto ao tipo de leitura.

2 A autora Nelly Novaes Coelho utiliza a palavra “estória” devido ao fato de que alguns historiadores afirmam que tal palavra refere-se a algo fictício, ou seja, não há realidade e sim somente ficção.

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Segundo Coelho, o trabalho com as HQs é essencial no processo de comunicação e

letramento da criança.

Pode-se afirmar que para algumas pessoas as HQs são muito criticadas devido

ao fato de ser uma leitura “fácil”, porém, para outros leitores não. Estes argumentam

que é através delas que muitas pessoas adquirem o hábito pela leitura.

Vale a pena lembrar que Maurício de Sousa, iniciou suas HQs em 1960,

resolvendo lançar-se na grande aventura das estórias-em-quadrinhos. Em 1963, já

dirigia uma pequena equipe de desenhistas e iniciava a criação de novos

personagens no Diário da Noite: Chico Bento, Penadinho, Astronauta, etc. Maurício

de Sousa atingiu o sucesso total quando conseguiu unir sua criatividade a

engrenagem industrial/publicitária/comercial. Em 1966, a distribuidora Maurício de

Sousa Promoções Ltda alcançava os jornais de todo o Brasil. Na década de 1970,

através da editora Abril, ele lança a revista Mônica e seu sucesso transpõe as

fronteiras do país. Outra questão que não pode ser esquecida é o fato de que os

gibis e revistas da Turma da Mônica são muito apreciados pelas crianças de várias

partes do mundo até os dias de hoje, estando, por isso, muito presentes na escola.

4.2 A ADAPTAÇÃO DOS CLÁSSICOS

Segundo Lauro Amorim (2005), muitas vezes percebemos que as palavras

adaptação e tradução se confundem. Muitos autores consideram a adaptação como

um texto que carrega em si uma mudança do texto original e a tradução como um

texto que busca reproduzir em outra língua o conteúdo e a forma do texto original.

Além disso, esses conceitos variam de acordo com um autor ou outro.

Por meio do conceito de Amorim (2005) pode-se pensar que as adaptações de

textos clássicos funcionam como uma forma de aproximar o leitor das obras

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consagradas facilitando-as quanto a sua compreensão. Em uma obra adaptada, o

autor adaptador reconta uma história utilizando uma versão que se torne mais

acessível para o leitor iniciante, ou seja, o adaptador muitas vezes se interessa mais

por colocar somente o que lhes é pertinente do original, alterando o seu imaginário,

proporcionando, até mesmo, fendas entre as partes do texto.

Pode-se afirmar que uma adaptação não deixa de ser uma espécie de

tradução, apesar de tradução e adaptação serem termos que envolvam

pressupostos e expectativas distintas. Traduzir não é espelhar uma imagem do

original e muito menos uma reprodução qualquer em outra língua. A tradução é

compreendida como o ato de reproduzir a forma e o conteúdo do original. Já a

adaptação propõe mudanças de algumas palavras, diferenciando assim a escrita do

texto original, sendo que algumas vezes essa mudança altera também o sentido do

texto base. Segundo Amorim (2005, p.29) a tradução “recontextualiza a obra literária

original, gerando outras imagens – reinscrevendo-a numa outra realidade na qual é

percebida”.

Percebe-se, assim, que para o autor a fidelidade é elemento essencial na

concepção de uma boa tradução, mas é um conceito um tanto quanto

“insustentável”, pois nas traduções participam adequações, apropriações,

valorações, seleções, as quais intentam aproximar-se ao máximo do “literal”. Não há

tradução de igual para igual, e muito menos simetria perfeita, visto que as línguas

possuem estruturas, contextos e origens distintas umas das outras.

A conceitualização de tradução é bastante relativa: depende da cultura, das

línguas, do impulso mercadológico e da relevância ou não da obra que será

“transposta” para outro idioma. Muitas vezes, há críticas feitas de determinados

autores que são baseadas apenas nas traduções, sem haver recorrência ao original,

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seja por dificuldade ao acesso ou por não domínio da língua em que se encontra o

texto traduzido.

A tradução e adaptação envolvem reprodução e transposição. Adaptação é

uma tradução no sentido de que reformula uma história para ser compreendida por

leitores contemporâneos. Tradução requer uma maior fidelidade à forma e ao

conteúdo, e adaptação apenas ao conteúdo, tendo, assim, um caráter mais

acentuado à criatividade.

Não há como afirmar, categoricamente, que qualquer lançamento de um trabalho como “adaptação” signifique a publicação de um representante “não-potencial” do texto original. Certamente não se pode descartar a hipótese de que a palavra “adaptação” envolve o reconhecimento da existência de modificações que, geralmente, não são consideradas características de uma “tradução”. (AMORIM, 2005, p. 70)

Apesar de haver muitas adaptações de obras clássicas da literatura brasileira

em língua portuguesa para leitores mais jovens e/ou com menos disposição e

vontade de mergulhar no original, as adaptações de livros estrangeiros dificilmente

levam o leitor ao texto-fonte, na língua de origem do escritor. Nesse sentido, alguns

leitores podem se aproximar do “original”, muitas vezes, no máximo por meio da

tradução. Dessa forma, a adaptação entra como uma forma de atualização de textos

antigos com a intenção de introduzir o leitor aos clássicos universais.

É preciso, no entanto, compreender o processo de adaptação literária para

leitores infantis e juvenis, a fim de que se possa chegar a uma posição mais

consistente a respeito da validade dessa modalidade de texto. Para tanto, antes de

se verificar o que dizem os teóricos e críticos sobre esse processo, é importante

salientar que o estatuto da literatura infantil é composto por vários elementos, como,

por exemplo, a adaptação. Um questionamento que surge diante dessa

característica é se a adaptação que ocorre com textos literários realizada para os

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leitores não iniciados possui os mesmos aspectos ou pressupostos da que acontece

no interior da literatura infantil. Para se buscar alguma resposta, é necessário

entender primeiramente a adaptação na condição de elemento intrínseco da

literatura infantil.

A adaptação das obras clássicas das literaturas nacional e mundial é um tema

que desperta polêmica e divide opiniões. Não há como ser diferente, pois o termo

“adaptação” gera conflito em relação ao conteúdo da obra, pois o conteúdo pode ser

enriquecido ou empobrecido com a adaptação. O argumento utilizado é de que

empobreceria a literatura, pois há uma simplificação no seu processo de adaptação,

porém gera o enriquecimento por meio dessa simplificação, pois visa atender a

públicos específicos, como o infantil e o juvenil.

O conceito de adaptação é amplo, pois abrangem as mais diversas formas de

linguagem, como HQs, desenhos animados, trabalhos conhecidos como “histórias

recontadas” entre outras. Essa polêmica pode ser ilustrada com Coelho (1996, apud

Ceccantini, 1997, p.6):

As opiniões se dividem: uns são contra essa adaptação, fundamentados no fato de que a obra literária é um todo indispensável, resulta do amálgama conteúdo-forma que não pode ser decomposto em seus elementos constituintes (conteúdo para um lado, forma para o outro) sob a pena de perderem a sua verdade ou autenticidade de criação literária: outros são a favor, fundamentados no fato de que certas obras literárias atingem tal grau de verdade humana, que ultrapassam sua natureza literária e se transformam em matéria mítica a que conserva sua força e valor em todas formas linguísticas ou outras que a traduzam.

As opiniões se divergem, pois os que são contra a adaptação comentam que,

com tal prática, a obra literária perde seus elementos constituintes, porém, as

opiniões que são a favor da prática de adaptar mostram que a obra literária, quando

bem adaptada, pode manter seus elementos constituintes.

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Cony (2002) apresenta uma série de exemplos de adaptações ocorridas no

decorrer da história, pois tem o intuito de defender a adaptação de clássicos

estrangeiros e nacionais das acusações de “crime”, “plágio”. Segundo o autor,

muitos jovens ingleses tiveram contato com obras de Shakespeare por meio das

adaptações em prosa realizadas pelos irmãos Lamb. Cony também destaca um

trecho do texto bíblico da tradução clássica de João Ferreira d’Almeida e o compara,

sem comentários, com uma tradução publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil, o

autor cita o exemplo do “Padre Nosso” que se tornou “Pai Nosso”. Cony conclui com

uma pergunta ao leitor. “Até que ponto as modificações aviltaram o sentido espiritual

e literário do Livro dos Livros?”.

Os exemplos apresentados têm o objetivo de defender as adaptações dos

ataques dos opositores, pois tais argumentos mostram que as transformações não

alteram significativamente os “originais”.

Porém a obra Aventuras de Alice no país das maravilhas traz uma incógnita

dos limites de tradução e adaptação. Isso porque a obra em si é considerada como

“intraduzível” devido aos seus trocadilhos e referências culturais e intertextuais do

texto-fonte. Nesse termo a forma de adaptação torna-se plausível, pois já que a obra

é intraduzível, ela torna-se adaptável, pois, define-se realizar uma simplificação da

obra, tornando a história acessível a determinados públicos, como o infantil. Logo a

adaptação do texto original torna-se traduzível, porém, a tradução dos trocadilhos

faz com que o sentido destes torne-se não traduzível, pois os trocadilhos são

culturais e devem ser adaptados para que o leitor de determinada cultura possa

compreendê-los. Porém, para defender a tese de adaptação, façamos menção a

Baker (1998, p.5-8), para quem a adaptação pode ser entendida como um “conjunto

de operações tradutórias que resultam em um texto que não é aceito como uma

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tradução”. Gêneros como as literaturas infantis exigem a recriação da mensagem

segundo as necessidades sociolinguísticas de um público-alvo diferente. Pode-se

dizer que tradução fica basicamente no nível do significado, enquanto que a

adaptação procura transmitir o propósito do texto original tentando transmitir as

intenções do autor.

4.3 A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS

As histórias foram relatadas desde o tempo da pré-história, pois os desenhos

simbolizavam uma situação de vivência. Com o passar do tempo, o homem

aperfeiçoou seus desenhos, ilustrando o que se passava ao seu redor, mostrando

em formas de desenhos primitivos as suas conquistas, narrando as aventuras de

caça.

Os quadrinhos contendo balões surgiram no Japão e alguns exemplares datam

de 1702. Até 1930, os quadrinhos eram simples, com temas suaves, personagens

simples, que não mostravam problemas. Os quadrinhos eram considerados como

piada, com gênero de humor suave, pois não havia cenas eróticas e sua

profundidade textual não era demasiada, o que tornava os quadrinhos apenas como

diversão.

Nos Estados Unidos, as histórias publicadas em tira são conhecidas como

comic strips (tiras cômicas), pois têm caráter humorístico; nos países de língua

inglesa, esta denominação prevalece a mesma; já na França, denominam-se bandes

dessinéias (tiras desenhadas); e na Itália são conhecidos como funetti (fumacinhas

ou balões que indicam falas dos personagens); já em Portugal é chamado de

história em quadrinhos, enquanto que no Japão são denominados de manga e

existem três versões para as publicações, sendo: uma para rapazes, uma para

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moças e outra para crianças, cada uma contém sua própria característica. No Brasil

são conhecidos por dois nomes: uma é a história em quadrinhos, o outro é o de gibi,

que significa moleque, nome de uma revista da Editora Globo publicada nas

décadas de 1930 e 1940.

As HQs, além das imagens, precisam de textos para a complementação.

Segundo lannone (1998) a linguagem dos quadrinhos aparece em três situações:

nos diálogos, pensamentos, nas legendas que expressam o discurso do narrador e

nas onomatopeias, que traduzem os sons (click, smack, sniff, chuáá).

Os balões, além de inserir o discurso direto na narrativa, participam da

imagem, pois dão “vida” ao elemento linguístico transformando-o em elemento

imagístico.

Tradicionalmente, o balão usado aparece em formato arredondado e um

rabicho em sua parte inferior que aponta para o personagem que expressa o texto

contido nele, o que facilita a leitura e favorece a compreensão do conteúdo. Os

balões apresentam um recurso a mais para o artista que irá transmitir sua

mensagem.

Podemos descrever o balão de fala, como contínuo, forte e nítido; já o balão de

pensamento tem forma irregular, ondulado, lembrando uma nuvem, a distinção entre

os balões é pertinente, pois o pensar é diferente do falar, mesmo que seja um

monólogo.

Há autores que já caracterizaram 72 espécies de balões entre as quais o balão

censurado, em cujo interior há símbolos como caveiras, bombas etc, o balão

personalizado, cujos caracteres tipográficos indicam a personalidade ou

nacionalidade do falante e até mesmo o balão mudo, que se apresenta vazio. Em

quase todos os balões, enfim, são apresentadas relações ideogramáticas entre

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imagem e conteúdo expresso. O balão propriamente dito não corresponde a nenhum

objeto da imagem, mesmo assim, o desenho do balão ajuda o leitor a identificar seu

conteúdo expressivo.

Dependendo da criatividade do artista e do que ele quer expressar e feita a

escolha das variadas formas existentes de balões. De acordo com o tamanho da

letra é representada a entonação de voz alta que pode ser de firmeza, vigor ou

determinação; ao mudar para o tamanho de letra menor sugere-se uma entonação

mais baixa, o que pode indicar timidez ou receio.

O formato dos quadrinhos também tem uma grande importância para a

composição da fala do personagem. Sem as características específicas de cada

balão e o uso de outros recursos gráficos tão próprios das HQs não seria possível

entendermos a mensagem transmitida em cada fala.

4.4 CONHECENDO O MANGÁ

A palavra mangá é constituída de uma união de dois ideogramas japoneses

“man” (irrisório) e “gá” (imagens). Esse termo foi utilizado pelo desenhista Katsushita

Hokusai em 1914 para apresentar e definir os cartoons, caricaturas e histórias em

quadrinhos. O mangá é a forma de história em quadrinhos encontrada na sociedade

japonesa.

O “deus” do mangá, Osamu Tezuka revolucionou as histórias em quadrinhos

japonesas, imprimindo a este tipo de narrativas características peculiares como os

grandes olhos arregalados dos personagens. Outra característica que diferencia o

mangá dos quadrinhos brasileiros são os cabelos, pois no mangá os personagens

possuem cabelos pontudos, boca e nariz pequenos, porém, quando choram, a boca

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aumenta consideravelmente e as lágrimas são em forma de cachoeira, acentuando

ainda mais a expressão.

Segundo Açunciara Aizawa Silva, professora de mangá da História de desenho

do Ateliê de São Paulo, os desenhos japoneses são classificados por faixa etária e

gênero contemplando vários nomes específicos.

Os principais são o Shonen Mangá, que é o mangá para meninos, e o Shojo Mangá, que é o mangá para as meninas. A diferença é que o Shonen tem mais ação e o Shojo tem mais romance. Como exemplo de mangá para meninos, cito Pokémon, Dragon Ball, Yo Yo Hakusho e para meninas, Sailor Moon. Mas no Brasil, essa divisão não existe muito, quem gosta de mangá acaba lendo tudo mesmo (SILVA apud VIEIRA, 2008, p.25).

O mangá se mostrou para o mundo todo a partir da década de 1990, com a

ajuda dos animes, que são os desenhos animados da televisão japonesa. Cavaleiros

do Zodíaco foi a produção que abriu as portas definitivamente para a entrada de

outros quadrinhos japoneses. Esse desenho até hoje faz sucesso e é lembrado por

todos. Exibido há cerca de dez anos nas televisões brasileiras, ele influencia de

alguma forma o crescimento dessa busca pelo mangá, que teve maior

reconhecimento há cinco anos com a chegada de vários outros títulos no país.

Mauricio de Sousa, idealizador das histórias em quadrinhos da Turma da

Mônica e de outras dez turmas, em agosto de 2008, lançou na Bienal do Livro de

São Paulo uma nova revista, a Turma da Mônica jovem, uma evolução dos

personagens que agora são adolescentes. A nova revista se apresenta em formato

semelhante ao dos mangás originários do Japão. Segundo Mauricio de Sousa, o

sucesso da publicação foi muito grande, com mais de quatrocentos e dez mil

exemplares vendidos contra duzentos mil exemplares que costuma vender a revista

da Mônica ainda criança. Em entrevista à revista Veja, Mauricio de Sousa fala que “a

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mudança do personagem foi uma forma de se adaptar às transformações de uma

sociedade em que a infância é cada vez mais curta”. (VEJA, fev. de 2009).

Mauricio de Sousa afirma ainda que “as crianças passaram a considerar a

Turma da Mônica coisa de criança e então começaram a comprar Mangás

japoneses”. (VEJA, fev. de 2009). Pensando em uma maneira de não perder esses

leitores, resolveu oferecer a eles um pouco do universo jovem. Os personagens são

os mesmos, porém as histórias mudaram. Além de passarem para a fase da

adolescência, os personagens estão inseridos em histórias mais focadas em

relacionamentos, protagonizam cenas de ciúme, sentem atração pelo outro sexo,

ficam inseguros em meio ao grupo e lutam com forças sobrenaturais, característica

proveniente do estilo mangá. Possuindo cento e vinte páginas, o formato é um

pouco maior que os gibis tradicionais, a história nem sempre termina ao final da

mesma revista, e mantém o preto e branco dos mangás.

4.5 A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO

A Estética da Recepção considera a Literatura enquanto produção, recepção e

comunicação, ou seja, atribui uma relação dinâmica entre autor, obra e leitor, sendo

assim, propõe uma reformulação da historiografia literária e da interpretação textual,

procurando romper com o exclusivismo da teoria de produção e representação da

estética tradicional.

Chegando como uma proposta de mudança de paradigma, a Estética da

Recepção pode ser lida como uma teoria da literatura que engloba a Teoria da

Recepção, de Hans Robert Jauss, a Teoria do Efeito, de Wolfgang Iser e a Teoria da

Ação, de J. Gumbrecht, perpassando pelos aparatos ligados ao leitor, ao texto e ao

processo de comunicação.

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A leitura enquanto processo, habilidade e atividade social ou coletiva, tem sido

estudada e dentre as várias correntes de leitura aponta-se para os pressupostos da

Estética da Recepção, uma abordagem alemã que surge na Universidade de

Konstanz (Escola de Constância) em 1967, com uma aula de Hans Robert Jauss. A

Escola de Constância divide-se em dois ramos diferentes: A “Estética da Recepção”,

de Hans Robert Jauss e a “Teoria do efeito”, de Wolfgang Iser, sendo a primeira

grande tentativa de renovar o estudo dos textos a partir da leitura.

De acordo com Vincent Jouve, enquanto a

Estética da Recepção de Jauss pensa a obra de arte, inclusive a literatura, como algo que se impõe e sobrevive por meio de um público, e que deve ser analisada por seu impacto sobre as normas sociais; Iser com a teoria do “leitor implícito”, se volta para o efeito do texto sobre o leitor (JOUVE, 2002, p. 14).

A própria teoria da estética da recepção considera a recepção como o

problema fundamental das reflexões que devem conformar a teoria literária,

pronunciando-se pelo caráter aberto do horizonte de significação da literatura e da

ação iniludível do receptor. Logo, o texto artístico se apresenta como um ponto de

encontro entre o leitor e o escritor.

A leitura é o resultado de uma interação entre o texto e o leitor e produto de um

diálogo negociado entre a coerência interna do texto e a que o leitor lhe atribui.

O leitor adapta a informação recebida pelo texto, estabelece conexões entre o

que o texto sugere, suas expectativas e os seus conhecimentos prévios sobre a

temática, sobre o estilo, etc. do texto com o qual interatua.

Trata-se de um processo de construção de significado, em que o leitor se

outorga uma considerável autonomia, pois se realiza o processo individual e íntimo

de leitura, momento em que se aciona o repertório adquirido com outras leituras.

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Os teóricos da Estética da Recepção realizam seus estudos tendo como base

a convergência entre o aspecto histórico e o estético, criando, assim, uma relação

entre a literatura e a história. Essa relação resulta, portanto, em uma teoria que se

preocupa não apenas com as obras e seus autores, mas, sobretudo, com os leitores.

A Estética da Recepção, teoria da análise literária que se concentra na forma

como um texto é recebido pelo leitor, proporcionou, portanto, uma mudança de

orientação nas análises da literatura, que passam a não mais se concentrar com

exclusividade na mensagem do texto ou o que o autor quis dizer, mas nos efeitos

que uma obra provoca no leitor e sua recepção.

Surgindo na década de 1960 nas universidades alemãs, a Estética da

Recepção marcou o fim do ato ingênuo de interpretar e analisar a literatura. As

teorias existentes não mais comportavam o conflito causado pelas diferentes

interpretações de um mesmo texto literário; surgiu, portanto, a necessidade de

buscar novos princípios que dessem conta desses distintos modos de compreender

o texto literário, ou seja, das diferentes interpretações possíveis de um mesmo texto

literário.

Portanto, Jauss e Iser realizam seus estudos ancorados na convergência entre

o aspecto histórico e o estético, criando, assim, uma relação entre a literatura e a

história. Essa relação resulta, portanto, em uma teoria que se preocupa não apenas

com as obras e seus autores, deixando à margem o terceiro elemento do circuito

literário, mas também com este: os leitores. E é considerando o leitor que o diálogo

entre o clássico de Lewis Carroll – Aventuras de Alice no país das maravilhas – e

sua adaptação para os quadrinhos realizada por Maurício de Sousa será analisado.

Essa relação entre literatura e leitor possui implicações estéticas e literárias.

Estética porque o leitor avalia o valor estético de uma obra pela comparação com

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outras obras que já conhece; e histórica porque a compreensão da obra pelos

primeiros leitores tem uma continuidade, enriquecendo-se a cada geração, a cada

leitura. Há, portanto, uma cadeia de recepções, o que faz com que o sentido de uma

obra seja histórico e não imanente.

Nesse sentido, Aventuras de Alice no país das maravilhas de Carroll se tornou

um clássico infantil porque foi lido por várias gerações, tendo sempre o que dizer

para cada uma delas. E as adaptações realizadas desse clássico possibilitam que os

leitores ainda em formação conheçam a história, ainda que o enredo seja modificado

e atualizado, bem como a linguagem e o suporte do texto, como acontece em Turma

da Mônica jovem no país das maravilhas.

4.6 ALICE: DIÁLOGO ENTRE O CLÁSSICO E OS QUADRINHOS

Como já mencionado, a Turma da Mônica Jovem é um gibi em estilo mangá,

de Maurício de Sousa. Trata-se de uma evolução dos personagens de Turma da

Mônica, agora adolescentes. As revistas se apresentam em formato semelhante ao

dos mangás lançados originalmente no Japão, nos personagens encontram-se

características dos mangás, como os olhos grandes e ao representar o choro, a

boca dos personagens fica maior.

Mauricio de Sousa já pensava em lançar a Turma mais velha e tal ideia se

concretizou depois do centenário da imigração japonesa, quando os mangás

tornaram-se mais populares no Brasil. Então, o autor resolveu lançar o produto com

um estilo próximo ao do mangá, com algumas características desta tendência nos

seus personagens. Sendo assim, o nicho de um público, que Mauricio de Sousa não

imaginava que fosse tão significativo, foi preenchido e atualmente a revista da Turma

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da Mônica Jovem é campeã de vendas em todos os sentidos, sendo um sucesso

editorial.

O público alcançado é de três faixas etárias diferentes: o adulto, que leu a

revista e acompanhou a vida dos personagens desde criança, o jovem, que quer

conferir se os personagens estão falando a língua deles mesmo; e as crianças

menores, que se projetam e querem ser como a Turma da Mônica Jovem quando

crescer e também conhecer a Turma da Mônica “criança” desenvolvendo o interesse

pela próxima fase da Turma. E com essas três faixas de público a Turma conquistou

novos leitores.

Nessa nova fase da Turma da Mônica, encontramos grandes mudanças não só

na estrutura da revista e dos quadrinhos, mas também nos novos hábitos e na

linguagem dos personagens que agora caracterizam a maneira do jovem se

relacionar com a sociedade atualmente. Ao analisar a revista, verificamos o quanto a

linguagem dos personagens está repleta de gírias e neologismos, uma variação

linguística que domina a linguagem da grande maioria dos adolescentes.

FIGURA 1 - MÔNICA ADOLESCENTE

Fonte: Revista Turma da Mônica, n.º10.

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O exemplo da figura 1 demonstra a expressão utilizada “desculpai”, de fácil

entendimento para os usuários da língua portuguesa, referindo-se a um pedido de

desculpas a alguém, identificado o neologismo que é a junção das palavras

“desculpa” e “aí”. Em seguida a personagem usa a expressão “não vai rolar”, dando

o sentido de que algo não vai acontecer, ou, o descumprimento de um acordo.

Tais expressões não são estranhas ao falante da língua portuguesa, pois a

maioria das pessoas convive diariamente com expressões como essas.

Apesar de valorizada entre os jovens, a gíria, muitas vezes, é rejeitada por

outros falantes que não a utilizam, podendo, por vezes, predominar o preconceito.

Por se tratar de uma linguagem informal a gíria não é aceita em certos ambientes,

principalmente em locais ligados a trabalho e exposição em público.

Esse fator constitui um preconceito linguístico, pois o falante passa a ser visto

de maneira diferente simplesmente porque ele fala de uma forma diversa a dos

demais. Assim como a linguagem do caipira, que já fora incorporada por Maurício de

Sousa através do personagem Chico Bento e seus amigos e familiares, a gíria é

outro exemplo de variação linguística abordada pelo autor dos quadrinhos.

A linguagem utilizada na obra original, portanto, é mais próxima da formal, além

de ter expressões específicas da época, conforme já salientamos em capítulos

anteriores, enquanto que na adaptação para os quadrinhos tal linguagem é informal,

com certas gírias utilizadas pelos personagens, informalidade essa muito própria da

linguagem dos quadrinhos. Como a revista da Turma da Mônica jovem tem um nicho

de público adolescente, permanecem alguns trechos do clássico, porém com uma

linguagem atual, sem a preocupação de manter as expressões usuais do período

vitoriano na Inglaterra, procurando estabelecer um vínculo, um pacto de leitura mais

imediato com o leitor em formação.

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No momento de escolher uma linguagem mais informal para a adaptação, o

autor está pensando no seu leitor empírico – termo cunhado por Umberto Eco3. É a

partir do leitor real que o autor escolhe as estratégias textuais, inclusive a linguagem,

ou seja, constrói o leitor implícito (Iser).

A adaptação do livro de Aventuras de Alice no país das maravilhas para a

revista da Turma da Mônica jovem no país das maravilhas faz com que o jovem

entenda o clássico por meio da adaptação, pois a revista faz alterações, atualizando

o comportamento e a linguagem dos personagens de acordo com o tempo presente,

não sendo fiel ao clássico, mas modificando a história original de uma maneira que o

público alvo venha a criar laços mais estreitos com a Alice de Lewis Carroll.

Tem-se no original toda a trama sendo tecida em um sonho da protagonista

Alice. Já na adaptação de Maurício de Sousa, além da Alice, papel atribuído à

personagem Marina, da Turma, a Mônica Jovem também faz o papel de

protagonista, pois ela tem a missão de revelar, descobrir em que personagem de

Alice os personagens da Turma foram transformados, o que no texto original não

acontece. Portanto, a personagem Mônica tem de descobrir cada amigo seu da

turma e se errar volta ao início da história. Observamos, assim, que não só a

linguagem é transformada, mas também parte do enredo. A narrativa ganha novos

personagens (Mônica), novo espaço (o bairro do Limoeiro), novo tempo (atualidade)

e um narrador próprio das HQs.

Com a releitura da história original, que é transformada, novamente o autor

constrói seu leitor implícito de acordo com seu leitor empírico e com seu repertório e

conhecimento de mundo.

3 Umberto Eco é um escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano de fama internacional. Nascido em Alessandria, Itália, em 1932, Umberto Eco construiu sólida carreira como professor de semiótica na Universidade de Bolonha. Ensaísta de renome mundial, dedicou-se a temas como estética, semiótica, filosofia da linguagem, teoria da literatura e da arte e sociologia da cultura. Autor de artigos de opinião nos jornais Espresso e La Repubblica, estreou como romancista com O Nome da Rosa, em 1980.

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Outra análise que pode ser ressaltada é que no clássico, Alice se encontra no

País das Maravilhas, sozinha; não há indícios de que os outros personagens sejam

seus amigos no mundo “real”, o que muda na adaptação em questão, pois os outros

personagens são amigos e colegas da personagem Mônica Jovem.

Uma característica predominante no clássico é a célebre frase da Rainha

(figura 2), figura difícil de agradar, que é repetida ao longo de todo o texto. Sua

marca, “Cortem-lhe a cabeça!”, que expressa à menor insatisfação, é mantida na

adaptação de Maurício de Sousa, o que mantém um claro diálogo com o clássico.

Como é uma frase muito conhecida do público leitor (leitor empírico), o autor decide

mantê-la.

FIGURA 2 - RAINHA DE COPAS

Fonte: Revista Turma da Mônica, n.º10.

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Analisando os recursos visuais utilizados pelo autor, na adaptação, podemos

destacar que na revista Turma da Mônica Jovem é utilizado o estilo mangá (figura 3),

com desenhos característicos do estilo, com expressões fortes, olhos grandes e

cabelo espetado.

FIGURA 3 - O CHÁ DAS CINCO

Fonte: Revista Turma da Mônica, n.º10.

Na obra original, Alice vai sozinha para um mundo imaginário, já na adaptação,

Mônica vai com a turma para o País da Maravilhas, um lugar mágico onde eles

encontram personagens fantásticos e vivem surpreendentes aventuras. Na aventura

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da Mônica e sua turma, ela tem de adivinhar todos os personagens da história, ou

seja, Mônica tem de reconhecer seus amigos, que estão disfarçados como

personagens da obra, como o gato que é representado pelo Cascão e a Alice é

representada por Marina, se Mônica errar o nome de seu amigo que está

representando o personagem, todos retornam ao início do livro.

Enquanto Mônica tenta descobrir, sem errar, seus amigos, o julgamento de

Alice (Marina) continua no castelo do Rei e Rainha de Copas. Após passar pelo

labirinto e chegar ao castelo, a Turma da Mônica lança um desafio aos Reis: na obra

clássica de As Aventuras de Alice no país das maravilhas era o jogo de críquete,

porém, na adaptação, passa a ser o jogo de futebol (figura 4) e como prêmio Marina

será libertada e a turma volta ao seu mundo real – o bairro do Limoeiro – na ficção.

FIGURA 4 - CAMPO DE FUTEBOL

Fonte: Revista Turma da Mônica, n.º10.

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A Rainha concorda com o novo jogo, futebol, e o time de ouros (time da Rainha

de copas) é composto por celebridades do futebol, como: Pelé, Zico, Maradona; já o

time da turma da Mônica é composto por cartas com o símbolo de paus, ou seja,

“pernas de paus”, maus jogadores. Nesse momento temos uma atualização da obra

original: o futebol, os jogadores e a expressão utilizada para designar jogadores

pouco habilidosos são características da atualidade. Afinal, o jogo de críquete faria

menos sentido fora da Inglaterra do século XIX.

Depois de ter mais um plano infalível, Cebola, personagem que representa o

Chapeleiro Louco, substitui o time: Cascão e Cebola entram no time, mas este torce

o tornozelo e é substituído por Bidu, o cachorro, que, como na obra original, é um

animal com comportamento humano. A antropomorfização continua na obra

adaptada, ainda que na figura do cachorro.

Então, após Bidu vencer o jogo de futebol, a Rainha concede o desejo de

Mônica e liberta a turma, que volta à realidade da rua do Limoeiro, e Mônica tem

uma surpresa: toda a turma está reunida, comemorando com ela o seu aniversário.

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FIGURA 5 - A TARTARUGA E O GRIFO

Fonte: Revista Turma da Mônica, n.º10.

Na adaptação aos quadrinhos podemos notar que traços marcantes da obra

clássica foram mantidos como o chapeleiro louco, o julgamento, o chá das cinco, o

grifo e a tartaruga falsa (figura 5), porém o autor da obra adaptada torna-a mais

próxima da realidade no que diz respeito ao contexto e linguagem dos quadrinhos e

deixa traços de nossa realidade como os jogadores de futebol.

E Mônica finaliza a adaptação dizendo que o mundo dela, a realidade, é o País

das Maravilhas (figura 6).

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FIGURA 6 - A TURMA DA MÔNICA JOVEM EM SUA REALIDADE

Fonte: Revista Turma da Mônica, n.º10.

Com a análise da adaptação de Mauricio de Sousa, pode-se dizer que trazer o

clássico para as adaptações significa ler o original e reescrevê-lo conforme o

repertório do autor, que vai considerar ainda o momento histórico atual e o seu leitor

empírico (real), para então construir as estratégias do texto, denominada leitor

implícito por Iser.

Dessa forma, o autor reescreve o clássico conforme seu entendimento e

perspectivas de mundo, de texto, de leitor, e os quadrinhos apresentam para o leitor

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em formação a leitura que o cartunista já fez do clássico, por meio de características

específicas dos quadrinhos e do suporte em que é veiculado, como o diálogo entre

texto verbal e não verbal, balões, pontuação, símbolos, simplicidade e humor.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho monográfico teve como objetivo geral analisar como o

clássico Aventuras de Alice no país das maravilhas que foi adaptado à linguagem

dos quadrinhos, averiguando as transformações ou manutenção dos elementos

literários.

Apesar de impor mudanças significativas ao texto de partida, as quais incluem,

por exemplo, uma redução considerável do número de páginas, a adaptação foi

lançada em 2010 e obteve grande receptividade dos leitores, tanto que, como

relatos do cartunista Mauricio de Souza, a Revista da Turma da Mônica Jovem,

alcançou um nicho de público que o próprio não esperava obtendo grandes vendas.

Do ponto de vista receptivo, requer-se, antes de mais nada, a aceitação do

texto literário por parte do leitor, para que possa estimular o interesse que mereça a

atenção da sua leitura. Assim, o leitor apropria-se da intenção e criatividade do

cartunista, realizadas na adaptação, e faz seus interesses, estimulados, pela leitura

da adaptação, visando aprender o clássico e tendo em vista a importância das HQs

para a literatura.

Como foi ressaltado, do ponto de vista receptivo, inclui-se, também a

competência linguística, como condição prévia e com desenvolvimento posterior. No

entanto, esta competência ver-se-á acrescentada pela competência literária, como é

lógico, e sem estabelecer mais dificuldades do que as da normal aprendizagem.

Logo, é possível ensinar elementos da oralidade usando as histórias em

quadrinhos? Ao entender do estudo, sim. Neste caso, cabe ao professor olhar para o

objeto e extrair dele tudo o que for pertinente e relevante à sua realidade de ensino.

A adaptação, também, atualiza o texto original não só por apresentar

ilustrações, vocabulário acessível ao leitor, como gírias para os jovens ou de

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proporcionar uma leitura motivadora. Segundo Ceccantini (2004) a adaptação é um

produto “difícil, árduo”, mas o adaptador que realmente pretende traduzir e adaptar

torna-se mais um divulgador do que facilitador do texto clássico.

Para finalizar, se, para Ítalo Calvino (2001), o primeiro encontro com clássicos,

por vezes, não é tão prazeroso – há a impaciência e a falta de repertório do leitor em

formação como obstáculos de leitura – as adaptações tornam-se uma boa alternativa

para aproximar o leitor das obras clássicas. Ressaltamos que a adaptação não

substitui o original e que não estamos defendendo a substituição efetiva do clássico

pela adaptação. Porém, acreditamos que, em muitas situações vivenciadas na

escola, a adaptação serve como uma ponte para o primeiro contato de um leitor

jovem com o clássico, servindo de estímulo para que, mais tarde, o leitor já mais

experiente e com um repertório mais amplo de leitura busque de maneira autônoma

a obra original.

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