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UNIVERSIDADE PARANAENSE - UNIPAR RECONHECIDA PELA PORTARIA - MEC N.º 1580, DE 09/01/93 - D.O.U. 10.11/93 MANTENEDORA: ASSOCIAÇÃO PARANAENSE DE ENSINO E CULTURA - APEC CRISTIANE COLODI SIQUEIRA A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA COMO NOVO INSTRUMENTAL PARA A SENTENÇA PENAL DE MÉRITO UMUARAMA 2008

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UNIVERSIDADE PARANAENSE - UNIPAR RECONHECIDA PELA PORTARIA - MEC N.º 1580, DE 09/01/93 - D.O.U. 10.11/93 MANTENEDORA: ASSOCIAÇÃO PARANAENSE DE ENSINO E CULTURA - APEC

CRISTIANE COLODI SIQUEIRA

A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA COMO NOVO INSTRUMENTAL PARA A SENTENÇA PENAL DE MÉRITO

UMUARAMA

2008

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S617t Siqueira, Cristiane Colodi A teoria da imputação objetiva como novo instrumental para sentença penal de mérito / Cristiane Colodi Siquira. – Umuarama: Universidade Paranaense – UNIPAR, 2008. 152 f.

Orientador: Prof. Dr. Fábio André Guaragne.

Dissertação (Mestrado)-Universidade Paranaense UNIPAR.

1. Direito processual penal. 2. Teoria da imputação objetiva. 3. Finalismo. 4. Aplicabilidade. I. Universidade Paranaense – UNIPAR. II. Título. (21. ed. ) CDD:341.522

Bibliotecária Responsável Inês Gemelli CRB 9/966

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CRISTIANE COLODI SIQUEIRA

A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA COMO NOVO INSTRUMENTAL PARA A SENTENÇA PENAL DE MÉRITO

Trabalho de dissertação apresentado como requisito para a conclusão do Curso de Mestrado em Direito Processual e Cidadania da Universidade Paranaense - UNIPAR. Área de concentração: Processo Penal Linha de Pesquisa: Eficácia Processual Orientador: Fábio André Guaragni ______________________________________ Profº. Dr. Fábio André Guaragni ______________________________________ Profº. Dr. Paulo César Busato ______________________________________ Profº. Dr. Candido Furtado Maia Neto Umuarama, 29 de fevereiro de 2008.

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Aos meus familiares, porque sempre trouxeram

amor e incentivo à minha caminhada, assim

colaborando com meu crescimento e tornando

possível a realização do Mestrado.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, porque sempre me agraciou com as sublimes vibrações de Luz,

Vida e Amor, tríade perfeita para aqueles que buscam o crescimento e a

Paz Profunda.

Ao meu orientador Professor Dr. Fabio André Guaragni, exemplo de

docente, que com sua sabedoria e dedicação orientou e colaborou, não só

neste trabalho, mas para ampliação meus horizontes do saber jurídico-

penal.

Aos demais professores do mestrado, visto que me agraciaram com seus

conhecimentos, de conseqüência, aumentando a esfera dos meus.

Aos amigos, a quem considero irmãos com que a vida me presenteou, em

especial à Stella, Sonia, Telma e Flavio.

Ao Neto, pela paciência, compreensão e companheirismo, mesmo nos

muitos momentos em que me enclausurei e ignorei sua presença.

Aos colegas de magistério, diretores e professores, que inúmeras vezes me

auxiliaram, ficando sobrecarregados, porque me substituíram nas salas de

aula ou nas audiências do Núcleo de Prática Jurídica da PUC/Pr, a fim de

que fosse possível o curso do mestrado e a elaboração do presente

trabalho. Em especial às Diretoras Sheila do Rocio Santos Cercal Leal,

Maristela Marques, Priscilla Placha Sá e aos professores Melissa Folmann,

Fabiano da Rosa, Gabriela Toazza Rubin, Luiz Antonio Barbosa Martins

Junior e Norberto Bonamin.

Aos colegas de mestrado, pela cumplicidade e colaboração muitas vezes

manifestadas.

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SIQUEIRA, Cristiane Colodi. A utilização de critérios extraídos da teoria da imputação objetiva do resultado como novo instrumental para a sentença penal de mérito. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito e Cidadania da Universidade Paranaense – UNIPAR.

Resumo: Trata a presente dissertação da possibilidade da adoção de critérios extraídos da teoria da imputação objetiva do resultado no direito penal brasileiro, como delimitadores da incidência do tipo penal, a fim de que possam estes constituir um novo instrumental para o magistrado no momento da prolação da sentença penal de mérito. Inicia-se o trabalho com uma breve análise histórica sobre a evolução da imputação do resultado e as diferentes concepções e fundamentos sobre o tema apresentados. Para tanto, inclui-se no retrospecto histórico a evolução dos conceitos de ação por serem os temas intimamente ligados, não só em razão da impossibilidade de separá-los, mas porque, por evidente sofrem as mesmas interferências dos paradigmas filosóficos, científicos e, de conseguinte, das ideologias vigentes em cada época. A seguir procura-se tratar de alguns temas que se destinam a permitir melhor compreensão do assunto, como a superação do ontologicismo dimanado da conditio sine qua non; a imputação do resultado (resultado jurídico ou naturalístico); a localização sistemática da teoria da imputação objetiva na teoria do crime, segundo sua formulação funcionalista; e a sociedade de risco e sua ligação com o tema. Em seguida se apresentam os critérios das teorias da imputação objetiva dos dois representantes mais significativos das mesmas, os dogmatizadores funcionalistas Claus Roxin e Günther Jakobs. Mais adiante, com o fito de adequar alguns dos critérios ao direito penal pátrio, procede-se a uma sucinta exposição sobre a imputação do resultado no direito repressivo brasileiro do ponto de vista legislativo. Por oportuno, discorre-se igualmente acerca da tomada de posição de alguns dos doutrinadores nacionais sobre o tema, apresentando a diversidade de opiniões favoráveis e contrárias e sua fundamentação. Por derradeiro, busca-se oferecer alternativas para a adoção dos critérios imputativos, mas em todo caso com a observação da manutenção do conceito da ação, bem como da estrutura analítica do crime, resultante das lições do finalismo, porque mais garantistas ao cidadão, portanto mais adequadas ao Estado Democrático de Direito. Palavras-chave: Teoria da imputação objetiva. Finalismo. Aplicabilidade.

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SIQUEIRA, Cristiane Colodi. A utilização de critérios extraídos da teoria da imputação objetiva do resultado como novo instrumental para a sentença penal de mérito. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito e Cidadania da Universidade Paranaense – UNIPAR.

Resumen: La presente tesina trata de la posibilidad de adopción de criterios extraídos de la teoría de la imputación objetiva del resultado final en el derecho penal brasileño, como delimitadores de la incidencia de tipo penal, a fin de que puedan estos constituir un nuevo instrumental para el magistrado en el momento de la prolación de la sentencia penal de mérito. Se empieza el trabajo con una breve análisis histórica sobre la evolución de la imputación del resultado y las distintas concepciones y fundamentos sobre el tema presentados. Para tanto, se incluye en el retrospecto histórico la evolución de los conceptos de acción pues los temas están íntimamente ligados, no sólo por la imposibilidad de separarlos, sino porque, por evidente sufren las mismas interferencias de los paradigmas filosóficos, científicos y, por consiguiente, de las ideologías vigentes en cada época. A seguir se busca tratar de algunos temas que se destinan a permitir mejor comprensión del asunto, como la superación del ontologicismo dimanado de la conditio sine qua non; la imputación del resultado (resultado jurídico o naturalístico); la localización sistemática de la teoría de la imputación objetiva en la teoría del crimen, según su formulación funcionalista; y la sociedad de riesgo y su ligazón con el tema. Enseguida se presenta los criterios de las teorías de la imputación objetiva de los dos representantes más significativos de las mismas, los dogmatizadores funcionalistas Claus Roxin y Günther Jakobs. Más adelante, con el intuito de adecuar algunos de los criterios al derecho penal patrio, se procede a una sucinta exposición sobre la imputación del resultado en el derecho represivo brasileño del punto de vista legislativo. Oportunamente, se discute igualmente acerca de la toma de posición de algunos de los doctrinadores nacionales sobre el tema, presentando la diversidad de opiniones favorables y contrarias y su fundamentación. Como cierre, se busca ofrecer alternativas para la adopción de los criterios imputativos, pero aun así con la observación de la manutención del concepto de la acción, así como de la estructura analítica del crimen, resultante de las lecciones del finalismo, porque ofrecen más garantías al ciudadano, por tanto más adecuadas al Estado Democrático de Derecho. Palabras-clave: Teoría de la imputación objetiva. Finalismo. Aplicabilidad.

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SIQUEIRA, Cristiane Colodi. The use of criteria extracted from the objective imputation of the result as a new instrument for the criminal sentence of merit. Paper presented to de Master Course in Law and Citizenship of University Paranaense - UNIPAR. Abstract: The present dissertation discourses about the possibility of adopting criteria taken from the theory of objective imputation of the result of the Brazilian criminal law, as delimiters of criminal incidence, in order to constitute a new instrument for the magistrate at the moment of the criminal rendition of merit judgment. The paper begins with a brief historical analysis of the evolution of the result imputation and the different conceptions and foundations on the presented issue. Therefore, the evolution of the action concepts is included in the historical retrospective since the issues were closely linked to each other. Not only for the impossibility of separating them but also because they have suffered the interferences of philosophical and scientific paradigms and consequently, the effective ideologies at each time. Following, the dissertation deals with some subjects that allow a better understanding of the issue, such as the overcoming of the originated ontologism of the sine qua non conditio; the imputation of the result (legal and naturalistic result); the systematic location of the objective imputation theory in the theory of the crime, according to its functionalism formalization; and the risk society ands its linking with the subject. After that the criteria of the objective imputation theory of its two most significant representatives, the functionalism dogmatists Claus Roxin and Günther Jakobs. As next, aiming to adjust some criteria of the native criminal law a short explanation on the result imputation in the Brazilian repressive law from the legislative perspective. Next, concerning the taking position of some of the national masters on the subject, presenting the diversity of favorable and contrary opinions and its basis is presented. At last, trying to offer alternatives for the adoption of the imputation criteria, but in all cases observing the maintenance of the action concept, as well as of the analytical crime structure, resulting of the finalism lessons which offers more guarantee to the citizen, therefore more adjusted to the Democratic State of Right. Key words: Objective Imputation Theory. Finalism. Applicability.

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SUMÁRIO

RESUMO.......................................................................................................... 05 RESUMEM........................................................................................................ 06 INTRODUÇÃO................................................................................................... 09 1 BREVES APONTAMENTOS SOBRE FRAGMENTOS DA HISTÓRIA DA EVOLUÇÃO DA IMPUTAÇÃO DO RESULTADO.............................................

11

1.1 A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E SEUS VESTÍGIOS EM PUFENDORF......................................................................................................

11

1.2 A IMPUTAÇÃO DO RESULTADO NA DOGMÁTICA DO SÉCULO XIX...... 18 1.3 A IMPUTAÇÃO DO RESULTADO NO HEGELIANISMO........................... 20 1.3.1 A imputação do resultado na concepção dos hegelianos.......................... 22 1.4 A IMPUTAÇÃO DO RESULTADO NA DOGMÁTICA POSITIVISTA – NATURALISTA...................................................................................................

24

1.4.1 Criticas à teoria da equivalência das condições........................................ 32 1.5 A IMPUTAÇÃO DO RESULTADO NA DOGMÁTICA NEOKANTIANA........ 40 1.5.1 A teoria da causalidade adequada............................................................ 42 1.5.2 Teoria da relevância típica......................................................................... 44 1.6 A IMPUTAÇÃO DO RESULTADO EM KARL LORENZ E RICHARD HONING..............................................................................................................

45

1.7 A IMPUTAÇÃO DO RESULTADO NA DOGMÁTICA FINALISTA................ 49 1.8 A IMPUTAÇÃO DO RESULTADO NA DOGMÁTICA FUNCIONALISTA..... 57 2 TEORIAS DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA......................................................... 61 2.1 A SUPERAÇÃO DO ONTOLOGICISMO DERIVADO DA TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES..........................................................

61

2.2 A IMPUTAÇÃO DO RESULTADO NATURALÍSTICO VERSUS JURÍDICO 65 2.3 A LOCALIZAÇÃO DA TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA NA TEORIA DO CRIME..........................................................................................................

68

2.4 RISCOS E SOCIEDADE E TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA: UMA ANÁLISE NECESSÁRIA.....................................................................................

73

2.5 CRITÉRIOSDE IMPUTAÇÃO OBJETIVA DE CLAUS ROXIN..................... 75 2.5.1 A criação de um risco não permitido.......................................................... 76 2.5.1.1 A diminuição do risco e a sua conseqüência.......................................... 76 2.5.1.2 A exclusão da imputação se falta a criação de perigo............................ 78 2.5.1.3 A criação de risco e cursos causais hipotéticos..................................... 80 2.5.1.4 A exclusão da imputação nos casos de risco permitido......................... 82 2.5.2 Realização de risco não permitido no resultado........................................ 83 2.5.2.1 A exclusão da imputação se falta a realização do perigo....................... 84 2.5.2.2 A exclusão da imputação se falta a realização do risco não permitido.. 85 2.5.2.3 A exclusão da imputação em caso de resultados que não se encontram cobertos pelo fim de proteção da norma de cuidado........................

87

2.5.2.4 A conduta alternativa conforme o direito e teoria do incremento do risco.....................................................................................................................

88

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2.5.2.5 Sobre a combinação da teoria do incremento do risco e a do fim de proteção da norma..............................................................................................

90

2.5.3 O alcance do tipo....................................................................................... 90 2.5.3.1 Situações de cooperação em uma autocolocação em perigo dolosa..... 91 2.5.3.2 A colocação em perigo de um terceiro aceita por este........................... 93 2.5.3.3 A imputação do resultado ao âmbito de responsabilidade alheia........... 94 2.6 OS CRITÉRIOS DE IMPUTAÇÃO OBJETIVA DE GÜNTHER JAKOBS...... 95 2.6.1 O risco permitido: conceito, fundamentos e localização sistemática......... 96 2.6.1.1 Outras observações sobre o risco permitido.......................................... 97 2.6.2 O princípio da confiança e a exclusão da imputação objetiva................... 98 2.6.3 A proibição de regresso e a conseqüente exclusão da imputação............ 1002.6.4 Consentimento do ofendido e exclusão da imputação objetiva................. 1022.6.5 Realização dos riscos em caso de concorrência de riscos....................... 103 3 A UTILIZAÇÃO DE CRITÉRIOS DE IMPUTAÇÃO COMO NOVO INSTRUMENTAL PARA AS SENTENÇAS DE MÉRITO..................................

107

3.1 A IMPUTAÇÃO DO RESULTADO NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO....... 1073.2 A DOUTRINA PÁTRIA E A APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS NA IMPUTAÇÃO OBJETIVA....................................................................................

112

3.3 OS CONCEITOS DE CONDUTA HUMANA E SUA FUNÇÃO NO ELEMENTOS GARANTISTA..............................................................................

120

3.3.1 A manutenção do conceito da conduta finalista e sua razão.................... 1213.3.1.1 O conceito da conduta finalista e sua função como elemento garantista............................................................................................................

122

3.3.1.2 O conceito da conduta funcionalista de Claus Roxin.............................. 1243.3.1.3 O conceito da conduta significativa de Vives Antón............................... 1263.4 OS CRITÉRIOS DA TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA DO RESULTADO E O FINALISMO...........................................................................

128

3.5 ALTERNATIVAS PARA A APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE CRIAÇÃO E REALIZAÇÃO DO RISCO COMO CORRETIVOS DA TIPICIDADE PENAL..

133

CONCLUSÃO..................................................................................................... 141 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................. 148

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo analisar a teoria da imputação

objetiva e, mediante análise dos ensinamentos de seus dois maiores

representantes, selecionar alguns critérios para que sejam utilizados como novo

instrumental para a sentença penal de mérito.

O assunto aqui tratado tem a finalidade destacar a importância da

aplicação da lei penal de acordo com a atual conformação da sociedade, que em

si contém um sem número de riscos, de modo que os bens juridicamente

tutelados acabam expostos a lesões por vezes decorrentes de atuações humanas

em conformidade com a idéia de comportamento adequado.

Todavia, o bom emprego do direito penal em determinadas ocasiões se

encontra comprometido ante a falta de acerto de alguns de seus determinados

dogmas com as realidades dimanadas do progresso, enfrentando dificuldades na

imputação do resultado ao agente.

Assim, a fim de demonstrar a almejada viabilidade, procurou-se destacar

sucintamente alguns fragmentos históricos da evolução da imputação do

resultado ao agente da conduta ao longo do tempo. Iniciou-se assim o retrospecto

nos vestígios da teoria encontrados em PUFENDORF, pela passando pelo

finalismo até, finalmente, chegar-se à atual teoria da imputação objetiva.

Ao longo da análise dos momentos evolutivos, procurou-se demonstrar os

motivos da escolha dos critérios e teorias responsáveis pela imputação, os quais

se fundamentam na ciência e na filosofia de cada tempo, porque estas sempre

influenciam o direito, vez que este é manifestação cultural do tempo e lugar onde

é elaborado e, de conseqüência, estudado e aplicado.

Como passo seguinte, buscou-se analisar as modernas teorias da

imputação objetiva.

Nessa seara, antes de adentrar ao tema, fez-se uma sintética exposição

sobre a necessidade superação do ontologicismo derivado da teoria da conditio

sine qua non e as mudanças que de tal giro podem dimanar.

Igualmente, procurou-se esclarecer do que realmente se está a tratar de

imputar, um resultado jurídico ou naturalista. Como conclusão final do assunto,

teve-se que a imputação feita pela teoria refere-se ao resultado jurídico, todavia

isso não implica no desprezo do resultado naturalístico.

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Como se encontram opiniões diferentes dobre a localização da teoria da

imputação objetiva na teoria do crime, achou-se por bem acatar a opinião

doutrinária que a situa no tipo. A escolha foi motivada pela importância do tipo e

de suas funções, principalmente a garantista, de modo que limitar sua parte

objetiva, reapresenta barrar um sem número de incômodos e injustiças.

Por oportuno, foi traçado um breve panorama da sociedade de risco,

porque os critérios da teoria objeto do presente trabalho possuem com o tema

acentuada relação.

Após as considerações citadas, analisaram-se as teorias de imputação

objetiva de apresentadas por CLAUS ROXIN e GÜNTHER JAKOBS e os critérios

que oferecem, para ao final concluir-se mais ser mais coerente a adoção do

ensinado pelo primeiro.

Desta forma, uma vez expostas as questões necessárias, passou-se a

analisar a possibilidade de aplicação de critérios extraídos das referidas teorias ao

direito penal brasileiro, além da utilidade dos mesmos como novo instrumental

para as sentenças de mérito.

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1 BREVES APONTAMENTOS SOBRE FRAGMENTOS DA HISTÓRIA DA IMPUTAÇÃO DO RESULTADO

Antes de adentrar o tema proposto é de se observar que o direito é um

fenômeno cultural1, sofre influência de toda ideologia, de toda quebra

paradigmática, seja no campo científico (p.ex. física), seja no campo da filosofia,

como se verifica no curso da história das civilizações. Portanto, a realidade deve,

em regra, servir como substrato à ideologia, à filosofia e às ciências da época em

que são formuladas, seguindo, por evidente, o direito penal a mesma esteira.

A evolução do instituto da imputação se impôs, ao longo dos tempos,

porque a sociedade e sua cultura em todas as áreas (v.g. modo de produção) não

permaneceram estáticas. Desta feita, insipiente seria que os critérios e,

conseqüentemente, as normas da imputação não sofressem a devida alteração,

pois se o direito deve, ou ao menos deveria, servir como instrumento de

viabilização da existência e coexistência humana, portanto da vida social, o

instituto sob análise há de acompanhar as mutações evolutivas das sociedades

em que é aplicado. Ademais, como já afirmava HERÁCLITO DE ÉFESO

(aproximadamente 540-500 a.C.), tudo tem em si e de maneira ininterrupta

mobilidade e transformação2.

Por conseguinte, como adiante será verificado, a teoria da imputação, de

seu nascedouro à presente época, ou seja, à transmodernidade3, sofreu

significativas alterações a fim de se adequar ao pensamento e, evidentemente, ao

modus vivendi da atual conformação da sociedade.

1.1 A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E SEUS VESTÍGIOS EM

PUFENDORF

Em que pese a teoria em apreço ganhar destaque na dogmática penal em

tempos mais recentes, é de se observar que já na Antiga Grécia, ou mesmo na

1 BALLESTEROS, Alberto Montoro. Las fuentes del derecho. La Pobla de Segur (Lérida):

Poblagràfic, 1993, p. 7. 2 HERÁCLITO DE ÉFESO. Pré-Socráticos: Fragmentos, dexografia e comentários. Coleção Os

Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 85. 3 COELHO, Luiz Fernando. Saudade do futuro. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2001, p. 15.

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Idade Média, teve seus primeiros esboços que, embora embrionários,

apresentaram importantes fundamentos e motivações para o desenvolvimento da

atual teoria da imputação objetiva.

Em razão do antedito, oportuno se faz observar alguns momentos

históricos desde seus remotos antecedentes.

A primeira referência à teoria da imputação objetiva é encontrada em

PLATÃO (428/27 a.C. - 347 a.C.), ainda que de maneira rudimentar. Para o

pensador, o termo imputabilidade significava “fazer recair sobre alguém”4,

entretanto, a expressão não era aplicada exclusivamente no campo do direito,

mas também na área política, ao lado de conceitos axiológicos indispensáveis

como o belo, a verdade, o bom e o justo.

Na concepção platônica, a lei definia a imputabilidade moral do ato

praticado pelo autor, de modo que a imputação traduzia-se na crença de que

“cada qual é causa de sua própria escolha”5, então, sob esse prisma, o agente era

ligado a sua ação e às conseqüências desta.

Observa-se que a lei penal ganhava relevo porque desempenhava função

imperativa, ainda que de forma genérica, pois se revelava na correlação entre as

penas, os crimes e seus autores, bem como no ajustamento da sanção à

reprimenda de maneira proporcional e, ainda, no liame entre a moralidade e os

costumes, as prescrições e os atos.

Mais tarde, porém, pode-se encontrar outro filósofo grego, ARISTÓTELES

(384 a.C. - 322 a.C.), que melhor trabalhou o tema, pois apresentou

delineamentos sobre os princípios reitores da imputação, aliás, consoante

RUEDA MARTIN, primeiro estudioso a explicitar tais princípios6.

ARISTÓTELES concentrava suas exposições nas estruturas a priori, nas

categorias ontológicas e também valorativas, tendo como princípio geral da

imputação o domínio do fato, todavia abrangeu aqui também as estruturas

materiais7, e afirmou que “se faz voluntariamente porque o princípio do movimento

dos membros instrumentais em ações dessa classe está no mesmo que as 4 PRADO, Luiz Regis. CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva do resultado.

Uma aproximação crítica a seus fundamentos. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 24.

5 Idem, ibidem. 6 RUEDA MARTÍN, María Ángeles. La teoría de la imputación objetiva del resultado en el delito

doloso de acción. (Una investigación, a la vez, sobre los límites ontológicos de las valoraciones jurídico-penales en el ámbito de lo injusto). Barcelona: Jose Maria Bosch, 2001, p. 66.

7 Idem, Ibidem.

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executa, e se o princípio delas está nele, também está em sua mão o fazer ou

não”8.

Além disso, o filósofo analisava, no plano material, a causa contraposta à

conseqüência como elemento passível de se reconhecer, presente no mundo

físico (causalidade física), dando-lhe inúmeras acepções, das quais para o direito

penal merecem atenção a denominada causa-motriz, representada como “o

primeiro princípio da mudança do repouso (assim, o autor de uma decisão é

causa da ação...)”9 e a causa-final, revelada como um fim em si mesma; a

primeira em razão de ser premissa da causalidade física e a segunda pela

importância relativa à idéia de dolo.

Extrai-se do acima exposto que o filósofo não só traçou as regras da

imputação, na qual o que lhe importava era a vontade atual e a concretização

desta através da prática de hábitos bons ou maus, mas também, desenvolveu

raciocínio teleológico que é hoje encontrado como centro da teoria finalista da

ação10.

Após os filósofos acima mencionados, a teoria da imputação encontrou-se

relegada a plano de somenos importância, tendo apenas uma reelaboração das

preleções aristotélicas nas doutrinas de TOMÁS DE AQUINO E PUFENDORF.

Quanto a TOMÁS DE AQUINO (1225 - 1274), que desenvolveu seus

estudos na Idade Média, conforme expôs WELZEL, ele não só aceitava a

concepção aristotélica de imputação, como a desenvolveu determinando como

pressuposta pela vontade11. Os ensinamentos aquinianos demonstram que ele

recolheu da concepção aristotélica os fundamentos de sua exposição sobre a

causalidade. Afirmava que tudo que está em movimento assim está em razão de

ter sido impulsionado por uma causa, pois, à exceção de Deus, que consistia na

8 apud RUEDA MARTÍN, María Ángeles. La teoría de la imputación objetiva del resultado en el

delito doloso de acción. (Una investigación, a la vez, sobre los límites ontológicos de las valoraciones jurídico-penales en el ámbito de lo injusto). Barcelona: Jose Maria Bosch, 2001, p. 66: “[…] se obra voluntariamente porque el principio del movimiento de los miembros instrumentales en acciones de esa clase está en el mismo que las ejecuta, y si el principio de ellas está en él, también está en su mano el hacer o no”.

9 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Teoria da imputação objetiva no direito penal ambiental brasileiro. São Paulo: LTr, 2005, p. 42.

10 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva do resultado. Uma aproximação crítica a seus fundamentos. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 26.

11 WELZEL, Hans. Introducíon a la filosofía del derecho. derecho natural y justicia material. Trad. F. Gonzáles Vicén. Madrid: Aguilar, 1981, p. 62.

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causa primária de tudo, nada poderia ser causa primária de si mesmo, mas sim,

resultado de causas secundárias12.

Séculos mais tarde, PUFENDORF (1632 - 1694), filósofo afeto ao ideário

do direito natural racionalista, dedicou-se a dar maior profundidade às estruturas

materiais da imputação, inclusive introduzindo na ciência do direito penal o

conceito de imputação13 e de ação.

Em razão do mais acurado desenvolvimento do tema, podendo, inclusive,

seu trabalho ser considerado base para as lições hegelianas posteriores, e

mesmo para alguns dos fundamentos da atual teoria da imputação objetiva,

merece maior explanação o estudo elaborado pelo autor em questão.

No que tange ao conceito de ação, é de se considerar que este abarcava

apenas os resultados causados por ações humanas voluntárias, ou que

estivessem sob o domínio de seu autor, de modo que o relevante era verificar se

nos casos analisados fazia-se possível imputar os resultados danosos ao autor

como obras suas14.

Entretanto, as colocações dogmáticas a respeito da imputação

desenvolvidas por PUFENDORF apresentaram substancial significado porque

acabaram dimanando em um denominador comum no conceito de imputação,

uma vez que, de um lado, delimitava as ações pelas quais o agente poderia

responder, excluindo o caso fortuito, o acaso ou mesmo a casualidade – imputatio

facti, imputatio physica15 –, e de outro, o conceito elaborado - imputatio juris,

imputatio moralias16 – vinculava incondicionalmente a imputação à vontade do

autor da ação17.

Insta salientar que o autor ora estudado entendia o homem como “ser

racional, capaz de compreender, comparar e deduzir o desconhecido a partir do 12 apud FELICIANO, Guilherme Guimarães. Teoria da imputação objetiva no direito penal

ambiental brasileiro. São Paulo: LTr, 2005, p. 44. 13 apud PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva do

resultado. Uma aproximação crítica a seus fundamentos. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 227-28.

14 GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as ciências criminais no século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 52-53 e RUEDA MARTÍN, María Ángeles. La teoría de la imputación objetiva del resultado en el delito doloso de acción. (Una investigación, a la vez, sobre los límites ontológicos de las valoraciones jurídico-penales en el ámbito de lo injusto). Barcelona: Jose Maria Bosch, 2001, p. 68.

15 CASTALDO, Andrea R. La imputación objetiva en el delito culposo de resultado. Trad. Antonio Bonanno. Buenos Aires: IB de F, 2004, p. 65.

16 Idem, p. 65. 17 RUEDA MARTÍN, María Ángeles. Op. cit. p. 69.

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15

conhecido”18, por ser detentor do domínio e da direção de seus movimentos em

razão de suas opções, de modo que poderia interferir e conduzir os processos

causais conforme sua vontade.

PUFENDORF utilizava-se de alguns conceitos em sua teoria da

imputação, como imputativitas, imputatio, entia moralia e entia physica, sendo

estes absolutamente correlacionados entre si.

Por imputativitas entendiam-se os pressupostos materiais da

imputabilidade19 e as condições de sua exclusão, definindo, assim, a correlação

da ação livre e seu autor20, em outros termos, a conduta seria considerada

pertencente ao agente apenas e tão somente se derivasse de sua livre

autodeterminação21.

Veja-se que, neste ponto, o autor apresenta pela primeira vez à doutrina

penal a idéia de que a ação somente poderia ser atribuída a seu autor se

decorrente de sua consciência e vontade e, ainda, se esta vontade fosse

conseqüência de sua liberdade.

O termo imputatio, por seu turno, correspondia à efetiva operação judicial

realizada depois de devidamente comprovada a ocorrência dos elementos

componentes das condições de imputabilidade e a inexistência de casos em que

poderiam ser excluídas, bem como o momento da valoração do fato22.

A referência axiológica do acontecimento trazia a entia moralia e a entia

physica. Nos entia moralia revelava-se a teoria axiológica do ser moral, que

acabava por dotar de sentido a ação e a ela, bem como a seus resultados,

conferir diferentes valorações. Quanto aos entia physica, de certa forma

contrapunham-se aos entia moralia, no sentido que se traduziam em objetos de

18 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva do resultado.

Uma aproximação crítica a seus fundamentos. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 28.

19 Como bem destaca Prado, não se toma o termo imputabilidade neste ponto como capacidade de culpabilidade, porque possui sentido mais abrangente, conforme se poderá comprovar ao longo da exposição.

20 RUEDA MARTÍN, María Ángeles. La teoría de la imputación objetiva del resultado en el delito doloso de Acción. (Una investigación, a la vez, sobre los límites ontológicos de las valoraciones jurídico-penales en el ámbito de lo injusto). Barcelona: Jose Maria Bosch, 2001, p. 69.

21 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Op. cit., p. 28. 22 RUEDA MARTÍN, María Ángeles. Op. cit., p. 69.

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natureza física, desta feita sendo regidos pelas leis da natureza, pelo que eram

desprovidos de relevância no plano dos valores23.

Conclui-se que na teoria da imputação de PUFENDORF, aos entia

moralia cabia a tarefa de dar aos entia physica diferentes interpretações

axiológicas. Neste ponto, vale observar que a operação judicial (imputatio) acaba

por conter em si tanto a imputativitas quanto a emissão de juízos axiológicos

atinentes às causas materiais da estrutura do evento.

Todavia, cabe gizar que PUFENDORF entendia que os entia moralia

compunham-se de uma parte moral e uma física, sendo esta última portadora de

uma parte correlata à matéria e outra à forma24.

No que se refere à matéria, manifestava-se no conjunto dos fatos

decorrentes da ação, era composta não só dos movimentos corporais e do que

em decorrência destes surgisse, bem como dos atos de vontade e entendimento

levados em conta em seu sentido natural25. Vê-se que os elementos da matéria,

em verdade, indicavam o substrato material sobre os quais se devia operar, ou

seja, os entia physica26.

Já em relação à forma, traduzia-se na imputativitas, ou seja, na atribuição

da ação a seu autor, pela qual era possível também imputar ao agente como suas

as conseqüências, desde que tenha optado livremente27.

A respeito, WELZEL observou que deveria a imputativitas limitar-se a

oferecer uma conclusão coerente acerca da determinação do autor através da

sua liberdade, não podendo ser entendida a referida liberdade de vontade

humana como algo abstrato, mas sim como uma realidade ligada de alguma

forma à lei, e a esta deveria influir tanto sobre o intelecto como sobre a vontade

do homem, os quais consistiam na representação da verdadeira liberdade

humana28.

23 RUEDA MARTÍN, María Ángeles. La teoría de la imputación objetiva del resultado en el delito

doloso de acción. (Una investigación, a la vez, sobre los límites ontológicos de las valoraciones jurídico-penales en el ámbito de lo injusto). Barcelona: Jose Maria Bosch, 2001, p. 69-70.

24 Idem, p. 69. 25 WELZEL, Hans. Die naturreschtslhre Samuel Pufendorf. ein beitrag zur ideengeschichte des 17.

und 18.jahrhunderts. Berlin: New Cork Walter de Gruyter, 1958, p. 22 apud RUEDA MARTÍN, María Ángeles. Op. cit. p. 70.

26 RUEDA MARTÍN, María Ángeles. Op. cit., p. 70. 27 Idem, ibidem. 28 Idem, ibidem.

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17

Observa-se que, conforme preleciona MARTÍNEZ GARAY, tal afirmação

deriva do fato do homem ser considerado pelo filósofo como ser distinto das

outras criaturas, justamente por ser portador de inteligência, por conseguinte,

capaz de absorver dos entia moralia os critérios sob os quais deve pautar sua

liberdade de ação, considerando que pode ser móvel de um ato de bem e de mal,

como também pode ser autor de condutas boas ou más, pois, ao agir, almeja um

efeito, o qual por certo conterá em si um valor ou um desvalor consoante às

concepções impostas pelo próprio ser humano, logo, ao menos em parte por ele

próprio29.

Das assertivas supracitadas, dessume-se que a imputativitas era requisito

indispensável para a imputatio, porque delineava e, também, determinava a lei de

encadeamento dos entia physica, todavia sem que isso resultasse em uma

valoração particular, pois era meramente um juízo analítico da esfera ontológica a

ser realizado pelo magistrado30.

Ademais, a referida valoração deveria ser efetuada, na concepção de

PUFENDORF, somente após a constatação da imputativitas, dos entia physica,

quando se tornava então viável a imputatio que, como já salientado, contém em si

os citados elementos e sua valoração mediante os entia moralia31.

Nesse ponto, LUIZ RÉGIS PRADO e ÉRIKA MENDES DE CARVALHO

observam: A imputatitio consiste, portanto, em uma categoria que compreende tanto a imputativitas (estrutura material do acontecer) como as valorações específicas que podem incidir sobre essa estrutura material. A diferença entre imputatio e imputativitas reside no fato de que nem tudo o que se pode imputar a uma pessoa ser-lhe-á necessariamente imputado, pois a efetiva imputação só pode corresponder à pessoa a quem interessava que a ação se produzisse ou não. Portanto, se ao imputar ao homem uma ação ele se torna responsável pelos efeitos dela decorrentes, e a imputação se baseia na liberdade de vontade, pode-se deduzir que a responsabilidade do homem por seus atos tem fundamento no livre-arbítrio32.

29 apud PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva do

resultado. Uma aproximação crítica a seus fundamentos. 2 ed. rev. atual.e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 29.

30 RUEDA MARTÍN, María Ángeles. La teoría de la imputación objetiva del resultado en el delito doloso de acción. (Una investigación, a la vez, sobre los límites ontológicos de las valoraciones jurídico-penales en el ámbito de lo injusto). Barcelona: Jose Maria Bosch, 2001, p. 70.

31 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Op. cit. p. 32. 32 Idem, p. 32-33.

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18

Como se pode perceber, das lições de PUFENDORF sobre imputação

vieram para a esfera do direito penal, de forma mais elaborada, as circunstâncias

consideradas como antecedentes imprescindíveis, como também os limites para

que fosse possível a atribuição a uma pessoa de um curso causal como obra sua

bem como de sua ulterior valoração.

Contudo, impende destacar, como bem expõe RUEDA MARTÍN, que a

imputativitas representava a averiguação das hipóteses em que se podia imputar

ao autor a ação e seu resultado como seus (imputação em sentido próprio) e não

a imputatio, pois esta consistia, na realidade, na implicação final da verificação

das hipóteses em que era possível a atribuição a ele de sua responsabilidade

sobre o evento, ou seja, traduzia-se na valoração do feito, o que era realizado

com a utilização dos critérios contidos nos entia moralia33.

Por fim, cabe gizar que a doutrina de PUFENDORF, no que se refere ao

tema em apreço, acabou por fazer uma junção da concepção de ARISTÓTELES,

na qual a imputação tinha como critério reitor o domínio do fato e os

ensinamentos aquinianos, os quais prelecionavam que a imputação derivava da

voluntariedade do ato, ou seja, em PUFENDORF a imputação material derivava

da vontade livre, a qual tinha em seu bojo o domínio final do fato.

1.2 A IMPUTAÇÃO DO RESULTADO NA DOGMÁTICA DO SÉCULO XIX

Nos séculos que se sucederam às preleções de PUFENDORF, a ciência

do direito penal iniciou a construção dos fundamentos que posteriormente

serviriam de alicerce para o conceito analítico de crime. Nesse período, partindo

da já exposta teoria da imputação, a análise do crime realizava-se em duas

etapas: a imputatio facti e a imputatio juris, sendo a primeira relativa à imputação

do fato objetivo e a segunda correlata à imputação subjetiva34.

Conforme preleciona GUARAGNI, a imputatio facti deveria ser analisada

em primeiro lugar, observando-se dois pontos, a saber: o nexo causal, que estaria

33 RUEDA MARTÍN, María Ángeles. La teoría de la imputación objetiva del resultado en el delito

doloso de acción. (Una investigación, a la vez, sobre los límites ontológicos de las valoraciones jurídico-penales en el ámbito de lo injusto). Barcelona: Jose Maria Bosch, 2001, p. 72-73.

34 Idem, p. 73. No mesmo sentido: PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva do resultado. Uma aproximação crítica a seus fundamentos. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 34.

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presente se o resultado fosse conseqüência da ação (força física); e, depois,

perquiria-se a existência de liame intelectual entre o agente da conduta e o

resultado (força moral). Em caso de constatação de ambas as forças, estava

devidamente configurada a imputatio facti35.

Uma vez verificada a imputatio facti, restava analisar a imputatio juris, a

qual era verificada mediante única análise, consistente em acarear o fato

imputado ao agente e o ordenamento jurídico, de modo que somente se houvesse

previsão de sanção para o evento atribuído ao agente esta estaria aprimorada36.

Extrai-se que, em síntese, a análise do crime destinava-se a determinar o

caminho a ser observado para que se pudesse imputar o fato ao agente.

Como se pode perceber, seguia-se tendo a teoria da imputação

confundida com a conduta humana, pois esta continuava sem tratamento

autônomo, permanecendo a prevalência da causalidade, uma vez que o foco das

teorias centrava-se no resultado e sua imputação ao autor das ações que o

precederam37.

Merece ser observado que a ausência do estudo da conduta guardava

perfeita correlação com a visão que se tinha do crime, primeiramente visto em sua

totalidade, como na obra de FEUERBACH (1775-1833)38, para o qual a relação

entre a parte objetiva, baseada no fato, e a subjetiva, correlacionada à vontade,

eram mais que uma característica do crime, tratavam-se, na verdade, de um

critério para a aplicação das reprimendas39.

Assim, vê-se que a imputação em FEUERBACH guarda forte correlação

com o conceito de imputatio de PUFENDORF, pois se materializava na operação

judicial ex post factum para que se fizesse a valoração da conduta e seu

resultado. Nesse ponto, salienta-se que em verdade a imputação acabava sendo

35 GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta

humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 53; e RUEDA MARTÍN, María Ángeles. La teoría de la imputación objetiva del resultado en el delito doloso de acción. (Una investigación, a la vez, sobre los límites ontológicos de las valoraciones jurídico-penales en el ámbito de lo injusto). Barcelona: Jose Maria Bosch, 2001, p. 72.

36 GUARAGNI, Fabio André. Op. cit. p. 53. 37 GUARAGNI, Fabio André. Op.cit. p. 51-53; e RUEDA MARTÍN, María Ángeles. Op.cit. p. 66. 38 GUARAGNI, Fabio André. Op. cit. p. 51 e ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. Tomo I.

Trad. Diego-Manuel Luzón Peña; Miguel Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 235.

39 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva do resultado. Uma aproximação crítica a seus fundamentos. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 34.

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uma ação no plano processual, não obstante não pudesse pertencer

exclusivamente a este.

Vale, também, observar o ensinado por CARRARA (1805 - 1888), em sua

obra Programa do Curso de Direito Criminal, que definia o delito como infração e

não como ação, visto que o colocava como ente jurídico, centrando seus estudos

no conceito formal do delito, por conseguinte, destacando a contradição, a co-

relação entre a conduta humana e a lei40, seguindo a imputação como centro da

análise realizada.

De outro lado, GROLMAN buscou em sua teoria de imputação

correlacionar a manifestação externa e a parte interna do delito, o que remonta ao

conceito de imputativitas de PUFENDORF, recolocando a atribuição de conduta e

resultado na teoria geral do delito, portanto, retirando-a da doutrina da lei, em que

pese esta representar o momento último da dogmática. Assim definindo a

imputação, o autor a tomava por um elemento que coordenava a parte objetiva e

subjetiva, e isso livre de sujeição a tipos objetivos e subjetivos.

1.3 A IMPUTAÇÃO DO RESULTADO NO HEGELIANISMO

Como observa GUARAGNI, no início do século XIX a conduta não era

elemento autônomo na teoria do delito41. O primeiro conceito de ação influente em

Direito Penal veio com HEGEL (1770 – 1831) como “a expressão da vontade

subjetiva ou moral”42.

ROXIN destaca que o filósofo foi o pai do conceito jurídico-penal da

ação43. Todavia, o evento era imputado faticamente ao autor, o que poderia

acontecer apenas se decorrente da vontade do referido autor e, ainda, se fosse

compreendido em seu dolo, logo era imputado como culpabilidade de vontade.

40 CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal. Parte geral. vol. I. Trad. Ricardo

Rodrigues Gama. Campinas: LZN, 2002. p. 66. Destacando também o tema: GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 52.

41 GUARAGNI, Fabio André. GUARAGNI, Fabio André. Op. cit. p. 51. 42 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. Trad. Márcio Pugliesi. São

Paulo: Ícone, 1997, p. 116. 43 ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 235.

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Desta feita, integravam a conduta o movimento corporal, o resultado e o

liame entre o dito movimento e o evento; além disso, consideravam-se o vínculo

psicológico do agente, seu movimento e o resultado produzido. Entretanto, não se

poderia dizer pertencente à ação o que extrapolasse o querido e, também, o que

embora desejado não fosse concretizado44.

Como se pode perceber, na fase hegeliana o conceito de ação mais se

assemelhava com a imputação do fato que propriamente um conceito

independente45.

Importante analisar o trazido pelo filósofo:

A vontade atuante no seu fim encontra, na medida em que o orienta para uma existência dada, a representação das circunstâncias [...] Por isso, a vontade tem o direito de só reconhecer como ação sua aquilo que ela se representou e de, portanto, só se considerar responsável por aquilo que sabe pertencer às condições em que atuou, por aquilo que estava nos seus propósitos. O que apenas lhe pode ser imputado como erro da vontade constitui o direito de exame. Transportada para a existência exterior, a ação que se desenvolve em todos os seus aspectos segundo as suas relações com a necessidade exterior tem resultados diversos. Estes resultados, como produtos de que a ação é a alma, são seus, pertencem à ação; mas esta, ao mesmo tempo, com fim projetado na exterioridade, fica entregue às forças exteriores que lhe acrescentam algo de muito diferente daquilo que ela é para si e a desenvolvem em resultados longínquos e estranhos. Também aqui a vontade possui o direito de só perfilhar os primeiros resultados, pois só esses estavam nos seus propósitos46.

Em razão do exposto, alguns doutrinadores consideram que em HEGEL

se tem as bases para a moderna teoria da imputação objetiva, como destacam

RUEDA MARTIN, PRADO e CARVALHO, dentre outros47.

Ademais, cabe destacar que JAKOBS acentua que o conceito de ação

hegeliano apresenta a vantagem de não se limitar aos aspectos externos da

conduta, mas sim por sua relação com a norma, tendo em vista que a relevância

44 GUARAGNI, Fabio André.As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta

humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 58.

45 Idem, Ibidem. 46 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. Trad. Márcio Pugliesi. São

Paulo: Ícone, 1997. p. 118-119. 47 RUEDA MARTÍN, María Ángeles La teoría de la imputación objetiva del resultado en el delito

doloso de acción. (Una investigación, a la vez, sobre los límites ontológicos de las valoraciones jurídico-penales en el ámbito de lo injusto). Barcelona: Jose Maria Bosch, 2001, p. 75; PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva do resultado. Uma aproximação crítica a seus fundamentos. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 35.

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22

é atingida no momento em que se justifica a aplicação de uma pena a fim de se

anular o delito e restabelecer o direito48.

Desse modo, em que pese a contribuição hegeliana não ter sido de todo

adequada ao conceito de conduta, foi substancialmente produtiva em termos de

imputação, porque trouxe os pressupostos desta, uma vez que se questionou o

que poderia ser imputado ao autor como obra sua, objetiva e subjetivamente,

separando-se em imputação como injusto e como culpabilidade. Veja-se que,

como já salientado, só se poderia imputar a alguém aquilo que pertencesse às

condições em que agiu e se fizesse parte de sua intenção, ou seja, havia de

envolver sua vontade finalística e por esta estar dominado. Destarte, se algo

sobreviesse diverso do pretendido pelo autor, em razão de forças externas, por

não ser contido em seus propósitos não poderia ser-lhe imputado.

Insta salientar que não se tratava de um juízo causal que correlacionasse

ação e resultado, mas um juízo teleológico, porque em verdade analisava a

relação entre a vontade e o resultado alcançado, ainda que tal imputação fosse

livre de peso axiológico ou jurídico da ação.

Contudo, como bem ressaltam JAKOBS, PRADO e CARVALHO, verbi

gratia, o conceito hegeliano apresentava uma problemática para a dogmática do

direito penal, pois acabava por não abranger os delitos culposos, já que nestes,

como se sabe, o resultado não integra a vontade do agente, tendo em conta que

a finalidade da conduta sequer tinha correlação com o resultado que acabava por

sobrevir. Os referidos autores observam, ainda, que a falha era suprida por

critérios normativos que possibilitavam atribuir vontade ao agente mesmo nos

referidos delitos49.

1.3.1 A imputação do resultado na concepção dos hegelianos

Os pressupostos de HEGEL foram desenvolvidos e trazidos para o direito

penal nos trabalhos doutrinários de ABBEG, KÖSTLIN, BERNER, HÄLSCHNER e 48 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed.

corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 199,. p. 157-158.

49 Idem, p. 158-159 e PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva do resultado. Uma aproximação crítica a seus fundamentos. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 37.

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23

LUDEN, valendo destacar, sucintamente, os trabalhos nos pontos correlatos ao

tema sob análise50.

Impende, prima facie, salientar que os hegelianos negavam a existência

de diferenciação entre imputatio facti e imputatio juris, pois acreditavam que tanto

a ação, quanto a culpabilidade eram analisadas na ocasião da formulação do

juízo de imputação, de modo que não seria possível observar divisão entre

imputação de fato e de culpabilidade51.

Aliás, neste ponto, RUEDA MARTÍN observa que em razão da vontade

constituir a força motriz da ação e do evento, esse todo só poderia ser jurídico-

penalmente relevante se a ele acrescida uma carga axiológica, em razão de os

vocábulos ação e delito serem expressões sinônimas52.

No sentido da assertiva da citada autora, tem-se as lições de ABBEG,

KÖSTLIN e HÄLSCHNER, destoando apenas BERNER, como se pode adiante

verificar.

ABBEG asseverava que a imputação está inserida no conceito de ação,

afetando, portanto, o âmbito desta e sua especificação delitiva, sendo impossível

uma distinção entre ação e sua especificação delitiva53.

O hegeliano KÖSTLIN trazia o juízo de imputação como correspondente à

afirmação da existência de uma ação culpável, sendo correlatas a ação e a

imputação.

HÄLSCHNER trazia a imputação como ligação entre um fato e seu

sujeito, desde que este houvesse agido voluntária, livre e conscientemente, de

forma que a ação representava o enlace para o julgamento do injusto54.

Como já afirmado, BERNER destoava do contexto antedito, pois para ele

a imputação consistia no estabelecimento de um liame entre o resultado, visto de

forma objetiva, sem qualquer carga axiológica, e um sujeito, por evidente aquele

que praticou a ação da qual decorreu o evento. Veja-se que para o autor em

estudo primeiramente fazia-se necessária a certeza da existência de uma

50 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 36. 51 RUEDA MARTÍN, María Ángeles. La teoría de la imputación objetiva del resultado en el delito

doloso de acción. (Una investigación, a la vez, sobre los límites ontológicos de las valoraciones jurídico-penales en el ámbito de lo injusto). Barcelona: Jose Maria Bosch, 2001, p. 77.

52 Idem, Ibidem. 53 Idem, Ibidem. 54 Idem, ibidem.

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conduta, após o juízo de imputação e no que se refere à parte valorativa, tal juízo

deveria ser efetuado no plano da punibilidade e não da imputação55.

Cabe gizar o destaque dado a BERNER por ROXIN, em função daquele

ter sustentado que a ação deveria possuir conceito fixo que determinasse a

estruturação da teoria do delito, sendo todo o resto a ele agregado tido como

predicados somados, seja a ação, seja ao sujeito que a praticou, tornando-se,

assim, o autor, na visão dos autores modernos, o fundador da nova teoria da

ação, não obstante discorde de tal posicionamento, um vez que em sua opinião

BERNER tão somente deu os apontamentos iniciais da aludida teoria56.

O hegeliano LUDEN seguiu no mesmo sentido, inclusive tendo dividido o

delito em ação, antijuridicidade e culpabilidade, carecendo apenas da tipicidade

para se adequar perfeitamente ao modelo atual57.

Dessume-se do acima apresentado que a concepção hegeliana de

imputação visava determinar as possibilidades de se imputar a um sujeito

específico o resultado como obra sua; também de tal conceito extraía-se a

definição de ação, que acabava sendo sinônimo de delito, porque eram

correlacionados os elementos constitutivos de injusto e culpabilidade.

Além disso, é a ação apresentava-se como momento objetivo e subjetivo,

sendo que o subjetivo, traduzido na vontade, era o que possibilitava inferir carga

axiológica à análise feita, tornando o evento digno de relevância jurídico penal.

Veja-se que, à exceção de BERNER e LUDEN, esse momento era uno, ou seja, a

apreciação era realizada em um único átimo.

1.4 A IMPUTAÇÃO DO RESULTADO NA DOGMÁTICA POSITIVISTA-

NATUTALISTA

Das lições de GUARAGNI retira-se que a teoria causal-naturalista teve

seu início em 1880, desenvolvendo-se a partir de então e dominando os

posicionamentos dos doutrinadores por aproximadamente três décadas58. 55 RUEDA MARTÍN, María Ángeles. La teoría de la imputación objetiva del resultado en el delito

doloso de acción. (Una investigación, a la vez, sobre los límites ontológicos de las valoraciones jurídico-penales en el ámbito de lo injusto). Barcelona: Jose Maria Bosch, 2001, p. 77.

56 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 236.

57 Idem, Ibidem.

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A referida teoria encontrava sua raiz na filosofia positivista-naturalista,

considerando que à época predominava o pensamento que vinculava o status

científico à possibilidade de se demonstrar a veracidade das assertivas científicas

a critérios próprios dos saberes atinentes às ciências exatas e naturais. Impende

gizar que, dessa forma, as certezas científicas dimanavam do método empírico,

ou seja, de experiências repetidas que obtinham os mesmos resultados, das

quais se extraia uma lei geral, observado fenômeno e sua resultante.

Tal assertiva é corroborada pelo contido na obra de LOMBROSO, O

homem delinqüente, na qual suas conclusões sobre o direito penal são expostas

e extraídas de estudos de casos de criminosos, de crânios e vísceras dos

delinqüentes, além de uma apresentação de estatística antropométrica, dentre

muitas outras bases “científicas” que adotou para sustentar sua fase

antropológica da escola positiva 59.

Como se pode perceber, as conclusões desse período tomavam por base

métodos direcionados a ciências próprias do ser, pois estas podem ser

resultantes de observação e descrição dos fenômenos, em relações de causa e

efeito, ao contrário das ciências do dever ser, que em verdade são culturais, e

evidentemente não podem ser criadas a partir de ilações, como as que moveram

Isaac Newton em seus estudos da física mecanicista.

No entanto, a fim de que o direito não perdesse sua qualidade de ciência,

os métodos específicos do axioma positivista-naturalista foram a ele agregados.

Na realidade, transformaram-se em sua força motriz, em que pese a adoção no

direito penal e suas leis de substratos metodológicos tão díspares de seus

objetivos de estudo e aplicação.

O desprezo pelas realidades atinentes ao direito fica sobremaneira

demarcado, por exemplo, nas exposições de HENRICO FERRI e sua sociologia

criminal e de CESARE LOMBROSO e a criminologia resultante do determinismo

antopogenético.

Vê-se que nas citadas doutrinas da era positivista, o ser humano não

possuía poder de autodeterminação, em razão do livre-arbítrio não ser

58 GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta

humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 63.

59 LOMBROSO, Cesar. O homem delinqüente. Trad., atual., notas e comentários Maristela Tomasini; Oscar Antonio Corbo Garcia. Porto Alegre: Ricardo Lenz, 2001.

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comprovado cientificamente, pois, como se vê em LOMBROSO, as causas do

crime originavam nas condições inatas do criminoso, ou mesmo eram decorrentes

de doenças ou características físicas. Já em FERRI, o crime consistia em um

fenômeno social em razão de inadaptações à vida social por parte do delinqüente,

ou seja, de uma anomalia psíquica, total ou parcial, do criminoso, que assim

poderia ser denominado em razão de viver em sociedade, não podendo ser objeto

de tal título o eremita, verbi gratia60.

Na mesma esteira, têm-se os estudos de JOSE INGENIEROS, positivista

de origem italiana, radicado na América do Sul, com estudos fundamentados

sobre crimes e criminosos na medicina, em especial no campo da neurologia e da

psiquiatria, na psicologia e sociologia, dentre outras áreas das ciências da

época61.

Por evidente, como bem destaca GUARAGNI, a conduta foi reduzida a

uma simples relação de causa e efeito62.

Insta salientar que a conduta era conceituada nesse tempo por LISZT

como:

[...] o fato que repousa sobre a vontade humana, a mudança no mundo exterior referível à vontade do homem, sem vontade do homem não há ação. [...] Mas também não há ação, não há injusto, sem uma mudança operada no mundo exterior, sem um resultado. Destarte são dados dois elementos que compõem a idéia de ação e portanto a de crime: ato de vontade e resultado. A estes dois elementos deve acrescer a relação necessária, para que eles formem um todo, a referência do resultado ao ato63.

É importante observar que a vontade à qual faz referência o citado autor é

correlata ao movimento muscular e não à finalidade de tal movimento, ao

contrário da concepção atual. Igualmente, merece destaque o fato de que o

60 FERRI, Henrico. Princípios de direito criminal: o criminoso e o crime. Trad. Paolo Capitanio. 2

ed. Campinas: Bookseller, 1998, p. 203-204. 61 INGENIEROS foi fiel defensor do positivismo na Argentina, tendo inclusive fundado o Instituto

de Criminologia na Penitenciaria Nacional de Buenos Aires. Redigiu ensaios sociológicos como “O homem medíocre”, “A vaidade criminal & a piedade homicida”, “As forças morais”, “Dedicado à juventude da América Latina”, dentre outros, todos voltados a seus estudos calcados nos ensinamentos positivistas.

62 GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito Penal. Um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 66.

63 LISZT, Franz von. Tratado de direito penal alemão. tomo I. Trad. Jose Higino Duarte Pereira. Campinas: Russell, 2003, p. 217-218.

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movimento muscular só terá relevância caso dele haja uma alteração no mundo

exterior.

Também BELING ensinava no mesmo sentido, pois em sua averiguação

da existência de ação afirmava que bastava a vontade do autor em atuar, sendo

irrelevante o motivo pelo que operava, ou seja, independentemente de para que

agisse, ou no que consistia tal conduta64.

Gize-se que, além do intuito de preservar o caráter de ciência do direito

penal, objetivavam também os autores anteditos a definitiva separação entre o

processo causal externo e os elementos internos, os quais representavam a

culpabilidade65, a qual sem dúvida fazia-se necessária.

No que tange aos delitos comissivos, nos quais a comissão apresentava-

se como um movimento corpóreo voluntário, o nexo causal, por conseguinte a

imputação do evento a seu autor, dava-se pela idéia de causação do resultado

por um ato de vontade que se manifesta como um movimento corpóreo, ou seja,

“como tensão (contração) dos músculos, dispostas pela mente, e efetuada pela

inervação dos nervos motores”66. Como conseqüência, o resultado devia ser

produzido pelo movimento corpóreo, ou seja, em razão do liame, da conexão

causal entre ambos.

Em decorrência do acima exposto, por certo imprescindível era que se

tivesse uma teoria da imputação condizente com os postulados do pensamento

em voga, sob pena do direito penal apresentar não só um aparte da realidade e

seus objetivos, mas também o derradeiro estabelecimento da incoerência em seu

próprio bojo.

Assim, surgiu a teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua

non, a qual até os tempos atuais tem predomínio na doutrina penalística bem

como na legislação e jurisprudência de muitos países.

A supracitada teoria teve sua origem em JULIUS GLASER, em 1858,

tendo sido aperfeiçoada mais tarde por MAXIMILIAN V. BURI67. A teoria em

64 GUARAGNI, Fabio André, As teorias da conduta em direito Penal. Um estudo da conduta

humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 72.

65 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte general. Fundamentos y teoría de la imputación. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luis Serrano Gonzalez De Murillo. 2 ed. corregida. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 161.

66 Idem, p. 221-227. 67 LUZON PEÑA, Diego Manuel. Curso de derecho penal. Parte general. vol. I. 2 ed. Madrid:

Universitas, 2004, p. 365-366.

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apreço fundamentou-se nos ensinamentos do filósofo empírico STUART MILL

(1806-1873), o qual ensinava que, em regra, não era possível afirmar que um

resultado fosse conseqüência de causa única, porque geralmente eventos são

gerados pela reunião de inúmeros antecedentes causais, de modo que por causa haveria de se entender todas as condições do resultado conjuntamente68.

Na teoria ora estudada, entende-se por causa toda condição sem a qual

determinado resultado não seria produzido. Como se vê, faz-se um juízo de

equivalência de todos os antecedentes do evento, sendo que cada causa parcial

é interpretada de maneira independente, ainda que só se tenha a realização do

resultado mediante a combinação com várias outras. ROXIN explica que o

mencionado tratamento ocorre em razão de não interessar ao direito a

integralidade das condições, mas tão somente a conexão entre a conduta

humana e o resultado dela advindo69.

Em LIZST tem-se largamente exposta a teoria, de modo que, conforme

seus ensinamentos, a presença do nexo causal só aconteceria em casos onde o

movimento corpóreo ativo ou omissivo (causa) não pudesse ser eliminado sem

que também o fosse o resultado, pois caso contrário este não poderia ser dito

derivado daquele. Ainda cabe salientar que o estudioso traz com clareza a

equiparação de causa e concausa, sendo fatores que não poderiam ser

suprimidos sem que também o fosse o resultado70. Ou seja, havia desde então o

conhecido processo de eliminação mental, criado por THYRÉN, presente na

averiguação do nexo de causalidade.

No que se refere à aplicação da idéia de causa e de concausa, noções

equiparadas, LISZT exemplificou da seguinte forma:

Quando entre o ato de um indivíduo e o resultado produzido intervém a atividade de outrem, não influenciada pelo primeiro, é o segundo agente, e não o primeiro, a causa do resultado. Se B faz um ferimento mortal em C já mortalmente ferido por A, e a vítima sucumbe ao segundo ferimento, é B, e não A, o causador da morte. Se A fere a C e este arranca o aparelho para que o sangue se escoe, a morte é causada por C e não

68 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Teoria da imputação objetiva no direito penal ambiental

brasileiro. São Paulo: LTr, 2005. p. 45. É de se observar que Aníbal Bruno discorda de tal posicionamento, afirmando categoricamente que não foi no referido filósofo que von Buri se inspirou. Direito Penal. Parte geral. tomo I. 2 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1959, p. 309.

69 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 348.

70 LISZT, Franz von. Tratado de direito penal alemão. tomo I. Trad. Jose Higino Duarte Pereira. Campinas, Russell, 2003, p. 223-226.

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por A. [...] Se, porém, o ato de B é provocado por A, este é a causa do resultado produzido71.

Para as idéias expostas por LISZT, causa é algo que não deve ser

analisado no sentido estrito, em que esta seria refletida em uma circunstância a

que outra se seguiria de modo imprescindível, porque assim a ação humana

jamais poderia ser causa, pois para gerar um resultado sempre depende de

fatores que lhe são externos, de modo que a ação humana só pode ser vista

como causa de maneira discreta, compondo o rol de condições que somadas

trazem o resultado delituoso.

De outro lado, doutrinadores outros traziam a distinção de causas e

condições, sendo aquelas entendidas como condição que converte em anormal o

curso normal, ou como a que direciona decisivamente às circunstâncias, ou ainda,

como condição adequada para a realização do resultado, entre eles se destacam

VON BAR, BINDING, BIRKMEYER e KÖHLER72.

Como se pode dessumir do acima trazido, em casos de delitos ativos a

teoria causalista não apresentava, como não apresenta, maiores dificuldades para

explicar a conduta, tampouco o liame que a une ao resultado, por conseguinte a

imputação deste ao autor daquela, não obstante necessite de complementação

sob pena de permitir, p.ex., um regresso ao infinito.

Porém, no caso dos delitos omissivos, os quais consistiam à época,

conforme os ensinamentos de BELING, em uma distensão muscular, ou seja, em

não se movimentar em determinada direção73, a fixação do nexo de causalidade

já não era tão fácil, pois todas as tentativas acabavam por desconstituir a ênfase

científica dada à teoria. Nesses delitos, a causação do resultado era equiparada

ao não impedimento do evento, seja porque havia descumprimento de norma

imperativa (crime omissivo próprio), seja porque da inação surgia um resultado ou

pela posição de garante que o agente ocupava (crime omissivo impróprio) 74.

71 LISZT, Franz von. Tratado de direito penal alemão. tomo I. Trad. Jose Higino Duarte Pereira.

Campinas, Russell, 2003, p. 224-225. 72 Idem, p. 227. 73 GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta

humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 78-79.

74 LISZT, Franz von. Op. cit. p. 228.

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Muitas foram as discordâncias e os posicionamentos acerca do tema,

tendo estudiosos como LUDEN, KRUG, GLASER e MERKEL, VON BURI e

BINDING e, por fim, VAN HAMEL, exposto de maneira diversa a idéia de LISZT.

Em LUDEN, a causa nos delitos omissivos impróprios, a causa do evento,

não consistia exatamente na conduta omissiva, mas sim na ação efetuada ao

tempo dela, como a mãe que deixava de alimentar o filho para tecer meias, de

modo que não é a omissão a causa da morte por inanição do pequeno bebê, mas

o fato de que estava a mãe agindo de modo diverso do devido e esperado75.

KRUG, por seu turno, afirmava em contradição ao posto por LUDEN, que

a ação deveria ter absoluta relação de causalidade com o resultado, de modo que

a ação a ser considerada não deve ser aquela que o autor do delito pratica no

momento em que deveria praticar outra, mas sim a que antecedesse e que

colocasse esse autor na obrigação de agir de modo diverso76.

GLASER e MERKEL, representantes de outro grupo de idéias, buscavam

o momento causal na ocasião, na ação anterior da qual se originou a posição de

garante ao omitente, o que explicaria, por exemplo, o caso do vigia da linha férrea

que deixa de remover uma pedra dos trilhos, causando, assim, um sinistro, mas a

imputação do resultado, o nexo causal entre a omissão e o resultado derivava não

da omissão, mas do cargo assumido anteriormente pelo autor77.

Por fim, VON BURI e BINDING reconheciam na conduta omissiva um

caráter positivo, em razão de considerá-la como destruição da condição que se

opunha ao resultado78.

Todavia, como bem salientou VAN HELMEL, tais teorias não puderam

salvaguardar o princípio da causalidade necessária em razão de se resumirem às

atribuições de fatos de cunho meramente psíquicos o mesmo valor imputado às

causas físicas79.

Convém, porém, esclarecer que o acima exposto não significa que os

doutrinadores causalistas desprezavam a finalidade do movimento80, ou mesmo

75 LISZT, Franz von. Tratado de direito penal alemão. tomo I. Trad. Jose Higino Duarte Pereira.

Campinas, Russell, 2003, p. 234. 76 Idem, Ibidem. 77 Idem, Ibidem. 78 Idem, Ibidem. 79 Idem, Ibidem. 80 GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta

humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 73.

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que esta era indiferente à imputação do resultado ao agente, ao contrário, em

verdade apenas avaliavam, em momento diverso, por ocasião da culpabilidade,

na qual se estabelecia o nexo psicológico, em razão de culpa ou dolo, entre o

agente e o resultado de sua conduta ativa ou omissiva. Na verdade, neste

momento, verificava-se a possibilidade de imputar ao agente o resultado como

obra sua81, ou seja, como resultado de sua conduta e da sua culpabilidade, que,

como se sabe, possuía elementos diversos dos que atualmente a compõem.

Entendia-se presente o dolo quando o agente previu o resultado, e a

culpa quando não o previu, não obstante, porém, em ambos os casos o resultado

poderia ser imputado ao autor da conduta ativa ou omissiva82.

Em relação à imputação do resultado ao agente em razão de uma

conduta praticada dolosamente, observou LISZT que tal deveria se dar porque o

agente optou por praticar a conduta, em que pese a previsão do resultado,

considerando o dolo como a representação da causalidade, em outros termos,

afirmou o doutrinador “o ato doloso é a consciente realização de todas as

circunstâncias que caracterizam o crime”83.

No que tange à culpa, LISZT afirmou que esta se apresentava quando o

agente, embora pudesse, não previa a produção do resultado, quando errava

acerca da relevância ao ato voluntário como causa ou não impedimento do

resultado que sobrevinha a conduta. Havia, na verdade, falta de precaução no

momento da prática do ato voluntário e falta de previsão, sendo que esta poderia

resultar de falta de inteligência ou de erro84.

Aliás, conforme dispunha o Código Penal alemão, em seu artigo 59, al. 2ª,

“tratando-se de atos culposamente praticados, não serão imputadas ao agente as

circunstâncias que ele não conhecia, salvo se a ignorância mesma for devida à

culpa”85.

Como se pode perceber nem todo resultado derivado de conduta culposa,

tampouco de caso fortuito, era punido ou imputado ao autor, tal qual ainda hoje é

feito.

81 LISZT, Franz Von. Tratado de direito penal alemão. tomo I. Trad. Jose Higino Duarte Pereira.

Campinas, Russell, 2003, p. 259-260. 82 Idem, p. 260. 83 Idem, p. 276-277. 84 Idem, p. 291. 85 Idem, Ibidem.

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De todo o exposto, vê-se que o próprio viés científico não podia ser

exatamente seguido, pois, conforme a ciência empírica, do nada, nada poderia

surgir, de modo que não poderia se sustentar se houvesse nexo de causalidade

ou resultado a ser imputado ao autor, fruto de uma conduta omissiva. Além disso,

a não-aceitação na divisão entre crimes formais e materiais em muito turbava a

imputação do resultado, e mesmo da ação, ao sujeito, uma vez que apenas se

tem relação de causalidade nos delitos materiais, de modo que nem todo crime

conta com nexo causal, ainda que de maneira diversa exigissem as máximas da

física newtoniana.

Por derradeiro, é de se observar que tal teoria consta do caput do artigo

13 do Código Penal pátrio, todavia o estudo acerca do tema é por hora

postergado, sendo feito mais adiante, em razão de sua relevância no

desenvolvimento da parte final do presente trabalho, onde se demonstrará a

possibilidade da utilização de critérios da teoria da imputação objetiva em

complementação à teoria aqui analisada.

1.4.1 Críticas à teoria da equivalência das condições

Várias são as críticas à teoria em apreço, iniciando-se pela referente ao

regresso ao infinito possibilitado pela aplicação do processo hipotético de

eliminação mental de THYRÉN, somado às leis físicas da causalidade, porque

sendo toda condição considerada causa, toda conduta e circunstância que

antecede ao evento podem ser tidas como sua criadora, o que, evidentemente,

possibilita uma cadeia causal infindável, imputando-se o resultado ao fim da

utilização da teoria a inúmeros autores, além dos casos nos quais se pode

considerar que a própria vítima é causadora do resultado.

Como exemplo, pode-se citar condutores de seus respectivos veículos,

em que um deles infringe as normas do trânsito e desrespeita o sinal vermelho de

semáforo, ultrapassando-o e vindo a colidir com o automóvel do outro condutor,

causando a este lesões corporais de natureza grave. No caso, é de se notar que

pelas leis que regem a conditio sine qua non tanto o motorista que viola as

normas de trânsito, quanto o que conduz seu veículo com total diligência, dão

causa ao resultado, pois se a presença de qualquer um deles é eliminada

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mentalmente, o resultado não teria ocorrido. Ainda, é de se ver que o fabricante

de ambos os carros é igualmente causador do resultado, já que se não tivesse

produzido o bem, a colisão não haveria de acontecer. Em verdade, pode-se

chegar, pelas regras da teoria da equivalência, ao inventor de veículos

automotores e, prosseguindo na análise, até mesmo a Adão e Eva, senão a

Deus86.

Nesse ponto, ROXIN destaca que tal problemática foi minimizada a partir

do momento em que se passou a determinar que a causalidade não é a única

norma de avaliação para se determinar a realização do tipo objetivo, pois a ela

devem ser acrescentados critérios de imputação87.

VIVES ANTÓN igualmente apresenta esta crítica, todavia o faz sob

enfoque diverso, justificando seu posicionamento em decorrência da falta de

lógica estabelecida na conditio sine qua non em razão dos métodos dos quais se

utiliza. Em sua visão, a causalidade não se trata de uma lógica, mesmo porque,

consoante os estudos e as assertivas de HUME, dentre outros, é possível que

algo possa existir independentemente de uma causa e, também, porque a

concepção de causa e efeito tem origem de experiências de união constante entre

fatos passados88 e podem manter com acontecimentos futuros, de modo apenas

provável, certa semelhança89, o que resulta na possibilidade de regressar

infinitamente na busca de uma causa.

REYES ALVARADO observa que a crítica acima só tem relevância no

campo teórico, pois desde a formulação da teoria por VON BURI foram

determinadas adições de corretivos, de modo que a mera presença da

causalidade não resultaria em imputação do resultado a um agente90. Mesmo

assim, o citado autor afirma que a teoria da equivalência das condições deixa um

sem número de indagações sem solução, v.g., em um caso de negligência, em

que uma vítima de lesões corporais leves obtém um diagnóstico equivocado do

médico que lhe socorre e em razão disso vem a óbito.

86 Nesse sentido também se manifestam, dentre muitos outros, LUZON PEÑA, Diego-Manuel. In:

Curso de derecho penal. Parte general. vol I. 1ed. 3 reimp. Madrid: Universitas, 2004. p. 366; REYES ALVARADO, Yesid. Imputación objetiva. 3 ed. Bogotá: Temis, 2005, p. 12-13.

87 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 350.

88 Nesse passin, o autor destaca que são a rede através da qual captamos o mundo. VIVES ANTÓN, Tomás. Fundamentos del sistema penal. Valencia: Tirant lo Blanc, 1996, p. 291.

89 VIVES ANTÓN, Tomás. Op. cit. p. 284-285. 90 REYES ALVARADO, Yesid. Op. cit. p. 14.

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Em tal caso, levando em consideração os requisitos da conditio sine qua

non, e suprimindo a atuação do profissional de saúde, eliminar-se-ia mentalmente

o resultado, todavia o mesmo se daria se fosse excluída a agressão anterior à

falha médica. Desta feita, acaba-se sem resposta do por quê partir da conduta do

médico, ou do agressor, ou mesmo do progenitor do provocador das lesões.

Nesse caso, não se tem um critério para determinar a causa, na realidade

existindo apenas uma conjectura acerca de seu conhecimento91.

Nesse sentido, a doutrina pátria, filiada à teoria finalista da ação, de

maneira dominante destaca não os critérios da imputação objetiva, mas a

necessidade da presença do elemento subjetivo do tipo, no caso dos crimes

dolosos e na ocorrência de delitos culposos da existência dos elementos

normativos da culpa, seguindo o exposto por WELZEL.

A crítica não se esgota na incompletude supra mencionada, de modo que

ainda se pode citar outro ponto crítico que a teoria apresenta, como o exposto por

ROXIN92, dentre outros doutrinadores, tangente à causalidade hipotética e à

alternativa, situações em que junto à inutilidade, a teoria traz a possibilidade de

erros no julgamento dos feitos a serem analisados.

No que tange à causalidade hipotética, o exemplo trazido pelo referido

autor refere-se a um fuzilamento ilícito em guerra, onde se pretende

responsabilizar o autor dos disparos. Porém, em sua defesa, o autor da conduta

afirma que caso não agisse da maneira que o fez, outro soldado realizaria a

conduta nos mesmos moldes, de forma que a vítima de qualquer sorte viria a

óbito. Assim, procedendo-se à observação das teses acusatória e defensiva é

perfeitamente possível que se elimine mentalmente a ação do acusado sem que

desapareça o resultado, em que pese a evidente presença do liame entre a

conduta do incriminado e o resultado dela advindo.

ROXIN, ainda, observa que se analisado o caso consoante os critérios da

teoria ora apreciada ter-se-ia por conclusão que a morte da vítima não teve

causa, pois que um segundo soldado realizaria a mesma conduta e de todo modo

a vítima seria eliminada93.

91 REYES ALVARADO, Yesid. Imputación objetiva. 3 ed. Bogotá, Temis, 2005, p. 14. 92 ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 348-349. 93 Idem, p. 350-351.

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JAKOBS, por seu turno, afirma que a fórmula adotada pela teoria da

equivalência é supérflua em razão de não definir a causalidade, tampouco

apresentar uma maneira adequada para determiná-la, além de destruir a própria

equivalência das condições que afirma considerar, tendo em vista que aniquila a

equivalência das condições, porque aquela condição que desencadeia outra que

em outro caso surtiria efeito não seria causal94.

Referente à causalidade alternativa, ROXIN exemplifica a inutilidade da

teoria trazendo um caso em que dois autores, isoladamente, desconhecendo a

conduta um do outro ministram quantia letal de veneno à determinada vítima, de

modo que ainda que se utilize a hipotética exclusão mental e assim se afaste a

conduta de um dos autores, o resultado ocorreria da mesma maneira95.

Novamente se está diante de um caso no qual o nexo causal está

claramente presente, todavia, em que pese o adequado ser imputar o delito de

homicídio consumado aos dois agentes, não se poderia punir nenhum deles a não

ser pelo delito em sua forma tentada em caso de obediência aos critérios da

conditio sine qua non. Entretanto, comprovado que apenas um dos venenos agiu,

por certo aquele que ministrou a substância que restou inerte há de ser punido

exclusivamente pela forma tentada96.

Aliás, no direito pátrio, TAVARES afirma que em casos como o citado,

uma vez comprovado que apenas uma das doses venenosas ministradas teria

causado a morte, sem que se conheça qual gerou o resultado, em decorrência

dos princípios in dúbio pro reo e da presunção da inocência, devem ambos os

incriminados serem punidos pelo delito tentado, ante a delimitação imposta pelas

proposições fundamentais mencionadas97.

Merece também destaque a insuficiência da conditio sine qua non no caso

de causalidade cumulativa, em que o resultado ocorre em razão da atuação

concomitante de vários autores, sendo que individualmente cada atuação seria

insuficiente para causar o resultado. Como exemplos, DE LA CUESTA AGUADO

traz: 94 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed.

corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 227-228.

95 ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 350-351.

96 Idem, p. 354. 97 TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. 2 ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p.

212.

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As empresas A, B e C, emitem cada uma delas com independência das demais, uma pequena quantidade de substância à atmosfera. Cada emissão, isoladamente considerada é insuficiente para a produção do resultado típico, porém, o volume do emitido finalmente sim é típico. A e B acrescentam ao café de Z, cada um sem saber da atuação do outro, um sonífero, todavia ao somar-se os efeitos das duas substâncias se produz a morte de Z98.

Como se pode perceber nas hipóteses anteditas, a utilização das

regras da conditio sine qua non seria insipiente, pois não trariam solução apta a

imputar o resultado em sua forma consumada a qualquer um dos autores das

condutas, não obstante o evento tenha ocorrido.

BUSTOS RAMÍREZ expõe o tema de maneira diversa, pois, ao tratar de

causalidade cumulativa, afirma, diferentemente de JAKOBS99 e DE LA CUESTA

AGUADO, que há várias condutas, todavia cada uma delas seria por si só apta a

causar o resultado, de modo que mesmo excluindo-se individualmente cada

conduta o resultado haveria se aperfeiçoado da mesma forma.

Como exemplo de Welzel100, que dando ao tema tratamento similar ao

utilizado nos casos de causalidade alternativa, traz que todas as condutas foram

causa do desenlace, usando como corretivo a impossibilidade de se fazer uso da

supressão total das condutas praticadas, ou seja, pode-se abolir alternativamente

cada conduta, mas não a integralidade destas, sendo que persistindo o resultado,

todas são originárias do resultado101.

Ainda tem-se como problema, na teoria sob estudo, os casos anômalos

de nexo causal, como no caso de alguém que “lesiona a outrem e este morre

posteriormente no hospital pela anestesia (RGSt 29, 218) por um erro médico”102.

98 DE LA CUESTA AGUADO, Paz Mercedes. Tipicidad e imputación objetiva. 1 reimp. Mendonza:

Cuyo, 2006, p. 127: “Las empresas A, B y C, emiten, cada una de ellas con independencia da las demás, una pequeña cantidad de sustancia concomitantemente a la atmósfera. Cada emisión, aisladamente considerada, es suficiente para la producción Del resultado típico, pero el volumen de lo emitido finalmente si es típico. A y B añaden al café de Z, cada uno de ellos sin saber de la actuación Del otro, un somnífero, pero al sumarse los efectos de las sustancias se produce la muerte de Z”.

99 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed. corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 223.

100 WELZEL, Hans. Direito penal. Trad. Afonso Celso Rezende. Campinas: Romana, 2003, p. 88. 101 BUSTOS RAMÍREZ, Juan; LARRAURI, Elena. La imputación objetiva. Santa Fe de Bogotá:

Temis, 1998, p. 47. 102 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 355: “lesiona a otro y este muere posteriormente en el hospital por la anestesia (RGSt 29, 218), por un fallo médico”.

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Seguindo a conditio sine qua non, a atuação daquele que gerou as lesões

corporais é causa do resultado morte, o mesmo ocorrendo na hipótese em que

alguém fere levemente a determinada pessoa, a qual só vem a óbito em razão de

ser portadora de hemofilia, desfecho este, por certo, imprevisível. Veja-se que em

tais acontecimentos, a causalidade certamente está presente, entretanto, há

carência de requisitos para que se impute ao autor o resultado havido.

WELZEL, acerca do tema, asseverou que suficiente era para a verificação

da causalidade que a atuação do agente significasse apenas uma condição do

resultado, mesmo que este ocorresse apenas e tão somente em razão da adição

de outros fatores à conduta sob análise. Afirmou, inclusive, que uma ação é

causal mesmo que o evento se produza em decorrência da constituição física

daquele que sofreu a agressão, ou mesmo por ter este deixado de tomar os

cuidados necessários para sua recuperação103.

Além do acima exposto, é falha a teoria quando se trata de interrupção de

curso causal em decorrência de atuação dolosa de um terceiro, inicialmente

acolhida em razão do sustentado por FRANK, consoante preleciona ROXIN104, ou

seja, se entre a conduta do agente e o resultado um terceiro age dolosamente,

determinando o resultado final do deslinde, aquele que agiu por primeiro era

excluído da cadeia causal geradora do evento. Veja-se que é inadmissível o

acatamento do referido posicionamento, considerando que um curso causal

consoante às leis naturais não se pode interromper, ou existe ou não, o que se

pode ter de fato nessa proposição é uma limitação à imputação, jamais à

causalidade desenvolvida a partir de leis causais inerentes ao mundo natural.

Tal teoria é hoje absolutamente rechaçada; em verdade, já o era

anteriormente, segundo demonstra a jurisprudência alemã citada na doutrina.

Como exemplo, tem-se a hipótese do proprietário de arma de fogo que a deixa

municiada ao alcance de outrem que comete suicídio; veja-se que há nexo causal

entre a arma deixada e o resultado, mesmo que a ação que dimanou o evento

tenha sido dolosa105.

103 WELZEL, Hans. Direito penal. Trad. Afonso Celso Rezende. Campinas: Romana, 2003, p. 88. 103 BUSTOS RAMÍREZ, Juan; LARRAURI, Elena. La imputación objetiva. Santa Fe de Bogotá:

Temis, 1998, p. 87. 104 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 355. 105 Idem, p. 356.

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No que se refere a causas intermediárias culposas, igualmente não

interferem sobre o nexo causal, pois da mesma maneira não possuem o condão

de eliminar a concatenação das situações que antecedem o resultado.

Todavia, não se pode mesclar tal conceito com a hipótese do

desenvolvimento de um novo curso causal que aniquila o anterior, como no caso

citado por WELZEL106, em que o primeiro agente ministra certa dose de veneno à

vítima, a qual logo após é alvejada por tiros por um segundo autor, vindo a falecer

exclusivamente em decorrência da segunda ação, o que na realidade constitui

uma interrupção da série causal anterior pela segunda atuação denominada de

causalidade adiantada107.

Também na hipótese da causalidade conforme as leis da natureza, tem-

se outro tema que resta desatendido, o qual se revela na impossibilidade de

verificar o nexo causal entre a conduta praticada por um agente e a psique de

outro o qual apenas lhe dá estímulo moral, ou lhe instiga a praticar determinada

conduta, ou seja, em que o resultado é conseqüência da incidência da ação

psíquica de alguém, não da alma do autor da conduta108. A título exemplificativo,

pode-se citar a instigação ao suicídio, que não obstante conste do Código Penal

pátrio, resta absolutamente desprovida de guarida na conditio sine qua non, em

razão dos métodos próprios das ciências do ser de que se utiliza.

Soma-se às imperfeições já citadas, a problemática atinente aos delitos

culposos, pois ao revés do que se dá nos crimes dolosos não é suficiente o liame

entre a conduta e o resultado, mesmo porque responder à questão de quem

causou um resultado é diverso de atender à necessidade de se estabelecer quem

violou o dever de cuidado imposto pelas normas no acontecimento.

Além disso, é de se notar que mesmo estabelecido qual pessoa violou o

dever de cuidado objetivo, resta outra questão, a verificação da possibilidade da

obediência ao referido dever de efetivamente não permitir a ocorrência do

resultado, o que em verdade se faz não por observação das leis naturais, mas por

suposição que guarde verossimilhança com a certeza.

106 WELZEL, Hans. Direito penal. Trad. Afonso Celso Rezende. Campinas: Romana, 2003, p. 87. 107 BUSTOS RAMÍREZ, Juan; LARRAURI, Elena. La imputación objetiva. Santa Fe de Bogotá:

Temis, 1998, p. 47. 108 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 357.

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Ainda, tem-se a crítica da teoria em relação aos crimes omissivos, pois,

como bem destaca VIVES ANTÓN, “como vai a omissão “causar” [um resultado]

no mesmo sentido que a ação positiva?”109 Impende gizar que, ante o método

causal-naturalista, é indene de dúvida que a inércia do homem de modo algum

pode gerar eventos nos mesmos moldes daqueles dimanados de sua atuação

positiva. Ademais, a operação mental exigida nos casos do agir positivo e

negativo são sobremaneira diversos e não obedecem às mesmas leis.

Por fim, outro ponto débil da teoria da equivalência é facilmente percebido

em casos de interrupção de cursos causais salvadores ou cursos adequados ao

impedimento da ocorrência do resultado, em que pese a raridade de seu

esclarecimento em termos práticos.

A exemplificar o tema sob comento, tem-se a hipótese de um agente que,

usando de força física, impede a atuação do bombeiro que se dirigia a um

salvamento de pessoa que estava afogando-se no mar, ou o autor que impede

propositadamente a passagem de uma ambulância que se dirige a uma colisão de

veículos automotores. Como se percebe, os exemplos oferecidos versam sobre

condutas destinadas a impedir o curso de causalidades destinadas a

salvaguardar um bem jurídico.

Como bem ensina JAKOBS110, a atuação que impede a causação do

resultado não é condição deste, porque a carência não se traduz em sucesso,

mas sim na sua ausência, de modo que a lógica é ferida neste ponto. Além disso,

esclarece que a atuação impeditiva do agente não incide no curso real do feito,

apenas obstou potencialmente um meio de anular sua ocorrência.

Entretanto, a crítica apresentada não se traduz em pretensão de recusa à

hipótese de causalidade e conseqüente imputação do resultado ao agente

impedidor, no entanto tem a finalidade de destacar que, segundo as leis da

natureza, o curso real de um fato não deve ser substituído por algo hipotético.

Feitas as observações pertinentes, é de se observar que de todo o

exposto sobre a teoria da equivalência das condições, a qual na verdade versa

apenas sobre o nexo causal, devido à orientação filosófica e científica adotadas à

109 VIVES ANTÓN, Tomás. Fundamentos del sistema penal. Valencia: Tirant lo Blanc, 1996, p.

303: “¿Como va la omisión a <<causar>> en el mismo sentido que la acción positiva?” 110 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed.

corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 235.

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época, acabava por ditar não só os critérios a serem adotados para a

determinação do nexo de causalidade, mas também do nexo de imputação.

1.5 A IMPUTAÇÃO DO RESULTADO NA DOGMÁTICA NEOKANTIANA

A fase ora estudada demarca claramente a ruptura com os métodos

resultantes da dogmática positivista-naturalista, uma vez que permitiu ao direito

retomar a estrutura axiológica com a qual trabalha o direito penal.

Na visão de JESCHECK, não houve um absoluto distanciamento com o

sistema anterior (científico-natural), mesmo porque não houve qualquer alteração

naquilo que é imanente à teoria do delito, mas sim uma troca da utilização

exclusiva da lógica formal por critérios que permitissem acrescer ao conceito de

delito a consonância deste com o fim perseguido pelo direito penal, as idéias e

valores que lhe são pertinentes, de modo que juízos de valor lhe servissem de

base (teoria teleológica do delito), o que, inclusive, justifica a denominação de

conceito neoclássico de delito111.

Como se pode perceber, consoante o doutrinador supracitado, sob o

domínio da teoria do conhecimento neokantiana, foram acrescidos aos métodos

científico-naturais àqueles adequados às ciências científico-espirituais, ou seja,

processos de entendimento e de valoração, de modo que o direito, portanto o

direito penal, como ciência retornasse ao tratamento adequado, pois pertencia ao

mundo do dever ser, todavia, sem que houvesse perda de sua qualidade

científica. Por conseguinte, paulatinamente os elementos pertencentes ao

conceito anterior de delito sofreram um processo de transformação, iniciando-se

pelo próprio conceito de ação.

Todavia, GUARAGNI, adotando posicionamento diverso, traz que nesse

diapasão houve um “racha entre os universos do ser, referido a fenômenos da

natureza, e do dever-ser, referido a valores”112, em razão de que na linha do

111 JESCHECK, Hans-Heinrich; WEINGEND, Thomas. Tratado de derecho penal. Trad. Miguel

Olmedo Cardenete. 5 ed. renovada y ampliada. Granada: Comares, 2002, p. 219-220. 112 GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta

humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as ciências criminais no século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 96.

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pensamento neokantiano dever-se-ia considerar tais mundos incomunicáveis em

razão de possuírem métodos de conhecimento científico totalmente diversos113.

Assim, ante o deslocamento metodológico ocorrido no direito e em razão

das conseqüentes alterações no âmago do conceito de crime surgiram as teorias

sociais da ação, as quais, em suma, associavam o conceito de ação a sua

relevância social.

Inicialmente, o conceito de conduta perde novamente a importância

dentro do sistema analítico do crime, porque não possuía relevância enquanto

acontecimento no mundo natural, mas tão somente quando passível de

compreensão e valoração, ou seja, enquanto conduta desvalorada no plano

normativo.

Mais adiante, com o fito de preservar o conceito de conduta como

primeiro requisito na análise da existência de um crime, retorna-se a dar

importância ao conceito de ação, momento em que passa a ser definida como

“comportamento da vontade”, “realização da vontade” ou “comportamento

humano” 114. Tais conceitos objetivavam os autores neokantianos a conceituar

não só a ação, como também a omissão, ainda que tal desejo fosse intangível.

Dentro do mesmo propósito, outros conceitos foram elaborados, dos

quais se dá relevo a apenas um, considerando que o objetivo do presente estudo

não abrange detida análise da evolução conceitual da conduta. Assim, é de se

destacar o conceito oferecido por EBERHARD SCHMIDT, que entendia a ação

como “um fenômeno social cujo efeito é dirigido à realidade social”115.

A partir da citada alteração metodológica, da modificação do conteúdo do

conceito do crime, da própria análise da ação e da omissão e dos elementos do

tipo116, os requisitos para a imputação do resultado ao agente são alterados.

Desta maneira, ainda que se seguisse procedendo à análise do nexo de

causalidade, este é feito com o enriquecimento de carga axiológica, tendo assim

acolhida a teoria da causalidade adequada117.

113 No mesmo sentido se pronuncia BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação

objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 58. 114 JESCHECK, Hans-Heinrich; WEINGEND, Thomas. Tratado de derecho penal. Trad. Miguel

Olmedo Cardenete. 5 ed. renovada y ampliada. Granada: Comares, 2002, p. 220. 115 apud JESCHECK, Hans-Heinrich; WEINGEND, Thomas. Op. cit. p. 221: “un fenómeno social

cuyo efecto va dirigido a la realidad social” 116 Neste ponto vale destacar a inclusão dos elementos normativos do tipo. 117 BUSATO, Paulo César. Op. cit. p. 60.

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À respeito da citada teoria, tendo em vista seu relevo, abaixo se fazem

algumas considerações a seu respeito e, posteriormente, aborda-se a teoria da

relevância da condição, uma vez que desenvolvida sob o mesmo cariz filosófico e

guardando grande semelhança com sua antecessora.

1.5.1 Teoria da causalidade adequada

A teoria generalizadora da causalidade118 sob comento foi idealizada por

VON BAR e aperfeiçoada, bem como aprofundada, pelo médico e lógico

JOHANNES VON KRIES e sua acolhida aconteceu com o fito de melhor delimitar

a conditio sine qua non, em razão dos excessos decorrentes, em especial nos

delitos qualificados pelo resultado e também em situações em que se

encontravam resultados originados por cursos causais improváveis. Além disso,

objetivava atender à intenção da época de enriquecer o tipo objetivo com

elementos não mecanicistas119, contudo sem excluir a equivalência das

condições, apenas deixando de fora aquelas juridicamente irrelevantes.

A referida teoria trazia que, para o direito penal, apenas constitui causa a

conduta que se pudesse considerar apta a acarretar um resultado típico, e tal

determinação era efetivada através da previsibilidade de que tal comportamento

poderia ter como conseqüência o resultado. Cumpre, também, grifar que as

condições que por simples causalidade emanassem um resultado deveriam ser

descartadas, ou seja, consideradas sem relevo para o direito penal.

Salienta-se que JAKOBS afirma que, historicamente, esta foi a teoria de

maior relevo no intento de abrandar os excessos da teoria anteriormente

estudada, em razão de determinar a causalidade ao objetivamente imputável120.

118 Há divergência na doutrina acerca do tema, pois há autores que a classificam como teoria

individualizadora, como p.ex. GIMBERNAT o qual destaca que as teorias generalizadoras partem de critérios científicos naturais, ao revés da causalidade adequada que parte de conceitos normativos. In BUSTOS RAMÍREZ, Juan; LARRAURI, Elena. La imputación objetiva. Santa Fe de Bogotá: Temis, 1998, p. 54. Todavia, a doutrina em sua maioria a toma como generalizadora, v.g. BUSTOS RAMÍREZ; LUZON PEÑA; dentre outros.

119 CASTALDO, Andrea Raffaele. La imputación objetiva en el delito culposo de resultado. Trad., Antonio Bonanno. Buenos Aires: IB de F, 2004, p. 43-44.

120 JAKOBS, Günther. Derecho Penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed. corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 238.

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A causalidade adequada é determinada pela previsibilidade objetiva da

superveniência do resultado típico, tendo em conta as condições que ao tempo da

ação seriam conhecidas ou cognoscíveis por um homem médio, ideal e prudente,

além das condições e saberes particulares do autor (critério objetivo-subjetivo)121.

Outrossim, adotam-se, ainda, os saberes acerca das leis da natureza ao tempo

conhecidas e, mais uma vez, as que eram efetivamente sabidas pelo autor.

O juízo acima descrito obedece ao método do prognóstico posterior

objetivo122, calcado em saberes ex ante hipoteticamente pertencentes ao homem

médio, somado a eventuais conhecimentos especiais do autor. Veja-se que é tido

como posterior, porque resulta da análise pelo magistrado por ocasião de sua

avaliação do caso.

Resta indene de dúvida que a teoria sob análise atinge os objetivos a que

se propõe, no que tange aos cursos causais inusuais, porque limita a

responsabilização inadequada do agente nessas situações, todavia, seu sucesso

é estanque, pois, como destaca ROXIN, na realidade o princípio da causalidade

adequada é apenas um elemento estrutural no que se refere a uma teoria de

imputação123.

Verifica-se que, conforme CASTALDO124, a teoria encontra “defesa

apaixonada” em BETTIOL, PETTOELLO MANTOVANI e, mais contida, em

WELZEL, o qual, como adiante será visto, a aceita nos delitos culposos. Mas,

mesmo assim, não refoge às inúmeras críticas que lhe são feitas.

Como falha traz inúmeras questões, a saber: a confusão dos aspectos

objetivos e subjetivos do delito, o que ocorre no momento do citado prognóstico

posterior; também, a seu desfavor, tem-se a questão de trabalhar com

estatísticas, ao qualificar os processos causais com probabilidades; ainda,

merece censura por traçar caminho arriscado ao tratar de causa adequada, uma

121 BUSTOS RAMÍREZ, Juan; LARRAURI, Elena. La imputación objetiva. Santa Fe de Bogotá:

Temis, 1998, p. 56. 122 Consoante JAKOBS, tal denominação é absolutamente inapropriada, uma vez que não é

orientado por cariz exclusivamente subjetiva, porque considera os conhecimentos do autor, tampouco é posterior, pois se trata de juízo idealizado, o qual não está adstrito a conceitos temporais. JAKOBS, Günther. Derecho Penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed. corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 239.

123 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 361.

124 CASTALDO, Andrea Raffaele. La imputación objetiva en el delito culposo de resultado. Trad. Antonio Bonanno. Buenos Aires: IB de F, 2004, p. 46.

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vez que em um curso causal em não raras oportunidades tem-se a interferência

de elementos imprevisíveis que acabam por ter ingerência no resultado final; a

imprecisão dos critérios dos quais se utiliza, como a determinação do que são as

condições cognoscíveis sobre os nexos causais, ou mesmo a questão da

vagueza de requisitos que podem gerar em cada caso, dependendo do que é

questionado, há uma infinidade de decisões divergentes, entre outras críticas

encontradas na doutrina.

Por fim, cabe observar que no Código Penal Brasileiro a teoria encontra-

se recepcionada no parágrafo primeiro do artigo 13, sendo o tema desenvolvido

em separado mais adiante.

1.5.2 Teoria da relevância típica

Tendo em conta que a questão da causalidade resolve-se pela teoria da

equivalência das condições e que a teoria da causalidade adequada, em verdade,

trata não do nexo causal, mas da relevância jurídica da condição, determinando

assim não a causalidade, mas a responsabilidade penal125, foi elaborada nova

teoria, a qual objetivava obter congruência entre a causalidade natural e a

jurídica, a chamada teoria da relevância, de modo que fossem ambas as

anteriores aliadas, sendo a questão ontológica e o problema normativo

separados. CASTALDO destaca que esse apartamento entre a causalidade e a

responsabilidade foi o grande mérito da teoria126.

A respeito, MEZGER127 afirma:

(...) também o direito penal investiga, em relação aos resultados que correspondem a sua apreciação, acerca das relações causais e adota o conceito geral de causalidade; é um problema aparte o estabelecer se e até que ponto a responsabilidade jurídico-penal se baseia nas relações obtidas desta maneira.

125 BRUNO, Aníbal. Direito penal. Parte geral. tomo I. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 315. 126 CASTALDO, Andrea Raffaele. La imputación objetiva en el delito culposo de resultado. Trad.

Antonio Bonanno. Buenos Aires: IB de F, 2004, p. 51. 127 apud BUSTOS RAMÍREZ , Joan; LARRAURI, Elena. La imputación objetiva. Santa Fe de

Bogotá: Temis, 1998, p. 60: “(también el derecho penal investiga, en cuanto a los sucesos que corresponden a su apreciación, acerca de las relaciones causales y adopta el concepto general de causalidad; es un problema aparte el de establecer si y hasta qué punto la responsabilidad jurídicopenal se basa en las relaciones obtenidas de esta manera.”

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A aplicação da teoria em apreço deveria ser feita em três etapas128: a

primeira consistia na avaliação do nexo causal natural (conditio sine qua non); a

segunda baseava-se na determinação do que era na situação ao homem médio

objetivamente previsível (causalidade adequada); e, a terceira, baseada na

interpretação da finalidade dos tipos, ou seja, com base na parte especial do

Código Penal, pois a finalidade de cada tipo indicaria o que poderia ser tomado

por relevante. Ou seja, no que tange à relevância, esta se dava como

conseqüência da antijuridicidade em relação aos tipos penais, em outros termos,

a conexão causal era objeto de atenção jurídica em caso de antijuridicidade

típica129.

Como se percebe, a relevância era correlata à interpretação do tipo

correspondente130, sendo digno de apreciação pelo direito penal somente os

processos causais relevantes.

REYES ALVARADO traz como crítica à presente teoria o fato de que não

apresenta qualquer critério para a delimitação de causa, apenas prossegue

apresentando uma proposição genérica a respeito da relevância de condutas para

o direito penal limitadas pela tipicidade das mesmas131, em outros termos, segue

apresentando absoluta vagueza132.

ROXIN, por seu turno, apresenta como falha na teoria o fato de MEZGER

“elaborar sua teoria de relevância até chegar a uma teoria geral da imputação”133.

Todavia, é inegável que a teoria da relevância, como sustentam inúmeros

doutrinadores, é precursora da teoria da imputação objetiva.

1.6 A IMPUTAÇÃO DO RESULTADO EM KARL LARENZ E RICHARD HONIG

Doutrinadores de base filosófica distinta, o primeiro filiado às idéias de

128 BUSTOS RAMÍREZ, Juan; LARRAURI, Elena. La imputación objetiva. Santa Fe de Bogotá:

Temis, 1998, p. 60-61. 129 BRUNO, Aníbal, Direito penal. Parte geral. tomo I. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 315. 130 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 361-362. 131 REYES ALVARADO, Yesid. Imputación objetiva. 3 ed. Bogotá: Temis, 2005, p. 29-30. 132 No mesmo sentido, dentre muitos outros, BUSTOS RAMÍREZ, Juan; LARRAURI, Elena. La

imputación objetiva. Santa Fé de Bogotá: Temis, 1998. p. 62. 133 ROXIN, Claus. Op. cit. p. 361-362: “[…] fue elaborar su teoría de la relevancia hasta llegar a

una teoría general de la imputación.”

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Hegel e o segundo aos ensinamentos de Kant134, desenvolveram uma teoria de

imputação em razão do vazio que as teorias causais anteriores haviam deixado,

pois nesse tempo, como se pode perceber por todo o trazido até o momento,

havia entendimento no sentido de que os conceitos de conduta e causalidade

responderiam à questão da imputação do resultado ao autor de uma conduta.

Quanto a LARENZ, em que pese sua base hegeliana, produziu sua teoria

da imputação em ambiente radicalmente diverso daquele que circundava o

pensamento filosófico que o inspirou, pois os delitos dolosos e culposos,

diferentemente da época de HEGEL, tinham por base uma ação que compreendia

vontade, mas esta era desprovida de finalidade, pelo que necessário foi lançar

mão de juízos axiológicos a fim de limitar a imputação. Desse modo, aqui é

importante atentar para o fato de que em HEGEL, como já exposto em ocasião

precedente, na imputação havia valoração dos componentes subjetivos, enquanto

em LAREZ a imputação deveria ser orientada por critérios objetivos, em outros

termos, apenas o que era compreensível conscientemente e viável como objeto

da vontade135.

Em sua elaboração, o jurista, cujas lições agora são estudadas, objetivou,

além de criticar a dogmática mecanicista causal, extirpar a possibilidade da

aplicação da responsabilidade objetiva, ou seja, tencionou divisar ações próprias

dos casos fortuitos. Desta feita, a imputação ao agente dar-se-ia não por mera

observação de nexo causal, mas em razão de representar a manifestação de sua

vontade, e, por evidente, capaz de vontade era o homem livre136, com capacidade

de dominar as causalidades para atingir sua finalidade.

Compete esclarecer que a finalidade de uma ação não era determinada

subjetivamente, ao contrário, o era de forma objetiva, aliás muito próximo do

conceito atual de previsibilidade objetiva137, pois não continha apenas o desejado,

mas também o previsível e tal previsão era atributo de um homem ideal, dotado

de inteligência e prudência, e não do sujeito da ação. Além disso, o sentido

preciso de uma atuação era avaliado através das normas de direito, das

134 RUEDA MARTÍN, María Ángeles. La teoría de la imputación objetiva del resultado en el delito

doloso de acción. (Una investigación, a la vez, sobre los límites ontológicos de las valoraciones jurídico-penales en el ámbito de lo injusto). Barcelona: Jose Maria Bosch, 2001, p. 83.

135 Idem, Ibidem. 136 A liberdade, nesse passim, é entendida pelo jurista como autodeterminação. 137 FEIJÓO SÁNCHEZ, Bernardo. Resultado lesivo e imprudencia. Estudio sobre los límites de la

responsabilidad. Barcelona: José María Bosch, 2001, p. 152.

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interpretações do mundo aceitas pela maioria dos componentes da sociedade em

que o agente se situava, e não por ele mesmo.

Restava, destarte, o juízo de imputação como teleológico, pois a “ação se

apresenta assim como um todo teleológico, é dizer, como um conjunto variado de

causas e efeitos que encontram conjunção através da relação com os fins da

vontade”138.

Em síntese, para LARENZ o questionamento acerca da imputabilidade

consistia na investigação da presença de liame entre a vontade e o fato e a

possibilidade de previsibilidade objetiva, de modo que se concluído pela análise

de um caso que ambos os requisitos estavam presentes, a imputação ao agente

da conduta era devida.

A teoria de LARENZ foi introduzida mais tarde no direito penal por

intermédio de HONIG, com o intuito de esclarecer o real significado de

causalidade no ordenamento jurídico-penal, demonstrando sua distinção em

relação à imputação, centrando o critério imputativo na idéia de suscetibilidade

objetiva de ser tomado como finalidade139, de forma que não bastariam simples

nexos causais, ficando os resultados extraordinários, fruto de mera causalidade

ou da não dominabilidade do evento, fora do que pode ser compreendido pelo tipo

penal140.

Ao contrário de LARENZ, que traçava suas preocupações na atribuição

da conduta, HONIG priorizava a imputação do resultado, o qual deveria ser

pensado finalmente, porque essa reflexão final revelava a evitabilidade do evento.

Observa-se que para HONIG a preponderância do resultado sobre a ação

justificava-se no fato da esfera jurídica ter o resultado como ponto central e a

partir dele iniciar as suas valorações. PRADO e CARVALHO141 afirmam, inclusive,

que a imputação do resultado era matéria atinente ao conceito de ação.

138 CANCIO MELIÁ, Manoel. La teoría de la imputación objetiva y la normatización del tipo

objetivo. In Revista de ciencias jurídicas ¿Más derecho? año 1, nov. 2000. Buenos Aires: Fabian J. Di Placido, 2000, p. 51-52: “El hecho se presenta así como un todo teleológico, es decir, como un conjunto variado de causas e efectos que halla conjunción a través de la relación con los fines de la voluntad.”

139 Idem, p. 55: “susceptibilidad objetiva de ser tomado como finalidad”. 140 É de se ver que para BERNARDO FEIJÓO, HOING partia da idéia que o tipo era o fundamento

da imputação. FEIJÓO SÁNCHEZ, Bernardo. Resultado lesivo e imprudencia. Estudio sobre los límites de la responsabilidad. Barcelona: José María Bosch, 2001, p. 153.

141 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva do resultado. Uma aproximação crítica a seus fundamentos. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 43.

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Seus estudos foram desenvolvidos em razão da preocupação que

mantinha em relação aos limites da responsabilidade sobre os resultados

delituosos que podiam ser atribuídos ao sujeito pelo direito, motivo pelo qual

teceu severas críticas ao fato das teorias da causalidade, as quais na sua visão

eram teorias de valoração jurídicas acerca da necessidade do ligâmen entre a

conduta e o resultado, uma vez que a causalidade estava presente no átimo em

que se definia que a conduta foi condição para que se desse evento, de modo

que não mais se tratava de uma aferição, mas sim de uma valoração da

causalidade.

Ademais, a presença do nexo causal nem sempre resulta na imputação

do resultado ao agente, como já observado, sendo tarefa do ordenamento

jurídico, na esfera da imputação, oferecer os critérios para que a atribuição

aconteça142.

Em decorrência de seus objetivos, assertivas e preocupações, HONIG

procurou selecionar filtros que dessem clareza e segurança para a imputação,

tendo, então, selecionado duas questões, sendo a primeira a exigência de relação

jurídica especial no que se refere à causalidade, em outros termos, ação e

resultado não se restringem à causalidade, encontrando sua transcendência no

ordenamento jurídico e nas medidas nele encontradas143, e a segunda, que

consistia no requisito do domínio, o qual deveria ter em conta ao ser aferido

dados psicofísicos do agente, conforme preleciona FEIJÓO SANCHEZ144.

Nesse ponto, porém, PRADO e CARVALHO145 trazem que os dados,

conforme a teoria desenvolvida, referem-se à potencialidade das capacidades do

agente e não àquelas presentes no momento do fato, mesmo porque não se leva

em conta a junção das intenções subjetivas do agente com o resultado, sob pena

de abandonar a objetividade e se passar à subjetividade da imputação.

PRADO e CARVALHO apresentam uma síntese acerca do exposto146:

142 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva do

resultado. Uma aproximação crítica a seus fundamentos. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 44.

143 FEIJÓO SÁNCHEZ, Bernardo. Resultado lesivo e imprudencia. Estudio sobre los límites de la responsabilidad. Barcelona: José María Bosch, 2001, p. 153.

144 Idem, Ibidem. 145 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Op. cit. p. 44. 146 Idem, ibidem. p. 44-45.

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Em conclusão: só terão significado jurídico aquelas relações causais regidas pela vontade humana, ou seja, aqueles processos causais cujo curso seja passível de previsão e de direção. Apenas os resultados previsíveis dirigíveis pela vontade são imputáveis e somente a imputação objetiva permite a afirmação da tipicidade de uma ação. A imputação objetiva do resultado é, dessa forma, um pressuposto da tipicidade do comportamento.

Todavia, é de se perceber que, ao conceber a vontade sem conteúdo, a

dirigibilidade da ação fica atrelada exclusivamente à sua manifestação no mundo

natural, de modo que para se verificar o segundo requisito da teoria de imputação

objetiva de HONIG era preciso avaliar questões bastante particulares em cada

caso, restando impossível ter-se preceitos unitários, aplicáveis a todas as

ocorrências147.

Ainda tem-se outro ponto débil encontrado na teoria: não são oferecidos

parâmetros concretos que possibilitem a aferição da relevância social da

causalidade, pois se deve ser encontrado o sentido teleológico do nexo causal e o

direito, necessário é que sejam indicados quais critérios serão utilizados para

tanto148.

Por derradeiro, observa-se que o trabalho dos doutrinadores aqui

estudado foi precursor da atual teoria da imputação objetiva, pois mesmo que

presentes as críticas e a insuficiência de critérios objetivamente apresentados,

tanto em LARENZ, quanto em HONIG foram lançadas as idéias acerca do tema,

que, posteriormente, acabam por ser devidamente aprimoradas na teoria

contemporânea.

1.7 A IMPUTAÇÃO DO RESULTADO NA DOGMÁTICA FINALISTA

Ante a insuficiência das teorias da ação precedentes e com o fito de

romper com o pensamento neokantista, que estabelecia absoluta separação entre

o mundo do ser e do dever-ser, surge a teoria finalista da ação, na qual se

147 RUEDA MARTÍN, María Ángeles. La teoría de la imputación objetiva del resultado en el delito

doloso de acción. (Una investigación, a la vez, sobre los límites ontológicos de las valoraciones jurídico-penales en el ámbito de lo injusto). Barcelona: Jose Maria Bosch, 2001. p. 86.

148 Idem, Ibidem, p. 86

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almejou, acima de tudo, a criação de um conceito analítico de crime, além da

imposição de “limites ônticos ao legislador”149.

A ruptura com o pensamento neokantiano fazia-se necessária, pois na

visão de WELZEL a separação absoluta de ser e do dever-ser não era viável,

uma vez que, partindo de pensamento jusnaturalista, a existência natural humana

tinha como contraparte a transcendência, sendo assim partes que se

complementam e não que se opõem. Ademais, enxergar de modo diverso seria

ver na transcendência da existência física por si só a absoluta e irremediável

entrega a um poder superior, enquanto na existência física isenta de

transcendência a carência de sentidos e valores à vida humana.150

A imposição dos limites, em especial, tem por fundamento o fato da

existência humana, na concepção welzeliana, ser dotada de sentido, em razão do

que é orientada por inúmeras estruturas, dentre elas o direito. Todavia, sob pena

de se apresentar como mera coação, as citadas estruturas deveriam possuir

limites, os quais seriam impostos em razão da consciência do dever-ser, além dos

elementos naturais que pelo direito seriam interpretados e valorados.

Aqui, destaca-se a consciência do dever-ser, que é chamada por

WELZEL de “voz da consciência”151, requisito da vida humana dotada de sentido,

denominada pela psicanálise de inconsciente coletivo, mas que, na verdade, é

melhor determinada nas lições de SÃO TOMÁS DE AQUINO, o qual afirma tal

consciência partir da inteligência imediata dos primeiros princípios, de um hábito

decorrente de um princípio motriz, que possui cunho moral e pertence ao ser

humano, cuja finalidade é ditar em geral a obrigação de escolher o bem e evitar o

mal152.

Constata-se que por almejar a junção das contrapartes acima, mas de

maneira concreta e facilmente aplicável ao direito penal, como bem destaca

GUARAGNI, WELZEL ao formular o conjunto das regras do finalismo partiu de

149 GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta

humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 118.

150 Idem, p. 118-119. 151 Idem, ibidem. 152 SIQUEIRA, Cristiane Colodi. A culpabilidade à luz da concepção de sindérese e de consciência

moral de São Tomás de Aquino. Artigo apresentado à cadeira de Persecução penal e aplicação da pena. Programa de Pós-graduação, Universidade Paranaense (UNIPAR), Curitiba, 2006, p. 10.

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uma teoria realista do conhecimento153, em que as coisas preexistem às idéias,

portanto, o conceito analítico de crime parte de uma realidade: a conduta, e seu

conceito, igualmente, é fruto da análise da realidade fática.

Partindo dos postulados acima, WELZEL havia de fornecer um conceito

realista de conduta, o que fez com maestria, embasado em idéias aristotélicas,

determinando-a como um “exercício da atividade finalista (...) um acontecer

“finalista” e não somente causal”154.

Assim, a conduta dirigida a um “para que” passa a ser o pilar central de

toda teoria do delito, de modo que são criminalizadas apenas aquelas que

transgridem o deve-ser estipulado pelo direito penal em suas normas.

De lógica cristalina para o finalismo, a conduta excede o movimento físico

em razão de conter uma finalidade, ou seja, o objetivo da realização corpórea,

pois o ser humano não age para nada, age guiado para um determinado fim, seja

lícito ou ilícito.

Da assertiva acima, denota-se a diferença da teoria finalista e a causal,

pois nesta a conduta possui vontade vazia, ao passo que no finalismo a vontade é

dotada de finalidade. Ou seja, o finalismo percebe o homem como ser capaz que,

por intermédio de sua inteligência, pode prever na maioria das vezes as

conseqüências possíveis de suas atuações155. Assim, sem dúvida pode-se afirmar

a finalidade como vidente e a causalidade como cega, porque a finalidade “é um

atuar dirigido conscientemente desde o objetivo, enquanto a pura causalidade não

está dirigida desde o objetivo, mas é a resultante dos componentes causais

circunstancialmente concorrentes”156.

Todavia, para se chegar ao desvalor da conduta a ponto de chamá-la

delito, o direito haveria de fornecer a estrutura lógico-objetiva da mesma, o que se

faz no finalismo, atribuindo-lhe três valores negativos, quais sejam: tipicidade,

antijuridicidade e culpabilidade.

Até aqui parece que o finalismo preocupa-se exclusivamente com o

desvalor da ação, o que levou a doutrina a severas críticas ao pensamento

welzeliano, relegando a plano de somenos importância o desvalor do resultado, 153 GUARAGNI, Fabio André. Op. cit. p. 120-121. 154 WELZEL, Hans. Direito penal. Trad. Afonso Celso Rezende. Campinas: Romana, 2006, p. 79. 155 No mais das vezes, porque pode o ser humano deparar-se com resultados não previsíveis,

decorrentes de casos fortuitos e força maior, ou mesmo de sua displicência que apresenta resultados em regra previsíveis, mas que ele não previu (crimes culposos).

156 Idem, ibidem.

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contudo tal assertiva não corresponde à realidade, pois, para WELZEL, ambos

são componentes do injusto penal; o primeiro, manifestado na finalidade de lesar

o bem jurídico tutelado pela norma e o segundo, visível na efetiva causação da

lesão ao referido bem.

Em suma, para a teoria finalista, a ação humana é a conjugação da

causalidade e da vontade, restando o tipo composto por um aspecto objetivo, em

que se encontram a ação, o nexo causal e o resultado, e outro subjetivo,

composto pelo dolo e, nos casos que os requerem, também pelos elementos

subjetivos do tipo diversos do dolo.

No que concerne à imputação do resultado, Welzel, em sua concepção

acerca do tema, percorre fases distintas, sendo que apenas ao final, em razão do

embate entre sua teoria da ação e a antecessora, acaba vinculando-se à teoria da

equivalência das condições157.

Em sua primeira fase, considerada precursora da atual imputação

objetiva, conforme prelecionam vários autores158, WELZEL não trazia qualquer

oposição à inclusão de carga axiológica ao tipo objetivo, porque ao tratar o tema

considerava haver compatibilidade entre o conceito ontológico finalista e uma

teoria causalista que considerasse critérios valorativos, o que leva CANCIO

MELIÁ a afirmar que a “adequação social” welzeliana representa a possibilidade

de se reunir o finalismo e a contemporânea teoria da imputação objetiva159.

Assim, faz-se oportuno realizar uma breve apreciação do conteúdo da

tese elaborada por WELZEL que leva os dogmatizadores a sustentar a citada

assertiva.

Na obra Estudos Sobre o Sistema de Direito Penal, WELZEL, com o fito

de dar maior destaque à importância da ação e sua relevância social dentro do

ordenamento jurídico-penal, apresentou suas preleções acerca da referida

relevância, destacando a ação como legítimo objeto do direito penal, bem como

se insurgiu em razão da distorcida proeminência que se havia estabelecido sobre

bens jurídicos e sua função dentro da teoria jurídica no âmbito do direito penal.

Nesse contexto, primeiramente teceu severa crítica ante a ausência de

um conceito de ação, o que se havia dado em virtude da adoção do conceito 157 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro, Lumen Juris,

2008, p. 40. 158 Como exemplo: BUSATO, Paulo César. Op. cit. p. 23; dentre outros. 159 apud BUSATO, Paulo César. Op. cit. p. 38.

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causal-naturalista160 desta, o que, como já se viu, consistia em algo distante da

realidade e, ainda, atacou a teoria da lesão ao bem jurídico reinante à época,

porque, em sua visão, tal teoria tratava do bem jurídico de maneira abstrata,

como parte de um mundo inerte, ao invés de colocá-lo como algo pertencente ao

mundo concreto, onde possuía relevância social dentro do contexto em que se

encontrava e, portanto, onde estaria sujeito a vicissitudes161.

Em razão da apresentação dos bens jurídicos de forma realística,

WELZEL reforçou sua assertiva acerca da impossibilidade de tutela absoluta

destes pelo direito, pois naturalmente haveria de pesar sobre eles o crescente

risco inerente às atividades arriscadas desenvolvidas na sociedade, por exemplo,

as decorrentes do “trânsito massivo moderno”162, o que poderia levá-los ao

desgaste, senão à perda. Nesse passim, declarou, além disso, que com o

decorrer do tempo a sociedade tenderia a enxergar esses riscos como inerentes

ao cotidiano, de modo que passariam a ser aceitos porque necessariamente

pertencentes ao convívio em uma sociedade ordenada163.

Como decorrência evidente do antedito, WELZEL destacou que caso o

direito pretendesse proteger de maneira absoluta os bens jurídicos, obstaria

significativamente ao desenvolvimento social ordenado, pelo que tais bens só

poderiam ser albergados pela proteção do direito, caso se vissem atingidos ou

ameaçados por ações não aceitas moralmente pelo consenso do povo a que esse

direito pretendesse regular164, uma vez que não poderiam ser punidas ações

meramente causais, mas somente aquelas que não fossem consideradas

socialmente adequadas, sob pena de serem a ação, a causalidade e mesmo o

resultado abstrações distantes da realidade, pois não se estaria levando em conta

o marco na vida social que representavam165.

Assim, houve por bem o autor, a fim de demonstrar a aplicabilidade de

suas preleções, uma vez que considerava a ação o centro da teoria do crime,

oferecer uma determinação do que deveria ser considerada ação socialmente

adequada in verbis: “Ações socialmente adequadas são todas aquelas atividades 160 WELZEL, Hans. Estudios e derecho penal. Estudios sobre el sistema de derecho penal.

Causalidad y acción. Derecho penal y filosofía. Maestros del derecho penal. vol. 6. Trad. Gustavo Eduardo Aboso; Tea Löw. Buenos Aires: IB de F, 2003. p. 15 et seq.

161 Idem, p 47-48. 162 Idem, p. 48. 163 Idem, p. 49. 164 Idem, p. 50-51. 165 Idem, Ibidem.

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nas quais a vida em comunidade se desenvolve segundo a ordem historicamente

estabelecida”166.

A embasar suas lições, trouxe os seguintes exemplos:

Com isto se responde, de forma suficiente, ao conhecido exemplo de que se o sobrinho comete um delito quando convence ao seu tio, do qual é herdeiro, de realizar uma viagem com o propósito de que este faleça em um acidente de trem, e isto realmente acontece. Este exemplo não se responde nem com a causalidade nem com o dolo, senão com o significado social da ação, denominamos como adequação social. Tampouco se trata da antijuridicidade, a qual se tem recentemente em consideração quando se ultrapassa a adequação social. Em geral se reconhece a adequação social no tipo penal da extorsão, no qual as “ameaças” de males “cotidianos” estão excluídas desde o começo (a ninguém ocorria aqui afirmar que a adequação social é uma causa de exclusão do injusto!)167.

Por fim, referente a essa fase, é importante destacar a abordagem de

WELZEL sobre a questão do risco permitido, o qual, na sua concepção, traduzia-

se no alto grau de colocação em perigo de bens juridicamente tutelados em

decorrência das atividades naturalmente realizadas na sociedade, observando

que, se verificado em um caso concreto, haveria de servir de fundamento para a

exclusão do injusto168.

Apresentadas as preleções welzelianas, nada diverso do afirmado pelos

dogmatizadores anteriores pode-se concluir, pois nas explanações analisadas

vêem-se conceitos hoje utilizados nas teorias da imputação objetiva, como: risco

permitido, risco tolerado e até mesmo uma predeterminação de sociedade de

risco e suas inter-relações, do que se depreende não só a dita compatibilidade da

166 WELZEL, Hans. Estudios e derecho penal. Estudios sobre el sistema de derecho penal.

Causalidad y acción. Derecho penal y filosofía. Maestros del derecho penal. vol. 6. Trad. Gustavo Eduardo Aboso; Tea Löw. Buenos Aires: IB de F, 2003, p. 50: “Acciones socialmente adecuadas son todas aquellas actividades en las cuales la vida en comunidad se desarrolla según el orden históricamente establecido.”

167 Idem, p. 51: “Con esto se responde, de forma suficiente, al conocido ejemplo de si el sobrino comete un delito cuando convence a su tío, del cual es heredero, de realizar un viaje con el propósito de que éste fallezca en un choque de ferrocarril, y esto sucede realmente. Este ejemplo no se corresponde ni con el dolo, sino con el significado social de la acción, que hemos denominado como adecuación social. Tampoco se trata de la antijuridicidad, a la cual se tiene recién en consideración cuando se sobrepasa la adecuación social. En general se reconoce la adecuación social en el tipo penal de la extorsión, en las cual las “amenazas” de males “cotidianos” están excluidas desde el comienzo (a nadie se le ocurriría acá afirmar que la adecuación social es una causal de exclusión de lo injusto!).”

168 Idem, p. 52.

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teoria final da ação com a teoria da imputação objetiva, como também a

necessidade da formulação desta última.

Entretanto, a idéia de WELZEL passa por alterações significativas, de

modo que mais tarde passou ele a considerar o critério da adequação social como

justificação encontrada nos costumes e, posteriormente, apenas um princípio

interpretativo útil para “identificar o substrato empírico-social em que se baseia a

formulação dos tipos”169.

Como já salientado, como efeito dos embates entre a teoria finalista da

ação e a causal-naturalista, WELZEL passa a adotar a conditio sine qua non no

que tange à causalidade e, também, de imputação, porém aliando a finalidade da

ação à dita teoria a fim de melhor delimitar a sua abrangência.

A partir da adoção do posicionamento acima na teoria finalista, restaram

abandonados os critérios normativos destinados a selecionar as possibilidades de

determinação desta por ocasião da análise do plano objetivo, porque se entendia

que a ação continha em seu bojo o objetivo ao qual se destinava, de modo que o

agente, ante a antecipação mental, controlava os cursos causais e os resultados

de seu atuar, ou seja, como afirma ROXIN, supradeterminava finalisticamente o

todo, desde seu atuar até os resultados obtidos170. Deste modo, seria para o

finalismo despiciendo formular critérios imputativos, bastando o nexo causal

natural e a finalidade da conduta para que se desse a imputação do resultado ao

autor da conduta.

Impende gizar, em que pese ser conclusão evidente, que só o resultado

abarcado pela vontade do agente poder-lhe-ia ser imputado, não bastando a

presença de simples causalidade, apesar da adoção da teoria da equivalência

para averiguação do nexo causal.

Percebe-se que, à época, foram outorgadas à ação e seu conceito várias

tarefas, dentre as quais estava compreendido o sistema de imputação em sua

integralidade.

Todavia, por certo há outros julgamentos negativos que pesam sobre o

finalismo, como sua insuficiência em crimes omissivos e culposos, uma vez que

nos delitos comissivos e dolosos nenhum ponto apresenta problemática. 169 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2008, p. 41. 170 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 199.

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Entretanto, é de se observar que ambos são de determinação normativa, pelo que

só podem ser examinados à luz de critérios legais.

Veja-se que nos delitos omissivos, sejam próprios ou impróprios, não se

imputa o resultado ao agente em razão de um simples não fazer, mas em virtude

de um não-fazer o devido e esperado, sendo estes determinados no plano legal,

não podendo ser, por conseguinte, analisado em plano pré-típico. Ademais, um

objetivo final aqui é encontrado e se situa justamente na finalidade, deixa-se de

realizar o esperado e devido para se adotar conduta diversa da esperada, ou

mesmo para se obter um resultado, portanto predeterminado curso causal171 e

também presentes os requisitos para imputação do resultado da conduta ao

agente.

No que tange aos crimes culposos, a idéia inicial de WELZEL, realmente,

não poderia ser aceita em decorrência da falta de rigor metodológico, pois, como

já dito anteriormente, em relação a estes delitos era adotada a teoria da

causalidade adequada, usando a idéia de conduta e finalidade potencial.

Mais tarde, porém, muda sua concepção, situando definitivamente o

desvalor no campo da conduta, em razão do não-atendimento do dever de

cuidado devido172. Assim, o nexo causal permanece naturalista e a imputação é

normativa, decidida em razão das normas de um comportamento padrão.

Ainda sofreu o finalismo outras críticas, como a contrária à equiparação

de dolo e finalidade sustentada por alguns finalistas, o excessivo apego a

ontologismos, em especial na conceituação de ação, etc.

Em que pese as críticas sofridas pelo finalismo, em decorrência da

postura adotada sobre a imputação objetiva do resultado e de afirmações no

sentido de que a teoria finalista da ação é diametralmente oposta à teoria da

imputação objetiva em seus fundamentos173, é de fácil percepção a probabilidade

da adoção desta última em sistemas legislativos de influência welzeliana, mesmo

porque o finalismo não elaborou discussões mais elaboradas em torno do tipo

objetivo, de modo que resta em aberto a possibilidade de complementá-la neste

ponto. Frise-se que mais adiante, em momento oportuno, por ocasião do estudo 171 GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta

humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 157-160.

172 Idem, p. 163-168. 173 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2008, p. 60.

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da imputação objetiva do resultado e o direito penal brasileiro, tal assertiva restará

devidamente comprovada.

1.8 A IMPUTAÇÃO DO RESULTADO NA DOGMÁTICA FUNCIONALISTA

Antes de iniciar a análise das mudanças trazidas ao direito penal pelos

modelos funcionalistas, insta destacar que sobre a matéria será feito apenas um

breve apanhado, porque a parcela correlata ao tema a que o presente trabalho se

dirige, a teoria da imputação objetiva do resultado, será adiante tratada em

capítulo especial.

A dogmática funcionalista foi precedida pela retomada das teorias sociais

da ação, as quais igualmente pretendiam uma retomada de critérios

neokantianos, ou seja, a reinserção da relevância social no conceito de conduta, o

que possibilitaria ao legislador e ao jurista exercer sua valoração sobre o objeto, o

caso penal.

Observa-se que tais teorias foram elaboradas com a finalidade de

superar o finalismo em suas imperfeições, porém mantendo a ação como ponto

de partida da teoria do crime, de modo a aplicar-se um conceito em condutas

ativas e omissivas, partindo de conteúdos valorativos, todavia esclarecendo o

sentido do comportamento do homem em sociedade e sua relevância no contexto

onde se situa174.

JESCHECK, verbi gratia, na tentativa de transpor as “falhas” finalistas,

conceituou a ação, pelo autor chamada de comportamento, a fim de abarcar

condutas ativas e omissivas, como: “toda resposta da pessoa à exigência de uma

situação reconhecida ou ao menos reconhecível, através da realização de uma

possibilidade de reação que se lhe apresenta em dita situação”175.

174 GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta

humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 199-201.

175 JESCHECK, Hans-Heinrich; WEINGEND, Thomas. Tratado de derecho penal. Trad. Miguel Olmedo Cardenete. 5 ed. renovada y ampliada. Granada: Comares, 2002, p. 239: “[…] toda respuesta de la persona a la exigencia de una situación reconocida o por lo menos reconocible, a través de la reacción que se le presenta en dicha situación.”

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Quanto à imputação do resultado ao agente, a relevância social seria

apta a determiná-la, de modo que o conceito de comportamento, tal qual no

finalismo, trazia em seu bojo o critério a ser adotado para a referida operação176.

Nesse contexto de colisão entre as idéias neokantianas acima citadas e o

finalismo, surgiu o sistema funcionalista, considerado por GUARAGNI177 como

“terceira retomada do neokantismo”, cujos postulados não apresentavam, como

ainda não apresentam, proposições e bases filosóficas unânimes, tendo apenas

como ponto comum entre todos os seus dogmatizadores a idéia de se livrar de

dados ontológicos, de conceitos pré-jurídicos como o atribuído à ação ou à

causalidade, por exemplo, que foram impostos pela teoria de WELZEL e estribar

suas orientações apenas nos fins do direito penal178.

Consoante preleciona GUARAGNI, não obstante as críticas ao finalismo

girassem em volta de afirmações como a acima trazida, na verdade pretende-se a

liberação de dogmatizadores e legisladores dos vínculos ontológicos impostos

pela teoria finalista179.

Almejam, portanto, os funcionalistas uma construção teleológico-racional

da teoria do crime, a qual deve no pertinente a seus substratos apresentar

conceitos aptos a desempenhar “um papel acertado no sistema, alcançando as

conseqüências justas e adequadas”180, ou seja, capazes de realizar a finalidade

do direito penal.

A fim de auxiliar o direito nessa tarefa, o sistema teleológico-racional

tende a agregar ao direito penal outras ciências ligadas ao sistema penal, em

especial as ciências sociais, tendo em vista que o direito penal deve exercer

eficaz controle social de seus componentes, em razão das expectativas

constantes nas normas que regem a vida em sociedade181.

176 Observe-se que se em um primeiro momento JESCHECK permanecia ligado no tema

imputação do resultado à relevância social, mais adiante, como se infere de sua obra atualizada, passa a se filiar à utilização da teoria da imputação objetiva.

177 GUARAGNI, Fabio André. GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 239.

178 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003. p. 203.

179 GUARAGNI, Fabio André. Op. cit. p. 237. 180 GRECO, Luis. Introdução à dogmática funcionalista do delito. Em comemoração aos trinta anos

de “Política Criminal e sistema jurídico-penal” de Roxin. In Revista Jurídica. vol. 272. Porto Alegre: Revista Jurídica, 2000, p. 42.

181 GUARAGNI, Fabio André. Op. cit. p. 243.

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Em comparação com teorias neokantianas anteriores, apresentaram

como evolução o fato de estabelecerem um dado axiológico como pré-requisito

para toda a extensão do direito penal, de modo que estes permaneceriam

interligados pelo antedito requisito, o qual consistia na finalidade comum, no geral

a finalidade da pena (prevenção geral ou especial)182, no dizer de ROXIN183

“critério de sistematização especificamente jurídico-penal: as bases político-

criminais da moderna teoria dos fins da pena”.

A mencionada inter-relação deveria manifestar-se na funcionalização dos

conceitos, de modo que cada um representasse em si a finalidade maior que visa

atender. Assim, por exemplo, transportando as idéias para o direito pátrio,

teríamos que se a finalidade maior do direito penal fosse atender aos princípios

constitucionais penais, a tipicidade deveria refletir o princípio da legalidade

insculpido no artigo 5º, inciso XXXIX, da Carta Republicana, e todo o que dele

dimana, como a irretroatividade da lei penal mais gravosa, a proibição do uso dos

costumes e da analogia para criar delitos ou agravar as penas a serem

cominadas, além da exigência de tipos certos e claros; a antijuridicidade teria por

finalidade a solução dos conflitos sociais, o que resta claro nos artigos 3º, 5º,

“caput” e incisos XXXV, XLI a XLIV, da Magna Carta, dentre outros; e, por fim, a

culpabilidade que teria por tarefa revelar se um determinado comportamento deve

ou não ser apenado e, em caso positivo, como deveria ser efetuada a punição,

tudo sob a orientação da contextualização de todo o contido na Carta

Republicana, em especial do princípio da culpabilidade, o qual tem natureza

constitucional em razão de exercer função limitadora da pena, bem como de

fundamentá-la.

Para ROXIN, por exemplo, que adota como valor cultural motriz de seu

funcionalismo a teoria da pena, a correlação baseada na função das “categorias

sistemáticas básicas”184 acaba por trazer, na prática, como componentes

fundamentais de sua concepção: a teoria da imputação objetiva e a culpabilidade

182 GUARAGNI, Fabio André. GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal.

Um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 242.

183 ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 203: “(…) criterio de sistematización específicamente jurídicopenal: las bases políticocriminales de la moderna teoría de los fines de la pena.”

184 Idem, Ibidem. “[…] categorias sistemáticas básicas […].”

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ampliada como categoria de responsabilidade que, somada à necessidade de

prevenção, servirá de fundamento à imputação da pena185.

JAKOBS, por seu turno, que determina como finalidade do direito penal

assegurar as expectativas, ou ao menos reestabilizar as expectativas contidas

nas normas, traz implicações práticas e teóricas de ordem bastante diversa do

apresentado por ROXIN, sendo no momento importante apenas destacar que

para JAKOBS a teoria do delito transforma-se em teoria da imputação186.

Apresentadas algumas idéias elementares acerca do funcionalismo, é de

se passar à análise da imputação do resultado na atualidade.

185 ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 203-204. 186 GRECO, Luis. Introdução à dogmática funcionalista do delito. Em comemoração aos trinta anos

de “Política Criminal e sistema jurídico-penal” de Roxin. In Revista Jurídica. vol. 272. Porto Alegre: Revista Jurídica, 2000, p. 48.

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2 TEORIAS DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

Conforme citado anteriormente, insatisfeitos com as “amarras” trazidas

pelo finalismo, estudiosos do direito penal optaram por desenvolver um

pensamento ligado ao mundo do dever ser, sob evidente influência do

neokantismo.

A mais significativa alteração que pretende o funcionalismo refere-se à

ruptura com o método lógico-axiomático welzeliano, em razão da impossibilidade

que isso traz ao desenvolvimento sistêmico do direito penal, por conseqüência ao

desenvolvimento da ciência penal capaz de solucionar os novos problemas

existentes na sociedade, dado seu desenvolvimento.

A maneira adequada para tanto reside, dessa forma, em romper com

conceitos ontológicos, desde o dado à ação, e passar a incluir na teoria do delito

carga axiológica que permita ao direito penal resolver a problemática que se

apresenta.

Nesse sentido, ROXIN argumenta que se faz necessário introduzir valores

desde a teoria do delito, tarefa que o finalismo, não obstante tenha devolvido ao

direito penal a proximidade com a realidade material, não atingiu melhor

desenvolvimento por se apegar a conceitos pré-jurídicos, como no caso do

conceito de ação187.

É de se observar que, em verdade, o funcionalismo ataca não a teoria da

conduta welzeliana, mas o método por WELZEL adotado, pelo que não poderia

ser diferente no que tange à adoção pura da causalidade e à imputação do

resultado ao agente. O pensamento teleológico-racional exige mudança neste

plano, levando à observação de critérios outros, os quais se encontram na teoria

da imputação objetiva, como adiante resta comprovado.

2.1 A SUPERAÇÃO DO ONTOLOGICISMO DERIVADO DA TEORIA DA

EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES

A ruptura entre a determinação da imputação do resultado ao agente

187 ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Trad. GRECO, Luis. Rio de Janeiro:

Renovar, 2000, p. 28.

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pelos conceitos resultantes do ontologicismo foi inspirada não só nas

necessidades jurídicas advindas dos problemas insolúveis pela adoção dos

critérios atinentes à mera causalidade, mas também nas mudanças científicas no

campo da física e pela retomada da base filosófica neokantiana.

Os estudos jurídico-penais sobre o tema haviam sido obscurecidos em

razão do embate entre o finalismo e as teorias da ação que o precederam, ou

foram simultaneamente desenvolvidas. Deste modo, seguiu reinando, em termos

de imputação, a causalidade física estipulada entre a ação e o resultado dela

decorrente, ou seja, a teoria da equivalência das condições, à qual foi acrescido o

limite welzeliano da finalidade da conduta.

Todavia, as respostas oferecidas pelas teorias analisadas nas páginas

anteriores eram insuficientes para a solução dos casos penais e a quebra dos

paradigmas adotados haveria de ocorrer, aplicando-se também à atribuição do

resultado ao agente conceitos próprios do direito penal e não mais os critérios do

mundo físico.

Para tanto, os princípios a serem adotados como fundamento da teoria do

crime, por conseqüência da imputação do resultado ao agente, haveriam de

transcender o mundo do ser e ingressar no mundo do dever ser específico do

universo jurídico.

Nesse contexto, na década de 70 do século passado, ROXIN retomou a

questão da imputação, todavia com a adoção de conceitos normativos dotados de

carga axiológica de cunho objetivo, o que conforme MARTINEZ ESCAMILLA

representaria a “superação definitiva do dogma causal”188.

Nesse ambiente, mais uma vez a teoria da ação é atingida, pois tem seu

conceito alterado, passando-se a adotar o conceito pessoal de ação, em que esta

se configura como “manifestação da personalidade”189 do indivíduo, de modo que

a tipicidade desta deveria ser determinada não mais pelo liame físico entre ela e o

resultado, mas em razão do não atendimento a disposições normativas.

Desta feita, em termos de imputação ao tipo objetivo das “circunstâncias

que fazem de uma causa (como limite extremo da possível imputação) uma ação

188 apud D’ÁVILA, Fábio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2004, p. 39. 189 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 252.

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típica”190, a realização desta deve ser fruto da criação de um risco pelo seu autor

e, também, não estar acobertada por um risco permitido no alcance da norma191,

na visão de ROXIN.

Já na concepção de JAKOBS, para quem igualmente o conteúdo da

imputação está vinculado ao contexto social e os riscos a este contexto inerentes,

a imputação ao tipo objetivo é vinculada à expectativa de cumprimento dos papéis

que cada componente deve desempenhar no âmbito social, onde as

responsabilidades são repartidas192.

Todavia, insta salientar que a verificação do nexo natural entre a conduta

e o resultado não é desprezada, sendo em verdade complementada pelos

critérios citados193.

Primeiramente, deve-se analisar que em ROXIN e JAKOBS os

posicionamentos acerca do tema são absolutamente distintos, porque enquanto o

primeiro trabalha com a imputação objetiva como destinada a limitar mais uma

vez a imputação a ser feita ao autor, o segundo traz a teoria da imputação como

principal substrato da teoria do crime como um todo, portanto, a imputação

resume-se à atribuição do desvalor contido na norma.

Nesse ponto, BUSATO observa que, embora no posicionamento dos dois

autores acima citados haja a observação da relação de causalidade, ainda que

em JAKOBS de maneira bastante limitada194, nenhuma das teorias a despreza.

Em verdade, o que ocorre é que se pode adotar ou não a causalidade, e isso não

está simplesmente vinculado à adoção da teoria da imputação objetiva, mas sim

aos fins do direito penal. Veja-se:

[...] o que faz dispensável a relação de causalidade no sistema de imputação não é a adoção de uma teoria da imputação objetiva, mas sim a própria organização da teoria de base do sistema, ou seja, a

190 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003. p. 363: “[…] las circunstancias que hacen de una causación (como límite extremo de la posible imputación) una acción típica […]”.

191 Idem, p. 364. 192 JAKOBS, Günther. La imputación objetiva en derecho penal. Trad. Manuel Cancio Meliá.

Colección de estudios. Bogota: Universidad Externado de Colombia, 1998, p. 20-21. 193 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed.

corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 237; ROXIN, Claus. Op. cit.; BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 11-12.

194 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 14.

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organização das funções do Direito Penal. Um Direito Penal organizado visando à mera estabilização normativa, funcionando ao redor desse objetivo, pode prescindir da causalidade. Um sistema organizado em torno da proteção seletiva de bens jurídicos, simplesmente conjuga causalidade e imputação, sem abandono completo de nenhuma das duas perspectivas como formas de limitação da intervenção195.

Como se pode perceber, a ruptura com a causalidade ontológica é

parcial, pois em delitos de resultado, não resta ignorada, apenas deixa a

causalidade física de ser o centro da imputação, passando a ser dela

pressuposto196, mesmo porque a ciência jurídica não pode ignorar as leis naturais

que regem o convívio em sociedade, juntamente com as questões valorativas

próprias dos conceitos culturais, portanto, próprias do direito.

Corroborando o acima exposto, manifesta FARIA COSTA:

Em nosso sentido de ver a imputação objetiva não vem – digamo-la desde já –, nem de longe nem de perto, postergar ou remeter para o sótão das noções jurídico-penalmente inúteis, por exemplo, a noção de causalidade. (...) Tentar reconduzir a imputação objetiva à raiz hegeliana é, quanto a nós, o menos relevante, quando não menos dispensável. O que importa salientar é a idéia base de que o nexo causal é um pressuposto essencial para um juízo de responsabilidade, enquanto expressão que reflete o domínio dos homens sobre os sucessos exteriores197.

Ainda nesse sentido, têm-se as preleções de BUSTOS RAMIREZ e

LARRAURI:

Se não se quer chegar à conclusão de que o resultado aparece por geração espontânea e que ele compreende a ação (com o qual seria difícil de entender a tentativa, os atos preparatórios, etc.), tem que se delinear, como se diz, que a causação [do resultado] não é critério suficiente. É dizer, de todos os modos se parte de um processo causal e, pelo mesmo, de um resultado causado, e daí que se trate de um processo global totalmente objetivo198.

195 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2008, p. 14. 196 Idem, Ibidem. 197 apud D’ÁVILA, Fábio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2004, p. 39-40. 198 BUSTOS RAMÍREZ, Juan; LARRAURI, Helena. La imputación objetiva. Santa Fe de Bogota:

Temis, 1998, p. 10: “[…] si no se quiere llegar a la conclusión de que el resultado aparece por generación espontánea y que él comprende ya la acción (con lo cual sería difícil entender la tentativa, los actos preparatorios, etc.), tiene que plantearse, como se dice, que la causación no es criterio suficiente. Es decir, de todos modos se parte de un proceso causal y, por lo mismo, de un resultado causado, y de ahí que se trate de un proceso global totalmente objetivo.”

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Enfim, é de fácil percepção que a superação do ontologicismo derivado

da teoria da equivalência dos antecedentes, em verdade, implica em deixar-se de

fazer a atribuição de um feito a seu autor, em razão exclusiva das leis da

natureza, complementando-a com os critérios normativos extraídos do contexto

social e seus valores. Ou seja, passa-se da análise da causalidade natural para a

observação da relevância jurídico-penal desta199, com conseqüente averiguação

da possibilidade de imputação normativa do resultado.

2.2 A IMPUTAÇÃO DO RESULTADO NATURALÍSTICO VERSUS JURÍDICO

Outro ponto a ser analisado, em relação à imputação do resultado, é a

verificação do que se atribui ao autor, o resultado naturalístico ou o resultado

jurídico, considerando que nem todo resultado naturalístico terá lugar no ambiente

jurídico-penal, como também, nem todo resultado jurídico-penal tem correlação

com alterações no mundo físico e suas causas, como no caso de crimes

omissivos.

LUZÓN PEÑA adverte que os resultados na teoria do delito são

considerados como decorrentes de ações, as quais causam alterações no mundo

físico, sendo entendidos como distintos das mesmas200. ROXIN, por sua vez, se

posiciona ao tratar de delitos de resultado ao afirmar que “o resultado consiste em

uma conseqüência de lesão ou colocação em perigo separada espacial e

temporalmente da ação do autor”201.

Veja-se que ambas as opiniões são antagônicas ao antes sustentado

pelas teorias causalistas da ação, pois estas consideravam tanto o resultado

quanto o nexo causal como partes integrantes à ação.

Sob o prisma da análise jurídica, tais resultados podem ser observados

como naturalísticos (materiais) ou formais, sendo aqueles ocorridos no plano

199 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed.

corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 237.

200 LUZON PEÑA, Diego-Manuel. Curso de derecho penal. Parte general I. 3 reimp. Madrid: Universitas, 2004, p. 348.

201 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid, Civitas, 2003, p. 328: “el resultado consiste en una consecuencia de lesión o de puesta en peligro separada espacial y temporalmente de la acción del autor.”

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físico, como no caso de homicídios, verbi gratia, e estes em um plano imaterial,

perceptíveis intelectualmente ou sob a utilização de valorações de cunho

axiológico202, tendo como exemplo a injúria. Assim, podem existir crimes cujo

resultado não produz quaisquer alterações no mundo físico, como os de mera

conduta, ou os crimes formais, que podem ter um resultado, mas para sua

consumação não é exigida qualquer alteração efetiva no plano material.

Dessa maneira, em se tratando dos chamados crimes materiais, pois são

os que aqui têm relevo, o resultado pode ser analisado sob duas óticas: a primeira

naturalística, também chamada de tipológica, que se traduz na conseqüente

alteração que a ação tipificada deve realizar no mundo físico; a outra a jurídica,

em que o resultado é representado pela lesão ou exposição a perigo de um bem

jurídico-penalmente tutelado203.

No entanto, impende salientar que a diferença entre os aspectos

naturalístico e axiológico normativo dos resultados não se trata exatamente de

separação radical que estabeleça incomunicabilidade entre ambos, pois o

segundo não pode prescindir do primeiro.

ROXIN deixa clara a veracidade da assertiva anterior ao afirmar que a

teoria da causalidade é o fundamento da imputação ao tipo objetivo nos crimes

materiais204.

FELICIANO, por sua vez, entende que sequer há lógica em duas “teorias

de resultado”, pois considera que há um resultado analisado em duas acepções,

uma físico-naturalística e outra normativo-axilógica (jurídica)205.

Na mesma esteira, tem-se a opinião de CHAMON JUNIOR, para o qual a

distinção entre resultado jurídico e naturalístico é insipiente, válida apenas quando

se tem em conta o resultado jurídico considerado como o que é relevante

juridicamente, mas, ainda assim, em sua visão restaria insensata a distinção, uma

202 LUZON PEÑA, Diego-Manuel. Curso de derecho penal. Parte general I. 3 reimp. Madrid:

Universitas, 2004, p. 348. 203 PEDROSO, Fernando de Almeida. Nexo causal, imputação objetiva e tipicidade conglobante. In

Revista dos Tribunais vol. 794. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 463. 204 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 346. 205 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Teoria da imputação objetiva no direito penal ambiental.

São Paulo, LTr, 2005, p. 167.

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vez que os resultados ocorridos no mundo real também podem ter relevo no plano

jurídico206.

Como se pode dessumir do acima exposto, o resultado jurídico exige

valoração e regulamentação normativa, as quais incluem a conduta que o gerou e

o bem jurídico a ser tutelado, motivo pelo qual o nexo de causalidade física é

insuficiente para a imputação de um resultado jurídico ao autor da conduta na

esfera jurídico-penal.

ROXIN traz em sua obra que a imputação do resultado ao autor não resta

admissível se aquele não deu causa a este, em sentido físico, uma vez que é o

primeiro pressuposto para uma imputação ao tipo objetivo207, ou seja, daí extrai-

se que primeiramente verifica-se a existência do resultado material,

posteriormente há a análise deste à luz das concepções normativas do direito

penal, isto é, há dupla verificação, na qual se observa se além do resultado ser

naturalístico é também jurídico.

Entretanto, dentro da teoria da imputação objetiva atual, a atribuição do

resultado ao agente, no plano jurídico, depende da presença de elementos

objetivos, como a criação de um risco desaprovado ou o incremento de risco

tolerado e a guarida do ocorrido pelo âmbito de proteção da norma, adotando-se

a concepção de ROXIN.

Já na concepção de JAKOBS, a atribuição de um resultado depende,

além, é claro, da presença do resultado naturalístico em alguns casos, da

violação ao bem jurídico como resultado do descumprimento do papel que cabia

ao autor dentro da sociedade, o que se averigua por intermédio da observância

da existência da realização de risco desaprovado, mediante comportamento

contrário às normas, ao princípio da confiança e, ainda, que este resultado derive

de ação do autor sem que isso represente violação à proibição de regresso, bem

como que a vítima não tenha exercido suas competências, ou seja, não tenha se

colocado em perigo por conta própria.

Em relação ao tema, FRISCH destaca a imputação de resultado jurídico e

não naturalístico, pois afirma que em crimes de resultado material relevante para

o direito penal é a expressão do resultado como dissonante das garantias jurídico- 206 CHAMON JUNIOR, Lúcio Antonio. Imputação objetiva e risco no direito penal. Belo Horizonte:

Mandamentos, 2005, p. 51. 207 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 346.

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penais e não porque materialmente se pode verificar a causalidade. A

contrariedade ao direito, nesse sentido, só se aperfeiçoa nas situações em que a

ofensa ao bem jurídico-penalmente protegido ocorreu pela realização de um risco

proibido208.

Nesse ponto, conclui-se que a imputação do resultado jurídico tem nova

feição, pois além de exigir a causalidade física entre o evento e a conduta, para

que aquele seja considerado normativo e imputável ao agente, primordial é que a

ação da qual se originou tenha violado as normas pela criação de um risco

proibido e, ainda, que o resultado concretizado represente exatamente o que a

norma pretendia evitar.

A teoria da imputação objetiva tem em seu bojo a imputação do resultado

jurídico, a partir do momento em que suas exigências transcendem o nexo causal

e exigem o nexo jurídico, ou nexo de imputação, porém isso não se traduz no

abandono da observação do resultado naturalístico.

2.3 A LOCALIZAÇÃO DA TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA NA TEORIA DO

CRIME

A teoria do crime trabalha os estratos que a compõem, os quais estão

expressos no conceito analítico, ou seja, conduta, tipicidade, antijuridicidade e

culpabilidade, de modo que, antes de adentrar o tema, oportuno é tecer breves

comentários sobre a tipicidade e o tipo penal.

A tipicidade traz como funções do tipo, o qual representa o modelo legal

das condutas proibidas em direito penal, a fundamentação da ilicitude da ação,

pois a tipicidade é um indício da antijuridicidade, além da função de garantia, a

qual representa a expressão das exigências expressas e explícitas do princípio da

legalidade.

DE LA CUESTA AGUADO, por seu turno, acresce as funções de seleção

das condutas penalmente relevantes, aperfeiçoada no momento em que o

legislador aparta as ações ou omissões desvaloradas e as transporta para o

208 FRISCH, Wolfgang; PLANAS, Robes. Desvalorar y imputar. Sobre la imputación objetiva en

derecho penal. Barcelona, Atelier, 2004, p. 46.

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interior da lei penal, proibindo-as, e também acresce a tarefa de ser motivação

aos componentes da sociedade para afastá-los do cometimento do crime209.

Contudo, VIVES ANTÓN e COBO DEL ROSAL atribuem ao tipo a função

delimitar o que pode ser entendido como jurídico-penalmente relevante, sendo,

nesse sentido, o conceito básico do sistema do crime, porque traz todas as

valorações (positivas e negativas) que possam ter importância no Direito Penal210.

Além das funções supracitadas, destaca-se que o tipo contém dois

aspectos, um objetivo e outro subjetivo, com denominação na doutrina de tipo

objetivo e tipo subjetivo. O tipo subjetivo, nos crimes dolosos, possui como

elementos o dolo e também os elementos subjetivos do tipo diversos do dolo; já o

tipo objetivo é composto pela ação, resultado e nexo causal (nos delitos ativos

materiais) ou o nexo de não impedimento (crimes omissivos impróprios). Nos

crimes culposos, porque carentes de elemento subjetivo, este dá lugar aos

elementos normativos que delimitam a verificação da ocorrência do referido delito.

Tendo em consideração que a teoria da imputação objetiva tenciona

limitar a causalidade havida através da aplicação dos critérios da conditio sine

qua non, o lugar desta na teoria do crime resta evidenciado, pois há de se situar

no mesmo estrato do que pretende limitar, ou seja, na esfera do tipo objetivo.

Cabe aqui observar o sustentado por GIMBERNAT. Segundo o autor, a

imputação objetiva é um componente do tipo que ao contrário dos demais

elementos que o constituem não se encontra expresso na lei211.

Nesse sentido, tem-se a lição de ROXIN, o qual, ao expor a teoria da

imputação objetiva, refere-se constantemente à imputação ao tipo objetivo212.

Ademais, observa, de maneira categórica, que se tem fixado a exigência

doutrinária de que princípios estruturalmente organizados venham a orientar a

imputação ao tipo objetivo213. Ainda, ao concluir suas observações preliminares

que antecedem a exposição de seus critérios orientadores dentro da teoria da

209 DE LA CUESTA AGUADO, Paz Mercedes. Tipicidad e imputación objetiva. 1 reimp. Mendonza:

Ediciones Jurídicas Cuyo, 2006, p. 69-70. 210 VIVES ANTÓN, Tomás S.; COBO DEL ROSAL, Manuel. Derecho penal. Parte general. 5 ed.

corrig. aum. e atual. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999, p. 312. 211 apud BUSTOS RAMÍREZ, Juan; LARRAURI, Helena. La imputación objetiva. Santa Fe de

Bogota, Temis, 1998, p. 39. 212 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003. p. 362 et seq.

213Idem, p. 363.

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imputação, afirma: “se pode dizer que a imputação ao tipo objetivo pressupõe a

realização de um perigo criado pelo autor e não coberto por um risco permitido

dentro do alcance do tipo”214.

JAKOBS, por sua vez, não obstante trate de teoria da imputação e não de

teoria do crime, no plano do tipo objetivo refere-se à teoria da imputação objetiva

no plano típico. Pode-se corroborar a assertiva com um sem número de

afirmações do autor, citando-se, no momento, sua determinação acerca da

localização sistemática do risco permitido, critério trabalhado na teoria da

imputação objetiva, o qual é apto a excluir a imputação.

Afirma que o risco permitido atrelado à teoria da imputação objetiva não

se trata de uma causa excludente de antijuridicidade, mas de “um obstáculo na

imputação objetiva, é dizer, como um obstáculo do tipo [...]”215, não obstante em

algumas situações tal critério imputativo possa servir de fundamento no estado de

necessidade justificante216.

Em outra obra, JAKOBS afirma:

Um comportamento que gera um risco permitido considera-se socialmente normal, e isso não porque se tolere no caso concreto pelo contexto em que se encontra, senão porque essa configuração é aceita de modo natural. Portanto, os comportamentos que criam um risco permitido não são comportamentos que devam ser justificados, senão que não realizam tipo algum217.

214 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 364: “[…] se puede decir que la imputación al tipo objetivo presupone la realización de un peligro creado por el autor y no cubierto por un riesgo permitido dentro del alcance del tipo.”

215 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed. corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 246: “El riesgo permitido como obstáculo en la imputación objetiva, es decir, como obstáculo do tipo…”

216 É de se observar que no direito penal pátrio não se tem a distinção entre estado de necessidade justificante e exculpante, pois este é sempre excludente de ilicitude, uma vez que adotado no Código Penal a teoria unitária, ao contrário do direito penal alemão que adota a teoria diferenciadora.

217 JAKOBS, Günther. La imputación objetiva en derecho penal. Trad. Manuel Cancio Meliá. Colección de estudios. Bogota: Universidad Externado de Colombia, 1998, p. 51: “Un comportamiento que genera un riesgo permitido se considera socialmente normal, y ello no porque se tolere en el caso concreto por el contexto en el que se encuentra, sino porque en esa configuración es aceptado de modo natural. Por lo tanto, los comportamientos que crean un riesgo permitido no son comportamientos que hayan de ser justificados, sino que no realizan tipo alguno.”

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MUÑOZ CONDE e GARCÍA ARAN, ao fazerem breves observações

sobre a teoria da imputação objetiva, afiançam o posicionamento da teoria no

plano típico218.

BUSTOS RAMÍREZ, ao iniciar sua exposição em relação ao corretivo de

imputação objetiva no tipo objetivo, assevera:

A causação resultado é um problema objetivo, a decisão normativa tem um caráter objetivo, logo a decisão sobre a pessoa e seu atuar, com base nestas premissas, também há de ter um caráter objetivo (não há dúvidas de que com isto se produz uma redução da pessoa, a qual choca com os direitos fundamentais reconhecidos à pessoas na Constituição): por isto mesmo, então, a questão da imputação objetiva pertence ao tipo objetivo, esse é seu lugar sistemático de análise e ali hão de desenvolver-se os critérios que lhe dão conteúdo219.

Todavia, salienta-se que o citado autor, em suas conclusões, acaba por

situar a teoria na antijuridicidade que, segundo ele, é o momento em que se dão

as valorações de maneira ampla e correlata ao ordenamento jurídico em sua

íntegra. Justifica seu posicionamento arrazoando que ação e resultado devem ser

entendidos em um processo interativo, e também que a colocação da imputação

na tipicidade implicaria no reconhecimento de questões puramente naturalistas

como critério para a imputação, que em verdade é um juízo normativo, de modo a

gerar confusões entre critérios técnicos e normativos, pelo que tal pensamento

poderia gerar uma amplitude de possibilidades de atribuições maior ainda que

aquele encontrado na causalidade puramente física220 .

Cabe aqui uma crítica às conclusões de BUSTOS RAMÍREZ, pois o

desenvolvimento da teoria da imputação objetiva, considerada uma terceira

retomada do neokantismo, aconteceu justamente com o fito de melhor

desenvolver temas atinentes ao tipo objetivo e introduzir questões que

218 MUÑOZ CONDE, Francisco; GARCÍA ARÁN, Mercedes. Derecho penal. Parte general. 6 ed.

rev. e atual. Valencia: Tirant lo Blanc, 2004, p. 229. 219 BUSTOS RAMÍREZ, Juan; LARRAURI, Helena. La imputación objetiva. Santa Fe de Bogota:

Temis, 1998, p. 9: “La causación del resultado es un problema objetivo, la decisión normativa tiene un carácter objetivo, luego la decisión sobre la persona en su actuar, con base en estas premisas, también ha de tener un carácter objetivo (no hay duda de que con esto se produce una reducción o jibarización del persona, lo cual choca con los derechos fundamentales reconocidos a las personas en las Constituciones): por ello mismo, entonces, la cuestión de la imputación objetiva pertenece al tipo objetivo, ese es su lugar sistemático de análisis y allí han de desarrollarse los criterios que le den contenido.”

220 Idem, p. 35-36.

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transcendam, mas não desprezem o nexo de causalidade, dessa forma nele

inserindo critérios normativo-axiológicos limitadores de sua atribuição.

Além disso, a maneira que a teoria apresenta-se em nada viola a

obrigatoriedade de interação entre ação e resultado, ao contrário, considerados

separadamente, ou não, em momento algum se traz a atribuição, seja da conduta

seja do resultado, como algo desvinculado entre si.

Quanto à alegada possibilidade de confusão e excessiva amplitude,

menos razão ainda assiste ao autor, pois ao direito não cabe de modo algum

tutelar coisa distinta de fatos concretos, mesmo porque a valoração justamente a

estes é pertinente, de modo que desprezar a realidade abriria um leque imenso

de possibilidades de atribuições e, conseqüentemente, de punições descabidas.

Ainda cabe asseverar que a situação da teoria da imputação no tipo

apresenta maior coerência, também, em razão do encadeamento existente entre

os seus componentes (ação, nexo causal e resultado), portanto tal

posicionamento guarda maior lógica.

Por fim, é de se verificar que, adotando o exposto por VIVES ANTÓN e

COBO DEL ROSAL, de ser o tipo o elemento básico de todo o sistema penal por

ter em si as valorações que interessam ao direito penal, não haveria qualquer

motivo para negar a presença neste de carga axiológica, menos ainda de

sobrestar a análise dos critérios imputativos para a antijuridicidade, criando

apenas mais uma dificuldade ao operador do direito penal.

Nesse passo, insta salientar que dada a importância do tipo, de suas

funções, em especial do caráter de garantia que possui, a limitação oferecida pela

teoria da imputação objetiva do resultado, porque é transcendente aos critérios da

equivalência das condições, representa um óbice às possibilidades de subsunção

do fato à norma, que antes restava demasiadamente extensa no plano objetivo, e

isto em razão da adequação do direito penal e com as situações da vida na

sociedade transmoderna, pois evita eventuais injustiças ao determinar critérios

imputativos na esfera objetiva da tipicidade.

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2.4 RISCOS, SOCIEDADE E TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA: UMA

ANÁLISE NECESSÁRIA

Significativo é observar a necessidade de integração entre o direito penal

e os riscos inerentes à sociedade transmoderna ou, como prefere BECK221,

modernidade reflexiva, até porque os critérios de orientação da teoria da

imputação objetiva muito se embasam nos riscos decorrentes do mero convívio

coletivo e os progressos tecnológicos auferidos ao longo dos tempos.

O risco, aqui entendido como o perigo gerado como ameaça para o

homem, é um conceito com o qual a sociedade hoje, obrigatoriamente, deve

conviver, de forma que todos os sistemas nela contidos devem ter em conta esse

preceito, pois, caso contrário, impossível seria desfrutar do tráfego de veículos, do

uso da energia elétrica, das benesses auferidas pelo desenvolvimento dos

estudos e técnicas da farmacologia, da medicina, enfim, de todo o pregresso

tecnológico havido nos últimos tempos, como a biogenética ou a

telecomunicação222.

Acerca do regime de risco, ao qual a sociedade é submetida, BECK

afirma que é um problema que ultrapassa nacionalidades, sendo global223, de

modo a gerar uma nova ordem que, por conseguinte, interfere sobremaneira em

todas as decisões de uma sociedade e que exige, conseqüentemente, uma

repartição dos riscos, dos bens e males neles contidos224.

Acerca do tema, SILVA SÁNCHEZ apresenta a seguinte contribuição:

Tudo isso evidencia que, inegavelmente, estamos destinados a viver em uma sociedade de enorme complexidade, na qual a interação individual – pelas necessidades de cooperação e de divisão funcional – alcançou níveis até agora desconhecidos. Sem embargo, a profunda correlação das esferas de organização individual incrementa a possibilidade de que alguns desses contatos sociais redundem na produção de conseqüências lesivas225.

221 BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo. Hacia una nueva modernidad. Trad. Jorge Navarro;

Daniel Jiménez; Maria Rosa Borrás. Barcelona: Piadós Ibérica, 1998, p. 199. 222 ESTEVE PARDO, Jose. Técnica riesgo y derecho. Madrid: Ariel, 1999, p. 19. 223 Idem, p. 25. 224 BECK, Ulrich. Op. cit. p. 5. 225 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. A expansão do direito penal. Aspectos da política criminal nas

sociedades pós-industriais. Introdução: ROCHA Luiz Otavio de Oliveira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 31.

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Quanto ao destaque que os riscos têm hoje, ou deveriam ter, em termos

de direito é de se observar à explanação de ESTEVE PARDO, para quem o

direito não pode deixar à revelia o progresso tecnológico, de modo que mesmo

não possuindo domínio absoluto sobre este, deve estabelecer controle em pontos

estratégicos, até porque tais riscos interferem sensivelmente no sistema jurídico,

o qual acaba marcado pela idéia de risco226.

O citado autor frisa, também, a existência de riscos tolerados para o

direito, sendo os que representam menor relevância jurídica, em razão da menor

ameaça que trazem ao tutelado pelo direito. Tais delimitações dimanam da

regulamentação do trânsito, por exemplo, ou por exclusão, ou seja, quais riscos a

sociedade há de tolerar para não se ver atada, tratando-se, dessa forma, de uma

ponderação de necessidades e riscos, realizável por qualquer componente da

sociedade em suas respectivas áreas227. Todavia, em relação à avaliação dos

riscos, BECK destaca que, motivada pelo progresso, a sociedade e sua política

cada vez mais recorre a expertos para o controle dos níveis de riscos228.

ESTEVE PARDO destaca, também, três momentos em que para o direito

a delimitação do risco permitido tem iniludível relevo, sendo eles: o da decisão

(onde se opta por suportar ou não um risco que interfira na sociedade e sua

conformação, pois que reflete uma decisão política); o da imputação (onde a

determinação de riscos tolerados é imprescindível nas teorias da imputação

objetiva e é efetuada na análise de casos concretos); e, por fim, em um terceiro

momento, na avaliação da exclusão da responsabilidade (aqui o ponto central é a

referência sobre os riscos inerentes ao desenvolvimento, em que se tem risco

permitido e risco desconhecido)229.

Resta indene de dúvidas, ante o apresentado, que o convívio social, em

sua atual forma, implica em riscos decorrentes da evolução de tecnologias e sua

utilização, entretanto isto acarreta um preço arcado por todos os componentes da

sociedade, uma vez que devem tolerar alguns riscos e rechaçar outros, porque

almejar situação diversa é inviável. Conseqüentemente, de igual forma o direito

deve tolerar e repudiar riscos, porque não cabe a esta ciência impedir os

226 ESTEVE PARDO, Jose. Técnica riesgo y derecho. Madrid: Ariel, 1999, p. 27. 227 Idem, p. 40-41. 228 BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo global. Trad. Jesús Alborés Rey. Madrid: Siglo XXI, 2002,

p. 6. 229 ESTEVE PARDO, Jose. Op. cit. p. 41.

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progressos, tampouco estar distante da realidade social que regulamenta e

controla.

Nesse sentido as teorias da imputação objetiva se mostram apropriadas,

porque em sua formulação apresentam coerência com aos riscos da sociedade

atual, considerando-no em suas formulações.

2.5 OS CRITÉRIOS DE IMPUTAÇÃO OBJETIVA DE CLAUS ROXIN

O funcionalismo do professor de Munique, tal como já explicitado, invoca

um direito penal correlato com os fins da moderna teoria da pena, de modo que a

política criminal e o direito penal devem estar em sintonia, a fim de contar com

legitimidade e efetividade.

Destarte, inspirado nesse fundamento, o autor afirma que não há

prevalência do desvalor da ação ou do resultado, sendo eles interligados. Mais

ainda, salienta que em termos de política criminal o desvalor da ação e do

resultado tem igual importância230, porque é descabida a separação em

imputação da conduta e do resultado231, até mesmo porque estão

indissoluvelmente ligados entre si.

Com o intento de trazer para o direito penal as necessárias correções e,

como conseqüência, as oportunas evoluções, ROXIN faz ressuscitar, em 1970, os

estudos acerca da imputação objetiva do resultado e passa a oferecer critérios

para a definitiva transcendência de questões meramente causal-naturalistas.

Conforme preleciona BUSATO232, mudanças foram elaboradas pelo

professor alemão em sua teoria ao longo dos tempos, de qualquer sorte, no

presente estudo, serão trabalhados os critérios atualmente apresentados.

Ainda é importante destacar que dois são os fundamentos elementares da

imputação objetiva do resultado em ROXIN: a criação de um risco proibido pelo

autor e que o resultado por este gerado encontre-se dentro do alcance do tipo233,

não importando se o delito apresenta-se em sua forma dolosa ou culposa, pois 230 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 318-326. 231 Idem, p. 365. 232 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2008, p. 81. 233 ROXIN, Claus. Op. cit, .p. 362-364.

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tais questões devem ser analisadas após a realização da atribuição no plano

objetivo.

Veja-se que três dados expressos no tipo compõem sua teoria: ação,

resultado e a própria norma, sendo os critérios imputativos do risco e do alcance

da norma elementos normativos não expressos no tipo.

Por fim, antes de expor pormenorizadamente cada um dos critérios

oferecidos pelo professor, é importante salientar que a teoria da imputação

objetiva destina-se aos crimes de dano, pois, com relação aos delitos de perigo

concreto e abstrato, os problemas de imputação devem ser, para ele, resolvidos

na parte especial234, não obstante ofereça breves comentários acerca do tema,

contudo em apartado.

2.5.1 A criação de um risco não permitido

Decorre dos princípios que regem o direito penal que este impute sanções

apenas a ações arriscadas, ou seja, que exponham bens a perigo ou os

danifiquem, pois selecionar condutas que nenhum risco oferecem aos bens

tutelados na esfera penal seria retroceder na história do direito, e não só do direito

penal, de modo a permitir a repetição das barbáries já vistas ao longo da evolução

da humanidade e do direito.

Aliás, dessume-se da teoria de ROXIN que as ações merecedoras de

pena são somente aquelas que tragam em si o risco proibido.

Em razão do exposto, ROXIN trabalha com hipóteses em que a atuação

do indivíduo tem como conseqüência resultados em princípio típicos, mas, ante a

presença de alguns critérios, a atribuição da conseqüência da atuação do agente

não deve a ele ser efetuada.

234 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 318-326. 234 Idem, p. 403.

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2.5.1.1 A diminuição do risco e sua conseqüência

Atuações que alteram o curso causal e de algum modo minoram os riscos

ao qual o bem objeto do perigo preexistente está sujeito, melhorando a situação

do referido bem, não merecem a qualidade de típicas, tampouco os eventuais

resultados delas advindos, ainda que descritos na lei penal, devem ser atribuídos

ao agente que atuou desta maneira235.

Importante é gizar que se o direito determinasse de forma diferente

estaria a proibir ações que têm por escopo a redução dos perigos existentes aos

inúmeros bens tutelados juridicamente236 e, por evidente, não raras são as

ocasiões nas quais os riscos estão presentes.

A exemplificar os casos de exclusão de imputação pela redução dos

riscos e conseqüente retenção da lesividade, ROXIN apresenta a seguinte

hipótese: se alguém ”convence o ladrão a furtar não mil, mas somente cem

marcos alemães, não é punível por participação no furto, pois sua conduta não

elevou, mas diminuiu o risco de lesão”237.

Também, apresenta os seguintes exemplos:

Quem vê como uma pedra voa perigosamente até a cabeça de outrem e, ainda que não a possa neutralizar, consegue desviá-la a uma parte do corpo para a qual é menos perigosa, apesar da causalidade não comete lesões corporais, igualmente, tampouco as comete o médico que suas medidas só podem retardar a inevitável morte do paciente238.

Similar ao primeiro exemplo citado, apresenta CASTALDO:

A desvia intencionalmente até o ombro de B o golpe de bastão dirigido à cabeça de B e desferido por C, não podendo impedir de tudo: se bem causou o resultado, A seguramente impediu que se verificasse a lesão

235 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 365. 236 Idem, p. 366. 237 ROXIN, Claus. A teoria da imputação objetiva. Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 39.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 17. 238 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 365: “Quien ve una piedra cómo una piedra vuela peligrosamente hacia la cabeza de otro y, aunque no la puede neutralizar, sí logra desviarla a una parte del cuerpo para la que es menos peligrosa, a pesar de su causalidad no comete unas lesiones, al igual que tampoco las comete el médico que con sus medidas sólo puede aplazar la inevitable muerte del paciente.”

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mais grave, diminuindo em geral o risco; falta então um dos termos de referência essenciais à imputação239.

Entretanto, há de se observar que o risco preexistente deve representar

um dano maior do que aquele gerado pela atuação havida posteriormente, pois

caso contrário estar-se-ia aceitando uma substituição de riscos que, em verdade,

trazem mais gravames, ao invés de benefícios aos objetos de tutela jurídica240.

Resta claro que na denominada diminuição de risco é imprescindível para

seu reconhecimento a existência de um curso causal anteriormente estabelecido,

motivado por atuação de outrem, ou mesmo por caso fortuito241, sob pena de se

adequar à segunda hipótese apresentada a substituição de risco.

2.5.1.2 A exclusão da imputação se falta a criação de perigo

Nesse ponto são analisados os casos em que o agente não criou um risco

juridicamente relevante, tampouco incrementou um já existente.

No caso de atuações que não causam risco juridicamente relevante, estas

são assim classificadas porque implicam, na verdade, em atuações socialmente

normais, ou seja, atuações cotidianas, geralmente não perigosas, de forma que

não podem ser proibidas242.

Aqui cabe o habitual exemplo oferecido por ROXIN, entre tantos outros

autores, acerca do sobrinho que, pretendendo herdar a fortuna do tio, o instiga a

caminhar no bosque durante um temporal esperando sinceramente que um raio

lhe atinja e leve a óbito243. Além do caso, cita ROXIN situações que corroboram

que o estímulo a qualquer prática de risco ínfimo, por exemplo, subir escadas,

239 CASTALDO, Andrea Raffaele. La imputación objetiva en el delito culposo de resultado. Trad.

Antonio Bonanno. Buenos Aires: IB de F, 2004, p. 75: “A desvía intencionalmente hacia el hombro de B el golpe de bastón dirigido a la cabeza de B y lanzado por C, no pudiéndolo impedir del todo: si bien causó el resultado, A seguramente impidió que se verificara la lesión mas grave, disminuyendo en general el riesgo; falta entonces uno de los términos de referencia esenciales de la imputación”.

240 Idem, ibidem. 241 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2008, p. 88. 242 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 366-367. 243 Idem, p. 362.

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caminhar pelas ruas de uma grande cidade244, fazer viagens de avião, dentre

outras hipóteses, não merecem guarida no plano típico do direito penal.

Nos exemplos citados, ainda que um almejado resultado desvalioso se

dê, em razão da inexistência de conduta que possa ser considerada típica, porque

socialmente adequada, não se atribuirá o feito ao agente.

Porém, adverte ele que se um cidadão instiga outro a utilizar um caminho

onde está à espreita um assassino, por certo criou assim um risco, respondendo

pelo resultado morte se isto sobrevier245.

Do mesmo modo, não se imputa o resultado ao agente se este não

incrementou de maneira significativa um risco já existente. Aqui, ROXIN faz uso

de um exemplo no qual é jogada uma jarra de água em uma represa que está

prestes a romper por causa de águas turbulentas, sendo que sua ruptura causará

uma inundação246.

O critério aqui utilizado guarda perfeita correlação, na visão do autor, com

a teoria da adequação social e com as exposições de HONIG e LARENZ, porque

uma conduta que não crie risco a um bem tutelado na esfera jurídica no máximo

terá a presença da causalidade, mas nunca da provocação final do resultado,

cabendo o uso da prognose póstuma na análise do que se deve entender por

relevante juridicamente247.

Veja-se que a exclusão da tipicidade ocorre porque não compete ao

direito penal reprimir condutas que geram riscos diminutos, principalmente se

socialmente adequados ou indiferentes.

CASTALDO critica o fato de alguns autores fazerem uso nestes casos da

governabilidade ou do domínio do resultado final para justificar a não atribuição do

feito ao autor da ação, alegando que a potencialidade de tal domínio está

presente no início, mas nem sempre persiste até o final do acontecimento248.

Todavia, como visto, ROXIN adota motivação diferente, de modo que a crítica

resta insipiente.

244 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 366. 245 Idem, p. 367. 246 Idem, ibidem. 247 Idem, Ibidem. 248 CASTALDO, Andrea Raffaele. La imputación objetiva en el delito culposo de resultado. Trad.

Antonio Bonanno. Buenos Aires: IB de F, 2004, p. 69.

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BUSATO apresenta como crítica a inutilidade da separação do critério ora

observado e, outro, a criação de risco permitido, pois ambos têm um ponto

comum, ou seja, em nenhuma das situações o agente transcende o que se

permite em termos de criação de risco aceitável, de modo que não cabe, por isso,

a intervenção do direito penal. Acrescenta, ainda que a excessiva divisão dos

critérios que ROXIN realiza acaba por gerar confusão ao invés de tornar o tema

compreensível249.

2.5.1.3 Criação de risco e cursos causais hipotéticos

A denominada causalidade hipotética, como estudada em páginas

anteriores, está presente naqueles casos em que mesmo que o agente sob

julgamento não atuasse, outro o faria nos mesmos moldes que foi realizada a

conduta pelo autor e obteria o mesmo resultado.

A ilustrar o caso, ROXIN refere-se às seguintes hipóteses: um soldado

comete um homicídio antijurídico em uma guerra e, posteriormente, em sua

defesa alega que se não o fizesse outro o faria da mesma forma, de modo que a

vítima entraria em óbito de qualquer maneira; outro acontecimento citado é aquele

no qual o autor de um furto sustenta que se ele não tivesse subtraído o bem, o

proprietário ainda assim restaria sem este, pois que o perderia250.

Em nenhum dos casos citados pode ser aceita a exclusão da imputação

sob a alegação de que o resultado ocorreria independente da ação do agente,

porque não podem as normas jurídicas abdicar de suas proibições e

conseqüentes punições em razão de outro agente igualmente estar determinado a

infringi-las251.

Veja-se que para as teorias causais os processos hipotéticos em regra

são irrelevantes, todavia o professor de Munique adverte que nem por isso está

descartada a possibilidade da exclusão da imputação, bem como assinala,

também, que não há como se falar, nestes casos, em incremento de riscos,

249 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2008, p. 91. 250 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 368. 251 Idem, Ibidem.

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porque, mesmo estando o bem tutelado em perigo, isso não quer significar que

poderia o autor colocá-lo em perigo igualmente252.

Ainda trata o professor dos casos de substituição do autor, em que se

outro atuasse seria de acordo com o direito, como no famoso caso no qual um

particular arroga-se o direito de acionar a cadeira elétrica, assim executando um

condenado que estava na iminência de morrer. Neste ponto, assevera que são

aplicadas as mesmas regras anteriormente ditas, porque em caso contrário ter-

se-ia na sociedade situação insuportável253.

Mais adiante, ainda sobre o tema, ROXIN traz situações nas quais a

imputação não deve persistir254, sendo um exemplo o caso em que para desviar

de um desmoronamento da montanha, mesmo porque na velocidade em que se

encontrava se chocaria com as pedras caídas na pista, o condutor do veículo

passa à estrada lateral, vindo da mesma forma a colidir com os obstáculos

decorrentes do desmoronamento, porque esta, do mesmo modo, estava

interrompida.

Quanto à causalidade hipotética, GRECO destaca que é irrelevante a

análise desses casos, porque a norma não nega proteção a um bem porque ele já

está em perigo255.

BUSATO manifesta-se no sentido de que ROXIN não discorre sobre o

tema pretendendo que este seja um critério da teoria da imputação objetiva, mas

somente que pretende “recortar as possibilidades de argüição, em sede de

discussão a respeito do risco, a busca do socorro a cursos causais hipotéticos

como forma de exclusão da imputação”256.

CASTALDO trata do tema à luz das lições de ARTHUR KAUFMANN,

segundo o qual quando o resultado é esperado, mesmo sem a atuação do autor,

não há qualquer tipo de desvalor do resultado, persistindo o desvalor da ação, de

modo que tal fato implicaria em redução da pena por ocasião de sua aplicação.

Veja-se que KAUFMANN afirma, inclusive, que a vida humana não tem proteção

absoluta, de modo que abreviações da duração desta não apresentam nenhum

252 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 368 253 Idem, p. 369. 254 Idem, p. 370. 255 GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva. Lisboa: AAFDL, 2005, p. 71. 256 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2008, p. 93.

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desvalor em seu resultado, como no caso do médico que age de maneira

imprudente, levando um paciente que se encontrava em estado terminal à morte,

restando o profissional impune257.

Feitas as preleções acerca do tema é de se observar que, embora em

boa parte dos casos a causalidade hipotética e a substituição não interfiram na

imputação do resultado ao agente258, a questão merece o tratamento dado pelo

autor pelas hipóteses em que a influência deve ser considerada.

2.5.1.4 A exclusão da imputação nos casos de risco permitido

Em razão da discordância reinante sobre o conceito e sistematização do

risco permitido, destaca-se que, para ROXIN, este se apresenta como “uma

conduta que cria um risco juridicamente relevante, mas de modo geral

(independente do caso concreto) está permitida e, por isso, diversamente das

causas de justificação, exclui já a imputação ao tipo objetivo”259.

Insta salientar que a exclusão deve ocorrer no plano típico porque se trata

de uma ponderação feita pela sociedade e não em casos individuais, como

exigem as justificantes, mesmo porque é carente de lógica a reelaboração da

ponderação se a conduta, não obstante criadora de risco, é aceita pela

coletividade como permitida. Logicamente, a aceitação global do risco é entendida

nos casos em que as normas que regulamentam tais riscos não são

desrespeitadas.

Como visto, a conformação atual da sociedade impõe o convívio diário

com riscos globais, de modo que a própria sociedade faz uma ponderação e

elege aqueles riscos com os quais pretende conviver, apesar dos danos que

possam advir. Desta feita, o trânsito de veículos em uma cidade, o tráfego aéreo,

as intervenções médicas arriscadas, o uso da energia elétrica, o funcionamento

257 CASTALDO, Andrea Raffaele. La imputación objetiva en el delito culposo de resultado. Trad.

BONANNO, Antonio. Buenos Aires: IB de F, 2004, p. 72-76. 258 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 369. 258 Idem, p. 370. 259 Idem, p. 371: “[…] una conducta que crea un riesgo jurídicamente relevante, pero que de modo

general (independiente del caso concreto) está permitida y por ello, a diferencia de las causas de justificación, excluye ya la imputación al tipo objetivo”.

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das indústrias, dentre outros tantos riscos existentes, em que renunciar sua

existência resta impossível.

Todavia, todos os riscos de alguma forma encontram-se regulamentados.

Por exemplo, a circulação de veículos é regulamentada pelas normas a ela

atinentes, como o Código Brasileiro de Trânsito; a atuação do médico, pelas

disposições da lei e regulamentações do Conselho Federal de Medicina; o

funcionamento das indústrias tem por regulamentação inúmeras normas, algumas

dispostas em leis comuns, como o Código Civil, e outras especiais referentes,

muitas vezes, no tipo de atividade industrial desenvolvida; e assim

sucessivamente.

Desta feita, não pode persistir a tipificação de uma conduta, tampouco a

atribuição do resultado danoso que dela advenha, se todas as exigências

normativas sobre a atividade foram obedecidas. Tome-se, por exemplo, um

atropelamento que tem como resultado lesões corporais na vítima; se, neste caso,

o motorista do automóvel observou as disposições legais atinentes à atividade, as

lesões não podem ser-lhe imputadas, pois o ocorrido é parte integrante dos riscos

aceitos pela sociedade.

Exemplo apresentado por ROXIN é a hipótese de alguém que instiga a

outrem a praticar atividade desportiva perigosa, com a intenção de ver a pessoa

ferida. Ora, mesmo que o autor tencione ver realizado um resultado típico, não

pode por ele ser responsabilizado, porque no âmbito social a atividade é

plenamente aceita260.

Sem dúvida, a exclusão da imputação em atuações como as aqui

descritas se impõe, pois a sanção das mesmas implicaria em recusa à

conformação social atual, negando a existência de riscos globalmente aceitos e,

também, em considerar a possibilidade de tutelar plenamente todos os bens

jurídicos existentes, o que, como argumentado alhures, é insensato, além,

evidentemente, de impossível.

260 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid, Civitas, 2003, p. 372-373.

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2.5.2 Realização de risco não permitido no resultado

Consoante o já exposto, ROXIN trabalha com a teoria da imputação

objetiva nos tipos que exigem a efetivação de uma conseqüência, de um

resultado, motivo pelo qual se apresenta o tema como realização, ou seja, como

concretização do perigo ou do risco proibido.

Vê-se que o autor exige não só a criação do risco, mas a produção de um

resultado dele decorrente, mesmo porque, em suas considerações, o que se

imputa ao agente é justamente o resultado. Ainda é de se ver que tal resultado

deve ser contido no fim de proteção da norma.

Assim, adiante se analisam os critérios de exclusão de imputação pelo

referido autor apresentado.

2.5.2.1 A exclusão da imputação se falta a realização do perigo

Para que um resultado típico possa ser imputado ao autor de uma

conduta geradora de perigo, logo igualmente portadora de tipicidade, deve ser

reflexo do perigo criado. Ao revés, se o resultado ocorreu, mas não como

conseqüência direta do referido perigo, não pode o agente por ele ser

responsabilizado, de modo que não cabe a imputação ao tipo objetivo261.

Aqui, como exemplo, tem-se o caso em que determinado agente,

pretendendo ceifar a vida de outrem, efetua disparo de arma de fogo, acertando a

vítima, que, contudo, é socorrida e levada ao hospital, onde entra em óbito por

conseqüência de um grande incêndio ocorrido.

Observe-se que o resultado almejado pelo agente de fato se concretiza,

mas não como conseqüência do perigo por ele criado e sim por um evento no

qual sequer teve interferência. Logo, embora tenha colocado em perigo a vida da

vítima e tenha resultado em morte, não se pode imputar o resultado ao agente,

261 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid, Civitas, 2003, p. 373.

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uma vez que não corresponde ao perigo criado. Na verdade, responderá o agente

por homicídio tentado, mas nunca consumado262.

O questionamento chave para a solução do caso, na verdade é: “o

disparo efetuado pelo autor aumentou o perigo de uma morte em um incêndio de

maneira juridicamente mensurável [...]?”263

Solução diversa é aplicada se ocorrem desvios causais, casos em que a

imputação faz-se obrigatória. ROXIN, sobre o tema, expõe:

[...] são desprezíveis os desvios causais e portanto tem-se que imputar o resultado se a ação da tentativa aumentou o perigo do curso causal subseqüente de modo juridicamente relevante e portanto o resultado é uma realização adequada do perigo criado pela tentativa264.

A exemplificar tem-se a situação em que o autor, pretendendo matar seu

algoz afogado, o atira de uma imensa ponte, porém este se choca contra uma das

pilastras da ponte e sofre trauma crânio-encefálico, o que acaba por ser a causa

mortis.

O desprezo pelo desvio causal acontece em razão, primeiramente, de não

ser fortuito o resultado havido e, depois, porque a pancada ocorrida era desde o

início uma possibilidade de perigo presente, por conseguinte o resultado é

conseqüência do que foi criado pelo autor.

Todavia, nem todos os casos apresentam clareza cristalina como os

expostos, de forma que alguns podem exigir investigações mais aprofundadas,

como na situação citada por ROXIN, na qual um paciente chega ao hospital com

intoxicação medicamentosa em decorrência da imprudência do médico que lhe

prescreveu remédios que, combinados entre si, podem apresentar sérias reações

adversas, mas falece por ter contraído uma virose.

Veja-se que imprescindível se faz indagar se a morte decorreu de

debilidade física derivada da intoxicação, ou se de maneira autônoma, ou seja,

sem correlação com o enfraquecimento do organismo. Na primeira hipótese, o 262 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid, Civitas, 2003, p. 372-373. 263 Idem, p. 373-374: “[…] el disparo efectuado por el autor ha aumentado el peligro de una muerte

en un incendio de modo jurídicamente mensurable; […]” 264 Idem, p. 374: “[…] son despreciables las desviaciones causales y por tanto hay que imputar el

resultado si la acción de la tentativa ha aumentado el peligro del curso causal subsiguiente de modo jurídicamente relevante y por tanto el resultado es una realización adecuada del peligro creado por la tentativa.”

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resultado sem dúvida há de ser atribuído ao autor, já na segunda, não se

vislumbra a possibilidade de imputação.

2.5.2.2 A exclusão da imputação se falta a realização do risco não permitido

A criação de um risco não permitido decorre da superação dos limites do

risco permitido e, para que o resultado possa ser imputado ao autor, tal qual no

caso de perigo, deve ser a concretização do risco não permitido gerado pela

conduta do autor265.

ROXIN, neste ponto, apresenta três exemplos, sendo o primeiro:

O diretor de uma fábrica de pincéis fornece a seus funcionários pelos de cabra da China para a sua elaboração, sem desinfectá-los previamente como estava prescrito. Quatro trabalhadoras se infectam com bacilos de carbúnculo e morrem. Uma pesquisa posterior dá como resultado que o desinfetante prescrito teria sido inútil contra este bacilo, até então desconhecido na Europa266.

No caso acima, a obediência às prescrições, ou seja, proceder à prescrita

desinfecção, não teria préstimo algum, de modo que, embora haja no caso a

criação de um risco não permitido, o resultado não foi a realização deste, sendo

incoerente a imputação objetiva ao referido diretor. Se este houvesse agido

dolosamente, ainda assim não poderia ocorrer a imputação do resultado, pelo que

haveria de responder por tentativa267.

Outra hipótese apresentada é aquela em que o condutor de um veículo

ultrapassa a velocidade permitida, mas logo em seguida a reduz, voltando a

trafegar de acordo com as normas de trânsito, contudo acaba atropelando, logo

depois, um garotinho que se projetou de inopino à frente de seu carro, sendo que

não era possível ao motorista impedir o acidente268.

265 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 375. 266 Idem, Ibidem: “El director de una fabrica de pinceles suministra a sus trabajadoras pelos de

cabra china para su elaboración, sin desinfectarlos previamente como estaba prescrito. Cuatro trabajadoras se infectan con bacilos de carbunco y mueren. Una investigación posterior da como resultado que o desinfectante prescrito hubiera sido ineficaz contra ese bacilo, no conocido hasta ese momento en Europa.”

267 Idem, p. 376. 268 Idem, ibidem.

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ROXIN explica que da mesma forma o resultado não deve ser imputado

ao agente, no caso o motorista, porque embora trafegar em velocidade excessiva

viole as normas de tráfego rodoviário, não cria ou aumenta o risco já existente em

relação ao acidente ocorrido, pois já conduzia o motorista o automóvel dentro das

exigências normativas. Além disso, a vedação de excesso de velocidade não se

destina a impedir que se esteja, em certo lugar, em uma determinada hora269.

O terceiro exemplo apresentado refere-se a casos em que há aumento do

risco permitido e gera um resultado lesivo a bem juridicamente tutelado, mas de

forma tão distante das possibilidades práticas que deixa o resultado de apresentar

qualquer ligação com o risco proibido.

Tal hipótese está presente, conforme ROXIN, quando um condutor se

assusta com a atitude de outro que lhe ultrapassa de maneira incorreta, pelo que

sofre um infarto e falece.

A imputação aqui não pode ser aceita, porque não obstante o incremento

do risco esteja presente, este é demasiadamente frágil para que dele possa

ocorrer um resultado imputável. Demais, o fim de proteção da norma viária não

abarca danos anímicos270.

2.5.2.3 A exclusão da imputação em caso de resultados que não se encontram

cobertos pelo fim de proteção da norma de cuidado

Impende alertar que o fim de proteção da norma de cuidado, para ROXIN,

é diferente de fim de proteção do tipo penal ou alcance da norma, sendo que

aquele não inclui a concreta forma de realização do resultado, mas sim a

exigência de atenções, ações e omissões que limitam o risco dentro dos

parâmetros da tolerância social; já o alcance do tipo tem como conteúdo a

proibição de condutas e resultados271.

269 269 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena;

Miguel Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 376.

270 Idem, p. 377. 271 Idem, p. 378.

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Portanto, fala-se aqui de casos nos quais a finalidade desatendida refere-

se à extrapolação dos riscos permitidos que não se enquadram nos fins de

proteção das normas de cuidado.

Nessas hipóteses, não basta que haja desatenção ao cuidado exigido de

forma a superar os limites do risco permitido, dimanando daí resultados lesivos a

bens tutelados no plano jurídico, necessária faz-se a adição do fim visado pela

norma de proteção, ou seja, se o resultado havido era justo o que a proibição

visava evitar272.

Repete-se aqui o exemplo dos ciclistas que trafegam sem iluminação e o

mais adiantado colide com outro ciclista que vinha na mão contrária273. Se o

ciclista A e B estão trafegando no escuro, e A colide com C, B não sofre a

imputação, ainda que pudesse evitar o resultado. Por evidente a determinação da

norma de cuidado exige a iluminação a fim de evitar que o ciclista sofra

diretamente acidentes e conseqüentes lesões e não que este ao respeitar as

regras evite que outros venham a colidir ou lesionar-se.

Extrai-se do acima exposto que atuações arriscadas que gerem

resultados descritos em lei penal, só poderão ser atribuídos ao agente se tais

resultados forem o objeto de proteção da norma de cuidado.

2.5.2.4 Conduta alternativa conforme o direito e teoria do incremento do risco

A abordagem do tema mais se destina a eliminar possibilidades de

confusão e demonstrar coerência entre todos os pontos sustentados pelo autor,

do que propriamente trazer critério de análise de imputação.

Os casos, agora apresentados, apresentam certa proximidade dos já

tratados cursos causais hipotéticos, todavia possuem diferença fundamental.

272 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid, Civitas, 2003, p. 377. 273 Observe-se que ROXIN apresenta o caso de um dentista que ciente do fato que a paciente é,

possivelmente, portadora de algum tipo de problema cardíaco, atua aplicando-lhe anestesia geral. O caso não é citado em razão de que, segundo as exigências do Conselho Federal de Odontologia, o dentista teria responsabilidade pelo resultado causado, porque estaria atuando fora do permitido, primeiramente por desrespeitar as orientações oferecidas para elaboração de prontuário odontológico (artigo 4º, inciso IV do Código de Ética Odontológico), depois por exceder o âmbito de sua atuação, pois não lhe é possível causar anestesia, podendo apenas fazer uso da analgesia (artigo 20, do citado diploma). Logo, o fim de proteção da norma de cuidado abarca a situação.

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Nestes últimos, efetivamente havia uma causalidade predisposta, enquanto nos

primeiros, que constituem o objeto das presentes observações, a causalidade é

apenas criada no plano mental para efeito de comparações que possibilitem a

dedução da existência ou não de incremento do perigo274.

Atendendo à teoria do incremento do risco, ROXIN dispõe que, nesses

casos, não há qualquer motivo para que a imputação do resultado ao agente seja

excluída, pois se atuou de maneira contrária à disposta no ordenamento jurídico,

não há qualquer argumento que possa ilidir a verdade de que o agente

ultrapassou um risco socialmente consentido, logo, criou um risco proibido275.

Como exemplo, traz o autor:

O condutor de um caminhão quer ultrapassar um ciclista, porém ao fazê-lo não guarda a distância de separação lateral requerida, por aproximar-se a uns 75 cm do mesmo. Durante a ultrapassagem o ciclista, que ia violentamente bêbado, vira à esquerda por uma reação de curto-circuito provocada pelo álcool e cai sob as rodas traseiras do reboque. Comprova-se que provavelmente (variante: possivelmente) o acidente também se produziria ainda que se guardasse uma distância de separação lateral suficiente, segundo as normas de tráfego276.

Observa ROXIN que o motorista efetivamente transpôs o risco permitido e

o resultado é proveniente do perigo da ultrapassagem proibida, pelo que é

imputável ao autor da conduta ante ao evidente incremento do risco277.

Observe-se que a teoria do incremento do risco, desenvolvida pelo

professor de Munique, não aceita, em hipótese alguma, a exclusão da imputação

ao tipo objetivo pela probabilidade ou certeza auferida através da ideação mental

da evitabilidade do resultado pela atuação alternativa, conforme o direito. E isto

porque não é razoável dividir o risco em uma parte aceita e outra rechaçada, de

modo a fazer minucioso exame em cada caso de realização de perigo278.

274 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 382. 275 Idem, p. 379-380. 276 Idem, p. 379: “El conductor de un camión quiere adelantar a un ciclista, pero al hacerlo no

guarda la distancia de separación lateral requerida, por acercarse a unos 75 cm. del mismo. Durante el adelantamiento el ciclista, que iba fuertemente bebido, gira la bicicleta a la izquierda por una reacción de cortocircuito provocada por el alcohol y cae bajo las ruedas traseras del remolque. Se comprueba que probablemente (variante: posiblemente) el accidente también se habría producido aunque se hubiera guardado una distancia de separación lateral suficiente según las normas de tráfico.”

277 Idem, ibidem. 278 Idem, p. 379-380.

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JESCHECK tem opinião diversa, aceitando a exclusão da imputação,

quando verificado, no caso concreto, que muito provavelmente mesmo agindo de

forma adequada o resultado sobreviria, não exigindo a certeza, porque esta

efetivamente não se pode ter279.

Em que pese os questionamentos e críticas inferidas contra a teoria de

ROXIN, não se pode negar que a determinação no sentido de ilidir a possibilidade

da não imputação do resultado guarda perfeita consonância com todo o quadro

das exposições por ele feitas sobre risco, perigo e sua produção.

Aqui é de se observar que no direito penal pátrio em delitos culposos

adota-se posicionamento similar ao sustentado por JESCHECK, comprovado que

mesmo se tivesse um agente tomado todas as providências exigidas e ainda

assim o resultado seria inevitável, não é imputado ao autor da conduta.280

2.5.2.5 Sobre a combinação da teoria do incremento do risco e a do fim de

proteção da norma

Tal qual o item anterior, ROXIN parece apresentar o tema para a exclusão

de confusões ou desconsiderações de critérios apresentados em sua teoria da

imputação objetiva.

Para o professor de Munique, é inaceitável a substituição da teoria do

incremento do risco pelo fim de proteção da norma, como pretendem alguns

autores. O que se pode é utilizar como complementação da primeira a

segunda281.

Para excluir a imputação ao tipo objetivo há posicionamentos doutrinários,

como a citada morte do ciclista pelo desatendimento do dever de cuidado do

caminhoneiro, ao invés de se considerar o incremento do risco, leva-se em conta

o fim de proteção da norma. Para tanto, por exemplo, argumenta-se que a norma

não pretende tutelar os interesses de ciclistas alcoolizados. Mas, ROXIN rebate

279 JESCHECK, Hans-Heinrich; WEINGEND, Thomas. Tratado de derecho penal. Trad. Miguel

Olmedo Cardenete. 5 ed. renovada y ampliada. Granada: Comares, 2002, p. 309. 280 ZAFFARONI, Eugenio R; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 441. 281 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 385-386.

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afirmando que a norma dirige-se a todos e não a uma seleta classe, no caso dos

ciclistas282.

2.5.3 O alcance do tipo

Como visto, se criado um perigo, concretizado em um resultado e coberto

pelo fim de proteção da norma de cuidado, a atribuição ao tipo objetivo, em regra,

está aperfeiçoada.

Contudo, ainda resta a necessidade de verificação do fim de proteção da

norma típica, ou seja, o alcance do tipo objetivo. Em razão do tipo subjetivo ser

analisado a posteriori, independe o cabimento da análise do fato do delito ter sido

cometido em sua modalidade dolosa ou culposa283.

A referida análise é estratificada por ROXIN nos seguintes casos:

cooperação de uma autocolocação em perigo dolosa; colocação em perigo de

terceiro que anui com a exposição; e imputação do resultado a um âmbito de

responsabilidade alheio.

2.5.3.1 Situações de cooperação em uma autocolocação em perigo dolosa

Em regra se realizado um perigo ao bem jurídico, em razão de risco não

permitido, a imputação ao tipo deve ser feita. Todavia, existem possibilidades em

que o resultado não é abrangido pelo tipo, de modo que a atribuição não deve ser

feita.

É justamente o que ocorre nos casos em que a vítima cria risco para si

própria, de modo que não deve ser realizada a imputação ao tipo quando a vítima

voluntariamente, ou seja, sem coação, mas apenas por instigação de outrem, por

exemplo, consciente do perigo, da inadequação da conduta, coloca-se em perigo

dos quais lhe resultam danos.

282 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 386. 283 Idem, ibidem.

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Neste ponto, ROXIN apresenta um sem número de casos, mas nem todos

podem servir ao direito penal brasileiro, pois conta com tipificação de condutas

inexistentes no direito alemão, como no caso de instigação, auxílio ou

induzimento ao suicídio (artigo 122, Código Penal).

Outro ponto de discordância que pode ser encontrado, reside no fato de

que consoante o artigo 13, parágrafo 2º, alínea c, do Código Penal pátrio, tem a

posição de garante aquele que cria o perigo para outrem e se omite no socorro.

Todavia, a fim de aclarar a questão é de se trabalhar alguns dos

exemplos apresentados pelo doutrinador alemão.

O primeiro a ser abordado trata-se do traficante de heroína que entrega

ao consumidor uma porção da droga para uso, entretanto, após a injeção da

substância entorpecente, o mesmo vem a óbito por overdose284.

Nesse caso, embora ambos tivessem ciência dos riscos que o uso da

droga gera, o traficante não pode ser responsabilizado pela morte do usuário, pois

o tipo relativo ao tráfico não pretende alcançar as autolesões causadas pelos

consumidores, mas sim inibir a comercialização, dentre outras condutas, de

substâncias entorpecentes que causem dependência física ou psicológica (artigo

33, da Lei nº 11.343 de 2006). Portanto, mesmo tendo criado o perigo socialmente

repudiado ao facilitar e possibilitar a autolesão do consumidor, o qual resultou na

morte deste, ao traficante não pode ser imputado o resultado285.

Observe-se, ainda, como bem salienta BUSATO, que no plano subjetivo

do tipo de tráfico ou mesmo de homicídio, não encontraria guarida da mesma

maneira a imputação286.

Igual tratamento merece o caso de médico que ministra medicamento

capaz de gerar a morte se usado em dose excessiva a paciente em processo de

recuperação de dependência química. Mesmo porque a finalidade e tarefa de

tratamentos médicos residem na cura do paciente e não na proteção de

autolesões. Ademais, se aos médicos se pudesse responsabilizar o uso

284 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 389. 285 Idem, Ibidem. 286 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Júris.

2008,

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desmedido de medicamentos receitados a seus pacientes, estariam os

profissionais sempre em risco de processos e punições287.

Dessume-se do acima exposto que se a vítima que se coloca em perigo

voluntariamente tem plena capacidade de avaliar os riscos e optar por

desenvolver ou não a conduta arriscada, aquele que colabora de algum modo

para que tal ação ou omissão aconteça não deve responder pelos resultados daí

advindos, justo porque os tipos de lesões corporais, de homicídio e outros, não

alcançam os resultados assim havidos.

2.5.3.2 A colocação em perigo de um terceiro aceita por este

ROXIN, desde o ponto inicial da exposição, evidencia que ainda são

casos um tanto obscuros, apresentando pouca distinção do anteriormente

estudado288. Contudo, há uma diferença sobremaneira importante: no caso

anterior, a vítima se autocoloca em risco e tem domínio da situação, pois com

suas próprias forças pode interferir no curso causal e vencer o risco, nos casos

correlatos ao presente tema a vítima não conduz o rumo do evento, ao contrário,

deixa-se por em perigo, mas nas mãos de terceiro que conduz a situação.

Traz três exemplos de casos, in verbis:

Um passageiro quer que um barqueiro o leve pelo rio Memel (Niemen) durante uma tempestade. O barqueiro o desaconselha, mencionando os perigos, porém o cliente insiste em seu desejo, o barqueiro empreende o arriscado intento, o bote vira e o passageiro se afoga289. O acompanhante determina ao condutor que vá em velocidade excessiva e proibida porque quer chegar a tempo em uma cidade. A conseqüência da excessiva velocidade se produz em um acidente do qual resulta morto o acompanhante290. Um motorista que já não estava em condições de dirigir pelo consumo de álcool admite que lhe acompanhe em seu carro outro dos

287 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid, Civitas, 2003, p. 390. 288 Idem, p. 393. 289 Idem, Ibidem: “Un pasajero quiere que un barquero le lleve por el río Memel (Nieven) durante

una tempestad. El barquero lo desaconseja, aludiendo a los peligros, pero el cliente insiste en su deseo, el barquero emprende el arriesgado intento, el bote vuelca y el pasajero se ahoga.”

290 Idem, p. 394: “El acompañante conmina al conductor a que vaya a velocidad excesiva y prohibida porque quiere llegar a tiempo a una cita. A consecuencia de la excesiva velocidad se produce un accidente, en el que resulta muerto el acompañante.”

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participantes da festa em razão de pedido expresso deste. O acompanhante resulta morto em um acidente causado pelo estado alcoólico do condutor291.

O autor refuta as posições doutrinárias e jurisprudenciais adotadas nos

casos, por considerá-las insuficientes e frágeis, seja por deixar ao arbítrio do

magistrado292, seja por resultar na equiparação entre a autocolocação em perigo

com cooperação de terceiro, em que a condução do fato, como já ressaltado, é

diversa293, ou ainda, por trabalhar o tema sopesando a finalidade com a qual a

vítima anui com a situação arriscada294.

Assim, oferece como solução três critérios a serem aplicados para

trabalhar o caso na imputação objetiva que devem ser analisados para que se

determine se o resultado está abarcado pelo fim de proteção do tipo. O primeiro

refere-se ao fato do dano ser obrigatoriamente conseqüência exclusiva dos riscos

corridos, não cabendo quaisquer fatores adicionais. Além disso, a

responsabilidade pela atuação comum deve ser igual para o que se deixa por em

perigo e para o autor. Por fim, como terceiro requisito, tem-se que tal qual na

responsabilidade repartida, a consciência do risco deve ser idêntica para os dois,

vítima e terceiro295. Logo, se presentes os citados requisitos, a vítima terá

assumido o risco e o resultado não deverá ser imputado ao terceiro.

Em contrapartida, afirma o autor com absoluta razão, que em situações

nas quais, por exemplo, o condutor conduz a vítima a que está em dúvida pelos

perigos que lhe são evidentes, o resultado deve lhe ser imputado296.

2.5.3.3 A imputação do resultado ao âmbito de responsabilidade alheia

O último dos grupos de casos tratados na esfera do alcance do tipo

concerne aos casos nos quais o dever de evitar o resultado encontra-se na esfera 291 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid, Civitas, 2003, p. 394: “Un automovilista que ya no estaba en condiciones de conducir por el consumo de alcohol admite que le acompañe en su coche otro de los asistentes a la fiesta a petición expresa de esté. El acompañante resulta muerto en un accidente causado por el estado alcohólico del conductor.”

292 Idem, p. 395. 293 Idem, p. 397. 294 Idem, Ibidem. 295 Idem, p. 395. 296 Idem, Ibidem.

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de responsabilidade de outrem, de modo que a imputação da conseqüência não

pode ser efetuada297.

É o que ocorre, conforme exemplifica ROXIN, em casos em que a vítima

de lesões que lhe foram feitas por outrem é levada ao hospital e lá morre, em

razão de um erro médico cometido durante a cirurgia298, ou quando um motorista

é parado por policial rodoviário, porque está guiando sem as luzes traseiras,

sendo por isto impedido de seguir viagem, deixando, então, o caminhão no local

determinado pelo agente público, o qual não providencia as necessárias

sinalizações de indicação do veículo na pista, ocorrendo uma colisão da qual

resulta uma vítima fatal299.

Nessas situações, não é alcançada pelo fim do tipo a imputação ao

causador das lesões ou ao motorista o resultado advindo de condutas que não

estão sob sua esfera de competência, de modo que, sob a orientação dos

princípios de política criminal, seria inadequado imputar ao “primeiro causante” 300

o resultado havido em decorrência de conduta ativa ou omissiva de profissional

com atribuição e obrigação de afastar o perigo que não o faz.

2.6 OS CRTÉRIOS DE IMPUTAÇÃO OBJETIVA DE GÜNTHER JAKOBS

Conforme exposto, JAKOBS parte de pressupostos diversos de ROXIN, a

começar da finalidade do direito penal que, para ele, consiste em assegurar as

expectativas, ou ao menos restabelecer as expectativas contidas nas normas,

baseando-se na prevenção geral positiva em seu funcionalismo, de modo que a

teoria do delito transforma-se em teoria da imputação301.

As referências ontológicas são definitivamente desprezadas, mesmo

porque se a finalidade do direito penal tem por escopo manter a sua integridade

297 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid, Civitas, 2003, p. 398. 298 Idem, p. 401. 299 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel

Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid, Civitas, 2003, p. 398. 300 Idem, p. 398-399. 301 GRECO, Luis. Introdução à dogmática funcionalista do delito. Em comemoração aos trinta anos

de “Política Criminal e sistema jurídico-penal” de Roxin. In Revista Jurídica. vol. 272. Porto Alegre: Revista Jurídica, 2000, p. 48.

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no sistema, o bem jurídico perde seu destaque e junto com isso o resultado

naturalístico, elevando a relevância do resultado jurídico havido no delito.

Desta feita, ao contrário de ROXIN, os critérios de imputação objetiva

apresentados por JAKOBS são aplicados a todas as espécies de crime, materiais,

formais e de mera conduta, uma vez que no plano jurídico todos possuem um

resultado302, gerando a desestabilização da norma, porque produzem a

perturbação que ela visa obliterar, já que a pretensão da norma é a estabilização

de expectativas correlatas a determinados comportamentos e não a proteção de

um rol de bens303.

Assim, com a tarefa de delimitar os casos de imputação, JAKOBS

apresenta critérios orientados pelos objetos e finalidades acima expostos. Para

tanto, faz uma divisão da análise da imputação em dois âmbitos, sendo o primeiro

correlato à identificação e à delimitação de condutas permitidas e não permitidas,

em que se deve analisar se o papel que foi desempenhado pelo agente o foi de

maneira fiel ao direito ou não, cabendo, neste ponto, o estudo do risco permitido,

do princípio da confiança, da proibição de regresso e das ações da vítima; e o

segundo no qual se observa se o resultado havido é a realização do risco proibido

criado pela conduta praticada304.

Feitos os delineamentos iniciais, passa-se à análise detida dos critérios

de imputação apresentados pelo autor.

2.6.1 O risco permitido: conceito, fundamentos e localização sistemática

Para JAKOBS, o risco permitido, apesar de soar como um conceito formal

que dispensa a extração dos motivos da permissibilidade, em sua teoria não pode

assim ser conceituado, merecendo destaque que em seu trabalho este risco é

aquele inerente à configuração da sociedade, tratando-se de um instituto correlato

a um contexto de interação social305.

302 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed.

corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 205-206.

303 Idem, p. 244. 304 JAKOBS, Günther. La imputación objetiva en derecho penal. Trad. Manuel Cancio Meliá.

Colección de estudios. Bogota: Universidad Externado de Colombia, 1998, p. 103-104. 305 Idem, p. 46-47.

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Fundamenta a idéia no fato de que a norma penal seleciona condutas

com o fito de viabilizar o convívio social, o qual depende de expectativas a serem

asseguradas, devendo garantir de maneira eficaz as mesmas. Tal fundamento

radica no fato de que necessário se faz que a sociedade em sua conformação

atual tolere algumas lesões, alguns riscos, a não ser que se pretenda sua

extinção, de modo que exonera os seus componentes de algumas conseqüências

de suas ações e oferta maior dimensão de liberdade de ação, desde que esta

seja exercida corretamente pelo seu autor306. Aqui fica evidente a obrigação dos

cidadãos de cumprirem seus papéis dentro das expectativas sociais.

Saliente-se que o autor traz como diferenciação do estado de

necessidade, que na Alemanha utiliza-se, diferentemente do Brasil, da teoria

diferenciadora, o fato de que a ponderação dos bens, interesses e necessidades

aqui não pode ser feita com lastro em normas técnicas padronizadas, pois estas

não valoram, apenas oferecem padrões usuais. Pelo que se tem em conta,

conjuntamente com riscos permitidos em decorrência das ponderações, aqueles

havidos por legitimação histórica, como no caso do tráfego viário, que torna

determinados perigos socialmente adequados307.

Insta assinalar que o risco permitido que exclui a imputação,

conseqüentemente o tipo, difere do risco avaliado na excludente de

antijuridicidade, porque a imputação ao tipo exige violação do dever de

cumprimento das expectativas sociais, de modo que ainda que se ausente esta

defraudação, sequer há motivo para a análise da antijuridicidade. Já o risco

avaliado no estado de necessidade justificante refere-se ao contexto da ação que

a justifica, dada a especial relação de finalidade encontrada na ação308.

Cabe lembrar, como já explicitado na visão de JAKOBS, que ao direito

penal não cabe a proteção seletiva de bens jurídicos, mas a estabilização das

expectativas sociais, por conseguinte, também, das condutas e papéis dos

cidadãos que vivem coletivamente.

Em síntese, o risco permitido, na concepção de JAKOBS, é lastreado na

não violação das normas, em homenagem à finalidade de estabilização de

306 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed.

corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 243.

307 Idem, p. 243-244. 308 Idem, p. 246.

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sistemas, dada a influência dos conceitos oferecidos por LUHMANN em sua

teoria sistêmica. Observe-se que tal influência fica devidamente evidenciada

quando o autor discorre sobre a necessidade da estabilidade da norma309, o

caráter público do conflito310 e o significado da pena311.

2.6.1.1 Outras observações sobre o risco permitido

Conforme preleciona o autor, valorar o qua já não se configura como risco

permitido in concreto é tarefa difícil, uma vez que as normas que proíbem a

produção de perigos aduzem a um perigo geral, não possuindo uma proibição

geral, não contendo em si uma fração de proibição e outra de permissão, pois

esta oscila de acordo com o âmbito e as circunstâncias concomitantes no caso

concreto312. JAKOBS então, apresenta como solução a assertiva de que o risco

contido no contato social é permitido. O que daí não constar deve ser considerado

como proibido313.

Todavia, impende gizar que a proibição de um comportamento em si não

se destina a evitar todas as conseqüências que de sua transgressão venham a

acontecer, pois, além disso, há de existir correlação entre a conseqüência havida

e a finalidade da norma violada314.

Além disso, JAKOBS manifesta-se sobre a base de julgamento no caso

concreto não partir em absoluto de conhecimentos específicos do agente, mas de

um plano objetivo315, devendo ser observado o papel do agente naquele

momento, pois se a atuação exigida naquele âmbito é a profissional, como em

uma usina nuclear o papel socialmente adequado só pode ser desenvolvido por

um expert, já na vida cotidiana, em relações que não envolvem profissionalismos,

especialidades, os critérios que regem a matéria atinente ao risco permitido são

309 JAKOBS, Günther. La imputación objetiva en derecho penal. Trad. Manuel Cancio Meliá.

Colección de estudios. Bogota: Universidad Externado de Colombia, 1998, p. 9-11. 310 Idem, p. 12. 311 Idem, p. 12-14. 312 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed.

corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 248-250.

313 Idem, p. 248. 314 Idem, p. 248-249. 315 Idem, p. 250.

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mais flexíveis. Ou seja, define-se se o agente está ou não na esfera do risco

permitido ou vedado de acordo com o papel que desempenha no cenário onde

atua316.

Quanto aos conhecimentos pessoais do autor, ainda que seja detentor de

saberes especiais, isto só é tomado em conta para JAKOBS se o saber for

correlato ao papel que desempenha naquele momento. Mas isso implicaria em

subjetivismo e romperia com a objetividade da imputação317.

2.6.2 O princípio da confiança e a exclusão da imputação objetiva

O princípio da confiança é imprescindível para que seja possível viver em

uma sociedade, pois, embora se tenha ciência que erros podem ocorrer nas

condutas alheias, há uma autorização para que haja confiança de que tal qual se

age dentro das expectativas os demais igualmente o façam318.

JAKOBS adverte que o dito princípio não só é um pressuposto elementar

do risco permitido, como também um critério de exclusão do regresso. Assim, o

fundamento da confiança acaba por delimitar o quadro de responsabilidade

própria ou alheia sobre um evento danoso 319.

Por certo, o princípio da confiança não faz com que as responsabilidades

próprias sejam excluídas em razão de comportamentos inadequados de outrem,

todavia impede que os erros do outro sejam imputados àquele que age

corretamente no cenário do evento, mesmo porque, como bem expõe o autor,

uma concepção diversa implicaria na impossibilidade de realização de trabalhos

em equipe, em que há divisão de tarefas320.

Em trabalhos coletivos, nos quais as tarefas são divididas, a inexistência

do princípio da confiança faria com que nada funcionasse, porque ao zelar pelo

cumprimento das tarefas alheias o agente deixaria de efetuar com qualidade seus

afazeres, e isto pelo receio de que lhe fosse imputada conduta que não lhe 316 JAKOBS, Günther. La imputación objetiva en derecho penal. Trad. Manuel Cancio Meliá.

Colección de estudios. Bogota: Universidad Externado de Colombia, 1998, p. 62-63. 317 Idem, p. 65-70. 318 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed.

corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 253.

319 Idem, p. 253-254. 320 Idem, p. 254-255.

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pertence. Do mesmo modo, em atividades coletivas, o condutor de um veículo,

por exemplo, ao ter que prestar atenção nos comportamentos alheios seria

relapso com seus cuidados, de modo que acabaria por violar as normas. Por isso,

imprescindível é que cada um confie na atuação dos outros, de modo a centrar

sua capacidade no desenvolvimento de seu papel, de sua tarefa321.

Por certo, o princípio da confiança não pode ter aceitação absoluta em

todas as situações, sendo incabível nos casos em que é visível ao agente a

incapacidade da pessoa que está a desempenhar uma função, por exemplo, uma

criança que cuida de um idoso. Igualmente não se pode manter a eficácia do

princípio da confiança nas situações em que uma garantia singular seria

insatisfatória, como ocorre em algumas situações no trânsito que exige atuação

defensiva para que se dê a correção do erro alheio322.

Como se pode dessumir do acima comentado, ao desempenhar suas

tarefas em sociedade todos são garantes em relação aos papéis que

desempenham, verbi gratia, todo motorista é garante no trânsito de uma cidade,

pois deve atender ao papel que lhe cabe, consistente em agir de acordo com as

normas regulamentadoras da atividade, do mesmo modo médicos que atuam em

equipe, pois cada um terá um papel, e assim sucessivamente em todas as

realizações dentro da coletividade323.

2.6.3 A proibição de regresso e a conseqüente exclusão da imputação

Neste ponto, pretende JAKOBS impedir a tão criticada possibilidade de

regresso ao infinito existente na teoria da equivalência das condições. Para tanto,

mais uma vez, fundamenta as exclusões de imputação nos papéis dos

componentes da sociedade. Ou seja, não há imputação nos casos em que a

321 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed.

corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 225.

322 Idem, Ibidem. 323 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed.

corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 256-257. Veja-se que tal conclusão é corroborada por BUSATO ao final de sua exposição sobre o tema. BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 112.

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pessoa atua de acordo com o papel que lhe cabe na relação social, mas ainda

assim contribui para a realização de um crime324.

Assim, caso o agente tenha atuado de acordo com seu papel no contexto

em que adveio uma conduta delituosa de terceiro, mesmo que tenha colaborado

eventualmente, a responsabilidade deste deve ser excluída325, a não ser que o

agente da conduta precedente reveste-se da posição de garante em relação ao

bem afetado e, ainda, que a lesão ou exposição a perigo esteja dentro da esfera

de proteção que este deveria assegurar326. Observe-se que a imputação ao

agente que ocupa a posição de garante deve-se ao fato de que ele não é eximido

de sua responsabilidade.

JAKOBS traz como exemplo de necessária proibição de regresso, em

razão da conduta do agente ser socialmente adequada, o caso do frentista que

abastece veículos variados e não poder ser responsabilizado pela idoneidade da

circulação dos veículos.327

FERRANTE oferece exemplo bastante elucidativo sobre a exclusão da

imputação ao autor de uma conduta estereotipada como socialmente adequada, o

qual consiste na hipótese do padeiro que vende pão a um homicida que,

posteriormente, injeta veneno com a finalidade de servir à vitima, não cabendo

sua responsabilização (do padeiro) a não ser que tenha agido previamente como

partícipe confeccionando pão diverso dos habitualmente comercializados

justamente com a finalidade de que nele se possa ocultar veneno328.

Como se pode concluir, JAKOBS pretende a exclusão, ainda que se

possa tratar de co-autoria, no plano objetivo, contestando a assertiva que se

trataria de um problema de dolo, porque para ele a “realização do tipo se define

[...] como conseqüência da vontade daquele que leva a cabo o desvio e deste

modo fica distanciada do agente anterior”329.

324 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2008, p. 113. 325 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed.

corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 258-267.

326 Idem, p. 264-265. 327 Idem, p. 254. 328 CANCIO MELIÁ, Manoel; FERRANTE, Marcelo; SANCINETTI, Marcelo A. Teoría de la

imputación objetiva. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 1998, p. 92. 329 JAKOBS, Günther. Op. cit., p. 260: “La realización del tipo se define […] como consecuencia de

la voluntad del que lleva a cabo la desviación y de este modo queda distanciada del agente anterior.”

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JAKOBS conclui o tema com uma síntese de todo o exposto, a qual se faz

oportuno transcrever, a fim de que reste indene de dúvidas a exposição ora

realizada:

Há ações que conduzem a um resultado típico sem que o agente mediante estas ações tenha configurado o seu âmbito de organização sem consideração a outras pessoas. Em tais ações, a responsabilidade por um delito de resultado mediante comissão só está fundada quando o agente, independentemente de sua ação atual, é garantidor, ou seja, quando está obrigado, por causa de outra ação prévia (ingerências) ou por causa de seus deveres da vida de relação, a especiais limitações de ação, ou ainda quando por causa de seus deveres institucionais de solidariedade, está obrigado a sacrificar sua liberdade de ação330.

Nos delitos omissivos impróprios, da mesma maneira que nos crimes

comissivos, a imputação depende da posição de garante do agente, caso

contrário o comportamento restará impune331.

Por fim, nos casos de delitos de infração de dever, o agente possui de

forma especial relação com o bem tutelado como, por exemplo, pais e filhos, de

maneira que tem responsabilidade em razão da vinculação de cuidado especial,

solidário e institucional, de modo que, independentemente de eventual dano, o

agente tem por obrigação não só deixar de causar danos ao referido bem, como

também evitar que sofra avarias de qualquer ordem. Desse modo, a imputação

dá-se instantaneamente em caso de descumprimento do referido dever332.

2.6.4 Consentimento do ofendido e exclusão da imputação objetiva

JAKOBS, não obstante tenha por finalidade do direito penal a manutenção

do sistema, nesse ponto considera os bens jurídicos e sua disposição pela vítima,

330 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed.

corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 265: “Hay acciones que conducen a un resultado típico sin que el agente mediante estas acciones haya configurado su ámbito de organización sin consideración a otras personas. En tales acciones, la responsabilidad por un delito de resultado mediante comisión sólo está fundada cuando el agente, con independencia de su acción actual, es garante, es decir, cuando está obligado, a causa de otra acción previa (injerencia) o a causa de sus deberes de la vida de relación, a especiales limitaciones de acción, o bien cuando, a causa de sus deberes institucionales de solidariedad, está obligado a sacrificar su libertad de acción.”

331 Idem, p. 265-266. 332 Idem, p. 266-267.

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motivo pelo qual afirma que o consentimento desta exclui a imputação ao tipo,

dado que a responsabilidade pelo resultado a ela se transfere333.

JAKOBS, como destaca BUSATO, oferece dois critérios, sendo o primeiro

correlato aos casos em que terceiro age com o consentimento do ofendido, e o

segundo referente aos casos em que o comportamento da própria vítima a expõe

a riscos que correm por sua própria conta334.

Os primeiros são os casos de acordo final, nos quais a responsabilidade

será do autor da conduta apenas se este houver induzido a vítima a erro, como,

por exemplo, no caso daquele que faz a vítima crer que a destruição de um

determinado bem é necessária, entretanto não o era; ou quando o agente foi o

causador da situação perigosa que inspira o consentimento da vítima na violação

do bem jurídico, verbi gratia, quando o autor causa um incêndio de modo que por

necessidade um bem deve ser destruído, no que anui o ofendido335.

Todavia, em hipótese na qual a conduta acontece meramente por

sugestão, ou mesmo ordem da vítima, não deve ser imputada ao agente,

tampouco seus resultados. Aqui cabe o exemplo apresentado pelo autor: um

“louco furioso persegue a vítima, a qual pede a terceiro que lhe facilite a fuga

destruindo uma porta”336.

Ao tratar dos casos de acordo não final, JAKOBS apresenta as hipóteses

em que a vítima não pretende as conseqüências da conduta, todavia, como

deseja o contato social que traz a conduta, não pode atribuir ao autor as

conseqüências, como no caso daquele que participa de um esporte radical, como

o boxe337, pois não pretende sair da prática esportiva com lesões corporais,

embora tal conseqüência é ínsita à referida prática esportiva, ou seja, a vítima age

a seu próprio risco.

Também, nesse ponto, observa JAKOBS casos em que pretende a

exclusão do tipo e não a presença de uma justificante supralegal, pois não cabe a

tipicidade em condutas deste modo desenvolvidas, uma vez que não há qualquer

decepção do agente em relação às expectativas da vítima, como ocorre nos 333 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed.

corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 289.

334 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 116.

335 JAKOBS, Günther. Op. cit., p. 290. 336 Idem, ibidem. 337 Idem, p. 292.

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casos de corte de cabelos338. Ora, não pode alegar a pessoa que se dirige a um

salão para raspar os cabelos ou cortá-los que sofreu uma lesão corporal, pois o

resultado era justamente o que pretendia.

Por fim, vale salientar que o posicionamento das hipóteses de

consentimento da vítima no plano típico é justificado por JAKOBS no fato de que,

nesses casos, não há decepção das expectativas do ofendido, de forma que lhe

cabe suportar as conseqüências de seu assentimento.

2.6.5 Realização dos riscos em caso de concorrência de riscos

Consoante as lições de JAKOBS, um dano tem, em regra, uma

complexidade de causas, porém enumerá-las de nada adianta, ao contrário,

apenas faz com que se tenha conexões amplamente facetadas do todo, o que

nada esclarece no que tange aos dados importantes para o direito penal339.

A concorrência de riscos, a qual se dá em situações em que o autor de

um comportamento defeituoso afeta uma situação já ameaçada por um risco,

inspira justamente a análise do conjunto de causas que antecedem o evento, de

modo a se determinar a quem cabe a responsabilidade por este340.

JAKOBS assim comenta sobre a determinação da origem dos danos:

[...] os danos que de modo planificado são evitáveis e que aparecem como conseqüência de um comportamento não permitido são devido a esse comportamento não permitido e podem, portanto,ser explicados por meio deste. Os danos que não são evitáveis de modo planificado e que aparecem como conseqüência de um comportamento não permitido devem-se a uma variação socialmente irrelevante do risco que traz a vida e não podem ser explicados por meio desse comportamento não permitido; podem dever-se a outro comportamento não permitido, ou a uma infração de deveres da vítima ou, finalmente, simplesmente a uma situação desafortunada341.

338 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed.

corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 294.

339Idem, p. 269. 340 Idem, Ibidem. 341 JAKOBS, Günther. La imputación objetiva en derecho penal. Trad. Manuel Cancio Meliá.

Colección de estudios. Bogota, Universidad Externado de Colombia, 1998, p. 62-63. 341 Idem, p. 116: “[…] los daños evitables de modo planificado que aparecen como consecuencia

de un comportamiento no permitido, se deben e ese comportamiento y pueden, por tanto, ser explicados de modo planificado como consecuencia de un comportamiento no permitido, se deben a una variación socialmente irrelevante del riesgo vital y no pueden ser explicados a

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Todavia, é de se destacar que o julgamento, justamente pela pluralidade

de possibilidades acima apresentada, deve ser efetuado em situações concretas,

uma vez que o direito não trabalha com hipóteses, mas com questões reais, logo,

com causalidades concretas. Em outros termos, a análise de cursos causais

hipotéticos ou riscos substitutivos é inútil e descabida, porque a realização do

risco deve guardar perfeita correlação com o resultado342.

JAKOBS destaca as hipóteses de danos derivados, os quais se

caracterizam por uma lesão que “coloca a vítima em uma situação em que se

produz um ulterior dano causado por um comportamento próprio ou alheio”343.

Também, pode-se tratar de dano secundário, segundo o doutrinador, os

casos em que há troca da vítima, como na hipótese de um condutor um tanto

relapso que acaba colidindo com os restos de acidente anteriormente ocorrido no

local pelo qual trafega344.

Assim, em casos de danos derivados, o primeiro autor, ou seja, aquele

que causa a primeira lesão, só será responsabilizado se o segundo agente atuou

como seu instrumento, verbi gratia, o caso de um médico que não pode prescindir

da utilização de um determinado procedimento anestésico em uma cirurgia de

emergência, que se faz necessária por conta da lesão causada pelo primeiro

autor, pois o procedimento utilizado foi, de certa forma, imposto pelo agente

anterior345.

Entretanto, aquele que atua após a lesão causada e dolosa ou cegamente

atua de maneira que resulta dano secundário para a vítima, o primeiro agente não

pode por este responder, mesmo porque o agente posterior rompeu com as

obrigações que seu papel lhe impõe. Todavia, é de se observar que o primeiro

agente deve responder pelos atos por ele praticados346.

través de ese comportamiento no permitido; pueden deberse a otro comportamiento no permitido o a una infracción de los deberes de autoprotección de la víctima o, finalmente, simplemente a una situación desafortunada.”

342 JAKOBS, Günther. Derecho penal. Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. 2 ed. corrig. Trad. Joaquin Cuello Contreras; Jose Luiz Serrano Gonzales de Murillo. Madrid, Marcial Pons, 1997, p. 271-272.

343 JAKOBS, Günther. La imputación objetiva en derecho penal. Trad. Manuel Cancio Meliá. Colección de estudios. Bogota: Universidad Externado de Colombia, 1998, p. 116: “Se trata de que a víctima es colocada por una lesión, en una situación en la que a causa de un comportamiento posterior ajeno o propio, se produce un ulterior daño.”

344 Idem, p. 117. 345 Idem, Ibidem. 346 Idem, p. 118-119.

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Trata igualmente de casos em que não se realizam os necessários

procedimentos de segurança, pelo que sobrevém um dano à vítima. Neste ponto,

utiliza-se do mesmo exemplo de ROXIN: um dentista ministra anestesia geral ao

paciente sem antes exigir que ele procure um médico clínico geral, apto a

averiguar a recomendação ou a contrariedade ao uso do procedimento

anestésico. No caso, se verificado que o procedimento seria de absoluta

inutilidade, porque não evitaria de qualquer forma o resultado, o agente (dentista)

não pode ser responsabilizado pelo óbito do paciente, todavia se constatado que

o procedimento evitaria o resultado, por evidente ao agente é imputado o

resultado, porque as garantias normativas não podem ser anuladas

contrafaticamente347.

Quanto à teoria do incremento do risco, acima explanada, JAKOBS

posiciona-se de maneira absolutamente contrária, pois em sua visão tal teoria

transforma delitos imprudentes em delitos de perigo com resultado como condição

objetiva de punibilidade, devendo prevalecer a aplicação do princípio in dúbio pro

reo348.

347JAKOBS, Günther. La imputación objetiva en derecho penal. Trad. Manuel Cancio Meliá.

Colección de estudios. Bogota: Universidad Externado de Colombia, 1998, p. 119-121. 348 Idem, p. 125-126.

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3 A UTILIZAÇÃO DE CRITÉRIOS DAS TEORIAS DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA COMO NOVO INSTRUMENTAL PARA AS SENTENÇAS DE MÉRITO

De fácil percepção ante o tratado até o momento que a aplicação da

conditio sine qua non como norte para a determinação não só do nexo causal,

mas também da imputação do resultado, não mais atende às necessidades do

direito, de forma que necessária se faz a adoção de critérios que transcendam o

ontologicismo e agreguem ao julgamento do caso critérios axiológicos não

expressos na legislação.

Assim, adiante se pretende demonstrar não só que tal aceitação é

imperativa, mas também, que é possível a aplicação concomitante da teoria

prescrita no artigo 13 do Código Penal Brasileiro e dos critérios axiológicos no

momento da imputação do delito ao autor da ação geradora de um resultado, em

princípio delituosa, o que deve se dar por ocasião da prolação da sentença.

Para tanto, far-se-á a análise de algumas questões pertinentes à

legislação nacional, às vertentes dogmáticas que negam a admissão ou

possibilitam a adoção dos princípios de imputação apresentados pela teoria da

imputação objetiva, para ao final oferecer alternativas que viabilizam a utilização

de alguns critérios da teoria da imputação objetiva de ROXIN.

3.1 A IMPUTAÇÃO DO RESULTADO NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

Inicialmente cabe destacar a prescrição legislativa encontrada no Código

Penal pátrio, in verbis:

Art. 13: O resultado de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se como causa a ação ou omissão sem a qual o crime não teria ocorrido. §1º A superveniência de causa relativamente independente excluía a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou. §2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia a podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei a obrigação de cuidado, proteção e vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

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c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado349.

Consoante se depreende do caput do artigo acima colacionado, a teoria

adotada para a determinação sobre o nexo causal nos crimes de resultado é a

conditio sine qua non350.

Não obstante acerca da citada teoria já se tenha exposto exaustivamente,

oportuno se faz realizar uma breve revisão a fim de adequadamente trabalhar o

contido na legislação ora estudada.

É de recordar que para a conditio sine qua non todo fator que colabora de

alguma maneira para a produção do resultado é causa do mesmo. Assim, causa é

“a soma de todas as condições, consideradas no seu conjunto, produtoras de um

resultado”351.

O mecanismo para se chegar à afirmação de que uma determinada

conduta foi causa do resultado analisado, consiste em utiliza-se o processo

hipotético de eliminação mental. Lembrando que se com a supressão mental da

conduta igualmente é suprimido o resultado, ou seja, este desaparece, a ação ou

omissão deve ser considerada causa do evento, mas se ao contrário, após o

manejo do processo hipotético o resultado subsiste, a conduta não pode ser

considerada como motivo deste, o que impede “o reconhecimento de um vínculo

causal normativo”352 e, portanto, a imputação do resultado ao autor da conduta.

Todavia, dada a já criticada amplitude da teoria, existem delimitações

aplicadas a esta, em especial a análise do tipo subjetivo, além das causas

absolutamente independentes e, também, a hipótese das relativamente

independentes supervenientes que isoladamente tiverem dado causa ao

resultado.

No que tange à delimitação obtida pela análise do tipo subjetivo, como já

dito, restringe a aplicação da teoria da equivalência pela prevalência da presença

do elemento subjetivo do tipo (dolo), no caso dos crimes dolosos e na ocorrência

de delitos culposos da existência dos elementos normativos da culpa. Desta feita,

349 BRASIL. Código Penal. 350 BITENCOURT, Cezar Roberto; MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. 2 ed., São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 81. 351 Idem, p. 83. 352 Idem, p. 84.

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apenas quando presente um ou outro requisito é que se pode afirmar que a ação

do agente deu causa ao resultado criminoso e a ele pode ser imputado.

Quanto às causas absolutamente independentes da conduta do agente,

tem-se que estas produzem o resultado de forma autônoma. Ou seja, estas,

sejam preexistentes, concomitantes ou supervenientes, sozinhas, sem qualquer

interferência da conduta principal, geram o evento. Logo, verificada a presença de

causa, ou como preferem alguns autores, concausa absolutamente independente,

o resultado não deverá ser imputado ao autor da ação em razão da ausência de

liame entre sua conduta e o resultado havido, respondendo este pela conduta

praticada353.

Referente às causas relativamente independentes, estas consistem em

condições que de algum modo colaboram com a conduta do autor, ou seja,

somam-se a ela e conjuntamente produzem o resultado. Tal qual ocorre nas

causas que apresentam absoluta independência da conduta do autor, estas

podem ser preexistentes, concomitantes ou supervenientes.

No caso das preexistentes e concomitantes, ao autor sempre será

imputado o resultado, pois este decorre da junção das forças da atuação do

agente com a concausa.

Observe-se que se supervenientes as causas relativamente

independentes em determinadas condições caracterizam mais um limite à teoria

da equivalência. Isto se manifesta quando o fato pode ser adequado ao disposto

no parágrafo primeiro, do artigo 13 do Código Penal.

No referido parágrafo do dispositivo ora estudado, consoante GOMES,

que tem a opinião corroborada por PRADO354, é retratada uma regra de

imputação objetiva355, porque embora haja nexo causal, o resultado havido não é

imputado ao autor, vez que não foi este dimanado do risco criado pelo agente,

mas de um incremento de risco proveniente de outra ocorrência. Contudo, na

visão de FRAGOSO o Código Penal neste ponto abandona a teoria da

353 GOMES, Luiz Flavio. Direito penal: teoria constitucionalista do direito. Parte geral. 2 ed. rev.,

atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.115-116. 354 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. vol. I. Parte Geral. 7 ed. rev., atual. e

ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 314. 355 GOMES, Luiz Flavio. Op. cit. p. 113.

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equivalência e faz uso de critérios pertencentes à teoria da causalidade

adequada356.

Em decorrência do exposto, quando superveniente a causa relativamente

independente, há que se analisar com maior esmero o caso concreto, a fim de se

verificar se é o caso de imputar o resultado final ao autor da conduta, ou

considerá-lo produto do fator superveniente. Em ou termos, aqui se encontra a

necessária investigação da adequação da conduta à produção do resultado

encontrado no caso concreto, pois que inauguram um novo curso causal357.

A averiguação nestes casos deve ser composta de amplo

questionamento. Primeiramente, utiliza-se do processo hipotético de eliminação

mental e se o resultado desaparecer junto com a ação se está diante de uma

causa relativamente independente; após, indaga-se: “esta causa superveniente se

insere no fulcro aberto pela conduta anterior, somando-se a ela para a produção

do resultado ou não?”358 Sendo a resposta positiva, o resultado será imputado ao

autor da ação, porque se confirmou que sua atuação somada à concausa foi

adequada a produção do resultado havido. Porém, em caso contrário, ou seja,

obtendo-se uma conclusão negativa, há de aplicar-se o prescrito no parágrafo

primeiro do artigo 13, do Código Penal, pelo que o resultado não será imputado

ao autor, respondendo este pelos atos praticados, caso consistam em conduta

delituosa.

Quanto à relação de causalidade nos delitos omissivos, a regulamentação

legislativa se encontra no parágrafo segundo, do artigo 13, do citado diploma

legal, vez que este enumera os casos de omissões relevantes na seara penal.

Por evidente, como já salientado outrora, estipular o nexo causal em

delitos omissivos apresenta problemas, pois do nada, nada surge. Em razão

disso, é de se ver que o nexo não é de causalidade, mas de não impedimento359.

Nos delitos omissivos próprios, aqueles em que ocorre simplesmente um

não fazer o imposto por via normativa, investigar o citado nexo é tarefa supérflua,

pois que apresentam mera inatividade.

356 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito Penal. Parte geral. 16 ed. rev. e atual. por

Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 204. 357 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. vol. I. Parte Geral. 7 ed. rev., atual. e

ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 314. 358 BITENCOURT, Cezar Roberto; MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. 2 ed., São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 88. 359 Idem, p. 91-92.

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Entretanto, nos delitos comissivos por omissão, também denominados de

omissivos impróprios, o agente não deixa simplesmente de fazer algo

normativamente imposto, mas apresenta inatividade quando tem por força legal o

dever não só de agir, mas também de evitar o resultado. De conseguinte, como

se pode dessumir do exposto, a omissão origina um crime material onde o nexo

causal deve ser perquirido, todavia sob o enfoque jurídico e não naturalista360.

Sobre o tema interessante observar o trazido por BITENCOURT361:

Na omissão ocorre o desenrolar de uma cadeia causal que não foi determinada pelo sujeito, que se desenvolve de maneira estranha a ele, da qual é um mero observador. [...] Na verdade o sujeito não o causou, mas como não o impediu é equiparado ao verdadeiro causador do resultado. Portanto, na omissão não há o nexo de causalidade, há o nexo de “não-impedimento”. A omissão relaciona-se com o resultado pelo seu não-impedimento e não pela sua causação. E esse não-impedimento é eregido pelo Direito à condição de causa, isto é, como se fosse a causa real. Dessa forma, relaciona-se a imputação objetiva do fato. (sic)

A respeito da teoria citada já se expôs exaustivamente em páginas

anteriores, pelo que no momento é dispensada maior explanação acerca da

mesma e dos problemas que a acompanham. Todavia, importante se faz destacar

que o contido no referido dispositivo, como se dessume de mera leitura de sua

parte inicial, não só versa sobre a causalidade, mas também trata da imputação

do resultado ao agente da conduta362, transcendendo assim a tarefa para a qual

deveria destinar-se.

Por evidente, no que tange a determinação do nexo causal nos delitos

ativos em especial, o contido na teoria da equivalência não apresenta maiores

inconvenientes, pois é de clareza cristalina, de modo que basta a utilização das

lições provenientes da teoria em apreço para que se possa determinar se certa

conduta foi ou não causa de um evento.

Como é cediço, o nexo causal uma vez constatado, determina apenas e

tão-somente que um resultado decorreu de uma determinada ação ou omissão, o

360BITENCOURT, Cezar Roberto; MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. 2 ed., São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 91. 361 Idem, p. 92. 362 CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo:

Cultural Paulista, 2002, p. 134.

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que “por si só, não implica a conclusão de que seja, obrigatoriamente, objeto a ser

analisado pelo Direito Penal”363.

Desta maneira, é neste ponto que fica evidenciada a causa motriz que

impele a soma de critérios axiológicos extralegais à antedita teoria, de modo que

se tenha concretizada a adaptação do Direito penal às realidades presentes na

atual sociedade de risco.

3.2 A DOUTRINA PÁTRIA E A APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS DA IMPUTAÇÃO

OBJETIVA

A doutrina brasileira não apresenta unanimidade acerca do tema, tendo

alguns autores posicionamentos radicalmente contrários à aceitação dos critérios

normativos apresentados pela teoria da imputação objetiva De outro lado,

igualmente há doutrinadores favoráveis a adoção de critérios de atribuição

provindos das teorias da imputação objetiva.

Assim, com o fito de apresentar alguns posicionamentos, passa-se a

expor de maneira muito sucinta as opiniões de parte dos dogmatizadores. Por

evidente, sem a pretensão de esgotar o tema, ou mesmo elencar a totalidade das

opiniões.

Neste quadro, há autores que ignoram ou subestimam a importância do

tema, ou ao menos preferem não tratá-lo em suas obras. Nesse rol podem-se

incluir, a título exemplificativo, os manuais de direito penal de FRAGOSO364,

DOTTI365 e MIRABETTE366, pois que não fazem menção ao tema em suas obras,

atendo-se a expor a relação de causalidade e as teorias a elas referentes, sem ao

menos citar a busca de delimitação que se tem hoje com as teorias da imputação

objetiva.

363 CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo:

Cultural Paulista, 2002, p. 133. 364 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. Parte geral. 16 ed. rev. e atual. por

Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 200-205. 365 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 316-

323. 366 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal. Parte geral. vol. 1.

São Paulo: Atlas, 2007, p. 97-102.

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113

Outros se posicionam contrariamente às teorias e seus critérios de

maneira radical. Nesse sentido PIERANGELI e ZAFFARONI367, os quais

assumem como postura inarredável a negação à recepção dos critérios

oferecidos pelas teorias da imputação objetiva.

Dentre os argumentos apresentados vale uma breve análise das

assertivas pelos citados autores apresentadas.

De início fixam claramente ser a teoria da equivalência das condições a

“única concepção da causalidade”368 cujos critérios devam ser acolhidos pelo

direito penal, isso por partirem de uma visão absolutamente realista. Ainda,

destacam que a adoção da referida teoria não implica em qualquer adversidade

para a teoria do crime, mesmo porque a consideram que a importância penal da

causalidade é perfeitamente delimitada na teoria do tipo pelo elemento subjetivo

contido em cada tipo penal369.

Salientam, ainda, ser a causalidade “algo real, [...] “uma categoria do

ser””370, cabendo ao tipo atribuir seu relevo ou insignificância. Afirmam, em

seguida que a investigação sobre a tipicidade de uma conduta deve partir

justamente do rudimentar questionamento sobre ter ou não esta gerado o

resultado371.

Todavia, admitem que a causalidade apresenta questões sem resolução,

fazendo remissão à teoria da tipicidade conglobante, onde se reitera a ausência

de resposta adequada para a tipicidade e os problemas que a seguem, o que a

torna, por vezes, duvidosa372.

Mesmo assim, consideram as teorias da imputação objetiva imprecisas,

complexas e de pouco provável unificação sistemática, além de incoerentes,

consistindo apenas em “nova tentativas de responder a perguntas que ainda

permanecem sem resposta adequada”373, uma vez que a imputação objetiva

sempre foi tema pertencente à teoria do delito, pois esta não existe sem a

imputação objetiva374.

367 PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito penal brasileiro. Parte geral.

vol. 1. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 404-408. 368Idem, p. 405. 369 Idem, p. 405-406. 370 Idem, p. 406. 371 Idem, Ibidem. 372 Idem, p. 407. 373 Idem, Ibidem. 374 Idem, p. 407-408.

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Concluem a exposição afirmando que as teorias da imputação objetiva

são inaceitáveis porque inacabadas e baseadas em casos concretos e não em

preceitos que devam ser admitidos como gerais, mesmo porque ineficazes em um

contexto geral, pelo que não se justificaria mudar a teoria do delito em razão de

“soluções que realmente beiram o casuísmo”375.

PARDO e CARVALHO posicionam-se radicalmente contra a adoção de

critérios da teoria da imputação objetiva. Tecem extensa análise crítica, inclusive

rebatendo um a um os critérios de imputação do resultado de ROXIN, bem como

criticam, mesmo que de maneira mais sucinta, as teorias de JAKOBS e

FRISCH376.

Mais adiante, afirmam que a teoria da adequação poderia suprir as

questões pertinentes ao tipo objetivo, não obstante ainda não se tenha

posicionamento unânime entre os finalistas sobre seus critérios e validade.377

Enfim, os citados autores assumem postura radical em relação a adoção

dos critérios da imputação objetiva, principalmente se isto implicar em subverter a

ordem da análise do tipo (subjetivo – objetivo), afirmando, inclusive, que “a teoria

da imputação objetiva nada mais é do que uma normativização do conceito causal

de ação”, bem como detentora de cariz de retrocesso ao primitivismo378.

Todavia, há na doutrina lições que tomam por aceitáveis os critérios da

teoria da imputação objetiva do resultado, porém, limitando sua importância e

abrangência. É nesse sentido que se manifesta BITENCOURT379.

Inicia sua exposição delimitando a aplicabilidade de critérios de atribuição

como os oferecidos pelas teorias da imputação objetiva exclusivamente aos

delitos de resultado, devendo os crimes formais e de mera conduta obedecer à

realidade de mera subsunção do fato ao tipo para a imputação ao autor,

destacando que tal processo deve ser realizado na parte especial380.

375 PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito penal brasileiro. Parte geral.

vol. 1. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 408. 376 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva do

resultado. Uma aproximação crítica a seus fundamentos. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 75 et seq.

377 Idem, p. 185 et seq. 378 Idem, p. 247. 379 BITENCOURT, Cezar Roberto; MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. 2 ed., São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 92-96. 380 Idem, p. 92-93.

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Adverte, também, que a teoria da imputação objetiva não tem o condão

de substituir a causalidade, mas apenas de complementá-la, tendo por escopo a

solução das questões atinentes à atribuição de resultado que seja juridicamente

relevante no plano jurídico. Em outras palavras pretende apenas que tenha

prevalência “um conceito jurídico sobre um conceito natural”381, sem que

apresente qualquer supremacia sobre as teorias da ação, seja em abrangência,

seja em importância, pelo que deve ocupar lugar mais singelo do que o

pretendido na doutrina latino-americana, mesmo porque se trata apenas de uma

limitação objetiva da causalidade382.

Alega, além disso, que as teorias não apresentam quaisquer certezas e

sim, ao contrário, um sem número de dúvidas e imprecisões, podendo conduzir a

inseguranças múltiplas383.

Por fim, o autor expõe que em sua visão, fora os extremismos

encontrados nos dogmatizadores da teoria, ela se destina “delimitar o âmbito e os

reflexos da causalidade”384.

GOMES, por seu turno, apresenta concordância com as teorias de

imputação apresentadas, colocando-as como “um conjunto de regras limitadoras

e complementares do nexo de causalidade”385 que considera imprescindível, uma

vez que desempenha função de garantia no direito penal386.

O autor adverte que não se pode confundir os planos de causalidade e de

imputação, pois que são diversos, sendo o primeiro pertencente ao mundo

naturalístico e o segundo ao jurídico.

Demais disso, destaca que o artigo 13 do Código Penal distinguiu com

clareza o nexo causal e a imputação, sendo tarefa dos estudiosos do direito dar-

lhes “vida”387, não obstante a tarefa tenha sido na parte que trata da imputação

ignorada pela doutrina pátria do século passado, salvo raras exceções388.

381 BITENCOURT, Cezar Roberto; MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. 2 ed., São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 92-93. 382 Idem, p. 93-94. 383 Idem, Ibidem. 384 Idem, p. 95-96. 385 GOMES, Luiz Flavio. Direito penal: teoria constitucionalista do direito. Parte geral. 2 ed. rev.,

atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.115-116. 386 Idem, p. 111-121. 387 Idem, p. 114-115. 388 Idem, p. 119.

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GOMES trata da imputação em dois estágios, um relativo à conduta e

outro ao resultado, orientando, destarte, sua explanação pela teoria dualista389.

CAPEZ em sua obra trata do tema, destacando em sua exposição o risco

de delimitar a causalidade exclusivamente pela inexistência de dolo ou culpa,

motivo que despertou a necessidade, em sua visão, de um reestudo do dogma da

causalidade390.

Após expor os critérios, sustenta que a teoria foi criada com o fito de

restringir a excessiva amplitude do nexo causal determinado pela conditio sine

qua non391.

SANTOS acolhe critérios de imputação objetiva como criação do risco,

incremento deste e princípio da confiança para fundamentar a possibilidade de

co-autoria em crime culposo, elaborando, inclusive, análise de decisões de

tribunais superiores à luz de sua teoria sobre co-autoria em crime culposo392.

GONDIN, partidário da recepção da teoria no seio do direito penal pátrio,

trata a teoria da imputação objetiva como uma teoria sobre causalidade

normativa, afirmando ser esta a imputação penal quântica, enquanto a

causalidade física determinada pela conditio sine qua non corresponderia à

imputação física newtoniana393.

O doutrinador posiciona-se favorável à teoria funcionalista teleológica,

pois que sustenta dever ser o direito penal voltado para a defesa dos bens

jurídicos imperiosos para a sociedade, sendo estruturado de acordo com seu fim,

como “ultima ratio de controle social, em face da subsidiariedade e da

fragmentariedade”394.

Conceitua a teoria da imputação objetiva como a “responsabilização

criminal de um sujeito pela prática de uma conduta criadora de um risco proibido e

ofensivo a um bem jurídico protegido pela norma penal, mediante um nexo de

causalidade essencialmente normativo” 395, outorga-lhe a natureza jurídica de

389 GOMES, Luiz Flavio. Direito penal: teoria constitucionalista do direito. Parte geral. 2 ed. rev.,

atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 120. 390 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. vol. 1. 10 ed. rev. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2006, p. 176. 391 Idem, p. 182. 392 SANTOS, Humberto Souza. Co-autoria em crime culposo e imputação objetiva. Santos –

Barueri/SP: Manole, 2004, p. 109-186. 393 GONDIN, Reno Feitosa. Epistemologia quântica & direito penal. 1 ed. 3ª tir. Curitiba: Juruá,

2007, p. 75-86. 394 Idem, p. 92. 395 Idem, Ibidem.

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“elemento constitutivo do tipo penal”, implícito no mesmo, da mesma maneira que

o dolo, uma vez que não necessita estar positivado, pois que implícito na

conduta396.

Traz importante observação sobre o tema, pois que não obstante seja

partidário da teoria da imputação objetiva, adverte de modo enfático que as

teorias desenvolvidas o foram, e ainda são, à luz dos valores e princípios de

cultura alienígena, de modo que sua adoção no sistema brasileiro implica em

obrigatória adaptação à sociedade pátria, pois que esta é que terá condutas e

resultados tutelados pelo direito penal, o qual deve obedecer às finalidades das

quais necessita397.

Por derradeiro, cabe gizar que assevera o autor de modo categórico que

a doutrina pátria tem efetuado equivocada leitura do artigo 13 do Código Penal,

ao determinar que a exigência ali contida refere-se ao resultado naturalístico do

exigido por alguns delitos, quando na verdade uma leitura objetiva da citada

prescrição legislativa leva à crença de que o evento ali disposto é em verdade o

jurídico398.

JESUS posiciona-se favorável à adoção da teoria da imputação objetiva,

todavia, se em um primeiro momento reclama a elaboração de um novo sistema

penal399, mas, ao final, após o estudo dos critérios apresentados pelas variadas

teorias e seus autores, ainda que em mescla, sustenta que a adoção da teoria

não implica em desprezo ao finalismo, sendo suficiente o deslocamento do centro

do tipo subjetivo para o objetivo na teoria do delito, de modo que ambas as teorias

poderiam coexistir400.

FELICIANO adepto aos postulados enunciados por JAKOBS401, discorre

sobre os critérios das teorias sem distinguir os sistemas ou teorias, com o intuito

de colher as contribuições que melhor se adaptam ao seu objetivo, o qual

396 GONDIN, Reno Feitosa. Epistemologia quântica & direito penal. 1 ed. 3ª tir. Curitiba: Juruá,

2007, p. 93-94. 397 Idem, p. 93. 398 Idem, p. 208. 399 JESUS, Damásio Evangelista. Imputação objetiva. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 200,

p. XV. 400 Idem, p. 166-167. 401 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Teoria da imputação objetiva no direito penal ambiental

brasileiro. São Paulo: LTr, 2005, p. 98.

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consiste no adequado tratamento e aplicação do direito penal ambiental

nacional402.

Fundamenta sua elaboração doutrinária no fato de que a sociedade pós-

moderna precisa de um novo paradigma para o direito repressivo, em verdade

adaptado aos avanços e ônus do progresso tecnológico, em especial no que

tange aos delitos que lesam bens jurídicos supra individuais, em razão das

correções e aprimoramentos que as teorias da imputação objetiva trazem em seu

bojo403.

Sustenta, ainda, o autor, que além de complementar os velhos

paradigmas do “direito penal clássico”, vez que os incorpora, a imputação objetiva

soma a este os novos conceitos, em especial o de risco, o qual é inerente e

inseparável da sociedade atual, e isto sem deixar de atender ao viés garantista e

constitucionalista penal, apresentando assim a possibilidade de um direito penal

eficaz404.

PREUSSLER em sua obra demonstra-se receptivo aos critérios da teoria

da imputação objetiva, fundamentando a recepção no fato da teoria da imputação

objetiva ter caráter complementar à equivalência das condições, uma vez que o

funcionalismo que a apresenta tem “caráter zetético e não crítico”, de

conseguinte, não sendo de exigência a aplicação contra legem405.

Todavia, destaca o estudioso do tema que não tem por finalidade a

aceitação da teoria da imputação objetiva pelo direito penal brasileiro, mas

apenas a demonstração de que tal fato pode ocorrer406. Ademais, o que por ele é

pretendido situa-se na demonstração da congruência entre as teorias da

imputação objetiva e o injusto negligente407.

D’AVILA ao trabalhar as teorias da imputação objetiva revela plena

aceitação dos critérios oportunizados pelas mesmas408, não obstante concorde

402 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Teoria da imputação objetiva no direito penal ambiental

brasileiro. São Paulo: LTr, 2005, p. 541. 403 Idem, p. 543. 404 Idem, p. 544. 405 PREUSSLER, Gustavo de Souza. Aplicação da teoria da imputação objetiva no injusto

negligente. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2006, p.127. 406 Idem, Ibidem. 407 Idem, Ibidem. 408 D’AVILA, Fabio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2001, p.135-140.

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com o posicionamento de que não se tratam de teorias, mas de um grupo de

critérios oferecidos para a limitação da imputação do resultado ao autor409.

Entretanto, tece restrições à teoria do incremento do risco de ROXIN, em

razão da mesma trabalhar com hipóteses no que concerne à produção do

resultado típico no caso de conduta alternativa conforme o direito410.

CAMARGO considera uma necessidade a adoção dos critérios da teoria

da imputação objetiva, o que resta evidenciado desde a apresentação que efetua

de sua obra411.

É clara e confessa a influência da filosofia de Habermas, afirmando ser a

opção mais apropriada para o direito penal da atualidade. Considera não mais ter

lugar conceitos de ação puramente causais ou ontológicos, “mas social, porque

ligado ao agir comunicativo”412.

À respeito da aplicação da teoria da imputação objetiva no direito penal

pátrio afirma que após verificada a presença do nexo causal natural, com a

utilização dos critérios da imputação objetiva deverá ser concluído se houve ou

não “quebra de expectativa de um comportamento social, e via de conseqüência

merecedora de reprovação penal”413.

Ao analisar os critérios da teoria da imputação objetiva de ROXIN e

JAKOBS, tece alguns comentários, dentre os quais alguns serão destacados, a

título exemplificativo.

No que se refere ao risco permitido, entende que insipiente a análise de

comportamentos que se dêem de acordo com o mesmo, pois não há lógica tratar

de comportamentos sem qualquer relevância para o direito penal414.

Sobre o risco proibido, salienta a inexistência de condições exatas, sejam

normativas, sejam estatísticas, que possam caracterizá-lo com segurança,

devendo por isso ser utilizadas “circunstâncias sociais determinantes do

409 D’AVILA, Fabio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2001, p. 40. 410 Idem, p. 137. 411 CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo:

Cultural Paulista, 2002. 412 Idem, p. 129. 413 Idem, p. 134. 414 Idem, p. 141.

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comportamento, para a configuração do perigo pelo risco”415, além do âmbito de

proteção da norma416 e o domínio do evento pela vontade humana417.

Adverte ao final de sua análise que a adoção da teoria da imputação

objetiva no direito penal Brasil traria efeitos amplos, pois atingiria “todos os

institutos da parte geral do Código Penal”, impondo a necessidade de um

“sistema aberto, em consonância com a dignidade humana e o pluralismo

ideológico do Estado Democrático de Direito”418.

Mais à frente, trabalha outros critérios de atribuição, para ao final em

capítulo próprio concluir seu posicionamento, sendo que no momento oportuno se

faz destacar os critérios então comentados.

Observa, então, CAMARGO que a relação de causalidade é apenas um

dos elementos que permite a imputação ao tipo objetivo, sendo de suma

importância para tanto a análise do princípio do risco419, porque “dentro de uma

visão argumentativa do agir comunicativo, pode ser o caminho para a definição do

tipo objetivo”420.

BUSATO, defensor da teoria da ação significativa, não entende o

apresentado acerca da imputação objetiva como uma teoria, em razão de não

haver uma doutrina uniformizada, mas várias vertentes com uma multiplicidade de

critérios.

Em um primeiro momento procura desconstituir as falsas impressões

existentes no panorama jurídico-penal brasileiro sobre o assunto421 e em seguida

expõe as teorias de imputação de ROXIN e JAKOBS422.

Por fim, faz um balanço do tema, abordando assuntos como, por

exemplo, a delimitação de sua amplitude423 e as críticas aos critérios oferecidos

pelos dogmatizadores anteditos424, para ao final selecionar o que parece

415 CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo:

Cultural Paulista, 2002, p. 143. 416 Idem, Ibidem. 417 Idem, p. 144. 418 Idem, p. 154-155. 419 Idem, p. 189. 420 Idem, p. 190. 421 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Júris,

2008, p. 3 et.seq. 422 Idem, p. 78 et.seq. 423 Idem, p. 1223-123. 424 Idem, p. 145-165.

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coerente, no caso a criação do risco e a realização do resultado, para servir como

“critério axiológico de imputação vinculado ao tipo objetivo de ação”425.

3.3 OS CONCEITOS DE CONDUTA HUMANA E SUA FUNÇÃO DE ELEMENTO

GARANTISTA

Neste ponto se pretende demonstrar a importância da manutenção do

conceito welzeliano da ação, em razão de sua perfeita adequação como elemento

de garantia na teoria do crime.

Para tanto, necessário se faz tecer sucintos comentários acerca não só

acerca do conceito finalista, mas também do pessoal da ação de ROXIN,

procurando observar o sucesso ou falha destes conforme atendam ou não a

função de elemento garantista na teoria analítica do crime.

3.3.1 A manutenção do conceito da conduta finalista e sua razão

O principal ponto de embate entre as concepções finalistas e

funcionalistas no que se refere à teoria da ação, reside no fato de que para a

primeira o conceito de ação e de causalidade são não só pré-típicos, como

também, obtidos por intermédio do método lógico objetivo, enquanto para a

segunda os conceito devem ser normativos, desvinculados da realidade fática426.

É de se observar que um conceito da ação deve cumprir dentro da teoria

analítica do crime quatro funções427, como de elemento básico (funcionando

“como um genus proximum de todas as espécies de comportamentos

humanos”428); de enlace (a fim de dar coerência a todos os planos de desvalor

que lhe são agregados – tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade – além de

425 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Júris,

2008, p. 165-174. 426 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro.

Parte Geral. vol. 1. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2006, p. 347. 427 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte Geral. vol. 1. 11 ed. atual. São

Paulo: Saraiva, 2007, p. 216. 428 GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta

humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 157.

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manter neutralidade axiológica a fim de não antecipar o parecer referente aos

estratos retro429); limite (condutas irrelevantes para o direito penal430); e por fim,

garantista (capaz de limitar a atuação do legislador e operador do direito, de modo

a “garantir o indivíduo (cidadão) perante o poder punitivo estatal”431).

Entretanto, dentro dos objetivos do presente trabalho somente a análise

da antedita função garantista é suficiente, pelo que será sumariamente feita.

Assim, adiante se buscará evidenciar porque o conceito finalista da ação

indubitavelmente é a que melhor atende à função garantista, em razão de

favorece sobremaneira a construção de um direito penal que reflita os anseios de

um Estado Democrático de Direito, pelo que deve ser mantida.

3.3.1.1 O conceito da conduta finalista e sua função de elemento garantista

A teoria finalista da ação surgiu, como frisado alhures, em razão da

crença de WELZEL na impossibilidade de separar-se radicalmente o ser e o

dever-ser como faziam as teorias precedentes. Por isso, buscou ele formular uma

teoria que servisse ao direito, mas sem deixar de considerar o ser humano como

ele é na realidade Ou seja, que reunisse a imposição da consciência do dever-

ser, mas levasse em conta também os elementos naturais, vez que estes são os

objetos de interpretação e valoração do direito.

Para tanto, o jurista e filósofo se utilizou da teoria realista do

conhecimento432 e da filosofia aristotélica-escolástica433, oferecendo um conceito

de conduta baseado na realidade fática, para que passasse o direito a regular o

comportamento do homem, entendido como pessoa responsável434, capaz de

antever as conseqüências de suas condutas, ou seja, sobrederetminar o “para

que” de suas ações e seu curso causal435.

429 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 216-217. 430 GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta

humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 172-174.

431 Idem, p. 190. 432 Idem, p. 121. 433 Idem, p. 128. 434 Idem, p. 132. 435 WELZEL, Hans. Direito penal. Trad. Afonso Celso Rezende. Campinas: Romana, 2006, p. 79.

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Observe-se que justamente esta competência de sobredeterminação, na

visão de WELZEL, era o que a dotava de sentido a ação humana436 e permitia ao

direito penal exercer sua função de carregá-la com desvalor jurídico437 em razão

dos conteúdos ético-sociais negativos ínsitos à mesma438.

Nesta perspectiva conceituou a ação humana como: “o exercício de

atividade finalista”439.

Destarte, com este conceito impôs aos órgãos do Estado (legislador,

persecutor e jurisdicional) a obrigação de atuar dentro de uma concepção realista

de conduta, limitando sua liberdade de valoração440. Em outras palavras,

determinou o “encadeamento dos extratos analíticos do crime a um fenômeno

prévio” deveria consistir “na concepção ontológica da conduta”441.

Oportuno, se faz atentar para a lição de PIERANGELI E ZAFFARONI:

O direito pretende regular conduta humana, não podendo ser o delito outra coisa além de uma conduta. (...) O princípio nullum crimen sine conducta é uma garantia jurídica elementar. Se fosse eliminado, o delito poderia ser qualquer coisa, abarcando a possibilidade de penalizar o pensamento, a forma de ser, as características pessoais etc. (...) Quem quiser defender a vigência de um direito penal que reconheça um mínimo de respeito à dignidade da pessoa humana, não pode deixar de reafirmar que a base do delito – como iniludível caráter genérico – é a conduta, identificada em sua estrutura ôntico-ontológica. Se esta estrutura é desconhecida, corre-se o risco de salvar a forma mas evitar o conteúdo, porque no lugar de uma conduta humana se colocará outra coisa442.

Como se pode perceber, a teoria em apreço cumpre devidamente a

função de garantia, a uma, pela vinculação do poder estatal, em especial do

legislativo penal, ao conceito pré-típico de ação, o que indubitavelmente, propicia

a edificação de um direito penal voltado ao modelo democrático443. A duas,

436 GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta

humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 131.

437 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte geral. vol. 1. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2006, p. 352.

438 GUARAGNI, Fabio André. Op. cit., p. 132. 439 WELZEL, Hans. Direito penal. Trad. Afonso Celso Rezende. Campinas: Romana, 2006, p. 79. 440 GUARAGNI, Fabio André. Op. cit., p. 190. 441 Idem, p. 192. 442 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro.

Parte geral. vol. 1. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2006, p. 352. 443 GUARAGNI, Fabio André. Op. cit. p. 338.

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porque, ao trazer para o direito a ação tal qual se apresenta no mundo do ser,

obsta que seja engendrada uma configuração de conduta irreal na formulação de

tipos incriminadores444, protegendo o indivíduo contra violações da garantia

contida no princípio nullum crimen sine conducta.

Mas, o direito não é estático e seus dogmatizadores reclamam as

alterações que julgam necessárias para sua evolução, ao final da década de 60

do século passado, surgiram as teorias funcionalistas. Tais teorias contestavam a

vinculação da teoria do crime às estruturas lógico-objetivas, e seus conseqüentes

conceitos pré-típicos, impostas pelo finalismo, porque se cria que isto tornava

inviável o progresso sistêmico da teoria do crime, tanto no plano legislativo,

quanto no dogmático. Assim, passaram seus defensores a reclamar uma

construção sistêmica calcada no universo dos valores, havendo, então uma

retomada do método neokantiano445.

3.3.1.2 O conceito da conduta funcionalista de Claus Roxin

Como é cediço, o funcionalismo é marcado pela heterogeneidade teórica,

o que se justifica pelas diferentes concepções dogmáticas de cada um de seus

autores sobre a função do direito, os fins da pena e da política criminal446. Desta

feita em seu bojo se pode encontrar distintas teorias da ação.

Contudo, tendo em conta que o objetivo do presente trabalho dirige-se em

especial às idéias de ROXIN, apenas se fará a abordagem sobre seu conceito da

ação.

ROXIN é considerado o inaugurador das idéias jurídico-penais

funcionalistas447 e norteia seu sistema analítico do crime pela recepção das

“orientações político-criminais”448 do Estado, as quais devem ser voltadas a um

ambiente onde haja preservação dos direitos individuais consignados na ordem

444 GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta

humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 338.

445 Idem, p. 239. 446 Idem, p 190. 447 GRECO, Luis. Introdução à dogmática funcionalista do delito. Em comemoração aos trinta anos

de “Política Criminal e sistema jurídico-penal” de Roxin. in Revista Jurídica. vol. 272. Porto Alegre: Revista Jurídica, 2000.

448 GUARAGNI, Fabio André. Op. cit. p. 250.

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constitucional449 e os fins da pena. Assim, cabe ao direito penal sua

concretização.

Observa que a realização da função aludida depende de que todos os

estratos que compõem a teoria do crime devem ter por ela seu conteúdo

orientado.

Neste panorama, conceituou ação como “manifestação da

personalidade”450, devendo-se entendê-la como “(...)tudo o que se pode atribuir a

um ser humano como centro anímico-espiritual de ação”451. Mas, com o alerta de

que restam excluídas as situações onde as manifestações não contam com o

domínio da vontade e consciência, bem como as atividades internas, mesmo

porque tais atividades não são manifestadas no mundo exterior452.

Mais adiante, ROXIN explica que se trata de um conceito normativo, por

evidenciar o aspecto valorativo, o que tem relevo para o exame jurídico-penal da

ação e, também, por atender “... a uma decisão jurídica correspondente a essa

perspectiva valorativa”453. Explicita, ainda, que não se constitui em um conceito

normativista, uma vez que “(...) acolhe em seu campo visual a realidade da vida o

mais exatamente possível e é capaz de considerar a todo momento os últimos

conhecimentos da investigação empírica”454.

Dessume-se do exposto que o conceito de crime de ROXIN é de cunho

meramente axiológico, rompendo com a realidade, vinculando-se exclusivamente

a juízos de valores.

Aliás, sequer pode-se afirmar que há um conceito de ação, pois o que se

tem de fato é um enunciado genérico e sem suficiência descritiva. GUARAGNI

neste ponto afirma que o conceito “a par da sua generalidade e insuficiência

descritiva do que vem a ser ação, é produto de um julgamento, ou de uma

449 GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta

humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 328-329.

450 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. tomo I. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel Díaz y García Conelledo; Javier de Vicente Remesal. 2. ed. Madrid: Civitas, 2003, p. 252.

451 Idem, Ibidem: “En primer lugar es acción todo lo que se puede atribuir a un ser humano como centro anímico-espiritual de acción”…

452 Idem, p. 252. 453 Idem, p. 265. 454 Idem, Ibidem.

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imputação de tudo o que se pode atribuir ao homem enquanto ânimo e

espírito...”455

Tratar-se de personalidade é tarefa absolutamente complexa, pois sequer

possui dentro da psicologia um conceito fixo, podendo ser “a organização que a

pessoa imprime à multiplicidade de relações que a constitui”456, ou a “organização

mais ou menos estável e duradoura do caráter, do temperamento, do intelecto e

do físico de uma pessoa: organização que determina sua adaptação total ao

ambiente”457.

Além disso, colocar em destaque a personalidade do agente “pode levar a

uma perigosa aproximação com um direito penal de autor”458, porque a definição

de personalidade pode ser obtida a partir de diferentes óticas, bastando que o

observador determine o que interessa destacar no caso concreto. Portanto, ainda

que se saiba que não é esta a pretensão de ROXIN459, o risco é evidente.

PIERANGELI E ZAFFARONI, afirmam:

Uma séria tentativa de burlar o nullum crimen sine conducta é o chamado “direito penal de autor”, que considera a conduta como um simples sintoma de uma personalidade inimiga, ou hostil ao direito. É uma das mais perigosas manifestações do direito penal autoritário [...]460.

De conseguinte, o conceito elaborado por ROXIN desatente totalmente a

função de elemento de garantia que a ação deve ter na teoria do crime. E isto

porque, não só não oferece qualquer amarra para a formulação dos tipos

penais461, como ao relegar possibilita ao Estado, por exemplo, direcionar os

preceitos do para um direito penal de autor, para um direito próprio de estados

absolutistas que imprimem no sistema penal a ideologia que melhor lhes atende.

455 GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta

humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p 329.

456 ABBAGNANO, Nicolai. Dicionário de filosofia. 5 ed. Trad. Alfredo Bossi e Ivone Castilho Bendetti. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 882.

457 Idem, Ibidem. 458 GUARAGNI, Fabio André. Op. cit. p 330. 459 GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta

humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as Ciências Criminais no Século XXI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 330.

460 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte Geral. vol. 1. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2006, p. 354.

461 GUARAGNI, Fabio André. Op. cit. p 343.

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Extrai-se, com facilidade, do rápido exame aqui realizado sobre os

conceitos da ação e sua função de garantir o cidadão frente ao poder de punir do

Estado, a importância da manutenção do conceito finalista da ação, porque

realmente em consonância com a estrutura democrática. E, também, porque sua

estrutura lógico-objetiva, como antes afirmado, assegura que apenas ações tal

qual se apresentam na vida cotidiana serão objeto de desvalor jurídico-penal.

3.4 OS CRITÉRIOS DA TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA DO RESULTADO

E O FINALISMO

É reconhecida, mesmo pelos mais ardorosos defensores da teoria

welzeliana, a insuficiência desta no que concerne ao desenvolvimento de

questões atinentes aos aspectos objetivos da tipicidade, o que, conforme boa

parte da doutrina, deve-se à preocupação que apresentava WELZEL em afirmar a

limitação da tipicidade em função do dolo, dentre outras, haja vista seu debate

com a teoria precedente 462.

De fato, não se pode ignorar a falta de um aprimoramento dogmático do

tipo objetivo na doutrina welzeliana. Contudo, isto não quer significar que se deva

adotar integralmente a teoria da imputação objetiva do resultado. Primeiro porque,

como corretamente exposto pela doutrina, esta não é uma teoria geral de

imputação, mas um conjunto de critérios objetivos de índole normativa463. E,

depois, porque não há uma teoria geral de imputação e sim várias teorias, as

quais não apresentam unanimidade de critérios, tampouco, conseguem encontrar

ponto comum na interpretação destes quando coincidentes464.

Mas, apesar da falta de consenso existente, o que inviabiliza uma

formulação que efetivamente possa ser tomada como teoria geral de imputação

objetiva, pode-se, sem laivo de dúvidas, aplicar alguns de seus critérios sem

romper com o método lógico-objetivo finalista, inclusive mantendo a ação final

como eixo central da teoria do crime.

462 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte Geral. vol. 1. 6 ed. rev. e atual. São Paulo, Editora dos Tribunais, 2006, p. 347. 463 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 114. 464 Veja-se as diferenças entre ROXIN e JAKOBS alhures tratadas.

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Entretanto, antes é necessário fazer uma concisa observação de

algumas questões.

De início, insta salientar que a utilização de critérios axiológico-

normativos que visem delimitar a incidência do tipo, não é obrigatoriamente

inconciliável com as proposições finalistas, pois basta que para tanto apreenda “o

sentido do comportamento típico”465, que é determinado não só pelo resultado,

mas principalmente pela vontade final na atuação demonstrada466.

Do mesmo modo, é de se ressaltar que o finalismo jamais se caracterizou

por desprezar o âmbito dos valores em matéria penal, mesmo porque direcionar

seus conceitos e fundamentos neste rumo seria estabelecer extrema contradição

com os motivos de sua formulação por WELZEL. Pois, como já visto, a teoria

welzeliana foi desenvolvida com o fito de contradizer as teorias da ação

precedentes, justamente em razão destas apresentarem cisão entre os

componentes da ação pertencentes ao ser e ao dever ser, uma vez que

consistem aspectos que se complementam e não que se opõem467.

Aliás, precisamente por ter em conta questões axiológicas é que o

finalismo considera a vontade individual, porque esta, somada ao resultado, é

apta a melhor determinar o conteúdo social, portanto, valorativo da ação468.

A respeito, PRADO e CARVALHO:

Deve-se reconhecer que a vontade individual, por si só, não pode determinar o sentido social da ação, pois a sua capacidade não é absoluta. Encontra-se limitada, em todo caso, pela vertente objetiva, isto é “a vontade individual pode dar sentido social a uma ação só até onde os elementos objetivo-causais utilizados pelo autor o permitam”. O sentido social da ação encontra-se subordinado não apenas à vontade individual, mas igualmente às possibilidades de sentido oferecidas pelos elementos objetivo-causais. Em conseqüência “sendo a ação final uma obra, o sentido social da ação não se determina apenas segundo a

465 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva do resultado. Uma aproximação crítica a seus fundamentos. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 215. 466 GRACIA MARTÍN, Luís. O finalismo como método sintético real-normativo para a construção da teoria do delito. Trad. Érika Mendes de Carvalho. in Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais. ano 2. n. 2. jan-jun 2005. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 17. 467 GUARAGNI, Fabio André. As teorias da conduta em direito penal. Um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. Série as ciências criminais no século XXI. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 118. 468 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Op. cit. p. 249-250.

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vontade, mas também segundo o resultado produzido ou não produzido”469.

Ainda, sobre o tema, vale observar a assertiva de GRACIA MARTÍN:

Em resumo, a função do Direito Penal reside, a meu ver, na proteção de bens jurídicos por meio da conservação dos valores ético-sociais da consciência, da formação do juízo ético-social do cidadão e do fortalecimento de suas consciência de permanente fidelidade (legal) ao Direito. Isso traz como resultado que uma precisa e completa definição dos fatos que tenham como “sentido” a contradição daqueles valores, em tipos específicos e diferenciados de injusto, deve ser antes de tudo uma condição de possibilidade daquela função470.

Outro ponto a ser destacado, refere-se à suposta superposição do

desvalor da ação ao desvalor do resultado, pois igualmente tal crítica não constitui

verdade, como já se destacou por ocasião do estudo da imputação do resultado

na teoria finalista.

Mesmo assim, vale gizar que entender o jurista e filósofo que a proteção

do bem jurídico se dá pela regulação da conduta final concebida mediante a

utilização de método lógico-objetivo, não é sinônimo de que apenas seu desvalor

importa ao direito penal.

Também, é de se notar as observações de ZAFFARONI e PIERANGELI,

no sentido de que o bem jurídico tem, na verdade, “papel central na teoria do tipo,

dando o verdadeiro sentido teleológico à lei penal. Sem o bem jurídico, não há um

“para que?” do tipo, e, portanto, não há possibilidade alguma de interpretação

teleológica da lei penal”471.

Ora, uma teoria que ignore o bem jurídico, não teria adeptos que o

colocam no centro da teoria, junto à conduta.

Impende, agora, abordar o fato de ter WELZEL desenvolvido em sua

primeira fase a teoria da adequação social, tema do qual já se tratou

469 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva do resultado. Uma aproximação crítica a seus fundamentos. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 250. 470 GRACIA MARTÍN, Luís. O finalismo como método sintético real-normativo para a construção da teoria do delito. Trad. Érika Mendes de Carvalho. in Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais. ano 2. n. 2. jan-jun 2005. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 16-17. 471 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte Geral. vol. 1. 6 ed. rev. e atual. São Paulo, Editora dos Tribunais, 2006, p. 396-397.

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anteriormente, mas merece no momento algumas considerações. Isto porque, tal

ocorrência torna extreme de dúvida que critérios axiológicos interessam ao

finalismo e não são incompatíveis com seus postulados. Aliás, provavelmente

este é o mais contundente argumento nesse sentido.

A adequação social, na visão de alguns autores, como, por exemplo,

CANCIO MELIÁ consiste no segundo pilar da teoria finalista de WELZEL, sendo o

outro a teoria da ação final. A respeito, preleciona:

(...) depois da análise da proposta da adequação social, cabe constatar efetivamente características similares às atuais evoluções doutrinárias no âmbito do tipo objetivo denominadas de imputação objetiva. O ponto de partida da adequação social demonstra que o finalismo, a corrente dogmática iniciada por Welzel, não apenas pretendia acrescentar a finalidade ao tipo objetivo do causalismo, mas que originalmente este deveria converte-se na sede do significado objetivo do comportamento... Ademais, esta amplitude também permite observar um paralelismo com relação àqueles intentos doutrinários que perseguem a ampliação da imputação objetiva no sentido de uma teoria do ‘lado externo do injusto’. No âmbito da imputação do resultado o finalismo continuou desenvolvendo – embora circunscrito aos delitos culposos – dentro do ‘dever objetivo de cuidado’ os critérios materiais sugeridos pela adequação social. Todavia, a implicação sistemática geral da adequação social perdeu-se, e no âmbito dos delitos dolosos este vazio teve que ser preenchido com soluções trasladadas ao conceito de dolo. A insistência no desenvolvimento da teoria final da ação por parte do finalismo – como um exclusivo prisma ontológico-subjetivo – fez cair no esquecimento o outro pilar da concepção de Welzel, um esquecimento injustificado que pode terminar com a evolução atual da dogmática do tipo objetivo472.

GRACIA MARTÍN adepto pertinaz do finalismo473, não obstante discorde

da idéia de que haja qualquer similitude entre a adequação social e as teorias da

imputação objetiva, anui no sentido de que aquela de fato deve ser considerada o

segundo pilar da teoria finalista, afirmando que “com razão, Cancio qualifica a

adequação social como o “segundo pilar” do finalismo”474.

Em relação ao distanciamento que acredita presente entre a

adequação social e a teoria da imputação objetiva, afirma:

Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que no sistema finalista a adequação social não pode ser nenhum critério normativo do tipo

472 apud GRACIA MARTÍN, Luís. O finalismo como método sintético real-normativo para a construção da teoria do delito. Trad. Érika Mendes de Carvalho. in Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais. ano 2. n. 2. jan-jun 2005. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 25. 473 Idem, p. 6. 474 Idem, p. 25.

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objetivo o do lado externo do injusto, pois isso estaria em grave contradição com sua concepção sintética do tipo de injusto, exposta anteriormente, no sentido de que a valoração jurídica desse nível só pode ser correta quando projeta de um modo sintético sobre a totalidade do objeto de valoração, isto é, sobre a unidade final-causal da ação, e não quando se projeta apenas de um modo analítico e sucessivo a fragmentos do objeto da valoração. O critério normativo da adequação social também tem como objeto de valoração “ações”, e por isso deve respeitar a estrutura lógico-objetiva da ação finalista. Com efeito, como explica RUEDA MARTÍN, “o critério de exclusão das condutas socialmente adequadas do tipo de injusto deve ser um critério mediante o qual se aprecia a unidade final-causal da conduta, e no qual a pauta reitora deve ser a comprovação da coincidência ou da divergência da finalidade subjetiva da ação com a finalidade positivamente valorada pela comunidade”. Aqui também deve ser lavado em consideração, evidentemente, que os elementos objetivos externos de uma ação socialmente adequada, enquanto tais, ou seja, na realidade físico-natural, são axiologicamente indiferentes, já que podem ser idênticos aos de outra ação socialmente adequada. Somente quando se confere relevo à vontade de realização do autor é possível compreender a diferença axiológica de uma ação. O juízo de adequação social, portanto, só pode ser formulado, do mesmo modo que o de inadequação social, a partir de uma valoração unitária e sintética da unidade final-causal da ação em questão, e não pode ficar reduzido, de modo algum, a um critério de valoração do tipo objetivo475.

Mas, após combater a exposição de CANCIO MELIÁ, afirma

enfaticamente que “(...) o juízo de adequação social necessita de ulteriores

desenvolvimentos, que devem conduzir a uma depuração dos casos a serem

resolvidos no seu âmbito(...)”476. Portanto, admite a necessidade de um

mecanismo que possa a ser utilizado no campo do tipo objetivo, aprimorando os

recursos finalistas a esse respeito.

Das observações doutrinárias acima trazidas, em que pese os embates,

extraem-se importantes conclusões.

A primeira e, talvez mais importante, a que alude à possibilidade de se

assentar definitivamente que não há qualquer óbice à adoção de critérios

normativos destinados a corrigir a tipicidade, desde que, como dito, seja

respeitada a real estrutura da conduta477.

475 GRACIA MARTÍN, Luís. O finalismo como método sintético real-normativo para a construção da teoria do delito. Trad. Érika Mendes de Carvalho. in Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais. ano 2. n. 2. jan-jun 2005. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 25. 476 Idem, p. 26. 477 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva do resultado. Uma aproximação crítica a seus fundamentos. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 215.

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Demais disso, pode-se entender com clareza que de fato o finalismo

deixou de aperfeiçoar os aspectos objetivos da tipicidade, o que radicou no

desenvolvimento de alternativas para corrigir os problemas advindos da aplicação

da teoria da equivalência das condições não só como instrumento para a

determinação do nexo causal, mas também da atribuição ao tipo objetivo478.

Destarte, levando-se em conta que conditio sine qua non é insuficiente

para resolver acertadamente as questões pertencentes à imputação do resultado,

em especial em uma sociedade de risco, forçosa é a admissão de que um novo

instrumental deve ser criado para complementar a teoria da causalidade.

Todavia, tal mecanismo deve ser voltado ao atendimento não só das

necessidades teóricas do direito, mas, antes de tudo, da tarefa de resguardar os

direitos e garantias fundamentais do ser humano, de modo a evitar que o sistema

punitivo seja demarcado pelo distanciamento da realidade, conseqüentemente da

justiça.

Assim, sob esta orientação, procura-se sugerir adiante duas alternativas

para a utilização de critérios de atribuição de maneira a melhor adequar a

aplicação do direito penal na atual conformação da sociedade.

3.5 ALTERNATIVAS PARA A APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE CRIAÇÃO E

REALIZAÇÃO DO RISCO COMO CORRETIVOS DA TIPICIDADE PENAL

A primeira hipótese é formulada com atenção a todo antedito, para

atender às exigências metodológicas do finalismo e às necessidades da

sociedade transmoderna. Assim, sugere-se o uso de critérios axiológicos após a

análise dos elementos subjetivo (crimes dolosos), normativos (crimes culposos) e

objetivo do tipo, de maneira a restringir a amplitude sua incidência injusta ou

desnecessária.

Para tanto, três pontos devem ser esclarecidos: 1º) a utilização do

instrumental é direcionada aos crimes de resultado; 2º) o conceito de conduta

finalista será mantido pelas razões já expostas; 3º) os critérios de criação e

478 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte Geral. vol. 1. 6 ed. rev. e atual. São Paulo, Editora dos Tribunais, 2006, p. 345.

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realização do risco serão utilizados na tarefa de delimitar a incidência da

tipicidade, conforme seu cabimento em cada caso479.

Apresenta-se uma fórmula, que como se poderá perceber, é muito

semelhante à utilizada por ZAFFARONI e PIERANGELI no desenvolvimento e

aplicação da tipicidade conglobante, não obstante, o aqui sugerido nenhuma

semelhança apresente de conteúdo desta, a não ser a intenção de limitar a

ocorrência da tipicidade penal480.

O emprego deve ser realizado com obediência às seguintes etapas: 1ª)

Indaga-se acerca da presença de uma conduta comissiva ou omissiva, porque

esta constitui o primeiro substrato da teoria do delito. Em se obtendo reposta

positiva, passa-se ao estágio seguinte; 2ª) Investiga-se sobre a existência dos

elementos subjetivos (crimes dolosos) ou normativos (crimes culposos) do tipo e

depois dos objetivos, de modo a concluir se nos termos exatos daquela situação a

integral subsunção do fato à norma típica se perfaz. Se assim for, se estará diante

da tipicidade legal e, então, faz-se a análise da etapa final; 3ª) Como último

passo, perscruta-se se o agente sob julgamento criou um risco proibido e se este

risco se realizou no resultado. Caso se constate a ocorrência dos critérios

anteditos, concretizada está a tipicidade penal, logo o segundo substrato da teoria

do crime. Se ao revés, por evidente, é caso de não incidência do tipo.

Assim, nos delitos de resultado deve-se realizar a análise do modo

proposto, porque, mesmo presentes os elementos constitutivos do tipo penal e, de

conseguinte, a tipicidade legal, pode ocorrer que não haja tipicidade penal, pela

falta de criação de um risco juridicamente proibido ou, que mesmo ante a criação,

não se deva imputar o resultado, porque este não é retrato do risco criado na

conduta.

Para viabilizar a aplicação do novo instrumental, a primeira observação a

ser feita, versa sobre o pressuposto de que o ordenamento jurídico não é o único

479 A escolha destes critérios é feita em razão de serem os mais adequados e contarem com melhor possibilidade de interpretação no momento de seu uso. Os demais critérios acabam sendo mais um problema, porque ou não contam com a devida clareza ou, então, ainda não se encontram devidamente elaborados. A escolha foi influenciada pelo que apresenta Busato em sua obra. BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008. p. 165. 480 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte Geral. vol. 1. 6 ed. rev. e atual. São Paulo, Editora dos Tribunais, 2006. p. 483-484. Nessas páginas os autores frisam que a tipicidade conglobante não tem nenhuma vinculação com a adequação social, porque enquanto esta é elaborada a partir de dados extraídos da ética social, a tipicidade conglobante possui concepção exclusivamente normativa.

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existente na sociedade, sendo ele parte das várias estruturas ordinatórias.

Portanto, a lei penal e seus tipos, não está apartada em uma espécie de mundo

especial, ao contrário, encontra-se junto a outras ordens, tanto jurídicas, quanto

extralegais, como as naturais, científicas, culturais, por exemplo481.

A impossibilidade de ordenar o todo, supramencionada, é de todo

evidente, até porque transcende as possibilidades do direito. A realidade dos

fatos, as leis da natureza, por exemplo, são indiferentes ao direito e suas

disposições. Ademais, não existe um caos natural, ou econômico, verbi gratia,

que possa ser organizado exclusivamente pelo direito, porque este consiste em

somente um dos sistemas ordinatórios do ambiente onde tem vigência e

aplicabilidade482.

De conseguinte, deve o ordenamento jurídico ser configurado de maneira

harmônica dentro de seu contexto. Em outras palavras, mesmo que as normas

jurídicas sejam pertencentes ao dever-ser, não podem ser antagônicas as

realidades sociais, tampouco, aos critérios valorativos positivos imanentes à

sociedade em que exercem sua função reguladora.

Um ordenamento jurídico pautado de maneira diversa da exposta, não se

pode afirmar como direito, mas como uma desordem arbitrária à qual não se pode

chamar de direito, mas de mero exercício de poder483.

Importante, ainda, atentar que, como já destacava WELZEL é impossível

para o direito penal proteger irrestritamente os bens jurídicos que gozam de sua

tutela. Em outros termos, é inviável assegurar a integridade dos bens jurídicos,

por mais imprescindíveis que sejam, como a vida, por exemplo, porque o simples

fato da existência social implica em seu desgaste ou menoscabo484. E, isto,

principalmente quando se atenta para a realidade da sociedade transmoderna

481 ZAFFARONI e PIERANGELI Fazem abordagem semelhante, porém voltada ao interior do ordenamento jurídico. Entretanto, as idéias de coerência e base realista, igualmente são aplicadas. Enfim, os argumentos pelos doutrinadores citados servem de base para as idéias apresentadas. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte geral. vol. 1. 6 ed. rev. e atual. São Paulo, Editora dos Tribunais, 2006. p. 314-325. 482 PIERANGELI e ZAFFARONI, mais uma vez emprestam sentido às colocações ao tratar de direito penal e controle social. Porque, após abordar uma série de questões, atribuem ao direito penal mais modesto do que o pretendido, justamente em razão de seus limites em uma grande dimensão. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Op. cit. p. 53-63. 483 Idem, p. 316. 484 WELZEL, Hans. Estudios e derecho penal. Estudios sobre el sistema de derecho penal. Causalidad y acción. Derecho penal y filosofía. Maestros del derecho penal. vol. 6. Trad. Gustavo Eduardo Aboso; Tea Löw. Buenos Aires, IB de F, 2003, p. 50-51.

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onde, como já destacado, não há a mais ínfima chance de se estar isenta de risco

e, de conseguinte, sob absoluta tutela.

O exposto impõe seu reconhecimento a doutrinadores e operadores do

direito. De um lado, porque apenas aceitando-se a possibilidade da manutenção

de vínculo com a realidade fática, ou seja, material, do conceito de conduta, da

causalidade e do resultado, pode-se garantir o cidadão contra abusos por parte

do Estado. De outro, porque os critérios de determinação da tipicidade penal da

forma como se apresentam são incapazes de desempenhar seu papel

adequadamente.

Conclui-se, então, ser imperativo o reconhecimento de que a lei penal não

pode surtir efeitos punitivos quando a tipicidade não esteja estribada na realidade.

Ora, seria malversar o direito penal e seu conteúdo, fazê-lo atuar em situações

em que o comportamento do agente não criou, tampouco incrementou risco485.

De outro lado, igualmente não teria motivação aceitável considerar a

ocorrência da tipicidade do delito em sua forma consumada, nos casos onde, não

obstante, tenha o agente atuado de forma a criar o risco, o resultado dimanado,

não tem origem na conduta do agente. Em outros termo, o resultado não é reflexo

do risco pelo agente criado486. Nesta hipótese o que ocorre é, na verdade, a

produção do resultado em razão de um risco diverso do criado pelo agente,

oriundo de outra fonte criadora.

Todavia, deve-se observar que a determinação do nível de tolerabilidade

não é o mesmo em todos os casos, pois, como afirma BUSATO, é graduado a

partir de dados relativos à importância do bem jurídico “a efeitos do

desenvolvimento social do indivíduo”487.

Em relação ao critério da realização do risco no resultado, tem

aplicabilidade onde a doutrina em geral refere-se a “cursos causais atípicos”488,

onde se conta com a exposição e análise das hipóteses de causa absoluta ou

relativamente independentes489, que podem ser preexistentes concomitantes e

supervenientes. A decisão acerca da tipificação ou não da conduta, seja em sua

485 MUÑOZ CONDE, Francisco; GARCÍA ARÁN, Mercedes. Derecho penal. Parte general. 6 ed. rev. e atual. Valencia: Tirant lo Blanc, 2004, p. 230. 486 Idem, ibidem. 487 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 171. 488 Idem, p. 173. 489 Idem, p. 174.

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forma consumada ou tentada é decidida ante um procedimento complexo e,

muitas vezes confuso. Portanto, em muito se simplifica a adequação do fato à

norma com o uso dos critérios acima referidos.

Por certo, resta um questionamento, pois se a análise dos requisitos é

feita após a decisão sobre a subsunção do fato ao tipo legal, determinando-se a

tipicidade legal, como se pode utilizar estes critérios aqui trabalhados?

Uma hipótese que se aventa como sugestão, refere-se se opção de

aplicar o complexo processo de determinação através da análise das causas e

concausas na segunda etapa acima explicada, não obstante seja procedimento

inútil, e assim determinar a tipicidade legal, fazendo uso da terceira etapa apenas

como confirmação de sua conclusão, como corretivo, a fim de determinar

acertadamente a tipicidade penal do evento sob julgamento.

De outra maneira pode-se agir também. Esta consiste em realizar a

segunda etapa utilizando-se da conditio sine qua non para determinar apenas se

há nexo físico entre conduta e resultado, ou seja, para determinar se a atuação do

agente é causa do resultado, entretanto aí cessar o questionamento sobre causas

e concausas, para análise na terceira etapa.

Alternativa de uso dos critérios de forma diversa é sugerida por BUSATO,

para quem os critérios devem ser utilizados como “critério axiológico de

imputação vinculado ao tipo objetivo de ação”490.

Pode-se indagar neste ponto como pode então suas idéias servirem à

demonstrada pretensão de se manter o conceito de conduta finalista. Explica-se.

Ora, para tanto basta que primeiramente a ação como elemento da teoria do

crime seja deslocada no ponto central que lhe é atribuído no finalismo e passe a

ocupar locus diverso, sendo vista como integrante do tipo. Além disso, também é

necessário que se aceite a análise dos elementos subjetivo e objetivo de forma

inversa, ou seja, que se admita a “objetivação do tipo”491.

A respeito dessa objetivação BUSATO argumenta que a inversão da

análise não se traduz na rejeição ou descarte da observação do componente

subjetivo, “quer seja sob forma de tipo objetivo, como na doutrina tradicional

490 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 165. 491 Idem, p. 175.

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[ligadas às idéias finalistas] quer seja sob a forma da pretensão de ilicitude

referida por Vives”492.

Esclarecida a questão que poderia parecer demonstração de incoerência,

passa-se a explicar a fórmula oferecida por BUSATO para a aplicação dos

referidos critérios.

Parte o autor da idéia de que os critérios de criação e realização do risco,

porque “marcadamente axiológicos”, devem ser aplicados de maneira a

complementar a causalidade por ocasião da investigação da submissão do fato

analisado à norma493.

Observa ele que o tipo possui o desvalor da ação e do resultado, que são

correlacionados ente si, de modo que é definido esse desvalor com a soma da

causalidade material aos critérios utilizados na exposição da hipótese de

aplicação anterior (criação do risco e realização deste)494. Aliás, consigne-se que

a escolha dos critérios aplicáveis contou com a influência de suas lições.

Sobre a causalidade, tem-se que esta deve funcionar como um “limite

negativo da imputação”495, não devendo ser acolhida como absoluta, pois é

apenas “um hábito da mente”496, cujo acatamento deveu-se às influências das

preleções de Glaser e Von Buri497.

Consiste ausência do nexo causal em impossibilidade de imputação

porque, não obstante, seja um hábito da mente, é determinado pela “freqüência e

probabilidade de repetição de fenômenos”498, portanto, se ausente esta

freqüência e, logo, diminuída a probabilidade, não se poderá perceber uma

causalidade 499.

Quanto aos critérios que, em sua visão, repita-se adota neste trabalho,

devem ser utilizados, tece algumas exposições que se resume a seguir.

No que tange à criação de risco, BUSATO explica que não deve contar

com aceitação de caráter genérico, porque segundo ele “a inclusão de coisas

muito distintas dentro de um patamar genérico conduz inarredavelmente a

492 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 176. 493 Idem, p. 166. 494 Idem, p. 166. 495 Idem, ibidem. 496 Idem, p. 167. 497 Idem, p. 166. 498 Idem, p. 167. 499 Idem, p. 167.

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distorções”500. Ademais, ressalva que criação de riscos, bem como consentimento

da vítima, não podem contar com igual aplicação em face da diversidade de tipo,

que, frise-se, contam com objetos de proteção e, também, com ações e

resultados lesivos por vezes totalmente diversos, como o homicídio e a injúria501.

Assim, motivado pelas citadas diferenças, explica que o critério em

apreço deve ser avaliado de acordo com a situação sob julgamento e com a

sociedade moderna em que se vive502.

Sobre a realização do risco criado, BUSATO ensina que, como já exposto

anteriormente, trata-se de casos onde criado o risco não se realiza no resultado,

dada a interferência de outro risco que na verdade é o gerador do resultado503.

Como exemplo traz o caso onde a vítima que atingida por um disparo de

arma de fogo, é socorrida por terceiros, mas a caminho do hospital, ao ser

transportada em uma ambulância, sofre um acidente no trânsito que lhe causa a

morte504.

Ou seja, o agente, de fato criou um risco superior aos limites tolerados

pela ordem social, mas o resultado não se traduziu na realização deste risco, pelo

que não se justifica sua punição.

Como se pode perceber, ambas as alternativas apresentadas permitem a

aplicação de critérios extraídos da teoria da imputação objetiva sem que seja

necessária a formulação de uma nova teoria do crime, como sustentam alguns

autores, tampouco que se abandone o conceito de ação oferecida pelo finalismo.

Portanto, a adoção de uma ou outra em nada tumultuaria a aplicação do direito

penal, ao contrário, não só traria facilidades e soluções mais condizentes com a

realidade, principalmente em alguns casos intrincados, bem como permitiria sua

adequação aos preceitos e finalidades que persegue, ou deveria perseguir.

Assim, dessume-se da explicação dada sobre o emprego do novo

instrumental a sua conseqüente validade. Porquanto, o fim a que se destina é

atendido. É dizer, valer-se do referido instrumental por ocasião da prolação da

sentença, é fazer cessar a incidência da tipicidade, impedindo dessa forma

punições descabidas e sem conexão com a realidade fática. 500 BUSATO, Paulo César. Fatos e mitos sobre a imputação objetiva. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 168. 501 Idem, p. 172. 502 Idem, p. 173. 503 Idem, Ibidem. 504 Idem, p. 174.

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Em suma, a aplicação de critérios axiológicos, externos à legislação, mas

devidamente conectados com as regras gerais da sociedade transmoderna, no

caso de criação e realização do risco, em especial pelo magistrado no momento

de exarar a sentença, está intimamente ligada é garantir de um lado o cidadão de

arbitrariedades do poder Estatal e, de outro, resguardar o próprio direito,

mantendo-o como ordem e não como mero exercício de poder.

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CONCLUSÃO

1) A imputação do resultado sofreu alterações ao longo da história, sempre

estando em conexão com a ciência e filosofia orientadora de cada época. Em

tempos mais distantes o resultado era componente do conceito de ação, de modo

que relevante era investigar nos casos sob análise se era possível imputar os

resultados danosos ao autor como obra sua. Assim, a conduta humana não

possuía conceito autônomo sendo por isso de absoluta prevalência a imputação.

2) Em PUFENDOR houve significativa mudança em relação à imputação,

pois suas colocações dogmáticas fizeram que a imputação passasse a possuir

dupla limitação, uma relacionada à exclusão da imputação em razão de caso

fortuito, acaso ou mera causalidade (imputatio facti) e outra correlata à vinculação

da imputação à vontade do autor da ação (imputatio juris).

3) Na dogmática do século XIX a análise do crime ainda destinava-se a

determinar o caminho a ser observado para que se pudesse imputar o fato ao

agente. CARRARA, por exemplo, conceituava o crime como infração e não como

ação, o que reforça que conduta, imputação e resultado estavam agrupados em

um mesmo conceito, que na verdade referia-se ao crime.

4) O período hegeliano trouxe substancial produção para a imputação,

porque se questionou o que poderia ser imputado ao autor como obra sua,

objetiva e subjetivamente, separando-se em imputação como injusto e como

culpabilidade. Porém, apresentava uma problemática para a dogmática do direito

penal, pois acabava por não abranger os delitos culposos, vez que nestes, como

se sabe, o resultado não integra a vontade do agente, tendo em conta que a

finalidade da conduta sequer tinha correlação com o resultado que acabava por

sobrevir, mas a falha era suprida por critérios normativos que possibilitavam

atribuir vontade ao agente mesmo nos referidos delitos.

5) Em 1880 teve início da teoria causal-naturalista desenvolvendo-se a

partir de então e dominando os posicionamentos dos doutrinadores por

aproximadamente três décadas. A referida teoria encontrava sua raiz na filosofia

positivista-naturalista, vez que à época predominava o pensamento que vinculava

o status científico à possibilidade de se demonstrar a veracidade das assertivas

científicas a critérios próprios dos saberes atinente às ciências exatas e naturais.

Sob essa influência o crime foi reduzido a uma simples relação de causa e efeito,

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de conseguinte, também assim o foi o estudo da ação e da imputação tanto desta

quanto de seu resultado ao autor da mesma. A redução conceitual ocorreu em

razão do intuito de preservar o caráter de ciência do direito penal e também de se

ter a definitiva e necessária separação entre o processo causal externo e os

elementos internos, os quais representavam a culpabilidade.

6) Surge então a teoria da equivalência das condições, ou conditio sine qua

non, a qual até os tempos atuais tem predomínio na doutrina penalística, bem

como na legislação e jurisprudência de muitos países. Nesta entendia-se por

causa toda condição sem a qual determinado resultado não seria produzido.

Como se vê, faz-se um juízo de equivalência de todos os antecedentes do evento,

sendo que cada causa parcial é interpretada de maneira independente, ainda que

só se tenha a realização do resultado mediante a combinação com várias outras.

A fim de determinar se uma conduta havia causado determinado resultado usava-

se o processo hipotético de eliminação mental. A utilização da teoria era

responsável pela determinação do nexo causal e, também, pela imputação que é

em verdade nexo jurídico.

7) Várias são as críticas à conditio sine qua non, citando-se algumas: a

possibilidade de regresso ao infinito; sua inutilidade frente à causalidade

hipotética, alternativa e cumulativa e na hipótese de caso onde ocorra de nexo

causal anômalo; a impossibilidade de verificação de nexo nos delitos omissivos.

8) Sob a influência de KANT há uma ruptura com os métodos resultantes

da dogmática positivista naturalista, vez que permitiu ao direito retomar a

estrutura axiológica com a qual trabalha o direito penal. Assim, os eventos não

possuíam relevância enquanto acontecimento no mundo natural, mas tão

somente quando passível de compreensão e valoração, ou seja, enquanto

conduta desvalorada no plano normativo. A partir do citado racha e conseqüente

alteração metodológica, da modificação do conteúdo do conceito do crime, da

própria análise da ação e da omissão, dos elementos do tipo, os requisitos para a

imputação do resultado ao agente são alterados, pois novas teorias de conteúdo

diverso da anterior são criadas. Surgem então novas teorias, dentre elas a teoria

da causalidade adequada (nesta constituía causa a conduta que se pudesse

considerar apta a acarretar um resultado típico, e tal determinação era efetivada

através da previsibilidade de que tal comportamento poderia ter como

conseqüência o resultado) e a da relevância típica (objetivava obter congruência

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entre a causalidade natural e a jurídica, sendo a relevância correlata à

interpretação do tipo correspondente).

9) Na segunda década do século passado surgiram duas teorias acerca da

imputação do resultado, uma desenvolvida por KARL LARENZ e outra por

RICHARD HONIG. Para o primeiro o questionamento acerca da imputabilidade

consistia na investigação da presença de liame entre a vontade e o fato e a

possibilidade de previsibilidade objetiva, de modo que se concluído pela análise

de um caso que ambos os requisitos estavam presentes, a imputação ao agente

da conduta era devida. HONIG transportou e adequou as idéias de seu

antecessor para o direito penal. Segundo suas lições apenas as relações causais

orientadas pela vontade humana (previsão e direção) possuíam relevância

jurídica. Assim, somente resultados incluídos na previsão e orientados pela

vontade poderiam ser imputados a seus autores e, ainda, só a imputação no

plano objetivo consentia a afirmação da tipicidade de uma ação. Portanto, era

esta imputação objetiva do resultado pressuposto da tipicidade do

comportamento.

10) A dogmática finalista cujo desenvolvimento iniciou-se por WELZEL na

década de 30 do século passado, em razão da insuficiência das teorias da ação

precedentes e com o fito de romper com o pensamento neokantista que

estabelecia absoluta separação entre o mundo do ser e do dever ser. Nesta se

almejou acima de tudo a criação de um conceito analítico de crime, além da

imposição de limites ônticos ao legislador. Assim conceituou a ação como um

fazer final.

11) A imputação passa por orientações diversas. Numa primeira fase, havia

a teoria da adequação social, a qual para alguns autores é o segundo pilar da

teoria welzeliana, esta observava que não poderiam ser punidas ações

meramente causais, mas somente aquelas que não fossem consideradas

socialmente adequadas, sob pena de serem a ação, a causalidade e mesmo o

resultado abstrações distantes da realidade, pois não se estaria levando em conta

o marco na vida social que representavam.

12) Mais adiante, como efeito dos embates entre a teoria finalista da ação e

a causal-naturalista, WELZEL passa a adotar a conditio sine qua non no que

tange à causalidade e, também de imputação, porém aliando a finalidade da ação

à dita teoria a fim de melhor delimitar a sua abrangência.

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13) A imputação do resultado na dogmática funcionalista tem diferentes

orientações, porque diversos são os critérios utilizados e suas interpretações. Isso

se dá em razão da diferente visão de seus criadores acerca dos fins do direito

penal e da pena. Aliás, não se trata de uma teoria, mas de algumas, o que motiva

vários penalistas a entenderem-na como um grupo de critérios que ainda não

podem ser denominados de teoria, tampouco tem a magnitude que lhe tem sido

dada.

14) Em razão do descontentamento em relação aos muitos problemas

advindos da conditio sine qua non pretendem os autores uma superação do

ontologicismo derivado da teoria da equivalência dos antecedentes. Deixa-se de

fazer a atribuição de um feito a seu autor em razão exclusiva das leis da natureza,

complementando-a com os critérios normativos extraídos do contexto social e

seus valores. Ou seja, passa-se da análise da causalidade natural para a

observação da relevância jurídico-penal desta, com conseqüente averiguação da

possibilidade de imputação normativa do resultado.

15) A localização da teoria da imputação objetiva na teoria do crime não

conta com unanimidade na doutrina. Entretanto, mais adequado situá-la no tipo,

dada sua importância e de suas funções, em especial do caráter de garantia que

possui. A limitação oferecida pela teoria da imputação objetiva do resultado,

porque transcendente aos critérios da equivalência das condições, representa um

óbice às possibilidades de subsunção do fato à norma, que antes restava

demasiadamente extensa no plano objetivo, e isto, em razão da adequação do

direito penal e com as situações da vida na sociedade transmoderna, pois que

evita eventuais injustiças ao determinar critérios imputativos na esfera objetiva da

tipicidade.

16) A sociedade atual impõe o convívio com riscos decorrentes da

evolução de tecnologias e sua utilização. Por isso, entretanto, há um preço que

deve ser arcado por todos os componentes da sociedade, porque que devem

tolerar alguns riscos e rechaçar outros. Conseqüentemente, o direito deve tolerar

e repudiar riscos, porque não cabe a esta ciência impedir os progressos,

tampouco pode este ser distante da realidade social que regulamenta e controla.

17) Os critérios de imputação objetiva de CLAUS ROXIN foram

desenvolvidos dentro de sua proposta para a finalidade do direito penal e da

pena, portanto da sua correlação com os fins da moderna teoria da pena, de

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modo que a política criminal e o direito penal devem estar em sintonia, a fim de

contar com legitimidade e efetividade.

18) A teoria da imputação objetiva do resultado do professor de Munique

destinada aos delitos de dano, feita em conjunto da ação e do resultado, foi

desenvolvida em duas fases, mas em sua atual concepção apresenta uma gama

de critérios que poderiam ser reduzidos a dois, a criação de um risco proibido e a

realização do risco no resultado, porque as excessivas subdivisões por ele

realizadas induzem mais a confusões que a soluções dos problemas enfrentados

pela impossibilidade de atendimento do tema pela conditio sine qua non. Insta,

ainda, observar que não pretende a exclusão da análise da causalidade, mas

apenas com sua teoria complementa-la.

19) Igual a ROXIN, JAKOBS determina seus critérios de imputação objetiva

em face de suas considerações sobre a função do direito penal, que em sua

opinião é destinado a assegurar as expectativas, ou ao menos restabelecer as

expectativas contidas nas normas, baseando-se na prevenção geral positiva. Para

ele a teoria do delito transforma-se em teoria da imputação. O direito penal ante a

teoria por ele desenvolvida acaba desconsiderando o homem como centro a

quem o direito deve servir, dele retirando o traço humanista. A imputação objetiva

do professor de Bonn é feita mediante processo dualista, primeiro tratando-se da

imputação do comportamento e depois do resultado. Quanto a seus critérios,

cabem as mesmas críticas oferecidas a ROXIN, além é claro de que em razão de

sua orientação voltada ao sistema não pode contar com aplicação em um direito

penal que se pretenda humanista.

20) A imputação do resultado no direito penal brasileiro ainda se encontra

norteada pela teoria da equivalência das condições, em que pese suas

insuficiências, bem como o fato de que se destina a determinar nexo causal e não

jurídico. Mas, ainda assim, consta na legislação como teoria adotada para

determinar ambos os nexos. As limitações aos excessos daí dimanados são

delimitados por processos complexos e confusos, como a identificação de causas

e concausas absoluta ou relativamente independentes.

21) A doutrina brasileira ainda não foi plenamente desenvolvida acerca da

teoria da imputação objetiva, havendo no mais das vezes recusa em aceita-la

pela má compreensão do tema, ou mesmo por desconhecimento absoluto.

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Todavia, há autores que com algumas restrições e alterações acatam a adoção

dos critérios de uma teoria da imputação objetiva.

22) A recepção dos critérios da teoria da imputação objetiva do resultado

não é incompatível com o finalismo, principalmente diante do pouco

desenvolvimento do tipo objetivo que apresenta. Tampouco a adoção de critérios

da teoria a formulação de nova teoria do crime como crêem alguns. Inclusive é

possível, independente dos critérios que se venha a adotar, manter o conceito

welzeliano da ação. A manutenção não é sé viável como de suma importância em

razão da função do conceito de conduta como elemento garantista.

23) Levando-se em conta que conditio sine qua non é insuficiente para

resolver acertadamente as questões pertencentes à imputação do resultado, em

especial em uma sociedade de risco, forçosa é a admissão de que um novo

instrumental deve ser criado para complementar a teoria da causalidade, assim

corrigindo a tipicidade.

24) Os critérios da criação do risco e da realização deste são os mais

adequados para a necessária adoção, não só pela quase total anuência dos

doutrinadores que defendem a referida adoção, mas pela capacidade que

apresentam em solucionar boa parte dos casos em que a conditio sine qua non

necessita de complementação.

25) A utilização dos critérios da maneira que se achou conveniente devem

ter atenção a três pontos: 1º) a utilização do instrumental é direcionada aos

crimes de resultado; 2º) o conceito de conduta finalista será mantido pelas razões

já expostas; 3º) os critérios de criação e realização do risco oferecidos por

ROXIN, com as devidas adaptações, serão utilizados na tarefa de delimitar a

incidência da tipicidade, conforme seu cabimento em cada caso.

25) É possível atender às exigências metodológicas do finalismo e às

necessidades da sociedade transmoderna. Aplicando-se os critérios selecionados

de forma semelhante ao método usado por PIERANGELI E ZAFFARONI ao

utilizar a tipicidade conglobante. O emprego deve ser realizado com obediência às

seguintes etapas: 1ª) Indaga-se acerca da presença de uma conduta comissiva

ou omissiva, porque esta constitui o primeiro substrato da teoria do delito. Em se

obtendo reposta positiva, passa-se ao estágio seguinte; 2ª) Investiga-se sobre a

existência dos elementos subjetivos (crimes dolosos) ou normativos (crimes

culposos) do tipo e depois dos objetivos, de modo a concluir se nos termos exatos

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daquela situação a integral subsunção do fato à norma típica se perfaz. Se assim

for, se estará diante da tipicidade legal e, então, faz-se a análise da etapa final;

3ª) Como último passo, perscruta-se se o agente sob julgamento criou um risco

proibido e se este risco se realizou no resultado. Caso se constate a ocorrência

dos critérios anteditos, concretizada está a tipicidade penal, logo o segundo

substrato da teoria do crime. Se ao revés, por evidente, é caso de não incidência

do tipo.

26) A outra forma de se adotar e aplicar a criação e realização do risco é,

após verificada a presença da causalidade, utilizá-los como critérios axiológicos

de imputação vinculado ao tipo objetivo. Para tanto, mantendo-se o conceito de

ação final, desloca-a da posição de elemento central da teoria do crime,

passando-a a integrante do tipo. Além disso, a análise dos elementos subjetivo e

objetivo de forma inversa, ou seja, indaga-se primeiro sobre o tipo objetivo.

27) A aplicação dos referidos critérios pelo como novo instrumental é

absolutamente proveitosa, pois com isso por ocasião do julgamento de um delito,

o magistrado ao exarar a sentença poderá excluir a tipicidade onde esta

apresenta incoerência com a realidade. Assim, garante-se concomitantemente o

cidadão de arbitrariedades do poder Estatal e o próprio direito, mantendo-o como

ordem e não como mero exercício de poder.

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