UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO PROGRAMA DE … · a 25 de julho de 2015, quanto ao preenchimento...
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UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAO
GESTO EM SISTEMAS DE SADE
APLICAO DE CHECK LIST AMPLIADO PARA DETECO DE INCIDENTES
DE SEGURANA DO PACIENTE EM MEDICINA PERINATAL
MARIA APARECIDA DOS SANTOS TRAVERZIM
So Paulo
2015
Maria Aparecida dos Santos Traverzim
APLICAO DE CHECK LIST AMPLIADO PARA DETECO DE INCIDENTES
DE SEGURANA DE PACIENTES EM MEDICINA PERINATAL
USE OF EXTENDED CHECK LIST FOR THE DETECTION OF PATIENT SAFETY
INCIDENTS IN PERINATAL MEDICINE
Dissertao apresentada ao Programa de Mestrado Profissional
em Administrao: Gesto em Sistemas de Sade da
Universidade Nove de Julho Uninove, como requisito parcial
para a obteno do grau de mestre em Administrao.
Orientadora: Profa. Dra. Marcia Cristina Zago Novaretti
So Paulo
2015
DEDICATRIA
A minha filha Sophia razo de tudo que eu
fao, ao meu marido Decio pelo apoio
incondicional, a minha me Maria por ser
sempre o ponto de partida, ao meu pai
Faria, que embora no mais fisicamente
presente sempre foi e ser meu maior
incentivador e ao meu irmo Luciano, que
sempre est ao meu lado quando preciso.
AGRADECIMENTO
A Deus por ter me dado fora e sade para eu enfrentar todas as dificuldades.
A esta Universidade, na figura de nossa pr reitora professora Maria Cristina
Storpoli, por ter me dado a oportunidade de cursar esse mestrado que tanto me engrandeceu
como pessoa e como profissional.
A minha orientadora professora Marcia Novaretti, que me guiou durante todo esse
percurso, pois sem ela tenho convico que nada disso seria possvel. Professora Marcia
obrigada por sua pacincia, sua dedicao, suas incansveis correes, enfim por ser dessa
forma que a senhora , saiba que sem a sua ajuda e orientao nunca teria chegado at aqui.
A todo o corpo docente do Programa de Mestrado Profissional em Administrao
Gesto em Sistemas de Sade, por nesses dois anos terem compartilhado comigo toda a sua
sabedoria tentando dia a dia tornar-me uma melhor profissional.
Aos meus colegas de mestrado, que se tornaram no s amigos, mas sim uma famlia
que sabiam me apoiar e me incentivar, quando o cansao e o desamino insistiam em aparecer.
Ao meu grande amigo Sergio Makabe, que foi meu maior incentivador para que eu
seguisse a carreira acadmica, posso te dizer meu amigo que com toda a certeza valeu a pena.
A meu marido Decio e minha filha Sophia, que souberam dividir meu tempo com os
perodos de estudo.
A minha me Maria e meu pai Faria que nunca pouparam esforos para eu seguir meu
caminho nos estudos.
A meu irmo Luciano, que muitas vezes ficou comigo me ajudando na confeco das
tabelas do meu trabalho, ou levando minha filha para brincar para que eu tivesse tempo para
estudar.
Enfim a todos que participaram diretamente ou indiretamente na confeco desse
trabalho, que muito me honra ter realizado.
O estudo de todas as virtudes, a que mais contribui para a nossa
felicidade, pois a nica que no nos faz depender dos outros.
Professora Jlia em homenagem a sua filha Marcia Novaretti
RESUMO
A segurana do paciente uma dimenso de qualidade que tem recebido ateno crescente
nos ltimos anos. A deteco de incidentes na rea tem como objetivo melhorar a qualidade
da assistncia. Os incidentes e eventos adversos (EAs) deveriam ser relatados
espontaneamente para que haja aprendizado e criao de barreiras para que no se repetam;
porm, o receio de processos judiciais e punies leva a subnotificao. O objetivo deste
estudo avaliar sua incidncia no perodo perinatal com o uso de um check list ampliado. A
pesquisa utilizou o mtodo indutivo, abordagem emprica com carter exploratrio, descritivo
e transversal, e como estratgia a pesquisa-ao. Foram averiguados os atendimentos
prestados a pacientes internadas na unidade de medicina perinatal, no perodo de 25 de junho
a 25 de julho de 2015, quanto ao preenchimento adequado do partograma, dados do
pronturio materno e do recm-nascido (RN). Tambm foi averiguado se a me apresentou,
durante a internao na unidade: rotura uterina, alterao da via de parto durante o
procedimento, retorno sala cirrgica durante a internao ou ps-alta hospitalar, parto
instrumental, intercorrncias no perodo puerperal ou morte materna. Entre os RNs, verificou-
se a ocorrncia de trauma neonatal devido ao parto, Apgar menor que 7 e morte com peso
superior a 2.500g, alm de investigao da vitalidade fetal adequada. Para me e recem-
nascido, verificou-se se foi seguido o protocolo clnico da instituio e transfuso de
heomcomponentes. Tambm avaliamos se esses componentes do check list, quando presentes,
estavam relacionados a incidentes ou EAs no atendimento. O total de pacientes estudadas no
perodo foi de 249, sendo detectados 97 EAs (38,9%). Destes, 27 (27,8%) foram detectados
pelos trigger points tradicionais e 70 (72,8%) pelo check list ampliado. O ndice de Apgar
menor que 7 no quinto minuto foi detectado em 11 (11,3%) do total de EAs e 7 RNs (7,2%
dos eventos) apresentaram algum tipo de trauma devido ao parto. 4 RNs (4,1%) foram
admitidos na UTI com menos de 24h de nascimento. Observou-se que duas pacientes (2%)
tiveram que ser submetidas a nova interveno cirrgica e que uma delas ainda continua em
tratamento ambulatorial na unidade. Duas (2%) apresentaram laceraes de terceiro/quarto
grau e uma (1%), rotura uterina diagnosticada no momento da cesrea. No check list ampliado
detectamos falhas de medicamentos como causa de 20,6% de todos os EAs. O nmero de
inobservncia de protocolos clnicos da instituio tambm se mostrou com elevada
incidncia (39,2%). Nove pacientes (9,3%) apresentaram intercorrncias no puerprio, duas
(2,1%) necessitaram de interconsulta e uma (1%) de intercorrncia anestsica.
Palavras-chave: incidentes de segurana, evento adverso, parto, recm-nascido, perinatal.
ABSTRACT
Patient safety is one of the dimensions of quality that has received increasing attention in
recent years. The incident detection in patient safety aims to improve the quality of patient
care. Incidents and adverse events (AEs) of patient safety should be reported spontaneously
contributing for the apprenticeship and to create barriers so that they would not be repeated,
but the fear of prosecution and punishment cause its underreporting. The objective of this
study was to evaluate the incidence of patient safety incidents in the perinatal period with the
use of an extended check list. This research used the inductive method, empirical approach
with exploratory, descriptive, cross and as a strategy action research. Population sample was
composed by admitted patients in the perinatal unit from June 25th to July 25th, 2015.We
evaluated in maternal registry for proper completion of partogram, the patient chart and
newborn data. We looked for: uterine rupture, changing the delivery type, returning to the
operating room during hospitalization or after discharge, instrumental delivery, complications
in the postpartum period, maternal death. In the newborn chart we collected information on
neonatal trauma due to childbirth; research proper fetal vitality; Apgar score less than 7, and
death of newborns weighing more than 2,500 g, and mother / newborn (NB). For both we
looked for the detection of failure to follow the clinical protocol and blood components
transfusion. We also evaluated whether these components of the check list were related to
incidents or EAs in health care assistance. The total number of patients studied in the period
was 249 patients, and we detected 97 AEs (38.9%). Of EAs, 27 (27.8%) were detected by
traditional trigger points and 70 (72.8%) extended check list. The Apgar score less than 7 at
the fifth minute was detected in 11 (11.3%) of all EAs and seven newborns (7.2% of events)
had some type of trauma due to childbirth, 4 NB (4, 1%) were admitted to the ICU with less
than 24 hours of birth. It was noted that two patients (2%) had to undergo to further surgery
and one of them is still in outpatient treatment in the unit. Two patients (2%) had lacerations
third / fourth degree and one patient (1%) uterine rupture diagnosed at the time of cesarean
section. In the extended check list we detected failure in medicines in 20.6% of all AEs. In
this study we observed a high incidence of clinical protocols violation (39.2%). Nine patients
(9.3%) had complications in the postpartum period, two (2.1%) required liaison and one
patient (1%) anesthetic complications.
Keywords: security incidents, adverse event, childbirth, newborn, perinatal.
SUMRIO
1 INTRODUO .................................................................................................................. 9
1.1 PROBLEMA DE PESQUISA ......................................................................................... 14
1.1.1 Questo de pesquisa ..................................................................................................... 18
1.2 OBJETIVOS .................................................................................................................... 18
1.2.1 Geral ............................................................................................................................. 18
1.2.2 Especficos .................................................................................................................... 19
1.3 JUSTIFICATIVA PARA ESTUDO DO TEMA ............................................................ 19
1.4 ESTRUTURA DO TRABALHO .................................................................................... 23
2 REFERENCIAL TERICO ........................................................................................... 24
3 MTODO E TCNICA DE PESQUISA ....................................................................... 57
3.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA ............................................................................... 57
3.2 PROCEDIMENTOS DE COLETA DOS DADOS ......................................................... 62
3.3 PROCEDIMENTOS E ANLISE DE DADOS ............................................................. 63
3.4 LIMITAES DA PESQUISA ...................................................................................... 64
4 ANLISE E INTERPRETAO DOS RESULTADOS ............................................. 65
5 CONTRIBUIES PARA A PRTICA ....................................................................... 81
6 CONCLUSES E RECOMENDAES ...................................................................... 82
REFERNCIAS ..................................................................................................................... 83
7 APNDICE ....................................................................................................................... 94
APNDICE A: CHECK LIST AMPLIADO PARA DETECO DE INCIDENTES DE
SEGURANA PERINATAL. DEVE SER PREENCHIDO POR OCASIO DA
ALTA/BITO DA PURPERA/RECEM-NASCIDO ............................................................ 94
8 ANEXOS ........................................................................................................................... 96
9
1 INTRODUO
A obstetrcia a uma especialidade da medicina que tem por finalidade o estudo dos
fenmenos reprodutivos na mulher. Portanto, est relacionada gestao, ao parto e ao
puerprio (Montenegro e Rezende, 2010). A palavra obstetrcia vem do latim e originria do
verbo obstare, que significa ficar ao lado. Na viso contempornea, a obstetrcia preocupa-
se com a reproduo humana. Essa especialidade deve promover a sade da gestante bem
como de seu feto por meio de cuidados pr-natais de qualidade, os quais consistem na
identificao e no tratamento das complicaes, na superviso do trabalho de parto e do
nascimento, na ateno mdica ao recm-nato e na conduo do puerprio. Envolve cuidados
de acompanhamento capazes de promover sade e de prover opes de planejamento familiar
(Cunningham, Leveno, Bloom, Hauth, Rouse & Spong, 2012).
Vrios parmetros relacionados evoluo materna e infantil so considerados
indicadores de qualidade de vida e de sade nas sociedades humanas; portanto, ndices
insatisfatrios esto associados a cuidados de sade deficitrios populao (Cunningham,
Leveno, Bloom, Hauth, Rouse & Spong, 2012).
As maternidades so organizaes de sade de caractersticas peculiares, pois, alm de
cuidarem de dois indivduos simultaneamente, prestam assistncia, em grande parte, para o
binmio me-filho sem que estes apresentem quaisquer patologias. Assim, a gestao e o
parto, embora sejam processos fisiolgicos, por vezes necessitam de intervenes que devem
ser avaliadas minuciosamente considerando-se o risco/benefcio para me e filho (Sousa &
Mendes, 2014).
As organizaes de sade vm progressivamente incorporando processos e medidas
para que a assistncia seja cada vez melhor. Para tanto, vrias instituies tm buscado a
acreditao/certificao de qualidade para testar a segurana dos processos assistenciais.
Ainda assim, falhas na segurana do paciente tm sido documentadas. Tais falhas so de
naturezas e gravidades diversas, podendo causar dano ao paciente (tambm chamado evento
adverso) ou mesmo bito.
A discusso sobre como os eventos adversos (EAs) podem ser responsveis pela morte
de pacientes nas unidades hospitalares comeou a ganhar grande notoriedade em 2000, com a
publicao da obra To err is human (Errar Humano), que demonstrava que os cuidados de
sade nos Estados Unidos no eram to seguros como se supunha e como poderiam ser.
10
Estimativas mostravam que, poca, deviam ocorrer entre 44.000 a 98.000 mortes nos
hospitais americanos a cada ano, resultado de erros mdicos que poderiam ter sido evitados.
Assim, mesmo se considerarmos a estimativa mais baixa, os erros mdicos evitveis nos
hospitais excedem as mortes atribuveis a acidentes de carro, cncer de mama e Aids (Kohn,
Corrigan & Donalson, 2000).
Segundo o Institute of Medicine, altas taxas de erros levando a consequncias graves
so mais provveis de ocorrer em unidades de cuidados intensivos, salas de cirurgias e
servios de emergncia. Alm do alto custo em vidas humanas, estimou-se que, em 1999,
erros mdicos evitveis gerassem custos totais entre 17 e 29 bilhes dlares por ano em
hospitais do sistema norte-americano, segundo o relatrio Errar Humano. Os erros tambm
so caros em termos de perda de confiana no sistema de sade, diminuindo
consequentemente a satisfao tanto dos pacientes quanto dos profissionais que trabalham na
rea. A concluso do relatrio em 1999 foi que, poca, o know-how j existente poderia
impedir muitos desses erros. O documento tambm definia como objetivo mnimo uma
reduo de 50% dos erros ao longo dos cinco anos seguintes sua publicao. Em suas
recomendaes para atingir a meta, a comisso estabelecia um equilbrio entre as iniciativas
de regulamentao e de mercado e entre os papis de profissionais e organizaes. Uma das
principais concluses foi que a maioria dos erros no resultava de imprudncia do indivduo
ou de aes de um grupo em particular, mas sim causada por sistemas defeituosos, processos
e condies que levavam as pessoas a cometer falhas sem estarem preparadas para impedi-las
(Kohn, Corrigan & Donaldson, 2000).
Alberto Kaemmerer, diretor tcnico mdico-cientfico do Hospital Me de Deus,
localizado em Porto Alegre, em 2009 referia que:
Desconheo qualquer atividade que oferea mais risco vida humana do que o
BINMIO DOENA-HOSPITAL. Os hospitais, por mais seguros que sejam, so
locais perigosos. A medicina , portanto, permanentemente sujeita a riscos. Por
melhor que sejam os hospitais e seus mdicos, o risco jamais ser eliminado deste
tipo de atividade. Risco no sinnimo de erro, eis que o ltimo decorrente da
negligncia, impercia e imprudncia do modelo assistencial adotado. Por sua vez, a
medicina, ainda que para efeitos legais seja considerada como um curso terminal,
no um curso terminal, fato que torna incua a busca de solues no mbito
exclusivamente pedaggico que, mesmo quando equacionadas, no capacitam o
mdico na medida suficiente para o exerccio mais seguro da profisso.
A partir de 2004, a Organizao Mundial da Sade (OMS) passou a dar ateno
especial ao tema segurana do paciente, tendo lanado a Aliana para a Segurana do Paciente
(WHO, 2004). Com isso, vrias iniciativas tm sido desenvolvidas com o objetivo de divulgar
11
temas relacionados segurana do paciente, como a identificao correta do indivduo, a
cirurgia segura, medidas para aumentar o controle de infees associadas internao
hospitalar e higienizao de mos, entre outras. Em 2009, a OMS, a partir de relatrio que
analisa, detalhadamente, os incidentes de segurana do paciente, props uma uniformizao
das terminologias relacionadas ao tema, de classificao e de investigao desses incidentes
(WHO, 2009). Dessa forma, a OMS classifica como incidente de segurana do paciente um
evento ou circunstncia que pode resultar ou que resulta em dano desnecessrio ao paciente.
Dano entendido como um processo que traz prejuzos estrutura ou funes do organismo
e/ou qualquer efeito danoso resultante, como doena, leso, sofrimento, incapacidade, e em
casos extremos, at morte. O dano pode ser fsico, social ou psicolgico (WHO, 2009). Ainda
nesse contexto, os incidentes de segurana podem ser classificados como: ocorrncia
comunicvel, quando existe uma falha na assistncia, mas que no atinge o paciente (por
exemplo, h um equipamento quebrado mas que no utilizado); quase evento, quando o
dano no chegou a atingir o paciente, pois foi detectado antes que se completasse o processo
(por exemplo, uma medicao de um paciente que quase foi administrada em outro); evento
sem danos, quando, embora o paciente tenha sido afetado, no foram ocasionados danos
mensurveis (por exemplo, o medicamento prescrito a um paciente foi dado a outro que no
tinha a necessidade de utilizar-se do mesmo, porm sem acarretar prejuzo); incidente com
danos ou evento adverso, quando observado dano ao paciente (por exemplo, uma cirurgia
realizada do lado errado ou uma amputao de um membro por engano).
H vrias definies para o termo incidente de segurana (WHO 2011), como: dano
limitado a uma parte da unidade, incondicionalmente da falha continuar ou no no sistema;
eventualidade que atingiu o paciente devido, possivelmente, a um resultado clnico que se
refletiu como sendo nocivo ou potencialmente nocivo; desvio negativo do considerado como
o ideal do cuidado em uma unidade de sade, que pode ser exemplificado pela substituio
de medicamentos ou um tempo prolongado no qual o paciente deixe de receber cuidados.
No Brasil, a segurana do paciente tem sido objeto de aes do governo federal
desde 1 de abril de 2013, quando foi publicada a portaria 529 do Ministrio da Sade, pela
qual o pas normatiza o Programa Nacional de Segurana do Paciente (PNSP). O PNSP tem
quatro eixos: o estmulo a uma prtica assistencial segura; o envolvimento do cidado na sua
segurana; a incluso do tema no ensino; e o incremento de pesquisa sobre o tema, sendo que
a cultura de segurana do paciente elemento que perpassa todos esses eixos.
A portaria tambm estabelece os conceitos de cultura de segurana do paciente, tais
12
como: cultura na qual todos os trabalhadores, incluindo profissionais envolvidos no cuidado e
gestores, assumem responsabilidade pela sua prpria segurana e pela de seus colegas,
pacientes e familiares; cultura que prioriza a segurana acima de metas financeiras e
operacionais; cultura que encoraja e recompensa a identificao, a notificao e a resoluo
dos problemas relacionados segurana; cultura que, a partir da ocorrncia de incidentes,
promove o aprendizado organizacional e tambm que proporciona recursos, estrutura e
responsabilizao para a manuteno efetiva da segurana.
Apesar dessa normativa, infelizmente, h reduzido nmero de pesquisas a respeito de
EAs nos atendimentos hospitalares brasileiros at o momento (Carneiro, Bezerra, Camargo e
Silva, Souza, Paranagu & Branquinho, 2011; De Camargo Silva, Reis, Miasso, Santos &
Cassiani, 2013; Novaretti, Santos, Quitrio & Gallotti, 2014; Rosa & Perrine, 2003,
Nascimento, Toffoletto, Gonalves, Freitas & Padilha, 2008). No que se refere assistncia
obsttrica, o nmero ainda menor, mas imprescindvel que sejam envidados esforos para a
deteco de EAs e incidentes de segurana nessa especialidade, pois ocorrncias indesejadas
podem ocasionar danos em dois indivduos, o recm-nascido e sua me.
Acredita-se que cerca de 13,6% dos EAs na assistncia sade podem ocasionar a
morte do paciente, como observado no estudo Harvard Medical Practice Study e citado por
Zambon, 2012. Alm do mais, no perodo perinatal, estudos demonstram que a taxa de
mortalidade materna est relacionada diretamente qualidade da assistncia prestada no
perodo gestacional (Vega, 2001).
A morte materna pode ser avaliada como sendo um EA dos mais graves e
que na maioria das vezes evitvel. Dessa forma, torna-se necessrio promover
melhorias tanto na qualidade como na segurana dos cuidados prestados nas unidades
perinatais. Para tanto, de indiscutvel relevncia estabelecer o perfil dos EAs resultantes
dos cuidados assistenciais nessas unidades para a realizao das mudanas necessrias (Sousa
& Mendes, 2014).
A taxa de mortalidade materna no Brasil ainda elevada quando comparada quela
observada em outros pases de ndice de desenvolvimento humano (IDH) semelhante.
http://www.medicinanet.com.br/pesquisas/harvard_medical_practice_study.htm
13
Pas Posio IDH 2010 Taxa de mortalidade materna
Bsnia-Herzegovina 68 8
Macednia 71 10
Ir 70 21
Armnia 76 30
Ucrnia 69 32
Belize 78 53
Brasil 73 56
Maurcia 72 60
Gergia 74 67
Venezuela 75 92
Equador 77 110
FIGURA 1 - RELAO DE PASES, POSIO DE IDH 2010 E TAXA DE MORTALIDADE MATERNA.
Fonte: Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento e Index Mundi, 2010.
Segundo a OMS, a taxa de mortalidade materna ideal abaixo de 10/100.000
nascidos vivos, considerada aceitvel quando se encontra abaixo de 20/100.000 nascidos
vivos. No Brasil, segundo estimativa do Ministrio da Sade, a taxa de mortalidade materna
em 2013 foi de 69/100.000, sendo que a meta conforme a OMS era diminuir essa taxa at
2015 para 35/100.000 nascidos vivos.
Outro aspecto a ser considerado referente morbidade e mortalidade neonatal,
que podem estar relacionadas a falhas na assistncia durante a gestao ou durante o trabalho
de parto. A incidncia de morbidade e mortalidade neonatal decorrentes da hipxia perinatal
varivel em todo o mundo, atingindo 33/1.000 recm-nascidos vivos nos pases em
desenvolvimento. A maior parte dos casos de morbidade e mortalidade perinatal no pode ser
evitada apenas com monitoramento do trabalho de parto, porm a insuficincia de aes
apropriadas durante o perodo considerada um dos fatores causadores dessa
morbi/mortalidade (de Souza & Amorim, 2008). Em 2011, trabalho realizado em Belo
Horizonte (MG) por Martins, Rezende, Lana & Souza relatou vrias falhas no processo de
assistncia ao parto e nascimento em maternidades da capital mineira, levando a 65,6% dos
bitos perinatais no estado. Tais falhas ocorreram na admisso da gestante na maternidade
(avaliao incompleta e demora no atendimento), no seu acompanhamento durante o trabalho
de parto (intervalo dos controles materno-fetal superior ao recomendado, diagnstico tardio
das distocias do trabalho de parto e demora no manejo das complicaes). O elevado
percentual de falhas identificadas no processo de assistncia hospitalar ao parto e nascimento
em Belo Horizonte apontava j em 2011 que melhorias deveriam ser implantadas, desde a
14
admisso da gestante na maternidade at o atendimento ao recm-nascido na sala de parto
para diminuio da morbi/mortalidade neonatal.
Ainda que vrias estratgias tenham sido implementadas ultimamente na tentativa de
reduo da mortalidade materna, at o momento no houve sucesso. Desse modo, uma anlise
mais abrangente do problema, procurando focar no estudo das falhas da segurana perinatal,
pode contribuir para um diagnstico mais preciso da situao em maternidade brasileira e,
com isso, propiciar a elaborao de estratgias para a reduo do risco no binmio me-filho.
Embora a preocupao com a mortalidade seja uma constante no mundo e mesmo sabendo
que mortalidade e morbidade podem ser evitveis, no existem muitos estudos a respeito de
EAs na assistncia obsttrica.
1.1.1 PROBLEMA DE PESQUISA
A deteco de eventos adversos essencial para que no voltem a ocorrer, pois torna
possvel a criao de barreiras numa tentativa de evitar a reincidncia. Por vezes, por medo de
represlias e processos judiciais, profissionais tendem a no relatar espontaneamente a
ocorrncia de EAs e incidentes de segurana do paciente.
Vrias aes foram preconizadas aps a criao da Aliana Mundial da Segurana do
paciente em 2004 pela OMS, entre elas a criao de check list (figura 2).
15
Desafio Global para a Segurana do Paciente pressupe comprometimento e aes em segurana
do paciente para minimizao de risco em todos os pases. Em 2005, foi lanado o primeiro
Desafio Global para a Segurana do Paciente, focado na preveno e reduo de IRAS, com o
tema Uma Assistncia Limpa e uma Assistncia mais Segura. Em 2007, o segundo Desafio
Global de Sade do Paciente teve foco na segurana cirrgica, com o tema Cirurgia Seguras
Salvam Vidas.
Pacientes pela Segurana do Paciente assegura que a voz do paciente esteja no centro do
movimento pela sade em todo o mundo.
Pesquisa em Segurana do Paciente envolve estudos internacionais para o conhecimento da
natureza do dano ao paciente e desenvolvimento de ferramentas de preveno.
Taxonomia/Classificao Internacional para Segurana do Paciente desenvolve um sistema
internacionalmente aceito de classificao da informao em segurana do paciente,
promovendo efetivo aprendizado global.
Relato e Aprendizagem promovem ferramentas valiosas de notificao, analise, investigao e
abordagens que identificam fontes e causas de riscos, propiciando a realizao de aes de
aprendizado e preveno de eventos adversos.
Solues para Segurana do Paciente tratam de intervenes e aes prticas para preveno de
dano ao paciente.
Alto 5S difunde boas prticas para a mudana organizacional, clnica e de equipe, como
cuidados no preparo de solues concentradas de eletrlitos, controle da medicao nas
transies de cuidado, realizao de procedimentos corretos nos stios corretos, preveno de
falhas de comunicao durante a passagem de planto e preveno e reduo de IRAS.
Tecnologia para segurana do paciente foca na utilizao de novas tecnologias para promoo
da segurana do paciente.
Gerenciando conhecimento ira reunir e compartilhar conhecimentos sobre a evoluo mundial
da segurana do paciente.
Eliminando infeco da corrente sangunea associada a cateter central concentrara esforos
mundiais para aes de preveno, controle e eliminao deste tipo de infeco em servios de
sade.
Educao para cuidado seguro desenvolve guias curriculares para estudantes da rea da saude,
voltados para a segurana do paciente.
Prmio de segurana envolvera prmios internacionais de excelncia no campo da segurana do
paciente, impulsionando mudana e melhoria nesta rea.
Check lists para a rea da sade vm desenvolvendo outras listas de verificao de segurana em
servios de sade (aps averiguao do sucesso da Lista de Verificao de Segurana Cirrgica
na diminuio da morbidade e mortalidade de pacientes, tais como check lists para Influenza A
(H1N1), parto seguro e segurana do recm-nascido.
FIGURA 2: REAS DE AO DO PROGRAMA SEGURANA DO PACIENTE DA
OMS
16
Fonte:http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/f72c20804863a1d88cc88d2bd5b3ccf0/BO
LETIM+I.PDF?MOD=AJPERES
Os especialistas em obstetrcia e ginecologia esto cientes da necessidade de implementar
estratgias que melhorem a qualidade e segurana do paciente e, portanto, com essa
finalidade, dedicar-se amplamente e com empenho para atingir a melhoria ensejada. O
Colgio Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG) publicou, em 2009, manual sobre
a qualidade e melhoria na sade nos atendimentos prestados s pacientes obsttricas. Esforos
devem ocorrer para identificar e consequentemente prevenir erros obsttricos e, portanto,
causas de mortalidade e morbidade materna. O manual ACOG apresenta os objetivos de
segurana do paciente que ginecologistas-obstetras devem seguir quando praticam os
cuidados s pacientes e que incluem: o estabelecimento de uma cultura de segurana do
paciente, a implementao de prticas de segurana recomendadas de medicamentos, reduo
da probabilidade de erros cirrgicos, melhora da comunicao e cuidados de provedores de
sade e pacientes e priorizao da segurana durante os atendimentos ginecolgicos e
obsttricos. Apesar disso, esses objetivos so gerais e requerem mais investigao, foco e
direo para serem alcanados (Pronovost, Holzmueller, Ennen & Fox, 2011).
Aproximadamente 10% dos pacientes atendidos em estabelecimentos hospitalares
podero apresentar algum dano devido prestacao dos servios mdicos hospitalares. E
responsabilidade do profissional da rea procurar evitar que isso ocorra. No entanto, por
fatores diversos, inclusive receio de processos judiciais, poucos profissionais registram e, ao
final, analisam seus erros. Consequentemente, a aprendizagem decorrente a anlise daquele
erro e de seus fatores causais pode ficar comprometida. A primeira etapa para o
desenvolvimento de um mtodo eficaz para o desenvolvimento de uma cultura de seguranca
do paciente seria aumentar a visibilidade do dano e das falhas decorrentes dos cuidados de
saude (Lage, 2010).
Enfim, para a reduo da mortalidade infantil e perinatal no Brasil, so necessrias
medidas de aprimoramento em aes de sade, principalmente a melhoria do acesso e
qualidade da ateno pr-natal e ateno ao parto e nascimento. A adoo de medidas que
busquem a melhor qualificao da assistncia a gestante e ao recm-nascido de fundamental
importncia, adequando a estruturao dos hospitais e o monitoramento do trabalho de parto,
garantindo segurana no atendimento ao parto, conferindo um nascimento seguro e reduzindo
dessa forma a mortalidade perinatal de causas evitveis. A reestruturao do papel da ateno
17
dada parturiente no pr-parto, muitas vezes deixada em segundo plano no dia-a-dia do
trabalho dos hospitais e maternidades, de vital importncia, assim como a estrutura
adequada das maternidades, que precisam contar com equipe treinada e, sobretudo, disponvel
para prestar o cuidado necessrio. Como j descrito por Lansk e colaboradores em 2006:
De forma geral, o perodo entre o final da gravidez, o trabalho de parto e o momento
do nascimento no recebeu ainda a ateno merecida do sistema de sade. Neste
momento, o risco de resultados adversos para a mulher e a criana muito grande e
os fatores de risco mais significativos para a morte fetal e neonatal tambm afetam
profundamente a mortalidade materna, ainda muito elevada no pas. Ganhos mtuos
para a sade materna e perinatal podero ser alcanados, com reduo significativa
dessas mortes precoces, se as complicaes do parto e nascimento forem
antecipadas, reconhecidas e imediatamente atendidas, constituindo-se aes de
sade prioritrias para o pas (Lansk, Frana, Csar, Monteiro & Leal, 2006, p 217).
Porm, no se deve pensar apenas na mortalidade materna ou perinatal. Laurent, em
1988, j alertava que indicadores como a mortalidade matern, so apenas a ponta do iceberg,
pois h outro grande problema de maiores dimenses que a morbidade materna grave (quase
morte) ou near miss materno conceito que difere daquele utilizado na literatura sobre
segurana do paciente, neste contexto como quase erro. Quando falamos de mortalidade
materna, temos que discutir tambm os casos de morbidade, ou near miss materno, que seria,
segundo a OMS, o evento que levou a paciente a quase morte devido a uma complicao em
decorrncia da gravidez ou do parto ou num perodo at 42 dias ps-parto (WHO, 2009).
18
Fonte: Estrutura conceitual da abordagem do near miss WHO (2011)
1.1.1 Questo de pesquisa
De forma a direcionar a realizao do estudo, foi proposta a seguinte questo principal de
pesquisa: Como um check list ampliado pode ser usado para deteco de incidentes e eventos
adversos relacionados segurana do paciente em unidades perinatais?
1.2 OBJETIVOS
1.2.1 Geral
Detectar incidentes e eventos adversos relacionados segurana do paciente na rea de
medicina perinatal.
19
1.2.2 Especficos
a) Evidenciar quais so os principais incidentes de segurana do paciente e eventos
adversos na rea em questo;
b) Elencar estratgias de gesto com o propsito de diminuir a ocorrncia dos incidentes
de segurana do paciente;
c) Propor estratgias para o desenvolvimento de uma cultura de segurana, na qual os
incidentes e eventos adversos sejam relatados espontaneamente;
d) Elaborar instrumento de deteco de incidentes de segurana do paciente da rea
perinatal.
1.3 JUSTIFICATIVA PARA ESTUDO DO TEMA
Os efeitos de um evento adverso em obstetrcia podem ser fsicos, psicolgicos e
financeiros e ter um forte impacto sobre a criana, a famlia e os clnicos envolvidos. As
famlias podem ser encarregadas do cuidado de uma criana, que poder ter enormes
necessidades presentes e futuras, e seu nico recurso para a obteno de apoio financeiro para
atender a essas necessidades pode ser uma ao judicial contra o mdico e a instituio
responsvel pela ateno dos cuidados (Cherouny, Federico, Haraden, Gullo & Resar, 2005).
Em 2008, a OMS estabeleceu um programa de segurana do parto baseado em lista de
verificao, com o objetivo de determinar se uma ferramenta de baixo custo e de simples
aplicao poderia ser utilizado. Foi ento desenvolvido um check list, de acordo com a
metodologia previamente estabelecido e testada, para ser utilizado em dez pases da frica e
da sia. O programa Childbirth Check list da da OMS significou uma melhor prestao de
prticas essenciais de segurana por profissionais de sade na rea obsttrica. Alm disso,
considerava-se a possibilidade de estudos futuros para determinar se o programa poderia ser
implementado em maior escala e, assim, melhorar os resultados de sade perinatais (Spector,
Agrawal, Kodkany, Lipsitz, Lashoher, Dziekan, Bahl, Meriald, Lemer & Gawande, 2012).
Outro problema detectado na assistncia obsttrica trata da documentao incompleta do
cuidado, que no s impede a comunicao entre os prestadores, mas tambm muitas vezes
complica a defesa contra as alegaes de negligncia. Alm disso, uma documentao
incompleta ou ausente pode ser interpretada como falta de planejamento para uma
20
determinada ao, e lacunas na documentao tornam muito complicado justificar a razo da
tomada da deciso. Outro problema potencial com a documentao pode ocorrer quando o
pronturio mdico contm declaraes contraditrias, devido a diferenas de interpretaes
registradas por diferentes provedores. Comentrios de cuidado perinatal (de casos e
reclamaes de anlise individual) mostram que a m comunicao entre a equipe de sade e
os pacientes contribui para que o cuidado no seja o ideal, aumentando o risco de uma
alegao de negligncia. Em estudo no qual levantaram-se os motivos das reivindicaes
devido a casos obsttricos e ginecolgicos, mais de um tero dos eventos adversos foram
associados a problemas comunicacionais, que vo desde mal entendidos por causa de uma
falta de terminologia comum a atrasos ou at mesmo ausncia total de comunicao
(Cherouny, Federico, Haraden, Gullo & Resar, 2005).
No Brasil, 90% dos partos so realizados em ambiente hospitalar e 67,1% das mortes
maternas so devido a causas obsttricas diretas, predominando os quadros hipertensivos.
Embora os conceitos sejam claros em relao a o que seria o near miss materno, no ha
consenso na literatura quanto aos critrios definidores dos casos de morbidade grave ou
mesmo morbidade extremamente grave ou near miss. A prevalncia varia entre 0,80-8,23%,
dependendo dos critrios de definio utilizados e da assistncia a sade oferecida na regio,
sendo que a definio da morbidade grave de grande importncia, pois permite o
monitoramento do processo de ateno obsttrica podendo, dessa forma, qualificar o
tratamento das urgncias e emergncias maternas, interrompendo o caminho que pode levar
ao bito (Amaral, Luz & Souza, 2007).
Exemplos como o do Reino Unido, que tem um programa bem estabelecido de
Informaes Confidenciais em Mortes Maternas e um sistema nacional de pesquisa em near
miss materno, podem e devem ser seguido. Sua criao permitiu revises de casos pela
utilizao de inquritos confidenciais para morbidade materna, seguidas de anlises completas
da incidncia, dos fatores de risco observados e dos resultados das complicaes mais graves
na gestao. Com esses resultados, lies so aprendidas e, assim, todas as informaes so
utilizadas para melhorar os futuros atendimentos, pois ocorre a identificao mais rpida de
fatores agravantes do risco. Tal investigao permite a incluso de recomendaes para a
orientao nacional e, consequentemente, uma considervel melhora nos cuidados de sade
prestados s pacientes e seus bebs (Knight, Lews, Acosta, Kurunczuk, 2014).
21
A qualidade do atendimento um conceito que envolve vrias interfaces, como
infraestrutura, processo de atendimento, acessibilidade, eficcia, impacto sobre os resultados
de sade e satisfao do cliente. H uma srie de prticas eficazes utilizadas para melhorar a
qualidade do atendimento nos servios de maternidade, uma das quais a implementao de
revises das mortes maternas. No entanto, como as mortes maternas acabam sendo em
nmeros absolutos menos frequentes, diferentemente da morbidade, a avaliao desta torna-se
um passo fundamental para melhorar a qualidade dos cuidados (Tunalp e Souza, 2014).
As organizaes de sade so obrigadas a monitorar e medir a qualidade dos servios
de maternidade, mas a qualidade de medio complexa e nenhum consenso universal existe
sobre a melhor forma de medi-la. Os resultados clnicos e medidas de processo que so
importantes para os interessados devem ser medidos, de preferncia, em conjuntos
padronizados para benchmarking. Alm disso, uma interpretao holstica da qualidade
tambm deve refletir a experincia do paciente, de preferncia integrados com medidas de
resultado e de processo, em um conjunto equilibrado de indicadores de qualidade. Assim,
poderamos e deveramos escolher um padro, ou seja, um conjunto relevante de indicadores
de qualidade, e, a partir dos dados coletados rotineiramente, apresent-los de maneira que
facilitaria a melhoria contnua da qualidade, tanto em nvel local como nacional (Collins e
Draycotti, 2015).
Outro aspecto a ser avaliado quando se trata de qualidade na assistncia perinatal a
taxa de bitos neonatais. Em estudo realizado de janeiro de 2001 a dezembro de 2003 no
estado de So Paulo, observou-se que os partos foram pela via vaginal em 55% dos casos em
que foi diagnosticada hipxia neonatal. Entre os bitos neonatais evitveis associados
hipxia, pode-se observar falhas na monitorizao do trabalho de parto e do parto. A asfixia
perinatal consequncia da falta de oxigenao adequada, podendo ser tanto intrauterina ou
neonatal, originada no perodo peri-parto, no nascimento ou nos primeiros minutos de vida. A
quantificao dos casos de hipxia perinatal uma medida sensvel da qualidade de
assistncia prestada no perodo perinatal, tanto a gestante quanto ao recm-nascido, com um
alto potencial de preveno de mortes com o diagnstico e tratamento precoces. A
identificao de alteraes durante o trabalho de parto demonstra a necessidade de aes antes
que ocorram complicaes, o que, desse modo, poderia reduzir os bitos por asfixia em 30% a
45% e, em situaes de urgncia, levar diminuio de 20% a 60% dessas mortes, como
citado por Daripa & col. em 2013. O nmero de bebs no prematuros, tambm chamados
22
recm-nascidos a termo, e com peso superior a 2500 g que apresentam asfixia perinatal,
hipxia intrauterina ou sndrome de aspirao de mecnio como responsveis ou
contribuidores para a morte na primeira semana de vida demonstra a fragilidade da assistncia
perinatal no estado de maior desenvolvimento socioeconmico do Brasil (Daripa, Flores,
Waldvogel, Guinsburg, & de Almeida, 2013).
A comunicao eficaz centrada no paciente facilita a interrupo e correo de
condies potencialmente perigosas e, consequentemente, de erros. Todos os membros da
equipe, incluindo os principais participantes desse processo, que so a mulher e seus
familiares, assim como a equipe de sade formada por mdicos, obstetrizes, enfermeiros e
tcnicos de enfermagem, tm um papel fundamental na identificao de problemas com
potencial de gerar intercorrncias danosas no perodo perinatal. No entanto, resultados de
estudos de investigao realizados por organizaes que representam os profissionais que
cuidam de mulheres durante o parto e nascimento indicam que os prestadores de cuidados de
sade podem testemunhar problemas relativos segurana, mas nem sempre os denunciam.
Muitos destes prestadores de cuidados de sade se apresentam coniventes com a continuao
de tais problemas, por vezes, devido ao medo de represlias. Cada membro da equipe deve se
sentir capacitado para falar sobre as preocupaes com relao aos problemas relacionados
segurana do atendimento prestado, sem medo de humilhaes ou retaliaes, evitando assim
que as pacientes recebam assistncia de m qualidade. A segurana do paciente requer a
responsabilizao de todos os participantes do processo: dos indivduos, das equipes, dos
centros de sade e das associaes profissionais, pois todos tm responsabilidade mtua para
a criao e manuteno de ambientes de respeito e na prtica de cuidado perinatal altamente
confivel e com os melhores resultados. Problemas com fatores humanos, comunicao e
liderana geralmente so os principais contribuintes para o surgimento de eventos sentinelas
na assistncia perinatal, como reporta Lyndon et al. (Lyndon, Johnson, Bingham, Napolitano,
Joseph, Maxfield & O'Keeffe, 2015).
Torna-se necessrio o desenvolvimento de ferramentas que possibilitem a deteco
desses incidentes em segurana do paciente, especficos para a rea perinatal, para coloc-los
em prtica e, dessa forma, diagnosticar as falhas assistenciais e criar barreiras para que no
voltem a ocorrer. Uma das formas de monitorar a qualidade em segurana do paciente o
desenvolvimento e utilizao de check list, podendo ser baseado em pontos de gatilho que
23
levam, quando detectados, a uma auditoria do pronturio para a deteco de eventos e
incidentes de segurana do paciente no atendimento prestado.
Portanto, este trabalho, que tem a premissa de utilizar um conjunto de indicadores
para deteco de incidentes de segurana perinatal, est plenamente justificado.
1.4 ESTRUTURA DO TRABALHO
Esta dissertao est estruturada de modo que, no captulo dois, sero apresentados
os polos tericos pertinentes questo principal da pesquisa, entre os quais se destacam:
segurana do paciente, assistncia perinatal e gesto de clnica perinatal. O captulo trs
apresentar os procedimentos metodolgicos detalhadamente elencados para responder
pergunta da pesquisa. O captulo quatro ser reservado para a apresentao e interpretao dos
resultados luz do conhecimento existente na literatura cientfica. O captulo cinco abordar
as concluses da pesquisa baseando-se na teoria pertinente, bem como sero discutidas as
limitaes do trabalho. O captulo seis ser composto pelas recomendaes e sugestes para
futuros estudos e, finalmente, o captulo sete apresentar as contribuies da pesquisa aqui
apresentada para a prtica.
24
2 REFERENCIAL TERICO
Neste captulo sero apresentados os trs principais polos tericos desenvolvidos na
pesquisa: segurana do paciente, assistncia perinatal e gesto de clnica perinatal.
2.1 SEGURANA DO PACIENTE
Segundo a WHO, em 2009, conceitua-se seguranca do paciente como a reducao dos
riscos de danos desnecessrios associados assistncia em sade at um mnimo aceitvel.
O conceito de segurana do paciente implica que os profissionais envolvidos nos
cuidados de sade se asseguram permanentemente que os tratamentos e intervenes
que os seus doentes recebam no lhes causem danos, leses ou complicaes alm
dos consequentes evoluo natural da prpria doena... (Ribas, 2010, p. 585).
A procura de assistncia mdica motivada pela vontade de permanecer saudvel ou de
se restabelecer a sade. Na consulta mdica, nos exames complementares de diagnstico ou
no tratamento, as pessoas esperam encontrar respostas confiveis que as assegurem da sua
sade ou que as ajudem na soluo da doena que as aflige. Respostas confiveis transmitidas
por pessoas confiveis. Esquecem, no entanto, que errar humano e que os profissionais de
sade so to humanos como os tantos outros trabalhadores. Porm, se errar humano,
reconhecer o erro e com isso desenvolver esforos para preveni-lo inerente ao Homo sapiens
(Santos, Grilo, Andrade, Guimares & Gomes. 2010).
Os cuidados de sade tm evoludo muito ao longo dos ltimos 20 anos. O conhecimento
referente s patologias e s inovaes tecnolgicas tem contribudo para aumentar a
expectativa de vida. Contudo, um dos maiores desafios de hoje no o da manuteno dos
procedimentos clnicos mais atuais ou o mais sofisticado equipamento de alta tecnologia, mas
a prestao de cuidados mais seguros em ambientes hospitalares, qualquer que seja o nvel de
complexidade. Nesses ambientes, os procedimentos e tratamentos muitas vezes podem dar
errado. Os eventos adversos e incidentes podem e tendem a ocorrer. Muitos pases j
reconheceram que a segurana do paciente pode ter impacto na sade e esto construindo
formas e abordagens para melhorar a qualidade e a segurana dos cuidados. Tambm
reconheceram a importncia de educar os profissionais de sade nos princpios e conceitos de
segurana do paciente. A OMS conduz um comit global para construir uma educao para a
segurana do paciente, seus princpios e abordagens que levam a um futuro de cuidados de
sade e uma fora de trabalho educada para a prtica de cuidado centrado no paciente em
25
qualquer lugar do mundo, esforando-se para o desenvolvimento de um guia com foco em
uma viso multiprofissional e abordagem dos sistemas de sade internacionalmente. A
organizao tem empreendido esforos junto a universidades e escolas de cincias da sade
para construir e integrar a aprendizagem em segurana do paciente nos currculos existentes,
em colaborao tambm com governos de vrios pases, associaes profissionais
internacionais nas disciplinas de odontologia, medicina, obstetrcia, enfermagem e farmcia e
suas associaes de estudantes, tratando o tema como relevante para as necessidades e
exigncias dos ambientes de fora de trabalho contemporneas (WHO, 2011).
A abordagem antiquada dos erros referentes assistncia na sade normalmente tende a
culpar o profissional que oferece o atendimento direto ao paciente, ou seja, aqueles que atuam
no que chamamos de ponta do atendimento: no mdico que realiza a cirurgia ou o
diagnstico do paciente no pronto-socorro, na enfermeira que aplica a medicao intravenosa
ou no farmacutico que prepara as medicaes. Porm, observamos nos ltimos anos que tal
enfoque ignora o fato de que erros tambm podem ser cometidos por indivduos muito bem
treinados e que tais erros essencialmente ocorrem, pois no foram prevenidos. Muitos dos
profissionais que cometem falhas so advertidos a terem mais cuidado, ou envergonhados
publicamente, sendo por vezes demitidos ou processados, como se fossem os nicos
responsveis por tal problema (Wachter, 2013). A sada mais simples de todos os sistemas
de responsabilizar o trabalhador pelos erros essa a marca de um sistema que no
reconhece as deficincias de suas concepes, atribuindo a responsabilidade pelo acidente ao
operador, ou seja, aquele que est frente do processo (Arajo, 2007).
Os fatores humanos devem ser considerados no campo da medicina, como so
considerados na aviao. Estresse, fadiga, distraes, interrupes, problemas pessoais,
interpretao de comunicao, erro de julgamento e falta de ateno aos detalhes so alguns
exemplos poderosos de influncia ao erro. Porm, o medo da punio e de processos tendem a
fazer com que as notificaes espontneas de erros na assistncia sade sejam omitidas
pelos profissionais da rea. Estudo demonstra que apenas 10% a 20% dos erros so
comunicados (Griffin & Resar, 2009).
Como, infelizmente, a cultura do relato espontneo dos erros ainda se encontra muito
aqum do que seria o ideal, torna-se necessria a criao de instrumentos para deteco de
EAs na rea de sade. Um meio utilizado para deteco de eventos e incidentes, quando os
mesmos no so reportados espontaneamente, a reviso do pronturio do paciente. A
documentao formulada inadequadamente ou ausncia de informao no pronturio podem
estar associadas prpria ocorrncia dos incidentes e EAs, por ser um instrumento que
26
proporciona equipe multidisciplinar de cuidados informaes necessrias para o
atendimento especfico e adequado de cada paciente. Por exemplo, no caso de um paciente
alrgico penicilina, a omisso dessa informao no pronturio poderia causar um EA no
caso de administrao inadvertida deste medicamento. Dessa forma, a avaliao das
informaes contidas no pronturio torna-se essencial no contexto da segurana do paciente,
no apenas por ser fonte de dados para a avaliao da ocorrncia de EA, mas por sua
importncia no cuidado prestado ao paciente e por se tratar de um indicador de qualidade dos
servios da sade (Pavo, Andrade, Mendes, Martins & Travassos, 2013).
As unidades prestadoras de ateno sade necessitam de uma maneira eficaz para
identificar eventos que causam danos aos pacientes como tambm os incidentes na
assistncia, a fim de quantificar a frequncia e, caso tenha ocasionado dano, avaliar sua
intensidade para selecionar e testar possveis aes para reduzi-los. Com essa finalidade, o
Institute of Helthcare Improvement (IHI) formulou uma ferramenta para medio de EAs, um
mtodo fcil de identific-los com preciso e medir sua prevalncia. O rastreamento de EAs
uma forma til para avaliar se as intervenes implementadas aps determinado diagnstico
esto ocasionando uma melhora na segurana dos processos de atendimento. A ferramenta
Trigger points, reviso retrospectiva de uma amostra aleatria de registros hospitalares de
internao, usa "gatilhos" (ou pistas) que, quando observados no atendimento a um paciente,
faz com que o pronturio seja melhor avaliado por profissionais previamente treinados para
identificar se ocorreram EAs. Muitos hospitais tm usado essa ferramenta para identificao
de EAs alm da avaliao do nvel de dano causado por cada em desses eventos e para
observar se os mesmos esto sendo reduzidos ao longo do tempo. Em 2009, na segunda
edio do IDH Global Trigger Tool for Measuring Adverse Events, foram acrescentados
pontos de gatilho especficos para serem usados em unidades de assistncia em medicina
perinatal (Griffin & Resar, 2009).
Correa e Cardoso Jr., em 2007, baseados nos estudos de Reason (2000), publicaram que
os erros humanos podem ser avaliados por duas percepes: aproximao pessoal e
aproximao do sistema, sendo que dessa forma cada um possui um modelo prprio de causa
dos erros e uma filosofia diferente de gerenciamento. A primeira viso, da aproximao
pessoal, foca nos erros baseando os mesmos em atos inseguros, erros e violaes de
procedimentos. Assim, os atos inseguros acontecem por processos mentais aberrantes, como
esquecimentos, desateno, baixa motivao, falta de cuidado, negligncia e imprudncia, e
as medidas preventivas esto focadas no sentido de se restringir a variabilidade indesejvel do
comportamento humano. Estes mtodos incluem campanhas que apelam para o sentimento de
27
medo, solicitao de novos procedimentos ou alterao dos j existentes, medidas
disciplinares, ameaa de litgio, reciclagem de treinamento, nomeando e envergonhando os
culpados. Seus defensores cuidam do erro como um papel moral, referindo que coisas ruins
acontecem com pessoas ruins. Na segunda viso, de aproximao do sistema, considera-se
que os humanos falham e os erros so esperados, mesmo nas melhores e mais organizadas
empresas. Os erros, nesse enfoque, so considerados consequncias e no causas, sendo que
sua origem nao esta na natureza perversa do ser humano, mas em fatores sistmicos que
estao acima destes. As medidas de seguranca centralizam-se no fato de que no podemos
mudar a natureza humana, mas podemos mudar as condies sob as quais as pessoas
trabalham. Baseia-se nos sistemas de defesa, ou seja, toda tecnologia perigosa possui barreiras
para tentam evitar seu uso de maneira incorreta ou indevida. Nesta anlise, o foco no est em
quem cometeu o erro, mas sim em como e por que as defesas falharam. Segundo descrito
nesse mesmo trabalho de Correa e Cardoso, o modelo do Queijo Suco proposto por Reason
(1990) est baseado nesta segunda corrente, em que defesas, barreiras e salvaguardas ocupam
uma posio chave. Os sistemas de alta tecnologia tm muitas camadas defensivas, sendo
algumas de engenharia, tais como alarmes, barreiras fsicas, desligamentos automticos, e
outras defesas esto nas pessoas (pilotos, operadores) e, ainda, dependem de procedimentos e
controles administrativos. A funo do sistema, portanto, a da proteo das vtimas
potenciais e do patrimnio dos perigos do ambiente. As defesas, barreiras e salvaguardas
funcionam bem, mas pode sempre existir fraquezas. Em um contexto hipottico, cada camada
de defesa, barreira ou salvaguarda deveria estar ntegra, sem falhas. Todavia o que mais se
observam que essas barreiras so mais como as fatias de um queijo suo, cheias de buracos.
Da Silva e Barroso, em 2014, focam a gesto da segurana no uso de sistemas de
indicadores de monitoramento, objetivando dessa forma comparar instituies, identificar
problemas e situaes susceptveis de melhoria e controlar o efeito das eventuais
intervenes. Monitorar indicadores uma atividade planificada e sistemtica, identificando-
se problemas ou situaes que necessitam ser avaliados de forma profunda e, desse modo,
sujeitos a intervenes de melhora. Os bons indicadores precisam ser vlidos, confiveis e
teis para que ocorra o monitoramento, detectando-se os problemas relacionados segurana
do paciente e controlando a sua resoluo. Os principais indicadores de segurana so:
1. Indicadores ou eventos sentinela: apenas um caso basta para indicar o problema e, com
a avaliao desse evento, produzir uma anlise de causas, reestruturando o processo para que
o mesmo no volte a acontecer;
28
2. Triggers (pontos de gatilho): so considerados os sinais ou situaes que supostamente
podem estar associados a um evento adverso. Quando encontrados na assistncia prestada ao
paciente, realiza-se uma avaliao detalhada do pronturio, para observar se o evento ou
incidente realmente ocorreu;
3. Indicadores de resultado: associam-se a complicaes, at mesmo bitos, relacionados
com incidentes de segurana nos servios de sade. Dessa forma, h necessidade de ajustes
para serem interpretados corretamente e tambm apresentam dificuldades de mensurao;
4. Indicadores de boas prticas: podem estar relacionados, por exemplo, a relatos do
prprio paciente ou dos familiares, detectando-se assim situaes potencialmente perigosas ou
arriscadas que se associam a eventos adversos.
De forma geral, deveramos associar todos os indicadores acima referidos com o objetivo
de avaliar de vrias formas os eventos relacionados segurana do paciente.
Outro meio de identificao de problemas, utilizado na rea da segurana do paciente,
refere-se ao sistema de notificao voluntria dos incidentes relacionados a prestao dos
servios de sade pela prpria equipe. Consiste na informao, como j dito, pela prpria
equipe sobre os EAs, principalmente graves, que deveriam ser alvo de profunda investigao
de suas causas, passando por um processo de ateno majoritria do sistema de sade.
A dificuldade dos profissionais em notificar associa-se principalmente ao medo de
punio e processos e ao desconhecimento sobre o objetivo real da notificao.
Desta forma, reforar o conhecimento da equipe de sade sobre segurana do doente
atravs da formao, assumindo que o erro em sade existe e inerente a prestao
de cuidados, compreender os tipos de incidentes, suas causas e consequncias; no
punir o profissional envolvido; manter o anonimato dos envolvidos e evitar que as
informaes sobre os eventos adversos sejam utilizadas para aes criminais, torna-
se essencial para a existncia de uma verdadeira cultura de segurana do doente nas
organizaes de sade, onde o desenvolvimento de um sistema de notificao de
eventos adversos assume particular importncia, sobretudo ao nvel da identificao
e estabelecimento de estratgias de preveno dos eventos adversos Para que um
sistema de registo de incidentes funcione adequadamente necessrio: desenvolver
uma cultura de responsabilizao e no de culpabilizao; anlise dos incidentes
com nfase no sistema e no no individuo; relato centrado na ocorrncia, mantendo
para fins estritos de notificao o anonimato; incutir a autoparticipacao de eventos
nefastos e permitir sempre o retorno de informao para estimular a correo e a
melhoria prevenindo novas ocorrncias de risco repetir erros no e construir
experincia e a simplificao do sistema de relato: poucos itens, mas
fundamentais, simplificao do registo e transmisso, em suma, melhoria na
comunicao (da Silva & Barroso, 2014, p 203).
Diante da dimenso do problema e da gama de processos envolvidos para se alcanar um
cuidado seguro, a OMS lanou a Aliana Mundial para a Segurana do Paciente e, numa
parceria com a Comisso Conjunta Internacional (Joint Commission International - JCI),
passou a incentivar a adoo das Metas Internacionais de Segurana do Paciente (MISP),
29
como uma estratgia para orientar as boas prticas para a reduo de riscos e eventos adversos
em servios de sade. As seis primeiras MISP so direcionadas para prevenir situaes de
erros de identificao de pacientes, falhas de comunicao, de medicao, em procedimentos
cirrgicos, infeces associadas ao cuidado e quedas dos pacientes (ANVISA, 2013).
1. IDENTIFICAR CORRETAMENTE O PACIENTE.
2. MELHORAR A COMUNICAO ENTRE OS PROFISSIONAIS DA SADE.
3. MELHORAR A SEGURANA NA PRESCRIO, NO USO E NA
ADMINISTRAO DE MEDICAMENTOS.
4. ASSEGURAR CIRURGIA EM LOCAL DE INTERVENO, PROCEDIMENTO E
PACIENTE CORRETOS.
5. HIGIENIZAR AS MOS PARA EVITAR INFECES.
6. REDUZIR O RISCO DE QUEDAS E LCERAS POR PRESSO.
Figura 1: Metas Internacionais de Segurana do Paciente, ANVISA, 2013
2.1.1 Identificao do paciente
A identificao dos pacientes deve ser feita com uso de pulseiras que contenham os
nomes em letras legveis, questionando o paciente sobre seu nome completo, identificando o
leito e evitando que pacientes com nomes semelhantes ocupem a mesma enfermaria. Pepper,
em 1995, como citado por Miasso e Cassiane em 2000, j apresentava dados de um estudo no
qual observou-se que mais de 11,4% dos pacientes de uma instituio estudada no tinham a
pulseira de identificao ou que esta havia sido removida para facilitar o acesso venoso.
Mesmo com a cultura institucional de chamar o paciente pelo nome, isso no diminui
a necessidade de identific-lo pelo meio de pulseiras de identificao, sendo que o ideal que
essas pulseiras possuam cdigo de barras e sejam lidas por scanners e que, a cada etapa da
assistncia de procedimentos e de exames a serem realizados e de medicamentos a serem
administrados, seja conferida a identificao do paciente, assegurando assim que o
medicamento prescrito est sendo ofertado pessoa correta (de Camargo Silva & de Bertoli
Cassiani, 2007).
2.1.2 Melhorar a comunicao entre profissionais da sade
30
Uma das exigncias para uma melhor assistncia, melhorando a segurana do paciente,
baseada num sistema de comunicao eficaz, permitindo que as equipes possam transmitir e
tambm receber as informaes de forma clara e correta. Deve-se recordar que a comunicao
um processo complexo que envolve emisso, recepo e compreenso de mensagens, sendo
que estas podem ser verbais ou escritas. A comunicao desencadeada por relaes que
podem ser interpessoais, podendo ocorrer problemas, dificuldades e restries, levando a uma
decodificao de forma errnea da mensagem original (de Camargo Silva, de Bertoli
Cassiani, Miasso & Opitz, 2007).
2.1.3 Melhorar a segurana na prescrio, no uso e na administrao de medicamentos
A administrao de medicamentos aos pacientes um processo extremamente comum
nas instituies de sade, mas tambm complexo, apresentando vrias etapas, uma srie de
decises e aes inter-relacionadas que envolve diferentes profissionais e o prprio paciente.
Dessa forma, todos os envolvidos nesse processo necessitam de conhecimentos atualizados
sobre os medicamentos e de acesso a eles. O processo comea com a seleo dos
medicamentos disponveis na unidade de atendimento e prescrio pelo mdico responsvel
pelo atendimento. Aps a etapa de prescrio, esta enviada a farmcia, que, por sua vez,
separa os medicamentos solicitados e os envia s clnicas. O preparo e a administrao dos
medicamentos habitualmente ficam sob responsabilidade da enfermagem, que deve registrar e
monitorar as reaes de todos os pacientes com problemas como tambm a aceitao ao
medicamento prescrito. Os envolvidos so: mdico, farmacutico, auxiliar de farmacutico,
enfermeiro e o auxiliar ou tcnico de enfermagem, oficial administrativo, um processo que
depende de diversos profissionais, que podem originar alguma falha em qualquer etapa.
Existe uma base fundamental na administrao de medicamentos preconizada pelos
profissionais de enfermagem, denominado o princpio dos 5 certos: que o medicamento certo
seja dado ao paciente certo, na dose certa, na via certa e no horrio certo (Cassiani, 2005).
2.1.4 Assegurar cirurgia em local de interveno, procedimento e paciente correto
O programa Cirurgia segura salva-vidas, preconizado pela OMS em 2009, teve
como objetivo melhorar a segurana cirrgica e, consequentemente, diminuir o nmero de
mortes e de complicaes cirrgicas de quatro formas: oferecendo aos mdicos,
administradores hospitalares e autoridades de sade pblica informao sobre o papel e os
padres de segurana cirrgica em sade pblica; definindo um conjunto mnimo de aes
31
para a vigilncia dos cuidados cirrgicos tanto em nvel local como interinstitucional de vrias
naes; identificando normas simples de segurana cirrgica que podem ser utilizadas em
todos os pases indiferentemente dos contextos em que esto inseridos e que foram reunidos
na lista de verificacao de seguranca cirurgica para ser utilizado em salas cirurgicas; e
garantindo a conferncia da lista de verificao e instrumentos em locais do projeto piloto,
em todas as regies primeiramente escolhidas pela OMS para, posteriormente, poder
preconizar o usos da lista pelos hospitais por mundo.
Fonte: WHO, 2009
Procedimentos considerados simples, adotados pela equipe de cuidados como a
observao relacionada s informaes do paciente, dados clnicos do indivduo e do rgo,
conferncia antes de qualquer procedimento quanto a disponibilidade e bom funcionamento
dos materiais e equipamentos necessrios para aquela interveno podem fazer a diferena
entre o sucesso e o fracasso. Embora simples, as conferencias podem impedir o comeo de
uma gama de complicaes para o paciente, como pode ser observado em um estudo realizado
em instituies piloto de oito pases: Canada, ndia, Jordnia, Filipinas, Nova Zelndia,
Tanznia, Inglaterra e EUA. O trabalho demonstrou que a utilizao do check list quase que
duplicou a perspectiva dos pacientes que receberem tratamento cirrgico e cuidados
considerados adequados, como citado por Pancieri, Santos, Avila & Braga em 2013.
2.1.5 Higienizar as mos para evitar infeces
A higienizao das mos (HM) considerada uma medida simples, efetiva e de custo
reduzido para controle das infeces relacionadas assistncia sade (Primo, Ribeiro, da
Silva Figueiredo, Sirico & de Souza, 2010). As mos esto praticamente sempre em contato
32
direto com o paciente, funcionando como a principal via de transmisso de microrganismos.
Assim, a no adeso HM compromete de forma significativa a qualidade e a segurana da
assistncia. A cadeia de transmisso pode e deve ser quebrada com a adoo de normas
bsicas de higiene no ambiente hospitalar, sendo a HM a de maior impacto. Foram elencados
os momentos adequados para a HM (fig. 1: antes e aps o contato com o paciente, antes da
realizao de procedimento assptico, aps a exposio a fluidos corporais e o contato com
reas prximas ao paciente (dos Santos, Roseira, Piai-Morais & de Figueiredo, 2014).
O fato de muitos profissionais no praticarem a HM da forma preconizada para
controle de infeco hospitalar faz com que alguns profissionais responsveis pelos cuidados
em sade se sintam de certa forma desmotivados, pois, enquanto algumas pessoas estao
cuidando dos pacientes, outras esto se descuidando, dando margem para a transmisso de
infecces. Alm dessa prerrogativa, muitos profissionais no conseguem aplicar as regras de
preveno de infeces, como a lavagem das mos, por excesso de pacientes e falta de tempo,
de materiais e de condies adequadas (Martini e Dall'Agnol, 2005).
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Figura 2 Cinco momentos para a higienizao das mos
Fonte: Adaptado, OPAS, ANVISA, 2008.
2.1.6 Reduzir o risco de quedas e lceras de presso
H dois tipos de fatores de risco de queda: extrnsecos e intrnsecos, tambm
reconhecidos como ambientais ou fisiolgicos. Grande parte das quedas hospitalares em
pessoas adultas est relacionada a causas intrnsecas, sendo que de 10% a 15% so causadas
apenas pelo ambiente diferentemente do observado na populao peditrica (com menos de
33
10 anos de idade), na qual as quedas podem ser correlacionadas com causas ambientais, como
ocasionadas por beros, grades das camas que no foram erguidas e ambientes recreacionais
das crianas. Em hospitais peditricos, as quedas intrnsecas com fatores de risco semelhantes
s dos adultos sero dificilmente encontrados, como aquelas causados por confuso, fraqueza
e tonturas. Algumas medidas de segurana ambiental bem conhecidas de todos os tipos de
pacientes devem estar presentes em todos os ambientes hospitalares e incluem: iluminao
apropriada, dispositivos de apoio, mveis, sistemas de alarme clnicos, vesturio adequado,
assistncia pessoal, permitindo transferncias seguras e movimentao adequada do paciente,
grades laterais parciais, quartos e corredores organizados e sem objetos dispostos de maneira
que possam ocasionar acidentes de queda, e tambm a colocao dos objetos ao alcance dos
pacientes. So intervenes essenciais para a preveno de queda, mas programas mais
abrangentes devem ser colocados em prtica. Processos de trabalho ineficientes, como
enfermarias fsicas com grandes distncias entre elas em uma unidade hospitalar para cuidar
de pacientes, o tempo de documentao e comunicao fragmentada entre cuidadores, podem
comprometer a atuao dos profissionais da enfermagem ao oferecer cuidado seguro e eficaz,
resultando na preveno de quedas (Hendrich, 2006).
Com relao s lceras de presso, estas so consideradas eventos prevenveis, mas
que podem ocasionar problemas ao paciente ao prolongar o tempo de hospitalizao e
dificultando sua recuperao, alm de incrementarem o risco do desenvolvimento de outras
complicaes, representarem um acrscimo no sofrimento fsico e emocional e reduzir sua
independncia e funcionalidade na realizao das atividades dirias. Desse modo, torna-se
importante a adoo de medidas preventivas para aparecimento da lcera, como mudana de
decbito, uso de protetores de proeminncias sseas, inspeo e proteo da pele, alm da
identificao dos clientes sob o risco de desenvolver a lcera (Carneiro, Bezerra, Camargo e
Silva, Souza, Paranagu & Branquinho, 2010).
2.1.7 Participao direta do paciente nos aspectos relacionados a segurana
Os pacientes so geralmente vistos de forma passiva, como vtimas de erros e falhas
de segurana, mas existe um papel importante que pode e deve por eles ser desempenhado,
um papel ativo no sentido de garantir que seus cuidados sejam apropriados na preveno de
erros. Porm, no se deve colocar um fardo adicional em pessoas que j esto ansiosas e
vulnerveis devido a leso ou grave doena. Quando os pacientes esto gravemente doentes,
torna-se essencial levar em conta suas opinies e orient-los de acordo com normas de
34
segurana, como a lavagem das mos. Em vez de trat-los como simplesmente passivos
destinatrios de cuidados mdicos, torna-se imprescindvel modific-los para assumir um
papel ativo relacionado aos cuidados de que necessita (Vincent & Coulter, 2002).
2.1.8 Custos relacionados com eventos adversos em sade
Estudo realizado no Canad demonstrou que as estimativas com relao aos custos
referentes aos EAs so variadas e dependem de fatores como o grau de preveno de um EA e
a possibilidade de separar os custos do tratamento do problema que levou internao das
complicaes inerentes ao mesmo. No entanto, todos os trabalhos analisados nessa pesquisa
demonstram que os danos relacionados aos cuidados aumentam substancialmente os custos
dos servios de sade (Jackson, 2009).
Hug, Keohane, Seger, Diane, Yoon & Bates demonstraram, em 2012, que apenas os
EAs relacionados a medicao em hospitais comunitrios poderiam gerar uma elevao no
custo hospitalar de, em mdia, USD$ 3.000 dlares, alm do aumento no perodo de
internao em mdia de 3,1 dias.
Outro estudo realizado na Alemanha demonstrou que a incidncia de hospitalizao
devido a EAs graves ocasionados por medicaes prescritas ambulatoriamente foi estimado
em cerca de 3,25%. Os EAs mais frequentes foram hemorragia gastrointestinal e hipoglicemia
induzida por drogas, ocasionando em mdia um aumento no perodo de internao de 9,3 dias.
Os custos mdios de tratamento de um nico EA ocasionado pela medicao prescrita foi
estimado em aproximadamente 2.250 euros. Os custos totais somam 434.000.000 de euros por
ano para a Alemanha. Considerando-se a proporo de casos evitveis (20,1%), equivaleria a
um potencial de poupanca de 87.000.000 por ano (Rottenkolber, Schmiedl, Rottenkolber,
Farker, Salj, Mueller, Hippius, Thuermann & Hasford, 2011).
Em estudo realizado em dois hospitais pblicos de ensino do estado do Rio de Janeiro
em 2003, no qual foram avaliados 622 pronturios de pacientes escolhidos de forma aleatria,
detectou-se que o valor mdio pago pelo atendimento aos pacientes com EA foi 200,5%
superior quele pago aos pacientes sem EA. Tambm pacientes vtimas de EAs apresentavam
um aumento no perodo de internao em cerca de 28,3 dias em relao ao observado nos
pacientes sem EA. O estudo demonstrou ainda que houve um incremento nos gastos de R$
1.212.363,30, o que representou 2,7 % do reembolso total (Porto, Martins & Mendes, 2010).
Estudos semelhantes no foram encontrados nos servios de assistncia perinatal.
35
2.2 Assistncia perinatal
A especialidade mdica obstetrcia preocupa-se com a reproduo humana.
A especialidade deve promover a sade e o bem estar da gestante bom como do seu
feto por meio de cuidados pr-natais de qualidade, os quais consistem em
identificao e tratamento de complicaes, superviso do trabalho de parto e do
nascimento, ateno mdica ao recm-nato e conduo do puerprio, envolvendo
cuidados de acompanhamento capazes de promover a sade e prover opes de
planejamento familiar (Williams, 2012, p.2).
A relevncia da especialidade pode ser observada pelo fato de parmetros relacionados
com a evoluo materna e infantil serem usados como indicadores de qualidade de vida e
sade. Assim, ndices que traduzem resultados obsttricos e perinatais insatisfatrios refletem
que os cuidados de sade so deficitrios para toda a populao (Williams, 2012).
Segundo a terminologia obsttrica, adotada aps 1950-1960, o termo perinatologia
refere-se ao estudo de todos os eventos fisiolgicos que envolvem a grvida e particularmente
o concepto, desde o momento da fecundao at o trmino dos efeitos decorrentes da vida
intrauterina e do parto. Porm, normalmente os toclogos limitam esse perodo ao momento a
partir do qual, aps a extrao ou expulso da cavidade uterina, o recm-nascido ter
condies orgnicas, as quais permitiro sua sobrevivncia fora da cavidade uterina. Dessa
forma, a fase perinatal estende-se desde o ltimo trimestre da gestao at a fase neonatal,
envolvendo as intercorrncias, as quais a assistncia e o desfecho relacionam-se da mesma
maneira aos obstetras e neonatologistas. Assim, aps 1950, numa tentativa de diminuir
principalmente a mortalidade perinatal, obstetras e neonatologistas uniram-se na assistncia
perinatal, ocasionando um avano na propedutica fetal e na assistncia ao recm-nascido, o
que tem feito com que bebs cada vez mais prematuros consigam sobreviver, reduzindo dessa
forma a morbiletalidade perinatal (Neme, 2006).
2.2.1 Mortalidade materna e morbidade materna
Existem varias definies para o indicador denominado taxa de mortalidade materna.
Razo, taxa ou coeficiente de mortalidade materna o indicador utilizado para conhecer o
nvel de morte materna calculado pela relao do nmero de mortes maternas ou de mulheres
durante a gestao ou at 42 dias aps o termino da gestao, independentemente da durao
ou da localizao da gravidez. E causada por qualquer fator relacionado ou agravado pela
gravidez ou por medidas tomadas em relao a ela.
36
O nmero de bitos femininos por causas maternas, por 100 mil nascidos vivos, na
populao residente em determinado espao geogrfico, no ano considerado.
Mtodo de clculo
N de bitos maternos diretos e indiretos X 100.000/ n de nascidos vivos
Interpretao do indicador:
Diversas fontes consultadas afirmam que tanto a taxa como o coeficiente expressam
um valor que mede a frequncia de eventos em determinado local e perodo, sendo calculado
a partir da sua multiplicao pela potncia definida pela base de referncia da populao para
que o valor passe de um nmero decimal para um nmero inteiro.
Taxa ou coeficiente de mortalidade materna o indicador utilizado para conhecer o
nvel de morte materna.
O indicador permite estimar a frequncia de bitos femininos atribudos s causas em
questo em relao ao nmero de nascidos vivos.
O indicador reflete a qualidade da assistncia a mulher (Ministrio da Sade, 2002).
Morte materna definida pela OMS como a morte de uma mulher durante a gestao
ou at 42 dias aps o trmino da gestao, independentemente da durao ou da localizao
da gravidez, devido a qualquer causa relacionada ou agravada pela gravidez ou por medidas
em relao a ela, porm no devido a causas acidentais ou incidentais.
A morte materna relacionada diretamente com a gestao pode ser classificada em
dois grupos: causas diretas e causas indiretas. As mortes obsttricas diretas so devido a
complicaes obsttricas na gravidez, no parto e/ou no puerprio, ou seja, ocasionadas por
intervenes, omisses, tratamento incorreto e/ou decorrentes de uma sequncia de eventos
resultantes de qualquer uma destas situaes. As mortes obsttricas indiretas so as que
resultam de doenas existentes previamente gestao ou que se desenvolvem durante a
gravidez e que no foram devidas a causas obsttricas diretas, mas que foram agravadas pelos
efeitos fisiolgicos da gravidez (Cecatti, Albuquerque, Hardy & Fandes, 1998; Mendes &
Osiano, 2013).
As causas de mortes evitveis ou reduzveis so aquelas passveis de preveno, total
ou parcialmente, por aes ativas dos servios de sade que estejam acessveis em um
37
determinado local e poca (Malta, Duarte, Almeida Dias, Morais Neto, Moura & Souza,
2007). A maioria das mortes maternas evitvel e ocorre nos pases em desenvolvimento
(Arajo Jr., 2006). Nos pases desenvolvidos, a taxa de mortalidade materna de
aproximadamente 10 bitos maternos por 100.000 nascidos vivos, porm o mesmo no ocorre
nos pases menos desenvolvidos, em que pode ser encontrada uma taxa de mortalidade to
alta como 1.000 mortes maternas ou mais por 100.000 nascidos vivos (Souza, 2013).
Mortalidade materna considerada uma grave violao dos direitos humanos das
mulheres, por se tratar de uma morte evitvel em 92% dos casos. Os ndices de mortalidade
materna nos pases em desenvolvimento esto acima do preconizado pela OMS. Um estudo
realizado pela OMS estimou que, em 1990, aproximadamente 585.000 mulheres em todo o
mundo morreram vtimas de complicaes ligadas ao ciclo gravdico-puerperal, sendo que
apenas 5% delas viviam em pases desenvolvidos. Em 2000, esse nmero no sofreu
mudanas significativas, estimando-se 523.000 mortes maternas no mundo.
Um relatrio da Organizao Mundial de Sade (OMS), no qual foram considerados
dados de 75 pases demonstrou que o Brasil teve a quarta mais lenta reduo da
mortalidade materna entre os anos de 2000 e 2013. Os nicos pases que
apresentaram uma reduo da mortalidade materna menor do que a do Brasil foram
Iraque, frica do Sul e Guatemala. O desempenho brasileiro foi semelhante ao de
Madagascar, com queda anual mdia de 1,7% na taxa de mortalidade relacionada
gravidez e ao parto. O risco de uma mulher morrer nesses pases por causas
relacionadas ao parto e gestao de 1 para 66. Nos pases com alto
desenvolvimento, o risco de 1 para 3.400. Dados da OMS indicam que, a cada
hora, 33 mulheres morrem no mundo devido a complicaes na gravidez
(http://veja.abril.com.br/noticia/saude/reducao-da-mortalidade-materna-no-brasil-e-
uma-das-menores-do-mundo).
O problema da mortalidade materna continua sendo uma preocupao atual, mesmo
com toda a produo cientfica e da evoluo constante das tecnologias. A morte materna
um evento trgico, que repercute em toda a famlia e logicamente principalmente naquela
criana que, aps nascer, privada dos cuidados maternos, ativando o ciclo de pobreza na
sociedade (Reis, Pepe, Caetano, 2011).
Segundo Cecatti e Caldern, em 2005:
Para conseguir a reduo da morbidade e mortalidade materna com a utilizao de
intervenes benficas para o parto, algumas publicaes tm propiciado uma
avaliao crtica sobre o assunto, fornecendo as recomendaes mais atualizadas e
cientificamente balizadas sobre prticas no parto, em documentos cientficos ou
institucionais de cidades ou as principais intervenes, destacam-se a ateno
institucional ao parto, o atendimento profissional capacitado, a utilizao de
parteiras tradicionais em determinados contextos, o uso de tecnologias apropriadas
incluindo o partograma, o local do parto, a posio para o parto, o uso de
episiotomia, o tipo de parto, o uso de ocitocicos na fase ativa do parto, a realizao
de esforos de puxo no perodo expulsivo, o manejo da dequitao e a profilaxia da
hemorragia puerperal, entre outras (p.357-65).
38
Outro conceito importante refere-se morbidade materna, um continuum que se inicia
com a ocorrncia de uma complicao durante a gestao, parto ou puerprio e que termina na
morte, podendo-se reconhecer, separadamente, um grupo de extrema gravidade, conhecido
como near miss. A prevalncia de near miss ou morbidade materna extremamente grave varia
amplamente, de 0,80-8,23%, a depender dos critrios de definio. Estima-se que, para cada
morte materna, ocorram 15 casos de near miss em mdia, variando de 9 a 108. Quando se
incluem os outros casos de morbidade materna grave, menos extremos, a prevalncia da
complicao maior, atingindo 10-12/1.000 nascidos vivos. Os casos de near miss so
aqueles em que mulheres apresentam complicaes potencialmente fatais durante a gravidez,
o parto ou o puerprio, mas sobrevivem somente devido ao acaso ou ao bom cuidado
hospitalar. A caracterizao da morbidade near miss permite o monitoramento da rede e do
processo de ateno no atendimento obsttrico e a avaliao da incidncia de situaes
clnicas ameaadoras. O tratamento adequado das urgncias e emergncias maternas pode
romper o processo antes da ocorrncia do bito materno. Assim como a morte materna, as
complicaes obsttricas graves podem ser um evento-gatilho para reviso de casos
malsucedidos ou auditorias. Uma grande vantagem do uso da morbidade near miss, ao invs
da mortalidade, relaciona-se a sua maior frequncia, o que permite anlise quantitativa dos
dados e em menor intervalo de tempo. Ao mesmo tempo, menos atemorizante para os
profissionais e instituies envolvidos do que as mortes. Tambm possibilita a entrevista da
mulher acometida, que pode informar sobre os detalhes do cuidado, e a busca de assistncia
(Amaral, Luz, Souza. 2007).
2.2.2 Mortalidade infantil
Outro aspecto importante na avaliao da qualidade de assistncia sade o conceito
de mortalidade neonatal, que ocorre at o vigsimo oitavo dia de vida do recm-nascido. A
mortalidade nos primeiros dias de vida pode ser devido a uma srie de fatores: biolgicos,
socioeconmicos e assistenciais, estes ltimos relacionados ateno gestante e ao recm-
nascido (Soares & Menezes, 2010).
A sade e a sobrevivncia dos recm-nascidos esto estreitamente associadas a
assistncia mdica e com os cuidados de sade em geral que a me tenha recebido antes e
durante a gravidez, o parto e o perodo ps-natal. As mortes neonatais esto diretamente
relacionadas a qualidade recebida pela gestante durante o pr-natal e parto (Nascimento,
Leite, Almeida, Almeida & Silva, 2012).
39
Uma taxa elevada de natimortos sugere falhas na assistncia primria pr-natal e/ou
condies maternas adversas, enquanto que uma alta frequncia de bitos por asfixia
intraparto relaciona-se com falhas na assistncia primria pr-natal e tambm reflete uma m
assistncia clnica durante a parturio. Portanto, a alta frequncia de bitos neonatais por
asfixia requer uma reavaliao no s da assistncia obsttrica, mas tambm do atendimento
ao recm-nascido na sala de parto. Aos profissionais envolvidos na assistncia clnica ao
parto, aqueles com a tarefa de fazer o diagnstico de alterao da vitalidade fetal, escolher a
via de parto apropriada para cada caso, atravs da utilizao sistemtica do partograma
(representao grfica da evoluo do trabalho de parto), para um correto diagnstico da
evoluo do mesmo, e na eventualidade de uma alterao da evoluo esperada deve-se
proceder a tentativa de correo da mesma, evitando-se assim a indicao de cesreas
desnecessrias (de Toledo, Guidoni, Marcellini, Buzzini & Laham, 2007)
A taxa de mortalidade infantil (TMI) representa um dos indicadores mais comumente
empregados para anlise da situao de sade de um pas. Classicamente dividida em dois
perodos: o neonatal, que estima o risco de bito nos primeiros 27 dias de vida e o ps-
neonatal, que estima o risco de bito entre 28 dias devida at o final do primeiro ano de vida.
A mortalidade neonatal est diretamente relacionada s condies de gestao, do parto e da
prpria integridade fsica da criana, presena de malformaes, j a mortalidade ps-neonatal
est mais associada s condies socioeconmicas e do meio