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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO E HOTELARIA DEPARTAMENTO DE TURISMO PRISCILA LEITE FEITOSA TURISMO EM FAVELA: O SANTA MARTA E A RODA DE SAMBA PÔR DO SANTA NITERÓI 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO E HOTELARIA

DEPARTAMENTO DE TURISMO

PRISCILA LEITE FEITOSA

TURISMO EM FAVELA: O SANTA MARTA E A RODA DE SAMBA PÔR DO SANTA

NITERÓI 2015

PRISCILA LEITE FEITOSA

TURISMO EM FAVELA: O SANTA MARTA E A RODA DE SAMBA PÔR DO SANTA

NITERÓI 2015

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Turismo como requisito final para a obtenção do Título de Bacharel em Turismo. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Valeria Lima Guimarães

AGRADECIMENTOS

A Deus, por me fortalecer e guiar não somente em minha longa trajetória de

estudos, mas em todos os dias de minha vida.

Ao meu porto seguro, minha mãe e avó, toda a minha gratidão pelos

sacrifícios feitos a fim de priorizar a minha educação e que permitiram com que eu

alcançasse mais essa conquista; pelo apoio em todas as minhas decisões e por me

mostrar sempre o melhor caminho. Vocês são exemplos de força e amor para mim.

Às minhas amigas de curso e, que agora carrego para a vida: Beatriz Gomes,

Camila Cruz, Carmen Cecília, Fernanda Barbosa, Thais Resende e Yolle Bittencourt

por terem feito a minha vida universitária muito mais alegre e divertida e pela

amizade verdadeira construída durante o curso.

Aos demais amigos e familiares, que não foram citados aqui diretamente,

mas, que de alguma forma, estiveram em oração e pensamento me encorajando.

Ao meu amado e ombro amigo, Patrick Dias, pela paciência, compreensão e

gestos de carinho nos momentos difíceis e por toda a ajuda que me deste.

À minha orientadora Valeria Guimarães, agradeço por toda sua generosidade

para comigo, e por todo o conhecimento transmitido, sem o qual a realização deste

trabalho não se concretizaria.

À querida professora Erly Silva, por todo o auxílio e contribuições reflexivas

que permitiram aprimorar ainda mais o meu trabalho.

Ao professor Luiz Alexandre Mees, pelo tempo que dispôs para me ajudar a

construir esse trabalho, colaborando com textos que viessem enriquecê-lo. Não

tenho dúvidas de que essa troca foi muito importante para melhor abordar esse

estudo.

Às professoras Karla Godoy e Priscila Edra, minha banca examinadora, por

dedicarem tempo para fazer uma leitura criteriosa do meu trabalho.

Agradeço também à organização do Pôr do Santa, particularmente, ao Gilson

―Fumaça‖ por me conceder informações a respeito do evento e por se mostrar tão

aberto aos meus questionamentos. Sua participação foi essencial!

Não há um canto da favela

Que não guarde uma história

Não há um canto da favela

Que não tenha um conto pra cantar [...]

(Não há um canto da favela – Deley de Acary)

LISTA DE ABREVIATURAS

BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento

Bope - Batalhão de Operações Policiais Especiais

BNH - Banco Nacional de Habitação

BPChoque - Batalhão de Polícia de Choque

CFUL - Cada Família, um Lote

CHISAM - Coordenação da Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do

Grande

CESeC - Centro de Estudos de Segurança e Cidadania

CODESCO - Companhia de Desenvolvimento de Comunidade

COHAB - Companhia Estadual de Habitação Popular da Guanabara

FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado

FAFEG - Federação das Associações de Moradores do Estado da Guanabara

FGV - Fundação Getúlio Vargas

GEAP - Programas Especiais de Trabalho de Assentamentos Populares

GPAE - Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

MTur - Ministério do Turismo

PAC - Programa de Aceleração do Crescimento

PPC - Posto de Policiamento Comunitário

PROAP - Programa de Urbanização de Assentamentos Populares

PROFACE - Programa de Favelas da Cedae

SEH - Secretaria Extraordinária de Habitação

SERFHA - Serviço Especial de Recuperação das Favelas e Habitações Anti-

higiênicas

SMDS - Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social

SMH - Secretaria Municipal de Habitação

UNICEF - Fundo das Nações Unidas para infância

UPP - Unidade de Polícia Pacificadora

RESUMO O turismo em favelas gera inúmeros questionamentos quanto a sua prática.

Divulgadas pelas diversas mídias tanto nacionais como internacionais como estigma

social da sociedade brasileira, as favelas cariocas se consolidaram como roteiros

turísticos e cada vez mais se reinventam. A rotina do turismo em favelas cariocas é

aumentada, consequentemente, por meio da implantação das Unidades de Polícia

Pacificadora. Para que se pudesse estudar esse fenômeno de forma mais pontual

escolheu-se como objeto de pesquisa a roda de samba Pôr do Santa, que ocorre na

favela Santa Marta, localizada no bairro de Botafogo, Zona Sul da cidade do Rio de

Janeiro, objetivando a análise do processo de pacificação e a sua influência na

atração de visitantes e turistas para este evento. A fim de melhor abordar esse tema,

buscou-se explicitar o processo de formação das favelas do Rio de Janeiro, o

turismo em favelas e o processo de pacificação. E mais especificamente, focaliza a

favela Santa Marta e a roda de samba Pôr do Santa. Para isto, optou-se por fazer

uma entrevista com um dos organizadores do evento para que se pudesse melhor

analisá-lo e por aplicar formulários a fim de traçar o perfil do público. Como

resultados, a pesquisa revelou que a maior parte do público do Pôr do Santa é

advinda da cidade do Rio de Janeiro, seguido de visitantes nacionais. Tal fato,

aponta para a baixa representatividade de turistas estrangeiros e de moradores da

comunidade.

Palavras-chave: Turismo. Favela. Santa Marta. Pôr do Santa.

ABSTRACT

Slum tourism generates countless questions as to its practice. Portrayed by national

and international media alike as a social stigma of Brazilian society, Carioca slums

have consolidated as part of the tourism itinerary and increasingly continue to

reinvent themselves. The frequency of tourism in carioca slums is increased,

consequently, by the implementation of the Pacifying Police Units. In order to study

this phenomenon more precisely, the event samba circle Pôr do Santa was chosen,

taking place in the Santa Marta slum, located in the Botafogo neighborhood, which is

situated in the ‗Zona Sul‘ (South Zone) of Rio de Janeiro, aiming to analyze the

process of pacification and its influence in attracting visitors and tourists to the event.

To better understand this theme, the process of the formation of slums in Rio de

Janeiro, of tourism in slums and the process of pacification were looked at. More

specifically, focusing on the Santa Marta slum and the samba circle Pôr do Santa. To

do this, an interview was conducted with one of the organizers of the event and a

questionnaire was posed with the aim of tracing the profile of the attendees. As a

result, the research revealed that the majority of participants of the Pôr do Santa are

residents of Rio de Janeiro, followed by national visitors. This revelation points to the

fact that there is an under representation of foreign tourists and of actual residents of

the Santa Marta slum.

Keywords: Tourism. Slum. Santa Marta. Pôr do Santa.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Primeiras favelas do Rio de Janeiro ......................................................... 18

Figura 2 - Remoção do Parque proletário da Gávea ................................................ 21

Figura 3 - Comunidades atendidas pelo programa Favela-Bairro ............................ 27

Figura 4 - Mapa das UPPs e áreas pacificadas da cidade do Rio de Janeiro .......... 34

Figura 5 - Mapa de localização da favela Santa Marta ............................................. 42

Figura 6 - Logotipo do evento Pôr do Santa ............................................................. 47

Figura 7 - Vista a partir da Laje do Michael Jackson no evento Pôr do Santa.......... 48

Figura 8 - Laje do Michael Jackson .......................................................................... 48

Figura 9 - Policiamento na Laje do Michael Jackson durante o Pôr do Santa .......... 51

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Criminalidade registrada dentro das comunidades – Antes e depois da

Instalação das UPPS .................................................................................................. 36

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12

1 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS FAVELAS DA CIDADE DO RIO DE

JANEIRO .................................................................................................................. 15

2 TURISMO EM FAVELAS E PACIFICAÇÃO ........................................................ 29

2.1 TURISMO EM FAVELAS .................................................................................. 29

2.2 PACIFICAÇÃO ................................................................................................. 32

3. A FAVELA SANTA MARTA ................................................................................. 42

3.1 PÔR DO SANTA – CERVEJA, FEIJOADA & SAMBA ............................................... 46

3.2 PERFIL DO PÚBLICO DO EVENTO ................................................................ 52

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 55

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 58

ANEXO A – MAPA TURÍSTICO SANTA MARTA .................................................... 61

APÊNDICES ............................................................................................................. 63

A - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM O ORGANIZADOR DO EVENTO PÔR DO

SANTA, SR. GILSON DA SILVA. ............................................................................. 63

B - QUESTIONÁRIO PARA TRAÇAR O PERFIL DO PÚBLICO DO EVENTO ....... 65

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INTRODUÇÃO

A cidade do Rio de Janeiro possui características em seu espaço geográfico

que contribuíram para o surgimento de favelas. Rodeada por morros, tornou-se uma

cidade fragmentada, caracterizada por ser um ambiente de segregação

socioespacial.

Como imagem que transpõe a da cidade, a favela é vista como um lugar de

problemas, de miséria, sujeira e tráfico. Aquelas que se encontram na zona sul do

Rio de Janeiro possuem localização e vista privilegiadas para outras atrações da

cidade.

As favelas cariocas passaram a se destacar como um atrativo turístico, a

partir da década de 1990, porém a inserção destas nos roteiros turísticos se deu

somente em 2006, quando foram integradas ao circuito oficial da RioTur.

A sociedade pós-moderna passa a ser cada vez mais exigente. Logo, o

mercado turístico tem de se reinventar para atender aos anseios de seus

visitantes/turistas. A favela como um lugar de múltiplas experiências se insere nesse

processo e permite a esses visitantes/turistas ir além dos tours de realidade.

Os eventos passam a ser um diferencial para atender a demanda crescente

que busca esse tipo de turismo, em favelas. Rocha (2012, p. 123) enfatiza que ―[...]

essa estrada da cultura, e mais especialmente da música e poesia, é a que cria a

comunicação privilegiada da relação favela/asfalto‖. Aliás, acreditamos que utilizar

os eventos como um atrativo é uma estratégia para não levar o turismo nas

comunidades à estagnação.

Diante do cenário atual, é possível observar um crescente interesse não só

dos cariocas, mas também de turistas nacionais e estrangeiros em adentrar as

favelas cariocas. Estas mudanças são decorrentes, principalmente, da instalação

das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas comunidades. Este é o momento

em que o ―asfalto‖ sobe o ―morro‖ em busca de entretenimento, um público

interessado pelas festas que acontecem neste território.

Este trabalho procurou responder a seguinte questão problema: Qual a

influência da pacificação da favela Santa Marta na atração de turistas para o evento

Pôr do Santa?. Como objetivo principal, analisar o processo de pacificação da favela

Santa Marta, na cidade do Rio de Janeiro, e a influência desta na atração de

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visitantes e turistas para o evento ―Pôr do Santa‖, reconhecendo a sua importância

cultural para o segmento de turismo em favelas. Como objetivos específicos, o

trabalho buscou identificar o perfil dos participantes da roda de Samba Pôr do Santa,

procurando caracterizar o perfil dos turistas que fazem parte desse público; verificar

a relação entre o evento e os demais atrativos turísticos oferecidos no Morro Santa

Marta; e conhecer os possíveis benefícios da atividade e do fenômeno turístico para

a comunidade local, tomando como referência a roda de samba Pôr do Santa.

A importância deste trabalho se reflete em contribuir para o estudo do

fenômeno ―turismo em favelas‖, levando para uma abordagem além dos tours de

realidade e como forma de desmitificar o território de favelas como um lugar,

exclusivamente, de violência. O fato de a abordagem desse trabalho estar voltada

para um evento em uma favela torna-se uma contribuição dentro do espectro do

estudo do turismo em favelas.

Cumpre destacar, que a escolha do tema deste trabalho se deve ao fato de

ter passado a frequentar o evento a partir de 2012. Desde então, despertou-me

interesse, por meio de meu espírito humanístico crítico desenvolvido pelo curso de

Turismo, em estudar o fenômeno do turismo em favelas atrelado ao evento e a todas

as mudanças ocorridas a partir da implantação da Unidade de Polícia Pacificadora

na favela Santa Marta.

A metodologia desta pesquisa está pautada em uma abordagem

qualiquantitativa e exploratória, dividida em duas etapas. Na primeira etapa foi feito

um levantamento bibliográfico para a análise do tema e fundamentação teórica. Na

segunda, foram realizadas a aplicação de formulários a moradores e

visitantes/turistas da favela Santa Marta e a coleta de informações provindas de

entrevista com um dos organizadores do evento.

No primeiro capítulo, foi feita uma abordagem sobre o processo de formação

das favelas do Rio de Janeiro, evidenciando as diversas políticas públicas dos

governos da história do Rio de Janeiro, que tinham como propósito o combate a

esse ―problema‖.

No segundo capítulo, exploramos brevemente alguns marcos teóricos sobre o

turismo em favelas e também abordamos a política de segurança pública para as

favelas do Rio de Janeiro, instaurada por meio das Unidades de Polícia

Pacificadoras.

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No terceiro capítulo, foram apresentadas informações acerca da favela Santa

Marta, no que diz respeito à sua formação e inserção do turismo na comunidade.

Optamos também por abordar, mais especificamente, o processo de instalação da

UPP da comunidade, demonstrando os aspectos positivos e negativos da chegada

da polícia de proximidade. E, como objeto central desse estudo, analisamos a roda

de samba Pôr do Santa, seguindo-se com a apresentação dos resultados obtidos na

pesquisa do perfil do público do evento.

O trabalho foi finalizado apresentando as conclusões relativas à análise do

evento e de sua interação com seus visitantes e a comunidade.

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1 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS FAVELAS DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Para compreendermos o processo de formação das favelas é necessário

salientar as suas transformações histórico-sociais. Alguns autores que serão citados

neste capítulo datam este processo como reconhecido a partir dos anos de

1930/1940, porém é possível afirmar que este se inicia muito anteriormente aos

anos indicados.

Apontar o tema favela como objeto de estudo é narrar 100 anos de história do

Brasil.

Pode-se dizer que as favelas tornaram-se uma marca da capital federal, em decorrência (não intencional) das tentativas dos republicanos radicais e dos teóricos do embranquecimento – incluindo-se aí os membros de várias oligarquias regionais – para torná-la uma cidade européia. Cidade desde o início marcada pelo paradoxo, a derrubada dos cortiços resultou no crescimento da população pobres dos morros, charcos e demais áreas

vazias em torno da capital. (ZALUAR; ALVITO, 2006, p. 7)

O advento da abolição da escravatura em 1888 trouxe a libertação de um

enorme contingente de escravos, que na situação de desabrigados, deram início à

ocupação da área central da cidade do Rio de Janeiro. A proclamação da República

em 1889 e a industrialização do século XX acentuaram ainda mais a concentração

populacional nessa área. Desta forma, surge uma crise habitacional e, assim, as

opções de moradias para essa população: os cortiços. De acordo com Vaz (1994),

essas moradias coletivas foram uma resposta à crise urbana, causada, sobretudo,

pelo crescimento demográfico intenso e o déficit habitacional, pois desde o século

XVIII a cidade atraía migrantes e imigrantes, aumentando assim sua população de

forma constante.

Para Valladares (2005), os cortiços são considerados o ponto de partida para

retratar o surgimento das favelas e de seus personagens. Durante o século XIX,

serviam como local de moradia tanto para a classe trabalhadora quanto para

vagabundos, e, além disso, visto como lugar de pobreza, do crime e favorável às

epidemias. Valladares (2005) destaca ainda que os cortiços cariocas eram

considerados ameaça à ordem social e moral.

Visto o problema da insalubridade nesses locais, fez-se necessária a

intervenção do governo brasileiro no campo da higiene pública, juntamente com a

Inspetoria de Higiene Pública e a Academia de Medicina, que logo decidiram

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combater as habitações coletivas, os ―vilões da cidade‖. ―Vários cortiços foram então

fechados ou demolidos a partir de 1890, inclusive o Cabeça de Porco1, o maior

deles, que abrigava mais de 2.000 pessoas e que foi demolido em 1893.‖ (ABREU,

1994, p. 36)

Vaz (1994) ressalta ainda a substituição do trabalho escravo pelo assalariado,

a formação de mercados e a mercantilização de bens, inclusive a moradia e o

trabalho, a decadência da cafeicultura fluminense, o desenvolvimento dos setores

secundário e terciário da economia, a definição de novas categorias sociais e a

substituição de elites no poder.

A construção da favela carioca está diretamente ligada ao mito da Guerra de

Canudos na Bahia (1895 – 1896), pois, de acordo com Valladares (2005), antigos

combatentes se estabeleceram em 1897 nas encostas do morro da Providência, no

Rio de Janeiro, rebatizando-o como Morro da Favela2. “É de se supor que já

houvesse outros barracos neste local surgidos depois da demolição do Cabeça-de-

Porco, que se situava justamente num dos acessos ao morro.‖ (Vaz, 1985).

Abreu (1994) dá destaque à Revolta da Armada (1893 – 1894), pois desde

este momento o Governo enfrentava problemas de alojamento dos soldados no Rio

de Janeiro. Desta forma, foram expedidas ordens que autorizavam a ocupação do

convento de Santo Antônio pelos militares. Não sendo suficiente, o então coronel

Moreira Cesar permitiu a construção, numa das encostas desse mesmo morro, de

barracões de madeira.

Zaluar e Alvito (2006) acrescentam que os morros da cidade eram vistos pela

polícia e por alguns setores da população como locais de perigosos e refúgio de

criminosos, ao analisar uma carta da 10ª circunscrição ao chefe de polícia, Dr.

Enéias Galvão, disponível no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, datado de 4 de

Novembro de 1900, na qual lê-se:

Obedecendo ao pedido de informações que V. Excia., em ofício sob n. 7.071, ontem me dirigiu relativamente a um local do Jornal do Brasil, que diz estar o morro da Providencia infestado de vagabundos e criminosos que

1 Posto abaixo no governo do prefeito Barata Ribeiro (1892-1893)

2 O termo faz alusão à vegetação arbustiva muito comum do sertão baiano e ao morro de mesmo

nome que existia em Canudos. Além disso, remete ―a feroz resistência dos combatentes entrincheirados nesse morro baiano da Favella, durante a guerra de Canudos, ter retardado a vitória final do exército da República, e a tomada de posição representando uma virada decisiva da batalha.‖ (VALLADARES, 2005, p.29)

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são o sobressalto das famílias no local designado, se bem que não haja famílias no local designado, é ali impossível ser feito o policiamento porquanto nesse local, foco de desertores, ladrões e praças do Exercito, não há ruas, os casebres são construídos de madeira e cobertos de zinco, e não existe em todo morro um só bico de gás, de modo que para a completa extinção de malfeitores apontados se torna necessário um grande cerco, que para produzir resultado, precisa pelo menos de um auxilio de 80 praças completamente armadas.

A reforma urbana imposta pelo prefeito Pereira Passos (1903 – 1906) tinha como

objetivo transformar o Rio em uma capital nos moldes de Paris. Desta forma, permitiu

com que a cidade fosse radicalmente transformada, porém a destruição dos cortiços

aumentou ainda mais o déficit habitacional, contribuindo para a difusão espacial das

favelas e iniciando a saída da população abastada para os subúrbios da cidade. Apesar

de todo o esforço para o aburguesamento da cidade, os barracos ainda estavam

incorporados à paisagem da cidade. (ABREU, 1994). Assim, o Rio de Janeiro entrava na

era das favelas.

Os registros da presença de favelas indicam a ocupação dos morros mais

próximos da área central em fins do século XIX. Já “na primeira década do século XX

havia notícias sobre grupos de barracões, choupanas ou casebres em morros da

zona norte — Salgueiro em 1909 e Mangueira em 1910 — e na zona sul —

Copacabana em 1907.‖ (VAZ, 1994, p. 591)

Após uma pesquisa por meio de crônicas policiais, Abreu (1994) destaca

outras ocupações: em 1912, no morro do Andaraí; no morro do Leme e na favela de

São Carlos em fins deste mesmo ano. Em 1915, uma favela no Morro dos Cabritos e

no Morro do Pasmado em Botafogo e logo depois, a ocupação dos morros do

Catumbi chegando a Ipanema, à Lagoa e ao Leblon.

Como podemos observar na Figura 1, é perceptível que as ocupações feitas

ao longo dos anos possuem similaridades não somente pela localização (nas

encostas dos morros), mas também em relação à proximidade de fontes de

emprego. Além disso, a recusa das autoridades em aceitar a existência das favelas

ainda é vista ao longo dos anos seguintes, deixando cada vez mais claro que se o poder

público não envolve todas as camadas populacionais, é praticamente impossível obter

êxito nas reformas e planos urbanos desenvolvidos.

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Figura 1 - Primeiras favelas do Rio de Janeiro Fonte: Abreu (1994, p.39)

Para Abreu (1994), é a partir de 1920 que a expansão acelerada das favelas

se torna multidirecional e incontrolável, se afirmando na paisagem carioca e, devido

a isso, o termo se generaliza. ―Segundo Mattos Pimenta, já habitavam as favelas em

meados da década de 1920, mais de 100.000 pessoas.‖ (O GLOBO 15/8/1927 apud

ABREU, 1994, p. 41).

Ainda na década de 1920, exatamente em 1927, a favela é incluída em um

plano oficial de ―remodelação, extensão e embelezamento‖ (ZALUAR; ALVITO,

2006, p. 11) da capital da República, preparado pelo urbanista francês Alfred

Agache, que fora contratado pelo então prefeito Antônio Prado Júnior (1926-1930).

Apontadas como problema, Agache arquitetou o fim das favelas ―sob o ponto de

vista da ordem social, da segurança, da higiene, sem falar da estética‖ (ZALUAR;

ALVITO, 2006, p. 12)

A Revolução de 30 e os anos de governo de Getúlio Vargas retomaram a

temática higienista que atribuía a propagação de inúmeras doenças às más

condições sanitárias das moradias populares. Ao nomear o médico Pedro Ernesto

prefeito da cidade, este iniciou um novo tipo de relação com os moradores das

favelas, pois considerava que ―[...] a ajuda aos pobres deveria constituir uma

responsabilidade pública com o intuito de reduzir o estigma da inferioridade e da

19

dependência que frequentemente caracterizam o assistencialismo.‖ (CONNIFF,

1981 apud VALLADARES, 2005, p. 50)

O reconhecimento da existência das favelas e da necessidade de melhorar as

condições de vida de seus habitantes, contrariando a solução única de sua

destruição anteriormente proposta, se concretizou pela aprovação do Código de

Obras de 19373.

Para Burgos (2006), o Código de Obras da cidade, de 1937, ―registra com

precisão a situação marginal das favelas: por serem consideradas uma ―aberração‖,

não podem constar no mapa oficial da cidade, por isso, o código propõe sua

eliminação, pelo que também tornava proibida a construção de novas moradias,

assim como a melhoria das existentes.‖

O Código de Obras de 1937 introduz em seu capítulo XV ―Extinção das

Habitações Anti- Higiênicas‖, uma parte intitulada ―favelas‖, da qual podemos citar

em especial o artigo 349 (VALLADARES, 2005, p. 52).

Art. 349 – A formação de favelas, isto é, de conglomerados de dois ou mais casebres regularmente dispostos ou em desordem, construídos com materiais improvisados e em desacordo com as disposições deste decreto, não será absolutamente permitida - 1º Nas favelas existentes é absolutamente proibido levantar ou construir novos casebres, executar qualquer obra nos que existem ou fazer qualquer construção - 2º A Prefeitura providenciará por intermédio das Delegacias Fiscais, da Diretoria de Engenharia e por todos os meios ao seu alcance para impedir a formação de novas favelas ou para ampliação e execução de qualquer obra nas existentes, mandando proceder sumariamente à demolição dos novos casebres, daqueles em que for realizada qualquer obra e de qualquer construção que seja feita nas favelas - 7º Quando a Prefeitura verificar que existe exploração de favela pela cobrança de aluguel de casebres ou pelo arrendamento ou aluguel do solo, as multas serão aplicadas em dobro [...] - 8º A construção ou armação de casebres destinados à habitação, nos terrenos, pátios ou quintais dos prédios, fica sujeita às disposições deste artigo. - 9º A Prefeitura providenciará como estabelecer o Título IV do capítulo XIV deste decreto para a extinção das favelas e a formação, para substituí-la, de núcleos de habitação de tipo mínimo.

Cabe ressaltar que apesar de o Código de Obras ser um documento oficial de

reconhecimento das favelas, ainda tende a negar a sua existência.

Valladares aponta que,

3 Decreto-lei 6.000/37

20

Logo de início, percebemos uma continuidade entre as disposições desse texto e as orientações anteriores de Mattos Pimenta e Agache: o código preconiza a eliminação das favelas e a sua substituição por novos alojamentos de acordo com as normas de salubridade. Mas o texto é ambíguo, pois antes de preconizar a sua eliminação, ele propõe interditar a expansão das favelas, o que significa uma possibilidade de mantê-las. É possível interpretar essa ambigüidade observando que: o parágrafo 9º associa eliminação e transferência dos moradores; e os parágrafos precedentes visam controlar as favelas já existentes enquanto novos conjuntos de moradias não puderem ser construídos. (2005, p. 53)

É a partir do início dos anos 40 que a favela será descoberta pelo poder

público como um problema de saúde pública. ―Da orientação do Código de Obras

surgirá a experiência dos parques proletários [...]‖ (BURGOS, 2006, p. 27) no início

do mesmo ano. Segundo Carvalho (2003), os parques tinham como missão executar

a ―limpeza‖ das favelas e oferecer aos habitantes uma ―educação moral‖ e ainda

―tinha a finalidade de proporcionar as condições necessárias para uma ―vida mais

sadia‖ aos moradores das favelas‖.

Sob a direção do médico Vitor Tavares Moura, então diretor do Albergue da

Boa Vontade, a pedido da Secretaria Geral da Saúde do Distrito Federal, organizou-

se o primeiro plano oficial voltado para as favelas. (Burgos, 2006)

Valla 1984 (apud BURGOS 2006, p. 27) destaca algumas medidas sugeridas

para estudar a solução para as favelas, a partir do relatório de Vitor Tavares Moura,

entre elas:

O controle da entrada, no Rio de Janeiro, de indivíduos de baixa condição social [...] o retorno de indivíduos de tal condição para seus estados de origem [...][e] a promoção de forte campanha de reeducação social entre os moradores das favelas de modo a corrigir os hábitos pessoais e incentivar a escolha de melhor moradia.

Três parques proletários foram construídos entre 1941 e 1943 (Gávea, Leblon

e Caju) e abrigavam cerca de 4.000 pessoas (VALLA, 1984 apud BURGOS 2006, p.

28). A promessa era de que esta população poderia retornar para áreas próximas

daquelas em que viviam, assim que estivessem urbanizadas. Porém, os moradores

acabaram vivendo ali por muito tempo, saindo bem mais tarde, expulsos pela

valorização imobiliária dos bairros, particularmente os dois primeiros (VALLADARES

1978 apud BURGOS 2006, p. 28). O Parque Proletário da Gávea (Figura 2) foi

removido em 1970 e sua população foi fixada na Cidade de Deus.

21

Figura 2 - Remoção do Parque proletário da Gávea

Fonte: Favela tem Memória, 20154

Apontada como possível reduto de comunistas, a Igreja Católica cria a

Fundação Leão XIII, em 1946, como forma de estabelecer uma relação mais

próxima aos favelados e de garantir a ordem pública.

Cabe lembrar que em 1948 é feito o primeiro censo de favelas do Distrito

Federal, o qual localiza e dimensiona as favelas da capital da República. Este

revelou, de acordo com Magalhães (2010), um total de 139 mil pessoas vivendo em

favelas (7% da população da Cidade do Rio). Dois anos mais tarde, é realizado o

censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)5, que traz dados sobre

as favelas e pela primeira vez procura definir conceitualmente o que é a favela.

4 Disponível em: <favelatemmemoria.com>

5 ―Durante o período imperial, o único órgão com atividades exclusivamente estatísticas era a

Diretoria Geral de Estatística, criada em 1871. Com o advento da República, o governo sentiu

necessidade de ampliar essas atividades, principalmente depois da implantação do registro civil de

nascimentos, casamentos e óbitos. Com o passar do tempo, o órgão responsável pelas estatísticas

no Brasil mudou de nome e de funções algumas vezes até 1934, quando foi extinto o Departamento

Nacional de Estatística, cujas atribuições passaram aos ministérios competentes. A carência de um

órgão capacitado a articular e coordenar as pesquisas estatísticas, unificando a ação dos serviços

especializados em funcionamento no País, favoreceu a criação, em 1934, do Instituto Nacional de

Estatística - INE, que iniciou suas atividades em 29 de maio de 1936. No ano seguinte, foi instituído o

Conselho Brasileiro de Geografia, incorporado ao INE, que passou a se chamar, então, Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística.‖

Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/disseminacao/eventos/missao/instituicao.shtm>. Acesso

em 14 de Janeiro de 2015

22

O percentual da população em favelas aumenta para 10,2% em 1960, 13,3%

em 1970, 16% em 1990 e 18,7% em 2000, que representavam 1,09 milhões de

pessoas.

A partir dos anos 1950 notamos o estabelecimento de ligações mais

consistentes entre favela e política, que logo exigem da Igreja e do poder público um

aprofundamento do seu trabalho junto às favelas. Deste modo, em 1955, a Igreja

cria a Cruzada São Sebastião. Esta associação católica propunha melhorias de

serviços básicos para o ―problema‖ favela.

Em 1956, o governo municipal cria o Serviço Especial de Recuperação de

Favelas e Habitações Anti-Higiênicas (SERFHA), que teria atuação modesta até

1960, limitando-se a apoiar a Cruzada São Sebastião e a Fundação Leão XIII.

Burgos destaca que:

É interessante notar que, se Leão XIII trabalhava com a perspectiva de influir nas Associações de Moradores e na formação de lideranças, a Cruzada atuaria de forma mais direta, posicionando-se, em alguns momentos, como interlocutor dos moradores de favelas junto ao Estado, tal como ocorreu em 1958 e 1959, quando negociou com a administração pública a não remoção de três favelas então ameaçadas, Borel, Esqueleto e Dona Marta. (2006, p. 30)

A década de 1960 marca o início do período de remoção das favelas.

Todavia, como pode ser analisado ao longo do texto, desde o seu surgimento, a

tentativa de erradicação das favelas ao longo da história é um permanente desejo de

parte da influente sociedade, principalmente das elites políticas.

Segundo Leeds e Leeds, 1978 (apud CASTRO 2004, p. 179) ―o principal

objetivo do SERFHA era capacitar o morador a não depender de políticos, e orientá-

lo para tratar suas questões diretamente com os órgãos competentes‖. Desta forma,

estimulou-se a criação de associações de moradores, que até o momento ainda não

existiam e que cooperariam com os representantes do SERFHA (BURGOS, 2006).

Assim, acenava-se a substituição da Igreja pelo Estado.

A desativação do SERFHA6 em 1962, pelo primeiro governador do estado da

Guanabara, Carlos Lacerda (1960-1965), coincidiu com a criação de outros

programas de intervenção. No mesmo ano é criada a Companhia Estadual de

6 O SERFHA foi criado no governo de Negrão de Lima (1965-1970) que havia sido prefeito do Rio de

Janeiro entre os anos de 1956 e 1957, e sua nomeação havia sido concedida por Juscelino Kubitschek.

23

Habitação Popular da Guanabara (COHAB), que segundo Castro (2004, p. 181)

―tinha como objetivo erradicar as favelas e construir casas de baixo custo‖

implicando a sua remoção para outras áreas.

Em contrapartida, Burgos (2006) cita a Federação das Associações de

Moradores do Estado da Guanabara (FAFEG), fundada no ano de 1963, como

avanço na estrutura organizativa das lideranças dos moradores de favelas e que

viriam a lutar contra a remoção de favelas.

O deslocamento para áreas distantes dos locais de trabalho, a deficiente oferta de transporte, a ruptura dos laços de sociabilidade desenvolvidos na favela de origem e a péssima qualidade das casas oferecidas seriam, segundo Perlman (1977), as principais razões da reação dos moradores das favelas às remoções. (BURGOS, 2006, p. 34)

Com o golpe civil-militar de 1964, o Banco Nacional de Habitação (BNH) e a

COHAB passam a ser entidades de suma importância para o financiamento e

comercialização, respectivamente, dos conjuntos habitacionais. A política federal de

erradicação das favelas por meio do convênio BNH COHAB atua fortemente entre

os anos de 1968 e 1972. (REIS, 2008)

A vitória de Negrão de Lima nas eleições de 1965 trouxe inicialmente um

alento para o movimento favelado, com a perspectiva de que o ritmo das remoções

diminuiria. Este criou a Companhia de Desenvolvimento de Comunidade

(CODESCO) com o objetivo de urbanizar favelas e atuar paralelamente ao trabalho

que vinha sendo desenvolvido pela COHAB.

Burgos (2004) deixa claro o domínio de um governo de oposição ao

remocionismo ao citar a filosofia da CODESCO que tinha por enfatizar:

A importância da posse legal de terra, a necessidade de deixar que os favelados permanecessem próximos aos lugares de trabalho e a valorização da participação dos favelados na melhoria dos serviços públicos comunitários e nos desenhos e construção das próprias casas (p. 35).

Três favelas receberam as ações da CODESCO: Brás de Pina, Mata

Machado e Morro União.

Contudo, a criação da Coordenação da Habitação de Interesse Social da Área

Metropolitana do Grande Rio (CHISAM) pelo governo federal, em 1968, retoma o

ideal remocionista. O objetivo dessa entidade era ditar uma padronização de uma

política de favela nos estados da Guanabara e Rio.

24

Segundo Reis (2008), o saldo da política remocionista posta em prática no

Rio de Janeiro, no âmbito da CHISAM, entre os anos de 1968 e 1975, foi o seguinte:

foram removidas e destruídas aproximadamente 60 favelas, somando um total de

100.000 pessoas, que foram realocadas em áreas construídas para esse fim

específico ou outras favelas.

Desta forma, Burgos (2006, p. 39) salienta que:

O ressentimento pode produzir revolta, mas sobretudo tende a gerar afastamento e apatia em relação à política; e o clientelismo dos anos de 1970 reflete esse momento, substituindo a luta por direitos pela disputa por pequenos favores. Essa dialética é reforçada pela quase completa ausência, nesse período, de políticas públicas mais amplas, voltadas para as favelas.

Burgos (2006) destaca o período entre 1975 e 1982 como a dialética entre o

clientelismo e o ressentimento. Estes determinam a relação dos moradores de

favelas e conjuntos habitacionais com o poder público e a restrita vida política

existente.

Marcado pela redemocratização, o início da década de 80, de fato, rompe

com as políticas remocionistas da década anterior. Leonel Brizola, eleito em 1982,

desenvolveu sua política voltada para as classes mais desfavorecidas, notadamente

os moradores de favelas, através de uma agenda social para as favelas do Rio de

Janeiro. Burgos (2006) demonstra a situação de infraestrutura precária das favelas

do Rio, ao citar um levantamento feito pela prefeitura no início dos anos 80, em que:

Apenas 1% das 364 favelas cadastradas era servido por rede oficial de esgoto sanitário completa (6% dispunham parcialmente do serviço); 6% possuíam rede de água total, e 13%, rede parcial com caráter oficial; e em 92% das localidades, a única forma de esgotamento pluvial era a drenagem natural pelo terreno. A coleta de lixo só foi considerada suficiente em cerca de 17% das áreas faveladas. (p. 41)

Deste modo, programas como o Programa de Favelas da Cedae – PROFACE

e o Programa Cada Família, um Lote – CFUL são exemplos das intervenções do

governo de Brizola para a urbanização dessas áreas. Estes programas levariam aos

moradores de favelas, os serviços básicos, por exemplo, sistemas de água e esgoto,

coleta de lixo entre outros.

Podemos citar ainda, outra iniciativa do governo municipal atrelado ao

governo estadual: o Projeto Mutirão. Realizado em 1982 em uma parceria da

Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SDMS) e do Fundo das Nações

Unidas para infância (UNICEF), destinava-se à urbanização de 15 favelas, ―incluindo

25

obras de acesso, pavimentação, contenção de encostas e serviços de água e

esgoto‖. (BURGOS, 2006, p. 46)

Segundo Vital (2004), dados do IPLAN-Rio (atual Instituto Pereira Passos)

indicam que em 1991 os habitantes de favelas na cidade eram 962.793. Os

moradores de conjuntos habitacionais contabilizavam 944.200 e em loteamentos

irregulares de baixa renda, 381.345. Esses números revelam que 40% da população

da cidade viviam em habitações precárias.

A Constituição de 1988 procurou estabelecer meios mais apropriados para a

regularização jurídica das favelas e para o controle do processo de urbanização. A

administração municipal César Maia (1993-1996) foi a primeira a abordar

concretamente a questão das favelas, após a promulgação da Constituição de 1988.

Com a elaboração do Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro, em

1992, na gestão do prefeito Marcello Alencar (1989-1993) as favelas passam a fazer

parte da cidade, deixando de serem vistas como algo à parte e adquirem ―uma nova

identidade: a de bairros populares‖. (BURGOS, 2006, p. 48).

Damos destaque ao Art.149 do Plano Diretor, onde:

Art. 149 - As favelas integrarão o processo de planejamento da Cidade, constando nos mapas, cadastros, planos, projetos e legislação relativos ao controle do uso e ocupação do solo, e da programação de atividades de manutenção dos serviços e conservação dos equipamentos públicos nelas instalados. (PLANO DIRETOR DECENAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. 1993, grifo nosso)

7

Ressaltamos o Art. 149, pois este se contrapõe ao Código de Obras de 1937

que, segundo Burgos (2006), considerava as favelas como uma ―aberração‖, não

podendo constar no mapa oficial da cidade e além de tudo, propunha a eliminação

das mesmas.

Em agosto de 1993, cria-se o Grupo Executivo de Programas Especiais para

Assentamentos Populares (GEAP). O GEAP estaria diretamente ligado ao prefeito e

teria a incumbência de formular uma política habitacional para o Rio de Janeiro.

7 Disponível em <http://cm-rio-de-janeiro.jusbrasil.com.br/legislacao/287415/lei-complementar-16-92>.

Acesso em 17 de Janeiro de 2015.

26

Assim, o GEAP propôs seis programas habitacionais, sendo o Favela-Bairro um

deles8.

Em dezembro de 1993, por recomendação do GEAP, cria-se uma secretaria

para gerir a política habitacional, a Secretaria Extraordinária de Habitação (SEH),

que um ano depois (dezembro de 1994) se tornaria a Secretaria Municipal de

Habitação (SMH). Coube à SEH iniciar a seleção das favelas que viriam a ser

atendidas pelo Programa Favela-Bairro.

A partir de um contrato entre a Prefeitura e o BID é financiado o Programa de

Urbanização de Assentamentos Populares (PROAP), constituindo-se de três

componentes básicos: urbanização de favelas, regularização de loteamentos e um

programa complementar a ambos, de monitoramento, educação sanitária e

ambiental e desenvolvimento institucional. O valor do contrato foi de US$300

milhões, sendo que o Favela-Bairro obteve a maior parte dos recursos, US$ 192

milhões, que beneficiaram cerca de 60 favelas, contemplando aproximadamente 220

mil pessoas. (BURGOS, 2006, p. 50)

O Programa Favela-Bairro surge em 1993, na gestão do prefeito César Maia

(1993 – 1996), no âmbito do processo de redefinição das atribuições da prefeitura e

em consonância com os princípios do Plano Diretor, sendo financiado pelo BID

através de um contrato com a mesma.

Segundo Burgos (2006), nota-se no Favela-Bairro, ao contrário de outros

programas de urbanização de favelas realizados na cidade, o princípio de intervir o

mínimo possível nos domicílios, definindo-se como um programa eminentemente

voltado para a recuperação das áreas e equipamentos públicos. De acordo com

Cardoso, o programa teria por objetivo:

complementar ou construir a estrutura urbana principal (saneamento e democratização de acessos) e oferecer condições ambientais de leitura da favela como bairro da cidade, segundo os termos do Decreto no 14.332, de 7 de janeiro de 1995. O programa tem como metas a integração social e a potencialização dos atributos internos das comunidades. (2002, p. 44)

A segunda etapa do Favela-Bairro (Figura 3), de 2000-2005, começou

durante o mandato do Prefeito Luiz Paulo Conde (1997-2001) e continuou durante o

segundo mandato de César Maia (2001-2005), e contou com a urbanização de

outras 62 favelas e 24 loteamentos irregulares. Entre 2005 e 2008, os projetos

8 Os programas restantes são: Regularização de Loteamentos, Regularização Fundiária e Titulação;

Novas Alternativas; Morar Carioca; e Morar Sem Risco. (BURGOS, 2006, p. 57)

27

Favela-Bairro estavam atrasados e sem fundo, com muitos empreiteiros

abandonando o projeto pelas dificuldades das condições de trabalho. (OSBORN,

2013)

Figura 3 - Comunidades atendidas pelo programa Favela-Bairro Fonte: IPLAN Rio, 1996 e 1997

Dentre as diversas políticas públicas direcionadas às favelas cariocas,

destacamos também as mais recentes. Em 2009, o prefeito Eduardo Paes assinou o

terceiro convênio entre a prefeitura e o BID para a terceira fase do Programa Favela-

Bairro. No entanto, este não saiu do papel e não demorou muito para o lançamento

de um novo programa, o Morar Carioca. O ―modesto‖ objetivo do Morar Carioca é

urbanizar todas as favelas cariocas até 2020. Para isso conta com um investimento

de R$ 8 bilhões, em parceria com os governos estadual e federal. (PEREIRA, 2011)

O Programa de Aceleração do Crescimento – PAC foi lançado em janeiro de

2007, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no início do seu segundo

mandato. O Programa forneceu mais de US$300 bilhões de dólares em

infraestrutura e assistência social a comunidades pobres em todo o país. Em 2008, o

28

Governo Federal, em conjunto com o Governo do Estado do Rio de Janeiro e da

Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, por meio do PAC, iniciou a intervenção nos

complexos do Cantagalo/Pavão-Pavãozinho, do Alemão e de Manguinhos, na

Rocinha e em 11 comunidades localizadas na Tijuca.

A continuação das práticas governamentais de intervenção nos territórios de

favelas do Rio de Janeiro assim como a sua turistificação são temas de análise do

capítulo a seguir.

29

2 TURISMO EM FAVELAS E PACIFICAÇÃO

Neste momento do estudo, apresentamos um breve histórico sobre a

comercialização das favelas do Rio de Janeiro como atração turística, desenvolvidas

por meio dos tours de realidade. Além disso, destacamos a política de segurança

pública do atual governo do Estado do Rio de Janeiro, que tem como principal pilar o

policiamento comunitário por meio da implantação de Unidades de Polícia

Pacificadora (UPP).

2.1 TURISMO EM FAVELAS

O turismo como parte do fenômeno de globalização pode interferir positiva ou

negativamente em uma sociedade. Dentre os aspectos negativos está a pobreza

turística, enunciada como um fenômeno global, que passa a ser consumida nos

diferentes contextos culturais. Desta forma, Freire-Medeiros (2009, p. 33) define, ―[...]

a pobreza turística – uma pobreza emoldurada, anunciada, vendida e consumida

com um valor monetário definido no mercado turístico [...]‖.

A pobreza como atrativo turístico instiga a curiosidade nas sociedades não

somente nos dias atuais, mas há tempos. Koven, por sua vez, afirma:

A elite vitoriana fez da experiência entre os indigentes algo essencial aos que aspiravam falar com autoridade acerca das questões sociais da época. Assim, todos os cidadãos que simpatizavam com os pobres,e não apenas os que estavam à frente da Igreja e das agências de assistência social, sentiam-se obrigados a visitar, ou mesmo viver e trabalhar, em bairros degradados de Londres, como Whitechapel e Shoreditch. Era o que à época se chamava de slumming. (2004 apud FREIRE-MEDEIROS, 2009, p. 29)

Na sociedade contemporânea há cada vez mais a necessidade de

singularizar os momentos. Desta forma, o mercado turístico se organiza para

atender às necessidades e expectativas destes viajantes. Fruto disso é o turismo

alternativo, a partir do qual se criou o termo reality tour, ―cuja identidade distintiva

fundamenta-se no suposto caráter autêntico, interativo e extremo do encontro que

promove‖. (FREIRE-MEDEIROS, 2007b, p. 3). Assim sendo, os reality tours se

subdividem em tours sociais e tours sombrios.

30

Para Freire-Medeiros as visitas em favelas cariocas estão inseridas no

espectro dos tours sociais permitindo a interação entre visitante e visitado, bem

como explica:

Os ―tours sociais‖ vendem participação e autenticidade em viagens tidas como contraponto à vocação destrutiva do turismo de massa. Têm como destinos privilegiados localidades em desvantagem econômica, conformando um subcampo do turismo de realidade eloqüentemente chamado de pro-poor tourism ou pitty tourism. (2007b, p. 62)

A referida autora ainda atenta para o fato da complexidade dos tours de

realidade – quer sociais ou sombrios:

[...] deve-se, sobretudo, ao fato de seu objeto de consumo não ser algo óbvio e tangível. Articulam-se, nos reality tours, dois domínios – dinheiro e emoções –, cuja superposição a moralidade ocidental define como incongruente e agramatical. (FREIRE-MEDEIROS, 2007a, p. 63)

Freire-Medeiros (2006) observa que a favela elaborada e vendida como

atração turística leva ao paroxismo as premissas dos reality tours: ao mesmo tempo

que permite engajamento altruísta e politicamente correto diante da paisagem social,

motiva um sentimento de aventura e de deslumbramento diante da paisagem física.

É a experiência do autêntico, do exótico e do risco em um único lugar.

Vale ressaltar que, somente na década de 1990, se deu a presença em

massa de visitantes nas favelas o que permitiu constituir um mercado como destino

turístico no Rio de Janeiro. A Eco-929 também é apontada como referência na

constituição da favela como destino turístico.

A associação entre favela e turismo era compreendida com conotação

negativa pelos representantes públicos em 1996, pois para eles poderia espantar os

visitantes internacionais. Isto se deve ao fato da presença do cantor Michael

Jackson para a gravação de parte do videoclipe da canção They don’t care about us

na favela Santa Marta e à visibilidade negativa que seria dada à favela e ao Rio de

Janeiro a partir desse acontecimento. (FREIRE-MEDEIROS, 2009)

O reconhecimento tardio da favela como um atrativo é dado apenas em

setembro de 2006, por meio do projeto de lei da vereadora Lilian Sá, no qual a

9 Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como

Rio-92 ou Cúpula da Terra, realizada de 3 a 14 de junho de 1992.

31

Rocinha é integrada ao circuito oficial da RioTur como ponto turístico oficial da

cidade. Deste modo, a favela passa a ter maior visibilidade.

A lei n. 4405/06 vai aumentar a integração social entre a cidade e a comunidade, já que vai ajudar a desmistificar a visão de que a Rocinha é um lugar exclusivamente de violência, e assim possibilitar maiores investimentos tanto do setor público quanto privado.

10

A partir desse momento, de acordo com Freire-Medeiros (2009), revela-se

uma realidade plural das favelas sendo promovidas, vendidas e consumidas como

paisagem física e/ou social, como destino ecoturístico, como turismo de aventura

e/ou cultural.

A Rocinha, com título de maior favela da América Latina, assim como o Santa

Marta e outras favelas localizadas na zona sul da cidade, se destacam pela

proximidade a residências de classe alta, apresentando um contraste urbano na

paisagem da região. O Morro Santa Marta, por exemplo, é um dos únicos pontos da

cidade que reúne no mesmo visual dois ícones cariocas: o Pão de Açúcar e o Cristo

Redentor. A geografia privilegiada dessas comunidades atrelada à paisagem

estonteante que se tem a partir dos morros são fatores contribuintes para a

visitação. ―O contraste entre os que têm e os que não têm pira a cabeça dos

gringos‖ explica um dos guias da Rocinha a Freire-Medeiros (2009), fazendo

referência à proximidade da Rocinha com o tradicional Gávea Golf Club e a Escola

Americana.

Nos anos 90, as visitas foram iniciadas com a utilização regular de jipes

exclusivamente na Rocinha. Este tipo de transporte tornou-se ícone do turismo na

comunidade. As visitas tinham duração média de três horas, variando de agência

para agência. Alguns criticam a utilização dos jipes, pois acreditam que este inspira

a ideia de um ―safári de pobres‖. As agências que utilizam as vans dizem ter uma

―preocupação humanística‖ ao optar por esse tipo de transporte. (FREIRE-

MEDEIROS 2009, p. 55)

A consagração da Rocinha como ponto de visita obrigatório frente a outras

comunidades se deve ao que esta oferece, como argumenta o proprietário da

agência Jeep Tour, Rafael Seabra, em depoimento a Freire-Medeiros (2009):

10

Disponível em <http://cm-rio-de-janeiro.jusbrasil.com.br/legislacao/257564/lei-4405-06>. Acesso em 19 de Fevereiro de 2015.

32

A Rocinha é uma cidade. É uma favela que tem tudo, é um ponto interessante do Rio de Janeiro. As pessoas são agradáveis, a favela em si é agradável. Você chega na casa da moradora [na laje], a vista é maravilhosa, aquele contraste com Gávea e São Conrado [dois bairros de elevadíssimo IPTU], então você tem todo um atrativo especial. Além do que, a Rocinha, por estar na zona sul é mais fácil operacionalmente. No Vidigal, ou naquela do Leme [Morro da Babilônia], você só tem uma entrada e uma saída. Então, suponha que você está lá em cima e acontece alguma coisa embaixo: você não tem como sair. Na Rocinha, não, você tem duas saídas – então operacionalmente ela é muito fácil de se trabalhar. Fora toda história dela. De ser tão grande, a quantidade de gente, tem toda uma estrutura do comércio. É a maior da América Latina, né? Enfim, tem toda uma coisa que como favela ela é um atrativo turístico. Então esse eu acho que é o barato da Rocinha.

Outra característica, além da localização privilegiada, da diversidade de

serviços e de comércio, dos contrastes internos e externos à própria localidade, e

que favoreceu o turismo na Rocinha foi a familiaridade confortável de seus

moradores com a presença estrangeira. (FREIRE-MEDEIROS, 2009)

Consideramos que a favela é um atrativo, sobretudo para turistas

estrangeiros. No entanto, uma pesquisa realizada no ano de 2012, pela Fundação

Getúlio Vargas (FGV) em parceria com o Ministério do Turismo (MTur), no Aeroporto

Tom Jobim, revelou que essa situação tem mudado, pois mais da metade dos

turistas ouvidos dizem ter interesse em visitar favelas cariocas. O índice foi de

58,2%, entre os brasileiros, e 51,3%, entre os estrangeiros. No total foram ouvidas

900 pessoas que deixavam o Rio, sendo metade brasileira e metade estrangeira.

Freire-Medeiros (2009, p. 47) registra que os defensores do turismo em áreas

pobres, assim o fazem porque isto ―incrementa o desenvolvimento econômico da

região, a consciência social dos turistas e a autoestima das populações receptoras‖.

Do outro lado estão os críticos que consideram que,

apesar de reconhecerem algum impacto positivo em alguns projetos, no entanto, em nenhum caso os moradores das localidades visitadas usufruem realmente dos benefícios gerados; o que as visitas motivariam são atitudes voyeuristas diante da pobreza e do sofrimento. (FREIRE-MEDEIROS, 2009, p. 47).

2.2 PACIFICAÇÃO

É possível identificar um aumento na busca pelo turismo em favelas,

consequentemente, pela implementação das UPPs nas comunidades da Zona Sul

do Rio de Janeiro que antes eram dominadas por facções criminosas. A sensação

de segurança, representada pela presença permanente da polícia, e os

33

investimentos em infraestrutura impulsionaram ainda mais o movimento do ―asfalto‖

para o ―morro‖. Desta forma, permitiu-se aos moradores acompanhar a onda de

desenvolvimento por meio da oferta de produtos e serviços. A partir de então,

cariocas e turistas têm aproveitado cada vez mais os roteiros nos morros da cidade.

A Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) é uma ação de segurança pública

implantada pela Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro, sendo planejada e

coordenada pela Subsecretaria de Planejamento e Integração Operacional. Criada no

governo de Sérgio Cabral11 (2007-2014) foi elaborada com os princípios da polícia

de proximidade (ou polícia comunitária), que tem como conceito e estratégia a

parceria da população com as instituições da área de segurança. Atualmente, este

modelo de policiamento já está estabelecido em 38 unidades distribuídas nas

diferentes comunidades do Rio de Janeiro12.

A seguir, apresenta-se a localização de 30 das 38 Unidades de Polícia

Pacificadora no mapa da cidade (Figura 4). Pode-se observar que, em sua maioria,

contemplam as regiões da Zona Sul, importante área turística e detentora de bairros

de classe alta, e o Centro da cidade, no qual há uma intensa atividade comercial e

também turística, dada a quantidade de equipamentos culturais ali concentrados.

11

Decreto nº 41.650/2009 12

Até o momento de elaboração desta pesquisa, as UPPs são: Dona Marta, Cidade de Deus; Jardim Batan; Babilônia e Chapéu Mangueira; Pavão-Pavãozinho e Cantagalo; Ladeira dos Tabajaras/Cabritos; Providência; Borel; Formiga; Andaraí; Salgueiro; Turano; Macacos; São João, Quieto e Matriz ; Coroa, Fallet e Fogueteiro; Escondidinho e Prazeres; Complexo de São Carlos; Mangueira; Vidigal; Fazendinha; Nova Brasília; Adeus/Baiana; Alemão; Chatuba; Fé/Sereno; Parque Proletário; Vila Cruzeiro; Rocinha; Manguinhos; Jacarezinho; Caju; Barreira/Tuiuti; Cerro-Corá; Arará/Mandela; Lins; Camarista Méier; Mangueirinha; Vila Kennedy.

34

Figura 4 - Mapa das UPPs e áreas pacificadas da cidade do Rio de Janeiro Fonte: Rio mais Social

13

Esta intervenção político-militar tem se tornado possível a partir,

principalmente, da escolha do Rio de Janeiro para sediar os megaeventos da Copa

do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016. Desta forma, a questão da

segurança pública mostrou-se fundamental frente à realização dos eventos

internacionais mencionados.

Diante dos crescentes índices de violência registrados na cidade ao longo das

últimas décadas, fez-se necessário tornar as áreas próximas aos pontos turísticos

da cidade mais seguras, ou seja, possibilitando às favelas investimentos por parte

dos setores público e privado na economia carioca. Outro ponto a se destacar é de

oferecer segurança aos visitantes destes eventos.

O Programa das UPPs tem como objetivo reassumir as comunidades antes

dominadas pelo tráfico, bem como assegurar o contato do Estado com a população.

Silva 1998 (apud CUNHA ; MELLO, 2011, p.373) destaca que é preciso chamar a atenção para o fato de que:

13

Disponível em: <http://www.riomaissocial.org/>

35

O padrão de atuação da polícia, sobretudo nas favelas e bairros pobres da periferia da cidade, tem sido historicamente caracterizado pelo uso da violência, pelo abuso de autoridade e por desrespeito aos moradores, atitude exemplificada pela invasão de residências sem mandado judicial em busca de eventuais suspeitos. Nessas incursões, os moradores não eram reconhecidos como cidadãos de direito; ao contrário, eram tratados como bandidos em potencial que colocavam a sociedade em perigo. Recaía particularmente sobre a população mais jovem o peso da discriminação que os estigmatizava como delinquentes potenciais.

Supostamente, as UPPs são a substituição das invasões policiais feitas de

forma periódica nas favelas e que resultavam em confrontos armados com

traficantes.

Cabe ressaltar que ao longo das décadas de 80 e 90, houve tentativas de

mudar essa percepção do morador em relação à polícia, como o Posto de

Policiamento Comunitário (PPC) ou o Grupamento de Policiamento em Áreas

Especiais (GPAE).

No início de 2012, 3.932 policiais militares, sendo 342 mulheres, trabalhavam

nas Unidades de Polícia Pacificadora. (LIVRO DAS UPPS)14. Atualmente, as UPPs

contam com aproximadamente 9.543 policiais militares.15

É evidente que não somente as UPPs resolvem os problemas das favelas.

Cano (2012) chama atenção para o fato de que ―a existência legal das UPPs está

baseada numa estrutura normativa muito enxuta, composta apenas de alguns

decretos. Nesse sentido, pode se dizer que o programa está ainda pendente de um

processo de formalização e sistematização que consolide um modelo claro.‖ Isto, faz

com que cada UPP funcione a cargo do comandante de cada unidade, variando

assim o policiamento de favela para favela.

Um dos problemas enfrentados nas comunidades é a permanência do tráfico

de drogas, que passa apenas a modificar as suas práticas de vendas. O Secretário

de Segurança Pública do Estado do Rio, José Mariano Beltrame, durante palestra

sobre segurança pública, em um seminário que ocorreu na cidade de São Paulo em 25

de março de 2011 reunindo personalidades nacionais da área, na Fundação Armando

Álvares Penteado (FAAP), disse que as UPPs não têm este problema como objetivo

prioritário.

14

Disponível em < http://www.upprj.com/index.php/multimidia> 15

Disponível em <http://www.upprj.com/>. Acesso em 11 de Fevereiro de 2015.

36

As UPPs não acabaram com o tráfico, mas acabaram com o território dominado pelo bandido e acabaram com o fuzil, que é o inimigo número um da polícia. É impossível você vencer o tráfico no mundo, essa não é prerrogativa do Rio de Janeiro, nem de São Paulo, nem do Brasil. Paris é assim, Londres é assim. O que nós não temos, podemos deixar e o que não acontece mais é você ter a venda de droga na frente da polícia, disse ele.

16

Em uma análise do impacto da criminalidade dentro das comunidades17, Cano

(2012) constata que há uma redução notável das mortes violentas, especialmente

daquelas decorrentes de intervenção policial (Tabela 1). Por outro lado, os roubos

experimentam uma diminuição de mais de 50% (de quase 6 por mês a menos de 3),

enquanto todos os outros crimes sofrem um aumento considerável. Lesões dolosas,

ameaças e crimes relativos a drogas crescem exponencialmente. Os furtos aumentam

de forma significativa, embora os roubos tenham caído.

Tabela 1 - Criminalidade registrada dentro das comunidades – Antes e depois da Instalação das UPPS

Fonte: CANO, 2012

Pressupõe-se a possibilidade de deslocamento criminal para a Baixada

Fluminense e as Zonas Oeste e Norte do município do Rio que, segundo Cano (2012),

são as áreas mais violentas da cidade. Para ele, o projeto das UPPs tem apresentado

16

Disponível em <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2011/03/beltrame-diz-que-upps-nao-acabaram-com-o-trafico.html>. Acesso em 20 de Fevereiro de 2015 17

Foram contempladas 13 UPPs nesta análise com um intervalo temporal de 2006 a 2011: Andaraí, Batam, Borel, Chapéu-Mangueira/Babilônia, Cidade de Deus, Santa Marta, Formiga, Macacos, Pavão/Pavãozinho/Cantagalo, Providência, Salgueiro, Tabajaras e Turano.

37

uma forte seletividade geográfica abrangendo, sobretudo, a Zona Sul, o Centro e a

Tijuca em torno do estádio do Maracanã, obviamente em função da celebração da Copa

do Mundo e das Olimpíadas.

Para Batista (2012, p. 2),

o fato das UPPs estarem restritas ao espaço de favelas, e de algumas favelas, já seria um indício luminoso para desvendar o que o projeto esconde: a ocupação militar e verticalizada das áreas de pobreza que se localizam em regiões estratégicas aos eventos esportivos do capitalismo vídeo-financeiro (…) Com isso queremos frisar que as UPPs aprofundam as desigualdades e as segregações socioespaciais no Rio de Janeiro (grifo nosso)

Deste modo, é preciso questionar se as UPPs têm como objetivo proteger os

interesses dos moradores das favelas ou os do ―asfalto‖.

Faustini (2013) atenta-se para a imprevisibilidade do modo de abordagem

policial para com os moradores.

Apresentada como ―modelo‖, a UPP Santa Marta, item do próximo capítulo,

também ainda registra este tipo de comportamento. Uma reportagem do jornal

Extra18 fala sobre o confronto entre policiais e moradores da comunidade no dia

08/03/2015, que teria começado após abordagem agressiva a dois moradores. Um

morador conta:

Foi cena de filme, nem consegui sair de casa. Os PMs jogaram muita bomba de efeito moral e spray de pimenta, eles acham que todo mundo é bandido. Muitas pessoas, inclusive crianças, tiveram que descer o morro para conseguir respirar — conta um morador que não quis se identificar.

Diversos são os casos de violência divulgados pela mídia. Um dos casos de

maior repercussão foi do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, desaparecido

após ser levado para averiguação na favela da Rocinha.19

Os policiais também agem com autoridade desnecessária no que diz respeito

à regulação do lazer, mesmo que em âmbito privado. Carvalho (2013) destaca o

relato de uma moradora a respeito da UPP Borel sobre os limites da atividade

policial.

18

Disponível em <http://extra.globo.com/casos-de-policia/moradores-policiais-da-upp-entram-em-confronto-no-santa-marta-15541532.html>. Acesso em 09 de março de 2015. 19

Para saber mais http://infograficos.oglobo.globo.com/rio/amarildo/14-de-julho-dia-do-sumico-4871.html#description_text

38

Estava na casa da minha irmã com um grupo de amigos conversando e ouvindo música. De repente chegou um grupo de policiais e mandou todo mundo ir pra casa que aquela não era hora de trabalhador estar na casa de ninguém. (CARVALHO, 2013, p. 302)

Assim sendo, a estratégia de estabelecer uma aproximação com a

comunidade a partir da confiança passa a ser dificultada por meio destas tentativas

de manutenção da ordem que violam os direitos civis.

Carvalho (2013) aponta, como elemento importante, a forma como as regras

são definidas e cumpridas, pois estas determinarão a relação estabelecida entre

polícia e morador.

Muitas vezes a frase: ―depende do plantão‖ foi utilizada como argumento para justificar determinadas ações dos policiais, ou seja, tanto para o cumprimento de regras, do fechamento de bares e redução do barulho, por exemplo, como de abordagens mais violentas. O que se percebe é que de acordo com o grupo de policiais que estão no serviço, eles determinam a hora e o local onde o som pode acontecer. Muitos relatos revelaram que essa proibição não é apenas em espaços públicos, como praças ou quadras, ou estabelecimentos comerciais, mas também nas comemorações em casa, como reunião de amigos e festas de aniversário, como o relato acima apresentado. Dependendo do plantão, os policiais permitem o som alto ou não. (CARVALHO, 2013, p. 303)

Em referência à regulação exercida pela polícia dentro das comunidades,

Cano (2012) ressalta que a polícia passa a exercer a posição de ―novos donos do

morro‖ por meio do autoritarismo com a roupagem da legalidade.

Outro ponto destacado por Faustini (2013) é o fato de as associações de

moradores, as entidades e os movimentos sociais historicamente ligados às lutas

das favelas na cidade não serem convocados a participar da formulação das

políticas que as beneficiarão.

O processo de gentrificação20, ou ―remoção branca‖, vem ocorrendo desde o

início da pacificação e é causado pelo encarecimento da vida na favela.

Impossibilitados de arcar com as despesas do ―progresso‖ trazido pelo Estado, estes

moradores passam a migrar para áreas cada vez mais distantes da cidade do Rio.

Diversas são as críticas ao projeto das UPPs, mas a principal delas se refere ao

termo ―pacificação‖. Pimentel (2013, sp.) constata que:

―Pacificar‖ é um termo militar e não está dissociado do conflito, da dominação e da morte. O militarismo, com suas fardas, armas, ordens,

20

―Processo que envolve necessariamente a troca de um grupo por outro com maior poder aquisitivo em um determinado espaço, provocando mudanças nos perfis residenciais e padrões culturais.‖ Disponível em <http://vestibular.uol.com.br/>. Acesso em 05 de julho de 2015.

39

hierarquia, silêncios e força bruta, certamente não é uma proposta adequada para a construção da paz – pelo simples fato de se organizar totalmente em torno da ideia de guerra.

Maria Helena Moreira Alves, professora aposentada da Universidade Estadual

do Rio de Janeiro, em entrevista ao portal EcoDebate contribiu para esse debate,

dizendo que

[...] o programa da UPP e o termo pacificação, estão ligados diretamente ao programa dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã, que, aqui, está ligado à doutrina de segurança interna, que foi aplicada durante toda a ditadura militar. Isso foi criado durante a ditadura, não foi com Duque de Caxias nem com a escravidão. Apesar de podermos dizer que o Bope [Batalhão de Operações de Policias Especiais] parece o capitão do mato, na verdade ele é um soldado armado para enfrentar uma guerra interna, e o inimigo interno é, no conceito da pacificação de hoje, o povo todo das favelas.

21

Para Setti (2011) o que tem ocorrido no Rio de Janeiro, com relação à

segurança pública, a partir da adoção de uma estratégia ―pacificadora‖, por parte do

governo do Estado, é a constatação ou a admissão da existência de um estado de

guerra, já que a paz é a antítese da guerra.

Rocha e Pedro (2012) criticam a sensação de paz e segurança geradas pelas

UPPs, pois a paz requer a ausência de um tratamento diferenciado dispensado aos

favelados e que é evidenciado pela presença do armamento pesado e também pelo

próprio fato de que, diferentemente do que ocorre nos bairros, há uma base

permanente de policiamento específico para esses territórios. Apontam também, que

o tratamento de policiamento exclusivo dado às favelas acaba por reforçar o

preconceito relativo às suas populações na medida em que atualiza a noção de

―classes perigosas‖, que devem ser vigiadas de perto, monitoradas, cercadas.

Sobre a percepção dos policiais sobre o projeto das UPPs, Cano (2012)

encontra muitas divergências. Alguns policiais possuem uma visão doutrinária do

projeto bem afinada com as diretrizes oficiais, outros, uma visão ainda mais

avançada no sentido de compreenderem a oportunidade que as UPPs representam

para desconstruir a lógica da guerra dentro da própria instituição e assim reformar a

própria polícia.

21

Disponível em <http://www.ecodebate.com.br/2014/05/27/o-inimigo-interno-e-no-conceito-de-pacificacao-de-hoje-o-povo-todo-das-favelas-entrevista-com-maria-helena-moreira-alves/>. Acesso em 21 de fevereiro de 2015.

40

Uma das críticas por parte desses atores é em relação à ―vinculação do

projeto com cálculos políticos, entendendo política no sentido pejorativo de defensa

de interesses particulares, partidários, ou eleitorais‖.

Porque a polícia hoje é política nada mais do que isso pra mostrar pra sociedade vai ser instalada agora a UPP da Mangueira dia 3, e a sociedade vai sair em todos os jornais, ah está pacificada, o que não é verdade, não é realidade o que acontece. (Soldado, Comunidade 3) (CANO, 2012, p. 137)

Uma pesquisa realizada pela Centro de Estudos de Segurança e Cidadania

(CESeC), em março de 2012, revelou que quase 60% dos policias afirmam que

prefeririam estar trabalhando em outra unidade da PM, cerca de 30%, para unidades

especializadas como Bope, BPChoque e outras,ou seja, aproximadamente 90% dos

serviços preferidos pelos que querem sair da UPP consistem em atividades

tradicionais de policiamento ostensivo22. O fato de os policiais mostrarem preferência

por atuar fora das UPPs, mesmo que por conveniências pessoais, constata a baixa

aderência ao projeto.

Os motivos da insatisfação estão associados a condições de trabalho

insatisfatórias, abrangendo, em particular, o baixo salário, atrasos no pagamento da

gratificação, deficiências na infraestrutura da sede e distância entre o trabalho e a

moradia. Cano (2012) afirma que o policiamento das UPPs é considerado pelos

policiais como de ―segunda classe‖, um tipo de atividade que não poderia ser

considerada policiamento verdadeiro se comparado com o modelo tradicional, mais

autoritário e armado. Sentir-se desrespeitado (a) ou desvalorizado (a), seja pelos

moradores, seja pelos colegas dos batalhões, é outro motivo para não estar

satisfeito(a) como policial de UPP. Para Cano (2012), as UPPs passam a

representar uma ruptura nas abordagens tradicionais e um reequilíbrio na relação

entre moradores e policias.

Quanto à permanência das UPPs, a pesquisa da CESeC (2012) constatou

que cerca de 60% dos policias entrevistados disseram estar de acordo com a

22

A primeira rodada do survey foi a campo em novembro-dezembro de 2010 e entrevistou uma

amostra aleatória de 359 soldados e cabos das nove UPPs então em funcionamento: Santa Marta, Cantagalo/ Pavão-Pavãozinho, Borel, Cidade de Deus, Providência, Formiga, Batan, Chapéu Mangueira/Babilônia e Tabajaras. Em março de 2012, ocorreu a segunda rodada, abrangendo, além dessas nove unidades, outras 11 criadas no intervalo entre as duas pesquisas: Vidigal, Mangueira/Tuiuti, Prazeres/Escondidinho, Coroa/Fallet/Fogueteiro, S. João/Matriz/Quieto, Macacos, Salgueiro, Andaraí, Turano, CDD Caratê, CDD Quadras e CDD Apartamentos (as três últimas são subdivisões da antiga UPP Cidade de Deus). Ao todo, o questionário de 2012 foi aplicado a 775 policiais. (CESeC, 2012)

41

afirmação de que ―as UPPs foram criadas só para garantir a segurança da Copa de

2014 e das Olimpíadas de 2016‖ (p.11). Desta forma, entende-se a baixa

identificação dos mesmos com o projeto, pois a expectativa que se tem é de que

este não irá permanecer.

A resistência em territórios que já possuem UPPs tem acontecido, mesmo

que ocasionalmente. É o caso do complexo do Alemão, formado por um conjunto de

12 favelas, localizado na zona norte da cidade. Segundo o jornal O Dia23, na manhã

do dia 24 de fevereiro de 2015, ―PMs foram recebidos a tiros por bandidos durante

um patrulhamento na localidade conhecida como Inferno Verde. Após o confronto,

os marginais fugiram.‖ Devido a este confronto, houve a necessidade de paralisação

do teleférico do conjunto de favelas. Isto pode ser explicado por uma das

constatações mais importantes no trabalho de campo feito por Cano (2012): a

resistência ao modelo. Como se infere, o clima de segurança distingue-se,

notadamente, de comunidade para comunidade.

23

Disponível em <http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2015-01-27/tiroteio-volta-a-assustar-moradores-no-complexo-do-alemao.html>. Acesso em 09 de março de 2015.

42

3. A FAVELA SANTA MARTA

Levamos em consideração nesta pesquisa, o decreto nº 28674 de 12 de

novembro de 2007, sobre a nominação do Morro na Rua São Clemente, em

Botafogo, no qual o Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro (Cesar Maia) estabelece:

Considerando que o Morro Dona Marta foi assim chamado, em homenagem a Dona Marta Figueira de Mattos, mãe do Vigário Geral Dom Clemente José de Mattos, proprietário no século XVII, da Quinta São Clemente em Botafogo, cujas terras se estendiam até a Lagoa Rodrigo de Freitas. Nelas Dom Clemente abriu um caminho que dava acesso a Capela de São Clemente, por ele erguida, esse caminho deu origem a atual Rua São Clemente; e, considerando que a favela se chama Santa Marta por causa de uma imagem da Santa homônima situada dentro de uma capela na parte alta da comunidade. Essa imagem foi levada lá por uma antiga moradora no início do século XX. Com a chegada do Padre Veloso na década de 1930, foi construída essa pequena capela para abrigar a imagem de Santa Marta, consolidando assim o nome do local, decreta: Art. 1º Respeitando a tradição e a história, com base nas considerações deste Decreto, a nominação do morro localizado na Rua São Clemente é MORRO DONA MARTA e a comunidade local é FAVELA SANTA MARTA.

24 (grifo nosso)

O Santa Marta começou a se formar no final dos anos 1930 e está localizado

em uma encosta bastante íngreme entre os bairros de Botafogo, Laranjeiras,

Humaitá e Cosme Velho, conforme ilustra a figura 5.

Figura 5 - Mapa de localização da favela Santa Marta Fonte: Google maps - com edição da autora

24

Disponível em: <http://cm-rio-de-janeiro.jusbrasil.com.br/legislacao/292070/decreto-28674-07>. Acesso em 05 de março de 2015.

43

O acesso à favela pode ser feito por Botafogo, pela rua São Clemente,

entrada principal da favela (parte baixa), que tem como referência a praça Corumbá,

e por Laranjeiras, pela rua Osvaldo Seabra (parte alta).

No que diz respeito às questões sociodemográficas, dados do Censo

Demográfico de 2010 indicam que a comunidade possui uma população de 3.913

moradores e 1.177 domicílios em uma área de 54 mil metros quadrados.25 Carvalho

(2013) enfatiza que por possuir uma área geográfica limitada, há pouca possibilidade

de expansão territorial. Desta forma, esta expansão se dá através do crescimento

vertical e adensamento de casas.

Pereira (2014) aponta a ocupação do morro por meio de correntes migratórias

formadas por famílias do interior fluminense, de Minas Gerais e das regiões Norte e

Nordeste, entre os anos de 1930 e 1950.

Freire-Medeiros, Vilarouca e Menezes (2012) afirmam que, por décadas, os

moradores da localidade tiveram que enfrentar uma série de dificuldades para

resistir às ameaças de remoção e conquistar serviços básicos e infraestrutura

mínima para seus locais de moradia. No entanto, ao longo dos mais de 70 anos de

existência, muitas transformações ocorreram na paisagem e na estrutura

socioeconômica da favela.

Em relação à violência, a partir, sobretudo, dos anos 1980 e 1990, o Santa

Marta ganhou repercussão na mídia devido aos constantes conflitos envolvendo

diferentes facções de traficantes armados que disputavam o domínio do território e o

monopólio da venda de drogas - e a polícia carioca - que vez ou outra fazia

incursões militarizadas no morro.

Em 1996, a favela carioca recebeu a presença do cantor Michael Jackson

para a gravação do videoclipe de They don’t care about us. A reprodução nos meios

midiáticos de que o preço das locações havia sido acordado entre a produtora de

Jackson e o ―dono do morro‖ à época, Marcinho VP, levou as autoridades a

realizarem o pedido da suspensão das filmagens, ―sob o argumento de que a

25

Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/aglomerados_subnormais/tabelas_pdf/tab2.pdf>. Acesso em 08 de março de 2015.

44

indústria do turismo estava sendo seriamente comprometida.‖ (FREIRE-MEDEIROS,

2009, p.19)

Todavia, a partir 2008, o Santa Marta passa a ganhar outra visibilidade nos

meios de comunicação nacionais e internacionais, agora não mais em virtude dos

conflitos armados, mas sim como exemplo da retomada do monopólio da força pelo

Estado.

Na qualidade de projeto piloto, a primeira comunidade a receber uma UPP foi

a do Morro Dona Marta localizado em Botafogo, zona sul da cidade. Esta foi

instalada em 19 de dezembro de 2008, sob o comando da capitã Pricilla Azevedo26.

A sede da UPP encontra-se na parte mais alta do morro, na Estação 5 do plano

inclinado.

A ocupação, vocabulário utilizado pela polícia militar, foi feita pelo Batalhão de

Operações Especiais (BOPE), que permaneceu na favela até a entrada de 125

policiais. (CUNHA; MELLO, 2011).

A capitã Pricilla Azevedo relata em uma entrevista27 a resistência por parte

dos moradores ao projeto:

O maior problema que nós encontramos no processo de implantação da UPP foi o comportamento de alguns moradores. Eles tinham a polícia como inimiga. Queriam enfrentar os agentes a troco de nada, de uma cultura que eles nem sabem a origem. Hoje, cerca de 98% dos moradores enxergam que nós só queremos o melhor para eles.

Especificamente no caso do Santa Marta, segundo Cunha e Mello (2011),

esta tornou-se modelo e laboratório de implantação de alguns projetos sociais que

acompanham a política de segurança pública. Nota-se, antes da chegada da UPP, a

reestruturação da comunidade no que diz respeito ao acesso a serviços e

infraestrutura básica através das obras do PAC.

No início de 2009, foi instalada uma rede de internet sem fio gratuita. E, atualmente, já estão regularizados o fornecimento de água, luz e TV por assinatura, afetando sensivelmente a informalidade dos gatos e das ―gatonets‖, práticas até então comuns de acesso respectivamente à energia elétrica e à TV a cabo e geralmente controladas por milícias ou pelo tráfico

26

A capitã Pricilla Azevedo permaneceu no comando da UPP Dona Marta até março de 2011, quando deixou o cargo para assumir a coordenação das UPPs já implantadas na cidade. Em seu lugar assumiu o subcomandante, capitão Rodrigo Andrada. Fonte: Livro das UPPs 27

Último Segundo, 21/12/2009. http://ultimosegundo.ig.com.br/perspectivas2010/um-ano-apos-pacificacao-morro-dona-marta-e-usado-como-vitrine-do-governo/n1237592885608.html

45

de drogas. O primeiro serviço a ser regularizado foi o fornecimento de energia elétrica, em meados de 2009. (CUNHA; MELLO, 2011, p. 385)

Com a regularização urbanística, o cotidiano dos moradores é afetado pelo

sensível aumento no custo de vida, pela especulação imobiliária, pela cobrança

indevida dos impostos públicos.

Com relação ao abastecimento de energia elétrica, alguns moradores

argumentam que não podem pagar os mesmos valores cobrados em outras regiões

da cidade, já que a qualidade dos serviços oferecidos é muito distinta nessas

localidades.

José Mário, presidente da Associação dos Moradores do Santa Marta, diz que o retorno de impostos como o ICMS, por exemplo, é extremamente desigual entre as diferentes áreas, e que a favela ainda sofre com problemas de infraestrutura básica, ―com esgoto a céu aberto e ruas com pouca iluminação‖. Defende, assim, um projeto que leve em consideração o perfil de renda da população local, que seja ―mais adequado à realidade da

favela‖. (CUNHA; MELLO, 2011, p. 392)

Além disso, os moradores reclamam, principalmente, que as faturas não

chegam a tempo, acarretando atraso no pagamento e muitas vezes o corte no

fornecimento de energia elétrica. Sobretudo, reclamam da diferença entre as tarifas

cobradas, relatando casos de pessoas que, mesmo possuindo poucos

eletrodomésticos e ficando boa parte do dia fora de casa, acabam pagando contas

iguais ou mais altas do que as de alguns vizinhos com famílias maiores e grande

quantidade de aparelhos de ar-condicionado, por exemplo. Outro ponto polêmico é

em relação à taxa de água. Alguns moradores afirmam receber a fatura de cobrança

pelo serviço sem ter, de fato, acesso a ele. Por esse motivo, nem todos estão

cumprindo com o pagamento (CUNHA; MELLO, 2011, p. 394).

A principal via de acesso, as escadas, foi modificada a partir da inauguração

do plano inclinado em 2008. O plano inclinado é formado por duas composições

sobre trilhos movimentadas por motores que puxam contrapesos atados por cabo de

aço à parte inferior do veículo. O da favela Santa Marta tem um trajeto completo de

cerca de 450m. O sistema é formado por duas linhas, a 1, que vai da Estação 1 à 2,

e a linha 2, que vai da Estação 3 à 5. As duas funcionam em sincronia para garantir

que ninguém fique aguardando por muito tempo a baldeação. (CUNHA E MELLO,

2011)

46

Em junho de 2010, a Laje da Casa de Cultura Dedé, onde foi realizada a

gravação do videoclipe, assim como a casa, foram revitalizadas pelo governo

estadual. Uma estátua em bronze no tamanho natural do cantor Michael Jackson foi

criada pelo cartunista Ique. A laje também ganhou um painel de mosaico feito pelo

artista plástico Romero Britto. A Estação 4 dá acesso ao Espaço (ou Laje do)

Michael Jackson.28

A partir de então, a laje passou a ser ponto turístico da comunidade ficando

conhecida como ―Laje do Michael Jackson‖.

Uma iniciativa importante para o desenvolvimento do turismo na comunidade

foi o lançamento do projeto ―Rio Top Tour‖ em agosto de 2010, uma parceria entre o

Governo do Estado do Rio de Janeiro e o Ministério do Turismo, como estímulo ao

turismo em comunidades pacificadas, sendo o Santa Marta a primeira comunidade a

ser beneficiada. O Ministro do Turismo à época, Luiz Barretto, explicou que o Top

Tour ―[...] integra o programa de Turismo de Base Comunitária, que tem como foco a

inserção econômico-social por meio da atividade turística.‖ (BRASIL, 2010)

O projeto Rio Top Tour teve como intenção a capacitação de guias de turismo

locais para receberem os turistas e realizarem passeio guiado pela comunidade.

Esta ficou a cargo do curso técnico de turismo do Colégio Estadual Antônio Prado

Junior, na Tijuca. Atualmente, o Santa Marta conta com 12 moradores atuando como

guias locais que recebem 10.000 turistas por mês na alta temporada, sendo, em sua

maioria, turistas estrangeiros. O desenvolvimento do Mapa Turístico Santa Marta

(Anexo) contou com a cooperação de guias e representantes locais. Esse mapa

separa a comunidade em: parte baixa, parte intermediária e parte alta. (PEREIRA,

2014)

3.1 PÔR DO SANTA – Cerveja, Feijoada & Samba

O Pôr do Santa é um roda de samba de cunho social idealizada por classes

sociais diferentes, a do ―morro‖ e a do ―asfalto‖. Essa aliança se deu quando os

músicos Alexandre Araripe, Roberto Moreno, André Rios decidiram formar uma roda

de samba juntos, e que por meio de Juliana Franklin, uma amiga em comum,

28

Disponível em <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2010/06/estatua-de-michael-jackson-e-inaugurada-no-morro-santa-marta.html>. Acesso em 17 de março de 2015.

47

conheceram Gilson da Silva, nascido e criado na favela Santa Marta e mais

conhecido como Gilson ―Fumaça‖.

A primeira edição do Pôr do Santa ocorreu em 19 de março de 2011,

coincidindo com o aniversário de Gilson ―Fumaça‖. Desde então, todo primeiro

sábado do mês, o projeto Pôr do Santa convida, não só os cariocas e moradores da

comunidade, mas também os turistas brasileiros e estrangeiros a subirem a favela

Santa Marta.

A escolha do nome para o evento se deve ao fato de que após um dia de

visitação aos possíveis locais para a realização do mesmo, os idealizadores de fora

da comunidade teriam se impressionado com a vista que se tem a partir da Laje do

Michael Jackson no momento do pôr do sol e, logo o batizaram de Pôr do Santa.

Assim sendo, identificamos no logotipo do evento por meio de suas cores e

ilustração, parte dos elementos anteriormente citados. (Figura 6)

Figura 6 - Logotipo do evento Pôr do Santa Fonte: Facebook – Pôr do Santa

29

Identificamos também, no parágrafo anterior, o ―momento laje‖ enfatizado por

Freire-Medeiros (2009, p. 51):

A utilização dos terraços como mirantes informais é prática comum a todas as agências e [...] esse ―momento laje‖ é, sem dúvida, um dos mais apreciados pelos visitantes: com o mar de casas a seus pés, eles podem confrontar a favela com seu entorno, as casas mal alinhadas com os edifícios luxuosos à beira mar.

29

Disponível em: <facebook.com/pordosanta>

48

Com uma vista da cidade do Rio de Janeiro, o público do Pôr do Santa pode

apreciar aos pés do Cristo Redentor um visual da Lagoa, da Pedra da Gávea e Pão

de Açúcar. Por meio da figura 7, ilustramos a dualidade paisagística enfatizada por

Freire-Medeiros.

Figura 7 - Vista a partir da Laje do Michael Jackson no evento Pôr do Santa Fonte: Acervo pessoal

A proximidade da casa de Gilson ―Fumaça‖ à laje e por ter passado a infância

nesse local contribuíram para que fosse escolhida como local definitivo de realização

do Pôr do Santa. Outros fatores contribuintes foram: a recente revitalização da Laje

em 2010, que tornou-se um ponto turístico da comunidade após ganhar uma estátua

de Michael Jackson, a capacidade da laje de aproximadamente 350 pessoas, a

acessibilidade por meio do plano inclinado e além disso, toda infraestrutura que se

tem ao redor. (Figura 8)

Figura 8 - Laje do Michael Jackson Fonte: Acervo Pessoal

O evento é gratuito, porém por se tratar de uma roda de samba de cunho

social, a organização solicita que o público do evento faça a doação de 1 Kg de

49

alimento não perecível, pois toda a arrecadação é doada para a creche da

comunidade Mundo Infantil e também para moradores que vivem em situação

precária, em forma de cesta básica. Além dessa iniciativa, a organização do Pôr do

Santa trabalha com ações sociais paralelas à doação de alimentos, como a

campanha do agasalho.

O Pôr do Santa tem início às 17h, justamente para que os moradores e

visitantes possam apreciar a bela paisagem com o pôr-do-sol.

Para se chegar até a Laje do Michael Jackson, o plano inclinado, usualmente

chamado de bondinho pelos moradores, é disponibilizado com acesso gratuito, pela

Estação 1 (ponto de partida) até a Estação 3 (estação de baldeação entre as linhas),

e depois da Estação 3 para a Estação 4 a qual se tem acesso à laje. Para que se

tenha um controle da capacidade do bondinho, aproximadamente 20 pessoas, são

distribuídas fichas na fila. Esta ação foi tomada em conjunto com a organização e a

associação de moradores para os dias de evento na comunidade. Porém,

observamos durante a pesquisa de campo a insatisfação dos moradores em ter que

dividir a prioridade do transporte com os visitantes, pois os moradores estão

realizando tarefas do seu cotidiano e com a diminuição da oferta do plano inclinado

esses moradores sentem-se prejudicados.

Também há a opção de subir a pé, o que muitos moradores e visitantes

fazem ao notar a enorme fila que se forma e o tempo que se leva na fila por causa

do evento. Contudo, recomenda-se àqueles que não são da comunidade que peçam

a ajuda de um guia local ou de moradores para não se perder pelos becos e vielas

da comunidade.

O término do evento se dá por volta de 22h, em respeito aos moradores que

têm suas casas no entorno da laje e também para maior comodidade dos visitantes

de utilizar o plano inclinado, que encerra seu funcionamento à meia noite, e dos

músicos em descer com os equipamentos.

Assim, com a realização do Pôr do Santa, a circulação de pessoas altera a

dinâmica do comércio local. Desta forma, o evento movimenta a economia não

somente dos bares, vendinhas e comércio paralelo do entorno da roda de samba,

mas também de todo o caminho que o público do Pôr do Santa percorre na

comunidade. O principal bar que atende ao Pôr do Santa, é o Bar do Assis, que está

50

localizado em frente à Laje do Michael Jackson. Nesse é disponibilizado,

gratuitamente, banheiro unissex para o público do Pôr do Santa.

Outros dois banheiros (masculino e feminino), construídos há

aproximadamente um ano, são oferecidos ao público mediante o pagamento de R$

1,00 para sua utilização. Alguns moradores do entorno oferecem seus banheiros

somente ao público feminino também mediante o pagamento de R$ 1,00.

O repertório da roda de samba inclui canções de Candeia, Wilson Moreira,

Cartola, Arlindo Cruz, entre outros clássicos do samba de raiz. Além do samba, o

evento oferece a feijoada, caldos e cerveja.

A respeito da preparação da feijoada, começa no dia anterior ao evento,

ficando a cargo da família (mãe e tia) de Gilson ―Fumaça‖ ou de alguma vizinha,

como o próprio relatou.

A feijoada, a cerveja e tudo o que é comercializado durante o evento ajudam

na sua logística, que vai desde o pagamento de músicos convidados e

carregadores. O restante que sobra é dividido entre os organizadores: Gilson

―Fumaça‖, Alexandre Araripe e Roberto Moreno, além de uma ―caixinha‖ para o Pôr

do Santa.

Apesar de Gilson relatar que a feijoada virou a ―marca‖ do evento, o mesmo

enfatiza que houve uma época em que não havia um retorno financeiro e foi

necessário substituir por outras coisas, por exemplo, caldos.

Gilson disse que o Pôr do Santa recebe bastantes turistas estrangeiros,

especialmente na alta temporada. Entretanto, a organização não tem um controle de

dados sobre o seu público.

Sobre a participação da comunidade no samba, Gilson ―Fumaça‖ relatou que

apesar de o evento ser público, dentro da favela, a participação de moradores na

roda de samba ainda é minoria. Ele acredita que isso não tomou uma proporção

maior pelo fato de as pessoas que vivem nas favelas do Rio de Janeiro terem o

costume, segundo ele, de por volta de cinco, seis horas da tarde estarem dormindo,

acordarem por volta de meia noite, se arrumarem por volta de uma hora da manhã

para irem ao baile funk. E o Pôr do Santa acontece justamente nesse intervalo. A

maioria dos jovens está fazendo outra coisa, como exemplo, indo ao shopping ou

jogando bola na rua. Os adultos estão trabalhando ou chegando do trabalho.

51

Durante a pesquisa foi possível comprovar o que foi relatado acima, pois

apenas 2% de moradores preencheram parte do formulário elaborado pela autora e

aplicado aos participantes (ver apêndice B). No entanto, é necessário levar em

consideração as condições de aplicação da pesquisa, como o horário e locais

escolhidos para a sua execução.

Quando questionado sobre o controle da UPP Santa Marta no evento, Gilson

―Fumaça‖ relatou que a mesma não tem nenhum controle sobre a realização do Pôr

do Santa. Todavia, a organização do Pôr do Santa entra em contato com a

Associação de Moradores da comunidade, que emite uma autorização que é

repassada à UPP, para que esteja ciente do acontecimento do evento.

Apesar do que foi relatado acima, constatamos a presença policial durante o

evento. Por volta das 16h, encontramos três policias na rampa de acesso ao plano

inclinado, onde se forma a fila. Mais dois policiais na Estação 3 do plano inclinado e

quatro na laje, no início do evento. (Figura 9)

No entanto, não havia a presença de policias no caminho das escadas que

dão acesso ao local em que acontece o samba, mas há visitantes que optam por

este caminho pelo tempo que se tem que esperar na fila do plano inclinado.

Figura 9 - Policiamento na Laje do Michael Jackson durante o Pôr do Santa Fonte: Acervo pessoal

52

Hipoteticamente, acredita-se que a não intervenção da UPP Santa Marta no

evento se deve ao fato de o evento estar ligado ao samba e não ao funk que,

inconscientemente, é associado ao tráfico de drogas.

Sobre a influência da pacificação e aumento do público do Pôr do Santa,

Gilson ―Fumaça‖ acrescentou que para quem vive no Santa Marta, a pacificação

tornou-se significado de voz ativa para os moradores. Muito o que se ouvia falar

sobre violência nesse território, que causava tanto medo para os visitantes, foi sendo

deixado no passado. À medida que a comunidade recebia cada vez mais pessoas

de fora dela, foi possível disseminar, ainda mais, as mudanças pelas quais esta

passou. Desta forma, o Pôr do Santa deixou de ser um evento intimista e tomou uma

proporção maior.

A respeito do incentivo por parte do poder público, nas suas três esferas,

Gilson ―Fumaça‖ nega envolvimento desses atores no evento. Apesar de não

receber ajuda governamental, Gilson ―Fumaça‖ cita a tentativa de inscrição do Pôr

do Santa, como um projeto cultural na Lei Federal de Incentivo à Cultura,

popularmente chamada de Lei Rouanet30. O principal apoio que o evento recebe é

por parte da Associação de Moradores, que cede o espaço para a realização do Pôr

do Santa, pois a Laje do Michael Jackson é de responsabilidade da associação.

O principal meio de divulgação do Pôr do Santa é a rede social Facebook31,

onde a organização publica todas as informações relacionadas ao evento. A

organização conta ainda com a divulgação boca-a-boca como meio de multiplicar a

sua visitação.

3.2 PERFIL DO PÚBLICO DO EVENTO

A pesquisa aqui apresentada teve como objetivo a análise sobre o perfil do

público do Pôr do Santa. Além disso, apesar da proximidade da pesquisadora com o

objeto de estudo, percebeu-se a necessidade da aplicação dessa pesquisa para que

se desse maior confiabilidade às informações aqui apresentadas.

30

Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L8313cons.htm. Acesso em 06 de maio de 2015. 31

https://www.facebook.com/pordosanta

53

A metodologia utilizada teve uma abordagem quali-quantitativa e exploratória.

A pesquisa se realizou em duas partes. A primeira, por meio de uma entrevista no

dia 25 de março de 2015 com um dos idealizadores do evento, morador da

comunidade, para compreender o seu processo de elaboração e execução, levando

em consideração os moradores, visitantes e a UPP.

Foi realizada também a aplicação de formulários a moradores e visitantes que

participaram do evento Pôr do Santa, no dia 04 de abril de 2015. Nesse dia,

celebraram-se 4 anos de evento. Foram aplicados um total de 106 formulários nos

locais de maior movimentação do evento, na Estação 1 do Plano Inclinado e na Laje

do Michael Jackson.

O formulário continha sete perguntas fechadas e foi dividido em três partes: a

primeira aborda o perfil do visitante e do morador (sexo, faixa etária, local de

procedência – no caso dos visitantes); a segunda aborda a frequência no evento e o

nível de participação (se contribuiu ou não com a arrecadação de alimentos).

Cumpre destacar, que de certo modo, essa pesquisa pode ter sido

prejudicada pelo fato de o evento não ter acontecido desde janeiro de 2015 devido

às datas comemorativas (Reveillon e Carnaval) que o precederam e também pelas

previsões de mau tempo que, automaticamente, fizeram com que a organização

cancelasse o evento.

Em relação ao perfil do público do evento, considerando moradores e

visitantes, 54% dos entrevistados eram mulheres e 46% homens. A faixa etária de

maior representatividade foi a de 18 a 29 anos, com 59%, seguido de 30 a 39 anos,

com 31%. As faixas etárias entre 40 e mais de 60 anos somaram 10%.

A amostra revelou que 98% do público do Pôr do Santa vêm de fora da

comunidade, mostrando a baixa representatividade/adesão da participação da

comunidade, de apenas 2%.

É necessário salientar que a pesquisa pode ter variado quanto à percepção

do público desse evento, pois foi realizada no início, por volta de 16h30. Logo,

acredita-se que grande parte do público seria advindo de fora da comunidade.

Com relação à origem, 61% eram residentes da cidade do Rio de Janeiro. Em

sua maioria, e totalizando 26%, esses residentes são advindos da Zona Norte da

cidade (Andaraí, Del Castilho, Engenho de Dentro; Freguesia; Grajaú; Irajá; Jacaré;

Méier; Olaria; Pilares; Tijuca; Vila da Penha; Vila Isabel) seguidos por 20% de

54

residentes da Zona Sul (Botafogo, Copacabana; Flamengo; Jardim Botânico;

Laranjeiras; Leme); Zona oeste 7% (Barra da Tijuca; Jacarepaguá; Taquara ;Vila

Valqueire); Zona central 6% (Centro ,Glória; Mangueira; Rio Comprido); Baixada

Fluminense 2% (São João de Meriti).

Quanto aos turistas/ visitantes domésticos, 15% vindos do estado de SP, 3%

do DF, 2% de MG e do RJ (com 10% dos visitantes de Niterói, 1% de Itaboraí).

Dessa amostra, 8% foram turistas estrangeiros, dos quais 4% da França, 2%

da Colômbia, 2% do Reino Unido.

Com relação à visita, para 59% dos entrevistados era a primeira vez que

visitavam o evento Pôr do Santa; já para 42% a resposta foi de que não era a

primeira vez.

Quanto à arrecadação de alimentos, 30% dos respondentes contribuíram no

dia do evento e 70% não contribuíram. Deste modo, é perceptível a falta de

engajamento do público com a ação social desenvolvida pela organização do Pôr do

Santa. Porém, é necessário salientar que muitos dos respondentes disseram

desconhecer a iniciativa. Desta forma, notamos que ainda é incipiente a divulgação

dessa causa, fazendo com que a creche e a comunidade deixem de receber os

donativos.

55

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O turismo em favelas pode ser visto para além dos tours de realidade, de

passeios guiados. O Pôr do Santa é apenas um exemplo de evento que acontece

nas diversas favelas do Rio de Janeiro e pode ser considerado como uma expansão

do mercado de favela, uma nova etapa de comercialização da favela turística.

Acreditamos que a partir do contato de visitantes do ―asfalto‖ com a

comunidade é possível desmistificar o estereótipo do favelado, devido à percepção

mais próxima daquela realidade por aqueles que não a conheciam. E também, é

uma excelente oportunidade para o público do Pôr do Santa conhecer de perto as

melhorias que o Santa Marta vem recebendo e como a comunidade se integrou à

cidade após a implantação de uma UPP no local.

Porém, atentamos para o fato da mercantilização dos espaços sociais, antes

utilizados por moradores em suas festas particulares e eventos de lazer. Assim, os

moradores perdem espaço em sua própria comunidade para aqueles que vêm de

fora e que agora aproveitam para lá circularem.

Além da perda dos espaços sociais, salienta-se a intensa movimentação de

pessoas motivadas pelos eventos em favelas ou pelo turismo praticado nesse

território, o que causa transtorno aos moradores que têm a circulação prejudicada

pelo congestionamento de pessoas nos becos, vielas e meios de transporte.

Levando-se em conta os dados coletados na pesquisa, o Pôr do Santa

apresenta pouca potencialidade turística, já que a maioria dos frequentadores é

residente da cidade do Rio de Janeiro. Porém, não se deve descartar essa

potencialidade, já que o evento acontece em um ponto turístico da comunidade. Um

fator que contribui para essa baixa atratividade do Pôr do Santa é a sazonalidade,

uma vez que, nos períodos de alta temporada, o evento apresenta um número maior

de visitantes estrangeiros, fato observado pela autora deste trabalho e relatado pela

organização do Pôr do Santa.

Percebemos também a falta de planejamento e organização do evento. Deste

modo, a forma amadora como este é organizado impacta nos objetivos do evento,

que deixam de ser atingidos em sua totalidade e acabam refletindo-se também na

comunidade. Supomos que pelo fato de o evento não ter um planejamento

56

adequado com objetivos, público-alvo, não se pense muito na sua potencialidade

turística.

Como lembrete à ação social, aconselhou-se a organização a fazer, sempre

no dia de realização do evento, uma publicação em sua página no Facebook sobre a

doação de alimentos não perecíveis. Outra opção seria a distribuição, no dia da roda

de samba, de folhetos para explicar a importância e finalidade dessa iniciativa.

Assim, a organização poderia ratificar um de seus objetivos e conseguir cada vez

mais um número maior de doações.

Este trabalho não visou defender ou condenar o modelo de policiamento

comunitário. Todavia, é seguro afirmar que a instalação da Unidade de Polícia

Pacificadora (UPP) foi essencial para firmar a visitação não somente no evento Pôr

do Santa como nas favelas do Rio de Janeiro em geral. Diante disso, assegurou-se

o direito de ir e vir tanto dos moradores das comunidades quanto dos visitantes que

puderam perceber as melhorias que sucederam a ocupação do território pela Polícia

Militar. Isto posto, podemos considerar o evento Pôr do Santa como um símbolo das

pazes entre favela e ―asfalto‖, após a pacificação da comunidade em 2008.

Contudo, se faz necessário atentar para os acontecimentos neste segundo

trimestre de 2015. Áreas já contempladas com Unidades de Polícia Pacificadora

(UPPs), como o Complexo do Alemão, os morros do Fallet-Fogueteiro e Coroa

sofreram tentativa de invasão por criminosos, mostrando a persistência da chaga da

violência no território de favelas. Percebe-se então, a fragilidade do programa de

pacificação, onde algumas UPPs têm o controle absoluto do território e, outras um

controle, digamos, relativo, onde ainda vigora uma lógica de enfrentamento.

Vale ressaltar também que após seis anos sem tiroteiros e sem registros de

homicídios, a favela Santa Marta voltou a ser cenário de confronto entre policiais e

criminosos no dia 28 de maio de 2015. Este acontecimento impactou diretamente na

realização do Pôr do Santa do primeiro sábado do mês de junho de 2015. A

organização publicou em sua página do Facebook o cancelamento do evento logo

após a mídia divulgar a notícia. Apesar de a organização não citar o confronto como

motivo de cancelamento, acredita-se que esse seria o real motivo. Além disso,

percebe-se que ao tomar essa medida, a organização reconhece a vulnerabilidade

do momento, prezando pela segurança de seu público e evitando uma tragédia que

poderia ser causada durante um confronto. O clima de apreensão pode se refletir

57

diretamente na demanda dos próximos eventos. Ademais, coloca-se em dúvida a

ideia de que o Santa Marta é seguro e acaba por destruir o mito da favela-modelo de

pacificação.

A instabilidade causada por esse momento vivido nas favelas citadas

anteriormente, pode influenciar na propagação da insegurança e medo para as

comunidades que não passam por esse momento de confronto e assim, interferir na

escolha dos visitantes desses lugares. Deste modo, ameaça-se o futuro não

somente das comunidades, mas também do programa de pacificação.

Como forma de complementar o trabalho realizado por Sousa (2009) sobre as

possibilidades de uso turístico do morro Santa Marta, sugere-se a inserção do

evento Pôr do Santa como um possível atrativo para o Santa Marta. A referida

autora indica em seu trabalho a Laje do ―Michael Jackson‖, porém seria considerado

o evento em sua forma de agregar o samba como manifestação cultural da

comunidade.

Deve-se considerar neste trabalho, a pequena amostra e a única visita feita

ao evento como fatores de limitação da pesquisa. Vale enfatizar ainda, os vários

cancelamentos do Pôr do Santa devido à previsão de mau tempo, das datas

comemorativas e dos confrontos na favela que também inviabilizaram um retorno ao

evento para que se pudesse recolher mais informações que viessem a contribuir

para o desenvolvimento desse trabalho. Porém, levamos em conta a entrevista

somada às observações pessoais de campo, que nos ofereceram um olhar mais

amplo sobre o evento, para que chegássemos às conclusões aqui apresentadas.

Encorajamos o prosseguimento desta pesquisa de modo a acrescentar novas

reflexões ao estudo do turismo em favelas, destacando a necessidade de continuar

a contestar o senso comum.

58

REFERÊNCIAS

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61

ANEXO A – Mapa Turístico Santa Marta

62

63

APÊNDICES

A - Roteiro de entrevista com o organizador do evento Pôr do Santa, Sr. Gilson da Silva.

1. Como o evento foi idealizado?

2. Quando começou? Como? Por quê?

3. O Pôr do Santa foi idealizado por moradores da comunidade ou do ―asfalto‖?

Sabem diretamente o efeito que o evento têm nos moradores/ na comunidade

em si?

4. Como o evento se caracteriza?

5. Por que a escolha da comunidade Santa Marta?

6. Houve alguma preferência em fazer o samba na laje do Michael e não em

outro lugar da comunidade?

7. Com que freqüência o evento ocorre? O porquê desta escolha?

8. A que horas começa e termina?

9. Por quais motivos o evento pode ser cancelado? O que acontece se for

cancelado?

10. O que o evento oferece aos seus visitantes?

11. Por que fazer do Pôr do Santa um evento gratuito?

12. Há alguma exigência por parte dos moradores para que o evento ocorra?

13. O que evento faz/realiza para com a comunidade?

14. A organização tem algum controle sobre a quantidade de brasileiros e

estrangeiros que recebe?

15. Como se dá o controle entre visitantes e moradores?

16. Há adesão por parte da comunidade para curtir o samba?

17. Há algum controle sobre a quantidade de visitantes nos meios de acesso a

laje (plano inclinado/escadas)? Distinção entre moradores e visitantes?

18. A UPP tem algum controle sobre o evento?

19. Qual a influência da pacificação sobre o evento?

20. Como se deu a aceitação por parte do público de fora do Santa Marta?

Quando a organização percebeu isso?

21. Qual o envolvimento da comunidade com a organização do evento? Como se

dá?

22. O que mudou no geral desde a primeira edição do evento?

64

23. Há algum apoio para o evento por parte do governo, de alguma secretaria (de

cultura, por exemplo)?

24. Há alguma idealização de projeto a partir do Pôr do Santa para a

comunidade?

25. Quais são os impactos para a comunidade?

26. A organização tinha a intenção de atingir a notoriedade que é o Pôr do Santa

hoje?

27. Quando o evento se tornou uma oportunidade para os moradares ganharem

dinheiro?

28. Qual a opinião dos moraradores sobre o evento? Positivo ou negativo?

29. Quem controla, administra e organiza o evento e determina quem vende o

que ?

30. Já houve problemas com os moradores por causa do evento?

31. A feijoada servida antes do evento sempre fez parte? Já era costume antes

de ganhar a notoriedade de hoje?

32. Quais são os principais meios de comunicação do evento com seu público?

33.Qual a repercussão do evento junto aos turistas? (comentam, voltam,

divulgam nas redes sociais, trazem/indicam a amigos...)

65

B - Questionário para traçar o perfil do público do evento 1. Morador da comunidade? [ ] 1. SIM [ ] 2. NÃO 2. Reside na Cidade? [ ] 1. SIM [ ] 2. NÃO 3. Se a resposta anterior for NÃO, Cidade e Estado onde reside (Se estrangeiro, informar país de residência): __________________________________________________ 4. Gênero [ ] 1.Masculino [ ] 2.Feminino 5. Idade: [ ] 1. 18 a 29 anos [ ] 2. 30 a 39 anos [ ] 3. 40 a 49 anos [ ] 4. 50 a 59 anos [ ] 5. Mais de 60 anos 6. Primeira vez no Pôr do Santa? [ ] 1. SIM [ ] 2. NÃO 7. Contribuiu com a arrecadação de alimentos? [ ] 1. SIM [ ] 2. NÃO