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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CCSA DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL DESSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL PPGSS SHEILA DA SILVA OLIVEIRA DE MEDEIROS SERVIÇO SOCIAL E CONDIÇÕES DE TRABALHO: PERSPECTIVAS E DESAFIOS PARA A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN. Natal/RN 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS

SHEILA DA SILVA OLIVEIRA DE MEDEIROS

SERVIÇO SOCIAL E CONDIÇÕES DE TRABALHO: PERSPECTIVAS E DESAFIOS

PARA A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN.

Natal/RN

2017

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SHEILA DA SILVA OLIVEIRA DE MEDEIROS

SERVIÇO SOCIAL E CONDIÇÕES DE TRABALHO: PERSPECTIVAS E DESAFIOS

PARA A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN.

Dissertação de Mestrado apresentada pela aluna

supracitada ao Programa de Pós-Graduação em

Serviço Social da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, com vistas à obtenção do título de

mestre.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Carla Montefusco de

Oliveira.

Natal/RN

2017

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Catalogação da Publicação na Fonte.

UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Medeiros, Sheila da Silva Oliveira de.

Serviço social e condições de trabalho: perspectivas e desafios para a política de

assistência social no município de Natal/RN / Sheila da Silva Oliveira de Medeiros. -

Natal, RN, 2017.169f.

Orientadora: Profa. Dra. Carla Montefusco de Oliveira.

Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande

do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em

Serviço Social.

1. Trabalho - Assistentes sociais – Dissertação. 2. Política Social – Dissertação. 3.

Assistência Social - Dissertação. 4. Serviço Social - Dissertação. I. Carla Montefusco

de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 331.48:364-45

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Dedico este trabalho a Deus, e a minha família,

na figura dos meus pais, João Fernandes de

Oliveira, Lucimary da Silva Oliveira, e do meu

irmão, Luan da Silva Oliveira, por terem sido a

base necessária para que eu chegasse até aqui.

E também dedico ao meu esposo, Pedro

Henrique, com quem dividi os momentos desta

construção, juntamente com a organização e a

preparação do nosso (recente) casamento. Este

momento marca, literalmente, o fechamento de

um ciclo e o início de outro. Uma nova e

incrível aventura a desbr

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AGRADECIMENTOS

Gratidão: uma palavra tão utilizada nos últimos tempos, cuja trivialidade tende a

desconsiderar o seu real significado, para mim tem um valor bastante profundo, sem falsas

modéstias ou demagogias. Ao escrever essas linhas, relembro de todo o processo que vivi até a

conclusão deste trabalho, e reconheço o quanto tenho e tive razões para agradecer, mesmo com

as dificuldades, que não me paralisaram e nem foram maiores do que a alegria e a satisfação de

chegar até aqui.

Porém, eu não cheguei sozinha. Sozinha eu não teria se quer começado. Por isso,

primeiramente, eu agradeço a Deus e a sua infinita Graça em me proporcionar a sabedoria

necessária para realizar os meus sonhos. Caminho nessa fé, de que existe algo e alguém para

além de nós mesmos, nos impulsionando a ser pessoas melhores, mais humanas e maiores em

espírito. A esse Deus, o qual acredito, dedico todo meu amor, reconhecimento e gratidão.

À minha família também agradeço, representados pelos meus pais, Lucimary da Silva

Oliveira e João Fernandes de Oliveira, e pelo meu irmão, Luan da Silva Oliveira, por serem o

apoio incondicional em todos os momentos da minha vida. Pois, mesmo após graduada, me

incentivarem a continuar o meu processo formativo, ainda que em condições financeiras

adversas, nunca me dizendo para “parar”. Ao contrário, sem se quer terem sentado nos bancos

de uma universidade, meus pais sempre estiveram ao meu lado e nos bastidores de toda essa

história, proporcionando as condições possíveis para que esse projeto se concretizasse.

Definitivamente, sem a sensibilidade e o incentivo de vocês para que eu estudasse, eu não teria

conquistado este feito. Vocês são os responsáveis por tudo isso. Palavras nunca serão o

suficiente para a agradecer!

Ao meu esposo, Pedro Henrique, cujo título é recente, eu dedico todo o amor, afeto e

gratidão que possam existir em mim. Pedro esteve comigo desde o início da graduação,

incentivando, compartilhando, e construindo comigo uma relação cheia de companheirismo,

respeito e ternura, sem a qual, tudo o que eu vivi seria bem menos prazeroso. Meu amor, você

traz esperança e alegria para os meus dias e tem estado ao meu lado, ao longo de todo esse

trajeto, acreditando em mim, principalmente, nos momentos em que eu não acreditei. Eu te amo

e meu coração é grato a você!

À minha orientadora, Prof.ª Dra. Carla Montefusco, eu também agradeço de todo o

coração por ter me aceito como orientanda, por ter compreendido os momentos que eu passei

durante o período do mestrado e por ter acreditado em mim. Tive a oportunidade de conhecer

e conviver com a professora Carla desde o primeiro período da graduação e reconheço desde

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muito tempo, a sua competência e responsabilidade. Eu atribuo muito da segurança e da

tranquilidade que me possibilitaram chegar até aqui, a você, de quem eu sempre terei orgulho

de dizer que fui aluna. Muito obrigada, professora!

À Banca examinadora do meu trabalho, nas figuras da Prof.ª Dra. Eliana Andrade da

Silva e Prof.ª Dra. Hilderline Câmara de Oliveira eu também dedico a minha gratidão, pois na

dinâmica tão atribulada dos nossos dias, vocês se disponibilizaram e estiveram presentes em

um momento tão singular da minha formação. Com a professora Eliana já tive a satisafação de

ter trabalhado, em um período igualmente importante para mim, na produção do meu trabalho

de conclusão de curso, em que através de sua valiosissíma presença e contribuição, eu obtive

êxito. Muito obrigada, professora, por aquela e por esta orponidade. Agradeço às duas de

maneira sincera e singular, pela paciência e pelo tempo prestado à leitura e análise do meu

trabalho. Obrigada!

Ao corpo docente que compõe o Programa de Pós-Graduação em Serviço Social

(PPGSS) da UFRN eu também estendo os meus agradecimentos, pois foram base sólida e

importante para que as análises realizadas neste estudo se concretizassem. Ingressar no

mestrado na Universidade onde eu tive o privilégio de concluir a minha graduação foi um

objetivo alimentado por um longo período, e tão logo eu ingressei na Pós-Graduação, percebi

o quanto tinha a aprender e o quanto aqueles professores tinham a contribuir. Agradeço a todos,

pela competência e dedicação atribuídos a este ofício!

À Secretaria de Trabalho e Assistência Social (SEMTAS), do município de Natal/RN,

agradeço pela autorização para a realização das entrevistas com os assistentes sociais,

servidores da Prefeitura Municipal de Natal. Confesso que dialogar com os assistentes sociais

atuantes na ponta dos atendimentos sempre foi um desejo particular, buscando conhecer através

deles, as situações que só a dinâmica da realidade pode nos proporcionar. Portanto, muito

obrigada a todos os profissionais entrevistados, pelo respeito e atenção oferecidos a mim e ao

meu estudo.

Quanto aos amigos, não irei me delongar trazendo aqui uma lista de nomes, entretanto,

agradeço aqueles que foram presentes neste processo, me apoiando, incentivando e não me

deixando abater nos momentos de dificuldade, dentro ou fora da Universidade. Obrigada

queridas, Chrislayne Caroline, Taciana Albulquerque, Rosylenne Santos e Karolina de Moura.

Ao longo deste tempo, tenho a certeza de que eu aprendi muito com a companhia de vocês,

trocando experiências em assuntos ligados a dissertação (ou não). Vocês também serão parte

das minhas alegres recordações e tenham certeza que marcaram esta trajetória. Muito Obrigada

a todas!

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Por fim, agradeço a todas as outras pessoas, as quais não conseguirei citar aqui, mas que

de alguma maneira colaboraram para o desfecho desta caminhada, seja através de um apoio, de

uma palavra ou de tantas outras formas que um ser humano pode somar na vida do outro. Não

só eu, mas todo este trabalho, é resultado de forças coletivas, e eu espero que ele possa

contribuir, minimamente, com a minha profissão e com a sociedade.

Deixo aqui os meus agradecimentos!

Nós vos pedimos com insistência:

Nunca digam – Isso é natural.

Diante dos acontecimentos de cada dia.

Numa época em que reina a confusão,

Em que corre o sangue,

Em que se ordena a desordem,

Em que o arbitrário tem força de lei,

Em que a humanidade se desumaniza…

Não digam nunca: Isso é natural.

A fim de que nada passe por ser imutável.

(Bertolt Brecht)

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RESUMO

A produção a seguir tem como objetivo central analisar as condições de trabalho dos assistentes

sociais inseridos no Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e nos Centros de

Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), do município de Natal/RN, a fim

de conhecer e refletir acerca dos limites e das possibilidades presentes no cotidiano profissional,

tensionados pelo caráter assalariado e pelas determinações do sistema capitalista. Para tanto, o

método de pesquisa utilizado apoia-se no materialismo histórico-dialético, cuja essência

considera aspectos da história e da conjuntura socioeconômica a qual faz parte o grupo a ser

estudado, bem como a dinâmica temporária e contraditória da realidade e suas múltiplas

particularidades. A metodologia adotada, baseia-se, assim, na pesquisa documental e de campo,

por meio das quais buscamos o aporte teórico-metodológico nas discussões sobre o Trabalho,

Políticas Sociais e Serviço Social, realizando também 08 (oito) entrevistas semiestruturadas

com assistentes sociais pertencentes às unidades mencionadas. Tendo em vista as quatro regiões

administrativas de Natal/RN, quais sejam: zona sul, zona oeste, zona leste e zona norte, e da

existência de onze CRAS e quatro CREAS distribuídos entre elas, buscamos abarcar pelo

menos um CRAS e um CREAS por região, contemplando, deste modo, a entrevista com um

assistente social em cada uma das instituições. Com o apoio das informações obtidas e como

produto da análise de conteúdo, compreendemos, portanto, algumas tendências as quais

podemos sintetizar através da contraposição do que vem sendo preconizado pelo Sistema Único

de Assistência Social (SUAS) e o que de fato tem sido materializado na prática profissional,

em um paradoxo sobre qual se estabelece a política socioassistencial brasileira, já que ainda é

facilmente observável o quadro recorrente de precarização do trabalho, nesta área. Precarização

esta, que atinge não apenas as condições materiais do trabalho, mas a qualidade dos serviços

oferecidos aos usuários, bem como a saúde dos trabalhadores, cada vez mais submetidos aos

processos de adoecimento e aos possíveis atos abusivos presentes nas relações trabalhistas

contemporâneas. Com efeito, consideramos a importância de análises que se dediquem aos

moldes do trabalho nesta cena, evidenciando aspectos que envolvam o exercício profissional,

mas também os seus rebatimentos nas demais dimensões da vida dos trabalhadores, buscando

diminuir, através da luta coletiva, a distância entre os direitos conquistados e a sua realização.

Palavras-chave: Trabalho. Política Social. Assistência Social. Serviço Social.

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ABSTRACT

The following project aims to analyze the working conditions of the caseworkers included in

the Social Assistance Referral Centers (SARC) and the Specialized Referral Centers of Social

Assistance (SRCSA), in the city of Natal/RN, in order to know and reflect on the limits and

possibilities in the professional daily life, worried about their salaried profile and

determinations of the capitalist system. For this, the research method used is based on historical-

dialectical materialism, whose essence considers aspects of history and socioeconomic

conjuncture which is part of the group to be studied, as well as the temporary and contradictory

dynamics of reality and its multiple peculiarities. The methodology adopted is based on

documentary and field research, through which we seek the theoretical-methodological

contribution in the discussions on Work, Social Policies and Social Work, also performing eight

(8) semi-structured interviews with caseworkers from the units mentioned. In view of the four

administrative regions of Natal/RN, which are: south, west, east and north, and that there are

eleven SARC and four SRCSA distributed among them, we looked for include at least one

SARC and one SRCSA per region, thus contemplating the interview with a caseworker in each

of the institutions. With the support of the information obtained and as a product of the content

analysis, we understand, therefore, some tendencies that we can synthesize through the

opposition of what has been supported by the Unified Social Assistance System (USAS) and

what has in fact been materialized in the professional practice, in a paradox about which the

Brazilian social assistance policy is established, since it is still easily observable the recurrent

picture of work precarization in this area. This precariousness, which affects not only the

material conditions of work, but also the quality of the services offered to users, as well as the

health of workers, increasingly subjected to the processes of illness and abusive acts present in

labor relations. In fact, we consider the importance of analyzes that are dedicated to the patterns

of work in the contemporary scene, highlighting aspects that involve the professional practice,

but also its repercussions in the other dimensions of workers' lives, looking for reduce through

collective struggle the distance between the acquired rights and their realization.

Keywords: Labor. Social Policy Work. Social Assistance. Social Work.

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LISTA DE SIGLAS

ABAS Associação Brasileira de Assistentes Sociais.

ABEPSS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social.

ABESS Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social.

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas.

ANAS

Associação Nacional dos Assistentes Sociais.

BM Banco Mundial.

CEREST Centros de Referência em Saúde do Trabalhador.

CBAS Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais.

CFESS

CCQs

Conselho Federal de Serviço Social.

Círculos de Controle de Qualidade.

CENEAS Comissão Executiva Nacional das Entidades Sindicais de Assistentes Sociais.

CEP Comitê de Ética em Pesquisa.

CLT Consolidação das Leis do Trabalho.

CRAS Centro de Referência de Assistência Social.

CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social.

CRESS Conselho Regional de Serviço Social.

DIESAT Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes

de Trabalho.

ENESSO Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social.

FMI Fundo Monetário Internacional.

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

INST Instituto Nacional de Saúde no Trabalho.

LBA Legião Brasileira de Assistência Social.

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social.

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MDS Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

MPC

Modo de Produção Capitalista.

MP/RN Ministério Público do Rio Grande do Norte.

NOB Norma Operacional Básica.

NOB/RH Norma Operacional Básica de Recursos Humanos.

OIT Organização Internacional do Trabalho.

OMS Organização Mundial de Saúde.

PAEFI Proteção e Atendimento Especializado a Família e aos Indivíduos.

PAIF Programa de Atendimento Integral à Família.

PCCS Plano de Carreira, Cargos e Salários.

PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.

PNAS

Política Nacional de Assistência Social.

PNF Política Nacional de Fiscalização.

PROÁLCOOL Programa Nacional do Álcool.

(PQTs) Programas de Qualidade Total.

RENAST Rede Nacional de Centros de Referência em Saúde do Trabalhador.

SEMTAS Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social.

SEMURB Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente.

SINSENAT

SIAFI

Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Natal.

Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal.

SUAS Sistema Único de Assistência Social.

SUS Sistema Único de Saúde.

TAG Termo de Ajustamento de Gestão.

UNESCO

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 - Serviços socioassistenciais do Natal/RN com base no nível de proteção social…59

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 14

2. A CONFIGURAÇÃO DO TRABALHO NA POLÍTICA SOCIOASSISTENCIAL

BRASILEIRA ...................................................................................................................................... 22

2.1 O TRABALHO E O LUGAR QUE OCUPA NO DESENVOLVIMENTO HUMANO:

APONTAMENTOS PARA O SERVIÇO SOCIAL ............................................................................. 23

2.2 O PERCURSO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL E A SUA RELAÇÃO

COM O ESTADO ................................................................................................................................. 33

2.3 O ASSISTENTE SOCIAL ENQUANTO TRABALHADOR DA SEMTAS, DO MUNICÍPIO DE

NATAL/RN: REFLEXÕES SOBRE A GESTÃO DO TRABALHO .................................................. 51

3. AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS ASSISTENTES SOCIAIS NOS CRAS E CREAS

DE NATAL/RN: IMPLICAÇÕES PARA O EXERCÍCIO PROFISSIONAL E A SAÚDE DOS

TRABALHADORES .......................................................................................................................... 70

3.1 INFRAESTRUTURA E GARANTIA DO SIGILO PROFISSIONAL: O QUE PODEMOS DIZER

SOBRE ISSO? ...................................................................................................................................... 71

3.2 ADOECIMENTO E ASSÉDIO MORAL: AS CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE DO

TRABALHADOR ................................................................................................................................. 91

4. “PARA NÃO DIZER QUE EU NÃO FALEI DAS FLORES” ................................................. 113

4.1 AS ESTRATÉGIAS E FORMAS DE ENFRENTAMENTO À PRECARIZAÇÃO DO

TRABALHO: UMA LEITURA A PARTIR DA TRAJETÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL .............. 114

4.2 OS DESAFIOS PARA O AVANÇO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL

............................................................................................................................................................. 132

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................... 142

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 148

APÊNDICE ........................................................................................................................................ 162

ANEXO .............................................................................................................................................. 166

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1. INTRODUÇÃO

A contar pelas investidas neoliberais no mundo do trabalho, através da flexibilização de

sua organização e gestão, incluindo os moldes de um Estado enxuto para as políticas e serviços

sociais públicos, o assistente social1, enquanto trabalhador assalariado, inscrito na divisão

sociotécnica do trabalho, e em contato direto com as expressões da questão social, tem se

enxergado cada vez mais tolhido diante do seu fazer profissional.

Chamados a atuar nas refrações da questão social, a partir da viabilização e da

implementação de direitos sociais, os assistentes sociais percebem no cotidiano profissional; as

tendências advindas do processo de reestruturação produtiva e da restrição dos gastos públicos

com as políticas sociais, vivenciando tensões entre os interesses do capital e o significado social

do seu trabalho.

Entre outras características; temos, neste cenário, o contexto em que se expressa o

trabalho do assistente social e as determinações que se sobrepõem às condições de trabalho,

considerando esses profissionais como parte integrante da classe trabalhadora e verificando,

diante da conjuntura neoliberal, a retração dos recursos institucionais, a precarização do

trabalho e os parcos investimentos em ações públicas que de fato qualifiquem os serviços e

valorizem os trabalhadores.

Desta forma, as motivações para o este estudo acompanham o próprio movimento da

realidade e da política de assistência social no Brasil, por ser esta uma área em constante

mudança, onde, historicamente, a precarização circunscreve os moldes do trabalho, tendo em

vista a restrição do investimento público voltado às necessidades da classe subalterna. Imersa

em uma conjuntura contraditória, a política de assistência social caracteriza-se por aspectos que

a colocam na trama da intervenção do Estado, como direito, ao mesmo tempo em que assume

contornos filantrópicos, constituindo-se espaço que requer considerável esforço interpretativo,

e por isso, ainda mais desafiador.

Justificamos esta, como mais uma das nossas motivações, juntamente à trajetória do

Serviço Social brasileiro, como uma profissão que decidiu se colocar em favor da liberdade,

considerando-a como valor ético central e tendo como princípios norteadores tudo aquilo que

coopera para a defesa da democracia, da cidadania, da equidade e da justiça social. Mais

1 Optamos neste trabalho por utilizar artigos masculinos em referência ao assistente social, por exigência da norma

culta gramatical e por facilitar a leitura, sem desconsiderar, contudo, as discussões sobre gênero travadas pela

categoria. Dessa maneira, ao longo do texto faremos também referência aos entrevistados através de pseudônimos

que enaltecem mulheres brasileiras que marcaram a história da luta por direitos no país e nesse sentido, quando

necessário, utilizaremos o artigo “a” em alusão ao nome indicado.

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especificamente, esses estímulos materializaram-se ao longo da minha graduação em Serviço

Social, na UFRN, entre os anos de 2010 a 2014, culminando na autoria do Trabalho de

Conclusão de Curso (TCC): Serviço social e condições de trabalho: uma análise a partir da

realidade da fiscalização do Conselho Regional de Serviço Social - 14ª Região/RN, produto de

discussões realizadas durante toda a formação profissional, e em especial na ocasião do estágio

curricular obrigatório que aconteceu no Conselho Regional de Serviço Social do Rio Grande

do Norte (CRESS/RN).

Como síntese das observações realizadas durante as visitas de fiscalização no

CRESS/RN, a construção do TCC objetivou refletir sobre as condições de trabalho dos

assistentes sociais no município de Natal/RN, com o apoio das fichas e dos relatórios de

fiscalização, oportunizando também o maior conhecimento sobre a trajetória do Serviço Social,

seus marcos históricos e regulatórios, além das implicações da conjuntura social contemporânea

para uma atuação profissional concatenada com os valores e princípios defendidos.

É possível afirmar, então, que inspirados naquele trabalho, porém diferentemente da

experiência anterior, baseada somente em fontes documentais, nesta oportunidade, gostaríamos

de ouvir o assistente social do município de Natal/RN, que se encontra na ponta dos

atendimentos da política de assistência social, acerca dos limites e das possibilidades presentes

no cotidiano profissional, através das seguintes questões norteadoras: Quais as condições de

trabalho dos assistentes sociais inseridos nos Centros de Referência de Assistência Social

(CRAS e CREAS), do município de Natal/RN? / De que formas as condições de trabalho nessas

instituições têm favorecido ou limitado o exercício profissional? / Como tem se configurado o

mercado de trabalho para o assistente social, na política de assistência social? / Como os

movimentos de “contrarreforma” do Estado têm atingido as condições de trabalho dos

assistentes sociais, nesta política? e por fim, Quais são os avanços e os desafios encontrados

na luta por melhores condições de trabalho do assistente social?

Neste plano, consideramos como condições de trabalho, entre outras aspectos, as

questões relacionadas a gestão e a organização do trabalho na política de assistência social, do

município de Natal/RN, haja vista, os tipos de vínculos empregatícios, o acesso a capacitações

profissionais, as relações de trabalho e a infraestrutura técnica disponibilizada aos trabalhadores

e aos usuários desta política, oportunizando, a análise sobre a realidade que se descortina aos

assistentes sociais, servidores da Secretaria de Trabalho e Assistência Social (SEMTAS), e os

rebatimentos para a suas vidas e atividades profissionais.

Mesmo após a promulgação da Constituição de 1988 e da Lei Orgânica da Assistência

Social (LOAS), que preveem a assistência social como direito, destacamos a importância social

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e acadêmica de estudos que se dediquem à atual configuração da política de assistência social,

não naturalizando-a como mais um exemplo dos casos de precarização, pois, mesmo com a sua

expansão, observa-se ainda, de maneira contraditória, a retração da primazia do Estado em um

campo, cujas consequências alcançam, sobremaneira, a vida daqueles que necessitam da

assistência social como uma de suas formas de sobrevivência.

Deste modo, a presente pesquisa objetiva analisar as condições de trabalho dos

assistentes sociais inseridos nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e nos

Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), no município de

Natal/RN, observando os rebatimentos para as atividades profissionais e a qualidade dos

serviços prestados aos usuários, salientando as implicações dos movimentos de contrarreforma

do Estado para a política de assistência social e para o mercado de trabalho do assistente social,

além das estratégias profissionais encontradas para o enfrentamento de possíveis formas de

precarização.

A escolha pelos CRAS e CREAS, do município, como lócus da nossa pesquisa dá-se

pela representatividade desses espaços para a realização de ações e operacionalização dos

serviços na política de assistência social, aparecendo também como área de expressiva inserção

profissional, ainda que sob condições de trabalho insatisfatórias. A configuração dos Centros

de Assistência materializa ainda a organização coletiva da população, principalmente, voltada

ao debate mais geral sobre as condições de vida e de trabalho na contemporaneidade,

destacando-se como local estratégico e territorializado em busca da organização e da

reivindicação por melhores serviços (YAZBEK, et. al, 2014).

Dada essa realidade, em Natal/RN, por exemplo, apenas em março de 2016, após o

concurso público realizado pela Prefeitura Municipal destinado à ocupação de vagas para o

quadro efetivo de servidores da SEMTAS, é possível perceber uma modificação quanto aos

vínculos empregatícios dos servidores, que anteriormente, em sua maioria, eram submetidos à

fragilidade dos regimes de contrato, de acordo com dados referentes aos anos de 2012 e 2013,

com base no anteriormente TCC citado.

Por meio deste, constatou-se que dos 22 (vinte e dois) assistentes sociais fiscalizados

pelo CRESS/RN, no âmbito da política de assistência social, 09 estavam inseridos nos CRAS

e CREAS do município, sinalizando, além de distintas referências aos vínculos empregatícios,

relatos que apontavam para a sobrecarga de trabalho, a rotatividade de profissionais, a ausência

de infraestrutura técnica, de salas específicas para o Serviço Social e de sigilo profissional, sem

falar da inobservância da carga horária de 30hs/semanais (OLIVEIRA, 2014).

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Consideramos esta, uma realidade que representa bem a atual configuração do Estado

brasileiro diante das políticas públicas, que sob a lógica da flexibilização do trabalho e da noção

cada vez mais privatista, tem atingido o foco das atividades profissionais, a qualidade dos

serviços prestados aos usuários e a saúde dos trabalhadores, em um contexto de correlações de

forças cada vez mais eminente entre aqueles que detêm os meios de produção e aqueles que

necessitam vender a sua força de trabalho.

No caso dos trabalhadores, estes colocam-se no cerne das relações sociais contraditórias

de produção e de distribuição dos bens, podendo encontrar na luta e na organização política das

categorias profissionais, uma das estratégias de enfretamento à precarização do trabalho, junto

a outras, no tocante ao cotidiano, a partir da experiência e da sensibilidade de cada profissional.

A exemplo do movimento político, no período em que aconteceram as nossas entrevistas,

vivenciou-se em Natal/RN, um momento de greve, protagonizado pelos servidores da

Prefeitura, com duração de aproximadamente três meses (de 11 de nov. 2016 a 31 de jan. 2017),

cuja reivindicação central era pelo restabelecimento do pagamento dos salários em dia2.

A paralisação dos trabalhadores também se justificou pela ausência de uma mesa de

negociação a fim de debater o descumprimento da Lei da Data-base3, a inexistência de

gratificações e de progressão na carreira, sem contar com a precarização das condições de

trabalho e o combate ao assédio moral. Estas, inclusive, foram tendências trazidas pelos

profissionais entrevistados e problematizadas durante o nosso estudo, demonstrando não só o

descompromisso dos órgãos públicos com a gestão e as condições de trabalho profissionais,

mas com a própria política de assistência social, cuja implementação não tem acompanhado os

avanços jurídico normativos direcionados para esta área.

Sob esta perspectiva, através do método materialista histórico dialético, intencionamos

desvelar as falas dos assistentes sociais, sujeitos desta pesquisa, como integrantes do contexto

2 Segundo informações contidas no website do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Natal

(SINSENAT), desde o início de 2016, a Prefeitura vem atrasando a remuneração dos servidores municipais, à

revelia da Lei Orgânica do município (SINSENAT, 2017). Esta, determina que a remuneração seja paga aos

servidores até o último dia útil de cada mês, com reajuste periódico e único para todos os cargos da administração

direta e indireta, ficando garantida, no mínimo, a correção trimestral e a reposição dos salários com base nos

indicadores oficiais da inflação. 3 Por Data-base compreende-se o período anual em que trabalhadores, sindicatos e empregadores se reúnem a fim

de estabelecer os reajustes salariais e os termos do contrato de trabalho coletivo, podendo variar de acordo com as

categorias profissionais. A menção a Data-base está presente na Lei nº 7. 238/84, a qual dispõe sobre a manutenção

da correção semestral dos salários, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC),

estabelecendo como a Data-base, a data de início da vigência do acordo coletivo (BRASIL, 1984). Conforme as

informações dos assistentes sociais entrevistados, os servidores municipais do município de Natal/RN convivem

com uma defasagem de mais de dois anos na Data-base de seus salários, sendo esta mais uma das justificativas

para as reivindicações; configurando-se, inclusive, pauta para audiências públicas, como a ocorrida, no dia 15 de

março de 2017, na câmara municipal de Natal, a fim de discutir o “O cumprimento da Lei da Data-base dos

servidores municipais de Natal”.

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da realidade social, considerando aspectos da conjuntura socioeconômica e da história a qual

faz parte o grupo social a ser estudado, bem como as múltiplas particularidades dessa realidade,

entre elas a sua dinâmica temporária e contraditória (MINAYO, 1992).

A metodologia utilizada para o desenvolvimento da nossa análise; fundamenta-se,

então, pela pesquisa qualitativa de caráter exploratório, cujo principal aporte teórico advém do

levantamento bibliográfico e documental realizado na literatura produzida pelo Serviço Social

e pelas Ciências Sociais, além do corpo legislações que compõe o Sistema Único de Assistência

Social (SUAS). Desse modo, buscamos a construção permanente de um quadro analítico que

abrangesse as categorias teóricas: Trabalho, Políticas Sociais e Serviço Social, objetivando

contemplar os elementos que envolvem a teoria social crítica e a própria trajetória da profissão

no contexto sócio-histórico brasileiro, suscetível aos rebatimentos da atual configuração do

trabalho na sociedade capitalista.

Com apoio de autores como Minayo (1992; 1994) e Demo (1998) nos referimos a

pesquisa qualitativa como técnica dotada de consciência histórica e cientificidade, que ao

contrário do que se possa imaginar, sua intenção própria, “é perseguir faces menos

formalizáveis dos fenômenos, às quais damos o nome de qualidade” (DEMO, 1998, p. 92). Sob

esta perspectiva, além de endossarmos a não dicotomia entre qualidade e quantidade, podendo-

se no máximo, priorizar uma ou outra, “mas nunca insinuar que uma se faria às expensas da

outra, ou contra a outra” (DEMO, 1998, p. 92), na investigação proposta “não é o investigador

que dá sentido ao seu trabalho intelectual, mas os seres humanos, os grupos, e as sociedades

que dão significado e intencionalidade às suas ações e suas construções, na medida em que as

estruturas sociais nada mais são do que ações objetivadas” (MINAYO, 1994, p. 14).

Nos remetemos, assim, ao movimento do real, através de um roteiro de entrevista

semiestruturado (cujo modelo está presente nos apêndices deste trabalho), considerando a

situação suscitada e as informações contidas nas falas dos assistentes sociais, por meio das

questões norteadoras, possibilitando a margem de inclusão e a formulação de novas perguntas

durante o processo de realização da pesquisa (PRATES, 2003). Inclusive, esta foi uma

circunstância verificada no período de execução das nossas entrevistas, haja vista a necessidade

de acrescentar mais uma pergunta acerca do andamento do movimento de greve que ocorria no

município4.

4 Esta pergunta não necessariamente foi editada no roteiro de entrevista presente nos apêndices deste trabalho,

tendo em vista a impressão preliminar de todos os instrumentos de pesquisa. Entretanto, foi uma questão

acrescentada ao longo dos diálogos, possível de ser observada nos áudios correspondentes às entrevistas.

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Acompanhada pela revisão bibliográfica e documental delineada ao longo de todo o

nosso estudo, a realização das entrevistas aconteceria, portanto, com base em uma amostra

composta por um grupo de 08 assistentes sociais, que de acordo com um critério inicial

precisariam estar em pleno exercício de suas atividades há mais de 05 anos, nos diversificados

Centros de Referência de Assistência Social (CRAS e CREAS) distribuídos nas regiões

administrativas do município de Natal/RN.

Em contraste, mediante a realidade e a modificação no quadro de servidores, que a partir

de então; receberiam novos assistentes sociais – alguns vivenciando a sua primeira experiência

profissional – nosso critério de escolha para a amostra manteve a quantidade de sujeitos,

direcionando-se, assim, apenas aos profissionais que manifestassem o interesse em contribuir

com a pesquisa, respeitando também a condição geográfica a qual estão distribuídos aos Centros

de Referência, que já eram critérios iniciais.

Destinando-se aos assistentes sociais inseridos nos CRAS e nos CREAS, delimitamos

geograficamente o município de Natal/RN a partir de quatro zonas administrativas, quais sejam:

zona sul, zona oeste, zona leste e zona norte, de acordo com as informações do Plano Municipal

de Assistência Social, referente aos anos 2014 e 2015, contemplando o número de 04 CRAS e

04 CREAS, sendo escolhido um por região administrativa.

Conforme o Plano Municipal citado, sabemos que em Natal/RN, existem 11 (onze)

CRAS e 04 CREAS distribuídos entre as regiões administrativas5, e nesse sentido, a escolha

pelas instituições que constituíram a nossa amostra foi classificada de forma não probabilística

(sem rigor estatístico) e estratificada (PRATES, 2003), buscando abarcar 01 CRAS e 01

CREAS por região, contemplando, assim, pelo menos 01 (um) assistente social inserido em

cada uma dessas instituições.

Após a submissão do projeto de pesquisa à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa

(CEP) da UFRN, do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL) –, conforme prevê a

Resolução nº 466/ 2012 do Conselho Nacional de Saúde – e estando ele aprovado, realizamos

contato telefônico com todos os Centros de Referência de Assistência Social, delimitando quais

5 No que tange a quantidade de CRAS e CREAS existentes no município de Natal/RN, salientamos a utilização à

referência de dados disponíveis pela Prefeitura, por meio do Plano Municipal de Assistência Social, biênio 2014-

2015, presente no website da SEMTAS (endereço: http://natal.rn.gov.br/semtas/), sendo este o único documento

de caráter público o qual a pesquisadora teve acesso durante a realização da pesquisa. Considerando, entretanto, o

período em que este Plano foi elaborado, identificamos a existência de divergências entre o que está estabelecido

naquele documento entre outras informações verbais disponibilizadas ao longo das entrevistas, que dão conta de

mais um CRAS em Natal/RN, sendo, porém (e por esses motivos), não integrante da amostra das unidades

pesquisadas.

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profissionais teriam interesse de participar da pesquisa; e, logo após, estabelecemos o contato

presencial com os assistentes sociais selecionados.

Para fins de análise, os dados obtidos a partir das entrevistas foram apreciados e

articulados à fundamentação teórica realizada desde a sua fase preliminar, estabelecendo

sucessivos aprofundamentos entre a base teórica e os resultados encontrados, através da

descoberta do que estaria por trás dos conteúdos manifestos (GOMES, 2001). Nesse

seguimento, a análise definida como sendo de Conteúdo pretendeu atrelar ao objeto estudado

os fenômenos sociais peculiares a ele, desdobrando-se entre as etapas de pré-análise,

exploração/codificação do material e tratamento/interpretação dos resultados obtidos

(MINAYO, 1992).

De acordo com a autora, essas etapas compreendem desde a leitura flutuante das

informações – quando vamos formular e reformular pressupostos – até a elaboração de

indicadores que categorizarão e fundamentarão a interpretação final. Tudo isso, previsto através

da exaustividade da leitura do material e o retorno aos questionamentos iniciais.

Com efeito, todas as informações obtidas durante as entrevistas possuíam o caráter

confidencial, utilizadas somente com propósito científico, em que, neste trabalho, a menção aos

assistentes sociais entrevistados deu-se pela utilização de pseudônimos, com o objetivo de

ocultar qualquer tipo de informação pessoal pertinente aos sujeitos de pesquisa. Sendo 08

assistentes sociais entrevistados, os remetemos aos nomes de mulheres brasileiras que

marcaram a história da luta pelos direitos no país, como uma forma de homenagear aquelas que

fizeram a diferença em seu tempo6.

Como não poderia ser diferente aos demais processos e construções humanas, a

dinâmica de elaboração de um trabalho dissertativo também exigiram amadurecimento e

paciência para lidar com os imprevistos pessoais e profissionais que surgiram no decorrer do

trajeto. A contar pelas situações que claramente não estavam delimitadas no nosso cronograma

de pesquisa, estão as circunstâncias que acabaram impactando, em alguma medida, o

andamento natural das entrevistas e a elaboração final do texto da dissertação, entre eles, o

próprio movimento de greve ocorrido no município – cujas motivações são totalmente

justificáveis – além da não realização da entrevista com a Secretária de Trabalho e Assistência

Social do município de Natal/RN, planejada no decorrer da pesquisa, a fim de trazer o ponto de

6 Celina Guimarães; Maria da Penha; Chiquinha Gonzaga; Zilda Arns; Nísia Floresta; Cora Coralina; Anita

Garibaldi e Tarsila do Amaral foram os pseudônimos destacados, em itálico, ao longo do nosso trabalho, a fim de

identificar os assistentes sociais entrevistados sem comprometer a confidencialidade dos seus depoimentos.

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vista da gestão para a nossa análise, mas que acabou não acontecendo, devido à dificuldade de

acesso à gestora, determinada pela sua equipe de assessoria.

Posto que, reconhecemos a flexibilidade no desenho metodológico das pesquisas

científicas, nas quais os objetos de estudo podem ser constantemente revisitados, considerando

as contradições que atravessam a sociedade, alinhando-se, às condições para a realização da

pesquisa, prevalecendo a apreensão dos elementos produzidos pelos sujeitos, naquele período

estudado. Conforme afirmamos anteriormente, trata-se aqui de uma condição da pesquisa

qualitativa, em que “a qualidade designa a parte essencial das coisas, aquilo que lhe seria mais

importante e determinante” (DEMO, 1998, p. 93) e que deve ser incorporada ao critério do real,

“onde o próprio dinamismo da vida individual e coletiva, com toda a riqueza de significados

dela transbordantes é mais rica do que qualquer teoria, qualquer pensamento ou qualquer

discurso que possamos elaborar sobre ela (MINAYO, 1994, p. 15).

Com base nesta compreensão, os resultados do nosso trabalho estão estruturados em 03

capítulos; que, logo após esta introdução, apresentarão o debate acerca das condições de

trabalho dos assistentes sociais; na política de assistência social, do município de Natal/RN;

trazendo a centralidade ontológica da categoria trabalho na vida do ser social, as transformações

ocorridas no mundo do trabalho e no Estado, suas implicações para a classe trabalhadora e as

políticas sociais, e seguindo a prerrogativa de que é a partir da história que os fenômenos

emergentes são devidamente apreendidos.

No primeiro capítulo, abordaremos então, a configuração da política socioassistencial

no Brasil, ressaltando particularidades do país e estabelecendo um paralelo entre a aspectos que

envolvem o trabalho, sua essência emancipatória e os fatores que o vinculam ao Modo de

Produção Capitalista, comprometendo sua organização e gestão também no setor público, onde

o Estado, historicamente, tem se delineado a partir dos interesses do capital.

No segundo capítulo, daremos continuidade à análise sobre as condições de trabalho dos

assistentes sociais inseridos nos CRAS e CREAS de Natal/RN, salientando elementos objetivos

e subjetivos relacionados à infraestrutura técnica disponibilizada nos Centros de Referência e

ao caráter firmando nas relações entre o órgão gestor da política de assistência social e os

trabalhadores da SEMTAS, trazendo à tona questões pertinentes à saúde laboral.

E, por fim, o terceiro e último capítulo, segue a discussão sobre as estratégias

encontradas pelos trabalhadores e pela própria categoria profissional formada pelos assistentes

sociais, no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e de toda a sociedade, em

prol da ampliação dos direitos sociais e da emancipação dos sujeitos, pautando temas

emergentes e necessários, que endossem as reivindicações e a luta geral da classe trabalhadora.

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2. A CONFIGURAÇÃO DO TRABALHO NA POLÍTICA SOCIOASSISTENCIAL

BRASILEIRA

Sabemos que ao se tratar do Trabalho e da configuração da política socioassistencial no

Brasil, estamos vinculados ao Modo de Produção Capitalista (MPC), cujo objetivo central,

assim como em todo o globo, é a valorização do capital em detrimento ao desenvolvimento das

capacidades humanas. Por essa razão, não faremos o debate proposto neste capítulo sem

considerar as consequências que a relação entre o capital e o trabalho tem acarretado para o

trabalhador, de quem o principal meio de sobrevivência é a venda de sua força laborativa.

Nessa perspectiva, é impossível analisar a configuração da política de assistência social

no contexto em que estão situados os direitos sociais, na atualidade, sem que se aprecie os

impactos do modo de produção também para os diversos aspectos que envolvem o trabalho,

neste campo. Propomos, então, incialmente, uma discussão que retoma as questões centrais

sobre a natureza do trabalho enquanto práxis humana, em contraponto a forma que este adquire

no capitalismo, promovendo, juntamente, uma análise que perpassa o Serviço Social e a sua

inscrição na reprodução do capital.

Sob este horizonte, o debate que envolve a efetivação da política socioassistencial no

Brasil e no mundo, segue a tendência contraditória do sistema capitalista, uma vez que para que

se mantenha, o sistema do capital necessita se apropriar privadamente da força do trabalho

coletivo, sendo a implementação de medidas de proteção social, uma de suas respostas dada

aos efeitos que acarreta à classe trabalhadora. Esta é uma tendência sobre a qual nos apoiamos

ao longo do segundo item deste capítulo, destacando também fatores comuns e particulares do

percurso da política de assistência social implantada no país e a relação que estabelece com o

Estado.

Por conseguinte, o nosso primeiro capítulo tem como mais um de seus objetivos trazer

à tona a reflexão que envolve a gestão do trabalho na política socioassistencial brasileira,

destacando-a como um dos aspectos do modelo de gestão do Estado, inaugurado pela

Constituição de 1988. Além de ter sido este, um conteúdo em evidência no decorrer das

entrevistas com os assistentes sociais, acreditamos que neste primeiro momento, o debate sobre

a gestão do trabalho reclama uma atenção e um enfrentamento necessário acerca das conquistas

legais atribuídas aos trabalhadores da política de assistência social e a efetiva materialização

desses direitos no cotidiano do trabalho.

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2.1 O TRABALHO E O LUGAR QUE OCUPA NO DESENVOLVIMENTO

HUMANO: APONTAMENTOS PARA O SERVIÇO SOCIAL

Analisar a configuração de uma política de direitos sociais na cena contemporânea

implica em uma tarefa envolta por desafios. Isso porque requer a apreciação de aspectos

pertinentes não apenas ao âmbito de tal política, como é o caso da assistência social, mas

também da forma como tem sido gerenciado o mundo do trabalho no Modo de Produção

Capitalista (MPC). Tal análise apresenta particularidades no Brasil podendo também estar

associada a profissão do Serviço Social e as consequências para o seu fazer profissional.

Desta feita, a figura do assistente social enquanto trabalhador da política de assistência

social no município de Natal/RN, tem destaque para a nossa análise, nos auxiliando na reflexão

sobre como as condições de produção e reprodução na esfera trabalho tem repercutido no

exercício profissional e nas diferentes áreas da vida social, ratificando a perspectiva marxiana

de que o trabalho é o ponto de partida e a categoria ontológica central no Mundo dos Homens7.

Sem a pretensão de esgotar aqui os estudos marxistas sobre a categoria trabalho,

consideramos esta uma questão importante para o estudo preliminar, que objetiva conhecer a

configuração das condições de trabalho de uma dada categoria profissional inserida em uma

política social. Se são os assistentes sociais, trabalhadores que também necessitam vender a sua

força de trabalho e lutar pela manutenção dos seus meios de vida e pelos meios de efetivar as

suas atividades (MARX, 2004) é sobre o chão teórico desta profissão e da política de assistência

social no Brasil que vamos tratar da concepção de trabalho e do seu significado na vida dos

homens e nas relações capitalistas.

Ao tratar do ser humano, ser social, produto de um longo caminho evolutivo, recorremos

às contribuições de Lukács que, a partir da teoria social crítica marxista, enfatiza a centralidade

ontológica do trabalho na vida dos homens, capaz de atribuir a eles uma dupla transformação,

pois ao mesmo tempo em que o ser humano trabalha, ele também é transformado pelo seu

trabalho, atuando sobre a natureza exterior, modificando-a e também modificando a si próprio

(LUKÁCS, 2012).

7 Fazemos referência neste momento a obra do autor Sérgio Lessa: Mundo dos Homens: Trabalho e ser social

(LESSA, 2012), em que sob a base de concepções lukácsianas, a categoria Trabalho é analisada enquanto papel

fundante no Mundo dos Homens, subsidiando a compreensão da tese de Lukács acerca da centralidade ontológica

do Trabalho para o desenvolvimento do ser social. Nesses termos, com base em Lukács (2012), define-se o ser

social por meio de categorias ontológica-sociais, isto é, sem as quais não é possível apreender o seu modo de ser.

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A partir dessa simbiose, entendemos a natureza como uma condição inerente à

sociedade, composta por um conjunto de seres inorgânicos e orgânicos8, dos quais o homem

faz parte, sendo ela quem proporciona a manutenção e a sobrevivência aos seus membros,

através de sua transformação (NETTO; BRAZ, 2010). Segundo os autores, a natureza é capaz,

portanto, de se modificar ao longo da história, a partir dos seus elementos e das formas

empregadas para essa transformação, através de mútuas interações entre os seres e os seus

“esforços voltados para extrair dela (a natureza) os meios de manter e reproduzir a própria vida”

(NETTO; BRAZ, 2010, p. 36).

Netto e Braz (2010) assinalam os escritos marxistas ao discutir os fundamentos da

gênese do ser social, como único ser capaz de realizar essa interlocução de forma intencional e

consciente, ao contrário do que acontece com as demais relações naturais. Essas são algumas

das características atribuídas à herança biológica do homem, que se posiciona na centralidade

da vida social, por meio do trabalho, como ser indivíduo qualificado a transformar a natureza e

se autotransformar.

Conforme o próprio Marx (1987) apontou no Livro I de O Capital, em uma citação

largamente conhecida, dizendo que “o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele

figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade” (p. 202), bem como Lukács

(2012) que reconhece as atividades teologicamente orientadas9 como a relação válida e

exclusiva do ser social, é mediante o trabalho, ou seja, da interação do homem com o seu meio,

que o ser social se distingue de outros seres vivos e protagoniza mudanças e transformações

sociais.

Compreendemos assim, que a natureza, sem a qual não pode existir a sociedade, não é

composta por um agregado de homens e mulheres e nem de algo que paira acima deles, mas do

surgimento e da interação desses seres, capazes de idealizar previamente, de se comunicar, de

escolher entre alternativas concretas e de se socializar, produto da síntese de variadas

determinações e de um “salto” ontológico decorrente de milhares de anos.

8 Para Lukács, em sua premissa acerca do Trabalho enquanto categoria central do ser social, é realizada a distinção

entre os seres inorgânicos, incapazes de se reproduzirem na natureza, e o ser social (biológico e orgânico), cuja a

manutenção da sua própria existência preserva a característica interna de reprodução e interação contínua com o

ambiente. 9 “A Teleologia para Lukács se traduz em categoria social e diz respeito a processos sociais do ser social que,

diferentemente dos processos puramente causais, não estão no âmbito da necessidade natural, mas ocorrem por

força de uma decisão da consciência” (DUAYER; ESCURRA; SIQUEIRA, 2013, p. 21). Para os autores, nós,

humanos, possuímos, então, atributos de seres racionais, agindo por meio de intencionalidades. Somos capazes de

pôr finalidades às ações, porém, em conformidade com a realidade e com a nossa figuração de mundo.

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A essência deste “salto” atribuído ao desenvolvimento do ser social é observada com

maior afinco por Lukács, que reitera a diferença entre esse novo ser, até então inexistente, e

todas as outras formas de vida orgânica, com base na existência do “pôr teleológico” nas suas

interações. Vale salientar que para o autor, esse “salto” não anula a processualidade gradativa

dada a esse desenvolvimento que, na realidade, é bastante longo e com inúmeras formas de

transição (LUKÁCS, 2012).

Dessa maneira, ao se tratar do surgimento do ser social reiteramos o trabalho enquanto

mediação necessária entre o homem e a natureza em um movimento de produção e

autoprodução com o ato do pôr teleológico, que ao longo [...]

[...] do processo histórico do seu desdobramento [do Trabalho], implica na

importantíssima transformação desse ser-em-si em um ser-para-si e, portanto,

a superação tendencial das formas e dos conteúdos de ser meramente naturais

em formas e conteúdos sociais cada vez mais puros, mais próprios (LUKÁCS,

2012, p. 200, grifo nosso).

Ainda que o homem esteja inserido em uma dinâmica social, cujo trabalho adquire ares

hostis em meio ao confronto entre capitalistas e trabalhadores, entre o proprietário dos meios

de produção10 e aqueles que se veem obrigados a vender a sua força de trabalho para poder

existir (MARX; ENGELS, 1998), a análise feita até aqui sobre a categoria Trabalho é vista para

além do trabalho assalariado mercadologicamente; mas como uma atividade de caráter prático-

social, ou seja, uma práxis – prática humana consciente e capaz de recriar necessidades e

capacidades materiais antes inexistentes e que transforma a natureza ampliando os sentidos

humanos e instaurando em si e no trabalho realizado, atributos e potencialidades

especificamente humanas.

O trabalho concreto, conforme denominou Marx (1987) é, nesse sentido, uma atividade

de transformação, através da qual o homem constrói a si mesmo como indivíduo na medida em

que constrói a totalidade na qual ele está inserido. O valor de uso que produz não pode

defrontar-se como mercadoria neste caso, já que satisfaz uma necessidade humana específica e

é determinado pela sua serventia. Para o autor, este trabalho “cuja utilidade representa-se,

assim, no valor de uso de seu produto ou no fato de seu produto ser um valor de uso, chamamos,

em resumo, de trabalho útil” (MARX, 1987, p. 171).

10 No modo de produção capitalista, os meios de produção adquirem caráter privado, pois tratam-se de tudo aquilo

que se vale o homem para trabalhar e do qual ele normalmente não tem acesso, como instrumentos, ferramentas,

instalações e etc.; bem como a terra, que é um meio universal de trabalho. Por essa razão, este configura-se como

um sistema produtivo desigual, onde o conjunto das forças produtivas são coletivas, no entanto, a apropriação dos

meios de trabalho é privada.

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Este trabalho, gerador de valores de uso, e como condição da existência do homem

independentemente de todas as formas sociais é, desta forma, “uma eterna necessidade natural”,

um ininterrupto “metabolismo entre homem e natureza” e não pode ser confundido com a lógica

alienante do trabalho na ordem do capital.

Contudo, em uma sociedade onde os resultados do trabalho e do dispêndio de energia

humana assumem, genericamente, a forma de mercadoria, não é o trabalho concreto e útil que

adquire destaque, mas o trabalho abstrato na condição de valor de troca no interior da

engrenagem dos negócios privados e de valorização do capital. Nesse último, o trabalho

encontra-se no centro das relações capitalistas, que alteram em grande medida o seu sentido

histórico original.

Para Lessa (2012), com base em Marx, há uma clara definição dada ao trabalho abstrato,

diferenciando-se sobremaneira do trabalho qualitativo, útil e necessário para o desenvolvimento

humano. Sob as condições do mercado de trabalho capitalista, aquele adquire a característica

de atividade assalariada e a forma social responsável por transformar a força de trabalho em

mercadoria. Sob essa perspectiva é pertinente pontuar o debate em torno da distinção entre as

formas de trabalho concreto e abstrato, assim como sobre os valores atribuídos aos seus

produtos, para que não incorramos no engano de toma-los como sinônimos, nem tão pouco

acreditar no fim da existência do trabalho como elemento emancipador.

Antunes (1995; 1999; 2002; 2005) defende vastamente a tese de que mesmo inscrito em

um modelo de produção alienante11, onde o mundo do trabalho passou a ser reconhecido por

atividades compulsórias e externas às necessidades do homem, a concepção de trabalho

concreto, indispensável à produção e reprodução da vida humana, não pode ser perdida de vista,

considerando o caráter ineliminável do trabalho vivo para a produção de mercadorias.

Em seus termos, ainda que o capital consiga reduzir muito o trabalho vivo – aquele que

produz valores de uso e produtos úteis – ele não pode subtrair completamente o ser humano do

seu processo de criação, mesmo que “incremente sem limites o trabalho morto corporificado

no maquinário técnico científico, aumentando a produtividade e as formas de extração de

sobretrabalho (mais-valia)12 em tempo cada vez mais reduzido” (ANTUNES, 2005, p. 27).

11 Ricardo Antunes discorre sobre a alienação como expressão de uma relação social fundada na propriedade

privada e no dinheiro, apresentando-se enquanto abstração da natureza específica do ser social que “atua como

homem que se perdeu a si mesmo, desumanizado”. Segundo o autor, esse processo de alienação do trabalho (que

Marx também denomina como estranhamento) não se efetiva apenas no resultado — a perda do objeto —, mas

abrange também o próprio ato de produção, que é o efeito da atividade produtiva já alienada” (ANTUNES, 2005,

p. 70). 12 Ao analisar a obtenção de mais-valia pelo capitalista, inicialmente, Marx (1987) destaca a compra da força de

trabalho como uma mercadoria, tomando como base para essa compra, o tempo de trabalho socialmente necessário

para a produção de bens materiais que permitirão a manutenção e o desenvolvimento do seu negócio. No entanto,

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O trabalho, portanto, não pode perder o sentido, tornando-se mera virtualidade diante

das flutuações e metamorfoses postas pelo mercado de trabalho capitalista. Ao contrário, a

compressão dialética entre as formas de trabalho descritas até aqui; precisam estar claras, para

que não depreciemos o seu significado enquanto motriz emancipatória do homem, e nem

sejamos condescendentes com os tipos de organizações trabalhistas que mais exploram do que

realizam o ser social.

Ou seja, “podemos dizer que, se por um lado, o trabalho é uma atividade central na

história humana, em seu processo de sociabilidade, posteriormente, com o advento do

capitalismo, deu-se uma transformação essencial que o alterou e o complexificou” (ANTUNES,

2005, p. 70), porém não o extinguiu. Essa complexidade apresenta-se pela agudização de

algumas tendências atribuídas ao mercado de trabalho, como o desemprego ampliado, a

precarização exacerbada, o rebaixamento salarial, a intensificação das jornadas de trabalho,

além da flexibilidade e informalidade nos contratos.

Junto a isto e no que tange o objeto deste estudo, qual seja: as condições de trabalho dos

assistentes sociais inseridos na política de assistência social, no município de Natal/RN,

destacamos a reestruturação e a “mercadorização” também dos serviços públicos – sobretudo,

a partir da década de 1990 –, como saúde, educação, telecomunicações, previdência e

assistência social. Neste cenário, não apenas as políticas públicas são atingidas, mas também

os seus trabalhadores, que por sua vez, acabam submetidos a um expressivo índice de

subordinação, precarização e flexibilização do trabalho e da legislação trabalhista já

conquistada.

Neste âmbito, compreendemos a dialética, dimensão presente na categoria trabalho,

apenas possível de ser examinada na atualidade, se considerarmos as condições sócio-históricas

determinadas pela produção e reprodução do capital, que fatalmente vem desfavorecendo as

possibilidades do desenvolvimento do trabalho enquanto práxis humana, capaz de ampliar as

suas capacidades.

A este quadro, soma-se a figura do assistente social, sujeito desta pesquisa e trabalhador

assalariado, inscrito na divisão sociotécnica do trabalho, em um contato cotidiano com as

diferente das demais mercadorias de natureza morta adquiridas pelo capitalista, o trabalhador possui o caráter

único de reprodução e criação de valores superiores aos quais foi contratado. O capitalista paga ao trabalhador o

valor de troca pela sua força de trabalho, ou seja, ele paga o tempo de trabalho socialmente necessário para que

este se realize e não o valor criado pelo trabalho que, por conseguinte, é bem maior que o salário. É desse valor

não pago, que se designa a mais-valia.

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políticas sociais, em particular, a assistência social, alvo de reformas e orientações neoliberais13,

caracterizadas, principalmente, pelas tendências privatizantes e pelas tensões inerentes ao

Modo de Produção Capitalista.

É importante salientar a esta altura da discussão, o nosso posicionamento favorável a

perspectiva de que as atividades desenvolvidas pelos assistentes sociais devem ser consideradas

trabalho, pois ainda que este seja um tema que já levantou controvérsias14 no interior da

categoria profissional, corroboramos com Iamamoto (2000), ao reconhecer a contribuição do

trabalho do assistente social para a dinâmica desta sociedade, enquanto trabalho coletivo, centro

do segredo da criação da riqueza social no capitalismo.

Se por um lado, autores como Lessa (2006) com base em sua contribuição para o

aprimoramento do debate sobre a ontologia de Lukács, defendem o ponto de vista de que o

Serviço Social não é trabalho, uma vez que “não realiza a transformação da natureza nos bens

materiais necessários à reprodução social” (p. 18), salientamos a importância das chamadas

subcategorias do trabalho abstrato para a melhor compreensão deste debate, quais sejam: o

trabalho produtivo e improdutivo e a relação que estabelecem no sistema capitalista.

Ao tratar dessas subcategorias, Iamamoto (2000) com base em Marx (1987) distingue,

basicamente, o trabalho abstrato produtivo do improdutivo com o exemplo do mestre-escola,

que ensinava as crianças a ler e a escrever, cujo trabalho só seria produtivo; “se ele não apenas

trabalhasse a cabeça das crianças, mas extenuasse a si mesmo para enriquecer o empresário”

(MARX, 1987 apud IAMAMOTO, 2015, p. 68); do mesmo modo, a cantora, que enquanto

canta como pássaro é trabalhadora improdutiva, porém, na medida em que é contratada por um

empresário que a faz cantar para ganhar dinheiro, torna-se uma trabalhadora produtiva, pois

produz diretamente capital (MARX, 1987 apud IAMAMOTO, 2015).

13 Conforme será assinalado mais adiante, começa-se a ser desenhada no Brasil, sobretudo a partir da década de

1990, a reestruturação produtiva e o projeto neoliberal, atualizando os valores liberais sob o forte impulso às

propostas de desregulamentação e flexibilização do trabalho, além da intensificação da desmontagem dos direitos

trabalhistas (ANTUNES, 1999), através de influências e desdobramentos políticos e econômicos do sistema

capitalista em todo o globo. 14 O debate acerca do Serviço Social enquanto trabalho gerou inúmeras discussões no interior da categoria,

principalmente, após incorporado no currículo mínimo da profissão, em 1996, a percepção profissional do Serviço

Social enquanto especialização inscrita na divisão sóciotécnica do trabalho. Tal polêmica, deu-se em torno,

sobretudo, dos estudos do professor Sergio Lessa, principal autor a endossar a perspectiva de que o Serviço Social

não poderia ser considerado Trabalho por não cumprir a mediação entre os homens e o seu meio. Embora

reconheçamos as pertinentes reflexões e contribuições do autor não só para a compressão da categoria Trabalho,

através de Lukács, como também para fomento do eixo de debate na produção acadêmico-profissional, nos

posicionamos contrários a esse ponto de vista, com o apoio das análises da professora Marilda Villela Iamamoto,

através das quais desenvolvemos nossa exposição ao longo deste trabalho.

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Para Iamamoto (2015), o trabalho produtivo supõe, portanto, uma relação social

determinada pela troca do trabalho por um salário e pelo caráter privado dos meios de produção,

ainda que na órbita de serviços antes excluídos, levados a efeito pelo Estado. Entre outros

aspectos, a autora destina atenção especial a análise do trabalho do assistente social na

sociedade capitalista, com destaque para o lócus de sua atuação, isto é, no que ela denomina de

“industrialização dos serviços” e tendência do capital nos dias de hoje.

Nessa perspectiva, ao realizar o seu trabalho dentro da lógica de valorização do capital,

sujeito à venda da força de trabalho, ao mesmo tempo em que o assistente social confere atenção

às expressões da questão social15, enquanto objeto de sua atuação, também vem contribuindo

para a criação de novas formas de consenso contra hegemônicos.

O que isto quer dizer é que para realizar uma análise sobre as condições de trabalho do

assistente social nesta conjuntura é preciso considerar a dupla determinação do seu exercício

profissional, que enquanto trabalho útil e abstrato, e de maneira indissociável, vem refletindo

sobre o terreno político e ideológico no interior da sociedade capitalista na medida em que

também é pago por isso.

Concordamos, então, com intercâmbio da abordagem realizada por Iamamoto (2015),

no que se refere ao trabalho do Serviço Social, entre as suas dimensões concreta e abstrata com

destaque para o seu valor de uso social, como atividade programática e de realização orientada

por valores e princípios éticos, contudo, também inserido no circuito do capital e na geração de

mais-valia – ponto fundamental para o estudo que tem o Serviço Social como objeto,

posicionando o assistente social enquanto trabalhador assalariado, “vivendo em uma situação

comum a todos os demais trabalhadores” (IAMAMOTO, 2015, p. 418).

Ora, compreendemos ser esta, uma interpretação bastante presente nos relatos dos

assistentes sociais, sujeitos entrevistados desta pesquisa, cuja inserção nos Centros de

Referência de Assistência Social (CRAS e CREAS) do município de Natal/RN, os evidencia

como parte de um coletivo de trabalhadores proprietários de suas forças de trabalho – tendo em

vista as suas formações e capacitações – entretanto, subordinados a falta da posse dos meios

necessários para a realização de suas atividades – estas, monopolizadas pelos empregadores e

pelas políticas sociais institucionalizadas.

15 Entende-se, conforme Iamamoto e Carvalho (2011), a questão social, no sentido universal de sua terminologia,

como o conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos advindos do surgimento da classe operária, no curso

da constituição da sociedade capitalista, estando assim, fundamentalmente vinculada ao conflito entre capital e

trabalho.

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Alguns desses elementos podem ser observados, por exemplo, nas expressões de Maria

da Penha, quando associa as condições éticas e técnicas para o exercício profissional às demais

questões pertinentes ao lugar do Estado enquanto empregador – sob circunstâncias específicas

que serão melhor analisadas no decorrer deste estudo – e do assistente social, como empregado

assalariado, em uma dinâmica que pouco tem se diferenciado das demais relações capitalistas.

[...] e aí eu vou lhe dizer uma coisa: enquanto assistente social e vinculada ao

empregador, né? (que no caso é o Estado), ele assume de fato essa função de

detentor dos meios de produção mesmo, de empregador mesmo. Ele é quase

uma empresa privada. Então assim, é onde você está vendo claramente esse

embate entre trabalho e capital, sem dúvida. E aí você vê uma ameaça de greve

e que ela tem uma espécie de cooptação, porque disseram que iam pagar [o

salário] em três vezes [...] (MARIA DA PENHA, 2016, grifo nosso).

Percebe-se, com o apoio desse relato, que tratar das condições de trabalho dos

assistentes sociais, em especial na política de assistência social, representa também uma

motivação para que outros temas sejam levantados. O caráter assalariado e o atraso nos salários

dos servidores quando destacados, caracterizam uma realidade do município Natal/RN, na

ocasião das entrevistas, que exemplifica e reforça as circunstâncias dadas ao trabalho do

assistente social – e demais trabalhadores – essencialmente separados da propriedade dos seus

meios de realização.

O próprio Marx (2004), em os Manuscritos econômicos-filosóficos reitera: “o salário é

determinado mediante o confronto hostil entre o capitalista e o trabalhador [...] o salário é a

subsistência do trabalhador durante o trabalho e ainda o bastante para que ele possa sustentar

uma família e não se extinga” (p. 23-24). A importância dada a esse elemento na obra de Marx

também é identificada durante as entrevistas, quando na ausência dos seus meios de subsistência

e de condições para realização do seu trabalho, há o favorecimento mais do que necessário de

manifestações e de paralisações entre os servidores municipais de Natal, a exemplo do que

ocorreu recentemente no âmbito do município, conforme foi explicitado na introdução deste

estudo.

Além de representar a manutenção dos meios de vida desses trabalhadores, no caso dos

assistentes sociais sujeitos da pesquisa, o atraso ou o parcelamento da remuneração necessária

dada ao seu trabalho também justificaram o discurso dos entrevistados voltados à

desvalorização e à desmotivação que sentem; percepção esta, compreensível, se consideramos

a análise que vem sendo realizada, acerca do duplo caráter do trabalho do assistente social,

enquanto trabalho útil que atende a necessidades sociais efetivando-se através das relações

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humanas e também enquanto trabalho abstrato igualado a qualquer outro e subordinado aos

recursos financeiros, humanos e fundamentais para a sua realização (IAMAMOTO, 2015).

Até mesmo Lessa (2012), cujas obras defendem o Serviço Social enquanto “não-

trabalho”, afirma que o preço para a realização do trabalho abstrato deve ser o salário e que,

embora exista uma distinção estabelecida entre o trabalho assalariado e o trabalho que

desenvolve as capacidades humanas, existem particularizações do trabalho abstrato, como o

caso dos trabalhos produtivo e improdutivo, que da mesma maneira em que cumprem funções

sociais distintas no intercâmbio com a natureza, podem também, na imediaticidade empírica,

coincidirem.

O assistente social, trabalhador inscrito na política de assistência social do município de

Natal/RN, vê-se inserido nesse circuito complexo de permanente desvalorização e de

precarização do trabalho no capital, uma vez que esta é uma condição ineliminável do sistema

capitalista, cujo teor do trabalho é coletivo, porém a apropriação da riqueza produzida é privada,

ainda que nas estruturas regulamentadas pelo Estado.

Diante de uma forma contraditória e permeada por conflitos, ao mesmo tempo que a

classe trabalhadora é excluída dos meios de produção, mas precisa do salário para sobreviver,

ela torna-se a principal consumidora das mercadorias produzidas socialmente (BOSCHETTI,

2016). O salário atende, portanto, a necessidades básicas do trabalhador e da própria reprodução

do capital, que para manter-se na busca pelos superlucros necessita de consumidores em

condições de comprar mercadorias.

Boschetti (2016) analisa as expressões contemporâneas do capitalismo, demostrando a

relação de produção e de consumo de mercadorias como o “coração da produção no capital”,

irrompendo-se em crises sempre em que há a separação entre tais componentes. Segundo a

autora, a autonomização entre o processo de produção e de circulação do capital desenvolve a

possibilidade do surgimento dessas crises (cíclicas e recorrentes), tendo em vista que estas são

a própria expressão da contradição da economia burguesa, que necessita dos trabalhadores, ao

mesmo tempo em que o trabalho que eles realizam não é livre.

Nesse sentido, essa relação paradoxal também se aplica a compra e a venda da

mercadoria trabalho, ao observar que a existência do trabalhador é resumida a existência de

qualquer outra mercadoria no capitalismo (MARX, 2004) e que o valor do seu trabalho

convertido em salário é bem inferior ao valor apropriado pelo capitalista, em uma dinâmica

desigual que designa a mais-valia, através do valor atribuído às horas excedentes de trabalho16.

16 Há apenas uma mais-valia, mas ela pode ser aumentada de duas maneiras. Entre o capitalista e o trabalhador,

em uma relação de força que determina a duração da jornada de trabalho, aumentando-a [...] e é o que Marx

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Com base nessa reflexão, podemos propor, assim, um paralelo entre a análise que

envolve o trabalho enquanto condição ontológica do ser social e o trabalho enquanto

mecanismo de produção e reprodução do sistema capitalista, pensando junto com o nosso objeto

de estudo questões pertinentes a gênese e a manutenção da política de assistência social no

Brasil.

Sabemos que a maneira como tem sido gerenciado esses elementos (trabalho e

assistência social) possui caraterísticas particulares no Brasil, em decorrência até mesmo da

forma como este se insere ao Modo de Produção Capitalista, acreditando que a condição da

crise inerente ao sistema do capital também tem atingido ao mundo do trabalho, a política de

assistência social e a forma de intervir do Estado. Essas são questões permeadas por elementos

teóricos, políticos e ideológicos para os quais dedicamos atenção especial, considerando

fundamental o estudo sobre as particularidades da realidade brasileira.

denominou de ‘mais valia absoluta’. Ou a mais valia pode ser aumentada de outra maneira, através da redução,

porém intensificação do tempo de trabalho, sem, no entanto, aumentar o poder de compra do trabalhador. A esta,

Marx, denominou ‘mais-valia relativa’ (LOWY; DUMÉNIL; RENAULT, 2015).

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2.2 O PERCURSO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL E A SUA

RELAÇÃO COM O ESTADO

A maneira como o Brasil se insere no Modo de Produção Capitalista (MPC) será

determinante para a nossa análise sobre a política de assistência social no país e no município

de Natal/RN, bem como a relação que estabelece com o Estado. Compreendemos que as

expressões da questão social e o atendimento das necessidades da classe trabalhadora, se

modificam a depender das transformações ocorridas no capitalismo, que no Brasil adquire um

caráter tardio com a reestruturação produtiva e o projeto neoliberal refletidos no país, tão

somente a partir da década de 1990.

A origem da nossa discussão retoma o impacto do fim da Segunda Guerra Mundial e as

mudanças no sistema produtivo, a contar pelo modo como passam a ser geridos os processos

de trabalho, desde o modelo fordista/taylorista – de aprimoramento racional das técnicas e do

advento da linha de montagem – até as mudanças derivadas da reestruturação dos meios de

produção. Observa-se, basicamente, a partir desta, a transformação no perfil industrial e fabril,

onde as convencionais formas de produção foram reeditadas, com foco em novos espaços e

configurações de trabalho, muitas vezes terceirizados, domiciliares ou envolvendo altas

tecnologias.

Segundo Pinto (2010), a década de 1970 é marcante pelo processo de mudança do

sistema de produção, uma vez que é neste período em que ocorrem significativos desequilíbrios

no plano macroeconômico, entre eles o aumento geral dos preços do Petróleo pela OPEP17, as

flutuações no preço do dólar, as primeiras grandes variações nas taxas de câmbio e o crescente

investimento em capitais financeiros.

Globalmente falando, o que antes era conhecido como uma única maneira de se produzir

mercadorias, transforma-se em variadas formas de se fabricar e consumir o mesmo produto para

dar vazão aos negócios, caracterizando-se também pelos elevados índices de qualidade, os

baixos preços finais e a entrega rápida e precisa (PINTO, 2010). A estas mudanças, soma-se a

ofensiva neoliberal, em sua dimensão político-ideológica, que atinge diretamente a classe

trabalhadora, com o enaltecimento dos interesses do mercado e a redefinição não somente das

unidades produtivas, mas das formas de organização do trabalho e dos valores ético-morais da

época, viabilizando as ações e a acumulação de capital.

17 Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).

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Sob a análise de MOTA (2008), diante das necessidades de reestruturação produtiva,

em que se incluem as transformações nos processos de trabalho, o neoliberalismo representa o

apoio “imperativo para o capital na obtenção do consentimento ativo dos trabalhadores [...] e

na alteração das relações entre Estado, sociedade e mercado [...]” (MOTA, 2008, p. 118), tal

como o investimento em reformas institucionais, a contar pelas privatizações e pela burocracia

estatal no campo dos direitos sociais.

Segundo a autora, este é um quadro que não pode ser apenas encarado como produto de

um desequilíbrio produtivo e econômico, mas também como o resultado de uma série de outros

fatores históricos e sociais representados pela superação do modelo fordista/taylorista, e

também pelas alterações na forma de intervir do Estado e nas orientações político-ideológicas

de classe.

Mota (2008) discute essas transformações também no âmbito nacional, localizando o

Brasil na periferia das decisões econômicas e políticas da produção do capital, delineado por

um capitalismo tardio (MANDEL, 1982), já que no país, as transformações societárias a contar

pela intensificação industrial, têm destaque somente em meados do século XX, entre as décadas

de 1930 e 1950, quando o mundo já vivenciara o padrão monopolista fundado no regime de

acumulação. Enquanto isso, nós estaríamos mergulhados em um padrão concentrador e desigual

do processo industrial, imprimindo no perfil do mercado de trabalho características cada vez

mais flutuantes.

Netto (2012) traça o perfil de uma sociedade tardo-burguesa, na qual se encaixa o

Brasil, caracterizando as mudanças societárias aqui assinaladas, também sob o ponto de vista

político e ideocultural, em muitos casos, chanceladas por mecanismos eleitorais dotados de

legitimidade formal, mas perpassados por elementos tipicamente brasileiros, que são heranças

da forma como o poder político e econômico foi sendo exercido ao longo de muitas décadas no

país.

Pode-se dizer que desde o período colonial, o Brasil se reconhece na ordem capitalista

de maneira subalterna e dependente, como fonte de matéria-prima para países de capitalismo

central – como Espanha e Portugal – e com a utilização da mão de obra indígena e escrava como

força propulsora para o seu crescimento. Fato que ao se tratar do nosso objeto de estudo, remete-

nos a maneira como ficou estabelecida a estrutura político-econômica do país, bem como o

enfrentamento à pobreza, que em sua particularidade, conheceu as políticas sociais com forte

cunho assistencialista, institucional e destinado majoritariamente à população inserida no

mercado de trabalho.

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Se voltarmos um pouco na história, identificaremos nos dias atuais, traços significativos

da formação sócio-histórica brasileira, na medida em que nesta sociedade, a própria gênese

colonial e posteriormente o caráter da mão de obra escravista, trará em seu bojo, como afirma

Mazzeo (1989), um contundente gosto aristocrático, pautado por extremo conservadorismo e

autoritarismo expresso nas ideias das classes dominantes.

Segundo o autor, “nas colônias, o capitalismo desenvolveu-se com especificidades

próprias, determinado por sua lógica inerente de amoldar-se e de constituir situações novas para

a sua auto reprodução” (MAZZEO, 1989, p. 14-15) e o Brasil esteve dialeticamente integrado

a este, sendo parte constitutiva do seu desenvolvimento. Por sua vez, a burguesia agrária

mercantil determinaria as bases e as diretrizes ideológicas para o processo que desaguaria na

sua independência e, posteriormente, para a criação do aparelho do Estado.

Para que se entenda melhor o período colonial brasileiro e suas consequências

posteriores, é interessante pontuar que desde meados do séc. XVIII, o Brasil passa a ser

elemento central da economia do Império Português. Conforme nos descreve Prado Júnior

(2006), a colonização dos trópicos, em especial neste país, “toma o aspecto de uma vasta

empresa comercial, mais complexa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que

ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio

europeu” (PRADO JÚNIOR, 2006, p. 14).

Desse modo, a estrutura social, bem como as atividades do país acompanharam um fluxo

comercial, cuja principal função da colônia era o fornecimento de recursos alimentícios e

naturais para os países da Europa, sob uma lógica de produção e exploração, em que fazendas,

engenhos e plantações reuniam um vultuoso número de trabalhadores subordinados e sem

propriedade. Ainda conforme o autor, em muitas colônias tropicais, como foi o caso do Brasil,

não se conheceu mão de obra branca, mas ao contrário, além dos indígenas, “empregava-se em

escala crescente a mão de obra escrava [...] tanto dos que tinham sobrado da antiga dominação

árabe, os aprisionados das guerras de Portugal, como depois os negros africanos” (PRADO

JÚNIOR, 2006, p. 13).

Nesse sentido, os rebatimentos de um panorama como este citado, já é por nós conhecido

e resultaria em uma sociedade, cujo descendentes, em grande parte, a classe trabalhadora,

viveriam o preconceito, a pauperização e a subalternidade nas relações humanas e nas próprias

condições de trabalho. Conforme ilustra Prado Júnior em outra de suas obras: o que esperar de

povos bárbaros e semibárbaros, arrancados de seu habitat natural e incluídos, sem transição, em

uma civilização inteiramente estranha? (PRADO JÚNIOR, 1972).

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Da mesma forma podemos refletir sobre o processo que levou à independência do Brasil

e a própria composição do que seriam os seus aparatos legais de estímulo e proteção à classe

trabalhadora, nos perguntando sobre o que esperar de uma sociedade marcada por um longo

passado de escravidão, cuja liberdade (independência) aconteceu tão somente em razão de

interesses particulares de uma burguesia latifundiária não mais interessada em dividir lucros

com a metrópole.

Nossa independência tratou-se, então, da estratégia dessa burguesia, que nunca possuiu

pretensão heroica, conquistadora e nem tão pouco nacionalista (FERNANDES, 2005), dentro

de diretrizes político-ideológicas permanentemente preocupadas em não promover nenhum tipo

de “perigo” à ordem ou transformações mais radicais. Com uma população composta em sua

maioria por escravos, o objetivo era “alijar as massas de qualquer processo político-social [...]

sem a participação e sem a temida democratização da sociedade” (MAZZEO, 1989, p. 91).

Ainda conforme o autor, a ação da burguesia brasileira engendra-se, assim, numa

formação social capitalista, afluindo na configuração das bases do que seria o Estado Nacional

brasileiro,

[...] trazendo em seu âmago dois aspectos que comporão a sua

superestrutura18: de um lado elementos ideológicos comuns às formações

sociais que vivenciam situações tardias de desenvolvimento capitalista; de

outro, aspectos específicos inerentes a situação de particularidade escravista e

latifundiária (MAZZEO, 1989, p. 92).

Da maneira que indicamos ao longo deste tópico até aqui, o aspecto tardio do

capitalismo no Brasil em consonância com as suas bases de formação escravista, traria ao país,

portanto, rebatimentos significativos para o modo como a força de trabalho se constituiu e se

desenvolveu, bem como para as ações de proteção social e para os marcos regulatórios de

reprodução da classe trabalhadora.

Sobre este aspecto, a contar pela intensa industrialização ocorrida neste território,

sobretudo em meados do século XX, e de não ter sido aqui o berço da Revolução Industrial, o

desenvolvimento capitalista e o regime político democrático aconteceram no Brasil, de maneira

18 Mesmo não sendo uma referência utilizada diretamente por Mazzeo (1989) trazemos à tona alguns elementos

da análise Gramsciana sobre Estado que poderá auxiliar-nos no decorrer do nosso estudo. Como militante e teórico

marxista, Gramsci realizou observações acerca do papel do Estado posteriormente à época de Marx,

compreendendo sua configuração não a partir de esferas distintas, mas como um vínculo orgânico entre estrutura

e superestrutura do Estado, como constitutivas da realidade social. Nessa perspectiva, a estrutura contemplaria não

apenas as forças produtivas, mas também as relações sociais de produção, enquanto a superestrutura do Estado

compreenderia um complexo e dinâmico conjunto de maneiras “através do qual a classe hegemônica exerce sua

dominação – via instrumentos repressivos ou culturais –, cuja função seria justamente disseminar a ideologia

dominante para as classes subalternas” (VASCONCELOS; SILVA; SCHMALLER, 2013, p. 85).

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dissociada (BEHRING; BOSCHETTI, 2007), juntamente com a reprodução de uma herança

arcaica na configuração das políticas sociais (IAMAMOTO, 2009).

Sob estes moldes, a perspectiva dos diretos sociais se configura aqui, apresentando

algumas particularidades, caracterizadas por Iamamoto (2009) principalmente, pela expansão

dos monopólios e pela concentração social, regional e racial de renda, regidas pelo prestígio e

pelo poder. Seus elementos, antigos e atuais, nos rementem a aspectos de: subordinação e

dependência do Brasil ao mercado mundial, que teve forte influência do processo de

colonização brasileira; propagação de valores apregoados pela independência do país,

viabilizando que o poder passasse a emanar de dentro para fora; e a situação do mercado,

voltada para a expansão da economia pela via da exportação.

No âmbito da configuração do Estado, este sofre importante influência do ideário liberal

– que ao longo dos anos passou por mudanças no que tange a atribuição do ente estatal e a

configuração das políticas sociais – inspirando e fortalecendo componentes conservadores, com

propósito de preservar a ordem e sem o objetivo de estabelecer condições materiais e morais

necessárias à verdadeira autonomia das pessoas e da nação.

Inspirada em sua própria denominação, a principal tese destacada pela ideologia liberal,

resulta na liberdade projetada ao indivíduo, sob a orientação e a busca incessante de vantagens

e acúmulo de bens, dadas as condições favorecedoras da reprodução do modo de vida mercantil

capitalista, valorizador da posse material (BARROCO, 2009). O papel do Estado nesse cenário

é reconhecido como um mal necessário, passando a garantir os avanços em medidas de proteção

social ao mesmo tempo em que fornece base legal para o sistema capitalista, permitindo maior

liberdade aos homens e ao mercado.

Ressaltamos também, a partir dessa perspectiva, as influências do liberalismo para o

enaltecimento do ethos burguês presente no desenvolvimento sócio-histórico brasileiro com

suas marcas deixadas pela violência, a abstração, o moralismo e o conservadorismo, além da

forma autoritária conforme foram estabelecidas as decisões políticas no país, reforçando os

apelos às medidas repressivas e às soluções morais para a crise social (BARROCO, 2009).

A essa altura da discussão é importante salientar que as mudanças socioeconômicas

ocorridas no mundo, desde a experiência fordista/taylorista, até a flexibilização da economia a

partir da reestruturação produtiva foram síntese de um reordenamento também na esfera

político-ideológica do sistema capitalista, em que os valores liberais e posteriormente

neoliberais formatariam as bases de sustentação para as transformações que estariam por vir.

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Preliminarmente, com apoio da ideologia liberal há emergência de um Estado Social19,

– popularmente conhecido como Welfare State – no contexto Europeu, a partir da década de

1930, sob um conceito ampliado de seguridade social, que provocou mudanças significativas

na lógica dos seguros sociais. Não sem contradições, os princípios que nortearam esse Estado

estariam ancorados na responsabilidade estatal pelas condições de vida dos cidadãos; na

manutenção do elevado nível de emprego e na prestação pública de serviços sociais universais.

Por outro lado, e conforme já pontuamos, neste período identifica-se junto a esse modelo

de Estado, a formação de um pacto fordista de acumulação, que concomitante aos princípios

keynesianos20, buscou favorecer o crescimento dos países de economia central, com destaque

para a Europa Ocidental após o fim da Segunda Guerra Mundial, investindo em setores de

infraestrutura e implementando políticas voltadas à reprodução da força de trabalho, dando

destaque para modelo de proteção social pública (MOTA, 2008).

Boschetti (2016) analisa a ordenação do Estado Social na Europa tratando do seu

aspecto complexo e contraditório ao incorporar feições sociais através da regulação de políticas

sociais – porém sem desvincular-se de sua natureza capitalista – salientando também suas

conformações distintas a depender dos países em que foi implementado. A esse exemplo, temos

a percepção do enfrentamento à pobreza, que embora acompanhe uma tendência mundial com

vistas a expansão dos direitos para a preservação do capital, assume particularidades de acordo

com as conjunções históricas estabelecidas.

Conforme Pereira (2009), o Estado Social inaugura através das medidas de proteção

social; o reconhecimento de que a pobreza no capitalismo é produto inerente ao próprio sistema

de desenvolvimento predatório, configurando-se como uma de suas sínteses globais. Por sua

vez, para que seja preservado, no que tange esta modalidade de Estado e as particularidades das

regiões em que este foi implantado, o sistema capitalista exige e necessita que o ente estatal

proteja o trabalhador contra a perda de renda e outras contingências sociais.

Ao falar do Estado Social, no contexto ao qual nos referimos, tratamos então, de uma

expressão própria de uma região e de um tempo histórico, sendo muitas vezes utilizado de

19 Utilizaremos esta terminologia para nos referirmos à forma adquirida pelo Estado no contexto da Europa

ocidental, sobretudo, após a Segunda Guerra Mundial. Nos reportamos aos estudos de Boschetti (2016) quando

problematiza as inúmeras nomenclaturas a que se atribui a esta conformação do Estado, entre elas, Welfare State,

État Provence e Estado de Bem-Estar Social, não descartando a intencionalidade questionável dessa generalização. 20 O Welfare State, État Provence e Estado de Bem-Estar-Social também foram reconhecidos como Estado

Keynesiano, já que foi inspirado pelos estudos do economista britânico John Maynard Keynes, percursor da escola

Keynesiana. Sua principal tese defendia a ampliação dos papéis e poderes institucionais do Estado, com vistas ao

equilíbrio das demandas econômicas e sociais, porém sem abandonar a essência capitalista.

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maneira imprecisa, “seja para apontar todo e qualquer tipo de política social implementada, seja

para reduzir seu escopo à esfera de políticas específicas” (BOSCHETTI, 2016, p. 40).

Assinalamos, nesse sentido, a feição típica do Estado no capitalismo, perpassado por

conflitos e contradições a depender do período histórico a que se refere, quando a exemplo da

forma social que assumiu no início do século XX, na Europa, engendrou políticas de regulação

e normas de consumo coletivo ao mesmo tempo em que mediava interesses voltados a produção

e reprodução do capital.

Ressalvadas as devidas proporções e considerando que na realidade brasileira não se

vivenciou um Estado Social como aqueles moldes, as intervenções correspondentes a este

fenômeno no Brasil, traz em suas entrelinhas a associação entre o reconhecimento de diretos

sociais simultaneamente as demandas do capital (PEREIRA, 2009), estruturando-se a política

de assistência social por meio da ajuda aos pobres e a previdência para os assalariados (MOTA,

2008).

É efetivamente entre os anos correspondentes a ditatura de governo de Getúlio Vargas

(de 1930 a 1945) que as expressões da questão social passam de questão de polícia à questão

política, sistematizando, organizando e disciplinando a configuração do trabalho, “de modo a

pacificar as relações antagônicas entre as classes [...] evitando, por um lado a pauperização e

por outro a subversão da ordem capitalista em formação” (IANNI, 1989, p. 136).

Foi nesse período, identificado como Estado Novo, quando se delineou o que atualmente

ainda conhecemos como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de teor extremamente

corporativista e governista, que favorecia muito mais a imagem de Getúlio, institucionalizando

a estrutura sindical dependente do Estado, bem como a difusão de ideologias compatíveis com

os interesses da nação (ABRAMIDES; CABRAL, 1995).

É possível identificar nessa conjuntura, a preservação de interesses nacionais, a favor

da industrialização, bem como movimentos no campo da liberdade sindical21 e da justiça social,

sob um cenário de intenso desenvolvimento – o qual permitiu, inclusive, a criação de poupanças

e o aumento do poder aquisitivo dos salários – quando a classe operária se envolve em lutas

políticas relacionadas à própria constituição do sistema capitalista.

21 Abramides e Cabral (1995) destacam os movimentos sindicais ocorridos neste período, entre as quais estão os

realizados pelos profissionais têxteis, ferroviários, gráficos e militares em busca do aumento dos salários e da

equiparação salarial entre funcionários civis e militares. A exemplo da campanha “O petróleo é Nosso” em defesa

do monopólio estatal na prospecção e extração do petróleo, entre os anos de 1961 a 1964, o Partido Comunista e

as organizações da classe trabalhadora tiveram forte momento de ascensão. Unidos pela bandeira das “reformas

de base” (reforma agrária, tributária, bancária, urbana, política e universitária) centenas de greves foram realizadas,

na época, pelo movimento sindical urbano e pelos movimentos no campo.

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Conforme Ianni (1989), o cenário que antecede o regime civil-militar no país é

caracterizado, em muitas ocasiões, por interesses difusos, ora manifestados como ideologia para

classe operária em prol de maior amplitude da ordem democrática; ora como ideologia para a

sociedade nacional, no sentido do desenvolvimento nacionalista, envolvendo a ruptura com a

sociedade ‘tradicional’ e a acentuação do imperialismo, através do qual o capital realiza um

circuito exterior ao país.

Vimos assim, que apesar da generalização dos movimentos sociais em torno das

“reformas de base” e das legislações sindicais acompanharem uma tendência corporativista,

“foi durante o período de 1945-1964 que o movimento operário atingiu sua fase de maior

amplitude” (ANTUNES, 1980, p.75). Entretanto, quanto mais se avançava no campo

democrático, “foi desfechado o golpe militar, cujo objetivo foi barrar os avanços até então

atingidos pela classe operária, iniciando-se uma fase extremamente penosa” (ANTUNES, 1980,

p. 75).

Ao seguir o curso da história, percebemos então, que o trajeto adotado pela política de

assistência social no Brasil sofre influências do contexto socioeconômico mundial na mesma

medida em que assume características particulares típicas da realidade vivenciada no país. A

contar pelo caráter tardio do capitalismo brasileiro, enquanto na Europa, entre as décadas de

1930 a 1970, o Estado adotava medidas sociais de densidade institucional e cívica, nos países

periféricos, a exemplo do Brasil, os auxílios assistenciais não passavam de elementos

simbólicos escamoteados pela tutela e pela benesse.

Paralelamente, na ocasião em que o mundo passou a reproduzir uma proposta de

reestruturação econômica pautada no crescimento acelerado, continuado e autossustentável –

ainda que em detrimento das ações de proteção social – vivenciávamos no Brasil, entre a década

de 1970 e 1980, as orientações político-econômicas de um regime civil-militar, que se estendeu

de 1964 a 1985.

Não poderíamos perder de vista, nem tão pouco desconsiderar o impacto histórico dessas

décadas para a formação das estruturas social e econômica brasileira, mencionando o período

autocrático burguês (NETTO, 1994), como um golpe civil-militar, deflagrado em 1964, cujas

consequências aprofundaram a acumulação capitalista no Brasil, abrindo-se novas condições

para que as elites se associassem ao capital financeiro internacional e se apropriassem

literalmente do Estado.

O capitalismo neste país, se consolida, portanto, pela via da autocracia burguesa, onde

o poder político-estatal esteve concentrado nas mãos de uma elite agroexportadora e industrial

ligada ao capital externo, observando-se naquele período histórico momentos de instabilidade

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política e econômica, persistentes taxas de inflação, além de seletivos investimentos em

medidas de proteção social, experimentando de fato o desenvolvimento capitalista e o regime

político democrático de maneira dissociada (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).

Sob a retórica dos benefícios de autoajuda e conforme vimos, ainda apoiados na

perspectiva liberal, as expressões da questão social no Brasil são ratificadas enquanto

disfunções sociais, destinando-se para aqueles que se encontravam fora do mercado de trabalho,

a assistência social como um caráter de favor, institucionalizada através de programas pontuais,

desarticulados ou simplesmente puro assistencialismo paternalista22.

A partir daquela época, o modelo de gestão do Estado segue o lastro dos aspectos

históricos, os quais descrevemos como produto de uma mescla entre o poder público e o

privado, capaz de impor de cima para baixo, as regras, as coerções e os direcionamentos, na

mesma medida em que distribuía cargos públicos bem remunerados e benefícios (FONTES,

2005).

De teor fundamentalmente patrimonialista, sobretudo, no período de ascensão do regime

civil-militar, a opacidade histórica na distinção entre o público e o privado no Brasil trará

profundos desdobramentos para a política de assistência social, bem como para a gerenciamento

das demais políticas públicas, já que neste país tornou-se comum a utilização do Estado ou de

seus recursos para a obtenção de privilégios voltados aos mais diversos interesses privados de

grupos dominantes.

Nessa mesma direção, o caráter patrimonialista do Estado brasileiro também deixa como

herança para a política de assistência social, a ideia do seu descompromisso com a gestão das

políticas sociais, pois se a sua representatividade enquanto ente público são difusas, a contar

por um período quando ainda não se expressava o seu papel democrático, como falar da

reciprocidade entre o Estado e a sociedade no atendimento das necessidades sociais?

O que se efetivou, ao contrário, foi o enaltecimento de uma sociedade-providência

(SPOSATI, 1995), na qual o Estado se comportaria como algo abstrato que pairava acima da

sociedade, empenhado na obtenção de proveitos particulares e na projeção de sua ineficiência

para gerir a política de assistência social. Conforme a autora, essa sociedade-providência se

constituiria, então, como uma hipótese sugestiva que combinaria ações entre a sociedade civil

e o Estado, porém sob a estratégia de que para este restassem apenas parcos investimentos.

22 Sposati et. al (1995) realiza um resgate sobre a trajetória da política assistencial brasileira, analisando, entre

outras questões, aspectos que reportam a cultural e história associação feita entre a política de assistência social –

atualmente constituída como direito – e os estigmas atribuído a esta, criado em torno de práticas paternalistas,

burocráticas e de cunho meramente caritativo. Conforme a autora, assim se constitui o assistencialismo: na

assistência social enquanto objeto de ajuda, reprodutora da lógica de dominação entre benfeitor e beneficiário.

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A cargo de sua função estariam as medidas centralizadoras dessas ações, através dos

mecanismos burocráticos e legais, que lhe possibilitasse criar uma imagem favorável decorrente

da troca de favores e, por conseguinte, para a prática do clientelismo23, ao qual o Estado

brasileiro esteve e ainda está associado até os dias atuais. Para Sposati (1995), no horizonte da

sociedade-providência, ainda sem grandes aparatos normativos, a política de assistência social

se expande com:

a) a mobilização das organizações populares e comunitárias para realizarem

esforços diretos de proteção social; b) o alargamento da prestação de serviços

e benefícios do empresariado aos seus empregados, através do estímulo do

Estado na formação de isenção de impostos; c) e a alteração do perfil das

entidades filantrópicas, apresentando menos o caráter filantrópico e mais de

empreendedorismo, cuja a racionalidade e o custeio viriam do Estado

(SPOSATI, 1995, p. 32).

Tudo isso, sem que se possa esquecer do lugar ocupado pela Igreja Católica na

conformação da política de assistência social no Brasil, que em meio a uma relação estreita e

complexa com o Estado e as classes sociais exerceu, durante muito tempo, significativa

influência nas áreas de controle social24 e ideológico, fortalecendo, inclusive, o movimento

católico e a busca pela sua consolidação na sociedade civil.

A exemplo dessa dinâmica temos a criação da Legião Brasileira de Assistência Social

(LBA)25, fundada em âmbito nacional, no ano de 1942, através de influente iniciativa dos

dirigentes eclesiásticos católicos. Além da sua representatividade para a gênese das atividades

assistenciais no município de Natal/RN – como escopo de preocupações particulares com a

questão social26 – a LBA simbolizava, no Brasil, um dos marcos da fluidez existente na relação

entre o público e o privado, na área da assistência social.

Materialmente idealizada a fim de atender as necessidades dos familiares, cujos

provedores foram convocados para a Guerra (LIMA, 2005), mais do que isso, a LBA

23 O clientelismo segue a tendência sugestiva pela sua denominação, tratando-se da relação abusiva e injusta que

se dá no acesso dos usuários aos bens, recursos e serviços, neste caso, disponibilizados pelo Estado através das

políticas sociais. Essa dominação se realiza por meio de relações pessoais entre os usuários e os representantes do

poder público, a quem os beneficiários dos serviços “passam a dever favores frequentemente pagos através da

fidelidade e lealdade de políticas, sobretudo em momentos eleitorais; podendo também ocorrer a não oferta de

serviços em áreas cujos moradores não votaram no candidato vitorioso” (OLIVEIRA, 2009, p. 112). 24 O controle social neste caso, em destaque, tem relação com a ideia de domínio político-ideológico,

diferenciando-se do controle social enquanto pressuposto de uma gestão democrático-participativa, na qual o

controle social diz respeito aos mecanismos de fiscalização e de participação da sociedade nas decisões do Estado. 25 O curso da LBA no Brasil não é linear, bem como a sua função adquire distintas características ao longo dos

anos. Criada em 1942, com forte cunho caritativo e assistencialista, na década de 1990 é incorporada ao Ministério

do Trabalho e Previdência e Assistência Social, passando a ser chamada de Fundação Legião Brasileira de

Assistência, porém permanecendo com a mesma sigla. 26 Em Natal, a criação da LBA destinava-se, principalmente, ao atendimento das crianças abandonadas, decorrentes

dos inúmeros casos de gravidez após a chegada dos militares americanos, na ocasião da Segunda Guerra Mundial

(LIMA, 2005).

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representaria, até a sua extinção na década de 1990, a dualidade entre o favor e a

responsabilidade do Estado, em um misto de práticas clientelistas e voluntaristas.

Compreendemos, ao seguir o nosso estudo sobre a configuração da política de

assistência social no Brasil, que esta só adquiriria legitimidade nos moldes de política social

como um gênero de política pública, na ocasião em que fosse implantada uma “Nova

República” no país. Mesmo sendo este um processo de abertura democrática lenta e gradual,

em 1985 com o término do regime civil-militar, é possível atribuir densidade a esta política, a

partir da estruturação da Secretaria de Assistência Social no Ministério da Previdência e

Assistência Social, em 1986, e da realização de inúmeros seminários, simpósios e encontros

acerca da temática (SPOSATI, 1995).

Adentra-se a década de 1980 observando-se no cenário nacional uma substantiva

mudança no que tange a revalorização das práticas sociais e dos movimentos populares, na

forma de contestações, protestos, greves e atos públicos, organizados a partir de um ponto

comum firmado na luta pelas liberdades democráticas. Percebemos também que a maneira

como a gestão social no Brasil passa a ser apreendida sofre rebatimentos desse cenário, abrindo-

se a um novo diálogo com diferentes formas de gerenciar as demandas sociais.

Gonçalves, Kauchakje e Moreira (2015) tratam das modalidades da gestão social no

Brasil, referindo-se a essa gestão como as ações públicas voltadas ao atendimento das demandas

do cidadão, na perspectiva da garantia de direitos. Por sua vez, para os autores, esse

gerenciamento não é um elemento estático no âmbito do Estado, mas ao contrário, modificou-

se ao longo dos anos e “está envolto por situações complexas que remetem à necessidade do

envolvimento de diversos setores sociais” (Idem, p. 133)

Pode-se dizer, que a depender da conjuntura em destaque e da inclinação dos interesses

perpassados pelas classes socais, pelos representantes do Estado e também pelos outros

aparelhos ideológicos27 no âmbito da sociedade civil, experimentaremos uma gestão do Estado

mais ou menos progressista no campo social. Sobre esta questão e com apoio da análise de

Gonçalves, Kauchakje e Moreira (2015), destacamos a evolução de três modelos da

administração pública brasileira, que remontam aos aspectos: patrimonialistas, burocráticos e

democrático-participativo.

27 Em termos Gramscianos, na a sociedade civil, superestrutura do Estado, existem diversas e multifacetadas

organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão de ideologias. Estes são os aparelhos privados de

hegemonia, representados na sociedade capitalista, entre outros, pelas escolas, igrejas, partidos políticos,

sindicatos, organizações profissionais, meios de comunicação etc. (VASCONCELOS; SILVA; SCHMALLER,

2013).

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Nessa perspectiva e observando a análise por nós realizada acerca do objeto de estudo

em questão, é possível perceber o trajeto das ditas formas de gestão social do Estado no Brasil,

afirmando que esse processo não tem acontecido de forma sequencial, mas atende a

necessidades específicas de cada época, sendo perceptível nos dias de hoje uma combinação

entre as diferentes formas de atender às necessidades sociais por meio da administração pública.

Conforme ilustra Iamamoto (2009), vivenciamos um outro tempo de modernização sob

o controle e a dependência dos estamentos dominantes, tendo em vista realizar as promessas de

um Brasil republicano e democrático, sob os mesmos moldes marcados pelo coronelismo, pelos

populismos e pelas formas políticas de apropriação da esfera pública em função de interesses

particulares, de tradição excludente e seletiva, condensadas no autoritarismo social.

Em um movimento de avanços e retrocessos, simultaneamente arcaicos e modernos,

presenciamos, então, o patrimonialismo e a burocracia do Estado convivendo na mesma tela

onde se tem buscado a efetivação de uma gestão democrático-participativa. A exemplo disto,

atribuímos o destaque para o controverso período de transição entre as décadas de 1980 a 1990,

quando inicialmente foram implementadas medidas de fortalecimento da participação popular

e da ampliação dos diretos, e logo em seguida uma proposta de reforma, ou nos termos de

Behring (2003), uma “contrarreforma” da administração pública, iniciada pelo governo de

Fernando Henrique Cardoso, em 1995.

Enquanto a Carta Constituinte promulgada em 1988, na forma de instrumento legal,

simbolizaria uma vitória no campo dos princípios democrático-participativos, assentados na

universalização dos direitos, na equidade e na cidadania, arquitetava-se a reorganização do

Estado fundamentada em duas frentes: o foco na busca pela eficiência e pelos resultados, e as

redefinições das suas funções, no sentido de que este deveria reduzir suas tarefas ao que

conceituava como atividades exclusivas (BRESSER-PEREIRA, 2003).

Referimo-nos então, à década de 1980 como um período que divide opiniões entre os

historiadores, contudo, no que tange a nossa análise, o consideramos como um momento

fundamental para a constituição e ampliação dos direitos sociais, bem como para o

reordenamento do exercício profissional dos assistentes sociais. Em sincronia com a nova Carta

Constituinte, redesenhava-se no país um contexto de resistência e enfretamento das tensões

advindas dos anos de regime civil-militar, através de mobilizações dos mais diversos setores da

sociedade.

No bojo da promulgação da Constituição de 1988, fruto e expressão de um amplo

movimento da sociedade civil, afirmou-se o protagonismo dos sujeitos sociais na luta pela

democratização da sociedade brasileira, ampliando os canais de organização e de participação

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da população, entre outros aspectos, também na gestão de políticas sociais. Nesse contexto,

encontra-se as bases para a reorientação dos profissionais do Serviço Social, como coautores e

coparticipantes desse processo de lutas, lançando-se às reais demandas da classe trabalhadora

e atuando no reforço do poder local, através do que seria a descentralização e a

municipalização28 das políticas sociais, assim como a instituição dos Conselhos de Políticas e

de direitos (IAMAMOTO, 2000).

Paradoxalmente, após algum avanço, as conformações das políticas sociais no Brasil

acompanhariam essa determinação, atualmente marcada não só pela forte influência da cultura

neoliberal, mas também por uma má estruturação da carga tributária brasileira e pela destinação

dos recursos do fundo público para os serviços da dívida externa. Essa percepção da realidade

tende a correlacionar forças com a perspectiva de universalidade das políticas sociais,

evidenciando, ao contrário, a importância do aspecto administrativo da reforma do Estado, em

razão de uma crise caracterizada pela perda de sua capacidade de coordenar o sistema

econômico de forma complementar ao mercado (BRESSER-PEREIRA, 2003).

Essas características auxiliam a nossa análise, na medida em que percebemos nas

expressões dos assistentes sociais entrevistados, elementos concretos que traduzem aspectos da

realidade sobre a qual nos fundamentamos. Esses aspectos dizem respeito a gestão social do

Estado e consequentemente a forma como tem sido gerenciado o trabalho no âmbito das

políticas sociais, a que se referem os servidores do município de Natal/RN, realizando

importantes articulações teórico-práticas.

Mesmo que acompanhe tendências gerais acerca da conjuntura socioeconômica

brasileira, sabemos que a Região Nordeste possui particularidades locais, condizentes à forma

como se estabeleceu na dinâmica nacional, onde o papel do setor público foi fator

preponderante para o desenvolvimento das atividades econômicas que se expandiram neste

território.

Essa é uma região, por exemplo, onde o acesso aos bens imóveis, às atividades

financeiras, a produção de energia elétrica e o abastecimento de água, estiveram, ao longo dos

anos, fortemente associadas ao investimento público, na figura de um Estado atuante na

promoção do crescimento da economia, porém muito bem situado nas estruturas de poder e dos

benefícios provenientes das oligarquias familiares ou/e partidárias (ARAÚJO, 1995).

28 A descentralização e a municipalização das políticas sociais são prerrogativas presentes na Constituição de 1988,

introduzindo o município como instância administrativa das políticas sociais, na mesma medida em que mantém

cooperação técnica com a União e com os Estados.

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Entre as décadas de 1970 e 1980, por exemplo, são desenvolvidas na Região Nordeste

atividades na direção da modernização da economia, como foi o caso do Programa Nacional do

Álcool (PROÁLCOOL). Este trazia consigo uma nova alternativa de produção enérgica para o

mercado interno, no entanto, com maior base na incorporação de terras do que na elevação dos

padrões de produtividade, associando-se à problemática da questão fundiária na região,

reconhecida historicamente pelo monopólio e pela concentração de terras em posse dos grandes

agricultores.

Na mesma orientação, seguem as consequências advindas dos períodos de estiagem,

caraterísticos do clima seminário, e enfrentadas pelo Estado de maneira pouco eficiente e

bastante assistencialista, quando “as tradicionais ‘frentes de emergência’ do Governo, alistavam

um número enorme de agricultores descapitalizados ao final de cada ciclo produtivo e incapazes

de dispor de meios para enfrentar um ano seco” (ARAÚJO, 1995, p. 13), cobrindo parte da

população idosa e destinando uma renda mínima para as muitas famílias sertanejas

desprotegidas.

De acordo com a autora e a partir dessa perspectiva, é possível começar a compreender

a função do Estado para o desenvolvimento socioeconômico do Nordeste, acompanhando uma

direção também nacional, com a criação de infraestruturas e aparatos normativos no âmbito

econômico e social, todavia, ora se modernizando em diferentes frentes e pólos dinâmicos de

expansão29, ora reproduzindo ações administrativas tradicionais, burocráticas e hierarquizadas.

Destacamos dois trechos de uma de nossas entrevistas que revelam, por exemplo, o

caráter ainda complexo e contraditório da gestão social do Estado no município de Natal/RN,

quando os assistentes sociais percebem em dias atuais, o traço patrimonialista e clientelista

presente na dinâmica do exercício profissional.

A esse respeito, Tarsila do Amaral, afirma:

Tem gente ainda na SEMTAS, usuário (você vai ficar pasma), que ainda chega

com a identidade e o título na mão. 'Eu vim atrás de uma cesta básica, eu vim

atrás de não sei o que [...] E não é mentira minha não; de como ainda é a

relação de clientelismo que ainda existe dentro dessa secretaria (TARSILA DO

AMARAL, 2016).

A entrevistada ressalta ainda que,

Não dá mais para fazer política pública de faz de conta não. Antes quando não

tinha o SUAS cada um fazia a política de assistência do jeito que queria, hoje

não. Hoje a gente tem um sistema, hoje a gente tem orientações técnicas, a

29 Na ocasião de sua análise, Araújo (1995) destaca: o complexo petroquímico de Camaçari/BA; o pólo têxtil e de

confecções de Fortaleza; o complexo minero-metalúrgico de Carajás; o pólo agroindustrial de Petrolina/Juazeiro

e o pólo de fruticultura do Rio Grande do Norte, com base na agricultura irrigada do Vale do Açu.

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gente tem todo um controle. Não dá mais gente. (TARSILA DO AMARAL,

2016).

Constatamos com o apoio das informações contidas nas referências citadas, duas

percepções quanto ao papel clientelista que adquire o Estado brasileiro: uma, comumente

reconhecida em sua relação com os usuários das políticas sociais, e com a própria sociedade

em geral; e a outra, perceptível na forma como tem sido executado os programas e os serviços

sociais, bem como a composição do quadro de servidores responsáveis por essa execução,

denunciando um círculo histórico e impermeável das forças políticas de quem governa, rege e

impera em nome próprio (FAORO, 2001 apud, FONTES, 2005)

Historicamente, sabemos que as expressões do clientelismo, especialmente na região

nordeste – atingida por prolongadas secas e, consequentemente, por dificuldades no que tange

o desenvolvimento da economia – associam-se ao lastro do coronelismo, refletidos nas

condições de precariedade e vulnerabilidade social do seu povo e na concepção das ações

socioassistenciais.

Através das relações de trabalho estabelecidas pela força e pela figura de liderança dos

“coronéis”, reconhecidos como “salvadores da pátria” e donos das grandes propriedades rurais

(SILVA; FAÉ; ANTUNES, 2008), o coronelismo, símbolo do autoritarismo e da busca por

interesses baseados nas trocas de favores, tem destaque no âmbito da região nordestina e pode

auxiliar-nos na compreensão de como foram se configurando aqui, os vínculos de trabalho na

esfera pública do Estado.

Esta é uma situação levantada durante as entrevistas, já que o município de Natal/RN

também não fica isento a este cenário, se consideramos o fato de o último concurso realizado

no município, em março de 2016, ter sido o primeiro com vagas destinadas à Secretaria de

Trabalho e Assistência Social (SEMTAS)30. O que tínhamos anteriormente, era um quadro de

funcionários preenchido através de processos seletivos com contratos temporários ou pelos

profissionais aprovados em um outro certame realizado pela prefeitura, no ano de 2006,

destinado para vagas gerais.

Como tema transversal às condições de trabalho dos assistentes sociais inseridos nos

Centros de Referência de Assistência Social (CRAS e CREAS), do município de Natal/RN,

30 Ao longo de todo o trabalho e com base no depoimento dos entrevistados, nos referiremos a dois concursos

públicos realizados pela Prefeitura Municipal de Natal. O primeiro, ocorrido em julho de 2006, cujo edital n.º

001/2006, destinava-se ao provimento de vagas, de níveis superior, médio e elementar, para a Secretaria Municipal

Administração, Recursos Humanos e Previdência (NATAL, 2006b). E o segundo, realizado, em março de 2016,

de edital nº 001/2016, quando pela primeira vez, vagas de níveis, superior e médio foram direcionadas para a

SEMTAS (NATAL, 2016b). Em ambos certames, existiam vagas para os profissionais formados em Serviço

Social, contudo, apenas no último, essas vagas foram encaminhadas diretamente para a SEMTAS.

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podemos refletir, por exemplo, sobre a maneira como as ações socioassistenciais no âmbito da

SEMTAS foram realizadas durante os anos anteriores ao último concurso, uma vez que nós

acreditamos na realização dos concursos públicos como um formato democrático no horizonte

da ampliação da autonomia profissional, do processo de continuidade dado aos atendimentos,

além das garantias dos direitos sociais e trabalhistas.

De acordo com Iamamoto (2015), nesta mesma direção, destaca-se o alargamento dos

espaços privados em detrimento aos públicos, recriando ainda nos dias de hoje e conforme já

pontuamos, uma herança histórica de marcas persistentes e formas políticas de apropriação da

esfera pública em função de interesses particulares; isto é, uma sociedade marcada por uma

tradição autoritária e excludente, de relações sociais ora regidas pela cumplicidade, ora pelo

mando e pela obediência, e muito pouco pelo reconhecimento da igualdade jurídica dos

cidadãos.

Por outro lado, vale salientar a nossa compreensão acerca das políticas sociais inscritas

na sociedade capitalista, “como um espaço perpassado por lutas, cujos resultados variam em

função das diferentes conjunturas históricas” (SPOSATI, et. al. 1995, p. 71) e por isso mesmo

o caminho percorrido nesta reflexão não acompanha apenas um ponto de vista, mas é resultado

do movimento da realidade, acompanhado por diferentes formas de interpretação e contextos.

A esse respeito, a assistente social Maria da Penha traz em sua fala, elementos que se

reportam aos avanços atribuídos à política de assistência sem esquecer a esfera de disputas na

qual está imerso o Estado, onde as concessões e as conquistas de direitos convergem em unidade

contraditória:

Então, eu acho, que mesmo com todas essas dificuldades, mas hoje a gente

ainda consegue se reunir sem ser preso, hoje a gente consegue ter essa unidade

de atendimento aqui e dizer que ela é um direito dessa população. A gente tem

órgãos fiscalizadores que a gente ainda pode provocar. Hoje tem a promotoria

de justiça e tem um programa chamado Conviver SUAS31 que é diretamente

ligado a essa questão [...] e ele ainda é muito mal compreendido, mas existe!

Pior era antes. Então, eu gosto de ser otimista. E eu acho que a gente já

avançou. A gente precisa é ter coragem! Não tem como ser covarde, tendo se

formado em Serviço Social e estar executando diretamente a política. Não

tem! Tem que ser corajoso mesmo! (MARIA DA PENHA, 2016).

31 O “Conviver SUAS” trata-se de um projeto institucional, criado em 2010, pelo Ministério Público do Rio Grande

do Norte (MP/RN) e desenvolvido juntamente com o Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de

Defesa da Infância. Seu principal objetivo é contribuir para a elevação do padrão de atendimento às famílias,

crianças e adolescentes, nos municípios do Estado do Rio Grande do Norte (ROCHA; ARRUDA; MARTINS,

2014).

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O que queremos dizer e conforme podemos analisar a partir da nossa pesquisa, é que

embora esteja claro para os assistentes sociais entrevistados, o ranço injusto e desigual herdado

pelas políticas sociais no Brasil, também são evidentes para eles, os avanços ocorridos na área

socioassistencial, que a contar pela Constituição de 1988, e posteriormente pela promulgação

do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990 e da Lei Orgânica da Assistência Social

(LOAS), em 1993, começa a se desenvolver reordenações democráticas, mesmo que lado a lado

à cultura neoliberal.

Pode-se afirmar que no Brasil, a política de assistência social evolui a partir da matriz

deixada pela era Fernando Henrique Cardoso (FHC) com a implementação de programas de

transferência de renda como o Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Vale Gás, Programa de

Erradicação do Trabalho Infantil, e etc.; incorporados, posteriormente, pela gestão dos

presidentes Luís Inácio da Silva (Lula) e Dilma Rousseff, através do Programa Bolsa Família,

sob a promessa de mitigação da pobreza, porém com o atendimento focado às urgências sociais.

A este respeito, são evidentes os traços de continuidade atribuídos a política de

assistência social no Brasil, contudo, é importante pontuar a construção de uma nova estratégia

de desenvolvimento social articulada com a política econômica, a exemplo do que foi realizado,

principalmente, durante os anos do governo Lula, (2003-2011), quando os números da pobreza

realmente declinaram, suplantando mais de 28 milhões de brasileiros dessa condição, com base

na taxa monetária definida pelo Banco Mundial (US$ 2 por dia) (FAGNANI, 2011).

Esta é uma dimensão que para nós tem bastante significado, pois além de representar

avanços no que tange a dinamização do Estado e o cumprimento de sua função social, também

nos auxilia na compreensão de que ao se tratar das medidas de proteção social no Brasil, os

progressos que tivemos são produtos de necessárias correlações de força entre os interesses da

população e os padrões organizacionais do país e do resto do globo.

Além disso, nos permite refletir ainda, sobre a configuração e a execução dos programas,

serviços e benefícios socioassistenciais no Brasil, onde mesmo que se reconheçam os

progressos jurídicos normativos conferidos à política de assistência social, estes continuam

revestidos como uma “solução milagrosa” para a erradicação da pobreza e para a mitigação das

demais contingências sociais, sustentadas, no entanto, por um teto mínimo de gastos.

Com base nos relatórios do Banco Mundial, analisados por Teixeira (2010), fica clara a

atual tendência que permeia os discursos em torno das políticas sociais, sobretudo, no contexto

latino americano, onde, após os anos 2000, setores progressistas da sociedade passam a

defender o desenvolvimento social construído pelas vias do crescimento econômico, entretanto

e contraditoriamente, às custas da responsabilização do indivíduo na superação de suas

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necessidades e na focalização das ações sociais, prioritariamente voltadas às transferências

mínimas de renda.

Estas acabam por se distanciar de uma perspectiva voltada para o desenvolvimento da

liberdade e das capacidades humanas, acompanhando o contexto das políticas assistências no

âmbito da sociedade capitalista, oferecendo uma resposta simples às demandas sociais: o Estado

deve garantir aos grupos de cidadãos mais fragilizados um benefício mínimo, a fim de que cada

pessoa possa ter acesso a uma renda básica, através de condicionalidades, (REGO; PINZANI,

2013) em que o dinheiro assume a centralidade da base material desta autonomia.

Na esteira desta conjuntura, em 2004 é aprovada a Política Nacional de Assistência

Social (PNAS) que teve como principal deliberação a implantação do Sistema Único de

Assistência Social (SUAS), o qual através de suas normas Operacionais Básicas (NOB/SUAS

e NOB/RH) muito tem a auxiliar na análise que propomos e na compreensão da mais recente

ordenação da assistência social enquanto política pública brasileira.

Em concordância com a Constituição de 1988 e com a Lei Orgânica da Assistência

Social (LOAS), a PNAS reforça e esclarece as especificidades das ações socioassistenciais

brasileiras, que a partir de então, passam a contar com regulamentações articuladas no que se

refere às responsabilidades do Governo Federal e das demais secretarias estaduais e municipais.

Sua prerrogativa reafirma as diretrizes de ampliação dos diretos civis e coletivos, observando a

política de assistência social como direito dos cidadãos e dever do Estado, e como parcela não

contributiva da Política de Seguridade Social, ao lado da Saúde e da Previdência Social.

Nessa direção, a partir da PNAS e das demais normativas citadas, a política de

assistência social estará assentada na provisão dos mínimos sociais para aqueles que dela

necessitam, em uma visão capaz de captar as diferenças, as circunstâncias e os requisitos sociais

circundantes do indivíduo e de sua família como fatores determinantes para sua proteção e

desenvolvimento (BRASIL, 2005). Esta análise corrobora com as apreensões realizadas até o

momento, enfatizando a importância de um processo constante de ressignificação desta política

no Brasil, supondo conhecer de fato as situações de riscos e as vulnerabilidades sociais, e uma

justa aplicação de recursos destinados a esse enfrentamento.

Financeiramente mantida por meio de um fundo público constituído através de recursos

arrecadados por toda a população (BOSCHETTI, et. al, 2008), a política de assistência social

brasileira é administrada de forma colaborativa entre a União, os Estados, o Distrito Federal e

os Municípios, sendo, os seus serviços, programas, projetos e benefícios oferecidos à população

diretamente ou através de convênios com organizações sem fins lucrativos.

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As ações socioassistenciais do SUAS respondem, portanto, às necessidades dos

indivíduos com laços de pertencimento frágeis ou violados, tendo como foco dos atendimentos,

o núcleo familiar (SOUZA FILHO et. al, 2012). Reforçando e seguindo os preceitos da LOAS,

essas intervenções são implantadas e organizadas a partir “da universalização do sistema com

fixação de níveis básicos; a descentralização político-administrativa com comando único; bem

como, a territorialização da rede de socioassistencial, através da oferta de serviços baseados na

proximidade das necessidades locais” (SOUZA FILHO et. al, 2012, p. 30).

A exemplo disso, temos as atividades promovidas pelos Centros de Referência de

Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referência Especializados de Assistência Social

(CREAS), cujo funcionamento é responsabilidade de cada esfera do governo, considerando as

informações qualificadas sobre a demanda de cada região (FERREIRA, 2011).

Nesses termos e dando continuidade ao percurso que propomos acerca da política de

assistência social no Brasil, adentramos ao lócus do nosso objeto de estudo, quais sejam: os

CRAS e os CREAS ligados a Secretaria de Trabalho e Assistência Social (SEMTAS) do

município de Natal/RN, enquanto instituições onde estão cotidianamente inseridos os

assistentes sociais, na condição de trabalhadores assalariados, responsáveis, junto a outros

profissionais, pelo planejamento, a coordenação e a execução dos serviços de proteção básica

e especializada da política de assistência social.

Reiteramos, por sua vez, as tensões desse trabalho no interior das estruturas do Estado,

componente do sistema capitalista, inscrita em uma dinâmica complexa e contraditória, em que

as condições de trabalho acompanham as tendências mundiais de flexibilização e precarização,

subalternizando também o atendimento das necessidades sociais dos cidadãos, ainda que sejam

esses, os requisitos fundamentais para a produção e reprodução do capital.

2.3 O ASSISTENTE SOCIAL ENQUANTO TRABALHADOR DA SEMTAS, DO

MUNICÍPIO DE NATAL/RN: REFLEXÕES SOBRE A GESTÃO DO TRABALHO

Vimos que as metamorfoses na configuração do papel do Estado e a relação que este

estabelece com a sociedade é resultado do tempo histórico que vivemos, na mesma medida em

que a gestão da força de trabalho também pode sofrer mudanças a depender das formas de

dominação do capital e dos processos de produção. Não descartamos a essência do capitalismo,

cuja finalidade é se apropriar do valor trabalho, contudo, consideramos distintas as maneiras de

gerenciar esse processo, ao longo da história.

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A este exemplo, temos o contexto vivenciado na era do binômio fordista/taylorista, com

destaque para a primeira metade do séc. XX, quando as inovações tecnológicas e

organizacionais idealizadas por Ford e Taylor, sinalizavam o corporativismo e a racionalização

dos processos de trabalho presentes na regulação do tempo e do ritmo em que se executavam

as atividades (HARVEY, 2000). Em contraste, após um importante momento de inflexão

histórica, delineado a partir da década de 1970, novas maneiras de gerir o trabalho ganharam

destaque, em decorrência de um quadro de crise no padrão econômico, político e social, da

época. Desta vez, sob um viés subjetivado, as teorias de gerenciamento e de organização do

trabalho passaram a subsidiar o sistema capitalista com maior diversidade nos padrões de

produção e consumo.

Harvey (2000) faz alusão ao decurso da reestruturação produtiva, também conhecida

como “acumulação flexível”, retratando as consequências para as formas de gestão do trabalho,

que a partir de então, seguem uma tendência mundial, aumentando a mobilidade dos

trabalhadores, a competição e o estreitamento das margens de lucro, fazendo com que uma

grande quantidade de mão de obra excedente impusesse regimes e contratos de trabalho mais

flexíveis e instáveis.

Conforme percebemos no item anterior, os rebatimentos da reestruturação produtiva

para a classe trabalhadora chegam ao Brasil de maneira tardia, acompanhando a sua introdução

no sistema capitalista, sobretudo, a partir dos anos 1990. Naquele momento foi possível

reconhecer a ampliação dos estudos na área de gestão de trabalho, através dos quais os moldes

racionais e burocratizados foram sendo reeditados por diferentes estratégias e abordagens na

maneira de lidar e de reconhecer as pessoas nas organizações (CHIAVENATO, 2004).

Esta é uma análise frequentemente aplicada aos modelos empresariais, sobre os quais

Chiavenato (2004) é conhecido por ter desenvolvido teorias voltadas à administração dos

negócios em variadas vertentes e abordagens, diferenciando-se, basicamente, entre aquelas as

associadas aos princípios clássicos – Fordista/Taylorista – e as que incorporam a ideia de gestão

e de desenvolvimento de pessoas, em que os funcionários são agregados à instituição

empregadora, por meio de uma interface mais humana, de monitoramento, avaliação e

recompensa.

Nesse sentido, salientamos a heterogeneidade presente nos processos históricos,

econômicos e sociais, também no que se refere às tendências de gestão da força de trabalho,

uma vez que a essência de suas características não se esgota, necessariamente, a um período

específico, nem tão pouco a natureza de uma instituição. Ao contrário, sabemos, por exemplo,

que o Brasil experimentou, de maneira gradativa, nos termos da reestruturação produtiva,

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evoluções na legislação das políticas sociais, na mesma medida em que sentia os impactos de

uma cultura de ajuste neoliberal.

Basicamente, observa-se junto a transformação do perfil industrial e fabril, algumas

conquistas no campo das políticas públicas socioassistenciais, no que tange aos avanços na

perspectiva da garantia do direito, porém, atrelados ao acirramento de novas formas de

exploração do trabalho, com viés progressivamente desprotegido, podendo ser agora,

domiciliares, informais ou em tempo parcial, bem como as suas remunerações, cada vez mais

flutuantes ou assentadas em índices de produtividade.

Quanto a responsabilização dos entes estatais, estes se destacam pelo descompromisso

com as suas funções, verificando-se também, no interior da administração pública, a expansão

do trabalho precarizado, parcial, temporário e terceirizado (ANTUNES; ALVES, 2004). Este é

um traço marcante na gestão do Estado brasileiro, que acompanhado por orientações

mercadológicas, tem realizado, no decorrer de sua história, ações híbridas, decorrentes de

aspectos técnico-burocráticos e democrático-participativos (GONÇALVES; KAUCHAKJE;

MOREIRA, 2015).

No que compete a discussão sobre o nosso objeto de estudo, nos aproximamos com

maior atenção de algumas particularidades relativas a política de assistência social, no

município de Natal/RN, acreditando, deste modo, na interdependência existente entre as formas

de gestão do trabalho e as condições proporcionadas aos servidores municipais vinculados à

Prefeitura.

Ainda que particularizada por aspectos regionais e culturais, não foge à SEMTAS,

enquanto ente gestor municipal, a responsabilidade de cofinanciar e aprimorar o andamento da

gestão dos serviços, programas e projetos de assistência social, no município (BRASIL, 1993),

cabendo a ela também, a adequação das relações e condições de trabalho dos seus servidores às

diretrizes nacionais para a gestão do trabalho no SUAS.

Atualmente, essas diretrizes podem ser encontradas na Norma Operacional Básica de

Recursos Humanos (NOB/RH), publicada em 2006, com base na:

a) garantia - e desprecarização - dos vínculos dos trabalhadores do SUAS e o

fim da terceirização; b) garantia a educação permanente dos trabalhadores; c)

realização de planejamento estratégico; d) garantia a gestão participativa com

controle social, e e) a integração e alimentação do sistema de informação

(BRASIL, 2006, p. 16).

Além desses princípios, a NOB/RH/SUAS também se vincula a gestão do trabalho

enquanto questão estratégica e política, com vistas a qualificação e a valorização dos

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trabalhadores, sendo para tanto, imperioso o caráter público das ações socioassistenciais, bem

como a existência de servidores públicos responsáveis por essa execução (BRASIL, 2006).

Dessa maneira, a realização de concursos públicos, a implementação de uma Política Nacional

de Capacitação e a existência de um Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS) para os

servidores, são elementos basilares ao tratar desta temática.

Por conseguinte, de acordo com o regimento interno da Secretaria Municipal de

Trabalho e Assistencial Social (SEMTAS), enquanto órgão pertencente a administração pública

municipal da cidade do Natal/RN, seu dever é coordenar, executar, acompanhar e avaliar a

Política Municipal de Assistência Social, em consonância com as diretrizes do Sistema Único

de Assistência Social (SUAS) e da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) (NATAL,

2010a). Quanto a sua atuação, esta precisa ser direcionada à implementação das inovações

contidas nesses documentos, voltando-se à promoção e a profissionalização dos seus servidores,

à responsabilização do Estado como principal gestor de políticas públicas, além da

ressignificação das ações socioassistenciais, historicamente marcadas, no Brasil, pelo

improviso e pelo favor (MOTA, 2008).

Com apoio do Plano Municipal de Assistência Social da cidade do Natal/RN (NATAL,

2015), correspondente ao biênio 2014-2015, e no que tange o ordenamento do SUAS,

compreendemos esta, como uma cidade de grande porte, com população de aproximadamente

803.739 mil habitantes32 estando distribuída em 36 bairros que formam as suas quatro regiões

administrativas: norte, sul, leste e oeste.

Não isentos dos conflitos e das contradições existentes nas grandes cidades do Brasil,

os habitantes de Natal também vivenciam em suas dinâmicas econômica e geográfica, as

expressões da questão social presentes nos processos de desigualdades, vulnerabilidades e

riscos sociais, distribuídos entre as diferentes regiões da cidade, onde a política de assistência

social é executada com base nas características, demandas e/ou necessidades sociais específicas

de seus moradores.

Este é um encaminhamento que acompanha as diretrizes da PNAS, quando ao

hierarquizar as modalidades de proteção social, entre básica e especial, de média e alta

complexidade, também observa a disposição da rede socioassistencial, fundamentada no

território onde serão instalados os aparelhos institucionais, bem como na perspectiva de

diversidade, complexidade, financiamento e cobertura do número potencial de usuários que

deles possam necessitar (BRASIL, 2005).

32 De acordo com site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população estimada para o

município de Natal em 2016, era de 877. 662 mil habitantes (IBGE, 2016).

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Enquanto a proteção social básica “tem como objetivo, prevenir as situações de risco,

por meio do desenvolvimento de potencialidades, aquisições e o fortalecimento de vínculos

familiares e comunitários” (BRASIL, 2005, p. 92), a proteção social especial prevê a atenção

às famílias e aos indivíduos que já se encontram em “situação de risco pessoal e social, por

ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias

psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho

infantil, entre outras” (Idem)33.

Ambas, a partir desta compreensão, são implementadas pelos municípios, através das

unidades de CRAS e CREAS, como um lócus da gestão da política de assistência social para a

proteção básica e especial de média complexidade, ficando assim, responsáveis pela execução,

coordenação e organização dos serviços socioassistenciais. Os determinantes sobre a

implementação dos referidos Centros podem ser encontrados tanto na PNAS quanto nas

Normas Operacionais Básicas do SUAS (NOB/SUAS e NOB/RH), que além de outros

aspectos, orientam sobre a composição das equipes de referência, os serviços e as atenções

prestadas, o espaço físico e a infraestrutura, como também a incorporação da abordagem

territorial.

Natal/RN se encaixa, portanto, no perfil de cidade de grande porte (BRASIL, 2005), em

gestão plena dos serviços socioassistenciais34, com população inferior a 900.000 habitantes,

onde, para cada 5.000 famílias referenciadas, deve existir um CRAS destinado ao atendimento

de 1.000 famílias/ano, com uma equipe de referência composta por um coordenador, quatro

técnicos de nível médio e quatro técnicos de nível superior, sendo dois assistentes sociais, um

psicólogo e um outro profissional para compor o SUAS (BRASIL, 2006).

Na mesma direção, encontram-se os CREAS, que ao se direcionarem às famílias e aos

indivíduos com direitos violados, não possuem uma meta específica de atendimento, tendo em

vista a imprevisibilidade de tais situações, contudo, devem funcionar com uma capacidade de

33 Conforme a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais do SUAS (BRASIL, 2009a), as proteções

afiançadas pela política de assistência social brasileira estão divididas em proteção social básica, destinadas a

prevenção das situações de risco; e proteção social especial, contempladas pela proteção social especial de média

complexidade e de alta complexidade, de caráter protetivo. Com vistas ao nosso objeto de estudo, iremos nos

remeter com maior frequência às proteções sociais básica e especial de média complexidade, já que são estas, as

oferecidas, no âmbito público estatal, pelos as unidades de CRAS e CREAS, respetivamente. Em contrapartida, a

proteção especial de alta complexidade, segundo a PNAS, é aquela que garante a proteção integral, com direito à

moradia, alimentação, higienização e trabalho protegido às famílias e aos indivíduos que se encontram sem

referência sociofamiliar e/ou em situação de ameaça (BRASIL, 2005). 34 De acordo com a NOB/SUAS, os municípios comportam três níveis de gestão possíveis: a inicial, a básica e a

plena. Para cada modalidade de gestão, são estabelecidos requisitos, responsabilidades e incentivos, que variam a

depender do porte de cada cidade, da existência e manutenção de órgãos de controle social e a alocação de recursos

financeiros que propiciem o compromisso de cofinanciamento da política de assistência social (BRASIL, 2012a).

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no mínimo 50 e no máximo 80 casos em atendimento e com uma equipe que também varia de

acordo com o nível de gestão de cada município (BRASIL, 2006).

Esta equipe, em um município como Natal, precisa contar com um coordenador e com

a presença multidisciplinar de profissionais, de nível médio e superior, entre os quais, estão:

dois assistentes sociais, dois psicólogos, um advogado e quatro profissionais auxiliares

administrativos e especialistas em abordagem (de nível superior ou médio), que assim como

nos CRAS, deverão ser concursados e com experiência em trabalhos comunitários e

socioassistenciais (Idem).

Os atendimentos oferecidos pelos CRAS e CREAS, bem como as suas equipes de

referência, devem acompanhar, assim, um padrão baseado na abordagem territorial e na

matricialidade sociofamiliar – sem desconsiderar a família como um espaço contraditório35 –,

em que os programas, projetos e serviços de apoio e fortalecimento às famílias são organizados

através dos Centros e das equipes de Referência em Assistência Social, responsáveis por intervir

junto a um determinado número de usuários.

O princípio da territorialização, a partir da lógica da proximidade com o usuário,

acompanha a noção de vigilância socioassistencial encontrada na NOB/SUAS, atualizada em

2012, conceituando esta modalidade a partir das situações de precarização e de agravamento

das vulnerabilidades que afetam os territórios e os cidadãos, pondo em risco a sua

sobrevivência, dignidade, autonomia e socialização (BRASIL, 2012a).

Além disso, compreende-se a realidade específica das famílias e das condições

concretas do lugar onde elas vivem, como uma novidade dos recentes marcos regulatórios,

redimensionando a presença e as necessidades da família no âmbito da política de assistência

social, como ótica central para a garantia dos direitos (COUTO; YAZBEK; RAICHELIS,

2014).

No que se refere aos Programas e aos Serviços, a Lei Orgânica da Assistência Social

(LOAS) dá o suporte teórico e organizacional para os atendimentos de usuários com diferentes

faixas etárias e condições de vida, estabelecendo através de três categorias fundamentais: o

Programa de Atendimento Integral à Família (PAIF), o Serviço de Proteção e Atendimento

35 Couto, Yazbek e Raichelis (2014) discutem a matricialidade familiar incorporada às políticas sociais brasileiras

como um ponto positivo, tendo em vista a superação da análise pessoal atribuída apenas ao indivíduo, contudo,

especificam outras percepções que acompanham essa perspectiva, podendo comprometer as abordagens de

atendimento. Com base na análise das autoras, é importante verificar as famílias: como arranjos familiares

diversos, por conseguinte, improváveis de serem “encaixados” em modelos de intervenção; e como grupo afetivo

básico, que também precisa dispor de proteção e de condições essenciais para a sua reprodução, afim de que seja

capaz de oferecer possibilidades de desenvolvimento aos sujeitos que as compõem.

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Especializado a Família e aos Indivíduos (PAEFI) e o Programa de Erradicação do Trabalho

Infantil (PETI).

A partir desta predisposição, o PAIF estará associado exclusivamente aos Centros de

Referência de Assistência Social (CRAS), caracterizando-se como serviços voltados para a

prevenção dos rompimentos dos vínculos familiares e da violência no âmbito dessas relações,

enquanto o PETI e o PAEFI serão integrados à proteção social especial. Este será destinado às

famílias e aos indivíduos com ameaça ou direitos violados, e aquele, como um programa de

caráter intersetorial, articulado pelos entes federados, com o apoio da sociedade civil, a fim de

contribuir para a retirada de crianças e de adolescentes com idade inferior a 16 anos, da situação

de trabalho, ressalvada a condição de aprendiz, a partir dos 14 anos (BRASIL, 1993).

No que tange a realidade de Natal/RN, durante o andamento do nosso trabalho, podemos

constatar que a instalação dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e dos

Centros de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS) do município,

acompanham as orientações presentes nos instrumentos normativos do SUAS, estando

distribuídos quantitativamente entre as quatro regiões administrativas da cidade, obedecendo,

portanto, a abordagem de territorialidade e de matricialidade familiar, baseada em aspectos

específicos da realidade social.

Quanto à disposição dos CRAS e CREAS (sendo 11 CRAS e 4 CREAS), estes totalizam

15 unidades de atendimento distribuídas pelas regiões citadas, com mais ou menos Centros, a

depender da dimensão da área de abrangência, do número de famílias referenciadas e do que

tem sido considerado pela gestão da SEMTAS como territórios de maiores ou menores índices

de vulnerabilidade e riscos sociais36.

A percepção da Secretaria sobre esta questão, também é possível de ser encontrada no

Plano Municipal de Assistência Social correspondente ao biênio 2014-2015, onde as regiões

norte e oeste da cidade aparecem como as mais populosas, apresentando cada uma, 303.543 e

218.405 habitantes, respetivamente37; além de marcos relevantes sobre a presença do maior

número de crianças e adolescentes, a maior concentração de pobreza e o acesso precário aos

mecanismos de proteção social.

36 Ao longo da pesquisa, consultamos documentos oficiais publicados pela Prefeitura Municipal de Natal, acerca

da Política de Assistência Social, porém não localizamos nenhuma referência mais específica sobre como são

depreendidos os níveis de vulnerabilidade em Natal. De acordo com Natal (2015), estes são baseados em estudos

realizados a nível nacional, pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o Instituto Nacional

de Geografia e Estatística (IBGE), o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, entre outros. 37 A Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (SEMURB) possui dados atualizados sobre a evolução

demográfica nos bairros de Natal, demonstrando, com referência ao ano de 2016, a região norte e oeste, ainda

como as mais populosas de cidade de Natal, porém, com 354.901 e 233.532 mil habitantes, cada uma (NATAL,

2016a).

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Ainda conforme o Plano e com apoio dos dados do Censo 2010, do IBGE, são nas

regiões norte e oeste da cidade do Natal, onde apresentam-se a maioria dos aglomerados

subnormais de habitação na forma de assentamentos irregulares, favelas, invasões, baixadas e

comunidades; representado 30, das 41 unidades habitacionais identificadas com este perfil, em

todo o município (IBGE, 2010 apud NATAL, 2015). Esses números são seguidos pela taxa de

rendimento das pessoas que moram nesses lugares, chegando a até 01 salário mínimo, para 79%

daquela população (NATAL, 2015).

Em contraste, as regiões leste e sul revelam-se como as menos populosas, com índices

de habitantes inferiores a 200 mil cada uma38, e com as menores quantidades de unidades

habitacionais distribuídas de maneira desordenada, evidenciando-se, como um território de

menor incidência de condições de vida periféricas e/ou precarizadas.

Para vias da nossa análise, este é um panorama que nos permite compreender melhor o

ordenamento dos CRAS e CREAS em Natal/RN, contudo, não nos isenta da responsabilidade

de analisar aspectos da realidade, que mesmo em sua forma generalizada, tem atingido a classe

trabalhadora de maneira particular, bem como as suas condições de vida, em uma dinâmica

contraditória que ultrapassa as aparências.

Em Natal/RN, por exemplo, a cobertura da rede de serviços socioassistenciais

correspondentes a proteção básica e especial de média complexidade, está organizada;

conforme o Quadro 1, no qual a disposição dos CRAS e CREAS no município, bem como o

bairro onde está localizando, tem obedecido a priorização das regiões de maior vulnerabilidade

social, no entanto, no que tange as áreas de abrangência, mediante aspectos relativos a gestão

do trabalho no SUAS, é possível que existam rebatimentos desfavoráveis ao exercício

profissional do assistente social.

38 Dados Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (SEMURB) da cidade do Natal com referência ao

ano de 2016, também indicam os índices demográficos das regiões sul e leste mais atualizados, sendo habitadas,

respectivamente, por 174.516 e 114.709 mil moradores (NATAL, 2016a).

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Quadro 1: Serviços socioassistenciais do Natal/RN com base no nível de proteção social

Proteção Social Básica e Especial de Média

Complexidade

Área de abrangência em

hectare (ha)

CRAS CREAS Região Norte

CRAS África – bairro

Redinha.

CREAS Norte –

bairro Redinha 5.888, 50

CRAS Nossa Sra. da

Apresentação – bairro

Nossa Senhora da

Apresentação.

CRAS Pajuçara – bairro

Pajuçara.

CRAS SALINAS – bairro

Potengi.

CRAS Lagoa Azul – bairro

Gramoré.

CRAS Guarapes – bairro

Guarapes

CREAS Oeste – bairro

Nazaré

Região Oeste

CRAS Planalto – bairro

Planalto. 3.575, 99 CRAS Felipe Camarão-

bairro Felipe Camarão.

CRAS Mãe Luiza-bairro

Mãe Luiza. CREAS Leste – bairro

Petrópolis

Região Leste

CRAS Passo da Pátria –

bairro Barro Vermelho 1.614, 76

CRAS Ponta Negra – bairro

de Ponta Negra

CREAS Sul – bairro de

Ponta Negra

Região Sul

4. 570, 11

Fonte: Elaborado pela autora, com base em Natal (2015) e Natal (2016a).

O Quadro 1 nos alerta para as possíveis incompatibilidades existentes entre a

quantidade de unidades de CRAS e CREAS no município de Natal/RN em contrapartida à sua

área de abrangência, observando-se, por exemplo, a condição da região sul, que mesmo não

sendo considerada uma das áreas mais populosas da cidade, nem tão pouco aquela com índice

de vulnerabilidade social mais elevado (NATAL, 2015), é a segunda maior região em dimensão

territorial e dispõe apenas de dois aparelhos institucionais, um destinado à proteção social

básica e outro à proteção especial de média complexidade.

Ora, se em Natal/RN, a região sul, onde os níveis de vulnerabilidade social são

considerados pela SEMTAS como inferiores aqueles encontrados na região norte da cidade,

nos perguntamos porque a equipe de referência do CRAS e CREAS dessa região possui a

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mesma quantidade de assistentes sociais existentes nas unidades da região norte, maior em área

de abrangência e em nível de vulnerabilidade?

Sabemos que a ideia das equipes de referência no SUAS, é resultado de uma

padronização, em que cada unidade socioassistencial é organizada de acordo com as

características e os objetivos adequados aos serviços que realizam, à realidade do território em

que atuam e aos recursos que dispõem (FERREIRA, 2011). Por outro lado, acreditamos que a

real apreensão sobre as especificidades de um território requer análises mais amplas,

direcionadas ao cotidiano daqueles que planejam e executam as ações desta política, bem como

dos usuários que dela necessitam; acreditando que essas são questões pertinentes ao modo como

a assistência social tem sido administrada no Brasil, podendo surtir efeitos particulares à gestão

do trabalho em diferentes municípios.

Com base nesse pano de fundo estrutura-se a nossa discussão sobre a gestão do trabalho

no SUAS, como parte de sua agenda político-institucional e tendo como referência a realidade

encontrada no município de Natal/RN. Através da LOAS, da PNAS e das demais Normas

Operacionais Básicas do SUAS, o lugar da assistência social ocupa um novo espaço na

democratização do Estado e da sociedade, exigindo destes, o constante aprimoramento das

responsabilidades de gestão e o adensamento ético e técnico, oferecido ao trabalho operado na

rede socioassistencial (SILVEIRA, 2011).

Nos termos da LOAS, é objetivo do SUAS e competência dos municípios, enquanto

ente descentralizado e participativo, implementar a gestão do trabalho e a educação permanente

dos seus funcionários, de acordo com a determinação incluída na LOAS, pela Lei nº 12.435, de

6 de jul. 2011, a qual incorpora os avanços estruturantes do Sistema, transitando de pacto

político, para definição legal, e ampliando, deste modo, a noção de direito39 (BRASIL, 2011a).

Conforme Silveira (2011), esta determinação reitera a responsabilidade dos gestores

municipais para o comprometimento com a agenda da gestão do trabalho no SUAS, por meio

de medidas voltadas à desprecarização dos vínculos; à implantação de mesas de negociação nas

três esferas de governo; o incentivo à gestão participativa com a qualificação dos serviços e dos

39 A Lei nº 12.435/2011 é uma recente publicação incluída na LOAS (Lei nº 8.742/1993) institucionalizando a

assistência social como uma política de Estado voltada para o enfrentamento da pobreza. Nessa perspectiva, o

plano jurídico-legal sofre algumas redefinições com vistas ao reconhecimento das categorias profissionais como

trabalhadores do SUAS, detentores de conhecimentos, habilidades e estratégias específicas (CARVALHO;

SILVEIRA, 2011). Além disso, a Lei nº 12.435/2011 apresenta um dispositivo estratégico para o avanço no

cumprimento da NOB/RH, facultando a possibilidade de repasse fundo a fundo de recursos do Fundo Nacional de

Assistência Social para a contratação de trabalhadores da assistência social pelos estados e municípios brasileiros,

desde que concursados e efetivados como servidores públicos (RAICHELIS, 2011a).

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profissionais; além da implantação e adequação de Planos de Carreira, Cargos e Salários

(PCCS) para os servidores.

A exemplo do município de Natal/RN, é possível encontrar as deliberações da Secretaria

de Trabalho e Assistência Social (SEMTAS) acerca deste tema, no Plano Municipal de

Assistência Social, biênio 2014-2015, onde elencou-se as medidas assumidas pelo município,

estando entre elas: a realização de um concurso público; a criação e a implantação da carreira

na área da assistência social; o desenvolvimento de uma Política de Educação Permanente; a

garantia de recursos financeiros e orçamentários para este custeio; e o estabelecimento de uma

mesa de negociação, com composição paritária entre os gestores e os trabalhadores do setor

público e privado, na área da assistência social (NATAL, 2015).

É pertinente, então, realizar as devidas mediações que envolvem o desvendamento da

realidade apresentada pelos assistentes sociais entrevistados nesta pesquisa, sabendo que são

muitas as correlações de forças existentes entre o concreto vivenciado pelos profissionais

inseridos nos CRAS e CREAS do município de Natal, e o ideal estabelecido nas leis que regem

a política de assistência social no Brasil. Conforme Moraes e Martinelli (2012), é

particularidade própria do Serviço Social buscar compreender o espaço de intervenção

profissional como um campo de mediações onde se estruturam as determinações histórico

sociais, resultantes de complexas inter-relações e expressões da questão social.

Nesse seguimento, ainda que estejam claros a concepção e o significado da gestão do

trabalho nos moldes do SUAS, e a SEMTAS, do município de Natal/RN, afirme ter

conhecimento acerca das diretrizes e recomendações instituídas por esse Sistema; relatos como

os das assistentes sociais Nísia Floresta e Zilda Arns, evidenciam ainda uma política de gestão

do trabalho distante do que tem sido estabelecido em lei. A este respeito, Nísia Floresta (2017),

relata:

Eu vou dizer que o primeiro desafio é a questão da valorização dos

trabalhadores do SUAS, né? A gente ainda é muito desvalorizado. E isso me

deixa chocada, porque eu quando estava de fora, achava que não era assim, e

dentro a gente percebe que a gestão dos recursos humanos na assistência não

é legal. Em nenhum sentido. Não falo só do salário, eu falo da valorização

mesmo dos profissionais (NÍSIA FLORESTA, 2017).

Em consonância, Zilda Arns (2017) também demonstra insatisfação destacando:

Então eu acho que a gente é super desvalorizado, mesmo com a NOB e mesmo

com essa discussão muito grande que a gente tem da carreira no SUAS

(ZILDA ARNS, 2016).

Dados da Pesquisa sobre as Informações Básicas Municipais (IBGE, 2013) –

Suplemento da Assistência Social – dão conta de um contingente de 244.691 trabalhadores

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atuantes na política de assistência social, distribuídos por todo país, sendo a região nordeste, a

maior em representatividade, com um percentual de 37,3% de profissionais. Em contraponto,

no que tange aos vínculos empregatícios, temos um quadro que demonstra “o maior percentual

de servidores estatutários observado na Região Sul, com 58,9%, vindo, a seguir, pelas Regiões

Centro-Oeste, com 47,1%; Sudeste, com 41,1%; Norte, com 36,8%; e a Nordeste, com 24,0%”

(IBGE, 2013, p. 45).

Notamos que, embora seja a região nordeste, a primeira do conjunto quantitativo dos

trabalhadores da política de assistência social no Brasil, na linha dos servidores estatutários40,

esta ainda se apresenta em último lugar, mesmo que o ingresso da maioria dos profissionais

vinculados à política da assistência social no país aconteça por meio dos concursos,

representando 37,2% do total dos trabalhadores desta área, segundo dados do IBGE (2013).

A contar pela pesquisa mencionada e conforme já pontuamos anteriormente, nos parece

que o atual contexto da política de assistência social do município de Natal/RN, reporta a uma

conjuntura atual e histórica, se considerarmos que o primeiro concurso destinado ao quadro de

servidores efetivos da SEMTAS, criada em 2010 (NATAL, 2010a), foi realizado tão somente

no ano de 2016. Com efeito, podemos inferir a continuidade, durante muito tempo, de uma

tendência vivenciada em todo o nordeste brasileiro, em que a venda da força de trabalho tem

obedecido também a um controle hierárquico, capaz de mercantilizar e subordinar ainda mais

as relações de trabalho às práticas clientelistas e patrimoniais (SILVA; FAÉ; ANTUNES,

2008).

No que se refere ao mercado de trabalho e às condições destinadas ao exercício

profissional dos assistentes sociais, neste campo, verifica-se que apesar da esfera pública ter

sido o local onde o assistente social adquiriu uma maior autonomia profissional, através dos

vínculos empregatícios mais estáveis, pela via do concurso público, muitas tem sido as

mudanças ocorridas na atual conjuntura, em razão do acirramento das “contrarreformas” neste

setor. Na medida em que presenciamos a instauração de serviços mais restritos e com menor

qualidade, a implantação de modelos de gestão mais austeros, com vistas ao controle de

despesas, a redução dos investimentos e a estabilização dos salários (BOSCHETTI, 2016),

40 O regime estatutário é estabelecido pela Lei nº 8.112/1990, vinculando o profissional à administração pública

municipal, estadual e federal (BRASIL, 1990a). Entre outras garantias, o trabalhador sob o regime estatutário,

adquire o direito a férias, gratificações, licenças, adicionais, estabilidade e aposentadoria. O vínculo a partir da

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), condensa boa parte dessas caraterísticas, divergindo, entre outros

fatores, quanto a estabilidade. Este último regime, além da relação contratual entre particulares, pode ser aplicado

no caso de empresas públicas, fundações públicas com personalidade jurídica de direito privado e autarquias.

(RESENDE, 2012).

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certamente a luta pela realização de concursos públicos se une a outras demais, no horizonte da

defesa e da manutenção dos direitos sociais já conquistados.

Nos reportamos a realidade do município de Natal/RN, quando na ocasião do concurso

público destinado à SEMTAS, realizado em março de 2016, objetivou-se o preenchimento de

148 vagas ampliadas para o cargo de assistente social41. No entanto, deflagrou-se, em novembro

de 2016, uma paralisação entre os servidores municipais, com base em insatisfações que

ultrapassavam esta modalidade contratação, estendendo-se à luta pela valorização profissional

e pelo comprometimento da gestão municipal com a garantia dos direitos dos servidores

(SINSENAT, 2016).

Acreditamos que a pauta dos concursos públicos é central para o debate em torno da

gestão do trabalho no SUAS, por outro lado é apenas um dos eixos que nos permite refletir,

inclusive em Natal/RN, sobre questões relacionadas a precarização do trabalho assalariado, a

ausência de um Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS) destinado especificamente aos

profissionais do SUAS, a formação de mesas de negociação entre a gestão e os trabalhadores,

além de medidas que promovam a educação permanente dos profissionais.

A assistente social Zilda Arns (2016) corrobora com essa perspectiva quando percebe

os avanços alcançados por meio do concurso público realizado em Natal/RN, porém não ignora

as demais determinações existentes na NOB/RH do SUAS, salientando:

Então assim, a NOB é uma das coisas que são mais esquecidas. A NOB nova

coloca muito sobre a mesa de trabalho e de negociação, que ainda não é uma

realidade. Que seria o momento de os gestores escutarem os trabalhadores e

de ajudar nessa situação de valorização, mas, ainda não acontece. Então, a

NOB está aí, tem uma diversidade de coisas que ela traz, mas que eu não vejo

(ZILDA ARNS, 2016).

Nesse segmento, com base nas diretrizes da NOB/RH, as mesas de negociação

funcionam como um espaço de “negociação entre gestores e trabalhadores do SUAS, públicos

e privados, sobre todos os pontos pertinentes à gestão do trabalho, na perspectiva de contribuir

com o aprimoramento do Sistema e com a qualidade da oferta dos serviços socioassistenciais”

(CARMO; FERREIRA, 2011, p. 175).

Segundo as autoras, sua existência está prevista como uma das metas contidas na

Resolução nº 172, aprovada em setembro de 2007, pelo Conselho Nacional de Assistência

41 Trata-se do edital nº 001/2016, publicado pela Prefeitura municipal de Natal, em janeiro de 2016, com vistas ao

preenchimento de vagas para assistentes sociais que viriam a atuar nas unidades institucionais vinculadas à

SEMTAS. Na ocasião, o concurso destinou para esses profissionais, 148 vagas de ampla concorrência, 49 vagas

para pessoas com deficiência e 49 vagas para negros (NATAL, 2016b).

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Social (CNAS), em que a instalação desta mesa deve se efetivar por meio de uma portaria

expedida pelo gestor da assistência social, devendo o mesmo “designar uma estrutura,

coordenação e secretaria técnica-executiva para conduzir e acompanhar a pauta e a agenda das

negociações, com estrutura para gravação, desgravação, preparação de ata e resumo executivo

das reuniões” (CARMO; FERREIRA, 2011, p. 174).

O debate sobre a implantação das mesas de negociação caminha lado a lado com a

criação dos PCCS e com a compreensão sobre a valorização profissional, pois na medida em

que estes inexistem, tão pouco se concretizará a democratização das relações de trabalho e a

pactuação entre os sujeitos que atuam nesse sistema, enfraquecendo o que seriam as

características essenciais do SUAS.

Sabemos que no município de Natal/RN, embora a existência da SEMTAS reporte-se

ao ano de 2010 (NATAL, 2010a) e a realização do concurso público destinado ao quadro de

servidores da secretaria tenha acontecido apenas em 2016, está previsto como uma das

recomendações no Plano Municipal de Assistência Social, o estabelecimento de uma mesa de

negociação em caráter permanente (NATAL, 2015). Entretanto, o compromisso com a

instalação desta mesa foi assumido tão somente pela gestão municipal, após cerca de três meses

de paralisação dos servidores e como condição para a suspensão do movimento grevista

(SINSENAT, 2017a).

Esse é um elemento que remete a discussão sobre a gestão do trabalho, no âmbito da

administração pública do município de Natal/RN, pois na medida em que os servidores, mesmo

sob o vínculo estatuário, com a garantia da estabilidade do emprego, não são incentivados a

estabelecerem um diálogo com a gestão sobre os assuntos pertinentes a produção e a reprodução

do seu trabalho, dificilmente se sentirão valorizados e motivados para o exercício de suas

funções no decorrer do dia a dia.

A questão da valorização profissional perpassa o debate sobre as condições de trabalho

oferecidas aos profissionais inseridos nos CRAS e CREAS de Natal/RN, com destaque para os

assistentes sociais, tendo em vista que esta tem sido uma luta histórica do Serviço Social e das

suas entidades organizativas, na direção da defesa, do fortalecimento e da publicização da

profissão, juntamente com a capacitação técnica e política dos seus agentes (ABREU, 2013),

destinadas a qualidade dos serviços prestados e ao enfrentamento dos entraves institucionais.

No que se refere à política de assistência social, essa perspectiva se particulariza,

tratando-se de uma área conhecida pelo pragmatismo e pelas ações improvisadas, distantes

ainda das práticas que promovam o protagonismo dos seus usuários e o fortalecimento da

cultura democrática de acesso aos direitos (RAICHELIS, 2011a).

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Pois, muito embora, desde 2004, com a promulgação da PNAS, a política de assistência

social tenha se tornado mais evidente, espraiando-se via municipalização, junto a este novo

fenômeno surgiram desafios para o processo de nacionalização do direito e de consolidação dos

controles públicos e democráticos nas instâncias políticas do SUAS, reclamando avanços

institucionais e rearranjos na organização da gestão dos serviços, sobretudo, em aspectos

relativos a descentralização político-administrativa e a pactuação entre os entes federativos

(SILVEIRA, 2011).

De acordo com a autora, trata-se de questões que sinalizam para o real cumprimento das

responsabilidades assumidas coletivamente, pela União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios, no horizonte do aprimoramento dos princípios da gestão do trabalho no SUAS,

com a criação das mesas de negociação, dos PCCS, a adoção de mecanismos de regulação do

trabalho e do exercício profissional, bem como o incentivo aos princípios da educação

permanente, nacionalizados na abrangência e na relação com os Planos de Capacitação.

De outro modo, no decorrer da nossa pesquisa, observamos, a partir das entrevistas

realizadas com os assistentes sociais, que a gestão do trabalho parece acompanhar “uma frágil

capacidade de gestão dos entes federados, sobretudo nos municípios” (SILVEIRA, 2011, p. 20)

através de relatos que apontam para a ausência de PCCS para os profissionais do SUAS, a

defasagem nas correções salariais, além dos escassos investimentos e falta de apoio para a

continuidade do processo de formação dos servidores.

Tarsila do Amaral (2016) e Cora Coralina (2017) sintetizam alguns desses elementos

trazendo expressões que denunciam a insatisfação dos profissionais com o gerenciamento do

trabalho na SEMTAS, que entre outros aspectos, também associados a precarização do trabalho

e a desvalorização profissional, são condensados em um quadro de desmotivação profissional,

conforme podemos observar nas falas:

Você é um profissional que está numa unidade desenvolvendo o seu papel, aí

já passou por outras unidades, umas boas, outras ruins, outras com melhores

condições ao longo de uma carreia [...] você já tem um certo percurso e já

passou por outras funções e você vê que de repente você está dando uma

recaída no sentido da sua motivação porque veja, todo dia quando você vai

sair casa, você diz: 'será que vale a pena eu ir pra li? será que vale a pena eu

estar atendendo? Voltar praquilo ali?' (TARSILA DO AMARAL, 2016, grifo

nosso).

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Então assim, eu estou na SEMTAS faz nove anos; eu tenho um salário

extremamente defasado, apenas com o quinquênio42 que entrou já. Qualquer

direito, mesmo os previstos, você tem que requerer. É superburocrático.

Porque o quinquênio deveria ser automático, mas assim, tem todo um processo

de requerimento. Se é as férias é do mesmo jeito. O ano passado eu recebi em

outubro, as férias de janeiro. A gente também não tem nenhuma progressão

de tempo de serviço, que é previsto. É também previsto uma progressão

vertical também de acordo com titulação, né? Eu sou especialista, mas

também não tenho. Então, assim, não existe quase diferença salarial para mim,

que tenho nove anos, para alguém que entrou recentemente. Então, assim, é

absurdo, é desmotivante, mesmo assim o prefeito não dá a Data-base e está

pagando os salários atrasados (CORA CORALINA, 2017).

A assistente social refere-se, por exemplo, a defasagem da faixa salarial, que não tem

acompanhado as correções dos indicadores oficiais da inflação, a burocracia para a efetivação

de prerrogativas previstas nas leis trabalhistas municipais, bem como a inexistência de PCCS

destinados especialmente para os servidores do SUAS, como uma situação latente no

município, que desde 2006, conta apenas com a determinação presente na Lei nº 5710/2006,

referente ao Plano Geral de Cargos, Carreira e Remunerações destinado para todos os

servidores da câmara municipal do Natal/RN (NATAL, 2006a)

Essa normatização desconsidera, neste caso, a adequação funcional dos profissionais do

SUAS, condizente com a natureza do trabalho na política de assistência social, bem como as

particularidades do exercício profissional a depender dos territórios em que estão situados os

aparelhos institucionais (FERREIRA, 2011), nos fazendo perceber, que em relação as diretrizes

nacionais para a consolidação do trabalho no SUAS, o município de Natal/RN, certamente

ainda necessita avançar em alguns pontos, outrora já observados pela legislação.

Com base na NOB/RH, nos moldes de um instrumento de gestão e como produto do

compromisso solidário entre os entes federados (BRASIL, 2006), fica clara a importância da

implementação de um Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS) direcionado aos

trabalhadores do SUAS, que deverá ser instituído em cada esfera do governo, na administração

direta e indireta, a partir dos princípios: a) da universalidade, abrangendo todos os trabalhadores

do SUAS; b) da equivalência dos cargos e empregos, observando a formação e a qualificação

profissional, proporcional a carga horária e o nível de escolaridade; c) do concurso público

como forma de acesso à carreira; d) da mobilidade do trabalhador, garantindo o trânsito dos

trabalhadores do SUAS pelas diversas esferas do governo e e) da Educação Permanente, através

42 De acordo com o Art.10 da Lei complementar nº 119 de 03 de dezembro de 2010 (NATAL, 2010b), o quinquênio

trata-se de um adicional de tempo de serviço corresponde a 5% (cinco por cento) sobre o valor do vencimento

básico do servidor municipal, atribuído a cada cinco anos de efetivos serviços prestados.

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do atendimento às necessidades da formação e qualificação sistemática e continuada dos

trabalhadores do SUAS (BRASIL, 2006).

Acerca deste último aspecto, a compreensão da Educação Permanente aparece na

NOB/RH como um dos elementos centrais para a gestão do trabalho no SUAS, tendo como

item inerente, o estabelecimento de uma Política Nacional de Capacitação, que promova o

desenvolvimento dos trabalhadores, gestores e conselheiros, visando a qualificação dos

serviços socioassistenciais prestados, o exercício do controle social e o aprimoramento da

política pública (BRASIL, 2006), juntamente com a noção de valorização profissional.

Esse entendimento corrobora, por exemplo, com o defendido pelo Serviço Social, em

que a ideia de Educação Permanente surge acompanhada por um dos princípios fundamentais

do Código de Ética Profissional de 1993, em que o compromisso com a qualidade dos serviços

oferecidos à população e o aprimoramento intelectual do assistente social caminham na

perspectiva da competência profissional (BRASIL, 2012b)

O conjunto dos Conselhos Federal e Conselhos Regionais de Serviço Social (Conjunto

CFESS/CRESS) assinam, desse modo, a autoria de uma Política de Educação Permanente

destinada a todas as profissões e áreas do conhecimento, mas, em especial para os assistentes

sociais, em razão da centralidade da educação para a prática social de uma categoria que

confronta-se, cotidianamente, com uma complexa e dinâmica realidade social, de onde provém

o objeto do seu trabalho.

Diante das múltiplas expressões da questão social, o Conjunto CFESS/CRESS

compreende que apenas a “lapidação teórica e ético-política” (CFESS, 2012, p. 30) é capaz de

proporcionar ao assistente social o embasamento necessário acerca das relações sociais

reproduzidas no sistema capitalista e nos seus espaços de trabalho, constatando, assim, a

importância da continuidade do processo de formação profissional. Esse é um direcionamento

também presente nas diretrizes da Política Nacional de Capacitação para os trabalhadores do

SUAS, apresentando-se como um princípio estratégico para a gestão do trabalho, na busca pelo

aprimoramento da gestão e da qualidade dos serviços prestados aos usuários, através de medidas

que permitam a participação dos servidores em capacitações, produções teóricas e cursos de

qualificação, no horizonte da consolidação do direito socioassistencial (FERREIRA, 2011).

Nesse sentido, a Política de Educação Permanente reconhecida tanto pelo Conjunto

CFESS/CRESS, quanto pelos aparatos legais do SUAS, enquanto prerrogativa para o seu

funcionamento, tem divergido, sobremaneira, das tendências observadas nas expressões dos

assistentes sociais inseridos nos espaços de trabalho, correspondentes aos CRAS e CREAS do

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município de Natal/RN, onde a SEMTAS tem se destacado pela não promoção de mecanismos

destinados à capacitação continuada do seu quadro de profissionais.

Sobre este aspecto, salientamos a fala da assistente social Cora Coralina (2017),

demonstrando uma situação que caminha na contramão do que tem sido responsabilidade dos

gestores municipais, no que se refere a Educação Permanente dos trabalhadores do SUAS,

determinada pela NOB/RH:

Eu acho que o meu processo de formação e de qualificação continuada é muito

iniciativa minha. Se eu fui no CBAS43 é porque o máximo que eu consegui foi

não levar falta. Mas não existe incentivo. Aqui eu consegui só a liberação. Eu

acho que sempre que eu passo por um processo de formação, eu trago

contribuições para o meu trabalho. Então, assim, vai trazer algumas coisas

interessantes. Mas assim, na SEMTAS é assim: se eu for para uma capacitação

na saúde, 'ah, é da saúde'. Sempre vai ter essa separação [..] aqui a gente

participa de muita reunião sobre fluxo, mas, assim, são pinceladas. Vai dois

representantes, vai um. Nem todo mundo vai. Tem umas coisas assim, mas

não é formação (CORA CORALINA, 2017).

De acordo com a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos (NOB/RN) do

SUAS, a capacitação continuada dos profissionais do SUAS precisa ser realizada de forma: a)

sistemática e continuada, com a elaboração de planos anuais de capacitação; b) sustentável,

com a provisão de recursos financeiros; c) participativa, com a presença de diversos atores

envolvidos na execução, monitoramento e avaliação da política; d) nacionalizada e

descentralizada, respeitando as características geográficas e regionais; e avaliada e monitorada,

com suporte de um sistema informatizado e com a garantia do controle social (BRASIL, 2006).

Quando um profissional relata encontrar dificuldades para efetivar uma ação ou

atividade voltada para o seu aprimoramento profissional, mesmo que em uma área afim ao seu

trabalho, percebe-se ainda na gestão pública das políticas sociais brasileiras, no caso da

assistência social, resquícios de uma disputa entre o modelo de gestão democrática e o

“paradigma de gestão funcional-positivista”, que entende a política socioassistencial como um

conjunto de meras ações assistencialistas, subtraindo desta, os avanços jurídico-normativos já

conquistados (PAULA, 2010) e a necessidade de aprimoramento dos mecanismos de gestão,

bem como dos processos de continuidade na formação dos seus trabalhadores.

Cora Coralina (2017) nos aponta questões pertinentes e que parecem não se ajustarem

a NOB/RH/SUAS, em que a liberação e o incentivo dos técnicos para a participação de cursos

43 O Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) é um evento de natureza político-científica, realizado a

cada três anos, em diferentes regiões do país. O CBAS é voltado para estudantes e profissionais da área de Serviço

Social.

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e capacitações – nos quais acreditamos estar inseridos os congressos e seminários profissionais

– apresentam-se como um dos pontos fundantes da Política Nacional de Capacitação,

juntamente com a produção e a publicação de pesquisa; o estabelecimento de parcerias entre as

instituições de ensino e a gestão do sistema; e o favorecimento das trocas de experiência

(BRASIL, 2006).

Nota-se, a partir de elementos desta entrevista e com o suporte de toda a discussão

realizada até aqui, que o trabalho do assistente social, em meio a condições macrossocietárias

inerentes ao capitalismo e as subordinações sob moldes tecnicistas, vem consubstanciando-se

cada vez mais como uma atividade produtiva (CFESS, 2012) estranha e externa ao ato criativo

da humanidade (MARX, 2004).

Tal perspectiva é o oposto do que seria um “exercício profissional [...] sintonizado com

o seu tempo e comprometido com a defesa dos trabalhadores” (CFESS, 2012, p. 11), passando

a ser praticado de forma imediatista, com base em cursos sem qualidade, aligeirados ou voltados

para habilitação e domínio do instrumental, com ênfase em conteúdos técnicos ou

comportamentais, tendo em vista a conformação de um dado perfil profissional (GUERRA,

2011).

No âmbito do nosso objeto de estudo, acreditamos que a educação permanente

estabelecida pela NOB/RH e aquela defendida pelo Serviço Social, corroboram para o

aprofundamento da reflexão sobre a gestão do trabalho no município, considerando ser

improvável falar sobre condições de trabalho, sem que se toque na gestão da política de

assistência social com a qualidade dos serviços oferecidos aos usuários e consequentemente

com o aperfeiçoamento dos profissionais presentes na ponta dos atendimentos.

Nesse sentido, reiteramos os pontos pertinentes a discussão que propomos neste

capítulo, e no que tange a gestão do trabalho no SUAS, a necessária implementação das

determinações estabelecidas em lei, observando “o concurso público como mecanismo justo de

absorção do trabalhador brasileiro; a implementação das mesas de negociação nos três níveis

de governo; e a instituição dos Planos de Carreira, Cargos e Salários, permitindo maior

dignidade para os trabalhadores” (CARVALHO; SILVEIRA, 2011, p. 162); além disso, a

constituição de uma política de capacitação, com base no princípio da educação permanente,

incluindo o incentivo e a promoção de cursos de atualização, aperfeiçoamento, especialização

e mestrado (CARVALHO; SILVEIRA, 2011).

Acreditamos ser esta uma rede indissociável, perpassada por inúmeras questões, que

envolvem desde as contradições inerentes à relação entre o Trabalho e os interesses do capital,

passando até mesmo pela trajetória da política socioassistencial brasileira e o árduo processo

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de democratização do país, que apenas no início do séc. XXI, começa a apreciar a natureza do

trabalho realizado no SUAS, reconhecendo as necessidades específicas dessa categoria de

trabalhadores.

Consequentemente, para além dos avanços já conquistados – inclusive, no município de

Natal/RN, a exemplo do concurso destinado ao quadro de servidores da SEMTAS – muito

temos a refletir sobre as condições de trabalho dos assistentes sociais inscritos na política de

assistência social, colocando na “ordem do dia”, questões que reclamam a sua ressignificação

enquanto primazia estatal, e cuja responsabilidade, nos termos legais, ainda é oferecer serviços

de qualidade aos usuários e condições dignas de trabalho aos seus trabalhadores.

3. AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS ASSISTENTES SOCIAIS NOS CRAS E

CREAS DE NATAL/RN: IMPLICAÇÕES PARA O EXERCÍCIO PROFISSIONAL E A

SAÚDE DOS TRABALHADORES

Tendo em vista a análise realizada sobre as especificidades do trabalho na política de

assistência social, tendo em vista o movimento da literatura sobre as normativa, os documentos

técnicos e o conteúdo das entrevistas, observamos algumas particularidades de sua gestão, em

Natal/RN, este capítulo destaca os rebatimentos que as condições de trabalho têm suscitado

para o exercício profissional e para a saúde dos assistentes sociais, inseridos nos Centros de

Referência de Assistência Social (CRAS) e nos Centros de Referência Especializados de

Assistência Social (CREAS), do município.

Sem desconsiderar o nosso objeto de estudo em sua totalidade, a partir desse momento,

discutiremos alguns aspectos objetivos e subjetivos relacionados à infraestrutura técnica

disponibilizada nesses Centros e ao caráter das relações firmadas entre o órgão gestor da política

de assistência social e os trabalhadores, acreditando que esses elementos são produtos das

condições de trabalho e da forma como ele é gerido na sociedade capitalista.

Em um primeiro momento, trataremos, então, dos meios físicos e infraestruturais

disponibilizados pela Prefeitura do Natal/RN para o atendimento dos usuários e das demandas

que chegam a essas unidades, através dos quais, os assistentes sociais podem ter maiores ou

menores possibilidades para a realização qualificada do seu trabalho, a depender das condições

materiais oferecidas nos espaços institucionais e o comprometimento do poder público com o

êxito desta política.

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A este cenário soma-se o grau de investimento na gestão do trabalho no âmbito do

SUAS, segundo a perspectiva da valorização profissional e da defesa da saúde dos

trabalhadores, relacionando aspectos da qualidade de vida e das atividades desempenhadas

pelos servidores ao ambiente de trabalho e a forma como as relações hierárquicas se

estabelecem nele.

Dessa maneira, a discussão sobre as práticas de assédio moral e o adoecimento dos

trabalhadores, síntese do quadro de precarização do trabalho que se aprofunda sob a lógica do

capital, consubstanciam a debate sobre as condições de trabalho dos assistentes sociais inseridos

nos CRAS e CREAS de Natal/RN, configurando-se como um tema emergente a fim de que

sejam problematizadas as situações descritas durante as nossas entrevistas, e que têm afetado,

sobremaneira, o trabalho e saúde desses servidores.

3.1 INFRAESTRUTURA E GARANTIA DO SIGILO PROFISSIONAL: O QUE

PODEMOS DIZER SOBRE ISSO?

Ao tratar das investidas neoliberais no mundo do trabalho, através da flexibilização de

sua organização e gestão, incluindo a conformação de um Estado enxuto para as políticas e

serviços sociais públicos, compreendemos que tanto o trabalho, como a configuração das

medidas de proteção social, nesse contexto, tem sofrido consequências advindas dos moldes da

reestruturação produtiva e da financeirização do capital, a partir da reconfiguração da sociedade

capitalista.

No bojo das políticas macroeconômicas, desde a década de 1970, sobretudo, nos países

ditos em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, recomendações dos organismos

multilaterais, a exemplo do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BM)

passam a reeditar os processos de financeirização da economia, em que o favorecimento da

injeção de capital externo nesses países será condicionado a um processo de endividamento

crônico e inevitável, tornando vulneráveis os seus aparatos estatais e os seus determinantes

financeiros (HARVEY, 2005).

Tem-se que as transformações organizacionais nos processos de trabalho e nos sistemas

de atendimento às necessidades humanas, no cenário onde o Estado se estrutura, serão

subordinados a forças resultantes da lógica de acumulação capitalista, as quais devem preservar

as diferenças nas trocas imperialistas em favor das classes e das economias dominantes

(HARVEY, 2005), projetando-se, em contrapartida, “uma política de responsabilidade fiscal

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(construída à custa do endividamento de muitas nações), bem como uma massiva veiculação de

valores éticos, ideológicos e culturais em que o trabalho parece impelido (e atraído) a uma

conciliação geral com o capital” (VALLE; LEITE, 2015, p. 163).

O Estado, nessa circunstância, potencializa através do orçamento público, o capital em

detrimento ao trabalho e aos recursos destinados às políticas de Seguridade Social, situando a

estrutura fiscal e tributária, no caso brasileiro, em prol de uma macroeconomia, tensionando as

mais diversas categorias profissionais e ocasionando a precarização e a intensificação do labor

também nas instituições públicas, mediadoras de direitos sociais (VALLE; LEITE, 2015).

No cerne do nosso objeto de estudo, o assistente social, trabalhador assalariado inscrito

na divisão sociotécnica do trabalho, em contato direto com as expressões da questão social,

vivencia cotidianamente essas tensões entre os interesses dos seus empregadores e o significado

social do seu trabalho, verificando, diante da conjuntura neoliberal, no âmbito da administração

pública, a “ampla retração dos recursos institucionais para acionar a defesa dos direitos e os

meios de acessá-lo” (IAMAMOTO, 2015, p. 233), dimensionando as condições de seu trabalho

às condições de assalariamento.

Ao nos referirmos, portanto, as condições de trabalho neste item, observamos os

determinantes postos aos assistentes sociais, na posição de trabalhador assalariando, sobre a

qual incidem as contradições sociais e os limites de sua autonomia profissional, subordinada às

normas de regulação do trabalho coletivo – seja ele no campo público ou privado – onde o

oferecimento dos recursos materiais, financeiros, humanos e técnicos indispensáveis à

realização das atividades tem sido responsabilidade do empregador.

No capítulo anterior trouxemos alguns elementos correspondentes a maneira como o

trabalho do assistente social vem sendo gerenciado pela Secretaria Municipal de Trabalho e

Assistência Social de Natal/RN (SEMTAS), abordando questões sobre as diretrizes gerais para

a gestão do trabalho no SUAS, onde mesmo sendo o assistente social, funcionário público,

permanece em sua condição assalariada, deparando-se no dia a dia, com “dois fenômenos

próprios da atual fase da reestruturação produtiva capitalista: a precarização do trabalho e a

retração das propostas universalistas de proteção social” (SILVA, et. al., 2010, p. 169).

Como trabalhador chamado a atuar nas refrações da questão social, com a viabilização

e implementação de direitos, o assistente social percebe de maneira singular as investidas

neoliberais nos processos do seu trabalho, consequente das novas configurações entre a relação

Estado/sociedade com base na restrição de gastos, no incentivo a lógica individualista e na

ideologização de concepções voluntaristas e imediatas voltadas ao bem comum.

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Dessa maneira, e diretamente associados a operacionalização e a execução de políticas

sociais, a inserção dos assistentes sociais no mercado de trabalho, assim como as demais

categorias profissionais com este perfil, acontece de forma desvalorizada, fazendo com que os

seus salários, as condições objetivas do seu trabalho e as oportunidades de emprego sejam

consideravelmente reduzidos, em consequência da minimização do Estado e da redução dos

custos com os programas sociais e com as ações na política de assistência social.

Sob essa perspectiva, redirecionamos a nossa discussão acerca das condições de

trabalho dos assistentes sociais inseridos nos Centros de Referência de Assistência Social

(CRAS e CREAS) de Natal/RN, acreditando que os serviços oferecidos pelo Estado através

desses aparelhos institucionais, em termos de recursos humanos e materiais, tem muito a nos

dizer sobre as características em que estão assentadas a política de assistência social no Brasil,

mesmo após o marco político-legal estabelecido a partir da década de 1990 (PAIVA, 2006).

Em vista disso, no momento em que nos reportamos às questões relativas à infraestrutura

técnica e ao sigilo profissional pertinente às unidades que compõem o SUAS, também nos

voltamos ao compromisso ético e político dos entes federados com a qualidade dos serviços

prestados à comunidade e com o próprio planejamento do trabalho.

Nossa discussão, dessa forma, converge aspectos estruturais e humanos, acerca da

gestão da política de assistência social no município citado, destinadas a qualidade dos serviços

fornecidos aos usuários e ao oferecimento de condições adequadas de trabalho aos profissionais

inscritos nesta política, afirmando que estes não são elementos isolados, mas complementam-

se na busca pelo comprometimento do Estado e pela materialização dos avanços teóricos e

jurídico-normativos já conquistados neste campo.

Quando nos detemos, por exemplo, a questão infraestrutural dos projetos aplicados aos

CRAS e CREAS distribuídos pelo país, é possível ter como referência todo um corpo de

legislações que regulamentam o SUAS, entre elas as Normas Operacionais Básicas e outros

estudos como o de Castro (2009), no qual, a melhoria da infraestrutura física dos Centros de

Referência de Assistência Social caminha lado a lado com o aprimoramento dos serviços e com

as condições de trabalho designadas aos profissionais nessas unidades.

Na medida em que a estrutura física no âmbito da política de assistência social é

abordada através de uma correta compreensão do território, os quais pertencem os Centros,

realizando-se também um eficaz diagnóstico acerca das redes de atendimento, acreditamos que

a questão infraestrutural não termina em si mesma, mas avança, absorvendo os objetivos finais

desta política, qual seja: a ampliação do acesso aos bens e serviços socioassistenciais através

da provisão de espaços públicos qualificados e bem localizados, capazes de assegurar a

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realização de ações que tenham a centralidade na família e que garantam a convivência social

e comunitária (CASTRO, 2009).

Por meio de uma análise que englobou mais de 80 CRAS em todo o Brasil, referenciados

a partir do Censo CRAS 200844, Castro (2009), na ocasião, arquiteto vinculado ao Ministério

de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), estabeleceu como propósito o

compartilhamento de informações entre os gestores da assistência social e os coordenadores,

no caso específico dos CRAS – finalidade que para nós também se estende aos CREAS, no país

– buscando cooperar de maneira prática com as decisões em favor da melhoria física deste tipo

de equipamento social e sua repercussão na oferta dos serviços e na vida dos usuários45.

Seu estudo tem por base os princípios e diretrizes estabelecidos pelas Normas

Operacionais Básicas do SUAS e pela PNAS, nos quais a matricialidade sociofamiliar e a

adoção do conceito de territorialidade ocupam um lugar central, estendendo-se também, aos

espaços físicos destinados aos CRAS e CREAS, os quais incorporam esta ideia no sentido

constitutivo da inclusão ou da exclusão socioespacial, aprofundando elementos que podem

favorecer ou não a superação das situações que marginalizam os indivíduos.

Ora, se são os Centros de Referência de Assistência Social, um dos suportes físicos desta

política, a territorialidade através dos índices de vulnerabilidade e de risco social, bem como

as necessidades da família e dos seus membros devem dar tônica também para a metodologia

aplicada a projeção dessas unidades, acompanhando as demandas da população atendida, o

número de famílias referenciadas e o elenco de serviços prestados por cada Centro (CASTRO,

2009), sem desconsiderar, conjuntamente, o estabelecimento de condições de trabalho

satisfatórias aos profissionais.

Esta é uma determinação, presente, por exemplo, na NOB/RH/SUAS, no que tange a

responsabilidade e as atribuições dos gestores municipais, estabelecendo a oferta de condições

44 “O Censo SUAS/CRAS é uma importante ferramenta de acompanhamento do desenvolvimento dos CRAS, pois

oferece informações para o planejamento e tomada de decisões para a consolidação do SUAS” (FERREIRA, 2011,

p.77). Com base neste objetivo, o Censo CRAS é incorporado a uma pesquisa anual mais ampla, em vigor desde

2007, destinada a todo o Sistema Único de Assistência Social, em que não apenas os CRAS, mas todas as unidades

públicas e privadas prestadoras de serviços socioassistenciais são auferidas através de um questionário digital, cujo

preenchimento é responsabilidade dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (BRASIL, 2012a). O Censo

SUAS objetiva, assim, a busca de um retrato detalhado sobre a estrutura e os serviços prestados nos equipamentos

de assistência social de todo o país, a fim de definir indicadores para a melhor organização e disposição desta

oferta. 45 A pesquisa a qual fazemos referência, neste momento, foi publicada em 2009, com o apoio da Organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e do MDS, com base no alcance de 5.142

CRAS, correspondentes ao Censo CRAS 2008. A partir deste número “desenvolveram-se novos indicadores,

análises comparativas e se formularam novos encaminhamentos gerenciais” (CASTRO, 2009, p. 9), chegando a

amostragem de 80 CRAS, os quais foram conhecidos, avaliados e comparados. A pesquisa destinou-se, portanto,

à melhoraria da estrutura física e ao aprimoramento dos serviços oferecidos por esses Centros e é assinada pelo

arquiteto Flávio José Rodrigues de Castro.

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de trabalho adequadas, quanto ao aspecto físico, material e de consumo permanente (BRASIL,

2006), acompanhando as prerrogativas da NOB/SUAS, atualizada em 2012, quando ao se

reportar ao Sistema Único de Assistência Social, no inciso XIII, do Art. 6, sobre os princípios

éticos para a oferta da proteção socioassistencial, enfatiza a:

[...] garantia aos profissionais das condições necessárias para a oferta de

serviços em local adequado e acessível aos usuários, com a preservação do

sigilo sobre as informações prestadas no atendimento socioassistencial, de

forma a assegurar o compromisso ético e profissional estabelecidos na Norma

Operacional Básica de Recurso Humanos do SUAS (BRASIL, 2012a, Art.6,

inciso XIII).

A NOB/SUAS complementa ainda a temática, atribuindo importância à qualidade das

instalações físicas projetadas para as ações realizadas nas instituições no âmbito do SUAS,

através de condições de recepção e de escuta profissional qualificada, sendo possível relacionar

esses aspectos à própria política de gestão do tralhado, por meio da qual tem sido assegurado

aos profissionais, “a garantia de um ambiente de trabalho saudável e seguro, em consonância

às normativas de segurança e saúde dos trabalhadores” (BRASIL, 2012a, Art. 109, parágrafo

primeiro, inciso XII).

Sob essa perspectiva, é possível perceber que a matéria da estrutura física das unidades

pertencentes ao SUAS tem sido prerrogativa legal e objeto de análises voltadas ao

aprimoramento dos serviços oferecidos aos usuários, mesmo que ainda esbarre em entraves que

comprometam o bom funcionamento dessas instituições, inerentes a ordem do capital na era de

“contrarreforma” do Estado (BEHRING, 2003). No atual contexto, a política de assistência

social responde, portanto, a dois projetos antagônicos: “o primeiro voltado para a ampliação e

afirmação dos direitos historicamente conquistados, e o segundo para a redução desses mesmos

direitos” (SILVA, 2010, p. 97).

O município de Natal/RN não foge a esta dinâmica, quando na ocasião da nossa

pesquisa, foi possível reconhecer elementos da temática em questão, através das entrevistas

realizadas com assistentes sociais inseridos nos CRAS e CREAS da cidade46. No que se refere

às condições materiais adequadas ao trabalho, nossas entrevistas possibilitaram um paralelo

entre os recursos estruturais disponibilizados pela Prefeitura e a implementação qualificada da

política de assistência social, envolvendo pontos que remetem à desvalorização profissional e

46 O procedimento metodológico da presente pesquisa foi melhor delimitado na introdução deste trabalho, cabendo

reforçar a utilização de uma amostra equivalente a oito, dos quinze aparelhos institucionais identificados como

CRAS e CREAS, no município de Natal/RN. Na ocasião foram visitados todos os CREAS, tendo em vista, a

existência de apenas um Centro, por região administrativa da cidade; já quanto às unidades de CRAS, estas

obedeceram também aos critérios de escolhas dos profissionais entrevistados.

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a incoerência entre o que tem sido exigido em lei e as reais possibilidades de execução facultada

aos trabalhadores.

Tratamos então, de um cenário que aparentemente obteve progressos, no município,

tendo em vista a realização de um recente concurso público e a mudança nos vínculos

empregatícios, garantindo maior estabilidade e possível autonomia para os servidores, porém

ainda nos deparamos com empecilhos no que diz respeito às condições materiais de trabalho e

os seus rebatimentos no andamento das atividades realizadas e na eficácia das resoluções dos

casos remetidos aos CRAS e CREAS.

Os impactos deste quadro são sentidos tanto pelos profissionais quanto pela população

usuária da política de assistência social, na medida em que são encontrados nos Centros de

Referência em Natal/RN, projetos arquitetônicos inadequados ao espaço destinado às atividades

(salas de atendimento e de equipe) e um quadro insuficiente de transportes para o uso dos

profissionais na ocasião do trabalho; sem contar com a presumível inviabilização do direito

provocada por instalações incompatíveis com legislação de acessibilidade, em vigor no Brasil,

e a locação de todos os imóveis correspondentes a essas unidades.

Esses são alguns pontos de destaque entre as expressões dos assistentes sociais

entrevistados, denotando a necessidade de uma maior atenção do órgão gestor responsável por

esta política, no município, sobretudo, a questões alusivas à dimensão do atendimento

proporcionado pelo assistente social e as suas implicações na vida e no atendimento das

demandas trazidas pelo usuário. Compreendemos que estes são conteúdos interdependentes no

quesito da infraestrutura física, parecendo a nós improvável que um profissional com recursos

institucionais limitados consiga realizar suas atividades de maneira satisfatória.

Vale ressaltar, mais uma vez, que o objeto relativo aos espaços físicos e aos recursos

materiais disponibilizados às equipes referência dos CRAS e CREAS tem sido pauta dos

aparatos jurídico-normativos que compõem o SUAS, em que as Orientações Técnicas dirigidas

a esses Centros, surgem como um diferencial específico no auxílio à organização e ao

funcionamento dessas unidades, como também aos órgãos gestores da política de assistência

social nos municípios, Distrito Federal e Estados (BRASIL, 2011b).

No caso da SEMTAS, o mesmo tem sido autenticando pelo Plano Municipal de

Assistência Social, biênio 2014-2015, no qual a estruturação de espaços destinados aos CRAS

e CREAS, estipula a existência de equipamentos com adequação física e tecnológica,

condizentes às ações e metas prioritárias no âmbito da proteção básica e especial (NATAL,

2015), entretanto, apresentando algumas divergências quando, na ocasião das entrevistas,

encontramos situações que ainda não têm acompanhado esses aspectos.

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Com relação aos ambientes dos Centros, relativos às salas de acolhimento e a escuta dos

usuários, assim como aquelas voltadas para a equipe técnica de referência e à coordenação, as

assistentes sociais Maria da Penha e Chiquinha Gonzaga trazem elementos que nos permitem

refletir sobre a importância da compatibilidade desses imóveis ao atendimento das demandas

dos usuários, como também sobre as condições de trabalho dos profissionais e as implicações

para a bem-sucedida execução dos serviços.

A respeito das salas destinadas ao atendimento, Maria da Penha (2016) comenta:

[...] porque condição de acessibilidade e sala de atendimento com qualidade

nós não temos (isso aqui é uma sala de atendimento que é para resguardar

sigilo e você sabe que não tem). Olha o tamanho dessa sala?! Se eu fechar

aquela porta e se eu fecho essa janela, não circula ar. O usuário vai desmaiar

de calor aqui. O tamanho dessa sala faz você pensar que está num caixão,

enclausurado (MARIA DA PENHA, 2016).

Em perspectiva semelhante, porém no que tange a sala designada aos profissionais,

Chiquinha Gonzaga (2016) reitera:

[...] o que realmente eu acho que pesa mesmo ‘pra’ gente como equipe é a

questão da sala (nós somos cinco assistentes sociais e três psicólogos) e nós

somos uma equipe técnica em quatro birôs, né? Mesmo que a equipe se divida

entre uma turma de 8h às 14h e outra turma de 11h às 17h, nós estamos em

contato ainda umas três horas. Então fica um aglomerado de pessoas ‘numa’

sala e um fica praticamente um na cabeça do outro. E assim, fica um pouco

constrangedor porque 'fulano, levanta aí, agora é minha vez de sentar'. Você

às vezes está com o birô cheio de coisas ‘pra’ fazer e você só vai sair de 14h,

então, é uma sala altamente pequena ‘pro’ ambiente; a gente fica tudo

espremido, né? Então é um pouco complicado essa situação (CHIQUINHA

GONZAGA, 2016).

Esta é uma realidade que vai totalmente de encontro às determinações presentes, por

exemplo, nos documentos de Orientações Técnicas para os CRAS e CREAS do país, onde a

noção de espaço físico não apenas das salas de atendimento e de coordenação, como de todo o

ambiente dos Centros, devem garantir a privacidade, a certificação do sigilo, e o livre acesso

aos usuários, em um local que promova o desenvolvimento das atividades em acordo com a

dignidade, a diversidade e a não-descriminação dos indivíduos (BRASIL, 2011b).

As Orientações Técnicas que fazem referência aos CRAS, neste caso, apreendem a

dimensão físico-estrutural como reflexo de uma concepção mais ampla, na qual o lugar onde

está localizado o Centro relaciona-se com o seu território de abrangência e as necessidades das

famílias referenciadas, não podendo instalar-se em edificações inadequadas ou improvisadas.

Essa recomendação estende-se aos seus ambientes internos, em que as salas de atendimento e

de coordenação remetem a uma área espaçosa, que garanta a privacidade do usuário e a

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execução das atividades profissionais, sempre na perspectiva da viabilização do direito

(BRASIL, 2009b).

Quanto aos CREAS, as determinações técnicas também são claras para as salas de

atendimento individual e familiar, nas quais são indicadas a utilização de divisórias e o

mobiliário necessário, com mesas e cadeiras, onde no máximo 15 pessoas possam ser

acomodadas, proporcionando o fácil deslocamento e a organização de atividades em grupo

(BRASIL, 2011b). Na mesma direção, as salas para a equipe de referência e à coordenação

configuram-se como um ambiente onde deva existir recursos e infraestrutura física suficiente

para a realização de reuniões, estudos e elaboração de relatórios.

Além desta situação e ainda sobre o contexto infraestrutural das unidades de CRAS e

CREAS, com foco nos possíveis impactos causados ao exercício profissional dos assistentes

sociais, outras situações bem concretas perpassam as ações da administração pública, em que

até mesmo o deslocamento dos profissionais, tendo em vista as demandas dos usuários, vem

sendo dificultado pela ausência de transportes suficientes que os auxiliem nesta questão.

A indisponibilidade ou a quantidade insuficiente de carros que garantam aos assistentes

sociais a realização de visitas domiciliares e a busca ativa nas regiões em que estão inseridos,

foi um tema bastante suscitado durante as entrevistas, associando também de maneira mais

ampla, a ausência desses recursos à precarização do trabalho, e a um possível retrocesso nos

avanços da política de assistência social, cuja referência dos atendimentos ainda recai sobre a

descrença nos serviços públicos e na deslegitimação desta política enquanto direito.

Ao ser questionada acerca dos elementos que interferem no desenvolvimento do seu

trabalho, a assistente social Nísia Floresta é específica ao relacionar a indefinição sobre a

existência e a quantidade de transportes disponíveis para este fim à fragilidade de sua autonomia

técnico-profissional, podendo causar, na nossa opinião, a não resolução dos casos de violações

de direito, bem como o seu agravamento. Em seus termos:

[...] essa incerteza de que dia o carro vem, se o carro vem é o que mais

interfere. A gente já se programou várias vezes ‘pra’ fazer algumas atividades

contando com o carro e o carro não vinha. Aí, assim, às vezes, você faz um

planejamento para uma família, junto com essa família e aí por uma condição

dessa, esse planejamento não se realiza. 'Não vou poder fazer a visita hoje, por

tal e tal coisa'. A própria família, se ela estava com segurança no atendimento

que construiu com você, você já quebra. Entende? (NÍSIA FLORESTA,

2017).

A lógica de continuidade atribuída aos atendimentos no Sistema Único de Assistência

Social é uma perspectiva defendida pela NOB/SUAS, atualizada em 2012, em que a oferta de

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serviços, programas, projetos e benefícios precisam ser gratuitos, contínuos e de qualidade,

oportunizando o convívio e o fortalecimento dos vínculos familiares e sociais, também entre os

usuários e os profissionais executores desta política (BRASIL, 2012a).

Com vistas ao nosso objeto de análise, acreditamos que o exemplo da continuidade dada

às ações socioassistenciais respondem, conjuntamente, às possibilidades do trabalho assalariado

na conjuntura da sociedade capitalista, sobre a qual incidem os interesses do capital, com “sua

ânsia de eficácia e produtividade” (SANTOS, 2010, p. 701), em detrimento as necessidades

humanas e a universalização dos direitos sociais, em uma simbiose paradoxal que chega às

condições infraestruturais dos Centros de Referência de Assistência Social, de maneira

particular.

Nesse sentido, até aqui tratamos de aspectos infraestruturais os quais acreditamos estar

mais precisamente associados a operacionalização da política de assistência social e os seus

rebatimentos para o exercício profissional das esquipes de referência, no caso, os assistentes

sociais. Contudo, esta discussão também perpassa questões transversais à execução das

atividades, refletindo-se na obstrução do direito do usuário, em decorrência de ambientes

acessivelmente inadequados, para nós, provável produto do caráter residencial dos imóveis em

que são instalados os CRAS e CREAS visitados no município.

O aluguel de residências para este fim é uma das modalidades mais encontradas no país,

enquanto estão sendo construídas sedes próprias ou em razão da vulnerabilidade onde

geralmente estão localizadas essas unidades (BRASIL, 2009b), porém, vale salientar, ser esta

uma alternativa provisória, já que a garantia da acessibilidade é reconhecidamente um

parâmetro legal para os projetistas dos Centros de Referência de Assistência Social, em

consonância com a indispensabilidade do sigilo resguardado para o exercício profissional, no

caso dos assistentes sociais, dever e direito desta categoria (BRASIL, 2012b).

Conforme já pontuamos em outro momento, estas são matérias contempladas pela

legislação concernente ao SUAS, inclusive, no que toca a melhoria das condições materiais de

trabalho e dos espaços de atendimento, relacionando-se também com o comprometimento ético

e político da esfera pública com a aplicabilidade das leis e com o alargamento da qualidade dos

serviços oferecidos à população.

No que diz respeito às questões sobre a acessibilidade das pessoas com deficiência aos

locais e serviços públicos e/ou privados de uso coletivo, destacamos a mais recente legislação

neste campo, correspondente ao Estatuto da Pessoa com Deficiência, instituído pela Lei nº

13.146, aprovada em de 6 de julho de 2015, onde além de assegurar e promover condições de

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igualdade ao exercício dos direitos fundamentais à pessoa com deficiência47 no Brasil,

(BRASIL, 2015), também amplia a noção de acessibilidade para essas pessoas, devendo o poder

público garantir “a condição de alcance para a utilização com segurança e autonomia, dos

espaços mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e

comunicação, inclusive, seus sistemas e tecnologias” (BRASIL, 2015, Art.3, Inciso I).

Nesta normativa fica claro o direito da pessoa com deficiência “aos mais diversos

serviços, programas, projetos e benefícios da política de assistência social, articulados à

proteção básica e especial” (BRASIL, 2015, Art. 39) destinando-se a elas e as suas famílias,

um padrão de regras relativas acessibilidade e a obediência de um desenho universal para a

concepção dos ambientes públicos, garantindo, de forma livre e segura, a circulação e a

acessibilidade dessas pessoas a esses locais.

Os princípios do chamado “desenho universal” possuem como base as normas técnicas

de acessibilidade, que no caso dos projetos arquitetônicos de ambientação interior dos CRAS e

CREAS, do país, seguem determinações, a exemplo do Decreto nº 5.296 de 02 de dezembro de

2004 (BRASIL, 2004) e da norma Técnica ABNT48 NBR 9050:2004 (ABNT, 2004), apoiados

em modelos acerca das dimensões dos espaços, a comunicação e a sinalização dos acessos

(CASTRO, 2009).

De acordo com Castro (2009) essas regulamentações destacam pontos dos imóveis que

deverão abrigar os CRAS – aspectos que para nós, também se estendem aos CREAS –,

observando as condições dessas propriedades a partir de critérios de seleção precisando

apresentar o mínimo de “características exigíveis” ou “adaptações toleráveis” para a realização

das recomendações expressas nas legislações e para garantia da acessibilidade de fato, sejam

elas construídas ou adaptadas, na forma de residências.

Logo, e com base nas normativas mencionadas, a partir das análises de Castro (2009),

destacamos que os imóveis que cederão lugar aos CRAS e CREAS, precisarão prever:

[...] condição adequada de acesso a pelo menos uma entrada do edifício; a

existência de rota acessível às principais funções dos Centros; a padronização

de todas as portas, externas e internas, da edificação com dimensão mínima

de 0,80/0,90m com verificação in loco, de possibilidade real de manobra por

pessoas em cadeiras de roda; [bem como], o acesso a pelo menos um vaso

sanitário e a um lavatório para pessoas com deficiência (CASTRO, 2009, p.

43, grifo nosso).

47 Com referência ao Estatuto da Pessoa com Deficiência, considera-se pessoa com deficiência “aquela que tem

impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou

mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as

demais pessoas” (BRASIL, 2015, Art. 2) 48 Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

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A partir das especificações descritas, inclusive, de dados relativos à sua pesquisa de

campo, Castro (2009, p. 49) recomenda a aquisição de imóveis “que apresentem a quantidade

mínima de espaços compatíveis com o programa dos CRAS e com as exigências espaciais dos

novos serviços a serem ofertados”, permitindo-nos apreender o espectro social dirigido à

acessibilidade desses Centros através da adequação dos seus ambientes como uma extensão do

direito socioassistencial, no sentido da autonomia dos sujeitos.

Na busca pela qualificação deste debate, a nossa proposta coincide com a do autor, no

horizonte da materialização efetiva desses princípios, quando na ocasião da nossa pesquisa, ao

responderem uma das perguntas objetivas relativa a acessibilidade dos locais de atuação

profissional, apenas dois, dos oito assistentes sociais entrevistados, julgaram ser acessíveis os

ambientes de trabalho correspondentes ao CRAS e CREAS, em Natal/RN.

Em contrataste, os demais entrevistados consideraram ainda insatisfatórias as condições

de acesso destinado às pessoas com deficiência no ambiente em que trabalham, pontuando

questões que indicam a ultrapassagem de barreiras não apenas físicas, mas também geográficas

e culturais, cuja noção de acessibilidade reflete a maneira como tem sido estruturada a política

de assistência social no Brasil, como forma compensatória e parcial de alívio a pobreza,

revestidas por ações e equipamentos físicos precários, secundarizados pelo ideia do “não

merecimento” de uma sanção pública relevante (PAIVA, 2006).

Sob essa perspectiva, temos o exemplo da contribuição de Tarsila do Amaral, quando

na oportunidade da nossa pesquisa, trouxe à tona elementos da temática que temos discutido,

demonstrando certa contrariedade ao se referir à infraestrutura destinada aos trabalhadores e

aos usuários referenciados naquela unidade.

[...] a começar pela acessibilidade, se a gente contar que a gente trabalha com

um público de usuário que é pessoa com deficiência, idoso, gestante e criança,

esse prédio, ele está totalmente inadequado, né? No quesito que diz respeito a

acessibilidade. A outra situação é o entorno, porque essa acessibilidade não é

só dentro do prédio. Esse prédio, ele está totalmente condenado, primeiro na

estrutura e segurança; e você pode ver que ele não tem nenhum extintor, não

tem nenhuma escada com corrimão, ele não tem banheiros adequados

(TARSILA DO AMARAL, 2016).

As expressões de Tarsila do Amaral (2016) ratificam os avanços apontados pelas

normatizações referentes aos direitos das pessoas com deficiência, considerando o conceito de

acessibilidade, abrangendo mais amplamente, as pessoas que fogem ao arquétipo de homem ou

mulher adulto, em condições plenas de locomoção (CASTRO, 2009). Seu comentário atenta,

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ainda, para o caso das crianças e dos idosos, usuários bastante frequentes dos CRAS e CREAS,

cujo perfil, muitas vezes, também demanda estruturas de acessibilidade próprias.

Esse ponto de vista reforça uma compreensão acerca da infraestrutura atribuída aos

Centros de Referência de Assistência Social, a qual temos defendido ao longo de nossa análise,

objetivando apreendê-la de maneira não isolada, mas remetendo-a às próprias condições de

trabalho dos profissionais na prestação de serviços de qualidade aos usuários, assim como a

garantia ao direito à acessibilidade, com base em diretrizes amplas, voltadas para o uso

equitativo, versátil e seguro dos aparelhos públicos, através da redução do esforço físico e da

informação perceptível para todas as pessoas.

Atualmente, esta é uma tendência possível de ser comprovada, por exemplo, quando nos

referimos a condição locatária de todos os imóveis, os quais tivemos acesso49 e onde tem

funcionado os Centros de Referência de Assistência Social básica e especializada, no

município, evidenciando resquícios históricos de improvisação e assistencialismo na política

de assistência social, através de projetos arquitetônicos impróprios, em geral residenciais,

obrigados a adaptarem as atividades específicas dos CRAS e CREAS.

Em seu estudo, Castro (2009) também retrata a questão da locação dos imóveis

destinados aos Centros, afirmando ser esta uma situação até certo ponto aceitável, no momento

de adesão da Política Nacional de Assistência Social, nos municípios brasileiros, em 2004,

contudo, tornando-se insustentável, na medida em que transforma-se em via de regra para o

funcionamento dessas unidades, denunciando a fragilidade do poder público no tocante às

condições necessárias para execução das ações socioassistenciais.

Para o autor, a locação de residências, particularmente para este fim, traz ainda outras

problemáticas próprias aos imóveis desta natureza, cuja tipologia arquitetônica possivelmente

não contempla o padrão constitutivo dos Centros de Referência de Assistência Social,

descumprindo, inclusive, imperativos básicos como a localização privilegiada nas áreas de

vulnerabilidade social e a existência de espaços em condições ambientais e dimensionais

adequados para o desenvolvimento das práticas típicas e obrigatórias dos Centros.

Este é mais um fator associado à discussão sobre a infraestrutura dos CRAS e CREAS,

como um local de destaque para a organização e coordenação da rede de serviços no âmbito do

49 A partir dos resultados da nossa pesquisa, afirmamos que todos os CRAS e CREAS os quais tivemos acesso, no

município de Natal/RN, configuravam-se como imóveis residenciais alugados, tendo em vista o roteiro de

entrevista semiestruturado, o qual contemplava uma questão objetiva sobre este aspecto. Além disso, sete, das oito

entrevistas aconteceram in loco nos Centros de Referência selecionados, possibilitando uma melhor observação e

análise sobre este quesito.

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SUAS, em todo o país, mas que por outro lado, não parece estar na pauta prioritária do

planejamento da política de assistência social, cujas medidas têm enaltecido a lógica

economicista e a minimização orçamentaria de recursos neste campo, em detrimento das

soluções mais sustentáveis a longo prazo.

Não só o caso dos aluguéis dos imóveis residenciais destinados aos Centros de

Referência de Assistência Social, em Natal/RN, mas todas os outros pontos condizentes a

infraestrutura dessas unidades, como o inadequado projeto arquitetônico e a insuficiente

quantidade de recursos materiais viabilizadores do trabalho, denunciam uma antiga falha na

combinação entre a universalidade e seletividade concernente a esta política (PAIVA, 2006),

incrementadas ainda pela desestruturação do orçamento da Seguridade Social, no Brasil, através

de um processo de acumulação do capitalismo e de intensificação de sua riqueza às custas do

fundo público de finanças (BOSCHETTI; SALVADOR, 2006).

Salvador (2012) discute os efeitos da regressividade no sistema tributário brasileiro, cuja

incorporação das contribuições sociais vinculadas ao orçamento da Seguridade Social, recaem

majoritariamente sobre a camada mais pobre da população, responsável por parcela

significativa do orçamento arrecadado no país, enquanto aqueles que detêm maior patrimônio

ou consomem produtos menos essenciais pagam menos impostos.

De acordo com o autor, “em 2011, dos R$ 518,70 bilhões pagos nas funções

orçamentárias da previdência, saúde e assistência social, 92% advêm diretamente dos tributos

que incidiram sobre o consumo e a renda dos trabalhadores” (SALVADOR, 2012, p. 90), nos

levando a acreditar que a população usuária da política de assistência social é a mesma que a

financia e a mantém em funcionamento, contudo não tem tido acesso aos projetos, programas

e serviços de qualidade.

Esta é uma discussão envolta por elementos não apenas econômicos, mas também

políticos e ideológicos, sintetizados em um panorama no qual está inscrita a atual configuração

das políticas sociais no Brasil, em que a associação de modernas e conservadoras medidas

socioassistenciais, com base no assistencialismo, na filantropia e na burocratização dos serviços

(SPOSATI, 2015), é agravada pelo financiamento injusto e desigual desta política, cuja

população contribuinte através dos recursos arrecadados, muitas vezes, é aquela beneficiária

dos programas criados para amenizar os efeitos das desigualdades que os atingem.

Santos (2010) pontua os limites e os entraves institucionais observados no modo de agir

do Estado, nesse contexto, verificando a seletividade e a focalização da política de assistência

social, no que tange as condições de trabalho dos assistentes sociais, nos diferentes espaços

sócio-ocupacionais, destacando dificuldades de toda ordem, desde a falta de equipamentos; o

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insuficiente material de consumo; a ênfase nos espaços inadequados para o atendimento

profissional até a ausência de meios de transporte para realização de atividades que requerem o

deslocamento dos profissionais.

Estes foram dados encontradas durante a realização da nossa pesquisa, mas também são

reflexos da ação política do Conjunto CFESS/CRESS em defesa das condições de trabalho dos

assistentes sociais, sistematizados e socializados com base em seminários da categoria

profissional, ocorridos nos anos de 2009 e 2010, em que a Seguridade Social no Brasil esteve

em foco (SANTOS, 2010). Através de interlocuções profissionais voltadas para o efetivo papel

do Estado no cumprimento dos seus deveres e problematizando as características dos espaços

institucionais onde os programas de proteção social se materializam, passam a ser idealizadas

alternativas que possam ampliar a relativa autonomia dos assistentes sociais no cerne

contraditório das relações e das condições de trabalho na sociedade capitalista.

A garantia do sigilo profissional acompanha essa perspectiva configurando-se como

mais um elemento dependente de infraestruturas adequadas, contudo, também como uma

possibilidade ético-profissional ao trabalho, presente nas prerrogativas do atual Código de Ética

Profissional do assistente social, onde o sigilo é abordado como um direito desta categoria a

partir “da inviolabilidade do seu local de trabalho e dos seus respectivos arquivos e

documentação” (BRASIL, 2012b, p. 26), e também como dever em prol “da proteção do

usurário em tudo aquilo que o assistente social tome conhecimento, como decorrência do

exercício da atividade profissional (BRASIL, 2012b, p. 35).

Sua análise com base em parâmetros éticos, quer dizer que o sigilo, algo aparentemente

simples como a manutenção de um segredo, adquire complexidade, implicando sobre a

compreensão do que, para quem e em quais circunstâncias é necessária a informação protegida,

levando em conta as situações concretas que acontecem no exercício profissional aliadas a

percepção do indivíduo atendido como um sujeito de direito, cuja premissa, na maioria das

vezes, já foi ferida, ou nunca aconteceu de fato (SAMPAIO; RODRIGUES, 2014).

De acordo com os autores é fundamental, portanto, que ao assistente social reconheça a

prática do sigilo profissional como parte dos elementos necessários para o bom cumprimento

do seu trabalho, considerando as condições institucionais e o conteúdo das informações obtidas

na sua relação com o usuário, devendo prevalecer o disposto no Código de Ética Profissional

do assistente social atentando para a natureza ético-política dos princípios que o regem.

Vale salientar que para o Serviço Social, a importância dada a garantida do sigilo

profissional nem sempre possuiu caráter tão abrangente, tornando-se uma novidade apenas no

Código de Ética Profissional de 1986, como uma das grandes expressões de ruptura presente

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nos Códigos anteriores (1947, 1965 e 1875), que ainda tinham como fundamento a ética baseada

na neutralidade e em valores abstratos. Sua abordagem marca uma opção profissional por uma

prática associada aos interesses da classe trabalhadora, evidenciando-se no parágrafo primeiro

do Art. 4, do referido Código, que “a quebra do sigilo só é admissível, quando se tratar de

situação cuja gravidade possa trazer prejuízos aos interesses da classe trabalhadora” (CFAS,

1986, p. 4).

A partir do Código de Ética de 1986, rompe-se com o antigo ethos impresso na

normativa dos Códigos em que a perspectiva do pensamento católico tradicional associado à

ideologia liberal dá espaço para o comprometimento profissional com a classe trabalhadora,

sem, no entanto, reconhecer as mediações necessárias dos valores em torno da ética, atribuindo-

lhe uma visão abstrata, a qual se pretendia negar. Por meio dessa ótica, vinculou-se a moral e a

ética a uma dada classe social, correndo o risco de ignorar as devidas mediações entre o

econômico e a moral, entre a política e a ética, e entre a atividade política e a dimensão da

prática profissional (BARROCO, 2010).

A esse respeito, Neves (2010) destaca o caso do sigilo profissional como um dos

exemplos de fragilidade do Código de 1986, quando autorizava a quebra de sigilo apenas em

situações em que a sua manutenção poderia oferecer prejuízo aos interesses da classe

trabalhadora, desconsiderando essa decisão como resultado de uma “escolha consciente diante

da pluralidade de elementos que envolvem determinada questão, sendo que a decisão

profissional terá implicações para si mesmo, para o usuário do serviço, para a instituição e para

o conjunto da sociedade” (SAMPAIO; RODRIGUES, 2014, p. 91).

Este é um dos direcionamentos sobre os quais estão assentados não só o atual Código

de Ética Profissional do assistente social, mas também a Lei de Regulamentação Profissional

nº 8.622/93, ambos aprovados em 1993, onde além de problematizarem a relação ética, moral

e política, ampliando os conceitos de classe, instituição e ser social, promovem os ganhos na

busca pela garantia do direito e por melhores condições de trabalho para o assistente social,

podendo ser interpretados como ferramentas potencializadoras para a prática profissional

(SOUZA, 2008).

Através deles e da aprovação das Diretrizes Curriculares implementadas pela

Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), em 199650,

50 As novas Diretrizes Curriculares aprovadas pela ABEPSS, em 1996, têm como objetivo a viabilização da

formação profissional dos discentes em Serviço Social, através de “uma capacitação teórico-metodológica e ético-

política voltada para o exercício de atividades técnico operativas, com vistas apreensão crítica dos processos

sociais numa perspectiva de totalidade” (ABEPSS, 1996, p. 28). Esses três núcleos de conhecimentos,

contemplam, portanto, particularidades do significado social da profissão atrelado ao movimento histórico da

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consolida-se o Projeto Ético-Político do Serviço Social relacionando a formação e o exercício

profissional, em meio ao acirramento da conjuntura neoliberal, aos valores e princípios

veiculados a projetos societários progressistas comprometidos diretamente com a emancipação

humana (RAMOS, 2005). Com base nesses documentos, o profissional poderá ter mais de um

instrumento que reivindique junto às instituições empregadoras meios essenciais para a

manutenção das suas atividades, a partir de um “espaço adequado a fim de garantir o sigilo e

equipamentos que facilitem a agilização das ações, capacitação e formação dos profissionais”

(SOUZA, 2008, p. 164).

Conforme pontuamos anteriormente, o Código de Ética de 1993 ratifica os avanços na

defesa por ambientes condizentes com a garantia do sigilo profissional, complementando ainda,

no que tange os direitos dos assistentes sociais em suas relações com as instituições

empregadoras, no Art. 7, alínea a: “a disposição de condições de trabalho condignas, seja ela

em entidade pública ou privada, de forma a garantir a qualidade do exercício profissional”

(BRASIL, 2012b, p. 30). Especificamente sobre sigilo profissional, este constitui-se como uma

obrigação ética de não divulgar fatos relatados, ou presente em documentos, relativos a

privacidade do profissional ou de terceiros, sendo sua violação, além de infração profissional,

um crime contra a liberdade individual.

No Código de Ética fica estabelecido no Capítulo V, Art. 18, que a “quebra do sigilo só

é admissível, quando se tratar de situações cuja gravidade possa, envolvendo ou não fato

delituoso, trazer prejuízos aos interesses do usuário, de terceiros ou da coletividade” (BRASIL,

2012b, p. 35). Já o Parágrafo Único, do mesmo capítulo, afirma que a revelação, quando

ocorrer, deverá ser feita dentro do estritamente necessário, sendo vedado ao assistente social

em suas relações com a justiça, conforme o Capítulo VI, Art. 20, alínea a, “a depor como

testemunha sobre situação sigilosa do usuário de que tenha conhecimento no exercício

profissional, mesmo quando autorizado” (BRASIL, 2012b, p. 36).

Quanto a Lei de Regulamentação Profissional, esta corrobora com a perspectiva da

fiscalização e disciplina do exercício profissional como competência dos Conselhos Regionais

de Serviço Social (CRESS), sob a concepção articulada à Política Nacional de Fiscalização

(PNF)51 e a Resolução do CFESS nº 493 aprovada em 21 de agosto de 2006, com vistas “à luta

sociedade brasileira, do desenvolvimento do capitalismo no país e da compreensão dos processos de trabalho do

assistente social, reconhecendo o ser social enquanto sujeito histórico, afinado aos princípios e prerrogativas

presentes no Código de Ética Profissional e na Lei de Regulamentação da Profissão. 51 É estabelecida, a partir da elaboração da PNF, com base na Resolução do CFESS nº 512 aprovada em 29 de

setembro de 2007 (CFESS, 2011b), a construção de uma nova Política de Fiscalização aprimorando as ações de

fiscalização do Conjunto CFESS/CRESS. Através de diretrizes que apontam para as dimensões político-

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pela democratização das políticas sociais públicas como forma de enfrentamento das condições

adversas ao exercício profissional” (SANTOS et. al. 2010, p. 173).

A Resolução do CFESS nº 493/2006 é um documento assinado pelo Conselho Federal

de Serviço Social (CFESS) e dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício

profissional, sendo considerada referência no destaque dado a qualidade dos serviços prestados

e a ordenação das condições essenciais de trabalho, observando ainda a garantia do sigilo como

parcela fundamental para a sua realização e, “portanto, obrigatório, para a execução de qualquer

atendimento ao usuário do Serviço Social” (CFESS, 2011a, p.154).

Conforme CFESS (2011a) e os apontamentos realizados acerca da importância da

garantia do sigilo profissional é possível compreendê-lo, então, como uma possibilidade

integrante ao exercício profissional do assistente social, acompanhando e absorvendo os

avanços da trajetória teórica e ético-política da profissão, embora esbarre em limitações

concretas no que tange as condições físico-estruturais de trabalho, e também seja síntese do

conhecimento e da decisão político-profissional do assistente social, enquanto ser social dotado

de consciência e capacidade teológica no horizonte da realização dos princípios éticos.

Não queremos dizer que a garantia do sigilo seja apenas produto de uma escolha ético-

profissional, tendo em vista o caráter obrigatório observado nas normativas legais da profissão,

assim como a adequação de outros aspectos relacionados às próprias condições de trabalho,

porém, nos Centros de Referência de Assistência Social, por exemplo, a proteção ao sigilo nos

atendimentos pode ser mais uma razão pela qual lutar na busca pelos recursos físico-estruturais

qualificados, tendo em vista as determinações legais já existentes neste campo.

Conforme vimos anteriormente, é possível perceber que a configuração das salas de

atendimento e de acomodação das equipes de referência desses Centros, no município de

Natal/RN, até então apresentam desadaptações no que se refere ao espaço para as abordagens

individuais e coletivas, desobedecendo não apenas as legislações pertinentes ao SUAS, mas

também as normativas legais para as atividades do Serviço Social, condizentes com a linha

ético-profissional de proteção do usuário e de todas as informações que lhes dizem respeito.

Sobre este exemplo está disposto nos Art. 2 e Art. 3 da Resolução do CFESS nº

493/2006 acerca das condições éticas e técnicas para o exercício profissional do assistente

pedagógica, afirmativa de princípios, e normativo-disciplinadora da profissão, observa-se os valores firmados no

Código de Ética de 1993, buscando desmistificar a atividade da fiscalização como uma ação policialesca, exercida,

inicialmente, pelos Conselhos. Sua concepção relaciona-se, portanto, com a defesa dos usuários e dos serviços

profissionais prestados, reafirmando o próprio Projeto Ético-Político Profissional com vistas ao fortalecimento e

a publicização da profissão, além das lutas pela ampliação dos direitos (ABREU, 2003).

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social, as características físicas apropriadas ao ambiente de trabalho, onde além de precisar

garantir a iluminação e ventilação adequadas aos expedientes diurnos e noturnos, em

atendimentos breves ou demorados com portas fechadas, também fica clara a importância da

natureza reservada do material técnico produzido pelos profissionais, “sendo o seu uso e acesso

restrito aos assistentes sociais” (CFESS, 2011a, p. 155), conforme Art. 4.

Sob esta perspectiva e através das entrevistas com os assistentes sociais lotados nos

CRAS e CREAS da cidade, acerca da associação entre preservação do sigilo e a infraestrutura

destinada aos Centros, ainda têm sido observadas situações que não acompanham as normativas

profissionais, no que corresponde aos locais de atendimentos destinados aos assistentes sociais,

tal como a inadequada acomodação dos documentos resultantes dessas atividades.

Ao ser questionada a este respeito, a assistente social Celina Guimarães comenta sobre

as condições oferecidas à prática do sigilo profissional na instituição a qual faz parte,

demonstrando alguma insatisfação:

Aqui é mais ou menos. A gente tem [arquivos] que a gente costuma arquivar

aqui mesmo nessa sala [sala de atendimento individual], nessas pastas que

você está vendo aí. São relatórios, encaminhamentos, memorandos,

documentos diversos. [Mas, qualquer pessoa pode ter acesso?] Pode, pode,

qualquer pessoa. Inclusive, existe uma falha de sigilo, ao meu ver, no que diz

respeito aos relatórios que a gente elabora. A gente envia esses relatórios para

a secretaria e esses relatórios são enviados completamente assim, sem ser

colocado em envelope, sem estar lacrado, e o motorista que leva. Então assim,

qualquer pessoa tem acesso (CELINA GUIMARÃES, 2016, grifos nossos).

Em perspectiva semelhante, Zilda Arns reitera a experiência traduzida pelo depoimento

descrito, enfatizado a ausência de sigilo profissional no que tange aos materiais técnicos

produzidos e os demais tipos de atendimento, em outro Centro de Referência de Assistência

Social, em Natal/RN:

Não, nós aqui não temos sigilo. Aqui no atendimento a gente não tem por que

reiteradamente as pessoas abrem a porta ou a porta abre sozinha e o pessoal

que está lá fora escuta. E as minhas pastas de relatório são colocadas nos

computadores e os computadores são comuns, né? Então, qualquer

profissional, qualquer pessoa pode ver. Os relatórios, eles também são

enviados através dos motoristas, e a gente não tem nem envelope, então se o

motorista quiser dar uma paradinha durante um sinal fechado e ficar lendo um

relatório, ‘tá’ tranquilo. Ele pode ficar fazendo isso (ZILDA ARNS, 2017).

Casos como os relatados pelas assistentes sociais Celina Guimarães (2016) e Zilda Arns

(2017) ultrapassam, inclusive, a noção do amparo ao sigilo profissional ligados aos espaços dos

Centros de Referência, demonstrando uma necessária atenção dada aos documentos que saem

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das unidades de atendimento em direção a destinos diversos, evidenciando a importância das

exigências expressas no Código de Ética Profissional dos assistentes sociais, na Lei que

Regulamenta a Profissão, bem como na Resolução nº 493/2006, elaborada pelo CFESS, em que

a compreensão sobre o registro e a organização das informações surge como um direito dos

usuários da política de assistência social, sendo inclusive, função da Vigilância

Socioassistencial nos municípios e nos Estados: auxiliar a implantação do prontuário SUAS nas

unidades; auxiliar no entendimento conjunto das questões e conceitos contidos no instrumental;

fazer a adequação dos instrumentos já existentes, e caso necessário, orientar sobre a guarda e

sigilo das informações contidas nele (BRASIL, 2012a).

Esse tipo de encaminhamento corrobora também com a atribuição dos Conselhos

Regionais de Serviço Social (CRESS) de todo o país, em que através da PNF e das visitas de

fiscalização aos espaços sócio-ocupacionais dos assistentes sociais, fica a cargo dos

conselheiros e/ou agentes fiscais, orientar e fiscalizar as condições éticas e técnicas

estabelecidas na Resolução nº 493/2006, devendo informar por escrito à entidade, instituição

ou órgão que presta os serviços, sobre as inadequações constatadas por este, quanto às

condições éticas, físicas, e técnicas do exercício profissional (CFESS, 2011a).

Especificamente, acerca da compreensão do sigilo enquanto prática obrigatória de todas

as profissões liberais (BARROCO; TERRA, 2012), que no nosso caso delimita-se aquelas que

estão em contato direto com as expressões da questão social em um trabalho interdisciplinar na

política de assistência social, acreditamos que o intenso e atual processo de espetacularização

da pobreza também tendem a contribuir para a equivocada ideia de que na vida das pessoas

pobres é possível intervir, evidenciando suas fragilidades e os seus dramas cotidianos

(SAMPAIO; RODRIGUES, 2014).

Outro ponto relaciona-se ainda com a necessária reafirmação dos valores que fundam o

atual Código de Ética Profissional do Assistente Social, onde o sigilo profissional surge aliado

à compreensão do indivíduo a ser atendido como um sujeito de direito, podendo apresentar-se

como notável desafio, o trabalho dos assistentes sociais com profissionais de outras áreas,

mesmo que tenham estes, o sigilo circunscrito em seus códigos, entretanto, não estando sujeitos

às mesmas obrigações ou ainda, lógicas, objetivos e prioridades idênticas as do Serviço Social

(SAMPAIO; RODRIGUES, 2014).

Certamente, esta é uma percepção possível de ser apreendida quando as assistentes

sociais entrevistadas expressam certa inquietação quanto à armazenamento dos documentos

técnicos produzidos, em áreas de comum acesso nas instituições, pois ainda que a atuação dos

assistentes sociais aconteça em circuitos onde as informações devem ser compartilhadas, ao

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mesmo tempo, a confidencialidade desses documentos também é, legalmente, autorizada

(SAMPAIO; RODRIGUES, 2014). Nesse sentido e conforme os Parâmetros para atuação dos

assistentes sociais na Política de Assistência Social, produzido pelo CFESS (2011c), o trabalho

dos assistentes sociais, psicólogos e pedagogos, as quais constituem-se, hoje, como as

principais profissões atuantes no SUAS, requer o estabelecimento de direitos e deveres no

âmbito do trabalho em equipe, resguardando-lhes o sigilo profissional acerca das informações,

atribuições e tarefas que estejam sobre responsabilidade comum.

Tendo em vista esses apontamentos e perceptíveis avanços no âmbito da política de

assistência social no que se referem aos aspectos infraestruturais, como também no atendimento

dedicado aos usuários, a nossa discussão volta-se, então, às questões que estão por trás da não

consolidação da assistência social enquanto política pública de direito e dever do Estado,

acreditando que o perfil da população para qual está destinada, bem como os escassos recursos

orçamentários direcionados à sua implementação, tem muito a nos dizer sobre a temática que

levantamos.

Culturalmente assentada em um processo de precarização no rol das políticas de

proteção social, a assistência social como parte integrante da Seguridade Social brasileira, tem

sido alvo da descaracterização das responsabilidades governamentais, em que a reedição dos

projetos coletivos tem esvaziado o caráter político de transformação social originalmente

atribuído à política, relegando-se a ela apenas os rigores da seletividade e a compressão dos

programas e serviços socioassistenciais como um meio para minimização da extrema pobreza

(PAIVA, 2006).

Na contramão dos processos de mobilização e de organização política dos seus usuários,

seu escopo emergencial tem sido condensado pelo desemprego, pela fragilização dos vínculos

familiares e pela falta de perspectivas para a juventude e a velhice, em casos que se desdobram

cada vez mais nas redes de exploração e abuso sexual, no crescimento de condutas violentas e

em práticas econômicas que lucram com criminalidade e com o empobrecimento crônico da

sociedade (PAIVA, 2006).

Vemos, juntamente a esse quadro, a configuração do orçamento brasileiro e como já

mencionamos, a carga tributária regressiva que atinge diretamente a classe trabalhadora do país,

através do mecanismo da dívida pública, utilizado como um dos instrumentos de consolidação

das relações capitalistas, quando só em 2014, o governo federal gastou R$ 978 bilhões com

juros e amortizações desta dívida, representando 45,11% de todo o orçamento efetivamente

executado no ano, em detrimento aos parcos investimentos nas áreas de proteção social, que

não chegaram a 30% do orçamento (FATTORELLI; ÁVILA, 2015).

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Já em 2016, de acordo com informações da Auditoria Cidadã da Dívida (2016) e com

base em dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI),

do montante de R$ 2,572 trilhões executados no país, foram destinados quase metade, isto é,

43,94% deste orçamento à dívida pública, restando, especificamente para a política de

assistência social, 3,02% do montante total, ao lado da Saúde, com 3,90%, e da Previdência

Social, com 22,54%.

Percebemos, assim, a partir do debate que temos traçado, as entrelinhas do orçamento

público destinado à Seguridade Social, quando desde a década de 1990, a legislação que a

regulamenta projetou rumos de separação entre as três políticas, com leis específicas para a

Saúde, Previdência Social e Assistência Social (BOSCHETTI; SALVADOR, 2006),

destacando-se, de maneira particular, na política de assistência social, os processos de

privatização e de redução das dimensões do setor público sob o mote de uma crise fiscal

acometida pelo Estado, fundamentando o corte nos gastos sociais e a imposição de derrotas aos

segmentos mais organizados dos trabalhadores.

Estes, por sua vez, sentirão o forte impulso das propostas de flexibilização e de

desregulamentação dos direitos sociais e trabalhistas na dinâmica dos espaços institucionais os

quais pertencem, através da precarização do trabalho e da não materialização das prerrogativas

estabelecidas em lei; que no caso da política de assistência social, lócus do nosso estudo, estão

refletidos nos próprios assistentes sociais e nas condições do seu trabalho, atingindo não apenas

os recursos materiais disponíveis e à proteção ao sigilo, mas também a saúde, através do

adoecimento e dos casos de assédio moral, tema do nosso próximo tópico de discussão.

3.2 ADOECIMENTO E ASSÉDIO MORAL: AS CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE

DO TRABALHADOR

Percebemos que as condições de trabalho dos assistentes sociais, na esfera pública do

Estado, no campo da política de assistência social, têm obedecido as transformações históricas

pelas quais passou e passa a sociedade capitalista, imprimindo na natureza física e

infraestrutural dos aparelhos institucionais, características particulares. Nesse contexto, a

precarização das condições materiais de trabalho, inerente a própria essência do capital, fundada

na apropriação da riqueza socialmente produzida e na propriedade privada dos meios de

produção (MARX, 1987) acompanha outras formas de depreciação, cujos rebatimentos chegam

à saúde do trabalhador, através de circunstâncias que causam o adoecimento.

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Com base nessa perspectiva, nosso debate se insere nos diversos aspectos da divisão

sóciotécnica do trabalho na sociedade capitalista, constatando as consequências para a saúde do

trabalhador, como uma das expressões da desigualdade, do autoritarismo e da falta de

autonomia profissional na relação entre empregado e empregador, onde a privação de poder e

a desresponsabilização dos órgãos públicos com a provisão dos direitos sociais, recaem sobre

os serviços oferecidos aos usuários e sobre os trabalhadores executores dessas políticas,

submetendo-os aos mais variados agravos à saúde.

Nossa discussão, ratifica, a partir da concepção de saúde laboral integrada ao modelo de

desenvolvimento adotado no Brasil, o cumprimento da saúde e da segurança do trabalhador

enquanto direito humano voltado à qualidade de vida e a integridade física e mental (BRASIL,

2011c) envolvendo os aspectos econômicos, culturais e sociais da vida dos indivíduos, sendo

as relações e as condições de trabalho proporcionadas nos espaços sócio-ocupacionais mais um

dos fatores responsáveis pelo alcance desta prerrogativa.

Sabemos que essa é uma temática contextualizada pelas mudanças na organização e na

gestão do trabalho, em que historicamente a saúde do trabalhador tem sido negligenciada pelas

relações de poder na sociedade capitalista, observando-se, em meio aos avanços nos termos de

conceituação para este campo, diferentes enfoques, firmados em particularidades complexas e

contraditórias (WUNSCH, 2004). A autora desenvolve a discussão sobre a saúde do trabalhador

diante das transformações sociais e econômicas ocorridas no Mundo, associando este conteúdo

às três Revoluções Industrias, quando desde meados do século XVIII, na Inglaterra,

relacionava-se a saúde dos trabalhadores ao provimento de serviços médicos e como produto

de suas condutas individualizadas no ambiente laboral.

Para Wunsch (2004), é possível compreender as transformações sociais e econômicas

sob as três revoluções industriais capitalistas, partindo, retrospectivamente, do marco histórico

da Primeira Revolução Industrial – iniciada no século XVIII –, passando pelas duas

subsequentes, ocorridas nos séculos passados. A Segunda que teve como base organizacional

uma nova forma de gestão do trabalho, protagonizada pelo paradigma fordista/taylorista e a

Terceira que se destacou pelos avanços no setor automobilístico, ampliando-se para o ramo

eletroeletrônico, onde assentou-se o sistema organizacional toyotista.

Na ocasião, portanto, da Primeira Revolução, a saúde do trabalhador obedecia,

basicamente, a uma lógica endógena, resultado do comportamento do trabalhador no seu local

de trabalho, onde a intervenção médica realizava-se apenas sob pena de torna-se inviável a

reprodução do sistema. Nesse período, a base concreta da Revolução Industrial foi a máquina

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a vapor e de fiar, sendo a ocupação da mão de obra, fundamentalmente industrial, verificada

em atividades insalubres, dispendiosas e de baixa qualificação (WUNSCH, 2004).

Mendes e Dias (1991) também se dedicam a construção conceitual do que atualmente

conhecemos como objeto de estudo e especialidade médica voltada à “Saúde do Trabalhador”52,

remetendo-a, anteriormente a uma prática fundamentalmente conservadora, na “tentativa de

adaptar os trabalhadores às suas condições de trabalho, através de atividades educativas”

(MENDES; DIAS, 1991, p. 342). Sob essa perspectiva, atribuía-se aos médicos do trabalho a

tarefa de estabelecer o mais elevado nível possível de bem-estar físico profissional, com vistas

a manutenção da esfera produtiva, a partir de visões eminentemente biológicas e ações voltadas

para o tratamento e a cura das doenças (WUNSCH, 2004)

Com efeito, este é um fragmento também observado durante a era do binômio

fordista/taylorista, no qual a produção em massa, por meio das linhas rígidas de montagem, do

controle do tempo e de produção em série (HARVEY, 2000) ocasionavam uma maior

probabilidade do aparecimento de doenças e de acidentes relacionados ao trabalho, como

síntese das práticas executadas de maneira mecânica, monótona e repetitiva, ligadas à fadiga e

ao desgaste físico e mental adquiridos em razão das extenuantes jornadas de trabalho (SOUZA,

2015).

Logo, o destaque dado à Medicina do Trabalho, naquele período, era voltado para o

apaziguamento das tensões ocasionadas pelas atividades laborativas, em que “o custo

provocado pela perda de vidas, abruptamente por acidentes do trabalho, ou mais insidiosamente

por doenças do trabalho” (MENDES; DIAS, 1991, p. 343) refletiam diretamente na

produtividade. Dessa maneira, a Medicina do Trabalho adotava um modelo individualizado e

patronal, delegando às empresas a tutela sobre a saúde dos trabalhadores, por meio da qual a

relação entre saúde e trabalho operava-se como um mecanismo produtor e reprodutor da

hegemonia dominante.

Tal ponto de vista assumia um caráter instrumental evidenciando traços autoritários nas

relações e nas condições de trabalho, apresentando apenas algum avanço após o contexto

econômico vivenciado com o fim da II Guerra Mundial (em 1945) e das manifestações que

questionavam os padrões e os conceitos presentes na sociedade moderna. O trabalhador

progressivamente, no aglomerado das grandes industrias, reforçou a sua organização sindical e

passou a lutar por garantias sociais, conquistando melhores salários, previdência social e

52 Quando nos referirmos à “Saúde do Trabalhador” enquanto campo teórico e político-ideológico, utilizaremos a

expressão com as inicias maiúsculas e entre aspas.

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menores jornadas de trabalho, o que pode ser considerado, na Europa, fragmentos do Estado de

Bem-Estar Social53 que surgira na época (WUNSCH, 2004).

Foi especialmente, em meados da década de 1960, com a intensificação do trabalho

gerada pelo fordismo/taylorismo, que a insalubridade nos locais de trabalho, a alienação do

trabalhador, bem como as extensas jornadas laborais e a existência de um exército industrial de

reserva54 passaram a ser objeto de discussão, sinalizando as situações de saúde e doença

também como produtos da organização e das condições de trabalho na sociedade capitalista,

podendo causar sofrimento físico e psíquico aos trabalhadores, configurando-se, portanto, como

tema de importância central (BARRETO; HELOANI, 2013).

Destarte, como uma espécie de evolução da Medicina do Trabalho, reconhecendo

também as condições ambientais como determinantes no processo de adoecimento, “a Saúde

Ocupacional surge, sobretudo, dentro das grandes empresas, com a organização de equipes

multiprofissionais, e a ênfase na higiene ‘industrial’, refletindo a origem histórica dos serviços

médicos e o lugar de destaque nos países industrializados” (MENDES; DIAS, 1991, p. 343).

Conforme sinalizamos anteriormente, até que se apontasse diretrizes mais amplas

direcionadas a concepção de “Saúde do Trabalhador” como um campo de discussão no espaço

da saúde pública, ainda no âmbito da Segunda Revolução Industrial (WUNSCH, 2004), a

Medicina do Trabalho é incorporada pela Saúde Ocupacional de forma racional e científica,

aparentemente inquestionável, traduzindo-se na atuação e no instrumental do médico, a

intervenção e o controle no ambiente de trabalho e na vida dos trabalhadores (MENDES; DIAS,

1991).

Vimos que o Brasil, diferentemente dos países de capitalismo central, experimenta o

desenvolvimento industrial de maneira tardia (MANDEL, 1982), subalterno à ordem

imperialista, preservando em sua gênese histórica, traços arcaicos e modernos na maneira de

estruturar e organizar a configuração do trabalho no país. Isto acontece não apenas na

conformação das políticas sociais, como é o caso da assistência social – já que perspectiva dos

diretos sociais acontece aqui, dissociada ao regime democrático (BEHRING; BOSCHETTI,

2007) – como também nas bases teórico-metodológicas que darão sustentação ao debate no

53 Conforme abordamos no item que trata sobre a política de assistência social e a sua relação com o Estado, a

denominação em destaque é um conceito elaborado por cada nação para designar as formas de intervenção estatal

na área social (BOSCHETTI, 2016). Contudo, com base nas análises de Boschetti (2016), este não é um termo

utilizado por nós, ao longo da elaboração deste trabalho, tendo em vista as generalizações e a incorporação desta

terminologia sem o devido cuidado e explicitação a depender da conjuntura social ao qual se relaciona. 54 Para Marx (1987), a própria dinâmica do capitalismo corrobora para a criação de uma superpopulação relativa

flutuante ou exército industrial de reserva, funcionando como uma massa de trabalhadores desempregados que

além de regular o nível geral dos salários, nivelando-os, de preferência, para baixo, coloca à disposição do capital

a mão de obra suplementar necessária da qual ele carece.

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campo da saúde do trabalhador, cujas primeiras menções datam ao fim da década de 1970,

como marca das mudanças estabelecidas na legislação trabalhista.

Produto da concepção de medicina preventiva, reproduzidas nas instituições de ensino

e de pesquisa, em especial em alguns departamentos e escolas médicas no Brasil (MENDES;

DIAS, 1991), emergem no país, as bases para enunciação da Saúde Ocupacional sugerida pela

Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS),

adotando-se os termos como “prevenção”, “proteção”, “riscos” e “adaptação”, visando a

intervenção na saúde dos trabalhadores (LACAZ, 2013). De acordo com Mendes e Dias (1991),

reiterado por Lacaz (1993), o campo da Saúde Ocupacional manifesta-se no Brasil, assim como

em outras partes do globo, como desdobramento das práticas de Medicina do Trabalho, sem,

contudo, alterar o seu referencial mecanicista.

Ainda com o enfoque em uma abordagem particularizada destinada apenas para aqueles

engajados no mercado formal de trabalho, desconsiderando as demandas coletivas dos

trabalhadores, “as relações de saúde/doença na Saúde Ocupacional partem da ideia cartesiana

do corpo como máquina, o qual se expõe a agente e fatores de risco” (LACAZ, 1993, p. 223).

Esta é uma vertente estudada pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo,

sobretudo, a partir da década de 1970, acompanhando a Consolidação das Leis do Trabalho

(CLT) e buscando, assim, adequação às normas relativas à obrigatoriedade das equipes técnicas

multidisciplinares nos locais de trabalho e à avaliação quantitativa de riscos ambientais, bem

como a adoção de “limites de tolerância” nesses espaços (MENDES; DIAS, 1991).

Sob esse ponto de vista, a análise contemporânea acerca das consequências do trabalho

para a saúde dos trabalhadores, resultam, portanto, de um intenso processo de discussões

teórico-práticas na relação entre saúde e doença no trabalho, desde as concepções mais

conservadoras em que homens e mulheres eram vistos como apêndices das máquinas, expondo-

se aos fatores de riscos ambientais externos (SOUZA, 2015), chegando ao campo da “Saúde do

Trabalhador”, na busca pela razão “sobre o adoecer e o morrer das pessoas, e dos trabalhadores

em particular, através dos estudos dos processos de trabalho, de forma articulada com o

conjunto de valores, crenças, ideias e representações sociais” (MENDES; DIAS, 1991, p. 347).

A contar pela década de 1970, ao mesmo tempo em que o Brasil se expunha às mudanças

da chamada Terceira Revolução Industrial (WUNSCH, 2004), observando-se nos processos

produtivos, a reedição nos moldes da administração científica do trabalho; no campo das “ideias

sobre saúde” levantavam-se críticas ao caráter ideológico presente nas propostas de

medicalização e controle das instituições médicas, introduzindo-se, a partir da determinação

social existente no processo saúde x doença, a análise da “Saúde do Trabalhador”.

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Com base na prevenção e na proteção contra os agravos à saúde (fadiga, desgaste,

acidentes e doenças relacionadas ao trabalho), originários da sociabilidade capitalista (LACAZ,

2013), esta é uma perspectiva emergente também em outros países da América Latina, como

Chile, México e Argentina, resultante de um processo de industrialização tardia, onde a grande

heterogeneidade dos novos arranjos trabalhistas introduziram reivindicações da classe operária

que se formara. Nesse contexto, além dos reclames pela regulamentação da carga horária e dos

salários, sincronicamente, defendiam-se a saúde e a integridade física do trabalhador, buscando

a melhoria das condições em que se trabalhava.

Logo, o mais recente complexo de reestruturação produtiva de que trata as inovações na

produção capitalista, além de designar mudanças nos princípios organizacionais do trabalho,

através da racionalização e da introdução à lógica da eficácia e da flexibilidade (ALVES, 2007),

no âmbito da prática médica e da gestão da saúde do trabalhador, interveio a implementação de

um renovado olhar sobre as questões de saúde do trabalhador, síntese do movimento e da

organização da sociedade em prol de transformações também nas políticas públicas brasileiras.

Junto a interlocução da saúde com a área das Ciências Sociais, que sobretudo, a partir

da década de 1980, submete-se a análise de seus objetos de estudos à totalidade econômica,

política e social (FREIRE, 2006), setores do movimento sindical, como metalúrgicos, químicos,

petroquímicos e bancários, passam a exigir que os serviços de saúde pública se envolvam com

as questões relacionadas ao trabalho. Representados, por exemplo, pelo Departamento

Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (DIESAT) e pelo

Instituto Nacional de Saúde no Trabalho (INST), que na época surgiram como uma assessoria

sindical feita por profissionais associado à luta dos trabalhadores, intensificaram-se os debates

sobre os ambientes e as condições de trabalho, levantando os riscos e constatando os danos para

a saúde do trabalhador a partir do saber operário num processo contínuo de socialização da

informação (MENDES; DIAS, 1991).

A trajetória da política de Saúde no país é marcada, desta forma, por um contexto que

se desdobrou em uma série de Conferências Nacionais, reivindicações sindicais e a inclusão de

pautas específicas nas negociações coletivas, onde o debate sobre saúde do trabalhador adquire

destaque decisivo, principalmente, com a mudança de enfoque trazida pela Constituição Federal

de 1988. Momentos importantes como a 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986,

com proposta de criação do Sistema Único de Saúde (SUS), e a efervescência do processo de

Reforma Sanitária no Brasil, na mesma época, consolidaria as ações de saúde, alçada à condição

de direito social e de cidadania, englobando, enquanto tendência mundial, a saúde daqueles que

trabalham (LACAZ, 2013).

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Conforme o autor, a pauta da Reforma Sanitária acontece, no Brasil, simultânea a luta

política pela implementação do SUS e pela busca do reconhecimento das necessidades da

população na área da saúde, especialmente dos grupos menos favorecidos, em prol da

construção de uma contra hegemonia. Através da implantação das ações de vigilância em saúde

e da Rede Nacional de Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (RENAST)55, a

Previdência Social e o Ministério do Trabalho passam a considerar mudanças em seus antigos

modelos de explicação do processo saúde x doença no trabalho e nas fiscalizações dos espaços

sócio-ocupacionais, atuando em conjunto com os sindicatos dos trabalhadores.

Pela primeira vez a denominação “Saúde do Trabalhador” associava-se a uma política

pública, incorporada pela Lei Orgânica de Saúde nº 8.080, aprovada em 19 de setembro de

1990, capaz de dar respostas às necessidades de saúde da população, e em especial dos

trabalhadores. Conforme Lacaz (2013), a partir de então, o Estado passa a ser um espaço de luta

política pelos direitos dos dominados, na perspectiva do planejamento e da execução de

políticas públicas que atendam às demandas sociais dos trabalhadores organizados (LACAZ,

2013).

Na busca pela implementação de propostas de saúde pública que permitissem, então, a

gestão e o controle social compartilhado, o SUS, por meio do seu inédito aparelho legal,

incluiria no campo das intervenções em saúde, as particularidades dos trabalhadores, inclusive,

do setor público, priorizando as atividades de prevenção e serviços especializados em segurança

e saúde do trabalhador, objetivando superar as práticas fiscalizatórias e hierarquizadas.

Entende-se, a partir da Lei nº 8.080, a “Saúde do Trabalhador”, como “um conjunto de

atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária,

à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação

dos trabalhadores submetidos aos riscos e aos agravos advindos das condições de trabalho”

(BRASIL, 1990b, Art. 6, parágrafo 3), abrangendo princípios de participação, controle e

avaliação dos programas em Saúde.

Os pressupostos do SUS englobam, dessa maneira, a percepção do trabalhador como

dono de um saber e como sujeito coletivo inserido no processo produtivo, visto agora não

apenas como mero consumidor de serviços de saúde, de condutas médicas e de prescrições

(LACAZ, 2013), mas capaz de compreender os danos à saúde suscitados por esses processos,

55 A implementação da RENAST nos municípios e Estados deve acontecer por meio da estruturação dos Centros

de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) com a inclusão de ações de saúde do trabalhador na atenção

básica, de média e de alta complexidade. Tudo isso, através do estabelecimento de linhas de cuidado e outros

instrumentos que favoreçam a integralidade, a implementação das ações de promoção e a vigilância em saúde

(BRASÍLIA, 2017).

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destacando-se as condições de ordem material, cultural e política, que interferem no

conhecimento e nas mediações das práticas sociais e das possibilidades de mudança (FREIRE,

2006).

Apoiada nos princípios e diretrizes do SUS, a concepção de saúde é ampliada, deixando

de ser determinada tão somente pela ausência de casos patológicos, cuja abrangência atingia,

sobretudo, aos trabalhadores incorporados ao mercado formal de trabalho (MENDES; DIAS,

1991), transformando-se em direito fundante do ser humano, devendo o Estado prover as

condições indispensáveis para o seu pleno exercício, bem como a sua promoção, proteção e

recuperação, com acesso igualitário e universal a alimentação, moradia, saneamento básico,

meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte e etc. (BRASIL, 1990b).

No que se refere ao nosso objeto de estudo, sabemos que historicamente a política de

assistência social no Brasil tem sido alvo do curso da reestruturação produtiva, ocasionando a

desconstrução de sua perspectiva enquanto direito e o amplo processo de precarização no

campo das políticas sociais, o que particularmente, a contar pela atuação dos profissionais nesta

área, deparamo-nos com a retirada do Estado também na provisão das condições de trabalho

dos assistentes sociais, que cotidianamente lidam com as mais diversas expressões da questão

social.

De tal forma, a exemplo da construção da política de assistência social no Brasil, a

política de Saúde e os processos correspondentes a relação saúde x doença no ambiente de

trabalho, também sofrem os impactos desse processo, atingindo a sua consolidação enquanto

primazia do Estado e direito da sociedade, obtendo alguma evolução no que tange as

necessidades coletivas da classe trabalhadora, porém balizada pelos interesses singulares do

capital, ante a um paradoxo de avanços e retrocessos.

Fruto das novas exigências laborais e das cobranças elevadas ao âmbito do trabalho, são

diversas as evoluções normativas legais pertinentes aos riscos à saúde do trabalhador,

entretanto, na mesma medida, são muitas as manifestações de adoecimento que se destacam em

razão dos novos modos de administrar e organizar o trabalho, influindo nos valores identitários

do trabalhador. Nessa tela, enquanto a jornada de trabalho aumenta, os salários permanecem

congelados e o trabalhador precisa conviver com o fantasma das demissões e do desemprego

crescente, ele é transformado em colaborador ativo e competitivo, pronto a sacrificar-se em prol

da empresa e do alcance aos índices de produtividade (BARRETO; HELOANI, 2013).

O mesmo parece ocorrer na esfera pública, onde embora saibamos, a gestão das políticas

sociais e das demandas dos cidadãos sejam direitos reconhecidos constitucionalmente, sendo

sua concretização responsabilidade primordial do Estado (GONÇALVES; KAUCHAKJE;

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MOREIRA, 2015) os meios colocados à disposição para o alcance dos programas e projetos

sociais estão subordinados ao monopólio das políticas econômicas e à ineliminável cisão entre

capital e trabalho, fundada na propriedade privada dos meios de produção e na divisão

hierárquica do trabalho. Nesse sentido, seja com relação à carreira e aos salários, ou com a

organização das unidades de atenção, prejudicando a qualidade e a continuidade dos serviços,

é certo que essas caraterísticas têm impactado a vida e a saúde dos profissionais, ocasionando

adoecimento.

Sob a ótica dos assistentes sociais entrevistados e inseridos nos Centros de Referência

de Assistência Social (CRAS e CREAS) do município de Natal/RN, a entrevista com a

assistente social Cora Coralina demonstra o processo de adoecimento causado em decorrência

do trabalho, em que a doença, muito embora não apareça vinculada a problemas físicos – o que

para nós pode vir a ser uma consequência futura – relaciona-se com a dor e o sofrimento

psíquicos impostos pelas normas disciplinares e a voracidade produtiva do capital. Nos termos

da entrevistada:

Eu passo por um processo de adoecimento constante. Eu acho que eu tenho

transtorno de ansiedade. Eu trato do meu transtorno, então eu faço psicoterapia

[...] Aqui a gente não tem núcleo de assistência à saúde do trabalhador. Pelo

contrário. A preocupação é nesse sentido: é só se eu vou chegar na hora, se eu

vou sair na hora. E olhe que eu não me considero uma profissional não pontual

e sou assídua, entende? Mas assim, é sempre isso. Ah, e inclusive assim, de

ter época de dizer assim: ‘olhe, vocês só têm 10 minutos para almoçar’, ‘vocês

não podem ficar saindo pra lanchar’. Então assim, eu faço um atendimento

aqui bem barra pesada e seu quiser ir ali no vizinho lanchar, respirar, e ligarem

‘pra’ cá eu não tiver, já vai ser um problema, entendeu? Coisas que eu acho

que não agregam em nada ao trabalho (CORA CORALINA, 2017).

Esse depoimento é validado ao longo da nossa pesquisa, onde o controle excessivo do

trabalho, a falta de autonomia profissional e o autoritarismo aparecem nas expressões dos

profissionais, associando aos casos e situações de adoecimento, a desmotivação, a

desvalorização profissional e o assédio moral, fazendo com que o trabalhador da assistência

social, especialmente, o assistente social, venha se sentindo adoecido.

No instante em que vivencia, na dinâmica do seu exercício profissional, a intensificação

das atividades e a redução do tempo dedicado às ações inerentes a boa realização do seu

trabalho, incluindo os momentos de descanso e alimentação, Cora Coralina (2017) ilustra as

consequências do processo da reestruturação produtiva para vida e saúde dos trabalhadores,

onde não apenas o corpo, mas a mente, como parte constitutiva da subjetividade, é atingido

pelas mudanças nas estratégias de dominação e exploração do trabalho, que neste caso, ocupa

a forma de autoridade patronal do Estado.

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Ainda que não seja a empresa privada o lócus do nosso estudo, o processo de

reestruturação produtiva delineado pela mundialização do capital, principalmente nesses

espaços, também atinge os servidores públicos com a intensificação do modelo toyotista, a

partir da crise do regime de acumulação fordista, em que a captura da subjetividade do trabalho

tornou-se ainda mais indispensável ao funcionamento dos seus dispositivos organizacionais.

(ALVES, 2007).

Sustentadas pela lógica do capital, colocando a sua disposição intelectual e afetiva, a

classe que sobrevive da venda de sua força de trabalho, as transformações no conteúdo do

trabalho ocorrem, portanto, articuladas às jornadas prolongadas e extenuantes, incrementadas

pela exigências emocionais e cobranças elevadas, onde as relações laborais são construídas e

se constituem na negação do outro, no autoritarismo, na intolerância, na desconfiança e nas

intimidações (BARRETO; HELOANI, 2013).

A título de exemplo, destaca-se o caráter central do toyotismo, sobre o qual se

intensificou a lean production (ou produção enxuta) e o sistema just in time, no qual a produção

é estritamente ajustada às demandas do mercado e realizada de modo a evitar o desperdício de

espaço, de materiais, de operários e de tempo, a partir das subcontratações, terceirizações e a

intensificação dos processos de Qualidade Total na esfera produtiva. (ALVES, 2007).

Temos que os trabalhadores e as organizações, sejam elas, públicas ou privadas, sofrem

as influências dos valores e das determinações dos chamados Programas de Qualidade Total

(PQTs) e dos Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), incluindo na administração pública,

a noção de efetividade sob a ótica da qualidade na prestação dos serviços (GONÇALVES;

KAUCHAKJE; MOREIRA, 2015); o que para nós, mais uma vez esbarra na incongruência da

materialização da gestão social do Estado, que mesmo sob determinações legais não incorpora

como sua, a responsabilidade da garantia dos direitos dos usuários, nem tão pouco dos

profissionais atuantes na esfera das políticas sociais.

Sobre esses últimos, está claro na NOB/RH do SUAS, como atribuição dos municípios

em nível de gestão plena da política de assistência social, o estabelecimento de uma política de

recursos humanos com carreira para os servidores públicos, devendo inclusive, ser assegurado

em sua Lei Orçamentária, uma designação à gestão do trabalho, com fundos destinados para a

garantia das condições de trabalho, da qualidade de vida, da segurança e da remuneração dos

trabalhadores concursados (BRASIL, 2006).

Por outro lado, o que tem sido vivenciado pelos servidores públicos municipais de

Natal/RN, é uma lógica perversa de atraso nos salários e adiamento das mesas de negociação

com a Prefeitura (SINSENAT, 2017b), distanciando-se cada vez mais a organização e o

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estabelecimento de uma gestão de recursos humanos que reconheça as particularidades e as

necessidades dos servidores que lidam cotidianamente com um complexo contexto de

vulnerabilidade social e retirada de direitos básicos.

Esta é uma outra problemática destacada pelos assistentes sociais, ao longo das nossas

entrevistas, os quais associam a dinâmica de suas atividades na política de assistência social e

o enfrentamento dos casos típicos de violação de direitos, ao sofrimento, adoecimento e

desgaste físico-emocional, objeto para o qual a Prefeitura não tem atribuído atenção suficiente,

conforme Tarsila do Amaral e Cora Coralina.

A esse respeito, Tarsila do Amaral (2016), relata:

Eu passo o dia atendendo usuários né? Recebendo aquela carga muitas vezes

muito pesada; aí você faz um atendimento e quando termina aquele

atendimento você está esgotado [...] Quer dizer, além da dimensão das

condições de trabalho objetivas tem as subjetivas aí que você não pode nem

mensurar; como é você chegar na sua casa, de noite, cansado e dizer: ‘puxa,

meu dia hoje foi tão pesado’ e não tem onde você descarregar isso. A gente

não tem espaço. Então assim, eu passei quase 10 anos com isso daí e em

momento algum a gente teve espaços ou suportes para o servidor (TARSILA

DO AMARAL, 2016).

Por conseguinte, a ausência de medidas que assistam os trabalhadores do SUAS em suas

particularidades, relacionando as condições de trabalho aos impactos na subjetividade, também

foi um ponto destacado por Cora Coralina (2017), demonstrando ser o “cuidado com o

servidor”, um tema fundamental para o apoio dos trabalhadores em suas demandas individuais

e coletivas, reiterando-se, na afirmação da entrevistada:

O fato é que esta é uma Secretaria que não tem núcleo de assistência à saúde

do trabalhador, que não controla os atestados que tem, em nível de

informações importantes, mas sim de perseguição e de veracidade dos

atestados. Na SEMTAS ninguém vai questionar porque os profissionais estão

adoecendo não. Sempre vai ser aquela questão de achar que o atestado é

gracioso, que não está doente, entendeu? Então assim, a discussão aqui é

totalmente contrária, o que é o estranho [...] Então ‘peraí, se eu tenho várias

pessoas adoecendo, eu tenho que pelo menos que me perguntar, o que que está

acontecendo aqui?’ (CORA CORALINA, 2017).

O depoimento citado resgata a discussão sobre a “Saúde do Trabalhador” como

desdobramento de conjunturas políticas e sociais no Brasil e no Mundo, onde, ao longo dos

anos, a dicotomia presente na relação saúde x doença no trabalho permanece em contradição,

já que o capitalismo ao mesmo tempo em que reestrutura os moldes de sua política de gestão

do trabalho, introduzindo mecanismos legais de proteção ao trabalhador, também dimensiona

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o controle desse trabalho, com base na competitividade do mercado e nas relações

hierarquizadas.

Até mesmo com a alteração das nomenclaturas como “Administração de Recursos

Humanos” para “Gestão de Pessoas”, o que deveria ser reflexo de vínculos interpessoais mais

participativos e solidários no interior do sistema produtivo, advogando o envolvimento do

conjunto de seus parceiros (CHIAVENATO, 2004) não tem se efetivado, funcionando apenas

como estratégia para atrair o envolvimento dos trabalhadores com o enriquecimento das

organizações (SOUZA, 2015).

Confirma-se, então, a marca das relações capitalistas entre os homens e o trabalho,

baseados fundamentalmente no enriquecimento pessoal e no individualismo, tão característico

dos dias atuais, pelo fato de cada indivíduo, empresa e até mesmo o Estado encontrar no

trabalho coletivo o instrumento para a acumulação de capital. Nesse padrão, as falas de Tarsila

do Amaral (2016) e Cora Coralina (2017) retratam as consequências para o trabalhador

assalariado, tendo em vista o lugar que o ocupa na divisão sóciotécnica do trabalho, vivenciando

no exercício profissional expressões da desigualdade, do autoritarismo e das coerções

(FREIRE, 2006).

A autora discute as consequências do processo de reestruturação produtiva para a vida

e saúde dos trabalhadores, os quais vem sendo comumente submetidos aos mais variados tipos

de “violência”, em face aos desgastes, estresses, tensões e sobrecargas, inerentes a lógica do

capital. Para Freire (2006), os elementos biopsíquicos dos sujeitos respondem às condições

materiais e sociopolíticas presentes nos espaços de trabalho, onde a incapacidade e a falta de

autonomia para mudar as situações que incomodam, tem fragilizado individual e coletivamente

os trabalhadores, em “uma espécie de mutilação social dentro do próprio trabalho” (FREIRE,

2006, p. 41).

Essa perspectiva nos auxilia na compreensão sobre as condições de trabalho dos

assistentes sociais inseridos nos CRAS e CREAS de Natal/RN, onde não isentos da relação

capital/trabalho também sentem os impactos da desresponsabilização do Estado com a noção

do direito, minimizando a importância de uma gestão do trabalho voltada para qualidade de

vida e saúde dos trabalhadores. De tal forma, pois embora a maioria dos discursos dos

assistentes sociais não tenham abarcado aos processos de adoecimento físico, o que para nós,

pode ter relação com o perfil dos entrevistados56, não desconsideramos as consequências

psciocorporais causadas pelas situações de esgotamento e desgaste, presente nos depoimentos.

56 Tendo em vista o recente concurso realizado pela Prefeitura Municipal de Natal para o quadro de servidores da

SEMTAS, cinco, dos oitos dos assistentes sociais entrevistados exerciam suas atividades naquele espaço sócio-

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Além destas, outras expressões demostraram os rebatimentos que as mudanças no

mundo do trabalho podem acarretar para a saúde do trabalhador, permitindo identificar ao longo

das entrevistas, nos relatos acerca do adoecimento dos trabalhadores, possíveis manifestações

de atos abusivos, intolerantes e violentos, normalmente consentidos nos ambientes de trabalho

e muitas vezes mantidos no silêncio da insatisfação e do sofrimento das vítimas.

No debate acerca dos sentidos atribuídos à intolerância e à violência, sabemos que estas

são resultados do desejo de assegurar a coesão social, destruindo a tudo aquilo que

aparentemente não é saído de si e não é idêntico a si, em uma lógica que serve aos interesses

que se julgam ameaçados (HÉRITIER, 2000 apud BARRETO; HELOANI, 2015). Conforme

os autores, a intolerância ajusta-se aos atos de violência, encontrando ambiente propício em

práticas de desrespeito, xenofobia, preconceito, fundamentalismo religioso e a propagação do

medo, em circunstâncias dentro e fora dos ambientes de trabalho, separando as pessoas em

grupos distintos.

O assédio moral apresenta-se nesse cenário, como produto cultural e manifestação

histórica presente nas relações sociopolíticas dos sujeitos na sociedade, em que a intolerância e

a violência adquirem a capacidade de denegrir, desqualificar e perseguir o outro de maneira

sutil ou explícita (BARRETO; HELOANI, 2015). No caso das relações laborais, este pode

revelar-se pela “violência simbólica”57, síntese do antagonismo da relação capital/trabalho e da

plenitude da hierarquização, da competitividade, do individualismo e da ausência de respeito

pela competência do outro, inerente aos moldes da sociedade capitalista (FREIRE, 2006).

A intolerância, desse modo, torna-se um dos facilitadores dos atos de violência, na

medida em que juntas, caracterizam-se como uma construção social de sustentação às ações

que exploram e cultivam o ódio às diferenças (BARRETO; HELOANI, 2015) possibilitando e

permitindo comportamentos que prejudiquem diferentes conjuntos de pessoas. É possível dizer

ainda, de acordo com os autores, que mesmo que as descriminações de gênero, a violência

psicológica, o assédio sexual e o assédio moral sejam expressões das mais variadas conjunturas

sociais e econômicas, sob os interesses do capital, necessariamente, têm subordinado ainda mais

ocupacional há menos de um ano, demonstrando maior vigor em razão do tempo em atividade. Acreditamos que

em virtude disto e por serem profissionais cuja faixa etária não ultrapassava os 40 anos, ainda são pouco

reconhecidas as consequências físicas do quadro de desgaste psíquico relatada na maioria das entrevistas. 57 Embora saibamos que os atos de violência abrangem as mais diversas formas de agressões, para vias da nossa

discussão sobre assédio moral, nos deteremos ao poder que existe nas práticas simbolicamente violentas e que se

manifestam por meio das relações de dominação, da cultura e dos valores que se expressam na sociedade. Este é

um conceito elaborado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu no qual aborda uma forma de violência que não

pressupõe a coação física, denominando-a de violência simbólica. Ver: Bourdieu (1989).

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os indivíduos a uma vida limitada, parcial e alienada em razão das contradições e das

desigualdades sociais.

Sob essa perspectiva, ainda que os atos violentos, em seu sentido mais amplo e genérico,

tenham acompanhado a vida dos homens desde os primórdios da sociedade, assumindo

contornos aparentemente culturais e biológicos (étnicos/raciais e de gênero), na

contemporaneidade, adquire novas roupagens a partir dos modelos organizacionais do trabalho,

cujo aumento da produtividade e da rentabilidade (SOUZA, 2015), conforme afirmamos, tem

ocasionado agravos físicos e psíquicos aos trabalhadores, incluindo os casos de assédio moral

nos locais de trabalho.

Segundo Barreto e Heloani (20150 no que tange o nosso objeto de estudo, a violência

é aqui abordada como substância dos atos de assédio de moral, favorecida pela precarização do

trabalho, para além do emprego da força, das agressões e dos maus-tratos físicos direcionados

contra alguém, abrangendo as humilhações, as formas de tortura psicológica e a exposição

direta e indireta dos indivíduos, causando-lhes impactos negativos Consoante aos autores, os

pressupostos para a prática de assédio moral acompanham, portanto:

“[...] a repetição sistemática dos atos que humilham, constrangem e

desqualificam, evidenciando um conflito entre o agente do poder e seus

subordinados. Terror que se inicia com um ato de intolerância, racismo ou

discriminação e que se transforma em perseguição, isolamento, negação de

comunicação, sobrecarga ou esvaziamento de responsabilidades com grande

dose de sofrimento” (BARRETO; HELOANI, 2015, p. 555, grifo nosso).

Barreto e Heloani (2015) reiteram suas análises sobre o assédio moral, como um

processo complexo e contraditório, produto de um contexto de exploração e de instabilidade,

em razão do lugar que o trabalho assalariado ocupa no circuito do capital, de forma degradada

e insegura, sendo fundamental que se evitem conceitos e classificações simplistas sobre o que

é e o que não é assédio moral. Por essa razão, “embora o assédio moral no trabalho seja uma

coisa tão antiga quanto o próprio trabalho” (HIRIGOYEN, 2002, p. 67), é necessário resguardar

o conceito às ações que gerem desconforto a longo prazo, evitando que seja alegado em toda e

qualquer circunstância ou em conflitos pessoais e antipatias aleatórias nos ambientes de

trabalho, pois, apesar dessas situações serem, em alguma medida, conformadas como violência,

não são a rigor assédio moral (SOUZA, 2015).

Marie-France Hirigoyen, psiquiatra e pesquisadora francesa amplamente conhecida por

estudar o assédio moral no cotidiano das famílias e do mundo do trabalho, sobretudo, através

das obras Assédio moral: a violência perversa no cotidiano e Mal-estar no trabalho:

redefinindo o assédio moral, utilizou pela primeira vez esta terminologia sinalizando não ser

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pertinente confundir a violência pontual, derivada de grosseria, nervosismo e mau humor no

ambiente doméstico ou de trabalho, com a violência “destrutiva”, que se repete no tempo e visa

destruir psiquicamente o outro (SOUZA, 2015).

De acordo com Hirigoyen (2002), por assédio moral, caracteriza-se, então, as práticas

que carreguem em si “toda conduta abusiva manifestando-se, principalmente, por

comportamentos, atos, gestos e escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade

ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa e pôr em perigo o seu emprego ou degradar

o ambiente de trabalho” (HIRIGOYEN, 2002, p. 67). Um fator fundante dos casos de assédio

moral é, desse modo, o caráter repetitivo das situações vexatórias e humilhantes, levando a

vítima a irritação, exaustão e depressão, ao perceberem a ausência de qualquer tipo de esforço

a fim de que se abrandem esses episódios, ou deixem de existir.

Produto da sociedade capitalista, onde a desigualdade é naturalizada no campo da

política e do poder, acreditamos que a conformação do assédio moral adquire ainda mais relevo

em países como Brasil, cuja herança servil a qual esteve subsumida a classe trabalhadora, diante

das históricas hierarquias instituídas e das pressões competitivas impostas pelo mercado,

revelam o autoritarismo e a manipulação de maneira mais perversa, como algo inofensivo, sobre

o qual dizem não ser necessário ou permitido rebelar-se.

O próprio tema, embora tenha sido figurado na Convenção nº 111 dos países membros

da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1958, objetivando a eliminação de todas

as formas de distinções, exclusões e preferências nos locais de trabalho, (BRASIL, 1968) –

aparentemente os casos de assédios, moral ou sexual, nesses ambientes, ainda demandam um

esforço pedagógico e preventivo particular, com o propósito de que sejam definidas e

consideradas como práticas abusivas, hostis e degradantes.

Retrato do medo, potencializado, sem dúvida, pelo desemprego em grande escala,

resultado da flexibilização laboral e pela ideia de que os trabalhadores assalariados devem estar

dispostos “a aceitar tudo se quiserem manter o emprego” (HIRIGOYEN, 2002, p. 75), as

práticas de assédio moral se multiplicam mesmo sem o ato da denúncia, demonstrando que o

sentimento proveniente de possíveis agressões morais chegam a esfera íntima e subjetiva das

pessoas, que de forma aberta ou velada, manifestam-se sobre as circunstâncias que as afetam,

em seu exercício profissional e na própria vida.

No tocante aos depoimentos dos assistentes sociais entrevistados, inseridos nos Centros

de Referência de Assistência Social (CRAS e CREAS) de Natal/RN, podemos afirmar que o

“assédio moral” não foi uma categoria teórica anteriormente prevista no nosso estudo,

entretanto, nos demandou atenção, a contar pelas menções aos casos que remetiam a ausência

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de autonomia profissional para direcionar e definir ações correspondentes ao trabalho e a

inserção dos profissionais no movimento de greve que aconteceu de Nov./2016 a Mar./2017,

no município.

É possível retratar os atos de assédio moral, através de expressões como a da assistente

social Celina Guimarães, em que o controle hierárquico acerca das suas atribuições

profissionais tem atingido a qualidade do trabalho realizado, apoiado em um discurso que

ratifica a desmotivação e a desvalorização profissional, conforme a entrevistada:

A Secretaria é muito difícil. Ela é uma das secretarias que mais tem queixas

de assédio moral. A SEMTAS é conhecida, né, principalmente, no sindicato,

no Sinsenat. Aí, assim, a gente percebe que não há, digamos assim, um

reconhecimento do nosso papel. Até nos eventos, a secretária, ou quem quer

que seja que venha da SEMTAS, não reconhece o nosso trabalho. Existe muita

cobrança: ‘tem que fazer assim, tem que fazer assado, mudou a forma de fazer;

agora não faz mais assim, faz de outra forma. Tem que chegar de 8h, tem que

ser pontual’, mas ninguém vê que a gente está recebendo salários atrasados

(CELINA GUIMARÃES, 2016).

Esta é uma realidade que para nós pode relacionar-se com a perspectiva da saúde dos

trabalhadores, na medida em que a agressão, embora não aconteça abertamente, levanta a

dúvida sobre a competência profissional do empregado, desqualificando-o ou pondo em

questão tudo o que ele fala ou diz (HIRIGOYEN, 2002). Freire (2006) também aborda o grau

de dependência dos trabalhadores, neste caso, em face do crescente desemprego e da cultura de

desresponsabilização do Estado com as políticas sociais, onde, do mesmo modo, tem sido

afetado os limites da autonomia profissional, tendo em vista a fragilização e a desestruturação

dos processos de trabalho.

Diante desse cenário, logo surgem as implicações que atingem diretamente o exercício

profissional e a vida dos trabalhadores, não apenas em razão da maior competitividade,

produtividade ou precarização das condições de trabalho na esfera pública, mas associada a

sobrecarga de tarefas e a perda de autonomia profissional, favorecendo, assim, os desgastes e

eclodindo novos riscos físicos e mentais para o trabalhador (BARRETO; HELOANI, 2015).

No caso do Serviço Social, a questão da autonomia tem sido um tema reiteradamente

discutido pela categoria profissional, que mesmo sob a tendência de alargamento do mercado

de trabalho no campo das políticas sociais, principalmente no início dos anos 2000, com a

instauração de medidas legais alçadas no âmbito da proteção social (RAICHELIS, 2011b),

contraditoriamente, aprofunda-se o estatuto do trabalhador assalariado, subordinado aos

processos de alienação, intensificação do trabalho e restrição da autonomia.

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O assistente social, nessa condição, percebe a sua autonomia tensionada na mediação

com o mercado de trabalho e na alienação resultante da venda da sua atividade em troca de

salário, que por se tratar de uma prática regulada por outros, inúmeras vezes depara-se na esfera

pública, privada ou nos diferentes segmentos organizados da sociedade civil, com delimitações

que interferem na matéria sobre a qual incide esse trabalho ou nas próprias condições em que

se operam os atendimentos (IAMAMOTO, 2015).

Por outro lado, Iamamoto (2015) também atenta para o significado social do trabalho

realizado pelo assistente social, problematizando que mesmo condicionado aos mecanismos do

mercado na sociedade capitalista, há na interpretação social da profissão, particularidades de

caráter coletivo e de essência eminentemente social. A partir das contribuições advindas da

teoria social marxista, o Serviço Social institucionaliza-se, enquanto trabalho útil e abstrato,

colocando-se a favor da intervenção do Estado no processo de regulação social, em uma dupla

perspectiva: garantindo condições adequadas ao pleno desenvolvimento capitalista em seus

processos de acumulação, e respondendo simultânea e contraditoriamente, às pressões de

mobilização e organização da classe trabalhadora (RAICHELIS, 2011b).

A configuração do trabalho obedece, portanto, as formas de organização, regulação e

gestão do mercado e das políticas públicas diante das redefinições do Estado, ao mesmo tempo

em que esta categoria tem adensado o seu aporte teórico-metodológico e ético-político, a partir

da qualificação profissional e da representação política, em um campo de correlação de forças,

que felizmente, não tem naturalizado os processos de precarização de trabalho, de adoecimento

dos trabalhadores e dos atos abusivos cometidos nos espaços sócio ocupacionais.

É possível perceber fragmentos dessa afirmação no depoimento explicitado antes, por

Celina Guimarães (2016), quando assemelha o assédio moral às situações que atingem a sua

autonomia profissional, oportunizando também esse debate a partir de outro ponto da entrevista.

Sobre os possíveis aspectos que interferem no trabalho, a assistente social declara:

É a questão da autonomia mesmo de elaborar os relatórios sem ninguém

questionar. Porque a gente elabora os nossos relatórios, envia para a

coordenação, a coordenação vai corrigir e vai passar o visto nos seus relatórios

[a coordenação geral dos CRAS?] É, passa o visto né. Lê, e se tiver que achar

que deve mudar alguma coisa, muda, seja a nível de escrita mesmo, se achar

que está errado alguma coisa de ortografia eles mudam, ou mesmo no

parágrafo. Aí eles chamam de sugestões: ‘não, mas não são modificações, são

sugestões, né?’ Mas, só que assim, eu não gosto de fazer modificações, né, a

gente tem uma revolta muito grande e assim a gente se sente invadido, né,

porque eu não sou profissional? Eu não estudei ‘pra’ isso? Eu não sou

formada? Não estou aqui por meu direito? Então, o relatório fica do jeito que

eu elaborei, esteja errado ou não. E eu vejo que isso não é uma insatisfação só

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minha, né? Porque eu vejo nas falas das minhas colegas também (CELINA

GUIMARÃES, 2016, grifo nosso).

O posicionamento de Celina Guimarães (2016) nesse relato resgata muito da discussão

que estabelecemos sobre as condições de trabalho nos CRAS e CREAS no município de

Natal/RN, remetendo a elementos que dizem respeito não só ao assédio moral assentado em

medidas coercitivas de constrangimento e desqualificação profissional, mas também à falhas

na garantia do sigilo profissional e no cumprimento das prerrogativas legais que apontam ser

atribuição privativa do assistente social a elaboração de pareceres e documentos técnicos em

matéria de Serviço Social (BRASIL, 2012b).

Assentado no abuso de poder e a partir da criação de focos de tensão e instabilidade, o

assédio moral qualifica-se na hierarquização das relações trabalhistas e na construção da

fragilidade identitária dos trabalhadores (HIRIGOYEN, 2002) transformando o ambiente de

trabalho em um espaço degradado, inseguro e arriscado, afetando a todos. Conforme salientou

Celina Guimarães (2016), precisar submeter o produto do seu trabalho ao exame de outrem, os

quais podem não estar concatenados à sua perspectiva teórico-metodológica ou ético-política,

parece ter sido uma prática para qual não tem lhe restado escolha, denunciando, inclusive, ser

esta uma situação desconfortável também para outros profissionais.

Essa assertiva só corrobora para a aferição de atos de assédio moral nos ambientes de

trabalho, uma vez que, normalmente, o abuso de poder não é dirigido contra um único indivíduo

e que são, estes, fatos não isolados, (HIRIGOYEN, 2002), tratando-se da repetição de episódios

orquestrados pelos moldes do trabalho na sociedade capitalista e a necessidade de sobrevivência

dos trabalhadores. Especificamente na política de assistência social, esse contexto traz ainda

resquícios político-ideológicos, relegando a assistência social à política de “segunda classe”

(SPOSATI, 1995), em que a qualidade dos serviços oferecidos aos usuários e das condições de

trabalho dos profissionais parecem não estar na pauta da administração pública do Estado,

banalizando o quadro de precarização e as situações que têm custado a saúde dos trabalhadores.

Nesse caso, além de reconhecer as particularidades desse campo, é fundante que temas

como o “assédio moral” venham à tona, demostrando ser esta uma exigência para todos os

espaços sócio-ocupacionais, pois até mesmo quando se organizam pela manutenção de direitos

profissionais, em um movimento legítimo de greve, a exemplo da que ocorreu em Natal/RN,

muitos trabalhadores ainda são acometidos pelo medo de represálias, configurando-se como

atos e práticas que também são manifestações de violência, e portanto, devem ser abolidas.

Durante a nossa pesquisa, esta foi mais uma circunstância eminente nos relatos dos

profissionais, que corroborando com os estudos que salientam a verticalidade do assédio moral,

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isto é, vindo do empregador em direção ao empregado (HIRIGOYEN, 2002)58, afirmaram

sofrer constrangimentos, conforme alega a assistente social Nísia Floresta:

Uma das coisas que nessa greve foi muito difícil, para além do que eu já disse,

foi a questão do assédio mesmo, que a gente sentia né? Onde eu trabalho,

diretamente não, mas como a gente compartilha muito esse tipo de situações,

teve gente até com falta na sua folha de ponto. É além disso, ameaças do

próprio prefeito via twitter dizendo que ia colocar falta nos grevistas, sendo

que seria uma atitude arbitrária dele, porque a greve é legal. Ele estava

atrasando os salários, tendo em vista que a lei orgânica estabelece o último dia

útil como dia de pagamento dos servidores (NÍSIA FLORESTA, 2017).

Considerando-se que podem ser diversas as formas como se manifesta o assédio moral

nos ambientes de trabalho, extrapolando a dinâmica das atividades profissionais e sendo

reconhecido até mesmo sem denúncia; relacionamos a situação descrita por Nísia Floresta

(2017) como um típico caso em que a violência inerente a este processo configura-se como

mais uma estratégia do capital com o objetivo de desestimular e despolitizar o potencial

reivindicatório da classe trabalhadora.

Silva e Raichelis (2015) levantam essa questão, ao analisarem através de uma pesquisa

com assistentes sociais atuantes em diferentes políticas públicas59, as ocorrências de assédio

moral nas relações de trabalho, com base nos relatos de vivência descritos por esses sujeitos,

que apontam casos de imposição e autoritarismo, negando as possibilidades de resistência aos

trabalhadores, em razão do posicionamento político e/ou filiação partidária e/ou sindical.

De acordo com as autoras, além dessa tendência, outros pontos especificam as possíveis

ocorrências de assédio moral vivenciadas pelos assistentes sociais, desencadeando-se em razão

da competência técnica da equipe, da defesa de princípios éticos, bem como de suas atribuições

e competências profissionais, conforme já sinalizamos na nossa pesquisa. Esse fenômeno

acentua-se quando junto a esses elementos, a impunidade e a não responsabilização do agressor

ou do órgão competente degrada ainda mais as condições de trabalho, gerando adoecimento

físico e psíquico dos trabalhadores, que isolados, dificilmente encontrarão estratégias de

enfretamento para este quadro.

58 Em sua análise, a autora trata de duas modalidades de assédio moral nos ambientes de trabalho, identificadas

como assédio moral horizontal, ocorridas com membros da mesma “horda”, ou seja, pessoas que ocupam o mesmo

cargo ou função, ou estão em um mesmo nível hierárquico; e o assédio moral vertical, mais comum e geralmente

melhor identificável, tratando-se, normalmente, do assédio moral que ocorre entre o chefe e o empregado, e cuja

condição hierárquica é determinante. 59 Estudo elaborado com base na dissertação de mestrado de Ociana Donato da Silva, defendida no Programa de

Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-SP, em 2014, sob orientação da Profa. Dra. Raquel Raichelis. Ver Silva

(2014).

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O assédio moral, nessa circunstância, atinge não só a integridade do trabalhador como

também contribui para a redução dos processos coletivos de luta e resistência, enfraquecendo

os sindicatos e as entidades representativas profissionais. Com uma vida desprovida de sentido

dentro do trabalho, fora do trabalho também não haverá sentido (ANTUNES, 1999) a fim de

que se busquem alternativas de médio ou longo prazo, em favor da sensibilização quanto aos

direitos dos trabalhadores, ou até mesmo da adoção de uma política mais explícita direcionada

para a tolerância zero das situações violentas nas relações sociolaborais (BARRETO;

HELOANI, 2015).

Sem, contudo, afirmar que o capitalismo em sua lógica global, irá realizar o que almeja

a OIT, ratificando a importância de mais e melhores postos de trabalho para homens e mulheres

em todo o mundo (ALVES, 2007), o que se coloca é a construção de um pensamento e de

medidas contra hegemônicas que observem o compromisso ético-político com a garantia dos

direitos dos trabalhadores, nesse caso, incluindo os assistentes sociais, através de um coletivo

de resistência que retomem as condições de trabalho profissional, sem reducionismos, sem

abuso de poder e sem coerções.

Para tal, reconhece-se como competência da Justiça do Trabalho a apreciação de

processos indenizatórios por assédio moral, fundamentando-se na Constituição Federal, na

Consolidação das Leis Trabalhistas e no novo Código Penal Brasileiro, em que o Art. 136 A

acrescentado pelo Projeto de Lei nº 4.742 de 2001, institui o assédio moral como crime, sob

pena de detenção de um a dois anos, causada pela “depreciação, de qualquer forma, e

reiteradamente, a imagem ou ao desempenho do servidor público ou empregado, em razão de

hierarquia funcional ou laboral, sem justa causa, colocando em risco ou afetando a sua saúde

física ou psíquica” (BRASIL, 2001, Art. 136 A). Além disso, assegura-se no Art. 146 A, do

mesmo Código, o assédio moral associado a palavras, gestos e atitudes que desqualifiquem a

imagem, a segurança e a autoestima do servidor público ou empregado.

Sob essa perspectiva e no tocante à orientação político-pedagógica destinada a

diferentes segmentos de trabalhadores, salientamos a importância da atuação política dos

órgãos representativos das categorias profissionais com estratégias coletivas de enfretamento

ao assédio moral, auxiliando não só junto a “judicialização” dos conflitos que culminam na

esfera pública – que não deixam de causar dor e o adoecimento aos envolvidos – como também

na problematização às margens da atuação do assistente social, uma vez que as condições

concretas para o seu exercício, dadas pela precariedade da estrutura organizacional, estão cada

vez mais sucateadas (SILVA; RAICHELIS, 2015).

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Em Natal/RN, por exemplo, temos a Lei nº 189/02, aprovada em 23 de fevereiro de

2002, que prevê a aplicação de penalidades à prática de assédio moral nas dependências da

administração pública municipal direta, indireta, autárquica e fundacional, por servidores

públicos municipais nomeados para cargos de confiança (NATAL, 2002), contudo, ainda é

escassa a publicização deste tipo de documento, bem como as causas que tem levado os

trabalhadores ao adoecimento, em decorrência da configuração do seu trabalho.

Sobre esse aspecto, a propósito, não foi percebido em nenhuma das entrevistas com os

assistentes sociais servidores da SEMTAS, qualquer referência acerca da existência dessa lei,

o que nos leva a refletir sobre o “assédio moral” como uma matéria urgente nos espaços sócio-

ocupacionais, a fim de que os atos violentos, bem como as alternativas para o seu enfretamento

sejam melhor clarificadas pelos profissionais, que embora sintam os seus impactos, muitas

vezes não sabem como e por meio de quais mecanismos reagir.

Juntamente às práticas que devem compor a disposição do trabalho entre gestores e

trabalhadores, seja na esfera pública ou privada, afirmamos a importância da atuação dos

conselhos profissionais, dos sindicatos e dos órgãos responsáveis por oferecerem resolução

jurídica para esses casos, como o Ministério do Trabalho e Emprego e as Superintendências

Regionais do Trabalho e Emprego, em uma perspectiva de integralidade, no âmbito da

organização política.

Na ocasião da nossa pesquisa, reconhecendo o assédio moral como fenômeno

subjacente ao contexto de precarização do trabalho, incluindo as consequências para a saúde

dos trabalhadores, Tarsila do Amaral aponta a organização da categoria profissional como uma

das estratégias para o enfrentamento dessa problemática, configurando-se, assim, como mais

um motivo para o qual se organizar:

Então, quais são as estratégias? O movimento de sindicato, o

movimento de conselho, as lutas dos trabalhadores, e aí realmente a

gente vai poder fazer alguma pressão nessa gestão, né? (TARSILA DO

AMARAL, 2016).

Com efeito, diante das mudanças no mundo do trabalho e de sua precariedade estrutural,

os atos abusivos e humilhantes evidenciados nesse processo, repercutem na saúde e no adoecer

dos trabalhadores, deparando-se com situações que atingem não só a sua atuação profissional,

tendo em vista as atribuições e competências que lhe são próprias, como também o direito de

participação na luta de classe, sem que sejam culpabilizados individualmente por questões que

afetam o coletivo.

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Conforme observamos, essas foram tendências apontadas pelos assistentes sociais

entrevistados e inseridos nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS e CREAS)

de Natal/RN, quando na ocasião das entrevistas, relacionaram o assédio moral que afirmaram

sofrer com as situações que envolviam os limites de sua autonomia profissional e a oposição

feita pela Prefeitura junto àqueles servidores que aderiram à greve municipal, a qual

mencionamos.

Sobre este último, enfatizamos a conquista legítima dos trabalhadores pelo direito de

greve ou suspensão coletiva, temporária e pacífica de prestação de serviços ao empregador,

instituída pela Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989. Em seu conteúdo são assegurados ao

trabalhador que adere ao movimento grevista, no Art. 6, inciso I e II, em nenhuma hipótese ser

vítima de constrangimento por parte dos empregadores, que, por sua vez, ficam proibidos de

frustrar ou adotar medidas que frustrem a divulgação e o andamento do movimento (BRASIL,

1989)60.

A partir dessa perspectiva, além dos danos morais causados aos trabalhadores no âmbito

do exercício profissional, perante as condutas negativas nos espaços de trabalho, neste caso

também implicam no plano subjetivo, da consciência de classe, quando o processo de

precarização do trabalho vincula-se a novas mutações estruturais do capitalismo (ALVES,

2007), onde se encaixa o assédio moral. Para Silva e Raichelis (2015), esta é mais uma ameaça

à organização dos trabalhadores, através do desmantelamento dos sindicatos e das formas de

participação coletiva, estimulando a competitividade e o exacerbação do individualismo,

tornando-os ainda mais vulneráveis ao capital.

Dessa maneira, a terminologia “assédio moral” tem se firmado na sociedade e no mundo

do trabalho, tratando-se de atos, práticas e expressões de violência entre os indivíduos, que no

caso dos trabalhadores, atingem a sua autoestima e desempenho profissional, prolongando-se

de forma banalizada ou até mesmo ignorada, em função do medo ou do desconhecimento acerca

desta concepção, ainda carente de maiores discussões e aprofundamentos.

Como possíveis formas de enfretamento a esse fenômeno apontam-se, junto as

prerrogativas legais e a organização política dos trabalhadores, a ampliação do debate que

60 Atualmente, tramita no Congresso Nacional, um projeto de lei que visa estabelecer novas diretrizes ao direito

de greve resguardado aos servidores públicos. Sob um discurso que afirma evitar a paralisação das atividades

essenciais – entre elas, a assistência médico hospitalar, a captação de esgoto e lixo, o controle de tráfego aéreo,

entre outros (BRASIL, 1989) – condicionando-se o direito a paralisação dos trabalhadores à comunicação prévia

a sociedade, a apresentação de um plano de continuidade dos serviços e a apresentação de alternativas de

atendimento, ameaçando tornar-se a greve ilegal, além da suspensão da remuneração correspondente aos dias não

trabalhados.

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envolva os rebatimentos do assédio moral para a saúde daqueles que vendem sua força de

trabalho, tendo em vista, ser esse um tema ainda pouco suscitado, também pelo Serviço Social.

Conforme afirmam Silva e Raichelis (2015) torna-se fundamental, portanto, discutir estratégias

individuais e coletivas que acionem os assistentes sociais para a ocorrência de descriminações,

violências e assédios nos seus ambientes de trabalho, em um contexto de intensificação,

precarização e violação dos direitos do trabalhador.

Acreditamos que essas estratégias se configuram como uma atenção necessária desta

categoria profissional dada a realidade enfrentada por homens e mulheres das classes

subalternas na sociedade brasileira (RAICHELIS, 2013), onde inclusive, o assistente social

inclui-se enquanto trabalhador assalariado, suscetível aos impactos da exposição às dramáticas

expressões da questão social. Direcionar-se, então, a análise sobre as condições de trabalho e

às causas do adoecimento e do assédio moral nos ambientes laborais é fortalecer a luta história

do Serviço Social, inspirada nos valores e princípios do atual Código de Ética, denunciando

toda e qualquer forma de opressão e violência.

4. “PARA NÃO DIZER QUE EU NÃO FALEI DAS FLORES”61

Com a certeza na frente e o futuro na mão (VANDRÉ, 1968), no item quatro do nosso

trabalho pretendemos trazer à tona os pontos observados ao longo das entrevistas com os

assistentes sociais inseridos nos CRAS e CREAS de Natal/RN, e que de alguma forma

representaram possibilidades de avanços e desafios ao desenvolvimento da política de

assistência social, em meio as dificuldades e problemáticas levantadas até o momento.

Sem a ingenuidade de achar que é possível realizar alguma mudança através de atitudes

pontuais, desconsiderando a realidade macrossocietária de regressão e retirada dos direitos,

nosso debate será acompanhado pela leitura da realidade, tendo em vista o lugar que o Estado

ocupa no Modo de Produção Capitalista e os seus rebatimentos para as políticas sociais,

evidenciando, contudo, as estratégias, mobilizações e politização coletiva ao enfretamento da

precarização do trabalho e da minimização das ações públicas voltada ao atendimento das

necessidades sociais.

61 Título da música escrita e interpretada por Geraldo Vandré, cuja letra tornou-se mais um símbolo de resistência

popular e esperança diante da censura e dos desmandos vivenciados durante o período ditatorial brasileiro. Sua

escolha como apresentação para este capitulo ilustra, justamente, o momento da nossa discussão, o qual remetemos

às estratégias e os desafios da classe trabalhadora e do Serviço Social diante da conjuntura explicitada ao longo de

todo o nosso trabalho.

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Certos dos obstáculos cotidianos, este foi o panorama descrito pelos assistentes sociais,

sujeitos desta pesquisa, e que compõem o quadro de servidores da SEMTAS, no município de

Natal/RN, que trouxeram também em suas falas, possibilidades diante da atual conjuntura,

mesmo com a falta de incentivos, a depreciação das condições de trabalho e o atraso nos

pagamentos. Nesse sentido e sob o horizonte da conquista da política de assistência social como

direito, nos detemos mais especificamente, no primeiro item deste capítulo, a um breve resgate

da profissão atrelado ao nosso objeto de estudo, observando nos depoimentos dos profissionais,

alternativas para a oxigenação dos processos de trabalho, e desta maneira, também um grande

desafio de consolidação.

Desafio este, ao qual remetemos no segundo item do terceiro capítulo, em que se estende

a análise sobre a fortalecimento e o avanço da política socioassistencial no Brasil, considerando

o contexto tenso, complexo e contraditório para os usuários das políticas sociais e os

profissionais comprometidos com a defesa dos direitos, cuja condição assalariada, as situações

de vulnerabilidade social e a pobreza eminente, têm colocado limites ao reconhecimento das

engrenagens desta política que há até pouco tempo não passava de benesse e favor.

Com efeito, e certos de que o Serviço Social é uma profissão que tem se afirmado no

campo das possibilidades, através da leitura crítica da sociedade, objetivamos com este capítulo

apresentar, através das declarações dos profissionais, uma reflexão sobre as estratégias e formas

de enfrentamento ao quadro precarização do trabalho, bem como e os desafios postos ao avanço

da política socioassistencial no Brasil, sem a pretensão de respostas prontas ou soluções

imediatas, mas na direção das análises sobre a momento atual e a dinâmica da realidade,

apontando para intervenções mais qualificadas e emancipadoras.

4.1 AS ESTRATÉGIAS E FORMAS DE ENFRENTAMENTO À PRECARIZAÇÃO DO

TRABALHO: UMA LEITURA A PARTIR DA TRAJETÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL

Sem perder de vista o objeto do nosso estudo, qual seja: as condições de trabalho dos

assistentes sociais inseridos nos Centros de Referência de Assistência Social, do município de

Natal/RN, trataremos neste item, sobre as possibilidades e estratégias profissionais ao

enfrentamento da precarização do trabalho, a qual nos referimos, considerando as mudanças

pelas quais passou o Serviço Social, desde a sua gênese, e o impacto das transformações

vivenciadas na realidade sócio-histórica brasileira para o exercício da profissão.

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Nos referimos a uma profissão que chamada a atuar junto às expressões da questão

social, tem sofrido os rebatimentos da reestruturação produtiva e do projeto neoliberal que se

consubstanciam no Brasil, baseados em um conjunto de diretrizes e reformas idealizadas pela

burguesia internacional a serem seguidas pelos países de capitalismo periférico. Estas, atingem

não somente o mundo do trabalho, mas também as políticas sociais e a classe trabalhadora,

através da redução das medidas econômicas, da restrição dos gastos sociais e do ajuste fiscal.

Sob essa perspectiva, a precarização do trabalho é síntese inerente de uma conjuntura

contraditória que combina a flexibilização do modelo de organização e gestão produtiva ao

ataque à organização política dos trabalhadores, em que as possibilidades e estratégias de

enfretamento a este quadro correspondem alternativas dentro do tempo/espaço do cotidiano

profissional e da própria sociedade, considerando os limites da correlação de forças entre os

interesses do capital e o trabalho.

Com a certeza de que “a profissão e o conhecimento que a ilumina se explicam no

movimento histórico da sociedade” (YAZBEK, 2009, p. 2) e de que ela também é “fruto das

atividades dos sujeitos que a constroem coletivamente, em condições sociais dadas”

(IAMAMOTO, 2000, p. 206), reconhecemos, então, as mudanças pelas quais passou o Serviço

Social no Brasil até que se consolidasse enquanto atividade profissional, aliando a interpretação

da sociedade à sua própria trajetória histórica e o papel que ocupa na luta por direitos.

A obra pioneira de Iamamoto e Carvalho (2011) realiza o resgate da profissão e do

caráter da política econômica e social no Brasil, sobretudo a partir da década de 1930, com

destaque para a chamada “crise de hegemonia”, quando o Estado, a fim de harmonizar o

desenvolvimento e promover a colaboração entre as classes, canalizou os interesses divergentes

entre as frações dominantes e as reivindicações dos setores populares, dando ênfase à

“concessão de direitos”62 e ampliando de maneira transversal a legislação sindical e trabalhista.

Naquele contexto, – conforme explicitamos no item 2.2, O percurso da política de

assistência social no Brasil e a sua relação com o Estado – tínhamos no país uma relação

complexa entre as classes sociais, o Estado e a Igreja, fazendo com que esta adquirisse

significativa influência na intervenção da vida social. Diante de uma crise econômica e de

conflitos intraoligárquicos, a divergência entre essas relações foi propícia às áreas de controle

62 Simultânea e dialeticamente, acreditamos que as políticas sociais representam não apenas concessões do Estado,

mas a face da luta dos movimentos sociais e a dimensão de conquista da classe trabalhadora, decorrente de pressões

e mobilizações em busca por respostas às necessidades sociais, ainda que de modo insuficiente e limitado

(RAICHELIS, 2013).

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ideológico, fortalecendo o movimento católico e a sua busca pela consolidação na sociedade

civil (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011).

As ações assistenciais se intensificam, dessa forma, juntamente com as primeiras

Escolas de Serviço Social, que convergiriam as necessidades sociais às práticas dos grupos

vinculados à Igreja Católica, de cunho essencialmente paternalista, influindo na gênese da

profissão no país, em meados da década de 1930. A perspectiva de ação para o Serviço Social,

nesse primeiro momento, é bem delimitada, a partir da concepção de sociedade que

caracterizava os indivíduos em condições estruturais de pobreza, como pessoa fraca,

desajustada e incapaz, que precisaria de ajuda especial (OLIVEIRA; CHAVES, 2017).

A criação do Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo (CEAS) foi o marco da

manifestação inicial da profissão, tendo como objetivo a formação de pessoal técnico

especializado destinado às ações sociais e à difusão da doutrina católica, viabilizando também

a realização de cursos na Europa, com vistas à criação da primeira Escola de Serviço Social no

Brasil, inaugurada em 1936 (LIMA, 2005).

Entre outros aspectos, reiterando a programática das Escolas Europeias, o CEAS,

incutiu ao trabalho social católico a origem do Serviço Social no país, que sem qualquer

vinculação ou reconhecimento enquanto classe, passou a responder as demandas resultantes da

industrialização emergente e das expressões da questão social, pela via do apostolado de cunho

moral e religioso, caracterizando as necessidades materiais e sociais do indivíduo, como

problemas, exclusivamente, deste ou de sua família (YAZBEK, 2009).

No que tange o posicionamento dos assistentes sociais e as resoluções propostas para a

melhoria das condições de trabalho e de vida do proletariado, Iamamoto e Carvalho (2011),

observam um discurso extremamente conservador e dominante, na época, depositando

individualmente no trabalhador, a responsabilidade pela obtenção de seus direitos e a

manutenção da saúde. Nos termos dos autores,

[...] os operários devem [deveriam] participar da administração de tais

instituições [trabalhistas] sob a atenta supervisão do assistente social, que

velará [velaria] pela correta administração dos seus serviços. Este atuará

[atuaria] através de um tratamento individual, que dá [daria] ao operário ‘a

consciência do seu valor perante a empresa’ e de sua ‘solidariedade’; devendo

garantir a ‘impermeabilização do operariado à propaganda subversiva,

prevenindo a luta de classes’ (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011, p. 221,

grifos nossos).

Vemos que esta fase é ainda marcada pela total subordinação e ausência de identidade

da profissão com a luta da classe trabalhadora, uma vez que o Serviço Social emergia em razão

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das parcas legislações sociais institucionalizadas pelo Estado, fortalecendo, simultaneamente,

o pensamento doutrinário da Igreja, que não ultrapassava a perspectiva harmônica da sociedade

e cujo objetivo básico era adequar o trabalhador às expectativas do empregador.

Esse panorama só apresentaria mudanças entre as décadas de 1940 a 1960, quando a

profissão sofreria influências do Serviço Social de outros países, mesclando as tendências

advindas do pensamento funcionalista norte americano, do neotomismo católico e do

positivismo europeu63, entretanto, sem vivenciar um verdadeiro redimensionamento em busca

de legitimação junto as instâncias demandantes da sua atuação.

Conforme Iamamoto (2000), a categoria profissional no período mencionado, além de

estar impregnada pelas correntes teóricas as quais citamos, voltava-se, principalmente, para o

aperfeiçoamento do instrumental técnico-operativo, acreditando ser necessária a procura de

uma metodologia de conhecimento que possibilitasse a aproximação entre a teoria e a prática,

expressa em modelos de diagnóstico e por uma pretensa eficiência séptica, correspondente à

crescente burocratização das atividades.

Alguns exemplos com ênfase desta perspectiva são a realização de Congressos de

Serviço Social, nas décadas de 1940 e 1950 – entre eles o Congresso Brasileiro de Serviço

Social e o Congresso Pan-Americano de Serviço Social – que trouxeram à tona discussões sobre

a atuação e a formação profissional, influindo na criação da Associação Brasileira de Escolas

de Serviço Social (ABESS) e da Associação Brasileira de Assistentes Sociais (ABAS)64

(IAMAMOTO; CARVALHO, 2011).

Vale ressaltar que, embora os profissionais se encontrassem em busca de atualização,

são ínfimos os avanços no que se refere a organização política da categoria, e, portanto, quanto

às estratégias de enfrentamento à precarização do trabalho proporcionada pelo capital, já que

os assistentes sociais até aquele momento, tinham suas ações voltadas tão somente para o

63 Segundo Yazbek (2009), o primeiro suporte teórico-metodológico para o Serviço Social no Brasil será buscado

na matriz positivista, cuja perspectiva “se restringe a visão de teoria ao âmbito do verificável, da experimentação

e da fragmentação. Não apontando para mudanças, senão dentro da ordem estabelecida, voltando‐se antes para

ajustes e conservação” (p. 6). A autora clarifica ainda, o neotomismo e o funcionalismo como valores apropriados

pelo Serviço Social, através da retomada do pensamento de São Tomás de Aquino, cujos fundamentos são

baseados na “noção da dignidade da pessoa humana; sua perfectibilidade e sua capacidade de desenvolver

potencialidades” (p.4), onde apenas a união dos homens promoverá o bem comum, a ordem e a justiça geral. 64 Conforme Iamamoto e Carvalho (2011), essas duas entidades, na época, foram responsáveis por promover o

intercâmbio e a colaboração entre as escolas de Serviço Social, visando o reconhecimento e a defesa dos interesses

da profissão. Já nos anos de 1990, após inúmeros avanços no que tange a perspectiva de indissociabilidade entre

ensino, pesquisa e extensão, a ABESS passa a se chamar Associação de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

(ABEPSS). Hoje, sua agenda política abarca a luta pela democratização do ensino superior gratuito, presencial e

de qualidade, além do enfrentamento à precarização do ensino e das condições do trabalho docente (BEHRING;

RAMOS, 2012).

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fortalecimento de princípios teórico-metodológicos imediatos, falando a mesma linguagem das

classes dominantes.

Impregnados pela exigência de tecnificação decorrente das novas configurações do

desenvolvimento capitalista, nos referimos, então, aos assistentes sociais como profissionais,

cuja função contribuía para a produção e reprodução do trabalho, contudo, sem a compreensão

da sua centralidade como meio para a satisfação das necessidades humanas e, portanto,

categoria ontológica do ser social. Esta é uma concepção adquirida anos mais tarde e como

produto de sua aproximação com a teoria social marxista, que encontrou no Brasil, algumas

dificuldades até que fosse compreendida na essência de sua matriz.

Esse inicial distanciamento resultou em um universo teórico marcado por fortes traços

ecléticos, o que para Iamamoto (2000) tratou-se de uma “invasão positivista” no discurso

marxista, salientando posicionamentos conservadores, bem como tensões entre os propósitos

políticos e os recursos metodológicos que iluminavam a profissão. Tal quadro só apresentaria

alguma mudança e aproximação de fato, do Serviço Social com a teoria social marxista, a partir

do processo de reabertura democrática do Brasil.

Trata-se de um período, no qual, apesar de os assistentes sociais reconhecerem a

existência de medidas de amparo social a fim de proporcionar respostas à pobreza, creditavam

a ela, a falta de educação e os desvios morais da população (OLIVEIRA; CHAVES, 2017), em

uma perspectiva ainda distante da que hoje percebe, na área da assistência social, a politização

dos usuários, o fortalecimento de atividades interdisciplinares, e a luta pelo reconhecimento das

bases legais desta política, como estratégias e possibilidades no interior da sociedade capitalista.

É possível afirmar que estes foram elementos destacados pelos assistentes sociais

entrevistados, no âmbito da nossa pesquisa, e que muito tem a nos dizer sobre o caráter

pedagógico do Serviço Social e a sua relação com as lutas sociais, como uma reflexão

necessária diante da história da profissão, seus marcos regulatórios e os avanços ético-políticos

que angariou, mesmo com as imposições do mercado e com as marcas do conservadorismo que

tanto tempo estiveram (e ainda estão) presentes em sua trajetória e no complexo itinerário do

país.

Além disso, tendo em vista as desigualdades sociais no Brasil, a Seguridade Social

representa um campo de disputas e de formação de consciências, exigindo dos profissionais que

nela atuam, competência teórico-crítica e uma rigorosa análise sobre as correlações de forças

entre as classes e os diferentes aspectos que interferem no trabalho, a fim de que se reconheçam

as tendências institucionais, os limites e as possibilidades desta política, no caso brasileiro

(BOSCHETTI, 2007).

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Voltando ao curso do Serviço Social, sabemos que a exemplo do que ocorreu em grande

parte do continente latino-americano, as ditaduras civil-militares representaram no país, um

aspecto particular, obrigando à categoria profissional a um significativo período de pausa no

avanço da produção crítica. Diante daquele contexto, o seu Movimento de Reconceituação

deparou-se com determinações macrossocietárias que repercutiram, inevitavelmente, na

descontinuidade dos debates iniciados nos anos 1960, e também em limitações quanto a sua

aproximação com a obra marxista – que inicialmente aconteceu distante dos textos clássicos,

configurando-se mais uma forma de “chamamento à militância” (IAMAMOTO, 2000, p. 211).

Com um recorte particular dado ao período autocrático burguês no Brasil e os seus

rebatimentos para Serviço Social, Netto (1994) caracteriza as vertentes de análise que sugiram

com o Movimento de Reconceituação, explicitando o comportamento teórico e político-

ideológico assumido pela profissão, a partir da década de 1970. De acordo com o autor, essas

tendências podem ser sintetizadas pela: a) vertente modernizadora, cuja perspectiva era voltada

para a integração da sociedade e do projeto renovador tecnocrático, baseado na busca pela

eficiência e eficácia; b) a vertente inspirada na fenomenologia, que priorizava a visão da pessoa

e da comunidade, dialogando com a transformação social a partir do indivíduo e c) a vertente

marxista, remetendo a inserção profissional na sociedade de classes.

Para Netto (1994), esta última comprometeu-se essencialmente com a intenção de

ruptura com o tradicionalismo, encontrando apenas na conjuntura de reabertura democrática e

avanço dos movimentos sociais na década de 1980, alguma possibilidade de aprofundamento.

A matriz teórico-metodológica em ascendência no Serviço Social a partir daquele momento

conduziria a profissão não apenas à ruptura com a herança conservadora como também daria o

prisma para a organização política da categoria, nos anos posteriores, inclusive, com o processo

de politização das suas entidades representativas e da luta por melhores condições de trabalho.

Abreu (2013) chama a atenção para o “Congresso da Virada”65, em 1979, considerando-

o como um acontecimento histórico-político decisório que representaria uma nova direção

assumida, hegemonicamente, pela profissão, bem como a revisão das práticas instituídas

anteriormente pelos Conselhos de Serviço Social, no mesmo ano que o movimento sindical no

Brasil é fortalecido com a criação da Comissão Executiva Nacional das Entidades Sindicais de

Assistentes Sociais (CENEAS) e, posteriormente, com a criação da Associação Nacional dos

65 O III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), que aconteceu no Ibirapuera/SP, no ano de 1979,

tornou-se o marco histórico desse Movimento. Iniciado ainda sob a égide do regime civil-militar ficou conhecido

como o “Congresso da Virada” em razão de um ato simbólico que destituiu a mesa da Comissão de Honra do

Congresso e, em seu lugar, convidou trabalhadores e líderes de sindicato para se fazerem presentes.

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Assistentes Sociais (ANAS), em 1983. Ambas entidades, consideradas como produto do

processo de politização da categoria, na época (PARRA, 1996).

Em Renovação e Conservadorismo no Serviço Social: ensaios críticos, Iamamoto

(2008) aborda o conteúdo desse redimensionamento, iluminado pelas ações profissionais e pelo,

então, reconhecimento das contradições presentes nas condições do exercício profissional. Ao

assumir esse posicionamento, o Serviço Social coloca-se ao lado dos interesses dos usurários

dos programas e das políticas sociais, ou seja, dos interesses correspondentes aos setores

dominados da sociedade, conforme a afirmação da autora:

[...] a busca de colocar-se, objetivamente, a serviço dos interesses dos

usuários, não se reduz a um movimento ‘interno’ da profissão, mas faz parte

de um movimento social mais geral, determinado pelo confronto e a

correlação de forças entre as classes fundamentais da sociedade, o que não

exclui a responsabilidade da categoria pelo rumo dado às suas atividades e

pela forma de conduzi-las (IAMAMOTO, 2008, p. 37).

O destaque dado a esse momento tem relação direta com a nova postura e cultura

profissional adquirida pelo Serviço Social a partir da década de 1980, quando a análise da sua

intervenção deixa de ser endógena (voltada para si mesma e unicamente pela busca de um

método de ação) e lança-se às reais demandas da classe trabalhadora inserida na organização

da sociedade capitalista, reconhecendo-se como trabalho e como componente no processo de

reprodução das relações sociais.

Inicialmente protagonizado pelas vanguardas profissionais do Serviço Social, este novo

perfil identifica-se com o marxismo como referência analítica da sociedade – desta vez, sem o

caráter enviesado – atribuindo às dimensões teórico-metodológica e técnico-operativa, a

dimensão teórico-crítica, complementar e fundamental para a análise “no campo da pesquisa e

da ação, na construção de respostas profissionais capazes de congregar forças sociais em tomo

de rumos ético-políticos voltados para a defesa da democracia” (IAMAMOTO, 2000, p. 185).

Através da análise da história e do processo que levou o Serviço Social ao seu

amadurecimento teórico e político percebemos que esta profissão repensa não apenas a

existência ou não de uma metodologia, mas “identifica nos processos de luta e resistência da

classe trabalhadora uma tendência radicalmente nova” (MOTA; AMARAL, 2009, p. 50).

Para Iamamoto (2008), a crítica teórica dos fundamentos restauradores presentes no

debate profissional somada à análise política deveria permitir, portanto:

[...] ultrapassar o mero enunciado dos princípios e leis gerais da vida social,

identificando-os em situações particulares no jogo das forças sociais presentes

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em nível conjuntural e expressas nas condições imediatas do exercício

profissional. Essas são condições essenciais para se avançar na conhecida falta

de articulação teórico-prática e no estabelecimento de estratégias de ação

(IAMAMOTO, 2008, p. 171).

Em concordância com a autora, acreditamos que no contexto dos anos de 1980 e 1990

é possível falarmos do novo ethos profissional, bem como sobre as estratégias de luta e de

organização política da categoria, considerando o fortalecimento dos movimentos democráticos

e a reorganização política dos trabalhadores, quadro bastante característico daquele momento

histórico.

Compreendemos, assim, que só é possível falarmos de estratégias na busca por melhores

condições de trabalho se possuirmos possibilidades conjunturais mínimas e se reconhecermos

os rebatimentos desta conjuntura no trabalho e nos serviços ofertados aos usuários. Tratar,

então, sobre as questões levantadas pelos assistentes sociais, no que tange a politização dos

usuários da assistência social, o fortalecimento de práticas interdisciplinares e a luta pelo

reconhecimento das bases legais desta política apenas é viável em uma sociedade, que embora

capitalista, comporte, contraditoriamente, a existência de uma contra hegemonia.

O próprio Serviço Social tem sido exemplo disso quando após longos anos associado a

ações com fins meramente caritativos e conservadores, na contemporaneidade, manifesta um

espírito contestador, essencialmente crítico e renovado, voltado aos “interesses sociais daqueles

que, criando a riqueza, dela não se apropriam, no horizonte da ultrapassagem do próprio sistema

capitalista” (IAMAMOTO, 2000, p. 217). Neste âmbito, tem sido cada vez mais solicitado ao

assistente social, práticas capazes de realizar a apreensão crítica da realidade e do trabalho no

contexto dos interesses sociais e da correlação de forças políticas que o tencionam, construindo

estratégias coletivas que ampliem direitos.

Essa perspectiva encontra-se no amadurecimento do Projeto Ético-Político Profissional,

bem como nos instrumentos normativos que amparam a formação e as atividades profissionais,

na direção dos interesses das classes subalternas, na articulação das lutas por direitos, e na

construção de um outro modelo de sociedade (RAICHELIS, 2013). Conforme temos

observado, essas práticas, fatalmente, não se vinculam aos valores sobre os quais o Serviço

Social foi criado, nem tão pouco aos padrões flexíveis os quais têm redefinido as competências

profissionais, tornando-se ainda mais desafiadora, já que aponta para a dimensão interventiva

pautada na totalidade história, na práxis humana e no princípio educativo presente no trabalho.

Lopes, Abreu e Cardoso (2014) analisam a função pedagógica do Serviço Social,

afirmando-a enquanto prática que tem integrado os planos de atuação, sobretudo, na área

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socioassistencial, tendo em vista a forma como se estabelecem a prestação de serviços e os seus

rebatimentos nos processos de resistência da classe trabalhadora. Para as autoras, através do

exercício de suas funções, os assistentes sociais inscrevem-se no campo das atividades da

cultura, constituindo-se elemento integrante da dimensão político-ideológica nas relações de

hegemonia.

Com base nos estudos Gramscianos, por meio da noção de cultura, isto é, do modo de

viver, pensar, agir e sentir a vida, indissociável aos métodos de trabalho (GRAMSCI, 2001

apud LOPES; ABREU; CARDOSO, 2014), os assistentes sociais podem, intelectualmente,

construir estratégias que se definam a partir de projetos socioeducativos e da participação junto

as classes sociais, buscando mudanças na racionalidade produtiva e no próprio trabalho, ainda

que em um movimento contraditório no qual se fixam o Estado e as políticas sociais.

Acerca deste debate, foi possível perceber durante as nossas entrevistas com os

assistentes sociais inseridos nos Centros de Referência de Assistência Social de Natal/RN

(CRAS e CREAS), expressões que remetiam a politização dos usuários desta política, como

uma das possibilidades de enfrentamento à precarização do trabalho e dos serviços oferecidos,

como exemplifica a fala de Tarsila do Amaral:

As estratégias, uma delas, e eu acho que falta bastante, seria a politização do

usuário. É um trabalho bastante complicado, no ambiente de trabalho, mas

estar conscientizando e mostrando ao usuário essas condições; mostrando as

condições da política da assistência ‘pra’ ele refletir sobre a política do

município seria uma estratégia. E nós como como assistente social mesmo,

fazendo o papel de politização, porque esse mesmo usuário, ele vota no

prefeito de boca cheia. Você está me entendendo? (TARSILA DO AMARAL

2016).

Mesmo sabendo que a consciência dos indivíduos, bem como a sua compreensão de

mundo são síntese de múltiplas particularidades, entre elas econômica, política e ideológica

(IASI, 2011), não cabendo a uma dada categoria profissional proporcionar a consciência de

classe de outrem; o depoimento de Tarsila do Amaral (2016) traz à tona a importância do

Serviço Social no processo de organização de uma nova cultura, no fortalecimento popular e

na formação de um certo tipo de homem e de trabalhador capaz de articular mudanças no

contexto social (LOPES; ABREU; CARDOSO, 2014).

No âmbito da assistência social, trata-se ainda da possibilidade de redirecionamentos na

esfera desta política que, a contar pela história do Brasil, tem sido subsumida à natureza

hierarquizada do poder e à cultura do favor, impressos na qualidade dos serviços oferecidos às

pessoas que dela necessitam e no descaso com as condições de trabalho dos profissionais. A

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assistência social é, nesse sentido, um campo fundamental de mediações políticas para a

conquista de garantias do trabalho na esfera pública, encontrando na centralidade dada ao

combate da pobreza, uma estratégia para a ampliação da consciência de classe, do acesso aos

direitos e da proteção social.

Conforme afirma Silveira (2011), ao tratar de especificidades da gestão do trabalho no

SUAS, se a qualificação teórica nesta área tem sido construída pelos sujeitos políticos e pela

organização coletiva das categorias profissionais que a ela compõem, nada mais justo que as

transformações do cotidiano e da própria política de assistência social também aconteçam por

intermédio desses sujeitos, pois [...]

[...] se o futuro de conquistas no campo dos direitos desafia particularmente

os trabalhadores, pelo lugar estratégico que ocupam nesta política e na vida

social [...] as possibilidades anunciadas pela finalidade coletiva da conquista

de condições igualitárias para o conjunto dos trabalhadores passa pelo

fortalecimento das organizações e dos movimentos democráticos legítimos

(SILVEIRA, 2011, p. 39).

Conforme temos observado, a contar pela trajetória histórica da profissão, os assistentes

sociais têm se posicionado, ao longo dos anos, a partir de dois perfis pedagógicos: um associado

à “ajuda” e à “participação” vinculado aos antigos moldes da Igreja, e outro associado à

estratégias de resistência e emancipação, em que a formação de uma nova subjetividade para a

classe trabalhadora orientam a construção do Projeto Ético-Político do Serviço Social, desde os

anos 1980 (LOPES; ABREU; CARDOSO, 2014).

Em concordância com Iamamoto (2008), acreditamos que mesmo no cenário

contraditório das décadas de 1980 e 1990, estas marcaram a construção do novo perfil

profissional, pois naquele momento histórico, o Serviço Social foi fortalecido pelas lutas

democráticas e pela reorganização política dos trabalhadores, passando a negar o

conservadorismo e afirmar a liberdade. Seus valores e princípios ratificavam a vida cotidiana

através da participação cívica e política, além do “enfrentamento de novas necessidades,

escolhas e posicionamentos de valor, de recusa de papéis tradicionais e da incorporação de

novos referenciais éticos-morais” (BARROCO, 2009, p. 17).

No que se refere a sua organização política, ou seja, a maneira como o Serviço Social

passou a construir alianças e estratégias de resistência, também é possível perceber um salto

qualitativo ao final da década de 1980, adentrando a década de 1990, em que não só o Serviço

Social, mas os seus Conselhos profissionais são marcados por uma redefinição e reestruturação

da agenda política, ocasionando canais de comunicação com as bases, encontros, congressos, e

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contatos institucionais, sob uma nova concepção da atividade da fiscalização, na defesa do

exercício profissional.

Sem perder de vista a conjuntura da década de 1990 e a implantação de uma vasta

doutrina neoliberal no Estado, que atingiu a configuração do trabalho e as políticas sociais,

conquistamos naquela década avanços significativos no horizonte na construção do Projeto

Ético-Político Profissional e da própria política de assistência social, exemplo de um constante

e profundo paradoxo. Pois, se de um lado contávamos com garantias que pressionavam o poder

público para o reconhecimento dos direitos constitucionais, por outro, ainda vivenciávamos o

caráter regressivo e conservador do Estado, através da focalização, da filantropização e da

ameaça à cidadania (RAICHELIS, 2013).

Temos como destaques da década de 1990 a influência das diretrizes firmadas no

Consenso de Washington66, onde uma das suas premissas tratava-se da desregulamentação

progressiva do controle econômico e das leis trabalhistas, além do incentivo à elevação da

produtividade do capital com a reforma do Estado brasileiro fortemente direcionada às

tendências internacionais. Tais intenções podem ser percebidas, por exemplo, após a análise do

Plano Diretor dessa reforma, resumido, basicamente, em propostas de caráter privatista,

funcionalista e de restrição de direitos conquistados, com destaque para o âmbito da previdência

social (NOGUEIRA, 1998).

Começa-se a ser desenhada no Brasil, ainda que de forma tardia, a reestruturação

produtiva e o projeto neoliberal sob a gestão dos presidentes Collor e Fernando Henrique

Cardoso (FHC) como representantes de um período de forte impulso às propostas de

desregulamentação, flexibilização, desindustrialização e intensificação da desmontagem de

direitos trabalhistas (ANTUNES, 1999). Inserida nesta perspectiva está assentada a atual

concepção de política social para o Brasil, preconizada pelo Banco Mundial e que segundo o

estudo de Teixeira (2010), representa uma nova versão do Consenso de Washington, divulgada

em 1995.

O mesmo podemos dizer sobre os dias atuais, quando incrementada pela fase de

financeirização da economia, a política de assistência social encontra-se nas estreitas

associações do capital com as tendências de racionalização do trabalho, não materializado os

avanços conquistados pela legislação do SUAS. Nesta lei, não só os assistentes sociais, como

66 O Consenso de Washington foi como ficou conhecido o conjunto de diretrizes de um programa de reformas idealizadas pela

burguesia internacional a serem seguidas pelos países de capitalismo periférico. Esse “consenso” é fruto de uma série de

pressões junto a esses países, entre elas suas dívidas diante ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial.

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os demais profissionais da área, possuem resguardada a garantia à autonomia, o planejamento

e as condições adequadas para a realização do seu trabalho, contudo, experimentam, de maneira

aberta ou velada, diferentes formas de precarização e não efetivação dos direitos.

De acordo com Raichelis (2013), estas são caraterísticas que remetem aos moldes do

trabalho, na contemporaneidade, especialmente na política de assistência social, quando nos

marcos da implantação dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS e CREAS), os

estados e municípios se utilizaram de inúmeras modalidades de desvalorização dos

trabalhadores, sobretudo, em relação à forma de contratação e os baixos salários oferecidos,

além da instabilidade e da insegurança nos postos de trabalho, levando a constante busca por

mais de um vínculo empregatício.

Esse sem dúvida é um quadro que, embora tenham se passado bem mais de uma década

desde a promulgação da LOAS, em 1993, e da PNAS, em 2004, ainda se encontram em diversas

regiões do país, casos de precarização/desregulamentação do trabalho no SUAS e no campo

das políticas sociais, denunciando o rebaixamento salarial, a intensificação do trabalho, a

precarização dos vínculos, as pressões pelo aumento de produtividade e a ausência de

perspectivas de progressão na carreira, intensificando a competição entre os trabalhadores e o

adoecimento, sem falar de tantas outras manifestações decorrentes do aumento da exploração

da força de trabalho assalariada (RAICHELIS, 2011a).

A própria autora apresenta alguns dados referentes ao período de instauração da Norma

Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS (NOB/RH), em 2005, em contraste com a

pesquisa realizada pelo IBGE, em 2010; verificando, que apesar da elevação em 30,7% do total

de pessoas ocupadas na administração municipal, em todo o país, cinco anos depois, a

assistência social continuava sendo responsável por apenas 3,2% de todo pessoal nas

instituições, “o que é altamente insuficiente para fazer frente à dinâmica de implantação das

unidades de referência e a necessidade de ampliação dos serviços socioassistenciais”

(RAICHELIS, 2011a, p. 49).

Junto à luta legítima e mais do que necessária em prol da expansão dos concursos

públicos, como vem sendo defendido pelo Conjunto CFESS/CRESS, entendendo que esta é

uma das formas mais eficazes para o ingresso na esfera pública, de maneira ampla, democrática

e com garantias trabalhistas; o que nós temos afirmado é a apreensão sobre as possibilidades e

alternativas no interior da realidade institucional como práticas sociais no contexto da luta de

classes, em que o contato com os usuários, com a equipe interdisciplinar e com o alcance da

autonomia profissional configuram-se como mais uma estratégia frente a precarização do

trabalho no horizonte de proposições coletivas.

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Longe de representar o fim dos obstáculos postos à política de assistência social, tendo

em vista a sua hipertrofiação no Brasil, numa perspectiva de expansão focalizada e seletiva, vê-

se que a realização dos concursos públicos separados de medidas que promovam o investimento

nas condições de trabalho, não condizem com uma gestão verdadeiramente democrática e atenta

às necessidades dos trabalhadores. Ao contrário, podem ocasionar uma alta rotatividade de

profissionais em função dos baixos salários e da desvalorização profissional, trazendo

consequências para o desenvolvimento da política socioassistencial (YAZBEK, et. al, 2014).

No município de Natal/RN, a realização do concurso público destinado à SEMTAS,

certamente indicou uma significativa mudança na continuidade dada aos serviços, a contar pela

nova composição das equipes e pela estabilização do quadro de funcionários, porém, foi no

âmbito da dinâmica institucional onde se revelaram importantes apontamentos sobre como

buscar saídas para qualificação das atividades realizadas, sob o contexto de precarização

encontrado nas unidades de referência em assistência social.

Conforme já pontuamos, a politização dos usuários da assistência social se enquadra

nesta análise, atendendo ao princípio educativo, indispensável à intervenção profissional e a

sua vinculação com as demandas da classe trabalhadora, assim como a relevância atribuída ao

caráter interdisciplinar das equipes de referência, que neste panorama surge com o objetivo de

responder às necessidades individuais e coletivas da população, na defesa por serviços

socioassistenciais mais qualificados.

Associada à concepção de Equipes de Referência, como vem sendo preconizado pela

NOB/SUAS através da articulação, aproximação e criação de vínculos entre os profissionais e

entre os profissionais e os usuários, a interdisciplinaridade aparece nos depoimentos dos

assistentes sociais inseridos nos CRAS e CREAS de Natal/RN como um aspecto positivo e

necessário, presente na particularidade desta área, representada por expressões como a da

assistente social Maria da Penha:

Eu caracterizo que para fazer PAEFI67 [a interdisciplinaridade] é fundamental

para que eu possa garantir o acesso aos direitos a essa população que eu

atendo. Se não fosse essa interdisciplinaridade certamente o trabalho seria

comprometido. Então eu acho que ela é fundamental para o alcance dos

objetivos dessa instituição. [E aqui funciona?] Funciona sim. O profissional

que a gente não tem é o sociólogo. Mas tem o assistente social, tem o

psicólogo, tem o pedagogo. Tem o advogado. Tem o educador social. Aí tem

o administrativo, né? Então, a equipe está quase completa (MARIA DA

PENHA, 2016, grifos nossos).

67 Serviço de Proteção e Atendimento Especializado à Família e Indivíduos.

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Como a própria nomenclatura sugere, o trabalho interdisciplinar no SUAS supõe a

articulação entre os diferentes grupos de profissionais integrantes da proteção básica e

especializada em assistência social, a partir de conhecimentos técnicos e específicos que, juntos,

possam acolher as diversas necessidades sociais dos cidadãos (SILVA, 2011). Diferentemente

do que se imagina, as atividades interdisciplinares não funcionam sob a lógica da transferência

dos casos de uma equipe para outra, mas por meio de ações coletivas que possibilitem a

discussão e a reflexão em conjunto, de referenciais teóricos e metodológicos que subsidiem o

trabalho e propiciem avanços efetivos (CFESS, 2011c).

No que diz respeito a nossa discussão e sobre o que viemos chamando de possíveis

estratégias de enfretamento às formas de precarização do trabalho, acreditamos que as

intervenções interdisciplinares podem também cumprir essa função na política de assistência

social, não só pela evidência encontrada nos depoimentos profissionais, mas por possuírem o

potencial de compreender o usuários em sua totalidade, organizando o atendimento e as áreas

de conhecimento em busca de objetivos comuns, que diminuem a hierarquização no trabalho e

os limites impostos a tudo aquilo que se sobrepõe a uma alternativa emancipadora.

Por outro lado, não somos ingênuos de imaginar que este processo esteja ancorado

apenas na livre inciativa dos trabalhadores e de que nele não existam convergência em torno de

projetos políticos antagônicos, pois como acertadamente observa Rizzotti (2011), existe ainda

“um descompasso entre o que queremos e o que fazemos, muito embora saibamos que essa

realidade tem determinações históricas e estruturais, que nos mostram a proposição de uma

intrínseca aliança entre trabalhadores e os usuários como um caminho a ser seguido” (p. 81).

Trata-se, então, de uma prática que, necessariamente dialoga sobre pontos de vista

diferentes, permitindo confrontos de variadas abordagens, a depender dos Códigos de Ética

Profissionais, contudo, demanda e evidencia o reconhecimento de competências e habilidades

que promovam o diálogo profissional e a cooperação, em defesa do fortalecimento da política

de assistência social e das condições de vida daqueles que dela necessitam.

Sob essa perspectiva, ao problematizar a gestão do trabalho no SUAS, a partir da

organização estratégica entre os trabalhadores e os usuários, Rizzotti (2011) também nos chama

atenção sobre como os assistentes sociais inseridos nas unidades dos Centros de Referência de

Assistência Social têm ocupado os espaços institucionais a fim de que suas intervenções

coincidam com a coletivização das demandas, com a desburocratização do acesso aos recursos

e benefícios, e com o apoio às organizações que politizem os usuários.

A profissão encontra-se, assim, com valores que reclamam a liberdade, a justiça social

e a democracia em um cenário onde a resistência política é direcionada ao enfrentamento dos

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limites postos à viabilização dos direitos e dos princípios que orientam a ação profissional,

implicando em diferentes estratégias e espaços de objetivação profissional também na luta pelo

reconhecimento das bases legais que compõe a política de assistência social.

É indiscutível, portanto, que a década de 1990 marca a história do Serviço Social de

forma emblemática, não apenas pela aprovação jurídica das principais normativas concernentes

ao exercício profissional – quais sejam: a Lei de Regulamentação nº 8.662/93 e o atual Código

de Ética Profissional, ambos instituídas em 1993 – mas por entendermos que estas foram

conquistas coletivas, produtos de reflexões empreendidas ao longo de toda a sua trajetória.

Recorremos aos pressupostos teórico-metodológicos e éticos-políticos da profissão

quando acreditamos que “[...] a organização política é uma das mediações para a materialização

do Projeto Ético-Político do Serviço Social” (RAMOS, 2005, p. 22) e nesse sentido é um tema

para reflexão que nos instiga a pensar e agregar maiores elementos à análise do exercício

profissional, neste caso, na realidade do município de Natal/RN, bem como, estratégias que vão

de encontro às formas de depreciação da vida e das condições em que se estabelecem o trabalho

inscrito na lógica da sociedade capitalista.

Quando intitulamos este capítulo como: Pra dizer que não falei das flores, além de fazer

referência a um clássico da música popular brasileira, também nos remetemos ao Serviço

Social, como profissão que tem se ressignificado, mesmo diante do acirramento da questão

social, da complexidade que se constitui o mundo do trabalho e da aglutinação de forças

conservadoras, que reforçam, velozmente, inclusive no campo socioassistencial, ajustes de

cunho neoliberal e de retiradas de direitos da classe trabalhadora.

Não livre de tensionamentos e contradições que insistem em afirmar o contrário, falar

de flores para nós, neste contexto, é reconhecer a luta da classe trabalhadora, particularmente

dos servidores inseridos nos CRAS e CREAS de Natal/RN, como assistentes sociais aguerridos,

que apesar da conjuntura a qual temos analisado, procuram reconhecer, no âmbito do cotidiano,

estratégias que apontem para a viabilização da política de assistência social enquanto direito

constitucionalmente conquistado.

Conforme já pontuamos, a mais recente greve realizada no município foi um desses

exemplos, quando naquela ocasião, muitos servidores, inclusive recém-aprovados no concurso

destinado à SEMTAS, se referiram a inserção no movimento, em meio às ameaças de corte nas

folhas de ponto, o medo de exoneração em decorrência do período de estágio probatório, além

da promoção de ambientes profissionais que pudessem dificultar a permanência e o

desenvolvimento do trabalho daqueles profissionais.

Segundo aponta Anita Garibaldi:

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Eu fiz parte do grupo de mobilização, e assim, a gente chegava nas instituições

e as pessoas tinham medo mesmo em estágio probatório, porque parte das

coordenações, parte de alguns gestores faziam essa pressão. 'Você está em

estágio probatório, você não pode fazer greve, você pode perder, você pode

ser exonerado...' Então tem uma pressão. Não foi fácil, foram setenta e poucos

dias de cansaço, porque não é fácil você estar de 8h às 13h, em frente à

Prefeitura, no sol. Mas é isso, eu acho que a gente só consegue minimamente

ter os nossos direitos garantidos ou ampliá-los, na luta (ANITA GARIBALDI,

2017).

Essa é uma abordagem que coincide com a atual direção dos instrumentos normativos

do Serviço Social e do Conjunto CFESS/CRESS, considerando os processos de luta e de

resistência da categoria profissional, não como palavras mágicas, produto da boa vontade dos

indivíduos, mas como um movimento construído, pensado e redefinido – a depender da

conjuntura histórica e política que vivemos – com base em situações concretas enunciadas por

homens e mulheres submetidos à exploração presente nos modos de trabalho (SANTOS, 2010).

Nesse seguimento, o aprimoramento intelectual é enfatizado não só em razão da

formação permanente, mas como insumo para o exercício profissional (BOSCHETTI, 2007)

indispensável à intervenção pedagógica do assistente social junto aos usuários e a organização

de equipes interdisciplinares mais coesas, pautada na apreensão da totalidade, na qualidade dos

serviços, e com vistas ao fortalecimento da política de assistência social (SANTOS, 2010).

Acreditamos que a partir desses elementos, é possível construir projeções coletivas na direção

do Projeto Ético-Político Profissional e que façam frente às contradições de um trabalho

tensionado pelas correlações de força presentes na sociedade.

Ao considerar realidade contemporânea e a própria trajetória da profissão, constatamos

que muitas tem sido as manifestações em defesa dos direitos humanos e da ampliação das

políticas sociais, quando, por exemplo, a luta pela redução da jornada de trabalho dos assistentes

sociais para 30h68, foi um movimento político dos mais relevantes, ainda que possa mascarar

outras evidências como a existência de mais de um vínculo empregatício ou a realização de

trabalhos extras para complementar a renda mensal.

Esta é uma discussão, inclusive, inserida na pauta de reivindicações do Conjunto

CFESS/CRESS juntamente à aplicabilidade da redução da jornada de trabalho para os

assistentes sociais, em situações específicas, que de acordo com CFESS (2011d) apresentaram

dificuldades desde implementação da nova medida, em órgãos públicos federais, onde o

trabalho já era regido por outras leis; para cargos de natureza comissionada, tendo em vista o

68 Nos referimos a conquista da aprovação da Lei nº 12.317/2010 (“Lei das 30h”), em 26 de agosto de 2010, que

reduz a jornada de trabalho do assistente social para 30h semanais sem redução salarial.

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recebimento de proventos adicionais para tal; nos casos relacionados aos regimes de plantões,

gerando dúvidas entre as partes envolvidas; além de profissionais que exercem atividades

inerentes à profissão, concomitante a outras de natureza administrativa.

Entre outros aspectos, em concordância com a “Lei das 30h”, reconhecemos a

relevância da organização política da categoria profissional e de suas entidades representativas,

para a desconstrução de comportamentos conservadores presentes no âmbito do trabalho e da

sociedade, através de estratégias coletivas que façam valer não apenas o direito dos assistentes

sociais, mas de toda extensão dos trabalhadores brasileiros, fortificando as pautas das agendas

profissionais.

Entre elas, estão as vertentes sistematizadas pelo Conselho Regional de Serviço Social

do Rio de Janeiro (CRESS/RJ), em produção acerca dos princípios do Código de Ética

articulados ao exercício profissional (CRESS, 2013), onde, a exemplo da realidade encontrada

no município de Natal/RN, fazem coro a uma tendência nacional, que ratifica a participação da

categoria:

nas frentes de luta contra a privatização e Fóruns contra as terceirizações e modelos

de gestão privatizantes, entre elas as Fundações, Organizações Sociais (OS),

Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e Empresa Brasileira

de Serviços Hospitalares (EBSERH);

nos Fóruns Nacionais e Regionais de Trabalhadores do SUAS;

no Fórum Nacional de Trabalhadores da Saúde (FENTAS);

no Comitê Nacional Executivo da campanha pelos 10% do PIB para a Educação;

no Plano de lutas em defesa da formação e contra a precarização do Ensino Superior,

do qual fazem parte o Conjunto CFESS/CRESS, ABPESS e a Executiva Nacional de

Estudantes de Serviço Social (ENESSO);

na luta pela implementação da “Lei das 30h” para todos os assistentes sociais;

na luta pelo cumprimento da Resolução do CFESS nº 493/2006, sobre as condições

éticas e técnicas do exercício profissional;

na luta pela aprovação do Projeto de Lei que estabelece piso salarial para os

assistentes sociais69.

69 A questão que envolve a remuneração dos assistentes sociais no Brasil está presente na agenda de lutas do

Conjunto CFESS/CRESS, especialmente, através da busca pela aprovação do Projeto de Lei nº 5.278/2009, que

propõe a alteração da Lei nº 8.662/1993 definindo para a profissão do Serviço Social, o piso salarial nacional de

R$ 3.720,00 para uma jornada de 30hs/semanais.

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Tais apontamentos corroboram para o processo de luta por direitos, favorecendo

importantes reflexões sobre como as relações se estabelecem na sociedade capitalista, sob o

horizonte de um projeto, que no caso do Serviço Social, direciona-se às necessidades da classe

trabalhadora e a ampliação das respostas do Estado, no que diz respeito ao fortalecimento de

políticas, programas e projetos sociais. Além disso, trata-se de uma categoria que tem se

posicionado, hegemonicamente, “na perspectiva de construção de um projeto de sociedade

anticapitalista” (SANTOS, 2010, p. 696), sendo, então, necessário que nos ocupemos das

possíveis estratégias de enfretamento às condições de precarização e superexploração, as quais

estão submetidas o trabalho.

No que tange à realidade brasileira, contamos ainda, com o desafio de não sucumbir

diante dos retrocessos, firmados em propostas que preveem maiores indícios de flexibilização

e fragilidade da organização sindical, tornando-se mais difíceis as condições de resistência da

classe trabalhadora e anunciando em circunstâncias cada vez mais alarmantes, o projeto das

elites, de reduzir a regulação sobre o trabalho em favor da lucratividade dos empregadores70.

Consoante ao que temos observado enquanto estratégias profissionais direcionadas ao

enfrentamento da precarização do trabalho, certamente estas se unem aos desafios postos aos

trabalhadores, especialmente, na política de assistência social, onde não é mais possível ceder

às forças opositoras ao debate democrático.

Nesse sentido, a fala da assistente social Anita Garibaldi, é um exemplo desta assertiva,

sintetizando, na nossa opinião, o debate que propomos até o momento, tendo em vista a

trajetória histórica do Serviço Social e o lugar que ocupa neste enredo:

Então, eu penso hoje que o grande desafio, o maior de todos, é tornar (difundir)

a assistência como um direito e não como caridade. Aqui a gente construiu

essa política nesse sentido, porque aqui é na base do paternalismo. Penso eu

que com servidores, com essa nova configuração hoje, talvez isso possa

mudar. Falando aqui da equipe, a gente tende sim a fazer essa orientação, né?

De estar informando, de estar orientando os usuários do que é direito. Embora

a gente sabe que sozinhos nós não vamos conseguir, mas a gente tem tentado

fazer esse movimento. Agora, que é desafiante é. Nós estamos fazendo um

enfrentamento de formiguinha numa situação que é bem mais ampla, né?

Enquanto a gente faz o ‘boca a boca’, tem o carro de som, tem a mídia, tem a

70 Com a clareza de que o nosso trabalho não pode contemplar a velocidade com que avançam as propostas

neoliberais para desregulamentação do trabalho, principalmente, na cena política contemporânea brasileira; o que

vem sendo discutido pelo Congresso Nacional, são reformas, ou melhor, “contrarreformas” que objetivam oferecer

acordos mais flexíveis entre empregados e empregadores. Sob o espectro da liberdade de mercado, a reforma

trabalhista aprovada pelo Senado, em julho de 2017, propõe a ampliação da jornada diária de trabalho, no limite

das 44 hs/semanais, a negociação individual de banco de horas com empregador e a redução do tempo de descanso,

entre outros aspectos. Acreditamos que essas medidas se relacionam diretamente com o nosso objeto de estudo, e

embora, no momento da elaboração desta análise, ainda não estejam em vigor, representam mais um ataque a

classe trabalhadora e, portanto, mais um motivo para o qual nos organizarmos. Ver: CFESS (2017).

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publicidade, então é bem complicado. E as nossas condições de trabalho

mesmo que são outro desafio. (ANITA GARIBALDI, 2017).

E por falarmos em desafios, adentramos ao próximo item do nosso trabalho, certos de

que ainda temos muito o que enfrentar, no horizonte da implementação de uma agenda política

que contemple, de fato, a importância de condições de trabalho dignas, em defesa dos

instrumentos legais e da preocupação com o avanço da autonomia dos sujeitos, do Projeto

Ético-Político Profissional e da construção de uma nova ordem societária.

4.2 OS DESAFIOS PARA O AVANÇO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

NO BRASIL

Com base na análise acerca da política de assistência social, em que trouxemos à tona a

realidade experenciada pelos assistentes sociais inseridos nos Centros de Referência de

Assistência Social (CRAS e CREAS) de Natal/RN, no último tópico do nosso trabalho,

gostaríamos de retomar aspectos que consideramos importantes e que se destacaram no

conteúdo das nossas entrevistas, evidenciando os desafios postos ao Sistema Único de

Assistência Social (SUAS), seja no município estudado ou em todo o Brasil.

Através de um método, cujo processo de alcance da essência, dá-se pela aparência dos

fenômenos, e que tem em si, os complexos sociais e as estruturas sócio-históricas que compõem

o ser social, no movimento da realidade (MORAES; MARTINELLI, 2012), objetivamos

estudar as condições de trabalho dos assistentes sociais no município de Natal/RN, certos de

que desvendaríamos tendências universais acerca da política de assistência social no Brasil e os

seus reais contraditórios.

Nesta acepção, nos embasamos no campo das mediações, a partir do pensamento

dialético expresso pela tríade categorial entre a singularidade, a universalidade e a

particularidade, manifesta pelo real e reproduzida pela razão (MORAES; MARTINELLI,

2012), que ao longo da nossa pesquisa, aconteceu, sobretudo, por intermédio das falas dos

entrevistados, permitindo-nos ir do singular ao universal, através do particular. Ou seja, com o

auxílio das situações levantadas pelos assistentes sociais de Natal/RN, em associação com a

produção teórica produzida, no campo do Trabalho, das Políticas Sociais e do Serviço Social,

discutimos o contexto em que se inscreve o trabalhador assalariado no Brasil, tendo por base

uma realidade local da política de assistência social.

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A partir de uma análise que proporcione uma visão crítica sobre a realidade e a ordem

estabelecida, nos referimos, então, aos desafios postos ao avanço desta política, no Brasil,

fazendo-o como em todo o trabalho, com o apoio dos depoimentos dos assistentes sociais,

enquanto trabalhadores do SUAS, inseridos nos CRAS e CREAS de Natal/RN.

Entre as principais tendências descritas ao longo da nossa pesquisa, é possível assimilar

antigos e novos desafios no que tange a política de assistência social, manifestando-se em

questões que remetem desde a sua identidade no Brasil, construída ao avesso da constituição

(YAZBEK, et. al, 2014), até às especificidades dos mais recentes marcos regulatórios, que,

conforme observamos, ainda não têm sido materializados no campo da organização e da gestão

do trabalho, traduzindo-se em circunstâncias que reforçam a sua tradição como “não-política”.

De acordo com os assistentes sociais entrevistados, podemos, então, substanciar os

desafios para a assistência social no Brasil, em três aspectos centrais, que apontam para: a) o

fortalecimento do seu caráter público, impresso na responsabilidade do Estado de assegurar

direitos sociais, conforme pacto federativo presente na Constituição; b) a profissionalização e

a qualificação dos serviços oferecidos, envolvendo questões como o planejamento das ações e

programas de educação continuada, e, c) a valorização dos trabalhadores, observando a gestão

do trabalho, com perspectivas de progressão na carreira e nos salários, e um ambiente salubre

que proporcione o desenvolvimento das atividades profissionais.

Trata-se de repensar a política de assistência social, assim como toda a Seguridade

Social no Brasil, realizando, cotidianamente, a crítica sobre como tem repercutido para os

usuários e os trabalhadores desta área, a noção do direito, em um país, marcadamente,

patrimonialista, onde a ideia de cidadania e a responsabilidade pública traduz-se em ações

isoladas, seletivas e com o forte chamamento às organizações privadas. Conforme aponta

Sposati (1997), a assistência social se instala, no país, de maneira precária e como política de

segunda categoria, em que a o setor filantrópico assistencial e o modelo do “pobre consumidor”

dão a tônica para os padrões dos serviços oferecidos, chegando aos dias atuais, ainda aliados a

uma clara proposta clientelista, associada ao jogo político brasileiro.

Em outras palavras, “nas relações clientelistas não são reconhecidos os direitos dos

subalternizados e espera-se a lealdade daqueles que recebem os serviços” (YAZBEK, 2006, p.

41), sendo este, então, o padrão arcaico sobre o qual se materializaram as relações entre as

classes sociais, no Brasil, influindo na formação da própria Seguridade Social, e especialmente

da política de assistência social, na qual a concepção do direito universal expressa na

Constituição de 1988 disputa espaço com outras tendências agenciadas pelo mercado e

representadas pelo grande capital.

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Historicamente associada ao poder econômico, expresso na propriedade territorial

privada, a gestão patrimonial no Brasil associa-se às abordagens atuais, em que a utilização do

Estado tem cooperado efetivamente para a realização dos interesses e das necessidades dos

grupos dominantes (GONÇALVES; KAUCHAKJE; MOREIRA, 2015). Conforme os autores,

o argumento central é o de que as políticas públicas que integram a Seguridade Social, longe

de formarem um amplo e articulado mecanismo de proteção, adquirem uma perversa unidade

contraditória: “enquanto avançam a mercantilização e a privatização das políticas de saúde e

previdência, restringindo o acesso e os benefícios que lhes são próprios, a assistência social se

amplia, sob a condição de política não contributiva, transformando-se em um novo fetiche de

enfrentamento à desigualdade” (MOTA, 2010, p. 134).

Entre outros aspectos, a matriz socioassistencial incorpora apenas um segmento de

classe, entre os mais pobres e carentes, ocupando-se, na prática, tão somente com as

necessidades mínimas para a sobrevivência, não consignada aos padrões de desenvolvimento

humano, autonomia, e redistribuição de renda (SPOSATI, 1997). A concepção do direito

efetiva-se, assim, de modo genérico e destituído das relações que o precedem na sociedade

capitalista, ocultando a dominação econômica e dificultando que as classes subalternas tomem

consciência desse processo e construam as suas próprias identidades (SANTOS, 2007).

Sob a égide do capital, o “interesse de todos” nesta sociedade tem sido definido a partir

do funcionamento tranquilo das contradições (SANTOS, 2007), em que os direitos sociais são

proclamados mediante um conceito ideológico vazio, cuja visão abstrata de universalidade tem

perpetuado o sistema social, a desigualdade estrutural e os interesses dos setores privilegiados,

circunscrevendo as reais possibilidades de mudança, tendo em vista o metabolismo de produção

e reprodução do capitalismo e a sua função alienante.

Diante desta conjuntura, a política de assistência social tem se distanciado da noção de

direito social adquirido, previsível e reclamável por quem dela necessitar, enfrentando grandes

desafios para o avanço de sua ampliação. Como nos lembra Silva (2002), “entre eles está a

efetiva superação de velhas práticas de reprodução de um padrão conservador, com conteúdo

fluído, ações descontínuas e sem força para a mudar a realidade” (p. 14), mesmo após o

reordenamento constitucional.

Com base na autora, em perspectiva com a qual corroboramos, é necessário e urgente

que se adequem as realidades organizacionais da assistência social ao conteúdo e à prática da

responsabilidade pública, não em caráter complementar, nem tão pouco assentado em padrões

filantrópicos, mas através de uma mudança cultural e de apropriação crítica da realidade que a

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reitere como política setorial, construída com o apoio dos movimentos sociais e de bases

regulamentares sólidas, e não em valores do senso comum.

Este, sem dúvida, tem sido um dos maiores desafios postos aos assistentes sociais que

se encontram nos variados aparelhos institucionais, responsáveis pela implementação da

política de assistência social, nos municípios do Brasil, que a contar pela realidade encontrada

nos CRAS e CREAS de Natal/RN, certamente se identificam com a fala de Anita Garibaldi:

Bom, eu acho que o grande desafio (grande mesmo), eu acho que é a gente

fazer a política ser entendida como direito. O histórico da assistência,

infelizmente, está muito atrelado ao paternalismo e a caridade, infelizmente.

E como é uma política para os pobres, uma política pobre para os pobres, então

a gente tem uma política focalista, seletiva, direcionada para aquele de maior

necessidade. Na campanha é cheio de gente aqui atrás de cesta básica. Então

ela ainda não é entendida como direito (ANITA GARIBALDI, 2017).

Podemos compreender, a partir do fragmento descrito, que muito há ainda por fazer a

fim de que a assistência social supere efetivamente as históricas práticas conservadoras,

afirmando-se enquanto política social que já se constitui em novo formato. Nesse processo é

preciso conceber suas especificidades na atenção às necessidades humanas, na cobertura dos

direitos, e enquanto política pública, articulada às demais, responsável por implementar as

diretrizes e os princípios da lei que a regulamenta (SILVA, 2002).

Na contramão das tendências que apontam para ao caráter seletivo e fragmentário da

política de assistência social, salientamos o que muda com o SUAS e o seu marco regulatório,

por meio do qual as estruturas organizativas e os mecanismos de gerenciamento passam a

referenciar as necessidades sociais e a universalização do acesso aqueles que buscam a

assistência social, também com base no respeito, na dignidade e na autonomia humana, bem

como na qualidade dos serviços, em uma dimensão pública (MOTA; MARANHÃO;

SITCOVSKY, 2010). Para os autores, essa perspectiva, chega, inclusive, ao Serviço Social,

através da aproximação à questão do conhecimento da realidade e do distanciamento à cultura

profissional do “saber-fazer”, privilegiando elementos de ordem teórico-metodológica e ético-

política com ênfase nas diretrizes e nos princípios do próprio SUAS.

Por isso, empreendê-lo como direito pressupõe também a qualidade dada à execução de

suas ações, bem como o planejamento, a gestão e a organização dos serviços que estruturam a

rede socioassistencial dos municípios, composta pela proteção social básica e especializada, de

média e alta complexidade, percebendo a importância do que os nossos entrevistados chamaram

de “profissionalização da política de assistência” como mais um desafio frente a ausência de

monitoramento da rede de atendimentos e as estigmatizações ainda existentes.

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Tal ordenamento prevê a efetiva implementação do SUAS, através do fortalecimento dos

municípios como entes federados autônomos e conhecedores de suas demandas, com condições

de definir, no âmbito de sua atuação, ações, programas e projetos que de fato promovam o

enfretamento às vulnerabilidades sociais, “sem precisar importar um ‘cardápio’ pronto e

impositivo vindo de outros níveis de governo” (SILVA, 2002, p. 14).

Neste ponto, vale destacar os múltiplos desdobramentos que o conhecimento da

realidade tem para o desempenho profissional e o avanço da política de assistência social, a

considerar as informações sobre o local referenciado, o processo de gerenciamento e a

organização dos sistemas de dados, sem falar da relação entre a natureza e a dimensão dos

níveis de complexidade, atrelado as necessidades dos usuários e a organização dos serviços.

Pois, se por si só as necessidades sociais já revelam a multiplicidade das expressões da questão

social, e os serviços – classificados em básicos e especializados – têm o objetivo de cobrir o

atendimento à essas necessidades, apresenta-se como ainda mais desafiador, [...]

[...] a capacidade de os profissionais da assistência social romperem com as

consequências da divisão sóciotécnica do trabalho, cristalizada nas

‘especialidades acadêmicas’ a fim de estabelecer articulações, e construir

referências teórico-metodológicas e técnico-operativas que busquem romper

com as visões e abordagens fragmentárias dos riscos e vulnerabilidades em

prol de uma intervenção qualificada, crítica e politicamente comprometida

(MOTA; MARANHÃO; SITCOVSKY, 2010, p. 195).

Trata-se de um projeto político que de fato tenha a intenção de conhecer a realidade e

qualificar a política socioassistencial, proporcionando o desenvolvimento das competências

institucionais, a gestão do trabalho e a politização dos usuários, a fim de que o Sistema Único

de Assistência Social se constitua experimental e infraestruturalmente, baseado nos requisitos

humanos, técnicos e operativos imprescindíveis para o seu funcionamento.

Isto pode acontecer, por exemplo, na medida em que haja o investimento em estruturas

administrativas mais condizentes com os objetivos desta política, abarcando tanto o

ordenamento físico-estrutural das unidades – tendo em vista o debate que realizamos acerca das

condições materiais de trabalho disponibilizadas nos CRAS e CREAS de Natal/RN – como a

instituição de órgãos gestores que promovam a continuidade da formação e que encaminhem

politicamente um projeto que viabilize a participação e o controle social como prática real de

participação popular e apropriação dos espaços públicos.

Essa nova identidade política deve abarcar, portanto, a concepção da assistência social

e dos recursos exclusivos do erário público como elementos fundamentais, destinados a

regulamentação, a profissionalização e a publicização da proteção social, configurando-se

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como mais um desafio diante das diversas formas de precarização do trabalho e da escassez de

fundos voltados às necessidades sociais das classes subalternas.

No caso do município de Natal/RN, Tarsila do Amaral afirma:

Então assim, a gente tem, dentro de uma política, descontinuidade dos serviços

e um setor de planejamento que não planeja. Então, o que você pode esperar

de uma política dessa? Essa é a minha análise. Então como é que eu vou

alimentar o discurso de consolidação do SUAS? Que é o grande discurso hoje.

Não vai consolidar não, vai ser sempre uma coisa remendada, sempre uma

coisa amadora. Por quê? Porque esses itens aí passam pela profissionalização

da política. Com a qualificação, com a continuidade dos serviços e o

planejamento, a gente vai ter uma profissionalização. E é a partir dessa

profissionalização que a gente vai consolidar um sistema. Quer dizer, um

sistema, ele não se consolida sozinho, ele é feito a partir desses elementos aí

(TARSILA DO AMARAL, 2016).

Na contramão de uma gestão social construída por políticas mais consistentes, de

interlocução concreta com os conhecimentos teóricos e técnicos subjacentes a realização da

assistência social, o que foi apontado pela nossa entrevistada, também parece ser uma tendência

nacional, principalmente nos pequenos municípios brasileiros, em que a consolidação da

administração pública, através da “costura” política entre os gestores e as forças internas dos

governos, infelizmente, tem sido prerrogativa de indicações de cargos e eventuais mudanças no

modo como se operam os serviços (YAZBEK, et. al, 2014).

Quer pela presença histórica do primeiro-damismo na política de assistência social ou

pelo caráter ainda heterogêneo como se efetivam as relações, as entidades e as organizações

que integram a rede socioassistencial, observamos, através da utilização de recursos públicos,

o fortalecimento de práticas assistencialistas e benemerentes, em detrimento da capacitação

continuada dos trabalhadores e da gestão do SUAS, a fim de garantir uma intervenção pública

mais ampla e melhor qualificada (SILVA, 2002).

O que se observa é que os gastos públicos na área social parecem cada vez mais

vinculados ao desempenho geral da economia, abrindo caminho para políticas assistencialistas

e de padrão precário. Além disso, as diferentes políticas governamentais estão submetidas a um

formato organizacional que superpõe e compartimentaliza as atividades (YAZBEK, 2006),

gerando uma atuação burocrática, muitas vezes competitiva, “em que se busca manter áreas de

influência e tem-se um baixo controle das ações” (p. 47), obscurecendo questões como a pouca

efetividade dos gastos sociais e a precariedade dos serviços e recursos destinados, tão somente

aos segmentos mais pobres e mais vulneráveis da população.

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Como podemos notar, a partir dos depoimentos descritos e de toda a nossa discussão até

aqui, esses são alguns desafios inerentes a própria sociedade de classes, já que a retração dos

direitos, em face à universalização das relações mercantis, têm atingido as mais variadas

dimensões da vida (SANTOS, 2007), não podendo ser diferente com a política de assistência

social, que no Brasil, particularmente, depara-se, com os “descaminhos” que exigem da

sociedade, dos profissionais e dos usuários, uma crítica feroz sobre qual modelo de proteção

social temos afiançado.

Nos termos deste debate, defendemos, mesmo em sua contraditoriedade, a política de

assistência social sob a perspectiva do direito, traduzida pelas diretrizes e pelos parâmetros que

colocam as ações públicas estatais no centro do atendimento das necessidades dos cidadãos,

podendo encontrar nos programas, projetos e benefícios sociais, a prevenção e o desdobramento

dos casos de violação de direitos, direcionado à autonomia dos sujeitos e ao desenvolvimento

social.

Enfatizamos as discussões, que a exemplo do que fizemos no item anterior, promovam

as estratégias em busca pela construção de um projeto emancipatório, acreditando que, sob os

moldes da sociedade capitalista, a luta por direitos atravessa, necessariamente, as pressões

vindas da sociedade e a luta pela manutenção da democracia. Para nós, através dela, não só o

Serviço Social, mas todo o conjunto das categorias profissionais inscrito na política

socioassistencial, podem encontrar fôlego e alternativas para a viabilização dos direitos da

população usuária, bem como a efetivação das medidas que de fato valorizem os trabalhadores.

Por essas medidas passam o comprometimento do poder público com a gestão do

trabalho e a implementação real de um Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS) para os

servidores, que façam jus às recomendações técnicas presentes nos instrumentos normativos do

SUAS, configurando-se como mais um desafio frente ao avanço da política de assistência social

no Brasil. Pode-se dizer que sem a progressão de salários, carreiras e cargos, nem tão pouco a

garantia de condições adequadas para o exercício profissional daqueles que compõem esta

política, ainda estaremos longe de uma gestão socioassistencial efetivamente democrática,

única e integrada.

Similarmente, esta também foi uma das referências encontradas junto aos participantes

desta pesquisa, que perceberam nas suas condições de trabalho, desafios que também intervêm

na motivação e na valorização dos trabalhadores, conforme demonstra Celina Guimarães:

Então está tudo parado [...] a gente tem que ter um aumento e reajuste todo

mês de março e faz três anos que a gente não têm. Nem mudança de nível e

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nem aumento da Data-base. Então assim, tudo isso vai desmotivando [...] e

você tem que ter ao mesmo tempo, muita serenidade e muito discernimento

‘pra’ não colocar essa sua insatisfação no seu trabalho, no atendimento, né? O

desafio também é esse: a desmotivação não fazer você regredir no seu trabalho

e afetar a forma como você atende. (CELINA GUIMARÃES, 2016).

Sabemos que, no tocante aos salários dos servidores públicos, estes têm enfrentado, não

só em Natal/RN, mas em todo o Brasil, um quadro particular de regressão nos direitos, atrelado

ao reordenamento dos recursos públicos para a área da assistência social, a qual está inserida

na lógica da administração das políticas públicas brasileiras, orquestradas de um lado pela

monetarização do seu orçamento, e de outro, pela alegação de que se deve dar “prioridade

absoluta aos pagamentos da dívida, ainda que as custas da violação de direitos humanos e

sociais de toda a nação” (FATTORELLI, 2012, p. 65).

Nos termos Behring (2003), trata-se da “contrarreforma” do papel do Estado, iniciada

no Brasil, durante a década de 1990, mas que ainda permanece sob as diretrizes e a dependência

dos organismos internacionais, exigindo o abandono dos instrumentos de controle político e a

restrição na alocação do fundo público, sobretudo, para o campo das políticas sociais. Nesse

sentido, a valorização dos trabalhadores, assim como a profissionalização e a legitimidade da

assistência social passam pela linha pública orçamentária e, consequentemente, pela rejeição

de projetos coletivos que busquem a ressignificação do trabalho.

Mais especificamente, um exemplo marcante e bastante atual desta afirmativa tem sido

a Proposta de Emenda Constitucional nº 241, (PEC nº 241 ou PEC nº 55, a depender da Casa

legislativa)71, cujo texto reclama a criação de um novo regime fiscal para a União, “fazendo-se

necessária uma mudança nos rumos das contas públicas, para que o país consiga, com a maior

brevidade possível, restabelecer a confiança na sustentabilidade dos gastos e da dívida pública”

(BRASIL, 2016). Tendo por base esta emenda, para que se alcance o restabelecimento dos

gastos públicos, conforme menção, a proposta para os próximos 20 exercícios financeiros (vinte

anos), é a fixação de um teto mínimo de despesas destinado para algumas áreas, entre elas, a

Seguridade Social.

71 Após ser aprovada na Câmara dos deputados, em outubro de 2016, a “PEC do teto dos gastos”, passou a tramitar

no Senado como PEC 55, sendo aprovada no dia 13 de dezembro de 2016, com 53 votos favoráveis e 16, contra.

Além disso, o texto complementa a sua propositura com aquelas áreas onde não se constituem limites para o teto

orçamentário, com destaque para as despesas com a realização de eleições pela justiça eleitoral e as despesas com

aumento de capital de empresas estatais não dependentes. Por outro lado, de acordo com o Art. 103 da Emenda,

de que trata dos casos de descumprimento do limite do teto orçamentário, coloca-se em xeque, no exercício

seguinte, entre outras vedações: a criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa, alteração

de estrutura de carreira que implique aumento de despesa e a realização de concurso público (BRASIL, 2016).

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Recentemente, produto do cenário nacional, uma medida semelhante também foi

acatada pela Prefeitura de Natal/RN e o Ministério Público de Contas, impedindo o reajuste de

salários e a contratação de novos servidores públicos até agosto de 2018, justificando-se pelos

limites nas folhas de gastos e o reequilíbrio das finanças do município, em concordância com a

Lei de Responsabilidade Fiscal (NATAL, 2017)72. Isto quer dizer, que em detrimento da

efetivação das políticas públicas de qualidade – que prevê a realização de concursos e da

existência de condições de trabalho condizentes com a demanda apresentada – vem sendo

priorizados, em todo país, padrões tributários que em nada se relacionam com a redução das

desigualdades socais, nem tão pouco com a construção de uma sociedade mais justa.

Ao contrário, acompanham as prerrogativas das agências de cooperação internacional,

especialmente, do Banco Mundial, cujas orientações nos permitem compreender o que vem

ocorrendo no Brasil e no mundo, tendo em vista a redução do tamanho dos Estados Nacionais,

através das privatizações, terceirização e publicização das organizações de origem privada; do

desejo de recuperação da capacidade financeira e administrativa, por intermédio do ajuste fiscal,

além do investimento em uma política de governança, que objetive intermediar interesses e

garantir legitimidade social (SIMIONATTO, 1999).

Apesar de ter sido um trecho publicado ainda nos anos 1990, a afirmação da autora

demonstra aspectos recentes da conjuntura do país, onde a programática internacional

permanece influindo nos parâmetros da economia, nas mudanças tecnológicas e, sobretudo, nas

políticas sociais brasileiras, que no caso da assistência social, destaca-se pelo caráter

contraditório como se estabelece. Acompanhada pela própria orientação do Banco Mundial,

sob o discurso da focalização dos gastos públicos em prol da erradicação da extrema pobreza

(TEIXEIRA, 2010), percebemos os rebatimentos deste panorama para os usuários e os

trabalhadores SUAS, que veem nas suas vidas, na qualidade dos serviços e nas condições de

trabalho oferecidas uma perspectiva bem diferente daquela preconizada pela Constituição.

Quase 30 anos após a sua promulgação, os desafios para ao avanço das políticas socais

no Brasil, entre elas a assistência social, continuam sendo a superação de sua condição formal

de política pública, na direção de uma mudança político-ideológica que incorpore realmente os

72 Sob a justificativa do equilíbrio das contas públicas indicado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que impõe

um teto de gastos à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios, o Termo de Ajustamento de Gestão

(TAG) assinado, no mês de julho de 2017, entre a Prefeitura de Natal/RN e o Ministério Público de Contas,

antecipa cortes orçamentários, em áreas como Educação, Saúde e Assistência Social. Entre as consequências deste

corte, estão a não concessão de nenhum tipo de aumento ou vantagens salariais aos servidores, nem tão pouco a

realização de concursos públicos; tudo isso, sob o discurso de que “a cidade está se ajustando para se manter em

normalidade administrativa e financeira”, conforme o Prefeito Carlos Eduardo afirma em matéria publicada no

website da Prefeitura (NATAL, 2017).

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interesses da classe trabalhadora e dos usuários que dela necessitam. Somada a outras

inquietações, dada às graves disparidades entre as pessoas e as classes sociais no Brasil, nos

referimos, então, a uma conjuntura, onde as recorrentes denúncias de corrupção, entre outras

artimanhas voltadas ao acúmulo de grandes fortunas, nos fazem repensar as verdadeiras causas

para os cortes sociais e a ausência de compromisso com a administração pública, sempre muito

bem orquestradas pela máquina legal.

São apontamentos que reforçam no Brasil, questões que vem sendo discutidas ao longo

de todo o nosso trabalho, quando falávamos sobre a origem da assistência social e a sua relação

com a manutenção do status quo na contramão do conceito de equidade. Entre outros fatores,

enquanto for intenção do governo extrair das rendas mais baixas os recursos necessários para o

custeio do serviço público, preservaremos a correspondência com o passado e com a

conservação de privilégios e das benesses, tão prejudiciais às gerações futuras e a perspectiva

de justiça social.

Por conseguinte, na medida em tratamos dos desafios postos a política de assistência

social, trata-se de reforçar o seu caráter transformador, pois ao direcionar-se à pobreza, ou como

aponta Yazbek (2006) à classe subalterna, é importante que a reconheçamos como uma

manifestação da relação capital x trabalho, não dissociando o pobre do trabalhador, como se

esta fosse uma condição possível no sistema de acumulação privada (SIQUEIRA, 2012).

Segundo a autora, entende-se a pobreza, portanto, não como um produto da escassez, nem como

uma fase de crise dos países periféricos, mas como um fenômeno estrutural e próprio do sistema

capitalista, cujas formas de enfretamento de nada podem fazer se não vierem acompanhadas de

mudanças na distribuição da riqueza.

Longe de ser um demérito, necessitar da política de assistência social, vincula-se à

desigualdade de oportunidades e à privação das necessidades básicas em meio a um processo

progressivo de distância entre o valor produzido pelo trabalhador e a riqueza da qual este se

apropria. Bem diferente do que vem sendo preconizando o Banco Mundial, sob a retórica de

“construir um mundo sem pobreza”, na verdade, “há o incentivo da acumulação da riqueza, seja

pelo fomento às dívidas públicas, ou através de soluções pontuais, com saídas temporárias, de

desenvolvimento econômico, tecnológico e científico sem distribuição igual do seu produto”

(SIQUEIRA, 2012, p. 360). Desse modo, em face do panorama global de pobreza e

desigualdade, nos perguntamos, juntamente com a autora: “Serão possíveis tamanhas

modificações nos índices humanos com um Estado ausente socialmente? Será possível

solucionar a pobreza sem romper com o sistema que pressupõe a apropriação privada da riqueza

socialmente produzida? ” (SIQUEIRA, 2012, p. 361).

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Mediante esta notória contradição, acreditamos que se houver mudanças sob a ordem

do capital, estas passam necessariamente pela reordenação dos recursos públicos, evidenciando

o trato nos processos de gestão e organização do trabalho, bem como na participação e no

planejamento das ações socioassistenciais, reforçando, inclusive, a debate acerca do orçamento

destinado à área social. Com apoio da experiência e de todos os depoimentos dos assistentes

sociais que contribuíram para a pesquisa sobre as condições de trabalho nos Centros de

Referência de Assistência Social, do município de Natal/RN, avançamos na direção da utopia

(SPOSATI, 1997) fazendo frente aos princípios neoliberais e, insistindo no rompimento de

práticas, que historicamente têm reforçado a estigmatização da pobreza e o ataque às políticas

públicas de qualidade.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos afirmar que o percurso que trilhamos na busca pelo desvendamento das

condições de trabalho do assistente social nos Centros de Referência de Assistência Social

(CRAS e CREAS) de Natal/RN representou para nós um importante desafio, exigindo empenho

teórico-metodológico e interpretativo que ultrapassasse a aparência dos fenômenos.

Considerando ser este, um debate comumente associado às questões infraestruturas mais

tangíveis, ao delimitarmos o nosso objeto de estudo, seria um engano acreditar que estaríamos

tratando apenas da existência do computador, do telefone, da impressora, da sala de

atendimento ou do carro.

Em contraste, porém sem desconsiderá-los, nossa pesquisa intencionou ir além desses

elementos, tentando descobrir, através da análise das respostas dadas às entrevistas, os impactos

que as condições de trabalho oferecidas nas unidades socioassistenciais têm causado aos

profissionais, aos usuários e ao desenvolvimento da política de assistência social, no município.

Desafiados, então, a responder à pergunta de pesquisa: Quais as condições de trabalho dos

assistentes sociais na ponta dos atendimentos dos CRAS e CREAS, de Natal/RN?, podemos

dizer que obtivemos êxito, uma vez que reconhecemos também nas falas dos profissionais, ser

impossível dissociar as condições objetivas de trabalho à realização das atividades, bem como

à subjetividade da vida.

Vimos isto, ao longo de toda a nossa discussão, quando observamos a incoerência entre

o que é preconizado pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e o que tem sido

materializado na prática, sob uma conjuntura em que a precarização dos moldes de trabalho

configura-se como uma regra ao avanço do capital, em detrimento das ações que reiterem a

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qualificação no campo da proteção social. Nesse sentido, temos a clareza de não requereria de

nós, maiores esforços para encontrar a depreciação do trabalho, no âmbito da sociedade

capitalista, contudo, a particularidade da política de assistência social, no município de

Natal/RN, trouxe para nós, elementos novos, os quais permitiram estender à reflexão sobre a

garantia dos direitos sociais em um país marcado pelos fetiches da ajuda.

Um desses elementos, podemos constatar, foi a recente realização de um concurso

público destinado à Secretaria de Trabalho e Assistência Social de Natal/RN (SEMTAS),

considerando a ampliação no seu quadro de servidores, com vínculos empregatícios efetivos,

mas, que por outro lado, parece estar longe de refletir soluções e/ou melhorias contundentes no

que tange as condições de trabalho dos profissionais.

Sob esta perspectiva, em um primeiro momento, direcionamos o debate em torno da

gestão do trabalho na política de assistência social, tendo em vista a realidade do município de

Natal/RN, onde se vivenciou, recentemente, um movimento de greve, cuja maior reivindicação

era em decorrência do atraso no calendário de pagamento dos servidores. Situação agravada,

pelo descumprimento da Lei da Data-base, a ausência de adicionais e gratificações, adiamento

das mesas de negociação, sem falar das precárias condições de trabalho.

O nosso objeto de estudo confronta-se, então, com a realidade do município e o que

nacionalmente vem sendo reconhecido como os avanços na área da assistência social, nos

fazendo compreender que, infelizmente, ainda estão distantes os progressos que almejamos para

os profissionais e os usuários do SUAS, em concordância com a Lei Orgânica de Assistência

Social (LOAS), a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), e as Normas Operacionais

Básicas, a exemplo da NOB/RH, de Recursos Humanos.

Em contrapartida, o que é possível perceber são assistentes sociais que além de

desvalorizados, se sentem desmotivados diante da atual conjuntura, onde a regressiva dos

direitos sociais, tem atingido diretamente o seu trabalho, atrelado a ausência de incentivos e

progressões salariais, mas também a questões outras, como a não promoção de atividades que

deem continuidade à sua formação e que ampliem, de fato, as suas perspectivas para além da

vivência cotidiana nos Centros de Referência de Assistência Social.

Vê-se, neste quesito, que a responsabilidade da gestão pública com a capacitação dos

trabalhadores do SUAS, delimitada pela NOB/RH, pode ser naturalmente burocratizada,

através do oferecimento de cursos aligeirados, não periódicos ou destinados a apenas uma

parcela de profissionais, não atendendo às demandas advindas da vida dos usuários, seus

direitos e suas possibilidades de superação, diante da situação de vulnerabilidade.

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Junto a isto, seria impossível analisar o tempo presente onde estão situadas as condições

de trabalho dos profissionais na política de assistência social, sem que se realizasse um

mergulho em aspectos da realidade sócio-histórica brasileira e o Modelo de Produção

Capitalista ao qual aderiu, a fim de que se compreendesse a origem dos aspectos levantados

pelos sujeitos da nossa pesquisa, revelando que o mau gerenciamento de uma política social

destinada as necessidades da população mais pobre, relaciona-se diretamente com o passado de

descaso e com a construção de privilégios no Brasil.

Sem levar a cabo as reais necessidades da classe trabalhadora, nem tão pouco daqueles

destituídos do mercado formal de trabalho, a política socioassistencial brasileira continua

assentada sobre a marca histórica do assistencialismo e do clientelismo, por meio dos quais são

chancelados, até hoje, a percepção do serviço público como um campo desqualificado de

intervenção social e o descompromisso reproduzido pelos moldes do Estado, em reconhecer os

direitos de cidadania.

Sob esta lógica, constata-se ainda, na conformação da assistência social, a existência de

pensamentos e condutas conservadoras que se reportam à pobreza, aos usuários desta política,

e consequentemente, às profissões ligadas à viabilização dos direitos sociais, de forma

secundária, por meio do improviso e das ações circunstanciais vindas do Estado, resvalando nas

condições e nas relações de trabalho, que não existem a contento, já que faltam infraestrutura

técnica adequada e recursos materiais suficientes, sem contar com o atraso no pagamento dos

salários e com o adoecimento dos trabalhadores.

Afirmamos, assim, que ao tratarmos das condições de trabalho do assistente social, não

podemos minimizar a temática às condições materiais, contudo, é importante e necessário que

esta análise exista e que seja feita como parte da totalidade, envolvendo a atenção dada à

valorização e a autonomia profissional, diante da realidade de um município, que há pouco mais

de um ano, matinha em seus quadros de servidores do SUAS, uma parcela significativa de

vínculos empregatícios temporários.

Nesse sentido, falamos de questões que remetem a importância da ampliação e da

continuidade dos serviços da assistência, tratando de aspectos materiais, mas também

organizacionais, em que a realização do concurso público é importante, mas junto a ela,

reclama-se a qualificação do trabalho e a destinação de recursos básicos que facilitem e

viabilizem a execução das atividades. Sobre este ponto, temos, por exemplo, a disponibilidade

de transportes que garantam aos assistentes sociais a realização de visitas domiciliares e a busca

ativa nas regiões em que estão inseridos, e que segundo relatos, ainda é insuficiente, no contexto

do município estudado.

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Neste seguimento, aponta-se também o compromisso com o sigilo nos atendimentos em

que cabe a intervenção do assistente social, cujo pressuposto é a existência de um espaço

funcional, coeso e sigiloso, mas que ainda parece distante do padrão estabelecido pelo SUAS,

tendo em vista disposição de locais de trabalho inadequados ao planejamento das esquipes

profissionais, à realização das atividades e ao acesso dos usuários.

Estas foram tendências apontadas pelos assistentes sociais inseridos nos CRAS e

CREAS de Natal/RN e que dizem respeito à infraestrutura técnica e ao sigilo proporcionado

nos Centros de Referência, mas que para nós, não se distanciam às questões alusivas ao cuidado

e a saúde dos servidores. Ao se tratar desta temática, os relatos foram extensos e demostraram

um notável processo de adoecimento, mascarado pelo estresse cotidiano, e que de alguma

forma, de acordo com os entrevistados, tem sido objeto de pouca atenção do órgão competente.

A partir das entrevistas realizadas foram perceptíveis referências ao comprometimento

da saúde dos profissionais, que imersos em um quadro de precarização das estruturas

administrativas do SUAS, refletido pelo alto número de demandas em detrimento das condições

adequadas para realizá-las, sentem-se incapazes e adoecidos, diante das restrições à sua

autonomia profissional, o congelamento nas progressões salariais, além dos atos abusivos que

afirmaram estar submetidos ao assistentes sociais entrevistados.

A temática do assédio moral acompanhou, portanto, a nossa discussão acerca dos

impactos à saúde dos trabalhadores, por acreditarmos ser esta uma problemática que perpassa

a configuração do trabalho sob os moldes capitalistas e os casos de adoecimento, cada vez mais

associados à lógica da flexibilidade, da qualidade total no trabalho e da competividade inerente

a dinâmica do mercado. Nesta cena, a “violência simbólica” a qual nos referimos, presentes nas

relações interpessoais coercitivas, atinge também as relações de trabalho, vitimando, coagindo

e comprometendo o exercício profissional e às demais áreas da vida.

Em meio as possíveis situações de assédio moral destacadas pelos os assistentes sociais

entrevistados, estão aquelas que remetiam às questões cotidianas, relativas à ausência de

autonomia profissional, durante a elaboração de relatórios, chegando até mesmo ao período de

greve, em que a ameaça do corte nas folhas de ponto ou o medo de exoneração, em virtude do

estágio probatório, foram identificados pelos entrevistados como mais um dos mecanismos de

reprodução do capital.

Tratar sobre o assédio moral e o quadro de adoecimento da classe trabalhadora,

configura-se, assim, uma proposta, a qual endossamos e o nosso trabalho dá margens para novos

estudos, haja vista a importância do cuidado à saúde dos trabalhadores em espaços particulares

como a política de assistência social, onde de exposição continuada às mais dramáticas

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situações de violação de direitos – percebidas por nós, com apoio dos relatos – são agravadas

em razão da ausência de meios e recursos que possam efetivamente superar as causas estruturais

da pobreza e da desigualdade social.

Esse, sem dúvida, soma-se aos demais desafios postos ao avanço da assistência social

no pais, que no horizonte da sua real efetivação enquanto política pública de direito, tem muito

a avançar no cumprimento do marco legal, com vistas a responsabilização do Estado, a

qualidade dos serviços oferecidos aos usuários e a valorização dos trabalhadores do SUAS.

Optamos por ser este, então, o conteúdo do último capítulo do nosso trabalho, apresentando

perspectivas e possibilidades, na direção dos posicionamentos críticos e corajosos que mesmo,

mediante à atual conjuntura, demonstraram algum otimismo.

Nesse sentido, nosso trabalho também propôs falar das flores, realizando um resgate da

trajetória do Serviço Social e dos avanços conquistados pela categoria profissional, que, não

isenta de conflitos, foi capaz de se reconceituar e de reinventar a forma como intervia nas

expressões da questão social, já que desde a sua gênese esteve associada às requisições do

grande capital e a maneira como este atendia (e ainda atende) as necessidades, produto das

desigualdades que ele mesmo proporciona.

Como estratégias e formas de enfrentamento à precarização do trabalho diante do atual

modelo de produção e de como tem se constituído a política de assistência social, no Brasil, os

assistentes sociais entrevistados evidenciaram a organização política dos trabalhadores e a

politização dos usuários da assistência como as alternativas possíveis ante a ofensiva neoliberal;

sendo, então, por meio da luta coletiva e de uma mudança cultural e de valores, que

alcançaríamos progressos na construção da força política e da autonomia das classes

subalternas, capazes de construir coletivamente as respostas à realidade que lhes compete.

Sob esta ótica, inscreve-se a função pedagógica do assistente social, a qual nos referimos

durante a análise, condizente com uma postura ético-política que faça frente às práticas sociais

conservadoras, através de estratégias de articulação entre os interesses políticos, econômicos e

ideológicos presentes na sociedade capitalista. Na política de assistência social, esta é uma

tarefa ainda mais desafiadora, tendo em vista o histórico da “ajuda” pelo qual é atravessada,

sem desconsiderar a própria trajetória do Serviço Social, quando na ocasião da sua gênese

também esteve associado à caridade, com vistas aos interesses da classe dominante.

Por isso, tratar de temáticas que envolvam aspectos do exercício profissional, além de

particularidades de uma política como a assistência social, no país, requer um esforço

permanente, que não aceite a naturalização do descaso, mas que aponde para as estratégias

coletivas e interdisciplinares que reforcem a qualificação dos serviços, o cumprimento das

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prerrogativas legais e invista na valorização dos trabalhadores, mesmo ante aos desafios e aos

impactos macrossocietários.

Com a certeza de que a realidade é um processo dinâmico e de que nenhuma pesquisa é

capaz de abranger a sua totalidade, salientamos, inclusive, as mudanças que possam ter ocorrido

no decorrer e após a realização das nossas entrevistas (e que por ventura, não foram alcançadas

pela nossa análise), tendo em vista as características do cenário estudado e o próprio momento

de transição pelo qual passou o quadro de servidores da Prefeitura de Natal/RN. Nesse sentido,

salientamos a importância de estudos que deem seguimento a temática sobre as condições de

trabalho dos assistentes sociais, nos diversos espaços sócio-ocupacionais, pois está claro que

para além do podemos imaginar, são inúmeras as causas por traz do discurso da falta de sala,

de internet, do carro ou do computador. Na verdade, esses discursos são a síntese de um quadro

de negligência bem mais amplo, correspondente aos cortes orçamentários no campo da

Seguridade Social, refletido na precarização das condições de trabalho e nas mais variadas

situações de estresse, adoecimento e/ou assédio moral.

Como afirmamos ao longo da nossa análise, acreditamos que se é possível falarmos de

avanços para política de assistência social, no Brasil, esses perpassam a transformação

estrutural que atravessa os critérios de distribuição do fundo público e a prestação dos serviços

sociais, atrelada a uma mudança político-ideológica urgente, que não mais retire da política de

assistência social os progressos que ela já conquistou. Ou melhor, conquistamos. E por esta

razão, busquemos na luta coletiva e na organização da classe trabalhadora, as possíveis saídas

ao atual contexto de desmonte, retrocesso e de corrupção dos nossos direitos.

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162

APÊNDICE

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163

APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS - CCSA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL - PPGSS

MESTRADO

Pesquisa: Serviço Social e condições de trabalho: perspectivas e desafios para a política de

assistência social no município de Natal/RN

Discente pesquisadora: Sheila da Silva Oliveira

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADO

I. INSTITUIÇÃO:

1. Zona de Localização/bairro/território que atende:

2. Capacidade de atendimento/famílias/ano:

3. Prédio próprio ou alugado?

4. Acessibilidade: Sim ( ) Não ( )

5. Quantidade de assistentes sociais na instituição e vínculos empregatícios:

II. DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA(O) ASSISTENTE SOCIAL:

1. Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino.

2. Faixa Etária: ( ) 19 a 25 ( ) 26 a 35 ( ) 36 a 45 ( ) acima de 45.

3. Ano de conclusão do curso de graduação:

( ) Anterior ao ano de 1982 ( ) Entre 1982 e 1992 ( ) Entre 1992 e 2002.

( ) Entre 2002 e 2012 ( ) Entre 2013 a 2015.

4. Tempo de atuação como assistente social:

( ) menos de 1 ano ( ) de 1 ano a 3 anos ( ) de 3 anos a 5 anos ( ) de 5 a 10 anos

( ) acima de 10 anos.

5. Tempo de trabalho na instituição:

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( ) menos de 1 ano ( ) de 1 ano a 3 anos ( ) de 3 anos a 5 anos ( ) de 5 a 10 anos

( ) acima de 10 anos.

6. Maior Titulação:

( ) Mestrado ( ) Doutorado ( ) Especialização ( ) Outros/ Especificar:

7. Tipo de vínculo empregatício

( ) Celetista ( ) Estatutário ( ) Temporário/Contrato ( ) Cargo Comissionado ( )

Outros/Especificar: ___________________________________________________

8. Quais são os direitos trabalhistas que a instituição lhe proporciona (múltipla escolha):

( ) 1/3 de Férias ( )13ºSalário ( ) Gozo de férias plena/30 dias ( ) Contribuição

previdenciária ( ) Fundo de Garantia (FGTS) ( ) Nenhum direito trabalhista

9. Possui outros vínculos empregatícios? ( ) Sim ( ) Não.

Se sim, como distribui a sua carga horária semanal de trabalho?

10. Carga horária de trabalho: 30h*

12. Remuneração:

( ) Até 03 salários mínimos ( ) 04 a 06 salários mínimos ( ) 07 a 09 salários mínimos

( ) Acima de 10 salários mínimos.

III. SOBRE AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DO(A) ASSISTENTE SOCIAL NA

INSTITUIÇÃO

1. Quais as principais ações profissionais desenvolvidas pelos/as assistentes sociais na

instituição?

2. Na sua avaliação, como se caracteriza as condições de trabalho para o assistente social,

nesta na instituição?

3. Você conhece a Resolução do CFESS nº 493/2006, que dispõe sobre as condições éticas

e técnicas do exercício profissional do assistente social? ( ) Sim ( ) Não

4. Acerca dos espaços físicos e recursos destinados ao Serviço Social, quais são

contemplados pela infraestrutura da instituição?

5. Você possui sigilo profissional nos atendimentos?

6. Considerando as condições de trabalho nesta instituição, que aspectos interferem na

atuação dos profissionais?

7. Qual seu posicionamento acerca da discussão que envolve a aprovação do piso salarial

nacional para o assistente social (Projeto de Lei 5278/09)?

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8. A quantidade de profissionais no CRAS/CREAS é suficiente para atender as demandas

institucionais? (equipe de assistentes sociais)

9. Como se configura a interdisciplinaridade entre os profissionais nas atividades

desenvolvidas no CRAS/CREAS?

10. Você acredita que há a valorização do trabalhador/a da assistência social, sobretudo a

partir da criação da norma NOB/RH/SUAS/2006? (sobre carreira e progressão)

11. Como você avalia a continuidade dada ao seu processo de formação e os rebatimentos

para a sua prática profissional?

12. Você já passou por algum processo de adoecimento em decorrência do trabalho?

13. Em sua opinião, quais seriam as estratégias encontradas na luta por melhores condições

de trabalho para o assistente social no âmbito da política de assistência social?

14. Quais os principais desafios à implantação qualificada da política de assistência social no

município de Natal?

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ANEXO

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ANEXO A – PARECER CONSUBSTANCIADO DO COMITÊ DE ÉTICA

HUOL/UFRN

HOSPITAL UNIVERSITÁRIO

ONOFRE LOPES-HUOL/UFRN

DADOS DO PARECER

Número do Parecer: 1.753.981

Título da Pesquisa: SERVIÇO SOCIAL E CONDIÇÕES DE TRABALHO:

PERSPECTIVAS E DESAFIOS PARA A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO

MUNICÍPIO DE NATAL/RN.

Pesquisador: SHEILA DA SILVA OLIVEIRA.

Versão: 1.

CAAE: 59536816.3.0000.5292

Instituição Proponente: Pós-Graduação em Serviço Social.

Patrocinador Principal: Financiamento Próprio.

Considerações Finais a critério do CEP: É um projeto com condições de realização, claramente definido em termos metodológicos e

logísticos, caracterizando exequibilidade na proposta.

Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:

Estão adequados e contemplam as exigências da resolução 466/12.

Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória:

Sem recomendações.

Recomendações:

Sem pendências.

Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações:

1. Apresentar relatório parcial da pesquisa, semestralmente, a contar do início da mesma.

2. Apresentar relatório final da pesquisa até 30 dias após o término da mesma.

3. O CEP HUOL deverá ser informado de todos os efeitos adversos ou fatos relevantes que

alterem o curso normal do estudo.

4. Quaisquer documentações encaminhadas ao CEP HUOL deverão conter junto uma Carta de

Encaminhamento, em que conste o objetivo e justificativa do que esteja sendo apresentado.

5. Caso a pesquisa seja suspensa ou encerrada antes do previsto, o CEP HUOL deverá ser

comunicado, estando os motivos expressos no relatório final a ser apresentado.

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6. O TCLE deverá ser obtido em duas vias, uma ficará com o pesquisador e a outra com o sujeito

de pesquisa.

7. Em conformidade com a Carta Circular nº. 003/2011CONEP/CNS, faz-se obrigatório a rubrica

em todas as páginas do TCLE pelo sujeito de pesquisa ou seu responsável e pelo pesquisador.

Situação do Parecer:

Aprovado.

Necessita Apreciação da CONEP:

Não.

Assinado por: André Ducati Luchessi, (Coordenador)

Em 26 de Setembro, de 2016.