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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
MIKARLA GOMES DA SILVA
LEI MARIA DA PENHA: UMA ANÁLISE DA EFETIVIDADE DO EIXO
SOCIOEDUCATIVO NO RIO GRANDE DO NORTE
NATAL/RN
2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
MIKARLA GOMES DA SILVA
LEI MARIA DA PENHA: UMA ANÁLISE DA EFETIVIDADE DO EIXO
SOCIOEDUCATIVO NO RIO GRANDE DO NORTE
Dissertação apresentada como parte das
exigências do Programa de Pós-
graduação em Ciências Sociais, da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, para a obtenção do grau de Mestre,
sob orientação da Profª Dra. Berenice
Bento.
NATAL/RN
2018
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -
CCHLA
Silva, Mikarla Gomes da.
Lei Maria da Penha: uma análise da efetividade do eixo socioeducativo no Rio Grande do Norte / Mikarla Gomes da
Silva. - 2018.
176f.: il.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.
Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Berenice Alves de Melo Bento.
1. Lei Maria da Penha - Monografia. 2. Gênero -
Monografia. 3. Violência - Monografia. 4. Eixo socioeducativo
- Monografia. I. Bento, Berenice Alves de Melo. II. Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 343.62-055.2(813.2)
Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-CRB-15/748
MIKARLA GOMES DA SILVA
LEI MARIA DA PENHA: UMA ANÁLISE DA EFETIVIDADE DO EIXO
SOCIOEDUCATIVO NO RIO GRANDE DO NORTE
Dissertação apresentada como parte das
exigências do Programa de Pós-
graduação em Ciências Sociais, da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, para a obtenção do grau de Mestre,
sob orientação da Profª Dra. Berenice
Bento.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Berenice Alves de Melo Bento (orientadora)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN
_______________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Rozeli Porto
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Jussara Carneiro Costa
Universidade Estadual da Paraíba - UEPB
Dedico este trabalho às mulheres da minha
vida: Dona Porcina, vó querida, Elinalva (mãe),
Mikelly e Mikaely (irmãs), Magnólia e Cecília
(primas) e ao homem que junto a elas me
ensinou o valor da vida, Sr. Pedro Adelino.
Família, te amo!
Agradecimentos
Esperança que inspira, a luta contra o opressor
Amarelou oi, janela abriu e o sol entrou
Trazendo vida, inspiração, luz que foi jah jah quem mandou
Ingratidão, desenvolve a missão
Dá de cara com o sistema que te julga e não te dá opção
Não tem progresso sem acesso
Pense no gueto e é isso que eu te peço
A quebrada produz, e é de qualidade
Em agradecimento faz a arte da realidade
(Só agradece, Marina Peralta)
Só agradece [...] se tem uma palavra que realmente devo começar esse
agradecimento, mesmo sendo redundante é agradecimento. Início agradecendo aos que
sempre estiveram por perto, família e amigos, aqueles que realmente [...] sabem o quanto
eu caminhei para chegar até aqui [...] Confesso que o agradecimento não deveria ser a
última parte da minha escrita, pois nesse momento estou cansada, na verdade exausta e,
talvez não escreva o que realmente gostaria de dizer para quem acompanhou esses dois
anos de mestrado. Mas, me contento em saber que tenho todo tempo para externar meu
carinho pessoalmente aos meus.
Muitas vezes ouvi falar que devemos começar agradecendo a instituição por nos
proporcionar e financiar nossos estudos enquanto bolsista. Porém, não é a mesma que nos
acompanha no dia a dia, que sabe as angústias e alegrias ao longo de dois anos de
pesquisa. Quem esteve sempre por perto foram a família (mamis, vó, vô, tia, irmãs, prima,
cunhado) e amigos. A esses toda gratidão e amor por acreditarem sempre em mim, sou
grata por ter pessoas que confiaram e estenderam a mão quando mais precisei.
São dois anos de mestrado, o primeiro passa correndo, o segundo lentamente, não
fosse a fase final da escrita que voa. Esses dois anos foram de altos e baixos, mudança de
orientação após qualificação, mas tem males que vem para o bem. Sou grata por ter sido
escolhida duas vezes, sim grata! Grata por Berenice ter dito um não a três anos atrás
(acabou comigo, acabou, mas não desisti) e muito mais grata por ela ter dito um sim a
quase um ano quando estava desorientada (risos). Obrigada prof., por mais uma vez
aceitar me ORIENTAR de verdade e compartilhar sempre o que você sabe com os seus.
No mais, eu poderia muito bem usar esse espaço aqui para desabafo e como
disserto sobre violência apresentar aqui as múltiplas violências que sofri enquanto
mulher, negra, periférica e estudante, porque afinal, quem disse que o espaço acadêmico
não é o espaço de violência? Principalmente, quando você estudante diz não. Não
concordar com a opinião de outrem que julga-se superior pelo posição que ocupa, mas a
opinião é minha, será que posso tê-la sem sofrer violência? Parece que não! Sabe quando
falam de interseccionalidades e cruzam todas as possíveis para lhe inferiorizar, mas de
forma sorrateira, velada e silenciosa? Pois é, o que uma opinião contrária pode
fazer/causar. Violências!! E essa deixa de ser simbólica rapidamente, se é que passou por
essa etapa, até lhe atingir psicologicamente. Disse que não ia desabafar e estou aqui eu
fazendo isso (risos). Porém faço, justamente para agradecer a quem me estendeu a mão
quando precisei recomeçar, sim, recomeçar. Momento desabafo rápido e entre as
entrelinhas para mais uma vez dizer que sou grata pelos amigos, família e orientadora que
me estenderam a mão. Sim, me desculpe se estou sendo repetitiva, mas esse momento é
meu, não preciso ficar usando autores, pensar sociologicamente isso ou aquilo, então o
sentimento que aparecerá aqui é gratidão.
Continuemos então, por Bernardo. Ele tem praticamente a idade da minha
dissertação, uns meses a mais. Mas foi justamente esse pequenino que deixou o meu
tempo mais leve nesse processo. Se na monografia o café foi o meu energético, na
dissertação Bernardo foi o meu melhor subterfúgio. Se a coisa estava boa corre lá para dá
um beijo nele e voltar a dissertar, se estava ruim aí sim que o abraço e o beijo,
principalmente, o bola blincar Karla, acalmava e me colocava no eixo. Se tinha alguém
que estava ansioso para que eu acabasse a dissertação esses alguém era ele, porque pense
em uma tia babona que faz tudo que ele quer. Bernardo, obrigado por trazer alegria aos
meus dias cinzentos!
Falei que Be, era o mais ansioso pelo termino da escrita, mas lembrei agora que
minha tia Noia competia com ele pelo mesmo, já que ela adora que eu fique com ele para
descansar e, aí se eu dizia que passaria a semana indo para UFRN ou para casa de Mikelly,
afs, era um drama só. Áudios todos os dias para saber se eu estava perto, dizendo que Bê
estava com saudades, desde que era ela que não conseguia ficar mais longe de mim. Noia,
obrigada por dividir conosco essa criaturinha linda e amada e por me perturbar e
incentivar para que eu terminasse a dissertação o quanto antes. Minha “maga” número
01, Cecília, obrigada por dividir seus segredos e abraços comigo, para ti as minhas
expectativas são as melhores sempre, porque sei se você quiser serás grande.
Gratidão ao meu cunhado, Marcos Mariano e minha irmã Mikelly Gomes, por me
hospedarem em sua recente casa para que eu pudesse ter o silêncio que não tinha em casa
para finalizar a dissertação, além de serem as pessoas que mais aturam o meu mau humor
e são vítimas dele diretamente ou indiretamente. Saibam que amo vocês do meu jeito,
mas amo! Kelly, muitíssimo obrigada por ser aquela pessoa que posso contar quando mais
preciso, você sabe que você é meu equilíbrio e minha melhor saudade.
Minha irmã Mikaely Gomes, obrigada por mais uma vez acreditar e me apoiar
nesse processo. Muitíssimo obrigada por compartilhar comigo os melhores momentos e
por estarmos enfrentando juntas essa vida acadêmica, você se especializando e eu
concluindo um mestrado, quero dizer que você me inspira. Você é aquela que não cansa,
que está sempre procurando algo para fazer, trabalhar e estudar (mesmo dizendo que não
gosta da vida acadêmica, mas como assim se você está na sua segunda Especialização?).
Amo você, meu abuso diário! Além disso, ainda nos “dá” uma sister linda, inteligente e
destemida que nos enche de orgulho, Renata, para ti todo sucesso e gratidão por ser quem
és.
Gostaria de agradecer aos amig@s, Carol e Tarcísio por partilharem comigo essa
experiência de pós graduação e mais que isso, dividir suas vidas comigo. Obrigado,
miguxos! Carol está naquela escala de quem atura mais o meu mau humor, competição
difícil. Além do mais, é a pessoa que dividiu comigo, literalmente, o estresse do mestrado.
Se tem alguém que entende esses altos e baixos esse alguém é você amiga, juro que prefiro
dividir nossos carnavais.
Gratidão imensa a minha mamis, Elinalva, se eu desejar o melhor para ela ainda é
pouco. Mãe, obrigada por me fazer querer ser a cada dia uma pessoa melhor e por não
duvidar de mim nunca. Te amo!! Meu pai que tem um orgulho imenso das três filhas e
que mesmo longe está sempre perto, obrigado! Vô e vó, só amor por eles, só tenho que
agradecer por ter duas pessoa especiais e que me apoiam mesmo não sabendo direito o
que faço. Seu Pedro e Dona Porcina, OBRIGADO!!!!.
Agradeço também aos professores que dividiram o que sabem comigo ao longo
desses dois anos, como disse é um processo rápido e de poucos disciplinas, logo poucos
professores. Mas eu faço questão de agradecer aos que me provocaram. Obrigado,
Linconl Moraes, Carla Cabral, Berenice Bento e Rozeli Porto, vocês me fazem querer
sempre mais. Sim, não posso esquecer de agradecer ao Programa de Pós Graduação de
Ciências Sociais, na figura do Otânio e do Jefferson que além de responder nossas
dúvidas, têm conversas despretensiosas e sorrisos largos, obrigado meninos. Agradeço a
Jussara Carneiro por ter aceitado o convite de Berenice, desde já sou grata por você ter
estado comigo nessa etapa.
Obrigado, família e amigos. Gratidão!
Mulher
Do latim
"Não devo ser obrigada a nada
Trabalho
Fora
Em casa
E a toda hora
Necessária
Carrego comigo
O "BASTA!
NÃO QUERO
SER ASSEDIADA!"
Assobio
Buzinadas
E só olhar
MATA!
Mulher
Trans
Cis
Pobre
Negra
Morre
Morre
Morre
Nesse sistema
Cheio de faceta
Não quero parabéns
Nem dedicatórias
Quero o direito
Sobre meu corpo
Minha vida!
Não quero romantismo
Cavalheirismo
E sim! O fim do machismo!
Quero não morrer
Quando a máquina apita
Acelera
E meu braço fica
E sangra
Amputa
E me dilacera
Quero não sangrar
Não ser esquartejada
Mutilada
E queimada
Só por ser uma mulher
Livre dos padrões
Da tua escala
Não quero o tiro
Na volta de casa
A faca apontada
E ser obrigada
A abrir as pernas
Minha roupa rasgada
E ser estuprada
Não quero luz no útero
Quero poder escolher
O que coloco no mundo
E se quero
E se posso
E se não
Poder dizer não
Sem morrer no escuro
8 de março
Não é só poético
É fogo
É mão esquerda pro alto
É longe do abraço
E perto do suspiro
Daquele minuto
60 segundos
De olhar nos olhos
De cada mulher
E o que for dito
Ser compreendido
Por nós que somos oprimidas
E que pulsamos
Resistimos
Lutamos
E Gritamos
A todos os pulmões
Vem quente
Estamos fervendo!
Não vou só chamar o Rex
Vou organizar
As Minas
Monas e
Manos
Pra detonar o seu privilégio
Que o Vaticano
Os tio de branco
Os bolsonada
Seguram a todo custo
Não tem revolução
Presta atenção
Não tem revolução
Se as mulheres
Que resistem
Não estiverem a frente
Lutando para serem
Quem são!
O ato meu caro
É muito além de um desabafo!
(É só o percurso do estrago)
(Bárbara Victoria)
RESUMO:
A dissertação tem como objetivo analisar e refletir a Lei Maria da Penha e os aparelhos
socioeducativos dispostos no Rio Grande do Norte. Para isso, metodologicamente, o
trabalho constitui-se como uma pesquisa qualitativa fundamentada pela realização da
análise do texto da Lei, bem como dos documentos e programas produzidos pelo Estado
potiguar no eixo socioeducativo. Buscamos refletir não só o que está posto literalmente
no texto da Lei Maria da Penha, mas também as suas implicações e interpretações através
das aplicações efetivas ou não das atribuições e medidas previstas no documento. A partir
da Lei avaliamos como os programas sob perspectiva do eixo socioeducativo promovem
suas ações na tentativa de pensar e identificar sua efetividade no Rio Grande do Norte.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha; Gênero; Violência; Eixo socioeducativo.
ABSTRACT
The dissertation aims to analyze and reflect the Maria da Penha Law and the socio-
educational devices arranged in Rio Grande do Norte. For this, methodologically, the
work constitutes a qualitative research based on the analysis of the text of the Law, as
well as of the documents and programs produced by the state of Potiguar in the socio-
educational axis. We seek to reflect not only what is written literally in the text of the
Law of Penha, but also its implications and interpretations through the effective
application or not of the attributions and measures foreseen in the document. From the
Law we evaluate how the programs under the perspective of the socio-educational axis
promote their actions in an attempt to think and identify their effectiveness in Rio Grande
do Norte
Keywords: Maria Penha Law, Gender, Violence, Socio-educational axis
Lista de figuras
Figura 01- Panfletos e cartilha distribuída na escola 156
Figura 02- Cartilha Maria da Penha vai à escola
156
Lista de Tabelas
TABELA 01- Equipamentos de Atendimento à mulher no Rio Grande do
Norte
140
TABELA 02- Equipamentos –Natal 141
TABELA 03- Equipamentos – Parnamirim 142
TABELA 04- Equipamentos – Mossoró 142
TABELA 05- Equipamentos - Apodi, Caicó, Passa e Fica, Portalegre 142
Lista de Gráficos
GRÁFICO 01- Tipos de violência 90
GRÁFICO 02-Relação vítima-agressor 91
GRÁFICO 03- Duração das violências 91
GRÁFICO 04- Taxa de homicídio por 100 mil habitantes 135
Lista de Siglas
CEDAW - Committee on the Elimination of Discrimination against Women-
(Convenção para Eliminação de todas as Formas de Discriminação
contra as Mulheres)
CEJIL - Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional
CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos
CLADEM - Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher
CODIMM - Coordenadoria da Defesa da Mulher e das Minorias
CRAS - Centros de Referência da Assistência Social
CREAS - Centros de Referência Especializado de Assistência Social
DEAMs - Delegacias Especializadas em Atendimento as Mulheres
JECRIM - Juizados Especiais Criminais
LPM Lei Maria da Penha
NAMVID - Núcleo de Apoio à Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar
NUDEM - Núcleo Especializado na Defesa da Mulher Vítima de Violência
Doméstica e Familiar
OEA - Organização dos Estados Americanos
ONU - Organização das Nações Unidas
PAISM - Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher
PGJ - Procuradoria Geral da Justiça
PNPM - Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
RN Rio Grande do Norte
SEEC - Secretaria de Estado da Educação
SPM - Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres
SESED-RN Secretaria da Segurança Pública e da Defesa Social
STJ - Supremo Tribunal de Justiça
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 19
1. GÊNERO E A CONSTRUÇÃO DO CORPO VIOLENTADO 27
1.1.UM CONCEITO EM MOVIMENTO: PROBLEMATIZANDO GÊNERO 27
1.2. PROBLEMATIZANDO GÊNERO: O UNIVERSAL, O RELACIONAL
E O PLURAL
31
1.3. DO DOMÉSTICO AO PÚBLICO: OS ESPAÇOS E A
TERRITORIALIZAÇÃO DOS LIMITES POSSÍVEIS
36
1.4. (DES)FAZER GÊNERO NO NORDESTE 40
1.5. CONSTRUÇÃO DO CORPO VIOLENTADO 49
2. MOVIMENTO FEMINISTA E O COMBATE À VIOLÊNCIA 55
2.1. AGENDA DE GÊNERO 57
2.2.AGENDA DE GÊNERO NO BRASIL 60
2.3. DAS DEAMS À LEI MARIA DA PENHA: POR UMA VIDA SEM
VIOLÊNCIA
65
2.4. POR QUE MARIA? 69
2.5.MARIA DA PENHA: LEI COM NOME DE MULHER 71
3. POSSIBILIDADES E LIMITES DA LEI 11.340/06 76
3.1. POR DENTRO DA LEI 11.340/06 76
3.2. A LEI 11.340/06: PARA QUEM? 80
3.2.1.Violência sem sangue 85
3.2.2. Violência com sangue 88
3.3. PERSPECTIVA SOCIOEDUCATIVA DA LMP 96
3.4. PERSPECTIVA PUNITIVA DA LMP 102
4. (DES) CONSTRUINDO VIOLÊNCIA NO RN: ANÁLISE DA
EFETIVIDADE DO EIXO SOCIOEDUCATIVO
130
4.1. DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA AO FEMINICÍDIO 130
4.1.1. Feminicídio 133
4.1.2. As Marias do RN: quando as violências sem sangue e com sangue
tornam-se violência com morte
136
4.2. REDE DE ATENDIMENTO AS MULHERES EM SITUAÇÃO DE
VIOLÊNCIA NO RIO GRANDE DO NORTE
140
4.2.1. LPM: Serviço para homens 148
4.2.2. Maria da Penha vai à Escola 155
4.3. IDEOLOGIA DE GÊNERO: GÊNERO COMO UM PÂNICO MORAL 160
CONSIDERAÇOES FINAIS 164
REFERÊNCIAS 169
19
INTRODUÇÃO
Esta dissertação tem por finalidade refletir e analisar a Lei 11.340/06, Lei Maria
da Penha como uma política pública de gênero de enfrentamento à violência doméstica.
Ao problematizar a lei evidenciamos o caráter socioeducativo descrito no texto, pois
compreendemos que é a partir da educação que as práticas discursivas podem ser
ressignificadas.
Segundo Lana Lage Lima (2010), após a criação das Delegacias Especializadas
de Atendimento à Mulher em 1985, a outra política pública de gênero que provocou maior
impacto social foi a Lei Maria da Penha, uma Lei específica no combate à violência
doméstica e familiar que retira dos Juizados Especiais Criminais1 a autoridade de julgar os
crimes de violência contra a mulher. Esta Lei é entendida como a concretização de um
instrumento legal de combate à violência contra as mulheres e cria mecanismos para
coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Logo, a violência doméstica e
familiar é entendida como “qualquer ação baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (BRASIL, 2006).
A Lei Maria da Penha surge no cenário brasileiro como uma resposta do poder
público às reivindicações do movimento de mulheres e movimentos feministas como um
dispositivo de combate à violência contra a mulher. A Lei é uma conquista histórica de
mulheres que lutam desde as últimas décadas por direitos e cidadania por igualdade nas
relações de gênero. Deste modo, pode-se caracterizar por uma luta pelo direito de ser
mulher e desconstruir as práticas de dominação masculina marcadas pelas violências:
física, psicológica, moral, sexual e patrimonial no “corpo/alma” da mulher (MACHADO,
GROSSI, 2015).
A Lei Maria da Penha é uma política pública, sendo assim, se configura como
campo que busca colocar o “Estado em ação” (JOBERT, MULLER apud BANDEIRA,
ALMEIDA, 2013), como afirma Eloísa Hofling (2001) e Celina Souza (2006) para
analisar essas ações e propor mudanças, caso seja necessário e possível. Dessa maneira,
podemos problematizar os diferentes interesses na formulação, implementação,
monitoramento e avaliação dessas políticas públicas. É importante que essas diversas
1 Na Lei 9.099/95 a violência contra as mulheres era vista como crime banal, ou seja, de menor importância.
A Lei era predisposta a partir do processamento e julgamento das infrações de menor potencial ofensivo
com penas que resultavam em pagamentos de cestas básicas, serviço comunitário, entre outros.
20
esferas de ações dialoguem entre si, para que possamos compreender para quem as
políticas públicas são pensadas e quem terá acesso a elas.
Como afirmamos, anteriormente, compreendemos Políticas Públicas como o
“Estado em ação” (JOBERT, MULLER apud BANDEIRA, ALMEIDA, 2013), sendo
um dos caminhos de diálogo entre a sociedade civil e o Estado através da alteração de
diretrizes e princípios que conduzem ações e procedimentos que podem vir a
desenvolver e (re) estruturar a realidade da nação (BANDEIRA, ALMEIDA, 2013). De
acordo com Lourdes Bandeira e Tânia Almeida (2013, p. 36), “trata-se de mapear as
categorias que fundamentam o “estado em ação”” que nomeia e legitima escolhas
políticas e essenciais que resultam em situações reais. Já, Muller em seus escritos com
Surel (2002) afirma que a política pública “é formada, inicialmente, por um conjunto
de medidas concretas que constituem a substância “visível” da política” (MULLER,
SUREL, 2002, p. 13) e que esta é um construto social e um construto de pesquisa, uma
vez que uma política pública constrói um quadro normativo de ação. Portanto, as
Políticas Públicas são decisões que abarcam questões de ordem pública com abrangência
vasta e que apontam à satisfação do interesse de uma coletividade, no entanto, podem
também ser entendidas como táticas de atuação pública, estruturadas por meio de um
processo decisório composto de variáveis complexas que impactam na realidade (RUA,
ROMANINI, 2013). Assim, as Políticas Públicas são a materialização da ação
governamental.
Neste contexto, pensar Políticas Públicas a partir do recorte de gênero e/ou
perspectiva de gênero é algo novo, tendo em vista que historicamente o Estado não
qualificava as mulheres como sujeitos de direito e reconhecimento, estas eram
invisíveis, uma vez que não estavam inseridas na tomada de decisões nem tampouco
como beneficiárias de políticas públicas, posto que esse espaço cabia a elite política
brasileira que era formada por homens brancos, heterossexuais, de classe média alta e
com escolaridade. No mais, quando se destinavam políticas públicas para as mulheres
não se tinha um recorte de gênero e as mulheres eram pensadas universalmente.
As políticas públicas brasileiras, em geral, quando dirigidas às mulheres
não contemplam necessariamente a perspectiva de gênero, haja vista
que a disseminação de uma linguagem masculina exclusivista está
introjetada nas estruturas sócio institucionais e jurídicas. Tais situações
de poder, em relação ao referente masculino, se fazem presentes no
planejamento das ações públicas mesmo em governos que se
comprometem com a redução das desigualdades de gênero
(BANDEIRA e ALMEIDA, 2013, p. 38)
21
Em concordância com as autoras citadas acima, Anna Paula Portella (2009)
pondera que a violência contra as mulheres esteve distante das preocupações públicas e
políticas “quanto estiveram às mulheres efetivamente afastadas dessas esferas e sendo
tratadas como seres humanos de “segunda categoria”” (PORTELLA, 2009, p. 31). Com
isso, ressaltamos que a Lei Maria da Penha surge como forma de coibir a violência
doméstica e familiar, mostrando ao longo de seus dez anos de implementação como um
marco na efetivação de políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher.
Ao problematizar a inserção da Lei Maria da Penha na plataforma pública do
Estado brasileiro evidenciamos o sistema hegemônico de práticas machistas, um sistema
de estrutura de dominação masculina (BOURDIEU, 2005), onde o homem é visto de
maneira hegemônica e hierárquica (ALBURQUEQUE JÚNIOR, 2003), pautado em uma
masculinidade que tem como característica fundante a honra, visto que os crimes de
violência contra a mulher foram justificados jurídicos e socialmente até meados dos anos
1980 sob o ideal hegemônico de masculinidade, ou seja, na construção desses homens
perante a ideia de um poder absoluto.
Mariza Corrêa (1981) aponta que por anos se legitimou no Brasil os crimes de
honra, visto que os crimes passionais eram absolvidos com a justificativa de lavar a honra.
E, é nesse período, década de 1980, que surgem no Brasil as primeiras políticas públicas
de violência contra a mulher a partir da luta feminista e de movimentos de mulheres com
slogans “Quem ama, não mata!” e “O silêncio é cúmplice da violência”, com a finalidade
de combater e enfrentar a violência contra as mulheres.
Em 1983 surge em São Paulo o Conselho Estadual da Condição Feminina e em
1985, ainda no estado paulista, são inauguradas as primeiras Delegacias Especiais de
Atendimento às Mulheres. Nesse ano cria-se o Conselho Nacional dos Direitos das
Mulheres, essas ações aparecem como as primeiras políticas públicas de enfrentamento à
violência de gênero. Como resultante da luta feminista contra a violência contra a mulher
foi criado nos últimos anos a Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres (SPM), o
Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM), o Pacto Nacional de
Enfrentamento a Violência contra a Mulher, a Lei 11.340/2006 e a Lei 13.104/2015.
Ademais, podemos entender que essas são políticas que respondem as reivindicações dos
movimentos feministas brasileiros frente ao Estado.
Mesmo diante da implementação da Lei 11.340/06 e demais programas de
enfrentamento à violência, o Brasil continua sendo o país que mais agride mulheres em
números alarmantes. Segundo o Relógio da Violência (2018), instrumento de “contagem”
22
e visibilidade da violência contra mulheres produzido pelo Instituto Maria da Penha, a
cada 2 segundos mulheres são violentadas física ou moralmente, a cada 7.2 segundos uma
mulher é vítima de violência física, a cada 16.6 segundos mulheres são ameaçadas com
armas de fogo, a cada 22.5 segundos uma mulher é vítima de espancamento ou tentativa
de estrangulamento. Esses dados nos permitem problematizar a efetividade da Lei, o
alcance de seus programas e como se constrói o lugar do agressor e da mulher em
condição de violência.
Nesse sentido, a pesquisa dissertativa tem como objetivo analisar e refletir sobre
a compreensão de gênero no texto da Lei Maria da Penha, bem como apresentar a
funcionalidade do eixo socioeducativo no Rio Grande do Norte, uma vez que esse é o
estado que ocupa o 5º lugar no Mapa da Violência (WAISELFIZ, 2015). Para tanto,
questionamos: Quais são os instrumentos e dispositivos que o Rio Grande do Norte dispõe
para o enfrentamento à violência? Como funciona os programas socioeducativos de
combate à violência contra mulheres no RN? E quais os sujeitos atendidos por estes
programas?
Metodologicamente, o trabalho se deu a partir da análise detalhada e reflexão dos
documentos da Lei e da avaliação do material socioeducativo produzido pelo Estado do
Rio Grande do Norte a fim de examinar a efetividade da Lei Maria da Penha. Para pensar
não só o que está posto literalmente no texto da Lei Maria da Penha, mas também, as suas
implicações e interpretações através das aplicações efetivas ou não das atribuições e
medidas previstas no documento.
Sendo assim, o trabalho trata-se de uma pesquisa qualitativa, uma vez que visou
avaliar a efetividade da Lei Maria da Penha no Rio Grande do Norte a partir da perspectiva
socioeducativa da Lei. Para isso, propomos como primeiro passo da pesquisa, uma
incursão teórica da literatura sobre gênero, violência doméstica, Lei 11.340/06 e políticas
públicas para a construção do quadro teórico.
O segundo passo da pesquisa se debruçou sobre o uso do método da análise
documental e da análise de conteúdo como aponta Richardson (2012). De acordo com o
autor:
O método mais conhecido de análise documental é o método histórico
que consiste em estudar os documentos visando investigar os fatos
sociais e suas relações com o tempo sócio-cultural-cronológico. [...] a
análise documental é essencialmente temática (RICHARDSON, 2012,
p. 230).
23
Com isso, realizamos uma apropriação da análise documental para avaliar como
as mudanças de paradigmas, que ocorreram ao longo da história no contexto brasileiro
sobre a posição da mulher na sociedade, influenciaram a proposição e implementação da
Lei Maria da Penha. A análise documental é a fase inicial da pesquisa e subsidiou sócio
historicamente a segunda etapa do trabalho, marcada pela análise de conteúdo. Ainda
segundo Richardson (2012), a análise de conteúdo trabalha sobre as mensagens. Esta
técnica foi usada para identificar unidades de análise no texto da Lei Maria da Penha e
nos documentos e escritos que mantêm referências ou foram produzidas a partir da Lei
Nº 11.340/06 com o intuito de avaliar sua efetividade. Para realização dessa tarefa,
seguimos as orientações descritas por Richardson (2012) que divide a análise de conteúdo
em três etapas distintas, porém complementares, são elas: a pré-análise; a análise do
material e o tratamento dos resultados.
A pré-análise é o primeiro contato com os documentos centrais da pesquisa, que
“visa operacionalizar e sistematizar as ideias, elaborando um esquema preciso de
desenvolvimento do trabalho” (RICHARDSON, 2012, p: 231), ou seja, foi a organização
inicial para a realização do projeto de pesquisa. Esse primeiro momento foi baseado em
duas sub-etapas, a leitura do material, que consiste na leitura integral dos textos da Lei
11.340/06; dos Mapas da Violência organizados pelo Governo Federal; dos dados do
disque-denúncia 180 do Governo Federal. A segunda sub-etapa é a escolha dos
documentos. Nessa fase serão identificados – a partir da leitura do material – quais os
documentos ou trechos de documentos que contribuem, de fato, para a análise da
efetividade da Lei Maria da Penha.
A segunda etapa é a análise do material, que é constituída pela codificação,
categorização e quantificação das informações em unidades de registro e em unidades de
contexto, tendo em vista, apresentar quais as categorias temático-analíticas que podem
colaborar para avaliar a efetividade da Lei Nº 11.340/06. Já, as análises de contexto têm
a intenção de desvelar as referências de contexto nas quais as unidades de registro
aparecem. Nesse sentido, pretendemos, a partir da exploração das informações em
unidades de contexto proporcionar a relação dos dados com temas e conceitos, tais como:
violência de gênero; feminicídio e sistema hegemônico e machista. A terceira e última
etapa é o tratamento dos resultados, composta pela problematização teórico-analítica das
informações colhidas nas etapas antecedentes. Esta etapa objetivou refletir se a Lei Maria
da Penha como está instituída e sendo apropriada pode ser categorizada como uma
24
política pública eficaz para a colaboração no enfrentamento da violência contra o gênero
feminino.
No mais, procuramos evidenciar e problematizar não só aquilo que está dito ou
escrito, mas trazer à tona também aquilo que não está dito ou escrito no texto da Lei,
assim como analisar as justificativas dadas pelos órgãos competentes a não aplicação
efetiva da Lei Maria da Penha. Isto é, os fatos documentados, as relações de poder, as
demandas de políticas públicas, registros, dados e intenções que contextualizaram e
deram condições para que outras leis que tinham a finalidade de defesa ao corpo e a vida
das mulheres surgissem no Brasil e possibilitassem a abertura de um longo processo de
reformulações e transformações textuais até se chegar ao texto final da Lei 11. 340/06,
popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.
A proposta da estrutura de dissertação consiste em quatro capítulos e considerações
finais. No capítulo I intitulado “Gênero e a construção do corpo violentado”, procurou-
se discorrer sobre como a violência tem marcado o corpo feminino. Para tal, apresentamos
duas categorias analíticas que compõem a pesquisa: gênero e violência. A proposta do
capítulo é historicizar e apontar os embricamentos que protagonizam o feminino como
sujeito da violência (violentado). Nesse sentido, são necessárias algumas distinções para
a compreensão dos conceitos apresentados no momento. Primeiro, o que é gênero? Ao
longo do texto trazemos três concepções que permitem compreender gênero e suas
multifaces: universal, relacional e plural (BENTO, 2006). A partir das concepções
apresentadas compreendemos gênero como um construto social e retiramos os
marcadores biologizantes, visto que estamos em concordância com a proposta analítica
de Judith Butler (2003) de pensar a performatividade.
No capítulo II, “Movimento feminista e o combate à violência”, discorremos sobre a
história das lutas feministas e da resposta do Estado frente à demanda dos movimentos
feministas, sobretudo, enfatizando a etapa de construção da agenda de gênero nas
políticas públicas. Com isso, é feito uma incursão na construção de políticas de gênero
para mulheres que nos possibilite a visibilização de uma maneira mais ampla para as
políticas públicas de gênero no que diz respeito ao combate à violência.
No capítulo III, “Possibilidades e limites da Lei 11.340/06”, analisamos o desenho
institucional da Lei 11.340/06, a fim de apresentar as diretrizes que viabilizam o
questionamento da efetividade proposta em seu texto. No mais, a partir da formulação da
Lei e sua possível efetividade procuramos entender como as classificações da violência
doméstica é tipificada e quais os âmbitos que ela atinge na sociedade. Ao problematizar
25
a violência e suas dimensões, traçamos diálogo direto com as formulações propostas na
Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha e a dividimos em três fases que chamamos de
“violência sem sangue” (BANDEIRA, 2013), violência com sangue e violência com
morte2. Dessa maneira, compomos o percurso do ciclo da violência a fim de identificar,
no primeiro momento, quais são as lacunas que a Lei tem apresentado em mais de 10 anos
de implementação, bem como é possível visualizar a partir de uma análise do seu texto e
relatórios a efetividade e a importância de refletir sobre gênero, suas práticas discursivas
e violência como espaço e destino socioeducativo.
Após percorrer o contexto histórico e conceitual de gênero, violência e da demanda
reivindicada por mulheres para o enfrentamento da violência doméstica, procuramos no
capítulo IV, “(Des) construindo violência no RN: análise da efetividade do eixo
socioeducativo”, analisar e apresentar os instrumentos socioeducativos oferecidos pelo
Estado potiguar, com o propósito de identificar quais os recursos e como age o Estado no
enfrentamento da violência doméstica. Diante disso, traçar uma análise sob o eixo
socioeducativo parece ser necessário, visto que embora a análise punitiva ganhe uma
maior notoriedade, a socioeducativa é o eixo elaborado no texto da Lei que produz de fato
maior inferência sobre as mudanças de tipos hegemônicos e produz um espaço de
prevenção ao ato da violência, uma vez que nos permite desestabilizar a estrutura de
relações de poder entre os gêneros, sobretudo, tendo em vista que é na educação a maneira
apresentada para a sociedade os perigos de uma socialização voltada aos domínios
universais dos corpos.
Por fim, concluímos que a Lei Maria da Penha surge como uma política pública de
urgência social que ao ser nomeada no feminino, resgata a história de violência
essencializada neste gênero. Uma Lei que permite compreendermos como a construção
social infere sobre a vida dos indivíduos. Outro ponto que vale ressaltar, embora a Lei
elenque uma série de medidas de caráter protetivo, social, preventivo e repressivo ela
ainda não dá conta das interseccionalidades3 que compõem o gênero e a violência. No
2 Embora a violência com morte seja sinalizada no capítulo III, somente no capítulo IV iremos investir
provocações e análise acerca da violência com morte, tendo em vista o diálogo que apresentamos com os
dados produzidos pelo Ligue 180 e vítimas de morte provocadas pela violência doméstica no Rio Grande
do Norte. 3 Conforme Piscitelli (2008) a discussão acerca as interseccionalidades possibilita perceber a coexistência
de diversas abordagens. Distintas perspectivas utilizam os mesmos termos para referir-se à articulação entre
diferenciações, no entanto elas variam em função de como são pensados diferença e poder. Dessa maneira,
compreendemos em concordância com a autora que interseccionalidades faz referência as reflexões e
teorizações sobre a “multiplicidade de diferenciações, que articulando-se a gênero, permeiam o social”
(PISCITELLI, 2008, p. 263). É importante, destacar ao leitor que apesar de apresentar a categoria , a
discussão não abarcar esta como categoria analítica.
26
caso potiguar, destacamos que mesmo que haja investimento do governo em ações
socioeducativas, a aplicação da Lei é parcial e polarizada em cidades polos, deixando
cidades que talvez apresentem dados mais elevados de fora, logo não contabilizados nas
estatísticas produzidas pelo governo. No mais, procuramos apresentar nas conclusões os
efeitos dos discursos temerosos que invadem o processo educativo, por exemplo,
“Ideologia de gênero”, “Escola Sem Partido”, contribuindo para a produção de uma
sociedade sem reflexão; estruturas hierárquicas; modelos hegemônicos; e violência.
27
CAPÍTULO I
1. GÊNERO E A CONSTRUÇÃO DO CORPO VIOLENTADO
Para compreendermos como o gênero é categoria importante na Lei Maria da
Penha, na nomeação da Lei, no enfrentamento à violência doméstica e categoria inserida
nas políticas públicas, seguimos os passos de Berenice Bento (2006) e apresentaremos
neste capítulo as formulações desenvolvidas pela autora para explicar as mudanças,
acréscimos e debates sobre o conceito de gênero. Bento (2006) sugere três tendências
explicativas para entendermos os processos que constituem as identidades de gênero, são
elas: universal, relacional e plural.
Após apresentar e refletir com Bento em sua incursão histórico-teórica sobre como
se constituem as identidades de gênero, problematizaremos como o gênero marca
socialmente o lugar de reconhecimento dos sujeitos no mundo. Nesse sentido, o
reconhecimento sugere demarcar o lugar de existência, visto que nele se insere os
símbolos que darão sentido e pertencimento aos sujeitos. Pensar os limites do que marca
a existência de uma mulher e do homem nos faz questionar as normas e regras sociais que
instituem uma maneira “adequada”, “certa” de existir como mulher/homem. Esses
símbolos marcados nas cores, nos brinquedos, na profissão, comportamentos,
público/privado nos possibilita tencionar a ordem compulsória que em seus elementos
também constroem o agressor e a agredida.
Ademais, nessa linha entre normas e padrões na qual a construção dos gêneros
está inserida, traremos as marcas simbólicas de construção do homem nordestino escrito
sobre uma polifonia e imagem estereotipada de Nordeste, possibilitando-nos
problematizar nos capítulos posteriores os altos índices de violência doméstica na região,
sobretudo, no Rio Grande do Norte. Outrossim, os números desta violência permite-nos
questionar e refletir o alcance efetivo da Lei Maria da Penha e seus mecanismos de
enfrentamento à violência doméstica.
1.1.UM CONCEITO EM MOVIMENTO: PROBLEMATIZANDO GÊNERO
A categoria gênero tem restringido o comportamento social e sexual dos indivíduos
durante séculos, uma vez que sua história é escrita sob a ótica da normalidade. A noção de
28
que é normal nascer homem ou mulher e conferir a este corpo práticas masculinas e
femininas condicionado pelas genitálias é reforçada pelo discurso religioso e biológico.
Assim, o corpo é tido como produtor do discurso de um verdadeiro sexo como se falasse da
verdade última da pessoa. Normal é nascer, crescer e morrer homem oferecendo aos olhares
da sociedade as performances que lhe garantam a masculinidade. Na mulher a lógica é
semelhante, as performances que legitimam são as que denotam feminilidade.
O conceito de gênero ganhou notoriedade a partir da década de 1980, “ele oferece
um novo olhar para a realidade, situando as distinções entre características
consideradas femininas e masculinas no cerne das hierarquias presentes no social”
(PISCITELLI, 2002, p, 07). De acordo com Piscitelli (2002), o conceito de gênero
perpassa por várias formulações, mostrando a partir das teorias feministas, como foi
pautada a discussão iniciada no século XIX.
No século XIX, nas décadas de 1920 e 1930 na Europa e América do Norte, o viés
do pensamento feminista estava pautado na ideia de direitos iguais à cidadania, ou seja,
o direito ao voto, à propriedade e ao acesso à educação. Na década de 1960 as feministas
ajustam seus pensamentos para a discussão da subordinação feminina, uma vez que
acreditam que as mulheres ocupam os espaços sociais subordinados em relação ao
masculino.
As diversas correntes do pensamento feminista afirmam a existência da
subordinação feminina, mas questionam o suposto caráter natural dessa
subordinação. Elas sustentam, ao contrário, que essa subordinação é
decorrente das maneira como a mulher é construída socialmente.
(PISCITELLI, 2002, p. 8)
Para Piscitelli (2002), refletir a construção social da mulher é fundamental, pois o
que é construído pode ser modificado, dessa forma, “alterando as maneiras como as
mulheres são percebidas seria possível modificar o espaço social por elas ocupado”
(PISCITELLII, 2002, p. 08). O pensamento feminista, além de evidenciar as questões que
diz respeito ao direito/acesso à cidadania, construiu um sujeito político coletivo, criando
ferramentas para tentar acabar com a subordinação feminina e, ao mesmo tempo explicá-
la por meio do engajamento com a luta política e o evidenciamento do protagonismo das
mulheres na sociedade. Sendo assim, de acordo com a autora, “o reconhecimento político
das mulheres como coletividade ancora-se na ideia do que une as mulheres ultrapassa
em muito as diferenças entre elas” (PISCITELLI, 2002, p.10).
29
Dessa forma, entendemos gênero como um processo construído socialmente,
atribuído de valorização cultural, assim como Miriam Grossi (2004) aponta, é uma categoria
analítica que ultrapassa homens e mulheres, ou seja, o gênero é construído socialmente e
embutido de valoração cultural e histórica. Logo, a relação entre os gêneros implica uma
construção social evidenciada cotidianamente por meio de práticas discursivas das pessoas.
A filósofa estadunidense Judith Butler na obra “Problemas de gênero: feminismo e
subversão das identidades”, publicado no Brasil em 2003, provoca com sua obra uma nova
interpretação para compreensão de gênero, uma vez que desconstrói o par sexo/gênero como
contínuo biológico e cultural, visto que para autora o “sexo é ele próprio, uma categoria tomada
em seu gênero, não faz sentido definir o gênero como a interpretação cultural do sexo”
(BUTLER, 2015, p.25). Com isso, podemos compreender que o gênero não se define sob a
inscrição cultural do concepção de um sexo predeterminado, pois para Butler ele designa os
signos, significados e discursos produzidos no qual os próprios sexos são concebidos.
Dessa maneira, Butler entende que dessa relação:
Resulta daí que o gênero não está para a cultura como o sexo para natureza;
ele também é o meio discursivo/cultural pelo qual a “a natureza sexuada” ou
um “sexo natural” é produzido e estabelecido como “pré-discursivo”, anterior
à cultura, uma superfície política neutra sobre a qual age a cultura. (BUTLER,
2015, p. 27)
Logo, para Butler (2015) o sexo visto sob a ótica de uma produção pré-discursiva deve
ser entendido como resultado dos desígnios culturais que chamamos de gênero, ou seja,
instrumentalizamos sócio culturalmente o significado do sexo no gênero e vice-versa. Pensar
sobre gênero e a dimensão que ele instaura nos sujeitos é trazer para o diálogo o processo
histórico de constituição dos sujeitos a partir do reconhecimento do “Outro” (BUTLER, 2006),
visto que gênero no seu marco simbólico e social nomeia existência. A típica pergunta a uma
mulher grávida se a criança gerada é menino ou menina impõe no feto um lugar no mundo.
Lugar marcado por cores, brinquedos, experiências profissionais e esportes “permitidos”,
marcado e reiterado repetidamente por uma estrutura social que dicotomiza o que é possível
para homens e mulheres. Com isso, podemos afirmar que o gênero se expressa dentro do caráter
normativo e de padrões sociais apresentados na binaridade homem-mulher, interpretado por
muito tempo no discurso da naturalização do sexo e na construção do gênero. E, esse caráter de
naturalizar e essencializar o comportamento dos sujeitos moldou e determinou as características
assumidas socialmente para caracterização do que é ser homem e do que é ser mulher.
Judith Butler (2006) afirma que:
30
Comprender el género como una categoría histórica es aceptar que el
género, entendido como una forma cultural de configurar el cuerpo, está
abierto a su continua reforma, y que la «anatomía» y el «sexo» no
existen sin un marco cultural (como el movimiento intersex ha
demostrado claramente). La atribución misma de la feminidad a los
cuerpos femeninos como si fuera una propiedad natural o necesaria
tiene lugar dentro de un marco normativo en el cual la asignación de la
feminidad a lo femenil es un mecanismo para la producción misma del
género. Términos tales como «masculino» y «femenino» son
notoriamente intercambiables; cada término tiene su historia social; sus
significados varían de forma radical dependiendo de limites
geopolíticos y de restricciones culturales sobre quién imagina a quién,
y con qué propósito. (BUTLER,2006, p.25).
Nesse sentido, convergimos com Butler (2006) e compreendemos que o gênero
não é algo dado naturalmente, mas que está em disputa e em transformação diante à
realidade social, pois entender as atribuições impostas ao papel masculino e feminino em
nossa sociedade passa pela problematização e contextualização do marcador cultural.
Assim, para explicitar melhor as várias formas tomadas, debatidas e ressignificadas da
noção de gênero, vale ressaltar, brevemente, o percurso histórico do conceito.
O conceito de gênero foi introduzido, primeiramente, por Robert Stoller em 1963
(BENTO, 2006; PISCITELLI, 2002). É importante destacar que apesar do termo gênero
ter surgido como categoria em 1963, as mulheres já viam reivindicando os seus direitos
e espaços, ou seja, já vinham lutando para serem reconhecidas (BENTO, 2006). Como
dito, anteriormente, é na década de 1980 que o conceito de gênero e os estudos na área de
gênero ganhou maior dimensão, visto que o mesmo possibilitou um novo olhar sobre a
realidade social. Neste sentido, a noção de gênero como categoria analítica foi construída
nos anos 80 à luz do pensamento feminista com a intenção de situar as distinções entre o
que é considerado características do feminino e características do masculino, além de
desestabilizar o pensamento tradicional ( PISCTELLI, 2002).
A priori, o conceito foi articulado a partir das teorias sociais em relação à diferença
sexual. Por muito tempo, gênero foi considerado sinônimo de “mulher” e a utilização do
gênero como substituto de “mulher” indicava que toda informação em relação às
mulheres era necessariamente informação sobre os homens. Destarte, sublinha-se a
universalização/essencialização dos gêneros, dessa forma, os estudos destacavam o
patriarcado e o processo reprodutivo como origem da subordinação feminina,
apresentando deste modo, o homem como sujeito absoluto e de poder (BENTO, 2006).
31
Nesse caminho conceitual de pensar as perspectivas de gênero, apresentamos a
partir da contribuição de Berenice Bento (2006), os caminhos possíveis para compreender
o debate sobre a noção de gênero, são eles: universal, relacional e plural.
1.2.PROBLEMATIZANDO GÊNERO: O UNIVERSAL, O RELACIONAL E O
PLURAL
Os estudos sobre gênero foram, primeiramente, desenvolvidos sob a proposição
da subordinação da mulher e, ao afirmar lugar de subordinação ao feminino
oposicionalmente determinava-se poder ao homem. Nesse sentido, mulheres e homens
eram interpretados de maneira essencializada e universais. Como aponta Bento (2006, p.
71), “Dois corpos diferentes. Dois gêneros e subjetividades diferentes.”. E para explicar
o pensamento, inicialmente, produzido sobre os estudos de gênero Bento (2006), nomeou
essa tendência explicativa de universal.
O gênero pensado universalmente é permeado por características que “cristalizam
as identidades em posições fixas” (BENTO, 2006, p. 70), uma vez que ao universalizar o
gênero há um reforço e essencialização do mesmo. Nessa perspectiva é evidenciado a
lógica apontada por Bento em diálogo com Butler onde as características de gênero
articuladas no processo binário de um corpo dimórfico compartilhadas como elementos
hegemônicos são produzidos sob o carimbo da cultura. Portanto, construídos como
“corpo-sexo uma matéria fixa, sobre a qual o gênero viria a dar significado, dependendo
da cultura ou do momento histórico, gerando um movimento de essencialização das
identidades” (BENTO, 2006, p. 71).
Diante das características postas como intrínsecas e universais às mulheres, a
subordinação marca o seu lugar dentro das relações de gênero e como ordem hierárquica,
visto que a mulher era compreendida como o outro absoluto (BENTO, 2006). Teóricas
feministas tais como Chodorow, Ortener e Rosaldo, (1979 apud BENTO, 2006) trazem
elementos em suas obras que reiteram características que fomentam sob mulheres e
homens elementos constitutivos construídos como estáticos, parecendo ser impossível
que homens pudessem ser reconhecidos a partir de qualidades apresentadas no feminino
e vice-versa. Há então, na perspectiva universal a ideia de uma natureza feminina e uma
cultura masculina, polo este que vai ser descrito em outras produções dicotômicas, tais
como: público-doméstico, objetividade-subjetividade, racional-emocional. Dessa
32
maneira, o processo que atravessa a produção dicotômica dos sujeitos, tendo em vista que
para ser reconhecido como sujeito do seu gênero, determina a ausência de características
do gênero oposto não só aprisionou os sujeitos em características predeterminadas por
um momento histórico específico, mas também tem determinado, socialmente, ainda hoje
as possibilidades de (re)existir e reconhecer o “Outro” para além de características
atribuídas como inatas aos sujeitos.
A perspectiva universal atribui à mulher sinônimo de família e reprodução, a esta
cabe o âmbito do lar, assim sendo, inferior por sua condição biológica e em virtude de sua
estrutura fisiológica. Por muito tempo a essencialização dos gêneros acabou por conferir
ao feminino a subordinação do homem, criando uma mulher vítima e o homem como
sujeito de opressão e dominação. Ao essencializar o feminino criavam-se pressupostos de
um masculino universal também. Eram os homens naturalmente viris e competitivos,
características que impelem a condição masculina.
Bento (2006) aponta que na perspectiva universal:
A mulher é tomada como sinônimo de família, sendo que, nesse ponto,
não existe qualquer menção ao pai. Ao se tentar visibilizar os processos
culturais mediante os quais o feminino está sempre no polo subordinado,
invisibilizou-se o masculino, naturalizando-o. Nesse primeiro momento,
a visibilização da mulher como uma categoria universal correspondia a
uma necessidade política de construção de uma identidade coletiva que
se traduziria em conquistas nos espaços públicos. (BENTO, 2006, p.73).
A autora nos mostra que pensar o gênero a luz da concepção universal essencializa
as identidades, bem como pode também conferir a mulher papel de vítima. Por certo, no
exercício de pensar o desmonte de gênero, principalmente, o feminino, de essencialização
e subordinação, que o pensamento feminista articulou “exigências” voltadas para a
igualdade nos exercícios dos direitos, discutindo as raízes culturais das desigualdades
(PISCITELLI, 2002). A perspectiva universal de pensar o gênero alude para a construção
de uma mulher essencializada, unificada, porém é importante destacar que essa unidade
concebe um sujeito político, de direito e que reivindica reconhecimento4.
A perspectiva denominada por Bento (2006) como relacional problematiza os
princípios essencializados e universal de homens e mulheres, ou seja, ao apresentar os
gêneros a ideia de uma unidade é desfeita e se passa a refletir nas dimensões interseccionais
4 O século XIX é marcado pela inclusão da mulher como “sujeito político”, reivindica-se por direitos
democráticos (voto, divórcio, educação). Em 1960 a bandeira de luta é pela liberação sexual (contraceptivos),
já nos anos 1970 a luta ganha caráter sindical.
33
que contribuem para a construção de identidades de gênero. Nesse sentido, sexualidade,
raça, geração, classe social, dentre outros, são elementos que contribuem para
dessencializar e desnaturalizar o gênero (BENTO, 2006), sobretudo, o lugar de submissão
das mulheres.
Qual a importância de outros elementos na construção dos gêneros? Entende-se que
um dos desdobramentos da perspectiva relacional é mostrar as diversas formas de existir
enquanto mulher e homem. Tomemos, por exemplo, a luta e reivindicação das mulheres
negras periféricas, certamente, diferem das reivindicações de mulheres brancas e de classe
média alta. Sendo assim, pensar em ambas como uma só unidade produz um abismo e
formas de subordinações diferentes. Outro desdobramento importante é apontado por
Bento (2006), a construção de um campo de estudo que descontrói o modelo universal do
masculino, forte, viril, violento e competitivo por natureza, o campo dos estudos das
masculinidades.
Um dos fios condutores que orientarão as diversas pesquisas e reflexões
desse novo campo de estudo é a premissa de que o masculino e feminino
se constroem relacionalmente e, de forma simultânea, apontam que este
“relacional” não deveria ser interpretado como “o homem se constrói
numa relação de oposição a mulher, em uma alteridade radical, ou
absoluta, conforme Beauvoir, mas em u movimento complexificador do
relacional (BENTO, 2006, p. 74-75).
Com isso, ao mesmo passo que os estudos sobre as mulheres iniciam suas pesquisas
a partir de outros conceitos sociológicos, a autora pontua que o campo das masculinidades
também passa:
[...] a trabalhar o gênero inter-relacionalmente: o homem negro em
relação ao homem branco, o homem de classe média em relação ao
favelado e ao grande empresário, o homem nordestino e do sul e, muitas
outras possibilidades de composição que surgem nas narrativas dos
sujeitos (BENTO, 2006, p. 75).
Como vimos, pensar o gênero a partir da perspectiva relacional é anular o caráter
universal, hegemônico e absoluto de compreender homens e mulheres, ou seja,
essencializada e naturalizada. Nessa perspectiva mulheres e homens são apresentados a
partir de modelos antagônicos entre si conferindo um caráter inter-relacional. Portanto,
gênero na leitura relacional é apresentado como uma categoria analítica (SCOTT, 1995),
ferramenta metodológica para a compreensão da construção, reprodução e mudanças das
identidades de gênero (BENTO, 2006), ou seja, uma produção dos gêneros através das
34
relações de poder existentes dentro de um mesmo gênero e fora dele. Nesse sentido,
“gênero é visto como constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças entre os
sexos ... o gênero é uma forma primária de dar significados às relações de poder”
(SCOTT, 1995, p. 86).
Ainda que o gênero na perspectiva relacional seja atravessado por outros elementos
que o constitui, as diferenças sexuais continuam sendo pensadas reforçando a proposta
binária e o processo cultural de reconhecimento do “Outro”, o que leva Bento (2006)
produzir uma análise crítica dessa perspectiva.
Talvez o problema resida no fato de que, ao estudar os gêneros a partir
das diferenças sexuais, está se sugerindo explicitamente que todo
discurso necessita do pressuposto da diferença sexual, sendo que este
nível funcionaria como estágio pré-discursivo. Aqui parece que as
concepções relacionais e universais tendem a encontrar-se. A cultura
entraria em cena para organizar esse nível pré-discursivo para distribuir
as atribuições de gênero, tomando como referência as diferenças
inerentes aos corpos-sexuado. (BENTO, 2006, p. 76).
Tal formulação nos faz questionar junto com Bento (2006), o lugar reservado à
sexualidade, bem como aos sujeitos que são dissidentes da ordem binária do gênero, uma
vez que tanto no universal quanto no relacional, o gênero, a sexualidade e a subjetividade
não foram refletidas fora de uma relação oposicional. Segundo a socióloga brasileira, são
“os estudos queer que apontarão o heterossexismo das teorias feministas e possibilitarão,
por um lado, a despatologização de experiências identitárias e sexuais até então
interpretadas como “problemas individuais”” (BENTO, 2006, p.78).
A perspectiva nomeada como plural por Bento (2006) traz um novo movimento
para problematizar os sujeitos, primeiro, porque desestabiliza a relação intrínseca entre
sexo-gênero-sexualidade sob a formação das diferenças sexuais/corpo-sexuado, segundo,
porque entende estas categorias como independentes. Assim sendo, dedica atenção aos
sujeitos que performatizam fora do alcance das normas de gênero, corpos estes que
nomeiam outras identidades perante aquelas universalizadas ao longo da história.
De acordo com Bento (2006), a perspectiva plural tem como percussora os
trabalhos de Judith Butler, seus pensamentos são pautados na análise de gênero e
sexualidade como categorias independentes, onde o objetivo é tornar visível e reconhecido
os sujeitos que vivem às margens das normas de gênero e sexual. É nesta perspectiva que
há uma junção das performances de gênero e sexuais através da percepção que ambos são
35
produções sociais e culturais, mas que são diferentes, pois o desempenho de um destes
domínios não implica na necessidade ou anulação do outro.
Como afirma Bento (2015):
Quando nascemos, já encontramos a sociedade na qual estamos inseridos
com as classificações do que seja pertencente ao gênero masculino e ao
gênero feminino. O gênero, neste caso, deve ser entendido como uma
categoria classificatória construída socialmente. O primeiro “carimbo
social” que recebemos é aquele que identifica a qual gênero pertencemos.
O gênero é uma das primeiras matrizes geradoras de sentido para os
atores sociais (BENTO, 2015, p. 53).
Logo, somos inseridos em um binarismo imperativo que ordena e determina que
façamos uma escolha única/definitiva. Um sexo: masculino ou feminino; homossexual ou
heterossexual; homem ou mulher.
Conforme Judith Butler (2003):
Se alguém “é” uma mulher, isso certamente não é tudo que alguém é, o
termo não logra ser exaustivo, não porque os traços predefinidos de
gênero da “pessoa” transcendam a parafernália específica de seu gênero,
mas porque o gênero nem sempre se constitui de maneira coerente ou
consistente nos diferentes contextos históricos, e porque o gênero
estabelece interseções com modalidades raciais, classistas, étnicas,
sexuais e regionais de identidades discursivamente construídas. Resulta
que se tornou impossível separar a noção de “gênero” das interseções
políticas e culturais em que invariavelmente ela é produzida e mantida.
(BUTLER, 2003, p.20).
Portanto, as questões que marcam o terceiro momento sobre os estudos de gênero
dizem respeito aos estudos queer, baseados na instabilidade das identidades, aqui o gênero
é performático e o corpo é moldado. O corpo é um texto de significantes em constante
processo de transformações e construções com significados múltiplos. Segundo esta
perspectiva compreende-se o corpo como um conjunto de fronteiras sociais e individuais
politicamente significadas e mantidas. O sexo não é mais uma predisposição interior e da
identidade, mas uma significação performática organizada, liberando o sujeito da
naturalização (BENTO, 2006). Deste modo, a perspectiva plural pauta suas análises a
partir da diferença entre sexualidade e gênero como categorias independentes, onde o
escopo é tornar visível e reconhecível os sujeitos que vivem às margens das normas de
gênero e sexual, desta forma, não há uma única matriz de gênero (BUTLER, 2003). Nesse
sentido, a perspectiva plural e os estudos queer irão, segundo Bento (2006), compreender
“a sexualidade como dispositivo; o caráter performativo das identidades de gênero; o
36
alcance subversivo das performances e das sexualidades fora das normas de gênero; o
corpo como um biopoder, fabricado por tecnologias precisas” (BENTO, 2006, p. 81).
Apresentar as tendências explicativas sugeridas por Bento (2006) faz com que
possamos compreender como o enfretamento à violência aparece como urgência na agenda
pública, visto que romper com características fixas possibilita novos rearranjos sociais para
pensarmos os gêneros. Dessa forma, compreendemos que a Lei Maria da Penha ao trazer
no artigo 5° a violência doméstica e familiar contra a mulher como qualquer ação ou
omissão baseada no gênero retira do texto a possibilidade de pensar a Lei nas perspectivas
universal e relacional, sinalizando a incorporação da perspectiva plural. Isto é, o gênero é
pensado a partir da identidade, logo nas múltiplas formas de tornar-se mulher. Diante disto,
não é necessário nascer mulher para ser amparada pela Lei, mas sim constituir sua
identidade de gênero enquanto mulher.
No entanto, são os efeitos das características do gênero essencializado e
universalizado que contribuem para a condição da naturalização da violência. Vale destacar
que entendemos o gênero a partir da perspectiva plural, entretanto, a violência contra o
gênero feminino é apreendida relacionalmente, uma violência de dois, conforme a Lei: (ex)
companheiro x (ex) companheira; (ex) companheira x (ex) companheira; pai x filha; filho
x mãe, entre outros que tenham vínculo afetivo. Embora, apreendemos gênero a partir da
perspectiva plural na Lei possibilitando ampliar as mulheres que são amparadas pela
mesma, ou seja, mulheres não trans e mulheres trans, ao longo do texto podemos verificar
como a perspectivas de universalização e características fixas permeiam a problemática da
violência doméstica.
1.3. DO DOMÉSTICO AO PÚBLICO: OS ESPAÇOS E A
TERRITORIALIZAÇÃO DOS LIMITES POSSÍVEIS
Diante da historicização sobre o percurso teórico social que foi construído o
gênero visto no tópico anterior, passaremos a compreender os efeitos dos discursos fixos
e características “determinadas” a homens e mulheres que contribuem para entender
como a violência doméstica se revela entre homens (agressores) e mulheres (em condição
de violência).
A violência doméstica revela-se nas relações íntimas/conjugais, um lugar que é
predominantemente o espaço privado, assim ocorre na privacidade do casal, ou seja, no
37
lar/casa podendo atingir familiares e pessoas que lá convivem (BANDEIRA, 2013).
Contudo, se desmonta a ideia romantizada do espaço doméstico/privado como lugar do
afeto, amor, proteção e segurança, visto que a violência doméstica escolhe este ambiente
como lugar de suas múltiplas violências, como se este fosse o lugar seguro, invisível e
silenciado de cometê-la, na ideia de que o que ocorre em casa fica em casa, ou ainda em
briga de marido e mulher não se mete a colher. É no privado que a violência contra a
mulher, doméstica e conjugal, atinge índices alarmantes, constituindo o espaço doméstico
como espaço favorável de violência contra o feminino.
A violência contra as mulheres, sobretudo, a doméstica é um mecanismo que
fundamenta subordinação frente ao masculino, visto que há um sistema simbólico que
hierarquiza e legitima uma ordem geral de controle sobre os corpos femininos
(FEMENÍAS, ROSSI, 2009). Essa função ou ainda norma social aparece como uma
“arma” cultural que condiciona os sujeitos a sistemas estruturados que cria espaços de
significação e de reconhecimento. O binômio homem-mulher localiza também o polo
superior-inferior e esta condição articula os espaços e territórios possíveis dos papéis
sociais e sexuais.
De acordo com Maria Luisa Feminías e Paula Souza Rossi (2009) há um contraste
histórico, tradicional sobre a esfera pública e a esfera privada, ressaltando que o destino
dado ao público e privado reflete ao binômio homem-mulher e o polo superioridade-
inferioridade, dado que o público foi construído como espaço de reconhecimento e
individuação do homem, enquanto para as mulheres o privado localizava-as dentro do
espaço doméstico de subordinação e sujeição ao tradicional. Com isso, o protagonismo
do sujeito era evidenciado no homem equivalente ao espaço público.
Sobre a divisão do espaço público e privado Maria Berenice Dias e Thiele Lopes
Reinheimer (2011) apontam que:
Ao homem sempre coube o espaço público. A mulher foi confinada ao
limite do lar, com o dever de cuidado do marido e dos filhos. Isso
ensejou a formação de dois mundos: um de dominação, externo,
produtor; outro de submissão, interno e reprodutor. A essa distinção
estão associados os papéis ideais dos homens e das mulheres. Ele
provendo a família e ela cuidando do lar, cada um desempenhando a
sua função. Os distintos padrões de comportamento instituídos para
homens e mulheres levam à geração de um verdadeiro código de honra.
A sociedade outorga ao macho um papel paternalista, exigindo uma
postura de submissão da fêmea. As mulheres acabam recebendo uma
educação diferenciada, pois necessitam ser mais controladas, mais
limitadas em suas aspirações e em seus desejos. Por isso, o tabu da
virgindade, a restrição ao exercício da sexualidade e a sacralização da
38
maternidade. Ambos os universos, ativo e passivo, distanciados, mas
dependentes entre si, buscam manter a bipolaridade bem definida,
sendo que ao autoritarismo corresponde o modelo de submissão.
(DIAS, REINHEIMER, p.2011 195).
Dias e Reinheimer (2011) assinalam que a territorialização do doméstico/privado
e público é marcada por uma divisão sexual destinada a comportamentos socialmente
normatizados que destinam características que colocam a mulher na posição de
passividade, em contrapartida, o homem confere estatuto de ativo pertencendo ao
ambiente público.
Com Luana Passos de Souza e Dyeggo Rocha Guedes (2016) podemos
acrescentar as formulações de Dias e Reinheimer (2011) que na dicotomia entre o espaço
público e o espaço privado se consubstanciou a divisão social do trabalho, homens
provedores e mulheres cuidadoras. Igualmente consideramos que as atribuições sociais
ao mesmo ponto que limitavam a mulher no âmbito privado davam de forma “natural” o
consentimento do espaço privado aos homens. Dessa maneira, pensar a divisão sexual do
trabalho é pôr em evidencia os desígnios comportamentais para o que se espera de homens
e de mulheres e para tanto é normatizar o lugar desses sujeitos5.
À mulher coube as características que a coloca no campo da passividade, emoção
e maternal, visto que ao homem a virilidade, aventura, objetividade se alastrava como
campo de força e hierarquização. Ao territorializar a mulher no campo da passividade,
socialmente era imposta a ela a subalternidade e a casa como ambiente habitável. O lugar
de reprodutora e de mãe também “empurra” cada vez mais esse lugar de domínio e de
dominação do lar. Já, ao homem estruturalmente são associados os benefícios do espaço
público que ratificam sua hierarquia, tendo em vista que ao “aventurar-se” entre os
espaços, de certa maneira, compôs uma relação de poder dos homens sobre as mulheres,
sobretudo, porque havia uma dependência econômica atrelada.
Desse modo, podemos considerar que a divisão sexual do trabalho historicamente
colocou, prioritariamente, os homens em uma esfera produtiva e as mulheres em uma
esfera reprodutiva nas quais os homens agregavam funções sociais de valor e status.
Como aponta Danielè Kergoat (2003), a divisão sexual incide sobre a divisão social do
trabalho em dois planos: o de separação e o de hierarquização. Separação no que diz
5 Pontuamos que os autores citados não levam em consideração as interseccionalidades. Logo, a entrada de
mulheres e homens negros devem ser analisados de maneira distintas no que concerne à divisão sexual do
trabalho.
39
respeito a que existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres e, hierarquização,
visto que o trabalho de homem “vale mais” que um trabalho de mulher. Ademais, essa
estrutura de divisão social, hierárquica e sexual separava o lugar da mulher e seu papel
social em nossa sociedade ao mesmo tempo em que ela entrava no campo do trabalho e
era mais uma vez posta dentro de normas de papéis de gênero, pois quando não estava
em trabalhos domésticos era “oferecido” o lugar do cuidado, por exemplo, responsável
pela educação das crianças e/ou do cuidado “básico” médico (enfermeira), lugares que
localizam mais uma vez a ideia de “natureza” feminina. Quando as mulheres transpõem
essa realidade se deparam com a desvalorização do trabalho e desigualdades que incidem
sobre o seu gênero.
Para Souza e Guedes (2016), as transformações socioeconômicas e a força do
movimento feminista no século XX fragilizaram de modo conjunto a dicotomia entre o
privado e o público, tendo em vista que o modelo do homem provedor e mulher cuidadora
é ressignificado, assim:
O relaxamento das fronteiras entre o mundo produtivo (homens) e
reprodutivo (mulheres) tem contribuído com a possibilidade das
mulheres participarem do mundo produtivo, mas não reveste o
afastamento dos homens do mundo doméstico (SOUZA, GUEDES,
2016, p. 139).
No mais, acreditamos que embora haja um ressignificação do papel da mulher e
sua entrada no espaço público e mercado de trabalho, as atribuições socialmente
destinadas são estruturadas em nossa sociedade de maneira que permanecem nas
concepções culturais, tendo em vista que ainda é transferido e exigido das mulheres a
responsabilidade de reprodução social.
Para Dias e Reinheimer (2011) são os métodos contraceptivos e as lutas
emancipatórias que constituíram uma nova mulher, a que se integra ao mercado de
trabalho e que passa a cobrar uma nova postura do homem dentro de casa. No entanto,
essa mudança parece ratificar conforme as autoras o deslocamento do modelo/norma
“preestabelecido criando um contexto potencializador para situações de violência, que
tem como justificativa a cobrança de possíveis falhas no cumprimento ideal dos papéis
de gênero” (DIAS & REINHEIMER, 2011, p. 196).
O espaço doméstico/privado como lócus de violência se caracteriza mais uma vez
como o lugar de submissão e subalternidade da mulher, visto que na maioria das vezes, o
40
homem exerce sobre a casa o status de provedor e sobre a mulher uma relação de poder,
caracterizando-o por vezes como sujeito de violências.
Segundo Dias e Reinheimer (2011):
A relação de desigualdade entre o homem e a mulher, realidade milenar
que sempre colocou a mulher em situação de inferioridade lhe impondo
a obediência e a submissão, é terreno fértil à afronta ao direito à
liberdade. O medo, a dependência econômica, o sentimento de
inferioridade, a baixa autoestima decorrente da ausência de pontos de
realização pessoais sempre impuseram à mulher a lei do silêncio. A
ideia sacralizada da família e a inviolabilidade do domicílio serviam de
justificativa para impedir qualquer tentativa de coibir o que acontecia
dentro do lar. A família vista como “entidade inviolável” não se
sujeitava a qualquer interferência, tampouco a da Justiça, o que tornava
a violência invisível. Acostumada a realizar-se exclusivamente com o
sucesso do par e o saudável desenvolvimento dos filhos, algumas
esposas e mães acabavam por desenvolver um profundo sentimento de
culpa, o que a impedia de usar a queixa como forma de fazer cessar a
agressão de que era vítima. Em seu íntimo, talvez se achasse
merecedora da punição, por ter desatendido as tarefas que
historicamente eram-lhe afetas. (DIAS, REINHEIMER, 2011, p.196).
Portanto, o espaço doméstico/privado pode ser compreendido historicamente
como lugar do silêncio e da disciplina, paradoxalmente, como o lugar que protege a
violência. Sendo assim, parece-nos que as violências contra as mulheres aumentam
quando as relações de gêneros estão sendo questionados, desta maneira, a violência
doméstica se inscreve como fator determinante de uma visibilidade e espaço até então
“negado”, logo rompe-se com os padrões vigentes de gênero.
1.4. (DES)FAZER GÊNERO NO NORDESTE
Somos construídos socialmente e historicamente embutidos de mecanismos de
controle, apreendendo tradições e estilos de vida, ou seja, construídos na repetição de
condutas impostas, socialmente adquiridas. Desta forma, a cultura, tem o poder de
legitimar condutas, ou seja, práticas sociais. Nesse sentido, analisar o alcance da violência
doméstica e familiar no Brasil, Rio Grande do Norte, a partir da Lei Maria da Penha nos
faz refletir os aspectos culturais do fenômeno da violência doméstica no Rio Grande do
Norte, nordeste brasileiro, logo, como são construídos masculinidades e feminilidades.
Diante disto, questionamos e procuraremos entender: Como se constitui o ser homem e
41
ser mulher no Rio Grande do Norte? Qual o papel social que lhe são atribuídos? Sendo
assim, temos como proposta identificar os aspectos culturais que corroboram na prática
da violência doméstica, as interpelações (BUTLER, 2001) que constituem os sujeitos
norte-rio-grandenses como agressores e agredidas e, sobretudo, refletir como
características de gêneros são universalizadas e essencializadas em construções
imagéticas no território nordestino, constituindo mais uma vez relações de poder.
Entendemos que gênero está imbricado culturalmente no conjunto de normas
moduladoras no processo de construção do ser homem e ser mulher, dessa maneira, se
expressa nas relações destas duas categorias como elemento basilar da construção do ser,
existir. Segundo Althusser (1980), as formas como a sociedade se reproduz para nos (re)
produzir como sujeitos - sujeito da fala divina, sujeito do discurso policial, moral,
religioso, familiar é a partir da ideologia, sobretudo, de seus aparelhos ideológicos. A
priori, a igreja tem o papel de disseminação mais eficaz da ideologia dominante, no
entanto o autor afirma que o aparelho escolar “toma” esse papel da Igreja, a Escola é
entendida como um “Aparelho Ideológico de Estado que desempenha incontestavelmente
o papel dominante, embora nem sempre se preste muita atenção à sua música: ela é de
tal maneira silenciosa!” (ALTHUSSER, 1980, p. 64). Para o autor, a ideologia é o
princípio das ideias e das representações que dominam o íntimo de um indivíduo ou grupo
social.
Destarte, o sujeito desconhece que é interpelado, construído silenciosamente, uma
vez que não percebe os discursos ideológicos que lhe são introjetados pelas normas,
regras, leis e padrões culturais. A teoria de interpelação, segundo Butler (2001), dá a
entender uma doutrina anterior, não amadurecida da consciência, um retorno sobre si
mesmo, logo o desejo de aceitar a culpa para se ter uma adesão identitária está atrelado a
um cenário no qual Butler (2001) compreende como altamente religioso. Assim sendo, a
autora indaga:
¿Hasta qué puento la representación religioso de la interpelación
limita de antemano toda posibilidad de interverción crítica en el
funcionamento de la ley, toda anulación del sujetos in la cual ésta no
puede desarrolarse? (BUTLER, 2001, p. 123).
A interpelação dá conta da construção ideológica do sujeito, está estrutura-se no
poder divino de nomear, a autora exemplifica bem ao referir o batismo como um dos
meios linguísticos no qual o sujeito é “obrigado” a ser social. Contudo, podemos aferir
42
que o gênero discursivamente, principalmente, em sua construção tem também esse papel
linguístico de conferir ao sujeito existência, ou seja, torná-lo ser social. Ao refletir sobre
como os sujeitos são interpelados, entendemos que o sujeito, todos os dias, imerge no
mundo simbólico, no mundo dos discursos: familiar, escolar, religioso, etc. para manter-
se como sujeito, desse modo, existir.
Butler (2001) afirma que:
El sujeto sólo se mantiene como sujeto mediante una reiteración o
rearticulación de sí mismo como tal, y que su incoherencia, su carácter
incompleto, puede residir en el hecho de depender de la repetición para
alcanzar a coherencia. La repetición o, mejor dicho, la iterabilidad, se
convierte por tanto en el no-lugar de la subversión, en la posibilidad de
una reencarnación de la norma subjetivadora que redirija su
normatividad (BUTLER, 2001, p. 112-113).
De acordo com a autora a repetição viabiliza ao sujeito seu caráter múltiplo,
contraditório e mutável. Desse modo, a resistência aos mecanismos de poder é uma
atividade psíquica do consciente, uma potência a sujeição e normalização, portanto, vai
operar também na repetição e não em um fato isolado. Butler (2014) pondera que o
“gênero é o mecanismo pelo qual as noções de masculino e feminino são produzidas e
naturalizadas” (BUTLER,2014, p 253), no entanto, pode ser também o dispositivo
mediante o qual pode-se descontruir e desnaturalizar tais noções.
Butler (2014) diz que:
Se gênero é uma norma, isso não equivale a um modelo ao qual os
indivíduos tentam se aproximar. Ao contrário, é uma forma de poder
social que produz o campo inteligível de sujeitos, e um aparato pelo
qual o binarismo de gênero é instituído. Como uma norma que aparece
como independente das práticas que governa, sua idealidade é o efeito
reinstituído dessas mesmas práticas. Isso sugere não apenas que a
relação entre práticas e a idealização a partir das quais ela funciona é
contingente, mas também que a própria idealização pode ser
questionada e problematizada, potencialmente desidealizada e
desinvestida. (BUTLER, 2014, p. 261/262).
Segundo a autora, a norma é (re)produzida na sua corporificação, através dos atos
que se estimulam para estabelecer relação com ela, a partir de idealizações reproduzidas
nos e por esses atos (BUTLER, 2014), desse modo, o gênero é construído na repetição,
nos discursos. Em diálogo com Michel Foucault, Butler (2014) assinala que o pensador
francês afirma que a norma refere-se à arte de julgar e que está visivelmente atrelado ao
poder. Desta forma, compreendemos que de acordo com a autora, em Foucault a
43
constituição do ser humano como sujeito se dá a partir do campo das relações de poder,
do âmbito de ações de poder ou poderes diversos, dispositivos, tecnologias, mecanismos,
ideologia ou discurso ideológico.
Portanto, as diversas formas de discriminação, violências e ausência de
reconhecimento são formas de sujeição e dominação, no qual podem ser sustentadas
através do/pelo controle social, na/pela moral, nas/pelas tradições, no/pelos valores e
cultura. Assim sendo, a norma é uma forma de (re) produzir padrão. Butler (2014) assinala
que “tornar-se um exemplo da norma não é esgotar a norma, mas é tornar-se sujeito a
uma abstração do senso comum” (BUTLER, 2014, p. 264). As normas são formas de
ação que aferem realidade intensamente pelo benefício de seu poder repetido de atribuir
realidade.
Contudo, ponderar a construção dos gêneros a partir das normas, padrões culturais
do nordeste brasileiro, Rio Grande do Norte, é conferir essa como produto de um conjunto
de intervenções de construção de um sujeito histórico regional, ator fundamental para a
história política e cultural do Brasil (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2003), em outros
termos, é refletir a partir da construção de masculinidades e feminilidades que designa
normas sociais que devem não apenas ser desempenhados, mas “atingidas” pelos gêneros
masculino e feminino e que são permeados de relações de poder. Albuquerque Júnior
(2003) assevera que estes dois polos não devem ser universalizados, dado que devem ser
pensados em suas multiplicidades, nas diversas formas de existir homem e mulher, ou
seja, para além do estereótipo do cabra macho e de sua companheira submissa.
Não há um modelo característico e exclusivo de masculinidade e feminilidade, o
que há são modelos de masculinidades e feminilidades. Várias culturas, em diferentes
períodos históricos, constituíram diversas manifestações e expressões de “ser homem” e
de “ser mulher”. Ademais, a estrutura social, política, econômica e cultural, apesar disso,
aponta um arquétipo de “masculinidade hegemônica”, que funda uma cadeia de
características, valores e condutas particulares. Essas que reiteram e essencializam a
imagem do homem nordestino como um sujeito rude, violento, grosseiro, como se estas
fossem características fundantes do homem nordestino, ou ainda, de sua identidade
masculina (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2003). Como se a violência fosse primária
nesses sujeitos, visto que tais características constituem um homem da violência, um
homem agressivo.
Conforme Albuquerque Júnior (2003), a violência institui-se como elemento
intenso da sua subjetividade, tecida perante de uma conjuntura sociopolítica específica,
44
fundamentada e vinculada pelos preceitos do patriarcado. A violência atribuída ao
masculino no Nordeste institui virilidade como se esta fosse sinônimo de sobrevivência
ou existência, logo, o se fazer ser social. Desta forma, a agressividade confere qualidade
intrínseca do “ser homem” no Nordeste.
A construção histórica e cultural da identidade do nordestino reverbera um homem
símbolo de virilidade sobre os signos de um “cabra macho”, “cabra da peste”, “valentão”.
Ela reproduz territorialmente as características fundantes da hegemonia masculina,
impede que o homem nordestino seja outra coisa que não seja o “verdadeiro macho”.
Como se escuta nos nove estados do Nordeste um grito de “seja macho, menino, seja
homem!”.
Tomamos os escritos do historiador brasileiro Albuquerque Júnior (2003, 2005)
para pensarmos as experiências de ser homem no Nordeste. O ser masculino como
definidor não só da identidade de gênero, mas da construção da identidade regional
nordestina. O autor refaz um discurso tradicionalista em que as transformações sociais
que ocorreram no Nordeste desde o final do século XIX até a década de 1940 eram
referidas como um processo de feminilização da sociedade. As mudanças que inclinavam
para o rompimento das hierarquias sociais, a ascensão da República, o avanço da
modernidade e a progressiva conquista da cidade sobre o campo eram descritas a partir
de representações que remetiam a significados de gênero em que a sociedade estaria se
feminizando. O autor aponta que o aprimoramento da vida moderna, exigido pela moda,
levava os homens a uma delicadeza de falas, gestos e atitudes, “os homens duros de
antigamente agora amoleciam, perdiam a virilidade, a potência” (ALBUQUERQUE
JÚNIOR, 2003, p. 49).
Albuquerque Júnior (2003, 2005) apresenta a criação do conceito freyriano de
patriarcalismo, entre o discurso tradicionalista e a percepção da feminização da
sociedade. O historiador apreende o conceito freyriano a partir de uma inteligibilidade
ligada às relações contemporâneas em que Freyre estava inserido. Portanto, o
patriarcalismo seria uma forma hierárquica de relacionamentos sociais, um discurso
construído.
Segundo Albuquerque Júnior (2003):
A elaboração da figura do nordestino vai se dar pelo cruzamento de
conceitos, temas e enunciados vinculados à formação discursiva
naturalista, com conceitos, temas e enunciados vinculados à formação
discursiva nacional-popular de matriz culturalista. (ALBUQUERQUE
JÚNIOR, 2003, p.164).
45
Considerando esse discurso, o autor nos mostra como a identidade regional
nordestina é arquitetada como uma “reação viril” perante da passividade da região. O
modelo nordestino surge, ou ainda, é inventado com intuito de preservação de um passado
tradicional, regional e patriarcal que estaria desaparecendo e dando lugar a uma sociedade
“matriarcal”, efeminada.
É importante notar que de acordo com Albuquerque Júnior (2003), nesse discurso,
pensa-se o nordestino enquanto um macho, homem e não enquanto termo que transporta
para se mencionar toda a espécie humana, pois o conceito de nordestino que emergia era
pensada no masculino, não existia lugar para o feminino nesse esboço. Deste modo, a
figura do nordestino ao ser gestado, na década de 1920, agencia toda uma gama de tipos
regionais ou tipos sociais vivenciados em uma vida rural, por uma sociabilidade
tradicional, e, sobretudo, como se refere o autor, desenhados em apanágios masculinos
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2003).
Sendo assim, definir a masculinidade em contexto territorial acaba por limitar o
homem a ser sujeito espacialmente construído sob a égide das lembranças do passado –
tradição. Ao inferir a masculinidade como legitimadora das ações do verdadeiro macho
instaura-se no Nordeste a supremacia hegemônica do que é vivenciar a experiência de ser
homem. Do final do século XIX aos dias atuais, ser homem/macho no Nordeste brasileiro
impele significações tórridas. Seu corpo tem que ser texto lido por todos
heteronormativamente.
O autor nos mostra as interpelações do ser homem no nordeste a partir do texto
Do Fogo Morto: mudança social e crise nos padrões tradicionais de masculinidade no
Nordeste do começo do século XX, Albuquerque Júnior (2005) analisa a crise dos padrões
tradicionais de masculinidade nordestina a partir do romance, Fogo Morto, de José Lins
do Rego, de formas de ser homem na sociedade nordestina patriarcal. Para o autor, a obra
de José Lins do Rego, sinaliza um discurso de masculinidades em crise, “impossibilitados
de reproduzirem determinados padrões de comportamento, determinados valores,
hábitos, costumes, relações” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, p. 155, 2005). Assim, o autor
mais uma vez desmonta a partir da obra de José Lins do Rego a ideia de um sujeito
“macho/homem”, nordestino universal, contudo, apresenta-nos através de três
personagens a construção de um corpo violento/agressivo, corpos lidos na e pela
heteronormatividade, “homens que viviam uma profunda crise de identidade a não
poderem mais atualizar em suas vidas o modelo de sujeito masculino representados pelos
patriarcas do engenho” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2005, p. 153).
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Albuquerque Júnior (2005) afirma que a obra de José Lins do Rego:
Nos faz pensar como as relações de gênero implicam que os sujeitos
assumam determinados papéis e como eles são mutável nesse jogo
relacional que envolve o masculino e o feminino. Estes são máscaras
sociais rostilhadas e corporeidades que se assumem e que podem vir a
ruir a qualquer momento – homens e mulheres jogam um jogo
atravessado por astucias e angústias. Os homens de Fogo Morto
assumem máscaras rotas, puídas, que desabam diante dos percalços que
enfrentam em suas vidas. As mulheres também participam, em
solidariedade, dessa mascarada, mesmo que tenham uma clara
percepção que estão apenas representando um papel para agradar seus
homes; essas máscaras já não tem contornos de verdade para elas. Às
vezes, até por pena, essas mulheres evitam tornar claro para seus
homens que eles não passam de bufões, figuras grotescas, a simular uma
forma de ser masculino que não apresenta menor correspondência com
sua vida cotidiana, com suas práticas (ALBUQUERQUE JÚNIOR,
2005, p. 168).
Segundo o autor, os homens de Fogo Morto denotam uma obrigação de
demonstrar que são machos, tanto para si como para os outros. Conferindo para o outro a
legitimidade da sua masculinidade, ou ainda de seu reconhecimento enquanto sujeito
existente (BUTLER, 2015), imperadas em seu autoritarismo, opressão e agressividade
com aqueles que julgam fracos e inferiores, como se dadas características determinadas
socialmente refletissem em ser homem no Nordeste. Diante disto, o autor assegura que as
transformações que ocorreram na sociedade e nas relações de gênero colaboram para que
estes se tornassem mais agressivos, dado que a perda de autoridade, mando, poder e honra
são entendidos por estes homens como fim do convívio social (ALBUQUERQUE
JÚNIOR, 2005).
Além disto, percebe-se, através de Albuquerque Júnior (2005), que ao analisar
Fogo Morto, o autor apresenta uma sociedade que está em declínio econômico, político
e, principalmente, social. Em outras palavras, em uma transição social que no que diz
respeito ao gênero há uma desterritorialização da subjetividade masculina
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2005). Dessa forma, segundo o autor a decadência do
patriarcalismo no Nordeste brasileiro interpela nos territórios existenciais para o
masculino habitar.
A violência e a masculinidade são apresentadas por Albuquerque Júnior (1999,
2003, 2005) como elementos constitutivos da imagem do nordestino, que por sua vez
apareceram nos cordéis em contextos históricos distintos legitimando tal construção do
ser homem no nordeste, assim (re) produzindo a figura viril, valente e violenta, na imagem
47
do cangaceiro, coronel, jagunço. Por conseguinte, como apontado, anteriormente, o
nordestino foi construído discursivamente com características que engendram os homens
como sujeitos da violência.
O nordestino é figurada por um conjunto de personagens que em seus
próprios nomes já trazem a marca da violência, da valentia e, as vezes,
da própria crueldade e maldade, nomes marcados por metáforas fálicas,
em que valentia, coragem e violência parecem ser associados ao
masculino e sua virilidade (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999, p.178).
O autor assinala o Nordeste na figura masculina como o lugar das violências, ou
seja, as masculinidades são generificadas sob o ideal de valentia, virilidade,
agressividade. Desviar-se desse padrão de masculinidade, atribui ao homem feminização,
um homem sem coragem, cabra frouxo (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999).
No percurso de pensar a construção das masculinidades nordestinas, identificamos
a partir de Albuquerque Júnior (1999, 2003, 2005) dois Nordestes brasileiros, o do Sertão
que traz como elementos instituidor de masculinidade a virilidade, valentia, e o Nordeste
da modernidade que por muito tempo foi sinônimo de feminização. Para o autor, definir
uma região não é refleti-la como uma uniformidade, mas sim como um grupo de
enunciados e imagens que se reproduzem, com certa constância, em diversos discursos e
épocas, com diferentes estilos. No entanto, o homem nordestino fora construído e (re)
produzido sob o encalce de um Nordeste unificado imageticamente, simbolicamente e
ideologicamente como sujeitos universalizados na valentia, virilidade, agressividade
exacerbadas do Nordeste/Sertão.
O autor nos faz refletir na construção de uma masculinidade violenta, das mortes
simbólicas no fazer-se homem. A negação e desvio das características ditas masculinas
são atravessadas nas violências psíquicas, simbólicas e físicas.
A violência psíquica sofrida pela a criança para tornar-se um homem,
para matar o feminino que ele foi, pode ser um dos fatores explicativos
da violência masculina (não se trata aqui de justificá-la, mas de tentar
entendê-la); a crueldade de que foi vítima pode torná-lo um adulto
cruel. A transformação de um menino em homem implica a submissão
dele em rituais marcados pela crueldade, pela violência física e
simbólica (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2014, p.110).
O masculino é investido afetivamente e racionalmente de práticas e discursos,
saberes e relações de poder que constituem o comando, dominação, superioridade. Em
outras palavras, a virilidade/masculinidade é moldada para cumprir as exigências
48
socioculturais. Os homens não são apenas os sujeitos da violência, esses são também
violentados, no e pelo processo de construção da masculinidade, visto que são
violentamente inscritos sob signos de agressividade, valentia, coragem, honra, logo estão
imerso de violência simbólica (BOURDIEU, 2006). Cabe-nos aqui fazermos o mesmo
questionamento de Albuquerque Júnior (2014, p. 108), “quantas surras e espancamentos
de pais ou de estranhos não são precisos para se fabricar “homens de verdade?”, os que
desviam-se do padrão de masculinidade que fora atribuído são mortos simbolicamente e,
por muitas vezes, fisicamente.
O processo de construção de masculinidade no Nordeste por meio de
características ditas masculinas constitui uma percepção cristalizada dos homens autores
de violência contra mulher, sobretudo, a doméstica. Isto quer dizer que, os discursos e
narrativas dá e deu consentimento para matar e violentar mulheres, principalmente, pela
produção de “verdade” (FOUCAULT, 1988). Nesses discursos, há uma produção de
verdade do homem nordestino em um espectro exagerado de universalização e
essencialização, a qual a violência sob o feminino torna-se uma característica fundante de
dominação e superioridade. Violência essa apresentada por meio de micro violências.
Apesar disto, como dito anteriormente, o processo de construção dos gênero é um
processo violento para ambos, é um processo de corpos e subjetividades violadas e
violentadas. De interpelações e violência simbólica (BOURDIEU, 2006) que são
imperceptíveis na construção da violência contra o feminino como ato “condicionante” e
generificado no processo de construção de “ser” homem. Ou ainda, na construção
simbólica dos gêneros (MACHADO, 2006).
Logo, ao refletir sobre a LMP e como as características apresentadas aos homens
nordestinos sob a ênfase de uma masculinidade hegemônica compreendemos que há uma
hipervalorização de características de força, agressividade e virilidade. Desse modo, esses
elementos constroem uma posição do lugar da violência, do agressor. Pensar sobre como
esses homens são socialmente construídos e reproduzidos, nos faz refletir sobre a maneira
como a violência é enxergada, tendo em vista que ao universalizar os homens nordestinos
parece que temos um consentimento da violência em si.
Devemos colocar em suspensão a maneira como se vê o Nordeste e como se
constroem discursos e práticas de verdades, visto que pensar a masculinidade de forma
hegemônica mascara as múltiplas maneiras de experenciar a masculinidade e as variáveis
que compõem o Nordeste. No mais, trazer os escritos do Albuquerque Júnior (1999, 2003,
2005), contribui para o diálogo da imagem que é feito sobre o nordestino e que aparece
49
como reflexo dos homens autores de violência contra a mulher, sobretudo, no Nordeste.
Entretanto, ao longo do texto procuraremos dessencializar características inatas aos
gêneros.
1.5. CONSTRUÇÃO DO CORPO VIOLENTADO
O fenômeno da violência sempre esteve presente em nossa sociedade, a forma
como se apresenta varia de uma sociedade para outra, assim sendo, o formato como a
violência se configura depende do arranjo histórico, cultural e social de cada sociedade.
Nesse sentido, são consideradas práticas violentas e legitimadas pela coletividade
conforme a sociedade. Procuraremos trazer as reflexões de gênero a partir de teóricas que
pensam como a violência “achou” no corpo feminino o lugar construído para a agressão,
uma vez que o aparato cultural sanciona este lugar como possível.
Por muito tempo vigorou no Brasil Colônia do século XVI até o início do século
XIX as Ordenações Filipinas, código de Leis de Portugal, que dava domínio absoluto ao
homem, logo, eles tinham total direito sobre a mulher. Por conseguinte, as mulheres
estavam sujeitas ao poder disciplinador do pai ou marido, os homens eram suprimidos de
pena, legitimava-se o uso da violência contra a mulher, desde que essa fosse “moderada”,
entretanto, ao mesmo tempo, davam ao homem o direito de matar sua mulher caso a
mesma cometesse adultério. Segundo Mariza Corrêa (1981) o novo código penal6
reconhece “a igualdade de todos perante a lei enquanto indivíduos, mas mantém a mulher
numa situação de tutela e submetida ao único coletivo admitido em nossas leis: a família”
(CORRÊA, 1981, p.15). Deste modo, o adultério como crime permaneceu no código
brasileiro por muito tempo, o que legitimou assassinatos em detrimento da defesa de
honra, assassinatos que pareciam caber à masculinidade.
Diante disto, a violência contra as mulheres em suas múltiplas formas reflete-se
na violência doméstica contra as mulheres, dado que a violência contra a mulher fora
justificada e legitimada sobre o pressuposto da defesa de uma honra masculina até o final
do século XX7 É notório que a violência doméstica contra a mulher é decorrente, em
6A autora refere-se ao código penal de 1940. 7 Pimentel, Pandjiarjian e Belloque (2006) nos mostra que o argumento da legitima defesa da honra foi
aceito até meados dos anos 2000; contudo este argumento só passa a ser desfeito em sua plenitude com a
implementação da Lei 13.104/15, Lei do Feminicídio.
50
grande parte, do controle e dominação masculina, cujo poder e a defesa da honra
configuram-se como uma violência estrutural, que controla, pune e violenta o corpo
feminino. Como vimos, é a partir dos questionamentos e reivindicações do movimento
feminista que se tem início de forma enfática a correlação entre a violência e o gênero.
Sendo assim, as reflexões das militâncias feministas ajudam-nos a perceber e
problematizar a violência assinalada no feminino. Esta que é recheada de significados,
bem como de distinções, apesar de suas similitudes. Podemos creditar as marcas da
violência no feminino decorrente do diferentes tipos de violências: violência contra a
mulher, violência doméstica, violência intrafamiliar e violência de gênero, deste modo,
“diversos significados dessas categorias adquirem desdobramentos e implicações
teóricas e práticas em função das condições e situações específicas de sua concretude”
(BANDEIRA, 2014a, p 451), além de acentuar a própria persistência da violência a partir
de sua multiplicidade.
Cecília MacDowell Santos e Wânia Pasinato (2005) contribuem significadamente
para compreendermos como os conceitos de violência contra as mulheres e violência de
gênero são formulados e utilizados. A literatura sobre violência contra as mulheres se
inicia no Brasil na década de 1980 constituindo uma das mais importantes temáticas dos
estudos feministas. Os estudos feministas são frutos de mudanças políticas e sociais do
país que incide no desenvolvimento de mulheres e o processo de redemocratização.
Nos anos 80, uma das principais reivindicações e problematização do movimento
feminista e, consequentemente, dos estudos feministas recaía sobre as questões sobre a
violência, logo, os primeiros estudos apresentam como objeto “as denúncias de violência
contra as mulheres nos distritos policiais e as práticas feministas não-governamentais
de atendimento às mulheres em situação de violência” (SANTOS, PASINATO, 2005,
p.02). Com a criação das delegacias da mulher na década de 80, as pesquisas realizadas
consistiam em conhecer os crimes denunciados, o perfil das mulheres agredidas e seus
agressores. Ressaltamos que essas pesquisas oferecem referencias teóricos para
entendermos o fenômeno da violência contra as mulheres e a posição das mulheres em
relação à violência.
Santos e Pasinato (2005) identificam três correntes teóricas que vieram a se
constituir como referências a esses estudos: a primeira que denominam de dominação
masculina. Nessa a violência contra as mulheres é definida como expressão de dominação
da mulher pelo homem, “resultando na anulação da autonomia da mulher, concebida
tanto como “vítima” quanto “cúmplice” da dominação masculina”. (SANTOS,
51
PASINATO, 2005, p.02). As autoras se referem à segunda corrente como dominação
patriarcal, compreendida como influenciada pela perspectiva feminista e marxista, sendo
assim uma expressão do patriarcado, “em que a mulher é vista como sujeito social
autônomo, porém historicamente vitimada pelo controle social masculino”. (SANTOS,
PASINATO, 2005, p.2). A terceira corrente é nomeada de relacional, visto que
relativizam as noções de dominação masculina e vitimização feminina, a violência é
compreendida nessa corrente teórica “como uma forma de comunicação e um jogo do
qual a mulher não é “vítima” senão “cúmplice””. (SANTOS, PASINATO, 2005, p. 02).
A primeira corrente identificada como dominação masculina, segundo Santos e
Pasinato (2005), é uma das principais referências que orienta as análises sobre a violência
contra as mulheres nos anos 80. De acordo com essa perspectiva, a violência contra a
mulher é resultado da ideologia que confere inferioridade ao feminino mediante o
masculino, logo teóricos dessa corrente compreendem que a violência acaba por
transformar as diferenças em desigualdades hierarquizadas com a finalidade de oprimir,
explorar e dominar. Assim sendo, a mulher é silenciada através dos discursos masculinos
sobre as mulheres, há o que podemos considerar um apagamento social delas enquanto
sujeito.
A segunda corrente teórica que orienta-nos sobre trabalhos de violência contra as
mulheres é a concepção feminista e marxista do patriarcado introduzida no Brasil por
Heleieth Saffiotti. Essa concepção entende que a dominação masculina está vinculada aos
sistemas capitalistas e racistas, visto que essa concepção acredita que o patriarcado não
deve ser resumido a um sistema de dominação de ideologia machista, mas que ele é em
si próprio um sistema de exploração. Contrariando a perspectiva de dominação masculina
na qual a mulher é considerada “cúmplice” da violência, a teoria feminista e marxista do
patriarcado considera que embora sejam as mulheres concebidas como “vítimas” da
violência elas são definidas como “sujeitos” dentro de uma relação desigual de poder com
os homens.
Sobre a teoria da dominação masculina e a teoria feminista e marxista do
patriarcado, Santos e Pasinato (2005) compreendem que:
As pesquisas sobre violência contra as mulheres na década de 80
utilizam o conceito de violência de Chauí8, mas não incorporam sua
reflexão sobre a “cumplicidade” das mulheres na produção e
8Ver: CHAUÍ, Marilena, “Participando do Debate sobre Mulher e Violência”. In: Franchetto, Bruna,
Cavalcanti, Maria Laura V. C. e Heilborn, Maria Luiza (org.). Perspectivas Antropológicas da Mulher 4,
São Paulo, Zahar Editores, 1985.
52
reprodução da violência. Na trilha de Saffioti, concebem violência
contra as mulheres como expressão do patriarcado e acabam
assumindo, com ou sem ressalvas, uma posição vitimista em relação à
mulher. (SANTOS, PASINATO, 2005, p. 05).
Com isso, Santos e Pasinato (2005) assinalam que a teoria da dominação e a teoria
feminista acabam por conferir em suas concepções a mulher o lugar vitimista. Já no que
concerne a terceira corrente teórica dos estudos sobre violência contra as mulheres, esta
irá relativizar a perspectiva dominação-vitimização. A principal expoente que
exemplifica essa corrente é Maria Filomena Gregori. A corrente relacional rejeita a ideia
de “violência como expressão de dominação e a dicotomia analítica autonomia-
heteronomia” (SANTOS, PASINATO, 2005, p. 07), visto que os estudos dessa corrente
compreendiam o fenômeno da violência conjugal como uma forma de comunicação nas
quais homens e mulheres davam significados e sentidos as suas práticas, o que para essa
teoria correspondia mais a um jogo relacional do que uma luta de poder. Para Gregori
(1993), a mulher participa de maneira ativa e violenta na relação, tendo em vista que,
segundo a autora, a mulher tem autonomia, logo não a concebe como “vítima” da
dominação masculina, embora a conceba como “cúmplice” da (re) produção e papéis de
gênero que mantém a violência. O que a diferencia das correntes anteriores é que ela
entende que a mulher é considerada protagonista da violência conjugal e “se representa
como “vítima” e “não-sujeito”” (SANTOS, PASINATO, 2005, p. 07).
No mais, segundo Santos e Pasinato (2005), a cumplicidade não pode ser
apreendida como simples instrumento de dominação. A perspectiva relacional foi
fortemente criticada, principalmente, os estudos de Gregori, pois a sua perspectiva ao
relativizar as relações de violência a compreende como algo que acontece fora de uma
relação de poder assumindo uma igualdade social entre os cônjuges.
No final dos anos 80 as acadêmicas feministas começam a “substituir” a categoria
“mulher” por gênero em consonância com os debates e estudos norte-americanos e
franceses a respeito da construção social do sexo e gênero. Há uma ruptura com a
perspectiva da violência sob a ótica patriarcal que dava margem a essencialização,
naturalização e biologização da mulher. Logo, afirmar os estudos de gênero é, sobretudo,
enfatizar a diferença entre o social e o biológico. Por conseguinte, a luz da perspectiva
dos estudos de gênero, os estudos sobre a violência contra a mulher adotam o uso da
expressão “violência de gênero” para se referirem a estudos tanto sobre mulheres quanto
53
homens, além disso, o termo também aparece para ampliar a categoria violência de modo
mais geral.
Segundo Saffiotti (2001), a violência de gênero perpassa o exercício do papel
patriarcal, no qual os homens possuem o poder de produzir a conduta das categorias
sociais nomeadas, ganhando “alvará” ou, pelo menos, condescendência da sociedade para
punir os que se apresentam como desviantes. Assim, cabe frisar que a violência de gênero
concerne mulheres, crianças e adolescentes de ambos os sexos. Nesse sentido, homens
afeminados e gays são considerados desviantes, logo, são alvos desta violência9.
Nesse contexto, compreende-se a violência de gênero como atos violentos
produzidos em contextos e espaços relacionais, a qual as ações desta está eminentemente
associada ao feminino, visto que a centralização deste tipo de violência está
historicamente sobre os corpos femininos. Ressalta-se que a violência de gênero,
proveniente da intimidade amorosa, nos mostra a existência do controle social sobre os
corpos, a sexualidade e as mentes femininas, “equivale dizer que a violência física e
sexual está sendo mantida como forma de controle, já que se ancora na violência
simbólica” (BANDEIRA, 2014a, p. 459).
No percurso de pensar a violência de gênero, principalmente, nas relações íntimas
a partir da violência simbólica como primeira personificação da violência sofrida pelos
sujeitos nas relações de força, trazemos para o diálogo Suely Almeida (2007). A autora
assinala que “dimensão simbólica é pontecializadora, por ser um problema circunscrito
a um espaço fechado, ambíguo, fortemente estruturado no campo axiológico e moral”
(ALMEIDA, 2007, p. 29). Assim sendo, a autora nos faz pensar que as categorias de
conhecimento do mundo têm uma predisposição maior no emocional do que no cognitivo,
fundando-se como um fenômeno social constante, invariável e articulado por facetas
psicológicas, morais e físicas.
Em consonância com Almeida (2007), Bandeira (2014a) afirma que:
Suas manifestações são maneiras de estabelecer uma relação de
submissão ou de poder, implicando sempre em situações de medo,
isolamento, dependência e intimidação para a mulher. É considerada
como uma ação que envolve o uso da força real ou simbólica, por parte
de alguém, com a finalidade de submeter o corpo e a mente à vontade e
liberdade de outrem. A maior parte das agressões sofridas pelas
mulheres é decorrente de conflitos interpessoais, o que acaba por
merecer pouca atenção e sua exposição causa embaraço. Estes traços
9Parece-nos que a aproximação performática de um indivíduo com o feminino é o suficiente para conferir
a este um corpo violentado pelas múltiplas formas de se fazer e exercer a violência.
54
contribuem para a complexidade do fenômeno, uma vez que é inerente
às situações entre homens e mulheres, que mantêm vínculos afetivos e
profissionais. (BANDEIRA, 2014a, p.460).
Deste modo, conforme a autora, medo, isolamento, intimidação e dependência são
resultantes de manifestações e relações de submissão e/ou poder. Por este ângulo,
Bandeira (2014a) aponta as diversas interfaces onde as mulheres estão aprisionadas na
relação de poder, em uma dominação, ou seja, as múltiplas formas de violência
introjetadas na mulher, uma ação que abrange o uso da força física ou simbólica.
Portanto, ao longo do capítulos procuramos apresentar como o gênero e sua
construção marca os limites da violência. Nesse sentido, a Lei Maria da Penha formulada
para o enfrentamento da violência tem alcance e desestabiliza norma sociais construídas
e repetidas por anos. Perceber como as violências praticadas contra as mulheres interpela
em suas experiências faz com que questionemos às ações do Estado na formulação de
políticas públicas. Desse modo no capítulo seguinte procuraremos investigar o percurso
e a nomeação de uma política pública como nome e figura de mulher.
55
CAPÍTULO II
2. MOVIMENTO FEMINISTA E O COMBATE À VIOLÊNCIA
As desigualdades que permeiam a vida das mulheres ao redor do mundo têm sido
elemento de profunda discussão, e, principalmente, de luta dos movimentos feministas.
No desafio de pensar as desigualdades de gênero, o movimento feminista entra em cena
questionando, interrogando e protestando contra “os sistemas culturais e políticos, de
maneira que novas formas de enfrentamento recolocam a compreensão do poder e a
forma de regulação entre o espaço público e privado” (BARBOSA, 2014, p.18).
Reivindicava-se e ainda reivindica-se o reconhecimento da mulher como sujeito de direito
e social, visto que as desigualdades de gênero colocam a toda prova a mulher ainda na
posição de uma luta constante. Sendo assim, as relações de poder apresentam um
marcador legítimo de/da luta do movimento feminista.
É importante sinalizar que não há um feminismo, mas múltiplos, dado que são
diversas as abordagens de se pensar mulher e reivindicar direitos, logo se tem várias
bandeiras e estratégias de luta. Outrossim, a luta, questionamentos e reivindicações
feministas é uma luta simbólica, pois “a luta política é uma luta cognitiva (prática e
teórica) pelo poder de impor a visão legítima do mundo social” (BOURDIEU apud
BARBOSA, 2014, p.46), em que o espaço social é alicerce das decisões antagônicas sobre
uma estrutura de distribuição assimétrica. Diante disto, o feminismo apresenta como
bandeira inicial os questionamentos em torno da garantia dos direitos das mulheres, ou
seja, o combate à discriminação de gênero na ideia de um desmonte social das
desigualdades e, consequentemente, garantia dos direitos das mulheres.
O movimento feminista brasileiro e internacional tem papel importante na
consolidação dos estudos sobre a violência contra a mulher (BANDEIRA, 2014b), visto
que este adquiriu integração no plano internacional a fim de enfrentar estrategicamente
os estados nacionais, tendo como finalidade atenuar a posição da mulher frente à
dominação masculina (BOURDIEU, 2005). De acordo com Anna Christina Barbosa
(2014), o movimento feminista apresentou-se como um movimento transnacional, com
competência de projeção sobre organizações, particularmente, a “ONU e a OEA, do que
resultou a promulgação da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), e que o coloca em uma
esfera privilegiada de interlocução com os governos e produz direcionamentos no plano
das políticas públicas” (BARBOSA, 2014, p. 27). Nesse contexto, Bandeira (2014)
56
sinaliza que o movimento feminista ao inserir a violência de gênero compõe um campo
linguístico e narrativo que colaboraram para instituir e intervir no fenômeno das esferas
da segurança pública, da saúde e judiciário.
O desempenho do movimento feminista e das ONGs possibilitaram condições
históricas, políticas e culturais indispensáveis ao reconhecimento da legitimidade e da
seriedade da questão, aferindo novos caminhos às políticas públicas. Ademais, os
movimentos feministas tiveram desempenho primordial para a implementação de
políticas públicas direcionadas para as mulheres, sobretudo, no que diz respeito no
combate à violência de gênero, visto que a sua atuação deu visibilidade a violência
cometida contra o feminino, principalmente, se refletirmos a atuação estatal a partir das
lutas do movimento feminista. A relação entre o Estado brasileiro e os movimentos
feministas nos coloca temporariamente, digo, com espaço de dez anos para a
construção/implementação de políticas públicas no enfrentamento da violência contra a
mulher com dimensão singular. Em 1985 tem origem as Delegacias Especiais de
Atendimento as Mulheres (DEAMs), em 1995 os Juizados Especiais Criminais, em 2006
foi outorgada a Lei 11.340/06 e em 2015 a Lei do Feminicídio. Essas políticas indicam
que a discussão e o discurso feminista sobre violência contra mulher, acima de tudo, a
violência doméstica, ganha visibilidade no processo de formulação e implementação de
políticas públicas voltadas para as mulheres, haja visto que a atuação do movimento
feminista evidencia a violência cometida contra o feminino.
É importante destacar que o movimento feminista no Brasil, bem como outros
movimentos sociais das décadas de 1970 e 1980, foram reconhecidos pela maneira de se
vincular, por meio de redes, tanto nos espaços micro e macros das relações, contribuindo
na construção do mesmo no que concerne à identificação, articulação e diálogo no
movimento. É nesse período que os estudos feministas são produzidos nas universidades
promovendo um diálogo da sociedade civil e movimento feminista com a academia.
Primeiramente, os estudos sobre a mulher no âmbito da violência é apresentado como
violência contra a mulher e posteriormente violência de gênero. Pensar as questões de
violência no que concerne o feminino possibilita-nos compreender as relações de poder
que produz e reproduz socialmente desigualdades e campos de disputa, sobretudo, que
destina o lugar da mulher. Cabe ressaltar, quando falamos de violência que o lugar no
qual a mulher ocupa majoritariamente é o do sujeito violentado. Diante do exposto,
compreendemos que o feminismo colaborou expressivamente na constituição de uma
agenda de gênero, tanto global quanto local, ao revelar as múltiplas violências aferidas ao
57
feminino. Para tanto, procuraremos apresentar nesse capítulo a entrada do gênero na
agenda política e seus desdobramentos.
2.1.AGENDA DE GÊNERO
Desde a década de 1960, os movimentos feministas internacionais visibilizam as
diversas formas de discriminação entre os gêneros e a violência contra a mulher,
constituindo uma agenda política no enfrentamento de tais violências. Segundo Barsted
(2016), a agenda internacional tinha como pressupostos a igualdade e equidade de gênero,
assim como o respeito à dignidade humana. Além disso, as feministas demandavam
políticas eficazes para suplantar as práticas de violência contra as mulheres e, que o
Estado fosse efetivo no processo de (des) construção dos costumes introjetados e
generificados do ser homem e ser mulher, acima de tudo, nas práticas que reforçavam o
homem como sujeito da violência e a mulher da agredida.
No percurso da construção de uma agenda política que teve a intenção de
reconhecer as mulheres como sujeitos de direitos e com necessidades específicas,
determinadas violações de direitos passam a ser questionadas. Sob essa ótica, em 1967, a
Organização das Nações Unidas (ONU), aprova a Declaração sobre a Eliminação da
Discriminação Contra as Mulheres e em 1972 anuncia o ano de 1975 como o ano
Internacional das Mulheres. Ainda em 1975, a ONU organizou a I Conferência Mundial
das Mulheres, na cidade do México. Em 1979, a ONU aprovou a Convenção para
Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW)
confirmada por 186 Estados (BARSTED, 2016, PIOVESAN e PIMENTEL, 2011).
De acordo com Piovesan e Pimentel (2011) a CEDAW realizada em 1979:
No plano dos direitos humanos, contudo, esta foi a Convenção que mais
recebeu reservas por parte dos Estados signatários, especialmente no
que tange à igualdade entre homens e mulheres na família. Tais reservas
foram justificadas com base em argumentos de ordem religiosa, cultural
ou mesmo legal, havendo países (como Bangladesh e Egito) que
acusaram o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a
Mulher de praticar “imperialismo cultural e intolerância religiosa”, ao
impor-lhes a visão de igualdade entre homens e mulheres, inclusive na
família (HENKIN apud PIOVESAN, PIMENTEL, 2011, p. 106).
Piovesan e Pimentel (2011) ao citar Henkin, fazem isto para assinalar o quanto a
implementação dos direitos humanos das mulheres está dependente à dicotomia entre os
58
espaços público e privado. Concordamos com as autoras ao afirmarem que os discursos
de ordem religiosa e cultural corroboram para uma acepção dicotômica nos papéis de
gênero, ou seja, no binômio homem (público) - mulher (privado). Dessa forma, a
exigência feminista por demandas de (des)construção do processo dos gêneros é válida
para uma vida sem violência e de direitos iguais, assim como, para desmistificar a ideia
de uma espaço privado/doméstico destinado ao feminino e público ao masculino. No que
tange à violência contra a mulher, as autoras elucidam que a Convenção para Eliminação
de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres não fez referência ao tema , no
entanto o Comitê da ONU sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra
as Mulheres (Comitê CEDAW) compreende a violência doméstica a partir da
Recomendação Geral n.19, a qual encontra-se em todas as sociedades, na esfera das
“relações familiares, mulheres de todas as idades são vítimas de violência de todas as
formas, incluindo o espancamento, o estupro e outras formas de violência psíquica e
outras” (PIOVESAN, PIMENTEL. 2011, p.106).
É a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, adotada em
1993, assim como a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher, mais conhecida como Convenção de Belém do Pará, adotada
pela Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1994, que caracteriza e identifica
a violência contra a mulher, no espaço público e privado, como violação aos direitos
humanos. Além disso, define no artigo 1° “a violência contra a mulher como qualquer
ação ou conduta baseada no gênero, que cause dano ou sofrimento físico, sexual e
psicológico, tanto na esfera pública ou privada” (CIDH,1994).Pode-se aferir, a partir
dessa perspectiva, que a violência baseada no gênero conforme aponta o artigo 1° da
Convenção de Belém do Pará, e adotada pela Lei Maria da Penha no artigo 5° elucida que
a violência contra a mulher, principalmente, a violência doméstica são reflexos das
relações de poder assimétricas entre homens e mulheres (PIOVESAN, PIMENTEL,
2011). As Convenções citadas delimitam violência e discriminação contra a mulher, além
de assumir direitos e comprometer os Estados membros a seguir um conjunto de medidas
que tem por finalidade eliminar as violações através de políticas públicas, bem como
mecanismos que visibilizem os dados das violências a fim de avaliar os avanços ou não
no enfrentamento da violência contra o feminino.
Observando a perspectiva elaborada pela Convenção de Belém do Pará a partir
dos artigos 7° e 8,º eles indicam garantia de pesquisas e recopilação de dados estatísticos
sobre causas, consequências e frequência da violência contra as mulheres em prol de
59
avaliar a eficiência das medidas tomadas para prevenir, punir e erradicar a violência contra
a mulher, bem como formular e implementar as mudanças necessárias (art. 8°, h);
existência de legislação para prevenir, punir e erradicar a violência contra as mulheres
(art. 7º, c); assim como, existência de serviços especializados apropriados para o
atendimento necessário à mulher objeto de violência (art. 8º, d).
No Brasil tínhamos em vigor apenas Delegacias Especializadas em Atendimento
à Mulher, no entanto, em poucos estados. Destarte, as Conferências, Assembleias e
Declarações são ferramentas basilares na efetivação do enfrentamento à violência de
gênero contra as mulheres, estas se deram sob a influência do movimento feminista em
colaboração com a Organização das Nações Unidas contribuindo pra um advocay
feminista (BARSTED, 2016) que mobilizou-se em várias direções, no desenvolvimento
e implementação de políticas públicas e leis que elucidaram e elucidam os direitos das
mulheres, primordialmente, para uma vida sem violência.
A construção da agenda de gênero no Brasil segue os princípios norteadores das
Conferências, Assembleias e Declarações internacionais. Isto é, apresentou-se de forma
ampla e abarcava diversas questões: trabalho urbano e rural, da renda, participação
política e social, sexualidade, saúde, aborto, direito a uma vida sem violência,
discriminação racial, entre outros (BARSTED, 2016). Nessas demandas, a luta legislativa
por igualdade, nos chama atenção, tendo em vista que houve uma preocupação de
rompimento com a “lógica patriarcal”, pois o movimento feminista incluiu a relação
familiar como elemento fundamental na consolidação de igualdade, ou seja, a igualdade
pensada em todas as esferas, pública e privada. Observando essa perspectiva, entendemos
que a organização dos movimentos feministas e de mulheres constrói um campo de poder
que influenciou nos direitos alcançados, assim como na possibilidade de novos direitos,
podemos exemplificar, a Lei do Feminicídio, como a última conquista do movimento
feminista no que diz respeito à violência de gênero contra a mulher no Brasil.
A advocacy feminista brasileira assinala a entrada da mulher na agenda política,
reconhece a mulher como sujeito de direito. Esse percurso de visibilização da mulher
como sujeito coletivo, sobretudo, por uma vida sem violência e elucidado a partir do final
da década de 70 em suas múltiplas dimensões permitiu reconhecimento e uma vida
“menos” precária. Nesse sentido, as políticas públicas de gênero e leis são entendidas
neste trabalho dissertativo como mecanismos resultantes de uma advocacy feminista que
por meio de denúncias e demandas do movimento tem como resultado, por exemplo, a
criação da Lei Maria da Penha. Dessa maneira, as questões de gênero saírem da esfera
60
doméstica para a pública ilustra o reconhecimento da precariedade da condição da mulher
enquanto sujeito que estava a margem, como também desmonta as práticas culturais
inseridas no aspecto histórico das sociedades incluídas na dinâmica social que colocavam
as mulheres sob dominação masculina, construindo homens que creem ter o poder sobre
a mulher, inclusive, de vida e morte.
2.2.AGENDA DE GÊNERO NO BRASIL
O movimento feminista brasileiro é responsável por visibilizar a problemática da
violência contra as mulheres. Rozeli Porto (2014) observa que é na década de 1970 que a
discussão acerca da violência doméstica e conjugal torna-se visível, principalmente, por
ser reconhecida como uma violação dos Direitos Humanos.
Denunciados os assassinatos cometidos contra as mulheres, as
feministas começaram a reivindicar uma atenção jurídica-policial mais
eletiva para tais crimes, criticando veementemente as teses da legitima
defesa da honra e da violenta emoção. (PORTO, 2014, p.24)
A autora chama atenção para uma vida com violência legitimada pelo Estado, e
mais uma vez, aponta a participação do movimento feminista para elaboração de um
“projeto” político, jurídico-policial, acima de tudo social, para uma vida vivível de
reconhecimento e direitos. Destacamos que é na década de 70 que há uma construção das
mulheres como sujeito coletivo de luta, uma vez que “nascem” novos atores políticos no
domínio da sociedade civil, os sindicatos e os movimentos sociais apresentam
questionamentos que até então não estavam nas agendas políticas. É nesta década também
que os estudos de gênero se solidificam no Brasil, em 1975, como movimento social e
político centrando a sua discussão em temas como poder, igualdade e democracia
(BARSTED, 1994, PITANGUY, 2002 e FARAH, 2004).
A década de 70 foi importante, uma vez que ocorreram transformações
importantes no Brasil no que se refere à relação do Estado e sociedade, o impacto da
democratização e a crise fiscal juntamente com a mudança do regime ditatorial foi
fundamental para a inserção de novos sujeitos políticos. Farah (2004) observa que,
primeiramente, houve uma agenda de reforma que enfatizava a democratização dos
processos decisórios e dos resultados das políticas públicas e reivindicava o aumento dos
61
sujeitos envolvidos nas decisões, assim como, a inclusão de novos segmentos da
população entre os favorecidos das políticas públicas. Para a autora, nesse primeiro
momento, as mulheres e a problemática de gênero já estavam em pauta, bem como a
história desses movimentos e também a construção das mulheres como sujeito coletivo
de luta, como sujeito de direito e reconhecimento (FARAH, 2004).
A constituição das mulheres como sujeito político deu-se inicialmente
por meio de sua mobilização em torno da democratização do regime e
de questões que atingiam os trabalhadores urbanos pobres em seu
conjunto, tais como baixos salários, elevado custo de vida e questões
relativas à inexistência de infra-estrutura urbana e ao acesso precário a
serviços coletivos, manifestação ‘perversa’ no espaço urbano do
modelo de desenvolvimento capitalista adotado no país, caracterizado
pela articulação entre ‘crescimento e pobreza’. Os movimentos sociais
urbanos organizavam-se em torno de questões como falta de água e de
saneamento nas periferias urbanas e de reivindicações por
equipamentos coletivos como escolas, creches e postos de saúde. Ao
mesmo tempo que denunciavam desigualdades de classe, os
movimentos de mulheres – ou as mulheres nos movimentos –passaram
também a levantar temas específicos à condição da mulher como direito
a creche, saúde da mulher, sexualidade e contracepção e violência
contra a mulher (FARAH, 2004.p.50/51).
Para Farah (2004), a mulher passou a ser vista como sujeito político a partir de
sua mobilização em torno da democratização do regime e de questões que atingiam os
trabalhadores urbanos. É necessário destacar que o feminismo, diferentemente dos
‘movimentos sociais com participação de mulheres’, apresentava como finalidade
principal a mudança da situação da mulher na sociedade, de forma a superar a
desigualdade presente nas relações entre homens e mulheres. Contudo, o movimento
feminista, bem como, o movimento de mulheres corroboraram para a inserção da questão
de gênero na agenda pública como uma das desigualdades a ser superada pelo regime
democrático. A discriminação de temas diretamente vinculados às mulheres, segundo a
autora, “envolveu, por sua vez, tanto uma crítica à ação do Estado quanto – à medida
que a democratização avançava – a formulação de propostas de políticas públicas que
contemplassem a questão de gênero” (FARAH, 2004, p.51).
Outrossim, dialogamos com Pitanguy (2002) para reafirmar a importância do
movimento feminista, principalmente o da década de 70 , uma vez que este discutia as
bases culturais nos quais se acentuava a desvalorização do feminino, propagada em leis,
em práticas, em linguagens simbólicas e chamava atenção para o fato de que, ao decorrer
da história a hierarquia e a desigualdade atravessaram as relações de gênero,
62
estabelecendo um elemento essencial no arranjo do poder e nos sistemas de valores que
balizavam os conceitos de masculino e de feminino em nossa sociedade. Deste modo, a
autora explica que o movimento feminista e o movimento de mulheres da década de 70
buscaram diálogo com o legislativo, propondo mudança no Código Civil em 1976, assim
como apresentação em 1979 de propostas e demandas aos partidos políticos. Conforme a
autora, o movimento feminista da década de 70 tem como marcador a capacidade de
interlocução, o que diferenciava dos demais países que estavam neste período mais
voltados para relações interpessoais, enquanto o movimento brasileiro era plural. É na
década de 80 que o movimento feminista brasileiro centraliza seu discurso em torno da
violência doméstica, surgindo nesta também às primeiras políticas de gênero.
Na década de 80 foram implementadas as primeiras políticas de gênero, Farah
(2004) afirma que políticas públicas com recorte de gênero “reconhecem a diferença de
gênero e, com base nesse reconhecimento, implementam ações diferenciadas para as
mulheres” (FARAH, 2004, p. 51). É no início da década de 1980 com a redemocratização
do Brasil que de fato os novos atores sociais, até então excluídos das agendas (mulheres,
negros e índios) passam a ser reconhecidos como sujeitos de direitos. Mais uma vez
chamamos atenção para os tratados internacionais, visto que estes influenciaram
diretamente na constituição de garantias e direitos das mulheres, principalmente, no
combate à discriminação das desigualdades entre os gêneros.
As agências internacionais, sobretudo do Sistema das Nações Unidas,
colaboraram muito para dar visibilidade e sistematizar as demandas do
movimento de mulheres. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Mulheres, de 1979, e o documento
elaborado na III Conferência Mundial da Mulher, em Nairóbi, em 1985,
Estratégias para o Ano 2000, comprometeram os países signatários com
a implementação de políticas públicas voltadas para a eliminação das
desigualdades entre os sexos e orientaram as ações do movimento de
mulheres para esse fim (BASRSTED, 1994, p.42).
Pode-se dizer que há nestas Convenções uma certa “unidade” nas diversidades,
uma vez que busca-se alcançar a igualdade de gênero e fortalecer a autonomia das
mulheres. Embora, no Brasil já se tenha pautado em 1975 a discussão e proposta de
agenda de gênero, é apenas em 1983 que veremos uma política direcionada para as
mulheres com a criação do primeiro Conselho Estadual da Condição Feminina em São
Paulo e a instituição do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) e,
posteriormente, em 1985 à primeira Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher, ainda em
63
São Paulo. A Constituição de 1988 também reflete a mobilização das mulheres e do
movimento feminista, dado que estas estruturam propostas para a nova Constituição,
apresentando ao Congresso Constituinte sob o título Carta das Mulheres Brasileiras10
propostas para a saúde, discriminação, violência, cultura, educação, família e propriedade
da terra. Os movimentos feministas e de mulheres direcionavam suas inquietações e
reivindicações a distintos níveis de governo, a violência contra a mulher era direcionado
aos níveis estadual e municipal, enquanto a saúde ao governo federal. (FARAH, 2004)
No final da década de 80, segundo Farah (2004), há uma reformulação da agenda
de reforma do Estado sob o conflito da crise do Estado e de sua capacidade de
investimento. Esta irá integrar a agenda a busca pela eficiência, efetividade e eficácia da
ação do Estado.
A agenda que emerge desse processo integra à agenda democrática dos
anos 80 novos ingredientes, voltados à busca da eficiência, da eficácia
e da efetividade da ação estatal. A agenda de reforma nesse novo
momento se estrutura em torno dos seguintes eixos: a) descentralização,
vista como uma estratégia de democratização, mas também como forma
de garantir o uso mais eficiente de recursos públicos; b)
estabelecimento de prioridades de ação (focalização ou seletividade),
devido às urgentes demandas associadas à crise e ao processo de ajuste;
c) novas formas de articulação entre Estado e sociedade civil, incluindo
a democratização dos processos decisórios mas também a participação
de organizações da sociedade civil e do setor privado na provisão de
serviços públicos; e d) novas formas de gestão das políticas públicas e
instituições governamentais, de forma a garantir maior eficiência e
efetividade à ação estatal. (FARAH, 2004, p.52)
Como aponta a autora há tensão entre o vetor eficiência e o vetor democratização
dos processos decisórios e do acesso aos serviços públicos. Nesse sentido, a agenda de
gênero construída nos anos 70 unificava uma demanda mais abrangente em torno da
democratização e direitos humanos, enquanto a agenda dos anos 80 era mais complexa e
perde o valor de unidade. No processo de redemocratização o movimento de mulheres
ampliou-se para várias direções buscando influenciar os organismos governamentais na
formulação de políticas públicas.
Pode-se perceber que o diálogo das feministas com o Estado
redemocratizado e com os setores organizados da sociedade, sensíveis
a questão democrática, tornou-se possível a partir da superação das
10 Carta apresentada pelas mulheres brasileiras aos Constituintes de 1987 a partir da campanha
“Constituinte para valer tem que ter palavra de mulher”.
64
antigas hierarquias temáticas, que privilegiavam as questões do
trabalho feminino em detrimento da discussão sobre sexualidade, e da
consolidação de um consenso em torno de questões básicas
(BARSTED, 1994, p. 43).
A articulação do movimento feminista e de mulheres passou a associar como um
dos seus elementos as organizações não governamentais com as ações governamentais
para a formulação de políticas públicas com recorte de gênero enfatizando a “inclusão
das mulheres como beneficiárias das políticas, reivindica-se a sua inclusão como ‘atores’
que participam da formulação, da implementação e do controle das políticas” (FARAH,
2004, p, 54).
Como vimos, a agenda política que operava com o conceito de gênero surge no
Brasil a partir da pressão de organismos e organizações internacionais, sobretudo, a
Organização das Nações Unidas que, em 1975, começa a da ênfase às questões
relacionadas a gênero, mas ganha força na década de 80 com a redemocratização no país.
Outra grande influência na constituição da agenda de gênero no Brasil foi a Conferência
Mundial sobre a Mulher, mais conhecida como Conferência de Beijing em 1995, onde
articulou-se as mudanças mais significativas na relação Estado-Sociedade, logo vemos
nesta agenda diretrizes como: violência, saúde, meninas e adolescentes, geração de
emprego e renda, educação, trabalho, infraestrutura urbana e educação, questão agrária,
incorporação da perspectiva de gênero por toda política pública e acesso ao poder político
e empowerment, vale ressaltar, que a Carta das Mulheres reivindicava algumas dessas
demandas.
Deste modo, é na década de 80 que surgem no Brasil as primeiras políticas
públicas de gênero. O Estado brasileiro cria em 1983 o Conselho Estadual da Condição
Feminina e em 1985 as primeiras Delegacias Especiais de Atendimento às Mulheres,
estas aparecem como as primeiras políticas públicas de gênero, principalmente, no que
diz respeito ao enfrentamento da violência contra as mulheres. Vale ressaltar, que após a
criação das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher em 1985, a outra política
pública de gênero que provocou maior impacto social foi a Lei 11.340/06.
65
2.3. DAS DEAMS À LEI MARIA DA PENHA: POR UMA VIDA SEM
VIOLÊNCIA
A partir da intensificação em torno da discussão e atuação política e social acerca
das categorias gênero e violência, o movimento feminista e acadêmico consolidou a
violência contra a mulher enquanto categoria política e social indispensável. Tais
categorias demonstram as possibilidades de violências que o feminino está
“condicionado” sócio historicamente: assédio sexual, violência conjugal, violência
intrafamiliar, violência sexual, tráfico de mulheres, prostituição infantil, entre outras.
Pode-se aferir que é sob essa ótica que surge a Delegacia da Mulher em 1985.
A criação das Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher foi motivada
pelo tratamento que era dado às mulheres em situação de violência em delegacias não
especializadas para mulheres. Em grande parte as delegacias tinham um contingente
policial masculino que frequentemente desacreditava da situação de violência da mulher,
para além disso, depreciavam as mulheres que denunciavam violência sexual e violência
doméstica. Isto é, agentes que colocam os valores morais e a “norma” acima dos direitos
das mulheres. É na tentativa de romper com tal tratamento dado às mulheres que as
DEAM’s constituem-se como primeiro instrumento que dá início as políticas públicas de
combate à violência de gênero contra a mulher, isto é, como mecanismo de proteção à
mulher em situação de violência e a acepção da fala feminina, sem preconceitos. A
criação das delegacias para as mulheres nos faz refletir essa como primeira instância de
criminalização da violência contra o feminino, requerendo e responsabilizando o Estado
a implementação de políticas públicas que enfrente tal violência, além de balizar a luta
feminista (SANTOS, 2010).
Contudo, Lia Zanotta Machado (2002) afirma que as palavras de ordem no que
tange à violência se dão em 1979 em torno dos maridos e companheiros que matam suas
esposas e/ou companheiras “lutava-se pelo direito à sobrevivência e denunciava-se a
impregnação dos valores culturais misóginos e discriminatórios nas leis do código penal
e civil, e nas interpretações da jurisprudência” (MACHADO, 2002, p. 03).
Fazia-se a denúncia do controle masculino sobre os corpos femininos,
mas foi a denúncia do caso extremado do poder de vida e de morte dos
homens sobre suas mulheres, a tônica capaz de repercutir na opinião
pública e nas elites políticas da época. A repercussão dos homicídios
conjugais de homens contra suas companheiras deu origem a
mobilizações feministas com a criação de centros e da Comissão de
66
Violência contra a Mulher. Alguns grupos feministas passam a
constituir grupos de SOS, oferecendo serviços dirigidos ao atendimento
das mulheres vítimas de violência. (MACHADO, 2002, p. 3)
A autora pondera que a dominação e controle masculino sob o feminino foi a
questão que reverberou na sociedade, em outras palavras, foi essa repercussão que
mobilizou o movimento feminista. Vale destacar que, no Brasil antes da República, o
adultério feminino servia como pressuposto para o assassinato de mulheres. Mulheres que
tinham relação sexual fora do casamento eram mortas pelos companheiros, que tinham o
livro V das Ordenações Filipinas como dispositivo que alicerçava tal crime, permitindo
o marido matar a mulher e seu amante.
E ainda:
O Código Criminal de 1830 atenuava o homicídio praticado pelo
marido quando houvesse adultério. Observe-se que, se o marido
mantivesse relação constante com outra mulher, esta situação constituía
concubinato e não adultério. Posteriormente, o Código Civil (1916)
alterou estas disposições considerando o adultério de ambos os
cônjuges razão para desquite (BLAY, 2003, p. 87).
Eva Blay (2003) chama atenção para as leis e códigos que legitimaram a violência
de gênero contra a mulher acentuando a desigualdade nas relações de gênero. Salientamos
que as mudanças das leis e Constituição Federal não implicam a forma e o motivo de
como se mata as esposas ou companheiras. As reivindicações das mulheres em torno desta
temática iniciam-se nas décadas de 20 e 30, mas é na década de 70 que ganha força com
o slogan “Quem ama não mata”, tendo como caso emblemático, o caso Ângela Diniz. O
caso Diniz teve grande apelo midiático nacional e internacional, evidenciando o sistema
jurídico brasileiro que absolvia homens sob o discurso da legitima defesa da honra.
Doca Street matou Ângela Diniz e confessou o crime alguns dias
depois. Convivera com ela apenas três meses. Argumentava a
Promotoria (auxiliada pelo advogado Evaristo de Morais, contratado
pela família de Angela), que ela não suportava mais sustentar um
companheiro ciumento, agressivo e violento. Depois dos poucos meses
de conturbada convivência, durante os quais houve várias tentativas de
rompimento, Ângela mais uma vez mandou Doca sair de sua casa em
Cabo Frio (Estado do Rio de Janeiro). Este fingiu se retirar da
residência, arrumou as malas, colocou-as em seu automóvel, mas,
minutos depois retornou munido de uma Bereta. Perseguiu-a no
banheiro e a matou com vários tiros, especialmente no rosto e no crânio.
(BLAY, 2003, p.89/90)
67
A morte de Ângela Diniz e a absolvição de Doca Street em primeira instância é a
personificação dos corpos que importam (BUTLER, 2002) para o Estado e, mais ainda,
evidencia a legitimação do masculino ao direito da vida e da morte das mulheres. Nesse
sentido, é o movimento feminista que torna visível este corpo que é agredido, violentado,
estuprado e violado, isto é, através do movimento que se desmonta a legitimação da morte
das mulheres por seus maridos e companheiros. Há um repúdio e denúncia pública ao
discurso passional, ou seja, que amor não justificava os crimes cometidos contra a mulher.
Foi a organização de mulheres em torno da publicização do caso Doca Street que o “fez”
ser condenado em seu segundo julgamento, ou seja, as manifestações do movimento
feminista dificultou o uso do argumento de legítima defesa da honra, bem como de um
crime passional como argumento de absolvição. Como aponta Machado (2002) ainda que
as DEAM’s tenham como intenção responder às formas de violências de gênero contra a
mulher, foi o tornar público a morte de mulheres pelos seus companheiros e maridos, bem
como a absolvição destes que impulsionou a criação das DEAMs. E ainda a criação de
grupos feministas que ofereciam serviços para as mulheres em situação de violências, por
exemplo, o SOS Mulheres.
Ademais, é importante destacar que na década de 90 a eficácia do funcionamento
das DEAM’s começa a ser questionada com o surgimento da Lei 9.099/95 que institui os
Juizados Especiais Criminais (JECrim). Segundo Santos (2010), um dos motivos para
criação do JECrim foi substituir as penas repressivas por penas alternativas. Frisamos que
esta não é uma Lei concebida para lidar com a violência doméstica, no entanto, a mesma
foi acionada para responder por tal violência, haja visto que considerava a violência
doméstica como violência de menor grau, tal como, brigas de vizinhos. Além disto, de
acordo com Santos (2010) a Lei 9.099/95 afastou da delegacia o poder de investigação e
diálogo nos conflitos, ressignificando a criminalização da violência doméstica.
A Lei 9.099/95 recebeu várias críticas por parte de militantes
feministas, pesquisadores e policiais. Vários estudos feministas
examinam os JECrim como um espaço de ressignificação das penas e
dos crimes, onde ocorre uma descriminalização da violência contra
mulheres, com efeitos de “trivialização” (Campos, 2001),
“reprivatização” (Debert, 2006) e “invisibilização” do conflito e
desigualdade de poder em que se baseia a violência (Oliveira, 2008).
Melo (2000) e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (2001)
apontam que, no JECrim, os juízes são, em geral, do sexo masculino e
não recebem treinamento especializado para lidar com a problemática
específica da violência contra mulheres. (SANTOS, 2010, p. 160)
68
A autora observa a partir de Campos, Debert , Oliveira e do Conselho Nacional
dos Direitos da Mulher que o JECrim deu um novo significado à violência de gênero
contra a mulher, resultado disto é uma inversão nas penas, elas deixam de ser repressivas
para serem alternativas, cesta básica e serviço comunitário são entendidas por esta Lei
como um suficiente mecanismo para prevenção, proteção e, sobretudo, punição aos
autores da violência. Além disso, retira o caráter de crime público, no qual qualquer
pessoa poderia denunciar e transformar em uma representação apenas por parte da mulher
agredida. Isto quer dizer, que a única forma de cessar a violência se dava a partir da
denúncia da mulher em situação de violência contra o autor da mesma, bem como previa
a conciliação entre a mulher agredida e o autor da agressão como forma de finalizar o
procedimento policial. Diante do exposto, podemos apontar que o JECrim mostrou-se
como um mecanismo de “rápida” solução, porém, sem caráter punitivo da violência ao
feminino. E, ainda, que não havia uma perspectiva de gênero e institucionalização da
capacitação dos agentes para atender esta demanda como nos explica Santos (2010).
Destaco que assim como o JECrim, a DEAMs partilhava da ausência de uma perspectiva
de gênero, visto que mesmo com policias mulheres não havia uma vínculo por parte destas
à mulher em situação de violência. Sendo assim, o JECrim e as DEAMs sem perspectiva
de gênero e capacitação de seus/suas agentes encorajavam a desistência das mulheres em
denunciar e processar os autores da violência.
Compreendemos que o JECrim configurou-se como um dispositivo que
corroborou para “impunidade” e legitimação da violência do masculino contra o
feminino, haja visto que trazia elementos que desmotivava a denúncia por parte das
mulheres, assim como perpetrava os costumes e práticas que concebia tal violência. Deste
modo, vamos em direção a perspectiva de Santos (2010) ao afirmar que este dispositivo
é a (re)tradução da criminalização e ressignificação da violência. Nessa direção,
entendemos que a Lei Maria da Penha desmonta a perspectiva elaborada pela Lei
9.099/95 e se afirma como dispositivo que elucida a violência de gênero contra as
mulheres, sobretudo, a violência doméstica e familiar como violação dos direitos
humanos.
69
2.4 . POR QUE MARIA?
Quando nos referimos à violência doméstica, o primeiro caso que nos vem à mente
é o da farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, talvez isto aconteça pelo
fato da Lei da violência doméstica levar o nome da mesma. No mais, isso é válido como
reparação simbólica da negligência do Estado quanto ao caso da cearense. Entretanto, na
década de 1980 outro caso chamou atenção, o caso Márcia Leopoldi, estudante de
arquitetura, 24 anos, morta pelo ex-namorado, José Antônio Pereira Brandão. Esses dois
casos indicam a violação dos direitos das mulheres por parte do Estado quanto à punição
de seus algozes. Um silêncio que pune com violências, e no caso de Márcia a morte. Em
outras palavras, uma invisibilidade que mata. Silêncio que é rompido apenas pela voz das
mulheres a questionarem e reivindicarem uma vida sem violência. Deste modo,
indagamos: Quais violências poderiam e podem ser evitáveis se o Estado se
responsabilizar para uma vida de garantias para as mulheres? A vida das mulheres
importam? Se sim, quais mulheres? A partir destes questionamentos, entendemos que a
precarização da vida das mulheres constrói uma vida de violências, podendo configurar-
se como o caminho para morte.
É importante destacar que ao nos referirmos à morte falamos desta também como
morte simbólica. Maria da Penha foi morta pelo Estado por 20 anos, a negligência deste
é o seu atestado de óbito, bem como a família da Márcia Leopoldi, que além da vida de
sua filha, irmã, prima, tiraram destes o direito de ver o assassino pagando pelo seu crime11.
Mas afinal, por que Maria? A lei foi nomeada, Lei Maria da Penha, em
homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes. Mulher que teve seu corpo/alma
(MACHADO, GROSSI, 2015) violado pelo seu então marido, Marcos Antônio Heredia
Viveiros, bem como pelo Estado brasileiro. Em 1983 Maria foi vítima de duas tentativas
de assassinato, a primeira tentativa- simulação de um assalto, recebeu tiro nas costas
enquanto dormia, já a segunda tentativa o marido tentou eletrocutá-la no banho, em
decorrência das tentativas de homicídio, Maria ficou paraplégica em consequência do
tiro, além de outras implicações. A história de Maria da Penha é a história de várias
11Após quase três meses, a estudante decidiu terminar o namoro porque ele era muito ciumento. Então, ele
a procurou, a torturou e a matou asfixiada. Em 1989, José Antônio foi julgado pelo Tribunal de Santos e
condenado a cinco anos de prisão. A família da moça recorreu e, em novo julgamento em 1992, o agressor
foi condenado a 15 anos. No entanto, José estava foragido e só foi preso 23 anos após o assassinato de
Márcia. Ver:http://gshow.globo.com/programas/mais-voce/v2011/MaisVoce/0,,MUL479435-
10345,00.html
70
Marias, Joanas, Karlas, Márcias, ou seja, de uma imensidão de mulheres que vivenciaram
situação de violência doméstica e familiar e, foram deixadas à margem. O “calvário” da
mulher com nome de Lei iniciou-se em 1983 e teve desfecho final 20 anos depois, em
2003.
Embora a investigação do caso tenha iniciado ainda em 1983, a denúncia só foi
entregue ao Ministério Público Estadual em 1984. Tendo um atraso de oito anos para o
primeiro julgamento, em 1991, quando Marco Antônio Viveiros (o agressor) vai a júri e
é condenado a 15 anos de prisão, no entanto, o advogado de Viveiros conseguiu anular o
julgamento que viera acontecer cinco anos após a tentativa do primeiro julgamento, em
1996, quando o Marco Antônio Viveiros foi condenado a dez anos de prisão, mas acabou
cumprindo apenas dois. Em outubro de 2002, carecendo apenas seis meses para
prescrever os crimes cometidos, em 2001 há a condenação do Brasil pela CIDH. Em 2004,
propõem-se a Lei sobre violência doméstica com sua consolidação em 2006, no governo
do presidente Luís Inácio Lula da Silva. É no caminho de construção de uma específica
Lei para violência doméstica e familiar que Marco Viveiros é preso em 2002 na cidade
de Natal, Rio Grande do Norte, entretanto cumpriu apenas 1/3 da pena que foi sugerida.
A luta de Maria da Penha para a condenação de seu ex-marido, nos faz entender
que a violência contra a mulher configura-se como uma violação dos direitos humanos,
violência que tem multiplicidades, bem como múltiplos espaços. As mulheres são
violentadas/agredidas no espaço doméstico e público, a dimensão da violência ao
feminino mostra-se por meio do sexismo, machismo, assim como desigualdade entre os
gêneros e, ainda nas estatísticas. A cultura do machismo enraizada no Brasil aponta que
a cada 11 minutos uma mulher é estuprada, a cada 4 minutos agredida e a cada 1h30
minutos é morta12. Nesse sentido, o silêncio e a invisibilidade da violência baseada no
gênero viola a dignidade das Marias por uma vida minimamente segura, leia-se, vivível
(BUTLER, 2015). Sintetizamos a violência de gênero contra a mulher com o trecho da
poeta Mayara Vaz, no Slam Resistência de 201613, “(...)Todas nós agredidas,
humilhadas, subjugadas, arrastadas, penetradas, mutiladas, empaladas, diminuídas.
Mortas! Trago esse pequeno trecho a fim de representar as multiplicidades das violências
marcada no feminino.
Como já mencionado ao longo do texto, a violência de gênero foi legitimada por
muito tempo, a Constituição Federal de 1988 apesar de assegurar “igualdade entre os
12Ver:https://emais.estadao.com.br/blogs/nana-soares/em-numeros-a-violencia-contra-a-mulher-brasileira/ 13Ver: https://www.youtube.com/watch?v=zNKuGpF-dD4
71
gêneros”, não garantiu uma vida sem violência para as mulheres. Nesse sentido, a
violência marcada no feminino tem conotação política, isto quer dizer que não se
configura somente como uma violência pessoal ou cultural. Como destaca Leila Barsted
(2016), ao dialogar com Charlott Bunch, indica também “conotação política na medida
em que é o resultado das relações de poder, de dominação e de privilégio estabelecidas
na sociedade em detrimento das mulheres” (BARSTED, 2016, p. 17). Em outras
palavras, a violência contra as mulheres é um mecanismo que mantêm as relações de
poder tanto no espaço doméstico quanto no público. Nesse contexto, as políticas públicas
de enfrentamento à violência contra mulher foi e são movidas pela resistência e luta das
mulheres pelos seus direitos. Assinalamos três momentos que refletiram politicamente a
partir da demanda dos movimentos feministas no combate à violência contra as mulheres,
sobretudo, no âmbito doméstico, foram elas: a criação da Delegacia da Mulher em 1985,
os Juizados Especiais Criminais (JECrim) em 1995 e a Lei 11.340/06, em 2006, mais
conhecida como Lei Maria da Penha. Esses momentos ecoaram a relação sociopolítica de
(re) fluxo das políticas públicas e lutas feministas (SANTOS, 2010).
2.5. MARIA DA PENHA: LEI COM NOME DE MULHER
A Lei n°11.340/06, de 07 de agosto de 2006, mais conhecida como Lei Maria da
Penha (LMP), é fruto de um longo processo de criação de uma lei específica para
violência doméstica e familiar contra as mulheres. Deste modo, é uma lei direcionada,
primordialmente, para criminalização da violência doméstica. Compreendemos que a
LMP intensifica a abordagem feminista no que diz respeito à criminalização, assim como
sugere uma perspectiva multidisciplinar, instituindo medidas protetivas, preventivas e
punitivas. Santos (2010), em diálogo com Myllena de Matos, pondera que até meados de
2004 não existia um projeto de lei voltado para violência doméstica e familiar, apesar dos
Tratados e Conferências sinalizarem ao Brasil a necessidade de implantação de uma lei
ampla e integral que protegesse as mulheres em situação de violência. Conforme indica a
autora é o projeto de Lei n° 4.559/2004 que dá origem a Lei 11.340/06.
Como já pontuamos, a implementação de políticas públicas e leis de
enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil são resultado de um contexto
político e social internacional e nacional, nesse percurso, advém a LMP. Apesar da Lei
ter sido uma ação do Poder Executivo, ela é oriunda do debate entre o Governo brasileiro,
72
a comunidade internacional e nacional, organizações governamentais e não
governamentais, acima de tudo, do movimento feminista e de mulheres que questionavam
a discriminação baseada no gênero.
No Brasil, a Lei de combate à violência ancorada no gênero na esfera doméstica
e familiar, chega com um déficit de 12 anos de atraso14. Países como Chile, Peru e
Equador adotaram uma lei de proteção à violência contra a mulher ainda nos anos 90.
Contudo, a década de 1990 no Brasil foi basilar na luta da violência contra a mulher,
mantendo esta temática na pauta política por meio da criação das DEAMs e serviços
especializados, como Casa Abrigo e Centro de Referência, foi ainda nos anos 90 que o
Supremo Tribunal de Justiça (STJ) “declarou a ilegalidade da chamada “tese da legitima
defesa da honra”, argumento da legislação colonial que se perpetuava nas decisões do
júri popular” (BARSTED, 2016, p. 30). Leila Barsted (2016) chama atenção ao afirmar
a importância do STJ ao pontuar como antijurídico a aceitação de tais discursos como
legitimadores das violências ao feminino. Dessa maneira, de acordo com a autora, os
discursos que perpetuaram durante séculos foram validados, garantidos e absolvidos pelo
próprio Estado, isto quer dizer que as Ordenações Filipinas ocasionou um impacto
ideológico (BARSTED, 2016), principalmente, nas relações de gênero e violência que
persistiu por longos anos a ratificação das violências sob o feminino, ou seja, o poder
pátrio de vida e morte foi concebida a figura masculina, marido, pai, irmão tinham o
direito e controle sob o feminino e qualquer conduta fora da norma e padrões
socioculturais estava passível de correção e/ou morte.
Nesse sentido, consideramos que a adoção da LMP tenciona mais uma vez a
visibilidade da violência baseada no gênero, tal como fora visibilizada nas décadas de 80
e 90 com a ideia da legítima defesa da honra e crimes passionais colocando em xeque o
desmonte destes discursos. Além disto, estrutura a violência como uma questão social a
ser enfrentada, retirando o “direito do homem bater na mulher”. A Lei se institui como
primeiro mecanismo jurídico brasileiro de enfrentamento à violência de gênero contra a
mulher. Ademais, situa que lugar de mulher em situação de violência não é apenas a
delegacia, uma vez que dá várias possibilidades de proteção e prevenção a violência.
Santos (2008) observa que:
[...], é importante situá-la nos contextos políticos internacional e
nacional que permitiram a sua promulgação e a absorção/tradução
14 Segundo Santos (2010) grande parte dos países latino americanos instituíram leis sobre a violência contra
as mulheres ainda na década de 90.
73
quase integral do anteprojeto de lei proposto por feministas brasileiras.
No âmbito internacional, a Conferência dos Direitos Humanos
promovida pela Organização das Nações Unidas em 1993, em Viena,
foi um marco importante para o reconhecimento internacional da
violência contra mulheres como uma violação dos “direitos humanos
das mulheres”. Logo após esta conferência, a Assembléia Geral da
ONU aprovou a Declaração sobre Violência contra a Mulher,
estabelecendo que tal violência constitui uma violação dos direitos
humanos. Em 1994, a Organização dos Estados Americanos também
aprovou a Convenção para a Eliminação, Prevenção, Punição e
Erradicação da Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção
de “Belém de Pará”, que define a violência contra mulheres como uma
violência baseada no gênero e como uma violação dos direitos
humanos. (SANTOS, 2008, p. 22)
Tomando a percepção de Santos (2008) sobre os instrumentos que corroboraram
para a criação de uma lei específica no combate à violência contra a mulher no espaço
doméstico, é fundamental, sinalizar que o Brasil era signatário destes instrumentos que
ordenam toda forma de discriminação baseada no gênero e preconceito contra as
mulheres, mas, apesar disto, como já sinalizamos teve um atraso de 12 anos para instituir
tal lei. A Convenção de Belém do Pará constitui-se como instrumento substancial para
elaboração e implementação da LMP, tendo em vista que foi baseada nessa Convenção
que o consórcio de Ongs não governamentais feministas em colaboração com a Secretaria
de Política para as Mulheres (SPM) sugeriu a Lei 11.340. Ressaltamos que a LMP norteia-
se a partir dos princípios e diretrizes da Convenção de Belém do Pará, que indica como
uma das principais causas da violência contra a mulher, as relações desiguais entre o
gênero, principalmente, de poder, que são frutos da legitimação tanto no plano histórico-
social quanto no sociocultural (BANDEIRA e ALMEIDA, 2015).
No mais, a SPM, ONU, OEA e Ongs desempenharam papel importante para a
consolidação de uma lei que protege a mulher na esfera doméstica. A articulação destes
órgãos e do movimento feminista brasileiro pressionou o governo, especialmente, por
expor a negligência do Estado, a proteção às mulheres em situação de violência. O
descumprimento do Estado aos Tratados e Convenções ratificadas pelo Brasil mostrou
que o país não cumpria as obrigações de defesa dos direitos humanos. Frente à
impunidade dos casos de mulheres mortas pelos maridos/companheiros houve, por parte
do movimento feminista e juristas, a possibilidade de recorrer a organizações
internacionais de direitos humanos para cessar tamanha violência.
Na segunda metade da década de 1990, dois casos foram encaminhados
à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH): o caso
74
Márcia Leopoldi, que se refere ao assassinato de Leopoldi por seu ex-
namorado, tendo sido encaminhado à CIDH em 1996; e o caso Maria
da Penha, referente à dupla tentativa de assassinado de Maria da Penha
por parte de seu marido, tendo sido encaminhado à CIDH em 1998.Um
breve exame dos dois casos revela que, apesar da criação das delegacias
da mulher, havia a necessidade de se transformar todo o sistema de
justiça criminal brasileiro e de se criar mecanismos mais eficazes de
prevenção e coibição da violência doméstica contra mulheres. O trâmite
dos dois casos também revela o descaso do governo brasileiro diante
das denúncias internacionais de violência doméstica contra mulheres,
bem como a morosidade do Sistema Interamericano de Direitos
Humanos. Verifica-se também que, nos dois casos, as mobilizações
feministas tiveram um papel importante na politização e materialização
do discurso dos “direitos humanos das mulheres”, contribuindo para a
promoção de algumas mudanças legais relativamente à questão da
violência doméstica contra as mulheres. Os dois casos mostram,
principalmente, que as vítimas e familiares não se resignaram e
traduziram suas dores em clamor por Justiça, buscando, tenaz e
arduamente, caminhos coletivos de luta pelos seus direitos e pelos
direitos das mulheres na sociedade brasileira. (SANTOS, 2010.p.
23/24)
O texto acima aponta que mesmo com a criação das DEAMs e do JECrim, o
Estado brasileiro não tinha a violência de gênero contra a mulher como crime passível de
proteção para as mulheres. Nessa direção, Fabiana Leite e Paulo Victor Leite Lopes
(2013) assinalam que a Lei Maria da Penha, estabeleceu-se como um dispositivo legal
sistêmico, com desenvolvimento em várias áreas do Direito recomendando o
compartilhamento de responsabilidades tendendo ao enfrentamento da violência. Isto é,
a Lei 11.340/2006 “propõe um conjunto de ações que amplia o escopo do âmbito
estritamente penal para a sua constituição como uma política afirmativa e sistêmica de
enfrentamento a esta modalidade de violência” (LEITE e LOPES, 2013, p. 20/21).
Observa-se que a LMP fundamentada no gênero entende a violência doméstica
para além de “crime de menor grau inofensivo”. Apesar disso, cabe salientar que o Brasil
foi condenado por omissão15, negligência e tolerância, diga-se, legitimação da violência
doméstica contra a mulher. O caso Maria da Penha foi essencial para condenação do
Estado, visto que este caso foi a personificação de todas as formas de negligência,
omissão, tolerância e abandono por parte do Estado. Em agosto de 1998, a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) recebeu a denúncia da Maria da Penha, pelo
Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL) e pelo Comitê Latino-Americano
15 O desrespeito e abandono do Estado aos Tratados e Convenções ratificadas pelo Brasil mostrou que o
país não desempenhava as obrigações de defesa dos direitos humanos às mulheres.
75
de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) baseada na competência que lhe conferem
os artigos 44 e 46 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante
denominada “a Convenção” ou “a Convenção Americana”) e o artigo 12 da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção
de Belém do Pará ou CVM), (CIDH, 2001). A cearense e as organizações acusavam o
Brasil de tolerância da violência cometida por seu marido:
Denuncia-se a violação dos artigos 1(1) (Obrigação de respeitar os
direitos); 8 (Garantias judiciais); 24 (Igualdade perante a lei) e 25
(Proteção judicial) da Convenção Americana, em relação aos artigos II
e XVIII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem
(doravante denominada “a Declaração”), bem como dos artigos 3, 4, a,
b, c, d, e, f, g, 5 e 7 da Convenção de Belém do Pará. A Comissão fez
passar a petição pelos trâmites regulamentares. Uma vez que o Estado
não apresentou comentários sobre a petição, apesar dos repetidos
requerimentos da Comissão, os peticionários solicitaram que se
presuma serem verdadeiros os fatos relatados na petição aplicando-se o
artigo 42 do Regulamento da Comissão. (CIDH, 2001)
Ainda em 1998, a Comissão Interamericana respondeu a solicitação da Maria da
Penha e do Consórcio feminista, como também transmitiu ao Estado a petição e solicitou
explicação16, porém, não obteve resposta do mesmo. Ou seja, não tomou medidas para
prevenção, punição e proteção das mulheres em situação de violência. Diante disto, a
CIDH recomendou ao Estado brasileiro uma série de medidas, dentre elas, finalização do
processo penal da Maria da Penha, reparação simbólica e material por parte do Estado,
adoção de políticas públicas no enfrentamento à violência doméstica contra as mulheres,
como também ““sem demora, uma lei sobre a violência doméstica”, e tomasse “medidas
práticas para acompanhar de perto e supervisionar a aplicação de uma lei desse tipo e
avaliar sua eficácia”” (SANTOS, 2010, p.164/165). Assim, é nesse contexto, que advém
a Lei Maria da Penha, seis anos após a condenação do Brasil na Corte de Justiça da
Organização dos Estados Americanos.
16De acordo com o CIDH (2001) o Estado brasileiro não apresentou à Comissão resposta alguma com
respeito à admissibilidade ou ao mérito da petição, apesar das solicitações formuladas pela Comissão ao
Estado em 19 de outubro de 1998, em 4 de agosto de 1999 e em 7 de agosto de 2000.
76
CAPÍTULO III
3. POSSIBILIDADES E LIMITES DA LEI 11.340/06
A proposta deste capítulo é apresentar a Lei Maria da Penha, compreendendo o
seu texto a partir de duas propostas distintas: a punitiva e a socioeducativa que convergem
na construção de três eixos da Lei, que são: 1) punição; 2) proteção e assistência; 3)
prevenção e educação.
O capítulo versa sobre a análise da Lei, uma vez que esta procura imprimir um
novo paradigma de atenção às mulheres em situação de violência, bem como aos autores
da agressão. A interpretação e análise da Lei nos permite compreender a dimensão da
mesma.
3.1.POR DENTRO DA LEI 11.340/06
TÍTULO I
Disposições Preliminares da Lei
Disposições Preliminares da Lei
TÍTULO II
Da Violência Doméstica e Familiar Contra
a Mulher
Capítulo I
Disposições Gerais
Capítulo II
Das Formas de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher
TÍTULO III
Da Assistência à Mulher em Situação de
Violência Doméstica e Familiar
Capítulo I
Das Medidas Integradas de Prevenção
Capítulo II
Da Assistência à Mulher em Situação de
Violência Doméstica e Familiar
Capítulo III
Do atendimento pela autoridade policial
TÍTULO IV
Dos Procedimentos
Capítulo I
Disposições Gerais
Capítulo II
Das Medidas Protetivas de Urgência
Capítulo III
Da Atuação do Ministério Público
Capítulo IV
Da Assistência Judiciária
TÍTULO V
Da Equipe de Atendimento
Multidisciplinar
Da Equipe de Atendimento Multidisciplinar
77
TÍTULO VI
Disposições Transitórias
Disposições Transitórias
TÍTULO VII
Disposições Finais
Disposições Finais
A Lei 11.340/06 tem em sua composição 46 artigos distribuídos em sete Títulos a
partir de três eixos: punição; proteção e assistência e, prevenção e educação. Propomo-
nos analisar os seus sete Títulos a partir de duas perspectivas: a socioeducativa e a penal,
uma vez que compreendemos que a Lei nos permite interpretá-la e analisá-la a partir
destas prerrogativas. Analisamos, primeiramente, as Disposições Preliminares do Título
I que diz respeito aos artigos 1º ao 4º e o Título II Da Violência Doméstica e Familiar
Contra a Mulher, que se refere aos artigos 5º ao 7º.
Compreendemos que os dois primeiros Títulos constituem a estrutura da Lei, visto
que esses nos ajudam na discussão para quem essa Lei é ofertada, além de apresentar as
formas de violências. Refletimos as disposições preliminares da Lei, a partir de Carmen
Hein Campos (2011), uma vez que a autora indica que os dispositivos para coibir a
violência contra mulheres no âmbito doméstico e familiar tencionam a funcionalidade
“da norma constitucional aos direitos fundamentais à vida, à liberdade, à igualdade e à
segurança, irradiados a partir do princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana” (CAMPOS, 2011, p. 175). Além de acentuar o fundamento central
constitucional da igualdade de homens e mulheres e da violência assinalada no feminino.
As Disposições Preliminares – Título I enunciam politicamente a Lei. Define-se
nesta, a finalidade e “proteção” normativa. Desse modo, a Lei tem como intenção criar
mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo
assim, ordena criação de Juizados de Violência Doméstica e medidas de assistência e
proteção à mulher em situação de violência. A invocação normativa se dá por meio da
Constituição Federal de 1988, CEDAW e outros tratados internacionais.
Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da
Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros
tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil;
dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às
mulheres em situação de violência doméstica e familiar (BRASIL,
2006).
78
O artigo 1º assinala que a Lei tem como premissa principal a criação de
mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Dessa
forma, apreendemos esta como uma ação afirmativa que procura assegurar de forma
mínima uma vida sem violência, além de emergir como mecanismo jurídico de relevância
para a garantia da segurança das mulheres. No entanto, os instrumentos para o combate à
violência doméstica são atribuídos a cada unidade federativa, ou seja, a Lei é federal, mas
os mecanismos de criação ao enfrentamento cabe a cada estado brasileiro, logo não há
uma unidade de programas e políticas públicas de enfrentamento à violência contra a
mulher. Por exemplo, a Ronda Maria da Penha, não tem adesão de todos os estados
brasileiros.
O documento da LMP direciona as diretrizes para o enfrentamento da violência
doméstica com objetivo de assegurar à mulher uma vida sem violência
independentemente da posição social, diga-se, estrutural que esta ocupa, porém cabe aos
estados implementar as políticas públicas e programas.
Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia,
orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião,
goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe
asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência,
preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral,
intelectual e social. (BRASIL, 2006)
O artigo 2º da Lei sinaliza a não discriminação para o gozo dos direitos
fundamentais a pessoa humana, como mencionado anteriormente, visto que em seu texto
assegura o exercício dos direitos fundamentais independe de classe, raça ou etnia,
orientação sexual, renda, nível cultural, idade ou religião. Logo, os marcadores sociais
são “irrelevantes” para a garantia da Lei. Desta forma, a partir da leitura da Lei, entende-
se que para ser assegurada pela Lei “basta” ser mulher. Entretanto, vemos a partir dos
dados do Ligue 180, Mapa da Violência, Obvio/RN, que as interseccionalidades são de
fundamental importância para visibilizar os sujeitos da violência, uma vez que “sabe-se
que preconceitos como o de classe, cor, orientação sexual ou idade aumentam a
vulnerabilidade das mulheres” (CAMPOS, 2011, p. 179). Acrescentamos aqui o
preconceito e vulnerabilidade ao que diz respeito à identidade de gênero pensando as
mulheres transexuais e mulheres travestis.
Portanto, a instabilidade social apresentada nas interseccionalidades do sujeito
mulher demanda do poder público medidas efetivas para a diminuição dos riscos de novas
79
violências e mais, que as violências mostram-se exacerbadas no cruzamento das
interseccionalidades. A mulher negra periférica não sofre o mesmo “grau” de violência
que a mulher branca da classe média, ou ainda, a mulher trans não sofre a mesma violência
da mulher não trans. Todavia, a violência doméstica confere teor discriminatório nas
relações conjugais, configurando-se como um atentado ao feminino, isto é, como
discriminatório de gênero.
Os elevados índices de violência doméstica no Brasil, sobretudo, contra as
mulheres nos revela um arquétipo ordenado de tal violência. Os dados do Mapa da
Violência (WAISELFIZ, 2015) assinala a violência na mulher negra como o corpo o qual
a violência se instaura, ou seja, estatisticamente o corpo e a subjetividade das mulheres
negras são violados e violentados nas relações íntimas por pai, filho e (ex) companheiro
(a) com maior frequência. O aumento da violência a essas mulheres denota, como canta
Elza Soares, que a “carne mais barato do mercado é a carne negra”. Podemos vislumbrar
isto, a partir dos próprios dados cujo qual apresenta a violência a mulher negra com um
aumento significativo e a mulher branca com uma queda também significativa
(WAISELFIZ, 2015). Ora, temos então, ao mesmo tempo o aumento da violência e
diminuição da violência contra a mulher, no entanto, este aumento e diminuição se
inscreve nas interseccionalidades, que como mencionamos, anteriormente, nos revela um
arquétipo ordenado da violência.
Nesse contexto, podemos aferir que o que diminuiu foi a quem essa violência
atinge com maior expressão. Os dados revelam que a violência doméstica à mulheres
brancas diminuiu 2,1%, enquanto à mulheres negras teve um aumento de 35% no que diz
respeito à vigência da Lei Maria da Penha. Esses dados referem-se também ao número de
homicídio de mulheres, a qual houve um aumento de 54,2% de assassinatos de mulheres
negras e uma queda de 9,8% de mulheres brancas. No mais, percebemos através dos dados
que a violência nas relações domésticas, conjugais, é uma realidade persistente no Brasil
e que tem cor, classe e idade, visto que são as mulheres negras, periféricas e entre 18 e 30
anos (WAISELFIZ, 2015) que são as mais agredidas e mortas. Desta forma, deve-se
assegurar através de políticas públicas equipamentos e programas que vá em direção a
esse público afim de garantir condições para o direito à vida.
Em relação à garantia de vida e políticas para mulheres o Art. 3º proclama que:
Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício
efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à
educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer,
80
ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à
convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2006).
O artigo 3º reforça o irrestrito desempenho dos direitos fundamentais, indica que
serão assegurados às mulheres em situação de violência doméstica direitos à vida, saúde,
alimentação, educação, moradia, acesso à justiça. Sendo assim, cabe ao poder público,
juntamente, com a família e a sociedade a “construção” permanente de seguridade. É
importante a concepção e implementação de programas sociais, campanhas, políticas que
(des) construa a violência doméstica como uma violência estrutural, ou seja, já
naturalizada no Brasil. Nesse sentido, os caminhos sociais que a Lei possibilita para
desnaturalização da violência como condicionante de uma masculinidade (virilidade,
agressividade) e uma feminilidade (submissa, agredida).
Art. 4º Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a
que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das
mulheres em situação de violência doméstica e familiar (BRASIL,
2006).
O artigo 4º acentua os fins sociais a que a Lei se destina, portanto, as prerrogativas
socioeducativo e punitivo de prevenção, educação, assistência e punição. Ademais, o
Título I das Disposições Preliminares aponta que a Lei Maria da Penha concebe um
código jurídico independente com dispositivos específicos para proteção, assistência e
punição da violência doméstica. Segundo Campos (2011), com regras próprias de
interpretação, aplicação e execução, ou ainda, um traço integrativo e sistemático que
transpõe a interpretação desse estatuto legal, estatuto esse, que tem por finalidade
proteção, assistência e punição da violência, e que são regidos a partir de dispositivos
internacionais de direitos humanos que sucintam dignidade e direitos às mulheres.
3.2. A LEI 11.340/06: PARA QUEM?
Neste tópico apresentaremos a LMP a partir do Título II, a qual expõe as formas
de violência doméstica e familiar contra a mulher a partir de dois Capítulos: Capítulo I e
II. O Capítulo I apresenta as Disposições Gerais da Lei a partir dos artigos 5º e 6º, ou seja,
para quem a Lei é oferecida, isto é, para as mulheres. O Capítulo II identifica as Formas
de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher alicerçado no artigo 7º.
81
O 5º artigo apresenta como se configura a violência doméstica e familiar contra a
mulher, utilizando-se da definição adotada pela Convenção de Belém do Pará. Deste
modo, o documento da Lei caracteriza por violência doméstica e familiar contra a mulher
toda ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause violência que atinjam sua
integridade física, material e imaterial no âmbito da unidade doméstica (com ou sem
vínculo familiar - agregados), no âmbito da família (unidos por laços naturais, por
afinidade ou por vontade expressa) e em qualquer relação íntima de afeto (companheiro
ou ex-companheiro).
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e
familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no
gênero17 que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou
psicológico e dano moral ou patrimonial (BRASIL, 2006)
A Lei, apesar de suas motivações gerais, apresentar-se como uma Lei de combate
à violência contra a mulher baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento
físico, sexual, psicológico, dano moral e patrimonial, não deixa claro qual a perspectiva
de gênero que se apropria, o mesmo acontece para a categoria violência. A violência é
posta como sinônimos de agressão física, sexual, psicológica, moral e patrimonial. O
texto da Lei não afere como se toma o que entendemos como as principais categorias da
Lei: gênero e violência.
Nesse sentido, compreendemos que no texto da Lei as relações de poder e
subordinação são apreendidas a partir do gênero. Desse modo, o componente teórico da
categoria gênero está relacionado à relação de poder, a hierarquia social, a estrutura
hierarquizante com base no fato de ser homem e mulher. Acerca dessa discussão
aparecem três planos teóricos distintos para pensar gênero, que nos remete a discussão do
Capítulo 1, são eles: mulher-sexo, gênero e sexualidade18.
O gênero é capturado por meio de um processo sociocultural, dessa forma, o que
ilustra as diferenças de lugares sociais entre homens e mulheres são as diferenças sociais,
históricas e políticas que dão sentido e que ordenam as diferenças. Essas que são lidas a
partir das normas, regras culturais e a “heterossexualidade compulsória19” (MISKOLCI,
2009, os mecanismos discursivos do gênero. Diante disto, a Lei 11.340/06 em sua
17Grifos da autora 18 Grifos da autora 19 De acordo com Miskolci (2009), a heterossexualidade compulsória tem por objetivo “formar a todos
para serem heterossexuais ou organizarem suas vidas a partir do modelo supostamente coerente, superior
e 'natural' da heterossexualidade”.
82
disposição alude que o enfrentamento à violência de gênero procura dissolver o exercício
de poder e de afeto atravessados de relações de subordinação, expressando que a
desigualdade dos gêneros resulta de construções socioculturais. Isso explica o trato mais
assertivo no que concerne ao homem quando a violência é atentada na esfera doméstica
e familiar. Em outras palavras, a Lei apresenta as violências a partir da desigualdade de
gênero, identificada como subordinação, relações de poder e controle de caráter
estruturalmente cultural refletidas na e pela violência.
Diante disto, ressaltamos o quão amplo são os laços de pertencimentos que a Lei
atinge, ou seja, de onde e de quem as violências podem decorrer, companheiro (a), ex-
companheiro (a), namorado (a), ex-namorado (a), amante, pai, avô, tio, irmão, filho,
cunhado, primo, agregado. Destaca-se que no que concerne aos autores da violência
doméstica a Lei não discrimina sexualidade e gênero.
Segundo Fabiane Simioni e Rúbia Abs da Cruz (2011):
Situações de conflitualidade encontra legitimidade entre aqueles (sejam
homens ou mulheres) que operam e agem segundo uma lógica
androcêntrica baseada na dominação e subordinação imposto a todo
aquele que não se encontra em igual ou superior posição hierárquica
(SIMIONI, CRUZ, 2011, p.186).
Simioni e Cruz (2011) afirmam que as relações interpessoais marcadas pela
violência são consequências das hierarquias e desigualdades, estas que são entendidas
pelas autoras como estrutura cultural das práticas discriminatórias e violentas, nesse
sentido, “a relação afetivo-conjugal e a habitualidade das situações de violências tornam
as mulheres ainda mais vulneráveis dentro do sistema das desigualdades de gênero”
(CAMPOS apud SIMIONI & CRUZ, 2011, p. 186/187).
O espaço doméstico, lócus destas violências é tido e lido socialmente como o
espaço privado e da restrição das relações interpessoais, como o lugar da compreensão,
tolerância, mas também, da punição, do castigo, do crime, ou seja, das violências, um
espaço de relações indefinidas, no qual a violência fora legitimada socialmente. Não
obstante, formulou-se o espaço doméstico como lugar do sagrado, logo, como o que
ocorresse no âmbito familiar não ecoasse na ordem social, ou ainda, como a maneira que
esses sujeitos se relacionam fossem e sejam naturais, assim, atuando com a ilusão de que
a liberdade é vivida na esfera pública e a privação na esfera privada (SIMIONI, CRUZ,
2011).
83
Assim, o artigo 5º da LMP desmonta essa ideia de proteção da violência no âmbito
doméstico e familiar, bem como o lugar do sagrado. Tal artigo, visibiliza as diversas
condutas punitivas no feminino na esfera doméstica a partir dos laços de pertencimentos
e, aponta o espaço doméstico como o lócus para a proteção às mulheres e não proteção
da violência.
A violência, comumente, está associada ao uso da violência física e psicológica
com o objetivo de coagir/forçar ao outrem fazer algo que não quer fazer. Na relação de
desigualdade de gênero, a mulher, historicamente, confere o lugar de inferioridade e, é
imposto para estas sujeição e dependência. De acordo com Dias e Reinhemer (2011),
estas características são uma afronta ao direito à liberdade. O artigo 6º da Lei Maria da
Penha, vai justamente indicar que a violência doméstica e familiar contra a mulher
constitui uma das formas de violação dos direitos humanos: “Art. 6º A violência
doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos
humanos”. (BRASIL, 2006). Nesse sentido, conforme Dias e Reinhemer (2011), a Lei
11.304/06 criou dispositivos para coibir a violência contra a mulher no âmbito doméstico
das relações interpessoais.
As autoras afirmam que a Lei:
Veio dar efetividade a Constituição Federal que proclama no seu artigo,
226: “A família base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
E promete no artigo 226, § 8º: o Estado assegurará a assistência à
família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos
para coibir a violência no âmbito de suas relações (DIAS,
REINHEMER, 2011, p.196).
As autoras indicam que antes da promulgação da Lei, as violências contra a
mulher no contexto doméstico não eram entendidas como violação dos direitos humanos.
Ou seja, tivemos um longo percurso de violências contra o feminino que foi negligenciado
pelo Estado brasileiro, um processo de violência que vai das Ordenações Filipinas até a
Constituição Federal de 1988, a qual começa a pensar a igualdade de gênero, segurança
e assistência para as mulheres. Mas é somente em 2006 que, de fato, se tem um
mecanismo que criminaliza a violência doméstica e familiar contra a mulher no âmbito
do privado/lar.
Dias e Reinhemer (2011) afirmam que para chegar ao real conceito de violência
doméstica é fundamental refleti-la a partir dos artigos 5º e 7º, uma vez que deter-se
somente a um desses é insatisfatório para chegar o conceito de violência. Sendo assim, as
84
autoras compreendem violência doméstica como as ações especificadas no artigo 7º,
violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial ou
violência moral praticada contra a mulher em razão de laço familiar ou afetiva.
É obrigatório que ação ou omissão ocorra na unidade doméstica ou
familiar ou em razão de qualquer relação íntima de afeto, na qual o
agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida,
independentemente de coabitação (DIAS, REINHEMER, 2011, p.199).
Portanto, segundo as autoras, para configurar-se como violência doméstica e
familiar perante a LMP não se faz necessário morar no mesmo lar, mas ter constituído ou
constituir laços afetivos de vínculo de natureza familiar com o agressor.
Em diálogo com a Lei 11.340/06, apoiado no artigo 7º, podemos refletir sobre as
dimensões da violência, intituladas de: violência sem sangue e violência com sangue,
visto que este artigo apresenta as formas que a violência doméstica pode se expressar.
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher,
entre outras:
I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua
integridade ou saúde corporal;
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe
cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe
prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou
controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante
ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento,
vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,
ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer
outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação;
III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a
constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não
desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a
induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua
sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou
que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite
ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que
configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus
objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores
e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer
suas necessidades;
V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure
calúnia, difamação ou injúria (BRASIL, 2006).
85
O artigo 7º oferece-nos as multiplicidades das violências. Dessa maneira,
apreendemos neste trabalho tal artigo a partir de duas dimensões citadas anteriormente.
Os incisos II, IV e V, são compreendidas como violência sem sangue, ou seja, violência
psicológica, violência patrimonial e violência moral, já o que diz respeito à violência com
sangue toma-se como pressuposto os incisos I e III, violência física e violência sexual.
Nomeamos estes para elucidar as marcas visíveis e invisíveis da violência contra a mulher
no âmbito doméstico. E para entender sobre os instrumentos e mecanismos públicos que
devem garantir às mulheres segurança na busca ao enfrentamento contra a violência
doméstica precisamos, primeiramente, compreender como a violência se inscreve na Lei,
bem como refletir a partir da Lei o que seu texto apresenta de efetivo para o enfrentamento
da violência doméstica. Para, posteriormente, no capítulo 4 problematizar e analisar os
instrumentos de enfrentamento à violência doméstica descritos pela LMP no Rio Grande
do Norte. Logo, compreende-se que discutir sobre como a violência assume formas
múltiplas possibilita-nos analisar os impactos efetivos ou não que as ações de
enfrentamentos têm produzido em solos potiguares.
3.2.1. Violência sem sangue
Entendemos por violência sem sangue os incisos II, IV e V do artigo 7º da LMP.
Estes estão intensamente conectados “ao boicote do ser; ao boicote à liberdade de
escolha, que nos define como humanos” (FEIX, 2011, p.205). Assim, estas violências
colaboram para a subordinação e submissão das mulheres, atingindo a autonomia
econômica financeira da mulher, desprezando a autoestima e o reconhecimento social,
principalmente, sustenta formas de dependência psicológica.
A violência psicológica configura-se na Lei como qualquer dano emocional que
provoque estrago a saúde psicológica originada de ameaça, xingamentos, manipulação,
chantagem, isolamento, entre outros. Conforme Isadora Vier Machado e Miriam Pillar
Grossi (2015), os meios ou estratégias que podem acarretar a violência psicológica está
embutido de características que se cruzam entre os danos do plano moral e no plano
psicológico. Diante disto, as autoras compreendem a violência psicológica a partir de suas
multiplicidades, um conjunto de violências que afetam o psicológico composta por
modalidades. As violências psicológicas para estas centralizam-se “na historicidade da
Lei Maria da Penha e a concretiza enquanto lugar de memória dos movimentos
86
feministas brasileiros” (MACHADO, GROSSI, 2015, p.562), uma vez que estes
contribuem para ampliar a noção de violência com a intenção de proteger os sujeitos de
direito, no caso da Lei, as mulheres.
À luz das concepções conceituais de Machado e Grossi (2015) de pensar as
violências psicológicas a partir da dor no corpo a dor na alma, apreendemos esta a partir
do que Bandeira (2013) nomeia como violência sem sangue, entretanto, a autora assinala
a violência sem sangue somente a partir da violência psicológica. Tomamos a concepção
de violência sem sangue de Bandeira (2013) e abarcamos outras violências apresentadas
na Lei Maria da Penha, tais como, a violência moral e a violência patrimonial, entendendo
que essas violências violentam a subjetividade da mulher agredida (MACHADO,
GROSSI, 2015). No artigo 7º, tais violências são entendidas como:
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe
cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe
prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou
controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante
ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento,
vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,
ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer
outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação;
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que
configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus
objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores
e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer
suas necessidades;
V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure
calúnia, difamação ou injúria (BRASIL, 2006).
Nesse sentido, entendemos que há na violência sem sangue um controle dos
sujeitos a partir de um terrorismo psicológico e moral, inicialmente apresentada através
das “sutilezas” e certa invisibilidade da própria violência. O medo, controle, destruição
parcial ou total de seus bens, xingamentos, difamação e humilhação, por muitas vezes se
dá de forma imperceptível, desta forma é na repetição das violências que se identifica a
própria violência. Vale destacar que a violência simbólica se aproxima de certa forma a
violência psicológica, visto que está se faz presente nas relações de força, logo o poder
vai conferir e legitimar os significados das violências.
A violência psicológica pode ser concebida como a violência primária mediante
as outras, podendo desencadear as demais violências. Segundo Virgínia Feix (2011), a
87
violência psicológica está essencialmente relacionada a todas as outras expressões de
violência doméstica e familiar contra a mulher.
Para Feix (2011):
Sua justificativa encontra-se alicerçada na negativa ou impedimento à
mulher de exercer sua liberdade e condição de alteridade em relação ao
agressor. É a negação de valor fundamental do Estado de Direito, o
exercício da autonomia da vontade e, portanto, da condição de sujeito
de direitos conquistada pelos homens, nas revoluções burguesas,
americana e francesa, já no século XVIII. Como sujeitos geneticamente
sociais que somos, nossa identidade é constituída culturalmente pela
interação social e inter-relação de vários “Outros” sujeitos que nos
constituem e com quem compartilhamos nossa trajetória de vida. Os
ataques à liberdade de escolha pela afirmação constante da
incapacidade da mulher de fazer e sustentar eticamente suas escolhas
infantilizam-na enquanto sujeito; impedindo-a de desenvolver sua
identidade com autonomia, pelo permanente ataque a sua tentativa de
diferenciação e afirmação de sua alteridade em relação ao agressor, ou
seja, como outro ser, capaz de autodeterminação. (FEIX, 2011, p.205).
No desafio de pensar os entraves e consequências que as violências sem sangue
introjetam nas mulheres, concordarmos com Feix (2011) ao afirmar que a violência
psicológica fere e marca a subjetividade dos que passam constantemente por este tipo de
violência e que esta é a violência que perpassa pelas demais. Logo, sofre-se uma dupla
violência, visto que se adiciona o sofrimento psicológico com o físico, sexual, moral ou
patrimonial.
De acordo com Machado e Grossi (2015), as violências psicológicas no que diz
respeito à Lei Maria da Penha são compostas por três dimensões: normativa penal,
protetiva e nominativa, uma vez que:
A Lei 11.340/06 subverte a inscrição opressora da feminilidade sobre
os corpos das mulheres, concebendo-os agora como uma entidade
psicofísica e aumentando as possibilidades de expressão dessas
mulheres e de resguardo de sua integridade (MACHADO, GROSSI,
2015, p.571).
O conceito de violência psicológica apresentada na Lei 11.340/06, segundo as
autoras, é essencial porque demarca uma nova postura frente às violências contra as
mulheres, além de indicar uma nova visão das próprias mulheres como sujeitos de
direitos. É necessário destacar que o conceito de violência psicológica designa que a
“implementação da Lei Maria da Penha é uma tarefa permeada pelas subjetividades,
88
crenças e formação específica das/os agentes de segurança e justiça em questão”
(MACHADO, GROSSI, 2015, p.572).
Destarte, ao inferir os inciso II, IV e V como violência sem sangue apontamos a
violência psicológica como primária, visto que esta encontra-se intrinsecamente ligada às
violências patrimonial e moral. A detenção ou destruição de bens total ou parcial,
desqualificação por meio de xingamentos, difamação e inferiorização localizam a mulher
em posição de vulnerabilidade, violenta o psicológico destas. Diante do exposto,
entendemos que estas violências não deixam marcas físicas, porém, as marcas atacam a
subjetividade, uma ferida/dor que pode permear por tempo indeterminado. As calúnias,
ameaças, xingamentos, assédios, humilhação, controle, ferem a relação mais íntima e
subjetiva dos sujeitos, “não são necessariamente ataques ao corpo, mas a identidade, a
subjetividade da mulher, em outras palavras, o que a constitui como pessoa”
(BANDEIRA, 2013, p.74). Assim, nas práticas da violência sem sangue, sobretudo,
reiteramos que a violência psicológica, pode ser compreendida como primeira etapa da
violência reverberada nas demais.
3.2.2. Violência com sangue
No percurso de pensar as violências sinalizadas no texto da Lei Maria da Penha,
no artigo 7º, como mencionado anteriormente, concebemos essas a partir da violência
sem sangue e com sangue. A violência sem sangue é apreendida como a que viola a
subjetividade, enquanto a, violência com sangue é a que viola o corpo da mulher em
situação de violência. Entendemos a violência com sangue a partir do parágrafo 7º do
Capítulo II da Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha, como sendo:
I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua
integridade ou saúde corporal; III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a
constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não
desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a
induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua
sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou
que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite
ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos (BRASIL,
2006).
89
Ao apresentar a violência física e a violência sexual como violências com sangue
estamos conferindo a estas o domínio do corpo feminino como sujeito da violência, dado
que estas violências tem como principal objetivo ferir e marcar os corpos femininos.
Marcas estas que diferentemente das violências sem sangue tem seu marcador na
visibilidade da dor, dos tons de roxos, do sangue.
A violência física é a forma mais socialmente visível e identificável de
violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher por gerar
consequências e resultados materialmente comprováveis, como
hematomas, arranhões, cortes, fraturas, queimaduras entre outros tipos
de ferimentos. Na prática, sua presença indica grandes possibilidades
de existência das demais formas de violência (FEIX, 2001 p.204).
E ainda:
Vale lembrar, para melhor compreender o fenômeno da violência
doméstica e intrafamiliar como violência de gênero, indissociável do
conceito de violência política (ou seja, de instrumento para perpetuar
relações desiguais de poder), que o castigo físico ainda é prática
culturalmente aceita e naturalizada como condição de afirmação da
autoridade, ou poder familiar (antes conhecido como pátrio poder) dos
pais sobre seus filhos. Assim o castigo físico imposto às mulheres nas
relações afetivas e domésticas também é, em última análise, o recurso
utilizado para dizer quem manda, ou qual dos sujeitos está em condição
de subordinar e submeter o outro, toda a vez que a sua conduta ameaçar
ou não atender as expectativas ou desejos de quem “deve” deter a
autoridade. Nesse comportamento, como já se disse, há tentativa de
perpetuar a posição de poder, pela anulação do outro como sujeito,
como diverso, que só existe como extensão ou projeção do sujeito
dominador. (FEIX, 2001 p.204/205).
Feix (2011) assevera que a violência física é visível e identificável socialmente,
logo, é a violência doméstica que se faz ver. Em consonância com a autora, assinalamos
que a violência com sangue, física e sexual, sinaliza a condição social e cultural de
dominação/poder dos homens sobre as mulheres, dado que são legitimadas nas relações
de poder, de um domínio do homem sobre a mulher, além de instituir-se como dispositivo
de controle, disciplinador e regulador dos corpos (FOUCAULT, 2004). Logo, a violência
doméstica sugere uma experiência especifica centrada na conversão de diferenças e de
assimetrias em uma relação hierarquia de desigualdade, gerando práticas de dominação e
exploração (BANDEIRA, 2013).
As violências apresentadas na Lei Maria da Penha são compreendidas como
recursos, mecanismos de controle e dominação dos homens sobre as mulheres, visto que
90
as violências se inscrevem e exteriorizam na dor dos corpos agredidos, violentados,
explorados, desmoralizados. Assim, as violências que denominamos como violências
com sangue são as que apresentam o corpo da mulher como um “corpo de batalha20” e,
nesta luta, como já mencionado, as marcas são visíveis.
Os dados apresentados pelo Ligue 180 da Secretaria de Políticas para Mulheres
(2015) apontam que as violências que são mais relatadas são as violências físicas com
50% dos relatos e a psicológica com 30%.
GRÁFICO 01
Dados: Ligue 180 (2015)
Desse modo, a partir do Gráfico 01 podemos refletir a dimensão da violência
doméstica, problematizando a partir das violências sem sangue e com sangue. Os dados
do Ligue 180 (2015) mostra-nos que a violência com sangue é a mais relatada entre as
denunciantes, 55% relatam ter sofrido determinada violência, (50% violência física e 5%
violência sexual). Já, a violência sem sangue é relata por 42% das denunciantes, sendo
que nestas 30% são denúncias de violência psicológica. Este é um dado importante, visto
que a concepção de estar sendo agredida psicologicamente pode vir a minar uma possível
violência física, ademais, que a mesma não entre no ciclo da violência. Ainda de acordo
com o Ligue 180 (2015), 72% dos casos de violências são cometidos por homens nos
20 Expressão usada por Lourdes Bandeira no evento realizado pela Pauta Feminina no evento da
Procuradoria da Mulher do Senado sob o título O feminicídio como violência política em 16 de fevereiro
de 2017.
50%
30%
7%5%
5%2%
1%Tipos de violência
Violência física Violência psicológica Violência moral
Cárcere privado Violência sexual Violência patrimonial
Tráfico de pessoas
91
quais as vítimas têm ou tiveram relacionamento, vínculos afetivos atuais ou ex
companheiros, bem como amantes das vítimas, o último dado pode ser visibilizado no
artigo 5° da Lei, que expressa os autores da violência doméstica.
GRÁFICO 02
Dados: Ligue 180 (2015).
GRÁFICO 03
Dados: Ligue 180 (2015).
Relação heteroafetiva
72%
Relação homoafetiva
0%
Relação familiar17%
Relação externa11%
Relação vítima- agressor
Relação heteroafetiva Relação homoafetiva Relação familiar Relação externa
40%
34%
12%
3%7% 4%
Duração das violências
Todos os dias Algumas vezes na semana Algumas vezes no mês
Algumas vezes ao ano Ocorreu um vez Outras frequências
92
Os Gráficos 02 e 03 sinalizam a relação vítima-agressor e a duração das violências
sofridas. Segundo os dados do Ligue 180 (2015), predominantemente, as denúncias
recebidas dizem respeito à relacionamentos heterossexuais, o que corresponde a 72%, a
relação familiar com 17% das denúncias e 11% de relações externas. Ainda de acordo
com os dados, as denúncias de violência doméstica em relacionamentos homoafetivos
não contabilizam 1%. O que concerne à duração da violência, os números apontam que
as mulheres em situação de violência doméstica estão neste ciclo ou sendo agredidas
algumas vezes na semana ou todos os dias. O que corresponde a um total de 54% de
mulheres que sofrem as marcas da dor da violência sem sangue e violência com sangue.
Os dados do Ligue 180 (2015) demonstram a violência com sangue marcada nos
relacionamentos heterossexuais. Em suma, acreditamos que esta violência marcada no
corpo das mulheres é um mecanismo, principalmente, de força para mostrar quem manda
na relação, bem como evidenciar qual “dos sujeitos está em condição de subordinar e
submeter o outro, toda a vez que a sua conduta ameaçar ou não atender as expectativas
ou desejos de quem “deve” deter a autoridade” (FEIX, 2011, p. 204/205), na intenção
de preservar e perdurar à disposição/arranjo de/do poder nas relações, pela eliminação do
outro como sujeito, em outras palavras, a invalidação do outro com ser existente como
pessoa.
Os dados apresentados pelo Ligue 180 (2015) mostra-nos que as violências com
sangue são denunciadas diariamente, bem como que as mulheres em situação de violência
sofrem frequentemente com a violência. O número alarmante de violência física nos faz
pensar que essas mulheres agredidas/violentadas fisicamente já passaram por outras
etapas da violência, a violência psicológica ou moral e que podem vir a se tornarem
estatística da violência com morte21, caso não rompam com o ciclo da violência.
Os dados exibidos acima reverberam os anos de legitimação da violência
doméstica contra a mulher, violência essa que ainda não foi cessada e que a cada ano
apresenta novos números. As mulheres no Brasil são agredidas a cada 15 segundos e de
cada 10 mulheres agredidas, 03 são mortas pelo seu companheiro ou ex-companheiro,
segundo dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres. Isto é, podemos descrever
esses dados da violência doméstica, tal como: no Brasil a cada 15 segundos uma mulher
21No próximo capítulo discutiremos a violência com morte.
93
cai da escada, tropeça no tapete, bate o rosto no guarda roupa22. A cada 1h30 minutos
uma mulher é morta por seu companheiro ou ex-companheiro.
Nesse contexto, Machado (2006) apresenta em pesquisa realizada na Delegacia
das Mulheres em Brasília em que ouviu autores de violência domésticas e mulheres que
sofreram tal violência, que o “controle e posse da mulher, desejo de ter, desejo de não
perder, desejo de que as mulheres nada queiram a não ser eles mesmos” (MACHADO,
2006, p.14) como justificativas que culminariam o ato da violência. Os autores de
violência doméstica entrevistados pela autora declararam que a violência ocorre quando
as mulheres, além dos elementos citados acima, não cumprem ou obedecem o que lhe são
impostas por seus companheiros ou ex-companheiros. Sendo assim, a partir da fala dos
entrevistados pela autora, a violência é apresentado como ato corretivo (MACHADO,
2006).
Eles não se interpelam sobre o porquê agiram desta ou daquela forma.
Sua interpelação é apenas e somente sobre seus excessos: descontrole,
bebida ou o “eu não sei o que me deu”. Para eles, o descontrole e o ficar
“transtornado”, é o que explica o desencadear da agressão, mas não é a
razão do ato violento. Para os agressores, a razão é legítima pois a “sua”
função masculina na relação “de casal” e familiar, é a de disciplinar.
Como “devem disciplinar”, podem e devem usar a força física contra as
mulheres. É esta a razão do ato violento. Ao “transtorno” e ao
“descontrole”, cabe apenas explicar a fraqueza e os “excessos”
(MACHADO, 2006, p. 14).
A autora aponta o caráter disciplinador dos sujeitos que corrigem qualquer
conduta que não lhe agrade com violências. A agressão parece não ser questionada, ou
melhor, o motivo de agredir sua companheira ou ex-companheira não tem uma dimensão
de constituição de uma masculinidade. Isto é, não percebem a construção da violência
contra o feminino como ato “condicionante” e generificado no processo de construção de
“ser” homem. Destarte, concordamos com Machado (2006) ao afirmar que no Brasil, o
peso da categoria relacional da “honra” baseia-se “na construção simbólica dos gêneros,
no que tem mais de impensado e naturalizado” (MACHADO, 2006, p. 14). Dessa forma,
a construção hegemônica dos atributos do masculino gira em torno do desafio da honra,
do controle das mulheres e da disputa entre homens.
22Mulher no Estado da Paraíba denuncia o ex-companheiro por violência doméstica e o delegado pergunta
se não foi o guarda roupa. Ver: https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/mulher-na-pb-denuncia-agressao-
de-ex-companheiro-e-delegado-pergunta-se-nao-foi-o-guarda-roupa.ghtml
94
Não são poucos os conflitos domésticos e amorosos onde as agressões
verbais são recíprocas e igualmente fortes e graves entre homens e
mulheres, mas o exercício da violência física, quer seja entendida como
disciplinar ou como demonstração de poder evocador ou não de
legitimidade compartida, parece ser “atributo preferencial masculino”,
em que os feminicídios parecem ser o ponto final de uma escalada da
violência física. (MACHADO, 2006, p. 15)
Machado (2006) apresenta a violência como atributo prioritário da masculinidade,
portanto, a violência corretiva seja ela física, psicológica, moral, patrimonial e sexual lhe
retira existência, reconhecimento, coloca-as aprisionadas23, primeiramente, no medo,
após a denúncia, na vergonha.
Em vista disso, o artigo 7º da Lei Maria da Penha, o qual apresenta as formas de
violência, juntamente, com o artigo 5º que localiza o lugar da violência, o doméstico e os
laços de pertencimento que a Lei atinge e, o artigo 6º que refere-se à violação dos direitos
humanos estruturam a LMP, uma vez que demarcam a finalidade de sua aplicação (FEIX,
2011). Contudo, como aponta a autora, tais artigos ainda precisam ser assimilados pelos
agentes da Lei para que possa haver efetividade plena desta.
Vale destacar os anos inicias de implementação da Lei no aspecto jurídico, os
quais muitos casos ainda foram julgados na premissa da Lei 9.099/95, equiparada a um
crime de menor grau ofensivo, ou ainda, juízes que julgaram a Lei Maria da Penha como
discriminatória de gênero, entendendo que esta feria a Constituição Federal de 1988, com
o discurso que não davam direitos iguais a homens e mulheres. Ou seja, que a Lei era
inconstitucional por ferir o princípio de isonomia anunciado no artigo 5º, inciso I, que
afirma que todos são iguais perante as leis, “homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 1988). Estes entendiam a LMP
como uma “arma” do feminino para “punir” os autores da violência, assim como
instrumento de proteção para as mulheres e de punição para os homens. Entretanto, a Lei
Maria da Penha foi criada para chamar a atenção para aspectos socioculturais e jurídicos
que por fim fundamentam a elaboração de uma lei própria para o combate à violência
doméstica, dessa maneira, não fere a igualdade entre homens e mulheres.
Lenio Luiz Streck (2011) assinala que a Lei não sofre de vício de
inconstitucionalidade, visto que:
23 Segundo dados do Ligue 180 as mulheres ficam por anos sofrendo violência doméstica até sentirem-se
seguras para pedir medidas cabíveis ou apenas terminar os relacionamentos.
95
Trata-se de uma Lei que preenche um gap histórico, representado por
legislações anteriores que discriminavam as mulheres e, se não as
discriminavam explicitamente, colocavam o gênero feminino em um
segundo plano. Isso pode ser visto no velho Código Penal de 1940, em
que, até há pouco tempo, o estupro era considerado “crime contra os
costumes”. Somente nos últimos anos passou-se denominá-lo “crime
contra a dignidade sexual” (pode ser também “crime contra a liberdade
sexual”) (STRECK, 2011, p. 99).
Segundo o autor, a LMP ocasionou estranhamento no jurídico, em especial, os
aplicadores - juízes/as, promotores/as, delegados/as e servidores da justiça – reagiram ao
reconhecimento e aplicabilidade legal de um novo paradigma aos casos de violência
contra a mulher. Outro entrave da Lei, de acordo com Isadora Vier Machado (2011) é
apreensão da violência psicológica como violência. A autora afirma que para constatar
tal violência tem que prová-la, bem como as violências moral e patrimonial. Portanto,
precisa-se da afirmação de outro para “comprovar” que se sofre a violência, ou as
violências. Como já mencionado, as violências sem sangue não deixam marcas visíveis,
e isso, parece-nos ser um dos limites da aplicabilidade e efetividade da Lei quando
mencionamos a violência psicológica.
Enfim, compreendendo que a violência no âmbito doméstico culmina,
predominantemente, nas mulheres, a Lei pontua as relações interpessoais baseadas nas
relações desiguais de poder, por consequência, o texto da Lei em comento desfaz de
ilegalidade no que tange os direitos para os homens e mulheres. No mais, para que a Lei
seja aplicada corretamente e atenda às necessidades da mulher em situação de violência
é importante que os seus aplicadores sejam preparados para atender e viabilizar suporte
para as mulheres que denunciaram seus agressores.
Procuramos apresentar e analisar os artigos iniciais, pois estes são os alicerces
para a compreensão dos artigos posteriores. Desse modo, para compreender a construção
das disposições que serão apresentadas a partir de duas concepções na qual apreendemos
a Lei: a socioeducativa e a punitiva, foi necessário esse percurso detalhado do 1º ao 7º
artigo. Analisaremos no tópico seguinte o texto da Lei Maria da Penha pelas concepções
já mencionadas, entretanto, não analisaremos de forma linear os artigos, esses serão
apresentados conforme a acepção que o mesmo se insere.
96
3.3. PERSPECTIVA SOCIOEDUCATIVA DA LMP
A LMP estrutura-se em três eixos de intervenção: punição; proteção e assistência;
e prevenção e educação com objetivo de garantir juridicamente um mínimo de proteção
as mulheres em situação de violência doméstica.
No eixo punição encontram-se os procedimentos policiais, aplicação da pena,
impedimento de penas alternativas. Este eixo afasta de vez a violência doméstica da Lei
9.099/95. O eixo da proteção e assistência às mulheres em situação de violência doméstica
e familiar refere-se às medidas de urgência direcionadas a elas e outras aos autores de
violência. Por fim, o terceiro eixo diz respeito à prevenção e educação que abarcam ações
pedagógicas com papel de conter o comportamento violento e discriminatório baseado no
gênero. No entanto, a Lei foi e ainda é compreendida a partir de seu caráter punitivo, haja
vista que pouco se fala de seu caráter educativo e pedagógico. Dessa forma, discorremos
neste ponto a perspectiva socioeducativa da Lei. Dois questionamentos subsidiarão a
discussão: Como prevenir e modificar os comportamentos masculinos apreendidos
socialmente e reproduzido por séculos? Denúncias são feitas, o problema é reconhecido,
mas é possível outra forma de ação?
As questões acima nos levam de encontro para o caminho socioeducativa da Lei
em análise, percebemos que os eixos proteção e assistência; prevenção e educação
compreendem a acepção social, sobretudo, educativa da Lei Maria da Penha. Contudo,
são apenas 04 artigos que denotam tal perspectiva de maneira assertiva os artigos 8º, 38º
e o 45º apontam o mesmo ponto de vista, o artigo 35º a partir dos incisos IV e V
convergem com determinada perspectiva.
Ao trazer em seu texto uma concepção socioeducativa a LMP sinaliza para um
processo do (des)fazer os gêneros fixados na inteligibilidade (BUTLER, 2006) que
aprisiona os sujeitos no “ser” homem e mulher e não no “tornar-se” homem e mulher. O
eixo prevenção e educação no documento da Lei desmonta, ou melhor, tenta desmontar
a hierarquia nas relações de gênero rompendo paradigmas sócio históricos de dominação
masculina (BOURDIEU, 2005) e poder. Portanto, é neste eixo que se entende as ações
socioeducativas com objetivo de controlar conduta violenta e discriminatória baseada no
gênero.
O primeiro artigo do Título III – Da Assistência à Mulher em Situação de
Violência Doméstica - do capítulo I do texto da LMP, o artigo 8º, é o primeiro que assinala
princípios socioeducativos da Lei em seus incisos I, II, III, V e VII.
97
Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e
familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de
ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de
ações não governamentais, tendo por diretrizes:
I– a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público
e da Defensoria Pública as áreas de segurança pública, assistência
social, saúde, educação, trabalho e habitação;
II – a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras
informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou
etnia, concernentes às causas, às consequências e à frequência da
violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização
de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos
resultados das medidas adotadas;
III – o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e
sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis
estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e
familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1º, no inciso
IV do 3º e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal
IV – a implementação de atendimento policial especializado para as
mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;
V – a promoção e a realização de campanhas educativas de
prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas
ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos
instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;
VI – a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros
instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou
entre estes e entidades não governamentais, tendo por objetivo a
implementação de programas de erradicação da violência doméstica e
familiar contra a mulher;
VII – a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da
Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais
pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às
questões de gênero e de raça ou etnia;
VIII – a promoção de programas educacionais24 que disseminem
valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com
a perspectiva de gênero e de raça ou etnia; IX – o destaque, nos
currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos
relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia
e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher
(BRASIL, 2006).
O artigo 8º da LMP pressupõe um conjunto articulado de ações que reduzam a
violência contra a mulher. Conforme o artigo, é de responsabilidade da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e ações não governamentais medidas
integradas de políticas públicas que visem coibir a violência doméstica, como também,
ações que antecedem a violência. O inciso II do artigo em comento aponta como
prerrogativa fundamental para a prevenção a violência doméstica o desenvolvimento de
24 Grifos da autora.
98
estudos, pesquisas, informações, estatísticas com perspectiva de gênero.
Inquestionavelmente, ao evidenciar a perspectiva de gênero, a Lei aponta a violência
doméstica como fruto de uma construção sócio histórica que conferiu ao corpo feminino,
seja fisicamente ou psicologicamente, o lugar das violências. Dessa maneira, o papel
socioeducativo da Lei é colaborar com programas, campanhas, pesquisas, informações
que desnaturalize a violência doméstica como condição primária do homem-
agressor/violento e mulher- agredida/submissa.
Artigo 38º- As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra
a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do
Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de
dados e informações relativo às mulheres (BRASIL, 2006).
O artigo 38° da referida Lei reforça o artigo 8º através do direcionamento de
programas, estudos, pesquisas, em virtude de requisitar uma base de dados do Sistema de
Justiça e Segurança, assim como das Secretarias de Segurança Pública (LIMA, 2011).
Por certo, os artigos mencionados trazem à luz os debates em torno das questões de
gênero, de como pensar e trabalhar as questões de gênero na e com a Lei Maria da Penha.
No mais, sinalizam o debate para a sociedade, não pensando somente a mulher em
situação de violência doméstica, tampouco, o autor da violência, visto que os artigos
mencionados, a partir de suas diretrizes, indicam medidas socioeducativas no combate à
violência, bem como da desconstrução de estereótipos e representação de gênero.
A discussão acerca da violência contra a mulher, acima de tudo, nas relações de
gênero, demanda um debate transdisciplinar, haja vista que para apreender a
multiplicidade do “ser/tornar-se” mulher e homem se faz necessário a articulação de
várias áreas, saúde, ciências humanas, entre outras.
De conformidade com a perspectiva transdisciplinar, todas essas
dimensões devem ser consideradas no conhecimento e na abordagem
da violência contra a mulher, buscando-se definir a diversidade de
situações sem se perder de vista a globalidade do fenômeno e a
singularidade de suas manifestações em cada sujeito que se apresenta
(BIANCHINI, 2011, p. 221).
Concordamos com Alice Bianchini (2011) ao apontar que refletir a violência
doméstica transdiciplinariamente colabora para uma articulação de diversas áreas de
conhecimento para o debate da (des) construção da violência no feminino. Outra
articulação que deve ser levada em consideração é entre os poderes do Estado. Para que
99
se tenha uma plena efetividade da Lei se faz necessário que ela funcione em Rede, “é de
importância vital para a melhor condução das políticas públicas de coibição da violência
doméstica e familiar” (BIANCHINI, 2011, 221). Logo, as campanhas educativas na qual
são citadas no artigo 8º da Lei cumpre um papel importante de prevenção a violência
contra a mulher, pois contribui com rompimento dos papéis atribuídos aos homens e
mulheres, uma vez que algo foi construído ele pode certamente ser desconstruído, isto é,
novos “valores”, pensamentos, imagens, discursos podem ser lançados (BIANCHINI,
2011).
Vale destacar que as medidas socioeducativas fazem parte de um conjunto de
recomendações do CEDAW, Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a
Mulher e da Convenção de Belém do Pará, onde foi recomendado para o Brasil uma lei
específica no combate à violência doméstica que contemplasse: Planos de combate à
violência contra a mulher, de longo termo e alcance; Programas de reabilitação e abrigos
temporários; Programas específicos dirigidos a meninos e homens; Campanhas de
tolerância zero – que se exprimam em políticas com inclusão legislativa e criação de um
ambiente no qual a violência não seja mais admitida; entre outras. Outro fator importante
na recomendação das organizações mencionadas é a entrada da temática da discriminação
e da violência contra as mulheres nos currículos escolares e nos meios de comunicação,
assim como arquétipos de formas não violentas de resolução de conflitos, nas áreas de
educação e dos meios de comunicação.
Mais um artigo que elucida o caráter socioeducativo da Lei em análise é o artigo
45º, que diz que:
Art. 45. O art. 152 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de
Execução Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 152. ...........................................................................
Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o
juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a
programas de recuperação e reeducação25 (NR)”.
O artigo especificado indica a obrigatoriedade do agressor a programas de
reabilitação e reeducação. Ao caracterizar como recuperação, o artigo confere um caráter
de doença para os autores de agressão. Em concordância com Leandro Feitosa Andrade
(2014), pensamos que os homens autores de agressão, violência doméstica, não estão em
recuperação ou reabilitação, dado que não existe nada a recuperar-se, mas a ser
25 Grifos da autora.
100
(des)construído. O autor ainda assegura que os agressores não devem ser tratados como
doentes, no mais, deve-se estranhar e interrogar a patologização individualizada da
violência (ANDRADE, 2014), entendendo que estes não são doentes, dessa forma, os
grupos reflexivos não funcionam como tratamento, muito menos como autoajuda,
funcionam como medida socioeducativa, ou ainda como Serviço Para Homens- SPH
(LOPES, 2016).
De acordo com Flávio Urra (2014), a violência cometida contra o feminino não
tem uma origem específica, contudo um modelo violento de masculinidade arquitetado
sócio historicamente e culturalmente nas relações situadas entre homens e mulheres
apresenta-se como um princípio basilar da violência contra as mulheres.
A partir dos Mapas da Violência (WAISELFIZ, 2012; 2015) é possível medir-se
o aumento de assassinatos de mulheres. De acordo com estes, desde 2007, um ano após a
aprovação da Lei Maria da Penha, as percentagens de mulheres mortas por homens vêm
acendendo, e esses assassinatos são cometidos, na sua maioria, por maridos, (ex)maridos,
e (ex) namorados. Em resumo, em uma lista com 83 países, o Brasil ocupa a 5ª posição
dos países com maiores taxas de homicídios de mulheres. As taxas de homicídios
sinalizam que “os mecanismos de punição e repressão têm se mostrado insuficientes na
contenção do crescimento da violência contra as mulheres” (ANDRADE, 2014, p. 174).
Segundo o Mapa da Violência (WAISELFIZ, 2012) entre 1980 e 2010 foram mortas mais
de 91 mil mulheres, o que representou aumento de 217,6% de mulheres vítimas de
assassinatos, destes 40% das mulheres foram assassinadas em suas casas (WAISELFIZ,
2012). Conforme o Mapa da Violência (WAISELFIZ, 2015) somente em 2013, 4.762
mulheres foram mortas, o que representa 13 homicídios de mulheres por dia.
Entre os estados brasileiros, o Rio Grande do Norte, apresenta uma taxa de 6,2%
(79.708) de mulheres agredidas por pessoas que mantém algum vínculo afetivo, ocupando
a 5ª posição no ranking dos 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal. Ainda de
acordo com o Mapa da Violência (WAISELFIZ, 2015), apenas cinco estados brasileiros
diminuíram os índices de violência contra as mulheres, Rondônia, Espírito Santo,
Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro, os demais estados às taxas de violência
aumentaram. O Mapa ainda aponta que o RN teve também um acréscimo significativo de
homicídios de mulheres potiguares de 33 mortes em 2003 para 89 mortes em 2013, deste
modo, o Rio Grande do Norte está em conformidade com os números totais do Brasil,
dado que os homicídios contra as mulheres tiveram um aumento de 260%.
101
No contexto de violência perpetrada no feminino, principalmente, pelo masculino,
números da violência assinalam a importância dos Serviços Para Homens (LOPES,
2016). Por conseguinte, esses serviços constituem um espaço para os homens refletirem
sobre sua conduta, debaterem os papéis impostos a homens e mulheres evitando
reincidência.
A violência doméstica e familiar contra a mulher possui causa social.
Ela decorre, principalmente, do papel reservado na sociedade às
representantes do sexo feminino. Apesar dos avanços, perduramos
vivendo em uma sociedade marcada por herança de costumes
patriarcais, na qual predominam valores estritamente masculinos, restos
de imposição por condição de poder. Dito de outra forma, a dominação
do gênero feminino pelo masculino é apanágio das relações sociais
patriarcais, que costumam ser marcadas (e garantidas) pelo emprego de
violência física e/ou psíquica. Tal dominação propicia o surgimento de
condições para que o homem sinta-se (e seja) legitimado no controle da
mulher por meio de agressão (BIANCHINI, 2011, p. 231).
Bianchini (2011) assinala a herança da tradição patriarcal como dado que legitima
a violência a partir dos papéis que são atribuídos aos gêneros. Nesse sentido, entendemos
que a autora assinala a importância dos Serviços Para Homens, esses podem ser lidos
através da inclusão nos currículos escolares da perspectiva de gênero sob as relações de
poder, desigualdade entre os gêneros, da própria Lei Maria da Penha com potencialidade
para a coibição da violência doméstica e familiar, pois se passa a instituir valores que
desnaturalize as violências contra gênero feminino. Portanto, é importante sinalizarmos
que para a prevenção da violência contra a mulher é primordial a presença de discussões
sobre violência doméstica, gênero e o alcance da LMP em todos os níveis educacionais,
assim como em todas as fases (infância, adolescência, adulta). Com isso, no percurso de
pensar a educação e reeducação dos homens no que se refere às violências contra a
mulher, o artigo 35º o qual tem como papel da União, o Distrito Federal, os Estados e
Municípios a criação e promoção de competências, os inciso, IV e V do artigo referido
estão em convergências com os artigos analisados nesse tópico.
IV – programas e campanhas de enfrentamento da violência
doméstica e familiar;
V – centros de educação e de reabilitação26 para os agressores.
(BRASIL, 2006)
26 Grifos da autora.
102
Em suma, é de competência do Estado investir em centros de educação e
reabilitação para os agressores, bem como de campanhas e programas no combate à
violência contra a mulher em situação de violência doméstica. Pois, como mencionado,
anteriormente, não conferimos o caráter de doença para os autores de violências, mas sim
o caráter socioeducativo, ou seja, a construção de novas masculinidades, a partir da
definição de gênero, “a imposição de medida restritiva de direitos, que leve o agressor a
conscientizar-se de que é indevido seu agir, é a melhor maneira de enfrentar a violência
doméstica” (DIAS apud LIMA, 2011, p. 286). Nesse sentido, o compromisso do Estado
não se limita em punir, mas também operar na prevenção, assistência das mulheres em
situação de violência e reeducação dos autores de violência, bem como da educação no
que diz respeito às relações de gênero.
Portanto, entendemos que é fundamental que seja instrumentalizado a
prerrogativa proposta na Lei de investir sob aparelhos que eduquem os sujeitos aferindo
sobre o processo educativo a problemática de gênero suscitando o caráter de equidade,
ou seja, é importante um processo educativo voltado à infância, de modo que as relações
entre os gêneros sejam construídas, desde sempre, sem elementos de desigualdade,
relação de poder
3.4.PERSPECTIVA PUNITIVA DA LMP
Embora o eixo socioeducativo tenha dimensão basilar no texto da LMP, a mesma
é entendida por muitos como se fosse sinônimo de punição, visto que as medidas punitivas
foram mais propagadas. O teor punitivo da Lei foi utilizado para amedrontar os autores
de violência doméstica e os possíveis autores de agressão. Todavia, não dá para mensurar
se a violência doméstica contra a mulher diminuirá ou aumentará, apesar de os dados do
Mapa da Violência (WAISELFIZ, 2012, 2015) apontarem a crescente taxa de agressão e
assassinatos de mulheres no Brasil. Contudo, não podemos aferir que tal diminuição em
determinados estados brasileiros ou aumento são consequência da implementação da Lei
Maria da Penha. Apresentaremos, neste momento, a perspectiva punitiva por meio dos
três eixos, visto que contêm o caráter punitivo e jurídico da Lei. Abordamos,
primeiramente, os procedimentos policiais e a aplicabilidade, posteriormente,
discorremos sobre as medidas de urgência para as mulheres e os agressores.
103
O Título III – Da Assistência à Mulher em Situação de Violência Doméstica e
Familiar – no capítulo III discorre sobre o atendimento pela autoridade policial a partir
do 10º ao 12º artigo e apontam as providências cabíveis que devem ser tomadas pela
autoridade policial através do 13º ao 17º artigo.
Art. 10º Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica
e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar
conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências
legais cabíveis.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao
descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.
Art. 11º No atendimento à mulher em situação de violência doméstica
e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:
I– garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de
imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;
II – encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto
Médico Legal;
III – fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo
ou local seguro, quando houver risco de vida;
I V – se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de
seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;
V – informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os
serviços disponíveis.
Art. 12° Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial
adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles
previstos no Código de Processo Penal:
I – ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a
representação a termo, se apresentada;
II – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato
e de suas circunstâncias;
III – remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente
apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas
protetivas de urgência;
IV – determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida
e requisitar outros exames periciais necessários;
V – ouvir o agressor e as testemunhas;
VI – ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua
folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de
prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;
VII – remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao
Ministério Público.
§ 1º O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial
e deverá conter:
I – qualificação da ofendida e do agressor;
II – nome e idade dos dependentes;
III – descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela
ofendida.
§ 2º A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1º
o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em
posse da ofendida.
104
§ 3º Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários
médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde (BRASIL, 2006).
Os artigos referidos aludem as atitudes e ações do atendimento pela autoridade
policial. Porém, para que estes cumpram determinadas ações se faz necessário a
capacitação dos mesmos para o atendimento da mulher em situação de violência
doméstica. Segundo Adilson José Paulo Barbosa e Léia Tatiana Foscarini (2011), a
ausência de capacitação para entender a violência doméstica, fez com que muitos
delegados solicitassem à mulher agredida que entregasse ao autor da violência a
intimação, embora o artigo 21º da Lei expresse em parágrafo único que “a ofendida não
poderá entregar intimação ou notificação ao agressor” (BRASIL, 2006). No mais, os
artigos referidos convergem com os incisos IV e VII do 8º artigo da Lei em diálogo, no
qual direciona a implementação de atendimento pericial especializado para as mulheres,
sobretudo, nas DEAM’s e capacitação constante no que refere-se as questões referentes
a gênero, raça ou etnia das autoridades policiais e profissionais que atenderão mulheres
que sofreram violência doméstica.
Em novembro de 2017 o Governo Federal sancionou a lei 13.505 que prevê para
a mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial
especializado e prestado, preferencialmente, por mulheres. Acrescentou-se na Lei
11.340/06, em seus artigos 10º e 12º, o subitem A (10º-A e 12º- A). Os subitens indicam
que o inquérito da mulher em ocorrência de violência doméstica tem que garantir a
integridade física, psíquica e emocional, bem como que essas, familiares ou testemunhas
não tenham contato com os agressores em investigação e, principalmente, revitimização.
Outrossim, a Lei indica que a formulação de políticas e planos de atendimento às
mulheres em caso de violência doméstica e familiar, darão prioridade, no âmbito da
Polícia Civil, à criação de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, de
Núcleos Investigativos de Feminicídio e de equipes especializadas para o atendimento e
a investigação das violências graves contra a mulher. A alteração, ou melhor, inclusão
desses subitens na Lei apontam e reforçam o não cumprimento do acolhimento destas
determinações pela autoridade policial. A revitimização aparece com teor sexista e
machista durante o atendimento em delegacias, hospitais e instituições públicas de uma
maneira geral27.
27Clara Averbuck no blog “Lugar de Mulher”, relata a ineficiência da Delegacia da Mulher, descreve o
caminho percorrido para fazer um boletim de ocorrência (B.O).
105
O relato que apresentamos a seguir evidencia o despreparo e a urgência dos
subitens mencionados anteriormente.
Quando eu sentei de frente com essa escrivã a primeira coisa que ela
me disse foi:
– Vai fazer mesmo isso? Porque eu não tô aqui pra perder meu tempo e
depois você não levar isso adiante!”
Sim, eu vou!
– Fala isso agora, depois volta com o namoradinho igual todas as outras
que vem aqui e eu que fico aqui escrevendo pra nada.
– Não, não pretendo voltar com ele. Ele tentou me matar, me deu um
soco na cara e enquanto eu jorrava sangue me jogou no chão, chutou e
apertou meu pescoço.
– É, mas você nem tá com nenhuma marca muito grande, só esse olho
roxo, isso nem vai dar nada pra ele.
Tá, mas que eu faço…
– Pensa bem se quer fazer esse BO, porque além de depois se
arrepender, desistir, voltar com ele, vai ter que ir fazer exame de corpo
de delito e tudo mais, e só com esse olho roxo aí o juiz nem vai fazer
nada com ele, porque não é nem agressão grave.
– Ele tentou me matar! Se eu não fiquei mais marcada foi sorte, ele
continua me ameaçando, eu preciso fazer alguma coisa!
– Eu vou fazer esse seu BO, mas tenho certeza que você não vai levar
isso pra frente e se levar só com essa marquinha no olho, não vai dar
em nada, já te aviso!
Um pouco depois ela me passou pra outra escrivã. Essa policial,
conversando comigo, vendo meu nervoso e tendo ouvido como a outra
havia me tratado, pediu desculpa e disse que estava a somente dois
meses na PM e se sentia decepcionada e envergonhada com as coisas
que ela andava vendo. No final, depois de fazer exame de corpo de
delito, ser chamada várias vezes na delegacia pra dar depoimento, levar
testemunhas, não deu em nada mesmo, porque quando ele finalmente
foi chamado me ligou 10 minutos depois de entrar na delegacia rindo e
disse:
– Sabe como foi? A delegada me perguntou se eu bati em você, eu disse
que sim ela falou pra eu não fazer mais isso e me liberou!28 (A
INEFECIÊNCIA ... 2015).
Como dito anteriormente, a citação acima mostra-nos a ineficiência dos agentes,
desmonta o papel dos artigos 10º, 11º e 12º, mas acima de tudo, os incisos IV e VII do
artigo 8º da Lei, pois elucida a ausência do preparo no atendimento à mulher em situação
de violência doméstica. Além disso, o texto acima aponta que a violência contra a mulher
não é deferida apenas por homens. Para tanto, o machismo, sexismo e discriminação são
construtos sociais que são reverberados na sociedade independentemente do gênero. A
28 Ver: http://lugardemulher.com.br/a-ineficiencia-da-delegacia-da-mulher-parte-ii/
106
figura da escrivã referenciada na citação representa o descaso, despreparo e deboche a
mulher que procura assegurar juridicamente pelos seus direitos, e mais, uma segunda
violência a estas. Apesar dos artigos 11º e 12º estabelecerem as providencias na garantia
de bem estar da mulher que sofreu agressão e de seus familiares, bem como que a
autoridade policial deve de imediato ouvir, lavrar a ocorrência e tomar a representação do
termo, entendemos que não há uma efetividade na capacitação desses agentes ou ainda se
há está não parece-nos constante. Em outras palavras, entendemos que a medida jurídica
não pode ser dissociada das medidas socioeducativas, deste modo, os agentes que
recebem as mulheres em situação de violência doméstica devem ser preparados como
assinala os incisos IV e VII do artigo 8º para o acolhimento dessas mulheres sem diferir
qualquer ação discriminatória, ou seja, é fundamental o entendimento das relações de
gênero e desigualdade entre os gêneros para não inferir e afastar as mulheres que buscam
ajuda.
No que diz respeito aos procedimentos que cabem à autoridade, o Título IV
divide-se em quatro capítulos. O primeiro apresenta as Disposições Gerais (artigos 13º,
14º, 15º 16º e 17º), o capítulo II as Medidas Protetivas de Urgência (três seções, artigos
18º ao 24º), o capítulo III discorre sobre a atuação do Ministério Público (artigos 25º e
26º), por fim o capítulo IV apresenta a Assistência Jurídica (artigos 27º e 28º).
Art. 13º Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e
criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar
contra a mulher aplicar- se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal
e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao
adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta
Lei.
Art. 14º Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal,
poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e
pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas
decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a
mulher.
Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar- se em horário
noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.
Art. 15º É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis
regidos por esta Lei, o Juizado:
I - do seu domicílio ou de sua residência;
II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;
III - do domicílio do agressor.
Art. 16º Nas ações penais públicas condicionadas à representação da
ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à
representação perante o juiz, em audiência especialmente designada
com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o
Ministério Público.
107
Art. 17º É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e
familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação
pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento
isolado de multa (BRASIL, 2006).
Os artigos acima fazem referência à aplicação subsidiária do Código de Processo
Penal e Código de Processo Civil, da competência cível dos juizados especializados, da
renúncia a representação na presença do juiz, como também à proibição de aplicação de
pena por pagamento de multas ou cestas básicas. Os artigos apresentam os procedimentos
voltados aos aparelhos estatais incumbidos pela persecução do crime de violência
doméstica e familiar. Os artigos 16º e 17º apontam o caráter inovador da Lei, no qual
respectivamente, sinalizam como mecanismo inclusão da medida de urgência e a exclusão
da lei 9.099/95 como política de enfrentamento à violência doméstica. Antes da Lei Maria
da Penha, a violência contra a mulher no âmbito doméstico era compreendida como um
crime de menor potencial ofensivo. Dessa maneira, a pena era alicerçada na lei 9.099/95,
sugeria para o autor de violência contra a mulher uma pena branda com pagamento de
cestas básicas e multa, bem como conciliação. Os crimes/agressões cometidos contra as
mulheres eram julgados nos Juizados Especiais Criminais (JECrim), se fosse considerado
crime eram julgados na Varas Criminais comuns e os crimes contra a vida no Tribunal do
Júri.
A LMP rompe com esse caráter despenalizador do autor da violência doméstica
conferindo a essa um elevado potencial ofensivo com medidas de prevenção, proteção e
punição. De acordo com a Lei deve ser criados Juizados Especiais de Violência
Doméstica contra a Mulher, o artigo 14° indica a criação desses com competência cível e
criminal. O artigo 16° alude que uma vez dada a “queixa” não se pode mais retirá-la, só
poderá desistir do processo em audiência específica. Tal artigo nos faz refletir que essa
medida anula de certa forma o homem que tenta de várias maneiras, diga-se de modo
violento, fazer com que a mulher retire a denúncia. No entanto, esta só pode ser arquivada
em casos de ameaça.
Dessa forma, a LMP dificultou a renúncia das vítimas (art. 16),
estabeleceu e sistematizou medidas protetivas a serem aplicadas pela
vara especializada (arts. 18 a 24), permitiu a prisão em flagrante em
todos os crimes ao revogar a Lei 9099/95, e admitiu a prisão preventiva
até para crimes punidos com detenção (art. 42) (LIMA, 2011, p. 272).
108
Conforme Lima (2011), a LMP afastou a violência doméstica do lugar dos crimes
de pequeno grau. Isto é, com esta Lei houve uma ruptura do lugar da violência, da
inconstitucionalidade dos sistemas e legislações anteriores que apoiavam-se na omissão
do Estado, e consequentemente na jurisprudência brasileira, notoriamente
“discriminatório e prejudicial ao gênero feminino porque desconsiderava as
peculiaridades desse tipo de violência, bem como os tratados internacionais que regiam
a matéria” (LIMA, 2011, p. 272), ou seja, legitimavam a violência doméstica.
Não é exagero dizer que a Lei Maria da Penha foi criada justamente
para combater a jurisprudência que permitia ao marido bater
impunemente na mulher em nome da “harmonia familiar”, bem como a
Lei 9099/95 que, oficializando aquela jurisprudência, optou pela não
intervenção estatal nestas causas, propondo às vítimas que se
reconciliassem com os ofensores em nome da tal “harmonia familiar”
(LIMA, 2011, p. 265/266).
Concordamos com o autor ao afirmar que a Lei surge para combater a
jurisprudência brasileira, mas acima de tudo, a omissão do Estado brasileiro no que diz
respeito à violência doméstica e familiar. No entanto, ressaltamos a obrigatoriedade do
Brasil a conceder tal Lei. Nesse sentido, as medidas sinalizadas pela Lei seja no âmbito
penal ou socioeducativo são medidas que foram acionadas de acordo com medidas
pautadas nas políticas de enfrentamento a violência contra a mulher.
O capítulo II do Título IV, o qual o texto da Lei faz referência, diz respeito as
medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor e medidas protetivas de urgência
a ofendida. As disposições gerais deste alude ao prazo, a autoridade competente, as
formas de concessão, bem como as formas de aplicação das medidas protetivas de
urgência.
Art. 18º Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao
juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:
I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas
protetivas de urgência;
II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência
judiciária, quando for o caso;
III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências
cabíveis.
Art. 19º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo
juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.
§ 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de
imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação
do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.
109
§ 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou
cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por
outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei
forem ameaçados ou violados.
§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido
da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever
aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida,
de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.
Art. 20º Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução
criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de
ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação
da autoridade policial.
Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no
curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem
como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Art. 21º A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos
ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da
prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do
defensor público.
Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou
notificação ao agressor (BRASIL, 2006).
O escopo das medidas, assim como a Lei Maria da Penha, está em consonância
com os princípios e ordenamento com os Tratados Internacionais de proteção aos direitos
humanos voltados para o enfrentamento e eliminação das violências contra as mulheres,
“os referidos tratados relacionam-se à proteção de direitos de indivíduos integrantes de
segmentos que demandam política de reconhecimento, em grande medida associada à
redistribuição” (LAVIGNE, PERLINGEIRO, 2011.p, 290). Nesse sentido, Rosane
Lavigne e Cecília Perlingeiro (2011) assinalam que é importante identificar o papel social
e de condição de cada indivíduo para que assim as reivindicações por reconhecimento
sejam também por justiça. Isto é, para que a LMP seja aplicada em plenitude se faz
necessário que os envolvidos saibam minimamente a condição de subalternidade e
vulnerabilidade que se encontra a mulher em situação de violência doméstica. Ou melhor,
para que a reivindicação por reconhecimento seja também por reconhecimento de justiça
é importante que a mulher que procura a justiça (DEAM’s, Ministério Público, entre
outros) sejam acolhida e não afastada do lugar que deve assegurar a vida da denunciante.
Desse modo, entendemos que a aplicação da Lei constitui-se um desafio, apesar de
mostrar-se as inúmeras possibilidades desta como dispositivo no combate à violência
doméstica, encontra no Poder Judiciário alguns limites pela posição central que este
“ocupa no referido sistema, com vistas a levá-lo a uma atuação marcada pela eficiência
ética e pela aplicabilidade dos direitos da mulher segundo os valores neles subjacentes”
(LAVIGNE, PERLINGEIRO, 2011.p, 291). Para se ter uma eficiência ética, é necessário
110
que a ineficiência nesse sistema seja “combatida”, como afirmado anteriormente (in)
eficiência começa nos primeiros passos das denunciantes ao registrarem o boletim de
ocorrência.
Chegando na Deam da Avenida Visconde do Rio Branco, próximo à
Praça Tiradentes, nos deparamos com a primeira barreira: a delegacia
estava trancada. Tocamos a campainha duas vezes e algum tempo
depois fomos recebidas por dois agentes – um homem e uma mulher.
Perguntaram o que havia ocorrido e minha amiga explicou. Pedi, então,
para registramos a ocorrência. Mais um entrave.
– Vocês trouxeram o laudo médico?, questionou o homem.
– Ainda não fizemos o exame de corpo de delito, respondi por ela.
– Não estou falando do corpo de delito. Vocês não foram à
emergência?, devolveu o agente, com ar de quem achava que
deveríamos saber de cór o procedimento.
– Vocês precisam ir à emergência primeiro. Só depois posso fazer a
ocorrência, explicou.
– Não dá para fazer o registro e depois a gente vai ao hospital?, insisti.
– Não, e encerrou (CRÔNICA29..., 2017).
O texto acima aponta os limites da Lei que inicia-se, primeiramente, nas
delegacias e termina no Poder Judiciário. O relato da citação assinala a negação dos
incisos I e IV do artigo 12. Desse modo, mostra que os procedimentos cabíveis a mulher
agredida pelo seu (ex) companheiro (a), pai ou filho esbarra no percurso do atendimento
a essas mulheres. Desta forma, questionamos quantas mulheres podem ter recuado a
denúncia, visto que não foram acolhidas, logo não tiveram a oportunidade de obter as
medidas protetivas de urgência. Retomo aqui o que já tinha apontado anteriormente ao
discorrer sobre o artigo 12º, compreendendo que o relato indica, além do despreparo ao
atendimento da mulher em situação de violência doméstica, o não prosseguimento da
denúncia. Lavigne e Perlingeiro (2011) em diálogo com Carmen Hein Campos assinalam
que os juristas desconheciam o esforço da mulher agredida para romper com uma relação
violenta, em concordância com as autoras acrescentamos os profissionais que antecedem
o trabalho dos juristas, delegados(as), policiais, escrivã(ão)s, médicos.
No hospital, éramos às únicas na sala da emergência, mas mesmo assim
o médico que a atendeu demorou quase uma hora para nos entregar o
tal laudo exigido pela delegacia.
Questionado pela demora, ele disse que precisava esperar a paciente se
acalmar – ele havia lhe dado Rivotril. E num tom mais baixo, deixou
escapar seu pensamento: “ela não vai denunciar”. Mas ela foi.
Voltamos à delegacia e finalmente minha amiga foi atendida.
29Ver:http://justificando.cartacapital.com.br/2017/12/07/cronica-o-desamparo-sentido-pelas-mulheres-
vitimas-da-violencia-e-real-e-letal/
111
Mas a sensação de acolhimento não durou muito. Enquanto prestava
depoimento, o marido chegou querendo “dar a sua versão”. O escrivão
abriu a porta e explicou que ele não poderia falar naquele momento e
que seria notificado. Contudo, não mandou que fosse embora
(CRÔNICA..., 2017).
Lavigne e Perlingeiro (2011) acionam Carmen Campos para exemplificar que as
acusações nas delegacias fazem parte da ruptura da violência doméstica. Sendo assim,
ignorar a mulher que está solicitando judicialmente amparo é negar uma vida de amparo
legal, ou seja, segurança. Como declarado anteriormente, as medidas protetivas de
urgência que obrigam o agressor e medidas protetivas de urgência a ofendida só serão de
fato medidas protetivas se houver a denúncia. Dessa forma, é fundamental que os
organismos que atendem à mulher em seu tratamento jurídico a acolha. Ratificamos que
é da competência da autoridade policial prender o agressor em flagrante sempre que
houver qualquer das formas de violência doméstica contra a mulher, registrar o boletim
de ocorrência e instaurar o inquérito policial, assim como enviar o inquérito policial ao
Ministério Público com a possibilidade de solicitar ao juiz, em quarenta e oito horas, que
seja conferida medidas protetivas de urgência para a mulher em situação de violência e
solicitar ao juiz a requisição da prisão preventiva. No processo judicial, o juiz pode
consentir as medidas protetivas de urgência, ao Ministério Público cabe apresentar a
denúncia ao juiz e propor penas de três meses a três anos de detenção.
Os artigos 18° ao 24º30 apresentam os procedimentos que segundo a Lei referida
devem certificar a proteção contra o risco imediato, ou seja, a integridade pessoal da
mulher e seus familiares. Conforme Lavigne e Perlingeiro (2011), os artigos em
referência aludem a importância da atuação do magistrado, deste modo, requer a estes
uma interpretação ou conhecimento das questões de gênero.
A busca da solução mais acertada ao caso concreto exige do julgador,
ademais do estudo das questões de gênero e dos direitos da mulher,
conhecimento de práticas desenvolvidas em outros países destinadas ao
enfrentamento dessa singular violência que vitimiza/atinge o segmento
feminino da população mundial (LAVIGNE, PERLINGEIRO, 2011, p.
294).
30 Os artigos 18° ao 24° são reforçados pelo artigo 42°, já que este sinaliza a execução das medidas
protetivas de urgência. Art. 42º O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de
Processo Penal), IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei
específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência” (NR) (BRASIL, 2006).
112
As autoras chamam atenção para práticas e leis desenvolvidas em outros países,
entendem que o conhecimento das práticas e leis podem corroborar na decisão do
julgador, principalmente, no que se refere à palavra da mulher em situação de violência
doméstica, uma vez que a violência, em grande parte, acontece sem testemunhas, sendo
assim, ao dar entrada a solicitação de medidas protetivas, a palavra da mulher em situação
de violência doméstica, “com suas marcas visíveis e invisíveis relata, via de regra,
anamnese até então oculta, na qual finca raiz a violência geradora do pedido de amparo
e tutela”(LAVIGNE, PERLINGEIRO, 2011, p. 297).
[...] do constrangimento e da humilhação ao longo do inquérito policial
e do processo penal que vasculha a moralidade da vítima (para ver se é
ou não uma vítima apropriada), sua resistência (para ver se é ou não
uma vítima inocente), reticente a condenar somente pelo exclusivo
testemunho da mulher (dúvidas acerca da sua credibilidade)
(ANDRADE apud LAVIGN, PERLINGEIRO, 2011, p. 297).
Lavigne e Perlingeiro (2011), citando Vera Andrade, chamam atenção para a
posição da mulher agredida, o constrangimento e humilhação no decorrer do processo das
medidas protetivas de urgência. De acordo com as autoras, desqualificar o depoimento
sugere desamparar a denunciante e contribui para a ausência de efetividade dos
mecanismos conquistados. Reiteramos que a desqualificação e menosprezo à mulher em
circunstância de violência doméstica, em grande parte, inicia-se nas DEAMs, e por
consequência, a violência que aconteceu no âmbito doméstico estende-se para o público
no discurso dos “agentes/operadores da Lei” que depreciam a situação da mulher agredida
podendo fazê-la desistir do processo, ou ainda, iniciar o processo/denúncia, já que não
sentiu-se assegurada por estes. Desse modo, entendemos a falta de capacitação dos
agentes/operadores da Lei como uma “negação” as medidas protetivas de urgência, assim
como legitimadores da violência.
Pouco se sabe sobre o caso. M. e F. foram casados por cinco anos e
estavam separados há aproximadamente 1 ano. O rapaz não se
conformava com a separação, tendo já feito várias ameaças contra a
vida de M. Em 2009 F. havia lançado uma bomba contra o portão do
salão de M. Outra ameaça teria ficado registrada na caixa postal do
celular de M. Temerosa de que as intenções de seu ex-companheiro se
concretizassem, por oito vezes ela registrou ocorrência nas
delegacias de polícia de Belo Horizonte, sendo que quatro dessas
ocorrências foram registradas na Delegacia da Mulher31. De acordo
com notícias veiculadas na imprensa, num desses registros foi solicitada
31 Grifos da autora
113
a suspensão do porte de armas. Em outra medida, foi concedida a
proibição de aproximação e F. não poderia se aproximar da ex-mulher,
devendo respeitar a distância de 200 metros. Ambas são medidas
protetivas previstas na Lei Maria da Penha. Na tentativa de inibir o
comportamento violento do ex-companheiro, M. havia instalado em seu
salão a câmera de circuito interno, cujo filme agora servirá de prova
contra o assassino. M. não era uma vítima passiva dos acontecimentos,
sabia que corria risco de morte e vinha procurando se proteger. Como
outras tantas mulheres fazem diariamente em todo o país, procurou
ajuda institucional, e através do registro policial esperava que o estado
protegesse sua vida e seu direito a viver sem violência. Ela não foi
passiva diante das ameaças do ex-companheiro, mas foi vítima da
inércia do estado que ainda não parece ter acordado para a gravidade da
violência que se pratica contra mulheres em todo o país. (PASINATO,
2010, p.217/218)
E ainda:
[...] pode-se mencionar o conteúdo do relato circunstanciado, que
muitas vezes não fornece ao juiz elementos suficientes para decidir
sobre a necessidade das medidas e nem mesmo sobre sua adequação. O
caso de M. tem elementos que ilustram essa dificuldade. A medida
protetiva que lhe foi concedida pela justiça determinava que F., seu
agressor, mantivesse uma distância de 200 metros da vítima. O que o
Judiciário e a polícia pareciam desconhecer é que os dois eram
vizinhos e a borracharia onde F. trabalhava estava situada a menos de
50 metros do salão de M. Informações como essas parecem
elementares demais, mas devem ser entendidas como essenciais pela
polícia e pela Justiça, evitando que sejam deferidas medidas que não
são adequadas à realidade vivida por aquela mulher. (PASINATO,
2010, p.217/218)
Pasinato (2010) sinaliza os limites das medidas protetivas de urgência, sobretudo,
aponta a ineficácia das medidas protetivas quando não há uma investigação de quem é o
autor da agressão e a agredida, isto é, na dimensão de elementos para a aplicação de uma
medida protetiva que de fato proteja a mulher em situação de violência doméstica. Ao
expor o caso de M., a qual registrou “oito” boletins de ocorrência contra o seu ex-
companheiro, Pasinato (2011) descreve uma mulher que conhece os seus diretos e sabe
onde recorrer. M. é uma mulher que sabia do papel do Estado, conhecia a Lei Maria da
Penha, desse modo, ao recorrer “oito” vezes à delegacia, ela não desistiu de si mesma,
lutava por sua vida, porém parece-nos que já sabia qual seria o fim, a morte. A ida de M
“oito” vezes à delegacia foi um pedido de socorro. Assim, concordamos com a autora a
afirmar que M. não era uma mulher passiva diante das violências sofridas, buscou ajuda
institucional para viver uma vida sem violência, mas foi vítima da apatia, desinteresse e
114
indiferença do Estado quando o assunto é violência contra a mulher (PASINATO, 2011).
Outrossim, o Ministério Público pareceu-nos omisso a situação de M., apesar de aplicar
o inciso I do artigo 22 da LMP, que suspende a posse ou restrição do porte de arma e o
inciso III do mesmo artigo que proíbe a aproximação e contato com a ofendida, não tomou
conhecimento que M. e F. eram vizinhos. Logo, a distância de 200 metros imposta a F.
tornou-se uma distância de 50 metros. Compreendemos que cabe ao Ministério Público
“exercer postura mais ativa como defensor da legalidade e fiscalizar a observância
integral da Lei Maria da Penha, a começar pela eficácia das medidas protetivas”
(LAVIGNE, PERLINGEIRO, 2011, p. 298).
O que chama a atenção sobre o caso de M. foi ele desnudar para todo o
país, os problemas que estão sendo enfrentados pelas mulheres que
buscam a proteção da polícia e da justiça no exercício de seus direitos.
Em particular, aqueles direitos que estão assegurados na Lei Maria da
Penha (PASINATO, 2010, p.218).
Pasinato (2010) chama atenção para casos como o de M. revelar obstáculos da
proteção da justiça e da polícia, especialmente, nos direitos garantidos na LMP. As
medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor (artigo 22º) e as medidas de
urgência a ofendida (artigos 23º e 24º) que se ancoram no segundo eixo da LMP, proteção
e assistência, aparecem-nos como dispositivos que deveriam instituir um olhar mais
atento para serem deferidas medidas que sejam adequadas à realidade vivida por cada
mulher. Isto é, medidas que garantam a integridade física, psicológica e dos direitos da
mulher.
Art. 22° Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra
a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao
agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas
protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com
comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22
de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a
ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida32, de seus familiares e das testemunhas,
fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer
meio de comunicação;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida
a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
32 Grifos da autora.
115
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de
outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da
ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser
comunicada ao Ministério Público.
§ 2o Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor
nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no
10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo
órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência
concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o
superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da
determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação
ou de desobediência, conforme o caso.
§ 3o Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência,
poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
§ 4o Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o
disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de
janeiro de 1973 (Código de Processo Civil) (BRASIL, 2006).
Vimos a partir de Pasinato (2010) que as medidas acima foram aplicadas no caso
de M., porém não foram suficientes para cessar e protegê-la da violência do ex-
companheiro33. Como dito anteriormente, as medidas tomadas nesse caso e tantos outros
não levam em consideração informações (onde mora o autor da violência, ou ainda onde
este vai morar após a concessão da medida protetiva, isto é, a distância para evitar o
contato da ofendida com o autor da violência e/ou possíveis violências) as quais
entendemos como preliminares na decisão da medida protetiva. Para Juliana Garcia
Belloque (2011), a medida protetiva que afasta o autor da agressão do lar suscita,
aparentemente, segurança à mulher agredida e os demais familiares. Concordamos com
a autora ao utilizar o termo “aparentemente”, entretanto, o afastamento do lar não
assegura a preservação física e psicológica da mulher em situação de violência doméstica.
Destacamos que vários casos de violência com morte aconteceram quando não ouve esse
risco iminente de agressão. O agressor não estar dentro de casa não significa uma vida
sem violência. O que pode ser agregado a essa medida de urgência ao autor de agressão
é a fiscalização/controle das medidas de urgência.
Das medidas protetivas à ofendida:
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras
medidas:
I – encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou
comunitário de proteção ou de atendimento;
33 Veremos no capítulo posterior alguns casos de mulheres no Rio Grande do Norte que fizeram denúncias
e tinham medidas protetivas, mas foram mortas pelos seus (ex) companheiros. Apresentaremos quando a
violência sem sangue e com sangue transforma-se em violência com morte.
116
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao
respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos
direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
Art. 24º Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou
daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar,
liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à
ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de
compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa
autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por
perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica
e familiar contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os
fins previstos nos incisos II e III deste artigo (BRASIL, 2006).
As medidas protetivas de urgência à ofendida têm um caráter tanto de proteção
quanto de assistência. O inciso I do artigo 23º tenciona fatores (dependência econômica,
recursos materiais) que dificultam as mulheres em situação de violência denunciarem
seus companheiros(as).
As medidas de proteção também carecem de um olhar atento sobre elas.
Sem políticas sociais focadas na promoção dos direitos das mulheres e
programas de assistência que tenham como objetivo o fortalecimento
das mulheres para o exercício da cidadania, as respostas possíveis
limitam-se ao assistencialismo imediatista da cesta básica ou da
inclusão em programas sociais que visam a manutenção e o sustento da
família (PASINATO, 2010, p, 231).
A autora assinala um olhar para as medidas de urgência que são direcionadas as
mulheres entendendo que estas podem conferir um caráter assistencialista. Assim sendo,
evocamos o artigo 9ª da lei em comento para apresentar mais um artigo que tem o viés
assistencialista e suas diretrizes vão de encontro com o artigo 23º.
Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e
familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as
diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema
Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras
normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando
for o caso.
§ 1º O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em
situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas
assistenciais do governo federal, estadual e municipal.
117
§ 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e
familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:
I– acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da
administração direta ou indireta;
II – manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o
afastamento do local de trabalho, por até seis meses.
§ 3º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e
familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do
desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de
contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente
Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
(AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos
casos de violência sexual (BRASIL, 2006).
O artigo mencionado acima indica a articulação do conteúdo de assistência para
as mulheres. Para Ela Wiecko de Castilho (2011), esta articulação pode ser compreendido
a partir de três grupos: políticas públicas de proteção, proteção no trabalho e proteção na
saúde. A autora determina que de acordo com a perspectiva do controle e/ou
gerenciamento das “normas, essas são dirigidas, em sua maior parte, aos agentes da
administração pública dos três níveis de governo, na área da saúde, da assistência social
e da segurança pública” (CASTILHOS, 2011, p. 235).
O 2º Tribunal de Júri de Natal condenou Marcos Antônio Izaias de
Macedo a 16 anos de reclusão pela morte de sua ex-mulher Alexsandra
Moreira da Silva. A sentença foi proferida pelo juiz Geomar Brito
Medeiros, que presidiu a sessão do júri popular realizada nesta segunda-
feira (23), no Fórum Miguel Seabra Fagundes.O réu estava detido na
Cadeia Pública de Natal desde o homicídio, ocorrido em dezembro de
2014. Ele foi condenado pelo crime de homicídio triplamente
qualificado por motivo torpe, utilização de meio cruel, e meio que
dificultou a defesa da vítima. Segundo os autos, os casos de agressão a
Alexsandra eram frequentes durante todo o relacionamento que
começou quando a vítima tinha 13 anos. Alexsandra já possuía medida
protetiva contra o ex-marido, fazia tratamento psicológico pelas
agressões e foi acolhida em casa abrigo (JÚRI POPULAR...34, 2015).
O texto alude para mais uma morte de mulher sob medida protetiva, apontando às
limitações de tais medidas, como já mencionado, as medidas são ferramentas de
prevenção da violência, no entanto não há um controle e fiscalização da mesma. A
promotora do caso, Dra. Érica Canuto, ressaltou que a morte da Alexssandra35 “é mais
34 Ver: Tribunal da Justiça do Rio Grande do Norte.
http://www.tjrn.jus.br/index.php/comunicacao/noticias/9759-juri-popular-condena-acusado-de-matar-ex-
mulher-a-16-anos-de-reclusao 35Conforme o Portal do Judiciário, Alexsandra Moreira da Silva foi morta com 21 facadas dentro de um
ônibus quando estava indo para o trabalho, no dia 18 de dezembro de 2014. O acusado pediu parada no
118
um processo que leva à morte uma mulher pelo fato de ser mulher. Enquanto esse
pensamento perdurar, vamos ter muitos casos de feminicídio” (JÚRI POPULAR...,
2015). Outrossim, a promotora enfatizou a importância de respeitar o direito da mulher e
abominar o pensamento machista e dominador, como o que o marido da Alexssandra
possuía.
Diante do exposto destacamos que é de ordem direta a inclusão das mulheres em
situação de violência doméstica e familiar em programas assistenciais. Por exemplo, no
que diz respeito ao governo, cabe a este a criação de centros de Referência, da mesma
forma, desempenhar a função integradora das instituições governamentais e não
governamentais que constitui a Rede de Atendimento: Casas-Abrigo, Delegacias
Especializadas de Atendimento à Mulher, Defensorias da Mulher, Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher, Atendimento à Mulher-Ligue 180, Ouvidorias,
Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), Centros de Referência
Especializado de Assistência Social (CREAS) e Centros de Educação e Reabilitação do
Agressor (CASTILHO, 2011). Ressaltamos que a ação articulada entre os serviços
mencionados pode configurar-se como a base do sistema protetivo o qual se insere as
Medidas Protetivas de Urgência.
O § 2º do art. 9º prevê dois instrumentos para reforçar as medidas
protetivas à mulher. Se necessário, por exemplo, conforme o art. 23,
afastar a ofendida do lar e encaminhá-la a programa oficial de proteção
de vítimas ou a casa-abrigo, o exercício da função pública em outro
local, pelo acesso prioritário à remoção, ou a manutenção do vínculo
empregatício por prazo determinado podem ser indispensáveis para dar
condições à mulher de retomar sua vida (CASTILHO, 2011, p. 241).
No entendimento da autora, as medidas do artigo 9º instrumentalizam a condição
da mulher em situação de violência doméstica o retorno à sua vida, o acesso a remoção e
a manutenção do vínculo trabalhista, conforme Castilho (2011), o artigo tem por intenção
assegurar a “existência” das mulheres em situação de violência, por meio de resguarde da
vida em casa abrigo, além de prever mecanismos para reforçar as medidas protetivas.
Dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ mostram que as medidas
protetivas de urgência constituem o procedimento mais aplicado pelos
Juizados especializados, representando cerca de 60% da atuação dos
mesmos. Desde 2006, ano de início de vigência da lei, até o ano de 2010
foram deferidas 96.098 medidas protetivas contra 11.659 prisões
bairro de Felipe Camarão e ao entrar no coletivo, atacou a ex-mulher. Alexsandra faleceu a caminho do
hospital.
119
deferidas, ou seja, existe uma relação média de 1 prisão para cada 8
medidas protetivas deferidas. A prática tem confirmado que as medidas
protetivas são uma mostra evidente de que o tratamento prioritário que
se pretende dar aos direitos humanos das mulheres na pauta estatal não
está em desalinho com o esforço de contenção do poder punitivo. A
utilização criteriosa e adequada das medidas protetivas pode conferir às
mulheres a proteção necessária e o desencarceramento desejado pelas
orientações garantistas. Desta forma, a despenalização e a
descriminalização de condutas devem ser o parâmetro norteador da
política criminal (LAVIGNE; PERLINGEIRO, 2011, p. 293).
As autoras apresentam as medidas protetivas de urgência como o procedimento
mais aplicado pelos Juizados Especializados, segundo dados do Conselho Nacional de
Justiça. Entretanto, juridicamente a aplicabilidade das medidas protetivas de urgência
apresenta limitações, dado o retardamento do consentimento da medida, o não
acompanhamento da verificação da mesma por parte da polícia, deixando as mulheres
suscetíveis ao agressor, que por muitas vezes não teme diante da circunstância. Nesse
sentido, Érica Canuto36, coordenadora do Núcleo de Apoio à Mulher Vítima de Violência
Doméstica e Familiar (NAMVID), em entrevista ao jornal Tribuna do Norte em 2016,
questiona: onde está a Patrulha Maria da Penha para fiscalizar as medidas protetivas?
“Nossa realidade nas delegacias é de falta de estrutura, poucas
especializadas e que já não atendem a demanda existente de investigar
crimes e entregar inquéritos no prazo da lei de até 30 dias ao Poder
Judiciário, o que vem acontecendo atualmente com muitos meses e até
anos de atraso, como no ano passado que recebemos inquéritos ainda
de 2009. É essencial para as delegacias cumprir o papel de investigar
crimes”, enfatizou Érica (MUDANÇA37..., 2017).
Gilcilene Sousa em entrevista ao Portal no Ar (2017) reforça o que a promotora
Érica Canuto sinalizou acima. Conforme Souza (MUDANÇA..., 2017) há habitual retardo
“desde a tomada de depoimento das vítimas ao prazo de envio de inquéritos para que
possamos fazer a denúncia. O que deveria ser feito em 48 horas, chega com vários meses
de atraso.” Ainda em entrevista ao Portal no Ar (2017), Érica Canuto, assinala que o
prazo de deferimento das medidas protetivas no Rio Grande do Norte ocorre em menos
de três horas, desde que seja encaminhado pela delegacia.
36 Disponível em: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/quem-mata-a-a-cultura-machista/366733
37 Ver: http://portalnoar.com.br/mudanca-polemica-na-maria-da-penha-divide-opinioes-entre-guardioes-da-lei-no-rn/
120
De acordo com Érica Canuto:
“A lei diz que é em até 48 horas, mas a realidade do nosso estado é que,
enviando o pedido de medida protetiva, em menos de 3 horas, o juiz já
dá o despacho. Nunca alguma mulher morreu ou foi agredida no Rio
Grande do Norte dentro desse prazo de análise, então não tem
argumento, já está sendo concedida no prazo certo pela autoridade
competente”, reforçou (MUDANÇA..., 2017).
Conforme a promotora, compreendemos que a limitação da concessão das
medidas protetivas esbarra no envio dos inquéritos. Apesar da promotora afirmar que
ainda não houve agressões ou morte durante a análise de medidas encaminhadas, ela não
faz nenhuma alusão ao período do inquérito. Isto é, não sabemos se os meses ou anos de
espera para consolidação do inquérito ou concessão das medidas às mulheres que
recorreram a Lei através das delegacias encontram-se em situação de violência doméstica
ou não. Além disso, ressaltamos que o consentimento de medidas protetivas não garante
uma vida sem violência. Nesse sentido, alguns questionamentos surgem no decorrer da
pesquisa: Há falhas na condução dos processos? As mulheres ainda estão temerosas em
denunciar? As medidas e serviços implantados são (in)suficientes?
Percebe-se uma judicialização do fenômeno da violência, têm-se
investido na punição e na definição dos casos denunciados, mas as
ações de prevenção e proteção também previstas na LMP estão
olvidadas. Nesse sentido, Silva et al. (2015) afirma que a delegacia é o
serviço mais procurado pelas mulheres, seguido das unidades de saúde
de urgência e emergência, e que a atenção prestada a essas mulheres
restringem-se, quase sempre, a essas duas instituições, reduzindo a
violência aos aspectos criminais e curativos (CARVALHO, 2017, p,
80/81).
Segundo Pammella Carvalho (2017), o caráter de prevenção e proteção da Lei são
esquecidos diante do caráter punitivo que é dado a Lei, dessa forma, enfatiza-se os
aspectos criminais e curativos. A autora entende que para que haja um enfrentamento
efetivo da violência contra a mulher, é fundamental que haja uma incorporação/integração
“dos setores jurídicos, segurança pública, saúde, assistência social etc., possibilitando
que os recursos necessários estejam disponíveis e o acesso das mulheres seja facilitado”
(CARVALHO, 2017, p. 81).
Se não houver marcas físicas a violência tende a ser ignorada, apesar da
LMP tratar de tipos de violência que, na maioria das vezes, não deixam
marcas visíveis, como a psicológica, patrimonial e moral. Os trechos
121
abaixo revelam como a banalização da violência contra mulher ainda
está presente: “No contexto da violência contra as mulheres, a palavra
do réu é tomada como verdade, em detrimento da palavra da vítima (...).
Parece que, se a mulher minimiza a ação violenta, sua fala é acatada,
ocorrendo o contrário quando faz uma acusação” (A1)
Para que a violências seja caracterizada como tal, a mulher deve
apresentar uma prova inconteste – marcas visíveis como hematomas,
machucados etc – enquanto maus tratos, humilhações, entre outras
formas de violência, cujas ranhaduras na autoestima feminina revelam-
se internamente, continuam a ser ignoradas (A9). (CARVALHO, 2017,
p. 81/82).
Carvalho (2017), assim como Machado (2013) assinala para a seletividade nos
tipos de violência que é visibilizada como violência doméstica. Para as autoras, as marcas
visíveis são sinônimo de violência doméstica, enquanto as invisíveis são ignoradas. Essa
invisibilidade pode refletir nas medidas protetivas de urgência. Ignorar as violências
invisíveis (violência sem sangue) é negar o artigo 7º da Lei como núcleo estrutural (FEIX,
2011) das violências contra a mulher no âmbito doméstico, em outras palavras, é aferir a
violência física como única forma de violência a ser enfrentada. Segundo Carvalho (2017)
é como se houvesse uma resistência dos profissionais de seguir em frente com a denúncia
da mulher contra o autor da agressão.
No percurso analítico de assegurar medidas protetivas à ofendida, os capítulos III
e IV do Título IV continuam versando sobre as medidas protetivas, contudo, abordam a
atuação do Ministério Público e assistência do Judiciário38. Conforme o texto da Lei é
competência destes:
Art. 25º O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas
causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar
contra a mulher.
Art. 26º Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras
atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher, quando necessário:
I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação,
de assistência social e de segurança, entre outros;
II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de
atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e
adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no
tocante a quaisquer irregularidades constatadas;
38O artigo 37º substancia os artigos 25º, 26º, 27º e 28º da lei referida no que diz respeito a competência do
Ministério Público e da assistência Jurídica. Art. 37º A defesa dos interesses e direitos transindividuais
previstos nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de
atuação na área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da legislação civil. Parágrafo
único. O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando entender que não há outra
entidade com representatividade adequada para o ajuizamento da demanda coletiva (BRASIL, 2006).
122
III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher.
Art. 27º Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em
situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada
de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.
Art. 28º É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica
e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência
Judiciária Gratuita nos termos da lei, em sede policial e judicial,
mediante atendimento específico e humanizado. (BRASIL, 2006)
O texto da LMP atribui ao Ministério Público o requerimento de medidas
protetivas no artigo 19º da Lei a favor da ofendida. Os artigos mencionados acima (25° e
26º) reforçam o artigo 19º e aludem os procedimentos do Ministério Público quanto à
solicitação das medidas. Para este não é necessário aguardar o pedido da mulher em
situação de violência doméstica.
A LMP previu a possibilidade de requerer medidas protetivas39 em
favor das vítimas (art. 19). Dessa forma, o Ministério Público não
precisa aguardar o pedido das vítimas e pode, inclusive, requerer
medidas contra a vontade delas. Esta é a razão principal do dispositivo.
É que a vulnerabilidade própria das pessoas que sofrem violência
doméstica, motivo da construção da LMP, não raro as impede de se
opor aos(às) agressores(as). O medo ou o sentimento de lealdade
vigente na família, aliado à perplexidade perante um ato criminoso
praticado por pessoa próxima, paralisa sua reação. (...) Frise-se que a
jurisprudência tem admitido até a abertura de processos contra a
vontade das vítimas nos casos em que a representação delas é necessária
(vide comentários ao art. 16) (LIMA, 2011, p. 328).
Segundo Lima (2011), o desempenho do Ministério Público é evidenciado quando
a situação de vulnerabilidade da mulher em ocorrência de violência doméstica é
impossibilitada de buscar seus direitos. Neste caso, quando a assistência jurídica não
supre sua necessidade. Diante disto, o Ministério Público tem um papel importante para
a implementação da Lei Maria da Penha, uma vez que juntamente com a Assistência
Judiciária prevê medidas integradas de prevenção e, por conseguinte possibilidade de
criação de atendimento multidisciplinar aos Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher (MACHADO, 2006). Ressaltamos que a ação do Ministério Público de
acordo com texto da Lei em comento deve perpassar em todas ações do processamento
da denúncia seja ela cível ou criminal. É concedido ao Ministério Público atuar na
proteção da mulher em ocorrência de violência doméstica, alcançando as medidas quando
39 Grifo da autora.
123
por estas forem recusadas e quando se percebe que há uma recusa não espontânea (LIMA,
2011). O Ministério Público alinha-se no eixo de prevenção à violência, bem como o de
assistência, visto que cabe a este fiscalizar os estabelecimentos, requisitar força policial e
serviços públicos, além de cadastrar os casos de violência doméstica.
No que tange o Poder Judiciário a Lei inscreve este com atribuições cíveis e
criminais a partir da Assistência Judiciária gratuita. Para Juliana Garcia Belloque (2011),
a inexistência da assistência jurídica faz com que a mulher em situação de violência
doméstica esteja mais vulnerável podendo dificultar o exercício de seus direitos.
.
Uma das principais hipóteses em que esse prejuízo pode ocorrer reside
na audiência judicial prevista no artigo 16 da Lei Maria da Penha,
aquela especialmente designada para a formalização da renúncia ao
direito de representação ou, mais tecnicamente, para a retratação da
representação feita na fase policial. Trata-se de um dos momentos
culminantes de exercício de direitos por parte da vítima, ou de renúncia
a eles, pois a ausência da representação da ofendida, condição de
procedibilidade da ação penal, implica no encerramento da persecução
penal e leva, pelo decurso do tempo, à extinção da punibilidade do
suposto agressor, ocasionando a conseqüente impossibilidade de
adoção ou manutenção de medidas de proteção à mulher, as chamadas
medidas protetivas de urgência. O ato, portanto, apenas é válido se a
vítima houver sido devidamente orientada sobre as conseqüências
jurídicas e práticas de sua decisão, merecendo anulação notadamente
quando a manifestação de vontade da mulher ofendida estiver marcada
por erro quanto à compreensão de seus efeitos. Daí decorre a
imprescindibilidade da assistência jurídica nesta audiência
(BELLOQUE, 2011.p. 338).
Conforme Belloque (2011), para a aplicação dos artigos 27º e 28º da LMP, é
necessário que não haja renúncia do direito de representação (artigo 16º), havendo que
seja sob orientação jurídica, sobretudo, as possíveis consequências. Diante disto,
Belloque (2011) entende que o artigo 16º limita as possibilidades de mulher agredida,
visto que não concordar “com a interpretação de que seja dispensável a presença de
advogado justamente na audiência designada para a ratificação ou a retratação do
direito de representação contra o agressor” (BELLOQUE, 2011, p. 339).
Segundo o texto da Lei Maria da Penha é assegurado a mulheres em situação de
violência doméstica o acesso a Assistência Jurídica gratuita, em todas as fases
processuais, judicial e/ou processual e penal, bem como na fase policial, quando a mulher
denuncia a agressão na delegacia. Salientamos que a primeira procura da mulher
agredida/violentada é a instauração do inquérito na delegacia, dessa forma, a orientação
jurídica é importante nesse primeiro contato com os dispositivos de assistência, já que é
124
na delegacia que deve ser informado os procedimentos preliminares, ou seja, é na fase de
persecução criminal que devem ser adotadas as medidas protetivas de urgência
(BELLOQUE, 2011). As atribuições jurídicas nos artigos 27º e 28º da LMP apontam a
importância do acompanhamento jurídico como facilitador na defesa dos interesses da
mulher.
O Título V da Lei referenciada pontua o Atendimento Multidisciplinar dos órgãos
mencionados nos artigos anteriores (Delegacia, Ministério Público, Judiciário). Dessa
forma, os artigos 29º, 30º 31º e 32º discorrem sobre assistência de equipes de atendimento
multidisciplinar40. Isto nos faz refletir a dimensão desta assistência. Compreendemos que
esta assistência envolve todos que estão ancorados na Lei, as mulheres agredidas, os
autores da agressão, os agentes/operadores da Lei (policial, juiz(a), psicólogo(a),
assistente social, defensores públicos, médicos, entre outros).
Art. 29º Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de
atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais
especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.
Art. 30º Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre
outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local,
fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à
Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e
desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e
outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares,
com especial atenção às crianças e aos adolescentes.
Art. 31º Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais
aprofundada, o juiz poderá determinar a manifestação de profissional
especializado, mediante a indicação da equipe de atendimento
multidisciplinar.
Art. 32º O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta
orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da
equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes
Orçamentárias (BRASIL, 2006).
Compreendemos que os artigos acima, principalmente, o 29º e 30º tem o papel de
auxiliar a atuação dos juízes, advogados, defensores públicos, primordialmente, no que
diz respeito às relações hierárquicas de gênero. Sendo assim, entendemos que se faz
necessário para a atuação efetiva das equipes multidisciplinares, capacitações constantes
no que se refere às relações de poder e gênero. Havendo um direcionamento para as ações
40 O artigo 35º intensifica os artigos 29º ao 32º, visto que elucida em suas diretrizes a criação de equipe de
atendimento multidisciplinar para os equipamentos que a Lei sinaliza para a efetividade e eficiência da
LMP.
125
socioeducativas, isto é, um diálogo mútuo entre as perspectivas socioeducativa e a
punitiva para a apreensão da violência doméstica e suas dimensões. O atendimento de
equipes multidisciplinares qualificadas no atendimento da mulher em situação de
violência doméstica pode revelar-se como possibilidade de retirar o caráter constrangedor
e de culpa que as mulheres agredidas por vezes são submetidas. Para Belloque (2011), o
constrangimento e a culpa são ferramentas que são acionadas pelos agentes/operadores
da Lei para inferir a ofendida “responsabilidade” da ação violenta do autor da agressão,
“vítimas e testemunhas chamadas a participar de um processo judicial, que transforma
pessoas em objeto de produção da prova com a reprodução de padrões estereotipados
que refletem, entre outras, a discriminação de gênero” (BELLOQUE, 2011, p. 338).
Essa forma, não incomum, de agir do sistema de justiça exemplifica o
que se chama de vitimização secundária, aquela produzida pelas
instituições públicas em função do tratamento desumanizado e
discriminatório dado à vítima. O fenômeno encontra o seu ápice na
persecução criminal dos crimes que afrontam a liberdade e a dignidade
sexual da mulher, conforme retratado no estudo de casos desenvolvido
por Silvia Pimentel, Ana Lucia Pastore Schritzmeyer e Valéria
Pandjiarjian (1998), mas permeia todo o sistema de repressão aos
crimes e atinge especialmente as mulheres vítimas de violência,
notadamente aquela praticada no âmbito doméstico e familiar. A
vitimização secundária se reflete no tratamento recebido pela mulher
quando presta declarações como vítima na polícia ou em juízo, quando
se submete a exames corporais necessários à prova da existência da
agressão, quando se vê confrontada com o agressor no processo em
desigualdade de forças e, muito especialmente, quando transparece
dúvida acerca do exercício ou da renúncia de seus direitos enquanto
vítima em função das conseqüências práticas de sua conduta processual
para o próprio agressor e para a sua família (BELLOQUE, 2011, p.
338).
Belloque (2011) indica este cenário como um obstáculo de ajuda para a mulher
que procura sair de uma situação de risco. Para a autora, esse cenário sinaliza uma
vitimização secundária, bem como um empecilho da consciência dos seus direitos. É
importante destacar que a produção do cenário que vitimiza duplamente a mulher em
situação de risco, violência doméstica, institui um olhar discriminador quando as
interseccionalidades são colocadas à mostra. Por vezes é como se o artigo 7° da Lei
adquire-se mais uma violência, a violência institucionalizada que nega todo o princípio
do artigo 7º.
Nesse contexto, a situação se agrava para as mulheres negras também
ao buscar pelo apoio do Estado para enfrentar a violência vivida. Elas
126
são, no geral, revitimizadas – por exemplo, quando profissionais de
saúde tendem a tratar suas queixas como menores por considerá-las
“mais fortes”. Muitas vezes quem atende essas mulheres sequer tem
conhecimento técnico para identificar lesões como hematomas na pele
negra (AGÊNCIA PATRICIA GALVÃO, 2015).
A pesquisa realizada pela Agência Patrícia Galvão (2015) mostra a revitimização
das mulheres negras, os quais os tons de roxos são invisibilizados no discurso de uma
força “condicionada” a negritude, logo a invisibilidade dos hematomas. Para Belloque
(2011), a vitimização secundária ou revitimização corrobora para a transformação da
violência doméstica e familiar em dado social oculto. Podemos aferir que a pesquisa da
Agência Patrícia Galvão (2015) sinaliza mais uma vez a ausência de capacitação dos
agentes/operadores da Lei. Diante disto, reiteramos a importância de capacitação para a
efetividade do desempenho da LMP.
Neste contexto, para o desempenho da equipe de atendimento multidisciplinar nos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, bem como nas atribuições
que lhe fora reservado desenvolver orientação, encaminhamento e prevenção voltados
para a ofendida, o autor da agressão, familiares, crianças e adolescentes (artigo 30º). A
criação dos juizados especializados, Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher é uma das diretrizes formativas da Lei no que diz respeito à assistência e
prevenção da Lei Maria da Penha, o texto da Lei em seu artigo 33º41 sobre as Disposições
Transitórias no Título VI afirma que:
Art. 33º Enquanto não estruturados os Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão
as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas
decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a
mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela
legislação processual pertinente.
Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas
criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput
(BRASIL, 2006).
41Os artigos 34° e 41° reforçam o artigo 33° da Lei em comento, haja visto que indicam a inserção de
curadorias e serviço de assistência, assim como não aplicação da lei 9.099/95 para os casos de violências
doméstica. Art. 34º A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher poderá
ser acompanhada pela implantação das curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária Art.
41º Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena
prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. (BRASIL, 2006)
127
O dispositivo em diálogo atribui às varas criminais a competência cível e criminal
na ausência de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher no intuito de
não recorrer aos Juizados Especiais Criminais, o qual ancora-se na lei 9.099/95. Segundo
Westei Conde e Martin Júnior (2011), a lei 9.099/95 colaborou para exacerbar a violência
contra a mulher, nesse sentido, a implementação da Lei Maria da Penha representa um
avanço no enfrentamento da violência doméstica, especialmente, por romper com a lei
9.099/95, uma vez que reconhece a violência contra o feminino, sobretudo, doméstica
como violação dos direitos humanos, como assinala o artigo 6° da Lei. A remoção dos
JECRIM’s como ferramenta no enfrentamento à violência doméstica “dar tratamento
jurídico (penal e processual penal) a questão sem descuidar da dimensão de direitos
humanos que representa esta particular forma de violência” (CONDE, JUNIOR, 2011,
p. 358). De acordo com os autores, os artigos 33° e 41° demarcam o impedimento da
aplicação da lei 9.099/95, independentemente, da pena prevista. Deste modo, em
consonância com Conde e Junior (2011), compreendemos que a lei 9.099/95 mostra-se
insuficiente para prevenir a violência contra a mulher.
No balanço dos efeitos da aplicação da Lei 9.099/95 sobre as mulheres,
diversos grupos feministas e instituições que atuavam no atendimento
a vítimas de violência doméstica constataram uma impunidade que
favorecia os agressores. Cerca de 70% dos casos que chegavam aos
juizados especiais tinham como autoras mulheres vítimas de violência
doméstica. Além disso, 90% desses casos terminavam em
arquivamento nas audiências de conciliação sem que as mulheres
encontrassem uma resposta efetiva do poder público à violência sofrida.
Nos poucos casos em que ocorria a punição do agressor, este era
geralmente condenado a entregar uma cesta básica a alguma instituição
filantrópica. Os juizados especiais, no que pese sua grande contribuição
para a agilização de processos criminais, incluíam no mesmo bojo rixas
entre motoristas ou vizinhos, discussões sobre cercas ou animais e
lesões corporais em mulheres por parte de companheiros ou maridos.
Com exceção do homicídio, do abuso sexual e das lesões mais graves,
todas as demais formas de violência contra a mulher, obrigatoriamente,
eram julgadas nos juizados especiais, onde, devido a seu peculiar ritmo
de julgamento, não utilizavam o contraditório, a conversa com a vítima
e não ouviam suas necessidades imediatas ou não (CALAZANS &
CORTES, 2011, p. 42).
Myllena Calazans e Iáris Cortes (2011) apontam que a lei 9.099/95 revelava-se
incompatível no enfrentamento da violência contra a mulher, haja visto que tenciona no
mesmo bojo de lesões corporais em mulheres pelo companheiro, discussões sobre
animais, brigas de vizinho, ou seja, sinaliza a violência no âmbito doméstico como uma
violência banal, de menor grau. Deste modo, a lei n° 9.099/95 fere a Convenção de Belém
128
do Pará, que configura a violência contra a mulher como uma violação dos direitos
humanos, assim como compreende as dimensões da violência para além da violência
física, práticas abusivas, relações desiguais de poder, medo, a dependência econômica e
emocional, entre outras são acionadas como violência na Convenção de Belém do Pará.
Diante disto, com a implementação da LMP, a violência doméstica até então submetida
a lei 9.099/95 a partir de um inquérito simplificado (Termo Circunstanciado) passa a ser
registrado independente do crime cometido ou contravenção penal (artigos 10° a 12°).
O Título VII da LMP corresponde às disposições finais da Lei e discorre sobre
curadorias e assistência judiciária, serviços especializados de atendimentos para a mulher,
criação dos centros de responsabilização do agressor, políticas públicas, competência do
Ministério Público, sistema de informação e estatística, proibição da lei 9.099/95, prisão
preventiva, ou seja, reforça as diretrizes assinaladas nos artigos anteriores, isto é, supõe a
ação integrada de diversas áreas do poder público, possibilita a criação de Juizados de
Violência Doméstica e Familiar nas diversas unidades federativas e designa, entre outros,
o atendimento qualificado por parte da autoridade policial, recusando a aplicação da Lei
9.099/95 os crimes que envolvam essa forma de violência.
Art. 39ºA União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no
limite de suas competências e nos termos das respectivas leis de
diretrizes orçamentárias, poderão estabelecer dotações orçamentárias
específicas, em cada exercício financeiro, para a implementação das
medidas estabelecidas nesta Lei.
Art. 40º As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras
decorrentes dos princípios por ela adotados
Art. 46º Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua
publicação (BRASIL, 2006).
Como já assinalado, os artigos que compõem as disposições finais (artigos 34° ao
46°) no documento textual da Lei Maria da Penha elucidam e ratificam os artigos
anteriores. Reforçam que a mudança na legislação, ou melhor, uma lei específica de
enfrentamento contra a violência doméstica, reconhece e visibiliza as violências deferidas
ao gênero feminino que fora negado por muito tempo na legislação brasileira, assim como
compreende que esta violência tem como lócus o doméstico e ancora-se nas relações
desiguais de gênero. Sendo assim, analisar o desenho institucional da LMP nos
possibilitou questionar a efetividade das diretrizes assinalada pela Lei, assim como,
compreender que a LMP é uma lei que tenta possibilitar uma vida vivível (BUTLER,
2015), uma vida sem violência. A Lei configura-se como espaço de resistência, bem como
129
de reconhecimento, “mas não se deve esquecer, tampouco, que está só atuará como
efetivo instrumento de reconhecimento quando conseguir traduzir não o que constitui
uma maioria, ou uma minoria, e sim o que é ser humana/o” (MACHADO, 2013, p. 162).
130
CAPÍTULO IV
4. (DES) CONSTRUINDO VIOLÊNCIA NO RN: ANÁLISE DA EFETIVIDADE
DO EIXO SOCIOEDUCATIVO
Procuramos neste capítulo analisar e apresentar os instrumentos socioeducativos
oferecidos pelo Estado potiguar, a fim de identificar quais os recursos e como age o
Estado no enfrentamento da violência doméstica. Traçar uma análise sob o eixo
socioeducativo se torna necessário, visto que, embora a análise punitiva ganhe uma maior
notoriedade, a socioeducativa é o eixo elaborado no texto da Lei que produz, de fato,
maior inferência sobre as mudanças de tipos hegemônicos e constrói um espaço de
prevenção ao ato da violência, uma vez que nos permite desestabilizar a estrutura de
relações de poder entre os gêneros, sobretudo, tendo em vista que é na educação a maneira
de apresentar para sociedade os perigos de uma socialização voltada aos domínios
universais dos corpos.
Nesse contexto de desmonte da violência apresentamos, inicialmente, a discussão de
quando a violência doméstica torna-se violência com morte no RN. A intenção de iniciar
o capítulo a partir desta discussão é apontar e reiterar a necessidade de políticas públicas
com perspectivas socioeducativas para que possa de maneira paulatina combater a
violências de gênero contra as mulheres e, que a violência sem sangue não torne-se
violência com morte. Deste modo, discorremos após a discussão do feminicídio como
decorrência da ausência de políticas socioeducativas acerca dos equipamentos e projetos
implementados no RN sob esse viés, o Projeto Maria da Penha vai à Escola, o Grupo
Reflexivo para Homens: por uma atitude de paz e o Reconstruindo o Self como políticas
efetivas de prevenção à violência contra a mulher.
4.1 DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA AO FEMINICÍDIO
No percurso de pensar a violência doméstica como um fenômeno socialmente
construído que ocorre no interior das relações sociais, trazemos para o diálogo Mariza
Corrêa (1981). A autora mostra como as violências encontram na sociedade justificativas
e respostas para legitimar o ato da violência. Nesse sentido, apresentamos como violência
131
com morte, o feminicídio, visto que entendemos este como a última etapa da violência
contra a mulher, pensando as relações conjugais/íntimas, que acarretaram na morte da
mulher pelo companheiro ou ex-companheiro. Assim, eventualmente as violências
apresentadas na Lei 11.340/06 podem resultar na violência com morte, logo quando se
extrapola os abusos verbais, psicológicos e físicos. Mostraremos mais à frente esta
violência a partir do que nominamos de Agosto Sangrento.
Até então os homicídios de mulheres praticados por seus companheiros ou ex-
companheiros parecia oferecer o privilégio da impunidade, onde mais uma vez via a
mulher em uma situação estruturalmente subordinada. Os crimes passionais eram
julgados a partir da conduta moral do réu ou vítima como se este fosse referência para
“legitimar” dada violência. Ademais, a mulher no cenário de vítima era duplamente
violentada, primeiro pelo companheiro, segundo pelo judiciário, era julgada pela sua
conduta moral e social.
Para Corrêa (1981), os “crimes passionais” tinham como motivação: o adultério,
a legítima defesa e defesa da honra, este último nos lembra a tradição patriarcalista onde
a honra é defendida/lavada com próprio sangue.
Os advogados de defesa de maridos, noivos, namorados ou amantes,
assassinos de suas companheiras, passaram a afirmar então que a paixão
era uma espécie de loucura momentânea, tornando irresponsáveis na
ocasião do crime os que estavam por ela “possuídos” (CORRÊA, 1981,
p.22).
Dessa forma, podemos inferir que os homens em sua maioria matavam as
mulheres por motivo de traição, não aceitação de vê-la com outro mesmo com o fim do
relacionamento, e homens que diziam defender sua honra (como uma defesa de sua
masculinidade). Estes homens foram defendidos e absolvidos socialmente e
juridicamente pautados em discursos introjetados socialmente em uma sociedade
estruturalmente machista, que legitima a violência contra o feminino a partir de uma
legítima defesa da honra, ou seja, absolvem os agressores conferindo ao mesmos como
se eles fossem as vítimas e não os réus, logo crimes absolvidos pela ofensa à honra e a
dignidade familiar.
De acordo com Corrêa (1981):
A narrativa de um crime passional se construía como um enredo de uma
novela: um homem de bem, isto é, noivo, namorado ou amante de bom
comportamento social, encontra um dia sua companheira mantendo
132
relações com outro homem e a mata, ou mata a ambos (CORRÊA, 1981
p.45).
Logo, o adultério classificava-se como um crime que lavaria a honra, ou melhor,
um crime de legítima defesa da honra, ele ainda aparecia como elemento do crime
passional – amor contrariado, dando ênfase à paixão (CORRÊA, 1981). E, diante do
exposto, Corrêa (1981) nos questiona e nos faz questionar o que seria então o amor,
paixão. Quem é honrado, o que é honra? De fato sua honra volta para você quando mata
o outro? O amor e a paixão são sentimentos de afeto desprendido à outra pessoa, quando
este sentimento se transforma em obsessão eis o grande perigo, pois você não deseja
apenas estar com a pessoa, você deseja ter, não consegue visualizar um fim de
relacionamento ou o desejo da pessoa amada por outra pessoa, o querer ter a todo custo,
“se não vai ser minha não vai ser de mais ninguém,” corroborou por muito tempo com
os crimes passionais, em momento de “loucura” momentânea mata-se o ser desejado,
mortes que se fazem presente na sociedade atual também.
Contudo, a ideia de legítima defesa da honra traz consigo a justificativa de
recompor um sentimento de dignidade, ao matar a mulher adúltera e seu amante parece
retomar sua dignidade, sua masculinidade lhe é devolvida ou reconstruída.
Segundo Pimentel, Pandjiarjian e Belloque (2006):
Em que pese os avanços internacionais, regionais e nacionais logrados
em relação ao tema, em especial na década de 90, ainda persistem, e
pleno século XXI, legislações e decisões jurisprudenciais violadoras
dos direitos humanos das mulheres, marcadas pela impunidade de seus
agressores e pela incorporação de estereótipos, preconceitos e
discriminações contra as mulheres vítimas de violência. Essas violações
encontram-se – em especial no Brasil e em demais países da América
Latina e Caribe – refletidas, entre outros aspectos, em certos
dispositivos legais penais discriminatórios referentes à violência sexual.
Encontram-se também em teorias, argumentos jurídicos e sentenças
judiciais que, por exemplo, constroem, utilizam e se valem da figura da
legítima defesa da honra ou da violenta emoção para – de forma direta
ou indireta – justificar o crime, culpabilizar a vítima e garantir a total
impunidade ou a diminuição de pena em casos de agressões e
assassinatos de mulheres, em geral praticados por seus maridos,
companheiros, namorados ou respectivos ex. (PIMENTEL,
PANDJIARJIAN, BELLOQUE, 2006, p. 65/66).
Segundo as autoras até o início do século XXI persistiu-se na luta por leis e
jurisprudência que enquadrasse os agressores, sobretudo, porque os resultados de
sentenças que davam liberdade aos agressores marcam de maneira significativa a
133
incorporação de estereótipos, preconceitos e discriminação das mulheres. Com isso,
podemos dizer que ao decretar liberdade de agressores e assassinos quem sai “vencedor”
é o sistema machista, visto que era na soltura e legitimação do crime como permissível
que o machismo se fortalecia.
As autoras ainda afirmam que:
A comunidade internacional reunida na Organização das Nações
Unidas (ONU) já se manifestou, por mais de uma vez – há vários
documentos a respeito – sua não aceitação e mesmo repúdio às práticas
culturais desrespeitadoras dos direitos humanos das mulheres. A IV
Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing, 1995, em
sua Plataforma de Ação, item 224, estabeleceu que a violência contra
as mulheres constitui ao mesmo tempo uma violação aos seus direitos
humanos e liberdades fundamentais e um óbice e impedimento a que
desfrute deste direito. Ressalta a violência contra as mulheres derivada
dos preconceitos culturais e declara que é preciso proibir e eliminar
todo aspecto nocivo de certas práticas tradicionais, habituais ou
modernas, que violam os direitos das mulheres (PIMENTEL,
PANDJIARJIAN, BELLOQUE, 2006, p. 93).
A violência contra as mulheres é apreendida como uma violação dos direitos
humanos das mulheres, porém o que concerne à violência com morte no Brasil é só no
ano de 2015 que se sanciona uma lei tipificada acerca dos crimes cometidos em virtude
da violência contra a mulher, a Lei 13.104/15, que cria o delito de feminicídio, a qual
nominamos por violência com morte. Deste modo, até então homens matavam suas
esposas, companheiras ou namoradas em nome de uma suposta honra conjugal ou
familiar e/ou sob o discurso de uma paixão sem fim-crime passional.
4.1.1. Feminicídio
Feminicídio é um termo que surge com a sul africana Diana Russel para evidenciar
o assassinato de mulheres, mas este ganha notoriedade com os estudos de Lagarde (2008)
que aborda os assassinatos de mulheres na Ciudad de Juárez no México em 1993, onde
mulheres operárias e da indústria têxtil foram encontradas mortas com amplo grau de
crueldade: queimadas, esquartejadas, jogadas em lata de lixo. O feminicídio, crime contra
a mulher, retira todo caráter de crime de amor, como reivindica e reivindicava a luta
feminista e de movimento de mulheres. Ao chamar de crime passional é como se tirasse
toda a subjetividade feminina e reconhecesse o sujeito masculino como sujeito absoluto,
detentor de poder (vítima e vitorioso). A lei do feminicídio outorgada no Brasil em 15 de
134
março de 2015 coloca a mulher em ênfase, esta é a vítima e não a “réu”. O feminicídio
acaba ganhando status teórico, político e judicial, logo uma reinterpretação dos crimes
vistos como passionais.
A Lei 13.104/2015 qualifica o feminicídio como crime de homicídio, a lei por sua
vez alterou o art. 121 do Código Penal (Decreto Lei nº 2.848/1940), para tanto feminicídio
condiz ao homicídio:
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino
quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher (BRASIL,
2015).
O feminicídio no Brasil está de certo modo atrelado à violência doméstica, como
esse fosse uma extensão da Lei Maria da Penha, visto que as duas leis têm por finalidade
proteger os direitos das mulheres, bem como coibir e prevenir a violência. Além disso, o
feminicídio tem o seu principal cenário o contexto de violência doméstica e familiar, e
que geralmente é precedido pelas violência sem sangue e violência com sangue. Deste
modo, a morte de mulheres pelo fato de serem mulheres abonadas sócio culturalmente
por uma história de dominação, subordinação e de poder do homem sobre a mulher
respaldou os assassinatos relacionados a gênero, logo, o feminicídio.
O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem:
o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita
de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por
parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da
sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao
assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação
ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da
mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante.
Tivemos em nosso País um grande avanço no combate à impunidade e
à violência contra a mulher com a edição da Lei Maria da Penha (Lei nº
11.340, de 2006). Com a promulgação dessa lei, o Estado brasileiro
confirmou seus compromissos internacionais e constitucionais de
enfrentar todo o tipo de discriminação de gênero e de garantir que todos,
homens e mulheres, que estejam em seu território, gozem plenamente
de seus direitos humanos, que naturalmente incluem o direito à
integridade física e o direito à vida. A lei deve ser vista, no entanto,
como um ponto de partida, e não de chegada, na luta pela igualdade de
gênero e pela universalização dos direitos humanos. Uma das
continuações necessárias dessa trajetória é o combate ao feminicídio
(BRASIL, 2013, p. 1003).
135
Neste contexto, o feminicídio no Brasil tem um significado político haja vista que
denuncia a falta de compromisso por parte das Convenções internacionais. Sendo assim,
pode ser compreendido como uma violência política relacionada ao fato de não se tratar
de uma violência eventual, mas sim em uma prática que tem seu fundamento a relação
desigual de poder. Segundo o Mapa da Violência (WAISELFIZ, 2015) dos 50% dos
assassinatos de mulheres no ano de 2013 305 foram mortas pelos seus (ex) companheiros.
O mapa ainda indica que essas mortes tem um lugar lócus, a residência. Isto quer dizer
que, a casa é concebida como o lugar da morte, portanto, o local de risco para as mulheres.
Como dito anteriormente, o feminicídio aparece também como continuação da violência
doméstica, sua fase final. O Mapa da Violência (WAISELFIZ, 2015) nos alude para
outros números significativos, onde apresenta que mesmo com a Lei Maria da Penha em
vigor houve um aumento da violência contra a mulher no ano de 2006, uma pequena
queda no ano de 2007 e posteriormente os números da violência contra a mulher voltaram
a aumentar.
GRÁFICO 04
Dados: Mapa da Violência 2015
Como aponta o Gráfico 04, os números da violência de 2005 a 2013 mostram que
a implementação da Lei Maria da Penha nos seus anos iniciais não conteve de forma
efetiva a diminuição da violência contra a mulher, reverberando-a em violência com
morte. “Feminicídio, portanto, ocorre quando o Estado não garante a seguridade das
mulheres ou cria ambientes no qual as mulheres não estão seguras em suas comunidades
ou lares” (LISBOA, 2010, p.64). Sendo assim, cabe ao Estado criar leis e políticas
públicas que previnam e combatam a violência contra a mulher.
3.884 4.0223.772
4.0234.260 4.465 4.512 4.719 4.762
0
1.000
2.000
3.000
4.000
5.000
6.000
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Taxa de Homícidio por 100 mil habitantes
136
4.1.2. As Marias do RN: quando as violências sem sangue e com sangue
tornam-se violência com morte
No contexto de refletir a violência contra a mulher no Rio Grande do Norte
atrelado ao feminicídio vale lembrarmos agosto de 2016, onde 11 mulheres em
aproximadamente 11 dias foram assassinadas. Destas, sete mulheres foram vítimas de
feminicídio, entendido aqui como violência com morte. Edilene Felipe, Josefa Ferreira,
Francycris Silva foram mortas pelos seus maridos, já Ana D’Avila, Maria do Socorro,
Mykaela Rhuanna e Nayara Régia42 foram mortas pelos ex-companheiros. Mortas no
contexto de relações interpessoais e íntimas ou por alguma razão pessoal por parte do
agressor, podendo estar associado à violência doméstica; e pela apropriação do corpo
feminino como proprietário sob o ideal se não for minha não será demais ninguém.
Ana D’Ávila foi a primeira vítima de feminicídio do Agosto Sangrento do Rio
Grande do Norte, foi assassinada pelo ex- companheiro em Santa Cruz, cidade vizinha da
capital potiguar.
Segundo o delegado da região, Silva Júnior, o responsável teria sido o
companheiro dela. Ana chegou a procurar a delegacia em março,
quando foi aberto inquérito de violência doméstica e o juiz
determinou o afastamento do companheiro43. Apesar da medida, o
homem invadiu a casa em que Ana vivia e a matou a facadas. Ela teria
gritado por ajuda ao vê-lo armado44.
Edilene Felipe foi morta a facadas pelo seu marido na cidade de São José do
Mipibu, grande Natal. De acordo com o delegado Geriz, responsável pelo caso, o marido
da Edilene "era ciumento, bruto, e queria voltar para ela. Eles estavam separados havia
oito dias. Na noite do crime, conversaram em casa... Quando os filhos acordaram, a mãe
estava morta45”.
Mykaella Ruanna foi morta a tiros pelo seu ex- companheiro ao sair da academia
na cidade de Natal. O seu filho de 03 anos presenciou o crime.
"Pa, pa, pa, pa". O som dos tiros que mataram a diarista Mykaella
Ruanna Fagundes, de 21 anos, no Rio Grande do Norte, é repetido pelo
filho dela - órfão aos três anos... Ele estava na hora que aconteceu (o
42Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-37278496 43 Grifos da autora. 44Idem. 45Idem.
137
crime), diz uma parente da vítima à BBC Brasil. "E sabe que a mãe não
volta”46.
As mortes de mulheres vítimas de seus companheiros ou ex-companheiros não teve seu
fim no mês de agosto. Em 12 de dezembro de 2016, o assassinato de Ana Lívia Sales, mulher de
19 anos, mãe de uma criança de seis meses chocou o Rio Grande do Norte, o caso da Ana foi uma
de tantas outras mulheres que no ano de 2016 entraram na estatística da violência com morte. Ana
Lívia foi morta pelo seu ex- companheiro, pai da criança enquanto amamentava o seu filho na casa
da ex-sogra por golpes de faca. De acordo com jornais locais, Ana Lívia teria ido à casa do ex-
companheiro amamentar o filho que passara o dia com o pai, foi acompanhada por uma amiga,
pois tinha medo que acontecesse algo, a amiga ficou do lado de fora esperando a mesma e
comunicando-se pelo celular. Em mensagens antes do crime Ana Lívia teria dito à amiga que
estava com medo, que ele tinha trancado a porta47.
Uma amiga de Ana Lívia esperava por ela na frente da casa e foi a última pessoa
a falar com a vítima pessoalmente e pelo celular. Na última mensagem enviada
pela vítima para a amiga ela escreveu "tô com medo". A amiga respondeu
"qualquer coisa grita". De acordo com a amiga da vítima, o casal se separou
recentemente e a mulher já tinha prestado queixa à Polícia Civil por
violência doméstica48. Vizinhos disseram que ouviam as agressões que seriam
motivadas por ciúmes49.
O agressor e assassino de Ana Lívia Sales, Felipe Cunha Pinto, 19 anos confessou o crime
e disse ter sido motivado por legítima defesa. Felipe Cunha não foi o único a afirmar que teria
cometido o crime por legítima defesa, outros disseram ser por traição. Logo, entendo que estes
mataram suas companheiras ou ex- companheiras sob dois discurso: legítima defesa da honra e
crime passional (lembramos que utilizaram a traição de suas esposas ou souberam de
envolvimento da ex- companheira com outro homem), mais uma vez na premissa se não vai ser
minha não será de mais ninguém. É nesse ideal de legítima defesa, principalmente, da honra sob
o encalce de um crime de amor que homens seguem matando suas companheiras ou ex-
companheiras. É necessário destacar que a mulheres que sofrem violência doméstica são
primeiramente mortas simbolicamente, uma vez que entendemos que as violências sem sangue e
com sangue são as mortes inicias, dado que estas ceifam as mulheres pouco a pouco. Desse modo,
46Idem. 47Fonte:http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2016/12/mae-e-morta-facadas-na-grande-
natal-enquanto-amamentava-bebe.html 48 Grifos da autora. 49Idem
138
questionamos: o que é necessário fazer para que mais mulheres não sejam mortas pelos
seus companheiros ou ex-companheiro? Quem a cultura do machismo
matará/agredirá/violentará hoje?
Assim sendo, pensar os variados tipos de violência contra a mulher no sentido
político permite-nos refletir, a partir das concepções de Judith Butler (2015), sobre como
a mulher em situação de violência constante – seja simbólica, psicológica, moral,
patrimonial, sexual ou física – está inserida numa condição precária da vida. Butler (2015)
define condição precária da vida como sendo:
[...] A condição politicamente induzida na qual certas populações
sofrem com redes sociais e econômicas de apoio deficientes e ficam
expostas de forma diferenciada às violações, à violência e à morte.
Essas populações estão mais expostas a doenças, pobreza, fome,
deslocamentos e violência sem nenhuma proteção. A condição precária
também caracteriza a condição politicamente induzida de maximização
da precariedade para populações expostas à violência arbitrária do
Estado que com frequência não têm opção a não ser recorrer ao próprio
Estado contra o qual precisam de proteção. Em outras palavras, elas
recorrem ao Estado em busca de proteção, mas o Estado é precisamente
aquilo do que elas precisam ser protegidas. Estar protegido da violência
do Estado-Nação é estar exposto à violência exercida pelo Estado-
Nação; assim, depender do Estado-Nação para a proteção contra a
violência significa precisamente trocar uma violência potencial por
outra. Deve haver, de fato, poucas alternativas. É claro que nem toda
violência advém do Estado-Nação, mas são muito raros os casos
contemporâneos de violência que não tenham nenhuma relação com
essa forma política (BUTLER, 2015, p. 46-47).
Nesse sentido, a partir das formulações de Butler (2015), podemos também fazer
uma relação sobre os tipos de violência cometidos pelo o Estado seguindo a mesma linha
de raciocínio já apresentada: violência com sangue, violência sem sangue, violência com
morte. Estamos tentando demonstrar com isso que a mulher em situação de violência
doméstica ao recorrer aos mecanismos oferecidos pelo Estado com o objetivo de proteção
ou amparo, acaba por não se sentir nem protegida nem aparada pelo fato de que o próprio
Estado não proporciona itinerários cabíveis para que essa vítima se sinta devidamente
resguardada pelo o Estado, como, por exemplo, nos casos já citados onde as vítimas
sofrem duplamente a violência cometida contra o seu gênero feminino, uma vez em casa
e a outra na delegacia, uma vez no âmbito doméstico e a outra no ambiente hospitalar.
Essas questões referem-se sociologicamente e historicamente a como o machismo está
incutido nas relações interpessoais e institucionais.
139
Dessa maneira, se torna ainda mais visível a possibilidade de considerar a
violência contra a mulher como um atentado a vivência do gênero feminino, tendo como
pressuposto que a violência como prática social pode ser entendida como uma prática de
não reconhecimento da importância da vida do “Outro”. Esse “Outro” sujeito, ou seja, a
mulher que é passível de ser violentada, humilhada ou assassinada, tem a sua vida perdida
ou negada pelo fato do agressor não reconhecer na figura feminina uma vida que merece
ser vivida ou respeitada.
Afirmar que uma vida pode ser lesada, por exemplo, ou que pode ser
perdida, destruída ou sistematicamente negligenciada até a morte é
sublinhar não somente a finitude de uma vida (o fato de que a morte é
certa), mas também sua precariedade (porque a vida requer que várias
condições sociais e econômicas sejam atendidas para ser mantidas
como uma vida). A precariedade implica viver socialmente, isto é, o
fato de que a vida de alguém está sempre, de alguma forma, nas mãos
do outro (BUTLER, 2015, p. 31).
As questões que essa discussão desemboca e que servem para complexificar ainda
mais a nossa reflexão são: de quantos “Outros” podemos falar quando nos referimos à
violência contra a mulher? Do “Outro” como sujeito agressor? Do “Outro” como
instituição incorporada no papel do Estado que em suas atribuições não oferece com
efetividade proteção e amparo às vítimas de violência doméstica? Ou do “Outro” como
norma social produzida e reproduzida através do machismo? As respostas para essas
indagações talvez sejam acionadas por meio do entrecruzamento formado pelo possível
complemento de suas resoluções explicativas. Em outras palavras, o que estamos
tentando dizer é que não se pode isolar o ponto de vista sobre a violência contra a mulher
em apenas uma via de acesso. Um dos apontamentos do trabalho é que na maioria dos
casos estudados, desde o momento da denúncia, a mulher está sujeita a sofrer variados
tipos de violência em diferentes espaços por diferentes pessoas. Essas violências
“secundárias” podem ser entendidas como extensões do atentado à vida física, psicológica
ou simbólica da mulher em ambiente doméstico. Nesse sentido, reiteramos mais uma vez,
que a perspectiva socioeducativa pode instrumentalizar uma vida sem violência,
perspectiva essa que deve ser ampliada para todas as instituições que direta ou
indiretamente pautem o enfrentamento a violência baseada no gênero no sentido que a
violência sem sangue não transforme-se em violência com sangue, nem tampouco
violência com morte.
140
4.2. REDE DE ATENDIMENTO AS MULHERES EM SITUAÇÃO DE
VIOLÊNCIA NO RIO GRANDE DO NORTE
A temática da violência de gênero contra a mulher vem sendo pautada desde a
redemocratização brasileira. A partir da demanda feminista, reivindicou-se serviços que
amparassem a mulher em situação de violência, serviços jurídicos; sociais; de saúde,
assistência e prevenção. Entretanto, o equipamento que veio respaldar a luta da demanda
das mulheres na década de 80 foi à Delegacia para as Mulheres, em 1985, o Estado
demandou uma política com caráter punitivo, onde por muito tempo foi o principal
aparelho legal no enfrentamento da violência baseado no gênero (embora esta informação
esteja repetida, acho importante mantê-la). Em outras palavras, o Estado entendeu a
violência contra a mulher, essencialmente, como caso de polícia, como mencionado em
uma perspectiva meramente punitiva. Como já pontuamos, foi 20 anos após a criação da
primeira delegacia para mulher que se criou uma lei específica para o enfrentamento da
violência, a lei 11.340/06, que tem em sua construção o caráter punitivo e educativo e,
configura-se hoje como mecanismo legal para prevenção, proteção e punição da violência
doméstica e familiar, uma vez que direciona diretrizes e políticas de combate à violência
aferida ao feminino na esfera doméstica.
Nessa direção, 11 anos passados desde a implementação da LMP, o estado do Rio
Grande do Norte mostra-se incipiente em relação aos serviços destinados as mulheres,
primordialmente, no que diz respeito à violência abalizada no gênero. O Rio Grande do
Norte é composto por 167 municípios, nos quais apenas 07 apresentam
políticas/equipamentos para as mulheres, são eles: Natal, Parnamirim, Mossoró, Caicó,
Passa e Fica, Portalegre e Apodi. Ou seja, 160 municípios do estado não têm
equipamentos específicos para o atendimento à mulher em situação de violência, dessa
forma, utilizam como plataforma de Rede de Atendimento à Mulher, o Cras, o Creas, a
Secretaria de Ação Social e a Secretaria de Assistência Social50.
Tabela 01 EQUIPAMENTOS DE ATENDIMENTO A MULHER NO RIO GRANDE DO NORTE
DELEGACIA ESPECIALIZADA EM ATENDIMENTO À MULHER
JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
50 Destacamos que os 07 municípios listados também têm esses órgãos como rede de atendimento.
141
SECRETARIA EXTRAORDINÁRIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES
SECRETARIA MUNICIPAL DA MULHER – SEMUL
COORDENADORIA DA MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
FAMILIAR-
COORDENADORIA DA DEFESA DA MULHER E DAS MINORIAS - CODIMM
COORDENADORIA DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL –
COEPPIR
NÚCLEO ESPECIALIZADO NA DEFESA DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR – NUDEM
NÚCLEO DE APOIO À MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
– NAMVID
CASA ABRIGO CLARA CAMARÃO
CENTRO ESPECIALIZADO DE ATENÇÃO À MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA
ELIZABETH NASSER
CONSELHO MUNICIPAL DA MULHER
PROMOTORIA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CENTRO DE REFERÊNCIA DA MULHER
Fonte: Portal da Mulher Potiguar, 2017.
A partir da observação do Portal da Mulher Potiguar, fez-se um mapeamento das
políticas de atendimento as mulheres em situação de violência, como dito anteriormente,
o mapeamento constatou que apenas 07 municípios do Rio Grande do Norte têm serviços
voltados para a mulher, sendo que Natal, capital potiguar, concentra predominantemente
esses serviços, seguido respectivamente no que tange a quantidade de serviços ofertados
por Parnamirim, Mossoró, Caicó, Apodi, Passa e Fica e Portalegre.
Tabela 02 Equipamentos- Natal
Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher Zona Leste
Delegacia Especializada em Atendimento à Zona Norte
03 Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
Secretaria Extraordinária de Políticas Públicas para as Mulheres
Secretaria Municipal da Mulher – SEMUL
Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar-
Coordenadoria da Defesa da Mulher e das Minorias - CODIMM
Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – COEPPIR
Centro Especializado de Atenção à Mulher Vítima de Violência Elizabeth Nasser
Núcleo Especializado na Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar –
NUDEM
Núcleo de Apoio à Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar – NAMVID
Promotoria de Violência Doméstica
Casa Abrigo Clara Camarão
142
Conselho Municipal da Mulher Cidadã
Fonte: Portal da Mulher Potiguar, 2017
Tabela 03 Equipamentos -Parnamirim
DELEGACIA ESPECIALIZADA EM ATENDIMENTO À MULHER
NÚCLEO ESPECIALIZADO NA DEFESA DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR – NUDEM
NÚCLEO ESPECIALIZADO DE PROTEÇÃO À MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR
JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
Fonte: Portal da Mulher Potiguar, 2017
Tabela 04 Equipamentos -Mossoró
DELEGACIA ESPECIALIZADA EM ATENDIMENTO À MULHER
CENTRO DE REFERÊNCIA DA MULHER – CRM
JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER MOSSORÓ
CENTRO ESPECIALIZADO DE ATENDIMENTO À MULHER
Fonte: Portal da Mulher Potiguar, 2017
Tabela 05 Equipamentos- Apodi, Caicó, Passa e Fica, Portalegre
APODI Secretaria da Mulher e da Igualdade
CAICÓ Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher
PASSA E FICA Coordenação da Defesa da Mulher
PORTALEGRE Coordenadoria de Políticas para Mulheres de Portalegre
Fonte: Portal da Mulher Potiguar, 2017
Dos equipamentos mencionados acima, como forma de situar o (a) leitor (a),
apresentamos sucintamente os equipamentos de enfrentamento à violência na cidade de
Natal, escolhemos a capital potiguar por esta atender à maior demanda da violência contra
a mulher, além de sediar os principais equipamentos de proteção a violência no Rio
Grande do Norte: Casa Abrigo Clara Camarão; Centro de Referência Mulher Cidadã;
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; Centro Especializado de
Atenção à Mulher Vítima de Violência Elizabeth Nasser; Coordenadoria da Defesa da
Mulher e das Minorias – CODIMM; Núcleo de Apoio à Mulher Vítima de Violência
143
Doméstica e Familiar – NAMVID, Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher
e Secretaria Extraordinária de Políticas Públicas para as Mulheres.
Das políticas citadas destaca-se o Núcleo de Apoio à Mulher Vítima de Violência
Doméstica e Familiar – NAMVID, Secretaria Extraordinária de Políticas Públicas para
as Mulheres e a Coordenadoria da Defesa da Mulher e das Minorias – CODIMM como
principais mecanismos de proteção e prevenção da violência, enquanto política integral a
mulher.
O NAMVID é vinculado a Promotoria de Justiça de Natal, o núcleo surge a partir
de convênio com o Ministério Público do Rio Grande do Norte, através da Resolução n°
188/2011 da Procuradoria Geral da Justiça (PGJ), “considerando que tal convênio
permitirá o fortalecimento da atuação do Ministério Público e a efetivação no Estado da
Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha)” (MPRN, 2011a). De acordo com a Resolução
é competência do NAMVID organizar e apoiar campanhas que promovam discussão
sobre os efeitos sociais e pessoais da violência baseada no gênero; capacitação dos
membros e servidores do MPRN; promover campanhas educativas, entre outras, de forma
geral propor e executar políticas institucionais relacionadas a temática de gênero (MPRN,
2011a).
O Núcleo tem seus princípios ancorados a partir de uma concepção educativa e
preventiva da violência contra a mulher. É composto por uma equipe multidisciplinar,
constituída por promotora de justiça-responsável pela coordenação, assistente social e
psicóloga. Dentre as competências que lhe cabe, o Núcleo vem desenvolvendo
capacitação no que tange o Grupo Reflexivo de Homens nos municípios do estado. Em
2017, psicólogas e assistentes sociais dos municípios de Pau dos Ferros, Marcelino
Vieira, Tenente Ananias, Alexandria, Pilões, João Dias, São Paulo do Potengi, Sítio
Novo, Serra Caiada, Senador Eloi de Souza e São Gonçalo do Amarante foram
qualificadas pelo NAMVID no enfrentamento da violência doméstica e familiar. A
capacitação consistiu em explicações acerca do funcionamento da entidade, das questões
de gênero e o Grupo Reflexivo. Como mencionado anteriormente, as ações desenvolvidas
pelo Núcleo estão alicerçadas nas políticas institucionais ligadas ao debate de gênero, ou
seja, implementação de programas e campanhas que evidencie tal discussão, bem como
articulação com entidades (MPRN, 2011a) que pontuem a proteção e prevenção da
mulher em situação de violência. Entre os serviços possibilitados estão o Grupo Reflexivo
para Homens: por uma atitude de paz, Rede Mulher, Violência de Gênero, Discutindo a
144
Lei Maria da Penha no ambiente de trabalho, Lugar de Amor e Respeito (LAR) e Guardiã
Maria da Penha.
Outro equipamento que apontamos como alicerce das políticas de gênero é a
Secretaria Extraordinária de Políticas Públicas para as Mulheres, a qual foi decretada em
janeiro de 2015 pelo governador do Estado, Robinson Faria, juntamente com a Secretaria
Extraordinária de Juventude. Segundo o decreto 24.949/2015, é de competência da
Secretaria Extraordinária de Políticas Públicas para as Mulheres:
I - desenvolver ações institucionais voltadas para a igualdade de
gêneros;
II - atuar, em articulação com órgãos governamentais e instituições não
governamentais, com o objetivo de fortalecer as políticas públicas
voltadas para as mulheres;
III - propor, ao Governador do Estado, a adoção de políticas públicas
voltadas para as mulheres, além das já existentes;
IV - formular, ao Governador do Estado, proposta de reestruturação
do Conselho Estadual de Políticas Públicas para as Mulheres, que
poderá contemplar, em sua composição, a paridade entre o Poder
Público Estadual e a sociedade civil;
V – propor, ao Governador do Estado, a realização da Conferência
Estadual de Políticas para as Mulheres;
VI - auxiliar a realização, pelos Municípios, das Conferências
Municipais de Políticas para as Mulheres;
VII - propor, ao Governador do Estado, a adoção de meios capazes de
assegurar a consolidação do Plano Estadual de Políticas para as
Mulheres;
VIII - propor, ao Governador do Estado, o desenvolvimento de ações
articuladas com a Secretaria de Políticas para as Mulheres da
Presidência da República (SPM-PR) com o objetivo de implementar,
no âmbito deste Estado, o Plano Nacional de Enfrentamento à
Violência contra as Mulheres51 (PNPM);
IX - desempenhar outras atribuições correlatas quando, para tanto,
receber as devidas designações (RIO GRANDE DO NORTE, 2015).
O decreto 24.949/2015 aponta que a Secretaria Extraordinária de Políticas
Públicas para as Mulheres deve propor, atuar e formular políticas públicas estaduais, bem
como auxiliar a realização de eventos para as mulheres em parceria com os municípios.
Além disso, indica a articulação da Secretaria com a Secretaria de Políticas para as
Mulheres (SPM-PR) e com o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência contra as
Mulheres (PNPM). Para tanto, a implementação de políticas voltadas para o
enfrentamento à violência baseada no gênero consiste em uma ação de vários setores,
saúde, segurança pública, justiça, educação, assistência social, entre outros. A articulação
51 Grifos da autora.
145
permite “ações que combatam as discriminações de gênero e a violência contra as
mulheres; interfiram nos padrões sexistas/machistas ainda presentes na sociedade
brasileira” (SPM-PR, 2011, p. 25). Dessa forma, a Secretaria Extraordinária ao dialogar
com o PNPM aduz os princípios que norteiam o plano de enfrentamento: prevenção-
ações educativas; assistência - fortalecimento da Rede de Enfrentamento a Violência e
qualificação dos agentes públicos; enfrentamento e combate - ações punitivas e
cumprimento da Lei Maria da Penha e, acesso a garantia de direitos – cumprimento da
legislação nacional e internacional (SPM-PR, 2011).
Portanto, cabe a Secretaria Extraordinária propor ao governador a implementação
de programas e projetos que se alinhem as ações desempenhadas pela SPM-PR. Nesse
contexto, temos o exemplo, do Projeto Maria da Penha vai à Escola, como uma medida
socioeducativa que se alinha a apreensão preventiva de ações educativas no
enfrentamento da violência contra a mulher. O deputado Dison Lisboa (PSD)52 propõe
tornar lei estadual o projeto da Secretária Estadual de Políticas Públicas para as Mulheres.
Destacamos que o município de Natal tornou tal projeto em lei municipal.
A Coordenadoria da Defesa da Mulher e das Minorias – CODIMM é responsável
por fiscalizar os serviços já existentes para atender as mulheres e minorias. É a primeira
Coordenadoria brasileira vinculada à Secretaria do Estado da Segura Pública, através da
Secretaria da Defesa Pública e da Defesa Social (SEDED), o que nos faz entender que o
estado do Rio Grande do Norte aponta a violência deferida entre as minorias ( LGBT,
idosos e portadores de limitações físicas) e as mulheres como questão de segurança
pública e social. É atribuição da Coordenadoria promoção e articulação de políticas
públicas, elaboração de projetos e a coordenação de equipe multidisciplinar para
implementar as políticas para as mulheres. Isto é, a Coordenadoria além de fiscalizar os
equipamentos já existentes de proteção para as mulheres tem que elaborar e auxiliar
políticas e projetos no combate ao enfrentamento da violência e discriminação, assim
como estimular o diálogo e discussão das questões que giram em torno da mulheres e
minorias. Além disso, a Coordenadoria administra os dados e serviços das violências
contra as mulheres e os homossexuais, por meio do SOS Mulher e Disque Defesa
Homossexual.
É importante salientar por que expusemos esses órgãos, e não os equipamentos
como a Casa Abrigo, Centro do Referência ou a DEAMs. Apresentamos esses, por que
52 Ver: http://agorarn.com.br/cidades/projeto-maria-da-penha-vai-as-escolas-pode-virar-lei-no-rn/
146
entendemos que a efetividade de políticas públicas com teor socioeducativo perpassa
diretamente as ações dos órgãos competentes, principalmente, os dois últimos. A
responsabilidade de encarar a violência como problema social e enfrentá-la com o viés
educativo possibilita não erradicar, mas diminuir o índice de violência baseada no gênero.
Nesse sentido, é necessário que o artigo 8° da Lei Maria da Penha seja efetivado, tendo
em vista que indica as principais diretrizes socioeducativas que podem ser implantadas
pelo Estado, como: promoção de campanhas educativas voltadas ao público escolar
promoção de estudos com perspectiva de gênero, convênios e parcerias com organismos
que objetivam o combate à violência, capacitação dos servidores públicos quanto ás
questões de gênero e destaque no currículo escolar de todo nível com conteúdo que de
direitos humanos, equidade de gênero53 e violência doméstica (BRASIL, 2006).
Lançamos as palavras para evidenciar que a Lei Maria da Penha sublinha o caráter
socioeducativo como função do desmonte das construções de discriminações baseada no
gênero. Ademais, a CODDIM e a Secretaria Extraordinária para as Mulheres no Rio
Grande do Norte assinalam o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência contra as
Mulheres como plataforma a ser seguida, dessa forma, deve-se implantar dispositivos e
programas, promoções com características educativas para além de Natal e região
metropolitana, o interior do Rio Grande do Norte tem e deve demandar atenção para
promoção de políticas que discuta violência com perspectiva de gênero. Apontamos aqui
o Projeto Maria da Penha vai à Escola como principal instrumento educativo, até então
no Rio Grande do Norte, mas devemos elucidar que este percorre os municípios que o
demandam.
À luz dos dados apresentados acima entendemos que a ausência de aparelhos
destinados ao enfrentamento da violência reforça a violência contra a mulher, assim como
dificulta um trabalho em rede. Nesse sentido, é importante retomar a Lei por meio do
artigo 3° que expressa às mulheres condições para o exercício efetivo dos direitos à vida,
à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, sobretudo, dá responsabilidade
ao poder público na construção de políticas que visem garantir os direitos às mulheres.
Contudo, o Estado do RN, apresenta quantitativamente poucas políticas que garantam
segurança à mulher em situação de violências, por exemplo, as DEAMs, são 05 no total,
03 na Grande Natal (02 em Natal e 01 em Parnamirim) funcionando de segunda- feira a
sexta-feira em horário comercial, 01 na região Oeste, Mossoró, e outra em Caicó,
53 Grifos da autora.
147
funcionando de segunda- feira a sexta-feira em horário comercial. A Casa Abrigo atende
somente 30 mulheres que podem abrigar-se até 03 meses na mesma. Deste modo,
compreendemos que o Estado não converge de forma efetiva com a Lei, uma vez que as
políticas públicas direcionadas ao enfrentamento da violência não atinge a todas de forma
igual.
Outrossim, os 160 municípios do estado que não tem equipamentos específicos de
enfrentamento à violência contra mulher utilizam o Cras e o Creas como ferramentas para
tal enfrentamento, ou seja, esses constituem-se como uma rede de atendimento. Apesar
disso, em conversa com psicóloga do Cras e Creas, em relação ao atendimento às
mulheres em situação de violência, ela afirmou que há grupos para as mulheres nos
municípios e que essas são acompanhadas pela assistente social e/ou psicóloga, porém
campanhas, programas são apresentadas somente em datas comemorativas, como o 08 de
março e Agosto Lilás. Salientamos que de acordo com a psicóloga apresenta-se nessas
datas a violência contra a mulher a partir da Lei Maria da Penha, inclusive, a mesma foi
responsável por palestrar no último Agosto Lilás sobre a Lei, no entanto informou que
não houve e que não há capacitação para discussão acerca da violência de gênero. Isto é,
de acordo com a psicóloga, a apresentação se deu a partir de dados copilados da internet
e ajuda da pesquisadora54. Diante disto, a partir da fala da psicóloga, observamos que não
há uma inclusão da perspectiva de gênero, apresentam-se as violências nomeadas na Lei,
mas não se aprofunda a discussão que a Lei proporciona, as relações de poder, as
desigualdades entre os gêneros, machismo, assim como quem são as mulheres sujeitas à
violência. Apontamos tais categorias como fundamentais para compreender a (des)
construção de um corpo violentado. Dessa forma, a utilização do Cras e Creas como
principal ferramenta no combate à violência nos 160 municípios potiguares aponta os
desafios à materialização da Lei Maria da Penha, tendo em vista que essa tem que ser
problematizada e refletida para além de apresentação das violências nomeadas na Lei e
datas comemorativas, bem como para prevenir uma possível agressão. Entretanto, como
já apontamos, o NAMVID tem sido o dispositivo de capacitação de psicólogos e
assistentes sociais do Creas e Cras para subsidiar a discussão acerca de gênero e a
violência doméstica.
Contudo, diante do exposto, mais uma vez percebemos a “falha” do Estado, a não
articulação e relação operacional dos Governos estadual e municipal, ou seja, indo na
54 A psicóloga procurou-me para que eu pudesse subsidiar a apresentação da mesma sobre a Lei Maria da
Penha.
148
direção contrária do artigo 8° da Lei ao afirmar que medidas integradas de prevenção a
violências se dá por um meio articulado de ações da União, do Estado, dos Municípios e
organizações não governamentais (BRASIL, 2006). Apesar disso, não estamos dizendo
que nos 164 municípios norte rio-grandenses (incluindo aqui Apodi, Caicó, Passa e Fica
e Portalegre) não haja uma articulação dos municípios com organizações não
governamentais, nem tampouco com o Governo estadual, mas sim que há uma articulação
momentânea, em eventos específicos, tais como o Agosto Lilás e agora com o Projeto
Maria da Penha vai à Escola. Compreendemos o Creas e o Cras como instrumento que
possibilita uma efetividade parcial, pois acredita-se que a falta de capacitação dos
agentes55 de informação, prevenção e problematização da LMP é ineficaz56 para a
efetividade da Lei Maria da Penha, se faz importante apresentar os Núcleos como
ferramentas eficazes para tal efetividade, visto que o Núcleo Especializado na Defesa da
Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar – NUDEM e o Núcleo de Apoio à
Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar – NAMVID são responsáveis pela
aplicabilidade de campanhas, projetos e programas de combate à violência baseada no
gênero, isto quer dizer, que esses Núcleos estão em consonância com a Lei,
principalmente, sua perspectiva socioeducativa, visto que promovem palestras e ações
educativas, sinalizando tais ações como instrumento de desconstrução de violências.
Destacamos o projeto Maria da Penha vai à Escola, Grupo Reflexivo: por uma atitude
de paz, Reconstruindo o Self e Projeto Lumiar sob a luz da Lei Maria da Penha como
principais medidas socioeducativas promovidas a partir dos Núcleos no Rio Grande do
Norte.
4.2.1. LPM: Serviço para homens
Os grupos reflexivos57 são serviço para homens (LOPES, 2016) que conotam a
importância dos papéis e da política na disposição e gestão das ações para homens autores
de violência doméstica a partir de debates e palestras acerca das relações de gênero e
violência, “tais empreendimentos hoje encontram-se relativamente difundidos entre
55Dos 160 munícipio do Estado somente uma pequena parcela teve algum tipo de capacitação acerca da
temática de gênero. 56Ao afirmamos esses instrumentos como ineficazes para o combate à violência de gênero, acima de tudo
a doméstica e familiar, estamos assinalando que esses não devem ser o a única ferramenta municipal no
enfrentamento da violência. 57Segundo Lopes (2016), no Brasil na década de 90 grupos não governamentais já ofereciam esse serviço
para homens, porém só houve reconhecimento destes com a nova legislação.
149
outros agentes: além das ONGs, diferentes instâncias do executivo e do judiciário
realizam esses serviços” (LOPES, 2016, p.7). No Rio Grande do Norte, temos o Grupo
Reflexivo: por uma atitude de paz e o Reconstruindo o Self que atendem os homens da
Grande Natal, esses grupos tem como incumbência acolher e discutir a problemática da
violência contra a mulher, assim como, apresentar as questões de gênero que constrói
homens como sujeito da violência/agressor e a mulher como agredida por meio de ações
socioeducativas. E, ainda, desmontar a percepção que a Lei Maria da Penha corrobora
para desigualdade entre os gêneros. Neste sentido, a ponderação proporcionada pelos
grupos constitui-se a partir de questões que lhes são próprias, como construção violenta
dos gêneros, masculinidade, a fim de pontuar as implicações que recai nas mulheres. Tais
categorias suscitam a problematização acerca das desigualdades, papéis, direitos e relação
de poder entre os gêneros. Compreendemos que os grupos reflexivos têm o papel de
desmontar as categorias mencionadas anteriormente, e indicar a violência doméstica
numa perspectiva relacional de gênero (BENTO, 2006).
O trabalho com homens autores de violência doméstica e familiar
contra a mulher, no âmbito do Direito, é uma inovação proposta na Lei
Maria da Penha como um dos mecanismos de enfrentamento à violência
contra a mulher. Com caráter reflexivo/ educativo, essa ação, destinada
aos homens a partir de um processo judicial, já tem sido implementada
em muitas comarcas espalhadas pelo Brasil como ferramenta para
promoção da proteção à mulher (LEITE, LOPES, 2013, p.22).
Leite e Lopes (2013) chamam atenção ao aferir os grupos reflexivos para homens
no contexto da violência doméstica como inovador, pois para os autores, o caráter
reflexivo/educativo constitui-se como mais um mecanismo de proteção e prevenção no
enfrentamento da violência contra a mulher. Sendo assim, concordamos com os autores
ao pontuarem que para a política de combate à violência de gênero contra a mulher seja
efetiva em sua aplicabilidade precisa ser concebida a partir do aspecto
reflexivo/educativo, sobretudo, dos três eixos norteados pela Lei Maria da Penha,
punição; proteção e assistência; e prevenção e educação, ou seja, uma combinação e
equilíbrio dessas medidas (LEITE, LOPES, 2013). Nessa direção, apresentamos os
Grupos Reflexivos de Natal e Parnamirim, uma vez que se alinham as perspectivas
apresentadas.
O Grupo Reflexivo: por uma atitude de paz é um equipamento vinculado ao
NAMVID através do Ministério Público do Rio Grande do Norte, que vem
150
desenvolvendo desde 2012 ações para homens autores de violência doméstica. Conforme
José Rafael Dantas (2017), o grupo já atendeu desde sua implementação cerca de 300
homens distribuídos em 26 grupos. O autor chama atenção para as questões que são
trabalhadas no grupo, entendendo que essas giram em torno das questões de gênero. Nesse
sentido, o Projeto Grupo Reflexivo de Homens: por uma atitude de paz (MPRN, 2011b)
acredita que é necessário ampliar o atendimento para além da mulher em situação de
violência.
Necessário estendê-lo ao acusado, as crianças e adolescentes
envolvidas, nesses conflitos, enfim, a toda família. Afinal, não adianta
só institucionalizar o indivíduo acusado, se não existir no sistema
prisional ações ou políticas que promovam a conscientização do mesmo
em prol de uma mudança de atitude em frente a suas vítimas e suas
atitudes enquanto sujeito social. Logo, o fato do indivíduo estar recluso
não garantirá o rompimento do ciclo da violência, uma vez que toda
situação familiar e histórica permanecerá a mesma após o cumprimento
da pena (MPRN, 2011b, s/p).
O texto acima sinaliza a acepção de uma perspectiva socioeducativa no
enfrentamento da violência, ou seja, a promoção de ações pedagógicas para a ruptura das
violências aferidas do masculino sob o feminino. Diante disto, o documento escrito pelo
Ministério Público do Rio Grande do Norte, entende que a implementação de Grupo
Reflexivo é um mecanismo que possibilita uma ação voltada para homens autores de
violência, no mais, pensa-se essa ação a partir de desconstruções (gênero, estereótipos,
feminilidades e masculinidades, relação de poder). Ainda de acordo com MPRN (2011b),
o projeto tem por finalidade estimular, nos homens autores de violência, reflexão sobre
as suas atitudes/agressões; problematizar a Lei Maria da Penha no contexto de violência
doméstica na promoção de igualdade; promover alternativas diante de situações de
estresse e, a criação de um espaço compartilhado de escuta. Assim sendo, o projeto de
implementação de grupo reflexivo no Estado dialoga com a Lei Maria da Penha, os artigos
35º e 45º, visto que a Lei sinaliza este como uma ferramenta legal para desconstrução da
violência entre os gêneros. Para tanto, se faz necessário uma abordagem
psicosocioeducativa que visibilize e promova a ruptura de conceitos engendrados e
impostos sócio historicamente. O texto do projeto sinaliza tal abordagem, compreendendo
o caráter psicosocioeducativo como princípio de intervenção para proporcionar aos
homens autores de violência doméstica o processo de responsabilidade de suas atitudes,
151
assim como a compreensão de fatores históricos, culturais e sociais na construção do
masculino como sujeito da violência.
Ressaltamos que o grupo atende às demandas dos juizados de violência doméstica
dos munícipios de Natal, Parnamirim, Macaíba e São Gonçalo do Amarante. Os grupos
são formados por 10 homens autores de violência doméstica sob assistência da
coordenadora do projeto, psicóloga e assistente social. A frequência é semanal e consiste
em 10 encontros que debate tais temas:
1º encontro: Apresentação pessoal através de dinâmica de grupo.
Esclarecimento de dúvidas e estabelecimento de regras de convivência.
A importância do sigilo. Saber da expectativa do grupo e da importância
dos encontros. Apresentação e discussão do filme Acorda Raimundo,
Acorda! Reflexão sobre papéis familiares58e conflitos de convivência.
2º encontro: Introdução as discussões de gênero. Dinâmica sobre o que
é ser homem e mulher. Questões biológicas/sociais/históricas e
culturais. Reflexões sobre violência.
3º encontro: O papel da comunicação e a solução de conflitos a partir
do diálogo. Trabalho motivacional. Convivência familiar: Como é
percebida a dinâmica familiar e a importância da comunicação.
4º encontro: identificação do comportamento agressivo – Prevenindo
a violência e como ter o controle da raiva.
5º encontro: Considerações sobre Direitos humanos. O conceito de
direito e suas interfaces.
6º encontro: História da Lei Maria da Penha e a sua execução.
Momento de tirar dúvidas sobre questões jurídicas e legais.
7º encontro: Uso abusivo de álcool e outras drogas. Conceito de
dependência química. Conhecendo as drogas no organismo: como
prevenir, identificar e tratar.
8º encontro: Saúde do homem: sexualidade, doenças sexualmente
transmissíveis e comportamentos de risco. Identificação da violência
sexual.
9º encontro: Avaliação geral da equipe e participantes. Verificação da
situação familiar e expectativas pós-grupo.
10º encontro: encerramento com momento motivacional (MPRN,
2011, s/p).
Os pontos elencados acima reforçam a natureza da perspectiva adotada para
dialogar com autores de violência doméstica, dessa forma, gênero aparece como categoria
basilar no processo de (des)construção da violência baseada no gênero. Deste modo,
podemos observar que conforme o texto do projeto tais categorias são acionadas em
consonância com visitas institucionais realizadas pela rede de atendimento as mulheres
em situação de violência doméstica e familiar, na qual foi verificado a partir dos discursos
das mulheres que não existia nenhuma intervenções/ação voltada para os autores de
58Grifos da autora
152
violência no estado do Rio Grande do Norte, principalmente, na desconstrução da
naturalização da violência como inerente ou condicionada ao masculino (MPRN, 2011b),
isto quer dizer que, a implementação de grupo reflexivo como serviço para homens
(LOPES, 2016) possibilita a estes sujeitos problematizar e refletir a violência a partir da
construção violenta dos gêneros.
Vale ressaltar ainda que o Grupo de Reflexivo: por uma atitude de paz apesar de
receber homens autores da violência doméstica e familiar trava uma discussão para além
de uma apresentação da Lei Maria da Penha, como vimos anteriormente elencado nos 10
encontros. E, ainda é importante apontar que não cabe aqui defender nem muito menos
condenar esses homens, mas sim apresentar dispositivos que discuta o gênero como
categoria socioeducativa para romper uma vida de violência. Nesse sentido, indicamos
que a construção de gênero constrói sujeitos femininos e masculinos de forma violenta.
Logo, a discussão acerca da violência baseada no gênero, nesse caso para homens autores
de violência doméstica, sob processo judicial da Lei Maria da Penha, corrobora para que
estes sujeitos construam novas reflexões. O serviço para homens (LOPES, 2016), por
meio de grupos reflexivos, chama atenção para um campo emergente no requerimento de
mecanismos para homens autores de violência doméstica (DANTAS, 2017).
É importante reiterar que está sendo ampliado a outros municípios do estado,
como Parnamirim, São Gonçalo e Macaíba o grupos reflexivos. A efetivação dos Grupos
fica sob a responsabilidade dos Centros de Referência Especializado de Assistência
Social (CREAS). O NAMVID, além do grupo reflexivo foi apresentado em 2014, o
projeto Violência de gênero: um diálogo possível nas escolas que percorreu escolas
municipais de Natal das quatro regiões (norte, sul, leste e oeste) do ensino fundamental.
A dinâmica adotada foi apresentação de palestra e uma peça teatral.
De acordo com a Promotora de Justiça Érica Canuto, Coordenadora do
NAMVID e também do projeto, a ideia é trabalhar a temática dentro da
escola, devido a algumas violências de gênero começar no próprio
ambiente educativo. “Temos que aproveitar o espaço em favor de sua
própria ação educativa na desconstrução de desigualdade de gêneros e
prevenção da violência”, declarou (MPRN, 2014)59.
59Entrevista da coordenadora do NAMVID ao site do MPRN. Ver:
http://www.mprn.mp.br/portal/inicio/noticias/6281-6281-namvid-inicia-projeto-de-prevencao-a-
violencia-de-genero
153
O projeto possibilitou a problematização da discussão da violência de gênero nas
escolas municipais da cidade de Natal, e configura-se como pioneiro para o projeto Maria
da Penha vai à Escola. A recepção do projeto serviu como pressuposto para
implementação do que veio em seguida60. No mais, esses projetos aludem à prevenção
das violências baseadas no gênero. Por conseguinte, afirmamos mais uma vez neste
trabalho que para visualizar uma mudança efetiva no processo de construção da violência
baseada no gênero é fundamental que se pense esse tipo de violência, primordialmente, a
partir da perspectiva socioeducativa, ou seja, a perspectiva punitiva não deve ser
compreendida como primeira resposta da violência baseada no gênero.
Assim como o Grupo Reflexivo de Homens: por uma atitude de paz que atende a
Grande Natal, temos o Reconstruindo o Self, vinculado ao Centro de Referência
Especializado de Assistência Social de Parnamirim (CREAS), em parceria com o
Ministério Público-RN, que desenvolve ações com perspectivas pedagógicas no
município de Parnamirim, região metropolitana do estado potiguar. O projeto tem como
premissa a reeducação de homens autores de violência doméstica, o que faz compreendê-
lo como um grupo reflexivo. Ademais, cada município é responsável por inclusão de
políticas, programas e projetos que atendam a demanda da violência contra a mulher.
Assim sendo, o Creas e o Cras configuram-se como equipamentos que podem subsidiar
a ausência de aparelhos específicos no combate à violência de gênero. O Reconstruindo
o Self trabalha a partir da perspectiva socioeducativa com a intenção de fazer que os
homens no contexto da violência (re) pensem as relações de gênero. Nessa direção,
segundo o juiz do Juizado de Violência Doméstica, Familiar e contra a Mulher-
Parnamirim, Deyvis de Oliveira Marques61 o projeto objetiva romper com o ciclo da
violência por meio de ações educativas, de acordo com o juiz aproximadamente 180
homens passaram pelo serviço.
Como já sinalizado, os serviços para homens autores de violência doméstica e
familiar é algo recente, uma recomendação da Lei 11.340/06, a partir dos artigos 35º e
45º. Retomamos o artigo 45°, parágrafo único, que aduz que o juiz pode designar para o
60 Lembramos que em 2013 o Núcleo Tirésias-UFRN, ofereceu um curso de capacitação para os professores
do município de Natal em parceria com a Prefeitura de Natal. O curso consistiu em 04 encontros aos
sábados, o qual discutia gênero e sexualidade. Inicialmente, o curso seria apenas para professores/as do
município, mas devido à demanda teve uma segunda turma aberta. Vale destacar que o Tirésias percorreu
algumas escolas da cidade de Natal para palestrar com os alunos, a demanda veio a partir dos/as
professores/as que participaram do curso. 61 Ver: http://www.tjrn.jus.br/index.php/comunicacao/noticias/10840-juizado-da-violencia-contra-a-
mulher-e-creas-implementam-projetos-em-parnamirim. Acessado em 18/12/2017.
154
agressor comparecimento obrigatório em programas de reeducação (BRASIL, 2006). Em
outras palavras, ao encaminhar esses sujeitos para grupos reflexivos, há possibilidade que
com esses programas haja uma ruptura do processo construído socialmente e
historicamente em torno das relações de gênero, tendo em vista que os grupos reflexivos,
Reconstruindo o Self e o Grupo Reflexivo para Homens: por uma vida de paz, têm caráter
preventivo, pois entendemos que este serviço pode “desmontar” os homens autores de
violência por meio de uma (re)educação. Logo, a não reincidência de práticas violentas
contra a mulher, no entanto, cremos que o número de 10 encontros é apenas o ponto de
partida no processo de desconstrução desses sujeitos.
A experiência reflexiva orientada sob uma perspectiva feminista
procurará, no caso destes grupos, incorporar o(s) relato(s) de
violência(s), outros aspectos da vida conjugal e familiar dos sujeitos,
bem como diversos elementos da vida, com intuito de, partido dessa
matéria-prima e em constante diálogo dos participantes entre si e destes
com os facilitadores, possibilitar a emergência de (re)leituras que
conduzam os próprios homens a melhor se compreenderem no interior
das relações que estabelecem e, ao mesmo tempo, tornar conhecidas e
possíveis diversos outros modos de relações pessoais não violentas,
modos de resolução e mediação de conflitos que não impliquem recurso
às diversas formas de violência. Esse elemento reflexivo e prático, em
certo sentido, instrumental, confere a esses serviços uma conotação
específica quando conjugado ao adjetivo “educativo”. Por educativo,
neste caso, não nos referimos a uma mera questão conteudística,
preocupada em transmissão de determinados domínios/linguagens
definidos como universalmente válidos e inquestionáveis. Mais
próximo das reflexões de Paulo Freire, postula-se uma experiência
pedagógica que, baseada no reconhecimento dos saberes e nas
referências dos sujeitos envolvidos no processo de ensino-
aprendizagem, não só dos participantes, mas também da equipe de
profissionais que com eles atua, construa-se um conhecimento que, ao
mesmo tempo produzido como saber, produza-se também como prática
e, neste processo, conduza a novas experiências de libertação,
autonomia e outras formas de edificação de si e, deste modo, de relação
com o outro (LEITE, LOPES, 2013, p. 28).
Os autores sugerem que as intervenções com homens autores de violência devem-
se dar a partir da perspectiva feminista, já que a concepção da violência por esta
perspectiva elabora a compreensão das relações de poder e dominação masculina. Para
tanto, dar voz às mulheres em situação de violência, ou seja, transformar as vozes
silenciadas em barulho. Ademais, Leite e Lopes (2013) ponderam através de Paulo Freire
o processo de ensino-aprendizagem nos grupos reflexivos, assinalando que estes devem
adotar uma acepção pedagógica de compartilhar e trocar saberes. Isto é, criar
possibilidades que o agressor “seja o agente de uma reflexão transformadora, tendo as
155
dinâmicas relativas aos gêneros e às violências como elementos que cruzam todo o
processo”, (LEITE, LOPES, 2013, p. 28), para que a partir disto, desenvolva-se e
potencializem-se relações que não terminem em violências, independentemente das
relações de gênero. Diante do exposto, é importante ressaltar que a Lei Maria da Penha
não ordenava a criação de espaços de (re) educação para os agressores, mas sim sinalizava
a possibilidade destes. Nesse sentido, podemos observar que a não obrigatoriedade deste
serviço pode ser a resposta da ausência do mesmo nos municípios norte rio-grandense. É
a partir da iniciativa do MPRN em 2016 com o grupo reflexivo que o Senado Federal
aprova a alteração da LMP, tornando obrigatória aos homens autores de violências
passarem por reabilitação em centros de educação62.
4.2.2. Maria da Penha vai à Escola
Para que a lei cumpra a sua função social, que é garantir a proteção
integral da mulher e fazer cessar definitivamente a violência, é preciso
avançar na constituição de uma rede de proteção pelo Estado (Centros
de Referência, Núcleos de Atendimento, Casas-abrigo, Casas de
Acolhimento Provisório, Delegacias Especializadas, Núcleos nas
Defensorias Públicas, Promotorias Especializadas, Juizados Especiais
de Violência Doméstica e Familiar), sendo necessário, ainda, uma
postura de mais comprometimento das instâncias judiciais no sentido
de promoverem, além da aplicação de medidas de caráter repressivo de
acordo com o contexto da criminalidade, a aplicação de medidas de
caráter educativo, visando mudanças estruturais no contexto da cultura
da violência no Brasil ( LEITE, LOPES, 2013, p.24).
No Rio Grande do Norte, o projeto Maria da Penha vai à escola tem por objetivo
apresentar a comunidade escolar a Lei Maria da Penha. O projeto é oriundo de uma
parceria com entidades que pautam o enfrentamento à violência doméstica no estado
potiguar, a Defensoria Pública, a Coordenadoria de Defesa da Mulher e das Minorias
(CODIMM), vinculada à Secretaria da Segurança Pública e da Defesa Social (Sesed-RN)
em diálogo com Secretaria de Estado da Educação (SEEC) e a Fundação José Augusto.
O projeto tem percorrido os municípios do Rio Grande desde 2016. A fim de subsidiar as
questões de violência doméstica. É distribuído nas escolas municipais e estaduais os gibis,
As Marias: em a Maria da Penha vai à Escola. O gibi apresenta a discussão da Lei Maria
62Ver: http://www.mprn.mp.br/portal/inicio/noticias/7361-iniciativa-do-mprn-inspira-projeto-de-lei-
aprovado-no-senado
156
da Penha na sala de aula da professora Mariazinha. O material expõe de forma lúdica as
cinco formas de violências que a Lei aborda, bem como as medidas de prevenção e
proteção. Além dos gibis o projeto distribui panfletos e conta com palestra e apresentação
de mamulengo.
Figura 01. Panfletos e cartilha distribuída na escola Fonte: Portal da Mulher Potiguar
Figura 02. Cartilha: As Marias em: Maria da Penha vai à escola Fonte: Portal da Mulher Potiguar
Entendemos o projeto como uma ferramenta importante para a educação de
docentes e discentes na (des) construção das violências baseadas no gênero como algo
naturalizado socialmente e historicamente. Além do mais, a discussão levada à escola
possibilita compreender a Lei a partir do caráter socioeducativo. Nesse sentido, podemos
157
considerar que o projeto dialoga com a perspectiva de prevenção e proteção da violência,
compreendendo que esta apresenta medidas para a interrupção da violência, medidas que
se aplicam após a violência, impedindo que suas implicações sejam agravadas, assim
como medidas que evitem que aconteça novamente tal violência (PASINATO, LEMOS,
2017).
A discussão da Lei, por meio do projeto, indica a escola como um espaço legítimo
da discussão de gênero. Dessa forma, apreendemos a escola como espaço de formação e
(des) construções, isto quer dizer que embora as relações de gênero, suas “diferenças” e
desigualdades não sejam colocadas previamente, podem ser e são construídas com
frequência (SAFFIOTI, 1999). A ação no âmbito da educação é essencial para a (des)
construção de relações pautadas nas discriminações, assim, a inclusão de uma educação
com perspectiva de gênero possibilita romper com discursos que perpetuam as múltiplas
dimensões da violência nos diferentes sujeitos. Isto é, a incorporação de programas que
abordem as questões de gênero, raça e classe social no ensino básico ao ensino médio
pode corroborar para construção de sujeitos reflexivos e que não (re) produzam padrões
violentos. Ou seja, temos que iniciar na fase da infância, nem que seja, no campo da
educação o debate sobre a temática – uma vez que somos socializados em diversos
espaços –, e processos que desconstruam padrões sociais e culturais ditos normativos e
normalizadores do que é certo e errado, normal, anormal e naturalizado. Diante disto, o
Projeto Lei Maria da Penha vai à Escola constitui-se como uma ferramenta primária para
a inserção da perspectiva de gênero na escola, principalmente, por essa ser mais que uma
política de processo penal. Reiteramos que essa se constitui muito mais norteada pela
perspectiva socioeducativa.
Para tanto, entendendo a escola como campo de formação, socialização,
multiplicidades e das diferenças, a discussão da Lei Maria da Penha neste território, indica
a escola como campo formador da garantia dos direitos das mulheres, neste caso com o
Maria da Penha vai à Escola, da garantia de uma vida sem violência. Reiteramos que o
projeto dá a possibilidade de compreender os processos sociais e históricos que constroem
o feminino como sujeito da violência, para que a partir desta compreensão haja uma
desnaturalização da violência. E, mais, que crianças e jovens comecem a enxergar as
sutilezas das violências baseadas no gênero, não só no âmbito doméstico, mas também
no público por meio de brincadeiras/piadas, ou mesmo, no comentário “isso é coisa de
menina ou de menino”. As marcas do machismo, sexismo, relações de poder e
158
desigualdades está nas sutis brincadeiras, no processo de construção dos gêneros, logo,
essas marcas reforçam as violências.
O Maria da Penha vai à Escola é um projeto novo que foi lançado em Natal no
ciclo de comemoração dos 10 anos da Lei Maria da Penha e que tem percorrido escolas
estaduais e municipais do RN desde então. A capital potiguar destaca-se por tornar o
projeto em lei municipal n° 6.687/2017 que dispôs a criação do programa Lei Maria da
penha vai à Escola.
O PREFEITO MUNICIPAL DE NATAL, Faço saber que a Câmara
Municipal aprovou e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1° - Fica criado o Programa Lei Maria da Penha vai à Escola no
âmbito da Rede Municipal de Ensino do Natal.
Art. 2º - O Programa Lei Maria da Penha vai à Escola tem como
desígnio:
I – Contribuir para o conhecimento da comunidade escolar acerca da
Lei Federal nº 11.340, de 07 de agosto de 2006 – Lei Maria da Penha.
II – Impulsionar as reflexões sobre o combate à violência contra a
mulher;
III – Conscientizar crianças, adolescentes, jovens e adultos, estudantes
e professores que compõem a comunidade escolar, acerca da
importância do respeito aos Direitos Humanos, notadamente os que
refletem a promoção da igualdade de gênero, prevenindo e evitando,
dessa forma, as práticas de violência contra a mulher.
IV – Explicar sobre a necessidade da efetivação de registros nos órgãos
competentes de denúncias dos casos de violência contra a mulher.
Art. 3º - O Programa Lei Maria da Penha vai à Escola, será executado
pela Secretaria de Municipal de Educação do Natal e pela Secretaria
Municipal de Políticas para as Mulheres de Natal, em parceria com
entidades governamentais e não governamentais ligadas às temáticas da
Educação e dos Direitos Humanos.
Art. 4º - As equipes pedagógicas das escolas municipais deverão ser
capacitadas quanto às estratégias metodológicas no
desenvolvimento do trabalho pedagógico, em torno da temática
específica de gênero com apoio da Secretaria Municipal de Educação
de Natal e Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres de Natal.
Art. 5º - O Programa Lei Maria da Penha vai à Escola será
desenvolvido, ao longo de todo o ano letivo, em todos os níveis e
modalidades e junto à comunidade escolar realizando, no mês de março,
uma programação ampliada específica em alusão ao Dia Internacional
da Mulher destacando o tema do qual trata a presente Lei. Parágrafo
único. Os conteúdos referentes às noções básicas sobre a Lei Maria
da Penha63 serão ministrados dentro deste Programa.
Art. 6° - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas
as disposições em contrário (NATAL, 2017).
63 Grifos da autora.
159
Observa-se que a implementação do projeto enquanto programa a partir da Lei
6.687/2017 assinala a capital potiguar com uma política socioeducativa específica no
campo escolar, sinalizando a capacitação da equipe pedagógica em torno da temática
exclusiva de gênero. O documento acima é importante para refletirmos que a Lei Maria
da Penha enquanto política pública de gênero tem introjetado a discussão de gênero nas
escolas a partir da Lei. Como dito anteriormente, o projeto inicia a discussão de gênero a
partir da violência doméstica. Nessa direção, adotar no campo escolar uma educação a
partir da perspectiva de gênero permite desfazer a escola enquanto instituição
normalizadora em que as masculinidades e feminilidades são construídas e lapidadas, ou
melhor, possibilita a desconstrução da mesma como espaço de naturalização de
comportamentos ditos masculinos e femininos.
Segundo Pasinato e Lemos (2017):
São reproduzidos e reforçados, inclusive, padrões violentos presentes
em contextos domésticos e familiares, como a “obrigação” das
mulheres para com as tarefas domesticas e de cuidado, a “habilidade”
dos homens para o trabalho na esfera pública e para a aprendizagem nas
ciências, para além de comportamentos violentos na forma de se
relacionar com mulheres e com homens também no seu dia a dia. Essa
reprodução de estereótipos de gênero tem impacto direto na reprodução
da violência por favorecer identidades sociais que atribuem papeis
distintos aos sexos de acordo com padrões hegemônicos, promovendo
relações de poder desiguais e, frequentemente, autoritárias. Desse
modo, difundir uma educação que discuta criticamente os papeis de
gênero construídos socialmente tornou-se instrumento prioritário para
promover uma ruptura no ciclo vicioso da violência (PASINATO,
LEMOS, 2012, p. 21).
Conforme pontuam Pasinato e Lemos (2017), a ruptura da violência masculina
heteronormativa exige uma mudança social, cultural e política que só é plausível com
construção de sujeitos que questionem os padrões normativos e os dispositivos de (re)
produção da desigualdade nas relações de gênero. Nessa direção, assim como as autoras,
entendemos que se faz necessário o reconhecimento da pluralidade das identidades, assim
como das desigualdades em sua multiplicidade e intersecionalidades. Para tanto, a (des)
construção dos sujeitos é fundamental para a concepção da violência a partir da
perspectiva de gênero, posto que não dá para mensurar a discussão acerca da violência
contra a mulher ignorando a perspectiva de gênero. É importante ressaltar que passados
onze anos de implementação da Lei, a incumbência de efetivar as medidas preventivas
no campo da educação ainda configura-se como:
160
[...] um grande esforço através de ações desenvolvidas por profissionais
das Defensorias Públicas, Ministério Público, Poder Judiciário, com
palestras e atividades educativas ministradas para alunos(as) e
professores(as) e gestores(as) nas escolas” (PASINATO, LEMOS,
2017, p.22).
A integralização do ensino de gênero nas escolas está cada vez mais longe de
tornar-se realidade. Embora tenham sido demandados investimentos políticos, técnicos e
orçamentários aos governos federal, estadual e municipal, são poucos que assumiram a
responsabilidade de prevenção, proteção e punição da violência baseado no gênero.
Resultante dessa (in) responsabilidade há uma desarticulação nas redes de atendimento,
isto é, implicando diretamente nos serviços requerido pela Lei.
É importante deixar claro para o/a leitor (a) a inquietação da pesquisadora ao
refletir como é que tem se dado à implementação deste projeto nos municípios norte rio-
grandense durante esse pânico moral (MISKOLCI, 2007) acerca da Ideologia de Gênero
e da Escola Sem Partido, uma vez que entendo que a Lei Maria da Penha tem que ser
refletida e problematizada a partir do gênero. Nesse sentido, discorreremos no ponto
seguinte os entraves da discussão de gênero no âmbito escolar.
4.3. IDEOLOGIA DE GÊNERO: GÊNERO COMO UM PÂNICO MORAL
De acordo com Richard Miskolci (2007), o pânico moral é o mecanismo de
“resistência e controle da transformação societária que emergem a partir do medo social
com relação às mudanças, especialmente, as percebidas como repentinas e, talvez por
isso mesmo ameaçadoras” (MISKOLCI, 2007, p. 103). É nesse contexto que o debate de
gênero é apreendido como um pânico moral, sobretudo, no ambiente escolar. O gênero
tem sido incorporado e traduzido de um campo discursivo de ação, de ameaça à
sociedade, sob a luz de uma construção ideológica de gênero.
Junho de 2015: em várias partes do Brasil, vários vereadores, deputados
estaduais e federais se posicionam contrários à inclusão do gênero e da
identidade de gênero nos planos de educação. Dizem que as duas
expressões escondem desejo satânico de destruir a família tradicional.
Daí, portanto, defenderem que tal teoria de gênero deva ficar fora da
escola (BENTO,2017, p.171).
161
Bento (2017) chama atenção para o medo da incorporação do gênero no plano da
educação. Salientamos que esse medo se dá pelo entendimento que gênero e sexualidade
não se distinguem, que ensinarão “os nossos filhos a ser gay”, uma vez que gênero e
sexualidade são colocados silenciosamente em seus discursos a partir do medo da
destruição da família nuclear cristã com moral inabalada.
Em direção do que acabamos de expor temos a Câmara de Apodi, região Oeste
potiguar que:
Aprovou um projeto de lei que “proíbe atividades pedagógicas que visem a
reprodução de conceito de ideologia de gênero na grade de ensino da rede
municipal e da rede privada” da cidade. Autor do projeto, o vereador João
Evangelista (PR) disse que o objetivo “é preservar as crianças” e que “cabe aos
pais discutir a orientação sexual dos filhos" ( G1 RN, 201764).
O discurso do vereador não se refere a gênero, mas a sexualidade. Há um temor
em torno da sexualidade. Lemos o projeto aprovado pelo vereador como um dispositivo
de controle dos corpos. É importante explicar, são inúmeras as apreensões acerca de
ideologia, no entanto, nenhuma que apresentássemos aqui significaria o que o
conservadorismo aponta como ideologia de gênero, até porque propor uma concepção ou
estudo acerca das questões de gênero na escola não denota teor persuasivo. Em outras
palavras, o debate de gênero não insinua/alude/obriga/ensina meninos a serem meninas,
ou meninas a serem meninos. Os estudos de gênero refletem sobre as construções
generificadas, sobre identidades e, ainda, sobre “ser” ou “estar” e “tornar-se” homem e
mulher. Ou seja, retirar da ótica da “normalidade” “nascer” homem ou mulher e conferir
a este corpo práticas masculinas e femininas condicionado pelas genitálias.
Aqueles que se negam a aprovar a inclusão da categoria gênero nos
planos de educação também têm teoria de gênero. Acreditam que somos
obra exclusiva do trabalho dos hormônios, dos cromossomos, dos
formatos das genitálias e de outras estruturas biológicas. Seriam estas
estruturas as responsáveis por definir nossas identidades? (BENTO,
2017, p.171).
Como observa Bento (2017), os sujeitos que recusam a inclusão da categoria
gênero do plano de educação também tem teoria de gênero, acrescento aqui, que esses
são os ideólogos de gênero, tendo em vista que arquitetam uma ideologia, concebem uma
64Ver: https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/vereadores-de-apodi-rn-aprovam-lei-que-
proibe-discutir-ideologia-de-genero-em-ambiente-escolar.ghtml
162
apreensão do gênero a partir de práticas morais, religiosas e conservadoras65, baseia-se
na família como dispositivo que será ferido, desfeito.
Somam-se a esses grupos, outros, os quais apoiam a batalha por razões
não apenas religiosas, caso do Programa Escola sem Partido, no Brasil,
criado em 2004 como reação às práticas educacionais que seus
defensores definem como “doutrinação política e ideológica na sala de
aula” e “usurpação do direito dos pais sobre a educação moral e
religiosa de seus filhos”. No âmbito dos embates em torno da “ideologia
de gênero” [...] (MISKOLCI, CAMPANA, 2017, p.7329/730).
Miskolci e Campana (2017) explicam que os defensores da Escola Sem Partido e
contrário a Ideologia de Gênero, creditam que a inclusão de determinadas temáticas em
sala de aula dar-se por meio de uma doutrinação política e ideológica. Mas pensemos
bem, essa doutrinação política e ideológica não é tomada por estes na Câmara Municipal
e Estadual, no Senado Federal quando decidem as leis?
E, assim, os homens continuarão matando as mulheres.
As mulheres continuarão a serem estupradas. As mulheres trans
(travestis, transexuais) continuarão excluídas da categoria de
humanidade e seguirão sendo, diariamente, crucificadas. O que os
representantes dessa teoria de gênero incentivadora da violência dirão?
Diante dos argumentos reconhecidos internacionalmente da
importância de dotar as escolas de políticas capazes de transformar a
cultura da violência de gênero, esses parlamentares certamente
responderão: Vamos fazer mais uma lei para criminalizar (BENTO,
2017, p 172).
É na direção de se fazer mais uma Lei para criminalizar, como explica Bento
(2017), que a lei do Feminicídio surge em 2015, porém ela vai à direção contrária da Lei
Maria da Penha no que diz respeito ao gênero, pois a LMP assinala a violência baseada
no gênero, já a do Feminicídio sinaliza o homicídio de mulheres baseado no sexo.
Ressalto que o texto inicial tinha a pretensão de converge com a LMP, no entanto a
bancada evangélica cristã solicitou a exclusão de gênero no texto da Lei. Deste modo, os
ideológicos de gênero estão sempre preocupados em marcar o que é ser mulher e homem,
utilizando o biológico para definir tal. Portanto, a inclusão dos estudos de gênero no plano
educacional e até na lei apresenta-se como um pânico moral que deve ser combatido pelos
65 Como não lembrar os discursos nas votações (Câmara e Senado) sobre o impeachment da Presidenta
Dilma Rousself. Foi recorrente a afirmação que se dizia sim pelo impeachment por Deus e pela família. A
toda hora usavam as instituições religiosas e familiar para legitimar o voto sim ao impeachment.
163
sujeitos que deveriam assegurar institucionalmente direitos iguais para todos, inclusão e
não exclusão.
Dessa maneira, trazemos o questionamento para reflexão da Lei Maria da Penha
sob o aspecto socioeducativo: como falar de gênero no processo educativo se no contexto
atual vivemos no processo inquisitório de caças as bruxas dos sujeitos que desestabilizam
as estruturas sociais? Como (des)construir modelos hegemônicos quando a sociedade
produz e reproduz na escola o lugar das hierarquias, relações de poder e assimetrias?
Porque o gênero e suas teorias amedrontam a sociedade promovendo perseguição e
ataques?
Não procuramos pensar em respostas imediatas para tais questionamentos, mas
precisamos reiterar que os ataques que a discussão de gênero sofre nos espaços
socioeducativos demandam desse espaço resistência para formar e instruir sujeitos que
no futuro não compreendam a violência como característica “natural” do masculino.
Logo, falar da LMP, da violência, do gênero nas escolas é propor que os discursos de
verdades sejam desestabilizados.
164
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do texto procuramos problematizar e analisar a efetividade da LPM,
sobretudo, pensando à ação do eixo socioeducativo no Rio Grande do Norte. Para isso,
compreender como o gênero marca a Lei foi necessário, visto que compreendemos que
as tendências explicadas por Bento (2006), são postas implícita e explicitamente na
construção do gênero que hierarquiza o lugar da violência.
Tentou-se, primeiramente, apresentar neste trabalho como a violência encontra no
gênero uma forma hierárquica de agir nos sujeitos, uma vez que somos educados e
socializados para sermos homens e mulheres e conferir a estes corpos práticas masculinas
e femininas condicionado pelas genitálias, dessa forma, “desde o nascimento, o homem
e a mulher são “treinados” socialmente para interpretar o mundo que os cerca com
olhares do seu gênero” (BENTO, 2015, p. 53).
Mulheres e homens estão totalmente implicados na produção de um
modelo de homem violento e viril. Não se trata de dizer: “vocês,
mulheres, educaram seus filhos para matar as mulheres”, mas de pensar
que a estrutura hierárquica e assimétrica de gênero faz parte de um
projeto social o qual homens e mulheres estão envolvidos na
reprodução do modelo hegemônico. (BENTO, 2015, p. 10)
Bento (2015) chama atenção para o processo violento de construção dos gêneros,
e que essa construção implica em projetos de sujeitos engendrados nas normas sociais do
ser homem e mulher sob uma construção cristalizada nas instituições família, igreja e
escola, na “aprovação” do que é ser homem e mulher. É sob essa ótica que as violências
baseada no gênero vai responder a reprodução do modelo hegemônico que Bento (2015)
sinaliza. Segundo a autora, o modelo hegemônico de masculinidade produz e “exalta a
virilidade, a posse, o poder, a violência, a competitividade, mas apenas uma pequena
parcela da população masculina preenche as condições desse modelo” (BENTO, 2015,
p.90). Nesse sentido, o processo de construção dos gêneros se dá por meio de
interpelações, ideologias, Aparelhos Ideológicos (ALTHUSSSER, 1980) e práticas
discursivas que normatizam padrões e comportamentos e que sustentam e justificam as
violências ao feminino.
No segundo momento, procuramos demonstrar como a LMP visa à proteção da
mulher em situação de violência doméstica, os artigos analisados evidenciam a proteção,
prevenção e punição como dispositivos que alicerçam a Lei comentada. Contudo, como
165
a violência contra a mulher foi legitimada histórica e socialmente por anos, e ao longo
desses anos vem se redimensionando, se fez e faz necessário a interferência do Estado
por meio da implementação de políticas públicas no enfrentamento da violência contra a
mulher. Nesse sentido, para que a LMP seja uma política efetiva no combate à violência
doméstica e familiar é importante que as políticas públicas assinaladas nas diretrizes da
Lei sejam implementadas em sua plenitude, ou seja, para que esta não tenha um caráter
técnico e superficial.
Não se pode ignorar que em muitos países todo o esforço em modificar
a legislação parece se apoiar muito mais numa crença na eficácia
simbólica que essas leis podem ter sobre os agressores do que num
compromisso efetivo para mudar a realidade de violência na qual se
encontram muitas mulheres. É como se o temor de ser preso e afastado
da convivência da família fosse suficiente para inibir o comportamento
violento, sem que maiores investimentos para implementação das
medidas através de políticas sociais sejam necessárias. (PASINATO,
2008). Além disso, a experiência tem demonstrado que é muito mais
fácil criar e mudar leis, do que alterar práticas institucionais e valores
morais com relação à violência contra a mulher. As reformas legais e
políticas podem ser inócuas se não forem acompanhadas de um esforço
para alterar também as práticas institucionais das pessoas encarregadas
da aplicação das leis e do atendimento nos serviços especializados ou
não. Agregue-se ainda a esta dificuldade, as diferenças regionais e as
dificuldades locais de oferta de serviços e pessoal qualificado para o
atendimento de mulheres em situação de violência (PASINATO, 2009,
p. 14).
De acordo com Pasinato (2009), as leis de enfrentamento à violência contra a
mulher se apoiam no medo deferido ao autor da agressão, não há investimento efetivo em
políticas sociais. Isto é, as leis de combate à violência contra a mulher centralizam-se no
eixo punitivo e as medidas socioeducativas compreendidas a partir do eixo prevenção e
proteção são pensadas também a partir do eixo punitivo, seja uma punição em forma de
prisão ou na ideia da prisão pelo “aprisionar” os sujeitos agressores numa ideia de punição
através do medo. Assim, o caráter socioeducativo das leis demandam menor
investimento, uma vez que enfatizam o encarceramento dos agressores como se este fosse
o mecanismo para mudança dos homens autores de violência doméstica. Diante disto, em
consonância com a autora, compreendemos que para mudanças nas relações desiguais de
gênero é fundamental intervenção e investimento em políticas sociais, que a
aplicabilidade da Lei Maria da Penha seja compreendida para além do aspecto jurídico-
policial. Em outras palavras, que o aspecto socioeducativo seja o aspecto fundante para o
166
enfrentamento à violência doméstica e familiar, ou ainda, que a perspectiva
socioeducativa alcance o aspecto jurídico-policial.
Nesse contexto, no terceiro momento, apresentamos o Projeto Maria da Penha
vai à Escola, o Grupo Reflexivo para Homens: por uma atitude de paz e o Reconstruindo
o Self como programas efetivos na implementação de políticas educativas, no entanto
enquanto pensamos no alcance dos mesmos, entendemos essa efetividade parcial, uma
vez que não atinge o Rio Grande do Norte em grande escala. Apesar de compreender que
os municípios são responsáveis por incorporação de programas que possibilitem o debate
acerca de gênero entendemos que o Estado tem que demandar de forma mais eficaz a
propagação de programas estaduais com viés educativo e punitivo para todos os
municípios.
[...] a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher (com competência para julgar processos civis e criminais), a
previsão e estímulo à criação e consolidação de uma diversificada rede
de assistência (incluindo, entre outros equipamentos, casas-abrigos,
centros de referência da mulher, serviços de educação e
responsabilização para autores de violência doméstica), o
estabelecimento de algumas garantias sociais às mulheres (por
exemplo, a inclusão, por tempo determinado, em programas
assistenciais do governo; a garantia do afastamento do posto de
trabalho, sem implicar rompimento de vínculo, quando a integridade
física estiver ameaçada), a previsão das medidas protetivas e do tempo
máximo de 48 horas para a sua apreciação pelos juízes; a estipulação e
planejamento de campanhas e atividades de prevenção centradas no
combate ao machismo; e a criação de programas continuados de
qualificação e formação para os operadores de Direito desse campo.
Outra importante inovação sancionada com a lei é a possibilidade de o
juiz determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas
de caráter educativo (LEITE, LOPES,2013, p.20/21).
Ao elencar as diretrizes da Lei 11.340/06, chamamos atenção junto com Leite e
Lopes (2013) para a inovação que a Lei apresenta. Observamos a partir desta a
necessidade de fortalecimento das políticas públicas destinadas às mulheres. Desse modo,
assinalamos que envolver crianças, jovens, adolescentes, agressores e mulheres no
contexto de violências no RN a partir do plano de educação dos projetos citados,
intensifica a (des) construção da violência contra a mulher, bem como o violento processo
de construção dos gêneros, uma vez que acreditamos que a ação nas escolas e a
intensificação de campanhas educativas é uma das formas de dar efetividade a Lei, bem
como o atendimento aos autores da violência, haja visto que compreendemos que a Lei
por si só não é o suficiente para a compreensão da violência aferida ao feminino.
167
Portanto, reiteramos ao decorrer do texto a importância da educação através da
escola e (re) educação por meio de grupos reflexivos como mecanismos de pensar a
violência a partir do gênero para aferirmos a mesma de maneira preventiva, ou seja,
pensar, primeiramente, na prevenção como instrumento de controle da violência. Assim
sendo, indicamos os trabalhos socioeducativos/pedagógicos como ferramenta de
enfrentamento à violência contra a mulher como forma de acentuar as práticas de
violência, a fim de evidenciar a efetividade na desconstrução de práticas violentas.
Entendemos que esse não é um trabalho que encerra a necessidade de pensar a
efetividade da LMP, tampouco, refletir sobre as práticas discursivas inscritas na
construção e na leitura social da LPM. Desse modo, outros questionamentos são lançados
na tentativa de compreender os múltiplos questionamentos não refletidos aqui, tais como:
Como pensar uma vida sem violências quando o atual contexto social e político brasileiro
nos “puxa” a todo momento para séculos passados? Ou ainda, é possível prevenir a
violência doméstica e familiar sem falar de gênero, principalmente, quando temos na
escola a disputa eleitoreira, religiosa de Escola Sem Partido, Ideologia de Gênero? Estes
questionamentos nos levam a afirmar que estamos inserido em um momento político e
social de caça às bruxas quando nos referimos a gênero, assim sendo, as políticas de
promoção de igualdade de gênero, o direito de viver sem violências, os direitos sexuais e
reprodutivo estão sob ataque do conservadorismo. Destacamos mais uma vez que
conforme o artigo 8° da Lei a educação compõe um elemento basilar na construção de
uma vida sem violência, desempenhando um papel central na construção das identidades.
Outrossim, é importante, voltarmos aos questionamentos que fizemos no capítulo
2, indagações provocadores e que devem ser pensadas em estudos futuros: Quais
violências poderiam e podem ser evitáveis se o Estado se responsabilizar para uma vida
de garantias para as mulheres? A vida das mulheres importam? Se sim, quais mulheres?
Ao decorrer da escrita podemos ver quais vidas importam, sim as vidas das
mulheres importam, entretanto, de acordo com os dados do Mapa da Violência
(WAISELFIZ, 2015) são as vidas de mulheres não trans, brancas e de classe social
média/alta. Isto quer dizer que, a violência se inscreve no corpo e alma (MACHADO,
GOSSI, 2015) da mulher negra e periférica. Ademais, vale apontar que os dados
referentes a violência doméstica não faz menção as mulheres trans e travestis, haja visto
que os dados/estatísticas sinalizam a violência apenas na mulher não trans. Dessa forma,
questionamos: Se a Lei Maria da Penha é uma Lei para as mulheres baseada no gênero,
168
porque os dados não apresentam as diversas maneira de se entender mulher nas
estáticas?
Portanto, ao atravessar gênero e violência sob efeitos de uma política pública, uma
Lei de enfrentamento à violência contra mulher, procuramos contribuir sociologicamente
para refletir e analisar os seus significados, percurso histórico e sua ação no Rio Grande
do Norte, estado que rankeia o 5º lugar e que como vimos seus equipamentos e programas
de combate à violência doméstica ainda estão centralizadas na Grande Natal. Reiteramos
que o não alcance territorial acaba corroborando para que o processo socioeducador da
Lei não seja disponibilizado para todos os municípios potiguar. No mais, analisar o eixo
socioeducativo, possibilita-nos também no futuro refletir sobre as ações conjuntas entre
os eixos socioeducativo, proteção e prevenção; e o eixo punitivo no Rio grande Norte.
169
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