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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIENCIAS HUMANS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES CURSO DE LICENCIATURA EM TEATRO CLEUMA ALEXSANDRA SOUSA MORAIS Vivências com a Expressão Vocal: Respiração e Ressonância na Licenciatura em Teatro da UFRN Natal/RN 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIENCIAS HUMANS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES

CURSO DE LICENCIATURA EM TEATRO

CLEUMA ALEXSANDRA SOUSA MORAIS

Vivências com a Expressão Vocal:

Respiração e Ressonância na Licenciatura em Teatro da UFRN

Natal/RN

2017

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CLEUMA ALEXSANDRA SOUSA MORAIS

Vivências com a Expressão Vocal:

Respiração e Ressonância na Licenciatura em Teatro da UFRN

Monografia apresentada como parte das

exigências para a conclusão do curso de

Licenciatura em Teatro pela Universidade

Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Orientadora: Profa. Ma. Mayra Montenegro

Natal/ RN

2017

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Agradecimentos

Primeiramente, gostaria de agradecer a professora Mayra Montenegro por ter

aceitado ser minha orientadora nesse trabalho e, mais que isso, por ter sido uma das

minhas maiores inspirações enquanto docente e artista. Durante todo esse tempo de

minha graduação, pude acompanhar seus fazeres artísticos, sua atuação na sala de

aula e isso me motivou muito a percorrer o caminho da voz como um foco até o fim

da minha graduação, além de influenciar minhas escolhas profissionais. Poder

observar como trabalha com tanto amor ao oficio, faz com que seja quase impossível

não se apaixonar por esse fazer.

Aos meus colegas de turma 2013.1 por todo aprendizado junto, por cada troca,

por cada cena e até pelas brigas. Aprendi muito com cada um de vocês, me sinto feliz

por ter conseguido entrar nessa turma. Mas alguns de vocês merecem um

agradecimento especial e esses são:

Franco Fonseca, que me ensinou a olhar para o mundo de outro jeito e me fez

entender que irmãos podem ser conquistados. Gratidão!

Naara Martins, obrigada por toda força durante esse tempo. Que bom poder ter

encontrado uma mulher forte como você!

Pablo Vieira, nossos caminhos se cruzaram mais uma vez e não tem quem

separe. Você é aquele amigo ator que eu tenho orgulho de ver e poder ter estado em

cena contigo; como aprendi!

Gabriela Marinho, fomos marcadas pelo desencontro, mas quando tivemos a

oportunidade do encontro agarramos com unhas e dentes. Como foi bom todos esses

anos com uma parceira para todas as horas. Gratidão por tudo vivido ao seu lado.

E por último, mas não menos importante: Alice Jácome, que chegou assim sutil

e meiga, com uma energia quase que oposta à minha, mas que conquistou um espaço

no meu coração do tamanho dele todo, da sala para as Américas. Hoje eu arrisco até

um breve espanhol. Vamos nos encontrar ainda para conhecer outros povos.

Nessa jornada foram muitos encontros que tornaram essa graduação tão

incrível: Raquel Guedes, Hyago Pinheiro, Luã Fernandes, vocês foram minha força

em muitos momentos difíceis. Levo vocês no coração.

Aos meus grupos: Gaya Dança Contemporânea e Pele de Fulô. Vivi o teatro e

a dança com vocês, o que me proporcionou um grande desenvolvimento profissional.

Obrigada a todos os envolvidos nesses grupos, por tudo que pude aprender com

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vocês, em especial à Larissa Marques como coordenadora da Gaya, e à Carla Martins

como coordenadora do Pele de Fulô.

À Cia. Matriona, pela oportunidade da preparação vocal, que tanto contribuiu

para essa pesquisa.

Aos meus outros professores da Graduação: Robson Haderchpek, Alex Beigui,

Makarios Maia, Ronaldo Costa, Ana Costa, Karyne Coutinho, Jeferson Fernandes,

Melissa Lopes, Heloísa Sousa, vocês fazem parte da pessoa que me tornei hoje.

Obrigada por ensinarem com tanto amor.

Meu amigo Abner Souza, neste semestre não deve ter sido fácil morar comigo,

tendo eu alugado seu notebook; obrigada. Só assim esse TCC foi possível. Você já

pode usá-lo novamente.

Por fim, gostaria de agradecer à mulher que me fez acreditar sempre que tudo

era possível, que me apoiou em todas as minhas decisões, mesmo quando ela achou

tudo uma loucura, que me ensinou que mulher é forte sim. A você, Mãe, toda a minha

gratidão; você é a mulher mais incrível que eu conheci na vida!

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RESUMO

Essa pesquisa relata minhas vivências com a Expressão Vocal durante o Curso de

Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Busco

compreender os caminhos percorridos pela voz, desde o ato de respirar até a sua

emissão, no propósito de investigar o uso de alguns ressonadores e as possiblidades

de diferentes timbres que nosso corpo pode produzir. Para tanto, relato minhas

experiências enquanto discente, monitora e preparadora vocal, construindo um trajeto

desde as primeiras descobertas até a aplicação dos conhecimentos em processos de

criação artística.

Palavras-chave: Voz; Respiração; Ressonadores; Formação de Atores/Atrizes.

ABSTRACT

This research reports my experiences with Vocal Expression during the Theater

Graduation Course of the Federal University of Rio Grande do Norte. I persue to

understand the paths traveled by the voice, from the act of breathing to its emission,

in order to investigate the use of some resonators and the possibilities of different tones

of voice that our body can produce. In order to do so, I recount my experiences as a

student, monitor and vocal trainer, building a path from the first discoveries to the

application of knowledge in artistical creative processes.

Keywords: Voice; Breath; Resonators; Formation of Actors/Actresses.

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SUMÁRIO

Introdução..................................................................................................................8

Capítulo 1 – O ato de respirar

1.1. Inspirar e Expirar.................................................................................................10

1.2. Respirar o teatro..................................................................................................15

1.2.1. A Consciência Vocal.........................................................................................15

1.2.2. Respirar o estado ............................................................................................17

1.2.3. Timbre..............................................................................................................18

Capítulo 2 – O ato de emitir som

2.1. Expressão Vocal III: O trabalho com a Mímesis Corpórea ................................21

2.2. Equivalências......................................................................................................22

2.3. Ressonadores ....................................................................................................23

2.4. A experiência com os sons dos Chakras............................................................25

2.5. Transformando o som em palavra......................................................................28

2.6. Experiências como Preparadora Vocal...............................................................29

2.6.1 Pele de Fulô......................................................................................................29

2.6.2 Cia. Matriona.....................................................................................................32

Considerações finais...............................................................................................34

Referências...............................................................................................................36

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Introdução

O presente trabalho surgiu primeiramente de uma inquietação minha a respeito

do estudo da voz no teatro. Sempre me moveu a oportunidade de poder acompanhar

diferentes trabalhos de um mesmo ator/atriz ou grupo, e conseguir perceber as

mudanças no registro de voz de cada personagem, ou mesmo poder ouvir os

atores/atrizes agradecerem no fim do espetáculo e constatar que aquela voz não era

a mesma que acabara de ouvir em cena.

Durante o processo de escolha de qual graduação fazer, pensei em quais

assuntos eu estudaria, caso escolhesse cursar Licenciatura em Teatro. Quando

pensava em lecionar teatro, não imaginava que pudesse haver uma gama tão grande

de possibilidades para trabalhar o Teatro com alunos (as), e isso me confundiu um

pouco. Descobri, então, que existia no curso de teatro, componentes voltados ao

estudo da voz, assim como estudos relacionados à música na cena teatral.

Eu sempre gostei de música e de canto. Estudei teoria musical no período de

um ano e mais um ano estudando violão. Imaginei, então, que o Curso de Teatro seria

uma oportunidade de unir minhas paixões. Teatro se tornou a melhor opção possível,

fazendo com que eu me sentisse inteira.

O principal objetivo desse trabalho é relatar essa experiência, desde a minha

chegada na faculdade, as primeiras disciplinas, o início da busca por conhecimento a

respeito do assunto, até a aplicação desses conhecimentos como preparadora vocal

nos grupos Pele de Fulô e Cia. Matriona.

Em busca pelos caminhos que levem até os diferentes registros vocais, trago

os relatos de minhas vivências com a respiração, timbre e ressonadores, tentando

compreender o caminho percorrido pela voz no corpo. Tais experiências se deram em

disciplinas da graduação que cursei ou fiz monitoria. Em seguida, trago os relatos da

preparação vocal em dois espetáculos teatrais, com os grupos mencionados

anteriormente.

Durante o processo de escrita desse trabalho, pude compreender como se deu

o desenvolvimento de consciência da minha própria voz e como essa consciência me

auxiliou na condução de atores/atrizes em processos criativos. Utilizo como referência

a dissertação da minha orientadora, a professora Mayra Montenegro, bem como

outros livros e teses recentes de pesquisadoras da área, tais como: Tutti Baê, Claudia

Pacheco, Moira Stein, Janaína Martins e Gina Aguilar.

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No capítulo 1 deste trabalho discorro sobre um assunto que é de extrema

importância para o a realização do trabalho com a voz, que é a Respiração. Falo

sobre minhas primeiras experiências com a respiração bem como sua importância

para o teatro, além dos processos biológicos que ocorrem no corpo e sua relação

direta com a emissão vocal em cena. Falo das minhas experiências em sala de aula

como meio para começar a compreender melhor a voz e apresento também o conceito

de Timbre.

No capítulo 2 trago o relato da experiência com a monitoria do componente

curricular Expressão Vocal III, quando tive a oportunidade de conhecer o trabalho com

a Mímesis Corpórea. Apresento o conceito de Ressonadores e as experiências como

preparadora vocal dos grupos de teatro Pele de Fulô e Cia. Matriona, que me

possibilitaram descobrir formas de compartilhar o que eu havia aprendido.

Com esse trabalho, pretendo então compartilhar essa experiência, deixando

como uma referência para outros (as) discentes que tenham interesse no estudo da

voz.

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CAPÍTULO 1 – O ATO DE RESPIRAR

1.1. Inspirar e Expirar

Procurando o significado da palavra inspirar, descubro um dicionário informal1

disponível na internet, que me apresenta três possiblidades de significados para essa

palavra: a primeira delas é “Puxar o ar para dentro dos pulmões”, a segunda “Fazer

alguém ter ideias” e a terceira “Fazer alguém ter determinado pensamento, motivar,

sugerir”.

Digamos que inspirar é um ato primeiro, pois ao nascer facilmente poderíamos

ter problemas caso a primeira inspiração não venha como esperado, sendo essa ação

essencial para nosso desenvolvimento desde o nascimento. A partir de então damos

início a jornada que será viver, onde possivelmente passaremos por todas as

possiblidades de significados da palavra inspirar.

Primeiramente gostaria de falar sobre “Fazer alguém ter ideias”. Em minha

primeira experiência com o teatro me deparei com a preocupação em

relação à emissão vocal. No local onde eu fazia um curso de iniciação teatral, havia

sempre uma grande cobrança para que os atores tivessem uma maior projeção vocal.

Éramos acompanhados por uma fonoaudióloga, mas a única coisa que recordo de

termos estudado, estava no âmbito do conhecimento do sistema respiratório e órgãos

que estão envolvidos na produção da voz, e nada mais que isso. Não sabia que outros

elementos poderiam me dar suporte na emissão vocal. De alguma forma isso me fez

“ter ideias”, pois minha curiosidade a respeito do assunto voz no teatro iniciou ali,

com as indicações que eu não conseguia colocar em prática pela falta de

conhecimento sobre como realizar os mesmos.

Inspirar é um dos processos que compõem a respiração. Aqui chegamos em

mais uma das definições do dicionário informal que é “Puxar o ar para dentro dos

pulmões”.

Chegando no curso de Licenciatura em Teatro da UFRN, curso a disciplina de

Preparação Vocal I (grade antiga do curso) ministrada pela professora Mayra

Montenegro2 e percebo o quanto a respiração está diretamente ligada a tudo que se

1 Dicionário online de português. Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/ acesso em: 10

de Outubro de 2017 2 É atriz, cantora, e fundadora da Cia. Violetas de Teatro. Possui mestrado em artes cênicas (UFRN,

2012), e graduação em Licenciatura plena em educação artística, com habilitação em música (UFPB, 2008). É professora da graduação de licenciatura em teatro da UFRN.

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relaciona com o estudo da voz. “A voz pode propiciar o desenvolvimento do ser

humano em vários campos. Um deles é o artístico e, nele contido, o teatro” (AGUILAR,

2008. p.1).

Começo a perceber que “puxar o ar para dentro dos pulmões”, no âmbito do

estudo da voz no teatro não era assim tão simples como parecia. Respirar me parecia

simples, pois em momento algum no dia a dia eu parava para pensar sobre como

acontece esse processo no meu corpo, ou qualquer tipo de questão a respeito.

Respirar era apenas algo a ser feito todos os dias e sempre, sem nenhuma maior

preocupação.

Um dos primeiros textos que lemos na disciplina foi retirado do livro “Canto,

equilíbrio entre corpo e som”, de Cláudia Pachêco e Tutti Baê (2006). Nele pude

encontrar como a biologia descreve o processo de respiração: uma troca gasosa entre

o meio ambiente e nosso corpo:

Durante a inspiração, ou entrada de ar nos pulmões, o diafragma (músculo que

fica posicionado abaixo dos pulmões) se contrai e se abaixa, permitindo o aumento

do volume dos pulmões. Entra em nosso corpo o ar rico em oxigênio por meio das

narinas. Durante a saída do ar, o processo acontece inversamente, ou seja,

eliminamos agora um outro gás (que é o gás carbônico), o diafragma se descontrai e

os pulmões podem voltar ao tamanho normal. Essa troca de gases permite que mais

reações químicas aconteçam, gerando energia para o corpo. A imagem abaixo é um

demonstrativo dos órgãos descritos acima e do processo biológico presente.

Figura 1 – Representação do processo de respiração

(Encontrada em pesquisa no site google imagens)

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Lembrei das disciplinas de biologia na escola, em especial no ensino médio, e

sua aplicação direta no teatro. Me ponho então a me observar e chego nas minhas

primeiras experiências na sala de aula com os exercícios e percebo alguns erros no

processo da minha respiração, em especial na inspiração. Por isso dei mais ênfase a

ela até agora.

A expiração é a segunda etapa da respiração e é também de extrema

importância. No componente de Preparação Vocal, a professora Mayra ensinou que

inspirar é relaxar, e o trabalho do ator/atriz está na expiração, pois terá de controlar a

saída de ar para cantar ou falar. A técnica do apoio consiste nesse controle da

musculatura para a saída do ar, que vai ser imprescindível na emissão e projeção da

voz. Geralmente quando se fala sobre esse controle, as pessoas se referem

imediatamente e unicamente ao diafragma. Como citei anteriormente, é o

abaixamento do diafragma que permite a entrada e saída de ar dos pulmões. Porém

outros músculos estão em atividade no momento do apoio e sobre essa musculatura

temos mais controle:

(...) outros músculos também participam do apoio à coluna de ar durante a expiração no momento do canto, principalmente os músculos da cinta abdominal (...). Também estão em atividade durante o apoio os músculos presentes na musculatura torácica superior (...) e musculatura torácica inferior (PACHECO, BAÊ, 2006, p. 20).

Na prática, é preciso trabalhar bem a musculatura pélvica e abdominal para o

controle da saída do ar e para manter o fluxo constante da respiração.

Realizando os exercícios nas aulas semanalmente, me veio a consciência de

que temos a necessidade de reaprender sobre o ato de respirar, para um melhor fluxo

de vida, assim como para uma boa realização do trabalho com o teatro. Começo a

descobrir vários exercícios que vão auxiliar e tentar ampliar minha capacidade de

respiração. É importante ressaltar que os exercícios dão suporte, mas cada ator em

seu processo descobre quais exercícios abrangem as suas necessidades.

Nas primeiras aulas de preparação vocal I já começamos a entender que, para

começar a pensar o estudo da voz, um dos principais elementos que vão dar suporte

a esse estudo é a respiração. Sobre isso, Moira Stein (2009) diz que:

O processo de emissão da voz está intrinsecamente ligado ao da respiração. Mas muito além de apenas dizer respeito à voz, a respiração está diretamente

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ligada aos fluxos orgânicos, vitais, energéticos e emocionais que acontecem no corpo do ator (STEIN, 2009, p.51).

Compreendemos a respiração como um pulso vital. Todas as ações internas

de nosso corpo se permitem mover pelo ar que entra no mesmo. Então, a respiração

é chave importante nesse estudo.

O ato de respirar diz muito sobre como se dará o fazer do ator. Respirar, a

priori, é o tipo de conhecimento que está intrínseco ao ser vivo, ou seja, nós nascemos

respirando. É um ato involuntário. Respirar não é como comer, em que há

a necessidade de que a mãe ensine como pegar a colher e pôr na boca. A professora

Mayra nos explica que, ao longo da vida, nossa capacidade respiratória vai

diminuindo; tudo ao nosso redor afeta este processo da perda de capacidade

respiratória.

A passagem do tempo e as mudanças tecnológicas e estruturais que

acontecem na sociedade, interferem diretamente nos seres humanos, assim como na

sua respiração, provocando essa perda. Esse processo se deu ao longo de muito

tempo e de mudanças bastante relevantes na vida pessoal e na sociedade. Um dos

fatores muito importantes é a urbanização. As grandes mudanças que ocorreram com

a industrialização interferiram bastante em nosso modo de vida, no nosso

modo de respirar, falar e andar.

O texto “Recreação na Educação Infantil” de Edson Scardovelli3 nos fala sobre

as mudanças estruturais na sociedade:

Nos dias de hoje, os espaços estão cada vez mais reduzidos. As moradias são minúsculos apartamentos, “apertamentos”. As escolas são um amontoado de salas. As ruas são tomadas por automóveis. Os campos estão se transformando em cimento e concreto... haverá um acúmulo de energia, pois o movimento de corpo todo está sendo bloqueado. Bloquear o corpo significa bloquear ideias, pensamentos (PEREIRA,2006, sem pg.).

Todos esses bloqueios que nos sãos impostos vão reverberar em nosso corpo

ao longo da vida. Percebendo essa deficiência em nosso cotidiano,

buscamos estudos que apontam caminhos para descobrir uma respiração de mais

qualidade.

3 Professor de educação física na rede pública estadual. Especializado em arte educação. Pesquisador da educação física de base a partir da educação infantil.

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A respiração é o elemento principal na produção de emissão vocal. Emissão

vocal e respiração estão indiscutivelmente ligadas uma à outra, logo a respiração vai

ser de extrema importância na emissão da voz pelos atores. Na verdade, a divisão de

etapas é apenas para estudo, mas tudo está interligado. O nosso sistema

respiratório é condutor da nossa voz: “A respiração, definida como o processo de troca

gasosa entre um organismo e o meio a que pertence, é considerada o combustível da

voz” (PACHECO, BAÊ, 2006, p.17.).

O pesquisador e diretor de teatro Jerzy Grotowski (2010) enfatiza que, para

adquirir um fluxo orgânico na fala, é necessária uma respiração total, que

não está somente ligada à chamada respiração abdominal (que implica que o

abdômen se expanda com a entrada do ar), mas a uma respiração que se utiliza da

musculatura das costas. Já que o alargamento das costelas não necessariamente

é feito com a entrada e saída do ar, o ator/atriz pode se enganar com esse movimento.

Grotowski acredita que:

A inspiração que emprega o diafragma faz alargar as costelas inferiores, tanto

nas laterais quanto posteriormente. Podemos comprová-lo por meio do tato...

Podem também evitar os truques inconscientes do ator verificando a

respiração dele pelas costas, e não pelo

abdômen (GROTOWSKI, 2010, p.138).

É necessário que o ator/atriz tenha pleno conhecimento de

sua produção respiratória para melhor utilização da mesma. O aparelho respiratório é

composto pelos seguintes órgãos: pulmão, fossas nasais, faringe, glote, laringe,

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traqueia, brônquios, bronquíolos e alvéolos. A ilustração a seguir mostra cada um

desses órgãos e onde se localiza em nosso corpo.

Figura 2 – Ilustração do sistema respiratório

(Encontrada em pesquisa no site google imagens)

Também devemos pensar na construção de um fluxo orgânico para a

respiração do ator/atriz, pois não vai existir organicidade na cena se ele (ela) busca

uma “codificação” da sua respiração para cada fala. Esses fluxos orgânicos devem

surgir dos impulsos propostos pelo corpo em relação ao som, palavra ou texto a ser

dito na cena. Stein, falando sobre o trabalho feito por Grotowski, trata sobre isso:

Deixar a respiração encontrar seu ritmo orgânico não significa que ela deva acompanhar o ritmo dos movimentos. Segundo Grotowski, se exigirmos um ritmo respiratório que acompanhe determinado ritmo acelerado de movimentos, ele será artificial, forçado. Os movimentos corporais, mais lentos ou mais rápidos, irão interferir no ritmo da respiração, mas haverá um ritmo respiratório próprio que não deve ser alterado, conduzido. Ele irá fazer-se por conta própria (STEIN, 2006, p.55).

Todo esse movimento da respiração em nosso corpo é que vai definir como se

emite a voz. A respiração é o fio condutor da nossa voz.

1.2. Respirar o Teatro

1.2.1. A Consciência Vocal

Nas primeiras aulas de preparação vocal I somos levados a atentar para a

nossa respiração. Respirar é o exercício a ser feito e focar em como isso acontece.

Fazemos isso todos os dias e normalmente não paramos e pensamos como ocorre.

Ao perceber tudo que acontece no corpo durante a entrada e saída de ar dos

pulmões, nos permite ampliar a consciência em relação a nossa respiração: “O fato

é que a consciência da respiração é um caminho a ser percorrido pelo ator, está

ligado à conquista das possibilidades vocais (STEIN, 2006, p.55).

Eu consigo lembrar o quanto era notável entre meus colegas de classe e eu a

felicidade por pequenas descobertas, como quando nos era pedido para que ao

inspirar direcionássemos o ar para a parte inferior dos nossos pulmões. E

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conseguíamos perceber realmente acontecer o preenchimento dos pulmões com o

ar. Ou mesmo um exercício no qual formávamos duplas e, um de cada vez, usava as

mãos para pressionar um pouco as costelas inferiores (chamadas de “flutuantes”,

pois não se prendem a nenhum osso na sua parte anterior) para perceber o

movimento que acontece no corpo onde as costelas se movem e nossa caixa torácica

aumenta seu volume.

Essas primeiras experiências com exercícios de respiração acabaram se

tornando de extrema importância. Além do aprendizado, começamos a aguçar nossa

consciência em relação à voz, já que respirar melhor vai melhorar todo o

funcionamento do corpo, proporcionando mais saúde, e interferindo diretamente em

nossos processos cênicos.

Durante a realização de exercícios, nós percebemos a possibilidade do

aumento de capacidade respiratória com a feitura de exercícios regularmente. Assim

como perceber que podemos ter o controle da entrada e saída de ar dos pulmões,

fazíamos exercícios como inspirar em 5 segundos e expirar em 10 segundos, e a

cada repetição, aumentávamos esses tempos, à medida que começávamos a

entender esse controle.

Um dos exercícios que não esqueci, feito no componente de Preparação Vocal

I, era chamado de “andar do japonês velho” pela professora Mayra que, por sua vez,

disse ter aprendido com sua mãe, a também professora de voz Eleonora Montenegro

(UFPB). Nesse exercício, a percepção do controle do ar não estava mais na

contagem do tempo, mas no espaço que o corpo conseguia percorrer durante o

tempo de uma expiração, pois o exercício consistia no seguinte: a postura corporal

era manter a coluna ereta e os joelhos flexionados, caminhando com um pé após o

outro, firmando o pé no chão a partir do calcanhar até a ponta do dedos. A cada

repetição, a intenção era de conseguir chegar mais longe em uma única expiração,

exercitando assim o controle da saída do ar.

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Figura 3: Demonstração do exercício “andar do japonês velho”. Arquivo pessoal.

Esses foram meus primeiros passos com relação a respiração. Mas a disciplina

de Preparação Vocal I não foi a única que me proporcionou vivências com a voz.

Cursei também componentes como Música na Cena I e II (2014.1 e 2014.2), Canto

Complementar I (2014.1) e Expressão Vocal III (como monitora em 2015.1). Em todos

eles pude compreender melhor a relação do treinamento vocal, a expressão vocal e

os processos de criação cênica.

1.2.2. Respirar o estado

Existem muitas nuances na ação de respirar. Recentemente eu ouvi a seguinte

frase da diretora Carla Martins (Pele de Fulô) 4: “Cléo, você precisa respirar esse

4 Fundadora e Diretora Artística do Grupo PELE De FULÔ. Mestra em Artes Cênicas pela Universidade

Federal do Rio Grande do Norte e Bacharel em Interpretação pela Universidade Federal do Estado Do Rio de Janeiro (UNIRIO). Atriz, preparadora corporal, coreógrafa e jornalista, assina a Direção Cênica e Dramaturgia dos espetáculos do Grupo.

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estado antes de falar”. Entendi que seria inspirar e expirar no pulso necessário para

tal estado, compreender que impulsos são necessários ao corpo que antecede a ação.

Stein, ao falar sobre o trabalho de Constantin Stanislavski com a voz, nos diz: “Os

impulsos que estão por trás das ações e do texto serão sempre as intenções, os

objetivos da personagem” (STEIN, 2006).

Para que fique mais claro eu vou dar nomes aos estados, que poderiam ser medo,

felicidade, coragem, sensualidade, como meu corpo reage a cada uma dessas

palavras, e mais do que isso, como eu respiro nessas reações: “Através da respiração

o ator acessará as emoções, os sons e os gestos” (STEIN, 2006, p.51). Percebo então

uma diferença muito clara ao realizar ações as quais eu já tinha feito, e pronunciar as

mesmas palavras, mas agora atentando para, antes de qualquer coisa, respirar o que

meu corpo precisaria expressar.

A forma com que eu conscientemente conduzo a respiração, me proporciona mais

controle sobre o texto a ser dito, a ação a ser executada e a cena de um modo geral:

“Uma utilização metódica, rigorosa, controlada da respiração, permite ao ator jogar

com seu copo como um instrumento. Ele aprenderá a reter ou a lançar a voz pelo

conhecimento dos princípios que regem o domínio da respiração” (STEIN, 2006, p.

51).

Penso que isso é possível hoje, por todos os processos de descobertas com os

exercícios em sala de aula. Sei que ainda não tenho pleno controle de todos esses

processos, mas a respiração tem se tornado um processo cada vez mais consciente,

a ponto de que eu possa manipulá-la para além dos exercícios e buscar na respiração

dispositivos possíveis de acesso a uma mudança que intervenha diretamente no

corpo, como um organismo que podemos estudar separadamente, mas que

visivelmente funciona como um conjunto.

1.2.3. Timbre

Comecei a pesquisar o que seria essencial para esse trabalho, que elementos

não poderiam deixar de ser estudados, para que mesmo sendo apresentados

separadamente no texto, no fim pudéssemos entender como esses elementos

funcionam juntos em nós, como corpo-voz.

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Chegamos então ao Timbre. Ao ler sobre esse conceito, encontro mais estudos

sobre ele no campo da música. Trago então esse entendimento da teoria musical e

como ele se relaciona ao teatro, tornando-se parte essencial.

O timbre é a identidade do som, o que nos permite identificá-lo, cada som com

suas particularidades:

O timbre é conhecido como "a cor do som", é a identidade do som, que nos

permite distinguir uma fonte sonora da outra. Dois sons de mesma altura,

duração e intensidade podem

ser distinguidos se seus timbres forem diferentes (SOUZA, 2012, p.42).

Quanto à voz, cada pessoa possui um timbre particular que depende da sua

constituição física, das pregas vocais5 e das cavidades que fazem ressoar sua voz,

sobre as quais falarei a seguir. As autoras Pacheco e Baê nos dizem que:

Assim percebemos que o timbre é único, ou seja, cada um possui

sua própria identidade timbrística, determinada principalmente pela

anatomia de cada um, que inclui aspectos como: tamanho das pregas vocais,

estrutura anatômica dos órgãos fonadores, número

e ressonância dos harmônicos que acompanham os sons e capacidade

de ressonância das cavidades do trato vocal (PACHECO, BAÊ 2006

p.53,54).

A qualidade da voz ou timbre pode ser alterado a partir de movimentos que

envolvem diretamente o que é conhecido como Sistema Ressonantal,

que envolve órgãos como: laringe, faringe, cavidades nasais e palato mole

ou veú palatino. As possibilidades de mudanças no timbre também são importantes

nessa pesquisa, ao estudar exercícios que possam auxiliar essa mudança de

qualidade timbrística: “A beleza do timbre como parâmetro musical está no

seu poder de transformação, de flexibilidade” (MOURA apud SOUZA, 2012, p.42).

5 “A laringe tem função biológica e não biológica. Sua função biológica é possibilitar a entrada e saída de ar do pulmão e também proteger a via aérea durante a deglutição, expulsando elementos estranhos através da tosse. Sua função não biológica é a fonação. Assim, o som é produzido, enquanto as funções biológicas não acontecem (...) Possuímos um par de pregas vocais localizado horizontalmente na laringe em formato de ‘V’ (...) No ato da fonação, as pregas vocais são aproximadas por ação dos músculos responsáveis por sua adução, os quais, comandados pelo cérebro, efetuam o fechamento do espaço que existe entre elas. Este espaço é denominado glote” (PACHECO, BAÊ, 2006, p. 34).

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O fato do timbre poder se transformar chamou minha atenção para como isso

acontece no corpo do intérprete. Em determinado momento cheguei a observar como

algumas pessoas faziam com tanta facilidade uma mudança na voz, ou até como eu

mesma fazia.

Muitas dessas observações estavam no âmbito da “brincadeira”. Era sempre

em momentos nos quais as pessoas estavam tentando imitar alguém, ou

simplesmente brincando de ser algum personagem de literaturas já existentes ou

criados no momento da brincadeira proposta. Outras observações foram feitas ao

assistir espetáculos teatrais, nos quais atores e atrizes se utilizavam do recurso de

variações timbrísticas. No entanto, ainda não havia encontrado uma explicação

concreta de como acontecia, de como conseguiam tal realização.

Sempre me perguntava: como faço isso? Ou dirigia a pergunta às outras

pessoas e a resposta era quase sempre a mesma, que em resumo seria: “Eu

simplesmente faço”.

Mas, devido os processos de aprendizagem nas aulas de voz, eu sabia que

existia algo acontecendo no corpo para que aquela mudança fosse possível, mesmo

que agora ela estivesse acontecendo de forma inconsciente, era possível tornar esse

processo mais consciente, visto que em alguma medida precisaríamos lançar mão

disso nas improvisações em sala ou nos trabalhos com os grupos de teatro. Essa

consciência pode levar a muitos caminhos nas construções cênicas, a exploração de

diferentes timbres pode abrir um leque maior de possibilidades de forma a expressar

algo em cena, seja representar diferentes personagens, ou diferentes estados de uma

mesma personagem: “É importante que o ator explore diversas possibilidades de

timbres, para identificar cada personagem, emoção/intenção que queira expressar”

(SOUZA, 2012, p.43).

Uma possibilidade para trabalhar diferentes timbres vocais é a Mímesis

Corpórea. Tive oportunidade de conhecer essa metodologia em duas experiências:

na monitoria da disciplina Expressão Vocal III com a professora Mayra Montenegro e

em uma breve oficina ministrada pela atriz Raquel Scotti Hirson (Lume Teatro6).

A seguir faço um relato de como essas experiências me fizeram compreender

melhor os caminhos até os timbres.

6 LUME é um coletivo de sete atores que se tornou referência internacional para artistas e pesquisadores no redimensionamento técnico e ético do oficio do ator. O grupo foi fundado pelo pesquisador Luís Otávio Burnier e possui o apoio institucional da UNICAMP.

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CAPÍTULO 2 – O ATO DE EMITIR SOM

3.1. O trabalho com a Mímesis Corpórea

Eu tive a oportunidade de ser monitora da disciplina Expressão vocal III,

também ministrada pela professora Mayra Montenegro. A proposta da disciplina era

de trabalhar a voz a partir da metodologia da Mímesis Corpórea:

A mímesis corpórea é um meio particular do LUME para a apreensão de

matrizes. Seu estudo é tão complexo e pormenorizado que se transformou

em linha de estudo independente dentro do Núcleo. Ela possibilita ao ator a

busca de uma organicidade e de uma vida a partir de ações coletadas

externamente, através da imitação de ações físicas e vocais de pessoas

encontradas no cotidiano. Além das pessoas, ela também permite a imitação

física de ações estanques como fotos e quadros, que podem ser,

posteriormente, ligadas organicamente, transformando-se em matrizes

complexas. Cabe ao ator a função de “dar” vida a essa ação imitada,

encontrando um equivalente orgânico e pessoal para a ação física/vocal

(FERRACINI, 1999, p.19).

Nessa disciplina, os (as) alunos e alunas chegam com uma bagagem de

conhecimento que vinham trazendo das expressões vocais anteriores, pois na grade

nova do Curso de Teatro eles (elas) têm quatro semestres de Expressão Vocal, que

são co-requisito com as disciplinas de Expressão Corporal.

Esse conhecimento construído nos dois semestres anteriores é importante para

a primeira tarefa que vão realizar nesse terceiro semestre: a observação de pessoas

fora da sala de aula. A atividade proposta é de observar uma pessoa, conversar com

ela e gravar o áudio dessa conversa. Depois de feito isso voltamos ao trabalho dentro

da sala de aula. Foi pedido que observássemos a pessoa como um todo: como anda,

como gesticula ao falar, pontos de tensão no corpo, pausas na fala, respiração, toda

e qualquer característica que me ajude a entender melhor essa pessoa:

Nos primeiros passos do processo da criação da metodologia de Mímesis

Corpórea como ferramenta de criação do ator, observava-se a pessoa que

seria imitada e partia-se para o trabalho prático em sala tendo em primeira

instância uma visão do todo, globalizada, ou seja, os atores pesquisadores

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buscavam a organicidade das ações imitadas sem uma separação clara do

gesto, voz e energia (FERRACINI, 1999, p.20).

Eu lembro de ter observado duas mulheres. Não observei homens por ter medo

de não conseguir chegar a uma energia que caracterizasse o masculino.

Uma das mulheres era minha tia, que tinha um timbre interessante, pois apesar

de ter quarenta e cinco anos, sua voz tinha algo que me remetia a um timbre mais

infantil. Mesmo assim, uma conversa com ela sempre parecia uma grande briga, pois

seu jeito de falar parecia que ela estava gritando sempre. A outra pessoa foi uma

amiga. Ela me chamava atenção por seu jeito muito espontâneo e divertido.

Duas mulheres que não estavam lá tão distantes de mim, no que diz respeito

às posturas corporais, mas seus timbres eram muito distintos. Foi um desafio para

mim que começava a entender esses processos de timbres.

2.2. Equivalências

De volta à sala de aula com o material coletado, áudios, imagens e transcrição

da conversa, chegava a hora de encontrar como podemos colocar aquelas

informações no nosso corpo. Eu lembro dos primeiros exercícios de tentarmos andar

como as pessoas observadas, e logo depois de tentar encontrar onde ressoava em

nosso corpo a voz daquela pessoa. Começo a entender pela explicação da professora

que não era uma simples imitação, mas a tentativa de encontrar equivalências

daquele corpo em nosso corpo.

A cada encontro, a ideia era chegar mais próximo de encontrar em nosso corpo

as equivalências das pessoas observadas, além de construir nossa própria

dramaturgia enquanto turma para aquelas matrizes/personagens que estavam

nascendo.

O LUME, portanto, fala em mímesis corpórea, ou mímesis das corporeidades,

numa tentativa de se distanciar da palavra imitação, mesmo sabendo que

ambas significam o mesmo, a nível linguístico. Na verdade, uma definição

mais precisa seria algo como equivalências orgânicas de observações

cotidianas, pois busca imitar não somente os aspectos físicos, mas também

os orgânicos, encontrando equivalências para esses últimos (FERRACINI,

1999, p.20).

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Através desse trabalho, nascia ali uma voz que era desconhecida por mim até

então. Eu foquei na construção de apenas uma das mulheres observadas, que era

minha amiga, devido ao curto tempo da disciplina.

Nesse processo o que me chamou atenção foram as sutilezas do trabalho com

a voz: eu encontrava uma voz em que eu direcionava o ar para a cavidade do nariz,

mas tinha algo além de direcionar a voz, pois eu bem sabia que poderia ter uma

qualidade vocal diferente da minha a partir do direcionamento do ar. Mas é então

nesse ponto que está a sutileza no trabalho com a mímesis, pois se todas as vezes

que eu direciono o ar para uma determinada cavidade ressonadora eu produzo o

mesmo som, as possibilidades se esgotariam com alguns poucos trabalhos e então

cairíamos num ciclo repetitivo de qualidades vocais. Mas cada pessoa que

observamos no trabalho da mímesis é uma pessoa completamente diferente e, ao

tentarmos encontrar suas sutilezas, construímos um corpo-voz único.

2.3. Ressonadores

Os ressonadores são cavidades em nosso corpo, que permitem que o som

produzido por nossas pregas vocais possa ser amplificado. Cada uma dessas

cavidades ressonadoras permite que o som produzido pelas pregas vocais tenha uma

qualidade vocal diferente em cada uma delas: “Os ressonadores são diferentes

espaços do corpo para onde é direcionada a vibração do som,

dando qualidades diferentes para a voz” (STEIN, 2006, p.65).

Nas aulas de preparação vocal I era muito comum a utilização de um exemplo

para entender a funcionalidade dos ressonadores: uma comparação com o violão. O

violão tem suas cordas e logo que agitadas produzem um som que ressoa dentro de

sua caixa acústica. De acordo com o tamanho do instrumento (violino, viola, violão,

violoncelo) e de acordo também com a qualidade de sua construção, a madeira com

que é feito, o timbre será diferente. A qualidade do som será diferente.

O mesmo acontece em nosso corpo, o ar passa por nossas pregas vocais, que

vibram, produzindo ondas sonoras, que se propagam e encontram um lugar para

ressoar, tornando-se um som audível. A utilização dos ressonadores exige menos

esforço do nosso aparelho fonador, evitando lesões, assim como a utilização dos

ressonadores abre possibilidades para a descoberta de diferentes timbres vocais

para quem os utiliza.

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Figura 4 O violão e sua cavidade de ressonância

(Encontrada em pesquisa no site google imagens)

A ressonância vocal acontece quando a vibração das pregas vocais é

direcionada pelo ar até as cavidades de ressonância do corpo. Com relação a

produção da ressonância, as autoras Pacheco e Baê nos dizem que:

O efeito de ressonância surge porque as ondas sonoras se encaixam nos espaços existentes no trato vocal e quando esse encaixe nos espaços existentes no trato vocal é perfeito: as ondas ressoam fazendo vibrar determinadas estruturas (PACHECO, BAE 2006, p.52).

Logo na primeira unidade da disciplina de preparação vocal I, tivemos a

oportunidade de começar a descobrir a existência dos ressonadores do nosso corpo.

Fiquei motivada a entender melhor essa possibilidade de produzir diferentes tipos de

timbres.

Assistindo um dos espetáculos do grupo de teatro Clowns de Shakespeare7,

era o espetáculo SUA INCELENÇA, RICARDO III, que estava na programação

da Cientec Cultural8 – UFRN no ano de 2013, um dos atores me chamou muita

atenção, pois ele não fazia um personagem fixo durante o espetáculo. Ele vestia

vários personagens, e comecei a perceber que, para cada personagem, esse ator

7 Criado em 1993 em Natal, Rio Grande do Norte, o Grupo de Tetaro Clowns de Shakespeare vem,

desde então, desenvolvendo uma investigação com foco na construção da presença cênica do ator, e a musicalidade da cena e do corpo, teatro popular e comédia, sempre sob uma perspectiva colaborativa. 8 A Semana de Ciência, Tecnologia e Cultura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte acontece todos os anos, expondo os principais fundamentos das atividades científicas, tecnológicas e culturais da Universidade, buscando, dessa forma, uma interface com a sociedade.

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utilizava um registro de voz diferente. Isso me fez notar uma possibilidade real dessa

utilização no teatro.

A professora Mayra explicou que o nosso corpo é repleto de cavidades de

ressonâncias, mas que algumas são mais exploradas que outras. Esses seriam os

ressonadores mais comumente utilizados e foram os que primeiro exploramos:

O ressonador da cabeça, na região frontal que está ligado a produção de sons mais agudos. Descendo um pouco, mas ainda na cabeça temos o ressonador da boca que produz sons mais medianos e mais próximos do nosso timbre natural, e na parte do tórax temos o ressonador da cavidade do peito que produz um som mais grave que os anteriores (MARTINS, 2008, p. 55).

Ao trabalhar com os ressonadores, o encenador Jerzy Grotowski explora muito

além desses três, envolvendo todo o corpo do ator/atriz. Ele se refere então a esses

pontos como vibradores, e não mais ressonadores, e afirma:

Na realidade é vibração física. Até mesmo na barriga – e é por isto que não falamos de ‘ressonadores’, porque na barriga, cientificamente, um ressonador é impossível. Não existem ossos. Todavia há uma vibração. Se usa o vibrador da barriga, a barriga vibra naquele ponto (GROTOWSKI apud MARTINS, 2008, p. 55).

2.4. A experiência com os sons dos Chakras

Na disciplina Canto Complementar I9, também ministrada pela

professora Mayra, participamos de um exercício proposto onde sentávamos todos em

roda, nossas costas ficavam para o centro da roda e emitíamos sons, fazendo ressoar

ou vibrar diferentes partes do corpo. Ela falou que estávamos enviando o som

para pontos do nosso corpo que são conhecidos como chakras:

Chakra é uma palavra sânscrita que significa roda. Estão localizados junto a centros importantes do corpo físico e próximos aos principais plexos. São canais de entrada de energia cósmica para o corpo físico, e são as portas de entrada do prana10. Os chakras são chamados também de lótus ou padma. Esta analogia se refere a flor exótica que floresce na água, com suas raízes enterradas na lama, que floresce sob a luz do sol. Como um lótus, o chakra

9 Componente do currículo antigo do curso de teatro. O componente atual chama-se Canto para o

Ator I. 10 “Prāna (em sânscrito:प्राण, sopro de vida) é, segundo os Upanishad, antigas escrituras indianas, a

energia vital universal que permeia o cosmo, absorvida pelos os seres vivos através do ar que respiram” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Prana - acesso em Outubro de 2017).

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pode estar fechado, em botão, abrindo ou florescendo, ativo ou adormecido. A energia dos chakras move-se como uma espiral, de forma muito parecida a de um fogo de artifício. Existem sete chakras principais, alinhados em termos anatômicos com a medula espinhal. Além destes, existem outros centros menos importantes como atrás dos joelhos, nas mãos, nos pés, em

volta dos lóbulos das orelhas, nos ombros, etc. (ALVES, 2005, p. 8).

Figura 6: Ilustração do posicionamento dos principais chakras no corpo

(Encontrada em pesquisa no site google imagens)

A imagem anterior nos mostra a localização dos principais chakras e suas cores

correspondentes. Não pretendo adentrar aqui nesse assunto tão profundo e

complexo, apenas citá-lo com o objetivo de descrever o exercício e minha vivência

com a descoberta desses vibradores, que viriam a se tornar também parte de meu

repertório de exercícios para realizar sozinha ou com outros atores e atrizes. Um

exercício que promove, para além da técnica vocal, o bem-estar do ser humano como

um todo.

O exercício partia do som mais grave localizado no baixo ventre, até o som

mais agudo que era no topo da cabeça. Descrevo a seguir os sons, letras e cores que

utilizávamos para direcionar o ar para cada um deles e seus chakras correspondentes:

O primeiro chakra chama-se Muladhara, também conhecido como Chakra raiz

ou básico. A orientação da professora era que direcionássemos a atenção para o

períneo, entre o ânus e os órgãos genitais. Ela pediu que emitíssemos a nota dó

correspondente à terceira escala de Dó no piano, com a letra U, visualizando a cor

vermelha.

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Segundo a autora Maria Alves (2005), esse chakra tem relação com a

quantidade de energia física e com a vontade de viver na realidade física, com a

capacidade de viver no aqui e agora de forma prazerosa, com o sentido prático da

vida, a realização pessoal, com manter os pés no chão.

O segundo chakra é o Svadisthana, localizado no abdômen, entre o púbis e o

umbigo, e está relacionado “ao valor, auto-respeito, a coragem, à segurança, e

energia vital e a consciência do mundo como um lugar de luta” (ALVES, 2005, p. 31).

Concentrados nesse chakra, emitimos a nota Ré com a letra Ô, visualizando a cor

laranja.

O terceiro é o Manipura que, segundo a autora Maria Alves (2005), localiza-se

na região lombar e na altura do umbigo: “A energia deste chakra permite desenvolver

sua identidade e poder neste mundo. A palavra poder vem da raiz podere, ser capaz,

e é esta a nossa tarefa, recuperar nosso direito de agir” (Idem, p. 40). No exercício

sua cor correspondente era amarela, seu som era a nota Mi com a letra Ó.

Em seguida subimos para a região do coração, onde fica localizado o chakra

cardíaco, o Anahata, que quer dizer “som não produzido” ou “ponto de vista”:

O nome refere-se ao som do coração que não é provocado por percussão, nem pelo choque de duas coisas, como no caso da música, mas é um som que surge do interior. Tem vários significados, “não tocado”, “não tangido”, “som místico”. Também é chamado de chakra cardíaco e está relacionado ao nível afetivo, e ao reino humano, caracterizando-se pelas noções de relacionamento, simpatia, amor e carinho (Idem, p. 44).

Sua cor era verde, seu som era a nota Fá com a letra A.

Subindo para a região da garganta, chegamos ao Centro Laríngeo, o chakra

Vishudda:

O quinto chakra, situa-se na altura da garganta, tem como característica principal o vácuo. Por isso é simbolizado pelo quinto elemento, o éter. É um lugar de passagem, de recebimento da alimentação, da água, do ar; é também o lugar de vibração sonora, da palavra, do canto, e por isso mesmo, considerado o centro de recepção das ideias criativas e, em geral, da aceitação daquilo que vem de cima, a “inspiração” aérea e criativa (WEIL apud ALVES, 2005, p. 52).

Cantamos a nota Sol com a letra Ê, visualizando a cor azul turquesa, ou azul

celeste.

Na região da testa, o chakra conhecido como Ajna, ou Centro Frontal, Terceira

Visão: “Está relacionado ao nível intelectual e está ligado à consciência e à atividade

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mental em todas as suas formas e graus” (ALVES, 2005, p. 60). Sua cor é o azul

índigo, mais escuro que o azul do chakra anterior. Seu som é a nota Lá com a letra i.

Por último, no topo da cabeça, cantamos a nota Si, a última nota da escala de

Dó, com a letra M. Dessa vez permanecemos com a boca fechada, ou boca chiusa,

um termo em italiano que significa boca fechada mas mantendo uma abertura dentro

para que o som possa ressoar. Ao emitir o som, concentrávamos em enviá-lo para o

chakra Sahasrara: “Lótus de mil pétalas, é chamado também ‘o local da alma

luminescente’, é o ponto de entrada para a força vital humana, que flui sem cessar

para o sistema energético, nutrindo o corpo, a mente e o espírito” (Idem, p. 67).

Mesmo se alguém começasse num som diferente, ou desafinado, os sons na

sala iam se encontrando e se convertendo em um som uníssono11.

Como já havia sido difícil em outra oportunidade trabalhar com o ressonador

grave, chegando na letra que indicava o baixo ventre, eu achei que não conseguiria

alcançar uma vibração neste local, mas era como se o som indicado fosse

perfeitamente direcionado para o local. Sempre tive dificuldade em emitir sons graves,

mas o som da turma criava uma camada de conforto e proteção para mim, e eu

conseguia vencer o medo de errar.

Já em outra experiência trabalhando com o grupo Pele de Fulô, grupo de

teatro o qual faço parte desde de 2014, no processo de montagem de um dos

espetáculos do grupo, que foi o Tombo da rainha, apliquei esse mesmo

exercício, mas só havia eu e

outro ator que trabalhávamos em separado do grupo pela necessidade que

o ator tinha de um trabalho mais direcionado com a voz. Nessa experiência foi muito

mais difícil conseguir conexão com essa parte do corpo, mas

nós buscávamos através das experimentações com os exercícios vocais um registro

mais grave para o personagem.

2.5. Transformando som em palavra

Até então minhas experiências com a utilização dos ressonadores estavam

diretamente ligadas à pratica de exercícios vocais, mas na disciplina de Atuação II

11 Um conjunto de sons uniformes, que tem a mesma altura, a mesma frequência – o mesmo número de vibrações.

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ministrada pela professora Carla Martins no ano de 2014.2, pude experimentar melhor

a aplicação de todos esses exercícios na criação teatral. Para a finalização da

disciplina montamos trechos da peça “Senhora dos Afogados”, de Nelson Rodrigues.

Nesta ocasião a professora da disciplina me fez uma questão, porque eu estava

interpretando uma senhora de idade avançada, que era bem diferente de quem eu

sou, e não havia me preocupado em deixar de lado minha voz frágil e encontrar um

outro lugar para voz dessa mulher.

No que diz respeito a isso, começo a tentar descobrir uma outra identidade vocal

para a personagem, e me agradou o som que eu produzia utilizando o ressonador do

peito. Comecei a tentar usá-lo falando o texto que eu já tinha, mas não durava mais

de dois minutos e logo minhas colegas de cena me lembravam que eu já estava

voltando para meu registro vocal. Então, durante os ensaios, eu comecei a conduzir os

aquecimentos vocais e comecei a propor na realização dos exercícios a utilização do

ressonador do peito como foco de atenção. Além de exercícios de aquecimento

vocal, nós fazíamos um exercício que consistia em: Deixar que o ar ressoasse no

peito por alguns segundos, e depois deixávamos o som sair em forma de vogais,

variando entre A-E-I-O-U, e depois disso nós tentávamos falar poucas palavras do

texto usando esse registro vocal.

Depois de algumas semanas de treinamento e ensaio, meu corpo já conseguia

acessar o registro sem maiores dificuldades e o texto já começava a

ser orgânico dentro do ressonador proposto. De uma voz "frágil", passei

a conseguir produzir um som mais potente, que vinha de um registro mais grave, que

tinha um único exercício como precursor da pesquisa vocal. Começo então a

descobrir quais exercícios funcionavam para mim. E começo também a perceber

a importância do treinamento vocal constante.

2.6. Experiências como Preparadora Vocal

2.6.1 Pele de fulô – “Tombo da Rainha”

Breve histórico do grupo:

O Grupo Pele de Fulô surgiu a partir do processo prático do Mestrado em Artes

Cênicas (UFRN) diretora Carla Martins, iniciado em 2011. Tal processo resultou

na montagem do espetáculo "Cravo do Canavial", contemplado com os Prêmios

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Funarte Myriam Muniz (Montagem (2011) / Circulação (2012) e com o Edital Cena

Aberta Nordeste - 2012.

O Grupo tem também em seu currículo a montagem do espetáculo "Bodas de

Sertão", em parceria com a Companhia de Dança do Teatro Alberto Maranhão

(CDTAM), o espetáculo "Tombo da Rainha" (contemplado com III Prêmio Nacional

de Expressões Culturais Afro-Brasileiras); e o espetáculo "Casa do Louvor" (em

parceria com a Bagana Cia de Teatro).

Trata-se de um Grupo novo, mas que carrega as tradições das brincadeiras

populares na bagagem, associando-as ao trabalho de composição do ator. Pele

de Fulô assume, então, a identidade de grupo de teatro de cunho investigativo e

processual, cujo objetivo de sua fundação é fomentar processos artísticos, tendo

como Matriz norteadora o Universo das Manifestações Populares.

Tombo da Rainha

Começo a fazer parte do grupo Pele de Fulô a partir da montagem do

espetáculo “Tombo da Rainha”, como assistente de preparação vocal. Começava

então minha primeira experiência direta nessa área. Desde os primeiros encontros

me foi dada a oportunidade de conduzir o grupo nos aquecimentos vocais, sob a

supervisão da diretora Carla.

Comecei o trabalho com os atores propondo exercícios que eu havia conhecido

durante as disciplinas relacionadas à voz, que havia cursado até o momento. A

priori os exercícios eram para o aquecimento vocal, até começarmos a conhecer

cada ator/atriz e as necessidades que cada um tinha ou quais eram as

necessidades que o grupo tinha de um modo geral.

Essa foi a principal experiência que tive trabalhando com a condução de atores

diretamente. Durante todo o trabalho eu ia fazendo anotações com relação ao

vocal dos atores, que eu conseguisse perceber ou que a diretora me falasse que

ela havia percebido. E o trabalho era no dia seguinte conseguir propor exercícios

que trabalhassem aquelas necessidades percebidas.

Durante todo o processo de montagem do espetáculo pude experimentar, junto

com eles, todas as experiências com os exercícios de voz que tinha tido contato

durante as aulas, podendo perceber como cada exercício funcionava com

determinado ator/atriz ou com o grupo como um todo.

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Depois de um tempo trabalhando juntos conseguimos construir dinâmicas

possíveis para que o atores/atrizes pudessem aquecer a voz sozinhos e perceber

em si as necessidades com relação à sua voz, tornando mais consciente também

o processo de construção do corpo-voz para o personagem.

Infelizmente não consegui que todos os atores e atrizes do espetáculo

escrevessem relatos para enriquecer essa pesquisa, apenas o ator Gefferson

Araújo me enviou um texto sobre a construção vocal de seu personagem, do qual

destaquei o seguinte trecho:

“Em minha busca encontrei diversas possibilidades, mas todas pareciam ferir minha garganta. Quanto mais grave o ressonador, mais baixa era a intensidade do volume e isso me incomodava. Para tentar suprir, usava o grave quase que gritando. A coisa ficava grotesca e falsa. A voz não cabia ao corpo que estava sendo criado. Durante o processo, mas principalmente decorrente das apresentações, percebi que o personagem tinha um corpo destrambelhado, mas a voz parecia demasiada séria. Pensei: a voz precisa dançar com esse corpo. No momento identifico a voz do lobisomem como uma gangorra que mescla tons graves com um pouco do esganiçado”

Ele fala sobre a construção do personagem chamado de Lobisomem. Ele

buscava uma voz grave, mas sempre acabava falando muito baixo e machucando

a garganta. Estava forçando o encontro com o ressonador. Mas quando deixou

que a voz nascesse organicamente dos impulsos do corpo, encontrou a voz do

Lobisomem.

Figura 7: Personagem Lobisomem, ator: Gefferson Araújo. Espetáculo Tombo do Rainha.

Foto: Tiago Lima.

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2.6.2. Cia Matriona

Breve histórico do grupo

A Cia. Matriona foi fundada em Novembro de 2015 por discentes da

Licenciatura em Teatro da UFRN: Pablo Costa, Isadora Gondim e Thâmara Cunha.

Na época o nome do grupo era Coletivo Hiato. Depois mudaram, pois queriam um

nome mais feminino. O grupo já possui em repertório uma performance de cunho

feminista intitulada “Enquanto Falo” (no início feita pelas atrizes Isadora e

Thâmara. Atualmente, apenas por Thâmara) e um espetáculo teatral chamado

“4.48 Psicose”, baseado no texto da dramaturga inglesa Sarah Kane. A direção é

de Pablo Costa e a atuação é da discente Salésia Paulino e do discente José de

Medeiros.

4.48 Psicose

Encontro a Cia. Matriona no primeiro semestre de 2017, quando eu fazia

monitoria na disciplina de encenação I ministrada pelo professor Makarios Maia.

A disciplina tinha um intuito de montar um projeto de encenação, assim como

mostrar ao final dela um extrato cênico de 15 minutos. O aluno Pablo Costa e a

aluna Thâmara Cunha estavam começando a trabalhar com texto “4.48 Psicose”.

Uma das minhas funções como monitora da disciplina era ajudar os grupos que

quisessem nos seus processos em toda parte da construção vocal. Então comecei

a acompanhar os ensaios da Cia e conduzir os aquecimentos vocais dos atores.

A partir daí começamos a perceber necessidades da encenação que tinham

uma relação muito direta com o trabalho que eu tentaria desenvolver no TCC: a

descoberta de um outro registro vocal para além do nosso. Eram dois atores em

cena: Salésia Paulino e José de Medeiros, e os dois atores assumiam figuras

masculinas e femininas. Começamos a experimentar exercícios, que eu chamei

de “tentativas de aproximação vocal”, já que eu não estava trabalhando

diretamente com a ideia de mímesis.

Após exercícios de aquecimento vocal, era proposto que os atores produzissem

sons seguindo a sequência das vogais A, E, I, O, U. Eles eram posicionados em

lugares opostos da sala, um de frente para o outro, e um dos atores produzia um

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som e o outro tentava encontrar essa mesma frequência, enquanto os dois

caminhavam um em direção ao outro até que se encontravam no centro da sala.

Não era difícil de encontrarem uma mesma frequência, o exercício se repetia

trocando o condutor do som, passando assim os dois por um registro mais grave

e outro mais agudo.

Mas o principal desafio era de como fazer esse som virar palavra durante a

cena. Então começamos a atentar para além de conseguir produzir o mesmo som,

mas também começar a perceber onde que esse som vibrava em seus corpos,

para assim poderem acessar o registro encontrado no exercício, quando fosse

necessário na cena.

Nas cenas com mudanças sutis os atores assumiam um a figura do outro e

tentávamos fazer esse jogo também na voz, tentando assumir um o registro vocal

mais próximo que seu corpo conseguisse encontrar da voz do outro.

Esse trabalho com atores da Cia. Matriona me remetia de certo modo ao

trabalho com a mímesis. A ideia era encontrar equivalências nos registros vocais

um do outro, mas os caminhos propostos eram outros, o trabalho não dispunha de

um tempo grande, então optei por tornar possível isso através de exercícios que

eles já estavam habituados a fazer.

Por fim nós conseguimos chegar ao nosso objetivo na construção vocal para a

cena, as mudanças eram sutis nas trocas de personagens, mas os atores

conseguiam conduzir bem as mudanças vocais durante a execução do texto.

Figura 8: Espetáculo 4.48 Psicose. Atriz: Salésia Paulino, ator: José de Medeiros.

Foto: Wallacy Medeiros.

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Considerações finais

Uma das primeiras coisas que ouvi quando cheguei na faculdade foi uma ideia

muito difundida de Grotowski (2010): que o teatro era a arte do encontro: encontro

do ator consigo mesmo, encontro com o outro em cena, encontro com o público.

Tive vários encontros comigo durante a graduação e muitos tantos encontros

outros que o teatro pôde me proporcionar.

Esse trabalho fala de encontro. Ele me fez perceber um grande encontro, pois

ele não poderia ser só mais um trabalho para ficar guardado nos meus arquivos.

Essa pesquisa me fez lembrar o quanto todos esses encontros: com a professora

Mayra, a professora Carla, com o grupo Pele de Fulô e com a Cia. Matriona,

transformaram a menina que começou a cursar a Licenciatura em Teatro em

2013.1 em uma mulher, em uma profissional do Teatro.

As paixões que me motivaram a entrar no curso estão todas aqui: voz- teatro-

docência, transformadas em experiências de encontros, que me lembram que meu

medo de não alcançar minhas expectativas não existe mais, pois muitas já foram

alcançadas. Deparo-me com tantas mais expectativas para o futuro e todas elas

envolvem Voz-Teatro-Docência.

As experiências com a condução de atores me fizeram colocar em prática tudo

o que foi vivenciado nos componentes curriculares e perceber as potencialidades

existentes em cada exercício. Pude então, não apenas reproduzir os exercícios,

mas transformá-los de acordo com as necessidades de cada grupo, de cada

ator/atriz ou de cada trabalho.

A escrita desse trabalho me levou a um rememorar as minhas experiências

como discente de licenciatura em teatro e perceber o quanto esses quatro anos e

meio me levou a compreender melhor os elementos que estão envolvidos na

construção da voz para a cena, bem como a possibilidade de aplicação desses

estudos nos processos criativos que participei e o bom aproveitamento deles nos

resultados finais de cada um.

Percebo que é possível essa construção de mudanças de qualidades

trimbrísticas a partir de trabalhos como o da Mímeses Corpórea.

Entendi também que podemos trabalhar a voz a partir de uma prática, sem

tanta preocupação em teorizar e racionalizar o entendimento da técnica vocal, para

depois ir lapidando os materiais criados pelos atores/atrizes e ir introduzindo os

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conceitos da técnica, e também que esse processo pode acontecer de forma

inversa, em que primeiro compreendamos os exercícios e a partir deles

comecemos a tentar encontrar os outros registros vocais possíveis ao nosso corpo.

É preciso descobrir o caminho em cada processo, com cada ator e atriz, até chegar

em suas vozes.

Este trabalho teve como objetivo compreender os caminhos que a voz percorre

em nosso corpo para que aconteça as mudanças timbrísticas, usando como

referências as minhas experiências em sala de aula, como aluna, e em sala de

trabalho, como preparadora vocal.

Mantenho em mim o desejo de poder aprofundar essa pesquisa, continuando

a busca das tantas possibilidades que a voz pode trazer enquanto conhecimento

no âmbito artístico.

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Referências

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perguntam e dialogam. USP, 2008.

ALVES, Maria Santana. Chacras e as dimensões da Consciência. UNESC, 2005.

FERRACINI, Renato. A poesia do Cotidiano. Disponível em

http://www.portcom.intercom.org.br/

GROTOWSKI, Jerzy. O teatro laboratório de Jerzy Grotowski. São Paulo:

Perspectiva/Edições SESC SP, 2010.

MARTINS, Janaína Träsel. Os princípios da ressonância vocal na ludicidade dos

jogos de corpo-voz para a formação do ator. UFBA, 2008.

PACHECO, Claudia; BAÊ, Tutti. Canto – equilíbrio entre corpo e som. São Paulo:

Irmãos Vitale, 2006.

SCARDOVELLI, Edson. Recreação na educação infantil. In: Cavallari VM (Org.).

Recreação em ação. São Paulo: Ícone, 2006.

SOUZA, Mayra Montenegro de. O ator que canta um conto: a manipulação de

parâmetros musicais na voz do autor. UFRN, 2012.

STEIN, Moira. Corpo e Palavra. Porto Alegre: Movimento/ EDUNISC, 2009

https://www.clowns.com.br/o-grupo/

http://peledefulo.wixsite.com/peledefulo/sobre

https://pt.wikipedia.org/wiki/Prana

http://sigeventos.ufrn.br/eventos/public/evento/CIENTEC2017/