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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA Insight e Transtorno de Asperger Carolina Borba Vilar Guimarães Natal 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

Insight e Transtorno de Asperger

Carolina Borba Vilar Guimarães

Natal

2017

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Carolina Borba Vilar Guimarães

Insight e Transtorno de Asperger

Dissertação elaborada sob orientação da Profª. Drª. Izabel

Hazin e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre

em Psicologia.

Natal

2017

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de

Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA

Guimarães, Carolina Borba Vilar. Insight e Transtorno de Asperger / Carolina Borba Vilar

Guimarães. - 2017. 278f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós

Graduação em Psicologia, 2017. Orientador: Izabel Hazin.

1. Insight. 2. Asperger, Síndrome de. 3. Transtornos do espectro

do Autismo. 4. Psicologia Histórico-cultural. 5. Dialogismo. I.

Hazin, Izabel. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 616.89-008.1

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Este trabalho é dedicado a W, V, M, R, C, H, L, R e a tantos outros Aspies que não

puderam ter suas opiniões e argumentos expostos nessas páginas, mas de cujas histórias sou

guardiã, carregando-as comigo todos os dias. Agradeço por confiarem-nas a mim, simples

neurotípica, todos os dias, e me comprometo a guarda-las, sendo empatia sempre e buscando

fazer com que vocês sejam ouvidos e compreendidos, da melhor maneira possível, enquanto

universos infinitos e únicos que são cada um de vocês.

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Agradecimentos

No ano de 2015 uma professora e pesquisadora especialista na temática do autismo me

disse algo que me fez pensar por um bom tempo. Eu disse que atendia no consultório adolescentes

diagnosticados com Transtorno de Asperger. Ela disse que também atendia e que gostava bastante,

porque aprendia com eles que a vida podia ser mais simples, com menos entrelinhas, e assim talvez

fosse mais fácil não só para eles. Concordei. Acredito que de fato aprendo bastante com eles,

principalmente sobre o que significa empatia, se colocar no lugar de um outro que pensa

completamente diferente de mim para tentar ajuda-lo como puder. Na pesquisa em particular,

foram dois anos em imersão nesse mundo diferente, lendo e relendo as falas de cada sujeito,

tentando compreender um pouco de como é ser quem eles são. A eles, que me receberam com

curiosidade e interesse genuíno dedico meu primeiro agradecimento.

Em seguida dedido um agradecimento especial a Bel, professora e orientadora querida, que

me acompanha desde os anos de iniciação cientifica na graduação e que me disse, ao final desta,

que o importante era que eu pesquisasse algo que fizesse sentido, me fazendo a pergunta chave:

“o que você quer pesquisar?”. E foi aí que iniciou a importância do sentido, que marcou minha

pesquisa e minha trajetória no mestrado. Foram dois anos de grande aprendizado e discussões e te

agradeço, Bel, plo carinho, incentivo e, principalmente, pela oportunidade de aprender contigo e

construir um projeto pelo qual me apaixonei desde o dia um até o último dia.

Sobre esses dois anos, é imprescindível agradecer a Luana e Amanda. De tudo que ganhei,

vocês foram a parte mais sensacional. Ganhei colegas dedicadas, amigas fiéis, parceiras de crimes

por aí. Vocês foram ao mesmo tempo ombro amigo, leitoras e críticas quando necessário, mas

acima de tudo, foram o suporte amigo que qualquer pessoa devia ter nessa vida acadêmica. Muitas

e mil vezes obrigada!

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A Amanda, em particular, além de tudo que foi nosso mestrado, nossa vida dupla também

proporcionou um milhão de aprendizados como parceiras de clínica. Nossa parceria tem sido tão

incrível, que sinto que nesses três anos ganhei uma irmã (gêmea) de outras vidas. Agradeço toda

a força, risadas, desabafos, docinhos e amizade. Você foi muito importante até aqui e espero que

nossos percursos ainda se cruzem muitas vezes nessa vida.

Às amigas Samantha e Artemis, agradeço pelos ensinamentos, pelas possibilidades de

aprendizado que vocês me proporcionaram desde sempre, por compartilhar suas experiências boas

e ruins e serem apoio sempre que necessário, nos momentos bons e nos difíceis.

Agradeço também a todos os colegas do LAPEN que de perto ou de longe contribuíram

para essa trajetória. Ser membro do LAPEN sempre foi uma honra e um prazer.

Aos amores Lorena, Maynnara e Paula e as Hobbits Aline, Lígia, Lilian e Pâmela. Tenho

grande sorte por ter amizades tão sensacionais e por tanto tempo. Agradeço pela amizade, apoio e

palavras de afeto. Vocês foram essenciais para me lembrar o sentido de outras coisas da vida nesses

dois anos.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela

concessão da bolsa de estudos e pelo apoio e incentivo à pesquisa.

Perto do fim, mas mais importante, à minha família agradeço sempre e ainda mais uma vez

por me proporcionar apoio, incentivo, afetos, risadas e carinho incondicional, até nos dias em que

a vida esteve mais difícil. Mãe, Pai, Vó, Caio e Lia: vocês são porto seguro, sempre.

Por fim, meu maior agradecimento é para Rafael, companheiro da vida, de todas as horas.

Peço desculpa pelas ausências e agradeço por, além de todo o apoio e amor de sempre, ainda ter

estado sempre disponível para discutir pesquisa, estratégias metodológicas e problemas

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acadêmicos, mesmo que no domingo de manhã. A você sou só gratidão. Sem você esse percurso

seria muito mais difícil e não teria metade da graça. Seriously.

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SUMÁRIO

RESUMO .................................................................................................................................... 10

ABSTRACT ................................................................................................................................ 12

1. Considerações iniciais ........................................................................................................ 15

2. Dialogismo e desenvolvimento humano ........................................................................... 19

2.1 Contribuições do Círculo de Bakhtin e da psicologia histórico-cultural para o estudo

do desenvolvimento humano ................................................................................................... 22

2.2 Psicologia Histórico-Cultural ........................................................................................... 26

2.3 A Defectologia Vygotskiana .............................................................................................. 30

2.4 Contribuição da Neuropsicologia histórico-cultural para o estudo do

desenvolvimento humano ........................................................................................................ 35

3. Transtorno de Asperger através do tempo ...................................................................... 40

3.1 Caracterização e diagnóstico do Transtorno de Asperger ............................................. 44

3.2 Características de funcionamento diferenciadas ............................................................ 45

Cognição social ..................................................................................................................... 45

Linguagem e comunicação social ........................................................................................ 48

Coerência central .................................................................................................................. 52

3.3. O diagnóstico de TA: da ciência ao sujeito ..................................................................... 53

4. Processos de Insight e Asperger .......................................................................................... 60

4.1. Surgimento e desenvolvimento do conceito .................................................................... 60

4.2 Insight, Awareness e Transtorno de Asperger ................................................................ 67

5. Perguntas norteadoras e objetivos ................................................................................... 72

6. Aspectos Metodológicos ........................................................................................................ 74

6.1 Teoria e construção dos procedimentos ........................................................................... 74

6.2 Procedimentos e operacionalização .................................................................................. 78

Participantes .......................................................................................................................... 78

Aspectos éticos ....................................................................................................................... 78

Etapas: Tarefas e Procedimentos ............................................................................................. 79

Análise dos Dados ................................................................................................................. 92

7. Resultados ........................................................................................................................... 94

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7.1. Os estudos de caso ............................................................................................................. 94

a. John ............................................................................................................................... 94

b. Chaves ......................................................................................................................... 120

c. Satoshi ......................................................................................................................... 155

8. Análise e Discussão .......................................................................................................... 173

8.1 Percepções das atividades ......................................................................................... 174

8.2 O que é o asperger: percepções e vivências ............................................................. 176

8.3 O TA para os pais e filhos: ecos de vozes e percepções .......................................... 181

9. Conclusões ........................................................................................................................ 190

10. Considerações finais ........................................................................................................ 194

11. Referência Bibliográficas ................................................................................................ 195

12. Anexos ............................................................................................................................... 203

Anexo 1: Roteiro da atividade e entrevista .......................................................................... 203

Anexo 2: Transcrições dos áudios dos sujeitos .................................................................... 204

John ..................................................................................................................................... 204

Chaves ................................................................................................................................. 220

Satoshi ................................................................................................................................. 236

Anexo 3: Transcrições dos áudios dos pais dos sujeitos ..................................................... 247

Pai de John ......................................................................................................................... 247

Mãe de Chaves ................................................................................................................... 260

Pais de Satoshi .................................................................................................................... 272

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RESUMO

O presente estudo objetivou ampliar a compreensão acerca dos processos de insight

no Transtorno de Asperger (TA). Entende-se por insight o conhecimento do próprio diagnóstico

e os sentidos construídos a partir deste. O desenvolvimento do insight é aqui compreendido não

como função da vida mental pessoal, mas como fenômeno intersubjetivo, forjado nas relações

sociais. O arcabouço teórico que subsidia a presente pesquisa é a perspectiva genética de

desenvolvimento avançada pela psicologia histórico-cultural. Nesta perspectiva, ressaltam-se

os processos de construção de sentido, considerando para tanto a inserção histórico-cultural do

sujeito e suas vivências. Assim, para o estudo defende-se que o entendimento sobre “como é

ser Asperger” precisa ir além da consideração dos aspectos cognitivos compartilhados

socialmente sobre esta condição clínica. Torna-se indispensável o esforço de compreensão dos

sentidos e vivências destes sujeitos sobre sua condição e do mundo que os cerca. Diante disso,

têm-se o construto de insight como fenômeno complexo que demanda investigação ampla e

aprofundada. Buscando atingir os objetivos avançados pelo estudo, foram propostas atividades

em três etapas que investigaram aspectos relacionados às experiências asperger. Primeiramente,

foi realizada a produção de uma narrativa acerca da questão que norteia o estudo: “Como é ter

TA?”. Como estratégia facilitadora da produção narrativa, recorreu-se à mediação de um

personagem alienígena para o qual eles deveriam produzir uma narrativa que possibilitasse o

entendimento da experiência asperger, pois este seria de outro planeta e não saberia nada sobre

o TA. Após essa etapa, foi realizada entrevista semi-estruturada objetivando investigar aspectos

relacionados ao conhecimento formal que os sujeitos têm do TA. Em sequência, foi proposta

nova atividade com dois objetivos complementares, a saber, a capacidade de identificação de

características do TA em terceiros, que por sua vez, serviu de facilitador para o segundo objetivo

que foi a produção de sentidos para as próprias vivências dos sujeitos em relação ao TA.

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Participaram do estudo três sujeitos entre 15 e 20, selecionados por conveniência, com

diagnóstico prévio de TA e com conhecimento deste há pelo menos cinco anos, tempo este

considerado suficiente para a construção de significados e sentidos sob a condição do

diagnóstico clínico. Também participaram seus respectivos pais, que realizaram também as

mesmas etapas da pesquisa que seus filhos, mas foram convocados a respondê-las como se

fossem estes. Como resultados observou-se que eles produziram narrativas sobre o diagnóstico

de TA e que em suas conceptualizações estiveram presentes diversos elementos

reconhecidamente presentes em discursos científicos e da mídia sobre o diagnóstico. Quanto ao

sentido do TA para eles, observou-se novamente a presença de discursos da mídia, mas

principalmente foram vistas diversas aproximações entre o discurso destes e de seus pais.

Assim, foi observado que a constituição do discurso sobre o próprio diagnóstico para os

indivíduos com TA teve grande influência dos discursos sociais, principalmente de pessoas

mais próximas. Os resultados sugerem que uma característica dos processos de insight no TA

pode ser descrita como disrupção na transição de um modo monológico para um dialógico de

pensamento. Acredita-se que os resultados aqui encontrados contribuem para a compreensão

da singularidade da existência e da experiência subjetiva.

Palavras-chave: Transtorno de Asperger; Insight, Dialogismo; Psicologia Histórico

Cultural; Autismo

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ABSTRACT

The present study aimed expand the comprehension about the processes of insight in

the Asperger’s Disorder (AD). Insight can be understood as the knowledge one has about his

diagnosis and the meaning constructed from it. The development of insight is taken not as a

personal mental function, but as a intersubjective phenomenon, forged in social relations. The

study has its basis on the theoretical framework of Historical–cultural psychology with focus

in the genetical development perspective. As a central feature of this perspective are the

processes of meaning construction, considering the social-cultural insertion of the individual

and his experiences. Thereby, the study advocates that the understanding of “what it is like to

be an Asperger” has to go beyond the socially shared idea of cognitive disruption as only

features of this condition. The effort of comprehending meanings and experiences of these

individuals becomes imperative. Therefore, the insight phenomena emerges as a complex

construct, demanding a deep and broad research. In order to achieve the study goals, activities

to investigate the Asperger experience were proposed in three steps. First, it was produced a

narrative surrounding the central question that guides the study: “what is it like to have

asperger’s?”. A mediation strategy was used as facilitating tool to the narrative production. It

involved an alien character to whom the participants should talk to, explaining the asperger

experience, since they came from a planet where there was no such thing. After the initial

production, an semi-structured interview was used aiming to investigate aspects regarding the

formal knowledge they had of the diagnosis. In sequence, another activity was proposed

intending to investigate their ability to identify AD characteristics in others and, at the same

time, facilitating the access and production os meaning to their own experiences towards the

diagnosis. Three individuals with ages between 15 and 20 years old participated of the study,

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selected by convenience. They all had a previous diagnosis of AD and had knowledge of it

since at least 5 years. That was considered enough time to the construction of meanings about

the diagnosis. Also participated in the study their respective parents, who took part in the same

investigation steps as their subjects and responded as if they were those. Results showed that

they produced narratives about their AD diagnosis and that in their discourse there were many

elements notedly present in the media and scientific material. As of the meanings surrounding

the diagnosis, is was noted that media elements were also present, but specially approximations

were seen between their and their parents perceptions. Therefore, it was noted that the discourse

constitution about their own diagnosis for the AD individuals had many influences of the social

discourses, notedly of closest people. The results sugest that a characteristic os the processes of

insight in AD can be described as a disruption in the transition from a monologic to a dialogic

way of thinking. It I believed that the results here exposed can contribute to the comprehension

of the singularity of the existence and subjective experience of these individuals.

Key-words: Asperger’s Disorder; Insight; Dialogism; Cultural-Historical Psychology; Autism.

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Não importam as dificuldades, eu não desejo uma cura para a minha Síndrome de

Asperger. O que eu desejo é uma cura para a doença comum que permeia tantas vidas; a

doença que faz as pessoas se compararem a um normal que é medido em termos de perfeição

e padrões absolutos, a maioria dos quais são impossíveis para qualquer pessoa alcançar. Eu

acho que seria muito mais produtivo e muito mais satisfatório viver de acordo com um novo

conjunto de ideais que são ancorados em critérios muito mais subjetivos, nos domínios fluidos

e afetivos da vida, o que nos causa admiração e nos deixa maravilhados... curiosidade...

criatividade... invenção... originalidade. Talvez assim todos nós possamos encontrar paz e

alegria uns nos outros.

Liane Holliday Willey, Pretending to be Normal (1999)

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1. Considerações iniciais

“Ser asperger é difícil.

É como estar preso dentro de uma caixa...

daqueles cubos, sabe?

Eu tento sair e não consigo

e o cubo vai ficando menor...”

W.

A frase que inicia esta introdução foi produzida por um adolescente que atendi na

clínica durante meu período de estágio no curso de formação em psicologia. Este garoto, com

então 13 anos, falava sobre si e sobre o mundo de uma forma qualitativamente diferente. Ao

longo dos seus atendimentos comecei a me deparar, de fato, com uma pessoa que parecia

enxergar a vida e as pessoas de modo peculiar, que tinha percepções sensoriais distintas, era

excepcionalmente bom em diversas disciplinas e possuía amplo conhecimento sobre vários

assuntos. Porém, simultaneamente, afirmava não ter ideia de como fazer para arranjar um

amigo. A frase em tela foi dita em um dos últimos atendimentos que tive com ele, despertando

em mim profunda inquietação, questionamentos que me seguiram até o fim do curso e levaram

à proposição de projeto de mestrado, e que podem ser traduzidos numa pergunta: “ Como é ser

asperger?”.

Como passo inicial adentrei na literatura científica, constatando a amplitude de teorias

que caracterizam o sujeito asperger. Dentre estas, ressalta-se aqui aquela avançada pelo Manual

Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), que na sua última edição

incorporou o Transtorno de Asperger (TA) ao Transtorno do Espectro Autista (TEA). Este se

caracteriza por alterações nos domínios da comunicação e interação social, presença de padrões

restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades (Associação Americana de

Psiquiatria, 2014). A importância de tal definição pode ser justificada pelo largo uso da mesma

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em contextos de serviços de saúde, educacionais e clínicos. Entretanto, esta definição é restrita

a um conjunto de dados nosológicos e nosográficos que pouco traduzem a experiência asperger,

a produção de sentidos e a vivência destes sujeitos.

Nesse sentido, Molloy & Vasil, (2002, 2004) exploram em seus estudos a concepção

do asperger adotada cientificamente: seria ele um transtorno ou déficit ou uma diferença

neuropsicológica que foi construída socialmente como transtorno? Essa discussão traz em seu

bojo a forma através da qual o diagnóstico é percebido socialmente. Visto da primeira maneira,

como déficit, se associa a um modelo biomédico de classificação de doenças que tem a ele

associado um conjunto de sintomas. Por outro lado, quando o asperger é concebido como

diferença qualitativa, passa a ser interpretado como forma diferente de ser e estar no mundo a

qual se associam características distintas. No entanto, historicamente, a visão biomédica do

asperger tornou-se elemento constituinte de sua concepção social e cultural e, portanto,

contribuiu sobremaneira para forjar as identidades subjetivas dos indivíduos diagnosticados,

que incorporaram a essa subjetividade os conceitos médicos acerca de si mesmos, construindo

sentidos acerca desta, atravessados por tal discurso. Logo, a definição biomédica do asperger

não pode ser abandonada quando se fala das percepções individuais, escolares, familiares e

sociais sobre o diagnóstico.

Porém, é interessante notar que de forma geral, para além da ausência de consenso

acerca da pertinência da incorporação do TA ao espectro autista, também não foram

identificadas, nos contextos acadêmico-científicos, respostas para a questão lançada

inicialmente. Alternativas foram parcialmente encontradas na literatura não-científica e, mais

especificamente, autobiográfica. Em histórias como a de John Robinson, de Olhe nos meus

olhos (Robinson, 2008) ou de Temple Grandin, em Thinking in pictures: my life with autism

(Temple Grandin, 2008), podemos ter um vislumbre da vivência do Transtorno de Asperger,

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através da experiência singular de indivíduos, como o adolescente mencionado no início desse

texto.

Essa diferença se traduz em forma peculiar de sentir, de pensar, de raciocinar e

solucionar problemas. Essas características não podem ser consideradas como menos

desenvolvidas do que aquelas das pessoas com o desenvolvimento típico, elas configuram um

entendimento diferenciado do mundo. Um mundo que cotidianamente expressa as suas

dificuldades para conviver com o diverso, com o que escapa às normas sociais.

Enquanto um transtorno do neurodesenvolvimento, que tem início na infância, o TA

pode trazer diversas dificuldades, que são potencialmente fonte de sofrimento, principalmente

no âmbito social. A busca pela minimização de tais impactos levou à proposição de diferentes

modelos de intervenção, coadunados com distintas perspectivas teóricas. Diversas destas

partem da premissa que a melhor alternativa para o incremento da adaptação social do TA é a

promoção de desenvolvimento de comportamentos normativos, sem que se faça necessário, a

apropriação de significados e construção de sentido para as experiências sociais.

Por outro lado, outro conjunto de correntes teóricas e de intervenção têm por base,

exatamente os processos de construção de sentido, considerando para tanto a inserção histórico-

cultural do sujeito e suas vivências. O presente estudo situa-se nessa perspectiva, defendendo

que o entendimento sobre “o que é ser autista” precisa ir além da consideração dos aspectos

cognitivos, compartilhados socialmente sobre esta condição clínica. Torna-se indispensável o

esforço de compreensão dos sentidos e vivências destes sujeitos acerca de sua condição e do

mundo que os cerca.

Porém, não podemos esquecer que estes sentidos e vivências são igualmente

construídos por um indivíduo imerso em um mundo histórico-cultural, logo tais discursos são

co-constituintes de suas vivências, o que justifica a utilização neste estudo do termo TA, uma

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vez que eles se identificam e se denominam recorrendo a este vocábulo. Para Bakhtin,

(Voloshinov) (1929/1992.), há uma estreita interdependência entre as condições, formas e

conteúdos da comunicação discursiva com a realidade sócioeconômica e cultural de uma época

e dos contextos específicos em que a comunicação tem lugar. Para o autor, não só a palavra

impregna e dá sentido à atividade humana ou à experiência social das pessoas, mas igualmente

a consciência, que se estrutura a partir da dimensão material do signo, forjado nas trocas

comunicativas e sociais de coletivos humanos. Para Traverso-Yépez (1999), a consciência

individual se alimenta de signos, cresce com base neles, e reflete em si, sua lógica e suas leis.

No sentido de compreensão dessas vivências mencionadas, destaca-se aqui os estudos

acerca dos processos de insight, investigados nos contextos de condições consideradas

patológicas. Vale salientar que o estudo do processo de insight esteve primeiramente associado

aos casos de lesões cerebrais, nos quais se identificou a incapacidade dos pacientes de

reconhecimento de seus sintomas (anosognosia). Mais recentemente, o conceito passou a ser

abordado na psiquiatria, associado a transtornos mentais e quadros neuropsiquiátricos, tais

como esquizofrenia e transtorno bipolar. Porém, não mais a partir de referência à presença ou

ausência de insight, mas sim à qualidade e especificidade da experiência da consciência de si e

de seus sintomas. A investigação acerca da qualidade e especificidade do insight em diferentes

grupos clínicos é de suma importância para a proposição e implementação de intervenções, uma

vez que o desenvolvimento deste tem sido associado a prognósticos mais favoráveis e melhores

resultados nas medidas terapêuticas (Markova & Berrios, 2011).

Estudos neuropsicológicos sugerem que o TA apresenta fragilidades nos âmbitos da

cognição social, notadamente na cognição social, nas funções executivas e na linguagem

pragmática (Psicologia, 2014). Destaca-se que tais habilidades subjazem o desenvolvimento do

insight, compreendido simultaneamente enquanto o nível e a qualidade do conhecimento que

um indivíduo possui de um sintoma ou forma de prejuízo, e o entendimento das causas e

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impacto destes em sua vida (Drummond, 2013). Sendo assim, no caso do TA, ressalta-se que

as alterações supracitadas não implicam necessariamente em rebaixamento ou déficits do

insight, mas sim em alterações qualitativas da experiência subjetiva.

Estudos diversos têm examinado a percepção e o entendimento que os indivíduos com

Transtorno de Asperger têm acerca do mundo e de outras pessoas, mas menos interesse tem

sido direcionado para o entendimento destes sobre o seu próprio diagnóstico. Ao mesmo tempo,

o conhecimento científico acerca dos comportamentos associados ao TA, das relações sociais,

educacionais e laborais deste grupo, foi construído a partir do relato de terceiros: relatos de

clínicos, pesquisadores e pessoas próximas, sendo negligenciados os significados referentes à

primeira pessoa, ou seja, aqueles produzidos pelos próprios indivíduos com TA (Drummond,

2013).

Isto posto, ressalta-se que o presente estudo tem como pretensão avançar em termos

da caracterização dos processos de insight no grupo clínico do TA, considerando para tanto que

tais concepções, e as vivências que as acompanham, são construídas a partir de relações

dialéticas, estabelecidas entre dimensões biológicas e histórico-culturais.

Espera-se que os resultados provenientes dessa investigação constituam material que

auxilie na construção de estratégias de intervenção, contribuindo dessa forma, com

profissionais, instituições e pesquisadores que atendem e estão em contato com o universo

Asperger.

2. Dialogismo e desenvolvimento humano

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O presente estudo tem como objetivo maior ampliar a compreensão acerca dos sentidos

e vivências constituídos e experienciados por sujeitos com Transtorno de Asperger (TA). Para

tanto, faz-se necessário tecer considerações acerca do desenvolvimento ontogenético, aqui

compreendido enquanto movimento dialógico, no qual as funções psicológicas têm substrato

na corporeidade, mas são igualmente interdependentes dos contextos emocionais e

socioculturais nos quais o sujeito está imerso. Dessa forma, o processo de desenvolvimento

pode ser compreendido enquanto movimento de separação inclusiva (Valsiner, 1997) no qual

o indivíduo singular se constrói numa relação dialética com o mundo histórico-cultural.

Isso posto, assume-se aqui a centralidade do sujeito enquanto agente autônomo, imerso

num mundo organizado culturalmente. Porém, é preciso ressaltar que a autonomia pessoal e a

individuação são, elas próprias, culturalmente constituídas, através do processo de

internalização/externalização (Budwig, N., Valsiner, J. & Bamberg, 1998). Sendo assim, é

preciso considerar a interdependência entre o nível pessoal, singular e o social. O primeiro se

constitui na fronteira com o social, ao mesmo tempo em que contribui para o desenvolvimento

do segundo, colaborando para o avanço cultural humano e vice-versa.

Por conseguinte, têm-se a visão do desenvolvimento subjetivo resultante das relações

sociais internalizadas. Em segundo lugar, a alteridade surge enquanto característica importante,

uma vez que a experiência singular humana é forjada na relação interdependente eu-outro. A

definição de “outro” pode se referir a uma pessoa real (por exemplo, alguém com quem se

conversa); a processos intrapsicológicos (como a lembrança dos argumentos ou opiniões de um

interlocutor que não está mais presente, mas que toma parte na construção de sentido); a outro

imaginário ou idealizado (um ser mítico); a um grupo social (Oliveira & Guimarães, 2016).

No tocante ao âmbito metodológico, a abordagem dialógica é coerente com

perspectivas integrativas quanto aos fenômenos investigados, considerando os aspectos social,

cultural, afetivo e cognitivo. Por conseguinte, parte-se de metodologias investigativas e

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interpretativas, bem como de estudos de cunho idiográficos, visando alcançar sistemas

explicativos contextualizados que se desdobrem em um conhecimento generalizável aberto a

novos estudos de caso. Salienta-se que a generalidade de processo que se espera dessa

metodologia se distingue da generalidade de resultado, dado que os resultados dos processos

dialógicos são situados e alcançados por meio de trajetórias que acontecem em tempo

irreversível (Oliveira & Guimarães, 2016).

Com base nessas premissas propõe-se a aproximação de dois lugares teóricos distintos,

mas potencialmente complementares, ambos ancorados na perspectiva dialógica, que

possibilitam analisar o desenvolvimento humano: primeiramente, a psicologia histórico-

cultural de Lev Semenovich Vygotski, e a filosofia da linguagem de Mikhail Bakhtin. Ressalta-

se que, apesar da centralidade do trabalho deste último para os estudos da linguística, sua obra

possui conceitos axiais de crescente importância, não só para este campo do conhecimento, mas

para diversos outros, tendo sido estes apropriados por áreas como a Psicologia, as Ciências

Sociais, a Comunicação, a Educação e as Artes (José & Bacha, 2011).

Enquanto pontos de aproximação entre as duas perspectivas, ressalta-se o caráter

inovador, uma vez que ambas surgem enquanto terceira via para os embates vigentes à época,

em especial no tocante às bases teórico-metodológicas subjacentes à compreensão do

desenvolvimento humano. O Círculo Bakhtin promove questionamentos acerca das premissas

e métodos do subjetivismo idealista e do objetivismo abstrato que argumentam sobre a

linguagem. Por sua vez, Vygotski criticou os métodos da psicologia idealista e behaviorista

enquanto formas de conhecimento e apreensão do fenômeno humano (Magalhães & Oliveira,

2011).

Adicionalmente, ambos defendem a premissa que a consciência humana é um produto

do social, embora se apoiem em diferentes argumentos (Cornejo, 2012). Para Cornejo, apesar

da identificação de diferenças, é possível considerá-los enquanto partes distintas de um mesmo

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programa de pesquisa. Ambos compartilham a perspectiva de construção social da mente e a

natureza objetiva da linguagem, interessados na dimensão da construção de sentido da vida

humana, em especial, aquelas expressões da vida psíquica que podem ser expressas através de

narrativas (Cornejo, 2012). A dialogia e a presença do “outro” são essenciais na constituição da

subjetividade, possibilitando contradições que, ao criarem tensões e conflitos, promovem a

produção de novos significados (Magalhães & Oliveira, 2011).

2.1 Contribuições do Círculo de Bakhtin e da psicologia histórico-cultural para o

estudo do desenvolvimento humano

O Círculo de Bakhtin refere-se a um grupo de intelectuais que se reunia

periodicamente entre 1919 e 1929 na antiga União Soviética. O Círculo foi composto por

indivíduos de diversas especialidades, mas tem como expoentes Mikhail M. Bakhtin, Valentin

N. Voloshinov e Pavel N. Medvedev. No presente trabalho centraremos nas ideias de Mikhail

Bakhtin, porém cabe ressaltar o Círculo dada a polêmica existente em relação a diversas obras

do autor cuja autoria é questionada, sendo algumas atribuídas a outros membros do Círculo,

principalmente Voloshinov (Brait, 2005).

A teoria de Bakhtin tem enquanto premissa filosófica a ideia da existência de um

dualismo entre o mundo da teoria e o mundo da vida. O primeiro diz respeito ao mundo em que

os atos concretos de nossa atividade são tornados objetos de estudo teórico, filosófico,

científico, ético e estético. O segundo diz respeito ao mundo da existência de fato, onde ocorrem

os atos concretos de atividade. Nesse se deslancha o real da existência de seres históricos únicos

que realizam atos únicos e que não são repetidos. Esse é para Bakhtin um aspecto essencial da

existência humana: a questão da unicidade e eventicidade do Ser (Faraco, 2009).

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Esse aspecto desvela o caráter de singularidade da existência para Bakhtin. Nesse

sentido, não existe comunicação entre os dois mundos, porque o mundo da vida em sua

unicidade e eventicidade é inapreensível em um contexto no qual não há espaço para o ser e

eventos singulares. Desse contexto parte o pensamento teórico, que se constitui no afastamento

do singular e abstração da vida. Para superar esse problema de caráter dualista, Bakhtin

estabelece como solução a mudança do enfoque da razão teórica para a prática, que tem em seu

bojo a orientação pelo dito evento único do ser, ou, em outras palavras, que se orienta a partir

do vivido, da experiência singular (Faraco, 2009). Salienta-se que a crítica à razão teórica

Bakhtiana não nega a cognição teórica, pelo contrário, reconhece sua validade, no entanto faz

resistência à sua total desvinculação do mundo da vida.

Faraco (2009) aborda o projeto Bakhtiano a partir do seguinte recorte:

“Uma representação, uma descrição da arquitetônica real, concreta da experienciação

do mundo regida por valores – não com uma fundamentação analítica na cabeça, mas com

aquele centro real, concreto (tanto espacial quanto temporal) donde emergem ou brotam

avaliações, asserções e atos e onde os membros constituintes são objetos reais, interconectados

por relações-eventos concretas no evento singular do Ser” (Bakhtin, Para uma filosofia do ato,

1993)

Nesse sentido, tendo o pressuposto da eventicidade do Ser como base, o autor traz luz

à discussão filosófica e problematização acerca do método científico de investigação. A

questão do Ser, por sua amplitude, exige uma racionalidade distinta da tradicional metodologia

científica, partindo não do pensamento de operação do cálculo, mas do sentido do Ser, que “se

entrega ao inesgotável do que é digno de ser questionado”). Sua reflexão é antes ampla em

torno do inesgotável da existência, ao invés de voltada à instrumentalização de análise

científica. Faraco (2009) sugere a aproximação do pensar Bakhtiano da concepção

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hermenêutica das ciências humanas, pressupondo uma aproximação do fazer filosófico de

cunho mais conceitual e interpretativo, de atribuição de sentidos.

Diante disso, Bakhtin vincula-se à concepção filosófica de Dilthey, distinguindo

entre ciências da natureza (Naturwissenschaften) e ciências do espírito (Geisteswissenschaften)

negando que a ciência seja reduzida à primeira forma. Tais formas de ciência possuem

diferentes objetos, logo, diferentes metodologias: as ciências da natureza visam à explicação,

enquanto as ciências do espírito ou humanas tem a compreensão como objetivo. Uma busca

encontrar o exterior das relações necessárias entre os fenômenos, enquanto a outra tem

orientação de busca interna dos sentidos das ações humanas. Dessa forma, retomando-se a

questão da explicação versus compreensão, temos no primeiro caso o entendimento do

necessário (o objeto é mudo e sobre ele se enunciam fatos; relação monológica) enquanto no

segundo, a compreensão vai em direção ao possível, pois existe uma relação dialógica entre o

objeto e os significados produzidos em interação (Faraco, 2009).

Vale salientar que essa orientação interna não pode ser desvinculada do ambiente

sociocultural, considerando que para Bakhtin a consciência individual constrói-se na interação

sujeito-mundo social. A consciência é entendida como tendo uma realidade semiótica, sendo

construída dialogicamente e se manifestando semioticamente (Faraco, 2009). O sujeito de

Bakhtin tem papel ativo na sua construção, não sendo assujeitado, mas relacional, trazendo a

importância da relação eu-outro para essa constituição e para a “negociação” de sentidos. O

sujeito Bakhtiano se torna eu entre outros eus: ao mesmo tempo é definido por um outro e define

este, de tal forma, que se tem uma concepção inacabada de sujeito, sempre em ressonância no

outro, no discurso do outro e nos interdiscursos, compreendidos pelas vozes sociais que ecoam,

trazendo-lhes um caráter histórico e cultural (Brait, 2005).

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Isto posto, faz-se importante discorrer acerca de conceitos Bakhtinianos de grande

valia para a compreensão da construção do eu: o excedente de visão e a exotopia. Para a

compreensão do conceito de excedente de visão é preciso partir do texto literário, da relação

entre autor e herói, uma vez que este diz respeito a um lugar de privilégio, no qual nos

encontramos em determinado momento em relação a um outro, no evento único da existência.

Essa noção pode significar tanto um excedente de visão que o autor sempre terá em relação ao

herói, na medida em que sabe mais que este quanto pode também significar aquilo que, da

posição em que estou, só eu posso saber do outro e aquilo que o outro, da posição em que está,

consegue ver a respeito de mim. O sujeito sabe do outro o que este não pode saber sobre si

mesmo, ao mesmo tempo em que depende do outro para saber o que ele mesmo não pode saber

de si.

Assim, de acordo com Bakhtin, o autor sempre sabe mais, não só comparado ao herói

em particular, mas sim a todos os heróis em conjunto, sendo esse excedente de visão que dará

acabamento ou completude do todo do herói e da obra. Essa completude se dá em relação a

elementos que o próprio sujeito não tem acesso, que fazem parte do todo de sua existência,

como o horizonte externo atrás deste e sua própria imagem externa. Além disso, a

autocontemplação se realiza com base nas sensações internas, sendo demasiadamente subjetiva.

Deste modo, o acabamento que o outro possibilita, e que só é possível a ele pela posição externa

que ocupa, é uma conferência de valores aos elementos que são inacessíveis a um indivíduo e

este é provisório até o encontro com outra alteridade (Faraco, 2009).

A noção de excedente de visão inaugura uma nova concepção do sujeito acerca de si

mesmo, partindo de uma diferença de olhares que só o outro pode dar, por ver algo que só o

lugar de alteridade permite. A partir daí pode-se surgir exotopia, que diz respeito à quando, a

partir do que percebo no que você vê em mim consigo ver-me de maneira diferenciada e não

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coincidente com a visão que eu tinha a meu próprio respeito antes, o que significará um

acréscimo de visão e tomada de consciência (Magalh, 2010).

No entanto, esse processo não acontece obrigatoriamente. Para que ele ocorra é

necessário esforço de posicionar-se a partir do ponto de vista do outro, buscando ver o que o

outro vê. Quando o indivíduo se perde nesse movimento, apenas refletindo um ponto de vista,

existe uma captura desse olhar que não leva necessariamente à mudança e expansão de

consciência. A exotopia se cria justamente quando, provido desse olhar do outro, retorno a mim

mesmo e efetivamente coloco em ação o excedente de visão que o outro me proporcionou,

promovendo mudanças internas (Faraco, 2009) e, consequentemente, promovendo a

emergência da novidade, o que por sua vez, caracteriza o processo de desenvolvimento.

2.2 Psicologia Histórico-Cultural

A Psicologia histórico-cultural nasce na Rússia (posterior URSS), no início do século

XX, fundada pela chamada tríade soviética, tendo Lev Seminovich Vygotsky à frente, e

constituída também por Alexei Nikolaivich Leontiev e Alexsandr Romanovich Luria. A

abordagem é apresentada como uma terceira via ou alternativa para além da dicotomia

objetividade versus subjetividade que se estabelecia na época. Nesse sentido, Vygotsky se

refere a uma crise extrema da psicologia, cujas teorias não bastavam à compreensão dos

processos psicológicos superiores. Estas estariam divididas entre teorias de influências

positivistas, que atribuíam caráter natural aos fenômenos psicológicos, cuja via de estudo seria

o comportamento observável e mensurável, e, por outro lado, teorias fenomenológicas, que

privilegiavam fenômenos subjetivos, inviabilizando o desenvolvimento de um método objetivo

para a pesquisa psicológica. No entanto, apesar de partirem de diferentes princípios e preceitos

teóricos, Vygotsky aponta que tinham em comum a redução de processos superiores e

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complexos a elementares e a desconsideração de fatores históricos e culturais do

desenvolvimento (Duarte, Freire, & Hazin, 2012; Eilam, 2003; Vygotsky, 2012).

Nesse contexto se desenvolve o projeto científico da tríade soviética, este propõe uma

nova psicologia geral dos processos psicológicos, uma teoria do desenvolvimento do

funcionamento mental superior humano, na qual premissas teóricas e metodologia de estudo

são fortemente embasadas e tidas como interdependentes (Veresov, 1999). Dessa forma, não se

poderia pensar numa teoria acerca de um problema de investigação sem, ao mesmo tempo,

considerar o método adequado para tanto, o que Vygotsky aponta como principal dificuldade

das teorias psicológicas vigentes na época.

Diante disso, têm-se a primeira premissa e fundamentação sobre a qual se estabelece

a psicologia histórico-cultural: a indispensabilidade de uma metodologia genética de

investigação. A alternativa metodológica proposta por Vygotsky para o estudo da consciência

traz a possibilidade de investigação objetiva das funções mentais, desde que estas não sejam

consideradas fenômenos prontos, mas estudadas no processo de sua emergência e

desenvolvimento (Veresov, 2014). A acepção da perspectiva genético-desenvolvimental

ressalta a importância dos aspectos socioculturais na constituição do funcionamento cognitivo

superior, estes se constituem na relação dialética estabelecida entre o sujeito e o mundo social,

incluindo pessoas, produtos, ferramentas e sentidos que são desenvolvidos e acumulados

historicamente.

Conquanto seja a fundamentação da emergência das funções superiores, dada nas

relações sociais, outra premissa de base da psicologia histórico cultural é a materialidade

biológica dessas funções, tendo por base o sistema cerebral enquanto sistema aberto e plástico,

cuja estrutura é passível de alterações e é moldada no curso da história da espécie e do

desenvolvimento individual. Desta forma, numa estrutura de base estabelecida pela história da

espécie são organizados os sistemas funcionais constituídos ao longo da história da vida social,

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como consequência da atividade humana sobre o mundo, em resposta às demandas crescentes

do ambiente.

Por fim, a quarta ideia de base, relacionada ao aspecto instrumental da psicologia

histórico-cultural, argumenta que as relações estabelecidas entre indivíduo e mundo não são

diretas, mas requerem que a ação do primeiro sobre/com o segundo, seja mediada por

instrumentos ou signos, particularmente a linguagem, enquanto sistema simbólico. Dessa

forma, a emergência das funções psicológicas superiores se funda na apropriação dos sentidos

e significados culturais. Estes significados já estão presentes no âmbito social, externo ao

indivíduo em desenvolvimento, como parte do sistema simbólico compartilhado que é a

linguagem e será apropriado por este em interação social (Eilam, 2003; Vygotsky, 2013)

Adicionalmente, destaca-se que a compreensão do desenvolvimento humano para a

perspectiva histórico-cultural exige a consideração conjunta de níveis distintos de análise. O

nível histórico, ou da sociogênese, faz referência às aquisições sociais, históricas, culturais da

humanidade, da comunidade e do momento histórico no qual se desvela a ação humana. O nível

evolutivo, ou da filogênese, diz respeito ao desenvolvimento das espécies e as especificidades

de cada uma destas. O nível individual, ou da ontogênese, refere-se ao desenvolvimento

cognitivo e sócio afetivo dos sujeitos, ou seja, a passagem da infância para a idade adulta e as

mudanças na estrutura e nas funções mentais que ocorrem ao longo deste processo e durante

toda a vida. Por fim, no nivel da microgênese considera-se cada fenômeno psicológico como

detentor de trajetória própria. Tal nível remete a uma análise que se orienta para a apreensão de

minúcias na transfomação de processos e ações do sujeito (Hazin, Leitão, Garcia, Lemos, &

Gomes, 2010).

Em particular, é no desenvolvimento ontogenético que se dá a transição do

comportamento natural para o cultural, no qual as funções psicológicas primárias são

atravessadas pela dimensão simbólica, instaurando uma forma qualitativamente diferente de ser

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e estar no mundo. A linha natural de desenvolvimento refere-se à maturação biológica,

iniciando-se no momento em que o indivíduo nasce e terminando com sua morte. A linha

cultural, por sua vez, se estabelece quando a criança começa a reconhecer no outro um agente

intencional como ela própria, passando a imitar o uso dos meios e instrumentos culturais

disponíveis em seu ambiente (Vygotsky, 2013).

Vale salientar que a linha cultural não substitui a natural, ambas continuam seus

caminhos até o final da vida do indivíduo. No entanto, após o surgimento da dimensão cultural,

as linhas seguem tocando-se mutuamente no processo de desenvolvimento do indivíduo, o que

não caracteriza uma simples mudança, mas a reorganização qualitativa de um sistema (Veresov,

2010). Assim, o funcionamento cognitivo natural (funções primárias ou básicas) não é

substituído, mas transformado pelos sistemas simbólicos de uma dada cultura (Glozman, 2014).

Nesse processo, a linguagem ganha papel de destaque, pois fornecerá os elementos

decisivos para que os processos psicológicos inferiores, inicialmente independentes

(funcionamento unimodal), sejam integrados, constituindo redes complexas capazes de

produzir significados (funcionamento polimodal) e, consequentemente, possibilitará a

emergência da consciência. Essa integração ocorre à medida que os significados culturais são

apropriados, primeiro interpsicologicamente, na relação com o outro, para tornarem-se

intrapsicológicos, internalizados. Destarte, apesar das funções mentais serem individuais, não

são puramente subjetivas, pois dependem do ambiente físico e social, refletindo até certo ponto

propriedades dessa realidade, que inclui produtos e significados da ação atividade humana

prévia (Eilam, 2003).

Tal aspecto implica no movimento dialético de inserção cultural, dada a mediação

dos significados que foram historicamente acumulados e transmitidos às novas gerações, e a

construção de singularidade, constituindo o conceito de separação inclusiva. Nesse sentido, ao

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mesmo tempo que cada pessoa é uma unidade relativamente autônoma em relação ao outro,

cada um se constitui nas dinâmicas intersubjetivas estabelecidas em contextos sociais (Valsiner,

1997).

Nessa perspectiva, na qual toda função psíquica superior foi externa por haver sido

social antes de ser interna, a função psíquica propriamente dita era antes uma relação social de

duas pessoas. De forma que a personalidade seria também formada nestas relações. Vygotsky

aponta que “passamos a ser nós mesmos através dos outros(...). A personalidade torna-se o que

é para você através do que significa para os demais”. (Vygotsky, 2013)

Essa concepção está em consonância com a proposta de Bakhtin acerca da constituição

do sujeito. Para ambos, é na relação com a alteridade que os indivíduos se constituem, em um

processo que não surge de suas próprias consciências, mas de relações sócio historicamente

situadas, com destaque para a centralidade da linguagem neste processo. Para Vygotsky a

relação de alteridade se estabelece fundamentalmente no contexto de compartilhamento em

diversas e contínuas relações, pois este possibilita a produção de novas reorganizações dos

sentidos e significados compartilhados cultural e historicamente (Magalhães & Oliveira, 2011).

Para Bakhtin, tem lugar de destaque na interação o papel do outro como possibilidade de

ampliação da consciência de um indivíduo, no desdobramento do discurso que é atravessado

pelas múltiplas vozes que falam de lugares históricos, culturais e políticos diferentes. A partir

do exposto, convém destacar que Vygotsky deu contribuição significativa para o estudo de

trajetórias desenvolvimentais atravessadas pela patologia, conforme discutido a seguir.

2.3 A Defectologia Vygotskiana

Os estudos iniciais de Vygotsky acerca do desenvolvimento ontogenético foram

realizados com crianças, ditas por ele normais, ou sem nenhum atravessamento ou desvio do

desenvolvimento. Porém, é a partir do estudo realizado com as crianças que tinham o

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desenvolvimento atravessado por alguma patologia que ele estrutura diversos dos conceitos da

psicologia histórico-cultural. Esses estudos originaram um dos grandes desdobramentos de seu

trabalho, a saber, a proposição acerca da defectologia, um ramo da ciência que estudava crianças

com diversas condições físicas ou mentais.

Para tanto, Vygotsky se apoia nos conceitos de disontogênese (do grego dys –

anômalo, ontos – sendo; genesis – desenvolvimento) e de desenvolvimento heterocrônico,

avançado por P. Anokhin (Anokhin, 1975; Gindis, 1998; Rodina, 2006)). Tais proposições

contrapunham-se à visão tradicional da criança com alterações desenvolvimentais, considerada

quantitativamente inferior àquelas com desenvolvimento típico. Para esta última, o

desenvolvimento é um processo "natural" de crescimento quantitativo e embasado no aumento

das funções psicológicas e orgânicas que já estão pré-determinadas pelo biológico.

Tal concepção foi apelidada por Vygotsky de “conceito matemático da deficiência”,

traduz-se numa visão da criança com dificuldades como um ser menos desenvolvido, em que

algo falta. Esta abordagem, então, limitava-se a determinar parâmetros, tais como a capacidade

intelectual, sem caracterizar a deficiência e suas repercussões sobre o desenvolvimento.

Abordar a deficiência sob a ótica da limitação imposta pela condição significa considerar a

pessoa com deficiência um simples conjunto de funções negativas, resultando em uma

abordagem limitada, que pouco contribuía para a prática de intervenções (Gindis, 1999;

Vigotski, 2011).

Em contraposição a esta perspectiva, a defectologia vygotskiana baseia-se em uma

concepção de desenvolvimento como processo essencialmente qualitativo, de forma que a

criança deficiente não é considerada menos desenvolvida do que outras, mas detentora de um

processo desenvolvimental que ocorre de maneira qualitativamente distinta daquela dita

normal.

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Conforme (Vygotsky, 2012):

“Uma criança, cujo crescimento foi atravessado por uma deficiência, representa um

tipo de desenvolvimento qualitativamente diferente e único. [...] se uma criança cega ou surda

atinge o mesmo nível de desenvolvimento de uma criança sem alterações neurológicas, ela o

faz de outra maneira, por outro percurso, por outros meios [...]”.

Tal concepção ressalta a singularidade do indivíduo, desenvolvida, em especial,

através de processos de compensação, uma vez que todo defeito cria os estímulos para a

elaboração de uma forma compensatória de desenvolvimento e ação. Na defectologia

vygotskiana o papel do “defeito” é sempre duplo, pois configura contexto de disontogênese, ou

desvio da função típica do desenvolvimento, produzindo falhas, obstáculos e dificuldades na

adaptação da criança; mas por outro lado, exatamente porque o defeito produz obstáculos e

rompe o equilíbrio normal, ele serve de estímulo ao desenvolvimento de caminhos alternativos

de adaptação, indiretos, os quais substituem ou superpõem funções que buscam compensar a

deficiência e conduzir todo o sistema a uma nova ordem. (Vigotsky,2012).

A disontogênese é igualmente fundada no meio sociocultural do indivíduo,

considerando-se para tanto os mesmos processos que subjazem o desenvolvimento típico, a

saber, mediação, internalização e as linhas de desenvolvimento. Porém, a particularidade reside

nos processos de internalização da cultura, uma vez a linha natural é marcada por diferenças

em sua constituição biológica.

Nesse sentido, são centrais os conceitos de “incapacidade primária” (primary

disability) e incapacidade secundária” (secondary disability) e como estas se relacionam. A

incapacidade primaria é o prejuízo orgânico devido a fatores biológicos que depois se

desenvolvem na direção de incapacidades secundarias. Esta última é a distorção das funções

mentais superiores devido a fatores sociais, sendo a consequência destes responsáveis por

reforçar a dificuldade ou defeito (Vygotsky, 2012).

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Uma incapacidade orgânica pode impedir a criança de dominar alguma habilidade

social e adquirir conhecimento da forma e no tempo esperado. Entretanto, é o meio social da

criança que modifica seu curso de desenvolvimento e resulta em possíveis distorções e atrasos.

Logo, incapacidades secundárias, tais como comportamento infantilizado ou primitivismo de

reações emocionais em indivíduos com incapacidades, seriam adquiridas no processo de

interação social. Em síntese, Vygotsky considera o principal problema da incapacidade não a

diferença orgânica em si, mas as implicações sociais que dela decorrem. (Gindis, 1999).

Nessa perspectiva, a partir da revisão compreensiva de estudos históricos e

antropológicos, incluindo relatos de indivíduos com algum prejuízo, Vygotsky argumenta que

a deficiência ou incapacidade só é percebida como anormalidade quando trazida ao contexto

social. O cérebro, olhos e ouvidos são apenas órgãos, dos quais um prejuízo leva à

reestruturação das relações sociais e ao deslocamento dos sistemas de comportamento

(Vygotsky, 2012). Ressalta ainda a variação cultural e histórica do “defeito” com um exemplo:

“a cegueira da filha de um fazendeiro americano, do filho de um dono de terras ucraniano, de

um duque alemão, um camponês russo, um proletário sueco – são todos fatos psicologicamente

completamente diferentes”.

Assim, a fundamentação da defectologia de Vygotsky baseia-se essencialmente em

dois princípios: na formação de mecanismos e estratégias compensatórias e na emergência de

complicações sociais. No tocante ao primeiro, a linha cultural traz as possibilidades que

permitem essa compensação e o desenvolvimento das funções psicológicas superiores por

caminhos indiretos.

Nesse sentido Vygotsky (2011) estabelece a seguinte tese:

“O desenvolvimento cultural é a principal esfera na qual é possível compensar a

deficiência. Onde não é possível avançar no desenvolvimento orgânico, abre-se um caminho,

sem limites, para o desenvolvimento cultural. Ao falar sobre talento, detemo-nos especialmente

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no modo como a cultura nivela as diferenças de talento e como o desenvolvimento cultural

apaga ou, mais precisamente, converte em histórica a superação natural do desenvolvimento

orgânico incompleto” (Vigotski, 2011)

Considerando o papel da cultura, faz-se necessário pensar em como é possível intervir

para que se possa facilitar ou conduzir à compensação. Tal intervenção é possível à medida que

se altera o lugar social do indivíduo com uma deficiência, pois as consequências deste lugar são

certas expectativas e atitudes, bem como condições diferenciadas de acesso e experiências

socioculturais criadas pela sociedade. Essa alteração tem por base a alteração da visão social

negativa, passando-se a enxergar os fatores positivos desse desenvolvimento, que é

qualitativamente diferente e peculiar a cada criança. Este é, para Vygotsky, um grande objetivo

dos profissionais que trabalham com esses indivíduos, mas não o único: considerando um

desenvolvimento que é único, faz-se necessário conhecer essas peculiaridades, para atuar no

sentido de potencializar a aprendizagem e o desenvolvimento.

Esta visão positiva do desenvolvimento é central para Vygotsky e marca a maior

contribuição da psicologia histórico-cultural para a defectologia. A perspectiva passa aquela

que o autor chamou de “diferenciação positiva”, na qual se transfere o foco dos estudos, da

dificuldade para a potencialidade individual (Vygotsky, 2012; Gindis, 1999).

Por fim, Vygotsky aborda enquanto visão de futuro para a defectologia a necessidade

de investigação dos perfis de funcionamento, em termos de discrepâncias, ou seja, fragilidades

e potencialidades em cada incapacidade ou deficiência específica. Esse esforço seria essencial

para a proposição de estratégias compensatórias específicas e orientadas para esse perfil, sem

perder de vista as diferenças individuais. Este é para ele o futuro da reabilitação (Gindis, 1999).

Em síntese, vale ressaltar a premissa de que o sujeito considerado deficiente atinge o

desenvolvimento das funções complexas, por caminhos diferentes do desenvolvimento

considerado típico. Trata-se, então, de um trabalho complexo voltado para o reconhecimento

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da diferença e criação de condições propícias ao desenvolvimento de funções psicológicas

complexas. O entendimento das rotas alternativas de desenvolvimento das funções psicológicas

superiores, bem como as proposições de intervenções que favorecem tal processo foram

potencializadas pela neuropsicologia de Luria, brevemente descrita a seguir.

2.4 Contribuição da Neuropsicologia histórico-cultural para o estudo do

desenvolvimento humano

No interior do projeto científico da psicologia histórico-cultural identifica-se lugar de

destaque para a neuropsicologia, considerada ramo da psicologia que nasce da articulação entre

as ciências naturais e humanas, definida da seguinte maneira por Vygotsky em 1924: “essa nova

psicologia será um ramo da biologia geral e, ao mesmo tempo, a base de todas as ciências

sociológicas. Será o nó que liga a ciência da natureza e a ciência do homem” (Akhutina, 2012).

Coube a Alexsander Romanovich Luria fazer avançar esta vertente da psicologia. A

partir dos estudos desenvolvidos, em especial após a segunda guerra mundial, com soldados

que possuíam lesões de guerra, ele constrói os pilares da neuropsicologia, em articulação com

o modelo de desenvolvimento da psicologia histórico-cultural. Seu principal objetivo era a

compreensão do curso da dissolução das funções psicológicas superiores nos quadros de lesão

e/ou disfunção cerebral (congênita ou adquirida), partindo dos seguintes princípios: a gênese

das funções mentais superiores é social; sua organização é sistêmica; sua localização e

organização dinâmicas. Esses princípios derivam daqueles propostos pela psicologia histórico-

cultural acerca da ontogênese e da disontogênese, ou seja, orientados não para a patologia ou

deficiência, mas para o processo de desenvolvimento, considerando os fatores históricos e

culturais que atravessam o fenômeno mental e os meios de sua remediação (Glozman, 2013;

Luria, 1981).

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As contribuições de Luria para a ciência neuropsicológica se deram em um momento

de intenso debate entre teóricos localizacionistas e antilocalizacionistas. Os primeiros

defendendo que funções psicológicas específicas possuem localização cortical exata, enquanto

os segundos argumentavam que estas estavam em estreita dependência do funcionamento

global do córtex.

Luria (1981) apresenta um desfecho alternativo para o embate, revisando para tanto os

conceitos de função psíquica, localização cerebral e sintoma (Hazin et al., 2010). Nesta

proposição, as funções não podem ser circunscritas a áreas determinadas do córtex e sim

organizadas a partir da ação de múltiplos elementos que atuam de forma articulada e podem se

localizar em áreas distintas do cérebro. Dessa forma, o funcionamento superior é concebido

como fruto da ação de sistemas funcionais complexos. Por conseguinte, a ideia de sistemas

permite pensar que as funções complexas do comportamento têm um funcionamento que

consiste de uma tarefa constante, que leva a um resultado igualmente constante, mas que pode,

entretanto, ser desempenhada por mecanismos diversos, logo, variáveis (Hazin et al., 2010;

Oliveira & Rego, 2010).

Partindo da premissa que o desenvolvimento e estruturação dos sistemas funcionais se

dão na interação com o meio externo e consequente internalização dos mediadores simbólicos,

têm-se a concepção de sistema plástico, aberto à incorporação de elementos externos que

permite a variabilidade desse funcionamento. Dessa forma, pode-se inferir que o curso

maturacional com estrutura preestabelecida filogeneticamente pode sofrer mudanças e

interferências culturais (Hazin et al, 2010).

Essa assunção reflete uma proposta de desenvolvimento na qual o processo é

privilegiado em detrimento do produto, isto é, o indivíduo pode alcançar níveis de

desenvolvimento por caminhos distintos dos habituais, sendo esta uma das bases para a

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reabilitação neuropsicológica. Tal proposta corrobora com as premissas estabelecidas pela

defectologia de Vygotsky acerca da possibilidade de compensação na disontogênese.

A partir do princípio da localização dinâmica das funções mentais, fez-se necessário

rever o conceito de localização das funções e processos psicológicos. De acordo com Luria, a

localização dos sistemas funcionais e da organização das funções é dinâmica, sofre variações

ao longo da ontogênese. Durante esse processo, ocorrem mudanças no grau e na natureza de

envolvimento das estruturas cerebrais e das particularidades de suas associações funcionais para

a realização de um mesmo tipo de atividade cognitiva. (Luria, 1981; Glozman, 2014).

Assim, o conceito de localização é substituído pelo de zonas funcionais. Ao longo da

ontogênese, diferentes atividades mentais mudam sua estrutura psicológica, demandando a

reorganização em processos superiores, realizados por zonas funcionais distintas. Essa

reorganização se dá por meio de estágios subsequentes, ascendentes e sobrepostos (Glozman,

2014; Luria, 1981). Embora o sistema funcional não possua localização cortical específica,

sabe-se que existem áreas corticais importantes para o funcionamento adequado dos sistemas

funcionais específicos. Luria propõe uma organização das funções cognitivas superiores em

três unidades funcionais.

A primeira unidade, responsável pela regulação de dois tipos de processos de ativação:

ativação geral do cérebro, associada ao nível de vigília, e mudanças na atenção seletiva local,

necessárias para a formação focada e seletiva das funções mentais. O significado funcional da

primeira unidade é o provimento de uma base de ativação geral para todas as funções mentais

bem como de manutenção do tono geral do sistema nervoso central e do equilíbrio entre

ativação e inibição necessário a toda unidade.

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A segunda unidade, receptora, tem o papel receber, processar e armazenar informações

externas. Essa unidade provê processos modalidade-específicos, bem como as formas

integrativas complexas de processar informação.

Por fim, a terceira unidade é efetora e estaria responsável pela programação, regulação

e verificação da atividade mental (Luria, 1981; Glozman, 2014). Diante de um novo

funcionamento superior sistêmico e dinâmico, que requer o funcionamento em concerto dos

sistemas e grupos funcionais, o estabelecimento de uma relação direta entre sintomas funcionais

mentais e área lesionada precisa ser revisto.

Tal relação não seria precisa, pois uma alteração em alguma parte do sistema

compromete o sistema funcional como um todo, de forma que a perda de certa função não indica

uma localização exata ou fixa de uma estrutura alterada. Logo, torna-se essencial que seja feita

uma investigação detalhada do sintoma observado (Eilam, 2003).

O distúrbio de um fator pode surgir como déficit que acompanha determinada

síndrome. A investigação de determinada síndrome, por sua vez, enquanto conjunto de sintomas

permite a identificação de base comum, de fatores subjacentes a sua expressão. Tal constatação

exige o desenvolvimento de procedimentos, dentro os quais estão incluídas a comparação dos

sintomas observados, a investigação qualitativa dos mesmos e a estruturação de base comum.

Detectado o déficit primário no interior de determinado sistema, a avaliação neuropsicológica

deve identificar a consequência sistêmica deste e a reorganização compensatória (Eilam, 2003).

Diante do exposto, compreender que os sistemas de zonas funcionais operam de

maneira complexa e hierarquizada implica compreender que as repercussões neuropsicológicas

decorrentes de alterações no funcionamento cerebral, especialmente na infância, dependem de

diversos fatores em complexa interação, quais sejam a natureza, localização e extensão da

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alteração cerebral, a idade, o contexto maturacional do Sistema Nervoso Central (SNC), a

inserção sociocultural da criança, dentre outros fatores

Dessa forma, faz-se necessária a introdução de uma nova abordagem para análise dos

processos psicológicos. A avaliação neuropsicológica não pode estar limitada à avaliação de

uma única função afetada. Torna-se necessária a análise qualitativa do sintoma investigado,

considerando-se especificamente o déficit em questão, bem como os fatores que o provocam

(Glozman, 2014).

Isso posto, Luria inaugura perspectiva de avaliação neuropsicológica pautada pelo

delineamento de pontos fortes e fracos do funcionamento cognitivo, estabelecendo as funções

comprometidas e preservadas após lesão cerebral, inaugurando o princípio da reabilitação

neuropsicológica que considera os componentes preservados do sistema e a este agrega

ferramentas da cultura, promovendo a construção de novo sistema, qualitativamente diferente

do original (Eilam, 2003).

Essa perspectiva se estabelece em consonância com as proposições da defectologia de

Vygotsky que ressalta, como mencionado em seções anteriores, a importância de delineamento

de perfis de funcionamento que, ao mesmo tempo em que são únicos para cada sujeito, têm

bases comuns que permitem a consideração de perfis funcionais, não só em casos de lesão, mas

em condições de desenvolvimento atípico.

Outra contribuição significativa da neuropsicologia luriana foi o modelo de

reabilitação. Luria propôs programas de reabilitação neuropsicológica que ultrapassaram os

limites impostos pela organização espontânea do sistema nervoso, abrindo espaço para a

incorporação de recursos auxiliares da cultura – denominadas por I. Hazin (Hazin, Lemos, &

Garcia, 2006) de “próteses culturais”, pois permitem ao sujeito o uso de caminhos alternativos

que o ajudem a transformar o negativo da deficiência no positivo da compensação.

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Finalmente, as contribuições da psicologia histórico-cultural para a neuropsicologia

direcionam o olhar, anteriormente estático em termos da relação cérebro-comportamento (estes

eram associados a áreas definidas do cérebro), para uma visão dinâmica, que considera a

interação entre cérebro e funcionamento mental enquanto aberta e a partir do contexto

interacional do sujeito, contemplando as desordens dentro de um contexto de desenvolvimento.

Nesse sentido, a neuropsicologia luriana permitiu a expansão de sua área de atuação, agora não

mais restrita a situações de lesões cerebrais orgânicas, mas também a distúrbios endógenos,

genéticos e funcionais (Glozman, 2014).

Tal expansão se deu, primariamente, pela percepção de profissionais acerca da

importância do diagnóstico funcional e diferencial de condições atípicas de desenvolvimento.

Além disso, estudos de neuroimagem funcional revelam a presença de alterações funcionais

cerebrais orgânicas em pacientes com desordens endógenas e funcionais, tais como transtornos

mentais, hoje entendidos enquanto desordens neurocognitivas (Glozman, 2014).

Nessa perspectiva, a neuropsicologia torna-se fundamental na avaliação e intervenção

dos transtornos do neurodesenvolvimento. Estes são compreendidos como condições de

desenvolvimento atípicas, com início prematuro e que acompanham o sujeito por toda a sua

vida, caracterizando um modo qualitativamente diferente de existência, de percepção do

mundo, das relações e de apreensão da cultura, como no caso do Transtorno de Asperger, foco

do presente estudo, caracterizado a seguir.

3. Transtorno de Asperger através do tempo

O conjunto de características que circunscrevem o diagnóstico de Transtorno de

Asperger foram relatadas pela primeira vez por Hans Asperger, em 1944. De modo

independente e quase concomitante, Leo Kanner (Kanner, 1943)descreveu características de

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aspectos similares em crianças. Na época, os dois pesquisadores apresentaram denominações

homônimas para suas descrições peculiares de crianças em faixa etárias aproximadas. Enquanto

Asperger, pediatra austríaco com interesse em educação especial, denominou tais

características de “psicopatia autística”; Kanner (1943) as denominou de “distúrbio autístico

inato do contato afetivo”. Ambos descreveram pacientes com alterações do comportamento, da

linguagem e das habilidades necessárias para aprendizagem e interação social, porém, as

tentativas iniciais de comparar as duas condições foram difíceis devido às grandes diferenças

nos pacientes descritos.

Lorna Wing (1981)hipotetizou que os pacientes descritos por Asperger, juntamente

com os de Kanner, caracterizados por incapacidade ou dificuldade no desenvolvimento de

interações sociais, comunicação social e imaginação, seriam parte de um espectro autista. A

diferenciação dentro de um espectro foi proposta por Wing, sugerindo a existência de graus de

intensidade e variabilidade de expressão da tríade comportamental que caracteriza o espectro,

destacando que estas são independentes do nível da capacidade intelectual.

O termo Transtorno de Asperger é uma referência ao pediatra austríaco, que somente

obteve reconhecimento a partir de 1981, após as traduções de seus trabalhos por Lorna Wing,

a quem é atribuída a criação do termo em homenagem ao pesquisador (Artigas-Pallarès &

Paula, 2012). Asperger, relatou em seus estudos suas observações sobre 4 crianças com

características peculiares. Apelidadas pelo pesquisador de “pequenos professores”, chamava

atenção sua habilidade de falar precisa e detalhadamente de temas de sua preferência. Esse

comportamento era acompanhado por outros, descritos por ele como falta de empatia,

ingenuidade, pouca habilidade para fazer amigos, linguagem pedante e repetitiva, comunicação

não-verbal pobre, interesse aumentado por certos temas, torpeza motora e coordenação motora

prejudicada (Artigas-Pallarès & Paula, 2012).

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No que se refere ao esforço de classificação dos sintomas que acompanham o TA, o

Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) é, juntamente com a

Classificação Internacional de Doenças (CID), os parâmetros nosológico e nosográfico

mundiais. Nas primeiras versões do DSM, publicadas em 1952 e 1968, não há referência

específica ao TA. De forma global, o autismo estava associado a um comportamento da

esquizofrenia infantil. Na terceira versão do DSM (1980), foi introduzida a categoria “Autismo

infantil”, considerada enquanto entidade única. Apenas na quarta edição do DSM, a SA é

descrita enquanto categoria nosológica específica, compondo junto com o Transtorno Autista,

Transtorno de Rett, Transtorno Desintegrativo da Infância e Transtorno Global do

Desenvolvimento sem outra especificação, os denominados Transtornos Globais do

Desenvolvimento (TGD) (Artigas-Pallarès & Paula, 2012; Maranhão, 2014).

Em 2013, foi publicada a quinta versão do DSM, na qual foi sugerida uma nova

classificação para esses transtornos, passando de uma análise diagnóstica categorial para uma

abordagem dimensional. Assim, os Transtornos Autista, de Asperger e Transtorno Autista sem

outra especificação, passaram a compor o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), o qual

considera as características clínicas destes como parte de um continuum de sintomas e prejuízos,

que vão de leves a moderados e severos, nos âmbitos da comunicação social e comportamentos

restritos e repetitivos.

No que se refere à prevalência do TEA, é relevante destacar que os estudos realizados

nas últimas três décadas, em diversos países, vêm sugerindo um aumento significativo do

número de diagnósticos de autismo e diagnósticos correlatos (Transtorno de Asperger, autismo

atípico, entre outros) (Deisher & Doan, 2015). Esse aumento da incidência do diagnóstico vem

chamando a atenção mundial e, nesse sentido, a Organização das Nações Unidas estabeleceu

em 2007 o dia 2 de abril como dia Mundial de Conscientização do Autismo. A data vem

recebendo a cada ano maior apoio em todo o mundo, identificado através de ações pessoais,

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institucionais e governamentais que utilizam, de diferentes maneiras, a cor azul, símbolo do

TEA.

Também em decorrência desse aumento, a Organização Mundial de Saúde (OMS)

incluiu pela primeira vez em 2010 as desordens do espectro autista no relatório de Global

Burden of Disease Study (GBD), documento que traz estimativa do impacto de doenças e

condições clínicas, bem como dos fatores de risco que as causam. A inclusão do autismo no

GBD põe em pauta a importância do diagnóstico, seus custos para a saúde e a necessidade de

implementação, em países de todo o mundo, de políticas de saúde (Baxter et al., 2015).

No Brasil, estima-se que existam 2 milhões de crianças diagnosticadas dentro do

espectro do autismo (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2012). Em

dezembro de 2012, foi instituída a Lei Nº12.764 de Proteção dos direitos da pessoa com

Transtorno do Espectro Autista (Lei Berenice Piana) que estabelece os direitos do indivíduo

diagnosticado com autismo. A lei assegura o acesso a ações e serviços de saúde, incluindo: o

diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional, a nutrição adequada e a terapia

nutricional, os medicamentos e as informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento.

Da mesma forma, a pessoa com autismo tem assegurado o acesso à educação e ao ensino

profissionalizante, à moradia, ao mercado de trabalho e a previdência e assistência social.

Para assegurar direitos, educação e acesso ao mercado de trabalho, torna-se

imprescindível conhecer o perfil de potencialidades e fragilidades que circunscrevem o TA.

Nesse sentido, faz-se necessária a constante revisão de critérios e pesquisas com base nos

modelos biomédicos de saúde a partir das classificações internacionais de doenças, pois estas

orientam os serviços e leis.

No entanto, para além da perspectiva médica do TEA, diversos movimentos vêm

surgindo na direção de lançar luz sobre uma nova concepção do diagnóstico, abordando-o

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menos como doença ou déficit e mais como forma qualitativamente diferente de ser e estar no

mundo. Muitos destes são inclusive pensados por indivíduos que têm esse diagnóstico, além de

profissionais e pessoas que convivem com eles. Como exemplo, tem-se o movimento da

Neurodiversidade, para o qual os transtornos do neurodesenvolvimento, com destaque para o

TEA, são caracterizados por funcionamentos neuropsicológicos diferenciados, logo, variações

esperadas da espécie. Assim, se reconhece as suas fragilidades e potencialidades, sendo cobrado

da sociedade que se adapte a estas, abrindo espaços para que as potencialidades desses

indivíduos possam ser aproveitadas (Armstrong, 2010).

Nesse sentido, destaca-se a necessidade de realização de estudos que possibilitem

maior entendimento do TA, não só enquanto características e comportamentos visíveis, mas

compreendendo os sentidos e significados atribuídos por eles à sua própria condição de ser e

estar no mundo.

3.1 Caracterização e diagnóstico do Transtorno de Asperger

De forma global, os indivíduos com TA se caracterizam pela presença de linguagem

pedante e rebuscada; ecolalia ou repetição de palavras ou frases ouvidas de outros; voz pouco

emotiva e sem entonação; interesses restritos; presença de habilidades incomuns; interpretação

literal; incapacidade para interpretar mentiras, metáforas, ironias, frases com duplo sentido;

dificuldades no uso do olhar, das expressões faciais, dos gestos e dos movimentos corporais

enquanto formas de expressão da comunicação não verbal; pensamento concreto; dificuldade

para entender e expressar emoções; apego a rotinas e rituais, dificuldade de adaptação a

mudanças e fixação em assuntos específicos (Maranhão, 2014; Mello, 2005)

A gama de comportamentos peculiares e frequentemente presentes nesse grupo clínico

se justificam pelo atravessamento de alterações ou desvios nos padrões ontogenéticos típicos

que reconfigura esse processo de desenvolvimento. No caso do TA, essas se dão,

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principalmente, em funções ligadas à interação e comunicação social, flexibilidade de

pensamento e integração sensorial. Tais alterações, ao mesmo tempo que configuram prejuízos

na organização e funcionalidade cognitiva, podem trazer compensações em funções distintas,

caracterizando um perfil desenvolvimental de fragilidades e potencialidades. Esse perfil tem

consequências para o funcionamento adaptativo desses indivíduos, que podem encontrar

maiores dificuldades em aspectos específicos da vida (como o âmbito social), enquanto

possuem desempenho superior à média em relação a outros aspectos (como atividades que

requerem agilidade no processamento visual). Esse funcionamento dual está em consonância

com as proposições de Vygotsky acerca da disontogênese e seus efeitos sobre o indivíduo,

ocasionando um desenvolvimento qualitativamente distinto da norma (Vygotsky, 2012).

As principais características neuropsicológicas encontradas no grupo clínico de

indivíduos do Espectro do Autismo, apesar de diferir no tocante ao seu nível dentro do espectro,

compreendem dificuldades em relação ao desenvolvimento da cognição social. Maranhão

(2014) sugere a presença de alteração generalizada no funcionamento das operações mentais

que envolvidas na cognição social, sendo mais prejudicadas em indivíduos com autismo e em

menor severidade no TA. O destaque se dá nas habilidades de teoria da mente, linguagem

pragmática, memória episódica, autoconsciência e na coerência central.

Estas características diferenciadas de funcionamento subjazem os comportamentos

descritos anteriormente como peculiares aos indivíduos com TA e serão descritas em maior

detalhes a seguir.

3.2 Características de funcionamento diferenciadas

Cognição social

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O conceito de cognição social faz referência à habilidade humana de construir sentido

do mundo através da interação com outros membros da espécie humana. Tal habilidade abarca

diversos processos cognitivos que permitem que os indivíduos entendam uns aos outros

enquanto seres intencionais e possam interagir em cooperação. Em uma perspectiva dialógica,

essas habilidades permitem o aprendizado e engajamento culturais, porque ao compreender o

outro enquanto agente intencional abre-se espaço para o uso de mediação simbólica (Tomasello,

Carpenter, Call, Behne, & Moll, 2005).

A literatura é diversa no que tange a esses processos cognitivos, mas consensualmente,

têm-se processos que vão desde esquemas perceptuais básicos, até outros processos sociais mais

complexos. Os primeiros incluem processamento facial, reconhecimento de emoções e atenção

conjunta, enquanto os segundos dizem respeito a processos de inferência e raciocínio, como a

atribuição de estados mentais, e estados afetivos, como a empatia. Todos estes nos permitem

compreender contextos sociais e predizer estados mentais, intenções e ações de outros, para que

possamos agir adequadamente. (Frith & Frith, 2007; Kilford, Garret, & Blakemore, 2016).

Diversos estudos sugerem que a Teoria da Mente (ToM) está relacionada à habilidade

humana de interpretação de desejos e intenções alheias, e previsão do comportamento de outros

indivíduos, bem como regulação de seu próprio. Esse conceito diz respeito ao reconhecimento

da existência de estados mentais subjetivos (como crenças, desejos e intenções) e o papel

exercido por estes estados na explicação de comportamentos. O uso da ToM nos permite

entender ações alheias, não só pela leitura de movimentos corporais, mas também pela

atribuição de intenções às ações ((Holroyd & Baron-Cohen, 1993; Jou & Sperb, 1999).

Baron-Cohen, Leslie e Frith sugeriram em 1985, que o componente relacionado à

dificuldade na interação social do autismo estaria associado à diminuição ou falta da habilidade

metarrepresentacional da Teoria da Mente. Os pesquisadores testaram sua hipótese num estudo

realizado com crianças autistas, crianças com desenvolvimento típico e com crianças com

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Síndrome de Down (SD). Seus resultados indicaram que indivíduos com desenvolvimento

típico possuíam a habilidade de atribuição de estados mentais a outras pessoas. O mesmo

ocorreu com as crianças com Síndrome de Down, logo, a atribuição de falhas nessa habilidade

não poderia ser remetida à capacidade intelectual diminuída, uma vez que esta é uma das

características da SD. Somente as crianças autistas obtiveram dificuldades nas tarefas de ToM,

o que levou os autores a propor que essa alteração seria específica do autismo (Baron‐Cohen,

Leslie, & Frith, 1985).

A partir da proposição de um déficit na ToM como um dos mecanismos de explicação

para características do autismo, várias proposições foram feitas sobre como se configura essa

dificuldade, com conclusões variadas. Alguns estudos sugerem que autistas não teorizam sobre

a mente por uma dificuldade de compreensão e abstração, portanto não podem “ler a mente do

outro”, o que Baron-Cohen chamou de “cegueira mental”. No entanto, para indivíduos com

Transtorno de Asperger tal dificuldade reveste-se de características próprias, pois apenas a

compreensão de sentimentos e emoções que demandam grande abstração parece estar

comprometida (Miranda, Muszkat, & Mello, 2006).

Baron‐Cohen e Ring (1994) propuseram um modelo de ontogênese da teoria da mente

(revisado depois para modelo da empatia). Para o TA em particular, Baron-Cohen (Baron-

cohen, 2005) sugere um desenvolvimento peculiar do sistema com falhas específicas no ToMM,

mas que se contram em falhas na TESS ou módulo relacionado a empatia. Dessa forma, eles

compreenderiam cognitivamente os sentimentos e intenções, mas teriam dificuldades em

colocar-se no lugar do outro.

Tomasello et al. (2005) argumenta que a habilidade humana de ler intenções se

relaciona intimamente a interação cultural com outros indivíduos. Especificamente, a forma

como humanos entendem ações intencionais e percepções de outros cria uma forma única a

nossa espécie de aprendizagem e engajamento cultural, que leva ao processo de

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desenvolvimento e evolução da cultura. Por exemplo, apenas se uma criança compreende o

outro como agente intencional ela pode adquirir e usar símbolos linguísticos, porque a

aprendizagem e uso desses símbolos requer o entendimento de que o parceiro pode

voluntariamente dirigir ações e atenção a entidades externas.

Linguagem e comunicação social

A centralidade da linguagem para o desenvolvimento das funções psicológicas

superiores exige a reflexão acerca de comprometimentos neste domínio para a constituição do

sujeito. No caso do TA é imprescindível problematizar sobre o perfil das alterações e as

implicações deste para o desenvolvimento.

Para tanto, cabe, primeiramente, adentrar a temática dos processos envolvidos na

aquisição da linguagem na perspectiva dialógica, notadamente histórico-cultural. Nessa

perspectiva essa aquisição é central, dada a associação entre linguagem e pensamento, bem

como o caráter de mediador assumido por ela.

Nesse sentido é central para o desenvolvimento da linguagem o momento de

convergência entre fala e atividade prática. Antes linhas independentes de desenvolvimento,

elas agora convergem à medida que a primeira irá mediar a segunda, regulando-a. Esse processo

ocorre em um contexto comunicativo que estabelece determinadas pautas de interação entre

adultos e crianças (Silvestri & Blank, 1993).

Em uma primeira etapa, a regulação da conduta é externa. O bebe atua orientado

diretamente pelos estímulos do meio. Na segunda etapa, a regulação é interpessoal: depende da

linguagem dos outros: as palavras dos adultos são sinais para emitir comportamentos. O adulto

organiza, orienta e dirige o entorno físico e social da criança por meio de palavras. Finalmente,

a fala se internaliza e a regulação torna-se intrapessoal. A linguagem adquirida se converte em

organizadora do pensamento e do comportamento da criança. Sua atividade se orienta através

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dos signos e significados que constituem o tecido da consciência própria, através da linguagem

interior ou do “falar consigo mesmo” (Silvestri & Blank, 1993).

A partir deste momento, além da função de atuação externa, ou seja, buscando uma

resposta ou comportamento do outro, a fala ganha a função interna de autorregulação. Por meio

dela regulamos nossa própria conduta, por exemplo, planejando antecipadamente em nossa

consciência e prevendo e resolvendo mentalmente os problemas que uma atividade pode

apresentar. Dessa forma, ao serem internalizados, os signos se convertem em instrumentos

subjetivos da relação do indivíduo consigo mesmo: autodirigem e regulam sua própria conduta

e pensamento (Silvestri & Blanck, 1993).

Processualmente, o sujeito adquire a linguagem e pode resolver um problema, primeiro

“em sua cabeça”, em tempo e espaço distintos do que de fato o problema se apresenta. Assim,

saímos do concreto para operar com signos que substituem os objetos e suas relações. O caráter

da linguagem internalizada é também mediacional: são meios de que me sirvo para resolver

uma situação e implicam numa atividade mediadora entre o sujeito e a práxis.

Ressalta-se o caráter social da linguagem, que permeia o trânsito do interpessoal para

o intrapessoal na constituição da linguagem interior. Essa função está presente mesmo no

estágio intermediário desse processo, relativo ao monólogo da criança, denominado por Piaget

de fala egocêntrica (Piaget, 1993). Este seria o link necessário entre a gênese da linguagem

interior e a fala.

Para Vygotsky, esse monólogo ainda é essencialmente social, dada a função primordial

de comunicação da linguagem. Quando a criança fala consigo mesma, num monologo

egocêntrico, reproduz pautas de interação social, reproduzindo a mesma maneira que dialoga

com os outros. Em seu esquema de desenvolvimento, a linguagem é primeiramente social,

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depois egocêntrica e mais adiante interiorizada. A dialogicidade da fala social não se perde no

monólogo, nem irá se perder na linguagem interior.

Regulando a sua atividade através das palavras, a criança está aprendendo a resolver

problemas utilizando a dimensão da linguagem. Neste momento emerge a função cognitiva

desta função psicológica. Porém a criança não a diferencia da função comunicativa de interação

social.

A ausência de comprometimento no desenvolvimento da fala era o principal elemento

que diferenciava o TA do autismo, antes da versão do DSM-IV, uma vez que crianças com

asperger apresentavam desenvolvimento típico da fala. No entanto, estudos com esse grupo

clínico sugerem prejuízo marcante no que foi denominado domínio pragmático da linguagem,

ou seja, no uso social da linguagem (Maranhão, 2014).

Na literatura científica, a dimensão da linguagem que é mutável se insere no âmbito

da pragmática. O desenvolvimento sociopragmatico se refere ao processo de desenvolvimento

e compreensão das formas com que sentidos linguísticos indexam informação sociocultural,

incluindo aspectos do contexto social de comunicação (ex: tipo de atividade, formalidade),

qualidades da relação social (ex: relações de intimidade ou poder) e identidades sociais (Alanen

& Poyhonen, 2007).

A literatura aponta a dimensão sociopragmática como de fundamental importância

para que a comunicação efetiva aconteça. É a partir dos conhecimentos dos usos diversos da

linguagem, envolvendo não só palavras, mas gestos, expressões faciais e entonação que se torna

possível compreender os aspectos sutis das interações sociais. Nesse sentido, ironias, metáforas

e pedidos indiretos, por exemplo, compõem aspectos pragmáticos da linguagem. A

compreensão da intenção do falante em um determinado contexto, quando são utilizados esses

recursos, demanda ir além do significado literal da linguagem. Na prática, o tipo de dificuldades

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enfrentadas por indivíduos que tem TA envolve a não compreensão dos usos indiretos da fala

citados anteriormente (Maranhão, 2014).

No espectro autista, a relação entre linguagem pragmática, teoria da mente e funções

executivas é discutida por Champagne-Lavau e Joanette (2009), que sugerem que o

desenvolvimento da primeira demanda o desenvolvimento adequado da Teoria da Mente. A

interpretação pragmática, processamento da linguagem não-literal, por exemplo, solicita um

exercício de teoria da mente à medida que se precisa inferir sobre o estado mental de quem fala.

Assim, um déficit na realização de inferências pode resultar em um prejuízo no

processamento da linguagem não-literal, comprometendo a comunicação. Ao mesmo tempo,

outras características como falhas na flexibilidade cognitiva, ou presença de pensamento

perseverante, podem se associar à fixação rígida no sentido literal da fala, acarretando

dificuldade de conceber significados alternativos mais adequados ao contexto (Champagne-

Lavau & Joanette, 2009).

A dificuldade nesses âmbitos traz prejuízos ao estabelecimento de interações e

relações, pois sendo essas dialógicas, se estabelecem nos discursos que se constituem no

compartilhamento de signos e significados. Estes, por sua vez, não dizem respeito somente à

palavra, mas a linguagem não-verbal e mesmo ao que não é dito, o que se constitui como grande

dificuldade no TA.

As relações discursivas dialógicas se estabelecem com base no que já foi dito, estando

dentro do contexto que é pré-existente, ao mesmo tempo que se orienta para uma resposta, ou

seja, esperando uma resposta, de forma que já é de antemão influenciado pelas possibilidades

de réplica (Faraco, 2009). Tais relações antecipam a necessidade de compreensão de estados

mentais de outrem pela representação e atribuição destes, sugerindo a relação entre discurso e

teoria da mente. Nesse sentido, Lyons e Fitzgerald (2004) trazem a importância da tomada de

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consciência do falante acerca da mente do ouvinte, avaliando seu interesse, para a comunicação

bem sucedida.

Coerência central

Indivíduos com Transtorno de Asperger apresentam a tendência de focar detalhes em

detrimento das informações que perpassam o contexto da troca social. Em diferentes níveis,

problemas específicos com integração de informações diversas prejudica a capacidade de

compreensão global de um contexto (Maranhão, 2014)

Tal característica tem sido associada a falhas na coerência central desses indivíduos

ou na habilidade de processamento da informação dentro de seu contexto, integrar informações

em um todo coerente em nível perceptual e conceitual. Estudos que seguem a linha da Teoria

da Coerência Central, sugerem que indivíduos que apresentam essa tendência de processamento

fragmentado possuem conectividade cerebral pobre em áreas de processamento sensoriais.

Essa característica configura um estilo de processamento cognitivo diferenciado que

se baseia na discriminação aumentada de elementos individuais. Esta se evidencia em diversos

âmbitos, desde a desintegração do processamento de aspectos sensoriais do ambiente, em que

não ocorre a distinção, por exemplo, de ruídos em primeiro plano e de fundo, até dificuldades

para identificar o rosto humano a partir do arranjo espacial de olhos, nariz e boca. Falhas nesse

âmbito perpassariam a insuficiente compreensão do significado global de uma história/piada,

ou a dificuldade para responder ao chamado de seu nome próprio, especialmente quando há

envolvimento atencional excessivo numa atividade (Bogdashina, 2006; Hill & Frith, 2003;

Maranhão, 2014)

As alterações na coerência central no TA constituem-se enquanto dificuldades, mas

também embasam as maiores potencialidades cognitivas desse grupo, tais como a memória para

fatos ou a localização ágil de elementos visuais. A obsessão por detalhes também subjaz estilos

de aprendizagem diferenciados e está por trás do grande desenvolvimento de algumas áreas em

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detrimento de outras, tornando-os grandes experts em assuntos de seu interesse (Hill & Frith,

2003).

Diferenças qualitativas no funcionamento das habilidades perceptuais podem gerar o

desenvolvimento de um estilo diferenciado também de pensamento, sendo este mais perceptual

em contraste ao pensamento verbal de pessoas de desenvolvimento típico. Bogdashina (2006)

aponta que a forma visual de pensamento perceptual é a mais comum para pessoas que estão

no espectro do autismo de maneira geral. Neste estilo, as ideias são expressas na forma de

imagens que provém uma base concreta para a compreensão do mundo. Cada pensamento é

representado por uma imagem, de forma que palavras estão em segundo plano e sua

compreensão, oral ou escrita, ocorre quando esta se traduz em imagem. Temple Grandin

descreve esse funcionamento que ela mesma apresenta em sua autobiografia “Thinking in

pictures” (2008).

“Eu penso em imagens. Palavras são como uma segunda língua para mim. Eu traduzo

palavras faladas e escritas em filmes completos em cores e som, os quais eu passo em minha

mente como uma fita de VHS. Quando alguém fala comigo, suas palavras são instantaneamente

traduzidas em imagens. Pensadores que se baseiam na linguagem frequentemente acham difícil

entender esse fenômeno, mas em meu trabalho como designer de equipamento para a indústria

do gado, pensamento visual é uma tremenda vantagem”. (Temple Grandin, 2008)

3.3. O diagnóstico de TA: da ciência ao sujeito

Como dito anteriormente, no DSM-V, o Transtorno de Asperger deixou de ser uma

entidade nosológica independente e passou a integrar o Transtorno do Espectro do Autismo

(TEA). A justificativa apresentada para essa mudança remete à necessidade de uma maior

sensibilidade e especificidade dos critérios diagnósticos, bem como de identificação de

tratamentos mais adequados aos prejuízos específicos observados no TEA (APA, 2014).

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Dessa forma, nesta edição do DSM os critérios diagnósticos para o TEA são: 1)

presença de déficits persistentes na comunicação social em múltiplos contextos, conforme

manifestado ou por história prévia; 2) Padrões restritos e repetitivos de comportamento,

interesses ou atividades atualmente ou por história prévia; 3) Interesses fixos e altamente

restritos que são anormais em intensidade ou foco (ex: forte apego a ou preocupação com

objetos incomuns, interesses excessivamente circunscritos ou perseverativos); 4) Hiper ou

hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse comum por aspectos sensoriais do ambiente

(ex: indiferença aparente perante a dor/temperatura, reação contrária a sons ou texturas

específicas, cheirar ou tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou

movimento) (APA, 2014).

Ressalta-se que os sintomas devem estar presentes precocemente no período do

desenvolvimento. No entanto, o DSM-V traz como ressalva a possibilidade de que os sintomas

não se tornem plenamente manifestos até que as demandas sociais excedam as capacidades dos

indivíduos, ou podem ser mascarados por estratégias aprendidas ao longo na vida. O

diagnóstico pode ser dado nas seguintes condições: com ou sem comprometimento intelectual

concomitante, com ou sem comprometimento da linguagem concomitante ou associado a

alguma condição médica ou genética conhecida ou a fator ambiental (APA, 2014).

Kurita (2011) considera de grande importância a busca por harmonizar os diagnósticos

dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) e os Transtornos do Espectro Autista

(TEA), sugerindo que, até serem validadas escalas diagnósticas e entrevistas semi-estruturadas

para o segundo, a solução seria continuar usando os critérios do DSM-IV, considerando como

TEA os TID’s. O autor também aponta que a nova forma diagnóstica será amplamente aceita

como um conceito que representa as características autistas, mas que os subtipos anteriormente

considerados irão continuar a ter importância enquanto conceito que representa um conjunto de

características do autismo.

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A opção deste estudo por manter o TA enquanto entidade nosológica específica, não

vem pautada na diferenciação do transtorno em relação aos quadros de autismo clássico no que

tange ao desenvolvimento de habilidades cognitivas específicas, tais como a linguagem, mas

sim, pela constatação que foi criada uma cultura Asperger, ou seja, os sujeitos anteriormente

assim diagnosticados, criaram comunidades virtuais, apelidos (se reconhecem como “ Aspies”)

que configuram uma identidade. Provavelmente, aos poucos, esta identidade deixará de existir

tal como se apresenta hoje, mas neste momento histórico é preciso considerar que estes sujeitos

forjaram suas identidades imersos num discurso que os identificava como Asperger.

A decisão pela mudança dos critérios diagnósticos e da inclusão em especial do

Transtorno de Asperger (TA) no espectro autista desencadeou discussões não só no âmbito

científico, mas também no sociocultural. Isso porque muitas dessas pessoas não se denominam

autistas e sim “Aspies”. O termo designa características singulares de um grupo sociocultural,

implicado com um modo de ser e estar no mundo qualitativamente diferente, cuja concepção

vai além da condição psiquiátrica (Maranhão, 2014; Giles, 2014).

Nesse sentido, em seu livro de 2009, Claire Sainsbury, diagnosticada com TA,

descreve sobre a necessidade de visão diferenciada acerca do transtorno:

“É importante não considerar a Síndrome de Asperger somente em termos de

prejuízos ou nada mais que um grupo de deficiências. Em oposição à figura comum de uma

“concha autística”, pessoas com Transtorno de Asperger frequentemente definem o autismo

como uma forma de ser, algo que é uma parte profunda e fundamental de quem elas são”.

(Sainsbury, 2009, p.39)

No relato de experiências de indivíduos com TA, identifica-se esforço no sentido de

configurar tal experiência enquanto variação qualitativa da apreensão do mundo. Nesse sentido,

os relatos destacam o sentimento de estranheza em relação a comportamentos sociais naturais

de pessoas com desenvolvimento típico. Corroborando com estes, Sacks (2006) afirma que o

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autismo, embora possa ser reconhecido como uma condição médica, necessita ser igualmente

compreendido como um modo de ser completo, uma forma de identidade, intimamente

diferente. Tal concepção avança na direção das proposições da defectologia de Vygotsky, em

especial aquelas que compreendem o desenvolvimento desviante enquanto qualitativamente

diferente do típico, ressaltando a importância da alteração do lugar social do termo “defeito”

(Vygotsky, 2012).

Nesse sentido, Bogdashina (2006) apresenta o relato de Jim Sinclair (1992),

diagnosticado com TA e fundador do movimento sobre os direitos da pessoa autista (The autism

Right Movement):

“Toda criança precisa ser ensinada a como funcionar no mundo. Todo adulto

encontra problemas e desafios de tempos em tempos e precisa aprender novas habilidades ou

buscar ajuda de outros. O que quero dizer é que pessoas autistas deveriam ser ajudadas a

funcionar no mundo como pessoas autistas, e não passar sua vida tentando não ser autista. Se

uma pessoa autista está se comportando perigosamente ou de forma destrutiva, ou aquilo

interfira com os direitos de outras pessoas, isso certamente é um problema que precisa ser

resolvido. Se falta a uma pessoa autista uma habilidade que aumentaria sua capacidade de

perseguir seus objetivos, então todo esforço deveria ser feito para ensiná-la. O problema que

vejo é quando pessoas autistas são sujeitas a tratamentos intensivos, estressantes e,

frequentemente, muito caros, simplesmente pelo propósito de fazê-las parecer ‘normais’:

eliminando comportamentos inofensivos só porque pessoas não-autistas pensam que eles são

estranhos, ou ensinar habilidades e atividades que não são do interesse da pessoa autista só

porque não autistas apreciam essas atividades” (“Bridging the Gaps: An Inside-Out View of

Autism (Or, Do You Know What I Don't Know?), Sinclair, 1992; livro não disponível) (tradução

livre do inglês pela pesquisadora)

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Muitos autistas recorrem a metáforas associadas a personagens desviantes como forma

de autodefinição, tais como extraterrestres. Temple Grandin, escritora com SA, relatou ao

neurocientista Oliver Sacks sentir-se como “um antropólogo em Marte”, devido à incapacidade

de compreender o jogo de emoções presente nas interações sociais (Sacks, 2006). De forma

semelhante, Sainsbury (2009) descreveu sua infância como sendo a de um “marciano no

playground”, em referência às dificuldades para compreender a dinâmica do funcionamento

social no qual estava inserida, em particular, a escola.

Nestas narrativas, o estranhamento inicial, pouco a pouco cede espaço para a

constatação que o “diferente” eram eles mesmos, uma vez que reconheceram nos outros uma

uniformidade de comportamento. Dewrang (2011) aponta que o indivíduo cujo crescimento é

perpassado por um transtorno global do desenvolvimento, pode vir a ter no outro o parâmetro

que o coloca como diferente dos demais. Sugere ainda que, nesse contexto, a noção de que

existe diferença entre si mesmo e outras pessoas ocorre pela primeira vez quando se percebe

como as pessoas o tratam ou reagem a ele.

Nesse sentido, destaca-se a acepção de Vygotsky quanto ao papel do contexto social

em relação ao que caracteriza uma incapacidade, pois considera que o principal problema não

reside na diferença orgânica em si, mas nas implicações sociais que dela decorrem, com

destaque para as expectativas e percepção social do diagnóstico, que trazem subjacente o

determinismo acerca das possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem para o indivíduo.

No entanto, vale ressaltar que tal reconhecimento não se faz presente na trajetória de

todos os indivíduos. A percepção da diferença pode ou não estar presente. Além do mais, ela

não leva necessariamente ao entendimento das causas dessa diferença, que podem ser atribuídas

a comportamentos e traços específicos associados à condição clínica da SA.

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Adicionalmente, os relatos abordam acerca do papel decisivo do diagnóstico em suas

trajetórias de vida. Para alguns, mesmo sendo o diagnóstico tardio, este foi concebido como

alívio e entendimento. Robinson (2008), adulto diagnosticado com SA somente aos 40 anos,

relata em sua autobiografia:

“Eu tinha passado grande parte da minha vida ouvindo as pessoas me dizerem como

eu era arrogante, indiferente, pouco amigável. Agora leio que as pessoas com Asperger

‘demonstram expressões inapropriadas’. Bem, isso eu conheço profundamente (...). Ler essas

páginas foi um enorme alívio. Toda a minha vida, eu me senti como se fosse uma fraude ou,

pior ainda, um sociopata à espera de ser descoberto. Mas o livro me contou uma história muito

diferente. Eu não era um assassino atrás de minha primeira vítima. Eu era normal, na medida

em que sou o que sou.”. (Robinson, 2008, p.212)

A sensação de alívio surge, em grande parte, da compreensão de que existe um nome

para a diferença, e com ele um conjunto de características que configuram uma condição

peculiar. Tal constatação possibilita a substituição dos sentimentos de baixa autoestima e

depressão pela tomada de consciência.

Peterson, Ekensteen e Rydén (2006), citados por Dewrang (2011), sugerem que os

sentimentos negativos vivenciados pelos indivíduos asperger podem ser consequência de

feedback negativo da sociedade, mais do que característica intrínseca à condição. Bogdashina

(2006) sugere que as descrições de indivíduos sobre seu próprio diagnóstico tendem a ser

neutras, com ênfase nos aspectos positivos ou com ênfase nos aspectos negativos, com base na

atitude da pessoa acerca de sua condição, estratégias compensatórias adquiridas e ajustamento

ao ambiente. Descrições positivas, longe de idealizar a própria condição, partem de tentativas

de entendê-la e lidar com ela da melhor maneira possível, aproveitando suas potencialidades,

ao passo que aspectos negativos são atribuídos a fatores ambientais. A autora enfatiza que a

experiência de ser asperger, bem como a visão do diagnóstico para o próprio sujeito, depende

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do suporte que ele recebe, das estratégias e adaptações desenvolvidas. Essa visão é construída

na interação entre identidade, personalidade, ambiente, experiências e os sentidos e significados

erigidos a partir destas.

Nesse sentido, o conhecimento acerca do asperger, de suas características, possibilita

a tomada de consciência do que caracteriza os seus comportamentos considerados

problemáticos, possibilitando a construção de alternativas mais funcionais, culminando com

contextos de interação social mais significativos. Robinson (2008) aborda esse assunto em seu

livro no qual afirma:

“Aprendi a pausar antes de responder, quando as pessoas me abordam e começam a

falar. Eu me treinei a dar respostas talvez um pouco excêntricas (...) quando alguém me

pergunta ‘e aí, John, como vai? ’, já sei responder: ‘estou bem Bob e você? ’. Ao invés de

‘acabo de ler sobre os novos motores diesel MTU que vão instalar nos navios’(...) Mudanças

como essas fizeram uma enorme diferença na forma como as pessoas me vêm. Tenho deixado

de ser encarado como um maluco e agora sou apenas excêntrico. E posso assegurar, é muito

melhor ser excêntrico” (Robinson, 2008).

De forma global, os relatos descritos anteriormente convergem ao destacarem a

importância da tomada de consciência acerca do asperger, de suas características, seus alcances

e limitações. Sugerem que tal processo traz em gérmen as alternativas de enfrentamento e

superação das adversidades inerentes à condição. De acordo com Sacks (2006), o autista que

consegue ter consciência de si mesmo pode cultivar habilidades sociais, intelectuais,

desenvolver a comunicação e a linguagem, tornando-se autônomo. Ao mesmo tempo, conhecer

como se constrói e se processa a consciência de si e do próprio diagnóstico pode proporcionar

conhecimento e ferramentas para os familiares e profissionais que convivem com esses

indivíduos.

Partindo da perspectiva Bakhtiniana, compreender a singularidade e eventicidade da

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existência e da experiência subjetiva é essencial para a real compreensão do que significa se

desenvolver de maneira fundamentalmente diferente, sem reduzir o indivíduo a estereótipos

sociais, ou achados científicos teóricos, como alterações cognitivas e comportamentos

desviantes; ou de “sobrepujar a alteridade daquilo que é do outro sem o transformar em qualquer

coisa que é para si”, nas palavras de Bakhtin citado em Faraco (2009). Nesse sentido, coloca-

se a importancia do construto teórico dos processos de insight (Markova & Berrios, 2011) para

essa tomada de consciência do diagnóstico pelo indivíduo asperger.

4. Processos de Insight e Asperger

4.1. Surgimento e desenvolvimento do conceito

A extensão do entendimento e da avaliação que pacientes são capazes de ter acerca de

uma condição que os afeta, tem consequências significativas para as relações estabelecidas

entre ele e o mundo social. Pouca consciência de sua condição pode associar-se ao não

reconhecimento de problemas e da necessidade de ajuda. Em consequência, podem existir

dificuldades no manejo das atividades cotidianas, ruptura em suas vidas e de outras pessoas,

causando estresse prolongado e isolamento, enquanto o acesso à ajuda é atrasado ou existe

resistência a ela (Marková, 2005).

Contraditoriamente, o nível de consciência elevado de uma dada condição clínica,

também pode estar associado ao aumento de estresse, oriundo da conscientização dos efeitos

desta sobre a sua vida. Logo, pesquisas acerca dos mecanismos inerentes a tal entendimento,

em grupos clínicos diversos, são de grande importância para a delimitação de estratégias

terapêuticas e da avaliação acerca da eficiência e eficácia das mesmas.

O interesse acerca do processo de conscientização de condições clínicas específicas

surgiu no campo das neurociências no século XIX. Seu estudo se inicia a partir da identificação

da incapacidade de alguns pacientes de reconhecer seus sintomas após lesão cerebral.

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Inicialmente associada ao não reconhecimento do quadro de hemiplegia (anosognosia), passou

a ser utilizado em diversas desordens neurológicas e neuropsicológicas, tais como afasia,

síndromes amnésicas, demência, déficits posteriores a lesões dentre outras (Markova & Berrios,

2011).

Na psiquiatria, por outro lado, o conceito passou a ser utilizado por motivo oposto: o

reconhecimento de alguns pacientes da própria doença mental. Esse fato contrariava a ideia

vigente de loucura, na qual se acreditava não existir consciência alguma da realidade

compartilhada (Marková & Berrios, 2011).

Apesar da capacidade de reconhecimento de sua condição clínica e dos impactos

associados a mesma serem investigadas desde o século XIX, identificam-se dificuldades na

circunscrição dos fenômenos e conceitos, bem como no uso de nomenclatura homogênea para

a abordagem desta. Sendo assim, localiza-se em trabalhos de língua inglesa o uso

intercambiável de termos para abordar o mesmo fenômeno, assim como, fenômenos diferentes

tratados sob o mesmo termo (Markova & Berrios, 2011; Marková & Berrios, 2006).

Ainda enquanto problema relacionado à terminologia, identifica-se a ausência de

equivalência entre os idiomas. Para além de correlatos em termos de palavras correspondentes,

percebe-se que, em alguns casos, inexiste termos na dimensão semântica, ou seja, não são

encontrados sinônimos que expressem em diferentes línguas o mesmo fenômeno. Como

exemplo, verifica-se que os termos insight e awareness não possuem equivalentes nas línguas

latinas (Marková & Berrios, 2006).

Nesse contexto, os termos insight (Arango & Amador, 2011), insight into illness

(Gerretsen et al., 2015), awareness (Clare, Marková, Verhey, & Kenny, 2005), self-awareness

(Medalia & Lim, 2004) e anosognosia (Lehrer & Lorenz, 2014) são todos encontrados em

estudos referindo-se à consciência dos indivíduos sobre a sua doença, inclusive, em alguns

casos, sendo tratados como sinônimos (Amador et al., 1994; Bourgeois, 2002).

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É interessante notar que, para além da inexistência de consenso terminológico, não há,

igualmente, homogeneidade no que se refere ao papel da consciência de sua condição clínica e

seus impactos. Para alguns, os ganhos da reabilitação podem ocorrer sem a tomada de

consciência dos déficits por parte do indivíduo, mas sim por meio de atividades voltadas para

a aprendizagem e formação de hábitos. Em outra direção, estudos defendem que esta é decisiva

para o sucesso da reabilitação, já que a falta de percepção dos problemas pode comprometer a

busca de medidas para superá-los, bem como observam associação positiva entre a melhora na

conscientização dos déficits e bem estar emocional (Abrisqueta-Gomez, 2012; Hoerold et al.,

2008). Por fim, estudos argumentam que alterações nesta capacidade são comumente

associadas a impactos negativos nos tratamentos, no estabelecimento de objetivos, no

desenvolvimento de estratégias compensatórias, bem como diminuem a adesão ao tratamento

(Abrisqueta-Gomez, 2012).

No Brasil, os termos awareness, self awareness, e insight têm sido traduzidos de forma

indistinta por “autoconsciência” (Abrisqueta-Gomez, 2012). A análise pormenorizada destes

conceitos aponta a existência de uma pluralidade de modelos, o que por sua vez, implica em

distintos modos de avaliação dos mesmos.

Ownsworth e Clare (2006) consideram que self-awareness é a capacidade de

autorreflexão e de percepção de mudanças, sejam físicas, cognitivas, de comportamento ou de

personalidade. Hoerold et al., (2008) relacionam dificuldades de self-awareness ao déficit no

funcionamento executivo em diversos aspectos, associado ao funcionamento dos lobos frontal

e parietal, como demonstram estudos de neuroimagem.

Crosson et al., (1989) utilizam o termo self-awareness para se referir ao seu modelo

de pirâmide. Os autores apresentam três níveis para o seu desenvolvimento: o primeiro é o de

self-awareness intelectual, que diz respeito ao conhecimento básico dos déficits associados à

lesão cerebral e suas implicações, representando a habilidade do indivíduo para reconhecer suas

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próprias limitações. Esse nível é a base para os outros dois, quais sejam, o de self-awareness

emergente, que diz respeito à habilidade para reconhecer os déficits, à medida que aparecem e

enquanto estão se manifestando; e o da self-awareness antecipatória, que é a capacidade de

prever dificuldades futuras e quando elas surgirão, em decorrência dos déficits (Abrisqueta-

Gomez, 2012).

Outro modelo, proposto por Toglia e Kirk (2000), utiliza também o termo self-

awareness, e relaciona psicologia cognitiva, psicologia social e neuropsicologia a aspectos

dinâmicos da autoconsciência. Os autores descrevem o que denominam metacognição

(metacognitive awareness), ou seja, o conhecimento sobre suas habilidades; e monitoramento

online (online awareness), que se associa a mudanças momento-a-momento na consciência de

si. O primeiro conceito pode ser relacionado à self-awareness intelectual, enquanto o segundo

se relaciona self-awareness emergente e antecipatória (Hoerold et al., 2008; Abrisqueta-Gomez,

2012).

Sohlberg e Mateer (2001) apresentam os estudos realizados por Stuss (1991), que

descrevem awareness como sendo a função cognitiva considerada mais superior, ligada à região

pré-frontal do córtex cerebral. Esse autor define o construto como a capacidade de

autorreflexão, sendo uma habilidade que interage com outros processos, permitindo ao

indivíduo funcionar adaptativamente em seu ambiente.

Langer e Padrone (1992) desenvolveram um modelo clinico para o estudo de

awareness em pacientes neurológicos, este integra fatores psicológicos/motivacionais com

fatores neuropsicológicos/cognitivos subjacentes ao construto. O modelo conceitua fontes da

falta de consciência dos déficits , que podem se dar: a) em decorrência da falta de acesso à

informação ou de limitada compreensão do problema – essa limitação pode ser trabalhada por

meio do processo de reabilitação, fornecendo informações e comentários sobre seus déficits; b)

relativa a um problema neuropsicológico relacionado ao entendimento de informações – nesse

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caso pode-se trabalhar com o processamento de informações e a repetição como forma de

melhorar a aprendizagem; c) ser de origem emocional, se expressando através da negação ou

minimização dos déficits.

O termo insight é mais frequentemente utilizado em estudos referentes à consciência

em quadros de transtornos psiquiátricos ou neuropsiquiátricos. Amador et al. (1993) propõem

que insight é um construto multidimensional e complexo, que envolve uma variedade de

fenômenos.

Corroborando com a ideia de construto multidimensional, David (1990) propõe o

insight enquanto fenômeno composto por três dimensões distintas, mas sobrepostas. A primeira

diz respeito ao reconhecimento de que se tem uma doença mental; a segunda trata do

comprometimento com o tratamento; a última diz respeito à habilidade de reconhecer eventos

mentais (delírios e alucinações) como patológicos.

Marková & Berrios (2006), problematizam acerca dos diversos modelos de estudo do

insight, bem como a variabilidade nas formas de acesso a ele, apontando-os como um dos

fatores responsáveis pela inconsistência dos resultados de estudos sobre esse tema em diferentes

populações clínicas. Nesse sentido, os autores sugerem que por trás da problemática da ampla

variabilidade de terminologias, conceitos e de métodos de acesso, pode estar a abordagem de

fenômenos diferentes ao invés de um único construto.

Nesse sentido, fazem distinção entre os termos awareness e insight, ambos se

referindo ao conhecimento que o indivíduo possui acerca de sua condição e das características

desta, porém, defendem que tais termos não podem ter uso intercambiável. O primeiro termo

se relaciona a aspectos do nível de consciência da doença, de seus sintomas/características. O

segundo termo agrega ao primeiro dimensões distintas, de caráter subjetivo. Neste, estão

envolvidos construção de sentidos e significados para a sua condição clínica, para os valores

sociais desta condição no seu contexto de vida, bem como para as experiências de vida

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associadas a ela. Tal construção tem base no conhecimento geral (informações midiáticas, de

livros e dos pares), experiências passadas (experiências subjetivas em relação a si mesmo e

outras pessoas; o grau a que a experiência subjetiva se relaciona ao conhecimento teórico), além

de ser atravessado por visões de mundo e perspectivas culturais. Nesse sentido, são requisitadas

elaborações na forma de julgamentos, atitudes, atribuição das características, entre outras

(Marková, 2005).

Os processos de insight têm inerente um caráter qualitativo que surge na elicitação do

fenômeno. Pede-se aos pacientes que julguem o que estão experienciando em termos dos

significados da sua condição e como isso pode afetar sua funcionalidade ou relacionamentos,

bem como possíveis implicações. Tais julgamentos não dizem respeito a características

objetivas do problema/condição ou experiência, mas do sentido pessoal construídos pelos

indivíduos para esta e, mais diretamente, como eles se relacionam com ela (Markova, 2005).

Dessa forma, têm-se o conceito de awareness enquanto fenômeno restrito e insight

enquanto fenômeno amplo, pois este último demanda julgamentos mais complexos, que vão

além do simples reconhecimento da presença de doença mental ou sintomas, englobando

também considerações complexas acerca da experiência subjetiva e de elaborações secundárias

a estas. Ressalta-se que o estudo do fenômeno de Insight na clínica pressupõe a existência de

Awareness, pois a elaboração complexa acerca da condição clínica individual, incluindo

atribuições causais, sentidos construídos a partir das experiências, dentre outras, só pode existir

quando se existe a percepção inicial da condição clínica (Marková, 2005).

Defende-se aqui que o processo denominado por Marková (2005) de insight não pode

ser considerado como produto individual, mas sim como construção dialógica de sentidos

Partindo-se de uma perspectiva histórico-cultural, o processo de insight pode ser considerado

uma função mental superior, uma faceta da consciência de si mesmo construída na interação

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com os outros e mediada pela linguagem, pelos discursos. Nesse sentido, ressaltar a dimensão

social do insight implica na consideração das vozes sociais presentes neste.

A defesa que os fenômenos de awareness e insight são diferenciados implica na

proposição de distintos paradigmas de investigação, sendo o primeiro de cunho quantitativo

(presença ou ausência do conhecimento e níveis de conhecimento) e o segundo qualitativo

(sentidos e atribuições), exigindo, portanto, modelos condizentes com estas (Marková &

Berrios, 2011). Os paradigmas metodológicos mais utilizados para o estudo do insight se dão

por meio de medidas de autoavaliação e da avaliação realizada por um clínico ou pesquisador.

As primeiras tratam de expressões mais diretas da visão do sujeito e têm como

desvantagem não permitir elaborações mais abrangentes. Um exemplo desta forma é o uso de

filmes ou imagens nos quais o paciente deve reconhecer sintomas de terceiros em si mesmo.

(Mcevoy, Schooler, Friedman, & Umstead, 1993; Startup, 1997). A segunda forma tem a ela

subjacente a inferência de uma terceira pessoa, comumente o clínico ou pesquisador. Nesta, a

forma mais utilizada de avaliação são as medidas de discrepância, ou seja, através da

comparação entre as respostas do paciente, acerca de seus sintomas e impactos destes sobre as

atividades sociais, educacionais e laborais, e de outras pessoas próximas (Markova & Berrios,

1992; Sohlberg & Mateer, 2001).

Com fins de delimitação do fenômeno a ser abordado, o presente estudo

considerará as definições de Marková e Berrios (2011) para os conceitos de awareness e insight,

mantidos no original, aqui compreendidos simultaneamente enquanto o nível e a qualidade do

conhecimento que um indivíduo possui de uma condição ou forma de prejuízo, e o

entendimento das causas e impacto destes em sua vida (Drummond, 2013).

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4.2 Insight, Awareness e Transtorno de Asperger

“Quando eu era criança e adolescente, eu pensava que todas as pessoas pensavam em

imagens. Eu não fazia ideia que meus processos de pensamento eram diferentes. Na verdade,

eu não me dei conta da dimensão das diferenças até bem recentemente”

Grandin (2008)

Apesar das diferenças e controvérsias acerca do estudo dos processos de insight na

psiquiatria, conceitualmente, se tem em comum que este refere-se à percepção do próprio

indivíduo acerca de mudanças decorrentes da sua nova condição. Isto é, percepção de alterações

na sua forma de funcionamento, seja pela perda de uma função (ex: falhas na memória, na

demência) ou ganho de experiências qualitativamente novas (ex: alucinações e delírios, na

esquizofrenia) (Marková, 2005).

No entanto, quando são abordados transtornos do neurodesenvolvimento,

diferentemente dos transtornos mentais citados anteriormente, a condição clínica atravessa o

desenvolvimento do indivíduo desde muito cedo, implicando numa forma de perceber e estar

no mundo que é qualitativamente diferente do desenvolvimento típico. Portanto, quando se fala

em percepção da condição clínica nestes contextos, como no caso do asperger, não se trata de

perceber uma alteração de funcionamento de uma condição anterior à atual patológica, mas de

uma percepção desse modo de funcionar, que o constituiu e que é diferente daquele considerado

típico.

Na perspectiva de Lombardo e Baron-Cohen (2010), no asperger os processos de

insight e awareness integram diversos aspectos conceituais do self. Nessa direção, pesquisas

realizadas com indivíduos do espectro autista, apresentam como resultados a identificação de

déficits em vários desses aspectos, tais como no autorreferenciamento e na compreensão sobre

eles próprios enquanto integrantes de contextos sociais.

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Estudos de follow-up, realizados desde Leo Kanner (1973) e Lorna Wing (1981),

sugerem que a habilidade de indivíduos com TA para perceber que existem diferenças entre

eles e aqueles com desenvolvimento típico, bem como desenvolver estratégias para lidar com

elas, pode ser um importante preditor de bons resultados na sua adaptação social. Kanner (1971)

argumentou que o aumento de consciência de suas características e déficits leva o indivíduo

asperger à busca por mudança, construindo, para tanto, novas estratégias de ação.

De forma similar, o estudo exploratório de Drummond (2013) buscou compreender

como adolescentes com asperger caracterizavam a si mesmos, utilizando para tanto

instrumentos quantitativos e análises qualitativas. Seus resultados sugeriram que adolescentes

do espectro autista possuem consciência dos desafios associados ao seu diagnóstico, em

especial no que diz respeito a dificuldades sociais e adaptativas, e esses aspectos devem ser

considerados em propostas de intervenção.

Ainda sobre o referido estudo, é interessante notar que os indivíduos com TA não

apontaram a presença de diferenças entre eles e indivíduos com desenvolvimento típico no que

se refere à aparência física ou competência escolar. Entretanto, produziram relatos nos quais

destacam experiências negativas de estresse e autopercepção negativa, associadas às

dificuldades sociais e à presença de diferenças comportamentais em relação a seus pares. Para

a autora, possuir a consciência de seus déficits pode assumir configuração diversa. Por um lado,

pode ter efeitos positivos, corroborando com estudos que relacionam esse fator ao melhor

resultado em tratamentos, mas por outro, pode ser negativo, tendo sido associada ao

desenvolvimento de sentimentos de inaceitação social (Drummond, 2013).

Verhoeven et al (2012), hipotetizaram que indivíduos com TA possuiriam

dificuldades em diversas dimensões subjacentes ao conceito de insight, dentre elas destacaram

a autorreferência, principalmente quando associada aos déficits de memória autobiográfica.

Tais déficits gerariam dificuldades na codificação de memórias autorreferenciadas e maior

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facilidade em acessar memórias de eventos das quais não estivessem diretamente implicados.

Como consequência da dificuldade de acesso às memórias referentes a si mesmos, esses

indivíduos apresentariam visões distorcidas de seu funcionamento no mundo.

Nessa direção, os autores ainda relataram resultados oriundos de observações clínicas

realizadas em outros estudos, a partir dos quais argumentaram que, embora indivíduos com

asperger possam ter conhecimento teórico sobre o transtorno, podem não perceber como ele se

manifesta em seu dia-a-dia. Essa falta de consciência, do que chamaram “comportamento de

mundo real” (self-awareness of real world behaviour), poderia prejudicar a eficácia das

intervenções a eles destinadas, pois enquanto os comportamentos atípicos não fossem

reconhecidos, existiria menor motivação para buscar ajuda.

Com base nas hipóteses anteriores, os autores realizaram estudo de caráter

longitudinal, com adolescentes asperger. O objetivo do estudo foi identificar a influência da

consciência do “comportamento de mundo real” sobre a eficácia das intervenções. Participaram

da pesquisa 28 adolescentes, com idade média de 17,7 anos, que estavam iniciando tratamento

num hospital especializado para a condição asperger, o qual contemplava atividades

direcionadas a seus pais e seus tutores do hospital. Por meio do uso de escalas e questionários,

aplicados no início e após um ano de tratamento, foram avaliadas a identificação dos sintomas

do asperger pelos adolescentes, seu nível de funcionamento social, problemas relativos a

alterações do “comportamento de mundo real”, problemas psicológicos autorrelatados e, por

fim, o nível de insight (self-awareness) no início e no final do tratamento, por meio da

comparação entre a percepção dos adolescentes e a dos seus pais (Verhoeven, Marijnissen,

Berger, Oudshoorn, Van Der Sijde, et al., 2012).

Os resultados gerais do estudo indicaram que a presença de nível mais elevado de

insight (self-awareness) no início do tratamento estava associado a melhor funcionamento

social, durante o período de um ano. Além disso, de acordo com os relatos dos pais, houve

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associação positiva entre aumento de insight e diminuição de problemas no funcionamento

diário. No entanto, houve divergência entre o relato dos pais e o relato dos adolescentes, que

ressaltaram piora em seu funcionamento diário. Diante destes achados, os autores

problematizam se de fato haveria ocorrido uma piora no funcionamento social dos indivíduos

com asperger, ou se, anteriormente ao início do tratamento, eles não superestimavam seu

funcionamento, possivelmente associada à ausência de insight. Por sua vez, a melhora da

qualidade deste processo proporcionou uma autopercepção mais próxima da realidade

(Verhoeven et al., 2012).

Tais proposições podem ser relacionadas às questões levantadas por Didehbani et al.,

(2012). Estes realizaram estudo com o objetivo de investigar o insight em indivíduos com

asperger, com base no conceito de insight proposto por Marková e Berrios (2011), considerando

ainda as variáveis de estilo de atribuição social e externalizing bias (EB).

Entende-se por atribuição social a percepção pelo indivíduo de seu papel e das outras

pessoas em situações sociais. Sendo assim, a atribuição social inadequada poderia cursar com

dificuldades de insight no asperger, à medida que problemas ocorridos numa interação social

poderiam ser interpretados pelo indivíduo como culpa de outras pessoas envolvidas nesta

situação, sem reconhecimento de sua implicação para a mesma. Essa atribuição pode estar

associada também a EB, que diz respeito à atribuição de comportamentos ou dificuldades a

fatores externos, com tendência a não reconhecer a própria implicação (Langdon, Corner,

McLaren, Ward, & Coltheart, 2006).

A pesquisa foi realizada com 21 indivíduos com asperger e 24 indivíduos sem o

transtorno, compondo o grupo controle. Ambos os grupos foram formados com pessoas de

idades variando entre 18 e 34 anos. Foram utilizados como instrumentos, um questionário de

atribuição social e duas escalas destinadas à investigação do insight. De forma geral, os

resultados indicaram que o nível de insight (aqui compreendido como awareness) foi associado

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ao estilo de atribuição social e à forma como indivíduos atribuem eventos negativos a eles

mesmos ou a outros. Entre os grupos não houve diferença entre EB, indicando que a atribuição

social ilusória não está presente somente na psicopatologia, mas também nos indivíduos com

desenvolvimento típico. Outra conclusão do estudo foi a associação entre maior insight no

asperger e características associadas, com maior tendência a atribuir erros a si mesmo em

situações sociais negativas e não aos outros. Em consequência disso, foi percebida diminuição

da autoestima (Didehbani et al 2012).

A investigação de insight também foi abordada sob a ótica da formação da

personalidade do indivíduo com asperger. Schriber, Robins, e Solomon (2014) realizaram um

estudo com o objetivo de investigar como a personalidade destes difere da de indivíduos com

desenvolvimento típico, e se existe a variação em termos do insight acerca de sua própria

personalidade. Na pesquisa, foi levantada a hipótese de que o desenvolvimento da

personalidade no asperger seria atípico. Também foi levantada a hipótese que esses indivíduos

não têm consciência dessas características peculiares e de como os indivíduos vêm a si mesmos.

O estudo supracitado foi realizado em duas etapas, considerando para tanto o Modelo

dos Cinco Fatores de Personalidade. A primeira etapa comparou autorrelatos acerca dos traços

de personalidade entre 37 adultos com asperger e 42 indivíduos com desenvolvimento típico.

Na segunda etapa foi investigado se as diferenças de personalidade observadas no estudo 1

podiam ser também identificadas em crianças e adolescentes, de acordo com autorrelatos e

relatos de pais sobre a personalidade de seus filhos. Ainda foram investigados os níveis de

insight dos sujeitos com TA asperger em relação aos de desenvolvimento típico, por meio do

exame da convergência dos autorrelatos com os relatos de pais (Schriber et al., 2014).

Os resultados da pesquisa sugeriram que indivíduos com asperger apresentam mais

traços neuróticos e menos de extroversão, amabilidade, escrupulosidade e abertura para

experiências. Tais resultados foram os mesmos para adultos, adolescentes e crianças. Em

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relação ao insight acerca de suas características de funcionamento, foram observados níveis

equivalentes entre o grupo com asperger e o grupo controle (Schriber et al., 2014).

A heterogeneidade dos resultados dos estudos de insight para os indivíduos com

asperger, sugere a necessidade de maiores investigações sobre o tema, buscando uma melhor

compreensão acerca dos mecanismos que subjazem essa função, a forma como se apresenta,

bem como os significados construídos pelos indivíduos para a sua condição. Este em particular

demanda aprofundamento em termos de mecanismos e fatores que atravessam essa construção.

Dentre os estudos de insight encontrados, pôde-se concluir que a maioria se utiliza da

discrepância de informações enquanto dado para pensar, não só a presença ou não de

conhecimento acerca da condição clínica, mas também, para julgar a percepção e construções

de significados e a validade destas a partir da comparação com a percepção de alguém sem o

diagnóstico.

Para alguns estudiosos, as dificuldades supracitadas podem estar igualmente

associadas a alterações no funcionamento executivo. Nesse sentido, Drummond (2013) associa

as dificuldades na interação social e no entendimento de contextos sociais, bem como nas

dificuldades para a mudança de perspectiva, às características neuropsicológicas identificadas

no asperger. Para a autora, esses são dificultadores para os estudos acerca do entendimento dos

processos de awareness e insight.

5. Perguntas norteadoras e objetivos

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O presente estudo teve como mote central a investigação de “Como é ser asperger?”,

considerando para tanto, como indivíduos diagnosticados significam esta condição. Para

responder à pergunta disparadora, o fenômeno de insight foi considerado como eixo norteador

(Markova e Berrios, 2011). Tal conceito é aqui compreendido como constituído por duas

dimensões complementares, a saber, o conhecimento que se tem do próprio diagnóstico

(awareness), bem como significados e sentidos construídos acerca deste.

Salienta-se que os significados dizem respeito ao conhecimento formal que os sujeitos

constroem sobre o Asperger, ou seja, a dimensão que é compartilhada com o meio cultural e

social no qual vivem, e que ofertam elementos para a identificação e entendimento conceitual

da síndrome. Por sua vez, compreende-se que, para além desta dimensão compartilhada, o

sentido traz a ele subjacente a interpretação do sujeito, a sua apropriação desses significados,

ainda que estes sejam construídos incorporando as vozes dos discursos social e biomédico.

Logo, trata-se de como estes interpretam as características apontadas como específicas do TA,

e consequentemente, como compreendem o diagnóstico, e o possível impacto deste nas suas

vidas.

Neste sentido, o objetivo principal da pesquisa foi investigar as especificidades do

processo de insight em adolescentes e adultos jovens com Transtorno de Asperger (TA).

Além disso, têm-se enquanto primeiro objetivo específico, a identificação de

características do TA em terceiros, no intuito de propiciar a reflexão sobre suas próprias

características por meio do reconhecimento de características semelhantes em terceira pessoa.

Por fim, como segundo e último objetivo específico, têm-se a identificação de

aproximações e distanciamentos entre as construções de sentido sobre o TA dos adolescentes e

jovens adultos e seus pais. Estes, enquanto relações mais próximas dos sujeitos da pesquisa,

oferecem ao mesmo tempo informações sobre características dos sujeitos que são percebidas

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por terceiros, mas não por estes, e uma visão de como estas são significadas no contexto

familiar.

6. Aspectos Metodológicos

6.1 Teoria e construção dos procedimentos

A partir da diferenciação feita por Marková e Berrios (2011), entre o conhecimento

que o sujeito tem da sua condição (awareness), bem como os sentidos construídos para as

características associadas a ela e o impacto dessas no cotidiano, conclui-se que insight implica

necessariamente a dimensão do conhecimento formal acerca de determinada condição clínica,

mas igualmente as vivências e significados construídos pelo sujeito a partir desta.

Ressalta-se aqui que o conceito de transtorno incorpora fatores abrangentes em seu

significado. Logo, o insight de um transtorno do neurodesenvolvimento, como no caso da SA,

constitui-se com igual abrangência. A falta de marcadores biológicos faz com que julgamentos

acerca da presença ou ausência de um transtorno sejam constituídos por determinantes

históricos e culturais, a saber: visões prevalentes sobre o funcionamento psicológico e os

comportamentos aceitos como normais e o que a sociedade considera patológico; o lugar que

ocupa um diagnóstico em determinados grupos sociais, etc.

Tais aspectos variam ao longo do tempo, de maneira que condições consideradas

transtornos no passado perderam esse status, enquanto outras o adquiriram. Estes determinantes

não são necessariamente experienciados e refletidos pelo sujeito, no entanto, por serem

significados compartilhados socialmente, são co-constituintes do seu julgamento e percepções.

Dessa maneira, no julgamento sobre a própria condição, no caso, o TA, além da avaliação de

suas experiências, os indivíduos irão incorporar julgamentos acerca da legitimidade do

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diagnóstico, influências de pares, da mídia, crenças, experiências passadas e o contexto cultural

no qual se insere. Ainda nesse sentido, o TA pode não ser experienciado necessariamente como

um transtorno, no sentido convencional do termo, caracterizado exclusivamente por aspectos

negativos, como já mencionado anteriormente (Markova & Berrios, 2011).

Dessa forma, compreender o desenvolvimento do fenômeno de insight demanda uma

investigação ampla e aprofundada, considerando diversos aspectos do entendimento do

indivíduo, seus conhecimentos formais, suas experiências e interpretações, que são

necessariamente contextualizadas cultural e historicamente, bem como atravessadas pelo seu

background educacional, pela mídia e por suas próprias experiências passadas, bem como pelas

vozes de familiares e amigos. A natureza de tal investigação faz necessária a abordagem

qualitativa do fenômeno de insight (Marková & Berrios, 2011).

Nesse sentido, a fim de realizar os objetivos propostos, optou-se pela abordagem de

estudo de caso multicasos, definido por Yin (2015)como uma abordagem de pesquisa que

investiga um fenômeno contemporâneo em profundidade e em seu contexto de mundo real,

especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente evidentes.

A abordagem de estudo de caso pode ser compreendida como estratégia de pesquisa

em que um fenômeno é investigado de maneira exaustiva e onde os resultados obtidos permitem

um conhecimento amplo e detalhado do mesmo. Ela permite abarcar características de eventos

do presente sobre os quais o pesquisador tem pouco controle.

Inicialmente, o delineamento metodológico da pesquisa contemplou a realização de

atividade inspirada na técnica de entrevista clínica de Instrução ao sósia (Clot, Vianna, &

Teixeira, 2010). O método clínico de investigação proposto por Clot tem como base teórica a

psicologia histórico-cultural de Vygotsky, destina-se à investigação da experiência humana,

com foco na atividade laboral.

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Clot et al. (2010) aponta que a experiência anteriormente vivida, associada ao

desenvolvimento de funções psicológicas superiores, não pode ser atualmente acessada, pois a

ação que se exerce para alcança-la, necessariamente a afeta e transforma, originando uma

experiência distinta da original. Assim, a vivência e a consciência só podem ser observáveis em

seus desenvolvimentos, não enquanto produtos, estados ou estruturas estáticas, mas sim,

enquanto processos que fazem e refazem essas formas mutantes.

Isso posto, Clot et al. (2010) propõe que uma das formas de investigação dos processos

de tomada ou ampliação de consciência, e aqui podemos estender para o insight, é possibilitar

ao sujeito refletir sobre suas possibilidades e reorganizar sua atividade, interpretando e

modificando-a. O autor refere-se à necessidade do sujeito de refletir sobre sua própria

experiência para promover ressignificação e empoderamento.

Em um paralelo com o Transtorno de Asperger, acredita-se que a reflexão do sujeito

acerca de suas experiências, características, comportamentos e interpretações - enquanto

existindo em uma condição singular, qualitativamente diferente - é uma via que possibilita o

empoderamento destes. Para Vygotsky (2003), a consciência de si seria o desdobramento do

vivido, o revivido que inaugura a vivência de outra coisa.

Logo, circunscreve com rota alternativa de investigação o uso dos meios indiretos para

elicitar essas reflexões, julgamentos e a construção de sentidos. Nesse sentido, o sósia é um

meio deslocado de entrar em contato consigo mesmo, que possibilita a reflexão sobre a sua

condição, potencialmente promovendo o desenvolvimento do insight, à medida que se descreve

e representa para um outro os seus significados e sentidos particulares.

Assim, os procedimentos de investigação do insight no presente estudo iniciaram com

uma atividade inspirada na técnica de Clot et al. (2010) de Instrução ao Sósia, conforme

detalhado a seguir. A estrutura das atividades que compõem o método desta pesquisa teve como

objetivo criar um contexto facilitador para a construção de significado (dimensão clínica),

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condizente com a concepção genética de desenvolvimento subjacente ao estudo. Para esta, as

funções psicológicas superiores precisam ser investigadas processualmente, e não enquanto

produto, sendo necessário, portanto, um método de estudo que favoreça o desenvolvimento das

funções psicológicas superiores (Veresov, 2014).

Para Valsiner (1997), seguindo a linha de pensamento inaugurada por Vygotsky, no

intuito de analisar o desenvolvimento enquanto processo é necessário investigar as

transformações ou processos de mudança que se desdobram em curto espaço de tempo

(microdesenvolvimento). A partir do estudo do microdesenvolvimento as mudanças podem ser

acessadas ao longo da trajetória que conduz à aquisição destas habilidades. Assim, o

microdesenvolvimento, investigado a partir de estudos de caso, permite identificar a

variabilidade de trajetórias traçadas por diferentes indivíduos para adquirir uma mesma

habilidade ou função, destacando tanto aspectos comuns como particularidades desses

indivíduos ao longo do processo de desenvolvimento (Silva, 2010).

Góes (2000) apresenta a proposição de Wertsch (1985) para a definição da análise

microgenética. Para o autor, esta envolve o acompanhamento minucioso da formação de um

processo, detalhando as ações dos sujeitos e as relações interpessoais dentro de um curto espaço

de tempo. Esse tempo, porém, não é pré-determinado por critérios específicos. Goés (2000)

aponta que o termo “micro” não se refere necessariamente à duração do evento, mas à

orientação pelas minúcias indiciais, daí sendo demandados recortes de tempo curtos, que

permitam a análise. A autora sugere ainda que a análise é considerada genética por ser histórica,

no sentido de enfocar o movimento durante processos, relacionando condições passadas e

presentes, bem como influências de projeções futuras. Esse tipo de análise valoriza o singular,

ao qual busca relacionar com outros planos da cultura, das práticas sociais, dos discursos

circulantes, das esferas institucionais. Assim, privilegia-se o singular, mas não se abandona a

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totalidade, pois esse modelo epistemológico busca a interconexão de fenômenos na busca da

compreensão desta totalidade (Góes, 2000).

6.2 Procedimentos e operacionalização

A pesquisa caracterizou-se como estudo multicasos, de caráter qualitativo

exploratório. A operacionalização dos objetivos propostos se deu por meio do seguinte arranjo

operacional:

Participantes

Participaram do estudo três sujeitos com idades entre 15 e 20 anos, com diagnóstico

prévio de Transtorno de Asperger, sendo esse um pré-requisito estabelecido para a participação.

Além deste, foi requisito que todos os participantes tivessem conhecimento acerca do seu

diagnóstico há pelo menos cinco anos, tempo este considerado suficiente para a construção de

sentidos e experiências vivenciais sob a condição do diagnóstico clínico.

A escolha dos participantes foi feita por conveniência. Dois deles haviam sido

avaliados pelo Laboratório de Pesquisa e Extensão em Neuropsicologia da UFRN, do qual

fazem parte as pesquisadoras. O outro é integrante de um programa da UFRN, destinado a altas

habilidades no domínio da tecnologia da informação, coordenado pelo LAPEN.

As atividades que compuseram o estudo ocorreram em diferentes locais, de acordo

com a disponibilidade dos sujeitos. Estas foram áudio-gravadas, após autorização dos sujeitos

e seus responsáveis, quando necessário.

Aspectos éticos

Este estudo seguiu a recomendação do Conselho Nacional de Saúde, através da

Resolução N° 466/2012, que estabelece as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas

envolvendo seres humanos. A execução do projeto foi aprovada pelo Comitê de Ética em

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Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CEP- UFRN) (CAAE

51838515.5.0000.5537). Aos participantes foi assegurado o anonimato de sua identidade e

esclarecidas as informações pertinentes aos objetivos e etapas da pesquisa. Após tais

esclarecimentos, todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE) ou Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), bem como termos

de autorização de gravação de áudio.

Salienta-se que para garantir o anonimato dos sujeitos serão utilizados pseudônimos

para referir-se a cada um deles. Os pseudônimos foram escolhidos a partir dos temas de

preferência e interesse relatados pelos participantes à pesquisadora.

Etapas: Tarefas e Procedimentos

Antes do início da realização das tarefas constituintes do estudo, a pesquisadora

realizou encontros individuais com os participantes, cujo objetivo foi o de conhecer cada um

deles e apresentar a proposta da pesquisa, detalhando os seus objetivos e atividades, culminando

com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ou Termo de Assentimento

Livre e Esclarecido.

Aos sujeitos foi dada a seguinte explicação:

“Nós pesquisadores estudamos o transtorno de asperger. Lemos muitas coisas como

livros e artigos científicos, mas chegamos à conclusão que pessoas que têm TA são os

verdadeiros experts nisso, pois eles podem dizer o que é e como é ter TA. Por isso que

procuramos você, para entendermos melhor o asperger e ajudarmos pessoas que têm esse

diagnóstico”.

a. Etapa 1

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A primeira tarefa proposta aos sujeitos teve como objetivo a investigação dos

processos de insight. Iniciou-se com a produção de uma narrativa acerca da questão que norteia

o estudo: “Como é ter transtorno de asperger?”. Como estratégia facilitadora da produção

narrativa, recorreu-se à mediação do personagem Oh, do filme “Cada um na sua casa” da

empresa Dreamworks. Foi exibido aos sujeitos a cena inicial do filme, na qual o personagem

vem de outro planeta habitar a Terra e precisa conviver com seres humanos. Para tanto, ele

recebe um panfleto que funciona como “manual de instruções” sobre os humanos, mas que

contém pouquíssimas informações.

Isso posto, apresentou-se aos participantes uma situação ficcional na qual o Oh, um

dos extraterrestres recém chegados ao planeta Terra, teria conhecido pessoas que tem TA e,

como alguém de outro planeta e sem conhecimentos terrestres, ele não conseguia compreender

o que seria isto. Nesse momento, foi afirmado que os sujeitos diagnosticados com TA seriam

os especialistas no assunto. Dessa forma, solicita-se ao sujeito da pesquisa que explique ao Oh

como é ter TA, o que é isso, como isso afeta seu dia-a-dia e como faz ele se sentir. O uso de um

boneco do referido personagem (Figura 1), substituindo o entrevistador e mediando a atividade

foi pensado no intuito de facilitar a produção da narrativa, considerando a característica de

dificuldade no âmbito da interação e comunicação social típica do perfil de funcionamento de

indivíduos com TA.

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Figura 1: Oh recebe o panfleto explicativo

b. Etapa 2

Após a produção da narrativa inicial, foi realizada entrevista semi-estruturada

adaptada do modelo desenvolvido por Drummond (2013), constituindo-se de dois momentos

subsequentes. O primeiro objetivando investigar aspectos relacionados à dimensão de

awareness do insight, ou seja, o conhecimento que os sujeitos têm do TA.

Em sequência, foi proposta nova atividade com dois objetivos complementares, a

saber, a capacidade de identificação de características do TA em terceiros, que por sua vez,

serviu de facilitador para o segundo objetivo que foi a produção de sentidos para as próprias

vivências dos sujeitos em relação ao TA. Para esta atividade foi realizada inicialmente a

apresentação de trechos de episódios da série televisiva americana de comédia The Big Bang

Theory, criada pelos diretores e produtores Chuck Lorre e Bill Prady, exibida no Brasil pelo

canal Warner Channel.

A série retrata o dia-a-dia de quatro amigos (Leonard, Sheldon, Wolowitz e Rajesh)

que são considerados gênios acadêmicos, mas vivenciam grandes dificuldades em suas

relações sociais, envolvendo-se em situações que podem ser consideradas cômicas. Integram

ainda o conjunto de personagens, Penny, vizinha de apartamento de Sheldon e Leonard, que

moram juntos; Amy, neurocientista e namorada de Sheldon; e Bernadette, farmacêutica e

esposa de Wolowitz.

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Figura 2. Personagens da série. Da esquerda para a direita temos Bernadete, Wolowitz,

Rajesh, Penny, Sheldon, Leonard e Amy.

Na série o personagem Sheldon, apresenta conjunto de características, para além das

dificuldades sociais. Estas aproximam-se de perfil sugestivo do diagnóstico de asperger, sendo

representadas de diversas formas ao longo da série, problematizadas pelo próprio personagem

e seus amigos, em diferentes situações.

As 14 cenas descritas a seguir foram selecionadas, a partir de diferentes episódios da

série, com base nos critérios diagnósticos estabelecidos no DSM-IV TR e na Escala

Diagnóstica de Autismo ADIR-R. Estas são exemplos representativos de comportamentos

tipicamente associados ao TA. Ao final de cada uma delas foi pedido que os sujeitos

comentassem sobre possíveis relações entre as cenas e o TA.

CENAS ESCOLHIDAS

CENA 1 – Sheldon conforta Leonard

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Leonard está triste após um conflito com Penny e Sheldon faz chá para confortá-lo,

pois ele diz que é uma convenção cultural oferecer uma bebida quente às pessoas quando elas

estão chateadas. Depois ele pergunta se Leonard quer conversar, esse diz que não e ele suspira

aliviado e diz: “Que bom!”, verbalizando seu alívio por Leonard não querer conversar. Essa

cena retrata a rigidez cognitiva e limitação das respostas sociais, bem como as dificuldades de

interação.

CENA 2 – Penny está dormindo no sofá e Sheldon quer sentar

Penny passa a noite dormindo no sofá de Sheldon e Leonard e, pela manhã, Sheldon

tenta seguir sua rotina, que envolve comer cereal sentado no sofá, e não pode porque Penny

está lá. Ele fica sem saber o que fazer e estava próximo de sentar em cima de Penny, quando

Leonard aparece e o manda parar. Sheldon então diz: “ Todo sábado, desde que moramos

nesse apartamento, eu acordo às 6.15h, preparo uma tigela de cereais, adiciono um quarto de

xícara de leite 2%, me sento desse lado do sofá, ligo a TV na BBC América e assisto Dr.

Who”. Leonard tenta argumentar e Sheldon repete novamente a frase descrita acima. Essa

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cena reflete a presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, bem como a

dificuldade com mudanças na rotina.

CENA 3 – Os quatro amigos vão a um restaurante e não conseguem pedir a comida

Sheldon, Leonard e Rajesh vão ao restaurante chinês onde tradicionalmente jantam.

No entanto, sempre levam com eles seu outro amigo, Wolowitz, que neste dia não está

presente. Sheldon então anuncia um problema: “ Me desculpem, não podemos fazer isso sem

Wolowitz... Nosso pedido inteiro é baseado em quatro bolinhos e quatro entradas divididos

entre quatro pessoas”, e aponta para o lugar vazio ao seu lado. Essa cena, de forma semelhante

à Cena 2, caracteriza a presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, bem

como a dificuldade com mudanças na rotina.

CENA 4 – Sorriso de Sheldon

Wolowitz, Leonard e Sheldon se dirigem à sala de Rajesh para lhe dar parabéns por

uma descoberta científica, apesar de não estarem completamente satisfeitos, pois acham que

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também mereciam o crédito. Leonard destaca que eles devem mostrar que estão felizes pela

conquista, mas Sheldon verbaliza: “ mas eu não estou!”. Os amigos então pedem que ele finja

e ele pergunta então o que deve fazer. Wolowitz pede que ele sorria e imediatamente ele

esboça um sorriso artificial e inadequado para o contexto (Figura XX) Essa cena faz referência

a dificuldades na interação e comunicação social, considerando o uso e entendimento de

expressões faciais e de contextos sociais.

CENA 5 – Presente de natal para Penny

No natal, Penny presenteia Sheldon com um guardanapo autografado por um ator de

Star Trek, sua série de filmes favorita. Sheldon então compra uma grande quantidade de

presentes, mas ainda assim considera-os insuficiente e termina, apesar de toda a dificuldade,

dando um abraço desajeitado em Penny, o que leva o espectador a inferir que este

comportamento social é reconhecido por ele como expressão máxima de agradecimento e

afeto, mas não faz parte de seu repertório usual, levando Leonard a referi-lo como um milagre.

Essa cena faz referência a dificuldades na interação e comunicação social, notadamente em

termos da expressão adequada de afeto.

CENA 6 – Empréstimo de dinheiro a Penny

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Penny vem correndo pelas escadas do prédio e encontra Sheldon abrindo a porta de

seu apartamento. Ela entra correndo no apartamento pedindo que ele feche a porta, então ele

a deixa entrar e fecha a porta, ficando do lado de fora. Ela sai e explicita que ele deveria entrar

com ela e fechar a porta.

Penny então coloca o ouvido na porta, como se estivesse tentando ouvir o que se

passa do lado de fora. Sheldon repete o gesto e diz: “ Desculpe, não entendo que situação

social é essa. Pode me dar algum guia de como proceder?”. Penny então conta que está

devendo dinheiro do aluguel e Sheldon empresta.

Em outra cena, Penny entra no rol do prédio, onde estão Sheldon e Leonard, que

perguntam como ela vai. De forma irônica ela diz que está muito bem e deseja ser garçonete

pelo resto da vida. Sheldon então pergunta a ela se aquilo era sarcasmo, e ela sarcasticamente

afirma que não. Ele então se dirige a Leonard e pergunta se aquela nova resposta é sarcasmo

e a própria Penny afirma que sim. Ela então pega uma encomenda que havia chegado pelo

correio e se dirige a Sheldon de forma agressiva, antecipando um possível questionamento de

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cobrança por parte dele, uma vez que ela lhe devia dinheiro. Ele se diz perdido, sem saber o

porquê daquele padrão de comportamento e pede ajuda a Leonard que diz que ele deve ter

feito alguma coisa para irritá-la. Em outro momento, Penny está de forma carinhosa e

agradecida devolvendo a Sheldon o dinheiro que pegou emprestado. Ele então pergunta se ela

está sendo sarcástica, pois ele interpreta o empréstimo de dinheiro como o motivo gerador da

raiva, logo o agradecimento seria uma ironia. Essa cena faz referência a dificuldades na

comunicação social, considerando o entendimento de situações sociais e do uso da linguagem

pragmática em diferentes contextos (ex: sarcasmo).

CENA 7 – Conversa desconfortável

Sheldon está conversando com Penny e lhe faz uma pergunta pessoal sobre sexo. Ela

afirma que não gostaria de falar sobre isso com ele. Ele então pergunta se isso a incomoda e

ela diz que: “ claro eu isso me deixa desconfortável, você não consegue perceber?”. Ele então

responde: “ Não faço a mínima ideia. Eu não sou particularmente bom em ler expressões

faciais, corporais...” Penny interrompe e gritando olha nos olhos de Sheldon e diz: “ Eu estou

desconfortável Sheldon!”. Ele finaliza agradecendo e dizendo que foi muito útil. Essa cena

faz novamente referência a dificuldades na comunicação social, considerando dificuldades no

entendimento de situações sociais, reconhecimento de expressões faciais e uso da linguagem

pragmática (ex: tom de voz).

CENA 8 – Decifrando expressão facial de Rajesh

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Rajesh chega na mesa do almoço claramente com uma cara de tristeza e Sheldon se

desculpa e diz que não sabe interpretar muito bem expressões faciais, mas pergunta a Raj se

a sua seria de tristeza ou náusea. Raj responde que está triste. E Sheldon verbaliza: “ Ia dizer

triste! Não sei porque hesitei!”. Essa cena referencia dificuldades na comunicação social,

considerando o entendimento de situações sociais, sentimentos e suas associação com

expressões faciais.

CENA 9 – Abraço na lavanderia

Penny deixa que Sheldon ganhe algo que queria bastante e este fica tão feliz que a

abraça, mas diz: “ Já que raramente eu dou abraço, confio na sua expertise para determinar a

duração do abraço”. Ela diz que eles já estão lá e ele então suspira aliviado e sai correndo. A

cena aborda dificuldades na adequação da execução de comportamentos socialmente

esperados na condição de expressão de afeto.

CENA 10 – Sheldon e Leonard se conhecem

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Esta cena remonta ao passado, quando Leonard e Sheldon se conhecem. Nela

podemos ver um Sheldon mais novo, que possuía dificuldades de olhar nos olhos, já tinha um

local definido para sentar na sala, era bastante literal e não compreendia piadas. Nessa cena,

mais longa, diversos aspectos podem ser observados, relacionados a dificuldades na interação

social (ex: olhar nos olhos, compreensão de linguagem pragmática) e existência de padrões

restritos e repetitivos de comportamento (ex: rigidez com regras da casa e preferências).

CENA 11 – Ofensa a Penny

Sheldon está conversando com Penny e a ofende. Penny então diz que vai deixar

passar esse insulto. Ele pergunta: “ Que insulto?” e ela diz que é justamente por isso que não

vai considerar. Essa cena faz referência a presença de dificuldades em âmbitos sociais

relacionadas à compreensão de sentimentos de terceiros.

CENA 12 – Funeral

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Amy e Sheldon vão a um funeral e Amy precisa treinar com Sheldon as emoções que

ele deveria estar expressando, para que ele não aja de modo inadequado. Ela faz perguntas

acerca de contextos sociais específicos e ele de forma automática, demonstrando que decorou

as respostas, diz qual a emoção correspondente. Essa cena aborda a presença de dificuldades

no entendimento de situações sociais e comportamento inadequado à situação social.

CENA 13 – Garoto especial

Sheldon está de férias, então Raj o leva para seu trabalho para distraí-lo por um tempo

com alguma tarefa difícil, no entanto, em poucos segundos ele resolve um problema que todos

os outros cientistas demoram horas para resolver e impressiona Raj. Este lhe pede que diga o

que fez para resolver o problema. Sheldon então faz referência à sinestesia: “Sabe quando

você vê números primos aparecerem em vermelho, mas quando são gêmeos primos ficam rosa

e cheiram a gasolina?”. Raj diz que não e Sheldon então diz que ele deve ser um garoto

especial. Essa cena faz referência a presença de alterações sensoriais e cognitivas

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características do autismo, bem como a possibilidade de associação deste a uma inteligência

superior á média.

CENA 14 - Experimento com Penny

Sheldon e Penny estão realizando um experimento da psicologia no qual eles têm que

passar o dia juntos respondendo a perguntas sobre si, mas é uma exigência que sejam sinceros.

A primeira pergunta é qual a habilidade que eles escolheriam para ter se pudessesem escolher.

Penny brinca e diz que gostaria de transformar água em vinho. Sheldon reage e diz que ela

está usando o humor para evitar a vulnerabilidade emocional. Ela então diz que gostaria de

ser tão inteligente quanto ele. E Sheldon diz que gostaria de possuir o tipo de inteligência que

ela tem e que ele nomeia como a capacidade de ler mentes, pois assim ele saberia o que as

pessoas pensam ou sentem, já que para ele isso é muito difícil, levando-o a interpretar mal as

situações sociais. Nessa cena, Sheldon fala abertamente sobre suas dificuldades para

compreender e interpretar corretamente sentimentos e situações sociais.

Ao final da apresentação de todas as cenas, foi perguntado aos participantes se eles

se identificavam com alguma característica de Sheldon. Posteriormente, foram feitas

perguntas acerca dos seus sentimentos e vivências relacionadas ao TA, conforme descrito no

Anexo I. Em seguida, foi solicitado que os sujeitos apresentassem um conselho que dariam a

outro adolescente ou jovem adulto que acabou de receber o diagnóstico de TA, bem como

para os pais desses. Por fim, eles foram questionados sobre como foi participar da entrevista.

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c. Etapa 3

A investigação de insight quando realizada também por outros informantes próximos

ao indivíduo proporciona o acesso a novas interpretações acerca de possíveis dificuldades

(Didehbani et al., 2012). Logo, a última etapa do presente estudo consistiu na realização, por

parte de um dos pais, da mesma atividade desenvolvida pelos sujeitos com TA. Para estes, foi

realizada a atividade em apenas uma sessão. Eles assistiram a mesma cena inicial com o

personagem Oh e lhes foi solicitado que fizessem o mesmo exercício de contar “como é ter TA”

ao personagem, mas falando a partir do que consideravam a perspectiva de seus filhos,

colocando-se no lugar destes.

Adicionalmente, foi realizada entrevista similar àquela realizada com seus filhos, na

qual solicitou-se que eles respondessem, como se fossem seus filhos, aos aspectos explorados

sobre o conhecimento, comportamentos e características do TA, bem como impactos deste no

dia-a-dia. Ressalta-se que a escolha do informante foi realizada pelos sujeitos da pesquisa, estes

escolheram alguém próximo a eles para participar desta etapa e a escolha destes pelo pai ou

mãe foi espontânea.

Ressalta-se que a estrutura das atividades supracitadas foi organizada em etapas que

permitiram aos sujeitos entrar gradativamente em contato com a condição clínica do TA. Para

tanto, partiu-se de conhecimentos mais formais até chegar à produção narrativa de vivências

individuais. Acredita-se que esta estrutura cumpre com o seu papel clínico, atuando como

facilitadora do desenvolvimento de insight.

Análise dos Dados

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Hartley (2004) sugere que a realização de estudo de caso único ou multicasos

possibilita ao pesquisador esclarecer questões de determinados fenômenos a partir da análise

dos contextos ou processos que o constituem. Quanto ao segundo tipo, de estudos multicasos,

é possível construir um conjunto de conclusões de “cross-case” ou de relações e aspectos

comuns aos casos. Sendo o estudo de caso uma estratégia de pesquisa, existe a possibilidade de

utilização de métodos variados, não sendo os métodos que o definem, mas sim a orientação

teórica e interesse em casos individuais (Hartley, 2004). O arcabouço teórico que subsidia a

presente pesquisa é o referencial teórico histórico-cultural, que tem a perspectiva genética como

alternativa de construção e análise de dados (Góes, 2000).

Neste método de análise o objetivo maior está na proposição de discussões e explicações

sobre o processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores dos sujeitos

estudados. Este não visa a formular uma lei geral, bem como não toma o produto como foco

da análise. Porém, é possível fazer generalizações na medida em que a pesquisa qualitativa

transita entre o específico e o geral do desenvolvimento humano, uma vez que o indivíduo

tem uma trajetória e história que lhe são peculiares, mas é ao mesmo tempo, um indivíduo

construído a partir do discurso social sobre determinada patologia, inserido em uma

sociedade e um contexto pertencente à espécie humana que compartilham planos de

desenvolvimento comuns, a saber, a sociogênese e a filogênese (Pino, 2005; Vygotsky,

2013).

A análise dos episódios que compuseram o método deste estudo se deu a partir das

produções narrativas de cada uma das sessões, abarcando os seguintes eixos temáticos: 1) o que

é o Transtorno de Asperger; 2) Identificação do Transtorno de Asperger em outras pessoas; 3)

Sentidos e Significados do Transtorno de Asperger para pais e filhos: ecos de vozes e

percepções. Nesses episódios foram considerados os elementos que possibilitaram a discussão

acerca do TA em função de três domínios: cognitivo, social e afetivo. O âmbito cognitivo diz

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respeito às associações e menções que os sujeitos fazem ao funcionamento cognitivo no TA.

Os aspectos sociais têm relação com as experiências no âmbito da socialização. Por fim, os

aspectos afetivos se relacionam ao lugar que a experiência asperger tem em suas vidas, bem

como as vivências e sentimentos atrelados a ela.

7. Resultados

7.1. Os estudos de caso

Nesta seção serão apresentados os resultados, primeiramente, em relação a cada estudo

de caso, precedidos de uma contextualização das histórias individuais.

Ressalta-se que em diversos momentos no texto o diagnóstico de Asperger é referido

como Síndrome de Asperger (SA). Tal uso se justifica devido aos sujeitos adotarem essa

nomenclatura para o seu diagnóstico, de forma que se optou por preserva-la.

a. John

John é o primeiro nome de J.R.R. Tolkien, famoso escritor inglês, considerado um dos

maiores escritores de fantasia e ficção. Tolkien foi responsável por criar em seus livros um

mundo à parte da realidade, a Terra Média, cujos personagens e histórias inspiram o dia a dia

de leitores e outros artistas, dos anos 50 até os dias atuais. O autor fez ilustrações da Terra

Média, que são capa de algumas edições de seus livros,

Esse nome foi escolhido para este participante devido ao seu grande interesse na

literatura fantástica e em criaturas mitológicas, sobre as quais tem vasto conhecimento, além de

suas habilidades na escrita e desenho. Muito imaginativo, ele escreve e ilustra contos e histórias

acerca dessas temáticas. John diz já ter escrito um livro, mas não gosta de mostrar suas histórias.

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John é um jovem adulto, do sexo masculino, estudante do ensino superior na área das

ciências exatas e tecnologia. No momento da realização da entrevista tinha 20 anos e 5 meses.

Ele relata possuir o diagnóstico de Transtorno de Asperger desde a infância e lembra de

conviver com esse diagnóstico desde muito cedo. John nunca realizou avaliação formal

diagnóstica, mas seu pai - a quem John sugeriu como respondente da entrevista com familiares

ou pessoas próximas – dia que, como médico, percebeu as características do filho desde o início

de seu desenvolvimento e buscou intervir desde cedo. Além do TA, John também apresenta

características de altas habilidades, sendo estas relatadas por ele, seus pais, professores.

Foram realizados dois encontros com John, estes aconteceram na sala da psicologia no

prédio onde ele cursa a graduação, sempre ao final das aulas. Logo no primeiro encontro ele

demonstrou bastante interesse em participar da pesquisa, querendo explicar rapidamente o que

era TA e o que já tinha pesquisado sobre o assunto. John estabeleceu bom vínculo com a

pesquisadora, compartilhando desde o início seus interesses e experiências. Apesar disso, foi

observado que nesse encontro John parecia bastante ansioso, falando com a voz entrecortada,

como se buscasse por oxigênio. Questionado sobre isso, John disse ser comum acontecer isso

quando ele conversa com pessoas novas, pois ele fica nervoso. No encontro seguinte esta

característica já não esteve presente.

O que é ser Asperger

Episódio 1

1. J: Bem...eu não cheguei a pesquisar exatamente o que que é uma SA, mas isso dá

pra perceber porque em algumas vezes eu não consigo me relacionar direito socialmente... o

mínimo que seja...e quando eu vou conversar com alguma pessoa as vezes eu não...eu tenho

que terminar o conteúdo que eu tô dizendo pra deixar ele falar.

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2. E: Hum

19. J: E também...eu tenho que ter um pouco de desvio de atenção e quando aí as

coisas desviam...também são coisas que logicamente não teriam importância, como mexer

numa caneta e girar um peão ou então ver um negócio oscilando...

20. E: Essas são coisas que desviam sua atenção?

21. J: ...sim...

22. E: Que mais que você percebe e acha que é (da SA) e conhece?

23. J: Não dá pra explicar isso muito direito do que eu sei agora, mas a primeira a

pessoa que me diagnosticou...o nome da pessoa que diagnosticou que eu tenho asperger foi um

cara chamado M que também tinha um pouco e gostava muito de ...eu gosto muito de fazer

algumas coisas padronizadas e tipo o...se eu des...se alguém desmontar o avião de lego que

tenho lá em casa eu vou lá e monto de novo...tipo...eu quero que aquilo seja de um jeito, crio

regras para algumas coisas

24. E: Certo

25. J: Também...eu não sou...uma pessoa asperger ou autista nunca vai se dar bem

com RPG de mesa, porque eu acho que é uma coisa que dá pra identificar porque eu tenho

tendo...eu sou daquele tipo que fica imaginando as coisas e aí as vezes a imagem...eu me

distraio com a imaginação e o jogo fica chato e...algumas coisas que eu vejo eu só lembro de

algumas imagens que elas me ajudam a decifrar algumas coisas.

26. E: Hum

27. J: Tipo você visualiza linhas e códigos dentro de um jogo, pode querer visualizar

linhas e códigos dentro de um jogo ou então você pode lembrar de algum de algum detalhe que

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você tenha perdido antes apenas batendo o olho ou pior...você representa tudo que vê e tudo

que entende através de imagem.

28. E: Você faz isso?

29. L: Faço também.

A partir das definições de John é possível discernir que ele reconhece ter características

diferentes de outros indivíduos e associa isso ao diagnóstico de TA. Além disso, estas

características são estranhas desviantes do perfil socialmente esperado. Isto se evidencia quando

ele afirma ter um “desvio de atenção” no turno 19, dizendo que sua atenção se volta para “coisas

que logicamente não teriam importância”. O uso da palavra logicamente remete a existência

de um comportamento “lógico”, coerente, e outro que foge da lógica, sendo assim, diferente.

Ainda na fala de John nesse episódio pode-se perceber que as características que ele

descreve se associam aos critérios e definições que a literatura aponta como comuns a esse

grupo clínico, referentes a características de funcionamento cognitivo e social diferentes. Logo,

isto sugere que ele tem conhecimento das definições formais médico-científicas acerca do TA.

Porém, para além desse conhecimento formal, nesse episódio evidencia-se a presença no

discurso de John de suas interpretações acerca das características associadas ao TA,

representadas pelas associações que ele faz destas ao seu próprio modo de funcionamento e

como isso impacta o seu dia-a-dia.

No âmbito social, John aponta no turno 17 o que é para ele a dificuldade social,

especificando o sentido desta para ele em “e quando eu vou conversar com alguma pessoa as

vezes eu não...eu tenho que terminar o conteúdo que eu tô dizendo pra deixar ele falar”. No

entanto, no âmbito cognitivo é que John identifica mais características. Isso pode ser observado

no turno 23, quando fala de padrões restritos de comportamento, que em sua experiência traduz

como: “se eu des...se alguém desmontar o avião de lego que tenho lá em casa eu vou lá e monto

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de novo...tipo...eu quero que aquilo seja de um jeito, crio regras para algumas coisas”. John

ainda se refere ao seu funcionamento atencional no turno 19, quando diz ter “um pouco de

desvio de atenção”.

Episódio 2

O segundo episódio selecionado ocorre após a atividade com o personagem

extraterrestre do filme Cada um na sua casa. Nesse momento da entrevista as perguntas são

voltadas para o conhecimento de John sobre o TA.

1. E: Então se você tivesse que explicar pra alguém que não faz qualquer ideia do

que é isso, pode ser o Oh ou qualquer pessoa. Eu já conheço um pouco, mas se você tivesse

que explicar pra alguém que não sabe como é (a SA) que você diria?

2. J: Que o asperger é um autismo de grau levíssimo e na maioria das vezes quase

imperceptível. É normal nas pessoas terem pelo menos um pouquinho dessa síndrome.

3. E: E como você sabe se alguém tem SA?

4. J: Eu...não sei como descrever, mas a pessoa pode estar vidrada em alguma

coisa que não seja tão importante ou então gosta de brincar muito com uma caneta,

normalmente desenha muito a mesma coisa, não procura variar...tem algum pa...a pessoa

normalmente tem algum padrão. No caso, eu só...a maioria das vezes que eu desenho são

dragões.

5. E: Que mais você acha que dá pra dizer sobre como saber se a pessoa tem SA?

6. J: No meu caso eu também sou um pouquinho atrapalhado na hora de falar com

as pessoas e não consigo formar se...eu iniciar as palavras direito...eu acho que é uma

consequência de uma...de que...é como uma falta...pode ser uma falta de estimulo até.

7. E: E você tem algum amigo que tem SA?

8. J: M, também tem SA.

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9. E: Você já falou dele da outra vez [referência à sessão anterior], não foi?

10. J: Aham

11. E: E vocês são amigos?

12. J: Éramos. Até a gente se desencontrar quando ele saiu do colégio ele era da

minha turma.

13. E: Huum ele era da mesma turma.

14. E: E você já viu algo na tv ou internet sobre...

15. J: Um livro! “Olhe nos meus olhos”.

16. E: Huum já li esse livro. O que é que você achou?

17. J: Interessante...apesar de eu não ler ele por completo, a primeira parte já deu

pra entender um pouco, porque ele também tinha alguns padrões que já identificavam que ele

tinha asperger...tipo ele organizava os carrinhos e caminhos de um jeito e teve algumas coisas

que ele não entendia direito também.

18. E: Huum. Você não leu ele todo ne? Eu acho que o nome dele é John.

19. . J: Acho que sim

20. E: O John se não me engano só recebeu o diagnostico quando já tinha mais de

40 anos...é

lá pro fim do livro.

21. J: Vishh...doido

22. E: E você se identifica com alguma coisa do John?

23. J: Sim...o mesmo padrão do caminhão que ele tinha eu identifiquei com o

lego...o avião que eu montava quando era criança e também com os dragões que eu

normalmente desenhava do mesmo jeito e...algumas coisas.

24. E: E você conhece alguém famoso que tem SA?

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25. J: Não...mas eu conheço uma pessoa que tem autismo que até teve o filme...acho

que já te disse esse filme

26. E: Da Temple Grandin (TG)?

27. J: Isso.

28. E: E o que você acha da TG?

29. J: Uma pessoa excelente apesar de ser um pouco problemática, principalmente

com a alimentação.

Nesse episódio, primeiramente, observa-se que John dissocia o diagnóstico de TA do

de autismo no turno 39. Quando perguntado sobre pessoas famosas com SA, John diz não

conhecer ninguém, mas conhece alguém com autismo, sugerindo que os termos para ele não

são equivalentes.

Além disso, John fornece uma definição exata do que para ele é o TA. Pode-se observar

que em sua definição estão presentes indícios relacionados ao sentido afetivo presentes em sua

percepção acerca do TA. Tais indícios podem ser observados no uso de adjetivos diminutivos

(levíssimo) e da generalização das características. Estes aspectos ao mesmo tempo minimizam

o diagnóstico, pois ele é levíssimo e banaliza as características, trazendo-as para o patamar de

normalidade.

Novamente nesse episódio John traz características relativas ao âmbito do

funcionamento cognitivo no TA referente aos padrões restritos de comportamento, com os quais

ele frequentemente se identifica. Essa identificação ocorre em particular com o personagem do

livro por ele citado na fala “o mesmo padrão do caminhão que ele tinha eu identifiquei com o

lego...o avião que eu montava quando era criança e também com os dragões que eu

normalmente desenhava do mesmo jeito e...algumas coisas”. Além disso, no turno 17, John

usa o termo “também” em referência a uma característica do personagem do livro (“e teve

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algumas coisas que ele não entendia direito também”) sugerindo que talvez essa seja uma

característica que eles também compartilham, apesar de John não a mencionar especificamente

em relação à ele mesmo.

Asperger em outras pessoas: vinhetas como recurso para identificação em terceiros e

reconhecimento em si mesmo

Episódio 3

1. E: Olha só...agora queria te mostrar cenas de uma série de tv. Essa serie mostra

o dia a dia de amigos que são cientistas. É a The Big Bang Theory (TBBT).

2. J: Huuum.

3. E: Você já viu?

4. J: Já

5. E: E você assiste?

6. J: Não...só vi

7. E: Um deles tem...

8. J: O que faz o Sheldon.

9. E: Isso. Inclusive algumas coisas que você mencionou. São cenas aleatórias e

não do mesmo episódio, então se você não entender algo você me pergunta. Certo?

10. J: Certo.

Cena 3 – Os quatro amigos vão a um restaurante e não conseguem pedir

11. J: (risos) pelo...ele...tá todo como se uma pessoa que tem um asperger um pouco

pior que o meu porque ele faz atitude...algumas atitudes meio que um pouco neuróticas ou sem

pensar...ele tá falando muito... (risos) ...tá fazendo meio que um papel de bobo ...ele tá falando

coisa com coisa e os outros nem tão entendendo direito. (Risos). Eu não entendi direito...

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Cena 4 – Sorriso de Sheldon

12. J: (risos) ele não sabia se p...ele não sabe se...(risos) ele não entende as coisas

direito (risos) ele não sabe sorrir direito ele não entende...como é que é sorrir direito...só fez

uma cara que ele viu em algum lugar.

13. E: Nessas cenas que passarem tem alguma característica que você acha que é da

SA? Do Sheldon?

14. J: Nos padrões e o padrão no segundo vídeo dele pedir a mesma coisa

15. E: Ah dele pedir sempre a mesma coisa?

16. J: É, eu acho que é mas o que eu identifiquei meio foi os maneirismos dele.

17. E: Hum

18. J: Parece que ele tá um pouco...que ele tá...eu até tenho um pouco disso de vez

em quando...quando eu fico com a cabeça na lua.

19. E: Hum...de maneirismo tipo o que?

20. J: Tipo ele ficar mexendo um pouco estranho.

21. E: Hum...vou botar outro...

22. J: E também aquele sorrisinho estranho dele eu compararia com.…com o ...eu

comparei com o ...com a com a.…com o fazer carinho do cara do livro...o.…que ele não sabia

como tratar alguém direito e o cara ele entendia mais um meio com uma agressão.

23. J: Ele tá meio atacado (risos)

Cena 6 - empréstimo de dinheiro à Penny

24. J: (risos) ...também de vez em quando eu entendo as coisas ao pé da letra e não

consigo enxergar as entrelinhas.

25. E: Foi o que aconteceu agora?

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26. J: Aham

27. J: nunca cheguei a fazer isso...completamente ilógico (risos)

28. J: intitulando as coisas...ele deu um palpite meio que fora de contexto.

29. E: nessas teve alguma coisa que você acha que foi alguma coisa de...

30. J: eu não consegui identificar...explica? (pede ajuda a entrevistadora)

31. E: nessas ele sempre pergunta do sarcasmo...nem sempre ele consegue entender

e ele pergunta ao Leonard.

32. J: hum

Cena 7 – Conversa desconfortável

33. J: com certeza eu não faria isso...ele não entendeu direito (risos)

34. E: o que?

35. J: Na verdade ele até pode ter entendido, mas ele falou justamente o que ela não

queria ouvir.

36. E: então ele não entendeu mas falou o que ela não queria ouvir?

37. J: Uhum...eu não acho que seja algo de asperger.

Cena 8 – Decifrando expressão de Rajesh

38. J: hum...eu peço desculpas com um pouquinho de frequência.

39. E: você pede desculpa com frequência?

40. E: Não muito, mas normalmente eu peço ao meu pai e minha mãe...eu acho um

pouquinho excessivo de vez em quando.

Cena 9 – Abraço na lavanderia

41. J: Eu não faço isso.

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42. J: De vez em quando eu explico um pouco de...eu só...as vezes

eu...frequentemente quando eu tô falando alguma coisa que eu acho que posso esquecer eu não

deixo a pessoa me interromper

43. E: Você fala até terminar?

44. J: Frequentemente

45. E: Nessa cena, teve algo da SA?

46. J: Ele explicando motivo do abraço alguma coisa assim...tudo tem que ter uma

explicação.

47. J: (risos) e eu não vi nada que consiga identificar

Cena 10 – Sheldon e Leonard se conhecem

48. E: Eu não vi nada que tenha a ver com a SA...

49. Nessa? A cena ainda continua.

50. J: Aí eu identifiquei alguma coisa...os maneirismos dele novamente...são

parecidos com os de alguém que tem um pouco de...um pouco de asperger, só que um

pouquinho acentuado.

51. E: Tipo que maneirismo?

52. J: Aquele outro menino do talento...cabeludo mais alto? Ele pergunta as coisas

e parece que bugou.

53. E: Pergunta muito?

54. J: Só o maneirismo dele...lembra um pouco o jeito de Temple Grandin

se.…portar quando tá um pouco neurótica.

Cena 11 – Ofensa a Penny

55. J: Ela...ele fez a comparação que ela não entendeu.

Cena 12 - Funeral

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56. E: E nessa?

57. J: Morreu uma pessoa...ele não consegue demonstrar visualmente uma

característica que seja de alguém que se importa muito mesmo que se importasse...ele não...tipo

a pessoa quer que ele chore porque o outro morreu, mas a pessoa não é de chorar muito

58. E: Entendi.

Cena 13 – Garoto especial

59. J: Outra comparação que o outro não entende

60. E: Que ele fez?

61. J: Aham...uma comparação que só ele entende.

Cena 14 - Experimento com Penny

62. J: (risos) ele tá... (risos) ele tá caçoando dela de uma maneira mais educada

(risos).

63. J: eu até entendo o que é que as outras pessoas conseguem...e sempre eu estou

imaginando...o problema é mais em iniciativa meu...uhum...se for pra fazer alguma comparação

com isso daí.

64. J: Num gosta muito de alguns...ele não gosta de alguns padrões...ele é uma

pessoa...ele não gosta de alguns padrões...

65. E: certo.

66. J: Ele tem um problema com festas de aniversários a Temple um pouco tinha um

problema com elevadores e com alimentação...o meu é com desenhos infantis.

67. E: Por que?

68. J: Quando eu escuto fico querendo assistir, mas eu sei que não vale muito a pena

e com comédias também.

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No terceiro episódio da entrevista com John foi requisitada a identificação de

características ou situações nas cenas que remetam ao TA. Primeiramente, foi observado que

nem todas as cenas chamaram a sua atenção e para muitas ele disse não saber identificar nada

que fosse significativo. Nesse sentido, algumas das cenas trazem situações nas quais são

representadas características do TA que ele mesmo mencionou em episódios anteriores, porém

não os reconheceu em Sheldon. De maneira geral ele não demonstrou muita identificação com

as cenas vistas e acredita que diversas situações não têm relação com o TA ou, por outro lado,

dizem respeito a casos graves, como ele aponta no turno 11 quando traz que “pelo...ele...tá todo

como se uma pessoa que tem um asperger um pouco pior que o meu porque ele faz

atitude...algumas atitudes meio que um pouco neuróticas ou sem pensar...”.

Porém diversas cenas chamam a sua atenção, notadamente a que representam aspectos

cognitivos e sociais do funcionamento no TA, principalmente relacionados a padrões restritos

e repetitivos de comportamento e dificuldades na compreensão de contextos sociais. Quanto

aos padrões, ele identifica a necessidade de Sheldon de fazer sempre o mesmo pedido no turno

14. Além disso, faz referência a padrões de maneirismos motores, que frequentemente são

também identificados em indivíduos que tem TA. Ressalta-se que essa característica em

particular não é representada nas cenas, no entanto, mais de uma vez John interpreta partes das

cenas dessa forma e inclusive identifica-se com esses maneirismos motores. Ainda quanto as

características de funcionamento cognitivo ele traz a compreensão literal da fala e dificuldades

no reconhecimento e expressão de emoções faciais, que dizem respeito a dificuldades na

linguagem pragmática. A compreensão literal é identificada por ele como presente em seu

próprio funcionamento, enquanto a expressão de emoções é relacionada ao personagem John,

do livro Olhe nos meus olhos.

Além dessas características teóricas que John reconhece, ele relaciona ao TA também

comportamentos que na teoria não são associadas ao quadro, quais sejam: pedir desculpas com

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frequência, no turno 38, falar sem permitir interrupções, no turno 42, dar muitas explicações

sobre diversos temas, no turno 46, e ter algo ou alguma temática que é perturbadora, nos turnos

64 e 66. As menções a tais características sempre acompanham uma identificação do

personagem Sheldon com o próprio John ou com outro personagem que ele sabe que tem o

diagnóstico, como Temple Grandin, sugerindo que ele atribui esses aspectos ao TA.

Episódio 4

Por fim, no quarto e último episódio, John é solicitado a trazer de forma mais objetiva

seus sentimentos e o “lugar” do diagnóstico em sua vida.

1. E: De todas essas cenas, o que é que você acha que chama atenção no Sheldon

que são características da SA?

2. J: O maneirismo dele e as explicações exageradas dele. Foi o que eu mais

identifiquei.

3. E: Quem foi que te falou, J, sobre a SA?

4. J: Não, a primeira pessoa que me falou foi M....ele também falou com meus pais

depois foi a....depois...agora na universidade foi E., que contou mais...E. da CAENE?

5. E: Não conheço E.

6. J: É uma psicopedagoga que me atendeu...ela explicou como é que é...como é

que funciona o asperger.

7. E: Então até conversar com ela você não sabia?

8. J: Não sabia direito como é...sabia de algumas coisas.

9. E: Só quando você conversou com ela...

10. J: Aham...e fiquei sabendo mais e eu ainda sei só que eu não sei descrever isso

com palavras...só com algumas imagens que eu também não sei descrever bem

11. E: Então você tem imagens de como é?

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12. J: Uhum

13. E: De onde você acha que vem a SA? Já pensou sobre isso?

14. J: Não...

15. E: Tem características do Sheldon que você observa em você?

16. J: Tem

17. E: Como o que?

18. J: As únicas coisas que notei precisamente foi os padrões...as explicações

exageradas e os maneirismos dele...parece que ele está viajando no mundo de Star Trek.

19. E: Você acha que essas coisas parecem com você também?

20. J: É porque de vez em quando eu fi...quando eu tô pensando em alguma coisa

eu acabo passando isso pro corpo e eu ch...eu posso fi...quando isso acontece...tem vezes que

eu chego a ficar estranho, mas isso não acontece com frequência.

21. E: E como é que você se sente sobre ter SA?

22. J: Isso...não...isso não é uma dificuldade acadêmica nem...eu tenho capacidade

de...aprender a controlar essas...as minhas ansiedades e a SA é mais uma um tipo de su...pra

mim a SA não é uma mera deficiência em si é mais uma superdotação e uma pequena ligeira

dificuldade de se relacionar com as pessoas...se a pessoa for um pouco tímida.

23. E: Se a outra for tímida?

24. J: Se a pessoa com SA for tímida

25. E: Você é tímido?

26. J: Um pouco.

27. E: E tem coisas boas ou não tão boas que você acha que resultam da SA? Por

exemplos pontos positivos?

28. J: Sim

29. E: Tipo o que?

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30. J: Tipo...gosto muito de ficar escutando coisas que tenha...gosto muito de

ficar....acho legal tarefas de lógica e...os meus pontos positivos melhores são em programação

que eu tenho um pouco de facilidade pra apender.

31. J: E eu posso fazer...e...se eu quiser eu posso fazer tudo que eu...eu tenho várias

possibilidades pra fazer...posso até fazer todas elas se possível e também....as...é...além disso

é apenas uma...uma incoerência na parte social que eu ainda não em...algumas coerências na

parte de sociologia que eu não entendo.

32. E: Como assim?

33. J: Como...como como falar com as pessoas sem falar nenhuma frase que eu não

entenda direito ou então...que...eu não sei explicar direito como eu não pesquisei sobre o

assunto.

34. E: Mas não precisa ser algo que você pesquisou, pode ser algo que você pensa

ou sente...como você entende que funciona.

35. J: Hum...o asperger em mim, o autismo não é um bicho de 7 cabeças...é só uma

coisa que ...é só uma coisa que a pessoa é muito inteligente mas tem um pouco de dificuldade

de se relacionar em algumas situações e se portar em algumas situações, mas essa dificuldade

pode ser superada.

36. E: Você falou que uma coisa boa é...

37. J: É facilidade de aprendizado em geral

38. E: E uma coisa que você acha que é ruim? Tem?

39. J: Só comunicação.

40. E: Tem algum na sua vida com quem você se sente confortável falando sobre a

SA?

41. J: Ah...teve E., teve meus pais, teve a J. daqui e poucos dos meus

amigos...tipo...os amigos que consegui me relacionar melhor.

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42. E: Com esses você fala?

43. J: De vez em quando chego a falar um pouco, não tenho medo de falar.

44. E: Sua família então fala com você sobre o asperger?

45. J: Fala sim também, porque já pesquisaram sobre isso e as vezes eles me ajudam

a me orientar pra não parecer que eu tô com essa...pra não ficar parecendo que eu estou com

essa síndrome.

46. E: E que conselho você daria pra outra pessoa da sua idade que acabou de

descobrir que tem SA?

47. J: Na verdade eu daria algumas dicas de como se portar na sociedade, algumas

coisas que eles tem tiraria algumas dúvidas que eles tem sobre se comportar na sociedade e

diria pra eles pra que não precisasse de...ficar contando isso pra...não precisa contar sobre

essa doença pra todo mundo e pra se...pra tentar fazer com que as pessoas não percebam que

você tem essa dificuldade.

48. E: E que dicas você daria? Tem algum exemplo?

49. J: Tem um...seja uma pessoa que tente se parecer com as outras pessoas, mesmo

que você não seja igual a eles.

50. E: E que conselho você daria para pais?

51. J: Que...ajudem essas pessoas...que ajudem seus filhos a se portarem...que

encontre meio delas contornarem seus problemas sem causar muito transt..muito ...sem que

elas tenham que passar por transtornos como...o que aconteceu com a Grandin na primeira

vez que ela foi na faculdade...que ela ficou tão estranha que todo mundo notou.

52. J: Eu não consigo descrever direito como é isso

53. E: A cena?

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54. J: Aham...mas pessoa tem...se...a pessoa se comportando mais naturalmente e

quase ninguém percebe que a pessoa é...tem alguma coisa estranha...alguma coisa

diferente...anormal

55. E: Certo, John. Estamos chegando ao fim de nossa entrevista. O que você

achou?

56. J: Foi mais um paradigma do que eu a gente entende como SA, ainda vou

procurar um pouco mais sobre isso pra se entender um pouco melhor e poder tentar ser igual

as outras pessoas

57. E: Você acha que tem que ser igual?

58. J: Sim, menos na presença dos meus pais que eu fico um pouco ansioso

59. E: Na presença deles que você acha que tem que ficar?

60. J: Isso na presença deles que tenho que melhorar e não é só isso...tem alguns

detalhezinhos que mesmo sem ser na presença deles preciso melhorar como se

comportar...algumas situações como a dos encontros

61. E: E você acha que foi bom falar disso?

62. J: Eu acho que foi bom falar disso...eu acho que alguém tiver conhecimento

sobre isso e quiser falar que fale porque pode ajudar a esclarecer e tentar quebrar esse

paradigma que asperger não é nada mais que um caso de autismo. Porque algumas pessoas

pensam assim.

63. E: É bom pra tentar esclarecer...

64. J: Isso! O que na verdade é isso...

John, no episódio, retoma características de Sheldon relacionadas a maneirismos e

explicações exageradas nos turnos 2 e 18. Ambas apareceram em sua fala pela primeira vez no

terceiro episódio, sugerindo que as cenas eliciaram em John a identificação de aspectos que ele

não havia trazido anteriormente. Ele traduz os maneirismos como movimentos no corpo com

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os quais se identifica no trecho: “É porque de vez em quando eu fi...quando eu tô pensando em

alguma coisa eu acabo passando isso pro corpo e eu ch...eu posso fi...quando isso

acontece...tem vezes que eu chego a ficar estranho, mas isso não acontece com frequência”.

Nesse episódio John é questionado mais diretamente acerca de sentidos afetivos que

atribui ao TA, relacionados a como ele se sente quanto a isso e o lugar que o diagnóstico tem

em sua vida. No turno 22 John fala sobre o diagnóstico: “Isso...não...isso não é uma dificuldade

acadêmica nem...eu tenho capacidade de...aprender a controlar essas...as minhas ansiedades

e a SA é mais uma um tipo de su...pra mim a SA não é uma mera deficiência em si é mais uma

superdotação e uma pequena ligeira dificuldade de se relacionar com as pessoas...se a pessoa

for um pouco tímida”. Sua fala traz elementos que permitem sugerir que ele associa o TA à

características de funcionamento cognitivo e social diferentes, sendo o primeiro um aspecto

positivo e o segundo negativo. Isto pode ser percebido quando traz como pontos positivos sua

inteligência, afinidade por lógica e facilidade para aprender, como mencionado anteriormente

no turno 22 e no turno 30 (“...acho legal tarefas de lógica e...os meus pontos positivos melhores

são em programação que eu tenho um pouco de facilidade pra apender”) e ao apontar como

aspectos negativos a comunicação, no turno 39. Para John, parece existir uma divergência entre

esses aspectos, que são incongruentes, como pode ser observado no turno 31: “se eu quiser eu

posso fazer tudo que eu...eu tenho várias possibilidades pra fazer...posso até fazer todas elas

se possível e também...as...é...além disso é apenas uma...uma incoerência na parte social que

eu ainda não em...algumas coerências na parte de sociologia que eu não entendo”. Ainda pode-

se inferir por sua fala que para John as dificuldades sociais podem ser superadas a partir dos

aspectos cognitivos, como exposto no turno 35: “é só uma coisa que a pessoa é muito inteligente

mas tem um pouco de dificuldade de se relacionar em algumas situações e se portar em

algumas situações, mas essa dificuldade pode ser superada”.

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Todavia, para além da necessidade de superar suas dificuldades, as falas de John

sugerem que enquanto sentido afetivo têm-se a necessidade de esconder o diagnóstico e suas

características, principalmente as que considera negativas, como exposto nos turnos 47 e 49 ao

aconselhar adolescentes com TA: “Na verdade eu daria algumas dicas de como se portar na

sociedade, algumas coisas que eles tem tiraria algumas dúvidas que eles tem sobre se

comportar na sociedade e diria pra eles pra que não precisasse de...ficar contando isso

pra...não precisa contar sobre essa doença pra todo mundo e pra se...pra tentar fazer com que

as pessoas não percebam que você tem essa dificuldade” e “seja uma pessoa que tente se

parecer com as outras pessoas, mesmo que você não seja igual a eles”. No turno 47, John

inclusive trata o TA pela primeira vez com o termo “doença”, cuja conotação é negativa e destoa

de seu discurso até esse momento de que o diagnóstico apenas se referia a um funcionamento

diferenciado e positivo. Nesse sentido traz ainda o papel dos pais em orientá-lo sobre como não

aparentar ter TA, nos turnos 45 (Fala sim também, porque já pesquisaram sobre isso e as vezes

eles me ajudam a me orientar pra não parecer que eu tô com essa...pra não ficar parecendo

que eu estou com essa síndrome) e 51 (Que...ajudem essas pessoas...que ajudem seus filhos a

se portarem...que encontre meio delas contornarem seus problemas sem causar muito

transt...muito ...sem que elas tenham que passar por transtornos).

O TA para os pais e filhos: ecos de vozes e percepções

A entrevista realizada com o pai de John seguiu o mesmo roteiro da de seu filho.

Inicialmente, em sua entrevista podem ser identificados elementos relacionados a aspectos

cognitivos, sociais e afetivos do TA. Além disso, foram observadas aproximações e

distanciamentos entre suas percepções e as de John.

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Para o pai, a resposta à pergunta “Como é ser asperger?” envolve a compreensão, por

parte do indivíduo diagnosticado, de que existe uma diferença entre ele e as outras pessoas. Sua

definição enfatiza, principalmente, as dificuldades vivenciadas no âmbito social, como

exemplificado no trecho: “deixa eu pensar um pouquinho...eu acho que o asperger assim,

primeiro ele inicialmente pensa assim...ah sei lá: ‘acho que eu tenho um problema’. Mas dentro

da cabeça dele como a gente já diferenciou as palavras doença, interação e tudo ah...’eu tenho

uma diferença, eu sou diferente dos outros. A minha dificuldade é não perceber o que os outros

estão sentindo ou pensando com a mesma facilidade que outras pessoas percebem. Então eu

tenho que olhar um pouquinho mais e assim juntar algumas características físicas ou de tom

de voz pra poder chegar à conclusão do que tá acontecendo né...’ ”. Nesse trecho ele ainda

ressalta as dificuldades na compreensão de sentimentos, expressões faciais e situações sociais

de maneira geral. Para o pai de John, essas são características marcantes de indivíduos que tem

TA e, principalmente, de seu filho.

Ainda no âmbito das habilidades sociais, o pai de John descreve várias dificuldades

vivenciadas filho, porém ressalta que essas características eram mais comuns em sua infância e

que, à medida que John cresceu, elas se fizeram menos presentes, principalmente após as

intervenções dos pais. Esse aspecto pode ser observado no seguinte trecho, que trata de falas

inadequadas em determinadas situações sociais: “Claro, hoje ele não falaria alto...sei lá...uma

coisa de caráter muito íntimo. Mas antes ele até poderia...começar a falar e [o pai falaria] ‘ei

cara, você tá em público! ’ ‘ah pai, desculpa’. Aí hoje ele já mantém isso”. O pai afirma ainda

que houve mudanças também em relação ao contato visual de John, na fala: “Ah o John encara,

encara, olha no olho já... Ele pequenininho você ficava chamando atenção [faz gesto de estalar

os dedos] pra que ele olhasse...’ei, olha aqui, ooh, olha aqui’ esse tipo de coisa”. Ainda surge

em sua fala a descrição de comportamentos ligados a dificuldades com a compreensão da

linguagem pragmática, como expressões faciais e compreensão de piadas.

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Para o pai de John, os aspectos sociais são a maior dificuldade do filho e o que mais

impacta o seu dia-a-dia, como ilustrado no seguinte trecho: “Ah o que atrapalha mais o dia a

dia é o relacionamento social...é formar e integrar grupos sociais. Você percebe que se você

ta parado e você se intromete em assuntos que estão sendo conversados em determinado grupo,

normalmente ele não aceita bem essas intromissões”. O pai também associa essas dificuldades

a aspectos afetivos, pois essas entristecem John. Essa percepção surge na seguinte fala: “Ainda

o entristece a parte social. Isso aí é notório, mas como ele ainda não consegue se inserir, mas

não fica angustiado com isso. Mas você percebe que ele sente falta...se você perguntar a ele se

queria ter um amigo... tá ligando agora pra casa e - Vamo pro cinema? ‘Ah vamo, vamo sair

ali, vamo conversar’...até porque assim, seria um estímulo a mais, mas aí é muito complicado

pra gente oferecer esse estímulo por uma questão também nossa. Eu sou filho único, não tenho

irmãos, então ele não tem primos, não tem tios, e a mãe a família toda mora em outro estado”.

No discurso do pai, algumas vezes, são mencionadas situações nas quais as

necessidades de intervenção e orientação a John se fizeram necessárias. Ele explica que essa

foi a maior preocupação de ambos desde a descoberta do diagnóstico e, a partir daí, buscaram

direcionar o comportamento do filho no sentido de compensar ou disfarçar suas dificuldades.

Isto se evidencia no seguinte trecho da entrevista: “hoje não mais, talvez quando fosse criança

a gente já...”’oh John, não faz essa cara de assustado quando você vê uma coisa...’ Acho que

quando...no início a gente dizia “oh, tente imitar mais as expressões, cuidado quando as

pessoas ficarem tal...” Por um período curto acho que de alguns meses ele...não, menos que

isso, ele tentou ver se dava certo assim imitar o mesmo que outra pessoa fazia. Aí eu disse “oh,

não adianta, você vai ter que criar sua própria expressão... então...”.

Por vezes a intervenção dos pais parece ser bastante direta e direcionada a moldar os

comportamentos de John, objetivando que estes adequem-se ao que é esperado socialmente,

como explicitado na fala: “não, a gente falou: ‘ah, pra você se misturar às pessoas tente agir

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como elas’. Então assim, por exemplo, alguém sentava, cruzava a a perna tal, então ele ia,

olhava e ficava do mesmo jeito. Aí: ‘oh John, não cola, melhor você criar sua própria maneira

de ser e a gente vai verificar se essa maneira é ‘condizível’ com o que existe hoje em sociedade,

se for, a gente fala que é’”.

O papel e o julgamento acerca da importância das intervenções, relatadas pelo pai,

estão presentes na fala do próprio John, em especial no episódio 4 de sua entrevista. John

aponta, em seu conselho para pais de jovens com TA, a necessidade de que estes “ajudem essas

pessoas... que ajudem seus filhos a se portarem... que encontre meio delas contornarem seus

problemas sem causar muito transt.. muito ...sem que elas tenham que passar por transtornos

como...o que aconteceu com a Grandin na primeira vez que ela foi na faculdade...que ela ficou

tão estranha que todo mundo notou”.

Assim, observa-se que a mesma ideia que os pais têm da necessidade de John adequar

os seus comportamentos, de modo que estes não sejam tão diferentes daqueles ditos naturais,

está presente também na ideia que John faz de seu diagnóstico. Isso se observa em sua fala, no

episódio 4, acerca do que conversa com seus pais sobre TA: “Falo sim também, porque já

pesquisaram sobre isso e as vezes eles me ajudam a me orientar pra não parecer que eu tô com

essa...pra não ficar parecendo que eu estou com essa síndrome”; e quando aconselha outros

aspergers que “seja uma pessoa que tente se parecer com as outras pessoas, mesmo que você

não seja igual a eles”. Nesse sentido, se evidencia também a concepção de John da necessidade

de esconder o diagnóstico.

Em termos de consonâncias entre os discursos do pai e de John, observou-se que na

fala de John ele atribui suas dificuldades de inserção e interação social à timidez e falta de

iniciativa. Tal aspecto surge no terceiro episódio, no turno 63, na seguinte fala: “eu até entendo

o que é que as outras pessoas conseguem... e sempre eu estou imaginando... o problema é mais

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em iniciativa meu... uhum... se for pra fazer alguma comparação com isso daí”. Nessa fala,

John se referia à cena “Experimento com Penny” de The Big Bang Theory, na qual Sheldon

relata ter dificuldades na compreensão de situações sociais e sentimentos alheios. Sua fala

sugere que sua dificuldade não está na capacidade de compreensão, mas na ausência de

iniciativa para a interação.

Nessa direção, o pai de John, na entrevista, também aborda o aspecto da falta de

iniciativa, como ilustra a seguinte fala: “uma coisa é...o John não tem problema em ter mais

pessoas...ele tem vontade, o que ele não tem é iniciativa. Ele adoraria estar cercado por

amigos, você percebe que ele tem uma certa inveja daqueles grupos de amigos, mas ele não

encontra uma maneira de se inserir no grupo”.

Adicionalmente, outros elementos da fala do pai estão presentes na entrevista de John,

principalmente aqueles relativos à valoração do diagnóstico de TA. Como seu pai, John

considera o TA como uma forma diferente de ser, destacando potenciais e fragilidades. Porém,

ressalta sempre os pontos positivos de seu diagnóstico, notadamente em termos do

funcionamento cognitivo. Tal concepção pode ser igualmente identificada na fala do pai,

quando expressa a seguinte preocupação: “inicialmente, eu fiquei preocupado que ele ficasse

pensando, preocupado, “Pô, mas como é que vai ser o meu futuro então, se eu tenho algum

tipo de problema? ” Mas hoje ele já começa a se enquadrar assim, olha “ se eu sou muito bom

no que eu posso fazer, então eu posso trabalhar com aquilo e desenvolver em cima daquilo”.

É interessante notar que John reconhece a ambivalência de sua condição, ou seja, a

convivência das fragilidades com o talento, conforme ilustrado no turno de fala 31 do episódio

4, no qual ressalta a diferença entre o seu funcionamento cognitivo e o social: “(...) além disso

é apenas uma...uma incoerência na parte social que eu ainda não em...algumas coerências na

parte de sociologia que eu não entendo”. Neste trecho, John, parece considerar que estes são

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discrepantes, pois ele tem algumas habilidades cognitivas de destaque, mas dificuldades na

interação social. Essa ideia está presente no discurso do pai no trecho em que este relata uma

conversa com John na qual explica o diagnóstico do filho: “[Pai] - O asperger é um espectro

do autismo. – [John]‘Mas porque que ele parece um deficiente? ’. [Pai] –‘ Porque é um espectro

no qual você vai ter dificuldade só no lado social, mas você não tem dificuldade cognitiva’.

[John] – ‘Se eu não tenho dificuldade cognitiva, porque que minha cognição não é igual a de

outra pessoa, é maior? ’ [Pai] – ‘É porque, por sorte sua, puramente por sorte, a sua área

social, se ficou algo inibida, houve uma compensação a mais na área cognitiva (...)’”.

A consonâncias nos discursos em termos do potencial cognitivo de John, é mais uma

vez identificada em outros trechos de fala de ambos. O pai destaca a capacidade intelectual

acima da média, bem como o que chama de pensamento matemático, referindo-se à forma com

que John resolve problemas em seu dia-a-dia (“se ele parar para pensar sobre o que aconteceu

ele consegue, porque ele consegue descrever o caso, desenhar na cabeça e ver o resultado,

porque ele consegue resolver o que aconteceu de uma forma matemática”). Ainda menciona a

habilidade elevada de John em relação à memória visual, dando o seguinte exemplo: “se você

perguntar...as vezes você tá perdido aqui...uma curiosidade, isso é muito comum...’Cara, que

rua é essa?” Tudo bem. Se ele não...aí ele fala é a rua tal. ‘Pô, bicho, mas a gente não tem

placa. Você lembrava o nome da rua? ’ ‘Não, eu lembrei que o sistema de fiação elétrica de

condução aqui de alta tensão dessa rua é esse’. Então assim...ele grava detalhes que passam

despercebidos mesmo né.…”. A fala continua com: “Não, visual o dele...ele sabe que ah...essa

rede elétrica aqui é de tal tipo e essa rua tem essa rede. A Prudente de Morais usa essa rede,

a Salgado Filho essa rede, a Mor Gouveia essa rede, a Norton Chaves essa rede e tal, que é

muito parecida com a rede de tal lugar...ele termina fazendo relação, relaciona com o nome

da rua e acerta a rua olhando pra cima e reconhecendo a rede elétrica”.

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Em direção similar, John sustenta como uma habilidade sua o “pensamento por

imagens”, descrito por ele no episódio 1 na fala: “Tipo... você visualiza linhas e códigos dentro

de um jogo, pode querer visualizar linhas e códigos dentro de um jogo ou então você pode

lembrar de algum, de algum detalhe que você tenha perdido antes apenas batendo o olho ou

pior...você representa tudo que vê e tudo que entende através de imagem”. A descrição de tal

habilidade coincide com aquela apresentada por seu pai quando caracteriza a sua forma de

pensar.

Por sua vez, existem também discordâncias nos discursos de pai e filho acerca de

alguns aspectos. O primeiro deles diz respeito ao contato com o diagnóstico e ao conhecimento

de outras pessoas com TA. Nesse aspecto John afirma que seu primeiro contato foi através de

um amigo, M., que além de ter o diagnóstico de TA sugeriu que John também teria e conversou

com seus pais sobre isso. Isso é afirmado no turno 4 do episódio 4. Seu pai, por outro lado,

quando questionado sobre esses aspectos responde: “eu acho que a gente foi apresentando... a

gente primeiro iniciou mostrando, estimulando, como a gente tava pretendendo fazer e com o

tempo foi mostrando publicações, livros e...’Oh, olha aqui ta vendo esse livro?’ Acho que a

mãe com certeza mais do que eu”. Sua fala sugere que em sua perspectiva essa apresentação do

diagnóstico foi feita de forma progressiva e pelos pais. Ele também não acredita que John tenha

amigos ou conhecidos que tenham o mesmo diagnóstico, como aponta na seguinte fala: “não...

acho que amigos ele não tem... conhecido ele já passou por alguns conhecidos que têm autismo

e ele percebeu a diferença”. Em termos de como John se sente em relação ao TA, o pai sugere

que ele se entristece, devido às dificuldades sociais, como mencionado anteriormente. No

entanto, John não menciona tristeza em sua entrevista.

Porém, a maior discrepância nas entrevistas diz respeito a uma característica do

funcionamento de John associada ao TA, que é a presença de padrões restritos e repetitivos de

comportamento. Tal característica é a mais mencionada pelo próprio John em suas falas e com

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a qual ele se identifica com maior frequência, principalmente em relação á presença de

maneirismos e padrões. Seu pai, entretanto, afirma de forma veemente que essa característica é

a única que John não apresenta das esperadas no TA. Tal afirmação pode ser observada nas

seguintes falas: “é, ele não tem...ele não segue padrões. Padronização não é a cara do

John...ele...nem hora, nem alimento...”; “ele não segue padrões...ele levanta as 6, pode levantar

as 6:30, pode levantar 5:30...se o que tiver...ele come uma coisa, ele come outra...não faz

questão se é um tipo de coisa ou a outra. Agora essa salvação que o Leo...ah, mas você

pode...você problema...assim...matemático ne? Eu tenho 4 coisas, mas eu preciso dividir por 3,

ele daria a solução. Ele tem a iniciativa para esse tipo de coisa” (Nesta última ele faz referência

à cena “Os quatro amigos vão a um restaurante e não conseguem pedir” de The Big Bang

Theory). As afirmações do pai são justificadas na seguinte fala: “A gente não permitiu. Então,

se não deu pra perceber é porque desde a primeira infância a gente fez com que ele sempre

fizesse coisas diferentes. Ele não teve a opção de repetir uma coisa duas vezes. Isso fez com

que ele se adaptasse a qualquer ambiente. Se você chama ele pra cá, se disser John, no lugar

de fazer a entrevista aqui vamos fazer na lanchonete, ele não vai dizer...não vai achar estranho.

Ele vai dizer que ta bom na hora vai sentar com você e fazer como se tivesse aqui e vai fazer e

vai falar do mesmo jeito (...)”. Essa discrepância sugere as possibilidades de o pai não perceber

essa característica de John ou de essa ser negada.

b. Chaves

Chaves é o nome brasileiro para a série El Chavo del ocho, seriado de comédia

mexicano bastante conhecido no Brasil e na América Latina, de maneira geral. Chaves é o nome

do personagem principal da série, esta tem como personagem central uma criança e seu dia-a-

dia na vila em que mora. O humor de Chaves e da série se baseiam na simplicidade e

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ingenuidade do personagem, sendo estas características evidenciadas em situações do dia-a-dia.

Retratam suas travessuras e interações com outros moradores.

Esse nome foi escolhido para este participante com base no relato de sua mãe. Esta

retrata o filho como um jovem bastante sério, que raramente sorri, o que foi percebido nos

encontros com ele. Porém, ela relata que nos momentos em que assiste Chaves, com sua irmã

mais nova, ele parece estar mais feliz, rindo por horas a fio, mesmo que seja em episódios que

já assistiu anteriormente.

Chaves, como John, é um jovem adulto, do sexo masculino, estudante do ensino

superior na área das ciências exatas e tecnologia. Para ele o diagnóstico de TA somente surgiu

na adolescência, porém sua mãe – escolhida por ele como pessoa ideal para participar da

pesquisa - relata que na infância Chaves já teve levantada a possibilidade diagnóstica de

Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), devido a seu comportamento

discrepante de seus pares. Nesse sentido, fez por muitos anos acompanhamento com

profissional da psicologia clínica. No entanto, somente na adolescência, quando cursava o

ensino médio, a psicóloga de sua escola sugeriu a possibilidade do TA e ele foi encaminhado

para avaliação, que foi realizada no serviço de psicologia na UFRN e cujos resultados

corroboraram com o diagnóstico do TA. Chaves faz até o momento acompanhamento com

profissional da fonoaudiologia, devido a dificuldades na entonação da voz e no discurso.

Os dois encontros realizados com Chaves ocorreram nas dependências do Serviço de

Psicologia Aplicada da UFRN (SEPA), em horários combinados previamente com Chaves,

sempre antes ou após suas aulas.

O que é ser Asperger

Episódio 1

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1. E: [passa o vídeo] você entendeu a história?

2. R: sim

3. E: Oh é um ser de outro planeta que veio habitar a terra. Como vimos no vídeo,

ele é um Boov, e todos os boovs receberam um panfleto sobre como a terra funciona. No filme,

nós vemos que o Oh está começando a aprender sobre muitas coisas e, agora, está

particularmente interessado em aprender sobre as pessoas desse planeta, mas, como vimos,

ele percebeu que nem tudo está no panfleto e as pessoas parecem mais complicadas do que diz

lá. Uma coisa que ele descobriu é que existem pessoas que têm transtorno de Asperger, mas

não achou nada sobre isso no panfleto. Ele acredita que que adolescentes ou jovens adultos

como você, com SA, são os verdadeiros experts que podem ensinar as outras pessoas sobre

como é ter SA. Ele gostaria de entender sobre como é ter TA, como isso te afeta e como faz

você se sentir, bem como que impactos da SA você percebe no seu dia-a-dia.

4. R: o que eu não entendo é porque que...? Peraí, como é o nome dele?

5. E: OH. O – H.

6. R: o que eu não entendo é porque toda vez que ele chegava a alguém dava bom

dia, boa tarde alguém dizia “ooh”.

7. E: aí ele acha que esse é o nome dele. O OH era sempre muito animado e os

boovs não eram muito animados aí toda vez que ele chegava a eles diziam “ooh”...aí ele acha

que esse é o nome dele.

8. R: aah sim

9. E: aí uma coisa que o Oh descobriu depois que chegou a Terra foi que existe

uma coisa chamada “SA”...

10. R: huum

11. E: só que não tem nada sobre isso no panfleto...

12. R: ele descobre isso no filme??

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13. E: É...não! Não tem no filme. Essa é uma atividade lúdica, de faz de conta. A

gente vai fazer de conta

14. R: huum

15. E:...e como o Oh descobre a SA e não acha nada sobre isso no panfleto, ele vai

te entrevistar. Ele acredita que pessoas que tem SA é que sabem mais sobre isso e por isso ele

quer saber de você.

16. R: eu até já tinha pensado nisso também porque por mais que a pessoa tenha

entendimento do que é miopia, dislexia, ou qualquer outra coisa, só a pessoa que realmente

tem é que pode explicar. Por exemplo, eh...tem na internet como uma pessoa míope vê...a visão

normal e a visão míope...só quem tem a visão míope realmente sabe como é, que é o meu caso.

Eu tenho um amigo que tem dislexia, a gente pagou mecânica clássica juntos. Eu não sabia

que ele tinha dislexia. Ele me disse que ele tinha muita dificuldade na escola, quando ele foi

fazer o ENEM ele teve que fazer outra prova, uma prova diferente, e com alguém ajudando ele.

Ajudando que eu digo, lendo...

17. E: Sim. Tem mesmo. Chama o ledor. Alguém pra ler pra ele. Pois então é isso...o

OH acredita que quem tem SA ou quem tem miopia ou quem tem dislexia é que é o verdadeiro

expert que pode ensinar isso as pessoas. Então ele gostaria de entender como é isso...

18. R: claro!

19. E:...como é ter SA, como isso te afeta, como você se sente e como você percebe

isso no seu dia a dia.

20. R: uhum...

21. E: e aí? O que é ter SA pra você?

22. R: bem...no início eu não dei tanto valor a esse assunto. Quando eu soube que

era só um espectro autista, minha mãe ficou mais aliviada por saber que era apenas o grau

mais leve de autismo.

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23. E: sim

24. R: no início eu não dei tanta bola, mas depois que eu soube que a SA é conhecida

como síndrome dos gênios aí eu comecei a dar um certo valor a isso que eu tenho.

25. E: huum...por que?

26. R: meio difícil de explicar essa parte mas eu...mas assim sinceramente eu não

me envergonho de ter SA até porque um dos maiores gênios da humanidade, que já ganhou o

prêmio Nobel de física e desenvolveu as leis de Newton, esses dois cientistas tinhas a SA.

Inclusive um jogador de futebol muito famoso, o Messi, que é considerado um dos melhores do

mundo e foi considerado o melhor jogador de fute...o melhor jogador da copa do mundo de

2014, ele foi considerado o melhor jogador daquela copa do mundo.

No primeiro episódio referente a Chaves, chama a atenção, primeiramente, o

distanciamento dele em relação as características e ao transtorno de Asperger. Quando

perguntado inicialmente sobre como ter TA o afeta e como ele se sente, sua resposta sugere

indiferença perante ao assunto. Tal característica pode ser vista no turno 22 quando ele fala “no

início eu não dei tanto valor a esse assunto. Quando eu soube que era só um espectro autista,

minha mãe ficou mais aliviada por saber que era apenas o grau mais leve de autismo”.

Ao mesmo tempo, juntamente a esse distanciamento, sua fala esteve atrelada a opinião

do outro e ao que outras pessoas pensam sobre o assunto. No turno 22 isso também está presente

quando ele traz os sentimentos da mãe em relação ao diagnóstico e não os dele próprio.

Diferentemente de John, as falas de Chaves nesse episódio remetem em sua maioria a

orientação externa, sugerindo que ele traz significados, mas possui dificuldades na

representação do sentido do TA e das características desse para ele. Os momentos em que isso

ocorre são no turno 24, no trecho “no início eu não dei tanta bola, mas depois que eu soube que

a SA é conhecida como síndrome dos gênios aí eu comecei a dar um certo valor a isso que eu

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tenho” e “meio difícil de explicar essa parte mas eu...mas assim sinceramente eu não me

envergonho de ter SA até porque um dos maiores gênios da humanidade...”. Na primeira fala

Chaves se refere a característica cognitiva de “gênio” ou de inteligência acima da média, que

comumente está associada ao TA. Na segunda, ele traz elementos que sugerem o sentido afetivo

do TA para ele quando diz “eu não me envergonho”. Porém, ele diz não se envergonha, mas

sua explicação do porquê envolve outras pessoas que supostamente tem TA e não características

próprias.

Por fim, no início da atividade, no turno 16 ele fala “eu até já tinha pensado nisso

também porque por mais que a pessoa tenha entendimento do que é miopia, dislexia, ou

qualquer outra coisa, só a pessoa que realmente tem é que pode explicar. Por exemplo, eh...tem

na internet como uma pessoa míope vê...a visão normal e a visão míope...só quem tem a visão

míope realmente sabe como é, que é o meu caso”. Em sua fala, Chaves faz uma analogia sobre

ter TA e ter miopia a partir da fala da entrevistadora e reafirma que só ele, ou outras pessoas

que tem miopia, poderiam falar sobre isso, ficando novamente na teoria sem trazer exatamente

como isso se dá. Imediatamente Chaves passa para outro exemplo de outra pessoa que teria

dislexia.

Episódio 2

1. E: Sim...verdade eu já ouvi falar. E o que é isso? O que é a SA?

2. C: bem, é um espectro autista em que o indivíduo ele tem as características de

um autista só que é num grau mais leve porque, diferente de um autista, ele consegue

desempenhar certas atividades sozinho e tem fala compreensível, mas a voz também varia de

pessoa pra pessoa. De portador pra portador.

3. E: E como é que você sabe se alguém tem SA?

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4. C: bem, eu gostaria de usar como exemplo uma coisa que aconteceu comigo

esse ano que foi nas disciplinas de expressão gráfica e mecânica clássica. Eeh...eu tava com

uma certa dificuldade em expressão gráfica em relação aos meus outros colegas, enquanto eles

já tavam desenvolvendo a terceira e ainda tava terminando a primeira, aí minha professora

ela viu que tinha algo de diferente em mim em relação aos outros e ela passou a dar uma

atenção maior a mim. Então, quando eu contei a ela que eu tenho SA de fato melhorou muito.

Uma colega minha eu contei pra ela que se eu não tivesse contado que eu tenho SA pra minha

professora eu teria me dado mal, mas ela disse...a primeira coisa que ela disse...ela não disse

“muito bem, C, você fez o certo” ela disse “olhe C, não use isso como desculpa pra não estudar,

porque capacidade você tem”. Eu de fato fiquei um pouco chateado com isso. Eu contei pra

um colega meu o que tinha acontecido e ele disse que me entende e que...ele não disse isso a

ela, mas disse pra mim que ela não devia ter dito isso porque...é meio difícil de explicar,

mas...eh...como posso dizer? Ele disse eh pra que...ele disse..eeh...que ela não devia ter dito

isso porque ela não sabe o lado de quem tem eh...de uma certa forma...e a minha outra

experiência em mecânica clássica eu já tinha tirado nota baixa nas duas primeiras

unidades...o...e o meu professor de mecânica ele vinha notando algo de diferente em mim em

relação aos outros. Eu perguntei: “como assim algo diferente?” Ele disse: “você é agitado.

Não muito, mas é um pouco agitado”. Eu perguntei? “como assim?” Aí ele disse: “olhe, eu to

copiando aqui no quadro. Tudo bem, você também ta copiando no seu caderno, mas quando

eu viro pra dar aula eu não percebi muito isso em você no...na primeira unidade, mas na

segunda eu passei a perceber mais e vi que você...ehh...enquanto tava todo mundo olhando pra

mim você tava olhando pra outra...pro outro lado”. Bem, foram alguns desses comportamentos

que os ajudaram, que...ja foram assim...despertaram o pensamento deles: “não esse aluno deve

ter alguma coisa de diferente em relação aos outros”.

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5. E: E pra você? Como foi isso? Como é que você percebe em você? Você percebe

alguma coisa que é diferente?

6. C: Bem, todos nós temos diferenças...

7. E: claro.

8. C: é...mas assim...eu...eu quando era pequeno, quando eu tava no fundamental,

foi no 8 ou 9 ano, antes eu até me enturmava. Eu fui deixando de me enturmar aos poucos,

tinha momentos que eu ficava só. Alguém chegava pra mim: “C, por que você tá aí só?” e

assim...e eu...eu não...em nenhum momento eu contei pra minha mãe o que tava acontecendo,

eu simplesmente deixei...eh...deixei ir pela correnteza, deixei a correnteza me levar.

9. E: sim...isso foi uma coisa que você percebeu?

10. C: bem, eu não dei muita bola pra isso também...

11. E: Hum..e como você acha que isso te afeta no dia a dia? Ou não?

12. C: Bem, hoje em dia não me afeta mais, porque depois que eu soube que eu

tenho Asperger minha vida melhorou e muito. Por que? Porque deu pra fazer certas coisas.

Deu pra melhorar coisas que eu já sabia que eu tinha, aí deu pra melhorar...

13. E: o que?

14. C: é...alguns dos meus colegas...eles sabem que eu tenho SA e eles me entendem

e assim, hoje em dia eu ainda me isolo, mas não é com tanta frequência e tipo de tanto eu me

isolar nesse tempo hoje em dia se eu me isolar eu não sinto mais nada...

15. E: hum...como assim não sente mais nada? O que você sentia antes?

16. C: não, não sentia tanta diferença não...

17. E: hum...e o que são coisas que você acha que melhorou depois que você soube?

18. C: bem, eu...como um dos sintomas da SA é ...uma...eu não sei a palavra certa

agora, mas...é uma voz diferente. Eu falava muito, mas muito devagar, aí depois que eu soube

a psicóloga responsável por mim no ano de 2012 ela pediu pra que eu continuasse na

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fonoaudióloga, porque eu já usei aparelho. Ela pediu pra que eu continuasse na fonoaudióloga

porque pra tentar melhorar minha voz...e deu certo. Eeh...tanto é que esse meu professor de

mecânica, quando eu disse a ele, ele disse “olhe C, eu também já percebi que você fala muito

bem explicado, mas você não consegue expressar isso no papel”

19. E: huum...você concorda com ele?

20. C: concordo.

21. E: E você tem algum amigo ou conhece mais alguém que tem SA?

22. C: Bem, é...sim...eu diria pra essa pergunta duas respostas e não é com “e”:

sim e não...não, eu quero dizer...não é com “ou” é com “e”. Sim e não, porque tem um amigo

meu que, diz ele que ele foi diagnosticado com SA, mas a mãe dele fala que ele tem TDAH.

23. E: aah é, você me falou desse amigo...e o que é que você acha que ele tem?

24. C: bem, é...pra ele ter repetido tanto tempo eu acho que...o que ele tem é

TDAH...

25. E: por que?

26. C: é que ele...segundo o que ele já tinha me dito uma vez, ele tinha dificuldade

em...eeh...eu não lembro direito eu só sei que ele tinha dito que...eh...já tinha reprovado muitas

vezes na escola, mas assim pra ele ter reprovado tanto eu acho que o que se encaixa melhor aí

é TDAH, porque embora a gente tenha certa dificuldade, muitas vezes a gente vai atrás, a gente

estuda, a gente conversa com um professor, com um colega...e eu acho qeu ele...ehh...não tava

estudando.

27. E: hum...então você acha que talvez as características dele não tenham a ver

com o asperger?

28. C: é.

29. E: e você já viu algo na TV, na internet...

30. C: já.

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31. E: ...em filmes sobre isso?

32. C: Já. Aquela reportagem do Fantástico sobre...ehh...sobre o autismo. Aí o

subtítulo da reportagem: ehh...não não, o tema foi autismo e...e o segundo tema, como

po...ehh...vamos dizer...o segundo tema foi “universo particular”.

33. E: huum...eu não assisti essa reportagem, mas muita gente fala...como foi? O

que você achou?

34. C: bem, depois...eu resolvi assistir essa reportagem, porque...porque nesse

tempo eu já tava sabendo que tenho SA aí resolvi estudar melhor e vi alguns jovens...eh...teve

um adulto que tem SA e tem dois filhos autistas. Eu...não dei muita atenção a isso, mas eu

prestei atenção em dois jovens que um é dos Estados Unidos e ele tem...eh...no início do

primeiro capitulo não falava de síndrome de asperger, dizia apenas que ele era autista, só no

final que disseram eu ele tem asperger. Bem, na primeira reportagem eh...ele...alguns cálculos

que pra algumas pessoas parecem impossíveis...ele...pra ele em questão de segundos ele fazia.

Pra ele física quântica, mecânica clássica...pra muita gente isso pode...isso pode ser dor de

cabeça, mas pra ele era diversão e outro...e outro dessa vez aqui do Brasil, que também tem

SA, ele tava terminando o ensino médio...aliás...tava...eu acho que ele devia tá no primeiro ou

no segundo ano, mas ele já tinha feito cursos univer...alguns cursos universitários, não lembro

direito, mas que ele disse que ele prefere tá fazendo alguma atividade que envolve cálculo e

informática do que esporte porque pra ele esporte é apenas uma diversão. E...e uma coisa

também que esse jovem de dos estados unidos falou e que eu concordo com ele foi que...ele

disse que os autistas...os autistas que eu digo nós que temos SA, conseguem pensar de uma

forma mais lógica e mais clara. A mãe dele ficou preocupada porque achava que ele não ia

conseguir amarrar um cadarço, mas...mas não foi isso que aconteceu e ela descobriu que ele

tinha uma certa habilidade que muitas pessoas não tem e alguns especialistas dizem que um

dia ele poderá até ganhar um prêmio Nobel de tão inteligente na física que ele é.

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35. E: e você se identifica com algum deles?

36. C: bem eu diria que não porque eu tenho minhas dificuldades. Embora eu goste

de matemática como eles eu ainda tenho minhas dificuldades em números. Pra

mim...eh...números é melhor do que letras...então...mas assim...eu só me sinto confortável

mesmo com os números se tiver um professor bom. Se tiver um professor que não consegue

passar o conteúdo ou que não ensina direito, eu fico agoniado

No segundo episódio da entrevista com Chaves ele traz, inicialmente, uma definição

teórica sobre o TA, associando à ideia de que se trata de um grau leve do autismo. Em sua

definição, no turno 2, ele ainda circunscreve características que são cognitivas, relacionadas à

fala, e ao funcionamento independente.

Nessa etapa da entrevista foi questionado a Chaves, e a todos os sujeitos, como se

identificar alguém com TA. Para responder a essa pergunta, Chaves descreveu características

específicas do funcionamento cognitivo, em especial aquelas relacionadas à agitação,

desatenção e lentificação. Essas são características que ele identifica nele mesmo, porém, não

são tradicionalmente associadas ao TA. Ainda acerca de características cognitivas, pôde-se

observar no turno 26 que para Chaves não existe associação entre o TA e dificuldades de

aprendizagem ou escolares, como exemplificado neste trecho “eu não lembro direito, eu só sei

que ele tinha dito que...eh...já tinha reprovado muitas vezes na escola, mas assim pra ele ter

reprovado tanto eu acho que o que se encaixa melhor aí é TDAH, porque embora a gente tenha

certa dificuldade, muitas vezes a gente vai atrás, a gente estuda”. Chaves acredita que pelas

dificuldades escolares apresentadas por seu amigo, ele não teria TA e sim Transtorno de Déficit

de Atenção e hiperatividade (TDAH).

Ainda nesse episódio Chaves apresenta, pela primeira vez, aspectos teóricos do

funcionamento cognitivo no TA e que ele identifica em si mesmo. Uma dessas características

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é apresentada como uma forma distinta de pensamento, referido por ele como mais lógico e

claro, como mencionado no turno 34: “e uma coisa também que esse jovem de dos Estados

Unidos falou e que eu concordo com ele foi que...ele disse que os autistas...os autistas que eu

digo nós que temos SA, conseguem pensar de uma forma mais lógica e mais clara”. A

identificação nessa fala pode ser observada no trecho “os autistas que eu digo nós que temos

SA” e pela concordância com a existência dessa característica de pensamento.

O outro aspecto ressaltado por Chaves refere-se à presença de uma modalidade de fala

peculiar e característica do TA, principalmente quanto à entonação da voz. È interessante notar

que, no turno 18, ele se refere a sua própria forma de falar, descrita por como lentificada. Ele

historia que a identificação dessa característica em sua voz foi inicialmente feita por uma

psicóloga que o atendia e, em outro momento, por seu professor, ilustrando que ele, de certa

forma, se apropriou dessas falas para se descrever, ou melhor, ele “ toma emprestado” a fala do

outro para falar de si mesmo, construindo um discurso que tem poucos elementos autorais.

No turno 4, ele anuncia que dará um exemplo dele, sugerindo que trará sua percepção

acerca do TA. No entanto, o exemplo ao qual recorre diz respeito a percepções que terceiros

tiveram de seu comportamento, que os levaram a acreditar que ele fosse diferente, sugerindo

que o próprio Chaves tem dificuldades na identificação ou na construção de uma narrativa que

descreva a sua percepção.

o aspecto supracitado pode ser observado no trecho “Eu perguntei: ‘como assim algo

diferente? ’. Ele disse: ‘você é agitado. Não muito, mas é um pouco agitado’. Eu perguntei?

‘Como assim?’”. Após esse trecho foi questionado se ele mesmo percebia essas diferenças, ao

que ele responde, no turno 6: “bem, todos nós temos nossas diferenças”. Chaves responde

inicialmente à pergunta de forma generalista, como se afastasse o questionamento dele mesmo,

em seguida faz referência à percepção de aspectos de características de dificuldades sociais suas

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e que se relacionam ao TA, porém diz que não “dava bola pra isso”, sugerindo que tais

características lhe eram indiferentes ou não impactavam do ponto de vista afetivo.

Ele repete a posição acima destacada, retomando o discurso de indiferença no turno

14, ao enunciar que: “hoje em dia eu ainda me isolo, mas não é com tanta frequência e tipo de

tanto eu me isolar nesse tempo, hoje em dia se eu me isolar eu não sinto mais nada...”.

Entretanto, com referências ao passado e presente (nesse tempo e hoje em dia) a fala “eu não

sinto mais nada” sugere que possivelmente no passado isso o afetava. Porém, quando

perguntado nesse sentido, Chaves nega e assume novamente a postura de indiferença.

Ainda quanto a esse aspecto afetivo, Chaves aborda no turno 12 como as características

do TA lhe afetam: “Bem, hoje em dia não me afeta mais, porque depois que eu soube que eu

tenho Asperger minha vida melhorou e muito. Por que? Porque deu pra fazer certas coisas.

Deu pra melhorar coisas que eu já sabia que eu tinha aí deu pra melhorar...”. Sua fala sugere

uma percepção positiva da descoberta do diagnóstico, que ele parece associar ao esclarecimento

de suas dificuldades, dizendo que essas (mencionadas na pergunta anterior) não mais o afetam,

desde que ele teve conhecimento do TA. Sua fala sugere a associação desse conhecimento com

a melhora na qualidade de vida pela busca de mudanças em seus comportamentos: “Porque

deu pra fazer certas coisas. Deu pra melhorar coisas que eu já sabia que eu tinha, aí deu pra

melhorar...”.

Asperger em outras pessoas: vinhetas como recurso para identificação em terceiros e

reconhecimento em si mesmo

Episódio 3

Ao contrário de John, Chaves não conhecia a série e seus personagens, logo, foi

necessário fazer dada a ele uma contextualização sobre a temática antes de iniciar a exibição

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das cenas e ainda lhe foi solicitado que tentasse identificar quem seria o personagem que tem

TA.

1. E: olha só, agora eu queria te mostrar umas cenas de uma série...eu não sei se

você já viu...é essa aí.

2. C: é Friends?

3. E: Não, é The big bang theory.

4. C: Eu já ouvi falar nessa série, mas...mas nunca assisti.

5. E: pronto. Ela mostra o dia a dia de um grupo de amigos cientistas. E aí um

deles tem algumas características da SA, até umas coisas que você já mencionou, certo? Eu

vou passar as cenas e você vai me dizer quem você acha que é e o que você acha dessas cenas

que são características do TA. Tá certo?

6. C: está bem.

7. E: são só cenas de episódios diferentes, então vou contextualizar a série pra

você e qualquer dúvida você pergunta.

Cena1 – Sheldon conforta Leonard

8. C: (risos)

9. E: que é que você achou dessa?

10. C: é...eu acho que é esse aí o Sheldon...eu acho que o outro que tem SA.

11. E: não é o Sheldon?

12. C: não é o Sheldon.

13. E: vou passar essa.

14. C: essa...?

15. E: essa é outra.

Cena 2 - Penny está dormindo no sofá e Sheldon quer sentar

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16. C: (risos)

17. E: e daquela? O que você achou?

18. C: bem...eu retiro o que eu disse...eu achei que era o outro que tinha SA, porque

ele...ele tava muito fechado ele não queria conversar, mas agora eu digo que é o Sheldon que

tem, porque...o.…porque eu pude ver que o Sheldon ele tem uma rotina e eu observei uma coisa

que eu também faço uma vez: repetir uma certa frase.

19. E: que nem o Sheldon?

20. C: é.

21. E: porque você repete a frase?

22. C: não é bem a frase, é mais assim...uma pergunta.

23. E: certo...repetir a pergunta?

24. C: isso.

25. E: vou passar a próxima.

26. C: a última.

27. E: ainda não.

Cena 3 - Os quatro amigos vão a um restaurante e não conseguem pedir

28. C: (risos)

29. E: O que você achou dessa?

30. C: engraçada (risos)

31. E: (risos) E você viu algo nessa cena que você acha que pode ser porque ele tem

asperger?

32. C: Sim. É.… eu observei que ele é bem lógico e que ele só quer começar a.…ele

só quer fazer o pedido quando o outro amigo chegar e que ele fica insistindo o tempo

todo...eh..."não vamos pedir enquanto o ‘tananam’ não chegar”.

33. E: e como você acha que isso se relaciona? Porque?

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34. C: ele também foi repetitivo e chato e foi bem lógico quando disse: não, vamos

dividir o bolinho. Aí ele disse: não, se dividirmos o bolinho não vai ser mais um bolinho, vai

ser no máximo um sanduichezinho. (risos)

35. E: (risos) vou botar a próxima.

Cena 4 – Sorriso de Sheldon

36. C: (risos)

37. E: nessa o que é que você achou

38. C: eh...eu acho que por certo ele tava nervoso. “Como que eu vou me

com...ehh...me portar lá dentro?” E quando o cara disse sorria ele levou ao pé da letra e ele

sorriu mesmo aí quando ele disse “sorria com menos dentes” ele levou ao pé da letra também.

39. E: vou botar outra. Essa é com a Penny. Penny deu um presente de natal a

Sheldon que ele gostou muito.

Cena 5 – Presente de natal para Penny

40. C: (risos)

41. C: ele não toca não nos outros é?

42. E: ele não gosta muito.

43. C: é igual a mim de vez em quando.

44. E: você não gosta muito também?

45. C: de vez em quando não...aí quando é forçado é que não gosto mesmo

46. E: certo. Mais quando é espontâneo e quando você quer?

47. C: aí sim eu aceito

Cena 6 – Empréstimo de dinheiro a Penny

48. C: (risos) Ele não sabe nem o que ela tá escutando (risos).

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49. E: o que você acha que pode ter a ver essa cena?

50. C: eeh...ele só entende alg...tem algum que só entendem algo se for específico.

Acho que foi o caso do Sheldon quando a menina veio correndo e disse feche a porta. Ele não

entrou, ele apenas...ele ficou lá fora sem entender o que tinha acontecido, aí ela abriu a porta

de novo e disse “entre e feche a porta”

51. C: (risos)

52. E: aquela era outra? O que você achou dessa?

53. C: ele não entendeu bem quando ele perguntou se.…ele perguntou a ela se ela

estava sendo sarcástica, ela disse não, aí ele perguntou pro outro amigo ele disse sim aí “afinal

ela foi ou não? ”

54. E: essa pode ser uma característica?

55. C: sim.

Cena 7 – Conversa desconfortável

56. E: naquela?

57. C: eeh...

58. E: viu algo?

59. C: sim. O fato dele ter demorado a perceber que ela tava chateada. Que ela não

queria...ele perguntou se ela se importaria de ter relações sexuais com homens fora do

casamento. Ela não gostou. E Sheldon ficou procurando expressões nela que ajudasse a

entender que ela...que ela não queria conversar sobre isso.

60. E: essa é uma característica também?

61. C: uhum.

Cena 8 - Decifrando expressão de Rajesh

62. E: e nessa você identifica algo?

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137

63. C: o fato dele não conseguir interpretar expressões faciais. Isso eu não diria

que é muito uma característica de um asperger, mais de um autista. Não num grau muito

exagerado, mas num grau acima da SA eu diria que é um...bem...que é isso, que...

64. E: essa não é uma coisa que você percebe? Que você tem dificuldade?

65. C: eu...não, não tenho muita dificuldade não em identificar isso.

Cena 10 - Sheldon e Leonard se conhecem

66. E: essa é a cena que mostra como eles se conheceram.

67. C: (risos)

68. E: e nessa aí? Você viu algo?

69. C: é.…eu percebi que ele se interessa muito por química e ele ficou empolgado

quando descobriu que um cientista também iria morar com ele aí começou a fazer umas

perguntas. É.…a primeira pergunta foi sobre um gás nobre, aí quando viu que ele...que o cara

sabia ele passou pra outra pergunta. Esse cara sabia e eu percebi também que o Sheldon é

muito...ele só aceita as coisas do jeito dele...igual a certos professores daqui...

70. E: huum...verdade (risos) E você acha que alguma dessas características é uma

característica da SA? Dessa cena?

71. C: bem, eu...eu diria que o fato dele ser bem particular, dele só aceitar as coisas

do jeito dele “não, eu que sento aqui e...eu que...eh...eu...eu gosto de sentar aqui, porque aqui

é melhor e o seu lugar é ali...pessoas não entram no meu quarto”. De fato, ele é bem fechado,

bem particular. O fato dele só aceitar as coisas do jeito dele.

72. E: uhum...próxima.

Cena 11 – Ofensa a Penny

73. E: (explicação sobre quem é Amy)

74. C: (risos)

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75. E: Nessa aí? Viu alguma?

76. C: não. Só o fato dele não ter percebido que tinha sido um insulto.

Cena 12 - Funeral

77. E: olha, essa é Amy.

78. C: UAU ela é tão velha!

79. E: nessa aí?

80. C: éé...ele...dá pra ver que ele tem certas dificuldades em entender sentimentos,

mas assim, todo...nem todos os aspergers são iguais...alguns tem dificuldades em entender

certos assuntos enquanto outros têm capacidade de entender uma expressão facial, por

exemplo.

81. E: certo. Você acha então que essa é uma dificuldade do Sheldon?

82. C: sim.

Cena 13 – Garoto especial

83. C: rsrs

84. E: e nessa?

85. C: eh...eu diria que não porque ele tava vendo...eu acho que assim era uma

coisa que ele tav...não não, pera aí eu retiro meu “não” porque ele tava identificando uma

coisa que o outro não tinha conseguido identificar quando ele disse...quando ele falou em

números primos.

86. E: Então é uma coisa que ele faz melhor que o Raj?

87. C: Isso.

Cena 14 – Experimento com Penny

88. C: (risos)

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89. E: nessa o que você achou?

90. C: ehh...quando ele tava brincando com ela sobre os superpoderes logo de

primeira ele entendeu que ele tava caçoando ela. Mas aí depois ele disse que ele gostaria de

ter um superpoder que ela tem que é o de ler men...a mente dos homens porque todos os homens

são iguais...ela disse que...aí ele disse que “mas eu te invejo, porque eu queria poder ler a

mente de todos pra saber o que estão pensando sobre mim. Se estão tristes, se estão felizes, se

tão falando algo de mim”.

91. E: você acha que essa é uma característica?

92. C: pode ser...

93. C: eh...eu percebi que ele levou ao pé da letra, quando ela disse: se você fosse

morrer hoje, você contaria algo a alguém que você deixou de contar? “ Ele: “eu vou morrer

hoje??”. Já aconteceu de eu levar ao pé da letra e não perceber que era só uma brincadeira

ou que tinha um significado por trás daquilo.

94. E: certo.

95. C: (risos)

96. E: Sheldon está falando que tem memória eidética, que lembra de tudo em

muitos detalhes.

97. C: ah tá.

98. E: e nessa cena?

99. C: é.…eu acho que a parte do contato visual que e uma coisa que eu acho que

eu não identifico isso nele porque geralmente os aspergers...alguns, nem todos, não mantem

contato visual

100. E: Certo. Você acha que o Sheldon mantém?

101. C: Bem, ele tava mantendo até aquele momento.

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102. E: Certo. E de forma geral, das cenas que você viu do Sheldon, o que é que você

acha que são características que ele tem que tem a ver com o asperger?

103. C: Primeiramente a superinteligência dele, o fato dele não conseguir perceber

certos sentimentos, como foi o caso que algumas vezes alguns personagens estavam tristes ou

chateados e ele não percebia. O fato dele seguir sempre uma mesma rotina e de repetir as

coisas. Tipo ele, eu coloco dois por cento de leite no meu cereal, com essa mesma quantidade

de gramas e assim que coloco ou assistir a BBC. O fato dele ser bem repetitivo.

O terceiro episódio da entrevista de Chaves evidencia que ele conhece mais

características do TA do que mencionou nos episódios anteriores, pois ele reconhece e

interpreta corretamente grande parte das situações apresentadas nas cenas. Tal aspecto pôde ser

identificado desde o início dessa etapa, em especial pelos critérios ele utilizou para identificar

qual o personagem teria o diagnóstico: primeiro ele associa Leonard ao TA, mas já na segunda

cena muda de ideia: “ele (Leonard) tava muito fechado ele não queria conversar, mas agora eu

digo que é o Sheldon que tem, porque...o.…porque eu pude ver que o Sheldon ele tem uma

rotina e eu observei uma coisa que eu também faço uma vez: repetir uma certa frase”. Nessa

fala, ele circunscreve como característica principal para identificar Leonard como sendo

asperger o ser “fechado”, comportamentos que podem se relacionar a dificuldades no âmbito

social e à presença da rotina e repetição, estas podem estar associadas ao aspecto cognitivo de

padrões restritos e repetitivos de comportamento.

Ainda quanto às características cognitivas identificadas por Chaves, observa-se que

estas fazem referência a uma forma de pensar específica, mais lógica, a qual ele reportou-se no

segundo episódio. Tal aspecto pode ser identificado no turno 32, quando ele descreve Sheldon:

“... bem lógico e que ele só quer começar a.…ele só quer fazer o pedido quando o outro amigo

chegar e que ele fica insistindo”. Parece haver uma associação entre o pensamento lógico,

descrito por Chaves, e os comportamentos repetitivos, conforme ilustrado no seguinte trecho:

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“ele também foi repetitivo e chato e foi bem lógico quando disse: não, não vamos dividir o

bolinho”.

Além dos aspectos cognitivos supracitados, Chaves ressalta diversas características

que aludem a aspectos sociais, notadamente dificuldades na interação e comunicação social, em

especial a linguagem pragmática e a compreensão de situações sociais.

Nos trechos a seguir são identificadas passagens nas quais são feitas interpretações

literais de situações sociais: “E quando o cara disse sorria ele levou ao pé da letra e ele sorriu

mesmo aí quando ele disse ‘sorria com menos dentes’ ele levou ao pé da letra também”; “ele

só entende alg...tem algum que só entendem algo se for específico. Acho que foi o caso do

Sheldon quando a menina veio correndo e disse feche a porta. Ele não entrou, ele apenas...ele

ficou lá fora sem entender o que tinha acontecido, aí ela abriu a porta de novo e disse ‘entre e

feche a porta’”.

Em outro trecho verifica-se que ele identifica quando o personagem não percebeu uma

situação de sarcasmo: “ele não entendeu bem quando ele perguntou se.…ele perguntou a ela

se ela estava sendo sarcástica, ela disse não, aí ele perguntou pro outro amigo ele disse sim aí

‘afinal ela foi ou não?’”).

Outro contexto destacado por Chaves refere-se ao reconhecimento e uso de expressões

faciais, conforme ilustram os seguintes trechos: “O fato dele ter demorado a perceber que ela

tava chateada. Que ela não queria...ele perguntou se ela se importaria de ter relações sexuais

com homens fora do casamento. Ela não gostou. E Sheldon ficou procurando expressões nela

que ajudasse a entender que ela...que ela não queria conversar sobre isso”; “o fato dele não

conseguir interpretar expressões faciais”. No trecho abaixo, Chaves ainda assume posição

de discordância em relação à dificuldade do asperger para manter contato visual assumida por

Sheldon: “eu acho que a parte do contato visual, que é uma coisa que eu acho que eu não

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identifico isso nele porque geralmente os aspergers...alguns, nem todos, não mantém contato

visual”.

De maneira geral, nesse episódio, Chaves faz um movimento de associar e atribuir

características do TA a ele mesmo, ainda que não lhe tenha sido solicitado diretamente. Isso

ocorre, por exemplo, no seguinte trecho: “é.…eu percebi que ele levou ao pé da letra, quando

ela disse: se você fosse morrer hoje, você contaria algo a alguém que você deixou de contar?

“ Ele: “eu vou morrer hoje??”. Já aconteceu de eu levar ao pé da letra e não perceber que era

só uma brincadeira ou que tinha um significado por trás daquilo”. Nesse turno ele aborda

novamente a característica de interpretação literal de situações do TA, identificando-se com ela

e dando um exemplo de como isso se traduz para ele. Chaves aponta ainda dificuldades com o

contato físico que ele percebeu em Sheldon e com as quais se identifica.

Ao final do episódio, ele consegue resumir todas as características de Sheldon que

associa ao TA, abrangendo comportamentos relacionados a aspectos cognitivos e sociais,

conforme ilustrado neste trecho: “a superinteligência dele, o fato dele não conseguir perceber

certos sentimentos, como foi o caso que algumas vezes alguns personagens estavam tristes ou

chateados e ele não percebia. O fato dele seguir sempre uma mesma rotina e de repetir as

coisas”.

Episódio 4

1. E: Hum. E algumas das coisas que você viu...você acha que você se identifica?

Você também tem ou não?

2. C: Não.

3. E: Nenhuma das coisas?

4. C: Não.

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5. C: Só o fato de eu as vezes ser...bem...eu diria que...eu vou dar um exemplo.

É...nas férias do início do ano eu paguei uma disciplina de química da ect...

6. E: certo

7. R: eh...eu já tinha dito aqui que eu demonstrei um conhecimento...eu...um

conhecimento não, perdão. Que eu resolvi um problema no quadro

8. E: Foi, você falou

9. R: Só que quando eu cheguei lá, antes de eu entrar na turma de férias uma coisa

que eu disse pra mim mesmo, eu botei na minha cabeça: eu vou, vou pagar a turma de férias,

mas eu não vou pra fazer amigos, eu vou pra estudar, mas eu diria que meu plano terminou

fracassando.

10. E: Foi?

11. R: Foi.

12. E: Você acabou fazendo amigos?

13. R: Isso. Eu não tava querendo me enturmar muito, mas assim teve uma menina

que ficou no meu pé. Eu diria que se eu não soubesse que eu tinha SA eu acho que eu teria

expulsado ela, mas como eu já sabia eu procurei manter a calma e comecei a dar atenção a

ela.

14. E: Hum. Porque, como você acha que te ajudou nesse caso saber?

15. R: Bem, porque se eu não soubesse eu acho que eu não teria paciência. Minha

paciência teria se esgotado de vez e eu diria: “eu não quero conversa! Vá procurar o que fazer!

Vá procurar outro pra conversar! ”. Eu teria dito isso se eu não soubesse que eu tenho SA.

16. E: hum, isso faz você ter mais paciência?

17. R: Já fez.

18. E: E antes de você saber você acha que você faria isso?

19. R: O que?

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20. E: De dizer a ela que não queria conversa

21. R: Bem, eu acho que se eu não soubesse eu teria dito sim.

22. E: E como é que você soube? Quem te falou?

23. R: Bem, eu só fui saber mesmo em 2013. Mas assim, no final da pesquisa que S.

tinha feito eu acho até que ela disse, mas eu não tinha prestado muita atenção nisso, até porque

eu há um tempo atrás, até 2012 por aí eu não prestava muita atenção nas coisas.

24. E: Como assim?

25. R: Eu simplesmente era como uma missa de corpo presente. Eu tava ali, mas

meu pensamento tava em outro lugar e ...mas assim uns professores da escola souberam antes

de mim, porque a psicóloga tinha dito, aí teve um professor que depois que soube – eu não

percebi – mas as provas dele que eram complicadas passaram a ficar mais fáceis, não só pra

mim, mas pra turma também.

26. E: Hum. Você acha que ele mudou as provas?

27. R: Ele disse.

28. E: E quem te falou a primeira vez foi a S.?

29. R: Foi

30. E: E antes disso você percebia alguma coisa?

31. R: Não, não prestava muita atenção em mim não.

32. E: Huum. Mas como foi assim que você soube? Como você chegou até S.?

33. R: Eh...porque eu tava com dificuldade em memorizar o assunto da prova, de

uma prova...eu disse pra minha mãe, minha mãe contou pra E. o que tava acontecendo e E. eu

acho que ela deve ter contado pra S. Nessa época ela tava fazendo um projeto e precisava de

alguém, aí E. me encaminhou pra S..

34. E: E você lembra de ter sido testado? De ter feito alguma coisa?

35. R: Bem, eu lembro que eu fiz os testes que eu fiz aqui nesses dias.

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36. E: E como te disseram? Como ela te disse da SA?

37. R: Num lembro direito. Só sei que a gente tava sentando nesses bancos aí

(aponta para as poltronas do SEPA).

38. E: Foi aqui?

39. R: Não, foi na outra sala.

40. E: E o que é que você acha que fez você ser assim? Porque que você acha que

tem SA?

41. R: É bem, como eu já tinha dito pelo modo como eu ajo em relação aos outros.

42. E: Como é esse modo?

43. R: Bem, não foi a primeira vez que isso aconteceu esse ano. A primeira vez foi

em 2004. Não, fiz antes, porque enquanto meus colegas já aprendiam a fazer as coisas sem

muita dificuldade eu tive muita dificuldade em aprender a escrever letra minúscula. E em 2003

uma coisa que minha professora da alfabetização fazia muito era me ensinar a usar a tesoura

e por mais que eu tentasse eu não conseguia. Em 2004 não foi diferente. Teve uma vez que a

professora passou...foi só livro, nada de caderno enquanto eu tava na...tava todo mundo na

última eu ainda tava terminando a primeira.

44. E: E você acha que isso era uma característica?

45. R: Da tesoura e...? Sim.

46. E: Mas eu te perguntei também num sentido do que você acha que causou isso?

Se algo causou?

47. R: Se algum problema da descendência? Não sei...

48. E: Como você se sente sobre ter SA?

49. R: Num fico triste com isso não. Também eu não fico feliz. Mas eu me sinto bem,

eu tô tentando vencer minhas limitações.

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50. E: Mas você mesmo falou coisas positivas né? que tem relação. E de fato todo

mundo é diferente e quem tem SA também é diferente, mas quem tem dislexia também...e é só

uma forma de ser, não é um problema. E como todo mundo tem coisas boas, pontos de força

que a gente chama, e coisas em que a pessoa não é tão boa. Pra você o que você acha que são

coisas boas que têm relação com a SA?

51. R: Bom o fato da...da inteligência, a minha inteligência não é como a daqueles

meninos que passaram naquela reportagem, mas eu não fico triste com isso.

52. E: E o que é que você acha que são dificuldades que você tenha que são

associadas à SA?

53. R: Bem, é... já tinha dito, vou repetir. Que algumas dificuldades que eu tinha no

passado hoje eu não tenho mais, como é o caso de me enturmar, que hoje em dia eu me enturmo.

Quando eu não me enturmo é porque eu não tô no horário de aula dos meus amigos. Bem é...é

só isso.

54. E: Hum. Você acha que é uma dificuldade, mais nisso em relação a fazer

amigos?

55. R: Não, não tenho dificuldade com isso não.

56. E: Não, mas que era?

57. R: Bem é...eu tive um melhor amigo até o 9 ano. A gente não se fala há algum

tempo no Facebook, mas assim...embora eu visse ele como melhor amigo, eu não falava muito

com ele. Eu assim, uma característica que eu observei no Sheldon e que eu agora lembrei sobre

mim é que em 2011, que foi o último ano que nós estudamos juntos que eu disse duas coisas

pra...eu disse uma coisa pra ele duas vezes, em dois tempos diferentes, que assim... deixaram

ele chateado e eu não percebi.

58. E: Hum...hoje você lembrando percebe que talvez ele tenha ficado chateado?

59. R: Não, eu percebi depois

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60. E: E como é que saber mudou sua vida?

61. R: Porque coisas que eu tinha dificuldade, como me enturmar, assim... eu diria

que de um modo geral melhorou e muito, porque eu me senti mais tranquilo. Eu acho até que

depois de eu ter dito pros meus professores o que eu tenho eu me senti mais tranquilo, até

porque foi como se eu tivesse tirando um peso das minhas costas.

62. E: E tem alguém na sua vida com quem você se sente confortável falando sobre

isso?

63. R: Bem é...uns amigos meus que eu tenho que a gente mantém...eles moram...

que a gente mantém contato no Facebook, as vezes a gente sai...um eu conheci no SENAC. No

SENAC não, perdão, no FISK, e o outro eu conheci através desse meu amigo.

64. E: Sim. Com eles você conversa. E com sua família? Você conversa sobre isso?

65. R: Não, sobre SA... eu num toco nesse assunto não com a minha família.

66. E: Mas como é pra eles?

67. R: Num sei...assim, minha mãe ficou aliviada porque soube que não era um caso

de autismo grave.

68. E: E que conselho você daria a outra pessoa? Um adolescente, uma criança ou

mesmo um jovem adulto assim da sua idade que acabou de descobrir que tem SA o que você

diria a ele?

69. R: Bem, o que eu diria é: não tenha vergonha de você. Não tenha vergonha da

sua história e do seu passado, pelo contrário. Procure corrigir os erros que você não percebia

que tinha no passado pra tentar melhorá-los no futuro.

70. E: Uhum. E que conselho você daria pros pais desses adolescentes?

71. R: Não fiquem tristes. Tenham paciência.

72. E: Essa era minha última pergunta da entrevista, mas antes de terminar tem

alguma coisa que você gostaria de acrescentar? De falar? Que você não falou...

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73. R: Não

74. E: E como foi pra você fazer essa entrevista?

75. R: É, até que foi bom porque eu já tinha pensado nisso que a melhor pessoa pra

responder uma pergunta sobre a SA é o próprio asperger.

76. E: Então você acha que foi bom?

77. R: Foi

78. E: Mas você acha que foi desconfortável falar sobre isso?

79. R: Não.

A análise deste último trecho da entrevista revela uma inconsistência, pois enquanto

no episódio anterior Chaves se identificou espontaneamente com diversas características do

personagem da série, quando requisitado formalmente a falar sobre essa identificação, ele

primeiramente nega e, em seguida, diz existir uma, sendo esta referente a dificuldades de

socialização.

Neste último episódio, identifica-se no discurso de Chaves a presença de elementos

referentes a aspectos cognitivos e sociais do TA, em especial quando ele responde acerca dos

pontos positivos e negativos do diagnóstico. Destarte, traz a inteligência como característica

positiva do TA, no entanto, ele não reconhece nele esse atributo, como ilustrado a seguir: “Bom

o fato da...da inteligência. A minha inteligência não é como a daqueles meninos que passaram

naquela reportagem, mas eu não fico triste com isso”.

No que se refere aos pontos negativos, Chaves associa ao TA um conjunto de

características ligadas a dificuldades no desenvolvimento, principalmente motoras e de

aprendizagem. Adicionalmente, traz elementos relacionados a dificuldades sociais como

identificado no turno 53 “Bem, é.... já tinha dito, vou repetir. Que algumas dificuldades que eu

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tinha no passado hoje eu não tenho mais como é o caso de em enturmar que hoje em dia eu me

enturmo”. Porém, diz que são dificuldades do passado que já não existem.

De modo geral, apesar das falas de Chaves que sugerem que ele teve dificuldades de

identificar tanto características positivas, quanto negativas associadas ao diagnóstico, ele

reafirma que receber o diagnóstico foi positivo, por permitir a superação de dificuldades,

principalmente em seus relacionamentos. Isto pode ser observado no turno 61: “Porque coisas

que eu tinha dificuldade, como em enturmar, assim eu diria que de um modo geral melhorou e

muito, porque eu me senti mais tranquilo. Eu acho até que depois de eu ter dito pros meus

professores que eu tenho eu me senti mais tranquilo até porque foi como se eu tivesse tirando

um peso das minhas costas”.

Nesse episódio, quando questionado diretamente acerca de seus sentimentos quanto à

experiência de ter TA, Chaves traz elementos que sugerem aparente indiferença, como

observado no turno 23 de sua fala: “Bem, eu só fui saber mesmo em 2013. Mas assim, no final

da pesquisa que S. tinha feito eu acho até que ela disse, mas eu não tinha prestado muita

atenção nisso, até porque eu há um tempo atrás, até 2012 por aí eu não prestava muita atenção

nas coisas”. Nesse turno, Chaves refere-se ao momento em que foi testado e recebe o

diagnóstico de TA, ao qual ele diz não ter prestado atenção, logo, o diagnóstico não o afetou

emocionalmente e Chaves era indiferente ao assunto.

No entanto, suas falas sugerem que em algum momento ele passou a prestar atenção a

seu diagnóstico e tentar compreendê-lo. Porém, seus sentimentos sobre ter TA não parecem ter

se modificado, mantendo-se uma aparente neutralidade emocional, como sugere o turno 49:

“Num fico triste com isso não. Também eu não fico feliz. Mas eu me sinto bem eu tô tentando

vencer minhas limitações”. Chaves mantem-se neutro e parece aceitá-lo naturalmente,

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integrando-o à percepção de si mesmo e ao seu dia-a-dia. Isto é corroborado nos turnos 69 e 71,

nos quais aconselha jovens com TA e pais desses jovens.

O TA para os pais e filhos: ecos de vozes e percepções

A entrevista realizada com a mãe de Chaves seguiu o mesmo roteiro da de seu filho.

Inicialmente, ressalta-se que ela teve maior facilidade em responder se colocando no lugar de

Chaves e em muitos momentos ela responde como se fosse ele. Em sua entrevista podem ser

identificados elementos relacionados a aspectos cognitivos, sociais e afetivos do TA. Bem como

aproximações e distanciamentos entre suas percepções e as de Chaves.

Primeiramente, ressalta-se que sua a resposta à pergunta “como é ser asperger?” foi na

verdade uma resposta a como ela percebe o seu próprio filho e como imagina que ele pensa,

uma vez que esta foi a solicitação e orientação dadas previamente. Sendo assim, ela responde à

questão proposta da seguinte maneira: “deixe-me ver... É uma síndrome assim, eu explicaria

mais ou menos o que eu sinto, em que eu tenho um problema comportamental, assim, não

comportamental, um problema, social, de entender e me comunicar melhor com as pessoas, de

entender se certos significados, certos gestos”.

As principais características de Chaves ressaltadas pela mãe são aquelas relacionadas

às dificuldades sociais e à necessidade de uma rotina programada previamente, ou seja à

presença de padrões restritos e repetitivos de comportamentos, descritos na seguinte fala:

“Vamos lá. Tem que ter sempre uma rotina. Não se pode sair daquela rotina, certo? De manhã

tem que tomar café no mesmo horário, porque se eu não tomar naquele horário, tal hora eu só

vou comer metade do café, porque se eu comer todo eu não vou almoçar direito, meio dia o

almoço tem que estar pronto, sempre come a mesma coisa, sempre a mesma coisa, feijão tem

que ser feijão carioca, não pode ser outro tipo de feijão porque senão não como. Arroz,

frango...se tiver, peixe, come peixe e salada e suco. O lanche da tarde esse não tem horário, é

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qualquer hora a hora que der vontade come biscoito. A janta tem que ser de seis horas em

ponto. Não, seis horas eu tomo banho, depois eu vou jantar e depois assiste tv. E essa é a minha

rotina. Se tiver uma festa, eu tenho que saber primeiro de painho e mainha de que horas vai e

de que horas volta, porque se não for, vamos dizer... se não tiver hora pra voltar, eu não vou

pra festa. Não vou por quê? Porque vou me chatear, porque vou ficar atrasado pra no outro

dia acordar, todo esse detalhe. Então não, não saio, mas se não tiver nada vou pro computador,

assistir televisão”. A mãe ainda sugere em sua fala que a quebra dos padrões perturba bastante

Chaves, como surge no trecho: “e a vida é assim... toda programada, porque no dia que um

negócio da errado, aí eu fico muito contrariado, chateado, tudo isso (...)”.

Ressalta-se também a caracterização do perfil cognitivo, sugerindo a existência de

habilidades específicas elevadas, notadamente no que tange à memória. Isso pode ser observado

no trecho: “assim eu entendo muito de tudo, tenho informações e sempre converso sobre os

assuntos atuais, tip... o se você quiser saber quando foi o aniversário de vovó, qual foi o dia

que caiu, eu digo, de que horas a gente foi, de que horas a gente voltou, quem tava lá...eu falo

tudo isso”.

No que tange aos aspectos sociais, os relatos de sua mãe apontam elementos e

características específicas que sugerem a existência de dificuldades em relação à comunicação

social. Estas se referem à compreensão de contextos e situações sociais, como observado nas

falas: “quando ele vai entender alguma coisa, todo mundo já tem parado de rir aí ele dá uma

risada, pronto. Parou”; “(...) [mãe conversando com Chaves]‘porque se a gente vai resolver

problema nas frentes das pessoas, as pessoas vão dizer ‘que tipo de família é essa que deixa

pra resolver os problemas, lavar roupa suja...[mãe se refere à reação de Chaves] não entendi

muito o que era lavar roupa suja, depois fui questionar pra mainha: ‘mas mainha lavar roupa

suja é o quê mesmo’?”; “tem um bocado de coisa, essa de não entender as expressões das

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pessoas, não entender os momentos apropriados pra entender certas coisas, me lembra

bastante” (referindo-se a semelhanças com o personagem Sheldon).

Nesse sentido, assim como o pai de John, a mãe de Chaves aponta a necessidade de

orientar seu filho nas diversas situações sociais, guiando-o quando este não compreende algo.

Tais orientações são exemplificadas nas falas: “[reproduzindo um diálogo que teve com

Chaves] a minha mãe disse assim: ‘Chaves, quando você tiver falando numa coisa que não é

pra falar você olha pra mim, se eu tiver com uma certa expressão, tipo... aí você já sabe, que

não é pra falar aquilo. (...)’; “as vezes não funciona, as vezes eu tenho que sair e prestar mais

atenção à mainha que é pra eu não tá falando o que não devo”; “e o que eu não entendo, já foi

acordado com a minha mãe que eu conversaria com ela e ela me diria. De vez em quando eu

não consigo controlar isso e estouro e digo o que não devia dizer, mas nem tudo...é esse

processo o tempo todo”.

Quanto às interações sociais de fato, a mãe de Chaves destaca a existência de

dificuldades no estabelecimento e manutenção de relacionamentos, o que para ela é minimizado

quando são pessoas mais jovens que ele, a exemplo de sua irmã, que é criança (E me sinto

assim...que tenho certas dificuldades de relacionar com as pessoas. Consigo se relacionar bem

com mais novos que eu, sempre consigo, brincar até, sento com minha irmã pra assistir os

filmes e me divirto bastante... Chaves [Referência ao programa de televisão] então, eu e ela a

gente dá bastante gargalhada).

Ela ainda relata maior facilidade de interação com a família e amigos da igreja, como

se identifica na seguinte fala: E assim...família todo mundo gosta muito de mim, porque eu sou

bem...assim ... eu entendo muito de tudo, tenho informações e sempre converso sobre os

assuntos atuais, tipo... se você quiser saber quando foi o aniversário de vovó, qual foi o dia que

caiu, eu digo, de que horas a gente foi, de que horas a gente voltou, quem tava lá...(...) e tem

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sempre tem, muita ajuda da família, dos mais próximos. A avó por parte de pai me ajuda muito,

até porque eu fui pra igreja através dela né, ser evangélico por ela, fiquei muito tempo na

igreja dela. Lá todo mundo até hoje ainda sente saudade de mim, quando vou pra igreja da

minha vó ela me chama porque o pessoal tá perguntando por mim (...)”.

Além disso, a mãe de Chaves relata o interesse do filho em estabelecer interações

sociais, acompanhado por pedidos de ajuda quando não sabe como se portar, como exposto na

fala: “(...) e eu acho que agora ele tá apaixonado pela filha do pastor da igreja dele [risos] Aí

ele fica: ‘mãe, e ai, o que é que eu faço? ‘. Eu digo: ‘e aí você vai conversando com ela, sabendo

se ela tem também interesse em você, se tiver, vocês conversem, e pronto’. A gente conversa

sobre isso”.

Dessa forma, observa-se uma consonância parcial nas falas de Chaves e sua mãe acerca

da temática das interações sociais. Chaves verbaliza não ter dificuldades para fazer amigos e

interagir socialmente, sua mãe concorda que ele interage bem na família, igreja, faculdade e

que inclusive tem alguns amigos de longa data com os quais sai socialmente. Porém, a mãe

também ressalta a existência de dificuldades de comunicação, identificadas por ela, em alguns

momentos, como empecilho para o sucesso nas interações sociais.

As dificuldades supracitadas são melhor administradas pelas pessoas que já conhecem

Chaves. Em ambas as entrevistas as falas sugerem que Chaves e a mãe costumam conversar

com as outras pessoas sobre o diagnóstico de TA, buscando estabelecer relações entre este e as

dificuldades observadas. Ambos consideram que essas explicações facilitam seus

relacionamentos. Isso se observa na seguinte frase da entrevista da mãe: “eu falo tudo isso, e às

vezes as pessoas não me entendem...o porquê de eu agir assim... e mainha fica explicando

porque eu tenho essa síndrome que tem que todo mundo entender, ter paciência comigo. E às

vezes eu fico chateado com o almoço familiar. Fico bem chateado mesmo, medo de falar. Me

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altero e mainha: ‘tenha paciência meu filho, tenha paciência’, até eu me acalmar, mas outro

dia que eu encontrar aquele fulano, aí eu vou de novo questionar aquilo, daquela pergunta que

ele me fez naquele dia, aí vou perguntar pra ele se ele: ‘você não entende não assim, que eu

sou assim’, até que o fulano fique mais assim: ‘não tudo bem, não tem problema não’”.

Ainda em relação a aproximações nos discursos, as falas da mãe possibilitam inferir

que ela constrói sentido semelhante ao de Chaves para o diagnóstico, enfatizando as diferenças

no comportamento, mas estas são encaradas naturalmente, sem o relato de sentimentos

particularmente tristes ou alegres. Algumas falas da mãe sugerem isso: “Ela [irmã mais velha]

agora já tá no segundo namorado e eu nada de namorar, todo mundo fica cobrando, ai mainha

diz ‘que tudo tem seu tempo e eu vou esperar o meu tempo’, e vou levando”; ‘[fala como se

fosse o filho] em algumas coisas eu acho que se sente diferente...me sinto diferente, mas não

que isso possa assim, interferir muito na minha vida. Eu tô buscando o que eu tô querendo,

inclusive agora, esse começo de ano eu quis desistir do curso (...)”.

Nesse sentido, as falas de mãe e filho sobre os sentimentos em relação ao diagnóstico

são bastante similares. Chaves diz no episódio 4: “Num fico triste com isso não. Também eu

não fico feliz. Mas eu me sinto bem, eu tô tentando vencer minhas limitações”. Por sua vez,

sobre descobrir o diagnóstico, sua mãe fala: “não, não mudou, eu vendo assim desde pequeno

até hoje, é como se ele: “descobriu? Pronto, meu problema é esse”. Mas era algo que ele

sempre fez, ele só sabe que tem certos limites e pronto”. As falas sugerem naturalidade e

aceitação.

Ao mesmo tempo, observa-se o distanciamento da afetação emocional. O conselho

dado por Chaves a pais de jovens com TA no episódio 4 de sua entrevista foi “Não fiquem

tristes. Tenham paciência”. Tais características, a partir do observado na entrevista, parecem

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comportamentos de sua mãe, que não relata tristeza dela mesma sobre o diagnóstico do filho,

apesar de Chaves ter mencionado isso em sua entrevista.

Por fim, no tocante às dissonâncias entre as entrevistas, chama a atenção o fato da mãe

ter descrito diversos comportamentos de Chaves associados ao TA com os quais ele diz não se

identificar. Nesse sentido, inclusive, alguns comportamentos de Chaves são bastante similares

aos descritos nas cenas de The Big Bang Theory. Um exemplo é a necessidade de Sheldon de

ter rotinas alimentares e de ações, muito similar ao que a mãe de Chaves descreve em relação a

ele. Ainda quanto à presença de padrões de comportamento e preferências ela traz a seguinte

fala: “o sofá, pra sentar, sempre senta no mesmo lugar, e se alguém tiver ele manda sair. (...)se

ele chega e você tiver ele faz: ‘vamo saindo que esse lugar é meu’. Não tem problema de ele

sentar em outro lugar entendeu? Mas ele quer sentar naquele lugar. (...) se você der uma

brecha aí ele ainda diz assim: ‘pronto, agora eu tô no meu lugar, arranje outro’”. Essas

discrepâncias nas falas de ambos sugere a possibilidade de Chaves não associar esses

comportamentos ao TA ou não identificá-los dentro de seu próprio repertório.

c. Satoshi

Satoshi Tajiri é um designer de jogos eletrônicos mais conhecido como criador do

jogo Pokémon, que deu origem ao anime ou desenho japonês de mesmo nome, que ficou

mundialmente famoso a partir de seu lançamento em 1997.

O nome Satoshi foi escolhido para o terceiro sujeito devido a seu grande interesse por

animes, com destaque para o Pokémon. Além disso, existem boatos não confirmados de o autor

dos jogos ter o diagnóstico de Transtorno de Asperger. Essa informação, mesmo não sendo

verídica, despertou a curiosidade do sujeito ainda na infância, que relatou ter se identificado

bastante com as características lidas sobre o TA de Satoshi Tajiri, levando-o a considerar ter

também aquele diagnóstico.

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Satoshi é um adolescente de 15 anos e, no momento da pesquisa, encontrava-se no

primeiro ano do ensino médio em uma escola particular da cidade em que vive. Satoshi tem o

diagnóstico de TA desde a infância, bem como o de altas habilidades. Além disso, foi

diagnosticado com Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) desde o início da adolescência.

O TOC severo faz com que Satoshi tenha menos autonomia em relação aos outros sujeitos,

demandando maior cuidado de seus pais, além dos profissionais contratados para acompanhá-

lo. Satoshi é o único dos sujeitos que é acompanhado por psiquiatra, fazendo uso de intervenção

medicamentosa devido ao TOC. Além disso, tem acompanhamento de psicologia clínica mais

de uma vez durante a semana.

O que é ser Asperger

Episódio 1

1. E: o Oh, você entendeu? Oh é um ser de outro planeta que veio habitar a terra.

Como vimos no vídeo, ele é um Boov, e todos os boovs receberam um panfleto sobre como a

terra funciona. No filme, nós vemos que o Oh está começando a aprender sobre muitas coisas

e, agora, está particularmente interessado em aprender sobre as pessoas desse planeta, mas,

como vimos, ele percebeu que nem tudo está no panfleto e as pessoas parecem mais

complicadas do que diz lá. Uma coisa que ele descobriu é que existem pessoas que têm

Transtorno de Asperger, mas não achou nada sobre isso no panfleto. Ele acredita que

adolescentes ou jovens adultos como você, com SA, são os verdadeiros experts que podem

ensinar às outras pessoas sobre como é ter SA. Ele gostaria de entender sobre como é ter TA,

como isso te afeta e como faz você se sentir, bem como que impactos da SA você percebe no

seu dia-a-dia.

2. S: eu explicar pra ele?

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3. E: uhum, já que ele acha que pessoas que têm esse diagnostico podem explicar

pra ele.

4. S: vai.

5. E: você quer que eu passe novamente?

6. S: passe novamente.

[Cena é passada novamente]

7. S: eu não tô ouvindo direito.

8. S: bem...

9. E: você vai tentar explicar como se...por que que é o Oh? Por que faz de conta

que é um extraterrestre que nunca viu isso.

10. S: bem...ter SA é como se...nem eu sei explicar...essa é uma das características

da síndrome de asperger...é não ter essa objetividade que as pessoas mais normais...como se

eu não fosse normal...teriam.

11. E: Mas o objetivo é você explicar da maneira que você acredita que seja.

12. S: Tá bom, mas é porque o asperger ele é meio que um empecilho na minha

vida...ele é meio que um transtorno que afeta as minhas relações sociais e... até mesmo minhas

dificuldades na vida vêm desse transtorno que pode gerar outros transtornos como o TOC.

O primeiro episódio da entrevista de Satoshi, assim como de John e Chaves, diz

respeito à primeira parte da atividade em que eles dialogam com o personagem Oh. Satoshi tem

o episódio mais curto. Tal fato pode ser associado a característica objetiva e direta do discurso

do adolescente, que permeou toda sua entrevista.

Nesse episódio Satoshi traz em sua fala elementos referentes a caraterísticas cognitivas

e afetivas do TA. No turno 10 ele se refere a uma forma diferenciada do funcionamento

cognitivo de pessoas com TA com a qual ele se identifica, quando fala que “ter SA é como

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se...nem eu sei explicar... “ justificando logo em seguida sua afirmação como decorrente de um

traço do funcionamento cognitivo específico de pessoa que tem TA, em “essa é uma das

características da síndrome de asperger...é não ter essa objetividade que as pessoas mais

normais...como se eu não fosse normal...teriam”.

Durante o episódio, Satoshi circunscreve ainda, no turno 12, características associadas

ao sentido afetivo do TA para ele, trazendo o lugar negativo de “empecilho” que este ocupa em

sua vida devido aos impactos que traz para sua vida e seu dia-a-dia. Isso pode ser observado na

fala “porque o asperger ele é meio que um empecilho na minha vida...ele é meio que um

transtorno que afeta as minhas relações sociais e até mesmo minhas dificuldades na vida vem

desse transtorno que pode gerar outros transtornos como o TOC”.

Episódio 2

1. E: O que é isso? SA?

2. S: É uma forma mais leve do autismo.

3. E: Hum

4. S: as pessoas acometidas pela SA têm dificuldades na socialização e

inconformidade com o mundo em que vivem.

5. E: Como assim essa inconformidade?

6. S: Porque o mundo é mais complicado...o mundo é muito complicado pra eles

entenderem e eles não se sentem encaixados na sociedade. A sociedade é muito complicada

pra eles entenderem. Até mesmo eu não entendo. Às vezes eu tenho pensamentos intrusivos

demais, mas já não é parte do asperger, já é parte do TOC. E também eu...quem tem asperger

costuma ter muito foco com certas coisas e pouc...muito interesse por certas coisas e baixo

interesse por outras. No meu caso, eu...eu...gosto muito de desenhos e jogos. E também de

filmes. Eu sou meio aficionado por tecnologia, meio que viciado e não sei viver sem luz elétrica

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nem água encanada. E não durmo sem ar condicionado. Outro lado do asperger...não precisa

me filmar.

7. E: Não estou te filmando. Peguei meu celular porque é onde estão as perguntas

da entrevista.

8. S: Outro lado do asperger é esse lado mais infantil, infantilizado das coisas...da

visão da pessoa. Às vezes a pessoa...às vezes essa pessoa com asperger pode se ver ...se portar

uma hora como criança outra hora como adulto.

9. [Pausa]

10. E: E como é que a pessoa sabe que alguém tem SA?

(a pergunta é repetida várias vezes sem resposta)

11. E: existe alguma característica marcante?

12. S: Dificuldade de socialização, fixação por certas coisas, comportamentos

estranhos ás vezes.

13. E: Tipo o quê?

14. S: Bem autistas, tipo...alguns tiques...alguns tiques e outras coisas...

15. E: E você tem algum amigo que tem SA?

16. S: Num sei.

17. E: Ou conhece alguém que você acha?

18. S: Eu conheci alguém que poderia ter, mas aí ele já morreu, não dá pra mais

fazer...num teve tempo de ter o diagnóstico.

19. E: E você já viu algo na tv ou alguém famoso que você diria que tem SA?

20. S: Diria.

21. E: Quem você já viu?

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22. S: Bem...eu num...eu num diria que ninguém tem SA porque eu tenho dificuldade

em...em identificar, mas eu posso dizer que eu sei quem tem, porque eu já ouvi falar que aquelas

pessoas tinham. Einstein, por exemplo, tinha,

23. E: É verdade, dizem isso.

24. S: Messi, também tem. Messi, jogador de futebol. Tem asperger.

25. E: Sim...é, já ouvi falar de Messi e de Einstein. Tem mais alguém?

26. S: Isaac Newton tinha.

27. E: Hum

28. S: Mas eu não sei...eu não sei exatamente se isso é um caso confirmado porque

na época que...num sei se o cientista que denominou...que denominou a SA que descobriu esse

transtorno nasceu antes ou depois de Newton.

O episódio 2 de Satoshi se inicia também com sua definição teórica do que é o TA,

que é marcada por aspectos sociais e cognitivos. Como John e Chaves, ele inicia sua definição

descrevendo o quadro como “uma forma leve de autismo” no primeiro turno de fala. Em

seguida esta continua com a descrição das dificuldades na socialização. Entretanto, em seguida

Satoshi aponta a “inconformidade com o mundo em que vivem” como uma característica de

pessoas que têm TA. Esta não se enquadra em definições teóricas, mas parece advir de uma

reflexão e construção interna de Satoshi, construídas a partir de suas percepções acerca dos

aspectos sociais característicos do TA. O adolescente refere-se nesse turno às pessoas que têm

TA de maneira geral, mas traz uma identificação com o grupo ao dizer que “até mesmo eu não

entendo”. Além dessa fala, no turno 8, outra característica é apontada, a saber, como ele

corrobora com a presença de reflexões do adolescente, qual seja: “Outro lado do asperger é

esse lado mais infantil, infantilizado das coisas...da visão da pessoa. Às vezes a pessoa...às

vezes essa pessoa com asperger pode se ver ...se portar uma hora como criança outra hora

como adulto”.

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No tocante aos aspectos do funcionamento cognitivo no TA, Satoshi aborda a presença

de interesses restritos e fixação por certas coisas, o que tem conexão com a característica de

padrões restritos e repetitivos de comportamentos, e aponta ainda a existência de tiques, que

caracteriza como “comportamentos estranhos que surgem às vezes”. Para cada característica

relacionada ao TA e descrita por ele, é apresentada, adicionalmente, a versão da sua própria

experiência acerca desta. Nesse sentido, no fundo, o que ele nomeia são seus próprios interesses

restritos (“No meu caso, eu...eu...gosto muito de desenhos e jogos. E também de filmes. Eu sou

meio aficionado por tecnologia, meio que viciado...”). Ele ainda coloca a presença de

pensamentos intrusivos como característica de seu funcionamento, porém atribui tal fato ao

TOC.

Quando questionado acerca da identificação de pessoas com TA, Satoshi traz

características que em teoria identificam o TA. No entanto, diz que ele mesmo não poderia fazer

essa identificação, por essa ser exatamente uma dificuldade percebida por ele.

Asperger em outras pessoas: vinhetas como recurso para identificação em terceiros e

reconhecimento em si mesmo

Episódio 3

O terceiro episódio de Satoshi é marcado pela objetividade do adolescente, cujas

respostas e afirmações foram sempre lacônicas. Satoshi também já conhecia a série e já sabia

que Sheldon tem características do TA, fazendo essa relação mesmo antes de ser mencionado

o propósito da exibição das cenas.

1. E: Agora, vou te mostrar cenas de uma série. Nessa série, The Big Bang

Theory...

2. S: Tem o Sheldon que tem SA.

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3. E: Aah então você já sabe. Isso. Eu tenho umas cenas da série que eu vou passar

pra você e queria que você me dissesse se tem características do Sheldon que você acha que

são da SA.

Cena 1 – Sheldon conforta Leonard

4. S: Interess...interesses...comportamentos meio autistas e socialização.

Perguntas...perguntas...meio estranhas que só uma criança com.…que...interesse por

informações peculiares sobre as coisas.

Cena 2 – Penny está dormindo no sofá e Sheldon quer sentar

5. S: repetições de...repetições de frases.

Cena 3 – Os quatro amigos vão a um restaurante e não conseguem pedir

6. S: TOC de simetria.

Cena 4 - Sorriso de Sheldon

7. S: dificuldade de expressar emoções.

8. S: (muitos risos) Mister Bean, Coringa

Cena 6 - Empréstimo de dinheiro a Penny

9. S: falta de entendimento dos procedimentos sociais

10. S: não saber como levar uma conversa adiante

11. S: não entender sarcasmo...não entender as...não entender ironia

Cena 7 – Conversa desconfortável/ Cena 8 – Decifrando expressão de Rajesh

12. E: Nessas? Identificou alguma?

13. S: Não saber identificar emoções

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Cena 10 – Sheldon e Leonard se conhecem

14. S: Memória...memória...

15. S: perguntas desnecessárias

16. E: Naquelas só “perguntas desnecessárias”?

17. S: sim.

Cena 14 - Experimento com Penny

18. S: dificuldade no contato visual.

19. E: o que é que você achou de maneira geral? O que você vê no Sheldon que

parece ser da SA?

20. S: um monte de sintomas. Dificuldade de manter contato visual, dificuldade de

interpretar emoções, interpretar ações, dificuldade de identificar emoções.

Nesse episódio, Satoshi reconhece características na maioria das cenas exibidas, sendo

a maioria delas diretamente associadas a critérios diagnósticos indicados pela literatura

científica. Suas falas são afirmações diretas e taxativas do que chama de “sintomas” de Sheldon.

Salienta-se que ele não dá maiores explicações do porquê estar associando as cenas às

características, porém a maior parte do que identifica é, de fato, a característica que a cena

representa.

Primeiramente, ele identifica aspectos do funcionamento cognitivo no TA nas cenas 2

e 10. No turno 2 ele aborda repetições, sugerindo relação com padrões repetitivos de

comportamento. Por sua vez, no turno 10 ele traz apenas a palavra “memória”, que sugere

relação com a característica de habilidades de memória acima do esperado, o que é

frequentemente associada ao TA.

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Ainda estão presentes nesse turno associações relativas a aspectos sociais do TA.

Quanto a isso, ele apontou a presença de dificuldades no entendimento e expressão de emoções

nas cenas 4 e 8; de dificuldade de interação e comunicação social, notadamente interpretação

de ironias, nas cenas 6 e 7; e de manter o contato visual na cena 14. Apenas em relação à

primeira cena ele dá uma explicação maior e menos taxativa. Sobre isso ele comenta:

“Interess...interesses...comportamentos meio autistas e socialização.

Perguntas...perguntas...meio estranhas que só uma criança com.…que...interesse por

informações peculiares sobre as coisas”. Essa afirmação sugere novamente que a interpretação

de Satoshi para características do TA parece estar relacionada a comportamento infantilizado.

Esta foi mencionada também no segundo turno.

Por fim, Satoshi usa o termo “TOC de simetria” em referência à cena 3. Nessa cena,

Sheldon desaprova o fato de apenas três dos quatro amigos terem ido jantar em um restaurante

em que sempre vão todos, pois eles não poderiam fazer o pedido tradicional, compartilhado,

que nunca varia e não pode ser reorganizado. O termo utilizado por Satoshi sugere que ele

associa a situação a uma necessidade de Sheldon de que a divisão das comidas seja simétrica,

mas não menciona a dificuldade com a flexibilização de padrões e rotinas.

Episódio 4

1. E: algumas dessas coisas você acha que também tem?

2. S: Dificuldade de julgar ações e de identificar o sarcasmo, a intenção da pessoa.

3. E: Essas são características do Sheldon ou que você acha que você também

tem?

4. S: Eu também tenho...e também dificuldade de contato visual.

5. E: E quem te falou sobre a SA a primeira vez? Você lembra?

6. S: Ah eu li na internet.

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7. E: Você leu na internet? Mas antes de alguém te falar?

8. S: Não...nao...

9. E: Alguém te falou?

10. S: Não, ninguém nunca falou.

11. E: Mas você lembra de ter sido testado?

12. S: Lembro, lembro. Me apresentaram vários sintomas da SA e eu me identifiquei

com vários deles.

13. E: Como você se sente sobre isso? Sobre ter SA?

14. S: Huum...[pausa] bem, já que a SA me fez ter TOC, então não me sinto muito

bem com isso não. Me fez desenvolver TOC, porque...eu sou mais propício a desenvolver TOC

porque eu sou hipersensível às coisas que me apresentam...

15. E: Aos estímulos?

16. S: Aos estímulos que me apresentam

17. E: Ao que é que você é mais sensível?

18. S: Coisas religiosas.

19. E: E você acha que é sensível a coisas como cheiro e barulho?

20. S: Aah já fui. Principalmente barulho.

21. E: Hoje não te incomoda muito?

22. S: Não, ainda me incomoda.

23. E: Que coisas boas, pontos de força seus...

24. S: Eu tenho medo de altura desde que eu nasci, medo de olhar pra cima. Mas

desenvolvi medo de olhar pra baixo mais recentemente. Medo de altura assim...lá embaixo...lá

em cima eu olho pra baixo assim...

25. E: Tem pontos de força seus? Coisas que você acha que é muito bom que você

atribui a SA?

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26. S: Tem.

27. E: Tipo o que?

28. S: Habilidade de decorar datas...horários nem tanto, mas datas eu sei...

29. E: Realmente eu já vi que você é bom nisso...mais algumas coisas que você acha

que são um ponto de força?

30. S: Ponto de força?

31. E: É. É uma coisa que você acha que é muito bom.

32. S: memória. Memória eu já disse né? Que sou bom em decorar datas? Memória

de longo prazo, no caso, porque memória de curto prazo eu sou horrível.

33. E: você acha que você é horrível na de curto prazo? Por que?

34. S: Sou. Se eu fosse bom eu nunca teria tirado um 0 nas provas. Nunca teria

tirado nota baixa nas provas.

35. E: Mas o que te atrapalha na hora da prova você acha que é a memória ou outra

coisa?

36. S: Às vezes a memória, às vezes o próprio TOC em si.

37. E: Você fica preso em outro pensamento?

38. S: Éé [boceja] eu fico preso em outras coisas...é...

39. E: E você acha que tem coisas que você não é tão bom, como uma fragilidade?

Que você atribua a SA?

40. S: Socialização. E alguns empecilhos que o TOC causa. Muito medo das coisas,

de enfrentar a vida. Medo de enfrentar os medos, porque penso que pode ter consequências

graves. Enfrentar medos.

41. E: Quando foi que você pesquisou pela primeira vez e você pensou ou descobriu

que tinha SA?

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42. S: Ah eu era pequeno ainda...eu descobri que Satoshi Tajiri, que foi um japonês

que criou Pokémon, ele tinha SA.

43. E: É mesmo?

44. S: Ele foi diagnosticado.

45. E: Foi aí que você pensou sobre isso?

46. S: Foi

47. E: Quantos anos você tinha?

48. S: Eu tinha 11 eu acho, 12, 10...11 anos...não tinha mais, tinha 12.

49. E: Você acha que ter sabido mudou sua vida de alguma forma ou...?

50. S: Mudou.

[Pausa]

51. E: Como mudou?

52. S: Primeiro eu achei interessante ter esse negócio de ter asperger, mas depois

eu achei um empecilho grande assim. Um obstáculo na vida.

53. E: Mas hoje, você apesar dos empecilhos, você acha que é interessante?

54. S: Não, não acho muito interessante.

55. E: Porque de fato tem coisas boas não é?

56. S: De fato tem coisas boas, mas....era melhor se eu tivesse asperger, mas não

tivesse esse TOC todo.

57. E: Você faz tratamento pro TOC?

58. S: Faço

59. E: Tem medicação também?

60. S: Tenho.

61. E: Tem alguém na sua vida com quem você se sente confortável falando sobre

isso? Sobre a SA?

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62. S: Minha mãe.

63. E: Vocês conversam sobre isso?

64. S: Conversamos.

65. E: E sua família em geral conversa com você sobre a SA ou só sua mãe?

66. S: Não...eu converso sobre os pensamentos que eu tenho com a minha mãe. Não

é bem sobre a SA não...mas eu converso com M que é minha psicóloga sobre esses empecilhos

que a SA causa. Porque eu tava tendo muita dificuldade de socialização ultimamente na

escola...o povo fica me batendo, me empurrando me zoando...e eu sou bastante sensível a coisas

como essa

67. E: Sim. Se você pudesse dar um conselho a outro adolescente que acabou de

descobrir que tem SA o que você diria?

[pausa e bocejos]

68. E: Você teria algum conselho pra dar? De alguém que já sabe há muito tempo?

69. S: Há muito tempo?

70. E: Isso. Já que você já sabe há muito tempo e tem bastante experiência com ter

SA.

71. S: Eu daria. Realmente, meu amigo, nossos verdadeiros amigos que nos

entendem, que estão abertos a nos ouvir são poucos. Mesmo pra quem não tem SA, mas são

poucos. Pra toda pessoa é assim. Eu digo isso porque ...eu digo isso porque...já vi várias

pessoas dizerem que pra um homem os amigos que importam são aqueles amigos de

infância...amigos...pra uma mulher já é diferente. Mulheres conseguem socializar muito mais

rápido que um ser hu...que um homem. Que um homem, mulheres. Mulheres conseguem

socializar muito mais rápido que um ser hum...que um homem...desculpa eu fico...

72. Eu: Você acrescentaria mais alguma coisa ao conselho?

73. S: É isso. E geralmente...

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[Pausa e para de falar]

74. E: E se fossem pais de um adolescente com SA que conselho você daria pra

eles?

75. S: Tentem conversar com ele com frequência, tentem dar atenção a ele, porque

ele é como um ser humano normal...que eu sei que vocês sempre deram...tentem tratar

ele como vocês sempre trataram ele...apesar das dificuldades. Façam o seu filho feliz

porque ele pode estar meio infeliz...com..com o ambiente...exterior...

76. E: Antes da gente terminar tem mais alguma coisa que você gostaria de

acrescentar?

77. S: Não.

78. E: E o que é que você achou dessa entrevista?

79. S: Boa.

80. E: Você gostou de fazer?

81. S: sim.

Primeiramente, no episódio 4 da entrevista com Satoshi observa-se a identificação dele

com características de Sheldon no que diz respeito a aspectos sociais, a partir de elementos de

sua fala referentes à comunicação e interação sociais, a saber: ”dificuldade de julgar ações e de

identificar o sarcasmo, a intenção da pessoa”, relatados por ele no turno 2, bem como

dificuldades para estabelecer contato visual, no turno 4. Ressalta-se, porém, que Satoshi

identifica esses aspectos, mas não exemplifica durante a entrevista momentos nos quais os

vivenciou ou de que forma isso se dá em seu dia-a-dia.

Em seguida, no tocante a aspectos positivos e negativos que relaciona ao diagnóstico

de TA, estão presentes, como nas entrevistas de John e Chaves, elementos referentes a aspectos

de funcionamento cognitivo e social. Os aspectos positivos se associam a sua memória de longo

prazo, que ele considera acima do esperado, como traz no turno 32: “memoria. Memoria eu já

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disse né? Que sou bom em decorar datas? Memória de longo prazo, no caso, porque memória

de curto prazo eu sou horrível”. Já os negativos são associados a dificuldades na socialização,

mas também a outras características suas que ele relaciona diretamente ao TA. Uma delas é o

medo que diz sentir acerca de diversos âmbitos da vida, no turno 40, e a outra diz respeito às

suas características relacionadas ao diagnóstico de TOC. No turno 24 ele explica o porquê de

conectar diretamente o TOC ao TA, que tem a ver com especificidades de seu funcionamento

cognitivo: “bem, já que a SA me fez ter TOC, então não me sinto muito bem com isso não. Me

fez desenvolver TOC, porque...eu sou mais propício a desenvolver TOC porque eu sou

hipersensível as coisas que me apresentam...”. Nesse mesmo turno, relata ainda não se sentir

bem acerca de ter o diagnóstico de TA.

Diante disso, pode-se observar que os aspectos de sentido afetivo de Satoshi em

relação ao diagnóstico são predominantemente negativos. Sua fala no turno 52 sugere que

inicialmente ele achou o diagnóstico de TA interessante, talvez pela relação com personalidades

famosas que admira, como Satoshi Tajiri. Porém, ao longo de sua vida, desenvolveu sintomas

de TOC que ele associa ao TA, passando a ter uma relação ruim com esse diagnóstico. Isso

pode ser observado no turno 52, quando ele relata: “Primeiro eu achei interessante ter esse

negócio de ter asperger, mas depois eu achei um empecilho grande assim. Um obstáculo na

vida”. De forma similar, no turno 56 ele afirma: “de fato tem coisas boas, mas....era melhor se

eu tivesse asperger, mas não tivesse esse TOC todo”.

Ainda quanto aos sentidos afetivos, o discurso de Satoshi sugere a presença de tristeza,

não só em relação ao TOC, mas às dificuldades de socialização e ao desejo que sente de ter

amigos, principalmente na escola, como aponta no turno 66: “Porque eu tava tendo muita

dificuldade de socialização ultimamente na escola...o povo fica me batendo, me empurrando

me zoando...e eu sou bastante sensível a coisas como essa”. Por fim, a necessidade de

socialização e compreensão social também são explicitadas em seu conselho para os pais,

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quando diz a estes que “Tentem conversar com ele com frequência [seus filhos], tentem dar

atenção a ele, porque ele é como um ser humano normal...que eu sei que vocês sempre

deram...tentem tratar ele como vocês sempre trataram ele...apesar das dificuldades. Façam o

seu filho feliz porque ele pode estar meio infeliz...com..com o ambiente...exterior...”. Sua fala

sugere novamente a presença de sofrimento e tristeza em relação aos aspectos negativos do

diagnóstico, mencionados por ele anteriormente.

O TA para os pais e filhos: ecos de vozes e percepções

A entrevista realizada com a mãe de Satoshi, inicialmente seguiria a mesma estrutura

da realizada com ele, como ocorreu com os pais dos outros sujeitos. No entanto, essa entrevista

teve que ser realizada na casa de Satoshi e foi por diversas vezes interrompida por contratempos

da casa. Dessa forma, sua estrutura varia em alguns aspectos. Primeiramente, ressalta-se que

ela seria feita apenas com a mãe de Satoshi, porém, no meio da entrevista o pai dele chegou em

casa e a mãe fez questão de sua participação. A entrevista também foi interrompida pela

chegada de Satoshi em casa, demandando a atenção do pai. Dessa forma, o final da entrevista

voltou a ser respondido apenas pela mãe. Foi observado que os pais estão em consonância

quanto às suas opiniões e respostas às perguntas. Em sua entrevista podem ser identificados

elementos relacionados a aspectos cognitivos, sociais e afetivos do TA. Bem como

aproximações e distanciamentos entre suas percepções e as de Satoshi acerca do diagnóstico.

Primeiramente, no que tange à definição do que seria o Transtorno de Asperger, a mãe

de Satoshi, como a mãe de Chaves, define a partir da percepção que tem de seu filho na seguinte

fala: “Satoshi, eu noto que ele é um menino muito inteligente, mas que ele tem dificuldades de

se inserir num contexto social...ele tem dificuldade...é aquela história né...bem...ele é o super

sincero, ele é o menino que às vezes não entende o olhar que a gente chama o ‘olhar 43’ , que

aquele olhar de reprovação...tipo ele faz uma coisa e acha que aquilo é normal, né?...é como

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se ele tivesse dificuldades nos limites...fosse assim, sem limite. Pra ele, ele acha que tudo aquilo

é normal, quando não é. Que tem certas regras...ele tem dificuldade de entender as regras. Na

minha concepção é isso”. Nessa definição observa-se a presença de elementos que sugerem

relação com aspectos cognitivos, como a inteligência e memória elevadas, acompanhados de

dificuldades sociais, principalmente relacionadas à inadequação social, compreensão de

contextos e situações sociais, bem como de expressões faciais.

Nesse sentido, a fala de seus pais sugere que suas maiores dificuldades relacionadas

ao asperger se dão nesse aspecto de compreensão de contextos sociais. A mãe traz essa

dificuldade em diversos momentos. Um exemplo é quando fala que: “dificuldades como...ele

pega tudo ao pé da letra, que isso é uma característica. Ele entende tudo ao pezinho da letra.

Não entende as nuancezinhas...ele chega normal, por exemplo. Se ele lhe acha feia, ele vai e

diz que lhe acha feia. Você diz ‘olha Satoshi, como ela é linda’ ele diz: ‘não, eu gosto dela, mas

ela é feia’. Ele diz na cara da pessoa!”. O pai também traz essa dificuldade a partir da cena de

The Big Bang Theory em que Sheldon tenta decifrar a expressão de Rajesh e não consegue. O

pai de Satoshi diz que o filho tem a mesma dificuldade. Satoshi relata em sua entrevista, no

episódio 4, ter de fato essas características, que ele define como: “dificuldade de julgar ações

e de identificar o sarcasmo, a intenção da pessoa” e acrescenta que também tem dificuldade de

contato visual.

No entanto, a mãe sugere em sua fala que, apesar das dificuldades presentes em

decorrência do TA, a maior dificuldade que Satoshi enfrenta no dia-a-dia não tem relação com

o TA e sim com o TOC, como observado em sua fala: “Eu acredito, na minha concepção, que

todo o problema gira em torno do TOC, entendeu? Porque se ele fosse um asperger puro ele

era muito tranquilo...tranquilo demais”. Essa afirmação está também presente na fala de seu

filho, no episódio 4, quando afirma que: “bem, já que a SA me fez ter TOC, então não me sinto

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muito bem com isso não. Me fez desenvolver TOC, porque...eu sou mais propício a desenvolver

TOC, porque eu sou hipersensível às coisas que me apresentam.... “.

Na fala de ambos existem consonâncias também em relação ao sentido afetivo desse

diagnóstico para Satoshi. Ambos trazem a dificuldade em fazer amigos como algo que

entristece Satoshi. Este traz em sua fala a dificuldade de socialização na fala: “Porque eu tava

tendo muita dificuldade de socialização ultimamente na escola...o povo fica me batendo, me

empurrando me zoando...e eu sou bastante sensível a coisas como essas...”. No trecho, Satoshi

aborda a afetação que sente em relação a isso. Sua fala sobre “ser bastante sensível” sugere que

ele sofre por essa dificuldade e pelas ações de seus pares na escola.

Nesse sentido, Satoshi traz também a necessidade de atenção e afeto pelos pais,

principalmente diante das dificuldades que ele encontra fora de casa. Isso se observa no seguinte

trecho: “Tentem conversar com ele com frequência, tentem dar atenção a ele, porque ele é

como um ser humano normal...que eu sei que vocês sempre deram...tentem tratar ele como

vocês sempre trataram ele...apesar das dificuldades. Façam o seu filho feliz porque ele pode

estar meio infeliz...com..com o ambiente...exterior...”.

Sua mãe concorda com as afirmações supracitadas, trazendo o amor e a atenção como

fundamentais na relação com o filho com TA. Ela aponta como conselho: “que desse muito

amor a ele. Muito amor, atenção, que lutasse por ele e que conseguisse dar um bom apoio

psicológico que eu acho que a coisa melhora. Muito amor, eu acho que eles precisam muito

disso. Amor, atenção e um acompanhamento psicológico adequado. Que é o que a gente busca

fazer, sempre”. Ressalta-se que mãe e filho se emocionam nessa etapa da entrevista.

8. Análise e Discussão

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8.1 Percepções das atividades

Guiado pelo questionamento “como é ter transtorno de Asperger?”, o objetivo desse

estudo foi proporcionar maior compreensão acerca dos sentidos e vivências que adolescentes e

jovens adultos constroem para as suas experiências como asperger. Ressalta-se que para tanto

operacionalizaram-se os construtos de awareness e insight de Marková (2005), compreendidos

respectivamente enquanto conhecimento acerca do diagnóstico e sentidos construídos a partir

deste, bem como vivências experienciadas pelos sujeitos.

Nesse sentido, primeiramente cabe ressaltar aspectos referentes às atividades utilizadas

no presente estudo como metodologia de pesquisa. Inicialmente, com o objetivo de possibilitar

a construção de uma narrativa da percepção dos sujeitos da pesquisa acerca de como é ter TA,

foi idealizada a atividade com o personagem extraterrestre Oh. Inspirada na técnica de

entrevista clínica da Instrução ao sósia (Clot, 2010), tal atividade foi desenvolvida considerando

a dimensão clínica da técnica, esta pode ser considerada facilitadora e propulsora de reflexão

dos sujeitos acerca de suas experiências e, consequentemente, promotora do desenvolvimento

do insight, à medida que se descrevem e representam para um outro os seus significados e

sentidos particulares.

Considerando as características do funcionamento cognitivo dos sujeitos que têm

asperger enquanto grupo, a saber, dificuldades na interação e comunicação social, a princípio a

interação com o personagem também foi avaliada como facilitadora inicial para a abordagem

de uma temática possivelmente difícil, promovendo um caráter lúdico e deslocando a

necessidade de interação direta com a entrevistadora em um primeiro momento. No entanto,

nesse sentido, foi observado que tal artifício não surtiu o efeito desejado. Sobre o personagem,

John produziu a seguinte observação:

E: [Instruções da atividade] Ele [O Oh] quer saber tudo isso.

J: Na verdade você quer saber...pelas entrelinhas para a pesquisa.

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E: É, so que a gente vai fazer como se fosse com o OH. O que é que você acha?

J: Um pouco ridículo

E: Então você prefere me dizer?

J: Prefiro.

E: Então tá. Então pode ser.

Satoshi, como John, questionou se deveria falar para o personagem, mas ignorou essa

instrução, falando diretamente para a entrevistadora, não tecendo comentários sobre o

personagem. Por outro lado, Chaves teve dificuldades em compreender a natureza da tarefa no

primeiro momento, como ilustrado no seguinte trecho:

E: aí uma coisa que o Oh descobriu depois que chegou a Terra foi que existe uma coisa

chamada “SA”...

R: huum

E: só que não tem nada sobre isso no panfleto...

R: ele descobre isso no filme??

E: É...não! Não tem no filme. Essa é uma atividade lúdica, de faz de conta. A gente vai fazer

de conta

R: huum

A fala de Chaves sugere que ele compreendeu a explicação da atividade como algo que

teria ocorrido no filme, tendo demandado mais explicações para que ele entendesse a abstração

da atividade. Em seguida, ele iniciou sua fala voltada também diretamente para a

entrevistadora.Dessa forma, sugere-se que a mediação lúdica do personagem foi desnecessária,

pois eles não tiveram dificuldades em conversar diretamente com a entrevistadora.

Após a etapa com o personagem previu-se a necessidade de perguntas em entrevista

adicional de caráter semi-estruturado para que temáticas específicas pudessem ser abordadas,

em especial se não acontecesse de maneira espontânea nas narrativas livres iniciais. De fato, foi

observado que tal recurso foi necessário, dado o caráter diretivo e sucinto do discurso dos

sujeitos. Observou-se que perguntas mais diretivas, ao invés de trazer desconforto pela temática

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176

difícil, possibilitaram maior entendimento pelos sujeitos acerca do esperado e,

consequentemente, respostas circunscritas aos temas abordados.

Quanto à etapa relacionada às cenas da série The Big Bang Theory, esta objetivou a

identificação das características do TA em terceiros, bem como a facilitação de identificação

em si mesmo. Nesse sentido, Drummond (2013) aponta o componente projetivo de uma

entrevista com base em situações mostradas visualmente para indivíduos com TA. A autora

sugere que uma apresentação dessa forma minimiza as dificuldades, abordando-as de maneira

mais leve, pois ao invés de falar diretamente dessas enquanto problemas, eles são questionados

se são “como Sheldon” ou se compartilham características com ele.

Além disso, a literatura sugere como característica cognitiva desse grupo de indivíduos

um estilo de pensamento predominantemente visual e menos verbal (Bókkon, Salari,

Scholkmann, Dai, & Grass, 2013; Grandin, 2009). No presente estudo, tais características foram

relatadas pelo sujeito John, quando comenta que “você representa tudo que vê e tudo que

entende através de imagem“. Assim, sugere-se que entrevistas baseadas em recursos visuais

são mais adequadas para autorrelatos de sintomatologia (Drummond, 2013).

De maneira geral, observou-se que os resultados sugerem que a construção da atividade

propiciou a elaboração de insight pelos sujeitos participantes. Tal afirmação se dá pela

construção gradual de respostas pelos sujeitos ao longo da entrevista que foram sendo

acrescidas de informações dado o contato destes com novos questionamentos e ideias. Dessa

forma, acredita-se que a construção da atividade partindo do questionamento sobre significados

compartilhados ou conhecimento de maneira geral, conectado aos poucos com temáticas e

sentimentos mais particulares propiciou o resgate e a construção de novas percepções e

sentidos.

8.2 O que é o asperger: percepções e vivências

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A literatura aponta que concepção do transtorno de Asperger advém

predominantemente de dois modelos explicativos. O primeiro modelo é biomédico e

considera o TA como uma desordem neurodesenvolvimental de etiologia

predominantemente neurológica e genética. Nesse modelo se baseiam os sistemas

classificatórios de médicos mundiais (CID e DSM). O segundo modelo parte de uma

discussão acerca do modelo social da deficiência (Oliver, 2013). Nessa perspectiva, teóricos

argumentam que o diagnóstico de asperger é socialmente construído, devido a visão social

dos comportamentos deste grupo como anormais (Molloy & Vasil, 2002). Para além dessa

discussão, novas perspectivas sobre esse diagnóstico sugerem que pessoas que tem TA têm

um estilo cognitivo alternativo. Nesse sentido surgiu o conceito de neurodiversidade,

movimento que advoga a mudança de olhar sobre as condições do neurodesenvolvimento de

uma doença ou deficiência, para um desenvolvimento que é diferente. Nessa perspectiva, o

autismo é tido como causado por fatores biológicos e caracteriza-se como variação normal

do funcionamento humano (Armstrong, 2010; Kapp, Gillespie-Lynch, Sherman, & Hutman,

2013). Gray e Atwood (1999) apontam a importância da forma como o diagnóstico é

abordado com os indivíduos e a influência em sua percepção. Nesse sentido, desenvolveram

um modelo de prática clínica em que o enfoque do diagnóstico é a percepção de pontos de

força e de dificuldade, de forma que o TA é apresentado como forma qualitativamente

diferente de ser com foco também nas características positivas e não somente nas negativas,

apontadas nos manuais diagnósticos.

Na literatura científica grande parte dos estudos dizem respeito a percepção de pais,

professores e profissionais de saúde acerca de indivíduos que tem TA (DePape & Lindsay,

2016). No entanto, alguns estudos abordam as experiências de vida desses indivíduos, bem

como suas percepções de seu diagnóstico. Dentre esses a maioria diz respeito a adultos

(Griffith, Totsika, Nash, Jones, & Hastings, 2012; Haertl, Callahan, Markovics, & Sheppard,

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178

2013; Hurlbutt & Chalmers, 2002), porém estudos mais recentes têm abordado as

experiências de crianças e adolescentes. Desses, tem-se estudos que consideram vivências e

experiências do dia-a-dia considerando temáticas como escola e percepção de apoio

(Carrington & Graham, 2001; Connor, 2000), porém uma quantidade menor de estudos

aborda as percepções especificamente acerca do diagnóstico (Calzada, Pistrang, & Mandy,

2012; Drummond, 2013; Hughes, 2012; Huws & Jones, 2008; Macleod et al., 2013). Como

estes últimos, Molloy and Vasil (2004) conduziram um estudo com 6 adolescentes acerca do

impacto do diagnóstico de TA em suas vidas por meio de entrevistas semi-estruturadas. Os

resultados indicaram que o diagnóstico foi visto por eles positivamente, pois forneceu

explicação para seus comportamentos pouco usuais, trazendo sentimento de alívio, bem

como diminuição de sentimentos de confusão e fracasso. Todos concordaram que os critérios

diagnósticos lhes descreviam, porém existiram diferenças no grau com que cada um dos

adolescentes se identificou com o diagnóstico, bem como se definiu como alguém com TA.

Os autores concluíram que todos os sujeitos se viam como sendo “diferentes” e tal diferença

foi incorporada a suas identidades e autopercepção. Corroborando com esses resultados,

DePape e Lindsay (2016) fizeram uma metasíntese qualitativa envolvendo estudos de

experiências em primeira pessoa de indivíduos com TA de diversas idades. Sua análise

delimitou a existência de 4 grandes temáticas entre os estudos observados, quais sejam:

autopercepção; interação com outros; experiências escolares; e fatores relativos ao mercado

de trabalho. Quanto ao primeiro tema especificamente, foram encontrados diversas

associações entre o diagnóstico de autismo e sua identidade. Enquanto para alguns

predomina a indiferença frente a este, outros abordam o sofrimento de lidar com as

características do TA e dificuldades associadas. Por outro lado, no tocante a adultos foi

frequente a posição de aceitação do TA que é incorporada a identidade e autopercepção

destes.

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No presente estudo foram abordadas as concepções e conhecimento que os

adolescentes participantes têm acerca de seu diagnóstico, bem como os sentidos construídos

sobre esse a partir de suas vivências e experiências. Quanto ao conhecimento do diagnóstico,

foi observado que a caracterização dada por eles teve por base, principalmente,

características de funcionamento cognitivo distintas das de indivíduos com desenvolvimento

típico e dificuldades no âmbito social, em relação a interação social e fazer amizades e a

compreensão de contextos e situações sociais. Na caracterização dos sujeitos pôde ser

observada a presença de elementos de ambos os modelos: biomédico (e mais voltadas para

o modelo social da deficiência. Em suas falas surgiram as características que são critérios

diagnósticos médicos (falas de Satoshi: dificuldades de socialização, fixação por certas

coisas, dificuldade no contato visual), mas ao mesmo tempo esteve presente a ideia de ser

diferente e não de ter uma doença (fala de John: “o asperger em mim, o autismo não é um

bicho de 7 cabeças...é só uma coisa que ...é só uma coisa que a pessoa é muito inteligente

mas tem um pouco de dificuldade de se relacionar em algumas situações e se portar em

algumas situações mas essa dificuldade pode ser superada”). Assim surgiram aspectos

positivos relacionados ao TA, mas essa concepção dos sujeitos não impediu sua percepção

também de aspectos negativos do diagnóstico.

Kapp et al. (2013) realizaram um estudo objetivando avaliar a influência da

concepção do autismo (a partir do modelo biomédico ou da neurodiversidade) na resposta

dos indivíduos e na forma como lidam com o diagnóstico. Corroborando com o presente

estudo, os pesquisadores concluem que a percepção do autismo, pelos indivíduos que tem

esse diagnóstico, como parte da identidade se associa a uma concepção do autismo que

chamou de “déficit como diferença”. No entanto, contrário à sua hipótese, tal percepção não

foi acompanhada pela diminuição do reconhecimento de dificuldades nem da busca por

intervenção e apoio por esse grupo de indivíduos, apenas pela visão positiva do autismo

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enquanto identidade, sem necessidade de cura, pois tal concepção considera a existência de

diferenças, mas não foca no déficit como falha ou menor valia. Diante disso, sugere a

necessidade de superação da falsa dicotomia entre celebrar as diferenças e melhorar

dificuldades, por meio do aproveitamento positivo de traços autísticos no desenvolvimento.

Tal concepção corrobora com Atwood (2006) quando este aponta a importância da

abordagem positiva do diagnóstico enquanto forma qualitativamente diferente de ser, com

foco nas habilidades.

No presente estudo observou-se que o foco nas características positivas se deu

principalmente em relação à aspectos cognitivos, como capacidade cognitiva e memória

elevadas, bem como percepção visual aumentada. Nesse sentido, nas respostas estiveram

presentes com frequência a associação do diagnóstico a pessoas famosas por terem essas

características citadas ou por se sobressaírem de alguma forma, como o cientista Albert

Einstein ou o jogador de futebol Lionel Messi. Essa associação surgiu no discurso de todos

os sujeitos como aspecto valorizado do TA.

Quanto ao valor do diagnóstico, para um dos sujeitos a diferenciação do TA do

autismo foi um fator importante, enquanto para os outros dois tal questão não surgiu. Giles

(2014) em seu estudo sobre a incorporação do TA ao diagnóstico de Transtornos do Espectro

do autismo, aborda a preocupação de que essa mudança possa aumentar o estigma em relação

aos indivíduos antes diagnosticados como aspergers. Essa preocupação se dá devido a

percepção social das características do TA como predominantemente positiva em relação a

do autismo, dada sua associação com “gênios” (Kite, Gullifer, & Tyson, 2013).

Ainda no tocante à caracterização do TA, os sujeitos trouxeram predominantemente

características com as quais se identificam, mesmo que estas não sejam oficialmente

relacionadas ao diagnóstico. Dessa forma, suas definições do que é o TA, apesar de conterem

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muitos elementos dos critérios diagnósticos oficiais, não se basearam completamente nestes,

mas muito nas percepções deles mesmos. Logo, na etapa identificação das características em

terceiros, observou-se que eles falharam em identificar diversas características associadas ao

TA do personagem Sheldon. As características mais apontadas por eles como relacionadas

ao asperger foram as que estiveram em suas definições anteriores e as que associam a eles

mesmos. Por vezes algumas delas nem eram oficialmente uma característica. Por outro lado,

nessa etapa da entrevista, após a exibição das cenas, eles trouxeram características do TA

que não haviam citado anteriormente e com as quais se identificaram. Tal fato sugere que

anteriormente a exibição das cenas eles não associavam certo aspecto ao TA, mas a

identificação que tiveram com o personagem que sabiam ter o diagnóstico trouxe luz a

percepção de que esses aspectos poderiam ter relação com o asperger, produzindo insight.

8.3 O TA para os pais e filhos: ecos de vozes e percepções

Medidas de autoavaliação são largamente utilizadas na pesquisa e pratica clínica,

especialmente na avaliação de crianças mais velhas, adolescentes e adultos. Nos estudos do

Awareness e Insight, autorrelatos e outras medidas de autoavaliação são apontadas como

possibilidade de acesso ao fenômeno. Porém, tal ferramenta não costuma ser utilizada

individualmente, a ela os pesquisadores acrescentam informações de uma terceira pessoa,

construindo o que denominam medidas de discrepância, ou seja, resultados que lhes permitem a

comparação entre as respostas do paciente e de outras pessoas próximas acerca de seus sintomas

e impactos destes sobre as atividades sociais, educacionais e laborais (Markova & Berrios, 1992;

Sohlberg & Mateer, 2001).

Para este conjunto de pesquisadores, tal necessidade de medidas de discrepância se

justifica pela possibilidade de identificação do que denominam respostas enviesadas, ou seja, para

identificar objetivamente se alguns sintomas característicos do autismo escapam à percepção dos

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sujeitos. Na perspectiva quantitativista de insight, quando as informações de caracterização são

obtidas diretamente de indivíduos com desordens que afetam seu funcionamento psicológico ou

cognitivo, existem preocupações acerca do grau de ciência dos sintomas ou características

(Johnson, Filliter, & Murphy, 2009b). Particularmente no que tange a indivíduos que tem asperger,

se observa que por estes apresentarem as características relacionadas às dificuldades na interação

e comunicação social, frequentemente não estão cientes de quando exibem comportamentos e falas

consideradas inadequadas e realizam interpretações de contextos e situações, igualmente

consideradas incorreta (McMahon & Solomon, 2015).

A partir do exposto, conclui-se que grande parte dos estudos de awareness, insight e

autopercepção em indivíduos com asperger tendem a adotar também medidas de discrepância entre

percepções dos indivíduos e de respondentes próximos a estes. Destes, grande parte dos estudos

utilizam questionários respondidos por pais e (Dewrang, 2011; Drummond, 2013; Johnson,

Filliter, & Murphy, 2009a; Sheldrick, Neger, Shipman, & Perrin, 2012).

No entanto, nessa perspectiva de comparação, intui-se a avaliação quantitativa de insight,

ou seja, o quanto um indivíduo percebe ou não suas características a partir da comparação com a

percepção dos pais. Para este estudo, optou-se por recorrer a entrevistas com pais e filhos,

assumindo como aspecto central da investigação os sentidos e vivências por estes produzidos.

Nesse sentido, a confrontação de entrevistas e percepções de pais e filhos que têm o diagnóstico

de asperger, para além da busca por falhas e faltas identificadas na fala dos sujeitos, objetivou

identificar de que modo tais narrativas se interpenetram, os afastamentos e aproximações nas falas.

Considera-se aqui que as narrativas produzidas por autistas não são menos exatas ou necessitam

de outras narrativas que as corrijam, o foco assim se desloca de uma perspectiva quantitativa de

insight para uma qualitativa, onde o que importa não é o quanto o sujeito identifica de

características autistas em si mesmo, mas quais e como eles as significa.

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Para a realização desta etapa, cada sujeito indicou uma pessoa, considerada por ele mais

próxima, para que participasse da pesquisa. Todos escolheram um dos pais como respondente.

Estes realizaram a mesma atividade que seus filhos, porém com o esforço de responderem à

atividade como se fossem o seu filho: primeiramente a narrativa livre de como é ser asperger para

o personagem Oh, seguida das questões da entrevista e cenas da sérir The Big Bang Theory.

Destaca-se que apenas a mãe de Chaves conseguiu fazer o exercício de responder como o filho.

Apesar disso, foi observado que todos trouxeram seus sentidos, bem como em alguns momentos

tentaram pensar em como seu filho se sente em relação às temáticas abordadas.

Na literatura científica diversos estudos abordam a percepção de pais de filhos diagnosticados

com autismo acerca desse diagnóstico. Russel e Norwich (2012) apontam que pais frequentemente

reagem diferentemente antes e após a confirmação do diagnóstico dos filhos, pois o medo e

preconceito iniciais alcançam um estágio final de aceitação e adaptação. Pais também tendem a

reconstruir suas concepções acerca do TA, produzindo comumente narrativas mais positivas após

essa etapa, muitos assumindo papeis proativos de desestigmatização e mudança da percepção

social acerca do diagnóstico. Nessa direção, estudos identificaram a utilização de elementos que

partiam tanto de um discurso biomédico acerca do TA quanto do modelo social da deficiência. Os

pesquisadores concluíram que os pais tenderiam a utilizar qualquer discurso que, em sua opinião,

garanta o melhor prognóstico para seus filhos (Drummond, 2013; Russell & Norwich, 2012).

Quanto à percepção dos pais sobre a relação de seus filhos com o diagnóstico de autismo, bem

como suas potencialidade e fragilidades relacionados a este, estudos de insight apontam que os

pais tendem a sugerir mais dificuldades do que seus filhos. Nesse sentido, a partir das discrepâncias

entre as percepções dos pais e dos filhos, sugerem dificuldades da parte destes últimos de perceber

suas próprias dificuldades e características, caracterizando a presença de falhas no processo de

insight. No entanto, outros estudos apontam que tais discrepâncias e respostas podem advir de

outros fatores, tais como o enviesamento de respostas não somente da parte dos filhos, como dos

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pais, devido ao esgotamento da convivência diária que leva a uma percepção negativa (Drummond,

2013).

No presente estudo, observou-se que pais e filhos, de maneira geral, produziram narrativas

semelhantes, tanto para as dificuldades encontradas, quanto para as potencialidades, seja no âmbito

social, relacionado ás dificuldades de interação e comunicação social, bem como nos aspectos

cognitivos, ressaltando aspectos como inteligência e habilidades mnemônicas. No entanto, para

além disso, na confrontação das entrevistas puderam ser observadas aproximações no discurso

quanto aos sentidos e significados veiculados nos discursos acerca do diagnóstico e valores

associados a este.

Nessa direção, John e seu pai abordam em seus discursos a necessidade de enfoque nas

características positivas do filho e disfarce das negativas, apesar de John dar mostras de não se

sentir confortável com essa estratégia. Chaves e sua mãe têm em seus discursos aproximações no

tocante á produção de discursos que sugerem relativa neutralidade diante do diagnóstico e, por

vezes, indiferença. Por fim, Satoshi e seus pais, principalmente sua mãe, demonstram a mesma

angústia em relação ao Transtorno Obsessivo Compulsivo do filho, este surge como co-morbidade

ao TA e fonte maior de sofrimento.

Cabe ainda ressaltar os conselhos que pais e filhos, ao final da entrevista, deram a eventuais

pais de adolescentes e jovens que acabaram de ser diagnosticados. Nestes, a similaridade das ideias

entre os pares, presentes durante a entrevista, se evidencia quando é pedido a cada um deles que

faça o mesmo exercício de aconselhamento, que possivelmente reflete o que para cada um deles é

essencial no papel de pais de um indivíduo com TA. Essas falas são dispostas a seguir:

Pai de John: “aah estar o tempo todo próximo a eles nunca deixando de ofertar opiniões e

conselhos. Sempre estar estimulando”.

John: “Que...ajudem essas pessoas...que ajudem seus filhos a se portarem...que encontre

meio delas contornarem seus problemas sem causar muito transt (transtorno)...[corta a fala]”

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Mãe de Chaves: “pra ajudar...que se eu não tivesse visto que R era diferente no começo, ele

não estaria como está, e como eu percebi e comecei a conversar (...). Tanto é que R chegou aonde

chegou. ”

Chaves: “Não fiquem tristes. Tenham paciência. ”

Mãe de Satoshi: “Que desse muito amor a ele. Muito amor, atenção, que lutasse por ele e

que conseguisse dar um bom apoio psicológico que eu acho que a coisa melhora. Muito amor,

eu acho que eles precisam muito disso. Amor, atenção e um acompanhamento psicológico

adequado. Que é o que a gente busca fazer, sempre. ”

Satoshi: “Tentem conversar com ele com frequência, tentem dar atenção a ele, porque ele é

como um ser humano normal que eu sei que vocês sempre deram...tentem tratar ele como vocês

sempre trataram ele...apesar das dificuldades. Façam o seu filho feliz porque ele pode estar meio

infeliz...com..com o ambiente...exterior...”

A análise dos discursos dos pais exige a retomada aqui de reflexão acerca do lugar destes no

desenvolvimento dos processos de insight de seus filhos. Torna-se necessário refletir sobre um

perfil de funcionamento psicológico superior perpassado por uma condição clínica, presente desde

muito cedo. Nesse sentido, diante da presença de uma condição como o TA, que se configura como

um transtorno do neurodesenvolvimento, é relevante refletir como um conjunto de características

que constituem o indivíduo e fazem parte de sua identidade, implicam numa forma de perceber e

estar no mundo que é qualitativamente diferente do desenvolvimento típico.

Nesse sentido, buscando ampliar a compreensão acerca das experiências e vivências

desses sujeitos propõe-se uma análise dos processos de desenvolvimento numa perspectiva

dialógica, argumentando que as funções psicológicas têm substrato na corporeidade, mas são

igualmente interdependentes dos contextos emocionais e socioculturais nos quais o sujeito está

imerso. O desenvolvimento subjetivo é considerado resultante das relações sociais internalizadas.

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Assim, a alteridade se constitui enquanto característica importante, uma vez que a experiência

singular humana é forjada na relação interdependente eu-outro.

Na perspectiva dialógica, esse processo se dá na interação e por meio do uso da

linguagem. Essa tem papel fundamental no desenvolvimento, primeiro externamente, advinda

desse outro cuja fala direciona inicialmente as ações, para em seguida, ser apropriada e, finalmente,

internalizada. A linguagem adquirida se converte em organizadora do pensamento e do

comportamento da criança. Sua atividade se orienta através dos signos e significados que

constituem o tecido da consciência própria, através da linguagem interior. A partir deste momento,

além da função de atuação externa, ou seja, da busca por uma resposta ou comportamento do outro,

a fala ganha a função interna de autorregulação. Por meio dela regulamos nossa própria conduta,

por exemplo, planejando antecipadamente em nossa consciência e prevendo e resolvendo

mentalmente os problemas que uma atividade pode apresentar. No processo de internalização os

signos se convertem em instrumentos subjetivos da relação do indivíduo consigo mesmo:

autodirigem e regulam sua própria conduta e pensamento.

Pratt, Mackey, & Arnold (2001) abordam a constituição das vozes de cada indivíduo como

derivada da apropriação de vozes e influências externas (ex: pais e pares) a partir de experiências

e interações com estas. Tais influências irão aparecer no plano intrapsíquico (ou discurso interno)

à medida que o indivíduo se depara com problemas ou conflitos. Os autores sugerem que, em

última instância, a partir dessas influências se constrói um sistema de crenças pessoal.

A consideração dos processos de desenvolvimento de adolescentes ou adultos jovens, a

partir da perspectiva dialógica, na qual os sentidos são construídos nas interações sociais, ressalta

o papel das relações entre pais e filhos no processo de desenvolvimento destes, bem como na

formação de identidade e construção de sentido. Ressalta-se a importância do diálogo na

construção do sentido e compreensão do self (Bakhtin, 1986; Holquist, 1990). Este não é definido

como uma atividade diádica, mas como sendo composta de três elementos: um enunciado, uma

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resposta e a relação entre eles. Nesse processo, a linguagem não é usada para representar uma ideia

completamente formada na mente de alguém. Essas são, na verdade, construídas por meio dos

enunciados e como parte de um diálogo.

Nessa interação, diversas vozes estão presentes, para além de apenas o falante e o ouvinte,

pois à medida que um fala, o outro interpreta, e essa interpretação está atrelada a vivências e vozes

anteriores presentes em seu discurso interior. Dessa forma, existem diferenças entre o que é falado

e o que é ouvido que leva a entendimentos diferentes para cada participante do diálogo, existindo

uma lacuna entre os indivíduos. Bakhtin sugere que é nessa lacuna que emergem novas ideias

sobre o mundo e sobre si mesmo e é onde se constroem as vozes individuais (Ashbourne, 2009).

Na relação entre pais e filhos, esse intervalo permite o desenvolvimento destes e formação de

identidade a partir da co-construção dialógica de sentidos sobre si mesmos no processo de

desenvolvimento.

Nesse sentido, diversos estudos sugerem o papel das crenças e discursos dos pais acerca

das habilidades dos filhos, principalmente em relação a aspectos acadêmicos, nas crenças destes

acerca deles mesmos (Eccles et al., 2012; Frome & Eccles, 1998). No presente estudo

problematiza-se a relação entre os discursos de pais e filhos e a influência do discurso dos

primeiros na construção dos processos de insight acerca do diagnóstico dos segundos.

Convoca-se aqui a perspectiva de Bakhtin (1929/1992) do desenvolvimento da identidade

no contexto social compartilhado, permeado de vozes e discursos. Nessa constituição, o autor

distingue dois tipos de discursos dialógicos que atuam nas vozes individuais. O primeiro é uma

forma de discurso externalizada, na qual o discurso em desenvolvimento da criança reflete uma

aliança incondicional com a voz da autoridade. Isso é caracterizado por repetição mecânica de

crenças que não foram totalmente internalizadas e apropriadas como deles mesmos. No segundo,

mais avançado, a criança se engaja no diálogo interno persuasivo. Neste, a voz dos outros não só

é audível no discurso da pessoa, mas foi assimilada e reconstruída (Tappan, 2005). Do ponto de

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vista de pais e filhos, a voz dos pais é o discurso inicial de autoridade, cujos elementos são

assimilados por estes que irão, posteriormente, clamar autoridade e responsabilidade pela fala,

apesar de esta ser uma resposta à visão dos pais da forma como o filho as compreende e reconstrói.

Ainda sobre a formação de identidade e percepção de si, é no conceito de excedente de

visão de Bakhtin busca clarear o papel do outro nesse processo. Nessa concepção, o outro pode

nos fornecer o olhar diferenciado, de aspectos individuais, que nós mesmos não temos, pois se faz

necessário um distanciamento para perceber. Esse olhar de alteridade nos é colocado e pode

integrar nossa própria concepção de si. Porém, tal processo pode ocorrer de duas formas: a primeira

reflexiva, quando a percepção alheia “cola” na nossa e é literalmente reproduzida, ou refratária,

quando esta mesma percepção passa pela reflexão e é incorporada à autopercepção com ajustes

individuais (Faraco, 2009).

Nesse sentido, diversos estudos sugerem a existência de dificuldades de indivíduos dentro

do espectro do autismo no processo de apropriação da linguagem. Tais pesquisas partem da

hipótese de que, por esses indivíduos apresentarem dificuldades no tocante à linguagem,

principalmente na comunicação social, ou seja, os aspectos sociais e relacionais desta (como a

dimensão pragmática), aspectos importantes da linguagem seriam perdidos por estes, levando a

uma apropriação/internalização qualitativamente diferente da linguagem (Wallace, Silvers,

Martin, & Kenworthy, 2009). Ao mesmo tempo, outros estudos sugeriram que dificuldades no

discurso interno em crianças do espectro se relacionam a discrepâncias no perfil cognitivo destas,

com variações do âmbito verbal para o não-verbal, sendo este mais desenvolvido. Dessa forma,

indivíduos com maiores habilidades não-verbais e pensamento predominantemente visual teriam

maiores dificuldades em utilizar o discurso interno. Saalasti et al. (2008) concluíram em seu estudo

sobre a aquisição da linguagem em crianças com diagnóstico de síndrome de asperger, que estas

obtêm resultado significativamente menor em tarefas de compreensão de linguagem. Tais

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dificuldades podem estar associadas a déficits na autorregulação, que se associa ao uso da

linguagem como discurso interno para planejar e direcionar o comportamento.

O discurso interno, no sentido proposto por Vygotsky, é associado por Morin (2005) à

autoconsciência e autopercepção. Tal associação se justifica dada a associação desse discurso a

autorreflexão. Este ainda reproduz mecanismos sociais responsáveis pela autoconsciência, como

vozes e discursos de outros indivíduos. Morin sugere que é a partir desse mecanismo que

informações sobre si mesmo, partindo de outras pessoas, podem tornar-se intrapessoais,

agregando-se a autopercepção e ao autoconceito de cada indivíduo. No entanto, se a informação

não for correta ou acurada, o indivíduo pode resistir a incorporá-la ao seu autoconceito. Assim,

antes dessa etapa, a informação passa pelo que Eisenstadt, Leippe, & Rivers (2002) chamam de

escrutínio reflexivo, no qual a informação é confrontada com informações relativas ao

autoconceito. Morin sugere que esse escrutínio diz respeito o discurso interno ou o “falar consigo

mesmo”. Ele exemplifica da seguinte maneira: uma pessoa pode ser acusada de ser preguiçosa por

faltar o trabalho, o que poderia ser verdadeiro, mas caso não seja, a passar pelo escrutínio a

informação correta será obtida: ‘eu não sou preguiçoso, eu estava doente e de cama” (Morin, 2005.

Diante disso, no presente estudo, as percepções dos adolescentes e jovens com asperger

sugerem que algumas informações e concepções de seus pais, pessoas mais próximas em seu

convívio atual e referência durante todo o processo de desenvolvimento, podem ser atreladas as

suas sem a reflexão necessária para a refração, com sugerida por Bakhtin, das informações, de

forma que significados relativos ao asperger, bem como sentidos construídos e outras concepções

incorporadas as percepções que eles tem de si, são dadas por terceiros. No estudo, tal possibilidade

é ressaltada no caso de Chaves, que recorre frequentemente as percepções de terceiros quando

perguntado sobre ele mesmo, as vezes em citações literais, e cujas preocupações sempre refletem

as de sua mãe. Em contrapartida, no discurso de John, apesar de surgirem fortemente as

concepções de seu pai em relação ao diagnóstico, em alguns momentos de sua fala se distingue a

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dissonância interna, como se ele avaliasse o quanto de fato aquela informação o define, a exemplo

do seguinte trecho, em que ele aconselha outros jovens que acabaram de descobrir que tem TA:

“tem um [conselho]...seja uma pessoa que tente se parecer com as outras pessoas, mesmo

que você não seja igual a eles”.

Nas produções narrativas dos sujeitos do presente estudo identifica-se a presença de “ecos”

das vozes e concepções de seus pais acerca do diagnóstico de asperger, quando confrontadas as

entrevistas. Tal fato em si não destoa do que é esperado para o desenvolvimento de qualquer

sujeito. No entanto, para os sujeitos do presente estudo, as vozes dos pais parecem refletir mais do

que refratar tais vozes em seu próprio discurso.

9. Conclusões

"Eu não posso me arranjar sem um outro, eu não posso me tornar eu mesmo sem um

outro; eu tenho que me encontrar num outro para encontrar um outro em mim"

Bakhtin (em Faraco, 2009)

Estudos diversos têm examinado a percepção e o entendimento que os indivíduos com

Transtorno de Asperger têm acerca do mundo e de outras pessoas, mas menos interesse tem sido

direcionado para o entendimento destes sobre o seu próprio diagnóstico. Ao mesmo tempo, o

conhecimento científico acerca dos comportamentos associados ao TA, suas relações sociais,

educacionais e laborais, foi construído a partir do relato de terceiros: relatos de clínicos,

pesquisadores e pessoas próximas.

Tais relatos constituíram importante fonte de conhecimento sobre o TA no sentido de

compreensão de aspectos nosológicos e nosográficos do diagnóstico, bem como de

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comportamentos observáveis. Para além disso, construíram igualmente uma visão social do

diagnóstico pautada nessa percepção externa.

O presente estudo buscou compreender aspectos relativos aos processos de insight de

indivíduos com Transtorno de Asperger acerca de seu diagnóstico. Para tanto foram investigados

diversos aspectos relativos a suas percepções sobre o TA, bem como as percepções de seus pais

sobre o mesmo tema.

Salienta-se que no presente estudo, a compreensão do funcionamento de indivíduos

aspergers parte do princípio de que quantitativamente estes não têm uma menor ou maior

percepção de si mesmos, ou seja, reconhecendo a existência ou não de “sintomas” ou

características. Por outro lado, qualitativamente, as percepções deles acerca de si mesmo, como

apontado anteriormente, não são menos precisas ou exatas, importando menos quanto o sujeito

identifica e mais que característica eles percebem e como as significam. Assim, compreender

“como é ser asperger”, implica investigar os processos de desenvolvimento desses indivíduos,

que são atrelados ao meio em que vivem, bem como a vozes e discursos que permeiam seu

contexto, para além de apenas as distintas características de seu funcionamento cognitivo.

Tal processo de desenvolvimento pode ser analisado a partir da contribuição de Bakhtin e

Volochinov (1929/1992) em termos da necessidade da emergência da novidade na produção

narrativa e, consequentemente, nos processos de insight. Para os autores, a consciência não se

utiliza da língua como quem mobiliza um conjunto de regras normativas, este sistema formal é na

verdade uma abstração. Sendo assim, não se pode negligenciar que o sujeito mobiliza e usa a língua

em situações concretas. Isso posto, a relevante dimensão desse processo não está no formal, mas

no novo significado produzido nesse contexto. Ou seja, a forma linguística ganha importância no

momento em que se apresenta como signo flexível e variável, não como sinal estável.

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Decorre que, se a língua só ganha relevância na sua dimensão de variabilidade e

flexibilidade, o foco de investigação deve deslocar-se do que está em conformidade com a dita

norma para a novidade que emerge. A palavra é, na verdade, uma orientação que é a esta conferida

por um contexto e uma situação específicos (Dome, 2009).

É interessante notar que no universo autista o signo linguístico perde exatamente esta

dimensão de flexibilidade e novidade. O processo fica estanque na dimensão do significado da

palavra, não do sentido que a palavra ganha naquele contexto singular. Salienta-se que participam

da construção deste sentido dimensões da linguagem não veiculadas através da fala, tais como

expressões faciais, comportamentos, condições sociais, este conjunto de enunciados confere

àquele contexto uma dimensão única, mas para o asperger ela costuma estar presa a um mesmo

significado, imutável e rígido.

Nesta perspectiva, como uma característica do funcionamento asperger pode pensar numa

disrupção na transição de um modo monológico para um dialógico de pensamento, que pode

comprometer o engajamento na relação com os pares. O asperger pode apresentar dificuldades

para desenvolver uma narrativa acrescida de novidade ao entrelaçamento com os seus pares. Por

vezes, seu discurso parece apenas refletir e repetir, ecoar as vozes sociais. Nesse sentido, a

produção de significados e sentidos tende a reproduzir as concepções da sociedade.

Sendo as vozes da cultura aquelas entoadas pelos sujeitos asperger, as suas identidades e

consciências, qualitativamente diversas, vão denunciar os preconceitos e dificuldades nas relações

da sociedade com as condições destoantes. O modelo biomédico converte-se na fala dos sujeitos

deste estudo, mesclado com os discursos da mídia e dos pais.

Possivelmente a principal característica dos processos de insight para o TA é a manutenção

de um discurso monológico, sem a presença constante da novidade, na ausência da autenticidade.

Convém então questionar se trata de ausência de insight ou de um modo idiossincrático de produzi-

lo.

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Buscando responder à questão acima lançada convoca-se o conceito de disontogênese

(Anokhin, 1975; Vygotski, 2012), central na defectologia vygotskiana, que é contraponto à visão

tradicional do sujeito com alterações desenvolvimentais. Tal concepção traduz-se numa visão do

sujeito com dificuldades como um ser cujo desenvolvimento é caracterizado pela falta. Abordar a

deficiência sob a ótica da limitação imposta pela condição significa considerar a pessoa com

deficiência um simples conjunto de funções negativas, resultando em uma abordagem limitada

(Gindis, 1999; Vygotsky, 2012). Em contraposição a esta perspectiva, a defectologia baseia-se em

uma concepção de desenvolvimento como processo essencialmente qualitativo, de forma que

podemos pensar a produção de insight no asperger não como menos desenvolvida do que outras,

mas detentora de um processo desenvolvimental que ocorre de maneira qualitativamente distinta

daquela dita normal.

Na defectologia o papel do “defeito” é sempre duplo, pois configura contexto de

disontogênese, ou desvio da função típica do desenvolvimento, produzindo falhas, obstáculos e

dificuldades na adaptação do sujeito; mas por outro lado, exatamente porque o defeito produz

obstáculos e rompe o equilíbrio normal, ele serve de estímulo ao desenvolvimento de caminhos

alternativos de adaptação, indiretos, os quais substituem ou superpõem funções que buscam

compensar a deficiência e conduzir todo o sistema a uma nova ordem (Vygotsky, 2012).

Nessa perspectiva, a dimensão sociocultural é dialeticamente o gérmen da deficiência e

o caminho compensatório, pois onde identifica-se a limitação biológica, abre-se um caminho,

sem limites, para o desenvolvimento cultural. Sendo assim, pode-se concluir que os processos de

insight, o desenvolvimento da consciência do asperger seguem caminhos distintos de

desenvolvimento. O entendimento destas rotas alternativas de desenvolvimento das funções

psicológicas superiores, bem como as proposições de intervenções que favorecem tal processo

transformam o negativo da deficiência no positivo da compensação (Vygotski, 2012).

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10. Considerações finais

“Nada sobre nós, sem nós”

(Tradicional slogan que representa a ideia de que decisões sobre grupos de pessoas

não devem ser tomadas sem sua participação. É tamnbem lema do movimento Autistis Self-

Advocacy Network)

O presente estudo buscou contribuir para o entendimento de indivíduos diagnosticados

com transtorno ou síndrome de asperger a partir da perspectiva destes. Tal compreensão é

essencial para familiares, profissionais e amigos de sujeitos com esse diagnóstico. Esse fato se

justifica dada o crescente aumento do conhecimento público sobre a condição asperger e a

ampliação da inclusão desses indivíduos em sociedade. Ressalta-se que este estudo considerou

apenas aspectos relativos à percepção do diagnóstico, sendo necessários estudos que ampliem a

compreensão da constituição desse discurso considerando outros aspectos da consciência de si.

Ademais, cabe investigar o papel de outras fontes de influência nesse discurso, como professores

desses indivíduos. Sugere-se ainda a ampliação de estudos de insight com indivíduos

diagnosticados com outros transtornos do neurodesenvolvimento, no intuito de investigar como

se constitui a percepção desses diagnósticos, considerando semelhanças e distanciamentos do

TA.

Por fim, destaca-se o papel de estudos com narrativas, autobiografias e autorrelatos de

indivíduos do espectro do autismo na contribuição para a evolução social e cultural em

andamento desse diagnóstico, não só para a sociedade, mas com efeitos transformativos

significativos nas experiências do dia a dia dos próprios indivíduos autistas. Tais efeitos

decorrem da possibilidade de que, a partir dos exemplos similares, outros indivíduos autistas

possam se engajar e explorar suas próprias experiências, modificando igualmente a forma como

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pensam e falam de si mesmos. Para tanto, ressalta-se a importância da visão social desse

diagnóstico, voltando-se para a possibilidade de pensar o TA como forma de ser diferente.

Salienta-se que compreender esses aspectos da consciência de si significa compreender a

singularidade e eventicidade da existência e da experiência subjetiva. Tais aspectos são essenciais

para a real compreensão do que significa se desenvolver de maneira fundamentalmente diferente,

sem reduzir o indivíduo a estereótipos sociais, ou achados científicos teóricos, como alterações

cognitivas e comportamentos desviantes.

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12. Anexos

Anexo 1: Roteiro da atividade e entrevista

1. O que é SA?

2. Como você sabe se alguém tem SA?

3. Você tem algum amigo que tem SA?

4. Você já ouviu algo na TV, filmes ou na internet sobre a SA? Você já viu alguém

na TV ou em filmes com SA? Você conhece alguém famoso com SA? O que você

acha disso?

Agora eu gostaria de te mostrar umas cenas de uma série de TV. Essa série mostra o dia-a-

dia de um grupo amigos cientistas. Um deles tem algumas características da SA, inclusive

algumas que você mencionou.

Passar as cenas.

5. E aí você conseguiu identificar quem poderia ter SA? O que você identificou/quais

características dele você acha que se devem a SA?

6. Quem te falou sobre a SA? Você lembra de ter sido testado? Como te disseram

sobre a SA?

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7. O que você acha que fez você ser assim?

8. Tem características do Sheldon que você observa em si mesmo?

9. Como você se sente sobre ter SA?

10. Tem outras coisas boas (pontos de força) ou coisas não tão boas (fragilidades) que

resultam de seus comportamentos da SA?

11. Como, se isso aconteceu, ter SA mudou sua vida?

12. Tem alguém na sua vida com quem você se sente confortável falando sobre SA?

Quem?

13. Sua família fala com você sobre a SA?

14. Que conselho você daria a outro adolescente ou jovem adulto que descobriu que

tem SA? O que você diria para ele?

15. Que conselho você daria para pais de um adolescente ou JA com SA?

16. Antes de terminarmos, tem algo mais que você gostaria de acrescentar? Você

consegue pensar em algo mais que você gostaria de me dizer?

17. Como foi para você fazer essa entrevista?

Eu gostaria de te agradecer por ter participado dessa entrevista e por ajudar com essa

pesquisa. Você fez uma contribuição importante, não só para a pesquisa, mas também para

ajudar outras crianças/adolescentes com SA.

Anexo 2: Transcrições dos áudios dos sujeitos

John

1. E: Oh é um ser de outro planeta que veio habitar a terra. Como vimos no vídeo, ele é um Boov,

e todos os boovs receberam um panfleto sobre como a terra funciona. No filme, nós vemos que

o Oh está começando a aprender sobre muitas coisas e, agora, está particularmente interessado

em aprender sobre as pessoas desse planeta, mas, como vimos, ele percebeu que nem tudo está

no panfleto e as pessoas parecem mais complicadas do que diz lá. Uma coisa que ele descobriu

é que existem pessoas que têm transtorno de Asperger, mas não achou nada sobre isso no

panfleto. Ele acredita que que adolescentes ou jovens adultos como você, com SA, são os

verdadeiros experts que podem ensinar as outras pessoas sobre como é ter SA. Ele gostaria de

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entender sobre como é ter SA, como isso te afeta e como faz você se sentir, bem como que

impactos da SA você percebe no seu dia-a-dia. Ele quer saber tudo isso.

2. J: Na verdade você quer saber...pelas entrelinhas para a pesquisa.

3. E: É, so que aí a gente vai fazer como se fosse com o OH. O que é que você acha?

4. J: Um pouco ridículo

5. E: Então você prefere me dizer?

6. J: Prefiro.

7. E: Então tá. Então pode ser.

8. J: Porque bem eu não sou muito bom de apresentações...

9. E: Hum.

10. J: e...não...eu sou um pouco nervoso na hora de apresentar alguma coisa...

11. E: é por isso que se você preferir você eu posso ir ali (fora de seu campo de visão) ou até lá

pra fora e você fala pro Oh.

12. J: Não precisa, vou do meu jeito.

13. E: Tem certeza?

14. J: Uhum.

15. E: Então tá

16. J: Bem...eu não cheguei a pesquisar exatamente o que que é uma SA, mas isso dá pra

perceber porque em algumas eu não consigo me relacionar direito socialmente... o mínimo

que seja...e quando eu vou conversar com alguma pessoa as vezes eu não...eu tenho que

terminar o conteúdo que eu to dizendo pra deixar ele falar.

17. E: Hum

18. J: E também...eu tenho que ter um pouco de desvio de atenção e quando aí as coisas

desviam...também são coisas que logicamente não teriam importância, como mexer numa

caneta e girar um peão ou então ver um negócio oscilando...

19. E: Essas são coisas que desviam sua atenção?

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20. J: ...sim...

21. E: Que mais que você percebe e acha que é (da SA) e conhece?

22. J: Não dá pra explicar isso muito direito do que eu sei agora, mas a primeira a pessoa que

me diagnosticou...o nome da pessoa que diagnosticou que eu tenho asperger foi um cara

chamado M. que também tinha um pouco e gostava muito de...eu gosto muito de fazer

algumas coisas padronizadas e tipo o...se eu des...se alguém desmontar o avião de lego que

tenho lá em casa eu vou lá e monto de novo...tipo...eu quero que aquilo seja de um jeito, crio

regras para algumas coisas...

23. E: Certo

24. J: Também...eu não sou...uma pessoa asperger ou autista nunca vai se dar bem com RPG de

mesa, porque eu acho que é uma coisa que dá pra identificar porque eu tenho tendo...eu sou

daquele tipo que fica imaginando as coisas e aí as vezes a imagem...eu me distraio com a

imaginação e o jogo fica chato e...algumas coisas que eu vejo eu só lembro de algumas

imagens que elas me ajudam a decifrar algumas coisas.

25. E: Hum

26. J: Tipo você visualiza linhas e códigos dentro de um jogo, pode querer visualizar linhas e

códigos dentro de um jogo ou então você pode lembrar de algum de algum detalhe que você

tenha perdido antes apenas batendo o olho ou pior..você representa tudo que vê e tudo que

entende através de imagem.

27. E: Você faz isso?

28. J: Faço também

29. E: Então se você tivesse que explicar pra alguém que não faz qualquer ideia do que é isso,

pode ser o Oh ou qualquer pessoa. Eu já conheço um pouco, mas se você tivesse que explicar

pra alguém que não sabe como é (a SA) que você diria?

30. J: Que o asperger é um autismo de grau levíssimo e na maioria das vezes quase

imperceptível. É normal nas pessoas terem pelo menos um pouquinho dessa síndrome.

31. E: E como você sabe se alguém tem SA?

32. J: Eu...não sei como descrever, mas a pessoa pode estar vidrada em alguma coisa que não

seja tão importante ou então gosta de brincar muito com uma caneta, normalmente desenha

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muito a mesma coisa, não procura variar...tem algum pa...a pessoa normalmente tem algum

padrão. No caso, eu só...a maioria das vezes que eu desenho são dragões.

33. E: É o que você gosta, não é?

34. E: Você prefere que eu desligue [a câmera]?

35. J: Não...tanto faz...será que você pode editar depois...um...a filmagem, porque não saí direito.

36. E: Mas esse filme só eu vou assistir.

37. J: entendi

38. E: Que mais você acha que dá pra dizer sobre como saber se a pessoa tem SA?

39. J: No meu caso eu também sou um pouquinho atrapalhado na hora de falar com as pessoas

e não consigo formar se...eu iniciar as palavras direito...eu acho que é uma consequência de

uma...de que...é como uma falta...pode ser uma falta de estimulo até.

40. E: E você tem algum amigo que tem SA?

41. J: M. L., também tem SA.

42. E: Você já falou dele da outra vez, não foi?

43. J: Aham

44. E: E vocês são amigos?

45. J: Éramos. Até a gente se desencontrar quando ele saiu do C., ele era da minha turma.

46. E: Huum ele era da mesma turma.

47. E: E você já viu algo na tv ou internet sobre...

48. J: Um livro! “Olhe nos meus olhos”

49. E: Huum já li esse livro. O que é que você achou?

50. J: Interessante...apesar de eu não ler ele por completo a primeira parte já deu pra entender

um pouco, porque ele também tinha alguns padrões que já identificavam que ele tinha

asperger...tipo ele organizava os carrinhos e caminhos de um jeito e teve algumas coisas que

ele não entendia direito também.

51. E: Huum. Você não leu ele todo ne? Eu acho que o nome dele é John.

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52. J: Acho que sim

53. E: O John se não me engano só recebeu o diagnostico quando já tinha mais de 40 anos...é lá

pro fim do livro.

54. J: Vishh...doido

55. E: E você se identifica com alguma coisa do John?

56. J: Sim...o mesmo padrões do caminhão que ele tinha eu identifiquei com o lego...o avião que

eu montava quando era criança e também com os dragões que eu normalmente desenhava

do mesmo jeito e...algumas coisas.

57. E: E você conhece alguém famoso que tem SA?

58. J: Não...mas eu conheço uma pessoa que tem autismo que até teve o filme...acho que já te

disse esse filme

59. E: Da Temple Grandin (TG)?

60. J: Isso

61. E: E o que você acha da TG?

62. J: Uma pessoa excelente apesar de ser um pouco problemática, principalmente com a

alimentação

63. E: Você leu o livro dela?

64. J: Não...so vi o filme

65. E: Ela tem alguns livros que...

66. J: Tem?

67. E: Sim, tem alguns.

68. J: E tem um primo meu lá em minas gerais que tem autismo também.

69. E: Huum acho que você falou uma vez..

70. E: Olha só...agora queria te mostrar cenas de uma série de TV. Essa serie mostra o dia a dia

de amigos que são cientistas. É a The Big Bang Theory (TBBT).

71. J: Huuum

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72. E: Você já viu?

73. J: Já

74. E: E você assiste regularmente?

75. J: Não...só vi

76. E: Um deles tem...

77. J: O que faz o Sheldon.

78. E: Isso. Inclusive algumas coisas que você mencionou. São cenas aleatórias e não do mesmo

episódio. Certo?

79. J: Certo.

Cena 3 – Os quatro amigos vão a um restaurante e não conseguem pedir

80. J: (risos) pelo...ele...tá todo como se uma pessoa que tem um asperger um pouco pior que o

meu porque ele faz atitude...algumas atitudes meio que um pouco neuróticas ou sem

pensar...ele tá falando muito... (risos) ...tá fazendo meio que um papel de bobo ...ele tá

falando coisa com coisa e os outros nem tão entendendo direito. (Risos). Eu não entendi

direito...

Cena 4 – Sorriso de Sheldon

81. J: (risos) ele não sabia se p...ele não sabe se...(risos) ele não entende as coisas direito (risos)

ele não sabe sorrir direito ele não entende...como é que é sorrir direito...só fez uma cara que

ele viu em algum lugar.

82. E: Nessas cenas que passarem tem alguma característica que você acha que é da SA? Do

Sheldon?

83. J: Nos padrões e o padrão no segundo vídeo dele pedir a mesma coisa

84. E: Ah dele pedir sempre a mesma coisa?

85. J: É, eu acho que é mas o que eu identifiquei meio foi os maneirismos dele.

86. E: Hum

87. J: Parece que ele tá um pouco...que ele tá...eu até tenho um pouco disso de vez em

quando...quando eu fico com a cabeça na lua.

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88. E: Hum...de maneirismo tipo o que?

89. J: Tipo ele ficar mexendo um pouco estranho.

90. E: Hum...vou botar outro...

91. J: E também aquele sorrisinho estranho dele eu compararia com.…com o ...eu comparei com

o ...com a com a.…com o fazer carinho do cara do livro...o.…que ele não sabia como tratar

alguém direito e o cara ele entendia mais um meio com uma agressão.

92. J: Ele tá meio atacado (risos)

93. Cena 6 - empréstimo de dinheiro à Penny

94. J: (risos) ...também de vez em quando eu entendo as coisas ao pé da letra e não consigo

enxergar as entrelinhas.

95. E: Foi o que aconteceu agora?

96. J: Aham

97. J: Nunca cheguei a fazer isso...completamente ilógico (risos)

98. J: Intitulando as coisas...ele deu um palpite meio que fora de contexto.

99. E: nessas teve alguma coisa que você acha que foi alguma coisa de...

100. J: eu não consegui identificar...explica? (pede ajuda a entrevistadora)

101. E: nessas ele sempre pergunta do sarcasmo...nem sempre ele consegue entender e ele

pergunta ao Leonard.

102. J: hum

Cena 7 – Conversa desconfortável

103. J: com certeza eu não faria isso...ele não entendeu direito (risos)

104. E: o que?

105. J: Na verdade ele até pode ter entendido, mas ele falou justamente o que ela não queria

ouvir.

106. E: então ele não entendeu mas falou o que ela não queria ouvir?

107. J: Uhum...eu não acho que seja algo de asperger.

Cena 8 – Decifrando expressão de Rajesh

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108. J: Hum...eu peço desculpas com um pouquinho de frequência.

109. E: você pede desculpa com frequência?

110. J: Não muito, mas normalmente eu peço ao meu pai e minha mãe...eu acho um pouquinho

excessivo de vez em quando.

Cena 9 – Abraço na lavanderia

111. J: Eu não faço isso.

112. J: De vez em quando eu explico um pouco de...eu só...as vezes eu...frequentemente quando

eu tô falando alguma coisa que eu acho que posso esquecer eu não deixo a pessoa me

interromper

113. E: Você fala até terminar?

114. J: Frequentemente

115. E: Nessa cena, teve algo da SA?

116. J: Ele explicando motivo do abraço alguma coisa assim...tudo tem que ter uma explicação.

117. J: (risos) e eu não vi nada que consiga identificar

Cena 10 – Sheldon e Leonard se conhecem

118. E: Eu não vi nada que tenha a ver com a SA...

119. Nessa? A cena ainda continua.

120. J: Aí eu identifiquei alguma coisa...os maneirismos dele novamente...são parecidos com os

de alguém que tem um pouco de...um pouco de asperger, só que um pouquinho acentuado.

121. E: Tipo que maneirismo?

122. J: Aquele outro menino do talento...cabeludo mais alto? Ele pergunta as coisas e parece que

bugou.

123. E: Pergunta muito?

124. J: Só o maneirismo dele...lembra um pouco o jeito de Temple Grandin se.…portar quando

tá um pouco neurótica.

Cena 11 – Ofensa a Penny

125. J: Ela...ele fez a comparação que ela não entendeu.

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Cena 12 – Funeral

126. E: E nessa?

127. J: Morreu uma pessoa...ele não consegue demonstrar visualmente uma característica que

seja de alguém que se importa muito mesmo que se importasse...ele não...tipo a pessoa quer

que ele chore porque o outro morreu, mas a pessoa não é de chorar muito

128. E: Entendi.

Cena 13 – Garoto especial

129. J: Outra comparação que o outro não entende

130. E: Que ele fez?

131. J: Aham...uma comparação que só ele entende.

Cena 14 - Experimento com Penny

132. J: [risos] ele tá...[risos] ele tá caçoando dela de uma maneira mais educada [risos].

133. J: eu até entendo o que é que as outras pessoas conseguem...e sempre eu estou

imaginando...o problema é mais em iniciativa meu...uhum...se for pra fazer alguma

comparação com isso daí.

134. J: Num gosta muito de alguns...ele não gosta de alguns padrões...ele é uma pessoa...ele não

gosta de alguns padrões...

135. E: certo.

136. J: Ele tem um problema com festas de aniversários a Temple um pouco tinha um problema

com elevadores e com alimentação...o meu é com desenhos infantis.

137. E: Por que?

138. J: Quando eu escuto fico querendo assistir, mas eu sei que não vale muito a pena e com

comédias também.

139. E: De todas essas cenas, o que é que você acha que chama atenção no Sheldon que são

características da SA?

140. J: O maneirismo dele e as explicações exageradas dele. Foi o que eu mais identifiquei.

141. E: Quem foi que te falou, J, sobre a SA?

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142. J: Não, a primeira pessoa que me falou foi M....ele também falou com meus pais depois foi

a....depois...agora na universidade foi E., que contou mais...E. da CAENE?

143. E: Não conheço E.

144. J: É uma psicopedagoga que me atendeu...ela explicou como é que é...como é que funciona

o asperger.

145. E: Então até conversar com ela você não sabia?

146. J: Não sabia direito como é...sabia de algumas coisas.

147. E: Só quando você conversou com ela...

148. J: Aham...e fiquei sabendo mais e eu ainda sei só que eu não sei descrever isso com

palavras...só com algumas imagens que eu também não sei descrever bem

149. E: Então você tem imagens de como é?

150. J: Uhum

151. E: De onde você acha que vem a SA? Já pensou sobre isso?

152. J: Não...

153. E: Tem características do Sheldon que você observa em você?

154. J: Tem

155. E: Como o que?

156. J: As únicas coisas que notei precisamente foi os padrões...as explicações exageradas e os

maneirismos dele...parece que ele está viajando no mundo de Star Trek.

157. E: Você acha que essas coisas parecem com você também?

158. J: É porque de vez em quando eu fi...quando eu tô pensando em alguma coisa eu acabo

passando isso pro corpo e eu ch...eu posso fi...quando isso acontece...tem vezes que eu chego

a ficar estranho, mas isso não acontece com frequência.

159. E: E como é que você se sente sobre ter SA?

160. J: Isso...não...isso não é uma dificuldade acadêmica nem...eu tenho capacidade de...aprender

a controlar essas...as minhas ansiedades e a SA é mais uma um tipo de su...pra mim a SA

não é uma mera deficiência em si é mais uma superdotação e uma pequena ligeira dificuldade

de se relacionar com as pessoas...se a pessoa for um pouco tímida.

161. E: Se a outra for tímida?

162. J: Se a pessoa com SA for tímida

163. E: Você é tímido?

164. J: Um pouco.

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214

165. E: E tem coisas boas ou não tão boas que você acha que resultam da SA? Por exemplos

pontos positivos?

166. J: Sim

167. E: Tipo o que?

168. J: Tipo...gosto muito de ficar escutando coisas que tenha...gosto muito de ficar....acho legal

tarefas de lógica e...os meus pontos positivos melhores são em programação que eu tenho

um pouco de facilidade pra apender.

169. J: E eu posso fazer...e...se eu quiser eu posso fazer tudo que eu...eu tenho várias

possibilidades pra fazer...posso até fazer todas elas se possível e também....as...é...além disso

é apenas uma...uma incoerência na parte social que eu ainda não em...algumas coerências na

parte de sociologia que eu não entendo.

170. E: Como assim?

171. J: Como...como como falar com as pessoas sem falar nenhuma frase que eu não entenda

direito ou então...que...eu não sei explicar direito como eu não pesquisei sobre o assunto.

172. E: Mas não precisa ser algo que você pesquisou, pode ser algo que você pensa ou

sente...como você entende que funciona.

173. J: Hum...o asperger em mim, o autismo não é um bicho de 7 cabeças...é só uma coisa que

...é só uma coisa que a pessoa é muito inteligente mas tem um pouco de dificuldade de se

relacionar em algumas situações e se portar em algumas situações, mas essa dificuldade pode

ser superada.

174. E: Você falou que uma coisa boa é...

175. J: É facilidade de aprendizado em geral

176. E: E uma coisa que você acha que é ruim? Tem?

177. J: Só comunicação.

178. E: Tem algum na sua vida com quem você se sente confortável falando sobre a SA?

179. J: Ah...teve E., teve meus pais, teve a J. daqui e poucos dos meus amigos...tipo...os amigos

que consegui me relacionar melhor.

180. E: Com esses você fala?

181. J: De vez em quando chego a falar um pouco, não tenho medo de falar.

182. E: Sua família então fala com você sobre o asperger?

183. J: Fala sim também, porque já pesquisaram sobre isso e as vezes eles me ajudam a me

orientar pra não parecer que eu tô com essa...pra não ficar parecendo que eu estou com essa

síndrome.

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215

184. E: E que conselho você daria pra outra pessoa da sua idade que acabou de descobrir que tem

SA?

185. J: Na verdade eu daria algumas dicas de como se portar na sociedade, algumas coisas que

eles tem tiraria algumas dúvidas que eles tem sobre se comportar na sociedade e diria pra

eles pra que não precisasse de...ficar contando isso pra...não precisa contar sobre essa doença

pra todo mundo e pra se...pra tentar fazer com que as pessoas não percebam que você tem

essa dificuldade.

186. E: E que dicas você daria? Tem algum exemplo?

187. J: Tem um...seja uma pessoa que tente se parecer com as outras pessoas, mesmo que você

não seja igual a eles.

188. E: E que conselho você daria para pais?

189. J: Que...ajudem essas pessoas...que ajudem seus filhos a se portarem...que encontre meio

delas contornarem seus problemas sem causar muito transt..muito ...sem que elas tenham

que passar por transtornos como...o que aconteceu com a Grandin na primeira vez que ela

foi na faculdade...que ela ficou tão estranha que todo mundo notou.

190. J: Eu não consigo descrever direito como é isso

191. E: A cena?

192. J: Aham...mas pessoa tem...se...a pessoa se comportando mais naturalmente e quase ninguém

percebe que a pessoa é...tem alguma coisa estranha...alguma coisa diferente...anormal

193. E: Certo, John. Estamos chegando ao fim de nossa entrevista. O que você achou?

194. J: Foi mais um paradigma do que eu a gente entende como SA, ainda vou procurar um pouco

mais sobre isso pra se entender um pouco melhor e poder tentar ser igual as outras pessoas

195. E: Você acha que tem que ser igual?

196. J: Sim, menos na presença dos meus pais que eu fico um pouco ansioso

197. E: Na presença deles que você acha que tem que ficar?

198. J: Isso na presença deles que tenho que melhorar e não é só isso...tem alguns detalhezinhos

que mesmo sem ser na presença deles preciso melhorar como se comportar...algumas

situações como a dos encontros

199. E: E você acha que foi bom falar disso?

200. J: Eu acho que foi bom falar disso...eu acho que alguém tiver conhecimento sobre isso e

quiser falar que fale porque pode ajudar a esclarecer e tentar quebrar esse paradigma que

asperger não é nada mais que um caso de autismo. Porque algumas pessoas pensam assim.

201. E: É bom pra tentar esclarecer...

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216

202. J: Isso! O que na verdade é isso...

203. E: Tipo o que?

204. J: As únicas coisas que notei precisamente foi os padrões...as explicações exageradas e os

maneirismos dele...parece que ele esta viajando no mundo de star trek

205. E: Você acha que essas coisas parecem com você também?

206. J: É porque de vez em quando eu fi...quando eu to pensando em alguma coisa eu acabo

passando isso pro corpo e eu ch...eu posso fi...quando isso acontece...tem vezes que eu chego

a ficar estranho, mas isso não acontece com frequência

207. E: E como é que você se sente sobre ter sa?

208. J: Isso...nao...isso não é uma dificuldade acadêmica nem...eu tenho capacidade de...aprender

a controlar essas...as minhas ansiedades e a sa é mais uma um tipo de su...pra mim a sa não

é uma mera deficiência em si é mais uma superdotação e uma pequena ligeira dificuldade de

se relacionar com as pessoas...se a pessoa for um pouco tímida

209. E: Se a outra for tímida?

210. J: Se a pessoa com sa for tímida

211. E: Você é tímido?

212. J: Um pouco

213. E: E tem coisas boas ou não tao boas que você acha que resultam da sa? Por exemplos pontos

positivos?

214. J: Sim

215. E: Tipo o que?

216. J: Tipo...gosto muito de ficar escutando coisas que tenha...gosto muito de ficar....acho legal

tarefas de lógica e...os meus pontos positivos melhores são em programação que eu tenho

um pouco de facilidade pra aprender

217. J: E eu posso fazer...e...se eu quiser eu posso fazer tudo que eu...eu tenho várias

possibilidades pra fazer...posso até fazer todas elas se possível e também....as...é...além disso

é apenas uma uma incoerência na parte social que eu ainda não em...algumas coerências na

parte de sociologia que eu não entendo

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218. E: Como assim?

219. J: Como...como como falar com as pessoas sem falar nenhuma frase que eu não entenda

direito ou então...que...eu não sei explicar direito como eu não pesquisei sobre o assunto

220. E: Mas não precisa ser algo que você pesquisou, pode ser algo que você pensa ou

sente...como você entende que funciona.

221. J: Hum...o asperger em mim, o autismo não é um bicho de 7 cabeças...é so uma coisa que

...é so uma coisa que a pessoa é muito inteligente mas tem um pouco de dificuldade de se

relacionar em algumas situações e se portar em algumas situações mas essa dificuldade pode

ser superada

222. E: Você falou que uma coisa boa é...

223. J: É facilidade de aprendizado em geral

224. E: E uma coisa que você acha que é ruim? Tem?

225. J: So comunicação

226. E: Tem algum na sua vida com quem você se sente confortável falando sobre a SA?

227. J: Ah..teve E. teve meus pais, teve a J. daqui e poucos dos meus amigos...tipo...os amigos

que consegui me relacionar melhor

228. E: Com esses você fala?

229. J: De vez em quando chego a falar um pouco, não tenho medo de falar

230. E: Sua família então fala com você sobre o asperger?

231. J: Fala sim também, porque já pesquisaram sobre isso e as vezes eles me ajudam a me

orientar pra não parecer que eu to com essa...pra não ficar parecendo que eu estou com essa

síndrome

232. E: E que conselho você daria pra outra pessoa da sua idade que acabou de descobrir que tem

SA?

233. J: Na verdade eu daria algumas dicas de como se portar na sociedade, algumas coisas que

eles tem tiraria algumas dúvidas que eles tem sobre se comportar na sociedade e diria pra

eles pra que não precisasse de...ficar contando isso pra...não precisa contar sobre essa doença

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218

pra todo mundo e pra se...pra tentar fazer com que as pessoas não percebam que você tem

essa dificuldade.

234. E: E que dicas você daria? Tem algum exemplo?

235. J: (Silencio) tem um...seja uma pessoa que tente se parecer com as outras pessoas, mesmo

que você não seja igual a eles

236. E: E que conselho você daria pra pais?

237. J: Que...ajudem essas pessoas...que ajudem seus filhos a se portarem...que encontre meio

delas contornarem seus problemas sem causar muito transt..muito ...sem que elas tenham

que passar por transtornos como...o que aconteceu com a grandin na primeira vez que ela

foi na faculdade...que ela ficou tão estranha que todo mundo notou

238. E: Eu não consigo descrever direito como é isso

239. J: A cena?

240. E: Aham...mas pessoa tem...se...a pessoa se comportando mais naturalmente e quase

ninguém percebe que a pessoa é...tem alguma coisa estranha...alguma coisa

diferente...anormal

241. J: Você ta arrumando a bolsa. Já quer ir?

242. E: Não

243. E: Posso perguntar mais coisas?

244. J: Pode

245. O que você achou de fazer essa entrevista?

246. J: Foi mais um paradigmas do que eu a gente entende como sa, ainda vou procurar um pouco

mais sobre isso pra se entender um pouco melhor e poder tentar ser igual as outras pessoas

247. E: Você acha que tem que ser igual?

248. J: Sim, menos na presença dos meus pais que eu fico um pouco ansioso

249. E: Na presença deles que você acha que tem que ficar?

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250. J: Isso na presença deles que tenho que melhorar e não é só isso...tem alguns detalhezinhos

que mesmo sem ser na presença deles preciso melhorar como se comportar...algumas

situações como a dos encontros

251. E: Encontros?

252. J: Aham, porque teve uma vez que fui bater la no prédio da universidade e ligaram la pra

outro prédio achando que eu tava estranho e realmente eu tava um pouco estranho pq a

menina não tinha ligado e eu queria falar com ela

253. E: Porque vocês tinham combinado ne?

254. J: Aham...situações que não sei direito como me portar...so que nessas situações eu já sei

como fazer...15 min de tolerância!

255. E: E se a pessoa não aparecer?

256. J: Vou embora! E eu descobri que a menina é furona e aí eu terminei dando um fora nela de

uma forma discreta não falei mais com ela so porque descobri que ela tava me enrolando

257. E: Mas você também trouxe muitas coisas boas e eu concordo com você...tem muitas coisas

boas

258. J: Tem mais coisas boas do que coisas ruins

259. E: E você acha que foi bom falar disso?

260. J: Eu acho que foi bom falar disso...eu acho que alguém tiver conhecimento sobre isso e

quiser falar que fale porque pode ajudar a esclarecer e tentar quebrar esse paradigma que

asperger não é nada mais que um caso de autismo. Porque algumas pessoas pensam assim.

261. E: É bom pra tentar esclarecer...

262. J: Isso! O que na verdade é isso

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220

Chaves

1. E: você entendeu a história?

2. R: sim

3. E: Oh é um ser de outro planeta que veio habitar a terra. Como vimos no vídeo, ele

é um Boov, e todos os boovs receberam um panfleto sobre como a terra funciona.

No filme, nós vemos que o Oh está começando a aprender sobre muitas coisas e,

agora, está particularmente interessado em aprender sobre as pessoas desse

planeta, mas, como vimos, ele percebeu que nem tudo está no panfleto e as pessoas

parecem mais complicadas do que diz lá. Uma coisa que ele descobriu é que existem

pessoas que têm transtorno de Asperger, mas não achou nada sobre isso no panfleto.

Ele acredita que que adolescentes ou jovens adultos como você, com SA, são os

verdadeiros experts que podem ensinar as outras pessoas sobre como é ter SA. Ele

gostaria de entender sobre como é ter TA, como isso te afeta e como faz você se

sentir, bem como que impactos da SA você percebe no seu dia-a-dia.

4. R: o que eu não entendo é porque que...? Peraí, como é o nome dele?

5. E: OH. O – H.

6. R: o que eu não entendo é porque toda vez que ele chegava a alguém dava bom dia,

boa tarde alguém dizia “ooh”.

7. E: aí ele acha que esse é o nome dele. O OH era sempre muito animado e os boovs

não eram muito animados aí toda vez que ele chegava a eles diziam “ooh”...aí ele

acha que esse é o nome dele.

8. R: aah sim

9. E: aí uma coisa que o Oh descobriu depois que chegou a Terra foi que existe uma

coisa chamada “SA”...

10. R: huum

11. E: só que não tem nada sobre isso no panfleto...

12. R: ele descobre isso no filme??

13. E: É...não! Não tem no filme. Essa é uma atividade lúdica, de faz de conta. A gente

vai fazer de conta

14. R: huum

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221

15. E:...e como o Oh descobre a SA e não acha nada sobre isso no panfleto, ele vai te

entrevistar. Ele acredita que pessoas que tem SA é que sabem mais sobre isso e por

isso ele quer saber de você.

16. R: eu até já tinha pensado nisso também porque por mais que a pessoa tenha

entendimento do que é miopia, dislexia, ou qualquer outra coisa, só a pessoa que

realmente tem é que pode explicar. Por exemplo, eh...tem na internet como uma

pessoa míope vê...a visão normal e a visão míope...só quem tem a visão míope

realmente sabe como é, que é o meu caso. Eu tenho um amigo que tem dislexia, a

gente pagou mecânica clássica juntos. Eu não sabia que ele tinha dislexia. Ele me

disse que ele tinha muita dificuldade na escola, quando ele foi fazer o ENEM ele

teve que fazer outra prova, uma prova diferente, e com alguém ajudando ele.

Ajudando que eu digo, lendo...

17. E: Sim. Tem mesmo. Chama o ledor. Alguém pra ler pra ele. Pois então é isso...o

OH acredita que quem tem SA ou quem tem miopia ou quem tem dislexia é que é

o verdadeiro expert que pode ensinar isso as pessoas. Então ele gostaria de entender

como é isso...

18. R: claro!

19. E:...como é ter SA, como isso te afeta, como você se sente e como você percebe

isso no seu dia a dia.

20. R: uhum...

21. E: e aí? O que é ter SA pra você?

22. R: bem...no início eu não dei tanto valor a esse assunto. Quando eu soube que era

só um espectro autista, minha mãe ficou mais aliviada por saber que era apenas o

grau mais leve de autismo.

23. E: sim

24. R: no início eu não dei tanta bola, mas depois que eu soube que a SA é conhecida

como síndrome dos gênios aí eu comecei a dar um certo valor a isso que eu tenho.

25. E: huum...por que?

26. R: meio difícil de explicar essa parte mas eu...mas assim sinceramente eu não me

envergonho de ter SA até porque um dos maiores gênios da humanidade, que já

ganhou o prêmio nobel de física e desenvolveu as leis de Newton, esses dois

cientistas tinhas a SA. Inclusive um jogador de futebol muito famoso, o Messi, que

é considerado um dos melhores do mundo e foi considerado o melhor jogador de

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fute...o melhor jogador da copa do mundo de 2014, ele foi considerado o melhor

jogador daquela copa do mundo.

27. E: Sim...verdade eu já ouvi falar. E o que é isso? O que é a SA?

28. C: bem, é um espectro autista em que o indivíduo ele tem as características de um

autista só que é num grau mais leve porque, diferente de um autista ele consegue

desempenhar certas atividades sozinho e tem fala compreensível, mas a voz

também varia de pessoa pra pessoa. De portador pra portador.

29. E: E como é que você sabe se alguém tem SA?

30. C: bem, eu gostaria de usar como exemplo uma coisa que aconteceu comigo esse

ano que foi nas disciplinas de expressão gráfica e mecânica clássica. Eeh...eu tava

com uma certa dificuldade em expressão gráfica em relação aos meus outros

colegas, enquanto eles já tavam desenvolvendo a terceira e ainda tava terminando

a primeira, aí minha professora ela viu que tinha algo de diferente em mim em

relação aos outros e ela passou a dar uma atenção maior a mim. Então, quando eu

contei a ela que eu tenho SA de fato melhorou muito. Uma colega minha eu contei

pra ela que se eu não tivesse contado que eu tenho SA pra minha professora eu teria

me dado mal, mas ela disse...a primeira coisa que ela disse...ela não disse “muito

bem, C, você fez o certo” ela disse “olhe C, não use isso como desculpa pra não

estudar, porque capacidade você tem”. Eu de fato fiquei um pouco chateado com

isso. Eu contei pra um colega meu o que tinha acontecido e ele disse que me entende

e que...ele não disse isso a ela, mas disse pra mim que ela não devia ter dito isso

porque...é meio difícil de explicar, mas...eh...como posso dizer? Ele disse eh pra

que...ele disse..eeh...que ela não devia ter dito isso porque ela não sabe o lado de

quem tem eh...de uma certa forma...e a minha outra experiência em mecânica

clássica eu já tinha tirado nota baixa nas duas primeiras unidades...o...e o meu

professor de mecânica ele vinha notando algo de diferente em mim em relação aos

outros. Eu perguntei: “como assim algo diferente?” Ele disse: “você é agitado. Não

muito, mas é um pouco agitado”. Eu perguntei? “como assim?” Aí ele disse: “olhe,

eu to copiando aqui no quadro. Tudo bem, você também ta copiando no seu

caderno, mas quando eu viro pra dar aula eu não percebi muito isso em você no...na

primeira unidade, mas na segunda eu passei a perceber mais e vi que

você...ehh...enquanto tava todo mundo olhando pra mim você tava olhando pra

outra...pro outro lado”. Bem, foram alguns desses comportamentos que os

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ajudaram, que...ja foram assim...despertaram o pensamento deles: “não esse aluno

deve ter alguma coisa de diferente em relação aos outros”.

31. E: E pra você? Como foi isso? Como é que você percebe em você? Você percebe

alguma coisa que é diferente?

32. C: Bem, todos nós temos diferenças...

33. E: claro.

34. C: é...mas assim...eu...eu quando era pequeno, quando eu tava no fundamental, foi

no 8 ou 9 ano, antes eu até me enturmava. Eu fui deixando de me enturmar aos

poucos, tinha momentos que eu ficava só. Alguém chegava pra mim: “C, por que

você tá aí só?” e assim...e eu...eu não...em nenhum momento eu contei pra minha

mãe o que tava acontecendo, eu simplesmente deixei...eh...deixei ir pela correnteza,

deixei a correnteza me levar.

35. E: sim...isso foi uma coisa que você percebeu?

36. C: bem, eu não dei muita bola pra isso também...

37. E: Hum..e como você acha que isso te afeta no dia a dia? Ou não?

38. C: Bem, hoje em dia não me afeta mais, porque depois que eu soube que eu tenho

Asperger minha vida melhorou e muito. Por que? Porque deu pra fazer certas

coisas. Deu pra melhorar coisas que eu já sabia que eu tinha aí deu pra melhorar...

39. E: o que?

40. C: é...alguns dos meus colegas...eles sabem que eu tenho SA e eles me entendem

e assim, hoje em dia eu ainda me isolo, mas não é com tanta frequência e tipo de

tanto eu me isolar nesse tempo hoje em dia se eu me isolar eu não sinto mais nada...

41. E: hum...como assim não sente mais nada? O que você sentia antes?

42. C: não, não sentia tanta diferença não...

43. E: hum...e o que são coisas que você acha que melhorou depois que você soube?

44. C: bem, eu...como um dos sintomas da SA é ...uma...eu não sei a palavra certa

agora, mas...é uma voz diferente. Eu falava muito, mas muito devagar, aí depois

que eu soube a psicóloga responsável por mim no ano de 2012 ela pediu pra que eu

continuasse na fonoaudióloga, porque eu já usei aparelho. Ela pediu pra que eu

continuasse na fonoaudióloga porque pra tentar melhorar minha voz...e deu certo.

Eeh...tanto é que esse meu professor de mecânica, quando eu disse a ele, ele disse

“olhe C, eu também já percebi que você fala muito bem explicado, mas você não

consegue expressar isso no papel”

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45. E: huum...você concorda com ele?

46. C: concordo.

47. E: E você tem algum amigo ou conhece mais alguém que tem SA?

48. C: Bem, é...sim...eu diria pra essa pergunta duas respostas e não é com “e”: sim e

não...não, eu quero dizer...não é com “ou” é com “e”. Sim e não, porque tem um

amigo meu que, diz ele que ele foi diagnosticado com SA, mas a mãe dele fala que

ele tem TDAH.

49. E: aah é, você me falou desse amigo...e o que é que você acha que ele tem?

50. C: bem, é...pra ele ter repetido tanto tempo eu acho que...o que ele tem é TDAH...

51. E: por que?

52. C: é que ele...segundo o que ele já tinha me dito uma vez, ele tinha dificuldade

em...eeh...eu não lembro direito eu só sei que ele tinha dito que...eh...já tinha

reprovado muitas vezes na escola, mas assim pra ele ter reprovado tanto eu acho

que o que se encaixa melhor aí é TDAH, porque embora a gente tenha certa

dificuldade, muitas vezes a gente vai atrás, a gente estuda, a gente conversa com

um professor, com um colega...e eu acho qeu ele...ehh...não tava estudando.

53. E: hum...então você acha que talvez as características dele não tenham a ver com o

asperger?

54. C: é.

55. E: e você já viu algo na TV, na internet...

56. C: já.

57. E: ...em filmes sobre isso?

58. C: Já. Aquela reportagem do Fantástico sobre...ehh...sobre o autismo. Aí o subtítulo

da reportagem: ehh...não não, o tema foi autismo e...e o segundo tema, como

po...ehh...vamos dizer...o segundo tema foi “universo particular”.

59. E: huum...eu não assisti essa reportagem mas muita gente fala...como foi? O que

você achou?

60. C: bem, depois...eu resolvi assistir essa reportagem, porque...porque nesse tempo

eu já tava sabendo que tenho SA aí resolvi estudar melhor e vi alguns

jovens...eh...teve um adulto que tem SA e tem dois filhos autistas. Eu...não dei

muita atenção a isso, mas eu prestei atenção em dois jovens que um é dos Estados

Unidos e ele tem...eh...no início do primeiro capitulo não falava de síndrome de

asperger, dizia apenas que ele era autista, só no final que disseram eu ele tem

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asperger. Bem, na primeira reportagem eh...ele...alguns cálculos que pra algumas

pessoas parecem impossíveis...ele...pra ele em questão de segundos ele fazia. Pra

ele física quântica, mecânica clássica...pra muita gente isso pode...isso pode ser dor

de cabeça, mas pra ele era diversão e outro...e outro dessa vez aqui do brasil, que

também tem SA, ele tava terminando o ensino médio...aliás...tava...eu acho que ele

devia tá no primeiro ou no segundo ano, mas ele já tinha feito cursos univer...alguns

cursos universitários, não lembro direito, mas que ele disse que ele prefere tá

fazendo alguma atividade que envolve cálculo e informática do que esporte porque

pra ele esporte é apenas uma diversão. E...e uma coisa também que esse jovem de

dos estados unidos falou e que eu concordo com ele foi que...ele disse que os

autistas...os autistas que eu digo nós que temos SA, conseguem pensar de uma

forma mais lógica e mais clara. A mãe dele ficou preocupada porque achava que

ele não ia conseguir amarrar um cadarço, mas...mas não foi isso que aconteceu e

ela descobriu que ele tinha uma certa habilidade que muitas pessoas não tem e

alguns especialistas dizem que um dia ele poderá até ganhar um prêmio Nobel de

tão inteligente na física que ele é.

61. E: e você se identifica com algum deles?

62. C: bem eu diria que não porque eu tenho minhas dificuldades. Embora eu goste de

matemática como eles eu ainda tenho minhas dificuldades em números. Pra

mim...eh...números é melhor do que letras...então...mas assim...eu só me sinto

confortável mesmo com os números se tiver um professor bom. Se tiver um

professor que não consegue passar o conteúdo ou que não ensina direito, eu fico

agoniado

63. E: olha só, agora eu queria te mostrar umas cenas de uma série...eu não sei se você

já viu...é essa aí.

64. C: é Friends?

65. E: Não, é The big bang theory.

66. C: Eu já ouvi falar nessa série, mas...mas nunca assisti.

67. E: pronto. Ela mostra o dia a dia de um grupo de amigos cientistas. E aí um deles

tem algumas características da SA, até umas coisas que você já mencionou, certo?

Eu vou passar as cenas e você vai me dizer quem você acha que é e o que você acha

dessas cenas que são características do TA. Tá certo?

68. C: está bem.

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69. E: são só cenas de episódios diferentes então vou contextualizar a série pra você e

qualquer dúvida você pergunta.

Cena1 – Sheldon conforta Leonard

70. C: (risos)

71. E: que é que você achou dessa?

72. C: é...eu acho que é esse aí o Sheldon...eu acho que o outro que tem SA.

73. E: não é o Sheldon?

74. C: não é o Sheldon.

75. E: vou passar essa.

76. C: essa...?

77. E: essa é outra.

Cena 2 - Penny está dormindo no sofá e Sheldon quer sentar

78. C: [risos]

79. E: e daquela? O que você achou?

80. C: bem...eu retiro o que eu disse...eu achei que era o outro que tinha SA, porque

ele...ele tava muito fechado ele não queria conversar, mas agora eu digo que é o

Sheldon que tem, porque...o.…porque eu pude ver que o Sheldon ele tem uma

rotina e eu observei uma coisa que eu também faço uma vez: repetir uma certa frase.

81. E: que nem o Sheldon?

82. C: é.

83. E: porque você repete a frase?

84. C: não é bem a frase, é mais assim...uma pergunta.

85. E: certo...repetir a pergunta?

86. C: isso.

87. E: vou passar a próxima.

88. C: a última.

89. E: ainda não.

Cena 3 - Os quatro amigos vão a um restaurante e não conseguem pedir

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227

90. C: [risos]

91. E: O que você achou dessa?

92. C: engraçada [risos]

93. E: [risos]E você viu algo nessa cena que você acha que pode ser porque ele tem

asperger?

94. C: Sim. É.… eu observei que ele é bem lógico e que ele só quer começar a.…ele só

quer fazer o pedido quando o outro amigo chegar e que ele fica insistindo o tempo

todo...eh..."não vamos pedir enquanto o ‘tananam’ não chegar”.

95. E: e como você acha que isso se relaciona? Porque?

96. C: ele também foi repetitivo e chato e foi bem lógico quando disse: não, vamos

dividir o bolinho. Aí ele disse: não, se dividirmos o bolinho não vai ser mais um

bolinho, vai ser no máximo um sanduichezinho. [risos]

97. E: [risos]vou botar a próxima.

Cena 4 – Sorriso de Sheldon

98. C: [risos]

99. E: nessa o que é que você achou

100. C: eh...eu acho que por certo ele tava nervoso. “Como que eu vou me com...ehh...me

portar lá dentro?” E quando o cara disse sorria ele levou ao pé da letra e ele sorriu

mesmo aí quando ele disse “sorria com menos dentes” ele levou ao pé da letra

também.

101. E: vou botar outra. Essa é com a Penny. Penny deu um presente de natal a Sheldon

que ele gostou muito.

Cena 5 – Presente de natal para Penny

102. C: [risos]

103. C: ele não toca não nos outros é?

104. E: ele não gosta muito.

105. C: é igual a mim de vez em quando.

106. E: você não gosta muito também?

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228

107. C: de vez em quando não...aí quando é forçado é que não gosto mesmo

108. E: certo. Mais quando é espontâneo e quando você quer?

109. C: aí sim eu aceito

Cena 6 – Empréstimo de dinheiro a Penny

110. C: [risos]Ele não sabe nem o que ela tá escutando [risos]

111. E: o que você acha que pode ter a ver essa cena?

112. C: eeh...ele só entende alg...tem algum que só entendem algo se for específico.

Acho que foi o caso do Sheldon quando a menina veio correndo e disse feche a

porta. Ele não entrou, ele apenas...ele ficou lá fora sem entender o que tinha

acontecido, aí ela abriu a porta de novo e disse “entre e feche a porta”

113. C: [risos]

114. E: aquela era outra? O que você achou dessa?

115. C: ele não entendeu bem quando ele perguntou se.…ele perguntou a ela se ela

estava sendo sarcástica, ela disse não, aí ele perguntou pro outro amigo ele disse

sim aí “afinal ela foi ou não? ”

116. E: essa pode ser uma característica?

117. C: sim.

Cena 7 – Conversa desconfortável

118. E: naquela?

119. C: eeh...

120. E: viu algo?

121. C: sim. O fato dele ter demorado a perceber que ela tava chateada. Que ela não

queria...ele perguntou se ela se importaria de ter relações sexuais com homens fora

do casamento. Ela não gostou. E Sheldon ficou procurando expressões nela que

ajudasse a entender que ela...que ela não queria conversar sobre isso.

122. E: essa é uma característica também?

123. C: uhum.

124. Cena 8 - Decifrando expressão de Rajesh

125. E: e nessa você identifica algo?

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126. C: o fato dele não conseguir interpretar expressões faciais. Isso eu não diria que é

muito uma característica de um asperger, mais de um autista. Não num grau muito

exagerado, mas num grau acima da SA eu diria que é um...bem...que é isso, que...

127. E: essa não é uma coisa que você percebe? Que você tem dificuldade?

128. C: eu...não, não tenho muita dificuldade não em identificar isso.

Cena 10 - Sheldon e Leonard se conhecem

129. E: essa é a cena que mostra como eles se conheceram.

130. C: [risos]

131. E: e nessa aí? Você viu algo?

132. C: é.…eu percebi que ele se interessa muito por química e ele ficou empolgado

quando descobriu que um cientista também iria morar com ele aí começou a fazer

umas perguntas. É.…a primeira pergunta foi sobre um gás nobre, aí quando viu que

ele...que o cara sabia ele passou pra outra pergunta. Esse cara sabia e eu percebi

também que o Sheldon é muito...ele só aceita as coisas do jeito dele...igual a certos

professores daqui...

133. E: huum...verdade (risos) E você acha que alguma dessas características é uma

característica da SA? Dessa cena?

134. C: bem, eu...eu diria que o fato dele ser bem particular, dele só aceitar as coisas do

jeito dele “não, eu que sento aqui e...eu que...eh...eu...eu gosto de sentar aqui,

porque aqui é melhor e o seu lugar é ali...pessoas não entram no meu quarto”. De

fato, ele é bem fechado, bem particular. O fato dele só aceitar as coisas do jeito

dele.

135. E: uhum...próxima.

Cena 11 – Ofensa a Penny

136. E: (explicação sobre quem é Amy)

137. C: [risos]

138. E: Nessa aí? Viu alguma?

139. C: não. Só o fato dele não ter percebido que tinha sido um insulto.

Cena 12 – Funeral

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140. E: olha, essa é Amy.

141. C: UAU ela é tão velha!

142. E: nessa aí?

143. C: éé...ele...dá pra ver que ele tem certas dificuldades em entender sentimentos, mas

assim, todo...nem todos os aspergers são iguais...alguns tem dificuldades em

entender certos assuntos enquanto outros tem capacidade de entender uma

expressão facial, por exemplo.

144. E: certo. Você acha então que essa é uma dificuldade do Sheldon?

145. C: sim.

Cena 13 – Garoto especial

146. C: rsrs

147. E: e nessa?

148. C: eh...eu diria que não porque ele tava vendo...eu acho que assim era uma coisa

que ele tav...não não, pera aí eu retiro meu “não” porque ele tava identificando uma

coisa que o outro não tinha conseguido identificar quando ele disse...quando ele

falou em números primos.

149. E: Então é uma coisa que ele faz melhor que o Raj?

150. C: Isso.

Cena 14 – Experimento com Penny

151. C: (risos)

152. E: nessa o que você achou?

153. C: ehh...quando ele tava brincando com ela sobre os superpoderes logo de primeira

ele entendeu que ele tava caçoando ela. Mas aí depois ele disse que ele gostaria de

ter um superpoder que ela tem que é o de ler men...a mente dos homens porque

todos os homens são iguais...ela disse que...aí ele disse que “mas eu te invejo,

porque eu queria poder ler a mente de todos pra saber o que estão pensando sobre

mim. Se estão tristes, se estão felizes, se tão falando algo de mim”.

154. E: você acha que essa é uma característica?

155. C: pode ser...

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231

156. C: eh...eu percebi que ele levou ao pé da letra, quando ela disse: se você fosse

morrer hoje, você contaria algo a alguém que você deixou de contar? “ Ele: “eu vou

morrer hoje??”. Já aconteceu de eu levar ao pé da letra e não perceber que era só

uma brincadeira ou que tinha um significado por trás daquilo.

157. E: certo.

158. C: (risos)

159. E: Sheldon está falando que tem memória eidética, que lembra de tudo em muitos

detalhes.

160. C: ah tá.

161. E: e nessa cena?

162. C: é.…eu acho que a parte do contato visual que e uma coisa que eu acho que eu

não identifico isso nele porque geralmente os aspergers...alguns, nem todos, não

mantem contato visual

163. E: Certo. Você acha que o Sheldon mantém?

164. C: Bem, ele tava mantendo até aquele momento.

165. E: Certo. E de forma geral, das cenas que você viu do Sheldon, o que é que você

acha que são características que ele tem que tem a ver com o asperger?

166. C: Primeiramente a superinteligência dele, o fato dele não conseguir perceber certos

sentimentos, como foi o caso que algumas vezes alguns personagens estavam tristes

ou chateados e ele não percebia. O fato dele seguir sempre uma mesma rotina e de

repetir as coisas. Tipo ele, eu coloco dois por cento de leite no meu cereal, com essa

mesma quantidade de gramas e assim que coloco ou assistir a BBC. O fato dele ser

bem repetitivo.

167. Eu: Hum. E algumas das coisas que você viu...você acha que você se identifica?

Você também tem ou não?

168. C: Não.

169. E: Nenhuma das coisas?

170. C: Não.

171. C: Só o fato de eu as vezes ser...bem...eu diria que...eu vou dar um exemplo. É...nas

férias do início do ano eu paguei uma disciplina de química da ect...

172. E: certo

173. C: eh...eu já tinha dito aqui que eu demonstrei um conhecimento...eu...um

conhecimento não, perdão. Que eu resolvi um problema no quadro

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174. E: Foi, você falou

175. C: Só que quando eu cheguei lá, antes de eu entrar na turma de férias uma coisa que

eu disse pra mim mesmo, eu botei na minha cabeça: eu vou, vou pagar a turma de

férias, mas eu não vou pra fazer amigos, eu vou pra estudar, mas eu diria que meu

plano terminou fracassando.

176. E: Foi?

177. C: Foi.

178. E: Você acabou fazendo amigos?

179. C: Isso. Eu não tava querendo me enturmar muito, mas assim teve uma menina que

ficou no meu pé. Eu diria que se eu não soubesse que eu tinha SA eu acho que eu

teria expulsado ela, mas como eu já sabia eu procurei manter a calma e comecei a

dar atenção a ela.

180. E: Hum. Porque, como você acha que te ajudou nesse caso saber?

181. C: Bem, porque se eu não soubesse eu acho que eu não teria paciência. Minha

paciência teria se esgotado de vez e eu diria: “eu não quero conversa! Va procurar

o que fazer! Va procurar outro pra conversar! ”. Eu teria dito isso se eu não soubesse

que eu tenho SA.

182. E: hum, isso faz você ter mais paciência?

183. C: Já fez.

184. E: E antes de você saber você acha que você faria isso?

185. C: O que?

186. E: De dizer a ela que não queria conversa

187. C: Bem, eu acho que se eu não soubesse eu teria dito sim.

188. E: E como é que você soube? Quem te falou?

189. C: Bem, eu só fui saber mesmo em 2013. Mas assim, no final da pesquisa que S.

tinha feito eu acho até que ela disse mas eu não tinha prestado muita atenção nisso,

até porque eu há um tempo atrás, até 2012 por aí eu não prestava muita atenção nas

coisas.

190. E: Como assim?

191. C: Eu simplesmente era como uma missa de corpo presente. Eu tava ali mas meu

pensamento tava em outro lugar e ...mas assim uns professores da escola souberam

antes de mim, porque a psicóloga tinha dito, aí teve um professor que depois que

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233

soube – eu não percebi – mas as provas dele que eram complicadas passaram a ficar

mais fáceis, não só pra mim, mas pra turma também.

192. E: Hum. Você acha que ele mudou as provas?

193. C: Ele disse.

194. E: E quem te falou a primeira vez foi a S.?

195. C: Foi

196. E: E antes disso você percebia alguma coisa?

197. C: Não, não prestava muita atenção em mim não.

198. E: Huum. Mas como foi assim que você soube? Como você chegou até S.?

199. C: Eh...porque eu tava com dificuldade em memorizar o assunto da prova, de uma

prova...eu disse pra minha mãe, minha mãe contou pra E. o que tava acontecendo e

E. eu acho que ela deve ter contado pra S. Nessa época ela tava fazendo um projeto

e precisava de alguém aí E. me encaminhou pra S..

200. E: E você lembra de ter sido testado? De ter feito alguma coisa?

201. C: Bem, eu lembro que eu fiz os testes que eu fiz aqui nesses dias.

202. E: E como te disseram? Como ela te disse da SA?

203. C: Num lembro direito. Só sei que a gente tava sentando nesses bancos aí (aponta

para as poltronas do SEPA).

204. E: Foi aqui?

205. C: Não, foi na outra sala.

206. E: E o que é que você acha que fez você ser assim? Porque que você acha que tem

SA?

207. C: É bem, como eu já tinha dito pelo modo como eu ajo em relação aos outros.

208. E: Como é esse modo?

209. C: Bem, não foi a primeira vez que isso aconteceu esse ano. A primeira vez foi em

2004. Não, fiz antes, porque enquanto meus colegas já aprendiam a fazer as coisas

sem muita dificuldade eu tive muita dificuldade em aprender a escrever letra

minúscula. E em 2003 uma coisa que minha professora da alfabetização fazia muito

era me ensinar a usar a tesoura e por mais que eu tentasse eu não conseguia. Em

2004 não foi diferente. Teve uma vez que a professora passou...foi só livro, nada

de caderno enquanto eu tava na...tava todo mundo na última eu ainda tava

terminando a primeira.

210. E: E você acha que isso era uma característica?

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211. C: Da tesoura e...? Sim.

212. E: Mas eu te perguntei também num sentido do que você acha que causou isso? Se

algo causou?

213. C: Se algum problema da descendência? Não sei...

214. E: Como você se sente sobre ter SA?

215. C: Num fico triste com isso não. Também eu não fico feliz. Mas eu me sinto bem

eu tô tentando vencer minhas limitações.

216. E: Mas você mesmo falou coisas positivas ne que tem relação? E de fato todo

mundo é diferente e quem tem SA também é diferente, mas quem tem dislexia

também...e é só uma forma de ser não é um problema. E como todo mundo tem

coisas ao, pontos de força que a gente chama e coisas em que a pessoa não é tão

boa. Pra você o que você acha que são coisas boas que tem relação com a SA?

217. C: Bom o fato da...da inteligência, a minha inteligência não é como a daqueles

meninos que passaram naquela reportagem, mas eu não fico triste com isso.

218. E: E o que é que você acha que são dificuldades que você tenha que são associadas

a sa?

219. C: Bem, é... já tinha dito, vou repetir. Que algumas dificuldades que eu tinha no

passado hoje eu não tenho mais como é o caso de em enturmar que hoje em dia eu

me enturmo. Quando eu não me enturmo é porque eu não tô no horário de aula dos

meus amigos. Bem é...é só isso.

220. E: Hum. Você acha que é uma dificuldade mais nisso em relação a fazer amigos?

221. C: Não, não tenho dificuldade com isso não.

222. E: Não, mas que era?

223. C: Bem é...eu tive um melhor amigo até o 9 ano. A gente não se fala há algum

tempo no Facebook, mas assim...embora eu visse ele como melhor amigo, eu não

falava muito com ele. Eu assim, uma característica que eu observei no Sheldon e

que eu agora lembrei sobre mim é que em 2011, que foi o último ano que nós

estudamos juntos que eu disse duas coisas pra...eu disse uma coisa pra ele duas

vezes em dois tempos diferentes que assim deixaram ele chateado e eu não percebi.

224. E: Hum...hoje você lembrando percebe que talvez ele tenha ficado chateado?

225. C: Não, eu percebi depois

226. E: E como é que saber mudou sua vida?

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227. C: Porque coisas que eu tinha dificuldade, como em enturmar, assim eu diria que

de um modo geral melhorou e muito, porque eu me senti mais tranquilo. Eu acho

até que depois de eu ter dito pros meus professores que eu tenho eu me senti mais

tranquilo até porque foi como se eu tivesse tirando um peso das minhas costas.

228. E: E tem alguém na sua vida com quem você se sente confortável falando sobre

isso?

229. C: Bem é...uns amigos meus que eu tenho que a gente mantem...eles moram que a

gente mantém contato no Facebook as vezes a gente sai...um eu conheci no SENAC.

No SENAC não, perdão, no FISK e o outro eu conheci através desse meu amigo.

230. E: Sim. Com eles você conversa. E com sua família? Você conversa sobre isso?

231. C: Não, sobre sa eu num toco nesse assunto não com a minha família.

232. E: Mas como é pra eles?

233. C: Num sei...assim, minha mãe ficou aliviada porque soube que não era um caso de

autismo grave.

234. E: E que conselho você daria a outra pessoa? Um adolescente, uma criança ou

mesmo um jovem adulto assim da sua idade que acabou de descobrir que tem SA

o que você diria a ele?

235. C: Bem, o que eu diria é: não tenha vergonha de você. Não tenha vergonha da sua

história e do seu passado, pelo contrário. Procure corrigir os erros que você não

percebia que tinha no passado pra tentar melhora-los no futuro.

236. E: Uhum. E que conselho você daria pros pais desses adolescentes?

237. C: Não fiquem tristes. Tenham paciência.

238. E: Essa era minha última pergunta da entrevista, mas antes de terminar tem alguma

coisa que você gostaria de acrescentar? De falar? Que você não falou...

239. C: Não

240. E: E como foi pra você fazer essa entrevista?

241. C: É, até que foi bom porque eu já tinha pensado nisso que a melhor pessoa pra

responder uma pergunta sobre a SA é o próprio asperger.

242. E: Então você acha que foi bom?

243. C: Foi

244. E: Mas você acha que foi desconfortável falar sobre isso?

245. C: Não.

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236

Satoshi

1. E: vamos lá, S.? A nossa entrevista vai ser o seguinte: a gente vai fazer de conta.

Eu vou te mostrar primeiro uma cena e depois te explico.

2. Oh é um ser de outro planeta que veio habitar a terra. Como vimos no vídeo, ele é um

Boov, e todos os boovs receberam um panfleto sobre como a terra funciona. No filme,

nós vemos que o Oh está começando a aprender sobre muitas coisas e, agora, está

particularmente interessado em aprender sobre as pessoas desse planeta, mas, como

vimos, ele percebeu que nem tudo está no panfleto e as pessoas parecem mais

complicadas do que diz lá. Uma coisa que ele descobriu é que existem pessoas que têm

transtorno de Asperger, mas não achou nada sobre isso no panfleto. Ele acredita que

que adolescentes ou jovens adultos como você, com SA, são os verdadeiros experts que

podem ensinar as outras pessoas sobre como é ter SA. Ele gostaria de entender sobre

como é ter TA, como isso te afeta e como faz você se sentir, bem como que impactos da

SA você percebe no seu dia-a-dia.

3. E: o Oh, você entendeu? O oh veio de outro planeta e ele é um boov. Todos os

boovs vão invadir a terra. Porque o planeta que eles moravam foi atacado e aí eles

não sabem nada sobre……

4. S: eu explicar pra ele?

5. E: uhum, já que ele acha que pessoas que tem esse diagnóstico podem explicar pra

ele.

6. S: vai.

7. E: você quer que eu passe novamente?

8. S: passe novamente.

9. S: bem...

10. E: você vai tentar explicar como se...porque que é o Oh? Porque faz de conta que é

um extraterrestre que nunca viu isso.

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237

11. S: bem...ter sa é como se...nem eu sei explicar...essa é uma das características da

síndrome de asperger...é não ter essa objetividade que as pessoas mais

normais...como se eu não fosse normal...teriam.

12. E: Mas o objetivo é você explicar da maneira que você acredita que seja.

13. S: Ta bom, mas é porque o asperger ele é meio que um empecilho na minha

vida...ele é meio que um transtorno que afeta as minhas relações sociais e até

mesmo minhas dificuldades na vida vem desse transtorno que pode gerar outros

transtornos como o TOC.

14. E: O que é isso? SA?

15. S: É uma forma mais leve do autismo.

16. E: Hum

17. S: as pessoas acometidas pela SA têm dificuldades na socialização e

inconformidade com o mundo em que vivem.

18. E: huum. Como assim essa inconformidade?

19. S: Porque o mundo é mais complicado...o mundo é muito complicado pra eles

entenderem e eles não se sentem encaixados na sociedade. A sociedade é muito

complicada pra eles entenderem. Ate mesmo eu não entendo. As vezes eu tenho

pensamentos intrusivos demais, mas já não é parte do asperger, já é parte do toc. E

também eu...quem tem asperger costuma ter muito foco com certas coisas e

pouc...muito interesse por certas coisas e baixo interesse por outras. No meu caso,

eu...eu...gosto muito de desenhos e jogos. E também de filmes. Eu sou meio

aficionado por tecnologia, meio que viciado e não sei viver sem luz elétrica nem

água encanada. E não durmo sem ar condicionado. Outro lado do asperger. Não

precisa me filmar.

20. E: Não to te filmando

21. S: Outro lado do asperger é esse lado mais infantil, infantilizado das coisas...da

visão da pessoa. As vezes a pessoa...as vezes essa pessoa com asperger pode se ver

...se portar uma hora como criança outra hora como adulto.

[Pausa– 5 min aproximadamente]

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238

22. E: E como é que a pessoa sabe que alguém tem SA? [repito várias vezes a pergunta]

23. E: tem alguma característica marcante?

24. S: Dificuldade de socialização, fixação por certas coisas, comportamentos

estranhos as vezes.

25. E: Tipo o que?

26. S: Bem autistas tipo...alguns tiques...alguns tiques e outras coisas...

27. E: E você tem algum amigo que tem SA?

28. S: Num sei

29. E: Ou conhece alguém que você acha?

30. S: Eu conheci alguém que poderia ter, mas aí ele já morreu não da pra mais

fazer...num teve tempo de ter o diagnóstico.

31. E: E você já viu algo na tv ou alguém famoso que você diria que tem sa?

32. S: Diria.

33. E: Quem você já viu?

34. S: Bem...eu num...eu num diria que ninguém tem sa porque eu tenho dificuldade

em..em identificar, mas eu posso dizer que eu sei quem tem, porque eu já ouvi falar

que aquelas pessoas tinham. Einstein, por exemplo, tinha,

35. E: É verdade, dizem isso.

36. S: Messi, também tem. Messi, jogador de futebol. Tem asperger.

37. E: Sim...é já ouvi falar de messi e de Einstein. Tem mais alguém?

38. S: Isaac Newton tinha.

39. E: Hum

40. S: Mas eu não sei...eu não sei exatamente se isso é um caso confirmado porque na

época que..num sei se o cientista que denominou...que denominou a sa que

descobriu esse transtorno nasceu antes ou depois de newton

41. S: É, mas se caso confirmados...

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239

42. E: Agora, vou te mostrar cenas de uma série. Nessa serie, the big bang theory...

43. S:Tem o Sheldon que tem SA.

44. E: Aah então você já sabe. Na verdade o diretor não confirma ne? Ele diz que não

tem nada disso, mas se acredita que talvez ele tenha. Eu tenho umas cenas que eu

vou passar pra você e queria que você me dissesse se tem características do Sheldon

que você acha que são da SA.

45. E: Agora, vou te mostrar cenas de uma série. Nessa série, The Big Bang Theory...

46. S: Tem o Sheldon que tem SA.

47. E: Aah então você já sabe. Isso. Eu tenho umas cenas da série que eu vou passar

pra você e queria que você me dissesse se tem características do Sheldon que você

acha que são da SA.

Cena 1 – Sheldon conforta Leonard

48. S: Interess...interesses...comportamentos meio autistas e socialização.

Perguntas...perguntas...meio estranhas que só uma criança com.…que...interesse

por informações peculiares sobre as coisas.

Cena 2 – Penny está dormindo no sofá e Sheldon quer sentar

49. S: repetições de...repetições de frases.

Cena 3 – Os quatro amigos vão a um restaurante e não conseguem pedir

50. S: TOC de simetria.

Cena 4 - Sorriso de Sheldon

51. S: dificuldade de expressar emoções.

52. S: [risos] Mister Bean, Coringa [refere-se ao Sheldon esboçar um sorriso igual ao

desses outros personagens]

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Cena 6 - Empréstimo de dinheiro a Penny

53. S: falta de entendimento dos procedimentos sociais

54. S: não saber como levar uma conversa adiante

55. S: não entender sarcasmo...não entender as...não entender ironia

Cena 7 – Conversa desconfortável/ Cena 8 – Decifrando expressão de Rajesh

56. E: Nessas? Identificou alguma?

57. S: Não saber identificar emoções

Cena 10 – Sheldon e Leonard se conhecem

58. S: Memória...memória...

59. S: perguntas desnecessárias

60. E: Naquelas só “perguntas desnecessárias”?

61. S: sim.

Cena 14 - Experimento com Penny

62. S: dificuldade no contato visual.

63. E: o que é que você achou de maneira geral? O que você vê no Sheldon que parece

ser da SA?

64. S: um monte de sintomas. Dificuldade de manter contato visual, dificuldade de

interpretar emoções, interpretar ações, dificuldade de identificar emoções.

65. E: Alguma dessas coisas você acha que você também tem?

66. S: Dificuldade de julgar ações e de identificar o sarcasmo, a intenção da pessoa

67. E: Essas são características do Sheldon ou que você acha que você também tem?

68. S: Eu também tenho...e também dificuldade de contato visual.

69. E: E quem te falou sobre a SA a primeira vez? Você lembra?

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70. S: Ah eu li na internet.

71. E: Você leu na internet? Mas antes de alguém te falar?

72. S: Não...nao...

73. E: Alguém te falou?

74. S: Não, ninguém nunca falou.

75. E: Mas você lembra de ter sido testado?

76. S: Lembro, lembro. Me apresentaram vários sintomas da SA e eu me identifiquei

com vários deles.

77. E: Como você se sente sobre isso? Sobre ter SA?

78. S: Huum...[pausa] bem, já que a SA me fez ter TOC, então não me sinto muito bem

com isso não. Me fez desenvolver toc, porque...eu sou mais propício a desenvolver

toc porque eu sou hipersensível as coisas que me apresentam...

79. E: Aos estímulos?

80. S: Aos estímulos que me apresentam

81. E: Ao que é que você é mais sensível?

82. S: Coisas religiosas.

83. E: E você acha que é sensível a coisas como cheiro e barulho?

84. S: Aah já fui. Principalmente barulho.

85. E: Hoje não te incomoda muito?

86. S: Não, ainda me incomoda.

87. E: Que coisas boas, pontos de força seus...

88. S: Eu tenho medo de altura desde que eu nasci, medo de olhar pra cima. Me

desenvolvi medo de olhar pra baixo mais recentemente. Medo de altura assim...lá

embaixo...lá em cima eu olho pra baixo assim...

89. E: Tem pontos de força seus? Coisas que você acha que é muito bom que você

atribui a SA?

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242

90. S: Tem.

91. E: Tipo o que?

92. S: Habilidade de decorar datas...horários nem tanto, mas datas eu sei...

93. E: Realmente eu já vi que você é bom nisso...mais algumas coisas que você acha

que são um ponto de força?

94. S: Ponto de força?

95. E: É. É uma coisa que você acha que é muito bom.

96. S: memoria. Memoria eu já disse ne que sou bom em decorar datas? Memória de

longo prazo, no caso, porque memória de curto prazo eu sou horrível

97. E: você acha que você é horrível na de curto prazo? Porque?

98. S: Sou. Se eu fosse bom eu nunca teria tirado um 0 nas provas. Nunca teria tirado

nota baixa nas provas.

99. E: Mas o que te atrapalha na hora da prova você acha que é a memória ou outra

coisa?

100. S: As vezes a memória, as vezes o próprio TOC em si.

101. E: Você fica preso em outro pensamento?

102. S: Éé [boceja] eu fico preso em outras coisas...é...

103. E: E você acha que tem coisas que você não é tão bom como uma fragilidade? Que

você atribua a SA?

104. S: Socialização. E alguns empecilhos que o toc causa. Muito medo das coisas, de

enfrentar a vida. Medo de enfrentar os medos, porque penso que pode ter

consequências graves. Enfrentar medos.

105. E: Quando foi que você pesquisou pela primeira vez e você pensou ou descobriu

que tinha SA?

106. S: Ah eu era pequeno ainda...eu descobri que Satoshi tajiri que foi um japonês que

criou Pokémon ele tinha SA.

107. E: É mesmo?

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108. S: Ele foi diagnosticado.

109. E: Foi aí que você pensou sobre isso?

110. S: Foi

111. E: Quantos anos você tinha?

112. S: Eu tinha 11 eu acho, 12, 10...11 nos...não tinha mais, tinha 12.

113. E: Você acha que ter sabido mudou sua vida de alguma forma ou ?

114. S: Mudou.

115. E: Como mudou?

116. S: Primeiro eu achei interessante ter esse negócio de ter asperger, mas depois eu

achei um empecilho grande assim. Um obstáculo na vida.

117. E: Mas hoje você , apesar dos empecilho, você acha que é interessante?

118. S: Não, não acho muito interessante?

119. E: Porque de fato tem coisas boas não é?

120. S: De fato tem coisas boas, mas....era melhor se eu tivesse asperger, mas não tivesse

esse TOC todo.

121. E: Você faz tratamento pro TOC?

122. S: Faço

123. E: Tem medicação também?

124. S: Tenho.

125. E: E você acha que tem ajudado?

126. S: Ultimamente não porque eu comecei uma medicação nova que demora um pouco

pra fazer o efeito. Demora 15 a 30 dias pra fazer o efeito.

127. E: É aquela que tava te dando sono ou já é outra?

128. S: Já é outra.

129. E: Você parou aquela?

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130. S: Parei. Algumas pessoas da minha família também têm esse outro tipo de

transtorno.

131. E: O asperger?

132. S: É...não, espera. Outros tipos. Alguns tem até TOC mesmo, mas tem outros que

tem outros tipos de transtornos. Por exemplo, um tio meu, tio L., que na verdade o

nome dele é B [risos]

133. E: ele tem o que?

134. S: ele tem um aparente transtorno bipolar e dizem que ele tem como é que é?

135. E: Depressão?

136. S: Não...esquizofrenia.

137. E: Tem alguém na sai vida com quem você se sente confortável falando sobre isso?

Sobre a SA?

138. S: Minha mãe

139. E: Vocês conversam sobre isso?

140. S: Conversamos.

141. E: E sua família em gera conversa com você sobre a sa ou so sua mãe?

142. S: Não...eu converso sore os pensamentos que eu tenho com a minha mãe. Não é

bem sobre a SA não...mas eu converso com M.L. que é minha psicóloga sobre esses

empecilhos que a SA causa. Porque eu tava tendo muita dificuldade de socialização

ultimamente na escola...o povo fica me batendo, me empurrando me zoando...e eu

sou bastante sensível a coisas como essa

143. E: Sim. Se você pudesse dar um conselho a outro adolescente que acabou de

descobrir que tem SA o que você diria?

144. S: Você teria algum conselho pra dar? De alguém que já sabe há muito tempo?

145. E: Há muito tempo?

146. S: Isso. Já que você já sabe há muito tempo e tem bastante experiência com ter SA.

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147. S: Eu daria. Realmente, meu amigo, nossos verdadeiros amigos que nos entendem,

que estão abertos a nos ouvir são poucos. Mesmo pra quem não tem SA, mas são

poucos. Pra toda pessoa é assim. Eu digo isso porque ...eu digo isso porque...já vi

várias pessoas dizerem que pra um homem os amigos que importam são aqueles

amigos de infância...amigos...pra uma mulher já é diferente. Mulheres conseguem

socializar muito mais rápido que um ser hu...que um homem. Que um homem,

mulheres. Mulheres conseguem socializar muito mais rápido que um ser hum...que

um homem...desculpa eu fico... [se referindo que estar trocando a palavra ‘homem’

por ‘ser humano’ sem querer]

148. E: Tudo bem

149. S: Por exemplo eu já vi um vídeo que a mulher ela tem um negócio chamado melhor

amigo do mês. As duas acabaram de se conhecer e já são melhores amigas. [risos]

150. [Risos]

151. S: Mas ela só...so é a a melhor amiga da mulher até ela dar em cima do namorado

dela aí acabou a amizade rs

152. E: Rs com os homens é diferente?

153. S: Com os homens não é assim.

154. E: Como é?

155. S: Com os homens o melhor amigo é aquele que vive...que conviveu com ele desde

pequeno é amigo de infância assim sabe?

156. E: Sei

157. S: Ne o povo que ele conheceu agora.

158. E: Então é mais difícil fazer amizade?

159. S: É. E mais difícil depois de adulto. Mas depois de muito tempo de convivência

você já consegue se acostumar.

160. E: Sim

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161. S: É meio difícil você arrumar um novo amigo no ensino médio caso você fosse

como eu que não cursou o ensino médio na mesma escola que você cursou o ensino

infantil e fundamental

162. E: Em qual escola você estudava?

163. S: Era o nec

164. E: Aí foi difícil pra mim me adaptar porque era um sistema de ensino

completamente diferente...completamente estranho a mim porque era um sistema

de ensino suíço. Aí a escola era muito aberta e eu tava desacostumado com

isso...tava desacostumado mais...a pessoa passava o almoço lá e

tinha.............escadas em vez de rampas e...era meio difícil de entender

165. E: Você acrescentaria mais alguma coisa ao conselho?

166. S: É isso. E geralmente... [pausa e para de falar, precisando de novo incentivo]

167. E: E se fossem pais de um adolescente com SA que conselho você daria pra eles?

168. S: Tentem conversar com ele com frequência, tentem dar atenção a ele, porque ele

é como um ser humano normal que eu sei que vocês sempre deram...tentem tratar

ele como vocês sempre trataram ele...apesar das dificuldades. Façam o seu filho

feliz porque ele pode estar meio infeliz...com..com o ambiente...exterior...

169. E: Antes da gente terminar tem mais alguma coisa que você gostaria de acrescentar?

170. S: Não.

171. E: E o que é que você achou dessa entrevista?

172. S: Boa.

173. E: Você gostou de fazer?

174. S: sim.

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Anexo 3: Transcrições dos áudios dos pais dos sujeitos

Pai de John

E: Essa é a parte da entrevista que eu digo que vai ser um pouco mais lúdica e é lúdica porque

você vai tentar fazer um exercício de ser J, responder pensando e se colocando no lugar dele.

E eu vou mostrar uma cena desse filme que tem um personagem que é alienígena. Ele veio de

outro planeta habitar a terra. [Passo cena]

E: pronto. A cena que mostra os boovs invadindo a terra é para mostrar que eles não sabem

absolutamente nada sobre seres humanos. Eles recebem apenas um panfleto que diz o que são

homens e mulheres e o que esses seres comem. Então quando Oh chega na terra ele descobre

que existem mais coisas quando que o que existe no panfleto. E o dessas coisas é a síndrome

de asperger. Ele descobre que tem pessoas que tem SA. Ele não sabe o que é isso. Então ele

quer saber de alguém que tem SA, como é ter SA, o que é isso? O que é que isso tem de

diferente? Como isso afeta o seu dia-a-dia e como você se sente tendo SA? E agora. Você tenta

pensar nisso a partir do ponto de vista de John. Como você acha que é pra ele? Ter SA e todas

essas questões.

PAI: ah deixa eu pensar um pouquinho...eu acho que o asperger assim, primeiro ele

inicialmente pensa assim...ah sei lá: acho que eu tenho um problema. Mas dentro da cabeça

dele como a gente já diferenciou as palavras doença, interação e tudo ah...eu tenho uma

diferença, eu sou diferente dos outros. A minha dificuldade é não perceber o que os outros

estão sentindo ou pensando com a mesma facilidade que outras pessoas percebem. Então eu

tenho que olhar um pouquinho mais e assim juntar algumas características físicas ou de tom

de voz pra poder chegar a conclusão do que tá acontecendo né...

E: E você acredita que existem mais impactos disso ou mais coisas no sei dia a dia que são

relacionadas a SA?

PAI: Ah o que atrapalha mais o dia a dia é o relacionamento social...é formar e integrar grupos

sociais. Você percebe que se você tá parado e você se intromete em assuntos que estão sendo

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conversados em determinado grupo o grupo normalmente ele não aceita bem essas

intromissões. Ate porque os grupos são formados por pessoas que tem pensamentos muito

comuns para aquela idade ou pra aquele meio de vida social. Então você chega de um

determinado meio e você quer se inserir no assunto...você normalmente você não se insere,

você é inserido então se o grupo não te insere ele não consegue se inserir. Então ele fica um

pouco a parte dos grupos que estão próximos a ele.

E: Certo. Agora, eu vou passar cenas dessa serie de tv, que tem um personagem que tem SA.

Que tem um personagem que tem SA. É a The big bang theory

PAI: the big bang theory, é…

E: sabe qual é? (o personagem)

PAI: os dois né?

E: o Leonard algumas pessoas até dizem, mas talvez ele fique mais na área...tenha um

comportamento mais nerd, digamos...e não é considerado asperger, mas o Sheldon é que o

autor nega, talvez pelo peso de ter o nome no papel, mas ele tem diversas características.

PAI: O Sheldon eu já tachei ele tem um perfil mais autista de alto desempenho do que asperger,

por causa da aversão ao contato social, que é bem mais característico do autista...alguns negam

também até a morte em relação ao asperger...eu citei porque o nerdzinho aí, o Leonard...gente

do céu as vezes é a cara do John…as meninas falam com ele “ah porque você é muito

bonitinho”...é porque você não conhece a mãe...a mãe tem que gerenciar...as vezes chegam

cartas de amor das meninas e tem ate um caso bem interessante que a menina manda uma carta

de amor pro John “ah eu gostaria muito de namorar com você, você é muito inteligente, muito

bonito”. Até brinquei com o John, “poxa John, que legal cara, você evitou de morrer hoje”. Ele

pegou a mesma carta - ele não guardou – ele virou a carta ao contrário, o outro lado estava em

branco, aí uma grande oportunidade, a folha já estava em branco mesmo né? Aí coloca “olha,

infelizmente ainda não estou preparado pra namorar. Você tem que entender que eu ainda to

na universidade, vou terminar meus estudos e depois é que eu vou pensar nisso”. E devolveu

pra menina no mesmo papel. E até hoje eu dou graças a deus que ele tem o mesmo número de

braços e pernas.

[Risos]

E: é parece o Leonard, parece mesmo.

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E: eu vou passar as cenas e vou pedir para você identificar se você acha que algumas das

características ou que características das cenas já aconteceram ou parecem com o ou não.

CENA 1 – Sheldon conforta Leonard

E: essa era a primeira. Você acha que essa característica do Sheldon parece com John em algo?

PAI: a batidinha nas costas já aconteceu. Mas ele... ele não dá o...ele não usa todo o grado do

que vai agradar a pessoa, ele já consegue fazer o limite do que é ridículo. Mas a batidinha nas

costas assim já parece...já houve uma vez...não agora mas há alguns anos quando...acho que

não sei se aconteceu alguma coisa triste, alguma coisa assim...ele aquela cara de “eu to

tentando...eh...oferecer conforto” itens que podem oferecer conforto. rsrs

E: [risos] sim, como se “ah é tudo que eu tenho”. Algo assim?

PAI: É. Vou abraçar, mas você vê que o abraço é pro-forma.

CENA 2 – Penny está dormindo no sofá e Sheldon quer sentar/ CENA 3 – Os quatro amigos

vão a um restaurante e não conseguem pedir a comida

E: nessas cenas. Essas eram cenas talvez de maior rigidez...

PAI: ele não segue padrões...ele levanta as 6, pode levantar as 6:30, pode levantar 5:30...se o

que tiver...ele come uma coisa, ele come outra...não faz questão se é um tipo de coisa ou a

outra. Agora essa salvação que o Leo..ah, mas você pode...você problema...assim...matemático

né? Eu tenho 4 coisas, mas eu preciso dividir por 3, ele daria a solução. Ele tem a iniciativa

para esse tipo de coisa.” Não, mas peraí, então a gente pode resolver de tal jeito, tal jeito...”

Isso aí é bem notório.

E: ele tem uma flexibilidade pra resolver o problema?

PAI: é, ele não tem...ele não segue padrões. Padronização não é a cara do John...ele...nem hora,

nem alimento....gosta de assim “pai, da pra (indefinido)diferente?

E: mas foi assim a vida inteira ou teve um momento que isso existiu?

PAI: A gente não permitiu. Então, se não deu pra perceber é porque desde a primeira infância

a gente fez com que ele sempre fizesse coisas diferentes. Ele não teve a opção de repetir uma

coisa duas vezes. Isso fez com que ele se adaptasse a qualquer ambiente. Se você chama ele

pra cá, se disser "John, no lugar de fazer a entrevista aqui vamos fazer na lanchonete", ele não

vai dizer...não vai achar estranho. “tá bom”. Ele vai dizer que tá bom na hora vai sentar com

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você e fazer como se tivesse aqui e vai fazer e vai falar do mesmo jeito, inclusive assuntos

íntimos que você perguntasse na mesa do lado com ele...porque se ele tá fazendo a entrevista

a prioridade é essa, o foco é esse então ele não vai perder o foco pra uma coisa que tá

acontecendo ao lado.

E: de por exemplo, saber que um assunto íntimo talvez incomodasse falar em publico. É isso?

PAI: exatamente. Claro, hoje ele não falaria alto...sei lá...uma coisa de caráter muito íntimo.

Mas antes ele até poderia...começar a falar “ei cara, você tá em público!” “ah pai, desculpa”.

Aí hoje ele já mantém isso. Uma curiosidade daquela cena que você passou antes ali, não tem

o cara do restaurante chinês?

E: sim.

PAI: é o cara do star trek! Eles resgataram o cara pra fazer aquela ponta do restaurante.

E: essa? De algo mais da expressão...e do reconhecimento?

PAI: hoje não mais, talvez quando fosse criança a gente já...”oh John, não faz essa cara de

assustado quando você vê uma coisa...”acho que quando...no inicio a gente dizia “oh, tente

imitar mais as expressões, cuidado quando as pessoas ficarem tal...” por um período curto acho

que de alguns meses ele...não, menos que isso, ele tentou ver se dava certo assim imitar o

mesmo que outra pessoa fazia. Aí eu disse “oh, não adianta, você vai ter que criar sua própria

expressão...então...

E: isso quando ele era pequeno ou mais para a adolescência?

PAI: não, quando ele era pequeno.

E: ele tentava imitar na situação exatamente...

PAI: não, a gente falou: “ah, pra você se misturar as pessoas tente agir como elas”. Então

assim, por exemplo, alguém sentava, cruzava a perna tal, então ele ia, olhava e ficava do mesmo

jeito. Aí “oh John, não cola, melhor você criar sua própria maneira de ser e a gente vai verificar

se essa maneira é “condizível” com o que existe hoje em sociedade, se for, a gente fala que é.

E: certo.

CENA 5 – Presente de natal para Penny

E: Essa da coisa mais do contato?

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Pai: não, nunca teve, a mãe nunca deixou. Usa-se uma regra muito boa lá em casa você é

obrigado a abraçar e beijar ném que seja na marra. Então assim, desde pequenininho o estimulo

sempre foi muito grande. É tanto que assim, o que mais se fala que é a dificuldade de

demonstração emocional...todo díade noite ele só dorme se entrar no quarto, der abraço e tal...

E: e quando é com outra pessoa que não vocês?

PAI: se a pessoa dor dar um abraço, dois beijinhos, ele já dá com toda naturalidade. Você nem

percebe nada, não tem dificuldade...o start de partir pra dar beijinho...normal.

CENA 6 – Empréstimo de dinheiro a Penny

E: essas? Essas ultimas foram cenas que tiveram mais a coisa dele precisar da dica do social,

não entender o contexto. Como são essas questões pra ele?

PAI: não, ele passa ainda por isso aí...se alguém agir com sarcasmo com ele ele não vai

perceber diretamente não. Dependendo da situação, se já não tiver passado pela mesma

situação ele não vai reconhecer. E o empréstimo de dinheiro também que não tá aí

mas...acontece também, se alguém precisar, quer dizer, não externamente, ele já tem um limite,

sabe que não vai dar dinheiro na rua mas...ele sabe que se alguém de casa falar “ah você tem

alguma coisa?” as vezes é o dinheiro do...ah vou separar tanto...aí ele separa...vou separar tanto

que vou precisar hoje e tá aqui, pronto...não tem o menor receio de dividir...também não é

esbanjador, ao contrario, pão duro. Se tiver que dar um presente ele vai comprar o presente

especificamente que ele planejou dentro dos limites de gasto. Rsrs

E: rsrs mas vocês ainda tem que dar essas dicas a ele? Como é?

PAI: ele já administra o próprio dinheiro..abrimos uma conta pra ele...

E: mas nem em relação ao dinheiro, mas a essa coisa social, ele ainda se refere a vocês pra

perguntar?

PAI: ele não...ele as vezes olha com aquela cara de “vixe, acho que alguma não deu certo”

[fala como se fosse John]. Ehh...ele tem 20 anos, a gente não anda por aí com ele pra todo

canto, mas assim, por exemplo, lugares que ele frequenta talvez seja ótimo fazer estudo

social...universo geek...sei lá...arena geek pra jogar magic se você entrar ali você...se você tiver

ração pra asperger você com certeza pode jogar ali que vai dar muito pássaro...então assim, o

próprio ambiente vai chamando. Então assim...qual o...desde criança uma falha e foi falha, é a

escolha de esportes...o correto era ter insistido em esportes sociais, só que, como ele tinha

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dificuldades na interação, ele teria dificuldades na interação esportiva. Então colocou-se no

basquete, só que ele não tinha a maldade do passa a bola, do pega aqui, do da a volta pro outro

pra pegar e tal era obrigatoriamente ele era colocado no banco o tempo todo, não treinava então

não adiantava você deixar. Já se você coloca numa atividade individual, coloca no kung fu. Ele

é faixa marrom avançada, vai tirar preta agora, não tirou porque teve que apertar universidade

ele saiu do treino. Então...coisas individuais o movimento é ótimo, coisas que necessitam

atividade em grupo...então...atividade agora físicas ele faz tênis, que é individual, não deixa de

ser...

E: é, não deixa de ser...

PAI: e...ele vai interagir, ele...tem o outro né? E natação. Que também tá na raia dele, tá na

dele. É...ele quer aprender a surfar, por isso que coloquei na natação pra apertar um pouquinho

mais, porque não confio ele nadando em alto mar ainda, mas pra surfar, assim, teoricamente é

um grupo que você para, conversa, você pode interagir um pouquinho mais...mas aí não tá

pronto fisicamente pra isso, mas se ele melhorar um pouquinho mais eu libero. Mas atividade

em grupo, jogar futebol de salão, futebol...pra, como interação ele não...nunca conseguiu se

juntar num grupo.

Cena 7 – Conversa desconfortável

E: eu fui passando essas e acho que são como a primeira...a primeira cena era mais em relação

a perguntas e comentários inadequados...

PAI: é ele não chega...ele ainda faz comentários inadequados, mas não... com determinados

limites, por exemplo ele não vai perguntar sobre sexo ou...ele vai saber o limite. O

alter...superego dele já tá um pouquinho mais evoluído, conseguiu evoluir de tanta lenha que

ele levou.

E: mas ainda tem coisas que...

PAI: ainda tem coisas que passam despercebidas. Ele tá aqui aí diz “olha...será que não tá bom

de acabar não? To com fome” por exemplo. Ou então ele segura, segura e diz “UFA” “que

foi?” “não, porque eu tava com fome”

CENA 8 – Decifrando expressão facial de Rajesh

E: essa é uma mais longa que tem varias coisas. Tem alguma coisa que chama atenção com o

John...

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PAI: uma coisa é...o John não tem problema em ter mais pessoas...ele tem vontade, o que ele

não tem é iniciativa. Ele adoraria estar cercado por amigos, você percebe que ele tem uma certa

inveja daqueles grupos de amigos, mas ele não encontra uma maneira de se inserir no grupo.

E aí remonta muito a questão do local, por exemplo, você é de CG, talvez se John morasse em

CG ele fizesse parte de um grupo de amigos que fossem pro shopping que fossem pro cinema,

que saísse de noite, porque as pessoas se integram. Mas Natal é bem característico isso, a frase

não é minha é de muita gente, que assim, quem já se conhece há muito tempo e é do mesmo

lugar ou veio da mesma escola forma grupos de amigos e normalmente eles não deixam

pessoas alheias entrarem nesses grupos. Sua mãe de ter comentado isso também né? na

universidade ela deve encontrar isso...

E: nunca vi ela comentando mas...rsrs

PAI: aah aqui é jogo duro.

E: e em relação a...tem uma parte que é em relação ao olhar, a dificuldade de...

PAI: ah o John encara, encara, olha no olho já

E: Foi sempre assim?

Pai: Não! Ele pequeninho você ficava chamando atenção [estala o dedos] pra que ele

olhasse...”ei, olha aqui, ooh, olha aqui” esse tipo de coisa.

E: e quanto á piadas?

PAI: contanto que você não deixa ele fazer tudo bem....alguma coisa e acha engraçada aí as

vezes é claro, tem reações exageradas de riso a coisas simples...algumas são muito bobas, aí

você faz aquela famosa frase “pô, tu é muito bobo né?” aí ele ri mais ainda.

E: mas em relação a entender piadas mais complexas...

PAI: piadas mais complexas ele tem dificuldade.

CENA 9 – Abraço na lavanderia/ CENA 10 – Sheldon e Leonard se conhecem/

CENA 11 – Ofensa a Penny/ CENA 12 – Funeral

E: e dessas que passaram?

PAI: eu não sei se ele tem ainda toda essa noção da...porque tudo a explicação dele foi acima

do que normalmente é pros outros né?

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E: É, como se o Sheldon já tivesse chegado a um insight

PAI: É, já tivesse chegado a conclusão de insight...não é assim que funciona né… destoa um

pouco algumas coisas

E: Mas você acha que o John tem essa percepção? De uma dificuldade...

PAI: Ele já tá conseguindo contara ate 3 antes de fazer as coisas, o que da a ele aquele tempo

necessário de se focar na situação. Mas ainda...ainda vai chegando a...você vê a percepção

que...você coloca ele na faculdade ou num grupo de aula...um exemplo agora ele tá...os colegas

se juntaram com ele pra que ele tirasse dúvida dos colegas da matéria de uma prova aí ele foi

tirou todas as duvidas eu disse “olha John, mas era sua manhã livre, você conseguiu tirar da

questão que você tinha duvida?” não, ele não sabia. Se fosse outras pessoas não, ah deixa eu

primeiro procurar resolver o meu problema, depois eu resolvo os problemas dos outros.

E: e quanto aquela percepção de que o que ele fala magoou ou que ele falou alguma coisa

ruim?

PAI: ah agora ele percebe né? Mas antes ele falava alguma coisa...ah você é feia ou...ou então,

gente mas se você estudasse você conseguia..não, uma coisa bem característica, alguém assim

que você vê que não tem um pouco mais de condição financeira e tal e tá conversando no grupo

“ah, não to conseguindo melhorar, aquele meu emprego não tá tão bom e tal” fala num grupo

de amigos que tá comigo e ele tá também e tal aí ele se mete “ah mas se fizesse um curso

melhor, se você estudasse mais, não melhorava?” Isso assim, pra quem tá ouvindo é uma

chamada de atenção...na verdade é a pura realidade, mas ele não se toca que aquilo pode

ofender o brio do outro que não conseguiu chegar.

E: mas mesmo hoje em dia que ele já teve avanços ele ainda não tem essa percepção? Ainda

acontece de falar...

PAI: não, hoje ele já tem mas pode passar despercebido. Posso sentar eu, você, mais dois na

mesa e dizer “e aí gente, com é que foi o concurso?” ah passei, pô não consegui passar. “pô,

mas quer dizer que eles estudaram mais que você?”

E: entendi. Mas então a percepção vem so para casos em que ele já sabe o qe ele não pode

falar? Você estava falando no inicio que...

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PAI: é, situações novas que ele ainda não passou...é...e algumas que ele já passou as vezes ele

repete. “pô, bicho você tá repetindo? Você fez isso...tal dia você fez desse jeito” “ah pai, eu

prometo que nunca mais faço isso” “ah eu vou ver quanto tempo dura esse teu nunca mais...”

E: mas você acredita que ele consegue entender porque a outra pessoa ficaria chateada?

PAI: se ele parar para pensar sobre o que aconteceu ele consegue porque ele consegue , porque

ele consegue descrever o caso, desenhar na cabeça e ver o resultado, porque ele consegue

resolver o que aconteceu de uma forma matemática.

E: certo. Então de maneira geral, depois de todas as cenas que vimos, você acha que tem coisas

do Sheldon que lembram o John?

PAI: ah tem coisas que lembram o John.

E: principalmente o que?

PAI: a principalmente a dificuldade de percepção das situações de sarcasmo que são as mais

complexas né...sarcasmo e cinismo...que são alheias assim...como se fosse uma situação

inversa, fala uma coisa e é o contrário que você quer dizer, então assim...quando é cinismo ele

ainda percebe, porque é fácil, é só ele reverter a frase para o negativo dela e comparar com a

situação, quando é sarcasmo é mais difícil porque envolve uma situação mais complexa com

elementos ate que não tão presentes no momento e ele não vai buscar esses elementos

em...lugares estranhos...mas ele não tem dificuldade no contato físico...é só você perceber

John, me da um abraço, você percebe na hora que não tem isso...e ele não tem tanta...ele

apresenta uma dificuldade ainda de se colocar socialmente dentro de entradas...que ele vai ter

que se impor dentro de determinados limites, por exemplo: ele sabe que vai ter que pedir

licença, porque vai ter que interromper aqui pra falar alguma coisa. Aí normalmente a pessoa

bate “opa”, ai olha pra tudo mundo, vê como é que tão as caras fala “tudo bem? Será que eu

posso tal coisa?” Aí não, ele vai e (bate na porta) “oh gente tudo bom? Eu vim aqui pra fazer

tal coisa, tal coisa...” né? Ele não espera a resposta do ouvinte pra poder terminar o que tava

falando...ele iniciou, ele vai e leva ate o final. Ele tem que dar o tempo, tem que aprender a

fazer lacuna.

E: certo. E quem foi que conversou com ele a primeira vez sobre a SA?

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PAI: eu acho que a gente foi apresentando...a gente primeiro iniciou mostrando, estimulando,

como a gente tava pretendendo fazer e com o tempo foi mostrando publicações, livros e..”oh,

olha aqui tá vendo esse livro?” acho que mãe com certeza mais do que eu

E: e ele conhece mais algum que tem sa?algum amigo?

PAI: não...acho que amigos ele não tem...conhecido ele já passou por alguns conhecidos que

tem autismo e ele percebeu a diferença

E: e vocês conversaram sobre isso?

PAI: que o asperger é um espectro do autismo. “mas porque que ele parece um deficiente?”

porque é um espectro no qual você vai ter dificuldade só no lado social, mas você não tem

dificuldade cognitiva. Se eu não tenho dificuldade cognitiva, porque que minha cognição não

é igual o de outra pessoa, é maior? É porque, ou sorte sua, puramente por sorte, a sua área

social, se ficou algo inibida, houve uma compensação a mais na área cognitiva, mas nem todo

mundo que tem asperger vai ter uma cognição aumentada, tem gente que não vai conseguir

trabalhar matematicamente tudo como você trabalha, não dá pra você generalizar com relação

a isso.

E: e como você acha que ele se sente sobre isso? Sobre esse diagnóstico?

PAI: inicialmente, eu fiquei preocupado que ele ficasse pensando, preocupado, “pô, mas como

é que vai ser o meu futuro então, se eu tenho algum tipo de problema?” mas hoje ele já começa

a se enquadra assim, olha “ se eu sou muito no que eu posso fazer, então eu posso trabalhar

com aquilo e desenvolver em cima daquilo”

E: teve algum momento de você perceber que isso o entristeceu ou não?

PAI: Ainda o entristece a parte social. Isso aí é notório, mas como ele ainda não consegue se

inserir, mas não fica angustiado com isso. Mas você percebe que ele sente falta...se você

perguntar ele queria ter um amigo, tá ligando agora pra casa e “vamo pro cinema?” ah vamo,

vamo sair ali, vamo conversar...ate porque assim, seria um estimulo a mais, mas aí é muito

complicado pra gente oferecer esse estimulo por uma questão também nossa. Eu sou filho

único, não tenho irmãos, então ele não tem primos, não tem tios, e a P. a família tudo mora em

MG, que é a mãe. Então assim, apesar da gente ter ofertado tudo que a gente queria na área da

cognição, na área de estimulo, a gente não conseguiu ofertar como quis a parte social, porque

nós não temos coleguinhas da rua e coincidentemente, nenhuma da idade dele. Desde pequeno

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ele não tinha coleguinhas do mesmo tamanho que brinca na rua jogando bola, esse tipo de

coisa. Então não teve como...foi falta de sorte. Quem sabe se essa hiper estimulação também

acontecesse na área social ele teria o mesmo desenvolvimento que teria na cognitiva.

E: e na escola também ele nunca chegou a fazer assim algum amigo próximo?

PAI: não, próximo não. Já teve alguns amigos em algumas escolas que eram amigos de se

encontrar todo mês e de a deixar na casa dele pra brincar e vir pra car pra brincar , mexem no

pc juntos, vão pro cinema juntos uma ou duas vezes, mas ele tem 20 anos talvez tenha ido pro

cinema com um amigo ou outro uma ou duas vezes. Agora todas as outras atividades ele faz

em grupo, em grupo familiar.

E: e o John fala sobre a sa? Tem alguém que ele conversa? Ele conversa com vocês?

PAI: não. Eu acho que ele já...ele vai se misturando de tal jeito que pra ele passa como uma

áurea distante. Ele só se percebe quando acontece alguma dificuldade ele putz foi por causa

disso.

E: mas já teve algum momento de ele fazer pergunta ou...

PAI: pra mim não, talvez pra mãe.

E: o que é um John que você consegue ver que são coisas boas, pontos de força associados a

sa?

PAI: ah o John é extremamente honesto, ele é incapaz de mentir, não como o Sheldon que fica

com aquela cara de bobão. Não, ele não mente. Então assim, ele é extremamente confiável,

pontual, preocupado em terminar as coisas corretamente, mas sem grandes stress…claro tá na

véspera de uma prova ele não conseguiu terminar tudo tá com aquela cara de aluno que vai se

ferrar né? Mas sem grandes absurdos. Mas assim o controle de coisas que tem pra fazer, de

tarefas, é muito bom. Mas a parte de...de...sociabilidade, a parte humana é muito superior, é

impressionante! É uma pessoa que você pode confiar, que você pode conversar, que sabe que

não vai te passar pra trás, o que ele falar vai ser verdade...é muito interessante isso

E: e do ponto de vista cognitivo? A inteligência é acima não é..

PAI: olha, matematicamente...porque geralmente você desenvolve matemática as vezes em

áreas muito pontuais. Raramente você faz matemática em crescimento piramidal. Como é as

múltiplas áreas do conhecimento né? Que você conhece muito uma coisa...você sempre sabe

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um pouquinho de alguma coisa, né? Menos matemática. Matemática geralmente a pessoa sabe

aquela coisa e evita saber tanto bem de outras né? O John não...o John consegue fazer a parte

de ciências exatas em um crescimento piramidal. Como ele tem uma memória muito

boa...assim...não é memória fotográfica porque fotográfica ele teria que ler um texto e gravar

coisas e ter [parte incompreensível] o que ele fez, mas a memória você percebe que é maior

porque detalhes de uma coisa que você pode pedir a ele que aconteceu há um pouco mais de

tempo que você não tem ideia de que tá acontecendo ele lembra ponto a ponto e consegue

resolver né? Isso facilitou demais programação. Normalmente você estuda uma ou duas

linguagens, 3 linguagens de programação, e a ultima contabilidade que ele fez de linguagem

de aprender programar ele tá programando em quase 5 linguagens diferentes. Só que são

funções diferentes, mesmo que você faça por analogia né não é tão fácil fazer esse tipo de

coisa...só que ele não co...ele não desenvol...eu percebo que ele não desenvolveu ainda tanto

porque as próprias aulas que ele tem não são pra desenvolver aquilo. Eles só dão

conhecimentos básicos pra os ouros colegas e é o que ele também tá pegando, igual os outros.

Português, por exemplo, enquanto é a questão de regras e gramática e tudo tá perfeito, ele sabe

tudo..não vai escrever, não vai errar uma palavra...não troca sílabas, não troca letras, acentua

bem, porque são regras e as regras ele guarda todas. Na elaboração de texto é que foi um grande

susto...a gente pensou “pô, como é que esse cara vai passar se ele vai ter que fazer uma

redação?” e redação ele vai ter que dar alguma ideia. Ele fez 680 pontos na redação. “mas ah

não tem lógica, todo mundo deve ter sido muito ruim” e a gente fala brincando “cara, todo

mundo deve ter sido muito ruim pra tu tirar 680 pontos” aí ele fica rindo.

E: na coisa de interpretação de texto durante a vida escolar, como é que foi?

PAI: sempre conseguiu...ele nunca...ele só foi pegar a primeira recuperação no segundo ano

do segundo grau em uma disciplina.

E: então era uma coisa que ele deu conta...

PAI: não...escolar a gente não tinha essa preocupação.

E: uhum...sim...e em relação a questões mais visuais? Tanto de memória como de

reconhecimento, que as vezes é um ponto positivo na SA. Vocês percebem isso néle como um

ponto de força ou chama atenção?

PAI: você fala de fazer foco?

E: mesmo gravar foto...só pela memória visual

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PAI: se você perguntar...as vezes você tá perdido aqui em natal...uma curiosidade, isso é muito

comum...”cara, que rua é essa?” tudo bem. Se ele não...aí ele fala é a rua tal. “pô, bicho, mas a

gente não tem placa. Você lembrava o nome da rua?” “não, eu lembrei que o sistema de fiação

elétrica de condução aqui de alta tensão dessa rua é esse”. Então assim...ele grava detalhes que

passam despercebidos mesmo né...

E: e você acredita que esses detalhes que ele grava são visuais ou era um conhecimento que

out...

PAI: não, visual o detalhe...ele sabe que ah...essa rede elétrica aqui é de tal tipo e essa rua tem

essa rede. A prudente de morais usa essa rede, a salgado filho essa rede, a mor gouveia essa

rede, a norton chaves essa rede e tal, que é muito parecida com a rede de tal lugar...ele treina

fazendo relação, relaciona com o nome da rua e acerta a rua olhando pra cima e reconhecendo

a rede elétrica.

E: e se você pensar na maior fragilidade pra o John que tem a ver com a SA?

PAI: aham...ainda é o comportamento em grupo. Constantemente a gente vai ver peças de

música clássica...concerto da orquestra, alguma apresentação, por exemplo, de um virtuoso

qualquer, concerto de um violinista, de um violoncelista...então o cara no meio do concerto de

violoncelo, John me cutuca assim e fala “pai, olha só essa estacato é muito bonito”. Todo

mundo vai olhar, porque você tem que falar num quase nada...ta todo mundo bem calado, ele

vai fazer um comentário mesmo. “deixa pro final!” eletádeixando pro final mais...ou então

aquela pressão:táno meio da apresentação etáaquela coisa, o cara tirando um solo muito longo

e o piano muito longo e todo mundo tem que ficar parado, fixo olhando, mas aquela coisa

começa a demorar muito aí ele começa a fazer isso com o papel (amassa o papel), porque não

consegue ficar quieto. Rsrs

E: você acha que tem alguém com quem ele se sente confortável falando sobre isso?

PAI: eu acho que ele não se sente desconfortável.

E: é indiferente?

PAI: é...ele não é tão...não, não seria confortável ele falar com...talvez ele se sentisse

desconfortável se tivesse no meio de um grupo que ele tivesse se expondo por falar, mas por

exemplo, se você perguntar a ele “e aí John, como é que tá?” e você tá sentindo alguma coisa,

você tá sentindo diferença, ele vai falando normalmente o que sente, sem dificuldade nenhuma.

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E: como, se é que isso aconteceu, você acha que ter SA mudou a vida de John?

PAI: eu acho que não mudou, porque sempre foi assim. As dificuldades e as facilidades...as

dificuldades foram trabalhadas pra tentar minimizar e as facilidades compensaram um

sofrimento qualquer que teria por causa das dificuldades né?

E: sim..você...voltando para o lugar do John...que conselho você daria pra um adolescente ou

jovem adulto que acabou de descobrir que tem SA?

PAI: alguém falou pra ele né...”ó isso daí é SA”...aaah..não fazer parte uma família pequena e

estar o tempo todo em contato com pessoas, pra que você possa o tempo todo estar se

ambientando e descobrindo como se comportar com as pessoas.

E: e que conselho você daria para pais de um adolescente com SA?

PAI: aah tá o tempo todo próximo a eles nunca deixando de ofertar opiniões e conselhos.

Sempre estar estimulando.

Mãe de Chaves

Mãe: Vamos lá. Tem que ter sempre uma rotina, não se pode sair daquela rotina, certo? De

manha tem que tomar café no mesmo horário, porque se eu não tomar naquele horário, tal

hora eu só vou comer metade do café, porque se eu comer todo eu não vou almoçar direito,

meio dia o almoço tem que estar pronto, sempre come a mesma coisa, sempre a mesma

coisa, feijão tem que ser feijão carioca, não pode ser outro tipo de feijão porque senão não

como. Arroz, frango...se tiver, peixe, come peixe e salada e suco. O lanche da tarde esse

não tem horário, é qualquer hora a hora que der vontade come biscoito. A janta tem que

ser de seis horas em ponto, não seis horas eu tomo banho, depois eu vou jantar e depois

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assiste tv, e essa é a minha rotina, se tiver uma festa, eu tenho que saber primeiro de painho

e mainha, de que horas vai e de que horas volta, porque se não for vamos dizer, se não tiver

hora pra voltar eu não vou pra festa, não vou porque, porque vou me chatear, porque vou

ficar atrasado pra no outro dia acordar, todo esse detalhe. Então não, não saio, mas se não

tiver nada vou pro computador, assistir televisão. O momento melhor que eu sinto é quando

to assistindo chaves, a minha gargalhada é a melhor que tem, é assim maravilhosa, é o

único momento que eu vejo C realmente assim se sentindo feliz, é a risada com as

brincadeiras do chaves, que sempre passa e agora eu acho q ele já descobriu porque é outro

horário, depois do almoço então só escuta...

mãe: e a vida é assim... toda programada, porque no dia que um negócio da errado, aí eu

fico muito contrariado, chateado, tudo isso...e fim de semana ele é evangélico, então ele

tem uma rotina da igreja: sábado de manhã ele vai pra igreja oito horas da manha sem tomar

café porque é um jejum, volta de nove, nove e pouquinho aí toma café, já toma o café pela

metade.

E: o jejum é uma coisa sua, de C ou é da igreja?

Mãe: da igreja, mas ele obedece a igreja. Aí almoça, fica por ai...as vezes tem uma

evangelização de três horas, vai e volta. O domingo de noite tem o lanche com os colegas

né, os amigos, os dois únicos amigos então a brincadeira, quando tem uma brincadeira fica

até mais tarde, volta tarde pra casa, no domingo de nove horas tem a aula dominical então

vou pra aula de nove, volto de onze e meia aí almoço meio dia. O almoço tem que estar

pronto de novo ne, ai durmo um pouquinho, cinco e meia começo a me arrumar pra ir pra

igreja, que a igreja começa de seis e meia, cinco e meia, seis horas tem que ta pronto. Este

é o único dia que eu não janto de seis horas, eu janto de nove horas quando chego da igreja.

E: mas também isso já ta programado?

Mãe: também ta programado, mesmo que eu (mãe) insista, pra ele comer antes de ir, não

come porque só posso comer depois que chegar da igreja. E assim...família todo mundo

gosta muito de mim, porque eu sou bem...assim eu entendo muito de tudo, tenho

informações e sempre converso sobre os assuntos atuais, tipo se você quiser saber quando

foi o aniversario de vovó, qual foi o dia que caiu, eu digo, de que horas a gente foi, de que

horas a gente voltou, quem tava lá...eu falo tudo isso, e as vezes as pessoas não me

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entendem o porque de eu agir assim e mainha fica explicando porque eu tenho essa

síndrome que tem que todo mundo entender, ter paciência comigo e as vezes eu fico

chateado com o almoço familiar, fico bem chateado mesmo, medo de falar, me altero e

mainha: “tenha paciência meu filho, tenha paciência”, até eu me acalmar, mas outro dia

que eu encontrar aquele fulano, ai eu vou de novo questionar aquilo, daquela pergunta que

ele me fez naquele dia, ai vou perguntar pra ele se ele: “você não entende não assim, que

eu sou assim”, até que o fulano fique mais assim: “não tudo bem, não tem problema não”...

e tem, sempre tem, muita ajuda da família, dos mais próximos. A avó por parte de pai me

ajuda muito, ate porque eu fui pra igreja através dela né, ser evangélico por ela, fiquei muito

tempo na igreja dela. Lá todo mundo até hoje ainda sente saudade de mim, quando vou pra

igreja da minha vó ela me chama porque o pessoal ta perguntando por mim. Lá na igreja

da minha vó também tem um menino que é bem parecido comigo, mas que a mãe não ta

nem aí, e assim, pelo que eu to vendo a vida dele ta se complicando, mas vovó disse que

eu deixasse pra lá, porque “tome conta de você e eu tomo conta de você e ele a mãe que

tome conta”. “A gente não pode fazer nada porque a mãe ignorante, não tem o cuidado que

sua mãe teve com você”. Então, e vou sempre lá pra igreja de vovó, a minha outra vó, as

vezes a gente tem uns papos sobre a bíblia, e também eu questiono muito, sempre bato

nessa mesma tecla com a minha vó materna, a historia de Maria, porque Maria para o

evangélico Maria não existe, e vovó sempre diz: meu filho, todo mundo nasce de uma mãe,

pai pode ser vários mas mãe é só uma, mas eu sempre questiono porque Jesus sempre

chamava a Maria de mulher, “ mulher, eis o teu filho” e nunca disse que era mãe e fica

nesse questionamento, todas as vezes que se encontram vem esse mesmo bla bla bla que

eu já disse: “vamos conversar outras coisas, porque religião, política” - graças a Deus na

minha família ninguém gosta de futebol então não se discute, mas religião e política a gente

não discute – “cada um tem uma opinião diferente, e tem que respeitar pra não dar

confusão”. Aí tem um primo que eu tenho muita afinidade com ele, gosto muito de

conversar com ele, mas ele assim é mais da gandaia, ele bebe, eu não bebo, ele namora

muito e eu tenho certa dificuldade de namorar, ainda não namorei com ninguém e fica, mas

ele fica passando pra mim, como seria se eu namorasse, e eu acho que agora ele ta

apaixonado pela filha do pastor da igreja dele rsrsrs, ai ele fica “mãe, e ai, o que é que eu

faço?” Eu digo: “e aí você vai conversando com ela, sabendo se ela tem também interesse

em você, se tiver, vocês conversem, e pronto, a gente conversa sobre isso”, tem também

uma prima que ta na Austrália de vez em quando eu ainda converso com ela, tem noticias

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dela, ela ajuda em algumas coisas, ai os primos os outros são todos pequenos. Não tenho

uma relação muito boa com a minha irmã… agora que eu to começando (a ter uma relação)

de vez em quando a gente consegue conversar.

E: a do meio ou a menorzinha?

Mãe: a do meio. A mais nova eles tem uma afinidade boa, consigo conversar, ela agora já

ta no segundo namorado e eu nada de namorar, todo mundo fica cobrando, ai mainha diz

que tudo tem seu tempo e eu vou esperar o meu tempo, e vou levando, toda vida que mainha

vai pra algum canto eu sempre pergunto: “que horas vai voltar”? Se ela disser “não sei”,

não vou, nunca vou porque não tem hora pra voltar e eu quero voltar tal hora, porque se

não amanhã, vai me prejudicar. Então é sempre essa mesma rotina, que eu acho que pra

mim não é rotina, é o que eu tenho que fazer, tem que ser daquele jeito, não interferindo os

outros tem que se amoldar ao meu jeito, eu não tenho como me amoldar ao jeito dos outros,

e o que eu não entendo, já foi acordado com a minha mãe que eu conversaria com ela e ela

me diria. De vez em quando eu não consigo controlar isso e estouro e digo o que não devia

dizer, mas nem tudo...é esse processo o tempo todo.

E: e como é que ter síndrome de asperger faz você se sentir? Será que ele já pensou sobre

isso, o que é que a senhora acha?

Mãe: em algumas coisas eu acho que se sente diferente...me sinto diferente, mas não que

isso possa assim, interferir muito na minha vida. Eu to buscando o que eu to querendo,

inclusive agora, esse começo de ano eu quis desistir do curso de engenharia de alimentos,

e quis ir pra matemática, e meu pai “ COMO É QUE VOCE DEIXA DE SER

ENGENHEIRO E VAI SER PROFESSOR DE MATEMÁTICA???”, e minha mãe já foi

dizendo: “se é o que você quer, vá fazer, se é uma vontade sua, não leve em consideração

o que seu pai ta dizendo, mas se é uma vontade sua...”, “não eu vou insistir mais um

pouquinho em engenharia de alimentos” [fala como se fosse Chaves], ai a minha mãe foi

pra internet, deu uma olhada, que sempre sobra vagas na UFRN, sempre tá sobrando vaga,

ela disse assim: “ó se você realmente não gostar do que você ta fazendo, vá fazer o que

você acha que vai gostar, ou então faça outro ENEM, e veja mas se você achar que da pra

você ir andando nessa carruagem”, que ela diz que tento andar na carruagem, “você vai

andando até onde você acha que der, se você vê que não dá”, você:”mãe não dá, eu vou

fazer aquilo, vou precisar de você porque PAINHO...” ,”não ligue pro seu pai, porque o

futuro é seu, o seu pai o que tinha de fazer ele já fez, se ele não quis estudar, ele nunca

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gostou de estudar, então ele parou ali, parou”. Hoje a gente tem que pensar assim porque a

vida da gente um dia vai ser só nossa, a gente não vai depender dos outros. Aí eu to levando

o curso, tem umas disciplinas meio difíceis, minha mãe fica doidinha quando chega as

notas, mas eu to indo, descobri que a UFRN tem uns programas, de ajuda e eu to numa

aula agora que ta me ajudando, aí minha mãe diz assim: “se agarre com as meninas, que

elas são mais amáveis, elas gostam de ajudar o próximo”, e eu to com umas colegas que

realmente tão me ajudando, mas também tem uns colegas que eles me ajudam, eu sempre

marco pra estudar, a CAENE informou ao departamento, os professores hoje estão me

vendo com outros olhos, diferente do primeiro semestre, já olham assim e já sabem que eu

sou diferente, que eu tenho um tempo assim, tanto é que o professor chegou pra mim e

disse assim: “você vai começar a prova e todo mundo vai terminar em tal hora mas você

pode ficar mais meia hora”. Então isso foi muito bom pra mim, eu consegui terminar a

prova que no tempo que ele tinha dado eu não ia conseguir. Sei que todo mundo acha que

eu sou diferente, mas eu tento ir do jeito que ta dando, dançando de acordo com a musica,

e ate agora to tendo, pelo menos na fase de universidade, não to tendo problema. Fui

reprovado só em calculo um, paguei de novo, já passei.

E: e se você tivesse que explicar síndrome de asperger, como você explicaria?

Mãe: deixe-me ver... é uma síndrome assim, eu explicaria mais ou menos o que eu sinto,

em que eu tenho um problema comportamental, assim, não comportamental, um problema,

social, de entender e me comunicar melhor com as pessoas, de entender se certos

significados, certos gestos, a minha mãe disse assim: “C, quando você tiver falando numa

coisa que não é pra falar você olha pra mim, se eu tiver com uma certa expressão, tipo, aí

você já sabe, que não é pra falar aquilo” e “as coisas que acontecem na nossa casa, tem

que ficar na nossa casa, não interessa a ninguém os nossos problemas, os problemas da

gente a gente resolve aqui ,porque, porque se a gente vai resolver problema nas frentes das

pessoas, as pessoas vão dizer ‘que tipo de família é essa’”? Que deixa pra resolver os

problemas, lavar roupa suja (não entendi muito o que era lavar roupa suja, depois fui

questionar pra mainha, mas mainha lavar roupa suja é o que mesmo?) então a gente tem

que resolver aqui, tudo que acontece a gente tem que resolver na nossa casa.

E: essa coisa da dica, funciona, dele olhar pra você?

Mãe: as vezes não funciona, as vezes eu tenho que sair e prestar mais atenção a mainha

que é pra eu não ta falando o que não devo, e assim já passei por umas situações difíceis,

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tipo: falei de alguém e alguém tava atrás escutando, e pegou mal porque não era pra ter

falado naquela hora, era pra eu ter ficado na minha, mas como saiu minha mãe emendou,

e tentou emendar mas não deu muito certo, depois pediu desculpa eu tive que pedir

desculpa. E me sinto assim...que tenho certas dificuldades de relacionar com as pessoas,

consigo se relacionar bem com mais novos que eu, sempre consigo, brincar até, sento com

minha irmã pra assistir os filmes e me divirto bastante... chaves então, eu e ela a gente da

bastante gargalhada, e um programa tipo, vamo pro cinema, vamo não sei pra onde com

alguém, to fora porque eu não tenho muita paciência de ficar numa cadeira de cinema, não

tenho muita paciência de assistir um filme completo, eu começo a assistir, mas já saio. E

tem esses detalhes, eu me sinto assim, as vezes me sinto um pouquinho excluído de

conversas, porque sabem que eu vou dar uma opinião que não é condizente com o que eles

acham, então aí minha mãe faz: “C, C ta fazendo o que? Ta falando o que?”, ai eu volto e

fico quieto. E assim...eu não consigo conversar muito com meu pai, não tenho muita

conversa com ele porque ele não me entende, eu tento explicar e ele não quer me entender,

aí a gente vive assim, cada um, ele fala uma coisa eu escuto depois eu questiono com minha

mãe, o que era que ele quis dizer com aquilo, pra eu poder depois dar uma resposta, porque

eu dou uma resposta, sempre dou uma resposta, na hora eu posso não dar, mas depois eu

vou lá e digo: “olhe pai”... e vamos lá...

E: nessas coisas são coisas que ele não entendeu como ironia?

Mãe: ironia. Meu marido ele gosta muuuuito de piada, e você sabe que isso pra ele é uma

dificuldade.

E: um duplo sentindo, uma coisa por trás...

Mãe: aí ele não entende, eu como já to calejada, eu consigo hoje dar uma resposta a altura,

mas C ele fica perdido, ele fica perturbado.

E: hoje ele já entende que é uma coisa que ele tava querendo dizer outra, mas não entende

o que é...

Mãe: tanto é que quando, é assim, hora do almoço, meu marido chega ele ta almoçando na

mesa, aí meu marido chega pra pegar o almoço, aí meu marido sempre diz uma coisa, ai C

agora faz o seguinte: quando meu marido entra na cozinha pra pegar o almoço ele sai, e vai

lá pra mesa da sala, porque eu disse: “é melhor do que você estar se indispondo, então pra

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evitar problema faça o seguinte: almoce todo dia nessa mesa”, mas eu não consigo eu

tenho que almoçar, naquela mesa.

E: só no momento em que...

Mãe: mas, você sabe que de tal hora seu pai chega, e ele vem com umas perguntas você

não entende, aí você para seu almoço, se chateia, você diz coisas que não devia dizer, então,

almoce todo dia nessa mesa, pegue um joguinho americano, bote aí...mas não tem jeito.

Ele almoça na mesa. Aí o pai chega - doze em vinte em ponto meu marido também tá em

casa - aí pega o almoço e vai pro trabalho de novo, mas ele sempre tem uma coisa pra dizer.

E: Mas o seu marido assim, ele tem interesse em saber, aprender sobre a síndrome de

asperger? Não tem...

Mãe: não, eu digo assim: “tem como você botar seu almoço calado e sair calado não?”,

porque ele é muito calado. Ele diz assim: ”não”. Aí por coincidência nós temos um casal

amigo que a filha ela tem, 8 anos e ela é autista. Clássica. Uma mulher, porque é muito

raro, só que ele já acompanha a filha, e lá na casa dele é o inverso, ele que cuida da filha,

a mulher não da muita atenção, então ele que toma conta e as vezes a gente se encontra e

conversa muito...eu converso a minha experiência com C e ele conversa a experiência dele

com a filha dele só que a filha dele é beeeeem diferente, beeem complicaaada.

E: é porque de fato...

Mãe: eu fico assim olhando pra ele, ele tem uma paciência, sabe? ai ele faz: “olhe S. lá em

casa tudo sou eu, tudo, tudo, tudo, a minha mulher ela não da a mínima”. A mulher dele é

uma boneca, então ela sabe, ai ele fica assim, ai ele pergunta pra o meu marido: “e aí, n sei

o que... [o marido responde] “não, não entendo nada disso, quem sabe é S., eu não sei de

nada”, ai ele diz: “não mas você não pode ser assim, você tem que se inteirar do problema,

é o seu filho, você tem que ajudar”, “não não, mas isso não da pra mim não”.

E: é que conhecendo as características é bem mais fácil de lidar porque você sabe porque

surge um comportamento

Mãe: [marido falando] “não não, mas não da pra mim, não sei o que”...Aí eu fico assim...Eu

tenho outro casal amigo que o filhinho tem 4 anos e o filhinho é também autista e eu

conversei muito com ela, aí ela disse: “ai meu Deus, se meu filho fosse como o seu filho...”,

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mas ele tem... olhe, no dia que a gente tava lá, ele passou o dia gritando, gritando, gritando,

aí C tentava ajeitar e não conseguia.

E: porque, hoje a gente chama ne que é um espectro, e o espectro vai desde a criança muito

difícil, talvez como ele, a C, que as dificuldades de C são muito específicas, é uma coisa

de uma dificuldade da interação social que vai desde o total alheamento à C que tem a

dificuldade do entendimento de coisas mais complexas mas que entende as relações sociais

e tem a linguagem que a criança do autismo clássico, frequentemente não tem a linguagem

pra se comunicar e então é muito diferente, muito diferente.

Mãe: ele, C, ele tá numa fonoaudióloga. A fonoaudióloga me ajudou muito, U., e ela diz

que C é o carro chefe de propaganda pra ela, porque ela diz que...ela inclusive ela faz um

trabalho muito bom: ela leva eles...agora em junho, eles foram todos pro cinema,

são...marcou com uns quatorze mas parece que foram dez. Todos portadores da síndrome

e três autistas mesmo, C disse, de verdade. Mas C chegou em casa muito feliz com esse

encontro, porque ele disse que: “mãe olha, conversei bastante”. Então quer dizer é a área

dele, a praia dele...

Mãe: Aí ela levou eles pro cinema...ela tem uma família só que são duas pessoas são

autistas e um Asperger, na mesma família.

E: tem umas pesquisas que trazem muito que tem uma coisa genética

Mãe: eu nunca fui pra esse lado genético, mas me abriu os olhos a minha sogra, porque ela

disse no passado que ela tem conhecimento de um familiar que tinha um comportamento

assim como C. Aí C tem um primo que portador de fibrose cística aí a família, ela foi cavar

a família dela e já teve caso de fibrose cística, aí vem a historia ne? Tem que ter uma carga

genética, pra isso.

E: porque hoje não se sabe de fato, tem síndromes que a gente sabe, é por isso, como por

exemplo uma síndrome de down, sabe que é uma trissomia do vinte um, mas o autismo

hoje se sabe que tem forte correlação genética mas onde ta, ninguém sabe.

Mãe: até porque tem as variações ne...

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E: Agora eu vou te mostrar cenas de uma série de TV, a The Big Bang Theory. Nela tem

um personagem que tem características de AS e eu queria que você visse as cenas e depois

me dissesse o que você acha que parece o Chaves.

CENA – Penny está dormindo no sofá e Shledon quer sentar/ CENA – Os quatro

amigos vão a um restaurante e não conseguem pedir

Mãe: o sofá, pra sentar, sempre senta no mesmo lugar, e se alguém tiver ele manda sair

E: essa cena é bem característica dele ne?

Mãe: sim, ele sempre come a mesma coisa

CENA 4 – Sorriso de Sheldon

E: essa é mais uma coisa de mostrar a emoção, como é pra C, lembra ele ou não? Da risada

em hora inapropriada?

Mãe: quando ele vai entender alguma coisa, todo mundo já tem parado de rir aí ele dá uma

risada, pronto parou

CENA - Presente de natal para Penny

E: nessa essa menina deu um presente que ele gostou muito e ele quer retribuir

Mãe: contatos

E: é difícil?

Mãe: é

E: ele não é tão assim de abraçar...

Mãe: não, não gosta muito de abraço nem de beijinho não. Ele me abraça e como ele

cresceu muito né, aí ele me abraça, aí se eu der um abraço mais acalorado ele diz: “tá bom,

mãe, ta bom”.

CENA – Empresta dinheiro a Penny/ CENA – Conversa desconfortável

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E: nessas tinha alguma coisa que lembrava C? A coisa do sarcasmo...

Mãe: é

E: mas ele costuma trazer um assunto que é inapropriado assim, sem perceber?

Mãe: sim

Mãe: [sobre ironia na cena] é ele não entenderia, e tem uma historia de sempre sentar no

mesmo lugar.

E: mas ele diz um motivo pra sempre sentar no mesmo lugar?

Mãe: não, e se tiver muita gente ele sentou aí, se ele chega e você tiver ele faz: “vamo

saindo que esse lugar é meu”. Não tem problema dele sentar em outro lugar entendeu? mas

ele quer sentar naquele lugar.

E: sendo uma pessoa conhecida, mas sendo uma visita?

Mãe: não, ele fica por ali aí se você levantar ele senta (risos), fica arrudiando, arrudiando,

se você der uma brecha aí ele ainda diz assim: “pronto, agora eu to no meu lugar, arranje

outro”

E: (risos)

Mãe: aí eu tenho que ficar seria ne, e tento fazer ele sentar em outro lugar mas ele não

senta, tento contornar a situação porque as vezes as pessoas não entendem.

CENA – Decifrando expressão de Raj/ CENA – Abraço na lavanderia

Mãe: [sobre a cena] ele nunca entende a situação

E: precisa desse guia

Mãe: é

E: e no geral, o que você acha de Sheldon parecido com R?

Mãe: tem um bocado de coisa, essa de não entender as expressões das pessoas, não

entender os momentos apropriados pra entender certas coisas, me lembra bastante

E: e assim na síndrome de asperger o que é que a senhora acha que ele tem assim que são

pontos de força, coisas boas que ele tem que pode se relacionar a asperger e fragilidades,

coisas que ele tem mais dificuldade?

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Mãe: força: eu não se foi a criação, talvez tenha sido, eu sempre disse pra eles que eles

sempre tem que buscar o que eles querem, se vocês sonharem tem que correr atrás dos seus

sonhos, e tem que chegar nele não passando por cima de ninguém, respeitando, e C ele tem

conseguido atingir esses objetivos dele, uma vez eu disse assim quando eu tinha quinze

anos eu disse: “eu vou estudar, eu vou trabalhar, eu vou comprar uma casa, eu vou comprar

um carro e eu vou casar”, porque eu sempre pretendi ter filhos. Então eu sempre tive esses

objetivos, casamento foi o ultimo, estudei, sempre fui muito estudiosa, passei diversos

concursos fui trabalhar, comprei uma casa, uma apartamento, morro de medo de dirigir,

tirei carteira mais não dirijo, não é possível que eu não consiga fazer isso, porque esse é o

único sonho que falta chegar lá, e casei e tive os meus filhos, então você tem que sempre

ter aquela meta a seguir e chegar, e olhar pra trás e não se arrepender de nada que fez, agora

respeitando as pessoas, com o discurso de que as pessoas elas tem que ser respeitadas, não

adianta querer passar por cima de ninguém porque assim não chega a lugar nenhum. Então

eles sempre tiveram essa historia...se eu cheguei ainda falta uma coisa, que eu sempre digo

pra eles: “falta dirigir porque a vida seria bem melhor”. Não que eu não deixe de ir pra

nenhum lugar, mas a vida seria bem melhor, e C ele ta interessado agora em aprender a

dirigir, eu digo a ele: “vamo esperar um pouquinho”, eu acho que ele tem condições de

dirigir, mas eu só disse pra ele uma coisa: “você só vai ter que ter muita paciência porque

o transito não ta brincadeira, as pessoas não respeitam os outros”, então você vai ter que:

“é isso que eu quero? então você vai ter que dirigir”, “eu vou ter cuidado comigo e com os

outros?”. Você vai ter que fazer todas essas perguntas.

E: porque é questão de muitas vezes, pra gente entende e releva que a gente fez uma coisa

errada mas, tá, tudo bem, deixa passar mas ele vai ter que relevar que a pessoa não seguiu

a regra

Mãe: e assim, quanto a fraqueza, eu não vejo em C, porque ele ta descobrindo coisas nessa

universidade que como aluna a diversos anos nem procurei me inteirar, procurei saber, e

ele descobre, e todo dia ele descobre uma coisa diferente, ele me mostra aquilo

E: e como é que a senhora acha que ter descoberto que tinha síndrome de asperger, ter

descoberto isso, mudou a vida de C? se é que mudou alguma coisa...

Mãe: não, não mudou, eu vendo assim desde pequeno ate hoje, é como se ele: “descobriu?

pronto, meu problema é esse”. Mas era algo que ele sempre fez, ele só sabe que tenho certos

limites e pronto.

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E: e tem alguém na família que ele se sente confortável de conversar sobre isso?

Mãe: assim a gente conversa muito, as pessoas que ele convive sou eu e a vó dele, minha

sogra, eles gostam de conversar que não é brincadeira. E ele questiona muito ela, ela

questiona muito ele...A única conversa que ela não me passou foi essa conversa do começo

do ano, mas ela me conta tudo... “ C falou isso e isso, fez isso e isso”.

E: e que conselho a senhora daria pra pais de um adolescente ou jovem adulto que tem

síndrome de asperger?

Mãe: pra ajudar...que se eu não tivesse visto que C era diferente no começo, ele não estaria

como está, e como eu percebi e comecei a conversar...quem me ajudou muito foi essa

senhora que é psicóloga, na realidade ela é amiga da minha mãe, mas eu a tenho como

amiga, ela falou assim: “procure ajuda, se você ta achando isso procure, porque quanto

mais cedo você cuidar, melhor”. Tanto é que C chegou aonde chegou.

E: e vai chegar muito mais.

Mãe: com certeza. A historia dele agora é ir pra um país, eu vou ter que tirar um passaporte,

viver viajando, e a minha filha diz que vai “simbora” pra Inglaterra, a pequena faz: e eu

vou pra onde? Rsrsrs

Mãe: e ele tem uma parte de engenharia de alimentos, muito boa no Canadá ne, aí ele quer

ir, e tem chance, não sei agora sem o ciências sem fronteiras...

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Pais de Satoshi

[Momento anterior ao inicio da entrevista que mãe já conversa sobre ele]

E: Satoshi faz acompanhamento com psiquiatra?

Mãe: faz. Toma remédio por causa do TOC. Que o problema dele é a mistura né? Porque

ele não é...ele tem o asperger mas tem o TOC também...na realidade eu acho que o asperger

não causa tanto problema na vida dele quanto o TOC

E: com que idade vocês descobriram o asperger?

Mãe: 8 ou 9 anos...por aí.

E: a questão da religiosidade começou na adolescência?

Mãe: Foi...na realidade o que eu noto é que o TOC as vezes muda o foco. Quando ele

começou ele começou com coisas de limpeza, de contaminação...ele tinha nojo do xixi,

nojo do coco, nojo disso e nojo daquilo. Ai depois passou muito tempo assim, foi

melhorando...agora depois que ele mudou pra essa história de religiosidade já tem um bom

tempo que tá nessa e não mudou e eu acho que é uma coisa muito mais difícil de trabalhar

porque é uma coisa muito abstrata. Aí eu acho que é por isso que tá tão persistente, ficando

tanto...e é isso que atrapalha a vida dele, porque ele tá ótimo aí daqui a pouco começa a

rezar, pedir perdão, entendeu? Mas se não fosse esse TOC ninguém notava nem que ele era

asperger assim na maneira de ser, porque ele fica super bem. Quando ele tá tranquilo sem

o TOC é outro nível. Eu acredito, na minha concepção, que todo o problema gira em torno

do TOC, entendeu? Porque se ele fosse um asperger puro ele era muito tranquilo...tranquilo

demais. Porque ele é mega inteligente, ele faz tudo, ele sabe tudo...Agora tudo isso aqui...é

o TOC que atrapalha.

Mãe: O problema dele todinho gira em torno desse TOC, porque assim o asperger ele tem

lógico. Algumas características, ne? Dificuldades como...ele pega tudo ao pé da letra, que

isso é uma característica. Ele entende tudo ao pezinho da letra. Não entende as

""nuancezinhas"...ele chega normal, por exemplo. Se ele lhe acha feia, ele vai e diz que lhe

acha feia. Você diz ‘olha Satoshi, como ela é linda? ” ele diz: ‘não, eu gosto dela, mas ela

é feia’. Ele diz na cara da pessoa! Eu só falto me matar, fico atrás de um buraco pra me

enterrar! Aí isso aí eu reclamo e ele diz ‘você quer que eu minta é?’ Entendeu? Aí isso é

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uma característica do asperger. Mas aí ao longo do tempo a gente vai ensinando: “olhe,

isso aí...não quero que você minta, mas você omite” “como é omitir? ” “Olhe é você...as

vezes eu acho também uma pessoa super feia, mas não fico dizendo ‘ei, fulano, você é feio,

você é horroroso... eu não vivo dizendo isso e nem por isso sou mentirosa. Você, se eu

dissesse que você é feio, ou gordo ou magro, você gostaria? ” Ele diz: ‘não’ e eu digo ‘pois

é, a pessoa também não gosta. A gente não precisa dizer. Não é mentir, é omitir. Fique pra

você. O que você acha é seu’. Então isso é uma característica e ele realmente diz. Se a gente

não orientar, ele vai dizer, porque acha que não dizer ou omitir é mentir e ele não mente!

Ele é o famoso super sincero. Que eu acho que é uma característica do asperger. Porque

ele realmente diz as coisas como elas são, como ele enxerga aquilo e é normal ele dizer.

Antigamente ele tinha uma dificuldade enorme de abordar as pessoas...por exemplo as

vezes a gente chegava num restaurante aí encontrava algum amigo ele já dizia ‘quem é

você?’ sem nem dar boa noite, nem perguntar a gente, nem nada. Hoje ele já não faz mais

isso. O se liga já está melhor. Já entende porque não pode abordar pessoas e porque tem

que dar boa noite. Essas coisas ele já tá melhor. E as pessoas ficavam “não, deixe o

bichinho”, mas eu não deixava, ele tem que aprender.

E: então é o seguinte: vou te dar as instruções da atividade e você irá tentar responder como

se fosse o Satoshi, certo? [Instruções sobre a atividade com o personagem]

Mãe: Vamo lá...eu acho assim que a SA pra mim é realmente assim, no caso dele, de

Satoshi, eu noto que ele é um menino muito inteligente, mas que ele tem dificuldades de

se inserir num contexto social...ele tem dificuldade...é aquela história né...bem...ele é o

super sincero, ele é o menino que as vezes não entende o olhar que a gente chama o ‘olhar

43’ que aquele olhar de reprovação...tipo ele faz uma coisa e acha que aquilo é normal,

né...é como se ele tivesse dificuldades nos limites...fosse assim, sem limite. Pra ele, ele

acha que tudo aquilo é normal, quando não é. Que tem certas regras...ele tem dificuldade

de entender as regras. Na minha concepção é isso. As regras normais, habituais da

sociedade, da vida, do contexto geral. Ele tem dificuldade. Ele quer fazer uma coisa e na

cabecinha dele aquilo é normal...ele chegar, ele tipo tá uma pessoa conversando e ele chega

e entra na conversa e interrompe, né? Que a pessoa que não o conhece, na minha concepção,

a pessoa acha que ele é ‘mal educado’, né? Que na realidade não é. É a falta do limite e a

falta do entendimento das regras. Eu acho pra mim é só, basicamente. Porque ele funciona,

pra uma pessoa que é normal e não sabe que ele tem asperger...tem horas que determinadas

atitudes que ele toma que a pessoa pensa que: ’esse menino não tem educação, chega aqui,

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se mete e fala e coisa...’. Que na realidade não é isso...é falta do entendimento, do limite,

das regras que eu acho que eles tem. Muita inteligência com um déficit realmente na parte

social. Eu entendo ele mais ou menos assim.

E: E você acha que ele percebe? Como ele se sente?

M: Eu não acho...as vezes eu fico pensando assim...eu acho que...no início eu ano achava

e agora que ele tá virando adolescente ele já começa a perceber algumas coisas, mas antes

ele fazia no automático. Eu acho que ele achava que tava fazendo uma coisa normal, que

pra ele era normal. Pra os outros não, mas pra ele era normal. Hoje com os ensinamentos,

com a terapia que a gente investe pesado nele em termos de ensinamento e de terapia, ele

já começa a ter um discernimento maior. Eu acho que hoje ele já tem. Tipo assim: ele já

sabe que fazendo assim não é correto...aí você explica...sempre que a gente faz alguma

coisa, que ia sair, etc. Sempre a gente tinha que fazer as regrinhas pra ele, dar as

orientações: ‘olhe, você não pode fazer isso, não pode fazer isso e nem pode fazer aquilo”

aí fluía muito bem. Mas se não orientasse ele fazia com a maior naturalidade do mundo.

Era como se ele achasse que o que tava fazendo tava certo. Que na realidade ele não tinha

o verdadeiro discernimento. Ele não sabia que aquilo não era o certo.

[Pai de Satoshi chega em casa e mãe pede que ele participe]

E: E vocês acham que ele generaliza de uma situação para outra o que ele tem que fazer ou

vocês têm que explicar todas as vezes para toda situação?

M: No início a gente tem que explicar. Ate...é como se houvesse uma “demorazinha" em

absorver. Mas eu sempre falo a mesma coisa, repito, repito pra que ele não faça. Aí depois

de um bom tempo ele passa a não fazer mais sem precisar que eu explique anteriormente.

Mas geralmente a gente precisa orientar. Como esse exemplo de quando não acha a menina

bonita, aí quer dizer a menina de qualquer jeito. Ele acha que o certo é você ser sincero.

Sempre alguns assuntos a gente tem que repetir a orientação. Realmente eu noto que nos

últimos anos ele tem melhorado em relação a isso, porque antes todas as vezes eu tinha que

repetir a mesma história pra que ele não tivesse aquela atitude que incomodava. Ele tinha

uma dificuldade de abordar as pessoas.

E: Como foi quando vocês souberam do SA? Conversaram logo com ele? Ele percebeu

sozinho?

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Mãe: Não, a gente soube do diagnostico com o teste neuropsicológico que ele fez em São

Paulo. A psicóloga veio e nos informou que pelo teste ele tinha síndrome de asperger...a

gente de início não disse pra ele. Aí na época eu acredito...se não me falha a memória, uma

primeira psicóloga que ele teve aqui disse. Foi. Ele que disse ‘é fundamenta ele que ele

saiba o que ele tem”. E foi ele que disse. Ele que deu pra ele o diagnóstico.

E: E como foi a pra ele? Ele falou sobre isso?

Mãe: Não, a princípio ele ficou quieto na dele. Eu não sabia nem que já tinha

conhecimento...até que um dia conversando ele disse ‘é, mãe, eu tenho SA” e eu tomei um

susto! Ou seja, ele já sabia, mas não fez nenhum comentário...nada. Na época o que foi que

ele fez, ele foi estudar a síndrome. Ele foi ler na internet o que era, as limitações...e eu

lembro que ele veio me dizer, me falar sobre a síndrome, o que era, etc. ele próprio. A

atitude dele quando soube foi exatamente se aprofundar sobre a síndrome, né? Chegou pra

contar como era e que ele soube que tinha e o que ele tinha que fazer por isso. Pronto, foi

assim.

E: Hoje ele conversa sobre isso com vocês?

Mãe: Fala. Ele diz a mim. As vezes eu falo algo sobre quando ele tem alguma atitude e ele

diz ’mas é porque eu tenho asperger e o Asperger tem uma certa dificuldade de entender

as coisas de uma maneira gral. Eu entendo muito ali do meu jeito’. Ou seja, ele fala sem

grandes problemas, né?

E: Pra pessoas de fora ele também fala?

Mãe: Fala. Um dia desses eu saí com ele e uma senhora falou não sei o que com ele...eu

acho que nota pelo jeitinho dele, aí ele disse ‘eu tenho Asperger’ disse a ela na rua. Ele foi

bem taxativo. ‘você sabia que eu sou portador da síndrome de asperger? ‘ah é, mas você é

muito bacana’ ele disse: ‘tudo bem, mas eu tenho síndrome de Asperger viu?’ [risos] então

eu noto que ultimamente ele fala pras pessoas. Que antes eu não notava não, mas agora ele

fala. Mais de uma vez ele já fez isso comigo.

E: Na família tem mais alguém?

Mãe: Não, autismo não. Nem na minha nem na do pai. Tem outro tipo de patologia mental

na família do pai, mas autismo não.

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E: Certo. Agora eu vou te mostrar cenas de uma série de TV, a The Big Bang Theory. Nela

tem um personagem que tem características de AS e eu queria que você visse as cenas e

depois me dissesse o que você acha que parece o Chaves.

CENA 1 – Sheldon conforta Leonard

Mãe: O que tá em pé. Acho que isso não acontece com Satoshi. Não o que eu noto é assim,

se eu tiver doente ele vem e pergunta e fica preocupado. E se ele vir alguém chorando aí

ele vai perguntar porque. Ele oferece conforto.

Pai: ele é preocupado com o semelhante. Ele se preocupa muito e é incapaz de fazer algo

ao seu semelhante.

CENA 2 – Penny está dormindo no sofá e Sheldon quer sentar/ CENA 3 – Os quatro amigos

vão a um restaurante e não conseguem pedir a comida

Pai: percebo isso não. Se dizemos ‘meu filho sente aqui’ ele vai ou ‘meu filho mude de

lugar’ ele vai.

Mae: não, não tem essa rigidez.

Pai: acho que sou mais Asperger do que ele [risos]

Mãe: concordo. [risos]

Pai: Ele fica ansioso com as mudanças. Qualquer mudança, aí eu acho que geram uma

ansiedade, por mais besta que seja. Por exemplo, você ia pra um restaurante aí você vai pra

outro, o sentimento que fica é de que gera uma ansiedade. Normalmente é quando você

impõe uma mudança...eu fico com esse sentimento, mas ele não fala.

CENA 4 – Sorriso de Sheldon

Mãe: Tem uma "dificuldadezinha" né? De demonstrar.

Pai: as vezes ele se põe no espelho e fica fazendo careta, mas no espelho. Aí você chega

chama ele pra ir e ele vai.

Mae: se bem que no sentido de ter um sentimento e não saber expressar? Não, não tem

dificuldade. Ele expressa...

CENA 5 – Presente de natal para Penny

Mãe: Aí eu acho que tão afetuoso. Ele é muito carinhoso. Tem essa dificuldade não.

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Pai: mas ele é diferente. Por exemplo com um estranho, uma coleguinha da escola...a

coleguinha vai e beija ele, abraça ele, aí ele fica meio indiferente aquilo.

Mãe: é, com estranho é assim...ele é mais comigo

Pai: aí tem uma hora que ele vai e abraça e beija. Ele tem a hora dele. A hora dela ele não

consegue se ajustar. Se sensibilizar com aquele afeto, de responder.

Mãe: ele fica indiferente.

Pai: aí tem uma hora que ele vai e beija

Mae: é como se tivesse o tempo dele.

E: Mas acontece de ser em momentos inadequados?

Pai: tem. A hora dele é a hora dele.

Mãe: acontece.

CENA 7 – Conversa desconfortável

Mãe: tem...é...isso acontece. Totalmente. Inadequado. Ele falar de assuntos que não é pra

ser falado na frente das pessoas.

Pai; as vezes ele também sai da mesa e vai na mesa vizinha pra pessoa perguntar algo ou

dizer ‘você é parecida com a mãe do meu amigo’.

Mae: quando era mais novo ele dizia que queria fazer amizades e não sabia como era, então

ele era inadequado, procurava na hora errada ou falava coisas que não devia. Isso acontece.

CENA 8 – Decifrando expressão facial de Rajesh

Mae: é as vezes...se ele tem noção?

Pai: tem não. Ele tem dificuldade.

Mãe: é, isso aí é verdade.

[Satoshi chega em casa e demanda a atenção dos pais]

[Mãe vai até ele e pai continua na entrevista]

E: Como vocês acham que ele sente?

Pai: Ele nunca falou. Ele encara com naturalidade, não esconde e não tem vergonha

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E: o que você considera que são pontos de força de Satoshi associados ao SA?

Pai: eu sinceramente...vantagens? Eu diria que nenhuma.

[Pai vai dar atenção à Satoshi e mãe continua entrevista]

E: se você pudesse dar um conselho a pais de adolescentes com SA o que você diria?

Mãe: [se emociona bastante] que desse muito amor a ele. Muito amor, atenção, que lutasse

por ele e que conseguisse dar um bom apoio psicológico que eu acho que a coisa melhora.

Muito amor, eu acho que eles precisam muito disso. Amor, atenção e um acompanhamento

psicológico adequado. Que é o que a gente busca fazer, sempre.

E: Você acrescentaria mais alguma coisa?

Mãe: Não, eu acho que eu só acrescentaria que mesmo assim, com todas essas dificuldades

ele é um presente de Deus na nossa vida que eu sou muito feliz com ele mesmo ele tendo

essa característica especial. Ele faz a gente muito feliz. As dificuldades a gente luta pra

enfrentar. Dificuldades todo mundo tem. Cada um tem seu jeito. É continuar nessa luta

com ele sempre apoiando.