UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · demandas provenientes da Ouvidoria Municipal do...
Transcript of UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · demandas provenientes da Ouvidoria Municipal do...
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
LUCINEIDE MARTINS BEZERRA
A GESTÃO DO SUS NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN: UMA ANÁLISE DAS
DEMANDAS PROVENIENTES DA OUVIDORIA DO SUS
NATAL
2018
LUCINEIDE MARTINS BEZERRA
A GESTÃO DO SUS NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN: UMA ANÁLISE DAS
DEMANDAS PROVENIENTES DA OUVIDORIA DO SUS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
como requisito avaliativo para obtenção do grau de
bacharel em Serviço social.
Orientadora: Prof.ª Drª. Larisse de Oliveira
Rodrigues.
NATAL
2018
Bezerra, Lucineide Martins. A gestão do SUS no município de Natal/RN: uma análise dasdemandas provenientes da ouvidoria do SUS / Lucineide MartinsBezerra. - Natal, 2018. 84f.: il.
Monografia (Graduação em Serviço Social) - UniversidadeFederal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Aplicadas,Departamento de Serviço Social. Orientadora: Profa. Dra. Larisse de Oliveira Rodrigues.
1. Serviço Social - Monografia. 2. Gestão democrática -Monografia. 3. Política de saúde - Monografia. 4. Controlesocial - Monografia. 5. Sistema Único de Saúde (SUS) - Ouvidoria- Monografia. I. Rodrigues, Larisse de Oliveira. II. Título.
RN/UF/CCSA CDU 364.4:614
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRNSistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA
Elaborado por Shirley de Carvalho Guedes - CRB-15/404
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que fizeram parte da minha vida acadêmica, seja direta ou
indiretamente. Em primeiro lugar a Deus, pelo dom da vida, a minha família que me deu
apoio durante todo o andamento do curso de Serviço Social, sendo uma base de sustentação
nesta caminhada. Em especial a minha mãe Edna Martins, a tio Lupécio e a tia Márcia pelo
apoio, que proporcionou o término do curso neste semestre. Aos meus amigos que mostraram
que nos momentos difíceis eles realmente estão ali do nosso lado e o quão importante é a
amizade. Em especial as minhas amigas Alessandra Menezes, Danielma dos Santos e Kenia
Almeida, que fizeram e fazem parte da minha trajetória de vida, como também as minhas
amigas que compartilharam durante a trajetória do curso momentos de alegria, aflição e medo
de não conseguir concluir nesse semestre: Millena Lira, Maria Necy e Jailza Teixeira.
Não posso deixar de agradecer a todos da Ouvidoria do SUS por terem contribuído
com a realização da pesquisa em especial ao assistente social Jório Novais e a Ouvidora Lúcia
de Fátima; a docente Maria Dalva Horácio Costa por ter me concedido as documentações
necessárias para fazer a análise documental; a Prof.ª Larisse de Oliveira Rodrigues pela
orientação. Vocês foram de fundamental importância para elaboração deste Trabalho de
Conclusão de Curso.
A todos, o meu sincero agradecimento.
O desafio é afirmar uma profissão voltada
à defesa dos direitos e das conquistas
acumuladas ao longo da história da luta
dos trabalhadores no país, e comprometida
com a radical democratização da vida
social no horizonte da emancipação
humana (IAMAMOTO, 2007, p. 470).
RESUMO
Este trabalho faz uma análise da temática Gestão do SUS no município de Natal/RN a partir
das demandas provenientes da Ouvidoria Municipal do SUS. A Ouvidoria do SUS é um canal
democrático e um instrumento da gestão municipal, que acolhe todo e qualquer cidadão,
devendo responder efetivamente as solicitações dos usuários do SUS. Considerando a
Ouvidoria como instrumento da gestão municipal, iremos analisar como a gestão do SUS do
município de Natal respondeu as demandas provenientes da Ouvidoria do SUS do ano de
2017, avaliando se as respostas dadas as estas demandas se aproximam dos princípios do
SUS. Utilizamos a pesquisa bibliográfica para fundamentar o trabalho, e a pesquisa
documental para analisar as ações da gestão municipal. Conclui-se que as demandas presentes
na ouvidoria do SUS de 2017 demonstram que os serviços de saúde apresentam diversas
necessidades dos usuários, e na maioria das vezes não são atendidas pela gestão do SUS
municipal, cabendo ao Estado representado pelas instituições e estas pela sua gestão, garantir
de forma efetiva e com qualidade os serviços de saúde.
Palavras-chave: Gestão Democrática. Política de Saúde. Controle Social. Ouvidoria do SUS.
ABSTRAT
This work analyzes SUS Management in the city of Natal / RN, based on the demands from
the SUS Municipal Ombudsman. The SUS Ombudsman's Office is a democratic channel and
an instrument of municipal management, which welcomes every citizen, and must respond
effectively to SUS users' requests. Considering the Ombudsman's Office as an instrument of
municipal management, we will analyze how the public management of the municipality of
Natal answered the demands from the Ombudsman's Office of the SUS in 2017, evaluating
whether the responses given to these demands are close to the SUS principles. We used the
bibliographical research to base the work, and the documentary research to analyze the
actions of the municipal management. It is concluded that the demands present at the 2017
SUS Ombudsman show that the health services present several needs of the users, and most of
the time they are not attended by the municipal administration, being the responsibility of the
State represented by the institutions and by their management, effectively and with quality
health services.
Keywords: Democratic management. Health Policy. Social Control. Ombudsman of the SUS.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACS Agentes Comunitários de Saúde
ANC Assembleia Nacional Constituinte
APS Atenção Primária à Saúde
CEBES Centro Brasileiro de Estudo em Saúde
CERPIC Centro de Referência em Práticas Integrativas e Complementares
CFM Conselho Federal de Medicina
CLS Conselhos Locais de Saúde
CLT Consolidação das Leis Trabalhistas
CMS Conselho Municipal de Saúde
CNS Conferência Nacional de Saúde
CSN Companhia Siderúrgica Nacional
CUT Central Única de Trabalhadores
DRAC Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas
DRU Desvinculação da Receita da União
EBSERH Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
EC Emenda Constitucional
ESF Estratégia da Saúde da Família
FHC Fernando Henrique Cardoso
GT Grupo de Trabalho
INAMPS Instituto Nacional de Previdência Social
HUOL Hospital Universitário Onofre Lopes
HUs Hospitais Universitários
MARE Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado
NOB Norma Operacional Básica
NRF Novo Regime Fiscal
OIT Organização Internacional do Trabalho
PAB Piso Assistencial Básico
PAS Programação Anual de Saúde
PDRAE Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado
PEC Prontuário Eletrônico Cidadão
PIB Produto Interno Bruto
PFL Partido da Frente Liberal
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNAB Política Nacional de Atenção Básica
PS Pacto pela Saúde
PSF Programa de Saúde da Família
RAG Relatório Anual de Gestão
REMUME Relação Municipal de Medicamentos
RENASES Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde
SAE Serviço de Assistência Especializada
SESAP Secretaria do Estado da Saúde Pública
SMS Secretaria Municipal de Saúde
SUS Sistema Único de Saúde
UBS Unidade Básica de Saúde
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO.................................................................................................. 11
2
O ESTADO E A DEMOCRACIA NO BRASIL: DIÁLOGOS SOBRE A
GESTÃO DEMOCRÁTICA.............................................................................
13
2.1
Breves Apontamentos Sobre a Função do Estado no
Capitalismo.........................................................................................................
13
2.1.1
A formação do Estado brasileiro e seus desdobramentos na
contemporaneidade...............................................................................................
17
2.2 O Processo Constituinte e o Movimento de Democratização das Políticas
Sociais no Brasil..................................................................................................
24
2.3 A Democracia Participativa e a Gestão Democrática..................................... 28
3 A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL........................................................ 35
3.1 Contexto Histórico da Política de Saúde e Desafios Atuais........................... 35
3.2 O Controle Social nos Espaços Públicos: avanços e limites........................... 49
4
A OUVIDORIA DO SUS: INSTRUMENTO DA GESTÃO PÚBLICA DO
MUNICÍPIO DE NATAL/RN...........................................................................
56
4.1 Caracterização da Ouvidoria do SUS do Município de Natal....................... 56
4.2 Principais Demandas que Chegam a Ouvidoria do SUS................................ 62
4.3 Análise das Ações da Gestão do SUS no Município de Natal, a Partir das
Demandas da Ouvidoria do SUS......................................................................
67
4.3.1
As medidas que a gestão do SUS adota para melhorar a qualidade dos serviços
de saúde do SUS, a partir das demandas que chegam à
Ouvidoria.............................................................................................................
67
4.3.2
Os encaminhamentos da gestão municipal para responder as demandas
presentes na Ouvidoria do SUS, se aproximam dos princípios do Sistema
Único de Saúde?..................................................................................................
68
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 75
REFERÊNCIAS................................................................................................. 77
11
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho versa sobre a Gestão do SUS no município de Natal/RN e as
demandas provenientes da Ouvidoria Municipal do Sistema Único de Saúde (SUS), onde
fizemos uma análise das medidas que a gestão do SUS adota para melhorar a qualidade dos
serviços prestados pelo SUS, a partir das demandas presentes na Ouvidoria. Vale ressaltar que
essas demandas são as manifestações dos usuários em relação aos serviços prestados pelo
SUS.
O interesse pelo tema deu-se a partir da experiência vivenciada no estágio
supervisionado, Ouvidoria do SUS do município de Natal/RN, a partir do 6º período do curso
de Serviço Social na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Através das
observações feitas neste espaço institucional foi possível identificar várias problemáticas da
política de saúde que são enfrentadas pelos usuários do SUS, no qual os princípios da
universalidade, equidade e integralidade estão sendo desafiados no contexto atual da política
econômica neoliberal.
Cabe enfatizar que a Ouvidoria do SUS é um canal democrático e um instrumento da
gestão municipal, que se destina ao acolhimento de todo e qualquer cidadão, devendo
responder efetivamente as solicitações dos usuários. A Ouvidoria acaba sendo um instrumento
de controle social da gestão municipal, pois permite saber como anda o funcionamento dos
serviços prestados pelo SUS.
O campo de estágio proporcionou momentos de reflexões que nos motivou a fazer esta
pesquisa. Um desses momentos foi com relação à mudança na confecção do cartão SUS
através da Lei Municipal de nº 6.672 de 15 de maio de 2017. As demandas relacionadas ao
cartão SUS nos fez refletir como estavam sendo respondidas as demandas registradas na
ouvidoria do SUS. Observamos também que na Ouvidoria são gerados relatórios
quadrimestrais, que demonstram as manifestações dos usuários sobre como o SUS está
funcionando no município de Natal, no qual demonstra a precarização dos serviços prestados
por este sistema. A partir deste instrumento a gestão pode tomar algumas medidas para
melhorar esses serviços e fortalecer os princípios de Universalidade, Equidade e
Integralidade.
Então, considerando a Ouvidoria como instrumento da gestão, iremos analisar como a
gestão do SUS do município de Natal responde as demandas provenientes da Ouvidoria do
SUS, sendo o objetivo geral da pesquisa. E os objetivos específicos irão nos ajudar a
12
responder essa questão: Verificar se as respostas dadas as demandas da Ouvidoria se
aproximam dos princípios do SUS: Universalidade, Equidade e Integralidade; Apresentar as
principais demandas que chegam à ouvidoria do SUS; Identificar as medidas que a gestão da
Secretaria Municipal de Saúde (SMS) adota para melhorar a qualidade dos serviços de saúde
do SUS, a partir das demandas que chegam à ouvidoria; Demonstrar como a gestão municipal
encaminha as demandas presentes na Ouvidoria do SUS.
A metodologia utilizada foi à pesquisa bibliográfica, no qual utilizamos fontes como:
livros, revistas, artigos e Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) referentes à temática; e a
pesquisa documental que se concentrou na análise de instrumentos estratégicos da gestão do
município de Natal: a Programação Anual de Saúde (PAS) de 2017, o Relatório Anual de
Gestão (RAG) de 2017 e dois relatórios quadrimestrais da Ouvidoria do SUS de 2017.
Também utilizamos o Relatório do Estágio Supervisionado na Ouvidoria do SUS Natal/RN de
2017. A análise dos dados foi feita de forma qualitativa, não havendo uma preocupação em
quantificar, mas compreender a realidade presente no âmbito do SUS e como a gestão
trabalha com essa realidade.
Dessa forma, o trabalho estruturou-se do seguinte modo: o primeiro capítulo aborda o
Estado e a democracia no Brasil, trazendo para a discussão a gestão democrática; o segundo
capítulo faz uma discussão sobre a política de saúde no Brasil, trazendo o contexto histórico
desta política e os desafios Atuais, como também o controle social nos espaços públicos; o
terceiro capítulo apresenta a Ouvidoria do SUS como instrumento da gestão pública no
município de Natal/RN, no qual analisou as ações da gestão municipal, a partir das demandas
da Ouvidoria do SUS; e o quinto capítulo traz as considerações finais.
13
2 O ESTADO E A DEMOCRACIA NO BRASIL: DIÁLOGOS SOBRE A GESTÃO
DEMOCRÁTICA
2.1 Breves Apontamentos Sobre a Função do Estado no Capitalismo
A sociedade antes de ser dividida em classes sociais, tinha suas funções como a das
armas ou da administração da justiça exercidas pela coletividade. A partir do aparecimento
das classes sociais, estas funções são retiradas da coletividade e nomeadas a uma minoria que
as executa de maneira especial (MANDEL, 1977).
Para Mandel (1977) nos grandes Estados feudais, o senhor feudal exercia todo o seu
domínio, ou seja, todas as clássicas funções desempenhadas pelo Estado. Com a ampliação da
extensão do território e da população, surge a necessidade de delegar em parte os seus poderes
a outras pessoas (servos). Nota-se que as funções de Estado exercidas pela classe dominante
não se limitam aos aspectos imediatos do Poder (o exército, a justiça, as finanças), abrange
também a ideologia a lei, a filosofia, a ciência, entre outros. Lembrando que os pobres
vendiam seus talentos ao senhor feudal, e este se encarregava das suas necessidades.
Esta origem servil apresenta o fundamento da Teoria Marxista do Estado, no qual o
Estado é:
Um órgão especial que surge em certo momento da evolução histórica da
humanidade e que está condenado a desaparecer no decurso da mesma
evolução. Nasceu da divisão da sociedade em classes e desaparecerá no
momento em que desaparecer esta divisão. Nasceu como instrumento nas
mãos da classe dominante, com o fim de manter o domínio desta classe
sobre a sociedade, e desaparecerá quando o domínio desta classe desaparecer
(MANDEL, 1977, p.15).
O moderno Estado burguês trouxe uma nova sociedade, que agora é dominada pelo
capitalismo. Desde o século XV, as necessidades monetárias do Estado moderno (monarquia
absoluta) se ampliaram com o dinheiro dos capitalistas, banqueiros, comerciante e
negociantes, ou seja, os capitalistas pagam para manter o Estado exigindo que este fique a seu
serviço (MANDEL, 1977).
Na maioria dos países em que foi instituído o parlamentarismo, só a burguesia tinha
direito ao voto. Esta situação durou, na maioria dos Estados Ocidentais, até fins do último
século e princípios do século XX (MANDEL, 1977). Nota-se que a Lei de Le Chapelier
14
proclamada na Revolução Francesa, aparentava estabelecer a igualdade entre todos os
cidadãos. Mas na verdade proibiu as organizações patronais e as dos trabalhadores. Isso fez
com que os trabalhadores ficassem impotentes diante de seus patrões (MANDEL, 1977).
O que se observa é que o aparelho do Estado não é um instrumento homogêneo, ele
possui uma estrutura hierárquica de classes, que não atende as necessidades da coletividade.
Segundo Mandel (1977) o exercício das funções do Estado está fortemente ligado à existência
de conflitos sociais, devido à escassez de bens materiais, de recursos, de meios necessários
para a satisfação das necessidades coletivas.
Situamos anteriormente como foi se desenvolvendo o Estado para podermos
compreender as novas configurações assumidas pelo Estado Moderno. Sendo essencial trazer
a perspectiva de Antonio Gramsci, que viveu em um momento histórico diferenciado de
Marx, entre 1890 a 1937. Período em que houve a vitória da Revolução de Outubro de 1917 e
da efervescência dos partidos comunistas em todo o continente europeu, no qual o movimento
operário não venceu em nenhum país europeu. Acanda (2006 apud VASCONCELOS;
SILVA; SCHMALLER, 2013) nos diz que o que houve foi uma recomposição do poder
burguês, demonstrada em todo vigor via fascismo e nazismo.
O contexto histórico em que Gramsci vivenciou despertou-lhe vários questionamentos
com a transição do capitalismo da fase concorrencial para a fase monopolista. O que se
observa é que a crise do modelo liberal e o fortalecimento do capitalismo moderno, fez com
que o próprio Estado assumisse funções mais decisivas na economia. Os movimentos
organizativos das classes subalternas surgiam em diversas partes da Europa, reivindicando
melhores condições de trabalho e de vida, implicando uma ameaça global ao poder da
burguesia (ACANDA, 2010 apud VASCONCELOS; SILVA; SCHMALLER, 2013).
Estas mudanças levaram Gramsci a refletir que a política e o Estado não podiam ser
pensados como esferas isoladas, como propõem as ciências sociais particulares. Em suas
reflexões, as suas análises eram tratadas sob o princípio da totalidade, numa análise embasada
na crítica da economia política empreendida por Marx (VASCONCELOS; SILVA;
SCHMALLER, 2013). Para Acanda (2010 apud VASCONCELOS; SILVA; SCHMALLER,
2013), o ponto de partida para Gramsci foi à aceitação dos princípios basilares do
materialismo histórico e dialético.
Na concepção de Marx e Engels o Estado é como uma máquina, interpretação presente
no Manifesto do Partido Comunista (1848). Para lutar contra o Estado, “o movimento
operário deveria se confrontar diretamente com aquela “máquina” e derrubá-la violentamente
15
a fim de estabelecer o seu domínio e eliminar os entraves que lhe impossibilitavam apropriar-
se das forças produtivas sociais” (SOUZA, 2013, p. 02).
Dessa forma, o Estado configura-se como um Estado classista, privado, como “um
comitê” para gerir os negócios da classe burguesa. O Estado poderia ser considerado como
sinônimo de sociedade política, já que a sociedade civil era incipiente e “gelatinosa”
(SOUZA, 2013).
No momento em que as grandes organizações privadas do tipo moderno não existiam,
a burguesia reprimia qualquer tipo de manifestação contra o Estado de forma coercitiva, ou
seja, o direito de se manifestar e contestar não existia. O proletariado via-se diante de uma
situação extremamente difícil devido às condições de trabalho: jornada excessiva, locais
insalubres, péssimos salários, entre outros, onde não existia espaço na sociedade para se
organizar e reivindicar (SOUZA, 2013). Marx e Engels (1963) propõem como solução para
eliminar os entraves que impossibilitavam o desenvolvimento do proletariado, “uma
revolução aberta” contra a burguesia.
Gramsci, a partir da segunda metade do século XIX, identifica mudanças na sociedade
que repercutem na configuração e caracterização do Estado Moderno. Período em que há
significativas vitórias sociais como a redução da jornada de trabalho, o sufrágio universal
masculino, sistema de previdência pública, entre outros. O Estado não se baseava mais apenas
na coerção, a sua direção política sobre a sociedade, abriu espaços de participação na
sociedade civil para que os grupos sociais subalternos apresentassem suas reivindicações e
contestações (SOUZA, 2013). Neste cenário a intervenção do Estado em relação a estas
questões começava a ultrapassar a dimensão repressiva e demonstrava novas medidas, como a
execução de políticas sociais (VASCONCELOS; SILVA; SCHMALLER, 2013).
Vale salientar que o pensamento de Gramsci acerca do processo de tomada do poder,
traz um novo direcionamento “em vez de realizar o assalto direto ao Estado e tomar
imediatamente o poder como na concepção de Lênin, a sua manobra é de desenvolvimento,
designando a sociedade civil como primeiro objetivo a conquistar, ou melhor, a dominar”
(COUTINHO, 2002, p. 6).
Em suas análises sobre a sociedade italiana, Gramsci compreende que há outras
formas de se fazer uma revolução, que nas sociedades de capitalismo tardio ocorrem
transformações pelo alto, sem a participação das classes populares, ocorrendo assim, o que ele
nomeou de “revolução passiva” (SOLANO, 2011). Então,
16
Deve-se sublinhar, antes de mais nada, que um processo de revolução
passiva, ao contrário de uma revolução popular, realizada a partir “de
baixo”, jacobina, implica sempre a presença de dois momentos: o da
“restauração” (na medida em que é uma reação à possibilidade de
renovação”(na medida em que muitas demandas populares são assimiladas e
postas em práticas pelas velhas camadas dominantes (COUTINHO, 1999,
p.198 apud SOLANO, 2011. p.21).
De acordo com Vasconcelos, Silva e Schmaller (2013), Gramsci nos diz que:
Embora o Estado prosseguisse com seu caráter classista, não era mais apenas
o comitê de negócios da burguesia: algumas demandas das classes
subalternas foram por ele incorporadas. De outro lado, Gramsci constata que
o monopólio da violência e a coerção não eram mais suficientes para a
manutenção da ordem social: fazia-se necessário organizar novas formas de
estabelecer o consenso, tarefa que passou a ser empreendida pelo Estado,
através da formulação e disseminação de um conjunto de valores e normas
políticas, sociais e culturais (VASCONCELOS; SILVA; SCHMALLER,
2013, p.84).
Desse modo, Gramsci caracteriza o Estado como Estado = sociedade política +
sociedade civil, coerção mais consenso. Se o Estado sofreu transformações, a estratégia para
enfrentá-lo também deveria se modificar. Por isso elabora o conceito de guerra de posição, o
qual corresponde à conquista de espaços de força na sociedade civil, o qual supera o conceito
de guerra de movimento, aquele que corresponde ao confronto direto com o Estado,
concebido como “máquina”. A guerra de posição é por ele entendida como a forma mais atual
de enfrentamento do Estado Moderno, o qual personifica a fórmula da “hegemonia civil” –
direção intelectual e moral dos grupos sociais dominantes, exercida pela combinação da
coerção e do consenso (SOUZA, 2013).
Então, com a ampliação do conceito de Estado, ele passa a ser dividido em sociedade
política e sociedade civil, no qual o Estado é produto da correlação de força que atende aos
interesses da burguesia como também aos interesses da classe trabalhadora, onde a
manutenção do poder está em equilibrar as forças, sendo utilizados os aparelhos ideológicos
para garantir o poder.
Gramsci compreendia que a estrutura não era somente as forças produtivas, mas as
relações sociais de produção, isto é, o conjunto das relações sociais, a totalidade da vida
social. Dessa forma, “a estrutura e as superestruturas formam um ‘bloco histórico’, ou seja, o
conjunto complexo e contraditório das superestruturas é o reflexo do conjunto das relações
sociais de produção” (GRAMSCI, 1999 apud COUTINHO, 2011, p. 116).
17
Desse modo, o capitalismo não significava apenas produção de mercadorias, mas
produção de indivíduos, de aparatos jurídicos e de aparelhos privados de hegemonia difusores
da ideologia dominante (GRAMSCI, 2008).
Um dos conceitos que Gramsci desenvolveu foi o de Hegemonia, um dos temas
centrais do seu pensamento, que mostra a nova face do Estado Moderno. O conceito de
hegemonia colocado por Gramsci expõe uma nova relação entre estrutura e superestrutura, no
qual há uma centralidade das superestruturas quando se analisa as sociedades avançadas
(VASCONCELOS; SILVA; SCHMALLER, 2013). Nesse cenário a sociedade civil assume
um papel político central, sendo o espaço de luta contra a classe dirigente. “A hegemonia
gramscista é a primazia da sociedade civil sobre a sociedade política.” (ALVES, 2010, p. 4).
Para Gramsci a superação do capitalismo não está restrita à tomada do Estado e às
transformações econômicas, mas envolve a superação dos padrões civilizatórios particulares
do modo de produção capitalista nas distintas esferas: econômica, sociopolíticas, cultural e
ideológica. Isso supõe a construção de uma nova direção hegemônica e de uma ordem
societária capaz de superar a hegemonia burguesa (VASCONCELOS; SILVA;
SCHMALLER, 2013).
Sendo assim, o conceito de Gramsci de Estado ampliado nos permite compreender a
singularidade de algumas das características essenciais da nossa situação atual. Temos uma
formação social de tipo ocidental como comentou Coutinho (2008), que requer uma guerra de
posição voltada para uma sociedade em que haja uma socialização da riqueza produzida.
2.1.1 A formação do Estado brasileiro e seus desdobramentos na contemporaneidade
A partir de categorias gramsciana, entre oriente e ocidente, o Brasil se caracteriza até
os anos 1930, como “uma formação político social de tipo ‘oriental’, na qual o Estado é tudo e
a sociedade civil é primitiva e gelatinosa” (COUTINHO, 2008, p. 106).
Coutinho (2008) apresenta três paradigmas que explica como o Brasil transitou para a
modernidade: O primeiro é o conceito de “via prussiana”, elaborado por Lenin, onde compara
o caso da Prússia com os casos ‘clássicos’ (Estados Unidos, Inglaterra e França). A via
prussiana foi um tipo de transição ao capitalismo que conserva elementos da velha ordem e,
nessa medida, tem como pressuposto e como resultado um grande fortalecimento do poder do
Estado.
18
O segundo tem como base a análise do processo de unificação nacional italiano, onde
Gramsci traz a expressão Risorgimento, denominando de “revolução passiva”, ocorrendo
processos de transformação onde há conciliação entre as frações modernas e atrasadas das
classes dominantes, tentando excluir as camadas populares de uma participação mais ampla.
Trata-se, essencialmente, de transformações (revoluções) que se dão “pelo alto”, ou
seja, acaba sendo um tipo de Estado que resulta de processos de revolução passiva, no qual
Gramsci fala em “ditaduras sem hegemonia” (COUTINHO, 2008).
Outro conceito que ajuda a pensar o caso brasileiro, é o conceito de “modernização
conservadora”, elaborado pelo sociólogo norte-americano Barrington Moore Jr. A “moderna”
burguesia industrial prefere conciliar com o atraso a aliar-se às classes populares
(COUTINHO, 2008).
Estes três paradigmas nos permitem observar como se processou a formação do Estado
brasileiro. Podemos citar aqui o processo de independência em nosso país, que não se
constituiu em uma revolução, ou seja, não rompeu com a ordem estatal e socioeconômica
anterior, foi apenas um rearranjo entre as frações das classes dominantes (COUTINHO,
2008). No nosso caso, a sociedade brasileira foi estabelecida partir do Estado e do processo
de lutas das classes populares.
Desse modo, o Estado brasileiro
nasceu depois da transferência do Estado imperial português para este país.
Foi a única situação na América Latina em que o Estado da Metrópole se
deslocou, com D. João VI e toda sua burocracia, para uma colônia (...) E
quando se dá o processo da Independência o Estado nacional herda esse
aparelho estatal do Império português (CARDOSO, 1977, p. 84 apud
PESSOTO; RIBEIRO; GUIMARÃES, 2015, p. 14).
A partir de 1930, o movimento liderado por Getúlio Vargas contribuiu para consolidar
a transição do Brasil para o capitalismo. Após a abolição e a Proclamação da República, o
Brasil já era uma sociedade capitalista, com um Estado burguês (COUTINHO, 2008). Desse
modo, “o Estado moderno brasileiro foi quase sempre uma “ditadura sem hegemonia”, ou,
para usarmos a terminologia de Florestan Fernandes, uma ‘autocracia burguesa’”
(COUTINHO, 2008, p. 111).
Caio Prado Júnior nos diz que essa forma de modernização conservadora trouxe
efeitos trágicos para o Brasil como déficit de cidadania, dependência externa, formas de
coerção extra-econômica na relação entre capital e trabalho, entre outros (COUTINHO,
2008).
19
Os nacionalistas autoritários do Estado Novo, implantado em 1937, afirmavam que a
transformação pelo alto, baseada no Estado, deveria ser o verdadeiro caminho de
modernização a ser adotado pelo Brasil, pois cabia ao Estado construir a nação brasileira
(COUTINHO, 2008).
Na década de 1930, outro fator que também vai marcar o Estado brasileiro é uma forte
marca corporativista. Na sociedade moderna havia interesses múltiplos e conflitantes, onde
era preciso criar mecanismos de representação desses interesses. Isso só poderia ser feito no
interior do próprio Estado, por meio de um sistema corporativo, que era próximo do modelo
do fascismo italiano (COUTINHO, 2008).
O que se observa é que essa orientação corporativa era uma tentativa de incorporar ao
aparelho de Estado o movimento sindical. Isso foi uma forma de desmobilizar os sindicatos,
que durante os anos 1920 e início dos anos 1930, apresentou uma autonomia. A partir de
1937, os sindicatos se tornam instituições ligadas diretamente ao Ministério do Trabalho, ou
seja, ao Estado (COUTINHO, 2008).
Vale ressaltar que até a Constituição de 1988 os sindicatos são subordinados as
corporações, sendo uma forma de evitar a universalização da representação dos trabalhadores.
Isso perdurou até o fim do ciclo militar. Desse modo,
Cabe lembrar que foi também de modo corporativo que se fizeram
representar os interesses da própria burguesia brasileira: a partir de 1930, a
representação burguesa é incorporada ao Estado não só por meio de
sindicatos análogos aos da classe trabalhadora, mas sobretudo por meio das
várias câmaras setoriais então criadas, como, por exemplo, o Instituto do
Açúcar e do Álcool, do Café, do Cacau etc.; e esse tipo de representação,
passando pelos chamados grupos executivos do governo Kubitschek,
prossegue durante a ditadura militar, mediante o que Fernando Henrique
Cardoso chamou de ‘anéis burocráticos’ (COUTINHO, 2008, p. 117).
Com “essa forma de representação ‘econômico corporativa’, a burguesia brasileira
renunciou a elaborar, (na terminologia de Gramsci), uma consciência ‘ético-política’, com o
que se tornou incapaz por muito tempo de formular um projeto nacional hegemônico”
(COUTINHO, 2008, p. 117).
De acordo com Coutinho (2008) o golpe de 1964 se instalou e destruiu o pacto
populista, conservando e até mesmo desenvolvendo os traços mais perversos da nossa
formação estatal anterior. Mais uma vez ocorreu uma revolução passiva, em que as reformas
de base (agrária, bancária, universitária, entre outros) que eram reivindicadas pelo movimento
social, foram golpeadas pelo regime militar, tendo um viés conservador.
20
Desse modo, “o golpe não rompeu com o tipo de articulação corporativista e
autoritária entre Estado e sociedade civil e não retirou o Estado de suas funções no terreno da
regulação da economia” (COUTINHO, 2008, p. 120). O que temos nesse período é um Estado
ditatorial, que fortalece a sua ação através do desenvolvimento e da criação de empresas
estatais, que interferem na economia. O país entra na fase mais avançada do capitalismo e o
Estado tem papel fundamental nesse processo, onde não houve respeito aos interesses
coletivos.
Cabe enfatizar que na Era de Vargas, no primeiro momento, a intervenção do Estado
na economia almejava o desenvolvimento do capital nacional, restringindo o capital
estrangeiro. No governo Juscelino e ao longo da ditadura militar, essa restrição desapareceu,
no qual se criou o tripé em que o Estado funcionava como instrumento de acumulação e
estava a serviço do capital nacional e do capital internacional (COUTINHO, 2008). Essa
abertura ao capital estrangeiro proporcionou lucros para a burguesia brasileira.
Dessa forma, tínhamos “um Estado no qual a supremacia da classe no poder se dava
por meio da dominação (ou da ditadura) e não da direção político-ideológica (ou da
hegemonia)” (COUTINHO, 2008, p. 122).
A partir da perspectiva de Gramsci, o que se observa é que a hegemonia é um modo
de obter o consenso ativo dos governados e dos governantes. Nesse tipo de Estado o que há é
uma ditadura sem hegemonia, ou seja, a classe dominante é quem controla o Estado, sem ter
aprovação da maioria da sociedade.
Entre os anos de 1930 a 1980 tivemos um Estado burguês que se caracterizava pela
presença de uma dominação sem hegemonia. Lembrando que no período ‘populista’ (1951-
1964) mesmo havendo o caráter autoritário e corporativista do Estado, havia também uma
‘hegemonia seletiva’1 (COUTINHO, 2008).
Segundo Coutinho (2008), esta hegemonia tinha um caráter seletivo, ou seja, limitado
e excludente, pois ao mesmo tempo em que os segmentos das classes subalternas obtinham
consenso, por meio de concessões como direitos trabalhistas, aumentos salariais, entre outros,
setores importantes dessas classes (trabalhadores rurais e dos urbanos autônomos) eram
excluídos dos direitos sociais políticos.
O que se observa é que o Estado sempre serviu aos interesses privados, apresentando
fortes características patrimonialistas, presentes até hoje em nosso país. Pois foi concebido
1 É uma hegemonia limitada, que é precária e instável (COUTINHO, 2008).
21
como propriedade pessoal da burguesia dominante, sendo perpassado por relações de
nepotismo, clientelismo, corrupção, entre outros.
Para compreender a privatização do público em nosso país, Coutinho (2008) nos diz
que a teoria econômica marxista nos ajuda a compreender esse processo. Nota-se que a
intervenção do Estado na economia criou as condições favoráveis à expansão do capital. Um
exemplo disso é o caso da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que foi criada para dar
lucros ao Estado, sendo que esses lucros foram utilizados para ampliar a política de
redistribuição de renda (COUTINHO, 2008). Cabe enfatizar que no período da ditadura, a
CSN contribuiu para aumentar a taxa de lucro do capital privado, inclusive o internacional.
Desse modo, o objetivo das empresas estatais não é gerar lucros para o Estado, elas
criam condições para que o capital privado possa existir e se expandir. Isso caracteriza o
Estado capitalista em geral, não sendo uma singularidade de nossa formação estatal
(COUTINHO, 2008, p. 126). Mas nosso país apresentou traços bem marcantes com relação a
outros países capitalistas.
Nos regimes liberais democráticos o Estado ainda que defenda interesses privados
precisa também satisfazer demandas das classes trabalhadoras para que possa haver um
consenso para a sua legitimação. Isso aconteceu nos países desenvolvidos com a existência do
Welfare State, que graças às lutas das classes trabalhadoras, foi possível construir, a partir de
políticas estatais, uma rede educacional e de seguridade social de interesse público
(COUTINHO, 2008).
Devemos lembrar que no Brasil não tivemos um Estado de bem-estar social, e sim um
aparente Estado de bem-estar, que Francisco de Oliveira o chamou de ‘Estado do mal-estar
social’ (COUTINHO, 2008).
No Brasil, o regime militar sempre esteve a serviço do grande capital nacional e
internacional, onde promoveu um intenso crescimento das forças produtivas, e desenvolveu a
mais complexa ordem capitalista do país. Essa complexificação multiplicou a diversidade de
interesses e gerou uma sociedade civil forte, rica e articulada (COUTINHO, 2008).
Este regime ditatorial até tentou por “diferentes meios, reprimir essa sociedade civil
emergente, mas não foi capaz – exatamente por não ser fascista no sentido ‘clássico’ – de
domá-la e incorporá-la ao aparelho de Estado” (COUTINHO, 2008, p. 130). Foi neste período
que a sociedade civil acabou se ampliando.
Outro elemento importante foi o surgimento de vários partidos que fortaleceram a luta
contra a ditadura. O multipartidarismo, ainda que limitado, deu margem a novos interesses e
22
criou novos sujeitos políticos, que integraram o pluralismo da nova sociedade civil
(COUTINHO, 2008).
Para Nogueira (1998), a transição democrática não ocorreu simultaneamente, pois não
proporcionou a reforma política, como também não permitiu a construção de um novo regime.
Mas, acabou com o arcabouço institucional e as práticas do regime ditatorial e apresentou
uma nova Constituição com inclinações democráticas e sociais.
Não devemos esquecer que a sociedade brasileira, na década de 1980, viveu uma
complexa conjuntura: graves problemas sociais, econômicos, estruturais e com fortes
insatisfações populares, sendo fruto da insatisfação com as políticas sociais e econômicas dos
governos militares. Isso proporcionou o surgimento de organizações que almejavam uma
maior participação dos cidadãos na arena política, sendo contrários às ações do Estado
(SOLANO, 2011).
O que se observa é que a luta pela democracia, após o regime ditatorial, fortaleceu os
movimentos sociais populares. Isso não se desenvolveu de forma tranquila, houve vários
conflitos, pois havia um antagonismo de forças em disputa.
Vale salientar que com o fim da ditadura militar, surgiu uma conjuntura que vai
reorganizar a relação entre Estado e sociedade civil no Brasil. Agora temos, segundo
Coutinho (2008), um ‘modelo americano’, ou melhor, um padrão ‘liberal-corporativo’, ou
seja,
Ao mesmo tempo que a vida econômica é deixada ao livre jogo do mercado,
o conflito de interesses é também resolvido numa espécie de mercado
político, no qual os grupos com recursos organizativos obtêm resultados,
enquanto os que não dispõem de tais recursos são excluídos, sem condições
de obter influência real. Estamos diante da proposta mais conhecida como
‘neoliberal’, que vem predominando em nosso país pelo menos desde o
governo Collor (COUTINHO, 2008, p.137).
Para Nogueira (2011) o Estado tornou-se mais ágil, menor e mais barato, mediante
privatização, terceirização e parcerias público-privadas. Houve um recuo do Estado nacional
diante da economia mundial e dos mercados, com desvalorização do Estado aos olhos do
cidadão e desorganização do seu aparato técnico e administrativo.
A alternativa para essa situação, segundo Coutinho (2008), seria a reorganização de
nosso ‘Ocidente’ a partir da agregação de interesses mais amplos (ético-políticos) e não
puramente econômico-corporativos, permitindo assim, a construção de efetivas maiorias
23
políticas, que tivessem um direcionamento de relações democráticas, ou seja, um modelo
alternativo denominado de ‘democrático-popular’ distinto do modelo neoliberal.
Mas a proposta hegemônica da burguesia foi consolidar em nosso país o ‘modelo
norte-americano’, que manteve o velho corporativismo, porém sob novas formas
(COUTINHO, 2008). Aqui não se trata de agrupar os sindicatos ao aparelho de Estado, e sim
admitir e consentir “um tipo de organização sindical ‘livre’, que não transcenda a defesa dos
interesses particulares, corporativos, de determinadas categorias profissionais” (COUTINHO,
2008, p 140).
Sendo assim, na conjuntura pós-ditadura, o Estado continuou representando os
interesses da burguesia. Isso proporcionou uma ampliação do espaço privado na sociedade
brasileira em detrimento do público, ou seja, privatizou-se o patrimônio público na esfera da
economia, e aos poucos foi retirando os direitos sociais conquistados pelos trabalhadores na
seguridade social como também nas leis trabalhistas.
Embora juridicamente a Constituição de 1988 traga importantes direitos sociais, estes
não são implementados na prática, pois não há vontade política de fazê-lo. O interesse da
lógica neoliberal é pagar a dívida pública e assegurar o chamado equilíbrio fiscal, através de
enormes superávits primários, em vez de atender às reais necessidades da população brasileira
(COUTINHO, 2008).
Sabemos que a Constituição Federal de 1988 é um marco com relação à instituição de
direitos, resultando na Seguridade Social que compreende “um conjunto integrado de ações de
iniciativa do poder público e da sociedade destinados a garantir os direitos relativos à Saúde,
Previdência e Assistência Social” (BRASIL [CF/1988], 2005, art. 194 apud SILVA, 2012, p.
138).
De acordo com Montano (2002 apud SOUZA FILHO, 2009) o projeto neoliberal traz
uma proposta de reforma administrativa (reforma do Estado) no contexto dos anos de 1980 e
1990. Isso foi uma estratégia desta lógica para interferir em três dimensões articuladas:
ofensiva ao trabalho, reestruturação produtiva e a reforma do Estado. O que temos é uma
reforma do Estado que libera acumulação de capital e retira as condições de ampliação e
universalização de direitos, bem como a redução de políticas públicas universalistas.
Sendo assim, mesmo com os avanços conquistados, o texto constitucional envolve
traços conservadores, devido às propostas do neoliberalismo que traz um novo
redirecionamento na questão dos direitos sociais.
24
2.2 O Processo Constituinte e o Movimento de Democratização das Políticas Sociais no
Brasil
No Brasil a partir da década de 1950, o modelo de proteção social no Brasil tinha duas
linhas de atuação: uma era de natureza assistencial, que atendia os mais pobres (perspectiva
caritativa), e estava voltada ao trabalho voluntariado, não configurando um direito social. O
que se tinha eram medidas compensatórias; a outra atua a partir do modelo de seguro social,
onde os beneficiários são aqueles que estão inseridos no mercado de trabalho (FLEURY,
2009 apud COSTA; VIEIRA, 2012).
A partir da década de 1980 houve uma reorganização das políticas sociais, no qual
abriu-se espaço para debates no contexto das lutas pela democratização do Estado e da
sociedade brasileira. A crise da ditadura deu espaço à democratização do país, sendo também
um momento de reorganização mundial do capitalismo.
Cabe salientar que essa situação foi consequência da crise do chamado Estado de bem-
estar social, em meados da década de 1970 e da derrocada do Leste Europeu, que nos anos
1980, abriu as portas para às propostas neoliberais, garantindo um Estado Mínimo que
transfere as responsabilidades da área social para a Sociedade Civil (BENEVIDES, 1994 apud
COSTA; VIEIRA, 2012).
A contrarreforma se caracterizou pelo desmonte do sistema de proteção social, tendo
início na década de 1970 na Europa, no qual trouxe mais uma crise sistêmica do capital desde
a primeira grande depressão generalizada, em 1929, que abarcou todos os países capitalistas
(SILVA, 2012). O que se observa é que a luta pelos ganhos de produtividade acabou
contribuindo para que o grande capital reduzisse em escala progressiva a manutenção dos
fundos sociais públicos, afetando assim, o financiamento destinado às políticas sociais
(SILVA, 2012). Dessa forma,
Entre as consequências desta investida, denominada de neoliberal, está o
surgimento de um novo paradigma de produção, denominado acumulação
flexível (toyotismo). Os impactos do novo modelo ocasionaram: quebra da
cultura política do movimento sindical; introdução de novas tecnologias com
a desterritorialização da produção; volatilidade do capital através do
emprego dos meios informáticos; financeirização da economia e do social
(apropriação por parte do capital financeiro de parcelas significativas dos
recursos oriundos dos fundos públicos, destinados às políticas sociais);
precarização e flexibilização dos contratos de trabalho (parciais e
terceirizados); desemprego e recessão, entre outras consequências (SILVA,
2012, p 28).
25
No Brasil, os anos 1980, foi um período de mobilização pela redemocratização do
Estado, onde propôs a participação da sociedade nas tomadas de decisão. Essa participação
social se aproxima do conceito de “cidadania ativa,” que institui o cidadão como portador de
direitos e deveres, sobretudo como criador de direitos que abre novos espaços de participação
política (BENEVIDES, 1994 apud COSTA; VIEIRA, 2012). Sendo assim,
Nas intenções e sentidos originais, a participação social é concebida para a
defesa dos direitos sociais, da proteção social e da democracia e está baseada
na democratização e transparência do sistema decisório, maior aproximação
das demandas populares com repercussão sobre a equidade nas políticas
públicas assim como no alargamento da presença da sociedade nas ações
estatais, ampliando os direitos e a execução de ações para atender ao
interesse público (SILVA; JACCOUD; BEGHIN, 2005 apud COSTA;
VIEIRA, 2012, p. 22).
Nota-se que a década de 1990 introduz um cenário político que trouxe impactos no
campo das políticas públicas, possibilitando uma ampliação da participação de novos sujeitos
sociais (RAICHELIS, 2009).
Desse modo, o processo constituinte de 1988 foi influenciado pelos modelos europeus
de inclinação beveridgiana2 e pelo conceito da convenção nº 102 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT)3, que norteavam a ação de sindicalistas e do movimento de
Reforma Sanitária4 (SILVA, 2012). Apesar da influência, o que permaneceu foi à estrutura de
proteção social existente: o seguro social (aposentadorias, os auxílios-doença, entre outros);
benefícios de natureza mista (combinação de assistência e seguro); os benefícios de prestação
continuada destinados aos trabalhadores (estava relacionado ao tempo de trabalho e as
contribuições prévias efetuadas); os benefícios destinados aos trabalhadores rurais e
pescadores artesanais; como também o da assistência à saúde que contemplava os segurados e
dependentes (SILVA, 2012).
Para Silva (2012) as diretrizes e objetivos presentes na Carta Magna acerca da
organização da seguridade social (saúde, previdência e assistência social) tinha um caráter
híbrido, refletindo a correlação de forças que se formou no processo constituinte.
2 Tinha como característica a unificação e a universalização, que incluía não só trabalhadores, mas todos os
cidadãos que, por uma questão de direito, deveriam ter as suas necessidades básicas satisfeitas (PEREIRA,
2002). 3 A Convenção nº 102, de 28 de junho de 1952, fixa normas mínimas de seguridade social e traz um conceito de
seguridade social, incorporando traços da lógica beveridgiana (SILVA, 2012). 4 Defendeu a descentralização dos serviços de saúde e a adoção da municipalização, vista como uma estratégia
para democratizar o Sistema Nacional de Saúde e como um dos princípios do SUS (CORREIA, 2000).
26
O que se observa é que a elaboração da Constituição de 1988 ocorreu em um momento
de mobilização social no qual
os movimentos sociais em franca ascensão, impulsionados pelas lutas em
torno da redemocratização do país, resgate das liberdades individuais e
coletivas suprimidas no período da ditadura militar e ampliação dos direitos
sociais, com vistas à redução da enorme dívida social que se estabeleceu no
período ditatorial, tiveram forte presença no processo constituinte.
Participaram por meio das formas diretas e indiretas possibilitadas pela
estrutura da Assembleia Nacional Constituinte (SILVA, 2012, p. 133).
De acordo com Souza (2001 apud SILVA, 2012) a estrutura que se formou garantiu a
participação popular por meio das propostas de emendas populares, envio de mensagens pela
rede de correios e através dos debates nas subcomissões temáticas, onde havia participação
direta dos cidadãos, como também por meio de suas entidades representativas. Havia a
necessidade de assegurar uma aproximação da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) com
a sociedade, evitando o afastamento dos constituintes.
Dessa forma, o processo constituinte de 1987-1988 foi uma das inovações do
regimento que admitiu propostas vindas de fora do Congresso, onde participaram os
Legislativos estadual e municipal, o Judiciário e os cidadãos por via emendas populares Souza
(SOUZA, 2001 apud SILVA, 2012).
Boschetti (2006 apud SILVA, 2012) faz um resumo de como se deu os processos
legislativos na Assembleia Constituinte pelos quais passou a construção da seguridade social:
As 24 subcomissões elaboraram os dispositivos constitucionais (futuros
artigos), que eram divididos por temas. Aprovados nessas subcomissões, os
pré-projetos correspondentes aos temas foram enviados às oito comissões,
que os reorganizaram por temáticas segundo os capítulos da Constituição.
Após sua aprovação pelos parlamentares membros, os projetos de cada
comissão foram encaminhados à Comissão de Sistematização, a quem
incumbiu organizá-los em títulos, a fim de elaborar um primeiro projeto de
Constituição. Tal projeto, após ser analisado e aprovado pelos parlamentares
membros dessa comissão, foi enviado ao plenário da Assembleia
Constituinte, onde foi debatido, submetido às emendas parlamentares e, [...]
votado e aprovado em 5 de outubro de 1988 (BOSCHETTI, 2006, p. 145
apud SILVA, 2012, p. 134).
Sendo assim, as manifestações populares tiveram valor decisivo para que algumas
conquistas pudessem ser garantidas, ou seja, “quanto mais fortes eram os movimentos sociais
vinculados às áreas temáticas, maiores as possibilidades de pressão e conquistas, como
aconteceu com a seguridade social” (SILVA, 2012, p. 135).
27
Cabe enfatizar que a Comissão da Ordem Social tratou da seguridade social e possuía
três subcomissões: direitos dos trabalhadores e servidores públicos; saúde, seguridade e meio
ambiente; e negros, populações indígenas, pessoas com deficiências e minoria.
(BOSCHETTI, 2006 apud SILVA, 2012).
Para Silva (2012) houve uma centralidade da saúde nos debates da subcomissão de
saúde, seguridade e meio ambiente, que possibilitou aos militantes do movimento sanitário
garantirem várias deliberações das Conferências Nacionais de Saúde. Vale ressaltar que a
assistência social tinha pouca expressão social, por isso teve menor destaque na subcomissão,
ou seja, “não foi objeto específico de nenhuma audiência pública” (BOSCHETTI, 2006, p.
148 apud SILVA, 2012 p. 135).
Com relação à previdência social, nas instituições da sociedade civil prevaleceram as
entidades sindicais demonstrando que o debate sobre o tema era restrito ao movimento
sindical e aos trabalhadores que atuavam na área (SILVA, 2012).
O que se observa é que no final do processo constituinte, as três áreas da seguridade
social tiveram conquistas expressivas, se compararmos ao que estava presente na sociedade
brasileira. Dessa forma,
A assistência social assumiu o status de política social e passou a compor a
seguridade social. As conquistas na área de saúde foram determinantes para
a visão de universalização que impregnou o significado da saúde no âmbito
da seguridade social. Na área da previdência social alguns direitos foram
ampliados: o piso mínimo dos benefícios igual ao salário-mínimo; a
irredutibilidade dos valores dos benefícios; o valor da aposentadoria não
inferior ao último salário recebido; aposentadoria por tempo de trabalho,
independente de limite de idade e o direito de participação no sistema
mediante contribuição direta, independente do trabalho assalariado. Ou seja,
qualquer trabalhador urbano ou rural passou a poder participar da
previdência social, desde que tivesse condições para contribuir com o
sistema (SILVA, 2012, p. 136-137).
Na previdência social, “a universalização, nesse caso, significou a passagem do direito
derivado do exercício de um trabalho assalariado para o direito decorrente de uma
contribuição efetuada” (BOSCHETTI, 2006, p. 160 apud SILVA, 2012, p. 137).
Sendo assim, a Constituição Federal de 1988 instituiu juridicamente um padrão de
proteção social mais abrangente e inclusivo, que assegurou direitos sociais a toda a população,
algo até então inexistente em nossa sociedade (PASTORINI; GALIZIA, 2012). O que se
observa é que
28
(...) durante o processo de democratização do Brasil, evidenciamos um
alargamento da participação da sociedade civil, o que culminou com a
Constituição Federal de 1988 e, por conseguinte nas Leis Orgânicas que
instituíram as Políticas Sociais. Nesse mesmo período as classes dominantes
conseguiram aprimorar suas estratégias de dominação, disseminado e
reforçando suas ideologias, a fim de restabelecer o controle e estratégico do
capital (SILVA; CLEMENTINO; SILVA, 2017, p. 01).
Desse modo, as políticas de seguridade social deveriam seguir padrões de focalização,
privatização e descentralização, com finalidade de reduzir os gastos sociais e garantir o
equilíbrio financeiro do setor público (SILVA; CLEMENTINO; SILVA, 2017).
O movimento da Constituinte possui uma condição cruel, há um descompasso entre as
esferas política-econômica e social, ou seja, “de um lado a ascensão dos direitos sociais e de
outro lado, a reestruturação de cunho neoliberal no cenário internacional” (SILVA;
CLEMENTINO; SILVA, 2017, p. 03).
O que vem ocorrendo é uma intensa e constante desconstrução do significado de
seguridade social expresso no texto constitucional. Citamos aqui algumas delas: Os frequentes
abandonos dos princípios gerais da seguridade social; Resistência de implementação do
financiamento, considerando o princípio da equidade na participação do custeio, em favor da
chamada austeridade fiscal; A organização de cada uma dessas políticas em sistemas
separados, com gestão própria; As frequentes mudanças no texto constitucional, impondo
regressividade aos direitos relativos à previdência social; A crescente privatização da saúde;
A confirmação da assistência como uma política seletiva dirigida aos incapazes para o
trabalho; entre outras (SILVA, 2012)
Sendo assim, o ataque aos direitos sociais da seguridade social se amplia através da
crescente mercantilização da saúde e da previdência e da ampliação da assistência social, que
só faz legitimar a lógica do capital e das desigualdades sociais presentes em nosso país.
Apesar desses ataques, a seguridade social ainda é um espaço de luta da sociedade civil para
garantir a universalização dos direitos sociais.
2.3 A Democracia Participativa e a Gestão Democrática
Para trazer o debate sobre a democracia participativa se faz necessário trazer alguns
elementos que nos ajudem a pensar a realidade contemporânea. De acordo com Silva (2012a)
a efetivação dos direitos no Estado liberal foi restrita a constitucionalização dos direitos
29
naturais, ou seja, a transformação desses direitos em leis jurídicas. O objetivo deste tipo de
Estado foi garantir o direito à liberdade individual e à propriedade privada dos cidadãos pelos
organismos constitucionais do estado de direito.
Esta concepção concebe o cidadão como alguém que age sobre os imperativos e a
proteção da lei, ou seja, cabe ao estado de direito garantir a seguridade física, a propriedade
privada e manter a ordem social, ou seja, a criação de um Estado absolutista (SILVA, 2012a).
Na cidadania liberal, “o estado protetor não requer o exercício participativo do
cidadão” (SILVA, 2012a, p. 22), ele oferece a proteção da lei.
Desse modo, a democracia deve ser entendida como “(...) sinônimo de soberania
popular. Ou seja: podemos defini-la como presença efetiva das condições sociais e
institucionais que possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa na formação do
governo e, em consequência, no controle da vida social” (COUTINHO, 1997:145 apud
SILVA, 2012a, p. 22).
O que se observa é que nos marcos democráticos a cidadania deve ser compreendida
como direitos históricos que surgem, gradativamente, das lutas que o homem trava para sua
própria emancipação e das transformações de vida que essas lutas proporcionam (BOBBIO,
1992, apud SILVA, 2012a). Então,
A prática democrática da cidadania republicana parte do pressuposto que ser
cidadão é participar ativamente da vida cívica. O princípio da autonomia é
individual e coletivo, de auto-legislação enquanto governo. O respeito às
normas estabelecidas ocorre em virtude de o cidadão ter tomado parte na
definição das regras institucionais, constitui-se esta uma cidadania ativa, de
participação na definição de direitos e no cumprimento de deveres enquanto
ênfase na virtude (SILVA, 2012a, p. 22).
Devemos compreender que ser cidadão é participar de forma ativa na sociedade,
inclusive na elaboração das leis. Então, o que deve ter mudado com relação à prática
democrática da cidadania? Segundo Silva (2012a), surgiu outra forma de exercê-la, entrando
em cena a democracia representativa. Aqui o povo escolhe seus representantes, dando-lhes
autonomia para governá-los, ou seja, para tomar decisões em seu nome.
Esta lógica democrática foi considerada a mais adequada para o mundo moderno, no
qual pensaram que os representantes eleitos pelo sufrágio universal não priorizariam os
interesses corporativos e atenderiam os interesses da nação (SILVA, 2012a).
De acordo com Bobbio (2000 apud SOARES, 2012) a democracia se associa a um
conjunto de regras, que se caracteriza como regra da maioria e sua efetivação dependem da
30
garantia dos direitos, no qual as decisões coletivas devem ser tomadas a partir do princípio da
legitimidade envolvendo determinados procedimentos.
Sendo assim, a democracia moderna surge a partir da tentativa de legitimar a liberdade
e individualidade humana, e a vida política se configura através da construção artificial da
vontade dos indivíduos. Isso significa que a democracia moderna se concretiza pelas suas
promessas não cumpridas.
Nota-se que a democracia representativa foi dominada pela tendência corporativa,
constantemente denunciada pela correlação de forças progressistas da sociedade, que busca
resgatar o princípio democrático de uma cidadania ativa, que defende os interesses do
conjunto dos cidadãos e não das corporações e/ou lobbies de interesses privados (SILVA,
2012a).
Para Soares (2012) a ampliação e garantia dos direitos, o exercício da cidadania e a
forma democrática de governar são condições da instituição do Estado moderno e elementos
da esfera política da vida social. Na realidade brasileira tais elementos e o papel do Estado
não se realizaram plenamente, configurando-se em problemas políticos, sociais, econômicos e
de participação popular.
Desse modo, a democracia participativa constitui caminhos para a soberania popular.
Vale ressaltar que a cidadania inclui diversas dimensões:
O exercício de certos direitos, como a liberdade de pensamento e o voto, não
gera automaticamente o gozo de outros, como a segurança e o emprego. O
exercício do voto não garante a existência de governos atentos aos
problemas básicos da população. Dito de outra maneira: a liberdade e a
participação não levam automaticamente, ou rapidamente, à resolução de
problemas sociais. Isto quer dizer que a cidadania inclui várias dimensões e
que algumas podem estar presentes sem as outras. Uma cidadania plena, que
combine liberdade, participação e igualdade para todos, é um ideal
desenvolvido no Ocidente e talvez inatingível. Mas ele tem servido de
parâmetro para o julgamento da qualidade da cidadania em cada país e em
cada momento histórico (CARVALHO, 2015, p.14-15).
Para que se tenha uma política democrática se faz necessário criar condições
institucionais, políticas e associativas, que permita que os cidadãos se organizem e controlem
os seus governos. Isso cria cidadãos ativos, que são personagens fundamentais da democracia,
devendo ser, constantemente “criados” e “organizados” pela educação, pelo debate público,
pela multiplicação de espaços institucionais de discussão e deliberação (NOGUEIRA, 2011).
Desse modo, a democracia participativa pode ser compreendida como
31
um conjunto de experiências e mecanismos que tem como finalidade
estimular a participação direta dos cidadãos na vida política através de canais
de discussão e decisão. A democracia participativa preserva a realidade do
Estado (e a democracia representativa). Todavia, ela busca superar a
dicotomia entre representantes e representados recuperando o velho ideal
da democracia grega, a participação ativa e efetiva dos cidadãos na vida
pública (SELL, 2006, p. 93).
Este tipo de democracia estabelece um caminho efetivo da soberania popular, que traz
a possibilidade de avançar no processo de reapropriação dos bens criados pelo mundo da
produção capitalista, de forma coletiva, colocando limites à perversidade estabelecida pelo
grande capital, que ao gestar a uma produção coletiva, impõe a obtenção dos produtos criados
pelos homens segundo as regras do mercado (SILVA, 2012a).
Vale salientar que nos países desenvolvidos de economia central, entre os anos 1940 a
1970, houve um pacto social que estabeleceu políticas sociais igualitárias e universais ligadas
ao pleno emprego, o Estado de bem-estar social. A recessão de 1929 (crise sistêmica do
capital) demonstrou a inviabilidade do modelo econômico vigente, trazendo contradições
entre as classes sociais. Isso fez com que houvesse uma ampliação na organização da
sociedade, como também ampliou a organização da política sindical e partidária dos
trabalhadores e dos setores progressistas organizados da sociedade (SILVA, 2012a).
O Estado de bem-estar social não se desenvolveu na América Latina, pois tivemos um
modelo de Estado que se desenvolveu através de “intervenções estatais, populistas,
paternalistas, clientelistas, e focais, que mal alcançam os mais pobres, ferindo, portanto, a
cidadania universal” (SILVA, 2012a, p. 26-27).
No Brasil, os anos 1980 representou um cenário de lutas sociais e de grande fervor
político, com a participação dos movimentos sociais, que reivindicavam a superação da
ditadura militar e a realização de eleições diretas, como também melhorias no campo da
saúde, educação, saneamento, habitação, entre outros (MATIAS; LINS, 2013).
Sendo um período de “redemocratização do Estado brasileiro, realizada não por uma
Assembleia Nacional de caráter livre e soberano, como desejavam os movimentos dos
trabalhadores e sociais, mas sim por uma Constituinte de representantes do ‘poder’”
(MATIAS; LINS, 2013, p. 03).
Segundo Nogueira (2011), a Constituição Federal é um exemplo da luta contra a
ditadura que trouxe elementos da democracia participativa como o instituto da iniciativa
popular e a participação da comunidade na formulação dos planos diretores das cidades, no
qual ajudou a trazer a descentralização participativa. Sendo assim, a descentralização
32
participativa é uma diretriz que inova e promete democracia, onde é acompanhada de
mudanças institucionais que ampliam efetivamente a participação social: os Conselhos e
outros colegiados paritários (NOGUEIRA, 2005).
A partir daí, a gestão administrativa das políticas da seguridade social passou a ter
“caráter democrático e descentralizado, com a participação da comunidade, em especial de
trabalhadores, empresários e aposentados” (art. 194, VII apud NOGUEIRA, 2011, p. 145).
O novo formato institucional, legitimado na Carta Magna, integra a gestão
descentralizada e participativa nas esferas municipal, estadual e federal. A Constituição
Federal, dentre os seus princípios e diretrizes, passa a assegurar:
a participação da população por meio de organizações representativas, na
formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis” (Art.
204), institui, no âmbito das políticas públicas, a participação social como
eixo fundamental na gestão e no controle das ações do governo. Após a sua
promulgação, o grande desafio passou a ser a regulamentação dos preceitos
constitucionais a fim de se efetivar a “tão sonhada” participação popular.
Iniciou-se, desde então, uma intensa mobilização e articulação dos diversos
segmentos sociais organizados, no sentido de se estabelecerem os
mecanismos jurídicos legais necessários à gestão descentralizada das
políticas públicas (ROCHA, 2009, p. 03).
A partir daí surgem os Conselhos Gestores, trazendo um novo modelo de interação
entre governo e sociedade, exigindo-se dos cidadãos uma atuação efetiva, por meio de
processos interativos, no âmbito da gestão pública (ROCHA, 2009).
De acordo com Rocha (20009) a gestão pública passa a absorver em sua estrutura
vários segmentos da sociedade, ou seja, há uma articulação política na defesa pela
democratização da gestão das políticas públicas, através dos sujeitos diversos que interagem
no processo de deliberação, gestão e controle social das políticas públicas, nas diversas áreas
sociais.
Vale ressaltar que a instituição de novos mecanismos nos processos de tomada de
decisões suscitou o aparecimento de um regime de ação pública descentralizada, onde são
criadas formas inovadoras de interação entre governo e sociedade, ou seja, canais e estratégias
de participação social como os Conselhos Gestores (ROCHA, 2009).
A gestão democrática possui três eixos fundamentais: “a maior responsabilidade dos
governos em relação às políticas sociais e às demandas dos seus cidadãos; o reconhecimento
dos direitos sociais; e a abertura de espaços públicos para a ampla participação cívica da
sociedade” (SANTOS JÚNIOR, 2001, p. 228 apud ROCHA, 2009, p. 05).
33
Dessa forma, novas iniciativas de gestão democrática das políticas públicas surgem e
visam o fortalecimento da autonomia dos municípios e o estabelecimento de novos formatos
de organização do poder local, vinculados à criação de parcerias entre o poder público e
setores organizados da sociedade civil (ROCHA, 2009). Esse processo de redefinição da
gestão pública brasileira traz os Conselhos Gestores que estão articulados a dois mecanismos:
a descentralização e a participação.
No contexto brasileiro a gestão pública, até o início dos anos 1980, teve características
de centralização decisória e financeira na esfera federal, onde os Estados e Municípios tinham
o papel de executores das políticas (ROCHA, 2009). Isso se deu da seguinte forma:
à medida que os recursos eram centralmente controlados e as esferas locais
de poder se expunham diretamente às necessidades e demandas dos
cidadãos, tendia a estabelecer-se uma articulação clientelista entre governos
estaduais e municipais e o federal, baseada na troca de favores em que,
muitas vezes, as instâncias locais se transformavam em agenciadores de
recursos federais para o município ou estado, procurando garantir a
implementação de determinada política pública para sua clientela. Embora
estes mecanismos se tenham intensificado durante a Nova República, já se
faziam sentir nos anos de 1970 na vigência do regime autoritário (DRAIBE,
1992 apud ROCHA, 2009, p.06).
Segundo Rocha (2009), a característica central da gestão pública era de exclusão da
sociedade civil do processo de formulação das políticas públicas.
Os anos 1990 acabaram impulsionando o processo de descentralização político-
administrativa e a municipalização das políticas públicas, levando à transformação e o
fortalecimento das instituições democráticas no país (ROCHA, 2009).
Uma expressão de grande importância no Brasil foi o controle social a partir do
processo de democratização na década de 1980, e principalmente, com a institucionalização
dos mecanismos de participação nas políticas públicas na Constituição de 1988 e nas leis
orgânicas da saúde, que são os Conselhos e as Conferências.
Segundo Bravo (2009a), os Conselhos devem ser considerados como lócus do fazer
político, sendo espaços contraditórios, e devem estar orientados pela democracia participativa.
E “as conferências são eventos que devem ser realizados periodicamente para discutir as
políticas sociais de cada esfera e propor diretrizes de ação” (BRAVO, 2009a, p.03).
Vale ressaltar que os Conselhos fortalecem a ideia de que os espaços de representação
social na organização e gestão das políticas sociais devem ser alargados para permitir a
participação de novos e diversificados sujeitos sociais, ou seja, os excluídos do acesso às
34
decisões do poder político. Isso representa a busca de novos canais de participação da
sociedade civil na coisa pública, rumo à constituição de esferas públicas democráticas
(RAICHELIS, 2009).
Desse modo, os mecanismos de controle democrático foram propostos num contexto
de mobilização da sociedade civil, do processo Constituinte e promulgação da Constituição de
1988, que introduziu avanços que buscaram corrigir as históricas injustiças sociais
acumuladas secularmente, mas incapaz de universalizar direitos tendo em vista a longa
tradição de privatizar a coisa pública pelas classes dominantes (BRAVO, 2009a).
Apesar das conquistas alcançadas por meio da Carta Magna, que foram impulsionadas
pelo teor de uma reforma democrática do Estado, a conjuntura econômica e política não
coincidiram de forma satisfatória com a realização do proposto. O cenário dos anos 1990 até
os dias de hoje é marcado pela contrarreforma do Estado e avanço das políticas neoliberais.
Sendo caracterizado por um verdadeiro desmonte da proteção social no Brasil, derrubando
conquistas asseguradas pela Constituição Federal de 1988.
Segundo Behring e Boschetti (2010), a partir do contexto de “reformas” neoliberais as
formulações da política social foram centradas no trinômio: privatização,
focalização/seletividade e descentralização. Isso contribuiu com a privatização que possui um
caráter de dualidade discriminatória: distinguir os que podem e os que não podem pagar pelos
serviços, além de abrir mercado lucrativo para o capital por meio da venda dos serviços. A
lógica deste discurso permanece até os dias atuais, só que agora com outros elementos: a
mercantilização das políticas sociais, descaracterizando a perspectiva de direito e cidadãos.
Portanto, as problemáticas relacionadas às políticas públicas requerem a construção
de uma gestão participativa, que permite a participação da população e o apoio institucional.
Pois, isso acaba fortalecendo o controle social e o processo de luta e conquista de direitos
sociais, onde há a necessidade da participação de todos: os representantes da sociedade civil
organizada, a classe trabalhadora e o governo na gestão das políticas públicas. Assim,
fortalecemos os espaços democráticos de gestão, permitindo a participação efetiva do cidadão
na formulação, monitoramento e fiscalização da execução das políticas públicas.
35
3 A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL
3.1 O Contexto Histórico da Política de Saúde e os Desafios Atuais
Antes da Constituição de 1988, segundo Neto (1994), a saúde não era um direito de
todos, o que se tinha era uma assistência médica destinada a quem tinha Carteira Assinada e
pagava a Previdência Social. Os que não se enquadravam nessa situação, tinham que pagar ou
esperar que sobrasse dinheiro para o Ministério da Saúde, os Hospitais Universitários e os
Governos Estaduais e Municipais, para ter acesso a algum atendimento (NETO, 1994).
Como o interesse eram nos serviços médicos privados, os hospitais, ambulatórios e
Centros de Saúde ficavam sem investimentos: faltavam recursos, equipamentos estavam
quebrados ou funcionavam mal, faltavam medicamentos, recursos humanos eram
insuficientes, despreparados e ganhavam mal. Nota-se que houve uma ampliação dos serviços
privados, principalmente os hospitais, que se concentravam nas grandes cidades, e eram
contratados pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INAMPS) (NETO, 1994). Isso
ocorreu no início dos 1970, período em que Previdência Social tinha recursos.
O modelo vigente adotado pelo regime militar nesta época era de concentração de
renda, má distribuição de benefícios sociais, e um sistema de saúde que não atendia as
necessidades da população, e sim os interesses daqueles que queriam comercializar a saúde
(NETO, 1994). Esse modelo tinha como características: centralização decisória; dicotomia
institucional e assistencial, que tinha duas organizações responsáveis pelos setores da saúde
(Ministério da saúde e INAMPS); fortalecimento do setor privado; hegemonia de um modelo
de atenção curativo e centralizado no hospital; e um financiamento regressivo e restrito
(LOBATO, 2012)
O que se observa é que a crise econômica dos anos 1980, “acabou com a época das
"vacas gordas" e criou uma nova situação para o Governo, exigindo que este reconhecesse a
crise e a necessidade de mudar o sistema de saúde, sob pressão da própria população que já
começava a se reorganizar, lutando pela redemocratização do país” (NETO, 1994, p. 08-09).
Vale ressaltar que a crise do governo ditatorial trouxe inúmeras consequências para a
população, que segundo Netto (2014) foram as seguintes: entre 1979 e 1984, a renda per
capita reduziu-se em 25%; entre 1982 a 1985, os salários reais caíram para 20%; em 1985,
35% de todas as famílias e 41% de todos os indivíduos viviam em condições de pobreza. Com
relação à saúde, na cidade de São Paulo, entre 1984-1985, mais de um quarto das crianças
36
apresentavam quadro crônico de desnutrição; nas regiões Sul e Sudeste, o percentual de
subnutridos era de 57,9%. As verbas do governo federal destinadas a saúde foram reduzidas:
em 1980 era de 1,75% do Produto Interno Bruto (PIB), e em 1984 era de 1,60% do PIB.
Este cenário recessivo, na entrada da década de 1980, permitiu que as lutas de classes
ganhassem uma nova dinâmica, acirrando as manifestações populares. De acordo com Bravo
(2009b) a nível nacional, as políticas sociais e os direitos têm essencialmente dois períodos:
antes e após a Constituição Federal de 1988. No Brasil, o contexto dos direitos sociais na
saúde só vai ocorrer no séc. XX, com a intervenção estatal mais efetivamente na década de
1930. Antes desse período, no séc. XVIII, a assistência médica era pautada na filantropia e na
prática liberal.
A partir dos anos 1980, a saúde contou com a participação de novos sujeitos sociais na
discussão das condições de vida da população brasileira e das propostas governamentais
apresentadas para o setor. Isso contribuiu para um amplo debate que permeou a sociedade
civil, ou seja, saúde deixou de ser interesse apenas dos técnicos para assumir uma dimensão
política, estando vinculada à democracia (BRAVO, 2009b).
Nesta conjuntura entraram em cena os profissionais de saúde, representados pelas suas
entidades, que ultrapassaram o corporativismo, defendendo a melhoria da situação saúde e o
fortalecimento do setor público; o movimento sanitário, tendo o Centro Brasileiro de Estudo
de Saúde (CEBES) como veículo de difusão e ampliação do debate em torno da Saúde e a
Democracia e a elaboração de contra-propostas; os partidos políticos de oposição, que
viabilizaram debates no Congresso para discussão da política do setor e os movimentos
sociais urbanos, que realizaram eventos em articulação com outras entidades da sociedade
civil (BRAVO, 2009b).
Desse modo,
As principais propostas debatidas por esses sujeitos coletivos foram à
universalização do acesso; a concepção de saúde como direito social e dever
do Estado; a reestruturação do setor através da estratégia do Sistema
Unificado de Saúde visando um profundo reordenamento setorial com um
novo olhar sobre a saúde individual e coletiva; a descentralização do
processo decisório para as esferas estadual e municipal, o financiamento
efetivo e a democratização do poder local através de novos mecanismos de
gestão – os Conselhos de Saúde (BRAVO, 2009a, p.09).
Cabe enfatizar que o contexto social dos direitos na saúde esteve ligado ao movimento
de Reforma Sanitária que concebia a saúde como um direito intrínseco à pessoa humana e de
responsabilização do Estado. Os ideais da Reforma Sanitária, juntamente com as mobilizações
37
dos segmentos da sociedade foram de grande importância na defesa e construção de um
Estado democrático, no qual garantiu os direitos civis, políticos e humanos dos sujeitos
sociais. Esses direitos foram conquistados com a Constituição Federal de 1988, que marcou a
história da Saúde Pública, o SUS, superando o modelo anterior à Constituição.
A 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS) foi um marco fundamental para a
discussão da questão “saúde” no Brasil, sendo realizada em março de 1986, em
Brasília/Distrito Federal. Os temas centrais desta CNS versaram sobre: I - A Saúde como
direito inerente a personalidade e à cidadania; II - Reformulação do Sistema Nacional de
Saúde; III - Financiamento setorial (BRAVO, 2009b).
O processo constituinte e a promulgação da Constituição de 1988 representou a
promessa de afirmação e extensão dos direitos sociais em nosso país, frente à grave crise e às
demandas de enfrentamento dos enormes índices de desigualdade social (BRAVO, 2009b).
Cabe ressaltar que este processo não se deu de forma pacífica, foi cheio de intensas
lutas, que demonstravam o caráter desigual presente no desenvolvimento das relações
econômicas, sociais e políticas no Brasil. O Estado brasileiro mesmo com a pressão da
população tinha o objetivo de mantê-la fora dos espaços públicos, ou seja, “zerar a presença
popular em todos os processos cívicos e políticos de alguma magnitude, monopolizados pelas
elites culturais e políticas ‘esclarecidas’” (FERNANDES, 1986, p. 44).
Nota-se que os setores dominantes da burguesia queriam conduzir o processo
constituinte a partir de duas direções: 1ª) a maioria parlamentar ditaria a forma e o conteúdo
da Constituição; 2ª) a Constituição assumiria um caráter “técnico” e “jurídico” , ou seja,
ocultaria os problemas humanos e dilemas sociais concretos das massas populares
(FERNANDES, 2014).
De acordo com Fernandes (2014), pela primeira vez surgiu em nossa história, a
oportunidade de elaborar uma Constituição que unificasse o poder nacional. Pois, “a
incorporação da iniciativa popular como uma fonte de produção das leis constitui o elemento
mais avançado que se conseguiu conquistar na elaboração do Regimento da Assembleia
Nacional Constituinte” (FERNANDES, 2014, p. 64). Isso acabou distinguindo a relação entre
o Parlamento e as expressões externas (FERNANDES, 2014).
A atuação das massas populares nas comissões e subcomissões acabou expressando o
que elas queriam coletivamente no processo constituinte: um processo popular de construção
de um Brasil antielite e anti-imperialista (FERNANDES, 2014). Dessa forma, tivemos “um
processo constituinte moderno, de essência democrática e voltado para o futuro almejado pela
maioria real” (FERNANDES, 2014, p. 306).
38
Cabe lembrar que isso só foi possível porque havia uma desorganização dos partidos
de ordem: Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e Partido da Frente Liberal
(PFL), que não tinham programas e projetos políticos constitucionais, permitindo que os
cidadãos invadissem a cidadela dos políticos profissionais e exercessem, ainda que em curto
prazo, os papéis de “representantes do povo” (FERNANDES, 2014).
Segundo Fernandes (2014), toneladas de papéis desabaram sobre as subcomissões, não
tendo mais como ignorar o seu conteúdo nem o que a maioria espera dos constituintes. Desse
modo, “a voz do povo reivindica que a Constituição contenha um rol máximo de normas
constitucionais” (FERNADES, 2014, p. 84). Sendo assim,
Os que chegam às subcomissões para defender o democratismo e os
interesses coletivos exigem “o preto no branco”. Querem uma constituição
analítica, que reflita com inteireza o que todos esperam, que ela
desemboque, no mínimo, numa revolução política dentro da ordem. E é
exatamente isso que a massa de parlamentares conservadores repudia
(FERNANDES, 2014, p. 85).
O que os conservadores (setores dominantes da burguesia) e o governo queriam na
época era uma constituição “enxuta” (não analítica), que estivesse focada na lógica formal
jurídica. Já as massas populares desejava uma constituição que incorporasse todas as grandes
reivindicações populares, ou seja, exige um projeto que não jogue sobre os ombros dos
trabalhadores e dos oprimidos o peso das contradições do desenvolvimento capitalista
desigual (FERNANDES, 2014).
O que se observa é que a luta proletária por uma constituição democrática envolveu
dois elementos: o primeiro foi que a constituição precisava avançar e não recuar como
queriam os conservadores, almejando um avanço que confere aos proletários peso e voz na
sociedade civil existente e capacidade de influenciar ativamente a organização, o
funcionamento e o rendimento do Estado; e o segundo diz que a Constituição deve ser clara e
consistente, de forma que tais reformas sejam legalmente necessárias e politicamente
incontornáveis, cuja transgressão estivesse sujeitas a sanções punitivas (FERNANDES,
2014).
Desse modo, as reivindicações da população se deram por duas vias: a primeira se deu
através das classes trabalhadoras das cidades e do campo, como também pelos diversos
segmentos excluídos da sociedade civil; e a segunda foi através da participação popular, ou
seja, as entidades denominadas de sociedade civil (FERNANDES, 2014). Mesmo havendo
um leque de reivindicações, “o filtro conservador deixou passar apenas as aspirações e as
39
exigências que se conformavam com maior facilidade aos seus interesses e valores”
(FFERNANDES, 2014, p. 208).
Para a saúde, a Assembleia Constituinte se transformou numa arena política em que os
interesses políticos se organizaram em dois blocos: Os grupos empresariais - Federação
Brasileira de Hospitais (setor privado) e da Associação de Indústrias Farmacêuticas
(Multinacionais); e as forças propugnadoras da Reforma Sanitária, representadas pela Plenária
Nacional pela saúde na constituinte (BRAVO, 2009b).
Desse modo, no processo constituinte, nenhum outro setor apresentou um desempenho
e proposta clara como a saúde, dentre elas: a capacidade técnica de formular com antecipação
um projeto de texto constitucional; a pressão constante sobre os constituintes; a mobilização
da sociedade (BRAVO, 2009b).
De acordo com Behring (2003) a constituinte foi um processo de mobilizações e
contramobilizações de projetos e interesses sociais distintos, configurando campos decisivos
de forças. Apesar de o texto constitucional refletir disputas de hegemonia, contemplando
alguns avanços como direitos sociais, humanos e políticos, sustentaram fortes traços
conservadores, ou seja, a Carta Magna “não se tornou a Constituição ideal de nenhum grupo
nacional” (NOGUEIRA, 1998:159 apud BEHRING, 2003. p. 143).
Mesmo não atendendo a todas as reivindicações, a Constituição de 1988 apresentou
avanços, sendo capaz de universalizar direitos sociais, corrigindo assim, injustiças sociais
históricas. Trazemos os principais aspectos aprovados na Carta Magna para a saúde: O direito
universal à Saúde e o dever do Estado; As ações e Serviços de Saúde passaram a ter
relevância pública, cabendo ao poder público sua regulamentação, fiscalização e controle;
Constituição do SUS integrando todos os serviços públicos em uma rede hierarquizada,
regionalizada, descentralizada e de atendimento integral, com participação da comunidade; A
participação do setor privado no sistema de saúde deverá ser complementar; Proibição da
comercialização de sangue e seus derivados (TEIXEIRA, 1989 apud BRAVO 2009a).
Estas conquistas representam o resultado do que foi pensado pelo Movimento de
Reforma Sanitária e o que foi discutido na 8ª Conferência Nacional de Saúde, no qual
trouxeram elementos essenciais como o controle social e a descentralização política e
administrativa que garantiram o direito universal e igualitário à saúde, tendo a participação da
comunidade como direcionamento do SUS.
De acordo com Nogueira e Mioto (2009), foram conquistas que propiciaram um
desenho particular em aspectos ético-políticos fundamentais, no qual universalizou-se o
direito à saúde, garantindo o acesso aos serviços sem quaisquer critérios de exclusão ou
40
discriminação; abriram-se espaços para decisões políticas no campo sanitário compartilhadas
com os usuários, proporcionando a gestão democrática dos serviços de saúde através da
participação popular, que permitiu o controle social. Fato que foi refletido na Constituição
Federal de 1988 e reiterado, em 1990, com a aprovação das leis 8.080/1990 e 8.142/1990.
Vale salientar que o processo de descentralização da saúde junto com a participação
social trouxe modificações nas estruturas governamentais na área de saúde e
consequentemente, em sua gestão pública. Essas modificações fortaleceu a sociedade a nível
local e o surgimento de novos espaços institucionais de participação que permitiu a inclusão
de categorias contraditórias.
Desse modo, a descentralização, um dos princípios do SUS, trouxe uma inovação para
os três entes federais: União, Estados e Municípios. Essas instâncias tiveram que se articular
entre si, de modo a assegurar a qualidade das ações e serviços de saúde.
Segundo Monteiro e Kronemberger (2007), foi a partir da segunda metade da década
de 1990 que o processo de descentralização acelerou, devido à adesão dos municípios ao
SUS, sendo expressos na Norma Operacional Básica de 1996 (NOB/96) em prol da
municipalização da saúde.
A NOB/96 além de dar um tratamento especial para as ações básicas de saúde altera as
modalidades da gestão local do SUS: Plena de Atenção Básica e Plena do Sistema de Saúde.
Na primeira, o poder público municipal tem governabilidade apenas sobre a rede de
atendimento básico e na segunda, a responsabilidade do município é ampliada para a gestão
de todo o atendimento à saúde no seu território, dando plena assistência ambulatorial e
hospitalar (BRASIL, 1997).
Cabe enfatizar que com o processo de descentralização, a gestão do SUS, no início
passou a ser regulada pelas normas operacionais básicas, que definiram as responsabilidades
dos municípios, Estado e União, segundo Pestana e Mendes (2004 apud SAUTER;
GIRARDON-PERLINI; KOP, 2012), depois pelas Normas Operacionais de Assistência à
saúde5 (NOAS), e, por último, pelo Pacto pela Saúde (PS) (BRASIL, 2007 apud SAUTER;
GIRARDON-PERLINI; KOP, 2012).
O que se observa é que as Diretrizes Operacionais do Pacto pela Saúde estão
consolidadas pela Portaria/GM nº 399, de 22 de fevereiro de 2006, que contempla o pacto
5 A NOAS/2001 e a NOAS/2002 enfatizaram a necessidade de consolidar uma lógica de estruturação de redes
regionalizadas como um sistema de saúde integrado regionalmente, introduzindo elementos estratégicos de
integração intermunicipal como a delimitação de referências territoriais para a elaboração de políticas,
programas e sistemas organizacionais: módulos, microrregiões e regiões, estabelecendo instrumentos de
planejamento integrado como os planos Diretores de regionalização e de Investimentos (BRASIL, 2002).
41
firmado entre os gestores das três esferas de governo do SUS, trazendo um conjunto de
reformas institucionais com o objetivo de promover inovações no processo de gestão
(BRASIL, 2006a apud SAUTER; GIRARDON-PERLINI; KOP, 2012).
A Portaria nº 699/GM, de 30 de março de 2006, regulamenta e orienta a implantação
das Diretrizes Operacionais dos Pactos pela Vida e de Gestão, como também seus processos
para acompanhamento e transição dos pactos, incluída a avaliação dos processos de pactuação
e metas (BRASIL, 2006d apud SAUTER; GIRARDON-PERLINI; KOP, 2012). E a
Portaria/GM nº 204, de 29 de janeiro de 2007, regulamenta o financiamento e a transferência
dos recursos federais para as ações e os serviços de saúde, na forma de blocos de
financiamento, tendo o respectivo monitoramento e controle (BRASIL, 2007).
Nota-se que o PS é uma política para resolução dos desafios e dificuldades do sistema
de saúde, tendo como finalidade a qualificação da gestão pública e a busca de maior eficiência
e qualidade (CONASS, 2007 apud SAUTER; GIRARDON-PERLINI; KOP, 2012).
Apresenta três dimensões: Pacto pela Vida, Pacto de Gestão e Pacto em Defesa do SUS.
Ressaltamos que a regionalização é o eixo orientador e estruturante do Pacto de
Gestão e objetiva tornar possível acordos entre as três esferas do sistema para promover
inovações com vista à maior eficiência, redefinindo responsabilidades dos gestores de acordo
com as necessidades de saúde da população (BRASIL, 2006b apud SAUTER; GIRARDON-
PERLINI; KOP, 2012).
Desse modo, a finalidade do PS é a qualificação da gestão pública do SUS, buscando
uma maior efetividade, eficiência e qualidade de suas respostas (BRASIL, 2006a apud
SAUTER; GIRARDON-PERLINI; KOP, 2012).
Mesmo com o processo de descentralização, a implantação do SUS tem sido marcada
por intensos debates que refletem a presença de interesses antagônicos em relação a sua
consolidação, tanto como política pública que integra a universalidade, equidade,
integralidade, participação da população e dever do Estado, quanto às dificuldades para
construir modelos assistenciais ancorados na concepção ampliada de saúde, sendo à base do
próprio SUS (NOGUEIRA; MIOTO, 2009).
Segundo Silva, Clementino e Silva (2017), o processo de democratização no Brasil
representou para as classes dominantes um período de aprimoramento das estratégias de
dominação, pois tiveram como objetivo reestabelecer o controle estratégico do capital. No
Brasil, a década de 1990, trouxe um redirecionamento do papel do Estado, sob forte influência
da política neoliberal, ou seja, difundiu-se uma ‘reforma’ do Estado, que tinha o argumento de
42
que a crise econômica e social era uma ‘crise de Estado’ (SILVA; CLEMENTINO, SILVA,
2017). Isso trouxe um desacordo entre as esferas político-econômica e social.
Segundo Bering (2003), os anos 1990 representou uma contrarreforma do Estado, e
não uma “reforma”, como apontam seus defensores. O que se teve foi um conjunto de
mudanças estruturais regressivas sobre os trabalhadores e a massa da população brasileira,
sendo antinacionais e antidemocráticas.
O processo de contrarreforma do Estado brasileiro se deu a partir de alguns elementos
presente na conjuntura brasileira: o autoritarismo no Estado e na sociedade, a cultura
senhorial, o patrimonialismo, o clientelismo, a privatização do público, a tutela, o favor
(BERHING, 2003). Elementos que estarão presentes nos projetos elaborados pelos governos
de Fernando Henrique Cardoso (FHC), Luiz I. Lula da Silva, Dilma Rousseff, e no governo
atual de Michel Temer.
Segundo Santos (2015 apud SILVA; CLEMENTINO, SILVA, 2017) estes governos
abraçaram medidas que trouxeram impactos nas áreas sociais, inclusive na área de saúde, indo
de encontro com o projeto de Reforma Sanitária. Dentre elas a implementação de novos
modelos de gestão privatizante, no qual a política de saúde vem se destacando como “carro
chefe” de modelos privatizantes (SANTOS, 2015 apud SILVA; CLEMENTINO, SILVA,
2017).
A introdução do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) teve
como perspectiva desqualificar o aparelho estatal e estabelecer parcerias público-privadas
(SILVA; CLEMENTINO, SILVA, 2017). O PDRAE foi elaborado em 1995 pelo Ministério
da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), apresentando como justificativa a
reforma na administração pública brasileira, tendo como finalidade reconstruir a
administração pública com bases modernas e racionais, propondo erradicar vícios como o
patrimonialismo gerencial (SILVA; CLEMENTINO, SILVA, 2017). Nota-se que
O PDRAE previu mudanças de gestão para o que entendia como excesso de
burocracia instituído pela Constituição, enfatizando a transferência da
prestação de políticas sociais para entidades privadas, não mais onerando o
estado, primeiro através da publicização, em seguida por meio das
“parcerias” com o setor privado, contrariando em vários momentos o texto
constitucional (SILVA; CLEMENTINO, SILVA, 2017, p. 01-02).
A emenda Constitucional nº 19/1998 aprovada no governo de FHC, trata da “reforma”
da administração pública, que traz a reforma gerencial voltada para o controle dos resultados
se baseando na descentralização (BEHRING, 2003).
43
Com isso a área da saúde passa a ser norteada pela lógica da focalização, privatização,
desregulamentação das condições de trabalho e sofre com o problema de subfinanciamento,
marcado pelo crescente repasse do fundo público para o setor privado (CORREIA, 2011 apud
LAMENHA, 2015).
O que se observa é que o subfinanciamento do SUS limita as possibilidades de
investimento para a ampliação da cobertura e contribui para prover o sucateamento das
estruturas públicas, que acaba impedindo a melhora na gestão dos serviços, e
consequentemente serve como base para justificar a sua privatização (LAMENHA, 2015).
Cabe enfatizar que uma das principais consequências da financeirização para as
políticas sociais foi à captura do fundo público para alimentar diretamente o capital que porta
juros, sendo central o papel da dívida pública. Utilizam a Desvinculação de Receitas da União
(DRU) de 2000 para drenar recursos das políticas sociais brasileiras para o capital (SILVA,
2011).
Desse modo, quem é a mais atingida com essa desvinculação é a Seguridade Social,
onde “a DRU6 transfere os recursos do orçamento da Seguridade Social para o orçamento
fiscal com a finalidade de facilitar a formação de superávits e pagar a dívida pública”
(SILVA, 2011, p. 12)
Com a eleição de Lula em 2003 criou-se uma expectativa de que as políticas públicas,
inclusive a saúde, teriam um tratamento redimensionado e que o SUS seria implementado
conforme a Constituição de 1988, onde reforçaria as propostas do Movimento da Reforma
Sanitária (LAMENHA, 2015).
Mas, segundo Bravo (2007), o Ministério da Saúde, no início do governo, aponta
como um dos desafios: incorporação da agenda do projeto de Reforma Sanitária, pois havia
uma disputa entre dois projetos: Reforma Sanitária e Privatista. O que se observa é que o
governo procura fortalecer o primeiro em alguns aspectos, e em outros aspectos, o segundo.
Alguns elementos de inovação da política de saúde: o retorno da concepção de
Reforma Sanitária, que nos anos 1990, foi recusada; a escolha de profissionais
comprometidos com a luta da Reforma Sanitária para ocupar o segundo escalão do Ministério;
as alterações na estrutura organizativa do Ministério da Saúde; a convocação extraordinária
6 A DRU foi criada em 1994, no governo do presidente FHC, sendo um mecanismo que permite ao governo
desvincular 20% da seguridade social para outras áreas. O governo do presidente Michel Temer aprovou a
proposta de Emenda Constitucional que prorrogou a DRU até 2023. O texto aprovado também ampliou de 20%
para 30% a porcentagem das receitas que podem ser usadas livremente pela União. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/economia/em-mais-uma-vitoria-de-temer-camara-aprova-pec-da-dru-ate-2023-
19421435>. Acessado em: 23/06/2018.
44
da 12ª CNS e a sua realização em dezembro de 2003, como também a escolha do
representante da Central Única de Trabalhadores (CUT) para assumir a secretaria executiva
do Conselho Nacional de saúde (BRAVO, 2007).
Vale salientar que no governo Lula, as propostas e reformas defendidas após o seu
primeiro mandato dão continuidade à contrarreforma do Estado iniciada na gestão de FHC. A
concepção de Seguridade Social não é assumida na perspectiva da Constituição Federal de
1988, fortalecendo assim, o projeto privatista.
No governo Lula foi apresentado o projeto de Lei Complementar 92/2007 ao
Congresso Nacional, pelo Poder Executivo, propondo a instituição ou autorização da
instituição de fundação, sem fins lucrativos, integrante da administração pública indireta
(personalidade jurídica de direito público ou privado), para desempenhar atividade estatal que
não seja exclusiva do Estado. Este modelo expressa mais um projeto de privatização do setor
público (LAMENHA, 2015). Sendo assim,
O capitalismo contemporâneo, sob um novo estilo de acumulação, a
financeirização, tem requisitado a atuação do fundo público, em favor do
interesse do capital, e as contrarreformas têm sido o instrumento utilizado
para viabilizar essas transferências. Os novos modelos de gestão têm se
revelado como um dos mecanismos diretos de apropriação de recursos
públicos, na área da saúde, para atender aos interesses privados (SANTOS,
2015, p. 100 apud SILVA; CLEMENTINO, SILVA, 2017, p. 05).
O discurso presente é de que os serviços públicos não oferecem uma saúde pública,
universal e com qualidade, e a privatização irá oferecer serviços eficientes, modernos e
garantirão acesso e qualidade. Na realidade o que está por trás deste discurso é que
[...] os organismos financeiros internacionais, passaram a orientar os
governos a darem prioridade máxima aos setores sociais fundamentais, ou
seja, os mais vulnerabilizados, promovendo políticas públicas de cunho
focalista, com a finalidade de promover a eficácia e a equidade dos gastos
sociais. A estratégia adotada revelou-se favorável em promover a prestação
de uma má qualidade dos serviços públicos, que posteriormente é utilizada
como justificativa para criar uma cultura de desqualificação da coisa pública,
incentivando a população a aceitar a adesão ao privado (CORREIA, 2007, p
12 apud SILVA; CLEMENTINO, SILVA, 2017, p. 06).
A precarização dos serviços públicos de saúde é proveniente do crescimento
significativo dos planos privados de saúde e de medidas legais que retiram o caráter público
45
desta política (SILVA; CLEMENTINO, SILVA, 2017). Isso demonstra que a contrarreforma
do Estado Brasileiro trouxe uma nítida privatização do SUS.
Desde a década de 1990, o que temos é um retrocesso para as políticas sociais:
o repasse do SUS para outras modalidades de gestão não estatais, por meio
da celebração de contrato de gestão7 e termos de parcerias que são
viabilizados pelas Organizações Sociais (OS), pelas Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), pelas Fundações Estatais de
Direito Privado e pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
(EBSERH) (LAMENHA, 2015, p. 03).
Dessa forma, as instituições públicas podem se converter em organizações sociais,
passando a operar como organizações privadas, sem fins lucrativos. Na área da saúde, ”uma
OS pode vender serviços ao SUS, aos planos de saúde e a pacientes particulares” (SILVA,
2010, p. 142). Segundo Silva (2010), temos uma progressiva desobrigação do Estado, sem
haver uma publicização das organizações, sujeitos e ações da esfera privada.
Notamos que a privatização através do estímulo aos planos de saúde e aos convênios,
acaba gerando um problema de direito de consumidor e não um problema de direito social
para a maioria dos brasileiros (BEHRING, 2003). Isso acaba ocasionando, segundo Behring
(2003), uma dualidade discriminatória: os que podem pagar e os que não podem pagar pelos
serviços, propiciando lucro para o capital.
O que se observa é que “a partir dos anos oitenta, sob o rótulo de reforma(s) o que
vem sendo conduzido pelo grande capital é um gigantesco processo de contrarreforma(s),
destinado à supressão ou redução de direitos e garantias sociais (NETTO; BRAZ, 2006, p.
227; grifos dos autores apud, SILVA, 2012, p. 121).
Então, como universalizar a saúde, se os recursos desta área não são ampliados? As
ações de desmantelamento do Sistema Público de Saúde amplia a privatização da saúde,
apresentando o discurso de que o SUS sufoca o setor financeiro, mas na realidade, os
investimentos vão para o setor privado em detrimento do público.
Estas questões contribuem para que uma parte da população desista do atendimento no
SUS, e procure atendimento no setor privado (planos de saúde). E o SUS acaba sendo um
instrumento destinado aos menos favorecidos, ou seja, aos que não tem alternativa para a sua
assistência médica (CEBES, 1997 apud BARRETO; MEDEIROS; SILVA, 1999).
7 O Estado cede não só a gestão, mas também, recursos orçamentários, equipamentos, prédios, bens e servidores
públicos, para as entidades privadas que prestem serviços pelo SUS (SANTOS, 2015 apud SILVA ET AL, 2017)
46
O que temos é um Estado que deixa de assumir o seu papel, não investindo o
necessário na política de saúde, provocando um agravamento da situação do atendimento à
saúde da população, principalmente as mais carentes (ARANTES; CEBES, 1997 apud
BARRETO; MEDEIROS; SILVA, 1999). Isso rompe com o princípio da universalidade
inscrito na Constituição Federal de 1988, fazendo com que o SUS não seja implantado
conforme o texto constitucional.
A criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) se deu a partir
do governo Lula. Em dezembro de 2010, uma Medida Provisória nº 520 foi enviada ao
Congresso Nacional, com intuito de criar esta empresa propondo uma reestruturação dos
Hospitais Universitários (HUs) (LAMENHA, 2015). Segundo Correia (2011 apud
LAMENHA, 2015), essa medida foi fortemente rebatida pelo conjunto dos movimentos
sociais brasileiros, principalmente as entidades representativas das Universidades brasileiras.
Cabe ressaltar que uma nova versão sob a forma de lei foi reeditada no governo de
Dilma (2011-2016). A Lei nº 12.550/2011 autoriza o Poder Executivo a criar a EBSERH
(personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio), vinculada ao Ministério da
Educação (LAMENHA, 2015). Ela foi apresentada como solução do Governo Federal para a
referida crise dos HUs.
O que temos é uma forma perversa de privatizar a coisa pública: a criação da
EBSERH foi uma estratégia para privatizar os Hospitais Universitários. Quais danos esta
empresa traz para a política de saúde? Aqui destacamos alguns deles: a) possui autonomia
gerencial e financeira sobre os bens públicos; b) simboliza um ataque a autonomia
universitária, que deixa de ser um espaço de ensino e pesquisa; c) a contratação dos servidores
ocorre por meio do regime CLT8 (contratos temporários); d) possuem recursos advindos do
fundo público estatal, não contribuindo com o mesmo, tendo imunidade tributária; e) os
servidores passam a ter uma carga horária, processos de trabalho e de gerência determinados e
controlados pela empresa, tendo que atingir metas de produtividade (CORREIA, 2011 apud
LAMENHA, 2015)
De acordo com Solano (2011) desde 1988 a implementação dos princípios
constitucionais da seguridade social foi perpassada por limitações, ou seja, os recursos da
seguridade social continuaram setorializados, não havendo consolidação do regulamento
constitucional do orçamento da seguridade social. A finalidade principal do orçamento era
8 Consolidação das Leis do Trabalho.
47
constituir-se em um espaço próprio e integrador das ações de previdência,
saúde e assistência social, assegurando a apropriação dos recursos do
orçamento fiscal. Entretanto, isso na prática não se consolidou; a área de
assistência social foi virtualmente eliminada, e a saúde imprensada, de um
lado, pelo Orçamento Geral da União e, de outro, pelo Ministério da
Previdência (BOSCHETTI; SALVADOR, 2009, p. 54).
Nota-se que esta visão foi reforçada a partir da reforma da previdência social, em
1998, sendo encarada como uma necessidade de equilibrar as contas públicas e solucionar a
“crise fiscal” do Estado (SALVADOR, 2003 apud BOSCHETTI; SALVADOR, 2009).
Diante do que foi exposto observamos que a política de saúde no Brasil vem sofrendo
um grande retrocesso nos últimos anos. O projeto de reforma sanitária se tornou um desafio a
ser enfrentado, pois vem sendo desconstruído pela lógica macroeconômica de valorização do
capital financeiro, que subordina às políticas sociais, no caso a política de saúde, aos ditames
desta.
Cabe enfatizar que a Lei Complementar nº 1419, de 13 de janeiro de 2012, definiu os
percentuais de investimento financeiro dos municípios, estados e União no SUS, sendo
resultante da sanção presidencial da Emenda Constitucional 29/2000. Está lei institui que os
municípios e Distrito Federal apliquem anualmente, no mínimo 15% da arrecadação dos
impostos em ações e serviços públicos de saúde, cabendo aos estados 12%. Mas com relação
à União, o montante aplicado deve corresponder ao valor empenhado no exercício financeiro
anterior, acrescido do percentual relativo à variação do PIB do ano antecedente ao da lei
orçamentária anual.
Nota-se que esta lei trás valores obrigatórios somente para os estados e municípios,
não ficando estabelecida uma porcentagem para a União das receitas correntes brutas para a
saúde pública. Não houve nenhuma proposta de um novo recurso para garantir um SUS mais
universal.
O que se observa é que havia um projeto de regulamentação no Senado, Projeto de Lei
do Senado 127/200710, que aplicava à União em 10%, no mínimo, da Receita Corrente Bruta
(RCB) para a política de saúde, mas não foi aprovado. Se aprovado representaria um
acréscimo no orçamento do Ministério da Saúde de 2011, cerca de R$ 32,5 bilhões. Isso
demonstra que não há interesse de nossos representantes em ampliar os recursos na política de
saúde.
9 Disponível em: https://pensesus.fiocruz.br/financiamento. Acesso em: 12/07/2018.
10 Disponível em: http://cebes.org.br/2013/08/aquilas-mendes-comenta-a-lei-complementar-no-141-e-propoe-
alternativas-para-o-financiamento-do-sus/. Acesso em: 12/07/2018.
48
Um dos maiores ataques às políticas públicas (saúde e educação) foi à aprovação do
projeto de lei 131/201511, do senador José Serra, que tramitou em caráter de urgência no
Senado. Sendo aprovado em fevereiro de 2016, no qual revogou a participação obrigatória da
Petrobras no modelo de partilha para a exploração do petróleo na camada do Pré-Sal. Esse
projeto transferiu para as multinacionais os lucros que o povo brasileiro teria com a
exploração dos recursos do pré-sal. A legislação iria destinar 50% dos seus lucros para
financiar as áreas de saúde e educação.
Desse modo, quem perdeu com tudo isso foi o povo brasileiro, e mais uma vez os
ganhos foram para as multinacionais que se apropriaram dessa renda. Isso demonstrou que
temos um Estado mínimo para as políticas sociais e máximo para o capital financeiro.
O governo Michel Temer amplia os retrocessos nas políticas sociais, representando
um fortalecimento e intensificação de medidas que fortalecem o desmonte do Estado
brasileiro, aprofundando uma nova fase de contrarreformas que atacam os direitos dos
trabalhadores (FNCPS, 2016 apud SILVA; SILVA, 2017).
Alguns retrocessos para a política de saúde neste governo: o congelamento dos gastos
sociais por 20 anos para a dívida pública através da Emenda Constitucional 95/2016, afetando
diretamente os serviços essenciais à população brasileira como educação e saúde; existe a
possibilidade de ampliar a parceria com o setor privado, através da Portaria nº 1.482/2016,
que cria um Grupo de Trabalho (GT) para discutir a implementação do “Plano Popular de
Saúde” ou “Plano Acessível” (SILVA; SILVA, 2017).
O cenário atual demonstra como se encontram os serviços prestados pelo SUS: ofertas
de vagas insuficientes nos serviços primários, secundários e terciário de saúde; oferta
deficitária de exames complementares de pequena, média e alta complexidade; ausência de
mecanismos de controle para medir o grau de investimento na saúde; aumento de demanda
sendo fruto das desigualdades sociais, não havendo uma ampliação da capacidade de
atendimento; falta de compromisso de parte dos gestores na implementação do SUS; entre
outros (CNS, 2001 apud BEHRING, 2003).
Mesmo diante da precariedade nas ações e serviços do SUS, a saúde ainda é uma
política social mais inclusiva, pois garante o acesso universal, com atendimento integral e
gratuito. Nota-se que temos alguns entraves para a implantação e implementação do SUS, um
11 Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/02/24/aprovado-projeto-que-desobriga-
petrobras-a-participar-do-pre-sal>. Acesso em: 23/06/2018. Disponível em:
<https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Projeto-de-Serra-transfere-lucros-do-pre-sal-dos-brasileiros-
para-multinacionais/4/33924>. Acesso em: 23/06/2018.
49
deles é o Governo Federal que segue a lógica do capital financeiro, determinando o processo
político e o financiamento das políticas sociais, indo de encontro ao que está instituído no
texto constitucional.
As possibilidades para a ampliação da universalização da saúde encontram-se
atreladas ao papel do Estado, na formulação de políticas públicas voltadas ao enfrentamento
da exclusão social. Isso envolve a reformulação do padrão histórico de compromissos do
Estado brasileiro com os interesses do capital (BARRETO; MEDEIROS; SILVA, 1999).
Os desafios estão postos, o momento é de resistência e de luta por um SUS mais
universal e gratuito. A luta é para que o SUS funcione conforme o texto constitucional, sendo
necessárias algumas medidas que vão de encontro à lógica neoliberal: deve haver um maior
investimento no setor público, deixando de lado as formas lucrativas na produção de serviços,
almejando assim, novas formas de gestão com relação público/privado. Esta concepção está
voltada ao projeto sanitarista, que aponta à saúde como necessidade social e um direito a ser
garantido pela Constituição Federal de 1988, exigindo do Estado à formulação de políticas
voltadas à desmercantilização da saúde.
Algumas mudanças são fundamentais para a concretização do SUS: financiamento
efetivo do SUS; ampliação do controle social e utilização de outros instrumentos de controle e
fiscalização; Fortalecimento dos Conselhos Nacionais, Estaduais, Municipais e locais de
Saúde; Combate às fraudes e à sonegação; Profissionalização e qualificação do processo de
trabalho; Condições adequadas de funcionamento, das unidades de saúde públicas; Não
aceitação da publicitação, flexibilização e terceirização que o governo propõe; Mobilização e
revitalização do movimento em defesa da saúde pública; entre outros (BARRETO,
MEDEIROS; SILVA, 1999).
3.2 O Controle Social nos Espaços Públicos: avanços e limites
Após um longo processo de lutas sociais em torno do direito à saúde, liderado pelo
Movimento de Reforma Sanitária, a participação da comunidade e a descentralização
tornaram-se diretrizes do novo Sistema Nacional de Saúde na Constituição Federal de 1988
(BRAVO; CORREIA, 2012). Vale ressaltar que esta participação foi regulamentada pela Lei
8.142/90 através das conferências e dos conselhos.
O controle social surgiu no Brasil a partir do processo de democratização na década de
1980, e com a institucionalização dos mecanismos de participação nas políticas públicas na
50
Constituição de 1988. A expressão controle social tem sido alvo de discussões e práticas de
diversos segmentos da sociedade como sinônimo de participação social nas políticas públicas
(CORREIA, 2009).
Desse modo, a participação dos segmentos da sociedade civil possibilitou discussões
não só do padrão histórico das políticas sociais em nosso país (seletivo, fragmentado,
excludente e setorizado), mas também a necessidade de democratização dos processos
decisórios responsáveis pela definição de prioridades e modos de gestão de políticas e
programas sociais (RAICHELIS, 2009).
Cabe enfatizar que a concepção de participação defendida, nos anos 1980, foi de:
gestão nas políticas através do planejamento e fiscalização pela sociedade
civil organizada. Ou seja, a interferência política das entidades da sociedade
civil em órgãos, agências ou serviços do Estado responsáveis pela
elaboração e gestão das políticas públicas na área social. Esta concepção está
relacionada à ampliação dos sujeitos sociais na democratização do Estado
brasileiro, tendo no horizonte uma nova relação Estado-Sociedade com a
ampliação dos canais de participação direta (BRAVO, 2009a, p. 03).
Dessa forma, podemos compreender que o controle social é uma forma de ação
reguladora, que resulta da participação da comunidade nas instâncias estatais e/ou
governamentais, ou seja, busca assegurar que as políticas sociais sejam planejadas de forma
que atenda às necessidades sociais e que seus programas sejam cumpridos conforme o que
está posto na Carta Magna (PEDRINI; ADAMS; SILVA, 2007).
Cabe ressaltar que os anos 1980 foi um período de aprofundamento das desigualdades
sociais, como resultado da política econômica desenvolvida no período militar; foi também
cenário de avanços democráticos dos mais significativos na história política brasileira. Desse
modo, foram instituídos instrumentos de democracia direta como plebiscito, referendo e
projetos de iniciativa popular como mecanismos de ampliação da participação popular nas
decisões políticas (RAICHELIS, 2009).
A partir dos anos 1990, os impactos no campo das políticas públicas fizeram com que
segmentos organizados da sociedade civil participassem na formulação, gestão e controle
social destas políticas. Isso acabou ganhando força e instituiu a ideia de que os espaços
públicos possibilitam a participação de novos sujeitos sociais.
O que se observa é que o controle social enquanto direito conquistado pela
Constituição Federal de 1988, mais precisamente do princípio “participação popular”,
expandiu a democracia representativa para a democracia participativa, que traz uma
51
combinação de diversas formas de participação e gestão social, tendo duas instâncias de
participação nas políticas sociais: os conselhos e as conferências nas três esferas do governo
(BRAVO, 2009a).
Desse modo, os conselhos são espaços paritários onde há a participação de 50% de
usuários, 25% de trabalhadores de saúde, e 25% de gestores e prestadores de serviços
públicos e privados, cabendo a cada segmento a responsabilidade de se organizar, como
também escolher seus representantes. São espaços em que se discutem, elaboram e fiscalizam
as políticas sociais (saúde, educação, assistência social, entre outras).
A sua composição paritária entre representantes da sociedade civil e do governo, faz
com que os Conselhos apareçam como constructo institucional que se opõe à histórica
tendência clientelista, patrimonialista e autoritária do Estado brasileiro (RAICHELIS, 2009).
Para que haja uma melhor compreensão na relação entre Estado/sociedade civil
trazemos a análise de Correia (2009) na perspectiva de Gramsci. O controle social não é do
Estado ou da sociedade civil, mas das classes sociais. É contraditório dizer que pode ser de
uma classe ou de outra, pois a sociedade civil enquanto momento do Estado é um espaço de
luta de classes pela disputa de poder.
Para o autor é a partir desta concepção de Estado, quando incorpora as demandas das
classes subalternas, que há a possibilidade dele ser controlado por essas classes, a depender da
correlação de forças existente entre os segmentos sociais organizados na sociedade civil.
Assim, o controle social poderá acontecer via políticas públicas, no qual envolve a capacidade
que as classes subalternas têm para interferir na gestão pública, orientando as ações do Estado
e os gastos estatais na direção dos interesses destas classes, tendo em vista a construção de sua
hegemonia.
Segundo Bravo (2009a) os Conselhos estão fundamentados na perspectiva de
participação social tendo como base a universalização dos direitos, ou seja, “devem ser
visualizados como lócus do fazer político, como espaços contraditórios, orientados pela
democracia participativa, tendo no horizonte a construção da Democracia de massas12”
(BRAVO, 2009a, p. 03).
Já as Conferências são eventos que são realizados periodicamente, para discutir as
políticas sociais e indicar diretrizes de ação. As discussões das conferências devem ser
norteadoras da implantação das políticas, e devem influenciar os debates nos diversos
12 A democracia de massas deve ter uma ampla participação social conjugando as instituições parlamentares e os
sistemas partidários com uma rede de organizações de base: sindicatos, comissões de empresas, organizações de
bairro, movimentos sociais urbanos e rurais, entre outros (NETTO, 1990 apud BRAVO, 2009a).
52
conselhos (BRAVO, 2009a). Vale ressaltar que os Conselhos e as Conferências não são os
únicos espaços de participação para o exercício do controle social, embora estejam
regulamentados pela Lei Federal.
O que se observa é que os mecanismos de controle democrático só foram
implementados a partir do cenário de regressão dos direitos sociais, de globalização e
mundialização do capital. As conquistas sociais da constituição de 1988 (seguridade social)
incomodaram os defensores do grande capital. A partir daí temos uma seguridade social com
políticas sociais focalizadas, que se opõe a universalização, e enfatiza a despolitização e a
tecnificação dos interesses sociais (BRAVO, 2009a).
As conquistas com relação à política de saúde a partir da Constituição de 1988 foram
as seguintes: direito universal à Saúde e o dever do Estado, no qual as ações e serviços de
Saúde passaram a ser considerados de relevância pública, cabendo ao poder público
regulamentar, fiscalizar e controlar; e a constituição do SUS integrando todos os serviços
públicos em uma rede hierarquizada, regionalizada, descentralizada e de atendimento integral,
com participação da comunidade (TEIXEIRA, 1989 apud BRAVO, 2009a).
Vale ressaltar que o Movimento Sanitário defendeu a descentralização dos serviços de
saúde e a adoção da municipalização, vista como uma estratégia para democratizar o Sistema
Nacional de Saúde e como um dos princípios do SUS. Além de desburocratizar o sistema, a
descentralização dos serviços de saúde aproxima a gestão do cidadão, podendo este cobrar e
interferir mais de perto na política pública do município (CORREIA, 2000).
Mesmo com esses avanços na política de saúde, vivenciamos atualmente um cenário
de retrocessos, de retirada de direitos sociais, requerendo da população uma participação mais
efetiva nos espaços públicos. Citamos alguns dos problemas enfrentados pelo SUS:
falta de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis da assistência e
relacionados à baixa qualidade dos serviços prestados, gerados pelo
sucateamento da rede pública com falta de pessoal, infraestrutura e insumos
necessários para os procedimentos mais elementares —, o modelo de gestão
do SUS é apresentado como o “vilão”, como o problema a ser solucionado
por meio de sua “modernização”, em que a gestão por entidades privadas
seria a saída (BRAVO; CORREIA, 2012, p.143).
O que se observa é que “os problemas enfrentados pelo SUS estimulam o
“consentimento ativo” de muitos trabalhadores e usuários ao projeto privatista da saúde, daí a
importância de fazer esse debate no conjunto da sociedade” (BRAVO; CORREIA, 2012,
p.143).
53
Faremos agora uma breve discussão sobre alguns espaços públicos que permitem a
participação dos usuários do SUS. Um deles são os Conselhos de Saúde, órgãos colegiados de
caráter permanente e deliberativo, que são espaços participativos de reivindicação e possui o
papel de formular estratégias, controlar e fiscalizar a execução da política de saúde
(BARROS, 1994). A representação do Conselho é composta por representantes do governo,
dos prestadores de serviços, de profissionais de saúde e dos usuários. A representação dos
usuários é diversificada (associações de moradores, sindicatos, associações de portadores de
patologias ou de portadores de deficiências, entre outros) de forma que possam apresentar
suas demandas e fazer suas avaliações sobre a política de saúde.
Desse modo, com o avanço da democratização da gestão, outros mecanismos foram
criados tanto nos Estados como nos municípios: os Conselhos gestores nas unidades de
atenção à saúde dos municípios (BARROS, 1994). Eles têm o objetivo de ampliar a
participação dos usuários, tornando as decisões mais perto da população.
O Conselho Municipal de Saúde (CMS)13 tem a finalidade de formular, propor,
discutir acompanhar, avaliar e fiscalizar a implementação e a execução da política de saúde,
considerando os aspectos econômicos e financeiros, como também deve promover e apoiar
iniciativas de fortalecimento do controle social.
Já os Conselhos Locais de Saúde (CLS) contribuem no fortalecimento do SUS,
permitindo a participação direta da comunidade nas decisões de saúde do território, como
também incentiva a participação nas decisões sobre as políticas públicas de saúde e na
formação de lideranças locais (SANTIAGO ET AL, 2017). São espaços que permitem a
manifestação das necessidades da comunidade, e representa a legitimidade democrática da
participação popular, pois se trata de um espaço menos formal e menos burocrático (SOUZA
e KRUGER, 2010 apud SANTIAGO ET AL, 2017).
O que se observa é que “desde a constituição dos conselhos de saúde, sua construção
tem sido desafiadora, tanto em nível nacional, como estadual, municipal e local. Pois, em cada
realidade específica coexistem diferentes interesses, concepções e utilidades neste espaço
social, uma vez que os conselheiros atuam com distintas perspectivas metodológicas e
políticas” (CRUZ ET AL, 2012 apud SANTIAGO ET AL, 2017, p. 67).
As Conferências de Saúde são foros públicos que conta com a participação dos vários
segmentos sociais representativos do SUS (prestadores, gestores, trabalhadores e usuários).
Ocorrem a cada quatro anos, através de debates realizados em etapas locais, estaduais e
13 Disponível em: <http://cmsnatal.blogspot.com.br/p/regimento-interno.html>. Acesso em: 21/05/2018.
54
nacional, para avaliação e proposição de diretrizes da política de saúde (BARROS, 1994).
Este espaço permite que a população discuta quais são os seus problemas de saúde e proponha
como devem ser resolvidos.
Outro mecanismo que contribui com o controle social e com a democratização nas
instâncias do governo, são as Ouvidorias. Elas são canais de interlocução entre o controle
social e a gestão, propondo melhorias e garantindo a participação do cidadão. Como estamos
discutindo sobre a política de saúde, faremos uma breve discussão sobre as Ouvidorias do
SUS.
As ouvidorias do SUS são mecanismos de escuta permanente das opiniões e das
manifestações dos usuários do SUS, que tem o objetivo de melhorar a qualidade dos serviços
prestados pelo Sistema Único de Saúde. Destina-se ao acolhimento de todo e qualquer
cidadão: usuários do SUS, trabalhadores de saúde, conselheiros, gestores e prestadores de
serviços. E as manifestações dos cidadãos se dão por meio de denúncias, reclamações,
informações, elogios, solicitações e sugestões.
Devemos lembrar que as Ouvidorias são vinculadas aos Conselhos de Saúde e
representam um instrumento para o fortalecimento da gestão participativa. Sendo também um
mecanismo de controle social que permite a participação efetiva da sociedade e o exercício da
cidadania, possibilitam a comunicação entre os usuários do SUS e a gestão pública.
Segundo Bravo (2009a), existe outros mecanismos que também, se acionados, podem
e devem ser compreendidos enquanto instâncias de exercício do controle social: o Ministério
Público, as Defensorias Públicas, os órgãos de defesa do consumidor, entre outros.
Apesar dos avanços com relação aos espaços públicos, observamos que esses espaços
enfrentam dificuldades e desafios para sua plena efetivação. Algumas dificuldades que são
enfrentadas pelos Conselhos: o desrespeito do poder público com relação às resoluções dos
conselhos e conferências; as leis que regulamentam o seu funcionamento não são cumpridas;
a burocratização das ações e dinâmica dos conselhos impede a participação dos
representantes; não divulgação prévia da pauta das reuniões; a infraestrutura precária; a
ausência de definição orçamentária; desconhecimento por parte da sociedade civil organizada
sobre os conselhos; a ausência de articulação dos conselheiros com suas bases; ausência de
soluções jurídicas mais rápidas quanto a necessidade de se defrontar com o executivo; entre
outras (BRAVO, 2001 e 2006 apud BRAVO, 2009a).
Nota-se que estes espaços públicos deveriam ter uma ampla divulgação através dos
canais midiáticos, pois isso estimularia uma maior participação dos usuários nestes espaços;
também se faz necessário que nas próprias unidades de saúde e nos hospitais tenham palestras
55
e/ou rodas de conversas que conscientizassem os usuários do SUS com relação à importância
do seu papel nesses espaços de controle social, ou seja, conscientize o cidadão com relação
aos seus direitos e a participação social. Sendo também necessário que estes sujeitos sociais
participem dos movimentos sociais e se organizem politicamente como classe trabalhadora.
Dessa forma, observamos que o controle democrático é essencial para a
democratização dos espaços públicos e para a mudança da cultura política da história
brasileira (patrimonialismo, clientelismo e populismo). A participação dos cidadãos na gestão
pública contribui com o controle social, que permite a fiscalização das ações do Estado e do
destino dos recursos públicos, representando uma maneira de combater à redução das políticas
sociais através da privatização e mercantilização.
Citamos algumas ações desses espaços públicos de controle social no município de
Natal: Em 09 de maio de 2017, a SMS e o CMS realizaram a 1ª Conferência Municipal de
Saúde das Mulheres14, que contou com diversas palestras, mesas redondas entre outras
atividades. Teve como objetivo definir novas formas de política para a saúde da mulher,
formando diretrizes para uma abordagem de saúde equitativa, integrativa, trazendo o papel
das mulheres dentro das mudanças políticas contemporâneas. A temática escolhida não tinha
sido discutida nas conferências anteriores. Em abril do mesmo ano, foram realizadas pré-
conferências distritais em Natal, uma em cada distrito sanitário, visando obter a participação
popular.
Vale ressaltar que em março de 2017 ocorreu a V Plenária Estadual de Conselhos de
Saúde do Rio Grande do Norte (RN)15. O evento reuniu cerca de 250 conselheiros das oito
regiões de saúde do RN. O debate abordou a Conjuntura do SUS no Brasil e no RN, tendo
como enfoque as mudanças ocorridas em diversas políticas, nas formas de financiamento e no
processo de regionalização no RN. Também foi discutida a situação dos CMS no nosso
estado, visando o fortalecimento do Controle Social.
14 Disponível em: <http://natal.rn.gov.br/noticia/ntc-26012.html>. Acesso em: 24/06/2018. 15Disponível em:
<http://www.saude.rn.gov.br/Conteudo.asp?TRAN=ITEM&TARG=174538&ACT=&PAGE=&PARM=&LBL=
NOT%CDCIA> Acesso em: 24/06/2018.
56
4 A OUVIDORIA DO SUS: INSTRUMENTO DA GESTÃO PÚBLICA DO
MUNICÍPIO DE NATAL/RN
4.1 Caracterização da Ouvidoria do SUS
A Ouvidoria do SUS16 do município de Natal/RN está vinculada a SMS. Sendo, um
órgão da estrutura administrativa e funcional da Prefeitura Municipal do Natal. Sua criação se
deu em 29 de dezembro de 2009, pela Lei nº 6.019/2009, mas sua implantação se deu apenas
em 2014, com a eleição realizada pelo CMS de Natal. Em 23.08.2016, após o processo
eleitoral, foi publicada a portaria de nº 1514/2016 que nomeou a Ouvidora da Saúde para
gestão 2016-2018.
A Lei nº 6.019/2009 estabelece no Art. 3º os seguintes objetivos da Ouvidoria
Municipal do SUS: I - Ampliar a participação dos usuários do SUS municipal garantindo a
escuta, análise e o retorno de suas demandas; II - Criar um canal direto de comunicação e
escuta que tenha como características independência, autonomia e ética, preservando o sigilo
que a atividade requer; III - Possibilitar ao poder executivo e as instâncias de controle social
do SUS, a avaliação contínua da qualidade dos serviços prestados; IV - Produzir relatórios
que subsidiem a gestão e o CMS nas suas tomadas de decisões (SMS, 2017a).
O Art. 5º desta Lei estabelece as diretrizes específicas da Ouvidoria do SUS: I -
Fortalecer os canais de participação, avaliação e controle atualmente existentes no SUS; II -
Facilitar o acesso do usuário às informações; III - Fomentar as iniciativas descentralizadas de
gestão participativa no SUS; IV - Subsidiar o exercício de avaliação e monitoramento
contemplado níveis de eficiência, eficácia e afetividade contínuos do Sistema Municipal de
Saúde; V - Garantir o espaço qualificado de escuta, acolhimento e orientação ao cidadão
quanto à efetivação do direito à saúde no âmbito do SUS; VI - Aferir os níveis de eficiência,
eficácia, efetividade e razoabilidade econômica do Sistema Municipal de Saúde (SMS, 2017a)
Cabe enfatizar que os municípios trabalham com a Atenção Primária à Saúde (APS),
sendo o primeiro contato para o cuidado, porta de entrada para os usuários do SUS, que visa
realizar ações que promovam o cuidado integral, respondendo a maior parte das necessidades
de saúde de uma população (SILVA, 2017).
16Todas as informações referentes à Ouvidoria do SUS, aqui mencionadas, foram retiradas do relatório de estágio
supervisionado na ouvidoria do SUS em 2017.
57
No Rio Grande do Norte, a partir dos anos 1990, a rede de Unidades Básicas de Saúde
vinculada à Secretaria Estadual de Saúde foi municipalizada, ou seja, passou a ser de
responsabilidade da SMS. O processo de descentralização da saúde só foi oficializado a partir
de 1994, assumindo primeiramente a gestão semi-plena, para depois, em 1998, admitir a
condição de gestão plena do SUS (PEREIRA, 2010).
A descentralização nos municípios gerou
maior participação política dos municípios na tomada de decisão sobre as
prioridades da saúde local e favoreceu novos mecanismos de financiamento
e transferência de responsabilidades pela execução direta de serviços de
saúde, principalmente os da atenção primária. Com a descentralização e as
mudanças do modelo de gestão, os municípios ganharam mais autonomia e
responsabilidade sobre os atendimentos da baixa complexidade (SILVA,
2017, p. 111).
Segundo Silva (2017), a NOB/96 estimulou o processo de descentralização e
estabeleceu o Programa Saúde da Família (PSF) como parte de um conjunto de iniciativas que
fortalece a APS; também instituiu o Piso Assistencial Básico (PAB), que serve para financiar
procedimentos ambulatoriais e incentivar programas como PSF e Agentes Comunitários de
Saúde (ACS), devendo ser calculado com base no tamanho da população local.
Vale ressaltar que o SUS necessitou de algumas portarias para avançar na sua
organização: A Portaria GM/MS nº 399, de 22 de fevereiro de 2006, que divulgou o PS,
definindo as diretrizes operacionais inerentes a ele; A Portaria GM/MS nº 699, em 03 de abril
de 2006, que regulamentou as Diretrizes Operacionais dos Pactos pela Vida e de Gestão; e a
Portaria GM/ MS nº 698, que instituiu a nova forma de transferência dos recursos federais
destinados ao custeio de ações e serviços de saúde em blocos de financiamento, sendo
substituída pela Portaria GM/MS nº 204, de 29 de janeiro de 2007 (BRAGA ET AL, 2013).
De acordo com Braga et al (2013) o PS possui três elementos: o Pacto pela Vida, o
Pacto em Defesa do SUS e o Pacto de Gestão, no qual propõe a qualificação e fortalecimento
do processo de descentralização, organização e gestão do sistema de saúde.
Outro elemento jurídico importante na organização do SUS é o Decreto nº 7.50817, 28
de junho de 2011, que regulamenta a Lei nº 8.080/1990. De acordo com a Lei 8080/90, o SUS
deve ser organizado de forma regionalizada e hierarquizada, e o Decreto cria as Regiões de
17 Disponível em: http://redehumanizasus.net/62834-decreto-7508-um-avanco-na-organizacao-e-resolutividade-
do-sus/. Acesso em: 12/07/2018.
58
Saúde, onde cada região deve oferecer serviços de atenção primária, urgência e emergência,
atenção psicossocial, atenção ambulatorial especializada e hospitalar e, por fim, vigilância em
saúde.
Com relação à hierarquização, o Decreto 7.508/2011 institui que as portas de entrada
do SUS são: de atenção primária; de atenção de urgência e emergência; de atenção
psicossocial e especiais de acesso aberto. Também define quais são os serviços de saúde que
estão disponíveis no SUS para o atendimento integral dos usuários, através da Relação
Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENASES), que deve ser atualizada a cada dois
anos.
Em 2011 também foi criada a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) pela
Portaria nº 2.488/2011, no qual trouxe a reorganização do sistema de saúde, voltado para um
modelo horizontal baseado em rede de atenção à saúde, partindo da atenção primária (SILVA,
2017).
Devemos lembrar que as Ouvidorias do SUS surgiram como uma proposta que possui
o objetivo de melhorar a qualidade dos serviços oferecidos pelo SUS. Sendo também
instrumentos de viabilização dos princípios estabelecidos na Lei Orgânica da Saúde nº
8.080/1990: Universalidade, Universalidade, Equidade, Integralidade, Regionalização,
Hierarquização, Participação da comunidade, Descentralização, e na Lei nº 8.142/1990, que
dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS.
Então, as Ouvidorias do SUS “são canais democráticos de comunicação entre os(as)
cidadãos(ãs) e os órgãos e entidades do SUS como espaço de cidadania” (BRASIL, 2014, p.
09). Nota-se que o conceito ampliado de gestão participativa está relacionado ao uso de
métodos e mecanismos de escuta permanente das opiniões e das manifestações da população,
no qual são valorizadas as decisões e os encaminhamentos da gestão cotidiana dos serviços e
do sistema representados pelas Ouvidorias do SUS (BRASIL, 2014).
Sendo assim, o papel da Ouvidoria do SUS é garantir ao cidadão(ã) que sua demanda
seja efetivamente considerada e tratada, à luz dos seus direitos constitucionais e legais. Vale
ressaltar que as demandas se referem às necessidades por atendimento ou acesso às ações e
aos serviços de saúde.
Dessa forma, a Ouvidoria do SUS é um canal democrático que fortalece a gestão
participativa, estabelecendo a comunicação entre os usuários do SUS e a gestão do SUS no
município de Natal. Possui o objetivo de melhorar os serviços e atividades do SUS,
permitindo que os usuários do SUS manifestem suas satisfações ou insatisfações
(reclamações, solicitações, informações, denúncias, sugestões e elogios) diante dos serviços
59
prestados por este sistema. A Ouvidoria atua frente ao cidadão de duas formas: disseminando
informações e contribuindo para a democratização das informações em saúde; e acolhendo as
manifestações dos cidadãos.
Esta unidade administrativa está em constante articulação com a SMS, com os
Distritos Sanitários, com as unidades de saúde, e com vários setores da SMS - Departamento
de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas (DRAC), CMS, Setor de regulação, entre
outros. Acaba sendo uma unidade articuladora para viabilizar os direitos dos usuários. E
hierarquicamente a Ouvidoria está ligada ao gabinete, mas se articula muito mais com os
secretários adjuntos.
O Decreto nº 7.508/2011 definiu o conceito de Ouvidoria Ativa, que fez com que a
Ouvidoria do SUS não esperasse mais que os usuários se dirigissem a sua cede para fazer
reclamações, sugestões, denúncias, informações, solicitações ou elogios. A nova definição
mudou à postura da Ouvidoria: ela também vai até os usuários do SUS para saber a realidade
sobre os serviços ofertados.
A partir daí, a Ouvidoria municipal desenvolveu o Projeto Ouvidoria Itinerante,
projeto pensado pelo assistente social e duas estagiárias de serviço social. A implementação
desse projeto acabou servindo como ferramenta de viabilização de acesso aos direitos para
aqueles que desconheciam a existência da Ouvidoria do SUS do Município de Natal/RN.
O público-alvo da Ouvidoria são os usuários do SUS do município de Natal, que vem
das unidades de saúde e estas fazem parte das Sub-redes18: Distritos Sanitários Norte I, Norte
II, Leste, Oeste e Sul. Mas, ela não atende só os usuários, atende também os próprios
servidores que desejarem reclamar, denunciar, solicitar, entre outros.
As demandas que chegam a Ouvidoria do SUS são registradas no Sistema
OuvidorSUS19, que permite a disseminação de informações, o registro e o encaminhamento
das manifestações dos cidadãos. A partir do registro das demandas neste sistema são gerados
números de protocolo que facilitam o acompanhamento do processo pelo cidadão. O prazo
para responder as demandas é de 20 dias.
18As sub-redes são os distritos sanitários de saúde, sendo compreendidos como uma área geográfica que
comporta uma população com características epidemiológicas e sociais e suas necessidades, e os recursos de
saúde para atendê-la. A área geográfica é definida para cada realidade podendo ser formada por bairros de um
município; municípios de uma região. Disponível em: <https://pessoarafael.wordpress.com/2014/10/27/p/>
Acesso em: 08/07/2018. 19Sistema informatizado e elaborado pelo Departamento de Ouvidoria Geral do SUS, regulamentado
pela portaria nº 8, de 25 de maio de 2007. Disponível em <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-
ministerio/principal/secretarias/873-sgep-raiz/doges-raiz/ouvidoria-geral-do-sus/l2-ouvidoria-g-sus?start=10>.
Acesso em: 24/11/2017..
60
Desse modo, qualquer cidadão que utiliza os serviços de saúde pública, e se sentirem
lesados em seus direitos podem procurar a Ouvidoria através de telefone, e-mail ou
pessoalmente, essas manifestações são chamadas de demandas espontâneas. Há também uma
grande demanda reprimida, ou seja, muitos usuários residem “fora da área de cobertura” e
mesmo morando próximo da unidade, ela não contempla a sua área de residência, sendo
disponibilizadas algumas fichas por dia para esse público. As demandas em nível de Estado
são atendidas pela Ouvidoria da Secretaria do Estado da Saúde Pública (SESAP).
O que se observa é que a oferta de serviços prestados pelo SUS é insuficiente para
atender a uma grande demanda, gerando uma “fila de espera”, até mesmo nos casos de
urgência. Quem são os prejudicados com essa situação são os usuários do SUS, que quando
necessitam do serviço público de saúde, se veem diante da precarização, sucateamento e falta
de atendimento. Isso vai desde a atenção básica até os serviços de alta complexidade,
demonstrando que a atual conjuntura não atende as necessidades do coletivo, onde o Estado
não garante investimentos necessários e melhorias para a saúde pública de uma forma geral.
Os atendimentos na Ouvidoria são feitos pelo assistente social20, pela equipe técnica
(duas estagiárias remuneradas e dois técnicos administrativos) e pela Ouvidora. Alguns casos
específicos, após a escuta são encaminhados ou orientados a procurarem outras instituições
como Ministério Público, Defensoria Pública, entre outros. Nos casos de denúncias contra
diretor de unidades ou casos considerados grave de denúncias, são encaminhadas
pessoalmente por alguém da equipe ao gabinete do Secretário de Saúde.
Desse modo, o estágio na Ouvidoria do SUS permitiu que identificássemos várias
problemáticas da política de saúde que são enfrentadas pelos usuários do SUS. Identificação
que foi feita através de nossas observações e dos dados presentes nos relatórios quadrimestrais
de 201721 gerados na Ouvidoria, demonstrando a precarização dos serviços prestados pelo
SUS na atenção primária e especializada.
As demandas que chegavam a partir das manifestações dos usuários (reclamações,
solicitações, denúncias ou elogios), mostraram que ao solicitarem os serviços públicos de
20 A inserção do Assistente Social na equipe técnica da Ouvidoria do SUS teve influência da Assistente Social e
professora da UFRN Maria Dalva Horácio e do Ouvidor da primeira gestão da Ouvidoria. Ambos formados em
serviço social solicitaram junto ao Ministério Público dois profissionais de Serviço Social para atuarem na
equipe técnica da Ouvidoria do SUS. Apenas em janeiro de 2016 houve a contratação de um assistente social em
caráter temporário. 21Relatório quadrimestral elaborado pela equipe técnica (assistente social, estagiários e assistentes
administrativos), sendo um instrumento que possibilita observar como os serviços prestados pelo SUS estão
funcionando. Através deste instrumento é possível saber quais são as demandas mais recorrentes e quais
unidades de saúde apresentam essas demandas (reclamações, solicitações, denúncias, elogios, informações e
sugestões).
61
saúde, na maioria das vezes, as suas necessidades de saúde não são atendidas, ferindo assim,
os princípios da universalidade, integralidade e equidade.
Estes princípios estão sendo desafiados no contexto atual da política econômica de
recorte neoliberal, que mercantiliza as políticas sociais, à saúde, reduzindo os direitos
garantidos para atender a necessidade do capital (HOFFMANN ET AL, 2013). Os serviços
prestados a população não conseguem atender os usuários de forma universal.
Citamos aqui algumas manifestações dos usuários quando procuram a Ouvidoria:
demora na marcação de exames de baixa, média e alta complexidade, incluindo cirurgias e
outros procedimentos (as urgências são agilizadas); as unidades são insuficientes para atender
toda a população; os recursos humanos são insuficientes para atender os usuários; faltam
médicos nas unidades de saúde; faltam medicamentos nas unidades de saúde; faltam
prestadores para a realização de exames; demora na marcação de consultas com
especialidades; mau atendimento nas unidades de saúde por parte de funcionários de
recepção, enfermagem, médicos e direção; entre outras
Desse modo, ficou visível que estamos diante de um Estado mínimo para o social e
máximo para o capital, indo de encontro ao que está posto na Constituição Federal de 1988: a
saúde é um direito de todos os cidadãos e dever do Estado.
Cabe enfatizar que a mudança na confecção do cartão SUS, através da Lei Municipal
nº 6.672 de 15 de maio de 2017, trouxe um novo direcionamento com relação ao cartão SUS:
agora os usuários tem que apresentar um comprovante de residência em seu nome ou no nome
do cônjuge, acompanhado da certidão de casamento para fazer o cartão do SUS ou renovar;
em caso de domicílios alugados, só é aceito o contrato de aluguel reconhecido em cartório;
entre outros.
Observamos que algumas demandas relacionadas ao cartão SUS necessitavam de um
acolhimento que pudesse verificar situações de vulnerabilidade dos usuários. Pois, alguns
usuários moravam de aluguel e não tinham comprovante residencial em seu nome. Eles
tinham que comprar um contrato de aluguel e reconhecer em cartório este documento; e
muitos deles não tinham dinheiro para arcar com estas despesas.
A Ouvidoria registrava a demanda, e alguns casos eram levados ao conhecimento da
equipe do gabinete do Secretário de Saúde, mas a resposta dada na maioria das vezes era
enviar a cópia da lei municipal.
Esta situação nos fez refletir sobre as medidas que a gestão tomava diante das
manifestações que chegavam a Ouvidoria. Pois, sabemos que a Ouvidoria do SUS é um canal
democrático e um instrumento da gestão municipal, que se destina ao acolhimento de todo
62
cidadão, devendo responder efetivamente as solicitações dos usuários. Ela acaba sendo um
instrumento de controle social e da gestão do município, sendo também um observatório da
rede de saúde, que permite saber como anda o funcionamento dos serviços prestados pelo
SUS.
Cabe enfatizar que na Ouvidoria são gerados relatórios quadrimestrais que subsidiam a
gestão e o CMS nas suas tomadas de decisões. Então, a partir destes relatórios, que apresenta
dados quantitativos e qualitativos das demandas recebidas, a gestão do SUS do município de
Natal pode tomar algumas medidas para melhorar os serviços do Sistema Único de Saúde e
fortalecer os princípios de Universalidade, Equidade e Integralidade.
Sendo assim, a partir das observações feitas no campo de estágio resolvemos analisar
quais as ações que a gestão do SUS do município de Natal adota para responder as demandas
mais recorrentes da Ouvidoria do SUS em 2017.
4.2 Principais Demandas que Chegam a Ouvidoria do SUS
Os dados aqui registrados foram retirados dos relatórios quadrimestrais de 2017,
gerados na ouvidoria do SUS, referentes aos meses de janeiro a abril e maio a agosto. Esse
relatório registra as principais demandas que chegam á ouvidoria, onde faz uma análise
quantitativa e qualitativa dos dados.
No primeiro relatório quadrimestral (Jan/abr) houve 257 demandas, sendo 165 por
telefone (64%), 62 pessoalmente (24%), 17 por e-mail (7%) e 13 por formulário web (5%),
conforme está exposto no gráfico abaixo.
Gráfico 1 - Tipos de atendimento
Fonte: Ouvidoria do SUS, 2017.
63
As manifestações dos usuários do SUS que chegam a Ouvidoria são apresentadas em
seis categorias: denúncia, solicitação, reclamação, informação, elogio e sugestão. No período
de Jan/abr foram recebidas 159 demandas referentes às reclamações (62%), em seguida 63
demandas referentes às solicitações (25%), 19 demandas referentes as denúncias (7%), 06
demandas referentes as informações (2%); 04 demandas referentes aos elogios (2%) e 06
demandas referentes as sugestões (2%). O gráfico abaixo demonstra o que mencionamos.
Gráfico 2 – Demandas recebidas por classificação
Fonte: Ouvidoria do SUS, 2017.
As principais demandas deste quadrimestre foram apresentadas a partir do maior
índice de recorrência: em primeiro lugar ficou a demora na marcação de exames com 66
demandas; em segundo lugar ficou o mau atendimento gerando insatisfação que apresentou
31 demandas; em terceiro lugar ficou a falta de profissionais apresentando 31 demandas; em
quarto lugar ficou a demora na marcação de consulta que apresentou 30 demandas; em quinto
lugar ficou a vigilância em saúde com 29 demandas; em sexto lugar ficou a dificuldade de
acesso com 20 demandas; em sétimo lugar ficou a insatisfação com 19 demandas; em oitavo
lugar o mau funcionamento das unidades com 15 demandas; e em nono lugar ficou a falta de
medicamentos. A tabela abaixo apresenta as principais demandas deste quadrimestre.
64
Tabela 1 - Principais demandas presentes na Ouvidoria do SUS
PRINCIPAIS DEMANDAS
1º Demora marcação de exame 66
2º Insatisfação (mau atendimento) 31
3º Falta de Profissional 31
4º Demora Marcação de Consulta 30
5º Vigilância em Saúde 29
6º Dificuldade de Acesso 20
7º Insatisfação 19
8º Mau Funcionamento 15
9º Falta de Medicamentos 09
Fonte: Ouvidoria do SUS, 2017.
O segundo relatório quadrimestral de 2017 (mai./agos.) apresentou 241 demandas,
sendo 126 por telefone (52%), 83 pessoalmente (36%), 23 por e-mail (10%) e 06 por
formulário web (2%), conforme gráfico abaixo.
Gráfico 3 - Demandas recebidas por classificação
Fonte: Ouvidoria do SUS, 2017.
Este quadrimestre apresentou um total de 241 demandas sendo 165 reclamações
(68%); 56 solicitações (23%); 10 denúncias (4%); 08 elogios (3%); 01 informação (0,4%) e
01 sugestão (0,4%). Vale ressaltar que com relação ao pedido de informação o dado referente
65
a essa demanda não reflete a realidade, pois há uma procura grande por informações, como
não é possível registrar no sistema Ouvidor/SUS, houve a necessidade de se criar uma
planilha para computar esses dados, que deverão ser refletidos nos próximos relatórios. Sendo
também dados importantes para tomada de decisões junto a Gestão e ao Controle Social. O
gráfico baixo apresenta as demandas recebidas por classificação.
Gráfico 4 - Demandas recebidas por classificação
Fonte: Ouvidoria do SUS, 2017.
Comparando este quadrimestre com o anterior, observamos que as demandas se
repetem demonstrando a recorrência destas. Desse modo, as principais demandas
apresentadas neste relatório foram: em primeiro lugar apresentando 46 demandas ficou o mau
atendimento; em segundo lugar com 41 demandas ficou a insatisfação; em terceiro lugar com
37 demandas ficou a marcação de exame; em quarto lugar apresentando 33 demandas ficou a
demora na marcação de consulta; em quinto lugar com 33 demandas ficou a falta de
medicamentos; em sexto lugar com 28 demandas ficou a falta de profissionais; em sétimo
lugar apresentando 08 demandas ficou o elogio; em oitavo lugar com 07 demandas ficou a
dificuldade de acesso; em nono lugar apresentando 06 demandas ficou a vigilância; e em
décimo lugar com 02 demandas ficou o mau funcionamento. A tabela abaixo apresenta as
principais demandas deste quadrimestre.
66
Tabela 2 – Principais demandas presentes na Ouvidoria do SUS
Fonte:
Ouvidoria do SUS, 2017.
A partir dos relatórios quadrimestrais escolhemos cinco demandas mais recorrentes
que apresentaram um índice maior de insatisfação com relação aos serviços prestados pelo
SUS, sendo elas: o mau atendimento, a demora na marcação de exames, a demora na
marcação de consultas, a falta de medicamentos e a falta de profissionais. Essas demandas
demonstram que os serviços prestados pelo SUS estão precarizados, ferindo assim, os
princípios do Sistema Único de Saúde: Universalidade, Equidade e integralidade.
Segundo Carvalho (2013), o princípio da Universalidade requer que o SUS não
discrimine quem tem direito, ou seja, o SUS é para todos; o princípio da Equidade requer a
justiça social, no qual busca tratar diferentemente os diferentes (equidade vertical) e
igualmente os iguais (equidade horizontal); e o princípio da Integralidade tem a necessidade
de ver o ser humano como um todo, ou seja, a ação deve abranger três aspectos: promoção,
proteção e recuperação da saúde.
Desse modo, as demandas escolhidas expressam que os direitos dos usuários estão
sendo violados, ou seja, não está atendendo as necessidades de saúde dos mesmos. Nos
relatórios constam apenas as manifestações daqueles que conseguem demonstrar a sua
insatisfação, ou seja, os usuários que possuem o conhecimento desse canal de participação
(Ouvidoria). Mas sabemos que há um número maior de demandas que não chegam a este
canal, ou seja, há demandas reprimidas.
PRINCIPAIS DEMANDAS
1º Insatisfação (mau atendimento) 46
2º Insatisfação 41
3º Demora Marcação de Exame 37
4º Demora Marcação de Consulta 33
5º Falta de Medicamentos 33
6º Falta de Profissionais 28
7º Elogio 08
8º Dificuldade de Acesso 07
9º Vigilância 06
10º Mau Funcionamento 02
67
4.3 Análise das Ações da Gestão do SUS no Município de Natal, a Partir das Demandas
da Ouvidoria do SUS
4.3.1 As medidas que a gestão do SUS adota para melhorar a qualidade dos serviços de saúde
do SUS, a partir das demandas que chegam à Ouvidoria
A partir do instrumento Programação Anual de Saúde (PAS)22 de 2017, que
sistematizou as ações da gestão do município para o ano de 2017, escolhemos algumas
diretrizes e objetivos que ajudaram a fazer a análise das ações da gestão do município de
Natal. Sendo elementos que a gestão utiliza para melhorar a qualidade dos serviços prestados
pelo SUS.
Para analisar as ações da gestão do SUS, escolhemos algumas diretrizes e alguns
objetivos que contemplam as demandas escolhidas: a primeira diretriz tenta garantir o acesso
da população a serviços de qualidade, com equidade e em tempo adequado ao atendimento
das necessidades de saúde. Essa diretriz objetiva ampliar o acesso e fortalecer a APS, como
também ampliar o acesso e aprimorar a assistência especializada.
A terceira diretriz busca garantir a assistência farmacêutica no âmbito do SUS, tendo
como objetivo implementar e qualificar a política e a gestão da assistência farmacêutica no
município, com foco no uso racional de medicamentos e na avaliação das demandas dos
serviços de saúde. A quinta diretriz procura contribuir na adequada formação, alocação,
qualificação, valorização, e democratização das relações de trabalho dos trabalhadores do
SUS, tendo como objetivo investir em qualificação e fixação dos profissionais para o SUS,
como também desprecarizar o trabalho em saúde nos serviços do SUS na esfera pública
municipal.
A sexta diretriz escolhida busca fortalecer as instâncias de controle social e garantir o
caráter deliberativo dos conselhos de saúde, ampliando os canais de interação com o usuário,
com garantia de transparência e participação cidadão. Tem como objetivo fortalecer o sistema
de ouvidoria do SUS. O quadro abaixo expõe as diretrizes e os objetivos escolhidos que
direcionam as ações da gestão do SUS no município de Natal.
22 A PAS de 2017 apresenta de forma sistematizada, as ações, os recursos financeiros e outros elementos que
contribuem para o alcance dos objetivos e o cumprimento das metas do Plano Municipal de Saúde. Disponível
em: <http://portalses.saude.sc.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1144&Itemid=410>.
Acesso em: 03/06/2018.
68
Quadro 1: Diretrizes e objetivos da gestão pública
DIRETRIZES OBJETIVOS
DIRETRIZ 1: GARANTIA DO ACESSO DA
POPULAÇÃO A SERVIÇOS DE QUALIDADE,
COM EQUIDADE E EM TEMPO ADEQUADO
AO ATENDIMENTO DAS NECESSIDADES DE
SAÚDE.
OBJETIVO: AMPLIAR O ACESSO E
FORTALECER A ATENÇÃO PRIMÁRIA DE
SAÚDE (APS); AMPLIAR O ACESSO E
APRIMORAR A ASSISTÊNCIA
ESPECIALIZADA.
DIRETRIZ 3: GARANTIA DA ASSISTÊNCIA
FARMACÊUTICA NO ÂMBITO DO SUS.
OBJETIVO: IMPLEMENTAR E QUALIFICAR
A POLÍTICA E A GESTÃO DA ASSISTÊNCIA
FARMACÊUTICA NO MUNICÍPIO, COM FOCO
NO USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS E
NA AVALIAÇÃO DAS DEMANDAS DOS
SERVIÇOS DE SAÚDE.
DIRETRIZ 5: CONTRIBUIÇÃO À ADEQUADA
FORMAÇÃO, ALOCAÇÃO, QUALIFICAÇÃO,
VALORIZAÇÃO, E DEMOCRATIZAÇÃO DAS
RELAÇÕES DE TRABALHO DOS
TRABALHADORES DO SUS.
OBJETIVO: INVESTIR EM QUALIFICAÇÃO E
FIXAÇÃO DOS PROFISSIONAIS PARA O SUS;
DESPRECARIZAR O TRABALHO EM SAÚDE
NOS SERVIÇOS DO SUS NA ESFERA PÚBLICA
MUNICIPAL.
DIRETRIZ 6: FORTALECER AS INSTÂNCIAS
DE CONTROLE SOCIAL E GARANTIR O
CARÁTER DELIBERATIVO DOS
CONSELHOS DE SAÚDE, AMPLIANDO OS
CANAIS DE INTERAÇÃO COM O USUÁRIO,
COM GARANTIA DE TRANSPARÊNCIA E
PARTICIPAÇÃO CIDADÃO.
OBJETIVO: FORTALECER O SISTEMA DE
OUVIDORIA DO SUS.
Observamos que esses elementos buscam melhorar os serviços prestados pelo SUS, ou
seja, garantir o acesso e a qualidade da atenção à saúde para toda a população, sendo também
incumbência da SMS de Natal. Então, analisamos por meio das diretrizes e dos objetivos
como a gestão direcionou isso em 2017, levando em consideração as demandas escolhidas
através dos relatórios quadrimestrais elaborados na Ouvidoria do SUS.
4.3.2 Os encaminhamentos da gestão municipal para responder as demandas presentes na
Ouvidoria do SUS, se aproximam dos princípios do Sistema Único de Saúde?
A partir das demandas escolhidas: o mau atendimento, a demora na marcação de
exames, demora na marcação de consultas, a falta de medicamentos e a falta de profissionais,
69
observamos que são inúmeras as dificuldades enfrentadas pelos usuários, no que se refere às
ações e serviços de saúde, que se distanciam dos princípios do SUS. Então, fizemos uma
análise das ações da gestão com relação a essas demandas.
A partir do RAG de 2017 identificamos que 31% das metas pactuadas em 2017 não
foram atingidas. Uma delas está relacionada ao déficit de profissionais, ou seja, demanda
recorrente no ano de 2017, que foi manifestada pelos usuários do SUS e registrada pela
Ouvidoria como demanda presente nos relatórios quadrimestrais.
Identificamos que houve muitas demandas com relação à Estratégia da Saúde da
Família (ESF) relacionadas à falta de profissionais, principalmente médicos. Realidade que
persiste e se agrava a cada dia, pois não houve concurso em 2017 e nem contratação desses
profissionais. A falta de equipes de saúde da família gera os “fora de área” com muitos
usuários completamente desassistidos.
Conforme os dados presentes no RAG 2017, a redução de médicos nas equipes ESF
ocorreu pela saída de profissionais devido à aposentadoria ou devolução ao órgão de origem e
também pela saída dos profissionais do Programa Mais Médicos. Estava previsto a realização
do concurso público para repor o déficit de profissionais, mas não ocorreu. Em dezembro de
2017 foi lançado o edital para o Programa Mais Médicos com 34 vagas para essa categoria.
Agora em 2018 foi realizado o concurso público da prefeitura de Natal para vários
cargos na área da saúde. Mesmo com a realização do concurso, o que irá ocorrer é uma
substituição da mão de obra temporária por funcionários efetivos, ou seja, o quadro funcional
vai continuar o mesmo, não aumentando o número de trabalhadores de saúde.
O que observamos é que a falta de profissionais acaba afetando o atendimento dos
usuários quando chegam às unidades de saúde. Isso faz com que os usuários do SUS não
tenham um atendimento com qualidade. O mau atendimento foi demanda recorrente nos dois
quadrimestres mostrando o grau de insatisfação dos usuários do SUS. Com relação a essa
demanda foram realizadas duas oficinas sobre acolhimento e visitas às Unidades para
sensibilizar diretores e reguladores.
Outra situação que demonstrou o mau atendimento nas unidades de saúde foi os canais
de recebimento de consultas e exames a serem regulados, no qual demonstrou que os usuários
estão insatisfeitos com relação ao mau atendimento e a falta de acesso aos serviços quando
necessitam.
A gestão municipal apontou que em 2017 houve investimentos em obras de reforma,
ampliação e construção de Unidades Básicas de Saúde (UBS), incorporando valores da
Política Nacional de Humanização e promovendo uma melhoria da qualidade na assistência à
70
saúde prestada aos usuários: adequação de espaços, abertura de salas de vacina e de
consultórios odontológicos, entre outros.
Outra medida que a gestão pública tomou para melhorar o atendimento foi
desenvolver atividades de educação permanente com os trabalhadores de saúde, sendo elas:
Capacitações, Oficinas, Cursos, Fóruns, Congressos, Simpósios, Seminários, Conferências
entre outros. Isso contribui na qualificação dos profissionais e ajuda a proporcionar um
acolhimento mais humanizado. Mas, sabemos que o mau acolhimento está relacionado
também a precarização do trabalho, baixos salários, a falta de profissionais, devendo-se levar
em consideração esses elementos.
Com relação à assistência farmacêutica, algumas demandas demonstraram a
insatisfação dos usuários com relação à falta de medicamentos tanto da atenção básica como
atenção especializada. As reclamações mais recorrentes dizem respeito à falta de
medicamentos controlados que são dispensados nas Unidades Especializadas. Também temos
problemas no Serviço de Assistência Especializada (SAE) uma vez que a medicação só pode
ser entregue na presença do farmacêutico e este não atende apenas a este serviço, portanto não
se encontra lá todos os dias, causando insatisfação aos usuários que tem recorrido a Ouvidoria
para reclamar da falta dessa assistência.
Um dos fatores que levam a falta frequente de medicamentos são as licitações, que
demoram muito para serem concluídas. É uma justificativa tanto da Ouvidoria como da gestão
pública. A SMS investiu o valor de R$ 13.121.140,35 em medicamentos, sendo de consumo
R$ 7.758.811,84 e de distribuição gratuita R$ 5.362.328,51. A gestão afirma assegurar o
abastecimento regular das Unidades de Saúde em aproximadamente 75% dos medicamentos e
insumos preconizados na Relação Municipal de Medicamentos (REMUME) (SMS, 2017c).
Mesmo com esse abastecimento, notamos que nos dois relatórios quadrimestres de
2017, a falta de medicamento foi classificada como uma das principais demandas. Nota-se
que o estoque disponível na rede pública de saúde não tem atendido à população de nossa
cidade. A gestão pública deve rever essa questão para tomar as devidas medidas.
Cabe enfatizar que a doença não pode esperar, pois se o usuário do SUS não for
medicado pode ter seu quadro agravado, levando-o a uma internação, no qual custará muito
mais ao município.
A dificuldade do acesso a exames nas unidades básicas de saúde é uma demanda
recorrente apresentada pelos usuários. Problema observado através das reclamações
registradas no Sistema OuvidorSUS/MS. Esta demanda foi passada para a Gestão da SMS e
para o CMS. A partir dos dados foi agendada uma reunião com o DRAC para buscar
71
informações sobre os processos de contratualização e convênios na tentativa de propor
soluções para o problema.
A realidade pesquisada mostra a precarização dos serviços oferecidos pelo SUS, no
qual as consultas especializadas, que são ofertadas no Hospital Universitário Onofre Lopes
(HUOL) acabam sendo “verdadeiras loterias”, devido à demora no agendamento. Citamos a
assistência à saúde (cirurgia geral), que só são realizadas neste hospital, sendo ofertados por
semana apenas 10 agendamentos de consultas para todo o estado. Além de demorar a
marcação, ela também apresenta outra insatisfação por parte dos usuários: na maioria das
vezes não são informados o número do protocolo e do agendamento dos exames. Não
conseguimos identificar as medidas da gestão com relação a esses atendimentos.
A demora na marcação de exames como ultrassonografias, endoscopias,
colonoscopias, RX entre outros, são difíceis de serem marcados, gerando uma fila de espera.
Essa insatisfação gera outra maior: o usuário é agendado e nem sempre recebe a informação
em tempo hábil, ocasionando um considerável número de absenteísmo.
Sabemos que o usuário tem que retornar ao médico que solicitou os exames, e o prazo
para o retorno é de 30 dias. Alguns exames levam meses para ser marcados e realizados
fazendo com que esse usuário tenha que voltar à unidade de saúde para enfrentar nova fila na
tentativa de agendar nova consulta com o seu médico.
Sendo assim, a marcação de exames de baixa, média e alta complexidade acaba
demonstrando que os serviços prestados pelo SUS não atende as necessidades de saúde dos
usuários. Pois, há poucos prestadores desses serviços: no HUOL e nas clínicas particulares
conveniadas, há uma quantidade determinada de realização de exames por mês, acarretando
assim, a demora da marcação, que tem que dar prioridade para os exames de urgência. A lista
de espera para a realização de exames é extensa, incluindo cirurgias e outros procedimentos,
apenas os casos de urgência são agilizados.
Outras situações que demonstram a precarização do SUS, sendo apontadas no relatório
quadrimestral, são às demandas referentes à assistência à saúde (cirurgias eletivas e
colonoscopias), sendo um grande problema a ser enfrentado pela gestão pública. Possui
apenas um prestador, o HUOL, e atende a todo o estado do Rio grande do Norte. O exame de
eletroneuromiografia não está sendo ofertado por mais de um ano devido à falta de agulhas.
Dados que chegam á gestão, mas não foi possível identificar ações da gestão com relação a
essas demandas.
72
Vale ressaltar que em dezembro de 2017, a fila de espera para cirurgias eletivas23
chegou a aproximadamente 904 mil procedimentos. Sendo o resultado das informações
repassadas por Secretarias de Saúde de 16 estados e 10 capitais, onde constam pedidos de 801
mil e 103 mil procedimentos cirúrgicos. Os números foram analisados pelo Conselho Federal
de Medicina (CFM). Estas cirurgias se referem a operações de catarata, hérnia, vesícula,
varizes, entre outras, sendo estas as mais demandadas pela população que depende serviço
público de saúde.
Com relação ao fortalecimento da Ouvidoria no SUS foram feitas as seguintes ações:
Implantação da Ouvidoria na Maternidade Araken Irerê Pinto; Realização de treinamento para
atualização dos Núcleos de Ouvidoria nos distritos sanitários; Realização de capacitação para
implantar o Núcleo de Ouvidoria no Hospital municipal Newton Azevedo (SMS, 2017c).
Mesmo com o cenário de grave crise econômica política e social que assola o país no
âmbito nacional, regional e local, a gestão municipal considerou que teve alguns avanços na
área da saúde: a aquisição de 610 novos computadores, incluindo 431 para instalação do
Prontuário Eletrônico Cidadão (PEC) na atenção básica; a descentralização dos laboratórios
distritais; a criação do Centro de Referência em Práticas Integrativas e Complementares
(CERPIC); a implantação de 27 novos consultórios odontológicos completos na rede de
atenção básica; a definição dos parâmetros assistenciais da Rede de Atenção Básica para todas
as categorias profissionais e a inauguração da Unidade de Saúde da Família Rosângela Lima,
no bairro Planalto, entre outros (SMS, 2017c).
Diante do cenário exposto a gestão municipal apresentou no RAG de 2017 algumas
prioridades para o ano de 2018: incluir novos médicos através do programa Mais Médicos nas
UBS; proporcionar acesso qualificado com classificação de risco e vulnerabilidade, com um
modelo de Atenção com maior grau de resolutividade; investir na infraestrutura de novas
unidades básicas, bem como assegurar a Manutenção das Unidades existentes; incluir a saúde
oftalmológica no PSE; ter parceria para regulação de exames no telessaúde; realizar concurso
público; qualificar os servidores; implantar o Projeto De Olho na Meta (DOM); implantar o
Laboratório Municipal de Saúde Pública/LACEN Natal, entre outros.
Desse modo, observamos que as demandas presentes nos relatórios quadrimestrais de
2017 demonstraram que os serviços de saúde pública apresentam diversas necessidades dos
usuários, que na maioria das vezes não são atendidas pela gestão municipal. Sabemos que a
23 Disponível em: <http://www.sbcm.org.br/v2/index.php/boletim-da-sbcm/224-boletim-n-145-nov-2017/3607-
crise-no-sus-brasil-tem-mais-de-900-mil-cirurgias-eletivas-represadas>. Acesso em: 27/06/2018
73
falta de investimentos por parte do Estado na política de saúde contribui também com essa
precarização nos serviços prestados pelo SUS. Pois, cabe ao Estado representado pelas
instituições e estas pela sua gestão, garantir de forma efetiva e com qualidade os serviços de
saúde.
Nota-se que as alterações que ocorrem no âmbito do capital acabam direcionando
politicamente o Estado a priorizar o projeto privatista em detrimento do projeto sanitarista.
Desse modo, a política de saúde, como as demais políticas sociais, segue o movimento
dinâmico da sociedade capitalista, onde a saúde se afasta dos seus princípios: Universalidade,
Equidade e integralidade, que estão postos pela Constituição Federal de 1988 e na Lei
8.080/1990.
O que se observa é que o governo atual brasileiro está à mercê do capital financeiro,
intensicando os cortes nos gastos públicos, sobretudo do financiamento público, através do
Novo Regime Fiscal (NRF), aprovado pela Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016. Desse
modo,
O NRF inviabiliza a vinculação dos recursos para as políticas sociais nos
moldes desenhados na Constituição Federal de 1988, ao congelar as
chamadas despesas primárias do governo (exceto as despesas financeiras
com o pagamento de juros da dívida) por vinte anos, limitando-se a correção
pela inflação (SALVADOR, 2017, p. 429).
Dessa forma, o governo apresenta dois tipos de gastos: os primários e o pagamento
de juros e amortização da dívida pública. Os primários estão relacionados à saúde, a educação,
a previdência social, entre outros. A referida EC considera apenas como variável de ajuste as
despesas primárias, no qual o gasto com o pagamento da dívida pública ficará fora desse teto,
que gradualmente irá sufocar o orçamento público brasileiro (ROCHA; MACÁRIO, 2016).
Cabe enfatizar que a Emenda Constitucional nº 95/2016 é uma estratégia do governo
para limitar ainda mais as despesas com políticas públicas e programas sociais e liberar
recursos para pagamentos de juros, onde se prioriza o sistema financeiro em vez dos cidadãos
brasileiros.
Para Vieira e Benevides (2016) a proposta de um ajuste unicamente focado nas
despesas primárias, por 20 anos, afeta particularmente as políticas sociais, desconsiderando a
finalidade de tal medida para o desenvolvimento econômico e social do país a médio e longo
prazos.
O ajuste nos gastos primários reduzirá os gastos nas políticas sociais, inclusive na
74
política de saúde, afetando assim, os segmentos sociais mais vulneráveis, contribuindo para o
aumento das desigualdades sociais, e consequentemente com a não efetivação do direito a
saúde no nosso país (VIEIRA; BENEVIDES, 2016).
Vale salientar que em 2017 as despesas públicas24 ficaram sob o duplo teto: da EC nº
95/2016 e da Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000, que impõe ao governo federal o corte
bilionário nas despesas primárias do orçamento, além de aumento de impostos. Isso fez com
que o Orçamento de 2017 tivesse um corte de R$ 42,1 bilhões.
Desse modo, a redução dos gastos públicos nas políticas sociais faz com que as ações
e serviços fiquem precarizados e não atendam as necessidades sociais da população. As
demandas escolhidas demonstraram que os direitos dos usuários estão sendo violados; há o
sucateamento no SUS; há uma ampliação da mercantilização da saúde, entre outros, ou seja,
os usuários do SUS enfrentam longas filas para conseguir marcar exames, consultas e
cirurgias; há dificuldades no acesso aos serviços prestados; entre outros. Isso demonstra que
tanto o Estado como a gestão do SUS do município de Natal se afastam dos princípios do
SUS, no qual os serviços prestados a população não atendem de forma universal as suas
necessidade de saúde.
Uma gestão participativa requer o envolvimento de todos os atores envolvidos ou
afetados pelas decisões de uma determinada gestão pública, onde a gestão deve propor
igualdades de condições nos serviços prestados pelo SUS, contribuindo na ampliação da
cidadania e considerando o usuário do SUS como cidadão de direitos. Isso requer um
direcionamento que vise uma maior eficácia, eficiência e efetividade nos serviços de saúde.
Dessa forma, observamos que é possível melhorar o desempenho da gestão pública no
Brasil, como também a do SUS, mas é preciso que haja decisão política para implementar
medidas que gerem o uso eficiente dos recursos em toda a federação (VIEIRA; BENEVIDES,
2016). Então, se faz necessário que reflitamos sobre os impactos de uma decisão política que
desfinancia políticas sociais, como a política de saúde, reduzindo os direitos sociais
conquistados na Carta Magna e ferindo os princípios do SUS.
24 Disponível em: http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-do-inesc/2017/abril/corte-bilionario-no-orcamento-
2017-tem-o-tamanho-da-2018insanidade2019-do-governo. Acesso em: 19/07/2018.
75
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho apresentado fez uma análise de como a gestão municipal, diante das
demandas presentes na Ouvidoria do SUS, desenvolve seu trabalho buscando melhorar a
qualidade dos serviços prestados pelo Sistema Único de Saúde. Através da ouvidoria,
instrumento da gestão, ficou claro que os serviços prestados pelo SUS estão precários ferindo
os princípios dos SUS.
Diante da lógica do capital financeiro que retira cada vez mais os direitos sociais dos
usuários do SUS, e das políticas sociais, vivenciamos um momento de barbárie, onde só há
retiradas de direitos e a vida das pessoas não é considerada, e sim o valor que se pode pagar
pelo serviço de saúde. Atualmente temos “filas de espera” para se conseguir um exame, uma
consulta, uma cirurgia. A pergunta que não quer calar é: o usuário do SUS que necessita de
um exame para prevenção de uma doença ou para diagnosticar um câncer pode esperar? Em
nosso SUS sim.
Vivemos uma realidade em que a saúde virou uma mercadoria onde a vida não está
sendo colocada em primeiro lugar, e sim os interesses do capital, pois o que temos é um
Estado mínimo para o social e máximo para o mercado.
Vale ressaltar que o SUS não foi dado, e sim conquistado, houve um processo de lutas
(movimentos sociais, sindicato e sociedade civil) que impulsionados pelo Movimento de
Reforma Sanitária trouxe a política de saúde como direito universal e gratuito. E sabemos que
há dois projetos em disputa: o projeto sanitarista e o projeto privatista.
O que se observa é que mesmo a gestão municipal sistematizando suas ações, muitas
delas não foram alcançadas, sendo deixadas para resolver no ano seguinte. No ano seguinte
aparecem outras demandas que vão requerer outras ações e isso vai virando uma bola de neve,
que não tem fim. É visível que os investimentos na saúde são poucos para trabalhar com a
prevenção e promoção de doenças, diagnóstico, reabilitação e outros serviços prestados pelo
SUS.
Um dos desafios para a política de saúde é a Emenda Constitucional 95/2016 que
implica no congelamento dos gastos públicos em 20 anos, precarizando ainda mais as ações e
os serviços de saúde; e o Programa Mais Médicos, pois ao reduzir os investimentos na área de
saúde, isso implicará na não contratação de profissionais deste programa.
Ressaltamos que as tendências da conjuntura atual implicará em grandes retrocessos à
política de saúde: o projeto de Plano de Saúde Acessível está em discussão, pois há uma
76
preocupação na redução de pessoas que deixaram de fazer uso de planos de saúde por causa
da recessão econômica; a Coalizão Saúde Brasil, que objetiva construir um novo sistema de
saúde para o Brasil; as alterações na lei Planos de Saúde, que tem o objetivo de reduzir
direitos das pessoas que utilizam os planos de saúde e também acarreta perda de recursos para
o SUS; entre outros (BRAVO; PELAEZ; PINHEIRO, 2018).
Cabe enfatizar que o setor privado está ganhando cada vez mais espaço na área da
saúde, onde 70% da prestação dos serviços de saúde em Natal estão sendo privatizados,
segundo o assistente social da Ouvidoria do SUS. Isso mostra que a tendência atual é
precarizar cada vez mais o SUS para fortalecer o projeto privatista.
Diante deste cenário de retiradas de direitos, citamos alguns apontamentos e
questionamentos que servirão para pesquisas posteriores. Alguns apontamentos: sentimos
falta de na própria legislação da ouvidoria do SUS não haver a solicitação do profissional de
serviço social, pois algumas demandas requerem um acolhimento diferenciado, na perspectiva
da viabilização de direitos sociais; também há a necessidade de aumentar o número de
pessoas para o atendimento dessas demandas, já que a sede da ouvidoria mudou-se para o
bairro do Alecrim, e consequentemente o número de atendimentos aumentou. A ampliação do
quadro da equipe ofereceria um acolhimento mais qualificado e não sobrecarregaria os
profissionais da equipe. Os relatórios quadrimestrais demonstraram a precarização dos
serviços prestados pelo SUS, onde sentimos a falta de outros documentos que pudessem
demonstrar os encaminhamentos da gestão com relação às demandas presentes na ouvidoria
do SUS.
Alguns questionamentos que perpassaram a pesquisa e que não foram possíveis de ser
respondidos: As respostas que são dadas pela Ouvidoria aos usuários do SUS, respondem
realmente as necessidades dos usuários? Como é a relação dos Distritos Sanitários do
município de Natal com a Ouvidoria do SUS, já que a Ouvidoria cobra as respostas das
demandas dos mesmos?
Concluímos que nesta conjuntura atual o projeto privatista de saúde ganha força,
descaracterizando o SUS como sistema universal e integral. O momento atual é de luta por
uma gestão mais participativa, onde haja o envolvimento de todos os atores envolvidos
(gestores, diretores, trabalhadores de saúde e usuários), em busca de um SUS universal, que
atenda a população baseado nos seus princípios. Sendo necessário lutar pela efetivação dos
direitos assegurados na Constituição Federal de 1988, lei 8.080/90 e a lei 8.142/90.
77
REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Adriana Alves; BEZERRA, Lucineide Martins. Relatório Final de Estágio
Supervisionado II. UFRN: Natal, 2017.
ALVES, Ana Rodrigues Cavalcanti. O conceito de hegemonia: de Gramsci a Laclau e
Mouffe. Revista Lua Nova, n. 80, p. 71-96, 2010.
BARRETO, I.S.; MEDEIROS, M.; SILVA, O.V. Tendências da política de saúde no Brasil e
os desafios para a solidificação do Sistema Único de Saúde. Revista Eletrônica de
Enfermagem, v.1, n.1, out/dez, 1999.
BARROS, Elizabeth. O controle social o processo descentralização dos serviços de saúde. In:
BRASIL, Ministério da Saúde. Incentivo à participação popular e controle social no SUS:
Textos técnicos para conselheiros de saúde. Brasília: IEC, 1994.
BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em Contra Reforma: desestruturação do Estado e perda
de direito. São Paulo: Cortez, 2003.
BEHRING, E. R; BOSCHETTI, I. Política social: fundamentos e história. 7.ed. São Paulo:
Cortez, 2010.
BOSCHETTI, Ivanete; SALVADOR, Evilásio. O Financiamento da Seguridade Social no
Brasil no Período 1999 a 2004: Quem paga a Conta? In: Serviço Social: direitos sociais e
competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.
BRAGA, Maria Helena; MATOS, Renê Gonçalves de; BRAGA, Carolina Sperândio;
MOREIRA, Lucas Machado. Políticas de saúde no Brasil: uma visão baseada nas normas
reguladoras editadas no período de 1990 a 2010. HU Revista, v. 39, n. 3 e 4, p. 45-54,
jul./dez., 2013.
BRASIL. Ministério da Saúde. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde
(NOB/SUS/96). Brasília: Ministério da Saúde, 1997.
________. MINISTÉRIO DA SAÚDE. GABINETE DO MINISTRO. Norma Operacional
da Assistência à Saúde: Portaria GM/MS 373/2002. Brasília: Ministério da Saúde,
2002.
________. Portaria GM 204, de 29 de janeiro de 2007. Regulamenta o financiamento e a
transferência dos recursos federais para as ações e os serviços de saúde, na forma de blocos
de financiamento, com o respectivo monitoramento e controle. Brasília/DF, 2007.
78
________. Manual das Ouvidorias do SUS/Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão
Estratégica e Participativa. Departamento de Ouvidoria-Geral do SUS. – Brasília: Ministério
da Saúde, 2014.
BRAVO, Maria Inês Souza. Serviço Social e reforma sanitária: lutas sociais e práticas
profissionais. – 2. Ed. – São Paulo: Cortez, 2007.
________. O Trabalho do Assistente Social nas Instâncias Públicas de Controle Democrático.
In: CFESS/ABEPSS (Org.). Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais.
Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009a.
________. Política de Saúde no Brasil. In: Serviço Social e Saúde: formação e Trabalho
Profissional. São Paulo: Cortez, 2009b.
BRAVO, Maria Inês Souza; CORREIA, Maria Valéria Costa. Desafios do controle social na
atualidade. Revista Serviço Social & Sociedade, n. 109, jan./mar, 2012.
BRAVO, Maria Inês Souza; PELAEZ, Elaine Junger; PINHEIRO, Wladimir Nunes. As
contrarreformas na política de saúde do governo Temer. Revista Argumentum, v. 10, n. 1, p.
9-23, jan./abr., 2018.
CARVALHO, Gilson. A saúde pública no Brasil. Revista Estudos Avançados, v. 27, n. 78,
p. 7-26, 2013.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 19. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.
CORREIA, Maria Valéria Costa. Que Controle Social? Os Conselhos de Saúde Como
Instrumentos. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000.
________. Controle Social na Saúde. In Serviço Social e Saúde: formação e Trabalho
Profissional. São Paulo: Cortez, 2009.
COSTA, Ana Maria; VIEIRA, Natália. Democracia Participativa e Controle em Saúde.
Rio de Janeiro: CEBES, 2012.
COUTINHO, Sérgio Augusto de Avellar. A revolução Gramscista no Ocidente (Extrato da
Obra) Digesto Econômico Especial. São Paulo, 2002.
COUTINHO, Carlos Nelson. De Rousseau a Gramsci: ensaios de teoria política. São Paulo:
Boitempo, 2011.
________. Contra a corrente: ensaios sobre a democracia e socialismo. – 2. ed. Ver. E atual.
– São Paulo: Cortez, 2008.
79
FERNANDES, Florestan. Que Tipo de República. São Paulo: Brasiliense, 1986.
________. Florestan Fernandes na constituinte: leituras para a reforma política. – São
Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo Expressão Popular, 2014.
GRAMSCI, Antonio. Americanismo e fordismo. Tradução de Gabriel Bogossian. São Paulo:
Hedra, 2008.
HOFFMANN, Edla; ROCHA, Gleyca Thyês da Silva Romeiro; ARAÚJO, Jéssica Alexandre
de; DANTAS, Marlene Alves; CARNEIRO, Naiara Estefânia Alves. Atenção Primária à
Saúde e as Particularidades do Município de Natal-RN. In: JORNADA INTERNACIONAL
DE POLÍTICAS PÚBLICAS, 08, 2013, Maranhão. Anais eletrônicos. Maranhão: Cidade
Universitária da UFMA, 2013. Disponível em:
<http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2013/JornadaEixo2013/anais-eixo16-
impassesedesafiosdaspoliticasdaseguridadesocial/aatencaoprimariaasaudeeasparticularidadesd
omunicipiodenatal-rn.pdf>. Acesso em 01 de mai 2018.
IAMAMOTO, Maria Villela. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro,
trabalho e questão social. - 8ª Ed.- São Paulo: Cortez, 2007.
LAMENHA, Rafaela Vieira. A Saúde Pública Brasileira na Atualidade: da reforma sanitária à
privatização neoliberal do SUS. In: JORNADA INTERNACIONAL POLÍTICAS
PÚBLICAS, 08, 2015, Maranhão. Anais eletrônicos. Maranhão: Universidade Federal do
Maranhão, 2015. Disponível em:
<http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2015/pdfs/eixo1/a-saude-publica-brasileira-
naatualidade-da-reforma-sanitaria-a-privatizacao-neoliberal-do-sus.pdf> Acesso em:
14/05/2018.
LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa. Seguridade Social e Saúde. In: Serviço Social na
saúde coletiva: reflexões e práticas. Rio de janeiro: Garamond, 2012.
MANDEL, Ernest. Teoria Marxista do Estado. Lisboa: Edições Antídoto, 1977.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 5. ed. Rio de Janeiro:
Vitória, 1963.
MATIAS, Janaina Roberta; LINS, Dayse Caroline Souza. A Contrarreforma do Estado
Brasileiro e os Novos Modelos de Gestão no SUS: a privatização em curso. In: JORNADA
INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS, 08, 2013, Maranhão. Anais eletrônicos.
Maranhão: Universidade Federal do Maranhão, 2013. Disponível em:
<http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2013/JornadaEixo2013/anais-
eixo3estadolutassociaisepoliticaspublicas/acontraeformadoestadobrasileiroeosnovosmodelosd
egestaonosus.pdf>. Acesso em 13 de mai. 2018.
80
MONTEIRO, Maria Gabriela; KRONEMBERGER, Thais Soares. Descentralização e
Participação Social no Sistema Público de Saúde. In: ENCONTRO DA ENPAD, 09, 2007,
Rio de Janeiro 2007. Anais eletrônicos. Rio de Janeiro: 2007. Disponível em:
<http://www.anpad.org.br/admin/pdf/APS-B2652.pdf>. Acesso em 26 de mai. 2018
NETO, Eleutério Rodrigues. A Reforma Sanitária e o Sistema Único de Saúde: suas origens,
suas propostas, sua implantação, suas dificuldades e suas perspectivas. In: BRASIL,
Ministério da Saúde. Incentivo à participação popular e controle social no SUS: Textos
técnicos para conselheiros de saúde. Brasília: IEC, 1994, p. 07-17.
NETTO, José Paulo. Crise e derrota da ditadura: 1979 – 1985. In: NETTO, José Paulo.
Pequena História da Ditadura Brasileira (1964 – 1965). São Paulo: Cortez, 2014.
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um Estado para a sociedade civil: temas éticos e políticos da
gestão democrática. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
________. As Possibilidades da Política: ideias para a reforma democrática do Estado. São
Paulo: Paz e Terra, 1998.
________. O desafio de construir e consolidar direitos no mundo globalizado. Revista
Serviço Social & Sociedade, n. 82, julho, p. 5-21, 2005.
NOGUEIRA, Vera Maria Ribeiro; MIOTO, Regina Célia Tamaso. Desafios atuais do Sistema
Único de Saúde – SUS e as exigências para os Assistentes Sociais. In: Serviço Social e
Saúde: formação e Trabalho Profissional. São Paulo: Cortez, 2009.
PASTORINI, Alejandra; GALIZIA, Silvana V. Principais características da redefinição da
proteção social no Brasil. In: PASTORINI, Alejandra; ALVES, Andrea Moraes; GALIZIA,
Silvana V. (org.). Estado e cidadania: reflexões sobre as políticas públicas no Brasil
Contemporâneo. Rio Janeiro: Editora FGV, 2012.
PEDRINI, Dalila Maria; ADAMS, Telmo; SILVA, Vini Rebassa da; (orgs). Controle social
de Políticas Públicas: caminhos, descobertas e desafios. - São Paulo: Paulus, 2007.
PEREIRA, Potyara A. P. Necessidades Humanas: subsídios a critica dos mínimos sociais. 2.
ed. São Paulo: Cortez, 2002.
PEREIRA, Maria Cristina Silva. Reflexões Sobre a Política de Descentralização em Saúde:
uma análise a partir do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel em Natal (RN). Dissertação
(Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2010.
PESSOTO, Umberto Catarino; RIBEIRO, Eduardo Augusto Werneck; GUIMARÃES, Raul
Borges. O papel do Estado nas políticas públicas de saúde: um panorama sobre o debate do
81
conceito de Estado e o caso brasileiro. Revista Saúde e Sociedade, vol.24, n.1, p. 09-22,
2015.
RAICHELIS, Raquel. Democratizar a Gestão das Políticas – Um Desafio a Ser Enfrentado
pela Sociedade Civil. In: Serviço Social e Saúde: formação e Trabalho Profissional. São
Paulo: Cortez, 2009.
ROCHA, Roberto. A Gestão Descentralizada e Participativa das Políticas Públicas no Brasil.
Revista Pós Ciências Sociais, v.1, n. 11, 2009.
ROCHA, Flávia Rebeca Fernandes; MACÁRIO, Epitácio. O impacto da EC 95/2016 e da
PEC 287/2016 para a Previdência Social brasileira. Revista SER Social, v. 18, n. 39, p. 444-
460, jul./dez., 2016.
SALVADOR, Evilasio da Silva. O desmonte do financiamento da seguridade social em
contexto de ajuste fiscal. Revista Serviço Social &Sociedade, n. 130, p. 426-44, set./dez.,
2017.
SANTIAGO, D. S. L.; BERNARDINO, C. L.; ALMEIDA, N. R; MORAIS, P. C.; SILVA,
M. F. S. Controle Social como Prática de Cuidado em Saúde: experiência de implementação
de conselhos de saúde no seridó-potiguar. Revista Saúde e Ciência online, v. 6, n. 1, p. 64-
76, 2017.
SAUTER, Angela Maria Weizenmann; GIRARDON-PERLINI, Nara Marilene Oliveira;
KOP, Águida Wichrowski. Política de Regionalização da Saúde: das normas operacionais ao
pacto pela saúde. Revista Mineira de Enfermagem (REME), v. 16, n. 2, p. 265-274,
abr./jun., 2012.
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE - SMS. Ouvidoria do SUS. Relatório Gerencial:
Quadrimestre de janeiro a abril de 2017. Natal: SUS, 2017a.
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE - SMS. Ouvidoria do SUS. Relatório Gerencial:
Quadrimestre de maio a agosto de 2017. Natal: SUS, 2017b.
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE - SMS. Relatório Anual de Gestão – RAG.
Natal/RN: SUS, 2017c.
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE – SMS. Programação Anual de Saúde – PAS.
Natal/RN: SUS, 2017d.
SELL, Carlos Eduardo. Introdução à Sociologia Política: política e sociedade na
modernidade tardia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
82
SILVA, Ademir Alves da. A gestão da seguridade social brasileira: entre a política pública
o mercado. 3. ed. – São Paulo: Cortez, 2010.
SILVA, Maria Lucia Lopes da. Previdência social no Brasil: (des)estruturação do trabalho e
condições para sua universalização. – São Paulo: Cortez, 2012.
SILVA, Maria Magdala Vasconcelos de Araújo. Capitalismo e políticas sociais: O dilema da
autonomia dos cidadãos e da defesa da universalidade dos direitos sociais. In: PASTORINI,
Alejandra; ALVES, Andrea Moraes; GALIZIA, Silvana V.(org.). Estado e cidadania:
reflexões sobre as políticas públicas no Brasil Contemporâneo. – Rio Janeiro: Editora FGV,
2012a.
SILVA, Giselle Souza da. Financeirização do Capital, Fundo Público e Políticas Sociais em
Tempos de Crise. In: BRAVO, Maria Inês Souza; MENEZES, Juliana Souza Bravo de (org.).
Saúde na atualidade: por um sistema único de saúde estatal, universal, gratuito e de
qualidade. 1. ed. – Rio de Janeiro: UERJ, Rede Sirius, 76 p., 2011.
SILVA, Ivanise Brito da. Desafios do Financiamento da Atenção Primária à Saúde: revisão
integrativa. Revista Brasileira em Promoção à Saúde, v. 30, n. 1, p. 110-117, jan./mar.,
2017.
SILVA, Mayara Duarte; CLEMENTINO, Milca Oliveira; SILVA, Alessandra Ximenes da. A
Política de Saúde no Contexto de Contrarreforma do Estado Brasileiro e os Novos Modelos
de Gestão: análise da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). In:
SEMINÁRIO FRENTE NACIONAL CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA SAÚDE, 10, 2017,
Alagoas. Anais eletrônicos. Alagoas: Universidade Federal de Alagoas, 2017. Disponível
em: <file:///C:/Users/User/Downloads/3979-14156-1-PB%20(5).pdf>. Acesso em 29 de mar.
2018.
SILVA, Maria Joselí de Souza; SILVA, Alessandra Ximenes da. Contrarreforma na Política
de Saúde: resistência e contribuições dos intelectuais coletivos de Serviço Social no
município de Campina Grande/PB. In: SEMINÁRIO FRENTE NACIONAL CONTRA A
PRIVATIZAÇÃO DA SAÚDE, 10, 2017, Alagoas. Anais eletrônicos. Alagoas:
Universidade Federal de Alagoas, 2017. Disponível em:
<file:///C:/Users/User/Downloads/3974-14132-1-PB%20(1).pdf>. Acesso em 28 de mar.
2018.
SOARES, Giselle Silva. Entre o projeto de modernidade e a efetivação da democracia: marcas
deixadas na construção da vida social brasileira. Revista Serviço Social & Sociedade, n.109,
p. 31-44, jan./mar., 2012.
SOLANO, Cleonice Halfeld. Plano de desenvolvimento da educação e plano de
desenvolvimento da escola: desdobramentos da implementação dessas políticas no contexto
83
escolar. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de
Fora, 2011.
SOUZA, Herbert Glauco de. Contra-Hegemonia: um conceito de gramsci? Dissertação
(Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.
SOUZA FILHO, Rodrigo. Crítica à concepção gerencialista de gestão pública: o caso
brasileiro. In: SEMINÁRIO LATINOAMERICANO DE ESCUELAS DE TRABAJO
SOCIAL, 10, 2009, Ecuador. Anais eletrônicos. Ecuador: Universidad Católica Santiago de
Ecuador, 2009. Disponível em: <http://www.ts.ucr.ac.cr/binarios/congresos/reg/slets/slets-
019-166.pdf>. Acesso em 01 de mai. 2018.
VASCONCELOS, Kathleen Elane Leal; SILVA, Mauricelia Cordeira da; SCHMALLER,
Valdilene Pereira Viana. (Re)visitando Gramsci: considerações sobre o Estado e o poder.
Revista Katálysis, vol. 16, n.1, jan./jun., 2013.
VIEIRA, Fabiola Sulpino; BENEVIDES, Rodrigo Pucci de Sá e. Os Impactos do Novo
Regime Fiscal para o Financiamento do Sistema Único de Saúde e para a Efetivação do
Direito à Saúde no Brasil. Nota Técnica do IPEA, n. 28, Brasília, 2016.