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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA POLÍTICA E PRÁXIS DA EDUCAÇÃO LUCIANE ALMEIDA MASCARENHAS DE ANDRADE O DESAFIO DA PARCERIA NA IMPLEMENTAÇÃO DO PRONERA: O CASO DO PROJETO ALFABETIZAÇÃO CIDADÃ NO NORDESTE PARAENSE NATAL/ RN 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA POLÍTICA E PRÁXIS DA EDUCAÇÃO

LUCIANE ALMEIDA MASCARENHAS DE ANDRADE

O DESAFIO DA PARCERIA NA IMPLEMENTAÇÃO DO PRONERA: O CASO DO PROJETO ALFABETIZAÇÃO CIDADÃ NO NORDESTE

PARAENSE

NATAL/ RN 2009

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LUCIANE ALMEIDA MASCARENHAS DE ANDRADE

O DESAFIO DA PARCERIA NA IMPLEMENTAÇÃO DO PRONERA: O CASO DO PROJETO ALFABETIZAÇÃO CIDADÃ NO NORDESTE

PARAENSE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como pré-requisito para obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profª Drª Maria Aparecida de Queiroz

NATAL/ RN 2009

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Divisão de Serviços Técnicos Andrade, Luciane Almeida de Mascarenhas. O desafio da parceria na implementação do PRONERA: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense / Luciane Almeida de Mascarenhas Andrade. - Natal, 2009. 185f. Orientadora: Profª. Drª. Maria Aparecida de Queiroz. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Educação. 1. Educação - Dissertação. 2. Educação no campo - Dissertação. 3. Políticas públicas - Dissertação. 4. Estado e educação - Dissertação. I. Queiroz, Maria Aparecida de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 37.018.51(811.5)

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LUCIANE ALMEIDA MASCARENHAS DE ANDRADE

O DESAFIO DA PARCERIA NA IMPLEMENTAÇÃO DO PRONERA: O CASO DO PROJETO ALFABETIZAÇÃO CIDADÃ NO NORDESTE

PARAENSE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como pré-requisito para obtenção do título de Mestre.

Aprovado em ___/___/_____

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________ Profª Drª Maria Aparecida de Queiroz (Orientadora)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

_________________________________________ Profª Drª Sônia Meire Azevedo de Jesus (Examinadora Externa)

Universidade Federal de Sergipe (UFS)

_________________________________________ Profª Drª Irene Alves Paiva (Examinadora Interna)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

_________________________________________ Prof. Dr. Alessandro Augusto de Azevêdo (Examinador Interno)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

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Dedico este trabalho

à minha mãe, minha referência, pelo exemplo de vida e de mulher, pelo amor dedicado, por todos os ensinamentos, pelo apoio incondicional às

minhas escolhas.

ao meu marido Iésu de Andrade, amor da minha vida, o maior dos presentes nessa caminhada, pelo amor, pelo companheirismo, pela felicidade que

construímos de mãos dadas.

“Si te quiero es porque sos mi amor mi cómplice y todo

y en la calle codo a codo somos mucho más que dos”

[Mário Benedetti]

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AGRADECIMENTOS

À professora Aparecida de Queiroz, minha orientadora, que me recebeu de

braços abertos e me permitiu percorrer o caminho de uma pós-graduação,

pela orientação desse trabalho, pela dedicação, pelas aprendizagens

compartilhadas.

Às professoras Irene Paiva e Sônia Meire, ao professor Alessandro Azevêdo,

pelas contribuições diretas e indiretas para esse trabalho, por gentilmente

aceitarem participar da banca examinadora.

À Georgina, minha amiga querida, minha mãezinha, maior responsável pelo

meu amor dedicado à educação do campo, pela participação decisiva na

minha caminhada não apenas na pós-graduação, por acreditar em mim, por

me apoiar sempre.

À Rose, minha amiga irmã, pela amizade incondicional, pela presença em

todos os momentos, pela confiança e pelas palavras de incentivo, pelas

contribuições incomensuráveis na construção desse trabalho.

À Nazinha, pelo carinho, consideração e pela contribuição decisiva na

realização da pesquisa de campo.

À Aparecida, pelas contribuições na elaboração e na revisão cuidadosa desse

trabalho, e principalmente pela convivência e amizade tão especial.

A Selma, Inês, Cacau, Odete, Sandra, Emília, Ricardo e Nil, amigos da

Amazônia, todos no mesmo barco navegando por Natal, pela amizade e

convivência nesse momento marcante de nossas vidas.

A família Mascarenhas de Andrade, minha família, pelo acolhimento, por todo

amor e apoio, pela referência.

Às amigas e aos amigos, professores e pós-graduandos da Base Política e

Práxis da Educação, pela convivência, pelas contribuições e aprendizagens

compartilhadas.

Às amigas e aos amigos da SEDIS, especialmente à Tina e ao Jeremias, pela

convivência, pelas risadas, pela torcida.

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Ao GEPERUAZ, pelas amizades, pelas experiências, pelos conhecimentos

socializados, por todas as oportunidades decisivas para minha formação.

Ao GUEAJA, pelo acolhimento, pelo trabalho coletivo, pelas vivências

pedagógicas, pelo compromisso com a educação do campo.

A Joana, Wagner, Donato, Rogério, Izaías e Eliézio, sujeitos dessa pesquisa,

que se dispuseram a dialogar sobre a implementação do Projeto

Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense, pela consideração e

compromisso com a educação do campo.

Às educadoras, aos educadores, às educandas e aos educandos do Projeto

Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense, que muito me ensinaram com

seus gestos, com suas poesias, com suas histórias de vida.

Ao PRONERA, por me possibilitar uma nova leitura de mundo, por

transformar a vida dos sujeitos do campo.

À UFRN, por meio do Programa de Pós-Graduação em Educação, pela

oportunidade da formação acadêmica e profissional.

Ao CNPq pelo auxílio financeiro, que permitiu a realização desse trabalho.

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Um galo sozinho não tece uma manhã:

ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele

e o lance a outro; de um outro galo

que apanhe o grito de um galo antes

e o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzem

os fios de sol de seus gritos de galo,

para que a manhã, desde uma teia tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,

se erguendo tenda, onde entrem todos,

se entretendendo para todos, no toldo

(a manhã) que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo

que, tecido, se eleva por si: luz balão.

Tecendo a manhã

[João Cabral de Melo Neto]

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RESUMO

O desafio da parceria na implementação do PRONERA: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense constitui-se em um estudo sobre as políticas públicas de educação do campo. Tem como objeto de análise a implementação do PRONERA, a partir do estudo de caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense, com o objetivo de compreender como a parceria, princípio operacional e metodológico preconizado pelo PRONERA, efetivou-se na implementação desse Projeto e quais suas possíveis implicações nas políticas públicas de educação do campo. Dentre os procedimentos metodológicos, realizamos a pesquisa bibliográfica e documental que permitiram situar a educação do campo em termos históricos e políticos, sistematizar a constituição e a organização do PRONERA e refletir acerca da parceria a partir de diferentes óticas. Realizamos também a pesquisa de campo por meio de entrevistas semiestruturadas, com o propósito de analisar a implementação do Projeto Alfabetização Cidadã, a partir do diálogo com os atores sociais envolvidos. Os resultados das análises indicaram que, historicamente, as políticas públicas de educação destinadas às populações do meio rural foram instituídas de verticalmente, desvinculadas da realidade do campo e incompatíveis com as necessidades e interesses dos sujeitos. Constatamos que, em período recente, movimentos sociais do campo vêm reivindicando e propondo ações que se estabeleçam como políticas públicas de educação do campo. Identificamos, pois, que o PRONERA é fruto desse movimento e se apresenta como anúncio de uma política pública de educação do campo, tendo como diferencial o fato de ser um programa do governo federal idealizado fora da esfera governamental, construído pelos movimentos sociais do campo e apresentar, dentre outras inovações, o modelo de parceria e a gestão colegiada, participativa e democrática. Nessa perspectiva, neste estudo de caso, ficou evidenciado que a parceria, perante os conflitos e embates entre os parceiros, não é o problema da implementação do PRONERA, mas o seu ponto alto. Desse modo, a parceria é um dos elementos necessários para a construção de políticas públicas, em particular, da educação do campo, visto que possibilita a interação de instituições públicas e movimentos sociais em nível local, conferindo legitimidade à educação do campo. Ao promover um processo de aprendizado democrático, a parceria tem se apresentado como estratégia de democratização da educação do campo. Palavras-chave: Política Pública; Educação do Campo; Estado e Educação; PRONERA. 

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RESUMEN

El desafío de la parcería en la implantación del PRONERA: el caso del Proyecto Alfabetización Ciudadana en Noreste de Pará se constituye en un estudio sobre las políticas públicas de educación del campo. El trabajo tiene como objeto de análisis la implantación del PRONERA, a partir del estudio de caso del Proyecto de Alfabetización Ciudadana en Noreste de Pará, con el objetivo de comprender como la parcería, principio operacional y metodológico propuesto por el PRONERA, se concretó en la implantación del Proyecto y cuales sus posibles implicaciones en las políticas públicas de educación del campo. Entre los procedimientos metodológicos, realizamos la investigación bibliográfica y documental que nos permitieron situar la educación del campo en términos históricos y políticos, sistematizar la constitución y la organización del PRONERA y reflexionar acerca de la parcería a partir de diferentes ópticas. Realizamos también la investigación de campo por medio de entrevistas semi-estructuradas, con el propósito de analizar la implantación del Proyecto da Alfabetización Ciudadana, a partir del dialogo con los actores sociales involucrados. Los resultados de las análisis indicaron que, históricamente, las políticas públicas de educación destinadas a las poblaciones de la zona rural fueron instituidas verticalmente, desvinculadas de la realidad del campo e incompatibles con las necesidades e intereses de los sujetos. Constatamos que, en período reciente, movimientos sociales del campo reivindican y proponen acciones que se establezcan como políticas públicas de educación del campo. Identificamos que el PRONERA resulta de ese movimiento y se presenta como anuncio de una política pública de educación del campo, teniendo como diferencial el hecho de ser un programa del gobierno federal idealizado fuera de la esfera gubernamental, construido por los movimientos sociales del campo y presentar, entre otras innovaciones, el modelo de parcería y la gestión compartida, participativa y democrática. En esta perspectiva, en este estudio de caso, se evidenció que la parcería, frente a los conflictos y las disputas entre sus miembros participantes, no es el problema de la implantación del PRONERA, sino su punto fuerte. De este modo, la parcería es uno de los elementos necesarios para la construcción de políticas públicas, en particular, de educación del campo, una vez que posibilita la interacción de instituciones públicas y movimientos sociales locales, atribuyendo legitimidad a la educación del campo. Al promover un proceso de aprendizaje democrático, la parcería se presenta como estrategia de democratización de la educación del campo. Palabras-clave: Política Pública; Educación del Campo; Estado e Sociedad; PRONERA.

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SIGLAS E ABREVIATURAS

CEB – Câmara de Educação Básica

CED – Centro de Educação

CEFFA – Centro Familiar de Formação em Alternância

CRUTAC – Centro Rural Universitário de Treinamento e de Ação Comunitária

CNE – Conselho Nacional de Educação

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

CPT – Comissão Pastoral da Terra

EDURURAL – Programa de Extensão e Melhoria para o Meio Rural

ENERA – Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária

GEPERUAZ – Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na

Amazônia

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário

MEC – Ministério da Educação

MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores

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MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

NEAD – Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural

ONG – Organização Não Governamental

PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica

PIPMOA – Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra Agrícola

PNERA – Pesquisa Nacional da Educação na Reforma Agrária

PRODAC – Programa Diversificado de Ação Comunitária

PRONASEC - Programa Nacional de Ações Sócio-educativas e Culturais

PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

SENAR – Serviço Nacional de Formação Profissional Rural

SIPRA – Sistema de Informação de Projeto de Reforma Agrária

UEPA – Universidade do Estado do Pará

UFPA – Universidade Federal do Pará

UnB – Universidade de Brasília

UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura

UNESP – Universidade Estadual de São Paulo

Unicamp – Universidade de Campinas

UNICEf – Fundo das Nações Unidas para a Infância

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................... 15

1 DA EDUCAÇÃO RURAL À EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL: SOBRE

POLÍTICAS PÚBLICAS TRANSITÓRIAS E COMPENSATÓRIAS ............. 25

1.1 EDUCAÇÃO RURAL NO BRASIL: DA INSUFICIÊNCIA DO ORDENAMENTO

JURÍDICO À FRAGILIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS .............................. 26

1.2 POR UMA POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO DO CAMPO: PROPOSTAS,

ARTICULAÇÕES E EMBATES A PARTIR DOS ANOS 90 ............................... 49

2 O PRONERA: ANÚNCIO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO

DO CAMPO PAUTADA NA PARCERIA .................................................. 75

2.1 CONTEXTO POLÍTICO DA FORMULAÇÃO E IMPLANTAÇÃO DO PRONERA . 77

2.1.1 Estrutura operacional e orientações pedagógicas do PRONERA:

uma breve caracterização ................................................................ 96

2.2 O PRONERA E O SEU PRINCÍPIO OPERACIONAL E METODOLÓGICO:

CONSTRUINDO UM ENTENDIMENTO ACERCA DA PARCERIA .................... 104

2.3 O PRONERA NO ESTADO DO PARÁ E A GÊNESE DO PROJETO

ALFABETIZAÇÃO CIDADÃ NO NORDESTE PARAENSE .............................. 113

3 A IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO ALFABETIZAÇÃO CIDADÃ NO

NORDESTE PARAENSE: OS DESAFIOS DA PARCERIA ....................... 124

3.1 A FORMULAÇÃO DO PROJETO ALFABETIZAÇÃO CIDADÃ NO NORDESTE

PARAENSE ....................................................................................... 125

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3.2 SOBRE O LUGAR DO PROJETO ALFABETIZAÇÃO CIDADÃ NO NORDESTE

PARAENSE ....................................................................................... 129

3.3 A ESTRUTURA ORGANIZACIONAL E A ORIENTAÇÃO PEDAGÓGICA DO

PROJETO ALFABETIZAÇÃO CIDADÃ NO NORDESTE PARAENSE ................. 131

3.4 A IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO ALFABETIZAÇÃO CIDADÃ NO NORDESTE

PARAENSE: LIMITES, AVANÇOS E DESAFIOS DA PARCERIA .................... 142

3.4.1 Das parcerias firmadas às parcerias vivenciadas ................... 153

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 170

REFERÊNCIAS ................................................................................. 177

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

 

 

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Foto: arquivo pessoal

A nossa luta é no campo das políticas públicas, porque esta é a única maneira de universalizarmos o

acesso de todo o povo à educação

[Roseli Caldart]

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como tema as políticas públicas de educação

do campo no Brasil e, como objeto de estudo, a implementação do

Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), a partir

do estudo de caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense.

Resulta de envolvimento político e profissional com a temática,

amadurecida quando do meu ingresso na Academia. Essa relação com a

temática se deu por conta da origem rural da minha família – minha mãe

nasceu no campo e foi alfabetizada em classes multisseriadas – e foi

compreendida no processo da minha formação acadêmica e profissional.

No ano de 2002, ingressei no curso de Pedagogia da

Universidade Federal do Pará (UFPA). Ainda, no segundo semestre do

curso, tive a oportunidade de integrar a equipe do Projeto Alfabetização

Cidadã na Transamazônica. Essa experiência foi decisiva na minha

trajetória acadêmica e de formação profissional e pessoal. Ao participar

desse Projeto, passei a fazer parte também do Grupo de Estudo e

Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia (GEPERUAZ). A atuação no

GEPERUAZ me proporcionou um forte envolvimento com as questões da

educação do campo. Tive a convicção de que a educação do campo, como

também a educação de jovens e adultos, seriam os campos da pedagogia

escolhidos para dedicar meus estudos e atuar profissionalmente.

A partir do vínculo com o grupo de pesquisa, pude compartilhar

de significativas experiências. Atuei, como estudante universitária e,

posteriormente, como formadora e professora, em projetos vinculados ao

PRONERA (Projeto Educação Cidadã na Transamazônica, Projeto

Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense, Curso de Magistério da

Terra); desenvolvi o plano de trabalho intitulado “Retratos da realidade da

educação do campo em assentamentos do Estado do Pará”, vinculado ao

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq) e

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integrei o coletivo do Fórum Paraense de Educação do Campo (FPEC)1.

Essa inserção me proporcionou aprendizagens e impôs desafios,

provocando muitas inquietações.

Nos estudos, nas discussões e nas práticas vivenciadas em

assentamentos e ilhas da Amazônia paraense, tomei contato com a

precária situação educacional do meio rural, dentre a qual destaco:

escolas insuficientes e com graves problemas de infraestrutura e

funcionamento, docentes sem qualificação, ausência de formação

continuada e acompanhamento pedagógico, currículos deslocados da

realidade e dos interesses e demandas dos seus sujeitos. Pude então

compartilhar de diversas experiências formativas e conhecer um pouco da

realidade da educação do campo, resultante da omissão do Estado.

Decorrente da minha atuação em projetos vinculados ao

PRONERA, pude tomar contato também com a proposta dessa política,

assim como conviver com os meandros da sua implementação. Um dos

aspectos relevantes desse processo concerne ao princípio operacional e

metodológico da parceria, que é a premissa básica para a realização das

suas ações e tem como principais parceiros: os movimentos sociais e

sindicais de trabalhadores rurais, as instituições públicas de ensino, as

instituições comunitárias de ensino sem fins lucrativos e o INCRA, sendo

que outros parceiros podem ser agregados, dependendo das

características de cada projeto.

Conforme pude constatar, a partir das vivências nos referidos

projetos, a prática da parceria se constitui em uma problemática no

âmbito das ações, haja vista os desafios inerentes à convivência e à

interação dos diferentes atores sociais envolvidos. 1 O FPEC é uma articulação que reúne entidades da sociedade civil, movimentos sociais, instituições de ensino, pesquisa e extensão, órgãos governamentais municipais, estaduais e federais de fomento ao desenvolvimento e da área educacional. Compartilhando princípios, valores e concepções político-pedagógicas, o movimento busca defender, implementar, apoiar e fortalecer as bases de educação do campo, de modo a gerar desenvolvimento por meio de uma educação que respeite as diferenças culturais, geográficas, econômicas, sociais e étnicas dos povos da Amazônia. Fonte: <http://www.educampoparaense.org/quem_somos/fpec/apresentacao.php>.

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Entendendo a parceria como meio de democratização da

formulação e da implementação de políticas públicas de educação do

campo, conforme reflexão de MUNARIM (2005), PONTUAL (2005),

DAGNINO (2002; 2004) e SOUZA (2001), e considerando as tensões e os

conflitos que se manifestam nesse processo como propiciadores da

reflexão e da reorganização da política pública de educação do campo, nos

propusemos2 a investigar a implementação do PRONERA, a partir do

Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense, buscando respostas

às seguintes questões de pesquisa: em que medida a parceria,

princípio operacional e metodológico preconizado pelo Pronera, foi

efetivado na implementação do Projeto Alfabetização Cidadã no

Nordeste Paraense? Quais as possíveis implicações da parceria nas

políticas públicas de educação do campo?

Concordamos com o posicionamento assumido por Boneti (2006,

p. 7-8), segundo o qual se faz necessário analisar as políticas públicas sob

o enfoque da “complexidade que envolve a dinâmica da formulação e da

operacionalização”. Para o autor, em geral, a academia tem tratado a

questão com enfoque na destinação e no gerenciamento dos recursos

públicos, priorizando a análise dos resultados, o que consiste em uma

análise necessária, mas falha no que diz respeito à etapa anterior, tanto

referente à gestação quanto à operacionalização da política. Diz o autor:

A insistência de estudar as políticas públicas por meio apenas da análise e da avaliação dos seus resultados em relação ao atendimento aos direitos sociais, como querem os funcionalistas, além de se constituir em estudo parcial da temática, pressupõe que as determinações legais, por si só, fundamentam e movem as instituições públicas e as suas ações, descuidando-se de considerar fatores outros que envolvem a organização da sociedade civil, os interesses de

2 Em virtude de, na introdução, conter alguns relatos de minha trajetória, inicialmente o tempo verbal aparece na primeira pessoa do singular, entretanto, na estrutura dissertativa do trabalho, o tempo verbal está na primeira pessoa do plural por ser fruto de um processo de construção coletiva, que envolveu muitos debates, estudos e interlocuções com a Profª Drª Aparecida de Queiroz, orientadora desse trabalho, com amigos, com pesquisadores e vários autores, através das referências utilizadas.

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classes, os partidos políticos e demais agentes determinantes na elaboração e gestão das políticas públicas que têm origem na sociedade civil (BONETI, 2006, p. 8).

Delimitamos, assim, como objetivos deste estudo, situar a

educação do campo em termos históricos e políticos; investigar a

constituição e a organização do PRONERA como anúncio de uma política

pública de educação do campo pautado na parceria; analisar a

implementação do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense, a

partir dos documentos oficiais e do diálogo com os atores sociais

envolvidos, no sentido de compreender a prática da parceria na

implementação de uma política pública de educação do campo.

Nesse sentido, tomamos como referência os fundamentos

teórico-metodológicos do método histórico dialético, por ser aquele que,

em relação aos demais, fornece maiores possibilidades epistemológicas

para se analisar o objeto investigado em suas múltiplas e concretas

determinações históricas, ao levar em consideração as contradições

sociais, relacionando-as dialeticamente às condições materiais de

existência dos envolvidos direta ou indiretamente no processo

investigativo (GATTI, 2002). Conforme assinala Frigotto,

Na perspectiva materialista histórica, o método está vinculado a uma concepção de realidade, de mundo e de vida no seu conjunto. A questão da postura, neste sentido, antecede ao método. Este constitui-se numa espécie de mediação no processo de apreender, revelar e expor a estruturação, o desenvolvimento e transformação dos fenômenos sociais (FRIGOTTO, 2001, p. 77).

Nossa estratégia de pesquisa, de acordo com a fundamentação

teórico-metodológica em questão, se desenvolveu a partir de um estudo

de caso o qual, conforme assinala Stake (apud ANDRÉ, 2005, p. 16), não

se trata de uma escolha metodológica, mas de uma escolha do objeto a

ser estudado, em que o conhecimento gerado a partir do estudo de caso é

diferente do derivado de outras pesquisas por ser mais concreto, mais

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contextualizado, mais voltado para a interpretação do leitor e baseado em

populações de referências determinadas pelo leitor (ANDRÉ, 2005). Desse

modo, “[...] o estudo de caso é o estudo da particularidade e da

complexidade de um caso singular, levando a entender sua atividade

dentro de importantes circunstâncias” (STAKE apud ANDRÉ, 2005, p. 18).

Ainda, dialogando com Stake (1995), compreendemos que nossa

pesquisa se enquadra no tipo de estudo de caso denominado de

instrumental, no qual o interesse do pesquisador pode ser uma questão

passível de ser elucidada por um caso particular, qual seja, a

implementação do PRONERA, via parceria, no Projeto Alfabetização Cidadã

no Nordeste Paraense.

Procedemos, assim, à pesquisa bibliográfica, pois conforme

ressaltam Lakatos e Marconi (2001, p. 32), “[...] a bibliografia oferece

meios para definir, resolver, não somente problemas já conhecidos, como

também explorar novas áreas onde os problemas não se cristalizam

suficientemente” e, ainda, “tem por objetivo permitir ao cientista o reforço

paralelo na análise de suas pesquisas”. Dessa forma, a pesquisa

bibliográfica não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo

assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou

abordagem, chegando inclusive a novas conclusões que avançam na

reflexão sobre uma temática.

Realizamos, ainda, a pesquisa documental, visto que “[...] os

documentos constituem também fonte poderosa de onde podem ser

retiradas evidências que fundamentam afirmações e declarações do

pesquisador” (LUDKE, 1986, p. 39). Além de serem considerados

cientificamente autênticos, dão a possibilidade de descrever e comparar

os fatos sociais. Procedemos, então, à consulta e à análise de documentos

como as três edições do Manual de Operações do PRONERA (1998; 2001;

2004), resoluções, pareceres, leis, projetos político-pedagógicos e

relatórios do PRONERA e do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste

Paraense.

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Finalmente, para apreender o objeto e sua concretude,

realizamos uma pesquisa de campo, fazendo uso da técnica de entrevista

para coleta de dados. Conforme esclarecem Bogdan e Biklen (1994, p.

134) “[...] a entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na

linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver

intuitivamente uma idéia sobre a maneira como os sujeitos interpretam

aspectos do mundo”. Optamos por realizar a entrevista semiestruturada,

que nas palavras de LAVILLE & DIONNE (1999), constituem uma “Série de

perguntas abertas, feitas verbalmente em ordem prevista, mas na qual o

entrevistador pode acrescentar perguntas de esclarecimento”.

As entrevistas foram realizadas com os sujeitos da

implementação do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense,

incluindo membros dos quatro parceiros da ação, conforme destacamos

no quadro a seguir. A escolha dos sujeitos justifica-se pela representação

de cada parceiro da ação, contemplando também cada função da equipe

do Projeto. Ressaltamos que, por razão ética e em comum acordo com os

sujeitos da pesquisa, estes não foram identificados, no corpo do texto,

pelo nome ou função, porém incluímos, no final das falas citadas, uma

menção à entrevista, seguida da data da sua realização.

Parceiro Membro (Função no Projeto) Nº

UFPA

Professora Coordenadora 1

Estudante Universitário 1

Formador 1

INCRA Assegurador da SR01/PA 1

Movimentos Sociais Coordenador Local 1

Governos Locais Coordenador Local 1

Quadro 1: Parceiros e respectivos membros entrevistados, segundo função desempenhada no Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense.

Nas entrevistas, foram focalizados aspectos relativos à gênese, à

formulação e à implementação do Projeto Alfabetização Cidadã no

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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Nordeste Paraense, privilegiando o surgimento da proposta e seu contexto

político. Contemplamos, ainda, os meandros da sua implementação,

focalizando a prática da parceria, os limites e os avanços do processo.

A análise dos dados coletados foi, portanto, pautada na tentativa

de ultrapassar a simples descrição, atribuindo novos significados às ações

e discussões existentes acerca da problemática investigada, tentando

estabelecer conexões que possibilitem novas explicações e interpretações.

Nesse sentido, a apresentação do estudo está organizada em quatro

capítulos.

No Capítulo 1, intitulado Da educação rural à educação do

campo no Brasil: sobre políticas públicas transitórias e

compensatórias, mapeamos as políticas públicas de educação

implementadas no meio rural brasileiro, numa perspectiva histórica, com

a finalidade de evidenciar a insuficiência do ordenamento jurídico e a

fragilidade das políticas públicas de educação rural. Discutimos, em

seguida, acerca do movimento, constituído a partir dos anos 90, em prol

de uma política pública de educação do campo, com destaque para as

propostas, as articulações e os embates que permeiam esse processo.

Para a construção desse entendimento, dialogamos, principalmente, com

Arroyo (1999; 2004; 2006), Dorneles (1990), Leite (2001), Queiroz

(1997), Calazans (1993), Paiva (1973), Ghiraldelli Jr. (2001), Silva

(2006), Fernandes (2001; 2004), Molina (2003, 2004) e Jesus (2004).

No Capítulo 2, denominado O PRONERA como anúncio de

uma política pública de educação do campo pautada na parceria, a

discussão se dá em torno do contexto político da formulação e

implantação do PRONERA, como da sua estrutura operacional e

orientações pedagógicas, com propósito de situar o Programa e discutir

aspectos da sua trajetória. Procedemos, também, a uma reflexão acerca

do princípio operacional e metodológico da parceria, preconizado pelo

PRONERA, com o intuito de construir um entendimento acerca da

temática, e finalizamos o capítulo situando a trajetória do PRONERA no

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Estado do Pará. Nesse momento, nos pautamos em estudos de Molina

(2003), Andrade e Di Pierro (2004), Dagnino (2002; 2004), Munarim

(2005), Pontual (2005), Souza (2001).

No Capítulo 3, intitulado Contextualizando a implementação

do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense: os desafios

da parceria, pautamos o processo da sua formulação, apresentamos sua

estrutura organizacional e orientação pedagógica e analisamos a

efetivação do princípio operacional e metodológico da parceria,

preconizado pelo PRONERA, no que tange às parcerias firmadas e

vivenciadas, contemplando os avanços, os limites e os desafios da ação.

Dialogamos, especialmente, com os sujeitos dessa pesquisa, considerando

as diferentes visões sobre o processo vivenciado, como também com os

referenciais teórico-metodológicos sistematizados, buscando não perder

de vista as mediações e as contradições que permeiam o fenômeno

estudado.

As considerações finais, longe de serem conclusivas,

evidenciam a dinâmica da construção da educação do campo, a qual

enfrenta desafios para se constituir como política pública. Os estudos

demonstram que, sem a participação dos sujeitos na construção de

políticas públicas coerentes com as necessidades e os interesses das

populações do campo, dificilmente a matriz da educação do campo se

materializará em forma de uma política pública de Estado, capaz de

garantir os direitos constitucionais e a distribuição de renda no país.

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23 

Foto: arquivo pessoal

Falar em política pública de Educação do Campo é equacionar novas posturas, novas estratégias, novas

diretrizes e sobretudo novas bases capazes de alicerçar o que o velho tratamento nunca garantiu: a

educação como direito dos povos do campo.

[Miguel Arroyo]

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24 

Capítulo 1

Da educação rural à educação do campo no Brasil: sobre políticas públicas transitórias e compensatórias

1.1 Educação rural no Brasil: da insuficiência do ordenamento jurídico à fragilidade das políticas públicas

1.2 Por uma política pública de educação do campo: propostas, articulações e embates

a partir dos anos 90

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CAPÍTULO 1

Da educação rural à educação do campo no Brasil: sobre

políticas públicas transitórias e compensatórias

O imperativo de uma política pública de educação do campo é o

cerne da questão colocada no âmbito da educação destinada às

populações do meio rural. Como nos diz Arroyo (2004), necessário se faz

uma política pública que garanta o direito à educação aos povos do

campo, portanto, uma política efetiva e ancorada nas especificidades do

meio rural, em detrimento das históricas políticas compensatórias,

baseadas na visão estereotipada do campo. No entendimento do referido

autor, a precária realidade da educação do campo é um produto de

políticas pouco públicas ou de um trato “privado”. A esse respeito, Arroyo

enfatiza:

É sabido que por décadas a presença de diversos agentes públicos construindo escolas precárias, contratando professores temporários, disponibilizando escasso material didático e pagando míseros salários tem sido não apenas uma presença tímida e descontínua, mas sobretudo uma presença nem sempre pautada no dever público de garantir direitos aos povos do campo (ARROYO, 2004, p. 93) .

Há o entendimento de política pública como o conjunto de ações

resultantes do processo de institucionalização de demandas coletivas,

constituído pela interação Estado-sociedade (DORNELES, 1990).

Entretanto, no histórico da educação destinada à população do meio rural,

no Brasil, observamos que, desde o ordenamento jurídico, perpassando

pelas políticas públicas, não foi essa compreensão que permeou a ação do

Estado nesse setor. Sua intervenção foi caracterizada por políticas frágeis,

transitórias e compensatórias, sob a forma de campanhas, projetos e

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programas, comumente de caráter emergencial e insuficiente, e marcadas

por um viés excludente (QUEIROZ, 1997).

Ao mesmo tempo, identificamos, em período recente, um

movimento intenso de construção de uma nova proposta, de um novo

paradigma1, de uma política pública de educação do campo, como

veremos, especificamente, a partir da década de 1990.

1.1 Educação rural no Brasil: da insuficiência do ordenamento

jurídico à fragilidade das políticas públicas

Em que pese o Brasil ser um país de origem eminentemente

agrária, no que concerne ao ordenamento jurídico, todas as constituições

contemplaram a educação escolar, entretanto, a educação rural sequer foi

mencionada nas Cartas de 1824 e 1891, “[...] evidenciando-se, de um

lado, o descaso dos dirigentes com a educação do campo e, do outro, os

resquícios de matrizes culturais vinculadas a uma economia agrária

apoiada no latifúndio e no trabalho escravo” (BRASIL/MEC/CNE, 2001, p.

03). A inserção da educação rural no ordenamento jurídico ocorre nas

primeiras décadas do século XX, “[...] incorporando, no período, o intenso

debate que se processava no seio da sociedade a respeito da importância

da educação para conter o movimento migratório e elevar a produtividade

no campo” (BRASIL/MEC/CNE, 2001, p. 4). Ratificando esta afirmação,

pondera Leite (2002):

Mesmo a República – sob inspiração positivista/cientificista – não procurou desenvolver uma política educacional destinada à escolarização rural, sofrendo esta a ação desinteressada das lideranças brasileiras. Dado o comprometimento dessas elites com a visão urbano-industrial que se cristalizou no país nas primeiras décadas do século [XX], a concentração dos esforços políticos e administrativos ficou vinculada às expectativas

1 Sobre o emergente paradigma de educação do campo conferir, dentre outros, Fernandes; Molina (2004); Caldart (2002; 2004); Arroyo (1999).

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metropolitanas, de modo que a sociedade brasileira somente despertou para a educação rural por ocasião do forte movimento migratório interno dos anos 1910/20, quando um grande número de rurícolas deixou o campo em busca das áreas onde se iniciava um processo de industrialização mais amplo (LEITE, 2002, p. 28).

Por ocasião do I Congresso de Agricultura no Nordeste Brasileiro,

realizado no ano de 1923, tem-se o registro da primeira referência à

educação para a população do meio rural. O modelo em questão era o de

educação do patronato, pautado no estado de dominação das elites

agrárias sobre os trabalhadores, com vistas ao aumento da produtividade

e à contenção da população no meio rural para preservar as cidades. Este

modelo era destinado aos menores pobres do meio rural como também

das cidades, desde que apresentassem interesse pela agricultura.

Logo, foi nos anos 30, em meio a um forte movimento migratório

interno, somado ao aumento da miséria no campo e na cidade, que se

consolidou a idéia de ruralismo pedagógico2, defendida pelos Pioneiros da

Escola Nova, em efervescência desde os anos 20, que indicava, como

sistematiza Julieta Calazans:

a) "Uma escola rural típica, acomodada aos interesses e necessidades da região a que fosse destinada (...) como condição de felicidade individual e coletiva". b) "Uma escola que impregnasse o espírito do brasileiro, antes mesmo de lhe dar a técnica do trabalho racional no amanhã dos campos, de alto e profundo sentido ruralista, capaz de lhe nortear a ação para a conquista da terra dadivosa e de seus tesouros, com a convicção de ali encontrar o enriquecimento próprio e do grupo social de que faz parte (isto em oposição à 'escola literária' que desenraizava o homem do campo)".

2 Palmeira (1990, p. 32) define o Ruralismo Pedagógico como um “Movimento que objetivou despertar o amor ao campo junto às populações rurais, e conter a migração rural-urbana”. Para Silva (2006, p. 68), trata-se de um “Discurso pedagógico que atribui a falta de desenvolvimento do campo à não fixação do homem à terra e à situação das escolas rurais, como uma situação predominantemente cultural, portanto, a escola teria o papel de realizar uma mudança no campo tirando-o do atraso e da ignorância, impedindo assim a migração de sua população para a cidade”.

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c) Uma escola ganhando adeptos à "vocação histórica para o ruralismo que há neste país" (CALAZANS, 1993, p. 18-19).

Cabe aclarar, entretanto, que a defesa das virtudes do campo e

da vida campesina era assumida, por um lado, pelos agroexportadores,

preocupados com o esvaziamento populacional das áreas rurais e com o

consequente enfraquecimento social e político do patriarcalismo, em

oposição ao movimento progressista urbano. Por outro lado, era também

apoiado por segmentos das elites urbanas, tendo em vista que a fixação

da população no meio rural era uma maneira de evitar a explosão de

problemas sociais nas cidades (LEITE, 2002).

Ainda, nesse período, Calazans (1993) faz referência a projetos

especiais ou setoriais, implementados a partir de 1934, patrocinados pelo

Ministério da Agricultura do governo de Getúlio Vargas, quais sejam:

colônias agrícolas e núcleos coloniais, voltados para o cooperativismo e o

crédito agrícola; cursos de aprendizado agrícola para formação de

capatazes rurais, com padrões equivalentes aos de ensino elementar; e

cursos de adaptação, voltados para a qualificação profissional do

trabalhador.

Em termos legais, apenas na Constituição Federal de 1934, sob

influência do Movimento Renovador, que culminou com o Manifesto dos

Pioneiros da Educação Nova (1932), foi dada uma abrangência maior ao

tratamento dos aspectos da educação; quanto à educação destinada às

populações do meio rural, ainda que de maneira frágil, assegurou o

financiamento para o atendimento escolar do campo como

responsabilidade do poder público (BRASIL/MEC/CNE, 2001). Além disso,

“Naquele momento [...] a situação rural não é integrada como forma de

trabalho, mas aponta para a participação nos direitos sociais”

(BRASIL/MEC/CNE, 2001, p. 6). Nessa perspectiva,

Para alguns, o precitado dispositivo constitucional pode ser interpretado como um esforço nacional de interiorização do

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ensino, estabelecendo um contraponto às práticas resultantes do desejo de expansão e de domínio das elites a qualquer custo, em um país que tinha, no campo, a parcela mais numerosa de sua população e a base da sua economia. Para outros, no entanto, a orientação do texto legal representava mais uma estratégia para manter, sob controle, as tensões e conflitos decorrentes de um modelo civilizatório que reproduzia práticas sociais de abuso de poder (BRASIL/MEC/CNE, 2001, p. 6).

Em que pese o reconhecimento da educação rural na

Constituição Federal de 1934, o forte apelo emanado pelo ruralismo

pedagógico e a implementação dos referidos projetos, a prioridade

assumida pelo Estado naquele momento histórico era a instalação de um

processo de industrialização, que demandou, por conseguinte, uma

política educacional voltada para o ensino vocacional urbano. Assim, o

ensino rural permaneceu inalterado, aliás, como adverte Maia (apud

LEITE, 2002, p. 30), contribuindo “[...] para uma percepção viesada [sic!]

da contradição cidade-campo como algo “natural”, concorrendo

consequentemente para sua perpetuação”.

Em sintonia com a conjuntura do período, a Constituição Federal

de 1937 silenciou a respeito da educação rural, sinalizando, assim, para a

importância da educação profissional no contexto da indústria,

legitimando as desigualdades sociais nas entranhas do sistema de ensino,

sem acompanhar-se de proposições para o ensino agrícola

(BRASIL/MEC/CNE, 2001).

Ainda referente à década de 30, Paiva (1973) mostra que a

preocupação com a educação rural, no Estado Novo, foi preservada e até

intensificada, tendo em vista o surgimento de novas associações que se

ocuparam da educação rural. A autora relata, por exemplo, que

Data de 1937 a fundação da Sociedade Brasileira de Educação Rural, organizada com o objetivo de propagar a educação rural e de estudar e difundir nosso folclore e artes rurais. Observa-se realmente que a preocupação em preservar nossa tradição folclórica, tão viva no movimento

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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modernista, se intensifica com a emergência do interesse pela educação rural (PAIVA, 1973, p. 129-130).

Mais adiante, entretanto, em seus escritos, a autora ressalta que

o tema da arte popular, em destaque nas ações voltadas para a educação

rural, tinha como objetivo “[...] a utilização de seu valor educativo para

conter a migração rural-urbana e garantir a estabilidade da ordem social

vigente” (PAIVA, 1973, p. 130). Como se pode observar, a ainda escassa

atenção destinada à educação da população do meio rural intentou, em

geral, à domesticação dos sujeitos, pautada na falsa valorização da

cultura camponesa, claramente discriminatória, para fins de

convencimento da permanência marginalizada no meio rural, em prol da

conveniência da população dos centros urbanos e do processo de

industrialização.

Já nos anos 40, em pleno contexto de evidente desigualdade do

setor agrícola, em virtude do processo de industrialização, porém ainda

sob vigência das idéias do ruralismo pedagógico, temos o registro de um

importante evento, realizado no ano de 1942: o VIII Congresso Brasileiro

de Educação. Nesse congresso, predominaram as principais idéias do

ruralismo pedagógico3, pautado no combate ao urbanismo, somado a uma

postura preventiva da desordem social.

Na análise de Sérgio Leite, embora se tenha partido de

premissas básicas4, o evento traduzia as idéias da nova oligarquia,

formada pela burguesia em ascensão, na medida em que “[...] não definiu

claramente os óbices da produção agrícola brasileira e da própria

3 “[...] a substituição da “escola desintegradora, fator de êxodo das populações rurais”, por uma escola cujo objetivo essencial fosse o “ajustamento do indivíduo ao meio rural, para fixação dos elementos de produção”, uma escola rural – caracteristicamente a escola do trabalho – cuja função fosse ‘agir sobre a criança, o jovem, o adulto, integrando-os todos na obra de construção da unidade nacional, para tranqüilidade, segurança e bem estar do povo brasileiro’” (CALAZANS, 1993, p. 26. Grifo nosso). 4 “[...] elevado número de analfabetos residentes na zona rural, a redução da produção agrícola em função da escassez de mão-de-obra provocada por movimento migratório interno e a necessidade de uma uniformidade sócio-cultural da Nação [...]” (LEITE, 2002, p. 31).

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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educação rural, mas sabia que ela era essencial para a manutenção do

status quo não só da sociedade como do próprio Estado” (LEITE, 2002, p.

31).

Tal análise se confirma nas Leis Orgânicas, promulgadas a partir

de 19425. Como esclarece Ghiraldell Jr. (2000, p. 86), a legislação era

clara: “[...] a escola deveria contribuir para a divisão de classes e, desde

cedo, separar pelas diferenças de chances de aquisição cultural, dirigentes

e dirigidos”. Assim, ao ensino secundário e normal cabia formar as elites

condutoras do país e, ao ensino profissional, os desfavorecidos.

Especificamente, no meio rural, o ensino agrícola tinha como objetivo

principal a formação dos trabalhadores da agricultura e restringia a

continuidade dos estudos relacionados à área específica do curso.

Nessa direção, a nova Constituição de 1946 propôs a

organização do sistema educacional de forma descentralizada, estabeleceu

a obrigatoriedade de empresas privadas industriais e comerciais

ministrarem a aprendizagem de trabalhadores menores, entretanto, as

empresas agrícolas foram dispensadas desta responsabilidade,

configurando, assim, no “[...] desinteresse do Estado pela aprendizagem

rural, pelo menos do ponto de emprestar-lhe status constitucional”

(BRASIL/MEC/CNE, 2001, p. 9).

Ainda no contexto da década de 40, desenvolveu-se uma

multiplicidade de projetos e programas, sob a responsabilidade do

Ministério da Agricultura e do Ministério da Educação e Saúde, com o

patrocínio de programas norte-americanos, a partir da criação da

Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais –

CBAR (CALAZANS, 2001). Essa comissão tinha por objetivos a

implantação de projetos educacionais na zona rural e o desenvolvimento

5 As leis orgânicas do ensino foram uma série de decretos-leis que começaram a ser emitidos durante o Estado Novo e se completaram após o seu término (1942-1946) e foram organizadas em Ensino Secundário (Decreto-Lei nº 4.244/42); Ensino Técnico-Profissional, subdividido em quatro modalidades: Industrial (Decreto-Lei nº 4.073/42), Comercial (Decreto-Lei nº 6.141/43), Normal (Decreto-Lei nº 8.530/46); Ensino Agrícola (Decreto-Lei nº 9.613/46) e Ensino Primário (Decreto-Lei nº 8.529/46).

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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das comunidades do campo, a partir da criação de "Centros de

Treinamento, da realização de Semanas Ruralistas e da criação e

implantação de Clubes Agrícolas e Conselhos Comunitários Rurais, com o

discurso de que o progresso da agricultura no país dependia da educação

do homem do campo (LEITE, 2002).

A década de 1940 foi marcada também por iniciativas políticas e

pedagógicas que ampliaram a educação de adultos. No ano de 1947, foi

instituída a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA)6,

que deu início ao movimento de educação popular, vislumbrando ações

educativas de maior profundidade, nos moldes das Missões Rurais de

Educação de Jovens e Adultos7. Como sintetiza Paiva (1973), a CEAA,

como campanha de massa, apresentava, de um lado, a diretriz política da

quantidade e, de outro, a diretriz técnica da qualidade e da continuidade

do ensino. Entretanto, como esclarece ainda a autora, o aspecto

quantitativo prevaleceu ao aspecto qualitativo, afinal, este não iria lograr

“[...] sobrepor-se à política do programa, ou seja, ao seu caráter de

campanha alfabetizadora que pretende atingir grandes contingentes

populacionais” (PAIVA, 1973, p. 179).

No ano seguinte, em 1948, sob o patrocínio da American

International Association for economic and social developmente (AIA),

nasceu a extensão rural, com a criação da Associação de Crédito e

Assistência Rural (ACAR), que era uma instituição de âmbito estadual

responsável por promover a extensão rural e o crédito rural

supervisionado, de acordo com modelos já testados nos Estados Unidos,

desde o século XVIII. O objetivo era disseminar, nas comunidades rurais, 6 Como ressalta Silva (2006, p. 67) “A Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA-1947) é a primeira grande campanha de educação dirigida predominantemente ao meio rural; dela se desmembrou, em 1952, a Campanha Nacional de Educação Rural – CNER, que centrou sua ação na educação comunitária, com as missões rurais, e na formação do professor leigo”. Discorremos mais adiante sobre a CNER. 7 Segundo Calazans (2001), “A idéia que fundamenta a prática de ‘Missões Rurais’ é a de ação educativa integral para soerguimento geral das condições de vida material e social de pequenas comunidades rurais (as CSRs). A primeira Missão Rural de Educação, no entanto, só começou a funcionar em 1950, no município fluminense de Itaperuna” (CALAZANS, 2001, p. 2).

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o uso de técnicas com vistas a aumentar a produtividade e o bem-estar

social. Todavia, ressalta Leite (2002) que

O objetivo imediato da Extensão Rural foi o combate à carência, à subnutrição e às doenças, bem como à ignorância e a outros fatores negativos dos grupos empobrecidos no Brasil, principalmente aqueles que integravam a sociedade rural, classificados como desprovidos de valores, de sistematização de trabalho ou mesmo de capacidade para tarefas socialmente significativas. Para o programa de Extensão, o rurícola brasileiro era tido como um indivíduo extremamente carente, que deveria ser assistido e protegido (LEITE, 2002, p. 32).

Logo, o desenvolvimento agrário era um discurso que disfarçava

a real intenção de ampliar a dependência político-ideológica dos sujeitos

do meio rural e, ainda, aumentar a produção com vistas ao atendimento

do mercado, em detrimento do anunciado objetivo de melhoria da

qualidade de vida da população. Nesses moldes, em meados dos anos de

1950, houve uma grande ampliação de associações como a ACAR no

Centro Sul e no Nordeste do país, tendo como fundadores responsáveis os

governos estaduais, os bancos, as federações de indústrias, as federações

de comércio e federações de agricultura, além do Escritório Técnico de

Agricultura Brasil – Estados Unidos (ETA), um órgão binacional localizado

no então Ministério da Agricultura, com um diretor nomeado por cada país

(CALAZANS, 1993).

Um segundo momento desta ampliação foi a criação, em 1956,

da Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (ABCAR), que

centralizou o extensionismo com a incumbência de coordenar programas

de extensão e captar recursos técnicos e financeiros. Esta associação teve

como principais patrocinadores organizações de cooperação técnica,

ligadas diretamente ao governo dos Estados Unidos; corporações,

associações e fundações privadas e organismos internacionais os quais,

segundo Calazans (1993, p. 24), concediam aos outros patrocinadores

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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“[...] legitimidade, cobertura e prestígio e que, como eles, são

instrumentos [...] da economia de mercado e vendem uma imagem

romântica da extensão rural”.

Ainda no contexto da década de 50, em meio ao quadro nacional

do desenvolvimento, ocorreu a implementação de mais dois grandes

programas educativos voltados para as bases populares do meio rural

brasileiro, quais sejam: a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) e

o Serviço Social Rural (SSR). A respeito das ações no meio rural, a partir

dessa década, pondera Silva (2006) que,

[...] o discurso baseado numa tendência social e política urbanizante e desenvolvimentista vem se contrapor ao discurso do ruralismo. Para o discurso urbanizador [...], as populações migrantes rurais têm uma mentalidade que não se ajusta ao racionalismo da cidade, cabendo à escola preparar culturalmente aqueles que residem no campo, com uma educação que facilite a adaptação a um meio que tende a uniformizar-se pela expansão da industrialização e da urbanização, cabendo a escola oferecer uma formação universal e única, e que os problemas das escolas rurais estariam vinculados à sua organização, aos métodos e técnicas que utilizava e à formação do professorado. Esse discurso urbanizador vai se tornando gradativamente hegemônico na teoria pedagógica com uma perspectiva universalista que vai anulando as especificidades e a necessidade de uma política educacional específica do campo [...] (SILVA, 2006, p. 68-69).

Esta assertiva de Silva (2006) é ratificada quando verificamos

que a CNER, criada no ano de 1952, originada da Campanha de Educação

de Adultos, sob o regime de co-responsabilidade do Ministério da

Educação e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, tinha

por finalidade preparar técnicos para atuarem na educação de base8 rural

e programas de melhoria de vida dos sujeitos do campo, nas áreas da

8 “O conceito Educação de Base usado pela Unesco, a partir de 1947, como sendo o acesso da população ao mínimo fundamental de conhecimentos, em termos das necessidades individuais e coletivas, através de métodos ativos, deveria contemplar o desenvolvimento da leitura, da escrita, do falar e do ouvir, do desenvolvimento profissional, sanitário, moral e espiritual” (SILVA, 2006, p. 69).

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saúde, trabalho associativo, economia doméstica, artesanato, entre

outros, com vistas à recuperação e ao desenvolvimento de comunidades

rurais. Relata Calazans (1993) que seus objetivos eram inspirados pela

Unesco e preconizavam:

a) Investigar e pesquisar as condições econômicas, sociais e culturais da vida rural brasileira; b) preparar técnicos para atender às necessidades da educação de base; c) promover e estimular a cooperação das instituições e dos serviços educativos existentes no meio rural e que visem ao bem comum; d) concorrer para a elevação dos níveis econômicos da população rural pela introdução, entre os rurícolas, de técnicas avançadas de organização e de trabalho; e) contribuir para o aperfeiçoamento dos padrões educativos, sanitários, assistenciais, cívicos e morais das populações do campo; f) oferecer, enfim, orientação técnica e auxílio financeiro a instituições públicas e privadas que, atuando no meio rural, estejam integradas aos objetivos e finalidades do seu plano (CALAZANS, 1993, p. 22).

Conforme Paiva (1973), a criação da CNER pode ser considerada

como um dos pontos altos do movimento em favor do ensino rural, no

entanto, não se pode desconsiderar que sua existência foi bastante

acidentada. Assim, na análise de Leite (2002), a Campanha desconsiderou

a problemática rural, pois se restringiu a fórmulas tradicionais de

dominação. O autor pondera ainda:

Centrada na ideologia do desenvolvimento comunitário, a modernização do campo nada mais foi do que a internacionalização da economia brasileira aos interesses monopolistas, e a CNER, ao realizar seu trabalho educativo, desconsiderou as contradições naturais dos grupos campesinos, ou mesmo seus elementos integrativos, quer políticos, sociais ou culturais (LEITE, 2002, p. 37).

Nessas circunstâncias, as reivindicações das minorias rurais

foram silenciadas diante das ações da Campanha que se colocavam como

gerais e coletivas, portanto, não cabia contemplar segmentos isolados.

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Mais uma evidência do desprezo aos diferentes sujeitos do meio rural e

sua diversidade socioeconômica e cultural.

Semelhante à CNER, o Serviço Social Rural, criado em 1955,

subordinado ao Ministério da Agricultura, enfatizava o cooperativismo, o

associativismo, a economia doméstica e o artesanato. Quanto a sua

estrutura, era organizado em sistema de conselhos regionais com sede

nas capitais em todos os estados brasileiros. Como expresso na Lei nº

2.613, de setembro de 1955, da criação do SSR, este tinha por finalidade

a prestação de serviços sociais no meio rural, com vistas à melhoria das

condições de vida da população. Destacamos, também, a promoção da

aprendizagem e do aperfeiçoamento das técnicas de trabalho de acordo

com o meio rural; o fomento de economia das pequenas propriedades e

atividades domésticas no meio rural e o incentivo de criação de

comunidades, cooperativas e associações rurais (BRASIL, 1955).

Seguindo o posicionamento assumido por Calazans (1993),

compreendemos que as experiências da CNER e do SSR guardam

semelhanças, haja vista refletirem as idéias do pensamento educacional

da época, marcado, em âmbito mundial, pelo contexto da Guerra Fria e,

em âmbito nacional, pelo período desenvolvimentista do governo Juscelino

Kubitschek; essas experiências estavam orientadas, portanto, pela tônica

do desenvolvimento da comunidade que, na realidade, mascarava a

legítima intenção de “[...] integrar, numa sociedade capitalista de

mercado, regiões de baixo consumo e com grande potencial de

produtividade inexplorado” (CALAZANS, 1993, p. 28). Afinal, não

podemos perder de vista a interferência direta de estratégias norte-

americanas no Brasil, principalmente a partir do pós-guerra.

Ainda dialogando com Calazans (1993) sobre as ações voltadas

para a educação no meio rural, nos anos de 1940 e 1950, em especial a

ACAR, a ABCAR, o SSR e a CNER, verificamos a forte interferência norte-

americana na política educacional brasileira. Para a autora, fatores como a

unidade nacional, a integração ocidental, a constituição de um mercado

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consumidor e o adestramento de produtores tendiam a políticas

homogeneizadoras. Assim, faz referência a tais ações como “[...] peças de

uma mesma engrenagem acionadas segundo critérios bem definidos [...]”

e conclui:

Tal traço motiva reservas quanto à natureza alienígena dos programas implantados no Brasil de então. São os chamados “pacotes” que chegam prontos e acabados, moldados por uma realidade diversa. Parece não se questionar a inadaptabilidade de seus métodos e conteúdos à realidade brasileira, e fica sempre a questão do papel relativo em tais discussões do pensamento social brasileiro. Isto é, de que forma a tradição brasileira de investigação e debate sobre questões rurais nacionais é chamada a intervir, pelo menos para operar as mediações indispensáveis à aclimação de tais programas aos trópicos (CALAZANS, 1993, p. 27-28).

Diante desses fatores, em que pese todo o esforço empregado

até então, sobretudo para a fixação do homem no campo,

compreendemos o motivo pelo qual o êxodo rural no Brasil tenha iniciado

ainda nos anos 50, em pleno funcionamento dos programas mencionados,

agravando-se na década subsequente, também em decorrência da

atuação da indústria no sudeste do país.

Um aspecto importante a ser destacado se refere à mobilização

da sociedade civil, nos anos 90. Não seria demais afirmar que, se a

década de 50 foi claramente condicionada às intenções capitalistas, os

primeiros anos de 1960 caracterizaram-se pela tônica do movimento

popular em prol de uma política de educação para a população do meio

rural. Como esclarece Silva (2006),

A partir de 1960, as lutas contra a exclusão da população da escolarização, pela reforma agrária, vão contribuir para a redefinição da educação. A educação popular passa a ser entendida não só como um direito de cidadania, mas como a necessidade de encontrar caminhos para um processo educativo, mas, também político, econômico, social e cultural (SILVA, 2006, p.69).

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No âmbito da educação geral, a década de 60 foi distinta em

face da promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Se esta lei

apresentou lacunas no âmbito da educação, em geral, pode-se dizer que

ela praticamente se omitiu das particularidades da educação no meio rural

na medida em que deixou a estruturação da escola a cargo dos

municípios, caracterizados pela precariedade das prefeituras. Desta forma,

[...] com uma política educacional nem centralizada nem descentralizada, o sistema formal de educação rural sem condições de auto-sustentação – pedagógica, administrativa e financeira – entrou num processo de deteriorização, submentendo-se aos interesses urbanos (LEITE, 2002, p.39).

Explicita Ghiraldelli Jr. (2000, p. 120) que a aprovação desta

primeira LDBEN abalou as forças progressistas ligadas à educação, o que

resultou na constituição de campanhas de educação popular, como o

Movimento de Cultura Popular (MCP), os Centros Populares de Cultura

(CPC) e o Movimento de Educação de Base (MEB), promovidos por várias

tendências e grupos de esquerda, preocupados com a problemática da

cultura das classes trabalhadoras.

O MCP, criado um pouco antes da promulgação da LDB,

precisamente em maio de 1960, era vinculado à prefeitura de Recife/PE e,

posteriormente, multiplicou-se por todo o país. Tinha como meta

promover a conscientização das massas, elevar a cultura e preparar para

a vida e para o trabalho, a partir de programas de alfabetização e

educação de base, orientados pela educação não formal. Eram

organizados parques de cultura, praças de cultura, núcleos de cultura

direcionados para a educação infantil, educação de adolescentes e de

adultos, com vistas a uma articulação permanente entre escolaridade,

cultura e formação de base.

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No âmbito do MCP destacou-se a experiência pioneira da

prefeitura de Natal/RN, em 1961, com a Campanha “De pé no chão

também se aprende a ler”, a qual, como assinala Ghiraldelli Jr. (2000, p.

121) “[...] se diferenciou das outras iniciativas, pois buscou integrar a

educação popular com a educação escolar, uma vez que se tratou da

própria expansão e diferenciação da rede escolar municipal”. Conforme

analisa Willington Germano,

De um movimento que, de início, pretendia simplesmente oferecer educação para todos, De Pé no Chão... avança conceptualmente e passa a encarar educação e cultura como instrumentos de libertação. Não se tratava, pois, de um projeto que tivesse em vista integrar marginalizados à sociedade, fornecendo aos indivíduos escolarizados a possibilidade de ascensão social. Tratava-se, isto sim, de transformar essa mesma realidade, e a educação e cultura exerceriam um papel preponderante nesse processo (Germano, 1982, p. 177-8).

Semelhante ao MCP, os CPC também se multiplicaram por todo o

país. Criados em abril 1961, pela União Nacional dos Estudantes (UNE),

trabalhava pela politização das questões sociais por meio do teatro de rua,

edição de livros, discos e filmes e promoveram também ações de

alfabetização. “Acreditavam que o plano cultural era importante para a

transformação social do país e a politização das massas” (SILVA, 2006, p.

70).

Com objetivos voltados também para as populações do meio

rural, o MEB foi criado em 1961, vinculado diretamente à igreja cristã

católica, dedicado à educação, principalmente alfabetização de jovens e

adultos. Também se constituiu em um amplo movimento, assim como o

CPC e o MCP, voltado para a transformação das mentalidades em busca

de mudanças sociais efetivas (GHIRALDELLI JR., 2000). As ações desse

Movimento eram realizadas por meio “[...] de uma rede de escolas

radiofônicas e participação na sindicalização rural com o trabalho nas

escolas rurais e nas paróquias para a formação de lideranças rurais [...]”.

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Essas três frentes de educação, voltadas para o meio rural,

guardam semelhança também pela ligação aos movimentos de esquerda,

além da sustentação ideológica advinda do desenvolvimento das Ligas

Camponesas9, sindicatos de trabalhadores rurais e outras entidades

vinculadas ao meio rural (LEITE, 2002).

Outro aspecto de grande relevância é lembrado por Ghiraldelli Jr.

(2000):

No seio desses movimentos surgiu a Pedagogia Libertadora, cuja origem está diretamente associada ao método de alfabetização de adultos de Paulo Freire e aos seus primeiros escritos sobre educação (GHIRALDELLI JR., 2000, p.122).

Em que pese o diferencial desses movimentos populares no que

se refere à participação popular e ao atendimento das especificidades,

A luta pela reforma agrária e pela educação de base teve, em contraposição, novos convênios assistenciais/ educacionais entre Brasil/EUA, dessa vez a “Aliança para o Progresso”. Esse programa de atendimento à carência rural e urbana foi organizado [...] visando acordos assistenciais e financeiros para países do hemisfério sul (LEITE, 2002, p.40).

Mais uma vez, prevaleceu a ênfase no desenvolvimento do

capital, sob o controle dos Estados Unidos, em detrimento da educação

que contribuiria para despertar a conscientização da população do meio

rural.

Nessa perspectiva, paralelamente à Aliança para o Progresso,

configurou-se a criação de programas setoriais como a SUDENE,

SUDESUL, INBRA, INDA e INCRA, relacionados tanto às situações dos 9 “As Ligas Camponesas, criadas em 1955 em Pernambuco, inicialmente contra o pagamento do foro aos donos de Engenho, e posteriormente, se tornando um movimento de luta pela Reforma Agrária se espalhou por vários Estados do Nordeste. A partir das Ligas os camponeses organizados faziam um trabalho de denúncia, agitação, resistência na terra e mobilizações [...] utilizavam diferentes estratégias para organizar e formar os trabalhadores [...], e dentre as reivindicações das Ligas a escola já aparecia como um direito importante para os trabalhadores (as) do campo” (SILVA, 2006, p. 73).

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assentamentos, quanto à expansão produtiva agrícola, bem como a

educação informal para a população. O principal objetivo desses

programas consistia em “[...] conter o expansionismo dos movimentos

agrários e das lutas camponesas” (LEITE, 2002, p. 41).

Essas ações contribuíram, então, para uma proliferação

extraordinária de programas para o meio rural, a partir dos anos 50, tais

como Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra Agrícola

(PIPMOA), Programa Diversificado de Ação Comunitária (PRODAC),

Serviço Nacional de Formação Profissional Rural (SENAR), Centro Rural

Universitário de Treinamento e de Ação Comunitária (CRUTAC), Projeto

Rondon, entre outros. Em que pesem ações localizadas, em geral, esses

programas estavam embasados na concepção tradicional de educação em

que o professor era o centro do ensino e o aluno, um ser passivo (Freire,

1982). Com normas disciplinares rígidas, embasadas no autoritarismo

ainda reinante, essa tendência educacional compõe o então modelo

urbano de educação no Brasil.

Com o golpe militar, em 1964, tais projetos ganharam fôlego e

as iniciativas impulsionadas pelo movimento popular foram interrompidas,

configurando um retrocesso na política educacional, na medida em que

fechou os canais de participação e representação, impôs limites e controle

aos segmentos populares e aos bens educacionais e sociais

(BRASIL/MEC/GPTEC, 2004). Passaram a vigorar, principalmente,

programas vinculados a convênios estabelecidos entre o governo brasileiro

e o governo norte-americano, atrelados ao capital internacional, com o

apoio direto de entidades internacionais como a Inter-American

Foundation ou a Fundação Rockfeller. Ocorreu, então, de forma incisiva, a

entrada da extensão rural no campo, em contraposição explícita ao ensino

formal (LEITE, 2002). Como complementa Germano (2005), no Estado

militar e ditatorial, a política educacional se desenvolveu em torno dos

seguintes eixos:

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1) Controle político e ideológico da educação escolar, em todos os níveis [...]. 2) Estabelecimento de uma relação direta e imediata, segundo a “teoria do capital humano”, entre educação e produção capitalista [...]. 3) Incentivo à pesquisa vinculada à acumulação do capital. 4) Descomprometimento com o financiamento da educação pública e gratuita, negando, na prática, o discurso de valorização da educação escolar e concorrendo decisivamente para a corrupção e privatização do ensino, transformando em negócio rendoso e subsidiado pelo Estado (GERMANO, 2005, p. 105-6).

Definitivamente, o que estava em voga era a questão

econômica, em detrimento da educação. O processo educativo, por sua

vez, estava totalmente direcionado à capacitação mínima para o mercado

de trabalho e, ainda, predominantemente, nas cidades, afinal, estava fora

de questão o meio rural e a produção agrícola. Essa dinâmica se confirma

no texto da Constituição de 1967, que sob a égide da ditadura militar,

reforçou o sistema de subjugação da educação rural às elites brasileiras.

Nessa Carta,

[...] identifica-se a obrigatoriedade de as empresas convencionais agrícolas e industriais oferecerem, pela forma que a lei estabelece, o ensino primário gratuito de seus empregados e dos filhos destes. Ao mesmo tempo, determinava, como nas cartas de 37 e 46, que apenas as empresas comerciais e industriais, excluindo-se, portanto, as agrícolas, estavam obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores (BRASIL/MEC/CNE, 2001, p. 9).

Visualizamos, na lei maior do país, a contradição e o descaso

para com a educação destinada à população pobre do meio rural, mais

uma vez relegada, precisamente como fora confirmado nas Cartas de

1937 e de 1946. Esta determinação legal é reafirmada na emenda

constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, na qual se identificam,

basicamente

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[...] as mesmas normas, apenas limitando a obrigatoriedade das empresas, inclusive das agrícolas, com o ensino primário gratuito dos filhos dos empregados, entre os sete e quatorze anos. Deixava antever, por outro lado, que tal ensino poderia ser possibilitado diretamente pelas empresas que o desejassem, ou, indiretamente, mediante a contribuição destas com o salário educação, na forma que a lei viesse a estabelecer (BRASIL/MEC/CNE, 2001, p. 9).

Assim, foi ratificada mais uma vez a isenção da obrigatoriedade

das empresas agrícolas de proporcionarem condições de aprendizagem

aos trabalhadores menores rurais, o que confirma a ênfase na educação

da população urbana, direcionada para o desenvolvimento a partir da

indústria.

Para o meio rural coube, como de praxe, a implementação de

programas desarticulados, provisórios e insuficientes, voltados para a

capacitação técnica, a serviço da modernização do campo, na perspectiva

da internacionalização da economia brasileira aos interesses do capital

monopolista.

Seguindo o curso das políticas implementadas, no período da

ditadura militar, nos anos 70, cabe citar, inicialmente, a promulgação da

nova LDB, Lei nº 5.692 de 11 de agosto de 1971, acerca da estruturação

do ensino fundamental e secundarista. É consenso que esta LDB pouco se

diferenciou da anterior (Lei nº 4.024/61), visto que o regime militar não

efetivou uma ruptura ao modelo econômico em curso, mas sim uma

alteração política para o seu favorecimento. Prevaleceu, portanto, a

preocupação com o desenvolvimento econômico, reduzindo, assim, a

função da formação escolar para o mercado de trabalho. Conforme

complementa Ghiraldelli Jr. (2000),

A Lei 4.024/61 refletiu princípios liberais vivos na democracia relativa dos anos 50, enquanto a Lei 5.692/ 71 refletiu os princípios da ditadura, verificados pela incorporação de determinações no sentido da racionalização do trabalho escolar e na adoção do ensino profissionalizante no 2º grau (GHIRALDELLI JR., 2000, p. 182).

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Se as consequências da Lei 4.024/61 foram desastrosas no meio

urbano, na medida em que acentuou as divergências sócio-políticas no

âmbito da escolaridade do povo brasileiro, bem como consagrou o elitismo

no processo escolar nacional, no meio rural, em que pese ter mencionado

as peculiaridades regionais, a lei não incorporou as exigências do processo

escolar rural, como também sequer sinalizou para uma política

educacional especifica envolvendo a população do meio rural (LEITE,

2002).

Na década 70, sob a ofensiva da ditadura militar, em face ao

processo de municipalização do ensino rural, determinado a partir da LDB

5.692/71, registra-se a formulação de projetos direcionados ao suporte

administrativo/financeiro dos chamados Órgãos Municipais de Ensino

(OME), o Programa de Apoio aos Municípios (Promunicípio), além do

Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste

(POLONORDESTE), entre outros. Estes programas, contudo, não

promoveram melhorias significativas em relação à educação no meio

rural, porque estavam fundamentados na concepção tecnicista da

educação, restritos a modelos e métodos educacionais voltados,

preferencialmente, para recursos audiovisuais, instrução programada e o

ensino individualizado. Essa tendência também se situa no modelo de

educação urbano existente no país.

Ainda nesse período, em pleno contexto de modernização,

marcado pela ideologia do milagre brasileiro, o Brasil revelava uma alta

taxa de analfabetismo. Assim, o combate ao analfabetismo foi umas das

metas do I Plano Setorial de Educação para 1972/74, que previa

programas de alfabetização em massa, além de programas intensivos

voltados para a preparação de mão-de-obra no âmbito da educação

permanente.

Em 1974, foi formulado o II Plano Setorial de Educação para o

período de 1975/79. Este plano estabeleceu, entre suas diretrizes,

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proporcionar condições para o desenvolvimento de programas de

educação no meio rural, como cursos de formação para educadores do

meio rural, os quais contavam com a participação do CNRH/Seplan e do

PNUD/Unesco (CALAZANS,1993). A despeito dessas iniciativas estatais,

conferimos que a educação rural permaneceu sem experimentar avanços

significativos. Assim, o princípio da década de 80 foi caracterizado por

muitas lacunas no âmbito da educação. Como alertam Werthein e

Bordenave (1981),

a) a educação rural que se oferece nas zonas rurais não corresponde às necessidades de seus habitantes; b) os conteúdos e métodos de ensino que caracterizam a educação nitidamente urbana são diretamente transpostos para as zonas rurais; c) o calendário escolar não atende às características da produção local; d) os problemas de evasão e de repetição são ainda mais graves do que aqueles encontrados na zona urbana, sendo também elevados os índices de analfabetismo; e) existe uma acentuada dicotomia entre a educação não-formal que se desenvolveu nesse meio; f) um grande número de professores nas zonas rurais não completaram seus estudos primários ou secundários, recebendo, além disso, uma remuneração muito baixa; g) a escola, estruturada de maneira muito semelhante à escola urbana, encontra-se quase que totalmente desvinculada da comunidade onde se insere (WERTHEIN; BORDENAVE, 1981, p. 13-14).

Diante desse quadro da educação rural, a primeira metade dos

anos 80 assistiu a outras tentativas do Estado brasileiro direcionadas ao

setor agrícola e às populações rurais, priorizando a exploração com vistas

à acumulação capitalista, atribuindo ao segmento educacional a função de

contribuir para a redução das desigualdades sociais e para a promoção do

homem, eliminando a carência de atendimento educacional das

populações rurais (PALMEIRA, 1990). Ocorre que essas ações se tornaram

fracassadas, porque foram impostas como pacotes prontos e acabados,

construídos sem a participação dos sujeitos do campo ou suas instituições

de representação.

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Com o novo discurso, o III Plano Setorial de Educação, Cultura e

Desporto (III PSECD), para o período de 1980/85, atribui à educação um

importante papel na política social. Em relação ao meio rural, apresentava

propostas específicas, como a expansão do ensino fundamental, melhoria

do nível de ensino e de vida, redução da evasão e da repetência escolar.

Recomendava ainda a valorização da escola rural, o trabalho do homem

do campo, ampliação das oportunidades de renda e manifestação cultural,

extensão dos benefícios da previdência social e um ensino relacionado à

realidade da vida rural (LEITE, 2002). Todavia, esse plano ignorou

aspectos importantes como a formação igual para professores que

atuavam no meio urbano e no meio rural, as atividades campesinas, os

padrões sócio-culturais e produtivos. A realidade do meio rural era

negada, acarretando, assim, na omissão dos seus problemas básicos.

Conforme Leite (2002),

Também não foi motivo de preocupação, no referido plano, a presença de professor leigo, das salas multisseriadas, da inadequação do material didático e das instalações físicas da escola, na maioria das vezes em estado bastante lastimável (LEITE, 2002, p. 50).

Apresentando todas essas lacunas, no interior do III PSECD,

projetos e programas de natureza socioeducativa foram destinados ao

meio rural, tais como o Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas e

Culturais (PRONASEC) e o Programa de Expansão e Melhoria da Educação

no Meio Rural do Nordeste (EDURURAL/NE).

De acordo com a linha de ação traçada pelo III PSECD, o

PRONASEC originou-se da idéia de se propor uma ação intersetorial para o

combate às desigualdades sociais. Previa ações em prol da modernização

global direcionando, portanto, atividades específicas para o campo a partir

de uma pseudo valorização da escola e dos grupos comunitários, em

busca da criação de cooperativas e grupos produtivos, com vistas ao

mercado exterior. A despeito de ter sido um programa vinculado ao MEC,

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por um lado antevia tarefas que extrapolavam o campo de ação do

referido ministério e, por outro lado, delegava à educação o papel

exclusivo de transformadora da realidade. Contraditoriamente, não

atribuía ênfase à expansão das oportunidades de escolarização

(PALMEIRA, 1990).

O EDURURAL10, por sua vez, visava a “[...] compensar os

desníveis econômicos e sociais regionais, estendendo-se ao âmbito da

política educacional e cultural brasileira” (QUEIROZ, 1997, p. 17).

Segundo a autora, esse programa se diferenciava dos demais programas

governamentais anteriores e/ou concomitantes, na medida em que era

voltado para a educação básica e, particularmente, no Nordeste, tinha

como meta do governo brasileiro e das instituições internacionais

envolvidas (Banco Mundial, PNUD, UNESCO) a ênfase na educação básica

rural, associada à questão da pobreza e das desigualdades sociais

(Queiroz, 1997).

A atuação do Programa consistia no apoio à organização da

educação municipal, com vistas à introdução de inovações na dinâmica

dos processos administrativos e pedagógicos; ao gerenciamento dos

recursos públicos para a manutenção das condições materiais e

pedagógicas e capacitação dos recursos humanos nos municípios; e a uma

dinâmica diferente no trabalho pedagógico, especialmente no

planejamento e na avaliação, com participação comunitária (QUEIROZ,

1997).

Em que pese a implantação de projetos dessa natureza

(transitórios, focalizados), não houve melhorias significativas na educação

oferecida à população do meio rural, sendo que na segunda metade da

década de 1980, a educação no meio rural não apresentava avanços. No

contexto da abertura política no país, com a implantação do governo da

10 Sobre o EDURURAL/NE, ver Queiroz (1997), que descreve e analisa aspectos do referido Programa, em suas fases de preparação e implementação, no Estado do Rio Grande do Norte.

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“Nova República” e os trabalhos da Constituinte, os projetos para a

educação rural não tiveram continuidade ou permaneceram em piores

condições que as anteriores, enquanto se aguardava uma definição

política (PALMEIRA, 1990).

Em contrapartida, ainda nos anos de 80, intensificou-se a

mobilização de diversos setores da sociedade. Reivindicações e demandas

por mudanças foram colocadas em pauta, tanto na cidade, como no

campo. Para além da continuidade dos mesmos grupos de interesse no

comando do país, outras forças organizadas da sociedade conduziram

esse processo. Assim, em meio a muitos conflitos em face aos interesses

públicos e privados, importantes conquistas e espaços de participação nas

políticas públicas foram alcançados.

Nessa perspectiva, a Constituição da República Federativa do

Brasil, de 1988 (BRASIL, 1988), transcorreu sob o efeito de intensos

debates que alavancaram o processo de democratização do país ao

incorporar propostas advindas dos movimentos sociais. Em decorrência

disso, ampliou as obrigações do Estado no âmbito da educação,

representando, assim, um marco na educação ao defini-la como direito de

todos e dever do Estado:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).

Desse modo, na medida em que a Constituição assegurou

legalmente a educação como direito de todos e dever do Estado, ainda

que a educação do campo não tenha sido mencionada explicitamente,

foram assegurados princípios relevantes.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

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I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade (BRASIL, 1988).

Esses princípios firmaram a igualdade constitucional entre as

escolas, independente da localização, da dependência administrativa e dos

sujeitos nela inseridos.

Além disso, sendo a lei maior do país, a Constituição estabeleceu

o alicerce da legislação educacional, portanto, ainda que não tenha

contemplado diretamente a educação destinada ao meio rural, possibilitou

que a legislação, como a LDB, por exemplo, focalizasse a educação rural

na esfera do direito à igualdade e do respeito às diferenças, permitindo

definir como seria a oferta dessa educação para os povos do campo. Pode-

se dizer, então, que a educação do campo, como política pública –

considerando-se o entendimento assumido nesse trabalho – passou a ser

construída a partir da Constituição Federal de 1988, em pleno processo de

redemocratização e, logo em seguida, em meio a significativas mudanças

no plano político e social do país, voltando à pauta do debate político

pedagógico nos anos 90, pelas mãos dos movimentos sociais (ANDRADE;

DI PIERRO, 2004c).

1.2 Por uma política pública de educação do campo: propostas,

articulações e embates a partir dos anos 90

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Os anos 90 foram marcados por importantes avanços políticos

em termos democráticos e por conquistas sociais, alcançadas no contexto

da elaboração e promulgação da Constituição Federal de 1988, a partir da

retomada dos movimentos sociais na mobilização em prol da construção

de políticas públicas. Entretanto, a conjuntura desta década foi também

caracterizada por grandes mudanças na política nacional, fruto da crise do

capitalismo, que culminou na redefinição do papel do Estado (PERONI,

2003).

Tal mudança se deu basicamente com a implantação do

neoliberalismo11, delineando intensas transformações no tocante ao papel

do Estado, impondo-se como uma concepção ideológica hegemônica,

contrária às políticas estatizantes de influência socialista e às políticas

social-democratas caracterizadas no estado de bem-estar social. Em

linhas gerais, o neoliberalismo imprimiu uma nova configuração à

economia mundial, que se globaliza tendo como característica marcante a

busca de novos mercados para investimentos que são realizados em

detrimento dos interesses de ordem econômica, política ou cultural nos

países em que este modelo se instala. Como explica Ianni (1998),

Sob o neoliberalismo, reforma-se o Estado tanto dos países que se haviam organizado em moldes socialistas como os que sempre estiveram organizados em moldes capitalistas. Realizam-se a desregulamentação das atividades econômicas pelo Estado, a privatização das empresas produtivas estatais, a privatização das organizações e instituições governamentais relativas à habitação, aos transportes, à educação, à saúde e à previdência. O poder estatal é liberado de todo e qualquer empreendimento econômico ou social que possa interessar ao capital privado nacional e transnacional. Trata-se de criar o “Estado mínimo”, que apenas estabelece e fiscaliza as regras do jogo econômico, mas não joga. Tudo isto baseado no suposto de que a gestão pública ou estatal de atividades direta e indiretamente econômicas é pouco eficaz, ou simplesmente

11 Conforme ANDERSON (1995, p. 9), “O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte, onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar”.

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ineficaz. O que está em causa é a busca de maior e crescente produtividade, competitividade e lucratividade, tendo em conta mercados nacionais, regionais e mundiais (IANNI, 1998, p. 28).

No Brasil, a adesão ao neoliberalismo como orientação política

teve início, precisamente, a partir do governo do Presidente Fernando

Collor de Mello, em 1990, quando implementou a reforma administrativa

do Estado. Essa reforma, orientada por importantes organismos

internacionais, foi apresentada como instrumento de otimização de

recursos, mas na realidade, o seu objetivo era o desmantelamento do

aparelho estatal como provedor de políticas sociais.

Assim, no governo de Itamar Franco, foi elaborado o Plano

Decenal de Educação (1993-2003), primeiro documento norteador das

reformas, embasados nas deliberações provenientes da Conferência

Mundial de Educação para Todos (1990)12, expressão dos interesses

internacionais traduzidos pela CEPAL13.

Essas medidas foram intensificadas em meados da década de

90, no governo de Fernando Henrique Cardoso, que programou reformas

em diversos setores da economia e no âmbito das políticas sociais,

reduzindo e enfraquecendo o papel do Estado no campo social, a partir de

orientações de organismos multilaterais. Em síntese, como elucidam

Shiroma; Moraes; Evangelista (2007),

Mecanicamente – e repetindo uma velha máxima salvacionista – atribuiu-se à educação o condão de sustentação da competitividade nos anos 1990. Vasta

12 Evento realizado em Jontiem (Tailândia), sob financiamento da UNESCO, UNICEF, PNUD e Banco Mundial, com participação de governos, agências internacionais, ONGs, associações profissionais. 13 A Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), a partir de documentos – como o documento econômico Transformación procdutiva con equidad (1990); o documento Educación y conocimento: eje de la transformación productiva con equidad (1992), este juntamente a UNESCO – recomendava a implementação de reformas dos sistemas educativos para adequá-los à reestruturação produtiva em curso, por meio de medidas de descentralização [desconcentração de tarefas] e integração [concentração de decisões estratégicas] (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2007).

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documentação internacional, emanada de importantes organismos multilaterais, propalou esse ideário mediante diagnósticos, análises e propostas de soluções considerados cabíveis a todos os países da América Latina e Caribe, no que toca tanto à educação quanto à economia. Essa documentação exerceu importante papel na definição das políticas públicas para a educação no país (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2007, p. 47).

Foi também com base nas determinações de instituições

financeiras internacionais – em especial o Banco Mundial – que no

processo de enquadramento do Estado brasileiro aos ditames neoliberais,

as políticas sociais e, particularmente, a política educacional, passaram

por significativas mudanças, com ênfase na descentralização, na

desregulamentação, na privatização, na focalização, na participação da

sociedade, configurando-se, em suma, em um Estado mínimo – mínimo

para as políticas sociais e máximo para o capital (PERONI, 2003) –

transformado em mero regulador dos serviços sociais. Conforme sintetiza

Cabral Neto (2004),

As orientações políticas desse organismo internacional para a educação podem ser resumidas nos seguintes pontos: a redefinição do papel do Estado, na oferta de serviços públicos; a prioridade ao ensino fundamental; a qualidade do ensino como eixo das reformas educacionais; a ênfase na privatização do ensino médio e superior; a busca de mecanismos de autofinanciamento e de formas alternativas para captar recursos; a implementação de processos descentralizados com vistas à autonomia da escola; o realce na produtividade e na competitividade a partir de resultados estatísticos; o envolvimento dos pais e da comunidade no processo de gestão da escola; o envolvimento dos setores privado e não-governamental na concepção e na implantação das reformas; e a implantação dos sistemas nacionais de avaliação (CABRAL NETO, 2004, p. 25-26).

No cerne da reforma política dos anos 90, a educação foi

considerada como meio de atendimento às demandas do mercado e foi

nesse contexto que se deu a formulação e promulgação da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro

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de 1996). Não obstante, em que pese o viés neoliberal presente nessa lei,

diante de todos os impasses que permearam o processo de sua

elaboração, no tocante à educação destinada à população do meio rural,

afirma-se que representou avanços significativos. Ainda que se

mantivesse frágil em alguns aspectos, imprimiu diretrizes para as

especificidades do meio rural ao reconhecer a diversidade cultural e o

direito à igualdade e à diferença em seus artigos 3º, 23, 28 e 63. Destes,

importa destacar, principalmente, o Artigo 28, o qual preconiza:

Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II – organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III – adequação à natureza do trabalho na zona rural (BRASIL, 1996).

Esses princípios, no entanto, não foram ainda validados nas

escolas do meio rural. Embora a educação seja constitucionalmente

outorgada como um direito, a educação no meio rural, vinculada

diretamente às especificidades e às necessidades de formação das

pessoas que o habitam, vem sendo construída recentemente, em

particular a partir dos anos 90, por meio de iniciativas dos movimentos

sociais. Em que pese o aparato legal, a educação no meio rural ainda

amarga sérios problemas.

Miguel Arroyo caracteriza muito bem isso em sua assertiva,

quando diz:

A política priorizada nos últimos anos, a nucleação de escolas e o translado, deslocamento da infância, adolescência e juventude de seu contexto social e cultural são uma expressão da estreiteza a que são reduzidas as políticas públicas quando inspiradas nas

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demandas da “modernização” da agricultura e na expansão do agronegócio (ARROYO, 2004, p. 95).

Em meio às contradições sociais, fruto de interesses divergentes,

os povos do campo, organizados em movimentos sociais, passam a

questionar a educação direcionada ao meio rural, marcada por: falta de

escolas; precária infraestrutura das escolas existentes; altos índices de

analfabetismo, repetência e evasão; professores sem formação

pedagógica; falta e/ou precariedade de transporte escolar; calendários

escolares inadequados; currículos deslocados da realidade, das

necessidades e dos interesses dos sujeitos, entre outros. Como é

reconhecido em documento do MEC14,

Embora os problemas da educação não estejam localizados apenas no meio rural, no campo a situação é mais grave, pois, além de não considerar a realidade socioambiental onde a escola está inserida, esta foi tratada, sistematicamente, pelo poder público, com políticas compensatórias, programas e projetos emergenciais e, muitas vezes, ratificou o discurso da cidadania e, portanto, de uma vida digna reduzida aos limites geográficos e culturais da cidade, negando o campo como espaço de vida e de constituição de sujeitos cidadãos (BRASIL/MEC/GPTEC, 2004, p. 7).

Diante desse quadro de precariedade e de exclusão, na segunda

metade dos anos 90, a discussão ganhou corpo em reuniões, encontros,

seminários, conferências e a materialização de experiências, promovidas

por movimentos sociais ligados às causas camponesas. Isso pôs em pauta

a problemática da educação do campo na esfera pública como uma

questão de interesse nacional, assumindo, como bandeira, a luta por uma

14 O citado documento consiste nas “Referências para uma política nacional de educação no campo: caderno de subsídios”, elaborado pelo Grupo Permanente de trabalho de Educação do Campo do MEC, com o propósito de “[...] ampliar as discussões sobre Educação do Campo com os diversos Ministérios, diferentes órgãos públicos, movimentos sociais e organizações não-governamentais, com vistas à formulação e implementação de políticas de educação e desenvolvimento sustentável do campo” (BRASIL/MEC/GPTEC, 2004, p. 7).

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política pública de educação para as populações do meio rural – a partir

desse momento – sob a denominação de educação do campo.

A educação do campo pode ser considerada uma área de

concentração científica preocupada com as demandas oriundas dos

movimentos sociais do campo e se efetiva a partir das experiências do

MST, das EFAs e das CFRs15, que produziram não somente novas formas

pedagógicas de se pensar o processo de ensino-aprendizagem com os

sujeitos do campo, mas se transformaram em um contraponto ao modelo

urbano de educação presente nas escolas do meio rural brasileiro.

Centrado em pedagogias tradicionais, tal modelo não respeita o universo

simbólico das populações do campo, em especial, os assentados

provenientes da luta pela terra. Sobre esse processo, segundo Miguel

Arroyo,

Quando os movimentos sociais estão pressionando por políticas públicas nos sugerem que, como premissa, entendamos a rica e contraditória complexidade vivida no campo. [...] Esperam-se políticas que afirmem, reconheçam e reforcem os ricos processos de educação, formação, os processos culturais, éticos, identitários inerentes a essa complexidade vivenciada na diversidade dos movimentos do campo (ARROYO, 2004, p. 98).

Assim, os movimentos sociais do campo, nas duas últimas

décadas, têm se tornado mais presentes no cenário político e cultural do

país, lutando pela conquista da terra, pelo fortalecimento da agricultura

de base camponesa, pela garantia do trabalho, da vida e da dignidade

no campo, construindo-se como sujeitos coletivos de direito, entre os

quais o direito à educação, conforme nos alertam Andrade e Di Pierro:

15 Destaca-se, aqui, a Pedagogia da Alternância, como uma alternativa ao modelo urbano, tido como modelo único no país. A Pedagogia da Alternância objetiva promover a formação integral dos sujeitos do campo apropriada à realidade, tendo como foco a criação de alternativas de geração de renda e a perspectiva do desenvolvimento sustentável, propiciando-lhe condições de fixar-se na terra com qualidade de vida. Para os atores sociais da região é indispensável uma “formação específica, moderna e voltada às reais necessidades dos agricultores familiares” (ARCAFAR/PA, 2005, p. 6).

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O cenário da educação do campo é composto por variadas e ricas experiências educativas implementadas fora do âmbito governamental, promovidas por associações civis e movimentos sociais que têm assumido o papel de combater o processo de exclusão da população rural. Estas práticas pedagógicas, algumas das quais remontam à década de 70, contaram com o apoio de partidos políticos, da Igreja Católica, universidades e organizações não governamentais, contribuindo com a construção de uma nova escola para a população do campo. Dentre as mais expressivas, encontram-se as Casas Familiares Rurais e as Escolas Família Agrícola (que desenvolvem variações da pedagogia de alternância), o Movimento de Educação de Base, a Rede de Educação no Semi Árido Brasileiro (RESAB) e o Setor de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Essas iniciativas começaram a construir um novo olhar sobre as possibilidades que o espaço rural apresenta para a juventude e o conjunto da sociedade brasileira, rompendo a visão preconceituosa que desvaloriza o trabalho e a cultura do campo, favorecendo o êxodo rural (ANDRADE; DI PIERRO, 2003, p. 13).

Nesse contexto, os movimentos sociais têm elaborado e

materializado um conjunto de iniciativas educacionais compreendidas

como inovadoras, com o objetivo de enfrentar o processo de exclusão

social e educacional dos sujeitos que vivem e trabalham no campo e, ao

mesmo tempo, forjar a elaboração de políticas públicas que garantam o

acesso à educação e construam uma identidade própria das escolas do

campo.

Para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a

luta pela educação é intrínseca à luta pela terra, por isso reivindicam

permanentemente escolas públicas nos acampamentos e assentamentos,

mas sem prescindir de uma pedagogia e metodologia comprometidas

com o sentido do Movimento, pois compartilham com Caldart, quando

afirma que a escola é um espaço estratégico para a formação dos

trabalhadores.

Se as elites vêem na escola um espaço de opressão, de manutenção da ordem e de diminuição do ser humano, o Movimento Sem Terra vê ali um espaço para reconstrução

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da vida, uma ferramenta na formação de sujeitos. Essa é a ocupação da escola que o MST promove. Tanto mais a escola poderá contribuir com o povo sem-terra, quanto mais ela estiver aberta ao Movimento, comprometida com os sujeitos sociais que a compõem (CALDART, 2000, p. 20).

Segundo essa visão, a educação escolar deve estar

“organicamente vinculada” ao movimento social, calcada em seus

princípios, lutas e trajetórias, ou seja, a educação é parte de um

elemento de reflexão das práticas sociais. Assim, para o MST,

A educação escolar deve ser parte e instrumento do movimento a que se vincula, refletindo sua dinâmica no processo pedagógico. Deve partir de problemas concretos, cujas respostas devem ser atualizadas com seu tempo histórico, contemplando os diversos saberes e culturas produzidos pela humanidade. Por isso ela parte da realidade, está “aberta para o mundo”. Relaciona o imediato com o histórico, o particular com o geral. Está aberta para as mudanças e as provoca, partindo do real existente. A escola precisa ajudar a construir “valores humanistas e socialistas”, formando o ser humano integral, contrapondo-se à mutilação que o capital opera nas pessoas. Contrariamente à lógica burguesa, objetiva potencializar e desenvolver outras dimensões humanas além da capacidade de trabalho, mas fundamentalmente a capacidade de pensar e agir do sujeito como protagonista de sua história (MST, 1997, p. 30).

Nessa perspectiva, a educação do campo nasce em

contraposição à educação rural, a qual tem sua origem localizada “[...] na

base do pensamento latifundista empresarial, do assistencialismo, do

controle político sobre a terra e as pessoas que nela vivem” (FERNANDES;

MOLINA, 2004, p. 62); diferentemente, a educação do campo, como um

novo paradigma, vem sendo construída pelos povos do campo, pautada

em outros referenciais que evidenciam a vitalidade do campo e dos seus

sujeitos.

Esses pesquisadores ressaltam que as diferentes concepções de

educação são fruto das distintas concepções de campo historicamente

construídas, quais sejam: o campo do agronegócio e o campo da

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agricultura camponesa16. Sobre a complexidade desse tema, pondera

Arroyo (2004, p. 93): “Uma das causas da precarização a que vem sendo

submetida a educação do campo é a visão do campo ainda presente na

formulação das políticas. Sem corrigir essa visão, a formulação de

políticas não mudará”.

Para distinguir as concepções de campo, Fernandes e Molina

(2004, p. 53) tomam como referência o conceito de território, “[...]

definido como espaço político por excelência, campo de ação e de poder,

onde se realizam determinadas relações sociais”. Nesse sentido,

esclarecem que a educação rural “[...] projeta um território alienado

porque propõe para os grupos sociais que vivem do trabalho da terra, um

modelo de desenvolvimento que os expropria” (FERNANDES; MOLINA,

2004, p. 62), enquanto que na educação do campo, o campo como

território é compreendido como

[...] espaço de vida e resistência, onde camponeses lutam por acesso e permanência na terra e para edificar e garantir o modus vivendi que respeite as diferenças quanto à relação com a natureza, o trabalho, a cultura e suas relações sociais, para os trabalhadores rurais, mas por eles, com eles, camponeses. [...] A Educação do Campo pensa o campo e sua gente, seu modo de vida, de organização do trabalho e do espaço geográfico, de sua organização política e de suas

16 Em um quadro comparativo, Molina e Fernandes (2004, p. 85) assim sintetizam as diferenças entre tais concepções: Campo do agronegócio: monocultura (commodities); paisagem homogênea e simplificada; produção para exportação (preferencialmente); cultivo e criação onde predominam as espécies exóticas; erosão genética; tecnologia de exceção com elevado nível de insumos externos; competitividade e eliminação de empregos; concentração de riquezas, aumento da miséria e da injustiça social; êxodo rural e periferias urbanas inchadas; campo com pouca gente; campo do trabalho assalariado (em decréscimo); paradigma da educação rural; perda da diversidade cultural. Campo da agricultura camponesa: policultura – uso múltiplo dos recursos naturais; paisagem heterogênea e complexa; produção para o mercado interno e para exportação; cultivo e criação onde predominam as espécies nativas e da cultura local; conservação e enriquecimento da diversidade biológica; tecnologia apropriada, apoiada no saber local, com base no uso da produtividade biológica primária da natureza; trabalho familiar e geração de emprego; democratização das riquezas – desenvolvimento local; permanência, resistência na terra e migração urbano-rural; campo com muita gente, com casa, com escola...; campo do trabalho familiar e da reciprocidade; paradigma da educação do campo; riqueza cultural diversificada – festas, danças, poesias, música.

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identidades culturais, suas festas e seus conflitos (FERNANDES; MOLINA, 2004, p. 64).

A idéia de Educação do Campo nasceu no ano de 1997, na

ocasião do I Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma

Agrária (I ENERA), promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST), em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), a

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Fundo das Nações

Unidas para a Infância (UNICEF) e a Organização das Nações Unidas para

a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), com a participação de cerca

de setecentas pessoas, entre professores de escolas de acampamentos e

de assentamentos, alfabetizadores de jovens e adultos e educadores

infantis, reunidos em delegações de dezenove Estados e do Distrito

Federal. Nesse encontro foi lançado o desafio de desenvolver um trabalho

mais amplo, articulado ao contexto do campo, contemplando suas

especificidades, a identidade do homem e da mulher do campo, bem como

suas demandas, direitos e sonhos. Esse encontro tornou-se um marco da

mobilização em prol de uma política pública de educação do campo no

país.

Com vistas à ampliação da mobilização nacional iniciada no

primeiro evento, as entidades parceiras realizaram, em 1998, em

Luziânia-GO, a I Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do

Campo17, com o objetivo principal de “[...] recolocar o rural, e a educação

que a ele se vincula, na agenda política do país” (KOLLING; NERY;

MOLINA, 1999). Para além de ser um momento de denúncia da precária

situação da educação do campo em todo o país, ela se configurou em um

espaço de reafirmação dos princípios que conferem identidade ao campo e

da legitimidade da luta por políticas públicas específicas, formuladas com

a participação dos sujeitos do campo. Foi um momento permeado por 17 Nessa Conferência foram pautados temas como desenvolvimento rural e educação no Brasil; situação da educação rural no Brasil e na América Latina; políticas públicas em educação no Brasil: municipalização; financiamento; política educacional para escolas indígenas, entre outros.

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discussões de propostas, socialização de experiências, na direção da

construção de um projeto educativo do campo e não para o campo,

articulado a um novo projeto de desenvolvimento. Como avalia Caldart

(2004, p. 13), a I Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do

Campo (I CNEC) foi o “[...] momento de batismo coletivo de um novo

jeito de lutar e de pensar a educação para o povo brasileiro que trabalha e

vive no e do campo”.

Essa conferência foi, de certa forma, uma resposta à falta de

políticas públicas implementadas pelo Estado, o qual tratava a educação

do campo como educação rural, com concepções pedagógicas advindas do

mundo urbano e sem nenhuma utilidade aos interesses dos sujeitos do

campo, por isso deu origem a um grupo permanente de debate e de

proposição: a Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo18,

integrada por representantes do MST, CNBB, UnB, UNESCO e UNICEF,

com a finalidade de continuar o movimento iniciado19.

O ano de 1998 constituiu-se em um marco na educação do

campo, ao delimitar o início de um momento de organização da sociedade

civil, junto ao Estado, em prol de uma política pública de educação do

campo como direito: a criação do Programa Nacional de Educação na

Reforma Agrária (PRONERA).

Esse movimento é considerado, atualmente, a maior expressão

da luta por uma educação do campo no Brasil, pois “[...] se manifesta na

resistência e na identidade de cada comunidade, cada camponês, cada

agricultor familiar que, individual ou coletivamente, criam na luta política

18 Naquele momento foi instituída a Articulação por uma Educação Básica do Campo, mas no processo foi ampliada, a partir do entendimento de que a educação almejada vai além “do final do ensino médio e também dos limites da escolar formal” (KOLLING; CERIOLI; CALDART, 2002, p. 7). 19 Como é explicitado no histórico da I CNEC, a continuidade assumida pela Articulação previa, entre outras propostas: realização de reuniões periódicas dos representantes; a produção de uma coleção de cadernos para fomentar a reflexão sobre a educação do campo; a promoção de seminários e de uma segunda conferência e, ainda, a constituição de um grupo e trabalho para acompanhar tanto a tramitação do Plano Nacional de Educação (PNE), como a elaboração de políticas públicas para a educação do campo (KOLLING; NERY; MOLINA, 1999, p. 19).

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a construção de um projeto que se concretiza nas diferentes práticas

educativas” (MOLINA; JESUS, 2004, p. 9).

O PRONERA, então, é a materialização das conquistas nesse

período, o que será evidenciado no capítulo 2 deste trabalho. Instituído

junto ao Ministério Extraordinário da Política Fundiária (MEPF), hoje

Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), consiste numa parceria

estratégica entre Governo Federal, por meio do Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA), instituições de ensino superior e

movimentos sociais do campo. Está voltado para a elevação da

escolaridade de jovens e adultos em áreas de reforma agrária e formação

de professores para as escolas localizadas em assentamentos.

Na continuidade das ações conduzidas pela Articulação Nacional,

foi realizado, em 1999, o Seminário da Articulação Nacional Por Uma

Educação Básica do Campo20, no Instituto Cajamar, em São Paulo. Esse

evento contou com a participação de movimentos e organizações do

campo, tais como: o Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), o

Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), a Pastoral da

Juventude Rural (PJR) e o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB).

Na ocasião foi apresentada a Articulação Nacional Por Uma Educação do

Campo e realizado um balanço da caminhada, que propiciou reafirmar e

retomar a discussão sobre os valores, os princípios, os objetivos e as

práticas que identificam os sujeitos sociais da Articulação. Foram também

definidas formas e estratégias de funcionamento, assim como as linhas de

ação.

Em que pese a atuação da Articulação Nacional com as demais

entidades envolvidas no movimento por uma política pública de educação

do campo, o Plano Nacional de Educação (PNE), promulgado em 2001 pela

20 Esse evento contou com representantes de 19 Unidades da Federação e o Distrito Federal, vinculados aos movimentos sociais populares do campo, universidades, órgãos governamentais (PRONERA e Secretarias de Educação), organismos da Igreja (CNBB, CPT, PJR), representantes dos trabalhadores em educação (CNTE e sindicatos estaduais), entidades da educação do campo (EFA), entre outros (ARROYO; FERNANDES, 1999, p. 72).

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Lei nº 10.172/2001, estabeleceu em suas diretrizes um tratamento

diferenciado para a escola rural e previu em seus objetivos e metas

formas flexíveis de organização escolar para a zona rural, bem como a

adequada formação profissional dos professores, considerando as

especificidades do alunado e as exigências do meio, entretanto, reafirmou

a organização do ensino em séries, mais uma vez atrelando a educação do

campo ao modelo urbano. Além disso, em visível descompasso com a

realidade camponesa, determinou a progressiva extinção das escolas

unidocentes, como se o problema fosse a unidocência e não as péssimas

condições da escola, somada à falta de formação adequada para o

professor.

Perante as lacunas e as contradições presentes na legislação

educacional, no que se refere à educação do campo, perante as condições

de negação de direitos à qual os sujeitos do campo foram historicamente

submetidos, os movimentos sociais do campo articularam-se

intensamente na reivindicação de bases legais e de políticas públicas.

Inúmeros eventos foram promovidos: audiências públicas no MEC,

formação de equipes e comitês de educação do campo em diferentes

estados brasileiros, elaboração e implementação de projetos

(particularmente, vinculados ao MST e/ou ao PRONERA), conferências,

seminários e encontros estaduais e tantas outras ações de mobilização, de

reivindicação e proposição; esses eventos expressavam a riqueza do

conjunto de práticas pedagógicas desenvolvidas, articuladas a seus

projetos de organização coletiva e de lutas políticas (MOLINA, 2003).

Conforme relata a autora,

Um dos principais processos desencadeados por este conjunto de eventos e pela execução simultânea dos projetos apoiados pelo PRONERA foi a contribuição para que o Conselho Nacional de Educação viesse a se colocar a necessidade do reconhecimento das demandas e especificidades do campo, cujos artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação não eram suficientes como suporte legal (MOLINA, 2003, p. 68).

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Fruto de todas essas intervenções, no ano de 2001 se iniciou,

por meio de audiências públicas, o trabalho de elaboração do que viria a

ser a Resolução CNE/ CEB Nº 1, de 3 de Abril de 2002, que instituiu as

Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo21,

um marco normativo da história na educação do campo no Brasil. Como é

elucidado no Parecer 36/2001, que deu origem às diretrizes,

[...] os movimentos sociais do campo propugnam por algo que ainda não teve lugar, em seu estado pleno, porque perfeito no nível das suas aspirações. Propõem mudanças na ordem vigente, tornando visível, por meio das reivindicações do cotidiano, a crítica ao instituído e o horizonte da educação escolar inclusiva (BRASIL/MEC/CNE, 2001, p. 09).

Assim, para além de estabelecerem normas a serem observadas

nos projetos das instituições que integram os diversos sistemas de ensino,

as disposições das Diretrizes Operacionais anunciam o reconhecimento do

modo próprio de vida social e de utilização do campo, pautado em sua

diversidade, com vistas à construção da identidade das populações.

As Diretrizes reiteram um conjunto de preocupações conceituais

e estruturais advindas dos movimentos sociais, contemplando a garantia

da universalização do acesso da população do campo à educação básica e

à educação profissional de nível técnico, flexibilização da organização do

calendário escolar, vínculo com um projeto de desenvolvimento

sustentável, gestão democrática, formação diferenciada dos professores,

adequação dos conteúdos às especificidades locais, práticas pedagógicas

contextualizadas (BRASIL/MEC/CNE, 2002). Desse modo, observa

21 As Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo constituem-se de 16 artigos com normas políticas, pedagógicas, administrativas e financeiras a serem observadas nos projetos das instituições que integram os diversos sistemas de ensino (municipal, estadual e federal), em todos os níveis e modalidades de ensino. Sobre as Diretrizes, indicamos dois importantes trabalhos: Molina (2005), que apresenta um relato detalhado do seu processo de elaboração, e Santos (2006), que oferece uma análise aprofundada do documento.

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Fernandes (2004) que a aprovação das Diretrizes Operacionais para a

Educação Básica nas Escolas do Campo

[...] representa um importante avanço na construção do Brasil rural, de um campo de vida, onde a escola é espaço essencial para o desenvolvimento humano. É um novo passo dessa caminhada de quem acredita que o campo e a cidade se complementam e, por isso mesmo, precisam ser compreendidos como espaços geográficos singulares e plurais, autônomos e interativos, com suas identidades culturais e modos de organização diferenciados, que não podem ser pensados como relação de dependência eterna ou pela visão urbanóide e totalitária, que prevê a intensificação da urbanização como o modelo de país moderno. A modernidade é ampla e inclui a todos e a todas, do campo e da cidade. Um país moderno é aquele que tem um campo de vida, onde os povos do campo constroem as suas existências (FERNANDES, 2004, p. 91-92).

Analisando as mudanças anunciadas nos dispositivos legais para

a educação do campo, Andrade e Di Pierro (2004a) consideram que

muitas outras iniciativas devem ser desencadeadas para superar as

marcas do descaso com que a educação do meio rural é tratada ao longo

da história. Reafirmam, assim, que, para atender às particularidades do

campo,

A existência de um marco jurídico adequado não foi suficiente, porém, para impulsionar políticas públicas específicas. Oscilando entre o descaso e o desconhecimento da problemática, as políticas educacionais não têm enfrentado a questão da diversidade sociocultural das populações do campo, onde convivem identidades plurais: pequenos agricultores, colonos, quilombolas, caiçaras, indígenas, extrativistas, dentre outros. Restringindo-se a fazer face aos problemas do acesso e isolamento, a política educacional para a zona rural, quando existe, consiste na nucleação de unidades escolares e na provisão de transporte para escolas urbanas, onde as crianças do campo não se identificam com as bases culturais dos currículos e, com freqüência, são vítimas de discriminação, vivendo dolorosas experiências de fracasso e exclusão que corroem sua autoconfiança na capacidade de aprendizagem (ANDRADE; DI PIERRO, 2004a, p. 20-21).

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A partir das conquistas alcançadas, especialmente com a

aprovação das Diretrizes, e diante do quadro ainda precário da educação

do campo no país, o processo de organização e mobilização, com vistas à

concretização do ordenamento jurídico e do atendimento das demandas

das populações do campo, seguiu encampado pela Articulação Nacional,

juntamente com os diferentes movimentos sociais do campo. No ano de

2002, foi então realizado o Seminário Nacional Por Uma Educação do

Campo, que teve por objetivos:

1. Dar continuidade ao debate e ampliar a articulação nascida na Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo, realizada em 1998.

2. Aprofundar a discussão sobre políticas públicas a partir do estudo das novas “Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo”, do Conselho Nacional de Educação, e da situação geral do campo hoje em nosso país.

3. Avaliar os impactos produzidos pelo PRONERA na Educação do Campo.

4. Socializar práticas e reflexões sobre a construção do projeto político pedagógico das escolas do campo.

5. Consolidar compromissos e definir propostas de ação do conjunto das organizações participantes do Seminário Nacional (KOLLING; CERIOLI; CALDART, 2002, p. 123).

Segundo Molina (2003), esse seminário contou com a participação

de mais de 400 pessoas, representantes de instituições de ensino

superior, secretariais estaduais e municipais de educação de todos os

estados brasileiros, educadores do PRONERA, representantes de

Superintendências Regionais do INCRA, bem como de diferentes

movimentos sociais: MMTR, MAB, MST, ANMTR, PJR, CPT, FEAB, CONTAG,

UNEFAB, CIMI, além de outras ONGs. Relata a autora que foi na ocasião

da organização desse evento que se chegou à conclusão de que o trabalho

e as atividades propostas não deveriam ser chamados de educação básica

do campo, posto que o trabalho, até então realizado, já havia sido

ampliado para cursos superiores e de pós-graduação, logo, o desafio era

“[...] lutar pela universalização da educação em todos os níveis para os

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povos do campo e não somente pela Educação Básica” (MOLINA, 2003, p.

66). Assim, o evento intitulou-se II Seminário Nacional de Educação do

Campo.

Nesse seminário, foram reafirmadas as principais convicções e as

linhas de ação do movimento de construção de uma política pública de

educação do campo, como também foram elaboradas propostas de ação

destinadas ao novo governo que se aproximava. Registra Molina (2003):

Aos debates das práticas desenvolvidas se somaram reflexões em torno da compreensão e do aprofundamento do conteúdo das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo e sobre estratégias que assegurem sua implementação. Houve discussões das propostas de ação ao novo governo federal, que foram incorporadas no documento final do intitulado “Educação do Campo – Declaração 2002”. Um representante do [futuro] Governo Lula compareceu para receber as propostas da Articulação Nacional perante educadores, lideranças de movimentos sociais e universidades representadas e se posicionar sobre o compromisso do novo governo com a Educação do Campo. Uma demanda foi a urgente necessidade de um canal efetivo no governo, no Ministério da Educação, capaz de acolher propostas e trabalhar com os sujeitos sociais do campo na construção de políticas públicas de Educação do Campo (MOLINA, 2003, p. 67).

No ano de 2003 – início do primeiro mandato do presidente Luiz

Inácio Lula da Silva (2003-2006) – o debate sobre a educação do campo

foi contemplado parcialmente e de modo conflituoso no MEC. Uma

resposta às reivindicações do movimento por uma educação do campo foi

a instituição do Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo

(GPT), com a atribuição de articular ações do MEC relativas à educação do

campo; divulgar, debater e esclarecer as Diretrizes Operacionais para a

Educação Básica nas Escolas do Campo, apoiar a promoção de seminários

nacionais e estaduais para a implementação dessas ações. Como é

endossado em documento do INEP (2007), o GPT consiste em um

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[...] espaço institucional de diálogo entre representantes dos movimentos sociais do campo e atores das três esferas de governo. O papel atribuído ao GPT é o de discutir e propor políticas públicas que efetivamente atendem às necessidades e demandas dos povos do campo, na ótica de que a educação deve ser um instrumento para o desenvolvimento sustentável do Brasil rural (INEP, 2007, p. 7).

Aumentaram, assim, as iniciativas e produziram-se avanços

significativos nas discussões sobre a educação do campo no MEC, tanto

que no ano seguinte foi instituída a Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização e Diversidade, à qual está vinculada a Coordenação-Geral de

Educação do Campo, o que denota a “[...] inclusão na estrutura estatal

federal de uma instância responsável, especificamente, pelo atendimento

dessa demanda a partir do reconhecimento de suas necessidades e

singularidades” (BRASIL/MEC/SECAD, 2007, p. 12), incorporando o tema

na agenda educacional nacional. Seguindo posicionamento assumido por

SILVA, MORAIS e BOF (2006), entendemos que

Criou-se, assim, um momento muito favorável e sem precedentes para o desenvolvimento da educação do campo no Brasil, não só pela inclusão das questões referentes à educação do campo na agenda do governo federal, mas também pelo processo participativo instaurado por ele. Pela primeira vez os movimentos sociais são convocados para discutir e participar da definição de políticas referentes à educação do campo junto ao governo federal (SILVA; MORAIS; BOF, 2006, p. 78. Grifo nosso).

Também em 2004, a Articulação Por uma Educação do Campo

promoveu a II Conferência Nacional de Educação do Campo (II CNEC), em

Luziânia, Goiás, com a participação de mais de 1.100 representantes do

movimento social, do movimento sindical e de organizações sociais de

trabalhadores e trabalhadoras do campo e inclusive da educação.

Participaram membros das universidades, de ONG e de centros familiares

de formação por alternância; de Secretarias Estaduais e Municipais de

educação e de outros órgãos de gestão pública com atuação vinculada à

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educação e ao campo. Trabalhadores e trabalhadoras do campo,

educadoras e educadores, educandas e educandos, de comunidades

camponesas, ribeirinhas, pesqueiras e extrativistas, de assalariados,

quilombolas e povos indígenas também participaram desse importante

evento nacional22. Na ocasião, reforçaram-se as denúncias sobre os

problemas da educação do campo, assim elencados:

faltam escolas para atender a todas as crianças e jovens; ainda há muitos adolescentes e jovens fora da escola; falta infra-estrutura nas escolas e ainda há muitos

docentes sem a formação necessária; falta uma política de valorização do magistério; falta apoio às iniciativas de renovação pedagógica; falta financiamento diferenciado para dar conta de tantas

faltas; os mais altos índices de analfabetismo estão no campo; os currículos são deslocados das necessidades e das

questões do campo e dos interesses dos seus sujeitos (II CNEC, 2004b, p. 1).

A partir dessas denúncias sobre a realidade da educação do

campo no Brasil, mais uma vez foi evidenciada a necessidade de se

desenvolverem políticas públicas efetivas que reafirmassem a educação do

campo como um direito dos sujeitos, construídas com a participação

destes, e como dever do Estado. Se a I Conferência reforçou a

importância da educação básica do campo de modo a que respeitasse a

diversidade e a identidade do universo camponês (agrônomo, técnico em

agropecuária, zootecnista, profissionais ligados ao desenvolvimento

sustentável e ao estudo da agricultura) para fazer frente ao modelo de

reforma agrária proposto pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, a

Declaração Final da II Conferência traz novos aspectos metodológicos,

22 Como registrado na Declaração Final Por Uma Política Pública de Educação do Campo, esse documento foi assinado pelas seguintes entidades: CNBB, MST, UNICEF, UNESCO, UnB, CONTAG, UNEFAB, UNDIME, MPA, MAB, MMC, MDA/INCRA/PRONERA, MEC, FEAB, CNTE, SINASEFE, ANDES, Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, Frente Parlamentar das CEFFA´S, SEAP/PR, TEM, MMA, MinC, AGB, CONSED, FETRAF, CPT, CIMI, MEB, PJR, Cáritas, CERIS, MOC, RESAB, SERTA, IRPAA, CAATINGA, ARCAFAR SUL/NORTE, ASSESOAR, FORUM QUILOMBOLA.

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quando apresenta quem somos e de onde viemos, realizando uma

retomada histórica, em que os participantes dizem o que defendem:

Lutamos por um projeto de sociedade que seja justo, democrático e igualitário; que contemple um projeto de desenvolvimento sustentável do campo, que se contraponha ao latifúndio e ao agronegócio [...] Lutamos por um projeto de desenvolvimento do campo onde a educação desempenhe um papel estratégico no processo de sua construção e implementação (II CNEC, 2004b, p. 2).

Naquele momento, foram traçadas as seguintes reivindicações

que dialogavam com o que queriam, a saber:

1. Universalização do acesso da população brasileira que trabalha e vive no e do campo à Educação Básica de qualidade social por meio de uma política pública permanente. 2. Ampliação do acesso e garantia de permanência da população do campo à Educação Superior por meio de uma política pública permanente. 3. Valorização e formação específica de educadoras e educadores do campo por meio de uma política pública permanente. 4. Formação de profissionais para o trabalho no campo por meio de uma política pública específica e permanente. 5. Respeito à especificidade da Educação do Campo e à diversidade de seus sujeitos (II CNEC, 2004b, p. 4).

Essa conferência optou por outras demandas, como a

necessidade do ensino superior destinado aos educadores e a formação de

profissionais em diferentes áreas, voltados para a agricultura, na

perspectiva da agroecologia.

É, portanto, a partir desse conjunto de iniciativas, que o

Movimento por uma Educação do Campo tem avançado como expressão

da trajetória dessa luta por uma educação com qualidade social

referenciada, mais humana, construída pelos sujeitos do campo, em

sintonia com a realidade e suas necessidades concretas. Para isso, a

Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo tem apostado na

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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relação entre universidades, governos e movimentos sociais, com base no

princípio de que é dever do Estado garantir a universalização dos direitos

sociais à população do campo.

Somam-se, também, a esse movimento, pesquisadores que

atuam no âmbito da Academia e pesquisadores militantes, com o objetivo

de promover o diálogo e a articulação entre pesquisa, docência, militância

e intervenção social. Nessa direção, ocorreu, em setembro de 2005, em

Brasília, o I Encontro Nacional de Pesquisa em Educação do Campo,

realizado a partir de uma ação conjunta do MEC e do MDA. O evento

reuniu mais de 50 pesquisadores de universidades públicas e

representantes dos movimentos sociais populares do campo, dos

ministérios e de instituições envolvidas com a pesquisa em educação.

Possibilitou o debate sobre as experiências, demandas, metas e

proposições atualmente existentes em todo o território nacional.

Entendem os membros desse movimento que o campo deve ser

compreendido por meio de concepções e de práticas de educação

diferenciadas, que considerem as especificidades da cultura e do trabalho

nesse espaço. Uma política de educação cuja matriz de seus conteúdos

esteja fundamentada na vida das pessoas e nas relações que estabelecem

entre si e com a natureza, com base na compreensão do espaço-tempo

inerente aos lugares onde vivem as pessoas, afinal, “[...] as

especificidades da vida camponesa não têm na educação urbana o diálogo

necessário para o atendimento das diferenças identitárias desses povos”

(BRASIL/MDA/SECAD, 2006, p. 16). Seguindo posicionamento assumido

por Arroyo (2004), compreendemos que

Ver a Educação do Campo como um fardo a corrigir, como herança do atraso condicionou por décadas o próprio descuido. A postura mais responsável seria ver essa realidade como produto de políticas pouco públicas ou de um trato “privado”. É sabido que por décadas a presença de diversos agentes públicos construindo escolas precárias, contratando professores temporários, disponibilizando escasso material didático e pagando míseros

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salários tem sido não apenas uma presença tímida e descontínua, mas sobretudo uma presença nem sempre pautada pelo dever público de garantir direitos aos povos do campo (ARROYO, 2004, p. 93. Grifos nossos).

Conforme vimos a partir do levantamento histórico da educação

destinada às populações do campo, não se identifica a formulação de

diretrizes políticas e pedagógicas “[...] específicas que regulamentassem

como a escola deveria funcionar e se organizar, tampouco existiu dotação

financeira que possibilitasse a institucionalização e manutenção de uma

escola em todos os níveis com qualidade” (BRASIL/MEC/GPTEC, 2004, p.

7), senão constatamos a ocorrência de programas, projetos, campanhas,

compensatórios e transitórios, impostos a partir de pacotes fechados.

Observamos que a educação do campo, atualmente, desenvolve-

se sob a forma de experiências que se estendem para além dos espaços

escolares. Na ausência de políticas públicas específicas, promovidas pelo

Estado, os movimentos sociais vêm promovendo práticas formativas

próprias, no sentido de reagir ao processo de exclusão social e pressiona o

Estado a promover novas políticas públicas que garantam o acesso à

educação com a possibilidade de se construir uma identidade própria das

escolas do campo. Podemos citar como exemplo a Escola Família Agrícola

(EFA)23, as Casas Familiares Rurais (CFR)24, os projetos vinculados ao

Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), as

escolas de assentamentos e acampamentos, além de outras iniciativas

23 No início dos anos de 1960, foram criadas as EFAs, na Itália, com apoio do poder público. É “uma experiência que encontrou apoio na Igreja, mas nasceu diretamente pela ação de homens políticos, o inverso do que aconteceu na França”. As EFAs chegaram ao Brasil pelo Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES), em 1969, na cidade de Anchieta, com o apoio da Igreja e da sociedade italiana (NOSELLA 1977, p. 30) e, atualmente, existem mais de 200 Centros Familiares Rurais (CEFAs) espalhados por todo o Brasil. 24 As escolas em alternância nasceram na França, em 1935, por iniciativa de famílias que se agruparam em associações com duplo objetivo: implementar projetos de desenvolvimento regional e criar alternativas educacionais para os jovens. No Brasil, as CFR e a rede ARCAFAR tiveram início em 1984, em Pernambuco, e na Amazônia, em 1994, no município de Medicilândia/Pará. Hoje existem mais de 240 CFRs. Mais detalhes, conferir Santos (2007).

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assumidas pelas comunidades e pelos professores de inúmeras escolas

isoladas, espalhadas nos diversos cantos do país (SILVA; MORAIS; BOF,

2006).

Compartilhamos, então, com a reflexão apresentada por Arroyo

(1999), provocada nas circunstâncias da I CNEC (1998):

Pensávamos em nossas políticas educacionais, nos parâmetros curriculares, no Plano Nacional de Educação e perguntávamos: será que toda esta riqueza que aqui aflora é reconhecida nessas políticas? Qual a visão e o sentimento que têm sobre a educação do povo do campo os que elaboram essas políticas, os que decidem sobre a educação brasileira? Lembramo-nos de frases tão repetidas nos documentos oficiais: “adaptar os conteúdos, os calendários e o material didático às condições de vida do meio rural”. É a idéia dominante propor um modelo único de educação adaptável aos especiais, aos diferentes: indígenas, camponeses, meninos de rua, portadores de deficiência e outros. Os fora-do-lugar. As espécies em extinção. Até quando? Até que continuem acontecendo conferências como essa, onde se afirme a realidade educacional do campo (ARROYO, 1999, p. 7).

Como enfrentamento às políticas deslocadas da realidade,

transitórias e impostas às populações do meio rural, vinculadas aos

interesses do capital, observa-se a existência (ou por que não dizer, a

resistência), de algumas experiências educativas que remam contra a

maré, na luta por uma política pública de educação do campo. Como

exemplo, destacamos o Programa Nacional de Educação na Reforma

Agrária (PRONERA), que consiste em uma política pública de educação do

campo, construída coletivamente e pautada em princípios como o da

parceria. A esse respeito discorremos no próximo capítulo.

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73 

Foto: arquivo pessoal

[...] o PRONERA tem práticas e se projeta como política que afirma determinada concepção de

educação , de Educação do Campo. Os sujeitos que constituem estruturalmente o colocam como guardião

das concepções originárias Educação do Campo. E, pela natureza, esse papel tem a ver com alguns

desafios práticos projetivos, diante dos quais deverá tomar posição prática/política/teórica.

[Roseli Caldart]

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

 

 

74 

Capítulo 2

O PRONERA: anúncio de uma política pública de educação do campo pautada na parceria

2.1 Contexto político da formulação e implantação do PRONERA

2.1.1 Estrutura operacional e orientações pedagógicas do PRONERA: uma breve

caracterização

2.2 O PRONERA e o seu princípio operacional e metodológico: construindo um

entendimento acerca da parceria

2.3 O PRONERA no Estado do Pará e a gênese do Projeto Alfabetização

Cidadã no Nordeste Paraense

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75

CAPÍTULO 2

O PRONERA: anúncio de uma política pública de

educação do campo pautada na parceria

O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

(PRONERA) é um programa de educação, destinado às populações

residentes em áreas de reforma agrária. Aglutina ações de educação de

jovens e adultos em diferentes níveis de ensino: alfabetização, ensino

fundamental, formação continuada dos educadores, nível médio, formação

técnico-profissional, nível superior, em diferentes áreas do conhecimento,

e desenvolve-se a partir de metodologias pautadas na realidade sócio-

cultural do campo, com vistas a “[...] fortalecer o mundo rural como

território de vida em todas as suas dimensões: econômicas, sociais,

ambientais, políticas, culturais e éticas” (BRASIL, 2004, p. 11).

Para o Governo Federal, o Programa se insere no conjunto de

iniciativas educacionais que, em período recente (final da década de 90),

têm sido impulsionadas pelos movimentos sociais. Para estes, consiste em

uma estratégia para inserir a educação do campo na agenda pública

governamental como uma questão de interesse nacional.

Vinculado ao MDA, através do INCRA, o PRONERA tem por

premissa básica a parceria, firmada entre órgãos governamentais,

instituições públicas de ensino técnico e superior e movimentos sociais e

sindicais de trabalhadores e trabalhadoras rurais, contando ainda com a

participação de governos estaduais e municipais. Uma das questões em

destaque em projetos vinculados ao PRONERA refere-se ao processo de

implementação, o que tem conferido um papel estratégico para a parceria.

Para Cordeiro (2009), a parceria tem início na gênese do

PRONERA e vai assumindo maior importância ao logo dos últimos dez

anos. Ela destaca:

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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De 1998 a 2008, num movimento crescente, [o PRONERA] foi envolvendo universidades, secretarias de educação, escolas federais de ensino médio, sempre em parceria com os movimentos sociais e com o INCRA, numa ação conjunta visando ao desenvolvimento dos assentamentos, tomando como base a educação (CORDEIRO, 2009, p. 1).

Nessa perspectiva, Helana Freitas (2008), que em sua tese de

doutorado analisa como estão se constituindo as relações políticas e

pedagógicas entre os atores que estão construindo um Curso Técnico em

Agropecuária, vinculado ao PRONERA e implementado em Santa Catarina,

considera que se faz necessário aprofundar o diálogo entre os atores

envolvidos, levando o fortalecimento do PRONERA como um caminho para

a construção de políticas públicas para o meio rural. Assim, destaca:

Se por um lado essa parceria gera fortes ligações em torno dos projetos, por outro favorecem os conflitos devido às diferentes visões de mundo, de educação, de sociedade e de variações nas capacidades institucionais dos atores envolvidos (FREITAS, 2008, p. 192).

Consideramos a análise de Freitas (2008) central, porque aponta

a parceria como fundamental e estratégica na implementação dos projetos

do PRONERA, mas também por evidenciar conflitos gerados entre os

parceiros, diante dos interesses diferenciados que movem cada um

destes, bem como, das concepções que orientam suas ações.

Desse modo, com o propósito de ampliar nossas condições de

análise sobre a implementação do PRONERA, via parceria, a partir do

estudo de caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense,

sistematizamos, neste capítulo, parte da revisão de literatura e análise

documental sobre a constituição e a configuração do PRONERA, focando o

princípio operacional e metodológico da parceria, por entender que se faz

necessário esclarecer o que define o Manual de Operações (BRASIL,

2004), no contexto de sua implementação e a co-gestão pela parceria.

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Iniciamos, então, pela contextualização da elaboração e

implantação do PRONERA, fundamental para a compreensão do que vem a

ser o Programa, por entender, em concordância com Mônica Molina, que

Contextualizar as condições políticas do surgimento do Programa faz-nos entender as dificuldades para implementá-lo e desenvolvê-lo [...], bem como nos estende condições de interpretar as alternativas a que nos lançamos para efetivar essa política. O PRONERA foi formalizado como estratégia política para incluir jovens e adultos assentados excluídos das políticas públicas de educação do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que mais se ocupou em racionalizar gastos públicos e reformou o ensino a partir de uma visão economicista (MOLINA, 2003, p. 47).

Apresentamos, em seguida, uma breve caracterização do

Programa, com foco no princípio operacional e metodológico da parceria,

premissa básica do Programa, para, posteriormente, tecer algumas

reflexões na busca da construção de um entendimento acerca do tema,

fundamental para a análise da implementação do Projeto Alfabetização

Cidadã, no Nordeste Paraense.

2.1 Contexto político da formulação e implantação do PRONERA

Criado, oficialmente, em abril de 1998, por meio da Portaria

Nº10/98 do Ministério Extraordinário da Política Fundiária (MEPF),

atualmente Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o PRONERA

possui uma trajetória marcada por tensões, contenções, como também

por muita resistência e avanços. Para Molina (2003), desde os primeiros

passos, ainda em 1997, até meados de 2003, o Programa passou por três

fases distintas1, as quais “[...] estão intimamente relacionadas com os

1 A primeira fase compreende o período de 30 de julho de 1997 a janeiro de 2001, marcado pela intensa participação do MST. A segunda fase se estende até o início de 2003, caracterizada pela diminuição da intervenção dos parceiros nas definições do Programa. A terceira fase é delimitada pela retomada da articulação dos parceiros (Estado, movimentos sociais e instituições públicas de ensino).

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diversos momentos mais gerais da luta pela Reforma Agrária

desencadeadas pelo Movimento Sem Terra e com o contexto político do

país nestes momentos” (MOLINA, 2003, p. 47).

A idealização do PRONERA remonta à realização do I Encontro

Nacional das Educadoras e dos Educadores da Reforma Agrária (ENERA).

Este Encontro foi promovido pelo Setor de Educação do MST2, em parceria

com a UnB, UNESCO, CNBB e UNICEf, com o objetivo de avaliar o trabalho

desenvolvido e trocar experiências entre os diferentes níveis de

escolarização do campo; pautaram-se os problemas econômicos, sociais e

educacionais e analisou-se da educação infantil à educação de jovens e

adultos. No Manual de Operações do PRONERA (BRASIL, 2004) consta que

Os participantes concluíram ser necessária uma articulação entre os trabalhos em desenvolvimento, bem como sua multiplicação, dada a grande demanda dos movimentos sociais por educação no meio rural e a situação deficitária da oferta educacional no campo, agravada pela ausência de uma política pública específica no Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2004, p. 16).

De acordo com Molina (2003), na ocasião, educadores do MST

propuseram a construção de uma rede nacional entre universidades –

UFSE, UNESP, UFC, UFRJ, UnB, UFES, UFRGS, UFMA, UFSC, UNEB, UFF –

para o enfrentamento do analfabetismo no campo. Segundo a mesma

autora, “Foi no Enera que se gestou o que viria a se tornar uma das

primeiras políticas públicas de Educação do Campo, o Programa Nacional

de Educação na Reforma Agrária” (MOLINA, 2003, p. 45).

Estudos realizados por Sauer e Souza (2008) dão conta de que,

no governo FHC (1995-2002), a reforma agrária foi descartada como

política pública necessária ao desenvolvimento nacional:

2 Estruturado em 1987, o Setor de Educação do MST é responsável pelas articulações nacionais de luta por educação em acampamentos e assentamentos e pela elaboração teórico-pedagógica de uma educação adequada à realidade do campo e às necessidades dos trabalhadores brasileiros. Para informações detalhadas, ver Caldart (1997; 2000).

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Ao longo de dois mandatos, a luta contra a desigualdade deu lugar à construção de uma política agrária baseada na necessidade de aliviar a pobreza rural, profundamente influenciada pela retórica e apoio financeiro do Banco Mundial (SAUER; SOUZA, 2008, p. 72).

Esta postura política provocou reações dos movimentos sociais

do campo, ocasionando violentos conflitos agrários, tais como o Massacre

de Corumbiara3 e o Massacre de Eldorado dos Carajás4. Tal postura

demonstra que os conflitos no campo são decorrentes da concentração

fundiária e foram tratados como caso de polícia, o que só agravou o

problema. “Em outras palavras, para o Governo FHC, a reforma agrária

justificou-se somente como política social compensatória, voltada para a

contenção de conflitos agrários” (SAUER; SOUZA, 2008, p. 72).

Diante desses acontecimentos, os movimentos sociais

desencadearam uma série de fatos políticos para minimizar, na sociedade,

as repercussões dos massacres (MOLINA, 2003). Uma das ações em

destaque foi a instituição do Fórum das IES de Apoio à Reforma Agrária,

com a articulação do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras

(CRUB) junto ao Governo Federal, sob a coordenação do Ministro

Extraordinário de Política Fundiária, com o propósito de trabalhar na

reforma agrária. Conforme analisa Molina (2003), a intenção que estava

posta não era viabilizar políticas efetivas para conter a violência no

campo, mas sim diminuir o impacto político dos acontecimentos

mencionados na sociedade. De todo modo, nessa ocasião foram firmadas

as primeiras parcerias entre o INCRA e o CRUB, tais como o Censo da

Reforma Agrária5 (1996) e Projeto Lumiar6 (1996). A ideia, então, era

inserir o PRONERA no rol dessas parcerias.

3 Ocorrido em 9 de agosto de 1995, no Estado de Rondônia, em que pelo menos 10 sem-terra foram mortos por policiais. 4 Ocorrido em 17 de abril de 1996, no Estado do Pará, que resultou no assassinato de 19 pessoas. 5 Parceria consolidada na ocasião do I Fórum das IES de Apoio à Reforma Agrária, foi um convênio firmado entre o INCRA e o CRUB que quantificou as famílias assentadas até 31 de outubro de 1996.

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Ainda em outubro do mesmo ano, a representação das

universidades – UnB, UFRGS, UNISINOS, UNIJUI, UFSE e UNESP –

definiram a participação das Instituições de Ensino Superior no processo

educacional nos assentamentos, priorizando a alfabetização e a

escolarização de jovens e adultos, haja vista a elevada taxa de 45%

analfabetismo e os baixos níveis de escolaridade dos beneficiários da

reforma agrária. Conforme Molina (2003), como resultado desse processo,

formou-se um grupo para coordenar encaminhamentos, o qual formulou e

apresentou uma proposta de intervenção das universidades no trabalho de

educação nos assentamentos e acampamentos, constituindo a terceira

parceria firmada pelo III Fórum das IES. Do debate entre representantes

das universidades, do MST e da CONTAG, resultou o primeiro Manual de

Operações do PRONERA7. Reconstituindo o processo, a autora analisa:

1998 era um ano eleitoral para a Presidência, e como estratégia de campanha, o governo anunciou que o PRONERA alfabetizaria em um ano, 200 mil trabalhadores rurais. Depois de seis meses do anúncio de sua criação, é que saiu a Portaria nº 10, criando o PRONERA, em 17 de abril de 1998 [...]. Quando o PRONERA foi lançado advieram divergências entre o Ministério de Desenvolvimento Agrário (à época o Extraordinário de Política Fundiária) e o da Educação. A imprensa noticiou que a secretária de Ensino Fundamental, Iara Prado, afirmara

6 Parceria consolidada na ocasião do II Fórum das IES de Apoio à Reforma Agrária, o Projeto Lumiar foi um convênio firmado entre o Governo Federal e a Associação Nacional de Cooperação Agrícola (ANCA) para contratação de técnicos agrícolas para atuarem em assentamentos. O Projeto foi extinto em 2000, sob alegação de que o MST se utilizava do trabalho dos técnicos para fazer “proselitismo político” e cobrava taxas dos assentados assistidos pelos técnicos (Molina, 2003). 7 O Manual de Operações do PRONERA é o documento base que define a estrutura operacional e as orientações pedagógicas do Programa. Desde a sua criação, foram concebidas três versões: a primeira foi aprovada com a criação do Programa (Portaria MEPF/Nº 10/1998), a segunda versão incorporou as deliberações oriundas das medidas extremas do Governo, a partir de meados de 2001 (Portaria INCRA/Nº 837/2001); a terceira e atual edição constituiu o resgate da essência do Programa, retomando, desde o processo de reformulação, seus princípios e pressupostos (Portaria INCRA/Nº 282/2004). “Esta edição do Manual de Operações tem por objetivo orientar as instituições de ensino e todos os parceiros a elaborar projetos cada vez mais consistentes com uma política pública de Educação do Campo para jovens e adultos das áreas de Reforma Agrária (BRASIL, 2004, p. 14).

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que ‘o PRONERA era uma iniciativa lastimável de educação’ (MOLINA, 2003, p. 51).

A despeito da intensa participação dos movimentos sociais,

determinante na “concepção, articulação, destinação de recursos e

definição dos rumos políticos do Programa”, este primeiro período de

existência do PRONERA foi marcado por tensões no interior do Governo

Federal, com encaminhamentos e deliberações centralizadas,

contingenciamento de recursos, interrupções frequentes de projetos. Esse

processo, segundo Molina (2003), gerou aumento da pressão e

reivindicações por parte dos movimentos sociais.

Na primeira fase da execução do Programa era possível identificar a disputa política na organização, na composição das comissões, na quantidade de recursos, em sua descentralização. A falta de política articulada e comprometida com a eliminação do analfabetismo é perceptível na ausência de previsão orçamentária para o PRONERA. A cada ano a Comissão Pedagógica e os movimentos sociais negociavam e principalmente articulavam-se com deputados e senadores para garantir recursos do Orçamento da União ao Programa (MOLINA, 2003, p. 51).

Nesse primeiro período, os recursos foram insuficientes para

responder às demandas por alfabetização e escolarização nos

assentamentos em todo o país, cuja população fora historicamente

excluída do acesso à educação. Segundo dados do INCRA, apresentados

por Andrade e Di Pierro (2004b), da previsão de R$21,5 milhões, apenas

R$8,3 milhões foram de fato liberados. Mesmo diante das contenções

orçamentárias, o ano de 1999 caracterizou-se pelo crescimento do

PRONERA:

Este crescimento só foi possível em função da extrema determinação dos movimentos sociais e das universidades, que na maior parte das vezes usaram como estratégia começar os cursos, mesmo sem os recursos liberados para

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que de fato os convênios assinados fossem cumpridos. De acordo com os dados disponíveis no INCRA nacional, para que houvesse a liberação deste dinheiro houve a ocupação de 14 superintendências regionais para não haver interrupção destes cursos (MOLINA, 2003, p. 52).

Observa-se que, para além dos contingenciamentos, um dos

entraves foi a questão política que envolvia a Secretaria do Orçamento

Federal (SOF), do Ministério do Planejamento, a qual, segundo Andrade e

Di Pierro (2004b), alegava que os encargos do ensino básico deveriam ser

de responsabilidade do MEC, portanto financiados com seus recursos

orçamentários. Com base nesse argumento, os dirigentes dessa secretaria

resistiam em incluir o PRONERA no Projeto de Lei Orçamentária enviada

ao Congresso. Isso implicou na alocação e liberação de recursos apenas

por meio de emendas parlamentares. Essa realidade perdurou nos anos

1999, 2000 e 2001, sendo que:

No período 1998 a 1999, dos R$24,5 milhões consignados pelo Congresso ao PRONERA, 54,5% foram contingenciados e R$11.377.236,47 efetivamente aplicados. Segundo o Balanço Global da Gestão do Incra 1995-2002, a consecução das metas do biênio 2000-2002 requeria um investimento de R$63 milhões, mas apenas R$48,8 milhões foram orçados, dos quais 33,16%, contingenciados, e 9% foram destinados a outras atividades (ANDRADE; DI PIERRO, 2004b, p. 33).

Estes dados demonstram o descaso do poder público federal em

face da garantia à educação aos povos do campo. Por um lado, o governo

se submetia às reivindicações e às proposições dos movimentos sociais e

das universidades, por outro, demonstrava sua força no tocante aos

recursos, a partir de contingenciamentos orçamentários, inviabilizando

ações do Programa.

Fruto da pressão dos movimentos sociais do campo, no ano de

2000, o Programa imprimiu a diretriz de descentralização que possibilitou

maior autonomia às Superintendências Regionais do INCRA, cujos

dirigentes passaram a assinar os convênios e a administrar os recursos

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financeiros. O PRONERA caminhava, então, para a efetiva concretização

da sua proposta original, contudo, no final daquele ano e início do ano

seguinte, sob a alegação de que estava sob forte influência do MST,

processou-se uma nova reestruturação do Programa, inaugurando sua

segunda fase, do ano de 2001 ao início do ano de 2003 (MOLINA, 2003).

A gestão do PRONERA centrou-se novamente na Coordenação

Geral de Projetos Especiais do Sistema Nacional do Desenvolvimento

Agrário do INCRA, excluindo-se a participação dos movimentos sociais e

reduzindo-se, significativamente, a participação das universidades a

apenas uma, como representante de todo o país. Tal encaminhamento

refletiu na essência do Programa, à medida que inviabilizou sua principal

característica: a gestão participativa e colegiada.

Esse período foi marcado por grandes dificuldades para a

manutenção dos projetos, com escassez de recursos, o que refletiu na

redução das reuniões da Comissão Pedagógica e levou à diminuição da

capacidade de intervenção dos parceiros nos rumos do Programa.

Corroboramos com a análise de Andrade e Di Pierro (2004), quando

mostram que essas decisões expressavam a postura política do governo

FHC frente às demandas dos movimentos sociais do campo, liderados pelo

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Não só os recursos, mas também a vontade política de levar adiante o PRONERA sofreram recuos [...]. A redução contínua do financiamento federal para o Programa [...], segundo Di Pierro (2002), pode ser interpretada como falta de prioridade atribuída à reforma agrária na política do governo federal, pois “não há fatos socioeducativos que justifiquem esta medida, tendo em vista o elevado índice de analfabetismo nos assentamentos rurais, comprometendo o êxito econômico da reforma agrária como estratégia de desenvolvimento social no meio rural”. Outra hipótese aventada pela autora é de que, num contexto de acirramento de conflitos, o governo federal procurou desestabilizar o MST, restringindo ao máximo os canais de financiamento aos quais os movimentos sociais organizados do campo pudessem ter acesso (ANDRADE; DI PIERRO, 2004b, p. 33).

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Em decorrência dos embates entre movimentos sociais e

governo, o PRONERA enfrentou consecutivas ameaças de interrupção, até

mesmo de extinção, ante o sistemático contingenciamento orçamentário,

sob justificativa da redução da arrecadação pública, o que acarretou,

muitas vezes, na não execução de projetos já aprovados, além das

oscilações no número de convênios, municípios, assentamentos e alunos

atendidos (ANDRADE; DI PIERRO, 2004). Diante das estratégias de

exaurir o PRONERA, foi a “organicidade dos movimentos sociais” e a

“centralidade da educação” que garantiram a continuidade do Programa

(MOLINA, 2003).

Sustentados pela crença na viabilidade e nas potencialidades do

PRONERA, a vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva, antes mesmo de

tomar posse o novo governo, mudou a correlação de forças no interior do

PRONERA. Com isso, os representantes dos movimentos sociais e as

universidades recuperam parte do espaço – perdido na Comissão

Pedagógica Nacional – e dos rumos do programa. Ainda, em 2002, muda

também o lugar do PRONERA no organograma do INCRA, saindo da

Coordenação de Projetos Especiais e vinculando-se diretamente ao

Gabinete da Presidência do INCRA, que do ponto de vista político,

conformou a descentralização da gestão do Programa, retomando sua

forma participativa e colegiada.

Assim, em 2003, iniciava-se uma nova gestão no PRONERA. Com

Mônica Castagna Molina assumindo a Coordenação Nacional do Programa,

fortalecia-se a sua gestão colegiada, que teve materializada a participação

efetiva dos movimentos sociais e das universidades. A esse fato seguiu-se

uma série de reuniões da Comissão Pedagógica Nacional para definir os

rumos financeiros e pedagógicos do PRONERA:

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[...] foram novamente ampliadas as representações da sociedade civil na Comissão Pedagógica Nacional do Programa, reduzidas na gestão anterior; ampliaram-se as articulações interinstitucionais, incluindo os Ministérios da Educação e o do Trabalho e Emprego, a Unesco, a Undime, o Sesi, a Rede de Apoio à Ação Alfabetizadora do Brasil e os Fóruns estaduais de EJA; realizaram-se o Seminário Nacional de Superintendentes do Incra (para discutir como melhor qualificar as atividades do PRONERA a partir do monitoramento dos Asseguradores, responsáveis pelo Programa nas Regionais) e o I Seminário Nacional do PRONERA, buscando definir os rumos, estratégias e ações políticas para o novo período (ANDRADE; DI PIERRO, 2004, p. 34).

Esse Seminário reuniu universidades, movimentos sociais e

sindicais de trabalhadores rurais, superintendências regionais do INCRA e

secretarias municipais e estaduais de educação envolvidos e avaliou os

cinco anos do Programa (1998-2003). Como fruto disso ampliou-se a

Comissão Pedagógica Nacional, que passou a obter a representação das

universidades por região: da região Norte, a UFPA; a UFRN pela região

Nordeste e a UNESP representando o Centro Sul do país. Ampliaram-se,

assim, as articulações interinstitucionais do PRONERA com a inclusão dos

Ministérios da Educação e do Trabalho e Emprego na Comissão

Pedagógica Nacional.

Face à perspectiva criada com os novos rumos traçados pelo

PRONERA, realizaram-se uma avaliação externa (que nunca havia sido

feita), tendo em vista a escassez de informações sistematizadas sobre o

Programa, um balanço da situação do PRONERA e o planejamento das

ações futuras. Os resultados dessa avaliação8 revelaram que, para o

universo de 500 mil famílias espalhadas em 6.175 assentamentos rurais,

“[...] o PRONERA apresenta-se como um relevante instrumento de

8 O Relatório Geral da Avaliação do PRONERA pode ser acessado no sítio do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD), na página eletrônica <www.nead.gov.br>.

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democratização da educação no campo, cujas ações educativas têm

promovido resultados positivos” (ANDRADE; DI PIERRO, 2004a, p. 40).

A avaliação apontou, ainda, dificuldades e avanços referentes ao

público envolvido, às condições de aprendizagem, ao acesso aos cursos, a

aspectos pedagógicos dos processos educativos, à avaliação dos cursos e

seus resultados, à construção de uma pedagogia do campo, ao desafio da

gestão e da estrutura do programa. Demonstrou a escassez de recursos

como um dos maiores entraves e o principal fator responsável pelo

comprometimento dos resultados.

Como resultado da avaliação externa, pode-se identificar,

também, índices de cobertura e de evolução do atendimento e da

matrícula por modalidade. No período contemplado pela avaliação, o

PRONERA celebrou 139 convênios, envolvendo 99 IES, com a participação

de 122.915 alunos, em projetos implementados em 3.380 projetos de

assentamentos, em 1.574 municípios (ANDRADE; DI PIERRO, 2004b,

36)9. Em suma, os dados expressaram que a abrangência quantitativa

das ações educativas do PRONERA ainda estava muito aquém da demanda

dos assentamentos por educação.

As primeiras sistematizações da avaliação externa foram

socializadas no II Seminário Nacional do PRONERA e não só reorientaram

as ações do Programa, como também resultaram na elaboração e

aprovação do novo (e atual) Manual de Operações, por meio da Portaria

INCRA Nº 282, de 16 de abril de 2004, com vistas a adequar10 o PRONERA

às diretrizes políticas do atual Governo que, diferentemente do anterior,

[...] modificou a relação com as organizações camponesas que passaram

9 Informam as autoras que, dos referidos dados, os concernentes aos anos de 1998, 1999 e 2000 constam no Relatório de Atividades do MDC/INCRA e os dados relativos aos anos de 2001 e 2002 foram fornecidos pelas Superintendências Regionais do INCRA. As autoras advertem que os dados acumulados podem exceder o número real no caso de cursos mantidos por anos sucessivos por uma mesma universidade, em um mesmo assentamento, contemplando os mesmos assentados por anos consecutivos. 10 Entendemos que essa adequação configurou, na verdade, a retomada da essência do Programa, nos moldes idealizados pelos movimentos sociais, quando da sua concepção.

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a ser respeitados como sujeitos políticos (SAUER; SOUZA, 2008, p. 84) e

anunciou prioridade à educação em todos os níveis como um direito social

de todos.

Observa-se que, a partir de 2004, o Programa contou com

ampliação significativa de recursos, tendo como resultado a aprovação de

um número expressivo de projetos, configurando-se um processo de

expansão do PRONERA em todo o país. De acordo com estudos de HAGE

(2007),

Durante todo o período que o Programa esteve sob a gestão do Governo de FHC (1998-2002), o crescimento do investimento do PRONERA atingiu 223,03%, passando de 3 milhões de reais em 1998 para mais de 9 milhões de reais, em 2002, significando um aumento de recursos na ordem de mais de 9,6 milhões. No primeiro governo Lula da Silva (2003-2006), o índice de crescimento do investimento no Programa foi um pouco mais modesto, atingindo 171,66%, entretanto, em termos absolutos, os recursos investidos duplicaram em relação ao investimento realizado durante o Programa na gestão de FHC, representando quase 19 milhões de reais ao passar de 10 milhões para mais de 29 milhões de reais, em 2006 (HAGE, 2007, p. 245).

A ampliação dos recursos para o PRONERA certamente não

cobriria todo o universo da demanda por educação dos assentamentos,

porém significou uma expressiva mudança na postura política a partir do

novo governo. Qualificando esse avanço, o Balanço Político do PRONERA

(2008) mostra que

De 1998 a 2002, [o PRONERA] foi o responsável pela escolarização e formação de 122.915 trabalhadores e trabalhadoras rurais assentados e assentadas. De 2003 a 2006, promoveu acesso à escolarização e formação para 247.249 jovens e adultos assentados e capacitou 1.016 profissionais egressos dos cursos de ciências agrárias para atuarem na assistência técnica, social e ambiental junto aos assentamentos de reforma agrária e agricultura familiar (PRONERA, 2008, p. 97).

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Nessa referência são evidenciados os avanços, a partir de 2003,

em termos de expansão do PRONERA (investimento e número de alunos,

assentamentos, projetos, etc) e em níveis de ensino contemplados

(alfabetização, escolarização, cursos técnicos profissionalizantes até os

cursos superiores).

Avanços podem ser percebidos, também, no que se refere à

contribuição do Programa para a construção de uma matriz de educação

do campo e sua efetivação por meio de uma política pública. Cumpre

mencionar a contribuição direta do PRONERA, junto à Articulação Nacional

Por Uma Educação do Campo, no que tange à elaboração e aprovação das

Diretrizes Operacionais para Educação Básica das Escolas do Campo

(MOLINA, 2003). No entanto, tais avanços não isentaram o PRONERA de

questionamentos e impedimentos.

Um dos problemas enfrentados pelo Programa refere-se à

grande demanda que o movimento social apresentou ao INCRA, tornando

inviável atender a todos por falta de parceria, principalmente das

universidades, pois nem sempre havia professores dispostos e/ou

disponíveis para coordenar os projetos e, com isso, propiciar o acesso à

educação dos assentados.

Somado a isso, em meio à ampliação do PRONERA, a liberação

de recurso voltou a ser um entrave. Mesmo diante dos investimentos por

parte do governo, a legislação que normatizava a aplicação dos recursos

públicos para projetos dessa natureza continuava defasada, como

podemos observar no depoimento de um membro da Comissão

Pedagógica Nacional do Programa:

[...] com toda boa intenção que tinha do governo, as propostas todas, o próprio orçamento ampliado, a aprovação de projetos e a demanda, a legislação que normatizava toda essa aplicação de recursos era uma legislação antiga, então, a realidade do campo, onde não tem empresas para contratar serviços apresentando nota fiscal, como é que você ia fazer a formação de um grupo de alunos, fornecer alimentação e transporte pedindo nota fiscal desse trabalho,

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dessa prestação de serviços? Nesse ato de prestar contas, muita coisa passa a não acontecer (Entrevista realizada em dezembro de 2007).

Percebe-se que a implantação de projetos do PRONERA tornou-

se inviável diante da dificuldade de prestação de contas, o que culminou

na paralisação das atividades, acarretando uma série de problemas, como

por exemplo: descontinuidade do processo educativo, o desestímulo e a

descrença por parte dos educandos e a quebra de confiança na relação

entre universidade e demais parceiros. A propósito, esses problemas

também foram enfrentados pelo Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste

Paraense, os quais serão discutidos no capítulo seguinte deste trabalho.

Constata-se, também, que a mudança da Coordenação do

PRONERA gerou um recuo na mobilização, na articulação e na ampliação

das ações dos projetos do PRONERA, causando uma desaceleração do

Programa.

Na análise dos documentos, foi possível verificar que a maior

dificuldade em relação à implementação dos projetos do PRONERA

localizava-se, já em 2006, na legislação sobre a utilização dos recursos,

comprometendo o andamento dos mesmos, situação que perdurou alguns

meses. Na visão de uma das professoras entrevistadas,

Os projetos começaram a enguiçar por falta de recurso. Mas isso, ao contrário de desestimular, estimulou mais a participação, a organização dos assentados, reivindicando, fazendo ocupação na sede do INCRA para que o recurso fosse liberado. Então, ao mesmo tempo que há uma ação de expansão do Programa, esse próprio movimento provocava também a organização daqueles que estavam como sujeitos da ação. Essa é uma marca, eles não estavam mais como coitadinhos que estavam recebendo uma ação, recebendo uma boa ação do governo, eles estavam como sujeitos exigindo seus direitos, então esse é um aspecto que é interessante de ressaltar (Entrevista realizada em dezembro de 2007).

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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Mesmo perante esses inúmeros entraves, um balanço recente do

PRONERA revela que, no ano de 2007, mais de 60 mil jovens e adultos

das áreas de reforma agrária estavam participando de projetos em

andamento, sendo 28.574 em 23 convênios/projetos de educação de

jovens e adultos; 2.874 em 65 convênios/projetos de nível médio técnico;

5.194 em 36 convênios/projetos de nível superior, por meio da parceria

com mais de 30 universidades públicas, além de Centros Federais de

Educação Tecnológica (CEFET), Escolas Família Agrícola (EFA), institutos

de educação e secretarias estaduais e municipais de educação (PRONERA,

2008, p. 98).

Apesar da atuação positiva do PRONERA, em termos numéricos,

o quadro da educação destinada à população do campo mostra ainda uma

realidade que carece de ações efetivas por parte do Estado. O I Censo da

Reforma Agrária do Brasil (1997) revelou que o índice de analfabetismo

nos assentamentos chegava a 34%. Em 2004, após seis anos de

intervenção do PRONERA, o relatório da Pesquisa Nacional da Educação na

Reforma Agrária11 (PNERA), censo da educação na reforma agrária,

mostrou que naquele momento 61,2% dos assentados do Brasil não

frequentavam a escola. Fernandes (2008), no entanto, apresenta uma

realidade talvez mais realista e menos pessimista:

O campo, em geral, tem um altíssimo índice de analfabetismo, mas há situações em que este índice é bem menor e até mais baixo que o urbano. As melhores situações estão nos territórios em que a população está organizada e onde estão sendo implantadas políticas públicas. Por exemplo, a Pesquisa Nacional de Educação na Reforma

11 Realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), a PNERA é resultado de uma parceria entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), através do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). A FIPE visitou 5.595 assentamentos em 1.651 municípios de todo o País, totalizando 10,2 mil famílias entrevistadas. Teve por objetivo diagnosticar as condições educacionais dos assentamentos no sentido de subsidiar o planejamento estratégico, a definição de políticas públicas, a implementação de ações articuladas e o monitoramento das condições educacionais.

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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Agrária, realizada em 2004, mostrou que o índice de analfabetismo nos assentamentos de reforma agrária é de 7,4%. Isso, graças à criação de uma política pública chamada Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) (FERNANDES, 2008. Grifo nosso).

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)

indicam que, em 2004, a escolaridade média da população de 15 anos ou

mais, moradora em zonas rurais, é de 3,4 anos, metade da média

estimada para a população urbana, que é de 7 anos. Relata Molina (2008)

que estudos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

(INEP) avaliam que “[...] se for mantido esse padrão de evolução, sem

nenhuma forte intervenção por parte do Estado, a população rural levará

mais de 30 anos para atingir o atual nível de escolaridade da população

urbana” (MOLINA, 2008, p. 30). Reconhece o INEP que os contrastes

entre as escolas do campo e as escolas urbanas demonstram as

deficiências crônicas que afetam a educação do campo e que, diante desse

quadro,

O desafio [...] não é simplesmente promover a equiparação das condições de oferta, tomando por base o atual padrão das escolas urbanas, isso porque os indicadores educacionais na área urbana, embora melhores do que aqueles verificados no campo, permanecem em patamares muito baixos, o que tem sido evidenciado pelas avaliações conduzidas pelo Inep (INEP, 2007).

A esse respeito, percebe-se que o padrão das escolas urbanas

tem constituído o padrão das políticas educativas universais. Sobre esse

tema, corroboramos com a análise de Arroyo (2006). Para o pesquisador,

o “padrão generalista” das políticas universais não foi capaz de

superar/impedir a tamanha desigualdade existente entre a escola do

campo e a escola da cidade. Desse modo, questiona se o modelo de

políticas generalistas será suficiente para superar as históricas

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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desigualdades e exclusões as quais os sujeitos do campo são submetidos,

garantindo-se o direito pleno à educação. Arroyo argumenta, ainda, que

O sistema educativo no campo tem que ser construído como um sistema de afirmação para a correção das desigualdades e da dívida acumulada. Não é suficiente esperar que um dia chegue ao campo o que já chegou à cidade! Precisamos mostrar e pesquisar que esse caminho não é suficiente, que a própria natureza das desigualdades históricas exige políticas afirmativas, sistema afirmativo, escola afirmativa. [...]. Esse padrão generalista tem que ser superado! Enquanto as políticas públicas, os sistemas educacionais continuarem insistindo nesse padrão, vamos continuar com as desigualdades! Vamos continuar com as crônicas, croníssimas desigualdades! (ARROYO, 2006, p. 104-5)

Apresentando entendimento contrário, estudo realizado pela

pesquisadora Di Pierro (2001), acerca das tendências nas políticas

públicas de educação de jovens e adultos, observa que a descentralização,

a focalização e a parceria constituem características das políticas sociais

de cunho neoliberal. Essas políticas são também produtos da redefinição

do papel do Estado e do ajuste macroeconômico implementado sob a

orientação de organismos internacionais, embasadas na lógica da maior

eficácia a partir de menor gasto. Particularmente, sobre focalização, a

autora argumenta o seguinte:

A diretriz de focalização das políticas sociais tem origem na tese de que, sob condições de limitação de recursos, o investimento público é mais eficaz quando direcionado a porções do território nacional ou subgrupos populacionais para os quais esse benefício resulte maior impacto positivo. Essa orientação implica o rompimento do princípio da universalidade dos direitos e conduz à segmentação das políticas sociais, que assumem progressivamente a configuração de programas compensatórios destinados a mitigar a pobreza (DI PIERRO, 2001, p. 325).

Nesse estudo, a referida autora destaca o PRONERA, inferindo

que assumia, do mesmo modo que as ações do Programa Alfabetização

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Solidária (PAS) e do Programa Nacional de Formação e Qualificação

Profissional (PLANFOR), a configuração de ação compensatória de

combate à pobreza e que, na ausência de uma política universal de ensino

básico para jovens e adultos, compunham o “[...] mosaico das

desigualdades no acesso à educação elementar” (DI PIERRO, 2001, p.

326).

Seguindo posicionamento assumido pelo professor Salomão

Hage, compreendemos que existe uma tensão constante entre diferentes

significados e papéis que o PRONERA pode assumir face às articulações

entre os atores sociais que o constroem:

Em um extremo, o Programa, ao dirigir-se às populações dos assentamentos rurais onde os índices de analfabetismo são alarmantes; e configurar-se, portanto enquanto uma política focal ou de ação afirmativa; não está isento de ser enquadrado entre um conjunto de ações compensatórias de combate à pobreza existentes no país. Em outro, a interação constante estabelecida em torno da construção do Programa entre governo, universidade e movimentos sociais, especialmente aqueles representativos de parcelas da sociedade que sempre estiveram à margem das relações de poder na sociedade capitalista; tem a chance de contribuir para a ampliação da esfera pública, na perspectiva de democratização do Estado e da própria sociedade, a partir do fortalecimento da consciência coletiva, seja no Estado, na academia, nas organizações e movimentos sociais ou no campo educacional, em favor da construção de políticas e ações afirmativas que sejam capazes de enfrentar as desigualdades históricas sofridas pelos segmentos populares e subverter o padrão universalista e generalista que inspira, predominantemente, as políticas educacionais vigentes e não tem dado conta de universalizar o direito a educação desses segmentos (HAGE, 2007, p. 261-2).

Essa referência reforça o que indicam os dados anteriormente

apresentados neste trabalho acerca da necessidade de o Estado priorizar

políticas educacionais específicas para o campo, na perspectiva de criar

condições reais para o desenvolvimento e para a inclusão social e

educacional das populações do campo. Nesse sentido, as políticas

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deveriam articular a realidade e as demandas específicas para, assim,

reverter a dívida histórica que atinge os sujeitos do campo brasileiro no

que tange à garantia dos direitos sociais, em especial, o direito à

educação. Compreendemos que o PRONERA está nessa direção e, desse

modo, precisa ser ampliado, visto que é insuficiente para atender a todas

as dimensões socioeconômicas, políticas, culturais, étnicas, que

comportam a problemática dos trabalhadores do campo.

Na busca de afirmar tais questões e ajudar a encontrar caminhos

para a construção de uma política pública de educação do campo, no III

Seminário Nacional do PRONERA foi feito um balanço de suas ações, ao

completar uma década de existência e tendo formado mais de 300 mil

pessoas. Corroborando com Molina (2008), entendemos que

Parte significativa da luta dos sujeitos organizados no meio rural para construção da Educação do Campo tem se dado por meio do Pronera. Os 10 anos de práticas concretas de escolarização dos assentados a completarem-se em 2008, que garantiram a materialidade do Programa, foram fundamentais para a construção da bandeira da Educação do Campo (MOLINA, 2008, p. 19-20).

A despeito dos avanços constatados na educação para os

assentados, como fora frisado na ocasião do Seminário, o Orçamento

Geral da União destina um volume muito pequeno de recursos para o

Programa, apesar do impacto que produz na educação, desenvolvendo

ações, atualmente, da alfabetização ao curso superior, inclusive pós-

graduação lato sensu.

Sob o tema “Constitucionalidade e Justiciabilidade do Direito à

Educação dos Povos do Campo”, no referido seminário foram pautadas a

constitucionalidade e a legitimidade do PRONERA como política pública,

que tem desempenhado papel fundamental na redução das desigualdades

sociais e regionais no país.

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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No evento, a estudiosa Clarice Duarte (2008) embasou sua

argumentação no princípio da igualdade – fundamento dos direitos sociais,

de caráter universal, dentre eles a educação – subdividida em igualdade

formal e igualdade material. Esclareceu, então, que a igualdade formal diz

respeito à noção de que “[...] todos os seres humanos são sujeitos de

direitos, independente de quaisquer características que os especifiquem

ou os diferencie”; por conseguinte, a igualdade material consiste na “[...]

igualdade feita pela lei, que visa a criar patamares mínimos de igualdade

no campo do acesso aos bens, serviços e direitos sociais” (DUARTE, 2008,

p. 34-5). De tal modo, a autora assegura que

A conjugação de ambos os aspectos do princípio da igualdade leva o Estado a criar políticas universalizantes, garantindo a todos o acesso universal aos bens e serviços em patamares mínimos, mas leva também à necessidade de criação de políticas específicas, que têm como alvo prioritário determinados grupos vulneráveis dentro da sociedade (DUARTE, 2008, p. 36).

Assim, as políticas públicas educacionais devem ser

universalizantes, mas devem também ser específicas, para que

determinados grupos vulneráveis da sociedade tenham acesso aos direitos

previstos no aparato normativo. Esse aspecto é reforçado por Duarte

(2008), quando argumenta:

É nesse contexto que se pode afirmar a constitucionalidade do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), que tem tido o papel fundamental na redução das desigualdades sociais e regionais em nosso País, assegurando a formatação de políticas públicas diferenciadas que visem a garantir o acesso à educação (DUARTE, 2008, p. 37).

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Corroborando com esse entendimento, a pesquisadora Sônia

Meire de Jesus avalia que

Os avanços que o PRONERA fez são reveladores de que não há política forte gradeada pelo Estado. Somente se desenvolvem políticas públicas inclusivas e socialmente justas se referenciadas pelos movimentos sociais. Esta, talvez, seja a maior lição da Educação do Campo desenvolvida nestes últimos anos – o seu espaço é o da luta social e o seu tempo é a reconstrução do presente por meio de um conhecimento – emancipação elaborado coletivamente no conflito e no diálogo (JESUS, 2004, p. 100).

Nessa perspectiva, compreendemos que, para a construção de

políticas públicas específicas e efetivas, faz-se necessário assegurar a

participação da população envolvida, na formulação, na implementação e

na avaliação da política, como é proposto pelo PRONERA, segundo

veremos em sua estrutura operacional, bem como em suas orientações

pedagógicas. A participação aqui é entendida como aquela que garante a

tomada de decisão coletiva sobre os rumos da educação.

2.1.1 Estrutura operacional e orientações pedagógicas do

PRONERA: uma breve caracterização

Como é possível verificar a partir do breve histórico apresentado,

a formulação do PRONERA é um traço distinto, haja vista todo o processo

coletivo desencadeado pelos movimentos sociais e assumido pelo Estado,

em conjunto com instituições públicas de ensino.

A estrutura operacional e as orientações pedagógicas são

embasadas em experiências educativas dos movimentos sociais, pautada

na realidade dos sujeitos do campo, em suas demandas e interesses.

Corroborando com essa análise, Andrade e Di Pierro mostram que

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Desde a concepção do Programa, a participação dos movimentos sociais foi decisiva, seja na pressão sobre o Congresso e o governo federal para a atribuição e liberação de recursos, ou pela influência que suas experiências de educação alternativa exerceram sobre as escolhas pedagógicas que acabaram prevalecendo, como a adesão à perspectiva freireana de alfabetização de adultos ou a adoção do regime de alternância nos cursos profissionalizantes (ANDRADE; DI PIERRO, 2004, p. 34).

Desse modo, como expressa o mais recente Manual de

Operações (BRASIL, 2004), o PRONERA tem como principal objetivo

Fortalecer a educação nas áreas de Reforma Agrária estimulando, criando, desenvolvendo e coordenando projetos educacionais, utilizando metodologias voltadas para a especificidade do campo, tendo em vista contribuir para a promoção do desenvolvimento sustentável (BRASIL, 2004, p. 17).

Com essas características, a proposta do PRONERA expressa a

busca pela efetivação de um paradigma ou matriz da Educação do Campo

ao propor ações para além da escolarização e profissionalização, conforme

é possível observar em seus objetivos específicos:

Garantir a alfabetização e educação fundamental de jovens e adultos acampados(as) e/ou assentados(as) nas áreas de Reforma Agrária.

Garantir a escolaridade e a formação de educadores(as) para atuar na promoção da educação nas áreas de Reforma Agrária.

Garantir formação continuada e escolaridade média e superior aos educadores (as) de jovens e adultos — EJA — e do ensino fundamental nas áreas de Reforma Agrária.

Garantir aos assentados(as) escolaridade e formação profissional, técnico-profissional de nível médio e curso superior em diversas áreas do conhecimento.

Organizar, produzir e editar os materiais didático-pedagógicos necessários à execução do programa.

Promover e realizar encontros, seminários, estudos e pesquisas em âmbito regional, nacional e internacional

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que fortaleçam a Educação do Campo (BRASIL, 2004, p. 17. Grifos nossos).

Os projetos educacionais de diferentes níveis devem ser

apresentados por instituições de ensino e/ou órgãos governamentais

públicos ou sem fins lucrativos, que ministrem cursos de ensino

fundamental ou médio, ou educação profissional de nível técnico e/ou

superior. As instituições devem contar com um corpo docente com

qualificação específica e que seja habilitado a oferecer a certificação

necessária e/ou por ela responsabilizar-se (BRASIL, 2004).

No processo de formulação, os projetos são submetidos à

Coordenação Nacional do PRONERA, formada pela Direção Executiva12 e

pela Comissão Pedagógica Nacional13, para avaliação pautada nos

seguintes critérios:

Devem ser elaborados coletivamente pelas instituições públicas federais, estaduais ou municipais de ensino, ou instituições comunitárias sem fins lucrativos que trabalhem com ensino fundamental, médio, profissional, técnico e superior, em articulação com as superintendências regionais do INCRA, e os movimentos sociais e sindicais de trabalhadores e trabalhadoras rurais a serem atendidos. As instituições de ensino devem comprovar a

disponibilidade de professores, alunos e demais especialistas e sua intenção de participar no desenvolvimento do projeto, observando o disposto no inciso XVI, do artigo 37 da Constituição Federal. Compromisso formal das instituições e entidades parceiras

de respeitar a estrutura administrativa e os pressupostos teórico-metodológicos do PRONERA. O projeto deve vir assinado pelos movimentos

sociais e sindicais parceiros. Deve estar em consonância com as legislações de ensino

vigentes no país e nos estados, bem como conter todas as informações apontadas nas diretrizes para a elaboração de projetos do PRONERA. As propostas curriculares da educação básica dos projetos

devem estar em consonância com a legislação nacional da

12 A Direção Executiva é responsável pela administração e gestão do Programa. 13 A Comissão Pedagógica Nacional é a instância responsável pela orientação e definição das ações político-pedagógicas do Programa.

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educação e, em especial, com as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo quando se tratar dos cursos de educação básica e de formação de educadores(as) para a educação básica e técnico profissional (BRASIL, 2004, p. 23-24. Grifos nossos).

Atendidos esses critérios, o projeto segue o trâmite para

aprovação em duas instâncias: a Superintendência do INCRA Regional e

Nacional faz a análise correspondente às orientações do Manual de

Operações do PRONERA, legislação federal que rege a celebração de

convênio e a alocação de recursos; na Coordenação Nacional do

PRONERA, formada pela Direção Executiva e Comissão Pedagógica

Nacional, são analisados o conteúdo e a metodologia dos projetos. Por

fim, os projetos aprovados são implementados conforme disponibilidade

orçamentária, mediante convênio firmado entre a Superintendência

Regional do INCRA e a instituição proponente (BRASIL, 2004).

O PRONERA não fixa modelos, nem tampouco determina

formato, metodologia e material didático. Ainda que haja orientações

gerais e definições particulares segundo o nível/a modalidade do projeto,

o Programa institui princípios a serem observados na formulação e na

execução dos projetos, quais sejam: princípios e pressupostos

teórico-metodológicos; princípios político-pedagógicos e princípio

operacional e metodológico. Corroborando com entendimento de

BONETI (2006, p. 10), compreendemos que,

[...] nos princípios estão assentados os ideários da realidade que se quer mudar, reconstruir ou construir com uma determinada política pública. Os princípios são as grandes metas, a definição de modelos abrangentes de rumos a efetivar num certo país ou Estado em áreas prioritárias, como é o caso da econômica, da saúde, da política internacional, da educação, etc.

De acordo com o Manual de Operações (BRASIL, 2004), os

referidos princípios e pressupostos teórico-metodológicos devem ser

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contemplados nas propostas pedagógicas dos projetos, em todos os níveis

de ensino, tendo por base “[...] a diversidade cultural, os processos de

interação e transformação do campo, a gestão democrática, o acesso ao

avanço científico e tecnológico voltados para o desenvolvimento das áreas

de Reforma Agrária” (BRASIL, 2004, p. 27).

Assim, fundamentam as ações vinculadas ao PRONERA os

princípios e pressupostos teórico-metodológicos: do diálogo, que ressalta

a necessidade da garantia de uma dinâmica de aprendizagem que

assegure o respeito à cultura, a valorização dos diferentes saberes e a

produção coletiva do conhecimento; da práxis, que destaca o imperativo

da construção de um processo educativo baseado no movimento ação-

reflexão-ação e na perspectiva da transformação da realidade; e da

transdisciplinaridade, que prevê a construção de um processo

educativo que contribua para a articulação de todos os conteúdos e

saberes locais, regionais e globais, bem como contemple a diversidade do

campo (BRASIL, 2004, p. 29).

O alcance desses princípios prevê orientação teórico-

metodológica para o uso de instrumentos didático-pedagógicos de uma

educação problematizadora, dialógica e participativa. O processo ensino-

aprendizagem deve ser desencadeado por temas geradores,

contemplando três etapas fundamentais: a investigação, a

contextualização e os processos, vinculados às ações concretas de

superação das situações-limite do grupo.

Por sua vez, os princípios político-pedagógicos “[...] baseiam-se

na relação indissociável da educação e do desenvolvimento territorial

como condição essencial para a qualificação do modo de vida da

população assentada” (BRASIL, 2004, p. 18). Estes são, assim delineados:

o princípio da inclusão, que visa a ampliar as condições do acesso à

educação como direito social fundamental; o princípio da participação,

que vislumbra a participação efetiva nas decisões em todas as etapas do

processo de elaboração, execução e acompanhamento dos projetos; o

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princípio da interação, que anuncia a relação permanente entre os

parceiros e os sujeitos sociais envolvidos e o princípio da multiplicação,

que prevê a ampliação do número de pessoas alfabetizadas e

escolarizadas, bem como do número de profissionais (BRASIL, 2004, p.

18).

Sobre o princípio operacional e metodológico, o Manual de

Operações (BRASIL, 2004) sintetiza-o na parceria14, instituída como

condição para se realizarem as ações do PRONERA. Deve efetivar-se

entre os movimentos sociais e sindicais de trabalhadores e trabalhadoras

rurais, o INCRA, as instituições públicas de ensino e/ou instituições

comunitárias de ensino sem fins lucrativos, como também os governos

municipais e estaduais, sendo que estes não assumem diretamente os

projetos.

Entendemos a parceria como fundamental na implementação dos

projetos do PRONERA, pois, no Manual de Operações, está assegurado

que a partir desse princípio, “[...] o PRONERA se desenvolve por meio de

uma gestão participativa, cujas responsabilidades são assumidas por

todos(as) em uma construção coletiva na elaboração, no

acompanhamento e na avaliação dos projetos” (BRASIL, 2004, p. 18).

Concordando com essa orientação política, Andrade e Di Pierro

(2004b) ressaltam que as ações tornam-se compartilhadas e as partes

envolvidas se pautam em objetivos comuns, em direitos e obrigações

equivalentes e algumas funções são exercidas conjuntamente. Do mesmo

modo, considerando o contexto de gestão democrática, cada parceiro

cumpre atribuições específicas, ainda que parte delas também seja

cumprida por todos os parceiros.

A esse respeito, são atribuições comuns a todos os parceiros:

identificar as áreas de reforma agrária que participarão do projeto;

14 Cumpre ressaltar que, considerando a importância da parceria neste trabalho, haja vista sua condição de premissa básica do PRONERA, trataremos do tema em um momento específico deste capítulo, com o intuito de aprofundar nossa compreensão, afinal a parceria é a questão central deste trabalho.

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quantificar e qualificar as demandas educacionais e buscar a

infraestrutura necessária ao funcionamento do Programa.

Às instituições de ensino cabe estabelecer parcerias necessárias

à execução do projeto; discutir, acompanhar e avaliar a participação dos

demais parceiros; elaborar e executar os projetos educacionais; organizar

o quadro docente responsável; selecionar, capacitar e habilitar, nos

aspectos pedagógicos e metodológicos, os educadores e coordenadores

locais; acompanhar o desempenho dos alunos; acompanhar todo o

processo pedagógico desenvolvido quanto à adequação do currículo,

metodologias, avaliação, entre outros (BRASIL, 2004). Em síntese,

assumem o papel de mediadoras entre os movimentos sociais e o INCRA,

respondendo pela elaboração, execução e tramitação burocrática do

projeto, pela gestão dos recursos financeiros, bem como pelo

acompanhamento pedagógico das ações educativas.

Aos movimentos sociais e sindicais, por sua vez, cabe participar

da elaboração e do acompanhamento durante a execução dos projetos

educacionais; participar da seleção e capacitação dos educadores das

áreas de Reforma Agrária; acompanhar todo o processo pedagógico

desenvolvido pelos educadores e coordenadores locais quanto à

adequação curricular, metodologias, formas de participação, entre outros;

discutir, acompanhar e avaliar em conjunto com os demais parceiros a

aplicação dos recursos e execução do Plano de Trabalho e do Projeto

(BRASIL, 2004). Desempenham também a função de mobilização da

população, assim como de participação direta na execução e no

acompanhamento, tanto das atividades, como da aplicação dos recursos

financeiros.

Quanto às Superintendências Regionais do INCRA, compete-lhes

divulgar, articular, implantar e acompanhar o PRONERA no âmbito da

Superintendência; acompanhar e avaliar a aplicação dos recursos e

execução do plano de trabalho e do projeto; articular a participação de

outras instituições públicas de ensino, como das secretarias municipais e

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estaduais de educação, agricultura, saúde, meio-ambiente e outras

entidades para assegurar a implantação e implementação dos projetos,

além da sua continuidade (BRASIL, 2004). Como podemos observar, as

Superintendências do INCRA desempenham mais funções administrativas,

relacionadas à aplicação dos recursos e busca de parcerias.

Quanto à participação das Secretarias Municipais e Estaduais de

Educação, no Manual de Operações (BRASIL, 2004) é explicitado que pode

ocorrer diretamente, a partir de proposição de ações educacionais

específicas, assim como indiretamente, contribuindo com a execução das

ações do Programa, tendo em vista que “[...] é também de sua

responsabilidade e competência a garantia do acesso à educação básica

com qualidade social “(BRASIL, 2004). Essa participação consiste

principalmente na contribuição à implantação do projeto, no que concerne

à infraestrutura, certificação dos estudantes, bem como na continuidade

para as ações educativas desencadeadas pelo Programa (BRASIL, 2004).

Na análise de Andrade e Di Pierro (2004b), a adoção de um

modelo de parceria e gestão colegiada, participativa e democrática

constitui em uma das inovações introduzidas pelo PRONERA. Por outro

lado, segundo resultados da avaliação externa realizada, como já

mencionamos, no âmbito da operacionalização do Programa, ”[...] a

gestão participativa com partilha de responsabilidades é um desafio a

superar com problemas nas relações entre as partes” (ANDRADE; DI

PIERRO, 2004b, p. 48).

Conforme destacamos anteriormente, a parceria, na condição de

princípio operacional e metodológico do PRONERA, portanto a premissa

básica do Programa, é o cerne da nossa questão de pesquisa. Diante do

exposto, a seguir nos dedicamos a refletir sobre essa temática, no sentido

de orientar nossa análise acerca da configuração dessa parceria na

implementação do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense.

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

104

2.2 O PRONERA e o seu princípio operacional e metodológico:

construindo um entendimento acerca da parceria

O termo parceria requer uma atenção especial por estar

presente no discurso das atuais políticas sociais. Como adverte Munarim

(2005),

De repente, parceria virou uma solução milagrosa para todos os males sociais. É comum Governos, empresários, ONGs e mesmo movimentos populares falarem e defenderem a parceria entre Estado e Sociedade Civil como estratégia eficiente para se alcançar determinados objetivos de interesse mútuo. Embora não na exatidão do termo, mas com o mesmo sentido, até organismos internacionais do grande capital propõem como receita a parceria para resolver problemas sociais dos países pobres ou não desenvolvidos (MUNARIM, 2005, p. 71).

Assim compreendida, a parceria se coloca para além do sentido

literal do dicionário Houaiss (2001), segundo o qual é a “[...] reunião de

esforços com objetivo comum”. O seu significado é mais complexo, na

medida em que, além de envolver sujeitos antagônicos, situa-se em meio

a condicionantes políticos, econômicos, sociais e culturais. Conforme

Souza (2002),

O termo parceria, bastante difundido ao longo dos anos 90, principalmente nos discursos realizados pelos representantes governamentais, aparece ao lado da idéia de descentralização política e de envolvimento da comunidade na gestão de políticas que a ela dizem respeito. É uma terminologia que faz parte do vocabulário tanto dos movimentos sociais (que reivindicam participação e verbas para a realização de projetos) quanto das instâncias governamentais (que sugerem a participação da comunidade como meio de garantir a realização de projetos) (SOUZA, 2002, p. 188. Grifo nosso).

Nessa referência estão postos dois aspectos fundamentais: a

descentralização política e o envolvimento da comunidade, os quais

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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sugerem, pelo menos, duas dimensões antagônicas: de um lado a

descentralização como transferência de responsabilidade e de outro a

descentralização como redistribuição do poder.

Encerrada na lógica neoliberal, a descentralização conduz à

transferência de responsabilidades do Estado para a sociedade civil,

configurando-se em um processo de desconcentração, na medida em que

o poder decisório permanece centralizado naquele. Nessa perspectiva, a

participação é uma retórica que encobre a intencionalidade de sua

deslegitimação, segundo a qual a real intenção é desarticular as formas de

organização da sociedade que fortaleceriam a democracia representativa,

com evidente desprezo às formas de democracia direta (PONTUAL, 2005).

A descentralização é assim entendida como possibilidade de redução de

gastos públicos com políticas sociais para recuperação das taxas de lucro,

a partir da divisão das responsabilidades com a sociedade pela via da ação

conjunta da parceria (MUNARIM, 2005).

Diferentemente desse enfoque, a descentralização como

redistribuição do poder objetiva a democratização do poder público,

tornando-o mais próximo e acessível à interferência da população, que vai

além da desconcentração de serviços ou da descentralização

administrativa (PONTUAL, 2005). Conforme essa lógica, a

descentralização do poder é “um conjunto de medidas [...] que tornem

possível uma autonomia crescente das unidades de serviço [...] e das

unidades regionais de administração pública” (PONTUAL, 2005, p. 50).

Assim, a participação popular, nas tomadas de decisões, é qualificada do

ponto de vista político e social.

Nesse debate, evidenciam-se contradições que se revelam, por

exemplo, na concepção de participação e de descentralização proposta

pelo Estado e pelos movimentos sociais que têm aspirações diferentes,

pois para estes o conteúdo é o da interlocução e da partilha, e não da

transferência de responsabilidades e de encargos financeiros.

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

106

Segundo Dagnino (2002), incorre sobre os denominados

encontros15 entre a sociedade civil e o Estado uma avaliação negativa

acerca da produção de políticas: são consideradas fragmentadas,

setorizadas, pontuais, compensatórias, paliativas. Infere-se que essas

políticas se “[...] limitam a temáticas e grupos específicos”; seu conteúdo

fica restrito “[...] ao âmbito de sua aplicação, não se generalizando a

outros espaços e outras temáticas”; e “[...] não contemplam a eliminação

radical da desigualdade, se dirigem apenas a minorar e compensar –

minimamente de forma localizada – os seus efeitos” (DAGNINO, 2002, p.

297).

A autora chama atenção para a necessidade de um exame mais

cuidadoso e apresenta dois questionamentos: 1) se o modelo centralizado

“utilizado amplamente pelo Estado brasileiro no passado, é compatível

com a democratização do processo de elaboração de políticas públicas

através da participação da sociedade civil”; 2) se a fragmentação e a

setorização “[...] mas também o caráter pontual, emergencial,

compensatório, não são dimensões características das próprias demandas

que a sociedade civil apresenta hoje no Brasil”. Nesse sentido, a autora

alerta para o risco de conter, na referida avaliação, “uma concepção sobre

o significado das políticas públicas e dos espaços de sua formulação que

contribui para uma visão deslocada da participação da sociedade civil

nesses espaços, seus limites e possibilidades” (DAGNINO, 2002, p. 298-

9).

Voltando à discussão acerca da parceria, dialogamos com

Munarin (2005), segundo o qual existem pelo menos duas concepções

opostas, quais sejam: a parceria como estratégia do neoliberalismo e a

parceria como estratégia de democratização. A primeira perspectiva parte

do entendimento de que o ideário e as políticas neoliberais são elaboradas

15 A autora denomina de encontro os vários tipos de relação que se estabelecem entre a sociedade civil e o Estado, como por exemplo: orçamentos participativos, conselhos gestores, organizações não-governamentais, fóruns temáticos, movimentos sociais, entre outros.

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por agentes do grande capital transnacional – governos dos países mais

ricos do mundo – e por organismos internacionais – o Banco Mundial, o

FMI – que, por sua vez, pretendendo resolver uma crise do capitalismo, a

parceria ganha significado de esvaziamento do Estado Providência, dos

direitos sociais.

Os neoliberais, em aparente rompante de democracia, propõem a participação das organizações da Sociedade Civil na execução de tarefas que se tinha antes como dever do Estado e direito do cidadão. Propõem parceria para a gestão de políticas públicas no campo da educação, da saúde, da assistência social, do meio ambiente. É sabido que esses agentes não primam exatamente pela democracia como soberania popular ao promoverem as tais parcerias do Estado com a Sociedade Civil, de qualquer maneira, eles se apóiam em justificativas bastantes convincentes (MUNARIM, 2005, p. 72).

Essas justificativas, segundo o autor, consistem na alegação de

que o Estado, como estrutura político-econômica, burocrático-

administrativa, se distanciou do restante da sociedade e orienta suas

políticas por uma lógica irracional no que tange às relações entre os níveis

federal, estadual e municipal, sendo, pois, necessário simplificar o

aparelho de Estado, por meio da descentralização, das parcerias com a

sociedade civil. O autor acrescenta, ainda que,

Assim, ao lado das privatizações das empresas estatais, são propostas parcerias com organizações da Sociedade Civil. E nesta lógica, a parceria significa um repasse de encargos na execução de serviços públicos. [...] não é concedido às organizações da Sociedade Civil o correspondente direito de influir nas decisões políticas de fundo [...]. Significa, tão somente, um barateamento dos custos do Estado provedor” (MUNARIM, 2005, p. 74).

Em contraposição, a parceria pode apresentar-se como

estratégia de democratização, efetivada a partir da participação da

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sociedade civil organizada, na formulação, implementação e avaliação das

políticas públicas.

Quer dizer, organizações como ONGs, Sindicatos, Movimentos Sociais, decidem junto com os órgãos governamentais (técnicos e gestores públicos) o quê, o para quem, o como e o quem deve executar o planejado no campo dos direitos sociais; bem como, decidem de onde vão sair os recursos necessários, quem vai pagar mais e quem vai pagar menos para que tais direitos sejam viabilizados. No limite máximo desse ideal, implica dizer que nas parcerias as organizações da Sociedade Civil não perdem sua autonomia para poderem ser críticas, mas, ao mesmo tempo, assumem o papel de gestor público e se confunde com o Estado democratizado (MUNARIM, 2005, p. 75. Grifos nossos).

Corroborando com esse entendimento, referindo-se a

experiências de parceria entre movimentos sociais e governos locais, em

diferentes municípios brasileiros, na construção de políticas e de ações na

área social, Pontual (2005) assim se posiciona:

A concepção de parceria que orienta essas iniciativas tem características bastante distintas da proposta neoliberal. Nesta enfatiza-se a importância de parceria como forma de diminuir a intervenção do Estado e transferir responsabilidades para a sociedade na solução dos problemas provocados com o processo de exclusão social. A proposta de parceria desenvolvida no contexto de governos democráticos e populares busca, sem recusar o papel e a intervenção indispensável do Estado, construir uma ação compartilhada com atores da sociedade civil na tentativa de soluções concretas para os problemas. Não se trata de transferir responsabilidades, mas de assumi-las conjuntamente, respeitando a autonomia de cada ator envolvido e operando uma clara divisão de atribuições na execução de programas. Nessa concepção, o Estado mantém sua função reguladora e os atores da sociedade civil entram para a cena pública com a possibilidade de propor alternativas, executar ações junto com o Estado e exercer o controle e a fiscalização sobre as práticas do mesmo (PONTUAL, 2005, p. 48-49. Grifo nosso).

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Em estudos sobre as tendências das políticas públicas de

educação de jovens e adultos, Di Pierro (2001) reitera que a parceria é

fruto da convergência de dois movimentos: de um lado o movimento de

filantropização das políticas sociais e o deslocamento da responsabilidade

pública pela oferta da educação do Estado para as instituições da

sociedade civil; de outro, o movimento das organizações da sociedade civil

que, em prol da ampliação da cidadania, participação política e

alargamento da esfera pública democrática, dispõe-se a realizar parcerias

com órgãos governamentais no cumprimento de suas funções. A nosso

ver, esta é a perspectiva sustentada pelos movimentos socais do campo,

portanto, que coaduna a proposta do PRONERA.

A responsabilização do Estado, longe de ser desprezada, é algo

defendido, reivindicado pelos movimentos sociais. A proposição da prática

da parceria configura a importância da participação da população na

formulação, implementação e avaliação das políticas públicas, junto ao

Estado, afinal, conforme sintetiza o professor Miguel Arroyo,

Seria ingenuidade política dos movimentos sociais tentar assumir a tarefa da educação prescindindo do público. A história mostra com nitidez que a garantia dos direitos sociais somente acontece quando assumidos como dever do Estado, no campo do público. À sociedade, às famílias, aos movimentos sociais cabe mostrar a diversidade de direitos, denunciar até sua negação para os diversos grupos humanos e pressionar para que o Estado os garanta como direitos universais iguais para todos, em espaços públicos e através de leis, recursos e políticas públicas (ARROYO, 2004, p. 105).

Evelina Dagnino (2002; 2004), estudiosa da participação da

sociedade civil brasileira nos espaços públicos, considera que o processo

de democratização do Brasil, a partir dos anos de 1980 e,

particularmente, a década de 90, é marcado por uma confluência perversa

entre dois projetos, quais sejam: um projeto político participatório,

direcionado para a extensão da cidadania e do aprofundamento da

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democracia, e o projeto neoliberal, de um Estado mínimo, que se exime

do seu papel de garantidor de direitos; tal confluência “marcaria hoje, o

cenário da luta pelo aprofundamento da democracia na sociedade

brasileira”. Segundo a autora, a confluência perversa se está no fato de

que, “[...] apontando para direções opostas e até antagônicas, ambos os

projetos requerem uma sociedade civil ativa e propositiva [...]”

(DAGNINO, 2004, p. 96-7). Diante dessa postura, constata que:

[...] a coincidência na exigência de uma sociedade civil ativa e propositiva, que estes dois projetos antagônicos apresentam, é, de fato, emblemática de uma série de outras “coincidências” no nível do discurso, referências comuns que, examinadas com cuidado, escondem distinções e divergências fundamentais. Assim, o que essa “confluência perversa” determina é um obscurecimento dessas distinções e divergências, por meio de um vocabulário comum e de procedimentos e mecanismos institucionais que guardam similaridade significativa (DAGNINO, 2004, p. 99).

A afirmação da pesquisadora sinaliza para a necessidade de

ponderar acerca da generalização do entendimento sobre o que vem a ser

a parceria. Evidentemente, a parceria na perspectiva democrática não se

constitui em um processo linear e harmônico, afinal, isso não é compatível

com o processo democrático que, por natureza, é permeado por disputas

e conflitos, constituindo-se, portanto, em um rico processo de

aprendizagem.

É nessa perspectiva que localizamos o PRONERA como política

pública de educação do campo. Verificamos que a parceria se efetiva

como estratégia de democratização, desde a sua formulação, que foi

pautada na participação de setores organizados da sociedade civil, como

os movimentos sociais, e materializada a partir das experiências

educativas desses atores. O PRONERA é fruto não apenas de

reivindicações, como também de proposições e de intervenções de

populações do campo, por meio de suas organizações, constituindo,

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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assim, produto da participação popular na esfera estatal, conforme mostra

Pontual (2005):

Mesmo reconhecendo que a construção das políticas públicas não é obra apenas dos movimentos sociais, é importante sublinhar que estes, enquanto expressões organizadas da sociedade civil, sobretudo, do grande contingente de excluídos, têm papel estratégico no processo de construção de direitos coletivos, na conquista de crescentes espaços públicos de negociações e, assim sendo, na conformação de uma democracia substantiva em nosso País (PONTUAL, 2005, p. 46-47).

Vislumbramos, no PRONERA, um espaço que sinaliza para a

participação de frações da população na implementação de uma política

pública no âmbito da educação. Assim, corroboramos com Molina (2003,

p. 43), ao entender que o PRONERA constitui uma “Política pública

institucionalizada por demanda coletiva, [pois] carrega em si grande

aprendizado, por meio de parceria. É, sem dúvida, uma política pública

construída de baixo para cima”.

Não obstante todos os percalços identificados na trajetória do

PRONERA, desde a sua formulação e oficialização em plena ofensiva

neoliberal, nos anos 90, até sua implementação, marcada por

contingenciamentos de recursos, conflitos, interrupções e tensões,

compreendemos que os argumentos de Munarim (2005), Pontual (2005),

Souza (2002), Dagnino (2004), acerca da parceria como estratégia de

democratização, ainda que concretizada ora parcialmente, ora de forma

frágil, conformam um princípio fundante do PRONERA e são característicos

desse Programa.

Esse entendimento encontra-se nos estudos de Souza (2002), ao

identificar que foi a partir da idéia de descentralização e envolvimento da

comunidade que o PRONERA foi concebido. Nesse sentido, concordamos

com Jesus (2004) que, ao avaliar o Programa, constata:

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O avanço do PRONERA e de outras políticas públicas está associado, essencialmente, à transformação do Estado, das suas relações. Mas não se pode esperar primeiro transformar o Estado para mudar a educação e melhorar a qualidade de vida dos sujeitos do campo. É preciso que eles façam isso juntos, ao mesmo tempo, reorganizando e transformando um ao outro [...] a negação da educação aos trabalhadores e trabalhadoras não se corrigirá por decretos ou leis, mas por um novo pacto entre Estado e sociedade civil, sendo o Estado um “movimento social articulador” dos diferentes interesses da sociedade que sempre esteve à margem das decisões políticas e econômicas (JESUS, 2004, p. 99. Grifo nosso).

A autora revela, assim, a ousadia na criação do PRONERA,

perante o histórico das políticas públicas de educação do campo

implementadas de cima para baixo, descontextualizadas da realidade, das

demandas e dos interesses da sua população, conforme apresentamos no

capítulo anterior deste trabalho.

Para Munarim (2008, p. 5-6), o PRONERA, embora situado fora

da estrutura do MEC – por recusa desse ministério quando do seu

nascimento – se constitui “[...] no mais importante espaço institucional

federal de construção e execução de alternativas educacionais aos povos

do campo, alternativas que vinham dos assentamentos da Reforma

Agrária”.

Assim, inferimos que, no âmbito do PRONERA, a parceria se

propõe a assumir o significado de um processo de aprendizado

democrático (SOUZA, 2002, p. 218), à medida que entrevê a inédita

participação da sociedade civil na construção de políticas públicas de

educação do campo. Essa constatação se delineou também a partir dos

estudos realizados sobre os processos de mobilização e proposição dos

movimentos sociais, nos diferentes espaços de debate para formulação de

políticas, como os encontros, os seminários, as conferências, marcados

pela intervenção protagonizada pelos atores.

É, então, partindo do entendimento de que a parceria, no âmbito

do PRONERA, consiste em uma estratégia de democratização e se

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configura como um processo de aprendizado democrático que, no capítulo

que segue, buscamos compreender, na experiência do Projeto

Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense, como esse princípio

operacional e metodológico preconizado pelo PRONERA foi efetivado no

seu processo de implementação.

2.3 O PRONERA no Estado do Pará e a gênese do Projeto

Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense

Para os atores sociais envolvidos, o PRONERA, no Estado do

Pará, apresenta uma trajetória de luta e resistência, em sintonia com sua

afirmação em âmbito nacional, somado ao caráter pontual das ações

desenvolvidas no Estado paraense, particularmente nos três primeiros

anos do Programa (1998-2000).

Analisando documentos do PRONERA e relatórios do Projeto

Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense, até a formulação do referido

Projeto, podemos identificar, para efeito didático, três momentos distintos

do PRONERA no Pará: de 1998 a início de 2001, período de vigência da

primeira edição do Manual de Operações do Pronera (BRASIL, 1998); de

2001 a 2002, com a segunda edição do Manual de Operações do Pronera

(BRASIL, 2001), quando o Programa foi incorporado ao INCRA, e a partir

de 2003, no primeiro mandato do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva,

marcado pela terceira e atual edição do Manual de Operações do Pronera

(BRASIL, 2004)16.

Dados do INCRA (2007) revelam que, no primeiro período, foram

implementadas ações em municípios das mesorregiões Nordeste e

Sudoeste, sob a coordenação da UFPA/Centro de Letras e Artes e, no

Sudeste do Pará, pela UFPA/ Campus Universitário de Marabá. As ações se

16 Entendemos ser de grande importância fazer recortes a partir das edições do Manual de Operações por considerarmos que as alterações feitas denotam mudanças significativas na estrutura do Programa, portanto, na estrutura dos Projetos.

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restringiram a alfabetização, formação e escolarização dos

alfabetizadores, sendo que, nos primeiros projetos, não foram efetivadas

parcerias com os movimentos sociais. Nesse período, em que a parceria

não era estabelecida pelo PRONERA como condição, os movimentos

sociais eventualmente figuravam entre os parceiros dos projetos.

Conforme informações do assegurador17 do INCRA,

Aqui no estado [Pará], nós começamos com o Centro de Letras da UFPA, em agosto de 1998, com um projeto na mesorregião Nordeste Paraense, foi uma demanda de 1.520 alunos com a metodologia da ABL [Alfabetização com Base Linguística) para assentados e a formação dos educadores se dava a distância [...]. O movimento qualificou a demanda e escolheu os monitores e a universidade fez o projeto, que foi encaminhado pelo INCRA e aprovado pelo PRONERA Nacional. Quando esse projeto foi concluído, repetimos o projeto de alfabetização dos assentados com 12 meses de duração, no nordeste paraense. Em outubro de 1999 foi apresentado o projeto pra região Transamazônica, mas lá o movimento não se envolveu, pois a professora que coordenava não tinha tradição de trabalhar com movimentos sociais e até o próprio Campus de Altamira se envolveu só na seleção de alunos bolsistas (Entrevista realizada em dezembro de 2007).

Esse depoimento reafirma que as primeiras ações do PRONERA

no Pará foram pontuais e assumidas diretamente pela Universidade

Federal, sendo que a participação dos movimentos sociais, quando

ocorreu, se restringiu ao levantamento de demandas de alunos e

indicação de monitores. Configurou-se, assim, uma participação tutelada,

a qual pode ser classificada, de acordo com o entendimento de Bordenave

17 O Assegurador é o servidor do INCRA que acompanha diretamente a elaboração, execução e avaliação dos projetos, responsável pelo gerenciamento dos convênios. Ressaltamos que o Assegurador que participou dessa pesquisa está vinculado à Superintendência Regional 01, uma das três SR do INCRA-PA (por conta do seu amplo e complexo território, o Pará possui três Superintendências Regionais: SR01 Pará; SR 27 Marabá e SR30 Santarém). Nesse sentido, apresentamos informações principalmente de Projetos vinculados à SR 01.

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(2007)18, como uma “consulta facultativa”. Isso evidencia as fragilidades e

as limitações da participação dos sujeitos, aspecto tão reivindicado pelos

movimentos sociais no âmbito do PRONERA, como pudemos observar

especialmente no capítulo anterior desse trabalho.

De acordo com o assegurador do INCRA à época, nas primeiras

experiências desenvolvidas pelos projetos do PRONERA no Pará, a

participação dos movimentos sociais não foi contemplada, seja nas

questões pedagógicas, seja nas de cunho administrativo dos projetos. Isso

provocou reação dos movimentos sociais, os quais, conforme relato do

assegurador do INCRA, “[...] passaram a se mobilizar para garantir a

participação nas decisões pedagógicas e também da gestão” (Entrevista

realizada em dezembro de 2007).

No primeiro Manual de Operações (BRASIL, 1998), a perspectiva

da parceria é aparentemente negligenciada, mencionada de forma

implícita no texto dos três princípios básicos dos projetos, assim

denominados: caráter interativo, caráter multiplicador e caráter

participativo, com ênfase nos números e apenas uma menção à

participação dos diferentes atores sociais, nas fases de elaboração,

execução e avaliação. Verificamos que isso se deve a conjuntura do

contexto da criação do PRONERA, conforme discutimos no capítulo

anterior, quando não foi considerada grande parte das proposições

advindas dos movimentos sociais na estruturação do Programa em âmbito

nacional. Isso comprometeu a participação desses atores no âmbito dos

projetos, afinal, bastava uma carta de aceite dos movimentos, que nem

sempre significava a co-gestão da ação.

Em se tratando dos movimentos sociais do campo, faz-se

importante frisar que a concepção de participação reivindicada no âmbito

do PRONERA abarcava o que Bordenave (2007) sintetiza em níveis de

18 O autor discute sobre participação, apresentando um esquema que ilustra os graus que pode alcançar a participação numa organização qualquer, do ponto de vista do menor ou maior acesso ao controle das decisões pelos membros (BORDENAVE, 2007, p. 30-32).

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participação, que são seis: desde a formulação da política, perpassando

pela determinação de objetivos e estratégias, elaboração de planos,

programas e projetos, incluindo também a alocação de recursos e

administração das operações, até chegar à execução das ações e à

avaliação dos resultados. Observamos, assim, que até aquele momento,

isso não havia sido garantido.

A edição revisada e atualizada do Manual de Operações (BRASIL,

2001) foi marcada pela ênfase na parceria, desta vez delimitada como

princípio operacional do PRONERA, proclamando a participação efetiva de

diferentes parceiros, destacando-se os movimentos sociais, mas ainda

sem definir a obrigatoriedade. Isso não resultou no redimensionamento

imediato dos projetos, visto que, com exceção dos projetos vinculados à

UFPA/ Campus Universitário de Marabá, nos quais a parceria foi garantida,

nos projetos implementados pela UFPA/Centro de Letras e Artes foi

firmada parceria somente com o INCRA, sem a adesão dos movimentos

sociais. Além disso, os projetos apresentavam um formato igual para as

diferentes localidades, sem considerar suas distintas realidades (INCRA,

2007).

O relatório da pesquisa de avaliação do PRONERA (2004)19, que

investigou sete projetos de educação de jovens e adultos, sendo três do

Pará20, apontou que o curso de alfabetização de jovens e adultos foi

avaliado positivamente por educandos e educadores na maioria de seus

aspectos. A pesquisa identificou, também, que foram adotadas diferentes

concepções teórico-pedagógicas, especialmente as práticas foram

embasadas na concepção freireana e outras orientadas pelo método de 19 Essa pesquisa, desenvolvida nos primeiros meses de 2004, a partir do convênio firmado entre a Ação Educativa – Assessoria e Pesquisa e Informação e o INCRA, foi realizada a partir de estudos de caso (4 projetos) e levantamento amostral (16 projetos), de diferentes modalidades e regiões, com o propósito de “[...] contribuir para a implantação do PRONERA enquanto uma política pública de democratização do ensino no campo, subsidiando os gestores responsáveis nas decisões políticas, pedagógicas e administrativo-financeiras para o prosseguimento do programa” (AÇÃO EDUCATIVA; INCRA, 2004). 20 Projeto Alfabetização Cidadã na Transamazônica (Altamira); Projeto Alfabetização com Base Linguística (Santarém); Projeto Alfabetização com Base Linguística (Tomé-Açú).

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alfabetização com base lingüística. De acordo com os alfabetizandos,

ambos os métodos promoviam resultados satisfatórios, entretanto, como

registrado no relatório, “[...] a crítica que recai sobre o método lingüístico

é a ausência das dimensões política, social e ambiental na prática

pedagógica, configurando um método inadequado ao público dos

assentamentos e acampamentos da reforma agrária” (AÇÃO EDUCATIVA;

INCRA, 2004, p. 20).

Assim, diante das perspectivas anunciadas, os projetos até então

coordenados pela UFPA/Centro de Letras e Artes, que adotavam a

concepção da Alfabetização com Base Linguística (ABL) e não

estabeleciam parceria com os movimentos sociais, passaram a ser

questionados por esses atores sociais. Estudo de Scalabrin (2008) mostra

que, na mesorregião do Sudoeste paraense (Transamazônica), houve

tensões entre a universidade e os movimentos sociais em decorrência da

concepção da ABL, pois, de um lado, a UFPA/Centro de Letras e Artes se

recusava a dialogar e a rever sua prática e, de outro, os movimentos

sociais, que apresentavam uma concepção de educação do campo

ancorada na concepção freireana de educação, reivindicavam espaço no

projeto.

Diante da busca pelos movimentos sociais na região da

Transamazônica por outra parceria no âmbito da UFPA, o Centro Sócio-

Econômico da UFPA, que desenvolvia ações em assentamentos da região

por meio da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares e

Empreendimentos Solidários (ITCPES/UFPA) e identificava o grande

número de participantes não-alfabetizados e/ou com pouca escolaridade,

propôs a formulação de um projeto, vinculado ao PRONERA. Na ocasião,

professores do Centro Sócio-Econômico (CSE) acionaram professores do

Centro de Educação (CED), formando um grupo21 que, posteriormente,

teve a adesão de professores do Campus Universitário de Altamira.

21 Salientamos que a referência ao grupo de professores, e não somente aos setores da instituição, denota um reconhecimento pessoal, tendo em vista os inúmeros desafios

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

118

Assim, desencadeou-se uma parceria consolidada entre a UFPA,

o INCRA/SR01-PA e os movimentos sociais da região – Fundação Viver,

Produzir e Preservar (FVPP); Movimento pelo Desenvolvimento da

Transamazônica e Xingu (MDTX); Movimento de Mulheres do Campo

Cidade (MMCC) e Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STR). O grupo de

professores da UFPA inteirou-se sobre a realidade e as demandas sociais

da região, formulando o que viria a ser o primeiro de muitos projetos por

eles desencadeados: o Projeto Alfabetização Cidadã na Transamazônica22.

Pela primeira vez, na região, seria formulado e implementado um projeto

do PRONERA que atenderia ao princípio operacional da parceria na

formulação, implementação e avaliação, pautado nas orientações

freireanas e nos princípios da educação do campo.

No cenário nacional, vislumbravam mudanças significativas a

partir da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, no final de 2002, tanto em

termos de ampliação dos recursos, quanto na retomada da essência do

Programa, com destaque aos seus princípios, citados no capítulo anterior.

Realizou-se, nesse período, a primeira reunião nacional do PRONERA,

tendo como pano de fundo a conjuntura nacional que se anunciava.

Refletindo sobre essa reunião, um membro do coletivo de professores da

UFPA, que posteriormente integrou a Comissão Pedagógica Nacional (CPN)

do PRONERA, fala de suas impressões diante do histórico do Programa,

em face à frágil participação do Pará:

[...] nesse encontro a gente percebia toda a ação que vinha sendo desenvolvida nos estados do sul, sudeste e nordeste e o norte nem tomava conhecimento disso. Com toda a demanda que nós tínhamos em termos de alfabetização,

assumidos por esses professores, não apenas externos como também no interior da instituição. 22 O Projeto Alfabetização Cidadã na Transamazônica foi um projeto de alfabetização de jovens e adultos de assentamentos, vinculado ao PRONERA, coordenado pelo Centro de Educação (CED), Centro Sócio-Econômico (CSE) e Campus Universitário de Altamira (UFPA), em parceria com o INCRA/PA e entidades do movimento social da região, executado no biênio 2002-2003, em 9 (nove) municípios da região da Transamazônica, mesorregião Sudoeste do Pará.

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com vários projetos de assentamento, a universidade como tal não tinha um corpo que assumisse isso. Tinha projetos já nessa época acontecendo com o Campus de Marabá e com o Centro de Letras em Belém, mas eram propostas pontuais, essas pessoas também estavam participando do encontro, e a discussão até então se dava mais tendo o INCRA como um meio de financiamento apenas, o PRONERA era tido apenas como quem financiava os projetos. Toda a proposta pedagógica ficava sob total responsabilidade da instituição de ensino, então o Centro de Letras tinha uma concepção, o grupo de Marabá tinha outra, não havia uma linha condutora nem uma direção dada pelo Programa, havia simplesmente uma liberação de recursos (Entrevista realizada em dezembro de 2007).

Por essa fala, podemos compreender o que acontecia naquele

momento, no Estado do Pará, o que refletia a própria estrutura do

PRONERA como programa nacional, o qual carecia de uma direção

político-pedagógica, com participação efetiva dos diferentes atores

sociais, no sentido de diferenciá-lo de programas e projetos que

historicamente se desenvolveram no Brasil, especialmente, no meio

rural, conforme é discutido no primeiro capítulo deste trabalho.

Nesse momento, para os movimentos sociais se evidenciava a

necessidade de um direcionamento e, para isso, o referido grupo de

professores da UFPA se dispunha a contribuir no sentido de estabelecer

outra configuração ao processo, que possibilitasse desenvolver os

projetos de Educação do Campo retirando-lhe seu caráter transitório e

garantindo a sua continuidade, em sintonia com as discussões acerca

das concepções defendidas, especialmente pelos movimentos sociais,

assumidas pela universidade, pautadas na concepção freireana de

educação.

A partir dessa articulação envolvendo vários parceiros, observa-

se que o PRONERA posicionou-se no sentido de não mais aprovar projetos

com a natureza daqueles voltados apenas para a alfabetização,

desvinculados dos problemas locais e implementados sem a participação

dos movimentos sociais. Seriam aprovados aqueles projetos que

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resultassem de elaboração coletiva, com participação das instituições e

entidades parceiras, acompanhados de cartas de aceite dos movimentos

sociais, além de uma declaração da universidade e parecer do

assegurador do INCRA, comprovando, assim, a construção da parceria. O

PRONERA se posicionava não mais como mero financiador, mas como

parceiro dos projetos.

Diante dessa nova perspectiva e da ampliação da demanda por

educação em assentamentos do Pará23, somado ao êxito do Projeto

Alfabetização Cidadã na Transamazônica, os sujeitos envolvidos no

PRONERA, nesse Estado, passaram a articular-se e a mobilizar-se em prol

da ampliação desse primeiro projeto, não apenas na região da

Transamazônica, mas também em diferentes pontos do Estado24. De

acordo com um dos professores coordenadores,

O projeto inicial era um projeto de larga escala, eram 12 municípios da região da Transamazônica, envolvendo 112 educadores e mais de 1200 alunos assentados. Essas demandas de educação dos assentamentos, na minha opinião, são ilimitadas, há muito tempo estavam reprimidas, portanto sem ser atendidas. Então, quando a gente iniciou a alfabetização, imediatamente houve a reivindicação de que a gente trabalhasse o ensino fundamental e médio, que a gente trabalhasse o ensino superior. [...]. E aí nós começamos a ampliar o que já era grande [...]. Foi o momento em que a gente estava ampliando, criando uma grande rede, envolvendo Belém, Itaituba, Santarém e Bragança, então foi o momento em que a gente avançou

23 Dados do Relatório Final do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense revelam que a referida demanda repassada pelo INCRA era de 5.418, nos anos de 2003/2004. 24 A ampliação do Projeto Alfabetização Cidadã na Transamazônica resultou na formação do Programa Educação Cidadã, que congregou projetos de alfabetização e escolarização de ensino fundamental e ensino médio, a) na região da Transamazônica, coordenado pelo Centro de Educação, Centro Sócio-Econômico e Campus Universitário de Altamira; b) no Nordeste Paraense, coordenado pelo Campus Universitário de Bragança; c) no Baixo Amazonas, coordenado pelo Campus Universitário de Santarém, vinculado então a SR30 de Santarém. Vale ressaltar que, concomitante a essas articulações na área da SR01 – Pará e SR30 – Santarém/PA, havia também projetos vinculados ao PRONERA na SR27 – Marabá/PA, sendo os atores envolvidos importantes referências da educação do campo nos âmbitos estadual e nacional.

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121

muito até mesmo na idéia de construção de um programa (Entrevista realizada em dezembro de 2007).

Conforme explicitado no depoimento, foi em decorrência dessa

avaliação, no ano de 2003, que o grupo de professores da universidade

articulou inúmeras reuniões com professores de diferentes campi da UFPA,

no intuito de conseguir adesões ao PRONERA, para serem formulados

novos projetos. Dessa articulação decorre o Projeto Alfabetização Cidadã

no Nordeste Paraense, um daqueles que integraria essa rede.

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

 

 

122 

Foto: arquivo pessoal

As parcerias precisam existir para ajudar a redesenhar as instituições no sentido de democratizar os espaços

públicos e não como agências alimentadoras de interesses privados. Neste caso, a educação, para

avançar, precisa estar articulada a um desenvolvimento local e regional construído pelas comunidades locais.

A dificuldade de ampliar a participação e, consequentemente, a responsabilidade social é o que

provoca ações pontuais, não permanentes e ineficientes.

[Sônia Meire]

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123 

Capítulo 3

A implementação do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense:

os desafios da parceria

3.1 A formulação do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense

3.2 Sobre o lugar do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense

3.3 A estrutura organizacional e a orientação pedagógica do Projeto Alfabetização

Cidadã no Nordeste Paraense

3.4 A implementação do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense:

limites, avanços e desafios da parceria

3.4.1 Das parcerias firmadas às parcerias vivenciadas

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124

CAPÍTULO 3

A implementação do Projeto Alfabetização Cidadã no

Nordeste Paraense: os desafios da parceria

O Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense, objeto

deste estudo, consiste em uma ação vinculada ao PRONERA,

implementado no biênio 2005-2006, em assentamentos da reforma

agrária de sete municípios da mesorregião nordeste do Estado do Pará.

Sua implementação ocorreu por meio de uma parceria entre a

Universidade Federal do Pará (UFPA), o Instituto Nacional de Colonização

e Reforma Agrária (INCRA), entidades do movimento social e sindical e

governos locais. No âmbito da Universidade Federal do Pará (UFPA),

configurou-se como ação de extensão, vinculada ao Campus Universitário

de Bragança e executada pelo Grupo Universitário de Educação e

Alfabetização de Jovens e Adultos (GUEAJA).

Nesse estudo, nos propusemos a investigar a implementação

desse Projeto, a partir de documentos e de depoimentos de membros da

UFPA, do INCRA, do movimento social e sindical e do governo local

(parceiros da ação), focando o princípio operacional e metodológico da

parceria, preconizado pelo PRONERA.

No presente capítulo discorremos sobre o processo de

formulação do Projeto, apresentamos sua estrutura operacional e

metodológica e analisamos a efetivação da parceria na sua

implementação. Na análise levamos em consideração, em especial, a

visão dos sujeitos envolvidos sobre o desenvolvimento das ações, com

foco nos limites vivenciados, como também nos avanços e nos desafios do

processo. Também refletimos acerca das possíveis implicações da parceria

no âmbito da política pública de educação do campo.

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

125

3.1 A formulação do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste

Paraense

O processo de formulação do Projeto Alfabetização Cidadã no

Nordeste Paraense foi iniciado em 2003 e, conforme relata a

coordenadora, aconteceu a partir de uma reunião de professores dos

diversos campi da UFPA, em que,

Reuniram-se o Centro de Educação, o Campus Universitário de Bragança e o Centro Sócio Econômico. Alguns professores de cada um. A discussão para entender o processo metodológico e a dimensão da operacionalização desse projeto se deu na perspectiva do diálogo, dentro da instituição da universidade e, posteriormente, o diálogo com os movimentos sociais, no sentido de ir fazer o diagnóstico do que se entendia, que se pretendia, enquanto esse projeto e na universidade, discutindo a questão metodológica e o processo de financiamento e construção desse projeto (Entrevista realizada em julho de 2008).

Verificamos, nesse depoimento que partiu da UFPA, a iniciativa

de formular projetos para intervenção em áreas de assentamento no

Nordeste Paraense. A formulação da proposta seria compartilhada com os

movimentos sociais, conforme estabelecido no Manual de Operações do

PRONERA (BRASIL, 2001), assim como descreve a coordenadora do

Projeto:

[...] a UFPA reunia com os sindicatos nos municípios, no sentido dos sindicatos darem o seu apoio e assinarem o documento de adesão ao projeto, quando nós apresentávamos a questão metodológica do projeto, a concepção do projeto enquanto proposta de alfabetização e em seguida, os movimentos sociais se colocavam à disposição e aqueles que faziam a adesão ao projeto assinavam o termo de compromisso e de apoio a ele (Entrevista realizada em julho de 2008).

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126

A ação compartilhada com os movimentos sociais é mencionada

também pelo representante do INCRA, que, ao ser indagado sobre o

processo de formulação do Projeto, corrobora que

[...] se deu de acordo com as normas do Manual de Operações do PRONERA. Fizemos a parceria com os movimentos sociais, com as associações locais, com a universidade. Fomos a campo fazer o levantamento da demanda, ver a questão da infraestrutura de sala de aula, quantitativo de alunos, a elaboração se deu de forma clara, conforme estava estabelecido no Manual (Entrevista realizada em julho de 2008).

Observamos, no entanto, que esse processo foi permeado por

muitos desafios, inicialmente, pela resistência dos sujeitos, face ao

histórico do PRONERA na região, marcado pela descontinuidade, por

metodologias e conteúdos deslocados da realidade dos sujeitos e pela

falta de espaço e participação dos diferentes atores sociais. Além disso,

um aspecto relevante no percurso do Projeto diz respeito ao embate

político, dentro da própria universidade e entre movimentos sociais.

No âmbito da UFPA, o Projeto esteve vinculado inicialmente ao

Centro Sócio-Econômico e ao Campus Universitário de Bragança, sendo

que este viria a assumi-lo quando da sua aprovação1. Na fase de

aprovação, que ocorreu ainda no primeiro semestre de 2004, se

configurou o primeiro entrave do processo: por questões políticas na

região, ocorreram disputas que emperraram o Projeto antes mesmo da

sua implantação, aliás, antes da assinatura do convênio. Segundo o

representante do INCRA,

1 Vale ressaltar que o Centro Sócio-Econômico, tendo em vista a experiência adquirida nos projetos já coordenados, participou das atividades iniciais do projeto, que compreendiam o contato com os movimentos sociais e prefeituras para apresentar e discutir o projeto, seguidos de discussões e reformulações, para então ser encaminhado para aprovação e comprometimento das instituições e movimentos sociais oficializadas via carta de aceite.

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127

Na área que nós tivemos para implantar o projeto foi na questão da parceria com a FETAGRI, que tem o domínio sobre a região do nordeste paraense e teve toda a questão de pertencimento, questão de guetos, isso aí foi uma coisa muito truncada, atrasou a implementação do projeto, aí foi preciso fazer divisão de território, isso aí dificultou a implementação, atrasou o processo e até mesmo a execução. Não foi muito legal. Mas depois, no decorrer das atividades, a coisa fluiu (Entrevista realizada em julho de 2008. Grifos nossos).

Como podemos observar no depoimento, o processo foi marcado

pelo embate entre grupos políticos. Havia, nessa dinâmica, uma clara

disputa política no âmbito dos projetos vinculados ao PRONERA localizados

na mesorregião Nordeste do Pará, o que não acontecia em termos de

concepções de alfabetização ou de metodologia, mas em torno de quem

iria gerir os recursos. Até então os dirigentes da FETRAGRI acreditavam

que a entidade deveria concentrar a gestão, ao contrário das definições do

Manual de Operações do PRONERA (BRASIL, 2004), que designa a

universidade como executora. Ali, a responsabilidade seria da Fundação

de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (FADESP), situada na

universidade. De acordo com os registros do Relatório Final do Projeto,

[...] foram realizadas diversas reuniões entre INCRA, FETAGRI, Universidade Federal do Pará/Campus Universitário de Bragança, Universidade Federal do Pará/Campus Universitário de Castanhal, estes também apresentavam interesse em desenvolverem atividades de extensão na região. Nestas reuniões, definimos entre outras coisas as áreas de atuação dos dois Campi, tendo como ponto de culminância a publicação no diário oficial em dezembro de 2004 da aprovação do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (UFPA, 2006, p. 11).

As disputas se evidenciavam na região, não apenas no âmbito

dos movimentos sociais, mas também no interior da UFPA, que se

apresentavam de forma velada entre setores da própria instituição. Como

podemos ver no trecho do relatório, o impasse foi contornado com a

partilha da demanda inicial, que era de 1.618 alfabetizandos, distribuídos

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em 28 projetos de assentamentos de 10 municípios que, posteriormente,

ficou delimitada em 1.643 alfabetizandos, distribuídos, então, em 25

projetos de assentamentos de 7 municípios2.

Os impasses e as consecutivas alterações geraram desgastes ao

Projeto, acarretando a retirada do Centro Sócio-Econômico que,

inicialmente, tinha assumido, de forma colegiada, a coordenação e a

reorganização da demanda para divisão dos territórios, tendo em vista a

retirada de três municípios. Isso se refletiu no número total de

alfabetizandos informados na proposta aprovada, como também na

redefinição do compromisso firmado com os governos locais e os

movimentos sociais.

Devido à demora entre a elaboração e a implementação do projeto, tivemos que refazer todo o percurso junto aos movimentos sociais, no intuito de reorganização de turmas, no intuito de reorganização dos movimentos sociais e de sindicatos, nos municípios que nós íamos implantar o projeto. [...] E ainda, encontramos dificuldades para rever as turmas, por que no momento da elaboração nós tínhamos as turmas projetadas para determinados assentamentos, para determinadas áreas. O tempo que a gente demorou para fazer a implantação do projeto foi porque, com a desestruturação das turmas já organizadas, foi preciso reconstruir as turmas (Entrevista realizada em julho de 2008).

Esses impasses evidenciados geravam complicações no processo

de implementação do Projeto, dentre os quais, relacionados à parceria.

Diante dos percalços e das medidas tomadas, levando em conta também

as mudanças decorrentes da revisão e atualização do Manual de

Operações (BRASIL, 2004), o Projeto passou por alterações, sendo

redefinido. Em dezembro de 2004, foi assinado o convênio e publicado no

Diário Oficial da União na data de 23 de dezembro desse ano, permitindo,

2 Ver em anexo o quadro síntese com a demanda 2003/2004 e a demanda 2005 (redefinida na versão final do Projeto).

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assim, a implantação do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste

Paraense.

3.2 Sobre o lugar do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste

Paraense

O Estado do Pará é o segundo maior estado brasileiro em

extensão territorial, com 1.247.689,515 Km², e abriga uma população

estimada em 7.065.573 habitantes, sendo 34% residentes no campo e

66% na cidade (IBGE, 2007). Sua economia baseia-se no extrativismo

mineral (ferro, bauxita, manganês, calcário, ouro, estanho) e vegetal

(madeira), na agricultura, pecuária, indústria e no turismo. O Estado está

dividido em 6 mesorregiões3, 22 microrregiões4 e 143 municípios,

conforme a classificação do IBGE.

Destaca-se por sua posição em meio aos problemas fundiários e

consequentemente da reforma agrária, tendo por isso um número

expressivo de assentamentos rurais. Dados da Pesquisa Nacional da

Educação na Reforma Agrária (PNERA)5 revelam que, em 2004,

apresentava um total de 509 projetos de assentamento, perfazendo 47%

do total de assentamentos da região Norte (1.082 projetos)6, abrigando

19% das pessoas assentadas no país, mais da metade da região Norte,

que perfaz 33% do total nacional.

3 A formação das mesorregiões pauta-se nas semelhanças econômicas, sociais e políticas. 4 A formação das microrregiões baseia-se na estrutura produtiva de cada município. 5 Realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), a PNERA é resultado de uma parceria entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), através do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Teve por objetivo diagnosticar as condições educacionais dos assentamentos no sentido de subsidiar o planejamento estratégico, a definição de políticas públicas, a implementação de ações articuladas e o monitoramento das condições educacionais. 6 Dados mais recentes do INCRA (2009) revelam que, em 2008, o Pará apresentava um total de 972 projetos de assentamento, mais da metade do total da região Norte, de 1.873 projetos.

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Essa pesquisa produziu um amplo diagnóstico da situação dos

assentamentos no Brasil e, no Pará, em especial, apresentou dados

preocupantes acerca da infraestrutura e dos serviços básicos7. Em termos

educacionais, demonstrou um baixo índice de 38,7% de frequência

escolar, sendo 7% na educação infantil, 61% no primeiro segmento do

ensino fundamental, 21% no segundo segmento ensino fundamental, 2%

no ensino médio e 8% na educação de jovens e adultos. Os índices de

educação profissional e de educação especial não passam de 0%. Esses

índices resultam da precária realidade da educação que é oferecida nos

assentamentos do Pará.

A pesquisa revelou, ainda, que, dentre as escolas situadas nos

assentamentos, quase 100% oferecem o primeiro segmento do ensino

fundamental, mas apenas 27% possibilitam a continuidade no segundo

segmento. Sobre o ensino médio, a realidade é ainda mais problemática,

visto que apenas 3% das escolas têm este nível de ensino. Verificamos

que a probabilidade de a população assentada concluir a educação básica

é muito pequena, configurando-se o que denominamos de efeito funil,

muito comum nas escolas do campo. Muitas vezes, a alternativa que se

apresenta é o deslocamento para escolas urbanas (êxodo rural), quando

não o abandono escolar. Sobre a frequência escolar dos jovens e adultos,

dados indicam que 2,5% cursam o primeiro segmento do ensino

fundamental, 1,1% o segundo segmento e 0,3% o ensino médio. Os

índices de analfabetismo e de distorção idade-série, na região Norte

atingem taxas em torno de 58% (INEP/PRONERA, 2004).

É nesse contexto que se inserem as mais diversas experiências

educativas, que resultam principalmente da mobilização dos sujeitos, que

reivindicam, propõem e participam, vislumbrando novas perspectivas de

políticas públicas para a educação do campo, ancoradas na realidade e

7 Dos assentamentos de reforma agrária do Estado do Pará 7,9% dispõem de rede de água; 36% dispõem de energia elétrica; 16,3% dispõem de transporte público, 13,8% possuem telefone público e 1,6% dispõem de serviços de correio.

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nas demandas do campo. Dentre as experiências desenvolvidas no Estado

do Pará, podemos mencionar as Casas Familiares Rurais, as Escolas

Família Agrícola, bem como os projetos vinculados ao PRONERA,

destacando-se o Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense,

elaborado com o propósito de promover o enfrentamento do

analfabetismo nos assentamentos da mesorregião Nordeste Paraense,

especificamente em sete municípios, conforme destaque no mapa a

seguir:

Mapa 1: Estado do Pará, segundo municípios partícipes do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense Fonte: Adaptado de: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro>. Acesso em: 02 jan. 2009.

No âmbito desses sete municípios, o Projeto Alfabetização

Cidadã foi implementado em 28 assentamentos da reforma agrária,

formando 75 turmas, com a participação inicial de 1.643 alfabetizandos.

3.3 A estrutura organizacional e a orientação pedagógica do

Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense

O Projeto teve como parceiros a Universidade Federal do Pará,

através do Campus Universitário de Bragança; o Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA), por meio da SR01-PA; Sindicatos

Legenda

Aurora do Pará

Ipixuna do Pará

Nova Esperança do Piriá Paragominas Tomé-Açu Ulianópolis Viseu

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dos Trabalhadores Rurais; Associações de Trabalhadores Rurais;

Cooperativas de Produtores Rurais; Cooperativa de Assistência Técnica

Agrícola; Governos Locais, por meio de secretarias de educação, de

agricultura, entre outras. A partir da adesão dos parceiros foi constituída a

equipe, de acordo com a demanda de alfabetizandos, como podemos ver

no quadro demonstrativo a seguir:

Base de cálculo: 1643 alfabetizandos

Turmas Coordenador Geral (UFPA)

Formadores (UFPA)

Alunos universitários

(UFPA)

Coordenadores locais

(Movimentos Sociais e Governos Locais)

Alfabetizadores (Assentados)

75 01 09 09 09 60

Quadro 2: Composição da equipe do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense, segundo base de cálculo do PRONERA.

Sobre a equipe, dois aspectos importantes podem ser

observados: sua composição e a orientação do PRONERA quanto ao

número de participantes. Em que pese a marca das instituições, a

composição da equipe do grupo da universidade, por exemplo, teve a

participação de profissionais de fora da instituição para atuarem como

formadores dos alfabetizadores. Profissionais da área, educadores

populares, com experiência em ações com a natureza do projeto,

envolvidos também com os movimentos sociais. As instituições carecem

de profissionais. Aliás, essa é uma característica da maioria dos projetos

do PRONERA implementados no Pará. Os profissionais são militantes da

educação do campo, seja atuando em projetos, seja participando em

espaços de discussão e proposição. Outro aspecto que se destaca consiste

na participação do INCRA, que não figura na equipe fixa do Projeto, ainda

que sendo um parceiro da ação.

Quanto aos movimentos sociais, a participação na equipe

decorre principalmente da indicação dos coordenadores locais. No Projeto

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Alfabetização Cidadã, em particular, considerando que em dois dos sete

municípios, em face do número de turmas, atuaram dois coordenadores

locais, em comum acordo, um deles foi designado pelos movimentos

sociais e outro pelos governos locais que, em geral, como o INCRA, não

figuram na equipe fixa.

Sobre os critérios estabelecidos pelo PRONERA, trata-se de uma

base de cálculo que orienta a estruturação da equipe: a cada 1.200

educandos ou 60 turmas com 20 alunos, deve ser formada uma equipe

coordenada por 1 professor da instituição proponente, 5 alunos

universitários; 5 coordenadores locais; 60 educadores alfabetizadores.

Para a região Norte, no entanto, a base de cálculo é diferenciada, tendo a

cada 1.200 educandos ou 60 turmas com 20 alunos, uma equipe

coordenada por 1 professor da instituição proponente, 8 alunos

universitários; 8 coordenadores locais; 60 educadores alfabetizadores

(BRASIL, 2004). Conforme consta no Manual de Operações do PRONERA,

essa excepcionalidade é resultante de avaliações e acompanhamentos dos

projetos da região Norte pelo Programa, que apontaram para a

necessidade de um tratamento diferenciado na distribuição da equipe

pedagógica.

Entre os problemas, os de maior destaque foram a grande distância entre os assentamentos e as instituições que coordenam os projetos; o grande período de chuvas na região que inviabiliza a passagem e as precárias condições de acesso às áreas de Reforma Agrária (BRASIL, 2004, p. 36).

Essa excepcionalidade, segundo os atores sociais envolvidos,

apresenta-se como uma conquista da representação da região norte na

Comissão Pedagógica Nacional, dada a interação efetiva nos projetos do

Programa. Nesse sentido, entendemos que o Programa, em que pese ser

uma ação de âmbito nacional, considera a diversidade das regiões do país,

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o que, para a região Norte, em particular, dadas as suas acentuadas

peculiaridades, fez uma diferença significativa.

Assim, constituída a equipe do Projeto, a cada instituição/

entidade parceira foram designadas suas respectivas atribuições, em

conformidade com as indicações do Manual de Operações do PRONERA

(BRASIL, 2004).

Em síntese, à Superintendência Regional do INCRA (SR01/PA)

caberia contribuir tanto para o levantamento da demanda inicial como

para o desenvolvimento do projeto; divulgar e estimular a criação das

turmas de alfabetização nas comunidades dos assentamentos; contribuir

no processo de organização da parceria necessária à implementação da

ação e articulação dos parceiros.

A Universidade seria incumbida de elaborar a proposta

pedagógica do Projeto; selecionar e capacitar formadores, estudantes

universitários, alfabetizadores e coordenadores locais para a

implementação da ação; organizar o levantamento da demanda inicial;

mobilizar os parceiros e garantir a execução do Projeto de acordo com o

Plano de Trabalho.

Aos Movimentos Sociais tocaria contribuir para mobilizar e

organizar as turmas nos assentamentos; auxiliar na elaboração da

proposta pedagógica; acompanhar a implementação do projeto; apontar

possíveis falhas e correções necessárias ao bom andamento do mesmo;

auxiliar na garantia da infraestrutura necessária ao bom funcionamento

das turmas; acompanhar a aplicação dos recursos e execução do Projeto.

Aos Governos Locais incumbiria contribuir para a garantia das condições

das salas de aula nas comunidades onde funcionariam as turmas de

alfabetização; auxiliar na mobilização e articulação das turmas e participar

de ações do Projeto.

Com essa configuração na divisão de responsabilidades e de

decisões, o objetivo geral das ações do Projeto, em sintonia com as

orientações do PRONERA (BRASIL, 2004), consistia em

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Promover a alfabetização de jovens e adultos e a formação e escolarização de alfabetizadores em áreas de assentamento de reforma agrária da mesorregião Nordeste do Pará, visando a contribuir para a melhoria da qualidade de vida e a conquista da cidadania do homem e da mulher do campo (UFPA, 2004, p. 16)

Nessa perspectiva, o Projeto previa a alfabetização de 1.643

jovens e adultos,

[...] subsidiada pela concepção de lecto-escrita como uma complexa operação intelectual e prática cultural, na perspectiva de possibilitar a produção (escrita) e a interpretação (leitura) da realidade vivida pelos sujeitos envolvidos, a partir de representações históricas da relação do ser humano com o mundo, com vistas a elevar para um novo nível de desenvolvimento/ aprendizagem os conhecimentos prévios dos sujeitos envolvidos, tornando-os conscientes das leituras que já realizam sobre/ na sociedade em que vivem (UFPA, 2004, p. 19).

No Projeto é ressaltado que os objetivos da concepção de

alfabetização contemplam referenciais teórico-metodológicos que

[...] dizem respeito à utilização adequada de diferentes linguagens de expressão e comunicação; manipulação de fontes de informação – livros, filmes, televisão, revistas, etc. – para facilitar a busca do conhecimento e a articulação das ações individuais em ações grupais, promovendo o individual e favorecendo a consciência coletiva (UFPA, 2004, p. 16).

Desse modo, o Projeto assume as concepções teórico-

metodológicas de orientação freireana como norteadoras do processo

pedagógico. Baseia-se, assim, nos princípios da educação popular,

compreendendo a educação na perspectiva da transformação social,

conforme é explicitado no Relatório Final do Projeto:

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Era fundamental que quebrássemos o paradigma da alfabetização apenas como mecanismo de aquisição de leitura e escrita [...] Tínhamos clara a necessidade de superação da relação dicotômica, em que o professor é visto como sujeito do processo e o aluno objeto [...] o conhecimento precisava ultrapassar o saber mecanizado [...] Fundamos a ação numa perspectiva de vincular a teoria à prática, a partir das histórias de vida dos alfabetizadores, para que fosse vivenciado um processo de construção de escrita que não se limitasse ao repasse mecânico do sistema alfabético, mas que construísse coletivamente práticas emancipadoras (UFPA, 2006, 16-18).

Nessa proposição, verificamos que o Projeto sustenta uma

concepção de alfabetização ancorada na leitura crítica do mundo,

alicerçada na idéia do diálogo, imprescindível à educação

problematizadora, pautada, portanto, na coletividade, na participação

(FREIRE, 2005).

Os objetivos específicos do Projeto enfatizam ainda a relação da

alfabetização e da escolarização, dentre outros aspectos, com o trabalho e

suas formas de organização e gestão e com a realidade do meio rural

onde vivem os assentados, incluindo-se também o debate sobre “[...]

meios não destrutivos/predatórios de interação com o meio ambiente, de

forma que as gerações futuras possam ter assegurado seu direito à vida”

(UFPA, 2004, p. 16). Esse aspecto é um diferencial em relação às políticas

públicas de educação implantadas no meio rural e está em sintonia com

as diretrizes do PRONERA, portanto, com as proposições do movimento

por uma educação do campo, o que confere legitimidade à ação.

De acordo com o PPP do Projeto Alfabetização Cidadã no

Nordeste Paraense para a efetivação do processo de alfabetização, em

sintonia com as orientações do PRONERA, o Projeto antevia a formação

dos sujeitos assentados para atuarem como alfabetizadores, bem como a

escolarização, referente ao segundo segmento do ensino fundamental,

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para os que não tivessem concluído esse nível de ensino. Assim, poderiam

realizar “[...] uma intervenção mais qualificada no processo de

alfabetização de jovens e adultos trabalhadores rurais” (UFPA, 2004, p.

16).

Além das ações direcionadas aos alfabetizadores e aos

alfabetizandos, o Projeto tinha como finalidade realizar formação

continuada com estudantes universitários e coordenadores locais para

assumirem as atividades de orientação e acompanhamento dos

alfabetizadores. Por meta, teria também que promover encontros

periódicos de formação para formadores com o intuito de acompanhar e

planejar, de forma contínua, as atividades, aperfeiçoando e/ ou

redimensionando as ações que se fizessem necessárias. Além disso,

produzir metodologias e materiais didáticos que estimulassem a

interdisciplinaridade no processo de alfabetização de jovens e adultos

trabalhadores rurais (UFPA, 2004, p. 16).

A Formação dos Formadores e Estudantes Universitários,

conforme o PPP e os relatórios analisados, consistia em momentos de

afinação de concepções e conceitos (campo, educação do campo,

letramento, alfabetização) e de construção curricular e metodológica,

partindo da realidade dos sujeitos dos assentamentos, ligados à formação

dos alfabetizadores e ao processo de alfabetização, refletidos e avaliados

por esses sujeitos (UFPA, 2006).

Nesses momentos, era priorizada a compreensão da realidade

dos sujeitos para que a intervenção fosse coerente com os princípios do

Projeto e com a concepção de alfabetização assumida. A atuação seria

possível apenas a partir do diálogo, mediante o conhecimento dos sujeitos

e dos espaços onde viviam. Entendemos que a compreensão da equipe se

ancorava nas orientações de Paulo Freire (2005):

Simplesmente, não podemos chegar aos operários, urbanos ou camponeses, estes, de modo geral, imersos num contexto colonial quase umbilicalmente ligados ao mundo da

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natureza de que se sentem mais partes que transformadores, para, à maneira “bancária”, entregar-lhes “conhecimentos” ou impor-lhes um modelo de bom homem, contido no programa cujo conteúdo nós mesmos organizamos (FREIRE, 2005, p. 97).

Nessa direção, na Formação Coletiva dos Alfabetizadores, que

consistia nos momentos de formação dos alfabetizadores, incluindo-se os

coordenadores locais, com a participação dos integrantes da equipe do

Projeto, também se primava pelo conhecimento da realidade, história de

vida, concepção de educação e de alfabetização, construção do currículo.

Contemplava também a construção do referencial teórico-metodológico,

junto aos alfabetizadores, de forma a subsidiar as práticas de

alfabetização nos assentamentos. Produziam-se materiais, planejamentos

e avaliação (UFPA, 2006).

Conforme os relatórios analisados, percebemos que essa

formação tinha uma intencionalidade muito clara: fundamentada em um

processo de formação crítico e criativo, a alfabetização ensinaria a ler e a

escrever a palavra e o mundo (FREIRE, 2005). Igualmente era o processo

desenvolvido nas Etapas da Escolarização dos Alfabetizadores. Pautadas

na concepção de educação problematizadora, que se materializa no

diálogo, a escolarização realizava-se a partir do currículo interdisciplinar

via tema gerador, organizado no formato de teia do conhecimento.

A Oficina Local de Formação se configurou em atividades

formativas realizadas em cada município. A idealização dessa atividade

decorreu da necessidade, percebida no processo, de fazer também uma

formação mais específica em cada município. Fazia-se a avaliação dos

trabalhos desenvolvidos nas turmas de alfabetização no sentido de

identificar os avanços, os limites e as demandas para então construir

novas estratégias, de acordo com a realidade de cada turma, nos distintos

assentamentos. Conforme consta no Relatório Final do Projeto:

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Embora todos passem pelos mesmos processos de formação, neste trabalho não há espaços para homogeneização. [...] apesar de realizarmos um trabalho coletivo, as temáticas surgidas a partir da teia do conhecimento em cada município, revelam a complexidade e especificidade suscitada por cada educador(a) de acordo com sua realidade (UFPA, 2006, p. 20).

O quadro a seguir confirma que, em cada município, eram

abordados temas diferentes, acordados coletivamente:

Aurora do Pará A leitura e a escrita como instrumento de cidadania Reforma agrária e agricultura familiar Letramento: uma questão de gênero

Ipixuna do Pará

A leitura e a escrita como instrumento de cidadania A reforma agrária e a agricultura familiar Gênero e cidadania Economia solidária Encontro de Integração dos Educandos

Nova Esperança do Piriá

Trabalho e sustentabilidade Fortalecendo laços Agricultura familiar e reforma agrária

Paragominas

A leitura e a escrita como instrumento de cidadania Valorizando as diferenças na construção da sociedade Ação educativa a partir do cotidiano de jovens e adultos Ser trabalhador(a) do campo.

Tomé-Açu Buscando as raízes (Caderno Pronaf 1) Plantando sonhos (Caderno Pronaf 2) Tecendo rede (Caderno Pronaf 3)

Ulianópolis Auto-estima e arte Trabalhando o processo da leitura e escrita na EJA Educação especial

Viseu

Construindo identidades Agricultura familiar Organização social Formação de liderança

Quadro 3: Temas trabalhados em oficinas locais de formação, por município.

Coerente com a orientação freireana, essa compreensão

anunciada pelo Projeto assegura que “Será a partir da situação presente,

existencial, concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo, que

poderemos organizar o conteúdo programático da educação ou da ação

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política” (FREIRE, 2005, p. 100). Essa leitura, por sua vez, é coerente com

a realidade diversa dos povos e a complexidade que envolve o campo.

O Acompanhamento nas Turmas de Alfabetização consistia na

orientação aos alfabetizadores, realizado pelos formadores e,

principalmente, pelos estudantes universitários. Consistia em visitas às

turmas de alfabetização que ocorriam durante o processo formativo, nos

períodos de intervalo entre as formações coletivas e as oficinas locais.

Desse modo, esse acompanhamento fornecia elementos de reflexão e

redimensionamento das atividades desenvolvidas (UFPA, 2006).

Então, a organização das atividades do projeto como formações coletivas, formações locais e ainda as visitas às turmas, aconteciam não mais apenas para reconhecer os espaços, mas para orientar os professores sobre a proposta do Pronera, do Projeto. Quando nós chegávamos nas comunidades, os alunos se sentiam valorizados, eles estavam vendo que tinham os estudantes universitários que estavam interessados na educação promovida no seu assentamento, então, quando demorava para irmos aos assentamento eles reclamavam, achavam que a equipe estava ausente, que o projeto não estava dando o suporte necessário, por que a nossa presença nas turmas fortalecia o projeto (Entrevista realizada em julho de 2008).

Podemos inferir que esses momentos de acompanhamento

tinham grande importância no processo formativo, na medida em que

eram determinantes na dinâmica da construção, reflexão e diálogo entre

os diferentes sujeitos: alfabetizandos, alfabetizadores, estudantes

universitários, formadores e coordenadores locais e o mais significativo,

aconteciam necessariamente no território dos assentamentos.

A relevância desse conjunto de ações deve-se ao fato de que se

apresentavam de forma articulada; ainda que fossem distintas, eram ao

mesmo tempo complementares. Previam a construção, desconstrução e

reconstrução do conhecimento sobre o processo de formação, de

alfabetização e de escolarização. A formação continuada nesse formato

assumido pelo Projeto tinha um grande peso. Nessa dinâmica,

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[...] cada formação de formadores e estudantes universitários era materializada na formação dos alfabetizadores, que por sua vez se materializava no processo de alfabetização, que refletidos e avaliados pelo coletivo, se configuravam como ponto de partida para as próximas formações (UFPA, 2006, p. 23).

Assim, pode-se dizer que o processo de formação incorporou

uma dinâmica que pode ser representada no diagrama que se segue:

Entendemos que esse diagrama denota um fator relevante: o

encontro, a relação direta entre os diferentes processos formativos do

Projeto. Neles, as ações foram construídas numa dinâmica circular,

entrelaçada, na qual a práxis se configurava como a base para os

diferentes e complementares momentos de formação, ações constantes e

permanentes do Projeto.

Isso posto, cumpre-nos refletir acerca da estrutura

organizacional e da orientação pedagógica do Projeto Alfabetização Cidadã

no Nordeste Paraense nos meandros da sua implementação, por entender

Formação dos Formadores e

Estudantes Universitários

Acompanhamento das Turmas de Alfabetização

Formação Coletiva dos

Alfabetizadores e Etapas de

Escolarização

Oficinas Locais de Formação

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que esta articulação entre as ações foi possível pelo processo de co-

gestão, viabilizado pela parceria.

Nesse processo, a parceria foi se consolidando ao longo da

implementação do Projeto, em suas diferentes fases ou momentos, pelo

conflito e pela construção de consensos via participação direta dos atores

sociais, o que discutiremos a seguir.

3.4 A implementação do Projeto Alfabetização Cidadã no

Nordeste Paraense: limites, avanços e desafios da parceria

Conforme é enfatizado no Relatório Final do Projeto (UFPA,

2006), não há uma data específica marcando o início das suas atividades.

Identificamos, pois, quatro fases, a saber: 1) da assinatura do convênio,

antes da liberação do recurso (janeiro a março/2005); 2) da liberação dos

recursos (março/2005); 3) da suspensão dos recursos (abril a

junho/2005); 4) da reorganização das planilhas e liberação dos recursos

(a partir de agosto/2005 a março/2006)8. Partindo dessa delimitação,

situamos as ações da implementação do Projeto, pois entendemos que

esses recortes permitem evidenciar os desafios inerentes a cada momento

do processo.

O convênio foi assinado em dezembro de 2004, mas a liberação

do recurso aconteceu somente em março de 2005. Essa lacuna entre a

aprovação e a liberação dos recursos, segundo a coordenação do Projeto,

trouxe grande preocupação para a Universidade como instituição

8 A duração do Projeto foi de 15 meses. Em geral, os projetos de alfabetização têm duração de 12 meses, no entanto, os projetos desenvolvidos na região norte, em particular, são acrescidos de 3 meses, tendo em vista que, com“[...] as características físicas e geográficas da região norte, os projetos poderão apresentar o período máximo de 15 meses para a alfabetização e de 30 meses para escolaridade. Neste caso, enquanto há interrupção das aulas no período das chuvas (três meses), os(as) educadores(as) permanecerão participando dos encontros de formação e escolaridade, realizando estudos e pesquisas para melhorar a sua atuação profissional no campo” (BRASIL, 2004, p. 33). Trata-se de outra especificidade atribuída aos projetos executados na região norte, juntamente à excepcionalidade mencionada acerca da composição da equipe.

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coordenadora da ação. Para evitar nova desarticulação do Projeto, como

ocorrera em outros momentos, a UFPA, juntamente ao INCRA, planejou

uma ação extraordinária com o objetivo de retomar os contatos com os

movimentos sociais e governos locais, para a divulgação e o planejamento

do início do Projeto, confirmando também o levantamento inicial das

demandas (UFPA, 2006). Conforme consta no Relatório Final do Projeto,

Foram visitados os sete municípios envolvidos com o Projeto. Em todos eles foi garantida a execução do projeto [...]. O resultado desse levantamento já nos mostrou que junto ao governo local e movimentos sociais existia “um certo” desgaste com o projeto em virtude da demora na implantação, assim como uma rejeição aos projetos que não possuem a continuidade de escolarização e este se constituiu o nosso eixo de convencimento para a aceitação junto ao governo local (UFPA, 2006, p. 4-5).

Esse relato evidencia que, diante da demora da implantação, o

segundo diagnóstico, realizado mesmo sem os recursos do Projeto,

significou um esforço dispensado pela Universidade e pelo INCRA no

sentido de garantir a integração entre os parceiros, estabelecer a relação

com os sujeitos envolvidos, também no sentido da construção de um

processo pedagógico calcado na realidade da região e nos interesses dos

atores sociais envolvidos. Notamos, nesse processo, o esforço para

consolidação da parceria, tanto no aspecto pedagógico, como na gestão

do Projeto.

Verificamos que havia o cuidado relativo à construção da

credibilidade do Projeto, diante do risco de descontinuidade das ações,

conforme mencionado anteriormente, quando, na etapa da sua

formulação, observou-se a resistência por parte dos atores sociais em

relação aos projetos. Assim, pretendiam evitar o desgaste na parceria,

que incorreria na inviabilização do Projeto. Notadamente, o processo

pretendido, ancorado no princípio da parceria, demandava um esforço

permanente, inclusive no que tange ao convencimento dos atores sociais.

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Com a liberação dos recursos, foram realizadas algumas etapas

burocráticas (como a compra de materiais didáticos), bem como as ações

necessárias para iniciar as atividades com os alfabetizadores, dentre elas

a I Formação dos Formadores e Estudantes Universitários, com vistas à

organização, à integração e à afinação da equipe. Essa formação realizou-

se por meio de oficinas, com “[...] o caráter de subsidiar a organização e

planejamento da formação dos alfabetizadores; nesta perspectiva se

discutiu temas como identidade, processo de ocupação do nordeste

paraense, letramento” (UFPA, 2006, p. 5).

Outra ação preparatória à formação dos alfabetizadores foi a

realização de mais um diagnóstico, desta vez, desenvolvido pelos

formadores e estudantes universitários, conforme destacado no Relatório

Final do Projeto:

Cada Formador e Estudante, de acordo com o assentamento em que iriam trabalhar, visitaram sua área de abrangência contatando os movimentos sociais e governos locais, oficializando as demandas através das documentações dos educadores e mobilizando os movimentos sociais, os governos locais, coordenadores locais e alfabetizadores, para participarem do evento de lançamento oficial do projeto e para a I Formação Coletiva dos Alfabetizadores (UFPA, 2006, p. 5).

Um estudante universitário da equipe relata esse processo:

[...] eu lembro que, quando nós, estudantes universitários, fomos selecionados, junto com os nossos formadores, formávamos então uma equipe com os coordenadores locais. O primeiro passo do projeto foi fazer uma visita nos assentamentos que iríamos atuar, para reconhecer o espaço geográfico de cada comunidade, para fazer um diagnóstico. A partir daí, nós voltamos e fizemos uma reunião para socializar, quem eram os educadores, quem eram os alunos, como funcionavam as comunidades, quais eram as dificuldades e a partir dessa reflexão na equipe, nós elaboramos a nossa formação coletiva (Entrevista realizada em julho de 2008).

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Segundo esse depoimento, havia o cuidado por parte do grupo

dos formadores e dos estudantes universitários, juntamente com os

coordenadores locais, de irem até as localidades, de modo a conhecerem

os municípios, os assentamentos e os sujeitos que participariam da

experiência. Isso atendeu ao princípio da apropriação e da

problematização da realidade para apreender o conteúdo programático a

partir do diálogo, conforme preconiza Paulo Freire (2005), para quem

“[...] o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma

imposição [...], mas a devolução organizada, sistematizada e

acrescentada ao povo daqueles elementos que estes lhe entregou de

forma desestruturada” (FREIRE, 2005, p. 96-7).

Somados às informações obtidas na etapa da formulação do

Projeto, esses aspectos foram articulados com as orientações da

concepção freireana e da educação popular, consolidando-se as bases da

implementação da ação, guardando coerência com o que foi proposto pelo

Projeto. Verificamos, aqui, a relação direta do processo de formação com

os princípios e pressupostos teórico-metodológicos do PRONERA, na

medida em que comportou as três etapas recomendadas aos projetos:

investigação dos grandes temas geradores, contextualização crítica desses

temas e processos de aprendizagem-ensino vinculados a ações concretas

de superação das situações limites (BRASIL, 2004).

Nessa perspectiva, esse primeiro momento de formação coletiva

compreendeu momentos de diálogo, de reflexão, de construção de

conhecimentos, de planejamento e de formulação de propostas de

atividades a serem desenvolvidas na prática da alfabetização nos

assentamentos. Esse evento foi também a ocasião da abertura oficial do

Projeto, constituindo-se em um momento de grande importância, haja

vista a presença de representantes de governos locais e dos movimentos

sociais de todos os municípios, além da UFPA e do INCRA. Na ocasião, foi

reafirmado o comprometimento dos parceiros com o desenvolvimento do

Projeto (UFPA, 2006). Observamos, mais uma vez, o movimento

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constante, por parte da universidade, principalmente, no sentido de

sustentar a parceria no Projeto, o que inclusive extrapolava suas

atribuições.

No momento em que se consolidaram as ações para o início das

aulas nas turmas de alfabetização, surgiu um fato novo. De acordo com

registros do Projeto, o MDA determinou a redefinição dos planos de

trabalho dos projetos vinculados ao PRONERA. Isso demandou a avaliação

de todos os projetos do Programa, que deveria ser feita pela Fundação de

Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (FADESP), órgão da UFPA

responsável pela gestão de recursos de projetos. Esta, por sua vez, “[...]

solicitou junto ao INCRA uma ‘nova’ reformulação de planilha

orçamentária com remanejamento da verba em outras rubricas,

apontando que se mantivéssemos no modelo que se encontrava,

inviabilizaríamos a execução do projeto” (UFPA, 2006, p. 7). Esse

processo acarretou a suspensão dos recursos durante três meses,

configurando mais um impedimento aos projetos do PRONERA.

Entendemos que a suspensão e/ou o atraso dos recursos de

projetos vinculados ao PRONERA não acontecem por acaso, mas derivam

de um processo político mais amplo no qual o Programa, logo, os projetos

vinculados às universidades estão envolvidos. Essas ações são alvo de

contestações do Tribunal de Contas da União (TCU) em relação ao

montante de recursos repassados pelo governo federal para formação de

trabalhadores, conforme fizemos menção anteriormente. Essas ações

chamam a atenção das elites brasileiras, que sempre tiveram o domínio

sobre o saber. Diante desse fato, compartilhamos com argumento de

Dagnino (2002):

Os mecanismos que bloqueiam uma partilha efetiva de poder [...] são vários. Se muitos desses mecanismos têm origem em concepções políticas resistentes à democratização dos processos de tomada de decisão, outros se relacionam com características estruturais do funcionamento do Estado, embora as fronteiras entre essas

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duas origens sejam, às vezes, de difícil elucidação (DAGNINO, 2002, p. 283)

As barreiras impostas às instituições públicas de ensino

inviabilizam a parceria, na medida em que colocam impedimentos à

atuação e intervenção dos seus profissionais, que acumulam um

conhecimento pautado na compreensão de uma educação libertadora e se

propõem a implementar essa metodologia, e que propiciam o acesso ao

conhecimento sistematizado, algo que não interessa às elites brasileiras.

Como sabiamente elucida Paulo Freire,

Do ponto de vista dos interesses dominantes, não há dúvida de que a educação deve ser uma prática imobilizadora e ocultadora de verdades. Toda vez, porém, que a conjuntura o exige, a educação dominante é progressista a sua maneira, progressista “pela metade”. As forças dominantes estimulam e materializam avanços técnicos compreendidos e, tanto quanto possível, realizados de maneira neutra. Seria demasiado ingênuo, até angelical de nossa parte, esperar que a “bancada ruralista” aceitasse quieta e concordante a discussão, nas escolas rurais e mesmo urbanas do país, da reforma agrária como projeto econômico, político e ético da maior importância para o próprio desenvolvimento nacional. Isso é tarefa para educadoras e educadores progressistas cumprir, dentro e fora das escolas (FREIRE, 1996, p. 99).

A suspensão dos recursos levaria ao cancelamento do início das

aulas nos assentamentos, entretanto, diante da preocupação com a

continuidade, com a credibilidade, com a sustentação da parceria no

Projeto, conforme já discutimos anteriormente, a partir de um processo de

reflexão e de decisão coletiva, optou-se por manter o cronograma

previsto. Como é ratificado no Relatório Final do Projeto,

No momento em que fomos informados desse fato, avaliamos em conjunto com os educadores e coordenadores locais que, devido ao desgaste anterior para iniciarmos o projeto, não seria interessante pararmos nossas atividades. Foi decidido então que as aulas teriam início imediatamente, visto que já havia sido adquirido todo

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o material didático para esse fim e os educadores já haviam passado pela primeira formação coletiva. Haveria apenas a suspensão das oficinas locais de formação de educadores, até que tivesse condições reais de desenvolvê-las (UFPA, 2006, p. 7).

Nesse trecho do relatório, destacamos a abertura para o diálogo

nos momentos de tomadas de decisão. Os parceiros decidiram

coletivamente quais seriam os encaminhamentos. Verificamos, pois, a

materialização não apenas do princípio político-pedagógico da

participação, como também do princípio teórico-metodológico do diálogo,

igualmente no âmbito da gestão do Projeto, legitimando a gestão

participativa e a construção coletiva (BRASIL, 2004). Mas, a prática da

parceria é permeada por idas e vindas. Em que pese a decisão coletiva,

também consta no Relatório Final do Projeto que,

O início do funcionamento das turmas nos assentamentos não obedeceu ao mesmo padrão. Isso ocorreu em virtude das condições que o próprio projeto iniciou. Como nem em todos os municípios foi possível, depois da longa pausa para o início de funcionamento do projeto, resgatar a parceria de algumas prefeituras, que na condição de parceiras eram responsáveis mais diretas pelas condições de infra-estrutura das salas de aula e como também nesse momento inicial o recurso ficou suspenso, as comunidades desses municípios que não possuíam infra-estrutura necessária tiveram o funcionamento atrasado (UFPA, 2006, p. 31).

Como podemos observar, os esforços empregados para não

adiar o início das aulas esbarrou na omissão de alguns parceiros. Ou seja,

ainda que os próprios parceiros tivessem optado por garantir as ações

planejadas, nem todos assumiram suas respectivas atribuições como era

necessário. Considerando que a viabilização da infraestrutura das salas de

aula competia principalmente aos governos locais, essa situação mais uma

vez exigiu da UFPA e do INCRA o esforço para encontrar soluções, a partir

do contato com as referidas prefeituras, buscando saídas para o

funcionamento das turmas. Novamente identificamos a disposição para o

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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diálogo nos encaminhamentos, mas verificamos também o quão são

elementares as dificuldades impostas à realização dos Projetos do

PRONERA. Diante de todo o esforço dispensado, todo o trabalho realizado

para a promoção da alfabetização dos jovens e adultos nos

assentamentos, faltava infraestrutura para a realização das aulas.

Por outro lado, nesse período de suspensão dos recursos, nos

assentamentos em que houve atuação dos governos locais com base em

suas respectivas atribuições, o Projeto se desenvolveu conforme havia

sido planejado. Nos demais, com o início da alfabetização ocorrido em

tempos diversos nas diferentes turmas, foi preciso demandar maiores

esforços para chegar ao final do processo garantindo o cumprimento das

400h de carga-horária obrigatória.

Diante das dificuldades citadas, algumas consequências podem

ser observadas no decorrer do Projeto por meio de declarações de

alfabetizandos: “[...] a aula era boa, mas não tinha óculos [...]”; “[...] não

tinha sala [...]”; “[...] a gente precisava estudar de dia por que não tem

luz, quem queria tinha que sair mais cedo da roça [...]”; “[...] o material

didático chega, tem professor, quando vai começar?”; “[...] com essa luz

do lampião a gente não enxerga direito, faz muita sombra e quem não

tem óculos, vai fazer o que na escola?” (UFPA, 2006). Fica evidente que

os atropelos, especialmente no início, geraram sentimentos de

insatisfação e momentos de altos e baixos no Projeto. A suspensão dos

recursos, somada às lacunas na atuação de alguns parceiros dificultram

significativamente a implementação do Projeto, exigindo uma atuação

contínua e perseverante dos demais atores sociais envolvidos.

Em que pese todo esforço dispensado, para além das falhas de

alguns parceiros no processo de superação dos percalços, não podemos

perder de vista a causa primeira desses impasses, que foi a demora na

efetiva liberação do recurso, uma das coisas que tem penalizado os

projetos do PRONERA. Essa situação provocou grande desgaste no Projeto

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Alfabetização Cidadã. Observamos, assim, que um grande limite posto a

sua implementação diz respeito a questões burocráticas.

As questões burocráticas relativas aos recursos foram, e eu acho que são até hoje, um dos grandes empecilhos nos projetos do Pronera. Os limites do Projeto foram, em primeiro plano, o repasse do recurso para execução do projeto, depois a burocracia da FADESP para destinar o recurso para a coordenação (Entrevista realizada em julho de 2008).

Podemos observar, no segundo depoimento, principalmente, que

a situação limite referente aos recursos foi agravada pela intervenção da

FADESP, fundação administradora do recurso, em virtude de tantas

modificações e falhas cometidas.

[...] a fundação, que acabava sendo a gestora do recurso junto à coordenação do projeto, gerou muitos entraves do ponto de vista burocrático do processo (Entrevista realizada em julho de 2008).

Os referidos impasses são relativos às dificuldades impostas no

processo de contas. Segundo a coordenação do Projeto, os maiores

problemas passavam pela ordem da legislação em face dos serviços de

que o Projeto necessitava.

Quase todos os limites se deram no âmbito da gestão financeira do projeto. Isso dificultava muito o processo, inviabilizou algumas ações do Projeto (Entrevista realizada em julho de 2008).

Notamos, pois, perante todos os limites advindos da suspensão

dos recursos, o agravante da falta de vontade política por parte da

fundação, que não demonstrou esforço para a resolução dos problemas, o

que ficou nítido na morosidade para resolver os entraves provocados pelos

erros cometidos em relação às rubricas do convênio, dificultando ou até

inviabilizando a realização de algumas atividades, como por exemplo, as

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oficinas locais de formação, que demandavam compras de suprimentos,

despesas com deslocamento, etc., o que não era óbvio nas pequenas

cidades do interior do Pará.

Em meio a tantos impasses, as ações do Projeto foram se

concretizando. Especialmente quando da liberação efetiva dos recursos,

foi requerido um esforço coletivo de formadores, coordenadores locais e

alfabetizadores, visto que antes da suspensão dos recursos só havia sido

realizado um momento coletivo de formação, sem o consecutivo

acompanhamento nas turmas e realização dos demais momentos de

formação. Desse modo, “Quando retomadas as atividades, a partir da

‘liberação’ do recurso, além de intensificar o acompanhamento, buscou-se

realizar ações que solidificassem o projeto e a concepção de educação do

campo” (UFPA, 2006, p. 35). A referida intensificação pode ser verificada

no quadro a seguir:

Ações Planejadas Realizadas

Formação dos formadores e estudantes universitários

02 07

Formação coletiva dos alfabetizadores 02 04 Oficinas locais de formação 06 28

Quadro 4: Ações planejadas e realizadas no Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense.

Nesse quadro demonstrativo podemos ver que, na

implementação do Projeto, as ações realizadas superaram as planejadas,

o que demonstra também o esforço em realizar diferentes momentos de

formação, incluindo todos os sujeitos, contemplando as especificidades

dos diferentes grupos.

Ainda sobre as ações, observamos um aspecto interessante a

respeito das atividades realizadas. No decorrer da implementação do

Projeto, foram pensadas e realizadas atividades que não estavam

previstas, sugeridas pelo coletivo dos alfabetizadores e alfabetizandos, em

diálogo com os formadores e os estudantes universitários. Tratava-se de

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encontros em cada município, envolvendo toda a equipe do Projeto. Essa

proposta “[...] foi avaliada por todos, como de extrema importância, não

só pela sua ação pedagógica junto aos alfabetizadores e alfabetizandos,

mas também como afirmação do projeto junto aos municípios” (UFPA,

2006, p. 23). Denominadas de Encontros de Integração dos Educandos/as

nos municípios, esses eventos reuniam alfabetizandos, alfabetizadores,

estudantes universitários e formadores e contavam também com a

participação de membros dos governos locais e dos movimentos sociais.

Nesses encontros,

[...] os debates aconteciam em torno da educação que se queria e as condições reais para que a mesma pudesse acontecer, levando através das falas dos alunos de cada comunidade reivindicações e necessidades de melhoria para que de fato se desse a construção de uma Escola do Campo (UFPA, 2006, p. 24).

Algo marcante, também, nesse processo, é o debate que era

colocado acerca das condições necessárias para materialização da

educação do campo perante as reais condições que se tinham na maioria

dos assentamentos. Segundo um dos coordenadores locais da equipe do

Projeto,

As maiores dificuldades são relacionadas às questões de infraestrutura: iluminação, quadros, distância da sede do município em relação aos assentamentos, que dificulta bastante a participação dos alunos na sala de aula. Devido à distancia dos moradores, dos alunos em relação à escola, é difícil o acesso. Nos períodos de chuva, a estrada não colabora para que os alunos consigam chegar à escola (Entrevista realizada em julho de 2008).

Diante da precária realidade da educação do campo, já discutida

neste trabalho, o Projeto promovia espaços de debates sobre essa

problemática. Os sujeitos eram estimulados a refletir acerca da realidade

à qual estavam submetidos, face à histórica omissão do Estado, e

provocados a fazerem uma leitura crítica dessa situação. Nessas ocasiões,

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por exemplo, se discutia acerca da escola que eles tinham e as escolas

que eles queriam e que lhes eram de direito.

Podemos dizer, ainda, que esses eventos constituíram-se em

reencontros entre os parceiros da ação, como mais uma estratégia de

fortalecimento das parcerias. Isso também evidencia o esforço do grupo

para sustentar a parceria como um espaço de debate, conflito e

construção de consensos, imprescindível para a existência do Projeto.

A nosso ver, os impasses ocorridos na ação interferiram de

forma negativa no desenvolvimento do Projeto, entretanto, o esforço

empregado por grande parte dos atores envolvidos, diante dos entraves

que permearam a vivência da parceria nessas ações, deve ser visto como

oportunidades de crescimento, de avanço, exatamente por resultarem da

participação desses sujeitos. Observamos, assim, que a parceria não se

estabelece sem conflitos e de maneira linear.

3.4.1 Das parcerias firmadas às parcerias vivenciadas

Como discutimos em alguns momentos deste trabalho, conforme

orientações expressas no Manual de Operações do PRONERA, a parceria

consiste em condição sine qua non para a existência dos projetos

vinculados ao Programa e ao mesmo tempo se constitui em um grande

desafio. No caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense

não foi diferente.

Um estudante universitário da equipe comenta tal desafio:

Com relação à questão da implementação, o que ficou bem nítido no projeto mesmo, foi a questão das parcerias. Nós buscamos fechar as parcerias em cada município com as prefeituras, por que, na verdade, as prefeituras precisavam dar auxílio a essas comunidades, principalmente, referente ao material didático para os alunos, a estrutura da escola, por que nós tínhamos, por exemplo, escola sem energia e sem cadeira, então, o projeto precisava dessa parceria com

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a prefeitura para viabilizar esses materiais em cada assentamento. Outra parceria importante era com os movimentos sociais, que foram muito presentes, no sentido de fechar, por que, a parceria era fundamental no contexto do projeto. Eu vejo como um grande desafio na implementação, por que sem a parceria com a prefeitura, com os movimentos sociais, com o próprio INCRA, junto a UFPA enquanto instituição, esse projeto não existiria (Entrevista realizada em julho de 2008. Grifos nossos).

O depoimento destaca a parceria como fundamental na

implementação do Projeto, sem a qual, no contexto particular do seu

desenvolvimento, teria sido impossível viabilizar as ações educativas, uma

vez que cabia a cada parceiro assumir parte das responsabilidades. Para

nós, além desse aspecto material da viabilização do Projeto, se destaca

também a possibilidade da construção coletiva, que prevê a participação

de todos os sujeitos envolvidos, promovendo-os a sujeitos do processo,

não como meros receptores, como acontecera historicamente em

diferentes políticas públicas de educação implementadas no meio rural.

Coerente com os impasses inerentes à interação de diferentes

atores, portanto de interesses divergentes, conferimos que a parceria foi

se organizando ao longo do processo. O quadro a seguir mostra, de forma

detalhada, um mapa da parceria no Projeto, por município:

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Município Parceria Inicial 2003

Implantação do Projeto

Conclusão do Projeto

Aurora do Pará

Prefeitura (Secretarias de Educação e de Agricultura) Sindicato dos Trabalhadores Rurais Associações de Agricultores

Prefeitura (Secretarias de Educação e de Agricultura) Sindicato dos Trabalhadores Rurais Associações de Agricultores

Sindicato dos Trabalhadores Rurais Associações de Agricultores

Ipixuna do Pará

Prefeitura (Secretarias de Educação e de Agricultura) Sindicato dos Trabalhadores Rurais Associações de Agricultores

Prefeitura (Secretarias de Educação e de Agricultura) Sindicato dos Trabalhadores Rurais Associações de Agricultores

Prefeitura (Secretarias de Educação e de Agricultura) Sindicato dos Trabalhadores Rurais Associações de Agricultores

Nova Esperança do Piriá

Sindicato dos Trabalhadores Rurais Associações de Agricultores

Prefeitura (Secretarias de Educação e de Agricultura) Sindicato dos Trabalhadores Rurais Associações de Agricultores

Prefeitura (Secretarias de Educação e de Agricultura) Sindicato dos Trabalhadores Rurais Associações de Agricultores

Paragominas

Sindicato dos Trabalhadores Rurais Associações de Agricultores

Sindicato dos Trabalhadores Rurais Associações de Agricultores

Prefeitura (Secretarias de Educação e de Agricultura) Sindicato dos Trabalhadores Rurais Associações de Agricultores

Tomé-Açu

Sindicato dos Trabalhadores Rurais Associações de Agricultores

Sindicato dos Trabalhadores Rurais Associações de Agricultores

Prefeitura (Secretaria de Educação) Sindicato dos Trabalhadores Rurais Associações de Agricultores

Ulianopólis

Prefeitura (Secretarias de Educação e de Agricultura) Sindicato dos Trabalhadores Rurais Associações de Agricultores

Prefeitura (Secretarias de Educação e de Agricultura) Associações de Agricultores

Prefeitura (Secretarias de Educação e de Agricultura) Associações de Agricultores

Viseu

STR Associações de Agricultores

STR Associações de Agricultores

STR Associações de Agricultores Apoio de parlamentares locais

Quadro 5: Parcerias firmadas no Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense, por município.

No momento da implantação, além da participação da UFPA e do

INCRA, houve adesão de apenas 57% dos governos locais, que se deu

principalmente via Secretarias Municipais de Educação. A adesão dos

movimentos sociais foi de 86%, contando com a participação efetiva dos

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Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STR), que incorporam a maioria das

associações nas quais os assentados são vinculados. Apenas em um

município o STR não oficializou parceria, sendo que, nesse caso, a

parceria com o movimento social foi feita diretamente com as

comunidades, através de suas associações (UFPA, 2006). Pelo fluxo de

adesão e/ou de retirada de parceiros no decorrer do processo,

identificamos como um desafio a instabilidade da parceria, haja vista sua

posição central, sem a qual o Projeto não teria sido concretizado. Nesse

sentido, um dos formadores discute a situação, destacando que a questão

da parceria determinou caminhos diversos na implementação do Projeto:

[...] teve município que recebeu acolhedoramente a proposta, outros se mantiveram indiferentes até o final da proposta, tal como o município em que desenvolvi a formação [município de Viseu]. Nunca tivemos o apoio oficial do município, com exceção da escola ou do conselho tutelar implantados na comunidade pólo da nossa ação. No geral os municípios reconheceram a ação como parceria oficial, tal como os municípios de Ipixuna do Pará, Nova Esperança do Piriá, Tomé-Açu, Ulianópolis; os outros três municípios apresentaram certa dificuldade no diálogo institucional. Há de se fazer destaque a boa parceria do sindicato dos trabalhadores/as do campo na região, o mesmo sempre esteve presente em todas as ações do PRONERA em todos os municípios (Entrevista realizada em julho de 2008).

Corroborando com o quadro apresentado anteriormente, esse

depoimento demonstra a fragilidade da relação institucional com os

governos locais e o respectivo impacto no Projeto. A nosso ver, indica a

necessidade das políticas governamentais, em especial as vinculadas à

esfera federal, de atentar para as diferenças regionais em termos cultural

e financeiro9, no sentido de evitar que os projetos dependam da vontade

política do poder local. A adequação das políticas públicas nacionais às

peculiaridades regionais também deve dar conta dessa problemática.

9 Estudos de Brito e Scalabrin (2005), sobre a realidade dos assentamentos na Amazônia, destacam a distância geográfica e a questão estrutural dos assentamentos como empecilhos impostos ao êxito dos projetos do PRONERA.

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Quando isso não acontece, o objetivo, que seria a articulação das ações

com as questões regionais, acaba dando lugar a esses impasses.

No Relatório Final do Projeto, essa ocorrência é atribuída à

situação de desgaste associada ao PRONERA na região, advinda de

projetos anteriores. Em nossa opinião, isso reflete principalmente a falta

de compromisso dos governos locais com a educação das populações do

campo. Ou seja, diante dos esforços empreendidos pela Universidade e

pelo INCRA para a efetivação de uma parceria calcada na participação de

todos nas tomadas de decisão, referentes à gestão do projeto, essa

justificativa não se sustenta. Os dados estatísticos referentes à situação

educacional na região, que apresentamos anteriormente, reforçam esse

argumento, pois evidenciam a ausência de políticas educacionais

municipais que contemplem a ruralidade da região.

Nesse sentido, a parceria dos governos locais tornava-se frágil, a

exemplo de um dos municípios no qual a Prefeitura aderiu ao Projeto na

primeira iniciativa de formulação, permanecendo durante a implantação,

mas se retirando no processo. Essa situação é relatada pelo estudante

universitário que atuou no referido município:

No início, algumas prefeituras contribuíam com a disponibilização de carros e motos para irmos às comunidades, mas por volta do meio do ano, houve prefeituras que deixaram de dar o apoio ao projeto. Então, aconteceu de irmos a pé para algumas comunidades, por que o trabalho não podia parar. Para nós da equipe formadora, era mais importante a formação dos sujeitos envolvidos do que ceder a falta de infraestrutura, por isso o trabalho de acompanhamento das turmas, em alguns municípios, aconteceu por insistência da equipe formadora. Às vezes, nós pagávamos com o recurso viabilizado pelo INCRA aluguel de motos, quando nós tínhamos o carro nós pagávamos pelo combustível, quando a prefeitura deixou de ceder o carro, então, a gente se virava para alugar a moto e arcar com o combustível, pelo compromisso com o projeto (Entrevista realizada em julho de 2008).

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Deduzimos, pois, que o processo da parceria é um grande

desafio por que envolve interesses diferentes e divergentes. Enquanto a

Universidade se propunha a construir uma ação de educação para a

cidadania, na perspectiva da educação problematizadora, alguns governos

locais pretendiam manter seus currais eleitorais. Para eles bastava a

escola limitar-se à transmissão do conhecimento de forma fragmentada,

com uma educação bancária (FREIRE, 2005). Diante da retirada ou da

adesão parcial de alguns governos locais, inferimos que o Projeto se

manteve vivo graças ao compromisso dos demais parceiros e dos atores

sociais envolvidos.

Anteriormente, como já mencionamos, houve o esforço para

reaver os contatos para a retomada da implementação das ações. Um

agravante da situação foi que os sujeitos que haviam dialogado, ainda em

2003, não estavam mais nas entidades, e as pessoas responsáveis, “[...]

embora tivessem sido informadas de todo o processo e convocadas a

efetivarem parceria para o desenvolvimento do Projeto, não se colocavam

como parceiros efetivos, mas como colaboradores eventuais” (UFPA,

2006, p. 68). Esse fato demonstra, também, conforme já discutimos em

outro momento, como a participação das instituições e das entidades

depende em grande parte da postura dos sujeitos e se pauta muitas vezes

na vontade individual de quem representa os parceiros.

Desse modo, inferimos que, em muitos momentos, o

desenvolvimento das ações do Projeto decorreu em grande parte do

esforço incansável daqueles sujeitos que persistiram na ação, a despeito

das lacunas deixadas por parcerias que não se efetivaram como deveriam.

A esse respeito, Dagnino (2002), refletindo acerca da idéia de

compartilhamento de um projeto político, participativo e democrático,

como é o caso do Projeto Alfabetização Cidadã, argumenta que um

elemento recorrente é

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[...] a existência de indivíduos em posições-chave no interior do aparato estatal que se comprometem individualmente com os projetos participatórios. [Constitui] um elemento decisivo na implementação bem-sucedida das várias experiências [...]. O inverso é igualmente recorrente: pessoas cuja disposição individual é hostil e negativa em relação à participação e que, dadas as posições que ocupam, acabam contribuindo decisivamente para a inviabilização do funcionamento efetivo dos espaços públicos (DAGNINO, 2002, p. 287).

Cabe aqui, em relação ao Projeto Alfabetização Cidadã,

acrescentarmos às considerações da autora a existência dos diferentes

posicionamentos individuais não somente no Estado, como também no

interior das demais instituições e entidades. A fala do assegurador do

INCRA também evidencia esse aspecto no âmbito do INCRA:

O INCRA, pela parte do assegurador, acompanhou de acordo com a orientação do Manual. Mas a gente teve algumas dificuldades devido aos gestores do INCRA verem mais a questão política do que o objetivo do programa, então a gente tinha dificuldades nesse sentido, dentro da própria instituição [INCRA], dificuldades de ir a campo para fazer o acompanhamento, dificuldade para buscar parceria com outras instituições para implementar sala de aula, melhorar a qualidade, deslocamento, devido essa questão política do nordeste paraense que parece que o que eles querem é que as pessoas fiquem lá, não querem que se desenvolvam, para continuarem sendo dominadas (Entrevista realizada em julho de 2008).

Nesse depoimento, identificamos, também, aspectos relativos às

questões políticas que permeiam as instituições, tanto no interior do

INCRA como na esfera dos movimentos sociais. Com isso, percebemos por

um lado, o esforço individual do assegurador do INCRA, que se empenhou

e enfrentou situações difíceis na instituição10 para cumprir as atribuições

de parceiro da ação e, por outro, certo descompromisso da instituição

10 Cumpre mencionar que situações como essa acarretou, posteriormente, a deposição do cargo do assegurador, assumido por uma pessoa que não demonstrava envolvimento e compromisso político com o PRONERA.

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parceira com o sucesso do Projeto. Chama-nos à atenção a incoerência da

instituição, seja por representar o Estado brasileiro, seja por ter no seu

interior representações dos movimentos sociais, inclusive em cargos de

direção, como é o caso do INCRA, no Pará (SR01), que tinha, à época,

como superintendente, um ex-sindicalista ligado à FETAGRI. Esse contexto

provocou, em alguns momentos, a sobrecarga de trabalho à Universidade.

Indagada a respeito da atuação da UFPA, a coordenadora do Projeto nos

confirma:

O papel da universidade se dá no sentido da gestão e da condução de todo o processo. Ela articula com as prefeituras e com os movimentos sociais, juntamente ao INCRA. Do ponto de vista operacional, a universidade terminou sendo a instituição condutora de todo esse processo, seja no que se refere à gestão administrativa, seja no que tocava à coordenação pedagógica e acompanhamento do projeto (Entrevista realizada em julho de 2008).

Assim, a UFPA desempenhou um papel importante no Projeto,

em meio ao contexto desfavorável, seja por conta dos já citados

desgastes anteriores ao projeto, seja pela dificuldade inerente à prática da

parceria. Como pudemos observar, desde a sua formulação, o Projeto

aconteceu mediante a disponibilidade da Universidade em assumir-se

como mediadora e condutora do processo, desempenhando também o

papel de mobilizadora junto aos atores que estavam descrentes frente a

projetos dessa natureza.

No que se refere à atuação dos movimentos sociais, na visão do

coordenador local, vinculado ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais,

O papel do sindicato se deu na implementação e no acompanhamento do projeto. Ele se destaca como um dos movimentos sociais que sempre defendeu a causa da educação do campo, que a população do campo tenha o direito a educação, que não se limita a desenvolver a escrita do seu nome, mas a leitura do mundo. Então, o sindicato teve contribuições no desenvolvimento do projeto (Entrevista realizada em julho de 2008).

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Concordando com o representante dos movimentos sociais, em

depoimento, a coordenadora do Projeto declara que “[...] é importante

frisar que, o apoio do movimento social, via os sindicatos, foi no sentido

de mobilização, de organização dos assentados e das turmas” (Entrevista

realizada em julho de 2008). Mas a coordenadora, ressalta, também, que

a parceria assumiu dimensões diversas:

Com os movimentos sociais, a relação se deu de maneira diferenciada, dependendo muito das relações políticas que se estabeleceram nos próprios municípios, nos próprios sindicatos. Alguns sindicatos apoiaram o projeto plenamente, acompanharam de forma efetiva, durante todo o processo. Mas, alguns sindicatos foram completamente omissos, apesar da preocupação, desde o início do projeto, de reunir com todos os movimentos, em todos os municípios que o Projeto atuou e além de sempre orientar os alfabetizadores nessa perspectiva de atuar junto aos movimentos sociais (Entrevista realizada em julho de 2008).

Notamos, pois, que os movimentos sociais da mesorregião

Nordeste do Pará apresentam especificidades relacionadas a questões

político-partidárias, as quais estão relacionadas aos interesses políticos de

cada grupo local, em particular, ao de domínio sobre a sua base, que

poderia ser ameaçado por um projeto que não estava imbricado às

disputas internas dos movimentos, mas voltado para a construção de um

processo político e pedagógico de alfabetização dos assentados. Tais

questões podem ser observadas também no depoimento do assegurador

do INCRA,

[...] na questão das parcerias, a questão política atrapalhou muito, o pessoal não estava vendo, os parceiros, o movimento social não estava vendo o objetivo do projeto, mas sim o aspecto político (Entrevista realizada em julho de 2008).

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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Esse depoimento revela um movimento social cooptado do ponto

de vista político-partidário, assim como pela política de governo, que por

sua vez não demonstra preocupação com a garantia dos serviços básicos

junto à população. Observa-se que tais questões influenciam

negativamente o desenvolvimento de projetos educacionais, atingindo os

sujeitos que estão na ponta, de um lado vítimas da atuação insuficiente

do Estado e de outro da intervenção negativa dos seus pares. Nessa

mesma direção, a respeito da parceria com os governos locais,

verificamos que

A maioria dos governos relacionados com a administração petista apoiou o projeto muito mais do que governos de outros partidos. Teve prefeituras que apresentaram apoio absoluto, como teve prefeituras que negaram a existência do PRONERA no seu município. E um aspecto interessante é que nos municípios em que houve apoio massivo do sindicato, na maioria das vezes a prefeitura se omitiu (Entrevista realizada em julho de 2008).

Nessa fala da coordenadora do Projeto, identificamos mais um

agravante: a divergência entre movimentos sociais e prefeituras, que

impactou diretamente a implementação do Projeto, como ficou evidente

também no quadro demonstrativo anteriormente apresentado.

Nesse contexto, nota-se que a instituição perde a noção da sua

função social, deturpa sua institucionalidade, na medida em que

prevalecem opções político-partidárias e questões pessoais, tornando a

intervenção parcial. Assim, à medida que um parceiro deixa de honrar

seus compromissos no Projeto, acaba por prejudicar as ações.

Ao contrário, quando os parceiros se colocam acima das

questões ora citadas, a parceria se efetiva e promove avanços. Isso é

evidenciado na fala de um coordenador local que, fazendo menção à

atuação dos governos locais no Projeto, relata o seguinte:

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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[...] as distâncias geográficas dificultavam enormemente a realização dos acompanhamentos em algumas áreas. Parte desse processo terminava sendo resolvido, em alguns municípios, quando a prefeitura assumia uma parceria de fato com o projeto, e não somente os movimentos sociais. Nos municípios onde houve de fato uma parceria com a prefeitura, foi possível fazer os acompanhamentos das turmas de forma mais intensa e com mais qualidade para o desenvolvimento do projeto (Entrevista realizada em julho de 2008).

A nosso ver, isso foi possível, também, por conta da abertura

para o diálogo, promovida particularmente pela Universidade. Conforme

relata a coordenadora do Projeto

[...] os problemas eram dialogados entre todos os parceiros, o que facilitava, pois apesar de todos os problemas financeiros, provocados pela recorrente demora na liberação dos recursos, no término desse projeto, nós conseguimos conquistar, diante dos assentados, a credibilidade de que o Pronera era uma escola que tinha uma qualidade e que poderia promover a formação cidadã e a formação política e de organização e participação política desses sujeitos assentados. Esse para mim foi um dos grandes avanços do ponto de vista político e social do PRONERA (Entrevista realizada em julho de 2008)

Identificamos, nesse depoimento, um dos significativos ganhos

da parceria: o diálogo, construído a partir do encontro entre universidade,

governo federal, movimentos sociais e governos locais, na efetivação de

uma política pública de educação do campo em assentamentos de reforma

agrária. Conforme é ratificado no Relatório Final do Projeto, “Um dos

aspectos que garantiu a realização do projeto e a confiança dos sujeitos

envolvidos, diante de todos os entraves, é que as dificuldades, as decisões

e as ações eram compartilhadas em todas as instâncias” (UFPA, 2006).

O diálogo ocorreu para entender o processo metodológico e a

dimensão da operacionalização do Projeto e na relação entre a

universidade, os movimentos sociais, os governos locais e o INCRA.

Assim, compreendemos o diálogo desenvolvido no âmbito do Projeto como

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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“[...] encontro dos homens para a tarefa comum de saber agir, perceber a

realidade como processo” (FREIRE, 1982, p 18).

O caminho percorrido pelos atores sociais para a implementação

do Projeto manifesta a busca permanente pela parceria como estratégia

de democratização (MUNARIN, 2005), expressa pela participação ativa

dos atores sociais envolvidos nas tomadas de decisão no decorrer do

processo, conforme destacamos no desenvolvimento das ações. A co-

gestão entre os parceiros aconteceu sob a mediação da UFPA e se

destacou pela capacidade de permanente diálogo entre os atores socais

responsáveis pela implementação do Projeto. Esse diálogo manteve a

autonomia de cada parceiro e compreendeu a importância da busca da

emancipação pelos sujeitos.

Este processo democrático que foi desenvolvido no Projeto

Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense condiz com o proposto no

Manual de Operações do PRONERA (BRASIL, 2004). Isso promove avanços

no âmbito da democracia na gestão de projetos públicos que buscam a

marca da descentralização como redistribuição do poder na perspectiva

discutida por Pontual (2005).

Vimos, assim, que a parceria tem sua positividade quando

efetivada na sua essência. Ademais, a nosso ver os momentos de tensão,

identificados no desenvolvimento do Projeto, constituem-se em situações

de aprendizado democrático (SOUZA, 2002). Neste sentido, concordamos

com o entendimento de Molina (2005), ao destacar que

É importante observar como a experiência advinda da construção das parcerias contribuiu para a ampliação do poder, mas não é qualquer poder, é um poder intrinsecamente ligado às novas formas de participação na sociedade que não se esgotam apenas no poder representativo. Os princípios do PRONERA também têm contribuído para isso, porque ele estimula as parcerias como um verdadeiro exercício de co-participação, fazendo com que os projetos elejam a ética e a responsabilidade coletiva como dois elementos fundamentais no desenvolvimento da educação (MOLINA, 2005, p. 104).

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Diante das situações relatadas pelos sujeitos, pelos diferentes

atores sociais da implementação, compreendemos que a parceria é um

elemento necessário na perspectiva da construção coletiva de uma política

pública de educação do campo, exatamente por promover a participação

dos sujeitos e, por isso, possibilitar os embates que, em nosso

entendimento, constituem esforços para a construção de resolução dos

problemas. Conforme sublinha a professora Irene Paiva,

A participação na construção de ação de coletiva possibilita aos sujeitos ganhos do ponto de vista pessoal e coletivo, mesmo que esta participação seja provocada por atores externos, como é o caso dos movimentos populares, os sindicatos rurais [...], ainda que estes atores se organizem, a partir da mobilização e incentivo da Igreja e de partidos. Estes atores trazem à tona demandas e conflitos latentes das populações excluídas dos direitos sociais (PAIVA, 2003, p. 174).

Na análise do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste

Paraense, verificamos que o viés político da alfabetização, a partir da

metodologia empregada, era compatível com a perspectiva da parceria,

que prevê co-participação nas tomadas de decisão na gestão do Projeto.

Isso se contrapõe às ações historicamente implementadas no meio rural.

Na opinião do estudante universitário entrevistado,

O projeto promoveu a valorização dos sujeitos, no sentido de elevar sua auto-estima, por que os alfabetizadores e alfabetizandos tinham a auto-estima muito fragilizada, a partir do diálogo, da construção de conhecimentos, voltados para a valorização do trabalho deles, demonstrando sua importância e participação na economia local, por exemplo, como agricultores, como trabalhadores. A proposta metodológica era inovadora, pois se propunha a ir além da alfabetização. Nós trabalhávamos na perspectiva do letramento, da reflexão sobre a realidade, história de vida, realidade local. Quando eles começaram a compreender essa dinâmica, que eles tinham o seu valor e lá nos seus assentamentos, eles passaram a questionar e a ter

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conhecimento dos seus direitos e deveres, como cidadãos. Então, eles passaram a reivindicar seus direitos e, em muitos assentamentos foram conquistados grandes avanços, organizaram associações nas comunidades, conseguiram energia a partir de abaixo-assinados. Através do projeto, eles viram que através das reivindicações coletivas se consegue conquistar aquilo que lhes são de direito, por que eles tinham o direito, mas não sabiam como trabalhar isso. Então, o projeto proporcionou isso, esse foi sem dúvida um grande avanço que o projeto, que o PRONERA, proporcionou aos jovens e adultos dos projetos de assentamento (Entrevista realizada em julho de 2008).

A nosso ver, esse depoimento demonstra também o impacto do

Projeto na Universidade, promovendo mudanças na compreensão do

campo e dos seus sujeitos. Isso pode ser confirmado no discurso desse

mesmo estudante universitário, quando fala a respeito da sua participação

no Projeto:

[...] até então, eu era um estudante universitário, e na época eu estava no segundo semestre do curso de Pedagogia, indo para o terceiro e, participando do projeto, eu vejo que estava fugindo do muro da universidade, tudo aquilo que a universidade prevê, de ensino, pesquisa e extensão, eu estava fazendo participando do projeto, eu estava extrapolando a teoria da sala de aula, e já estava vivenciando a prática no contexto do campo. [...] eu acho, acho não, tenho certeza, de que todos os alunos que passam pela área da educação, deveriam ter uma experiência como essa. Por que isso é a realidade, é a prática, a gente aprende de verdade, no sentido de ultrapassar o que se vivenciou só dentro da universidade, do mundo da sala de aula. Eu acho então, que esse projeto não deveria ser apenas uma política afirmativa, deveria ir além, por que eu vejo que o Pronera tem uma importância muito grande, por que foi conquistado no decorrer de anos, nas áreas de assentamento, por meio de muita luta. Meu desejo é que esse programa continue se afirmando, pela sua importância enquanto uma ação de parceria, enquanto proposta metodológica e política (Entrevista realizada em julho de 2008).

Segundo Menezes (2000), a produção intelectual de uma

universidade deveria, em princípio, alcançar e interessar toda a

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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comunidade, o entorno social de que é parte e que a mantém, sob o risco

de ela se tornar um corpo estranho ou até supérflua. Nesse sentido,

teríamos que debater e definir de uma vez por todas quem deve ser o

principal interlocutor social da universidade: se é a elite econômica ou se,

pelo contrário, não deveria estar permanentemente atenta para servir aos

interesses sociais, a serviço, sobretudo, daqueles mais necessitados de

políticas sociais de saúde, educação, habitação, etc, pois “as

universidades são muito mais do que centros de formação superior ou de

treinamento técnico, são instituições onde, além de educação superior, se

produz cultura, se faz ciência e se desenvolve tecnologia” (MENEZES

2000, p. 09).

O autor destaca, ainda, que a idéia de universidade é

insubstituível não porque a presença dela é essencial no espectro dos

espaços formativos de uma nação, mas por sua condição de autonomia de

investigação e de ensino, assim como pela universalidade com que conduz

o trabalho intelectual, mantendo permanentemente o debate

interdisciplinar.

Nessa perspectiva, vemos, na fala do entrevistado, que na

revisão do ensino de graduação, além de substituir as rotinas dos cursos,

é preciso substituir parte das aulas por atividades dos alunos; ampliar e

promover vivência cultural em comunidades populares que possuem uma

linguagem diferente da acadêmica e promover uma efetiva prática

intelectual e profissional, como partes centrais do processo de formação,

explicitando e articulando no projeto pedagógico de cada curso todo o

elenco de atividades previstas para os estudantes. O que observamos no

depoimento do estudante é a contribuição de uma ação como o Projeto

Alfabetização Cidadã para a reflexão acerca da prática da Universidade, o

que é um avanço muito significativo.

Além disso, no caso particular do Projeto, podemos identificar

inúmeras contribuições concretas na prática da universidade, dentro e fora

da instituição, como a inserção de disciplinas voltadas para educação do

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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campo no curso de Pedagogia da UFPA/Campus Universitário de

Bragança; elaboração de monografias sobre experiências de educação do

campo desenvolvidas em EFA e CFR, trabalho de assessoria à EJA e à

educação do campo em municípios da região, participação no

desenvolvimento da Licenciatura Educação do Campo, implementada pelo

IFPA, criação do Fórum Regional de Educação do Campo, participação no

Fórum Paraense de Educação do Campo, implementação de um curso de

Especialização voltado também para Educação do Campo e participação

no Observatório de Educação do Campo.

Na avaliação externa do PRONERA, acerca da parceria, foi

identificado, por parte do INCRA, casos de centralização do poder de

decisão sobre o Programa, outros em que a articulação entre os parceiros

era tênue. Constatou-se, por outro lado, a existência de estudos que

definem a parceria como uma oportunidade para a universidade “transpor

muros e exercer atividades com compromisso social”; outros sugerem que

as prefeituras sejam incluídas nas parcerias como um “mecanismo de

transição para que passem a assumir plenamente a responsabilidade legal

do ensino fundamental” (ANDRADE; DI PIERRO, 2004b).

Em nossa pesquisa, entendemos que todos os parceiros são

igualmente importantes, confirmando, assim, que a parceria, exatamente

por ser um grande desafio para todos os atores sociais envolvidos,

promove embates e diálogos, importantes e necessários para o processo

de construção coletiva de uma política pública de educação do campo.

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169 

Foto: arquivo pessoal

A consciência do inacabamento entre nós, homens e mulheres,

nos fez seres responsáveis, daí a eticidade de nossa esperança no mundo.

[Paulo Freire]

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nestas considerações finais, intentamos retomar os quatro eixos

desse trabalho: o histórico das políticas públicas de educação

implementadas no meio rural; o PRONERA como anúncio de uma política

pública de educação do campo; a contextualização do Projeto

Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense e a sua implementação por

meio da parceria.

Perante a situação desvelada da educação no meio rural,

verificamos que as ações do Estado focalizaram aspectos como a

dominação ideológica da população, a contenção do êxodo rural, o

aumento da produção agrícola. Aspectos como as necessidades concretas

e os interesses dos sujeitos, os conteúdos e a metodologias coerentes

com a realidade, o acesso e a permanência com qualidade, formação dos

professores do campo e a infraestrutura adequada, não constituíam as

prioridades dessas políticas. A educação não figura como um direito dos

povos do campo. Logo, em que pesem os diversos programas, projetos,

campanhas desenvolvidos,

A educação rural [...] sempre representou uma fatia muito pequena e mesmo marginal nas preocupações do setor público, [...] os resultados obtidos (onde e quando foram obtidos) parecem revelar mais um “desfecho” do processo de desenvolvimento das diversas comunidades do que uma ação verdadeiramente transformadora e, finalmente, [...] uma função “legitimadora” da presença dos agentes neste contexto, seja como forma de encobrir ou desviar as atenções sobre o seu papel real (Calazans; Castro; Silva, 1981, p. 162).

Assim, a partir da investigação acerca da intervenção do Estado

brasileiro no âmbito da educação rural, verificamos que a educação

oferecida à população do meio rural não emanou das suas demandas, dos

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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seus interesses, mas sim das determinações do Estado, aliadas aos

interesses do capital (Palmeira, 1990). De tal modo, a população

camponesa amarga um histórico de políticas públicas instituídas de cima

para baixo, desvinculadas de sua realidade e incompatíveis com suas

necessidades.

Nessa retomada histórica, identificamos, no final da década de

90, a configuração de um movimento que agendou a problemática da

educação do campo na esfera pública como uma questão de interesse

nacional. Esse movimento se consolidou na constituição da Articulação

Nacional Por Uma Educação do Campo, assumindo como bandeira a luta

por uma política pública de educação voltada às populações do meio rural.

Uma das conquistas deste movimento é a concepção do Programa

Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), que consiste na

materialização das conquistas nesse período.

Conforme sintetiza Molina, o PRONERA

[...] é um projeto de âmbito nacional, mas que considera a diversidade cultural de cada região e a organização política, econômica e social de cada assentamento e vem contribuindo para fortalecer parcerias em regime de co-participação, as diversas fases do desenvolvimento dos projetos, e de co-responsabilidade dos seus resultados; propõe e estimula a participação de diferentes sujeitos sociais como protagonistas das práticas educativas, reelaborando permanentemente a abrangência e o conteúdo da Educação do Campo como política pública; colocou no âmbito do Estado a importância de delinearmos e implementarmos políticas de educação articuladas com outras políticas de saúde, do meio ambiente, do trabalho, da cultura, entre outros; inseriu na agenda política de alguns Estados e Municípios brasileiros a Educação do Campo (MOLINA in ANDRADE; DI PIERRO, 2004, pg. 79-80).

Entendemos, pois, que o PRONERA se apresenta como o anúncio

de uma política pública de educação do campo e o seu diferencial reside

em ser um programa do governo federal idealizado fora da esfera

governamental, a partir de experiências institucionais e dos movimentos

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sociais. Isso posto, entendemos que o PRONERA possui notável

importância no contexto histórico brasileiro, por garantir a milhares de

jovens e adultos assentados o acesso à educação sem sair do campo e,

por contribuir para, e por que não dizer promover, a construção de uma

matriz de Educação do Campo, não para, mas com os sujeitos do campo.

Identificamos que, para os movimentos sociais do campo, as ações do

Programa demonstram que é possível desenvolver uma educação com

base na realidade e voltada para os interesses e necessidades dos sujeitos

do campo.

Em relação à sua estrutura organizacional e às orientações

pedagógicas que consolidam o Programa (BRASIL, 2004), afinados com

seu processo distinto de formulação, visualizamos uma concepção

diferenciada em relação às demais políticas públicas de educação

implementadas no meio rural. Dentre as inovações que apresenta,

identificamos o modelo de parceria e a gestão colegiada, participativa e

democrática, que a nosso ver constitui o seu mais relevante diferencial,

ainda que, por ser um princípio, haver diferenças entre o pensado e o

realizado. Há inúmeras dificuldades na implementação de uma política

pensada a partir da construção coletiva, consequência da concepção

política estatal.

Com essa pesquisa, objetivamos compreender como a parceria,

princípio operacional e metodológico preconizado pelo PRONERA, se

efetivou na implementação do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste

Paraense e quais as implicações da parceria nas políticas públicas de

educação do campo.

Ao analisar essa experiência, arriscamo-nos a afirmar que

desenvolver projetos de natureza educacional, no âmbito da educação do

campo, envolvendo os esforços de diferentes instituições que se

constituem em parceiras é fundamental, mas é também uma tarefa

desafiante no que diz respeito à participação, à construção coletiva e ao

diálogo.

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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Constatamos que a prática da parceria demanda espírito coletivo

e participação ativa, o que muitas vezes esbarrou na postura comum a

alguns atores acostumados a receber tudo pronto; nesse sentido, a

parceria nem sempre correspondeu aos princípios do Programa.

Notamos que a Universidade ficou sobrecarregada, por um lado,

pela omissão de alguns governos locais, consequência do descaso para

com a educação do campo nos seus municípios; por outro lado, os

movimentos sociais, embora tenham o discurso progressista, são

formados por pessoas que também precisam de orientação, o que

demanda tempo e vivência além do que, o movimento social do Nordeste

Paraense não estava afinado com o posicionamento do movimento

nacional por uma educação do campo.

Por fim, o INCRA, em alguns momentos, dependendo da visão do

superintendente em exercício, omitiu-se na condição de instituição

partícipe, resumindo-se ao papel de instituição financiadora da ação,

ausentando-se, assim, da construção, execução e avaliação do Projeto.

Isso tudo em meio a uma conjuntura política marcada por questões

partidárias e disputas políticas.

Entendemos, ao mesmo tempo, que os conflitos e embates entre

os parceiros não é o problema da implementação do PRONERA, mas o seu

ponto alto. É nos embates que as idéias são colocadas, discutidas,

debatidas, refletidas. Em que pesem as lacunas deixadas por alguns

parceiros, a gestão coletiva deu outro rumo ao projeto, quando ele tinha

tudo para não dar certo. Compreendemos, assim, que “[...] o exercício da

parceria é um aprendizado democrático onde a riqueza das contribuições

de cada instituição está justamente no aporte diferenciado que cada

parceiro pode trazer para o projeto conjunto” (BAVA, 1999, p. 15). Trata-

se do exercício da prática coletiva.

Nessa perspectiva, apesar da tênue atuação de alguns parceiros,

ou ainda, da ausência de atores sociais necessários para a realização do

processo, consideramos que o Projeto Alfabetização Cidadã obteve a

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inserção e a interação de órgãos públicos e de movimentos sociais. Mesmo

perante a necessidade de articulação interinstitucional e de superação das

questões relativas às preferências político-partidárias tão latentes nos

movimentos sociais e no poder público no Nordeste paraense, podemos

afirmar que a parceria é um dos elementos necessários para a construção

de políticas públicas, em particular, da educação do campo, afinal,

[...] o aprendizado democrático vai além de reconhecer que

as instituições associadas são diferentes, ele requer o reconhecimento por parte de todos de que justamente porque são diferentes é que se potencializam mutuamente, ele requer o respeito à multiculturalidade, à autonomia e independência de cada um de seus integrantes (BAVA, 1999, p. 15).

Evidentemente, há tensões próprias da convivência, muitas

vezes conflituosas, de interesses divergentes, inclusive no interior dos

grupos, dos sujeitos coletivos. Mas podemos dizer que a parceria tem sua

positividade, quando efetivada pelo diálogo entre os atores envolvidos,

garantindo a autonomia e as responsabilidades de cada parceiro. Foram

os entraves e os conflitos inerentes ao processo de co-gestão que

demonstraram que a realização desse processo coletivo exige

compreensão do tempo e do ritmo dos atores, além dos interesses das

instituições parceiras, que nem sempre são convergentes. Notamos que a

mediação da universidade, nessa parceria, constituiu-se no ponto alto do

Projeto.

Em nosso entendimento, as implicações da parceria nas políticas

públicas de educação do campo estão situadas na possibilidade da

interação de instituições públicas e movimentos sociais em nível local.

Compreendemos que esses atores se complementam e conferem

legitimidade à educação do campo.

Nesse sentido, consideramos que a abertura do PRONERA, para

contratação via licitação, como recentemente proposto pelo Tribunal de

Contas da União, inviabilizará a parceria e, consequentemente, a

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O desafio da parceria na implementação do Pronera: o caso do Projeto Alfabetização Cidadã no Nordeste Paraense (2005-2006)

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construção coletiva entre universidades e movimentos sociais, porque isso

implica a participação de qualquer instituição, inclusive instituições

privadas. Entendemos que esse formato descaracteriza o PRONERA no

que lhe é especifico e único: a parceria. Conforme sintetiza Cordeiro

(2009, p. 2), “Executar cursos via licitação e contrato é negar toda a

proposta pedagógica que vem sendo desenvolvida pelas instituições e

movimentos parceiros”. Para nós, essa proposta contradiz o princípio da

institucionalização do Programa como política pública.

Urge promover o PRONERA à política pública de educação do

campo, com o Estado assumindo o seu papel, garantindo a participação

dos movimentos sociais e da universidade, estes como partes iguais em

nível de participação e poder de decisão. O encontro viabilizado pelo

PRONERA, através da parceria, precisa ser garantido, pois tem se

apresentado como estratégia de democratização da educação do campo.

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Foto: arquivo pessoal

O futuro ideal do homem só se dará numa sociedade participativa.

[Juan Bordenave]

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REFERÊNCIAS

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