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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL STEFANIE ALVES ANDRADE DE CARVALHO A LITERATURA E A MULHER: ANÁLISE SOBRE A QUESTÃO DE GENÊRO EM “RAZÃO E SENSIBILIDADE” NATAL 2016.2

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

STEFANIE ALVES ANDRADE DE CARVALHO

A LITERATURA E A MULHER: ANÁLISE SOBRE A QUESTÃO DE GENÊRO EM

“RAZÃO E SENSIBILIDADE”

NATAL

2016.2

STEFANIE ALVES ANDRADE DE CARVALHO

A LITERATURA E A MULHER: ANÁLISE SOBRE A QUESTÃO DE GENÊRO EM

“RAZÃO E SENSIBILIDADE”

Trabalho de conclusão de curso como parte integrante

dos requisitos necessários para a obtenção do grau de

bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do

Rio Grande do Norte

Orientador: Prof. Dr. Henrique André Ramos Wellen

NATAL

2016.2

Catalogação da Publicação na Fonte.

UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Carvalho, Stefanie Alves Andrade de.

A literatura e a mulher: análise sobre a questão de gênero em “razão e

sensibilidade”/ Stefanie Alves Andrade de Carvalho. - Natal, RN, 2016.

83f.

Orientador: Prof. Dr. Henrique André Ramos Wellen.

Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de

Serviço Social.

1. Questão de gênero - Monografia. 2. Literatura - Monografia. 3. Razão –

Monografia. 4. Sensibilidade – Monografia. 5. Jane Austen – Monografia. 6.

Casamento – Monografia. I. Wellen, Henrique André Ramos. II. Universidade

Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 316-055.2

Dedico esse trabalho primeiramente а Deus

qυе iluminou meu caminho durante esta

caminhada, a Paulo Reniere, a minha família e

ao professor Henrique Wellen, pela paciência,

orientação e incentivo.

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por ter me dado forças para completar esse

trabalho.

A minha família, minha mãe Joana Darc, meu pai Sérgio Ricardo minhas

irmãs e sobrinhos, pelo apoio incondicional e por ter me permitido realizar esse

sonho, mesmo diante de tantas dificuldades. Ao meu tio João Maria, por sempre ter

sido um espelho para mim na minha vida acadêmica.

Agradeço imensamente a Paulo Reniere, pelo amor, dedicação e incentivo

durante essa caminhada, a Paula Souza pelo carinho e incentivo que me foi dado, a

Francisco Canindé por toda a ajuda e todas as caronas durante esses quatro anos

de graduação.

Ao meu orientador Henrique Wellen pela enorme paciência frente as minhas

dúvidas e indecisões, e por todo incentivo durante a produção desse trabalho.

A todos os professores que eu tive o prazer de conhecer durante toda a

graduação, que de alguma forma inspiraram e transformaram a minha visão de

mundo, me tornando quem eu sou hoje.

“É sempre incompreensível para um homem o

fato de uma mulher recusar uma proposta de

casamento” Jane Austen

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a obra Razão e Sensibilidade a partir

da questão de gênero, com isso analisou-se especificamente as principais

personagens femininas a partir da problemática da questão de gênero; verificamos

como se expressam as questões de gênero dentro da obra e compreendemos qual

era o papel das personagens femininas na sociedade relatada no livro. Para tanto

fizemos uma pesquisa baseada no materialismo histórico dialético, pelo método

assim como a pesquisa, basear-se na realidade histórica dos fatos, e tentando

entender a relação dialética entre o sujeito e a sociedade em seu contexto histórico.

Baseamo-nos em uma discussão teórica documental que teve como objeto de

estudo a obra “Razão e Sensibilidade”, a partir da análise podemos entender que a

escritora fundada em seu contexto histórico, apresenta suas personagens com

determinadas características e comportamentos, como uma forma de criticar a

sociedade vigente, sem ultrapassar os limites sociais impostos as mulheres de sua

época, por fim podemos compreender a importância histórica que a autora teve

dentro de seu contexto histórico e em uma escala mundial, como percursora sobre o

papel da mulher na sociedade.

Palavras-Chave: Gênero; Razão e Sensibilidade; Jane Austen; Casamento.

ABSTRACT

This work analyses the Jane Austen’s work Sense and Sensibility, from the gender

issue scope, so was analyzed specifically the main female characters from the

gender issue scope; was verified how the gender issue is expressed on the story and

was understood what was the role of the female characters on the society showed on

the book.To do so was made a research based on historical-dialetic materialism, by

the method just like the reserch,based on the historical reality of the facts, and tring

to understand the dialetic relation betwen the subject and the society on his historical

context. It was based on a documentay theorical discutionthat have as object of

study the work Sense and Sensibility, with the analysis was understood the the writer

show their characters with determined characteristics and behaviors founded on her

historical cotext, as an way to criticize the current society withou trespass the social

limits imposed to the women on her time, at the end was saw the historical

importance that the author hadon her historical contexto and on a global scale, as the

forerunner on the role of the woman in society.

Keywords: Gender, sense and sensibility, Jane Austen

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9

CAPITULO 1 - A PROPRIEDADE PRIVADA, O TRABALHO E OS PRIMÓRDIOS

DAS RELAÇÕES DE GÊNERO. ............................................................................... 15

1.1 - A ORIGEM DO PATRIARCALISMO ................................................................. 15

1.2 - PATRIARCALISMO E SOCIEDADES DE CLASSES ...................................... 25

CAPITULO 2 - A MULHER NA SOCIEDADE DE JANE AUSTEN ............................ 38

2.1 - A MULHER E A RELAÇÃO COM O TRABALHO NA SOCIEDADE INGLESA . 40

2.2 - A MULHER E A QUESTÃO DO CASAMENTO NA SOCIEDADE INGLESA .... 43

CAPITULO 3 - BIOGRAFIA DE JANE AUSTEN E APRESENTAÇÃO DA OBRA

RAZÃO E SENSIBILIDADE....................................................................................... 48

3.1 - VIDA PESSOAL DA AUTORA .......................................................................... 48

3.2 - RAZÃO E SENSIBILIDADE .............................................................................. 53

CAPÍTULO 4 – A QUESTÃO DE GENERO RETRATADA EM RAZÃO E

SENSIBILIDADE ....................................................................................................... 59

4.1- AS RELAÇÕES ENTRE OS PERSONAGENS FEMININOS E MASCULINOS E

O TRABALHO NA OBRA, LIMITES E AVANÇOS DA ÉPOCA. ................................ 59

4.2- A PROBLEMÁTICA DO CASAMENTO; UMA EXPLANAÇÃO DE COMO

AUSTEN USAVA O MATRIMÔNIO PARA RETRATAR OS PROBLEMAS DAS

MULHERES DE SUA ÉPOCA. .................................................................................. 68

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 78

BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 80

9

INTRODUÇÃO

Muito se tem discutido sobre as questões pertinentes ao papel da mulher em

nossa sociedade e sobre como anos de subordinação, as colocaram em um

panorama social frágil e submisso. O debate de gênero ligado ao público feminino

tem sido muito difundido na atualidade, inclusive no serviço social que se caracteriza

como uma profissão predominantemente feminina e sempre buscou debater as

particularidades vividas pelas mulheres dentro e fora da profissão. É de suma

importância compreender a gênese desse debate, como ele se fundamenta e onde

estão suas raízes, para isso usamos a obra literária de umas das mais importantes

autoras do Século XVIII e XIX, que perpetuou seu nome na história mundial e tem

suas histórias sendo amplamente difundidas tanto no meio literário como

cinematográfico.

Jane Austen sempre introduzia em suas obras assuntos referentes ao cenário

de vida feminino de sua época, e com isso expunha as várias facetas de submissão

a qual as mulheres de seu tempo tinham que conviver, ela usou seus livros para

mostrar esse cenário.

O objeto de nossa pesquisa é a obra de autoria de Jane Austen, Razão e

Sensibilidade. Livro que no ano de 2016 completa 205 anos de sua publicação, e

que foi de suma importância para introduzir a obra da autora no contexto literário

inglês, dando a Austen junto com suas outras obras notabilidade no mundo todo, e

perpetuou seu nome na história literária mundial. As obras de Jane Austen são

conhecidas e lidas em todo o mundo, e até hoje seus livros são analisados pela

forma perspicaz e inteligente como a qual a autora escrevia. A escolha do título se

deu tanto pela importância significativa que a autora tem no que tange às discussões

do papel feminino na sociedade, mas também como uma forma de introduzir as

obras da autora dentro dos espaços de discussão da temática feminina no serviço

social.

Nosso enfoque dentro da obra é questão de gênero. Optamos por esse

enfoque na obra para compreendermos melhor como a autora desenvolvia esse

tema no livro e para analisarmos como o contexto social geral, tratava dessa

questão. Propomo-nos a tentar responder sobre como a Questão de Gênero é

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tratada no livro Razão e Sensibilidade e como ela se expressa nos

personagens principais da obra. Com o intuito de tentar compreender como a

autora usava seus personagens para questionar as imposições sociais vividas pela

mulher em sua época.

Assim o objetivo geral deste trabalho é analisar a obra Razão e

Sensibilidade a partir da questão de gênero, tentando desvelar os

rebatimentos dessa problemática no enredo romântico escrito por Austen.

Com isso, tentamos, especificamente, analisar as principais personagens femininas

a partir da problemática da questão de gênero; verificar como se expressam as

questões de gênero na obra e compreender qual era o papel das personagens

femininas na sociedade relatada no livro, para que pudéssemos responder a

questão central levantada durante essa pesquisa.

O presente trabalho é um estudo sobre as questões de gênero presentes no

livro Razão e Sensibilidade (1811), uma das importantes obras da escritora Inglesa

Jane Austen. A obra foi escolhida pelo importante papel que a escritora teve ao

retratar diferentes mulheres, e através delas ter o poder de influenciar gerações de

leitores, trazendo uma quebra nos paradigmas impostos pela sociedade, mostrando

de forma sutil e inteligente e questionadora o lugar que a mulher do século de XVIII

e XIX ocupava na sociedade, época em que suas obras foram escritas. A obra de

Jane se consagrou através das épocas e é algo atemporal, e tem o poder de ainda

suscitar debates e estudos no mundo acadêmico.

No meio acadêmico, suscitar esse debate se torna importante no serviço social,

pois o assunto em questão ainda não se mostra presente de forma considerável na

grade curricular do curso, sendo discutido apenas em uma disciplina optativa, e por

mais que tenhamos liberdade para abordar diversos temas nos espaços oferecidos,

sendo o curso majoritariamente feminino, e trabalhando em seus diversos espaços

com as questões também referentes à mulher, esse espaço ainda é muito deficitário.

O curso teria que oferecer uma melhor fundamentação, sobre as questões postas à

mulher não só na sociedade atual, mas aprofundar ainda mais os debates sobre os

processos de amadurecimento e lutas que nos trouxeram até a mulher da sociedade

atual. Para ajudar no debate da desconstrução do papel da mulher na sociedade,

11

pois este se torna também importante quando tratamos das especificidades vividas

por esses sujeitos.

Vendo as questões políticas que perpassam a temática da questão de gênero é

imprescindível dizer o quanto a desconstrução do papel submisso da mulher,

modificou o cenário vivido por esses indivíduos, a partir do momento em que as

mulheres passam a não serem vistas como alguém ligado apenas ao lar e a

sociedade patriarcal essa visão começa a ser combatida, havendo uma

desconstrução e uma cisão do papel que era dado a essa mulher na sociedade, e

isso foi uma conquista que foi almejada através de lutas de várias mulheres durante

o desenvolvimento da sociedade.

Mesmo Austen não tendo participado de nenhum movimento político que

lutasse pelos seus direitos, através da sua literatura foi possível abordar a temática

feminina, usando a ironia para mostrar a realidade da mulher de sua época.

Vale salientar que no período em que Austen viveu não existia nenhum movimento a favor da igualdade de gêneros e mesmo assim a mesma se sentiu motivada a abordar a respeito de tais assuntos em seus romances. (SANTOS, 2014, p. 24)

A escolha desse tema se deu pela importância em se discutir as questões

femininas ao longo dos séculos, para que as várias barreiras impostas a mulher

sejam discutidas como um todo, mostrando que o processo pelo qual tivemos que

passar para chegar na posição social da mulher hoje tem que ser valorizado, e que

todas as mulheres que contribuíram para esse processo sejam vistas e

representadas dentro dos estudos femininos.

A minha escolha por Austen foi feita através das características que ela

imprime em suas obras, colocando a mulher em uma posição que não era comum

em sua época na literatura, e por ter também uma familiaridade com os escritos da

autora que vinham sendo lidos por mim desde o colégio. Visto que sempre me

interessei por literatura Inglesa e Francesa, as obras de Austen e de outros autores

como Victor Hugo, escritor de os Miseráveis, foram os primeiros livros que tive

contato na época do colégio e me fizeram nutrir uma admiração e predileção por

esse tipo de livro.

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Também por achar que ela é pouco representada nos estudos feministas, isso

porque sua obra muitas vezes não é valorizada por tratar de assuntos muito

cotidianos na visão de alguns autores. Alguns críticos, também não concordam em

classifica-la como uma autora que discute ou mesmo critica o patriarcalismo, mas

outra visão defendida expressa que Austen usa o cotidiano para discutir várias

questões pertinentes ao direito da mulher, em uma época que isso não era comum

nem muito menos aceito.

Além disso, a voz feminina é propagada; uma vez que se levarmos em consideração a época histórica em que a autora escreveu, era muito raro a sociedade dar voz a mulher. Desse modo, Jane Austen foi precursora e incentivou várias autoras também de renome na literatura inglesa, além de colaborar com os estudos feministas e o estudo das relações de gênero. (DO NASCIMENTO, 2012, p.05)

Esse estudo vai trazer uma melhor compreensão da problemática feminina

discutida no livro Razão e Sensibilidade e de como essa problemática vem sendo

vivida pelas mulheres e vem se reproduzindo desde os séculos passados e estando

presentes também na atualidade. Além disso, ele está intimamente ligado a minha

paixão por literatura e admiração pela figura da autora estudada, que na minha

concepção consegue expressar o mundo feminino de forma inigualável, e atual,

mesmo tendo vivido numa época muito diferente da nossa, com um contexto

também diferente do nosso.

A pesquisa se trata de uma análise bibliográfica, que é uma pesquisa realizada

a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos

impressos, como livros, artigos, teses etc. Utiliza-se de dados ou de categorias

teóricas já trabalhadas por outros pesquisadores e devidamente registrados.

(Severino, 2007) buscará compreender como funciona a questão de gênero dentro

do contexto da Obra Razão e Sensibilidade, buscando no livro e em materiais que

tratem da temática de Gênero, bem como que explorem o papel da mulher na

sociedade para assim compreender melhor como se dava a dinâmica social da

mulher no contexto Inglês do Século XVIII e XIX.

Para chegarmos aos objetivos previstos, o problema, o objeto e ao tema houve

uma aproximação prévia com a obra Razão e Sensibilidade, como também a

exploração da biografia de Jane Austen, e do conteúdo cinematográfico disponível

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sobre o livro e sobre a autora, além do aprofundamento nos estudos com a temática

que trouxessem bases para discutir como e quais foram os processos pelos quais a

mulher teve que passar na sociedade.

Através de Engels, fomos entender todo o processo de desenvolvimento social

humano, e como as modificações na história da mulher foram consequência da

sociedade criada a partir do poder masculino, e através de Huberman podemos

focalizar na marginalização histórica da mulher, e como em diversos períodos ela

nem ao menos é citada de forma relevante na história da humanidade, por fim

estendemos a busca literária para alguns autores que discutiram também a obra de

Austen e a relevância de sua obra no âmbito das publicações com enfoque nas

discussões feministas.

O método empregado para análise foi o materialismo histórico dialético por este

ter uma abordagem metodológica que estuda a compreensão e a análise da história,

e da evolução política e social coadjuvando com a proposta da pesquisa em

andamento. Para Marx e Engels (2010), só existe uma ciência unitária, a ciência da

história que concebe a evolução da natureza, da sociedade, do pensamento etc.,

como um processo histórico único. Será nesse método que irei buscar essa

compreensão da sociedade e da história, para entender como as relações de gênero

estão inseridas na literatura e na sociedade inglesa.

No materialismo histórico dialético a essência do método dialético para Marx e

Engels (2010) está exatamente em que para ele, o absoluto e o relativo formam uma

unidade indestrutível: a verdade absoluta possui seus próprios elementos relativos,

ligados ao tempo, ao lugar e às circunstâncias. E, por outro lado, a verdade relativa,

enquanto verdade real, enquanto reflexo aproximadamente fiel da realidade,

reveste-se de validez absoluta.

Ainda segundo Marx e Engels, (2010) a dialética materialista é a teoria do

reflexo da realidade, ela busca na realidade histórica as bases para suas discussões

por isso esse método se encaixa perfeitamente na pesquisa realizada, porque

vamos buscar na história real tanto da autora quanto do seu tempo histórico as

bases para discutir sua obra, todo processo de busca está fincado nas bases

concretas da história.

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É importante dizer que a escrita de Austen era feita com muita verossimilhança,

(essa verossimilhança se caracteriza como uma categoria central no materialismo

histórico aplicado na literatura), ela buscava na sua realidade material a base para

suas obras, reproduzia as suas vivencias e as impressões que observava nas

pessoas que conviviam com ela, suas obras expressavam tanto a sua realidade que

alguns dos nomes de seus personagens saíram de pessoas de seu convívio. Por

isso a escolha do uso do materialismo, pelo estudo tratar-se de análise de um

pequeno pedaço da história, e mostrar mesmo dentro de um romance como a

história da mulher se desenvolvia no século XVIII e XIX.

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CAPITULO 1 - A PROPRIEDADE PRIVADA, O TRABALHO E OS PRIMÓRDIOS

DAS RELAÇÕES DE GÊNERO.

Sabemos que nos primórdios da humanidade as organizações sociais eram

muito diferentes. Para alguns estudiosos as sociedades primitivas começaram sua

historia em uma organização matriarcal ou matrilinear, em que as mulheres tinham

papel principal, e a filiação parental se baseava na descendência materna. Mas os

sistemas de relação familiar foram evoluindo no decorrer de décadas, e essa

evolução se deu de maneira muito peculiar.

As famílias foram criadas no início da formação das propriedades privadas,

com o intuito de proteger bens, com isso todo sistema antes existente, que se

baseava no apoio mútuo entre homens e mulheres, que dividiam as tarefas e

trabalhavam de forma igualitária, sem que um se sobressaia sobre o outro, deixa de

existir.

Esse modo de trabalho anterior foi se dissolvendo dando lugar a uma nova

constituição familiar e de trabalho. Nesse sistema anterior, segundo Engels, o

parentesco e formas de famílias, diferem dos de hoje no seguinte: cada filho tinha

vários pais e mães. Ainda segundo Engels o estudo da história primitiva nos revela

que antes do alcance do casamento monogâmico, os homens praticavam a

poligamia e as mulheres a poliandria (se relacionam simultaneamente com vários

homens), e por consequência seus filhos eram considerados comuns a todos.

É esse estado de coisas, por seu lado, que, passando por uma série de transformações, resulta na monogamia. Essas modificações são de tal ordem que o círculo compreendido na união conjugal comum, e que era muito amplo em sua origem, se estreita pouco a pouco até que, por fim, abrange exclusivamente o casal isolado, que predomina hoje. (ENGELS, 1984, p.40)

1.1 - A ORIGEM DO PATRIARCALISMO

A família monogâmica nasce da necessidade do homem de criar herdeiros

diretos, para herdar seus bens, pois antes de sua formação não se conseguia

comprovar a paternidade de uma criança, já que as relações eram livres para

homens e mulheres. Com o nascimento da família monogâmica as relações que

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antes eram livres, ganham laços conjugais mais fortes, e o direito da mulher de

romper a relação é retirado, dando apenas ao homem o direito de dissolver esse

laço.

Com a descoberta da técnica de fundir metais, os homens passaram a construir instrumentos para arar a terra. Nesse período, aparece a agricultura. Já não é mais a solidariedade, a partilha, a propriedade comum dos grupos, mas sim impera a lei do mais forte e da propriedade privada da terra. O homem já sabe quem é o pai da criança e a mulher perde toda a influência, o mundo agora é patriarcal e patricêntrico. As culturas mais antigas são sucedidas por outras mais avançadas e governadas por um Deus muito mais eficiente e funcional para os tempos modernos, que é, por exemplo, Javé, Deus dos exércitos, um Deus onipresente e transcendente. Os homens passaram a dominar o sagrado e a deter o poder; às mulheres, em geral, tornaram-se marginalizadas. (SOUSA; DIAS, 2013, p. 01)

É nesse processo que a mulher se torna submissa ao homem, sua castidade e

fidelidade têm de ser guardadas para apenas um indivíduo, já ao homem o direito de

envolver-se com outras mulheres não lhe é retirado, a mulher passa a ter o papel de

mãe, “dona de casa” e vigilante de escravas. Os casamentos eram feitos baseados

nas condições econômicas, para resguardar a propriedade privada. Até as antigas

deusas cultuadas antes dessas mudanças sociais, passam a ser esquecidas e terem

seus postos substituídos apenas por divindades masculinas.

A monogamia não aparece na história, portanto, absolutamente, como uma reconciliação entre homem e a mulher e, menos ainda, como uma forma mais elevada de matrimônio. Pelo contrário, ela surge sob a forma de escravidão de um sexo pelo outro, como proclamação de um conflito entre os sexos, ignorado, até então, na pré-história. (ENGELS, 1984, p.82)

O desenvolvimento da agricultura e da propriedade privada, e que advém do

ato do homem retirar o excedente de produção e “privatizar” o gado, fez com que

ele obtivesse suas terras e tudo aquilo que ele conseguisse com seu trabalho, foi

uma grande conquista para o homem, pois ele tornou possível o enriquecimento

através dessa propriedade privada, além de ter que causado uma grande revolução

na constituição familiar encontrada na época, essas mudanças causaram a

supremacia absoluta do homem sobre a mulher, gerando todo um processo de

exploração e submissão, que acarretou grandes efeitos no desenvolvimento das

sociedades.

17

A primeira divisão do trabalho é a que se fez entre o homem é a mulher para a procriação dos filhos, o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão do sexo feminino pelo masculino. A monogamia foi um grande progresso histórico, mas, ao mesmo tempo, iniciou, juntamente com a escravidão e as riquezas privadas, aquele período, que dura até nossos dias, no qual cada progresso é simultaneamente um retrocesso relativo e o bem-estar e o desenvolvimento de uns se verificam às custas da dor e da repressão de outros. (ENGELS, 1984,p.83)

Sabemos que todas as mudanças que ocorreram na estrutura familiar dos

povos antigos, foram causadas pela conquista da propriedade privada, porém antes

dessa nova estrutura os povos viviam em diversas configurações familiares e sua

economia era baseada na coletividade, e tudo que era conquistado era repartido de

maneira igualitária, eles vivenciavam o que Marx denominou de comunismo

primitivo.

A economia doméstica é comunista, abrangendo várias e amiúde numerosas famílias. O resto é feito e utilizado em comum, é de propriedade comum: a casa, as canoas, as hortas. É aqui e somente aqui que nós vamos encontrar “a propriedade do fruto do trabalho pessoal”, que os jurisconsultos e economistas atribuem à sociedade civilizada e que é o último subterfúgio jurídico em que se apoia hoje a propriedade capitalista. (ENGELS, 1984, p.94)

Houve uma cisão entre diversas comunidades antigas, as terras foram

divididas, e a transição da economia comum para propriedade privada foi sendo

alcançada aos poucos com isso gerando também a passagem do matrimônio

sindiasmático (que segundo Engels era uma espécie de matrimônio facilmente

dissolúvel tanto pelo homem quanto pela mulher, sendo a descendência desses

casais facilmente reconhecidas por todos das comunidades onde esse matrimônio

vigorava).

A mudança para um sistema monogâmico aliado a conquista da propriedade

privada pelo homem trouxe diversas consequências para a mulher, elas nessas

comunidades tinham o trabalho baseado em tarefas domésticas que antes de todas

as conquistas feitas pelo homem eram valorizadas, tendo a mulher uma posição

importante dentro dos trabalhos nesses espaços. Porém com o alcance da

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acumulação de bens e riquezas, o homem acabou relegando a mulher um papel

secundário quase sem significado, sendo esta excluída do trabalho produtivo social,

e confinada ao trabalho privado.

A forma de família que corresponde à civilização e vence definitivamente com ela é a monogamia. A supremacia do homem sobre a mulher, e a família individual como unidade econômica da sociedade. A força de coesão da sociedade civilizada é o Estado, que, em todos os períodos típicos, é exclusivamente o Estado da classe dominante e, de qualquer modo, essencialmente uma máquina destinada a reprimir a classe oprimida e explorada. (ENGELS, 1984, p.95)

Com o advento dessas novas configurações sociais, o papel da mulher foi se

modificando, sendo impresso a esse indivíduo uma nova categoria. Nesse novo

sistema que surgia, o comportamento exigido a essa mulher foi transformado, assim

como seu papel na sociedade, porém a maior mudança ocorrida se dá na sua

relação com o sexo oposto, as relações entre homens e mulheres se tornaram muito

mais restritas e ligadas principalmente a interesses econômicos.

Nas civilizações em que as mulheres tinham pouca ou nenhuma

representatividade a Greco-romana se destaca, pois, além de considerar a mulher

um ser inferior ao homem eles nem mesmo consideravam-nas cidadãs, as mulheres

gregas em especial não tinham direito político ou mesmo sobre o seu lar eram

subjugadas em um espaço dentro de sua própria casa quando seu marido recebia

visitas, e não podia ter contato com nenhum outro homem que não fosse o seu marido.

Nesse contexto, Salles (1987) afirma que as mulheres eram divididas em três tipos: as esposas, que ficavam restringidas ao espaço familiar (gineceu) não tendo praticamente contato com outros homens que não fossem da família e tinham a tarefa de gerar filhos legítimos; as concubinas, que ajudavam seus senhores nas tarefas diárias (escravas ou livres); e as prostitutas (ou cortesãs) visando a satisfação dos prazeres, preservar a castidade das mulheres livres (esposas e filhas de cidadãos), sendo que haviam casas licenciadas (lupanar) para tal finalidade. Entre essas últimas haviam diferenças: as mais belas eram conhecidas como hetairas, muitas vezes serviam de inspiração para artistas e filósofos, desfrutavam de amores e paixões, participavam dos banquetes e algumas inclusive acompanhavam cidadãos em atividades públicas da pólis, e até mesmo haviam estátuas construídas em sua homenagem. Diferente das esposas que não recebiam nenhuma instrução, as prostitutas eram iniciadas nas artes, na música, na dança, e em alguns casos, participavam dos debates filosóficos. Aristófanes (2003), artista grego, apresentou uma peça do gênero cômico intitulado "Lisístrata: A Greve do Sexo", onde narra a greve

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de sexo das mulheres para forçar os homens atenienses a desistirem da guerra contra outra cidade grega (fato que teria ocorrido 415 a.C), obviamente satirizando, uma vez que as mulheres sequer eram consideradas cidadãs e não tinham voz para interferir nos rumos políticos. (EBERT, 2006, p.03)

Segundo Ebert, os pensadores da época acreditavam que não existia a

possibilidade de amor verdadeiro entre homens e mulheres, apenas entre dois

homens, contraditoriamente, a sociedade grega apreciava o amor entre dois

homens, portanto não havia censura entre as relações homossexuais, desde que os

homens tivessem também suas esposas para procriação, pois para eles a mulher

representava o símbolo das virtudes sensíveis e dos prazeres físicos, condições que

impediam o alcance da razão plena feminina. Por isso mesmo as mulheres

consideradas livres como as prostitutas não podiam participar das atividades

políticas e das decisões sobre a cidade, pois elas não tinham a capacidade que era

única do homem do uso da razão.

Dessa forma, todas as mulheres eram excluídas da participação política, papel esse essencial para os gregos. As "esposas" dos cidadãos possuíam a garantia do respeito e proteção do Estado; as prostitutas não possuíam nenhuma garantia, vivendo a ameaça constante da miséria, contudo, em um certo sentido as mais famosas eram mais livres e tinham mais acesso ao mundo público que as esposas. Entretanto, ambas tinham em comum sua exclusão do espaço público e o risco de passarem fome, pois mesmo as esposas só eram reconhecidas enquanto tal, uma vez que ao ficarem viúvas perdiam sua condição natural de proteção e mesmo aquelas que tentassem continuar os negócios do marido encontravam dificuldades devido ao preconceito, vendo-se muitas vezes obrigadas a se entregarem a prostituição. (EBERT, 2006, p.05)

Conseguimos observar que a mulher romana em comparação com a Grega

tinha maior liberdade, ela conseguia frequentar espaços públicos e participar dos

banquetes, local aonde os romanos iam para beber e praticar orgias, mas elas

também não tinham direito de participar da vida pública e a prostituição era ainda

mais acentuada nas ruas. Para Salles (1987) a prostituição era um componente

estrutural da ordem social, pois era como uma “higiene pública” de mulheres e

crianças livres de nascimento.

Para os pobres em ambas as sociedades, diz Salles (1987), o nascimento de uma menina significava apenas mais uma boca para comer, sendo comum o abandono e a prostituição precoce. Aliás, as

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meninas, ricas ou pobres, eram expostas, no primeiro caso para arranjarem um bom casamento e no segundo, para tornarem-se prostitutas. (EBERT, 2006, p.06)

Para Ebert nas sociedades Grega e romana, não importava sua condição

social pobre ou rica, bonita ou feia, ser mulher determinava seu destino imediato,

mas não a longo prazo, pois todas coexistiam com a ameaça constante da miséria

absoluta. Para ambas, prostitutas ou esposas, era vedado o título de cidadãs,

contudo o papel exercido de uma ou outra determinava o acesso maior ou menor à

liberdade, e em alguns casos na participação da vida pública, embora sem direito de

voz.

Após a criação da propriedade privada surge um novo sistema, no qual os

homens de poder eram aqueles que possuíam mais terras, criando assim uma nova

sociedade, que se sustentava em um tipo de escravidão econômica para com os

mais pauperizados, ou por aqueles que não tinham um pedaço de terra.

A maioria das terras agrícolas da Europa ocidental e central estava dividida em áreas conhecidas como “feudos”. Um feudo consistia apenas de uma aldeia e várias centenas de acres de terra arável que a circulavam, e às quais o povo da aldeia trabalhava. Na orla da terra arável havia, geralmente, uma extensão de prados, terrenos ermos, bosques e pastos. Nas diversas localidades, os feudos variavam de tamanho, organização e relações entre os que os habitavam, mas suas características principais se assemelhavam de certa forma. (HUBERMAN, 1986, p.12)

Essas propriedades privadas chamadas de feudos eram controladas por

senhores, que eram os donos das terras, a parte que pertencia ao senhor feudal era

chamada de “domínios”, os pastos, prados bosques, e ermos eram parte em comum

com todos aqueles que ocupavam os feudos, a outra parte também pertencente aos

senhores mais arrendada aos servos era trabalhada por estes, que além de

trabalhar nas suas terras tinham dias reservados para trabalho nas terras dos

senhores, e tudo que era plantado e colhido pertencia apenas ao senhor feudal. Os

camponeses que viviam e trabalhavam nesses feudos tinham péssimas condições

de vida, pois além de se dedicar ao trabalho na sua faixa de terra ainda tinham que

trabalhar, sem nenhum pagamento nas terras que eram de uso exclusivo dos

21

senhores, fazendo com que estes tivessem longas jornadas de trabalho, custando

assim sua qualidade de vida.

Nesses sistemas havia também umas classes diferenciadas que tinham

maiores privilégios para com os senhores feudais, eram chamados de vilãos, estes

tinham deveres mais exatos dentro dos feudos, e estavam dispensados de diversas

atividades, que os servos tinham por obrigação de fazer, alguns deles apenas

pagavam aos senhores uma parcela de sua produção pelo uso de suas terras.

Alguns vilãos eram quase tão abastados como homens livres, e podiam alugar parte da propriedade do senhor, além de seus próprios arrendamentos. Assim, havia alguns cidadãos que eram proprietários independentes e nunca se viram obrigados às tarefas do cultivo, mas pura e simplesmente pagavam uma taxa a seu senhorio. A situação dos cidadãos, aldeães e servos confunde-se através de muitas fases. (HUBERMAN, 1986, p.16)

Ao contrário de algumas classes que tinham certos privilégios nos feudos, os

servos, estavam presos nesses espaços, sendo obrigados a submeterem-se às

vontades dos senhores feudais, sendo este castigado se tentasse fugir, e tendo

também seus herdeiros mantidos sobre regras para manutenção do poder dos

senhores.

Por conseguinte, se o servo não podia ser vendido sem a terra, tampouco podia deixá-la. “seu arrendamento era chamado ‘ título de posse’ mas, pela lei o título de posse matinha o servo, não o servo o título.” se o servo tentava fugir e era capturado, podia ser punido severamente. (HUBERMAN, 1986, p.17)

No período vigente desse sistema, que era a Idade Média, não existia um

governo forte capaz de controlar as ações dessas comunidades, sendo, os sistemas

de deveres e obrigações à base para essa “sociedade”. Não significando que se

podia fazer as coisas como quisesse, os senhores estavam sujeitos a regras que

tinham que ser cumpridas, pois o não cumprimento poderia levar a perda da terra.

Em se tratando da Mulher nesse contexto esta estava assim como os homens

presa aos deveres para com os senhores, quando esta se constituía como serva,

tendo elas para poder casar, que conseguir consentimento do senhor feudal, assim

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como se enviuvasse teria que pagar uma multa ao senhor caso desejasse casar-se

novamente.

Como também se esta não quisesse casar novamente, teria que pagar para

que o senhor não a obrigasse a casar. Por fim, tanto servos quando senhores

tinham um conjunto de regras que deviam seguir, mas, os servos ficavam com o

verdadeiro trabalho. O senhor feudal ainda tinha o direito de desfrutar da prima

nocte (primeira noite) com a noiva de seus servos, ou seja, o senhor feudal tinha o

direito de desvirginar todas as mulheres que cassassem com seus servos, isso era

dado como uma forma de dote aos senhores.

O sistema feudal, em última análise, repousava sobre uma organização que, em troca de proteção, frequentemente ilusória, deixava as classes trabalhadoras à mercê das classes parasitárias, e concedia a terra não a quem cultivava, mas aos capazes de dela se apoderarem. (HUBERMAN, 1986, p.24)

No sistema feudal, não existia um sistema de comércio, quase tudo era obtido

dentro do feudo, e o que não se conseguia obter dentro dele, era conseguido

através da manufatura, à medida que se precise de algum objeto, se fabrica esse

objeto, claro que essa fabricação ficava a cargo dos servos, os senhores feudais

quando precisavam, utilizavam os servos que fossem os melhores artesãos para sua

construção.

Havia um sistema de troca de excedentes, controlado pelos senhores e pelo

bispo. Em um mercado local era realizada a troca do que sobrava e que os senhores

não iriam necessitar, por algo que estes não fabricassem. Esse sistema de trocas

não consistia em um comércio em si, este não se desenvolvia em grande escala

pelas péssimas qualidades das estradas para circulação de mercadorias e também

pela pouca procura existente.

Outros obstáculos retardavam a marcha do comércio. O dinheiro era escasso e as moedas variavam conforme o lugar. Pesos e medidas também eram variáveis de região para região. O transporte de mercadorias para longas distâncias, sobre tais circunstâncias, obviamente era penoso, perigoso e difícil e extremamente caro. Por todos esses motivos, era pequeno o comércio nos mercados feudais locais. (HUBERMAN, 1986, p.27)

23

Por mais que o comércio se desenvolvesse timidamente dentro do sistema

feudal, por volta do século XI, este teve um grande crescimento, afetando

profundamente toda a Idade média e no Século XII toda a Europa ocidental

transformou-se em decorrência desse crescimento comercial. As Cruzadas que

tinham o objetivo de arrancar a Terra Prometida dos muçulmanos, levaram os

comerciantes a acompanhar as dezenas de Europeus, para fornecer o que estes

precisassem, com isso ao voltarem de suas jornadas, traziam uma demanda pelas

roupas e comidas que tinha experimentado, criando um comércio para esses

produtos.

Do ponto de vista do comércio, entretanto, os resultados foram tremendamente importantes. Elas ajudaram a despertar a Europa de seu sono feudal, espalhando sacerdotes, guerreiros, trabalhadores e uma crescente classe de comerciantes por todo o continente; intensificaram a procura de mercadorias estrangeiras; arrebataram a rota do Mediterrâneo das mãos dos muçulmanos e a converteram, outra vez, na maior rota comercial entre o Oriente e o Ocidente, tal como antes. (HUBERMAN, 1986, p.30)

Após essa expansão do comércio, o sistema que antes vigorava baseado nas

trocas, tornou-se deficitário frente às novas necessidades advindas da expansão, o

dinheiro que antes era pouco usado, torna-se produto de primeira necessidade para

a realização das transações comerciais, gerando com isso uma valorização para

este objeto que antes, era pouco ou sequer usado no sistema feudal.

Embora a transação de troca simples se transformasse com isso numa transação dupla, com a introdução do dinheiro, na realidade poupavam-se tempo e energia. Assim, o uso do dinheiro torna o intercâmbio de mercadorias mais fácil e, dessa forma, incentiva o comércio. A intensificação do comércio, em troca, reage na extensão das transações financeiras. Depois do século XII, a economia de muitos mercados; e com o crescimento do comércio, a economia natural do feudo autossuficiente do início da Idade Média se transformou em economia de dinheiro, num mundo de comércio em expansão. (HUBERMAN, 1986, p.35)

A expansão comercial gerou também um crescimento nas cidades, que

passaram a se desenvolver próximas às regiões de comércio, com essa introdução

do comércio na vida feudal, leis e o modo de fazer justiça empregados nesse

sistema, foram sendo modificados, pela nova dinâmica e mutabilidade advinda

24

nesse novo sistema, para isso os comerciantes se uniram, no que chamaram de

“corporações” ou “ligas” (Huberman, p 28) com o objetivo de conquistar as

liberdades necessárias dentro do sistema feudal para desenvolver e expandir seus

negócios.

As populações das cidades desejavam algo mais que liberdade: desejavam a liberdade da terra. O hábito feudal de ‘arrendar’ a terra de fulano que, por sua vez, a arrendava de Beltrano, não era do seu agrado. O homem da cidade via a terra e a habitação sob um prisma diferente do senhor feudal. O homem da cidade poderia, de repente, precisar de algum dinheiro para inverter em negócios, e gostava de pensar que podia hipotecar ou vender sua propriedade para obtê-lo, sem pedir permissão a uma série de proprietários. (HUBERMAN, 1986, p.38)

Por fim as ligações entre riqueza e terra vão sendo substituídas pela ligação da

riqueza e dinheiro trazendo o surgimento da “classe média”, e com isso rompendo

com a estaticidade existente no sistema feudal. Fazendo com que surja uma nova

divisão do trabalho, dividida entre cidade e campo, sendo a cidade responsável pelo

trabalho industrial e comercial e o campo na produção agrícola, que abasteciam um

mercado crescente, formado pelos que não produziam mais os seus alimentos para

seu próprio consumo.

Com esse novo sistemas surgiram novas necessidades, a principal era a

liberdade para com a terra, a isenção do trabalho nas terras dos senhores, que foi

substituído pelo pagamento do arrendamento das terras. Segundo Huberman

transações que haviam sido raras na sociedade feudal tornaram-se habituais. Em

lugares onde a terra, até então, só era cedida ou adquirida à base de serviços

mútuos, surgiu uma nova concepção de propriedade agrária. Grande número de

camponeses teve liberdade de se movimentar, e vender ou legar sua terra, embora

tivessem de pagar aos senhores feudais uma certa quantia anual para que tivesse

essa liberdade.

O fato de que a terra fosse assim comprada, vendida e trocada livremente, como qualquer outra mercadoria, determinou o fim do antigo mundo feudal. (HUBERMAN, 1986, p.61)

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1.2 - PATRIARCALISMO E SOCIEDADES DE CLASSES

O fim do sistema feudal trouxe uma grande modificação no sistema de trabalho

manufatureiro da época, o que antes era construído apenas para as suas

necessidades dos senhores ou mesmo da família do servo, agora tinha outros

propósitos. Com o progresso das cidades, os artesãos tiveram a oportunidade de

abandonar a agricultura e a fabricação de seus artesanatos apenas para sua

subsistência, para produzir para venda e viver apenas do ofício de artesão. Não

precisando de grandes espaços para isso, nem muito dinheiro, tudo que estes

necessitavam eram a habilidade e fregueses para comprarem seus produtos. E

conforme suas habilidades e fama estes conseguiam aumentar sua produção,

contratando ajudantes, que se tornavam aprendizes de artesãos e ao fim de um

período poderiam ou não montar seu próprio negócio.

O açougueiro, o padeiro e o fabricante de velas foram então para a cidade e abriram uma loja. Dedicaram-se ao negócio de carnes, padaria e fabrico de velas, não para satisfazer suas necessidades, mas sim para atender à procura. Dedicavam-se a abastecer um mercado pequeno, mas crescente. (HUBERMAN, 1986, p.62)

Com a crescente expansão dos mercados, estes artesãos criaram em suas

cidades corporações próprias, sendo membros dessas corporações, todos aqueles

de determinada localidade que se dedicavam ao mesmo ofício. Elas desejavam o

monopólio de todo o trabalho do gênero, sendo que para realização de qualquer

negócio dentro do comércio artesanal, era necessário ser membro da corporação

local, elas lutavam para manter o monopólio dos respectivos artesanatos, e não

permitiam que estrangeiros adentrassem em seus mercados.

Essas corporações cultivavam o bom nome de seus artesãos através da

prestação de bons serviços, e supervisão dos trabalhos realizados, ainda protegiam

o trabalhador contra o uso de material de qualidade inferior, com artigos com padrão

de qualidade, sendo estes regidos por regras, que se não fossem cumpridas eram

passíveis de severas penas.

O sistema de corporações antes baseados na igualdade entre os senhores e

na facilidade com que os trabalhadores podiam passar ao ofício de mestre,

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modificou-se grandemente, essa base foi rompida com a ascensão de alguns

mestres que prosperam frente aos demais, que acabaram por criar corporações

exclusivas para esses abastados, o que incidiu em uma ruptura das corporações.

Em certos casos, porém, as corporações comerciais abandonaram o comércio em geral e passaram a se especializar num artigo determinado, e, ao invés de morrerem, floresceram como grandes corporações. Em outros casos, os membros abastados das corporações abandonavam produção, concentrando-se no comércio e tornando-se assim organizações fechadas que não admitiam artesãos, tal como ocorreu com as doze companhias de fornecimentos de Londres, os seis Corps de Métier em Paris e a Arti Maggiori em Florença. Eram organizações selecionadas, poderosas e ricas – e davam as ordens. (HUBERMAN, 1986, p.72)

Essas corporações passaram a ter um controle dos governos municipais, ou

seja, tornaram-se os verdadeiros administradores de suas cidades, apenas pelo fato

de serem mais abastados, constituindo a classe dominante das cidades, que no

campo era papel da aristocracia de nascimento, os membros dessas corporações

tinham o poder de nomear e eleger as autoridades como, por exemplo, o prefeito da

cidade, dando a eles o controle da administração pública. Isso foi uma das causas

do colapso do sistema de corporações em conjunto com a distância agora criada

entre mestres e artesãos, o que dificultava a ascensão nas carreiras dos ajudantes,

que tentaram através da criação de novas associações melhoria nos salários, porém

essas associações foram declaradas como ilegais pelas autoridades municipais,

pois como vimos estas eram controladas pelos grandes Mestres artesãos.

Ainda havia uma partilha de poder entre os senhores feudais e todos os

cidadãos das cidades, essa luta se dava para libertar a cidade do controle desses

senhores, com isso houve uma junção entre ricos, pobres, mercadores, mestres e

trabalhadores, que conseguiram tirar o monopólio das terras dos senhores feudais,

porém quem realmente colheu os frutos dessa luta foi à nova Burguesia que surgiu

com o fim do sistema feudal. Os mais pauperizados que antes estavam à mercê das

leis feudais, apenas mudaram de senhores, passando agora a serem controlados

pela burguesia em ascensão.

O descontentamento dos pobres, aliado ao ressentimento e ciúme dos pequenos artesãos para com esses poderosos, deu origem a

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uma série de levantamentos na última metade do século XIV, que, como as revoltas camponesas, espalharam-se por toda a Europa Ocidental. Era uma luta de classes – os pobres contra os ricos, os desprivilegiados contra os privilegiados. Em alguns lugares os pobres venceram, e por breves anos dominaram algumas cidades, introduzindo reformas necessárias, antes de serem derrubados. Em outros, embora a vitória fosse deles, as lutas internas provocaram sua queda imediata. Na maioria dos lugares a vitória foi, desde o inicio, dos ricos, mas não sem que tivessem experimentado momentos de ansiedade, num sincero receio da força conjunta das classes oprimidas. (HUBERMAN, 1986, p.76)

Segundo Huberman, após esse período de levantamentos citado acima, as

corporações foram decaindo, o poder das cidades foi enfraquecendo, passando

estas a serem controladas agora, por um Duque, Rei ou Príncipe, que tinham forças

para unificar as regiões até então desorganizadas em um Estado Nacional. Havendo

no século XV uma grande modificação, com o surgimento de Nações, que fez surgir

divisões nacionais, literaturas nacionais e regulamentações nacionais para a

indústria, substituindo as leis locais, trazendo ainda a criação de leis, línguas e

igrejas nacionais, devendo tanto essas instituições quando os cidadãos residentes

nesses Estados fidelidade ao Rei, sendo este o monarca de toda a nação.

Todas essas mudanças se deram através de interesses econômicos, sendo a

ascensão da “classe média” imprescindível para que ocorressem todas essas

mudanças, pois se criou uma nova classe e com isso modificou-se o modo de vida

da sociedade vigente, culminando na decadência das antigas instituições e no

surgimento de novas, que levaria a ascensão do poder do rei. Que se tornou um

grande aliado nas lutas das cidades contra os senhores, tudo para conseguir reduzir

o poder que continuava vigente, para culminar na ascensão do poder real.

É certo que muitas cidades e corporações tentaram com empenho conservar seus privilégios exclusivistas. Quando o conseguiram, foi sob a supervisão da autoridade real. O Estado nacional predominava porque as vantagens oferecidas por um governo central forte, e por um campo mais amplo de atividades econômicas, eram do interesse da classe média com um todo. Os reis sustentavam-se com o dinheiro recolhido da burguesia e dependiam, cada vez mais, de seu conselho e ajuda no governo de seus crescentes reinos. (HUBERMAN, 1986, p.84)

28

Segundo Huberman, criou-se um pacto entre a realeza Inglesa e a burguesia

industrial, que colocou a serviços do Estado sua influência política e social e sua

riqueza e em troca teriam do estado à multiplicação dos seus privilégios econômicos

e sociais, subordinando os trabalhadores comuns à burguesia, dando a manutenção

de sua posição e obediência rigorosa.

Todo esse acordo entre a Burguesia e o Rei não envolveu uma poderosa

instituição, a igreja, que rivalizava o poder nacional com os monarcas, causando

várias brigas entre os monarcas e a igreja por diversas questões, que em sua

grande maioria tratava-se de dinheiro e poder, e da divisão desse poder, que tanto a

igreja quanto os monarcas desejavam para si.

A classe média compreendia que seu progresso estava bloqueado pela igreja católica, que era a fortaleza de tal sistema. A igreja defendia a ordem feudal, e foi em si mesma uma parte poderosa da estrutura do feudalismo. Era dona, como senhor feudal, de cerca de um terço da terra, e sugava ao país grande parte de suas riquezas. Antes que a classe média pudesse apagar o feudalismo em cada país, tinha que atacar a organização central – a Igreja. E foi o que fez. (HUBERMAN, 1986, p.92)

Após conseguir o poder nacional, o rei começa a tomar medidas não muito

populares para acumular riquezas, a desvalorização da moeda, que oscilava de

maneira a favorecer o lucro apenas do rei, isso trouxe graves consequências para as

populações mais pauperizadas, e mesmo para aquelas que dependiam de uma

renda fixa, fazendo com que estes não conseguissem ao menos manter sua

subsistência. Essas medidas implicam de forma direta na vida de homens e

mulheres que viviam com essa renda fixa.

Tudo o que os reis viam, porém era o lucro imediato que lhes advinha da desvalorização da moeda. A verdade, porém, é que quando o dinheiro muda de valor o comércio é afetado; quando os preços se elevam, os pobres e os que têm renda fixa são prejudicados – isso podia ter pouca importância para o rei, mas era fundamental para alguns de seus súditos. (HUBERMAN, 1986, p.94)

Havia uma preocupação dos conselheiros do Rei frente às oscilações da

moeda, estes desejavam o desenvolvimento do comércio e não queriam reduzir

ainda mais a quantidade de ouro, com as exportações, enquanto o pobre sofria com

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toda essa oscilação, por não ter como se precaver das mudanças repentinas que

ocorriam na econômica da nação, os ricos se aproveitavam dessa instabilidade para

cuidar de suas fortunas e ainda lucrar com isso. Em conjunto com isso o governo

impulsionava o trabalho nas minas para obtenção de mais metais preciosos para o

reino, dando até mesmo privilégios aqueles que se aventurassem a descobrir novas

minas. Aliado a isso o comércio se desenvolvia e ganhava cada vez mais terrenos,

explorando não só agora a Europa e a Ásia, as novas explorações invadiram

também a América e a África.

Essas explorações se constituíram como um grande incentivo às atividades

econômicas, sendo criadas companhias de mercadores, para melhor

aproveitamento das lucrativas expedições comerciais. Para enfrentar os grandes

custos das explorações, que não conseguiam ser supridos pelos exploradores,

entram em cena os banqueiros que subsidiaram as explorações, essa junção trouxe

para os países exploradores uma época de grande prosperidade, vivenciadas no

século XVI.

A época de maior prosperidade comercial e financeira, foi também chamada de

idade dos mendigos, pela grande quantidade de populações que viviam nas cidades

nas piores condições possíveis, essa extrema pobreza era principalmente causada

pelas guerras existentes no século XVI e XVII. Isso provocado pela abundância de

dinheiro, que beneficiava apenas os mercadores, essa alta prejudicou severamente

os governos, que não conseguiam equilibrar as despesas e receita, também os

trabalhadores que não tiveram seus salários ajustados frente à elevação dos preços.

O movimento de fechamento das terras provocou muito sofrimento, mas ampliou as possibilidades de melhorar a agricultura. E quando a indústria capitalista teve necessidade de trabalhadores, encontrou parte da mão-de-obra entre esses infelizes desprovidos de terra, que haviam passado a ter apenas a sua capacidade de trabalho para ganhar a vida. (HUBERMAN, 1986, p.118)

Todo esse novo sistema, trouxe também novas formas de trabalho, para suprir

as demandas que agora ultrapassavam os limites das suas cidades, um novo

sistema de produção foi desenvolvido, e apenas um Artesão e seu ajudante, não

conseguiriam suprir as necessidades de um mercado internacional, com isso criou-

se uma nova lógica mercadológica, e até crianças foram introduzidas, tudo isso para

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suprir as necessidades do mercado. Que agora ganhava uma nova estrutura,

entrando em cena, novas figuras, que intermediavam o trabalho do artesão.

Entre as residências dos patrões estão espalhadas, e grande número, cabanas ou pequenas moradias, nas quais residem os trabalhadores empregados, cujas mulheres e filhos estão sempre ocupados em cardar, fiar, etc., de forma que, não havendo desempregados, Quase todos podem ganhar seu pão, desde o mais novo até o mais velho. Quase todos os que têm mais de quatro anos ganham o bastante para si. É por isso que vemos tão pouca gente nas ruas; mas se batemos a qualquer porta, vemos uma casa cheia de pessoas ocupadas, algumas mexendo com tintas, outras dobrando a fazenda, outras no tear… todas trabalhando, empregadas pelo fabricante e aparentemente tendo bastante o que fazer. (HUBERMAN, 1986, p.123)

Com as novas necessidades advindas da expansão do comércio, houve uma

reorganização das manufaturas, em conjunto com a descoberta de novas terras,

surgiram indústrias baseadas na lógica capitalista, e com concessões do governo

para seu funcionamento, o que dava a esses novos empreendimentos, plenos

poderes, que fizeram com que a indústria artesanal tivesse seus dias contados,

sendo que esta não desapareceu totalmente, fazendo com que surgissem uma nova

classe de explorados, os chamados assalariados, cada vez mais dependentes dos

capitalistas que também estavam no papel de mercador, intermediário e

empreendedor.

O predomínio de qualquer estágio de desenvolvimento industrial não significa o desaparecimento total do estágio precedente. O sistema de corporações perdurou muito tempo depois de ter aparecido o sistema doméstico. A melhor prova de que uma fase continua existindo durante muito tempo dentro dessa fase seguinte talvez nos seja proporcionada por esta citação sobre o trabalho doméstico, ou seja, o sistema doméstico. “um levantamento do trabalho doméstico realizado para a indústria de metal pré-fabricado”… os produtos incluem ganchos, colchetes, alfinetes de segurança, alfinetes de cabeça e botões de metal. A colocação de cordões ou arames às etiquetas é a outra operação realizada por alguns dos trabalhadores domésticos pesquisados. (HUBERMAN, 1986, p.126)

Segundo Huberman, após a organização do Estado político, os chamados

homens inteligentes do século XVII e XVIII, voltam a sua atenção para

regulamentação econômica, com a criação de leis que traria poder e riqueza para

toda a nação e para isso espionavam todos os aspectos da vida diária dos súditos

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regulando todas as suas atividades. Eles criaram teorias e instituíram leis que foram

definidas como o sistema mercantil.

O mercantilismo não era um sistema no atual sentido da palavra, mas antes um número de teorias econômicas aplicadas pelo Estado em um momento ou outro, num esforço para conseguir riqueza e poder. (HUBERMAN, 1986, p.129)

A forma de acumulação de riqueza das nações era a acumulação de ouro e

prata, esses metais eram as fontes de riquezas da época, quanto maior sua

quantidade acumulada, maior era a fortuna de monarcas, reis etc. Era através do

ouro que se conseguia mover o comércio, conseguir proteção contra países inimigos

e garantir a subsistência das expedições e dos povos. Como a quantidade de metais

preciosos constituía a riqueza de um país, em consequência disso à exportação

desses metais foi proibida por diversos países, com o intuito de garantir que o ouro

existente ali não fosse levado para outras nações, porém alguns países não tinham

essas reservas de ouro e prata nem tinham de onde extrair esses metais, isso fez

com que criasse uma balança comercial favorável que fazia com que, os produtos

que fossem comprados em outros países fossem em menor quantidade e que o que

fosse exportado pela nação fosse em maior quantidade, fazendo com que não se

perdesse as riquezas da nação, visto que as transações eram feitas com o ouro, e

que se conseguisse acumular mais riquezas através das exportações.

O negócio, portanto, era exportar mercadorias de valor e importar apenas o que fosse necessário, recebendo o saldo em dinheiro sonante. Isso significa estimular a indústria por todos os meios possíveis, porque seus produtos valiam mais do que os da agricultura, e, portanto obteriam mais dinheiro nos mercados estrangeiros. E o que era também importante, ter indústria produzindo as coisas de que o povo precisava equivalia a não ser necessário comprá-las do estrangeiro. Era um passo na direção da balança de comércio favorável, bem como no sentido de tornar o país autossuficiente, independente de outros países. (HUBERMAN, 1986, p.133)

Além dessas proteções referentes aos metais, foram tomadas medidas para

estimular a indústria, como prêmios dados pelo governo ao fabricante, pela

exportação dos seus produtos, além da criação de uma tarifa protetora, para

proteção das indústrias que ainda estavam nascendo ou mesmo se desenvolvendo,

32

também proteção contra a competição de produtos estrangeiros, que eram tachados

com altos preços, para não se sobressair aos que eram feitos naquele país,

chegando até a proibição da importação de determinados artigos, para não haver

competição com os que ali eram fabricados. Assim como os governos atraiam para

seus países os melhores trabalhadores, que trariam novos ofícios que não eram

praticados no país, dando a elas, isenção de impostos, monopólio sobre o ramo ao

qual ele se dedicasse além de moradia de graça e quando necessário à concessão

de empréstimos.

Certos países não só concediam o monopólio aos inventores, como também ofereciam prêmios aos que se dedicassem ao estudo do problema de fomentar a indústria pela descoberta de métodos novos e melhores. (HUBERMAN, 1986, p.136)

Além do acúmulo de riquezas os países se preocupavam em desenvolver suas

indústrias, pensando na sua subsistência nos períodos de guerra, para isso eles

estimulavam também a produção de cereais, para garantir sua autossuficiência,

sendo muito estimulada na Inglaterra a indústria de pesca, com a construção de

escolas de treinamento e propagandas dos benefícios para saúde de se ingerir

peixes. A Inglaterra se preocupava ainda na fabricação de uma frota de navios

dentro de seu território, já que a construção do que eles utilizavam eram feitas pelos

Holandeses, contrariando seus planos de garantir a autossuficiência de seu país em

quantas áreas fosse possível.

Todas essas medidas tomadas por diversos países tinham o intuito de reduzir a

indústria e o comércio dos países inimigos, fazendo com que esses “reinassem”

sobre os outros, por isso essas ações quase sempre culminavam em guerras,

algumas delas disfarçadas, através de embargos a produtos de determinado país

como, por exemplo, e outras travadas abertamente como foram às guerras

comerciais.

Como sabemos vários países criaram um sistema político de proibições de

exportação, para proteger seus “tesouros”, porém todos esses embargos e sistemas

protecionistas acabaram gerando perda de lucro para os seus produtores, em

contrapartida, os mercantilistas só acumulavam mais riquezas, fazendo com que

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revoltas fossem criadas nos diversos países em que esses sistemas restritivos

vigoravam.

1776 foi o ano de revolta. Ano notável. Aos norte-americanos, ele lembra a Declaração da Independência, a revolta contra a política colonial mercantilista da Inglaterra; aos economistas de todo mundo, lembra a publicação da riqueza das nações, de Adam Smith – súmula da nascente rebelião contra a politica mercantilista – restrição, regulamentação, contenção. Um número cada vez maior de pessoas não concordava com a teoria nem com a prática mercantilista. Não concordava porque sofria com elas. (HUBERMAN, 1986, p.143)

A política mercantilista sofre diversos ataques, por diversos pensadores

econômicos, nos países em que vigoravam, eles tentaram demonstrar, aos países

que todas essas restrições de compra e venda, faziam com que o mercado não se

desenvolvesse e que a margem de lucro dos países poderia ser maior, caso fosse

estimulado um novo tipo de sistema, e que se as medidas impostas aos seus

produtores e a todos aqueles que trabalhavam com o comércio fossem revistas,

haveria muito mais vantagens para ambos os lados. Na França onde essas

restrições eram muito mais severas, visto que o controle estatal nas indústrias do

país era muito mais forte, surgiram às teorias fisiocratas, que abordavam os

problemas econômicos sobre o ângulo da agricultura, eles acreditavam que a base

para o enriquecimento das nações estava vinculada ao desenvolvimento agrícola,

como também na eliminação das restrições e a defesa do Laissez- faire (deixar

fazer). E que a riqueza de um País estava baseada nos bens consumíveis.

Os fisiocratas chegaram à sua fé no comércio livre por um caminho indireto. Acreditavam, acima de tudo, na inviolabilidade da propriedade privada, particularmente na propriedade privada da terra. Por isso acreditavam na liberdade – o direito do indivíduo fazer de sua propriedade o que melhor lhe agradasse, desde que não prejudique os outros. Atrás de sua argumentação a favor do comércio livre está a convicção de que o agricultor devia ter permissão para produzir o que quisesse, para vender onde desejasse. Naquela época, não só era proibido mandar cereais para fora da França sem pagar impostos, como o próprio trânsito do produto de uma parte do país para outra era taxado. A isso se opunham os fisiocratas. (HUBERMAN, 1986, p.149)

Para derrubar de vez a economia Mercantilista, surge Adam Smith, que além

de defender o livre comércio, acreditava que o monopólio das colônias, era algo

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mesquinho que só deprimia a indústria dos países em que eram aplicados como nos

outros a quem elas se beneficiavam, Smith objetivava um novo tipo de sistema,

baseado na especialização do trabalho. Sendo a partir do desenvolvimento dessa

teoria, que a divisão do trabalho se torna algo concreto, trazendo um novo jeito de

fabricar objetos, exigindo o máximo dos trabalhadores e aproveitando o máximo de

suas habilidades. Com tudo isso se conclui que todo sistema deve ser baseado na

liberdade natural e na justiça. Obedecendo a esses preceitos, os países podem

fazer o que for necessário para garantir a conquista de seus interesses. Esse novo

jeito de fabricar exigia muito mais trabalhadores, e todos aqueles que estavam

dispostos a vender sua força de trabalho foram sendo absorvidos dentro desse novo

sistema, é nesse contexto que a mulher se insere como mão de obra para as

indústrias que despontavam em toda Europa.

Se a maior produtividade é proporcionada pela divisão do trabalho, e a divisão do trabalho é limitada pelo tamanho do mercado, então, quanto maior este, tanto maior o aumento da produtividade – isto é, tanto maior a riqueza da nação. E como com o comércio livre os mercados se ampliam ao máximo, temos também a máxima divisão do trabalho possível, e, portanto, um aumento da produtividade elevado também o máximo. Daí se conclui que o comércio livre é desejável. (HUBERMAN, 1986, p.153)

Na ordem dos sistemas antigos mesmo passando por diversas mudanças,

algumas “tradições” foram sendo mantidas, tradições essas que privilegiam apenas

os nobres, o clero, que estavam isentos dos pagamentos de impostos, ficando a

cargo das classes mais pauperizadas, levarem nas costas, todos os impostos

instituídos pelo Estado, já os nobres se baseavam na primeira regra da justiça, que

instituía a preservação dos direitos da propriedade e da pessoa, para não serem

obrigados a pagar os tributos necessários à manutenção do Estado. Estado este que

não tinha uma boa organização das contas públicas, sendo extremamente corrupto

e extravagante frente ao dinheiro recebido do povo, como era o caso do governo

Francês. Para sair das amarras da nobreza e do clero, os mais pobres em conjunto

com a burguesia em ascensão, que também se via presa aos altos impostos pagos

aos mais ricos, e que queria sair da condição de explorado para explorador,

financiou a revolução Francesa.

35

Quem era a burguesia? Eram os escritores, os doutores, os professores, os advogados, os juízes, os funcionários – as classes educadas; eram os mercadores, os fabricantes, os banqueiros – as classes abastadas, que já tinham direitos e queriam mais. Acima de tudo, queriam – ou melhor, precisavam – lançar fora o jugo da lei feudal numa sociedade que realmente já não era feudal. (HUBERMAN, 1986, p.160)

A burguesia com o dinheiro, mas sem o prestígio e o povo sem prestigio e sem

dinheiro fez a revolução para tomar das mãos da nobreza, o controle do estado,

para que a exploração em que eles viviam tivesse um fim no caso dos mais pobres e

para ascender nas cinzas da queda do regime antigo. No caso da burguesia.

Liberdade, igualdade e fraternidade, foi o lema usado na revolução francesa, mais

um segundo lema muito mais revolucionário também foi usado este expressa à

intenção da esquerda revolucionária, com os dizeres: “a humanidade só será feliz

quando o último padre for enforcado nas tripas do último rei.” (WELLEN, [s.d.])

Mostrava as reais intenções de transformação social pretendidas pela esquerda

francesa. No fim da revolução a plebe viu apenas seu chicote mudado de mão,

através da ascensão da classe burguesa.

No momento da insurreição o povo abriu caminho através de todos os obstáculos pela força do número; mas por muito poder que tenha conseguido inicialmente, foi derrotado pelos conspiradores da classe superior, cheios de astúcia, artimanhas e habilidade. Os integrantes educados e sutis da classe superior a principio se opuseram aos déspotas; mas isso apenas para voltar-se contra o povo, depois de se ter insinuado na confiança e usado seu poder, para se colocarem na posição privilegiada da qual os déspotas haviam sido expulsos. A revolução é feita e realizada por intermédio das camadas mais baixas da sociedade, pelos trabalhadores artesãos, pequenos comerciantes, camponeses, pela plebe, pelos infelizes, a que os ricos desavergonhados chamam de canalha e a que os romanos desavergonhados chamavam de proletariado. Mas isso as classes superiores ocultam constantemente é o fato de que a revolução acabou beneficiando somente os donos de terras, os advogados e os chicaneiros. (HUBERMAN, 1986, p.163)

Segundo Huberman na Inglaterra, em 1689, e na França, em 1789, a luta pela

liberdade do mercado resultou em uma vitória dos setores médios. O ano de 1789

bem pode ser considerado como o fim da idade média, pois foi nele que a revolução

Francesa deu o golpe mortal no feudalismo. Dentro da estrutura da sociedade feudal

de sacerdotes, guerreiros e trabalhadores, surgirá um grupo dos setores da classe

média. Através dos anos, ela foi ganhando força. Havia empreendido uma luta longa

36

e dura contra o feudalismo, marcada particularmente por três batalhas decisivas. A

primeira foi a reforma protestante; a segunda foi a gloriosa revolução na Inglaterra, e

a terceira a revolução Francesa. Todas essas revoluções se basearam nos ideais

iluministas que eram grandemente difundidas dentro da classe média.

Segundo Hobsbawm o iluminismo tinha como objetivo libertar todos os seres

humanos, assumindo que uma verdadeira sociedade livre, deveria estar baseada, na

sociedade capitalista, ele depositava sua fé no despotismo esclarecido, tendo como

base para sua ideologia a abolição da ordem política e social que vigorava na

Europa, suas bases se fixavam em um pensamento, de libertar o povo do

tradicionalismo do sistema Feudal e do poder da igreja.

De 1640 a 1688, a Inglaterra, viveu um período de intensas lutas pela

conquista do direito da burguesia participar do governo, e essas lutas só tiveram um

fim com a conquista desse direito. Entre 1688 e 1689, um grande marco ocorreu

que culminou no fim do absolutismo como forma de governo na Inglaterra, a

chamada revolução gloriosa, trouxe a ascensão do sistema monárquico

parlamentarista, e a ascensão da burguesia no poder, que mais tarde foi de grande

importância para a implementação da revolução industrial.

As passagens da história vistas no texto acima, se referem ao

desenvolvimento da sociedade, que deságua na sociedade que vivemos hoje.

Começamos falando do desenvolvimento dos povos, e terminamos no fim da era

feudal, e começo da revolução industrial, tudo isso para ver as mudanças que a

sociedade sofreu e como elas influenciaram fortemente a posição da mulher na

sociedade.

Saímos de uma sociedade em que a mulher assim como o homem, tinha seu

papel e seu lugar, até que com o advento da propriedade privada e a introdução do

patriarcalismo, ela acaba sendo deixada em uma posição subserviente, e não vemos

mudanças. Com a entrada do feudalismo, as mulheres continuam com o papel

servil, seja ela camponesa ou pertencente à rica família feudal, ela sempre é

subordinada ao sexo masculino, não tendo direitos garantidos a elas, apenas

deveres, as mulheres dessa época, tinham dever para com seu marido, filhos e

igreja.

37

Em todo desenvolvimento histórico visto até aqui, pouco se referiu a mulher ou

mesmo em algumas passagens não se pode ter certeza que havia alguma mulher

como coadjuvante daquele fato, o que vemos e que até chegarmos à revolução

industrial e a todas as mudanças que vieram em decorrer dela, se via pouco

protagonismo feminino na história, a dominação masculina cobriu todas as áreas

que se possa buscar, a não ser que procuremos tratar de assuntos domésticos, só

aí encontraremos a mulher na história de alguns povos. E os assuntos domésticos,

como já assinalamos, deixam de ter reconhecimento social ou importância

econômica, desde que a família deixou de ser unidade produtiva. Só importava a

produção e as unidades ligadas a ela.

38

CAPITULO 2 - A MULHER NA SOCIEDADE DE JANE AUSTEN

Jane Austen foi uma escritora Inglesa, que viveu entre 1775 a 1817, da vida

particular da autora, pouco se sabe até hoje, o pouco de que temos conhecimento se

deve a cartas trocadas entre ela e sua irmã, Cassandra, onde podemos ver um

pouco da maneira como Austen via a sociedade de sua época, o resto de sua vida

ainda está preso em uma aura de obscuridade, pois não se tem nada além dessas

cartas que comprovem quem era a verdadeira Jane. O curto período que Austen

viveu compreende a época em que a Inglaterra vivia a regência do rei George I

George II, George III e George IV, a chamada era Georgiana. Nesse contexto

ocorreram diversas mudanças de cunho econômico e social para a Inglaterra, como

o começo da revolução industrial, o colonialismo, as guerras napoleônicas e a

extensão do império Britânico pelo Mundo.

O contexto da obra literária de Jane Austen retratou o período da sociedade rural georgiana, que antecede as mudanças advindas com a chegada da modernidade. Historicamente, essa mudança se deu por dois fatores: o primeiro, a revolução agrária que inicia a Revolução Industrial; e o segundo, o colonialismo, as Guerras Napoleônicas e a expansão do Império Britânico. (DO NASCIMENTO, 2012, p.03)

Dentro do período que compreende a era Georgiana, os intelectuais da época

se engajaram em promover mudanças na estrutura da sociedade, através de

propostas para abolir a servidão, construção de novas escolas e hospitais, para que

a partir disso pudessem melhorar a vida das pessoas, esse período marca também

a consolidação dos romances na literatura Inglesa.

A era Georgiana também se destaca pelas campanhas que propunham a abolição da escravatura, movidas pelo pensamento de que era preciso fazer justiça social para melhorar a vida das pessoas. Os intelectuais da época também se engajaram nas lutas sociais pela construção de novas escolas e hospitais. Na arte literária, especificamente, marcou a consolidação do romance. Havia um embate de ideias entre aqueles que acolhiam o romance como um gênero literário de qualidade e outros que não pensavam dessa maneira. As mulheres que viveram na era Georgiana eram grandes apreciadores das diversas manifestações artísticas públicas desse momento histórico em Londres e adjacências. Com o aquecimento do comércio e a crescente industrialização, impulsionados a partir do século

39

XVII, a chamada educação através do entretenimento ganhou força. (SILVA, 2015, p.23)

Os ideais, que eram difundidos na era Georgiana encontravam seu berço nas

ideias iluministas, que pregavam a importância do uso da racionalidade, e que

somente por meio dela era possível compreender os fenômenos sociais e naturais,

defendiam a democracia, o liberalismo econômico e a liberdade de culto e

pensamento. É através dos ideais iluministas que, começam a serem pregadas as

noções de melhoria e justiça social além da abolição da escravidão.

Eles preocupavam-se em denunciar a injustiça social, a dominação religiosa e

os privilégios e vícios do Estado Absolutista, além de acreditar que o homem tinha

direito natural a felicidade. Fundamentavam-se em preceitos patriarcalistas,

colocavam o homem no centro. A própria noção de gênero humano passa a ser

sinônimo da palavra homem.

Por isso, o pensamento iluminista elege a “razão” como o grande instrumento de reflexão capaz de melhorar e empreender instituições mais justas e funcionais. No entanto, se o homem não tem sua liberdade assegurada, a razão acaba sendo tolhida por entraves como o da crença religiosa ou pela imposição de governos que oprimem o indivíduo. A racionalização dos hábitos era uma das grandes ideias defendidas pelo iluminismo. (SOUSA, 2012, p.02)

Para garantir que as sociedades conseguissem se intelectualizar e assim

garantir sua liberdade e felicidade e espalhar conhecimento, os iluministas criaram a

enciclopédia, e nela todo conhecimento obtido pelo homem sobre todas as áreas

das ciências eram explicadas.

A chave do sucesso das sociedades estava dentro daquela bíblia do conhecimento, assim que as comunidades atingissem um determinado nível intelectual, definido claro pelos iluministas, que lhes permitisse entender tudo que estava descrito na enciclopédia, a maldade que habitava dentro dos seres humanos deixaria de existir. A descrita, utopia dos iluministas, permite terminar com todos os maus costumes, como é o caso da escravidão, exploração, entre outros problemas que assombravam aquela época. (REBELO, 2016, p.02)

O iluminismo foi primordial para vencer as ideias que vigoravam no sistema

feudal, que colocavam Deus no centro de todas as coisas, inclusive para justificar as

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posições sociais de cada indivíduo. A passagem do sistema feudal para o que

chamamos de primórdios do capitalismo imprime na sociedade ali vigente novas

configurações, frente às questões de gênero, sociais e econômicas e muitos desses

ideais estão pautados nos preceitos do iluminismo.

Ao analisarmos as ideias dos filósofos mencionados, fica evidente que no “período das luzes”, uma característica marcante foi a de pensar a diferença feminina, acentuada pela inferioridade, baseada no direito natural. No imaginário dos filósofos, não havia necessidade alguma de conferir à mulher um estatuto político, pois para a ideologia do século XVIII, o homem era a causa final da mulher. Devido às ideias iluministas, o romantismo favoreceu o desenvolvimento e a expressão do amor em todas as suas formas. Nota-se a discriminação, consolidada pelo discurso da mulher frágil, emotiva, amorosa, incapaz, portanto, “inferior”, não permitindo o acesso ao conhecimento dessa condição opressiva. (RODRIGUES; COSTA, 2007, p.06)

2.1 - A MULHER E A RELAÇÃO COM O TRABALHO NA SOCIEDADE INGLESA

Sabemos bem que a mulher na sociedade feudal, não teve um papel de

destaque, nem tem uma grande participação em seu desenvolvimento, pelo menos

não as mulheres que dentre as circunstâncias tinham algum “poder” na sociedade.

As camponesas como podemos observar sempre tiveram que garantir a sua

subsistência através do trabalho, e isso não muda com a chegada desse novo

sistema. Aquelas mulheres que trabalhavam nas terras senhoriais, só são

transferidas para o contexto das manufaturas e após determinado tempo paras as

fábricas. Claro que não com toda essa velocidade, o sistema capitalista foi se

erguendo de maneira lenta e processual dentro das sociedades.

A mulher das camadas sociais diretamente ocupadas na produção de bens e serviços nunca foi alheia ao trabalho. Em todas as épocas e lugares tem ela constituído para a subsistência de sua família e para criar a riqueza social. Nas economias pré-capitalistas, especificamente no estágio imediatamente anterior à revolução agrícola e industrial, a mulher das camadas trabalhadoras era ativa: trabalhava nos campos e nas manufaturas, nas minas e nas lojas, nos mercados e nas oficinas, tecia e fiava, fermentava a cerveja e realizava outras tarefas domésticas. Enquanto a família existiu como uma unidade de produção, as mulheres e as crianças desempenharam um papel econômico fundamental. (SAFFIOTI, 1976, p.32)

41

O contexto social vivido por Austen precede a grande revolução que o

capitalismo fez na sociedade. Em sua época o sistema ainda funcionava aliado a

manufatura, e todas as revoluções sociais que vieram junto com essa grande

revolução ainda não tinham sido vividas, mas a revolução gloriosa ocorrida entre

1688 e 1689 criou mudanças na sociedade da época, principalmente trazendo a

queda do absolutismo na Inglaterra, levando a uma nova forma de governo, a

monarquia parlamentar (“Revolução Gloriosa”, 2015; SANTIAGO, [s.d.]). Austen não

viveu para ver a introdução da mulher nas grandes indústrias muito menos a

inclusão em massa do público feminino mais pauperizado nesses espaços de

trabalho.

Ocorreram grandes mudanças na passagem do feudalismo para o capitalismo,

elas não ficaram apenas no âmbito econômico, a sociedade em si viu grandes

mudanças ocorrerem no seu modo de vida, com a ascensão da burguesia nas

cidades medievais, o comércio passou a ser intensificado, e com isso um novo

sistema de trabalho foi sendo inserido na sociedade, houve a necessidade de um

grande contingente de mão de obra, para atender as demandas, e com isso as

mulheres passaram também a constituir mão de obra para a indústria em ascensão.

Isso pode ser visto como um grande passo frente aos direitos femininos da

época, porém mesmo trabalhando tanto quanto os homens, a exploração do

trabalho feminino sempre foi mais acentuada, a mulher trabalhava tanto quanto o

homem, porém recebia menos e ainda era subjugada dentro dos espaços laborais.

Isso se tratando da mulher das classes mais pauperizadas, para quem o trabalho,

sempre foi uma realidade para garantia da sua subsistência e de sua família.

Em todas as outras esferas, quer de trabalho, quer de vida ociosa, a mulher sempre foi considerada menor e incapaz, necessitando da tutela de um homem, marido ou não. (SAFFIOTI, 1976, p.33)

Por mais que uma grande parcela das mulheres estivesse inserida em postos

de trabalho e conseguissem garantir o mínimo de sua subsistência, o real papel

atribuído a ela continuava sendo, como o ser do lar, não se pode falar de

independência econômica da mulher no seio dessa sociedade patriarcal A mulher

era necessário fazer um bom casamento para que conseguisse garantir sua

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prosperidade tanto econômica quanto pessoal. O romantismo que vigorava muito

forte nessa época, servia como encobrimento das relações de poder, violência e

submissão ao qual as mulheres eram obrigadas a aceitar, esse idealismo romântico

fazia com que o real sentindo por trás dessas imposições sociais vividas pela mulher

ganhasse uma conotação bem diferente da realidade.

Era através do casamento que se podia ascender socialmente e garantir um

bom futuro, Segundo Saffioti a mulher sempre foi considerada menor e incapaz, e

tinha a necessidade da tutela masculina para seu desenvolvimento, sendo ele

marido ou mesmo algum parente do sexo masculino, tendo atribuída a sua felicidade

basicamente ao casamento.

Sob a capa de uma proteção que o homem deveria oferecer à mulher em virtude da fragilidade desta, aquele obtinha dela, ao mesmo tempo, a colaboração no trabalho e o comportamento submisso que as sociedades de família patriarcal sempre entenderam ser dever de a mulher desenvolver em relação ao chefe da família. (SAFFIOTI, 1976, p.63)

Aquelas que não conseguiam o tão almejado casamento restavam o trabalho, e

o trabalho para as moças que conseguiram mesmo não sendo abastada

financeiramente, uma boa educação, era ensino de tudo que haviam aprendido, e

por causa da boa educação elas não se submetiam aos trabalhos nas “fábricas” nem

mesmo na área doméstica, a essas mulheres restava passar o conhecimento

adquirido. Com isso criou-se a “profissão” de governanta, que era exercida pelas

mulheres bem educadas da sociedade que não conseguiram um bom casamento,

mas que precisavam conseguir sua subsistência.

A contratação das governantas era feita pelas famílias mais abastadas que

queriam preparar suas filhas para conseguir um bom casamento, sem que as suas

mães precisasse gastar seu tempo para educá-las, ficava a cargo de a governanta

passar toda a educação necessária, podemos ver um exemplo disso no livro EMMA,

escrito por Austen.

As governantas eram geralmente alguma prima distante da família ou uma moça filha de sacerdote ou educada em convento. Era função da governanta dar à suas pupilas uma educação fina, ensinar regras de comportamento e principalmente a posição da mulher

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diante da sociedade e dos homens, disciplinas acadêmicas ou estudos mais profundos não eram necessários á mulheres, ela tinha que exercer o papel da mãe. (PEREIRA, 2010, p.10)

Segundo Saffioti, o aparecimento do capitalismo se dá, pois, em condições

extremamente adversas à mulher. No processo de individualização inaugurado pelo

modo de produção capitalista, a mulher contaria com uma desvantagem social de

dupla dimensão: no nível superestrutural era tradicional uma subvalorização das

capacidades femininas traduzidas em termos de mitos justificadores da supremacia

masculina e, portanto, da ordem social que a gerara; no plano estrutural, à medida

que se desenvolviam as forças produtivas, a mulher vinha sendo progressivamente

marginalizada das funções produtivas, ou seja, perifericamente situada no sistema

de produção. Por isso o papel “dado” a mulher dentro da sociedade capitalista, não

configura realmente como um grande benefício, pois mesmo trabalhando, ela ainda

continuava marginalizada dentro dos processos produtivos e submetida às tradições

da sociedade patriarcal.

2.2 - A MULHER E A QUESTÃO DO CASAMENTO NA SOCIEDADE INGLESA

As questões pertinentes ao casamento no século XVIII são dentre todas as

coisas, fruto de um sistema social que foi sendo desenvolvido durante muitos

séculos. Nas diversas sociedades em que as tradições matrimoniais se

perpetuaram, vemos que em todas elas o ato de casar estava mais ligado a

interesses econômicos, do que a laços amorosos em si, falando principalmente das

tradições Europeias em relação ao casamento, ele se constituía como uma

negociação mercadológica, cuja mulher era a mercadoria a ser repassada, e para

isso havia se possível o mínimo de investimento na mercadoria, a ela era dado todo

o pacote necessário para que conseguisse ser interessante ao seu pretendente,

para que conseguir um bom casamento em menos tempo possível, quando

estivesse em idade para casar, que nessa época era por volta dos 16 aos 18.

Segundo Mota, o casamento é, durante a Época Moderna, instituição

incontornável para garantir a descendência e a transmissão de patrimônios e, por

consequência, a escolha do cônjuge não é um assunto pessoal, mas um assunto de

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grupos, coisa demasiado séria para que as famílias deixem ficar a responsabilidade

dessa escolha aos interessados e encarreguem, por isso, os pais de controlar o

consórcio dos filhos. Para as famílias, o casamento é antes de qualquer coisa um

contrato que sela a união de duas comunidades em que se comprometem interesses

materiais longamente debatidos.

Desde cedo as pequenas damas são lapidadas de acordo com normas rígidas de educação. Aprendem a ler, escrever e fazer contas tem aulas de piano e desenho, aprendem a dançar, trabalhar bem com a agulha, e estudam línguas estrangeiras como francês e italiano. Pedras brutas eram transformadas em verdadeiras joias preciosas que brilhavam nos bailes atraindo a atenção de aspirantes a marido. Apesar de pertencer às ricas famílias aristocratas, uma donzela não podia considerar-se detentora de grandes riquezas. À moça de uma família rica cabe apenas a fortuna que corresponde ao seu dote, que até casar-se é administrado por seu pai e após o casamento passa para o marido. Impossibilitada de trabalhar devido à posição que ocupava, e sem poder sustentar-se porque não herdará a fortuna de sua família, a única maneira de uma dama inglesa levar uma vida confortável e decente era se casando. (PEREIRA, 2010, p.09)

O casamento se constituía dentro dessa sociedade como uma garantia

econômica para o homem, já que as mulheres tinham que oferecer algo além dos

seus dotes físicos e intelectuais. Para conquistar um bom partido mesmo às

mulheres não levavam nada além do dote ao se casar, por isso a importância de se

ter um bom dote para oferecer ao seu pretendente, pois sem isso, lhes sobravam

poucas opções para se fazer um bom casamento. Isso fazia também com que a

escolha do pretendente estivesse intimamente ligada às posses dele, pois apenas o

que era levado pela mulher para o casamento, não se fazia suficiente na maioria das

vezes, como garantia de subsistência e manutenção do status social. As mulheres

viviam reprimidas dentro da sociedade, sua vida era dedicada inteira a obedecer a

regras com o intuito de garantir que ela se tornasse uma boa esposa, mãe e dona de

casa, uma boa dama da sociedade.

O casamento, porém era outra área na qual as mulheres eram submissas, não tinham vontade própria. O casamento era arranjado pela família da moça, que acostumada a obedecer não relutava em casar com quem o pai ordenasse. O noivo era escolhido por diversos motivos, pela riqueza que possuía, pela posição que ocupava na sociedade ou simplesmente por acordo entre as famílias, o amor era algo supérfluo, uma boa união surgia pelos interesses da família, e não de um sentimento egoísta, o casamento não passava de um negócio. Depois de casada a mulher além de continuar submissa ao pai, tinha agora como senhor maior o marido, ela que já não

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tinha direito sobre a herança, perdia agora o direito sobre seu próprio corpo. (PEREIRA, 2010, p.05)

Claro que nessa sociedade nem todos faziam parte da aristocracia ou das

famílias mais abastadas, por isso as famílias que não tinham posses e nem

pertenciam à alta classe, também se dedicavam a preparar bem as suas filhas,

dando a elas uma boa educação que se equiparava a que era dada as damas da

alta sociedade, porém mesmo com isso, por não terem posses ou dotes essas

mulheres muitas vezes não conseguiam fazer um bom casamento, que era o

almejado.

No entanto, como afirma Muraro (2000), a caça às bruxas terminou como tinha começado sem ninguém saber suas origens. Novos valores passaram a surgir. As mulheres já não trabalhavam fora do âmbito doméstico, como faziam as parteiras e curandeiras. Nasce então, no século XVIII, a figura da dona-de-casa, da mulher santa, da mãe dedicada, diferente daquelas consideradas orgásticas, caso usassem o corpo para o prazer. As mulheres eram educadas ou incentivadas a serem frígidas, pois sentir prazer era coisa do Diabo e, portanto, passível de punição. Elas passaram a ser limitadas ao espaço doméstico. O saber feminino popular cai na clandestinidade. A educação para as mulheres era ministrada apenas em casa, segundo os valores patriarcais pregados de mãe para filha, em um movimento cíclico já, então, totalmente internalizados nelas, sem que lhes fosse permitido questionar. Este estado de coisas permanece durante muito tempo na vida de muitas mulheres, condições estas que variam de acordo com cada lugar, cada época, cada mulher, mas que, normalmente, reduzem-na à condição de subjugada ao homem. (SOUSA; DIAS, 2013, p.148)

Podemos ver que a maneira que a sociedade Inglesa do século XVII tratava as

questões pertinentes ao casamento, acentuou ainda mais a lógica mercadológica da

relação entre homens e mulheres, tudo se tratava de fazer o melhor negócio, as

mulheres que tinham um bom dote ou mesmo alguma posse que pudesse ser

repassada para o homem através do casamento, conseguiam os melhores partidos

da sociedade. Além disso, é importante salientar a maneira como a mulher era

tratada nessa sociedade, apesar de serem bem educadas e bem tratadas pelas

suas famílias, tudo isso era em favor da possibilidade de um bom matrimônio, pois

era necessário para as famílias que suas filhas mulheres se cassassem se não, ela

ficaria com um “estorvo”, pois a família teria que continuar a garantir seu sustento.

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Dessa forma, a autora cria uma subversão da ordem do casamento, em que para a sociedade burguesa era realizado, a fim de perpetuar a classe, através da concepção de família nuclear, pois havia a necessidade de uma mulher para retratar e compor essa família. Assim, havia uma educação para as mulheres se casarem o quanto antes, caso contrário, dependeriam da renda da família para continuar sobrevivendo nessa sociedade. Caso, a família fosse de um ranking social inferior, a mulher precisaria viver de favores de amigos, e benfeitores. (DO NASCIMENTO, 2012, p.06)

O casamento na Inglaterra do Século XVIII resulta de um cálculo, servindo

como mecanismo de produção, conservação e transmissão de propriedade, isto

porque o casamento era quase obrigatório para homens e mulheres e os arranjos

para que ele viesse a acontecer envolviam muito mais as questões econômicas do

que amorosas ou mesmo religiosas. Poderemos ver melhor essa discussão no

capitulo quatro, essa mercantilização das relações não era algo apenas exclusivo às

mulheres, os homens também procuravam tirar vantagem na negociação do

casamento, por isso as mulheres com o melhor dote, melhores propriedades ou

mesmo aquelas que tinham algum título de nobreza, conseguiam mais facilmente,

fazer um casamento mais vantajoso.

Claro que existem algumas exceções em certos documentos fala-se no

casamento por amor, mas isso era algo ainda muito fora da realidade daquela

época, a mulher ao nascer era propriedade da família, e assim como tal podia ser

negociada pela família, para que estes obtivessem a melhor vantagem nessa

negociação, em alguns casos eram realizados casamentos entre pessoas da mesma

família, como por exemplo, um primo distante, que o laço sanguíneo não fosse muito

forte, para que os bens ou propriedades não saíssem das mãos da família.

Eram raros os casos de casamento por amor, prevalecendo assim, o casamento por interesses essencialmente masculinos e econômicos. O casamento era um “acordo” entre as famílias. As mais abastadas tinham o interesse em aumentar ainda mais suas rendas e propriedades; já os mais pobres vislumbravam a ascensão social. (ZARDINI, 2013, p.04)

Por fim, a vida da mulher no contexto Inglês do século XVIII é permeada por

diversos paradigmas, que davam a ela um único papel. O de servir e obedecer ao

homem. Por isso nascer mulher naquela época não era bem uma benção, e sim

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uma infelicidade, pois além de estar em um contexto em que se dignificava o homem

e demonizava a figura feminina, não se tinha muitas escolhas além de obedecer e

aceitar aquilo que era imposto a você, tanto pela sociedade como pelo homem da

família.

Nascia-se prisioneira de seu sexo, nascer mulher era condição de submissão,

fosse ela rica ou pobre, é claro que as mais bem nascidas tinham algumas

vantagens, principalmente quando tratamos de questões como dote, educação, mas

em um contexto geral não se via muita mudança no modo de educá-las e para onde

elas estavam destinadas. Elas apenas não iam ter que passar pela insegurança de

se realizariam ou não bom casamento, já que com um bom dote, conseguir um bom

partido ficava muito mais fácil.

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CAPITULO 3 - BIOGRAFIA DE JANE AUSTEN E APRESENTAÇÃO DA OBRA

RAZÃO E SENSIBILIDADE

Jane Austen uma das mais famosas escritoras Inglesas, autora de clássicos

como Orgulho e preconceito, Emma, Mansfield Park e Persuasão, buscava retratar

em seus romances a sociedade de sua época e a busca pelo casamento, como

forma de ascensão social, tudo isso com muita ironia, satirizando a sociedade e

suas tradições.

Nesse capitulo fizemos um levantamento de sua biografia, mostrando fatos de

sua vida pessoal e de sua visão como escritora que contribuíram para suas obras

bem como uma explanação de sua obra que usamos como base para esse trabalho,

tentando focar na questão central a ser discutida, que é a questão de gênero.

3.1 - VIDA PESSOAL DA AUTORA

Jane Austen, Nascida em 17 de dezembro de 1775, em Steventon, Inglaterra

foi à sétima filha do reverendo George Austen, e Cassandra Leigh Austen, Jane

Nasceu em uma região Rural da Inglaterra, seu pai além de reverendo era professor,

e ainda mantinha um internato para crianças em determinadas épocas do ano, o que

fazia com que a casa dos Austen estivesse sempre rodeada de crianças.

A Sociedade da época também apresenta características regenciais, completa de mesmices e hábitos rotineiros dos quais Austen soube retratar claramente em seu romance. Contudo, o elemento que se destaca é a posição em que a mulher se apresenta na obra, submissa, ou até mesmo sua auto independência econômica como é o caso da protagonista(refere-se ao livro Emma, de protagonista de mesmo nome), mas o fato é, a autora aponta uma realidade diferente entre as moças daquele período. (SANTOS, 2014, p.17)

Desde criança o pai de Jane estimulou a leitura entre seus filhos, lendo para

eles sempre que possível, até que estes conseguissem aprender a ler, e partir daí

eles tinham a total liberdade de escolher o que queriam ler e eram livres para

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explorar na biblioteca da família. Sua mãe se dedicava aos afazeres domésticos,

além de cuidar dos filhos ela era responsável, por cozinhar, costurar e cuidar dos

animais, além disso, ela tocava piano e compunha poemas para divertir os filhos e

os alunos de seu marido, Cassandra possuía um grau de parentesco distante com

os Nobres Ingleses.

Os Austen pertenciam a uma classe social chamada gentry, uma classe

considerada refinada e educada e dentro dessa classe havia diversos níveis:

A ordem social era tão complexa que mesmo entre os Gentry havia diversos níveis. No topo estavam aqueles tornados cavaleiros, possuidores de um sobrenome proeminente, ou proprietários de terras que estavam na família por gerações. Nos níveis inferiores estavam os bispos, pequenos proprietários de terra, oficiais do exército, médicos e clérigos como o pai de Jane Austen, que possuía educação, mas pouco dinheiro. (REEF, 2014, p.31)

Os gentry junto com a nobreza viviam sobre um rígido código de etiqueta, que

elaborava cada interação social entre eles. Segundo Reef as regras ditavam como

as ladies e os gentlemen entravam na sala de jantar, quem falava primeiro, quando

as pessoas eram apresentadas umas a outras e onde e com quem as ladies

deveriam interagir, isso devido ao fato de que a demonstração de bons modos era

maneira de mostrar que se vinha de uma boa família.

No entanto essas regras arbitrárias serviam ainda a outro propósito. “elas parecem não ter outro objetivo senão a exclusividade” comentou um escritor do século XIX. Em outras palavras, as normas de conduta separavam “a boa sociedade”, a quem estavam associadas como uma segunda natureza, da sociedade dos novos ricos, que as haviam adquirido imperfeitamente. (REEF, 2014, p.32)

Jane viveu em uma época que as mulheres tinham pouquíssima oportunidades

dentro da sociedade, além da de fazer um bom casamento. Ela mesma teve seu

primeiro livro publicado em anonimato por ser uma mulher. Ela começou a escrever

ainda na juventude, aos 14 anos ela escreve a história Amor e Amizade que se trata

de um pequeno romance, que por ter sido escrito em sua juventude eram chamados

de Juvenilia, além desse e de outros escreveu também outro romance curto

chamado Jack e Alice.

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Entre mais ou menos 1787, quando estava com onze anos e 1793, ano em que completou dezoito, Austen escreveu contos, cenas dramáticas, romances curtos e um relato criativo da história da Inglaterra. Ela copiou os favoritos em três cadernos finos. Escritos para entreter a família, a jovem Austen caçoava dos costumes e dos fatos extraordinários que aconteciam com muita frequência nos romances. Nesse período, Jane já começava a se distanciar da sociedade e a se comportar como uma observadora sarcástica. (REEF, 2014, p.50-52)

Austen praticamente não teve uma educação formal, como a maioria das

mulheres de sua época ela foi educada em casa, excetuando o período em que seus

pais conseguiram juntar dinheiro suficiente para mandar ela e a irmã Cassandra à

escola, na época Jane já tinha sete anos, os pais as mandaram para escola com

intuito de refinar as filhas, lá elas deviam aprender gramática, caligrafia, geografia

entre outras habilidades desejadas para as mulheres do período.

A escola frequentada pelas irmãs, assim como outras na Inglaterra, não tinham

boas condições de funcionamento, por isso havia diversos casos de doenças

adquiridas nesses espaços, que foi o que aconteceu com as Austen, que acabaram

adoecendo no período que frequentavam a escola, e tiveram que ser retiradas de lá

e não voltaram mais a frequentá-la. O período passado por Jane e sua Irmã nessa

escola foi de 1783 a 1784. A partir de 1785 as meninas voltaram a frequentar uma

escola melhor, porém por um curto período de tempo até o ano de 1786 após isso

elas não receberam mais nenhuma educação formal.

Jane teve ainda aulas de piano em sua casa, por uma professora contratada

pelos pais, coisa que ela praticou duramente toda sua vida e a qual ela tinha muito

prazer.

Jane Austen pertencia a esse mundo e a uma família numerosa, com muitas ramificações. Não recebeu quase nenhuma educação formal e nunca se aventurou fora dos limites do pequeno condado da Inglaterra. A escritora viveu num pequeno nicho, mas encontrou ali uma rica fonte de inspiração para sua ficção. Reunir personagens e assistir a como se misturam tornou-se “o prazer da minha vida”, declarou. “Três ou quatro famílias em uma aldeia é tudo de que preciso para trabalhar”. (REEF, 2014, p.23)

Austen nunca se casou e sobre sua aparência pouco se sabe, existem muitas

opiniões diferentes sobre como ela era, mais nada muito concreto visto que na

época em que ela viveu não existia nenhum tipo de sistema de fotografia, a única

51

imagem que temos dela, foi pintada pela sua irmã Cassandra, apesar de nunca ter

se casado, ao que se sabe ela teve um breve interesse amoroso por Tom Lefroy,

que não foi adiante devido aos planos que a família de Lefroy tinha para ele, que

não envolvia um casamento com alguém que não poderia lhe trazer nenhum

benefício econômico.

Jane conta de seu envolvimento com Tom em carta enviada a sua irmã

Cassandra. Ela ainda recebeu um pedido de noivado feito por Henry Bigg- Wither

em outro momento, ela aceitou mas acabou declinando do pedido no dia seguinte.

Jane Austen frustrava qualquer um que tentasse olhá-la de relance. Virava-se de costas ou escorregava para trás de uma sebe assim que algum observador se aproximasse. Um leitor curioso pode apenas imaginar sua aparência, baseando-se nas breves descrições que sobreviveram, mesmo que contraditórias. (REEF, 2014, p.57)

Vê-se um pouco dos acontecimentos de sua vida amorosa nas passagens de

Razão e Sensibilidade, assim como Austen, Marianne se apaixona por um rapaz e

chega a ter certeza em um futuro compromisso com tal, mas isso não se realiza, por

questões financeiras, o relacionamento que ela almeja com Tom Lefroy não vai

adiante por causa da situação econômica de Austen, a família de Lefroy não o

deixaria casar com alguém que não tinha nada a oferecer, mesmo ela tendo todos

os requisitos educacionais, sua pobreza falava mais alto.

Temos a impressão ao ver a biografia da autora, que ela realiza suas ambições

de vida através de suas personagens, pois em quase toda sua obra é recorrente o

relacionamento entre pessoas de classes diferentes e ao contrário do que foi vivido

por Jane, estes têm sempre um final feliz, e as barreiras sociais são de alguma

forma vencidas.

Como escritora Jane ficou conhecida pelo modo perspicaz e crítico com que

ela lidava com a sociedade de sua época, mesmo tratando de assuntos que por

muitos escritores eram vistos como banais, ela conseguia de modo sutil fazer uma

crítica aos costumes e tradições inglesas do século XVIII. Suas obras mais

conhecidas são Razão e Sensibilidade 1811, Orgulho e Preconceito 1813, Mansfield

Park 1814 e Emma de 1816.

52

Jane Austen veio de uma família que cultivava o hábito da leitura, o que impulsionou a mesma a seguir a carreira de escritora. Juvenilia, primeira obra escrita pela autora, assim como provavelmente outros romances da autora, nunca foi publicada. (SANTOS, 2014, p.17)

Jane tentou vender seu pouco conhecido romance Susan, para que ele

pudesse ser publicado. O romance foi comprado por dez libras pelo editor Richard

Crosby no ano de 1803. Crosby, porém não publicou o livro o que fez com que o

procurasse para saber o porquê da não publicação.

Após descobrir que Crosby não pretendia publicar Susan ela tentou reavê-lo,

mas o editor solicitou dez libras para que o romance fosse devolvido, valor que Jane

não possuía. Austen então “optou” por tentar publicar seu outro romance, Razão e

Sensibilidade, porém ao tentar vender o romance a um outro editor a quem ela havia

enviado, solicitou que ela arcasse com os custos, coisa que Jane não teria como

fazer, com isso seu irmão Henry e sua esposa Eliza acabam financiando a

publicação do livro e segundo Reef (2014)em outubro de 1811 Razão e

sensibilidade foi publicado.

O romance trouxe a Jane além de reconhecimento, a chance de recuperar seu

manuscrito de Susan, que foi comprado de Crosby pelas então dez libras pedidas

por ele. O livro rendeu a Austen a quantia de cento e quarenta libras.

Pela primeira vez Jane Austen tinha dinheiro para gastar. O sucesso do romance animou tanto Egerton que ele ofereceu imprimir outro livro do mesmo “autor – e dessa vez não custaria nada a ela”. (REEF, 2014, p.128)

Como podemos ver Austen só pôde ter acesso ao manuscrito de Susan no

verão de 1813, quando ao conseguir publicar Razão e sensibilidade, ainda assim ela

não era conhecida por suas obras, pelo fato de ser mulher, ela teve que usar

pseudônimos em suas primeiras publicações. Só após o sucesso de Orgulho e

Preconceito, segundo livro publicado da autora, e que se descobre que Jane estava

por trás daquelas obras, fazendo a autora ganhar notoriedade dentro da Inglaterra e

conseguir colher os frutos do seu trabalho.

53

Jane faleceu aos 41 anos no dia 17 de julho de 1817, ainda não se sabe da

causa morte da autora, existem muitas dúvidas sobre a doença que levou ao

falecimento dela com tão pouca idade. Seu corpo ficou durante seis dias exposto

nos cômodos da College Street, e em 24 de julho, ela foi enterrada na catedral de

Winchester, uma histórica Igreja da cidade. Ela deixou ainda algumas de suas obras

incompletas, como também a maioria de das cartas que ela utilizava para se

comunicar com seus amigos e parentes foram destruídas ou queimadas, deixando

poucas informações sobre a verdadeira Jane Austen, sendo todas as impressões

que são feitas sobre a autora, sendo tiradas das poucas cartas que sua irmã

Cassandra conservou e impressões deixadas pela sua escrita e modo de analisar a

sociedade presente em seus livros.

3.2 - RAZÃO E SENSIBILIDADE

Razão e Sensibilidade foi o primeiro livro de Jane Austen a fazer sucesso, ele

trata sobre a vida de Elinor, Marianne, sua mãe senhora Dashwood e a irmã mais

nova Margareth. As irmãs e a mãe se veem obrigadas a deixar a casa onde residem

após a morte do pai das meninas, pois a casa foi deixada em herança, em favor do

seu meio irmão, fruto do relacionamento anterior de seu pai. A casa onde elas

residiam com seu pai havia sido de um tio que elas passaram a cuidar após esse

adoecer, e com a morte desse tio a residência foi deixada aos cuidados do pai das

garotas mas seria herança do primogênito do senhor Dashwood. Sendo assim após

a morte do pai pouco mais de um ano depois do falecimento do tio, as irmãs e sua

mãe se viram obrigadas a ceder sua residência para seu irmão mais velho.

A família Dashwood há muito tempo se estabelecerá em Sussex. Sua propriedade era grande e a residência ficava em Norland Park, no centro de suas terras, onde. Por muitas gerações, viveram de maneira tão respeitosa que conquistaram uma boa reputação entre os conhecidos da região. O último proprietário dessa propriedade era um homem solteiro, que viveu até uma idade muito avançada e que, durante grande parte de sua vida, teve a irmã como fiel companheira e governanta. Contudo, a morte da irmã, dez anos antes da sua, produziu uma grande alteração em seu lar; para tentar suprir tamanha perda, convidou e recebeu em sua casa a família de seu sobrinho, Mr. Henry Dashwood, o herdeiro legal de Norland e a pessoa para quem pretendia deixar seus bens. (AUSTEN, 2015, p.07)

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Mrs. John Dashwood meio irmão mais velho das garotas mudou-se para

residência logo após a morte do pai, trazendo consigo sua esposa Fanny e seu

único herdeiro.

De seu primeiro casamento, Mr. Henry Dashwood tinha um filho; de sua esposa atual três filhas. O filho, um firme e respeitável jovem, estava amplamente provido pela fortuna de sua mãe, que tinha sido grande, e metade da qual atribuída a ele em sua maioridade. Por seu próprio casamento, além disso, e logo em seguida ele aumentou ainda mais sua riqueza. Para ele, portanto a sucessão de bens de Norland não era tão importante quanto para suas irmãs; pois a fortuna delas, independente do que poderiam receber como herança de seu pai por aquela propriedade, não deixava de ser pequena. A mãe nada possuía, e o pai, apenas sets mil libras à disposição; para a parte restante parte da fortuna de sua primeira esposa também estava assegurada para seu filho, e ele tinha apenas o usufruto dela. (AUSTEN, 2015, p.07)

As suas meias irmãs se viram então no dilema de procurar outro lugar para

residir com o os poucos rendimentos que foram deixados para elas e para sua mãe

pelo seu falecido pai, com o pouco que tinham continuaram a morar junto com o

irmão por um determinado tempo, o que lhes deu a oportunidade de conhecer o

irmão mais velho da senhora Fanny Dashwood, esposa de seu irmão.

Edward Ferrars era o primogênito de sua família, e tinha uma boa herança que

seria deixada para ele pela sua mãe, sua mãe tinha grandes planos para que

Edward fizesse uma boa carreira. Elinor passou então a estreitar laços com ele,

causando grande felicidade em sua mãe pela possibilidade de que Elinor fizesse um

bom casamento e mais importante do que isso ficasse com alguém a quem amasse.

Algumas mães poderiam ter encorajado a intimidade por motivos interesseiros, pois Edward Ferrars era o filho de um homem que morrera riquíssimo; enquanto outras teriam reprimido a intimidade por prudência, já que com exceção de uma quantia insignificante, toda a sua fortuna dependia da herança de sua mãe. Porém Mrs. Dashwood não levou em consideração nenhuma dessas opções. Já lhe bastava que o rapaz fosse amável, que ele amasse sua filha, e que Elinor lhe correspondesse. Era contrária a todas as crenças de que a diferença de fortuna deveria ser motivo de separação entre casais que estivessem atraídos devido à semelhança de temperamento; e que os méritos de Elinor não fossem reconhecidos por todos que a conhecessem, para ela era impossível de se compreender. (AUSTEN, 2015, p.21-23)

55

Mas a interação dos dois não foi vista com bons olhos pela sua irmã, que assim

como a mãe de Edward tinha planos grandiosos para ele, e ele casar-se com

alguém como Elinor que não tinha nenhum dote nem posses não era algo almejado

por elas. Fanny então deixou claro para a matriarca das Dashwood a não aprovação

daquela união.

O fato de Edward depender totalmente da fortuna de sua mãe fazia com que

Elinor soubesse que ele não estaria livre para escolher o seu interesse amoroso sem

a aprovação de sua mãe, sabendo que haveria de ser muito difícil se ele se

dispusesse a casar com ela que não tinha grande fortuna muito menos uma alta

posição social. Fazendo-a acreditar que toda a dedicação que ele tinha com ela não

passava de um sinal de amizade, o contrário do que pensava a irmã de Edward.

Ela aproveitou a primeira oportunidade para afrontar sua sogra, falando-lhe tão expressivamente sobre as grandes esperanças de seu irmão, da decisão de Mrs. Ferrars que ambos os filhos cassassem bem, e do perigo que cercava qualquer jovenzinha que tentasse AGARRÁ-LO; o que Mrs. Dashwood nem pôde fingir de não ter se dado conta, nem esforçar-se para ficar calma. Deu-lhe uma resposta que revelava seu desdém, e imediatamente deixou a sala, resolvida que, qualquer que fosse a inconveniência ou a despesa de uma partida tão repentina, sua querida Elinor não deveria ser exposta a outra semana de tais insinuações. (AUSTEN, 2015, p.31)

As Dashwood se mudaram para um cottage espécie de residência daquela

época que não continha muito luxo, contudo era suficiente para as irmãs a mãe e os

dois empregados que levaram consigo da mansão em Norland. O cottage pertencia

a um primo da senhora Dashwood e este havia alugado o local por uma baixa

quantia, o que foi de grande influência para que as mulheres escolhessem este local

em detrimento dos outros que haviam pesquisado.

A saída de Norland trouxe várias mudanças para a vida de Elinor e Marianne, o

novo cottage trouxe para a vida das moças o coronel Brandon e Willoughby, o último

por quem Marianne acaba se apaixonando. Além dos outros personagens que

servem de pano de fundo para desenrolar do relacionamento tanto do coronel com

Marianne quanto de Marianne com Willoughby. O livro mostra a sociedade Inglesa e

como ela vivia, sem muitos floreios, os capítulos vão expondo a realidade da

sociedade através das vidas dos personagens presentes na história.

56

Mostra também de maneira bem delicada a realidade feminina da época,

demonstrando as tradições, os costumes e como aquilo era absorvido na vida das

personagens femininas da obra. Assim, é bem fácil entender a realidade feminina da

classe Gentry em que estão inseridas as irmãs Dashwood, a diferenciação de que

tipo de gente elas se relacionavam, que tipo de casamento elas conseguiriam fazer

por não ter posses, além do seu papel social e econômico naquele contexto. Pouco

se fala em trabalho no decorrer da obra, descobrimos que as maiorias daqueles

personagens, até mesmo os masculinos, vivem através de heranças ou qualquer

outro tipo de rendimento deixado para eles, aos homens era sempre legado a maior

herança, ou mesmo toda ela, no caso de haver mulheres entre as herdeiras, era

necessário a elas fazer um bom casamento para que não tivesse que viver à custa

do irmão ou de qualquer outro parente do sexo masculino.

Em se tratando particularmente do caso das mulheres da família Dashwood, foi

deixada pelo seu pai para elas e para a mãe uma pequena quantia para cobrir seus

gastos, pois o pai sabia que ao morrer as garotas não teriam nada delas, e que seu

irmão tomaria posse de toda a fortuna que havia sido legada a ele pelo tio. Isso foi o

que ocorreu mesmo prometendo no leito de morte do pai, que iria ajudar de alguma

forma as irmãs, o primogênito John Dashwood, pouco fez pelas irmãs e pela

madrasta, pois na época não era comum à divisão igualitária das heranças

deixadas, muito menos se ela fosse deixada em favor de um homem, pois as

mulheres na época eram subordinadas ao sexo masculino e nada poderiam fazer

nesses casos.

O parente de quem Mrs. Dashwood havia locado o cottage, vivia a algumas

milhas da nova residência delas, em um local chamado Barton Park, lá residiam Sir

John, sua esposa Lady Middleton e seus filhos, e na época em que as garotas se

mudaram para a região a mãe de Lady Middleton, Mrs. Jennings também se

encontrava “morando” na em Barton Park.

Sir John era um esportista, lady Middleton, uma mãe. Ele caçava e atirava e ela cuidava dos filhos; e eram os seus únicos afazeres. (AUSTEN, 2015, p.45)

57

Convidadas por Sir John a conhecer a sua residência, as garotas e a mãe

puderam se familiarizar com os seus parentes além de conhecer um amigo de Sir

John, Coronel Brandon, ele era um homem sério na casa dos 35 anos, com uma

grande fortuna e solteiro. Coronel Brandon acaba se interessando por Marianne a

irmã do meio, porém por causa da diferença de idade entre eles, ela pouco se

interessa pelo coronel.

Surge na vida de Marianne a figura de Willoughby, um homem jovem, bonito,

que a resgata após ela sofrer uma queda e acaba despertando o interesse da

garota, ele era herdeiro de uma senhora de idade a quem ele visitava uma vez ao

ano. Ela vivia a algumas milhas do Cottage, em Allenham, residência que seria

herdada por ele além de todo a fortuna deixada pela senhora. Além disso, ele tinha

uma pequena propriedade perto de Londres chamada Somersetshire.

Marianne decididamente não se apaixonou pelas posses que o jovem tinha ou

teria, ela viu nele a realização de todas as suas fantasias de homem ideal, pois

assim como a mãe ela não era muito prudente em seus modos, apesar da

inteligência e sensatez Marianne não moderava as suas emoções, o contrário

poderíamos buscar em Elinor, irmã mais velha, ela mesmo aos 19 anos era a

conselheira da mãe, era compreensiva, tinha grandes sentimentos dentro de si, mas

sabia muito bem governá-los através da serenidade e juízo com que analisava as

situações.

Após a introdução das personagens principais aos seus pretendentes a autora

passa a desenvolver os romances entre eles, dando também a base para inclusão

das várias problemáticas sociais vividas dentro daquele contexto social, Austen

termina sua história, casando seus personagens principais Elinor e Edward e dando

um novo par a Marianne, o Coronel Brandon.

Esse final tornou-se bem previsível dentro das obras de Austen, casar e dar um

final feliz a todos os seus personagens, por isso ela recebia e recebe diversas

criticas dos autores que discutem o feminismo. Vemos que, por alguns, Austen vem

sendo pregada apenas como uma romancista do século XVIII, que nada discute ou

mesmo questiona sobre a mulher e seu papel social, mas se olharmos sua obra

especificamente Razão e Sensibilidade, podemos constatar as criticas sociais feitas

pela autora e sua verdadeira concepção sobre a mulher dentro da sociedade.

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Veremos no próximo capitulo que apesar de ter uma perspectiva conservadora

e ter vivido em uma sociedade machista, a obra de Jane Austen dá abertura para

uma reflexão social sobre o homem e a mulher e sua relação na sociedade com um

todo.

59

CAPÍTULO 4 – A QUESTÃO DE GENERO RETRATADA EM RAZÃO E

SENSIBILIDADE

As questões de gênero retratadas na obra de Jane Austen são ainda hoje

vividas por nossa sociedade, como por exemplo, a questão da atribuição da figura

feminina ao lar e as pressões que a sociedade faz perante a problemática do

casamento.

Na sua obra a autora nos mostra, como era a vida da parcela feminina na

classe social que ela estava inserida, e quais papeis a sociedade atribuía a elas,

porém Austen não é considerada uma autora feminista! Pois ela não defende

abertamente os direitos da mulher, entretanto ela consegue expor as restrições

sociais vividas pelas mulheres, pois ela viveu essas restrições. Por isso suas obras,

inclusive Razão e Sensibilidade expõem esse cenário social vivido pelas damas na

Inglaterra.

Nesse capitulo, abordamos as relações entre os personagens femininos e

masculinos, como também sobre as regras sociais que regiam essas relações.

Tratamos das questões pertinentes ao trabalho, e sobre como ele é retratado na

obra Razão e Sensibilidade, também analisamos a questão da problemática

matrimonial, incluindo na nossa discussão a questão do dote e da mercantilização

do casamento na época da autora.

4.1- AS RELAÇÕES ENTRE OS PERSONAGENS FEMININOS E MASCULINOS E

O TRABALHO NA OBRA, LIMITES E AVANÇOS DA ÉPOCA.

Sabemos bem que o tipo de relação existente na atualidade entre homens e

mulheres difere e muitos das relações existentes nos séculos passados, o tipo de

comportamento esperado de dois indivíduos de diferentes sexos no século XVIII

eram bem específico e regrado.

A sociedade em questão tinha um conjunto de regras de etiqueta para todas as

ocasiões, que deveriam ser seguidas por todos que estivessem inseridos naquela

comunidade, desde o mais rico até os mais pobres, todos deveriam obedecer a esse

conjunto de regras, principalmente quando se tratava das relações entre homens e

60

mulheres, estas regras deveriam ser seguidas para preservar a virtude da mulher, o

modo como ela se comportava dentro de determinada situação, iria dizer muito

sobre sua educação e seu valor.

Na obra de Austen essa questão é bastante levantada, as regras que as irmãs

tinham que seguir estavam implícitas e são comumente lembradas por Elinor a irmã

mais velha das Dashwood, à Marianne, a irmã do meio. O trato de Marianne para

com seu possível pretendente Willoughby, faz com que a irmã se preocupe com sua

reputação, pois Marianne acaba não conseguindo esconder seus verdadeiros

sentimentos pelo rapaz, agindo de forma extravagante sem se importar com os que

estão presentes nesses momentos.

Na opinião de Mrs., Dashwood, assim como na de Marianne, o rapaz parecia não ter falhas; e Elinor não viu nada que lhe pudesse censurar, além de uma propensão, na qual se parecia bastante muito e que particularmente agradava sua irmã, de dizer tudo que pensava qualquer que fosse a ocasião, sem dar importância às pessoas ou às circunstâncias. Ao formar rapidamente sua opinião e expressá-la sobre outras pessoas, ao sacrificar a cortesia para dedicar completamente sua atenção àquilo a que empenhara seu coração, e ao desprezar facilmente as formas de decoro mundano, ele apresentava uma falta de cuidado que Elinor não poderia aprovar apesar de tudo o que ele e Marianne pudessem dizer para justificá-lo. (AUSTEN, 2015, p.68-69)

O modo como Marianne se comporta é constantemente repreendido por Elinor,

pois ela se preocupava com a reputação que a irmã adquiriria agindo de forma tão

imprudente:

Elinor não se surpreendeu com o apego entre eles. Apenas desejava que tal sentimento fosse demonstrado menos abertamente; e uma ou duas vezes realmente se atreveu a sugerir a Marianne um pouco de mais comedimento. Porém, Marianne abominava toda dissimulação quando nenhuma verdadeira desgraça poderia justificar a falta de franqueza; e empenhar-se em reprimir sentimentos que não eram em si censuráveis, parecia-lhe um esforço desnecessário, além de uma lamentável submissão da razão às noções convencionais e ao senso comum. Willoughby pensava o mesmo; e o comportamento de ambos era uma ilustração de suas opiniões. (AUSTEN, 2015, p.75)

Como é visto nem Marianne muito menos Willoughby faziam questão de

esconder seu interesse um pelo outro, e isso numa sociedade em que o puritanismo

61

reinava não podia ser algo admirado pelos que conviviam com eles. Já que na

sociedade Inglesa a mulher deveria seguir certos padrões de comportamento, e

esses padrões eram muito severos quando tratavam das relações íntimas entre

aqueles que estavam para firmar um compromisso amoroso.

Já Elinor cumpria as convenções sociais que eram impostas a ela pela

sociedade, ela mesmo estando apaixonada por Edward, não demonstrou seu

interesse de forma imprudente e nem ao menos, se rebelou frente às dificuldades

que sabia que existiriam para a realização de um futuro casamento com ele.

Podemos ver um pouco do seu comportamento na conversa abaixo entre Elinor e

Marianne.

“Elinor não pôde deixar de rir “desculpe-me” disse ela;” e esteja certa que não pretendia ofendê-la ao me referir, com palavras tão contidas, sobre meus sentimentos. Acredito que são mais fortes do que declarei; em suma, acredito que estão à altura dos méritos dele, e a suspeita... E a esperança de seu afeto por mim se justifica, sem imprudência ou loucura. Porém, além disso, não devo acreditar. Não estou completamente certa de seu afeto por mim. Há momentos em que se parece duvidoso; e, até que seus sentimentos sejam completamente conhecidos, você não pode estranhar meu desejo de evitar qualquer encorajamento, ao acreditar ou esperar mais do que é. No fundo do meu coração, sinto pouca... quase nenhuma dúvida de sua preferência. Mas, há outros pontos que devem ser levados em conta além de seu interesse. Ele está muito longe de ser independente. O que sua mãe realmente é não podemos saber; mas as menções ocasionais de Fanny sobre sua conduta e opiniões nunca nos dispuseram a considerá-la amável; e estou muito enganada se Edward não está mesmo ciente de que haverá muitas dificuldades em seu caminho se quisesse se casar com uma mulher que não tem uma grande fortuna ou uma alta posição. (AUSTEN, 2015, p.29-31)

A forma como Austen desenvolve a relação dos personagens, demonstrando

ali como cada personalidade se comporta frente às regras sociais, e como eles dão

ou não importância a essas regras, demonstra um pouco da crítica que a autora

queria imprimir na obra. Uma leitura superficial pode nos fazer pensar que Elinor é

alguém alienado pelos costumes e que Marianne tenta romper esses costumes,

porém podemos analisar que o fato das duas se colocarem de forma diferente a

essas barreiras sociais, não faz com que elas não entendam nem questionem toda

essa lógica.

As relações que se perpetuaram no decorrer dos séculos, são de submissão

feminina tanto frente aos homens como frente à sociedade, e isso é o que se

62

constata também dentro da literatura de Austen, mas ela consegue fazer com que

suas personagens questionem e até rompam com algumas dessas regras como no

caso do relacionamento de Marianne com Willoughby, mas não de forma bruta ou

mesmo irracional tudo é feito para que percebamos que existem diversas maneiras

de analisar e questionar a realidade imposta, mesmo que não consigamos realmente

vencê-las naquele momento.

Enquanto estudiosas como Marilyn Butler (1975) sustenta que os livros de Austen restringiam a mulher apenas ao matrimônio e à esfera doméstica; Gibert e Gulbar (1979), afirmam o contrário: os personagens de Austen contradizem essas convenções, defendendo a educação racional para a mulher, com personagens femininas obstinadas, de mentes independentes e ousadas. “Assim, as obras de Austen, podem ser classificadas como uma narrativa da identidade feminina, com utilização de ironias para criticar a sociedade de sua época, denotando, um lado não conformista da escritora.” (ZARDINI, 2013, p.02)

O fato de Elinor se apaixonar por alguém de uma Classe acima da dela e que

ela sabe que existiriam dificuldades para realização desse amor, não faz com que

ela se mostre apática ou mesmo desista de Edward, mas também não vamos vê-la

se revoltando de forma imprudente ou mesmo revelando essa insatisfação de forma

pública, nem mesmo para sua família, o modo com o qual ela foi criada e para o qual

ela foi criada impede que ela se manifeste dessa maneira.

No século XVIII época em se passava as histórias de Jane e no qual ela viveu,

a submissão feminina as regras que eram ensinadas as meninas desde seu

nascimento, faziam com que a ordem vigente fosse seguida, pois era algo que era

vivenciado dentro daquela sociedade desde que o indivíduo nascesse até o fim da

sua vida.

Podemos ver um pouco do tipo de regra com as quais os indivíduos tinham que

lidar, por exemplo, um homem não poderia ficar em um lugar a sós com uma mulher

sem que alguém da família da garota estivesse junto. Um pouco de como isso era

considerado grave é visto no trecho do livro em que Mrs. Jennings descobre que

Willoughby levou Marianne para um passeio dentro da propriedade da sua tia a qual

seria herdada por ele. O espanto com que isso é tratado por Elinor e mesmo a

63

descrença que sua irmã teria cometido tal ato, mostra que mesmo um simples

passeio poderia na época ser algo que poderia arruinar a reputação de uma moça.

Elinor mal podia acreditar que fosse verdade, pois parecia muito difícil que Willoughby fizesse tal proposta, ou que Marianne consentisse em entrar na casa enquanto Mrs. Smith estava lá, com quem Marianne não tinha a menor familiaridade. Tão logo deixaram a sala de jantar, Elinor lhe perguntou sobre aquilo; e grande foi sua surpresa ao descobrir que cada detalhe revelado por Mrs. Jennings era a mais pura verdade. Marianne estava bastante zangada com ela por ter duvidado. “porque acredita, Elinor, que não deveríamos ter ido lá ou que não tivéssemos visto a casa? Não era isso mesmo que tantas vezes desejou fazer?”. “Sim, Marianne, mas eu não iria enquanto Mrs. Smith estivesse lá, e sem outra companhia a não ser a de Mr. Willoughby”. “contudo, Mr Willoughby é a única pessoa que pode ter o direito de mostrar aquela casa; e como fomos em uma carruagem aberta era impossível ter outra companhia. Nunca tive uma manhã tão agradável em toda minha vida.” “ Temo”, respondeu Elinor, “ que prazeres de uma ocupação nem sempre evidenciem seu decoro”. (AUSTEN, 2015, p.95)

As regras sociais daquela época não eram restritas às camadas mais

instruídas ou mesmo as mais ricas, todos desde os mais ricos até o mais pobres

daquela sociedade viviam sobre esse sistema. Claro que essas regras eram mais

severas e mais restritivas quando se tratava da parcela feminina, pois delas eram

exigidos um comportamento servil e que inspirasse o decoro e a castidade. A mulher

tinha que ser exemplo em seu comportamento.

Mas apesar de apresentar e mesmo mostrá-las sendo seguidas através de

seus personagens, Austen consegue que eles transgridam essas tradições em

pequenos comportamentos, ela faz através de uma palavra ou mesmo um gesto,

que as mulheres mostrem seu verdadeiro eu, suas verdadeiras ambições e mesmo

assim consigam conviver bem com a sociedade imposta. Talvez suas personagens

fossem assim porque ela mesma era assim, e em seu lidar poderia demonstrar

aversão a determinados tipos de comportamento que ela muito desaprovava e ela

mesma não seguia como deveria.

As negações de Elizabeth Bennet de dois pedidos de casamento, que é

narrado em seu segundo livro Orgulho e Preconceito, parecem fazer alusão ao que

a autora fez também fazendo essa recusa a determinado pretendente, vemos um

pouco de Jane e das pessoas com que ela convivia em toda sua obra, a forma como

ela lidava com as mulheres em seu livro até mesmo mostrado algumas delas de

forma caricata, eram nada mais do que uma crítica a realidade vivida pela autora,

64

que conseguia manter seu apreço pelas tradições e ao mesmo tempo transgredi-las

e contradizê-las.

Vemos o apego que Jane tinha pelo decoro posto no comportamento de Elinor,

vemos sua sagacidade e acidez nos comentários ácidos de Marianne, quando não

conseguia esconder a reprovação das atitudes da Mr Jennings ou mesmo de Sir

John.

Austen via o que ela vivia através de suas personagens, pois colocava nelas

aquilo que estava impresso na sua sociedade. Demonstrando os avanços que as

mulheres conseguiam dar através de Marianne, e imprimindo em Elinor os limites

que ainda não conseguiram ser vencidos pelos diversos impedimentos que existiam

para a quebra desses paradigmas sociais. As relações sociais de Razão e

Sensibilidade são o exemplo do que era vivido na Inglaterra do século XVIII. Mostra

também a dualidade dos sentimentos expostos na obra, sendo a razão e a emoção

os principais pontos explorados.

Jane Austen é muito conhecida pelas suas críticas a posturas que não considerava convenientes, tal que, grande parte de sua obra é composta de paródias. Austen viu a necessidade de escrever seus romances com o maior grau de verossimilhança com a realidade, tal postura é transposta para a escrita da história pela romancista. Resta saber o que tornaria um relato histórico verossímil na concepção de Austen. (VARELLA, 2006, p.16)

Então é importante vermos a posição social da mulher dentro da obra, como

ela era vista e tratada na sociedade, como sua relação com o sexo oposto

funcionava de forma desigual, pois ela era regida por construções sociais que

estavam em vigor naquela sociedade durante muito tempo. As personagens da obra

são o verdadeiro retrato do que era vivido no século XVIII, pois Austen escrevia da

forma mais realista possível, seus romances, tratavam do que era vivido na

realidade social de Austen.

Vemos que não existiam certos tipos de intimidades entre os personagens

femininos e masculinos, até mesmo entre aqueles que constituíam um casal, as

relações eram bem resguardadas para cumprir com as regras puritanas da época.

Demonstrações públicas de afeto mútuo não eram bem toleradas, por isso dentro de

65

todo livro Austen não liga intimamente nenhum personagem, nem mesmo Marianne

comete a imprudência de um toque mais íntimo com Willoughby.

A passagem mais íntima entre esses personagens que são o mais próximo

que chegaremos de alguém quebrando a regras sociais está no passeio a sós entre

eles, e no cacho de cabelo de Marianne que é retirado por Willoughby, esse gesto

na época era um sinal de que o casal tinha um compromisso amoroso.

“Ó, Elinor”, exclamou,“ “tenho um grande segredo sobre Marianne para lhe contar. “Tenho certeza que em breve ela se casará com Mr.Willoughby.” “Tem dito isto”, respondeu Elinor, “quase todos os dias, desde a primeira vez que se encontraram em Highchurch Down; e creio que não havia passado sequer uma semana, quando já estava certa de que Marianne havia colocado um retrato dele no pescoço; mas afinal era apenas a miniatura de nosso tio-avô. “ Mas agora a coisa é totalmente diferente. Estou certa de que se casarão muito em breve, pois ele tem um cacho do cabelo dela.” “ Tenha cuidado Margaret. Pode ser apenas o cabelo do tio-avô dele.” “Mas, tenho certeza, Elinor, que é de Marianne. Estou quase certa de que é, pois eu o vi enquanto cortava. Noite passada após o chá, quando você e mamãe saíram da sala, sussurravam e falavam ao mesmo tempo, e parecia que ele lhe pedia algo, e então pegou a tesoura e cortou um grande cacho do cabelo dela que lhe caia pelas costas; e ele o beijou e o enrolou em um pedaço de papel branco; e o guardou dentro de sua carteira.” (AUSTEN, 2015, p.83)

Podemos então apreender que toda narrativa de Jane durante Razão e

Sensibilidade imprime a real localização social da mulher no contexto Inglês do

século XVIII, além de exemplificar como os relacionamentos funcionavam e as

regras que deviam ser seguidas e respeitadas pelos homens e mulheres, além de

mostrar como essas regras serviam para perpetuar a submissão feminina.

Como foi citado na explanação feita sobre a obra, pouco se desenvolve dentro

dessa obra de Austen que desenvolva as relações de trabalho vividas pelos

personagens, e que expressem os costumes que eram vivenciados na Inglaterra do

século XVIII. Sabemos que, nessa época, o comércio começava a se desenvolver e

que a revolução industrial dali a algum tempo tomaria conta da Inglaterra, fazendo

se desenvolver um novo sistema que traria grandes mudanças não só para

Inglaterra, mas como em toda Europa, mas o trabalho dentro de Razão e

Sensibilidade é pouco explorado.

66

As questões que fazem com que isto aconteça podem estar ligadas ao fato de

Jane ter vivido em um contexto mais rural da Inglaterra e que ela pouco se

aventurou para lugares mais urbanizados, e que desenvolviam um grande sistema

comercial, mas é imprescindível compreendermos como se dava o trabalho dentro

dessa sociedade, e por quem ele era realizado, principalmente em que tipo de

trabalho a mulher da época estava inserida.

Sabemos que existiam empregos domésticos dentro do livro, mesmo as

Dashwood com o pouco dinheiro que tinha, levaram consigo de Norland dois

criados, um homem e duas mulheres, mas esse fato não é explorado nem

aprofundado pela autora. Ela nem ao menos nos deixa saber como é a vida desses

empregados, isso nos mostra a limitação que a classe social da autora, os Gentry,

impunham aos que faziam parte dela

A sabedoria de sua filha também limitou o número de seus empregados a três: duas empregadas e um homem, que foram rapidamente escolhidos dentre aqueles que estavam à disposição delas em Norland. O homem e uma das empregadas foram enviados imediatamente a Devonshire, para preparar a casa para a chegada da patroa. (AUSTEN, 2015, p.37)

Mesmo ao falar da escolha dos empregados que foram enviados a nova

residência das Dashwood em Devonshire, ela não nos deixa muito claro, como se

desenvolve essa relação. Nem para que tipo de atividade cada empregado é

destinado, por isso as questões que permeiam as discussões de gênero, ligadas ao

trabalho, dentro da obra da autora são difundidas muito sutilmente.

E quanto ao resto dos personagens masculinos, o que parece ter tido alguma

profissão é o coronel Brandon que serviu ao exército, mas que agora vive da

herança deixada para ele. Edward mesmo não tinha nenhuma profissão, seus

rendimentos futuros viriam da fortuna que seria deixada por sua mãe, assim como

todos os outros cavalheiros presentes no livro de Austen, a herança era sua única

forma de renda. Assim como os rendimentos vindos das terras que se fazia uma

fonte de riqueza da época.

Esse cenário é encontrado na obra, pelo fato de Austen ter convivido em uma

classe onde se encontravam famílias que não exerciam nenhum tipo de atividade

laboral, nem os nem as mulheres trabalhavam. Segundo Reef: Os Austen reuniam-

67

se com famílias de clérigos, advogados, médicos e proprietários de terras que não

precisavam trabalhar, essa classe era chamada de Gentlemen.

Já quando tratamos das mulheres e homens mais pobres, sabemos que estes

exerciam algum tipo de atividade remunerada, para garantir sua subsistência, mas

em se tratando da classe social das Dashwood e das classes mais abastadas elas

não exerciam nenhum tipo de atividade remunerada, todo o seu sustento teria que

vir daquilo que seria deixado a elas pelos seus pais ou por aqueles que ficassem a

cargo do seu sustento, sendo estes irmãos, parentes mais próximos ou mesmo o

seu marido no caso delas se casarem.

Esse “sustento” dado às mulheres que estavam inseridas nas classes mais

abastadas era apenas o suficiente para que estas conseguissem manter algum dote

para impulsionar um bom casamento, pois a verdadeira herança familiar em grande

parte dos casos era deixada para o homem da família, sendo ele descendente direto

como um filho, ou mesmo um sobrinho ou primo distante, caso o homem não tivesse

filhos homens como herdeiro, mas em todo caso, a mulher se via com uma parte

ínfima da herança dos seus pais, por isso o casamento tornava-se tão importante

para todas elas, desde as mais pobres até as mais ricas.

Por fim pouco se desenvolve na obra sobre as relações de trabalho existentes

no meio em que as Dashwood estão inseridas, a maioria das pessoas ali, são ricas

por causa da herança que herdaram ou ficariam ricas com a possível herança que

herdariam. As únicas relações reais de trabalho existente nesse cenário se dá pelos

empregados das residências, com isso podemos mensurar que na época os que

realmente trabalhavam eram as classes mais pauperizadas aqueles que não tinham

de onde tirar outro sustento que não fosse do seu esforço.

E que os mais ricos não precisavam ter uma profissão, e mesmo os que

tinham não as exerciam visto que suas heranças e rendimentos delas eram

suficientes para que estes mantivessem seu padrão confortável de vida. Apesar de

existirem mulheres inseridas em espaços laborais na época, todas elas estavam

trabalhando dentro de espaços domésticos, sendo elas empregadas, babás, elas

estavam inseridas em trabalhos tidos como maternais, direcionados em sua grande

maioria para as mulheres.

68

4.2- A PROBLEMÁTICA DO CASAMENTO; UMA EXPLANAÇÃO DE COMO

AUSTEN USAVA O MATRIMÔNIO PARA RETRATAR OS PROBLEMAS DAS

MULHERES DE SUA ÉPOCA.

A problemática matrimonial do século XVIII está ligada em sua grande maioria

ao papel que a mulher desempenhava no casamento, e tudo que ela tinha que ser e

fazer para conseguir um bom matrimônio e que ao conseguir isso, fosse vista na

sociedade como uma boa esposa e mãe e uma boa dona de casa. Na obra de

Austen o casamento é algo que se faz presente em todas as suas obras, todas as

suas personagens, têm um ponto em comum, o anseio pelo casamento.

Nesse sentido, Jane Austen demonstra em sua obra as influências e as transformações que a sociedade inglesa teve no papel da mulher, principalmente no que diz respeito à concepção de amor e casamento. O contexto histórico e social é de fundamental importância, uma vez que apresenta as limitações impostas pela sociedade do que a mulher poderia ou não fazer, e consequentemente podendo interferir em suas decisões. (DO NASCIMENTO, 2012, p.03)

Em Razão e Sensibilidade as personagens centrais, as irmãs Dashwood, estão

ambas em idade para casar e ambas anseiam esse vínculo, claro que ele é

idealizado de forma diferente pelas irmãs, enquanto Elinor por ser mais racional

sabe da necessidade do casamento para alguém em sua posição social frágil,

Marianne em sua forma sonhadora de ver a vida anseia por um homem que foi

concebido em sua mente, ela tem uma idealização do estereótipo masculino, que

fará com que ela se case. Essas diferenças de pensamento e ações vão se

desenrolando e se modificando com o decorrer dos capítulos, fazendo com que as

irmãs passem por algumas mudanças no seu modo de pensar e agir. Sendo as

mudanças mais vividas sofridas por Marianne Dashwood.

Sabemos que as questões que permeavam os casamentos no século XVIII e

nos séculos anterior a ele, foram sendo moldadas em conjunto com as mudanças

sociais vividas pelos povos. Antes até mesmo uma união monogâmica era algo

pouco conhecido e praticado, pois não havia a necessidade de tal tipo de relação.

Também sabemos que a conquista da propriedade privada trouxe a necessidade da

69

monogamia e em conjunto com ela o desenvolvimento do que no século XVIII se

constitui como casamento.

Todas essas questões trouxeram grandes mudanças sociais. De maneira geral,

os povos se organizaram, e assim a sociedade foi se moldando e crescendo, mas

com essas mudanças alguns grupos foram sendo gradativamente oprimidos por

outros e a mulher, foi um dos segmentos que mais sofreu com as mudanças sociais.

Desde o nascimento da família monogâmica, todas as modificações tornaram ela

submissa e em uma posição servil frente ao homem, o que estagnou a mulher por

muitos séculos em uma posição subserviente, posição a qual ela pouco viu mudar

durante muito tempo.

Um desses papéis que foram sendo designados à mulher nessa sociedade foi

o papel de esposa, e com ele vieram também diversos adendos, pois como boa

esposa, você deveria cuidar da casa do marido e dos filhos, educando-os da

maneira que era exigido e além de tudo isso mostrar-se de maneira elegante, ser

prendada para que nas ocasiões sociais você pudesse entreter os convidados que

frequentassem a sua casa. E todos esses papéis foram legados a figura feminina, ao

homem restava apenas o papel de provedor.

A questão central que a autora tenta imprimir em Razão e Sensibilidade vai

além da questão do matrimônio, ela tenta mostrar as diferentes formas de se

desenvolver uma relação, mostrando também a mulher como protagonista nesse

relacionamento. E dando voz a mulher através de suas personagens. Em se

tratando do relacionamento entre Edward Ferrars e Elinor Dashwood, podemos ver

que ele começa como uma simples amizade e continua assim até certo ponto da

história, isso por causa das regras sociais que vigoravam na época, e também pela

situação delicada que Edward vivia em se tratando de seus rendimentos.

Por mais que se suponha que possa sair daquela amizade um casamento,

coisa que a própria Elinor levanta como algo pouco provável, por causa da

dependência financeira que Edward tem com sua mãe e por causa da diferença

social existente entre eles. A amizade dos dois é vista como um risco pela irmã de

Edward e cunhada de Elinor, Fanny, ela mostra de forma explícita que não tem

nenhum gosto por aquela relação, pois ela julga que Elinor não é digna de seu irmão

que irá herdar grandes posses e que tem um futuro brilhante programado para ele,

70

assim alguém como Elinor, que era tão pouco rentável de todas as formas, é vista

como nada além de uma oportunista. Coisa que Fanny deixa bem a Mrs. Dashwood

na primeira oportunidade.

Após isso, acontece a mudança das Dashwood de Norland para Barton, o que

acaba distanciando Elinor e Edward e criando expectativas no resto da família

Dashwood, sobre a continuação e avanço daquela amizade, a mãe de Elinor

esperava que Edward viesse visitá-las como prova de seu interesse, pois essa era a

forma de demonstrar que eles tinham firmado algum tipo de vínculo entre eles, já

que Elinor não manteve comunicação com ele por cartas, a mãe esperava que a

visita confirmasse suas suspeitas quanto aos dois.

Mas Edward só visita as Dashwood muito tempo depois de sua mudança, e

seu comportamento para com Elinor, durante essa visita acaba levantando muitas

questões sobre o interesse dele por ela.

Elinor atribuiu esse modo estranho de agir à influência da mãe dele; e estava feliz por ele ter uma mãe cujo caráter era tão completamente conhecido para ela, já que, desta forma, poderia atribuir-lhe a responsabilidade por qualquer comportamento estranho do filho. Embora desapontada e aborrecida, e, por vezes descontente com o comportamento incerto para com ela, estava muito bem disposta quanto a tudo para considerar suas ações com todas as sinceras concessões e generosas qualificações que tinham sido um pouco mais dolorosamente arrancadas dela por sua mãe, em relação à Willoughby. A falta de ânimo, de franqueza e de coerência por parte dele eram geralmente atribuídos à sua falta de independência e ao seu conhecimento quanto à disposição e projetos de Mr Ferrars. A brevidade de sua visita e o firme propósito de deixá-las tinham origem na mesma inclinação reprimida e na mesma necessidade inevitável de contemporizar com a mãe. A antiga e tão conhecida disputa entre dever e desejo, entre pais e filhos, era a causa de tudo. Ela gostaria de saber quando essas dificuldades acabariam, quando essa oposição terminaria, quando Mrs. Ferrars mudaria de opinião e seu filho teria liberdade de ser feliz. Mas, desses vãos desejos, era obrigada a voltar para o conforto da renovação de sua confiança no afeto de Edward, para a recordação de todos os sinais de interesse nos olhares ou palavras que lhe escaparam enquanto estava em Barton. (AUSTEN, 2015, p.141)

Uma reviravolta acontece para levantar ainda mais as suspeitas de Elinor

quando ela descobre que Edward tinha firmado um compromisso a um longo tempo

atrás com uma moça, e que só não tinha se casado, porque assim como Elinor a

moça não tinha posses e era ainda mais humilde do que ela, e por isso seu

compromisso com ele era escondido, até que ele conseguisse uma forma de

sustento para honrar a promessa de casamento que tinha feito. Por isso Elinor se dá

71

conta de que seu relacionamento não vingará, mas mesmo sabendo disso ela

guarda segredo sobre toda essa trama que se desenrolou frente ao seu possível

relacionamento.

Ao mesmo tempo em que Elinor está descobrindo esses segredos que o seu

pretendente escondia, ela assiste o desenvolvimento da relação entre Willoughby e

Marianne, relação essa permeada por um contato muito íntimo que ia contra os

padrões da época. Era bem claro para todos que viviam ao redor do casal o seu

interesse mútuo, porém assim como Edward, Mr Willoughby também dependia de

uma herança para seu sustento, o pouco que tinha somente uma casa que lhe

rendia pouco dinheiro ao ano, não seria suficiente para que ele pudesse casar com

Marianne, e como ela também não tinha nada que pudesse garantir algum sustento

para eles, os dois sabiam que, se caso ocorresse o casamento, ele só viria conforme

a herança chegasse.

Podia facilmente entender que o casamento não pudesse se realizar de imediato; pois, embora Willoughby fosse independente, não havia razão para acreditar que fosse rico. A propriedade deveria render cerca de 600 ou 700 por ano, de acordo com Sir John; mas tinha gastos que dificilmente seriam compatíveis com seu rendimento, e ele costumava reclamar de sua pobreza. (AUSTEN, 2015, p.101)

Como vemos o relacionamento amoroso do qual Marianne fazia parte, assim

como o de sua irmã, sofria com a falta de renda tanto da parte delas quanto dos

seus pretendentes, a falta do dote que teriam as garotas caso seu pai ao morrer,

tivesse deixado para elas algo além do necessário para sua sobrevivência, se tornou

um grande empecilho para consolidação de uma ligação amorosa sem os entraves

econômicos, como também a pouca ou nenhuma independência financeira de seus

pretendentes fecha esse cenário aterrador para as irmãs.

Em uma época em que o casamento era tratado como uma transação

econômica era necessário às famílias que tivessem meninas em idade para o

casamento, que cada uma delas tivesse algo a oferecer a seu noivo, seja uma

propriedade, um título de nobreza e é claro se possível uma quantia em dinheiro. As

mulheres que não tinham como oferecer um dote a seus pretendentes em sua

grande maioria não faziam um casamento vantajoso ou mesmo não conseguiam se

casar.

72

A autora explora em grande parte de suas obras as questões econômicas que

estavam vinculadas ao casamento, e nos mostra a crítica por trás dessas relações e

da forma como elas se formam, mostrando também a desvantagem da mulher na

sociedade, que obrigava os indivíduos a casarem, mas que aliado a isso tornava

esse ato como um simples negócio, que consequentemente teria que trazer

vantagem ao homem, pois se não houvesse, não haveria um casamento entre as

partes.

Jane Austen apresenta em um enredo aparentemente voltado ao amor, o conflito das mulheres do final do século XVIII e início do século XIX o qual subverte a ordem burguesa em relação ao posicionamento ideal esperado de uma mulher, nas relações afetivas e consequentemente em sua postura em relação ao ato de se casar. É importante destacar que a autora enfatiza as características econômicas da época como fundamentais para as relações de convívio dessa sociedade, aborda assuntos como diferenças de ranking social, dote, casamento arranjado e relações de interesses em uma ascensão social. (DO NASCIMENTO, 2012, p.05)

Ao romper o laço existente entre Marianne e Willoughby, Austen traz a tona de

maneira mais explícita à questão financeira no relacionamento do casal. Ele por não

poder contrariar a tia de quem herdaria a herança que resolveria sua situação

financeira, se vê obrigado a deixar a garota por ordens dessa tia, que mesmo

ficando implícito no livro, se vê que ela tem esse comportamento por causa da

condição financeira de Marianne. Por isso ele vai embora para Londres sem ao

menos explicar a que se deve sua partida repentina e deixando Marianne sem uma

confirmação do compromisso dos dois.

“Confesso”, respondeu Elinor, “ que todas as circunstâncias, exceto UMA, estão a favor do compromisso entre eles; mas essa ÙNICA circunstância é o total silêncio de ambos sobre o assunto, e para mim quase anula todas as outras.” “Que estranho! Certamente deve pensar muito mal de Willoughby, se depois de tudo o que se passou abertamente entre eles, você ainda consegue duvidar da natureza dos laços que os unem. Todo esse tempo ele esteve enganando sua irmã com o comportamento dele? Supõe que ele seja indiferente a ela?” “ Não, não posso pensar isso. Ele deve amá-la e a ama, tenho certeza.” “ Mas com um tipo de ternura bem estranha, se consegue deixá-la com tal indiferença, com tamanha despreocupação quanto ao futuro, como você lhe atribuiu.” “ Deve se lembrar, minha querida mãe, que nunca considerei essa questão como certa. Tenho minhas dúvidas, confesso; mas elas são menos fortes do que eram e logo podem desaparecer inteiramente. Se descobrirmos que eles estão trocando correspondências, todo o meu temor acabará.” (AUSTEN, 2015, p.111)

73

As irmãs são convidadas a ir a Londres em companhia de Mrs. Jennings, e

logo Marianne mesmo não gostando de Mrs. Jennings aceita sua proposta com o

intuito de encontrar Willoughby que não manteve contato com ela, desde sua partida

para Londres. Com isso Elinor e Marianne partem ao lado da senhora para Londres

e lá a irmã de Elinor começa uma corrida para encontrar seu pretendente.

Ela tenta através de diversas cartas manter contato com ele, mas acaba não

conseguindo resultado algum, e após alguns acontecimentos ela descobre que ele

está comprometido com outra mulher, que ao contrário dela tem uma pequena

fortuna em dote. Willoughby confirma a descoberta de Marianne ao lhe enviar de

volta toda correspondência enviada para ele por ela, além da devolução do cacho de

cabelo dela que ele mantinha com ele.

“Cinquenta mil libras, minha cara”. Nunca a viu? Dizem que uma moça inteligente e elegante, mas não muito formosa. Lembro muito bem de sua tia, Biddy Henshawe; casou-se com um homem muito rico. Mas todos da família são muito ricos. Cinquenta mil libras! E pelo que contam, chegará bem a tempo, pois dizem que ele está quebrado. Não é de admirar! Passeando por aí com sua carruagem e cães! Bem, sem querer fazer fofoca; mas quando um rapaz, seja ele quem for se apaixona por uma linda jovem e lhe promete casamento, não tem o direito de não cumprir com a sua palavra só porque ficou pobre e há uma outra moça rica à sua espera. (AUSTEN, 2015, p.259)

Willoughby troca Marianne por um compromisso com uma moça muito mais

interessante financeiramente, já que a herança de sua tia, só seria deixada para ele

se ele fizesse um bom casamento e ainda estava sujeita a espera do falecimento de

sua parenta, e sua condição financeira não lhe permitia esperar pela herança nem

muito menos arriscar perdê-la firmando um compromisso com alguém em uma

situação financeira inferior a dele.

Então as duas irmãs se veem presas aos mesmos problemas, seus

relacionamentos ameaçados ou mesmo acabados por causa de sua situação

financeira delicada. Apesar de terem uma boa educação e todas as habilidades

exigidas a uma moça para se realizar um bom casamento, o fato de não terem um

dote arruinava todo o resto. E para Elinor o compromisso que Edward havia firmado

tornou-se mais um entrava frente as já pequenas chances de casar-se com ele,

74

além disso, ela descobre por seu meio irmão John Dashwood, cunhado de Edward

que sua sogra Mrs. Ferrars pretende que seu filho se case muito em breve, com uma

moça com um considerável dote de trinta mil libras.

Isso foi suficiente para que ela soubesse que não só ela estava com mínimas

chances de casar com Edward mais que sua prometida também, poderia contar com

o descarte do compromisso firmado, pois a família dele jamais permitiria que ele

firmasse compromisso com alguém tão pobre, mesmo que tivesse dado sua palavra,

tendo um vantajoso casamento preparado para ele.

Nesse ponto importante da história, a autora levanta mais uma vez a discussão

sobre classes sociais, dotes, e sobre a mulher. Ela expõe claramente como a

sociedade Inglesa do século XVIII, funcionava e como suas relações estavam

majoritariamente pautadas em regras sociais, acordos financeiros, e submissão

feminina, tanto Elinor quanto Lucy a outra pretendente de Edward, eram julgadas

apenas por sua condição social, mesmo que fossem educadas e prendadas, elas

nunca poderiam ser como a moça das trinta mil libras, pois o caráter naquela

sociedade era medido conforme sua situação financeira.

E, além disso, vemos a questão da falta de protagonismo feminino nessa

sociedade, as mulheres serviam apenas se tivessem determinadas características e

a principal delas era o dinheiro, Miss Morton (a moça das trinta mil libras) não é vista

pela família de Edward por seus modos ou mesmo pela sua educação, o que atrai a

atenção e faz de Miss Morton a melhor pretendente é nada mais que sua grande

renda.

Nesse ponto da história o compromisso de Edward e Miss Lucy Steele é

descoberto por sua irmã, e ele é obrigado a comunicar a mãe de seu compromisso,

que tenta dissuadi-lo sobre tal desvantagem que ele teria casando-se com alguém

tão pouco influente e poderoso, porém ele reafirma sua pretensão fazendo com que

sua mãe retirasse todas as vantagens financeiras dadas a ele por ela.

“O quanto a pobre Mrs. Ferrars sofreu, quando Fanny contou-lhe a notícia, está além de qualquer descrição. Enquanto ela, com o mais verdadeiro afeto, planejava uma união mais conveniente para o seu filho, como poderia supor que ele estivesse secretamente comprometido com outra pessoa! Tal suspeita jamais teria lhe ocorrido! Se ela suspeitasse de qualquer outra ligação da parte dele, não imaginaria que seria dali. ‘Ali, estou certa’, disse ela, ‘posso estar bastante segura’. Ela estava completamente agoniada. Conversamos entre nós, sobre o que deveria ser feito, e finalmente ela

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decidiu chamar Edward. Ele veio. Mas sinto muito ter que relatar o que ocorreu. Tudo o que Mrs. Ferrars pôde dizer para fazê-lo romper o compromisso, acompanhado pelos meus argumentos, como vocês devem imaginar, e pelas súplicas de Fanny, foi em vão. O dever, o afeto, tudo foi desconsiderado. “ Sua mãe lhe explicou os seus generosos projetos, caso se casasse com Miss Morton; disse que lhe daria a propriedade de Norfolk, a qual, descontados os impostos, daria uma boa renda de mil libras por ano; ofereceu até, caso as coisas ficassem desesperadoras, que lhe daria 1.200 libras; e em oposição a isto, se ele ainda persistisse nessa união pouco vantajosa, mostrar-lhe-ia a penúria que tal união enfrentaria. “Insistiu que ele teria apenas as duas mil libras a que tinha direito e que não queria vê-lo nunca mais.” (AUSTEN, 2015, p.349-351)

Edward rompe com a mãe em favor do compromisso firmado com Lucy, e

acaba ficando em uma situação financeira, até mais delicada do que antes, que

comprometeria em muitos anos a realização do casamento com Lucy. Ela

surpreendentemente acaba se envolvendo com o irmão mais novo de Edward,

Robert e casando-se com ele, já que se tornou mais vantajoso o casamento com o

irmão mais novo, visto que ao deserdar Edward, sua mãe acabou deixando a fortuna

que era de direito dele para seu irmão mais novo, dando a ele a oportunidade de

tornar-se independente e não necessitar da ajuda da mãe financeiramente.

Após essa sucessão de eventos que culminam no coronel Brandon dando a

Edward um benefício de uma igreja, que lhe garantiria uma renda razoável e fez com

que ele e Elinor viessem a casar, Marianne acaba encantando-se pelo coronel, e

pelas suas gentis formas para com ela, nos momentos difíceis que ela havia

passado e casa-se com ele, e é nesses dois casamentos que Austen encerra seu

livro e fecha sua crítica, tanto sobre a sociedade, como sobre o modo de algumas

pessoas enxergarem as outras.

Ao casar o coronel com Marianne, que no começo da história não considerava

o Brandon compatível com suas fantasias, tanto pela sua diferença de idade quanto

por sua aparência física e personalidade não se assemelharem ao homem ideal que

ela havia criado para si, como também acaba descobrindo ter se enganado sobre a

possibilidade de vivenciar o amor mais de uma vez na vida, coisa que ela pregava

como algo impossível.

Austen usa a troca de Willoughby de Marianne pela moça com dote, para

mostrar que os casamentos da época eram não só garantias financeiras para as

mulheres, como também pelos homens, um homem sem uma boa renda poderia

76

conseguir uma mulher com um dote considerável e assim torna-se bem sucedido

financeiramente, claro que isto estava sujeito a questão das classes, mais era muito

mais fácil para um cavalheiro com poucas posses conseguir uma dama com um dote

para garantir seu futuro, visto que era um costume comum a família das mulheres

oferecerem um benefício ao homem que se dispusesse a casar com suas filhas, já

que a mulher era pouco valorizada dentro do ambiente familiar e se constituía mais

como um peso para suas famílias.

Nesse mesmo pensamento, apontamos a presença da obra de Jane Austen, Ressaltando a posição em que a mulher ocupava e, o casamento como único objetivo e único destino da mulher, como uma negociação, realizado quase que estritamente por conveniência, fosse por questões sociais ou econômicas, também fazia parte da realidade de ambas, pois a autora critica, de uma forma um tanto humorada, a sociedade e os padrões sociais e econômicos da mulher e sua relação com a sociedade da época. Vale salientar que no período em que Austen viveu não existia nenhum movimento a favor da igualdade de gêneros e mesmo assim a mesma se sentiu motivada a abordar a respeito de tais assuntos em seus romances. (SANTOS, 2014, p.24)

A bem da verdade o livro satiriza de várias formas diversos paradigmas sociais.

Entre eles estão é claro a questão do casamento entre pessoas de classes

diferentes, a questão do dote, a comercialização das relações, como também a

submissão da mulher ao homem, além disso, a autora expõe algumas

características dos personagens, como Willoughby, Fanny, Mr Ferrars, John

Dashwood, além da própria Marianne como crítica ao comportamento desses

personagens, uns, pelo seu comportamento amoral, frente a diversas situações e

outros pelos excessos que cometiam mesmo não sendo algo que a sociedade

considera como ideal, e outros pela forma alienada com viam as relações, sempre

prezando mais as questões financeiras em detrimento de todos outros fatores que

pudessem ser mais importantes.

Austen nos seus romances toma dois passos importantes em direção à visão feminista moderna sobre o casamento. Primeiro ela questiona a necessidade do romance clichê e depois aponta várias vezes que o casamento é um contrato social e material (SANTOS, 2014, p.27)

77

As questões de gênero que foram apresentadas dentro da obra razão e

sensibilidade nos remetem ao quadro geral da mulher naquele contexto social, onde

a fragilidade social feminina era usada para submeter às mulheres as regras

patriarcalistas, e Austen nos explana toda essa vivência feminina, de forma satírica,

porém não moralizante.

Se enquanto sátira a obra de Jane Austen não se propõe a moralizar, no aspecto de contestação e protesto vai além do que uma análise superficial de seu texto revela. Austen tinha consciência de sua arte como meio de protesto e forma de desabafo, apesar das barreiras e limitações impostas pelo gênero, camuflado na autoria anônima de ''by a lady''. Restringida pelos princípios da moralidade e educação, Jane Austen se protege de possíveis censuras, utilizando-se da criação satírica de marionetes para expor o que não podia ser exposto. (KINOSHITA, 2016, p.56)

Por isso podemos ver que a questão de gênero dentro de Razão e

Sensibilidade se expressa de forma sutil, mas inteligente, onde a autora usa a trama

vivida por seus principais personagens, para levantar questões pertinentes ao papel

feminino e como a sociedade o interpreta, o julga e o submete frente aos suas

tradições.

Podemos perceber ainda que todas as dificuldades que as parcelas femininas

da obra passam, principalmente as Dashwood são vistas muitas vezes de forma

banal, por serem questões ligadas ao gênero feminino, e não rebatiam de maneira

direta nos pilares centrais que a sociedade havia erguido para os homens.

Por fim podemos compreender que a história da mulher tanto a que está

impressa na literatura de Austen quanto a que era vivenciada na época da autora

eram um espelho da outra, e que mesmo em um livro, as mulheres desde a

invenção da família monogâmica tem vivido sob as imposições sociais impostas a

elas na sociedade.

A conduta comportamental feminina no século XVIII era algo levado a sério, e

que devia ser seguido e respeitado, para que assim a mulher cumprisse o papel

para o qual foi criada, para o casamento e vida doméstica, tudo isso sem questionar

a legitimidade daquelas tradições. Essa conduta era levada tão a sério pelas

mulheres da época devido ao fato de não se ter muitas opções além do casamento

em uma classe social como a das meninas Dashwood.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O romance Razão e Sensibilidade, assim como toda obra escrita pela autora,

podem ser estudadas e discutidas nos mais diversos tipos de abordagens, nosso

foco foi tratar principalmente a ligação que a autora faz entre o casamento como

crítica a sua sociedade, bem como a submissão feminina imposta pela sociedade

patriarcal de sua época.

Na análise feita através da obra de Austen bem como na de outros autores que

discutiram o nosso objeto ou mesmo deram as bases originárias dessas discussões

podemos encontrar, os diversos processos de desenvolvimento social que

culminaram, no papel submisso com o qual a mulher se inseriu na sociedade

inglesa.

Ao analisar a obra de Austen, podemos ver como essa submissão feminina

ainda era presente no Século XVIII, como também os pequenos avanços dados pela

mulher naquela sociedade, que usava diversas regras para limitar a importância

feminina em todos os âmbitos sociais, até mesmo naqueles ao qual ela havia sido

criada e treinada para ocupar: o âmbito familiar e doméstico.

A questão de gênero na obra de Austen é algo muito presente, ela é tratada de

forma que, esteja o seu leitor nos séculos XXI ou XVIII, ele compreenderá que a

mulher não é só um ser doméstico e preocupado com o casamento; pois,

inversamente a essa visão Austen mostrava a racionalidade e inteligência em um

ser que era visto como irracional, explanando que a verdadeira mulher não era

aquilo que era pregado pela sociedade.

Jane Austen através de sua escrita irônica e perspicaz, desvela toda essa

sociedade onde ela viveu, fazendo uma análise do cotidiano através de seus

personagens, para demonstrar as falhas morais e sociais com a qual ela tinha que

conviver e aceitar na sua realidade pessoal. Podemos ver que sua escrita não é

nada mais do que uma análise irônica de sua realidade pessoal, tanto que em

algumas passagens de suas obras encontram-se histórias muito semelhante com a

que ela mesma viveu.

79

A autora faz tudo isso em uma época que o debate feminista ainda não tinha

caminhado na sociedade, uma sociedade onde não se falava em direito da mulher,

na verdade a mulher Inglesa do século XVIII, não tinha direito, apenas deveres e o

maior deles era a submissão, tanto as convenções sociais, quanto a figura

masculina, quanto mais pauperizada e mais frágil socialmente, mais submissa era a

mulher dessa época.

Os livros de Austen nos proporcionam interpretações que podem oscilar entre liberalismo e/ou conservadorismo. Austen oferece um panorama para que seus leitores examinem e possam questionar as instituições (família, religião, trabalho) e não destruí-las. Ela encontrou um ponto de equilíbrio entre liberalismo e conservadorismo, pois confirma a importância da família tradicional em mundo em mudança, entretanto, em sua visão, a família sempre incorpora algo novo (suas personagens sofrem mudanças importantes ao longo da narrativa). Além disso, a escritora demonstra sua opinião clara de que as mulheres devem ser levadas a sério, não somente por serem bonitas e elegantes. (ZARDINI, 2013, p.10)

Por fim podemos compreender que na Inglaterra do século XVIII, a mulher

ocupava na sociedade um papel que fora impresso em sua categoria, em um

contexto muito distante, e que esse papel se perpetuou e foi sendo cobrado a ela de

diferentes formas no decorrer dos avanços civilizatórios, e mesmo com grandes

avanços a submissão feminina a sociedade patriarcal foi sempre sendo imposta, e a

quebra desses paradigmas que nós mulheres vivenciamos há tanto tempo, não é

algo recente, ele vem sendo estudado e desmistificado, ao longo de séculos por

diversas mulheres que de alguma forma usaram de ferramentas como a escrita para

expressar suas inquietações frente ao papel social que era esperado da mulher.

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