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FRANCISCARLA CASIMIRO DE OLIVEIRA ESCOLA DE 1º GRAU SANTO ESTÊVÃO DIÁCONO: UM ESTUDO HISTÓRICO (1974-2005). CAICÓ 2015 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE UFRN CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ CERES DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES DHC CURSO DE HISTÓRIA BACHARELADO

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FRANCISCARLA CASIMIRO DE OLIVEIRA

ESCOLA DE 1º GRAU SANTO ESTÊVÃO DIÁCONO: UM ESTUDO HISTÓRICO

(1974-2005).

CAICÓ

2015

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ – CERES

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES – DHC

CURSO DE HISTÓRIA – BACHARELADO

1

FRANCISCARLA CASIMIRO DE OLIVEIRA

ESCOLA DE 1º GRAU SANTO ESTÊVÃO DIÁCONO: UM ESTUDO HISTÓRICO

(1974-2005).

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Curso de História, do Centro de Ensino

Superior do Seridó da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, como requisito final

para a obtenção do título de Bacharel em

História, sob a orientação da professora Dr. (a)

Juciene Batista Félix Andrade.

CAICÓ

2015

2

Catalogação da Publicação na Fonte Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas – SISBI

Oliveira, Franciscarla Casimiro de.

Escola de 1º grau Santo Estêvão Diácono: um estudo histórico

1974-2005 / Franciscarla Casimiro de Oliveira. - Caicó: UFRN,

2015.

85f: il.

Orientadora: Dra. Juciene Batista Félix Andrade.

Monografia ( Bacharel em História) Universidade Federal do

Rio Grande do Norte. Centro de Ensino Superior do Seridó -

Campus Caicó.

1. História. 2. Escola. 3. Santo Estevão Diácono. 4.

Caicó/RN. I. Andrade, Juciene Batista Félix. II. Título.

3

FRANCISCARLA CASIMIRO DE OLIVEIRA

ESCOLA DE 1º GRAU SANTO ESTÊVÃO DIÁCONO: UM ESTUDO HISTÓRICO

(1974-2005).

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito final para a obtenção do grau

de Bacharel do Curso de História do Centro de Ensino Superior do Seridó, da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, pela seguinte banca:

____________________________________________________

Profa. Dr. (a) Juciene Batista Félix Andrade (Orientadora)

Departamento de História do CERES – UFRN

____________________________________________________

Prof. Dr. Almir de Carvalho Bueno (Examinador)

Departamento de História do CERES – UFRN

____________________________________________________

Prof. Ms. João Quintino de Medeiros Filho (Examinador)

Departamento de História do CERES – UFRN

CAICÓ

2015

4

Dedico este trabalho à minha querida escola

Santo Estevão Diácono, lugar onde passei os

melhores anos de minha infância e que volta e

meia reaparece nos meus sonhos.

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AGRADECIMENTOS

A gratidão é qualidade de quem é grato, é o reconhecimento de uma pessoa por

alguém que lhe prestou um benefício, um auxilio, ou um favor. Ao ingressar no meio

acadêmico, em 2011, conheci várias pessoas a quem eu viria a ser grata nos anos que se

seguiram, tanto na vida pessoal quanto na vida acadêmica.

Gostaria primeiro de agradecer à minha mãe, Vera Lúcia de Oliveira, que no inicio,

devido às suas limitações psíquicas, não queria que eu cursasse uma universidade e hoje

tem orgulho de contar para as pessoas que tem uma filha se formando. E gostaria de fazer

um agradecimento especial à Danúbia Freire de Medeiros, que por muitos anos cuidou de

mim como uma segunda mãe, sempre me incentivou a crescer na vida e sonhou em me ver

formada, fazendo o discurso de oradora da turma; isso não aconteceu Danúbia, você sabe

que sou muito tímida, mas fica gravado aqui o meu muito obrigada por tudo.

Agradeço também a uma pessoa muito especial em minha vida, que sempre faz de

tudo para me alegrar, tem orgulho de mim e consegue aguentar o meu mau-humor. Cláudio

Nascimento, obrigada por me proporcionar os momentos mais felizes da minha vida e por

ter me ajudado na realização deste trabalho; sem sua ajuda e apoio nas madrugadas em que

bateu o desespero eu não teria conseguido terminar. Eu te amo. Ah, e tenho que agradecer

a nossa Dany porque senão você ficará bravo. Ela também me deu apoio usando meu pé

como travesseiro enquanto eu estudava, assim me fazia companhia e pedia comida depois.

Quero agradecer a minha magnífica orientadora, Juciene Batista Félix de Andrade,

primeiro, por aceitar orientar meu trabalho; depois, por sua compreensão na hora das

orientações, e pela paciência para comigo em minhas angustias, e também por me deixar à

vontade para apresentar meus pontos de vista, mas sempre me conduzindo da melhor

forma. Aqui fica meu muito obrigada!

Retornando, gostaria de agradecer à UFRN, especialmente ao CERES de Caicó. Aos

meus professores ao longo desses anos: Almir Bueno, Rosenilson Santos, Helder Macedo,

Lourival de Andrade Júnior, Kyara Almeida, Manuela Aguiar, Muirakytan Kennedy,

Ubirathan Rogerio, Tony Elibio, José Junior, Elton John, Edianne dos Santos, Juciene

Andrade, Fábio Mafra, Jailma Lima, Aletusya Benevides. Muito obrigado a todos e todas.

E, especialmente, agradeço a Hugo Romero (in memoriam), que será sempre lembrado por

mim por sua alegria e por fazer a turma gargalhar a aula inteira, e também por ter nos

ajudado na formulação de um projeto de extensão, que, infelizmente, ele não pôde ver que

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tinha sido aprovado, mas que nós o concretizamos com o pensamento sempre nele.

Saudades eternas.

Agradeço também aos meus colegas da turma de História Bacharelado 2011.1.

Vocês se tornaram amigos muito queridos para mim, e apesar da distância que o término

do curso causa estarão sempre em meu coração. Ao meu querido amigo Jaime Neto, que

era o fera em todas a disciplinas e o piadista do grupo. À minha amiga Lucicleide, que

reclamava sempre que se saía mal nas provas, mas que só tirava notas altas. À minha linda

amiga Geórgia Nara, que vivia dizendo o seu bordão “É grave!”, quando a gente fazia

fofoca ou reclamava das notas. Ao meu amado João Paulo Lima, sempre sutil em suas

“patadas”, adoro você! Em especial, agradeço também ao meu querido amigo Thiago

Rodrigues, que além de todas as vezes que desabafamos um com o outro, me ajudou na

elaboração deste trabalho. Valeu Chico!

Gostaria, ainda, de agradecer à Ariane Medeiros Pereira, por seus conselhos. A

Josinaldo Cesino de Medeiros, que me disponibilizou material para que fosse possível essa

pesquisa. A Joyciana da Silva Medeiros, por tirar minhas dúvidas na hora da formatação do

trabalho. E a David Emmanuel, por ter feito o resumo em língua estrangeira de última hora

para mim. Muito obrigada a todos. Obrigada a Leila Medeiros dos Santos, minha grande

amiga desde a segunda série com Tia Dilma. Dizem que quando uma amizade dura mais de

quatro anos é porque você a levará pela vida inteira, agora acredito que isso seja verdade.

Obrigada por tudo “Galeguenha”.

E, por ultimo, gostaria de agradecer aos meus professores da infância, que

emprestaram sua voz a esse trabalho. Maria de Lourdes Dantas, Dona Lourdes, como

costumamos chamar, a senhora é um grande exemplo de mulher e agradeço por me

proporcionar uma experiência incrível ao entrevistá-la. Agradeço a Francisca Dilma de

Brito Moraes, que sempre será minha tia Dilma, jamais esquecerei aquela sala da primeira

série. Agradeço a Lindalva Oliveira Lima Dantas, que foi minha professora já depois da

quinta série e que também aceitou participar deste trabalho. E agradeço a Nilson Teixeira

de Araújo, que também foi meu professor, apesar de eu querer fugir das aulas de Educação

Física, muito obrigada pela colaboração e por ceder a documentação antiga da Escola de 1º

Grau Santo Estevão Diácono.

A todos que consegui lembrar, e aos que por ventura não consegui, por favor me

perdoem. Deixo aqui meu muito obrigada de todo o coração.

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“Tudo era muito difícil, porque não existia

material didático de maneira nenhuma. Ér, (...)

inclusive quando a gente iniciou lá, nem

carteira tinha pra os alunos sentar e sentavam

no chão [...]” - Maria de Lourdes Dantas.

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RESUMO

Partindo da perspectiva das relações entre as ciências, e da flexibilidade que a Nova

História Cultural permite ao historiador de se aventurar em temas que não lhe eram

próprios, o presente estudo relaciona História e Educação, analisando os processos

históricos que permearam a trajetória da antiga Escola Santo Estevão Diácono, localizada

no Município de Caicó/RN. Objetivou-se problematizar e historicizar esta instituição

expondo sua fundação, a mudança de localização, a mudança de nome e, por conseguinte

proporcionar a comunidade escolar uma leitura de história local a partir de suas vivências e

experiências enquanto atores sociais inseridos no contexto da comunidade escolar à qual

pertencem. Tentamos demonstrar o reflexo da identidade de seu fundador na escola através

de ações assistencialistas; as perspectivas de ensino que eram trabalhadas naquela época; e

buscamos constituir esse espaço escolar através das lembranças de alguns de seus ex-

professores.

Palavras-chave: História. Escola. Santo Estevão Diácono. Caicó/RN.

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ABSTRACT

Considering the perspective that there are links between sciences, and, the flexibility that

the New Cultural History allows the historian, so he can venture into topics that didn't were

his own, this study relates History and Education by analyzing the historical processes that

have permeated the history of the former school Santo Estevão Diácono, located in the city

named as Caicó/RN. The objective was to problematize and to historicize this institution

by exposing its foundation, its location change, its name change and, therefore, to provide

the school community a reading of their local history by using their practices and

experiences as social actors within the context of this community they belong to. We try to

show how its founder identity reflects in the school through its assistentialist actions; the

education prospects that were worked back then; and seek to establish such school

environment through some of its former teachers memories.

Keywords: History, School, Santo Estevão Diácono, Caicó/RN

10

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Esquema 1 – O método de instrução herbartiano 36

11

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Relação das disciplinas ministradas, relação dos professores e suas 39

respectivas formações no ano de 1979.

12

LISTA DE LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

1º BEC - 1º Batalhão de Engenharia de Construção

10ª DIRED - Diretoria Regional de Educação e Desportos

10º NURE - Núcleo Regional de Educação

ACB - Ação Católica Brasileira

COHAB - Companhia de Habitação popular

E.E.P.E.K - Escola Estadual Padre Edmund Kagerer

EJA - Ensino a Jovens e Adultos

LBA - Legião Brasileira de Assistência

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 14

CAPÍTULO 1

Da identidade da instituição em seus primórdios: o padre assistencialista ....................... 19

1.1 Um padre austríaco no sertão do Seridó ...................................................................... 19

1.2 A história da Escola: de Santo Estevão Diácono a Padre Edmund Kagerer ............... 21

1.3 As ações assistencialistas: as identidades se confundem ............................................. 25

CAPÍTULO 2

Perspectivas de ensino: as propostas de ensino na Escola de 1º Grau Santo Estevão

Diácono .............................................................................................................................. 32

2.1 A Escola Tradicional e sua influência ......................................................................... 33

2.2 Análise dos documentos: disciplinas constantes e a formação dos professores da Escola

de 1º Grau Santo Estevão Diácono no ano de 1979 .......................................................... 37

CAPÍTULO 3

Rememorando a instituição: a escola através das lembranças de seus funcionários ......... 45

3.1 Perfis dos entrevistados ............................................................................................... 46

3.2 Recordando o passado: a escola pelo olhar afetivo de seus funcionários ................... 47

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 56

FONTES ............................................................................................................................ 57

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 61

APÊNDICE ....................................................................................................................... 66

ANEXOS ........................................................................................................................... 71

14

INTRODUÇÃO

Dentre as várias modalidades da História que se desenvolveram durante o século

XX, a História Cultural se destaca ao abrir espaço a um leque infinito de possibilidades de

pesquisa aos historiadores que a praticam (BARROS, 2003). Segundo José de Assunção

Barros, o campo da História Cultural traz objetos multidiversificados, desde os objetos que

já faziam parte dos antigos estudos historiográficos da Cultura, como as Artes, Literatura e

Ciência, bem como os objetos da “cultura material” e os materiais, físicos ou não,

provenientes da “cultura popular” produzida no cotidiano de indivíduos, ou grupos, de

diferentes especificidades sociais. Nesse campo entra ainda o interesse pelos sujeitos

produtores e receptores de cultura, abarcando a função social dos “intelectuais” de todos os

tipos, o público receptor, o leitor comum, ou as massas. O autor afirma, ainda, que

agências de produção e difusão cultural também se encontram no âmbito institucional: a

imprensa, os meios de comunicação, as organizações socioculturais, as organizações

religiosas, e os Sistemas Educativos.

A História hoje, através da História Cultural, tem uma ampliação dos seus objetos de

pesquisa, novas abordagens e uso de novas fontes, gerando novos interesses e novas

perspectivas nos estudos dos costumes e da vida cotidiana dos mais diferentes grupos

sociais, possibilitando estabelecer relações de interdisciplinaridade com outras ciências.

Partindo desse pressuposto, Maurício Estevam Cardoso busca explicitar como a História da

Educação pôde se constituir em um campo da historiografia. Segundo ele, a História da

Educação, e por conseguinte das instituições escolares, tem um lugar na historiografia

graças as abordagens apresentadas pela História Cultural, mais especificamente a História

Cultural Francesa (CARDOSO, 2011). Ele aponta três teóricos da historiografia, Norbert

Elias, Michel Foucault, e Roger Chartier, e apresenta as possibilidades de se operar com

alguns dos conceitos e categorias de análises formuladas por esses autores na História da

Educação.

Cardoso analisa conceitos-chave possíveis de operar visando o alargamento de

referenciais teóricos a serem utilizados pelos pesquisadores da História da Educação. De

Norbert Elias são extraídos os conceitos de interdependência, de configurações, e a análise

do “processo civilizador”, que permitem na História da Educação a “compreensão das

relações que se instalam no processo de escolarização entre os indivíduos nela envolvidos,

permite ainda problematizar as tensões presentes no estabelecimento dos procedimentos de

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coesão social no interior dessas relações” (CARDOSO, 2011. P.290). Ou seja, há a

possibilidade de problematização da educação escolar como prática política. Pode se

questionar as práticas escolares como instrumentos de interdependência, geradoras de

relações de poder que se estabelecem naquele meio; ou questionar a escola como

referencia civilizatória, no sentido de produção da escolarização das crianças e da

formação da própria identidade do aluno. As ideias de Norbert Elias vêm sendo

apropriadas pelos historiadores da educação, principalmente daqueles que tem como objeto

os processos de escolarização.

De Michel Foucault o autor extrai os conceitos de: “dispositivo”, que pode ser

utilizado para estudar a maneira como a educação escolar foi produzida historicamente, o

dispositivo representaria as “estratégias de relações de força sustentando tipos de saber e

sendo sustentado por eles” (CARDOSO, 2011. P.294); o conceito de “poder disciplinar”,

um tipo de poder que recai sobre os indivíduos, que pode ser utilizado como instrumento

de análise para se tratar como as representações sobre a escola se manifestam e são

construídas, essas construções podem ocorrer em forma de discurso; e o terceiro conceito

que o autor relaciona é o de “práticas discursivas”, elas constroem ou constituem os

objetos de que se fala, pode ser utilizado para analisar um processo de construção

discursiva em torno da escola e dos indivíduos que nela atuam. O autor pretende mostrar as

possibilidades de aplicação dos conceitos de Foucault inseridos na História da Educação,

redimensionando seus objetos, ampliando os tipos de fontes, e contribuindo para a

compreensão da escola como um espaço fundamental do conjunto de valores de uma

cultura, ou seja, capaz de integrar análises que se proponham ser feitas na perspectiva da

História Cultural.

O ultimo teórico é Roger Chartier. Segundo o autor, seus estudos vêm sendo

largamente utilizados pelos historiadores da História da Educação. Suas análises sobre a

leitura, desde a elaboração, edição, distribuição e consumo, são importantes referenciais

para as análises da produção de manuais escolares, concebendo tal prática também como

uma produção cultural. Cardoso analisa os conceitos de “representação”, “apropriação” e

“práticas”, como um importante instrumental teórico-metodológico na contribuição dos

estudos da História da Educação. Para ele, a escola deve ser vista como um espaço de

práticas culturais, espaço de construção de identidades, espaço de formação de

representações, e portadora de discursos que buscam disciplinar os corpos e as práticas,

modelando naquele espaço as condutas e os pensamentos dos alunos. Logo, segundo o

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autor, ao utilizar os conceitos de representação e apropriação de Roger Chartier, há a

possibilidade de que os pesquisadores de História da Educação “[...] avancem no

tratamento de novos temas ligados ao cotidiano das práticas escolares, aos processos de

escolarização, às constituições das disciplinas escolares, ao ensino de história, ás práticas

de leitura no interior das escolas etc.” (CARDOSO, 2011. p. 297)

Fizemos esse breve resumo das conjeturas de Cardoso para explicitar que o aporte

teórico-metodológico da História Cultural traz perspectivas de ampliação dos objetos de

pesquisa, das abordagens, das fontes a serem consultadas e seus tratamentos, e oferece aos

pesquisadores a possibilidade de olhares múltiplos sobre campos diversos. A História da

Educação seria um deles, revelando aspectos constituintes das práticas educativas,

revelando dimensões pouco exploradas, possibilitando dar voz aos seus atores,

explicitando sua dinâmica e sua complexidade.

É partindo dessa perspectiva das relações entre as ciências que a presente pesquisa,

relacionando História e Educação, busca analisar os processos históricos que permearam a

trajetória da Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono, localizada no município de

Caicó/RN, desde sua construção até ela ser cedida ao Estado. Objetivou-se problematizar e

historicizar esta instituição expondo sua fundação, a mudança de localização, a mudança

de nome e, por conseguinte, proporcionar à comunidade escolar uma leitura de história

local a partir de suas vivências e experiências enquanto atores sociais inseridos no contexto

da comunidade escolar à qual pertencem.

O interesse inicial da presente pesquisa surgiu através da relação de proximidade da

autora com a instituição, que foi aluna da mesma em seus primeiros anos de formação, e do

interesse de proporcionar a comunidade escolar uma leitura de história local a partir de

suas vivências e experiências, de expor sua história em um meio acadêmico. A pesquisa

toma como recorte espacial o município de Caicó/RN, e como lócus de trabalho a extinta

Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono. A escolha desse espaço deu-se levando em

consideração que a escola exerceu um papel importante na educação e construção da

comunidade local, e que muitos não conhecem sua trajetória antes de ser transformada em

Escola Estadual Padre Edmund Kagerer.

É utilizado um recorte temporal diacrônico, do período de sua construção (1975) até

os dias atuais, tendo como objetivo uma narrativa acerca de sua fundação, da relação da

identidade da instituição com o seu fundador, o padre Edmund Kagerer, do seu aspecto

assistencialista no seio da comunidade, das suas perspectivas de ensino e de como a escola

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é vista por seus antigos funcionários. A busca de registros documentais referentes à

reconstituição da memória da instituição nos ajudou a compreender o seu processo

histórico e sua relação com a comunidade, bem como os relatos de alguns de seus ex-

professores. Portando, a pesquisa necessitou de um diálogo com personagens que fizeram e

fazem parte da instituição, e por isso utilizou de fontes orais, mais especificamente de

entrevistas feitas com ex-professores, e utilizou também a documentação cedida pela atual

administração da Escola Padre Edmund Kagerer, que registra a história da escola, e que

compôs as fontes textuais.

Na historiografia local há alguns trabalhos sobre o tema de nossa pesquisa, como: o

trabalho monográfico de Gilmar Donizéti Ferreira da Fonsêca, “Conselho Escolar: a

experiência da Escola Estadual Padre Edmund Kagerer”, que busca compreender o papel

do Conselho Escolar na perspectiva da gestão democrática como “artífice” de um modo

diferente de fazer Educação; o trabalho monográfico de Maria das Graças Batista Sousa,

“Reconstruindo a memória do Centro de Promoção Social Santo Estevão Diácono: pelas

mãos do austríaco a escola se faz em Caicó”, que faz um estudo da trajetória do ensino

infantil na instituição; o trabalho monográfico de Sheila Kátia Irineu de Medeiros Santos,

“Escola Estadual Padre Edmund Kagerer: avaliação da aprendizagem escolar em foco”,

que analisa as práticas de avaliação e aprendizagem da escola; e o trabalho de Lindalva

Oliveira Lima Dantas, “Evasão escolar na educação de jovens e adultos: o caso da Escola

Estadual Padre Edmund Kagerer”, que estuda a evasão escolar na educação de jovens e

adultos na escola. Contudo, todos os estudos encontrados acerca do nosso tema foram

feitos sob a ótica da pedagogia, diferindo dos objetivos desta pesquisa, que busca

problematizar e historicizar a trajetória da instituição e sua relação com a comunidade.

A pesquisa justifica-se socialmente porque será um meio de preservação da história

de uma instituição que sofreu mudanças significativas e que não são conhecidas do grande

público. Será importante, também, porque dará voz aos agentes participantes dessa

história, como ex-professores, na medida em que poderão expressar suas observações

acerca da trajetória da mesma e como contribuíram para a construção dessa história.

Cientificamente, o estudo aqui proposto é validado pelo fato de seguir uma linha de

pesquisa que vem sendo desenvolvida por historiadores, educadores e pedagogos,

preocupados em compreender a relação entre História e a História da Educação, analisando

o processo histórico de desenvolvimento e ensino, bem como a própria história das

instituições escolares e sua relação com o meio social. A pesquisa foi exequível, na medida

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em que tivemos fácil acesso à Escola Estadual Padre Edmundo Kagerer e a alguns ex-

professores, isto é, a coleta de informações foi relativamente fácil.

Dividimos o trabalho em três capítulos. No primeiro capítulo, abordamos a questão

do entrecruzamento das identidades da escola com seu fundador quanto ao emprego de

ações de assistencialismo prestadas na instituição. Falamos um pouco da trajetória do

missionário no sertão do Seridó e relatamos a história da escola desde sua construção,

quando é cedida ao Estado, a mudança de prédio e de nome, apontando a importância das

ações sociais empreendidas pela escola no meio social de uma comunidade em construção.

No segundo capítulo, analisamos a documentação que nos foi cedida por Nilson

Teixeira de Araújo, atual diretor da Escola Estadual Padre Edmund Kagerer, objetivando

compreender as propostas de ensino que permearam a escola de meados da década de 1970

para fins da década de 1980. Realizamos uma análise documental evidenciando aspectos

presentes em seu currículo inicial, vigente ainda no ano de 1979, relacionando-o ao ensino

tradicionalista, bem como uma análise da formação de seus professores.

No terceiro e último capítulo, buscamos relacionar a Memória e a História através

das lembranças de professores que fizeram parte da história da Escola de 1º Grau Santo

Estevão Diácono. Os relatos dos professores nos permitiram evocar um passado comum

acerca da instituição, e ao mesmo tempo nos deram perspectivas distintas com as

experiências de cada um naquele mesmo espaço social. Traçamos um perfil de cada

entrevistado, e tentamos estimular neles a emergência de memórias afetivas que nos

permitissem um vislumbre do cotidiano de cada um durante a permanência na escola.

19

CAPÍTULO 1 – Da identidade da instituição em seus primórdios: o padre

assistencialista

Quando a escola foi fundada, em 1974, com o nome de Escola de 1º grau Santo

Estevão Diácono, a sua identidade estava entremeada com a identidade do Padre Edmund

Kagerer, o fundador da instituição. Segundo Stuart Hall, nós relacionamos nossa

identidade pessoal com o público, no que ele chama de sujeito sociológico, diz que “a

identidade costura (ou, para usar uma metáfora médica, „sutura‟) o sujeito à estrutura”

(HALL, 2002), ou seja, absorvemos e alinhamos nossos sentimentos subjetivos com os

lugares que ocupamos no mundo social e cultural. Na Escola de 1º Grau Santo Estevão

Diácono ocorre o inverso do que o autor nos apresenta. Existiu o espelhamento da

identidade do seu fundador na instituição. A escola é que absorveu seus valores pessoais,

de caridade e solidariedade, principalmente no que se refere ao assistencialismo prestado.

Foram realizadas ações que ultrapassam o âmbito escolar. Os objetivos da instituição,

inicialmente, não era apenas o ensinar e fixar conhecimento, mas sim, de assistir a

população carente que a procurava.

Para entendermos melhor essa explanação devemos, em primeiro lugar, fazer um

esboço sobre a identidade do padre, relatar como se deu o processo fundador da escola, e

como que as identidades se entremearam. Podemos perceber essas relações através de

entrevistas realizadas durante a pesquisa e, ainda, em entrevistas realizadas por Maria das

Graças Batista Sousa, no ano de 2005, quando a escola ainda existia como “Santo Estevão

Diácono”, e do levantamento de documentos da antiga escola, que darão base de

sustentação para a nossa pesquisa.

1.1 - Um padre austríaco no sertão do Seridó

O padre Edmund Kagerer nasceu em um pequeno município no norte da Áustria

chamado Braunau am Inn, em 1937. Foi ordenado padre em 29 de julho de 1967. Vindo

para o Brasil em 1969, devido à renovação da Igreja Católica, através dos ensinamentos do

20

Concilio Vaticano II 1, que fez com que a Igreja realizasse ações humanitárias em vários

lugares do mundo enviando padres missionários “Fidei Donum” 2 para países, aos seus

olhos, menos desenvolvidos e mais necessitados. Assim, em novembro daquele ano, o

padre Edmund Kagerer chegou ao município de Caicó, no Rio Grande do Norte, com o

sentimento de caridade e solidariedade, almejando realizar ações sociais que ajudassem a

população menos favorecida do local.

O padre entrou no Brasil durante um contexto histórico peculiar e turbulento, a

ditadura militar, e sua chegada foi vista com desconfiança por parte das autoridades locais:

Na época, o 1º Batalhão de Engenharia, começou a investigar e observar,

cada passo que eu fiz aqui em Caicó, mesmo sabendo que eu não era

Comunista, era apenas um voluntário que tinha muita boa vontade e

preparo. Quando cheguei aqui, o que eu fiz é o que fizemos. Eu nunca

pensei ser mais do que um voluntário. (SOUZA, 2005, p.37)

Essa desconfiança durou certo tempo, e até mesmo o Capitão de Fortaleza (SOUSA,

2005, p.37) na época foi chamado para investigar a vida de Pe. Edmund. Ele dirigiu-se ao

padre disfarçando que queria aprender alemão com o mesmo, este, logo percebeu que na

verdade tratava-se de um meio para ser observado, e fiscalizarem sua casa de dois em dois

dias.

Para saber a situação social local, e em qual parte do município a população

necessitava de assistência, o padre realizou uma pesquisa de campo e a apresentou ao

Capitão Dídimo, foi aí que as desconfianças começaram a cessar:

Quando terminei a pesquisa, - pronto! Capitão! Aqui está o resultado da

minha pesquisa, isso, isso, isso. O capitão caiu, mais ou menos

devagarinho, caiu aquele negócio que o padre Edmund ao chegar aqui é

subversivo, um Americano, um comunista, começa mais ou menos a

acreditar, que vim apenas a ajudar. O suspeito, a má vontade, tanto ia do

1 O Concílio Vaticano II (CVII), XXI Concílio Ecumênico da Igreja Católica, foi convocado no dia 25 de

Dezembro de 1961, através da bula papal "Humanae salutis", pelo Papa João XXIII. O Concílio, realizado

em 04 (quatro) sessões, só terminou no dia 8 de dezembro de 1965, já sob o papado de Paulo VI. 2 Assim são chamados os padres diocesanos que exercem o ministério por um determinado tempo em

dioceses mais necessitadas pelo mundo. Ficam à disposição do bispo da Igreja local e se inserem no

presbitério e no projeto pastoral desta Igreja particular a qual foram enviados. O termo "Fidei Donum" surgiu

com o papa Pio XII, que escreveu a encíclica de mesmo nome em abril de 1957.

21

lado da Igreja do Padre, dos membros da paróquia, do batalhão, da

polícia, uma situação geral. (SOUZA, 2005, p.38)

A partir daí se iniciam as obras de assistencialismo, idealizadas por Edmund

Kagerer, colocando em prática seus objetivos de fazer algo positivo pela comunidade.

Antes de fundar a Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono, no então abandonado

Complexo Habitacional Castelo Branco, Pe. Edmund realizou obras em outras partes da

cidade, como a construção de uma nova escolinha no Abrigo de Caicó, localizado no bairro

Paraíba, e a construção da unidade filantrópica Aldeias S.O.S Brasil, já na zona leste da

cidade. Essas obras foram possíveis através de sua influencia fora do país, de doações

generosas que recebia, principalmente da Áustria.

Nesse pequeno esboço do início de sua trajetória no Seridó, percebe-se que a

identidade que o padre apresenta é a de um sujeito estrangeiro, benevolente, sem ligação

com a comunidade, mas que vem para uma região desfavorecida aos olhos dos governantes

do país, e que lhe faz trabalhos especialmente voltados para o assistencialismo. Ele

demonstra uma grande preocupação com o meio social, principalmente com as crianças,

utilizando sua influencia fora do país para ajudar aos pobres do município que ele escolheu

para ser missionário, e deixa um pouco de lado sua carreira sacerdotal para empreender

ações que deveriam caber aos poderes públicos.

1.2 – A história da Escola: de Santo Estevão Diácono a Escola Padre Edmund

Kagerer

Para melhor entendimento podemos dividir a história da escola Santo Estevão

Diácono em duas fases distintas. A primeira diz respeito à sua fundação e a grande

prestação assistencialista que exerceu na zona leste de Caicó/RN, em conjunto com o

Centro de Promoção Social; E a segunda fase refere-se à incorporação da escola à rede

estadual de ensino.

A Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono foi fundada pelo padre Edmund Kagerer

ao final do ano de 1974, iniciou suas atividades a partir de 17 de fevereiro de 1975, com

portaria de autorização de funcionamento datada de 30 de dezembro de 1976, publicada no

Diário Oficial do Estado no dia 11 de janeiro de 1977.3

Começou a funcionar com

3 Ver anexo 1

22

matrícula inicial de 326 alunos, de frequência mista (meninos e meninas), divididos em 04

(quatro) salas, com regime escolar matutino, das 7h às 11h, e vespertino, das 13h às 17h. O

ensino ministrado era gratuito.4 Segundo Maria das Graças Batista Souza, tanto o Centro

Social como a escola receberam o nome de Santo Estevão, em homenagem à Catedral

Santo Estevão de Passau, que fica localizada na Alemanha:

A referida instituição recebeu o nome de Santo Estevão em

homenagem a Catedral de Passau denominada no século IX “Igreja

Mãe dos católicos da região do Danúbio”, em homenagem à

implantação do cristianismo na Áustria, região do rio Danúbio e

naquela época província do Império Romano. Os monges

beneditinos da Irlanda, ao evangelizar essa região, implantaram o

nome desse santo nas grandes Catedrais de Passau, Viena e

Budapeste, como dedicatória ao Diácono Estevão e ao pároco

dessa Igreja que se chamava Estevão “Servir em lugar de se servir”

e “Distribuir o pão e fazer o bem, mesmo recebendo pedras em

trocas”. (SOUZA, 2005, p.25)

Era localizada na Praça da Áustria s/n, no Complexo Residencial Castelo Branco, no

município de Caicó, e tinha como entidade mantenedora o Centro de Promoção Social

Santo Estevão Diácono, da Ação Católica Brasileira (ACB) 5

da Diocese de Caicó. Mas era

mantida financeiramente através de doações e parcerias com a Secretaria de Educação, que

cedia os professores, e de ações de arrecadação de dinheiro dentro da própria escola. Isso

fica claro em depoimento de uma de suas ex-diretoras, Miracy Soares Cunha dado a Souza

no ano de 2005:

Temos uma diretora que é nomeada pelo Sr. Bispo Diocesano, porque o

Centro Santo Estevão Diácono faz parte do Departamento Diocesano de

Ação Social, apesar de uma entidade quase que independente porque nós

não recebemos da Diocese nenhuma ajuda financeira vale salientar isso.

(SOUZA, 2005, p.43)

O Centro de Promoção Social Santo Estevão Diácono era composto: pela escola,

pela creche, pela oficina de carpintaria, pela capela e posterirormente pelo pré-escolar. A

4 Ver anexo 4

5 Movimento controlado pela hierarquia da Igreja Católica e fundado pelo cardeal Sebastião Leme da Silveira

Cintra em 1935, com o objetivo de formar leigos para colaborar com a missão da Igreja.

23

construção da escola se deu mediante o início da povoação do bairro Castelo Branco,

antigo complexo habitacional abandonado, que foi sendo ocupado por famílias carentes

locais e vindas de outras localidades do país, isso devido à mudança do 1º Batalhão

Rodoviário para o município, atualmente chamado de 1º Batalhão de Engenharia de

Construção (1º BEC), que trouxe várias famílias de outros espaços para a localidade. O

bairro em formação tinha necessidade de uma escola e de uma capela, cujas missas eram

realizadas debaixo de um “pé de algaroba” 6. Com a ajuda do Presidente da Companhia de

Habitação popular (COHAB), Ezequias Pegado, do Secretário do Bem-estar Social,

Otomar Lopez Cardoso, entre outros colaboradores que o padre Edmund Kagerer

conseguiu reunir, foi inaugurada no dia 24 de dezembro de 1974 com missa festiva,

celebrada pelo Bispo Diocesano Dom Tavares, e presença do Clero caicoense e

comunidade em geral, a capela e as primeiras 04 (quatro) salas de aula da escola de 1º grau

Santo Estevão Diácono.

A escola cresceu em número de alunos rapidamente, e passou a prestar serviços de

assistência à comunidade, foram construídas novas salas e implantado o ensino de 5ª a 8ª

série (SOUZA, 2005, p.47). Apesar de já estar em funcionamento desde fevereiro de 1975

a escola só passou a ser reconhecida pelo Conselho Estadual de Educação e pela então

Câmara de Ensino de 1º e 2º graus, por processo encaminhado pela Secretaria de Educação

e Cultura, em 25 de junho do ano de 19807. Ao observarmos esse documento, é possível

identificar características da escola e a posição da Secretaria quanto às suas qualificações,

bem como qual argumento é utilizado para que ela seja efetivamente reconhecida pelos

setores responsáveis.

O processo está dividido em quatro partes. A primeira consiste em um relatório,

onde se relacionou a documentação sugerida nos termos da resolução 07/77, e o ano em

que a escola iniciou suas atividades, 1974, bem como a quantidade de alunos que possuía

na época, 669 (seiscentos e sessenta e nove), relata também as áreas existentes na

instituição: pedagógicas, especializada, de administração, de educação física, higiênico-

sanitária e de circulação. Relaciona o corpo docente em 25 (vinte e cinco) elementos

parcialmente habilitados, verificando que a maioria possui autorização precária, cursando

licenciatura pertinente. A Secretaria justifica a ausência de Orientadora Educacional na

instituição, com a afirmação de que a supervisão é feita através do Núcleo Regional de

6 Algaroba é o nome dado ao fruto da algarobeira, árvore originária do deserto do Piura no Peru, largamente

difundida e cultivada na região do semi-árido do Nordeste Brasileiro. 7 Ver anexo 5

24

Educação (10º NURE), atualmente Diretoria Regional de Educação e Desportos (10º

DIRED), afirmando ainda, que a escrituração e o arquivo organizados na escola asseguram

a verificação da autenticidade e regularidade da vida escolar do aluno.

No relatório é constatado que o regimento escolar da Escola de 1º Grau Santo

Estevão Diácono foi elaborado de acordo com o regimento padrão da Secretaria e que

apresenta adequações que evidenciam a identidade da escola, destacando o oferecimento

de assistência médica e dentária aos alunos, objetivando que as instituições escolares eram

dinamizadas. Abrindo aqui um parêntese, podemos perceber que a característica

assistencialista da escola, que citamos no início do capitulo, não é uma falácia, a própria

Secretaria de Educação e Cultura a reafirma neste relatório.

Na segunda parte do documento, chamada de “entendimento”, a Secretaria expressa

claramente seu argumento para que seja efetivado o reconhecimento da escola, baseando-

se na grande demanda social por educação que o sistema educacional não consegue suprir.

Segundo a Secretaria, as ofertas de ensino pelo poder público não conseguiam abranger

toda a população escolarizável de 07 (sete) a 14 (quatorze) anos, e por tal motivo as

iniciativas privadas seriam importantes para acolher esse excedente. Por este motivo,

ressalta que a Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono apresentava condições físicas e

pedagógicas satisfatórias, oferecendo um ambiente propício ao desenvolvimento das

atividades escolares, podendo assim receber esses alunos. A terceira e a quarta parte do

documento consiste nas decisões da Câmara de 1º e 2º graus e do Conselho Estadual de

Educação, ambas com parecer favorável ao reconhecimento da escola, recomendando que

fossem providenciadas as renovações de autorização aos docentes, especialmente aos

indicados para Educação Física, um cursava o I nível de Matemática e o outro era auxiliar

de escritório.

Nessa primeira “fase”, a escola exerceu medidas que auxiliaram a população local,

desempenhando um papel social importante, um dos temas centrais deste trabalho que

ressaltaremos no tópico 1.3. A segunda “fase” está relacionada à incorporação da escola à

rede estadual de ensino. Tal fato ocorreu no ano de 1997, através do Decreto nº 13.556, de

02 de outubro8, do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, e nesse momento ocorreu

a primeira mudança de nome da escola, que de Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono

passa a ser Escola Estadual Santo Estevão Diácono – Ensino de 1º Grau.

8 Ver anexo 6

25

É uma nova etapa da escola, que passa de uma instituição com marcas filantrópicas e

de assistência social para uma com novas funções e novo sentido social. Seguindo os

parâmetros da educação nacional daquele momento e se adequando às novas políticas

educacionais, a escola apresenta uma educação infantil voltada para a integridade das

crianças e preocupada com a educação das mesmas. Em 19 de maio de 1998 é criado o

Estatuto da Caixa Escolar9, permitindo mais autonomia para a escola manejar os recursos

financeiros repassados pelo Estado, e destacando, dentre as suas finalidades: prestar

assistência aos alunos carentes de recursos; promover em caráter complementar e

subsidiário a melhoria qualitativa do ensino; colaborar na execução de um politica de

concepção da escola como agência comunitária em seu sentido mais amplo. Ou seja, a

escola nessa fase se adequa às exigências do Estado e volta-se especificamente para o

ensino, conforme o poder público vai assumindo as assistências sociais.

Quando a escola foi cedida ao Estado, em 1997, ela continuou funcionando no

prédio da Diocese, sendo prevista a construção de um novo prédio para quatro anos depois;

contudo, a construção só foi inaugurada no ano de 2005. Ao final daquele ano, mais

especificamente no dia 25 de novembro, através de pedido em abaixo-assinado feito pela

comunidade local, foi sancionado pela então Governadora do Estado do Rio Grande do

Norte, Wilma Maria de Faria, o Decreto nº 18.70910

, que regulamentou a Lei nº 8.728, de

09 de novembro de 2005, que designou um novo nome para a escola. Em homenagem ao

seu fundador, hoje a nova escola se chama Escola Estadual Padre Edmund Kagerer.

1.3 - As ações assistencialistas: as identidades se confundem

Mencionamos no início deste capítulo que a Escola de 1º Grau Santo Estevão

Diácono e o padre Edmund Kagerer têm suas identidades entremeadas. Como fundador e

primeiro diretor da escola, o padre empresta, ou reflete, essa sua característica pessoal de

ajudar as pessoas mais necessitadas em seu trabalho na referida escola. Ele empenha

esforços, em conjunto com sua equipe, para criar ações de auxílio às carências da

comunidade do até então recém povoado bairro Castelo Branco, e também de bairros

próximos. Essas ações, entendidas como assistencialistas, promoveram condições melhores

9 Ver anexo 7

10 Ver anexo 8

26

de vida para muitas crianças com necessidades básicas insuficientemente assistidas. Para

entendermos melhor esse assistencialismo prestado na escola, é necessário fazer um

pequeno resumo do como e do porque a prática surgiu na sociedade.

Ao longo do desenvolvimento da humanidade, a criança era tratada como um adulto

em miniatura, inferior na escala social e por isso não era digna de consideração. Até o final

do século XVII ainda não se tinha estabelecido um sentimento de infância, ela era

compreendida como um período curto do qual não se teriam recordações, “a criança

convivia no meio dos adultos sem nenhuma distinção de tratamento” (FULY; VEIGA,

2012, p.86); com condições de higiene e saúde precárias, poucas crianças conseguiam

sobreviver naquela época. Somente quando a criança passou a ser vista como parte da

família e da sociedade, e quando o Estado preocupou-se em protegê-la, é que os

sentimentos de infância se tornaram evidentes, isso ocorre com o advento da

industrialização. Com a crescente urbanização e a reorganização da classe operária da

sociedade europeia, entre os séculos XVIII e XIX, a mulher entrou no mercado de

trabalho, e isso fez com que despontasse a necessidade de ter um lugar onde os filhos

dessas mães trabalhadoras pudessem ficar para que elas trabalhassem. Assim:

A mulher operária, que continuava a cuidar de seu lar em horários

alternados ao do seu trabalho, teve a necessidade de entregar seus

filhos pequenos (os que ainda não tinham destreza o suficiente para

acompanhá-la no trabalho fabril) aos cuidados de outrem: as mães

mercenárias ou gardeuses d‟enfants. (FULY; VEIGA, 2012. p. 88).

Assim surgem as creches e, por conseguinte, o reconhecimento da infância. No

Brasil isso ocorreu por volta do século XIX. Sob jurisdição da Secretaria de Assistência

Social, as creches inicialmente tiveram por finalidade atender a classe trabalhadora

feminina, o cuidar é a sua principal atividade, assistir a criança, daí surgiu também o termo

assistencialismo. Na Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono não apenas se ministravam

disciplinas para o conhecimento, mas também se fazia presente um caráter assistencialista

muito forte, como abordaremos a seguir.

O cuidar também é uma característica que o padre Edmund Kagerer implantou na

Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono. Com o intuito de assistir e formar cidadãos,

foram empregadas medidas assistenciais na referida escola. No início, as crianças

matriculas no Santo Estevão Diácono eram basicamente filhas de pais sem muita condição

27

financeira e mães solteiras, muitos frequentavam a escola para ter algum alimento para

comer no dia, como relata a ex-professora Maria de Lourdes Dantas, em entrevista

concedida a Maria das Graças Batista Sousa no ano de 2005:

As crianças que estudam aqui no Santo Estevão, no início, havia

uma clientela muito carente, essa vinha pra aqui mesmo pra comer

e eram crianças que geralmente os pais não ganhavam nada porque

não tinha em que trabalhar e a maioria dessas crianças eram filhas

de mães solteiras. (SOUZA, 2005, p. 50)

Então, o objetivo primeiro dessa instituição era alimentar essas crianças, depois

cuidar de sua formação e de sua saúde.

Outra forma de cuidar era oferecer condições e conhecimento, principalmente

prático, para que a criança obtivesse uma formação que a auxiliasse em sua vida, quando já

não estivesse frequentando a escola. Com esse propósito, eram oferecidas disciplinas de

introdução ao trabalho, tanto de trabalhos com a agricultura e criação de animais, quanto

com a carpintaria. Seu currículo possuía assim um propósito além da educação, buscava

direcionar os alunos para um mercado de trabalho possível nas condições desfavorecidas

em que estavam. Em depoimento da ex-diretora Miracy Soares Cunha e da ex-professora

Maria de Lourdes Dantas, percebemos como se dava essa ação:

Naquela época, também nós tínhamos plantio de horta, nós

tínhamos a parte de educação para o lar, as oficinas de artes, cada

menino trabalhando na carpintaria mesmo, a gente fabricava

pequenos móveis e ombreiras. (SOUZA, 2005, p. 41)

Então, começava a parte de iniciação para o trabalho, começaram a

esperar a parte de agricultura, plantavam hortaliças, grãos e frutas.

Depois, passaram a ter a criação de animais, criavam galinhas,

vacas, ovelhas, porcos, foram diversificando quando começou

propriamente essa criação, a direção da escola tinha mudado, era

Miracy que tinha sido diretora do Rotary, já tinha um trabalho

desse tipo lá, veio para cá e implantou isso. Aqui ficou muito

reconhecido, por esse tipo de trabalho, as pessoas chegavam e viam

a meninada toda trabalhando. Os alunos de 5ª a 8ª série assistiam à

tarde e pela manhã eles vinham trabalhar mesmo e o que eles

colhiam era dividido, levavam para casa, deixavam uma parte na

escola e levavam outra parte. (SOUZA, 2005, p. 47)

28

Medidas de formação ainda faziam parte do programa do Centro mesmo após a

escola ser cedida ao Estado, em 1997: na creche foram oferecidos cursos

profissionalizantes de corte e costura e informática ainda por volta do ano de 2005.

O assistir era muito presente na escola, tanto que, entre 1977 e 1979, foi construído

um posto de saúde onde eram realizados atendimentos médicos, odontológicos, de

enfermaria e de farmácia, sendo medicação doada por entidades da Europa e distribuída

entre as famílias. Esse tipo de assistência era realizado pela escola, porque no bairro não

havia nenhum tipo de atendimento médico para a população, e o padre Edmund Kagerer,

com seu objetivo social de ajudar a comunidade, conseguiu, com doações da Prefeitura

Municipal, que cedeu um espaço, com o apoio da Companhia de Habitação Popular

(COAB), da Legião Brasileira de Assistência (LBA) e com ajuda de outros países, e da

Cruz Vermelha, implementar essa assistência no bairro Castelo Branco.

Com a construção do Santo Estevão Diácono, a escola recebia

ajuda da juventude, da paróquia onde trabalhei quando era padre

novo, da Alemanha, do Secretário do Bem-Estar Social, da ACB –

ação católica dos homens, da Secretaria da Educação juntamente

com os professores, da Alemanha, da Áustria que mandava

remédios, no mínimo cinco toneladas, a juventude da Cruz

Vermelha, mandava material escolar para as crianças. (SOUZA,

2005, p. 38)

Esse tipo de atendimento na escola deixou de funcionar, à medida que o poder

público assumiu o controle da assistência social e da Escola de 1º Grau Santo Estevão

Diácono:

[...]os poderes públicos foram colocando no bairro, então a medida

que isso for tendo no bairro, foi perdendo o objetivo aqui dentro e

foi desaparecendo, é tanto que, a nossa escola de primeiro grau de

1ª a 4ª série, ela hoje, é do Estado, porque não é função da Diocese,

o prédio é da Diocese, a escola de 1º Grau é do Estado. (SOUZA,

2005, p. 48)

Ao destacarmos as ações acima, podemos perceber que enquanto a escola era uma

instituição independente, sem grandes intervenções do Estado, ela mantinha traços

identitários semelhantes aos da identidade do padre Edmund Kagerer. E as ações que são

29

empreendidas nela depois de sua saída da direção manteve a mesma linha de assistência

aos alunos e aos bairros vizinhos:

No período compreendido de 1985 e 1989, o Centro de Promoção

Social Santo Estevão diácono é administrado por Maria Gorete da

Silva que mantém a escola nos padrões filosóficos marcados pelos

seus primeiros anos. (SOUZA, 2005, p. 26)

Segundo estudos contemporâneos, o individuo possui várias fontes identitárias,

identidade de gênero, identidade nacional, identidade etária, identidade étnica, identidade

profissional e entre outras. Dessa forma:

As identidades são representações coletivas contextualizadas e

relativas a povos, comunidades, pessoas, já que a humanidade não

é genérica nem caracterizada por universalismo abstrato. Ao

contrario, encarna-se em expressões e formas originais e

especificas, traduzidas por identidades religiosas, de gênero, de

politicas, corporativas, nacionais, culturais, partidárias, ideológicas.

(FÉLIX, 2010, p. 61)

A identidade social, a que nos referimos neste trabalho, é aquela construída, ou

atribuída, ao individuo em sociedade. O como os outros o veem, não o sentido da imagem

de si, para si e para os outros, mas como o meio social enxerga o indivíduo. Segundo Loiva

Otero Félix, os processos identitários são, por um lado, inatos à vida dos sujeitos e

testemunhas da História, e, por outro, construídos na dinâmica do viver (FÉLIX, 2010).

Portanto, o meio em que o indivíduo está inserido influencia na construção de sua

identidade, e é nesse ponto que embasamos nossa análise, que o sujeito Edmund Kagerer é

fruto do meio em que primeiro se formulou socialmente, ou seja, tem uma identidade

ligada a Igreja Católica, mas também possui características que construiu na sua vivência

com uma comunidade do Seridó. Esta, por conseguinte, lhe atribuiu outra identidade, a de

um sujeito bondoso e caridoso, que se tornou socialmente ativo buscando diminuir as

mazelas que afligiam essa comunidade. Durante a construção identitária do padre na

comunidade, percebemos o reflexo dessa identidade na Escola de 1º Grau Santo Estevão

Diácono, que se tornou um meio para a realização dos trabalhos sociais que viriam a ser

marcantes durante o período da gestão de Kagerer.

30

A participação ativa do padre Edmund Kagerer é de suma importância para a zona

leste de Caicó, como percebemos nas falas de Josinaldo Cesino de Medeiros, que realizou

uma biografia sobre o mesmo:

Na história, podemos destacar que a importância de um sujeito

pode mudar a realidade de vida de muitas pessoas. Nesse contexto,

torna-se de certa maneira quase que inviável pensar Pe. Edmund

sem às comunidades dos bairros do Castelo Branco e Nova

Descoberta, assim, essa relação vai além de uma relação padre e

fieis, é uma relação de cumplicidade, amizade e familiaridade.

(MEDEIROS, 2014, p.34)

O padre é o que Boaventura de Souza Santos refere como “sujeitos construtores da

História”. Esses sujeitos seriam aqueles que deixam sua marca visível ou invisível no

tempo em que vivem ou viveram, no cotidiano de seus países e também na historia da

humanidade, como líderes comunitários, empresários, militares, intelectuais, mulheres que

trabalham em maternidades, educadores dentre tantos outros. São eles os responsáveis pela

construção do movimento da História. “Dinâmica que consiste no fato quase milagroso da

singularidade dos processos históricos coletivos e na própria dinâmica da intervenção do

homem na vida social, politica, cultural, artística e cientifica de suas comunidades.”

(SANTOS, 2010, p. 55). Ou seja, a identidade, além de seus aspectos estritamente

individuais, apresenta dimensão coletiva, que se refere à integração do homem como

sujeito do processo de construção da História.

O fundador da escola Santo Estevão deixa sua marca visível no tempo em que

fundou a escola, e no tempo em que seus sucessores na administração da mesma seguiram

a sua ideologia de assistencialismo, e por mais que não se prestem mais as mesmas ações

que ele empreendia na antiga Santo Estevão Diácono, sua imagem estará sempre

interligada na história da instituição, tanto é que a nova escola leva o seu nome.

A relação entre Pe. Edmund e a comunidade pode-se dizer que é

relação de troca, troca não no sentido de que teria (terá) que haver

sempre a necessidade de se obter a todo custo uma recompensa,

mas no sentido que essa permuta surge naturalmente no próprio

seio das questões sociais, a sociedade se sente agraciada com todos

os benefícios que foram possíveis pelo empenho do religioso, e

nesse sentido, contribui da maneira que pode, para que haja essa

retribuição. (MEDEIROS, 2014, p. 38)

31

Foi formulado no imaginário da população de Caicó/RN, principalmente na zona

leste, uma imagem de homem caridoso, bondoso e solidário com as mazelas da população

carente. O padre Edmund Kagerer, ao fundar a Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono

reflete suas ambições sociais nas ações desenvolvidas através da Escola e do Centro, com

objetivos de ajudar a comunidade de forma assistencial, alimentando suas crianças, dando-

lhes um ofício e condições de saúde adequadas. Em depoimento, percebemos o sentimento

de dever cumprido que o padre possuía em relação aos seus objetivos sociais empregados

no município de Caicó, e principalmente à comunidade do Castelo Branco:

Vejo que não consegui alcançar meus objetivos exatamente como

padre, com o meu trabalho de padre, mas bem que o lado social

retomou o primeiro lugar, até que essas necessidades quando o

governo começou assumir o seu lugar, é claro, que eu voltei para

meu trabalho de padre. (SOUZA, 2005, p. 39)

Em conclusão, podemos afirmar que a identidade é construída e reconstruída no

meio em que os sujeitos se inserem, cada pessoa é componente especifico de um mosaico

maior que é a coletividade. A identidade traduz um sentimento e uma convicção de

pertencimento e vinculação a uma experiência de vida comum (VOLCOGONOV, 2010),

há uma interligação com o contexto, todas as intervenções sociais e as características de

cada tipo de identidade conectam-se ao social, sendo ao ator social aplicadas as suas

necessidades para com a sociedade. Como vimos no exemplo da escola, o inverso também

pode ocorrer, em situações distintas, uma instituição adquire características identitárias de

seu fundador, assimilando seus anseios de ação social. Isso nos mostra que o “sujeito

construtor da história” tanto pode receber quanto transmitir representações de identidades

no meio em que vive.

No próximo capítulo iremos observar a Cultura Escolar presente na instituição e as

perspectivas de ensino na Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono em meados da década

de 1970 e inicio da década de 1980, destacando os processos de mudanças nas disciplinas

ofertadas naquela época, partindo da análise de dois documentos que registram

historicamente os processos que permearam a educação oferecida naquela instituição, mais

especificamente no ano de 1979, pouco tempo depois de sua fundação.

32

CAPÍTULO 2 – Perspectivas de ensino: as propostas de ensino na antiga escola Santo

Estevão Diácono

Ao analisarmos a documentação da Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono,

cedida por Nilson Teixeira de Araújo, atual diretor da Escola Estadual Padre Edmund

Kagerer, podemos compreender e analisar aspectos da Cultura Escolar presentes naquela

instituição de ensino entre meados da década de 1970 e fins da década de 1980, e, por

conseguinte, compreender as perspectivas de ensino que eram propostas na escola naquela

época. Realizaremos, assim, uma análise documental evidenciando aspectos presentes em

seu currículo inicial, vigente ainda no ano de 1979, bem como elementos relacionados à

formação de seus docentes.

A memória da educação infantil da Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono, em

seus primórdios, está atrelada a condição assistencialista no formato das creches. Como foi

dito no capítulo anterior, ela abrigava as crianças, dedicando-lhes cuidados essenciais para

seu bem-estar físico, resguardando-lhes um lugar para comer e dormir, tendo em vista que

seus pais não poderiam garantir essas condições. Com o passar do tempo e os avanços das

políticas educacionais no país, a escola buscou se adequar ao ensino vigente e incorporou

novo sentido e nova função social para além do assistencialismo, exercendo assim, uma

educação preocupada também com o ensino. Antes de expor a análise da documentação,

faz-se necessário contextualizar o momento histórico em que estão inseridas as propostas

de ensino nas escolas de primeiro grau no país.

Não objetivamos, aqui, fazer uma análise acerca dos paradigmas da educação, nem

das diversas tendências que se opuseram à chamada “Escola Tradicional”, deixemos tal

tarefa para os pedagogos e educadores, mas para entendermos as propostas de ensino da

Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono no período citado, faz-se necessário entender

minimamente o que configura a “Escola Tradicional” e quais as políticas educacionais que

prevaleciam naquela época.

33

2.1 - A Escola Tradicional e sua influência

A escola tradicional, ou pedagogia tradicional, surgiu a partir do advento dos

sistemas nacionais de ensino11

, em meados do século XIX, na Europa e América do Norte,

atingindo maior força e abrangência nas ultimas décadas do século XX no Brasil

(SAVIANI, 1984, p. 5). A emergência da classe burguesa fez com que se percebesse a

necessidade de oferecer instrução para a massa trabalhadora, essa instrução seria mínima,

para que se formassem cidadãos disciplinados. Sendo assim, a sociedade burguesa passou a

defender a educação como um direito de todos e dever do Estado, tendo como função

auxiliar a construção e consolidação de uma sociedade democrática. Escola como

redentora da humanidade, universal, gratuita e obrigatória. Uma conquista valorosa para o

Ocidente, mas que não deixa de ser em parte utópica, pois havia e ainda há uma grande

desigualdade educacional entre ricos e pobres.

A abordagem de ensino presente na escola tradicional baseava-se no caráter

cumulativo, pela transmissão dos conhecimentos a ser realizada na instituição escolar. São

enfatizadas as exposições de conteúdos de forma verbal pelo professor, que é a autoridade

máxima, ele domina os conteúdos logicamente organizados e estruturados para serem

transmitidos aos alunos, a quem, no processo de aprendizagem cabe o papel de

passividade, memorizando e repetindo os conhecimentos transmitidos pelo professor e

pelos livros didáticos. Então:

Em termos metodológicos, ensino e aprendizagem eram tidos como

processos separados, correspondendo o primeiro ao professor,

identificado por preleções; e o segundo, ao aluno, marcado pela

memorização [...] (AZEVEDO; STAMATTO, 2010, p.704)

As escolas eram organizadas em forma de séries, contava-se com um professor

razoavelmente bem preparado que expunha as lições que os alunos teriam de seguir

atentamente e aplicava exercícios que eles deveriam realizar disciplinadamente, se

empenhando para atingir o êxito pelo próprio esforço. A educação era entendida como um

processo externo, os conteúdos eram apresentados sem relação com o cotidiano do aluno, a

11

“Em seu conjunto, os sistemas de ensino de várias esferas do Poder Público formam um bloco solidário e

harmônico a que se pode dar o nome de Sistema Nacional de Ensino.” - DIAS, José Augusto. Sistema

Nacional de Ensino. In: CARVALHO, João Gualberto de. (Org). Educação Básica: políticas, legislação e

gestão – leituras. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004. p 89-98.

34

escola centrava-se numa formação moral e intelectual com normas rígidas de disciplina.

Denise Maria Maciel Leão (1999, p.192) transcreve, em seu artigo, as características da

escola tradicional, baseada na pesquisa de José Carlos Libâneo, que evidenciaremos a

seguir.

Papel da Escola:

A atuação da escola consiste na preparação intelectual e moral dos alunos para

assumir sua posição na sociedade;

O compromisso da escola é com a cultura, os problemas sociais pertencem à

sociedade;

O caminho cultural em direção ao saber é o mesmo para todos os alunos, desde que

se esforcem.

Conteúdos de Ensino:

São os conhecimentos e valores sociais acumulados pelas gerações adultas e

repassados ao aluno como verdades;

As matérias de estudo visam preparar o aluno para a vida, são determinadas pela

sociedade e ordenadas na legislação;

Os conteúdos são separados da experiência do aluno e das realidades sociais;

É criticada por ser intelectualista ou ainda enciclopédica.

Métodos:

Baseiam-se na exposição verbal da matéria e/ou demonstração;

Tanto a exposição quanto a análise da matéria são feitas pelo professor;

Os passos a serem observados são os seguintes:

1º) preparação; 4º) generalização;

2º) apresentação; 5º) aplicação.

3º) associação;

A ênfase nos exercícios, na repetição de conceitos ou fórmulas e na memorização

visa disciplinar a mente e formar hábitos.

35

Relacionamento professor-aluno:

Predomina a autoridade do professor, que exige atitude receptiva dos alunos e

impede qualquer comunicação entre eles no decorrer da aula;

O professor transmite o conteúdo na forma de verdade a ser absorvida;

A disciplina imposta é o meio mais eficaz para assegurar a atenção e o silêncio.

Pressupostos de Aprendizagem:

A capacidade de assimilação da criança é idêntica à do adulto, apenas menos

desenvolvida;

Os programas devem ser dados numa progressão lógica, sem levar em conta as

características próprias de cada idade;

A aprendizagem é receptiva e mecânica, utilizando-se muitas vezes a coação;

A retenção do material ensinado é garantida pela repetição de exercícios

sistemáticos e recapitulação da matéria;

A transferência da aprendizagem depende do treino; é indispensável a retenção, a

fim de que o aluno possa responder às situações novas de forma semelhante às

respostas dadas em situações anteriores;

A avaliação se dá por verificações de curto e longo prazo: arguição, tarefa de casa,

provas escritas, trabalhos de casa.

Segundo a autora, o ensino tradicional se estruturou através do método pedagógico

expositivo, tendo como matriz teórica os cinco passos formais do alemão Johann Friedrich

Herbart (1776-1841), conhecido como fundador da pedagogia como disciplina acadêmica;

ela faz uma síntese dos métodos de Herbart e os relaciona ao método indutivo de Francis

Bacon (1561-1626). Logo a seguir, expomos os cinco passos em um esquema para tentar

uma explicação mais clara:

36

12

Representamos os cinco passos de Herbart em forma circular, pois os passos depois

de concretizados tendiam a se repetir, tornando-se, assim, um ciclo. Primeiro, inicia-se a

aula recordando a lição anterior, do que já é conhecido, fazendo a correção dos exercícios

que foram passados para casa, realizando uma Preparação (1) para o próximo passo.

Depois seria feita ao aluno uma Apresentação (2) de um novo conhecimento que ele deve

assimilar. Essa Assimilação ocorre por Comparação (3), onde o novo é assimilado a partir

do velho, o aluno é capaz de comparar o novo conhecimento com o velho distinguindo

semelhanças e diferenças entre eles. No quarto passo o aluno seria capaz de fazer uma

Generalização (4), identificando todos os fenômenos correspondentes ao conhecimento

adquirido, chegando a conceitos gerais. O quinto e ultimo passo é chamado de Aplicação

(5), seria feita a verificação se o aluno efetivamente assimilou o que lhe foi ensinado,

através da aplicação de novos exemplos o aluno evidencia que sabe usar e aplicar aquilo

que aprendeu. Assim, o ciclo se reinicia, com a correção dos exercícios, e se os alunos não

o fizeram corretamente é preciso que a aprendizagem se prolongue por um pouco mais de

tempo, para que o conhecimento seja de fato assimilado. Nessa metodologia, acredita-se

que, se o aluno for capaz de reproduzir os conteúdos ensinados, mesmo que de forma

automática, houve aprendizagem.

Ao expor as características apontadas por Leão (1999), podemos observar que o

suporte teórico e metodológico da escola tradicional ainda exerce influência nas escolas

atualmente. Ela atravessou décadas com várias modificações em sua essência original e

12

Esquema preparado pela autora

37

mesmo com novas vertentes surgindo, como a Escola Nova 13

, ela continua se fazendo

presente no contexto escolar, mesmo que de forma camuflada. Portanto, se atualmente

percebe-se a influência da escola tradicional no ensino vigente, essa influência, por

conseguinte, tenderia a ser mais fortemente enraizada em uma escola de ensino de primeiro

grau, mantida juridicamente por uma entidade religiosa, de meados da década de 1970 para

fins da década de 1980.

Esse seria o contexto histórico em que estariam inseridas as perspectivas de ensino

vigentes na Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono daquela época. Um ensino onde são

enfatizadas as exposições de conteúdo de forma verbal pelo professor, tido como centro do

processo de ensino, onde ele deve dominar os conteúdos logicamente organizados e

estruturados para serem transmitidos, e marcado pela memorização por parte do aluno, que

deve repetir os conhecimentos passados pelo professor e pelos livros didáticos.

2.2 – Análise dos documentos: disciplinas ministradas e formação dos professores da

Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono, no ano de 1979.

No tópico anterior, explicitamos em que contexto histórico estavam inseridas as

perspectivas de ensino da antiga Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono e em que

consistia a vertente chamada de escola ou pedagogia tradicional. Neste segundo momento,

buscamos analisar os documentos cedidos pela atual direção da nova escola, Estadual

Padre Edmund Kagerer, dando ênfase aqui a dois documentos bem específicos: a

declaração de contratos ou nomeações e a declaração da constituição do corpo docente,

ambos expedidos no ano de 1979. Para tal, precisamos explicitar qual politica educacional

estruturava as disciplinas naquele ano. Falamos, então, da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de

1971, que expressou a nova organização do sistema educacional do país.

No período em que a lei nasceu, as liberdades democráticas sofriam repressão por

parte do Estado autoritário e ditatorial do regime militar no Brasil, elaborada e promulgada

com o objetivo de reestruturar os níveis de ensino fundamental e médio. Como reflexo do

13

“A partir do final do século XIX, na busca pela superação da concepção tradicional surgiram iniciativas

visando à implantação de novas formas de ensino. Surge, então, a Escola Nova com uma proposta de

inovação, na qual o aluno passa a ser o centro do processo. O professor se torna facilitador da aprendizagem,

priorizando o desenvolvimento psicológico e a autorrealização do educando, agora agente ativo, criativo e

participativo no ensino-aprendizagem. Os conteúdos ganham significação, são expostos através de atividades

variadas como trabalhos em grupo, pesquisas, jogos, experiências, entre outros. Sua principal característica é

„aprender a aprender‟.” (SILVA, 2012, p.3)

38

contexto nacional, a Lei nº 5.692 tinha a intenção de reordenar o sistema educacional

básico no país, que naquela conjuntura política era considerado instrumento importante na

realização de uma nova ordem social, politica e econômica (MAZZANTE, 2005. p. 72). O

alcance pretendido pela lei tomou caráter de Reforma Educacional, com o objetivo de

transformar a extensão populacional brasileira em força de apoio ao governo, e sua

principal mudança quanto à organização do ensino dizia respeito à unificação do ensino

primário com o primeiro ciclo do ensino médio que resultou no Primeiro Grau. Sendo

prolongada a escola única, comum e contínua de oito séries (HAIDAR; TANURI, 2004, p.

67), o colegial se transformaria em um confuso curso profissionalizante, denominado

Segundo Grau (BITTENCOURT, 2012, p.83).

Segundo Fernanda Pinheiro Mazzante, a Lei 5.692/71 foi um dos braços do novo

modelo do Estado, centralizado e burocrático, onde as proposições curriculares traziam a

intenção de conter a contestação pelos mecanismos administrativos do setor público, neste

caso, a educação. Um exemplo no currículo são as disciplinas de História e Geografia, que

foram transformadas em Estudos Sociais para sintetizar o ensino sobre a sociedade e

diminuir o número de docentes, “um conteúdo aligeirado de História e Geografia, de

caráter dogmático, passou a prevalecer nos oito anos do primeiro grau” (BITTENCOURT,

2012, p.84). Portanto, o currículo que prevaleceu na Escola de 1º Grau Santo Estevão

Diácono, em 1979, deve ser analisado levando em consideração o novo currículo para o

ensino de 1º Grau estabelecido em 1971, considerando as influências sociais, politicas e

culturais que o determinaram. Vejamos agora em que consistem os documentos:

Os documentos datam do dia 11 de outubro de 1979 e possuem dados similares.

Contudo, cada um contém sua distinção. O primeiro documento14

trata-se de uma

declaração de confirmação de contrato ou nomeação dos professores para lecionar nas

disciplinas a que estão relacionados, a partir do ano letivo de 1979, na Escola de 1º Grau

Santo Estevão Diácono, na cidade de Caicó/RN, uma vez que a escola fosse reconhecida.

O documento contém as assinaturas dos contratados e tem como declarante o seu fundador

e diretor na época, o padre Edmund Kagerer. E o segundo documento15

é uma declaração

do corpo docente, relacionando cada professor à sua formação profissional. Ao ver esses

documentos, ou outros que constam a assinatura do diretor, pode-se observar que o

14

Ver anexo 2 15

Ver anexo 3

39

substantivo “padre” aparece em todos que ele os assina, essa parece ser uma característica

das escolas mantidas por instituições católicas.

Transcrevemos, abaixo, as 22 (vinte e duas) disciplinas citadas no primeiro

documento, com a relação dos respectivos professores, e acrescentamos, do segundo

documento, a formação de cada um deles:

Disciplina

Professor

Formação

Português Maria de Lourdes Dantas Licenciatura Plena em

Letras

Educação Artística Maria Alice Dantas Licenciatura Curta em

Téc.Com.

Educação Física César Augusto Maynard I nível de Matemática

Educação Física Pedro Cândido Filho Auxiliar de Escritório

História e Geografia Vanez Dantas de Araújo Egresso II História

Educação Moral e

Cívica, Ciências e

polivalente

Elizabeth Alves de Medeiros IV nível de Geografia

Matemática e Ciências Rita Dantas Licenciatura Plena em

Geografia e cursando o I

nível de Matemática

Ciências e Polivalente Maria Ozinete de Medeiros VIII nível de Letras

Inglês Djany Nobrega Maynard CADES – reg.45 110

Introdução ao Trabalho Elvira Helena da Silva Cursando o LOGOS II

Ensino Religioso Francinete Alves Pereira Auxiliar de Escritório

Polivalente Ana Cércia de Medeiros Cursando o LOGOS II

Polivalente Ana Souza Magistério

Polivalente Evani Muniz Magistério

Polivalente Francisca Duarte da Costa IV nível de Geografia

Polivalente Lucélia Dantas de Sena Magistério

Polivalente Maria das Graças Dantas e Silva II nível de Estudos Sociais

40

Polivalente Maria Nazaré dos Santos Magistério

Polivalente Mariana Medeiros dos Santos VIII nível de Pedagogia

Polivalente Marli Rodrigues Machado Magistério

Polivalente Marli Santos da Costa Magistério

Polivalente Nadir dos Santos Figueiredo IV nível de Letras

Tabela organizada pela autora

Nos documentos fica notório que a maioria dos professores não possuía uma

formação completa a nível acadêmico, alguns tinham apenas o Magistério e outros nem

eram formados para dar aula.

Dois dos contratados estavam cursando o LOGOS II, que foi um projeto implantado

em 1976 nos Estados do Piauí, Paraíba, Rio Grande do Norte e Rondônia, com o propósito

de formar professores leigos em regime emergencial, e tinha como objetivo geral habilitar

os professores não titulados, mas em exercício nas 04 (quatro) primeiras séries do 1º grau,

mediante ensino à distância (ANDRE; CANDAU; 1983). Outro fato a se notar, é que era

comum para a época que muitos desses professores estivessem nos níveis iniciais de suas

graduações, e ensinavam em disciplinas de outras áreas, a exemplo do professor cursando

o primeiro nível de Matemática que dava aula de Educação Física, e a professora no VIII

nível de Letras ensinando Ciências e polivalente16

. Dos 22 (vinte e dois) contratados 10

(dez) eram de ensino polivalente. Em relação à polivalência e ao professor polivalente,

Silva Cruz (2012) afirma que:

[...] a noção de polivalência estaria associada a um sentido

generalista e superficial de trato com os conteúdos curriculares

denotando uma relação economicista de relação „custo-benefício‟

sob a justificativa de se suprir o déficit de professores para atuarem

na crescente população escolar com ensino obrigatório estendido

no período de oito anos. Já a noção de professor polivalente seria

associada à visão de que este seria um profissional que transita por

diferentes áreas de conhecimentos articulando saberes e

procedimentos. (SILVA CRUZ, 2012, p. 2900)

16

Os professores polivalentes são aqueles que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental, ensinando a

uma turma todas as disciplinas.

41

Podemos concluir, neste caso, que a Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono,

tratando-se de uma instituição basicamente filantrópica, que deveria manter-se à base de

doações e de ações para arrecadação de dinheiro na própria instituição, pode justificar a

prevalência de polivalentes no seu corpo docente como uma forma de economizar gastos,

podendo também ser possível uma mobilidade de professores entre as séries.

Desse total de contratados, apenas 03 (três) professoras eram licenciadas, sendo que

(02) duas delas tinham Licenciatura Plena e (01) uma era formada em Licenciatura Curta, e

deste já pequeno número, apenas uma atuava em sua área. Essa divisão de Licenciaturas

surgiu no país a partir da Lei 5.692/71. As Licenciaturas Curtas foram criadas para atender

a uma nova demanda de professores, num contexto em que se exigia uma formação rápida,

onde o individuo poderia dar aulas com uma restrição, ensinar para a pré-escola e em casos

de complementação até a quarta série. Mas, se a pretensão era a de lecionar em todos os

níveis escolares aí seria necessário a Licenciatura Plena, que tratava-se de um curso

completo que habilitava o professor para ensinar à pré-escola, de primeira à quarta série e

dar aula até o fim do ensino fundamental. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

(LDB) 17

, de 1996, as licenciaturas curtas deixam de existir, e continuam as Licenciaturas

Plenas, somente denominadas de Licenciatura.

Em relação às disciplinas mencionadas nos documentos, podemos fazer uma

pequena conjectura. Suponhamos que um aluno da Escola de 1º Grau Santo Estevão

Diácono tendo iniciado seus estudos já nos anos 2000, observe esses documentos com as

disciplinas ofertadas na escola no período de sua formulação, ele provavelmente está

habituado a ver disciplinas como Português, Matemática, Geografia e tantas outras que

fazem parte do seu cotidiano, mas qual seria sua reação ao ver disciplinas como Introdução

para o Trabalho e Educação Moral e Cívica? Ele no mínimo as acharia diferentes, ou até

mesmo estranhas, haja vista que essas disciplinas não são ensinadas nos dias de hoje.

As disciplinas ministradas eram Português, Educação Artística, Educação Física,

História e Geografia juntas, Educação Moral e Cívica, Ciências, Inglês, Introdução para o

Trabalho, Ensino Religioso. Essas disciplinas contavam como metade do currículo da

escola, e a outra metade consistia em ensino polivalente.

17

Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,

está em vigor atualmente, com algumas mudanças.

42

As disciplinas de Introdução para o Trabalho e Educação Moral e Cívica entraram

no currículo com a implantação da lei de 1971, nas alíneas “a” e “b”, do parágrafo 2º do

artigo 5º, e no artigo 7º, respectivamente:

[...] a) terá o objetivo de sondagem de aptidões e iniciação para o

trabalho, no ensino de 1º grau, e de habilitação profissional, no

ensino de 2º grau; b) será fixada, quando se destina a iniciação e

habilitação profissional, em consonância com as necessidades do

mercado de trabalho local ou regional, à vista de levantamentos

periodicamente renovados. (BRASIL, 1971).

Art. 7º Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica,

Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos

currículos plenos dos estabelecimentos de lº e 2º graus, observado

quanto à primeira o disposto no Decreto-Lei n. 369, de 12 de

setembro de 1969. (BRASIL, 1971)

A disciplina Moral e Cívica já havia surgido anteriormente à lei de 1971, a partir de

1969, mas tornou a constar no currículo de 1971 e perdurou obrigatoriamente nos

currículos, como disciplina escolar e prática educativa em todos os níveis de ensino no

país, até o ano de 1993. A discussão em torno do civismo era uma das grandes

preocupações dos militares durante a ditadura, já que utilizaram a educação de forma

estratégica para o controle da população. Segundo Filgueiras (2006), a institucionalização

dessa disciplina fazia parte de um projeto politico nacional que procurou construir um

ideário patriótico, com uma nação forte, que ressaltava os valores da moral, da família, da

religião, e da defesa da pátria, fixando nos jovens e crianças valores anticomunistas.

Partindo desse contexto, não contrariando ao governo repressor militar, a Escola de 1º

Grau Santo Estevão Diácono seguiu os padrões de ensino impostos pelas politicas

educacionais e a disciplina Moral e Cívica constou no seu currículo por mais de uma

década.

A disciplina de Introdução para o Trabalho, na escola pesquisada foi além da sala de

aula. Saindo da aula teórica, os alunos aprendiam na prática a exercer funções que lhe

proporcionariam experiências com trabalhos manuais. A respeito disso, a ex-diretora

Miracy Soares Cunha relatou que, além do trabalho ensinado aos alunos na carpintaria,

onde eles poderiam aprender a fazer pequenos móveis e utensílios, e dos cursos destinados

ao ensino doméstico, os alunos também aprendiam a plantar legumes, hortaliças, grãos,

frutas e a criar animais, como galinhas, ovelhas, porcos e vacas. Inclusive, aprendiam a

43

tirar o leite que seria usado na merenda da escola, como fonte de renda para a mesma, e

que era levado pelas crianças para casa, assim como parte de tudo que elas colhiam. O

ensino da iniciação para o trabalho na Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono possuía

um caráter técnico, contudo, as atividades, em grande parte, serviram para suprir

necessidades de subsistência das crianças e para manter a escola funcionando.

As disciplinas de História e Geografia são apresentadas como uma disciplina única,

as quais, segundo Bittencourt (2012), mais à frente seriam chamadas de Estudos Sociais.

Elas sintetizariam o ensino sobre a sociedade, diminuindo o número de docentes. Havia

uma redução significativa do conhecimento histórico a que os alunos teriam acesso, eram

feitos resumos simplificados, que visavam engrandecer os heróis nacionais. A disciplina

tinha como objetivo veicular uma “história nacional” e construir na mente das crianças

uma “identidade nacional”, bem como o de “criar meios de frear a inquietude de uma

geração em um mundo submetido a um ritmo acelerado de transformações de seus valores

tradicionais, tais como família, as condições de trabalho e a ética” (BITTENCOURT,

2012, p. 74). O ensino de História nas séries iniciais tornou-se a rememoração da

“descoberta do Brasil”, da “independência do Brasil”, “da abolição da escravatura”, e da

“proclamação da República”. Inclusive, era obrigatório sair ao pátio da escola e cantar o

Hino Nacional no Dia da Bandeira. Essa era uma das disciplinas em que predominava o

método de ensino voltado para a memorização, era preciso saber de cor datas, nomes e

acontecimentos, repetindo automaticamente o que estava escrito nos livros.

Com essas observações acerca das disciplinas presentes na Escola de 1º Grau Santo

Estevão Diácono, no ano de 1979, concluímos que o currículo parte de uma construção

social, justificando as intenções básicas da escolarização em determinado contexto

histórico (FILGUEIRAS, 2006). Através dele, o historiador pode ter uma fonte documental

importante para compreender e analisar as modificações ocorridas no meio educacional,

bem como das politicas públicas que foram aplicadas e qual a intenção ao se propor tais

medidas. Portando, a construção curricular da escola, em 1979, atende às aspirações do

governo militar, que interferiu no sistema educacional reformulando leis, reestruturando

sua organização interna, reorganizando currículos, implementando disciplinas que

tenderiam a manejar a população e, principalmente, criar um sentimento de patriotismo nas

crianças.

No próximo capítulo, buscaremos relacionar a Memória e a História através das

lembranças de ex-professores que fizeram parte da história da Escola de 1º Grau Santo

44

Estevão Diácono, quando daremos voz a esses agentes que participaram da história dessa

instituição. Construímos uma colônia de narradores buscando a rememoração da Escola

Santo Estevão Diácono nos relatos de seus antigos funcionários. Poderemos assim, evocar

o passado através de suas lembranças, tornando-se possível outra visão sobre a escola, haja

vista que as memórias dos entrevistados são fontes do tempo vivido na escola, desde sua

fundação até a mudança de nome.

45

CAPÍTULO 3 – Rememorando a instituição: a escola através das lembranças de seus

funcionários

Nesta parte do nosso trabalho, buscamos relacionar a Memória e a História através

das lembranças de agentes que fizeram parte da história da Escola de 1º Grau Santo

Estevão Diácono. Utilizamos os relatos de ex-professores para evocar um passado comum

acerca da construção da instituição, e ao mesmo tempo convocamos um passado individual

com as experiências de cada indivíduo, suas intenções e memórias distintas.

Rememoramos a instituição através dessa pequena colônia de narradores, com o objetivo

de ter uma representação da vivência dos indivíduos nesse meio social e como eles

contribuíram para que essa história se concretizasse.

Segundo Jacques Le Goff (1994), o conceito de Memória é fundamental, para ele a

memória é a propriedade de conservar determinadas informações, como um conjunto de

funções psíquicas em que o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou

que ele representa como passadas, tendo em vista que a memória também é subjetiva. Na

definição de Memória constante no Dicionário de Conceitos Históricos, de Kalina

Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva (2009), a Memória está nos próprios alicerces da

História, confundindo-se com o documento, com o monumento e com a oralidade. Ao final

da década de 1970, os historiadores da Nova História começam a trabalhar com a

Memória, transformando-a em objeto de estudo da historiografia. Por conseguinte, houve a

distinção entre História e Memória. Segundo os autores, a História representaria fatos

distantes, acontecimentos colocados para a sociedade, enquanto a Memória age sobre o que

foi vivido, sobre a reação que o fato causa no indivíduo ou na comunidade em que ocorreu.

Segundo Maria Elisabeth Blanck Miguel (2012), a relação entre a História, a

Memória e as instituições escolares compreende a duas grandes categorias e uma

subcategoria. A História e a Memória são consideradas grandes categorias, sendo a

Memória componente da História e elemento necessário da mesma. As instituições

escolares seguiriam na condição de subcategoria, pois fazem parte da História da Educação

e consequentemente da Memória. Miguel examina que há duas possibilidades de abordar a

relação entre História, Memória e instituições escolares: a primeira é aquela que estuda as

instituições escolares enquanto unidades específicas; e a segunda é o estudo do processo

46

histórico da construção da escola enquanto instituição. Estudando as instituições como

unidades específicas, são incluídas, por exemplo:

[...] o estudo da história de um grupo escolar em um determinado

período, sua organização, seu funcionamento, alunos, formação de

seu corpo docente e demais componentes que constituem a sua

existência, enquanto um determinado tipo de escola. É possível

neste enfoque procurar compreender o significado desse tipo de

escola para a população e o Estado que o provê, a partir de

elementos ou indicadores que possibilitem a reconstrução da

história daquela escola. (MIGUEL, 2012. p.245)

Aqui vamos um pouco além das considerações da autora para se estudar uma

instituição escolar como unidade específica, tendo em vista que ela utiliza a memória

contida em documentos impressos. Nós utilizamos as memórias individuais de pessoas que

fizeram parte da construção histórica da escola Santo Estevão Diácono, para compreender

esse todo social, através de seus relatos e experiências pessoais que lhe ocorreram na

instituição pesquisada. Essas narrativas nos permitem confrontar histórias de vida de

pessoas que vieram de localidades distintas, tinham diferentes intenções que as levaram

para aquela escola, e que são portadoras de memórias e interpretações diversas sobre

acontecimentos que tiveram lugar em um mesmo espaço social.

3.1 – Perfis dos entrevistados

Como dito anteriormente, os entrevistados são ex-professores da Escola de 1º Grau

Santo Estevão Diácono, em sua maioria aposentados, e fizeram parte da construção de sua

história. Cada uma dessas pessoas inicia a experiência de docência na escola, em anos

diferentes. Uma entra logo durante a fundação, em 1975, e é uma das primeiras professoras

a dar aula na escola; outra ingressa em 1978 e assiste às obras assistencialistas em ação;

outra começa em 2003, quando a escola já é mantida pelo Estado, e o ultimo entrevistado

entra na escola em 1983 como professor e atualmente é o diretor da nova escola, assistindo

a transição da Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono para a Escola Estadual Padre

Edmund Kagerer.

As entrevistas não foram realizadas na ordem descrita acima, mas para termos uma

sequência melhor definida colocaremos os entrevistados seguindo a sequência dos

47

respectivos anos em que entraram no corpo docente da instituição, colocando o atual

diretor da E.E.P.E.K como quarto entrevistado.

1ª entrevistada: Maria de Lourdes Dantas, 67 (sessenta e sete) anos. Nasceu no município

de São José do Seridó, no Estado do Rio Grande do Norte, em 09 de julho de 1948. É

professora aposentada, trabalhando atualmente como coordenadora administrativa

financeira na Escola Estadual Padre Edmund Kagerer. Ela iniciou seu trabalho de docência

na Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono no dia 14 de fevereiro de 1975, sendo uma

das primeiras professoras da escola. Ensinou Português, Matemática, Moral e Cívica,

Ensino das Artes e atuou também no ensino polivalente.

2ª entrevistada: Francisca Dilma de Brito Moraes, 62 (sessenta e dois) anos. Nasceu no

município de Jucurutu, no Estado do Rio Grande do Norte, no dia 24 de dezembro de

1953. É professora aposentada e participou da docência da escola do ano de 1978 a 2005,

lecionando no ensino polivalente

3ª entrevistada: Lindalva Oliveira Lima Dantas, 53 (cinquenta e três) anos. Nasceu no

município de Campina Grande, no Estado da Paraíba, no dia 10 de outubro de 1962. É

professora aposentada, e trabalhou na escola de 2003 a 2011, após ela sua cessão ao Estado

do Rio Grande do Norte. Era professora de Geografia, foi coordenadora pedagógica e

lecionou no Ensino de Jovens e Adultos (EJA).

4º entrevistado: Nilson Teixeira de Araújo, 62 (sessenta e dois) anos. Nasceu no

município de Caicó, no Estado do Rio Grande do Norte, no dia 17 de setembro de 1953.

Iniciou suas atividades na escola no ano de 1983, como professor de Educação Física, e

atualmente é diretor da Escola Estadual Padre Edmund Kagerer.

3.2 Recordando o passado: a escola pelo olhar afetivo de seus funcionários

Não objetivamos fazer reflexões acerca da História Oral, mas a utilizamos, aqui,

como método para extrair dos nossos entrevistados o maior número de informações

48

possível, seguindo os passos do Manual de História Oral, de José Carlos Sebe Bom Meihy

(1998).

Segundo Verena Alberti (2005), ao se utilizar a História Oral como método ela não é

encarada como um fim em si mesma, mas como um meio de conhecimento. Ela pode ser

utilizada no contexto de uma investigação científica com um projeto de pesquisa

previamente definido, onde devem ser estabelecidas questões que justificarão o porquê da

investigação. As entrevistas de História Oral tornam-se assim, fontes para a compreensão

do passado conforme os documentos escritos, imagens e outros tipos de registro. As

entrevistas que foram realizadas com os ex-professores nos serviram como fontes, para

compreender como esses indivíduos experimentaram e interpretaram os acontecimentos e

as situações que ocorreram na escola durante o período em que estiveram naquele espaço.

Segundo David Lowenthal (1998) toda a consciência do passado está fundada na

memória, “através das lembranças recuperamos consciência de acontecimentos anteriores,

distinguimos ontem de hoje, e confiamos que já vivemos um passado” (LOWENTHAL,

1998. p.75), e é a partir dessa consciência de passado, pelas lembranças, que buscamos

estimular nossos entrevistados à rememoração do que vivenciaram na escola, através de

um roteiro com perguntas objetivas, conseguimos estimular a memória de nossos

depoentes.

Questionamos os entrevistados acerca de como era trabalhar na escola, quais seriam

os pontos negativos e positivos para eles, principalmente durante o período inicial em que

estiveram lá. Obtivemos respostas diferenciadas e que nos chamaram atenção quanto à

percepção de cada um sobre o que deveria ser levado em consideração como negativo ou

positivo:

(...) Tudo era muito difícil, porque não existia material didático de

maneira nenhuma. Ér, (...) inclusive quando a gente iniciou lá, nem

carteira tinha pra os alunos sentar e sentavam no chão. E não tinha,

não tinha merenda escolar porque a escola era da Diocese, não era

do Estado, então tudo era muito difícil. A merenda escolar, por

exemplo, era padre Edmundo, mandava plantar milho ali atrás na

parte da of (...) da oficina, que é a oficina. E depois mandava, Zé

Brito moía e fazia um angu de água com, com fubá né. A merenda

era essa. Ai nós, os professores da tarde, a gente doava o açúcar,

(...) que era pra ficar, (...) pra dar o, (...) a papa doce a eles.

(Informação verbal) 18

18

Entrevista concedida por DANTAS, Maria de Lourdes. Entrevista I. (nov. 2015) Entrevistador:

Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (13m 26s), p. 1-5.

49

(...) Naquele tempo era muito bom, né (risos). Eu tive boas

diretoras né. (...) Fui muito bem acolhida lá quando cheguei e era

muito bom, foi tanto que eu passei 28 anos, né, lá. E os pontos

negativos é só que tem pessoas que não querem colaborar né, com

a gente. (...) As vez deixa a gente nervosa. Um aluno ficava

atrapalhando, um aluno de outra sala de aula ficava atrapalhando, a

gente pedia ajuda, num tinha uma pessoa pra ficar ajudando, né.

(Informação verbal) 19

(...) Eu gostei muito de trabalhar lá. Primeiro porque era perto da

minha casa e isso é até um ponto positivo. É uma escola boa, uma

clientela boa e, (...) foi muito bom. O pessoal muito bom também,

de trabalhar. Alunos conhecidos né, de famílias aqui dos bairros. E

o ponto negativo foi assim, porque, (...) por exemplo, o período

que a gente trabalhou na escola antiga era, era, “tava” muito

estragada, num sabe? (...) Mas o resto foi muito bom. (Informação

verbal) 20

(...) Porque é, é o seguinte, a escola Santo Estevão sempre foi uma

escola bem sucedida, reconhecida em Caicó como uma escola

padrão, uma escola boa, então a gente, (...) e até hoje continua

ainda, (...) apesar de ter mudado de nome, diminuído o numero de

aluno, mas é uma escola que se destaca dentro do cenário

educacional aqui de Caicó. (Informação verbal) 21

Partindo desse questionamento evidenciamos momentos diferentes da história da

instituição na memória dessas pessoas. A primeira entrevistada leva em consideração as

dificuldades que a instituição enfrentou no inicio de sua trajetória, em 1975, como foi

referenciado no primeiro capítulo, a escola funcionava com recursos mínimos e através de

doações de entidades filantrópicas internacionais. Ao falar da falta de merenda escolar e do

empenho do padre em conjunto com os professores para que as crianças tivessem o que

comer na escola, Dona Lourdes, como é conhecida na escola, demonstra o caráter

assistencialista que seria empreendido durante os próximos anos na instituição. O relato da

professora Dilma, que ingressou em 1978, revelou outra visão acerca da vivência na

escola, para ela o lado positivo era a boa relação com os colegas de trabalho e o ponto

19

Entrevista concedida por MORAIS, Francisca Dilma de Brito. Entrevista II. (set. 2015) Entrevistador:

Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (13m 59s), p. 1-9. 20

Entrevista concedida por DANTAS, Lindalva Oliveira Lima. Entrevista III. (nov. 2015) Entrevistador:

Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (6m 44s), p. 1-4. 21

Entrevista concedida por ARAÚJO, Nilson Teixeira de. Entrevista IV. (nov. 2015) Entrevistador:

Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 2 arquivos. Àudio/wav (5m 1s), p. 1-3.

50

negativo se dava em sala de aula, com o mau comportamento de alguns alunos e a falta de

apoio para contê-los.

O terceiro relato, da professora Lindalva, deixa em evidência o estado físico da

escola alguns anos após ela ser cedida ao Estado, o prédio ainda era o da época da

fundação, e não estava em boas condições de funcionamento, a espera do prédio que seria

entregue pelo Estado estava se arrastando há anos. Já o atual diretor da Escola Padre

Edmund Kagerer não aponta pontos positivos ou negativos, ele considera que a escola

sempre foi bem sucedida e reconhecida no cenário Educacional de Caicó/RN, essa fala se

ajusta ao contexto em que ele entrou na escola, 1983, nesse período as obras

assistencialistas da escola, em conjunto o Centro de Promoção Social, foram amplamente

reconhecidas no meio social do município, principalmente por fornecer medicação à

população no posto de saúde.

O caráter assistencial da escola fez parte do cotidiano da professora Lourdes, da

professora Dilma e do professor Teixeira, ambos ingressaram na docência da escola antes

que se tornasse estadual, portanto possuem lembranças desse período:

(...) La sempre foi assistencialista. (...) Padre Edmundo ele

conseguia ér (...) verbas do exterior, da Europa, ai ele fundou a

creche, ai tinha um clube de mães que inclusive davam (...) quem

estava gestante recebia todo o enxoval da criança, ai tinha o clube

de jovens que eles ensinavam musica, faziam muitos passeios. (...)

A enfermaria com o posto de saúde, tinha médico, tinha remédio, o

remédio era doado. Tinha a igreja também né? Que tinha as

associações. Funcionava tudo ali como um só conjunto, escola,

creche é, posto de saúde, igreja e assistência social às famílias.

(Informação verbal) 22

(...) Tinha dentista, tinha né (...) fazia “érr”, tinha aquelas hortas né

(...) comunitárias que a professora era até, como era o nome dela?

Elvira, trabalhava com hortas, sabe? (...) Naquela época tinha. Na

época que eu cheguei aí tinha muita coisa. (Informação verbal) 23

(...) A escola tinha o, (...) através do centro de promoção Santo

Estevão Diácono, tinha um posto de saúde que funcionava dentro

22

Entrevista concedida por DANTAS, Maria de Lourdes. Entrevista I. (nov. 2015) Entrevistador:

Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (13m 26s), p. 1-5. 23

Entrevista concedida por MORAIS, Francisca Dilma de Brito. Entrevista II. (set. 2015) Entrevistador:

Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (13m 59s), p. 1-9.

51

da escola. Tinha creche, é tinha, tinha pré-escola. (Informação

verbal) 24

Outra das questões que colocamos aos nossos depoentes foi acerca do ensino.

Percebemos em algumas falas a influência da pedagogia tradicionalista, principalmente no

que se refere ao disciplinamento do aluno em sala de aula, com as professoras que estavam

nos anos iniciais depois da fundação da escola. Segundo Dilma Brito, ela conseguia

dominar o aluno em sala de aula, em um momento até se considera rígida ao impor

autoridade. Esse sentido de autoridade maior dirigida ao professor é predominante na

metodologia da Escola Tradicionalista, como abordamos no capítulo anterior. A Dona

Lourdes relembra que o ensino era mesmo tradicionalista, citando a Lei 5.692/71, que

regulava as politicas educacionais ainda no ano de 1975, segundo ela também havia uma

maior participação das famílias no meio escolar, havia certo acompanhamento dentro da

escola, e maior valorização do ensino por parte dos familiares dos alunos, isso nos anos 70

e 80 do século XX.

Ao buscarmos estimular a emergência de memórias afetivas nas lembranças de

nossos depoentes, fizemos perguntas a respeito de seus vínculos pessoais com a instituição,

se possuíam uma memória marcante relacionada à escola, e qual a primeira recordação que

lhes vinham à mente ao relembrar da Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono. Foi

possível observar tipos de relações de afetividade significativamente distintas entre os

professores. Há aqueles que se mostram sensíveis ao relembrar de um aluno, há aquele que

objetiva crescer profissionalmente, há aquele que sente saudades da amizade e das

confraternizações depois do expediente e há aquele que diz não ter um vinculo afetivo com

a escola, mas que sente orgulho ao relembrar do empenho de seus alunos nos jogos

escolares. Segundo Alistair Thomson (1997), esse processo de recordar é uma das

principais formas de identificarmos o que pensamos que éramos no passado, quem

pensamos que somos no presente e o que gostaríamos de ser, e sob essa ótica percebemos

que nossos narradores trazem representações de si mesmo em um passado vivido na escola,

eles compõem reminiscências que lhes dão um sentido mais satisfatório ao tempo de

trabalho na escola.

24

Entrevista concedida por ARAÚJO, Nilson Teixeira de. Entrevista IV. (nov. 2015) Entrevistador:

Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 2 arquivos. Àudio/wav (5m 1s), p. 1-3.

52

O primeiro relato que abordaremos é o de Dona Lourdes. Ao questioná-la sobre uma

memória marcante que ocorreu na escola, ela expõe um dado não muito conhecido hoje na

comunidade próxima à escola. Ela refere-se a uma grande taxa de mortalidade de alunos da

Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono. Conta-nos que muitos alunos morriam durante o

ano letivo, que havia muitos suicídios e acidentes com armas de fogo na época, mas o

principal motivo das mortes dos alunos era o atropelamento. Segundo a mesma, ela

começou a contar as mortes, e, quando atingiu o número de 150 (cento e cinquenta)

acidentes fatais, ela parou de contar, por não aguentar a tristeza. No trecho abaixo é

relatado o ultimo acidente que Dona Lourdes teve conhecimento:

(...) Esse índice de mortalidade que tinha de aluno de lá. Tinha

muito aluno, muito aluno que ia a óbito. Eu também não sei se os

acidentes automobilísticos eram porque a escola era próxima a uma

rodovia né. Não sei se era isso, sei que a, (...) o ultimo acidente ér,

(...) a menina era minha aluna, eram duas e morreram ali em Nova

Descoberta. Saíram da escola, pegaram uma carona no coletivo,

desceram do coletivo ali em Nova Descoberta e quando

atravessaram a pista, um carro vinha e matou as duas. E as duas

eram minhas alunas, eram crianças de 7 anos e (...) assim, eu acho

que por providência da, da natureza deu uma chuva muito grande

depois do acidente que não ficou nenhum resquício de sangue na

pista. (Informação verbal) 25

Ao levantarmos a questão dos laços afetivos, Dona Lourdes relembra das amizades e

da confiança mútua que tinha com os colegas de trabalho, com os pais, e com os próprios

alunos:

(...) então havia uma amizade, uma confiança muito grande assim

dos pais com os professores e havia um, uma amizade, uma

brincadeira entre professores e alunos sempre que a gente sentava

ali naqueles alpendres e ficava conversando com os alunos. (...) E

na sala de aula era, era mantida a hierarquia, mas fora da sala de

aula era como se nós fossemos todos amigos, um personagem só.

(Informação verbal) 26

25

Entrevista concedida por DANTAS, Maria de Lourdes. Entrevista I. (nov. 2015) Entrevistador:

Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (13m 26s), p. 1-5. 26

Ibid., p.4

53

É nítida a relação afetiva que se estabeleceu nos anos de convivência na escola por

parte da entrevistada. Ela rememora as amizades com um sentimento de saudade, fala que

além do espaço de trabalho, elas se estendiam nos encontros sociais na cidade, como o

encontro das sextas-feiras depois do expediente para beber e jogar conversa fora. E que em

conjunto com os colegas de trabalho, buscava melhorar a qualidade da escola para os seus

alunos:

(...) no inicio a gente fazia muita festa pra poder sustentar a escola.

Fazia forró, passava a noite todinha fazendo aqueles forró,

vendendo bebida e ouvindo piada e tudo mais, mas a gente era

jovem não é, gostava também da festa e trabalhava mesmo assim

pra, pra ter uma escola melhor, pra dar alguma coisa melhor para

nossos alunos, já que, que o governo não contribuía com nada nem

a Diocese também né. (Informação Verbal) 27

A professora Dilma Brito também fala das festinhas com saudade. Relembra que a

direção chamava os professores para lavar a escola aos sábados, para fazer a limpeza, e

isso era uma grande festa para ela, todos reunidos e se confraternizando. Ela se sentia parte

de uma família. Ao indagarmos sobre algo marcante que aconteceu na escola, ela nos conta

uma memória acerca de um aluno que ela chama de especial, falando dele com um carinho

contagiante, inclusive, se emocionando ao contar sua lembrança. É um relato um pouco

extenso, mas, para entendermos a história e a emoção da entrevistada, é necessário a sua

transcrição fielmente:

(...) Aí uma coisa que me marcou muito que eu nunca esqueci, até

meu ex-aluno já até faleceu. Ele era muito, ele era meio especial.

Todos nós somos especiais, mas ele era um pouquinho mais. Aí ele

brincava muito. Ele trazia uns cavalinhos, umas coisinhas,

brinquedinhos de, de plástico, sabe? (...) E num aprendia a ler, eu

ia passando e ele ia ficando comigo, que num aprendia que num

prestava muita atenção ai ficava nessas brincadeiras. Aí uma vez eu

mandei buscar um, um livro de classe pela líder de classe né. Eu

esqueci de pegar o, o, (...) pra fazer a chamada e mandei o menino

pegar, (...) aí ia lá no andar, disse que não podia e eu, eu fiquei né,

de cabeça quente e sai com raiva e fui pegar o livro e quando eu

cheguei, Joãozinho “tava” com os bonequinho tudo brincando, (...)

eu nunca esqueci disso. Até quando eu, ele morreu, eu chorei muito

me lembrando. Aí eu estava com raiva por causa de outro motivo

27

Ibid., p.5

54

né, e me vinguei. Peguei os “cavalinho” dele “tudinho” e joguei em

cima do telhado, aqueles “telhadinho” que tinha ali, você sabe. (...)

Ai quando eu joguei nos “telhado” que ele começou a chorar e

reclamar que era os “cavalinho” dele e tudo aí eu me arrependi. Eu

chorando no quadro, de costas, chorando, arrependida pelo ato que

eu tinha feito, (...) então o que é que eu fiz. Ele pedindo pra ir

buscar uma escada pra pegar e eu não deixava, mas aí quando eu

me concentrei mesmo, disse "vá, Joãozinho!". Que eu vi quando

ele saiu todo feliz correndo com os braços pra cima, aí foi que isso

me marcou muito. Eu nuca esqueci (...) (Informação Verbal) 28

A professora Dilma Brito criou um laço de afetividade muito forte com os alunos,

essa poderia ser uma das características dos professores polivalentes, tendo em vista que só

leciona em uma única turma todo o ano letivo. Essa professora, em especial, estabeleceu

uma relação de troca afetiva com uma turma do ano de 1999 ao ano 2002. Ela seguiu a

turma conforme os anos avançavam. Ensinou a primeira série em 1999, e a segunda no ano

2000, no ano seguinte, não querendo tirar a turma da professora que lecionava apenas à

terceira série, a professora Dilma não seguiu a turma, mas, na quarta série, em 2002,

retorna a lecionar na sua turma. Hoje, ela ainda guarda fotos dessa e de outras turmas, e

alguns de seus ex-alunos, mesmo depois de adultos, ainda a chamam de “Tia Dilma”.

Os outros entrevistados possuem uma relação diferenciada dos demais em se

tratando de afetividade. Como memória marcante, a professora Lindalva Dantas relata sua

experiência como coordenadora pedagógica da escola e a sua participação no programa de

Ensino a Jovens e Adultos (EJA):

(...) Eu lembro assim, da, da, (...) principalmente do, (...) do

período que eu trabalhei no Jovens e Adultos, eu fui muito feliz. Eu

adorei, eu amei trabalhar lá de Educação de Jovens e Adultos. Eu

me identifiquei muito. A gente passou um ano muito produtivo em

2009 e sempre quando eu passo ali, eu me lembro daquele ano, de

2009, porque foi um ano de muitas realizações. Quando chegou no

final do ano, a gente ganhou até um prêmio, eu e o professor Djanir

fomos ér (...) é apresentar nosso trabalho em Natal, de Educação de

Jovens e Adultos. A gente ganhou como os melhores projetos de,

de, de Educação de Jovens e Adultos e sempre quando eu passo lá,

eu lembro, daquele ano que foi muito feliz. (Informação Verbal) 29

28

Entrevista concedida por MORAIS, Francisca Dilma de Brito. Entrevista II. (set. 2015) Entrevistador:

Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (13m 59s), p. 1-9. 29

Entrevista concedida por DANTAS, Lindalva Oliveira Lima. Entrevista III. (nov. 2015) Entrevistador:

Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (6m 44s), p. 1-4.

55

A experiência em caráter profissional na escola Santo Estevão Diácono é o que

marca a memória da entrevistada. Ela afirma se doar de corpo e alma no empreendimento

daquele trabalho, principalmente na época em que foi coordenadora pedagógica da escola,

e os laços de afetividade que ela construiu na escola foram apenas com alguns professores,

continuando com a amizade fora da escola.

Por último, quando indagamos ao professor Nilson Teixeira se ele teve algum

vinculo afetivo com a escola, para além do profissional, ele enfatizou que não, que só

atuou como professor e que está como diretor finalizando sua carreira. Indagamos, então,

sobre alguma memória acerca da escola e ele nos relatou o seguinte:

Sim, tinha sim porque é (...) eu vou falar da parte que, que da

minha disciplina que era Educação Física, justamente os, os

“aluno” eles tinha, tinha prazer, vocação de participar dos jogos e a

gente disputava com, com outras escola até particular como, por

exemplo, o Diocesano, Santa Terezinha e a gente disputava, é, por

igual e foi assim (...)

Apesar de negar uma afetividade com a escola, o professor Nilson Teixeira, ao falar

dos jogos que eram disputados entre as escolas na cidade, e do empenho de seus alunos ao

participarem dessas atividades esportivas, evidencia em sua voz um sentimento de orgulho.

Isso se manifesta, principalmente, por ser o técnico daqueles meninos, e de tê-los jogando

com escolas como o Colégio Diocesano Seridoense e o Externato Santa Terezinha, que são

consideradas grandes referências de ensino no município de Caicó/RN.

Buscamos estimular os nossos depoentes com questões diversas sobre o tempo

vivido na escola, para que surgissem memórias que fossem capazes de transmitir um pouco

de como foi o convívio social naquele espaço, como se deram as relações de afetividade

entre professores e alunos, e como era trabalhar naquela escola. Concluímos que, ao

utilizar a História Oral como metodologia, os relatos nos levaram a versões e

interpretações diferenciadas sobre um mesmo objeto. No processar dessas memórias, estão

presentes as dimensões do tempo individual e do tempo coletivo vivido na escola.

Halbwachs (1950) aponta que não há apenas uma memória coletiva sobre determinado

acontecimento, mas sim várias memórias, que podem se opor ou se complementar.

Portanto, aos buscarmos as memórias dos professores entrevistados, foi possível

compreender a história da Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono sob perspectivas

diferenciadas.

56

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização desta pesquisa, na forma que foi proposta, significou a junção de uma

série de métodos e conceitos para se perceber a construção histórica de uma instituição

escolar, a Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono. Tal trabalho foi possível graças à

ampliação dos objetos de estudo, novas abordagens e novas fontes que a História Cultural

traz à historiografia. Na visão da nova história, percebemos a relação entre história e

cotidiano, no qual o cotidiano de uma escola pode também ser estudado a partir de

pressupostos teórico-metodológicos da historiografia. Os olhares múltiplos sobre os

diversos aspectos das práticas educativas, como a história das disciplinas escolares, a

história das instituições escolares, a história da leitura, a história da profissão docente, a

história dos processos de escolarização e alfabetização, só foram possíveis depois que

alguns estudiosos fizeram a ponte entre História Cultural e História da Educação.

Partindo dessa relação entre História e Educação, tentamos analisar os processos

históricos que fizeram parte da trajetória da antiga escola, desde sua construção (1974) até

sua cessão do Estado (1997). Buscamos problematizar e historicizar esta instituição

expondo sua fundação, a mudança de localização, a mudança de nome e, por conseguinte

proporcionar à comunidade escolar uma leitura de história local a partir de suas vivências e

experiências enquanto atores sociais inseridos no contexto da comunidade escolar à qual

pertencem.

As fontes utilizadas neste trabalho são resultados de diálogos coletados pela

pesquisadora enquanto investigadora do cotidiano e das práticas sociais dos indivíduos na

instituição, além dos próprios documentos cedidos pela administração da nova escola. O

intercruzamento dessas fontes com as leituras e questionamentos, possibilitou um

aprofundamento da pesquisa no âmbito de uma pesquisa histórica. Através da

problematização dessas fontes podemos entender como se deu o processo de construção da

escola, como era a relação da escola com a comunidade, como seu fundador influenciou na

sua formação, e como ela é vista pelos atores que participaram dessa história.

Quanto ao assistencialismo prestado na escola de 1975 a 1997, fizemos uma

listagem de ações que foram empreendidas, como assistência médica e odontológica,

distribuição de medicamentos, horta comunitária e enfermaria. Foi possível compreender a

importância que a escola teve no meio social, como ela contribuiu para a formação dos

bairros da Zona Leste de Caicó/RN e para a sobrevivência das crianças carentes que

57

frequentavam a instituição. Foi possível também estabelecer uma relação das identidades

da instituição e do padre Edmund Kagerer, que empreendeu seus anseios de realizar

trabalhos de assistência social através da escola.

Fez-se também uma análise do ensino vigente na escola nas décadas de 1970 e 1980.

A escola seguia um ensino influenciado pela pedagogia tradicional, que primava pela

repetição e memorização dos conhecimentos pelos alunos. Foram evidenciados aspectos

presentes no currículo de 1979 e a formação dos professores. Constatou-se que a escola

seguia as diretrizes da reforma politica educacional da Lei 5.692 de 11 de agosto de 1971,

onde as liberdades democráticas sofriam repressão por parte do Estado autoritário e

ditatorial do regime militar no Brasil, e possuíam em seu currículo a disciplina de

Educação Moral e Cívica e de Introdução pra o Trabalho. Esta última foi além da sala de

aula e proporcionou aos alunos conhecimentos que serviam para suprir as necessidades de

subsistência das crianças, tendo em vista a situação de pobreza que foi relatada por uma de

suas professoras: elas aprenderam técnicas de carpintaria, aprenderam a plantar e a cuidar

de animais.

Por fim, ficaram expostos pontos de vista diversificados de sujeitos históricos que

fizeram parte da história da instituição. Realizamos 04 (quatro) entrevistas com ex-

professores que entraram na escola em momentos diferentes da sua história. Utilizamos a

História Oral como método, transformando as entrevistas em fontes para a compreensão do

passado, conforme os documentos escritos, traçamos o perfil dos entrevistados, e

rememoramos a instituição através dessa pequena colônia de narradores. Conseguimos ter

uma representação da vivência de cada indivíduo nesse meio social, que era a Escola de 1º

Grau Santo Estevão Diácono, e como eles contribuíram para que essa história se

concretizasse.

Levando em consideração a diversidade temática que a História Cultural dá ao

pesquisador, através da ampliação de abordagens e do uso de novas fontes, constatou-se

também que há uma variedade de objetos passíveis de análise de histórica, tomando como

lócus de trabalho a Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono. Há a possibilidade de se

fazer um estudo mais detalhado dos processos de ensino; uma análise sobre a permanência

de estrangeiros no Brasil durante a ditadura militar, tomando como objeto o fundador da

escola, padre Edmund Kagerer, e ainda reduzir o lócus de trabalho para o Seridó; podem-se

questionar as relações que se estabeleceram no processo de escolarização entre alunos e

58

professores, a saber, do mestre-escola; e também, é possível estudar os discursos que foram

construídos sobre, ou na instituição, bem como a imagem criada na população local.

Todos esses exemplos servem para dizer que a presente pesquisa aborda poucos

aspectos no grande mar de possibilidades que a Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono

possui de temas que um pesquisador pode trabalhar. E pode servir de ponto de partida para

algum pesquisador que busque estudar a história da instituição e realizar um trabalho de

continuação desta pequena apreciação.

59

FONTES CONSULTADAS

1 FONTES IMPRESSAS

1.1 ARQUIVO DA 10ª DIRED

Portaria nº 401/76 da Secretaria de Educação e Cultura, que autoriza o funcionamento da

escola – 1976.

1.2 ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL PADRE EDMUND KAGERER

Declaração de contrato de funcionários da Escola Santo Estevão Diácono - 1979.

Declaração do corpo docente - 1979.

Questionário informativo sobre o estabelecimento – 1979.

Processo de reconhecimento da escola – 1980.

Decreto nº 13. 556, que incorpora a escola à rede estadual de ensino – 1997.

Certidão da criação do estatuto escolar – 1998.

Decreto nº 18.709, regulamentando a nova nomenclatura da escola – 2005

1.3 TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTAS

SOUZA, Maria das Graças Batista. Reconstruindo a memória do Centro de Promoção

Social Santo Estevão Diácono: pelas mãos do austríaco a escola de faz em Caicó. 2005.

64 f. Monografia apresentada ao final do curso de Pedagogia, Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, Caicó, Rio Grande do Norte.

2 FONTES LEGISLATIVAS

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.692 de 11 de setembro de 1971. Fixa as Diretrizes e Bases para

o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências.

60

3 FONTES ORAIS

ARAÚJO, Nilson Teixeira de. Entrevista IV. (nov. 2015) Entrevistador: Franciscarla

Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 2 arquivos. Àudio/wav (5m 1s).

DANTAS, Maria de Lourdes. Entrevista I. (nov. 2015) Entrevistador: Franciscarla

Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (13m 26s).

DANTAS, Lindalva Oliveira Lima. Entrevista III. (nov. 2015) Entrevistador: Franciscarla

Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (6m 44s).

MORAIS, Francisca Dilma de Brito. Entrevista II. (set. 2015) Entrevistador: Franciscarla

Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (13m 59s).

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66

APÊNDICE A

ROTEIRO DE ENTREVISTA

1- Nome completo:

2- Local e data de nascimento:

3- Profissão:

4- Qual o período em que trabalhou na escola Santo Estevão Diácono, e qual era a sua

função?

5- Como era trabalhar na Santo Estevão Diácono? Quais os pontos positivos e

negativos em sua opinião?

6- Na sua época a escola já era mantida pelo Estado?

7- Houve alguma obra de assistencialismo? Como cursos de introdução ao trabalho ou

assistência médica?

8- Na sua época a Diocese exercia alguma influência na escola?

9- O ensino daquela época era diferenciado do ensino atual? Quais mudanças você

observa?

10- Você tem alguma memória marcante ocorrida ou relacionada à escola que queira

relatar?

11- Teve algum vínculo de afetividade com a escola? Quais lembranças te fazem sentir

saudade daquela época?

12- Guarda recordações, como fotos ou trabalhos de alunos ou turmas?

67

APÊNDICE B

TERMOS DE AUTORIZAÇÃO DA DIVULGAÇÃO DAS ENTREVISTAS

68

69

70

71

ANEXOS

Anexo 1

72

Anexo 2

73

74

Anexo 3

75

76

Anexo 4

77

78

Anexo 5

79

80

81

Anexo 6

82

Anexo 7

83

Anexo 8

84

Anexo 9 Anexo 10

Maria de Lourdes Dantas Francisca Dilma de Brito Moraes

Crédito: Franciscarla Casimiro de Oliveira Fonte: Acervo pessoal de Fca. Dilma de B. Moraes

Anexo 11 Anexo 12

Lindalva Oliveira Lima Dantas Nilson Teixeira de Araújo

Fonte: Acervo pessoal Lindalva O. L. Dantas Fonte: Acervo pessoal de Nilson Teixeira de Araújo

85

Anexo 13

Tuma 4ª série do ano de 2002,comemoração de natal

Fonte: Acervo pessoal de Francisca Dilma de Brito Moraes

Anexo 14

Tuma 4ª série do ano de 2002 em visita ao Açude Itans- Caicó/RN

Fonte: Acervo pessoal Francisca Dilma de Brito Moraes

86

Anexo 15

Padre Edmund Kagerer visitando a construção da escola Santo Estevão Diácono (1974)

Fonte: Acervo da Paróquia de Santo Estevão Diácono

Anexo 16

Primeiro prédio da Escola Santo Estevão Diácono (1975)

Fonte: Acervo da Paróquia de Santo Estevão Diácono

Anexo 17

Crianças trabalhando na horta da escola (197?)

Fonte: Acervo da Paróquia de Santo Estevão Diácono