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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO “O que você acha do uso de tu?”: a percepção da variação dos pronomes de 2SG no dialeto carioca Bruna Brasil Albuquerque de Carvalho 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

“O que você acha do uso de tu?”: a percepção da variação dos pronomes de 2SG

no dialeto carioca

Bruna Brasil Albuquerque de Carvalho

2019

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“O QUE VOCÊ ACHA DO USO DE TU?”: A PERCEPÇÃO DA VARIAÇÃO

DOS PRONOMES DE 2SG NO DIALETO CARIOCA

Bruna Brasil Albuquerque de Carvalho

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Letras Vernáculas, Faculdade de

Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do

título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua

Portuguesa)

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Célia Regina dos Santos

Lopes

Rio de Janeiro

Julho de 2019

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“O que você acha do uso de tu?”: a percepção da variação dos pronomes de 2SG no

dialeto carioca

Bruna Brasil Albuquerque de Carvalho Orientadora: Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Examinada por: _________________________________________________ Presidente, Profª. Doutora Célia Regina dos Santos Lopes _________________________________________________ Profª. Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ _________________________________________________ Prof. Doutor Thiago Laurentino de Oliveira – UFRJ _________________________________________________ Profª. Doutora Juliana Barbosa de Segadas Vianna – UFRRJ, Suplente _________________________________________________ Prof. Doutor Leonardo Lennertz Marcotulio – UFRJ, Suplente

Rio de Janeiro Julho de 2019

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CARVALHO, Bruna Brasil Albuquerque de. “O que você acha do uso de tu?”: a percepção da variação dos pronomes de 2SG no dialeto carioca. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ. 2019

RESUMO

Neste trabalho, são analisadas as formas pronominais de segunda pessoa do singular

(2SG) em posição de sujeito. Pesquisas anteriores, com base em análise de corpora,

indicam que você, a partir do século XX, foi ampliando seu escopo de uso no português

brasileiro (PB), sendo atualmente a forma preferencial e não-marcada de referência à

2SG no Rio de Janeiro, ao lado do pronome tu, que se manteve, restrito a situações de

maior intimidade e informalidade. Embora tu tenha perdido espaço para você, estudos

sincrônicos apontam para um “retorno” dessa forma ao dialeto carioca nos últimos anos.

A partir do quadro atual em que se encontra a variação pronominal de 2SG, essa

pesquisa tem como objetivo principal observar como os falantes do PB, em especial os

falantes cariocas, percebem as formas tu e você e se a percepção sobre a forma tu está

atrelada à falta de concordância verbal canônica, que é o mais usual entre os falantes do

Rio de Janeiro. Além disso, pretendo observar quais significados sociais são

indexicalizados pelas formas de 2SG. Para tanto, foram construídos dois experimentos,

um julgamento de adequação sociolinguística e um questionário de avaliação subjetiva,

na tentativa de evidenciar diferentes aspectos da percepção sobre a variação de 2SG.

Como hipótese central, defendo que o pronome você é percebido pelos falantes cariocas

como adequado a diferentes contextos sociointeracionais, enquanto a percepção da

forma tu se diferencia de acordo com o tipo de relação estabelecida entre os falantes,

sendo considerado como mais adequado nas relações simétricas e menos adequado nas

assimétricas. Considero, ainda, que o pronome tu teria alguns significados sociais como

‘informalidade’, ‘intimidade’, ‘carioquice’ e ‘juventude’ enquanto a forma você é

avaliada de forma mais neutra no dialeto carioca. As explicações são ancoradas nos

postulados teóricos da Sociolinguística Laboviana (WEINREICH; LABOV; HERZOG,

1968; LABOV, 1972; 1994; 2001; 2008) e na Pragmática Sociocultural (BRAVO;

BRIZ, 2004). Os resultados obtidos confirmaram a primeira hipótese mencionada em

relação à percepção. Quanto à avaliação, os resultados indicaram que o pronome tu

indexicaliza informalidade e intimidade, enquanto os outros índices foram associados ao

uso variável de você~tu, mas não ao uso exclusivo do pronome tu.

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CARVALHO, Bruna Brasil Albuquerque de. “O que você acha do uso de tu?”: a

percepção da variação dos pronomes de 2SG no dialeto carioca. Dissertação de

Mestrado. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ. 2019

ABSTRACT

In this work, second person singular (2SG) pronominal forms at subject position are

analysed. Corpora-based previous researches indicate that the form você 'you' from

the 20th century, widened its use scope in Brazilian Portuguese (BP). It is currently the

preferred and non marked form to 2SG reference at Rio de Janeiro, aside with

the tu 'you' pronoun, wich is maintained in higher intimacy and informality situations.

Although tu has lost its space to você, synchronic studies point to a "tu return" in

carioca dialect in the last years. From the current scenario of 2SG pronominal variation,

this research aims to observe how BP speakers, especially carioca speakers, perceive

the tu and você forms and to observe if the perception over tuform is intertwined to the

lack of canonical verbal agreement, which is the most usual amidst Rio de Janeiro

speakers. Besides that, I aim to note which social meanings are indexicalized by

the 2SG forms. For this purpose, two experiments were built, an acceptability

judgement and a subjective evaluation questionnaire. These were made on the try to

demonstrate different aspects on the perception over 2SG variation. As my central

hypothesis, I sustain that the você pronoun is perceived by carioca speakers as adequate

to different sociointeractional contexts, while the perception on tu form is different

according to the kind of relation established by the speakers, being considered more

adequate in symmetrical relations and less adequate in asymmetrical ones. I consider,

also, that the tu pronoun has some social meaning such as informality, intimacy,

carioquice 'carioca way of life' and youth, while você is evaluated as the more neuter

form in the carioca dialect. The explanations are based on the theoretical framework of

Labovian Sociolinguistics (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968; LABOV, 1972;

1994; 2001; 2008) and of Sociocultural Pragmatics (BRAVO; BRIZ, 2004). The

obtained results confirmed the first mentioned hypothesis, related to perception. On the

evaluation, the results indicate that the tu pronoun indexes informality and intimacy,

while the other indexes were associated to the variable use of você~tu, but not to the

exclusive use of tu.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço à minha mãe, Patrícia Brasil Albuquerque de

Carvalho e ao meu pai, Paulo Cesar de Carvalho. À minha mãe pela preocupação e

cuidado, principalmente nos momentos finais de escrita dessa dissertação e, ao longo

dos anos, por saber dosar obrigação e liberdade de forma que eu pudesse exercer as

minhas escolhas. Criar quatro filhos num mundo machista não deve ser fácil, mas acho

que podemos dizer que você desempenhou um ótimo papel. Ao meu pai pelo apoio de

todas as formas possíveis (moral, emocional, financeiro etc), por ter sido um excelente

conselheiro na minha jornada acadêmica e por ter colocado uma “pulga atrás da minha

orelha” para eu cursar Letras. Se não fosse por você, provavelmente eu não estaria aqui

hoje.

Agradeço aos meus irmãos, Aline, Clarissa e Daniel, e ao meu tio, João Otávio,

pelo apoio, pelas conversas, pelas risadas, por todos os momentos compartilhados e por

saber que nos momentos bons e ruins estaremos sempre juntos. Esse agradecimento se

estende também aos meus sobrinhos, Eduardo e Felipe, que vieram ao mundo para me

fazer mais feliz e querer sempre me tornar uma pessoa melhor.

Agradeço ao meu amor, Wallace Bezerra de Carvalho, por me ouvir, me dar

carinho, conforto e atenção. Por ser meu grande amigo e maior conselheiro, por saber a

melhor forma de cuidar de mim quando eu preciso, por estar sempre do meu lado. Pela

relação de cumplicidade que construímos até hoje, por compartilhar comigo os seus

conhecimentos, enfim, por TUDO.

Agradeço, também, à minha família estendida: à minha amiga-irmã, Julia

Rezende, por ser minha conselheira, por estar ao meu lado e torcer por mim durante

todos esses anos; à minha sogra, Ana Lucia, por ser a melhor sogra que eu poderia ter,

pela preocupação e pela torcida; à minha cunhada, Kim, por ser uma ótima ouvinte e

por ter me ajudado nos momentos de ansiedade.

Agradeço muito especialmente à minha orientadora, Célia Lopes, por me

acompanhar desde a iniciação científica, pela leitura minuciosa desta dissertação, pelos

comentários pertinentes, pela orientação cuidadosa e respeitosa, por ser extremamente

competente e eficiente sem perder a humanidade. Passar pelo mestrado não é tarefa

fácil, mas é mais agradável tendo você como orientadora. O mundo precisa de mais

pessoas e profissionais como você. Muito obrigada!

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Agradeço especialmente também ao Thiago Laurentino, meu amigo e

conselheiro para assuntos acadêmicos e pessoais. Muito obrigada por todo conselho, por

todo ensinamento, por todo apoio e pela torcida de sempre. Obrigada por acreditar em

mim e por saber dizer as palavras certas pra me acalmar (ou me deixar menos nervosa,

rs). A sua dedicação com o trabalho e com as pessoas é inspiradora e admirável. Sou

extremamente grata a você. Agradeço também por aceitar o convite para fazer parte da

minha banca.

Agradeço às minhas irmãs-acadêmicas, Dailane e Thaissa, pelas conversas, pelo

apoio, pelas risadas, pelos almoços e momentos compartilhados no gabinete. Esses dois

anos foram melhores com a companhia de vocês!

Agradeço a todos os professores da Faculdade de Letras, que, nos diversos

cursos oferecidos, aprofundaram o meu senso crítico e contribuíram para a minha

formação acadêmica. Em especial, agradeço às professoras Silvia Vieira, Eliete, Beatriz

Christino, Marcia Machado e Daniele Kelly pelas contribuições na área da

Sociolinguística. Não podia deixar de agradecer ao excelente professor Fabio Pesaresi,

pelas aulas críticas, criativas e originais de italiano. E, principalmente, por ter sido meu

professor regente e ter me ajudado mais do que eu poderia imaginar. Grazie mille!

Agradeço a Christina Abreu, primeiramente por ter aceitado o convite para

participar da minha banca e, além disso, pelas aulas da graduação e pós-graduação, com

ensinamentos sobre fonologia e sociolinguística, que contribuíram para a minha

formação acadêmica. Aos professores Leonardo Marcotulio e Juliana Segadas agradeço

também por aceitarem o convite para participar da minha banca.

À professora Lívia Oushiro agradeço pelos cursos sobre a plataforma R, por

disponibilizar ferramentas online para auxiliar os interessados no manuseio da

plataforma e pelas dicas preciosas sobre questões estatísticas.

Agradeço ao Victor, ao Diogo, ao Yago e à Dailane por dedicarem horas do seu

tempo para colaborarem com a minha pesquisa gravando as dublagens do experimento.

Se não fosse por vocês, não haveria experimento. Muito obrigada.

Agradeço aos amigos que a Faculdade de Letras me deu. Ao Léo, pelas

conversas sobre o mestrado, sobre política, filmes e questões sociais, pelo bom humor e

por me ouvir, principalmente durante esses dois anos de mestrado. Ao Diogo, Victor,

Luiza (minha dupla), Débora, Isadora, Isabella, Gabi, Grazi, Franquini, Bia, Anna

Lyssa, Janaína e Elaine, obrigada por terem participado dessa minha jornada de alguma

forma durante esses oito anos de Faculdade de Letras.

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Ao CNPq agradeço pelo auxílio financeiro de extrema importância para que este

trabalho fosse concluído com êxito.

Por fim, agradeço a todos os participantes dos experimentos. Obrigada por

dedicarem o seu tempo para colaborarem com a pesquisa. Sem vocês esta dissertação

não existiria.

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“O linguista que entra no mundo só pode concluir que o ser humano é herdeiro

legítimo da estrutura incrivelmente complexa que nós agora estamos tentando analisar

e compreender.”

William Labov1

1 In: Padrões sociolingüísticos. Tradução de M. Bagno; M. M. P. Scherre; C. R. Cardoso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008 [1972], p.18

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Dedico este trabalho aos professores e pesquisadores

das áreas de Ciências Humanas, que estudam,

trabalham, se atualizam e dedicam sua vida a estimular

o senso crítico. A nossa balbúrdia é fazer pensar!

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ..........................................................................................................15

2. REVISÃO DA LITERATURA ..................................................................................19

2.1. Tu x você (e vossa mercê): a origem dos pronomes no PB ................................19

2.2. Estudos diacrônicos ............................................................................................20

2.3. Estudos recentes: um olhar sobre os pronomes de 2SG no século XXI .............27

2.3.1. Pesquisas com dados sincrônicos ................................................................27

2.3.2. Os testes de percepção/avaliação ................................................................ 33

3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ................................................................................. 36

3.1. A Sociolinguística Laboviana .............................................................................36

3.1.1. Heterogeneidade ordenada ......................................................................... 37

3.1.2. Os mecanismos da mudança linguística ......................................................38

3.2. As três ondas da sociolinguística ...................................................................... 42

3.3. A Teoria do Poder e Solidariedade .................................................................... 47

3.4. A Pragmática Sociocultural ............................................................................... 48

4. METODOLOGIA ...................................................................................................... 52

4.1. A Linguística Experimental ................................................................................52

4.2. Métodos para análise de avaliação/percepção ................................................... 53

4.3. Experimento 1 .................................................................................................... 54

4.3.1. Variáveis independentes e condições experimentais ................................. 54

4.3.2. Materiais .................................................................................................... 56

4.3.3. Métodos ..................................................................................................... 58

4.3.5. Procedimentos ............................................................................................61

4.4. Experimento 2 .....................................................................................................62

5. RESULTADOS ..........................................................................................................65

5.1. Resultados do Experimento 1: julgamento de adequação sociolinguística ........65

5.1.1. Participantes do Experimento 1 ................................................................65

5.1.2. O julgamento dos participantes para as cenas dubladas ...........................67

5.1.3. Resultados do julgamento para os pronomes por ‘tipo de frase’:

investigando a questão da concordância .............................................................70

5.1.4. Resultados segundo o sexo e a localidade dos participantes: variáveis

estatisticamente não relevantes ...........................................................................72

5.1.5. Análise qualitativa das cenas com pronome tu .........................................74

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5.1.6. Conclusões do experimento 1 ...................................................................82

5.2. Resultados do experimento 2 ..............................................................................83

5.2.1. Os participantes .........................................................................................83

5.2.2. Procedimento de análise ...........................................................................84

5.2.3. As avaliações subjetivas para as variantes de 2SG ..................................85

5.2.4. Impressões dos participantes sobre o uso de tu no Rio de Janeiro ...........91

5.2.5. Conclusões do experimento 2 .................................................................. 95

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................102

ANEXOS .........................................................................................................................106

A Diálogos das cenas experimentais (Experimento 1) .............................................106

B Diálogos das cenas distratoras (Experimento 1) ...................................................109

C Escalas de diferenciais semânticos (Experimento 2) ........................................... 111

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1. INTRODUÇÃO

A variação na representação pronominal de segunda pessoa do singular

(doravante 2SG) na posição de sujeito tem sido, nos últimos anos, objeto de

investigação de diferentes pesquisadores que se debruçam sobre o tema tanto no âmbito

da sincronia quanto no da diacronia. Com base em dados de uso, estudos diacrônicos

apontam que, a partir da inserção do pronome você, o quadro pronominal do português

brasileiro (doravante, PB) se reorganiza, de modo que tal pronome (e suas formas

correspondentes) passa a concorrer com o pronome tu. (cf. LOPES, 2009; LOPES;

CAVALCANTE, 2011; MACHADO, 2011, entre outros).

Conforme já apontaram pesquisas anteriores, o pronome você tem origem na

forma de tratamento de cortesia de base nominal Vossa Mercê (RUMEU, 2008;

MARCOTULIO, 2012), que passa por processo de gramaticalização e se configura, a

partir do século XIX, como pronome pessoal de 2SG de referência direta ao

interlocutor. O pronome tu, desde a sua origem, é empregado em situações de menor

grau de formalidade e maior intimidade entre os interlocutores, restringindo-se a esses

contextos de fala mais espontânea; já o pronome você, que surge como forma de

cortesia e vai se generalizando no PB, atualmente é considerado como uma forma

neutra, que pode transitar entre contextos mais formais e mais informais a depender de

fatores sociopragmáticos (cf. LOPES et al, 2009; SCHERRE et al, 2015).

Para a posição de sujeito, Scherre et al. (2015), com base em diversos estudos

sociolinguísticos, postulam 6 subsistemas possíveis para a realização de 2SG no PB,

considerando, além dos pronomes, a concordância com o verbo. São eles: (1) você, (2)

tu (concordância baixa), (3) você/tu (sem concordância), (4) tu (concordância média),

(5) você/tu (concordância muito baixa) e (6) você/tu (concordância médio-baixa). A

maior parte das regiões brasileiras se caracteriza por haver variação entre tu e você na

posição de sujeito, como o Rio de Janeiro, foco da presente investigação, que faz parte

do subsistema (3), com possibilidade de preencher a posição de sujeito com pronome

você ou pronome tu sem concordância canônica, como observado no exemplo a seguir:

(1) Tu vai por aqui aí você vai atravessar essa rua. (SANTOS, 2012)

A variação tu ~ você, tanto na posição de sujeito quanto nas de complemento,

tem sido amplamente analisada por um viés calcado na análise do uso no Rio de Janeiro

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(PAREDES SILVA, 2003; RUMEU, 2004; BARCIA, 2006; SOUZA, 2012; SANTOS,

2012). Tal interesse reflete a complexidade do objeto, condicionado por fatores

linguísticos, pragmáticos, históricos e sociais. Os trabalhos de Paredes Silva (2003) e

Santos (2012), por exemplo, apontam para um condicionamento de fatores como o sexo,

a idade e a escolaridade dos falantes em relação ao emprego desses pronomes, além de

fatores linguísticos.

Além disso, pesquisas diacrônicas (RUMEU, 2004; BARCIA, 2006; SOUZA,

2012) demonstram uma correlação entre o tipo de relação social e os usos de tu e você,

de forma que tu é associado a relações simétricas e mais íntimas enquanto você é

predominante em relações assimétricas e de menor proximidade entre os interlocutores.

Porém, pouco se sabe sobre a percepção/avaliação dessa variação pelos usuários

e sobre as considerações dos falantes em relação às formas variantes de 2SG. Dessa

forma, em consonância com os postulados da Sociolinguística (WEINREICH; LABOV;

HERZOG, 1968; LABOV, 1972) no que tange o problema da avaliação, o presente

trabalho tem como objetivo identificar se e de que maneira a percepção/avaliação de

falantes cariocas atua sobre a variação dos pronomes de 2SG: só tu, só você e você/tu.

Pretendo responder às questões: 1) existem diferenças de julgamento em relação

às formas variantes de 2SG? 2) o tipo de relação interfere na percepção dos falantes

cariocas sobre os pronomes de 2SG? 3) a falta de concordância canônica atua sobre a

percepção dos falantes cariocas sobre o pronome tu? 4) quais significados sociais estão

atrelados às formas pronominais de 2SG no Rio de Janeiro?; e 5) as características

sociais dos falantes atuam sobre o seu julgamento em relação às formas pronominais de

2SG?

Para lidar com a percepção/avaliação sobre o fenômeno em questão, recorri à

Linguística Experimental (DERWING; DE ALMEIDA, 2005; KENEDY, 2015) para

elaborar dois experimentos que cumprissem com os objetivos da pesquisa. O primeiro,

um julgamento de adequação sociolinguística, foi adaptado da técnica chamada

‘julgamento de aceitabilidade’, para comportar um fenômeno de caráter dialógico, de

forma que foram utilizadas cenas de interação entre, ao menos, dois personagens como

estímulo para o julgamento dos participantes. O segundo é um questionário de avaliação

com base na técnica matched-guise, inspirado no modelo proposto por Moyna e

Loureiro-Rodriguez (2017), em que os participantes deveriam associar a fala de

diferentes indivíduos contendo os pronomes de 2SG a índices sociais diversos

(muito/pouco carioca, íntimo/distante, formal/informal, jovem/velho, entre outros).

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Considerando que tal fenômeno envolve a interação direta entre os falantes, e

com base em estudos anteriores que indicam uma associação entre o pronome tu e

situações de maior intimidade e informalidade, recorri à Teoria do Poder e da

Solidariedade (BROWN & GILMAN, 1960) e à Pragmática Sociocultural (BRIZ, 2004)

para analisar a influência do tipo de relação (simétrica ou assimétrica) sobre a percepção

de tu e você.

Por fim, considero os postulados da terceira onda da sociolinguística (ECKERT,

2012) para lidar com os significados sociais indexicalizados pelos pronomes tu e você.

Com base nesses pressupostos, pretendo identificar, principalmente, se os falantes do

Rio de Janeiro associam o uso de tu a uma fala mais carioca, mais informal e mais

íntima.

Com a finalidade de trazer reflexões, discutir sobre o tema e responder as

questões levantadas com base nas hipóteses propostas, esta dissertação se organiza em 5

capítulos, além da introdução, que serão descritos brevemente a seguir.

No capítulo 2, retomo trabalhos anteriores que trataram da variação de 2SG. A

parte inicial do capítulo traz uma reconstrução histórica do percurso dos pronomes de

2SG no PB e, principalmente, no dialeto carioca. Posteriormente, trago os estudos

sincrônicos sobre o tema e discuto sobre suas contribuições para o estudo do fenômeno.

Encerrando o capítulo, apresento as pesquisas recentes sobre a percepção das formas de

2SG no dialeto carioca.

Os pressupostos teóricos serão apresentados no capítulo 3, no qual comento

sobre as principais fundamentações que darão base ao trabalho, a Sociolinguística

Laboviana (WEINRICH; LABOV; HERZOG, 1968; LABOV 1972; 1994; 2001; 2008),

a Teoria do Poder e da Solidariedade (BROWN; GILMAN, 1960) e a Pragmática

Sociocultural (BRAVO; BRIZ, 2004). Nesse capítulo, também discuto sobre as novas

tendências da Sociolinguística e explico por que me posiciono com uma visão

parcialmente contrária a de Eckert (2012) quanto à divisão das três ondas da

Sociolinguística.

No capítulo 4, serão apresentados os pressupostos metodológicos utilizados para

elaboração dos testes que compõem a pesquisa. Também serão descritas as variáveis

dependentes e independentes e serão detalhadas as etapas de construção dos dois

experimentos.

No capítulo 5, analiso e proponho algumas discussões acerca dos resultados

obtidos para os dois experimentos. Com base nas hipóteses levantadas, defendo que o

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que determina a avaliação do pronome tu é o tipo de relação estabelecida entre os

falantes. Além disso, considero que tal pronome está associado aos índices ‘intimidade’,

‘informalidade’ e ‘carioquice’, isto é, o pronome tu (sem a concordância canônica) é

considerado como uma marca de identidade local, sendo reconhecido pelos cariocas

como pertencimento à comunidade de fala. Em relação ao pronome você, por outro

lado, defendo que tal variante é avaliada de forma mais neutra pelos falantes cariocas

por ser amplamente utilizado nas diversas regiões do país e por ser forma não marcada

no dialeto carioca.

Para encerrar a dissertação, trago, no capítulo 6, as minhas conclusões acerca da

pesquisa e finalizo com as referências bibliográficas. Além disso, apresento as frases e

escalas que compuseram os experimentos em anexo.

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2. REVISÃO DA LITERATURA

Na primeira parte da revisão da literatura, descrevo brevemente a origem dos

pronomes de 2SG no PB. Em seguida, discorro sobre os estudos diacrônicos acerca do

tema, que, com base em cartas pessoais, cartas de leitor e peças teatrais, apontam para o

comportamento das formas de 2SG do século XVIII ao XX. Posteriormente, comento

sobre os trabalhos com dados sincrônicos de entrevistas que lidam com a variação

pronominal de 2SG no final do século XX e início do XXI. Por fim, aponto os

resultados de trabalhos recentes de percepção e de avaliação sobre a variação dos

pronomes de 2SG no Rio de Janeiro.

2.1. Tu x você (e vossa mercê): a origem dos pronomes no PB

De acordo com estudos sociolinguísticos com base em dados orais (PAREDES

SILVA, 2003; LOPES, 2008; SANTOS, 2012; SCHERRE ET AL, 2015), no Rio de

Janeiro predomina um subsistema misto para a 2SG, de forma que é possível identificar

a variação entre as formas tu e você no dialeto carioca atual. Porém, os pronomes em

questão têm origens diferentes e se desenvolveram de formas distintas no PB. A forma

tu fazia parte do sistema pronominal do latim e sua trajetória até o advento do PB

sempre perpassou o plano da intimidade (BROWN; GILMAN, 1960). Já você, que se

desenvolveu da forma nominal Vossa Mercê, tem seu primeiro registro no ano de 1666

(FARACO, 2017 [1996]) e, a partir do século XVIII, inicia o seu processo de

gramaticalização (RUMEU, 2004).

Segundo Cintra (1972 apud MARCOTULIO, 2008), Vossa Mercê surgiu no

século XIV como forma de tratamento ao rei de Portugal, porém, ao longo do século

seguinte, perdeu sua função original passando a circular entre a nobreza e a burguesia.

Posteriormente, a forma sofreu desgastes semânticos e fonéticos produzindo, assim,

diversas variantes, dentre elas a forma abreviada você que perdura até os dias de hoje

como pronome de 2SG (RUMEU, 2013). Ainda segundo a autora, nos séculos XVIII e

XIX a forma você apresenta um caráter híbrido, i.e., é uma forma intermediária entre a

sua forma original (Vossa Mercê) e o pronome você, que atualmente faz parte do quadro

pronominal do PB.

Lopes (2008) aponta que, no século XIX, a forma você passa a concorrer de

maneira mais acirrada com o pronome tu nas relações solidárias mais íntimas. Além

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disso, a autora menciona que tal estratégia não era negativamente marcada no Brasil e

passou a ocorrer em outros contextos, suplantando o pronome tu a partir da década de

30 do século XX.

Por outro lado, no final do século XX, Paredes Silva (2003) aponta para um

retorno da forma tu à fala carioca, que perdura, desde então - até os dias atuais - sem a

concordância canônica. Esses e outros estudos recentes sobre o tema têm indicado

fatores linguísticos e sociais relacionados aos pronomes tu e você na posição de sujeito

ao longo dos anos no PB.

Dessa forma, para os fins deste trabalho, abordo a seguir pesquisas voltadas para

o Rio de Janeiro a partir do século XVIII por considerar que elas possam sustentar

hipóteses e trazer esclarecimentos acerca da avaliação de falantes cariocas sobre as

formas de 2SG, uma vez que: 1) de acordo com o paradoxo diacrônico (LABOV, 1994),

a realidade linguística atual de uma comunidade/língua é influenciada por aspectos que

determinaram a mudança linguística no passado; 2) a avaliação de formas variantes

pode se refletir no uso e, dessa forma, determinar a dinâmica da variação.

2.2. Estudos diacrônicos

Com o objetivo de explanar o processo de gramaticalização de Vossa Mercê em

português, Rumeu (2004) investigou as formas de tratamento em cartas de circulação

pública (cartas oficiais) e de circulação privada (cartas não oficiais) escritas no Rio de

Janeiro entre os séculos XVIII e XIX. A autora analisou formas nominais (Vossa Mercê,

Vossa Excelência, Vossa Majestade, Senhor e Vossa Senhoria) e pronominais (tu, vós,

você) de tratamento e, a partir do levantamento de 551 dados na posição de sujeito, pôde

fazer algumas constatações gerais. Esse estudo demonstrou uma preferência da forma

nominal Vossa Mercê nas cartas oficiais do século XVIII, e da forma você nas cartas

não oficiais do mesmo período; já o pronome tu é pouco frequente no período nos dois

tipos de carta.

No século XIX, apenas a forma nominal aparece nas cartas oficiais e, ainda

assim, com baixa frequência, sendo o pronome vós o mais frequente nesse caso. As

cartas não oficiais no referido período demonstram um maior equilíbrio em relação às

formas analisadas, sendo Vossa Mercê a mais frequente, seguida pela forma você e pelo

pronome tu.

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Além disso, a autora confrontou os tipos de relação presentes nas cartas com as

formas de tratamento e chegou a algumas conclusões: no século XVIII, Vossa Mercê

transita entre relações assimétricas descendentes – em que há relação de poder entre o

remetente o destinatário - e relações simétricas - entre membros de um mesmo grupo

social -, sendo mais frequente no segundo caso. O pronome você se manifesta quase

exclusivamente nas relações assimétricas descendentes enquanto o pronome tu aparece

majoritariamente nas relações simétricas. As relações assimétricas ascendentes não

favoreceram as formas em questão, sendo o pronome tu a única que se manifestou

nesses casos.

No século XIX, tanto Vossa Mercê quanto tu e você se manifestam apenas em

cartas de relações simétricas, mas cabe ressaltar que em tal século a autora dispunha

apenas de cartas do tipo de relação citado e de relações assimétricas ascendentes.

Com base nos resultados, a pesquisadora afirma que Vossa Mercê está em

estágio de dessemantização nos séculos XVIII e XIX “visto que assume maior

frequência de uso nas cartas não-oficiais, tipo de texto dotado de menor grau de

formalismo” (RUMEU, 2004, p. 92). Além disso, aponta para um caráter de

informalidade relacionado à forma tu, uma vez que tal pronome aparece em cartas não

oficiais nos séculos XVIII e XIX, porém, cabe destacar, que a forma você aparece

exclusivamente em cartas não oficiais, suscitando assim a seguinte questão: a forma

você estaria desde o século XVIII vinculada a situações de informalidade?

Para responder a essa questão, recupero os resultados de Lopes e Duarte (2007),

que restringiram sua análise a cartas não oficiais escritas no Rio de Janeiro, Minas,

Bahia e Paraná. As autoras levantaram dados de tu, você e Vossa Mercê – além de

Vossa Majestade, Vossa Excelência, Vossa Senhoria, pai e amigo, as quais as autoras

rotularam de ‘outras formas de tratamento’ - entre os séculos XVIII e XIX. Os

resultados gerais apresentados pelas autoras, com base em cartas mais informais do que

observado por Rumeu (2004), apontaram para um predomínio do pronome tu no Rio de

Janeiro, seguido pelas ‘outras formas de tratamento’, pelo pronome você e apenas um

dado de Vossa Mercê.

Além disso, a investigação das formas de tratamento de acordo com o tipo de

relação entre remetente e destinatário das cartas apontou para alguns resultados

interessantes. Nas relações assimétricas ascendentes, Lopes e Duarte (2007)

evidenciaram uso exclusivo de Vossa Mercê e outras formas nominais – com

predomínio da primeira - demonstrando distanciamento e cortesia; nas assimétricas

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descendentes, por outro lado, um equilíbrio entre as formas tu e você com leve

predomínio da segunda, o que reitera o estudo de Rumeu (2004); já as relações

simétricas favoreceram um uso mais diversificado das estratégias, com maior

produtividade das formas nominais e do pronome tu, seguido por Vossa Mercê e baixos

índices de você.

Os dois trabalhos apontam para o uso de você como estratégia referente a

relações assimétricas descendentes enquanto o pronome tu aparece de forma mais

evidente nas cartas de relação simétrica. Isso indica que, de fato, o pronome tu, e não a

forma você, se vincula a situações de maior informalidade, não por aparecer em cartas

não oficiais, mas por ser a estratégia preferida nas relações simétricas, diferente do

pronome você, que se verifica mais abundantemente nas relações assimétricas.

Até agora, foram observados estudos diacrônicos sobre as formas de 2SG com

dados de cartas pessoais, o que desperta a questão: será que tais resultados semelhantes

nos dois estudos mencionados ocorreram por conta do gênero textual analisado? Para

solucionar essa questão, trago o estudo de Barcia (2006), que analisou as formas de 2SG

em cartas de leitores do Rio de Janeiro, de Minas e de São Paulo, datadas do século

XIX.

Nessa pesquisa, Barcia (2006) detectou formas nominais (Vossa Excelência,

Vossa Senhoria e Vossa Mercê e suas variantes) e pronominais (tu, vós e você) de

tratamento. Os resultados gerais apontaram para um maior uso de formas nominais de

tratamento e, dentre as formas pronominais, um predomínio de vós, além de frequência

baixa e aproximada de tu e você (as variantes de Vossa Mercê apresentaram a mesma

frequência em relação à forma gramaticalizada).

Ademais, a pesquisadora analisou os dados de acordo com o tipo de relação

presente nas cartas e evidenciou que nas relações transacionais e menos solidárias,

prevalecem as formas nominais e a forma Vossa Mercê, que é a única que aparece

também nas relações interpessoais, porém com índices muito baixos. À vista disso, a

autora aponta que tal forma ainda apresenta no século XIX “traços do seu

comportamento cerimonioso”. Por outro lado, nas relações interpessoais, prevalecem as

formas pronominais tu e você, ou seja, há um comportamento diferente do novo

pronome em processo de gramaticalização em relação à sua forma originária.

Partindo do século XIX para o século XX, observamos o trabalho de Rumeu

(2008), que lida com a variação tu~você em um estudo de painel de cartas pessoais

oitocentistas e novecentistas. Nesse trabalho, a autora levanta uma discussão sobre a

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importância do sexo/gênero na implementação de você no quadro pronominal do PB.

Depois de tecer comentários sobre diferentes pesquisas que lidaram com a questão do

gênero no processo de mudança linguística, a autora afirma que:

é possível admitir que as performances lingüísticas de homens e mulheres são motivadas pelos papéis sociais que assumem numa dada realidade sócio-histórica. Entretanto, os resultados das pesquisas lingüísticas sobre fenômenos lingüísticos em variação e em processo de mudança comungam de um aspecto em comum: as mulheres mostram-se mais sensíveis ao prestígio social atribuído às formas linguísticas. (RUMEU, 2008, p. 95)

A pesquisadora, então, analisou os dados de tu e você de acordo com o gênero

do missivista e identificou que os homens foram favorecedores de tu enquanto as

mulheres preferiram as formas do paradigma de você. Além disso, a autora

correlacionou o gênero à faixa etária do missivista e identificou que o pronome tu foi

mais produtivo entre os homens de todas as faixas etárias. Por outro lado, as mulheres

mais velhas favoreceram o uso de tu, enquanto as mais jovens favoreceram o uso de

você. Ou seja, os homens apresentaram um comportamento conservador enquanto as

mulheres mais jovens demonstraram ser inovadoras, utilizando a forma invasora você.

Sobre esse comportamento diferenciado entre homens e mulheres, a autora aponta:

Como já discutido no item 4.4 desta tese, as mulheres estariam utilizando a forma invasora (Você) que é, por um lado, uma variante de prestígio utilizada pela elite de fins do século XIX e da primeira metade do século XX, mas que não é, por outro lado, uma estratégia estigmatizada na comunidade lingüística do PB. Nesse sentido, corroboram-se também os resultados de trabalhos lingüísticos voltados para a diacronia nos quais o gênero (sexo) dos informantes têm se mostrado relevante para a percepção do processo de implementação da mudança no sistema lingüístico. (RUMEU, 2008, p. 142)

Esses resultados indicam que foi comportamento das mulheres em relação à

forma inovadora você que impulsionou o processo de mudança linguística que resultou

numa maior frequência de uso de você ao longo do século XX.

Além disso, a autora identificou um predomínio do uso de tu na posição de

sujeito principalmente como sujeito pronominal nulo, ao passo que o pronome você,

menos expressivo nas cartas analisadas, se dividiu entre ocorrências de sujeito nulo e

pleno, com leve favorecimento do segundo. Porém, vale ressaltar que o pronome você

na posição de sujeito foi categórico entre os missivistas mais jovens (entre 14 e 30

anos). Quanto a esse resultado, a pesquisadora aponta para um “quadro de aparente

mudança linguística em progresso” (RUMEU, 2008, p. 152)

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Um estudo que corrobora os resultados de Rumeu (2008), no que tange ao

processo de implementação de você no quadro pronominal do PB, é o de Souza (2012).

Tal estudo envereda pelo século XX com o intuito de verificar os caminhos de inserção

de você, já que no século XIX, como mostraram Rumeu (2004) e Lopes e Duarte

(2007), tal forma ocorria em vários tipos de relação ora variando com Vossa Mercê nas

relações assimétricas descendentes, ora variando com tu nas relações simétricas. Souza

(2012) restringe sua análise a cartas de remetentes que viviam no Rio de Janeiro,

embora nem todos tivessem nascido naquela cidade. O estudo apresenta um panorama

da distribuição das formas tu e você em 100 anos de produção escrita. A autora analisou

354 cartas escritas entre 1870 a 1970 por indivíduos ilustres e não ilustres estabelecidos

no Rio de Janeiro. Em relação aos resultados gerais, a autora identificou usos mais

frequentes de tu nas cartas do século XIX e de você no século XX; por outro lado, uma

apreciação mais refinada, organizando os dados por décadas, demonstrou um

predomínio de tu sobre você até 1900, momento em que as formas passam a concorrer

de forma mais equilibrada e permanecem assim, nesse período de transição, até 1930. A

partir desse momento, a forma você passa a ser majoritária, suplantando o pronome tu.

Além disso, a pesquisadora confrontou os dados com o tipo de relação ao longo

do tempo em três fases, de 1870 a 1890 (fase I), de 1900 a 1930 (fase II) e 1940 a 1970

(fase III). Dessa forma, a autora demonstrou que a diferença entre os pronomes está, na

sua amostra, mais relacionada ao período do que ao tipo de relação propriamente, de

forma que: na fase I, há um predomínio de tu nos dois tipos de relação identificados

(simétrica e assimétrica descendente); na fase II há um crescimento de você e um maior

equilíbrio entre as formas, com o pronome tu majoritário nas relações assimétricas

descendentes e ascendentes e uma leve preferência de você nas relações simétricas; na

fase III, porém, você é categórico nas relações simétricas e assimétricas ascendentes

(não houve cartas de relação assimétrica descendente no período). Com base nisso, a

autora aponta que, ao longo do tempo, o escopo de atuação do pronome você foi se

ampliando devido a, dentre outros fatores, sua dessemantização que permitiu sua maior

utilização em diversos contextos.

Por fim, a autora elaborou um continuum de intimidade a partir da relação

familiar estabelecida entre os correspondentes, considerando [- íntimos] a família não

nuclear (sobrinho→tio, freira→Madre, amigos, primos, tios→sobrinhos e avós→neto),

[± íntimos] a família nuclear (pais, filhos e irmãos) e [+ íntimos] os casais. Assim, a

pesquisadora constatou que você foi mais frequente nas relações menos íntimas, o

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pronome tu mais frequente nas relações mais íntimas e, nas relações consideradas

intermediárias, houve um equilíbrio entre as formas com leve predomínio de você.

Outro estudo que retrata o uso dos pronomes de 2SG ao longo do tempo mas lida

com outro gênero textual e, portanto, pode trazer mais evidências a respeito do

comportamento das formas tu e você é o de Machado (2018), no qual a autora examinou

14 peças teatrais que retratam situações íntimas e/ou informais escritas no Rio de

Janeiro entre os séculos XIX e XX por autores fluminenses.

Esse estudo revelou um predomínio das formas pronominais sobre as nominais,

sendo tu mais frequente nas peças do século XIX em relação àquelas do início do século

XX e você nas obras a partir da década de 30 do mesmo século.

A autora verificou, ainda, que, nas relações simétricas solidárias, o pronome tu é

a forma preferencial do final do século XIX ao início do século XX. A partir da década

de 30 do século XX, a forma inovadora você suplanta o pronome original de 2SG, sendo

categórico na amostra analisada no referido período, resultado semelhante ao observado

por Souza (2012) nas cartas.

Por outro lado, nas relações simétricas não solidárias (interlocuções entre

indivíduos desconhecidos ou conhecidos não amigos, sem nenhum vínculo familiar) as

formas pronominais têm baixa frequência até o início do século XX, sendo a forma

nominal senhor a preferida. Porém, a partir de meados século XX, o pronome você

passa a concorrer de maneira mais equilibrada com a forma de base nominal e passa a

ser a mais frequente nas peças das últimas décadas do século.

Além disso, tu é apontado como forma preferencial no final do século XIX nas

relações assimétricas descendentes e passa a concorrer com você no início do século

XX. A partir da década de 30 do mesmo século, o pronome você passa a ser a forma

preferencial, chegando a ser categórico no final do século, coincidindo com o que foi

visto nas cartas (SOUZA, 2012).

Nas assimétricas ascendentes, senhor é a forma preferencial em praticamente

todos os períodos. Já a forma tu não se mostrou produtiva nesse tipo de relação,

apresentando apenas um dado no final do século XIX. O pronome você não suplanta a

forma nominal, mas passa a ser mais utilizado nas peças de meados do século XX e,

principalmente, no final do século.

Em síntese, os trabalhos sobre as formas de tratamento no Rio de Janeiro por um

viés diacrônico apontam que:

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1) Vossa Mercê passa por um processo de dessemantização entre os séculos XVIII

e XIX, diminuindo a sua marca de cortesia de um período a outro até

desaparecer no século XX (RUMEU, 2004; BARCIA, 2006 LOPES; DUARTE,

2007);

2) A forma você inicia estágio de gramaticalização a partir do século XVIII.

Demonstrando um caráter híbrido, a forma carrega, durante os séculos XVIII e

XIX, tanto marcas da sua forma original quanto traços inovadores. Além disso,

já em processo mais avançado de gramaticalização, você demonstra um aumento

de frequência no século XX, impulsionado principalmente pelas mulheres,

passando a concorrer de forma mais acirrada com o pronome tu, até suplantá-lo

a partir da década de 1930 chegando a ser categórico em algumas amostras a

partir da metade do século (RUMEU, 2004; 2008; SOUZA, 2012; MACHADO,

2018)

3) Sobre o pronome tu, os estudos demonstraram, em todas as fases analisadas,

uma relação entre tal forma e contextos menos formais e mais íntimos, além de

uma perda de espaço para o pronome você a partir do século XX. (RUMEU,

2004; LOPES E DUARTE, 2007; BARCIA, 2006; SOUZA, 2012; MACHADO,

2018).

Como se vê, a forma você foi paulatinamente invadindo os espaços típicos do

pronome tu ao longo do século XIX e XX. Nos materiais diacrônicos, sejam nas cartas

ou nas peças teatrais produzidas no Rio de Janeiro, nota-se o desuso acentuado de tu em

favor da nova forma gramaticalizada você ao longo dos últimos dois séculos,

principalmente mas não de forma exclusiva, nos contextos de maior informalidade.

Com base nessa produção escrita, tem-se a impressão de um total desaparecimento de tu

em favor de você, uma vez que alguns estudos mostraram índices próximos a 100% da

estratégia inovadora nesses materiais. Na fala atual, entretanto, o Rio de Janeiro não

descartou completamente o emprego de tu, como ocorreu em outras localidades

brasileiras: os dois pronomes ainda são utilizados como formas variantes. Por essa

razão, serão apresentados na próxima seção os trabalhos que analisam o fenômeno em

corpora sincrônicos para que se tenha um quadro mais claro do comportamento atual

das formas variantes.

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2.3. Estudos recentes: um olhar sobre os pronomes de 2SG no século XXI

2.3.1. Pesquisas com dados sincrônicos

Os estudos sobre o tratamento com base em materiais orais não são tão

numerosos dada a dificuldade de captar os dados de formas interlocutivas em

entrevistas sociolinguísticas tradicionais em que há um entrevistador e um entrevistado.

Será mencionado inicialmente um trabalho feito a partir de roteiros de cinema para, na

sequência, serem apresentados resultados de pesquisa com dados orais de fato.

Lopes (2008) analisou 2 roteiros de cinema do século XXI que retratam

diferentes realidades da vida carioca: Amores Possíveis (HALM, 2001 apud LOPES,

2008) e Cidade de Deus (MANTOVANI, 2003 apud LOPES, 2008). O primeiro é uma

comédia romântica que expõe, além da relação entre casais, a relação entre pais e

amigos de classe média alta. Cidade de Deus, por outro lado, retrata a realidade de uma

das favelas mais violentas do Rio de Janeiro, a Cidade de Deus, e apresenta relações

diversificadas: entre amigos, familiares, entre traficantes e também em ambiente

profissional.

A análise dos resultados demonstrou grandes diferenças entre os roteiros no que

tange ao uso de você e tu na posição de sujeito. Em Amores Possíveis, a presença de

você foi categórica enquanto no roteiro de Cidade de Deus houve um equilíbrio entre os

pronomes de 2SG, com leve predomínio de tu. Sobre esse resultado, a autora afirma:

as amostras são bem marcadas como estereótipos sociais que, aparentemente, contrapõem a supremacia do você, neutralizado como tratamento íntimo na classe média alta, ao lado do tu sem marca desinencial, que prevalece na fala popular. (LOPES, 2008, p.11)

Como são roteiros de cinema, trazem a impressão do autor sobre os usos de cada

grupo e, como apontado pela autora, apresentam uma visão estereotipada. Talvez por

isso o pronome tu não tenha aparecido na fala de personagens representantes da classe

média alta, mas sim na fala de personagens de classes populares. Será que no início dos

anos 2000 os membros de classes mais abastadas usavam apenas você? E será que os

membros de classes populares, de fato, usavam mais o pronome tu do que você? Para

responder a essas perguntas, busco, no trabalho de Paredes Silva (2003), dados de fala

em que a autora confrontou os usos dos pronomes de 2SG entre falantes de diferentes

classes sociais.

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Paredes Silva (2003) apresenta um “retorno” do pronome tu à fala carioca a

partir da segunda metade do século XX. A autora aponta, com base em estudo

diacrônico (PAREDES SILVA, 2000), que o pronome tu foi sendo substituído por você

a partir da década de 20 do século XX, porém nas últimas décadas do mesmo século há

um movimento de retorno do tu, mas agora combinado com verbos de terceira pessoa

do singular.

Para analisar a variação tu~você na fala carioca, a pesquisadora buscou, num

primeiro momento, dados de entrevistas sociolinguísticas do PEUL/UFRJ (Amostra

Censo-PEUL), porém observou uma baixa frequência de formas de 2SG, sobretudo do

pronome tu. A autora, então, apontou duas explicações possíveis: 1) de fato, na década

de 80 o tu não estaria muito difundido no Rio de Janeiro; 2) o gênero discursivo estaria

influenciando o resultado, uma vez que a entrevista sociolinguística não visa à

interação.

Considerando a segunda explicação, a pesquisadora buscou outro corpus,

também do PEUL (Amostra BDI-PEUL), mas constituído de situações mais naturais de

comunicação, como conversas no alojamento de estudantes, na sala de professores, na

praia etc. Porém, também nesse caso não houve muitos dados de tu, o que pode ter sido

influenciado pela autorização prévia dos informantes, de forma que eles sabiam que

estavam sendo gravados e podem ter ficado inibidos de usar formas não padrão.

Dessa forma, a pesquisadora partiu para a elaboração de um novo corpus

(Paredes96), o qual também foi constituído de conversas em situações espontâneas de

fala, mas dessa vez as gravações foram ocultas e, só depois de gravadas, as pessoas

tomavam conhecimento e autorizavam, ou não, a sua participação na pesquisa.

Ao todo, foram aproveitadas 8 gravações de cerca 20 minutos cada, totalizando

12 informantes entre 10 e 38 anos. A autora apresenta os resultados das três amostras

mencionadas, além de uma amostra que foi realizada 20 anos depois (corpus Tendência)

e nos mesmos moldes da amostra Censo-PEUL, com o intuito de fazer uma análise de

mudança em tempo real.

Os resultados gerais apontaram para um predomínio de tu sobre você na amostra

Paredes96, enquanto nas amostras anteriores (Censo-PEUL e BDI-PEUL) o pronome tu

apresentou índices irrisórios. No artigo, a pesquisadora sustenta a hipótese para o

retorno do tu à fala carioca pelo fato de o pronome você ter sofrido um desgaste fonético

sendo reduzido, inclusive, ao clítico ‘cê’ em alguns contextos. Por conta disso, o falante

recuperaria a expressão mais forte, no caso o monossilábico tônico, tu. Porém, em

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algumas localidades brasileiras, como Belo Horizonte, em Minas Gerais, e Goiás, por

exemplo, não se usa tu e o pronome você também sofreu desgaste fonético (SCHERRE

ET AL, 2015). Se a questão do “retorno” do tu é o desgaste fonético de você, por que

nessas localidades os falantes não recuperam o tu?

A autora investigou, também, a influência do ato de fala na variação tu~você e,

de fato, esse foi um dos fatores que se mostrou relevante, no entanto, a autora aponta:

“optamos por focalizar nesse artigo apenas as variáveis sociais selecionadas, para tornar

mais presente a discussão do processo de mudança que parece estar em curso.”

(PAREDES SILVA, 2003, p.165).

O fator apontado pelo programa VARBRUL como mais relevante para a

variação tu~você foi o sexo dos informantes, de forma que os homens foram

favorecedores do pronome tu tanto no corpus Paredes96 quanto no corpus Censo e no

Tendência, resultado observado também em estudos diacrônicos (RUMEU, 2008).

Outro fator relevante foi a idade dos informantes, de forma que as crianças e

jovens entre 7 e 25 anos foram os favorecedores de tu no corpus Censo. Já no corpus

Tendência, os jovens entre 15 e 25 anos foram aqueles que favoreceram tal forma. E,

por fim, o pronome tu foi favorecido no corpus Paredes96 pelos jovens entre 20 e 29

anos.

O trabalho de Paredes Silva (2003) aponta para explicações bastante

interessantes e pertinentes sobre a variação dos pronomes de 2SG, sobretudo a forma tu,

na fala carioca. Porém, é importante frisar que os trabalhos diacrônicos que lidavam

com o tema até o final do século XX e que apontam para um uso categórico de você se

baseavam em dados escritos, como cartas de informantes ilustres e/ou de classes mais

abastadas e peças teatrais. Num segundo momento, quando houve o interesse de estudar

a variação tu~você em dados orais, os corpora utilizados para tal fim eram de

entrevistas sociolinguísticas - que, segundo a autora, não favorecem o uso de formas de

2SG e menos ainda de tu - e de conversas em ambientes universitários.

Considerando que o tu é uma forma íntima, vinculada a situações mais informais

de comunicação e que tem sua frequência relacionada a menores níveis de escolarização

(SANTOS, 2012), será que houve um retorno da forma tu à fala carioca no final do

século XX? Ou será que esse pronome nunca saiu do Rio de Janeiro, apenas se

concentrou, na década de 80, de forma mais abundante nas áreas mais periféricas da

cidade e/ou entre os falantes de classes sociais menos abastadas?

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Para captar a variação das formas de 2SG no Rio de Janeiro, Santos (2012)

elaborou um método alternativo de coleta de dados, uma vez que, segundo a autora,

com base em Paredes Silva (2003), o método convencional de entrevista

sociolinguística não favorece o uso de formas de 2SG por não ser um gênero dialógico.

Dessa forma, a autora realizou gravações ocultas de conversas com transeuntes,

vendedores ambulantes, bancários e vendedores de lojas de departamento em que a

pesquisadora solicitava alguma informação esperando que o informante utilizasse

formas de 2SG na resposta.

Outra questão apontada pela pesquisadora foi a dificuldade em controlar fatores

sociais em uma pesquisa anônima, já que não era possível perguntar aos informantes

sobre seus dados pessoais. A solução encontrada pela autora foi a de controlar tais

fatores de forma indireta, como realizado por Labov (2008 [1972]), selecionando os

informantes com base na sua profissão.

Dessa forma, a pesquisadora se baseou no estudo de Labov (2008 [1972]), em

que o autor fazia perguntas a vendedoras de diferentes lojas de Nova York com o

objetivo de analisar a pronúncia do ‘r’ na cidade. Com base nesse estudo, Santos (2012)

abordou indivíduos de acordo com o perfil profissional, no Centro da Cidade, além de

transeuntes nos bairros da Tijuca e de Campo Grande e fazia perguntas do tipo “como

eu faço para x”, que propiciam o uso de formas de 2SG. Dessa forma, a autora

considerou o gênero da interpelação como pergunta-resposta e o tema como pedido de

informação.

O corpus foi organizado em 5 amostras. A primeira, Amostra Perfil Profissional,

constituída em 2006, contou com gerentes, vendedores e ambulantes em seus ambientes

de trabalho, totalizando 18 informantes entre 20 e 65 anos de idade aproximadamente.

A Amostra Almirante Barroso foi constituída, também em 2006, porque os ambulantes

da amostra anterior atendiam a um grupo mais heterogêneo de pessoas e, segundo a

autora, isso favorecia um comportamento linguístico mais neutro (favorecimento de

você). Entre os ambulantes da Almirante Barroso, grupo menos heterogêneo, a

pesquisadora entrevistou 4 homens, dois jovens e dois idosos, e uma mulher adulta.

Amostra ‘Advogados’ foi feita no ano de 2008, com a intenção de verificar se o

fenômeno também era produtivo na fala de informantes com ensino superior. Foram

coletados dados de 10 advogados entre 20 e 65 anos.

Na Amostra Zona Norte, realizada em 2009, no bairro da Tijuca a pesquisadora

coletou os dados dos participantes, de forma que foi possível identificar fatores sociais

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relacionados a eles. Ao todos, participaram da amostra 7 informantes entre 17 e 65 anos

e dois níveis de escolaridade.

Por fim, na Amostra Zona Oeste, também realizada em 2009, no bairro de

Campo Grande, foram entrevistados 13 pessoas, sendo 8 com ensino médio, 4 com

ensino fundamental e uma mulher com ensino superior.

A pesquisadora controlou, além dos pronomes tu e você na posição de sujeito, o

pronome-sujeito nulo isoladamente porque na variedade carioca não é possível associar

o verbo com desinência zero a um pronome ou a outro, uma vez que tanto você quanto

tu aparecem junto a verbos com desinência zero.

Os dados gerais, obtidos a partir de 49 gravações de fala espontânea apontaram

para: preferência de você (49%) e altos índices de nulo (39%) e índices não tão altos de

tu (12%). O grupo que favoreceu o uso de tu foi o de ambulantes da Almirante Barroso

(21%), seguido pelos informantes de Campo Grande (20%).

Em relação à escolaridade, o uso de tu foi associado a menor escolaridade, uma

vez que apresentou uma queda de frequência entre os informantes de nível

fundamental/médio em relação aos de nível superior. Ainda assim, a autora destaca que

mesmo com percentuais mais baixos, o tu foi identificado no grupo mais escolarizado e

com uma diferença não tão grande (4%). Isso indica que tal pronome também faz parte

do vernáculo desses falantes, mesmo que a escola condene o uso de tu sem a

concordância canônica e que a mídia, de forma geral, associe o uso de tu a personagens

característicos de classes sociais mais baixas e/ou com menor poder aquisitivo muitas

vezes de forma estereotipada. O contrário aconteceu com você, de forma que os

percentuais aumentavam de acordo com o nível de escolaridade do informante.

A pesquisadora utilizou o programa estatístico Goldvarb 2001 para identificar os

grupos de fatores relevantes para aplicação da regra variável. Foram realizadas três

rodadas (você x tu / tu x nulo / você x nulo). No confronto entre tu e as demais

estratégias (tu x você, tu x nulo) os fatores sociais foram selecionados, ao passo que na

rodada entre você e nulo o programa selecionou apenas fatores linguísticos (paralelismo

formal e modalidade verbal), o que, segundo a autora, “sinaliza o estigma social que

ainda envolve o uso da variante (Tu + verbo sem marca de concordância)” (SANTOS,

2012, p. 98). Como no presente trabalho visei a analisar apenas os pronomes tu e você,

me aterei aos resultados referentes a tais formas.

Na rodada você x tu, o programa selecionou os seguintes grupos de fatores como

relevantes:

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1) Paralelismo formal

O tu era favorecido quando antecedido por tu e desfavorecido quando antecedido

por você. Segundo a autora, esse resultado confirma a hipótese de Omena (1986, 1993,

2003 apud SANTOS, 2012) e Lopes (1993 apud SANTOS, 2012) “de que o falante

tende a repetir uma mesma forma linguística numa sequência discursiva” (SANTOS,

2012, p. 100).

2) Modalidade verbal

As expressões de modalidade que desfavoreceram o uso de tu foram

possibilidade e prescrição/conselho. A explicação fornecida pela autora é de que, em

tais contextos, os falantes utilizam a indeterminação do sujeito como estratégia

mitigadora para os atos de fala e que o pronome tu tem valor semântico-pragmático

mais ‘diretivo e invasivo’, de forma que não condiz com estratégias mitigadoras.

Por outro lado, a ordem e a certeza foram modalidades que favoreceram o uso de

tu. Sobre a ordem, a pesquisadora apontou:

com relação à expressão da modalidade verbal ordem cabe destacar que, consoante Scherre et al. (2009), as formas de imperativo associadas ao indicativo são percebidas como estratégias menos ‘autoritárias’ de fazer pedido. (SANTOS, 2012, p. 104)

E, em relação à certeza que

de certa forma, poder-se-ia especular que a modalidade verbal certeza funciona, na verdade, como um fator que favorece a manutenção da face positiva do próprio falante, o que gera certa ‘camaradagem’ entre os atores da cena enunciativa” (SANTOS, 2012, p. 104).

Em relação ao bairro, os resultados apontaram para um alto favorecimento de tu

em Campo Grande e desfavorecimento de tu na Tijuca. O Centro, por ser uma área

muito heterogênea, que abriga pessoas de diferentes localidades da cidade, não foi

considerado na análise. A autora se baseou em dados do IBGE para apontar as

diferenças entre a Tijuca e Campo Grande. A Tijuca é apontada como uma região

próxima ao centro, de moradores de classe média e baixa que apresentam altos índices

de escolaridade (semelhantes aos moradores da Zona Sul), enquanto Campo Grande é o

oposto disso: uma periferia distante do centro, habitada por moradores de classes mais

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baixas e com baixa escolaridade. Porém, a pesquisadora faz a seguinte observação sobre

os dados relativos aos bairros:

Cabe destacar, porém, que, na amostra Zona Oeste, há muitos falantes com nível fundamental, ao passo que, na amostra Zona Norte, só há falantes com ensino superior e médio. É possível que os dados dos falantes com ensino fundamental tenham determinado tal resultado. (SANTOS, 2012, p. 110)

Em relação à última variável selecionada, sexo/gênero, os resultados

demonstram favorecimento de tu na fala de homens (15,1%) e desfavorecimento na fala

de mulheres (9,1%). Esse resultado, encontrado também no trabalho de Paredes Silva

(2003) e discutido no estudo diacrônico de Rumeu (2008), evidencia que, embora as

dinâmicas relacionadas ao gênero tenham se modificado em sociedades modernas, ainda

hoje há resquícios dessas relações calcadas nas diferenças dos papéis sociais

estabelecidos entre homens e mulheres, que se refletem nos usos linguísticos. Será que

no âmbito da percepção/avaliação essas diferenças relacionadas ao gênero também se

mostram relevantes? Essa é uma das questões que pretendo responder com os

experimentos elaborados na presente pesquisa.

Por fim, uma questão a ser considerada com base nos resultados obtidos por

Santos (2012) é: o que ocasionou as baixas frequências de tu? Será que esses índices

refletem a realidade linguística da variedade carioca quanto à variação de 2SG?

Possivelmente os baixos índices ocorreram por conta da metodologia utilizada para a

coleta de dados. Considerando que o pronome tu é favorecido em situações de mais

intimidade e informalidade entre os falantes, é possível que os informantes, mesmo que

usuários de tu, não tenham se sentido à vontade diante de uma pessoa desconhecida e,

por isso, tenham preferido estratégias neutras, como você e o sujeito nulo.

Os estudos apresentados até aqui estão centrados no uso das formas pronominais

de 2SG, mas há aspectos importantes relacionados à avaliação desses pronomes que

podem determinar o avanço ou recuo das formas variantes. Dessa forma, apresento a

seguir dois estudos recentes que lidam com a percepção/avaliação sobre a variação dos

pronomes de 2SG no Rio de Janeiro.

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2.3.2. Os testes de percepção/avaliação

Em trabalho anterior (LOPES; OLIVEIRA; CARVALHO, 2016), buscamos

identificar a percepção de falantes do Rio de Janeiro sobre as formas variantes de 2SG

na posição de sujeito. Para tanto, elaboramos um teste de julgamento de adequação

sociolinguística (cf. DERWING; DE ALMEIDA, 2005; SCHÜTZE & SPROUSE,

2013; KENEDY, 2015), no qual os pronomes tu e você apareciam como parte do

diálogo de cenas de filmes e seriados que representavam situações dialógicas

diversificadas.

Nesse experimento, os estímulos contendo os pronomes assim como os

distratores eram parte da legenda das cenas, que apareciam destacadas na cor vermelha

e eram sempre as últimas frases do diálogo (as frases anteriores, na cor amarela, serviam

para contextualizar). Os participantes, então, deveriam assistir às cenas e dar uma nota

de 1 a 5 considerando a naturalidade e adequação das legendas em relação à situação em

que apareciam. As variáveis independentes controladas foram os pronomes tu e você e o

tipo de relação empregada na cena (simétrica ou assimétrica).

Dessa forma, com base no julgamento de 15 participantes (8 mulheres e 7

homens), constatamos que o pronome você foi julgado positivamente, recebendo

majoritariamente a nota 5 e raras vezes as notas 1 e 2 pelos participantes,

independentemente do tipo de relação em que se inseria. O pronome tu, por outro lado,

foi julgado de forma mais neutra pelos participantes, que atribuíram majoritariamente a

nota intermediária da escala (nota 3) às cenas que continham tal pronome nos dois tipos

de relação.

Considerando que esse resultado pudesse ter sido influenciado pelo meio de

realização do diálogo (legenda), elaborei um novo experimento (CARVALHO, 2017),

contendo as mesmas cenas, porém com dublagens em vez de legendas.

O novo experimento contou com a participação de 30 sujeitos (18 mulheres e 12

homens) e novamente o pronome você foi julgado positivamente pelos participantes

tanto nas relações simétricas quanto nas assimétricas. Quanto ao pronome tu, os

resultados se mostraram diferentes do primeiro experimento: os participantes avaliaram

positivamente tal pronome de maneira geral, porém, identifiquei diferenças de

julgamento quanto ao tipo de relação, de forma que houve um equilíbrio maior na

distribuição das notas das cenas de relação assimétrica e, por outro lado, nas cenas de

relações simétricas, as notas se concentraram no ponto mais alto da escala (nota 5) e

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raramente foram atribuídas as notas 1 e 2 para essas cenas. Ou seja, o pronome tu, no

experimento com dublagens, foi avaliado mais positivamente nas relações simétricas do

que nas relações assimétricas.

Por fim, destaco os resultados obtidos a partir de um questionário piloto de

avaliação subjetiva. Com esse trabalho (CARVALHO, 2018), objetivei identificar os

significados sociais atrelados às formas variantes tu e você no dialeto carioca. Para isso,

selecionei e extraí, dos corpora organizados por Santos (2012), frases que continham os

pronomes de 2SG e elaborei um questionário com escalas contendo índices sociais

denominados: ‘inteligência’, ‘escolaridade’, ‘morador de bairro rico / pobre’,

‘masculinidade’, ‘(in)formalidade’ e ‘carioquice’.

Ao iniciar o teste, o participante ouvia o estímulo e escolhia, de acordo com uma escala de 7 níveis, os índices que se aproximavam mais das frases com as formas tu e você. Dessa forma, observei que o pronome você, como esperado, não foi atrelado a nenhum dos índices controlados e, por outro lado, a forma tu foi associada aos índices ‘informalidade’ e ‘carioquice’, ou seja, os falantes, ao usarem tu, foram considerados mais informais e mais cariocas em relação aos falantes que usaram você.

Esses resultados dialogam com trabalhos anteriores, com base em dados de uso

(PAREDES SILVA, 2003; RUMEU, 2004; BARCIA, 2006; LOPES; DUARTE, 2007;

SANTOS, 2012), que apontam o pronome tu como mais produtivo em situações mais

informais de comunicação. Além disso, a associação entre o índice ‘carioquice’ e o

pronome tu (sem a concordância canônica) parece demonstrar que tal pronome carrega

um caráter de identidade e pertencimento entre os falantes cariocas.

Tanto o questionário de avaliação subjetiva quanto o modelo dos testes de

julgamento de adequação sociolinguística, pensado e desenvolvido para dar conta do

julgamento das formas de 2SG, serviram de base para a elaboração dos testes

apresentados no presente trabalho, que serão detalhados na seção de metodologia.

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3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Neste capítulo, apresento os fundamentos teóricos que embasam o presente

estudo. Na seção 3.1., discorro sobre os pressupostos da Sociolinguística Laboviana

(WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968]; LABOV, 1972; 1994; 2001; 2008)

que servirão de base para fundamentar a pesquisa; em 3.2., discuto sobre a divisão dos

estudos sociolinguísticos apresentada em Eckert (2012) denominada de “as três ondas

da sociolinguística”. Por fim, nas duas últimas seções, discuto como a Teoria do Poder e

da Solidariedade (BROWN; GILMAN, 1960) e a Pragmática Sociocultural (BRAVO;

BRIZ, 2004) contribuem para o entendimento do fenômeno, trazendo uma perspectiva

voltada para a interação entre os indivíduos.

3.1. A Sociolinguística Laboviana

A Sociolinguística Laboviana (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968];

LABOV, 1972; 1994; 2001; 2008) surge, na década de 1960, como uma teoria que

propõe estudar a variação e mudança linguística com base em dados empíricos. Para

tanto correlaciona aspectos linguísticos e sociais, pois considera que não se pode isolar

a língua do meio social.

Em oposição ao Gerativismo e ao Estruturalismo, defende que: 1) a língua está

em constante processo de variação e mudança, sendo fruto da interação social entre os

indivíduos; 2) a variação linguística não é aleatória, mas governada por um conjunto de

regras: é possível determinar os fatores estruturais (linguísticos) e sociais

(extralinguísticos) que condicionam a variação; 3) sincronia e diacronia não devem ser

consideradas de forma dicotômica porque uma é parte do processo da outra; dito de

outro modo, variação e mudança estão interligadas de forma que “nem tudo que varia

sofre mudança: toda mudança linguística, no entanto, pressupõe variação” (TARALLO,

1999, p. 63).

Partindo dessa perspectiva dinâmica, postula-se que a língua continua

estruturada enquanto as mudanças vão ocorrendo. Como então os falantes continuariam

se comunicando durante a difusão de uma mudança? As línguas perderiam seu caráter

sistêmico? Os autores defendem que distintas etapas de difusão de uma mudança se

originam e se desenvolvem em situações de heterogeneidade linguística.

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3.1.1. Heterogeneidade ordenada

O ponto crucial da Sociolinguística é a determinação de que a língua é

constituída de heterogeneidade ordenada. Segundo Weirench, Labov e Herzog (1968), a

variação é inerente à língua e faz parte da competência do falante, de forma que não há

língua natural que não apresente variação. Mas, se por um lado, os autores apontam que

toda língua é heterogênea, por outro, indicam que a dinâmica da língua pressupõe

sistematicidade, isto é, a variação e a mudança linguística não ocorrem de forma

aleatória; por trás de fenômenos variáveis, há regras que determinam o rumo da

variação e definem se e como a variação acarretará em mudança linguística. Sobre a

questão da heterogeneidade ordenada, os autores afirmam:

Muito antes de se poder esboçar teorias preditivas da mudança linguística, será necessário aprender a ver a língua – seja de um ponto de vista diacrônico ou sincrônico – como um objeto constituído de heterogeneidade ordenada. [...] Argumentaremos que o domínio de um falante nativo de estruturas heterogêneas não tem a ver com multidialetalismo nem com o “mero” desempenho, mas é parte da competência linguística monolíngue. (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968], p.35 - 36)

Para sustentar a hipótese de heterogeneidade ordenada, os autores propõem um

modelo de sistemas coexistentes, que seriam formas de dizer diferentes enunciados com

a mesma informação referencial e que estariam disponíveis geralmente a todos os

membros adultos de uma mesma comunidade de fala - mesmo que apenas no âmbito da

interpretação e não da produção. Além disso, pautando-se sempre em estudos empíricos,

apontam que as escolhas entre os enunciados que compõem os sistemas coexistentes

acompanham mudanças sociais.

Esses estudos empíricos têm confirmado o modelo de um sistema ordenadamente heterogêneo em que a escolha entre alternativas linguísticas acarreta funções sociais e estilísticas, um sistema que muda acompanhando as mudanças na estrutura social. (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968], p. 99)

Dessa maneira, considerando que todos os falantes de uma mesma comunidade

de fala teriam conhecimento das formas variantes que a constituem, ainda que não as

utilizem, e que a variação é condicionada não só por fatores linguísticos, como também

sociais, não seria equivocado supor, então, que todos os falantes de uma comunidade

sejam capazes de fornecer julgamentos sociais a respeito de formas variantes que

compõem a variedade linguística que dominam. Os mecanismos da mudança

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linguística, sobretudo o problema da avaliação, apresentados na próxima seção, lidam

diretamente com essa questão.

3.1.2. Os mecanismos da mudança linguística

Nos textos fundadores da Sociolinguística Variacionista - Fundamentos

empíricos para uma teoria da mudança linguística (WEINREICH; LABOV; HERZOG,

2006 [1968]) e Padrões Sociolinguísticos (LABOV, 1972) -, os autores propõem alguns

problemas que circundam os processos de variação e mudança linguística. São eles: o

problema da restrição; o problema da implementação; o problema da transição; o

problema do encaixamento; e o problema da avaliação.

O problema da implementação está associado ao fato de se identificar por que a

mudança inicia e se implementa em determinado momento e em determinado lugar. A

partir da definição dos fatores que condicionam a mudança é que se podem fornecer

explicações sobre como a mudança vai se implementando em uns contextos e não em

outros. Justamente por lidar com um grande número de fatores possíveis para explicar a

implementação da mudança, Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]) apontam esse

problema como um dos mais difíceis da linguística histórica. Os autores afirmam ainda

que, enquanto é possível fazer algumas generalizações relacionadas aos outros

problemas durante o processo de mudança, a implementação só pode ser discutida a

posteriori. Apesar disso, sobre o processo de implementação da mudança, os autores

propõem um ‘padrão’ que se repete em alguns estudos levantados sobre como os fatores

sociais afetam os traços linguísticos:

...uma mudança linguística começa quando um dos muitos traços característicos da variação na fala se difunde através de um subgrupo específico da comunidade de fala. Este traço linguístico então assume certa significação social – simbolizando os valores sociais associados àquele grupo. Uma vez que a mudança linguística está encaixada na estrutura linguística, ela é gradualmente generalizada a outros elementos do sistema. [...] Novos grupos entram na comunidade de fala, de tal modo que uma das mudanças secundárias se torna primária. [...] por fim, a complementação da mudança e a passagem da variável para o status de uma constante se fazem acompanhar pela perda de qualquer significação social que o traço possuía. (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968], p.124-125)

No trecho em questão, é possível observar que os mecanismos da mudança estão

interligados, de maneira que o padrão de implementação da mudança passa pelo

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problema da restrição, do encaixamento, da transição e da avaliação até que a mudança

se complete.

O problema da transição diz respeito a de que maneira ocorre a mudança: como

o sistema do indivíduo muda durante a sua vida; como a mudança se difunde pela

comunidade de fala e como se movimenta de uma comunidade para outra (LABOV,

1982). A principal característica relacionada a esse problema é o fato de a mudança não

ser discreta, mas gradual, isto é, “há fases intermediárias em que as variantes coexistem

e concorrem, diminuindo gradualmente a ocorrência de uma em oposição a outra”

(FARACO, 2005). Nesse caso, é possível tomar como exemplo o estudo de Souza

(2012), em que a pesquisadora demonstrou um período (final do século XIX) em que tu

era a forma de 2SG mais frequente em cartas do Rio de Janeiro, seguido de um período

de coexistência entre as formas tu e você, no início do século XX, e, a partir da década

de 30 do mesmo século, o pronome você como forma mais frequente em detrimento de

tu.

O problema da restrição (ou dos fatores condicionantes) se refere ao objetivo de

determinar o conjunto de mudanças possíveis e de condições possíveis para a mudança

linguística, isto é, os fatores (internos e externos) que condicionam a variação e a

mudança. Para tanto, o pesquisador deve identificar os fatores que determinam um

maior ou menor uso das formas variantes analisadas. Um bom exemplo é o estudo de

Santos (2012), que apontou que fatores como sexo/gênero e escolaridade condicionam a

frequência de uso de tu na cidade do Rio de Janeiro.

Labov (1982) sugere que o problema do encaixamento seja tratado em conjunto

com o problema da restrição, de forma que, ao explicar como se dá o encaixamento se

apontem também os fatores condicionantes do fenômeno estudado. O problema do

encaixamento é subdividido em dois grupos: encaixamento estrutural e o social. O

primeiro, encaixamento estrutural, se refere à relação estabelecida entre o fenômeno em

processo de mudança e outros elementos do sistema linguístico ou entre diferentes

fenômenos que ocorrem em cadeia. Um caso de encaixamento estrutural pode ser

observado através do estudo de Gomes (2003) no qual a autora demonstrou que a

entrada de você gerou mudanças no quadro pronominal do PB de forma que o clítico lhe

deixa de ser referência de terceira pessoa e passa a ser referência de 2SG.

Já o encaixamento social diz respeito aos aspectos da estrutura social da

comunidade de fala relevantes para o fenômeno em processo de mudança. Labov (1982)

aponta cinco dimensões da estrutura social identificadas em estudos sociolinguísticos:

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classe social; raça ou etnia; idade; gênero; e localidade. Alguns estudos, como o de

Labov (1966), identificaram, ainda, o estilo de fala como relevante para o fenômeno

analisado.

O autor indica também, de forma sistematizada, as origens das mudanças em

estudos sociolinguísticos: as mudanças iniciam em grupos sociais intermediários

(setores mais altos da classe trabalhadora ou classes médias baixas) e podem atingir

pessoas com alto prestígio local. As mudanças afetariam um grupo social e aos poucos

se propagariam a outros grupos.

Por fim, o problema da avaliação diz respeito ao conhecimento e comportamento

do falante diante da mudança linguística, isto é, de que maneira os membros da

comunidade de fala fornecem julgamentos subjetivos acerca do fenômeno em variação e

como o falante muda o uso de formas variantes de acordo com o seu significado social.

Weinreich, Labov e Herzog (2006) apontam a importância de se observar a avaliação

dos fenômenos em processo de mudança: o nível de consciência social é uma propriedade importante da mudança linguística que tem de ser determinada diretamente. Correlatos subjetivos da mudança são por natureza mais categóricos do que os padrões cambiantes do comportamento: a investigação destes correlatos aprofunda nosso entendimento dos modos como a categorização discreta é imposta ao processo contínuo de mudança. (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006[1968], p.124)

Ou seja, a avaliação é um problema importante, pois está ligada às atitudes dos

falantes diante da constatação de que um elemento de sua língua está mudando. Assim,

os falantes podem acelerar ou reter processos de mudança linguística de uma

comunidade de fala, na medida em que se identificam com eles ou os rejeitam. Dessa

maneira, meu interesse em observar a percepção/avaliação sobre as formas variantes de

2SG se dá no âmbito de verificar se os falantes cariocas as rejeitam ou se identificam

com elas, sobretudo com o tu, e, consequentemente, se tendem a retardar ou acelerar o

processo de mudança.

Para lidar com o problema da avaliação, Labov (2008 [1972]) estipula três

categorias relacionadas ao nível de consciência sobre as formas variantes, como

apresentado em Freitag et al (2016): Quanto à avaliação social, Labov (2008) trata de três categorias: os estereótipos, que são os traços linguísticos socialmente marcados de forma consciente pelos falantes; os marcadores, que são os traços linguísticos sociais e estilísticos e que permitem efeitos consistentes sobre o julgamento consciente ou inconsciente do ouvinte sobre o falante; e os indicadores, que são os traços socialmente estratificados, no entanto, não são sujeitos à variação estilística (FREITAG et al, 2016, p.141)

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Nesse trabalho, as autoras investigam a avaliação de alunos sergipanos sobre três

fenômenos distintos: a realização africada das oclusivas, considerada como um

estereótipo por ser mais frequente em indivíduos com menor escolarização; o uso da

forma variante de segunda pessoa do plural ‘a gente’, apontada como um marcador, por

ser “sensível à avaliação social, em contextos de maior monitoramento e formalidade”

(FREITAG et al, 2006, p.142); e o alçamento das vogais médias /e/ e /o/, considerado

como indicador por se relacionar a fatores de ordem linguística e não social.

Ainda sobre a questão da avaliação, Labov (1982) define uma ordem dos

estágios da mudança que podem ser associados às três categorias. Segundo o autor, nos

primeiros estágios da mudança, a variação acontece abaixo do nível de consciência dos

falantes, ou seja, nessa fase as formas em variação são indicadores linguísticos; nos

estágios seguintes, alternâncias estilísticas e estratificações sociais começam a aparecer,

isto é, as variantes são, nessa fase, marcadores linguísticos; e, nos estágios finais, os

estereótipos podem aparecer e, em geral, são associados a atributos negativos.

Dessa forma, em consonância com o posicionamento de Weinreich, Labov e

Herzog (2006 [1968]) no que tange à avaliação linguística, pretendo, no presente

trabalho, identificar a avaliação dos falantes cariocas sobre as formas pronominais de

2SG por considerar que isso pode suscitar novas pistas, explicações ou trazer novas

questões para a investigação do fenômeno. A ideia é mostrar se o julgamento feito pela

comunidade carioca às duas formas variantes (tu e você) é positivo ou negativo, na

tentativa de compreender se teríamos indicadores, marcadores ou estereótipos. Se

avaliação determina sobremaneira a efetivação de uma mudança, em função da reação

do falante diante das formas variantes inovadoras, interessa-me procurar identificar o

valor social que as duas variantes trazem em si na comunidade carioca.

Cabe destacar que a presente pesquisa, calcada em Oushiro (2015), faz uma

distinção conceitual entre avaliação e percepção. Segundo a autora o primeiro (avaliação) é empregado para fazer referência ao discurso metalinguístico dos falantes sobre as variantes, o que constitui um objeto de estudo em si. O segundo (percepção) diz respeito a inferências feitas pelos usuários de uma língua ao ouvir outro falante, que podem ou não ser conscientes – e que, portanto, podem não ser objeto de comentário metalinguístico. (OUSHIRO, 2015, p. 32)

Os estudos de percepção, então, tentam capturar os julgamentos inconscientes

enquanto os de avaliação buscam as impressões conscientes dos falantes de uma língua

sobre um dado fenômeno. Porém, é importante frisar que essa distinção não é vista, na

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presente pesquisa, de forma dicotômica e sim complementar, isto é, para chegar a uma

impressão consciente (avaliação), o falante desenvolve julgamentos inconscientes

(percepção). Sendo assim, a percepção é vista de forma mais ampla, podendo apresentar

duas faces, a da própria percepção, quando o julgamento não se torna consciente, e a da

avaliação.

Como apontado por Lopes, Oliveira e Carvalho (2016), a discussão do problema

da avaliação tem sido, de certa forma, deixada de lado nos estudos sobre mudança pela

dificuldade de uma metodologia mais sistematizada e eficaz para medir a reação dos

falantes sobre as variantes. Para o estudo do tratamento, os trabalhos costumam avaliar

a partir de questionários em que os participantes informariam em que situação

empregam as formas de tratamento e o valor que elas têm. Muitas vezes, o resultado

desses questionários não corresponde à realidade, uma vez que os participantes afirmam

que não usam certas variantes, embora elas apareçam em sua fala. De qualquer forma, já

teríamos um indício da sua avaliação nessa não correlação entre o que eles dizem que

usam e o que efetivamente fazem. Assim, novas propostas metodológicas para analisar

a avaliação que os falantes fazem das formas de tratamento em variação seriam

importantes para entender se há um julgamento negativo das formas o que impediria

que a mudança se efetivasse.

Porém, pesquisas recentes vêm trazendo uma nova perspectiva sobre os estudos

variacionistas, principalmente em relação à avaliação linguística. Sendo assim, destaco,

na seção a seguir, o levantamento e encaminhamento das pesquisas sociolinguísticas

proposto por Eckert (2012) com o intuito de identificar em que medida as novas

tendências podem trazer mais esclarecimento ao fenômeno estudado na presente

pesquisa.

3.2. As três ondas da sociolinguística

Buscando discutir o papel do significado social nos estudos variacionistas,

Eckert (2012) retoma as pesquisas desenvolvidas a partir do surgimento da

sociolinguística, na década de 60, e propõe o agrupamento de tais estudos em três

ondas, apontando as principais características e lacunas em cada uma.

Segundo a autora, a primeira onda da sociolinguística tem início com o estudo

de Labov (1966) sobre a estratificação do inglês de Nova York. Esse estudo serviu de

modelo para diversos outros subsequentes, que, assim como o primeiro, estabeleceram

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padrões regulares de estratificação socioeconômica, de maneira que o uso das formas

variantes se relacionava ao status socioeconômico do falante.

Os trabalhos considerados de primeira onda focam em macrocategorias sociais,

com estudos voltados para comunidades de fala de grandes centros urbanos. Dessa

forma, a metodologia desses estudos determina uma relação entre as variáveis

linguísticas e as macrocategorias, que são padronizadas (em geral são considerados o

sexo, a idade, a origem e a classe social dos falantes), e, comumente, pré-estabelecidas.

Dito de outro modo, a relação entre as variáveis e as macrocategorias funciona como

forma de marcar o status socioeconômico e a posição dos falantes na hierarquia social,

possibilitando a estratificação destes em células sociais.

Algumas das principais características da primeira onda, que a diferenciam das

outras duas, são a noção de vernáculo e a de estilo. O estilo, na primeira onda, é

caracterizado como resultado de monitoramento para suprimir um processo cognitivo

natural, i.e., é considerado como atenção prestada à fala. O vernáculo, clássico e natural

objeto de estudo da sociolinguística, é definido por Labov (1972b apud ECKERT,

2012) como a primeira aquisição e mais automática produção linguística do falante.

Uma vez que têm como foco o estudo do vernáculo presente em grandes centros

urbanos, os estudos da primeira onda não contemplam comunidades locais e suas

especificidades. Dessa forma, surgem alguns questionamentos como: a variação

linguística poderia ser influenciada por categorias localmente definidas? Ou sempre

estariam relacionadas às macrocategorias sociais? Esses questionamentos propiciam o

surgimento de estudos da chamada segunda onda da sociolinguística.

A segunda onda da sociolinguística apresenta algumas características em comum

com a primeira, como a busca por padrões de mudança com base em pesquisas

quantitativas. Por outro lado, os estudos que fazem parte desse modelo visam a analisar

comunidades de fala menores, a partir de uma abordagem etnográfica por períodos de

tempo mais longos, considerando categorias sociais locais e mais específicas em relação

a fenômenos de mudança linguística.

Nesse modelo, a centralidade do vernáculo e do auto monitoramento nas análises

acerca da variação se mantém, porém assumem outra concepção. Na segunda onda, o

vernáculo se manifesta como uma noção de identidade local ou identidade de classe e o

estilo se caracteriza como ato de filiação, isto é, o estilo é visto como expressão de

pertencimento a um grupo.

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A autora exemplifica essa questão com base no estudo de Labov (1972) sobre o

inglês afroamericano (AAVE), no qual o pesquisador identificou o uso de traços

vernaculares por adolescentes como forma de indexicar status dentro do grupo ao qual

pertenciam. O vernáculo, nesses estudos, também pode assumir valor positivo, como no

estudo de Milroy (1980 apud ECKERT, 2012), no qual a pesquisadora identificou uma

relação entre o uso do vernáculo e o engajamento local na classe trabalhadora de uma

cidade de Reino Unido.

Outro exemplo de trabalho vinculado à segunda onda e que lida com a questão

do estilo é o da própria autora (ECKERT, 2000 apud ECKERT, 2012), realizado em

uma escola de ensino médio em Detroit. A autora identificou, nesse trabalho, que o uso

de algumas variantes fonéticas constituía estilos associados a grupos distintos de

adolescentes: os jocks e os burnouts, que representavam a cultura da classe média e da

classe trabalhadora, respectivamente. A pesquisadora verificou, ainda, que os usos dos

alunos que não faziam parte dos grupos funcionavam como forma de se afastar ou se

aproximar dos dois grupos. Ou seja, os alunos usavam as formas variantes para

demonstrar que pertenciam - ou que desejavam pertencer - a um grupo ou a outro.

Segundo Eckert, os estudos da primeira e segunda onda se assemelham ao se

concentrar em categorias estáticas, mas as pesquisas etnográficas trouxeram à tona a

prática estilística e forneceram uma perspectiva local sobre as descobertas da primeira

onda, conectando as macrocategorias sociais a categorias locais e mais concretas.

Na terceira onda, por outro lado, Eckert, com base em Irvine 2001, Bucholtz &

Hall 2005 e Bucholtz 2010 (apud ECKERT, 2012), aponta que o foco passa a ser em

“uma visão de variação como reflexo de identidades e categorias sociais para a prática

lingüística na qual os falantes se colocam na paisagem social por meio da prática

estilística”2 (ECKERT, 2012, p. 94, tradução minha). Diferentemente do que se observa

na primeira e na segunda onda, em que o estilo se manifesta como monitoramento à fala

de acordo com a (in)formalidade da situação e como atos de filiação a um grupo,

respectivamente, na terceira onda, a prática estilística é vista de forma mais agentiva,

como construção da identidade, como apontam Freitag et al (2012) em artigo sobre

estudos de terceira onda no Brasil.

2 View of variation as a reflection of social identities and categories to the linguistic practice in which speakers place themselves in the social landscape through stylistic practice.

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A face renovada de estilo o identifica com o modo como os falantes combinam variáveis para criar modos distintivos de fala, que fornecem a chave para a construção da identidade. A identidade consiste, por sua vez, em tipos particulares explicitamente localizados na ordem social. Continuamente, os falantes atribuem significado social à variação de um modo consequente, situação que implica certo grau de agentividade. (FREITAG ET AL, 2012, p. 923)

Nesse modelo, como os estudos lidam com a dinamicidade da interação social,

as variáveis não são relacionadas a categorias fixas, mas à “mutabilidade indexical”

(ECKERT, 2012). Essa mutabilidade é alcançada na prática estilística a partir do

processo de bricolagem, isto é, os movimentos de interpretação e reinterpretação dos

significados das variáveis a partir da combinação de recursos linguísticos disponíveis.

Além disso, as duas primeiras ondas lidam com o conceito de comunidade de

fala, de forma parcialmente distintas. Enquanto na primeira a comunidade de fala é uma

representação mais ampla, de grandes centros urbanos, na segunda, é o retrato de

comunidades menores, locais. Porém, em ambos os casos, o objeto de estudo é a

comunidade de fala, o que os diferencia da terceira onda da sociolinguística, que tem

como foco o estudo de comunidades de prática, como explicado em Freitag et al.

(2012):

Enquanto, na definição laboviana, comunidades de fala são agrupamentos de indivíduos que compartilham não necessariamente dos mesmos traços linguísticos, mas sim do mesmo juízo de valor acerca desses traços, e os reconhecem como legítimos para a identificação do grupo, a comunidade de prática (WENGER, 1998; ECKERT; MCCONNELL-GINET, 2010; ECKERT; MCCONNELL-GINET, 1997) é um agrupamento de indivíduos (comunidade) que partilham perspectivas em comum, valores e conhecimento (domínio), e que interagem entre si para se aperfeiçoarem e replicarem esses valores e conhecimentos (prática). Trata-se de uma construção social, e, como tal, está sujeita às práticas diárias dos indivíduos, que interagem entre si e com outras comunidades. (FREITAG et al, 2012, p. 922).

Comunidade de prática, então, “é um agregado de pessoas que se juntam para

engajar-se em algum empreendimento comum” (FREITAG et al, 2012, p. 923), é a

representação das interações que o indivíduo tem com diversos grupos na vida

cotidiana. Logo, um mesmo indivíduo participa de várias comunidades de prática,

quando está no trabalho, na academia, na igreja, na escola etc.

É importante frisar que a autora afirma que as ondas não são sucessivas nem

substitutivas, mas que são modelos que lidam de forma particular com a variação

linguística, com metodologias e objetivos distintos. Porém, ao longo do texto, a

interpretação da autora em relação às diferentes ondas parece indicar que os estudos da

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terceira onda surgem para suprir “defeitos” das ondas anteriores e não que os três

modelos são complementares.

Dessa forma, contrapondo a visão de Eckert (2012), Gomes (2017) faz um

levantamento das características da categoria ‘classe social’ (macrocategoria importante

para a primeira onda) apontadas pelo sociólogo Gurvitch (1982) para defender que as

ondas sejam consideradas de forma complementar - não excludente – e que as macro e

microcategorias sejam vistas como partes de um continuum.

Segundo Gurvitch (1982), as classes sociais se constituem como agrupamentos

de fato, isto é, “são agrupamentos nos quais os seus membros participam, sem que isso

seja explicitamente querido por eles e sem que eles obedeçam às injunções de uma

organização ou de um poder determinado” (p. 172). Dessa forma, se diferenciam dos

agrupamentos voluntários, aqueles em que seus membros participam de plena vontade,

como os sindicatos, partidos políticos, sociedades filantrópicas etc.

Gomes (2017) aponta que os agrupamentos voluntários podem ser

multiclassistas e que o conceito de comunidades de prática equivale ao de agrupamentos

voluntários, de forma que as comunidades de prática também podem ser multiclassistas.

Com base nisso, a autora afirma que a noção de comunidade de prática não está

desvinculada à de classe social e que, além disso, essas questões demonstram uma

dinâmica social e, assim, a categoria classe social não pode ser qualificada como

estática, como pode ser observado no trecho a seguir:

Nesse sentido, a comunidade de prática se distingue das classes, mas não se coloca a parte, isto é, não é independente ou completamente autônoma em relação às classes sociais. [...] Do ponto de vista da condução da pesquisa sociolinguística, as questões teóricas colocadas e as metodologias empregadas nas diferentes abordagens ou ondas dos estudos sobre a significação social da variação se relacionam com diferentes setores da organização social. Assim, a identificação do comportamento do falante em função do estilo de fala e de classe social (ou escolaridade) não captura necessariamente um valor estático, mas um valor associado a características sociais mais abrangentes e que podem ter consequências no comportamento do falante quando observado em relação a grupamentos de outra ordem (GOMES, 2017, p. 12)

Por fim, a autora aponta a importância de tratar as categorias macro e

microssociais de forma dialética, considerando as diferentes tendências dos estudos

sociolinguísticos (as três ondas) de forma não excludente de fato, mas complementar:

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O que está em questão, portanto, para a pesquisa sociolinguística, é o desafio interdisciplinar de buscar identificar o significado social das formas linguísticas no continuum classe social – comunidade de prática através de uma relação dialética e não de determinação de uma sobre a outra. (GOMES, 2017, p. 13)

Essa visão pode trazer contribuições para os estudos, uma vez que permite olhar

para os fenômenos em variação sobre ângulos diferentes, o que pode trazer mais

respostas acerca dos temas que se pretende estudar. Dessa forma, o presente estudo, em

consonância com a visão de Gomes (2017), se apresenta como um esforço em tentar

unir diferentes metodologias para captar o significado social da variação tu x você (no

dialeto carioca) associando categorias macro a microssociais.

3.3. A Teoria do Poder e Solidariedade

O fenômeno estudado na presente pesquisa, por se tratar de pronomes de 2SG,

apresenta caráter dialógico, i. e., é a partir da interação entre dois indivíduos que ele

ocorre e sua escolha depende do tipo de relação ou papel social existente entre os

falantes. Assim, como seu uso emerge de um contato direto entre dois falantes, é um

fenômeno bastante associado ao tipo de interação e à hierarquia existente entre os

indivíduos, aspectos discutidos inicialmente no clássico texto sobre a Teoria do Poder e

da Solidariedade de Brown e Gilman (1960).

Brown e Gilman (1960), no capítulo The Pronouns of Power and Solidariety,3

afirmam que as línguas apresentam um sistema pronominal dual, no âmbito da 2SG, que

se associam a duas dimensões de análise da vida social: poder e solidariedade. Segundo

os autores, esse sistema dual teve início no latim, com os pronomes tu e vos, e cada

língua tem as suas formas pronominais que constituem esse sistema4, as quais são

representadas pelos símbolos T (no âmbito da solidariedade) e V (no âmbito do poder).

Os autores apontam, ainda, que, a princípio, em latim havia apenas o pronome tu

para o singular, porém, no século IV o vos começou a ser utilizado como forma de

respeito endereçada aos dois imperadores: um em Roma e outro em Constantinopla. A

forma plural era utilizada para se referir aos dois imperadores como forma de manter a

unidade do império. Com o passar do tempo, vos se tornou uma forma polida de

3 Os pronomes de poder e de solidariedade, em tradução livre. 4no italiano, tu e voi (atualmente Lei); no Francês, tu e vous; no espanhol, tu e vos; no alemão, du e sie; no inglês, thou e you.

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tratamento e foi se disseminando entre a população até começar a ser endereçado a

representantes do poder em esferas micro – como a família. Posteriormente, tal pronome

passou a conotar um falante de status alto e virou uma marca de elegância. Dessa forma,

a pluralidade do vos é entendida como uma metáfora do poder em relações não-

recíprocas entre duas pessoas, isto é, relações que envolvem hierarquia entre os

interlocutores.

O pronome tu, por outro lado, é considerado como uma forma solidária e ocorre

em situações de reciprocidade, em que não há hierarquia, mas igualdade entre os

falantes. É entendido, também, como forma de condescendência ou intimidade. Dessa

maneira, conforme as relações se mantêm, a probabilidade de um uso mútuo do T

aumenta.

No PB atual, sobretudo no dialeto carioca, existe também um sistema

pronominal dual para a 2SG, como é possível observar a partir de diversos estudos

(conferir capítulo de revisão da literatura), com o pronome tu no plano da intimidade, e

o pronome você, que transita entre situações mais íntimas e informais e mais distantes e

informais, ou seja, é a forma não marcada de referência à 2SG.

No entanto, a proposta de Brown e Gilman (1960), que entende as relações

sociais como pré-estabelecidas e estáticas, não dá conta de sociedades em que a

marcação de poder não é tão evidente, como é o caso da sociedade brasileira atual,

sobretudo o Rio de Janeiro, foco do presente trabalho.

Dessa forma, foi necessário buscar outra proposta, como a de Bravo e Briz

(2004), que compreende as relações sociais de maneira mais dinâmica, construídas a

partir da interação. Sendo assim, discuto a seguir sobre as contribuições da Pragmática

Sociocultural acerca das situações interacionais entre os falantes.

3.4. A Pragmática Sociocultural

No quarto capítulo de Pragmática Sociocultural (BRAVO; BRIZ, 2004), Briz

(2004) apresenta a cortesia verbal como um mecanismo mediante o qual se busca o

equilíbrio entre a imagem do falante e a do ouvinte. Mitigar, suavizar, diminuir força

elocutiva e reparar etc. seriam valores concretos para alcançar a aceitação do outro e,

para realizar esses valores, os falantes podem utilizar formas da língua mais ou menos

corteses.

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Com a finalidade de explicar a dinâmica da atividade cortês, o autor propõe

filtros de avaliação hierarquizados que fazem parte do processo interacional, a saber:

solidariedade entre os interlocutores; finalidade interpessoal da interação; pertinência de

idiomas; problematicidade temática; aceitação linguística e social. No presente trabalho,

me interessam, sobretudo, os dois primeiros, que lidam diretamente com o contexto

interacional durante o diálogo.

A solidariedade, segundo o autor, faz referência às relações de proximidade e

simetria entre os interlocutores. Para definir as relações mais ou menos solidárias, o

autor apresenta algumas características.

+ solidárias - solidárias

Proximidade

+ vivencias comuns

+ saber compartilhado

+ contato

+ compromisso afetivo

- vivencias comuns

- saber compartilhado

- contato

- compromisso afetivo

Simetria

+ igualdade funcional

+ nivelação dos papéis5

+ identidade grupal

- igualdade funcional

- nivelação dos papéis³

- identidade grupal Quadro 01: características das relações solidárias (CF. BRIZ, 2004, p. 80)

Com base no quadro 01, é possível notar que as relações solidárias podem se

estabelecer a partir de dois níveis: o da proximidade e o da simetria. São consideradas

pessoas próximas e, portanto, mais solidárias, aquelas que mantém vínculo por algum

tempo, como familiares e amigos, e estão em nível de simetria aquelas que participam

de um mesmo grupos social e apresentam funções semelhantes, como funcionários que

possuam o mesmo cargo em uma empresa, por exemplo. É interessante observar que

nem sempre as relações mais próximas serão mais simétricas, porém, quanto mais

próximas e mais simétricas forem as relações, mais solidárias elas serão.

Além disso, a finalidade interpessoal da interação é interessante para o presente

trabalho porque diz respeito ao motivo que provoca a conversação e, segundo o autor,

5Sobretudo aqueles derivados das características socioculturais, de idade, gênero, profissão etc, e aqueles marcados pelo mesmo contexto de comunicação, por exemplo, em uma situação de compra e venda, os de comprador e vendedor.

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esse é um dos aspectos que determina os tipos de interação. Com base nisso, o autor

organiza os tipos de interação em dois subtipos: as relações interpessoais e as

transacionais, que apresentam as características a seguir.

Interpessoais Transacionais

Maior aproximação social

Maior simetria

Alternância de turnos “livre”

Participação colaborativa dos

interlocutores

Manutenção das relações sociais (mais

contato entre as pessoas)

Se assemelham às relações + solidárias

Maior distância social

Maior assimetria

Alternância de turnos regulada

Direitos e obrigações dos interlocutores

predeterminados

Finalidade precisa / objeto de negociação

concreto (interações mais breves)

Se assemelham às relações – solidárias Quadro 02: características das relações interpessoais e transacionais (CF. BRIZ, 2004, p. 80)

O autor aponta como exemplo de interações interpessoais uma conversação

cotidiana entre amigos ou vizinhos. Uma conversação acadêmica entre professor e aluno

ou uma conversação de compra e venda, por outro lado, seriam exemplos de relações

transacionais.

Dessa forma, com base nos postulados de Briz (2004), selecionei os contextos

interacionais que fariam parte do experimento, considerando o tipo de interação entre os

personagens, conforme descrevo a seguir. Mais detalhes sobre essa proposta serão

retomados na análise dos resultados.

Em síntese, os postulados da Sociolinguística e da Pragmática Sociocultural são

basilares na discussão. Como foi mostrado na seção 2, o processo de variação e

mudança das formas de tratamento tu e você no Rio de Janeiro já foi objeto de vários

estudos que alinham a perspectiva sociolinguística quantitativa às discussões da

pragmática sociocultural ou mesmo à teoria do poder e solidariedade nos âmbitos

sincrônico (SANTOS, 2012) e diacrônico (RUMEU, 2004; SOUZA, 2012). Entretanto,

os trabalhos que procuram analisar a avaliação dos falantes sobre as formas variantes,

tão cara para a explicação da mudança, não têm recebido tanta atenção dos

pesquisadores pela própria dificuldade metodológica de mensurar eficazmente o

julgamento que os falantes realmente fazem das formas.

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Assim, a proposta da presente pesquisa é justamente investir nessa abordagem,

tentando propor um protocolo metodológico que auxilie nessa empreitada. Nesse

sentido, considero que alguns pressupostos teórico-metodológicos da linguística

experimental podem ser bastante propícios para a proposta aqui construída. No capítulo

seguinte, apresento brevemente os fundamentos dessa perspectiva, centrando mais numa

proposição de cunho metodológico.

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4. METODOLOGIA

Neste capítulo, discorro sobre as metodologias utilizadas para dar conta do

fenômeno analisado. Na seção 4.1., discorro sobre alguns postulados da Linguística

Experimental; em 4.2., comento sobre os métodos para a análise de

avaliação/percepção; em 4.3., descrevo o experimento 1, detalhando seus materiais,

métodos, participantes e procedimentos e, em 4.4., explico como foi elaborado o

segundo experimento.

4.1. A Linguística Experimental

O primeiro desafio que tive de enfrentar ao lidar com a percepção/avaliação foi o

de determinar alguma metodologia que permitisse que esse objetivo se cumprisse. Para

tanto, busquei em Kenedy (2015) as principais vantagens e desvantagens de diferentes

abordagens metodológicas dos estudos linguísticos para estabelecer quais seriam mais

adequadas para a presente pesquisa.

Segundo Kenedy (2015), há, ao menos, três modos de realizar pesquisa

estabelecidos em ciências da linguagem: a metodologia etnográfica, a introspectiva e a

experimental. A primeira, comumente usada em pesquisas sociolinguísticas, diz respeito

à análise de corpora coletados em situações mais ou menos naturais de interação

humana para elaborar descrições acerca de diversos fenômenos linguísticos e identificar

padrões de comportamento entre os indivíduos e traz como vantagem a análise de dados

existentes no mundo real. A segunda, empregada geralmente em pesquisas de cunho

gerativista, refere-se aos julgamentos intuitivos de (a)gramaticalidade por falantes

nativos a partir da impressão de estranhamento ou de normalidade diante de

determinados estímulos linguísticos e permitem insights sobre fenômenos linguísticos

sem a necessidade de análises exaustivas de dados.

A terceira margem para os estudos empíricos em linguística é a metodologia

experimental. De acordo com o autor, a Linguística Experimental ou Psicolinguística na

Descrição Gramatical “trata-se de uma abordagem que permite a formulação e o teste

experimental de previsões comportamentais derivadas de alguma hipótese descritiva ou

de algum modelo em teoria gramatical” (KENEDY, 2015, p.143). No presente trabalho,

como se trata de uma investigação sobre percepção/avaliação, recorri a metodologias

experimentais para alcançar os objetivos da pesquisa, pois, como aponta Kenedy

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(2015), tais metodologias permitem, dentre outras vantagens, “analisar estatisticamente

o comportamento de grupos de pessoas, objetificando medidas subjetivas como a

percepção individual da (a)gramaticalidade” (KENEDY, 2015, p. 145).

Nesta pesquisa, eu não lido com a noção de (a)gramaticalidade, mas com a

percepção da variação, que também pode ser capturada com esse tipo de metodologia.

Além disso, modelos de questionário de avaliação subjetiva têm sido retomados e

reelaborados em diversas pesquisas que visam lidar com significados sociais atrelados a

diferentes fenômenos linguísticos e se apresentam como outra maneira eficaz de se

investigar a avaliação. Na próxima seção, descrevo brevemente os métodos utilizados

para a análise de avaliação/percepção nas áreas que utilizam a Linguística Experimental.

4.2. Métodos para análise de avaliação/percepção

Uma vez definido que eu trabalharia com metodologia experimental, foi

necessário estabelecer que tipo de metodologia eu utilizaria. Segundo Kenedy (2015),

existem dois grandes grupos de técnicas experimentais, as medidas on-line e as off-line:

As medidas on-line são aferidas durante o processamento cognitivo que uma pessoa realiza inconscientemente enquanto recebe estímulo oral ou escrito. [...]. Por sua vez, medidas off-line são aferidas após a conclusão do processamento linguístico e, por conseguinte, envolvem reflexões conscientes por parte daqueles que participam de uma tarefa experimental. (KENEDY, 2015, p.148)

São consideradas técnicas on-line os testes que capturam tempo de

processamento e atividades cerebrais durante a tarefa por exemplo. Já em relação às

técnicas off-line, um bom exemplo são os testes que capturam respostas como “sim/não”

ou notas atribuídas para o estímulo, entre outros.

Segundo Derwing e De Almeida (2005), os métodos off-line apresentam “uma

abordagem relativamente simples e objetiva e também a dispensa do uso de

equipamentos requeridos para coletar respostas sensíveis ao tempo de processamento”

(p. 405). Além dessa vantagem, optei pelo uso de métodos off-line, o julgamento de

adequação sociolinguística e o questionário de avaliação, visto que lido com a

percepção/avaliação, ou seja, com a reação de falantes às formas de 2SG, de maneira

que não foi necessário capturar atividades mentais durante a tarefa do experimento, mas

uma resposta posterior à tarefa realizada.

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A seguir, descrevo os dois testes elaborados durante a pesquisa para identificar

os aspectos contextuais e sociais relacionados à percepção/avaliação dos pronomes de

2SG no dialeto carioca.

4.3. Experimento 1

O primeiro teste realizado no presente trabalho é baseado na técnica chamada

‘Julgamento de aceitabilidade’. Em geral, nos testes desse tipo os participantes são

expostos a frases isoladas em telas brancas e devem julgar a aceitabilidade e a

naturalidade de tais frases em sua língua:

O julgamento imediato de aceitabilidade é uma técnica off-line em que a tarefa do participante consiste apenas em declarar, a respeito de cada frase que lhe é apresentada, se a considera aceitável/natural em sua língua ou, ao contrário, se a considera inaceitável/anormal. (KENEDY, 2015, p. 151)

No presente estudo foi necessário adaptar a técnica para que ela se encaixasse

aos propósitos da pesquisa. A utilização de frases isoladas, nesse caso, não traria

respostas elucidativas, uma vez que o fenômeno estudado é influenciado pelo contexto

sociointeracional. Dessa forma, selecionei cenas de situações diversificadas de maneira

que os pronomes estudados aparecessem como parte dos diálogos dessas cenas. Assim,

foi possível controlar a interação entre os participantes e relacioná-las aos pronomes.

Como mencionado anteriormente, utilizei os postulados de Briz (2004) para identificar

os contextos sociointeracionais que seriam representados nas cenas exibidas para os

participantes.

4.3.1. Variáveis independentes e condições experimentais

Os pressupostos da Pragmática Sociocultural (BRAVO; BRIZ, 2004), serviram

não só para a seleção das cenas que fariam parte do experimento, como também para

estabelecer que o tipo de relação seria controlado como uma das variáveis

independentes do experimento.

Além do tipo de relação e dos pronomes de 2SG, estabeleci uma terceira

variável independente para trazer respostas acerca da percepção dos pronomes de 2SG:

o tipo de frase. Dessa forma, o experimento contou com três variáveis independentes de

2 níveis:

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1) Os pronomes de 2SG (tu e você)

2) O tipo de relação (simétrica e assimétrica)

3) O tipo de frase (com verbo e sem verbo)

A primeira variável não poderia estar ausente, uma vez que se trata do fenômeno

em questão; a segunda variável, tipo de relação, foi tratada de forma mais detalhada na

seção 3.4. O tipo de frase, terceira variável, se refere à relação entre o pronome e o

verbo. As frases ‘com verbo’ são aquelas em que o pronome se relaciona diretamente ao

verbo (em I e II) como sujeito e predicado; aquelas denominadas ‘sem verbo’

apresentam verbos sem relação direta com o sujeito pronominal (em III) ou são

estruturas com verbo elíptico (em IV)

I) Mas tu precisa do visto.

II) Você vai adorar a cidade

III) ah, mas tu e o Carlos sempre foram os melhores, né.

IV) Ah! Eu prefiro o cheddar, e tu Ø?

O controle dessa variável permite identificar se o julgamento acerca da forma tu

se dá por conta de, no Rio de Janeiro, tal variante aparecer categoricamente sem a

concordância canônica (CF. SCHERRE et al, 2015). Isto é, se o julgamento da forma tu

ocorre por conta da falta de concordância canônica, os participantes deveriam avaliar

mais negativamente as frases em que tu aparece na estrutura com verbo do que nas

frases sem verbo, uma vez que nas estruturas sem verbo não é possível haver falta de

concordância porque não há relação entre o pronome e o verbo.

A variável dependente (ou variável resposta) em Linguística Experimental são as

respostas ou os “dados psicométricos aferidos numa tarefa” (KENEDY, 2015). No caso

do experimento em questão, a variável dependente são as notas atribuídas às cenas

contendo os pronomes.

Uma vez definidas as variáveis, chega-se o momento de definir o desenho do

experimento, isto é, a multiplicação das variáveis independentes para estabelecer as

condições experimentais e a quantidade de estímulos que fará parte do experimento,

como explicado por Guedes (2017):

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Dada uma variável dependente e um número definido de variáveis independentes, o pesquisador gera seu desenho fatorial, que é uma espécie de representação numérica do cruzamento das diferentes possibilidades de diálogo entre as variáveis independentes controladas. Se, por exemplo, um estudo busca saber se o uso de tu e você no português brasileiro apresenta diferenças de percepção entre os interlocutores e tem como variáveis independentes o tipo de relação hierárquica entre falantes (simétrica ou assimétrica), o gênero do falante (homem ou mulher) e o grau de escolaridade (escolarizado versus não escolarizado), o desenho fatorial desse estudo é 2x2x2. (GUEDES, 2017, p. 55)

Dessa forma, a combinação entre as variáveis independentes, gerou 8 condições

experimentais, com design 2x2x2, que foram distribuídas em 4 grupos para que os

participantes não identificassem o fenômeno estudado e, além disso, para que o teste

não se tornasse extenso, o que poderia causar desgaste e, consequentemente, enviesar os

resultados.

Condições experimentais

(1) Tu-simétrico-com verbo (2) Você-simétrico-com verbo

(3) Tu-simétrico-sem verbo (4) Você-simétrico-sem verbo

(5) Tu-assimétrico-com verbo (6) Você-assimétrico-com verbo

(7) Tu-simétrico-sem verbo (8) Você-simétrico-sem verbo Quadro 03: condições experimentais do experimento 1

4.3.2. Materiais

Considerando que o fenômeno analisado na presente pesquisa é de caráter

dialógico, foi necessário buscar meios para que as sentenças que continham os

pronomes de 2SG estivessem inseridas em contextos de interação entre ao menos dois

interlocutores. Dessa forma, optei por utilizar cenas e criar diálogos com frases

contendo tu e você para que os participantes fossem expostos aos pronomes em

situações cotidianas e não de forma isolada. As cenas, disponibilizadas na internet por

editoras de livros didáticos de língua estrangeira, foram selecionadas após intensa busca

com a finalidade de cumprir os seguintes critérios: 20 cenas deveriam representar

relações simétricas e outras 20 relações assimétricas. Das 20, 8 se tornariam

experimentais e as outras 12 seriam distratoras (ver anexo B).

Depois de selecionar as cenas, foi necessário criar os diálogos que trariam os

pronomes para as cenas experimentais, bem como os diálogos das cenas distratoras, que

não continham os pronomes e foram organizadas em “boas” e “ruins”. Para as

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distratoras “boas”, foram criados diálogos considerados normais, sem apresentar

problemas ou algum tipo de avaliação negativa (em I). Já as distratoras “ruins” se

caracterizavam por apresentar frases pouco naturais e/ou que possibilitassem avaliação

negativa, como o uso de cujo (em IIa), no qual (em IIb) e onde (em IIc) de forma

inadequada, além de uso de verbos no presente do indicativo em frases subjuntivas (em

IId).

(I) H1 – Boa tarde. Em que posso ajudar?

H2 – Procuro esse livro.

(IIa) H1 – Licença, onde tem um restaurante aqui perto?

H2 – Tá vendo aquela rua cujo segue reto?

(IIb) M1 – Olá. Aceita um jornal?

H1 – Sim, o jornal no qual eu leio.

(IIc) M1 – Não sei. Não lembro não.

M2 – Ô Jorge, quem é esse Paulo?

H1 – É aquele onde é meu vizinho.

(IId) H1 – Ainda não paguei o Beto

H2 – É, nem eu.

H1 – Pode ser que eu pago hoje.

Como mencionado anteriormente, o experimento foi dividido em 4 grupos,

organizados de maneira que todos os participantes julgassem cenas com os dois

pronomes, porém em apenas um tipo de relação e um tipo de frase, como demonstro a

seguir:

Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4

Tu-ass-c/verbo Tu-ass-s/verbo Tu-sim-c/verbo Tu-sim-s/verbo

Vc-ass-c/verbo Vc-ass-s/verbo Vc-sim-c/verbo Vc-sim-s/verbo Quadro 04: distribuição das condições experimentais por grupo do experimento 1

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Cada condição aparecia 4 vezes para os participantes, totalizando 8 cenas

experimentais por grupo, além de 16 cenas distratoras, de forma que os participantes de

cada grupo julgavam 24 cenas ao todo. Além disso, as cenas dos grupos 1 e 2, bem

como dos grupos 3 e 4, eram as mesmas e se diferenciavam apenas pelo tipo de frase

experimental que aparecia nos diálogos:

A decisão de utilizar cenas como estímulos, ao mesmo tempo em que foi

essencial para dar conta dos objetivos da pesquisa, trouxe alguns obstáculos que

precisaram ser solucionados, uma vez que 1) os diálogos precisavam se adaptar às

cenas; 2) as cenas trazem diversos elementos, o que poderia influenciar no julgamento e

3) os diálogos precisavam incluir ao menos uma frase além daquela em que aparecia o

pronome.

Portanto, para minimizar influências externas sobre o julgamento dos pronomes

tu e você, precisei considerar alguns aspectos e controlá-los de forma rigorosa para

haver comparabilidade nos resultados referentes a cada forma. À vista disso, controlei

os seguintes fatores:

1) Duração das cenas: todas as cenas experimentais duravam em média 7 segundos

e dispunham de duas a quatro interpelações intercaladas:

Cena: recepção do hotel Cena: amigos indo almoçar

G1 – Sim, tu pode deixar as bolsas aqui.G2 – Sim, tu e ela podem deixar as bolsas.

G3 – Tudo bem...você escolhe o lugar então.G4 – Tudo bem...eu gosto do Taco’s e você?

Figura 01: cena “recepção de hotel com frases dos grupos 1 e 2

Figura 02: cena “amigos indo almoçar com

frases dos grupos 3 e 4

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● Personagem 1 – então tá... já que o check-in não abriu, podemos guardar as

bolsas aqui?

Personagem 2 – Sim, tu pode deixar as bolsas aqui. (G1 – Cena

recepcionista e hóspede no hotel)

2) Tipo de cena: as cenas foram distribuídas de forma que houvesse semelhança

entre os contextos em que apareciam os pronomes

Cenas assimétricas

Pronome tu Pronome você

Recepcionista e hóspede no hotel Vendedora e cliente na loja

Padeiro e cliente na padaria Garçom e cliente no restaurante

Atendente e passageiro no check-in Jovem solicitando 2ª via de documentos

Funcionária no primeiro dia de trabalho Pessoas se conhecendo

Cenas simétricas

Pronome tu Pronome você

Amigas na lanchonete Amigas viajando

Casal no shopping Casal na estação de trem

Casal na rua Casal caminhando

Amigos no trabalho Amigos indo almoçar Quadro 05: contextos das cenas do experimento 1

3) Fala em que apareciam os pronomes: os pronomes apareciam sempre na última

fala de cada cena.

● Personagem 1 – O seu pedido vai demorar um pouco.Personagem 2 – Ok, você pode trazer as bebidas então. (G1 – Cena Garçom e cliente no restaurante)

● Personagem 1 – E aí?

Personagem 2 – Consegui a transferência pra Miami.Personagem 1 – Ah, que ótimo! Tu vai adorar a cidade. (G3 – Cena amigos no trabalho)

4) Posição do pronome na frase: o pronome nunca aparecia em posição inicial, de

forma que sempre havia algum elemento antes dele na frase.

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● Personagem 1 – Eu até gostei do vestido, mas está um pouco caro.

Personagem 2 – Ah mas você ou ele podem parcelar em três vezes. (G2 – Cena Vendedora e cliente na loja)

● Personagem 1 – Eu tô com fome. Vamos almoçar antes de ir pro trabalho.

Personagem 2 – Sim. Você escolhe o lugar. (G3 – Cena Amigos indo almoçar)

5) Tempo verbal: todos os verbos relacionados aos pronomes estavam conjugados

no presente do indicativo.

● Personagem 1 – Oi, Carla. Como foi o passeio?Personagem 2 – Ótimo! Na próxima você vai comigo. (G3 – Cena Amigas viajando)

● Personagem 1 – O filme é interessante, é sobre um pintor francês.

Personagem 2 – Legal. Você paga a entrada. (G3 – Cena Casal caminhando)

6) Tipo de frase: a maior parte das frases experimentais era afirmativa, com

exceção de quatro frases interrogativas, duas com o pronome tu e duas com o

pronome você em frases ‘sem verbo’.

● Personagem 1 – hum... não é nada... é que... eu só tô na dúvida sobre qual

queijo pedir.Personagem 2 – Ah! Eu prefiro o cheddar, e tu? (G2 – Cena Padeiro e cliente na padaria)

● Personagem 1 – prazer, eu sou o Bruno, ele é o Walter.

Personagem 2 – PrazerPersonagem 3 – Prazer, Carla. Eu cheguei hoje de viagem, e você? (G2 – Cena Pessoas se conhecendo)

● Personagem 1 – Amor, eu e a Paula fomos promovidos!

Personagem 2 – Que bom! Mas... tu e ela vão trabalhar juntos. (G4 – Cena Casal na rua)

● Personagem 1 – Tô com fome. Vamos almoçar antes de ir.

Personagem 2 – Sim. Eu gosto do Tacos, e você? (G4 – Cena Amigos indo almoçar)

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4.3.3. Procedimentos

Antes de iniciar o experimento, os participantes preenchiam uma ficha com

informações pessoais como idade, sexo, bairro onde mora e onde nasceu para o controle

das características sociais. Todos os participantes eram instruídos oralmente e por

escrito sobre como proceder em relação à tarefa a ser realizada. Nesse momento, eu

explicava que eles assistiriam a cenas diversificadas, com diálogos dublados criados

especificamente para o teste, e deveriam atribuir uma nota (de 1 a 5) considerando a

naturalidade e adequação dos diálogos em relação à cena6. Além da explicação, eu

frisava a importância de não considerar a norma padrão ou a prescrição escolar e pedia

que respaldassem a sua avaliação na língua oral, comum e cotidiana, naquela que

estavam acostumados a ouvir.

Antes de iniciar o teste, os participantes, já com fones de ouvido, participavam

de um treinamento que consistia em 4 cenas distratoras com o mesmo modelo do

experimento para que se habituassem à tarefa que deveriam desempenhar.

Depois de me certificar que o participante havia compreendido a tarefa, eu dava

início ao experimento que, diferentemente do treinamento, ocorria sem que eu estivesse

presente para que o participante se sentisse confortável para julgar as cenas.

Durante o experimento, as cenas, que duravam em média 7 segundos, se

apresentavam de forma randômica e ao final de cada uma delas aparecia uma tela com

os números da escala (de 1 a 5) e um ponto de interrogação e, para atribuir a nota, os

participantes deveriam pressionar as teclas com os números correspondentes à escala.

Como as cenas não poderiam ser pausadas, nem era possível assisti-las novamente, para

que os participantes estivessem atentos surgia uma tela branca, entre o julgamento de

uma cena e o início de outra, que só desaparecia quando o participante pressionava a

tecla enter para passar para a próxima.

O experimento, programado no Psyscope X B77 (COHEN et al., 1993) e rodado

no modelo Macbook Pro com monitor de 15” (Apple, Macintosh), foi aplicado durante

o mês de dezembro de 2018 e março de 2019 no gabinete de trabalho do NELEXP7.

6Naturalidade era definido como aquilo que soa natural, que não causa estranhamento aos participantes e adequação era explicado como aquilo que se adequava à situação da cena, à interação entre os personagens, considerando que tipo de relação os personagens desempenhavam na cena. 7 Núcleo de Estudos em Linguística Experimental, coordenado pelos professores Thiago Laurentino de Oliveira (UFRJ) e Célia Lopes (UFRJ)

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Localizado na sala D58 da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de

Janeiro, o gabinete foi considerado adequado por se tratar de um ambiente silencioso e

isolado, de forma que os participantes poderiam se manter concentrados durante toda a

realização do teste, que durava cerca de 10 minutos.

4.4. Experimento 2

O segundo teste é um questionário de avaliação com base na técnica matched-

guise (LAMBERT et al. 1960). A técnica visa a identificar as atitudes sociais

relacionadas a indivíduos a partir da sua voz. Para identificar essas atitudes, os

pesquisadores gravaram indivíduos bilíngues falando o mesmo texto em duas versões,

inglês e francês. As gravações foram expostas a falantes monolíngues de inglês ou de

francês sem que esses soubessem que as vozes se repetiam e, dessa forma, as avaliavam

como se fossem sempre indivíduos diferentes, de maneira que puderam identificar que

algumas características sociais são relacionadas à língua falada pelo indivíduo.

Essa técnica permitiu que diversos pesquisadores comparassem não só as

características associadas a diferentes línguas e a diferentes variedades como também a

variantes fonéticas e morfossintáticas, como observado no trabalho de Moyna e

Loureiro-Rodríguez (2017), no qual me baseei para elaborar o segundo teste.

No referido trabalho, as autoras utilizaram a técnica matched-guise para

identificar as atitudes relacionadas às formas de tratamento no espanhol de Montevidéu.

Para tanto, as autoras gravaram 4 sujeitos falando um mesmo texto em 3 versões,

denominadas 1) tuteo, com pronome e verbo na 2SG (tu tienes); 2) voseo, com pronome

e verbo na segunda pessoa do plural (2PL) (vós tenés) e 3) híbrido, com pronome na

2SG e verbo na 2PL (tu tenés). As 12 gravações, além de outras 4 distratoras, gravadas

por outros indivíduos, foram expostas a falantes montevideanos que as avaliavam

considerando atributos como: muito uruguaio/montevideano, honesto, generoso, cortês,

moderno, educado, rico, os quais se apresentavam com o seu antônimo.

No presente teste, eu criei um parágrafo com 29 palavras que apresentava os

pronomes de 2SG duas vezes, uma na frase inicial, outra na última frase. Em seguida,

selecionei falantes da variedade carioca do PB para gravá-lo. Esse parágrafo se

apresentava em 4 versões, de acordo com as possibilidades de realização dos pronomes

e verbos correspondentes no Rio de Janeiro, além de uma versão controle, com a forma

tu combinada a verbo com desinência de 2SG (tu-2SG).

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Versão 1 (tu): Oi, Laura. Tu pode comprar o ingresso do filme pra mim? Eu acabei me

atrasando e vou chegar em cima da hora. Tu sabe onde é o cinema, né?

Versão 2 (você): Oi, Laura. Você pode comprar o ingresso do filme pra mim? Eu acabei

me atrasando e vou chegar em cima da hora. Você sabe onde é o cinema, né?

Versão 3 (você/tu): Oi, Laura. Você pode comprar o ingresso do filme pra mim? Eu

acabei me atrasando e vou chegar em cima da hora. Tu sabe onde é o cinema, né?

Versão 4 (tu-2SG): Oi, Laura. Tu podes comprar o ingresso do filme pra mim? Eu

acabei me atrasando e vou chegar em cima da hora. Tu sabes onde é o cinema, né?

Cada versão foi gravada por quatro falantes diferentes, nascidos e habitantes da

cidade do Rio de Janeiro, sendo dois homens e duas mulheres, com ensino superior

completo ou cursando, com idades entre 21 e 27 anos. Dessa forma, o teste apresentou o

total de 16 máscaras, que foram gravadas como áudio do aplicativo Whatsapp.

Posteriormente foram editadas para eliminar ruídos que pudessem atrapalhar a audição

e, por fim, foram salvas como arquivo de vídeo no formato MP4 para que pudessem ser

acrescentadas à plataforma de formulários do Google, que só permite arquivos de vídeo.

As máscaras foram distribuídas em dois grupos, como demonstra o esquema a

seguir.

Grupo 1 H1-VT M2-T H2-TC M1-V H1-TC M2-V H2-VT M1-T Grupo 2 M1-VT H2-T M2-TC H1-V M1-TC H2-V M2-VT H1-T

Quadro 068: distribuição dos falantes e variantes nos grupos 1 e 2

Para que os participantes pudessem avaliar as 16 gravações, criei uma lista com

12 características, baseada principalmente no trabalho de Moyna e Loureiro (2017) e

Carvalho (2018), postulei uma lista de 12 características (qualidades) que julguei

pertinentes para tipificar a fala carioca. Dentre elas, três se relacionavam à identidade

nacional e regional (carioca, suburbano e favelado) três à solidariedade (honestidade,

intimidade e formalidade), três a status (rico, trabalhador, letrado) e três a atrativo

pessoal (elegante, cortês, velho). Os atributos eram apresentados com o seu

correspondente oposto (muito/pouco carioca, honesta/desonesta) e os participantes

8 H = homem; M = mulher; VT = você/tu; T = tu; TC = tu-2SG; V= você.

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deveriam avaliar o falante de acordo com uma escala contínua de 5 pontos, como

demonstro a seguir (ver lista completa em anexo C).

Figura 03: escala de diferenciais semânticos

A seguir, apresento os resultados obtidos a partir dos dois experimentos

descritos nesta seção.

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5. RESULTADOS

No presente capítulo, apresento os resultados dos dois experimentos aplicados.

Na primeira parte, discuto os resultados do Experimento 1, no qual os falantes julgaram,

em cenas dubladas, os pronomes de 2SG em diferentes tipos de relação interpessoais. A

finalidade do experimento é analisar se o tipo de relação e o tipo de frase condicionam o

julgamento dos participantes para as formas de 2SG, que seria medido pela atribuição

de notas mais altas ou mais baixas para as cenas controladas. Na segunda parte do

capítulo, exponho os resultados do Experimento 2, elaborado com a técnica matched-

guise, e que contou com a avaliação das formas de 2SG em áudios. Também pretendo

mostrar se o uso dos pronomes de 2SG é associado a índices sociais como ‘carioquice’,

‘juventude’, ‘formalidade’, entre outros.

De acordo com a hipótese sustentada, os falantes cariocas considerariam o uso

de tu mais adequado em situações de relações simétricas e menos adequado em relações

assimétricas enquanto o pronome você seria considerado adequado independente do tipo

de relação. Além disso, no segundo experimento, a forma mais marcada tu seria

considerada como muito carioca, informal, utilizada por moradores do subúrbio e

empregada por jovens. A forma não marcada, você, seria, por sua vez, associada a

índices sociais neutros e/ou de maior formalidade: pouco carioca, formal, utilizada por

moradores da zona sul e por pessoas mais velhas. O uso das duas variantes (você/tu) na

mesma sentença apresentaria uma avaliação próxima à de tu, uma vez que tal pronome é

mais marcado em relação à outra variante. Por fim, o uso de tu com concordância seria

associado a falantes menos cariocas, mais letrados e mais elegantes.

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5.1. Resultados do Experimento 1: julgamento de adequação sociolinguística

5.1.1. Participantes do Experimento 1

O experimento contou com a participação de 40 alunos do curso de Letras da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, a maior parte do primeiro período. Esses

participantes, nascidos e/ou moradores da região Metropolitana do Rio de Janeiro9,

eram 30 mulheres e 10 homens entre 17 e 40 anos de idade, sendo 25 da Zona Norte, 11

da Zona Oeste, 2 da Zona Sul10, 1 do município de São Gonçalo e 1 de Nova Iguaçu. A

distribuição por grupos pode ser observada na tabela a seguir.

Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4

Sexo Mulheres 8 9 7 6 Homens 2 1 3 4

Localidade (ZONA)

Norte 4 5 9 7 Oeste 4 4 1 2 Sul 1 1 --- ---

Outros 1 --- --- 1 Tabela 01: distribuição dos participantes do experimento 1 por grupo

Os participantes dos Grupos 1 e 2 assistiram a cenas de relações assimétricas

com diferenças em termos dos padrões frasais postulados. Enquanto os participantes do

grupo 1 julgaram frases com verbo, os do grupo 2 analisaram frases sem verbo. A

mesma divisão ocorreu nos outros dois grupos, com cenas de relações simétricas: os

participantes do grupo 3 julgaram frases com verbo e os do grupo 4, frases sem verbo.

Os pronomes tu e você eram vistos por todos os participantes. O quadro a seguir

apresenta essa divisão.

9Um participante do grupo 3 e uma do grupo 1 nasceram fora do estado mas moram no município do Rio de Janeiro há 28 e 15 anos respectivamente. Todos os outros nasceram e moram na região metropolitana do Rio de Janeiro. 10Bairros da Zona Norte: Irajá, Marechal Hermes, Estácio, Ilha do Governador Penha, Jardim Guanabara, Parque Anchieta, Riachuelo, Vila da Penha, Andaraí, Campinho, Bonsucesso, São Francisco Xavier, Encantado, Cavalcanti, Cascadura, Rocha Miranda, Cocotá, Pavuna; Zona Sul: Humaitá, Copacabana; Zona Oeste: Realengo, Taquara, Santa Cruz, Campo Grande, Guaratiba, Barra, Jacarepaguá , Magalhães Bastos, Bangu.

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Grupo 1

tu ou você relações assimétricas –

frases com verbo 8 cenas experimentais + 16 distratoras

10 participantes

Grupo 2

tu ou você relações assimétricas

frases sem verbo 8 cenas experimentais + 16 distratoras

10 participantes Grupo 3

tu ou você

relações simétricas – frases com verbo

8 cenas experimentais + 16 distratoras 10 participantes

Grupo 4

tu ou você relações simétricas –

frases sem verbo 8 cenas experimentais + 16 distratoras

10 participantes Quadro 06: divisão dos grupos por condições experimentais, quantidade de cenas e participantes.

Essa divisão foi necessária por dois motivos: a extensão-duração do teste e a

identificação do fenômeno observado. O experimento conta com 32 estímulos

experimentais e, no protocolo das pesquisas em psicolinguística, indica-se que o uso do

dobro de distratores para a quantidade de itens experimentais. No presente experimento,

seriam 64 distratores para 32 estímulos, resultando em 96 cenas a serem analisadas por

cada participante. Essa quantidade de cenas num só grupo seria inviável, porque tornaria

o experimento longo e cansativo para os participantes. Dessa forma, a divisão em quatro

grupos tornou o experimento mais rápido e menos cansativo, o que permite que um

maior número de voluntários se interesse em participar e diminui o risco de o

participante se desgastar ao julgar o estímulo.

Além disso, considerando que o Experimento 1 é um teste de percepção, ou seja,

busca um julgamento inconsciente do falante, é fundamental que os participantes não

identifiquem o fenômeno, por isso são inseridos tantos estímulos distratores. Sendo

assim, a divisão em 4 grupos foi necessária também por esse motivo, pois tornou mais

difícil que o participante reconhecesse o fenômeno em análise, já que ele observava

apenas 4 cenas contendo o pronome tu e 4 contendo o pronome você, além de 16 cenas

que funcionaram como distratores. Na próxima seção, apresento os resultados do

julgamento desses participantes para as frases que continham os pronomes de 2SG.

5.1.2. O julgamento dos participantes para as cenas dubladas

Os dados fornecidos pelos participantes foram organizados em planilha do excel

para que, posteriormente, fosse realizado o tratamento estatístico por meio da

plataforma R. Apresento inicialmente as variáveis que foram consideradas

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estatisticamente relevantes (relação social e tipo de frase), para, na sequência, analisar

as que foram também controladas, mas não apresentaram resultados estatísticos

significativos (gênero e localidade dos participantes).

Baseada em trabalhos que apontam o uso de tu em situações de maior intimidade

e informalidade entre os falantes (RUMEU, 2004; LOPES E DUARTE, 2007 ; SOUZA,

2012; PAREDES SILVA, 2003; SANTOS, 2012) e nos resultados de trabalho anterior

(CARVALHO, 2017) em que detectei interferência do tipo de relação no julgamento de

falantes cariocas para as formas de 2SG, minha hipótese principal para este trabalho era

a de que haveria influência do tipo de relação presente nas cenas no julgamento dos

participantes em relação aos pronomes de 2SG: o pronome tu receberia julgamentos

mais positivos quando inserido em contexto de relação simétrica do que nas relações

assimétricas; já a forma neutra (você) seria avaliada positivamente pelos participantes

nos dois tipos de relação. Além disso, os julgamentos do pronome você seriam mais

positivos em relação aos julgamentos de tu.

O gráfico 01 é um boxplot (“gráfico de caixas”) que apresenta a concentração

das notas dos julgamentos dos participantes correlacionando os pronomes com o Tipo

de Relação. As caixas representam a maior concentração das notas, os pontilhados, a

dispersão e os pequenos círculos são os outliers, isto é, os valores atípicos no gráfico

(ocorre quando alguma nota foi dada raras vezes para a condição em questão). Já as

linhas em destaque (negrito) são as medianas, o valor central de um conjunto de valores

dispostos em ordem crescente ou decrescente, e indicam a tendência central das notas

atribuídas; ou seja, considerando a escala de 1 a 5, se a mediana for 5 ou 4, a condição

recebeu uma avaliação positiva, se for 1 ou 2, a condição recebeu uma avaliação

negativa e, por outro lado, se a mediana for 3, o julgamento ficou mais próximo do

ponto neutro. As quatro caixas do gráfico 01 representam por ordem: 1) o pronome tu

em relações assimétricas, 2) o pronome tu em relações simétricas, 3) o pronome você

em relações assimétricas e 4) o pronome você em relações simétricas, como está

indicado nas legendas abaixo do gráfico, que aparecem sobre a indicação das médias de

cada variante pronominal-relação. Vejamos, então, o que o Gráfico 01 nos mostra:

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A análise do Gráfico 01 demonstra que o pronome você foi avaliado de forma

mais positiva em relação ao pronome tu, pois, como é possível observar, a mediana

atinge o ponto mais alto da escala (nota 5) para os dois tipos de relação, com médias

bem próximas: 4,1 para você-assimétrico e 4,4 para você-simétrico. Além disso, as

caixas da forma você se concentram na parte superior do gráfico nos dois tipos de

relação. Os julgamentos do pronome tu, por outro lado, considerando os dois tipo de

relação, apresentam medianas 3 e 4 (ambas abaixo da variante você) e médias abaixo de

4 (3,9 e 2,9).

Destaca-se, ainda, que o padrão dos julgamentos para o pronome tu é diferente

quanto ao tipo de relação. Enquanto a caixa de tu em relações assimétricas se concentra

em uma parte intermediária do gráfico, entre 2 e 4, e sua mediana é 3, nas relações

simétricas os julgamentos de tu se concentram entre 3 e 5 e a mediana é 4. Isso significa

que o pronome tu foi avaliado positivamente nas relações simétricas, enquanto que, nas

relações assimétricas, recebeu um julgamento mais neutro. A forma você, por outro

lado, parece não ter recebido julgamentos diferentes de acordo com o tipo de relação

tendo, nos dois casos, mediana 5, como mencionado anteriormente. Uma (sutil)

diferença é identificada nas relações assimétricas em que a concentração e dispersão das

notas foi maior.

Médias: 2,9 3,9 4,1 4,4

Gráfico 01: julgamento dos participantes para os pronomes de 2SG em função do tipo de relação

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Para identificar se as diferenças observadas entre as notas dadas para os

pronomes de acordo com o tipo de relação são estatisticamente significativas, realizei os

testes de Wilcoxon11, método não paramétrico de comparação de médias e variância de

duas amostras pareadas, para confrontar as diferenças das notas. Esse teste estatístico

indica a significância das diferenças comportamentais apresentadas com base no p-

valor, de forma que são consideradas diferenças significativas aquelas em que o p-valor

é igual menor que 0,05 (p < 0,05) e não significativas quando o p-valor é maior do que

0,05 (p > 0,05). A significância indica se a diferença observada é ou não aleatória, isto

é, se aconteceu ou não ao acaso. Como esperado, a única diferença que não se mostrou

significativa foi a de você-simétrico vs. você-assimétrico (p > 0,05). Tanto as diferenças

entre tu e você (tu-simétrico x você-simétrico: p < 0,01; tu-assimétrico x você-

assimétrico: p < 0,0000000001) quanto a diferença entre os tipos de relação para o

pronome tu (tu-simétrico vs. tu-assimétrico: p <0,0000001) se mostraram significativas.

Sendo assim, é possível afirmar que o tipo de relação não interfere no julgamento do

pronome você, que é significativamente mais bem avaliado do que o pronome tu e,

ainda, quando inserido em contextos de relação simétrica, o pronome tu é

significativamente mais bem avaliado do que quando se insere em relações assimétricas.

5.1.3. Resultados do julgamento para os pronomes por ‘tipo de frase’:

investigando a questão da concordância

O gráfico 02, também um boxplot, traz as informações sobre o julgamento dos

pronomes em função do tipo de frase.O objetivo era controlar se as avaliações mais

negativas para o tu em relação ao você estariam relacionadas à forma em si ou ao fato

de o verbo não apresentar desinência verbal canônica de segunda pessoa. Por essa razão,

elaborei frases com e sem verbo para tentar observar se a falta da desinência verbal

levaria a um julgamento negativo. Como mencionado anteriormente, as frases contendo

os pronomes apresentavam dois padrões: com verbo, quando havia relação direta entre o

pronome e o verbo (mas tu precisa do visto); e sem verbo, quando o pronome se

encontrava em uma estrutura de coordenação e o verbo era omitido (eu prefiro cheddar,

e tu?) ou quando o pronome era parte de um sujeito composto e o verbo não se

relacionava diretamente a ele (sim, tu e ela podem deixar as bolsas). Minha hipótese

11 A fórmula utilizada para essa testagem no programa R foi: wilcox.test(NOTA ~ RELACAO) com os dados de tu e com os dados de você separadamente.

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para a variável ‘tipo de frase’ era a de que o julgamento positivo/negativo do pronome

tu não estaria relacionado à falta de concordância canônica, uma vez que: em trabalho

anterior (Carvalho, 2017), identifiquei julgamentos positivos para esse pronome em

alguns dos contextos controlados. Considerando a (falta de) concordância verbal como

um fenômeno estigmatizado que gera avaliações extremamente negativas, era de se

esperar que, se a questão do tu fosse a concordância, tal pronome não deveria receber

avaliações positivas.

No gráfico 02, as condições aparecem na seguinte ordem: 1) tu com verbo, 2) tu

sem verbo, 3) você com verbo e 4) você sem verbo. Observemos o gráfico 02:

A distribuição presente no gráfico indica que o julgamento do pronome você não

sofreu interferência da variável tipo de frase, o que pode ser notado pelo padrão visual

do gráfico, com a mesma concentração (de 4 a 5), mesma dispersão (de 4 a 3) e mesma

mediana (5), além de médias bastante próximas (4,3 e 4,2). Já o julgamento do pronome

tu apresentou padrões diferentes de acordo com o tipo de frase, uma vez que a

concentração das notas para tu com verbo se posiciona numa parte superior do gráfico

(de 3 a 5) em relação a tu sem verbo (de 2 a 4), com mediana superior (4 para tu com

verbo, 3 para tu sem verbo), porém as médias são relativamente próximas (3,6 e 3,2),

apesar de tu com verbo ter sido superior também nesse quesito.

Médias: 3,6 3,2 4,3 4,2

Gráfico 02: julgamento dos participantes para os pronomes de 2SG em função do tipo de frase.

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Nesse caso, também foram realizadas as análises estatísticas por meio do teste

Wilcoxon12, que demonstrou que não houve diferença significativa para o pronome você

quanto ao tipo de frase (p > 0,05). Já no confronto entre tu com verbo e tu sem verbo

houve diferença significativa (p < 0,05); porém, os resultados indicaram um julgamento

mais positivo para as frases com verbo (aquelas em que havia falta de concordância

canônica) do que para as frases sem verbo, o que parece indicar que a percepção do

pronome tu pode não estar relacionada à falta de concordância canônica. Essa questão

do pronome tu relacionado ao tipo de frase ficará mais clara na próxima seção, em que

faço uma análise qualitativa do pronome tu.

5.1.4. Resultados segundo o sexo e a localidade dos participantes: variáveis

grupais

Para identificar se havia alguma influência do perfil dos participantes no

julgamento dos pronomes, calculei a avaliação dos pronomes de acordo com o sexo

(masculino e feminino) e a região (Zona Norte e Zona Oeste) dos participantes. O

gráfico 03 traz as informações relacionadas ao sexo dos participantes e as caixas se

apresentam na ordem: 1) tu-feminino, 2) tu-masculino, 3) você-feminino, 4) você-

masculino.

12 A fórmula utilizada para essa testagem no programa R foi: wilcox.test(NOTA ~ TIPO.FRASE) com os dados de tu e com os dados de você separadamente.

Gráfico 03: julgamento dos participantes para os pronomes de 2SG em função do sexo.

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Minha expectativa era a de que o sexo dos participantes não influenciasse no seu

julgamento quanto às formas de 2SG, uma vez que, mesmo os estudos com base em

dados de uso apontando para uma diferença em relação a essa variável (PAREDES-

SILVA, 2000; SANTOS, 2012), em trabalho anterior sobre a percepção das formas de

2SG (CARVALHO, 2017) não houve diferença de julgamento de acordo com o sexo

dos participantes para as cenas dubladas. Dessa forma, como no presente trabalho lido

com a percepção e não com o uso, compreendo que seja mais provável que o

comportamento observado em estudo de percepção se mantenha.

Com base no gráfico 03, o julgamento dos participantes do sexo feminino e do

sexo masculino se mostrou semelhante, com as mesma medianas tanto para tu (3)

quanto para você (5). O que diferencia os julgamentos é a concentração das notas, que

foi maior para as mulheres (de 2 a 5) em relação aos homens (de 2 a 4) para o pronome

tu e, no caso do pronome você, o oposto aconteceu, havendo uma concentração maior

para os homens (próximo de 3 até 5) do que para as mulheres (de 4 a 5).

O gráfico 04 representa a região dos participantes e as caixas se organizam em:

1) tu-Zona Norte, 2) tu-Zona Oeste, 3) você-Zona Norte, 4) você-Zona Oeste. Vejamos

os gráficos:

Em relação à região, a minha hipótese era a de que haveria diferença

significativa para o julgamento dos participantes de acordo com a sua localidade,

principalmente considerando as diferenças sociais entre regiões mais nobres e menos

nobres da cidade. Como observado por Santos (2012), os informantes da Zona Oeste

Gráfico 04: julgamento dos participantes para os pronomes de 2SG em função da Região.

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foram favorecedores do uso de tu em relação aos informantes da Zona Norte. Sendo

assim, a minha expectativa era a de que os participantes da Zona Oeste julgariam mais

positivamente o pronome tu do que os da Zona Norte.

O julgamento do pronome você, de acordo com a região dos participantes,

apresentou o mesmo padrão, com a mesma concentração (de 4 a 5) e a mesma dispersão

(de 3 a 4). Já o julgamento do pronome tu apresentou algumas diferenças de acordo com

a região do participantes, de forma que a concentração para os participantes da Zona

Norte é maior e se encontra numa parte superior da escala (entre 2 e 3 até 5) em relação

aos participantes da Zona Oeste (entre 2 e 4) e, além disso, as medianas são diferentes

(4 para Zona Norte e 3 para Zona Oeste).

Para identificar se as diferenças apresentadas foram estatisticamente

significativas, realizei o teste de Wilcoxon considerando as duas variáveis grupais

(Sexo13 e Região14), além dos pronomes de 2SG. Os testes estatísticos demonstraram

que não houve diferença significativa no julgamento dos pronomes em relação às

variáveis sociais controladas. Isto é, nem o sexo dos participantes (tu-feminino vs. tu-

masculino: p > 0,05; você-feminino vs. você masculino: p > 0,05) nem a sua região (tu-

Zona Norte vs. tu-Zona Oeste: p > 0,05; você-Zona Norte vs. você-Zona Oeste: p >

0,05) influenciou no julgamento para as formas de 2SG.

Cabe ressaltar, porém, que não houve um equilíbrio entre a quantidade de

participantes por sexo nem por região, de forma que havia mais participantes do sexo

feminino do que masculino e mais moradores da Zona Norte em relação à Zona Oeste.

Além disso, apenas dois moradores da Zona Sul participaram do teste de forma que não

puderam entrar no cálculo. Talvez um controle mais rigoroso do perfil dos participantes

e a participação de mais moradores de áreas nobres do Rio de Janeiro proporcionassem

diferenças significativas em relação ao julgamento dos participantes.

Como os resultados acerca do julgamento do pronome tu se mostraram

relevantes do ponto de vista do tipo de relação e do tipo de frase em que tal forma se

inseria, trago, a seguir, a análise qualitativa do pronome tu, na qual examino os

julgamentos obtidos para cada cena.

13 Fórmula: wilcox.test(NOTA ~ SEXO) aplicada aos dado de tu e com os dados de você separadamente. 14 Fórmula: wilcox.test(NOTA ~ REGIAO) aplicada aos dados de tu e com os dados de você separadamente.

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5.1.5. Análise qualitativa das cenas com pronome tu

Como observado na seção anterior, as cenas de frases com verbo e de relações

simétricas com pronome tu receberam julgamentos mais positivos do que as cenas de

frases sem verbo e relações assimétricas, respectivamente. Esse motivo já seria o

suficiente para estimular uma análise mais detalhada das cenas, porém, outras

justificativas tornam esta análise ainda mais interessante: o resultado inesperado de as

frases com verbo terem sido julgadas como mais positivas em relação às frases sem

verbo, indicando a interferência de algum outro fator, que não a concordância, para essa

variável; além disso, os resultados referentes às relações assimétricas para tu indicaram

que os participantes tiveram alguma insegurança em suas avaliações, uma vez que as

notas ficaram em um intervalo maior entre um julgamento negativo (nota 2) e um

positivo (nota 4) com mediana próxima de 3. Tal resultado pode sinalizar que as cenas

apresentadas como assimétricas poderiam apresentar diferenças entre si o que mereceria

uma análise mais detalhada.

Dessa maneira, é possível supor que o julgamento para o pronome tu, forma que

demonstrou ter sua percepção condicionada pelas variáveis mencionadas anteriormente,

será diferente de uma cena para outra. Exponho, na tabela 02, as médias de notas

atribuídas a cada cena contendo o pronome tu, tendo em vista o tipo de relação e o

padrão das frases (com verbo vs. sem verbo):

Relações assimétricas Cena Descrição Média com

verbo Classificação Média

sem verbo Classificação

asstu01 Recepcionista e hóspede no hotel 2,6 4º 2,7 2º asstu02 Padeiro e cliente na padaria 3,7 1º 3,2 1º asstu03 Atendente e passageiro no check-in 3,2 2º 2,2 4º asstu04 Funcionária antiga e nova no 1º dia

de trabalho 3,1 3º 2,6 3º

Relações simétricas Cena Descrição Média com

verbo Classificação Média

sem verbo Classificação

simtu01 Amigas na lanchonete 3,8 4º 3,6 2º simtu02 Casal no shopping 4,6 1º 4,3 1º simtu03 Casal conversando na rua 3,9 3º 3,2 4º simtu04 Amigos no trabalho 4 2º 3,5 3º

Tabela 02: Médias e classificação das cenas contendo o pronome tu.

Na tabela 02, dois aspectos chamam atenção: a diferença nos valores médios

para cada cena por tipo de relação e a as médias mais baixas para as frases sem verbo

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em comparação com as frases com verbo. Para o primeiro ponto, é possível observar,

por exemplo, que a cena mais bem avaliada nas relações assimétricas em frases com

verbo obteve média 3,7 (asstu02) enquanto asstu01 obteve 2,6 de média. Quanto à

segunda questão, uma diferença grande se observa na cena asstu03, que tem média

maior na frase com verbo (3,2) do que na frase sem verbo (2,2).

Para melhor compreender essa distinção, trago, na tabela 09 as frases que

compuseram o experimento 1, contendo o pronome tu:

Tabela 03: Frases das cenas contendo o pronome tu.

Os critérios, adequação e naturalidade, utilizados pelos participantes para

fornecer o julgamento se configuram como possíveis respostas para as médias mais

baixas relacionadas às frases sem verbo. Como mencionado anteriormente, o primeiro

critério se refere à adequação dos diálogos em relação aos contextos sociointeracionais

presentes nas cenas e, o segundo, àquilo que soa natural aos participantes, isto é, o que

eles estão acostumados a ouvir e não causa estranhamento. Foram esses os critérios que

os participantes tinham que levar em conta na análise das frases do experimento, ou,

pelo menos, foram as orientações que foram dadas a eles antes do experimento.

Com base nesses critérios, ao que parece, nas cenas em que havia frases sem

verbo, os participantes foram mais sensíveis à naturalidade das frases e por isso

julgaram de forma mais negativa as cenas com frases sem verbo, porque provavelmente

Cena Frases com verbo Média asstuc01 Sim, tu pode deixar as bolsas 2,6 asstuc02 Tu pode experimentar se quiser. 3,7 asstuc03 Mas tu precisa do visto. 3,2 asstuc04 Tu deve aguardar até as 10. O diretor está em reunião. 3,1 simtuc01 Mas tu paga 3,8 simtuc02 Ah... tu tá com ciúme. 4,6 simtuc03 Que bom, mas agora tu vai trabalhar com ela. 3,9 simtuc04 Que ótimo, então. Tu vai adorar a cidade. 4

Cena Frases sem verbo Média asstus01 Sim, tu e ela podem deixar as bolsas. 2,7 asstus02 Eu prefiro o cheddar, e tu? 3,2 asstus03 Tem que ser tu mesmo. 2,2 asstus04 Nem tu nem eu teremos trabalho hoje. O diretor faltou. 2,6 simtus01 Ah...tu mesma. 3,6 simtus02 Mais bonito que tu, chato. 4,3 simtus03 Que bom, mas tu e ela vão trabalhar juntos. 3,2 simtus04 Ah... tu e o Carlos sempre foram os melhores. 3,5

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as consideraram menos naturais. Dessa forma, para as cenas de frases sem verbo, além

da adequação, a naturalidade pode ter influenciado o julgamento dos participantes, o

que não aconteceu (ou aconteceu de maneira menos evidente) nas cenas de frases com

verbo. Cabe ressaltar, porém, que essa explicação carece de confirmação e, para

evidenciar essa questão de forma mais precisa seria necessário desenvolver um novo

teste, voltado para a naturalidade das frases.

Como os tipos de relações interpessoais não podem ser analisadas como

categorias discretas, é possível propor um continuum do tipo de relação. Por terem tido

as avaliações mais positivas no nosso experimento, serão consideradas as cenas de

frases com verbo. A ideia é organizar as cenas em um continuum que vai de um polo [+

assimétrico] a um polo [+ simétrico]. Como o pronome tu é considerado mais adequado

nas relações simétricas do que nas assimétricas, proponho hierarquizar como [+

assimétrico] as cenas com as médias mais baixas (aquelas em que o tu foi considerado

menos adequado) e [+ simétrico] as cenas com as médias mais altas (em que o tu foi

considerado mais adequado). Assim, a posição das cenas no continuum estaria associada

aos resultados obtidos no experimento, como mostro a seguir:

+ assimétrico + simétrico asstu01 asstu04 asstu03 asstu02 simtu01 simtu03 simtu04 simtu02

2,6 3,1 3,2 3,7 3,8 3,9 4 4,6 Tabela 04: continuum das cenas simétricas e assimétricas de acordo com as médias.

Obviamente, a ordenação das cenas no continuum a partir das médias não pode

ser postulada de maneira tão rígida porque leva em conta uma avaliação subjetiva dos

participantes. Partindo das relações assimétricas em direção às simétricas, há cenas

intermediárias (asstu04 e asstu03) que obtiveram médias muito próximas, com uma

diferença mínima de 0,1, o que não permite indicar com precisão qual delas ocuparia, de

fato, a segunda e a terceira posições no continuum. Dessa forma, compreendo que as

duas ocupam a mesma posição, manterei essa ordem apenas por uma questão de

ilustração. O mesmo aconteceu com as três primeiras cenas de relação simétrica e,

assim sendo, também as considero como correspondentes de um mesmo ponto do

continuum.

Para melhor visualização da proposta de gradação das cenas e visando a analisá-

las de forma mais detalhada, trago o continuum dividido por polos com imagens de cada

cena e as frases correspondentes contendo o pronome tu, uma vez que o tema tratado

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nas cenas também contribui para a construção do tipo de relação estabelecido.

Comecemos pelo continuum de assimetria.

Figura 03: continuum das cenas assimétricas com pronome tu.

A cena que recebeu as notas mais baixas e, consequentemente, se encontra no

ponto extremo do continuum [+assimétrico] é a que denominei de “Recepcionista e

hóspede no hotel”. Nessa cena, um homem e uma mulher estão na recepção de um hotel

para fazer seu check-in e, sabendo que o check-in ainda não está aberto, o homem pede

para deixar as bolsas na recepção, ao que o recepcionista responde com a seguinte frase

“sim, tu pode deixar as bolsas aqui”.

Na posição intermediária do continuum, se encontram as cenas denominadas de

“Funcionária no 1º dia de trabalho” e “Atendente e passageiro no check-in”. A primeira

expõe um mulher chegando num escritório e se apresentando a uma outra mulher como

nova funcionária. As duas se cumprimentam e, então, a segunda mulher se apresenta e

diz “Tu deve aguardar até as 10. O diretor está em reunião”. Na segunda, a atendente

solicita o visto ao passageiro que deseja fazer check-in e ele diz que não sabia dessa

informação, a atendente, então, afirma “Mas tu precisa do visto”.

Por fim, a cena que se encontra no extremo [- assimétrico] do continuum é

“Padeiro e cliente na padaria”. Essa é uma cena em que o cliente, com uma expressão

confusa, diz que está na dúvida sobre qual queijo pedir e o padeiro responde “Tá bom!

Tu pode experimentar se quiser”.

Padeiro – Tá bom! tu pode experimentar se quiser.

Atendente – Mas tu precisa do visto.

Funcionária antiga – Tu deve aguardar até as 10. O diretor está em reunião.

Recepcionista – Sim, tu pode deixar as bolsas aqui.

Recepcionista e hóspede no hotel

Funcionária no1º dia de trabalho

Atendente e passageiro no check-in

Padeiro e cliente na padaria

Assimetria

+ Assimétrico - Assimétrico

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Para aprofundar a discussão e compreender por que o continuum se constitui

nessa ordem mais ou menos flexível, principalmente no que tange às cenas que se

encontram nas partes extremas, retomo os pressupostos discutidos em Briz (2004) sobre

os tipos de relação. Como apresentado anteriormente, o autor caracteriza as interações

sociais, dentre outro aspectos, quanto à relação de solidariedade entre os falantes e

quanto à finalidade da interação.

Considerando tais pressupostos, as cenas “Recepcionista e hóspede no hotel”,

“Atendente e passageiro no check-in” e “Padeiro e cliente na padaria” podem ser

consideradas transacionais quanto à finalidade da interação, uma vez que apresentam

características como maior distância social, direitos e obrigações dos interlocutores

predeterminados, objeto de negociação concreto e alternância de turnos mais regulada.

Entretanto, a cena “1º dia de trabalho” apresenta, ao mesmo tempo, propriedades

tanto de relações transacionais (alternância de turnos mais regulada) quanto de relações

interpessoais (maior aproximação social, maior simetria e participação colaborativa dos

interlocutores). Talvez até se possa considerar que, em alguns casos, não se encaixa

nem em um tipo nem em outro tipo de relação, já que, nessa interação, não há objeto de

negociação concreto e, ao mesmo tempo, não há manutenção do contato entre as

pessoas porque se trata de um primeiro contato.

Sendo assim, quanto à finalidade da interação, essa cena não se enquadra

completamente em um tipo ou outro, mas entre um tipo e outro, se aproximando mais

das relações interpessoais. Dessa forma, era de se esperar, considerando apenas esse

critério, que tal cena estivesse no polo [- assimétrico] e não num ponto intermediário do

continuum, porém, para compreender de forma mais ampla a questão, seria necessário

inclusive recorrer a outro critério postulado por Briz (2004): a solidariedade.

Segundo o autor, as relações solidárias são aquelas em que os interlocutores

apresentam maior proximidade e maior simetria entre si, já as não solidárias seriam

justamente o oposto disso. Para definir o que seriam as relações mais solidárias e as

menos solidárias, o autor determina quatro características relacionadas à proximidade e

três relacionadas à simetria (cf. tabela 01, em 3.4).

Das 4 cenas que representam as relações assimétricas, “Recepcionista e hóspede

no hotel” e “Atendente e passageiro no check-in” correspondem a todas as

características estipuladas como relações – solidárias. Já as cenas “1º dia no trabalho” e

“Padeiro e cliente na padaria” apresentam algumas características que podem colocá-las

como relações mais híbridas. A primeira se enquadra como uma relação de menor

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proximidade em todas as características apresentadas para esse critério, mas, por outro

lado, se caracteriza por haver + igualdade funcional, + nivelação dos papeis e +

identidade grupal entre as personagens. Na segunda ocorre o oposto, os personagens

apresentam – igualdade funcional, - nivelação dos papeis e – identidade grupal, porém,

no que tange à proximidade, os personagens podem apresentar [+ contato] e até [+

compromisso afetivo], uma vez que estabelecimentos como padarias podem ser

frequentados diversas vezes pelo mesmo cliente que, por sua vez, pode estabelecer uma

relação de maior proximidade com os funcionários.

Com base nessa discussão, levanto as seguintes questões: por que a cena que se

passa na padaria foi avaliada mais positivamente e não a cena de 1º dia no trabalho,

visto que ambas apresentam características que as aproximam das relações mais

solidárias? E, ainda, por que as cenas de recepção de hotel e de check-in no aeroporto

não apresentaram avaliações semelhantes entre si?

Uma resposta possível para a primeira questão pode estar no peso dado à

aproximação entre os falantes para o uso de tu. Ao que parece, o que rege uma maior

aceitação do uso de tu é a proximidade entre os falantes, ao menos de acordo com as

cenas expostas no experimento. Mas há outros aspectos relacionados ao entorno ou à

situação comunicativa em si que precisam ser apontados, como o assunto tratado na

cena e a expressão dos personagens. Estariam, nesse caso, elementos paralinguísticos

como entonação, rapidez elocutiva etc; além de elementos não-linguísticos como gestos

e mímicas concomitantes (KOCH; OESTERREICHER, 2007).

Na cena “1º dia no trabalho”, as personagens sustentam uma postura de gentileza

uma com a outra, mas se apresentam com aperto de mão e o assunto tratado é uma

reunião de trabalho com o diretor da empresa. Em contrapartida, na cena da padaria, o

cliente parece confuso, com um semblante de quem pede ajuda para definir o pedido e o

padeiro mantém uma expressão simpática como quem deseja, de fato, ajudá-lo. Essa

postura pode demonstrar uma aproximação do padeiro em relação ao cliente, o que

permite uma maior aceitação do pronome tu, mesmo numa relação “assimétrica”.

Quanto à segunda questão, a postura dos personagens também pode ter

influenciado na menor aceitação do uso de tu na cena de recepção de hotel. Nessa cena,

tanto o recepcionista quanto o hóspede estão com o semblante bastante sério, o que

parece não permitir qualquer tipo de aproximação entre eles. Já na outra cena, de check-

in no aeroporto, a atendente sustenta um semblante um pouco menos sério e, além disso,

o passageiro comete um deslize por não saber o documento que precisava levar, de

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forma que a frase em que a atendente utiliza o tu pode ser considerada como algo

próximo de uma reprimenda.

Para a simetria também se pode postular uma escala em um continuum a partir

de aspectos que caracterizam a proximidade comunicativa (KOCH;

OESTERREICHER, 2007) e as relações mais solidárias (BRIZ, 2004):

Simetria

- Simétrico + Simétrico

Figura 04: continuum das cenas simétricas com pronome tu.

Na cena denominada “Amigas na lanchonete”, duas mulheres conversam de

forma descontraída sobre algo que as duas conseguiram conquistar, uma delas sugere

uma comemoração e a outra responde “mas tu paga”. Já a cena “Casal na rua” mostra

um homem informando à namorada que ele e uma colega de trabalho foram promovidos

ao que a namorada responde “Que bom, mas agora tu vai trabalhar com ela” em tom de

decepção. Em “amigos no trabalho”, um homem conta a outro que conseguiu uma

transferência para Miami e o outro responde “Que ótimo, então. Tu vai adorar a

cidade”. Por fim, a cena que recebeu um julgamento mais positivo em relação às demais

foi “Casal no shopping”, na qual um casal está observando uma vitrine e então a mulher

pergunta a opinião do homem sobre um vestido. Ele, em tom de sarcasmo, afirma que

achou o vestido bonito para usar em casa e a mulher responde “Ah... tu tá com ciúme”.

Como observado, tanto em relação ao julgamento quanto às propriedades do

contexto comunicativo, as cenas de relações simétricas parecem apresentar um maior

equilíbrio entre si. As três primeiras cenas apresentaram médias muito próximas: 3.8,

3.9 e 4.0. Todas as cenas se caracterizam por serem interpessoais e [+ solidárias], já que

se tratam de relações entre amigos ou casais. Porém, dentre elas, a cena “namorados no

shopping” se destaca por ter uma média superior às outras (4.6).

Namorada – Que bom, mas agora tu vai trabalhar com ela.

Amiga – Mas tu paga. Amigo – Que ótimo, então. Tu vai adorar a cidade.

Namorada – Ah... tu tá com ciúme.

Amigas na lanchonete Casal na rua Amigos no trabalho Casal no shopping

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Como descrito anteriormente, nessa cena, o casal de forma bastante

descontraída, implica um com o outro. Em meio à brincadeira, os dois sorriem um para

o outro e a mulher dá um leve tapa no ombro do namorado ao afirmar que ele está com

ciúme. Possivelmente, o que gerou um julgamento mais positivo para essa cena foi o

contexto de forte intimidade e descontração, presente nas outras cenas, embora mais

exacerbada neste diálogo.

5.1.6. Conclusões do experimento 1

Os resultados obtidos no experimento 1 foram importantes para chegar a

algumas conclusões sobre a percepção da variação tu ~ você no dialeto carioca. De

acordo com as minhas previsões, os participantes julgariam de maneira positiva as cenas

contendo o pronome você, independentemente do tipo de relação estabelecido. As cenas

com pronome tu, por outro lado, receberiam julgamentos mais positivos quando

representassem relações simétricas do que quando caracterizassem as relações

assimétricas. Além disso, eu pretendia, com esse experimento, medir se ausência da

concordância no dialeto carioca seria um fator que interferiria no julgamento de tu. Por

fim, para as variáveis sociais, a minha previsão era a de que o sexo não exerceria

influência sobre o julgamento dos participantes, porém, a região dos participantes

exerceria influência sobre o seu julgamento, de maneira que moradores de áreas mais

nobres julgariam o pronome tu de forma mais negativa e moradores de áreas menos

abastadas julgariam mais positivamente. Porém, cabe ressaltar que os participantes se

concentravam, em maioria, entre moradores da Zona Norte e, de forma menos

expressiva, da Zona Oeste.

Os gráficos sobre o Experimento 1 apresentados na seção anterior demonstraram

que as previsões foram parcialmente confirmadas. Quanto ao pronome você, de fato,

nenhuma das variáveis controladas apresentou diferença nos padrões, em alguns casos

sendo exatamente o mesmo, porém alguns pontos relacionados ao pronome tu deixaram

algumas questões em aberto.

Em relação ao pronome tu, identifiquei interferência da variável ‘tipo de

relação’, de forma que os participantes julgaram esse pronome como mais adequado

quando inserido em relações mais simétricas do que em relações assimétricas. Apesar

de nem sempre a percepção corresponder ao uso, esse resultado corrobora estudos

anteriores com base em dados de uso que apontam que o pronome tu está associado a

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situações de maior informalidade e intimidade entre os falantes (PAREDES SILVA,

2003; SANTOS, 2012).

Quanto ao ‘tipo de frase’, cabe ressaltar que, apesar de ter havido diferença

significativa entre as cenas de frases com verbo e sem verbo para o pronome tu, as

cenas que continham frases com verbo receberam julgamentos mais positivos, o que

indica, ainda assim, que o julgamento do pronome tu não está relacionado à falta de

concordância canônica.

Por fim, quanto às variáveis sociais, nem o sexo nem a região dos participantes

influenciou no seu julgamento, de forma que tanto homens quanto mulheres, bem como

moradores da Zona Norte e da Zona Oeste, apresentaram julgamentos semelhantes para

os dois pronomes segundo as análises estatísticas. Porém, o padrão do gráfico

apresentou algumas diferenças entre homens e mulheres e entre moradores da Zona

Norte e da Zona Oeste. Essa é uma questão que precisa ser melhor analisada, para tanto,

seria interessante replicar o experimento com mais participantes, contando com a

participação de mais homens e considerando o julgamento também de moradores de

áreas como a Zona Sul, para identificar com mais precisão se a região dos falantes

interfere ou não no seu julgamento para o pronome tu.

5.2. Resultados do experimento 2

5.2.1. Os participantes

O experimento contou com a participação de 50 indivíduos nascidos e/ou

residentes15 na região Metropolitana do Rio de Janeiro, 36 participantes se declararam

como sendo do sexo feminino e 12 do sexo masculino, além de 2 que não se

identificaram quanto ao sexo. As idades variam entre 17 e 56 anos e foram divididas em

5 faixas etárias (tabela 05).

15 4 participantes nasceram fora do estado do Rio de Janeiro, mas residem na cidade há ao menos 16 anos.

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Faixa Idade Quantidade

F1 17-19 11

F2 20-29 18

F3 30-39 8

F4 40-49 5

F5 50-56 5 Tabela 05: distribuição das faixas etárias dos participantes do experimento 2

Além disso, quanto à região, 14 são residentes da Zona Sul, 14 da Zona Norte, 7

da Zona Oeste e 8 de outros municípios da região metropolitana. Essas informações são

apresentadas de forma mais detalhada na tabela 12.

Região do Rio de

Janeiro

Bairro do Rio de Janeiro

Zona Sul Catete (1), Copacabana (2), Cosme Velho (2), Flamengo (2),

Humaitá (1), Laranjeiras (6)

Zona Norte Benfica (1), Bonsucesso (1) Ilha do Governador (4), Irajá (1),

Maria da Graça (1), Méier (1), Parque Anchieta (1), Pavuna (1),

Tauá (1), Tijuca (1), Vila Isabel (1)

Zona Oeste Bangu (1), Campo Grande (2), Jacarepaguá (2), Santa Cruz (1),

Vila Valqueire (1)

Outros Municípios

Outros Duque de Caxias (1), Itaboraí (1), Maricá (1), Mesquita (1),

Petrópolis (1), São Gonçalo (2) Tabela 06: distribuição das regiões dos participantes do experimento 2

5.2.2. Procedimento de análise

O resultado da avaliação dos participantes foi organizada em planilha do excel

na qual foram plotados os gráficos a seguir. Para efeito de análise, foram calculadas as

médias de todos os índices (12) para cada uma das versões controladas (tu, você, você/tu

e tu-2SG). Como descrevi no capítulo de pressupostos teórico-metodológicos, os

participantes avaliaram 4 falas de cariocas (2 homens e 2 mulheres) que utilizaram no

mesmo contexto a combinação de formas: tu com tu, você com você, você com tu e tu-

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2SG com tu-2SG. O enunciado proferido era o seguinte: Oi, Laura. X pode comprar o

ingresso do filme pra mim? Eu acabei me atrasando e vou chegar em cima da hora. X

sabe onde é o cinema, né?. O X indica o local em que as formas variantes de segunda

pessoa ocorriam.

Os participantes avaliavam os áudios a partir dos índices indicados a seguir:

‘identidade local’ (carioca, Zona Sul/subúrbio, asfalto/favela); ‘solidariedade’

(honesta/desonesta, íntima/distante, formal/informal); ‘status’ (rica/pobre,

trabalhadora/preguiçosa, letrada/iletrada); ‘aparência’ (elegante/desleixada,

cortês/grosseira, jovem/velha). Os resultados gerais serão exibidos em 4 gráficos, que

foram distribuídos de acordo com a classificação de cada índice. Para identificar a

significância dos resultados, foram realizadas as análises estatísticas com o teste de

Kruskal-Walis16 por meio da plataforma R e, assim como nas análises anteriores, o grau

de significância foi definido em 5%, segundo o qual p < 0,05 é estatisticamente

significativo e p > 0,05 é considerado não significativo.

5.2.3. As avaliações subjetivas para as variantes de 2SG

Antes de iniciar a exposição dos resultados, apresento as minhas hipóteses

quanto ao comportamento dos participantes cariocas em relação às variantes

controladas. Em (1) são contempladas as variantes tu e você/tu; em (2), encontram-se

minhas hipóteses para a variante você e, em (3), apresento as minhas expectativas

acerca da variante tu-2SG, que, incomum no dialeto carioca, funciona como uma

espécie de controle em relação à variante tu sem a desinência de 2SG, utilizada no Rio

de Janeiro.

1) As variantes tu e você/tu seriam avaliadas de forma semelhante, uma vez que

você é a forma não-marcada no dialeto carioca sendo bem aceita em diversas situações

enquanto tu é restrito a alguns contextos sociointeracionais e pode sofrer avaliações

mais negativas a depender do contexto. Sendo assim, as duas variantes seriam

associadas a uma fala mais carioca, já que o pronome tu sem a concordância canônica

tem sido observado na fala carioca em estudos sociolinguísticos (PAREDES SILVA,

2003; SANTOS, 2012) e foi associado à fala carioca em trabalho anterior

16 A fórmula utilizada para essa testagem no programa R foi: kruskal.test(ESCALA ~ VARIANTE) em que “ESCALA” se refere às variáveis de diferenciais semânticos (Carioca, intimidade, formalidade etc.) e “VARIANTE” às quatro variantes analisadas (tu, você, você/tu e tu-2SG)

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(CARVALHO, 2018). Além disso, essas variantes seriam associadas a uma fala mais

suburbana – uma vez que Santos (2012) apontou para um favorecimento de uso de tu

em Campo Grande, bairro na Zona Oeste -, e de moradores de favela, por conta de uma

visão estereotipada do uso de tu, reforçada por filmes e programas de televisão, como

discutido por Lopes (2008). Considerando trabalhos anteriores que indicam que a forma

tu é mais utilizada em situações mais informais e de maior proximidade entre os

falantes, era esperado que as variantes tu e você/tu fossem consideradas informais e

características de uma fala íntima. Por fim, com base no estudo de Paredes Silva (2003),

que aponta uma maior frequência de uso de tu entre os falantes mais jovens, era

esperado que as variantes tu e você/tu fossem associadas a uma fala mais jovem;

2) Para a variante você, minhas hipóteses previam que tal forma seria

considerada neutra quanto aos índices da dimensão da identidade local (carioca, Zona

Sul/subúrbio e asfalto/favela), do status, uma vez que é a forma não-marcada no dialeto

carioca. Porém, quanto aos índices ‘intimidade’, ‘formalidade’ e ‘cortesia’, tal pronome

seria considerado mais formal, mais distante e mais cortês em relação à tu e você/tu, por

conta de sua trajetória histórica associada a essas características.

3) Quanto à variante tu-2SG (tu podes; tu sabes), os participantes a

considerariam pouco carioca em relação às outras por ser de emprego incomum no Rio

de Janeiro e, pelo mesmo motivo, não seria associada aos outros índices do âmbito da

identidade local. Porém, apesar de não ser utilizada no Rio de Janeiro, tal variante é

aprendida, pelos falantes cariocas, de forma artificial através da escola e, portanto, seria

considerada mais formal, mais distante e mais letrada pelos participantes. Além disso,

os índices de valores positivos ‘honesta’, ‘rica’ e ‘elegante’ também seriam associados a

essa variante.

Vejamos, então, os resultados para os índices de identidade local. No gráfico 05,

o eixo horizontal refere-se aos índices (carioca, Zona Sul/subúrbio, asfalto/favela) e as

linhas com diferentes símbolos indicam as médias obtidas a partir das formas variantes

que constaram nos áudios avaliados pelos participantes. A linha horizontal central da

figura indica o ponto intermediário da escala e a figura deve ser lida da seguinte forma:

acima da linha central = muito carioca, moradora da Zona Sul e do asfalto; abaixo da

linha = pouco carioca, moradora do subúrbio e de favela. Quanto mais próximo da

linha, mais neutra foi considerada a avaliação.

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Gráfico 05: avaliação para os índices de identidade local

Na dimensão da identidade local, a forma tu-2SG (tu podes e/ou tu sabes) foi

avaliada como pouco carioca em relação às variantes tu, você e você/tu (p<0,05). Nota-

se, no gráfico, que essas estratégias apresentaram médias próximas quase sobrepostas na

figura. O teste estatístico, entretanto, não mostrou uma diferença significante, pois os

valores obtidos foram maiores do que 0,05 (p>0,05). Em termos dos resultados, pode-se

dizer que as três variantes foram consideradas muito cariocas pelos participantes,

contrariando a minha hipótese que previa que a forma você seria considerada neutra

pelos participantes cariocas.

Em relação aos índices ‘Zona Sul/subúrbio’ e ‘asfalto/favela’, cabe o destaque à

variante você/tu, que, apesar de ter médias próximas ao ponto neutro da escala, como

pode ser visto no gráfico, apresentou diferença estatística significativa em relação às

estratégias você e tu-2SG (p < 0,05), sendo associada a uma fala mais suburbana e de

moradores de favela em relação às outras duas variantes, que são consideradas da Zona

sul e do asfalto. Quanto à forma tu, não houve diferença estatística significativa

relacionada a essa variante para os dois índices.

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O gráfico 06 traz os resultados para cada variante relacionada aos índices de

solidariedade e devem ser lidos da seguinte forma: acima da linha central = honesta,

íntima e formal; abaixo da linha = desonesta, distante e informal.

Gráfico 06: avaliação para os índices de solidariedade

Em relação à dimensão da solidariedade, as máscaras não alcançaram diferenças

estatísticas significativas para o índice ‘honestidade’, além do fato de as médias

estarem praticamente sobrepostas como se pode ver no gráfico. Quanto à intimidade,

todas as variantes foram consideradas íntimas provavelmente por conta do teor da

mensagem que parecia ser enviada a uma amiga e, portanto, alguém com quem se tem

certa intimidade. A variante você/tu se destacou em termos estatísticos e foi considerada

mais íntima em relação à você (p<0,05) e tu-2SG (p<0,05). O gráfico reitera tal

observação, uma vez que a variante você/tu apresentou valores mais altos (acima da

linha) para o traço de intimidade em relação às demais formas variantes. Diferentemente

desses dois índices (honestidade e intimidade), que só apresentaram médias acima da

linha central para todas as variantes, o grau de formalidade teve um resultado um tanto

distinto, com médias abaixo da linha central para algumas variantes. Isso sinaliza uma

oposição mais nítida das variantes para o parâmetro de mais ou menos formal. Em

termos estatísticos, a variante você/tu foi avaliada como mais informal (ou menos

formal) do que você e tu-2SG (p<0,05), mas não apresentou diferença significativa

(p>0,05) em relação a tu, que também se concentra no polo da informalidade. É possível

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notar, em termos das médias, você/tu e tu aparecem no gráfico abaixo da linha central, o

que indicia uma avaliação negativa para o parâmetro da formalidade ou, dito de outra

maneira, positiva para a informalidade. A variante tu-2SG foi considerada mais formal

em relação às outras (p<0,05), apresentando média mais próxima do polo da

formalidade. É interessante destacar também que a forma não-marcada você apresentou

média considerada neutra, ou seja, não foi associada à formalidade nem à

informalidade. O próximo gráfico (07) apresenta as avaliações para cada variante

relacionada aos índices da dimensão do status social do falante que proferiu os

enunciados e deve ser lido da seguinte forma: acima da linha central = rico/a,

trabalhador/a e letrado/a; abaixo da linha central = pobre, preguiçoso/a e iletrado/a.

Gráfico 07: avaliação para os índices do status social

Na dimensão do status da pessoa que proferiu o enunciado, os falantes foram

considerados mais ricos ao usarem a variante tu-2SG em relação à você/tu e tu, com

diferença estatisticamente significativa (p<0,05). Em termos das médias registradas no

gráfico, há também uma gradação escalar entre as variantes, tendo em vista o índice

mais ou menos rico. Com avaliações mais positivas ou mais altas, estaria a variante tu-

2SG, seguida de forma descendente por você, tu e você/tu: esta última localizada no

ponto neutro da linha central do gráfico. No tocante aos outros marcadores de status

social, não houve diferença significativa em termos estatísticos entre as máscaras para

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os índices ‘trabalhadora/preguiçosa’ (p > 0,05) e ‘letrada/iletrada’ (p > 0,05). Com base

nas médias, ilustradas no gráfico, observamos que todas as variantes apresentaram o

mesmo comportamento em relação ao índice ‘trabalhadora/preguiçosa’ com a mesma

média relativamente próxima do ponto neutro da escala. Tal resultado indica que esse

índice não gerou efeito na avaliação dos participantes. Para o parâmetro, mais ou menos

letrado, as médias seguem o comportamento visto nos outros índices com uma ascensão

das médias que se aproximam do valor mais alto da avaliação, no caso, a nota 1. Os

falantes foram avaliados como letrados ao usarem as seguintes variantes nessa ordem:

tu-2SG, você, tu e, finalmente, você/tu.

Por fim, o gráfico 08 expõe as avaliações das máscaras quanto aos índices

referentes ao âmbito da aparência. A leitura do gráfico deve ser efetuada da seguinte

forma: acima da linha central = cortês, elegante e jovem; abaixo da linha central =

grosseira, desleixada e velha.

Gráfico 08: avaliação para os índices de aparência

Comparativamente, a variante tu-2SG teve uma avaliação diferenciada em

relação às outras variantes que obtiveram médias com valores sobrepostos para os 3

índices de aparência. A variante tu-2SG, pouco utilizada na fala do Rio de Janeiro, foi

considerada, pela visualização do gráfico, a mais cortês e elegante, além de caracterizar

pessoas mais velhas.

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No que tange às análises estatísticas, o índice ‘cortês/grosseira’ não apresentou

diferenças significativas em relação às máscaras. Por outro lado, a variante tu-2SG foi

avaliada como mais elegante (p < 0,05) e mais velha (p < 0,05) em relação às outras

três variantes. Cabe destacar, porém, que todas as variantes foram associadas a uma fala

mais jovem e, quanto à elegância, tu, você~tu e você têm médias próximas ao ponto

neutro, o que indica que não foram consideradas como uma fala elegante ou desleixada,

apenas como menos elegante em relação à tu-2SG.

5.2.4. Impressões dos participantes sobre o uso de tu no Rio de Janeiro

No questionário apresentado aos participantes, além das escalas de diferenciais

semânticos, constavam as duas perguntas a seguir, além da solicitação das impressões

dos participantes quanto ao uso de tu.

1) Na sua cidade, as pessoas costumam usar frases do tipo "Tu viu o que

aconteceu"? ou "Que horas tu vai pra faculdade?"?

2) Você fala dessa forma? Costuma usar "tu" nas suas frases?

3) Descreva em poucas palavras o que acha do uso de "tu".

As respostas para as duas perguntas, que poderiam ser “sim” ou “não”, foram

somadas, organizadas em tabelas de acordo com o sexo, a região e a faixa etária dos

participantes e, por fim, foram calculadas as suas porcentagens por meio da plataforma

R. Posteriormente, as tabelas de porcentagens foram submetidas a análises estatísticas

com base no teste de qui-quadrado17 que revelaram se as diferenças observadas eram

significativas (p<0,05) ou não do ponto de vista estatístico. A seguir, apresento os

gráficos com as porcentagens das respostas de acordo com as características sociais dos

participantes, começando pelos gráficos 09 e 10, que indicam o comportamento dos

participantes de acordo com o seu sexo.

17 Fórmula: chisq.test(table) em que table é a tabela com os dados relativos às repostas positivas e negativas para as perguntas 1 e 2.

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Como pode ser visualizado nos gráficos 09 e 10, a maior parte dos participantes

do sexo feminino e do sexo masculino considera haver uso de tu no Rio de Janeiro e se

identificam enquanto falantes de tu. No que diz respeito ao uso de tu no Rio de Janeiro

(pergunta 1), mais mulheres (73,5%) responderam de forma positiva à pergunta em

relação aos homens (58,3%). Para a segunda pergunta, o comportamento dos

participantes de ambos os sexos foi semelhante (61,8% de respostas positivas para as

mulheres e 66,7% para os homens). Segundo as análises estatísticas, houve diferença

significativa na resposta das mulheres quanto à primeira pergunta (x² (1) = 7,25 p <

0,01), mas não houve diferença significativa em relação aos homens (x² (1) = 0,33 p <

0,05) e, para a segunda pergunta, as diferenças não se mostraram relevantes para

nenhum dos dois sexos/gêneros (mulheres: x² (1) = 1,88 p > 0,05; homens: x² (1) = 1,33

p > 0,05).

Vejamos os gráficos 11 e 12 que trazem os percentuais de respostas positivas e

negativas às perguntas 1 e 2 de acordo com a região dos participantes.

Gráfico 09: percentuais de mulheres e homens que afirmam que se usa tu no Rio de Janeiro.

Gráfico 10: percentuais de mulheres e homens que se declaram como falantes de tu.

Gráfico 11: percentuais de moradores de diferentes regiões que afirmam que se usa tu no Rio de Janeiro..

Gráfico 12: percentuais de moradores de diferentes regiões do Rio de Janeiro que se declaram como falantes de tu.

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Assim como nos resultados anteriores, a maior parte dos participantes das três

regiões controladas respondeu positivamente às perguntas 1 e 2, ou seja, consideram

que o pronome tu é usado no Rio de Janeiro e se consideram como falantes de tu.

Chamam atenção, no gráfico 11, os percentuais de respostas positivas referentes aos

participantes da Zona Sul (92,9%), que também se destacam, mas de forma menos

expressiva, no gráfico 12, ou seja, mais moradores da zona sul identificam o uso de tu

no Rio de Janeiro em relação aos moradores das outras regiões. Porém, na pergunta 2,

os percentuais de respostas positivas para os moradores da Zona Sul, apesar de ainda

serem os mais expressivos, diminuem em mais de 20% (71,4%). Quanto às análises

estatísticas, se mostrou relevante a diferença entre as respostas positivas e negativas dos

participantes da Zona Sul para a pergunta 1 (x² (1) = 10,2 p < 0,01). As diferenças entre

os moradores das Zonas Norte e Oeste para a pergunta 1 não foram estatisticamente

significativas (Zona Norte: x² (1) = 1,14 p > 0,05; Zona Oeste: x² (1) = 0,14 p > 0,05),

assim como as diferenças apresentadas em relação à pergunta 2 não se mostraram

significativas em nenhum dos casos (Zona Norte: x² (1) = 0,28 p > 0,05; Zona Oeste: x²

(1) = 0,14 p > 0,05; Zona Sul: x² (1) = 2,57 p > 0,05).

Os gráficos 13 e 14 trazem os percentuais de respostas positivas e negativas às

perguntas 1 e 2, de acordo com a faixa etária dos participantes.

No gráfico 13, observamos que tanto os participantes mais jovens (faixas 1, 2 e

3) quanto participantes mais velhos (faixa 5), embora de forma menos expressiva,

consideram que o pronome tu é utilizado no Rio de Janeiro. Porém, os falantes da faixa

4 majoritariamente indicaram que o pronome tu não é utilizado no Rio de Janeiro. Por

Gráfico 13: percentuais de indivíduos de diferentes faixas etárias que afirmam que se usa tu no Rio de Janeiro.

Gráfico 14: percentuais de indivíduos de diferentes faixas etárias que se declaram como falantes de tu.

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outro lado, ao examinar o gráfico 14, identificamos uma clara inversão de percentuais

conforme aumentam as faixas etárias; ou seja, a maioria dos falantes mais jovens (faixas

1, 2 e 3) se identifica como usuários de tu enquanto os falantes mais velhos (faixas 4 e

5) não se consideram como falantes de tu.

As análises estatísticas demonstraram que há diferença significativa para as

faixas 1, 2 e 3 quanto à pergunta 1 (F1: x² (1) = 4,4 p < 0,05; F2: x² (1) = 4,7 p < 0,05;

F3: x² (1) = 3,5 p = 0,05) e que não há diferença significativa para as faixas 4 e 5 (F4: x²

(1) = 2,6 p > 0,05; F5: x² (1) = 0,2 p > 0,05).

Em relação à pergunta 2, só há diferença significativa para a faixa 1 (F1: x² (1) =

4,4 p < 0,05). As outras diferenças não foram estatisticamente significativas (F2: x² (1)

= 2,8 p > 0,05; F3: x² (1) = 1,2 p > 0,05; F4: x² (1) = 0,66 p > 0,05; F5: x² (1) = 1,8 p >

0,05 ). Cabe destacar, porém, que os participantes das faixas 4 e 5 se apresentaram em

quantidade bastante inferior em relação aos outros, o que poderia explicar a falta de

significância estatística quanto à diferença expressiva observada para a faixa 4 na

pergunta 1 e para a faixa 5 na pergunta 2. Ainda assim, apesar da falta de equilíbrio

quanto ao perfil dos participantes, os percentuais parecem indicar uma tendência ligada

às características sociais controladas, sobretudo em relação às faixas etárias.

Por fim, como mencionado anteriormente, ao final do questionário, solicitei aos

participantes que descrevessem brevemente as suas impressões em relação ao uso de tu.

Dessa forma, a partir das respostas obtidas selecionei as palavras mais empregadas e as

submeti ao aplicativo do site wordart18 para a criação de nuvem de palavras (imagem

06), que representa a frequência relativa de palavras associadas ao uso de tu.

Figura 05: nuvem de palavras associadas ao uso de tu pelos participantes.

18 https://wordart.com/create

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Entre as palavras associadas pelos participantes ao uso de tu, destaca-se o termo

“informal” e é possível observar, também, que palavras derivadas e outras

palavras/expressões do mesmo campo semântico foram mencionadas pelos

participantes, como “situações informais”, “informalidade”, “descontraída”, “coloquial”

e “gíria”. Chama atenção, ainda, o destaque da palavra “comum”, que também apresenta

termos correlatos como “normal”, “natural”, “habitual”, “simples”, “prático”,

“corriqueira” e “cotidiano”. Essas associações, sobretudo em relação à informalidade,

vão ao encontro do que foi apresentado na presente dissertação nos resultados do

experimento 1, que demonstraram que o uso de tu é avaliado mais positivamente em

situações informais de comunicação. Além disso, a relação estabelecida com o

“comum” parece indicar que os participantes cariocas frequentemente identificam o uso

de tu no Rio de Janeiro.

Para uma análise mais apurada, apresento alguns dos comentários dos

participantes sobre o uso de tu associado aos termos mencionados anteriormente.

Falante (sexo, idade e bairro) Comentário Feminino / 18 anos / Vila Isabel Apesar do tu ser pronome de uso informal, em determinadas

ocasiões funciona MUITO BEM. Feminino / 26 anos / Bangu no falar do carioca o "tu" não é conjugado formalmente, e

acaba gerando um diálogo mais informal. Masculino / 19 anos / Humaitá Gosto bastante de usar o tu nas situações informais por achar

que marca uma intimidade e uma naturalidade maior, mas soa estranho quando é usado junto da conjugação de segunda pessoa conforme dita a gramática normativa.

Feminino / 24 anos / Laranjeiras Comum, parte da língua. Feminino / 17 anos / Jardim Guanabara

Comum e natural

Quadro 07: comentários dos participantes sobre o uso de tu.

Em síntese, os comentários reiteram que os participantes consideraram o uso de

tu como informal, comum e natural no falar carioca. Além disso, aparentemente, os

participantes têm consciência de que o emprego de tu com desinência verbal de 2SG

não é de uso regular e soaria como um uso artificial no Rio de Janeiro, a despeito de ser

ensinado nas escolas e de ocorrer em outras localidades brasileiras (cf. SCHERRE et

al., 2015).

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5.2.5. Conclusões do experimento 2

Com base nos resultados do experimento 2, pude estabelecer algumas

conclusões acerca da avaliação sobre a variação pronominal de 2SG. Segundo as

minhas hipóteses, o uso de tu-2SG seria associado a uma fala pouco carioca, formal e

elegante e os usuários dessa variante seriam considerados letrados, ricos e honestos. De

fato, tu-2SG foi associado a uma fala pouco carioca, formal, elegante e de falantes mais

ricos, porém não houve relação com os índices ‘letrada’ e ‘honesta’ e, por outro lado, o

uso de tal variante foi considerado como uma fala de pessoas mais velhas, associação

não prevista.

Para a variante você, eu esperava que os participantes a avaliassem como mais

formal, mais distante e mais cortês em relação a tu e você/tu, o que se mostrou

parcialmente verdadeiro. Em relação à cortesia, as três variantes concentraram

avaliações muito próximas tendo sido consideradas como uma fala cortês. No caso do

índice intimidade, todas as variantes foram consideradas íntimas, porém, o pronome

você foi levemente considerado menos íntimo do que tu e você/tu, apresentando,

inclusive, diferença significativa em relação à ultima. O mesmo ocorreu em relação à

informalidade, de forma que as variantes tu e você/tu foram consideradas informais

enquanto você se concentrou no ponto neutro, tendo sido, dessa forma, avaliada como

mais formal em relação às outras, apesar de não ter sido associada diretamente à

formalidade. Além disso, a variante você foi associada a uma fala carioca tanto quanto

tu e você/tu. Esse resultado inesperado possivelmente ocorreu por conta da variante tu-

2SG, que chama a atenção dos cariocas por ser uma forma pouco natural no Rio de

Janeiro, ao passo que todas as outras são utilizadas. Para verificar mais detalhadamente

essa questão, seria necessário replicar o teste sem a variante tu-2SG

Eu esperava, ainda, que os falantes de tu e de você/tu fossem avaliados de forma

semelhante, sendo considerados cariocas, suburbanos, moradores de favela, informais,

íntimos e jovens. Essas hipóteses foram parcialmente confirmadas, de maneira que o

uso de você/tu foi associado aos índices ‘carioca’, ‘suburbano’, ‘informal’ e ‘íntimo’ e,

além disso, não houve diferença significativa entre você/tu e tu; por outro lado, o

pronome tu foi associado apenas aos índices ‘carioca’ e ‘informalidade’. Além disso,

todas as variantes foram associadas a ‘jovem’, ‘íntimo’ e ‘morador do asfalto’, mas

você/tu se destacou sendo considerada mais íntima e menos do asfalto em relação às

outras.

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Por fim, quanto à variante tu, as três perguntas ao final do questionário

trouxeram alguns resultados interessantes. Em relação ao sexo, tanto as mulheres quanto

os homens indicaram, em sua maioria, que o pronome tu é utilizado no Rio de Janeiro e

se consideraram como falantes de tu. Porém, para a primeira pergunta, as mulheres,

mais do que os homens, responderam positivamente enquanto que, para a segunda,

houve um maior equilíbrio entre o comportamento de homens e mulheres com leve

predomínio de respostas positivas para os homens, embora essa diferença não tenha sido

significativa.

Os participantes das três regiões controladas majoritariamente consideraram

haver tu no Rio de Janeiro e se declararam como falantes de tu. Chama a atenção, nesse

caso, a grande quantidade de moradores da Zona Sul que respondeu positivamente às

duas perguntas enquanto os moradores das outras duas regiões se dividiram mais entre

respostas positivas e negativas. Chama a atenção, também, a queda de mais de 20% de

respostas positivas da primeira pergunta para a segunda, o que parece indicar que os

moradores da Zona Sul são mais sensíveis ao uso de tu no Rio de Janeiro, uma vez que

quase a totalidade dos participantes que moram nessa região considerou haver tu na

cidade, mas essa quantidade diminuiu consideravelmente ao se tratar do uso individual

dos participantes.

Quanto à faixa etária, os participantes mais jovens em sua grande maioria e os

participantes da faixa dos 50 anos, de forma mais equilibrada, consideram que o

pronome tu é utilizado no Rio de Janeiro enquanto os da faixa dos 40 anos indicam que

não se usa tu na cidade. Esse comportamento destoante carece de maior detalhamento

que demanda uma pesquisa mais apurada para entender se essa foi uma resposta isolada

ou se há alguma questão envolvendo os falantes de 40 anos que justifique esse

comportamento. Em relação à segunda pergunta, foi interessante perceber a diferença

das respostas entre os participantes mais jovens e os mais velhos, de maneira que,

conforme as faixas vão diminuindo, mais os participantes se consideram falantes de tu.

Esse comportamento pode indicar um processo de mudança em curso que, é claro,

precisa ser investigado mais a fundo, com pesquisas com base em dados de uso para

evidenciar de forma mais precisa.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos resultados obtidos e com base nas discussões levantadas acerca da

percepção/avaliação da variação pronominal de 2SG na posição de sujeito no dialeto

carioca, sintetizo alguns aspectos do tema, analisados e evidenciados ao longo da

presente dissertação.

Em relação ao pronome você, pude identificar que os participantes cariocas

julgam essa variante como adequada tanto para as relações simétricas quanto para as

assimétricas. Esse resultado corrobora com a visão de que o pronome você é a forma

não marcada no dialeto carioca, como apontado por diversos estudos com base em

dados de uso (LOPES et al. 2009, SOUZA, 2012; SANTOS, 2012), que indicam que tal

variante circula por diversos contextos sociointeracionais.

Além disso, o pronome você também apresentou uma avaliação relativamente

neutra por parte dos participantes do segundo experimento. Pode-se dizer que tal

variante foi considerada menos íntima e mais formal em relação aos áudios que traziam

o pronome tu, porém, não apresentou avaliação destoante para esses índices, tendo sido

considerada íntima, assim como as outras variantes, e neutra em relação à formalidade.

Um aspecto que chamou a atenção quanto a esse pronome, foi o fato de ter sido

associado a uma fala carioca com avaliação muito próxima aos áudios que continham

tu. O que pode ter resultado essa avaliação, sendo que a forma você faz parte de diversas

outras variedades do território brasileiro? Provavelmente o controle da variável tu-2SG,

que, por não ser natural aos falantes cariocas, concentrou as avaliações negativas para

esse índice, de forma que o foco dos participantes foi em associar tu-2SG a uma fala

pouco carioca enquanto as outras, inclusive você, que são utilizadas no Rio de Janeiro

foram consideradas muito cariocas.

Foi possível observar, ainda, de acordo com os resultados da presente

dissertação, que o pronome tu foi considerado mais adequado quando utilizado em

situações de relações simétricas e menos adequado nas relações assimétricas. Esse

resultado foi evidenciado também em pesquisas com base em dados de uso, que

apontam um favorecimento de tu em situações mais íntimas e mais informais entre os

falantes.

Além disso, um resultado inédito se deu no que tange a questão da concordância

envolvendo tal variante. Como mencionado anteriormente, o pronome tu aparece na fala

carioca atual sem a marca desinencial de 2SG (tu vai por aqui) e, por conta disso,

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trabalhos anteriores apontavam essa justificativa para as baixas frequências de tu

encontradas nas pesquisas. Com base nisso, eu pude dar início a uma investigação que

traz evidências preliminares sobre essa questão: os resultados da presente dissertação

indicam que, no âmbito da percepção, é a própria forma tu que carrega os julgamentos e

não a falta de concordância canônica associada ao pronome, uma vez que as frases de tu

sem a desinência verbal de 2SG receberam avaliações mais positivas do que as frases

em estrutura sem verbo.

Ainda sobre o pronome tu, o teste de avaliação indicou uma associação dessa

variante ao índice ‘carioca’, embora os áudios com você e com a variação você/tu

também tenham sido considerados muito cariocas, como discutido anteriormente. Outra

associação interessante foi a desse pronome à informalidade, o que ocorreu não só nas

escalas de diferenciais semânticos como também na pergunta metalinguística sobre o

uso de tu ao final do questionário. Aparentemente, pelo que foi observado na presente

dissertação, o uso de tu indexicaliza, principalmente, informalidade no dialeto carioca

atual, resultado observado em trabalhos de percepção anteriores (CARVALHO, 2017;

2018) e corroborado pelos dois experimentos apresentados nesta pesquisa.

Com base nos resultados obtidos na presente pesquisa, recupero os postulados

sobre as categorias quanto ao nível de consciência sobre a variação (indicadores,

marcadores e estereótipos). Considerando que o pronome você foi julgado como

adequado a todos os contextos sociointeracionais apresentados no experimento 1 e foi

avaliado de forma neutra pelos participantes do experimento 2, tal variante parece

apresentar um comportamento de indicador, ao menos para os participantes desta

pesquisa. Já a forma tu se comporta como um marcador, isto é, está sujeito à variação

estilística e tem a sua percepção/avaliação influenciada pelo tipo de interação entre os

indivíduos, sendo considerada mais adequada em situações de relação simétrica e

associada à informalidade pelos participantes.

Além disso, destaco o efeito das características sociais dos participantes na

avaliação das formas de 2SG. Como discutido no capítulo de pressupostos teóricos, a

sociolinguística laboviana postula que fatores sociais referentes aos falantes podem

determinar a dinâmica da variação linguística. Em geral, esses fatores sociais são pré-

determinados, nas pesquisas sociolinguísticas, e se resumem a idade, sexo, origem e

classe social dos falantes.

A crítica levantada por estudos da terceira onda da sociolinguística se coloca

justamente sobre a pré-determinação de macrocategorias sociais para a análise de

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fenômenos de variação linguística. Porém, será que essas macrocategorias não trazem,

também, esclarecimentos sobre os fenômenos linguísticos? Talvez a questão seja

reformular as macrocategorias e não abandonar as respostas que esse tipo de estudo

possam trazer. Categorias como sexo e origem, por exemplo, podem ser irrelevantes ou

menos relevantes nas sociedades ocidentais contemporâneas para o estudo de alguns

fenômenos, mas outras podem ser ainda pertinentes. O fato é que a análise das

macrocategorias não exclui a análise das microcategorias e vice-versa. Retomemos os

resultados da presente pesquisa quanto às características sociais dos participantes.

Os resultados do primeiro experimento indicaram que as características sociais

dos indivíduos que participaram da pesquisa não influenciaram no seu julgamento. Isto

é, o julgamento dos participantes para as forma de 2SG foi relativamente homogêneo.

Porém, cabe ressaltar que os participantes faziam parte de um grupo com características

semelhantes: estudantes de letras da UFRJ, majoritariamente mulheres, com idades

próximas e, em sua maioria, moradores das zonas Norte e Oeste.

Já os resultados do questionário renderam diferenças de acordo com os grupos

sociais dos quais os participantes fazem parte. Sendo assim, foi possível identificar

diferenças quanto ao sexo, a localidade e a faixa etária dos participantes. Nos dois

primeiros casos (sexo e localidade), as diferenças foram mais evidentes e

estatisticamente significantes quanto ao uso de tu no Rio de Janeiro; no que tange o uso

individual dos participantes, essas diferenças foram neutralizadas, apresentando

percentuais mais próximos que foram relevantes estatisticamente. Chamaram a atenção,

sobretudo, as diferenças de acordo com a faixa etária, principalmente quanto ao uso

individual dos participantes. Como mencionado na seção anterior, os participantes mais

velhos afirmaram não usar tu enquanto os mais jovens majoritariamente se

consideraram falantes de tu.

Por fim, é preciso destacar que o segundo experimento atingiu grupos mais

diversificados de indivíduos por se tratar de um teste que pôde ser enviado online. Essa

é uma das vantagens do questionário de avaliação que evidencia, ao mesmo tempo, uma

limitação do teste de julgamento de adequação sociolinguística: a necessidade de

aparatos eletrônicos, mais precisamente de computadores, e de software específicos que

exigem a presença do pesquisador para ser aplicado, o que reduz as possibilidades de

alcançar um público mais diversificado de participantes.

O desafio, a partir de agora, é conseguir ampliar essa amostra para identificar se,

com mais participantes, sobretudo de grupos mais heterogêneos, os julgamentos acerca

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dos pronomes tu e você se diferenciam ou se podemos dizer que o comportamento

observado no primeiro experimento representa de forma ampla a percepção dos falantes

cariocas sobre a variação pronominal de 2SG.

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ANEXOS

A. Diálogos das cenas experimentais (Experimento 1):

G1 ASSIMÉTRICAS COM VERBO

TU

Hotel

H1 – então tá... já que o checkin não abriu, podemos guardar as bolsas

aqui?

H2 – Sim, tu pode deixar as bolsas aqui.

Padaria

H1 – hum... não é nada... é que... eu só tô na dúvida sobre qual queijo

pedir.

H2 – Certo, tu pode experimentar se quiser.

Aeroporto

M1 – é necessário apresentar a o visto de entrada.

H1 – ahh... eu não sabia.

M1 – Mas tu precisa do visto.

1º dia trabalho

M1 – eu sou...

M2 – a nova colega?

M1 – sim, Diana Terzani.

M2 – Eu sou Micaela. Tu deve aguardar até as dez, o diretor está

em reunião.

VOCÊ

Loja

M1 – Eu até gostei do vestido, mas está um pouco caro.

M2 – Poxa, mas você pode parcelar em até dez vezes sem juros.

Se conhecendo

H1 – prazer, eu sou o Bruno, ele é o Walter.

H2 – Prazer

M1 – Prazer, Carla. Você vai adorar a cidade.

Restaurante

H1 – o seu pedido vai demorar um pouco.

H2 – ok. Você pode trazer as bebidas então.

Solicitando

documentos

M1 – é possível solicitar segunda via.

M2 – ok. Obrigada.

M1 – pra isso você deve trazer identidade, cpf e comprovante de

residência.

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G2 ASSIMÉTRICAS SEM VERBO

TU

Hotel

H1 – então tá... já que o checkin não abriu, podemos guardar as bolsas

aqui?

H2 – Sim, tu e ela podem deixar as bolsas.

Padaria

H1 – hum... não é nada... é que... eu só tô na dúvida sobre qual queijo

pedir.

H2 – Ah! Eu prefiro o cheddar, e tu?

Aeroporto

M1 – é necessário apresentar o visto de entrada.

H1 – Alguém pode trazer pra mim?

M1 – tem que ser tu mesmo.

1º dia trabalho

M1 – eu sou...

M2 – a nova colega?

M1 – sim, Diana Terzani.

M2 – Eu sou Micaela. Nem tu nem eu teremos trabalho hoje, o

diretor faltou.

VOCÊ

Loja

M1 – Eu até gostei do vestido, mas está um pouco caro.

M2 – Ah mas você ou ele podem parcelar em três vezes.

Se conhecendo

H1 – prazer, eu sou o Bruno, ele é o Walter.

H2 – Prazer

M1 – Prazer, Carla. Eu cheguei hoje de viagem, e você?

Restaurante

H1 – o seu pedido vai demorar um pouco.

H2 – ok. O chefe é lento como você pelo visto.

Solicitando

documentos

M1 – é possível solicitar segunda via.

M2 – ok. Obrigada.

M1 – pra isso você e o seu marido devem trazer algum documento

com foto.

G3 SIMÉTRICAS COM VERBO

TU

Amigas na

lanchonete

M1 – Não disse que a gente ia conseguir? Vamos comemorar!

M2 – Mas tu paga.

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Casal no

shopping

M1 – O que acha desse?

H1 – Achei o vestido bonito... pra ficar em casa.

M1 – ahhh...tu tá com ciúme.

Casal na rua

H1 – Amor, eu e a Paula fomos promovidos!

M1 – Que bom! Mas... agora tu vai trabalhar com ela.

Amigos no

trabalho

H1 – E aí?

H2 – Consegui a transferência pra Miami.

H1 – ah, que ótimo! Tu vai adorar a cidade.

VOCÊ

Amigas viajando

M1 – Oi, Carla. Como foi o passeio?

M2 – Ótimo! Na próxima você vai comigo.

Casal

caminhando

M1 – O filme é interessante, é sobre um pintor francês.

H1 – Legal. Você paga a entrada.

Casal celular

M1 – Olha, Roberto, eu não aguento mais isso. Toda vez viajar pro

mesmo lugar.

H1 – Aahhhh você fala muito.

Amigos saindo

H1 – Tô com fome. Vamos almoçar antes de ir pro trabalho.

H2 – Sim. Você escolhe o lugar.

G4 SIMÉTRICAS SEM VERBO

TU

Amigas na

lanchonete

M1 – Não falei que eu ia conseguir? Quem é a melhor?

M2 – Ahh tu mesma.

Casal no

shopping

M1 – O que acha desse?

H1 – Achei o vestido bonito... pra ficar em casa.

M1 – ahhh... mais bonito que tu, bobo.

Casal na rua

H1 – Amor, eu e a Paula fomos promovidos!

M1 – Que bom! Mas... tu e ela vão trabalhar juntos?

Amigos no

trabalho

H1 – E aí?

H2 – é que eu e o Carlos conseguimos a transferência.

H1 – ah, mas tu e o Carlos sempre foram os melhores, né.

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VOCÊ

Amigas

viajando

M1 – Oi, Carla. Como foi o passeio?

M2 – Ótimo! Você e o Caio perderam.

Casal

caminhando

M1 – O filme é interessante, é sobre um pintor russo.

H1 – Ai, você e os seus filmes.

Casal na

estação

M1 – Eu não aguento mais isso!

H1 – Ahhhh você hein.

Amigos saindo H1 – Tô com fome. Vamos almoçar antes de ir.

H2 – Sim. Eu gosto do Tacos, e você?

B. Diálogos das cenas distratoras (Experimento 1):

H1 – Boa tarde. Em que posso ajudar?

H2 – Procuro esse livro.

M1 – Licença, como eu chego nesse endereço?

H1 – Como?

M1 – Avenida Chilanas.

M1 – Aqui está o troco. E a nota fiscal para o caso de troca.

H1 – Ok. Obrigado.

H1 – Então, doutor, o que eu faço?

H2 – Toma esse remédio por um mês.

M1 – Eu vou querer o peixe e uma salada.

M2 – Mais alguma coisa?

M1 – Uma água mineral.

M1 – Qual vai ser o pedido?

H1 – Vou querer uma porção de aipim e um suco de uva.

H1 – Licença, onde tem um restaurante aqui perto?

H2 – Tá vendo aquela rua cujo segue reto?

M1 – Olá. Aceita um jornal?

H1 – Sim, o jornal no qual eu leio.

H1 – licença, onde fica a vila Rosa?

H2 – Vila Rosa? Talvez é alí, ó.

H1 – E tem algum hotel perto do centro?

M1 – Sim, tem o Atlântico. Aqui. Quer que eu mostro?

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H1 – E quem sabe explicar qual é a primeira lei de Newton?

M1 – É a lei da inércia, onde o corpo em repouso permanece em repouso.

H1 – Com licença, como eu faço para chegar no parque dos pássaros? O mapa no qual

eu comprei não é muito bom.

M1 – Vem ver as fotos das férias.

H1 – Ah tá.

M1 – Oi, sabe se o Matheus está melhor?

H1 – Sim, está melhor sim.

M1 – E agora, Val. Onde vamos?

M2 – Acho que o museu cívico é interessante, tem muitos quadros famosos.

M1 – Oi, Fred. Tudo bem?

H1 – Tô bem. Que tal uma pizza mais tarde?

M1 – Pronto. Vamos no meu carro ou no seu?

M2 – Que lindo! É o casamento do seu irmão, né?

M1 – Já disse que eu não gosto de batata.

H1 – Não acredito. Como pode?

H2 – É, todo mundo gosta de batata.

M1 – Micaela, o compromisso cujo falei é hoje.

M2 – Tá bom

M1 – Então vou lá.

M2 – Tchau

H1 – Ainda não paguei o Beto

H2 – É, nem eu.

H1 – Pode ser que eu pago hoje.

M1 – Não sei. Não lembro não.

M2 – Ô Jorge, quem é esse Paulo?

H1 – É aquele onde é meu vizinho.

M1 – Alguém deixou esse objeto aí.

H1 – Alguém cujo é doido, né?.

M1 – Acabou já? Ou não? Já falei, o meu ex no qual eu gostava muito é passado.

H1 – Tá.

H1 – Não sei. O que é isso aí?

M1 – Nada. È aquela revista onde eu peguei na banca.

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C. Escalas de diferenciais semânticos (Experimento 2):