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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
“O que você acha do uso de tu?”: a percepção da variação dos pronomes de 2SG
no dialeto carioca
Bruna Brasil Albuquerque de Carvalho
2019
“O QUE VOCÊ ACHA DO USO DE TU?”: A PERCEPÇÃO DA VARIAÇÃO
DOS PRONOMES DE 2SG NO DIALETO CARIOCA
Bruna Brasil Albuquerque de Carvalho
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras Vernáculas, Faculdade de
Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua
Portuguesa)
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Célia Regina dos Santos
Lopes
Rio de Janeiro
Julho de 2019
“O que você acha do uso de tu?”: a percepção da variação dos pronomes de 2SG no
dialeto carioca
Bruna Brasil Albuquerque de Carvalho Orientadora: Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Examinada por: _________________________________________________ Presidente, Profª. Doutora Célia Regina dos Santos Lopes _________________________________________________ Profª. Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ _________________________________________________ Prof. Doutor Thiago Laurentino de Oliveira – UFRJ _________________________________________________ Profª. Doutora Juliana Barbosa de Segadas Vianna – UFRRJ, Suplente _________________________________________________ Prof. Doutor Leonardo Lennertz Marcotulio – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro Julho de 2019
CARVALHO, Bruna Brasil Albuquerque de. “O que você acha do uso de tu?”: a percepção da variação dos pronomes de 2SG no dialeto carioca. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ. 2019
RESUMO
Neste trabalho, são analisadas as formas pronominais de segunda pessoa do singular
(2SG) em posição de sujeito. Pesquisas anteriores, com base em análise de corpora,
indicam que você, a partir do século XX, foi ampliando seu escopo de uso no português
brasileiro (PB), sendo atualmente a forma preferencial e não-marcada de referência à
2SG no Rio de Janeiro, ao lado do pronome tu, que se manteve, restrito a situações de
maior intimidade e informalidade. Embora tu tenha perdido espaço para você, estudos
sincrônicos apontam para um “retorno” dessa forma ao dialeto carioca nos últimos anos.
A partir do quadro atual em que se encontra a variação pronominal de 2SG, essa
pesquisa tem como objetivo principal observar como os falantes do PB, em especial os
falantes cariocas, percebem as formas tu e você e se a percepção sobre a forma tu está
atrelada à falta de concordância verbal canônica, que é o mais usual entre os falantes do
Rio de Janeiro. Além disso, pretendo observar quais significados sociais são
indexicalizados pelas formas de 2SG. Para tanto, foram construídos dois experimentos,
um julgamento de adequação sociolinguística e um questionário de avaliação subjetiva,
na tentativa de evidenciar diferentes aspectos da percepção sobre a variação de 2SG.
Como hipótese central, defendo que o pronome você é percebido pelos falantes cariocas
como adequado a diferentes contextos sociointeracionais, enquanto a percepção da
forma tu se diferencia de acordo com o tipo de relação estabelecida entre os falantes,
sendo considerado como mais adequado nas relações simétricas e menos adequado nas
assimétricas. Considero, ainda, que o pronome tu teria alguns significados sociais como
‘informalidade’, ‘intimidade’, ‘carioquice’ e ‘juventude’ enquanto a forma você é
avaliada de forma mais neutra no dialeto carioca. As explicações são ancoradas nos
postulados teóricos da Sociolinguística Laboviana (WEINREICH; LABOV; HERZOG,
1968; LABOV, 1972; 1994; 2001; 2008) e na Pragmática Sociocultural (BRAVO;
BRIZ, 2004). Os resultados obtidos confirmaram a primeira hipótese mencionada em
relação à percepção. Quanto à avaliação, os resultados indicaram que o pronome tu
indexicaliza informalidade e intimidade, enquanto os outros índices foram associados ao
uso variável de você~tu, mas não ao uso exclusivo do pronome tu.
CARVALHO, Bruna Brasil Albuquerque de. “O que você acha do uso de tu?”: a
percepção da variação dos pronomes de 2SG no dialeto carioca. Dissertação de
Mestrado. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ. 2019
ABSTRACT
In this work, second person singular (2SG) pronominal forms at subject position are
analysed. Corpora-based previous researches indicate that the form você 'you' from
the 20th century, widened its use scope in Brazilian Portuguese (BP). It is currently the
preferred and non marked form to 2SG reference at Rio de Janeiro, aside with
the tu 'you' pronoun, wich is maintained in higher intimacy and informality situations.
Although tu has lost its space to você, synchronic studies point to a "tu return" in
carioca dialect in the last years. From the current scenario of 2SG pronominal variation,
this research aims to observe how BP speakers, especially carioca speakers, perceive
the tu and você forms and to observe if the perception over tuform is intertwined to the
lack of canonical verbal agreement, which is the most usual amidst Rio de Janeiro
speakers. Besides that, I aim to note which social meanings are indexicalized by
the 2SG forms. For this purpose, two experiments were built, an acceptability
judgement and a subjective evaluation questionnaire. These were made on the try to
demonstrate different aspects on the perception over 2SG variation. As my central
hypothesis, I sustain that the você pronoun is perceived by carioca speakers as adequate
to different sociointeractional contexts, while the perception on tu form is different
according to the kind of relation established by the speakers, being considered more
adequate in symmetrical relations and less adequate in asymmetrical ones. I consider,
also, that the tu pronoun has some social meaning such as informality, intimacy,
carioquice 'carioca way of life' and youth, while você is evaluated as the more neuter
form in the carioca dialect. The explanations are based on the theoretical framework of
Labovian Sociolinguistics (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968; LABOV, 1972;
1994; 2001; 2008) and of Sociocultural Pragmatics (BRAVO; BRIZ, 2004). The
obtained results confirmed the first mentioned hypothesis, related to perception. On the
evaluation, the results indicate that the tu pronoun indexes informality and intimacy,
while the other indexes were associated to the variable use of você~tu, but not to the
exclusive use of tu.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço à minha mãe, Patrícia Brasil Albuquerque de
Carvalho e ao meu pai, Paulo Cesar de Carvalho. À minha mãe pela preocupação e
cuidado, principalmente nos momentos finais de escrita dessa dissertação e, ao longo
dos anos, por saber dosar obrigação e liberdade de forma que eu pudesse exercer as
minhas escolhas. Criar quatro filhos num mundo machista não deve ser fácil, mas acho
que podemos dizer que você desempenhou um ótimo papel. Ao meu pai pelo apoio de
todas as formas possíveis (moral, emocional, financeiro etc), por ter sido um excelente
conselheiro na minha jornada acadêmica e por ter colocado uma “pulga atrás da minha
orelha” para eu cursar Letras. Se não fosse por você, provavelmente eu não estaria aqui
hoje.
Agradeço aos meus irmãos, Aline, Clarissa e Daniel, e ao meu tio, João Otávio,
pelo apoio, pelas conversas, pelas risadas, por todos os momentos compartilhados e por
saber que nos momentos bons e ruins estaremos sempre juntos. Esse agradecimento se
estende também aos meus sobrinhos, Eduardo e Felipe, que vieram ao mundo para me
fazer mais feliz e querer sempre me tornar uma pessoa melhor.
Agradeço ao meu amor, Wallace Bezerra de Carvalho, por me ouvir, me dar
carinho, conforto e atenção. Por ser meu grande amigo e maior conselheiro, por saber a
melhor forma de cuidar de mim quando eu preciso, por estar sempre do meu lado. Pela
relação de cumplicidade que construímos até hoje, por compartilhar comigo os seus
conhecimentos, enfim, por TUDO.
Agradeço, também, à minha família estendida: à minha amiga-irmã, Julia
Rezende, por ser minha conselheira, por estar ao meu lado e torcer por mim durante
todos esses anos; à minha sogra, Ana Lucia, por ser a melhor sogra que eu poderia ter,
pela preocupação e pela torcida; à minha cunhada, Kim, por ser uma ótima ouvinte e
por ter me ajudado nos momentos de ansiedade.
Agradeço muito especialmente à minha orientadora, Célia Lopes, por me
acompanhar desde a iniciação científica, pela leitura minuciosa desta dissertação, pelos
comentários pertinentes, pela orientação cuidadosa e respeitosa, por ser extremamente
competente e eficiente sem perder a humanidade. Passar pelo mestrado não é tarefa
fácil, mas é mais agradável tendo você como orientadora. O mundo precisa de mais
pessoas e profissionais como você. Muito obrigada!
Agradeço especialmente também ao Thiago Laurentino, meu amigo e
conselheiro para assuntos acadêmicos e pessoais. Muito obrigada por todo conselho, por
todo ensinamento, por todo apoio e pela torcida de sempre. Obrigada por acreditar em
mim e por saber dizer as palavras certas pra me acalmar (ou me deixar menos nervosa,
rs). A sua dedicação com o trabalho e com as pessoas é inspiradora e admirável. Sou
extremamente grata a você. Agradeço também por aceitar o convite para fazer parte da
minha banca.
Agradeço às minhas irmãs-acadêmicas, Dailane e Thaissa, pelas conversas, pelo
apoio, pelas risadas, pelos almoços e momentos compartilhados no gabinete. Esses dois
anos foram melhores com a companhia de vocês!
Agradeço a todos os professores da Faculdade de Letras, que, nos diversos
cursos oferecidos, aprofundaram o meu senso crítico e contribuíram para a minha
formação acadêmica. Em especial, agradeço às professoras Silvia Vieira, Eliete, Beatriz
Christino, Marcia Machado e Daniele Kelly pelas contribuições na área da
Sociolinguística. Não podia deixar de agradecer ao excelente professor Fabio Pesaresi,
pelas aulas críticas, criativas e originais de italiano. E, principalmente, por ter sido meu
professor regente e ter me ajudado mais do que eu poderia imaginar. Grazie mille!
Agradeço a Christina Abreu, primeiramente por ter aceitado o convite para
participar da minha banca e, além disso, pelas aulas da graduação e pós-graduação, com
ensinamentos sobre fonologia e sociolinguística, que contribuíram para a minha
formação acadêmica. Aos professores Leonardo Marcotulio e Juliana Segadas agradeço
também por aceitarem o convite para participar da minha banca.
À professora Lívia Oushiro agradeço pelos cursos sobre a plataforma R, por
disponibilizar ferramentas online para auxiliar os interessados no manuseio da
plataforma e pelas dicas preciosas sobre questões estatísticas.
Agradeço ao Victor, ao Diogo, ao Yago e à Dailane por dedicarem horas do seu
tempo para colaborarem com a minha pesquisa gravando as dublagens do experimento.
Se não fosse por vocês, não haveria experimento. Muito obrigada.
Agradeço aos amigos que a Faculdade de Letras me deu. Ao Léo, pelas
conversas sobre o mestrado, sobre política, filmes e questões sociais, pelo bom humor e
por me ouvir, principalmente durante esses dois anos de mestrado. Ao Diogo, Victor,
Luiza (minha dupla), Débora, Isadora, Isabella, Gabi, Grazi, Franquini, Bia, Anna
Lyssa, Janaína e Elaine, obrigada por terem participado dessa minha jornada de alguma
forma durante esses oito anos de Faculdade de Letras.
Ao CNPq agradeço pelo auxílio financeiro de extrema importância para que este
trabalho fosse concluído com êxito.
Por fim, agradeço a todos os participantes dos experimentos. Obrigada por
dedicarem o seu tempo para colaborarem com a pesquisa. Sem vocês esta dissertação
não existiria.
“O linguista que entra no mundo só pode concluir que o ser humano é herdeiro
legítimo da estrutura incrivelmente complexa que nós agora estamos tentando analisar
e compreender.”
William Labov1
1 In: Padrões sociolingüísticos. Tradução de M. Bagno; M. M. P. Scherre; C. R. Cardoso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008 [1972], p.18
Dedico este trabalho aos professores e pesquisadores
das áreas de Ciências Humanas, que estudam,
trabalham, se atualizam e dedicam sua vida a estimular
o senso crítico. A nossa balbúrdia é fazer pensar!
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ..........................................................................................................15
2. REVISÃO DA LITERATURA ..................................................................................19
2.1. Tu x você (e vossa mercê): a origem dos pronomes no PB ................................19
2.2. Estudos diacrônicos ............................................................................................20
2.3. Estudos recentes: um olhar sobre os pronomes de 2SG no século XXI .............27
2.3.1. Pesquisas com dados sincrônicos ................................................................27
2.3.2. Os testes de percepção/avaliação ................................................................ 33
3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ................................................................................. 36
3.1. A Sociolinguística Laboviana .............................................................................36
3.1.1. Heterogeneidade ordenada ......................................................................... 37
3.1.2. Os mecanismos da mudança linguística ......................................................38
3.2. As três ondas da sociolinguística ...................................................................... 42
3.3. A Teoria do Poder e Solidariedade .................................................................... 47
3.4. A Pragmática Sociocultural ............................................................................... 48
4. METODOLOGIA ...................................................................................................... 52
4.1. A Linguística Experimental ................................................................................52
4.2. Métodos para análise de avaliação/percepção ................................................... 53
4.3. Experimento 1 .................................................................................................... 54
4.3.1. Variáveis independentes e condições experimentais ................................. 54
4.3.2. Materiais .................................................................................................... 56
4.3.3. Métodos ..................................................................................................... 58
4.3.5. Procedimentos ............................................................................................61
4.4. Experimento 2 .....................................................................................................62
5. RESULTADOS ..........................................................................................................65
5.1. Resultados do Experimento 1: julgamento de adequação sociolinguística ........65
5.1.1. Participantes do Experimento 1 ................................................................65
5.1.2. O julgamento dos participantes para as cenas dubladas ...........................67
5.1.3. Resultados do julgamento para os pronomes por ‘tipo de frase’:
investigando a questão da concordância .............................................................70
5.1.4. Resultados segundo o sexo e a localidade dos participantes: variáveis
estatisticamente não relevantes ...........................................................................72
5.1.5. Análise qualitativa das cenas com pronome tu .........................................74
5.1.6. Conclusões do experimento 1 ...................................................................82
5.2. Resultados do experimento 2 ..............................................................................83
5.2.1. Os participantes .........................................................................................83
5.2.2. Procedimento de análise ...........................................................................84
5.2.3. As avaliações subjetivas para as variantes de 2SG ..................................85
5.2.4. Impressões dos participantes sobre o uso de tu no Rio de Janeiro ...........91
5.2.5. Conclusões do experimento 2 .................................................................. 95
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................98
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................102
ANEXOS .........................................................................................................................106
A Diálogos das cenas experimentais (Experimento 1) .............................................106
B Diálogos das cenas distratoras (Experimento 1) ...................................................109
C Escalas de diferenciais semânticos (Experimento 2) ........................................... 111
15
1. INTRODUÇÃO
A variação na representação pronominal de segunda pessoa do singular
(doravante 2SG) na posição de sujeito tem sido, nos últimos anos, objeto de
investigação de diferentes pesquisadores que se debruçam sobre o tema tanto no âmbito
da sincronia quanto no da diacronia. Com base em dados de uso, estudos diacrônicos
apontam que, a partir da inserção do pronome você, o quadro pronominal do português
brasileiro (doravante, PB) se reorganiza, de modo que tal pronome (e suas formas
correspondentes) passa a concorrer com o pronome tu. (cf. LOPES, 2009; LOPES;
CAVALCANTE, 2011; MACHADO, 2011, entre outros).
Conforme já apontaram pesquisas anteriores, o pronome você tem origem na
forma de tratamento de cortesia de base nominal Vossa Mercê (RUMEU, 2008;
MARCOTULIO, 2012), que passa por processo de gramaticalização e se configura, a
partir do século XIX, como pronome pessoal de 2SG de referência direta ao
interlocutor. O pronome tu, desde a sua origem, é empregado em situações de menor
grau de formalidade e maior intimidade entre os interlocutores, restringindo-se a esses
contextos de fala mais espontânea; já o pronome você, que surge como forma de
cortesia e vai se generalizando no PB, atualmente é considerado como uma forma
neutra, que pode transitar entre contextos mais formais e mais informais a depender de
fatores sociopragmáticos (cf. LOPES et al, 2009; SCHERRE et al, 2015).
Para a posição de sujeito, Scherre et al. (2015), com base em diversos estudos
sociolinguísticos, postulam 6 subsistemas possíveis para a realização de 2SG no PB,
considerando, além dos pronomes, a concordância com o verbo. São eles: (1) você, (2)
tu (concordância baixa), (3) você/tu (sem concordância), (4) tu (concordância média),
(5) você/tu (concordância muito baixa) e (6) você/tu (concordância médio-baixa). A
maior parte das regiões brasileiras se caracteriza por haver variação entre tu e você na
posição de sujeito, como o Rio de Janeiro, foco da presente investigação, que faz parte
do subsistema (3), com possibilidade de preencher a posição de sujeito com pronome
você ou pronome tu sem concordância canônica, como observado no exemplo a seguir:
(1) Tu vai por aqui aí você vai atravessar essa rua. (SANTOS, 2012)
A variação tu ~ você, tanto na posição de sujeito quanto nas de complemento,
tem sido amplamente analisada por um viés calcado na análise do uso no Rio de Janeiro
16
(PAREDES SILVA, 2003; RUMEU, 2004; BARCIA, 2006; SOUZA, 2012; SANTOS,
2012). Tal interesse reflete a complexidade do objeto, condicionado por fatores
linguísticos, pragmáticos, históricos e sociais. Os trabalhos de Paredes Silva (2003) e
Santos (2012), por exemplo, apontam para um condicionamento de fatores como o sexo,
a idade e a escolaridade dos falantes em relação ao emprego desses pronomes, além de
fatores linguísticos.
Além disso, pesquisas diacrônicas (RUMEU, 2004; BARCIA, 2006; SOUZA,
2012) demonstram uma correlação entre o tipo de relação social e os usos de tu e você,
de forma que tu é associado a relações simétricas e mais íntimas enquanto você é
predominante em relações assimétricas e de menor proximidade entre os interlocutores.
Porém, pouco se sabe sobre a percepção/avaliação dessa variação pelos usuários
e sobre as considerações dos falantes em relação às formas variantes de 2SG. Dessa
forma, em consonância com os postulados da Sociolinguística (WEINREICH; LABOV;
HERZOG, 1968; LABOV, 1972) no que tange o problema da avaliação, o presente
trabalho tem como objetivo identificar se e de que maneira a percepção/avaliação de
falantes cariocas atua sobre a variação dos pronomes de 2SG: só tu, só você e você/tu.
Pretendo responder às questões: 1) existem diferenças de julgamento em relação
às formas variantes de 2SG? 2) o tipo de relação interfere na percepção dos falantes
cariocas sobre os pronomes de 2SG? 3) a falta de concordância canônica atua sobre a
percepção dos falantes cariocas sobre o pronome tu? 4) quais significados sociais estão
atrelados às formas pronominais de 2SG no Rio de Janeiro?; e 5) as características
sociais dos falantes atuam sobre o seu julgamento em relação às formas pronominais de
2SG?
Para lidar com a percepção/avaliação sobre o fenômeno em questão, recorri à
Linguística Experimental (DERWING; DE ALMEIDA, 2005; KENEDY, 2015) para
elaborar dois experimentos que cumprissem com os objetivos da pesquisa. O primeiro,
um julgamento de adequação sociolinguística, foi adaptado da técnica chamada
‘julgamento de aceitabilidade’, para comportar um fenômeno de caráter dialógico, de
forma que foram utilizadas cenas de interação entre, ao menos, dois personagens como
estímulo para o julgamento dos participantes. O segundo é um questionário de avaliação
com base na técnica matched-guise, inspirado no modelo proposto por Moyna e
Loureiro-Rodriguez (2017), em que os participantes deveriam associar a fala de
diferentes indivíduos contendo os pronomes de 2SG a índices sociais diversos
(muito/pouco carioca, íntimo/distante, formal/informal, jovem/velho, entre outros).
17
Considerando que tal fenômeno envolve a interação direta entre os falantes, e
com base em estudos anteriores que indicam uma associação entre o pronome tu e
situações de maior intimidade e informalidade, recorri à Teoria do Poder e da
Solidariedade (BROWN & GILMAN, 1960) e à Pragmática Sociocultural (BRIZ, 2004)
para analisar a influência do tipo de relação (simétrica ou assimétrica) sobre a percepção
de tu e você.
Por fim, considero os postulados da terceira onda da sociolinguística (ECKERT,
2012) para lidar com os significados sociais indexicalizados pelos pronomes tu e você.
Com base nesses pressupostos, pretendo identificar, principalmente, se os falantes do
Rio de Janeiro associam o uso de tu a uma fala mais carioca, mais informal e mais
íntima.
Com a finalidade de trazer reflexões, discutir sobre o tema e responder as
questões levantadas com base nas hipóteses propostas, esta dissertação se organiza em 5
capítulos, além da introdução, que serão descritos brevemente a seguir.
No capítulo 2, retomo trabalhos anteriores que trataram da variação de 2SG. A
parte inicial do capítulo traz uma reconstrução histórica do percurso dos pronomes de
2SG no PB e, principalmente, no dialeto carioca. Posteriormente, trago os estudos
sincrônicos sobre o tema e discuto sobre suas contribuições para o estudo do fenômeno.
Encerrando o capítulo, apresento as pesquisas recentes sobre a percepção das formas de
2SG no dialeto carioca.
Os pressupostos teóricos serão apresentados no capítulo 3, no qual comento
sobre as principais fundamentações que darão base ao trabalho, a Sociolinguística
Laboviana (WEINRICH; LABOV; HERZOG, 1968; LABOV 1972; 1994; 2001; 2008),
a Teoria do Poder e da Solidariedade (BROWN; GILMAN, 1960) e a Pragmática
Sociocultural (BRAVO; BRIZ, 2004). Nesse capítulo, também discuto sobre as novas
tendências da Sociolinguística e explico por que me posiciono com uma visão
parcialmente contrária a de Eckert (2012) quanto à divisão das três ondas da
Sociolinguística.
No capítulo 4, serão apresentados os pressupostos metodológicos utilizados para
elaboração dos testes que compõem a pesquisa. Também serão descritas as variáveis
dependentes e independentes e serão detalhadas as etapas de construção dos dois
experimentos.
No capítulo 5, analiso e proponho algumas discussões acerca dos resultados
obtidos para os dois experimentos. Com base nas hipóteses levantadas, defendo que o
18
que determina a avaliação do pronome tu é o tipo de relação estabelecida entre os
falantes. Além disso, considero que tal pronome está associado aos índices ‘intimidade’,
‘informalidade’ e ‘carioquice’, isto é, o pronome tu (sem a concordância canônica) é
considerado como uma marca de identidade local, sendo reconhecido pelos cariocas
como pertencimento à comunidade de fala. Em relação ao pronome você, por outro
lado, defendo que tal variante é avaliada de forma mais neutra pelos falantes cariocas
por ser amplamente utilizado nas diversas regiões do país e por ser forma não marcada
no dialeto carioca.
Para encerrar a dissertação, trago, no capítulo 6, as minhas conclusões acerca da
pesquisa e finalizo com as referências bibliográficas. Além disso, apresento as frases e
escalas que compuseram os experimentos em anexo.
19
2. REVISÃO DA LITERATURA
Na primeira parte da revisão da literatura, descrevo brevemente a origem dos
pronomes de 2SG no PB. Em seguida, discorro sobre os estudos diacrônicos acerca do
tema, que, com base em cartas pessoais, cartas de leitor e peças teatrais, apontam para o
comportamento das formas de 2SG do século XVIII ao XX. Posteriormente, comento
sobre os trabalhos com dados sincrônicos de entrevistas que lidam com a variação
pronominal de 2SG no final do século XX e início do XXI. Por fim, aponto os
resultados de trabalhos recentes de percepção e de avaliação sobre a variação dos
pronomes de 2SG no Rio de Janeiro.
2.1. Tu x você (e vossa mercê): a origem dos pronomes no PB
De acordo com estudos sociolinguísticos com base em dados orais (PAREDES
SILVA, 2003; LOPES, 2008; SANTOS, 2012; SCHERRE ET AL, 2015), no Rio de
Janeiro predomina um subsistema misto para a 2SG, de forma que é possível identificar
a variação entre as formas tu e você no dialeto carioca atual. Porém, os pronomes em
questão têm origens diferentes e se desenvolveram de formas distintas no PB. A forma
tu fazia parte do sistema pronominal do latim e sua trajetória até o advento do PB
sempre perpassou o plano da intimidade (BROWN; GILMAN, 1960). Já você, que se
desenvolveu da forma nominal Vossa Mercê, tem seu primeiro registro no ano de 1666
(FARACO, 2017 [1996]) e, a partir do século XVIII, inicia o seu processo de
gramaticalização (RUMEU, 2004).
Segundo Cintra (1972 apud MARCOTULIO, 2008), Vossa Mercê surgiu no
século XIV como forma de tratamento ao rei de Portugal, porém, ao longo do século
seguinte, perdeu sua função original passando a circular entre a nobreza e a burguesia.
Posteriormente, a forma sofreu desgastes semânticos e fonéticos produzindo, assim,
diversas variantes, dentre elas a forma abreviada você que perdura até os dias de hoje
como pronome de 2SG (RUMEU, 2013). Ainda segundo a autora, nos séculos XVIII e
XIX a forma você apresenta um caráter híbrido, i.e., é uma forma intermediária entre a
sua forma original (Vossa Mercê) e o pronome você, que atualmente faz parte do quadro
pronominal do PB.
Lopes (2008) aponta que, no século XIX, a forma você passa a concorrer de
maneira mais acirrada com o pronome tu nas relações solidárias mais íntimas. Além
20
disso, a autora menciona que tal estratégia não era negativamente marcada no Brasil e
passou a ocorrer em outros contextos, suplantando o pronome tu a partir da década de
30 do século XX.
Por outro lado, no final do século XX, Paredes Silva (2003) aponta para um
retorno da forma tu à fala carioca, que perdura, desde então - até os dias atuais - sem a
concordância canônica. Esses e outros estudos recentes sobre o tema têm indicado
fatores linguísticos e sociais relacionados aos pronomes tu e você na posição de sujeito
ao longo dos anos no PB.
Dessa forma, para os fins deste trabalho, abordo a seguir pesquisas voltadas para
o Rio de Janeiro a partir do século XVIII por considerar que elas possam sustentar
hipóteses e trazer esclarecimentos acerca da avaliação de falantes cariocas sobre as
formas de 2SG, uma vez que: 1) de acordo com o paradoxo diacrônico (LABOV, 1994),
a realidade linguística atual de uma comunidade/língua é influenciada por aspectos que
determinaram a mudança linguística no passado; 2) a avaliação de formas variantes
pode se refletir no uso e, dessa forma, determinar a dinâmica da variação.
2.2. Estudos diacrônicos
Com o objetivo de explanar o processo de gramaticalização de Vossa Mercê em
português, Rumeu (2004) investigou as formas de tratamento em cartas de circulação
pública (cartas oficiais) e de circulação privada (cartas não oficiais) escritas no Rio de
Janeiro entre os séculos XVIII e XIX. A autora analisou formas nominais (Vossa Mercê,
Vossa Excelência, Vossa Majestade, Senhor e Vossa Senhoria) e pronominais (tu, vós,
você) de tratamento e, a partir do levantamento de 551 dados na posição de sujeito, pôde
fazer algumas constatações gerais. Esse estudo demonstrou uma preferência da forma
nominal Vossa Mercê nas cartas oficiais do século XVIII, e da forma você nas cartas
não oficiais do mesmo período; já o pronome tu é pouco frequente no período nos dois
tipos de carta.
No século XIX, apenas a forma nominal aparece nas cartas oficiais e, ainda
assim, com baixa frequência, sendo o pronome vós o mais frequente nesse caso. As
cartas não oficiais no referido período demonstram um maior equilíbrio em relação às
formas analisadas, sendo Vossa Mercê a mais frequente, seguida pela forma você e pelo
pronome tu.
21
Além disso, a autora confrontou os tipos de relação presentes nas cartas com as
formas de tratamento e chegou a algumas conclusões: no século XVIII, Vossa Mercê
transita entre relações assimétricas descendentes – em que há relação de poder entre o
remetente o destinatário - e relações simétricas - entre membros de um mesmo grupo
social -, sendo mais frequente no segundo caso. O pronome você se manifesta quase
exclusivamente nas relações assimétricas descendentes enquanto o pronome tu aparece
majoritariamente nas relações simétricas. As relações assimétricas ascendentes não
favoreceram as formas em questão, sendo o pronome tu a única que se manifestou
nesses casos.
No século XIX, tanto Vossa Mercê quanto tu e você se manifestam apenas em
cartas de relações simétricas, mas cabe ressaltar que em tal século a autora dispunha
apenas de cartas do tipo de relação citado e de relações assimétricas ascendentes.
Com base nos resultados, a pesquisadora afirma que Vossa Mercê está em
estágio de dessemantização nos séculos XVIII e XIX “visto que assume maior
frequência de uso nas cartas não-oficiais, tipo de texto dotado de menor grau de
formalismo” (RUMEU, 2004, p. 92). Além disso, aponta para um caráter de
informalidade relacionado à forma tu, uma vez que tal pronome aparece em cartas não
oficiais nos séculos XVIII e XIX, porém, cabe destacar, que a forma você aparece
exclusivamente em cartas não oficiais, suscitando assim a seguinte questão: a forma
você estaria desde o século XVIII vinculada a situações de informalidade?
Para responder a essa questão, recupero os resultados de Lopes e Duarte (2007),
que restringiram sua análise a cartas não oficiais escritas no Rio de Janeiro, Minas,
Bahia e Paraná. As autoras levantaram dados de tu, você e Vossa Mercê – além de
Vossa Majestade, Vossa Excelência, Vossa Senhoria, pai e amigo, as quais as autoras
rotularam de ‘outras formas de tratamento’ - entre os séculos XVIII e XIX. Os
resultados gerais apresentados pelas autoras, com base em cartas mais informais do que
observado por Rumeu (2004), apontaram para um predomínio do pronome tu no Rio de
Janeiro, seguido pelas ‘outras formas de tratamento’, pelo pronome você e apenas um
dado de Vossa Mercê.
Além disso, a investigação das formas de tratamento de acordo com o tipo de
relação entre remetente e destinatário das cartas apontou para alguns resultados
interessantes. Nas relações assimétricas ascendentes, Lopes e Duarte (2007)
evidenciaram uso exclusivo de Vossa Mercê e outras formas nominais – com
predomínio da primeira - demonstrando distanciamento e cortesia; nas assimétricas
22
descendentes, por outro lado, um equilíbrio entre as formas tu e você com leve
predomínio da segunda, o que reitera o estudo de Rumeu (2004); já as relações
simétricas favoreceram um uso mais diversificado das estratégias, com maior
produtividade das formas nominais e do pronome tu, seguido por Vossa Mercê e baixos
índices de você.
Os dois trabalhos apontam para o uso de você como estratégia referente a
relações assimétricas descendentes enquanto o pronome tu aparece de forma mais
evidente nas cartas de relação simétrica. Isso indica que, de fato, o pronome tu, e não a
forma você, se vincula a situações de maior informalidade, não por aparecer em cartas
não oficiais, mas por ser a estratégia preferida nas relações simétricas, diferente do
pronome você, que se verifica mais abundantemente nas relações assimétricas.
Até agora, foram observados estudos diacrônicos sobre as formas de 2SG com
dados de cartas pessoais, o que desperta a questão: será que tais resultados semelhantes
nos dois estudos mencionados ocorreram por conta do gênero textual analisado? Para
solucionar essa questão, trago o estudo de Barcia (2006), que analisou as formas de 2SG
em cartas de leitores do Rio de Janeiro, de Minas e de São Paulo, datadas do século
XIX.
Nessa pesquisa, Barcia (2006) detectou formas nominais (Vossa Excelência,
Vossa Senhoria e Vossa Mercê e suas variantes) e pronominais (tu, vós e você) de
tratamento. Os resultados gerais apontaram para um maior uso de formas nominais de
tratamento e, dentre as formas pronominais, um predomínio de vós, além de frequência
baixa e aproximada de tu e você (as variantes de Vossa Mercê apresentaram a mesma
frequência em relação à forma gramaticalizada).
Ademais, a pesquisadora analisou os dados de acordo com o tipo de relação
presente nas cartas e evidenciou que nas relações transacionais e menos solidárias,
prevalecem as formas nominais e a forma Vossa Mercê, que é a única que aparece
também nas relações interpessoais, porém com índices muito baixos. À vista disso, a
autora aponta que tal forma ainda apresenta no século XIX “traços do seu
comportamento cerimonioso”. Por outro lado, nas relações interpessoais, prevalecem as
formas pronominais tu e você, ou seja, há um comportamento diferente do novo
pronome em processo de gramaticalização em relação à sua forma originária.
Partindo do século XIX para o século XX, observamos o trabalho de Rumeu
(2008), que lida com a variação tu~você em um estudo de painel de cartas pessoais
oitocentistas e novecentistas. Nesse trabalho, a autora levanta uma discussão sobre a
23
importância do sexo/gênero na implementação de você no quadro pronominal do PB.
Depois de tecer comentários sobre diferentes pesquisas que lidaram com a questão do
gênero no processo de mudança linguística, a autora afirma que:
é possível admitir que as performances lingüísticas de homens e mulheres são motivadas pelos papéis sociais que assumem numa dada realidade sócio-histórica. Entretanto, os resultados das pesquisas lingüísticas sobre fenômenos lingüísticos em variação e em processo de mudança comungam de um aspecto em comum: as mulheres mostram-se mais sensíveis ao prestígio social atribuído às formas linguísticas. (RUMEU, 2008, p. 95)
A pesquisadora, então, analisou os dados de tu e você de acordo com o gênero
do missivista e identificou que os homens foram favorecedores de tu enquanto as
mulheres preferiram as formas do paradigma de você. Além disso, a autora
correlacionou o gênero à faixa etária do missivista e identificou que o pronome tu foi
mais produtivo entre os homens de todas as faixas etárias. Por outro lado, as mulheres
mais velhas favoreceram o uso de tu, enquanto as mais jovens favoreceram o uso de
você. Ou seja, os homens apresentaram um comportamento conservador enquanto as
mulheres mais jovens demonstraram ser inovadoras, utilizando a forma invasora você.
Sobre esse comportamento diferenciado entre homens e mulheres, a autora aponta:
Como já discutido no item 4.4 desta tese, as mulheres estariam utilizando a forma invasora (Você) que é, por um lado, uma variante de prestígio utilizada pela elite de fins do século XIX e da primeira metade do século XX, mas que não é, por outro lado, uma estratégia estigmatizada na comunidade lingüística do PB. Nesse sentido, corroboram-se também os resultados de trabalhos lingüísticos voltados para a diacronia nos quais o gênero (sexo) dos informantes têm se mostrado relevante para a percepção do processo de implementação da mudança no sistema lingüístico. (RUMEU, 2008, p. 142)
Esses resultados indicam que foi comportamento das mulheres em relação à
forma inovadora você que impulsionou o processo de mudança linguística que resultou
numa maior frequência de uso de você ao longo do século XX.
Além disso, a autora identificou um predomínio do uso de tu na posição de
sujeito principalmente como sujeito pronominal nulo, ao passo que o pronome você,
menos expressivo nas cartas analisadas, se dividiu entre ocorrências de sujeito nulo e
pleno, com leve favorecimento do segundo. Porém, vale ressaltar que o pronome você
na posição de sujeito foi categórico entre os missivistas mais jovens (entre 14 e 30
anos). Quanto a esse resultado, a pesquisadora aponta para um “quadro de aparente
mudança linguística em progresso” (RUMEU, 2008, p. 152)
24
Um estudo que corrobora os resultados de Rumeu (2008), no que tange ao
processo de implementação de você no quadro pronominal do PB, é o de Souza (2012).
Tal estudo envereda pelo século XX com o intuito de verificar os caminhos de inserção
de você, já que no século XIX, como mostraram Rumeu (2004) e Lopes e Duarte
(2007), tal forma ocorria em vários tipos de relação ora variando com Vossa Mercê nas
relações assimétricas descendentes, ora variando com tu nas relações simétricas. Souza
(2012) restringe sua análise a cartas de remetentes que viviam no Rio de Janeiro,
embora nem todos tivessem nascido naquela cidade. O estudo apresenta um panorama
da distribuição das formas tu e você em 100 anos de produção escrita. A autora analisou
354 cartas escritas entre 1870 a 1970 por indivíduos ilustres e não ilustres estabelecidos
no Rio de Janeiro. Em relação aos resultados gerais, a autora identificou usos mais
frequentes de tu nas cartas do século XIX e de você no século XX; por outro lado, uma
apreciação mais refinada, organizando os dados por décadas, demonstrou um
predomínio de tu sobre você até 1900, momento em que as formas passam a concorrer
de forma mais equilibrada e permanecem assim, nesse período de transição, até 1930. A
partir desse momento, a forma você passa a ser majoritária, suplantando o pronome tu.
Além disso, a pesquisadora confrontou os dados com o tipo de relação ao longo
do tempo em três fases, de 1870 a 1890 (fase I), de 1900 a 1930 (fase II) e 1940 a 1970
(fase III). Dessa forma, a autora demonstrou que a diferença entre os pronomes está, na
sua amostra, mais relacionada ao período do que ao tipo de relação propriamente, de
forma que: na fase I, há um predomínio de tu nos dois tipos de relação identificados
(simétrica e assimétrica descendente); na fase II há um crescimento de você e um maior
equilíbrio entre as formas, com o pronome tu majoritário nas relações assimétricas
descendentes e ascendentes e uma leve preferência de você nas relações simétricas; na
fase III, porém, você é categórico nas relações simétricas e assimétricas ascendentes
(não houve cartas de relação assimétrica descendente no período). Com base nisso, a
autora aponta que, ao longo do tempo, o escopo de atuação do pronome você foi se
ampliando devido a, dentre outros fatores, sua dessemantização que permitiu sua maior
utilização em diversos contextos.
Por fim, a autora elaborou um continuum de intimidade a partir da relação
familiar estabelecida entre os correspondentes, considerando [- íntimos] a família não
nuclear (sobrinho→tio, freira→Madre, amigos, primos, tios→sobrinhos e avós→neto),
[± íntimos] a família nuclear (pais, filhos e irmãos) e [+ íntimos] os casais. Assim, a
pesquisadora constatou que você foi mais frequente nas relações menos íntimas, o
25
pronome tu mais frequente nas relações mais íntimas e, nas relações consideradas
intermediárias, houve um equilíbrio entre as formas com leve predomínio de você.
Outro estudo que retrata o uso dos pronomes de 2SG ao longo do tempo mas lida
com outro gênero textual e, portanto, pode trazer mais evidências a respeito do
comportamento das formas tu e você é o de Machado (2018), no qual a autora examinou
14 peças teatrais que retratam situações íntimas e/ou informais escritas no Rio de
Janeiro entre os séculos XIX e XX por autores fluminenses.
Esse estudo revelou um predomínio das formas pronominais sobre as nominais,
sendo tu mais frequente nas peças do século XIX em relação àquelas do início do século
XX e você nas obras a partir da década de 30 do mesmo século.
A autora verificou, ainda, que, nas relações simétricas solidárias, o pronome tu é
a forma preferencial do final do século XIX ao início do século XX. A partir da década
de 30 do século XX, a forma inovadora você suplanta o pronome original de 2SG, sendo
categórico na amostra analisada no referido período, resultado semelhante ao observado
por Souza (2012) nas cartas.
Por outro lado, nas relações simétricas não solidárias (interlocuções entre
indivíduos desconhecidos ou conhecidos não amigos, sem nenhum vínculo familiar) as
formas pronominais têm baixa frequência até o início do século XX, sendo a forma
nominal senhor a preferida. Porém, a partir de meados século XX, o pronome você
passa a concorrer de maneira mais equilibrada com a forma de base nominal e passa a
ser a mais frequente nas peças das últimas décadas do século.
Além disso, tu é apontado como forma preferencial no final do século XIX nas
relações assimétricas descendentes e passa a concorrer com você no início do século
XX. A partir da década de 30 do mesmo século, o pronome você passa a ser a forma
preferencial, chegando a ser categórico no final do século, coincidindo com o que foi
visto nas cartas (SOUZA, 2012).
Nas assimétricas ascendentes, senhor é a forma preferencial em praticamente
todos os períodos. Já a forma tu não se mostrou produtiva nesse tipo de relação,
apresentando apenas um dado no final do século XIX. O pronome você não suplanta a
forma nominal, mas passa a ser mais utilizado nas peças de meados do século XX e,
principalmente, no final do século.
Em síntese, os trabalhos sobre as formas de tratamento no Rio de Janeiro por um
viés diacrônico apontam que:
26
1) Vossa Mercê passa por um processo de dessemantização entre os séculos XVIII
e XIX, diminuindo a sua marca de cortesia de um período a outro até
desaparecer no século XX (RUMEU, 2004; BARCIA, 2006 LOPES; DUARTE,
2007);
2) A forma você inicia estágio de gramaticalização a partir do século XVIII.
Demonstrando um caráter híbrido, a forma carrega, durante os séculos XVIII e
XIX, tanto marcas da sua forma original quanto traços inovadores. Além disso,
já em processo mais avançado de gramaticalização, você demonstra um aumento
de frequência no século XX, impulsionado principalmente pelas mulheres,
passando a concorrer de forma mais acirrada com o pronome tu, até suplantá-lo
a partir da década de 1930 chegando a ser categórico em algumas amostras a
partir da metade do século (RUMEU, 2004; 2008; SOUZA, 2012; MACHADO,
2018)
3) Sobre o pronome tu, os estudos demonstraram, em todas as fases analisadas,
uma relação entre tal forma e contextos menos formais e mais íntimos, além de
uma perda de espaço para o pronome você a partir do século XX. (RUMEU,
2004; LOPES E DUARTE, 2007; BARCIA, 2006; SOUZA, 2012; MACHADO,
2018).
Como se vê, a forma você foi paulatinamente invadindo os espaços típicos do
pronome tu ao longo do século XIX e XX. Nos materiais diacrônicos, sejam nas cartas
ou nas peças teatrais produzidas no Rio de Janeiro, nota-se o desuso acentuado de tu em
favor da nova forma gramaticalizada você ao longo dos últimos dois séculos,
principalmente mas não de forma exclusiva, nos contextos de maior informalidade.
Com base nessa produção escrita, tem-se a impressão de um total desaparecimento de tu
em favor de você, uma vez que alguns estudos mostraram índices próximos a 100% da
estratégia inovadora nesses materiais. Na fala atual, entretanto, o Rio de Janeiro não
descartou completamente o emprego de tu, como ocorreu em outras localidades
brasileiras: os dois pronomes ainda são utilizados como formas variantes. Por essa
razão, serão apresentados na próxima seção os trabalhos que analisam o fenômeno em
corpora sincrônicos para que se tenha um quadro mais claro do comportamento atual
das formas variantes.
27
2.3. Estudos recentes: um olhar sobre os pronomes de 2SG no século XXI
2.3.1. Pesquisas com dados sincrônicos
Os estudos sobre o tratamento com base em materiais orais não são tão
numerosos dada a dificuldade de captar os dados de formas interlocutivas em
entrevistas sociolinguísticas tradicionais em que há um entrevistador e um entrevistado.
Será mencionado inicialmente um trabalho feito a partir de roteiros de cinema para, na
sequência, serem apresentados resultados de pesquisa com dados orais de fato.
Lopes (2008) analisou 2 roteiros de cinema do século XXI que retratam
diferentes realidades da vida carioca: Amores Possíveis (HALM, 2001 apud LOPES,
2008) e Cidade de Deus (MANTOVANI, 2003 apud LOPES, 2008). O primeiro é uma
comédia romântica que expõe, além da relação entre casais, a relação entre pais e
amigos de classe média alta. Cidade de Deus, por outro lado, retrata a realidade de uma
das favelas mais violentas do Rio de Janeiro, a Cidade de Deus, e apresenta relações
diversificadas: entre amigos, familiares, entre traficantes e também em ambiente
profissional.
A análise dos resultados demonstrou grandes diferenças entre os roteiros no que
tange ao uso de você e tu na posição de sujeito. Em Amores Possíveis, a presença de
você foi categórica enquanto no roteiro de Cidade de Deus houve um equilíbrio entre os
pronomes de 2SG, com leve predomínio de tu. Sobre esse resultado, a autora afirma:
as amostras são bem marcadas como estereótipos sociais que, aparentemente, contrapõem a supremacia do você, neutralizado como tratamento íntimo na classe média alta, ao lado do tu sem marca desinencial, que prevalece na fala popular. (LOPES, 2008, p.11)
Como são roteiros de cinema, trazem a impressão do autor sobre os usos de cada
grupo e, como apontado pela autora, apresentam uma visão estereotipada. Talvez por
isso o pronome tu não tenha aparecido na fala de personagens representantes da classe
média alta, mas sim na fala de personagens de classes populares. Será que no início dos
anos 2000 os membros de classes mais abastadas usavam apenas você? E será que os
membros de classes populares, de fato, usavam mais o pronome tu do que você? Para
responder a essas perguntas, busco, no trabalho de Paredes Silva (2003), dados de fala
em que a autora confrontou os usos dos pronomes de 2SG entre falantes de diferentes
classes sociais.
28
Paredes Silva (2003) apresenta um “retorno” do pronome tu à fala carioca a
partir da segunda metade do século XX. A autora aponta, com base em estudo
diacrônico (PAREDES SILVA, 2000), que o pronome tu foi sendo substituído por você
a partir da década de 20 do século XX, porém nas últimas décadas do mesmo século há
um movimento de retorno do tu, mas agora combinado com verbos de terceira pessoa
do singular.
Para analisar a variação tu~você na fala carioca, a pesquisadora buscou, num
primeiro momento, dados de entrevistas sociolinguísticas do PEUL/UFRJ (Amostra
Censo-PEUL), porém observou uma baixa frequência de formas de 2SG, sobretudo do
pronome tu. A autora, então, apontou duas explicações possíveis: 1) de fato, na década
de 80 o tu não estaria muito difundido no Rio de Janeiro; 2) o gênero discursivo estaria
influenciando o resultado, uma vez que a entrevista sociolinguística não visa à
interação.
Considerando a segunda explicação, a pesquisadora buscou outro corpus,
também do PEUL (Amostra BDI-PEUL), mas constituído de situações mais naturais de
comunicação, como conversas no alojamento de estudantes, na sala de professores, na
praia etc. Porém, também nesse caso não houve muitos dados de tu, o que pode ter sido
influenciado pela autorização prévia dos informantes, de forma que eles sabiam que
estavam sendo gravados e podem ter ficado inibidos de usar formas não padrão.
Dessa forma, a pesquisadora partiu para a elaboração de um novo corpus
(Paredes96), o qual também foi constituído de conversas em situações espontâneas de
fala, mas dessa vez as gravações foram ocultas e, só depois de gravadas, as pessoas
tomavam conhecimento e autorizavam, ou não, a sua participação na pesquisa.
Ao todo, foram aproveitadas 8 gravações de cerca 20 minutos cada, totalizando
12 informantes entre 10 e 38 anos. A autora apresenta os resultados das três amostras
mencionadas, além de uma amostra que foi realizada 20 anos depois (corpus Tendência)
e nos mesmos moldes da amostra Censo-PEUL, com o intuito de fazer uma análise de
mudança em tempo real.
Os resultados gerais apontaram para um predomínio de tu sobre você na amostra
Paredes96, enquanto nas amostras anteriores (Censo-PEUL e BDI-PEUL) o pronome tu
apresentou índices irrisórios. No artigo, a pesquisadora sustenta a hipótese para o
retorno do tu à fala carioca pelo fato de o pronome você ter sofrido um desgaste fonético
sendo reduzido, inclusive, ao clítico ‘cê’ em alguns contextos. Por conta disso, o falante
recuperaria a expressão mais forte, no caso o monossilábico tônico, tu. Porém, em
29
algumas localidades brasileiras, como Belo Horizonte, em Minas Gerais, e Goiás, por
exemplo, não se usa tu e o pronome você também sofreu desgaste fonético (SCHERRE
ET AL, 2015). Se a questão do “retorno” do tu é o desgaste fonético de você, por que
nessas localidades os falantes não recuperam o tu?
A autora investigou, também, a influência do ato de fala na variação tu~você e,
de fato, esse foi um dos fatores que se mostrou relevante, no entanto, a autora aponta:
“optamos por focalizar nesse artigo apenas as variáveis sociais selecionadas, para tornar
mais presente a discussão do processo de mudança que parece estar em curso.”
(PAREDES SILVA, 2003, p.165).
O fator apontado pelo programa VARBRUL como mais relevante para a
variação tu~você foi o sexo dos informantes, de forma que os homens foram
favorecedores do pronome tu tanto no corpus Paredes96 quanto no corpus Censo e no
Tendência, resultado observado também em estudos diacrônicos (RUMEU, 2008).
Outro fator relevante foi a idade dos informantes, de forma que as crianças e
jovens entre 7 e 25 anos foram os favorecedores de tu no corpus Censo. Já no corpus
Tendência, os jovens entre 15 e 25 anos foram aqueles que favoreceram tal forma. E,
por fim, o pronome tu foi favorecido no corpus Paredes96 pelos jovens entre 20 e 29
anos.
O trabalho de Paredes Silva (2003) aponta para explicações bastante
interessantes e pertinentes sobre a variação dos pronomes de 2SG, sobretudo a forma tu,
na fala carioca. Porém, é importante frisar que os trabalhos diacrônicos que lidavam
com o tema até o final do século XX e que apontam para um uso categórico de você se
baseavam em dados escritos, como cartas de informantes ilustres e/ou de classes mais
abastadas e peças teatrais. Num segundo momento, quando houve o interesse de estudar
a variação tu~você em dados orais, os corpora utilizados para tal fim eram de
entrevistas sociolinguísticas - que, segundo a autora, não favorecem o uso de formas de
2SG e menos ainda de tu - e de conversas em ambientes universitários.
Considerando que o tu é uma forma íntima, vinculada a situações mais informais
de comunicação e que tem sua frequência relacionada a menores níveis de escolarização
(SANTOS, 2012), será que houve um retorno da forma tu à fala carioca no final do
século XX? Ou será que esse pronome nunca saiu do Rio de Janeiro, apenas se
concentrou, na década de 80, de forma mais abundante nas áreas mais periféricas da
cidade e/ou entre os falantes de classes sociais menos abastadas?
30
Para captar a variação das formas de 2SG no Rio de Janeiro, Santos (2012)
elaborou um método alternativo de coleta de dados, uma vez que, segundo a autora,
com base em Paredes Silva (2003), o método convencional de entrevista
sociolinguística não favorece o uso de formas de 2SG por não ser um gênero dialógico.
Dessa forma, a autora realizou gravações ocultas de conversas com transeuntes,
vendedores ambulantes, bancários e vendedores de lojas de departamento em que a
pesquisadora solicitava alguma informação esperando que o informante utilizasse
formas de 2SG na resposta.
Outra questão apontada pela pesquisadora foi a dificuldade em controlar fatores
sociais em uma pesquisa anônima, já que não era possível perguntar aos informantes
sobre seus dados pessoais. A solução encontrada pela autora foi a de controlar tais
fatores de forma indireta, como realizado por Labov (2008 [1972]), selecionando os
informantes com base na sua profissão.
Dessa forma, a pesquisadora se baseou no estudo de Labov (2008 [1972]), em
que o autor fazia perguntas a vendedoras de diferentes lojas de Nova York com o
objetivo de analisar a pronúncia do ‘r’ na cidade. Com base nesse estudo, Santos (2012)
abordou indivíduos de acordo com o perfil profissional, no Centro da Cidade, além de
transeuntes nos bairros da Tijuca e de Campo Grande e fazia perguntas do tipo “como
eu faço para x”, que propiciam o uso de formas de 2SG. Dessa forma, a autora
considerou o gênero da interpelação como pergunta-resposta e o tema como pedido de
informação.
O corpus foi organizado em 5 amostras. A primeira, Amostra Perfil Profissional,
constituída em 2006, contou com gerentes, vendedores e ambulantes em seus ambientes
de trabalho, totalizando 18 informantes entre 20 e 65 anos de idade aproximadamente.
A Amostra Almirante Barroso foi constituída, também em 2006, porque os ambulantes
da amostra anterior atendiam a um grupo mais heterogêneo de pessoas e, segundo a
autora, isso favorecia um comportamento linguístico mais neutro (favorecimento de
você). Entre os ambulantes da Almirante Barroso, grupo menos heterogêneo, a
pesquisadora entrevistou 4 homens, dois jovens e dois idosos, e uma mulher adulta.
Amostra ‘Advogados’ foi feita no ano de 2008, com a intenção de verificar se o
fenômeno também era produtivo na fala de informantes com ensino superior. Foram
coletados dados de 10 advogados entre 20 e 65 anos.
Na Amostra Zona Norte, realizada em 2009, no bairro da Tijuca a pesquisadora
coletou os dados dos participantes, de forma que foi possível identificar fatores sociais
31
relacionados a eles. Ao todos, participaram da amostra 7 informantes entre 17 e 65 anos
e dois níveis de escolaridade.
Por fim, na Amostra Zona Oeste, também realizada em 2009, no bairro de
Campo Grande, foram entrevistados 13 pessoas, sendo 8 com ensino médio, 4 com
ensino fundamental e uma mulher com ensino superior.
A pesquisadora controlou, além dos pronomes tu e você na posição de sujeito, o
pronome-sujeito nulo isoladamente porque na variedade carioca não é possível associar
o verbo com desinência zero a um pronome ou a outro, uma vez que tanto você quanto
tu aparecem junto a verbos com desinência zero.
Os dados gerais, obtidos a partir de 49 gravações de fala espontânea apontaram
para: preferência de você (49%) e altos índices de nulo (39%) e índices não tão altos de
tu (12%). O grupo que favoreceu o uso de tu foi o de ambulantes da Almirante Barroso
(21%), seguido pelos informantes de Campo Grande (20%).
Em relação à escolaridade, o uso de tu foi associado a menor escolaridade, uma
vez que apresentou uma queda de frequência entre os informantes de nível
fundamental/médio em relação aos de nível superior. Ainda assim, a autora destaca que
mesmo com percentuais mais baixos, o tu foi identificado no grupo mais escolarizado e
com uma diferença não tão grande (4%). Isso indica que tal pronome também faz parte
do vernáculo desses falantes, mesmo que a escola condene o uso de tu sem a
concordância canônica e que a mídia, de forma geral, associe o uso de tu a personagens
característicos de classes sociais mais baixas e/ou com menor poder aquisitivo muitas
vezes de forma estereotipada. O contrário aconteceu com você, de forma que os
percentuais aumentavam de acordo com o nível de escolaridade do informante.
A pesquisadora utilizou o programa estatístico Goldvarb 2001 para identificar os
grupos de fatores relevantes para aplicação da regra variável. Foram realizadas três
rodadas (você x tu / tu x nulo / você x nulo). No confronto entre tu e as demais
estratégias (tu x você, tu x nulo) os fatores sociais foram selecionados, ao passo que na
rodada entre você e nulo o programa selecionou apenas fatores linguísticos (paralelismo
formal e modalidade verbal), o que, segundo a autora, “sinaliza o estigma social que
ainda envolve o uso da variante (Tu + verbo sem marca de concordância)” (SANTOS,
2012, p. 98). Como no presente trabalho visei a analisar apenas os pronomes tu e você,
me aterei aos resultados referentes a tais formas.
Na rodada você x tu, o programa selecionou os seguintes grupos de fatores como
relevantes:
32
1) Paralelismo formal
O tu era favorecido quando antecedido por tu e desfavorecido quando antecedido
por você. Segundo a autora, esse resultado confirma a hipótese de Omena (1986, 1993,
2003 apud SANTOS, 2012) e Lopes (1993 apud SANTOS, 2012) “de que o falante
tende a repetir uma mesma forma linguística numa sequência discursiva” (SANTOS,
2012, p. 100).
2) Modalidade verbal
As expressões de modalidade que desfavoreceram o uso de tu foram
possibilidade e prescrição/conselho. A explicação fornecida pela autora é de que, em
tais contextos, os falantes utilizam a indeterminação do sujeito como estratégia
mitigadora para os atos de fala e que o pronome tu tem valor semântico-pragmático
mais ‘diretivo e invasivo’, de forma que não condiz com estratégias mitigadoras.
Por outro lado, a ordem e a certeza foram modalidades que favoreceram o uso de
tu. Sobre a ordem, a pesquisadora apontou:
com relação à expressão da modalidade verbal ordem cabe destacar que, consoante Scherre et al. (2009), as formas de imperativo associadas ao indicativo são percebidas como estratégias menos ‘autoritárias’ de fazer pedido. (SANTOS, 2012, p. 104)
E, em relação à certeza que
de certa forma, poder-se-ia especular que a modalidade verbal certeza funciona, na verdade, como um fator que favorece a manutenção da face positiva do próprio falante, o que gera certa ‘camaradagem’ entre os atores da cena enunciativa” (SANTOS, 2012, p. 104).
Em relação ao bairro, os resultados apontaram para um alto favorecimento de tu
em Campo Grande e desfavorecimento de tu na Tijuca. O Centro, por ser uma área
muito heterogênea, que abriga pessoas de diferentes localidades da cidade, não foi
considerado na análise. A autora se baseou em dados do IBGE para apontar as
diferenças entre a Tijuca e Campo Grande. A Tijuca é apontada como uma região
próxima ao centro, de moradores de classe média e baixa que apresentam altos índices
de escolaridade (semelhantes aos moradores da Zona Sul), enquanto Campo Grande é o
oposto disso: uma periferia distante do centro, habitada por moradores de classes mais
33
baixas e com baixa escolaridade. Porém, a pesquisadora faz a seguinte observação sobre
os dados relativos aos bairros:
Cabe destacar, porém, que, na amostra Zona Oeste, há muitos falantes com nível fundamental, ao passo que, na amostra Zona Norte, só há falantes com ensino superior e médio. É possível que os dados dos falantes com ensino fundamental tenham determinado tal resultado. (SANTOS, 2012, p. 110)
Em relação à última variável selecionada, sexo/gênero, os resultados
demonstram favorecimento de tu na fala de homens (15,1%) e desfavorecimento na fala
de mulheres (9,1%). Esse resultado, encontrado também no trabalho de Paredes Silva
(2003) e discutido no estudo diacrônico de Rumeu (2008), evidencia que, embora as
dinâmicas relacionadas ao gênero tenham se modificado em sociedades modernas, ainda
hoje há resquícios dessas relações calcadas nas diferenças dos papéis sociais
estabelecidos entre homens e mulheres, que se refletem nos usos linguísticos. Será que
no âmbito da percepção/avaliação essas diferenças relacionadas ao gênero também se
mostram relevantes? Essa é uma das questões que pretendo responder com os
experimentos elaborados na presente pesquisa.
Por fim, uma questão a ser considerada com base nos resultados obtidos por
Santos (2012) é: o que ocasionou as baixas frequências de tu? Será que esses índices
refletem a realidade linguística da variedade carioca quanto à variação de 2SG?
Possivelmente os baixos índices ocorreram por conta da metodologia utilizada para a
coleta de dados. Considerando que o pronome tu é favorecido em situações de mais
intimidade e informalidade entre os falantes, é possível que os informantes, mesmo que
usuários de tu, não tenham se sentido à vontade diante de uma pessoa desconhecida e,
por isso, tenham preferido estratégias neutras, como você e o sujeito nulo.
Os estudos apresentados até aqui estão centrados no uso das formas pronominais
de 2SG, mas há aspectos importantes relacionados à avaliação desses pronomes que
podem determinar o avanço ou recuo das formas variantes. Dessa forma, apresento a
seguir dois estudos recentes que lidam com a percepção/avaliação sobre a variação dos
pronomes de 2SG no Rio de Janeiro.
34
2.3.2. Os testes de percepção/avaliação
Em trabalho anterior (LOPES; OLIVEIRA; CARVALHO, 2016), buscamos
identificar a percepção de falantes do Rio de Janeiro sobre as formas variantes de 2SG
na posição de sujeito. Para tanto, elaboramos um teste de julgamento de adequação
sociolinguística (cf. DERWING; DE ALMEIDA, 2005; SCHÜTZE & SPROUSE,
2013; KENEDY, 2015), no qual os pronomes tu e você apareciam como parte do
diálogo de cenas de filmes e seriados que representavam situações dialógicas
diversificadas.
Nesse experimento, os estímulos contendo os pronomes assim como os
distratores eram parte da legenda das cenas, que apareciam destacadas na cor vermelha
e eram sempre as últimas frases do diálogo (as frases anteriores, na cor amarela, serviam
para contextualizar). Os participantes, então, deveriam assistir às cenas e dar uma nota
de 1 a 5 considerando a naturalidade e adequação das legendas em relação à situação em
que apareciam. As variáveis independentes controladas foram os pronomes tu e você e o
tipo de relação empregada na cena (simétrica ou assimétrica).
Dessa forma, com base no julgamento de 15 participantes (8 mulheres e 7
homens), constatamos que o pronome você foi julgado positivamente, recebendo
majoritariamente a nota 5 e raras vezes as notas 1 e 2 pelos participantes,
independentemente do tipo de relação em que se inseria. O pronome tu, por outro lado,
foi julgado de forma mais neutra pelos participantes, que atribuíram majoritariamente a
nota intermediária da escala (nota 3) às cenas que continham tal pronome nos dois tipos
de relação.
Considerando que esse resultado pudesse ter sido influenciado pelo meio de
realização do diálogo (legenda), elaborei um novo experimento (CARVALHO, 2017),
contendo as mesmas cenas, porém com dublagens em vez de legendas.
O novo experimento contou com a participação de 30 sujeitos (18 mulheres e 12
homens) e novamente o pronome você foi julgado positivamente pelos participantes
tanto nas relações simétricas quanto nas assimétricas. Quanto ao pronome tu, os
resultados se mostraram diferentes do primeiro experimento: os participantes avaliaram
positivamente tal pronome de maneira geral, porém, identifiquei diferenças de
julgamento quanto ao tipo de relação, de forma que houve um equilíbrio maior na
distribuição das notas das cenas de relação assimétrica e, por outro lado, nas cenas de
relações simétricas, as notas se concentraram no ponto mais alto da escala (nota 5) e
35
raramente foram atribuídas as notas 1 e 2 para essas cenas. Ou seja, o pronome tu, no
experimento com dublagens, foi avaliado mais positivamente nas relações simétricas do
que nas relações assimétricas.
Por fim, destaco os resultados obtidos a partir de um questionário piloto de
avaliação subjetiva. Com esse trabalho (CARVALHO, 2018), objetivei identificar os
significados sociais atrelados às formas variantes tu e você no dialeto carioca. Para isso,
selecionei e extraí, dos corpora organizados por Santos (2012), frases que continham os
pronomes de 2SG e elaborei um questionário com escalas contendo índices sociais
denominados: ‘inteligência’, ‘escolaridade’, ‘morador de bairro rico / pobre’,
‘masculinidade’, ‘(in)formalidade’ e ‘carioquice’.
Ao iniciar o teste, o participante ouvia o estímulo e escolhia, de acordo com uma escala de 7 níveis, os índices que se aproximavam mais das frases com as formas tu e você. Dessa forma, observei que o pronome você, como esperado, não foi atrelado a nenhum dos índices controlados e, por outro lado, a forma tu foi associada aos índices ‘informalidade’ e ‘carioquice’, ou seja, os falantes, ao usarem tu, foram considerados mais informais e mais cariocas em relação aos falantes que usaram você.
Esses resultados dialogam com trabalhos anteriores, com base em dados de uso
(PAREDES SILVA, 2003; RUMEU, 2004; BARCIA, 2006; LOPES; DUARTE, 2007;
SANTOS, 2012), que apontam o pronome tu como mais produtivo em situações mais
informais de comunicação. Além disso, a associação entre o índice ‘carioquice’ e o
pronome tu (sem a concordância canônica) parece demonstrar que tal pronome carrega
um caráter de identidade e pertencimento entre os falantes cariocas.
Tanto o questionário de avaliação subjetiva quanto o modelo dos testes de
julgamento de adequação sociolinguística, pensado e desenvolvido para dar conta do
julgamento das formas de 2SG, serviram de base para a elaboração dos testes
apresentados no presente trabalho, que serão detalhados na seção de metodologia.
36
3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Neste capítulo, apresento os fundamentos teóricos que embasam o presente
estudo. Na seção 3.1., discorro sobre os pressupostos da Sociolinguística Laboviana
(WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968]; LABOV, 1972; 1994; 2001; 2008)
que servirão de base para fundamentar a pesquisa; em 3.2., discuto sobre a divisão dos
estudos sociolinguísticos apresentada em Eckert (2012) denominada de “as três ondas
da sociolinguística”. Por fim, nas duas últimas seções, discuto como a Teoria do Poder e
da Solidariedade (BROWN; GILMAN, 1960) e a Pragmática Sociocultural (BRAVO;
BRIZ, 2004) contribuem para o entendimento do fenômeno, trazendo uma perspectiva
voltada para a interação entre os indivíduos.
3.1. A Sociolinguística Laboviana
A Sociolinguística Laboviana (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968];
LABOV, 1972; 1994; 2001; 2008) surge, na década de 1960, como uma teoria que
propõe estudar a variação e mudança linguística com base em dados empíricos. Para
tanto correlaciona aspectos linguísticos e sociais, pois considera que não se pode isolar
a língua do meio social.
Em oposição ao Gerativismo e ao Estruturalismo, defende que: 1) a língua está
em constante processo de variação e mudança, sendo fruto da interação social entre os
indivíduos; 2) a variação linguística não é aleatória, mas governada por um conjunto de
regras: é possível determinar os fatores estruturais (linguísticos) e sociais
(extralinguísticos) que condicionam a variação; 3) sincronia e diacronia não devem ser
consideradas de forma dicotômica porque uma é parte do processo da outra; dito de
outro modo, variação e mudança estão interligadas de forma que “nem tudo que varia
sofre mudança: toda mudança linguística, no entanto, pressupõe variação” (TARALLO,
1999, p. 63).
Partindo dessa perspectiva dinâmica, postula-se que a língua continua
estruturada enquanto as mudanças vão ocorrendo. Como então os falantes continuariam
se comunicando durante a difusão de uma mudança? As línguas perderiam seu caráter
sistêmico? Os autores defendem que distintas etapas de difusão de uma mudança se
originam e se desenvolvem em situações de heterogeneidade linguística.
37
3.1.1. Heterogeneidade ordenada
O ponto crucial da Sociolinguística é a determinação de que a língua é
constituída de heterogeneidade ordenada. Segundo Weirench, Labov e Herzog (1968), a
variação é inerente à língua e faz parte da competência do falante, de forma que não há
língua natural que não apresente variação. Mas, se por um lado, os autores apontam que
toda língua é heterogênea, por outro, indicam que a dinâmica da língua pressupõe
sistematicidade, isto é, a variação e a mudança linguística não ocorrem de forma
aleatória; por trás de fenômenos variáveis, há regras que determinam o rumo da
variação e definem se e como a variação acarretará em mudança linguística. Sobre a
questão da heterogeneidade ordenada, os autores afirmam:
Muito antes de se poder esboçar teorias preditivas da mudança linguística, será necessário aprender a ver a língua – seja de um ponto de vista diacrônico ou sincrônico – como um objeto constituído de heterogeneidade ordenada. [...] Argumentaremos que o domínio de um falante nativo de estruturas heterogêneas não tem a ver com multidialetalismo nem com o “mero” desempenho, mas é parte da competência linguística monolíngue. (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968], p.35 - 36)
Para sustentar a hipótese de heterogeneidade ordenada, os autores propõem um
modelo de sistemas coexistentes, que seriam formas de dizer diferentes enunciados com
a mesma informação referencial e que estariam disponíveis geralmente a todos os
membros adultos de uma mesma comunidade de fala - mesmo que apenas no âmbito da
interpretação e não da produção. Além disso, pautando-se sempre em estudos empíricos,
apontam que as escolhas entre os enunciados que compõem os sistemas coexistentes
acompanham mudanças sociais.
Esses estudos empíricos têm confirmado o modelo de um sistema ordenadamente heterogêneo em que a escolha entre alternativas linguísticas acarreta funções sociais e estilísticas, um sistema que muda acompanhando as mudanças na estrutura social. (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968], p. 99)
Dessa maneira, considerando que todos os falantes de uma mesma comunidade
de fala teriam conhecimento das formas variantes que a constituem, ainda que não as
utilizem, e que a variação é condicionada não só por fatores linguísticos, como também
sociais, não seria equivocado supor, então, que todos os falantes de uma comunidade
sejam capazes de fornecer julgamentos sociais a respeito de formas variantes que
compõem a variedade linguística que dominam. Os mecanismos da mudança
38
linguística, sobretudo o problema da avaliação, apresentados na próxima seção, lidam
diretamente com essa questão.
3.1.2. Os mecanismos da mudança linguística
Nos textos fundadores da Sociolinguística Variacionista - Fundamentos
empíricos para uma teoria da mudança linguística (WEINREICH; LABOV; HERZOG,
2006 [1968]) e Padrões Sociolinguísticos (LABOV, 1972) -, os autores propõem alguns
problemas que circundam os processos de variação e mudança linguística. São eles: o
problema da restrição; o problema da implementação; o problema da transição; o
problema do encaixamento; e o problema da avaliação.
O problema da implementação está associado ao fato de se identificar por que a
mudança inicia e se implementa em determinado momento e em determinado lugar. A
partir da definição dos fatores que condicionam a mudança é que se podem fornecer
explicações sobre como a mudança vai se implementando em uns contextos e não em
outros. Justamente por lidar com um grande número de fatores possíveis para explicar a
implementação da mudança, Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]) apontam esse
problema como um dos mais difíceis da linguística histórica. Os autores afirmam ainda
que, enquanto é possível fazer algumas generalizações relacionadas aos outros
problemas durante o processo de mudança, a implementação só pode ser discutida a
posteriori. Apesar disso, sobre o processo de implementação da mudança, os autores
propõem um ‘padrão’ que se repete em alguns estudos levantados sobre como os fatores
sociais afetam os traços linguísticos:
...uma mudança linguística começa quando um dos muitos traços característicos da variação na fala se difunde através de um subgrupo específico da comunidade de fala. Este traço linguístico então assume certa significação social – simbolizando os valores sociais associados àquele grupo. Uma vez que a mudança linguística está encaixada na estrutura linguística, ela é gradualmente generalizada a outros elementos do sistema. [...] Novos grupos entram na comunidade de fala, de tal modo que uma das mudanças secundárias se torna primária. [...] por fim, a complementação da mudança e a passagem da variável para o status de uma constante se fazem acompanhar pela perda de qualquer significação social que o traço possuía. (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968], p.124-125)
No trecho em questão, é possível observar que os mecanismos da mudança estão
interligados, de maneira que o padrão de implementação da mudança passa pelo
39
problema da restrição, do encaixamento, da transição e da avaliação até que a mudança
se complete.
O problema da transição diz respeito a de que maneira ocorre a mudança: como
o sistema do indivíduo muda durante a sua vida; como a mudança se difunde pela
comunidade de fala e como se movimenta de uma comunidade para outra (LABOV,
1982). A principal característica relacionada a esse problema é o fato de a mudança não
ser discreta, mas gradual, isto é, “há fases intermediárias em que as variantes coexistem
e concorrem, diminuindo gradualmente a ocorrência de uma em oposição a outra”
(FARACO, 2005). Nesse caso, é possível tomar como exemplo o estudo de Souza
(2012), em que a pesquisadora demonstrou um período (final do século XIX) em que tu
era a forma de 2SG mais frequente em cartas do Rio de Janeiro, seguido de um período
de coexistência entre as formas tu e você, no início do século XX, e, a partir da década
de 30 do mesmo século, o pronome você como forma mais frequente em detrimento de
tu.
O problema da restrição (ou dos fatores condicionantes) se refere ao objetivo de
determinar o conjunto de mudanças possíveis e de condições possíveis para a mudança
linguística, isto é, os fatores (internos e externos) que condicionam a variação e a
mudança. Para tanto, o pesquisador deve identificar os fatores que determinam um
maior ou menor uso das formas variantes analisadas. Um bom exemplo é o estudo de
Santos (2012), que apontou que fatores como sexo/gênero e escolaridade condicionam a
frequência de uso de tu na cidade do Rio de Janeiro.
Labov (1982) sugere que o problema do encaixamento seja tratado em conjunto
com o problema da restrição, de forma que, ao explicar como se dá o encaixamento se
apontem também os fatores condicionantes do fenômeno estudado. O problema do
encaixamento é subdividido em dois grupos: encaixamento estrutural e o social. O
primeiro, encaixamento estrutural, se refere à relação estabelecida entre o fenômeno em
processo de mudança e outros elementos do sistema linguístico ou entre diferentes
fenômenos que ocorrem em cadeia. Um caso de encaixamento estrutural pode ser
observado através do estudo de Gomes (2003) no qual a autora demonstrou que a
entrada de você gerou mudanças no quadro pronominal do PB de forma que o clítico lhe
deixa de ser referência de terceira pessoa e passa a ser referência de 2SG.
Já o encaixamento social diz respeito aos aspectos da estrutura social da
comunidade de fala relevantes para o fenômeno em processo de mudança. Labov (1982)
aponta cinco dimensões da estrutura social identificadas em estudos sociolinguísticos:
40
classe social; raça ou etnia; idade; gênero; e localidade. Alguns estudos, como o de
Labov (1966), identificaram, ainda, o estilo de fala como relevante para o fenômeno
analisado.
O autor indica também, de forma sistematizada, as origens das mudanças em
estudos sociolinguísticos: as mudanças iniciam em grupos sociais intermediários
(setores mais altos da classe trabalhadora ou classes médias baixas) e podem atingir
pessoas com alto prestígio local. As mudanças afetariam um grupo social e aos poucos
se propagariam a outros grupos.
Por fim, o problema da avaliação diz respeito ao conhecimento e comportamento
do falante diante da mudança linguística, isto é, de que maneira os membros da
comunidade de fala fornecem julgamentos subjetivos acerca do fenômeno em variação e
como o falante muda o uso de formas variantes de acordo com o seu significado social.
Weinreich, Labov e Herzog (2006) apontam a importância de se observar a avaliação
dos fenômenos em processo de mudança: o nível de consciência social é uma propriedade importante da mudança linguística que tem de ser determinada diretamente. Correlatos subjetivos da mudança são por natureza mais categóricos do que os padrões cambiantes do comportamento: a investigação destes correlatos aprofunda nosso entendimento dos modos como a categorização discreta é imposta ao processo contínuo de mudança. (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006[1968], p.124)
Ou seja, a avaliação é um problema importante, pois está ligada às atitudes dos
falantes diante da constatação de que um elemento de sua língua está mudando. Assim,
os falantes podem acelerar ou reter processos de mudança linguística de uma
comunidade de fala, na medida em que se identificam com eles ou os rejeitam. Dessa
maneira, meu interesse em observar a percepção/avaliação sobre as formas variantes de
2SG se dá no âmbito de verificar se os falantes cariocas as rejeitam ou se identificam
com elas, sobretudo com o tu, e, consequentemente, se tendem a retardar ou acelerar o
processo de mudança.
Para lidar com o problema da avaliação, Labov (2008 [1972]) estipula três
categorias relacionadas ao nível de consciência sobre as formas variantes, como
apresentado em Freitag et al (2016): Quanto à avaliação social, Labov (2008) trata de três categorias: os estereótipos, que são os traços linguísticos socialmente marcados de forma consciente pelos falantes; os marcadores, que são os traços linguísticos sociais e estilísticos e que permitem efeitos consistentes sobre o julgamento consciente ou inconsciente do ouvinte sobre o falante; e os indicadores, que são os traços socialmente estratificados, no entanto, não são sujeitos à variação estilística (FREITAG et al, 2016, p.141)
41
Nesse trabalho, as autoras investigam a avaliação de alunos sergipanos sobre três
fenômenos distintos: a realização africada das oclusivas, considerada como um
estereótipo por ser mais frequente em indivíduos com menor escolarização; o uso da
forma variante de segunda pessoa do plural ‘a gente’, apontada como um marcador, por
ser “sensível à avaliação social, em contextos de maior monitoramento e formalidade”
(FREITAG et al, 2006, p.142); e o alçamento das vogais médias /e/ e /o/, considerado
como indicador por se relacionar a fatores de ordem linguística e não social.
Ainda sobre a questão da avaliação, Labov (1982) define uma ordem dos
estágios da mudança que podem ser associados às três categorias. Segundo o autor, nos
primeiros estágios da mudança, a variação acontece abaixo do nível de consciência dos
falantes, ou seja, nessa fase as formas em variação são indicadores linguísticos; nos
estágios seguintes, alternâncias estilísticas e estratificações sociais começam a aparecer,
isto é, as variantes são, nessa fase, marcadores linguísticos; e, nos estágios finais, os
estereótipos podem aparecer e, em geral, são associados a atributos negativos.
Dessa forma, em consonância com o posicionamento de Weinreich, Labov e
Herzog (2006 [1968]) no que tange à avaliação linguística, pretendo, no presente
trabalho, identificar a avaliação dos falantes cariocas sobre as formas pronominais de
2SG por considerar que isso pode suscitar novas pistas, explicações ou trazer novas
questões para a investigação do fenômeno. A ideia é mostrar se o julgamento feito pela
comunidade carioca às duas formas variantes (tu e você) é positivo ou negativo, na
tentativa de compreender se teríamos indicadores, marcadores ou estereótipos. Se
avaliação determina sobremaneira a efetivação de uma mudança, em função da reação
do falante diante das formas variantes inovadoras, interessa-me procurar identificar o
valor social que as duas variantes trazem em si na comunidade carioca.
Cabe destacar que a presente pesquisa, calcada em Oushiro (2015), faz uma
distinção conceitual entre avaliação e percepção. Segundo a autora o primeiro (avaliação) é empregado para fazer referência ao discurso metalinguístico dos falantes sobre as variantes, o que constitui um objeto de estudo em si. O segundo (percepção) diz respeito a inferências feitas pelos usuários de uma língua ao ouvir outro falante, que podem ou não ser conscientes – e que, portanto, podem não ser objeto de comentário metalinguístico. (OUSHIRO, 2015, p. 32)
Os estudos de percepção, então, tentam capturar os julgamentos inconscientes
enquanto os de avaliação buscam as impressões conscientes dos falantes de uma língua
sobre um dado fenômeno. Porém, é importante frisar que essa distinção não é vista, na
42
presente pesquisa, de forma dicotômica e sim complementar, isto é, para chegar a uma
impressão consciente (avaliação), o falante desenvolve julgamentos inconscientes
(percepção). Sendo assim, a percepção é vista de forma mais ampla, podendo apresentar
duas faces, a da própria percepção, quando o julgamento não se torna consciente, e a da
avaliação.
Como apontado por Lopes, Oliveira e Carvalho (2016), a discussão do problema
da avaliação tem sido, de certa forma, deixada de lado nos estudos sobre mudança pela
dificuldade de uma metodologia mais sistematizada e eficaz para medir a reação dos
falantes sobre as variantes. Para o estudo do tratamento, os trabalhos costumam avaliar
a partir de questionários em que os participantes informariam em que situação
empregam as formas de tratamento e o valor que elas têm. Muitas vezes, o resultado
desses questionários não corresponde à realidade, uma vez que os participantes afirmam
que não usam certas variantes, embora elas apareçam em sua fala. De qualquer forma, já
teríamos um indício da sua avaliação nessa não correlação entre o que eles dizem que
usam e o que efetivamente fazem. Assim, novas propostas metodológicas para analisar
a avaliação que os falantes fazem das formas de tratamento em variação seriam
importantes para entender se há um julgamento negativo das formas o que impediria
que a mudança se efetivasse.
Porém, pesquisas recentes vêm trazendo uma nova perspectiva sobre os estudos
variacionistas, principalmente em relação à avaliação linguística. Sendo assim, destaco,
na seção a seguir, o levantamento e encaminhamento das pesquisas sociolinguísticas
proposto por Eckert (2012) com o intuito de identificar em que medida as novas
tendências podem trazer mais esclarecimento ao fenômeno estudado na presente
pesquisa.
3.2. As três ondas da sociolinguística
Buscando discutir o papel do significado social nos estudos variacionistas,
Eckert (2012) retoma as pesquisas desenvolvidas a partir do surgimento da
sociolinguística, na década de 60, e propõe o agrupamento de tais estudos em três
ondas, apontando as principais características e lacunas em cada uma.
Segundo a autora, a primeira onda da sociolinguística tem início com o estudo
de Labov (1966) sobre a estratificação do inglês de Nova York. Esse estudo serviu de
modelo para diversos outros subsequentes, que, assim como o primeiro, estabeleceram
43
padrões regulares de estratificação socioeconômica, de maneira que o uso das formas
variantes se relacionava ao status socioeconômico do falante.
Os trabalhos considerados de primeira onda focam em macrocategorias sociais,
com estudos voltados para comunidades de fala de grandes centros urbanos. Dessa
forma, a metodologia desses estudos determina uma relação entre as variáveis
linguísticas e as macrocategorias, que são padronizadas (em geral são considerados o
sexo, a idade, a origem e a classe social dos falantes), e, comumente, pré-estabelecidas.
Dito de outro modo, a relação entre as variáveis e as macrocategorias funciona como
forma de marcar o status socioeconômico e a posição dos falantes na hierarquia social,
possibilitando a estratificação destes em células sociais.
Algumas das principais características da primeira onda, que a diferenciam das
outras duas, são a noção de vernáculo e a de estilo. O estilo, na primeira onda, é
caracterizado como resultado de monitoramento para suprimir um processo cognitivo
natural, i.e., é considerado como atenção prestada à fala. O vernáculo, clássico e natural
objeto de estudo da sociolinguística, é definido por Labov (1972b apud ECKERT,
2012) como a primeira aquisição e mais automática produção linguística do falante.
Uma vez que têm como foco o estudo do vernáculo presente em grandes centros
urbanos, os estudos da primeira onda não contemplam comunidades locais e suas
especificidades. Dessa forma, surgem alguns questionamentos como: a variação
linguística poderia ser influenciada por categorias localmente definidas? Ou sempre
estariam relacionadas às macrocategorias sociais? Esses questionamentos propiciam o
surgimento de estudos da chamada segunda onda da sociolinguística.
A segunda onda da sociolinguística apresenta algumas características em comum
com a primeira, como a busca por padrões de mudança com base em pesquisas
quantitativas. Por outro lado, os estudos que fazem parte desse modelo visam a analisar
comunidades de fala menores, a partir de uma abordagem etnográfica por períodos de
tempo mais longos, considerando categorias sociais locais e mais específicas em relação
a fenômenos de mudança linguística.
Nesse modelo, a centralidade do vernáculo e do auto monitoramento nas análises
acerca da variação se mantém, porém assumem outra concepção. Na segunda onda, o
vernáculo se manifesta como uma noção de identidade local ou identidade de classe e o
estilo se caracteriza como ato de filiação, isto é, o estilo é visto como expressão de
pertencimento a um grupo.
44
A autora exemplifica essa questão com base no estudo de Labov (1972) sobre o
inglês afroamericano (AAVE), no qual o pesquisador identificou o uso de traços
vernaculares por adolescentes como forma de indexicar status dentro do grupo ao qual
pertenciam. O vernáculo, nesses estudos, também pode assumir valor positivo, como no
estudo de Milroy (1980 apud ECKERT, 2012), no qual a pesquisadora identificou uma
relação entre o uso do vernáculo e o engajamento local na classe trabalhadora de uma
cidade de Reino Unido.
Outro exemplo de trabalho vinculado à segunda onda e que lida com a questão
do estilo é o da própria autora (ECKERT, 2000 apud ECKERT, 2012), realizado em
uma escola de ensino médio em Detroit. A autora identificou, nesse trabalho, que o uso
de algumas variantes fonéticas constituía estilos associados a grupos distintos de
adolescentes: os jocks e os burnouts, que representavam a cultura da classe média e da
classe trabalhadora, respectivamente. A pesquisadora verificou, ainda, que os usos dos
alunos que não faziam parte dos grupos funcionavam como forma de se afastar ou se
aproximar dos dois grupos. Ou seja, os alunos usavam as formas variantes para
demonstrar que pertenciam - ou que desejavam pertencer - a um grupo ou a outro.
Segundo Eckert, os estudos da primeira e segunda onda se assemelham ao se
concentrar em categorias estáticas, mas as pesquisas etnográficas trouxeram à tona a
prática estilística e forneceram uma perspectiva local sobre as descobertas da primeira
onda, conectando as macrocategorias sociais a categorias locais e mais concretas.
Na terceira onda, por outro lado, Eckert, com base em Irvine 2001, Bucholtz &
Hall 2005 e Bucholtz 2010 (apud ECKERT, 2012), aponta que o foco passa a ser em
“uma visão de variação como reflexo de identidades e categorias sociais para a prática
lingüística na qual os falantes se colocam na paisagem social por meio da prática
estilística”2 (ECKERT, 2012, p. 94, tradução minha). Diferentemente do que se observa
na primeira e na segunda onda, em que o estilo se manifesta como monitoramento à fala
de acordo com a (in)formalidade da situação e como atos de filiação a um grupo,
respectivamente, na terceira onda, a prática estilística é vista de forma mais agentiva,
como construção da identidade, como apontam Freitag et al (2012) em artigo sobre
estudos de terceira onda no Brasil.
2 View of variation as a reflection of social identities and categories to the linguistic practice in which speakers place themselves in the social landscape through stylistic practice.
45
A face renovada de estilo o identifica com o modo como os falantes combinam variáveis para criar modos distintivos de fala, que fornecem a chave para a construção da identidade. A identidade consiste, por sua vez, em tipos particulares explicitamente localizados na ordem social. Continuamente, os falantes atribuem significado social à variação de um modo consequente, situação que implica certo grau de agentividade. (FREITAG ET AL, 2012, p. 923)
Nesse modelo, como os estudos lidam com a dinamicidade da interação social,
as variáveis não são relacionadas a categorias fixas, mas à “mutabilidade indexical”
(ECKERT, 2012). Essa mutabilidade é alcançada na prática estilística a partir do
processo de bricolagem, isto é, os movimentos de interpretação e reinterpretação dos
significados das variáveis a partir da combinação de recursos linguísticos disponíveis.
Além disso, as duas primeiras ondas lidam com o conceito de comunidade de
fala, de forma parcialmente distintas. Enquanto na primeira a comunidade de fala é uma
representação mais ampla, de grandes centros urbanos, na segunda, é o retrato de
comunidades menores, locais. Porém, em ambos os casos, o objeto de estudo é a
comunidade de fala, o que os diferencia da terceira onda da sociolinguística, que tem
como foco o estudo de comunidades de prática, como explicado em Freitag et al.
(2012):
Enquanto, na definição laboviana, comunidades de fala são agrupamentos de indivíduos que compartilham não necessariamente dos mesmos traços linguísticos, mas sim do mesmo juízo de valor acerca desses traços, e os reconhecem como legítimos para a identificação do grupo, a comunidade de prática (WENGER, 1998; ECKERT; MCCONNELL-GINET, 2010; ECKERT; MCCONNELL-GINET, 1997) é um agrupamento de indivíduos (comunidade) que partilham perspectivas em comum, valores e conhecimento (domínio), e que interagem entre si para se aperfeiçoarem e replicarem esses valores e conhecimentos (prática). Trata-se de uma construção social, e, como tal, está sujeita às práticas diárias dos indivíduos, que interagem entre si e com outras comunidades. (FREITAG et al, 2012, p. 922).
Comunidade de prática, então, “é um agregado de pessoas que se juntam para
engajar-se em algum empreendimento comum” (FREITAG et al, 2012, p. 923), é a
representação das interações que o indivíduo tem com diversos grupos na vida
cotidiana. Logo, um mesmo indivíduo participa de várias comunidades de prática,
quando está no trabalho, na academia, na igreja, na escola etc.
É importante frisar que a autora afirma que as ondas não são sucessivas nem
substitutivas, mas que são modelos que lidam de forma particular com a variação
linguística, com metodologias e objetivos distintos. Porém, ao longo do texto, a
interpretação da autora em relação às diferentes ondas parece indicar que os estudos da
46
terceira onda surgem para suprir “defeitos” das ondas anteriores e não que os três
modelos são complementares.
Dessa forma, contrapondo a visão de Eckert (2012), Gomes (2017) faz um
levantamento das características da categoria ‘classe social’ (macrocategoria importante
para a primeira onda) apontadas pelo sociólogo Gurvitch (1982) para defender que as
ondas sejam consideradas de forma complementar - não excludente – e que as macro e
microcategorias sejam vistas como partes de um continuum.
Segundo Gurvitch (1982), as classes sociais se constituem como agrupamentos
de fato, isto é, “são agrupamentos nos quais os seus membros participam, sem que isso
seja explicitamente querido por eles e sem que eles obedeçam às injunções de uma
organização ou de um poder determinado” (p. 172). Dessa forma, se diferenciam dos
agrupamentos voluntários, aqueles em que seus membros participam de plena vontade,
como os sindicatos, partidos políticos, sociedades filantrópicas etc.
Gomes (2017) aponta que os agrupamentos voluntários podem ser
multiclassistas e que o conceito de comunidades de prática equivale ao de agrupamentos
voluntários, de forma que as comunidades de prática também podem ser multiclassistas.
Com base nisso, a autora afirma que a noção de comunidade de prática não está
desvinculada à de classe social e que, além disso, essas questões demonstram uma
dinâmica social e, assim, a categoria classe social não pode ser qualificada como
estática, como pode ser observado no trecho a seguir:
Nesse sentido, a comunidade de prática se distingue das classes, mas não se coloca a parte, isto é, não é independente ou completamente autônoma em relação às classes sociais. [...] Do ponto de vista da condução da pesquisa sociolinguística, as questões teóricas colocadas e as metodologias empregadas nas diferentes abordagens ou ondas dos estudos sobre a significação social da variação se relacionam com diferentes setores da organização social. Assim, a identificação do comportamento do falante em função do estilo de fala e de classe social (ou escolaridade) não captura necessariamente um valor estático, mas um valor associado a características sociais mais abrangentes e que podem ter consequências no comportamento do falante quando observado em relação a grupamentos de outra ordem (GOMES, 2017, p. 12)
Por fim, a autora aponta a importância de tratar as categorias macro e
microssociais de forma dialética, considerando as diferentes tendências dos estudos
sociolinguísticos (as três ondas) de forma não excludente de fato, mas complementar:
47
O que está em questão, portanto, para a pesquisa sociolinguística, é o desafio interdisciplinar de buscar identificar o significado social das formas linguísticas no continuum classe social – comunidade de prática através de uma relação dialética e não de determinação de uma sobre a outra. (GOMES, 2017, p. 13)
Essa visão pode trazer contribuições para os estudos, uma vez que permite olhar
para os fenômenos em variação sobre ângulos diferentes, o que pode trazer mais
respostas acerca dos temas que se pretende estudar. Dessa forma, o presente estudo, em
consonância com a visão de Gomes (2017), se apresenta como um esforço em tentar
unir diferentes metodologias para captar o significado social da variação tu x você (no
dialeto carioca) associando categorias macro a microssociais.
3.3. A Teoria do Poder e Solidariedade
O fenômeno estudado na presente pesquisa, por se tratar de pronomes de 2SG,
apresenta caráter dialógico, i. e., é a partir da interação entre dois indivíduos que ele
ocorre e sua escolha depende do tipo de relação ou papel social existente entre os
falantes. Assim, como seu uso emerge de um contato direto entre dois falantes, é um
fenômeno bastante associado ao tipo de interação e à hierarquia existente entre os
indivíduos, aspectos discutidos inicialmente no clássico texto sobre a Teoria do Poder e
da Solidariedade de Brown e Gilman (1960).
Brown e Gilman (1960), no capítulo The Pronouns of Power and Solidariety,3
afirmam que as línguas apresentam um sistema pronominal dual, no âmbito da 2SG, que
se associam a duas dimensões de análise da vida social: poder e solidariedade. Segundo
os autores, esse sistema dual teve início no latim, com os pronomes tu e vos, e cada
língua tem as suas formas pronominais que constituem esse sistema4, as quais são
representadas pelos símbolos T (no âmbito da solidariedade) e V (no âmbito do poder).
Os autores apontam, ainda, que, a princípio, em latim havia apenas o pronome tu
para o singular, porém, no século IV o vos começou a ser utilizado como forma de
respeito endereçada aos dois imperadores: um em Roma e outro em Constantinopla. A
forma plural era utilizada para se referir aos dois imperadores como forma de manter a
unidade do império. Com o passar do tempo, vos se tornou uma forma polida de
3 Os pronomes de poder e de solidariedade, em tradução livre. 4no italiano, tu e voi (atualmente Lei); no Francês, tu e vous; no espanhol, tu e vos; no alemão, du e sie; no inglês, thou e you.
48
tratamento e foi se disseminando entre a população até começar a ser endereçado a
representantes do poder em esferas micro – como a família. Posteriormente, tal pronome
passou a conotar um falante de status alto e virou uma marca de elegância. Dessa forma,
a pluralidade do vos é entendida como uma metáfora do poder em relações não-
recíprocas entre duas pessoas, isto é, relações que envolvem hierarquia entre os
interlocutores.
O pronome tu, por outro lado, é considerado como uma forma solidária e ocorre
em situações de reciprocidade, em que não há hierarquia, mas igualdade entre os
falantes. É entendido, também, como forma de condescendência ou intimidade. Dessa
maneira, conforme as relações se mantêm, a probabilidade de um uso mútuo do T
aumenta.
No PB atual, sobretudo no dialeto carioca, existe também um sistema
pronominal dual para a 2SG, como é possível observar a partir de diversos estudos
(conferir capítulo de revisão da literatura), com o pronome tu no plano da intimidade, e
o pronome você, que transita entre situações mais íntimas e informais e mais distantes e
informais, ou seja, é a forma não marcada de referência à 2SG.
No entanto, a proposta de Brown e Gilman (1960), que entende as relações
sociais como pré-estabelecidas e estáticas, não dá conta de sociedades em que a
marcação de poder não é tão evidente, como é o caso da sociedade brasileira atual,
sobretudo o Rio de Janeiro, foco do presente trabalho.
Dessa forma, foi necessário buscar outra proposta, como a de Bravo e Briz
(2004), que compreende as relações sociais de maneira mais dinâmica, construídas a
partir da interação. Sendo assim, discuto a seguir sobre as contribuições da Pragmática
Sociocultural acerca das situações interacionais entre os falantes.
3.4. A Pragmática Sociocultural
No quarto capítulo de Pragmática Sociocultural (BRAVO; BRIZ, 2004), Briz
(2004) apresenta a cortesia verbal como um mecanismo mediante o qual se busca o
equilíbrio entre a imagem do falante e a do ouvinte. Mitigar, suavizar, diminuir força
elocutiva e reparar etc. seriam valores concretos para alcançar a aceitação do outro e,
para realizar esses valores, os falantes podem utilizar formas da língua mais ou menos
corteses.
49
Com a finalidade de explicar a dinâmica da atividade cortês, o autor propõe
filtros de avaliação hierarquizados que fazem parte do processo interacional, a saber:
solidariedade entre os interlocutores; finalidade interpessoal da interação; pertinência de
idiomas; problematicidade temática; aceitação linguística e social. No presente trabalho,
me interessam, sobretudo, os dois primeiros, que lidam diretamente com o contexto
interacional durante o diálogo.
A solidariedade, segundo o autor, faz referência às relações de proximidade e
simetria entre os interlocutores. Para definir as relações mais ou menos solidárias, o
autor apresenta algumas características.
+ solidárias - solidárias
Proximidade
+ vivencias comuns
+ saber compartilhado
+ contato
+ compromisso afetivo
- vivencias comuns
- saber compartilhado
- contato
- compromisso afetivo
Simetria
+ igualdade funcional
+ nivelação dos papéis5
+ identidade grupal
- igualdade funcional
- nivelação dos papéis³
- identidade grupal Quadro 01: características das relações solidárias (CF. BRIZ, 2004, p. 80)
Com base no quadro 01, é possível notar que as relações solidárias podem se
estabelecer a partir de dois níveis: o da proximidade e o da simetria. São consideradas
pessoas próximas e, portanto, mais solidárias, aquelas que mantém vínculo por algum
tempo, como familiares e amigos, e estão em nível de simetria aquelas que participam
de um mesmo grupos social e apresentam funções semelhantes, como funcionários que
possuam o mesmo cargo em uma empresa, por exemplo. É interessante observar que
nem sempre as relações mais próximas serão mais simétricas, porém, quanto mais
próximas e mais simétricas forem as relações, mais solidárias elas serão.
Além disso, a finalidade interpessoal da interação é interessante para o presente
trabalho porque diz respeito ao motivo que provoca a conversação e, segundo o autor,
5Sobretudo aqueles derivados das características socioculturais, de idade, gênero, profissão etc, e aqueles marcados pelo mesmo contexto de comunicação, por exemplo, em uma situação de compra e venda, os de comprador e vendedor.
50
esse é um dos aspectos que determina os tipos de interação. Com base nisso, o autor
organiza os tipos de interação em dois subtipos: as relações interpessoais e as
transacionais, que apresentam as características a seguir.
Interpessoais Transacionais
Maior aproximação social
Maior simetria
Alternância de turnos “livre”
Participação colaborativa dos
interlocutores
Manutenção das relações sociais (mais
contato entre as pessoas)
Se assemelham às relações + solidárias
Maior distância social
Maior assimetria
Alternância de turnos regulada
Direitos e obrigações dos interlocutores
predeterminados
Finalidade precisa / objeto de negociação
concreto (interações mais breves)
Se assemelham às relações – solidárias Quadro 02: características das relações interpessoais e transacionais (CF. BRIZ, 2004, p. 80)
O autor aponta como exemplo de interações interpessoais uma conversação
cotidiana entre amigos ou vizinhos. Uma conversação acadêmica entre professor e aluno
ou uma conversação de compra e venda, por outro lado, seriam exemplos de relações
transacionais.
Dessa forma, com base nos postulados de Briz (2004), selecionei os contextos
interacionais que fariam parte do experimento, considerando o tipo de interação entre os
personagens, conforme descrevo a seguir. Mais detalhes sobre essa proposta serão
retomados na análise dos resultados.
Em síntese, os postulados da Sociolinguística e da Pragmática Sociocultural são
basilares na discussão. Como foi mostrado na seção 2, o processo de variação e
mudança das formas de tratamento tu e você no Rio de Janeiro já foi objeto de vários
estudos que alinham a perspectiva sociolinguística quantitativa às discussões da
pragmática sociocultural ou mesmo à teoria do poder e solidariedade nos âmbitos
sincrônico (SANTOS, 2012) e diacrônico (RUMEU, 2004; SOUZA, 2012). Entretanto,
os trabalhos que procuram analisar a avaliação dos falantes sobre as formas variantes,
tão cara para a explicação da mudança, não têm recebido tanta atenção dos
pesquisadores pela própria dificuldade metodológica de mensurar eficazmente o
julgamento que os falantes realmente fazem das formas.
51
Assim, a proposta da presente pesquisa é justamente investir nessa abordagem,
tentando propor um protocolo metodológico que auxilie nessa empreitada. Nesse
sentido, considero que alguns pressupostos teórico-metodológicos da linguística
experimental podem ser bastante propícios para a proposta aqui construída. No capítulo
seguinte, apresento brevemente os fundamentos dessa perspectiva, centrando mais numa
proposição de cunho metodológico.
52
4. METODOLOGIA
Neste capítulo, discorro sobre as metodologias utilizadas para dar conta do
fenômeno analisado. Na seção 4.1., discorro sobre alguns postulados da Linguística
Experimental; em 4.2., comento sobre os métodos para a análise de
avaliação/percepção; em 4.3., descrevo o experimento 1, detalhando seus materiais,
métodos, participantes e procedimentos e, em 4.4., explico como foi elaborado o
segundo experimento.
4.1. A Linguística Experimental
O primeiro desafio que tive de enfrentar ao lidar com a percepção/avaliação foi o
de determinar alguma metodologia que permitisse que esse objetivo se cumprisse. Para
tanto, busquei em Kenedy (2015) as principais vantagens e desvantagens de diferentes
abordagens metodológicas dos estudos linguísticos para estabelecer quais seriam mais
adequadas para a presente pesquisa.
Segundo Kenedy (2015), há, ao menos, três modos de realizar pesquisa
estabelecidos em ciências da linguagem: a metodologia etnográfica, a introspectiva e a
experimental. A primeira, comumente usada em pesquisas sociolinguísticas, diz respeito
à análise de corpora coletados em situações mais ou menos naturais de interação
humana para elaborar descrições acerca de diversos fenômenos linguísticos e identificar
padrões de comportamento entre os indivíduos e traz como vantagem a análise de dados
existentes no mundo real. A segunda, empregada geralmente em pesquisas de cunho
gerativista, refere-se aos julgamentos intuitivos de (a)gramaticalidade por falantes
nativos a partir da impressão de estranhamento ou de normalidade diante de
determinados estímulos linguísticos e permitem insights sobre fenômenos linguísticos
sem a necessidade de análises exaustivas de dados.
A terceira margem para os estudos empíricos em linguística é a metodologia
experimental. De acordo com o autor, a Linguística Experimental ou Psicolinguística na
Descrição Gramatical “trata-se de uma abordagem que permite a formulação e o teste
experimental de previsões comportamentais derivadas de alguma hipótese descritiva ou
de algum modelo em teoria gramatical” (KENEDY, 2015, p.143). No presente trabalho,
como se trata de uma investigação sobre percepção/avaliação, recorri a metodologias
experimentais para alcançar os objetivos da pesquisa, pois, como aponta Kenedy
53
(2015), tais metodologias permitem, dentre outras vantagens, “analisar estatisticamente
o comportamento de grupos de pessoas, objetificando medidas subjetivas como a
percepção individual da (a)gramaticalidade” (KENEDY, 2015, p. 145).
Nesta pesquisa, eu não lido com a noção de (a)gramaticalidade, mas com a
percepção da variação, que também pode ser capturada com esse tipo de metodologia.
Além disso, modelos de questionário de avaliação subjetiva têm sido retomados e
reelaborados em diversas pesquisas que visam lidar com significados sociais atrelados a
diferentes fenômenos linguísticos e se apresentam como outra maneira eficaz de se
investigar a avaliação. Na próxima seção, descrevo brevemente os métodos utilizados
para a análise de avaliação/percepção nas áreas que utilizam a Linguística Experimental.
4.2. Métodos para análise de avaliação/percepção
Uma vez definido que eu trabalharia com metodologia experimental, foi
necessário estabelecer que tipo de metodologia eu utilizaria. Segundo Kenedy (2015),
existem dois grandes grupos de técnicas experimentais, as medidas on-line e as off-line:
As medidas on-line são aferidas durante o processamento cognitivo que uma pessoa realiza inconscientemente enquanto recebe estímulo oral ou escrito. [...]. Por sua vez, medidas off-line são aferidas após a conclusão do processamento linguístico e, por conseguinte, envolvem reflexões conscientes por parte daqueles que participam de uma tarefa experimental. (KENEDY, 2015, p.148)
São consideradas técnicas on-line os testes que capturam tempo de
processamento e atividades cerebrais durante a tarefa por exemplo. Já em relação às
técnicas off-line, um bom exemplo são os testes que capturam respostas como “sim/não”
ou notas atribuídas para o estímulo, entre outros.
Segundo Derwing e De Almeida (2005), os métodos off-line apresentam “uma
abordagem relativamente simples e objetiva e também a dispensa do uso de
equipamentos requeridos para coletar respostas sensíveis ao tempo de processamento”
(p. 405). Além dessa vantagem, optei pelo uso de métodos off-line, o julgamento de
adequação sociolinguística e o questionário de avaliação, visto que lido com a
percepção/avaliação, ou seja, com a reação de falantes às formas de 2SG, de maneira
que não foi necessário capturar atividades mentais durante a tarefa do experimento, mas
uma resposta posterior à tarefa realizada.
54
A seguir, descrevo os dois testes elaborados durante a pesquisa para identificar
os aspectos contextuais e sociais relacionados à percepção/avaliação dos pronomes de
2SG no dialeto carioca.
4.3. Experimento 1
O primeiro teste realizado no presente trabalho é baseado na técnica chamada
‘Julgamento de aceitabilidade’. Em geral, nos testes desse tipo os participantes são
expostos a frases isoladas em telas brancas e devem julgar a aceitabilidade e a
naturalidade de tais frases em sua língua:
O julgamento imediato de aceitabilidade é uma técnica off-line em que a tarefa do participante consiste apenas em declarar, a respeito de cada frase que lhe é apresentada, se a considera aceitável/natural em sua língua ou, ao contrário, se a considera inaceitável/anormal. (KENEDY, 2015, p. 151)
No presente estudo foi necessário adaptar a técnica para que ela se encaixasse
aos propósitos da pesquisa. A utilização de frases isoladas, nesse caso, não traria
respostas elucidativas, uma vez que o fenômeno estudado é influenciado pelo contexto
sociointeracional. Dessa forma, selecionei cenas de situações diversificadas de maneira
que os pronomes estudados aparecessem como parte dos diálogos dessas cenas. Assim,
foi possível controlar a interação entre os participantes e relacioná-las aos pronomes.
Como mencionado anteriormente, utilizei os postulados de Briz (2004) para identificar
os contextos sociointeracionais que seriam representados nas cenas exibidas para os
participantes.
4.3.1. Variáveis independentes e condições experimentais
Os pressupostos da Pragmática Sociocultural (BRAVO; BRIZ, 2004), serviram
não só para a seleção das cenas que fariam parte do experimento, como também para
estabelecer que o tipo de relação seria controlado como uma das variáveis
independentes do experimento.
Além do tipo de relação e dos pronomes de 2SG, estabeleci uma terceira
variável independente para trazer respostas acerca da percepção dos pronomes de 2SG:
o tipo de frase. Dessa forma, o experimento contou com três variáveis independentes de
2 níveis:
55
1) Os pronomes de 2SG (tu e você)
2) O tipo de relação (simétrica e assimétrica)
3) O tipo de frase (com verbo e sem verbo)
A primeira variável não poderia estar ausente, uma vez que se trata do fenômeno
em questão; a segunda variável, tipo de relação, foi tratada de forma mais detalhada na
seção 3.4. O tipo de frase, terceira variável, se refere à relação entre o pronome e o
verbo. As frases ‘com verbo’ são aquelas em que o pronome se relaciona diretamente ao
verbo (em I e II) como sujeito e predicado; aquelas denominadas ‘sem verbo’
apresentam verbos sem relação direta com o sujeito pronominal (em III) ou são
estruturas com verbo elíptico (em IV)
I) Mas tu precisa do visto.
II) Você vai adorar a cidade
III) ah, mas tu e o Carlos sempre foram os melhores, né.
IV) Ah! Eu prefiro o cheddar, e tu Ø?
O controle dessa variável permite identificar se o julgamento acerca da forma tu
se dá por conta de, no Rio de Janeiro, tal variante aparecer categoricamente sem a
concordância canônica (CF. SCHERRE et al, 2015). Isto é, se o julgamento da forma tu
ocorre por conta da falta de concordância canônica, os participantes deveriam avaliar
mais negativamente as frases em que tu aparece na estrutura com verbo do que nas
frases sem verbo, uma vez que nas estruturas sem verbo não é possível haver falta de
concordância porque não há relação entre o pronome e o verbo.
A variável dependente (ou variável resposta) em Linguística Experimental são as
respostas ou os “dados psicométricos aferidos numa tarefa” (KENEDY, 2015). No caso
do experimento em questão, a variável dependente são as notas atribuídas às cenas
contendo os pronomes.
Uma vez definidas as variáveis, chega-se o momento de definir o desenho do
experimento, isto é, a multiplicação das variáveis independentes para estabelecer as
condições experimentais e a quantidade de estímulos que fará parte do experimento,
como explicado por Guedes (2017):
56
Dada uma variável dependente e um número definido de variáveis independentes, o pesquisador gera seu desenho fatorial, que é uma espécie de representação numérica do cruzamento das diferentes possibilidades de diálogo entre as variáveis independentes controladas. Se, por exemplo, um estudo busca saber se o uso de tu e você no português brasileiro apresenta diferenças de percepção entre os interlocutores e tem como variáveis independentes o tipo de relação hierárquica entre falantes (simétrica ou assimétrica), o gênero do falante (homem ou mulher) e o grau de escolaridade (escolarizado versus não escolarizado), o desenho fatorial desse estudo é 2x2x2. (GUEDES, 2017, p. 55)
Dessa forma, a combinação entre as variáveis independentes, gerou 8 condições
experimentais, com design 2x2x2, que foram distribuídas em 4 grupos para que os
participantes não identificassem o fenômeno estudado e, além disso, para que o teste
não se tornasse extenso, o que poderia causar desgaste e, consequentemente, enviesar os
resultados.
Condições experimentais
(1) Tu-simétrico-com verbo (2) Você-simétrico-com verbo
(3) Tu-simétrico-sem verbo (4) Você-simétrico-sem verbo
(5) Tu-assimétrico-com verbo (6) Você-assimétrico-com verbo
(7) Tu-simétrico-sem verbo (8) Você-simétrico-sem verbo Quadro 03: condições experimentais do experimento 1
4.3.2. Materiais
Considerando que o fenômeno analisado na presente pesquisa é de caráter
dialógico, foi necessário buscar meios para que as sentenças que continham os
pronomes de 2SG estivessem inseridas em contextos de interação entre ao menos dois
interlocutores. Dessa forma, optei por utilizar cenas e criar diálogos com frases
contendo tu e você para que os participantes fossem expostos aos pronomes em
situações cotidianas e não de forma isolada. As cenas, disponibilizadas na internet por
editoras de livros didáticos de língua estrangeira, foram selecionadas após intensa busca
com a finalidade de cumprir os seguintes critérios: 20 cenas deveriam representar
relações simétricas e outras 20 relações assimétricas. Das 20, 8 se tornariam
experimentais e as outras 12 seriam distratoras (ver anexo B).
Depois de selecionar as cenas, foi necessário criar os diálogos que trariam os
pronomes para as cenas experimentais, bem como os diálogos das cenas distratoras, que
não continham os pronomes e foram organizadas em “boas” e “ruins”. Para as
57
distratoras “boas”, foram criados diálogos considerados normais, sem apresentar
problemas ou algum tipo de avaliação negativa (em I). Já as distratoras “ruins” se
caracterizavam por apresentar frases pouco naturais e/ou que possibilitassem avaliação
negativa, como o uso de cujo (em IIa), no qual (em IIb) e onde (em IIc) de forma
inadequada, além de uso de verbos no presente do indicativo em frases subjuntivas (em
IId).
(I) H1 – Boa tarde. Em que posso ajudar?
H2 – Procuro esse livro.
(IIa) H1 – Licença, onde tem um restaurante aqui perto?
H2 – Tá vendo aquela rua cujo segue reto?
(IIb) M1 – Olá. Aceita um jornal?
H1 – Sim, o jornal no qual eu leio.
(IIc) M1 – Não sei. Não lembro não.
M2 – Ô Jorge, quem é esse Paulo?
H1 – É aquele onde é meu vizinho.
(IId) H1 – Ainda não paguei o Beto
H2 – É, nem eu.
H1 – Pode ser que eu pago hoje.
Como mencionado anteriormente, o experimento foi dividido em 4 grupos,
organizados de maneira que todos os participantes julgassem cenas com os dois
pronomes, porém em apenas um tipo de relação e um tipo de frase, como demonstro a
seguir:
Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4
Tu-ass-c/verbo Tu-ass-s/verbo Tu-sim-c/verbo Tu-sim-s/verbo
Vc-ass-c/verbo Vc-ass-s/verbo Vc-sim-c/verbo Vc-sim-s/verbo Quadro 04: distribuição das condições experimentais por grupo do experimento 1
58
Cada condição aparecia 4 vezes para os participantes, totalizando 8 cenas
experimentais por grupo, além de 16 cenas distratoras, de forma que os participantes de
cada grupo julgavam 24 cenas ao todo. Além disso, as cenas dos grupos 1 e 2, bem
como dos grupos 3 e 4, eram as mesmas e se diferenciavam apenas pelo tipo de frase
experimental que aparecia nos diálogos:
A decisão de utilizar cenas como estímulos, ao mesmo tempo em que foi
essencial para dar conta dos objetivos da pesquisa, trouxe alguns obstáculos que
precisaram ser solucionados, uma vez que 1) os diálogos precisavam se adaptar às
cenas; 2) as cenas trazem diversos elementos, o que poderia influenciar no julgamento e
3) os diálogos precisavam incluir ao menos uma frase além daquela em que aparecia o
pronome.
Portanto, para minimizar influências externas sobre o julgamento dos pronomes
tu e você, precisei considerar alguns aspectos e controlá-los de forma rigorosa para
haver comparabilidade nos resultados referentes a cada forma. À vista disso, controlei
os seguintes fatores:
1) Duração das cenas: todas as cenas experimentais duravam em média 7 segundos
e dispunham de duas a quatro interpelações intercaladas:
Cena: recepção do hotel Cena: amigos indo almoçar
G1 – Sim, tu pode deixar as bolsas aqui.G2 – Sim, tu e ela podem deixar as bolsas.
G3 – Tudo bem...você escolhe o lugar então.G4 – Tudo bem...eu gosto do Taco’s e você?
Figura 01: cena “recepção de hotel com frases dos grupos 1 e 2
Figura 02: cena “amigos indo almoçar com
frases dos grupos 3 e 4
59
● Personagem 1 – então tá... já que o check-in não abriu, podemos guardar as
bolsas aqui?
Personagem 2 – Sim, tu pode deixar as bolsas aqui. (G1 – Cena
recepcionista e hóspede no hotel)
2) Tipo de cena: as cenas foram distribuídas de forma que houvesse semelhança
entre os contextos em que apareciam os pronomes
Cenas assimétricas
Pronome tu Pronome você
Recepcionista e hóspede no hotel Vendedora e cliente na loja
Padeiro e cliente na padaria Garçom e cliente no restaurante
Atendente e passageiro no check-in Jovem solicitando 2ª via de documentos
Funcionária no primeiro dia de trabalho Pessoas se conhecendo
Cenas simétricas
Pronome tu Pronome você
Amigas na lanchonete Amigas viajando
Casal no shopping Casal na estação de trem
Casal na rua Casal caminhando
Amigos no trabalho Amigos indo almoçar Quadro 05: contextos das cenas do experimento 1
3) Fala em que apareciam os pronomes: os pronomes apareciam sempre na última
fala de cada cena.
● Personagem 1 – O seu pedido vai demorar um pouco.Personagem 2 – Ok, você pode trazer as bebidas então. (G1 – Cena Garçom e cliente no restaurante)
● Personagem 1 – E aí?
Personagem 2 – Consegui a transferência pra Miami.Personagem 1 – Ah, que ótimo! Tu vai adorar a cidade. (G3 – Cena amigos no trabalho)
4) Posição do pronome na frase: o pronome nunca aparecia em posição inicial, de
forma que sempre havia algum elemento antes dele na frase.
60
● Personagem 1 – Eu até gostei do vestido, mas está um pouco caro.
Personagem 2 – Ah mas você ou ele podem parcelar em três vezes. (G2 – Cena Vendedora e cliente na loja)
● Personagem 1 – Eu tô com fome. Vamos almoçar antes de ir pro trabalho.
Personagem 2 – Sim. Você escolhe o lugar. (G3 – Cena Amigos indo almoçar)
5) Tempo verbal: todos os verbos relacionados aos pronomes estavam conjugados
no presente do indicativo.
● Personagem 1 – Oi, Carla. Como foi o passeio?Personagem 2 – Ótimo! Na próxima você vai comigo. (G3 – Cena Amigas viajando)
● Personagem 1 – O filme é interessante, é sobre um pintor francês.
Personagem 2 – Legal. Você paga a entrada. (G3 – Cena Casal caminhando)
6) Tipo de frase: a maior parte das frases experimentais era afirmativa, com
exceção de quatro frases interrogativas, duas com o pronome tu e duas com o
pronome você em frases ‘sem verbo’.
● Personagem 1 – hum... não é nada... é que... eu só tô na dúvida sobre qual
queijo pedir.Personagem 2 – Ah! Eu prefiro o cheddar, e tu? (G2 – Cena Padeiro e cliente na padaria)
● Personagem 1 – prazer, eu sou o Bruno, ele é o Walter.
Personagem 2 – PrazerPersonagem 3 – Prazer, Carla. Eu cheguei hoje de viagem, e você? (G2 – Cena Pessoas se conhecendo)
● Personagem 1 – Amor, eu e a Paula fomos promovidos!
Personagem 2 – Que bom! Mas... tu e ela vão trabalhar juntos. (G4 – Cena Casal na rua)
● Personagem 1 – Tô com fome. Vamos almoçar antes de ir.
Personagem 2 – Sim. Eu gosto do Tacos, e você? (G4 – Cena Amigos indo almoçar)
61
4.3.3. Procedimentos
Antes de iniciar o experimento, os participantes preenchiam uma ficha com
informações pessoais como idade, sexo, bairro onde mora e onde nasceu para o controle
das características sociais. Todos os participantes eram instruídos oralmente e por
escrito sobre como proceder em relação à tarefa a ser realizada. Nesse momento, eu
explicava que eles assistiriam a cenas diversificadas, com diálogos dublados criados
especificamente para o teste, e deveriam atribuir uma nota (de 1 a 5) considerando a
naturalidade e adequação dos diálogos em relação à cena6. Além da explicação, eu
frisava a importância de não considerar a norma padrão ou a prescrição escolar e pedia
que respaldassem a sua avaliação na língua oral, comum e cotidiana, naquela que
estavam acostumados a ouvir.
Antes de iniciar o teste, os participantes, já com fones de ouvido, participavam
de um treinamento que consistia em 4 cenas distratoras com o mesmo modelo do
experimento para que se habituassem à tarefa que deveriam desempenhar.
Depois de me certificar que o participante havia compreendido a tarefa, eu dava
início ao experimento que, diferentemente do treinamento, ocorria sem que eu estivesse
presente para que o participante se sentisse confortável para julgar as cenas.
Durante o experimento, as cenas, que duravam em média 7 segundos, se
apresentavam de forma randômica e ao final de cada uma delas aparecia uma tela com
os números da escala (de 1 a 5) e um ponto de interrogação e, para atribuir a nota, os
participantes deveriam pressionar as teclas com os números correspondentes à escala.
Como as cenas não poderiam ser pausadas, nem era possível assisti-las novamente, para
que os participantes estivessem atentos surgia uma tela branca, entre o julgamento de
uma cena e o início de outra, que só desaparecia quando o participante pressionava a
tecla enter para passar para a próxima.
O experimento, programado no Psyscope X B77 (COHEN et al., 1993) e rodado
no modelo Macbook Pro com monitor de 15” (Apple, Macintosh), foi aplicado durante
o mês de dezembro de 2018 e março de 2019 no gabinete de trabalho do NELEXP7.
6Naturalidade era definido como aquilo que soa natural, que não causa estranhamento aos participantes e adequação era explicado como aquilo que se adequava à situação da cena, à interação entre os personagens, considerando que tipo de relação os personagens desempenhavam na cena. 7 Núcleo de Estudos em Linguística Experimental, coordenado pelos professores Thiago Laurentino de Oliveira (UFRJ) e Célia Lopes (UFRJ)
62
Localizado na sala D58 da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, o gabinete foi considerado adequado por se tratar de um ambiente silencioso e
isolado, de forma que os participantes poderiam se manter concentrados durante toda a
realização do teste, que durava cerca de 10 minutos.
4.4. Experimento 2
O segundo teste é um questionário de avaliação com base na técnica matched-
guise (LAMBERT et al. 1960). A técnica visa a identificar as atitudes sociais
relacionadas a indivíduos a partir da sua voz. Para identificar essas atitudes, os
pesquisadores gravaram indivíduos bilíngues falando o mesmo texto em duas versões,
inglês e francês. As gravações foram expostas a falantes monolíngues de inglês ou de
francês sem que esses soubessem que as vozes se repetiam e, dessa forma, as avaliavam
como se fossem sempre indivíduos diferentes, de maneira que puderam identificar que
algumas características sociais são relacionadas à língua falada pelo indivíduo.
Essa técnica permitiu que diversos pesquisadores comparassem não só as
características associadas a diferentes línguas e a diferentes variedades como também a
variantes fonéticas e morfossintáticas, como observado no trabalho de Moyna e
Loureiro-Rodríguez (2017), no qual me baseei para elaborar o segundo teste.
No referido trabalho, as autoras utilizaram a técnica matched-guise para
identificar as atitudes relacionadas às formas de tratamento no espanhol de Montevidéu.
Para tanto, as autoras gravaram 4 sujeitos falando um mesmo texto em 3 versões,
denominadas 1) tuteo, com pronome e verbo na 2SG (tu tienes); 2) voseo, com pronome
e verbo na segunda pessoa do plural (2PL) (vós tenés) e 3) híbrido, com pronome na
2SG e verbo na 2PL (tu tenés). As 12 gravações, além de outras 4 distratoras, gravadas
por outros indivíduos, foram expostas a falantes montevideanos que as avaliavam
considerando atributos como: muito uruguaio/montevideano, honesto, generoso, cortês,
moderno, educado, rico, os quais se apresentavam com o seu antônimo.
No presente teste, eu criei um parágrafo com 29 palavras que apresentava os
pronomes de 2SG duas vezes, uma na frase inicial, outra na última frase. Em seguida,
selecionei falantes da variedade carioca do PB para gravá-lo. Esse parágrafo se
apresentava em 4 versões, de acordo com as possibilidades de realização dos pronomes
e verbos correspondentes no Rio de Janeiro, além de uma versão controle, com a forma
tu combinada a verbo com desinência de 2SG (tu-2SG).
63
Versão 1 (tu): Oi, Laura. Tu pode comprar o ingresso do filme pra mim? Eu acabei me
atrasando e vou chegar em cima da hora. Tu sabe onde é o cinema, né?
Versão 2 (você): Oi, Laura. Você pode comprar o ingresso do filme pra mim? Eu acabei
me atrasando e vou chegar em cima da hora. Você sabe onde é o cinema, né?
Versão 3 (você/tu): Oi, Laura. Você pode comprar o ingresso do filme pra mim? Eu
acabei me atrasando e vou chegar em cima da hora. Tu sabe onde é o cinema, né?
Versão 4 (tu-2SG): Oi, Laura. Tu podes comprar o ingresso do filme pra mim? Eu
acabei me atrasando e vou chegar em cima da hora. Tu sabes onde é o cinema, né?
Cada versão foi gravada por quatro falantes diferentes, nascidos e habitantes da
cidade do Rio de Janeiro, sendo dois homens e duas mulheres, com ensino superior
completo ou cursando, com idades entre 21 e 27 anos. Dessa forma, o teste apresentou o
total de 16 máscaras, que foram gravadas como áudio do aplicativo Whatsapp.
Posteriormente foram editadas para eliminar ruídos que pudessem atrapalhar a audição
e, por fim, foram salvas como arquivo de vídeo no formato MP4 para que pudessem ser
acrescentadas à plataforma de formulários do Google, que só permite arquivos de vídeo.
As máscaras foram distribuídas em dois grupos, como demonstra o esquema a
seguir.
Grupo 1 H1-VT M2-T H2-TC M1-V H1-TC M2-V H2-VT M1-T Grupo 2 M1-VT H2-T M2-TC H1-V M1-TC H2-V M2-VT H1-T
Quadro 068: distribuição dos falantes e variantes nos grupos 1 e 2
Para que os participantes pudessem avaliar as 16 gravações, criei uma lista com
12 características, baseada principalmente no trabalho de Moyna e Loureiro (2017) e
Carvalho (2018), postulei uma lista de 12 características (qualidades) que julguei
pertinentes para tipificar a fala carioca. Dentre elas, três se relacionavam à identidade
nacional e regional (carioca, suburbano e favelado) três à solidariedade (honestidade,
intimidade e formalidade), três a status (rico, trabalhador, letrado) e três a atrativo
pessoal (elegante, cortês, velho). Os atributos eram apresentados com o seu
correspondente oposto (muito/pouco carioca, honesta/desonesta) e os participantes
8 H = homem; M = mulher; VT = você/tu; T = tu; TC = tu-2SG; V= você.
64
deveriam avaliar o falante de acordo com uma escala contínua de 5 pontos, como
demonstro a seguir (ver lista completa em anexo C).
Figura 03: escala de diferenciais semânticos
A seguir, apresento os resultados obtidos a partir dos dois experimentos
descritos nesta seção.
65
5. RESULTADOS
No presente capítulo, apresento os resultados dos dois experimentos aplicados.
Na primeira parte, discuto os resultados do Experimento 1, no qual os falantes julgaram,
em cenas dubladas, os pronomes de 2SG em diferentes tipos de relação interpessoais. A
finalidade do experimento é analisar se o tipo de relação e o tipo de frase condicionam o
julgamento dos participantes para as formas de 2SG, que seria medido pela atribuição
de notas mais altas ou mais baixas para as cenas controladas. Na segunda parte do
capítulo, exponho os resultados do Experimento 2, elaborado com a técnica matched-
guise, e que contou com a avaliação das formas de 2SG em áudios. Também pretendo
mostrar se o uso dos pronomes de 2SG é associado a índices sociais como ‘carioquice’,
‘juventude’, ‘formalidade’, entre outros.
De acordo com a hipótese sustentada, os falantes cariocas considerariam o uso
de tu mais adequado em situações de relações simétricas e menos adequado em relações
assimétricas enquanto o pronome você seria considerado adequado independente do tipo
de relação. Além disso, no segundo experimento, a forma mais marcada tu seria
considerada como muito carioca, informal, utilizada por moradores do subúrbio e
empregada por jovens. A forma não marcada, você, seria, por sua vez, associada a
índices sociais neutros e/ou de maior formalidade: pouco carioca, formal, utilizada por
moradores da zona sul e por pessoas mais velhas. O uso das duas variantes (você/tu) na
mesma sentença apresentaria uma avaliação próxima à de tu, uma vez que tal pronome é
mais marcado em relação à outra variante. Por fim, o uso de tu com concordância seria
associado a falantes menos cariocas, mais letrados e mais elegantes.
66
5.1. Resultados do Experimento 1: julgamento de adequação sociolinguística
5.1.1. Participantes do Experimento 1
O experimento contou com a participação de 40 alunos do curso de Letras da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, a maior parte do primeiro período. Esses
participantes, nascidos e/ou moradores da região Metropolitana do Rio de Janeiro9,
eram 30 mulheres e 10 homens entre 17 e 40 anos de idade, sendo 25 da Zona Norte, 11
da Zona Oeste, 2 da Zona Sul10, 1 do município de São Gonçalo e 1 de Nova Iguaçu. A
distribuição por grupos pode ser observada na tabela a seguir.
Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4
Sexo Mulheres 8 9 7 6 Homens 2 1 3 4
Localidade (ZONA)
Norte 4 5 9 7 Oeste 4 4 1 2 Sul 1 1 --- ---
Outros 1 --- --- 1 Tabela 01: distribuição dos participantes do experimento 1 por grupo
Os participantes dos Grupos 1 e 2 assistiram a cenas de relações assimétricas
com diferenças em termos dos padrões frasais postulados. Enquanto os participantes do
grupo 1 julgaram frases com verbo, os do grupo 2 analisaram frases sem verbo. A
mesma divisão ocorreu nos outros dois grupos, com cenas de relações simétricas: os
participantes do grupo 3 julgaram frases com verbo e os do grupo 4, frases sem verbo.
Os pronomes tu e você eram vistos por todos os participantes. O quadro a seguir
apresenta essa divisão.
9Um participante do grupo 3 e uma do grupo 1 nasceram fora do estado mas moram no município do Rio de Janeiro há 28 e 15 anos respectivamente. Todos os outros nasceram e moram na região metropolitana do Rio de Janeiro. 10Bairros da Zona Norte: Irajá, Marechal Hermes, Estácio, Ilha do Governador Penha, Jardim Guanabara, Parque Anchieta, Riachuelo, Vila da Penha, Andaraí, Campinho, Bonsucesso, São Francisco Xavier, Encantado, Cavalcanti, Cascadura, Rocha Miranda, Cocotá, Pavuna; Zona Sul: Humaitá, Copacabana; Zona Oeste: Realengo, Taquara, Santa Cruz, Campo Grande, Guaratiba, Barra, Jacarepaguá , Magalhães Bastos, Bangu.
67
Grupo 1
tu ou você relações assimétricas –
frases com verbo 8 cenas experimentais + 16 distratoras
10 participantes
Grupo 2
tu ou você relações assimétricas
frases sem verbo 8 cenas experimentais + 16 distratoras
10 participantes Grupo 3
tu ou você
relações simétricas – frases com verbo
8 cenas experimentais + 16 distratoras 10 participantes
Grupo 4
tu ou você relações simétricas –
frases sem verbo 8 cenas experimentais + 16 distratoras
10 participantes Quadro 06: divisão dos grupos por condições experimentais, quantidade de cenas e participantes.
Essa divisão foi necessária por dois motivos: a extensão-duração do teste e a
identificação do fenômeno observado. O experimento conta com 32 estímulos
experimentais e, no protocolo das pesquisas em psicolinguística, indica-se que o uso do
dobro de distratores para a quantidade de itens experimentais. No presente experimento,
seriam 64 distratores para 32 estímulos, resultando em 96 cenas a serem analisadas por
cada participante. Essa quantidade de cenas num só grupo seria inviável, porque tornaria
o experimento longo e cansativo para os participantes. Dessa forma, a divisão em quatro
grupos tornou o experimento mais rápido e menos cansativo, o que permite que um
maior número de voluntários se interesse em participar e diminui o risco de o
participante se desgastar ao julgar o estímulo.
Além disso, considerando que o Experimento 1 é um teste de percepção, ou seja,
busca um julgamento inconsciente do falante, é fundamental que os participantes não
identifiquem o fenômeno, por isso são inseridos tantos estímulos distratores. Sendo
assim, a divisão em 4 grupos foi necessária também por esse motivo, pois tornou mais
difícil que o participante reconhecesse o fenômeno em análise, já que ele observava
apenas 4 cenas contendo o pronome tu e 4 contendo o pronome você, além de 16 cenas
que funcionaram como distratores. Na próxima seção, apresento os resultados do
julgamento desses participantes para as frases que continham os pronomes de 2SG.
5.1.2. O julgamento dos participantes para as cenas dubladas
Os dados fornecidos pelos participantes foram organizados em planilha do excel
para que, posteriormente, fosse realizado o tratamento estatístico por meio da
plataforma R. Apresento inicialmente as variáveis que foram consideradas
68
estatisticamente relevantes (relação social e tipo de frase), para, na sequência, analisar
as que foram também controladas, mas não apresentaram resultados estatísticos
significativos (gênero e localidade dos participantes).
Baseada em trabalhos que apontam o uso de tu em situações de maior intimidade
e informalidade entre os falantes (RUMEU, 2004; LOPES E DUARTE, 2007 ; SOUZA,
2012; PAREDES SILVA, 2003; SANTOS, 2012) e nos resultados de trabalho anterior
(CARVALHO, 2017) em que detectei interferência do tipo de relação no julgamento de
falantes cariocas para as formas de 2SG, minha hipótese principal para este trabalho era
a de que haveria influência do tipo de relação presente nas cenas no julgamento dos
participantes em relação aos pronomes de 2SG: o pronome tu receberia julgamentos
mais positivos quando inserido em contexto de relação simétrica do que nas relações
assimétricas; já a forma neutra (você) seria avaliada positivamente pelos participantes
nos dois tipos de relação. Além disso, os julgamentos do pronome você seriam mais
positivos em relação aos julgamentos de tu.
O gráfico 01 é um boxplot (“gráfico de caixas”) que apresenta a concentração
das notas dos julgamentos dos participantes correlacionando os pronomes com o Tipo
de Relação. As caixas representam a maior concentração das notas, os pontilhados, a
dispersão e os pequenos círculos são os outliers, isto é, os valores atípicos no gráfico
(ocorre quando alguma nota foi dada raras vezes para a condição em questão). Já as
linhas em destaque (negrito) são as medianas, o valor central de um conjunto de valores
dispostos em ordem crescente ou decrescente, e indicam a tendência central das notas
atribuídas; ou seja, considerando a escala de 1 a 5, se a mediana for 5 ou 4, a condição
recebeu uma avaliação positiva, se for 1 ou 2, a condição recebeu uma avaliação
negativa e, por outro lado, se a mediana for 3, o julgamento ficou mais próximo do
ponto neutro. As quatro caixas do gráfico 01 representam por ordem: 1) o pronome tu
em relações assimétricas, 2) o pronome tu em relações simétricas, 3) o pronome você
em relações assimétricas e 4) o pronome você em relações simétricas, como está
indicado nas legendas abaixo do gráfico, que aparecem sobre a indicação das médias de
cada variante pronominal-relação. Vejamos, então, o que o Gráfico 01 nos mostra:
69
A análise do Gráfico 01 demonstra que o pronome você foi avaliado de forma
mais positiva em relação ao pronome tu, pois, como é possível observar, a mediana
atinge o ponto mais alto da escala (nota 5) para os dois tipos de relação, com médias
bem próximas: 4,1 para você-assimétrico e 4,4 para você-simétrico. Além disso, as
caixas da forma você se concentram na parte superior do gráfico nos dois tipos de
relação. Os julgamentos do pronome tu, por outro lado, considerando os dois tipo de
relação, apresentam medianas 3 e 4 (ambas abaixo da variante você) e médias abaixo de
4 (3,9 e 2,9).
Destaca-se, ainda, que o padrão dos julgamentos para o pronome tu é diferente
quanto ao tipo de relação. Enquanto a caixa de tu em relações assimétricas se concentra
em uma parte intermediária do gráfico, entre 2 e 4, e sua mediana é 3, nas relações
simétricas os julgamentos de tu se concentram entre 3 e 5 e a mediana é 4. Isso significa
que o pronome tu foi avaliado positivamente nas relações simétricas, enquanto que, nas
relações assimétricas, recebeu um julgamento mais neutro. A forma você, por outro
lado, parece não ter recebido julgamentos diferentes de acordo com o tipo de relação
tendo, nos dois casos, mediana 5, como mencionado anteriormente. Uma (sutil)
diferença é identificada nas relações assimétricas em que a concentração e dispersão das
notas foi maior.
Médias: 2,9 3,9 4,1 4,4
Gráfico 01: julgamento dos participantes para os pronomes de 2SG em função do tipo de relação
70
Para identificar se as diferenças observadas entre as notas dadas para os
pronomes de acordo com o tipo de relação são estatisticamente significativas, realizei os
testes de Wilcoxon11, método não paramétrico de comparação de médias e variância de
duas amostras pareadas, para confrontar as diferenças das notas. Esse teste estatístico
indica a significância das diferenças comportamentais apresentadas com base no p-
valor, de forma que são consideradas diferenças significativas aquelas em que o p-valor
é igual menor que 0,05 (p < 0,05) e não significativas quando o p-valor é maior do que
0,05 (p > 0,05). A significância indica se a diferença observada é ou não aleatória, isto
é, se aconteceu ou não ao acaso. Como esperado, a única diferença que não se mostrou
significativa foi a de você-simétrico vs. você-assimétrico (p > 0,05). Tanto as diferenças
entre tu e você (tu-simétrico x você-simétrico: p < 0,01; tu-assimétrico x você-
assimétrico: p < 0,0000000001) quanto a diferença entre os tipos de relação para o
pronome tu (tu-simétrico vs. tu-assimétrico: p <0,0000001) se mostraram significativas.
Sendo assim, é possível afirmar que o tipo de relação não interfere no julgamento do
pronome você, que é significativamente mais bem avaliado do que o pronome tu e,
ainda, quando inserido em contextos de relação simétrica, o pronome tu é
significativamente mais bem avaliado do que quando se insere em relações assimétricas.
5.1.3. Resultados do julgamento para os pronomes por ‘tipo de frase’:
investigando a questão da concordância
O gráfico 02, também um boxplot, traz as informações sobre o julgamento dos
pronomes em função do tipo de frase.O objetivo era controlar se as avaliações mais
negativas para o tu em relação ao você estariam relacionadas à forma em si ou ao fato
de o verbo não apresentar desinência verbal canônica de segunda pessoa. Por essa razão,
elaborei frases com e sem verbo para tentar observar se a falta da desinência verbal
levaria a um julgamento negativo. Como mencionado anteriormente, as frases contendo
os pronomes apresentavam dois padrões: com verbo, quando havia relação direta entre o
pronome e o verbo (mas tu precisa do visto); e sem verbo, quando o pronome se
encontrava em uma estrutura de coordenação e o verbo era omitido (eu prefiro cheddar,
e tu?) ou quando o pronome era parte de um sujeito composto e o verbo não se
relacionava diretamente a ele (sim, tu e ela podem deixar as bolsas). Minha hipótese
11 A fórmula utilizada para essa testagem no programa R foi: wilcox.test(NOTA ~ RELACAO) com os dados de tu e com os dados de você separadamente.
71
para a variável ‘tipo de frase’ era a de que o julgamento positivo/negativo do pronome
tu não estaria relacionado à falta de concordância canônica, uma vez que: em trabalho
anterior (Carvalho, 2017), identifiquei julgamentos positivos para esse pronome em
alguns dos contextos controlados. Considerando a (falta de) concordância verbal como
um fenômeno estigmatizado que gera avaliações extremamente negativas, era de se
esperar que, se a questão do tu fosse a concordância, tal pronome não deveria receber
avaliações positivas.
No gráfico 02, as condições aparecem na seguinte ordem: 1) tu com verbo, 2) tu
sem verbo, 3) você com verbo e 4) você sem verbo. Observemos o gráfico 02:
A distribuição presente no gráfico indica que o julgamento do pronome você não
sofreu interferência da variável tipo de frase, o que pode ser notado pelo padrão visual
do gráfico, com a mesma concentração (de 4 a 5), mesma dispersão (de 4 a 3) e mesma
mediana (5), além de médias bastante próximas (4,3 e 4,2). Já o julgamento do pronome
tu apresentou padrões diferentes de acordo com o tipo de frase, uma vez que a
concentração das notas para tu com verbo se posiciona numa parte superior do gráfico
(de 3 a 5) em relação a tu sem verbo (de 2 a 4), com mediana superior (4 para tu com
verbo, 3 para tu sem verbo), porém as médias são relativamente próximas (3,6 e 3,2),
apesar de tu com verbo ter sido superior também nesse quesito.
Médias: 3,6 3,2 4,3 4,2
Gráfico 02: julgamento dos participantes para os pronomes de 2SG em função do tipo de frase.
72
Nesse caso, também foram realizadas as análises estatísticas por meio do teste
Wilcoxon12, que demonstrou que não houve diferença significativa para o pronome você
quanto ao tipo de frase (p > 0,05). Já no confronto entre tu com verbo e tu sem verbo
houve diferença significativa (p < 0,05); porém, os resultados indicaram um julgamento
mais positivo para as frases com verbo (aquelas em que havia falta de concordância
canônica) do que para as frases sem verbo, o que parece indicar que a percepção do
pronome tu pode não estar relacionada à falta de concordância canônica. Essa questão
do pronome tu relacionado ao tipo de frase ficará mais clara na próxima seção, em que
faço uma análise qualitativa do pronome tu.
5.1.4. Resultados segundo o sexo e a localidade dos participantes: variáveis
grupais
Para identificar se havia alguma influência do perfil dos participantes no
julgamento dos pronomes, calculei a avaliação dos pronomes de acordo com o sexo
(masculino e feminino) e a região (Zona Norte e Zona Oeste) dos participantes. O
gráfico 03 traz as informações relacionadas ao sexo dos participantes e as caixas se
apresentam na ordem: 1) tu-feminino, 2) tu-masculino, 3) você-feminino, 4) você-
masculino.
12 A fórmula utilizada para essa testagem no programa R foi: wilcox.test(NOTA ~ TIPO.FRASE) com os dados de tu e com os dados de você separadamente.
Gráfico 03: julgamento dos participantes para os pronomes de 2SG em função do sexo.
73
Minha expectativa era a de que o sexo dos participantes não influenciasse no seu
julgamento quanto às formas de 2SG, uma vez que, mesmo os estudos com base em
dados de uso apontando para uma diferença em relação a essa variável (PAREDES-
SILVA, 2000; SANTOS, 2012), em trabalho anterior sobre a percepção das formas de
2SG (CARVALHO, 2017) não houve diferença de julgamento de acordo com o sexo
dos participantes para as cenas dubladas. Dessa forma, como no presente trabalho lido
com a percepção e não com o uso, compreendo que seja mais provável que o
comportamento observado em estudo de percepção se mantenha.
Com base no gráfico 03, o julgamento dos participantes do sexo feminino e do
sexo masculino se mostrou semelhante, com as mesma medianas tanto para tu (3)
quanto para você (5). O que diferencia os julgamentos é a concentração das notas, que
foi maior para as mulheres (de 2 a 5) em relação aos homens (de 2 a 4) para o pronome
tu e, no caso do pronome você, o oposto aconteceu, havendo uma concentração maior
para os homens (próximo de 3 até 5) do que para as mulheres (de 4 a 5).
O gráfico 04 representa a região dos participantes e as caixas se organizam em:
1) tu-Zona Norte, 2) tu-Zona Oeste, 3) você-Zona Norte, 4) você-Zona Oeste. Vejamos
os gráficos:
Em relação à região, a minha hipótese era a de que haveria diferença
significativa para o julgamento dos participantes de acordo com a sua localidade,
principalmente considerando as diferenças sociais entre regiões mais nobres e menos
nobres da cidade. Como observado por Santos (2012), os informantes da Zona Oeste
Gráfico 04: julgamento dos participantes para os pronomes de 2SG em função da Região.
74
foram favorecedores do uso de tu em relação aos informantes da Zona Norte. Sendo
assim, a minha expectativa era a de que os participantes da Zona Oeste julgariam mais
positivamente o pronome tu do que os da Zona Norte.
O julgamento do pronome você, de acordo com a região dos participantes,
apresentou o mesmo padrão, com a mesma concentração (de 4 a 5) e a mesma dispersão
(de 3 a 4). Já o julgamento do pronome tu apresentou algumas diferenças de acordo com
a região do participantes, de forma que a concentração para os participantes da Zona
Norte é maior e se encontra numa parte superior da escala (entre 2 e 3 até 5) em relação
aos participantes da Zona Oeste (entre 2 e 4) e, além disso, as medianas são diferentes
(4 para Zona Norte e 3 para Zona Oeste).
Para identificar se as diferenças apresentadas foram estatisticamente
significativas, realizei o teste de Wilcoxon considerando as duas variáveis grupais
(Sexo13 e Região14), além dos pronomes de 2SG. Os testes estatísticos demonstraram
que não houve diferença significativa no julgamento dos pronomes em relação às
variáveis sociais controladas. Isto é, nem o sexo dos participantes (tu-feminino vs. tu-
masculino: p > 0,05; você-feminino vs. você masculino: p > 0,05) nem a sua região (tu-
Zona Norte vs. tu-Zona Oeste: p > 0,05; você-Zona Norte vs. você-Zona Oeste: p >
0,05) influenciou no julgamento para as formas de 2SG.
Cabe ressaltar, porém, que não houve um equilíbrio entre a quantidade de
participantes por sexo nem por região, de forma que havia mais participantes do sexo
feminino do que masculino e mais moradores da Zona Norte em relação à Zona Oeste.
Além disso, apenas dois moradores da Zona Sul participaram do teste de forma que não
puderam entrar no cálculo. Talvez um controle mais rigoroso do perfil dos participantes
e a participação de mais moradores de áreas nobres do Rio de Janeiro proporcionassem
diferenças significativas em relação ao julgamento dos participantes.
Como os resultados acerca do julgamento do pronome tu se mostraram
relevantes do ponto de vista do tipo de relação e do tipo de frase em que tal forma se
inseria, trago, a seguir, a análise qualitativa do pronome tu, na qual examino os
julgamentos obtidos para cada cena.
13 Fórmula: wilcox.test(NOTA ~ SEXO) aplicada aos dado de tu e com os dados de você separadamente. 14 Fórmula: wilcox.test(NOTA ~ REGIAO) aplicada aos dados de tu e com os dados de você separadamente.
75
5.1.5. Análise qualitativa das cenas com pronome tu
Como observado na seção anterior, as cenas de frases com verbo e de relações
simétricas com pronome tu receberam julgamentos mais positivos do que as cenas de
frases sem verbo e relações assimétricas, respectivamente. Esse motivo já seria o
suficiente para estimular uma análise mais detalhada das cenas, porém, outras
justificativas tornam esta análise ainda mais interessante: o resultado inesperado de as
frases com verbo terem sido julgadas como mais positivas em relação às frases sem
verbo, indicando a interferência de algum outro fator, que não a concordância, para essa
variável; além disso, os resultados referentes às relações assimétricas para tu indicaram
que os participantes tiveram alguma insegurança em suas avaliações, uma vez que as
notas ficaram em um intervalo maior entre um julgamento negativo (nota 2) e um
positivo (nota 4) com mediana próxima de 3. Tal resultado pode sinalizar que as cenas
apresentadas como assimétricas poderiam apresentar diferenças entre si o que mereceria
uma análise mais detalhada.
Dessa maneira, é possível supor que o julgamento para o pronome tu, forma que
demonstrou ter sua percepção condicionada pelas variáveis mencionadas anteriormente,
será diferente de uma cena para outra. Exponho, na tabela 02, as médias de notas
atribuídas a cada cena contendo o pronome tu, tendo em vista o tipo de relação e o
padrão das frases (com verbo vs. sem verbo):
Relações assimétricas Cena Descrição Média com
verbo Classificação Média
sem verbo Classificação
asstu01 Recepcionista e hóspede no hotel 2,6 4º 2,7 2º asstu02 Padeiro e cliente na padaria 3,7 1º 3,2 1º asstu03 Atendente e passageiro no check-in 3,2 2º 2,2 4º asstu04 Funcionária antiga e nova no 1º dia
de trabalho 3,1 3º 2,6 3º
Relações simétricas Cena Descrição Média com
verbo Classificação Média
sem verbo Classificação
simtu01 Amigas na lanchonete 3,8 4º 3,6 2º simtu02 Casal no shopping 4,6 1º 4,3 1º simtu03 Casal conversando na rua 3,9 3º 3,2 4º simtu04 Amigos no trabalho 4 2º 3,5 3º
Tabela 02: Médias e classificação das cenas contendo o pronome tu.
Na tabela 02, dois aspectos chamam atenção: a diferença nos valores médios
para cada cena por tipo de relação e a as médias mais baixas para as frases sem verbo
76
em comparação com as frases com verbo. Para o primeiro ponto, é possível observar,
por exemplo, que a cena mais bem avaliada nas relações assimétricas em frases com
verbo obteve média 3,7 (asstu02) enquanto asstu01 obteve 2,6 de média. Quanto à
segunda questão, uma diferença grande se observa na cena asstu03, que tem média
maior na frase com verbo (3,2) do que na frase sem verbo (2,2).
Para melhor compreender essa distinção, trago, na tabela 09 as frases que
compuseram o experimento 1, contendo o pronome tu:
Tabela 03: Frases das cenas contendo o pronome tu.
Os critérios, adequação e naturalidade, utilizados pelos participantes para
fornecer o julgamento se configuram como possíveis respostas para as médias mais
baixas relacionadas às frases sem verbo. Como mencionado anteriormente, o primeiro
critério se refere à adequação dos diálogos em relação aos contextos sociointeracionais
presentes nas cenas e, o segundo, àquilo que soa natural aos participantes, isto é, o que
eles estão acostumados a ouvir e não causa estranhamento. Foram esses os critérios que
os participantes tinham que levar em conta na análise das frases do experimento, ou,
pelo menos, foram as orientações que foram dadas a eles antes do experimento.
Com base nesses critérios, ao que parece, nas cenas em que havia frases sem
verbo, os participantes foram mais sensíveis à naturalidade das frases e por isso
julgaram de forma mais negativa as cenas com frases sem verbo, porque provavelmente
Cena Frases com verbo Média asstuc01 Sim, tu pode deixar as bolsas 2,6 asstuc02 Tu pode experimentar se quiser. 3,7 asstuc03 Mas tu precisa do visto. 3,2 asstuc04 Tu deve aguardar até as 10. O diretor está em reunião. 3,1 simtuc01 Mas tu paga 3,8 simtuc02 Ah... tu tá com ciúme. 4,6 simtuc03 Que bom, mas agora tu vai trabalhar com ela. 3,9 simtuc04 Que ótimo, então. Tu vai adorar a cidade. 4
Cena Frases sem verbo Média asstus01 Sim, tu e ela podem deixar as bolsas. 2,7 asstus02 Eu prefiro o cheddar, e tu? 3,2 asstus03 Tem que ser tu mesmo. 2,2 asstus04 Nem tu nem eu teremos trabalho hoje. O diretor faltou. 2,6 simtus01 Ah...tu mesma. 3,6 simtus02 Mais bonito que tu, chato. 4,3 simtus03 Que bom, mas tu e ela vão trabalhar juntos. 3,2 simtus04 Ah... tu e o Carlos sempre foram os melhores. 3,5
77
as consideraram menos naturais. Dessa forma, para as cenas de frases sem verbo, além
da adequação, a naturalidade pode ter influenciado o julgamento dos participantes, o
que não aconteceu (ou aconteceu de maneira menos evidente) nas cenas de frases com
verbo. Cabe ressaltar, porém, que essa explicação carece de confirmação e, para
evidenciar essa questão de forma mais precisa seria necessário desenvolver um novo
teste, voltado para a naturalidade das frases.
Como os tipos de relações interpessoais não podem ser analisadas como
categorias discretas, é possível propor um continuum do tipo de relação. Por terem tido
as avaliações mais positivas no nosso experimento, serão consideradas as cenas de
frases com verbo. A ideia é organizar as cenas em um continuum que vai de um polo [+
assimétrico] a um polo [+ simétrico]. Como o pronome tu é considerado mais adequado
nas relações simétricas do que nas assimétricas, proponho hierarquizar como [+
assimétrico] as cenas com as médias mais baixas (aquelas em que o tu foi considerado
menos adequado) e [+ simétrico] as cenas com as médias mais altas (em que o tu foi
considerado mais adequado). Assim, a posição das cenas no continuum estaria associada
aos resultados obtidos no experimento, como mostro a seguir:
+ assimétrico + simétrico asstu01 asstu04 asstu03 asstu02 simtu01 simtu03 simtu04 simtu02
2,6 3,1 3,2 3,7 3,8 3,9 4 4,6 Tabela 04: continuum das cenas simétricas e assimétricas de acordo com as médias.
Obviamente, a ordenação das cenas no continuum a partir das médias não pode
ser postulada de maneira tão rígida porque leva em conta uma avaliação subjetiva dos
participantes. Partindo das relações assimétricas em direção às simétricas, há cenas
intermediárias (asstu04 e asstu03) que obtiveram médias muito próximas, com uma
diferença mínima de 0,1, o que não permite indicar com precisão qual delas ocuparia, de
fato, a segunda e a terceira posições no continuum. Dessa forma, compreendo que as
duas ocupam a mesma posição, manterei essa ordem apenas por uma questão de
ilustração. O mesmo aconteceu com as três primeiras cenas de relação simétrica e,
assim sendo, também as considero como correspondentes de um mesmo ponto do
continuum.
Para melhor visualização da proposta de gradação das cenas e visando a analisá-
las de forma mais detalhada, trago o continuum dividido por polos com imagens de cada
cena e as frases correspondentes contendo o pronome tu, uma vez que o tema tratado
78
nas cenas também contribui para a construção do tipo de relação estabelecido.
Comecemos pelo continuum de assimetria.
Figura 03: continuum das cenas assimétricas com pronome tu.
A cena que recebeu as notas mais baixas e, consequentemente, se encontra no
ponto extremo do continuum [+assimétrico] é a que denominei de “Recepcionista e
hóspede no hotel”. Nessa cena, um homem e uma mulher estão na recepção de um hotel
para fazer seu check-in e, sabendo que o check-in ainda não está aberto, o homem pede
para deixar as bolsas na recepção, ao que o recepcionista responde com a seguinte frase
“sim, tu pode deixar as bolsas aqui”.
Na posição intermediária do continuum, se encontram as cenas denominadas de
“Funcionária no 1º dia de trabalho” e “Atendente e passageiro no check-in”. A primeira
expõe um mulher chegando num escritório e se apresentando a uma outra mulher como
nova funcionária. As duas se cumprimentam e, então, a segunda mulher se apresenta e
diz “Tu deve aguardar até as 10. O diretor está em reunião”. Na segunda, a atendente
solicita o visto ao passageiro que deseja fazer check-in e ele diz que não sabia dessa
informação, a atendente, então, afirma “Mas tu precisa do visto”.
Por fim, a cena que se encontra no extremo [- assimétrico] do continuum é
“Padeiro e cliente na padaria”. Essa é uma cena em que o cliente, com uma expressão
confusa, diz que está na dúvida sobre qual queijo pedir e o padeiro responde “Tá bom!
Tu pode experimentar se quiser”.
Padeiro – Tá bom! tu pode experimentar se quiser.
Atendente – Mas tu precisa do visto.
Funcionária antiga – Tu deve aguardar até as 10. O diretor está em reunião.
Recepcionista – Sim, tu pode deixar as bolsas aqui.
Recepcionista e hóspede no hotel
Funcionária no1º dia de trabalho
Atendente e passageiro no check-in
Padeiro e cliente na padaria
Assimetria
+ Assimétrico - Assimétrico
79
Para aprofundar a discussão e compreender por que o continuum se constitui
nessa ordem mais ou menos flexível, principalmente no que tange às cenas que se
encontram nas partes extremas, retomo os pressupostos discutidos em Briz (2004) sobre
os tipos de relação. Como apresentado anteriormente, o autor caracteriza as interações
sociais, dentre outro aspectos, quanto à relação de solidariedade entre os falantes e
quanto à finalidade da interação.
Considerando tais pressupostos, as cenas “Recepcionista e hóspede no hotel”,
“Atendente e passageiro no check-in” e “Padeiro e cliente na padaria” podem ser
consideradas transacionais quanto à finalidade da interação, uma vez que apresentam
características como maior distância social, direitos e obrigações dos interlocutores
predeterminados, objeto de negociação concreto e alternância de turnos mais regulada.
Entretanto, a cena “1º dia de trabalho” apresenta, ao mesmo tempo, propriedades
tanto de relações transacionais (alternância de turnos mais regulada) quanto de relações
interpessoais (maior aproximação social, maior simetria e participação colaborativa dos
interlocutores). Talvez até se possa considerar que, em alguns casos, não se encaixa
nem em um tipo nem em outro tipo de relação, já que, nessa interação, não há objeto de
negociação concreto e, ao mesmo tempo, não há manutenção do contato entre as
pessoas porque se trata de um primeiro contato.
Sendo assim, quanto à finalidade da interação, essa cena não se enquadra
completamente em um tipo ou outro, mas entre um tipo e outro, se aproximando mais
das relações interpessoais. Dessa forma, era de se esperar, considerando apenas esse
critério, que tal cena estivesse no polo [- assimétrico] e não num ponto intermediário do
continuum, porém, para compreender de forma mais ampla a questão, seria necessário
inclusive recorrer a outro critério postulado por Briz (2004): a solidariedade.
Segundo o autor, as relações solidárias são aquelas em que os interlocutores
apresentam maior proximidade e maior simetria entre si, já as não solidárias seriam
justamente o oposto disso. Para definir o que seriam as relações mais solidárias e as
menos solidárias, o autor determina quatro características relacionadas à proximidade e
três relacionadas à simetria (cf. tabela 01, em 3.4).
Das 4 cenas que representam as relações assimétricas, “Recepcionista e hóspede
no hotel” e “Atendente e passageiro no check-in” correspondem a todas as
características estipuladas como relações – solidárias. Já as cenas “1º dia no trabalho” e
“Padeiro e cliente na padaria” apresentam algumas características que podem colocá-las
como relações mais híbridas. A primeira se enquadra como uma relação de menor
80
proximidade em todas as características apresentadas para esse critério, mas, por outro
lado, se caracteriza por haver + igualdade funcional, + nivelação dos papeis e +
identidade grupal entre as personagens. Na segunda ocorre o oposto, os personagens
apresentam – igualdade funcional, - nivelação dos papeis e – identidade grupal, porém,
no que tange à proximidade, os personagens podem apresentar [+ contato] e até [+
compromisso afetivo], uma vez que estabelecimentos como padarias podem ser
frequentados diversas vezes pelo mesmo cliente que, por sua vez, pode estabelecer uma
relação de maior proximidade com os funcionários.
Com base nessa discussão, levanto as seguintes questões: por que a cena que se
passa na padaria foi avaliada mais positivamente e não a cena de 1º dia no trabalho,
visto que ambas apresentam características que as aproximam das relações mais
solidárias? E, ainda, por que as cenas de recepção de hotel e de check-in no aeroporto
não apresentaram avaliações semelhantes entre si?
Uma resposta possível para a primeira questão pode estar no peso dado à
aproximação entre os falantes para o uso de tu. Ao que parece, o que rege uma maior
aceitação do uso de tu é a proximidade entre os falantes, ao menos de acordo com as
cenas expostas no experimento. Mas há outros aspectos relacionados ao entorno ou à
situação comunicativa em si que precisam ser apontados, como o assunto tratado na
cena e a expressão dos personagens. Estariam, nesse caso, elementos paralinguísticos
como entonação, rapidez elocutiva etc; além de elementos não-linguísticos como gestos
e mímicas concomitantes (KOCH; OESTERREICHER, 2007).
Na cena “1º dia no trabalho”, as personagens sustentam uma postura de gentileza
uma com a outra, mas se apresentam com aperto de mão e o assunto tratado é uma
reunião de trabalho com o diretor da empresa. Em contrapartida, na cena da padaria, o
cliente parece confuso, com um semblante de quem pede ajuda para definir o pedido e o
padeiro mantém uma expressão simpática como quem deseja, de fato, ajudá-lo. Essa
postura pode demonstrar uma aproximação do padeiro em relação ao cliente, o que
permite uma maior aceitação do pronome tu, mesmo numa relação “assimétrica”.
Quanto à segunda questão, a postura dos personagens também pode ter
influenciado na menor aceitação do uso de tu na cena de recepção de hotel. Nessa cena,
tanto o recepcionista quanto o hóspede estão com o semblante bastante sério, o que
parece não permitir qualquer tipo de aproximação entre eles. Já na outra cena, de check-
in no aeroporto, a atendente sustenta um semblante um pouco menos sério e, além disso,
o passageiro comete um deslize por não saber o documento que precisava levar, de
81
forma que a frase em que a atendente utiliza o tu pode ser considerada como algo
próximo de uma reprimenda.
Para a simetria também se pode postular uma escala em um continuum a partir
de aspectos que caracterizam a proximidade comunicativa (KOCH;
OESTERREICHER, 2007) e as relações mais solidárias (BRIZ, 2004):
Simetria
- Simétrico + Simétrico
Figura 04: continuum das cenas simétricas com pronome tu.
Na cena denominada “Amigas na lanchonete”, duas mulheres conversam de
forma descontraída sobre algo que as duas conseguiram conquistar, uma delas sugere
uma comemoração e a outra responde “mas tu paga”. Já a cena “Casal na rua” mostra
um homem informando à namorada que ele e uma colega de trabalho foram promovidos
ao que a namorada responde “Que bom, mas agora tu vai trabalhar com ela” em tom de
decepção. Em “amigos no trabalho”, um homem conta a outro que conseguiu uma
transferência para Miami e o outro responde “Que ótimo, então. Tu vai adorar a
cidade”. Por fim, a cena que recebeu um julgamento mais positivo em relação às demais
foi “Casal no shopping”, na qual um casal está observando uma vitrine e então a mulher
pergunta a opinião do homem sobre um vestido. Ele, em tom de sarcasmo, afirma que
achou o vestido bonito para usar em casa e a mulher responde “Ah... tu tá com ciúme”.
Como observado, tanto em relação ao julgamento quanto às propriedades do
contexto comunicativo, as cenas de relações simétricas parecem apresentar um maior
equilíbrio entre si. As três primeiras cenas apresentaram médias muito próximas: 3.8,
3.9 e 4.0. Todas as cenas se caracterizam por serem interpessoais e [+ solidárias], já que
se tratam de relações entre amigos ou casais. Porém, dentre elas, a cena “namorados no
shopping” se destaca por ter uma média superior às outras (4.6).
Namorada – Que bom, mas agora tu vai trabalhar com ela.
Amiga – Mas tu paga. Amigo – Que ótimo, então. Tu vai adorar a cidade.
Namorada – Ah... tu tá com ciúme.
Amigas na lanchonete Casal na rua Amigos no trabalho Casal no shopping
82
Como descrito anteriormente, nessa cena, o casal de forma bastante
descontraída, implica um com o outro. Em meio à brincadeira, os dois sorriem um para
o outro e a mulher dá um leve tapa no ombro do namorado ao afirmar que ele está com
ciúme. Possivelmente, o que gerou um julgamento mais positivo para essa cena foi o
contexto de forte intimidade e descontração, presente nas outras cenas, embora mais
exacerbada neste diálogo.
5.1.6. Conclusões do experimento 1
Os resultados obtidos no experimento 1 foram importantes para chegar a
algumas conclusões sobre a percepção da variação tu ~ você no dialeto carioca. De
acordo com as minhas previsões, os participantes julgariam de maneira positiva as cenas
contendo o pronome você, independentemente do tipo de relação estabelecido. As cenas
com pronome tu, por outro lado, receberiam julgamentos mais positivos quando
representassem relações simétricas do que quando caracterizassem as relações
assimétricas. Além disso, eu pretendia, com esse experimento, medir se ausência da
concordância no dialeto carioca seria um fator que interferiria no julgamento de tu. Por
fim, para as variáveis sociais, a minha previsão era a de que o sexo não exerceria
influência sobre o julgamento dos participantes, porém, a região dos participantes
exerceria influência sobre o seu julgamento, de maneira que moradores de áreas mais
nobres julgariam o pronome tu de forma mais negativa e moradores de áreas menos
abastadas julgariam mais positivamente. Porém, cabe ressaltar que os participantes se
concentravam, em maioria, entre moradores da Zona Norte e, de forma menos
expressiva, da Zona Oeste.
Os gráficos sobre o Experimento 1 apresentados na seção anterior demonstraram
que as previsões foram parcialmente confirmadas. Quanto ao pronome você, de fato,
nenhuma das variáveis controladas apresentou diferença nos padrões, em alguns casos
sendo exatamente o mesmo, porém alguns pontos relacionados ao pronome tu deixaram
algumas questões em aberto.
Em relação ao pronome tu, identifiquei interferência da variável ‘tipo de
relação’, de forma que os participantes julgaram esse pronome como mais adequado
quando inserido em relações mais simétricas do que em relações assimétricas. Apesar
de nem sempre a percepção corresponder ao uso, esse resultado corrobora estudos
anteriores com base em dados de uso que apontam que o pronome tu está associado a
83
situações de maior informalidade e intimidade entre os falantes (PAREDES SILVA,
2003; SANTOS, 2012).
Quanto ao ‘tipo de frase’, cabe ressaltar que, apesar de ter havido diferença
significativa entre as cenas de frases com verbo e sem verbo para o pronome tu, as
cenas que continham frases com verbo receberam julgamentos mais positivos, o que
indica, ainda assim, que o julgamento do pronome tu não está relacionado à falta de
concordância canônica.
Por fim, quanto às variáveis sociais, nem o sexo nem a região dos participantes
influenciou no seu julgamento, de forma que tanto homens quanto mulheres, bem como
moradores da Zona Norte e da Zona Oeste, apresentaram julgamentos semelhantes para
os dois pronomes segundo as análises estatísticas. Porém, o padrão do gráfico
apresentou algumas diferenças entre homens e mulheres e entre moradores da Zona
Norte e da Zona Oeste. Essa é uma questão que precisa ser melhor analisada, para tanto,
seria interessante replicar o experimento com mais participantes, contando com a
participação de mais homens e considerando o julgamento também de moradores de
áreas como a Zona Sul, para identificar com mais precisão se a região dos falantes
interfere ou não no seu julgamento para o pronome tu.
5.2. Resultados do experimento 2
5.2.1. Os participantes
O experimento contou com a participação de 50 indivíduos nascidos e/ou
residentes15 na região Metropolitana do Rio de Janeiro, 36 participantes se declararam
como sendo do sexo feminino e 12 do sexo masculino, além de 2 que não se
identificaram quanto ao sexo. As idades variam entre 17 e 56 anos e foram divididas em
5 faixas etárias (tabela 05).
15 4 participantes nasceram fora do estado do Rio de Janeiro, mas residem na cidade há ao menos 16 anos.
84
Faixa Idade Quantidade
F1 17-19 11
F2 20-29 18
F3 30-39 8
F4 40-49 5
F5 50-56 5 Tabela 05: distribuição das faixas etárias dos participantes do experimento 2
Além disso, quanto à região, 14 são residentes da Zona Sul, 14 da Zona Norte, 7
da Zona Oeste e 8 de outros municípios da região metropolitana. Essas informações são
apresentadas de forma mais detalhada na tabela 12.
Região do Rio de
Janeiro
Bairro do Rio de Janeiro
Zona Sul Catete (1), Copacabana (2), Cosme Velho (2), Flamengo (2),
Humaitá (1), Laranjeiras (6)
Zona Norte Benfica (1), Bonsucesso (1) Ilha do Governador (4), Irajá (1),
Maria da Graça (1), Méier (1), Parque Anchieta (1), Pavuna (1),
Tauá (1), Tijuca (1), Vila Isabel (1)
Zona Oeste Bangu (1), Campo Grande (2), Jacarepaguá (2), Santa Cruz (1),
Vila Valqueire (1)
Outros Municípios
Outros Duque de Caxias (1), Itaboraí (1), Maricá (1), Mesquita (1),
Petrópolis (1), São Gonçalo (2) Tabela 06: distribuição das regiões dos participantes do experimento 2
5.2.2. Procedimento de análise
O resultado da avaliação dos participantes foi organizada em planilha do excel
na qual foram plotados os gráficos a seguir. Para efeito de análise, foram calculadas as
médias de todos os índices (12) para cada uma das versões controladas (tu, você, você/tu
e tu-2SG). Como descrevi no capítulo de pressupostos teórico-metodológicos, os
participantes avaliaram 4 falas de cariocas (2 homens e 2 mulheres) que utilizaram no
mesmo contexto a combinação de formas: tu com tu, você com você, você com tu e tu-
85
2SG com tu-2SG. O enunciado proferido era o seguinte: Oi, Laura. X pode comprar o
ingresso do filme pra mim? Eu acabei me atrasando e vou chegar em cima da hora. X
sabe onde é o cinema, né?. O X indica o local em que as formas variantes de segunda
pessoa ocorriam.
Os participantes avaliavam os áudios a partir dos índices indicados a seguir:
‘identidade local’ (carioca, Zona Sul/subúrbio, asfalto/favela); ‘solidariedade’
(honesta/desonesta, íntima/distante, formal/informal); ‘status’ (rica/pobre,
trabalhadora/preguiçosa, letrada/iletrada); ‘aparência’ (elegante/desleixada,
cortês/grosseira, jovem/velha). Os resultados gerais serão exibidos em 4 gráficos, que
foram distribuídos de acordo com a classificação de cada índice. Para identificar a
significância dos resultados, foram realizadas as análises estatísticas com o teste de
Kruskal-Walis16 por meio da plataforma R e, assim como nas análises anteriores, o grau
de significância foi definido em 5%, segundo o qual p < 0,05 é estatisticamente
significativo e p > 0,05 é considerado não significativo.
5.2.3. As avaliações subjetivas para as variantes de 2SG
Antes de iniciar a exposição dos resultados, apresento as minhas hipóteses
quanto ao comportamento dos participantes cariocas em relação às variantes
controladas. Em (1) são contempladas as variantes tu e você/tu; em (2), encontram-se
minhas hipóteses para a variante você e, em (3), apresento as minhas expectativas
acerca da variante tu-2SG, que, incomum no dialeto carioca, funciona como uma
espécie de controle em relação à variante tu sem a desinência de 2SG, utilizada no Rio
de Janeiro.
1) As variantes tu e você/tu seriam avaliadas de forma semelhante, uma vez que
você é a forma não-marcada no dialeto carioca sendo bem aceita em diversas situações
enquanto tu é restrito a alguns contextos sociointeracionais e pode sofrer avaliações
mais negativas a depender do contexto. Sendo assim, as duas variantes seriam
associadas a uma fala mais carioca, já que o pronome tu sem a concordância canônica
tem sido observado na fala carioca em estudos sociolinguísticos (PAREDES SILVA,
2003; SANTOS, 2012) e foi associado à fala carioca em trabalho anterior
16 A fórmula utilizada para essa testagem no programa R foi: kruskal.test(ESCALA ~ VARIANTE) em que “ESCALA” se refere às variáveis de diferenciais semânticos (Carioca, intimidade, formalidade etc.) e “VARIANTE” às quatro variantes analisadas (tu, você, você/tu e tu-2SG)
86
(CARVALHO, 2018). Além disso, essas variantes seriam associadas a uma fala mais
suburbana – uma vez que Santos (2012) apontou para um favorecimento de uso de tu
em Campo Grande, bairro na Zona Oeste -, e de moradores de favela, por conta de uma
visão estereotipada do uso de tu, reforçada por filmes e programas de televisão, como
discutido por Lopes (2008). Considerando trabalhos anteriores que indicam que a forma
tu é mais utilizada em situações mais informais e de maior proximidade entre os
falantes, era esperado que as variantes tu e você/tu fossem consideradas informais e
características de uma fala íntima. Por fim, com base no estudo de Paredes Silva (2003),
que aponta uma maior frequência de uso de tu entre os falantes mais jovens, era
esperado que as variantes tu e você/tu fossem associadas a uma fala mais jovem;
2) Para a variante você, minhas hipóteses previam que tal forma seria
considerada neutra quanto aos índices da dimensão da identidade local (carioca, Zona
Sul/subúrbio e asfalto/favela), do status, uma vez que é a forma não-marcada no dialeto
carioca. Porém, quanto aos índices ‘intimidade’, ‘formalidade’ e ‘cortesia’, tal pronome
seria considerado mais formal, mais distante e mais cortês em relação à tu e você/tu, por
conta de sua trajetória histórica associada a essas características.
3) Quanto à variante tu-2SG (tu podes; tu sabes), os participantes a
considerariam pouco carioca em relação às outras por ser de emprego incomum no Rio
de Janeiro e, pelo mesmo motivo, não seria associada aos outros índices do âmbito da
identidade local. Porém, apesar de não ser utilizada no Rio de Janeiro, tal variante é
aprendida, pelos falantes cariocas, de forma artificial através da escola e, portanto, seria
considerada mais formal, mais distante e mais letrada pelos participantes. Além disso,
os índices de valores positivos ‘honesta’, ‘rica’ e ‘elegante’ também seriam associados a
essa variante.
Vejamos, então, os resultados para os índices de identidade local. No gráfico 05,
o eixo horizontal refere-se aos índices (carioca, Zona Sul/subúrbio, asfalto/favela) e as
linhas com diferentes símbolos indicam as médias obtidas a partir das formas variantes
que constaram nos áudios avaliados pelos participantes. A linha horizontal central da
figura indica o ponto intermediário da escala e a figura deve ser lida da seguinte forma:
acima da linha central = muito carioca, moradora da Zona Sul e do asfalto; abaixo da
linha = pouco carioca, moradora do subúrbio e de favela. Quanto mais próximo da
linha, mais neutra foi considerada a avaliação.
87
Gráfico 05: avaliação para os índices de identidade local
Na dimensão da identidade local, a forma tu-2SG (tu podes e/ou tu sabes) foi
avaliada como pouco carioca em relação às variantes tu, você e você/tu (p<0,05). Nota-
se, no gráfico, que essas estratégias apresentaram médias próximas quase sobrepostas na
figura. O teste estatístico, entretanto, não mostrou uma diferença significante, pois os
valores obtidos foram maiores do que 0,05 (p>0,05). Em termos dos resultados, pode-se
dizer que as três variantes foram consideradas muito cariocas pelos participantes,
contrariando a minha hipótese que previa que a forma você seria considerada neutra
pelos participantes cariocas.
Em relação aos índices ‘Zona Sul/subúrbio’ e ‘asfalto/favela’, cabe o destaque à
variante você/tu, que, apesar de ter médias próximas ao ponto neutro da escala, como
pode ser visto no gráfico, apresentou diferença estatística significativa em relação às
estratégias você e tu-2SG (p < 0,05), sendo associada a uma fala mais suburbana e de
moradores de favela em relação às outras duas variantes, que são consideradas da Zona
sul e do asfalto. Quanto à forma tu, não houve diferença estatística significativa
relacionada a essa variante para os dois índices.
88
O gráfico 06 traz os resultados para cada variante relacionada aos índices de
solidariedade e devem ser lidos da seguinte forma: acima da linha central = honesta,
íntima e formal; abaixo da linha = desonesta, distante e informal.
Gráfico 06: avaliação para os índices de solidariedade
Em relação à dimensão da solidariedade, as máscaras não alcançaram diferenças
estatísticas significativas para o índice ‘honestidade’, além do fato de as médias
estarem praticamente sobrepostas como se pode ver no gráfico. Quanto à intimidade,
todas as variantes foram consideradas íntimas provavelmente por conta do teor da
mensagem que parecia ser enviada a uma amiga e, portanto, alguém com quem se tem
certa intimidade. A variante você/tu se destacou em termos estatísticos e foi considerada
mais íntima em relação à você (p<0,05) e tu-2SG (p<0,05). O gráfico reitera tal
observação, uma vez que a variante você/tu apresentou valores mais altos (acima da
linha) para o traço de intimidade em relação às demais formas variantes. Diferentemente
desses dois índices (honestidade e intimidade), que só apresentaram médias acima da
linha central para todas as variantes, o grau de formalidade teve um resultado um tanto
distinto, com médias abaixo da linha central para algumas variantes. Isso sinaliza uma
oposição mais nítida das variantes para o parâmetro de mais ou menos formal. Em
termos estatísticos, a variante você/tu foi avaliada como mais informal (ou menos
formal) do que você e tu-2SG (p<0,05), mas não apresentou diferença significativa
(p>0,05) em relação a tu, que também se concentra no polo da informalidade. É possível
89
notar, em termos das médias, você/tu e tu aparecem no gráfico abaixo da linha central, o
que indicia uma avaliação negativa para o parâmetro da formalidade ou, dito de outra
maneira, positiva para a informalidade. A variante tu-2SG foi considerada mais formal
em relação às outras (p<0,05), apresentando média mais próxima do polo da
formalidade. É interessante destacar também que a forma não-marcada você apresentou
média considerada neutra, ou seja, não foi associada à formalidade nem à
informalidade. O próximo gráfico (07) apresenta as avaliações para cada variante
relacionada aos índices da dimensão do status social do falante que proferiu os
enunciados e deve ser lido da seguinte forma: acima da linha central = rico/a,
trabalhador/a e letrado/a; abaixo da linha central = pobre, preguiçoso/a e iletrado/a.
Gráfico 07: avaliação para os índices do status social
Na dimensão do status da pessoa que proferiu o enunciado, os falantes foram
considerados mais ricos ao usarem a variante tu-2SG em relação à você/tu e tu, com
diferença estatisticamente significativa (p<0,05). Em termos das médias registradas no
gráfico, há também uma gradação escalar entre as variantes, tendo em vista o índice
mais ou menos rico. Com avaliações mais positivas ou mais altas, estaria a variante tu-
2SG, seguida de forma descendente por você, tu e você/tu: esta última localizada no
ponto neutro da linha central do gráfico. No tocante aos outros marcadores de status
social, não houve diferença significativa em termos estatísticos entre as máscaras para
90
os índices ‘trabalhadora/preguiçosa’ (p > 0,05) e ‘letrada/iletrada’ (p > 0,05). Com base
nas médias, ilustradas no gráfico, observamos que todas as variantes apresentaram o
mesmo comportamento em relação ao índice ‘trabalhadora/preguiçosa’ com a mesma
média relativamente próxima do ponto neutro da escala. Tal resultado indica que esse
índice não gerou efeito na avaliação dos participantes. Para o parâmetro, mais ou menos
letrado, as médias seguem o comportamento visto nos outros índices com uma ascensão
das médias que se aproximam do valor mais alto da avaliação, no caso, a nota 1. Os
falantes foram avaliados como letrados ao usarem as seguintes variantes nessa ordem:
tu-2SG, você, tu e, finalmente, você/tu.
Por fim, o gráfico 08 expõe as avaliações das máscaras quanto aos índices
referentes ao âmbito da aparência. A leitura do gráfico deve ser efetuada da seguinte
forma: acima da linha central = cortês, elegante e jovem; abaixo da linha central =
grosseira, desleixada e velha.
Gráfico 08: avaliação para os índices de aparência
Comparativamente, a variante tu-2SG teve uma avaliação diferenciada em
relação às outras variantes que obtiveram médias com valores sobrepostos para os 3
índices de aparência. A variante tu-2SG, pouco utilizada na fala do Rio de Janeiro, foi
considerada, pela visualização do gráfico, a mais cortês e elegante, além de caracterizar
pessoas mais velhas.
91
No que tange às análises estatísticas, o índice ‘cortês/grosseira’ não apresentou
diferenças significativas em relação às máscaras. Por outro lado, a variante tu-2SG foi
avaliada como mais elegante (p < 0,05) e mais velha (p < 0,05) em relação às outras
três variantes. Cabe destacar, porém, que todas as variantes foram associadas a uma fala
mais jovem e, quanto à elegância, tu, você~tu e você têm médias próximas ao ponto
neutro, o que indica que não foram consideradas como uma fala elegante ou desleixada,
apenas como menos elegante em relação à tu-2SG.
5.2.4. Impressões dos participantes sobre o uso de tu no Rio de Janeiro
No questionário apresentado aos participantes, além das escalas de diferenciais
semânticos, constavam as duas perguntas a seguir, além da solicitação das impressões
dos participantes quanto ao uso de tu.
1) Na sua cidade, as pessoas costumam usar frases do tipo "Tu viu o que
aconteceu"? ou "Que horas tu vai pra faculdade?"?
2) Você fala dessa forma? Costuma usar "tu" nas suas frases?
3) Descreva em poucas palavras o que acha do uso de "tu".
As respostas para as duas perguntas, que poderiam ser “sim” ou “não”, foram
somadas, organizadas em tabelas de acordo com o sexo, a região e a faixa etária dos
participantes e, por fim, foram calculadas as suas porcentagens por meio da plataforma
R. Posteriormente, as tabelas de porcentagens foram submetidas a análises estatísticas
com base no teste de qui-quadrado17 que revelaram se as diferenças observadas eram
significativas (p<0,05) ou não do ponto de vista estatístico. A seguir, apresento os
gráficos com as porcentagens das respostas de acordo com as características sociais dos
participantes, começando pelos gráficos 09 e 10, que indicam o comportamento dos
participantes de acordo com o seu sexo.
17 Fórmula: chisq.test(table) em que table é a tabela com os dados relativos às repostas positivas e negativas para as perguntas 1 e 2.
92
Como pode ser visualizado nos gráficos 09 e 10, a maior parte dos participantes
do sexo feminino e do sexo masculino considera haver uso de tu no Rio de Janeiro e se
identificam enquanto falantes de tu. No que diz respeito ao uso de tu no Rio de Janeiro
(pergunta 1), mais mulheres (73,5%) responderam de forma positiva à pergunta em
relação aos homens (58,3%). Para a segunda pergunta, o comportamento dos
participantes de ambos os sexos foi semelhante (61,8% de respostas positivas para as
mulheres e 66,7% para os homens). Segundo as análises estatísticas, houve diferença
significativa na resposta das mulheres quanto à primeira pergunta (x² (1) = 7,25 p <
0,01), mas não houve diferença significativa em relação aos homens (x² (1) = 0,33 p <
0,05) e, para a segunda pergunta, as diferenças não se mostraram relevantes para
nenhum dos dois sexos/gêneros (mulheres: x² (1) = 1,88 p > 0,05; homens: x² (1) = 1,33
p > 0,05).
Vejamos os gráficos 11 e 12 que trazem os percentuais de respostas positivas e
negativas às perguntas 1 e 2 de acordo com a região dos participantes.
Gráfico 09: percentuais de mulheres e homens que afirmam que se usa tu no Rio de Janeiro.
Gráfico 10: percentuais de mulheres e homens que se declaram como falantes de tu.
Gráfico 11: percentuais de moradores de diferentes regiões que afirmam que se usa tu no Rio de Janeiro..
Gráfico 12: percentuais de moradores de diferentes regiões do Rio de Janeiro que se declaram como falantes de tu.
93
Assim como nos resultados anteriores, a maior parte dos participantes das três
regiões controladas respondeu positivamente às perguntas 1 e 2, ou seja, consideram
que o pronome tu é usado no Rio de Janeiro e se consideram como falantes de tu.
Chamam atenção, no gráfico 11, os percentuais de respostas positivas referentes aos
participantes da Zona Sul (92,9%), que também se destacam, mas de forma menos
expressiva, no gráfico 12, ou seja, mais moradores da zona sul identificam o uso de tu
no Rio de Janeiro em relação aos moradores das outras regiões. Porém, na pergunta 2,
os percentuais de respostas positivas para os moradores da Zona Sul, apesar de ainda
serem os mais expressivos, diminuem em mais de 20% (71,4%). Quanto às análises
estatísticas, se mostrou relevante a diferença entre as respostas positivas e negativas dos
participantes da Zona Sul para a pergunta 1 (x² (1) = 10,2 p < 0,01). As diferenças entre
os moradores das Zonas Norte e Oeste para a pergunta 1 não foram estatisticamente
significativas (Zona Norte: x² (1) = 1,14 p > 0,05; Zona Oeste: x² (1) = 0,14 p > 0,05),
assim como as diferenças apresentadas em relação à pergunta 2 não se mostraram
significativas em nenhum dos casos (Zona Norte: x² (1) = 0,28 p > 0,05; Zona Oeste: x²
(1) = 0,14 p > 0,05; Zona Sul: x² (1) = 2,57 p > 0,05).
Os gráficos 13 e 14 trazem os percentuais de respostas positivas e negativas às
perguntas 1 e 2, de acordo com a faixa etária dos participantes.
No gráfico 13, observamos que tanto os participantes mais jovens (faixas 1, 2 e
3) quanto participantes mais velhos (faixa 5), embora de forma menos expressiva,
consideram que o pronome tu é utilizado no Rio de Janeiro. Porém, os falantes da faixa
4 majoritariamente indicaram que o pronome tu não é utilizado no Rio de Janeiro. Por
Gráfico 13: percentuais de indivíduos de diferentes faixas etárias que afirmam que se usa tu no Rio de Janeiro.
Gráfico 14: percentuais de indivíduos de diferentes faixas etárias que se declaram como falantes de tu.
94
outro lado, ao examinar o gráfico 14, identificamos uma clara inversão de percentuais
conforme aumentam as faixas etárias; ou seja, a maioria dos falantes mais jovens (faixas
1, 2 e 3) se identifica como usuários de tu enquanto os falantes mais velhos (faixas 4 e
5) não se consideram como falantes de tu.
As análises estatísticas demonstraram que há diferença significativa para as
faixas 1, 2 e 3 quanto à pergunta 1 (F1: x² (1) = 4,4 p < 0,05; F2: x² (1) = 4,7 p < 0,05;
F3: x² (1) = 3,5 p = 0,05) e que não há diferença significativa para as faixas 4 e 5 (F4: x²
(1) = 2,6 p > 0,05; F5: x² (1) = 0,2 p > 0,05).
Em relação à pergunta 2, só há diferença significativa para a faixa 1 (F1: x² (1) =
4,4 p < 0,05). As outras diferenças não foram estatisticamente significativas (F2: x² (1)
= 2,8 p > 0,05; F3: x² (1) = 1,2 p > 0,05; F4: x² (1) = 0,66 p > 0,05; F5: x² (1) = 1,8 p >
0,05 ). Cabe destacar, porém, que os participantes das faixas 4 e 5 se apresentaram em
quantidade bastante inferior em relação aos outros, o que poderia explicar a falta de
significância estatística quanto à diferença expressiva observada para a faixa 4 na
pergunta 1 e para a faixa 5 na pergunta 2. Ainda assim, apesar da falta de equilíbrio
quanto ao perfil dos participantes, os percentuais parecem indicar uma tendência ligada
às características sociais controladas, sobretudo em relação às faixas etárias.
Por fim, como mencionado anteriormente, ao final do questionário, solicitei aos
participantes que descrevessem brevemente as suas impressões em relação ao uso de tu.
Dessa forma, a partir das respostas obtidas selecionei as palavras mais empregadas e as
submeti ao aplicativo do site wordart18 para a criação de nuvem de palavras (imagem
06), que representa a frequência relativa de palavras associadas ao uso de tu.
Figura 05: nuvem de palavras associadas ao uso de tu pelos participantes.
18 https://wordart.com/create
95
Entre as palavras associadas pelos participantes ao uso de tu, destaca-se o termo
“informal” e é possível observar, também, que palavras derivadas e outras
palavras/expressões do mesmo campo semântico foram mencionadas pelos
participantes, como “situações informais”, “informalidade”, “descontraída”, “coloquial”
e “gíria”. Chama atenção, ainda, o destaque da palavra “comum”, que também apresenta
termos correlatos como “normal”, “natural”, “habitual”, “simples”, “prático”,
“corriqueira” e “cotidiano”. Essas associações, sobretudo em relação à informalidade,
vão ao encontro do que foi apresentado na presente dissertação nos resultados do
experimento 1, que demonstraram que o uso de tu é avaliado mais positivamente em
situações informais de comunicação. Além disso, a relação estabelecida com o
“comum” parece indicar que os participantes cariocas frequentemente identificam o uso
de tu no Rio de Janeiro.
Para uma análise mais apurada, apresento alguns dos comentários dos
participantes sobre o uso de tu associado aos termos mencionados anteriormente.
Falante (sexo, idade e bairro) Comentário Feminino / 18 anos / Vila Isabel Apesar do tu ser pronome de uso informal, em determinadas
ocasiões funciona MUITO BEM. Feminino / 26 anos / Bangu no falar do carioca o "tu" não é conjugado formalmente, e
acaba gerando um diálogo mais informal. Masculino / 19 anos / Humaitá Gosto bastante de usar o tu nas situações informais por achar
que marca uma intimidade e uma naturalidade maior, mas soa estranho quando é usado junto da conjugação de segunda pessoa conforme dita a gramática normativa.
Feminino / 24 anos / Laranjeiras Comum, parte da língua. Feminino / 17 anos / Jardim Guanabara
Comum e natural
Quadro 07: comentários dos participantes sobre o uso de tu.
Em síntese, os comentários reiteram que os participantes consideraram o uso de
tu como informal, comum e natural no falar carioca. Além disso, aparentemente, os
participantes têm consciência de que o emprego de tu com desinência verbal de 2SG
não é de uso regular e soaria como um uso artificial no Rio de Janeiro, a despeito de ser
ensinado nas escolas e de ocorrer em outras localidades brasileiras (cf. SCHERRE et
al., 2015).
96
5.2.5. Conclusões do experimento 2
Com base nos resultados do experimento 2, pude estabelecer algumas
conclusões acerca da avaliação sobre a variação pronominal de 2SG. Segundo as
minhas hipóteses, o uso de tu-2SG seria associado a uma fala pouco carioca, formal e
elegante e os usuários dessa variante seriam considerados letrados, ricos e honestos. De
fato, tu-2SG foi associado a uma fala pouco carioca, formal, elegante e de falantes mais
ricos, porém não houve relação com os índices ‘letrada’ e ‘honesta’ e, por outro lado, o
uso de tal variante foi considerado como uma fala de pessoas mais velhas, associação
não prevista.
Para a variante você, eu esperava que os participantes a avaliassem como mais
formal, mais distante e mais cortês em relação a tu e você/tu, o que se mostrou
parcialmente verdadeiro. Em relação à cortesia, as três variantes concentraram
avaliações muito próximas tendo sido consideradas como uma fala cortês. No caso do
índice intimidade, todas as variantes foram consideradas íntimas, porém, o pronome
você foi levemente considerado menos íntimo do que tu e você/tu, apresentando,
inclusive, diferença significativa em relação à ultima. O mesmo ocorreu em relação à
informalidade, de forma que as variantes tu e você/tu foram consideradas informais
enquanto você se concentrou no ponto neutro, tendo sido, dessa forma, avaliada como
mais formal em relação às outras, apesar de não ter sido associada diretamente à
formalidade. Além disso, a variante você foi associada a uma fala carioca tanto quanto
tu e você/tu. Esse resultado inesperado possivelmente ocorreu por conta da variante tu-
2SG, que chama a atenção dos cariocas por ser uma forma pouco natural no Rio de
Janeiro, ao passo que todas as outras são utilizadas. Para verificar mais detalhadamente
essa questão, seria necessário replicar o teste sem a variante tu-2SG
Eu esperava, ainda, que os falantes de tu e de você/tu fossem avaliados de forma
semelhante, sendo considerados cariocas, suburbanos, moradores de favela, informais,
íntimos e jovens. Essas hipóteses foram parcialmente confirmadas, de maneira que o
uso de você/tu foi associado aos índices ‘carioca’, ‘suburbano’, ‘informal’ e ‘íntimo’ e,
além disso, não houve diferença significativa entre você/tu e tu; por outro lado, o
pronome tu foi associado apenas aos índices ‘carioca’ e ‘informalidade’. Além disso,
todas as variantes foram associadas a ‘jovem’, ‘íntimo’ e ‘morador do asfalto’, mas
você/tu se destacou sendo considerada mais íntima e menos do asfalto em relação às
outras.
97
Por fim, quanto à variante tu, as três perguntas ao final do questionário
trouxeram alguns resultados interessantes. Em relação ao sexo, tanto as mulheres quanto
os homens indicaram, em sua maioria, que o pronome tu é utilizado no Rio de Janeiro e
se consideraram como falantes de tu. Porém, para a primeira pergunta, as mulheres,
mais do que os homens, responderam positivamente enquanto que, para a segunda,
houve um maior equilíbrio entre o comportamento de homens e mulheres com leve
predomínio de respostas positivas para os homens, embora essa diferença não tenha sido
significativa.
Os participantes das três regiões controladas majoritariamente consideraram
haver tu no Rio de Janeiro e se declararam como falantes de tu. Chama a atenção, nesse
caso, a grande quantidade de moradores da Zona Sul que respondeu positivamente às
duas perguntas enquanto os moradores das outras duas regiões se dividiram mais entre
respostas positivas e negativas. Chama a atenção, também, a queda de mais de 20% de
respostas positivas da primeira pergunta para a segunda, o que parece indicar que os
moradores da Zona Sul são mais sensíveis ao uso de tu no Rio de Janeiro, uma vez que
quase a totalidade dos participantes que moram nessa região considerou haver tu na
cidade, mas essa quantidade diminuiu consideravelmente ao se tratar do uso individual
dos participantes.
Quanto à faixa etária, os participantes mais jovens em sua grande maioria e os
participantes da faixa dos 50 anos, de forma mais equilibrada, consideram que o
pronome tu é utilizado no Rio de Janeiro enquanto os da faixa dos 40 anos indicam que
não se usa tu na cidade. Esse comportamento destoante carece de maior detalhamento
que demanda uma pesquisa mais apurada para entender se essa foi uma resposta isolada
ou se há alguma questão envolvendo os falantes de 40 anos que justifique esse
comportamento. Em relação à segunda pergunta, foi interessante perceber a diferença
das respostas entre os participantes mais jovens e os mais velhos, de maneira que,
conforme as faixas vão diminuindo, mais os participantes se consideram falantes de tu.
Esse comportamento pode indicar um processo de mudança em curso que, é claro,
precisa ser investigado mais a fundo, com pesquisas com base em dados de uso para
evidenciar de forma mais precisa.
98
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos resultados obtidos e com base nas discussões levantadas acerca da
percepção/avaliação da variação pronominal de 2SG na posição de sujeito no dialeto
carioca, sintetizo alguns aspectos do tema, analisados e evidenciados ao longo da
presente dissertação.
Em relação ao pronome você, pude identificar que os participantes cariocas
julgam essa variante como adequada tanto para as relações simétricas quanto para as
assimétricas. Esse resultado corrobora com a visão de que o pronome você é a forma
não marcada no dialeto carioca, como apontado por diversos estudos com base em
dados de uso (LOPES et al. 2009, SOUZA, 2012; SANTOS, 2012), que indicam que tal
variante circula por diversos contextos sociointeracionais.
Além disso, o pronome você também apresentou uma avaliação relativamente
neutra por parte dos participantes do segundo experimento. Pode-se dizer que tal
variante foi considerada menos íntima e mais formal em relação aos áudios que traziam
o pronome tu, porém, não apresentou avaliação destoante para esses índices, tendo sido
considerada íntima, assim como as outras variantes, e neutra em relação à formalidade.
Um aspecto que chamou a atenção quanto a esse pronome, foi o fato de ter sido
associado a uma fala carioca com avaliação muito próxima aos áudios que continham
tu. O que pode ter resultado essa avaliação, sendo que a forma você faz parte de diversas
outras variedades do território brasileiro? Provavelmente o controle da variável tu-2SG,
que, por não ser natural aos falantes cariocas, concentrou as avaliações negativas para
esse índice, de forma que o foco dos participantes foi em associar tu-2SG a uma fala
pouco carioca enquanto as outras, inclusive você, que são utilizadas no Rio de Janeiro
foram consideradas muito cariocas.
Foi possível observar, ainda, de acordo com os resultados da presente
dissertação, que o pronome tu foi considerado mais adequado quando utilizado em
situações de relações simétricas e menos adequado nas relações assimétricas. Esse
resultado foi evidenciado também em pesquisas com base em dados de uso, que
apontam um favorecimento de tu em situações mais íntimas e mais informais entre os
falantes.
Além disso, um resultado inédito se deu no que tange a questão da concordância
envolvendo tal variante. Como mencionado anteriormente, o pronome tu aparece na fala
carioca atual sem a marca desinencial de 2SG (tu vai por aqui) e, por conta disso,
99
trabalhos anteriores apontavam essa justificativa para as baixas frequências de tu
encontradas nas pesquisas. Com base nisso, eu pude dar início a uma investigação que
traz evidências preliminares sobre essa questão: os resultados da presente dissertação
indicam que, no âmbito da percepção, é a própria forma tu que carrega os julgamentos e
não a falta de concordância canônica associada ao pronome, uma vez que as frases de tu
sem a desinência verbal de 2SG receberam avaliações mais positivas do que as frases
em estrutura sem verbo.
Ainda sobre o pronome tu, o teste de avaliação indicou uma associação dessa
variante ao índice ‘carioca’, embora os áudios com você e com a variação você/tu
também tenham sido considerados muito cariocas, como discutido anteriormente. Outra
associação interessante foi a desse pronome à informalidade, o que ocorreu não só nas
escalas de diferenciais semânticos como também na pergunta metalinguística sobre o
uso de tu ao final do questionário. Aparentemente, pelo que foi observado na presente
dissertação, o uso de tu indexicaliza, principalmente, informalidade no dialeto carioca
atual, resultado observado em trabalhos de percepção anteriores (CARVALHO, 2017;
2018) e corroborado pelos dois experimentos apresentados nesta pesquisa.
Com base nos resultados obtidos na presente pesquisa, recupero os postulados
sobre as categorias quanto ao nível de consciência sobre a variação (indicadores,
marcadores e estereótipos). Considerando que o pronome você foi julgado como
adequado a todos os contextos sociointeracionais apresentados no experimento 1 e foi
avaliado de forma neutra pelos participantes do experimento 2, tal variante parece
apresentar um comportamento de indicador, ao menos para os participantes desta
pesquisa. Já a forma tu se comporta como um marcador, isto é, está sujeito à variação
estilística e tem a sua percepção/avaliação influenciada pelo tipo de interação entre os
indivíduos, sendo considerada mais adequada em situações de relação simétrica e
associada à informalidade pelos participantes.
Além disso, destaco o efeito das características sociais dos participantes na
avaliação das formas de 2SG. Como discutido no capítulo de pressupostos teóricos, a
sociolinguística laboviana postula que fatores sociais referentes aos falantes podem
determinar a dinâmica da variação linguística. Em geral, esses fatores sociais são pré-
determinados, nas pesquisas sociolinguísticas, e se resumem a idade, sexo, origem e
classe social dos falantes.
A crítica levantada por estudos da terceira onda da sociolinguística se coloca
justamente sobre a pré-determinação de macrocategorias sociais para a análise de
100
fenômenos de variação linguística. Porém, será que essas macrocategorias não trazem,
também, esclarecimentos sobre os fenômenos linguísticos? Talvez a questão seja
reformular as macrocategorias e não abandonar as respostas que esse tipo de estudo
possam trazer. Categorias como sexo e origem, por exemplo, podem ser irrelevantes ou
menos relevantes nas sociedades ocidentais contemporâneas para o estudo de alguns
fenômenos, mas outras podem ser ainda pertinentes. O fato é que a análise das
macrocategorias não exclui a análise das microcategorias e vice-versa. Retomemos os
resultados da presente pesquisa quanto às características sociais dos participantes.
Os resultados do primeiro experimento indicaram que as características sociais
dos indivíduos que participaram da pesquisa não influenciaram no seu julgamento. Isto
é, o julgamento dos participantes para as forma de 2SG foi relativamente homogêneo.
Porém, cabe ressaltar que os participantes faziam parte de um grupo com características
semelhantes: estudantes de letras da UFRJ, majoritariamente mulheres, com idades
próximas e, em sua maioria, moradores das zonas Norte e Oeste.
Já os resultados do questionário renderam diferenças de acordo com os grupos
sociais dos quais os participantes fazem parte. Sendo assim, foi possível identificar
diferenças quanto ao sexo, a localidade e a faixa etária dos participantes. Nos dois
primeiros casos (sexo e localidade), as diferenças foram mais evidentes e
estatisticamente significantes quanto ao uso de tu no Rio de Janeiro; no que tange o uso
individual dos participantes, essas diferenças foram neutralizadas, apresentando
percentuais mais próximos que foram relevantes estatisticamente. Chamaram a atenção,
sobretudo, as diferenças de acordo com a faixa etária, principalmente quanto ao uso
individual dos participantes. Como mencionado na seção anterior, os participantes mais
velhos afirmaram não usar tu enquanto os mais jovens majoritariamente se
consideraram falantes de tu.
Por fim, é preciso destacar que o segundo experimento atingiu grupos mais
diversificados de indivíduos por se tratar de um teste que pôde ser enviado online. Essa
é uma das vantagens do questionário de avaliação que evidencia, ao mesmo tempo, uma
limitação do teste de julgamento de adequação sociolinguística: a necessidade de
aparatos eletrônicos, mais precisamente de computadores, e de software específicos que
exigem a presença do pesquisador para ser aplicado, o que reduz as possibilidades de
alcançar um público mais diversificado de participantes.
O desafio, a partir de agora, é conseguir ampliar essa amostra para identificar se,
com mais participantes, sobretudo de grupos mais heterogêneos, os julgamentos acerca
101
dos pronomes tu e você se diferenciam ou se podemos dizer que o comportamento
observado no primeiro experimento representa de forma ampla a percepção dos falantes
cariocas sobre a variação pronominal de 2SG.
102
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ANEXOS
A. Diálogos das cenas experimentais (Experimento 1):
G1 ASSIMÉTRICAS COM VERBO
TU
Hotel
H1 – então tá... já que o checkin não abriu, podemos guardar as bolsas
aqui?
H2 – Sim, tu pode deixar as bolsas aqui.
Padaria
H1 – hum... não é nada... é que... eu só tô na dúvida sobre qual queijo
pedir.
H2 – Certo, tu pode experimentar se quiser.
Aeroporto
M1 – é necessário apresentar a o visto de entrada.
H1 – ahh... eu não sabia.
M1 – Mas tu precisa do visto.
1º dia trabalho
M1 – eu sou...
M2 – a nova colega?
M1 – sim, Diana Terzani.
M2 – Eu sou Micaela. Tu deve aguardar até as dez, o diretor está
em reunião.
VOCÊ
Loja
M1 – Eu até gostei do vestido, mas está um pouco caro.
M2 – Poxa, mas você pode parcelar em até dez vezes sem juros.
Se conhecendo
H1 – prazer, eu sou o Bruno, ele é o Walter.
H2 – Prazer
M1 – Prazer, Carla. Você vai adorar a cidade.
Restaurante
H1 – o seu pedido vai demorar um pouco.
H2 – ok. Você pode trazer as bebidas então.
Solicitando
documentos
M1 – é possível solicitar segunda via.
M2 – ok. Obrigada.
M1 – pra isso você deve trazer identidade, cpf e comprovante de
residência.
107
G2 ASSIMÉTRICAS SEM VERBO
TU
Hotel
H1 – então tá... já que o checkin não abriu, podemos guardar as bolsas
aqui?
H2 – Sim, tu e ela podem deixar as bolsas.
Padaria
H1 – hum... não é nada... é que... eu só tô na dúvida sobre qual queijo
pedir.
H2 – Ah! Eu prefiro o cheddar, e tu?
Aeroporto
M1 – é necessário apresentar o visto de entrada.
H1 – Alguém pode trazer pra mim?
M1 – tem que ser tu mesmo.
1º dia trabalho
M1 – eu sou...
M2 – a nova colega?
M1 – sim, Diana Terzani.
M2 – Eu sou Micaela. Nem tu nem eu teremos trabalho hoje, o
diretor faltou.
VOCÊ
Loja
M1 – Eu até gostei do vestido, mas está um pouco caro.
M2 – Ah mas você ou ele podem parcelar em três vezes.
Se conhecendo
H1 – prazer, eu sou o Bruno, ele é o Walter.
H2 – Prazer
M1 – Prazer, Carla. Eu cheguei hoje de viagem, e você?
Restaurante
H1 – o seu pedido vai demorar um pouco.
H2 – ok. O chefe é lento como você pelo visto.
Solicitando
documentos
M1 – é possível solicitar segunda via.
M2 – ok. Obrigada.
M1 – pra isso você e o seu marido devem trazer algum documento
com foto.
G3 SIMÉTRICAS COM VERBO
TU
Amigas na
lanchonete
M1 – Não disse que a gente ia conseguir? Vamos comemorar!
M2 – Mas tu paga.
108
Casal no
shopping
M1 – O que acha desse?
H1 – Achei o vestido bonito... pra ficar em casa.
M1 – ahhh...tu tá com ciúme.
Casal na rua
H1 – Amor, eu e a Paula fomos promovidos!
M1 – Que bom! Mas... agora tu vai trabalhar com ela.
Amigos no
trabalho
H1 – E aí?
H2 – Consegui a transferência pra Miami.
H1 – ah, que ótimo! Tu vai adorar a cidade.
VOCÊ
Amigas viajando
M1 – Oi, Carla. Como foi o passeio?
M2 – Ótimo! Na próxima você vai comigo.
Casal
caminhando
M1 – O filme é interessante, é sobre um pintor francês.
H1 – Legal. Você paga a entrada.
Casal celular
M1 – Olha, Roberto, eu não aguento mais isso. Toda vez viajar pro
mesmo lugar.
H1 – Aahhhh você fala muito.
Amigos saindo
H1 – Tô com fome. Vamos almoçar antes de ir pro trabalho.
H2 – Sim. Você escolhe o lugar.
G4 SIMÉTRICAS SEM VERBO
TU
Amigas na
lanchonete
M1 – Não falei que eu ia conseguir? Quem é a melhor?
M2 – Ahh tu mesma.
Casal no
shopping
M1 – O que acha desse?
H1 – Achei o vestido bonito... pra ficar em casa.
M1 – ahhh... mais bonito que tu, bobo.
Casal na rua
H1 – Amor, eu e a Paula fomos promovidos!
M1 – Que bom! Mas... tu e ela vão trabalhar juntos?
Amigos no
trabalho
H1 – E aí?
H2 – é que eu e o Carlos conseguimos a transferência.
H1 – ah, mas tu e o Carlos sempre foram os melhores, né.
109
VOCÊ
Amigas
viajando
M1 – Oi, Carla. Como foi o passeio?
M2 – Ótimo! Você e o Caio perderam.
Casal
caminhando
M1 – O filme é interessante, é sobre um pintor russo.
H1 – Ai, você e os seus filmes.
Casal na
estação
M1 – Eu não aguento mais isso!
H1 – Ahhhh você hein.
Amigos saindo H1 – Tô com fome. Vamos almoçar antes de ir.
H2 – Sim. Eu gosto do Tacos, e você?
B. Diálogos das cenas distratoras (Experimento 1):
H1 – Boa tarde. Em que posso ajudar?
H2 – Procuro esse livro.
M1 – Licença, como eu chego nesse endereço?
H1 – Como?
M1 – Avenida Chilanas.
M1 – Aqui está o troco. E a nota fiscal para o caso de troca.
H1 – Ok. Obrigado.
H1 – Então, doutor, o que eu faço?
H2 – Toma esse remédio por um mês.
M1 – Eu vou querer o peixe e uma salada.
M2 – Mais alguma coisa?
M1 – Uma água mineral.
M1 – Qual vai ser o pedido?
H1 – Vou querer uma porção de aipim e um suco de uva.
H1 – Licença, onde tem um restaurante aqui perto?
H2 – Tá vendo aquela rua cujo segue reto?
M1 – Olá. Aceita um jornal?
H1 – Sim, o jornal no qual eu leio.
H1 – licença, onde fica a vila Rosa?
H2 – Vila Rosa? Talvez é alí, ó.
H1 – E tem algum hotel perto do centro?
M1 – Sim, tem o Atlântico. Aqui. Quer que eu mostro?
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H1 – E quem sabe explicar qual é a primeira lei de Newton?
M1 – É a lei da inércia, onde o corpo em repouso permanece em repouso.
H1 – Com licença, como eu faço para chegar no parque dos pássaros? O mapa no qual
eu comprei não é muito bom.
M1 – Vem ver as fotos das férias.
H1 – Ah tá.
M1 – Oi, sabe se o Matheus está melhor?
H1 – Sim, está melhor sim.
M1 – E agora, Val. Onde vamos?
M2 – Acho que o museu cívico é interessante, tem muitos quadros famosos.
M1 – Oi, Fred. Tudo bem?
H1 – Tô bem. Que tal uma pizza mais tarde?
M1 – Pronto. Vamos no meu carro ou no seu?
M2 – Que lindo! É o casamento do seu irmão, né?
M1 – Já disse que eu não gosto de batata.
H1 – Não acredito. Como pode?
H2 – É, todo mundo gosta de batata.
M1 – Micaela, o compromisso cujo falei é hoje.
M2 – Tá bom
M1 – Então vou lá.
M2 – Tchau
H1 – Ainda não paguei o Beto
H2 – É, nem eu.
H1 – Pode ser que eu pago hoje.
M1 – Não sei. Não lembro não.
M2 – Ô Jorge, quem é esse Paulo?
H1 – É aquele onde é meu vizinho.
M1 – Alguém deixou esse objeto aí.
H1 – Alguém cujo é doido, né?.
M1 – Acabou já? Ou não? Já falei, o meu ex no qual eu gostava muito é passado.
H1 – Tá.
H1 – Não sei. O que é isso aí?
M1 – Nada. È aquela revista onde eu peguei na banca.
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C. Escalas de diferenciais semânticos (Experimento 2):