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Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Centro de Filosofia e Ciências Humanas - CFCH Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS Programa de Pós Graduação em Sociologia e Antropologia - PPGSA "Ser trabalhador flexível e competente": um olhar sobre a dinâmica família, trabalho e educação Marina de Carvalho Cordeiro Rio de Janeiro 2008

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Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Centro de Filosofia e Ciências Humanas - CFCH Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS Programa de Pós Graduação em Sociologia e Antropologia - PPGSA

"Ser trabalhador flexível e competente":

um olhar sobre a dinâmica família, trabalho e educação

Marina de Carvalho Cordeiro

Rio de Janeiro

2008

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"Ser trabalhador flexível e competente":

um olhar sobre a dinâmica família, trabalho e educação

Marina de Carvalho Cordeiro

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós

Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de

Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio

de Janeiro (UFRJ), como requisito parcial à obtenção do

título de Mestre em Sociologia.

Orientador: Prof. Dr. José Ricardo Garcia Pereira Ramalho

Rio de Janeiro

2008

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"Ser trabalhador flexível e competente":

um olhar sobre a dinâmica família, trabalho e educação

Marina de Carvalho Cordeiro

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e

Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de

Janeiro (UFRJ), como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Sociologia.

Banca Examinadora:

Prof. _______________________________________________

José Ricardo Garcia Pereira Ramalho (Orientador) - PPGSA / IFCS / UFRJ

Dr. Universidade de São Paulo - USP

Prof. _______________________________________________

Maria Lígia de Oliveira Barbosa - PPGSA / IFCS / UFRJ

Dra. Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

Prof. _______________________________________________

José Sérgio Leite Lopes - PPGAS / MN / UFRJ

Dr. Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

Prof. _______________________________________________

Bila Sorj (Suplente) - PPGSA / IFCS / UFRJ

Ph.D. Manchester University

Prof. _______________________________________________

Elaine Marlova Venzon Francisco (Suplente) – UERJ / CCS

Dra. Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

Rio de Janeiro

2008

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FICHA CATALOGRÁFICA

Cordeiro, Marina de Carvalho. "Ser trabalhador flexível e competente": um olhar sobre a dinâmica família, trabalho e educação. Marina de Carvalho Cordeiro. RJ: PPGSA / IFCS / UFRJ, 2008. xvi. 126 p. il. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA), 2008.

Orientador: José Ricardo Garcia Pereira Ramalho

1. Sociologia do Trabalho. 2. Sociologia da Educação 3. Famílias

I. Ramalho, José Ricardo Garcia Pereira (Orient.). II.Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia. III. "Ser trabalhador flexível e competente": um olhar sobre a dinâmica família, trabalho e educação.

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Ao meu companheiro Luís Henrique Ribeiro Santos,

pela parceria e amor intensos, nessa longa caminhada.

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AGRADECIMENTOS

Chegando ao fim desta longa caminhada, às vezes profundamente agradável e às vezes

causadora de imensa agonia, é importante relembrar todos aqueles que colaboraram para que

a jornada fosse cumprida. Agradeço profundamente à minha mãe e família, e meu

companheiro, cujas presenças e apoio foram e são, sempre essenciais.

Agradeço a disponibilidade e paciência daqueles que permitiram minha “entrada no

campo” e sem os quais, esta pesquisa não se concluiria. Primeiramente, agradeço à Julia

Polessa, figura incrível e amiga que me fez criar coragem para descobrir este “novo e

fantástico mundo” do trabalho de campo, que sem dúvida faz a vida de nós, cientistas sociais,

muito mais intrigante e sedutora. Um “muito obrigada” enorme àqueles que, muito solícitos,

me acolheram, conversaram, indicaram-me amigos e estabeleceram os laços necessários para

que eu pudesse contar esta história: Andréa, Andressa, Rosana, Eliane e todas as meninas do

CIEP. Obrigada a todos os trabalhadores e trabalhadoras que, mesmo com a vida corrida,

pouco tempo livre disponível, concederam-me as entrevistas, abrindo as portas de suas casas e

de suas vidas.

A amizade de todos aqueles que entendem o mundo acadêmico (ou tentam nele se

movimentar): meus companheiros de turma, amigos de graduação, “galera da Bolsa” e

geógrafos da UFF que aterrissaram em minha vida. Pessoas com as quais dividi angústias,

alegrias e euforia, dúvidas e debates que em muito enriqueceram minha trajetória. Eles eram

os únicos que compreendiam a tamanha agonia que sentia quando alguém perguntava: “mas

você ainda não acabou esse negócio? Como demora!”!

Agradeço àqueles que fazem parte da minha “família que a gente escolhe”: minha

mãe, irmã e avós; Dona Guta, Bocão e Nandoca; Juliana Docamps e Julinha, amigas eternas;

Luís Marola, companheiro, amigo e paixão. Sintam-se orgulhosos, felizes e parte integrante

desta vitória.

Aos professores que marcaram minha trajetória acadêmica, que dela fazem parte e

proporcionaram, com seus debates, que eu construísse minhas “ferramentas do pensar”

necessárias para o desenvolvimento deste trabalho e que me abriram as portas deste universo.

Ao José Ricardo Ramalho, meu orientador, pelo incentivo, apoio e paciência, sem os quais

esta pesquisa não estaria concluída e cuja confiança foi fundamental em momentos decisivos.

À Maria Ligia Barbosa, que me ajudou a ampliar e diversificar meu olhar educacional-

pedagógico, e que sempre me incentivou e instigou a pesquisar, atiçando minha curiosidade.

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À Bila Sorj por ter feito-me buscar o olhar da “família”, e com isso descobrir uma chave e um

rumo interessante de análise. Ao Marco Aurélio Santana, pela contribuição importantíssima

no meio do turbilhão de informações de campo e por fazer-me atentar para a disciplina e o

esforço necessários para a organização dos dados e de nosso próprio raciocínio. À Elina

Pessanha, por trazer carinho e cuidado neste mundo de papéis, tornando-o mais humano. À

Ângela, por todo o suporte técnico e organizacional, e carinho; a Claudinha e Denise pela

intermediação entre a vida e a burocracia.

Aos meus amigos de RSM, que de fora deste “mundo acadêmico”, mantiveram-se

pacientes com minhas angústias, interessados em minhas questões; que me trouxeram alegria

de criança em momentos de isolamento; à Miriam Nerd, Flavinho e Lelê, por me apontarem

caminhos mais simples, uma vez que já tinham cruzado essa jornada; à minha querida

“teacher – professeur” Gisele, pela iniciação nas línguas francesa e inglesa, habilidades sem

as quais esta jornada torna-se praticamente impossível, e por desenvolver este trabalho com

tanta dedicação aos seus alunos.

À CAPES pelo apoio institucional e pela bolsa de mestrado, sem a qual minha

dedicação à pesquisa não teria sido tão intensa, permitindo-me cumpri-la dentro do tempo

determinado. Agradeço também à FAPERJ e CNpQ pelo financiamento e apoio institucional

ao projeto de pesquisa do qual este trabalho faz parte e sem os quais, as viagens e estadias

para a realização do trabalho de campo não teriam sido possíveis. Por fim, agradeço àqueles

que por ventura não tenham sido citados aqui mas que, sem dúvida alguma, também fazem

parte desta vitória.

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“O sol nasce para todo mundo, mas a sombra, só para quem estuda”

Ana, 30 anos, mãe de dois filhos

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RESUMO

Este trabalho tem o intuito de discutir a complexidade da dinâmica família-trabalho-educação, buscando perceber de que forma famílias de trabalhadores, impactadas pela implantação de um pólo automotivo, reagem às novas exigências de escolaridade impostas pelo sistema produtivo. As fábricas reestruturadas e enxutas passaram a requerer um “novo perfil profissional qualificado e competente” e estabeleceram um novo patamar mínimo de escolaridade: o Ensino Médio. A região Sul Fluminense, um Distrito Industrial, tornou-se um lócus privilegiado para a observação dos impactos sociais e econômicos de novas formas de produção a partir da implantação de duas montadoras do setor automobilístico na localidade: a Volkswagen no ano de 1996 e a Peugeot-Citroën em 2001, nos municípios de Resende e Porto Real, respectivamente. Ambas as montadoras se propõem a operar a partir da idéia de produção enxuta, isto é, altos níveis de produtividade e reduzido número de trabalhadores, estabelecendo um discurso de maior participação e comprometimento dos trabalhadores com os objetivos da empresa. O foco principal da pesquisa é compreender de que forma os trabalhadores percebem a importância da educação no mercado de trabalho local, o posicionamento da escolarização dentro dos projetos familiares e suas estratégias de atuação, diante deste elemento que passou a ser central na constituição do “ser trabalhador”: a “educação”. Metodologicamente, a pesquisa combina recursos qualitativos e quantitativos. Qualitativamente, foram realizadas entrevistas guiadas com trabalhadores e suas famílias, enfocando suas trajetórias escolar e ocupacional, as expectativas com relação aos filhos e seus projetos familiares; e entrevistas com atores da comunidade escolar local. Quantitativamente, realizaram-se comparações estatísticas, com base em dados regionais e municipais oriundos do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil e outras fontes, bem como de dados fornecidos pelo survey com perfil dos metalúrgicos da Volkswagen. As novas concepções de qualificação colocadas no cenário local a partir do modelo de produção reestruturado, além de colocar as estratégias educativas no centro das estratégias de reprodução familiares, estabeleceu um novo padrão escolar a ser atingido pelos próprios trabalhadores. Ser “trabalhador de fábrica” é, por motivos econômicos e sociais, possuir status social, o que faz com que os trabalhadores se tornem trabalhadores-estudantes, a fim de ingressar ou se manter neste mercado.

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ABSTRACT

This research aims to discuss the complexity surrounding the family-work-education dynamics and it also seeks to understand how the workers’ families who were affected by the implementation of an automotive complex react to the schooling demands imposed by the new productive system. The restructured and “shrunk” factories now require a “new qualified and competent employee`s profile” and demand a new minimum educational level: a high school diploma. After the implementation of two automotive factories – Volkswagen in Resende (1996) and PSA Peugeot-Citroën in Porto Real (2001) – the south region of Rio de Janeiro State, an industrial district, became a privileged locus for observing the economic and social impacts of the new forms of production. Both plants intend to operate with the principles of the lean manufacturing, that is, higher production levels and a reduced number of employees, establishing thus a discourse of greater employee`s participation and commitment to the company goals. Our main focus is to comprehend how the workers realise the importance of education in the local labour market, the role played by the educative process in the family`s projects and their strategies to succeed, in the face of this new element which is considered a central one in the workers´ training. The adopted methodology combines qualitative and quantitative resources. Qualitatively, we used guided interviews with workers and their families focusing on their educational and professional background, their expectations and projects as well as interviews with people from local school communities. Quantitatively, we made statistical comparisons based on data from Brazilian Human Development Atlas, among other sources, such as the survey carried out with Volkswagen workers. The new conception of qualification, put into practice because of the industrial restructuring process, places educative strategies in the centre of family reproduction strategies. In addition, it establishes a new school standard to be achieved by the workers. Being a “factory worker” means social status due to economic and social reasons. Therefore, in order to find and keep a regular job in this new labour market, the worker becomes a “student-worker”.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ABNT - Associação Brasileira das Normas Técnicas

AEDB - Associação Educacional Dom Bosco

AMAN - Academia Militar das Agulhas Negras

APMIR - Associação de Proteção à Maternidade e a Infância

ARDHIS - Academia Resendense de História

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEDERJ - Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro

CES - Centro de Estudos Supletivos

CFCH – Centro de Filosofia e Ciências Humanas

CIEP - Centros Integrados de Educação Pública

CIPA - Comissão Interna de Prevenção de Acidentes

CIS - Consórcio de Informações Sociais

CPPR - Centro de Produção de Porto Real

CSN - Companhia Siderúrgica Nacional

DNER - Departamento Nacional de Estradas de Rodagem

EAD - Pólo de apoio presencial

EDUCAR - Instituto de Educação de Resende

EJA - Educação de Jovens e Adultos

EXAPICOR - Exposição Agropecuária, Industrial e Comercial de Resende

FAETEC - Fundação de apoio à Escola Técnica

FGV - Fundação Getúlio Vargas

FIRJAN – Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro

Fundação CIDE - Centro de Informação e Dados do Rio de Janeiro

GETA - Grupo de Estudos e Trabalhos em Alfabetização

IATF - International Automotive Task Force

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH-M - Índice de Desenvolvimento Humano do Município

IFCS – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

INB - Indústria Nuclear do Brasil

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LDB - Lei de Diretrizes e Bases

MBA - Master Business Administration

MEC - Ministério da Educação

PCP - Planejamento e Controle de Produção

PLR – Participação nos Lucros e Resultados

PSA – Grupo PSA Peugeot Citröen

PPGSA – Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia

RH – Recursos Humanos

RIE - Representação Interna de Empregados

SE - Sistema de Ensino

SECT - Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia

SECT - Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia

SEED - Secretaria de Educação a Distância

SEGET – Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia

SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SESI – Serviço Social da Indústria

SGA - Sistemas de Gestão Ambiental

SGQ - Sistemas de Gestão de Qualidade

UAB - Projeto Universidade Aberta do Brasil

UENF - Universidade Estadual do Norte Fluminense

UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro

UFF - Universidade Federal Fluminense

UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

UNIRIO - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

VW – Volkswagen

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LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS

Tabelas

Tabela 1 - Educação: população de 25 anos ou mais (percentual), Resende e RJ, 1991 e 2000

Tabela 2 - Média de anos de estudo, pessoas de 25 anos ou mais dos 10 primeiros do ranking

de municípios do RJ, 1991 e 2000

Gráficos

Gráfico 1 - Concluintes de Cursos Presenciais EJA Resende / RJ, 1996 a 2004

Gráfico 2 – Qual o significado de trabalhar na VW?; Survey: Um perfil dos metalúrgicos

Volkswagen de Resende-RJ; RAMALHO, J.R & SANTANA, M.A. (2002).

Gráfico 3 – Preocupação com Desemprego; Survey: Um perfil dos metalúrgicos Volkswagen

de Resende-RJ; RAMALHO, J.R & SANTANA, M.A. (2002).

Gráfico 4 – Educação população de 25 anos ou mais, Resende / RJ, 1991 e 2000

Gráfico 5 – Educação população de 18 a 24 anos, Resende / RJ, 1991 e 2000

Gráfico 6 – Indicadores utilizados no IDHM-Educação, Resende / RJ, 1991 e 2000

Gráfico 7 - Educação população de 25 anos ou mais, Resende e Estado do RJ, 1991 e 2000

Gráfico 8 – Média de anos de estudo, população de 25 anos ou mais; Resende, estados do

Sudeste e Brasil; 1991 e 2000

Gráfico 9 – Indicadores utilizados no IDHM-Educação, Resende e Estado do RJ, 1991 e 2000

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LISTA DE MAPAS E FIGURAS

Figuras

Figura 1 - Mapa da Linha de Montagem do Consórcio Modular

Figura 2 - Mapa da PSA Peugeot-Citröen e seu “Cinturão de Empresas”

Figura 3 - Visão do Bairro Toyota (“Grande Alegria”) de uma das janelas do CIEP

Figura 4 - Bairro Toyota – “Grande Alegria”

Figura 5 - Bairro Toyota e o “valão” ao centro

Figura 6 – Ônibus da VW recepcionando o público na entrada da 40ª EXAPICOR

Figura 7 - 40ª EXAPICOR e stand da Votorantim Metais

Figura 8 - 40ª EXAPICOR, “Resende, uma grande cidade para grandes negócios”

Figura 9 – CIEP 347, Toyota

Figura 10 – Composição da Mesa da Conferência Magna do IV SEGET - AEDB

Figura 11 – Entrega dos títulos de “sócio colaborador” e “sócio benemérito” da AEDB ao

Presidente da VW / Resende, na Conferência Magna do IV SEGET - AEDB

Mapas

Mapa 1 - Estado do Rio de Janeiro, mesoregião Sul Fluminense e município de Resende

Mapa 2 – Cidade de Resende / Rio de Janeiro

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LISTA DE ANEXOS

Anexo I: Lista de personagens (Famílias e Depoimentos)

Anexo II: Temas orientadores da entrevista

Anexo III: Mapa de funcionamento do “Consórcio Modular”

Anexo IV: Lista de Indicadores utilizados no Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil

Anexo V: Árvore Genealógica de Família Extensa (Família 3 - quatro gerações)

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SUMÁRIO

Introdução 1

Capítulo I.

1.1. O espaço social da pesquisa: reestruturação produtiva e o Sul Fluminense 4

1.2. As fábricas 7

1.3. A “entrada no campo” 10

Capítulo II.

Educação em tempos de Reestruturação Produtiva 22

2.1. Mergulhando na vida familiar 22

2.2. O “ser trabalhador” no contexto da Reestruturação Produtiva 33

Capítulo III.

3.1. Resende, “a great city for business” 51

3.2. Desenvolvimento Econômico, Sistema Educacional e Ocupacional 61

3.3. O Parque Educacional Regional: a reconfiguração da oferta educacional 64

Capítulo IV.

4.1. A Família em foco 86

4.2. Organização Familiar e Estratégias de Escolarização 92

Capítulo V. Considerações Finais 108

Bibliografia 112

Internet: sites pesquisados 117

Anexo I: Lista de personagens (Famílias e Depoimentos) 118

Anexo II: Temas orientadores da entrevista 122

Anexo III: Mapa de funcionamento do “Consórcio Modular” 124

Anexo IV: Lista de Indicadores utilizados no Atlas do Desenvolvimento Humano 125

Anexo V: Árvore Genealógica Família Extensa (Família 3 - quatro gerações) 126

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Introdução

Esta dissertação tem como objetivo discutir a complexa dinâmica família-trabalho-

educação, a partir da perspectiva de famílias de trabalhadores de uma localidade onde grandes

empresas recém implantadas estabeleceram um novo patamar mínimo de escolaridade para o

recrutamento de funcionários, e acabaram por colocar a “educação” como elemento central na

constituição do “ser trabalhador”. A implantação de duas grandes montadoras do setor

automobilístico no Sul fluminense, ambas já reestruturadas e operando a partir do paradigma

da produção enxuta, fez com que os trabalhadores e suas famílias se vissem diante de um

“novo perfil profissional flexível e competente”, pressupondo níveis de escolaridade mais

elevados que outrora.

A região tornou-se um lócus privilegiado para a observação dos impactos sociais e

econômicos destas novas formas de produção com a vinda da Volkswagen no ano de 1996,

com o sistema de “Consórcio Modular”1; e a PSA Peugeot-Citroën em 2001; nos municípios

de Resende e Porto Real, respectivamente. A grande expectativa criada com o novo pólo

industrial se defrontou com empresas que não mais operam dentro dos modelos fordistas-

tayloristas tradicionais, já “nasceram” reestruturadas e funcionam com a idéia de produção

enxuta como base, isto é, altos níveis de produtividade e reduzido número de empregados.

Como conseqüência, construiu-se um discurso de maior participação e comprometimento dos

trabalhadores com os objetivos das empresas. Logo, surgiu no cenário a exigência de um novo

perfil profissional, qualificado e competente, pressupondo uma escolaridade básica e de boa

qualidade.

Partindo da premissa de que as alterações geradas pela implantação deste pólo podem

ser percebidas em inúmeras esferas da vida social, o intuito desta pesquisa2 é analisar este

1 O sistema foi anunciado como um “modelo de fábrica do século XXI”, alterando significativamente a estrutura organizacional da fábrica e modificando a relação entre a empresa e seus fornecedores, pois “trouxe os parceiros” para o interior da fábrica. Este tópico será melhor desenvolvido adiante. 2 Esta pesquisa se insere num grupo de pesquisa mais amplo, coordenado pelos Profs. Drs. José Ricardo Ramalho e Marco Aurélio Santana, que se dedicam a dois projetos intitulados “O global e o local: os impactos sociais da implantação do pólo-automotivo do Sul Fluminense” e “Desenvolvimento Regional, indústria automobilística e relações de trabalho e perspectiva comparada: os casos do Sul Fluminense e do ABC Paulista”. Dentro deste projeto mais amplo, inúmeras pesquisas de mestrado, doutorado e de iniciação científica foram produzidas, acumulando um grande conhecimento sobre os processos sociais locais a partir da implantação do pólo-automotivo do Sul Fluminense, tratando de temas como relações de trabalho, movimento sindical, questões raciais e de formação de mão-de-obra. No entanto, vale ressaltar que este trabalho se propõe a

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processo a partir da perspectiva dos núcleos familiares. Sua principal questão se refere às

percepções das famílias de trabalhadores com relação às alterações no mercado de trabalho a

partir deste “novo perfil profissional”, imposto pelo sistema produtivo e ao papel da

escolaridade dentro dos projetos familiares. Busca-se compreender de que forma os

trabalhadores percebem a relação trabalho-educação no mercado de trabalho local, o

posicionamento da escolaridade dentro dos projetos familiares e as estratégias de atuação

escolhidas.

A hipótese central do trabalho é que a chegada das empresas, as novas concepções de

qualificação colocadas no cenário local a partir do modelo de produção reestruturado, além

de colocar as estratégias educativas no centro das estratégias de reprodução familiares com

relação aos filhos, estabelece um novo padrão a ser atingido pelos próprios trabalhadores: o

Ensino Médio. Vale ressaltar que há nessa dinâmica, um elemento que reforça esta tendência:

o status social adquirido pelos indivíduos por fazerem parte deste setor do mercado de

trabalho. O “trabalhador da indústria automobilística” é por motivos econômicos e sociais,

percebido como um “trabalhador diferencial”, sendo o investimento em educação algo com

retorno reconhecido pela população local – já que a escolaridade tornou-se o “passaporte de

entrada” neste mercado.

A partir do estudo das famílias de trabalhadores e funcionários das duas plantas

automobilísticas - a Volkswagen e a PSA Peugeot-Citroën – e tendo como pano de fundo a

discussão sobre reestruturação produtiva e os impactos na formação do trabalhador, busco

perceber de que forma, estas famílias impactadas pelo desenvolvimento local reagem aos

novos elementos que se colocam em sua realidade, e como estes são incorporados às suas

marcas de pertencimento social e suas formas de atuação na vida familiar cotidiana. Desta

forma, no desenvolvimento do trabalho pretendemos relacionar a questão do status dos

trabalhadores das fábricas e do pólo automotivo, as referências relacionais familiares e as

perspectivas de tais famílias, a fim de perceber no processo de construção de seus projetos, a

posição ocupada pela escolaridade/escolarização, as expectativas entre as gerações – dos pais

com relação aos seus filhos – e as estratégias adotadas pela família frente a esses processos.

Dentro desta perspectiva fez-se necessário abordar temas da sociologia da família, a

fim de tratar do processo de construção do projeto familiar, relacionando-o ao campo de

possibilidades que o núcleo percebe para si. Porém, há ainda uma outra questão de profunda

pesquisar a relação entre modificações nos perfis de trabalhadores e certificações escolares formais, diferenciando-se de outras pesquisas como por exemplo Lia Rocha (2002), que se insere na mesma discussão porém, enfocando aspectos de formação técnica.

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relevância que se refere às problemáticas relacionadas à temática da classe social: como

poderíamos abordar as referências deste grupo específico, que poderia ser percebido como

“classe trabalhadora” ou como “classe média urbana” – tendo como base seus rendimentos3?

Como trabalhadores de uma fábrica – “não detentores dos meios de produção”, para usar uma

linguagem marxista – este grupo seria percebido exclusivamente como “classe trabalhadora”,

mas atentando para o risco do “fatalismo sociológico” (VELHO, 2004) ao atribuir

determinadas representações ao nascimento em uma determinada classe ou outra, acreditamos

que uma definição rígida em termos de classe social não seria capaz de apreender a

complexidade das influências às quais estão submetidos os sujeitos em sua realidade.

Pretendemos então, discutir a relação entre as “perspectivas de classe” e os projetos

familiares, as percepções acerca da mobilidade entre as gerações, em que medida a

escolarização é percebida como uma via de ascensão social para estas famílias e como tais

concepções se fazem presentes nas expectativas que estes pais possuem com relação aos seus

filhos, principalmente no que se refere à escolaridade. E ainda, de que forma estas famílias

percebem as novas demandas de qualificação e como estariam se reorganizando (ou não) a

fim de colocar a educação como centro dos projetos familiares? Estas são algumas das

questões que motivaram o desenvolvimento desta pesquisa.

O presente trabalho se divide em cinco capítulos: no primeiro, a contextualização do

espaço social da pesquisa, uma discussão teórica sobre impactos da reestruturação produtiva

no perfil dos trabalhadores e níveis de escolaridade – pano de fundo deste trabalho - e uma

descrição da experiência de campo; no segundo, à luz da discussão teórica feita no capítulo

anterior, apresento um “mergulho na vida familiar”, trazendo as perspectivas de uma família

quanto às questões que norteiam a pesquisa e em seguida relacionando-as com depoimentos

de outros trabalhadores quanto ao “ser trabalhador” neste contexto; o terceiro capítulo trata

das relações entre desenvolvimento econômico, sistema educacional e ocupacional e dos

impactos do pólo na oferta educacional local, traçando através de dados quantitativos, um

perfil da educação na localidade, o papel desta na própria escolha das fábricas pelo local de

implantação, e num segundo momento, a “reconfiguração da oferta educacional” a partir das

novas demandas do mercado de trabalho; o quarto enfoca as questões da família, as

expectativas intergeracionais e as estratégias familiares, à luz da literatura da sociologia da

família; por fim, as considerações finais.

3 Salário de 3 a 5 salários mínimos, sendo que os valores salariais estavam acima da média regional (em 2001) hoje o piso dos metalúrgicos é R$ 1.400,00 (Survey - RAMALHO & SANTANA, 2002; e reportagem Sindicato Mercosul de 21/2/2006).

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Capítulo I

1.1. O espaço social da pesquisa: reestruturação produtiva e o Sul Fluminense ________

A indústria mundial tem passado, nas últimas décadas, por um processo de

reestruturação produtiva, buscando compatibilizar alterações organizacionais e institucionais

nas relações de produção e trabalho, além de redefinir os papéis dos Estados Nacionais e

instituições financeiras no sistema de produção como um todo. Diversos processos, inerentes

à lógica do fordismo e aos limites técnicos decorrentes da organização científica do trabalho,

bem como o choque do preço do petróleo e a ascensão das taxas de juros (ocorridos em

meados da década de 70), colocaram desafios à lucratividade das empresas. A fim de superar

problemas como a diminuição dos ganhos de produtividade, elitização do consumo, mercados

com poder de compra reduzido e aumento da competição intercapitalista mundial, distintas

estratégias vem sendo utilizadas, tendo a introdução de novas tecnologias informatizadas,

papel fundamental neste processo. Tais estratégias possuem dois eixos básicos:

transformações na organização do processo de trabalho, com novas formas de controle social;

e flexibilização da produção via introdução de tecnologia microeletrônica, no intuito de

adaptar o aparelho às novas exigências do mercado mais instável e competitivo. “Flexíveis” e

“enxutas”, as fábricas reestruturadas teriam como principais inovações, o uso do trabalho em

equipe, a introdução de máquinas flexíveis e adaptáveis a fins diversos, o que possibilitaria a

diminuição do número de máquinas e conseqüentemente o espaço físico requerido pela

fábrica, além da utilização de uma força de trabalho diversa da anterior e em geral, mais

qualificada. As inovações tecnológicas em conjunto com o surgimento de novas tendências

gerenciais e institucionais, apontariam para um outro modelo de desenvolvimento (e não mais

o fordista) baseado em um novo regime de acumulação (CATANI & HOLZMANN,

2006:237-239; SALLES & ROCHA & PEREIRA, 1999).

No entanto, vale ressaltar que existem diferentes caminhos abertos para a substituição

do fordismo (produção em massa) como forma dominante de acumulação capitalista, como

adaptações de modelos às condições locais e também a convivência entre eles, com a

existência de vários padrões alternativos de acumulação. Este processo em desenvolvimento

pode ser percebido no Brasil, ainda que as inovações se apresentem em ritmo lento, sendo

difícil localizar em qualquer setor uma planta na qual o modelo flexível tenha sido

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completamente introduzido. Mudanças ocorrem mas a direção destas ainda é incerta, sendo

comum a coexistência de diferentes estratégias tecnológicas e organizacionais, ainda que

dentro de um mesmo setor (CATANI & HOLZMANN, 2006:237-239; RAMALHO &

SANTANA, 2006b).

A região Sul Fluminense4 estaria vivenciando um processo de dinamização da

economia local a partir da implantação destas montadoras, com resultados consideráveis em

relação ao aumento dos recursos públicos, instalação de novas empresas, criação de postos de

trabalho e incremento em atividades de serviços (RAMALHO, 2006:17). Ramalho (2006:15)

coloca a importância de considerarmos a presença de grandes empresas em aglomerados

industriais e o seu relacionamento com outras instituições estabelecidas no mesmo território, e

aponta para a dificuldade de incorporação destas nas análises de experiências industriais. O

autor define então a região a partir de uma tipologia desenvolvida por Markusen e considera

que esta poderia ser classificada como uma mistura dos distritos industriais “Hub and Spoke”

e “plataformas Satélites”5. Vale ressaltar que esta (re)industrialização6 da região está

totalmente inserida no debate do profissional flexível, uma vez que as fábricas lá instaladas e

que “já nasceram reestruturadas”, passaram a impor, alguns anos depois de sua instalação, um

novo patamar mínimo de escolaridade por parte de seus trabalhadores: o Ensino Médio.

4 A região “Sul Fluminense” ou do “Médio Paraíba” são categorias utilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e se referem ao conjunto das cidades de Barra Mansa, Itatiaia, Pinheiral, Piraí, Porto Real, Quatis, Resende, Rio Claro e Volta Redonda. 5 Ann Markusen em “Área de Atração de Investimentos em um espaço econômico cambiante: uma tipologia de Distritos Industriais” questiona como certas áreas sustentam sua capacidade de atração de trabalho e capital no contexto do desenvolvimento do capitalismo moderno e sua alta mobilidade internacional. A autora elabora então uma classificação através de quatro tipos-ideais de distritos industriais, numa tipologia alternativa à proposta pela literatura dos clássicos NDIs Italianos, incluindo também outras dinâmicas e atores além das pequenas empresas. Na tipologia de Markusen, o NDI Centro-Radial (Hub and Spoke), seria aquele “(...) onde a estrutura regional se articula em torno de uma ou várias grandes corporações pertencente(s) a uma ou a algumas poucas indústrias”; e o NDI Plataforma Industrial Satélite, seria “(....) basicamente constituída por sucursais ou subdivisões de corporações multinacionais, e que tanto pode ter um caráter high-tech, quanto meramente se basear em filiais atraídas por baixos salários, baixos impostos e incentivos governamentais(...)” (MARKUSEN, 1995:15). 6 A história industrial de Resende desde a década de 50 – e dos distritos de Porto Real e Itatiaia, emancipados recentemente – pode ser dividida em ciclos econômicos e está associada a existência de grandes firmas, algumas das quais ainda permanecem na localidade, com atividades ligadas à industria química e farmacêutica (IQR, CYNAMID), de bebidas, energia nuclear (INB), metalurgia e pneus. Houve impacto também na região, nas décadas de 40 a 70 : a criação da Cooperativa de Leite, construção da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), inauguração e duplicação da Rodovia Presidente Dutra, Usina Hidrelétrica do Funil e a construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), ainda que em município vizinho (WHATELY & GODOY, 2001:32).

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Fogaça (1998:13) tratando das relações entre Educação e Reestruturação Produtiva,

afirma que nesta nova fase da produção capitalista, com a introdução de novas formas de

organização do trabalho e novas tecnologias, haveria a necessidade do fim da distinção entre

educação para o trabalho e educação para a cidadania, já que os perfis ocupacionais tenderiam

a ter como elemento básico uma boa escolaridade formal, estabelecendo uma nova articulação

entre educação, cidadania e qualificação profissional. Para esta autora, o desenvolvimento das

competências geraria a necessidade de uma base sólida de educação geral, com conteúdos que

fazem parte dos programas da escola regular de 1º e 2º graus e portanto, o maior entrave à

qualificação profissional não estaria na formação especial, mas sim no déficit de escolaridade

de conteúdos gerais. Tais conteúdos seriam de grande importância neste contexto, pois

envolveriam os processos básicos de desenvolvimento das características fundamentais deste

trabalhador flexível, capaz de responder às diferentes demandas do trabalho, tanto em termos

técnicos quanto em termos organizacionais e de relacionamento. Para Fogaça, a alta

competitividade seria incompatível com o atual desempenho do sistema educacional

brasileiro, que tem seus índices situados nos patamares mais baixos mesmo quando

comparados aos demais países da América Latina.

No entanto, há um debate em torno da definição da qualificação e do conteúdo da

competência. Dentro desta discussão teórica, o paradigma da flexibilidade estaria alterando

não só a base técnica, mas também a própria força de trabalho, tanto em aspectos

quantitativos quanto qualitativos. Assim, a partir do surgimento de novas formas de trabalho,

teríamos como conseqüência um diferente uso do saber e inteligência operários que

colocariam em xeque a própria concepção de qualificação (RÉGNIER,1998:15). O sistema

flexível estaria então rompendo com a concepção dos modelos taylorista/ fordista e seu “one-

best-way”, dando lugar assim a uma demanda e valorização de novas habilidades e

capacidades, tais como a capacidade de resolução de problemas, o raciocínio lógico/abstrato,

a compreensão do processo produtivo como um todo, a capacidade de comunicação verbal e

escrita, a capacidade de trabalhar em equipe, responsabilidade e disponibilidade para

cooperação (RÉGNIER, 1998:16). Observa-se uma elevação do grau de escolaridade exigido

para ingresso e manutenção dos profissionais nas empresas – ainda que se afirme que muitas

dessas habilidades sejam produto de socializações que se dão fora do espaço formal de

aquisição de conhecimentos, ou seja, fora dos espaços de escolarização formal e profissional.

Neste contexto, observamos a emergência do discurso de competência como substituto

conceitual à qualificação, gerando na seqüência, um grande debate em torno do uso de tais

conceitos. Régnier, citando outros autores, aponta para a diferenciação entre os

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Figura 1

Mapa da Linha de Montagem do Consórcio Modular

Entretanto, ainda que opere a partir de uma percepção considerada “inovadora” no

processo produtivo, no que se refere às relações de trabalho, a VW não seguiu o mesmo

caminho, não apresentando nenhum sinal de inovação na organização e nas atividades de

grupos de trabalho e, mesmo tendo implantado o “trabalho de time” em 1999, informações do

sindicato local apontam para a inexistência de qualquer diálogo neste sentido nos três

primeiros anos. A empresa demonstrou preocupação com algumas questões referentes à força

de trabalho: todos os funcionários das empresas consorciadas utilizariam o mesmo uniforme;

ainda que os contratos fossem das diferentes empresas, se pretendia a manutenção de um

mesmo conjunto de salários e benefícios7; a qualidade das instalações e meio ambiente dos

espaços de trabalho, sendo também a primeira linha de montagem a ser climatizada no Brasil.

A mão-de-obra da empresa foi selecionada na própria região e para tal, realizou-se um

convênio entre a VW e o SENAI, criando um centro de tecnologia automotiva que treinou os

trabalhadores para os novos processos de produção (RAMALHO, 2006:80).

A PSA Peugeot- Citröen, inaugurada em 2001 no município de Porto Real, é um

centro de produção que ocupa uma área de 150 mil metros quadrados, num terreno de mais de

dois milhões de metros quadrados; neste espaço localizam-se os prédios de solda e chaparia,

7 Importante sinalizar que, em 1999, a VW estava disposta a conceder aumento salarial apenas para seus empregados e não para os outros trabalhadores da linha de montagem, empregados das firmas parceiras. No entanto, na prática isto não foi possível e o fato gerou manifestações por parte dos trabalhadores, culminando numa greve de uma semana. A partir deste evento implantou-se a comissão de fábrica e formas de negociação mais coletivas, diferindo da orientação inicial do “consórcio” (RAMALHO, 2006:82-83).

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de pintura e montagem, e a unidade de produção de motores. O Centro de Produção de Porto

Real (CPPR) trouxe para perto de si seus fornecedores, formando um “cinturão de empresas”

– o chamado “tecnopólo” (ver Figura 2) – que viabiliza demandas just-in-time, diferenciando-

se do “consórcio modular” da VW, que trouxe os colaboradores para dentro da planta. Nesse

“cinturão de empresas” estão as unidades fabris da Vallourec (eixos), Magnetto-Eurostamp

(estamparia de chapa), Faurecia (assentos) e Gefco (logística e transporte). A fábrica opera a

partir do modelo de produção enxuta, com flexibilização no processo produtivo bem como

nas relações de trabalho. Assim como ocorre na unidade da Volkswagen, possui um conjunto

de trabalhadores jovens (os “jovens operários”) com padrão mais elevado de escolarização

(Ensino Médio completo), sendo a maioria recrutada na própria região. No processo de

instalação da montadora, houve uma parceria fundamental com o SENAI na formação dos

profissionais e a PSA Peugeot-Citröen construiu então um protótipo da linha de montagem

para que os alunos se adaptassem às formas de trabalho na nova planta. Em consonância com

o “novo perfil profissional”, os trabalhadores foram recrutados a partir de novas práticas

gerenciais, exigindo maior envolvimento individual, a capacidade de ser flexível, competente

e motivado no processo de produção (RAMALHO & SANTANA, 2006a:121,122).

Figura 2

Mapa da PSA Peugeot-Citröen e seu “Cinturão de Empresas”

Sendo uma fábrica enxuta, o número de trabalhadores contratados foi também muito

inferior às expectativas geradas – eram 1.267 trabalhadores em 2002 e 2.300 em maio de

2006. Importante ressaltar que os trabalhadores valorizam bastante a oportunidade de possuir

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Citröen – e da estrada é possível vermos as placas de indicação das entradas desta, da

Volkswagen e do Pólo Industrial de Resende.

Mapa 1

Estado do Rio de Janeiro, mesoregião Sul Fluminense e município de Resende

Mapa: Elaboração própria

Na saída 305 da Via Dutra, depois de passar pela “Graal” (um “posto de gasolina

gigante”, ponto de referência), chega-se finalmente à entrada de Resende e logo chegamos ao

centro da cidade, onde há o famoso “calçadão”. O centro é bastante movimentado, com

muitas lojas, comércio variado e serviços; o “calçadão” foi a primeira referência que tive da

cidade. Caminhando pelo centro, já foi possível observar aquelas que depois seriam colocadas

pelos entrevistados como “marcas de distinção” dos trabalhadores das fábricas: os convênios

com as farmácias e outros estabelecimentos comerciais, escritos nas placas de propaganda, em

destaque.

Minha “entrada no campo” foi mediada por outra pesquisadora do laboratório de

pesquisa, que havia desenvolvido uma pesquisa de dissertação sobre relações trabalhistas na

PSA Peugeot-Citröen, no ano anterior. Com sua ajuda, cheguei num sábado à cidade, já com

uma “entrevista marcada” com um dos trabalhadores que fora um “informante” de extrema

importância em sua pesquisa, funcionário da PSA Peugeot-Citroën e que já havia trabalhado

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na Volkswagen, tempos antes. Marcamos um encontro em frente à nova sede do Sindicato dos

Metalúrgicos, do outro lado do Rio Paraíba do Sul. Pensando que se tratava de uma pesquisa

sobre questões sindicais, João9 havia deixado sua esposa Ana (Família 1), no ponto de ônibus

próximo, mas quando expliquei que se tratava de uma pesquisa sobre família, fomos encontrá-

la. Como estávamos de carro, levamos o casal à casa da família de João, no bairro Liberdade.

No trajeto, reflexos da expansão da cidade: o casal nos relata sobre o tempo em que viveram

numa “casinha nos fundos da casa” da mãe de João, reclamando da distância quando

comparada ao bairro onde moram hoje - a chamada “Grande Alegria”. Após almoçarmos “em

família” e atualizarmos as informações sobre os conflitos sindicais dos últimos tempos – um

dos irmãos de João é um ator político importante no cenário local, membro da Representação

Interna de Empregados (RIE) da Volkswagen e integrante do sindicato; logo, foi prontamente

“passando seu relatório” sobre as atividades sindicais recentes – seguimos para a casa de João

e Ana, não sem antes conhecermos a casa, seus “puxadinhos” e toda a família que habitava a

casa D.Clara (mãe de João). Na entrada, após o portão, há um grande corredor de onde

podemos avistar as outras “casas”: a primeira casa, onde moram o sindicalista, a esposa e um

dos filhos; a segunda casa, onde moram D.Clara e o marido; e a casinha dos fundos (a terceira

casa), onde moram outros parentes, um casal com filhos pequenos. Nesse momento, percebi

de que se tratava de fato uma casa com seus “puxadinhos”: sociabilidade e contato

permanente entre os familiares, dividindo refeições, espaços comuns, panelas; inclusive

acusticamente pois, é impossível não saber ou escutar o que está havendo ao redor.

Para chegar na “Grande Alegria”, atravessamos parte da cidade (ver Mapa 2). O bairro

onde estávamos – Liberdade – é mais próximo ao centro e para chegarmos ao nosso destino,

percorremos mais alguns bairros, além de passarmos pelo grande terreno do aeroclube, de

onde avistamos também uma das faculdades da cidade, a Associação Educacional Dom Bosco

(AEDB). Por fim, chegamos a uma avenida de mão dupla, com um canal no meio e chegamos

àquele espaço que pode ser considerado o centro da “Grande Alegria”, onde fica localizada a

Escola Municipal Getúlio Vargas – reconhecida como uma das melhores no local – o posto de

saúde, caixas bancários e outros comércios, além de um grande supermercado. No decorrer do

trajeto, Ana vai demonstrando todo o seu conhecimento com relação à região: aponta para

todas escolas que passamos no caminho, e também para as escolas onde os filhos estudam ou

estudaram. O casal trata a distância entre a “Grande Alegria” e o Centro, ou o bairro

9 Os entrevistados serão apresentados ao longo da narrativa com nomes fictícios (para consulta, ver Anexo I – lista de personagens).

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Liberdade, como uma reclamação, uma vez que eles próprios já haviam habitado, em outro

momento, a casinha dos fundos na casa de D.Clara.

A trajetória por mim percorrida para chegar aos domicílios das famílias foi crucial:

partir da escola para chegar às famílias tornou mais fácil a minha entrada nesse espaço tão

íntimo e reservado que é a “casa”. O fato de ter casado recentemente e sustentar uma grande

aliança dourada na mão esquerda, acredito que compensava o fato de ser mulher, jovem, estar

sozinha e viajar de carro sozinha não sendo da cidade, fazendo com que fosse mais fácil

adquirir a confiança das esposas, facilitando minha entrada no ambiente doméstico. Entrar na

casa com o aval feminino, tratando de assuntos que pareciam ser de ordem feminina – o

funcionamento da família, a criação dos filhos e os investimentos em escolarização realizados

– mostrou-se uma estratégia fundamental. Vale ressaltar que no ambiente escolar, também

“dominavam” as mulheres: diretoras, professoras, orientadoras, as agentes educacionais – o

espaço educacional encontrado era composto basicamente de mulheres e com estas no

“comando”. Logo, adquirir a confiança feminina para depois chegar aos maridos revelou-se

melhor do que o oposto – já tinha vivido frustrações com relação à tentativa de marcar

entrevistas falando diretamente com os homens primeiro, restabelecendo contatos já feitos por

outros integrantes do projeto.

Grande parte da pesquisa foi realizada no bairro onde moram Ana e João, ao qual as

pessoas geralmente se referem como “Grande Alegria”10. É um bairro popular, de construção

recente e chamado de “Grande Alegria” porque é um grande complexo que abrange outros

pequenos bairros como Jardim Alegria, Nova Alegria, Alegria I e II, Cidade Alegria, Toyota I

e II, Jardim Primavera I, II e III e outros (ver Mapa 2); não existem fronteiras físicas muito

bem delimitadas, e por vezes os próprios moradores confundem os domínios de cada um

destes “pequenos bairros”. De uma forma geral, a “Grande Alegria” é composta basicamente

por casas populares, a maioria delas ainda em construção; o próprio processo de urbanização e

asfaltamento é recente, é possível observar vestígios de obras por toda a parte. Ao assistir a

prestação de contas realizada pela secretaria de obras da Prefeitura em Audiência Pública na

10 Interessante observar também que no survey constatou-se que a maioria dos trabalhadores da Volkswagen eram residentes no bairro Cidade Alegria (e vizinhança), sendo que a maioria residia há mais de vinte anos nesses locais (RAMALHO, J.R & SANTANA, M.A., 2002:10-12).

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Câmara Municipal de Resende, pude acessar informações a respeito dos investimentos

públicos em desenvolvimento urbano na cidade11.

Mapa 2

Cidade de Resende, Rio de Janeiro

Fonte: site www.aedb.com.br

É comum nas falas dos moradores, reclamações com relação à crescente violência no

bairro. Em minhas idas e vindas a campo – que aconteceram entre os meses de março até

junho; e depois entre agosto e outubro, no ano de 2007 – ouvia as novidades e meus contatos

falavam de como a violência crescia no bairro, que “daqui a pouco, se duvidar, fica igual ao

Rio de Janeiro” e que vinham ocorrendo fatos trágicos com mortes e tiroteios no bairro,

acompanhado da ressalva “eles não estão nem mais respeitando o horário, o último foi na hora

da saída da escola”. Ainda assim, a “Grande Alegria” possui um “ambiente bem família”. Em

muitas partes do bairro quase não há calçadas; os quebra-molas são responsáveis pela

limitação da velocidade na circulação de veículos e garantem de alguma forma, a segurança

dos inúmeros ciclistas e também das mamães que passeiam com seus carrinhos de bebê na 11 Em Audiência Pública na Câmara Municipal de Resende, dia 25 de abril, tive acesso à informação de que inúmeras ruas da “Grande Alegria” haviam sido asfaltadas recentemente, sendo também aquele bairro, um dos mais recentes da cidade, reflexo de sua expansão.

Rodovia Pres. Dutra “Grande Alegria”

Rio Paraíba do Sul

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rua. Fazem parte da paisagem mulheres, homens e idosos batendo papo ou jogando algo nas

mesinhas das pequenas “praças”, crianças brincando e a enorme população de “vira-latas” que

habita o bairro. De fato a bicicleta é um ótimo meio de transporte para quem circula dentro da

“Grande Alegria”, até porque o transporte coletivo não é vasto; não é difícil observar um

enorme estacionamento de bicicletas nas escolas do bairro que oferecem cursos noturnos, ou

mesmo pais e mães levando e buscando seus filhos nos cursos diurnos.

Figura 3

Visão do Bairro Toyota (“Grande Alegria”) de uma das janelas do CIEP

Foto de Marina Cordeiro em 29 de novembro de 2007

Figura 4

Bairro Toyota – “Grande Alegria”

Foto de Marina Cordeiro em 29 de novembro de 2007

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Figura 5

Bairro Toyota e o “valão” ao centro

Foto de Marina Cordeiro em 29 de novembro de 2007

Cenário comum na “Grande Alegria” (ver Figuras 3, 4 e 5): a casa de João e Ana

estava sendo construída fazia seis anos, desde que o casal deixara o “puxadinho” em que

moravam na casa dos pais de João, para “ter seu próprio espaço”. Na entrada da casa havia

um portão para carro, a porta de entrada e restos de areia na calçada, vestígios da construção.

A casa possui quintal, sala, cozinha e dois quartos no primeiro andar; estava sendo construído

um outro andar, com quatro cômodos destinados a alocar melhor as crianças: Bruno, de 14

anos e Tatiana, de 12. Assim, no andar de cima seriam dois quartos, um para cada filho; um

“quarto de estudos”, onde instalariam o computador que haviam acabado de comprar (quando

nos encontramos, no centro) e onde pretendiam montar uma biblioteca; corredor e uma

varanda. Casa com mobília simples, alguns cômodos sem móvel algum, mas conforme o

pensamento do casal, deve-se ir construindo aos poucos, na medida das possibilidades e

“pensar no futuro, pois nós não vamos morrer amanhã”. Este cenário avistado, seria então o

primeiro de muitos outros – as casas parecem viver em “eterna construção”, ou as pessoas

parecem “passar a vida construindo as casas”, sempre abrindo e ampliando um espaço para

aqueles que chegam: netos, outros filhos, noras e genros...

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Ana - uma mãe jovem, com idade em torno dos 30 anos, bastante dedicada à criação

dos filhos, dona-de-casa, que completara o 2° grau recentemente - ficou bastante animada

com a idéia de ser entrevistada para tratar desse assunto: escolaridade e cuidado com os

filhos. Houve uma grande receptividade por parte do casal e principalmente de Ana, que se

revelou um contato-chave para o andamento da pesquisa. A “entrevista–conversa” se

desenvolveu com fluidez, abordando temas como a história de vida do casal, o início do

casamento, histórico ocupacional, organização das atividades familiares e os projetos com

relação à criação dos filhos, os impactos da recente (re)industrialização. Ao final da

entrevista, após conhecermos o interior da casa, nos despedimos e combinamos a próxima

visita, que veio a acontecer quinze dias depois.

Conforme o combinado, pouco tempo depois voltava à Resende, desta vez para

conhecer a escola das crianças. Foi através da visita a Escola Municipal Getúlio Vargas – uma

“escola de nome” no bairro “Grande Alegria” – que acabei fazendo contato posterior com

outro espaço escolar também do bairro, o CIEP 347. A visita a este CIEP e a entrevista com

sua Diretora se mostraram de fundamental importância na pesquisa, pois foi então que

descobri um elemento-chave da dinâmica social em estudo: a Educação de Jovens e Adultos

(EJA). Tomar conhecimento deste curso foi bastante significativo e o espaço do CIEP 347

proporcionou contatos com outros trabalhadores e posteriormente com suas famílias. Os laços

iniciais estavam feitos e como pesquisadora fiquei surpresa com o quão as pessoas se

mostraram solícitas e animadas com a idéia de “ser entrevistado por uma pesquisadora que

veio lá do Rio de Janeiro”. Através do contato com a Diretora do CIEP 347 e com as

orientadoras que lá trabalhavam, adquiri outra rede importante de acesso aos trabalhadores

das fábricas pois o marido de uma das orientadoras “era um Volkswagen”.

A desestrutura familiar é apontada, pelas funcionárias da escola e pelas famílias

entrevistadas, como um grande problema no bairro. A bebida, o desemprego, o problema das

drogas e o crescimento do tráfico são grandes preocupações de todos aqueles que de certa

forma poderiam ser vistos como “educadores”: tanto os “profissionais” quanto aqueles pais e

familiares preocupados com o crescimento de seus filhos. Há ainda a gravidez; toda uma série

de fatores preocupa as famílias com relação às “derrapagens juvenis”, que podem ser

decisivas num meio social desprovido de muitos recursos. Por outro lado, a escolarização é

apontada como um processo que auxilia nestes problemas: a perspectiva de melhoria de

condições de vida impulsionaria os indivíduos, o estudo “abre a cabeça”, além de trazer a

oportunidade de “entrar numa fábrica”, posto tão valorizado e desejado no bairro. Em que

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pesem as semelhanças com as reclamações de todos os profissionais da educação12, o que

diferencia a localidade é a proximidade dos riscos, já que é um bairro de camada popular,

onde tudo acontece ao redor e muito perto, com bastante freqüência. Alguns vizinhos são

traficantes, alcoólatras que por vezes batem à porta vendendo objetos, alunos das escolas às

vezes estão envolvidos com o crime e há pais que preferem levar e buscar os filhos da escola

para protegê-los de uma “molecada perversa que anda por aí”. Apontando tais “perigos”, Ana

afirma que “a rua não dá nada de bom para ninguém não” e “filho criado, trabalho dobrado” –

aludindo ao “trabalho” que os filhos dão durante a adolescência, período de ampliação da

autonomia juvenil e maiores possibilidades de contestação com relação aos pais.

Realizei uma visita ao “Consórcio Modular” que me gerou algumas inquietações. Na

data marcada, fui a Volkswagen e pela primeira vez, entrava numa montadora

automobilística. Havia visitado há algum tempo atrás, em atividade de pesquisa, a Companhia

Siderúrgica Nacional (CSN), o que colaborou em minha percepção. Na recepção, toda a

burocracia para a entrada na empresa: documentos, identificação e recomendações – sendo

que foi preciso estabelecer contato prévio com um Gerente de Recursos Humanos para

esclarecer o motivo da visita e adquirir autorização. Em pouco tempo estava sendo

acompanhada por um dos membros da Representação Interna de Empregados (RIE),

percorrendo os espaços da planta. Com certa insistência, conseguimos junto a um gerente,

autorização para entrarmos na linha de montagem. Ao acaso, na data de minha visita, estava

ocorrendo a inauguração de uma agência bancária dentro da fábrica, contando com a presença

de alguns “gerentões de São Paulo”; a agência bancária promoveria – segundo a VW e a RIE

– um maior conforto e privacidade aos trabalhadores para tratarem de questões financeiras

pois, até então o atendimento estava sendo feito de forma precária e num espaço pequeno para

o número de trabalhadores, gerando grandes filas nos horários de intervalo como o almoço,

por exemplo.

Percorrendo a linha de montagem, observa-se melhor o funcionamento do Consórcio

Modular: o caminhão percorre um trajeto determinado, onde cada uma das etapas de

montagem é de responsabilidade de um dos parceiros. Há os postos; em cada um deles um

grupo de trabalho – a maioria jovens rapazes, que observam com estranheza minha entrada no

galpão - que deverá realizar suas tarefas em no máximo quatro minutos e meio, antes do

caminhão passar à etapa seguinte. O ambiente é limpo e tem um clima agradável (é uma linha

12 Eu mesma trabalhei durante dois anos e meio como professora de Ensino Fundamental I (1ª a 4ª série), em escola de classe alta no Rio de Janeiro, tendo vivenciado durante todo esse tempo as reclamações com relação à desestrutura familiar – que era considerada a principal causa das dificuldades das e com as crianças.

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de montagem climatizada), não é preciso usar capacetes, óculos ou protetores auriculares –

diferentemente do que ocorre na CSN, onde tudo é muito quente, barulhento, “perigoso”,

sujo, cansativo. O espaço é bem delineado, com as indicações de cada uma das empresas, as

mesas para reuniões e/ou discussões, quadro de avisos; o galpão é amplo e dá a sensação de

que podemos ver “tudo e todos” em qualquer direção, não há paredes ou divisórias entre as

partes. Ao sairmos da linha de montagem, passamos pelo galpão de pintura – espaço onde

trabalha a maior parte das operárias (que correspondem, aproximadamente, à apenas 3% do

operariado) e onde não pudemos entrar. Visitarmos também a sala da RIE, o espaço do

FORMARE13 e sendo horário de almoço, fomos ao refeitório. Todos os funcionários do

consórcio utilizam o mesmo uniforme – blusa azul de botões, calça social preta e sapato de

couro – o que impossibilita a identificação de suas funções. O refeitório é amplo, decorado; há

televisão, duas opções de cardápio – o comum e o “especial” que geralmente oferece massas;

também bastante diverso do refeitório da CSN, lembrando mais do que um “refeitório de

fábrica”, qualquer “self-service” do centro da cidade do Rio de Janeiro. O espaço físico da

fábrica, um tanto “clean”14, surpreendeu-me e fez-me refletir sobre o significado de tais

características no cotidiano do trabalho, sobre o quão impactante pode ser, para inúmeros

trabalhadores, “entrar na fábrica” e fazer parte deste universo.

A cada etapa da pesquisa ia descobrindo novos elementos que demonstravam a

complexidade de relações e os inúmeros significados que envolvem a dinâmica trabalho-

família-educação. A busca pela compreensão, através do acompanhamento da experiência

concreta de vida destes trabalhadores que se vêem obrigados a reagir a novos elementos

colocados em sua realidade, foi (e tem sido) tarefa intrigante e bastante reveladora. Para

atingir meus objetivos, busquei realizar entrevistas com famílias de trabalhadores, através de

contatos que ia adquirindo. Ao final do campo, consegui entrevistar seis famílias – contando

com a presença de esposas, maridos, filhos e às vezes outros familiares como avós e irmãos,

de acordo com a disponibilidade dos entrevistados – sendo que em uma delas, aconteceu uma

“grande conversa” contando com a presença de duas gerações de uma família extensa com

quatro gerações em contato constante.

13 Criado em 1988 na fábrica Iochpe-Maxion em Canoas (RS), o FORMARE é um programa da Fundação IOCHPE que oferece cursos de educação e capacitação profissional ministrado dentro de empresas, que oferecem as instalações e contam com a atuação de colaboradores como educadores voluntários. O projeto será melhor explorado adiante (capítulo III). 14 Clean: espaço claro, com tons pastéis, dando a sensação de limpeza e amplitude.

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Realizei com estas famílias, entrevistas guiadas, em suas próprias casas, trabalhando a

partir da reconstrução de suas trajetória de vida e trazendo temas que acredito serem

imprescindíveis para a pesquisa, como o histórico ocupacional dos agentes, a percepção das

alterações no mercado de trabalho local a partir da implantação das fábricas, as estratégias

escolhidas para responderam à novas demandas do mercado, expectativas com relação aos

filhos e organização familiar (ver questões orientadoras da entrevista no Anexo II).

Importante ressaltar que, sendo o foco da pesquisa as concepções e projetos familiares no que

diz respeito à escolaridade, as questões foram pensadas como indicadores de influências para

formação de tais representações. Foram colhidos também, sete depoimentos de trabalhadores-

estudantes da Educação de Jovens e Adultos, tratando de forma mais sucinta, os mesmos

temas acima; entrevistas estas que foram feitas na escola a partir da escolha da Diretora e

orientadoras, com aqueles trabalhadores que elas consideravam que dariam uma “contribuição

importantíssima” para minha pesquisa. Foi assim que, por duas ou três vezes, conversei com

trabalhadores estudantes da EJA, que elas “selecionavam” de imediato e que me encontravam

em uma sala da escola, com os olhos arregalados, sem saber ao certo do que se tratava;

costumavam respirar fundo, parecendo aliviados ao saber que “não era nada demais” e às

vezes um pouco inseguros pois “nunca tinham dado nenhuma entrevista na vida”.

Dentro da comunidade escolar, procurei conversar com diretoras de escolas locais e

suas orientadoras pedagógicas e/ou educacionais; bem como com representantes de duas

instituições de Ensino Superior locais: a Associação Educacional Dom Bosco (AEDB) e a

Universidade Estácio de Sá. Na esfera governamental, pude contar com o auxílio da assessora

de projetos do Instituto de Educação de Resende (EDUCAR) e dos responsáveis pela

Educação de Jovens e Adultos (EJA) tanto ao nível municipal quanto ao estadual. Durante a

visita à Representação Interna de Empregados (RIE) da Volkswagen e à Linha de Montagem,

pude também conversar um pouco com a estagiária do FORMARE e com uma turma de

alunos deste curso.

Quantitativamente, busquei fazer uso dos dados fornecidos pelo survey15 do perfil dos

metalúrgicos da Volkswagen, e dados sobre a região de fontes como: Atlas do

Desenvolvimento Humano no Brasil, IBGE, Consórcio de Informações Sociais (CIS), Censos

Demográficos de 1991 e 2000, Fundação CIDE (Centro de Informação e Dados do Rio de

15 RAMALHO & SANTANA, 2002 - Survey. A pesquisa foi realizada em setembro de 2001 e cobriu uma amostra de 10% dos empregados da Volkswagen e das sete empresas do Consórcio Modular. O questionário foi aplicado numa sala no centro de treinamento da empresa e era composto de 70 perguntas dividas em três temas: relações de trabalho, vida fora da fábrica e órgãos de representação.

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Janeiro), Prefeitura Municipal de Resende e Instituto de Educação de Resende (EDUCAR).

Importante ressaltar ainda toda a contribuição das pesquisas já realizadas na região através do

grupo de pesquisa do qual faço parte e em especial às dissertações de Julia Polessa Maçaira

(MAÇAIRA, 2007), Sergio Pereira (PEREIRA, 2003), Carla Pereira (PEREIRA, 2002) e Lia

Rocha (ROCHA, 2002); bem como a coletânea de artigos com resultados das pesquisas feitas

ao longo de dez anos, no livro “Trabalho e Desenvolvimento Regional – Efeitos sociais da

indústria automobilística no Rio de Janeiro” (RAMALHO & SANTANA, 2006a).

Passaram-se dez anos da implantação da primeira montadora e a região passa por um

período interessante para análise de fenômenos como a dinâmica trabalho-família-educação, a

qual proponho neste trabalho. A implantação dessas duas montadoras gerou inúmeros

impactos na organização do mercado de trabalho e no mercado escolar local. Tais

reconfigurações impuseram às famílias de trabalhadores locais, novos desafios. E como esses

trabalhadores tem respondido às essas demandas? Esse é o foco de nossa atenção nos

capítulos que se seguem.

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Capítulo II

Educação em tempos de Reestruturação Produtiva

2.1. Mergulhando na vida familiar _____________________________________________

Visitando as escolas locais, conheci o espaço do CIEP. É uma escola grande,

localizada mais ao final da “Grande Alegria”, já no bairro Toyota. Como havia conversado

primeiro com a Diretora da escola, marquei com seu auxílio, uma entrevista com as

orientadoras pedagógicas, a fim de buscar maiores informações sobre a relação escola-família

e as impressões daqueles profissionais que estavam em contato direto com as famílias locais.

E foi assim que conheci Joana. Conversando sobre esta temática e descobrindo mais sobre a

Educação de Jovens e Adultos (EJA), Joana contou-me que seu marido era também,

funcionário da Volkswagen. Solicitei à “Joana orientadora” uma entrevista com “Joana mãe”

(Família 2) juntamente com seu marido e marcamos a data.

No dia marcado, encontrei-a no CIEP e de lá seguimos para sua casa. Joana estava de

carro, um Uno Mille, e após seguirmos uma reta, passando três ou quatro quarteirões já

estávamos no portão de sua casa. Seu marido, Antônio, trabalhava na VW no turno da noite –

com início às 16h18 e término às 01h35 – e portanto, combinamos a entrevista para o horário

do almoço. Na entrada da casa, um muro relativamente alto, pois não é possível avistar o

interior da casa através dele, o portão da garagem e a porta de entrada. Passamos pelo quintal

da frente, onde vemos materiais de construção e uma moto nova; chegamos à sala, um

ambiente pequeno e aconchegante com dois sofás, um em frente ao outro, na lateral há um

grande móvel com TV e aparelho de som, DVD, e fotos da família, com destaque para as duas

filhas. Ali começamos a conversar: Joana, a mãe; seu marido Antônio, o pai; e a filha Bianca,

a mais velha então com 17 anos, grávida, com um barrigão de 6 meses. Para completar a

família, faltava só a filha mais nova, Ana Clara de 12 anos, ainda estava na escola naquele

horário.

No cotidiano, a vida da família começa por volta de 6h30 da manhã. Primeiro Joana, a

mãe, acorda e como Ana Clara estuda à tarde, ela costuma chamá-la por volta das 7h30,

quando tem louça para lavar ou algo para estudar; caso contrário as duas, Ana Clara e Bianca

levantam às 9h. Bianca está no 2º ano do E. Médio e estuda à noite, na mesma escola onde a

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mãe trabalha. Joana costuma chegar na escola às 7h30, almoça em casa e volta no turno da

tarde; depois, às 17h vai para casa novamente e fica com Bianca até às 18h30, quando mãe e

filha vão para a escola – a mãe para trabalhar e a filha para estudar. Joana chega em casa tarde

da noite, e só vai encontrar a filha mais nova depois das 22h – é nesse horário que as duas

irmãs e a mãe se encontram e conversam até meia noite, mais ou menos. Joana também faz o

serviço de casa; a filha mais velha ajuda a manter a casa em ordem, bem como a mais nova e

o marido. Antônio trabalha “de turno”, a partir das 16h18 até às 01h35; justamente por isso

acorda entre meio dia e 13h; mas quando faz hora-extra e chega em casa em torno de 04h30,

dorme até duas e meia, levanta, “toma banho correndo” e pega o ônibus da empresa na porta

de casa às 15h. Como possuem horários diferentes, a família se comunica muito através de

“bilhetinhos”. O trabalho de casa é dividido: Joana cuida da alimentação, uma filha lava a

louça e a outra guarda; o marido limpa o quintal, e assim vão revezando. Tem ainda o dia da

“faxina coletiva”, num sábado por exemplo, quando acontece o mutirão familiar pela limpeza

da casa.

A casa é ampla: quintal na frente e nos fundos da casa, garagem, dois quartos, sala,

uma espécie de copa, cozinha grande e banheiro. Ao passarmos pela porta estamos na sala; à

direita um pequeno corredor que dá para os quartos e o banheiro; são dois quartos, o primeiro

é o das meninas, com janela para o quintal, ao lado está o quarto do casal, em frente ao

banheiro. Na outra lateral da casa, à esquerda, há uma espécie de copa, um pequeno corredor

onde ao final há uma divisória estilo cozinha americana, com uma mesa com o computador e

a mesa de jantar. A cozinha é bem ampla e arejada, com janelas viradas para os fundos – uma

espécie de área de serviço. Algumas partes da casa ainda estão em construção, faltando

completar o piso ou paredes; mas de uma forma geral, a casa parece fisicamente bem

organizada para atender às necessidades da família – pelo menos até a chegada do mais novo

membro.

Joana é jovem, professora, com menos de 40 anos. Fez o curso de magistério pois

queria ser independente e sair de casa; os pais alcoólatras, que na época bebiam muito, foram

a grande motivação para a escolha desse caminho. Sua mãe é nordestina e estudara até a 2ª

série primária, hoje “do-lar”; e o pai, mato-grossense, foi cabo da Marinha, e estudara até a 8ª

série; hoje os avós dão suporte às filhas (Joana e as irmãs) ajudando no que é necessário e

estando sempre por perto. Joana completou o ensino médio profissionalizante na idade

“correta” – por volta dos 18 anos – e começara a trabalhar como professora contratada pelo

Estado, durante dois anos, passando no concurso público logo em seguida, também dois anos

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depois; possuía no momento da pesquisa, oito anos de funcionalismo público. Dentro da

escola, atuou como professora de turma muitos anos, passando a orientadora pedagógica.

Joana e Antônio começaram a namorar ainda adolescentes e são casados há 18 anos.

Antônio também é jovem, com idade em torno de 40 anos e possui o 2º grau completo.

Completara o Ensino Médio há pouco tempo, como aluno da modalidade da Educação de

Jovens e Adultos (EJA); parou de estudar no 2º ano do 2º grau quando jovem, por conta do

casamento. Sua mãe iniciou ensino superior (mas não o completou) e hoje mora no Rio,

capital; sua família é natural de São Paulo, mas vieram morar no Rio de Janeiro por conta da

passagem da mãe em concurso público, para trabalhar no antigo Departamento Nacional de

Estradas de Rodagem (DNER). Seu pai também alcoólatra, faleceu devido à cirrose e não

tinha uma ocupação muito bem definida. Em sua trajetória profissional, Antônio fora

trabalhar em Goiânia junto com o cunhado numa oficina mecânica de motores a diesel, ambos

eram motoristas. No entanto, a empreitada naquele estado não deu certo, por questões

relativas à saúde da esposa, gestante na época, e assim, retornaram para Resende. Trabalhou

na Volkswagen, logo quando foi instalada a fábrica, durante quase dois anos; em seguida

trabalhou na Concessionária Nova Dutra (a concessionária responsável pela Via Dutra

atualmente); retornou à Volkswagen algum tempo depois, passando mais dois anos e meio da

empresa, não “por contrato” mas como funcionário do módulo.

Antônio, que tinha parado de estudar aos 22 anos, terminou o 3º ano do 2º grau (E.

Médio) por volta de quinze anos depois, já perto dos 40 anos. E por que voltara a estudar?

“A Volkswagen, na época que eu estava lá, não tinha essas exigências de 2º grau

(...) qualquer um que passava na rua ela pegava no laço e puxava para dentro,

mas somente na linha de montagem; esses cargos de encarregado e supervisor,

eles estavam trazendo o pessoal de São Paulo, eles não estavam aproveitando

ninguém, na época não aproveitava ninguém daqui da região pra parte de

inspeção, todo pessoal estava vindo de fora; aí quando a Peugeot se instalou eles

começaram com alta exigência: 2º grau, 2º grau... Falei assim: pô, vou ter que

terminar o meu 2º grau e tentar fazer uma faculdade, senão não vou conseguir

melhorar em nada meu padrão de vida, vou sempre continuar nesse degrau

pequenininho, não vai adiantar. Aí que me despertou o interesse de terminar o 2º

grau e fazer uma faculdade, só que quando eu terminei o 2º grau foi quando a

Volkswagen me chamou justamente para trabalhar no 2º turno e eles não abriram

espaço para poder fazer faculdade, até quem já estava fazendo faculdade e entrou

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comigo no 2º turno, teve praticamente que fechar a matrícula porque o cara não

consegue, é muito puxado. Pra quem é solteiro não, para quem é solteiro, você

tem até uma certa tranqüilidade, porque você tem as outras pessoas para assumir

suas responsabilidades diárias, mas com a família, para quem tem família é bem

complicado...”

Algum tempo após a implantação das fábricas, principalmente depois da chegada da Peugeot

– na visão de Antônio – começaram as “altas exigências” e os trabalhadores das fábricas e

viram diante deste novo elemento na dinâmica do mercado de trabalho: os níveis de

escolaridade. Assim, tanto para entrar no mercado, quanto para manter-se nele ou subir de

posto, níveis de escolaridade diferentes começaram a ser impostos pelas fábricas. Antônio fala

de como é difícil “crescer lá dentro”, e de que forma o trabalho no 2º turno, de 16h18 à 01h35

– nos dias em que os funcionários não fazem horas-extras – atrapalha aquele que deseja

estudar e “desenvolver alguma coisa”:

“É o que a gente discute muito lá dentro; até no início, assim que eu tinha

terminado o EJA eu conversei com o meu supervisor, a gente foi contratado para

trabalhar no 2º turno e dessas pessoas, acho que foram 23 pessoas contratadas,

oitos delas foram destinadas para o 1º turno. Então a gente colocou que essa

escolha fosse feita em função de quem realmente tem o interesse de dar

continuidade aos estudos, para vir para o 1º turno, e quem não tivesse essa

intenção, tinham pessoas que já tinham falado lá “pô, não tenho mais a intenção

de estudar, quero entrar e ficar aqui até aposentar; mesmo que seja como

montador de linha, mas eu quero ficar como montador de linha”; e tinham

pessoas como eu que não. Até hoje a gente bate o pé e quer que tenha uma

avaliação entre os turnos; porque tem pessoas que já estão com 50 e poucos

anos, quase se aposentando que não tem mais o interesse de estudar e estão no 1º

turno, e não desenvolvem nada, só trabalham e tem a sua vida familiar, mas não

tem interesse profissional em crescer dentro da empresa. E a gente não, apesar

de eu estar com 40 anos e coisa e tal, ainda me sinto bem a vontade para

batalhar, correr atrás e fazer uma faculdade e tentar melhorar dentro da

empresa.”

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Neste contexto, a escolaridade passou a ser um elemento de disputa entre os próprios

trabalhadores, e também de diferenciação entre eles. Há as acusações de “diploma comprado”

e de “falta de conhecimento” para exercício de algumas funções:

“Mas aí a gente bate naquele toque que a gente fala direto; eu tenho o meu líder

que foi líder por indicação porque o cunhado dele é coordenador (...). Ele tem o

Ensino Médio com o que a gente fala que é ‘diploma comprado’, porque na

realidade ele pagou para ter esse diploma em período curto, para poder provar

que tinha o Ensino Médio porque senão a própria Volkswagen não iria aceitar

que ele permanecesse na empresa. Então o que acontece, eu tenho meu líder que

tem o ensino médio (...) na área teórica ele não tem praticamente conhecimento

nenhum, então pra mim que estou querendo crescer e sou subordinado a ele... A

gente acaba encontrando [dificuldade]. (...) É bem restrito, bem restrito mesmo, a

não ser que você esteja em outra área que eles obriguem a você a ter um

conhecimento maior, caso contrário... Você está sempre pisando no calcanhar de

alguém.”

Antônio deixa claro como a escolaridade passa a ter peso fundamental para aqueles

que querem “crescer”, tornando-se tanto uma “possibilidade” quanto uma “ameaça” na

disputa interna entre os próprios trabalhadores; virando de alguma forma “moeda de troca”

entre eles – na medida em que se facilita ou não a troca de turnos ou outras medidas que

auxiliem na aquisição de patamares mais elevados de escolaridade. Aponta assim, para um

certo “fechamento da empresa”, primeiro no início da montadora, quando eles “só pegavam

pessoal de fora, de São Paulo” e também atualmente, uma vez que o ensino superior é um pré-

requisito para assumir certos cargos e que é “muito puxado” tal ritmo, logo,

“(...) Mesmo que eles ponham lá [no quadro de avisos] para poder abrir espaço

para todo mundo, você acaba se sentindo bloqueado em cima daquilo, porque

você não tem como fazer a faculdade e normalmente quando eles põem no nosso

quadro que eles precisam de uma mão de obra especializada, tem que ter ensino

superior, só que eles não criam esse espaço para você...”

Joana costuma brincar dizendo que “aterrissou a nave da Volkswagen”, quando

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competição entre “peões” e “chefes” é recorrente entre eles. Os “volkswaquianos” afirmam

que “os encarregados têm medo do peão fazer faculdade e tomar seu lugar, voltando como

chefão”, que a VW incentiva mais a conclusão do Ensino Médio do que realização da

faculdade e que na fábrica “é um querendo pisar no outro”. Joana critica seu marido e amigos,

fala que isso é “visão de peão”; mas quando pergunta a eles se acreditam que é mesmo assim,

obtém como resposta que o pensamento está no sentido de “meu encarregado não me deixou

estudar” ou então “me deixou e agora fica com o pé atrás”.

A presença do fator “pressão no trabalho” é muito forte na fala de Antônio: há muita

“encheção de saco”, o desgaste e a pressão são grandes:

“O trabalho em si até que não [é desgastante], a pressão e a ‘encheção’ de saco

que é bem grande. (...) o negócio deles é só produção, produção; se você tem

perda de produção num dia acarreta que você tem que repor a perda todinha no

outro, então a pressão é bem grande. (...) E quando chega lá na frente com

defeito é mais complicado ainda, gera reclamação, atraso na produção, tem que

parar a linha, é feita reunião; é ‘encheção’ de saco, todo mundo falando, a

pressão é bem grande.”

E também sobre a estrutura enxuta da fábrica:

“São poucos funcionários e não estão abrindo mais tantas oportunidades, apesar

de ter um crescimento muito grande, a Volkswagen no quarto ano consecutivo

como líder do mercado, um outro produto lançado que é a nova cabine (...) está

tendo uma expansão muito grande. Em termos de crescimento de funcionários

está muito restrito, a gente tinha na nossa produção até o ano passado, na minha

área eram sete pessoas, hoje são cinco; no setor do lado eram quinze pessoas,

diminuíram para nove. Aí eles diminuíram o tempo de produção, porque a gente

teve uma queda muito grande em função eleição para presidente e coisa e tal, o

mercado acabou encolhendo muito, não expandiu, o dólar também estava... Muito

complicado e eles mandaram muitos funcionários embora; e agora eles estão

aumentando a velocidade da linha e a gente está sendo obrigado a se adaptar ao

número de funcionários que a gente tem porque eles não vão contratar mais

ninguém (...) E a pressão aumenta porque você tem que continuar a produzir com

a mesma qualidade, que você não pode deixar a qualidade cair.”

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Mas mesmo com essas questões, Antônio fala que foi em Resende que a família

começou, paulatinamente a se desenvolver e conclui: “até que a gente conseguiu se

desenvolver bem, tanto eu quanto a Joana, ela fez concurso público...”

O casal está diante da situação da filha adolescente estar grávida; e no período final de

conclusão do Ensino Médio. Conversamos sobre os planos futuros para as filhas, como se

organizariam para auxiliar Bianca e o bebê e de que forma percebiam a importância da

escolarização no contexto atual. O casal afirma que “o estudo [está] em primeiro lugar” e que

continuam incentivando Bianca mesmo que, segundo o pai, ela não tivesse colocado o estudo

em primeiro lugar. Afirma que continuam,

“Incentivando, cobrando e até exigindo. Ela está com 17 anos, eu falei para ela,

apesar da gravidez, vai vir o neném, mas a gente sabe do esforço que ela está

fazendo para terminar o ensino médio. Eu já falei para ela, vai pensando porque

no ano que vem você vai estar fazendo a faculdade. Eu até agora infelizmente não

pude fazer, mas ela vai se virar e vai fazer uma faculdade, vai ter uma formação

superior porque a pior coisa que existe no mundo é mulher que depende do

marido. Então você tem que ter o seu dinheiro, a sua responsabilidade, tem que

ter o seu desenvolvimento, esquecer que seu marido trabalha (...)”.

Tanto os pais quanto Bianca, definem a irmã mais nova, Ana Clara, como “a

estudiosa”. Joana conta que as filhas estudavam em escola particular e que no primeiro

desemprego de seu marido, colocou-as em uma escola municipal do bairro, em seguida,

transferiu as meninas para aquela que é considerada a melhor escola pública da cidade, mas

que como Bianca era muito bagunceira, levou-a para estudar no CIEP, para poder controlá-la

de perto. Joana conta que mesmo assim a filha de vez em quando “escapa e mata aula”, que

acha que hoje ela faz isso para ficar com o namorado – ambos fazem EJA no turno da noite,

no CIEP - mas que ela está melhorando e que “todo mundo está de olho”. O casal conta que

houve uma época que Antônio estabeleceu um caderninho de ponto, onde as professoras

precisavam assinar “sua filha entrou na aula tantas horas”, e quando havia tempo vago, era a

coordenadora que devia fazê-lo, para que tivessem certeza que ela não tinha “matado aula”;

até que optaram pelo “controle mais visual”, feito diretamente pela mãe. As duas filhas

fizeram atividades extras, na medida do possível, como informática no SENAC, curso de

modelo e manequim, montagem e manutenção de micros na FAETEC, ginástica, natação,

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dança, ballet; no entanto, ressaltam que Bianca teve mais oportunidades que a filha mais nova,

e que Ana Clara é mais quieta, “na dela”. Com relação aos planos futuros, a família afirma

que a única faculdade pública local é a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (uma unidade

de ensino de Engenharia da UERJ) e que há também o Centro de Educação Superior a

Distância do Estado do Rio de Janeiro (CEDERJ16) que é uma modalidade a distância, que

estaria disponível em breve naquela região. Antônio diz que:

“Antes de acontecer de ela ter ficado grávida, o pensamento dela era terminar o

ensino médio e fazer vestibular para Unicamp, lá em Campinas, para São

Paulo... Falou que queria ir para aeronáutica, um monte de sonhos que

acabaram ficando um pouco para trás, mas não que isso tenha saído da cabeça,

até o final do ano ainda tem bastante coisa. O que ela quiser, mesmo que seja

uma faculdade particular e tiver que pagar, a gente vai se esforçar pra fazer.”

Pergunto ao casal como fazem o acompanhamento escolar das meninas, cadernos e provas,

atividades, reuniões de pais... Joana trabalha o dia todo na escola, nos três turnos; já Antônio,

na data da entrevista, estava trabalhando no segundo turno da VW, e pegava o ônibus da

empresa para ir ao trabalho por volta das 15h. Por isso, Joana diz:

“Eu cobro e ele ensina, ele tem mais tempo, né? Ele que dá aula de matemática,

física e química, vai na Internet pesquisar, mas aí eu chego em casa e olho

caderno, até o dela [Bianca] eu olho até hoje, trabalho, nota, reviro a mochila...”

Antônio se mostra bastante preocupado também com os “bilhetes”; é ele que costuma

freqüentar as reuniões de pais, “eu chego lá, [tem] um monte de mães e só eu de pai.” E

Joana diz que “até em dia das mães já aconteceu dele ir, porque tem a festa das mães aqui

[no CIEP onde ela trabalha] também.” Antônio se define como um pai “participativo para

16 O Consórcio CEDERJ - Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro, vinculado a SECT - Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia, e as seis universidades públicas do Estado, UENF, UERJ, UFF, UFRJ, UFRRJ e UNIRIO, oferecem um concurso de vestibular para o acesso aos cursos de graduação. O aluno do CEDERJ é um aluno regularmente matriculado em uma das universidades públicas consorciadas, que faz o vestibular e todo o curso de graduação sem sair de sua cidade através de um processo de ensino e aprendizagem semi-presencial, recebendo o mesmo diploma dos alunos dos cursos presenciais das universidades participantes.

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caramba” e não se mostra contrário nem ao trabalho da esposa, nem ao auxílio que dá nos

afazeres domésticos. Chega a dizer para a filha mais velha que,

“(...) você tem que ter o seu dinheiro, igual acontece com ela [a mãe] muitas

vezes eu estou no sufoco mas ela está tranqüila, ela tem o pagamento dela, ela

tem o profissional dela, ela não depende de mim. Então às vezes ela acaba

fazendo despesas, ela acaba fazendo certas coisas que seriam minha

responsabilidade, ela faz porque tem o diferencial dela. Então a gente acaba não

ficando um preso em função do outro... Acaba dividindo as responsabilidades. Eu

falo para ela [Bianca], você não tem que ficar só dentro de casa, criando filho,

pilotando fogão, máquina de lavar e o marido estar na rua trabalhando; não você

tem que ser, ter a sua responsabilidade porque a gente não sabe o dia de amanhã,

separa e aí, vai fazer o quê da vida? Você tem que ter mesmo, e tem que se

virar.”

Pedro, o namorado de Bianca, tem 22 anos e está no 1º ano do 2º grau, na EJA, na

mesma escola que a moça. Segundo a própria Bianca ele “quer [terminar os estudos] mas

enrola bastante...”. Os pais de Bianca mostram-se preocupados com relação a isto e afirmam

que ele “não está nem aí”. Pedro estava desempregado quando Bianca começou a namorá-lo,

em seguida arrumou um emprego no Bob’s, trabalhou durante dois meses e o contrato acabou.

O rapaz também mora no bairro, junto com a avó; a mãe mora em São Paulo e eles não têm

muito contato. Logo que a notícia da gravidez chegou, houve aquele susto: uma semana de

castigo para Bianca, choros e pensamento a mil por hora; mas juntos, os pais, Bianca e Pedro,

têm buscado a melhor forma de lidar com essa experiência. E onde iriam morar Bianca, Pedro

e o bebê? Estavam, pouco antes do nascimento, ainda sem saber como organizar a vida para a

chegada do mais novo membro familiar.

“Até sábado eu e ele, estávamos de mãos e pés atados, porque a gente estava

assim, vamos fazer o quê com a Bianca? Esperando ele arrumar um emprego,

não arrumou ainda...”

Dentro das possibilidades: os dois morarem juntos na casa dela ou dele, construírem

outro cômodo na casa para alojar o casal e o bebê – acreditaram que a melhor mesmo seria

adaptar a própria casa para a chegada do bebê mas mantendo Bianca e Pedro, cada um em sua

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casa. Assim, os pais de Bianca transformaram o quarto das meninas em um ambiente que

comportasse também o bebê, com um triliche, berço e armário maior, com mais divisórias.

Uma outra grande preocupação dos pais de Bianca era com a saúde dela e do bebê. Uma vez

que Pedro ainda estava desempregado e Bianca não trabalhava, precisariam colocar também o

bebê num convênio médico. Toda a gravidez de Bianca estava sendo amparada pelo convênio

médico que Antônio tinha como funcionário da VW, inclusive, segundo Joana, “ele teve uma

oportunidade agora de ir para fora [trabalhar], não foi por causa do convênio”. Antônio

coloca que,

“O perigo todo é por causa disso... Eu falei para ela, a sua mãe nunca precisou

sair daqui para ir para a porta de posto de saúde para ficar pegando senha para

vocês poderem ser atendidos, vocês sempre tiveram convênio médico, sempre

foram bem atendidas em todos os hospitais do Brasil, vai continuar do mesmo

jeito. Se ele não conseguir um emprego, não tiver um convênio, eu vou registrar o

neném no meu nome (...) Eu estive lá no RH, conversei com eles e vou registrar o

neném no meu nome. (...) Para poder ter direito ao convênio, ter direito ao SESI

Clube, até mesmo se acontecer de ter algum problema comigo ele vai ter direito a

todos os benefícios, como o restante da família também. Tem que ter, porque hoje

não tem condição de você contar com o atendimento dos postos de saúde.(...) No

hospital particular, você tem um atendimento bom. (...) Principalmente se você

tem o convenio médico, e os nossos convênios aqui que são de indústrias, todos

eles são legais. (...) São convênios que você é atendido na hora, então quando é

caso de emergência, eles não pensam duas vezes antes de atender. Então, eu falei

para ela, se você não tiver um convênio bom aqui na região, você passa um

sufoco, porque o hospital público aqui é...”

Esta é também uma das “vantagens” em “ser da indústria”, como trabalhador da VW,

por exemplo. Há os planos de saúde, o convênio com as farmácias (pode-se “pegar” produtos

e descontar no salário posteriormente), o transporte para o trabalho (o ônibus que passa na

porta da casa de Antônio)... Joana relembra as diferenças entre os ambientes de atendimento

público e privado, como o ar-condicionado, o horário marcado, a ‘musiquinha’; Bianca

também fala das diferenças de tratamento:

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“Quando eu vou na policlínica, o médico me atende, mede a minha pressão, meu

peso, pega a fitinha e mede a minha barriga, fica um tempão conversando... Aí

semana passada eu fui na APMIR [Associação de Proteção à Maternidade e a

Infância, atendimento público] (...) Ele olhava para minha cara “o que você quer

aqui?” [imita tom ríspido], atendendo, fazendo parto e não sei o que... Tinha uma

que ia ser transferida... Tudo correndo...”

Tanto Antônio quanto a esposa Joana, percebem a implantação das fábricas em

Resende de forma positiva. Segundo Antônio:

“Em termos de emprego aqui para a região melhorou bastante; principalmente

Peugeot, Volkswagen, com essa expansão muito grande que a gente viu aqui,

muitas pessoas que não teriam nem expectativa de ter seu carro, sua casa

própria, hoje têm, acho que isso melhorou bastante.”

No entanto, segundo eles, “nem tudo são flores” pois,

“Por outro lado em termos de infra-estrutura da cidade, eu acho que a cidade

não estava preparada para tudo isso, a superlotação de carros aumentou,

marginalidade, assalto, consumo de drogas, prostituição, isso tudo cresceu muito

aqui na região (...) veio muita gente e continua expandindo, a gente tem aqui do

outro lado mais três bairros novos que estão surgindo dentro da Cidade Alegria;

e muitas dessas pessoas estão vindo de fora para tentar a vida aqui, com isso

você aumenta prostituição, drogas, marginalidade, roubo, assalto...”

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2.2. O “ser trabalhador” no contexto da Reestruturação Produtiva __________________

Tempos depois, algumas coisas mudaram na família de Antônio e Joana. A família

trocou de carro e adquiriu um Palio Weekend; Bianca deu à luz, obteve os quatro meses de

licença maternidade e concluiu o Ensino Médio, formando-se na EJA; Joana fora convidada a

assumir o cargo de diretora adjunta de sua escola; e Antônio fora despedido da VW. O

desequilíbrio ou o “vuco-vuco” – como diz Joana - se instala e o casal se coloca, mais uma

vez, em torno da preocupação com relação ao emprego. Eles, que estavam mais tranqüilos por

poderem auxiliar na gravidez da filha, tanto em termos médicos quanto financeiros, sem fazer

com que ela sacrifique seus caminhos, precisam repensar suas estratégias. Antônio tentou

então entrar na PSA Peugeot-Citröen que estava selecionando para o terceiro turno, foi

chamado, fez a prova de seleção e aguardava retorno da empresa. Porém, como não podia

“ficar parado”, reingressara na Concessionária Nova Dutra através de contrato com uma

terceirizada, mesmo não sendo “o que ele queria” nem o “ideal” porque não tinha convênio

médico. Antônio e Joana resolveram providenciar um convênio “por fora”, tanto por causa do

bebê de Bianca, quanto por Joana que diz utilizá-lo com freqüência.

Bianca e Pedro também decidiram mudar-se e optaram por morarem juntos na casa da

avó dele, mesmo contra o desejo dos pais de Bianca. Pedro ficou de “dependência” no 1º ano

do 2º grau, não conseguiu concluir a série e parou de estudar; ficou desempregado por algum

tempo e não conseguia receber “ajuda” dos amigos pois sem ter concluído o 2º grau estava

muito complicado. Felizmente, algum tempo depois, conseguiu um emprego como trocador

de uma companhia de ônibus local.

***

A trajetória da família de Antônio e Joana não é muito incomum na região. Toda a

preocupação que expõem, principalmente no que se refere à filha adolescente e os meios para

contornar sua gravidez não planejada, reflete muito do que pensam a respeito da importância

da escolarização, da estabilidade no trabalho, do peso do trabalho na fábrica e das estratégias

familiares para dar conta da realidade. Assim como Antônio, inúmeros outros trabalhadores

viveram e vivem altos e baixos na trajetória profissional e, desejando “ter as vantagens que

tem lá dentro da fábrica”, foram obrigados a rever seus valores e reavaliar a importância da

escolaridade no mercado de trabalho. Aqui, a “escolaridade” não representa apenas o

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“diploma” mas sim uma certa segurança, que pode garantir a participação na concorrência –

não necessariamente a vitória – e que pode ser também, uma garantia a mais nos momentos de

desemprego ou na ameaça dele.

Esta nova estrutura do capitalismo flexível e a diminuição dos postos de trabalho em

prol de uma produção enxuta, transformara o desemprego numa ameaça constante e o fim do

welfare state – ainda que não possamos falar de Estado de Bem Estar Social no Brasil –

gerara uma instabilidade contínua, abrindo espaço para falar-se em fim da sociedade salarial

– tal como faz Castel (2003). Este autor bem como Sennett (2005) tratam das dificuldades

geradas a partir de um novo contexto capitalista onde os indivíduos “não devem” ou

simplesmente “não conseguem” exercer uma profissão de fato. Assim, é interessante pensar

em como a possibilidade de ter um emprego fixo, uma identidade ocupacional definida – no

caso, “ser trabalhador de fábrica” - com as garantias trabalhistas hoje tão escassas, influencia

as famílias no contexto da pesquisa. Poderíamos levantar então a hipótese de que a

possibilidade de ter esta identidade ocupacional – reforçada pelo status social do trabalhador

da indústria automobilística na região - influencia o valor atribuído à escola e à escolaridade

por parte destas famílias?

Diante das mudanças colocadas no mercado de trabalho local, os trabalhadores e suas

famílias buscam formas de reação e de conseguir uma inserção neste mercado. Nessa

dinâmica muitos voltaram para “recuperar o tempo perdido e terminar os estudos”, uma vez

que “as exigências do serviço” tinham mudado. Foi a partir da entrada no campo que tomei

conhecimento de um fator de extrema importância no cenário local e da pesquisa: a Educação

de Jovens e Adultos (EJA). Nas palavras da diretora de uma Escola Municipal da “Grande

Alegria”,

“A chegada da empresa fez só a corrida para conclusão do Ensino Fundamental

e Ensino Médio. Foi a única coisa que, todo mundo tentou se formar para poder

conseguir um lugar na empresa... (...) [Quando começaram os boatos da vinda das

empresas] É, aí já começou. Logo começou porque tanto a Peugeot quanto a

Volks e essas outras empresas que são de uma certa forma ligadas, exigem que o

empregado tenha pelo menos o Ensino Médio...”

Foi a partir da identificação desta “corrida”, que formulamos a hipótese de que as

novas exigências de escolaridade impostas pelas montadoras, além de colocarem as

estratégias educativas no centro das estratégias de reprodução familiares com relação aos

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filhos, estabeleceram um novo padrão a ser atingido pelos próprios trabalhadores: o Ensino

Médio. A “corrida pelo Ensino Médio” - a fim de conseguir manter-se na posição conquistada

no mercado de trabalho, de tentar a entrada neste mercado ou ainda de buscar uma elevação

no posicionamento já conquistado – é reforçada pelo status associado do “trabalhador da

indústria automobilística” – tema que será tratado adiante.

A partir do gráfico abaixo, podemos ter um panorama geral do incremento do EJA na

cidade de Resende a partir do ano de 1996:

Gráfico 1

Concluintes de Cursos Presenciais EJA Resende / RJ

175

551

833

376

677

423

260

476

180

317

25

82

122

306328

244272

44 99

298

30395655

69

26

136

0

100

200

300

400

500

600

700

800

900

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Nº A

bsol

uto

Ensino Fundamental 8a série Ensino Médio Ensino Fundamental 4a série

Observando o gráfico, podemos inferir que muitos trabalhadores acabaram

interrompendo os estudos quando jovens, gerando uma grande ocorrência de não conclusão

do Ensino Médio (2º grau) devido a fatores diversos como casamentos, gravidez precoce, bem

como a própria pressão para a entrada no mercado de trabalho de fato; porém, diante da

alteração na composição do mercado de trabalho local, esses trabalhadores recorrem ao EJA –

por ser um curso público e gratuito, presencial, porém flexível17 e que oferece a possibilidade

17 Há uma grande flexibilidade para as ausências por motivo de trabalho no EJA. Mesmo funcionários de empresas como a PSA Peugeot-Citröen, por exemplo, que trabalham em regime de revezamento de turnos,

Fonte: Fundação CIDE – site www.cide.rj.gov.br

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em breve 700 empregos. D. Fernanda (Família 3), 66 anos, é mãe de seis filhos dos quais

quatro e o marido de 65 anos inclusive, voltaram a estudar; e vê a questão da seguinte

maneira:

“Porque todos eles pararam na 4ª (...) e voltaram agora por causa do serviço. Eu

falava “meus filhos, voltem a estudar”, tão difícil arrumar serviço, depois vai

ficar ‘camelando’... Eles diziam, “ah mãe, tem tanta gente aí formado, que tem

diploma e fica ‘camelando’; é mais fácil eu conseguir emprego que sou peão”

(...) Eles não quiseram antes, agora está todo mundo procurando voltar a

estudar... (...) Foi o serviço que agora está exigindo.”

A idéia de “terminar es estudos para tentar um emprego melhor” também é recorrente.

Denílson (Depoimento 5) tem 24 anos e parou de estudar no 1º ano do 2º grau para servir o

Exército; serviu durante dois anos e acabou ficando cinco anos sem estudar. Estava

trabalhando como segurança na Indústria Nuclear do Brasil (INB) localizada em Resende, e

terminando o 2º grau na EJA. Quando perguntado sobre o por quê de ter voltado a estudar,

respondeu que:

“O fato é que aparece concurso na própria fabrica, na própria INB, uma

promoção para líder, para inspetor e eles procuram logo quem está mais

graduado por exemplo, em escola, colégio, quem tem curso; então você

terminando o colégio você tem esse... Pode fazer um curso técnico, por exemplo,

na área de técnico em segurança, eles procuram isso também, a gente faz um

curso lá; (...) tem que ter conhecimento na área de informática... (...) Eu parei no

1º ano e agora essa oportunidade, sempre abre uma vaga como eu te expliquei,

para subir de cargo, para líder, concurso público que abriu agora para a INB,

altos cargos lá que precisa do 2º grau; então é uma maneira da gente correr

atrás, estudar e ter o 2º grau, que é tipo uma segurança... (...) eu acho que se no

caso eu desse mais ouvido à minha mãe para estudar e aquela coisa toda, hoje em

dia eu não seria praticamente um guarda da INB, poderia ser... Não pensando

alto, mas poderia ter um cargo maior, teria outra estabilidade, uma vida mais

diferente. E se eu desse ouvido à ela para estudar, já tinha terminado, quem sabe

faria uma faculdade (...)”

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Denílson sabe que existe uma “concorrência” entre os trabalhadores, e quando pergunto se

está feliz na INB, fala que “tem sempre que pensar para frente”:

“Feliz estou sim, graças a Deus e muitas vezes eu vejo o pessoal entregar

currículo lá, fazendo entrevista, então se eu realmente sair de lá, muitos vão

querer essa vaga; mas a gente tem sempre que pensar para frente... Se pintar uma

oportunidade numa Michelin, até na Volks num módulo, aquela coisa toda... Fora

da área de segurança também; você tem que estar preparado para qualquer

coisa, na área de segurança, de mecânica, logística, elétrica.... E se tiver uma

oportunidade para ir e se for realmente para melhorar, normalmente eu acho que

eu iria sim.”

Fernando (Depoimento 2) tem 26 anos é casado, tem um filho pequeno e a esposa não

trabalha; trabalhava como agente funerário e motorista, e também estava terminando o 2º grau

na EJA. Seus pais “vieram da roça”, são de Bocaina de Minas e semi-analfabetos; tem quatro

irmãos e duas irmãs, e dos sete filhos, ele seria o primeiro a completar o 2º grau. Diz que

voltou a estudar porque:

“Eu acho que hoje em dia a procuração de emprego necessita mais também

porque eles procuram mais o 2º grau, ou de preferência até com o estudo

terminado. E eu acho que o estudo estava meio fazendo falta mesmo. Eu parei na

8ª série, aí quando eu voltei a estudar, terminei meu 1º ano lá no Noel de

Carvalho aí quando eu descobri o EJA eu vim para cá. Estou aqui há uns três

anos já. Porque, dois anos praticamente eu fiquei brincando (...) Aí este ano não,

eu resolvi pegar firme mesmo e também meu filho também nasceu, aí eu me

endireitei mais um pouco. [O ensino é bom?] Eu não tenho do que reclamar daqui

não, acho aqui muito bom, o EJA, eu vejo como as professoras tentam ensinar ao

máximo os alunos aqui, mas às vezes tem muita gente que atrapalha na sala de

aula (...) Então aqui nessa parte não tenho do que reclamar. Eu mesmo não

passei ano passado foi como eu falei, foi falta de interesse meu mesmo, só que

ano passado eu perdi um emprego por causa disso, porque eu não tinha

terminado o 2º grau”

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Fernando perdeu um emprego por não ter o 2º grau e resolveu “se endireitar mais um

pouco” e terminar. Na primeira entrevista que me concedera, estava vivenciando um processo

seletivo para uma fábrica que segundo ele, iria se instalar dentro da Peugeot; faria uma prova

de português e matemática em breve. Acreditava estar “bem” pois também já tinha feito os

cursos de inspetor de qualidade, logística e operador de empilhadeira, oferecidos pelo SENAI,

a um custo médio de R$ 120,00 cada, onde ele “investira” o dinheiro da rescisão de contrato

quando saiu do “ramo da funerária” a primeira vez. Voltou a trabalhar na funerária mesmo

contra sua vontade pois não podia “ficar parado” e não se adaptou como ajudante de pedreiro.

Diz que seu objetivo é:

“Bom meu objetivo mesmo é terminar os estudos e ver se consigo um emprego

melhor para mim mesmo, estou tentando ver se consigo, já estou na segunda

entrevista numa empresa mesmo que é bem melhor, tem plano de saúde, plano

odontológico e a própria forma do horário de trabalho também que para mim ia

ser bem melhor.”

Pergunto “você acha que é melhor mesmo trabalhar nessas empresas?”:

“Eu acho que é melhor e mais seguro também. (...) Eu acho que pelo menos, tem

esse negócio do plano de saúde que ajuda a gente, ajuda muito, plano de saúde

não está muito barato hoje em dia, eu também estou pensando mais no meu filho,

tudo bem que a gente também pensa na gente, mas de preferência no filho.

Porque tu vai no hospital ainda mais eu que convivo com negócio de funerária,

essas coisas assim, então está sempre visitando hospital... Hoje teve um exemplo

de negligência médica no hospital, foi o Sr. Joaquim, um sr. que faleceu (...)

morreu por quê? Negligência de médico, da enfermeira; agora se fosse uma

enfermeira competente que achasse que estava ganhando bem para isso, mas não

(...)”

Alguns meses depois Fernando havia conseguido o emprego na Peugeot. Na primeira

entrevista, havia dito que “não pensaria duas vezes” caso fosse chamado para a Peugeot e que

queria “o melhor para ele, a família e o filho”; assim foi. Em uma de minhas visitas, Fernando

estava “de turno” – trabalhando no horário de 15h48 às 00h48 - e não podia ir à escola

naquela semana e portanto, só pude entrevistá-lo pela segunda vez numa outra oportunidade.

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Na segunda entrevista, foi impossível não reparar em suas olheiras, provavelmente resultado

de seu novo emprego. Na Peugeot os funcionários trabalham em esquema de revezamento de

turnos: uma semana de 06h às 15h24 e na outra de 15h48 às 00h48 – sem contar horas-extras.

Fernando relata seu cansaço, conta que às vezes chega em casa às 03h30 e que apesar do

“correto ser no máximo duas horas”, muitas vezes faz três ou quatro horas-extras. O ônibus

passa na esquina de sua casa, uma hora antes do início do turno, por volta das 14h10; diz-se

cansado, mas feliz.

Interessante observar que no survey (RAMALHO, J.R. & SANTANA, M.A.; 2002)

realizado com os trabalhadores da Volkswagen, a maioria dos funcionários indicou ter

orgulho de trabalhar na VW e nas empresas do “consórcio modular” (86%) e quando

perguntados sobre o significado de trabalhar na VW, afirmaram que o emprego regular na

fábrica propicia “serem respeitados como trabalhadores” (66%), darem “a garantia de um

futuro para a família” (76%) além de ser também um “estímulo aos estudos” (49%). Curioso

perceber ainda que, mesmo o salário sendo um fator importante na valorização do emprego, o

dado “ter um bom salário” aparece em quarto lugar com 42% das escolhas (RAMALHO, J.R.

& SANTANA, M.A.; 2002:37) – ver Gráfico 2. A partir dos depoimentos e de tais dados

poderíamos reafirmar a percepção do trabalho nas fábricas como uma distinção de status entre

os trabalhadores, o que influenciaria na opção pelo esforço em “terminar os estudos” ou

“tentar fazer uma faculdade” para tentar “chegar lá”.

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Gráfico 2

Fonte: RAMALHO, J.R. & SANTANA, M.A. (2002). Survey: Um perfil dos metalúrgicos Volkswagen de Resende-RJ.

O que significa, para esses indivíduos e famílias, ser um trabalhador da indústria

automobilística? Entre os sete trabalhadores e alunos da EJA entrevistados, um deles era

funcionário terceirizado da VW; outro vivenciou um processo de seleção para ingresso uma

fábrica que se instalaria futuramente na PSA Peugeot-Citröen e foi admitido; outro já havia

participado de dois processos seletivos, não sendo admitido em nenhum deles; e um era

funcionário da Michelin (Fábrica de Pneus). A orientadora pedagógica do CIEP que é

professora no EJA, fala também sobre esta questão do status e de como os próprios alunos do

EJA comparam-se entre si:

“(...) porque muitos trabalham aqui mesmo de pedreiro, porque tem alguns

bairros sendo construídos e trabalham como mestre de obras, ajudante; e até na

minha sala que eu dou aula à noite ‘nossa professora hoje minha mão está

doendo, está cheia de calos, hoje eu não consigo nem pegar num lápis, trabalhei

no sol o dia inteiro’; aí a gente dá atividades para trabalhar a coordenação

motora, para relaxar o corpo, aí é que entra a matéria. Eles dizem ‘ah eu não

quero ficar o tempo todo nessa vida não, quero logo terminar os estudos para

Qual o significado de Trabalhar na VW?

65%

49%

42%

23%

15%

9%5%

76%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

1Garatir futuro da família Respeito como trabalhador Estímulo aos estudos Bom salário

Passo para outro emprego Crédito no comércio Igual a outro emprego Participar do sindicato

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entrar numa fábrica...’; porque os ônibus da Volks, da Peugeot passam aqui na

frente da escola à tarde, pegam os funcionários que ficam aqui nos pontos,

uniformizados, dentro do ônibus tem todo conforto, aí eles já observaram isso.

Falam assim: ‘olha lá eles vão para fábrica, tudo limpinho todos arrumadinhos, o

ônibus pega, o ônibus leva, tem convênio’ eles já sabem os benefícios que tem na

fábrica, não precisa nem ser Volks, a gente tem outras fábricas assim, mais

antigas, eles têm vontade de entrar. Lá na minha sala tem um que trabalha na,

não sei se é, Clariant [fabricação de produtos químicos e corantes]... Aí uns dizem

‘hoje não teve nem café da manhã’, ele diz assim: ‘ah lá na fábrica teve suco,

leite, café’; ‘ah então eu vou estudar logo que eu quero entrar numa fábrica’...

Eles mesmos vão observando a diferença, o que é ter estudo, se esforçar um

pouquinho...”

É importante qualificar este mercado de trabalho, uma vez que fazer parte desse grupo

é percebido por muitos como um “sonho”, como nos fala a mesma orientadora pedagógica,

“(...) eles [os alunos] estão sonhando em terminar o Ensino Médio para tentar

entrar numa fábrica, mesmo que não entre, mas pelo menos eles foram

estimulados durante este tempo para conseguir caminhar mais à frente.”

Antônio se referiu em inúmeros momentos, à importância do plano de saúde,

chegando a dizer sobre sua filha gestante que “o perigo todo é isso daí”; Fernando também

contou suas experiências negativas na saúde pública e sua preocupação com seu filho. Assim

como Antônio e Fernando, os outros entrevistados – “trabalhadores de fábrica” e “de fora” –

apontaram para os benefícios usufruídos pelos trabalhadores e por suas famílias, tais como os

convênios médicos, o nível salarial mais alto, os convênios com a farmácia, o transporte para

o trabalho e o uniforme como fatores que caracterizariam a identidade ocupacional deste

“trabalhador de fábrica” e concederiam a ele um status social18 mais elevado, se comparado

18 A Diretora do CIEP contou-me que um aluno da escola tinha sua mãe envolvida com tráfico de drogas e foi descoberta pela polícia. Os policiais, sabendo que o filho da moça era um “trabalhador de fábrica”, procuraram o rapaz e cobraram dele uma propina de valor muito elevado para não levá-la presa. A Diretora diz que as pessoas em geral e no caso os policiais, acham que os ‘trabalhadores de fábrica” ganham uma “fortuna”, “principalmente os da VW, com aquele uniforme arrumadinho”, mas que o salário deles não é tão alto; porém, mesmo assim, “o pessoal fica achando que a pessoa ganha milhões” – afirma ela.

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aos outros trabalhadores da região e do bairro. Vale lembrar que as famílias entrevistadas e

escolas visitadas são todas do bairro Cidade Alegria e imediações, mais afastado do centro de

Resende, caracterizado como “bairro de trabalhadores”; e que o número de trabalhadores das

empresas no bairro é tão expressivo que ao caminhar por suas ruas no horário da troca de

turnos das fábricas é possível ver inúmeros trabalhadores, uniformizados, aguardando o

transporte da empresa nos pontos de ônibus, esquinas ou até mesmo nas próprias portas de

suas casas.

Thomas (Depoimento 3) tem 23 anos e estava terminando o 2º grau na EJA; casado e

com uma filha de cinco anos, já tinha tentado duas vezes entrar na Peugeot, mas acabou não

sendo contratado, e estava trabalhando numa loja da rede de lanchonetes Bob’s. O impacto

das empresas segundo ele foi que:

“Essa região que a gente está aqui, chamado Grande Alegria, eu acho que 80%

da parte efetiva da empresa é dela; 80% da mão-de-obra dessas empresas que

estão situadas aqui no Sul Fluminense (...) é daqui. Se você parar nos pontos e

ficar observando os horários dos ônibus de firma aqui, você sempre vai encontrar

4h da manhã, 2h da tarde, 4h da tarde e acho que 22h30; são quatro horários, o

dia inteiro até a noitinha. Você sai e tem um pessoal na esquina aqui esperando o

ônibus passar, 80% aqui eu acho que ela melhorou... [deu mais emprego?]

Nossa! Geral trabalha nessas empresas, geral! Ou é terceirizada ou é pela

empresa mesmo...”

Outra questão comum nos depoimentos dos trabalhadores é a possibilidade de entrada

numa outra faixa de consumo, permitindo a realização de “sonhos” como comprar a casa, o

carro ou pagar a faculdade dos filhos. Antônio colocou que com a vinda das empresas “muitas

pessoas que não teriam nem expectativa de ter seu carro, sua casa própria, hoje têm”. O

mesmo Thomas também diz que:

“(...) penso para frente, melhorar, entrar numa firma, me estabelecer, ficar ali um

certo tempo, ter um carro, comprar um carro, estabelecer assim, dar um certo

conforto, viajar, quero ter uma estrutura”

Heloisa e Carlos (Família 4) são casados, têm uma filha de 10 anos, moram na Grande

Alegria e ambos trabalham na Volks. Ela cursou o ensino superior, fez sistema de informação

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e trabalha no RH em um dos módulos, e Carlos tem o ensino médio e trabalha na linha de

montagem. Moravam anteriormente na casa do pai de Carlos e tinham comprado sua casa há

dois anos. Segundo Heloisa:

“Tudo que a gente tem e está conquistando é graças ao nosso emprego lá. Nossa,

eu estou muito feliz porque, tanto ele quanto eu, somos dois trabalhando lá

dentro, então é difícil ter os dois, a esposa e o marido, e tudo que a gente tem a

gente conquistou com o nosso trabalho. (...) A casa agora é própria, a gente tem

um carro também e tudo que a gente tem foi conquistado graças ao nosso

emprego lá, então sou muito grata a Deus primeiro e sou muito grata por estar

lá. Se não fosse por esse emprego, muita coisa hoje a gente deixaria de fazer

porque a gente sai muito final de semana, lá tem vários benefícios, além do

transporte, tem plano médico, plano odontológico, tem a PLR que é um dinheiro

que você recebe e às vezes com esse dinheiro compra um terreno, investe e troca

de carro por um mais novo, uma série de vantagens que aqui fora a gente não

tem. Então eu sou muito grata, sou muito feliz, tanto de trabalhar lá e tudo que a

gente tem, eu sou muito grata que foi através de lá que a gente conseguiu.”

O trabalho nas fábricas representa para os trabalhadores então, não só a possibilidade

de um trabalho mais seguro, de entrada numa faixa de consumo, mas também a possibilidade

de crescimento profissional – porém totalmente atrelado ao investimento na escolarização e

qualificação do trabalhador. Pedro Henrique (Depoimento 4) hoje trabalha na Michelin e em

dois anos de empresa, já conseguiu “subir de posto”; seu trabalho anterior era como porteiro

de um renomado clube da cidade, mas diz que seu “verdadeiro” sonho é outro:

“Eu ganhava uma mixaria quando eu estava no clube, hoje eu ganho três vezes

mais do que eu ganhava lá, às vezes mais, depende de como estava meu mês, mas

não é dinheiro que está em jogo ali não. A Michelin me deu oportunidade que o

Clube não me deu, que é crescer. Eu sou um cavalo trabalhando, quero logo fazer

minha parte (...) aí foi, de pouquinho em pouquinho, estou indo lá. Mas meu

sonho não é ser diretor lá não, meu sonho é ser professor de filosofia. Sabe por

que ela [Michelin] está na minha vida? É para pagar minha faculdade, por isso

que ela está na minha vida, eu tenho fé em Deus”

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45

Fernando, o agente funerário que conseguiu um emprego na Peugeot, afirmou:

“(...) Essas fábricas a maioria... Por exemplo, a Volks, ela exige de preferência 2º

grau; Volks, Michelin, só 2º grau, com 1º grau a pessoa não entra mesmo. Só se

tiver um conhecido, um ‘peixe’, mas mesmo assim você pode ficar no máximo um

ano, se você não der o interesse de estudar, e ficar ‘ah eu tô dentro da fábrica, tô

garantido’... Isso que aconteceu com dois colegas meus, ele estava lá, tinha a 8ª

série, nem sei como ele tinha conseguido mas conseguiu, tinha um cara que

conseguiu colocar ele lá dentro. Mas fulano entrou lá e não ficou nem um ano, aí

ele trabalhou, mas tinha que ter feito um supletivo pelo menos, pagava um

supletivo que é em seis meses aí... Mas também não terminou, ficou

desempregado também (...) Aí eu acho que na fábrica cada vez, você dando mais

valor, se interessando mais no serviço, cada vez mais você vai crescendo dentro

da fábrica, mas depende muito mais do funcionário também, depende muito mais

da gente, de si próprio para poder crescer. Porque a gente começa a trabalhar e

esquecer, não fazer nenhum curso a mais, ‘ah já estou trabalhando, nessa área

para mim está bom’...”

Neste depoimento fica clara como a entrada numa fábrica pode representar uma

elevação de status e também uma certa visão de “carreira”, com espaço para crescimentos

posteriores. Antônio reclama de seu trabalho “de turno” na Volks - o 2º turno que é de 16h28

às 01h35 – e diz que a escolha para aqueles que trabalhariam no 1º turno (de 06h30 às 16h18)

deveria ser em função de quem “tem o interesse de dar continuidade ao estudo” e quer

“desenvolver alguma coisa”, pois sem o ensino superior você fica “bloqueado” para as

promoções e ao mesmo tempo a empresa “não abre esse espaço”. Afirma que para “crescer na

empresa” precisa ter faculdade, mas com o ritmo de trabalho do pessoal do 2º turno fica difícil

estudar por ser “muito puxado, muito cansativo”. Há por parte das empresas, uma demanda

pela escolarização dos trabalhadores e estes, por sua vez, precisam contornar as próprias

condições de trabalho para poderem “dar continuidade nos estudos”. A Volkswagen possui

dois turnos, o primeiro de 06h30 às 16h18 e o segundo de 16h28 às 01h35, sendo o

trabalhador de segundo turno o que se sente mas prejudicado; no entanto a PSA Peugeot-

Citroën e a Michelin trabalham com esquema de revezamento de turnos. A PSA faz

revezamento semanalmente, sendo uma semana de 06h às 15h24 e outra de 15h48 às 00h48; e

a Michelin faz de três em três, sendo uma semana de 08h às 16h, outra de 16h às 00h e outra

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de 00h às 08h. Muitos trabalhadores colocam que estes horários por si só geram uma grande

dificuldade na realização de uma faculdade ou mesmo no término do Ensino Médio.

E a concorrência entre os trabalhadores para a entrada neste mercado de trabalho tem

sido bem acirrada. Seria interessante observar que, entre 01 de agosto e 30 de novembro de

2007, a PSA Peugeot-Citroën abriu um processo seletivo para abertura do seu terceiro turno,

com inscrições no SENAI Resende. O terceiro turno, havia sido prometido publicamente

desde o ano de 2006, e segundo os jornais (O Dia, publicações locais, jornais eletrônicos) a

PSA abriria 700 vagas. A seleção consistia: (1) no preenchimento de uma ficha, apresentando

currículo atualizado e comprovante de escolaridade; (2) realização de provas de português e

matemática; (3) entrevista pessoal e médica; (4) cursos de capacitação profissional, indicados

pela PSA e a serem realizados nas dependências do SENAI Resende. De acordo com o texto

do edital lançado pela PSA Peugeot-Citroën, exposto no mural do SENAI, após todas estas

etapas,

“Finalmente, os candidatos aprovados passarão a constituir o banco de

candidatos da PSA. Este banco de candidatos será acessado pela empresa

quando houver necessidade de contratação de mão-de-obra para a unidade de

Porto Real, nas áreas de Chaparia, Pintura, Montagem, PCP (Planejamento e

Controle de Produção) e Motores. Na existência de vagas a PSA fará contato com

o candidato que faz parte deste banco para a verificação de interesse e

disponibilidade para a vaga então aberta, chamando-o para uma entrevista e,

após a aprovação final, passará pelo exame médico admissional, procedimento

obrigatório para o processo de admissão. A PSA deixa bem claro e registrado por

força do presente edital que não se estabelece vínculo empregatício de qualquer

natureza com a PSA ou com o SENAI Resende, sendo certo ainda que NÃO

EXISTE GARANTIA DE QUALQUER EMPREGO PARA AS PESSOAS QUE

VENHAM PARTICIPAR DO PROCESSO SELETIVO. Antes, estas pessoas, como

já dito, farão parte de um banco de candidatos que será utilizado pela empresa

diante do surgimento de vagas nas áreas de atuação já indicadas no presente

documento.” (trecho na íntegra, retirado do edital fixado no mural do SENAI)

Em conversa com a atendente do SENAI, fui informada de que foi necessária a

alocação de uma recepção exclusiva para atender ao público interessado na seleção para este

“banco de candidatos”, pois a demanda era tanta que o balcão da sede não era suficiente;

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conta-me ainda que atendiam em média 400 pessoas por dia, de segunda a sexta-feira (caso

fossem 200 por dia em média, ao total de 4 meses seriam 16 mil pessoas; sendo 700 vagas,

teríamos uma relação de 22,8 candidatos por vaga).

É possível perceber, através de inúmeros fatores, que a população trabalhadora local

tem experienciado situações em que a escolaridade é um elemento-chave para decidir quem

está ou não habilitado a concorrer a um espaço neste mercado de trabalho; e que as estratégias

de escolarização “podem dar certo”. Vale ressaltar ainda a importância das “trajetórias de

sucesso” e das histórias que se constroem em relação àqueles funcionários que conseguiram

alcançar postos mais altos na empresa e tornam-se “grandes exemplos”, alimentando o desejo

e o esforço de muitos trabalhadores em dar prosseguimento aos estudos. Conversando com

trabalhadores e responsáveis pela Comissão de Fábrica da Volkswagen, perguntando sobre o

número de pessoas que já havia conseguido alcançar cargos superiores – de encarregado ou

gerente – obtive como resposta apenas dois únicos casos19, conhecidos por todos, e que

serviriam como exemplo de que é possível alcançar tal posição. No entanto, surge aqui a

categoria “conhecimento” que pode tanto designar um conteúdo teórico, prático e/ou níveis de

escolarização, ou uma medida de capital social20, indicando redes de relacionamentos dentro

da empresa que teriam propiciado tal elevação de posição. Logo, haveria uma necessidade de

se acionar além da categoria “escolaridade”, o “conhecimento”, “QI”, “empurrãozinho”, para

conseguir uma “abertura” nesse “fechamento”.

Um desses “grandes exemplos”, Ronaldo (Família 5), funcionário da VW, trabalhador

“de turno” e que começara como montador e virara encarregado, “confessa” que “não é muito

de estudar” mas...

“Vou falar para você, infelizmente não sou muito de estudar não... Eu queria

gostar mais de estudar... (...) Vou ter que transferir o Pedrinho [filho, de quem

ele toma conta pela manhã, pois trabalha no turno da noite] para o horário

integral e fazer minha faculdade. Apesar de não gostar de estudar, esse cargo que

eu tenho na empresa hoje, eles me deram oportunidade antes de eu estar

preparado em relação ao estudo, então eu tenho que me preparar. E eu também 19 Não queremos com isso afirmar que num universo de 2 mil trabalhadores apenas dois tenham conseguido alcançar cargos superiores, o que ressalto é a existência de “casos famosos”; muitos trabalhadores afirmam que esta prática de “dar promoções para quem é de dentro” depende da orientação das empresas de cada módulo. 20 Há uma vasta literatura sobre o assunto, estendendo inclusive o conceito a regiões e nações (WOOLCOCK & NARAYAN, 2003; PORTES, 1998; PUTNAM, 2006; BOURDIEU, 2003; BOTH, 1976), porém este não é tema aqui.

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sou funcionário-padrão na empresa (...) até porque ela [a empresa] me dá 40%

[de desconto na mensalidade]...”

Ronaldo quer fazer o curso de Engenharia de Produção, porém não consegue horário

compatível nas faculdades de Resende; sua única opção seria fazer o curso de Engenharia

Automotiva da Associação Educacional Dom Bosco (AEDB) que fica na cidade. Levanta a

possibilidade de fazer o curso em outra cidade próxima como Volta Redonda ou Barra Mansa

(a uma distância de 30 minutos de Resende, pela Via Dutra) e diz que não conseguiria trocar

de turnos pois “ganhou mais uma responsabilidade à noite” e seu supervisor diz que ele é “sua

pessoa de confiança no turno da noite”. Mas, segundo sua esposa, como ele está acostumado a

dormir pouco para cuidar do filho enquanto ela está no trabalho, “é bom que quando ele

começar a estudar, quando tiver a faculdade mesmo de dia, já vai estar preparado para

acordar cedo”.

Os depoimentos e dados aqui expostos corroboram uma das hipóteses centrais deste

trabalho que é a existência de um aceleramento na elevação dos níveis de escolaridade entre

gerações, com um salto de nível na mesma geração. Estes trabalhadores comprovam, através

da experiência de demissões de amigos ou de si próprios, de perda de promoções ou até

mesmo de empregos melhores, a elevação nos patamares mínimos de escolaridade a serem

atingidos, gerada pela reconfiguração do mercado de trabalho local.

Diante de tais experiências, os trabalhadores tornam-se trabalhadores-estudantes, uma

vez que para manter a condição de “trabalhador”, é preciso tornar-se “estudante” e esforçar-se

para “terminar os estudos”, investir numa faculdade “para poder crescer dentro da empresa”,

além de fazer cursos, “desenvolver alguma coisa” e “mostrar interesse em estar sempre se

atualizando”. Assim, a categoria educação passa a operar aliada à categoria trabalho e

aqueles que anteriormente “paravam de estudar para trabalhar”, hoje “estudam agora para

trabalhar depois”, “voltam a estudar para voltar a trabalhar”, “estudam e trabalham” ou

“estudam para manter o emprego”. Interessante resgatar aqui os apontamentos de Castel

(2003:519), quando chama atenção para o fato de que a busca por eficiência e competitividade

na produção estaria gerando a desqualificação de grupos considerados menos aptos, tais como

os “mais velhos” e/ou “muito jovens”, e ressalta a questão de que a formação permanente –

por princípio inacabada – poderia funcionar como uma seleção permanente.

Poderíamos trazer aqui mais uma vez, os dados do survey (RAMALHO, J.R &

SANTANA, M.A.; 2002), onde os operários confirmaram em sua maioria (93%) o exercício

de um contrato permanente de trabalho com a VW e as empresas do “consórcio modular”,

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49

com uma pequena percentagem de contratos temporários. Combinando estes dados com os

que se referem ao tempo de casa - havia um número expressivo de funcionários com cinco

(20%) e quatro anos (38%) de contrato com a fábrica - é possível porém, apontar uma política

estável por parte da VW e consorciadas, de manutenção dos quadros contratados. Porém,

ainda que a fábrica estivesse em movimento ascendente no ramo automotivo, seus

funcionários demonstraram grande preocupação com a manutenção dos seus empregos, sendo

que a maioria se manifestou ora preocupada (48%), ora muito preocupada (22%) – totalizando

70% dos trabalhadores (ver Gráfico 3).

Gráfico 3

Fonte: RAMALHO, J.R & SANTANA, M.A. (2002). Survey: Um perfil dos metalúrgicos Volkswagen de

Resende-RJ.

Também no item referente aos temas mais importantes que deveriam orientar a ação

sindical destacaram-se, em termos de sua incidência: em primeiro lugar a estabilidade no

emprego (71%); em segundo a promoção de cursos de formação profissional (70%); em

terceiro a questão salarial (63%); e em quarto as condições de trabalho (51%). Aqui mais uma

vez, comprovamos a preocupação essencial dos trabalhadores da fábrica com a manutenção

de seu emprego e a percepção de que a melhoria nos níveis de escolaridade e formação

profissional é fundamental nesse mercado de trabalho.

Os trabalhadores percebem claramente que as regras do jogo mudaram. O trabalho na

fábrica representa para a grande maioria deles, uma mobilidade ascendente, já que muitos

trabalhavam como ajudante de pedreiro, fazendo sintecos, pintura; de um modo geral, são

trabalhadores que vêm da construção civil, os “peões de obra”. Ter o trabalho “fichado”,

contando com “todas as vantagens que se tem lá dentro da fábrica” significa então,

Preocupação com o desemprego

Não estou preocupado

30%

Preocupado48%

Muito preocupado

22%

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compartilhar padrões de consumo, “garantir um futuro para a família” e também ter “um

trabalho mais seguro”, com todo o conforto do ônibus e o orgulho do uniforme. No entanto,

tem “exigência”, tem que ter “escolaridade, qualificação” para entrar no mercado, crescer na

empresa e mesmo para manter-se nela. Assim, os trabalhadores incorporam o discurso da

importância de “se qualificar” e “investir no estudo” até porque se “(...) a gente começa a

trabalhar e esquecer, não fazer nenhum curso a mais, ‘ah já estou trabalhando, nessa área

para mim está bom’...”21 acaba ficando desempregado.

21 Trecho de depoimento de Fernando, ex-agente funerário e trabalhador da PSA Peugeot-Citröen citado na página 45 deste texto.

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Capítulo III

3.1. Resende, “a great city for business” _________________________________________

Entre os dias 26 e 30 de setembro de 2007, no Parque de Exposições Francisco Fortes

Filho, ocorreu a 40ª EXAPICOR (Exposição Agropecuária, Industrial e Comercial de

Resende), comemorando o aniversário de 206 anos da cidade de Resende. O mega evento que

nas últimas duas edições tornou-se gratuito, trouxe para a cidade atrações musicais, stands de

negócios, exposições de agropecuária, parque de diversões e rodeio, além de contar ainda com

um grande desfile das escolas locais – evento realizado pela Prefeitura de Resende, com o

patrocínio da Volkswagen Ônibus e Caminhões, do grupo Votorantim Metais, do Governo do

Estado do Rio de Janeiro e do Sindicato Rural. Visitando a festa, foi possível perceber o

protagonismo da VW e o destaque dado a Votorantim Metais: a VW alocou quatro caminhões

logo na entrada do evento (ver Figura 6) e a Votorantim dispôs de um grande stand, expondo

a história da empresa associada à indústria do automóvel brasileira, bem como informações

sobre seu projeto para a região, prevendo a criação de setecentos postos de trabalho entre

próprios e terceiros (ver Figura 7).

Figura 6

Ônibus da VW recepcionando o público na entrada da 40ª EXAPICOR

Foto de Marina Cordeiro em 29 de setembro de 2007

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Figura 7

40ª EXAPICOR e stand da Votorantim Metais

Foto de Marina Cordeiro em 29 de setembro de 2007

O evento foi bastante freqüentado e de fato, era a “sensação do momento”. Contou com

atrações musicais famosas e nas cidades vizinhas como Itatiaia por exemplo, falava-se muito

sobre o evento. Nas exposições relacionadas a negócios, cartazes e painéis chamavam atenção

para a cidade de Resende, “uma grande cidade para grandes negócios” (ver Figura 8 abaixo) e

eram distribuídos folders bilíngües “a great city for business”.

Figura 8

40ª EXAPICOR, “Resende, uma grande cidade para grandes negócios”

Foto de Marina Cordeiro em 29 de setembro de 2007

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No folder, inúmeras informações sobre a cidade, como localização geográfica, infra-

estrutura de suporte e logística, meios de transporte, políticas de incentivos, informações

geofísicas, principais rodovias, potencial para investimentos e educação. A princípio, casou-

me certa estranheza ver um tópico “educação – education” em tal folder destinado ao

empresariado, contendo o número de escolas públicas e privadas, alunos e os

estabelecimentos de ensino superior (Associação Educacional Dom Bosco - AEDB,

Universidade Estácio de Sá, Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ e Academia

Militar das Agulhas Negras – AMAN). No entanto, a presença de tal informação é

absolutamente compatível com a perspectiva do desenvolvimento econômico local, na medida

em que tal “desenvolvimento” mantém com a “educação”, estreita correlação, como viemos

mostrando ao longo do trabalho.

Na festa, a VW, um dos patrocinadores oficiais do evento, mostrou seu destaque

“recepcionando” o público com seus caminhões; a Votorantim, comprovou que é a próxima

“menina dos olhos” a se instalar na região22; e percebemos o destaque da “educação” no

cenário local, como comprova o folder “a great city for business” e os próprios trabalhadores

que ficaram “de fora” das outras fábricas e já estão “se preparando” para a chegada da

Votorantim. Assim, percebemos que o fator “educação” tem sido colocado tanto como um

“atrativo para negócios” por parte da cidade, quanto como uma “garantia de concorrência” no

mercado para os trabalhadores.

***

A negociação para a implantação da nova planta da VW e da PSA Peugeot-Citroën em

Resende (em 1996 e 2001, respectivamente), tem como pano de fundo a política de incentivos

fiscais posta pelo “novo regime automotivo”23 e o processo de reespacialização da indústria,

22 Durante um certo período de meu trabalho de campo, ficou exposto no acesso à “Grande Alegria”, um outdoor que continha a seguinte frase: “Bem-vinda Votorantim, Resende agradece sua presença”. 23 Nascido durante o Plano Real, o “novo regime automotivo” propiciou a construção de novas fábricas e reestruturação de unidades antigas, com um gasto de aproximadamente 20 bilhões de dólares. O “novo regime automotivo” buscou construir mecanismos de incentivos fiscais e diminuiu as exigências de nacionalização – diferentemente da política industrial dos anos 50 – estimulando definitivamente o ingresso de novas montadoras. A implementação desta política industrial concedeu grande poder às montadoras que ampliaram sua capacidade de interferência nas políticas fiscais e tributária do governo, no perfil do setor de autopeças, nas relações de trabalho e, através da guerra fiscal, também nas políticas de desenvolvimento regional e municipal. Tinha como principais objetivos: (1) manter em funcionamento as grandes montadoras e as indústrias de autopeças já instaladas no país; (2) reestruturar as empresas brasileiras do setor; (3) atrair novas companhias e estimular a

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deslocando-se das regiões “tradicionais” – como o ABC paulista – para aquelas chamadas

green-field24. Conseqüentemente, e aliada a uma visão de que “desenvolvimento só existe

com indústria automobilística”25, deflagrou-se uma guerra fiscal entre estados e municípios,

na busca de atrair os investimentos para sua localidade. Nessa dinâmica, o governo federal

permitiu que o governo do Estado do Rio de Janeiro participasse deste “leilão” com o objetivo

de atrair as montadoras e fornecedoras, e tanto para a implantação da VW quanto da PSA

Peugeot-Citroën foram utilizados os mesmos mecanismos: doação de terras, incentivos

fiscais, salários baixos e infra-estrutura regional que atendesse aos interesses das montadoras.

No entanto, no caso específico da VW, o governo estadual custeou boa parte da infra-

estrutura, dispondo de uma verba em torno de 15 bilhões de dólares; já no caso da PSA

Peugeot-Citroën o próprio Estado do Rio de Janeiro entrou como sócio da empresa, com

aproximadamente 32% de participação no seu capital (com acréscimo de empréstimo

substancial por parte do BNDES) (RAMALHO & SANTANA, 2006a:18).

Inúmeros fatores possibilitaram a escolha de Resende: os incentivos, a posição

geográfica estratégica - no eixo Rio-São Paulo – e o ponto que é o foco deste trabalho, a

educação. A existência de (1) um bom nível de escolarização em Resende, atribuído

historicamente à Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), sua influência na vida do

município e a atuação de bons professores oriundos da Academia, que teriam contribuído para

a elevação do padrão de qualidade das escolas; e (2) uma unidade do SENAI, possibilitando a

formação técnica e profissional dos trabalhadores; também foram fatores decisivos nessa

escolha (RAMALHO & SANTANA, 2006:22). De acordo com Rocha (2006), a instalação da

unidade do SENAI de Resende se deu em 1981, já com o intuito de transformar a região em

pólo industrial, e têm mantido com as montadoras, desde suas implantações, estreita relação.

Assim, o SENAI além de ter sido um argumento de atratividade, atuou no recrutamento de

funcionários, disponibilizando seu banco de dados de egressos; reabriu cursos extintos;

construção de novas plantas e marcas; (4) consolidar o Mercosul e reforçar a posição do Brasil como seu ator-chave (RAMALHO & SANTANA, 2006a:16; ARBIX, 2007:1; LIMONCIC 2001:53). 24 Green-Field: local com ausência de tradição sindical e de trabalho em montadoras, existência de infra-estrutura de apoio e para escoamento da produção, estabilidade política local, acesso a mercados consumidores, salários mais baixos do que nas regiões de tradição sindical, disponibilidade de força de trabalho (RAMALHO & SANTANA, 2006a:17). 25 A título de exemplo, a questão aparece no depoimento do ex-secretário de Indústria e Comércio do Estado do Rio de Janeiro, Márcio Fortes (1999) da seguinte forma: “Não há país desenvolvido decente no mundo que não tenha uma fábrica de automóveis (...) A indústria automobilística é uma marca de desenvolvimento industrial. (...) País que se preza tem que ter indústria automobilística. Mais ainda, Estado que se preza no Brasil tem que ter indústria automobilística” (RAMALHO & SANTANA, 2006a:19).

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utilizou equipamentos e materiais das empresas; e ainda montou um protótipo da linha de

montagem da PSA Peugeot-Citroën em sua unidade, destinada ao treinamento de seus

funcionários (ROCHA, 2006:143). Dentro desta dinâmica “trabalho-educação” em Resende,

além do fortalecimento da unidade do SENAI, vários cursos e estabelecimentos de ensino têm

sido criados, no intuito de atender a esta nova demanda por profissionais colocada pela

indústria automobilística.

A partir de dados do Atlas do Desenvolvimento Humano, trabalhando com os anos

disponíveis, 1991 e 2000, é possível traçarmos um perfil da educação no município a nível

macro; e é importante ter em mente que o ano de 1991 antecede a implantação da VW (a

primeira montadora a se instalar), e o ano de 2000 corresponde a quatro anos de existência da

VW e antecede a chegada da PSA Peugeot-Citroën (que se deu em 2001). Para melhor

compreendermos tais dados, apresento as tabelas com os dados do município de Resende,

comparando-os com dados do estado do Rio de Janeiro e de outros estados da região Sudeste,

buscando fornecer um panorama geral da elevação das taxas de escolarização da região. O

Anexo IV traz a Listagem de Indicadores utilizados no Atlas do Desenvolvimento Humano no

Brasil, para melhor identificação das categorias.

Podemos apontar algumas modificações no quadro de escolaridade do município de

Resende (ver Gráfico 4), nos anos de 1991 e 2000 que compreendem, de certa forma, o

período de implantação das empresas na região: é possível observar melhorias em todas as

taxas referentes à educação de adultos (“população de 25 anos ou mais”) e o mesmo acontece

quando nos referimos aos jovens, em idade de 18 a 24 anos (ver Gráfico 5). Vale a pena ainda

observar os indicadores relacionados à educação utilizados no cálculo do Índice de

Desenvolvimento Humano do Município (IDH-M), que se eleva de 0,844 no ano de 1991 para

0,918 no ano de 2000 (Gráfico 6).

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Gráfico 4

Educação População de 25 anos ou mais, 1991 e 2000 Resende / RJ

13,07

31,67

64,64

11,37

1,363,66

55,1

14,35

2,03

5,877,8

21,45

0

10

20

30

40

50

60

70

analfabetas com menos de quatroanos de estudo

com menos de oitoanos de estudo

com doze anos oumais de estudo

freqüentando cursosuperior

com acesso ao cursosuperior

%

1991 2000

Gráfico 5

Educação População de 18 a 24 anos, 1991 e 2000Resende / RJ

4,01

16,49

54,89

6,75 5,71 6,15

1,4

41,2

10,4 10,988,74

7,8

0

10

20

30

40

50

60

analfabetas com menos dequatro anos de

estudo

com menos de oitoanos de estudo

com doze anos oumais de estudo

no curso superior com acesso aocurso superior

%

1991 2000

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil

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Gráfico 6

Indicadores utilizados no IDHM - Educação, 1991 e 2000 Resende / RJ

89,15

49,1

89,13

129,74

91,92

26,29

14,77

116,38

74,78

93,11

0

20

40

60

80

100

120

140

Taxa de alfabetização Taxa bruta defreqüência à escola

Taxa bruta defreqüência aofundamental

Taxa bruta defreqüência ao ensino

médio

Taxa bruta defreqüência ao superior

1991 2000

Para uma melhor compreensão do significado dos dados, apresentamos uma tabela

(Tabela 1), cruzando dados de educação do município e do estado do Rio de Janeiro, com

relação à população de 25 anos ou mais:

Tabela 1

Educação: população de 25 anos ou mais (percentual)

analfabetas

com menos de quatro anos de estudo

Com menos de oito anos de estudo

com doze anos ou mais de estudo

freqüentando curso superior

com acesso ao curso superior

Resende 1991 4,0 16,5 54,9 6,8 5,7 6,2

2000350.34 / g150.84 132.14 65.04 27.6 ref154.02 139.04 58.68 13.8 refBT/TT2 1 Tf12 0 0 12 197.7 141.80.0 87.78 121,4350.34 / g216.54 132.14 64.5 27.6 ref219.72 139.04 58.2 13.8 refBT12 0 0 12 262.92 141.80.0 87.78 127,814,9 46,8 8,2 7,0 7,6

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Observa-se então, que o município possui taxas similares às do estado, tendo inclusive melhor

desempenho em algumas categorias. Para uma melhor observação da evolução das taxas,

apresentamos o Gráfico 7 abaixo:

Gráfico 7

Educação, População de 25 anos ou mais, 1991 e 2000 Resende e Estado do Rio de Janeiro

0

10

20

30

40

50

60

70

analfabetas com menos de quatroanos de estudo

com menos de oitoanos de estudo

com doze anos oumais de estudo

freqüentando cursosuperior

com acesso ao cursosuperior

%

Resende - 1991 Rio de Janeiro - 1991 Resende - 2000 Rio de Janeiro - 2000

Vale atentar para os dados relativos ao tamanho da população que mostram que, no

período 1991-2000, a população de Resende teve uma taxa média de crescimento anual de

2,47%, passando de aproximadamente 85 mil pessoas para 105 mil em 2000. Já com relação

ao estado do Rio de Janeiro, observa-se que no período 1991-2000, a população teve uma taxa

média de crescimento anual de 1,35%, passando de aproximadamente 13 milhões de pessoas

para 14,5 milhões em 2000.

Em seguida, apresentamos uma tabela (2) com dados relativos à média de anos de

estudo da população de 25 anos ou mais, dos dez municípios do estado com as maiores

médias; constata-se que, no quadro municipal geral, Resende está bem posicionada, estando

em quinta posição, com uma média de 5,96 anos de estudo em 1991 e de 7,07 anos em 2000.

Interessante notar ainda que, comparando os dados do município de Resende e estado do Rio

de Janeiro (ver Gráfico 8), observamos que, no período entre 1991 e 2000, enquanto o

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil

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município do Rio de Janeiro elevou sua média em 0,75 anos, Resende elevou em 1,11 anos.

Tabela 2

Média de anos de estudo, pessoas de 25 anos ou mais

Posição Município do RJ 1991 2000 1° Niterói 8,84 9,65 2° Rio de Janeiro 7,73 8,42 3° Nilópolis 6,35 7,43 4° Volta Redonda 6,5 7,36 5° Resende 5,96 7,07 6° Macaé 6 6,87 7° São Gonçalo 5,78 6,71 8° Iguaba Grande 4,66 6,63 9° Maricá 4,97 6,56 10° Mangaratiba 4,72 6,55

Gráfico 8

Média de anos de estudo, população de 25 anos ou mais, 1991 e 2000Resende, estados do Sudeste e Brasil

5,96

6,48

7,077,23

5,9 5,87

4,87

5,76

4,634,85

6,85

5,62

0

1

2

3

4

5

6

7

8

Resende Rio de Janeiro Espírito Santo Minas Gerais São Paulo Brasil

N° d

e an

os

1991 2000

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil

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Em seguida, apresento gráfico (9) comparativo dos indicadores utilizados no IDHM –

Educação de Resende e do estado do Rio de Janeiro – importante ressaltar que a taxa de

alfabetização é calculada em percentagem, enquanto as outras são taxas brutas (ver Anexo

IV). Interessante observar que em ambas as localidades há crescimento nas taxas brutas de

freqüência ao ensino médio e de freqüência ao ensino superior. No que se refere à primeira

taxa, estado e município cresceram em escala similar, com 87% de crescimento em Resende

(que passa de 49,1 em 1991 para 91,92 no ano 2000) e 74% no RJ (que passa de 50,9 em 1991

para 88,57 no ano 2000). No entanto, com relação a taxa bruta de freqüência ao ensino

superior, Resende quase dobra seus valores, atingindo 78% de crescimento (passando de

14,77 em 1991 para 26,29 no ano 2000) enquanto o RJ cresceu 44% (passando de 17,25 em

1991 para 24,84 no ano 2000).

Os dados aqui apresentados dão um panorama geral da escolaridade na região,

convidando-nos a explorá-los e relacioná-los com alterações no mercado geral da região –

análise que será melhor desenvolvida adiante.

Gráfico 9

Indicadores utilizados no IDHM - Educação, 1991 e 2000 Resende e estado do Rio de Janeiro

0

20

40

60

80

100

120

140

Taxa bruta defreqüência à escola

Taxa bruta defreqüência aofundamental

Taxa bruta defreqüência ao ensino

médio

Taxa bruta defreqüência ao superior

Taxa de alfabetização

Resende (RJ)1991 Rio de Janeiro - 1991 Resende (RJ) 2000 Rio de Janeiro - 2000

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil

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3.2. Desenvolvimento Econômico, Sistema Educacional e Ocupacional _______________

A relação entre sistema educacional e sistema econômico é complexa e contém em sua

dinâmica, inúmeros elementos; para pensá-la no contexto da pesquisa, utilizaremos as

percepções dos autores Bourdieu & Boltanski (1975; edição brasileira, 2003) e Offe (1990).

Os primeiros exploram a forma como se processa a relação entre as transformações no

sistema educacional e produtivo, e a tensão estrutural inerente ao processo; a importância do

valor do diploma e a centralidade da escola num período do capitalismo onde o capital

cultural passa a desempenhar papel fundamental. Offe (1990) por sua vez, tratando da relação

entre sistema ocupacional e sistema educacional, aponta para o papel do Estado nesta

dinâmica, bem como para a relação oferta-demanda no mercado de trabalho, ressaltando a

oferta de profissionais de elevada qualificação no mercado e uma certa “seletividade” do

sistema ocupacional com relação aos trabalhadores.

Bourdieu & Boltanski (1975; edição brasileira, 2003) em “O diploma e o cargo:

relações entre o sistema de produção e o sistema de reprodução” apontam para a difícil

relação existente entre o sistema educacional e o sistema produtivo. De acordo com os

autores, dada a relativa autonomia do sistema educacional existiria uma tensão estrutural

permanente entre o “tempo do diploma” e o “tempo da competência”, origem da então

chamada “obsolescência das capacidades”. Para além da discussão de quais seriam de fato as

funções do sistema educacional, pressupomos que uma delas seja a preparação da mão-de-

obra que vai, no futuro, tentar se inserir no mercado de trabalho. No entanto, como se dá a

relação entre a esfera escolar e as demandas do aparelho econômico, dada as diferenças de

velocidade em suas transformações?

Para os autores, o jogo entre as mudanças do aparelho de produção (econômico) e do

sistema de ensino seria a origem das defasagens entre os habitus e as estruturas, ou a

“obsolescência das capacidades”. Assim, apontam para a necessidade de análise da relação

entre as leis de transformação do campo de produção econômica (economia) e do campo de

produção dos produtores (a escola e a família), e afirmam que a escola tende a ocupar lugar

de destaque a partir do desenvolvimento do aparelho econômico e sua complexificação.

Assim, numa etapa do modo de produção em que o capital cultural incorporado às máquinas e

seus operadores torna-se muito complexo, o sistema de ensino passa a ter um papel dominante

na produção dos agentes.

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Desta forma, ainda que o sistema de ensino atenda às funções de reprodução técnica

(qualificações) e também de reprodução da posição dos agentes e de seu grupo na estrutura

social (reprodução social), o sistema de ensino dependeria mais diretamente das exigências

da reprodução do grupo familiar do que do aparelho econômico. Nesta percepção, o sistema

de ensino estaria predisposto a exercer a função de reprodução social em vez da reprodução

técnica, atendendo à sua lógica específica e organização em função de sua própria reprodução.

Assim, haveria um pressuposto básico para análise das leis internas do sistema de ensino: a

sua percepção como campo relativamente autônomo, com uma tensão estrutural proveniente

das diferenças entre a sua lógica e a do aparelho econômico. A relativa autonomia do sistema

de ensino estaria manifesta justamente na defasagem temporal entre a velocidade das

transformações no aparelho econômico e no próprio sistema de ensino, porém, com o

crescimento de seu papel na reprodução, esta autonomia escaparia do controle tanto das

famílias quanto das empresas. De acordo com os autores, o sistema de ensino seria o principal

produtor das capacidades técnicas dos portadores dos diplomas e o aparelho econômico seria

o responsável pela mudança nos sistemas de cargos. Cada um destes dois sistemas – do

diploma e do cargo – teria sua lógica e durações estruturais diferentes, originando o jogo

entre o diploma e o cargo (BOURDIEU & BOLTANSKI, 2003:130-131).

Bourdieu & Boltanski (2003:131-132) sinalizam a hostilidade dos agentes dominantes

do campo econômico ao sistema de ensino (SE), e colocam que o SE poderia ser visto como

um objeto de luta política, na medida em que as credenciais fornecidas pela escola teriam

efeito universalizante. Assim, afirmam que “o poder do diploma é coletivo”, o que seria uma

conseqüência de sua “garantia universalizante-eternizante” da competência e coloca o sistema

de ensino como um “mecanismo coletivo de proteção”. Surge então a questão do controle do

acesso a estas credenciais por parte das elites, afinal, ter o “nome” (no caso, os títulos) é

sentir-se com o direito de exigir os correspondentes materiais e simbólicos. Porém, tal

controle não poderia ser feito través da desvalorização do diploma em si, logo, uma das

soluções para esta contradição patronal – manter a legitimidade do diploma, mas controlar as

instâncias distribuidoras e o acesso a elas - estaria no ensino privado. Os autores apontam

ainda para o “sonho patronal da escola da casa” através do qual seria possível adquirir as

competências dos trabalhadores sem universalizá-las, e por isto, as instituições de fraca

autonomia teriam um papel bastante relevante. Segundo Bourdieu & Boltanski:

“Os mestres da economia tem interesse em suprimir o diploma e seu

fundamento, ou seja, a autonomia do SE; interessa-lhes a confusão

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completa entre o diploma e o cargo. Desejam ter as capacidades técnicas

produzidas pelos instrumento de produção de produtores (o SE) sem pagar a

contrapartida, ou seja, as garantias que confere a existência de um SE

relativamente autônomo (i.e., o diploma). O SE não produz competência

(por exemplo, as capacidades de um engenheiro) sem produzir o efeito de

garantia universalizante-eternizante da competência (o diploma de

engenheiro). Os mestres da economia não se interessam pelo diploma que

dá aos agentes uma certa liberdade em relação ao sistema econômico.

Quanto maior for a autonomia da instância produtora de diplomas em

relação à economia, menor será a dependência do diploma que ela assegura

em relação à economia. Daí o sonho patronal de uma escola confundida

com a empresa, de uma escola “da casa”.(BOURDIEU & BOLTANSKI,

2003:136 – grifos nossos)

Nesta luta pelo valor do diploma, os autores ressaltam a importância da raridade do

mesmo, baseado em seu uso como forma de distinção de um grupo. Apontam então o papel

capital do sistema educacional e sua credenciais, nos conflitos e negociações individuais e

coletivas, entre os detentores e não detentores dos meios de produção quanto à: 1) definição

do cargo, 2) condições de acesso, 3) remuneração e posicionamento deste na hierarquia de

posições, 4) “nome” ou a “posição” do cargo.

Offe (1990) em “Sistema educacional, sistema ocupacional e política da educação –

contribuição à determinação das funções sociais do sistema educacional” aponta para a

relevância do papel do Estado, e das políticas e planejamentos educacionais no contexto

econômico, e poderíamos perceber tais esferas também como um “campo de conflito”. Na

percepção do autor, não haveria um crescimento da demanda de qualificação inerente ao

desenvolvimento da industrialização, mas sim uma relação de oferta-procura entre o sistema

escolar e o sistema ocupacional. Assim, em sua visão, o sistema ocupacional poderia ampliar

as exigências de escolaridade de seus trabalhadores por razões que não estariam

fundamentadas necessariamente nas transformações das estruturas de produção e

complexidades das tarefas no trabalho, e que seriam resultado desta dinâmica de oferta-

procura (OFFE, 1990:9-59). Portanto, na medida em que o sistema educacional se expande, o

sistema ocupacional poderia se permitir tornar-se “seletivo”, elevando os critérios para as

funções sem preocupar-se com a elevação dos preços pagos à força de trabalho.

Tais proposições dos autores auxiliam na análise da reconfiguração do parque

educacional local, como veremos a seguir.

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3.3. O Parque Educacional local: a reconfiguração da oferta educacional _____________

O CIEP 347 é uma das escolas que atendem aos moradores da “Grande Alegria”.

Além dela há mais duas, sendo que destas, uma é considerada a melhor do bairro e também a

única que oferece curso técnico de mecânica e informática a nível médio, é a escola de mais

prestígio. Já o “CIEP Brizolão 347”, nunca foi considerada uma das melhores, mas os

profissionais da educação que lá trabalham, afirmam que isto vem mudando. É uma escola

com bastante espaço físico, um prédio de CIEP comum, (ver Figura 9) com três andares: logo

na entrada, um pátio onde os alunos aguardam seus pais buscá-los pela manhã e à tarde, e que

à noite se transforma num imenso estacionamento de bicicletas; atrás do prédio há uma

quadra, um parquinho e um outro prédio anexo, onde funciona a creche; à direita na entrada,

há o refeitório, também bastante amplo. O CIEP 347 oferece todos os segmentos, desde a pré-

escola (média de vinte alunos) passando pelos cursos regulares e todas as séries da EJA, que

segundo a Diretora é o “carro-chefe” da escola, com oitocentos alunos só desta modalidade. A

diretora anterior à atual, que viveu o momento de implementação da EJA no CIEP, afirma que

a comunidade tinha uma imagem negativa da escola e que isso foi mudando a partir do

momento em que os pais voltaram a estudar e viram que “mesmo sendo EJA não era tão fácil

assim”, passando a ter mais confiança no trabalho. Após uma pesquisa no bairro feita pela

própria escola, verificou-se que havia demanda para EJA, em seguida, no ano de 2004, o

curso foi inaugurado e o CIEP passou a atender, em vez de duzentos alunos, um universo de

mil e seiscentos alunos; dizem que “isto foi até um boom na cidade na época”.

Figura 9

CIEP 347, Toyota - Foto de Marina Cordeiro em 29 de setembro de 2007

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O resultado desta mudança é que hoje, o “CIEP Brizolão 347”, segundo a Diretora

atual, é “como se fosse uma extensão da casa das pessoas”: lá acontecem bodas de casamento,

chá de fraldas e outros eventos; e nos fins de semana, o espaço da escola é aberto para a

comunidade, como uma área de lazer, numa tentativa de diminuir as invasões e saqueios na

escola. Alguns casos de depredação e roubo foram relatados: diversos arrombamentos e cortes

nas grades que cercam o espaço da escola; roubo no refeitório; e ainda em período de campo,

houve um roubo à creche, quando depredaram o espaço, estragando latas de leite, sujando

paredes e roubando objetos. Algumas pessoas foram apontadas como responsáveis pelo roubo

à creche e a denúncia foi feita pela própria comunidade: uma mãe cujos três filhos estariam

envolvidos, conversou diretamente com a diretora sobre o caso.

Há um relacionamento intenso entre a escola e os moradores do bairro, quase uma

“escola-família” – são muitos alunos, a maioria morando no bairro, inclusive professores e

funcionários. Muitos professores são vizinhos de seus alunos; uma das orientadoras do CIEP

conta que tinha um morador que deixava sempre o som alto, bebia muito e “fazia aquele show

todo final de semana”, no entanto, depois que começou a estudar deixou de ser

“desmazelado”, mudou a aparência, moderou o som da casa e “respeita os vizinhos porque

tem uma professora que mora em frente da casa dele e ela mesma observou a mudança”. Há

também famílias inteiras que estudam na escola, com os mais velhos freqüentando a EJA ou o

curso regular, e os mais novos membros da família nos segmentos inferiores, como educação

infantil ou mesmo na creche; às vezes, há até mãe, filhos e irmãos estudando no mesmo

horário ou classe de EJA.

Como uma “escola-família”, reunindo tantas gerações num mesmo espaço, o CIEP

fica exposto a situações inusitadas. Certa vez, presenciei a orientadora dando conselhos de

amamentação a uma jovem que estava indo trancar a matrícula pois seu filho, nascido há

poucos meses, não estava aceitando a mamadeira e ela não poderia retornar da licença-

maternidade. Em outro momento, o ex-marido de uma jovem aluna invadiu a escola e

ameaçou seu atual namorado, felizmente o rapaz não tinha ido à aula, mas a mãe do rapaz

também era estudante do mesmo turno que o filho e a jovem. Resultado: ficaram ambas, a

mãe e a menina, chorando na sala da direção, enquanto profissionais da escola esclareciam

com ajuda da polícia, as circunstâncias da “invasão”. Mesmo com todas as confusões –

oriundas não só do relacionamento intenso entre escola e família, mas também das condições

sócio-econômicas dos alunos – as diretoras e orientadoras da escola se dizem apaixonadas

pelo trabalho que desenvolvem.

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66

***

A trajetória do CIEP 347 mostra como o incremento da EJA aumentou

consideravelmente o número de alunos na escola e fez com que acumulasse a oferta de

diferentes níveis de ensino no mesmo estabelecimento – e com isso ganhasse mais prestígio

na comunidade. A responsável pela EJA na rede estadual refere-se ao CIEP como a

“referência” pois é uma das únicas que abrange todos os segmentos e onde tanto alunos

quanto professores “vestem a camisa da escola”. Outras escolas do bairro e da cidade também

oferecem esta modalidade de aceleração escolar; segundo material disponível no site do

Instituto de Educação de Resende (EDUCAR), há na rede municipal, oito escolas de

E.Fundamental e três de zona rural que oferecem EJA; e de acordo com a responsável

estadual pela EJA há na rede, onze escolas com a modalidade a nível médio e uma oferecendo

o Centro de Estudos Supletivos (CES).

Os primeiros impactos do pólo automotivo em termos educacionais se deram ao nível

médio, com a ampliação dos cursos supletivos como a Educação de Jovens e Adultos (EJA), o

Centro de Ensino Supletivo (CES) e o “provão”. Enquanto a EJA é um curso presencial

noturno, que proporciona a aceleração de seis meses para cada série; o CES é uma

modalidade semi-presencial, que disponibiliza as apostilas de cada disciplina para os alunos,

com professores que esclarecem as dúvidas em diferentes horários, onde o aluno estuda de

acordo com sua disponibilidade e faz a avaliação quando se sente preparado para tal. Há ainda

o “provão”, que acontece uma vez ao ano, quando os alunos se inscrevem respeitando uma

faixa etária, fazem uma avaliação de todas as disciplinas e, aquelas que o aluno tiver bom

desempenho são eliminadas, as que ficarem “pendentes”, o aluno tem a opção de fazer no

CES; e caso consiga eliminar todas as nove disciplinas, pode tirar o certificado ao nível de

E.Médio. Nos depoimentos dos trabalhadores-estudantes, muitas vezes houve referência ao

“diploma comprado”, que tanto pode designar cursos supletivos privados “super rápidos” ou

mesmo este “provão” – os trabalhadores diferenciam aqueles que “se esforçaram” e fizeram a

EJA ou o curso regular, daqueles que fizeram rapidamente e tiraram o “diploma comprado”.

Sérgio Haddad (1998) em “A educação de pessoas jovens e adultas e a nova LDB”

trata da temática dentro da realidade brasileira, tendo como base os textos legais da Lei de

Diretrizes e Bases (LDB) e afirma que a Lei n° 92/96 representa não só uma desqualificação

da Educação de Jovens e Adultos (EJA) por colocá-la, não como uma modalidade a ser

tratada de forma própria, mas sim a partir do conceito de suplência, como um “enxugamento

de conteúdos”; afirma também que o conteúdo da lei representa uma ruptura legal na medida

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em que manteve a gratuidade de educação pública de jovens e adultos mas desobrigou o poder

público de oferecê-la. O autor também afirma que para a educação de pessoas jovens e

adultas, o Estado teria um caráter indutor essencial e que:

“Diferentemente da educação fundamental regular, a experiência e os

estudos realizados na América Latina apontam para o fato de que é a oferta

de serviços que modela as características da demanda nesse nível de ensino.

Não igualando-se à educação fundamental regular, onde há um grande

consenso social (particularmente dos pais) sobre a necessidade de as

crianças irem para a escola, no caso da educação de pessoas jovens e

adultas isso não ocorre, exigindo, portanto, uma atitude ativa do poder

público” (HADDAD, 1998:108)

Reconhecemos a importância da oferta desta modalidade de ensino por parte do poder

público e compartilhamos da perspectiva de que o Estado possa ser indutor deste ensino; no

entanto, no caso estudado, verifica-se também uma grande demanda por parte dos próprios

trabalhadores e moradores da região, que de certa forma, pressionaram o poder público local

para que ofertasse mais vagas. E esta demanda por parte dos trabalhadores tem uma de suas

origens nas alterações que ocorreram no mercado de trabalho local e na disputa entre os

próprios trabalhadores, para dele fazer parte. Uma das orientadoras do CIEP trata a questão da

procura pela EJA da seguinte forma:

[Alguma mudança nesses anos de trabalho aqui?]

“A visão deles, dos alunos? Mudou principalmente depois que veio a EJA para

cá, porque antes até brigavam por causa de vaga! Tivemos algumas evasões

escolares, quem saiu era por causa do serviço, às vezes ganhou neném, algum

motivo particular; aqueles que pararam porque queriam mesmo, foram

pouquíssimos, porque eles visam o mercado de trabalho. E teve firma, a Volks,

por exemplo, que mandou funcionários embora porque não terminaram o 2º grau

até determinado tempo, teve outras fábricas, a Peugeot fez a mesma coisa, aí os

alunos em si da noite começaram a perceber que isso estava realmente

acontecendo. Porque o pessoal que estava sendo mandado embora corria para cá

para terminar os estudos e tentar entrar de novo no mercado de trabalho, e

outros ficavam como se fosse um acordo, continuavam empregados com a

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condição de terminar. As firmas incentivam os estudos também, todas elas (...) e

tem esses alunos que mesmo nos mercados tem essa visão do futuro, querem

terminar para conseguir uma coisa melhor, as domésticas, todas as profissões; e

o que animou mais, que eu percebi, foi a vinda mesmo das fábricas. Porque antes

nós tínhamos a Xerox, a Michelin, as tradicionais, a antiga IQR que agora é

Clariant; depois veio essas maiores, aí começaram a correr atrás mesmo, se

esforçam; tem alunos que trabalham de turno e vem no outro dia, fazer prova,

fazer teste, entregar trabalho, demonstram responsabilidade...”

Em entrevista, a responsável pela EJA na rede estadual também afirma que há uma

grande procura pela modalidade (ver Gráfico 1, p. 35) e que outra que vem crescendo, a dos

cursos à distância, “nós temos uma quantidade infinita de cursos à distância !” – e se mostra

preocupada com esta dinâmica. Vê o aumento das matrículas na EJA da seguinte forma:

“Eu vejo de duas formas. Primeiro essa exigência do mercado, se eu estou

trabalhando não adianta, a exigência do mercado é grande, se você não tiver a

certificação você não continua na empresa, por uma questão primordial,

primária, que é a sobrevivência... Então de repente você é obrigado a voltar a

estudar porque as empresas exigem isso, querem mais, além da certificação

querem um profissional que haja com mais autonomia, que tenha espírito de

liderança, que saiba resolver situações-problema, que saiba trabalhar em grupo

(...) E teria uma outra questão que seria de alguns alunos que passam por

algumas reprovações e já ficam fora da faixa etária do ensino diurno também (...)

Então naturalmente o ensino noturno vem abraçar esses alunos para que novas

vagas possam surgir. Eu vejo essas duas questões, mas basicamente essa do

emprego. Se você fizer uma pesquisa você vai ver que boa parte que freqüenta

educação de jovens e adultos é trabalhador de fábrica, de firma ou comércio.”

Afirma que a EJA supre uma carência deixada ao longo do processo de escolarização

dos indivíduos, reintegrando aqueles que ficaram à margem e aponta para o problema da

permanência na escola. Conta-me que na maioria das escolas em que os cursos foram abertos

houve grande migração dos alunos do regular para a EJA, e que esta tem sido a opção para

encurtar os estudos e tirar logo o diploma, por parte dos evadidos e repetentes. Fala também

da importância da limitação de idade imposta pela LDB, colocando o mínimo de 15 anos para

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a formatura no E. Fundamental e mínimo de 18 para o E. Médio que é o que “dá uma

segurada nas idades, senão...”. Aponta ainda para o “choque de gerações” que existe nas

escolas que oferecem EJA, na medida em que há tanto alunos mais jovens entre 15 e 17 anos,

“os adolescentes”, quanto “os mais velhos”, depois dos 20, 30 anos – como também ocorre no

CIEP. Segundo uma professora de uma escola da “Grande Alegria” que atua na classe de

EJA:

“E o comportamento deles [adolescentes] é muito diferente e as pessoas mais

velhas se sentem incomodadas porque os adolescentes estão mais para brincar e

eles querem recuperar o tempo perdido. A postura dos mais velhos é mais séria.

Até por uma questão de idade mesmo, e os adolescentes são adolescentes e vão se

comportar como adolescentes... Às vezes eles repetem algumas séries e conforme

vão passando os anos, cai a ficha e a EJA é uma oportunidade deles colocarem

em dia aquele tempo que ficou para trás, então tem uma procura grande de

adolescentes também. Lá a gente procurou assim: quando tinham duas turmas da

mesma série, a gente procurou montar uma turma dos mais jovens e a outra dos

mais velhos; porque na primeira turma que foi montada a gente não teve esse

olhar, montou aleatoriamente aí como teve esse conflito... E é uma coisa que você

não tem como, você tem que ficar “ouve a parte, tenta acalmar, ouve a outra,

tenta acalmar”, fazer o quê? Realmente são duas cabeças muito diferentes, não

tem jeito, todos os dois tem a sua razão, mas não tem como resolver. Então a

gente foi levando e no outro semestre a gente montou separado por faixa etária,

chama ‘a turma dos mais jovens e a turma dos mais velhos’. É complicado...”

Há por parte da responsável pela rede estadual, a preocupação com o resultado das

modalidades de ensino à distância e ela mesma se questiona sobre o futuro do ensino e do

próprio aluno que poderia “apenas pegar uma certificação e não adquirir as habilidades e

competências que precisa desenvolver”. Afirma que a EJA deve existir, mas que não deveria

substituir o ensino regular nem ser colocada como um “sistema paralelo” ao lado dos

inúmeros programas de aceleração de aprendizagem que vêm se instalando nas últimas

décadas. Já o responsável pela rede municipal se mostra um pouco mais otimista e acredita

que para a EJA ser um ensino de qualidade, deve haver uma metodologia forte e bem

desenvolvida para “segurar” esse aluno que seria “por natureza evasivo” e afirma que

terminar os estudos para trabalhar é uma demanda legítima e não pode ser ignorada. Conta-me

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ainda do pioneirismo do município em criar a disciplina de “empreendedorismo” e incluí-la

na grade da EJA, e que “sim, educar para o trabalho, essa é a nossa idéia!”.

No site oficial da Prefeitura de Resende, há na seção notícias, um “balanço das ações

da Educação” no município, no período de janeiro a setembro de 2006, publicada no mês de

setembro do mesmo ano, informando que houve a implantação de Laboratórios de

Informática, cursos pré-vestibular e de educação profissionalizante em várias unidades de

ensino e também reformas em algumas escolas. Segundo Assessora de Projetos da Secretaria

Municipal de Desenvolvimento Humano e Fraternidade, houve a implantação do curso Pré-

Vestibular Municipal no Colégio Getúlio Vargas e no prédio antigo do Instituto EDUCAR,

beneficiando 160 pessoas; e a formação de 228 alunos nos cursos de Técnicas Básicas de

Eletricidade Automotiva (em duas unidades escolares), Técnicas Básicas de Informática

(SENAI) e Gestão de Qualidade Total, todos em parceria com a FIRJAN e o SENAI. A

reportagem informa ainda que até o início do mês de setembro de 2006 também teriam sido

implantadas 26 turmas de Alfabetização de Jovens e Adultos (como parte do Programa Brasil

Alfabetizado) e ampliadas 26 turmas de 1ª à 8ª fase da Educação de Jovens e Adultos (EJA); e

que, apesar de não ser atribuição direta da rede municipal, a Secretaria em convênio com o

Governo Federal, também garantiu a implantação do Sistema Universidade Aberta do Brasil

com a instalação de um Pólo de Apoio Presencial ao Ensino à Distância em Resende, com

início previsto para o primeiro semestre de 2007, que abriu inscrições para o processo seletivo

para o ano de 2008 – e que será melhor explorado adiante.

Até aqui, pudemos observar os impactos da implantação das fábricas ao nível de E.

Médio, mas a relação entre escolarização e trabalho na cidade também se estende ao nível

superior.

***

É possível enumerarmos as unidades de ensino superior da cidade de Resende: a

Universidade Estácio de Sá, com aproximadamente dois mil alunos; a Associação

Educacional Dom Bosco (AEDB) com mais de mil e quinhentos alunos; a Academia Militar

das Agulhas (AMAN) com quase três mil cadetes; e a Faculdade de Tecnologia da

Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), com quinhentos alunos, que oferece

graduação em Engenharia de Produção. Realizei entrevistas com dois representantes do

ensino superior de Resende, o diretor da Estácio de Sá e o coordenador do curso de

Engenharia Automotiva da AEDB – que será melhor explorado adiante. Há também as

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modalidades à distância: o Projeto Universidade Aberta do Brasil (UAB) e o CEDERJ, que

veremos a seguir.

O projeto Universidade Aberta do Brasil (UAB), sistema em parceria com as esferas

governamentais federal, estadual e municipal, foi criado pelo Ministério da Educação (MEC)

em 2005 para, segundo documentos oficiais disponíveis no site do MEC, “articulação e

integração de um sistema nacional de educação superior à distância, de caráter

experimental, visando sistematizar as ações, programas, projetos, atividades que envolvem as

políticas públicas voltadas para a ampliação e interiorização da oferta do ensino superior

gratuito e de qualidade no Brasil”. Para a realização do Projeto UAB, o Ministério de

Educação, através da Secretaria de Educação a Distância (SEED) lançou o Edital N° 1, em 20

de dezembro de 2005, com chamada pública para a seleção de pólos municipais de apoio

presencial e de cursos superiores de Instituições Federais de Ensino Superior na Modalidade

de Educação a Distância para a UAB. O edital da UAB definiu o pólo de apoio presencial

como: “estrutura para a execução descentralizada de algumas das funções didático-

administrativas de curso, consórcio, rede ou sistema de educação a distância, geralmente

organizada com o concurso de diversas instituições, bem como com o apoio dos governos

municipais e estaduais”. A proposta é estruturar um espaço para atender os estudantes de

cursos a distância, oferecendo acesso local a biblioteca, laboratório de informática (para

acessar os módulos de curso disponíveis na Internet, por exemplo), atendimento de tutores,

aulas presenciais, realizar práticas de laboratórios, dentre outros - em resumo, o pólo seria o

“braço operacional” da instituição de ensino superior na cidade do estudante ou na mais

próxima. O pólo de apoio presencial (EAD) deve oferecer salas para as seguintes funções:

Secretaria Acadêmica, Coordenação do Pólo, Tutores Presenciais, de Professores e Reuniões,

Aula Presencial Típica, Laboratório de Informática, Sala de Vídeo Conferência e um espaço

destinado à Biblioteca. O Governo Federal lança os editais e os municípios de uma micro ou

macro região, podem associar-se e realizar parcerias para a criação de um pólo (sede) de

apoio presencial que atenda a região.

Já o Consórcio CEDERJ (Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio

de Janeiro) foi criado no ano 2000, através de um convênio celebrado entre a Secretaria de

Estado de Ciência e Tecnologia (SECT) e seis Universidades Públicas localizadas no estado –

a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), Universidade do Estado do Rio de

Janeiro (UERJ), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal do Rio de

Janeiro (UFRJ), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e a Universidade

Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Documentos oficiais disponíveis no site

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afirmam que seu o objetivo é “democratizar o acesso ao ensino superior público, gratuito e

de qualidade e utilizando a moderna metodologia da educação a distância”. O curso

funciona da seguinte maneira: o aluno não freqüenta aulas e “a presença do professor” se dá

através do material didático especialmente preparado, da tutoria presencial semanal no pólo

regional, tutoria a distância via Internet, telefone e fax, “e diversos outros elementos que já

são utilizados há muitos anos por conceituadas universidades do mundo”. É preciso estar

muito motivado e ser capaz de organizar as tarefas do cotidiano, uma vez que a disciplina e a

organização do tempo diário de estudo são importantíssimas para que sejam cumpridas as

tarefas e os prazos determinados – de acordo com informações fornecidas no site do MEC.

No Sul Fluminense, as duas modalidades já estão presentes e iniciaram o

funcionamento entre 2006 e 2007; na região, são três pólos oferecendo cursos semi-

presenciais, o Pólo UAB Resende / Professora Walda Walquirya Bruno (com cursos de

Matemática e Administração); o Pólo CEDERJ / Kodak (oferecendo Ciências Biológicas e

Pedagogia); e o Pólo CEDERJ / Volta Redonda (com cursos de Matemática, Ciências

Biológicas, Física, Pedagogia e Computação). Como fora recentemente implantado, ainda não

é possível avaliar os resultados e impactos destas modalidades – ainda que alguns

trabalhadores e até mesmo professores da rede pública já estejam comentando a implantação

destes cursos e vendo-os como uma boa possibilidade de “dar continuidade aos estudos”.

Ambas instituições privadas de Resende – AEDB e Estácio de Sá - dialogam com as

indústrias e buscam responder à demanda por profissionais colocada por este novo pólo

automotivo. A Universidade Estácio de Sá instalou-se em Resende no segundo semestre de

1997 – um ano e meio após a implantação da VW – e quando pergunto ao diretor da

instituição “por quê Resende e não outra?”, ele me responde categoricamente “a Estácio vem

para Resende e não para outras cidades próximas pela vinda da VW, a principal razão foi a

expansão do pólo industrial”. Explica-me que a seleção dos cursos a serem oferecidos se dá a

partir de uma pesquisa da “vocação da área” e que se criam “pacotes para cada realidade

sócio-econômica”; hoje a unidade oferece cursos de graduação em Administração, Direito,

Fisioterapia, Psicologia, Informática, Pedagogia e Rede de Computadores; e de pós-graduação

em Administração Estratégia, Logística Empresarial, Gestão de RH, Psicologia Gestaltista e

Terapia. Alguns cursos são politécnicos, de curta duração com formação em dois anos e meio;

conta também que há o curso de Gestão de Produção Automotiva que não faz parte da “rede

Estácio” e foi “gestado” em Resende, criado para atender especificamente as necessidades da

região; e que a maior procura é pelo curso de Logística. Conta também que quando cria um

novo curso, a instituição costuma mostrar a estrutura para os diretores das montadoras, “não

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que peçam aval”, mas como é uma cidade pequena e as “pessoas se conhecem”, eles “trocam

informações”. A Instituição possui convênios com as empresas da localidade, dando

descontos aos funcionários, e atende tanto moradores de Resende quanto “gente de fora”,

ainda que em menor escala por causa dos custos relacionados ao transporte entre as cidades26.

Segundo o Diretor, “a entrada na Estácio é mais fácil que a saída” e o maior problema

para a formatura é o acompanhamento do curso; conta ainda que muitas pessoas vão lá

“esquentar o diploma”27, ou seja, começam cursos em faculdades “menores” e vão terminar

lá. Percebe que o “público de fábrica prefere os cursos menores” e afirma que há um

programa voltado para o “aluno de turno” (que trabalha em esquema de revezamento de

turnos): quem faz cursos que possuem horários noturno e diurno, podem assistir aulas em

ambos e fazer segunda chamada de provas e trabalhos, diz que há uma flexibilidade contanto

que o aluno apresente um documento da fábrica.

A Associação Educacional Dom Bosco (AEDB) foi fundada no ano de 1964 por

militares e depois da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), é a instituição mais

antiga da cidade28. Oferece hoje graduação em Letras, Economia, Pedagogia, Administração

(concorrendo com a Estácio), Sistemas de Informação, Engenharia Elétrica / Eletrônica e

Engenharia de Produção Automotiva; e possui um Centro de Pós-Graduação e Extensão que

possui cursos lato sensu produzidos pela casa e uma parceria com a Fundação Getúlio Vargas

(FGV) que oferece os cursos de MBA na área de gestão na instituição. A AEDB também

oferece um curso pré-vestibular, o “Projeto Vencer”, que atende alunos do terceiro ano do 2º

grau ou que já terminaram o 2º grau, oriundos de escolas públicas e interessados em fazer

vestibular, que ingressam no projeto a partir de um exame de seleção; o curso acontece aos

sábados, conta com a participação voluntária de alunos e professores e tem parceria com a

Indústria Nuclear do Brasil (INB, instalada em Resende) para financiamento de transporte e

alimentação, mas hoje atende apenas vinte e dois estudantes.

Há no entanto, uma parceria com a VW no desenvolvimento do curso de Engenharia

de Produção Automotiva, que é particularmente interessante. De acordo com o coordenador

26 Interessante ressaltar que é comum os moradores do Sul Fluminense transitarem entre as cidades próximas por motivos diversos como a prática de trabalhar ou estudar em uma cidade e morar em outra, por exemplo. 27 A prática de “esquentar diploma” é similar à outra, citada por trabalhadores mais velhos que afirmam que “antigamente” era comum “esquentar a carteira”, para dar conta do período de experiência que as empresas costumavam solicitar aos candidatos, e que muitas vezes era o maior obstáculo para a aquisição do primeiro emprego. 28 Em 1944 foi criada a Escola Militar de Resende, que veio chamar-se Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) no ano de 1951.

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do curso, ele “nasceu dentro da Volkswagen”, existe desde 2005 – nove anos depois da

chegada da VW e quatro depois da Peugeot - e está em fase de reconhecimento, funcionando

já com autorização do MEC. De acordo com ele,

“Esse curso nasceu, na verdade, dentro da Volkswagen. Tudo foi discutido e

bastante conversado com os funcionários da Volkswagen. E dali surgiu então, o

perfil para aquilo que eles desejavam para o engenheiro que fosse trabalhar com

eles. Com base nesse perfil foi criado, então, o curso de engenharia automotiva

para atender as necessidades não só da Volkswagen, mas também da Peugeot e

de todas as empresas que estão dentro da indústria automotiva. [a proposta partiu

primeiro da Volks?] É uma necessidade! Porque na região não havia nenhuma

instituição voltada para a formação desse profissional. Então eles tinham que

recorrer a São Paulo, Rio, regiões próximas para buscar esse profissional.”

O texto explicativo disponível no site da AEDB informa que a elaboração deste

Projeto Pedagógico se deu em decorrência do interesse da Volkswagen Caminhões e Ônibus,

que procurou a instituição e buscou, em parceria, implantar o Curso de Engenharia de

Produção Automotiva. Nessa parceria, caberia à AEDB viabilizar a estrutura acadêmica, o

suporte laboratorial para as disciplinas de Conteúdos Básicos (Informática, Física, Química e

Eletricidade) e à Volkswagen, o apoio laboratorial às disciplinas de Conteúdos Profissionais e

Profissionais Específicos. Importante ressaltar que as disciplinas de caráter Profissional

Específicas foram indicadas pela VW, através de seus engenheiros, visando o conhecimento

da chamada “eletrônica embarcada”, que estaria cada vez mais presente na manufatura de

veículos de um modo geral - o suporte nesta área seria dado pelo Curso de Engenharia

Elétrica com ênfase em Eletrônica (com funcionamento autorizado pelo MEC desde 1998).

Ainda no texto, afirma-se que o curso visa oferecer aos estudantes “habilitações para atuar nas

instituições da região”, e que o Engenheiro de Produção Automotiva formado pela Faculdade

de Engenharia de Resende deve apresentar, entre outros aspectos, a “consciência da

necessidade de contínua atualização profissional e de uma constante atitude empreendedora”.

De acordo com o coordenador do curso, este é extremamente difícil e os alunos

precisam estar muito motivados para superar os obstáculos colocados principalmente pelas

disciplinas de cálculo, matemática e física; as turmas começam com uma média de cem

alunos, mas da turma de 2005 que começou com 140 alunos e que correspondia ao terceiro

ano na época da entrevista, “sobraram” apenas 22. Afirma que no primeiro e segundo ano eles

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“perdem” muitos alunos “por causa da base, eles não tem base para segurar essa história”.

O estudante da AEDB é oriundo de escola pública, que “não tem uma família que pode

bancar os estudos”, vem de “uma situação difícil, de um nível econômico social baixo, e que

vem lutando para conseguir ser alavancado” e tem déficits que fazem com que o aluno

precise de seis ou sete anos para concluir um curso com duração de cinco. Conta que há no

curso muitos jovens, a maioria numa faixa etária entre 18 e 30 e alguns acima de 30 anos, e

que muitos já trabalham ou estagiam nas indústrias. Conta-me que percebe certa diferença

entre o estudante que é “peão de chão de fábrica” e aqueles que possuem cargos mais

elevados, pois o trabalhador que está desempenhando uma função de supervisão teria “mais

visão, experiência, um interesse maior” porque teria conhecimento da empresa de uma

maneira diferenciada daquele que é apenas um peão, “que ainda está tentando chegar”.

Pergunto sobre o “aluno de turno” e ele me responde que “isso é terrível para a gente

trabalhar, mas é um desafio” e que tentam estimulá-los a não desistir, procurar a matéria do

professor com os colegas para tentar acompanhar e que este aluno tem muita dificuldade, pois

faltando uma semana, acaba chegando depois “totalmente perdido na aula”; fala que há uma

grande comunicação entre os professores por e-mail, e que isso facilita bastante.

Com relação à inserção destes estudantes de engenharia no mercado, ele diz que é

grande. Dos alunos do curso de Engenharia Eletro-eletrônica, existente há dez anos, afirma

que cerca de 95% dos profissionais estão no mercado, tanto na indústria ou como professores

nas universidades; mas que na realidade, o número de formandos é muito pequeno, “saindo”

apenas quinze de uma turma de cem alunos. Fala-me também sobre os estágios e a construção

do laboratório de motores, que contou com a colaboração da VW e da Peugeot, que havia

doado recentemente, três motores veiculares de sua unidade de produção de Porto Real.

Dentro do curso de engenharia de produção automotiva, dos 22 alunos do terceiro ano, a

maioria já estava estagiando ou trabalhando efetivamente nas montadoras, com apenas cinco

fora do mercado; e havia alunos de primeiro e segundo ano também fazendo estágio e

trabalhando. Pergunto se a VW teria alguma preferência, por conta da parceria, pelos

estagiários da AEDB:

“Eles participam do processo de seleção. É claro que pelo fato da gente ter esse

vínculo, até porque os professores da Volkswagen estão fazendo parte do nosso

quadro de professores... Acho que existe uma vinculação muito grande. A

Volkswagen tem oferecido equipamento para mobiliar os laboratórios e a

Peugeot também. Até porque é uma parceria, então já recebemos motores,

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ferramentas da Volks e da Peugeot. Então, existe toda uma parceria muito forte

que está acontecendo entre a instituição e as empresas da região.”

Os laboratórios estavam sendo construídos e mobiliados no período da entrevista – outubro de

2007 – pois apenas a partir do terceiro, quarto e quinto ano, quando começam as disciplinas

voltadas para a produção, é que os laboratórios são necessários. O coordenador afirma

também que devido à essa “parceria e convênio”, as práticas que a instituição não puder

oferecer, os alunos terão a oportunidade de fazer na própria Volkswagen; afirma que o estágio

obrigatório é assegurado e que todos os alunos da Engenharia de Produção Automotiva têm

direito por contrato de estagiar na Volkswagen. No entanto, acredita que talvez este estágio

obrigatório não seja necessário porque a demanda por estagiários de engenharia tem sido

muito grande; prevê que em 2008 a instituição não tenha alunos o suficiente para atender as

demandas de pedidos para estágio. Afirma ainda que estão em busca de aprovação no MEC

para a criação dos cursos politécnicos e que este projeto seria voltado a demanda do mercado

das indústrias.

Em outubro deste ano, a AEDB promoveu o IV SEGET – Simpósio de Excelência em

Gestão e Tecnologia – um evento com apresentações de palestras, artigos e pôsteres, e

realização de mini-cursos; o evento foi avaliado pela CAPES e classificado como “Qualis A”,

e contou com patrocínio da VW, Michelin, Novartis Caring and Curing, e Banco Santander. O

evento, com duração de três dias, recebeu, de acordo com o coordenador, a inscrição de quase

800 artigos, dos quais 240 foram selecionados para apresentação oral e 220 em pôster, e

praticamente todas as universidades do Brasil presenciariam o simpósio. A Conferência

Magna, de abertura, ficaria a cargo do presidente da Volkswagen, a ser realizada no dia 22 de

outubro às 19h, no auditório; a convite do coordenador, fui então “dar uma olhada” na

conferência. No auditório, por volta das 18h30, já havia alguns jovens VW uniformizados;

algum tempo depois chegaram os “executivos” - todos homens - de terno e gravata e

sentaram-se na primeira fileira do auditório; o auditório já estava relativamente cheio. Uma

banda de jazz se apresentava no auditório antes da Conferência Magna; em pouco tempo as

cortinas se fecharam e só reabriram após a colocação de uma grande mesa ao centro, para a

qual foram convidados o diretor da AEDB, um Representante da Câmara de Vereadores da

cidade, o prefeito Silvio de Carvalho, bem como o diretor acadêmico da AEDB, os

coordenadores do IV SEGET e da Comissão Científica, e é claro, o presidente da VW (ver

Figura 10).

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Figura 10

Composição da Mesa da Conferência Magna do IV SEGET - AEDB

Foto de Marina Cordeiro em 22 de outubro de 2007

A Conferência começou com a leitura do currículo do presidente da VW e

informações sobre sua trajetória e sucesso profissional; em seguida, Roberto Cortez iniciou

sua apresentação. Tratou em primeiro lugar, do sucesso do “Consórcio Modular em Resende”

que iniciou sua produção com 5 unidades/dia e que em 2007, já com o segundo turno em

funcionamento, teria uma produção diária de 185 unidades, com um caminhão saindo a cada

três minutos; em seguida, falou sobre o número de empregados, que teria passado de 1.500

para mais de 3.500 trabalhadores. Conta também sobre o fim da Autolatina29, quando a VW

ficou “sem fábrica” e como tinha pouco tempo para resolver esse problema de “querer

produzir e não ter fábrica”, não poderia partir do mesmo conceito tradicional de construção e

produção, logo tinha a necessidade, entre outras coisas de: (1º) Construir uma fábrica em área

de green-field; (2º) uma construção em curto espaço de tempo; (3º) que a fábrica fosse

autofinanciável; e assim, equacionando estas três questões, surgiu o “Consórcio Modular”. O

29 No ano de 1987, em um momento de queda do mercado, para reduzir os custos e ter melhor aproveitamento dos recursos disponíveis, a Volkswagen e a Ford juntaram-se e criaram a Autolatina Brasil. A experiência incluiria suas plantas no Brasil e na Argentina e a campanha da nova joint-venture (empreendimento conjunto; associação de empresas não definitiva e com fins lucrativos, para exploração de determinado negócio sem que nenhuma perca sua personalidade jurídica) foi deflagrada neste ano, mas apenas em 1990, as montadoras iniciaram o funcionamento da empresa que tinha 51% de suas ações controlados pela Volkswagen e 49% pela Ford. A parceria durou sete anos e é importante ressaltar que não se tratava de uma incorporação ou fusão das duas empresas, mas de um acordo operacional com benefícios para ambas. O fim da Autolatina se deu em 1994, coincidindo com a abertura da economia brasileira (http://www.vwbr.com.br/VWBrasil/Historia - site oficial da VW; e pt.wikipedia.org/wiki/ - site Wikipédia ).

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presidente da VW afirmou que o “Consórcio” é um exemplo de ação empreendedora, no

sentido de “ousar, ser otimista, acreditar, pensar grande e nunca desistir” pois a VW poderia

ter simplesmente “saído do negócio”, mas decidiu “tentar algo novo”. Apresentando inúmeras

fotos, tabelas e gráficos, o presidente da empresa exaltou o sucesso do empreendimento e sua

crescente participação no mercado, as outras unidades de produção (Argentina, Colômbia,

África do Sul e México) e mostrou reportagens como “Resende está no centro do mundo”

(Revista Exame, 18 de janeiro de 2006, seção “Negócios / Internacional”). O presidente

reafirmou também o apoio da VW à formação e a parceria com a AEDB no curso de

Engenharia de Produção Automotiva, na montagem dos laboratórios de eletrônica e mini-

baja30, bem como na contratação de estagiários e apoio dado ao corpo docente. Ao fim da

Conferência, foi passado um filme institucional da empresa, e houve o discurso de um jovem

estudante da AEDB e também estagiário da VW :

“Na verdade, estou aqui realizando um sonho, na faculdade que escolhi e que me

acolheu; iniciando-me no trabalho e na empresa que me abrirá, com certeza, as

realizações de um profissional de futuro próspero para o qual me preparo: a

Volkswagen Caminhões e Ônibus. Este entusiasmo levou-me à busca da história

que hoje faço parte em Resende e foi nosso coordenador de curso, que me

reportou aos anos de 2003, quando a direção local da Volkswagen aceitou tomar

um café da manhã nas dependências da Associação Educacional Dom Bosco.

Naquela oportunidade, nasceu a idéia da criação do curso de engenharia,

voltado para a indústria automotiva. A Volkswagen Caminhões e Ônibus lançou

naquela mesa, um desafio para o corpo técnico da AEDB e imediatamente a

instituição deu início ao curso de Engenharia de Produção Automotiva, inédito 30 De acordo com o site AEDBAJA (http://aedbaja.com/): “Através da SAE Brasil - Society of Automotive Engineers, alunos graduandos em engenharia de produção e elétrica eletrônica das Faculdades de Engenharia de Resende tomaram ciência da existência de uma competição entre universidades através do desenvolvimento de um protótipo denominado Mini-Baja. Tendo em vista esta competição como um complemento a formação acadêmica na área de engenharia, já que como decorrência do trabalho em equipe, voltado para o desenvolvimento e materialização de seus projetos, os estudantes têm a oportunidade de exercitar disciplinas que usualmente não fazem parte dos currículos acadêmicos e que, não obstante, se revelam preciosas para o sucesso dos modernos profissionais da engenharia em um mundo sempre mais competitivo, nós alunos graduandos em engenharia de produção montamos um time que objetiva desenvolver o projeto AEDBaja. Trata-se do desenvolvimento e construção de um protótipo denominado ‘Mini-Baja’ que participará da competição SAE Baja 2008 promovidas pela SAE Brasil, uma entidade que busca o avanço da tecnologia da mobilidade no país. O protótipo a ser desenvolvido segue um regulamento proposto pela organização da competição.”

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Figura 11

Entrega dos títulos de “sócio colaborador” e “sócio benemérito” da AEDB ao Presidente da VW / Resende, na

Conferência Magna do IV SEGET - AEDB - Foto de Marina Cordeiro em 22 de outubro de 2007

***

Acreditamos que o curso de Engenharia de Produção Automotiva da AEDB pode ser

apontado como um exemplo de “sonho patronal da escola da casa”, nos termos de Bourdieu &

Boltanski (2003). Interessante notar, a partir dessa Conferência Magna, a relação intensa e

estreita entre a Instituição de Ensino e a Empresa, e a “confusão completa entre o diploma e o

cargo”, da qual os autores se referem. Bourdieu & Boltanski também tratam da relativa

autonomia do sistema de ensino, que estaria manifesta justamente na defasagem temporal

entre a velocidade das transformações no aparelho econômico e no próprio sistema de ensino.

No entanto, a partir do momento em que os próprios profissionais da VW fazem parte do

quadro docente, um novo elemento se coloca nesse jogo entre o diploma e o cargo,

estabelecendo uma certa correspondência entre as mudanças nos “sistemas de cargos” e na

Associação Educacional Dom Bosco aqueles que por suas ações e méritos contribuem para que a AEDB alcance seus fins.” 34 Mais uma vez, o apresentador: “Da entrega do titulo de sócio colaborador da AEDB: de acordo com o estatuto da mantenedora e seu capítulo II, na categoria de associados, em seu artigo 23, item C que preceitua: são sócios colaboradores da Associação Educacional Dom Bosco as empresas que auxiliem a AEDB com subvenções periódicas ou lhe prestam valiosa cooperação científica, cultural, educacional ou técnica”.

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“produção das capacidades técnicas dos portadores dos diplomas” - ainda que tal prática não

signifique o fim da existência da “obsolescência das capacidades”. Vale lembrar que, de

acordo com informações do próprio site da AEDB, a VW indicou as disciplinas de caráter

Profissional Específicas, enquanto à instituição coube apenas o suporte laboratorial para as

disciplinas de Conteúdos Básicos; ou seja, a AEDB em parceria com a VW, transformou sua

instituição no “sonho patronal da escola da casa”.

Porém, este “relacionamento estreito” não é praticado somente pela AEDB. A Estácio

de Sá por sua vez, também busca estreitar essa relação entre o “diploma” e o “cargo”, a partir

desta “troca de informações” que se dá, baseada no “conhecimento de pessoas”, entre a

instituição e as montadoras, no esforço de adequar a oferta de ensino à demanda de

profissionais. Nessa “adequação do sistema educacional ao sistema ocupacional”, como fica o

“poder coletivo do diploma”? Quais as possibilidades que o diplomado em Engenharia de

Produção Automotiva tem, fora do pólo automotivo? Na perspectiva dos autores, o diploma

“universaliza o trabalhador” pois o transforma em “trabalhador livre” no sentido de Marx,

mas cuja competência e direitos estariam garantidos em todos os mercados, diferentemente do

“produto da casa”, cujas habilidades são advindas do “cargo” ocupado (BOURDIEU &

BOLTANSKI, 2003:132). No entanto, a AEDB concede não apenas diploma de Engenheiro,

mas de Engenheiro de Produção Automotiva, especialidade criada para atender

especificamente às demandas do pólo automotivo. Assim, gera “(...) um produto da casa que

está acorrentado a um mercado porque todas as suas propriedades lhe vêm do cargo que

ocupa” (idem, 2003:132) e que, diferentemente de outras especialidades da engenharia, tem

uma inserção restrita no mercado de trabalho. O caso da AEDB é particularmente extremo e

exemplificador, na medida em que a universidade não só “dialoga” mas de fato “se adequa”

diretamente ao sistema de cargos.

É interessante notar ainda que mesmo com todo o “diálogo”, a AEDB informa que

uma das características que o Engenheiro de Produção Automotiva deve apresentar é a

“consciência da necessidade de contínua atualização profissional e de uma constante atitude

empreendedora”, que também poderia ser percebida como uma forma de continuamente

atenuar a “obsolescência das capacidades” originada pelas diferenças entre o “tempo do

diploma” e o “tempo da competência”. Essa perspectiva vai de encontro também ao que se

refere Castel (2003:519), quando afirma que a idéia do trabalhador competente em contínua

formação poderia funcionar como uma seleção permanente, gerando a desqualificação de

grupos considerados menos aptos, tais como mais idosos e “muito jovens”. No caso

mencionado, os menos aptos acabariam sendo aqueles que não possuem o “diploma da casa”,

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ainda que na região, os engenheiros oriundos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro

(UERJ) também tenham prestígio – o próprio filho do coordenador do curso de Engenharia de

Produção Automotiva havia se formado na UERJ e era funcionário da PSA Peugeot-Citröen.

Essa “adequação” também pode ser percebida na implantação dos cursos de ensino

superior à distância, bem como na expansão da oferta das modalidades de “aceleração

escolar”, criando maiores oportunidades para o trabalhador concluir o ensino médio e

“terminar seus estudos”. Uma funcionária da VW percebe positivamente a “adaptação da

própria faculdade” que geraria especialização do pessoal da região e com isso possibilitaria o

“crescimento das pessoas”:

“Essas empresas, para as pessoas da região e esses jovens também que estão

começando agora, é muito bom. Além da faculdade agora ter o curso de

engenharia automotiva, quer dizer, a própria faculdade está se adaptando

também, está trazendo cursos para o pessoal da região poder se especializar,

porque aí quer dizer, eles vão pegar mão-de-obra daqui, porque as pessoas daqui

vão ser empregadas, vão crescer. Não que os de fora não possam vir também,

mas aqui é muito escasso de emprego, você só trabalha em comércio, ou então às

vezes você tem um negócio próprio, mas é difícil, só quem tem dinheiro. Quer

dizer, essas empresas virem para cá é muito bom, excelente.”

Offe (1990:9-59), afirma que o sistema ocupacional poderia se permitir tornar-se

“seletivo” à medida que o sistema educacional se expande, elevando os critérios para as

funções sem preocupar-se com a elevação dos preços pagos à força de trabalho e sem que tais

exigências de escolaridade fossem oriundas de fato, da complexificação das tarefas a serem

executadas pelo trabalhador. É possível apontar para uma maior elevação de níveis requeridos

em Resende nos últimos anos, principalmente por parte da VW, uma vez que os dados do

survey (RAMALHO, J.R. & SANTANA, M.A., 2002) mostram que em 2001, havia na

empresa 50% de funcionários sem o 2º grau completo, sendo eles 8% com ginásio incompleto

(8ª série), 15% com ginásio completo (5ª série) e 27% com 2º grau incompleto.

Inúmeros relatos expostos ao longo deste trabalho mostram que tais exigências são

recentes, e que há trabalhadores que “não conseguem entrar” ou que são demitidos por não

terem “terminado os estudos”. Teriam as tarefas executadas pelos trabalhadores, mudado

consideravelmente nos últimos dez anos e portanto, o aumento dos níveis de escolaridade

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requeridos35? Importante ainda resgatar os dados expostos no item 3.1. deste capítulo que

mostram que, nos anos de 1991 e 2000, na população de 25 anos ou mais, o número de

pessoas com “menos de oito anos de estudo” (equivalente à 8ª série), diminuiu de 64% para

55% e com “doze ou mais” (equivalente ao 2º grau mais um ano de ensino superior)

aumentou de 11% para 14%; o mesmo ocorreu com a população entre 18 e 24 anos onde com

“menos de oito anos de estudo” diminuiu de 54% para 41% e com “doze ou mais” aumentou

de 6% para 8% (Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil). Logo, podemos

concluir que, ainda que tenha ocorrido uma complexificação das tarefas nos últimos dez anos,

estas não foram tão decisivas a ponto de excluir todos os funcionários com níveis de

escolaridade inferiores. Afinal, não é difícil encontrar aqueles trabalhadores que

permaneceram sem “terminar os estudos” e trabalham nas empresas, ainda que estejam

impossibilitados de “receber promoções”.

O objetivo desta pesquisa não é verificar o grau de complexidade das tarefas

desenvolvidas pelos trabalhadores e as correspondentes exigências de escolaridade, mas vale

resgatar as afirmações de Offe (1990) de que, mais do que fruto das transformações das

estruturas de produção e complexidades das tarefas no trabalho, a elevação nos níveis de

escolaridade seria resultado desta “dinâmica de oferta-procura”, na qual o sistema

ocupacional – ou o sistema de cargos, de acordo com Bourdieu e Boltanski (2003) – poderia

permitir-se tal “seletividade”. Ainda que de acordo com a perspectiva de Offe, não podemos

desconsiderar a discussão do perfil do trabalhador desta nova fase de produção capitalista

(trabalhador “competente” versus “qualificado”) e as perspectivas de Fogaça (1998) e Régnier

(1998) sobre as elevações nos níveis escolares dos trabalhadores a partir deste processo.

Portanto, acreditando na “não linearidade” e na ausência de “causalidade única” dos processos

sociais, cremos que ambas perspectivas podem ser correlacionadas e são não-excludentes.

Um outro elemento que deve ser levado em consideração no processo de elevação dos

patamares de escolaridade mínima para a entrada neste mercado de trabalho, é a existência da

ISO/TS 16949. Desenvolvida em afinidade com as normas do Sistema de Gestão de

Qualidade ISO36 (International Organization for Standardization), a ISO/TS 16949 não é

35 Certa vez, conheci no CIEP uma funcionária itinerante da prefeitura (que dão auxílio às escolas) que me contou que seu cunhado, trabalhador da PSA e “de turno”, estava sofrendo pela segunda vez, a “pressão” da PSA para a realização da faculdade. Ele já havia tentado cursar uma vez, porém fora “vencido” pelo sistema de revezamento de turnos e pelo cansaço. No entanto, novamente a empresa estava pressionando-o, avisando que “ele estava ficando para trás” e portanto, precisava “correr atrás também”. 36 A International Organization for Standardization (ISO) foi fundada em 1946, tendo 25 países entre os seus membros, grupo no qual o Brasil se inclui através da Associação Brasileira das Normas Técnicas (ABNT).

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uma norma regulamentadora, mas uma Especificação Técnica que é aplicada aos locais de

trabalho onde ocorre montagem de automóveis ou fabricação de peças ou componentes. Sua

característica é que contém os requisitos da Norma ISO 9001:2000 e os requisitos específicos

da indústria automotiva mundial, mas suas exigências são mais abrangentes e complexas do

que a anterior e são obrigatórias para a implementação e certificação dos fornecedores

automotivos. Diferentemente da ISO-9001:2000, a certificação ISO/TS 16949 é controlada de

forma centralizada pelo IATF (International Automotive Task Force), que credencia

mundialmente os Organismos de Certificação, os quais devem subordinação ao IATF – por

sua vez, formado pelas “Gigantes”: BMW, DaimlerChrysler, Fiat, Ford Motor Company,

General Motors (e Opel-Vauxhall), PSA Peug

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poucos não tem o 2º grau, a gente pode contar nos dedos os que estão

terminando, porque a maioria já terminou. E a maioria que terminou não tinha o

2º grau na época que entrou há quase 10 anos atrás no começo da fábrica. Não é

que a gente cobre mas a gente sempre está ‘ah, faz o 2º grau’ porque a gente faz

seleção interna para poder dar promoção para o funcionário. Encarregado,

inspetor, assistente de produção; só que tem exigência, tem que ter qualificação,

se não tiver qualificação... Aí por exemplo, para ser assistente, tem que ter o 2º

grau, ter curso de mecânica, aí se não tiver essa qualificação não pode nem

concorrer a vaga. (...) Isso de certa forma, obriga eles a estudarem, tanto é que a

maioria dos nossos funcionários, posso te falar, praticamente 95% tem o 2º grau,

no mínimo o 2º grau, muitos já fazem faculdade, muitos mesmo.”

Um outro funcionário da VW, terceirizado afirma que “exigir não exige” mas que há

questão da ISO. Diz que existe uma concorrência com as “firmas lá de fora” e “aí, já

imaginou uma empresa do porte da Volkswagen se os funcionários não têm nem o 2º grau? A

firma vai ficar para trás e ela não quer isso”. Não foi possível acessar os documentos oficiais

para verificar quais são os requisitos para aquisição da Especificação Técnica ISO/TS 16949,

mas este é mais um elemento que faz parte da dinâmica social que altera os “passaportes de

entrada” nos mercados específicos. Enfim, num período de complexificação das relações, o

jogo entre o diploma e o cargo, por vezes pode sofrer pressões advindas não do “cargo” ou o

“diploma” em si, mas de outros elementos que fazem parte deste “campo de conflito”.

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Capítulo IV

4.1. A Família em foco ___________________________________________________

Inúmeros autores têm como tema de pesquisa, as transformações ocorridas na família

como instituição, nos últimos séculos. Estudos apontam para os elementos que estariam

provocando redefinições em sua estrutura e nas dinâmicas conjugais e parentais: a inserção

feminina no mercado de trabalho, o controle da reprodução, a regulamentação do divórcio, o

aumento da expectativa de vida da população, entre outros. Logo, em vez de se ocupar dos

estudos sobre a “família”, a sociologia passa a tratar de “famílias” (no plural), uma vez que,

em decorrência destes elementos e da emergência de um novo equilíbrio entre autonomia

individual e pertencimento familiar – a partir da ideologia individualista – teve-se como

resultado o pluralismo familiar.

Tais mudanças remetem à questão da construção social da pessoa moderna e do

surgimento desta ideologia individualista como configuração singular e radical do ocidente,

gerando processos de individualização dentro da estrutura familiar – alterando suas

percepções e relações na contemporaneidade. Esta perspectiva individualizante se apresenta

com inúmeras contradições e questionamentos, e alguns autores apontam para o risco da

percepção do indivíduo como ser “atomizado”, descolado do tecido social, capaz de elaborar

de forma completamente autônoma suas representações simbólicas. Importante sinalizar

ainda, as discordâncias existentes entre as diferentes perspectivas quanto às marcas de

pertencimento social (incorporadas pela socialização, memória social, hábitos) e as

possibilidades de distanciamento e de reelaboração destas marcas, no sentido da formação do

indivíduo singular - questão diretamente relacionada aos processos de construção das

identidades sociais.

Brandão (2003) aponta para a existência de uma dupla genealogia filosófica na

perspectiva do individualismo, relacionando as idéias de autonomia – de acordo com a qual o

sujeito estabeleceria suas próprias leis, sendo o autor de sua vida - e independência –

remetendo à ausência de dependência, auto-centramento e auto-suficiência do indivíduo. Tal

dimensão é percebida como ambivalente, expressando as tensões existentes entre o exercício

da liberdade e a imposição de constrangimentos sociais. Assim, a partir desta concepção

moderna, haveria uma tendência a consolidação de maior eqüidade entre os membros

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familiares, com a substituição da autoridade paternal pela parental – o redimensionamento da

autoridade familiar – e transformações no estatuto infantil, que possibilitariam uma maior

participação dos filhos nas decisões familiares. Aponta-se assim para uma “democratização

do espaço familiar” e introdução de um “espírito de contrato” na família, colocado através da

não subordinação hierárquica do sujeito aos grupos sociais e do redimensionamento de seus

vínculos sociais. Importante ressaltar também as peculiaridades da difusão da ideologia

individualista no Brasil, que estaria presente no imaginário coletivo, porém marcada por suas

especificidades culturais, tais como as “diferentes reflexividades” nas classes sociais distintas

– sendo a reflexividade percebida como dimensão mediadora da construção de si. Há que se

considerar ainda, a influência do acesso diferenciado a recursos socioeconômicos e culturais,

gerando modos diversos de adesão às premissas de “autonomia”, “independência” e

“autenticidade”. A autora reafirma assim, a importância de um tratamento cuidadoso à

percepção das matrizes holista e individualista, uma vez que estas funcionariam como tipos-

ideais – no sentido weberiano – reduzindo a complexidade da realidade empírica

(BRANDÃO, 2003:35-50).

Tais fenômenos estariam impondo à família, o redimensionamento de suas bases,

alterando a percepção do ambiente familiar – entendido como espaço de construção de

individualidades - e as relações entre as gerações. Aponta-se então, para o aprofundamento do

processo de individualização no interior da família, com um centramento mais radical no

indivíduo, tendo por conseqüência uma equalização das posições sociais. No entanto, esta

perspectiva tem sido relacionada às “camadas médias urbanas” (VELHO, 2004, 1986;

BRANDÃO, 2003) enquanto camadas ditas “populares” ou “trabalhadoras” têm sido

apontadas como constituídas de uma perspectiva mais “tradicional” (DUARTE, 1985;

SARTI, 2005; GUEDES & LIMA, 2006).

Singly (2007) em Sociologia da Família Contemporânea faz uma grande revisão da

literatura do tema, discutindo as questões acima, a relação entre a família contemporânea e a

escola, os laços com a parentela, a figura feminina, suas formas de organização e laços com o

Estado. O autor coloca a individualização como um conceito-chave dentro do tema e

caracteriza a família contemporânea como “relacional”, ainda que inscrita neste processo de

individualização e autonomização de seus membros. Para o autor, não há “atomização” neste

processo, uma vez que os indivíduos não estão “desligados de todos os elos e do social”, têm

o poder de definir sua vida socialmente validado e não possuem um único elo, mas sim

múltiplos (SINGLY, 2007:20-22). Resgatando Durkheim, Singly reforça sua percepção de

família “relacional”, coloca que o funcionamento desta dependeria de sua morfologia social e

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“das condições mais fundamentais do desenvolvimento histórico”; afirma ainda que na

modernidade mudam as condições para as transmissões geracionais e heranças, com a

valorização dos ganhos a partir do mérito pessoal (SINGLY, 2007). No entanto, através dos

estudos de Philippe Ariès (1981), o autor acrescenta outro elemento e aponta para o papel do

novo lugar ocupado pela criança, conseqüentemente pela infância e pela escola, como

elementos de transformação. Afirma que não é possível entender a família moderna sem

considerar a história da escolarização e que a ampliação da freqüência escolar colocara a

criança num lugar mais importante do que em qualquer outro tipo de família. Ainda de acordo

com Ariès37 a escola teria criado uma idéia particular de infância, com a diferenciação entre

as idades e etapas do desenvolvimento infantil, e afirma que hoje a “infância” teria se

prolongado ao longo da escolaridade com a escola exercendo influência desde o nascimento,

adolescência e até mesmo na pós-adolescência. Singly afirma que de Durkheim a Ariès, a

construção de uma teoria da família contemporânea teria progredido, como resultado da idéia

de “família centrada nas pessoas” completada pela idéia do “papel decisivo da escola”.

Portanto, a criança passara a ser não só objeto de afeição, mas também de ambição (SINGLY,

2007:48-49).

A fim de ampliar a compreensão teórica da família, Singly traz a perspectiva de

Bourdieu, afirmando que em termos de objetivos, tanto a família moderna quanto a família

antiga têm a função de reprodução biológica e social da sociedade, buscando a manutenção

e/ou melhora de sua posição do espaço social (SINGLY, 2007:49). Desta forma, numa

sociedade em que o modo de produção está baseado na educação escolar, e que o capital

escolar é tido como dominante, as certificações escolares passam a ser de fundamental

importância, estando em constante disputa (SINGLY, 2007; OFFE, 1990; BOURDIEU &

BOLTANSKI, 2003). Portanto, as estratégias educativas tornam-se o centro das estratégias

de reprodução social da família uma vez que “numa sociedade onde o modo de produção é

baseado na educação escolar, o valor de uma família (e do grupo social ao qual ela pertence)

é definido pelo montante de capital escolar que detém o conjunto de seus membros”

(SINGLY, 2007:50)38. Este fenômeno faria com que famílias de pequenos comerciantes por

exemplo, adotassem “estratégias de reconversão”, transformando seu pequeno capital

econômico em capital escolar, sem que isso representasse de fato uma mudança em seu

posicionamento na estrutura social ou uma ascensão social.

37 Em Ariès, Philippe (1981). “História Social da criança e da família”. RJ: Zahar Editores. 38 Importante ressaltar que percebemos a existência de uma dinâmica social que envolve vários tipos de capitais para a aquisição de posições na estrutura social, tal qual a importância do capital social ou das redes.

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Autores como Sarti (2005), Velho (1986, 2004), Duarte (1985), Guedes & Lima

(2006), Brandão (2003, 2006), Salem, (2006), Vaitsman, (1994) tratam das diferenciações

entre os modelos familiares mais ou menos “tradicionais”, e perspectivas “holistas” ou

“individualistas” adotadas pelos indivíduos, associando-as ao pertencimento social e

representações simbólicas destes, diferenciando famílias de camadas populares e

trabalhadoras daquelas de classes médias. As famílias de “trabalhadores” ou “camadas

populares” são comumente associadas a níveis mais baixos de incorporação ao

individualismo, com características mais “holistas” ou “tradicionais”, tendendo a uma

separação mais rígida dos papéis de gênero na família, com menor perspectiva de eqüidade; a

existência da ética do provedor e da ética do trabalho39, expressa pelo papel de “chefe de

família” (o homem); e do cuidado com a casa e filhos (trabalho doméstico) sob a

responsabilidade da mulher/esposa. No entanto, estas seriam referências para um modelo

ideal, atingido apenas em alguns casos; na realidade empírica existiriam composições

familiares diversas de acordo com as desigualdades sociais das condições de vida familiar.

De acordo com Sarti (2005), os projetos40 familiares das camadas populares,

poderiam ser traduzidos como “melhorar de vida”, associado ao casamento e concebido a

partir de uma complementaridade entre os papéis do homem e da mulher. O próprio

casamento teria contornos de projeto e concomitantemente, se desenvolveria a idéia do

“homem de respeito”, “pai de família” e da “boa esposa” e “boa mãe”. Dentro desta

perspectiva de “melhorar de vida”, a autora41 aponta para o desencorajamento dos projetos de

ascensão social via escolarização, gerado pelo desemprego e diminuição do valor real dos

39 Guedes & Lima (2006) enfatizam a importância da ética do trabalho, relacionando-a com a ética do provedor e o papel do homem, ampliando esta questão para além da percepção clássica que colocaria a “moral do trabalho” em referência a formas de dominação apenas na relação capital-trabalho, relacionando-a com um universo simbólico mais amplo. 40 Velho (2004) em “Individualismo e Cultura” utiliza a noção de projeto de Schutz para pensar as relações entre os familiares e expectativas nas camadas médias urbanas. O autor afirma que o ponto de partida para se pensar no projeto é a possibilidade dada aos indivíduos de escolherem – dimensão que estaria diretamente relacionada às noções modernas de amor e indivíduo, indissoluvelmente ligadas, onde a escolha, opção em acordo ou desacordo com grupos e categorias sociais, seria fundamental. Complementando a noção de projeto, uma outra categoria de extrema importância seria a de campo de possibilidades. O projeto não seria fenômeno puramente subjetivo, mas formulado dentro de um campo de possibilidades, inserido histórica e culturalmente tanto com relação à própria noção de indivíduo, quanto aos paradigmas culturais existentes. 41 Sarti (2005) concentrou seus estudos em uma população de migrantes em São Paulo, onde segundo ela, o “melhorar de vida” estaria intimamente ligado ao próprio processo de migração e às maiores possibilidades de trabalho, consumo e educação geradas pela vida urbana em oposição à rural, ainda que esta população estivesse inserida nos estratos mais baixos da sociedade.

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salários, a conseqüente queda da renda familiar e necessidade de incorporação de mães e

filhos ao mercado de trabalho (SARTI, 2005:83). Assim, as categorias de esforço e

merecimento teriam grande importância, fortalecendo o valor do trabalho e sua relação com o

“melhorar de vida”, pensado em termos da moralidade familiar e da lógica de obrigações

entre os familiares (idem: 94). Diferentemente do que estaria ocorrendo em camadas médias,

a inserção feminina no mercado de trabalho seria vista como situação provisória, sendo o

sentido do trabalho para a mulher subordinado às obrigações familiares da casa e dos filhos.

Tal sentimento seria fortalecido por sua baixa remuneração em geral – devido à baixa

escolaridade – e pela sobrecarga da necessidade de realização das tarefas domésticas, gerando

uma situação muito sacrificante e cansativa para a mulher.

Sarti ressalta ainda o valor dado aos filhos, percebidos como constituintes desse

projeto familiar que envolveria casamento, casa e filhos. Aponta para uma diferença entre a

passagem da infância à vida adulta nas camadas populares se comparada às famílias de

camadas médias, pois enquanto as últimas se esforçariam para ampliar a juventude até o

término dos estudos – e a dependência financeira seria um elemento importante neste

processo – o mesmo não ocorreria com as camadas populares. Nestas, as aspirações em

termos de escolaridade seriam menores, a juventude não seria tratada de forma tão

“dependente” e a linha divisória entre a infância e as outras etapas, estaria ligada à não

participação nas obrigações familiares e nem atividades de trabalho. Entretanto, a autora

aponta para a dificuldade de se determinar com precisão os limites da “infância”, já que esta

poderia ser rompida por questões diversas tais como crises financeiras da família e ocorrência

de gravidez, entre outros, provocando a “chegada do amadurecimento” (SARTI, 2005:73).

Importante sinalizar também que, sendo um grupo social inserido no contexto urbano, é de

certa forma inevitável a valorização da escola e escolaridade como marca de distinção, e o

que marcaria a diferença entre as camadas populares e médias seria a centralidade ou não

desta questão nos projetos familiares.

Diante destas diferenciações de fronteiras de classe ou fronteiras culturais, Velho

(2004) alerta para o risco do “fatalismo sociológico”, fazendo com que o pesquisador atribua

determinado sistema simbólico ao nascimento em uma determinada classe ou outra, como se

todo o desenvolvimento emocional e intelectual do indivíduo já estivesse pré-determinado por

tal condição. O autor coloca que as próprias noções de “classe média” e “trabalhadora” são

excessivamente vagas e podem esconder diferenças internas consideráveis como por exemplo

tipo de trajetória social ou a natureza da rede de relações sociais da qual os indivíduos

usufruem (VELHO, 2004:20). O autor indica então a importância da experiência de

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mobilidade social, ascensão ou descenso, introduzindo variáveis significativas na experiência,

além do contato com outros grupos e círculos, que afetariam a visão de mundo e estilo de vida

do indivíduo. Assim, um problema básico seria justamente a delimitação de fronteiras

culturais e de classe entre grupos de indivíduos que, de acordo com critérios sócio-

econômicos, pertenceriam a mesma categoria.

Portanto, Velho (2004) aponta para o uso da trajetória como possibilidade alternativa

de análise, numa forma de ampliar a perspectiva única da posição do indivíduo, família ou

grupo, colocando inclusive a própria trajetória em si como expressão do projeto, iluminando

questões dos comportamentos, preferências e aspirações. O autor resgata a diferenciação

fundamental feita por Bourdieu entre posição e condição de classe, buscando formas de

relativizar a trajetória, tentando compreender o projeto e o que teria possibilitado uma

trajetória e não outra (BOURDIEU, 2004). Ressalta ainda a importância de se recuperar o

caráter dinâmico do conceito de cultura, percebendo-a como expressão e criação de

indivíduos interagindo, escolhendo, optando; possibilitando assim a percepção da interlocução

de tendências diferenciadas e a dimensão não-unânime das aspirações (VELHO, 2004).

Seguindo o mesmo raciocínio, Sarti (2005:51) aponta para a possibilidade de

incorporação de “novos padrões” de comportamento concomitantemente à permanência de

“padrões tradicionais”, colocando os pobres urbanos numa condição de ambigüidade, numa

identidade construída por sistemas de valores distintos, não elaborados por eles, porém

próprios da complexidade urbana onde tais atores se integram.

***

Os apontamentos dos atores citados nesta seção contribuem para a compreensão dos

fenômenos observados, e dinâmicas vividas pelas famílias de trabalhadores de Resende. Estes

trabalhadores, diante das alterações no mercado de trabalho impostas pelo sistema produtivo,

têm repensado seus projetos familiares e suas estratégias educativas, muitas vezes colocando-

as no centro de suas estratégias de reprodução familiares. Ainda que a literatura aponte que tal

perspectiva seja comumente mais associada a camadas médias, estes trabalhadores, a fim de

manterem-se nesta condição – e não se tornarem desempregados – têm se deparado com um

novo elemento a ser incluído na constituição do “ser trabalhador”: a escolaridade. Logo,

precisam reagir às novas exigências do mercado de trabalho, e suas percepções e formas de

reação são tema da próxima seção.

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4.2. Organização Familiar e Estratégias de Escolarização __________________________

No Capítulo II deste trabalho realizamos um “mergulho na vida familiar” de Joana,

Antônio, e as filhas Bianca e Ana Clara. Bianca, aos 17 anos, estava grávida e terminando o

2º grau no começo do período de campo, e pude acompanhar indiretamente, através de sua

mãe, os acontecimentos em torno da gravidez. Segundo Joana, Bianca estava “desde a notícia

até agora, ‘Alice no país das maravilhas’, ela e ele; o pessoal diz assim: ‘nossa, os dois estão

tão felizes, sorriso de ponta a ponta’...”. Os pais tiveram um “choque” com a notícia da

gravidez. Segundo Antônio a recepção da notícia “foi super tranqüila [em tom irônico] a

gente não sabia se matava ela ou ele!”.

Entre as preocupações colocadas pelo casal estavam a cobertura médica de Bianca e

do bebê, a alimentação (já que “ela não come um monte de legumes, fruta, verdura, só

bobeirinhas”), as “coisas” que ela precisa (remédios, cremes...) e também a continuidade dos

estudos de Bianca. “Pensaram em todas as hipóteses” mas estavam de “mãos e pés atados”:

Pedro (o namorado) estava desempregado às vésperas do nascimento do bebê; o casal morar

na casa dele não foi considerado boa idéia pois a família dele não é “regrada, certinha”; e

muito menos os dois morarem juntos na casa de Bianca. Portanto, decidiram que Bianca só

iria sair “de dentro de casa” quando fosse para a sua própria, pois “não ia ficar de favor” em

lugares onde “as pessoas vão abusar de você, jogar as coisas na sua cara, te maltratar, te

fazer de empregada e você vai ser obrigada a conviver com o problema dos outros”. A

solução encontrada foi adaptar o quarto das meninas para a chegada do neto, e o pai

acreditava que ambos “iriam ficar ali para o resto da vida”.

Mesmo com o “choque” e todas as fofocas que perpassaram a gravidez, Antônio e

Joana se esforçaram para resolver a situação da forma menos danosa possível. Pensaram nas

estratégias para estender o benefício do plano de saúde de Antônio ao bebê, incluindo

registrá-lo em seu nome. Outro elemento do qual não abriam mão era Bianca dar continuidade

aos “estudos” e fazer uma faculdade, e por isso continuavam “incentivando, cobrando e até

exigindo” mesmo com ela virando “mamãe”. O pai advertia Bianca quanto à preservação de

sua vida profissional e pessoal, dizia que não devia ficar “trancada” em casa “criando filho,

pilotando fogão e máquina de lavar” e se mostrava preocupado com relação à sua

independência financeira e pessoal, até porque “a gente não sabe o dia de amanhã, separa e

aí, vai fazer o quê da vida?”.

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Antônio insiste que a filha tenha “o profissional dela”, assim como a mãe que “tem o

pagamento dela e muitas vezes está tranqüila, enquanto ele está no sufoco” e que portanto,

pode às vezes “fazer despesas que seriam de sua responsabilidade”. Ambos tentavam

controlar a escolarização da filha, inclusive com o acompanhamento “visual” da mãe e

mesmo que lamentando os “sonhos que ficaram para trás”, não abriam mão que ela cursasse o

Ensino Superior. Tempos depois, veio o “vuco-vuco” (desequilíbrio): Antônio desempregado,

Pedro sem estudar, e os dois (Pedro e Bianca) morando juntos na casa da avó dele (conforme

já descrito no capítulo II). Mais uma vez, a estrutura familiar não se desestabiliza

completamente porque Joana “tem o profissional dela” e de alguma forma garante que o

grupo conseguirá passar por mais uma fase de desemprego de Antônio com “riscos” menores.

Por ora, Antônio reigressara na Nova Dutra e Pedro conquistara uma vaga como trocador de

ônibus.

O que terá acontecido na família após estes últimos acontecimentos, é uma resposta

que esta pesquisa não pode responder. O que desejamos aqui, é realçar a importância que a

família da jovem grávida atribui à escolarização, mesmo no momento de sua “repentina”

transformação em “mãe”. De acordo com Brandão (2003), uma diferença entre a percepção da

gravidez na adolescência entre camadas médias e classes populares é que “a criança não é,

como ocorre no universo popular, um demarcador decisivo, que altera a identidade social

dos jovens pais – “provedor”, “pai de família”, “dona de casa”, “mãe de família” –

redefinindo sua posição no espaço social em que vivem” (BRANDÃO, 2003:149). Afirma

ainda que nas camadas populares não é comum “adiar” a constituição de um novo núcleo

conjugal e doméstico, no intuito de manter os projetos escolares e profissionais dos filhos –

diferentemente do que ocorreria comumente nas camadas médias (idem:152). Segundo a

autora,

“Ter uma casa”, “constituir uma família” são aspirações caras que

integram o ordenamento simbólico dos segmentos trabalhadores,

imediatamente atualizadas em face à GA [gravidez na adolescência]. As

recorrentes estratégias de ajuda, citadas na literatura, apontam a doação de

pais aos filhos de um cômodo disponível, de material de construção, da

possibilidade de uso de uma laje, para construir um andar superior, de um

terreno próximo ou de parte dele (no quintal, nos fundos ou ao lado da casa

dos pais), para o jovem casal viabilizar sua moradia independente (mas

sempre próxima) de suas famílias de origem.” (BRANDÃO, 2003:153)

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Por ora, o objetivo desta exposição não é estabelecer uma comparação sobre as formas

de atuação frente à gravidez adolescente nas classes trabalhadoras e médias. No entanto,

entendemos assim como Brandão (2003:217), que a gravidez adolescente pode ser

considerada um “fenômeno revelador das relações familiares nesse universo social”. Portanto,

acreditamos que o caso acima descrito atesta a grande importância atribuída à escolaridade

entre os trabalhadores de Resende – objeto desta pesquisa – ainda que não possamos fornecer

nenhuma informação acerca dos desdobramentos deste processo. Acreditamos que os esforços

e opiniões dos pais de Bianca, para que esta permanecesse em casa já que não estava em

situação financeira estável e para que não interrompesse seus estudos, são suficientemente

elucidativos para introduzirmos tal questão – “vai se virar e vai fazer uma faculdade”.

***

Foram entrevistadas seis famílias de trabalhadores em suas próprias casas, a maioria

em presença do marido e esposa (exceto uma), e por vezes acompanhada também por outros

parentes, como filhos, irmãs ou até mesmo avós. Interessante notar que uma das famílias pode

ser enquadrada na categoria de “família extensa” e que, no momento da entrevista, membros

de quatro gerações da família entravam e saíam da casa ininterruptamente (para árvore

genealógica, ver Anexo V).

Uma das hipóteses iniciais deste trabalho, elaborada a partir desta literatura (VELHO,

2004, 1986; DUARTE, 1985; SARTI, 2005; GUEDES & LIMA, 2006; BRANDÃO, 2003,

2006), era de que a possibilidade de emprego nas montadoras e sua remuneração um pouco

mais elevada42, permitissem a adoção de um modelo familiar mais “tradicional”, na medida

em que o papel do “homem provedor” pudesse ser mais facilmente exercido. Assim, de forma

contraditória, a participação destas famílias naquele ambiente “moderno fabril”

proporcionaria um reforço dos modelos de família “tradicionais”. No entanto, ao longo da

pesquisa de campo, tal fato não se verificou. Mais do que a adoção de um modelo “homem

trabalha, mulher cuida dos filhos” – ocorrido em apenas uma das famílias entrevistadas –

42 Importante ressaltar que a média salarial é de 3 a 5 salários mínimos. Este valor é inferior aqueles pagos em regiões tradicionais como o ABC paulista (chegando a atingir um terço do valor), porém ainda que pesem as disparidades salariais regionais, o nível salarial dos trabalhadores do setor automotivo do Sul Fluminense é superior à média regional (RAMALHO & SANTANA, 2002; RAMALHO & SANTANA, 2006).

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pudemos perceber a adoção de modelos familiares “flexíveis e plurais” (VAITSMAN, 1994).

Na perspectiva da autora, as relações familiares e o casamento não teriam, atualmente, um

modelo de família dominante e na realidade, poderíamos observar diferentes padrões de

institucionalização das relações afetivo-sexuais ‘coexistindo, colidindo e interpenetrando-se’

legitimamente (VAITSMAN, 1994:52).

Assim, na maioria das famílias, mais do que uma divisão rígida de papéis sexuais, foi

possível perceber uma articulação das possibilidades de sobrevivência mais adequadas às

formas de vida dos casais. A literatura aponta para a existência da ética do homem provedor

nesses estratos sociais, mas no caso pesquisado percebe-se que mais do que um “modelo” de

família definido, os homens percebem o trabalho da esposa positivamente, como uma forma

de “alívio” no sentido de “ela não depende de mim” ou “a gente se ajuda”. Em apenas um dos

casos, a esposa Ana (descrição do capítulo I – Família 1) tinha dificuldades para trabalhar:

conta que o marido “é muito machista”, que já até pensou em se separar mas que hoje não,

“hoje ele está ótimo”. Ana que foi meu grande contato no começo da pesquisa de campo,

dizia que sair comigo era “uma distração para ela”, pois se sentia muito sozinha e queria

trabalhar, “ver como era”, experimentar, “nunca tinha sido fichada”, mas o marido achava que

não devia; e ligava para ela pedindo que pegasse coisas no bolso das blusas, só para conferir

se ela estava em casa mesmo ou não. Conta também que quando resolveu voltar a estudar, o

marido foi na escola “ver como era o ambiente e os alunos”. No entanto, enquanto Ana vivia

o clássico papel feminino de “do lar” – cuidando da casa, dos filhos e sendo “segurada” pelo

marido para assim permanecer - em todos os outros casos, o trabalho da esposa era percebido

de forma positiva e havia indícios de que a esposa não era a única que executava as tarefas

domésticas.

O trabalho feminino era colocado pelos maridos como uma divisão da

responsabilidade pelo provento familiar – ainda que por vezes percebido como “ajuda” ao

provento dado pelo marido - ou as próprias mulheres se colocavam como “independentes”,

mesmo nos casos em que seus rendimentos não eram essenciais para a vida financeira do

casal. Um dos maridos, Vagner (Família 6), afirma que a esposa “ganha mais do que eu

vendendo muamba!” e relaciona também a “independência”, a “nova cabeça” da esposa ao

fato de ter se formado e “conhecido o mundo”:

“Eu acho que a pior coisa que tem é ela [a mulher] pedir o dinheiro para o

namorado ou marido e ele perguntar por que ela quer o dinheiro. Eu acho que

isso é humilhante. A mulher, antes dela começar a ter um relacionamento sério,

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um filho de 4 anos. Ela trabalha numa loja de roupa feminina desde jovem e diz que “não

nasci para ser dona de casa, eu gosto muito de trabalhar fora, para ser ‘dona de casa

prendada’ não é comigo não...” . Em sua casa, “quando é o dia da faxina chamam a moça”

pois nem ela nem o marido gostam de fazer os serviços domésticos; conta também que estava

há mais de dois meses sem cozinhar, em decorrência dos enjôos da gravidez (estava grávida

de dois meses). O marido conta que tinha ido comprar um fogão e que, diante da insistência

da vendedora em convencê-lo a adquirir um de seis bocas ele respondeu: “não, fogão de

quatro bocas para fazer mamá está bom demais!”. Quando pergunto seus planos para depois

do nascimento de seu segundo filho, ela responde:

“Aí eu não sei o que vai ser de mim, se eu vou voltar a trabalhar, se não vou... Eu

tenho muita vontade de trabalhar por conta própria, montar meu comércio; eu

sempre tive vontade, faltava o dinheiro; aí depois que vier o neném eu vou ver, se

eu vou voltar, se eu vou ficar em casa, tentar conciliar trabalhar em casa

vendendo roupa, os clientes vêm até a mim... [Dá para segurar a renda da família

com a Volks?] Com a renda dele dá.”

Assim, Vanessa mostra-se mais preocupada em manter-se condizente com sua idéia de “não

ser dona de casa prendada” do que propriamente com o sustento da família. O casal percebe a

escolarização em parte como uma “garantia” para o grupo familiar; Ronaldo que em função

das expectativas da empresa, mesmo “não sendo muito de estudar” decidiu iniciar um curso

superior, diz que “um dos dois vai ter que fazer faculdade ano que vem”:

“Ela queria fazer faculdade ano que vem. Se eu não fizer, ela vai fazer. Eu vou

tentar se eu não conseguir... Um dos dois vai ter que fazer a faculdade ano que

vem, começar pelo menos. Mas de preferência eu que já estou, eu falei para ela...

Porque me deram oportunidade, me depositaram confiança [a empresa] e agora

eu tenho que...”

Nas entrevistas foi abordada a questão das expectativas de escolaridade com relação

aos filhos, quando todos os pais deram declarações reconhecendo o ensino médio como o

mínimo a ser atingido por eles antes da entrada no mercado de trabalho. Ronaldo e Vanessa

contam que colocaram o filho numa escola particular pois na época – quando ele estava com

dois anos e meio – nenhuma escola pública “boa” aceitava crianças desta idade e porque:

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“E também porque se a gente puder melhorar a qualidade do ensino dele pelo

menos é melhor. Porque a maioria das pessoas que passam em vestibular, a

maioria é de escola particular, não sei se você já observou. São poucos os de

escola pública, só aqueles que são dedicados mesmo, os que são dedicados e têm

ideal, e são poucos. Hoje em dia então...”

O casal tem a vida escolar do filho planejada: fizeram uma poupança programada através de

uma cooperativa da empresa que desconta todo mês uma quantia do salário para este fim.

Segundo o pai, “nós já passamos por sérias necessidades de ter tirar, mas dali nós não

tiramos, que ali é do estudo dele”. Almejam que o filho consiga “passar para uma federal” e

assim, poderiam deixar o dinheiro também para o outro filho que estava para nascer. Quando

pergunto “e se ele não quiser?”, a esposa responde:

“Antigamente, as pessoas terem até a 8ª série estava bom, depois passou para o

2º grau, então eu acredito que automaticamente ele vai fazer faculdade pela

necessidade do mercado de trabalho (...) Lembra que antes era até a 8ª, depois

era 2º grau? E agora é até faculdade... Para você arrumar emprego num banco,

num escritório, numa fábrica...”

A fala de Vanessa é ainda complementada pelo marido: “hoje você tem que ter a

faculdade mais um idioma”. A “obrigatoriedade” de se fazer uma faculdade também,

colocada pelo mercado de trabalho, aparece em inúmeros depoimentos. Vagner que tem duas

filhas, uma de 13 anos e uma de 2, se refere ao assunto da seguinte forma:

“Não, sem chance [de parar no 2º grau]. Segundo grau hoje é o básico para

auxiliar de limpeza porque daqui a pouco eles tão pedindo curso superior para

isso. E auxiliar de limpeza daqui a pouco não vai estar trabalhando com vassoura

e rodo... Vai estar trabalhando com alguma coisa eletrônica para fazer limpeza!”

Quanto à escolha da escola, Vagner afirma que:

“Elas estudam na rede pública. Todas as duas estão no Getúlio [escola de

prestígio no bairro]. Eu me formei lá e eu não acho que a escola seja ruim, não.

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Eu acho que não tem escola ruim. Na verdade, tem aluno ruim. O aluno quando

não quer estudar pode colocar em qualquer colégio, particular ou não. Eu, por

exemplo, estudava no Salesiano [escola particular], minha mãe gastava uma

grana e eu não saía da sala do diretor. Então, não é o colégio que faz o aluno,

não. Vai muito também do ambiente que você tem em casa, da criação...”

Assim, mais do que “escola ruim”, haveria “aluno ruim” e “sem vontade de estudar”; logo

os “dedicados mesmo” poderiam se desenvolver tanto em escolas públicas quanto

particulares. Há casos de famílias que tinham filhos na rede privada até passarem pela

primeira experiência de desemprego – como Joana – e os que “se apertam um pouquinho”

para matriculá-los na rede privada. No entanto, dos que optam pela rede pública, costumam

esforçar-se para conseguir vagas naquelas consideradas “boas escolas” – que era o caso de

três famílias. Helena conta que até tentou colocar a filha de 10 anos na rede pública, mas “não

teve jeito”:

“Eu até cheguei a colocar ela no Getúlio mas não tem jeito: o ensino é muito

fraco, é muito difícil. Hoje a gente se aperta um pouquinho, deixa de fazer

alguma coisa mas prefere pagar a escola particular, gasta com livro, material,

sai caro! Matrícula, mensalidade, mas para investir nela mesmo, no futuro...

Porque numa escola municipal... Eu estudei no Getúlio, já foi uma escola muito

boa, mas hoje em dia são muitos alunos, tem briga na escola, professor não passa

exercício, nossa, o nível do ensino caiu muito mesmo, a qualidade do ensino, aí

não dá para deixar.”

A mesma mãe conta o planejamento futuro para a filha:

“Primeiramente a gente quer que ela faça uma boa escola, um bom 1º grau, um

bom 2º grau, numa escola boa para poder ter uma base boa. E aí sim, fazer uma

faculdade, federal ou aqui mesmo... Assim, vai depender do curso que ela for

querer fazer, porque a gente não vai impor, a gente vai mostrar os caminhos, mas

a decisão é dela de escolher o que vai fazer. A gente não vai obrigar, você tem

que ser médica, dentista (...) A gente vai mostrar o que ela deve ou não fazer, mas

ela é que vai escolher.”

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E quando pergunto “e se ela não quiser fazer faculdade?”, a mãe responde “Ah, mas isso ela

vai fazer de qualquer maneira!”.

Já as expectativas de dar continuidade no setor de trabalho dos pais aparecem através

do apoio às iniciativas existentes nas próprias empresas, pois segundo os funcionários, a PSA

Peugeot-Citröen e a Volkswagen têm o programa “Menor Aprendiz”, destinados a filhos e/ou

parentes de funcionários das empresas, e a Volkswagen também possui o FORMARE. Assim,

para Helena, “se for da vontade da filha”...

“E se for da vontade dela entrar na fábrica, aos 16 anos, tem o projeto menor

aprendiz que é assim: é como se fosse um funcionário da empresa. Só que ele não

fica na empresa, fica no SENAI, faz o curso durante dois anos; mecânica,

logística, voltado para essa área, tudo voltado para a empresa. E recebe um

salário mensal, hoje o salário é R$ 373,00 mensais. O curso é de quatro horas,

tem que estudar, faz o 2º grau normal; para poder ser “menor aprendiz” já tem

que estar fazendo o 2º grau, a partir de 14, 15 anos. Aí fica dois anos recebendo

pela empresa; tem vale transporte, plano médico, todos os benefícios que o

funcionário tem. Só não tem PLR que é produtividade, mas tem 13º, férias, recebe

cesta de natal... Tudo que um funcionário tem, eles tem também. (...) Então, se for

da vontade dela... se ela quiser ir por este caminho, já aos 16 anos, a gente vai

encaminhar assim, vai fazer de tudo. Se Deus quiser eu estiver trabalhando lá e

ele [o marido] também, a gente vai fazer de tudo para que ela consiga”.

Já o FORMARE é um projeto que oferece um curso de técnico em mecânica e em

montagem de produtos, patrocinado pelo Consórcio Modular VW para uma média de 14

alunos, jovens entre 15 e 17 anos com renda per capta de meio salário mínimo, de duração de

um ano, onde é também oferecida uma bolsa de ajuda de custo de meio salário para os alunos.

Para ingressar no curso é feita uma seleção – no último ano foram 259 candidatos43 para a

unidade do Consórcio Modular da Volkswagen, em Resende – o curso teve início no ano de

2000 e oferece aulas numa carga horária de 8h às 18h40; os alunos devem completar o 2º grau

ao final do curso e nos dois últimos anos houve grande aproveitamento da mão de obra para

os módulos do Consórcio – todos os alunos foram contratados em 2005 e 12 alunos de uma

turma de 14, foram contratados em 2006. A duas empresas – VW e PSA – também oferecem

43 Uma relação de 18,5 candidatos por vaga, similar à muitas carreiras no vestibular.

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visitas às suas unidades de produção; a PSA faz o “Peugeot de portas abertas”, quando é

possível visitar a linha de montagem; e a VW possui parceria com as escolas – como o CIEP,

por exemplo - levando crianças de 12 a 16 anos para visitarem a empresa, oferecendo brindes

como bonés e também lanche; e segundo a orientadora pedagógica da escola, “(...) recebem

as crianças... Que eles voltam encantados!”. Nas entrevistas feitas com as famílias foi

possível observar tanto o desejo por parte de alguns pais que o filho vá trabalhar na fábrica ou

que faça parte de um destes programas de aprendizagem para jovens, ou também por parte

dos próprios filhos.

Ana que é mãe de duas crianças, uma de 12 e outra de 14 anos, mostra sua preocupação

em não ter condições financeiras de custear o ensino superior na rede privada para os dois

filhos:

“(...) quero uma vida diferente para eles, até o Ensino Médio a gente leva, isso eu

garanto, depois... A gente só teria dinheiro para pagar a faculdade de um, como

escolher? Então...”

Ana orienta a filha a fazer o curso normal (magistério, formação de professores) para que

ela possa ajudar a pagar os estudos; quanto ao filho, incentiva-o em sua vontade de estudar

informática pois “ele é craque, montou o computador sozinho” ou de seguir a mesma carreira

do pai, na indústria automobilística: “quando o pai estava na Volks, ele queria trabalhar na

Volks, agora que o pai está na Peugeot, ele quer a Peugeot”.

Alguns vêem na própria fábrica onde trabalham, uma possibilidade de futuro para os

filhos, o que não suprime o desejo de que alcancem o ensino superior. Há aqueles que

acreditam que não há uma incompatibilidade entre estudo e trabalho, outros afirmam que se

deve trabalhar quando do início da faculdade – até para custear os estudos, pois se preocupam

em não ter condições financeiras para pagar uma faculdade particular e percebem a educação

pública dos filhos como insuficiente para conquistar uma vaga na universidade pública. Neste

ponto, havia por vezes oposições entre o próprio casal, uma vez que alguns acreditam que é

preciso “trabalhar para dar valor ao dinheiro” e outros percebem como ideal a dedicação

somente para os estudos. Foi assim que um casal, quando questionado sobre a idade para o

filho começar a trabalhar, discordando entre si, colocou que,

Esposa: “Uns 17 anos... Marido: Eu não acho isso não.

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Esposa: Mais cedo? Marido: Não, mais tarde... Esposa: Bom, eu comecei a trabalhar com 12 anos, isso depende da realidade

de cada um. Começar mais tarde é bom que você pode se dedicar mais, só que também tem gente que faz faculdade e não tem oportunidade, então é complicado.

Marido: Acho que primeiro tem que se qualificar para o mercado. Terminar os estudos, pegar uma faculdade...”

Há também aqueles que diferenciam as idades de começar a trabalhar por gênero, como

Vagner:

“Eu acho que a idade ideal para um homem e uma mulher trabalhar... Quer

dizer, para o homem, acho que não tem idade não. Homem tem que trabalhar é

desde cedo mesmo. Eu não acho problema nenhum da mãe colocar um filho para

vender picolé ou alguma coisa. É melhor do que você ouvir um filho dizer que

botar uma lata de lixo ali na frente é pagar mico. Fui levar minha filha de carro

no colégio e ela falou que era mico. Isso era o que eu mais queria na época, era

que minha mãe tivesse um carrinho. Então, hoje em dia os valores mudaram

muito. Hoje é só ficar no Orkut e na Internet o dia inteiro. E eu acho que a idade

para a mulher trabalhar seria a partir dos 16 anos.”

De um modo geral, a maioria dos pais afirma a importância de investir em educação e,

tendo vivido a experiência de trabalhar e estudar quando jovens, colocam que em “primeiro

lugar deve vir o estudo” mas que na época da adolescência, é “normal” que o jovem queira ter

seu próprio dinheiro, até para custear seus “passeios” juvenis. A “mesada”, muito comum nas

camadas médias, não costuma aparecer na fala dos atores e quando é citada, tem em troca

alguma contrapartida: o filho recebe uma quantia mas tem uma tarefa a cumprir, pagando

contas no banco, ajudando nos serviços domésticos...

Seguindo o pensamento de Singly (2007), numa sociedade em que o modo de

produção está baseado na educação escolar e as certificações escolares passam a ser de

fundamental importância, ainda que a escola tenha praticamente o monopólio dos diplomas, a

participação da família ainda se faz presente (SINGLY, 2007:55). O autor afirma que nem

todas as posições dominantes são acessíveis apenas através dos diplomas e que,

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“(...) algumas escolas têm, principalmente, a responsabilidade de validar as

competências sociais adquiridas no âmbito doméstico; de outra parte,

porque os pais podem atuar criando um melhor ambiente extra-escolar para

seus filhos e se orientando melhor no sistema escolar” (SINGLY, 2007:55)

Aparece aqui a “vontade das famílias de controlar a escolaridade de seus filhos”,

expressa não só pela escolha das escolas ou das redes – ainda que essa escolha possa ser feita

em função da “proximidade com a casa” ou “disponibilidade de dinheiro”, ao invés de

“qualidade do ensino” – mas também pelas formas de acompanhamento exercidas pelos pais.

Controlar as notas, o dever de casa, os “bilhetes”, freqüentar as reuniões na escola ou até criar

um “caderninho de ponto” para evitar que os filho falte às aulas, são opções destes pais.

Singly (2007) afirma que o acompanhamento familiar é uma necessidade tanto para estimular

os esforços das crianças e jovens, quanto para estar atento às “derrapagens juvenis”. Afirma

também que algumas famílias “transformam sua casa em anexo do colégio” e que a escola

demanda acompanhamento (notas, deveres de casa, reuniões) de todas as famílias, inclusive

daquelas de meios sociais desprovidos de capital escolar (SINGLY, 2007:57).

No caso da pesquisa, esta “tentativa de controle” aparecia até mesmo entre os pais que

haviam parado antes da 4ª série e que portanto, mesmo tendo concluído o 2º grau depois e ao

longo de muitos anos, não conseguiam ajudar muito os filhos. Esse é o caso de um dos

membros da “família extensa” de seis irmãos (Família 3), todos casados e a maioria com

filhos, na qual todos pararam na 4ª série, ainda que muitos tenham voltado a estudar depois de

anos. Quando pergunto se ele e a esposa ajudam os filhos com o dever de casa (são dois, um

de 10 e outro de 14 anos) ele responde:

“Quando a gente sabe né? Porque a cabeça da gente também é muito

‘corredeira’ [fraca]. A gente ensina, mas quando a gente não sabe a gente paga;

tento dar um lazer para ele assim. A gente paga uma hora da professora aqui,

que aí ela ensina, ensina na prova... Uma professora particular, desde pequeno

que ele tem essa professora, desde a 1ª série que foi quando eles começaram,

então já faz tempo que está com ela ali. [Você e esposa que decidiram?]

Decidimos, a gente se aperta um pouquinho mas pelo menos isso aí... Que eu falo

para eles, sem estudo a gente não é nada; se a gente não tiver estudo, ainda mais

nessa cidade, hoje em dia, do jeito que está a situação, só com estudo.”

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Na impossibilidade de conseguir ajudar os filhos, os pais recorrem à figura da

“explicadora” ou “professora particular”; em alguns casos essa figura é acionada quando a

situação está “crítica” e os filhos estão com muita dificuldade nas disciplinas. De um modo

geral, todos os entrevistados esboçaram tais preocupações, a partir de mecanismos diversos e

de acordo com suas próprias possibilidades. Nesta perspectiva também, esse

acompanhamento não é visto como função apenas da mulher e o homem também participa.

Assim, em algumas famílias são os pais, justamente pela jornada de trabalho mais flexível ou

em horário noturno, que freqüentam as reuniões que ocorrem nas escolas de seus filhos

(“aquele monte de mães e só eu de pai”) ou ajudam mais os filhos com o dever de casa, uma

vez que as esposas trabalham em horário comercial; em alguns casos, cada um toma conta do

filho no horário em que não está de serviço e os pais dividem com as mães o cuidado da

criança; há ainda a grande importância da solidariedade familiar, representada pela presença

de tios, avós e/ou irmãos que ajudam a tomar conta das crianças.

Nem todos conseguiam colocar os filhos em atividades extras. Inúmeras dificuldades

eram apontadas: as idades das crianças, horários disponíveis, ter alguém disponível para levar

e buscar, a (in)disponibilidade de cursos gratuitos e também a inexistência de possibilidades

próximos de casa, principalmente na “Grande Alegria” que é percebida pelos moradores como

longe do centro, “fora de mão” e com pouco transporte público. No entanto, os pais pareciam

aproveitar as oportunidades quando surgiam: uma vaga no curso de informática gratuito da

FAETEC (há uma unidade próxima ao bairro), nas escolinhas de esportes oferecidas nas

escolas (futebol, vôlei, Kick Boxing, jazz, judô), catecismo na Igreja.... Alguns também

manifestavam o desejo de que seus filhos começassem a “fazer inglês ano que vem”.

Importante ressaltar ainda que, de acordo com Singly (2007:54), o êxito dos filhos via

estratégias de escolaridade em famílias de estratos sociais mais baixo, dependeria do número

deles. Logo, as estratégias de fecundidade constituiriam o fio inicial das estratégias

educativas. O depoimento de um trabalhador é particularmente interessante com relação a este

ponto:

“Eles têm um pensamento diferente, vamos ter mais filho para poder ajudar, para

poder... Eu vou abrir uma cantina e ele vai ficar na cantina tomando conta...

Entende? E está errado, não pode, tem que pensar ao contrário: eu vou ter só

aquele filho, eu vou abrir a cantina, eu vou ficar na cantina, eu vou dar uma

vida melhor para o meu filho. Então eu passei a ter esse pensamento (...) falei,

‘eu estou pensando certo’. Não é igual a mim, fui criado com a minha mãe (...)

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Ela não teve mais filho mas ela adotou. (...) Então foi praticamente a mesma

coisa. Eu vou fazer diferente”

Das seis famílias entrevistadas quatro tinham apenas dois filhos, sendo que em uma,

havia mais um apenas por parte do pai (fruto de uma relação extra-conjugal); outra família

tinha apenas uma filha, cuja mãe afirmava “a gente tem uma só, porque para uma só tudo é

mais fácil”. Na família extensa, observa-se que há uma tendência clara de diminuição do

número de filhos: os pais (primeira geração) tiveram seis filhos; dos seis (segunda geração),

um deles tem filho único, três tem dois filhos, um tem quatro (a única mulher entre os irmãos)

e um não tem nenhum porque “não estava ‘prestando’ para isso não”, mas desejava; já na

terceira geração, três também já tem filhos (que nasceram enquanto estes indivíduos tinham

entre 16-20 anos) com idades entre um e seis anos (ver Anexo V). Ao longo das gerações o

número de filhos diminuiu, mas a família não verbaliza nenhuma forma de controle de

fecundidade; é por sua vez também, a família de menor capital escolar, com a geração dos

avós e pais tendo até a 4ª série (alguns recorrendo atualmente aos cursos de aceleração

escolar); e os próprios filhos sem muitas expectativas de escolarização, com alguns inclusive

“abandonando os estudos”. Ainda assim, os familiares da primeira e segunda geração

ressaltam a importância da escolaridade, um deles chega a afirmar que “não tem mínimo não

[de escolaridade para a pessoa conseguir um bom trabalho] a pessoa faz faculdade hoje,

amanhã já tem que estar fazendo outra”, e outro completa “faculdade é bom, mas se puder

ter esses cursos do SENAI”... Enfim, a família não se mostra muito certa do que fazer, mas

entendem com muita clareza que as “exigências do serviço” mudaram. De acordo com a avó,

D. Fernanda:

“Porque todos eles pararam na 4ª (...) e voltaram agora por causa do serviço.

(...) Porque antes a mãe falava, às vezes eu chegava do serviço, eles estavam aqui

eu falava, ‘crianças vão estudar’! Eles punham assim o dedinho no ouvido, que

eles falavam que eu falava demais. Eles punham o dedinho assim no ouvido, mas

eu falava para eles, sem sacrifício ninguém tem nada.”

***

Singly (2007:58-62) ainda que reafirme a utilidade do uso do conceito de “estratégias

de reprodução” (Bourdieu, 2007), alerta os pesquisadores quanto aos problemas de sua

aplicação e adverte: “todo olhar teórico é cego; o que ele esclarece só é possível porque, ao

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mesmo tempo, outras dimensões dos fatos sociais não são percebidas” (SINGLY, 2007:59).

Sua utilização traz à tona a dimensão da unidade de ação da família contemporânea, a fim de

manter seu valor social ou elevá-lo, apontando para uma disputa pelo posicionamento familiar

na estrutura social e os elementos constituintes da disputa, já que esta é um “campo de

conflito”. É possível assim, tentar identificar as formas de atuação das famílias frente ao jogo

entre o diploma e o cargo, numa sociedade em que o capital escolar passa a ser um elemento

forte na determinação de quem está fora ou dentro do mercado – ainda que tais formas de

atuação possam se confundir com outras condutas, que podem favorecer ou não o processo de

escolarização. No entanto, acreditamos que, por ora, o olhar através das estratégias de

reprodução familiares e particularmente das estratégias educativas, é de grande utilidade para

este trabalho, permitindo ao pesquisador traçar um caminho para compreensão da dinâmica

trabalho-família-educação.

Em todas as famílias pesquisadas, as estratégias educativas faziam parte do campo de

possibilidades dos atores, ainda que oriundos de “classes trabalhadoras” ou “populares”. Os

pais, de acordo com suas possibilidades, buscavam o melhor modo de educar seus filhos e

transformá-los num “bom concorrente” a uma vaga no mercado de trabalho. A grande maioria

afirma que os filhos devem fazer faculdade e que quanto a isso não há muitas opções;

percebem uma elevação contínua dos patamares mínimos de escolaridade para ocupar postos

de trabalho e muitos vivenciaram, ainda que por vezes apenas temporariamente, uma

experiência de mobilidade social ascendente. Ter um bom trabalho, “fichado” e “seguro”,

inserir-se em outro padrão de consumo e ter a expectativa de “crescer”, apresentaram-se para

os pais atreladas ao “valor-escola”, e eles procuram transmitir isto aos filhos. Alguns, além de

incentivar os filhos, já possuem uma estratégia financeira de custeio prévia, ou buscam criar

uma à medida que os filhos vão crescendo.

As famílias de trabalhadores de Resende apresentaram também composições diversas,

modelos familiares “flexíveis e plurais” (VAITSMAN, 1994), com a inserção das mulheres

no mercado de trabalho e estratégias domésticas diferenciadas; à exceção de uma família –

onde a esposa reclama de sua posição e exprime seu desejo de “conhecer o mundo” – as

esposas, não são “do lar”. Não que tenham abandonado suas funções domésticas anteriores

por completo - algumas até as executam em sua maioria – mas apresentam certa margem de

negociação com seus maridos e filhos, de forma mais “natural”. Marido e esposa têm suas

responsabilidades com os filhos e, como por vezes os homens trabalham “de turno” e estão

mais disponíveis no horário da vida normal, da maioria das pessoas, no horário “em que as

coisas da vida acontecem”, ele assume funções que a priori, seriam dela (ir à reunião de pais,

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conversar com a professora, dar almoço, banho, buscar e/ou levar na escola...). Por um lado,

uma maior preocupação na aquisição de capital escolar e por outro, diferentes formas de

perceber a mulher e o próprio trabalho na sociedade contemporânea.

Fica a questão: tais fatos significariam uma valorização da escola? Segundo a diretora

de uma escola municipal da “Grande Alegria”:

“Então, eu não diria que a escola hoje está mais valorizada não, eu acho que a

escola está menos valorizada, só tem maior procura por necessidade social. Hoje

não pode trabalhar alguém que não tenha pelo menos o nível de ensino médio.

Até para concurso de gari, de qualquer coisa, hoje a qualificação você tem que

ter pelo menos o ensino fundamental completo ou então o ensino médio, então

hoje existe uma procura maior da escola... (...) A família quer, se preocupa hoje

que todos estudem. Ela se preocupa que o filho esteja na escola, agora, se o que

ele está recebendo na escola está bom ou não, isso aí eu tenho minhas dúvidas;

ela se preocupa em ter o filho matriculado na escola e o filho lá cumprindo os

anos letivos dele, passando independente de saber ou não. Não existe aquela

preocupação de ter a certeza que o filho está na escola, está aprendendo, está

melhorando; o importante é ele sair de lá com o certificado dele, que é o mínimo

que ele precisa para ser mais um concorrente a uma vaga no mercado de

trabalho...”

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Capítulo V

Considerações Finais _________________________________________________________

No ano de 1990, no encerramento do Congresso Brasileiro organizado pelo GETA

(Grupo de Estudos e Trabalhos em Alfabetização), devido às mobilizações que marcaram o

Ano Internacional da Alfabetização, Darcy Ribeiro disse à platéia de mil e quinhentas

pessoas: “Deixem os velhinhos morrerem em paz! Deixem os velhinhos morrerem em paz!”

(HADDAD, 1998:106). Este pronunciamento, que tinha como pano de fundo as polêmicas

acerca da Educação de Jovens e Adultos (EJA) na época, certamente não é compatível com a

realidade de Resende atual. Esta perspectiva, de “EJA para velhinhos que desejam deixar de

ser analfabetos”, não se aplica àquela localidade: a maioria dos estudantes de EJA não são

“velhinhos analfabetos”, mas sim trabalhadores que, no intuito de permanecer nessa condição,

tornaram-se também estudantes.

O objetivo deste trabalho foi mostrar um pouco da complexa dinâmica família-

trabalho-educação, em especial numa localidade onde acontecimentos recentes se colocaram

como novos elementos para as famílias dos trabalhadores, tendo a “escolarização” assumido

papel fundamental. Assim, num estrato social onde se costumava “parar de estudar para

trabalhar”, atualmente “estuda-se agora para trabalhar depois”, “volta-se a estudar para voltar

a trabalhar”, “estuda-se e trabalha-se”, “estuda-se para manter o emprego” ou ainda “estuda-

se para poder ‘crescer’ na empresa”. A implantação do novo pólo automotivo teve influência

decisiva neste processo: reestruturadas e enxutas, desfrutando de uma força de trabalho jovem

e ávida pela mobilidade social ascendente representada pelo ingresso na fábrica, as empresas

impuseram um novo patamar de escolaridade mínimo a ser atingido pelos trabalhadores: o

Ensino Médio. Para aqueles que desejam “subir na empresa”, precisa-se de mais, é necessário

concluir o Ensino Superior.

Tarefas simples, “normais” e “naturais” para as classes médias, no caso destes

trabalhadores, o esforço é redobrado: tornam-se trabalhadores-estudantes, precisando dar

conta de uma grande lacuna de escolaridade deixada ao longo dos anos. Os trabalhadores

desejam “terminar logo os estudos” mas recorrendo a EJA, o processo pode ser longo; e

cursando CES ou fazendo o “provão” sofrem as acusações de que têm “diploma comprado”. É

preciso sim, esforçar-se, mostrar-se inteligente e capaz; pode até haver um encurtamento do

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período letivo – como na EJA, onde se passa de série a cada semestre – mas há um limite, o

do “diploma comprado”. Associado a uma percepção generalizada de que estudar é bom,

“abre a cabeça”, faz as pessoas “conhecerem o mundo”, muitos escolhem esse caminho,

enfrentando o cansaço, os difíceis horários, as dificuldades do revezamento de turnos e de

custeio da faculdade. No entanto, a própria pressão do mercado de trabalho é encarada

positivamente, uma vez que, “pelo menos, foi um estímulo para seguir em frente”. Seguir para

onde?

Estamos cientes do recente processo de escolarização em massa no Brasil e no mundo,

e que há uma pressão pela conclusão do Ensino Médio em ocasião da universalização do

ensino para as crianças em idade escolar. Estamos cientes também, como afirma Bourdieu

(2003), que há uma disputa pelo “valor do diploma” e que nesta dinâmica, um dos elementos

é sua raridade; e atentamos ainda para o jogo entre o diploma e o cargo. Sem dúvida, o

fenômeno da escolarização em massa é uma variável importante no processo relatado neste

trabalho, mas extrapolando seus limites, fica como sugestão de ampliação da pesquisa.

O trabalho na fábrica, “lá dentro”, propicia uma mobilidade ascendente para estes

trabalhadores. São em sua maioria filhos cujos pais não concluíram a 4ª série, em especial as

mães, muitas semi-analfabetas; os pais em sua maioria “peões”, as mães “domésticas” ou “do

lar”, eles próprios trabalhavam como “peão de obra”, atuando na construção civil, em sua

maioria através de contratos temporários ou “bicos”. A segurança (plano de saúde e

odontológico, 13º salário, férias...), a entrada em outra faixa de consumo, os signos sociais de

status (ônibus, uniforme, convênios com farmácias...) e a própria mudança de ambiente, para

uma fábrica clean, tem como contrapartida o investimento em educação. Esta mobilidade

ascendente, é de alguma forma, muito frágil; a ameaça do desemprego é constante, a

concorrência entre os trabalhadores é acirrada e sim, trabalhar “lá dentro da fábrica” faz

diferença. Tanto é que uma “super mãe zelosa”, “do lar” e preocupadíssima com seus filhos,

diz que para trabalhar na PSA Peugeot-Citröen deixaria os filhos sim, pois “para trabalhar

lá, aí a gente dá um jeito!”. Colocar aparelho dentário nas crianças, ir ao médico com

“musiquinha” e hora marcada, comprar a casa própria e um carro, trocar de carro, reformar a

casa, comprar novos móveis, viajar e sair todo o fim de semana; sim, “estar lá dentro” faz

diferença. Mas, para dar o pulo e manter-se no ar, é preciso colocar as estratégias educativas

dentro de seu campo de possibilidades; pode-se optar em não “entrar no esquema”, mas salvo

a indicação de um “peixe”, a entrada neste mercado está vetada – e se “não mostrar o

interesse de dar continuidade aos estudos”, você estará fora.

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Assim, para a população trabalhadora da região, a escolarização formal e o certificado

por ela concedido (além dos cursos técnicos e especializados) que antes não era percebida

como (tão) necessária para o ingresso no mercado de trabalho e para a manutenção da

condição de “empregado” – e não “desempregado” – vai aos poucos, tornando-se uma

possibilidade de manutenção no mercado de trabalho e crescimento profissional – talvez nem

“uma” possibilidade, mas sim a única. E atenção: escolarizar-se não é significado de sucesso

profissional; sua introdução nos projetos familiares não é garantia de ascensão social e pode

ser percebida também como uma estratégia para evitar a mobilidade social descendente. Há os

que têm retorno, e os que “dão sorte ou azar”44 e os que permanecem na mesma situação.

Algumas famílias têm estratégias já pré-determinadas, outra sabem que alguma coisa mudou,

“foi o serviço que agora está exigindo”, mas não sabem exatamente o quê e como fazer para

“chegar lá”. E os pais que sofrem a “pressão”, ao se sentirem recompensados pelo próprio

esforço, incentivam os filhos ainda mais e apuram seu olhar pedagógico. A preocupação em

controlar a escolarização dos filhos se coloca de inúmeras formas até porque, para alguns

“não existe escola ruim, existe aluno ruim” e na realidade, “depende muito do ambiente que

você tem em casa”.

O investimento em escolarização passa a fazer parte dos projetos familiares a partir de

sua introdução (ou imposição?) no campo de possibilidades destes trabalhadores, devido às

alterações na estrutura do mercado de trabalho atual. As estratégias escolares também

influenciam a organização familiar e, independente de quem seja, alguém precisa manter o

olhar pedagógico dos pais ativos. O acompanhamento familiar dos estudos torna-se uma

44 Vagner tem uma trajetória interessante: eletricista, parou de estudar na 7ª série; após muito tempo atuando como “peão de obra mesmo”, ingressou na Concessionária Nova Dutra, que pagava a metade de seu salário como peão, mas oferecia “plano de saúde, ticket alimentação, plano dentário, essa segurança toda que eu sentia que estava na hora de ter por causa da minha família”. Tempos depois completou o 2º grau, fez um curso técnico de eletro-eletrônica e em seguida iniciou o curso de Informática na Estácio de Sá. Quando estava terminando a faculdade, sua área foi terceirizada e eles passaram a pagar a metade do salário anterior. Nesta trajetória marcada por períodos de emprego e desemprego, Vagner abriu uma peixaria, uma lanchonete e por fim começou com a “muamba”; com o dinheiro de uma rescisão de contrato comprou produtos em São Paulo e começou a revender. No entanto, fora novamente chamado a reingressar na mesma empresa como “guincheiro” e “teve que aceitar pois não tinha nada em vista”. Acasos da vida: após um período, alguns de seus supervisores foi despedido e seu nome fora escolhido para assumir a nova função. Estava como supervisor há quatro meses na data da entrevista e “com aquele leque todinho ainda para crescer”, pois estava começando com o “salário básico” de supervisor. Vagner também estava decidido a ingressar em uma nova faculdade, de Engenharia Civil, depois de ouvir um comentário de seu chefe que em caso de sua saída da empresa, não haveria nenhum funcionário habilitado a substituí-lo. Conta que quando foi despedido, um pouco antes de terminar o curso superior, pensava : “não é possível, eu dei o meu sangue por essa empresa e agora eles fazem isso comigo!”

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necessidade, mesmo para aquelas crianças oriundas de meios sociais desprovidos de capital

escolar (SINGLY, 2007), afinal, os filhos precisam “pegar” sua faculdade antes de ingressar

no mercado de trabalho.

Enfim, para as famílias dos trabalhadores em questão, a categoria “escolaridade” –

independente de seu conteúdo - tornou-se parte integrante do “ser trabalhador” e portanto, os

novos trabalhadores-estudantes têm se visto diante da necessidade de esforço redobrado, de

romper barreiras do tempo, da prática, de superação. A “escolaridade” é vista então como uma

“arma” contra o desemprego, ou como base de sustentação para o emprego; os pré-requisitos

mínimos para entrada no mercado se alteraram e influenciaram o planejamento familiar, o

número de filhos e a orientação que lhes é dada pelos pais, bem como a retomada da trajetória

escolar destes pais, por vezes já esquecida.

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Câmara Municipal de Porto Real: http://www.cmportoreal.rj.gov.br/

Prefeitura Municipal de Resende: http://www.resende.rj.gov.br/

Câmara Municipal de Resende: http://www.cmresende.rj.gov.br/

Automobilísticas

Site Oficial da Peugeot: http://www.peugeot.com/fr/

Site Oficial da Volkswagen: http://www.volkswagen.com.br/

Outros

Fundação Fiochpe: http://www.fiochpe.org.br/home.html

Associação Educacional Dom Bosco: http://www.aedb.br/faculdades/

NUSUR: Núcleo de Referencia em segurança urbana: http://www.nusur.org.br/

Inmetro: http://www.inmetro.gov.br/gestao14001/

Wikipédia: pt.wikipedia.org/wiki/

Associação Educacional Dom Bosco - www.aedb.br

AEDBAJA: http://aedbaja.com/

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118

Anexo I: Lista de personagens (Famílias e Depoimentos) ___________________________

Família 1 Família 2 Família 3 – ver anexo V D.Fernanda, a mãe e o marido; os seis filhos; os netos; os bisnetos.

ANTÔNIO

JOANA BIANCA

ANA CLARA

PEDRO

BEBÊ

? ?

JOÃO

ANA TATIANA

BRUNO

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119

Família 4 Família 5 Família 6

CARLOS

HELOÍSA FILHA

RONALDO

VANESSA FILHO

?

VAGNER

ESPOSA FILHA

FILHA

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121

Depoimento 4 Depoimento 5

PEDRO HENRIQUE

ESPOSA

FILHA 20 ANOS

FILHA 18 ANOS

FILHO 19 ANOS

DENILSON 24 ANOS

SOLTEIRO

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Anexo II: Temas orientadores da entrevista _____________________________________

O roteiro abaixo contém com temas45 que devem ser abordados durante as entrevistas.

Porém entendemos que, sendo uma entrevista de cunho qualitativo, esta deveria tomar a

forma de uma “conversa”, trabalhando a partir da reconstrução da trajetória de vida dos

agentes e portanto, tais temas são aqueles que acreditamos serem imprescindíveis para a

pesquisa. Importante ressaltar que, sendo o foco da pesquisa as concepções e projetos

familiares no que diz respeito à escolaridade, as questões foram pensadas como indicadores

de influências para a formação de tais representações.

1. Informações sobre a família: idade, ocupação, residência, status conjugal, parentes de

um modo geral, parentes mais próximos e pessoas presentes no dia-a-dia familiar, lazer

e recreação;

2. Família de orientação dos genitores: ocupação dos pais, histórico geral destes incluindo

escolaridade e trajetória pessoal e profissional; mudanças na família enquanto eram

crianças; informações sobre os irmãos, diferenças entre a sua geração e a anterior

(status, ocupação, classe, percepções em geral);

3. Histórico ocupacional do casal: ocupação atual e anteriores, o trabalho na fábrica

(desejos, frustrações, impressões), escolaridade, informações sobre o período escolar

(lembranças, “pessoas-exemplo”, influencias, impressões...), investimento na profissão

(cursos de aperfeiçoamento, cursos técnicos diversos);

4. Relacionamento conjugal: perguntas sobre o início do casamento, os planos iniciais,

nascimento dos filhos, moradia e vizinhos; percepções de gênero, divisão sexual do

trabalho (quem faz o “trabalho de casa”, quem traz o “sustento”, mulher deve trabalhar?

Por que?)

5. Organização das atividades familiares: diário (anual, mensal, semanal, diário),

orientações para tomadas de decisão (escolhas coletivas ou não, discussões familiares 45 Inspirado nas questões formuladas por Elizabeth Bott em “Família e Rede Social” (Apêndice A: Roteiro de tópicos para entrevistas nos lares, 1976:223-230).

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123

sobre quais temas, possibilidades de interlocução entre o casal), manutenção e

organização da casa (como se resolve o “trabalho de dona-de-casa”), planejamento

orçamentário familiar, cuidado com os filhos (como é organizado este cuidado, deveres

de casa, levar e buscar, reuniões escolares);

6. Filhos – concepções e projetos: o que esperam e desejam dos filhos, níveis escolares

que aspiram, idade em que entrou na escola e por que, onde estuda, nível de contato com

a escola e professores de um modo geral (incluindo atividades extras), cursos, amigos e

companhias, conversas e quais assuntos, margem de escolha dada, “modelo

educacional”, horizonte profissional desejado, parentes que auxiliam na educação e

como, programas que fazem juntos e por que;

7. Desenvolvimento regional: impacto do crescimento econômico, como percebem a

região de “ontem” e de “hoje”, influências e mudanças locais, mercado de trabalho local

e de uma forma geral, desejo de permanecer na região ou não (e quanto aos filhos),

relação escolaridade-mercado-desenvolvimento, relação com governo e sindicatos,

situação social na região (pobreza e exclusão).

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Anexo III: Mapa de funcionamento do “Consórcio Modular” _______________________

Fonte: Figura retirada de PEREIRA (2003).

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Anexo IV: Lista de Indicadores utilizados no Atlas do Desenvolvimento Humano ______

Indicador O que é Média de anos de estudo Razão entre o somatório do número de anos de estudo completos

das pessoas nessa faixa etária e o total dessas pessoas. Percentual de pessoas

analfabetas Percentual de pessoas que não sabem ler nem escrever um bilhete

simples. Percentual de pessoas com

menos de quatro anos de

estudo

Percentual de pessoas que não completaram a quarta série do

fundamental, ou seja, que podem ser classificados como

“analfabetos funcionais”. Percentual de pessoas com

menos de oito anos de estudo Percentual de pessoas que não completaram a oitava série do

fundamental. Implica que abandonaram a escola ou que

apresentam um grau elevado de atraso escolar. Percentual de pessoas com

mais de onze anos de estudo Percentual de pessoas que completaram pelo menos um ano de

curso universitário. Percentual de pessoas

freqüentando curso superior Percentual de pessoas que estão freqüentando o curso universitário.

Percentual de pessoas

com acesso ao curso superior Percentual de pessoas que estão freqüentando o curso universitário

ou já o concluíram. Índice de Desenvolvimento

Humano Municipal É obtido pela média aritmética simples de três sub-índices,

referentes às dimensões Longevidade (IDH-Longevidade),

Educação (IDH-Educação) e Renda (IDH-Renda). Índice de Desenvolvimento

Humano Municipal-

Educação

Sub-índice do IDH relativo à Educação. Obtido a partir da taxa de

alfabetização e da taxa bruta de freqüência à escola, convertidas em

índices por: (valor observado - limite inferior) / (limite superior -

limite inferior), com limites inferior e superior de 0% e 100%. O

IDH-Educação é à média desses 2 índices, com peso 2 para o da

taxa de alfabetização e peso 1 para o da taxa bruta de freqüência. Taxa bruta de freqüência à

escola Indicador componente do IDH-Educação, no qual entra com peso

de 1/3. A taxa bruta de matrícula é a razão entre o número total de

pessoas de todas as faixas etárias que freqüentam o fundamental, o

segundo grau e o nível superior e a população de 7 a 22 anos.

Taxa de alfabetização Indicador componente do IDH-Educação, no qual entra com peso

de 2/3. É o percentual de pessoas acima de 15 anos de idade que

são alfabetizados, ou seja, que sabem ler e escrever pelo menos um

bilhete simples.

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Anexo V: Árvore Genealógica Família Extensa (Família 3 - quatro gerações) __________

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