Universidade Federal do Rio de Janeiro - Museu Nacional · Ramessés XI Khaemuaset II Menmaatre...
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Universidade Federal do Rio de Janeiro Museu Nacional
Simone Maria Bielesch
EM BUSCA DE AUXÍLIO PARA O RENASCIMENTO:
ESTÁTUAS FUNERÁRIAS DE OSÍRIS E PTAH-SOKAR-OSÍRIS
Volume I - Texto
Rio de Janeiro
2010
EM BUSCA DE AUXÍLIO PARA O RENASCIMENTO: ESTÁTUAS
FUNERÁRIAS DE OSÍRIS E PTAH-SOKAR-OSÍRIS
Volume I - Texto
Simone Maria Bielesch
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Mestrado em Arqueologia, Museu Nacional,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Arqueologia.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Brancaglion Jr.
Rio de Janeiro
Agosto/2010
Bielesch, Simone Maria
Em Busca de Auxílio para o Renascimento: Estátuas Funerárias de Osíris
e Ptah-Sokar-Osíris – Simone Maria Bielesch. Rio de Janeiro: UFRJ/MN, 2010.
xxix, 549f.; 3v.: ils.; 31 cm
Orientador: Prof. Dr. Antonio Brancaglion Jr.
Dissertação (mestrado) – UFRJ/Museu Nacional/Mestrado em Arqueologia, 2010.
Referências Bibliográficas: f. 291-298.
1. Ptah-Sokar-Osíris. 2. Osíris. I. Brancaglion Junior, Antonio II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Mestrado em
Arqueologia. III. Em Busca de Auxílio para o Renascimento: Estátuas
Funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris.
EM BUSCA DE AUXÍLIO PARA O RENASCIMENTO: ESTÁTUAS
FUNERÁRIAS DE OSÍRIS E PTAH-SOKAR-OSÍRIS
Volume I - Texto
Simone Maria Bielesch
Orientador: Prof. Dr. Antonio Brancaglion Jr.
Dissertação de Mestrado submetida ao Mestrado em Arqueologia, Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Arqueologia.
Aprovado por:
______________________________________
Prof. Dr. Antonio Brancaglion Junior
______________________________________
Profª. Dr.ª Marcia Severina Vasques
______________________________________
Prof. Dr. André Leonardo Chevitarese
Rio de Janeiro
Agosto/2010
Para minha família
Ma, Oma, Opa e Tee
Agradecimentos:
Agradeço a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior) pela bolsa concedida como suporte financeiro para a
realização do presente trabalho. A mesma foi essencial para o meu sustento
no Rio de Janeiro.
Em especial agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Antonio Brancaglion
Junior pela dedicação e paciência ao longo de todos esses anos. Seus
ensinamentos e a sua ajuda transmitidos nos cursos, reuniões e conversas,
desde que o conheci no curso de extensão por ele dado no Departamento de
Letras Orientais da FFLCH, USP, em 2002, foram fundamentais para a
minha formação e aprofundamento dos conhecimentos sobre o Egito.
Agradeço também à Marly Shibata, por sempre estar pronta a prestar ajuda
e em especial pela paciência de escanear voluntariamente textos cuja leitura
ajudaram na elaboração da presente dissertação. A ambos também agradeço
pela amizade que surgiu durante todos os momentos alegres e difíceis que
vivenciamos.
Agradeço a todos os professores do mestrado, Tânia Andrade Lima,
Claudia Rodrigues-Carvalho, Gláucia Malerba Sene, Renato Rodriguez
Cabral Ramos, e todos os outros cujos ensinamentos, se não ajudaram
diretamente na elaboração da presente dissertação, certamente poderão um
dia ser de grande ajuda na minha vida profissional como futura egiptóloga.
Sou grata aos funcionários do Museu Nacional, os quais me
auxiliaram nesses dois anos de mestrado. A secretaria do mestrado, Claudia
Borges, agradeço por sempre estar pronta a me ajudar a resolver as questões
e dúvidas referentes ao mestrado. A todos da equipe de museologia agradeço
pelo auxílio com o manuseio das peças da coleção por mim estudadas.
A todas as colegas e amigas do grupo de Egito, tanto do Rio de
Janeiro, como de São Paulo, Regina, Marilda, Juliana, Cintia (Lost), Thais,
Michele, e em especial agradeço à Cintia Gama pelos textos trazidos de suas
viagens para a França e o Egito, e pela estadia em seu apartamento nas
primeiras vezes em que fui para o Rio de Janeiro, e à Marina Buffa César por
ter me abrigado nos primeiros seis meses de mestrado no Rio de Janeiro, e
pelas conversas tidas sobre diversos assuntos relacionados ao Egito durante
muitos cafés deliciosos e madrugadas à dentro.
Também a todos os outros colegas e amigos do mestrado, em especial
àqueles da minha turma, Beatriz Bandeira, Letícia, Caroline, Leandro e
Silvia Puccioni por todos os momentos que passamos juntos, principalmente
as muitas madrugadas passadas em claro na elaboração dos trabalhos para
as aulas.
Igualmente a todos os outros amigos, com uma menção especial para
Veronica Aparecida Silveira Aguiar, cuja amizade iniciada durante a
graduação em História na USP dura até hoje. Mesmo seguindo seus estudos
em História Medieval, sempre procura me informar sobre eventos ou
publicações que possam ser de meu interesse em relação ao Egito.
A todos os funcionários da Biblioteca do MAE, os quais sempre estão
dispostos a ajudar no que for possível e que na falta da bibliografia
necessária em seu acervo, muitas vezes procuram encontrar a
disponibilidade da mesma em outra localidade. A Robarts Library da
Universidade de Toronto e a Biblioteca do Instituto de Egiptologia da
Universidade de Viena, por gentilmente terem-me deixado consultar os seus
acervos durante as minhas viagens para o Canadá e para a Áustria.
Por fim, o agradecimento mais importante é para toda minha família,
que sempre procurou me ajudar e apoiar de todas as formas possíveis na
realização deste sonho, que é o estudo do Egito. Tanto aos que ainda me
acompanham diariamente, minha mãe, Katja Maria Deutsch Bielesch, meus
avós Judith Deutsch e Franz Deutsch e minha tia, Ruth Margot Deutsch
(Tee), quanto aos que já partiram em sua jornada rumo ao Ocidente, meu
pai, Peter Bielesch e meu avô August Bielesch (Linzer Opa).
RESUMO
EM BUSCA DE AUXÍLIO PARA O RENASCIMENTO: ESTÁTUAS
FUNERÁRIAS DE OSÍRIS E PTAH-SOKAR-OSÍRIS
Volume I - Texto
Simone Maria Bielesch
Orientador: Prof. Dr. Antonio Brancaglion Jr.
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Mestrado em Arqueologia, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro -
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre
em Arqueologia.
As estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris eram um
importante artefato do equipamento funerário egípcio, servindo para auxiliar
o morto em seu renascimento no Mundo dos Mortos. O presente trabalho
tem por objetivo estudar a importância do simbolismo dessas estátuas
dentro do contexto funerário-religioso em seu período de existência, do Final
do Novo Império até o Período Ptolomaico. Para tanto, o presente trabalho
está dividido em duas partes complementares, uma textual (volume I) e
outra de catálogos (volumes II e III). Uma maior ênfase foi dada para as
estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris da coleção egípcia do
Museu Nacional/UFRJ. Estas compõem um primeiro catálogo, sendo o
segundo um catálogo de referência composto por peças provenientes das
coleções de diferentes museus. A parte textual está divida em três partes
principais. A primeira parte trata do contexto histórico no qual as estátuas
estão inseridas, a segunda trata dos diferentes aspectos dos deuses
representados pelas estátuas, e a terceira parte trata das estátuas funerárias
de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris propriamente ditas. Baseando-se na tipologia
elaborada por Raven (1978-1979) e suas posteriores correções e acréscimos
feitos por outros estudiosos, uma nova tipologia foi elaborada. O conjunto
dessas informações permitiu observar uma evolução no simbolismo das
estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris, na qual as estátuas
deixam de ser uma simples representação do deus Osíris, para serem cada
vez mais uma representação do morto como um ser vitorioso ao final de sua
jornada para o Outro Mundo, unido a Osíris e posteriormente também ao
deus-sol. Também foi possível fazer uma reconstituição parcial dos
exemplares da coleção do Museu Nacional/UFRJ.
Palavras-chave: Ptah-Sokar-Osíris, Osíris, Coleção Egípcia Museu
Nacional/UFRJ.
Rio de Janeiro
Agosto/2010
ABSTRACT
IN SEARCH OF AID FOR DE REBIRTH:
FUNERARY STATUES OF OSIRIS AND PTAH-SOKAR-OSIRIS
Volume I - Text
Simone Maria Bielesch
Orientador: Prof. Dr. Antonio Brancaglion Jr.
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Mestrado em Arqueologia, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro -
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre
em Arqueologia.
The funerary statues of Osiris and Ptah-Sokar-Osiris were an
important artifact of Egyptian funerary equipment, assisting the dead in his
rebirth in the Underworld. The current work has as it objective to study the
importance of the symbolism of these statues within de funerary-religious
context of the period of their existence, from the end of the New Kingdom to
the Ptolemaic Period. So, the present work is shared in two complementary
parts, one textual (volume I), and another of catalogs (volumes II and III). A
greater emphasis was given to the funerary statues of Osiris and Ptah-
Sokar-Osiris from the Egyptian collection of Museu Nacional/UFRJ. These
form a first catalog, being the second one a catalog of reference consisting of
pieces deriving from the collections of different museums. The textual part is
separated in three principal parts. The first part deals with the historic
context in which the statues are inserted, the second treats with the
different aspect of the gods which the statues represent and the third part
deals with the funerary statues of Osiris and Ptah-Sokar-Osiris themselves.
Basing ourselves in the typology elaborated by Raven (1978-1979) and their
later corrections and additions by other studious, a new typology was
elaborated. The whole of this information allowed us to observing an
evolution in symbolism of the funerary statues of Osiris and Ptah-Sokar-
Osiris, in which the statues change from a simple representation of the god
Osiris, to ever more being a representation of the dead as a victorious being
at the end of his journey to the Other World united with Osiris and
afterwards also with the sun god. It also was possible to make a partial
reconstruction of the specimes of the collection of Museu Nacional/UFRJ.
Key-words: Ptah-Sokar-Osiris, Osiris, Egyptian Collection Museu
Nacional/UFRJ.
Rio de Janeiro
August/2010
Mapa 1 – Egito (adaptado de mapa elaborado por Antonio BRANCAGLION JUNIOR)
Mapa 2 – Região Tebana
CRONOLOGIA1
PALEOLÍTICO 500.000-5500 a.C.
PRÉ-DINÁSTICO 5500-3050 a.C.
PROTODINÁSTICO 3150-3050 a.C.
PERÍODO THINITA (DINÁSTICO INICIAL-ARCAÍCO) 2920-2575 a.C.
ANTIGO IMPÉRIO 2575-2134 a.C.
I PERÍODO INTERMEDIÁRIO 2134-2040 a.C.
MÉDIO IMPÉRIO 2040-1640 a.C.
II PERÍODO INTERMEDIÁRIO 1640-1532 a.C.
NOVO IMPÉRIO 1550-1070 a.C.
XVIII Dinastia 1550-1307 a.C.
Ahmose [Ahmés] Nebpehtyre 1550-1525 a.C.
Amenhotep I Djeserkare 1525-1504 a.C.
Thutmés I Akheperkare 1504-1492 a.C.
Thutmés II Akheperenre 1492-1479 a.C.
Hatshepsut Maatkare 1473-1458 a.C.
Thutmés III Menkheperre 1479-1425 a.C.
Amenhotep II Akheperure 1427-1401 a.C.
Thutmés IV Menkeperure 1401-1391 a.C.
Amenhotep III Nubmaatre 1391-1353 a.C.
Amenhotep IV – Akhenaton Neferkheperure Waenre 1353-1332 a.C.
Neferneferuaten Ankhkheperure-Meruaenre 1332-1335 a.C.
Smenkhare Ankhkheperure 1335-1333 a.C.
Tutankhaton – Tutankhamun Nebkheperure 1333-1323 a.C.
Ay Kheperkheperure 1323-1319 a.C.
Horemheb Djeserkheperure Setepenre 1319-1307 a.C.
XIX Dinastia 1307-1196 a.C.
Ramessés I Menpehtyre 1307-1306 a.C.
Séthi I Menmaatre 1306-1290 a.C.
Ramessés II Usermaatre 1290-1224 a.C.
Merneptah [Merenptah] Baenre-merynetjeru 1224-1214 a.C.
Séthi II Userkheperure-setepenre 1214-1204 a.C.
Amenmesses Menmire-setepenre – usurpador 1213-1205 a.C.
Siptah [Merenptah] Ankhenre-setepenre 1204-1198 a.C.
Twosret Sitre-meryamun 1198-1196 a.C.
1 A cronologia egípcia baseia-se em datas relativas. A presente cronologia baseia-se na cronologia elaborada por Antonio BRANCAGLION JUNIOR
XX Dinastia 1196-1070 a.C.
Setnakhte Userkhaure Setepenre 1196-1194 a.C.
Ramessés III Usermaatre Meryamun 1194-1163 a.C.
Ramessés IV Heqamaatre 1163-1156 a.C.
Ramessés V Amonherkepshef I Usermaatre Sekheperenre
1156-1151 a.C
Ramessés VI Amonherkepshef II Nebmaatre Meryamun
1151-1136 a.C.
Ramessés VII Itamon Usermaatre Meryamun Setepenre
1143-1136 a.C.
Ramessés VIII Setherkepshef Usermaatre Akhenamun 1136-1131 a.C.
Ramessés IX Khaemuaset I Neferkhare Setepenre 1131-1112 a.C.
Ramessés X Amonherkepshef III Khepermaatre 1112-1100 a.C.
Ramessés XI Khaemuaset II Menmaatre Setepenptah 1100-1070 a.C.
III PERÍODO INTERMEDIÁRIO 1070-712 a.C.
Sumos Sacerdotes de Amun (Tebas) 1080-945 a.C.
Herihor Siamun Hemnetjertepyenamun 1080-1074 a.C.
Piankh 1074-1070 a.C.
Pinedjem I Khakheperre Setepenamun 1070-1055 a.C.
Masaherta 1055-1046 a.C.
Menkheperre Hemnetjertepyenamun 1045-992 a.C.
Smendes II 992-990 a.C.
Pinedjem II Khakheperre Setepenamun 990-969 a.C.
Psusennes III 969-945 a.C.
XXI Dinastia (Tânis) 1070-1044 a.C.
Smendes I Nesbanebdjed Hedjkheperre Setepenre 1070-1044 a.C.
Amenemnisut [Amenemnisu] Neferkare Heqawaset 1044-1040 a.C.
Psusennes I [Pasebakhaenniut I] Akheperre Setepenamun
1040-992 a.C.
Amenemopet Usermaatre Meryamun 993-984 a.C.
Osorkon “O Velho” Aakheperre Setepenre 984-978 a.C.
Siamun Netjerkheperre Setepenamun 978-959 a.C.
Psusennes II [Pasebakhaenniut II] Titkheperure Setepenre
959-945 a.C.
XXII Dinastia (Tânis – Líbia ou Bubástis) 945-712 a.C.
Sheshonq I Meryamon Hedjkheperre Setepenre 945-924 a.C.
Osorkon I Meryamon Sekhemkheperre Setepenre 924-889 a.C.
Sheshonq II Meryamon Heqakheperre Setepenre 883 a.C.
Takelot I Meryamon Usermaatre Setepenre 909-883 a.C.
Osorkon II Meryamon Usermaatre Setepenamun 883-855 a.C.
Takelot II Meryamon Hedjkheperre Setepenre 860-835 a.C.
Sheshonq III Meryamon Usermaatre Setepenre 835-783 a.C.
Pami [Pimay] Usermaatre Setepenamun 783-773 a.C.
Sheshonq V Aakheperre 773-735 a.C.
Osorkon IV Aakheperre Setepenamun 735-712 a.C.
Sumos Sacerdotes de Amun (Tebas) 945-825 a.C.
Iuput 945-924 a.C.
Sheshonq 924-889 a.C.
Smendes 889 a.C.
Iuwelot 889-874 a.C.
Harsiese Meryamon Hedjkheperre Setepenamun 870-860 a.C.
Nimlot 860-850 a.C.
Osorkon 850-825 a.C.
XXIII Dinastia (Leontópolis – Anarquia Líbia) 818-712 a.C.
Pedibastet I (Petubastis) Meryamon Usermaatre Setepenamun
818-803 a.C.
Sheshonq IV Usermaatre Meryamun 793-787 a.C.
Osorkon III Usermaatre Setepenamun 787-759 a.C.
Takelot III Usermaatre 764-757 a.C.
Rudamon Usermaatre Setepenamun 757-754 a.C.
Iuput Meryamon-Sibaster Usermaatre 754-715 a.C.
Shepenupet I - Divina Adoradora de Amun 754-715 a.C.
Heracleópolis 739-724 a.C.
Iny 739-734 a.C.
Peftjauabastet Neferkare 734-724 a.C.
Hermópolis
Nimlot
XXIV Dinastia (Sais) 724-712 a.C.
Tefnakht Shepsesre 724-717 a.C.
Bakenrenef Bocchoris Wahkare 717-712 a.C.
XXV Dinastia (Núbia/Kush) 747-656 a.C.
Alara 780-760 a.C.
Kashta Nimaatre 770-750 a.C.
Piankhi [Piyi] Menkheperre Seneferre 750-712 a.C.
Shabaka Neferkare 712-698 a.C.
Shabataka [Shebitku] Djedkare 698-690 a.C.
Taharqa Nefertemkhure 690-664 a.C.
Tanutamun [Tataman] Bakare 664-657 a.C.
Amenirdes I - Divina Adoradora de Amun
Shepenupet II - Divina Adoradora de Amun
Amenirdes II - Divina Adoradora de Amun
PERÍODO SAÍTA 664-525 a.C.
XXVI Dinastia 664-525 a.C.
Nekau I [Necho] Menkheperre 672-664 a.C.
Psametik I [Psamético] Wahibre 664-610 a.C.
Nekau [II] [Necho] Wahemibre 610-595 a.C.
Psametik II [Psammetichus] Neferibre 595-589 a.C.
Wahibre Apries Haaibre 589-570 a.C.
Ahmose II [Amasis] Sineit Khnemibre 570-526 a.C.
Psametik III [Psammetichus] Ankha(em)re 526-525 a.C.
BAIXA ÉPOCA (PERÍODO TARDIO) 525-332 a.C.
XXVII Dinastia (I Período Persa) 525-405 a.C.
Cambises II Mesutire 525-522 a.C.
Dario I Setutre 521-486 a.C.
Xerxes I 486-465 a.C.
Artaxerxes I 465-424 a.C.
Xerxes II 424 a.C.
Dario II 423-405 a.C.
Artaxerxes II ? 405-359 a.C.
XXVIII Dinastia 405-399 a.C.
Amyrtee [Amyrtaeus] Príncipe 465-449 a.C.
Amyrtee [Amyrtaeus] Rei 404-399 a.C.
XXIX Dinastia 339-380 a.C.
Nepherites I [Nefaarud] Baenre Merynetjeru 399-393 a.C.
Pasherenmut [Psammuthis] Userre-setepenptah 393 a.C.
Hakor [Achoris] Maatibre [Khnemmaatre] 393-380 a.C.
Nepherites II [Nefaarud] 380 a.C.
XXX Dinastia 380-343 a.C.
Nakhtnebef I [Nectanebo] Kheperkare 380-362 a.C.
Djedhor Teos Irmaatenre 362-360 a.C.
Nakhthoreb II [Nectanebo] Snedjemibre Setepeninhur 360-343 a.C.
XXXI Dinastia (II Período Persa) 343-332 a.C.
Artaxerxes III Okhos [Ochos] 343-338 a.C.
Arses [Artaxerxes IV] 338-336 a.C.
Dario III 335-332 a.C.
Khababash Senentanen-setepenptah
REIS MACEDÔNIOS 332-304 a.C.
Alexandre “O Grande” Alexandre III Meryamun
Setepenre
332-323 a.C.
Filipe Arrhidaeus Meryamun Setepenre 323-317 a.C.
Alexandre IV Haaibre Setepenamun 316-304 a.C.
PERÍODO PTOLOMAICO 304-30 a.C.
Ptolomeu I Soter I Meryamun Setepenre/Berenice I 304-282 a.C.
Ptolomeu II Philadelphus Userkaenre
Meryamun/Arsínoe II
282-246 a.C.
Ptolomeu III Euergetes I Iwaennetjerwy-senwy Sekhemankhre Setepamun/Berenice II
246-221 a.C.
Ptolomeu IV Philopator Iwaennetjerwymenkhwy Setepptah Userkare Sekhemankhamun/Arsínoe III
221-204 a.C.
Harwennofre [Haronnophris, Hurgonafhor, Sharonnophris] - usurpador autóctone
205-199 a.C.
Ptolomeu V Epiphanes Iwaennetjerwy-merwyitu Setepptah Userkare Sekhem-ankhamun/Cleópatra I
204-180 a.C.
Ankhwennofre - usurpador autóctone 199-186 a.C.
Ptolomeu VI Philometor Iwaennetjerwyper Setepenptahkhepri Irmaatenemunre/Cleópatra I
180-177 a.C.
Ptolomeu VI/Cleópatra II 177-170 a.C.
Ptolomeu VI/Ptolomeu VIII/Cleópatra II 170-164 a.C.
Ptolomeu VIII Euergetes II Physcon 164-163 a.C.
Ptolomeu VI/Cleópatra II 163-145 a.C.
Ptolomeu VIII 145-116 a.C.
Ptolomeu VII Eupathor Neos Philopator 145 a.C.
Harsiese - usurpador autóctone 131 a.C.
Ptolomeu IX Soter II Lathyros/Cleópatra III 116-107 a.C.
Ptolomeu X Alexandre I/Cleópatra III 107-101 a.C.
Ptolomeu X/ Cleópatra Berenice III 101-88 a.C.
Ptolomeu IX Soter II 88-80 a.C.
Ptolomeu XII Neos Dionysos Auletes 80-58 a.C.
Berenice IV 58-55 a.C.
Ptolomeu XII 55-51 a.C.
Cleópatra VII Thea Philopator Netjeret-merites/ Ptolomeu XIII
51-47 a.C.
Cleópatra VII /Ptolomeu XIV 47-48 a.C.
Cleópatra VII/Ptolomeu XV Caesarion
Iwapanetjerentynehem Setepenptah Irmaatenre Sekhemankhamun
44-30 a.C.
Lista de Mapas
Pág.
1. Egito ............................................................................................ 11
2. Região Tebana .............................................................................. 12
3. Egito na XXI Dinastia ................................................................... 47
4. Divisão do Egito sob a XXII Dinastia ............................................. 48
Lista de Figuras
Pág.
1. Modelo de tumba particular do Período Ramessida cuja
superestrutura é concebida na forma de um templo ................. 40
2. Representação típica de líbios .................................................. 51
3. Faraó kushita Taharqa ............................................................. 54
4. Estátua Dário I com traços egípcios .......................................... 60
5. Deus Ptah ................................................................................ 70
6. Deus Khonsu ............................................................................ 70
7. Pataikos ................................................................................... 71
8. Bes ........................................................................................... 71
9. Tríade Menfita .......................................................................... 72
10. Estela votiva de Ptah ................................................................ 78
11. Barca Henu .............................................................................. 85
12. Thutmés III fazendo oferendas para Sokar ................................ 85
13. Sokar na forma de falcão mumificado ....................................... 86
14. Barca Henu .............................................................................. 87
15. Quarta Hora Amduat ................................................................ 93
16. Quinta Hora Amduat ................................................................ 93
17. Deus Osíris .............................................................................. 101
18. Osíris na forma do Pilar Djed .................................................... 102
19. Genealogia da Teologia Heliopolitana ........................................ 107
20. Osíris fecundando Ísis na forma de um pássaro ........................ 110
21. Osireion .................................................................................... 111
22. A ba unificada de Rê e Osíris .................................................... 112
23. Base do caixão exterior da Senhora da Casa Seshepenmehyt
mostrando o deus Ptah-Sokar-Osíris ........................................ 133
24. Ptah-Sokar-Osíris em forma de Falcão ...................................... 134
25. Ptah-Sokar-Osíris na forma híbrida .......................................... 135
26. Porta Tumba Sennedjem ........................................................... 135
27. Ptah-Sokar-Osíris “Livro dos Mortos” ........................................ 135
28. Ptah-Sokar-Osíris “Livro dos Mortos” Anhai .............................. 137
29. Ramessés III oferecendo incenso e fazendo libações diante de
Ptah-Sokar-Osíris, protegido pela deusa Ísis alada .................... 137
30. Parte superior da estela de Metternich ...................................... 138
31. Ptah-Sokar-Osíris no interior de uma capela em frente ao deus Amun ....................................................................................... 139
32. Os raios do sol acordando Osíris para uma nova vida ............... 142
33. Representação do nTr Aa na forma de escaravelho com cabeça de
carneiro .................................................................................... 143
34. Estátua de Osíris Policromada do tipo II A de Raven ................. 147
35. Estátua de Osíris Policromada do tipo II C de Raven ................. 148
36. Estátua de Ptah-Sokar-Osíris com lótus no topo da base .......... 151
37. Verso estátua de Ptah-Sokar-Osíris JE 94473 ........................... 154
38. Shabti com base ....................................................................... 165
39. Shabti votivo de Qenamun ........................................................ 165
40. Tijolos mágicos ......................................................................... 166
41. Figura mumiforme de verniz preto pertencente à Thutmés III .... 168
42. Figura mumiforme folhada a ouro pertencente à
Tutankhamun .......................................................................... 168
43. Figura mumiforme de verniz preto com coroa hedjet pertencente à Thutmés III ......................................................... 168
44. Figura mumiforme folhada a ouro com coroa hedjet pertencente
à Tutankhamun ....................................................................... 168
45. Figura de Amenhotep II com uma cavidade nas costas .............. 169
46. Detalhe estátua funerária de Osíris mostrando furo para
encaixe da barba divina ............................................................ 178
47. Detalhe estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris mostrando barba divina sobre plinto .......................................................... 178
48. Osíris do tipo 1. segurando dois açoites .................................... 179
49. Múmia com amarras semelhantes às que podem ser
encontradas representadas nas estátuas funerárias de Osíris ... 180
50. Colar wsx com terminais semicirculares .................................... 183
51. Colar wsx n bik com trabalho vazado ........................................... 183
52. Colar wsx com terminais em forma de flor de lótus .................... 183
53. Nut arqueada sobre Geb e sendo sustentada por Shu ............... 187
54. Livro da Vaca Celeste ................................................................ 188
55. Khepri sobre a sua barca, a qual é elevada pelo deus Nun ........ 189
56. Ísis e Néftis protegendo o corpo mumificado de Osíris ............... 192
57. Pino na parte inferior de estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris
para encaixe na base ................................................................ 193
58. Tampa da cavidade no topo da base em forma de falcão ............ 195
59. Estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris de Horresnet com
tampa da cavidade no topo da base em forma de sarcófago ....... 196
60. Estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris com base com listras ao redor .................................................................................... 198
61. Estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris com base com
quadrados ao redor ................................................................... 198
62. Osíris de Verniz Preto com a abertura da cavidade tubular no meio da figura .......................................................................... 201
63. Parte de trás Ptah- Sokar-Osíris de Djehoutimes em forma de
caixão ....................................................................................... 203
64. Ptah-Sokar-Osíris com cavidade tipo caixão .............................. 203
65. Cavidade retangular no verso do toucado divino ....................... 203
66. Início do “Livro dos Mortos” ...................................................... 207
67. “Confissão Negativa” ................................................................ 210
68. Capítulo 125 do “Livro dos Mortos” ........................................... 210
69. O morto trabalhando no Campo de Oferendas .......................... 212
70. Pseudo “múmia-de-grãos” alongada .......................................... 213
71. Pseudo “múmia-de-grãos” em forma de pacote tubular ............. 214
72. “Cama de Osíris” de Maihirpre .................................................. 216
73. “Cama de Osíris” de Horemheb ................................................. 216
74. “Cama de Osíris de Tutankhamun” ........................................... 216
75. “Cama de Osíris de Tutankhamun” sem o envoltório ................. 216
76. “Múmia-de-Grãos” .................................................................... 218
77. “Múmia-de-Grãos” .................................................................... 218
78. “Múmia-de-Grãos” .................................................................... 218
79. Caixão “Múmia-de-Grãos” ......................................................... 218
80. “Múmia-de-Grãos” .................................................................... 218
81. Tijolo de Osíris .......................................................................... 219
82. Tijolo de Osíris .......................................................................... 219
83. Tijolo de Osíris .......................................................................... 219
84. Tijolo de Osíris .......................................................................... 219
85. Osíris germinando .................................................................... 223
86. Colares de Cebola ..................................................................... 228
87. Festival de Sokar Cena I (Medinet Habu) ................................... 230
88. Festival de Sokar Cena II (Medinet Habu) .................................. 230
89. Festival de Sokar Cena III (Medinet Habu) ................................. 231
90. Festival de Sokar Cena IV (Medinet Habu) ................................. 231
91. Festival de Sokar Cena V e VI (Medinet Habu) ........................... 231
92. Festival de Sokar Cena VII (Medinet Habu) ............................... 232
93. Preparação da figura de Khenty-Amentet .................................. 235
94. Tumba figura de Sokar ............................................................. 235
95. Verso da estátua de Ptah-Sokar-Osíris W2051 .......................... 239
96. Figura feminina com vestido azul .............................................. 239
97. Reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 16 (frente) ...................................................................................... 250
98. Reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 16
(lado) ........................................................................................ 251
99. Reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 17 (frente) ...................................................................................... 252
100. Reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 17
(lado) ........................................................................................ 253
101. Falcão tampa estátua funerária Ptah-Sokar-Osíris .................... 254
102. Falcão tampa estátua funerária Ptah-Sokar-Osíris .................... 254
103. Reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 140
(frente) ...................................................................................... 255
104. Reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 140 (lado) ........................................................................................ 256
105. Comparação da inscrição observa por Kitchen (a) e Bielesch (b)
da estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 181 ................... 257
106. Reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 181 (frente) ...................................................................................... 259
107. Reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 181
(lado) ........................................................................................ 260
108. Reconstituição estátua funerária de Osíris inv. 200 (frente) ....... 261
109. Reconstituição estátua funerária de Osíris inv. 200 (lado) ......... 262
110. Reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 203
(frente) ...................................................................................... 263
111. Reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 203
(lado) ........................................................................................ 264
112. Reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 204
(frente) ...................................................................................... 266
113. Reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 204
(lado) ........................................................................................ 267
114. Osíris votivo inv. 199 (frente) .................................................... 268
115. Osíris votivo inv. 199 (verso) ..................................................... 268
116. Osíris votivo inv. 199 (lado) ....................................................... 269
117. Detalhe rosto Osíris votivo inv. 199 ........................................... 269
118. Detalhe mãos Osíris votivo inv. 199 .......................................... 269
119. Osíris votivo de bronze com base .............................................. 271
120. Osíris votivo de bronze .............................................................. 272
Lista de Tabelas
Pág.
1. Diferenças regionais na iconografia de Osíris segundo Roeder ..... 102
2. Correspondência Tipologia .......................................................... 164
3. Comparação figuras de grãos ...................................................... 237
Lista de Abreviaturas e Siglas
CT “Textos dos Caixões”
fig. figura
inv. Número de inventário
KV Tumbas reais do Vale dos Reis
LM “Livro dos Mortos”
N. nome do indivíduo a ser pronunciado junto com as fórmulas
p. página
pp. páginas
Pr. Prancha
PT “Textos das Pirâmides”
QV Tumbas do Vale das Rainhas
TT Tumbas da elite tebana
SUMÁRIO
VOLUME I - TEXTO
INTRODUÇÃO ...................................................................................... 30
PARTE I – CONTEXTO HISTÓRICO ................................................. 37
CAPÍTULO 1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA .................................. 38
1.1 PERÍODO PÓS-AMARNIANO .............................................................. 38
1.2 III PERÍODO INTERMEDIÁRIO .......................................................... 45
1.3 PERÍODO SAÍTA ................................................................................ 53
1.4 BAIXA ÉPOCA ................................................................................... 60
1.5 PERÍODO PTOLOMAICO ................................................................... 63
PARTE II – DEUSES ....................................................................... 68
CAPÍTULO 2. PTAH .............................................................................. 69
CAPÍTULO 3. SOKAR ........................................................................... 82
CAPÍTULO 4. OSÍRIS ............................................................................ 99
CAPÍTULO 5. SINCRETISMO ................................................................ 116
5.1 SINCRETISMO: UM BREVE HISTÓRICO ............................................ 116
5.2 TIPOS DE SINCRETISMO .................................................................. 121
5.3 SINCRETISMO NA EGIPTOLOGIA ...................................................... 124
CAPÍTULO 6. PTAH-SOKAR-OSÍRIS ..................................................... 132
PARTE III – AS ESTÁTUAS FUNERÁRIAS DE OSÍRIS E PTAH-
SOKAR-OSÍRIS .............................................................................. 144
CAPÍTULO 7. CLASSIFICAÇÃO ............................................................. 145
7.1 CLASSIFICAÇÕES INICIAIS DO SÉCULO XIX ............................... 145
7.2 A TIPOLOGIA RAVEN ........................................................................ 145
7.2.1 Tipo I – Estátuas de Verniz Preto ............................................. 146
7.2.2 Tipo II – Estátuas de Osíris Policromadas ................................ 147
7.2.3 Tipo III – Estátuas de Ptah-Sokar-Osíris com Face Verde ........ 148
7.2.4 Tipo IV – Estátuas de Ptah-Sokar-Osíris com Face Dourada .... 149
7.2.5 Classes Mistas ........................................................................ 150
7.3 ACRÉSCIMOS E CORREÇÕES DA TIPOLOGIA DE RAVEN ................ 151
7.3.1 Aston ...................................................................................... 151
7.3.2 Varga ...................................................................................... 153
7.3.3 Schoske .................................................................................. 153
7.3.4 Budka .................................................................................... 154
7.3.5 Ziegler .................................................................................... 155
7.3.6 Lipinska ................................................................................. 155
7.4 NOVA CLASSIFICAÇÃO ..................................................................... 156
7.4.1 Tipo 1. Osíris Policromado ...................................................... 156
7.4.2 Tipo 2. Osíris de Verniz Preto .................................................. 157
7.4.3 Tipo 3. Osíris com Face Verde ................................................. 158
7.4.4 Tipo 4. Ptah-Sokar-Osíris com Face Verde .............................. 158
7.4.5 Tipo 5. Ptah-Sokar-Osíris com Face Dourada e Tronco
Vermelho ......................................................................................... 159
7.4.6 Tipo 6. Ptah-Sokar-Osíris com Face Dourada e Tronco Preto ... 161
7.4.7 Tipo 7. Ptah-Sokar-Osíris com Tronco Branco ......................... 162
7.4.8 Tipo 8. Ptah-Sokar-Osíris Folhados a ouro ............................. 163
7.4.9 Tipo 9. Ptah-Sokar-Osíris Sem Pintura ou Monocromáticos ..... 163
7.4.10 Tipo 10. Shabti transformado em Ptah-Sokar-Osíris ............. 163
7.4.11 Tipos Mistos ......................................................................... 164
CAPÍTULO 8. PREDECESSORES .......................................................... 165
CAPÍTULO 9. CORES ........................................................................... 171
9.1 VERDE .............................................................................................. 171
9.2 PRETO .............................................................................................. 171
9.3 VERMELHO ...................................................................................... 172
9.4 DOURADO ........................................................................................ 173
9.5 AMARELO ......................................................................................... 173
9.6 BRANCO ........................................................................................... 173
9.7 AZUL ................................................................................................. 173
CAPÍTULO 10. ICONOGRAFIA DA ESTÁTUA ............................................ 175
10.1 COROAS E ADORNOS DE CABEÇA ................................................. 175
10.1.1 Coroa HDt (Coroa Branca) ....................................................... 175
10.1.2 Coroa Atf ................................................................................ 175
10.1.3 pA-sHmty (Coroa Dupla) ............................................................ 176
10.1.4 Coroa Swty ............................................................................. 176
10.1.5 Coroa hmhm ........................................................................... 177
10.1.6 Toucado Divino ou Tripartite ................................................. 177
10.1.7 Nemés .................................................................................. 177
10.2 BARBA DIVINA ................................................................................ 177
10.3 CETROS .......................................................................................... 178
10.4 VESTIMENTA .................................................................................. 180
10.5 REDE DE CONTAS .......................................................................... 181
10.6 COLARES ........................................................................................ 183
10.6.1 Colar wsx .............................................................................. 183
10.6.2 Peitoral ................................................................................. 185
10.7 DIVINDADES ................................................................................... 186
10.7.1 Nut ....................................................................................... 186
10.7.2 Khepri .................................................................................. 189
10.7.3 Filhos de Hórus .................................................................... 190
10.7.4 Ísis ....................................................................................... 191
10.7.5 Néftis .................................................................................... 192
CAPÍTULO 11. A BASE ......................................................................... 193
11.1 TOPO DA BASE ............................................................................... 194
11.1.1 Lago ..................................................................................... 194
11.1.2 Falcão ................................................................................... 194
11.1.3 Sarcófago .............................................................................. 195
11.1.4 Flor de Lótus ........................................................................ 197
11.2 REDOR DA BASE ............................................................................ 197
11.2.1 Listras .................................................................................. 198
11.2.2 Quadrados ............................................................................ 199
11.2.3 Símbolos Hieroglíficos Decorativos ........................................ 199
11.2.4 Serekh .................................................................................. 200
CAPÍTULO 12. CAVIDADES ................................................................. 201
12.1 CAVIDADE TUBULAR NO TRONCO ................................................. 201
12.2 CAVIDADE RETANGULAR NO VERSO DO TRONCO ........................ 202
12.3 CAVIDADE NA LATERAL DA BASE .................................................. 202
12.4 ESTÁTUA TIPO CAIXÃO .................................................................. 202
12.5 CAVIDADE RETANGULAR NO VERSO DO TOUCADO DIVINO ......... 203
12.6 CAVIDADE NO PILAR DORSAL ........................................................ 204
12.7 CAVIDADE NO TOPO DA BASE ....................................................... 204
CAPÍTULO 13. CONTEÚDO .................................................................. 205
13.1 LIVRO DOS MORTOS ...................................................................... 205
13.2 PSEUDO “MÚMIAS DE GRÃOS” ...................................................... 213
13.2.1 Outros Tipos de Figuras de Grãos encontradas no Contexto
Funerário ........................................................................................ 214
13.2.2 O Festival de Khoiak ............................................................. 220
13.2.2.1 Os Dias e Acontecimentos do Festival de Khoiak ..... 224
13.2.2.2 As Figuras de Grãos do Festival ............................... 234
13.3 EXCEÇÕES ..................................................................................... 237
CAPÍTULO 14. INSCRIÇÕES ................................................................ 240
14.1 LOCAL DAS INSCRIÇÕES ................................................................ 240
14.2 TIPOS DE INSCRIÇÕES ................................................................... 241
14.2.1 Proscinema ........................................................................... 242
14.2.2 Recitação .............................................................................. 242
14.2.3 Invocação do Morto ............................................................... 242
14.2.4 Hino a Ptah-Sokar-Osíris ...................................................... 243
CAPÍTULO 15. PROVENIÊNCIA ............................................................ 245
CAPÍTULO 16. AS ESTÁTUAS FUNERÁRIAS DE OSÍRÍS E PTAH-
SOKAR-OSÍRIS DA COLEÇÃO DO MUSEU NACIONAL/UFRJ – RIO DE
JANEIRO ............................................................................................. 247
16.1 MN-1 (inv. 16) …………………………………………………………………… 248
16.2 MN-2 (inv. 17) …………………………………………………………………… 249
16.3 MN-3 (inv. 140) …………………………………………………………………. 249
16.4 MN-4 (inv. 181) ............................................................................... 257
16.5 MN-5 (inv. 200) ............................................................................... 258
16.6 MN-6 (inv. 203) ............................................................................... 258
16.7 MN-7 (inv. 204) ............................................................................... 265
16.8 Osíris Votivo (inv. 199) .................................................................... 265
CONCLUSÃO ....................................................................................... 273
REFÊRENCIAS ..................................................................................... 277
FONTE FIGURAS ................................................................................. 292
APÊNDICES ......................................................................................... 299
APÊNDICE A – DIFERENTES FORMAS DE ESCRITA DO NOME PTAH-
SOKAR-OSÍRIS .............................................................................................. 300
APÊNDICE B – CORRESPONDÊNCIA NÚMERO CATÁLOGO E NÚMERO DE
INVENTÁRIO .................................................................................................. 302
APÊNDICE C – TABELA TIPOLOGIA ESTÁTUAS FUNERÁRIAS DE OSÍRIS E
DE PTAH-SOKAR-OSÍRIS RAVEN................................................................... 303
APÊNDICE D – TABELA NOVA TIPOLOGIA ESTÁTUAS FUNERÁRIAS DE
OSÍRIS E PTAH-SOKAR-OSÍRIS ..................................................................... 306
APÊNDICE E - ESTÁTUAS COM COLAR wsx n bik ............................................ 309
APÊNDICE F – ESTÁTUAS SEM BASE ........................................................... 310
APÊNDICE G – FRISOS DECORATIVOS BASE ............................................... 311
APÊNDICE H – TOPO DA BASE ..................................................................... 313
APÊNDICE I – TIPOS DE CAVIDADES ............................................................ 314
APÊNDICE J - TABELA EVENTOS FESTIVAL DE KHOIAK .............................. 316
APÊNDICE K - PEÇAS DO CATÁLOGO DE REFÊRENCIA COM
PROVENIÊNCIA CONHECIDA OU PROVÁVEL ................................................ 324
ANEXOS .............................................................................................. 325
ANEXO A – PROVENIÊNCIA CONHECIDA DE ESTÁTUAS FUNERÁRIAS DE
OSÍRIS E PTAH-SOKAR-OSÍRIS ANALISADAS POR RAVEN (1978-1979, pp.
291-292) ........................................................................................................ 326
VOLUME II – CATÁLOGOS
INTRODUÇÃO CATÁLOGOS ................................................................. 343
I. CATÁLOGO MUSEU NACIONAL/UFRJ .............................................. 344
II. CATÁLOGO DE REFERÊNCIA .......................................................... 353
VOLUME III – PRANCHAS
I. PRANCHAS CATÁLOGO MUSEU NACIONAL/UFRJ ........................... 480
II. PRANCHAS CATÁLOGO DE REFERÊNCIA ....................................... 498
30
INTRODUÇÃO
Para os antigos egípcios, a morte não representava o fim. Ela era
apenas o início de uma jornada, que, se bem sucedida lhe permitir-lhe-ia
unir-se a Osíris, Senhor do Mundo dos Mortos, e acompanhar o deus-sol em
sua barca, em sua viagem diária pelos céus. Esta jornada apresentava
muitos perigos pelo caminho, os quais deveriam ser vencidos pelo morto. O
maior desafio enfrentado era o julgamento de sua alma pelo Tribunal de
Osíris. Caso houvesse cometido mais pecados do que ações boas em vida, ele
viria a sofrer a segunda morte, ou seja, a morte definitiva.
Para ajudar o morto a vencer os desafios impostos por essa jornada, os
antigos egípcios criaram um rico aparato de acompanhamentos funerários
ao longo de sua existência. O tema central da presente dissertação de
mestrado consiste justamente no estudo de um grupo desses artefatos para
favorecer o renascimento, as estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-
Osíris, em especial os exemplares presentes na coleção egípcia pertencente
ao Museu Nacional/UFRJ.
As estátuas funerárias de Osíris irão surgir dentro do contexto
religioso do Período Pós-Amarniano, quando temos a retomada da antiga
religião, após o “monoteísmo” imposto por Akhenaton. O Atonísmo não deixa
de influenciar o pensamento egípcio, passando o mesmo por alterações. Os
deuses passam a interagir diretamente com as pessoas, não tendo mais o
faraó o papel de intermediário entre o mundo humano e o divino. No
contexto funerário, essa mudança também pode ser vista nas tumbas de
particulares, na medida em que as cenas da vida cotidiana são substituídas
por outras do morto interagindo com os deuses, cenas essas antes restritas
às tumbas faraônicas. Um deus ganha destaque especial no contexto
funerário: Osíris.
Segundo os mitos envolvendo Osíris, este deus é o primeiro a renascer
após ter sido assassinado por seu irmão Seth. Sua ressurreição é efetivada
pelo processo de mumificação realizado pelo deus Anúbis e os rituais
mágicos de sua irmã e esposa Ísis. Ele irá tornar-se o Primeiro dos
Ocidentais, ou seja, o Senhor do Mundo dos Mortos. O desejo do morto é
31
justamente o de obter o mesmo destino alcançado por Osíris. As estátuas
funerárias de Osíris são assim uma representação do deus, cujo destino
serve como modelo a ser seguido pelos mortos. Em seu interior, muitas
dessas estátuas contém um exemplar do “Livro dos Mortos”, o qual servia
como um guia para uma jornada bem sucedida ao Outro Mundo, assim
podendo o morto unir-se a Osíris.
No III Período Intermediário quando a atenção é voltada para o caixão,
e o equipamento funerário que acompanha o morto reduz-se drasticamente a
apenas alguns itens essenciais, as estátuas funerárias de Osíris
permanecem. Na XXI Dinastia elas atingem o seu ápice, sendo encontradas
em uma grande quantidade de tumbas. Estas em geral pertenciam a pessoas
que exerciam cargos sacerdotais ou estavam ligadas ao Templo de Amun. Na
XXII Dinastia, com o desaparecimento do “Livro dos Mortos”, as estátuas
funerárias de Osíris como receptáculo para a guarda deste também
desaparecem.
Por volta da XXV Dinastia, com a volta de um equipamento funerário
mais numeroso e da construção de grandes complexos funerários, o conceito
das estátuas funerárias de Osíris reaparece na figura de suas sucessoras, as
estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris. Em seu interior essa estátua da
forma sincrética de Osíris agora geralmente contém uma pseudo “múmia-de-
grãos”. Dessa forma, o morto passa a estar conectado com rituais do Festival
de Khoaik, que encenavam o renascimento de (Ptah-Sokar-)Osíris e nos
quais era fabricada uma figura de grão semelhante à encontrada no interior
das estátuas.
No final da Baixa Época e no Período Ptolomaico, o simbolismo da
estátua de Ptah-Sokar-Osíris como um agente do renascimento é reforçado
com novos elementos adicionados a sua decoração e a inscrição com o hino
à Ptah-Sokar-Osíris. Estes não remetem mais apenas ao contexto osíriaco do
pós-vida, mas também ao solar. Assim, a estátua funerária de Ptah-Sokar-
Osíris passa a ser um retrato do morto que foi bem sucedido em todas as
etapas de sua jornada para a outra vida; ele se tornou um Justo de Voz
perante Osíris e um Glorificado perante Rê. Justamente após atingir o ápice
do seu simbolismo como um agente do renascimento, a estátua funerária de
32
Ptah-Sokar-Osíris irá desaparecer no final do Período Ptolomaico com o
aumento da helenização dos costumes funerários.
A arqueologia cognitiva, definida por Kent Flannery e Marcus Joyce
como:
O estudo de todos os aspectos da cultura antiga que são o produto da mente humana: a percepção, descrição, e classificação do universo (cosmologia); a natureza do sobrenatural (religião); os princípios, filosofias, éticas, e valores em que sociedades humanas são governadas (ideologia); as maneiras em que aspectos do mundo, o sobrenatural, ou valores humanos são transportados na arte (iconografia); e todas as outras formas do comportamento simbólico e intelectual que sobrevive no registro arqueológico.
(1998, pp. 36-37)
É o ponto de vista sob o qual objetivamos elucidar o significado das estátuas
funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris, compreendendo a importância de
sua introdução no cenário funerário-religioso a partir do final do Novo
Império até o Período Ptolomaico (c. 1293 a.C.-30 a.C.). As mesmas devem
ser vistas como a materialização simbólica do pensamento egípcio em sua
relação com o sobrenatural.
Segundo Weeks (1979, p. 61) muitos estudiosos ao tratarem dos
aspectos funerários tratam apenas de seu aspecto material, ignorando a sua
natureza não-material. Nossa intenção aqui é estudar tanto a natureza
material das estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris, quanto a sua
natureza não-material, dando maior atenção a este último aspecto, através
da análise da composição de seu simbolismo como um agente para o
renascimento.
Aqui devemos levar em conta que os egípcios não possuíam a
concepção de arte moderna, sua noção de arte era a de que ela deveria ser
útil. Para os egípcios, as representações pictóricas e a escrita interagem
uma com a outra na formulação de um significado. Na medida em que a arte
é útil, devemos supor que existia uma categorização, havendo uma seleção
do que deveria ser representado, e que existiam atributos específicos para a
representação selecionada. Assim, as estátuas funerárias de Osíris e Ptah-
33
Sokar-Osíris são a construção de atributos cuidadosamente selecionados
para a representação do renascimento do morto.
Para a realização deste objetivo, a presente dissertação foi dividida em
três volumes: o volume I consiste da parte textual com a interpretação das
estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris, as quais estão baseadas
principalmente nos exemplares pertencentes ao Museu Nacional/UFRJ e em
um catálogo de referência por nós elaborado, cujas fichas de ambos
compõem o volume II, e o volume III é composto pelas pranchas com as
imagens dos exemplares do catálogo do Museu Nacional/UFRJ e do catálogo
de referência do volume anterior.
O volume I foi dividido em três partes para melhor compreensão dos
temas tratados.
A parte I compreende o contexto histórico no qual as estátuas
funerárias de Ptah-Sokar-Osíris estão inseridas. Entende-se a necessidade
desse primeiro capítulo pelo pouco conhecimento à respeito do aspecto
religioso dessa fase da história do Egito antigo, em especial no Brasil.
Quando olhamos a história do Egito antigo, observamos que em muitos
livros ela termina onde começa o nosso recorte temporal, o fim do Novo
Império. O III Período Intermediário e a Baixa Época, muitas vezes vistos
como uma “Idade das Trevas”, são descartados como um período de pouca
importância. Estes estudos em geral levam em conta apenas o aspecto
político desse período, quando o Egito encontra-se fragmentado sob o
governo de vários monarcas paralelos ou governantes estrangeiros. Mas,
como vem mostrando uma série de descobertas feitas ao longo das últimas
décadas, na esfera cultural o Egito permanecia unido em suas crenças e
todo um novo repertório religioso é criado. O Período Ptolomaico, onde
termina o nosso recorte temporal, geralmente é apenas lembrado pelo
governo da famosa rainha Cleópatra VII, retratada em tantos romances e
filmes.
A parte II – Deuses, procura primeiramente nos capítulos 2 a 4 fazer
um breve estudo dos deuses os quais compõem o deus sincrético Ptah-
Sokar-Osíris, representado em nossas estátuas. Assim, temos uma melhor
34
compreensão de seus aspectos em comum os quais permitem que um deus
“habite” os outros. Logo após, no capítulo 5, fazemos uma breve síntese
sobre os estudos acerca do sincretismo, na intenção de verificar se o mesmo
se aplica à união que origina o deus Ptah-Sokar-Osíris. Aqui são levados em
conta tanto os estudos feitos nas Ciências Humanas como um todo e aqueles
feitos pela Egiptologia. O último capítulo dessa parte irá tratar do deus Ptah-
Sokar-Osíris. Neste se aplicam os conceitos vistos no capítulo anterior e,
como no caso dos deuses Ptah, Sokar e Osíris tratados nos três primeiros
capítulos dessa parte, procuramos fazer um breve histórico seu
compreendendo, entre outros, as suas representações, funções e lugares de
culto.
A parte III irá tratar especificamente das estátuas funerárias de Osíris
e Ptah-Sokar-Osíris. O capítulo 7 trata do histórico feito a respeito. Através
deste podemos observar que o estudo destas estátuas já despertava o
interesse dos estudiosos desde o início da egiptologia. Assim, temos no
século XIX as primeiras interpretações a respeito, as quais tiveram por
mérito principal a divisão entre estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-
Osíris. Esta divisão terminológica continua a ser usada até hoje e por tanto,
também foi aplicada na presente dissertação. O conteúdo das estátuas
muitas vezes não era propriamente analisado, sendo as pseudo “múmias-de-
grãos” interpretadas como partes mumificadas do morto ou pequenos
animais mumificados.
O principal trabalho de referência sobre o tema será a tipologia
publicada por Raven em 1978-1979. Ele irá dividir as estátuas em cinco
tipos: Tipo I – Osíris de Verniz Preto, Tipo II – Osíris Policromado, Tipo III –
Ptah-Sokar-Osíris com Face Verde, Tipo IV – Ptah-Sokar-Osíris com Face
Dourada e um Tipo Misto, no qual Raven coloca os exemplares que não se
encaixam nas demais classes. Detendo-se em características específicas
dentro de cada tipo, ele faz subdivisões, as quais variam de quantidade de
um tipo para outro. Em outro artigo de 1982, ele irá fazer um estudo mais
profundo das pseudo “múmias-de-grãos” encontradas no interior das
estátuas de Ptah-Sokar-Osíris e demais figuras de grãos existentes. Através
de exames ele confirma as observações de Leemans (1840) de serem grãos de
35
cereais o conteúdo dessas pseudo-múmias, demonstrando serem errôneas
as outras propostas para o seu conteúdo.
A Tipologia proposta por Raven serve como referência até os dias
atuais, mas publicações posteriores a sua demonstram a necessidade de se
fazer certas correções. Aqui se destacam os trabalhos de Aston (1992), Varga
(1995) e Budka (2003). Outros artigos, como os de Schoske (2001), Ziegler
(2003) e Lipinska (2007), apresentam peças de tipos inéditos à tipologia de
Raven.
Levando em conta estas correções e novos exemplares, propomos no
final desse capítulo uma nova classificação, ilustrada pelo catálogo de
referência no volume II. A tipologia de Raven foi usada como base, sendo por
nós feita uma nova divisão dos tipos, para que os exemplares e correções na
datação pudessem compreender uma ordem cronológica.
O capítulo 8 trata dos possíveis predecessores das estátuas funerárias
de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris. Estes compreendem um grupo especifico de
shabti, que possui uma base, e estátuas de formato semelhante às de Osíris
e Ptah-Sokar-Osíris, encontradas nas tumbas reais da XVIII Dinastia.
O capítulo 9 trata da simbologia das cores utilizadas nas estátuas.
Estas, em sua maioria, remetem ao universo osíriaco e funerário.
O capítulo 10 compreende o estudo dos diferentes elementos que
compõem as estátuas, e o capítulo 11 aqueles que compõem a base. Estes
em sua maioria são símbolos de proteção e renascimento, reforçando o
simbolismo da estátua.
O capítulo 12 trata dos diferentes tipos de cavidades encontradas
tanto no tronco como na base das estátuas funerárias de Osíris e Ptah-
Sokar-Osíris.
O conteúdo dessas cavidades é abordado no capítulo 13. No interior
das estátuas funerárias de Osíris comumente encontramos um exemplar do
“Livro dos Mortos”, e no interior das estátuas funerárias de Ptah-Sokar-
Osíris uma pseudo “múmia-de-grãos”. Aqui fazemos uma breve análise dos
outros tipos de “múmias-de-grãos” encontradas no contexto funerário e a
sua ligação com as figuras de grãos fabricadas durante o Festival de Khoiak.
Encerrando estes capítulos, tratamos de exceções encontradas no interior de
36
estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris, entre as quais estão
papiros diferentes daquele do “Livro dos Mortos” e uma figura feminina com
um vestido azul.
O capítulo 14 trata das inscrições encontradas sobre as estátuas.
Estas podem ser compostas de inscrições comuns em objetos funerários,
como a fórmula de oferendas ou a invocação à Osíris ou ao morto. Nos
exemplares tardios encontramos a inscrição do hino à Ptah-Sokar-Osíris, o
qual é o único hino conhecido em homenagem a este deus.
A proveniência das estátuas é abordada no capítulo 15.
O último capítulo dessa parte trata especificamente das estátuas de
Osíris e Ptah-Sokar-Osíris da coleção egípcia do Museu Nacional/UFRJ.
Aqui se encontram as informações que puderam ser obtidas com a sua
análise e as reconstituições, quando possíveis.
Para facilitar a leitura, as citações em língua estrangeira foram todas
traduzidas para o português.
Os números entre colchetes [ ] fazem menção às peças do catálogo de
referência. Os números entre colchetes que possuem a sigla MN à sua frente
pertencem ao catálogo com os exemplares do Museu Nacional/UFRJ.
37
PARTE I
CONTEXTO HISTÓRICO
38
CAPÍTULO 1 – CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
As estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris são encontradas
no final da história do Egito antigo por um período de cerca de 1300 anos. O
cenário que encontramos a nossa frente é o do final de uma época gloriosa,
sob o reinado dos faraós ramessidas, sucedendo-se um período de
instabilidade marcado pela descentralização política, com o surgimento de
governadores locais e a sucessiva dominação do Egito por povos
estrangeiros: Líbios, Núbios (Kushitas), Assírios, Persas e, por fim, a
dominação grega por Alexandre, o Grande, dando início ao Período
Ptolomaico.
1.1 PERÍODO RAMESSIDA
O Período Ramessida compreende as XIX e XX Dinastias, sendo seu
nome originário dos onze faraós de nome Ramessés, os quais reinaram
durante este período. A primeira dinastia é marcada por um período de
prosperidade, com relativamente poucos conflitos, enquanto a segunda é
marcada por constantes conflitos e pela crescente perda de poder da
administração central, criando o cenário de um Egito dividido, o qual dará
origem às varias dinastias paralelas do III Período Intermediário.
O início desse período é marcado pelo retorno à religião tradicional,
abolida por Akhenaton em substituição ao deus único Aton no período
anterior. A restauração é iniciada no final da XVIII Dinastia por
Tutankhamun, logo após um curto período depois da morte de Akhenaton.
Os altos comandantes da administração egípcia2, os quais sucedem
Tutankhamun e também são os primeiros reis da XIX Dinastia, irão dar
continuidade a esse programa. Séthi I será aquele que fará os maiores
esforços para a restauração dos templos egípcios e a destruição dos vestígios
do atonísmo. Akhenaton e seus sucessores serão abolidos das listas reais,
constando nestas Horemheb como o sucessor direto de Amenhotep III.
2 Horemheb, um destes altos funcionários, pode ser considerado o último faraó da XVIII Dinastia ou o primeiro faraó da XIX Dinastia, dependendo da visão de autor para autor.
39
Apesar dos vestígios materiais desse curto tempo de monoteísmo terem
sido apagados, a religião e a cultura egípcia do Período Pós-Amarniano foi
marcada por inovações, as quais tiveram a suas origens na religião de
Amarna. A questão da existência de um único deus foi unida à
multiplicidade de deuses, a qual havia sido abolida por Akhenaton. Assim,
“Amun-Rê se tornou o deus universal, transcendental, o qual existia em um
lugar distante, independente de sua criação; os outros deuses e deusas eram
aspectos seus, eles eram suas manifestações imanentes.” (VAN DIJK, 2003,
p. 305) O faraó deixa de ser o representante divino do deus na terra,
tornando-se seu subordinado, como os outros seres humanos, pois agora o
deus revela o seu desejo diretamente a todos os seres humanos e intervêm
diretamente nos eventos e no curso da história. Com isso, o rei adquire um
caráter mais humano, perdendo parte de seu poder. Está nova posição pode
ser observada na forma de agir dos primeiros governantes da XIX Dinastia. A
legitimação de sua subida ao trono não é confirmada como o rei sendo um
descendente da família divina do deus Amun, como ocorria
tradicionalmente. O futuro faraó é escolhido pelo deus local de sua cidade
natal e apresentado para Amun como candidato ao trono, este último aprova
a escolha do candidato em uma manifestação pública durante o seu festival.
(VAN DIJK, 2003, p. 285)
A perda do poder divino do faraó irá culminar em um movimento
religioso conhecido como “devoção pessoal”. Este movimento que já aparece
como um fenômeno local restrito a Tebas no Período Pré-Amarniano espalha-
se em todo o Egito no Período Ramessida. Como o deus agora pode se
manifestar em todos os locais e entrar em contato direto com seus devotos,
as preces dirigidas aos deuses antes por intermediário do faraó agora são
dirigidas diretamente aos deuses. Muitos pedidos aos deuses podem ser
encontrados inscritos em estelas votivas e ostracos. Os oráculos, antes
consultados exclusivamente pelo faraó, passam a ser consultados pela
população em geral para a resolução dos mais variados assuntos durante a
procissão do deus. (ASSMANN, 2001, pp. 4-5; VAN DIJK, 2003, pp. 305-307)
A “devoção pessoal” também teve a sua influência no contexto
funerário. A tumba passou a ser concebida na forma de um pequeno templo,
40
no qual o morto expressava sua devoção pessoal aos deuses. Dois deuses se
destacam em especial aqui: Rê e Osíris. É o desejo do morto unir-se aos
devotos seguidores de Osíris no Mundo Inferior e participar da jornada diária
do deus-sol em sua barca.
A superestrutura da tumba tinha uma associação solar. No topo da
capela encontrava-se uma pequena pirâmide de tijolos com um nicho para
conter uma estela inscrita com hinos ao deus-sol e coroada com um
piramidion com cenas do morto adorando Rê e Osíris. A capela, as suas salas
internas e o pátio murado eram o local de culto aos deuses e dos ritos
funerários ao morto. A parte subterrânea da tumba, constituída por uma
passagem em declive e a câmara funerária, estava associada a Osíris e seus
domínios no Mundo Inferior. (Fig. 1) (BRANCAGLION JUNIOR, 2004, pp. 92-
94)
Figura 1 – Modelo de tumba particular do Período Ramessida cuja superestrutura é concebida na forma de um templo.
(SILIOTTI, 1997, p. 133)
41
As paredes das tumbas, antes decoradas com cenas da vida cotidiana
e da profisão do morto, passam a representar cenas de adoração dos deuses.
Cenas do “Livro dos Mortos” e outros textos funerários passam a aparecer
nas paredes de tumbas privadas. Este fenômeno, visto inicialmente nas
tumbas dos trabalhadores de Deir el-Medina, logo passa ser representado
nas demais tumbas.
Nos caixões e nas cartonagens colocadas sobre a múmia podem ser
encontradas cenas semelhantes às das paredes das tumbas. Dessa forma
temos entre os registros de hieróglifos cenas do morto adorando os deuses e
rituais funerários. Estas cenas eram pintadas em cores vivas, predominando
o vermelho e o azul sobre um fundo amarelo. O fundo das imagens nas
cartonagens muitas vezes era vazado, deixando aparecer as bandagens. Ao
mesmo tempo surgem caixões, cartonagens e shabtis que representam o
morto com os penteados e as roupas usadas no cotidiano. (TAYLOR, 1989,
pp. 35-39)
A tumba era preenchida com um rico aparato funerário, consistindo
tanto de objetos usados em vida como roupas, móveis, utensílios de higiene
e beleza, como por objetos de uso exclusivamente funerário, entre os quais
se encontravam vasos canopos, shabtis e ferramentas para a realização do
ritual de Abertura da Boca. Neste período também começam a aparecer as
primeiras estátuas funerárias de Osíris com um papiro do “Livro dos Mortos”
em seu interior. Assim como os demais objetos funerários da época, estes
possuíam uma rica policromia.
As tumbas reais do Período Ramessida no Vale dos Reis adquirirem
um eixo reto constituído de uma série de corredores, passagens e câmaras,
com a intenção de reproduzir o caminho percorrido pelo deus-sol no Mundo
Inferior e por conseqüência pelo faraó morto. Em suas paredes, novos textos
funerários como o “Livro dos Portões”, o “Livro dos Céus”, o “Livro da Vaca
Celeste”, o “Livro das Cavernas” e o “Livro da Terra” irão ilustrar essa
jornada. O ponto alto dessa viagem consiste na união do deus-sol com
Osíris, Senhor do Mundo dos Mortos. Com essa união, Osíris torna-se o sol
noturno que acorda os mortos de seu sono, e Rê regenera as suas forças
para poder derrotar os seus inimigos e poder renascer revigorado ao
42
amanhecer na forma do deus Khepri. (HORNUNG, 1993, pp. 85-87, 1991,
pp. 94-101) Estes livros podem ser vistos como um contraponto à abolição
do Mundo dos Mortos por Akhenaton, sendo visto como um guia do que
pode ser encontrado nesse Mundo Inferior reintegrado ao imaginário
religioso egípcio (ASSMANN, 2003, p. 18).
As ameaças vindas do estrangeiro, apesar da perda de alguns
territórios na Sírio-Palestina, conseguiram ser controladas nos anos iniciais
desses reis. No reinado de Séthi I temos as primeiras tentativas de incursões
líbias pela borda ocidental do Egito. O grande oponente da época era
formado pelo Império Hitita. Entre os conflitos enfrentados por Ramessés II
contra este está a famosa batalha de Qadesh, conhecida pela detalhada
descrição tanto em fontes egípcias como hititas. Posteriormente, em seu
décimo-sexto ano de reinado, Ramsés II irá assinar o primeiro acordo de paz
conhecido na história com Hattusili III, rei dos Hititas, frente ao surgimento
de um novo poderoso inimigo na Ásia, os Assírios.
Ramssés II transfere a capital de Mênfis para Pi-Ramessés, cidade
recém-fundada no Delta por seu pai Séthy I. A cidade tinha uma localização
estratégica, situada perto da estrada que levava para o forte fronteiriço de
Sile e para as províncias na Palestina e na Síria, permitindo combater com
rapidez qualquer insurreição surgida nesta parte. E também estava
localizada às margens do braço Pelusiástico do Nilo, dando fácil acesso
marítimo; dessa forma logo se tornando um importante centro de comércio
internacional. Pi-Ramessés se manterá como a capital do Egito até o final do
Novo Império. (SHAW; NICHOLSON, 1995, pp. 202 e 237)
A prosperidade e paz alcançadas por Ramessés II em seu longo reinado
de aproximadamente sessenta e sete anos foram abaladas por sua morte.
Devido a sua idade avançada, Ramessés II chegou a enterrar muitos de seus
filhos candidatos à sucessão do trono. Merenptah, o filho que sucedeu
Ramessés II, devido a sua idade também já avançada reinou por apenas
alguns anos. O fim da XIX Dinastia foi então marcado pelo governo de reis
incapazes de sustentar as proezas alcançadas por Ramssés II, e conflitos
sucessórios surgiram.
43
Na XX Dinastia, Ramessés III foi o último grande faraó a reinar
durante o Novo Império. Ele foi bem sucedido em suas campanhas contra os
líbios, cujas imigrações para o Egito se tornavam cada vez mais constantes,
e contra os Povos do Mar. Estes últimos transformaram toda a paisagem do
Oriente Médio, derrotando grandes impérios, como os Hititas. Os egípcios
foram os únicos que conseguiram derrotar os Povos do Mar. Uma tentativa
anterior de invasão por parte destes já havia falhado no reinado de
Merenptah.
Ramessés III tinha uma clara intenção de imitar o seu bem sucedido
antecessor de mesmo nome: Ramessés II. Além de seu nome ser igual ao
deste, os nomes de seus filhos eram os mesmos dos de Ramessés II. Na
arquitetura e nos relevos dos templos procurou igualmente imitar seu
antecessor. Aqui destaca-se a construção de seu Templo Memorial em
Medinet Habu, que era uma imitação do Ramesseum. Em seu interior temos
uma das representações mais completas das cenas do festival de Sokar,
realizado durante o mês de Khoiak. Apesar dos esforços nem ele, nem
nenhum outro faraó conseguiu superar a quantidade de obras realizadas por
Ramessés II espalhadas por todas as cidades do Egito e também na Núbia.
O Grande Papiro Harris menciona que uma grande porção de terras
foi doada aos templos, em especial ao templo de Amun em Karnak, por
Ramessés III. Ao final de seu reinado, um terço da terra cultivável pertencia
aos templos, e destas, três quartos pertenciam a Amun em Tebas. Este fator
levou à perda do controle das finanças do Estado e a uma crise econômica
gerada pelo aumento do preço dos grãos. Agora, Templo e Estado interagiam
para administrar a terra, mas o templo de Amun virtualmente tomou conta
do poder no Alto Egito. (BAINES; MALEK, 2000, p. 47; VAN DIJK, 2003, p.
298)
O reinado dos últimos faraós da XX Dinastia, todos de nome
Ramessés, foi marcado por uma crise crescente. Os territórios da Sírio-
Palestina foram todos perdidos, e a importância da Núbia declina. Exceto
pelo templo de Khonsu em Karnak, nenhum outro templo de grande
importância foi construído. Principalmente a região de Tebas vinha sofrendo
com constantes saques de tribos líbias vindas do Deserto Ocidental. Relatos
44
de saques a tumbas passam a ser freqüentes. Os roubos muitas vezes eram
realizados pelos artesãos, cujos antepassados construíram estas tumbas.
(SHAW, NICHOLSON, 1995, p. 202)
O ápice da crise pode ser visto no reinado de Ramessés XI, o último rei
do Novo Império, quando o vice-rei da Núbia, Panehsy, incursionou com
tropas núbias na região tebana sob o pretexto de instaurar a lei e a ordem
abaladas pelos constantes assaltos líbios. Por sua crescente tomada do
poder local, Panehsy entrou em conflito com o sumo sacerdote de Amun
Amenhotep, principal possuidor das terras locais, gerando uma guerra civil.
Tendo posteriormente avançado até Hardai no Médio Egito, foi derrotado
pelo exército do faraó comandado pelo general Piankh, retirando-se para a
sua residência em Aniba na Baixa Núbia. Em Tebas, Piankh assume os
títulos de Pahensy, de Vizier, e, após a morte de Amenhotep, o título de
Sumo Sacerdote de Amun. Dessa forma ele une em uma só pessoa os três
maiores cargos do Egito. Após a sua morte, seu filho adotivo Herihor assume
todos os seus cargos. Herihor aumentou seu status acima de qualquer um
de seus antecessores, retratando-se como rei no complexo de templos de
Karnak, e resepultando Séthi I e Ramessés II, na intenção de mostrar que
era um legítimo faraó. (BAINES; MALEK, p. 47; BRANCAGLION JUNIOR,
2009, informação verbal3; VAN DIJK, 2003, p. 302)
O wHm mswt, a Repetição dos Renascimentos, um sistema alternativo de
datação, o qual indicava que uma nova maat fora estabelecida após um
período de caos, foi adotada na região tebana. Este marcava uma cronologia
alternativa aos anos de reinado do faraó. Assim o Egito passou virtualmente
a ser governado por dois faraós, montando o padrão para o próximo período
da história do Egito. (BAINES; MALEK, p. 47; BRANCAGLION JUNIOR, 2009,
informação verbal4; VAN DIJK, 2003, p. 302)
3 Arqueologia e História do Egito Antigo II. Curso do mestrado em Arqueologia. Museu Nacional/UFRJ. Aula ministrada em: 08 jul. 2009. 4 Ibidem.
45
1.2 III PERÍODO INTERMEDIÁRIO
Este período é marcado por uma crescente descentralização política. O
poder agora está nas mãos de governantes locais, não se encontrando mais
centrado na figura do Faraó como nos períodos anteriores da história do
Egito. Muitos desses governantes têm uma origem estrangeira.
As fontes sobre o período também são escassas. Até o presente
momento não foram encontradas listas com os nomes dos reis das XXI-XXV
Dinastias, sendo nossa melhor fonte Manetho. Mas este baseou seus escritos
apenas em fontes do Delta. A dificuldade também consiste no fato de que
muitos dos governantes da época possuíam nomes ou títulos iguais, sendo
difícil saber se diferentes fontes referem-se à mesma pessoa ou a pessoas
diferentes. Da cultura material, a maioria provém de Tebas, sendo formada
principalmente por estatuária privada e material funerário. (TAYLOR, 2003,
p. 324-5) No Delta existe pouco material preservado, devido principalmente
às condições desfavoráveis do solo local para a preservação e as poucas
escavações feitas na região. Outro fator pode ser os constantes conflitos na
região, os quais teriam levado à destruição de muitas construções locais.
(MYŚLIWIEC, 2000, p. XIV)
A fragmentação política resultante do enfraquecimento do poder do rei
ocorreu devido a um encadeamento de fatores, entre os quais podemos
destacar: a atribuição, por parte do rei, de poderes importantes a familiares
e governantes locais, criando ímpeto para a formação de poderes locais e o
controle de recursos econômicos por estes. Assim, cargos importantes como
o de Vizier e Supervisor dos Tesouros e dos Armazéns passam a ter somente
poder local. Ao mesmo tempo, cargos burocráticos, clericais e militares
tornaram-se benefícios hereditários de famílias locais, permitindo a formação
de longas genealogias locais que passaram a exercer o poder. Casamentos
entre os clãs desses membros poderosos criavam poderosas elites locais, as
quais controlavam os centros locais. (TAYLOR, 2003, pp. 335-7, TRIGGER;
O‟CONNOR; LLOYD, 1983, p. 239)
O processo de descentralização foi mais marcado no Delta. Ao
contrário dos outros Períodos Intermediários, quando ocorreram às
fragmentações do Egito, no III Período Intermediário, ela era vista como
46
aceitável e foi institucionalizada como uma forma de governo. (TAYLOR,
2003, p. 337) Apesar de o período ter sido marcado por tensões contínuas,
elas raramente chegavam a conflitos abertos, em grande parte devido aos
casamentos inter-dinásticos. (TRIGGER; O‟CONNOR; LLOYD, 1983, pp. 232
e 235; MYŚLIWIEC, 2000, p. 33)
O poder estava baseado em uma Teocracia, na qual o deus Amun
detinha o poder político supremo, sendo os faraós os governantes temporais
apontados pelo deus através do oráculo. (TAYLOR, 2003, p. 326) Essa
Teocracia permitiu que no Alto Egito o poder de Tebas fosse predominante,
pois era o principal centro de culto de Amun. (TAYLOR, 2003, p. 337)
No plano terrestre poderíamos classificar o governo como uma
Federação de governadores semi-autônomos, nominalmente sujeitos (e
muitas vezes relacionados) a um rei supremo. Este sistema era semelhante
ao dos povos seminômades, como os líbios. (TAYLOR, 2003, p. 338)
O poder militar passa a ser uma das maiores bases do poder no Egito.
No Sul, praticamente todos os governadores da XXI Dinastia eram generais e
governadores províncias, os da XXII Dinastia eram em sua maioria eram
comandantes do exército. (TAYLOR, 2003, p. 342; TRIGGER; O‟CONNOR;
LLOYD, 1983, p. 239)
Da XXI à XXIII Dinastia podemos dividir o Egito em duas unidades
principais de poder, cuja fronteira se localizava em Teudjoi (atual el-Hiba).
Ao norte temos na maior parte os líbios governando a partir de Tânis, e ao
sul temos os sumo-sacerdotes de Amun e comandantes reinando de Tebas
(Mapa 3 e 4). Essa divisão também se reflete na cultura material, como
podemos observar, por exemplo, na existência de duas formas divergentes de
hierático: o demótico no norte e o hierático “anormal” em Tebas. (TAYLOR,
2003, p. 339)
47
Mapa 3 – Egito na XXI Dinastia (MANLEY, 1996, p. 101)
48
Mapa 4 – Divisão do Egito sob a XXII Dinastia (MANLEY, 1996, p. 105)
49
Em Tebas o cargo de Sumo-Sacerdote adquire praticamente o mesmo
peso do que o do Faraó. Segundo John Taylor:
Esse reinado esporádico pode ter sido assumido principalmente para fins de culto: já que era o rei que era o ponto de contato entre o mundo dos homens e o dos deuses, um estado praticamente independente assim como o Alto Egito requeria alguém para preencher o papel.
(2003, p. 340)
Ao mesmo tempo os sumo-sacerdotes assumiam funções militares. Todos
eram generais e tinham o título de “Grande Comandante do Exército” e
“Grande Comandante do Exército de Todo o País”. Também foram
responsáveis pela construção de várias fortalezas na área controlada por
Tebas, concentradas em sua maioria na margem leste: el-Hiba, Sheikh
Mubarek e Tehna (Akoris). (MYŚLIWIEC, 2000, pp. 34-5)
No Delta, a mudança da capital de Pi-Ramessés para Tânis deve-se
segundo descobertas da Missão Austríaca, sob o comando de Manfred Bietak
a mudanças hidrológicas da época.
Havia muitas indicações de que, ao final do Novo Império, o braço Pelusiástico do Nilo areou e que como resultado, suas águas combinaram-se com aquelas do braço Tanita, o qual fluía um pouco mais para o oeste. A Capital Ramessida, que fica ao norte do local onde agora os dois braços se uniam, assim perdendo o seu acesso ao mar, impedindo o funcionamento normal, pois agora foi cortado de uma importante rota de comércio.
(MYŚLIWIEC, 2000, p. 33)
Provavelmente Tânis foi escolhida devido a sua localização privilegiada
num planalto perto de uma baía do Mediterrâneo, e a sua conexão com o
interior do país. (MYŚLIWIEC, 2000, p. 33) Para facilitar a construção da
nova capital, grande parte do material provém da re-utilização de edificações
de outras cidades do Delta, em especial Pi-Ramessés. Seus templos
procuravam imitar as construções monumentais de Tebas. (MYŚLIWIEC,
2000, pp. 27-8; TAYLOR, 2003, pp. 325-6)
O ponto alto do início do III Período Intermediário é o reinado de
Sheshonq I, primeiro rei da XXII Dinastia, o qual procurou retomar modelos
faraônicos do Novo Império, promovendo a integridade do país, uma política
50
estrangeira expansionista e um programa ambicioso de construção real.
(TAYLOR, 2003, p. 329)
Para tentar diminuir o poder independente exercido por Tebas,
Sheshonq I apontou o seu terceiro filho, Iuput, como sumo-sacerdote de
Amun. Ele acabou com a hereditariedade do cargo de sumo-sacerdote, o que
de um lado “possibilitava a manipulação do cargo por um Faraó forte, mas
também criava uma oportunidade para os inimigos quando o faraó era
fraco”. (MYŚLIWIEC, 2000, pp. 50-1) Iuput e seus sucessores governavam a
região tebana e o Médio Egito a partir da fortaleza de Teudjoi, comparecendo
em Tebas apenas para as festividades.
Com os sucessores de Sheshonq I, o poder no Egito volta a se
fragmentar, surgindo vários comandantes líbios com forte poder local.
(MYŚLIWIEC, 2000, p. 42; TAYLOR, 2003, p. 330)
Os líbios que governaram o Egito no III Período Intermediário eram
originários principalmente dos grupos Meshwesh (ou Ma) e Libu, os quais
ameaçavam o Egito no Novo Império. Provavelmente eram originários da
Cirenaica, onde viviam baseados principalmente em uma economia pastoral
nômade. Eles começaram a migrar para o Egito em grande número,
principalmente nos reinados de Merenptah e Ramessés III, quando
supostamente ocorreram a falta de comida local e as incursões dos Povos do
Mar em sua terra natal. Com isso, passaram a ter uma maior cooperação
política e organização militar. (TAYLOR, 2003, pp. 332-3)
Ao final do Novo Império seus chefes passam a ter influência local no
Egito. Estabeleceram-se principalmente entre Mênfis e Heracleópolis, nos
Oásis do Deserto Ocidental e no Delta Ocidental, locais próximos à sua terra
natal e de pouco interesse faraônico. (TAYLOR, 2003, p. 333)
Ao mesmo tempo em que adotaram costumes faraônicos tradicionais
(alguns cuidadosamente selecionados, como a assimilação do rei como
Hórus criança, filho de Osíris e Ísis), também mantiveram determinados
traços étnicos como os nomes, os títulos de chefes e as duas penas na
cabeça como sinal distintivo. (TAYLOR, 2003, p.334) (Fig. 2)
51
Nas práticas funerárias ocorrerá uma simplificação em todo
equipamento adotado para o sepultamento no início do III Período
Intermediário. Em geral encontram-se apenas uma pequena estela (na
maioria das vezes em madeira), caixões, vasos canopos (vazios), amuletos,
shabtis e papiros funerários, estando um dentro da figura de Osíris. A
prática de reutilizar material antigo se tornou comum no período. (TAYLOR,
2003, p. 358)
As tumbas reais e da elite, de grandes dimensões e ricamente
decoradas, serão substituídas por uma simples câmara funerária
subterrânea com uma modesta capela diretamente acima. Observam-se
também o surgimento de enterros no entorno dos templos, garantindo uma
maior segurança contra roubos e maior proximidade com as divindades. Na
região tebana, por exemplo, muitos deles são encontrados nos templos
memoriais de Medinet Habu e do Ramesseum. (TAYLOR, 2003, pp. 356-57)
Em Tânis, um complexo funerário subterrâneo com nove tumbas (entre elas
encontravam-se algumas das dos reis das XXI e XXII Dinastias) foi
construído no interior do templo de Amun. Parte do equipamento funerário e
do calcário utilizado na construção das tumbas veio de material reutilizado
de outras épocas. (BARD, 2008, p. 275)
Figura 2 – Representação típica de líbios – XIX Dinastia, KV17.
52
Também temos o surgimento de grande número de enterros
comunitários, utilizando-se de tumbas mais antigas e estruturas religiosas
desativadas. Os assim chamados cachettes coincidem com a raridade de
capelas individuais encontradas no período. Eles foram preparados do
reinado de Herihor até Pinedjem II. Entre os mais conhecidos estão o
Cachette Real, na tumba de Amenhotep II no Vale dos Reis e o Cache Sul de
Deir el-Bahari, contendo as múmias de vários faraós das XVIII e XIX
Dinastias ali relocados pelos sacerdotes para protegê-los dos ladrões de
tumbas; e o Cachette de Sacerdotes de Amun em Deir el-Bahari, contendo
153 caixões dos sacerdotes da XXI Dinastia. Este último é o provável local de
origem de algumas das estátuas funerárias de Osíris estudadas na presente
dissertação. Os cachettes foram construídos em sítios ao longo do Egito,
entre os quais podemos mencionar Saqqara, Heracleópolis, Akhmin, além de
Tebas. Segundo os indícios em geral eles eram formados por membros da
mesma família. (MYŚLIWIEC, 2000, pp. 35-38; TAYLOR, 2003, p. 357)
A atenção maior passou a ser dada para o corpo, em conseqüência ao
esquife, passando esse a desempenhar o papel dado antes à tumba. Este
tornou-se um mini universo, com o morto no centro, identificado como o
deus-criador e, portanto fonte de sua própria ressurreição. (MYŚLIWIEC,
2000, pp. 39; TAYLOR, 2003, pp. 358-9)
Os sacerdotes de Tebas criaram um rico novo repertório de iconografia funerária, promovendo o conceito de renascimento através das mitologias combinadas de Osíris e do deus-sol, e as imagens foram projetadas com uma visão para concentrar múltiplos níveis de significado em uma única cena complexa.
(TAYLOR, 2003, p. 359)
Junto com esses novos elementos apareciam composições pertencentes ao
repertório clássico. No fundo dos caixões podemos encontrar os faraós da
XVIII Dinastia, principalmente Amenhotep I e Thutmés III, deificados, sendo
identificados com Osíris. (MYŚLIWIEC, 2000, pp. 39; TAYLOR, 2003, p. 359)
Na XXII Dinastia ocorre uma inovação no estilo dos caixões de Tebas.
Estes irão consistir de invólucros de cartonagem policromada encerrados em
caixões de madeira com design mais simples. No repertório iconográfico
53
haverá uma concentração no arranjo simétrico dos deuses e maior uso das
cores. (TAYLOR, 2003, pp. 359-60)
No final do III Período Intermediário, com os reis Kushitas, há um
retorno às antigas tradições, acopladas com inovações. Temos a construção
de complexos gigantes para os oficiais, as “Divinas Adoradoras de Amun” e
os sacerdotes no final da XXV Dinastia, na região tebana, retornando a
tradição das tumbas ramessidas. Essas “tumbas palácios” consistiam
geralmente de um templo de pequenos tijolos de barro, com passagens
cortadas na rocha, as quais davam acesso ao sepultamento subterrâneo. Os
vasos canopos funcionais e a literatura funerária reaparecem. (BARD, 2008,
p. 285; BRANCAGLION JUNIOR, 2004, p. 94; TAYLOR, 2003, p. 360)
As estátuas de Ptah-Sokar-Osíris surgem como um substituto para as
estátuas funerárias de Osíris, que desaparecem junto com os papiros
funerários na XXII Dinastia. Dentro do mesmo conceito de ajudantes para o
renascimento, elas foram readaptadas. No seu interior encontramos uma
pseudo “múmia-de-grãos” no lugar do “Livro dos Mortos”.
Novos estilos de caixões são desenvolvidos, diminuindo o número de
invólucros de cartonagem. Caixões exteriores retangulares com uma tampa
abobadada e um poste alto em cada canto representam a capela Per-nu ou a
tumba de Osíris. Estes apresentavam semelhanças com caixões “casa” do
Antigo Império e dos “catafalsos” da XVIII e XIX Dinastias. Os caixões
internos projetam uma nova imagem do morto transfigurado, lembrando
uma estátua, com pilar dorsal e pedestal. Os shabtis e as estátuas de Ptah-
Sokar-Osíris seguiam a mesma linha. Essas inovações parecem ter origem
em Tebas e se expandem para o norte. (TAYLOR, 2003, p. 360; TAYLOR,
1989, p.53)
Ao mesmo tempo em que a arte deste período é marcada por
inovações, também encontramos um “arcaísmo” deliberado. Técnicas,
modelos e motivos do Antigo Império, Médio Império e Novo Império são
deliberadamente revividas e misturadas aos novos padrões.
54
Os reis Kushitas, os que reinaram no Egito paralelamente à XXIV
Dinastia de Sais também recuperaram modelos antigos na arte e na religião.
Mas não deixaram de introduzir inovações as quais remetiam a sua terra
natal.
O corpo humano era representado com maior realismo, destacando-se
a musculatura dos governantes. Traços africanos são preservados, sendo os
reis Kushitas retratados como pessoas de ombros largos com pescoços
curtos e grossos, pele escura, lábios carnosos e largos, e nariz chato. As
representações femininas podiam apresentar o cabelo curto, típico da Núbia.
Mas, ao mesmo tempo, havia uma imitação dos arquétipos do Antigo Império
e Médio Império. (MYŚLIWIEC, 2000, p. 85; SCHOLZ, 2006, p.100; TAYLOR,
2003, p. 350)
Em sua fronte portavam um uraeus
duplo (Fig. 3), em substituição ao uraeus
(deusa Wadjit) junto com a deusa abutre
Nekhbet, que representavam o Egito
unido. Este novo símbolo poderia
representar que eram governantes das
Duas Terras, não mais o Alto e Baixo
Egito, mas sim Kush e o Egito.
(MYŚLIWIEC, 2000, pp. 87-8; SCHOLZ,
2006, p.100) Segundo Myśliwiec (2000, p.
88), essa hipótese poderia se confirmar
pelo fato de na XXVI Dinastia apenas um
dos uraeus ser apagado das imagens da
XXV Dinastia.
Em especial Shabaka e Taharqa
promoveram uma série de reformas e
ampliações nos templos egípcios. O
segundo também conduziu uma série
delas na Núbia, em especial na sua capital Napata. Nessa, os governadores e
a elite eram representados com vestimentas egípcias e adotavam práticas
Figura 3 - Detalhe imagem Taharqa portando símbolos típicos dos faraós kushitas, como o uraeus duplo e o ―Gorro Kusshita‖. No pescoço usa um pendente do deus Amun, na sua forma de carneiro, a forma do deus adorada na Núbia – XXV Dinastia, Tumba de Tanwetamani, sobrinho de Taharqa.
55
funerárias egípcias. Nas necrópoles de El-Kurru, Nuri e Meröe construíram
uma série de pirâmides, chegando a superar em número do Egito. Os deuses
egípcios eram igualmente adorados, em especial o deus Amun-Rê. Ali ele
recebia o nome de “Amun, residente da Montanha Pura (Gebel Barkal)”, em
referência à localização de seu templo ao lado dessa montanha. A forma
teoriomórfica do deus tinha uma cabeça de carneiro, que seria a origem para
o Amun tebano em forma de carneiro. (MYŚLIWIEC, 2000, p. 71; TAYLOR,
2003, p. 346)
Tendo, os reis Kushitas, instalado sua residência real no Egito na
cidade de Mênfis (capital do Antigo Império), apresentaram uma devoção
especial à Ptah, deus patrono da cidade. A Teologia Menfita, que conta a
criação do mundo a partir do deus Ptah, foi inscrita na famosa estela de
granito preto do faraó Shabaka, a qual se encontra atualmente no British
Museum (EA 498). (MYŚLIWIEC, 2000, p. 89; TAYLOR, 2003, pp. 349 e 351)
O adorno de cabeça típico destes governantes, o “Gorro Kushita” (Fig. 3), é
igual ao usado pelo deus Ptah. A única diferença está na cor do gorro: o de
Ptah é azul e o dos faraós é amarelo. O mesmo já era usado pelos faraós
Ramessidas, especialmente quando conduziam rituais para Ptah. Ao que
tudo indica, os governantes kushitas adotaram o “Gorro Kushita” em
substituição à coroa khepresh (coroa azul), já que a mesma não era utilizada
por eles. (MYŚLIWIEC, 2000, pp. 91-2 e 120; TAYLOR, 2003, p. 348)
Na medida em que o cargo de Sumo-Sacerdote de Amun declina, outro
cargo ganha proeminência, o das “Divinas Adoradoras de Amun” (ou
“Divinas Esposas de Amun”). Esta função sacerdotal fora criada na XVIII
Dinastia e exercida pela Grande Esposa Real. No início do III Período
Intermediário o cargo passa a ser hereditário, através da adoção por parte da
“Divina Adoradora de Amun” atual, de sua sucessora ao cargo. Este sistema
manteve-se até a XXVI Dinastia. Com o Sumo-Sacerdote Pinedjem, o cargo
passa a ser celibatário, como forma de coibir a criação de uma subdinastia.
Sua principal função religiosa era estimular o ímpeto procriativo do deus e
com isso assegurar a fertilidade da terra e a repetição cíclica da criação.
(MYŚLIWIEC, 2000, p. 33; TAYLOR, 2003, p. 355)
56
A partir da XXIII Dinastia, o seu status se aproxima ao do rei,
aparecendo com maior proeminência nos templos da XXV Dinastia, quando
sua posição é reforçada por Shabaka. Nas capelas de Osíris em Karnak e nas
de Medinet Habu elas são vistas em papéis antes reservados ao Faraó.
Pessoas a serviço das “Divinas Esposas” tornaram-se pessoas poderosas e
influentes no final da XXV Dinastia e tiveram um papel fundamental na
reintegração do sul, em um Egito totalmente unificado na XXVI Dinastia.
(MYŚLIWIEC, 2000, p. 94; TAYLOR, 2003, p. 355)
O Final do III Período Intermediário é marcado pelos constantes
conflitos entre os núbios e os assírios pelo controle do poder na região da
Sírio-Palestina e no Egito. Em sua última e pior invasão do Egito, os assírios
chegam até Tebas saqueando e pilhando a cidade. Entre os confrontos das
duas potências Necho I, o governante de Sais, nomeado pelos assírios,
aproveita-se de um momento de fraqueza destes para assumir o trono do
Egito. Segundo David O‟Connor:
A ênfase Kushita sobre a unidade ideológica e ritual do Estado preparou o Egito psicologicamente para um retorno do governo centralizado; enquanto que a ativa oposição Kushita contra a Assíria requeria um grau sem precedentes de co-ordenação militar e política entre os dinastas egípcios.
(TRIGGER; O‟CONNOR; LLOYD, 1983, p. 245)
O filho de Necho I, Psametik I expulsou os Assírios definitivamente do Egito,
deste modo ascendendo ao trono de um Egito reunificado novamente e
encerrando o III Período Intermediário.
1.3 PERÍODO SAÍTA
Por aproximadamente 100 anos o Egito volta a ser um país governado
por apenas um rei, destacando-se como uma potência mundial. Este quadro
foi alcançado por Psametik I, que reorganiza o exército com a introdução de
mercenários estrangeiros (carius e jônicos principalmente) e reforça a
economia através de contatos com os gregos e fenícios.
A unificação do Egito é concretizada de fato com a nomeação de
Nitocris, filha de Psametik I, para o cargo de “Divina Adoradora de Amun”,
57
fato retratado na Estela da Adoção. (MYŚLIWIEC, 2000, p.112) Neste período
estas sacerdotisas ficam ainda mais poderosas, sendo que a partir da
“Divina Adoradora de Amun” Ankhnesneferibre, filha de Psametik II, elas
também passam a assumir o cargo de Sumo-Sacerdote. Ambas as funções
são executadas até Nitocris II, quando o cargo de “Divina Adoradora de
Amun” é extinto pelos governantes persas. (MYŚLIWIEC, 2000, p.131)
O novo exército de mercenários tinha como função proteger o reinado
dos ataques estrangeiros, no início vindos dos assírios, depois dos caldeus e
dos persas. Mas, ao mesmo tempo, também serviam como um contrapeso
para os soldados nativos, os machimoi, formados principalmente por líbios,
os quais ainda possuíam um grande poder interno. (MYŚLIWIEC, 2000, p.
116; LLOYD, 2003, p. 366)
Tanto para as campanhas expansionistas na Ásia quanto para o
comércio no Mediterrâneo, foi construída uma grande frota marítima. Como
forma de facilitar a navegação, uma série de canais foi construída, tendo
Nekau II inclusive iniciado a construção de um canal que deveria ligar o Nilo
ao Mar Vermelho. Para regulamentar o comércio exterior e interior, a cidade
de Naucratis tornou-se o principal porto comercial da época. (MYŚLIWIEC,
2000, pp. 116 e 121; LLOYD, 2003, pp. 368-9)
Os Faraós dessa dinastia também se empenharam num amplo
programa de construções, dos quais a maioria estava localizada no Delta.
Pouca coisa se preservou, mas sabemos a respeito através das inscrições, de
fragmentos restantes e dos escritos de Heródoto. Este último vem a ser uma
fonte importante sobre o período, embora bastante fantasiosa em alguns
aspectos. (MYŚLIWIEC, 2000, p. 122; LLOYD, 2003, p. 370)
Grande parte dessas construções deveria estar localizada na sua
capital Sais, da qual se origina o nome do período. O ponto central em Sais
era o centro de culto principal dedicado à deusa patrona da cidade, Neith5,
conhecido como Hwt Byt (“Mansão da Abelha”). (MONTET, 1957, p. 83;
LLOYD, 2003, p. 370) No Pátio do templo estavam localizadas as tumbas
5 Neith era uma deusa de caráter bélico, através do que acabou por ser identificada como uma deusa protetora, tornando-se assim uma deusa mãe universal. Às vezes ela também é confundida com a deusa Nut pelo seu epíteto de a “Grande Vaca”, e é igualmente conhecida como sendo a mãe de Rê. (HART, 1986, pp. 131-4; WILKINSON, 2003, pp. 160-3) Os gregos a identificaram com a deusa Atena/Minerva por seu caráter guerreiro. (MYŚLIWIEC, 2000, p. 128)
58
onde foram enterrados os reis da XXVI Dinastia. (LLOYD, 2003, p. 271) E
ainda segundo Heródoto, havia um local de sepultamento de Osíris e um
lago sagrado onde eram celebrados os rituais do Festival de Khoiak.
Em Sais também, no precinto sagrado de Minerva6, atrás da capela e rente à parede está à tumba de um7, cujo nome eu considero ímpio de divulgar nesta ocasião. E no seu interior encontra-se um grande obelisco de pedra e há um lago perto, ornamentado com uma margem de pedra, formando um circulo, e em tamanho, como me pareceu, o mesmo do de Delos, o qual é chamado de o Circular. Neste lago eles realizam à noite as representações das aventuras dessa pessoa, as quais eles chamam de mistérios. Nestas questões, contudo, apesar de corretamente informado com os particulares dele, eu devo guardar um discreto silêncio.
(apud MYŚLIWIEC, 2000, pp. 124-5)
Esse excerto de Heródoto também nos demonstra que a popularidade
de Osíris cresce ainda mais com o tempo. Seu festival, realizado no mês de
Khoiak, agora é celebrado em várias cidades ao longo do Egito. Os rituais de
renascimento, cujo ponto central é o preparo de uma figura mumiforme de
grãos, rituais esses executados para o deus, são adaptados para morto. Este
deseja renascer após a morte como Osíris; para tanto concentra-se parte
desse simbolismo nas estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris.
Mênfis torna-se uma cidade cosmopolita na época, onde vivem pessoas
de diversas nacionalidades introduzidas com as conquistas dos novos
territórios do período. (MYŚLIWIEC, 2000, p. 128) Dessa cidade, junto com
Sais, provêm as melhores esculturas. A escultura, assim como os relevos da
XXVI Dinastia, apresentava um traço mais naturalista, capturando as
expressões das pessoas. O Arcaísmo, já presente no III Período
Intermediário, intensifica-se nesse momento em que são copiados
principalmente modelos do Antigo Império. Na pirâmide de degraus de
Saqqara chegaram inclusive a desenhar linhas guias sobre os relevos, para
que a cópia fosse feita nos mínimos detalhes. Os artistas procuram alcançar
tamanha perfeição que às vezes é difícil para os especialistas da atualidade
6 Neith 7 O deus Osíris, cuja forma local era conhecida como Osíris Hemag (MONTET, 1957, p. 84)
59
atribuir a verdadeira época de uma peça. (MYŚLIWIEC, 2000, p. 118; SHAW;
NICHOLSON, 1995, p. 250)
A forma humana, assim como os hieróglifos, são mais altos e delgados,
comparados às fortes proporções e formas musculares da XXV Dinastia.
Apesar de que nas obras de Psametik I ainda podemos ver a preservação de
alguns traços kushitas, as lembranças dos faraós Kushitas e a presença
destes nos antecessores de Psametik II são apagadas por ele. (MYŚLIWIEC,
2000, pp.117-120)
O culto aos animais sagrados, em especial ao touro Ápis ganha
atenção especial na XXVI Dinastia. Psametik I constrói uma nova galeria
subterrânea no Serapeum em Saqqara para o sepultamento dos touros. As
estelas dedicadas ao touro do período contêm preciosas informações
cronolgicas. (MYŚLIWIEC, 2000, p. 130)
Em especial nas necrópoles de Saqqara e Giza, grandes esforços foram
gastos por altos oficiais no desenvolvimento de tumbas invioláveis por
ladrões. Nas chamadas “Tumbas Poços” ou “Tumbas Persas”, um sarcófago
antropomórfico de grandes dimensões era levado até o fundo por um sistema
de poços. Após o sepultamento elas eram preenchidas com areia. Os bens
funerários não eram mais tão ricos como no Novo Império. (BARD, 2008, p.
285; BRANCAGLION JUNIOR, 2004, p. 94; LLOYD, 2003, p. 385) As tumbas
familiares e as “tumbas palácios” da região tebana continuam sendo
construídas. (LLOYD, 2003, p. 383)
Infelizmente as campanhas vitoriosas do início da XXVI Dinastia não
conseguiram ser sustentadas pelos últimos faraós desta dinastia. A principal
causa para a sua derrota é o surgimento no cenário internacional de uma
nova potência, o Império Persa. Em 525 a.C, Cambises II conquista o Egito
na Batalha de Pelusia, tornando-se o Egito uma satrapia desse império.
60
1.4 BAIXA ÉPOCA
As informações sobre as ações dos governantes persas no Egito são
contraditórias. As fontes clássicas e hebráicas acusam Cambises de ser um
homem cruel, que entre outros fatos teria mandado matar o touro Ápis e ter
destruído os templos egípcios. Já as fontes arqueológicas vêm nos
demonstrando um quadro completamente oposto. Sabemos que dois touros
Ápis, os quais morreram durante o reinado de Cambises, foram sepultados
com todas as honras, estando o nome deste governante inclusive em seus
sarcófagos. Já através de uma inscrição na estátua de Udjahorresnet, um
egípcio que era conselheiro de Cambises, sabemos que o mesmo mandou
restaurar parte dos templos egípcios. (MYŚLIWIEC, 2000, p. 135; LLOYD,
2003, p. 374) A mesma política é mantida por seu sucessor, Dario I. O
templo de Hibis, construído por ele no Oásis de Kharga, é o único grande
templo da Baixa Época se manteve praticamente intacto até os nossos dias.
(MYŚLIWIEC, 2000, p. 137)
E como nos demonstra Myśliwiec ao descrever uma estátua de Dario I
com fortes traços egípcios encontrada em Susa, atualmente
no Iran-Bastam Museum, Teerã (Fig. 4) havia muitas
semelhanças entre ambas as culturas.
Enquanto a Egiptomania de Dario pode ter sido causada pela sua reverência por antigas tradições faraônicas, ambas as culturas – a Persa e a Egípcia – continham elementos ideológicos similares os quais podiam ser facilmente comparados. A relação entre o governante e o divino era a mesma em ambas as religiões: assim como o faraó era o escolhido e era a imagem de Atum, o rei Persa era a encarnação de Ahuramazda. O amor egípcio pela ordem e verdade, conceitos personificados pela deusa Maat, tinham sua contraparte na oposição persa de verdade (arte) e falsidade (drauga). O arco, o atributo da deusa egípcia Neith, era a arma preferida dos persas. Não é de admirar, então, que não havia grandes obstáculos para a assimilação mutua das duas culturas, que também podiam encontrar expressão na arte.
(2000, p. 154)
O sistema de administração egípcio foi basicamente
mantido. No topo foi introduzido um sátrapa, o qual atuava
como um vice-rei. Este conduzia a administração central
através de uma chancelaria, a qual era controlada por um
Figura 4 – Estátua Dario I com traços egípcios - Iran-Bastam Museum, Teerã
61
chanceler assistido por um escriba. A língua oficial usada era o aramaico,
exigindo a presença de tradutores egípcios. Abaixo desse nível o sistema
continuava egípcio. (LLOYD, 2003, p. 375)
Com as derrotas sofridas pelos persas na Grécia, os egípcios
aproveitaram-se da situação criando rebeliões na busca de sua
independência. Entre 414 à 405 a.C. Amyrtee, de Sais, com o apoio de
Esparta, finalmente obteve sucesso em expulsar os persas do Egito. Para a
sua vitória também contribuiu uma rebelião interna no Império Persa
liderada pelo irmão do rei Artaxerxes II, impossibilitando o envio de tropas
para o Egito. (MYŚLIWIEC, 2000, pp. 158-9; SHAW; NICHOLSON, 1995, p.
158)
A conquista de Amyrtee, o qual veio a ser o único faraó da XXVIII
Dinastia, conseguiu ser mantida apenas por cerca de 60 anos, quando
teremos uma nova dominação persa no Egito. Este curto período de
independência foi marcado por reinados curtos de reis que às vezes ficavam
apenas alguns meses no trono.
Para a XXIX Dinastia nossa evidência está longe de ser completa, mas ela demonstra inequivocamente que quase todo governador teve um reinado curto e sugere que todos eles, com a exceção de Hakor (393-380 A.C.), poderiam ter sido depostos, às vezes provavelmente pior.
(LLOYD, 2003, p. 377)
Nectanebo I, fundador da XXX Dinastia, certamente chegou ao
poder através de um golpe militar. Os faraós dessa dinastia, seguindo a
linha nacionalista das XXV e XXVI Dinastia, construíram muitas obras em
todo o Egito. Seu papel procura reafirmar a ordem cósmica entre o
governante e os deuses, com a devoção aos cultos tradicionais. (LLOYD,
2003, pp. 378-9; SHAW; NICHOLSON, 1995, p. 159) É nessa época que o
culto de Ísis, deusa adorada em Sebennytos, a capital na época, começa a se
desenvolver mais amplamente, até alcançar o seu status internacional nas
próximas épocas. (MYŚLIWIEC, 2000, p. 168)
Os cultos aos animais sagrados eram particularmente importantes nessa época e é possível que as várias indústrias e sacerdócios
62
associados com as necrópoles de animais sagrados tornaram-se uma parte importante da economia.
(NICHOLSON, 1995, p. 159)
Nossas fontes para esse período são principalmente de autores gregos.
Segundo consta, esse período (XXVIII-XXX Dinastias) estava voltado para
uma política de cooperação com a Grécia, frente à continua existência do
Império Persa, inimigo comum de ambos. (MYŚLIWIEC, 2000, p. 163; SHAW,
2003, p. 377)
O segundo domínio persa foi completado não mais tardiamente do que
341 a.C.. Os templos foram saqueados e a defesa das cidades posta abaixo,
colocando mais uma vez a administração provincial persa no controle.
(SHAW, 2003, p. 382) Neste segundo reinado não houve uma integração com
os costumes egípcios; pelo contrário, os persas trataram sua recém
reconquistada satrapia com severidade. (MYŚLIWIEC, 2000, p. 168)
Insatisfeitos nesses cerca de dez anos de reinado, os egípcios viram com
bons olhos a conquista de Alexandre, o Grande.
1.5 PERÍODO PTOLOMAICO
Com a derrota dos persas por Alexandre o Grande em 332 a.C., o Egito
é incorporado às províncias gregas. Apesar da introdução de novos costumes
gregos, muitos dos tradicionais costumes egípcios permanecem. Alexandre o
Grande é coroado como um legítimo faraó no templo de Ptah em Mênfis.
Com a morte de Alexandre e seus sucessores, seu Império é divido entre
seus generais. Das disputas entre estes três reinos são formados: o
Macedônio, o Selêucida e o Ptolomaico. O Egito, pertencente ao último junto
com a Cirenaica, passa a ser governado por Ptolomeu, filho de Lagos. Após a
sua coroação ele passa a se chamar Ptolomeu I Sóter, sendo o primeiro
governante de uma dinastia de governantes com o mesmo nome.
Entre estes três reinos Greco-Macedônios havia um espírito
competitivo por auto-afirmação, através da aquisição de status e prestígio.
Este era posto em prática pelos Ptolomeus através do poder militar e pela
sua capital, Alexandria, a qual era símbolo de opulência e esplendor dessa
dinastia. (LLOYD, 2003, pp. 391 e 399)
63
Alexandria era uma cidade cosmopolita habitada por pessoas vindas
de diversas partes do Mediterrâneo e da Ásia Menor em especial, sendo os
egípcios nativos minoria. Com a construção do Mouseion, de cujo complexo
fazia parte a famosa biblioteca, Alexandria também passou a ser o grande
centro cultural e formador do conhecimento da época no Mundo Grego. Esta
configuração de Alexandria, localizada no Delta do Nilo, mostra um
realinhamento do Egito dando prioridade à região do Mediterrâneo. (LLOYD,
2003, p. 400; SHAW; NICHOLSON, 1995, p. 231; VASQUES, 2005, p. 12)
Aliás, Alexandria não era considerada como fazendo parte do Egito e
sim ad Aegyptum, isto é perto do Egito. O resto do Egito, tirando-se as
outras polis gregas fundadas, era chamado de chora, a área rural
pertencente às cidades gregas. Alexandria e as outras poléis gregas,
Naucrátis e Ptolomais também se diferenciavam, na medida em que
possuíam as suas próprias leis. (VASQUES, 2005, pp.12-13)
Para reforçar o seu poder, a partir de Ptolomeu II, os reis afirmavam
que ele e sua esposa eram deuses. Esta afirmação se desenvolveu no
conceito de que o rei pertencia a uma “família sagrada” consistindo de um
rei vivo e todos os governantes falecidos da dinastia, incluindo Alexandre o
Grande, de quem os Ptolomeus poderiam ter sua ancestralidade derivada
diretamente de Zeus, Héracles e Dionísio. (LLOYD, 2003, p. 403) Dentro
dessa linhagem divina tornou-se comum o casamento entre irmãos. Apesar
dessa prática ser chamada de casamento egípcio, ela não encontra
antecedentes no Egito faraônico e também não há referências suas na
Grécia, sendo portanto esta prática uma característica própria do Período
Ptolomaico e do posterior Período Romano. Por um lado, sendo os
governantes deuses, esta era uma representação da união mitológica entre
os irmãos Zeus e Hera, e talvez também dos deuses egípcios de crescente
prestígio no período de Ísis e Osíris. Por outro lado, ele assegurava que o
poder ficasse na linhagem dos Ptolomeus. (JOHNSON, 1999, p. 74; LLOYD,
2003, pp. 403-404)
Inicialmente havia uma diferenciação maior entre egípcios e gregos. Os
gregos constituíam a elite do país, ocupando altos cargos administrativos no
governo e adquirindo propriedades particulares. Fora da classe sacerdotal,
64
eram poucos os egípcios que alcançavam cargos de prestígio. Nas poléis o
casamento entre gregos e egípcios era proibido, mas o mesmo provavelmente
não acontecia nas aldeias da chora, como comprovam as misturas de nomes
gregos e egípcios nessas aldeias. Esta situação ganhou novos contornos com
a Batalha de Raphia, em 217 a. C., quando Ptolomeu IV empregou os
machimoi, ou seja, soldados egípcios em seu exército para poder derrotar
Antíoco III. No final do Período Ptolomaico, nos séculos I e II a.C., não era
mais possível discernir entre gregos e egípcios. Muitos possuíam nomes
duplos, gregos e egípcios. (JOHNSON, 1999, p. 74; LLOYD, 2003, p. 409;
VASQUES, 2003, p. 13)
Como a propagação do culto aos deuses, entre os quais o recém-criado
Serapis da mistura de deuses gregos e egípcios, fazia parte do programa de
governo dos Ptolomeus, os sacerdotes egípcios mantiveram seu prestígio.
Além disso, a sua colaboração era vista como um importante caminho para a
aquiescência da população egípcia. Neste ponto, por serem os supremos
pontifícios do Egito na época, os Sumo Sacerdotes de Mênfis foram bastante
favorecidos. Eles eram responsáveis pelo culto dinástico e pelas cerimônias
que envolviam a pessoa do faraó (LLOYD, 2003, p. 407; VASQUES, 2005, p.
13)
Como faraós, os Ptolomeus, assim como seus antecessores nativos,
mantiveram a política de restauração e ampliação de templos egípcios. Entre
estes destacam-se os templos de Philae, Edfu e Dendera. Apesar das grandes
renovações destes, pequenas partes de suas edificações faraônicas foram
mantidas na intenção de demonstrar um vínculo de continuidade de
passado e presente. Uma renovação de destaque nos templos do período é o
mammisi, um pequeno templo anexo em ângulos retos ao templo principal.
Os mammisis ptolomaicos eram usualmente cercados por colunatas com
paredes decoradas intercolunares e eram usados para celebrar rituais de
casamento de deusas, como Ísis e Háthor, e o nascimento do deus criança.
(LLOYD, 2003, p. 406, SHAW; NICHOLSON, 1995, p. 169)
Com a morte de Ptolomeu VI, o poder central foi abalado pelas
constantes disputas dinásticas, muitas resultando em uma série de
assassinatos. Estas surgiram justamente da política de casamentos entre
65
irmãos e da poligamia dos governantes, a qual acabou por incitar a briga
entre irmãos pelo direito ao trono. Como resultado de uma política fraca
surgiram muitas revoltas locais de egípcios insatisfeitos com a política local,
muitas vezes corrupta pela falta de controle central. A mais drástica dessas
revoltas foi a Tebaida, a qual resultou no governo da região de Tebas por
faraós locais, entre 204 a.C. e 186 a.C. Dois faraós reinaram neste curto
período: Harwennofre e Ankhwennofre. (LLOYD, 2003, p. 411, VASQUES,
2005, pp. 13-14)
Com uma política fraca também é cada vez mais constante a influência
de Roma no governo ptolomaico. Inicialmente ambas as nações mantinham
relações diplomáticas, mas com o enfraquecimento dos Ptolomeus, Roma
passou a intermediar a permanência da dinastia ptolomaica no poder. Aqui
se destaca o episódio final das “Guerras Sírias” (168 a.C.), quando o rei
selêucida Antíoco IV se autoproclama rei do Egito em Mênfis. Este desocupa
o país, após ser convencido diplomaticamente por uma embaixada romana a
deixar o Egito. Assim, Roma garantia seu poder sobre a porção oriental do
Mediterrâneo. Por fim essa política resultou no domínio total do Egito por
Roma, com a derrota de Cleópatra VII por parte Otávio, futuro Imperador
Augusto. (JOHNSON, 1999, p. 76; LLOYD, 2003, pp. 412-13, VASQUES,
2005, p. 14)
Na esfera mortuária temos o surgimento de novos textos funerários,
entre os quais estão o “Livro das Respirações”, o “Livro da Travessia da
Eternidade” e o “Livro da Ba”. “A função de todos esses livros é semelhante,
contudo: eles comemoram o morto no interior de seu grupo social e
asseguram um bom sepultamento, transfiguração efetiva e renascimento
bem sucedido na outra vida.” (RIGGS, 2010, p.1) Outra inovação do Período
Ptolomaico é que o texto transcorre longamente como o akh do morto e vai
participar em festivais por todo o Egito, listando grandes locais de culto
como Tebas e Bubastis. Assim, certo número de papiros, como o Papiro
Rhind e o “Livro de Atravessar a Eternidade”, adicionalmente atestam a
relação mútua entre rituais funerários e atuações nos templos ao afirmar
que o morto irá tomar parte em rituais nos templos ao longo do ano,
especialmente o festival de Sokar durante o mês de Khoiak. Textos rituais
66
antes restritos aos templos passam igualmente a ser aplicados ao morto.
Grande preferência é dada as lamentações e glorificações (sAxw) realizadas
depois do embalsamamento e mumificação do morto. (RIGGS, 2010)
Podemos observar que boa parte destes rituais são aqueles realizados
durante o Festival de Khoiak; assim são recitados para o morto textos como
“As Lamentações de Ísis e Néftis” e as “Stundenwachen”. Dessa forma o
morto passa pelos mesmos rituais que Osíris e como este pode renascer no
Mundo dos Mortos.
Os caixões da XXX Dinastia e do início do Período Ptolomaico são
caracterizados por cabeças e corpos com proporções desproporcionalmente
grandes. O colar wsx, o qual cobre a parte de cima do torso, começa abaixo
das abas do toucado, possui terminais na forma de grandes cabeças de
falcões, e um peitoral é muitas vezes retratado no centro. (TAYLOR, 1989, p.
61)
Estas mesmas características podem ser observadas nas estátuas
funerárias de Ptah-Sokar-Osíris desse período. Como inovação, estas ainda
trazem inscritas um hino em homenagem ao presente deus (ver 14).
As cartonagens e estojos de múmias, que se haviam tornado escassos
no período anterior voltam a aparecer, tornando-se predominantes. Estas
eram ricamente decoradas e colocadas sobre as bandagens e mantidas no
lugar por elaboradas amarrações. Estas consistiam de uma máscara e um
peitoral, podendo algumas múmias ainda conter um estojo para os pés.
(BRANCAGLION JUNIOR, 2004, p. 115; TAYLOR, 1989, p. 61)
Mesmo nas múmias mais simples do período, folhas de ouro podiam
ser aplicadas sobre o rostos, mãos e pés, o que corresponde ao tratamento
especial da cabeça, mãos e pés aduzido no Ritual de Embalsamamento.
Estas áreas também podiam receber amarras e tecidos especiais. (RIGGS,
2010, p. 2)
Esta forma de se apresentar a múmia era decorrente do próprio pensamento religioso da época, em que a aparência externa do morto era tão importante quanto a sua conservação para a perpetuação de uma vida além-túmulo. Esta “visão fictícia” criada pelo pensamento religioso egípcio tardio está muito presente na cultura material, o importante não é que as coisas existiam verdadeiramente, mas que tenhamos a idéia de que existiam.
67
(BRANCAGLION JUNIOR, 2004, p. 116)
No decorrer do Período Ptolomaico surgem novos tipos de caixões os
quais misturam motivos tradicionais egípcios com elementos helenísticos. Ao
mesmo tempo desaparecem as estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris.
68
PARTE II
DEUSES
69
CAPÍTULO 2. PTAH
O deus Ptah aparenta ser um dos deuses mais antigos do Egito, sendo
seus cultos atestados desde o período Dinástico Inicial. Originalmente era o
deus patrono da capital do Antigo Império, Mênfis. Cultuado inicialmente
pelos artesãos locais, cujas oficinas estavam ligadas ao seu templo, e depois
em todo o Egito, Ptah era visto como o escultor ou ferreiro da humanidade.
Posteriormente foi elevado à condição de um deus criador, tendo gerado o
universo, existente através do seu pensamento e palavras.
O verdadeiro significado do nome (PtH) Ptah nos é desconhecido.
Devido ao fato de o seu nome não ser escrito com o hieróglifo determinativo
de deus ou um símbolo distintivo até o Novo Império, foram levantadas
hipóteses de uma origem estrangeira do oeste (HART, 1986, p. 173). Outra
possibilidade é apontada por Stolk (1911, p. 4): a de ele estar ligado com a
palavra ptH – “abrir”. Para Ermann e Grapow (1971, p. 565), esta forma da
palavra utilizada na Baixa Época e Período Ptolomaico remete ao sentido de
abrir os olhos, a boca ou o Mundo Inferior. Assim, poderíamos pensar numa
ligação do nome de Ptah com a Cerimônia de Abertura da Boca.
A etimologia mais aceita atualmente é a encontrada nos “Textos dos
Caixões” – Fórmula 647, a qual o conecta com o verbo ptH – “esculpir”.
Esta estaria diretamente ligada com uma das principais funções do deus.
Mas também temos de levar em conta que talvez o verbo seja uma derivação
do nome do deus. (VAN DIJK, 2001, p. 75; HART, 1986, p. 173; STOLK,
1911, pp. 4-5) Em Ermann e Grapow (1971, Vol. I, p. 565), encontramos
como tradução para o verbo ptH a palavra alemã “bilden”. Seu significado
pode ser entendido como esculpir, mas ao mesmo tempo ela também
significa criar, formar. Como pode ser visto mais abaixo, a Fórmula 647 dos
“Textos dos Caixões” é o primeiro indício de Ptah como um deus criador.
Assim, ptH remeteria a ambas as atribuições de Ptah, um deus escultor e um
deus criador.
70
A primeira representação conhecida de
Ptah está numa vasilha da I Dinastia encontrada
em Tarkhan (VAN DIJK, 2001, p. 74;
WILKINSON, 2003, p. 125). Nesta, ele aparece
dentro de uma capela em sua típica forma
mumiforme, segurando um cetro. Em suas
imagens típicas posteriores ele é retratado
antropomorficamente como uma figura
mumiforme em pé, com as mãos saindo das
bandagens, segurando um cetro composto pelo
cetro was, o pilar djed e o símbolo ankh. Sobre a
sua cabeça raspada ele usa um gorro justo
(geralmente azul) com as orelhas de fora. O
mesmo gorro pode ser visto sendo usado pelos
artesãos, de quem Ptah é o deus patrono. Do
Médio Império em diante ele pode ser distinguido
de outros deuses através de uma barba reta. (VAN DIJK, 2001, p. 74;
WILKINSON, 2003, p. 125) (Fig. 5)
Ptah também pode usar uma grande borla
na parte de trás de suas vestes e um largo colar,
que é balanceado por um contrapeso pendurado
atrás de suas costas.
O contrapeso é arredondado no topo e às vezes largo embaixo como um sino estreito, tubular, e é distinto o bastante para permitir que imagens parciais de Ptah sejam diferenciadas de representações similares do deus Khonsu, que veste um contrapeso esculpido em forma de fechadura de chave. (Figs. 5 e 6)
(WILKINSON, 2003, p. 126)
Usualmente Ptah é representado sobre um
plinto na forma do hieróglifo (maAt), o qual
lembra a vara de medição usada por trabalhadores
egípcios, ou o monte primordial. (WILKINSON, 2003, p. 126)
Figura 5 - Ptah em sua forma típica, XX Dinastia (KV9)
Figura 6 – Khonsu usando um colar com o contrapeso manxt, XX Dinastia (Templo de Khonsu em Karnak)
71
O deus Ptah também pode aparecer na forma de um anão,
denominado de Pataikos por Heródoto.
Pois a imagem de Vulcão [Ptah] é muito parecida com o Pataeci dos fenícios, com a qual eles ornamentam as proas de seus navios de guerra. Se uma pessoa não a viu, eu irei explicar de uma maneira diferente – é uma figura semelhante à de um pigmeu.
(Heródoto, Histórias III)
O epíteto de “Ptah, o anão” provavelmente está associado à sua forma
como Pataikos. (WILKINSON, 2003, p.123)
Essa forma tem aparência similar ao deus Bes, mas possui algumas
diferenças distintivas. Assim como Bes, ela representa um homem pequeno,
baixo (e usualmente com pernas curvadas), com as mãos apoiadas sobre
seus quadris. Ele também pode brandir facas e segurar ou morder cobras,
mas diferentemente de Bes, a sua cabeça excessivamente grande não tem
cabelos faciais e ele não tem os olhos grandes e a língua proeminente. A
cabeça é calva ou o cabelo é curtamente aparado ou às vezes possui uma
cabeça de falcão ou carneiro sobre a qual ele pode usar um cacho lateral,
um escaravelho ou uma coroa Atef. (WILKINSON, 2003, p. 123) (Figs. 7 e 8)
A sua forma de Pataikos certamente está associada aos artesãos, seus
devotos. Como mostram imagens do Antigo Império, muitos anões
trabalhavam como joalheiros ou artistas nas oficinas. Conhecido na forma
de amuletos rudes desde o final do Antigo Império, imagens suas também
são encontradas nos cippi mágicos da Baixa Época. (WILKINSON, 2003, pp.
123-4 e 126)
Figura 7 - Pataikos (Museu do Louvre)
Figura 8 - Bes (Museu do Louvre)
72
Nos tempos Helênicos, Ptah foi identificado com o deus Hefesto/
Vulcano, sendo ambos os deuses conhecidos por suas habilidades como
artesãos. (SHAW, NICHOLSON, 1995, p. 230)
A partir do Novo Império, Ptah é associado numa relação familiar com a
deusa leoa Sekhmet (esposa) e o deus do lótus primordial, Nefertum (filho),
formando a Tríade Menfita (Fig. 9). (VAN DIJK, 2001, p. 74; SHAW,
NICHOLSON, 1995, p. 230; STOLK, 1911, p. 9) As tríades foram um
desenvolvimento teológico do Novo Império, vinculando muitas vezes deuses,
antes independentes de uma mesma área, numa relação familiar
mitologicamente contextualizada. (SHAW, NICHOLSON, 1995, p. 295) Este é
o caso da Tríade Menfita, sendo a relação de Nefertum com os deuses Ptah e
Sekhmet estabelecida posteriormente.
Também passam a ser vistos como seus filhos a forma menfita da
deusa Háthor, a “Senhora do Sicômoro do Sul”, a qual tinha um templo na
parte sul da cidade. (VAN DIJK, 2001, p. 74; STOLK, 1911, p. 11) E na Baixa
Época Imhotep, ele é conhecido como o construtor da primeira pirâmide, a
Figura 9 – Ramessés III diante da Tríade Menfita, composta pelo deus Ptah (dir.), a deusa leoa Sekhmet (meio) e o deus do lótus primordial Nefertum (esq.) – Grande Papiro Harris, XX Dinastia (BM EA 999,43)
73
pirâmide de degraus do Faraó Djoser em Saqqara, e por suas habilidades
como médico. Essas habilidades e sua devoção à Ptah levaram à sua
divinização. Acreditava-se que era o filho de Ptah e de uma humana
chamada Khreduankh. (VAN DIJK, 2001, p. 75; SHAW, NICHOLSON, 1995,
p. 230; WILKINSON, 2003, p. 111)
O culto original de Ptah parece estar associado aos artesãos. Segundo
alguns autores ele poderia ter sido inicialmente o deus protetor dos
pedreiros e artesãos, os quais trabalhavam nas pedreiras de calcário de
Tura, pertencentes ao templo de Ptah em Mênfis. O desenvolvimento
artístico e cultural do Antigo Império e o grande aumento no número de
artesãos necessários para servir a capital Mênfis e para produzir os bens
funerários para as suas necrópoles poderia muito bem ter influenciado na
ascensão do deus. Com isso, seu culto logo se ampliou para todos os
artesãos. (HART, 1986, pp. 176-7; STOLK, 1911, p. 13; WILKINSON, 2003,
p. 124)
A partir da VI Dinastia o sumo sacerdote de Ptah recebe o título de
(wr xpr Hmwt)~ “grande líder dos artesãos”. Talvez de origem profana
este título mostra a sua ligação com os artesãos. (VAN DIJK, 2001, p. 74;
VELDE, 1982-1986, p. 1178; WILKINSON, 2003, p. 124)
Este papel de Ptah como o escultor ou ferreiro da humanidade e
criador das artes e dos ofícios certamente contribuiu para a sua elevação a
deus criador. (SHAW, NICHOLSON, 1995, p. 230) As primeiras menções
nesta direção estão na Fórmula 647 dos “Textos dos Caixões”.
[...] Eu sou aquele que se encontra ao sul de seu muro, o protetor
dos deuses. Os homens, os deuses, os bem-aventurados, os mortos não têm poder sobre (meu) estabelecimento (?), sobre a minha construção (?). Eu sou aquele deus belo de face, o bem-amado, o mestre da vida, o soberano dos deuses. Eu distribuí a vida, eu conduzi os alimentos aos deuses mestres de oferendas. Sou eu o mestre da vida, aquele que é príncipe no céu; veja: Seth está a bordo da minha barca, pois ele é a natureza daquilo que eu criei. Eu sou o mestre da vida.
(BARGUET, 1986, p. 481)
74
A versão mais conhecida de sua forma como um deus criador está na
Teologia Menfita inscrita na Pedra de Shabaka. Segundo a inscrição, esta é
uma cópia feita por ordem do Faraó Shabaka (XXV Dinastia) de um papiro
que estava sendo comido por traças. Atualmente a composição do texto é
atribuída ao Período Ramessida, sendo ela muito mais nova do que se
acreditava (atribuída ao Antigo Império). (VAN DIJK, 2001, p. 75; HART,
1986, pp. 174-5; LICHTHEIM, 1975, Vol. I, pp. 51-2; VELDE, 1982-1986, p.
1178)
Segundo a Teologia Menfita, Ptah dá vida a Atum e a sua Enéade
através de seu coração (pensamento) e sua língua (palavra). Estes são
concebidos como os dentes e lábios de Ptah. Aqui existe uma alusão à
Teologia Heliopolitana, cujo deus criador é Atum. Mas esta encontra-se
subordinada genealogicamente, ao passo que Ptah cria Atum e a sua
Enéade. Ele cria as coisas ao redor do cosmos, pronunciando-as em
existência. Como deus primordial, ele encerra toda a existência. Desta forma
a Teologia Menfita também é importante na medida em que é um dos
primeiros exemplos conhecidos da assim chamada doutrina “logos”, na qual
o mundo é formado através do discurso criativo de um deus. (VAN DIJK,
2001, p. 75; HART, 1986, pp. 174-5; LICHTHEIM, 1975, pp. 54-5; SHAW,
NICHOLSON, 1995, pp. 18 e 230; WILKINSON, 2003, p. 124)
[...] Pois Ptah é o maior de todos, o qual deu [a vida] para todos os
deuses e os seus kas através de seu coração e através de sua língua, na qual Horus tomou a forma de Ptah, na qual Thot tomou a forma de Ptah.
[...] Sua Enéade (de Ptah) está diante dele como dentes e lábios.
Eles são o sêmen e as mãos de Atum. Pois a Enéade de Atum veio à existência através de seu sêmen e seus dedos. Mas a Enéade são os dentes e lábios na sua boca, os quais pronunciaram o nome de todas as coisas, dos quais Shu e Tefnut vieram à existência, e os quais deram a vida a Enéade.
[...] Portanto é dito de Ptah: “Ele que fez tudo e criou os deuses.”
E ele é Ta-tenen, o qual deu nascimento aos deuses e de quem tudo veio à existência, alimentos, provisões, oferendas divinas, todas as
75
coisas boas. Portanto é reconhecido e entendido que ele é o mais poderoso dos deuses. Portanto Ptah estava satisfeito depois que ele fez todas as coisas e todas as palavras divinas.
[...]
(LICHTHEIM, 1975, pp. 54-5)
Assim como Atum, Ptah também é visto como uma combinação de
elementos femininos e masculinos dentro dele. Ficou conhecido como “o
antigo”, o qual unia em seu ser ambos, a divindade masculina primordial
Nun e sua contraparte feminina, Naunet, sendo assim visto como a
divindade primordial cuja força criadora era manifestada em todos os
aspectos do cosmo. Ele era às vezes adorado como Ptah-Nun ou mesmo
Ptah-Naunet neste papel, embora o processo criativo também fosse atribuído
ao deus ao lado do antigo deus menfita da terra Tatenen, sob o nome Ptah-
Tatenen. Esta combinação entre feminino e masculino também pode ser
vista em textos nos quais o nome do deus era escrito de forma acrofônica
como pt-tA-HH ou p(et)+t(a)+h(eh), que o sugere sustentando o céu (pt) sobre a
terra (tA) na forma das divindades Heh (¡H)8, combinando desta forma o
elemento feminino do céu e o elemento masculino da terra. (WILKINSON,
2003, pp. 18 e 124)
A sua forma sincrética de deus criador Ptah-Tatenen surge no Antigo
Império. Segundo Montet (1957, Vol. I, p. 34), ele pode ser visto nesta forma
no jubileu do faraó. O deus Tatenen representava originalmente o
aparecimento do sedimento fértil do Nilo das águas vazantes da inundação.
(HART, 1986, p. 210)
No contexto funerário, era creditado a Ptah a invenção da “Cerimônia
de Abertura da Boca”, tendo consagrado o ritual ao desempenhá-lo sobre as
bocas e estátuas dos deuses quando ele os criou, conforme consta no
capítulo 23 do “Livro dos Mortos”:
FÓRMULA PARA ABRIR A BOCA DE N. NOS DOMÍNIOS DO DEUS Ele fala:
8 Personificação do infinito.
76
Minha boca foi aberta por Ptah; as amarras que amordaçavam minha boca foram soltas pelo (deus) da minha cidade. Thot vem inteiramente equipado com magia; ele solta as amarras de Seth que amordaçavam a minha boca. Atum me dá as suas mãos, as quais <ele> erigiu em proteção. Minha boca me é dada; minha boca foi partida por Ptah com o seu cinzel de metal com o qual ele partiu as bocas dos deuses. Eu sou Sekhmet-Uto, a qual está sentada à estibordo do céu; Eu sou Sahit (a grande), alojada entre as Almas de Heliópolis. Por toda a mágica e todas as <afirmações> proclamadas contra mim, contudo, possam os deuses posicionar-se contra eles, toda a minha Enéade e toda Enéade deles.
(ALLEN, 1974, p. 36)
A “Cerimônia de Abertura da Boca” era executada sobre a múmia e as
estátuas do morto com o objetivo de torná-las um receptáculo para o ka. O
ritual poderia ser executado igualmente sobre as barcas sagradas, estátuas
dos deuses, escaravelhos coração, no Touro Ápis e alguns animais sagrados
mumificados. O ritual é executado pelo filho mais velho do morto no papel
do sacerdote-sem ou por um sacerdote-sem profissional, dessa forma,
representando o papel de Hórus, o qual aplica o ritual sobre o corpo de seu
pai Osíris. Após o morto passar por rituais de purificação, libação e
fumigação, o sacerdote irá tocar sua boca, seus olhos, suas orelhas e seu
nariz com diferentes instrumentos, para que o morto possa recuperar os
seus sentidos. Muitos desses instrumentos eram semelhantes aos usados
pelos artesãos. (BRANCAGLION JUNIOR, 2004, informação verbal9; HART,
1986, pp. 173-4; SHAW, NICHOLSON, 1995, pp. 211 e 230; WILKINSON,
2003, p. 126)
O sacerdote-sem pertencia ao clero de Ptah em Mênfis, tendo a função
principal de vestir a estátua divina. Mas ele também servia ao clero de
Sokar, deus da necrópole menfita, sendo por isso o principal executor da
“Cerimônia de Abertura da Boca”. (GOYON, 1972, pp. 96-7)
Segundo alguns autores, como Hart e Shaw:
Foi sugerido que a sua [Ptah] virtual, a omissão do culto funerário real poderia ter resultado da relutância do sacerdócio de Rê de Heliópolis do Antigo Império de permitir um deus menfita de rivalizar com o deus-sol. A Ptah, contudo, era creditado como tendo inventado a Cerimônia de Abertura da Boca e talvez num espírito
9 O Egito Antigo. Curso de Extensão Departamento de Letras Orientais, FFLCH, USP. Aula 3 – Da casa do túmulo: a jornada rumo ao Ocidente. Ministrada em: 15 out. 2004.
77
parecido de rivalidade teológica os sacerdotes de Ptah imaginaram um mito de criação (a Teologia Menfita), na qual Ptah dava o nascimento à Rê e sua Enéade.
(SHAW, NICHOLSON, 1995, p. 230)
Na literatura funerária mais antiga composta pelos “Textos das
Pirâmides”, o deus só é mencionado em três fórmulas (PT 345, PT 349 e PT
573). Nestas ele aparece em conexão com Werkaf, o mordomo de Hórus, o
qual também era um “primogênito do palácio de Ptah”, sempre em conexão
com a provisão de comida para o rei falecido. (VAN DIJK, 2001, p. 74; HART,
1986, p. 173; SHAW, NICHOLSON, 1995, p. 230)
Ó Werkaf, mordomo de Hórus, mestre do salão de Rê, primogênito do palácio de Ptah, dê-me o suficiente para que eu possa comer em conformidade com o que você dá, (até) o suficiente para me alimentar.
PT 349
(FAULKNER, 1910, p. 112)
No “Livro dos Mortos” também encontramos o deus Ptah ligado à
provisão de comida, como pode ser observado no Capítulo 82:
FÓRMULA PARA ASSUMIR A FORMA DE PTAH, COMER PÃO, TOMAR CERVEJA, EXCRETAR DO ÂNUS E EXISTIR VIVO EM HELIÓPOLIS
[...]
c “Do que você viverá daqui em diante?” falam eles, os deuses e os bem-aventurados, para mim. Eu vivo e medro com cerveja (quente). “Você de fato come-o?” eles falam, os deuses e os bem-aventurados, para mim. Eu medro a medida que eu o como em baixo das (folhagens e ) ramos da árvore-imA de Háthor, minha Senhora, a qual providenciou oferendas de comida, a qual providenciou pão e cerveja (em Busiris) e recompensas em Heliópolis. Eu visto um traje de linho da mão de Tayet. Eu fico em pé ou sentando onde eu desejar.
[...]
(ALLEN, 1974, p. 71)
E no capítulo 106:
FÓRMULA PARA DAR OFERENDAS PARA N. EM MÊNFIS E NOS DOMÍNIOS DO DEUS PARA SER DITO POR N.:
78
Ó Primogênito, senhor das provisões, Ó Primogênito presidindo sobre as casas superiores e (vós) o qual dá pão a Ptah, dá-me meu pão, dá-me minha cerveja. Meu café da manhã (consiste) de uma perna e um doce. Ó barqueiro do Campo dos Juncos, traga-me esses pães (para) os seus domínios aquosos assim como (para) teu Pai, o mais velho, o qual partiu na barca do deus.
(ALLEN, 1974, p. 85)
Além disso, há, no Antigo Império, em contexto funerário,
primeiramente uma relação sincrética com o deus falcão menfita Sokar,
sendo conhecido como Ptah-Sokar; mais tarde, no Médio Império, junta-se a
esta forma sincrética o deus Osíris, formando o deus Ptah-Sokar-Osíris.
O povo comum recorria frequentemente a Ptah sob o seu epíteto, “o
qual ouve preces”. Muitas estelas votivas foram
achadas na área do templo de Ptah em
Memphis e em outras partes do Egito
entalhadas com representações de orelhas
humanas e dedicadas ao deus como
(msDr-sDm) meserdjer-sedjem, “o
ouvido o qual tudo escuta”, o qual iria escutar
as petições dos devotos (Fig. 10). Contudo são
raros os amuletos encontrados dedicados a este
deus. Dos que existem, os amuletos
plaqueformes representando o deus flanqueado
por Sekhmet e Nefertum são principalmente
atribuídos à XXVI Dinastia e podem ter sido
usados primordialmente em vida do que no contexto funerário. (WILKINSON,
2003, p. 125)
Em canções (de amor) e preces, ele era invocado sob os títulos
“Belo de Face (nfr-Hr)” e “Senhor da Verdade (nb-mAat)”, onde o deus é
requisitado a trazer a companhia da dama desejada para o seu admirador à
noite:
Eu quero ir para Mênfis; eu quero ir ao encontro de Ptah, o Senhor da Verdade, falar: dê-me a irmã hoje à noite!
(STOLK, 1911, pp. 44-5)
Figura 10 - Estela votiva de Ptah, encontrado no Templo de Ptah em Mênfis, XVIII Dinastia (Nacional Museum of Ireland NMI 1908:518)
79
Ou como deus do destino, em relação ao qual as pessoas
experimentavam um senso de devoção pessoal (HART, 1986, p. 176; STOLK,
1911, pp. 44-5; VELDE, 1982-1986, p. 1179):
Ptah, meu coração é pleno de ti, meu coração é embelezado de teu amor como um pântano o é de flores de lótus. Eu fiz a minha casa ao lado do seu templo.
(VELDE, 1982-1986, p. 1180, nota 23)
Seu epíteto de (nfr-Hr) “Belo ou Piedoso de Face” ainda não tem um
significado conclusivo, sendo que para Hart:
Este epíteto explica a idéia de esplendor da divindade de Ptah na única área de sua anatomia, outra que seus antebraços, a ser reconhecível fora de sua vestimenta. Sua carne era vista imaginada como que consistindo de ouro.
(1986, p. 176)
Te Velde sugere que o epíteto deve ser tomado como “de aspecto
misericordioso”,
desde que não há razão para assumir que os egípcios pensavam um deus com cabeça de animal mais feio do que um deus com cabeça humana. Uma figura em relevo de Ptah, o qual escuta preces no templo de Medinet Habu tinha um impressivo olho incrustado, acentuado o seu aspecto benevolente.
(1982-1986, p.1179)
O principal templo do deus Ptah situava-se na cidade de Mênfis, da
qual ele era o deus patrono. Conforme Stolk (1911, p. 6) nos conta, Menés, o
primeiro Faraó do Egito, construiu uma fortaleza, chamada inb HD (“a
muralha branca”) no nomo menfita, que mais tarde se tornou a cidadela de
Mênfis, e construiu um Templo para Ptah. Este templo talvez possa ser
identificado com o templo mencionado na Pedra de Shabaka, “Templo de
Ptah, Balança das Duas Terras, na qual o Alto e o Baixo Egito se mantêm em
equilíbrio” (STOLK, 1911, p. 32). Talvez o templo chamado de “Casa do deus
80
Ptah, o qual reside ao sul de sua muralha” refira-se ao mesmo templo.
Infelizmente pouco restou de seu templo na atualidade.
Vários epítetos de Ptah estão associados ao seu templo em Mênfis. No
epíteto de (rsi inb.f) “aquele que está ao sul de sua muralha” temos
uma referencia à posição de seu santuário atrás dos muros (brancos) ao sul
de Mênfis. (VAN DIJK, 2001, p. 74; HART, 1986, p. 175; VELDE, 1982-1986,
p. 1179; WILKINSON, 2003, p. 124) Já o epíteto de (Hr st wrt)
“(ele que está) sobre o seu Grande Trono” é tomado por te Velde (1982-1986,
p. 1179) como o lugar no templo de Ptah em Mênfis, onde os reis eram
coroados, enquanto para van Dijk (2001, p. 74), ele se refere ao próprio
templo. O epíteto (nb anx-tAwy) “Senhor de Ankh-tawy”, adquirido
no Médio Império, referia-se à cidade de Mênfis, para Wilkinson (2003, p.
124), e, para van Dijk (2001, p. 74), à área na margem ocidental do Nilo
entre a cidade e necrópole no deserto. E, por último, podemos mencionar
(xry-bAq=f), “o qual está sob a sua árvore de moringa”, o
qual torna-se comum no Médio Império, referindo-se ao antigo deus-árvore
de Mênfis, o qual foi absorvido por Ptah em tempos antigos. (HART, 1986, p.
176; WILKINSON, 2003, p. 124)
O Touro sagrado Ápis, residindo ao sul do Templo de Ptah em
Mênfis, estabelece desde cedo uma relação com este deus. No início, era
visto como arauto ou filho de Ptah, e, da XVIII Dinastia em diante, o Touro
Ápis passa a ser visto como a manifestação viva de Ptah. (VAN DIJK, 2001,
pp.74-5, WILKINSON, 2003, p. 170) Havendo apenas um touro sagrado por
vez, o novo Ápis era cuidadosamente escolhido após a morte de seu
antecessor, devendo conter as seguintes marcas conforme Heródoto
(Histórias III): “Ele é preto e tem uma mancha quadrada branca na fronte; e
nas costas a figura de um falcão; e o rabo em pelos duplos; e na língua um
escaravelho.” Era dito que o Touro Ápis nascia de uma vaca virgem,
chamada vaca Ísis, a qual havia sido fertilizada pelo deus Ptah. Depois de
reconhecidos, ambos eram levados para Mênfis. No templo, o Touro Ápis
tinha os seus sacerdotes e um harém de vacas. Ele participava de rituais e
81
procissões religiosas, sendo considerado um dos mais importantes
mensageiros oraculares. (MYŚLIWIEC, 2000, p. 60; WILKINSON, 2003,
pp.170-2) Em associação com Ptah, ele exprimia o seu “poder procriador
como uma expressão concreta do poder criativo de Ptah” (WILKINSON, 2003,
p. 170).
Segundo alguns autores gregos, quando completava 25 anos o
touro era cerimonialmente morto e era sepultado com regalias semelhantes a
um Faraó no Serapeum, em Saqqara. Após a morte, ele se fundia com Osíris,
tornando-se o deus Ápis-Osíris ou Osirapis. Enquanto ainda estava vivo,
também poderia ser considerado a ba do deus Osíris. (MYŚLIWIEC, 2000, p.
61; WILKINSON, 2003, p. 171).
Fora de Mênfis, a presença de Ptah é atestada no grande templo de
Amun em Karnak em Tebas desde, pelo menos, o Médio Império. Ali ele
tinha o seu próprio santuário, que foi expandido ao longo do tempo. Ptah
também possuía uma capela construída por Séthi I no templo de Osíris em
Abidos. Ramessés II homenageou o deus na Núbia no templo de Abu Simbel,
El-Derr e Gerf Hussein. Como deus patrono dos artesãos, Ptah era
particularmente venerado em Deir el-Medina. (STOLK, 1911, p. 34-5;
WILKINSON, 2003, p. 126)
82
CAPÍTULO 3. SOKAR
O culto ao deus Sokar e à sua barca Henu pode ser encontrado desde
os primórdios da história do Egito antigo. Inicialmente ele habita a região
dos cemitérios mênfitas, conhecido como Rosetau. Ele tem uma relação
antiga com os deuses Ptah e Osíris, não se sabendo ao certo se seus
atributos como um deus artesão e funerário vieram desses deuses ou, pelo
contrário, Sokar passou tais atributos para esses deuses. Como um deus
artesão, era conhecido principalmente pelo trabalho com o metal. Na esfera
funerária, atuava no renascimento de Osíris e na transferência do poder real
para Hórus. Posteriormente, no Novo Império, ele também atua no
renascimento do deus-sol, quando este passa pelos reinos do Amduat em
sua viagem noturna. Apesar de não ter nenhum templo exclusivo para si,
Sokar e sua Barca Henu foram adorados em todas as partes do Egito, até o
Período Romano.
O nome (¤kr) Sokar aparece inicialmente na III Dinastia ligado ao
festival em homenagem a este deus. Já nos “Textos das Pirâmides”,
encontramos o nome de Sokar acompanhado do determinativo de deus
ou do determinativo da barca Henu . Está última forma de
escrever o nome de Sokar torna-se comum a partir da V Dinastia, podendo-
se às vezes encontrar apenas o ideograma da barca Henu para designar o
nome do deus Sokar. (ERMANN, GRAPOW, 1971, Vol. III, p. 487;
GRAINDORGE-HÉREIL, 1994, Vol. I, p. 2)
A partir do Médio Império encontramos uma nova forma do nome do
deus (¤kry) Sokary, igualmente encontrada com o determinativo .
Essas grafias, esporádicas no começo, tornam-se comuns no II Período
Intermediário, quando é possível encontrar mais uma forma do nome do
deus (¤krty) Sokarety. (GRAINDORGE-HÉREIL, 1994, Vol. I, pp. 2-3)
No Novo Império encontramos as diferentes grafias do nome
acompanhadas de diferentes epítetos de Sokar, alguns emprestados de
83
outros deuses, como Osíris. Entre os mais comuns estão: (nb Styt)
“Senhor da Shetayet”, (Hry-ib Styt) “O qual está em Shetayet”,
(nTr aA) “Grande Deus”, (nb pt) “Senhor do Céu” e (xnty Imntt)
“Primeiro dos Ocidentais”. (GRAINDORGE-HÉREIL, 1994, Vol. I, pp. 3-4)
O verdadeiro significado do nome Sokar nos é desconhecido, existindo
diversas suposições. Os “Textos das Pirâmides” nos falam do surgimento do
nome de Sokar das palavras ditas por Osíris quando ele foi abatido por seu
irmão Seth em Nedit e faz um apelo as suas irmãs Ísis e Néftis.
Ísis vem e Néftis vem, uma delas do oeste e uma delas do leste, uma delas como um “falcão gritante”, uma delas como um milhafre; elas acharam Osíris, seu irmão Seth tendo-o deitado em Nedit; quando Osíris falou “Saia de perto de mim”, quando o seu nome se tornou Sokar.
PT § 1256
(FAULKNER, 1910, pp. 199-200)
M. Atzler (1971) levará em conta o nome do deus (¤kr) em conjunto
com o determinativo da barca Henu . ¤kr será interpretado por ele como
“transportar”, e o determinativo será interpretado como o rei morto (falcão)
na barca, sendo transportado por uma área desértica (presença do trenó sob
a barca), certamente a região da necrópole menfita. Essa suposição é feita
baseada principalmente nas passagens dos “Textos das Pirâmides”, nas
quais nos é dito que o rei morto é transportado por seu filho para o céu na
barca Henu. A partir da suposição de que skr significa “transportar”, Atzler
irá reinterpretar a fala de Osíris no PT § 1256, apresentada acima como uma
das possibilidades do significado do nome Sokar, da presente forma:
“Quando Osíris falou (para aqueles que o acharam): “(me) transportem,
quando seu nome (do rei falecido) surgiu como ¤kr.” (1971, p. 11)
Já para S. Aufrere skr assemelha-se ao verbo sqr, “bater o
metal”. Este significado estaria, portanto, associado à função de Sokar como
patrono dos artesãos, em especial dos trabalhadores de metal. (ERMANN,
GRAPOW, 1971, Vol. IV, p. 306; GRAINDORGE-HÉREIL, 1994, Vol. I, pp.5-
6) Seguindo a mesma linha de que Sokar seria originalmente um deus dos
84
metalúrgicos, Wolfgang Helck acredita que a palavra skr descende do
vocábulo sumério zubar, zabar, o qual por sua vez seria uma derivação do
vocábulo acádio siparru, vindo este a significar bronze e cobre (HELCK,
1991, p.162).
A. Gardiner conclui a partir de um Hino para Sobek, inscrito em um
papiro da XXII Dinastia encontrado no Ramesseum, que skr refere-se ao ato
de limpar a sujeira na face do morto, evocando o contexto de um afogado.
(GRAINDORGE-HÉREIL, 1994, Vol. I, pp. 6-7)
Este limpa (sk) a boca (r) de seu pai em seu nome de Sokar!
(British Museum, online)
No entanto, Graindorge-Héreil pressupõem que o ato de limpar a boca não
está ligado à purificação, e sim ao Ritual de Abertura da Boca. Além do
trecho acima, ela usa como suporte para sua afirmação a fórmula 816 dos
“Textos dos Caixões”:
Abra, arame, diz Anúbis, para o céu! Desça, arame, e fure o
Ocidente! “Este é o arame que está sobre minha boca, (ele) que Sokar glorificou em Heliópolis e que purifica (?) a minha boca. Ó (vós que es) puro, arame, (faça) com que ele seja hábil e forte!
(BARGUET, 1986, p. 43)
Outra explicação para o nome de Sokar, originalmente proposta por
Hermann Kees (Apud GRAINDORGE-HÉREIL, 1994, Vol. I, p. 5), associa o
mesmo com um ritual de fertilidade realizado por ocasião da inauguração do
templo de Séti I em Abidos. Ali, em uma inscrição, a deusa Seshat chama
Sokar de “cortador”, por ele estar segurando uma enxada para romper a
primeira terra fértil trazida com a cheia do Nilo, desta forma também
reforçando o caráter agrícola de Sokar. (HART, 1986, p. 149; GRAINDORGE-
HÉREIL, 1994, Vol. I, p. 5)
Você está diante de mim em sua forma de Henu, suas mãos
tem a enxada. Ele colocou no lugar seus quatro muros que são fixos com perfeição como os quatro suportes do céu ...
(GRAINDORGE-HÉREIL, 1994, Vol. I, p. 5)
Alguns estudiosos associam o nome de Sokar ao vocábulo Saqqara
(BROVARSKI, 1984, p. 1056; GRAINDORGE-HÉREIL, 1994, Vol. I, pp. 7-8).
Para Graindorge-Héreil, tal interpretação seria errônea, pois Saqqara teria a
85
sua origem provável no nome de uma tribo Berbere, Beni Saqqar
(GRAINDORGE-HÉREIL. 2001, p. 305).
Segundo acreditam alguns estudiosos, a forma inicial de Sokar era a
forma de um monte, tendo acima uma cabeça de falcão, às vezes com asas
pendendo (Fig. 11). Este é em geral interpretado como sendo um monte
funerário, de minério, ou a capela shetayet. Em geral, o monte é encontrado
no interior da barca Henu. (BROVARSKI, 1984, p. 1056; HOLMBERG, 1946,
p. 123; WILKINSON, 2003, p. 210) Hermann Kees (Apud BROVARSKI, 1984,
p. 1056) acredita ser o monte o objeto de culto original de Sokar, pois o
falcão, conforme a sua visão, é um elemento secundário em seu culto, sendo
este uma influência de Hórus. Para Richard Wilkinson (2003, p. 210), o
epíteto de Sokar, “aquele que está sobre a sua areia”, encontrado no “Livro
do Amduat”, é uma referência a essa forma do deus.
Na sua forma mais comum, encontrada a partir do Novo Império,
Sokar aparece como um deus antropomorfo, com cabeça de falcão, sentado
ou em pé (Fig. 12). Muitos de seus atributos são tomados de outros deuses.
Em comum com Osíris encontramos o uso da coroa HDt ou Atf, e nas mãos
ambos portam o cajado e o açoite. O disco-solar e o uraeus são elementos
Figura 11 - Barca Henu no templo Ptolomaico de Háthor de Deir el-Medina, Período Ptolomaico.
Figura 12 - Thutmés III fazendo oferendas para o deus Sokar, XVIII Dinastia, Deir el-Bahari.
86
solares presentes em sua iconografia. E às vezes podemos encontrar uma
identificação com o deus Hórus, quando Sokar é encontrado usando as
coroas do Alto e Baixo Egito. Sokar também pode
ser encontrado representado na forma de um falcão
mumificado, em geral coberto por um manto
funerário vermelho, com contas no padrão de favo,
usado por deuses funerários a partir do período
Ramessida na tenda de mumificação de Anúbis, e
que às vezes porta o disco solar na cabeça (Fig.
13). Na forma humana, portando a coroa Atf, o deus é encontrando em raras
ocasiões. (BROVARKSI, 1984, pp. 1062-1063; GRAINDORGE-HERÉIL, 1994,
Vol. I, pp.8-9; WILKINSON, 2003, p. 210)
As menções a relações familiares de Sokar são poucas. Nos “Textos dos
Caixões” é dito que Res-udja é seu filho, e no Período Ptolomaico, Sokar e
Néftis às vezes formam um casal. (BROVARSKI, 1984, p. 1061-1062) Ele
também apresenta uma contraparte feminina, Sokaret, a qual aparece em
rituais no Novo Império. No Período Ptolomaico ela é assimilada a Háthor.
(BROVARSKI, 1984, p. 1062)
Tanto na iconografia como no contexto textual podemos encontrar o
deus Sokar desde tempos primordiais freqüentemente associado a sua barca
chamada de (Hnw) Henu. Às vezes é até mesmo possível
encontrar o nome de Sokar substituído pelo da barca Henu. (ERMANN,
GRAPOW, 1971, Vol. III, p. 109) Sua forma característica já é encontrada no
Antigo Império, sendo posteriormente, no Novo Império, apenas acrescida de
mais ornamentação. A barca Henu está repousada sobre uma armação que é
reforçada por quatro suportes e colocada sobre um trenó, o qual recebe o
nome de trenó-mfx, sendo este último também um objeto de culto. Na proa
elevada encontra-se a cabeça de um antílope (Oryx beisa) olhando para o
interior da barca. Segundo Graindorge-Héreil (1994, Vol. I, p. 18), o casco da
barca seria feito com a pele desse mesmo animal. O antílope é considerado
Figura 13 - Sokar na forma de um falcão mumificado (Museu do Louvre)
87
um animal do deserto por excelência, que está associado ao mundo da noite,
pois ele teria escondido ou engolido o olho wedjat. A partir do reinado de
Amenhotep III ele é sacrificado e sua cabeça é dada como uma oferenda para
Sokar. Abaixo segue um grande número de estais ou remos, conforme a
interpretação. A popa é adornada por dois remos de pilotagem.
Posteriormente podemos ver como acréscimo: atrás da cabeça de antílope
uma cabeça de touro olhando para frente, de cuja boca oscila uma corrente
ou corda, um peixe-inet (Tilapia nilotica) e seis falcões ou andorinhas
alinhadas em frente à cabine em cima dos remos. O peixe-inet e as
andorinhas também estão presentes na barca solar em sua viagem noturna,
e tem a função de guiá-la e protegê-la dos inimigos do deus-sol, em especial
da serpente Apepi. Da mesma forma as andorinhas podem ser identificadas
com as bas dos mortos, as quais se juntam ao deus-sol em sua viagem
diária, após terem-se tornado espíritos glorificados. Assim podemos dizer
que esses pássaros são os marinheiros que conduzem a barca Henu em sua
viagem. O número de remos de pilotagem é aumentado para três, depois
quatro. Na parte central da barca está um falcão, e, no Novo Império temos a
capela shetayet de Sokar, no topo da qual está um falcão em pé ou agachado
e na qual a imagem sagrada pode ser vislumbrada, ambas veladas por um
véu. Posteriormente ela evolui para um objeto cônico sobrepujado pela
cabeça de um falcão. No Período Ptolomaico a capela pode ser configurada
na forma de um sarcófago, com Sokar como uma múmia, deitado sobre uma
Figura 14 - Barca Henu, XIX Dinastia (Abidos)
88
armação no interior. (Fig. 14) (BROVARSKI, 1984, pp. 1066-1067;
BRUYÈRE, 1952, pp. 106-108; GRAINDORGE-HÉREIL, 1994, Vol. I, pp. 17-
33; OSBORN, OSBORNOVÁ, 1998, p. 166)
Nos “Textos das Pirâmides” (§1823) encontramos a afirmação de que
são os Filhos de Hórus que elevam a barca para o céu, e nos “Textos dos
Caixões” é dito que o deus Anti supervisiona a viagem da barca Henu.
(GRAINDORGE-HÉREIL, 1994, p. 28; HART, 1986, p. 23)
A barca Henu não é uma embarcação feita para navegar, mas sim para
ser puxada. Como nos mostra o “Amduat”, as terras de Sokar são arenosas,
e um dos principais acontecimentos do Festival de Sokar é quando a barca
Henu é puxada pelo faraó em volta dos muros do templo. A sua iconografia
também já aponta para essa direção, pois a barca sempre é representada
sobre o trenó-mfx e posteriormente temos a corda que sai da boca do touro.
O culto a Sokar já se encontra estabelecido desde o Antigo Império,
como podemos observar nos fatos relacionados à celebração de seu festival e
através de títulos sacerdotais. Mas não sabemos qual a sua função original,
sendo a questão ainda debatida na Egiptologia até hoje. Outro fator que
dificulta saber se Sokar era originalmente um deus dos artesãos, funerário
ou agrícola, é a sua associação e sincretismo prematuros com outros deuses,
em especial Ptah e Osíris, dessa forma não se tendo certeza a qual deus a
função pertencia originalmente.
O domínio de Sokar era conhecido como Rosetau (R-stAw), “a boca (ou
abertura) das passagens” ou “entrada das galerias subterrâneas”, a área do
deserto onde se localizava a necrópole mênfita ou, mais especificamente, a
necrópole de Giza, segundo algumas interpretações baseadas na estela da
esfinge de Thutmés IV. (COCHE-ZIVIE, 1984, pp. 304-305) Brovarski
acredita que
Sokar pode ter se tornado um patrono das artes porque, como um deus adorado na necrópole mênfita, os artesãos ali trabalhando para providenciar equipamento para as pessoas enterradas em seus cemitérios o adotaram como a sua deidade especial.
(1984, p. 1057)
89
Para ele o aspecto funerário de Sokar ainda não estava
particularmente marcado no Antigo Império, ganhando uma maior ênfase
apenas no Médio Império, da mesma forma que Hart (1986, p. 149) atribui à
conexão com Osíris o surgimento de tal aspecto.
Wolfgang Helck (1991) desenvolve ainda mais a afirmação de Sokar ser
originalmente um deus dos artesãos, em especial dos trabalhadores de
metal, ao ver toda a simbologia ligada ao deus como tendo uma origem
ligada ao trabalho do metal. O Festival de Sokar representaria a chegada (ou
partida) ritualizada de metalúrgicos ambulantes. Na procissão vemos
sacerdotes (trabalhadores de metal) seguindo a barca Henu carregando
bastões (tbA) e zarabatanas (wx), aludindo àqueles utilizados no trabalho do
metal. O monte encontrado na parte central da Barca Henu seria o minério
utilizado pelos trabalhadores. A capela shetayet, por ser um recinto abodado
construído artificialmente, segundo as suas conclusões, e não uma caverna
natural, seria o forno de fundição.
Como um deus artesão, Sokar era adorado especialmente pelos
trabalhadores de metais. Em tal aspecto é dito nos “Textos das Pirâmides”
que o presente deus teria produzido os ossos reais, e no “Livro dos Mortos”
ele fabrica as tigelas de prata para o morto usar como vasilhas de alimentos
e para lavar os seus pés. (BROVARSKI, 1984, p. 1057; HART, 1986, p. 149;
WILKINSON, 2003, p. 209) Como se encontra, por exemplo, no capítulo 172
do “Livro dos Mortos”: “Tu lavastes teus pés em tigelas de prata forjadas
pelos artesãos de Sokar” (ALLEN, 1974, p. 180) As jóias representadas numa
cena de oferenda na tumba da mãe de Antefoker, vizir de Amenemhat I e
Senusret I são ditas de serem: “os ornamentos habituais da necrópole, os
quais Sokar moldou com os seus próprios dedos, compostos de prata,
electrum, lápis-lazúli, turquesa e coralina.” (DAVIES-GARDINER Apud
BROVARSKI, 1984, p. 1057) Como um moldador de objetos, Sokar é
posteriormente associado à mistura de substâncias aromáticas para os
unguentos (HART, 1986, p. 149). Sokar continua a ser mencionado como um
deus artesão até o Período Greco-Romano, como pode ser visto nas palavras
do rei que oferece um espelho para a deusa Háthor: “Tome o espelho, que
Sokar modelou.” (MARIETTE Apud BROVARSKI, 1984, p. 1057)
90
Na sua função como um deus artesão, Sokar está fortemente ligado à
Ptah, o deus patrono da cidade de Mênfis, e também ele um deus dos
artesãos. Em Mênfis a residência de Sokar era o templo de Ptah e os
sacerdotes desses dois deuses atuavam no culto de ambos. Essa
proximidade fez com que desde ao menos à V Dinastia surgisse o deus
sincrético Ptah-Sokar, como pode ser observado, por exemplo, nas estelas da
tumba de Shepsesptah em Saqqara, na mastaba da VI Dinastia em
Elefantina, pertencente à Herkhuef, e na estela numa mastaba em Edfu, da
VI Dinastia, pertencente ao oficial mênfita Kar Merirē-nefer (HOLMBERG,
1946, pp. 125-126). No Médio Império, Ptah-Sokar passa a adotar os
epítetos, os quais pertenciam originalmente aos deuses em separado, e
representações suas surgem apenas no Novo Império. No material pictórico
ele é sempre representado sob o aspecto de um dos dois deuses, nunca uma
mistura de elementos de ambos, dominando a forma de Sokar. (BROVARSKI,
1984, p. 1059-1560; HOLMBERG, 1946, pp. 124-137) Holmberg chega a
sugerir que “é possível que Ptah-Sokaris era o nome usualmente dado as
imagens de Sokar” (1946, p. 137).
Por Sokar residir na região do cemitério mênfita, alguns autores,
como Mikhail e Roeder, consideram Sokar um deus predominantemente
funerário. Neste contexto, como podemos observar nos “Textos das
Pirâmides” do Antigo Império, o deus está particularmente vinculado ao rei e
a Osíris. Ali Sokar é descrito como um deus ativo no renascimento do rei/de
Osíris e nas cerimônias de confirmação e transferência do poder real para o
herdeiro do trono/Hórus. É a barca Henu que carrega o rei morto/Osíris
para o céu depois que ele se tornou Sokar. (BROVARSKI, 1984, pp. 1057-
1058; GRAINDORGE-HÉREIL, 2001, p. 305)
O rei é colocado na barca de Sokar
Ó Osíris o Rei, Hórus te ergueu para dentro da barca Henu, ele te eleva na Barca de Sokar, pois ele é o filho que eleva o seu pai, Ó Osíris o Rei, no seu nome de Sokar. Que você possa ser no Alto Egito assim como esse Hórus através de quem você é poderoso; que você possa ser poderoso no Baixo Egito assim como esse Hórus através de quem você é poderoso, que você possa ser poderoso e proteger a si de seus adversários.
PT 645
(FAULKNER, 1910, p. 266)
91
Aqueles autores, como visto acima, que tem Sokar como inicialmente
um deus dos artesãos, acreditam que ele somente ganha destaque como um
deus funerário no Médio Império, não considerando a conexão de Sokar com
o Rei nos “Textos das Pirâmides”, de caráter especificamente funerário. Mas,
ao mesmo tempo, podemos observar que em seu caráter como deus
modelador, Sokar está ligado ao universo funerário, pois os objetos que
produz estão relacionados com o morto e os primeiros artesãos a terem
Sokar como seu patrono são aqueles que trabalham na necrópole.
No Médio Império observamos que Sokar adquire um caráter mais
popular, não servindo mais apenas ao rei. Nos “Textos dos Caixões”, sua
principal função é a transfiguração do morto e ele também está associado
com o Ritual de Abertura da Boca. Fórmulas e oferendas funerárias que
mencionam Sokar também aparecem no Médio Império, como as nas
modestas estelas de madeira reusadas da XI Dinastia encontradas em
tumbas em Asasif e Deir el-Bahari, as quais mostram cenas do morto diante
de mesas de oferendas, com Sokar aparecendo sobre as oferendas na barca
Henu. Junto aos mortos encontramos títulos como “honrado por Sokar” ou
“honrado no séqüito (Sms) de Sokar, Senhor do Sepultamento (orst), mais que
os ancestrais”. (BROVARSKI, 1984, pp. 1058 e 1063; GRAINDORGE-
HÉREIL, 2001, p. 305)
Em seu aspecto funerário, Sokar está fortemente ligado a Osíris. Para
Mikhail (1984, p. 26), Sokar se distingue de outros deuses dos mortos,
devido a sua relação a Osíris, sendo ele responsável pela ressurreição de
Osíris e a transferência de seus poderes para Hórus. Ambos os deuses já
estão fortemente associados entre si nos “Textos das Pirâmides”, onde Sokar
aparece como um nome ou aspecto de Osíris. Da mesma forma, é dito que
Hórus faz um espírito de seu pai na forma de Sokar, levado pelo mesmo na
barca de Sokar e mantido na Mansão de Sokar. Em várias outras fontes,
além dos “Textos das Pirâmides”, como a Pedra de Shabaka e o Papiro
Bremner-Rhind, é dito que o corpo de Osíris é enterrado na capela shetayet
de Sokar. (BROVARSKI, 1984, p. 1060; MIKHAIL, 1984, pp. 25-27)
A partir do Médio Império podemos encontrar ambos os deuses na
forma sincrética de Sokar-Osíris e no Novo Império de Osíris-Sokar. A
92
segunda forma torna-se mais popular apenas no Período Greco-Romano,
quando Osíris-Sokar é visto como o Juiz dos Mortos. Como exemplo, temos o
romance de Setne (segundo), onde os justo são postos ao lado dos
abençoados, os quais servem Sokar-Osíris. Do Novo Império em diante Sokar
também adquire cada vez mais um aspecto osirificado, no final tornando-se
apenas uma forma de Osíris. (BROVARSKI, 1984, p. 1060) No Médio Império
também surge o deus sincrético Ptah-Sokar-Osíris.
Kess, ao contrário dos demais autores, apresenta Sokar como sendo
inicialmente um deus ctônico associado com a agricultura. Ele baseia-se nos
dados do Festival de Sokar realizado nos mês de Khoiak e no fato de que o
ritual no seu culto incluía atividades agrícolas, como conduzir rebanhos,
sovar a terra e usar colares de cebolas. Brovarski opõem-se a Kees
argumentando que suas associações foram feitas a partir de dados do Novo
Império. (BROVARSKI, 1984, p. 1058; MIKHAIL, 1984, p. 26)
Do Novo Império em diante Sokar irá estabelecer uma relação com o
deus-sol. Neste período a barca Henu de Sokar pode ser vista como uma
barca solar que percorre o céu noturno, representando o triunfo solar sobre
a morte, sendo uma contraparte para a barca diurna do sol. Essa relação
pode ser observada na iconografia, onde observamos que os acréscimos
feitos no Novo Império (veja acima) são claramente elementos solares.
(GRAINDORGE-HÉREIL, 1994, Vol. I, p. 33; 2001, p. 305)
A quarta e quinta hora noturna do Amduat são dedicadas à passagem
do deus-sol pelo Rosetau, a terra de Sokar “o qual está sobre a sua areia”
(Hry As.f). Aqui o domínio de Sokar é retratado como uma vasta caverna no
deserto, onde predomina a escuridão e a barca solar tem de ser puxada por
terra, em contraste com as outras horas quando a barca solar navega numa
espécie de Nilo subterrâneo. No registro do meio da quarta hora, Thot
entrega o olho do deus sol (a sua luz) para que Sokar tome conta dele e
ilumine esta região sombria. (Fig. 15) Na quinta hora não temos uma divisão
tão clara dos registros como nas outras horas. O registro do meio, onde os
demais se encontram está em destaque, e nele encontramos a “misteriosa
93
Figura 15 - Quarta Hora Amduat (HORNUNG, 1991, p. 60)
Figura 16 – Quinta Hora Amduat (HORNUNG, 1991, p. 68)
94
caverna de Sokar”. No registro inferior, elevando-se até o registro do meio,
está aqui representado em uma espécie de corte transversal a “Terra de
Sokar”, em cuja parte central se encontra a “caverna” ou “cripta” de Sokar,
sobre a qual a Barca Solar é puxada. Este oval pode ser entendido como todo
o Mundo Inferior, no qual o deus reside e os raios do Sol não podem
penetrar, mas o qual é ativado pela passagem diária do sol. (Fig. 16)
(BROVARSKI, 1984, pp. 1051 e1059; HORNUNG, 1991, pp. 62, 67 e 74-75;
2002, pp. 93, 109-110 e 112) Acima deste podemos encontrar a seguinte
descrição da cena:
Assim essa Imagem é constituída na escuridão primordial. O oval, pertencente a esse deus (Sokar) é iluminado, através
de ambos os olhos das cabeças do Maior dos Deuses (o deus-sol na forma de serpente).
Ambas as pernas (de Sokar) estão iluminadas ao redor do Maior dos Deuses, enquanto ele vigia a sua Imagem.
Um ruído é ouvido desse Oval, após o grande Deus ter sido puxado por ele, como a voz do trovão do céu numa tempestade.
(HORNUNG, 2002, pp. 113-114)
Para Graindorge-Héreil (2001, p. 306), o terrestre Ptah-Sokar torna-se
Sokar-Osíris, a encarnação noturna do Sol nesta passagem do Amduat,
desta forma possibilitando que o Sol complete seu curso durante a noite e
que renasça ao amanhecer. Na décima hora encontramos a ba de Sokar, a
qual acompanha o deus-sol até o céu. (HORNUNG, 1991, p. 166; 2002, p.
167)
No Período Greco-Romano, Sokar passa a ser conhecido como o
“pequeno sol”, e também temos conhecimento de um deus Sokar-Rê. Devido
a esse sincretismo, a capela shetayet era dita estar localizada em Heliópolis.
(BROVARSKI, 1984, p. 1051)
Assim Sokar, que atuava inicialmente no renascimento de Osíris no
Antigo Império, passa a atuar no renascimento diário do deus-sol em sua
passagem pelo Duat. Dessa forma ele se torna uma peça vital na
continuidade dos dois ciclos principais para os egípcios, o osiríaco e o solar.
Através da sua ação, Osíris e o deus-sol vencem a morte, renascendo Osíris
como o “Primeiro dos Ocidentais”, e o sol pode surgir rejuvenescido no
horizonte a cada manhã. No Novo Império, o Festival de Sokar passa a
celebrar esse duplo renascimento.
95
Outros deuses ligados ao deus-sol também passam a ter uma ligação
com Sokar, em especial em seu Festival realizado no mês de Khoiak. Em
especial podemos mencionar o deus Nefertum. O estandarte deste deus é
mostrado sendo carregado na representação do Festival de Sokar em
Medinet Habu (Fig. 91), e no templo de Hathor em Deir el-Medina temos
uma cena na qual o deus Anúbis, segurando o disco solar, é seguido pelo
estandarte de Nefertum e pela barca Henu. Ambos os deuses são originários
de Mênfis, mas, segundo William Murnane, eles também tem uma ligação
mais profunda:
Nefertum, como a flor de lótus, simboliza renovação na
teologia do deus sol Rê e dessa forma ele pode aparecer como a realização da vida, a qual é latente apenas em Sokar ele mesmo. Essa relação é formada mais provável por uma exortação proferida por um sacerdote mostrado ao leste da parede, o qual carrega um emblema menor de Nefertum e clama, “Ao redor, ao redor, como Rê!”, assim associando o progresso de Sokar com o curso diário do sol cruzando o céu e através do Mundo Inferior.
(1980, p. 31)
Assim ambos os deuses estão incluídos no ciclo de transformações solares.
Eles também podem ser encontrados na forma do deus sincrético Sokar-
Henu-Nefertum (HOUSER-WEGNER, 2001, p. 516).
Na mitologia, Sokar possui uma capela chamada (STy.t)
shetayet, a qual estaria localizada em Mênfis. Esta é tida como uma cripta
ou caverna subterrânea, a qual evocava o céu da noite, sendo uma
passagem para o mundo subterrâneo. Posteriormente toda capela dedicada a
Sokar passa a receber o nome de shetayet, da mesma forma como pode
designar o Mundo Inferior ou a tumba de uma pessoa. Em seu interior
estaria o caixão contendo Osíris, ou seja, o corpo morto do deus-sol. Talvez
esse fato contribuiu para ela ser posteriormente atribuída ao deus Osíris.
(BROVARSKI, 1984, p. 1058; ERMANN, GRAPOW, 1971, Vol. IV, p. 559;
GRAINDORGE-HÉREIL, 1994, Vol. I, pp. 25 e 37) Para I. E. S. Edwards a
shetayet de Rosetau/Busíris seria a contraparte no Baixo Egito da tumba de
Osíris em Abidos. (Apud JNES, on-line10, p. 49)
10 JSTOR. Disponível em: <http://www.jstor.org/pss/545416>. Acesso em 18 jun. 2008.
96
Outro local associado a Sokar é o (Pdw-S) Pedju-she. Ainda não existe
uma definição certa do que exatamente ele seria, da mesma forma como a
sua localização exata, existindo várias hipóteses a respeito. Alguns acham
ser outra capela de Sokar na necrópole menfita. Como um ponto em comum
na maioria das interpretações, Catherine Graindorge-Héreil observa o fato de
ser um local onde existe um curso ou plano d‟água. Em sua opinião o Pedju-
she seria um lago em Abusir; para Roeder ele seria um lago situado na borda
do deserto, e para Bleeker um santuário num Oásis. Sethe, Mercer e
Piankoff acreditam que ele estivesse localizado no Delta. (GRAINDORGE-
HÉREIL, 1994, Vol. I, pp. 35-36)
Até o momento não foi descoberto nenhum templo dedicado
exclusivamente a Sokar, mas seu culto é atestado em vários templos ao
longo da história do Egito antigo. Seu culto é realizado inicialmente na
cidade de Mênfis. Ali era cultuado no templo de Ptah, cujos sacerdotes
serviam a ambos os deuses. Neste templo também eram realizados os rituais
de seu Festival no dia 26 de Khoiak. O principal ato do festival era quando o
faraó deveria puxar a barca Henu duas vezes em volta dos muros do templo.
Já no Antigo Império encontramos o culto de Sokar em outras localidades
além de Mênfis, como em Sheik Said, Meir, Dendera e Assuã. (BROVARSKI,
1984, p. 1063)
Na região tebana o culto à Sokar é atestado desde o Médio Império,
como demonstram as estelas encontradas em Asasif e Deir el-Bahari, já
mencionadas acima. Mas é no Novo Império que ele adquire maiores
dimensões, quando é encontrado em ambas as margens. Na margem oeste
encontramos representações de Sokar na capela de Anúbis, no segundo
terraço do templo de Hatshepsut, e na capela de Thutmés I, no terceiro
terraço em Deir el-Bahari. No Templo Memorial de Amenófis III encontramos
a menção no pilar dorsal do colosso de Memnom do sul que o presente rei
era um “amado de Sokar”, e ali provavelmente existia uma capela em
homenagem à sua forma sincrética de Ptah-Sokar-Osíris. Séthi I oferece
vinho à Ptah-Sokar e incenso para Sokar em uma representação no lintel
sobre a entrada da sala IX de seu templo em Qurna. Em Medinet Habu
temos a representação do Festival de Sokar realizado no mês de Khoiak.
97
Estas imagens eram uma cópia daquelas que existiriam no Ramesseum,
localizado no registro superior na parede leste ao norte da sala hipostila
principal e no santuário de Sokar na Sala 4. Nesta sala provavelmente ficava
a barca Henu e eram realizados os rituais velados do Festival de Sokar.
(BROVARSKI, 1984, pp. 1063-1064; GRAINDORGE-HÉREIL, 2001, p. 306)
Nas Tumbas particulares do Novo Império, o proprietário podia ser
representado adorando Sokar e a barca-Henu, e às vezes temos a presença
de sua procissão e da “Litania de Oferendas para Sokar em todos os seus
nomes”, a qual enumera 45 formas e cultos do deus. (BROVARSKI, 1984, p.
1064-5)
Bruyère acredita na possibilidade de ter existido um templo em
homenagem a Sokar na margem oeste de Tebas. Suas suposições são feitas
a partir das tumbas raméssidas descobertas por H. Gauthier na região de
Gurnet Murai, as quais mencionam que seus proprietários eram
funcionários religiosos ou laicos do templo de Sokar. A presente região
poderia ser um dos locais onde este templo poderia ter existido. Outra
possibilidade é a de ele estar localizado onde hoje em dia encontramos o
templo Ptolomaico dedicado à Háthor em Deir el-Medina. Para esta última
localidade corroboram o fato de o culto de Sokar ter sido intimamente
associado ao de Háthor em Tebas. (BRUYÈRE, 1952, pp. 109-111)
Na margem leste observamos que vários faraós deixaram homenagens
a Sokar no Templo de Karnak. Entre eles, por exemplo, Thutmés III lhe
dedicou as salas ao sul do santuário axial, no templo de Akhmenu. No lintel
do portão de Amenhotep I, o presente faraó é levado por Sokar e Hórus para
Nekhbet. Na sala interior do templo de Amun-Rê-Horakhte Ramésses II
recebe o heb-sed de Sokar. (BROVARSKI, 1984, pp. 1063-1066)
Do mesmo período também temos uma capela em sua homenagem no
templo de Séthi I em Abidos.
Na iconografia sokariana tardia, a barca Henu torna-se um elemento
dominante, como pode ser visto em uma série de estátuas blocos das XXII e
XXIII Dinastias recuperadas no “cachette de Karnak”. Os faraós também
continuam a adorar o deus em Karnak. Em estátuas e na capela de Osíris
Heqadjet encontramos Osorkon III fazendo oferendas para a barca do deus.
98
O rei persa Dário I reboca a barca de Sokar em uma representação no
templo de Hibis no Oásis de Kharga. Os reis Ptolomaicos aparecem
oferecendo incenso e outras oferendas para Sokar em diversos templos,
entre os quais podemos mencionar: o propileu de Khonsu em Karnak, no
templo de Montu na parte norte de Karnak, no templo de Háthor em Deir El-
Medina, no templo de Hatshepsut em Deir el-Bahari e em Medinet Habu. Em
Edfu ele tinha uma capela e em Dendera um santuário nesse período. Seu
culto continua até o Período Romano. O Imperador Claudio oferece um touro
e oferendas no templo de Triphis em Atripe, e no vestíbulo de Caracalla em
Philae observamos Osíris-Sokar despejar libações diante de Osíris entre as
deusas Ísis e Néftis aladas. (BROVARSKI, 1984, pp. 1065-1066;
GRAINDORGE-HÉREIL, 2001, p. 306)
99
CAPÍTULO 4. OSÍRIS
Apesar de Osíris ter sido um deus de grande popularidade no Egito
antigo, os fatos que sabemos a seu respeito de fontes egípcias são
fragmentados. Os relatos dos autores do Período Greco-Romano são as
nossas fontes mais completas. Ele era cultuado em diversas cidades do
Egito, muitas vezes incorporando os deuses locais entre seus epítetos. Ao
que tudo indica Osíris tem sua origem na cidade de Abidos, sendo tido como
o Senhor do Mundo dos Mortos. No começo apenas o Rei unia-se ao deus
após a morte, mas, com o aumento de sua popularidade, este destino foi
estendido posteriormente à população como um todo. Com o tempo passou a
adquirir outras funções associadas às de deus dos mortos e da ressurreição.
Como um deus da fertilidade, era responsável por trazer as cheias do Nilo e
os campos fartos para a população. Da mesma forma, ligado aos ciclos da
natureza, Osíris teve uma associação cósmica ao ser identificado com a
constelação de Orion, a estrela Sirius e a lua.
A verdadeira fonética do nome Osíris nos é desconhecida. As formas
mais aceitas atualmente são Asir ou wsir, sendo a primeira considerada mais
correta atualmente. Estas correspondem ao copta ousire ou ouciri e ao grego
(GRIFFITHS, 1982, Vol. IV, p. 623). Em sua forma inicial, como consta
nos “Textos das Pirâmides”, o nome de Osíris era escrito sem o determinativo
de deus, apenas com o trono e o olho, . Em formas posteriores
encontramos a ordem invertida, o olho antes do trono, e o nome de
Osíris escrito com o determinativo de deus: . Em períodos posteriores
também encontramos variações do nome, como por exemplo, e no
Médio Império, na XIX Dinastia e , , e
no Período Ptolomaico (ERMANN, GRAPOW, 1971, Vol. I, p.
359).
100
Da mesma forma não existe um consenso do significado de seu nome,
existindo variadas suposições sobre seu significado11. Um significado aceito
por vários autores (HART, 1986, p. 152; WILKINSON, 2003, p.118) como
sendo o correto é de seu nome derivar da palavra wsr, “poderoso”, vindo a
significar “O Poderoso” como foi proposto por Gwyn Griffiths, a partir da
interpretação de Plutarco. Haveria um desvio fonético no segundo símbolo, e
o nome também possuiria o significado secundário de “Aquele que faz o seu
trono” (GRIFFITHS, 1982, Vol. IV, p. 624). Este significado secundário faz
parte de outro grupo de suposições baseadas nos símbolos hieroglíficos que
compõem o seu nome. Kurt Sethe, por exemplo, sugere “O assento do Olho”,
um hipocorístico com o sentido de “alegria dos olhos, querida” (GRIFFITHS,
1982, Vol. IV, p. 624).
Ainda um outro grupo abrangente de possíveis definições é aquele que
procura atribuir uma origem estrangeira ao seu nome, como a identificação
com Ashur da Assíria, segundo Théodule Devéria e Asar, uma forma de
Marduk na Babilônia, segundo Sidney Smith. (GRIFFITHS, 1982, Vol. IV, pp.
624-625)
Aparentemente, no início, no Período Pré-Dinástico e Dinástico Inicial,
e conforme mencionado na pirâmide de Neferkare (V Dinastia) Osíris possuía
a forma de um chacal, como os demais deuses funerários do Baixo Egito
(GRIFFITHS, 1966, pp.92-94).
Ó Soberano, você está vestido como um deus, a sua face é a
de um chacal como Osíris, esta alma que está em Nedit, esse poder que está na Grande Cidade.
PT § 2108
(FAULKNER, 1910, p. 299)
A primeira representação conhecida de Osíris encontra-se em um
bloco de pedra parcialmente danificado do Faraó Djedkare Isesi da V
Dinastia. Apenas a parte superior da figura e uma inscrição com o nome de
Osíris foi preservada. Nessa vemos uma figura antropomórfica usando o
toucado divino e com o braço esquerdo solto. Não sabemos se poderia estar
11 Uma lista abrangente pode ser encontrada em GRIFFITHS, 1982, Vol. IV, pp. 624-625.
101
segurando algo no braço direito, que está faltando. (GRIFFITHS, 2001, Vol.
II, p. 615; WILKINSON, 2003, p.121)
Sua forma mais conhecida é de um deus
antropomórfico mumiforme, cuja pele podia
ser representada branca, remetendo às
bandagens da múmia, ou preta, a cor das
deidades ctonicas ou da aluvião do Nilo, ou
verde, representando a vegetação e a cheia
(WILKINSON, 2003, pp. 121). As mãos
projetam-se para fora das bandagens para
segurar o cajado e o açoite. Do Médio Império
em diante Osíris geralmente é representado
usando a coroa Branca do Alto Egito (coroa
HDt). Outra coroa, comumente usada e
originalmente pertencente ao deus Andjety era
a coroa Atf, composta pela coroa Branca
acrescida de um par de plumas nas laterais; e,
a partir do Novo Império (em especial na região
tebana), são acrescentados um par de cornos
horizontais, o disco solar e o uraeus (Fig. 17)
(BRANCAGLION JUNIOR, 2004, informação
verbal12). Essa podia ser usada sozinha ou
em conjunto com o toucado divino. A partir
do Novo Império, Osíris pode ser visto usando largos colares e braceletes e
com um grande número de detalhes na sua vestimenta. (WILKINSON, 2003,
pp. 120-121) A posição de seus braços, a forma de segurar a regalia real e a
sua vestimenta podem apresentar variações locais, reconhecidas
principalmente nas estátuas de bronze (Tabela I) (ROEDER, 1955). Segundo
Gwyn Griffiths (1966, p. 54), o uso de elementos reais na iconografia de
Osíris como o cajado, o açoite e a coroa HDt, apontam para uma associação
antiga com o rei.
12 O Egito Antigo. Curso de Extensão Departamento de Letras Orientais, FFLCH, USP. Aula 7 – Os dois grandes mistérios: da “Justificação” à “Glorificação” do morto. Ministrada em: 03 dez. 2004.
Figura 17 – Osíris com coroa Atf sobre plinto em forma do hieróglifo maat e na frente do Pilar Djed – KV 57
102
Tabela 1 – Diferenças regionais na iconografia de Osíris segundo Roeder (1955).
Osíris também podia ser representado na forma de um pilar Djed
usando seus atributos (Fig. 18). Nesta
forma ele é comumente representado na
parte interna dos caixões no Novo
Império, sendo um sinal simbólico de
estabilidade. O pilar Djed foi incorporado
como um elemento osíriaco, através do
sincretismo de Osíris com os deuses Ptah
e Sokar, a quem o pilar estava
originalmente associado. Seu simbolismo
original, quando ainda não estava
associado a Osíris nos é desconhecido.
No Livro dos Mortos ele é identificado
com as vértebras ou a coluna vertebral de Osíris. (HART, 1986, p. 160-161;
SHAW, NICHOLSON, 1995, p. 86; WILKINSON, 1992, p. 165).
No Período Ptolomaico, Osíris foi identificado com o deus grego
Dionísio, devido ao caráter de ambos como deuses ligados à agricultura, e
por terem trazido a civilização aos homens, e ao deus Hades (Plutão), por
ambos serem considerados deuses do Mundo Inferior.
Baixo Egito Médio Egito Alto Egito
Posição do Braço Um braço sobre o
outro
Braço no mesmo nível encontrando-se
no peito Braços cruzados
Mão Esquerda Cajado Cajado Açoite
Mão Direita Açoite Açoite Cajado
Braços Não são visíveis
através da vestimenta
Cotovelos bastante proeminentes
Cotovelos bastante proeminentes
Vestimenta
Levantada como uma gola na altura do pescoço e dos
ombros
Rente ao corpo Rente ao corpo
Abertura Vestimenta
Presente para fazer espaço para as
mãos
Marcada por uma linha fina
Quase não está presente
Pernas Contorno pouco
marcado Contorno bem
marcado Contorno bem
marcado
Figura 18 – Osíris na forma do Pilar Djed (centro) - Tumba de Neferrenpet, XIX Dinastia (Tebas)
103
Ptolomeu I cria o deus Serapis, da união de Osíris, do touro Ápis e dos
deuses gregos Zeus, Hélios, Hades, Asclépio, e Dionísio. De Osíris
principalmente incorporou seu aspecto funerário e de fertilidade, o qual foi
enfatizado principalmente no seu aspecto de deus protetor dos grãos. Da
mesma forma, Ísis também era considerada a sua esposa. (SHAW,
NICHOLSON, 1995, p. 261)
Osíris aparece inicialmente como um deus funerário, como pode ser
observado nas fontes mais antigas, como os “Textos das Pirâmides”, a
Teologia Menfita e o Papiro Dramático do Ramesseum. Como um deus
funerário, Osíris deve ser entendido como um deus da continuidade da vida
após a morte, e não como um deus da morte. A morte pode ser vista como
um estado de dormência, sendo que os rituais, como o de Abertura da Boca,
por exemplo, feitos em Osíris e posteriormente nos mortos, eram uma ajuda
para que os mesmos acordem. Sendo Osíris o primeiro a renascer após a
morte, ele torna-se o Senhor do Mundo dos Mortos. Em tal forma incorpora
o epíteto de (xnty Imntt), o “Primeiro dos Ocidentais13”, o qual era
originalmente um deus funerário na forma de chacal de Abidos.
(BRANCAGLION JUNIOR, 2004, informação verbal14; GRIFFITHS, 1966, pp.
42-43)
Inicialmente, no Antigo Império, apenas o rei se unia com Osíris após
a morte. Mas, anteriormente a esse período, existe outro lado mais obscuro
do deus, no qual ele é temido pelo Faraó. Nestas passagens dos “Textos das
Pirâmides”, Rê não deixa que Osíris tome o rei nos domínios escuros e
proibidos do Duat, sendo o destino do Rei as estrelas. (GRIFFITHS, 1966, pp.
24-26; HART, 1986, pp. 154-155)
Rê-Atum não te dará para Osíris e ele não deve reivindicar o
seu coração, nem ter poder sobre o seu coração. PT § 144
(FAULKNER, 1910, p. 42)
13 Ocidentais refere-se ao nome dado pelos egípcios aos mortos. 14 O Egito Antigo. Curso de Extensão Departamento de Letras Orientais, FFLCH, USP. Aula 7 – Os dois grandes mistérios: da “Justificação” à “Glorificação” do morto. Ministrada 03/12/2004.
104
Abra o seu lugar no céu entre as estrelas no céu, pois você é a Estrela Solitária, o companheiro de Hu; olhe para baixo sobre Osíris quando ele governa os espíritos, pois você está longe dele, você não está entre eles e você não deve estar entre eles.
PT § 251
(FAULKNER, 1910, p. 58)
Podemos dessa forma observar nos “Textos das Pirâmides” uma
transformação do deus Osíris de um deus temido, representado pela sua
forma inicial de chacal, em um deus benevolente, que possui a forma
antropomórfica do rei morto que se une a ele (GRIFFITHS, 1966, p. 125). Nos
“Textos dos Caixões”, Osíris ainda pode ser visto como um demônio
ameaçador, controlando uma “máfia” de executores chamados “Açougueiros
de Osíris de dedos dolorosos” ou “pescadores de Osíris” (HART, 1986,
pp.154-155). Em uma forma completamente benevolente Osíris só irá
aparecer no “Livro dos Mortos”.
No contexto funerário particular, Osíris só irá aparecer com certa
predominância como deus funerário em inscrições, principalmente fórmulas
de oferendas, a partir da VI Dinastia. Anteriormente, Anúbis e Khentamentiu
apareciam com maior freqüência como deuses funerários. Mas nelas não há
nenhuma relação especial com o deus, como ocorre com o faraó. Uma
“democratização” de Osíris no contexto funerário só se estabelece
definitivamente após o Período Pós-Amarniano, quando a população em
geral podia se unir a Osíris após a morte, renascendo como o deus, como
pode ser observado, por exemplo, na incorporação das cenas de Osíris nas
tumbas tebanas não reais. A falta desse princípio em tempos mais antigos
poderia ser interpretada de maneira a que o rei morto seria o representante
de uma ba coletiva, sendo a sua ascensão no Mundo dos Mortos a ascensão
de todos os egípcios (GRIFFITHS, 1966, p. 161). Assim,
ele se tornou um deus salvador no sentido de que o seu destino, o qual conduzia ao triunfo final após sofrimento e morte, é visto como um modelo, o qual crentes humanos podem alcançar. Seu papel é passivo. Não é ele quem efetua o salvamento. Ele mesmo é salvado por Hórus. No hino de Amen-mose, e em outras partes, é Ísis quem salva Osíris; [...] Neste conceito de salvação, libertação da morte é o tema.
(GRIFFITHS, 1982, Vol. IV, p. 629)
105
Como o “Primeiro dos Ocidentais”, Osíris acaba por consequência se
tornando o Juiz dos Mortos. Esse aspecto já pode ser reconhecido no Antigo
Império, mas é no Novo Império, no capítulo 125 do “Livro dos Mortos”, que
encontramos a sua forma mais elaborada (Fig. 68). Neste capítulo a alma do
morto era julgada na Sala das Duas Maats, sendo seu coração pesado
refletindo sua conduta em vida. Se sua conduta fosse considerada de acordo,
o morto se tornaria um mAa-xrw (Justificado ou Justo de Voz), unindo-se com
Osíris. Sob este aspecto Osíris recebia o epíteto de “Senhor da Maat15”.
Também podemos encontrar Osíris representado sobre um plinto na forma
do hieróglifo (mAat) quando ligado ao conceito de justiça, como a estátua
de Osíris de Anhai [02] presente na coleção do British Museu. (GRIFFITHS,
1982, Vol. IV, p. 630; 2001, Vol. II, p. 618; HART, 1986, p. 163)
O título tardio de Osíris (wnn-nfr) Unnefer, que viria a significar
“aquele que está em boas condições” ou “aquele cujo corpo não se
corrompeu” remete aos rituais de embalsamento realizados no deus por
Anúbis, vindo Osíris a ser a primeira múmia. A mumificação, ao impedir a
putrefação do corpo de Osíris, torna possível, junto com os outros rituais
funerários, que ele reviva. Serão esses mesmos rituais seguidos pelos
egípcios na intenção de alcançar o mesmo destino de Osíris. (BRANCAGLION
JUNIOR, 2004, informação verbal16; GRIFFITHS, 2001, Vol. II, p. 618)
Devido ao seu aspecto ligado ao renascimento, Osíris foi
posteriormente associado à fertilidade, em especial da água e da vegetação.
Em um aspecto agrícola, ele está associado à cheia do Nilo, a qual traz a
fertilidade para o Egito. Adolf Erman resume bem essa ligação:
Quando a inundação chega, Osíris é a água nova, que deixa
os campos verdejarem. Quando então as plantas murcham e morrem, acredita-se desta forma que Osíris também morreu. Mas ele não está totalmente morto, pois no ano novo as ervas nascem
novamente de seu corpo e mostram que ele está vivo.
(ERMAN, 2001, p. 40)
15 Conceito de Verdade e Justiça, também uma deusa regente desses mesmos princípios. 16 O Egito Antigo. Curso de Extensão Departamento de Letras Orientais, FFLCH, USP. Aula 7 – Os dois grandes mistérios: da “Justificação” à “Glorificação” do morto. Ministrada em 03/12/2004.
106
Sendo o deus que traz as cheias do Nilo, Osíris foi posteriormente
conectado ao ciclo estelar. A deusa Sopdet (ou Sothis para os gregos) era a
personificação de Sirius, estrela que aparecia anualmente no horizonte,
próximo à chegada da cheia do Nilo. Desta forma foi associada com Osíris na
forma da constelação próxima de Orion (ou Sah para os egípcios), o qual
representava o ressurgimento anual do Nilo. Assim, a tríade familiar formada
por Osíris, Ísis e Hórus foi transferida para as estrelas na tríade formada por
Sah (Osíris), Sopdet (Ísis) e Soped ou Sopdu (Hórus). Também encontramos
a menção de que as estrelas estão sob o comando de Osíris. (HART, 1986,
pp. 150-151; WILKINSON, 2003, p. 167)
A ligação de Osíris com a vegetação e o universo cósmico descrita
acima pode ser observada de forma concreta na seguinte passagem do
“Grande Hino a Osíris” inscrito na estela de Amenmose, atualmente
localizado no Louvre:
Mais velho nas Duas Terras reunidas, Nutridor perante os Nove Deuses, Espírito potente entre os espíritos. Nun lhe deu a sua água, O Vento do Norte viaja para o sul para ele, O Céu faz vento diante de seu nariz, Que o seu coração esteja satisfeito. Plantas germinam ao seu desejo, A Terra cresce seus alimentos para ele, O Céu e suas estrelas lhe obedecem, Os grandes portais abrem-se para ele. Senhor da Aclamação no céu do sul, Santificado no céu do norte, As Estrelas Imperecíveis estão sob o seu controle, As Estrelas Infatigáveis estão na sua residência. Alguém lhe faz oferendas sob o comando de Geb, Os Nove Deuses o adoram, Aqueles do dat beijam o chão, Aqueles no alto se curvam, Os ancestrais alegram-se ao vê-lo, Aqueles que estão longe dele o respeitam profundamente.
(LICHTHEIM, 1976, p. 82)
Osíris também aparece ligado aos grãos. Neste aspecto, a primeira
referência concreta ocorre no Papiro Dramático do Ramesseum, no qual é
dito que Osíris, na forma de cevada, é batido (sovada) por Seth na forma de
um burro. Em outros textos do Médio Império, Osíris é comparado com o
deus do grão Neper. A cerimônia Ptolomaica de “conduzir os bezerros”, para
107
o qual antecedentes podem ser encontrados na V Dinastia e no Novo
Império, aparenta ter tido como essência encorajar a intervenção divina
numa colheita farta pelos coices dos bezerros sovando os grãos num solo
consagrado ao deus. Mas, ele também pode ser interpretado como um ritual
apotropaico onde os bezerros, ao pisotear o local de sova, simbolizando a
tumba de Osíris, estariam escondendo o local dos inimigos do deus. (HART,
1986, pp. 158-159) Também temos a comemoração do Festival de Khoiak,
onde são produzidas figuras de grãos na forma do deus. Podemos observar a
origem deste festival no Festival de Osíris, que era realizado em Abidos desde
ao menos o Médio Império. Neste, como nos relata a estela de Ikernofret, era
celebrada a derrota dos inimigos de Osíris e o seu posterior renascimento.
Este aspecto foi incorporado ao Festival de Khoiak, que além de ressaltar o
renascimento de Osíris, também celebrava sua ligação com as cheias do
Nilo, as quais traziam a fertilidade para os campos (ver 13.2).
No Antigo Império, Osíris é incorporado pelos sacerdotes de Heliópolis
à sua teologia, estando ele subordinado aos deuses locais. Na Teologia
Heliopolitana, Osíris é tido como o primogênito dos deuses Nut e Geb, tendo
nascido em Rosetau. Eram considerados seus irmãos o deus Seth e as
Geb Nut
Néftis Seth
Hórus
Ísis Osíris
Shu Tefnut
Atum
Figura 19 – Genealogia da Teologia Heliopolitana
108
deusas Ísis e Néftis, a primeira também sendo a esposa de Osíris e a
segunda sendo a esposa de Seth. (Fig. 19) Posteriormente, o deus Hórus é
incorporado como seu filho com Ísis, e, em algumas versões, o deus Anúbis
seria seu filho com a deusa Néftis.
A fonte mais completa conhecida sobre o mito de Osíris é a obra de
Plutarco “Sobre Ísis e Osíris”, sendo as fontes egípcias a seu respeito apenas
fragmentárias. A comparação das diferentes fontes nos mostra a existência
de diferenças entre elas. Não sabemos se as diferenças se devem a detalhes
tardios do mito de Osíris, desconhecidos por nossa parte, ou se foram
acréscimos de Plutarco.
Na versão de Plutarco, Osíris governava o Egito tendo trazido para o
seu povo o conhecimento da agricultura. Seth, invejoso de seu irmão Osíris,
consegue aprisioná-lo com a ajuda de seus aliados em um caixão e joga-o no
Nilo. Ísis, irmã e esposa de Osíris após longa procura consegue recuperar o
corpo preso no interior de um tronco de cedro, que servia como coluna do
palácio do rei de Biblos. Mas Seth consegue pegar o corpo e o esquarteja em
14 ou 16 pedaços, espalhando-os pelo Egito. Ísis recupera os pedaços
fazendo a primeira múmia, e concebe seu filho Hórus de forma mágica, pois
ela recupera todos os pedaços do corpo menos o falo de Osíris, o qual foi
comido por um peixe. Desta forma Osíris torna-se o primeiro dos Ocidentais,
Senhor do Mundo dos Mortos. Ísis cria seu filho Hórus escondido de Seth no
Delta. Quando adulto, Hórus vinga a morte de seu pai e torna-se o
governante do Egito.
Já nos “Textos das Pirâmides”, uma das fontes egípcias mais antigas a
apresentarem partes do mito de Osíris, consta que Seth teria matado Osíris
de forma violenta nas terras de Gehestey e o derrubou no chão nas margens
de Nedit. Ísis e Néftis foram à procura de seu irmão e velaram o seu corpo.
Após Seth ser julgado pelo assassinato de seu irmão, é atribuído a Osíris um
vasto reinado, incluindo o céu e a terra e os Campos de Iaru, as vilas Horitas
e Sethitas, as cidades e os nomos. Também é possível observar que Hórus
aparece apenas posteriormente como filho de Osíris. As Contendas de Hórus
e Seth são incorporadas posteriormente ao mito osiríaco, pois inicialmente
Hórus é tido como irmão de Seth, e ele não aparece na Teologia
109
Heliopolitana. A partir daí podemos assumir que sua integração é posterior à
Teologia Heliopolitana. (GRIFFITHS, 1966, pp. 1-20) Griffiths chega à
seguinte conclusão quanto ao papel de Osíris e a sua incorporação ao mito
de Hórus e Seth:
A mais distintiva afirmação a respeito da história de Osíris é
que ele é representado como o deus que morreu. É dito que ele morreu através da ação de um inimigo, Seth, mas o seu inimigo emerge, em um mito mais antigo, como o inimigo de Hórus. A razão da inimizade de Seth para com Osíris é claramente o fato de que Hórus era identificado com o rei vivo e Osíris como o seu pai morto, assim a inimizade é transferida, na morte e para outro deus. Isso se torna de fato a causa da morte do rei e por analogia também é a causa da morte de Osíris. O mito de Hórus não relata que ele foi assassinado por Seth. Por outro lado, o rei vivo o qual é Hórus tem que morrer mais cedo ou mais tarde, e a resposta mítica para essa
situação é tornar Seth responsável. (1966, p. 13)
Outra versão encontrada na Teologia Menfita nos diz que Osíris teria
sido afogado. “------ Ísis e Néftis sem demora, pois Osíris se afogou nestas
águas.” (LICHTHEIM, 1975, p.53) Após o julgamento de Seth, Geb dá a
Hórus o governo do Egito. Segundo Griffiths (1966, p. 13), essa versão
parece estar ligada ao ritual funerário de carregar o corpo para o Nilo, tarefa
dada a Seth como punição, sendo ele a personificação da barca que carrega
a capela e o sarcófago. A morte por afogamento foi considerada abençoada
posteriormente por ter sido a morte sofrida por Osíris (GRIFFITHS, 1982,
Vol. IV, 626).
O desmembramento de Osíris por Seth surge apenas em versões do
Novo Império. Ao contrário da versão de Plutarco, na versão egípcia Hórus já
havia nascido quando Ísis junta os membros de Osíris e o falo é preservado
intacto e enterrado em Mênfis. (HART, 1986, pp. 166-167)
O relato do caixão com o corpo de Osíris ter sido aprisionado num
tronco de cedro e a sua posterior recuperação por Ísis no palácio do rei de
Biblos não aparece nos relatos egípcios. Mas, no Templo de Hathor em
Dendera, temos uma representação de Osíris em um caixão preso entre os
ramos de uma árvore. (SHAW, NICHOLSON, 1995, p. 214)
O centro de culto original de Osíris mais provável é a cidade de Abidos.
A inexatidão dessa afirmação deve-se ao fato de já desde as V e VI Dinastias,
110
Abidos aparecer mencionada paralelamente a outro importante centro de
culto do deus, a cidade de Busíris. Já nessa época o deus carrega junto os
epítetos “Aquele que está à frente de Busíris, Senhor do nomo Thinita17”.
Podemos ver uma divisão nos textos dessa época. Nos textos de origem não
real observamos uma menção mais freqüente de Busíris ligada à Osíris,
enquanto que nos “Textos das Pirâmides”, intencionado para o rei, vemos a
preponderância de Abidos ligada à Osíris. (GRIFFITHS, 1982, Vol. IV, p. 626)
Apesar de o culto de Osíris ser executado desde pelo menos o Antigo
Império em Abidos, a maior evidência do culto de Osíris provem do templo de
Sethi I, da XIX Dinastia. Em seu interior, na capela dedicada a Osíris, o
Faraó é mostrado executando todas as etapas do ritual osiríaco, e na capela
de Sokar podemos observar a representação da fecundação de Ísis por
Osíris, quando ela concebe o deus Hórus (Fig. 20). No templo de Sethi I
também está localizado o Osireion, uma tumba simbólica de Osíris (Fig. 21).
Ele foi construído nos moldes das tumbas da XVIII Dinastia do Vale dos
Reis, ao centro encontrando-se uma sala de granito vermelho com duas
plataformas suspensas cercadas por um fosso de água. Esta era uma
representação da tumba de Osíris sobre o Monte Primordial emergindo do
Oceano Primordial. Como nas tumbas do Vale dos Reis, podem ser
encontradas em seu interior representações do “Livro dos Portões”, “Livro
17 Nomo onde se localiza a cidade de Abidos.
Figura 20 – Osíris fecundando Ísis na forma de um milhafre, XIX Dinastia (Abidos)
111
dos Mortos”, textos cosmológicos e dramáticos. (HART, 1986, p. 164; SHAW,
NICHOLSON, 1995, p. 13; SHUBERT, 1999, p. 114)
A região de Umm el-Qa‟ab ou “Mãe dos Potes” é outra importante
região de culto a Osíris em Abidos. Ali se localiza a tumba do rei Djer da I
Dinastia, que passou a ser vista como um cenotáfio de Osíris no final do
Médio Império. A tumba passou a ser um local tradicional de peregrinações
para os egípcios durante a vida, onde deixaram estelas, mesas de oferendas
e potes com inscrições em homenagem ao deus18. Dessas oferendas, a mais
famosa é a estela de Ikhernofret, diretor do Tesouro e Edifícios de Senusret
III e Chefe dos Segredos das Palavras Divinas, a qual relata a sua
participação no festival de Osíris. (DREYER, 1999, p. 125; MONTET, 1961,
p. 102; SHAW, NICHOLSON, 1995, p. 14; WILKINSON, 2003, p. 122)
A cidade de Busíris funcionava como uma contraparte de Abidos no
Baixo Egito. Busíris é um termo grego cunhado por Heródoto, o qual deriva
do egípcio “A Casa de Osíris”, referindo-se justamente ao culto de Osíris
nesta cidade, sendo o nome egípcio da cidade Djedu. Osíris, além de
substituir Adjeti, o deus original da cidade, irá incorporar a sua forma
antropomórfica e seus atributos. Djedu era considerada o local de
sepultamento da coluna vertebral de Osíris. (HART, 1986, p.164; MONTET,
1957, p. 99; WILKINSON, 2003, p. 122)
A partir da XVIII Dinastia o culto de Osíris começa a ganhar um maior
destaque na região Tebana, alcançando um papel central no templo de
18 A enorme quantidade dessas oferendas deixadas pelos egípcios encontradas atribuíram o nome de “Mãe dos Potes” a essa região.
Figura 21 – Osireion (Abidos)
112
Karnak, os domínios do deus Amun, no Período Tardio. Com exceção do
templo de Ptah, toda a área norte do templo de Amun até o muro de limite
do recinto era consagrada a Osíris. Ele está em evidência principalmente nas
capelas construídas pelas “Divinas Adoradoras de Amun” na XXV Dinastia, e
na cripta onde eram realizados os rituais em torno das figuras de grãos
produzidas durante o Festival de Khoiak. Estas últimas se mantém ativas
desde pelo menos o Novo Império/III Período Intermediário até o Período
Ptolomaico. Na parte construída por Nekau II foram encontradas figuras de
grãos em nichos, e na construída por Ptolomeu IV podemos observamos
relevos os quais remetem aos rituais funerários praticados para Osíris,
semelhantes aos encontrados em outros templos do Período Greco-Romano.
(GRIMAL, LARCHÉ, 2007, pp. 25-31; HART, 1986, p. 165)
Na margem oeste de Tebas observamos a partir do Período Raméssida,
a presença de Osíris não mais somente nas tumbas reais, demonstrando a
popularização do deus. O grande número de estátuas porta-papiro de Osíris
encontradas no “cachette” de sacerdotes de Amun, em Deir el-Bahari,
mostra a penetração de Osíris alcançada na Teologia Local.
Uma maior preocupação por
parte do clero de Amun em unir Osíris
ao culto solar, devido à sua crescente
popularização, pode ser observada a
partir da XVIII Dinastia. Um corpo de
textos é criado o qual mostra a viagem
noturna do deus Sol pelos domínios
de Osíris, como pode ser notado nas
tumbas reais do Vale dos Reis. O
ápice dessa viagem ocorre quando Rê
se une a Osíris, tornando-se ambos os
deuses em um só deus. Já temos uma
elucidação dessa união no Médio
Império, mas ela apenas passa a ser
representada no Período Raméssida.
O exemplar mais conhecido dessa Figura 22 - A ba unificada de Rê e Osíris – QV 66
113
representação está na tumba da rainha Nefertari no Vale dos Reis, onde
temos a representação de um corpo mumiforme (de Osíris), com cabeça de
carneiro, portando o disco solar (do deus Sol), sendo protegido pelas deusas
Ísis e Néftis e acompanhado do seguinte verso da Litania de Rê: “Rê está em
Osíris e Osíris está em Rê” (Fig. 22). No Amduat nos é dito que a ba de Osíris
está em Rê e o corpo de Rê em Osíris. Assim, ambos estão em apenas um
corpo e falam com uma só boca. Osíris torna-se o sol noturno que acorda os
mortos de seu sono e Rê regenera as suas forças para poder renascer
revigorado na forma do deus Khepri ao amanhecer. O deus Sol, ao sair à luz
do dia, separa-se novamente de Osíris, mas a união se repetirá diariamente
todas as noites. (ASSMANN, 2003, pp. 18 e 251-253; HORNUNG, 1993, pp.
85-87, 1991, pp. 94-101; WILKINSON, 2003, p. 120) Segundo Jan Assmann
essa união ainda apresenta outro aspecto:
Mas o deus Sol não se une apenas com o seu segredo à Noite,
isto é Osíris como o seu cadáver, ele também entra, como nós vimos no corpo da Grande Mãe – e deusa do Céu, que lhe dá a luz todas às manhãs. Também nesse aspecto ele se une de outra forma a Osíris, pois ele se torna como este um filho de Nut, aquele que na morte, ao colo da mãe da deusa do céu retorna.
(2003, p. 253)
Posteriormente, essa união vai se tornando cada vez mais sólida. No
“Livro dos Portões”, Osíris ajuda Rê a reaparecer no horizonte, e no “Livro
das Cavernas”, ambos os deuses deixam o Mundo Inferior em sua forma
unida. Em uma forma mais ampla temos na iconografia da XXI Dinastia um
englobamento maior de deuses nessa união, sob as formas sincréticas de
Osíris e do deus Sol, chegando-se à união de Ptah-Sokar-Osíris com Rê-
Horakhty-Atum-Khepri. Nas formas em que Rê aparece unido a Sokar-Osíris
ou Ptah-Sokar-Osíris19, o deus é geralmente representado na forma
tradicional dessa forma sincrética de Osíris, uma figura mumiforme com
cabeça de falcão. Na mesma época também encontramos o morto unido a
esse deus, agora também conhecido como o Grande Deus (nTr-aA). (NIWIŃSKI,
1987-1988, pp. 90-91) Segundo Niwiński, essa composição tardia pode ser
resumida da seguinte forma:
19 Ver Capítulo Ptah-Sokar-Osíris sobre Sokar-Osíris e Ptah-Sokar-Osíris.
114
Cada composição figural complexa de símbolos encontrada
nos caixões e papiros da XXI Dinastia deveria ser interpretada como tendo um significado duplo, apesar de que, em alguns casos, maior ênfase é dada ao lado osiríaco, e em alguns ao lado solar da mesma moeda. Cada cena expressava a idéia do curso eterno do Sol, o qual já foi nomeado de forma acurada pelo Prof. Dechain “perpetuum mobile”. Pelo outro lado, cada cena representa ao mesmo tempo a ideia do triunfo de Osíris sobre a morte, ou seja, o “final feliz”, entendido como uma promessa do mesmo destino para o morto. Não obstante, quando um artista do Egito antigo escolhe expressar as idéias cosmogônicas-cosmológicas e escatológicas, cada figura divina representa uma forma diferente do Grande Deus em ambos seus aspectos unidos; ele também representa o morto ele mesmo identificado com o Grande Deus criador, com Rê e com Osíris.
(1987-1988, p. 102)
A cidade de Mendes (Djedet) está tradicionalmente associada a Osíris
como sendo o local onde a sua ba habita. Como deus símbolo do 16º nomo
do Baixo Egito, ao qual pertence à cidade de Djedet, temos o deus carneiro
Banebdjedet (“A ba do Senhor de Djedet”). Este na verdade substitui na II
Dinastia a sua esposa, a deusa Hat-mehyt (“Ela que está diante dos peixes”),
que dá o nome para este nomo. Acreditava-se que este deus seria a ba de
Osíris. Já na Baixa Época Banebdjedet vai ser identificado como sendo a ba
de quatro deuses: Rê, Osíris, Shu e Geb. (HART, 1986, pp. 52-53 e 82-83;
WILKINSON, 2003, pp. 192-193 e 228-229)
Além desses centros principais de culto mencionados acima, devido à
sua grande popularidade, Osíris é cultuado em diversas outras cidades do
Egito. Algumas delas alegam ser o local de sepultamento dos membros
sagrados de Osíris. Segundo a lenda, Ísis teria construído uma tumba para
Osíris em cada cidade onde encontrou um de seus membros esquartejados
por Seth, estando o respectivo membro associado à cidade. No Novo Império
também temos um aumento de títulos de Osíris, de caracterização e
localização geográfica, como pode ser visto no “Grande Hino a Osíris” na
estela de Amenmose
Saudações a ti, Osíris, Senhor da Eternidade, rei dos deuses, De muitos nomes, formas sagradas, De ritos sagrados nos templos! Nobre de ka ele preside em Djedu, Ele é rico em sustento em Sekhem, Senhor de aclamação em Andjty,
115
Primeiro em oferendas em On. Senhor de saudações na Sala da Justiça, Ba secreta do senhor da caverna, Sagrado na Muralha-Branca, Ba de Rê, seu corpo verdadeiro. Que repousa em Hnes, O qual é adorado na árvore-naret, A qual cresceu para carregar a sua ba. Senhor do Palácio em Khmun, Muito reverenciado em Shashotep, Senhor eterno o qual preside em Abidos, O qual mora distante no túmulo, Cujo nome se preserva na boca das pessoas.
(LICHTHEIM, 1976, pp. 81-82)
e no capítulo 142 do “Livro dos Mortos”, como demonstrado no excerto do
mesmo abaixo:
[...], Osíris que preside sobre Rosetau, Osíris governante das margens, residindo em Mendes, Osíris residindo nas terras incultas, Osíris a alma venerável a qual está em Mendes, Osíris em Busíris, Osíris no cemitério de Hermópolis, Osíris Senhor da Terra da Vida, Osíris em Sais, Osíris em Naref, Osíris no sul, Osíris em Pe, Osíris em Dep, Osíris em Bahbit, Osíris em Asyut, Osíris em Sais Inferior, Osíris em Sais Superior, Osíris como os Dois Falcões, Osíris em Assuan, Osíris em RA-antywy, Osíris em Apret, Osíris como o deus macaco, para Osíris em Zekret, para Osíris na Cheia, Osíris em sua casa em Rosetau, Osíris no Nomo de Abidos, Osíris em Nedit, [...]
(ALLEN, 1960, p. 227)
116
CAPÍTULO 5. SINCRETISMO
Nos capítulos anteriores, observamos os deuses que compõem o deus
Ptah-Sokar-Osíris em suas características individuais. Como pudemos
observar, em alguns aspectos eles possuem atributos em comum desde
tempos muito antigos, já havendo certa aproximação entre eles. Por este
motivo, em alguns casos não sabemos a qual deus essas características
pertenciam originalmente. Certamente este fator também ajudou na
posterior união desses três deuses para formar um único deus. A forma
como estes se unem recebe comumente o nome de sincretismo. Tanto na
Egiptologia, como nas Ciências Humanas em geral, ainda não se chegou a
um consenso sobre o significado e uso do termo sincretismo. O conceito
varia praticamente de autor para autor, e o que é considerado sincretismo
por um, não o é pelo outro. Uma linha de pensamento chega inclusive a
sugerir que o termo deixe de ser usado. Mas, em linhas gerais, podemos
dizer que sincretismo é uma conexão que ocorre em especial entre línguas,
culturas ou religiões, ou elementos no interior destas, que a princípio não
tinham nenhuma ligação entre si. Esta conexão também pode ser desfeita a
qualquer momento e não anula a existência das línguas, culturas ou
religiões originais, as quais continuam existindo ao mesmo tempo. Portanto,
antes de observarmos o deus Ptah-Sokar-Osíris em si, faremos um breve
estudo sobre o sincretismo em geral, e, posteriormente, em especial na
Egiptologia, para podermos confirmar se é exata a denominação da união
entre Ptah, Sokar e Osíris como sendo uma formação sincrética.
5.1 Sincretismo: Um Breve Histórico
O termo sincretismo foi usado pela primeira vez por Plutarco no
capítulo “sobre o amor fraternal” (De fratero amoré) da coleção das Morais
(Moralia) para se referir à habilidade de facções guerreiras cretenses de se
unirem contra um inimigo comum (COLPE, 1987, p. 218; HUGHES, 1988, p.
670; LEOPOLD, JENSEN, 2005, p. 14; RUDOLPH, 2005, pp. 68-69):
Então isso deve ficar claro na mente e guardado novamente quando diferenças surgem entre irmãos: nós devemos ser cuidadosos em tais
117
tempos para associar familiaridade com os amigos de nossos irmãos, mas evitar e afastar todas as intimidades com os seus inimigos, imitando nesse ponto, ao menos, a pratica dos cretenses, os quais, apesar de freqüentemente disputar com e lutar uns contra os outros, fizeram as suas diferenças e se uniram quando inimigos de fora atacaram; e isto era o que eles chamavam de “sincretismo”.
(Plutarco, 1939, p. 313)
O termo continuou a ser usado com o mesmo sentido de Plutarco por
Erasmo de Roterdan e George Calixto. Eles aplicaram o termo “synkretizein”
para se referir à combinação ou reconciliação das diferenças confessionais
de setores reformados competidores (LEOPOLD, JENSEN, 2005, pp. 14-15;
RUDOLPH, 2005, p. 69).
No século XVI e XVII, porém, os Protestantes, ao contrário de Plutarco,
usam o termo sincretismo como um aspecto negativo, o qual continuou a ser
usado por muito tempo. Assim, para denotar as traições ecumênicas contra
a ortodoxia reformadora de teólogos Protestantes dos séculos XVI e XVII, e
na visão destes contra Deus e Cristo, “synkerannumi” foi usado no sentido
de “misturar” coisas que são incompatíveis. (HUGHES, 1988, p. 670;
LEOPOLD, JENSEN, 2005, p. 14; RUDOLPH, 2005, p. 69) Temos, por
exemplo, uma monografia sobre a história do sincretismo do luterano
alsaciano Johannes Konrad Dannhauser, escrita em 1648, na qual o
sincretismo é visto como a mistura de coisas as quais não pertencem juntas.
(RUDOLPH, 2005, pp. 70-71).
No catolicismo, o termo sincretismo foi usado pelos franciscanos,
dominicanos e jesuítas, que pretendiam converter os povos locais durante a
Expansão Cristã do século XVII. Essa política foi aceita no começo por
Roma, mas, no século XVIII, tal política foi abandonada, sendo vista como
uma “falsa paz”. Certa aceitação do fenômeno só foi permitida novamente em
1965, com o segundo Concílio do Vaticano. (LEOPOLD, JENSEN, 2005, pp.
16-19; RUDOLPH, 2005, p. 69) Esse duplo movimento do cristianismo em
relação ao sincretismo se explica pelo próprio caráter dessa religião:
[...] por um lado suas intenções de ser uma religião universal é delimitada para compreender todas as pessoas do mundo, mas por outro lado sua existência futura como uma religião dogmática pelo livro demanda uma total lealdade de seus membros de congregações para permanecerem fieis ao cânon da Bíblia.
(LEOPOLD, JENSEN, 2005, p. 19)
118
O primeiro uso de sincretismo no sentido de juntar diferentes religiões
e, não como anteriormente, para a aliança daqueles de ensinamentos
divididos, contra um inimigo em comum ocorreu em 1645 na obra Eirenikon
Catholicum do jesuíta Veit Erbermann, o qual concluiu que a tese de Calixto
de se conseguir a união dos povos apelando para o Credo dos Apóstolos
significava apenas que diferenças seriam unidas na aparência. Isso não
apenas sancionaria a união de povos de diferentes crenças religiosas, mas
também de diferentes religiões. (RUDOLPH, 2005, p. 69)
O uso acadêmico do termo ocorreu apenas no final do século XIX e
inicio do século XX. A principal influência pode ser atribuída ao historiador
Johann Gustav Droysen, com a sua obra Geschichte des Hellenismus (1836),
na qual cunhou a noção de Helenismo, que permanece um modelo clássico
para qualquer discussão sobre o sincretismo. O Helenismo representava a
fusão (Verschmelzung) entre Oriente e Ocidente que ocorreu em
consequência das conquistas em sua visão de Alexandre, o Grande, no
século IV a.C, sendo uma fase transitória que dá origem a um fim maior, o
cristianismo,. (LEOPOLD, JENSEN, 2005, pp. 20-21; MARTIN, 2005, p. 286;
RUDOLPH, 2005, p. 70) Assim:
Sincretismo ou “sincrético” tornou-se a marca de um estágio tardio de um desenvolvimento secundário, combinando elementos de uma ou outra prática ideológica ou cultural, a qual originalmente não tinha nada a ver uma com a outra e deste modo perdeu a “pureza” ou a “integridade” intrínseca na “combinação”. [...] Sincretismo se tornou um atributo de formações religiosas se desenvolvendo entre e ao lado das grandes religiões.
(RUDOLPH, 2005, p. 70)
A Escola da História das Religiões (Religionsgeschichtliche Schule)
alemã foi a grande responsável por tornar o sincretismo uma categoria
central no estudo das religiões e o retorno a um uso mais positivo do termo.
(LEOPOLD, JENSEN, 2005, p. 21; MARTIN, 2005, p. 287)
Para G. van der Leeuw, o sincretismo é inerente a todas as religiões, se
estas forem observadas desde a sua formação, sendo um estágio de
desenvolvimento necessariamente ligado ao “progresso da cultura”. “É a
119
„mudança no significado de uma manifestação na dinâmica das religiões,
onde a forma permanece a mesma‟” (RUDOLPH, 2005, p. 71).
Hendrik Kraemer (1937, 1938 e 1959) observa o sincretismo como um
fenômeno das religiões não-cristãs, em especial daquelas do Extremo
Oriente, em contraste com as religiões proféticas da tradição judaico-cristã,
aí incluindo o Islã. Apesar de admitir a presença do sincretismo nas religiões
por ele consideradas anti-sincréticas, em sua visão, as religiões não-cristãs
possuem uma “apreensão inata” do fenômeno, sendo estas últimas uma
mistura de religiões ilegítimas. (LEOPOLD, JENSEN, 2005, p. 23; RUDOLPH,
2005, pp. 71-72) Podemos observar na definição de Kraemer um tom
teológico no qual as religiões judaico-cristãs são vistas com superioridade,
ao ser considerada a verdadeira religião, em detrimento das demais religiões.
Robert D. Baird (1971) pode ser considerado o nome mais conhecido de
uma corrente que é contra o uso da categoria sincretismo, pois em sua visão
ela carrega conotações pejorativas que estão historicamente ligadas a
disputas teológicas no Cristianismo, tendo absorvido as presunções
teológicas negativas sobre religiões de origens mistas, como ocorre no caso
de Kraemer, autor citado acima (LEOPOLD, JENSEN, 2005, pp. 8 e 24).
Baird, tratando o sincretismo como um fenômeno histórico, afirma que,
quando visto historicamente, a inter-relação de idéias e movimentos são universais e inevitáveis e elas incluem até mesmo o cristianismo. Baird afirma que esse entendimento [de Kraemer] está apenas enraizado na idéia de que nenhum crente iria descrever sua própria religião como sincrética; ela apenas é percebida dessa forma pelo lado de fora.
(RUDOLPH, 2005, p. 72)
Rudolph considera o pensamento de Baird a respeito do sincretismo
falho, ao observar a categoria a partir de um ponto de vista científico através
dos olhos do crente. Dessa forma, o estudioso deixa de ter uma visão neutra,
tomando o partido do crente. Outra falha sua é s de sempre pensar que o
crente não reconhece a sua religião como sincrética. (RUDOLPH, 2005, p.
72)
Em um entendimento teológico do sincretismo, J. Kamstra (1967,
1970) baseando-se no “pensamento selvagem” de Lévi-Strauss, chega à
120
conclusão de que o sincretismo não pode ser repreendido, pois ele pertence à
natureza humana (RUDOLPH, 2005, p. 73). Ele também propõe outro
entendimento fenomenológico do sincretismo seguindo a linha de van der
Leeuw. Neste, o sincretismo é
o resultado da alienação dentro de uma religião existente. Seu processo ocorre desta forma de duas maneiras: uma levando para uma nova forma através da assimilação do exterior; a outra interna, resultando na liberação e ligação mecânica de elementos os quais eram originalmente inteiramente estranhos.
(RUDOLPH, 2005, p. 73)
Kamstra também irá distinguir um sincretismo “consciente” de um
“inconsciente” em The Cobweb (1977) (RUDOLPH, 2005, p. 74). O primeiro
consiste na “religiosidade refletida do fundador de uma religião que pode
levar a uma nova formação religiosa” (LEOPOLD, JENSEN, 2005, p. 26). O
segundo, que se refere principalmente à base do desenvolvimento
religioso/cultural, resulta de “formações sincréticas despercebidas, as quais
aparecem como resultados naturais de interações” (LEOPOLD, JENSEN,
2005, pp. 4 e 26).
Michael Pye, em contraste à ênfase de Kamstra em “alienação”, cujas
idéias considera apenas uma alternativa para Kraemer, percebe a natureza
do sincretismo como “ambigüidade”. O sincretismo é, portanto “a
coexistência temporária ambígua de elementos de diversas religiões e outros
contextos dentro de um padrão religioso coerente”, o qual pode, em algum
ponto, ser dissolvido (MARTIN, 2005, p. 288). Pye também entende o
sincretismo como uma manifestação das dinâmicas da religião, sendo
possíveis três soluções para o processo: 1. assimilação, 2. uma nova religião
ou 3. dissolução. A teoria de Pye está tanto localizada no nível da cultura,
como no da psicologia. (LEOPOLD, JENSEN, 2005, pp. 24-25; MARTIN,
2005, p. 288; RUDOLPH, 2005, p. 75)
Numa tentativa de alcançar uma resposta definitiva para as questões
que cercam o sincretismo foram realizados dois simpósios com o objetivo de
tentar resolver tais problemas. O primeiro foi realizado no Donner-Institute
em Åbo, em 1966, e o segundo em Reinhausen, Göttingen, em 1971. Do
121
segundo resultaram, nos anos seguintes, uma série de pesquisas a respeito
do sincretismo, algumas inclusive dedicadas ao Egito antigo, publicadas na
serie Göttinger Orientforschungen. (BAINES, 1999, p. 199 n. 5; RUDOLPH,
2005, p. 79) Apesar dos esforços, não se conseguiu chegar a um resultado
definitivo.
O livro Syncretism in Religion: a Reader (2004), editado por Anita
Leopold e Jeppe S. Jensen, apresenta uma coletânea com uma série de
ensaios que discutem a situação do sincretismo na atualidade. A partir das
diferentes opiniões a respeito analisadas, os autores observam três níveis de
análise para o estudo da natureza do sincretismo:
O primeiro nível é o social, ao qual nós podemos atribuir questões de poder para o sincretismo. Isso também inclui as diferentes políticas e modos de religião em relação ao encontro de religiões e inovações religiosas, não obstante o antônimo “anti-sincretismo”. O segundo nível é o semiótico, onde nós devemos ter em mente o impacto hermenêutico e transformador que formações sincréticas têm na religião. Isto tem a ver com os mecanismos de mudança e inovação no significado religioso a que muitos estudiosos se referem como a dinâmica do sincretismo. O terceiro nível é o cognitivo, visto aqui como o nível básico subjacente aos outros dois níveis porque ele explica a natureza da mistura conceitual e a categorização religiosa da estrutura da cognição humana, a qual também pode ajudar a explicar a maneira transformativa da “semiótica sincretista”, assim como as várias repressões contra o sincretismo em sistemas religiosos.
(2005, pp. 378-9)
5.2 Tipos de Sincretismo
Carsten Colpe procura organizar os diferentes tipos de sincretismo no
tópico sobre o mesmo na Encyclopedia of Religions20 e em The Compatibility
of Historical and Structural Determinations of Syncretism, este último
apresentado no simpósio de Reinhausen, Göttingen, em 1971. Na sua visão,
o sincretismo pode tanto ser entendido como um estado ou como um
processo, resultando da relação entre entidades complexas (ex. diferentes
religiões) ou de relações entre componentes particulares (ex. deuses)
(COLPE, 1987, p. 219). As associações podem ocorrer em diferentes graus de
intensidade, sendo estes: 1. Simbiose, a coexistência de grupos, que na
20 ELIADE, Mircea (ed.). The Encyclopedia of Religion Vol. 14. Nova York: Macmillan, 1987, pp. 218-227.
122
maioria das vezes é impessoal e etnicamente limitada (COLPE, 1987, p. 220;
RUDOLPH, 2005, p. 76); 2. Aculturação, uma integração, na maioria das
vezes consciente. Uma vez que movimentos de conquista tornaram-se de
alcance imperial (por exemplo, os impérios de Alexandre o Grande, dos
Romanos, dos Espanhóis), eles colocaram em contato diversas culturas; a
fusão de tradições que resultou para um dos dois lados pode repetidamente
levar ao sincretismo (COLPE, 1987, p. 221; RUDOLPH, 2005, p. 76) e 3.
Sobreposição, cujo exemplo mais expressivo provavelmente foi a migração
dos arianos para o subcontinente asiático, o qual já estava habitado por
povos não Indo-europeus. (COLPE, 1987, p. 221)
Para a relação entre componentes particulares outra tipologia em
particular é apresentada. Nesta, alguns dos tipos podem ocorrer juntos ou
apresentar subtipos: 1. Adição, ocorre quando uma barreira entre diversos
elementos é removida (e com ela a competição entre eles); mas um elemento
não absorve o outro, o resultado é uma combinação cujos componentes não
apenas estão evidentes para o estudante moderno, mas também deveria ser
reconhecível para os devotos do seu tempo. Subtipos de adição são: a)
Teocrasia, que é a combinação de deuses. Ela ocorre quando, por propósitos
práticos, um deus é fundido com outro aos olhos de seus adoradores,
mesmo que não haja identificação no nível conceitual. E b) Formas de
Adoração, que ocorre quando um rito adota componentes de outro rito e
formas de adoração são combinadas. Mas porque a origem básica de
possíveis ações rituais é relativamente pequena, influências externas nessa
área são geralmente indistinguíveis das ações de fatores já presentes na
tradição. (COLPE, 1987, p. 223) 2. Paralelismo é mais facilmente praticado
quando se é persuadido da unidade da verdade. Se a verdade é uma,
diversos nomes não apontam para diferenças reais, mas podem mostrar de
serem simplesmente diferentes nomes para a mesma coisa. (COLPE, 1987,
p. 224) Subtipos de paralelismo são: a) Interpretação, sendo as duas
principais a interpretatio graeca e a interpretatio romana. Nessas, na maioria
das vezes não havia uma teocrasia real, mas apenas uma tendência em sua
direção. Essa tendência era mais difundida na literatura, dessa forma nós
podemos falar primeiramente de um sincretismo literário. b) Equivalência é
123
uma pressuposição em todas as formas de paralelização, na identificação, na
teocrasia e no sincretismo de unidades complexas. Mas ela adquire um
significado especial quando a unidades ou a elementos dela são atribuídos
diferentes valores, que são concebidos como caminhos para o mesmo
objetivo, com a estipulação de que um deles leva mais eficazmente ao
objetivo que os outros. c) Amalgamação, descreve uma fusão que é mais
irreversível que uma simples mistura. A amalgamação descreve um caso
limítrofe de sincretismo, e por sua extensão ela é uma grande equivalente à
síntese. d) Troca de Qualidades; nesta, as figuras envolvidas devem lembrar
uma a outra; por outro lado, elas não têm essência pessoal, mas antes suas
características são entrelaçadas como em um quebra-cabeça. e)
Identificação, ocorre onde não há teocrasia. A princípio, supõe o mesmo grau
de igualdade de ambos os lados existentes. (COLPE, 1987, pp. 224-225)
Junto ao sincretismo podem ocorrer outros fenômenos, os quais para
Colpe são erroneamente chamados de sincretismo. Estes são: 1. Síntese,
nesta categoria se encaixaria o Helenismo de Droysen, pois em sua visão
culturas misturadas não devem ser entendidas como sincretismo. 2.
Evolução designando esse termo um processo, interno a um sistema, que
produz novos elementos e que é irreversível. Os novos elementos podem
então se tornar o centro de uma nova unidade e assim de um novo sistema.
O resultado do processo é uma nova religião. No sincretismo, o resultado é
reversível. (p. 221) E 3. Harmonização, a qual parte da idéia de que todas as
religiões procuram alcançar o mesmo objetivo (ex. crença num deus único),
mas através de caminhos diferentes. Aqui, ao contrário do sincretismo as
linhas de demarcação entre as religiões não são rompidas. (COLPE, 1987, p.
221)
Sendo o sincretismo um processo e não o resultado deste, o mesmo
pode ter como resultado final: uma transformação, uma desintegração ou
uma absorção. (COLPE, 1987, pp. 221-222)
124
5.3 Sincretismo na Egiptologia
Em linhas gerais, baseado na tipologia de Colpe apresentada acima,
podemos dizer que no Egito antigo, temos um sincretismo entre
componentes particulares, ou seja entre os deuses. Portanto, teríamos uma
Adição, mais especificamente uma Teocrasia. Por outro lado, o sincretismo
de deuses no Egito antigo apresenta um caráter único, sendo especifico
dessa antiga civilização. Esse fato recebeu atenção em especial na
egiptologia alemã. Mas justamente por sua singularidade, alguns são da
opinião, dentro e fora da egiptologia, que tal fenômeno não pode ser
chamado de sincretismo.
O primeiro a estudar o sincretismo no Egito antigo de forma mais
extensiva foi Hans Bonnet em 1939. Ele já percebe a importância de se
estudar o fenômeno de forma isolada, para não cair em generalizações que
não compreendem o sincretismo egípcio em sua totalidade. Para Bonnet ele
forma parte da base do pensamento egípcio, não tendo emergido
gradualmente ou sendo o resultado tardio de um processo. (BONNET, 1999,
p. 183) Ele designa o sincretismo egípcio sob o nome de “habitação”
(Einwohung), nisso se baseando no princípio de que, assim como um deus
egípcio pode habitar temporariamente uma estátua, ele também pode
habitar da mesma forma um outro deus. O mais comum era um deus de
caráter universal habitar um deus local.
O deus da cidade não era, ao final, inalterável, mas podia crescer e tornar-se maior. Deste modo, as percepções reluziam com um encontro com uma divindade maior e eram aplicadas ao deus da cidade, estendendo a sua natureza de modo a encerrar a realidade nova e maior. Mas essa realidade não era extinta ou absorvida inteiramente no deus da cidade. Ele permanecia existindo, e o deus da cidade retinha as características transmitidas para ele do deus maior algo como um empréstimo. Para colocar a questão de outra forma: os egípcios aceitavam ambas as divindades de tal modo que a sua natureza interpenetrava-se e se fundia em um, entretanto, preservando a sua própria identidade.
(BONNET, 1999, pp. 185-186)
Essa habitação poderia ser desfeita a qualquer momento, manifestando-se
ambos os deuses de forma independente novamente, assim como a união
poderia ocorrer com divindades diferentes. “Habitação não é identificação e
125
não requer igualdade de forma”. (BONNET, 1999, p. 189) A única limitação
para Bonnet era a união entre deuses de sexos diferentes. (BONNET, 1999,
p. 192)
Segundo o autor os deuses egípcios possuíam duas naturezas: uma
material e outra imaterial. Era através da primeira que eles interagiam com
as pessoas. Para tanto era preciso que a divindade se tornasse visível aos
olhos do crente, dessa forma em geral assumindo uma forma antropomorfa.
(BONNET, 1999, p. 191)
Isto era onde o sincretismo era vital. Ele mantinha viva a experiência inicial da divindade como poder, através de todas as ofuscações produzidas pela aparência da noção antropomórfica de deus. Em conseqüência, os egípcios nunca sucumbiram inteiramente ao erro de adorar imagens.
(BONNET, 1999, p. 192)
Além disso, o sincretismo também levava a um monoteísmo “ideal”. O
Deus Único, Primordial, do qual tudo surgiu, era identificado nesses deuses
sincréticos pelo crente local. Assim, o Deus Primordial era um, mas se
manifestava em todas essas formas locais. Para Bonnet “o sincretismo
preparou o caminho para esse monoteísmo ideal porque as suas equações
repetidamente desviaram a atenção das formas visíveis para a sua base
espiritual comum”. (BONNET, 1999, pp. 194) Mas o politeísmo não fora
completamente abandonado, porque o sincretismo apresentava um caráter
duplo. “Enquanto de um lado ele tendia a dissolver as antigas formas de
crenças através da espiritualização progressiva, por outro lado ele não
rejeitava essas formas, e assim não as superava.” (BONNET, 1999, p. 198)
Siegfried Morenz (1962) irá aprofundar as idéias propostas por Bonnet.
Ele prefere o uso da palavra “habitação” (Einwohnung), visto como uma
dinâmica que não limita a independência e a liberdade de ambos os deuses
envolvidos, ao contrário do sincretismo. Ele descarta esta última, pois toma
como seu significado apenas aquele que lhe fora atribuído originalmente por
Plutarco.
126
Nós devemos abandonar o termo infeliz “sincretismo”, que ao
contrário da opinião comum, não deriva de, “mistura” (o
qual é na verdade ou ), mas de , “cretense”, e denota a união dos cretenses contra um inimigo em comum.
(MORENZ, 1962, pp. 188-9)
Além da habitação de um deus local por um deus nacional como forma
de aumentar e intensificar o seu poder, nos moldes de Bonnet, Morenz
menciona outras possibilidades de habitação entre deuses. Assim também
temos relações entre deuses nacionais e entidades cósmicas ou entre deuses
com relações próximas. Ou ainda temos o caso de um “Hino a Ptah”, onde
não temos menções a este deus ou aos seus títulos característicos, mas
somente a Rê e a Amun. (MORENZ, 1962, pp. 188-190) Esse fator se deve,
na opinião do autor, ao fato de:
Os deuses egípcios possuíam personalidade, mas não individualidade. Isso é evidente pelas ligações instáveis que eles formavam e a transposição de qualidades de um deus para outro. Ao contrário dos deuses gregos, onde cada um possuía a sua própria individualidade. A indeterminação dos deuses egípcios corresponde, mutatis mutandis, à relativa falta de individualidade na arte e literatura egípcia; portanto pode ser chamado de tipicamente egípcio.
(MORENZ, 1962, p. 190)
Talvez uma das obras mais conhecidas sobre o assunto seja Der Eine
und die Vielen. Ägyptische Gottesvorstellungen de Erik Hornung (1971). Dos
vários sinônimos para sincretismo como “Fusão”, “Igualação” ou
“Identificação”, em sua opinião é mais apropriado o uso do conceito
“habitação” (Einwohnung) proposto por Bonnet. (HORNUNG, 1993, pp. 82-
83) Para ele o sincretismo não necessita a identidade ou fusão de deuses,
possibilitando a união de deuses de formas ou sexo diferentes. Neste ponto,
afirmando o contrário de Bonnet, o qual, como vimos, nega a possibilidade
de união de deuses de gêneros diferentes. O sincretismo também pode unir
mais de dois deuses, como é o caso do deus Ptah-Sokar-Osíris. “Como uma
corrente de elementos químicos, eles podem se separar novamente a cada
momento e se unir a membros diferentes, sem perder as suas características
127
individuais.” (HORNUNG, 1993, p. 88) Não é uma síntese, mas uma nova
forma que aparece ao lado dos dois deuses antigos. (HORNUNG, 1993, p. 89)
Junto ao sincretismo existem outras formas de ligação entre os deuses
egípcios. Entre estas, temos: 1. Relações familiares (filho, companheiro,
irmão, ...); 2. O deus (ou rei) é uma imagem, forma de aparição ou ba de um
outro deus e 3. Associações do tipo das praticadas entre Rê e Osíris (ver 4),
que pode-se desfazer após algum tempo. Essa última geralmente acaba
sendo confundida como uma forma de sincretismo, mas para Hornung ela se
diferencia deste, pois, ao contrário do sincretismo, ela não gera um novo
deus que coexiste ao lado dos dois originais. Ela é apenas uma ligação
temporária entre ambos os deuses. (HORNUNG, 1993, pp. 84-85)
Ao contrário de Bonnet, Hornung não acredita que o sincretismo
caminha em direção a um monoteísmo; pelo contrário, ele evita que ele se
forme. Nos deuses sincréticos, o nome de todos os deuses envolvidos nessa
união aparece, o que demonstra que um não é mais importante que o outro.
E leva à consciência de que “o parceiro divino do homem não é apenas um,
mas múltiplo.” (HORNUNG, 1993, p. 89)
Jean Leclant em sua apresentação sobre o sincretismo egípcio chama
a atenção para o fato de ele ser um “procedimento” fundamental da religião
egípcia. (LECLANT, 1975, pp.1-18) Para uma definição geral de seu
significado, ele considera apropriada aquela atribuída por Vandier:
O sincretismo, que é, de uma forma geral, a fusão de diversos sistemas filosóficos ou religiosos, exprime, no caso em particular do Egito, a tendência, tão claramente atestada nesse país, para identificar um deus com outro deus de maneira a fazer dessa dualidade divina um ser único no qual se encontram caracteres, primitivamente independentes, destes dois elementos formadores. O sincretismo, que apareceu desde os mais antigos tempos da história egípcia, se desenvolveu rapidamente, e não faltarão ocasiões na seqüência desta discussão para citar as inúmeras conquistas feitas ao longo dos séculos, desse processo essencialmente dinâmico.
(Apud LECLANT, 1975, p. 2)
O sincretismo é muito mais um manifesto da “vontade piedosa de
eficiência sentida pelos crentes, do que o resultado de manobras políticas
128
religiosas” (LECLANT, 1975, p. 6) Ele se expressa principalmente nos hinos.
(LECLANT, 1975, p. 6)
Leclant observa a existência de diversos tipos de sincretismo no Egito.
Temos a ligação entre dois ou mais deuses, equivalendo aqui ao conceito de
habitação de Bonnet. Essa união pode-se exprimir de diversas formas, onde
um deus pode aparecer na forma de outro ou um deus pode ser a ba ou
imagem de outro deus. A união pode ocorrer entre um deus local e um deus
superior (ex. Sobek-Rê, Amun-Min), ou entre deuses de diferentes sexos (ex.
Neith-Osíris, Hórus-Sothis). Também temos a Assimilação pela forma (ex.
diversos tipos de Hórus) ou pelas funções (ex. deuses da morte: Osíris,
Sokar, Khentamentiou). (LECLANT, 1975, pp. 7-9)
Schenkel, no tópico “Götterverschmelzung” (fusão de deuses), o qual ele
toma como sendo um sinônimo de sincretismo, no Lexikon der Ägyptologie,
observa a existência no Egito antigo de três tipos de fusão de deuses: A
primeira seria a Fusão Prática de deuses (Praktische Götterverschmelzung),
foi praticada por toda a história do Egito; contudo os objetivos mudam. Um
exemplo seria a tendência característica em tempos antigos de concentrar
diversos deuses animais com destaque para os componentes combativos em
Falcões e Leões. (SCHENKEL, 1977, pp. 721-722)
O segundo tipo é a Fusão Culto-Política de deuses (Kultisch-politische
Götterverschmelzung), que é a ligação de nomes de deuses. Assim temos
numa ligação no primeiro deus à cidade de culto do deus somada a um
segundo deus representado por um aspecto especial, pelo qual ele deve ser
adorado. (SCHENKEL, 1977, pp. 721-722) Se observarmos bem, na verdade
esse tipo é a habitação proposta por Bonnet. Esse tipo de sincretismo surge
o mais tardar na segunda metade do Antigo Império (IV Dinastia), quando Rê
se funde a Atum, surgindo o deus Atum-Rê (SCHENKEL, 1977, p. 722).
O terceiro e último tipo é a Fusão Teológico-Especulativa de deuses
(Theologisch-Spekulative Götterverschmelzung), a qual seria a fusão pela ba,
que ocorre entre Rê e Osíris (ver 4). Dessa forma, podemos ter um ser com
duas bas, um deus como a ba de outro deus, o qual é entendido como corpo,
129
ou um deus é designado com o nome da forma de outro deus. (SCHENKEL,
1977, p. 723)
Na religião egípcia temos a tendência de um aumento da fusão de
deuses, em especial no Novo Império. No mesmo período temos uma
transferência de peso da fusão de deuses de “culto-política” para a
“teológico-especulativa”. O deus X tem o mesmo significado (pAj; dD) com o
deus Y, ou o deus X se manifesta (m) como deus Y, entre outros.
(SCHENKEL, 1977, pp. 721-723)
Para Schenkel a contraditória fusão entre deuses femininos e
masculinos pode ser encontrada a partir da Baixa Época. (SCHENKEL,
1977, p. 724)
Jan Assmann (2004) irá definir o conceito de habitação (Einwohnung),
entendido pela Egiptologia como sendo “uma ligação temporária entre dois
seres, dos quais pela regra um está relativamente distante, oculto ou
comumente inacessível e o outro, por outro lado, está relativamente perto,
presente e acessível”. (ASSMAN, 2004, p. 123) Ele também menciona que
fora da egiptologia o termo “habitação” se refere ao termo hebreu
“Schechinah”, a “habitação divina”, como hipóstase da presença de Deus,
comparável à representação cristã do Espírito Santo. (ASSMANN, 2004, p.
123, n. 1)
Através da leitura dos autores mencionados acima podemos observar
que o conceito de “Habitação” (Einwohnug) proposto por Bonnet em 1939 se
mantém central no estudo da Egiptologia até os tempos atuais. A sua
importância também pode ser vista pela tradução feita por John Baines para
o inglês 60 anos depois, este último ressaltando a importância e a atualidade
em certos aspectos que este artigo possui, e que muitas vezes foi ignorado
devido à falta de conhecimento da língua alemã por parte de muitos
estudiosos. (BAINES, 1999) Podemos ver que outros estudiosos, como
Hornung e Schenkel propõem outros tipos possíveis de união de deuses
realizados entre os deuses egípcios. Mas, dentre estes, a “habitação” se
130
mantém como aspecto principal, e define, de um modo geral, o sincretismo
no Egito antigo.
Fora da Egiptologia, observamos que o conceito de sincretismo como
visto em sua peculiaridade no Egito antigo pela Egiptologia, é criticado como
sendo superficial, ou não aceito como sendo uma forma de sincretismo.
Assim, Berner crítica Hornung por definir o conceito de sincretismo muito
restritamente. “O „Sincretismo‟ é entendido exclusivamente como uma forma
muito específica de associação entre duas divindades” (BERNER, 2005, pp.
296-297), e considera imprópria a idéia de Morenz de abandonar o termo
sincretismo. (BERNER, 2005, p. 296) Aqui devemos mencionar que há uma
falha por parte de Berner em não mencionar as circunstâncias pelas quais
Morenz propõem o abandono do termo, como vimos acima. Assim, algo que
Morenz propõe no caso específico dos deuses egípcios, e entendendo o
sincretismo a partir do ponto de vista de Plutarco apenas, parece, na visão
de Berner, estar sendo proposto para o conceito de sincretismo como um
todo. Rudolph (2005), quando menciona os tipos de sincretismo mais
importantes para ele, faz o seguinte comentário a respeito de Bonnet numa
nota referente à Teocrasia:
Bonnet, 1939, percebe a “fusão de deuses” egípcia interna21 como sendo uma característica do pensamento egípcio, que ele considera de ser sincretismo, tentando explicá-lo com uma Teoria do Dinamismo. Ele designa aos egípcios uma tendência básica para o sincretismo como fluindo em suas veias. É parte da superação do politeísmo, e abre o caminho para o monoteísmo, preparando o divino para o ético. Eu assumo que o uso de sincretismo nessa instância é inapropriado, mesmo se Bonnet identificou características sincréticas. É uma questão de formas egípcias de pensamento e de interpretação do ser, a qual é única em “relação” com o divino.
(2005, pp. 83-84, n. 15)
No que se refere às críticas, talvez caiba aqui concordar com Bonnet,
quando ele diz que o fenômeno do sincretismo egípcio precisa ser estudado
em sua peculiaridade, e não inserido em uma categoria geral. Pelas críticas
podemos ver que é justamente isso o que acontece. Ao ser visto dentro das
21 Rudolph refere-se aqui á fusão apenas entre os deuses egípcios, não levando em conta o sincretismo entre deuses egípcios e deuses estrangeiros.
131
linhas gerais, as características individuais do sincretismo egípcio são
perdidas e ele se torna algo simplório; no final, acaba não encontrando um
lugar em categorias gerais predefinidas, sendo descartado como sendo algo
que não é sincretismo.
Devemos aqui levar em conta a singularidade do sincretismo egípcio.
E, para tanto, o mais apropriado talvez seja adotar o termo “habitação”
proposto por Bonnet quando nos referimos a ele. Dessa forma fica clara a
sua distinção perante as outras formas de sincretismo identificadas em
outras circunstâncias.
132
CAPÍTULO 6. PTAH-SOKAR-OSÍRIS
Nos capítulos sobre os deuses Ptah, Sokar e Osíris, observamos existir
uma relação muito próxima entre esses deuses desde tempos muito antigos.
Os deuses Ptah e Sokar no Antigo Império foram unidos na forma de um
deus sincrético (ver 3). A natureza exata desse sincretismo não nos é
conhecida devido à falta de evidências. Mas, certamente ela não se configura
como uma “habitação” típica, conforme vimos no capítulo anterior, na qual
um deus de caráter mais universal habita um deus local, reforçando seu
poder. No presente caso temos dois deuses da região mênfita, o que nos
poderia levar a pensar em uma união política realizada pelo clero de ambos
os deuses na intenção de aumentar a sua influência. Pois, como sabemos, a
residência oficial do deus Sokar é o templo de Ptah em Mênfis, e seus
sacerdotes atuam no culto de ambos os deuses.
A partir do Médio Império essa união é reforçada pela “habitação” de
Osíris em Ptah-Sokar. Osíris, como o principal deus dos mortos na época
em que essa “habitação” foi concretizada vem justamente reforçar a natureza
funerária de Ptah-Sokar, senhor da necrópole mênfita. A natureza unida
dessas três divindades em um único deus irá resultar num potente agente
do ciclo regenerativo, no qual Ptah representa a criação, Sokar a
metamorfose e Osíris o renascimento (BRANCAGLION JR, 2009, informação
verbal22). Dessa forma Ptah-Sokar-Osíris atua em todas as etapas da
passagem do morto para a outra vida.
Como um deus único, Ptah-Sokar-Osíris pode ser encontrado em
inscrições a partir do reino de Amenemhat III (c. 1844 a.C. – 1797 a.C.),
sendo particularmente comum em estelas funerárias de Abidos. Nestas, ele
recebe usualmente epítetos de Osíris. (HOLMBERG, 1946, p. 138;
SCHENKEL, 1977, p. 723) Como, por exemplo, na seguinte estela
atualmente no Museu do Cairo: “Possa o rei ser benevolente e dar, e possa
Ptah-Sokar-Osíris, Senhor de Busíris, Grande Deus, Senhor de Abidos, ser
benevolente e dar ...” (LANGE-SCHÄFER apud HOLMBERG, 1946, p. 138)
22 BRANCAGLION JR, Antonio. Arqueologia da Morte: Crenças e Práticas Funerárias do Egito Antigo. Curso ministrado no mestrado em Arqueologia do Museu Nacional/UFRJ. Segundo semestre de 2009.
133
Na falta de imagens, em alguns casos deste período fica a dúvida se a
inscrição se refere a Ptah-Sokar-Osíris como uma entidade única, ou se aos
três deuses em separado. Tal fato ocorre porque desde o início encontramos
o nome do deus escrito de diferentes formas. O nome de Ptah-Sokar-Osíris é
formado pela junção de uma das formas de escrita dos nomes de cada um
destes três deuses (ver 2, 3 e 4). (Apêndice A) Em algumas dessas formas,
cada parte do nome é seguida por um determinativo de deus próprio, como
por exemplo, na Fórmula de Oferendas encontrada na estela do Príncipe
Djad, atualmente localizada no Museu do Louvre (C41): .
Outro fator que gera dúvida é o fato de às vezes as referências ao deus se
encontrarem no singular e às vezes no plural. (HOLMEBERG, 1946, p. 138;
MORENZ, 1962, pp. 191-192)
No Novo Império o conceito plural do número
três das Tríades se fortalece na forma condensada das
Trindades, ou seja, três divindades contidas em uma
única forma (HORNUNG, 1993, p. 215). Talvez esse
mesmo movimento impulsionou a maior popularidade
e a criação de imagens do deus Ptah-Sokar-Osíris a
partir desse mesmo período (HOLMBERG, 1946, p.
139). Nas imagens, ele aparece de formas variadas,
podendo às vezes ser caracterizado como uma mistura
de todos os deuses, ou com uma maior ênfase nas
características originalmente pertencentes a um dos
três deuses. Às vezes ele pode aparecer no mesmo
local de diferentes formas, como é o caso do templo de
Séthi I em Abidos.
Como uma entidade que apresenta as
características dos três deuses, Ptah-Sokar-Osíris é
encontrado na forma de um corpo mumiforme com
cabeça de falcão usando a coroa Atf e segurando o
cetro was. Às vezes ele também pode usar junto o
disco solar e segurar o cajado e o açoite. Assim, o
Figura 23 - base do caixão exterior da Senhora da Casa Seshepenmehyt mostrando o deus Ptah-Sokar-Osíris sobre um estandarte e cercado pelo uraeus – Baixa Época, Tebas (BM EA 22814)
134
deus tem a cabeça do deus Sokar, tem o corpo dos deuses Ptah e Osíris, e
segura em suas mãos as insígnias de ambos esses deuses. Nesta forma ele é
encontrado comumente no lado de dentro, no fundo dos caixões da Baixa
Época (Fig. 23). Geralmente nestas imagens o deus Ptah-Sokar-Osíris
aparece envolvido por uma serpente. Esta separa a ordem, o interior do
caixão onde está o deus e o corpo do morto, do caos, aqui representado pelo
que está fora do caixão.
Em um aspecto que se assemelha
mais ao deus Sokar, ele pode ser
encontrado na forma de falcão, como na
tumba de Pashedu (TT3) em Deir el-
Medina. Ali, sobre a passagem para o
recinto principal, temos a imagem de um
filho de Pashedu ajoelhado fazendo
oferendas para o deus Ptah-Sokar-Osíris,
na forma de um falcão com as asas estendidas sobre uma barca. (Fig. 24)
Em outras representações, ele pode aparecer de forma semelhante, usando a
coroa Atf, ou, ainda, sobre a barca Henu do deus Sokar. (LEITZ, 2002, p. 176)
Ptah-Sokar-Osíris também pode ser encontrado na forma híbrida de
Sokar, com corpo humano e cabeça de falcão, geralmente usando a coroa Atf,
tanto em pé como sentado no trono. Talvez essa seja a forma mais comum
em que encontramos este deus na iconografia. Assim, podemos encontra-lo
num pilar da câmara funerária da tumba de Ramessés V e Ramessés VI (KV
9), representado em pé, usando a coroa Atf e o disco solar, segurando na mão
esquerda o açoite e na mão direita o cetro was (Fig. 25). Em Medinet Habu,
no fuste da coluna 37 da colunata sul, podemos ver o faraó Ramessés III na
segunda Corte oferecendo ungüentos para Ptah-Sokar-Osíris nessa mesma
forma, na presença de Sekhmet e Thot. Na Porta da tumba de Sennedjem
(TT 1), este aparece junto de seus parentes venerando Ptah-Sokar-Osíris
sentado em seu trono, usando a coroa Atf e segurando o cetro was (Fig. 26).
Ou ainda no “Livro dos Mortos” de Sérimen, onde ele aparece sentado em
seu trono usando uma coroa Atf mais elaborada, segurando na mão esquerda
Figura 24 – Ptah-Sokar-Osíris na forma de falcão sobre uma barca – Período Ramessida, TT3.
135
Figura 26 - Porta de madeira da tumba de Sennedjem, a qual mostra como Sennedjem e seus parentes veneram Osíris e Maat (em cima) e Ptah-Sokar-Osíris e Ísis (embaixo). XIX Dinastia, TT 1 (Museu do Cairo JE 27303)
Figura 27 - Ptah-Sokar-Osíris sentado em seu trono seguido da deusa Ísis na sala do Julgamento dos Mortos - XXI Dinastia, ―Livro dos Mortos‖ de Sérimen (Museu do Louvre)
Figura 25 - Ptah-Sokar-Osíris em sua forma hibrida com corpo humano e cabeça de falcão – XX Dinastia, KV 9. (Theban Mapping Project)
136
o açoite e um ankh, e na mão direita, o cetro was (Fig. 27).
Como um deus antropomorfo, o deus Ptah-Sokar-Osíris é encontrado
geralmente em cenas de contexto funerário pertecentes ao imaginário
osiríaco. Nessa forma ele pode ser encontrado como uma múmia no interior
de seu caixão, deitado sobre uma esteira. As deusas Ísis e Néftis podem estar
paradas nas laterais da esteira, protegendo o corpo mumificado deste deus.
Alternativamente ele pode aparecer como um deus itifálico no interior de um
caixão, o qual é carregado pelos quatro filhos de Hórus. Sobre o caixão está
a barca Henu. (LEITZ, 2002, p. 176) Em uma cena do “Livro dos Mortos” de
Anhai (BM EA 10472,5), ele aparece como o juiz do Mundo dos Mortos,
sentado sobre o seu trono no interior de uma capela. Ele usa o toucado
divino junto com a coroa Swty, e nas mãos, as quais se projetam para fora
das bandagens, ele segura o cajado e o açoite. Atrás dele seguem as deusas
Ísis e Néftis fazendo o gesto de proteção sobre o seu corpo. (Fig. 28) No texto
que acompanha a imagem podemos ler seus epítetos de “Habitante do Lugar
Secreto, Grande Deus, Senhor do Ta-tchesertet, Rei da Eternidade,
Governador por toda a Eternidade” (BUDGE, 1969, Vol. I, p. 503). Na tumba
de Ramessés III (KV11) temos uma imagem deste faraó oferecendo incenso e
fazendo libações diante de Ptah-Sokar-Osíris, protegido pela deusa Ísis
alada. Aqui o deus apresenta um tom de pele verde, comumente associado a
Osíris como deus da fertilidade. Ele usa a coroa Atf junto com o toucado
divino com um uraeus, na mão direita segura o centro was e na esquerda
um ankh. (Fig. 29) Em suas estátuas funerárias, tema principal desta
dissertação, Ptah-Sokar-Osíris também é representado em sua forma
antropomorfa. Em linhas gerais estas representam Ptah-Sokar-Osíris como
um deus mumiforme sem mãos e braços, usando o toucado divino e a coroa
Swty (ver Parte III).
137
Figura 28 - Ptah-Sokar-Osíris em forma antropomorfa como juiz do Mundo dos Mortos sentado em seu trono no interior de uma capela seguido das deusas Ísis e Néftis – ―Livro dos Mortos‖ de Anhai (BM EA 10472,5)
Figura 29 - Ramessés III oferecendo incenso e fazendo libações diante de Ptah-Sokar-Osíris, protegido pela deusa Ísis alada, XX Dinastia, KV 11 (Theban Mapping Project)
138
A forma de anão do deus Ptah, conhecida como Pataikos, também
pode ser atribuída ao deus Ptah-Sokar-Osíris. Segundo Helen Coleman
(apud ARTWORLD, on-line23) Pataikos seria inclusive a versão grega do nome
23 ARTWORLD. Statuette of Pataikos. Disponível em: <http://artworld.uea.ac.uk/cms/index.php?q=node/816>. Acesso em: 12 mar. 2008.
Figura 30 – Parte superior da estela de Metternich na qual temos Ptah-Sokar-Osíris na forma do anão Pataikos (vermelho). (BUDGE, 1969, Vol. II, p. 271)
139
Ptah-Sokar-Osíris. Na parte da frente da estela de Metternich (MMA 50.85),
temos duas representações de Ptah-Sokar-Osíris na forma de um anão calvo
com uma cabeça grande. Uma representação está localizada do início do
segundo registro à direita, e a outra quase no meio, entre um falcão
representando Hórus de Ouro e uma capela com dois olhos wedjats, e um
crocodilo com o disco solar em seu interior no sexto registro. Na primeira
representação, ele está parado sobre dois crocodilos, segurando uma cobra
em cada mão. (Fig. 30) Como Pataikos, Ptah-Sokar-Osíris também é
frequentemente encontrado na forma de amuletos, em especial de faiança.
Ptah-Sokar-Osíris é raramente encontrado na forma típica do deus
Ptah como uma figura mumiforme em pé, com as mãos saindo das
bandagens, segurando um cetro composto pelo cetro was, o pilar djed e o
símbolo ankh, e usando um gorro
justo com as orelhas de fora. Um
exemplo desta forma pode ser
observado em um fragmento de um
relevo pertencente ao Iseion de
Behbeit el-Hagar do tempo de
Ptolomeu II, atualmente no
Museum of Fine Arts de Boston
(inv. 51.739). Neste, Ptah-Sokar-
Osíris aparece na forma de Ptah no
interior de uma capela, à frente do
deus Amun (Fig. 31). Igualmente a
menção a epítetos de Ptah são raros. Isso leva Holmberg (1946, p. 144) a
afirmar que Ptah teria apenas um papel secundário na formação do
sincretismo de Ptah-Sokar-Osíris.
A afirmação de Holberg pode ter levado outros autores de chamarem
representações a formas sincréticas entre dois desses deuses, em especial de
Sokar-Osíris, genericamente de Ptah-Sokar-Osíris. Tal fato ocorre, pois tanto
Ptah-Sokar, Sokar-Osíris, Osíris-Sokar e Ptah-Sokar-Osíris podem ter as
mesmas representações. Assim, por exemplo, podemos tanto ter Sokar-
Figura 31 - Ptah-Sokar-Osíris no interior de uma capela em frente ao deus Amun. Período Ptolomaico (Museum of Fine Arts Boston inv. 51.739)
140
Osíris como Ptah-Sokar-Osíris presidindo o Julgamento do Morto. Às vezes,
no decorrer de um evento, ambos os nomes também podem aparecer
alternadamente, ou no caso das estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris,
onde na verdade podemos ter a menção de uma das diferentes formas
sincréticas desses deuses em suas inscrições.
Este fato nos leva a pensar que entre os próprios egípcios não havia
uma distinção muita clara entre as formas sincréticas desses deuses, ou que
Ptah-Sokar e Sokar-Osíris aparecem como uma forma abreviada de Ptah-
Sokar-Osíris, na qual certos as aspectos específicos desse deus são
ressaltados. Assim, por exemplo, Sokar-Osíris ressalta as principais etapas
da passagem para o Mundo dos Mortos: a metamorfose e o renascimento.
O deus Ptah-Sokar-Osíris não possuía nenhum templo próprio, mas
menções a ele podem ser encontradas em diversos templos. Em muitas
destas ele é aludido em relação a celebração de seu festival no mês de
Khoiak. Este festival, surgido da união dos festivais de Sokar realizado em
Mênfis e de Osíris realizado em Abidos, vem a ser uma celebração do
renascimento. É a vitória de Ptah-Sokar-Osíris sobre a morte que permite as
sementes nos campos de germinarem com a chegada da cheia do Nilo. Neste
festival são igualmente feitas figuras de grãos as quais se assemelham as
pseudo “múmias-de-grãos” encontradas no interior das estátuas funerárias
de Ptah-Sokar-Osíris. (ver 13.2.2)
Como um deus da ressurreição sua principal área de atuação está no
contexto funerário. Assim podemos encontrar menções a ou representações
de Ptah-Sokar-Osíris em estelas funerárias desde o Médio Império. Em
tampas de caixões a partir do III Período Intermediário ele aparece
freqüentemente mencionado em Fórmulas de Oferenda. Assim como Osíris,
originalmente ele preside o Julgamento dos Mortos na Sala das Duas Maats,
em especial no Período Ptolomaico (BRANCAGLION JUNIOR, 2009,
informação verbal24).
24 BRANCAGLION JR, Antonio. Arqueologia da Morte: Crenças e Práticas Funerárias do Egito Antigo. Curso ministrado no mestrado em Arqueologia do Museu Nacional/UFRJ. Segundo semestre de 2009.
141
As estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris encontradas nas
proximidades do morto, nas tumbas a partir da XXV Dinastia, também se
encaixam nesse contexto funerário do deus. Aqui temos a representação do
morto na forma de Ptah-Sokar-Osíris com a intenção de ajudar em uma
jornada bem sucedida para o Outro Mundo, cujo ápice seria justamente a
união do morto com esse deus, o Senhor do Mundo dos Mortos.
Nas estátuas funerárias mais tardias de Ptah-Sokar-Osíris
encontramos outro aspecto desse deus, no qual ele está ligado ao ciclo solar.
Nestas estátuas podemos encontrar uma série de símbolos ligados ao mito
solar. Temos, por exemplo, o disco solar presente na coroa Swty; algumas
estátuas têm escaravelhos alados sobre o peito, e no hino a Ptah-Sokar-
Osíris, temos alusões ao momento da criação. Assim, além de representar o
morto como um mAa-xrw, a estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris também
passa a aludir ao êxito na segunda etapa da sua jornada no Mundo Inferior,
quando ele se torna um espírito glorificado e pode se unir ao deus-sol em
sua viagem diária (ver 13.1).
Ao mesmo tempo os raios do sol eram responsáveis por acordar (Ptah-
Sokar-)Osíris para uma nova vida, e faziam as plantas crescerem da matéria
morta, como podemos ver numa representação de um caixão da XXI
Dinastia (Fig. 32). A mesma idéia é transmitida pelas “múmias-de-grãos”,
como as encontradas no interior das estátuas de Ptah-Sokar-Osíris, e as
fabricadas durante o festival de Khoiak. (HORNUNG, 1991, p. 134) Assim, o
deus-sol era o responsável pela realização do renascimento do qual Ptah-
Sokar-Osíris era o representante.
142
Portanto, aqui a estátua passa a ser uma representação do morto
unido ao Grande Deus (nTr aA). A idéia do Grande Deus pode ser vista como o
ápice dessa criação teológica que une os dois principais ciclos religiosos dos
egípcios: o solar e o osiríaco (ver 4).
O nTr aA era transcendental e imanente ao mesmo tempo, acreditava-se que ele existia em qualquer forma visível e imaginável, e corresponde portanto a todas as formas de culto egípcias tradicionais de deuses. Todo morto após ter passado felizmente o Julgamento do Morto, era entendido como uma encarnação do Deus ele mesmo em ambos os seus aspectos unificados: o solar e o osiriaco.
(Niwiński, 1987-1988, pp. 105-106)
A partir do III Período Intermediário, Ptah-Sokar-Osíris como uma
forma sincrética do deus Osíris passa cada vez mais a ocupar o lugar de
Osíris na união com Rê e suas formas sincréticas, as quais, no ápice,
chegam à formação Rê-Horakhty-Atum-Khepri, como ocorre neste exemplo
dado por Niwiński:
Figura 32 - Os raios do sol acordando Osíris para uma nova vida, representada pelas plantas crescendo do corpo mumificado do deus. (HORNUNG, 1991, p. 134)
143
Na forma mais compacta, a idéia do Ser Supremo era iconograficamente expressa na figura de um escaravelho com cabeça de carneiro (Fig. 33), às vezes complementada por elementos adicionais como asas, falo, disco solar e coroa. Tal imagem pode facilmente ser vista como uma forma criptográfica do nome Rê-Horakhty-Atum-Khepry, e a coroa, a qual muitas vezes é associada ao pilar Djed, indica que Ptah-Sokar-Osíris também era significado sob esta forma composta. Além disso, a presença da cabeça de um carneiro permite associações com a iconografia de Amun.
(1987-1988, p. 104)
Figura 33 – Representação do nTr Aa na forma de escaravelho com cabeça de carneiro, a qual incorpora os deuses Rê-Horakhty-Atum-Khepry e Ptah-Sokar-Osíris – III Período Intermediário, caixão Cairo J 29736 (Niwiński, 1987-1988, p. 105)
144
PARTE III
AS ESTÁTUAS FUNERÁRIAS DE OSÍRIS
E
PTAH-SOKAR-OSÍRIS
145
CAPÍTULO 7. CLASSIFICAÇÃO
7.1 CLASSIFICAÇÕES INICIAIS DO SÉCULO XIX
As primeiras tentativas de um entendimento das estátuas de Ptah-
Sokar-Osíris surgem de forma pontuada em trabalhos do século XIX,
juntamente com o início da egiptologia. Em 1824, Minutoli irá publicar um
desenho contrastando uma estátua de um Osíris de Verniz Preto, contendo
um papiro, com uma estátua policromada, com coroa de plumas e cavidade,
contendo “incenso e outras oferendas” (RAVEN, 1978-1979, p. 253). Em
1826, Passalacqua (1826, pp. 170-171) irá dividir as estátuas em Osiris
mitré (com coroa atef e contendo papiro funerário no tronco) e Osiris non
mitré (com disco solar e duas plumas e, às vezes, contendo papiro na base).
Em 1827, Minutoli, de acordo com a divisão de Passalacqua, irá discordar do
conteúdo da base, afirmando conterem essas em seu interior pequenos
animais ou fetos humanos (RAVEN, 1978-1979, p. 253). No mesmo ano
Champollion (1827, pp. 156-157) foi o primeiro a dar uma fundamentação
científica a essas teorias, fazendo a seguinte divisão: “Osiris Pet-hem-
Pamenthès”, preto ou policromado, contém manuscritos funerários, e
estátuas de “Phtha-Socar-Osiris”, contendo recipiente com objeto
mumificado. Em 1836, Rosellini (p. 349 n.2) irá afirmar que as estátuas
representando “Osiride-Sokari” contêm no interior de seu corpo um papiro
funerário, ou na base, o pênis mumificado do morto. Leemans (1840), a
partir de observações feitas nos exemplares de Leiden, é o primeiro a relatar
o verdadeiro conteúdo das estátuas de Ptah-Sokar-Osíris. Ele demonstra
serem grãos de cereais o conteúdo dos objetos mumificados encontrados no
interior das cavidades, mas continua a relatar, baseado em Rosselini, a
existência de estatuetas com partes do corpo do morto mumificado no
interior da cavidade na base. (LEEMANS, 1840, p. 259; RAVEN, 1978-1979,
p. 253)
7.2 A TIPOLOGIA DE RAVEN
Até 1978, as publicações que surgem a respeito do tema não trazem
nenhuma inovação em relação às conclusões obtidas no século XIX. Neste
146
ano, Maarten Raven publica o artigo Papyrus-sheats and Ptah-Sokar-Osiris
statues, propondo uma tipologia mais elaborada, que continua sendo a
principal referência para a classificação de estátuas de Osíris e Ptah-Sokar-
Osíris. A partir do estudo principalmente dos exemplares contidos no
Rijksmuseum van Oudheden em Leiden, complementado por relatórios de
escavações e catálogos de outros museus, ele irá dividir as estátuas em cinco
tipos, os quais, por sua vez, contêm outras subdivisões, levando em conta
características específicas no interior de cada tipo. Os tipos I e II abrangem
as estátuas de Osíris porta-papiros, e os demais tipos englobam as estátuas
de Ptah-Sokar-Osíris.
7.2.1 Tipo I – Estátuas de Verniz Preto
Esses exemplares têm como característica comum serem todos
cobertos por uma camada de verniz preto, podendo ser sólidas ou conter
uma cavidade no tronco ou na base. Algumas contêm detalhes em amarelo
ou folhados a ouro. Todos os subtipos podem ser encontrados durante a XXI
Dinastia e início da XXII Dinastia. O subtipo IA pode ter sobrevivido até a
XXV Dinastia. Elas lembram algumas estátuas igualmente cobertas por um
verniz preto, encontradas em tumbas reais da XVIII Dinastia (ver
ANTECESSORES). (RAVEN, 1978-1979, pp. 258-259)
Este grupo contém as três seguintes subdivisões:
I A. Figuras delgadas, sem mãos ou braços, usando o toucado divino, a
coroa de plumas de avestruz, com ou sem disco solar, e, às vezes, a barba
divina. A maioria é sólida, mas pode ter uma cavidade retangular na lateral
da base, fechada por um sarrafo deslizante. (RAVEN, 1978-1979, p. 258 e pl.
39, 1.) [09; 10]
I B. Figuras delgadas com braços cruzados sobre o peito e punhos
vazios. De resto, assemelham-se ao tipo I A, usando o toucado divino, a
coroa com duas plumas de avestruz, com ou sem disco solar, e, às vezes
usando a barba divina, e podendo conter a cavidade na lateral da base.
(RAVEN, 1978-1979, p. 258 e pl. 39, 2.) [11]
I C. Figuras corpulentas com braços cruzados sobre o peito, podendo
segurar o cajado e o açoite nas mãos. Usam a coroa Atf ou HDt, e às vezes a
147
barba divina. No tronco possuem uma cavidade cilíndrica que se estende
através da cavilha até a parte de baixo da base, que é fechada por uma
tampa circular ou oval. A construção da cavidade foi facilitada pela
manufatura do corpo da estátua em duas partes, de forma que o verso pode
ser removido como um painel solto. (RAVEN, 1978-1979, pp. 258-259 e pl.
39, 3.) Como ocorre com o exemplar [MN-5]. [06]
7.2.2 Tipo II - Estátuas de Osíris Policromadas
As figuras desse grupo têm em comum uma pintura policromada,
possuindo uma face verde, barba divina e, geralmente, elas usam a coroa Atf,
seguram cetros nas mãos, e a base é amarela ou vermelha. Todos os tipos
(exceto I C) têm uma cavidade tubular com painel traseiro solto, o qual
continha em seu interior um papiro, geralmente um exemplar do “Livro dos
Mortos”. As figuras datam de um período que se inicia na XIX Dinastia,
talvez final da XVIII Dinastia, e vai até a XXI Dinastia, possivelmente até a
XXII Dinastia. (RAVEN, 1978-1979, p. 260-263)
II A. Um único espécime de Leiden desse tipo foi
registrado por Raven. Este parece ser um intermediário
entre os tipos I e II. O corpo da estátua com braços
cruzados e mãos segurando o cajado e o açoite é preto,
mas a face é verde; a coroa Atf, branca com detalhes em
verde, vermelho e preto, e a base é vermelha. A cavidade
na base é igual ao tipo I C. (RAVEN, 1978-1979, p. 261)
(Fig. 34)
II B. Há um único exemplar, no Museu do Cairo (JE
55146). De caráter tosco, esta estátua apresenta uma
face verde, usa a coroa HDt, e os braços estão ausentes. O
tronco é branco, com faixas vermelhas transversas, e usa
um simples colar. O tronco é oco, a base é muito baixa e
se projeta para frente e para trás. (RAVEN, 1978-1979, p.
261)
II C. Uma estátua simples com o mesmo tipo de
base do tipo II B, cuja cavidade se localiza num receptáculo tubular
Figura 34 – Estátua de Osíris Policromada do tipo II A de Raven. (Robert V. Fullerton Art Museum)
148
separado, fixado ao verso da figura. A face é verde, o corpo
contém um padrão de escamas em vermelho e preto. A
parte de cima dos braços foram manufaturados de pedaços
de madeira separados, enquanto a parte inferior dos
braços, com as mãos segurando os cetros, foram apenas
pintados. A coroa, trabalhada de forma rude, lembra a
pschent. (RAVEN, 1978-1979, p. 261) (Fig. 35)
II D. Este é o subgrupo com o maior número de
exemplares. As figuras possuem cavidades e seguram
cetros, com braços cruzados ou mãos opostas. A parte
superior do tronco pode estar despida (vermelha),
enquanto a parte inferior é enfaixada (branca) ou pode
usar um rico vestuário consistindo de um colar
concêntrico, uma borla (manxt) ou contrapeso (mnat) na parte de trás do
pescoço, uma cinta apertada, uma capa curta com rosetas, ou um traje justo
com motivo de escamas ou penas. A coroa é sempre a Atf. Usualmente essas
estátuas contêm uma coluna vertical com inscrições na frente do tronco e no
topo da base. (RAVEN, 1978-1979, pp. 261-262 e Pl. 39, 4.) [02; 03; 04]
II E. É um exemplar de Leiden com toucado divino azul, com uma faixa
e uraeus e a coroa Atf. Segura dois açoites, e a inscrição na frente do tronco
branco é o início da fórmula dos shabtis (LM VI). (RAVEN, 1978-1979, p. 262
e pl. 39, 5.)
7.2.3 Tipo III – Estátuas de Ptah-Sokar-Osíris com Face Verde
O presente tipo não contém subdivisões, sendo seus os exemplares
caracterizados por uma forma humana mumiforme, com coroa Swty, e sem
mãos e braços. O toucado divino é azul, a barba divina sobre um plinto é
preta, a face é verde, com detalhes em preto e branco. Usa um colar
concêntrico simples ao redor dos ombros, interrompido pelas três abas do
toucado; este colar é liso (amarelo) ou possui faixas concêntricas (cores
escuras sobre fundo branco ou amarelo), podendo a borda inferior ter uma
fileira de elementos em forma de gota. O corpo da figura é vermelho, e pode
ter um padrão reticulado azul imitando uma rede de contas. A maioria dos
Figura 35 - Estátua de Osíris Policromada do tipo II C de Raven. (Rijksmuseum van Oudheden Leiden)
149
exemplares possui um pilar dorsal, o qual forma uma continuação das abas
do toucado nos ombros. Pode haver um plinto entre a estátua e a base, mas
isso é raro. Na base amarela ou branca, uma cavidade pode ter sido
escavada, cuja tampa ostenta uma estatueta de madeira de um falcão
mumificado vermelho com detalhes em preto, branco e azul. Na parte da
frente do tronco e no pilar dorsal geralmente possuem uma coluna vertical
com inscrições em hieróglifos. A presença do pilar dorsal na maioria dos
exemplares aponta para uma data na XXVI Dinastia para o tipo III. (RAVEN,
1978-1979, pp. 264-266 e PL. 39, 6.) [14; 15; 16; 17]
7.2.4 Tipo IV – Estátuas de Ptah-Sokar-Osíris com Face Dourada
Estas figuras têm em comum corpos pretos ou vermelhos, faces
folhadas a ouro ou pintadas de branco ou amarelo para imitar a folhação, e
usam a coroa Swty, um toucado divino azul e, às vezes, a barba divina. O
colar, quando presente, é o wsx n bik, terminando com cabeças de falcões nos
ombros. Geralmente não possuem mãos e braços. Têm um pilar dorsal e um
plinto sob os pés. A cavidade mais comum é um receptáculo na parte da
frente da base, fechado por uma tampa na forma de um falcão mumificado
ou de um sarcófago. Outros tipo de cavidade encontram-se no tronco, sendo
uma aberta por um painel solto na parte superior do pilar dorsal; a outra é
manufaturada ao modo dos caixões, juntando-se a figura em duas partes.
No interior dessas cavidades são encontradas comumente pseudo múmias-
de-grãos. (RAVEN, 1978-1979, pp. 266-267 e 270-271)
O tipo IV aparenta ter sido criado na XXV Dinastia e perdurado até o
Período Ptolomaico. O subtipo IV A teria sobrevivido por todo esse período,
enquanto o subtipo IV B aparece apenas no início, na XXV Dinastia, o
subtipo IV E ocorre na XXX Dinastia e os demais subtipos, IV C, D e F são
encontrados no Período Ptolomaico. (RAVEN, 1978-1979, pp. 268-270)
Este grupo contém seis subdivisões:
IV A. Estátuas simples com corpo vermelho e face folhada a ouro, colar
simples, ou sem colar, e uma coluna vertical, com inscrição em hieróglifos
na frente. (RAVEN, 1978-1979, p. 267 e pl. 40, 1.) [19]
150
IV B. Estátuas simples com corpo vermelho e face amarela, o colar wSx
com ou sem falcão, coluna frontal de hieróglifos; as inscrições na base estão
sobre um fundo amarelo. Todas as cores foram aplicadas diretamente sobre
a madeira. A inscrição contém o início do hino à Ptah-Sokar-Osíris. (RAVEN,
1978-1979, p. 267 e pl. 40, 2.) [20; 21]
IV C. Estátuas com corpo vermelho, face folhada a ouro e colar wSx n
bik, com várias fileiras de diferentes motivos. A decoração intricada pode
conter itens como uma barba franzida, um peitoral listrado entre as abas do
toucado, outro peitoral na forma de um relicário pendurado numa corrente,
escaravelhos alados, abutres, ou pássaros ba, redes de contas, frisos de
símbolos protetores, ou padrões srx ao redor da base, entre outros.
Geralmente têm três colunas de inscrições na frente do tronco, sobrepujadas
por uma deusa Nut com asas estendidas. Essas colunas, junto com a que
existe no pilar dorsal, geralmente contém o hino completo à Ptah-Sokar-
Osíris. Exemplares com apenas uma coluna de inscrição e sem o hino
também são conhecidas. (RAVEN, 1978-1979, p. 267 e pl. 40, 3.) [23; 24; 26;
27; 28; 29; 30]
IV D. Um exemplar de Leiden de uma estátua simples com corpo preto
e face folhada, sem colar e com uma coluna de inscrição na frente. (RAVEN,
1978-1979, p. 268 e pl. 40, 4.) [33; 34]
IV E. Estátuas com corpo preto e face folhada a ouro, branca ou
amarela. Os detalhes do colar wSx n bik e as inscrições, geralmente três
colunas na frente e uma no pilar dorsal, contendo o hino completo à Ptah-
Sokar-Osíris, estão pintados em finas linhas amarelas. Detalhes como
joelhos, canelas e ombros estão bem delineados, e às vezes a estátua
apresenta as mãos sobre o peito. A base contém inscrições e faixa
axadrezadas sobre fundo amarelo. (RAVEN, 1978-1979, p. 267 e pl. 40, 5.)
[35; 36; 37]
IV F. Estátuas com corpo preto e face folhada a ouro ou amarela. A
decoração é intrincada como no tipo IV C, mas redes de contas não ocorrem
aqui. (RAVEN, 1978-1979, p. 267 e pl. 40, 6.) [38; 39]
151
7.2.5 Classes Mistas
Nesta categoria Raven incluiu todos os tipos que não se encaixam nas
categorias anteriores e não formam um grupo abrangente. Estes tipos
provêm de oficinas provinciais, sendo trabalhadas de acordo com as
tradições locais. Todas as estátuas são de Ptah-Sokar-Osíris com coroa Swty.
(RAVEN, 1978-1979, p. 271) Assim, temos um tipo de estátuas que se
assemelham ao tipo III, mas suas faces são vermelhas, e há outras nas quais
a face é verde, no entanto a cor do tronco é branca. Alguns desses
exemplares ainda lembram o tipo II e podem ser sólidos ou conter múmias-
de-grãos. (RAVEN, 1978-1979, p. 271-272)
Outras estátuas com face vermelha ou rosa e corpo
branco parecem formar um grupo pertencente ao Período Saíta
e ao Período Ptolomaico. Também podem ser encontradas
estátuas todas brancas. Parte das estátuas desse tipo, que
contêm uma flor de lótus na tampa da base (Fig. 36), parecem
ser típicas do Médio Egito. (RAVEN, 1978-1979,
pp. 272-273)
Em menor quantidade temos estátuas
completamente folhadas a ouro [48],
pertencentes ao Período Saíta, e outras na qual
prevalece a cor azul, decoradas em amarelo ou
ouro, pertencentes ao Período Ptolomaico.
(RAVEN, 1978-1979, p. 273)
7.3 ACRÉSCIMOS E CORREÇÕES DA TIPOLOGIA DE RAVEN
A tipologia feita por Raven no final da década de 1970 continua sendo
até os dias atuais a principal referência para a classificação das estátuas
funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris. Neste período, não surgiu nenhum
novo tipo de classificação. No entanto, ao longo desse período, algumas das
publicações que surgiram sobre o assunto apontam correções a serem feitas
a respeito, além do surgimento de outros tipos de exemplares de Ptah-Sokar-
Osíris que não são mencionados por Raven.
Figura 36 – Estátua de Ptah-Sokar-Osíris com lótus no topo da base. (RAVEN, 1978-1979, pl. 41, 2.)
152
7.3.1 Aston
No artigo “Two Osíris Figures of the Third Intermediate Period”, Aston
(1992) irá descrever um shabti de Ramessés II transformado em um Osíris
de Verniz Preto [55], e outro Osíris [12], de tipo inédito, ambos pertencendo à
coleção do British Museum. Sendo o segundo (BM EA 22913) parecido com
duas figuras pertencentes ao Metropolitan Museum of Arts de Nova York
(MMA 28.3.61 e MMA 25.3.204), e com uma figura do Museu do Cairo (T.
25.11.25.17), ele propõe um novo tipo de Osíris, denominado de tipo V,
dando continuidade à tipologia de Raven.
As peças do tipo V têm em comum serem figuras de Osíris de face
verde, usarem o toucado divino amarrado por uma fita sSd, a coroa de
plumas de avestruz, um colar concêntrico e um sash cruzado sobre o torso.
Este tipo pode ser datado de um período entre 750 a.C.-675 a.C.,
compreendendo a segunda metade do III Período Intermediário. (ASTON,
1992, pp. 99 e 106)
Ao mesmo tempo, Aston propõem uma nova cronologia para a tipologia
proposta por Raven. Nesta, ele trata especificamente das figuras de Osíris e a
sua evolução para os primeiros tipos de Ptah-Sokar-Osíris, deixando de fora
os exemplares de Ptah-Sokar-Osíris mais tardios (tipos IV A, C, D, E e F).
Nesta tipologia, temos as seguintes novas datas propostas para os tipos:
Tipo Data a.C.
II c. 1300-1000
I C c. 1025-925
I A c. 975-900
I B c. 975-900
V c. 750-675
IV B c. 720-650
III c. 700-600
Assim, para Aston, as figuras de Osíris Policromadas do tipo II foram as
primeiras a surgir no Novo Império, continuando a existir até o III Período
Intermediário. Nesta época elas começam a ser substituídas pelas figuras
similares de Osíris de Verniz Preto do tipo IC, que, por sua vez, evoluem para
os tipos IA e IB, por volta do final do século X a.C.. Grande parte desses
últimos tipos é sólida, enquanto os anteriores, tipos IC e II, contêm uma
cavidade para conter papiro. Esta mudança poderia ser vista como uma
153
consequência do fato de o papiro com a inscrição do “Livro dos Mortos” não
passar mais a ser usado neste período, tornando a cavidade desnecessária.
O tipo V representaria uma transição das estátuas de Osíris para as de Ptah-
Sokar-Osíris, por volta da metade do século VIII a.C, continuando esse tipo a
existir na primeira metade do século VII a.C., ao lado dos tipos III e IV B.
(ASTON, 1992, pp. 101-107)
7.3.2 Varga
Varga apresenta algumas estátuas de Ptah-Sokar-Osíris da coleção do
Museu de Fine Arts de Budapeste não mencionadas por Raven, as quais se
encaixam na tipologia deste. A figura 58.I-E é apresentada como
pertencendo ao tipo IA; mas características como plinto e pilar dorsal, não
são encontrados nas estátuas do tipo I, tendo surgido apenas em um período
posterior. Portanto seria mais correto atribuir esta estátua ao tipo IV de
Raven. (VARGA, 1995, pp. 3-6) Uma estátua de Ptah-Sokar-Osíris do tipo III
(inv. 51.2090) [13], por suas formas, aparenta ser anterior às apresentadas
por Raven, podendo ser atribuída à XXV Dinastia. Assim, sua forma é vista
como uma transição das estátuas Policromadas de Osíris do tipo II para as
estátuas típicas de Ptah-Sokar-Osíris do tipo III. Além dessas ainda são
apresentadas mais três estátuas: um Osíris do tipo I C (inv. 51.2099) [07],
um Ptah-Sokar-Osíris do tipo IV B (inv. 51.1930), e a parte de trás de um
Ptah-Sokar-Osíris do tipo IV F (inv. 51.244) (Varga, 1995, pp. 6-18).
7.3.3 Schoske
No artigo “Problems with Ptah-Sokar-Osiris Figures”, Schoske (2001) irá
apresentar uma parte de trás de uma estátua de Ptah-Sokar-Osíris em cujo
interior foi encontrada uma figura feminina de linho e gesso (Figs. 87 e 88)
presente na coleção do Wellcome Museum of Antiquities at University
College, Swansea. Este é o único exemplar conhecido com tal figura em seu
interior, a qual Schoske associa a uma deusa do céu, que, assim como as
“múmias-de-grãos”, teria a função de ajudar no renascimento do morto.
(SCHOSKE, 2001, pp. 1984-1987)
154
7.3.4 Budka
Em sua tipologia, Raven atribui às figuras do Tipo IV B
uma inscrição a qual teria apenas o início do hino a Ptah-
Sokar-Osíris. Esta seria uma versão inicial mais curta do
hino que teria sua origem na XXV Dinastia, enquanto que a
versão completa teria surgido apenas na XXX Dinastia.
(RAVEN, 1978-1979, pp. 269-270 e 276) Raven chegou a
esta conclusão analisando uma foto da estátua de Ptah-
Sokar-Osíris do Museu do Cairo JE 94473. Conforme Budka
(2003) indica, Raven teve acesso apenas a uma foto de frente
da figura e concluiu não haver nenhuma inscrição na parte
de trás da mesma. Tendo acesso ao verso da figura (Fig. 37)
e a partir das informações do contexto em que a estátua de
Ptah-Sokar-Osíris foi encontrada na Tumba VII de Asasif,
Budka irá demonstrar que não há uma versão inicial do hino
da XXV Dinastia. Conforme mostra o verso da estátua,
temos a continuação do hino na coluna de inscrição ali
existente sobre o pilar dorsal. A continuação também não
está completa; o hino é interrompido quando acaba o espaço,
algo observado constantemente em objetos egípcios.
Características da figura, como um largo colar concêntrico
apontam para uma data da XXX Dinastia até o Período Ptolomaico inicial
para a figura. Isso demonstra que a mesma teria origem no material
depositado posteriormente na tumba, o qual vai até o Período Ptolomaico.
Dessa forma, poderíamos concluir que não há uma versão inicial do hino e,
que as figuras do tipo IV B ocorrem a partir da XXX Dinastia, e não da XXV
Dinastia. (BUDKA, 2003, pp. 33-35)
A estátua de Ptah-Sokar-Osíris do Museu do Cairo JE 94511 [18],
encontrada na mesma tumba em Asasif, demonstra ser uma variante do tipo
III. Ela apresenta as mesmas características das estátuas desse tipo, tendo
como diferença apenas uma face vermelha ao invés de uma face verde e a
ausência de um pilar dorsal, que é comum nas estátuas desse tipo. Com a
ausência do pilar dorsal, Budka conclui ser ela uma antecessora do final da
Figura 37 – Verso estátua de Ptah-Sokar-Osíris JE 94473 (BUDKA, 2003, Tafel 5 Abb. 1)
155
XXV Dinastia do Tipo III tradicional, comum na XXVI Dinastia. (BUDKA,
2003, pp. 35-36)
Outro fator que chama atenção nesta estátua é o fato de ela possuir
colunas para inscrição na frente e no verso, mas as mesmas não contêm
nenhuma inscrição. Isso demonstra que as estátuas já poderiam ser pré-
fabricadas e o texto ser acrescentando posteriormente, conforme o desejo de
seu proprietário. (BUDKA, 2003, p. 36)
Uma terceira estátua de Ptah-Sokar-Osíris da mesma tumba,
atualmente no Kunsthistorisches Museum de Viena (KhM A1947),
pertencente às classes mistas de Raven apresenta uma variante do Hino à
Ptah-Sokar-Osíris. No hino desta estátua de fundo amarelo com decoração
predominando em preto, encontramos o uso de algumas palavras e sinais
diferentes da versão tradicional. (BUDKA, 2003, pp. 37-38)
7.3.5 Ziegler
Em um artigo, Ziegler (2003) apresenta a estátua até então inédita de
Ptah-Sokar-Osíris N 4131 A [46], pertencente ao Louvre, a qual possui
características singulares e, portanto, se encaixaria nas Classes Mistas de
Raven. Esta estátua, pertencente a Ankhpakhered, filho de Nesmin, pode ser
descrita em linhas gerais como uma estátua de Ptah-Sokar-Osíris
policromada de fundo branco, com face e mãos folhadas á ouro, contendo a
versão completa do Hino de Ptah-Sokar-Osíris. Pelo seu estilo, ela
pertenceria à XXX Dinastia.
7.3.6 Lipinska
Em um artigo publicado em 2007, Lipinska chama a atenção para a
coroa de uma estátua de Ptah-Sokar-Osíris do Museu do Louvre que se
encontra sob empréstimo de longa duração no National Museum of Warsaw.
Esta é até agora a única estátua conhecida que possui uma coroa hemhem,
sendo esta constituída por três khekherus, cada qual com um disco solar no
topo, duas plumas de avestruz e cornos. Quanto aos demais detalhes, a
estátua se assemelha àquelas classificadas por Raven como sendo do tipo IV
B tendo uma face amarela, um colar wsx n bik simples, e tronco vermelho. [22]
156
7.4 NOVA CLASSIFICAÇÃO
No breve histórico feito acima sobre o estudo das estátuas funerárias
de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris, pudemos observar que a divisão, a qual
diferencia as mesmas, feita por Champollion, em 1827, foi mantida até os
dias atuais (ver p. 145). Esta divisão, também foi levada em conta na
presente dissertação, sendo consideradas como estátuas funerárias de
Osíris, aquelas que contêm em seu interior um papiro com a inscrição do
“Livro dos Mortos” e estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris, aquelas que
contêm em seu interior pseudo “múmias-de-grãos”. Exemplares sólidos
também podem ocorrer em ambos os casos, sendo as mesmas classificadas
de acordo com a semelhança de sua aparência com os exemplares com
cavidade.
A tipologia elaborada por Raven no final da década de 1970 ainda é a
principal referência sobre o estudo das estátuas funerárias de Osíris e Ptah-
Sokar-Osíris. Nos trabalhos posteriores, temos a publicação de peças
inéditas, mas também de algumas correções necessárias referentes à
tipologia de Raven. A partir desses novos dados, propomos elaborar aqui
uma classificação alternativa à de Raven que incorpore essas informações.
Abaixo segue a descrição dos tipos por nós propostas, e no volume II
encontra-se um catálogo de refêrencia com as fichas dos exemplares modelo
de cada tipo da nossa classificação. As imagens dos exemplares das fichas
encontram-se no volume III. No final do presente capítulo encontra-se uma
tabela (Tabela 2) com a correspondência das diferentes classificações.
7.4.1 Tipo 1. Osíris Policromado
As figuras desse tipo têm em comum uma pintura policromada. A face
e as mãos são verdes. Os braços estão cruzados, ou as mãos opostas, e as
mãos seguram o cajado e o açoite. A parte superior do tronco pode estar
despida (vermelha), enquanto a parte inferior é enfaixada (branca) ou pode
usar um rico vestuário consistindo de um colar wsx, uma borla (manxt) ou
contrapeso (mnat) na parte de trás do pescoço, uma cinta apertada, uma capa
curta com rosetas, ou um traje justo com motivo de escamas ou penas. A
157
coroa é a Atf ou a HDt. Na maioria das vezes a base é amarela. Usualmente
essas estátuas contêm uma coluna vertical com inscrições na frente do
tronco e no topo da base. A maioria tem uma cavidade tubular com painel
traseiro solto, o qual continha em seu interior um papiro, geralmente um
exemplar do “Livro dos Mortos”. [02; 03; 04]
As figuras datam de um período que se inicia na XIX Dinastia, talvez já
no final da XVIII Dinastia, e vai até a XXI Dinastia, possivelmente até a XXII
Dinastia. Elas correspondem às figuras do subtipo II D de Raven.
Os demais subtipos de Raven, II A, II B, II C e II E, por possuírem
apenas um exemplar cada, foram aqui considerados como exceções no
interior do presente tipo, como já fora sugerido por Aston (1992).
Como exceções dentro do grupo temos também a estátua de Osíris de
Hunefer (BM EA 9861). Trata-se do exemplar mais antigo pertencente ao
final da XVIII ou XIX Dinastia, e tem como variante a face e as mãos
amarelas. [01] A outra exceção é a estátua de Osíris de Khonsoumés (N
2872), pertencente à coleção do Museu do Louvre. O tom de sua face e mãos
é preto. [05]
7.4.2 Tipo 2. Osíris de Verniz Preto
Esses exemplares têm como característica comum serem todos
cobertos por uma camada de verniz preto, podendo ser sólidos ou conter
uma cavidade no tronco ou na base. Algumas contêm detalhes em amarelo
ou folhados a ouro. As figuras desse grupo datam da XXI e XXII Dinastias.
As do subtipo 2.a provavelmente são mais antigas, lembrando na forma as
figura do tipo anterior (1.). Com o tempo as figuras desse tipo vão adquirindo
uma forma mais delgada, devido à ausência da cavidade tubular no tronco,
já lembrando mais as suas sucessoras, as figuras de Ptah-Sokar-Osíris.
Os seguintes subtipos podem ser encontrados:
2.a Figuras volumosas com braços cruzados sobre o peito, nas mãos
podendo segurar o cajado e o açoite. Usam a coroa Atf ou HDt, e às vezes a
barba divina. No tronco possuem uma cavidade tubular com um painel
dorsal solto, o qual provavelmente tinha em seu interior um papiro do “Livro
dos Mortos”. Corresponde ao tipo I C de Raven. [MN-5; 06]
158
2.b Estátuas usando a coroa Atf ou HDt, com ou sem barba divina com
os braços cruzados sobre o peito e os punhos vazios. No verso possuem uma
cavidade retangular que se estende da altura onde os braços se cruzam até
os pés. [07; 08]
2.c Figuras delgadas sem mãos ou braços, usando o toucado divino, a
coroa de plumas de avestruz, com ou sem disco solar, e, às vezes, a barba
divina. A maioria dessas figuras é solida, mas podem ter uma cavidade
retangular na lateral da base fechada por um sarrafo deslizante.
Correspondem às figuras do subtipo I A de Raven. [09; 10]
2.d Figuras delgadas com braços cruzados sobre o peito e punhos
vazios, ou segurando o cajado e o açoite. No demais se assemelham ao
subtipo 2.c, podendo igualmente usar o toucado divino, a coroa com duas
plumas de avestruz, com ou sem disco solar, a barba divina. Podem ser
sólidas ou conter uma cavidade na lateral da base. [11] Correspondem ao
subtipo I B de Raven.
7.4.3 Tipo 3. Osíris com Face Verde
Os exemplares desse tipo correspondem ao tipo V criado por Aston
(1992). Elas têm em comum serem figuras de Osíris de face verde, usarem o
toucado divino amarrado por um fita sSd, a coroa de plumas de avestruz, um
colar concêntrico e uma faixa cruzada sobre o torso. Este tipo pode ser
datado do período entre 750 a.C.-675 a.C., compreendendo a segunda
metade do III Período Intermediário. [12]
7.4.4 Tipo 4. Ptah-Sokar-Osíris com Face Verde
Este tipo, que corresponde ao tipo III de Raven, é caracterizado por
exemplares com uma forma humana mumiforme, com coroa Swty, e sem
mãos e braços. O toucado divino é azul, a barba divina sobre um plinto é
preta, a face é verde com detalhes em preto e branco. Usa um colar
concêntrico simples ao redor dos ombros, interrompido pelas três abas do
toucado; este colar é liso (amarelo), ou possui faixas concêntricas, podendo a
159
borda inferior ter uma fileira de elementos em forma de gota. O corpo da
figura é vermelho e pode ter um padrão reticulado imitando uma rede de
contas. A maioria dos exemplares possui um pilar dorsal que forma uma
continuação das abas do toucado nos ombros. Um plinto pode existir entre a
estátua e a base. Na base amarela ou branca, uma cavidade pode ter sido
escavada, cuja tampa ostenta uma estatueta de madeira de um falcão
mumificado, em geral com o corpo vermelho. Na parte da frente do tronco e
no pilar dorsal em geral possuem uma coluna vertical com inscrições em
hieróglifos. As figuras desse tipo datam da XXVI Dinastia. A figura do Pai do
Deus Kha-aa, filho de Khomsu-mês [13] lembrando por sua forma mais
volumosa, a forma dos caixões da XXV Dinastia, parece pertencer ao final
deste período. Deste modo a sua forma caracterizaria uma peça de transição
das estátuas anteriores de Osíris para as estátuas de Ptah-Sokar-Osíris. [13;
14; 15; 16; 17]
A figura JE 94511 [18] pode ser caracterizada como uma variante
desse tipo, datando do final da XXV Dinastia. Ela é igual aos demais
exemplares do tipo 4, exceto por possuir uma face vermelha.
7.4.5 Tipo 5. Ptah-Sokar-Osíris com Face Dourada e Tronco Vermelho
Estas figuras têm em comum corpos vermelhos, faces folhadas a ouro,
ou pintadas de branco ou amarelo para imitar à folhação. Elas usam a coroa
Swty, um toucado divino azul e às vezes a barba divina. O colar, quando
presente, é o wsx n bik, terminando com cabeças de falcões nos ombros.
Geralmente não possuem mãos e braços. Têm um pilar dorsal e um plinto
sob os pés. A cavidade mais comum é um receptáculo na parte da base,
fechado por uma tampa na forma de um falcão mumificado ou um
sarcófago. Outros tipo de cavidade encontram-se no tronco, sendo uma
aberta por um painel solto na parte superior do pilar dorsal. A outra é
manufaturada ao modo dos caixões, juntando-se à figura em duas partes.
No interior dessas cavidades são encontradas comumente pseudo “múmias-
de-grãos”.
Os presentes subtipos podem ser encontrados:
160
5.a Estátuas simples com corpo vermelho e face folhada a ouro, colar
simples ou sem colar e uma coluna vertical com inscrição em hieróglifos na
frente. Correspondem ao tipo VI A de Raven. [19; 20]
5.b Estátuas simples com corpo vermelho e face amarela. O colar wsx
com ou sem falcão, a coluna frontal de hieróglifos e as inscrições na base
estão sobre um fundo amarelo. A inscrição pode conter o hino à Ptah-Sokar-
Osíris. Todas as cores foram aplicadas diretamente sobre a madeira.
Levando-se em conta a correção feita por Budka (2003), atribuímos este tipo
como pertencente à XXX Dinastia, e não à XXV Dinastia, como proposto
inicialmente por Raven. Corresponde ao subtipo VI B de Raven. [21]
A estátua da Cantora de Amun-Rê, Isetemkheb [22] assemelha-se aos
exemplares deste subgrupo, exceto por ter mãos com punhos fechados
vazios e pelo uso da coroa hemhem. Até o momento esta é única peça
conhecida usando a coroa hemhem.
5.c Estátuas com corpo vermelho, face folhada a ouro e colar wSx n bik
com várias fileiras de diferentes motivos. Apresenta uma rica decoração
intricada que pode conter itens como uma barba com pregas, um peitoral
listrado entre as abas do toucado, outro peitoral na forma de um relicário
pendurado numa corrente, escaravelhos alados, abutres, ou pássaros ba, e
redes de contas. Geralmente têm três colunas de inscrições na frente do
tronco, sobrepujadas por uma deusa Nut com asas estendidas. Essas
colunas, junto com a que existe no pilar dorsal, geralmente contêm o hino
completo a Ptah-Sokar-Osíris. Exemplares com apenas uma coluna de
inscrição e sem o hino também são conhecidas. Pode haver frisos de
símbolos protetores, ou padrões srx ao redor da base, entre outros. O topo da
base pode conter inscrições e uma cavidade fechada com uma tampa em
forma de falcão ou sarcófago. Estas figuras, correspondentes ao subtipo VI C
de Raven, pertencem ao final da Baixa Época e ao Período Ptolomaico. [23;
24; 25; 26; 27; 28; 29; 30]
161
As estátuas de Ptah-Sokar-Osíris de Djedhathourimu, filho de
Djedmut [31] e BM EA 9753 [32], podem ser vistas como figuras de transição
entre os subtipos 5.b e 5.c, pois já apresentam uma decoração um pouco
mais elaborada que as estátuas do subtipo 5.b (rede de contas na primeira, e
colar wSx n bik policromado com contas de vários formatos na segunda), mas
ainda não tão intrincada como nas figuras do subtipo 5.c.
7.4.6 Tipo 6. Ptah-Sokar-Osíris com Face Dourada e Tronco Preto
As estátuas deste tipo são semelhantes as do tipo anterior (5.), sendo a
maior diferença a de terem um tronco com fundo preto ao invés de vermelho.
De resto possuem igualmente faces folhadas a ouro, ou pintadas de branco
ou amarelo para imitar a folhação. Elas usam a coroa Swty, um toucado
divino azul e, às vezes, a barba divina. O colar, quando presente, é o wsx n
bik, terminando com cabeças de falcões nos ombros. Geralmente não
possuem mãos e braços. Têm um pilar dorsal e um plinto sob os pés. A
cavidade mais comum é um receptáculo na parte da base, fechado por uma
tampa na forma de um falcão mumificado ou um sarcófago. Outros tipos de
cavidade encontram-se no tronco, sendo uma aberta por um painel solto na
parte superior do pilar dorsal, e a outra é manufaturada ao modo dos
caixões, juntando-se à figura em duas partes. No interior dessas cavidades
são encontradas comumente pseudo “múmias-de-grãos”.
Os seguintes subgrupos podem ser encontrados:
6.a Estátuas simples com o corpo preto e a face folhada a ouro ou
pintada de amarelo. Usa o toucado divino, a coroa de plumas de avestruz
dupla e a barba divina. Podem ter uma coluna com inscrição na frente. Estes
Ptah-Sokar-Osíris são datáveis do Período Ptolomaico. O único exemplar do
subtipo IV D de Raven se encaixa aqui. [33; 34]
6.b Estátuas com tronco preto e face folhada a ouro, branca ou
amarela. Os detalhes do colar wsx n bik e as inscrições, geralmente três
colunas na frente e uma no pilar dorsal, contendo o hino completo à Ptah-
Sokar-Osíris, estão pintados em finas linhas amarelas. Detalhes como
162
joelhos, canelas e ombros estão bem delineados, e às vezes essas estátuas
apresentam as mãos sobre o peito. A base contém inscrições e uma cavidade
com uma tampa de sarcófago, com um falcão sentado em cima ou somente
um falcão. Podem ser atribuídas à XXX Dinastia. Correspondem ao subtipo
VI E de Raven. [35; 36; 37]
6.c Estátuas com corpo preto e face folhada a ouro ou amarela. A
decoração é intrincada como no tipo 5.c, podendo ter vários atributos, mas
as redes de contas não ocorrem aqui. São comuns os colares wsx n bik com
várias fileiras de contas de diversos formatos, peitorais em forma de relicário
e deusas e escaravelhos alados. Estas estátuas pertencem ao Período
Ptolomaico e correspondem às estátuas de Ptah-Sokar-Osíris do tipo IV F de
Raven. [38; 39]
A estátua de Ptah-Sokar-Osíris de Hornedjitef [40] aparenta ser uma
figura de transição entre os subtipos 6.b e 6.c, pois exceto por seu colar wsx n
bik policromado, com contas de vários formatos; o resto dos detalhes e as
inscrições são pintadas com finas linhas amarelas como as estátuas do
subtipo 6.b.
7.4.7 Tipo 7. Ptah-Sokar-Osíris com Tronco Branco
Este tipo de estátuas apresenta em comum um tronco com fundo
branco, usam o toucado divino, a coroa Swty e o colar wsx.
Dois subtipos podem ser encontrados:
7.a Estátuas mumifomes sem mãos e braços, semelhantes às dos tipos
5.c e 6.c, sendo a face branca, vermelha ou amarela. O tronco é branco, com
um padrão de rede. Usam o toucado divino, a coroa Swty, um colar wsx com
ou sem fecho, em forma de falcão. Podem ter inscrições em hieróglifo cursivo
na frente e no verso do tronco. Na base, possuem uma cavidade fechada por
uma tampa em formato de falcão ou sarcófago. Datam do final da Baixa
Época e do Período Ptolomaico. [41; 42; 43; 44]
163
7.b Estátuas com a face e mãos folhadas a ouro. O tronco tem fundo
branco coberto por padrão de plumagem ou asas protetoras. O corpo é
completamente coberto por padrões e atributos com rica policromia. Usam o
toucado divino, a coroa Swty, e um colar-wSx com ou sem fecho em forma de
falcão. Pode ter inscrições em hieróglifo cursivo na frente e no verso do
tronco e na base. Elas pertencem ao Período Ptolomaico. [45; 46; 47]
7.4.8 Tipo 8. Ptah-Sokar-Osíris Folhados a Ouro
Os seguintes subtipos podem ser encontrados:
8.a Estátuas completamente folhadas a ouro, exceto por alguns
detalhes pintados em preto. Usam a coroa Swty, o toucado divino e o colar wsx
n bik. Pode conter inscrições no tronco. Pertencem ao Período Ptolomaico. [48]
8.b Estátuas completamente folhadas a ouro, com detalhes em pintura
policromada. Usa a coroa Swty, o toucado divino e o colar wSx n bik. Podem
conter inscrições no tronco. [49]
7.4.9 Tipo 9. Ptah-Sokar-Osíris Sem Pintura ou Monocromáticas
Temos algumas estátuas de Ptah-Sokar-Osíris, sem pintura ou
monocromáticas, com formas bem delineadas, das quais não há a
informação se elas foram encontradas de tal modo ou se a pintura foi
removida. Em comum elas usam o toucado divino e podem ter a barba
divina, um pilar dorsal e um plinto. Geralmente possuem uma cavidade no
topo da base com uma tampa simples, em cujo interior deveria se encontrar
uma pseudo “múmia-de-grãos”. [50; 51; 52; 53; 54]
7.4.10 Tipo 10. Shabti transformado em Ptah-Sokar-Osíris
Podemos encontrar um grupo de estátuas que eram originalmente
shabtis e, por algum motivo por nós desconhecido, foram transformadas em
estátuas funerárias de Osíris ou Ptah-Sokar-Osíris. Em geral elas foram
cobertas por um verniz preto como as estátuas do tipo 2., para ocultar a
inscrição original, e fixadas a uma base. [55]
164
7.4.11 Tipos Mistos
Nesta categoria se encaixam estátuas de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris
que são tipos únicos ou com poucos exemplares conhecidos. Raven
denomina esta categoria de Classes Mistas e nela também encaixa os tipos
aqui classificados como 7. e 8. Para Raven estes tipos proveriam de oficinas
provinciais, sendo trabalhadas de acordo com as tradições locais (RAVEN,
1978-1979, p. 271).
Estas estátuas podem apresentar faces vermelhas ou rosas ao invés de
verdes, em combinação com um tronco vermelho ou branco. Parte das
estátuas desse tipo, a qual contém uma flor de lótus no topo da base (Fig.
36), parece ser típica do Médio Egito. Em outros exemplares domina a cor
azul.
Correspondência Tipologias
Bielesch Raven Aston
TIPO 1. TIPO II -
Exceção Tipo 1. Tipo II A -
Exceção Tipo 1. Tipo II B -
Exceção Tipo 1. Tipo C -
Tipo 1. Tipo D -
Exceção Tipo 1. Tipo E -
TIPO 2. TIPO I -
Tipo 2.a Tipo I C -
Tipo 2.b - -
Tipo 2.c Tipo I A -
Tipo 2.d Tipo I B -
TIPO 3. - TIPO V
TIPO 4. TIPO III -
TIPO 5. TIPO IV -
Tipo 5.a Tipo IV A -
Tipo 5.b Tipo IV B -
Tipo 5.c Tipo IV C -
TIPO 6. TIPO IV -
Tipo 6.a Tipo IV D -
Tipo 6.b Tipo IV E -
Tipo 6.c Tipo IV F -
TIPO 7. CLASSES MISTAS -
Tipo 7.a Classes Mistas -
Tipo 7.b Classes Mistas -
TIPO 8. CLASSES MISTAS -
Tipo 8.a Classes Mistas -
Tipo 8.b Classes Mistas -
TIPO 9. - -
TIPO 10. - -
Tabela 2 - Correspondência Tipologias
165
CAPÍTULO 8. PREDECESSORES
As estátuas funerárias de Osíris, e, posteriormente as estátuas
funerárias de Ptah-Sokar-Osíris surgem em um período relativamente tardio
da história do Egito antigo. Os primeiros exemplares conhecidos datam do
final do Novo Império, na XIX Dinastia. Esse fato nos leva a pensar que as
mesmas têm sua origem em outro artefato, com funções ou formas
semelhantes às delas. Raven (1978-1979), em seu estudo sobre as estátuas
de Ptah-Sokar-Osíris, sugere cinco possíveis predecessores para elas. Estes
são:
1. Um tipo raro de shabti de madeira fixado em uma
base, o qual ocorre apenas na XII (Fig. 38)
e XVIII Dinastias (Fig. 39). Esses shabtis
são pintados, com ou sem mãos, usam o
toucado tripartite e comumente a barba
divina. (RAVEN, 1978-1979, p. 255)
Provavelmente este tipo de shabti
mencionado por Raven refere-se a uma
categoria de shabtis conhecidos como
shabtis votivos. Strudwick (apud BRITISH
MUSEUM, on-line25), afirma que tais
artefatos são erroneamente chamados de
shabtis, por terem uma forma parecida a
estes. Ao contrário destes, não carregam
implementos agrícolas, sua inscrição
contém um proscinema ao invés do capítulo 6
do “Livro dos Mortos”, e não são colocados
junto ao morto na tumba. Tais figuras foram
achadas em locais perto da região de Umm el-Qaab em
Abidos, na área mênfita de Rosetau, a entrada para o Mundo Inferior, e no
25 Disponível em: <http://www.britishmuseum.org/research/search_the_collection_database/search_object_details.aspx?objectid=125546&partid=1&searchText=shabti+base&fromADBC=ad&toADBC=ad&numpages=10&images=on&orig=%2fresearch%2fsearch_the_collection_database.aspx¤tPage=1>. Acesso em: 28.06.2010.
Figura 38 – shabti com base encontrado em Mir, XII Dinastia – Metropolitan Museum of Art
Figura 39 – shabti votivo de Qenamun, XVIII Dinastia – British Museum (EA 56929)
166
Wadi Qubbanet el-Qirud, na margem Ocidental de Tebas. Nesta última
localidade foram encontradas uma série de figuras pertencentes a faraós, em
especial Ramessés II e Merenptah. Estas imagens serviam para comemorar a
presença da pessoa diante do deus.
2. Figura de um shabti mumiforme colocada em um nicho na parede
norte da câmara funerária (RAVEN, 1978-1979, p. 255). Esta pertence a um
grupo de quatro amuletos protetores, conhecidos como tijolos mágicos, os
quais eram colocados nos quatro pontos cardeais da câmara funerária. O
amuleto à oeste era um pilar djed de faiança, à leste uma figura de barro de
um chacal deitado e ao sul um junco para conter uma tocha (Fig. 40). A base
dessas quatro figuras era um tijolo de barro, o qual muitas vezes continha
inscrito partes do capítulo 151 do “Livro dos Mortos”. Este capítulo descreve
o papel dos tijolos mágicos na proteção do morto contra os inimigos de
Osíris. (SHAW, NICHOLSON, 1995, p. 168)
3. Este grupo de estátuas do início da XVIII Dinastia assemelha-se ao
tipo anterior de figura, exceto pelo fato de a sua base ser de madeira ao invés
de barro. Três estátuas para parentes femininas de Senmut foram
encontradas em um contexto perturbado perto de sua tumba. Elas estão
pintadas apenas no toucado tripartite, nos olhos e na inscrição, e não têm
Figura 40 - Amuletos protetores conhecidos como tijolos mágicos colocados nos quatro pontos cardeais da câmara funerária. Da esquerda para a direita: shabti, pilar djed, junco e chacal. Os presentes exemplares foram encontrados na tumba de Henutmehyt, XIX Dinastia – British Museum (EA 41544).
167
barba divina e mãos. Uma delas contém a inscrição imAxt xr Wsir, “Venerado
diante de Osíris”, e as outras duas apenas o nome do morto. (RAVEN, 1978-
1979, pp. 255-256) Hayes comenta que essas figuras lembravam “as figuras
[estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris] associadas com os
sepultamentos de períodos posteriores” (apud RAVEN, 1978-1979, p. 256).
Um grupo parecido de estátuas é encontrado nas tumbas reais da
XVIII Dinastia. Estátuas de verniz preto mumiformes, um pouco maiores do
que as mencionadas acima pertenciam ao equipamento funerário de
Thutmés III (Fig. 41), Amenhotep II e Thutmés IV. Essas figuras usam o
toucado tripartite, muitas vezes também a barba divina, e não há menção a
mãos. Através de uma grande cavilha elas foram fixas em uma base
retangular de madeira. Algumas dessas figuras possuem uma coroa
consistindo de duas plumas de avestruz ou falcão, ou então elas apresentam
um furo para fixar esse adereço no topo do toucado. O equipamento
funerário de Tutankhamun contém várias estátuas desse tipo sem coroas,
com acabamento em folha de ouro ao invés do verniz preto (Fig. 42). Estas
estátuas contêm o nome de uma variedade de deuses criadores ou
protetores, enquanto que os exemplares de Thutmés III foram inscritos para
esse rei como “amado do deus N.N.” (RAVEN, 1978-1979, p. 256)
Portanto parece que primeiro este tipo de estátuas eram consideradas representações do morto, enquanto que posteriormente na XVIII Dinastia elas eram vistas como deuses protetores. Contudo especialmente o tipo com plumas mostra uma semelhança marcada com as figuras posteriores. Nesse período inicial, há várias estátuas por indivíduo sepultado.
(RAVEN, 1978-1979, p. 256)
4. Este grupo consiste de figuras de verniz preto fixadas sobre uma
base de madeira retangular, com coroa HDt, ocasionalmente com mãos
cruzadas e segurando o cajado e o açoite, encontradas em tumbas reais da
XVIII Dinastia. São conhecidos exemplares das tumbas de Thutmés III (Fig.
43) e Amenhotep II, e exemplares folhados a ouro da tumba de
Tutankhamun (Fig. 44) de uma coleção privada alemã, este último exemplar
provavelmente da tumba de Séthi I. (RAVEN, 1978-1979, pp. 256-257)
168
Figura 41 – figura mumiforme de verniz preto pertencente à Thutmés III, XVIII Dinastia – KV 34
Figura 42 – figura mumiforme folhada a ouro pertencente a Tutankhamun, XVIII Dinastia – Museu do Cairo
Figura 44 - figura mumiforme folhada a ouro
com coroa HDt pertencente a Tutankhamun, XVIII
Dinastia – Museu do Cairo
Figura 43 - figura mumiforme de verniz preto com coroa HDt pertencente a Thutmés III, XVIII Dinastia –
KV 34
169
5. Por último temos um único exemplar de uma figura com cavidade
anterior à XIX Dinastia encontrada na tumba de Amenhotep II (Fig. 45). Esta
estátua mostra o rei mumificado usando as coroas reais e segurando dois
rolos de papiro nas mãos. Um painel no verso dá acesso a uma cavidade que
continha o exemplar conhecido mais antigo do “Livro das Cavernas”.
(RAVEN, 1978-1979, p. 257)
Predecessores dos tipos 1, 2 e 3 por sua forma saH lembram os Osíris
do tipo 2.c e todos os tipos de Ptah-Sokar-Osíris (tipos 4. à 10. e alguns
exemplares do tipo Misto). Aqui poderíamos pensar em uma possível conexão
em especial entre os predecessores em forma de shabtis e os shabtis
transformados posteriormente em estátuas funerárias de Osíris de verniz
preto (tipo 10.). Se observarmos bem, os shabtis votivos eram depositados
em locais sagrados aos deuses Osíris e Sokar. Umm el-Qaab, local do
sepultamento dos reis das primeiras dinastias, é posteriormente visto como
o local de sepultamento de Osíris (ver 4). Rosetau, os domínios do deus
Sokar, fazem a conexão deste mundo com o Mundo Inferior (ver 3). Assim,
estes podem ter servido como inspiração para essas mudanças e para a
confecção das demais estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris, só que
agora as peças que representam o morto como Osíris ou Ptah-Sokar-Osíris
eram colocados próximas da múmia para ajudar em seu renascimento.
Figura 45 – figura de Amenhotep II com uma cavidade nas costas com um papiro em seu interior, XVIII Dinastia – KV 35
170
As estátuas cobertas por um verniz preto, pertencentes aos tipos 3, 4 e
5 de predecessores, é uma possível origem para as estátuas funerárias de
Osíris de verniz preto do tipo 2. Assim, teríamos as seguintes
correspondências: O tipo 3 assemelha-se ao subtipo 2.c e d e os tipos 4 e 5
lembram os subtipos 2.a e b. A diferença entre as predecessoras e as
posteriores estátuas funerárias de Osíris é o local onde forma encontradas e
a quantidade. As primeiras foram encontradas em tumbas reais com vários
exemplares por tumba, já as segundas foram encontradas em tumbas
particulares, sendo um exemplar por pessoa.
O quinto tipo de predecessor, por sua função como porta-papiro,
também são uma possível origem das estátuas funerárias de Osíris dos tipos
1. e 2.a e b.. Estas, assim como a estátua de Amenhotep II continham uma
cavidade em seu tronco para guardar um papiro. Mas, neste caso outro texto
funerário era guardado em seu interior: um exemplar do “Livro dos Mortos”.
171
CAPÍTULO 9. CORES
Para os egípcios o significado das cores tinha uma grande importância.
Objetos, animais e deuses poderiam ser definidos por uma cor específica.
Assim o sacerdote afirma em seu ritual diário: “Eu não igualei a sua cor (de
um deus) com a de outro deus.” (BRUNNER-TRAUT, 1977, p. 118) Com este
propósito analisaremos neste capítulo o significado das cores presentes nas
estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris e a sua associação com
esses deuses e o morto.
9.1 VERDE
A cor da pele verde encontrada nas estátuas dos tipos 1., 3. e 4., e
algumas do tipo Misto representa o papel de Osíris como o deus da
vegetação e fertilidade. O verde é a cor símbolo do crescimento e da vida ela
mesma, dessa forma sendo igualmente um símbolo potente de ressurreição.
Materiais com a cor verde também podem ser símbolos de paz e alegria
(BRUNNER-TRAUT, 1977, p. 125). Assim, o deus Osíris representado nessa
tonalidade não apenas propicia a fertilidade e o crescimento dos campos,
mas também assegura a prosperidade do morto na outra vida. Da mesma
forma como os caixões da XVI Dinastia, o rosto das estátuas funerárias de
Ptah-Sokar-Osíris (tipo 4.) dessa época eram pintados de verde para associar
o morto a Osíris. (WILKINSON, 1999, p. 108)
9.2 PRETO
Como o verde, o preto era um símbolo de fertilidade e
a cor da noite e da morte (um buraco negro era às vezes usado para significar “morte” e “destruição dos inimigos”), preto simbolizava o Mundo Inferior como poderia ser esperado, mas também – como uma inferência natural – pode significar o conceito de ressurreição da morte e até mesmo fertilidade e assim paradoxalmente a vida ela mesma.
(WILKINSON, 1999, p. 109)
Osíris como o Senhor do Mundo dos Mortos era dessa forma muitas vezes
representando com a pele negra, sob este aspecto podendo ser chamado “o
172
Negro” (RAVEN, 1978-1979, p. 282). Como o Nilo, ele era aquele que trazia a
terra fértil durante as cheias para os solos do Egito. As estátuas funerárias
do tipo 2., as quais têm o seu corpo completamente coberto por um verniz
preto, e as estátuas do tipo 6., que possuem um tronco preto estão imbuídas
desse simbolismo. Da mesma forma, objetos totalmente negros encontrados
no contexto funerário a partir do Médio Império mostram a sua associação
com os deuses da morte e do pós-vida. (RAVEN, 1978-1979, p. 282;
WILKINSON, 1999, p. 109)
9.3 VERMELHO
A cor vermelha geralmente é associada a aspectos negativos ligados ao
deserto e ao deus Seth, por serem portadores de elementos hostis, da
infertilidade e da morte. Mas o vermelho também tem aspectos positivos, os
quais são elucidados na mortalha vermelha das estátuas funerárias de Ptah-
Sokar-Osíris dos tipos 4. e 5. O vermelho é a cor do triunfo solar. O deus-sol
tinge ao amanhecer e ao anoitecer o céu com o sangue vermelho dos
demônios da escuridão, os quais combate em sua jornada diária no Mundo
Inferior. (BRUNNER-TRAUT, 1977, p.124) Dessa forma também vem a
simbolizar vida e regeneração em associação com o sol que nasce triunfante
todas as manhãs na forma de um escaravelho. Devido a este caráter a partir
do Período Ramessida passa a ser usado para designar múmias e deuses
mumiformes. Da mesma forma, em algumas estátuas funerárias de Ptah-
Sokar-Osíris a mortalha vermelha pode ser usada em conjunto com uma
rede de contas, estando desta forma associada à tenda de mumificação de
Anúbis. (BRANCAGLION JUNIOR, 2009, informação verbal; RAVEN, 1978-
1979, p. 282; WILKINSON, 1999, p. 106) O vermelho também é uma cor
festiva, sendo usada na roupa dos principais participantes do festival de
Sokar (RAVEN, 1978-1979, p. 282). Este fato pode ser uma reminiscência
dos primórdios da história do Egito antigo, quando os trajes festivos eram
vermelhos e não brancos (BRUNNER-TRAUT, 1997, p. 124).
173
9.4 DOURADO
A face e as mãos das estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris dos
tipos 5., 6. e 7., quando presentes, e a estátua por inteiro do tipo 8., são
folhadas a ouro ou amarelas, ou brancas, em imitação ao ouro. Assim como
nesses exemplares, no Período Ptolomaico é comum encontrar múmias com
seu rosto e membros cobertos com folhas de ouro. Esta cor representa o
aspecto divino do morto, a sua condição como um ser glorificado, que se
juntou ao deus-sol em sua jornada. A cor do sol era vista como simbólica do
que era eterno e imperecível. Os ossos e a carne dos deuses eram ditos de
serem de ouro puro. (BRUNNER-TRAUT, 1997, p. 125; RIGGS, 2010, p. 2,;
WILKINSON, 1999, p. 108)
9.5 AMARELO
Além de ser uma imitação do ouro, o amarelo também pode
representar a areia nas bases das estátuas funerárias de Osíris pintadas
neste tom. Assim temos uma referência ao monte primordial sobre o qual o
deus estaria parado. (RAVEN, 1978-1979, pp. 182-283)
9.6 BRANCO
Além de representar a divindade do morto, como o ouro, o branco
também pode representar a mortalha e as bandagens da múmia e de deuses
mumificados. Assim estátuas funerárias de Osíris do tipo 1., com o corpo
todo branco ou parcialmente branco, e estátuas funerárias de Ptah-Sokar-
Osíris do tipo 7., e ainda algumas Mistas representam o deus Osíris ou o
morto divinizado envolto nas bandagens da mumificação. (RAVEN, 1978-
1979, p. 282) O branco como a cor da limpeza também vem a simbolizar a
pureza ritual e o sagrado (WILKINSON, 1999, p. 109).
9.7 AZUL
O azul escuro do toucado divino usado pelas estátuas funerárias de
Ptah-Sokar-Osíris e o corpo na mesma cor de algumas estátuas do tipo
Misto, são representações do lápis-lazúli. Dizia-se desta pedra preciosa ser a
pele e o cabelo dos deuses. Da mesma forma o azul simboliza o céu e as
174
águas primordiais, sendo ambos símbolos de vida e renascimento. O rio Nilo
e suas colheitas, oferendas e fecundidade a ele associadas também podiam
ser representados pela cor azul. (WILKINSON, 1999, p. 107)
175
CAPÍTULO 10. ICONOGRAFIA DA ESTÁTUA
10.1 COROAS E ADORNOS DE CABEÇA
As divindades egípcias costumam usar coroas e adornos de cabeça
distintivos, através dos quais normalmente é possível identificar um deus em
particular. Quando uma divindade adota atributos de outra, como sua
coroa, por exemplo, a mesma assume parte das características desse outro
deus. O deus Osíris e suas formas sincréticas possuem igualmente coroas
que os definem. Estas também podem ser observadas nas estátuas
funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris.
10.1.1 Coroa HDt (Coroa Branca) - esta coroa branca em forma cônica
representava o Alto Egito. No capítulo 80 do “Livro dos Mortos” ela é
comparada ao brilho da lua. Como um símbolo de soberania, era usada
tanto pelo faraó quanto por Osíris. Nas estátuas funerárias de Osíris ela
pode ser encontrada em alguns exemplares do tipo 1. [03) e dos subtipos 2.a
e b [08]. Nas peças do primeiro tipo ela pode ser encontrada em sua
tradicional cor branca, ou em amarelo. Já naquelas dos subtipos 2. ela é
coberta pelo mesmo verniz preto do resto da estátua.
10.1.2 Coroa Atf - esta coroa é formada pela coroa HDt acrescida de um par
de plumas de avestruz. A coroa HDt pode ter a variação de uma forma de feixe
vegetal. A partir do Novo Império ela pode ser acrescida de cornos, disco
solar e uraeus, sendo esta versão mais popular no Período Ramessida na
região de Tebas. Nos “Textos das Pirâmides”, ela é chamada de “seu poder”
ou “seu terror”. Provavelmente um atributo originalmente pertencente ao
deus Andjety, foi posteriormente adotada por Osíris, junto com outros
atributos desse deus. A coroa Atf pode tanto ser usada sozinha como junto ao
toucado divino. Nas estátuas funerárias de Osíris do tipo 1. e subtipos 2.a e
b. ela aparece de ambas as formas. Nas primeiras, a coroa HDt é branca ou
amarela, e nas plumas geralmente dominam tons de azul. Estátuas como a
de Hunefer [01] e de Sérimen [04] são acrescidas de um disco solar
vermelho. Nas estátuas dos subtipos 2., a coroa é coberta pelo mesmo verniz
176
preto do resto da estátua. Como as plumas são encaixadas separadamente
por pino, estas muitas vezes se perderam ou estão quebradas, como é o caso
da estátua funerária de Osíris do tipo 2.a da coleção do Museu
Nacional/UFRJ [MN-05].
10.1.3 Coroa pA-sHmty (Coroa Dupla) – composta pela união da coroa do Alto
e Baixo Egito, representa a união do Egito sob o domínio do faraó. Era
conhecida como “As Duas Poderosas”. Aparece em um exemplar de uma
estátua funerária de Osíris [54].
10.1.4 Coroa Swty – esta coroa formada por um par de plumas de avestruz
provavelmente pertencia originalmente ao deus Andjety. A partir do Novo
Império ela pode ser complementada com cornos, uraeus e disco solar. Tinha
um papel especial na ascensão do Faraó ao Trono, complementando o papel
da coroa dupla na coroação. (GOEBS, 2001, p. 323) O deus Osíris usa-a
comumente em suas formas sincréticas. Era igualmente utilizada na forma
de um amuleto que ficava sobre a cabeça do morto, assim como em estátuas
mumiformes do morto utilizadas durante o ritual de embalsamamento e de
Abertura da Boca. Dessa forma representava a transmissão do poder divino
e a assimilação do morto a Ptah-Sokar-Osíris. (RAVEN, 1978-1979, p. 284)
Nas estátuas funerárias de Osíris dos subtipos 2.c e d ela aparece com
um disco solar, e, nas estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris, ela aparece
complementada por cornos e disco solar, usada sempre em conjunto com o
toucado divino. As plumas apresentam uma variada policromia, podendo ser
lisas, com faixas transversais ou listradas. Em muitos casos duas opções
são combinadas, sendo uma usada na frente e outra atrás. Os cornos em
geral são pretos, existindo algumas exceções em que eles são verdes [27; 41;
43]. Em um exemplar [43], os cornos são pintados junto às demais partes da
coroa, ao contrário dos outros exemplares nos quais eles são esculpidos
abaixo das plumas. Devido ao fato de a coroa Swty ser fabricada como uma
peça aparte da estátua que era encaixada por um pino em um furo na
cabeça, esta foi perdida em um grande número de exemplares. Isto ocorreu
com todos os exemplares pertencentes ao Museu Nacional/UFRJ.
177
10.1.5 Coroa hmhm – também denominada de Atf triplo, esta coroa
denominada de “A Rugidora” ocorre inicialmente no Período Amarniano. Ela
é comum nas representações da criança solar emergindo da flor de lótus ao
amanhecer, dessa forma podendo identificar o rei com o deus-sol ao
amanhecer. (GOEBS, 2001, p. 324). Aparece sendo usada por uma única
estátua funerária conhecida de Ptah-Sokar-Osíris, a qual é uma variante do
subtipo 5.b [22].
10.1.6 Toucado Divino ou Tripartite – é um pano usado sobre a cabeça
pelos deuses, e às vezes pelo morto, como forma de ressaltar o seu aspecto
divino. A denominação toucado tripartite vem do caimento de suas abas,
sendo uma maior nas costas e outras duas na frente sobre os ombros. Ele
aparece sendo usado em algumas estátuas funerárias de Osíris junto com a
coroa Atf [01] e, nas estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris, sempre
aparece em conjunto com a coroa Swty. A cor do toucado divino nas estátuas
é azul escuro ou preto, podendo terminar com algumas faixas na parte
inferior de ambas ou em alguns casos ele é listrado [17; 45; 41; 46; 47; 49].
Em alguns exemplares, sobre o toucado divino pode estar amarrado um
filete vermelho [12; 15; 23; 38; 39], branco [30] ou dourado [46], conhecido
como sSd.
10.1.7 Nemés – semelhante ao toucado divino, este pano, geralmente
listrado, era usado sobre a cabeça com as abas caindo sobre os ombros e
amarrado na parte de trás. Era usado pelo faraó diante dos deuses ou no
Mundo dos Mortos. Ele aparece nos shabtis reais transformados em estátuas
funerárias de Osíris de Verniz Preto [11; 55].
10.2 BARBA DIVINA
Uma barba de formato cilíndrico com a ponta levemente curvada para
cima era um atributo de Osíris como Senhor do Mundo dos Mortos. Também
era usado pelo faraó quando morto, contrastando com a barba reta usada
em vida. Também pode ser encontrada sendo usada pelo morto comum em
suas representações, principalmente nos caixões.
178
A barba divina pode ser encontrada sendo usada por todos os tipos de
estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris. Esta podia ser
confeccionada como uma peça à parte e ser presa por um pino no queixo da
estátua (Fig. 46). Este fato fez com que em algumas estátuas ela foi perdida,
como nas estátuas do Museu Nacional/UFRJ de números [MN-01] e [MN-05]
do nosso catálogo. A barba divina também podia ser esculpida junto com a
peça, muitas vezes estando sobre um plinto (Fig. 47), como ocorre com as
estátuas do Museu Nacional/UFRJ de números [MN-02] e [MN-03] do nosso
catálogo.
10.3 CETROS
As estátuas funerárias de Osíris (tipo 1. e subtipos 2.a, 2.b e 2.c) e
algumas estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris do Período Ptolomaico que
possuem mãos, muitas vezes seguram em seus punhos cerrados o cajado
(HqAt) e o açoite (nxAxA). Estes objetos, originalmente instrumentos agrícolas,
foram adotados como símbolos do poder real.
O cajado tem origem em um bastão de pastor em forma de gancho
longo conhecido como awt, usado para defender e guiar o rebanho. Com o seu
uso ritual ele foi encurtado, atingindo a sua forma clássica, mas o bastão
longo ainda continuou em uso em certas cerimônias. (MARTIN, 1980, p. 821)
Como um bastão de comando, ele é um símbolo de soberania do rei.
Figura 46 – detalhe da estátua funerária de Osíris mostrando furo para encaixe da barba divina – Museu Nacional/UFRJ (inv. 200)
Figura 47 – detalhe da estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris mostrando barba divina sobre plinto – Museu Nacional/UFRJ (inv. 17)
179
O flagelo, constituído de um bastão no qual estavam penduradas três
fileiras de contas redondas ou cilíndricas, terminando em pendentes
alongados em forma de gotas, tem uma origem mais controversa. Entre estas
ele poderia ter sido originalmente um instrumento para a colheita do ládano
ou um espanta-moscas. Simbolicamente é um sinal de renascimento.
Geralmente usado em conjunto com o cajado, representava igualmente a
autoridade do soberano. (FISCHER, 1977, p. 516; SHAW; NICHOLSON,
1995, p. 75)
Provavelmente estes eram originalmente emblemas
usados por Andjety, deus do nono nomo do Baixo Egito,
posteriormente adotados pelo deus Osíris e pelo soberano.
Osíris usa tal regalia real como primeiro governante
terrestre e de quem os demais reis são sucessores. Ao
mesmo tempo eles também simbolizam a posição de Osíris
como governante do Mundo dos Mortos.
Pelo seu contexto funerário, nas estátuas de Osíris e
Ptah-Sokar-Osíris, o deus é representado segurando em
suas mãos o cajado e o açoite como o Senhor do Mundo
dos Mortos. Geralmente o cajado é segurado na mão
esquerda e o açoite na mão direita. As mãos podem estar
cruzadas [MN-05; 03; 04; 05; 06; 11; 55] ou paralelas sobre
o peito [91; 02]. Na estátua de Ankhpakhéred [46] a mão
esquerda está acima da direita. Uma estátua do Museu do
Cairo ao invés de segurar o cajado e o açoite, segura dois
açoites em suas mãos paralelas (Fig. 48). Como vimos no
capítulo sobre Osíris, em especial nas estátuas de bronze,
podemos determinar a origem das estátuas de Osíris
conforme a posição das mãos. Como as peças segurando o
cajado e o açoite presentes no catálogo são de proveniência desconhecida ou
incerta, não pudemos comprovar se tal regra também se aplica para as
estátuas funerárias de Osíris.
Figura 48 – Osíris do tipo 1. segurando dois açoites, ao invés do cajado e do açoite - Museu do Cairo (JE 12-11-25-3).
180
10.4 VESTIMENTA
Como nas imagens tradicionais do deus Osíris, as estátuas funerárias
de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris vestem uma justa
mortalha que envolve todo o seu corpo, deixando
apenas a cabeça e às vezes as mãos aparecendo.
Estas últimas estão aparentes nas estátuas dos tipos
e subtipos 1., 2.a, 2.b, 2.d, 3., 7.b e algumas estátuas
tardias do tipo 6. A estátua da cantora de Amun-Rê,
Isetemkheb [22], uma variante do subtipo 5.b,
também tem as mãos aparecendo.
A mortalha pode ser de uma única cor ou ser
coberta por padrões de plumas, escamas ou uma rede
de contas, e ter elementos decorativos como deuses e
amuletos, os quais auxiliam na sua proteção. Em
algumas estátuas do tipo 1., a parte de cima do corpo
pode ter uma cor diferente da parte inferior. Nestes
casos, como ocorre nas estátuas de Anhai [02], [03] e
de Khonsoumés [05], a parte de cima do corpo é
vermelha e geralmente coberta por pintas pretas,
dessa forma provavelmente representando a pele de
um animal usado como um manto. A parte inferior
das duas últimas, assim como o corpo todo (exceto
face e mãos) das estátuas de Hunefer [01] e Sérimen
[04] é branca, sendo uma representação das
bandagens da múmia. A estátua de Sérimen deixa
ainda mais clara essa associação, pois contém faixas
vermelhas horizontais sobre o seu corpo,
representando as amarras feitas em múmias (Fig. 49). As estátuas de Ptah-
Sokar-Osíris do tipo 7. também apresentam um fundo branco. Este pode
estar igualmente associado às bandagens, bem como representar um estado
de pureza do morto.
Figura 49 - múmia com amarras semelhantes às que podem ser encontradas representadas nas estátuas funerárias de Osíris – XXI Dinastia, Tebas (BM EA 48791-2)
181
A parte inferior da estátua de Anhai é coberta por um padrão de
plumagem, da mesma forma como o corpo das estátuas do subtipo 7.b [46;
47] tem longas asas envolvendo o seu corpo. Estas representam as asas das
deusas Nut, Ísis ou Néftis, as quais elas estendem sobre o corpo de Osíris
para protegê-lo.
A mortalha também pode ser vermelha como nas estátuas de Ptah-
Sokar-Osíris dos tipos 4. e 5. Esta cor está associada a deuses funerários
mumificados como Sokar e Osíris. As estátuas funerárias de Osíris do tipo 2.
e de Ptah-Sokar-Osíris do tipo 6. apresentam uma mortalha preta ligada à
deuses do Mundo Inferior e a conceitos de fertilidade e renascimento. Nas
estátuas do tipo 8., ela é folhada a ouro, sendo esta a cor da pele dos mortos
glorificados que seguem o deus sol em sua jornada diária. Em alguns raros
casos de estátuas pertencentes aos tipos mistos, esta pode ser azul, cor
associada à pele dos deuses, ao céu e às águas primordiais.
Estátuas de Osíris dos tipos 1. [01; 02; 03; 04; 05], 3. [12], e uma
estátua de Ptah-Sokar-Osíris da coleção do Museu Nacional-UFRJ [MN-1]
apresentam uma faixa amarrada na cintura ou se projetando abaixo do colar
wsx. Esta faixa é símbolo do cargo sacerdotal exercido pelo morto em vida e
às vezes também aparece sendo usada por Osíris e outros deuses. Ela surge
no Período Ramessida. Geralmente de cor vermelha, esta faixa poderia
remontar às auriflamas das entradas dos templos, as quais marcam a
presença da divindade no local. (BRANCAGLION JUNIOR, 2009, informação
verbal26)
10.5 REDE DE CONTAS
Sobre a mortalha algumas estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris do
tipo 4. e subtipos 5.c e 7.a usam uma rede de contas. As contas das redes
eram arranjadas em forma de losangos. Elas podem ser feitas de diversos
materiais, sendo o mais comum a faiança. Este padrão de rede pode ser
encontrado trajado sobre vestidos justos no Antigo Império, como os que as
deusas Ísis e Néftis aparecem usando de vez em quando. Nos sepultamentos,
26 Arqueologia da Morte: Crenças e Práticas Funerárias do Egito Antigo. Curso do Mestrado em Arqueologia do Museu Nacional/UFRJ. Aula ministrada em: 22 set. 2009.
182
as redes de contas encontram grande popularidade a partir da XXI Dinastia,
quando são colocadas sobre as bandagens de múmias, tanto de homens
como de mulheres. (BIANCHI, 1998, p. 249 nº. 163) Como parte do vestuário
funerário, também aparecem comumente vestidas por deuses mumiformes
como Osíris e Sokar.
Nos “Textos dos Caixões” e no “Livro dos Mortos”, as redes
destinavam-se a prender os espíritos do mal e os inimigos do morto. Estes
poderiam ser representados como peixes e pássaros. Assim, nas cenas de
caça nos pântanos encontradas em tumbas de particulares, temos o morto
simbolicamente eliminando as forças do caos.
Além disso, o morto era identificado, através dessa rede de
contas, com Ruty, que é simbolizado por uma rede cujos flutuadores estão no céu e os lastros sobre a terra. Nos textos funerários, é Ruty quem abre as portas do céu para o morto e quem guarda os caminhos que levam ao céu.
(BRANCAGLION JUNIOR, 1993, p. 63)
O deus Ruty representava um par de leões associado aos deuses
heliopolitanos Shu e Tefnut, ao Horizonte Leste e Oeste. No capítulo 17 do
“Livro dos Mortos”, é o leão duplo sobre cujas costas o Sol nasce todos os
dias, e ele também é associado a Rê, Atum e Osíris (WILKINSON, 2003, p.
180).
Nas estátuas de Ptah-Sokar-Osíris, a rede de contas pode aparecer
representada como simples traços cruzados em preto [13; 15; 17; 31], ou em
preto e vermelho [41], ou ainda com as contas desenhadas individualmente
[14; 25; 27; 42; 43; 44]. O primeiro jeito ocorre em exemplares mais antigos
da Baixa Época, enquanto o segundo modo de representação aparece em
exemplares do final da Baixa Época e do Período Ptolomaico. Geralmente,
quando presente, o falcão mumificado no topo da rede usa o mesmo padrão
de rede de contas que a estátua [14; 42; 44].
183
10.6 COLARES
10.6.1 Colar wsx
Em quase todos os tipos de estátuas
funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris,
exceto os tipos 2. e 9., podemos observar o
uso de um colar concêntrico de várias
fileiras conhecido como xAt no Antigo
Império e como wsx ou wsxt a partir do
Médio Império. Este colar usado pelos
egípcios desde o Antigo Império era feito
de cilindros, os quais estão graduados em
tamanho e pendurados verticalmente
entre terminais semicirculares (Fig. 50).
Os terminais são furados ao longo de seu
lado plano pela mesma quantidade de
furos que há de fios, os quais surgem
unidos numa única saída no centro do
lado curvo, para serem amarrados e
prender o colar. Normalmente também
existe uma fileira exterior de pendentes
em forma de folha, às vezes enfileirados
entre duas fileiras horizontais de contas.
A partir da XII Dinastia encontramos
colares mais elaborados, nos quais os
terminais podem ter a forma de cabeça de
falcão (Fig. 51), e, na XVIII Dinastia de
flores de lótus (Fig. 52). Da mesma forma
eles podem apresentar contas de
diferentes formatos, em geral de amuletos
ou flores, dessa forma dando um efeito de
trabalho vazado. Para contrabalancear o
peso do colar e segurá-lo no lugar no
Figura 50 – Colar wsx com terminais semicirculares – XII Dinastia, Tumba 954 Lisht (MMA 22.1.247)
Figura 51 - Colar wsx n bik com trabalho vazado – XVIII Dinastia, Tebas (MMA 26.8.70/58.153)
Figura 52 - Colar wsx com terminais em forma de flor de lótus – XVIII Dinastia, Tell el-Amarna (JE 53023)
184
peito, um contrapeso era juntado aos terminais por cordas de contas e
colocado entre as omoplatas. (ANDREWS, 1991, p. 119-120; FEUCHT, 1977,
p. 933)
Em sua forma ideal o colar wsx deveria ser composto por nove fileiras,
uma para cada membro da Eneida. Como podemos observar no capítulo 158
do “Livro dos Mortos”, o colar estava relacionado à Teologia Heliopolitana,
sendo denominado de “guirlanda de Atum”. (VASQUES, 2005, p. 60)
Fórmula para o colar largo de ouro colocado no pescoço do abençoado. Para ser dito por Osíris N.: Meu Pai é um Heliopolitano, minha Mãe é uma Heliopolitana. (Ó) Oculto, olhe por mim. Eu sou um deles o qual é libertado quando Geb olha por eles. Para ser dito sobre um colar largo de ouro, sobre o qual essa fórmula está inscrita, colocado no pescoço desse abençoado no dia de se unir com a terra.
LM 158
(ALLEN, 1974, p. 156)
A partir da XXVI Dinastia ele também passou a ser usado como um amuleto
que se destinava ao morto para ele poder livrar-se das bandagens que
impediam a sua mobilidade (BRANCAGLION JUNIOR, 2004, p. 115).
Nas estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris, o colar wsx
apresenta variações de estilo conforme o tipo e a época. Nas estátuas de
Osíris Policromado do tipo 1., observamos um colar wsx pintado com várias
fileiras simples em duas ou mais cores, terminando na borda inferior com
uma fileira em forma de gotas e acabando na altura dos ombros. Este colar é
complementado por um contrapeso nas costas. O tipo de contrapeso
representado pode variar conforme o exemplar. Assim temos, por exemplo,
no Osíris pertencente à Anhai [02], um contrapeso simples; já o Osíris de
Hunefer [01] apresenta um contrapeso manxt. Este último estava associado à
deusa Háthor, a qual possuía o epíteto de “Grande Menat”, e a seu filho Ihy.
Em cenas na qual a deusa oferece o manxt para o rei, ele representa idéias de
vida, potência, fertilidade, nascimento e renovação. Já no contexto funerário
ele está conectado ao papel de Háthor como a deusa da Necrópole Ocidental
e com sua parte no renascimento do morto. (WILKINSON, 1992, p. 173)
185
“Nele estaria embutido a fecundidade da deusa, capaz de restituir ao morto a
sua atividade sexual, a durabilidade e a juventude. Nele confundem-se as
noções de nascimento, renascimento e de passagem do morto a uma nova
forma de vida” (BRANCAGLION JUNIOR, 1993, p. 58) Da mesma forma, o
manxt também está associado a divindades mumiformes como Ptah, Sokar,
Osíris e Khonsu. Aqui temos, por exemplo, o falcão mumificado (Sokar) na
base de uma estátua de Ptah-Sokar-Osíris do Fitzwilliam Museum, o qual
usa um colar wsx com um contrapeso manxt [43].
Nas figuras do tipo 3., o colar wsx continua a ter o mesmo estilo
daquele encontrado nas estátuas do tipo 1., mas o contrapeso desaparece. O
colar irá terminar entre as abas do toucado divino. Já nas estátuas de Ptah-
Sokar-Osíris com Face Verde do tipo 4., ele apresenta o mesmo estilo, mas o
seu comprimento aumenta até a altura do peito, seguindo o estilo adotado
nos caixões desse período.
As estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris da XXX Dinastia e do
Período Ptolomaico, tipos 5., 6., 7., 8., e alguns exemplares do tipo Misto
usam o colar wsx n bik, ou seja o colar wsx com terminais em forma de falcão.
Assim como os colares das figuras do tipo 4., estes são compridos, alguns
chegando até a metade do tronco [23]. Suas várias fileiras podem ser
pintadas como simples faixas de diferentes cores ou com contas em diversos
formatos (Apêndice E). O terminal em forma de falcão está localizado sobre
os ombros das estátuas. Normalmente o falcão porta sobre a cabeça o disco
solar, dessa forma provavelmente sendo uma representação do deus Rê-
Horakhty. Mas também encontramos exceções, onde ele aparece sem um
atributo na cabeça [31] ou usando a coroa Atf [36], neste caso podendo ser
uma referência ao deus Sokar.
10.6.2 Peitoral
Algumas das estátuas de Ptah-Sokar-Osíris usam junto ao colar wsx n
bik um peitoral em forma de pilono pendurado numa longa corrente. O pilono
era a representação das duas montanhas do horizonte (akhet), entre as
quais o sol nascia. Era igualmente a ligação visível entre o céu e a terra da
qual o deus sol surge na forma de um falcão ou uma fênix. Uma montanha
186
representava a deusa Ísis enquanto a outra representava a sua Irmã Néftis.
(ASSMANN, 2004, p. 125; SHAW; NICHOLSON, 1995, p. 275)
O peitoral pode estar sobre o colar wsx n bik [46; 40; 39] ou abaixo dele
[29; 30]. No interior do pilono podemos encontrar uma barca sagrada [25],
provavelmente alguma barca sagrada (barca Henu?) ligada ao deus Ptah-
Sokar-Osíris, ou um grupo de três [39] ou quatro deuses sentados [29].
Alguns desses deuses levam plumas de avestruzes na sua mão, estes
poderiam ser representações dos juízes do Mundo dos Mortos, sendo as
plumas símbolo da verdade e justiça. Aqui o seu número de três representa
o plural egípcio, assim representando três desses deuses a totalidade desses
julgadores do morto.
10.7 DIVINDADES
Entre os atributos das estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris dos
subtipos 5.c, 6.c e 7.a podemos observar a presença de deuses protetores,
ligados tanto ao ciclo osiríaco, quanto ao ciclo solar. Como as estátuas
desses subtipos pertencem à XXX Dinastia e ao Período Ptolomaico podemos
supor que a inclusão desses deuses dentre os elementos decorativos dos
Ptah-Sokar-Osíris é uma inovação tardia, ocorrendo em seu período final de
existência. Essas divindades estão dispostas sobre as estátuas de Ptah-
Sokar-Osíris em posição semelhante àquela em que as mesmas muitas vezes
estão localizadas no lado exterior das tampas dos caixões e sarcófagos da
Baixa Época e do Período Ptolomaico.
10.7.1 Nut
Nut é conhecida principalmente como sendo a deusa do céu e a
personificação da abóbada celeste. Como tal ela é representada como uma
mulher arqueada de perfil sobre o deus da terra Geb e sendo sustentada
pelo deus do ar Shu. Os seus membros tocam os quatro pontos cardeais e às
vezes seu corpo está coberto por estrelas representando o céu noturno (Fig.
53). Na cabeça pode usar um pote circular de água ou o símbolo para o
céu , estes faziam parte da escrita de seu nome . Em uma estátua de
187
Ptah-Sokar-Osíris do Liverpool Museum [34] o sinal inclusive substitui a
imagem da deusa sobre o peito da figura.
Nas estátuas [23; 26; 28; 44], nas quais temos a representação de Nut,
ela aparece como uma mulher agachada com asas estendidas segurando
uma pluma de avestruz em cada mão e com um disco solar sobre a cabeça.
As asas estendidas, usadas na iconografia de diversas deusas a partir do
Novo Império são um sinal de proteção (WILKINSON, 2003, p. 161). Aqui Nut
protege o morto, ou seja, o seu filho Osíris, na sua transição para a outra
vida. Já nos “Textos das Pirâmides” ela aparece como uma deusa que ajuda
na ressurreição do morto. “[Ela] os fez levantar para você, você tendo sido
dado a tua mãe Nut em seu nome de „Sarcófago‟, ela o abraçou no seu nome
de „Caixão‟ e você foi trazido para ela em seu nome de „Tumba‟.” PT §616
(FAULKNER, 1910, p. 119) Esta passagem pode ser encontrada representada
pictoricamente posteriormente no III Período Intermediário, quando
encontramos imagens da deusa Nut pintadas na face externa das tampas,
ou no fundo dos sarcófagos e caixões. Assim quando estes são fechados, o
corpo da deusa se estende sobre o corpo do morto, como se ela o estivesse
abraçando em sinal de proteção. Da mesma forma o caixão poderia ser visto
como o útero de Nut, que desta vez não traz o nascimento de seu filho, mas
“guarda eternamente o corpo que lhe foi confiado, assegurando-lhe uma vida
sem limite de tempo” (BRANCAGLION JUNIOR, 2004, p. 113).
Figura 53 - A deusa Nut representando a abóbada celeste arqueada sobre o deus da terra Geb e sendo sustentada pelo deus do ar Shu. (HORNUNG, p. 1717)
188
O disco solar na cabeça de Nut nas estátuas de Ptah-Sokar-Osíris
também remete a outro aspecto funerário da deusa, o de mãe do deus sol
Rê. Este, em seu ciclo diário, navegava sobre o corpo estendido de Nut, para
no final do dia, quando o disco solar se aproxima da boca da deusa, ser
engolido por ela. Assim, acompanhado das estrelas, o sol viajava
seguramente durante as horas da noite no interior do corpo da deusa. Ao
amanhecer o deus sol emergia do ventre da deusa para novamente realizar
sua jornada diurna. Alternativamente a deusa Nut também era retratada
como uma vaca e o deus sol navegando na parte inferior de seu corpo, como
está representado no “Livro da Vaca Celeste” (Fig. 54). Assim, “o corpo de
Nut, por onde o deus-sol navegava todas as noites, é o meio regenerador do
sol e do morto” (BRANCAGLION JUNIOR, 2004, p. 114).
As plumas que Nut segura na mão podem ao mesmo tempo ser um
símbolo de ar, o sopro da vida fornecido ao morto, como também podem ser
uma alusão ao julgamento do morto na Sala das Duas Maats, representando
a pluma da verdade e justiça. Pois Nut é uma deusa que protege e cuida do
morto.
Ela junta os seus membros, purifica-o, prepara a sua
oferenda, abre-lhe as portas do céu, torna-o um imAxw, lhe concede a justificação no Tribunal dos Mortos, ela lhe fornece água e ar como deusa árvore e previne que ele morra uma segunda vez. Desde o Novo Império é chamada de “Senhora do Ocidente” ou “Soberana do Mundo Inferior”.
(KURTH, 1982, p. 537)
Figura 54 – Livro da Vaca Celeste (HORNUNG, 1997, p. 180)
189
10.7.2 Khepri
O escaravelho alado [MN-1; 24; 29; 40], segurando o disco solar
representado sobre o peito de algumas estátuas de Ptah-Sokar-Osíris abaixo
do colar wsx n bik, representa o deus-sol Khepri. Este é a manifestação do
deus sol Rê como o sol nascente, quando ele emerge do ventre da deusa Nut
empurrando o disco solar (ver acima). Em um trecho de um hino ao deus sol
na estela dos irmãos Suti e Hor (BM EA 826) temos uma alusão a tal
fenômeno:
Khepri de nascimento distinto, Que eleva sua beleza no corpo de Nut, Que ilumina as Duas Terras com seu disco.
(LICHTHEIM, 1976, Vol. II, p. 88)
A escolha deste animal para representar o sol nascente ocorreu devido
à observação dos egípcios de que o escaravelho (Scarabaeus sacer) fazia uma
bola de excrementos e a arrastava pelo deserto, com o intuito de enterrá-la e,
após 28 dias, um novo escaravelho nascia. Este fato levou os egípcios a crer
que os escaravelhos se auto-regeneravam e renasciam. O seu nome deriva do
verbo (xpr), “se desenvolver” ou “tornar-se”.
Assim, (¢pri) Khepri vem a significar “aquele
que se auto-criou”, aludindo a tal ato.
Em algumas vinhetas de papiros de funerários,
como por exemplo, no “Livro dos Mortos” de Anhai
(BM EA 10472,7) (Fig. 55), podemos observar “o deus
Khepri sobre a sua barca, a qual é elevada pelo deus
Nun como a personificação do caos primordial
aquoso em direção aos céus como representação do
evento da criação” (WILKINSON, 2003, p. 230). No
hino à Ptah-Sokar-Osíris presentes nas estátuas da
XXX Dinastia e Período Ptolomaico temos a menção
ao deus que emerge das águas primordiais.
Figura 55 - Khepri sobre a sua barca, a qual é elevada pelo deus Nun – ―Livro dos Mortos‖ de Anhai (BM EA 10472,7)
190
No contexto funerário o deus ainda poderia ajudar na transformação
do morto em um akh, espírito glorificado. E no capítulo 83 do “Livro dos
Mortos” ele era invocado para superar o medo da putrefação. (CÉSAR, 2009, p.
18)
Assumindo a forma de uma fênix. Para ser dito por N.: Eu me elevei como primordial (se eleva); Eu me tornei Khepri.
Eu cresci como as plantas (crescem); (Eu) me cobri como uma tartaruga. Eu sou o fruto de todo Deus; Eu essa (sétima) dessas (sete) cobras que vieram à existência no Ocidente, Hórus o qual (controla) o seu corpo, este Deus (contra) Seth. (Ó) Osíris, Eu sou Thot neste processo entre o superintendente de Letopolis e as almas de Heliópolis, este (deus) entre os deuses. Eu vim durante o dia, aparecendo nos passos dos deuses. Eu sou Khonsu, o qual corta a garganta dos Senhores.
LM 83
(ALLEN, 1974, pp. 71-72)
10.7.3 Filhos de Hórus
Assim como em alguns caixões do final da Baixa Época e do Período
Ptolomaico, nós temos algumas estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris,
subtipos 5.c [26], e 6.c [37], nas quais os Filhos de Hórus aparecem em
registros horizontais nas laterais da coluna de inscrição no centro do tronco.
Este grupo de quatro deuses formado por Imsety, Duamutef, Hapy e
Qebesenuef está associado ao contexto funerário desde o Antigo Império. Ali,
nos “Textos das Pirâmides”, consta que são os filhos e também as almas de
Hórus, e como “amigos do rei”, ajudam este a ascender ao céu. (WILKINSON,
2001, p. 88) Já no Médio Império, mas de forma mais clara, eles passam a
ser associados à proteção dos órgãos internos da múmia, ao mesmo tempo
em que cada um possuí uma divindade protetora. A partir da XVIII Dinastia,
as tampas dos vasos canopos, os quais guardavam estes órgãos, passam a
ter a forma da cabeça desses deuses. Quando os vasos canopos caem em
desuso e os órgãos são novamente colocados no interior da cavidade
torácica, após terem sido mumificados, um amuleto na forma desses deuses
é colocado junto a eles. (HART, 1986, p. 149-150; WILKINSON, 2001, p. 88)
Também no Novo Império eles passam a fazer parte de um grupo de
sete deuses chamados “Os Sete Abençoados”, os quais têm a função de velar
191
pelo caixão de Osíris no céu do norte (SHAW; NICHOLSON, 1995, p. 275).
Em tal função eles também podem ser observados durante os rituais do
Festival de Khoiak, em especial na “Vigília das Horas” (Stundenwachen),
quando o corpo de Osíris era protegido durante as vinte e quatro horas do
dia e da noite, para que nenhum mal lhe acontecesse enquanto passava
pelos rituais de mumificação (ver Festival de Khoiak). Nas estátuas de Ptah-
Sokar-Osíris e nos caixões e sarcófagos, eles também exercem a função de
proteção do morto, simbolicamente Osíris. Assim, comumente temos, do lado
esquerdo, Hapy e Qebesenuef e, do lado direito, Imsety e Duamutef
(WILKINSON, 2001, p. 88).
10.7.4 Ísis
Irmã e esposa de Osíris, Ísis aparece em uma estátua de Ptah-Sokar-
Osíris do Museo Gregoriano Egizio [38] na forma de uma deusa alada,
segurando uma pluma de avestruz em cada mão, portando o disco solar e
com o hieróglifo do trono sobre a cabeça. Exceto pelo hieróglifo do trono,
que é o símbolo e forma o nome de Ísis ( ) essa figura é semelhante
àquelas da deusa Nut encontradas sobre outras estátuas de Ptah-Sokar-
Osíris (ver Nut). Talvez, por algum motivo de devoção pessoal, o proprietário
da estátua optou pela representação dessa deusa, pois na inscrição da
estátua o nome da deusa aparece igualmente junto ao epíteto “Grande Mãe”,
aludindo a seu papel como mãe do deus-falcão Hórus. Da mesma forma que
a deusa Nut, Ísis também tem um papel de proteção de Osíris e dos mortos.
Ela é conhecida como aquela que criou a primeira múmia do corpo
desmembrado de Osíris, e com suas asas sopra vida nova em seu corpo.
Neste ato, e na concepção mágica de Hórus, ela aparece na forma de um
milhafre. Na forma desse falconídeo, ou em sua forma antropomórfica, ela
aparece muitas vezes junto com a sua irmã Néftis, ambas como carpideiras
lamentando a morte de seu irmão e marido. Elas igualmente aparecem
constantemente ao lado de Osíris para protegê-lo. Assim, podemos observar
ambas posicionadas atrás de Osíris na cena do Julgamento da Alma (LM
125) ou Ísis posicionada aos pés (como deusa do sul) e Néftis na cabeça
192
(como deusa do norte) no leito funerário desse deus (Fig. 56). Em caixões do
Médio Império em diante elas podem aparecer pintadas nas extremidades
inferior e superior dos mesmos, ou então como estátuas posicionadas ali
para proteger o morto identificado com Osíris (TAYLOR, 1989, p. 9). Assim,
na estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris mencionada no início desse item,
ao mesmo tempo em que Ísis protege o morto, suas asas estendidas também
sopram a vida para o morto poder renascer.
10.7.5 Néftis
Como já pode ser observado no tópico acima, Néftis é irmã de Ísis e
Osíris, e é casada com seu outro irmão Seth. Em um período tardio da
história do Egito também existe o relato de que ela teria tido um caso
amoroso com Osíris do qual nasceu o deus chacal Anúbis. Essa deusa
geralmente aparece ao lado de sua irmã Ísis. Ambas atuam no auxílio,
proteção e amparo de Osíris. Nessas funções, ambas aparecem retratadas
sobre o tronco de uma estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris do Museu
Nacional de Arqueologia de Lisboa [24]. Ambas as deusas estão ajoelhadas
com os braços estendidos em sinal de proteção à Osíris, o qual está
posicionado em pé entre as duas. Dessa forma atuam igualmente na
proteção e no renascimento do morto.
Figura 11 – Ísis (direita) e Néftis (esquerda) na forma de um milhafre protegendo o corpo
mumificado de Osíris – Tumba Rainha Nefertari (QV66), XIX Dinastia. (WILKINSON, 2001, p. 159)
193
CAPÍTULO 11. A BASE
Todas as estátuas funerárias de Osíris e Ptah-
Sokar-Osíris estavam originalmente fixadas sobre
uma base retangular. As estátuas eram encaixadas
na extremidade posterior da base através de um
pino (Fig. 57). Como elas eram removíveis, em
alguns exemplares para se ter acesso ao seu
conteúdo, as bases de alguns exemplares foram
perdidas. No caso específico das estátuas funerárias
de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris presentes na coleção
do Museu Nacional/UFRJ, todas as bases foram
perdidas.
Sendo provavelmente de início apenas uma peça funcional, com o
tempo a base foi adquirindo uma decoração mais intrincada, passando a
incorporar o simbolismo funerário da estátua (Apêndices G e H). Assim, nas
estátuas funerárias de Osíris (tipos 1., 2., 3. e 10.) apresentando a base lisa,
sendo pintada em apenas uma tonalidade, ou um simples contorno de outra
cor ao redor de cada uma de suas faces. As bases das primeiras estátuas de
Ptah-Sokar-Osíris (tipo 4.) continuam a manter os mesmos padrões, mas
depois um novo padrão de listras aparece ao seu redor. Também aparecem
os primeiros exemplares com uma cavidade fechada por uma tampa em
forma de falcão. Nos exemplares mais tardios de Ptah-Sokar-Osíris (tipos 5.,
6., 7. e 8.) ainda podemos encontrar alguns exemplares com uma base lisa
com contorno, mas em geral agora temos uma decoração mais complexa,
com diferentes frisos decorativos. A tampa da cavidade, além da forma de
falcão, pode ter a forma de um sarcófago, ou um sarcófago com um falcão
mumificado em cima. Alguns exemplares dos tipos Mistos, provavelmente
originários do Médio Egito, têm no topo da base uma flor de lótus.
Abaixo destacamos os principais elementos encontrados na base e o
seu possível simbolismo, quando presente:
Figura 5 – pino na parte inferior de estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris para encaixe na base. Medidas pino: 1,60 cm alt. x 2,10 cm larg. x 2,10 cm prof. - Museu Nacional-UFRJ (inv. 181)
194
11.1 TOPO DA BASE
11.1.1 Lago
No topo da base [19 e 29] e ao redor do plinto [23 e 24] de algumas
estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris encontramos o motivo de
retângulos encaixados um no outro (em geral um conjunto de três). Este
motivo provavelmente representa um lago. Ele pode ser uma alusão as águas
primordiais das quais o deus criador surgiu, dando em seguida origem a
todo o universo. Portanto, pela localização do lago no conjunto da estátua
teríamos uma representação do deus criador (aqui Ptah-Sokar-Osíris)
emergindo das águas primordiais. No hino à Ptah-Sokar-Osíris encontrado
em estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris da XXX Dinastia e Período
Ptolomaico, temos a menção de que “O grande deus retornou, saindo das
águas primordiais”.
Outra alusão possível seria aos cursos de água do Mundo Inferior, dos
quais muitos, além de servirem para matar a sede do morto, também eram
meios de purificação e regeneração. Como a maioria dos núcleos dos
retângulos nas estátuas está pintado de vermelho, estes poderiam ser uma
alusão ao Lago de Fogo. Mencionado na literatura funerária desde os “Textos
dos Caixões”, as águas de fogo eram tidas como um refresco para Osíris e os
mortos glorificados, mas uma tortura para os pecadores (HORNUNG, 1991,
pp. 56 e 128), como pode ser observado no texto no final da sexta hora no
“Livro dos Portões”:
Eles se encontram nos arredores desse Buraco de Fogo27, uma serpente-uraeus viva está dentro desse Buraco de Fogo.
A água do Buraco de Fogo é fogo, Os deuses da terra e os bau da terra não podem se aproximar desse Buraco de Fogo,
devido à chama dessa serpente-uraeus. (Mas) esse Grande Deus, o qual governa o Dat (Osíris), respira
através da água inacessível desse Buraco de Fogo. Rê fala para eles: Ei, vocês Deuses, que guardam o Buraco de Fogo inacessível, os quais proporcionam a água para aquele que governa o Mundo dos Mortos (Osíris)- A água do Buraco de fogo pertence à Osíris,
27 Nessa passagem, o Lago de Fogo é chamado de Buraco de Fogo.
195
o vosso refresco para aquele, que governa o Dat. O fogo de vosso bafo de brasa, vossa flama consumidora rebate os bau, quando eles se aproximam para tocar Osíris. O poder do Buraco de Fogo não sofre de insuficiência, não existe outro igual, sobre cujas águas os Deuses, que o vigiam, não tem poder!
(HORNUNG, 2002, pp. 249-250)
11.1.2 Falcão
A partir das estátuas funerárias de Ptah-
Sokar-Osíris do tipo 4., podemos encontrar um
falcão mumificado na tampa da cavidade, no topo da
base. Este pode ser representado de forma simples
[21 e 31], ou apresentando uma iconografia de
acordo com a estátua [14; 42; 43 e 44]. Assim, ele
tem as cores predominantes iguais às da estátua, e
usa um colar wsx, com ou sem contrapeso, e uma
rede de contas. Às vezes ele ainda pode usar a coroa
Swty, como ocorre em um exemplar do subtipo 7.a do
Manchester Museum [44], ou o disco solar, como
num exemplar do Museo Arqueológico Nacional de
Madri (inv. 15241) do tipo 6.b (Fig. 58).
Este falcão certamente representa o deus Sokar. Na forma de um
falcão mumificado, Sokar aparece igualmente em outros objetos funerários,
como, por exemplo, sobre a caixa para shabtis, ou nos quatro cantos de
caixões. Aqui ele estaria presente na sua função como o deus responsável
pela transfiguração e renascimento de Osíris e do morto.
11.1.3 Sarcófago
Como fecho para a cavidade no topo da base, em algumas estátuas
funerárias de Ptah-Sokar-Osíris dos tipos 6. [35; 37 e 39] e 7. [41 e 46]
temos a miniatura de uma sarcófago ou caixão na forma da capela Per-nu.
Esta capela, reconhecida por sua abóbada arqueada e postes altos nas
laterais, era originalmente a capela Pré-Dinástica da deusa cobra Wadjet
localizada em Buto. Após a unificação do Egito, ela foi adotada como símbolo
do Baixo Egito, em contraposição à capela Per-wer, a qual representava o
Figura 6 – tampa da cavidade no topo da base em forma de falcão usando o disco solar e um colar wsx com contrapeso – Museo Arqueológico Nacional de Madri (inv. 15241)
196
Alto Egito. Sua forma foi utilizada em uma série de construções desde o
Antigo Império.
Tradicionalmente o caixão de Osíris possuía a forma da capela Per-nu.
Sua forma pode ser encontrada em caixões e sarcófagos, sendo popular
principalmente nos caixões exteriores da Baixa Época, onde era adotado na
intenção do morto de se associar com Osíris no pós-vida. (ARNOLD, 1982, p.
932; WILKINSON, 1992, p. 143) Neste contexto sua tampa arredondada vem
a representar o céu, a deusa Nut estendida sobre a caixa simbolizando a
terra, o deus Geb e os quatro postes altos como os quatro cantos do mundo,
nos quais os membros de Nut estão encostados. Ao mesmo
tempo ele transmite um caráter divino ao morto, na medida
em que transmite a idéia do morto como um deus no
interior da capela Per-nu. (BRANCAGLION JUNIOR, 2009,
informação verbal28)
Assim, nas estátuas funerárias de Ptah-Sokar-
Osíris, o sarcófago poderia tanto representar aquele
pertencente à Osíris ou ao morto divinizado. A pseudo
“múmia de grãos” no interior da cavidade abaixo seria o
corpo deste. Os deuses e sinais pintados nas laterais de
alguns desses sarcófagos podem ser vistos como símbolos
protetores (Fig. 59).
Em algumas estátuas de Ptah-
Sokar-Osíris dos tipos 5. [25] e 6. [36 e
40], encontramos um falcão mumificado
sobre o sarcófago. Este, como nas tampas
das cavidades em que aparece sozinho,
provavelmente representa igualmente o
deus Sokar. Neste contexto, em que
aparece em conjunto com o sarcófago,
poderíamos pensar neste deus como
repousando sobre a sua capela shetayet. Como vimos no capítulo sobre
28 Arqueologia da Morte: Crenças e Práticas Funerárias do Egito Antigo. Curso do Mestrado em Arqueologia do Museu Nacional/UFRJ. Aula ministrada em: 22 set. 2009.
Figura 7 – Estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris de Horresnet com tampa da cavidade no topo da base em forma de sarcófago com o sinal djed (estabilidade) ao redor – Musée de Picardie
197
Sokar, tardiamente esta pode representar o Mundo Inferior ou, uma tumba
em cujo interior está localizado o corpo de Osíris, o qual é ao mesmo tempo a
ba do deus-sol. Ao mesmo tempo, Sokar é o deus responsável pela
ressurreição de Osíris. Portanto temos aqui, no conjunto, Sokar protegendo
Osíris ou o morto no interior de sua capela/sarcófago, e ao mesmo tempo,
ajudando no processo de ressurreição deste, o qual é o propósito principal
do conjunto da estátua.
11.1.4 Flor de Lótus
Um grupo de estátuas pertencente aos tipos Mistos, de origem
provável no Médio Egito tem uma flor de lótus sobre base (Fig. 36). Esta
provavelmente está associada à representação da criação do mundo,
conforme é aludido no hino á Ptah-Sokar-Osíris presente em estátuas
tardias. De acordo com o mito Heliopolitano, o jovem deus-sol teria surgido
de um lótus flutuando nas águas do Nun, o oceano primordial. O conceito do
jovem deus-sol aparecendo como uma criança sobre um lótus é descrito no
capítulo 15 do “Livro dos Mortos”, e era frequentemente representado na arte
egípcia como o deus Nefertum, “o Senhor dos Perfumes”, que representava o
lótus fragrante, sendo assimilado a este imaginário. A flor de lótus também
é um símbolo de renascimento devido ao fato de a ninféia fechar à noite e
submergir na água, e ao amanhecer emergir e se abrir novamente. Neste
contexto de renascimento, a flor de lótus também está proximamente
associada com o imaginário do culto funerário. Os quatro filhos de Hórus
podem ser mostrados sobre um lótus que se eleva de um lago perante o
trono de Osíris, e o capítulo 81 do “Livro dos Mortos” contêm os encantos
para “se transformar em um lótus”. (SHAW, NICHOLSON, 1995, p. 164;
WILKINSON, 1992, p. 121)
11.2 REDOR DA BASE
O redor da base pode tanto ser simples, com um simples contorno,
conter inscrições em hieróglifos cursivos (ver 14) ou ter um friso decorativo,
como pode ser encontrado em outras categorias de objetos ou em paredes de
templos e tumbas.
198
11.2.1. Listras
A partir das estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris do tipo 4.,
pertencentes à XXV e XXVI Dinastia, encontramos um padrão de listras ao
redor da base. Este pode ser uma variação de duas cores, como é caso do
exemplar [17] do catálogo pertencente ao Museum of Fine Arts de Boston, no
qual temos duas listras amarelas, com uma preta no meio. Ou ele pode
apresentar três cores, como no exemplar com o número de inventário KhM
988, pertencente ao Kunsthistorisches Museum de Viena, no qual temos
uma faixa vermelha em cada extremidade, seguida por outras brancas e, ao
meio, uma faixa azul (Fig. 60).
Figura 60 – Estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris com base com listras ao redor. (KhM
988)
Figura 61 – Estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris com base com quadrados ao redor. (NMI 1920:301)
199
11.2.2 Quadrados
Outro padrão simples que pode ser encontrado em estátuas de Ptah-
Sokar-Osíris são quadrados lembrando um tabuleiro de xadrez. Este aparece
nas estátuas do tipo 5.c, datáveis do final da Baixa Época e do Período
Ptolomaico. Numa estátua do National Museum of Ireland (inv. 1920:301),
podemos observar tal friso de quadrados em preto, verde, vermelho e branco.
Os quadrados nas diferentes cores formam linhas diagonais (Fig. 61).
11.2.3 Símbolos Hieroglíficos Decorativos
O friso com símbolos hieroglíficos decorativos é composto pelo arranjo
do sinal hieroglífico (anx) ankh entre dois sinais do cetro (wAs) was
posicionados sobre o sinal da cesta (nb) neb. A combinação desses sinais
vem a significar “toda vida e poder”. Geralmente esses sinais ainda são
emoldurados por uma métopa egípcia na parte superior e inferior [19; 28;
30; 40 e 46]. Esta consiste de uma borda formada por pequenos retângulos
coloridos.
O ankh e o cetro was podem ser encontrados frequentemente sendo
segurados por divindades. O ankh, como um símbolo doador de vida, de ar e
água pode ser visto em imagens nas quais um deus oferece-o para o faraó,
vindo a simbolizar o sopro da vida. Em outras cenas podemos observar
correntes de ankhs sendo vertidas sobre o monarca, sendo lhe assim
oferecido o poder regenerativo da água. Posteriormente este simbolismo
também passa a ser adotado por pessoas comuns, onde podemos ver esses
rituais sendo executados sobre o morto. (WILKINSON, 1992, p. 177)
O cetro was como um sinal de “domínio” e “poder” é justamente
carregado pelas divindades como um símbolo de seu poder. Assim ele
também poderia ser visto nas mãos do faraó e, em períodos posteriores,
sendo carregado pelo morto. No contexto funerário servia para assegurar a
prosperidade contínua do morto. (SHAW, NICHOLSON, 1995, p. 304;
WILKINSON, 1992, p. 181)
Em uma estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris do tipo 7.a
pertencente ao Fitzwilliam Museum [43], temos nas laterais a composição de
200
sinais hieroglíficos descrita acima, mas na parte da frente temos a
composição do sinal (nfr) nefer no meio de dois olhos (wDAt) wedjat, cada
um sobre um sinal (nb) neb. O nefer simboliza conceitos como bondade,
beleza, felicidade, boa sorte e juventude. O olho wedjat é um símbolo de
proteção usado com bastante frequência pelos egípcios em diferentes
contextos. O olho esquerdo, o “Olho de Hórus” é visto como o símbolo da lua,
e o olho direito, o “Olho de Rê” é o símbolo do sol. Seu nome vem a significar
“o todo ou o restaurado”, em referência ao mito no qual o olho de Hórus é
ferido por Seth e depois curado por Thot, sendo este uma metáfora para as
diferentes fases da lua. O seu olho curado foi oferecido por Hórus a seu pai
Osíris, tornando-se o mesmo também um símbolo de oferendas.
(WILKINSON, 1992, p. 43)
11.2.4 Serekh
O segundo tipo de friso decorativo encontrado é aquele composto pelo
padrão serekh ou “Fachada de Palácio”. Este aparece ao redor da base de
estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris dos subtipos 5.c [29], 6.c [38] e 7.a
[44]. A “Fachada de Palácio”, consistindo de armações retangulares, é a
representação da fachada e dos muros que cercavam os primeiros palácios
egípcios no Período Pré-Dinástico. Ele é usado como um elemento decorativo
desde o Período Dinástico Inicial em diferentes localidades como mastabas,
sarcófagos, caixões, estelas, portas falsas, jóias e em muitos outros
contextos funerários e cerimoniais. No Novo Império, o serekh pode ser
encontrado na forma de um estandarte associado ao ka real. Ele também
aparece na composição do “Nome de Hórus” do rei, onde é colocado sob um
falcão. (SHAW, NICHOLSON, 1995, p. 261; WILKINSON, 1992, p. 149)
201
CAPÍTULO 12. CAVIDADES
As estátuas funerárias de Osíris e de Ptah-Sokar-Osíris têm como
característica serem sólidas ou possuirem uma cavidade. As do segundo tipo
são mais numerosas, mas o local e a forma da cavidade varia conforme o
tipo da estátua. Da mesma forma que o seu conteúdo varia, em geral temos
no interior das estátuas de Osíris (tipos 1, 2 e 3) um papiro do “Livro dos
Mortos” e no interior das estátuas de Ptah-Sokar-Osíris (demais tipos) uma
pseudo “múmia-de-grãos”. (ver 13)
12.1 CAVIDADE TUBULAR NO TRONCO
No tronco das figuras dos tipos 1. e 2.a encontramos uma cavidade
cilíndrica que se estende através da cavilha até
a parte de baixo da base, onde ela é fechada
por uma tampa circular ou oval (Apêndice I.A),
conforme podemos observar na estátua de
Osíris de Khonsoumès pertencente ao Louvre
[05]. O corpo da estátua, por sua vez, divide-se
em duas partes, de forma que o verso pode ser
removido como um painel solto. Na estátua de
Osíris presente na coleção do Museu Nacional
[MN-5], mesmo tendo apenas sobrado uma
parte do painel traseiro (Pr. XII), podemos
observar a junção do mesmo com a parte da
frente, a qual é feita por pinos (Pr. XIII C).
Segundo Raven (1978-1979, p. 267), esta
disposição facilitaria a manufatura da
cavidade. Em outra estátua funerária de Osíris
pertencente a coleção do Museo Gregoriano
Egizio (Fig. 62), observamos que a abertura da figura transpassa
verticalmente o meio do tronco da figura, a cabeça sendo fixa na parte da
direita.
Figura 62 - Osíris de Verniz Preto da coleção do Museo Gregoriano Egizio, tendo a abertura da cavidade tubular no meio da figura
202
As figuras desses tipos possuem uma forma mais corpulenta devido ao
tipo dessa cavidade. Esse formato se deve ao conteúdo que estes Osíris
deveriam carregar: um rolo de papiro que, em sua maioria, continha
inscrições do “Livro dos Mortos”. Como um possível antecedente desse tipo
de estátua poderíamos mencionar uma estátua oca encontrada na tumba de
Amenhotep II, a qual continha o exemplar mais antigo conhecido do “Livro
das Cavernas” (RAVEN, 1978-1979, p. 257).
12.2 CAVIDADE RETANGULAR NO VERSO DO TRONCO
No verso do tronco das figuras de Osíris do tipo 2.b encontramos uma
cavidade vertical retangular que se estende desde a altura onde os braços se
cruzam até os pés da figura (Apêndice I.B). Em uma figura do Museum of
Fine Arts of Budapest [07], a cavidade acaba junto à base da figura,
enquanto na figura do National Museum of Ireland [08], a cavidade termina
um pouco acima da base. Assim como na cavidade anterior, este tipo
também deveria conter um papiro em seu interior.
12.3 CAVIDADE NA LATERAL DA BASE
As figuras dos tipos 2.c e 2.d podem possuir uma cavidade retangular
na lateral da base fechada por um sarrafo deslizante (Apêndice I.C). No
presente catálogo podemos observar tal cavidade em um Osíris de Verniz
Preto do British Museum [11] (Pr. XXXV).
12.4 ESTÁTUA TIPO CAIXÃO
Algumas estátuas dos tipos 5, 6 e 7 são manufaturadas no estilo dos
caixões, dividindo-se a figura ao meio em duas partes (Apêndice I.D).
Podemos observar este tipo de cavidade na parte de trás do Ptah- Sokar-
Osíris de Djehoutimes, do Museum of Fine Arts de Budapest (inv. 51.244)
(Fig. 63), e num Ptah-Sokar-Osíris encontrado em Saqqara pela missão
arqueológica polonesa em um sepultamento do Período Ptolomaico (nº 483).
Neste último, podemos ver os pinos e furos, os quais servem para juntar as
duas partes da estátua, e também um pedaço de bandagem, provavelmente
203
um vestígio que restou da pseudo “múmia-de-
grão”, conteúdo típico desse tipo de cavidade
(Fig. 64).
12.5 CAVIDADE RETANGULAR NO VERSO
DO TOUCADO DIVINO
Outras figuras dos tipos 5, 6 e 7 podem
apresentar uma cavidade retangular aberta por
uma tampa no verso do toucado divino
(Apêndice I.E). Tal tipo de cavidade pode ser
observado no exemplar W2052 do Egypt Centre
de Swansea, onde ainda temos a tampa (Fig.
65), ou no Ptah-Sokar-Osíris do tipo 6.c do
Museo Gregoriano Egizio do Vaticano [38] onde
Figura 63 - parte de trás Ptah- Sokar-Osíris de Djehoutimes em forma de caixão - Museum of Fine Arts de Budapest (inv. 51.244)
Figura 64 - Ptah-Sokar-Osíris com cavidade tipo caixão com vestígios de uma pseudo ―múmia-de-grãos‖ em seu interior – Período Ptolomaico, Saqqara.
Figura 65 – cavidade retangular no verso do toucado divino. Ptah-Sokar-Osíris W2052 – Egypt Centre, Swansea
204
a tampa se perdeu (Pr. LXXII B).
12.6 CAVIDADE NO PILAR DORSAL
Parecida com a cavidade mencionada anteriormente, localizada no
verso do toucado divino, temos uma cavidade que se estende por todo o pilar
dorsal (Apêndice I.F). Essa cavidade pode ser encontrada no exemplar de
tipo 5.c pertencente à coleção do Allard Pierson Museum [29] (Pr. LVIII A), e
em uma estátua do mesmo tipo da coleção do Museu Nacional/UFRJ [MN-
01]. Nesta última, a cavidade estende-se por um pedaço do toucado divino
(Pr. I B).
12.7 CAVIDADE NO TOPO DA BASE
Dentre as estátuas de Ptah-Sokar-Osíris, o tipo mais comum de
cavidade é um receptáculo retangular ou quadrado no topo da base, fechada
por uma tampa deslizante simples, em forma de falcão ou sarcófago
(Apêndice I.G). Como exemplo de um Ptah-Sokar-Osíris com tampa simples
temos uma estátua do Museum of Fine Arts Boston do tipo 4.[17]. Com uma
tampa em forma de falcão, temos uma estátua do Kunsthistorisches
Museum de Viena do tipo 4. [14], na qual o falcão aparece com uma rica
decoração semelhante à da estátua; já numa estátua do British Museum
[21], o falcão aparece pintado simplesmente de preto. Com tampa em forma
de sarcófago temos os exemplares do Kunsthistorisches Museum de Viena
do tipo 6.b [37] e outro do tipo 7.a [41]. Outros exemplares têm um falcão
sentado acima do sarcófago, como pode ser visto no Ptah-Sokar-Osíris
Iâhmês de tipo 5.c [25] e no de Nesuy do tipo 6.b [36]
205
CAPÍTULO 13. CONTEÚDO
As estátuas de Osíris e de Ptah-Sokar-Osíris podem ser sólidas, ou
conter uma cavidade no torso ou na base como pudemos observar acima. As
estátuas com uma cavidade são mais numerosas. Nas cavidades, no tronco e
na lateral da base das estátuas de Osíris podemos encontrar comumente um
papiro com inscrições do “Livro dos Mortos”. E nas cavidades, no tronco e na
base, das estátuas de Ptah-Sokar-Osíris podemos encontrar uma pseudo
“múmia-de-grãos”. Em alguns casos, a cavidade também poder ser
encontrada vazia ou, no que se refere às estátuas de Osíris, temos em seu
interior um papiro com inscrições de outros textos funerários.
13.1 LIVRO DOS MORTOS
O “Livro dos Mortos” faz parte da categoria de textos pertencente à
Literatura Funerária. Estes textos, cujo uso é conhecido apenas entre os
egípcios antigos, eram de uso exclusivo do morto e serviam para auxiliá-lo
na sua passagem para o outro mundo, com o que o mesmo podia tornar-se
um espírito glorificado ao final de sua jornada. As fórmulas e encantamentos
necessários para ultrapassar as dificuldades dessa viagem encontravam-se
inscritos nas paredes das câmaras funerárias, nos caixões, nas bandagens e
nos papiros colocados junto à múmia. Assim o morto teria fácil acesso a
estes e poderia utilizá-los no momento adequado. (BRANCAGLION JUNIOR,
2004, pp.48-49)
Os “Textos das Pirâmides”, encontrados nas câmaras subterrâneas das
pirâmides dos soberanos da V e VI Dinastias, foram o primeiro corpo de
textos de Literatura Funerária cujo uso era exclusivo do rei. Suas fórmulas
provavelmente provinham de uma época mais antiga, quando as mesmas
deveriam ser recitadas oralmente por um sacerdote leitor, como indicam
certas referências. Nestas, o rei deveria ascender ao céu para se unir aos
deuses. Não tendo o resto da população o mesmo destino reservado ao faraó,
alguns estudiosos acreditam que o faraó era o representante de uma ba
coletiva do povo egípcio e que a sua ascensão ao céu representaria a
206
ascensão de todos. (BRANCAGLION JUNIOR, 2004, pp. 49-52; 2007,
informação verbal29)
O uso por particulares dessa literatura funerária irá ocorrer pela
primeira vez nos “Textos dos Caixões” inscritos nos caixões de madeira do I
Período Intermediário e do Médio Império. Nestes, um novo destino é
oferecido ao morto: o Mundo Inferior, o domínio do deus Osíris. Assim, as
fórmulas antes de uso exclusivo do rei para ascender ao céu são adaptadas,
para que o morto transponha os perigos e dificuldades deste mundo e possa
se transformar num espírito glorificado. (BRANCAGLION JUNIOR, 2004, pp.
53-55; 2007, informação verbal30)
Com o “Livro dos Mortos”, sucessor dos “Textos dos Caixões”, temos
uma democratização dessa literatura funerária, passando ela a ser acessível
a todos os mortos. Ele irá surgir no II Período Intermediário, na região de
Tebas, aparecendo nessa época em sudários da realeza. Seu uso por pessoas
que não pertencem à realeza começa a ocorrer com mais frequência na XVIII
Dinastia, nos reinos de Hatshepsut (1473 a.C-1458 a.C.) e Thutmés III (1479
a.C.-1425 a.C.). (BRANCAGLION JUNIOR, 2004, p. 56; HORNUNG, 1997, p.
22)
No Período Ramessida e na XXI Dinastia, encontramos o papiro do
“Livro dos Mortos” encerrado no interior das estátuas de Osíris (tipos 1. e 2.).
Nesse período ele costuma aparecer em conjunto contendo um papiro com
uma cópia do “Livro do Amduat” e encerrado nas bandagens da múmia. Às
vezes, podemos encontrar, alternativamente, um papiro com uma mistura de
ambos os textos. Nessa mesma época também aparecem exemplares escritos
em hierático, ao lado daqueles escritos em hieróglifo cursivo. As vinhetas,
que anteriormente apareciam apenas como ilustrações simbólicas para
alguns poucos capítulos, agora ilustram quase todos os capítulos. Algumas
vinhetas chegam a ocupar toda a altura do papiro, representando ela um
resumo do capítulo. (HORNUNG, 1997, p. 22)
29 Cultura e Literatura no Egito Pré-Islâmico. Curso da Pós-Graduação do Departamento de Letras Orientais, FFLCH, USP. Aula 6 – Literatura Funerária. Ministrada em 21 set. 2007. 30 Cultura e Literatura no Egito Pré-Islâmico. Curso da Pós-Graduação do Departamento de Letras Orientais, FFLCH, USP. Aula 6 – Literatura Funerária. Ministrada em 21 set. 2007.
207
Entre a XXII Dinastia e a XXVI Dinastia, o “Livro dos Mortos” cai em
desuso. Neste mesmo período, desapareceram as estátuas funerárias de
Osíris porta-papiro, sendo as mesmas substituídas na XXV Dinastia pelas
estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris, em sua maioria contendo uma
pseudo “múmia-de-grãos” no interior de sua cavidade. No Período Saíta,
quando o “Livro dos Mortos” ressurge, ele atinge a sua versão canônica
organizada em 165 capítulos em uma ordem regular, a qual é conhecida pela
denominação de Recensão Saíta. A sua versão completa, com 192 capítulos,
será encontrada apenas no Período Ptolomaico e irá sobreviver até o Período
Romano. (BRANCAGLION JUNIOR, 2004, p. 56; HORNUNG, 1997, p. 23)
No Egito antigo, o “Livro dos Mortos” era conhecido sob o nome de
“Livro para sair à Luz do Dia”, uma referência ao título do primeiro capítulo:
“Início dos capítulos para sair à luz do dia, dos louvores e das invocações
(ligados ao) entrar (do) e sair do domínio sagrado do deus no Belo Ocidente.
A serem recitados no dia do sepultamento, de entrar depois de haver saído.”
(ALLEN, 1974, p. 5) (Fig. 66) A Denominação moderna foi dada em 1842,
pelo egiptólogo alemão Karl Richard Lepsius, na sua publicação do exemplar
do “Livro dos Mortos” pertencente à Iufankh, atualmente no Museu de
Turim. (BRANCAGLION JUNIOR, 2004, p. 55; HORNUNG, 1997, p. 24)
Figura 66 - Início do ―Livro dos Mortos‖ com a inscrição ―sair à luz do dia‖ à direita (originalmente localizado no verso) e o morto fazendo oferendas para Rê-Horakhty, Osíris, Ísis e Néftis. ―Livro dos Mortos‖ de Khonsoumès (N 3070) – Museu do Louvre
208
O tamanho do papiro contendo o “Livro dos Mortos” varia conforme o
número de capítulos utilizados. Assim, temos exemplares de 1m até 25m de
comprimento nas versões mais completas, e de 30 cm a 40 cm de altura
(BRANCAGLION JUNIOR, 2004, p. 56). Os exemplares do Novo Império até a
Baixa Época costumam ter as vinhetas coloridas, enquanto nos Período
Ptolomaico e Romano elas são apenas pretas (HORNUNG, 1997, p. 23).
Via de regra, cada capítulo é constituído por um título, seguido da
fórmula, e uma vinheta ilustrando o conteúdo do mesmo pode acompanhá-
lo. O título e as partes importantes eram escritos em vermelho, e a fórmula
em preto. Alguns capítulos ainda contêm uma rubrica com instruções de uso
e efeitos esperados que a fórmula deveria ter (exemplo ver LM 100 abaixo). A
ordem e a escrita dos capítulos varia de papiro para papiro. Mas, conforme a
época, existem certos capítulos preferenciais para o início e para fim do livro.
Sessenta por cento dessas fórmulas têm sua origem nos “Textos das
Pirâmides” e nos “Textos dos Caixões”. (BRANCAGLION JUNIOR, 2004, p.
56; 2007, informação verbal31; HORNUNG, 1997, pp. 25-26)
As fórmulas do “Livro dos Mortos” contêm os conhecimentos
necessários para que o morto possa sobreviver no Mundo dos Mortos e não
seja condenado a não existência, ou seja, à morte definitiva. Entre os
principais conhecimentos estão: as preces dedicadas às grandes divindades,
a identificação do morto com os deuses e as forças divinas e o domínio
dessas forças por meio do conhecimento de seus nomes secretos.
(BRANCAGLION JUNIOR, 2004, p. 57)
Com o domínio desses elementos, o morto poderia entrar e sair à
vontade no “Belo Ocidente”, transfigurar-se, glorificar-se, recuperar as
funções vitais, conduzir a ba de volta ao corpo, conhecer as almas de
Hieracômpolis, viajar até Abidos e seguir Osíris, derrotar os seus inimigos,
respirar a brisa e beber água à vontade, não comer excremento e não beber
urina, evitar os trabalhos no Mundo dos Mortos e obter o godê e a paleta de
escriba. (BRANCAGLION JUNIOR, 2007, informação verbal32)
31 Cultura e Literatura no Egito Pré-Islâmico. Curso da Pós-Graduação do Departamento de Letras Orientais, FFLCH, USP. Aulas 6 e 7 – Literatura Funerária. Ministradas em 21 set. 2007 e 28 set. 2007. 32 Cultura e Literatura no Egito Pré-Islâmico. Curso da Pós-Graduação do Departamento de Letras Orientais, FFLCH, USP. Aula 6 – Literatura Funerária. Ministrada em 21 set. 2007.
209
Para realizar tais objetivos, duas eram as principais etapas que o
morto teria que ultrapassar: a justificação e a glorificação. Na primeira,
retratada principalmente no capítulo 125, a alma do morto era julgada na
Sala das Duas Maats, sendo seu coração pesado, refletindo sua conduta em
vida. O morto era conduzido a este recinto pelo deus Anúbis perante Osíris,
o juiz do julgamento, e de um grupo de 42 deuses assessores33. Diante de
cada um desses deuses assessores, ele teria que negar um pecado não
cometido em vida, sendo esta ação conhecida pelo nome de “Confissão
Negativa” (Fig. 67). Após ter realizado suas confissões, o morto era conduzido
perante a balança pela deusa Maat, pela deusa Amentet ou pelo deus Hórus.
Na balança, seu coração era pesado contra uma imagem da deusa Maat ou
uma pluma de avestruz, representando a mesma. O coração, registro das
ações do morto em vida, deveria ter o mesmo peso da pluma, a qual
representa a verdade e a justiça. Para evitar que o coração falasse algo que
pudesse prejudicar o seu dono, o mesmo era substituído em muitas múmias
por um amuleto chamado “escaravelho coração”, no qual estava inscrita a
fórmula 30B do “Livro dos Mortos”. A pesagem do coração era feita pelo deus
Anúbis ou Hórus, enquanto o deus Thot, o escriba dos deuses, registrava o
veredicto do julgamento. Caso o resultado fosse negativo, a deusa Ammut, “a
Devoradora”, uma criatura híbrida representada com cabeça de crocodilo,
patas dianteiras de leopardo ou leão e patas traseiras de hipopótamo,
sentada ao lado da balança, estaria pronta para engolir o coração do morto.
Dessa forma ele era condenado a não existência, ou seja, à segunda morte, a
morte definitiva. Mas, ao contrário, sendo o resultado positivo, o morto era
conduzido perante Osíris, sentando em seu trono, quase sempre
acompanhado de Ísis e Néftis e dos quatro Filhos de Hórus, e ele recebia o
título de maA-xrw (Justificado ou Justo de Voz). (BRANCAGLION JUNIOR,
2004, pp. 59-67) (Fig. 68) Este título era adicionado após o nome do morto
nas inscrições, como pode ser observado naquelas que se encontram em
algumas das estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris aqui
estudadas. No Período Tardio, uma coroa, a coroa da justificação, era
33 O número de desses deuses pode variar conforme a versão. O número de 42 deuses, considerado o ideal, estaria associado com o número total de nomos do Egito.
210
colocada na cabeça da múmia, para demonstrar que o morto foi aprovado no
tribunal de Osíris (BRANCAGLION JUNIOR, 2004, informação verbal34).
34 O Egito Antigo. Curso de Extensão Departamento de Letras Orientais, FFLCH, USP. Aula 8 – Deuses e Demônios: uma visão do Outro Mundo. Ministrada em: 10 dez. 2004.
Figura 68 - Capítulo 125 do ―Livro dos Mortos‖ mostrando a pesagem do coração do morto perante Osíris – Papiro Hunefer (BM EA 9901,3), XIX Dinastia – British Museum
Figura 67 – Anhai diante dos deuses da ―Confissão Negativa‖. ―Livro dos Mortos‖ de Anhai (BM EA 10472), XXI Dinastia – British Museum
211
Após se tornar um Justo de Voz, o morto tem de passar por mais uma
importante aprovação. Nos capítulos 100 a 102 e 129 a 136 ele torna-se um
sAxu, ou seja, um ser glorificado diante do deus Rê. Assim, ele poderá se
tornar um membro da barca solar, e, junto com os demais deuses, viajar
pelo céu na barca do deus Sol e desfrutar dos Campos de Oferendas.
ROLO PARA INICIAR O GLORIFICADO E POSSIBILITAR QUE ELE EMBARQUE NA BARCA DE RÊ E SUA TRIPULAÇÃO.
PARA SER DITO POR N.: Eu transportei a Fênix para o leste, Osíris para Busíris. Eu
abri os poços da Inundação, eu aplainei os caminhos para o Disco. Eu puxei Sokar no seu treino e tornei poderosa a grande naja (real) na sua estação. Eu cantei, eu adorei o Disco. Eu me juntei aos (babuínos) adoradores (do sol); Eu sou um deles. Eu tenho sido o companheiro de Ísis; eu fiz poderosos os (seus) encantamentos mágicos. Eu amarrei o cabo de reboque. Eu repeli APOPHIS, eu retornei os seus passos. Rê estendeu as suas mãos para mim; sua tripulação não deve me repelir. Se eu sou poderoso, o Olho Perfeito é poderoso e vice-versa.
Para qualquer um que queira afastar N. (da barca de Rê), ele é afastado do ovo e do peixe-AbDw.
PARA SER DITO SOBRE ESTA IMAGEM QUE É DESENHADA, DESENHADA SOBRE UM PEDAÇO DE PAPIRO LIMPO, SEM USO, COM O PÓ (DE) ESMALTE VERDE COM ÁGUA DE MIRRA, COLOCADA NO PEITO DO GLORIFICADO SEM DEIXAR QUE SE APROXIME (MUITO) DO CORPO.
PARA TODO GLORIFICADO PARA QUEM ISTO É FEITO, ELE EMBARCA NA BARCA DE RÊ DIARIAMENTE E THOT OLHA POR ELE ENQUANTO ELE DESEMBARCA E EMBARCA (DIARIAMENTE).
UMA FÓRMULA VERDADEIRAMENTE EXCELENTE (EXPERIMENTADA) UM MILHÃO DE VEZES.
Tu deves desenhar ela com um traço cuidadoso e a barca de Rê igualmente. Referente (ao pó) de esmalte verde, ele é mencionado na intenção de enfatizar o verde, este com o qual (o documento) deve ser escrito.
Eu sou um iniciado, livre de pecados. Não há nada que (eu) não saiba sobre a verdade. Ela é apresentada nas minhas mãos para o seu senhor, e ele se alegra comigo sobre ela todos os dias. Eu vi segredos em Busíris, pois eu sou o companheiro do embalsamador. (Eu) elevei o Pilar e estabeleci o amuleto-tie. (Eu) naveguei na ascensão de Rê onde quer que ele fosse.
Graciosa foi a observação de Thot feita para Rê, com a aprovação do santuário-innt. Foi satisfeito com seu senhor Rê quando Thot falou: “Olha por sua (alma) quando ela desembarca ou embarca na barca de Rê, enquanto o cadáver permanece no seu lugar.”
LM 100
(ALLEN, 1974, p. 82)
212
A glorificação aparece mais camuflada que a justificação, o que em
outro aspecto pode ser visto na maior importância dada pelos egípcios no
aspecto osiríaco da pós-morte. (BRANCAGLION JUNIOR, 2004, pp. 57-58;
2004, informação verbal35; 2007, informação verbal36)
No Campo de Oferendas ou Campos de Iaru, uma espécie de Campos
Elíseos egípcios, o morto teria o alimento necessário para a sua
sobrevivência no Mundo Inferior. Mas, para que o morto não precisasse
trabalhar na colheita de trigo e da cevada (Fig. 69), a qual atingia proporções
gigantes no Outro Mundo, segundo o capítulo 109 eram colocadas junto ao
morto em sua tumba figuras chamadas shabtis ou ushabtis. (SHAW;
NICHOLSON, 1995, p. 99) Inicialmente, no Médio Império, quando estas
figuras eram vistas como uma representação do morto, cada pessoa tinha
apenas uma shabti. Mas, no Novo Império, quando estas figuras passam a
serem vistas apenas como servos que trabalham para o morto, seu número
torna-se cada vez maior, chegando o faraó Séthi I ter por volta de 700
35 O Egito Antigo. Curso de Extensão Departamento de Letras Orientais, FFLCH, USP. Aula 7- Os dois grandes mistérios: da “Justificação” à “Glorificação” do morto. Ministrada em: 03 dez. 2004 e Aula 8 – Deuses e Demônios: uma visão do Outro Mundo. Ministrada em: 10 dez. 2004. 36 Cultura e Literatura no Egito Pré-Islâmico. Curso da Pós-Graduação do Departamento de Letras Orientais, FFLCH, USP. Aula 6 – Literatura Funerária. Ministrada em 21 set. 2007.
Figura 69 – O morto trabalhando no Campo de Oferendas. ―Livro dos Mortos‖ de Ani (BM EA 10470,35), XIX Dinastia – British Museum
213
servidores funerários. Nas mãos, as shabtis carregavam ferramentas para
trabalhar nos campos e para que obedecessem as ordens do senhor, o
capítulo 6 vinha inscrito sobre elas. (GAMA, 2008, pp. 65-67)
FÓRMULA PARA FAZER UM USHABTI TRABALHAR (PARA UM HOMEM) NO DOMÍNIO DO DEUS. PARA SER DITO POR N.:
Ó tu ushabti, se Osíris N. for chamado para fazer qualquer trabalho que se costuma fazer lá nos domínios do deus – veja, obstáculos foram colocados para ele lá – [como] um homem para com os deveres, tu estás encarregado com todas [essas (tarefas) as quais se costuma fazer lá], cultivar os campos, irrigar os canais, transportar areia do oeste ou do leste. “Eu (os) farei; aqui estou,” tu deves dizer.
LM 6
(ALLEN, 1974, p. 8)
Por algum motivo por nós desconhecido, algumas dessas shabtis
foram transformadas posteriormente em figuras funerárias de Osíris, como
ocorreu, por exemplo, com o exemplar de Ramessés II mostrado em nosso
catálogo [55].
13.2 PSEUDO ―MÚMIAS DE GRÃOS‖
Por volta da XXV Dinastia, as estátuas de Ptah-Sokar-Osíris aparecem
em substituição às estátuas funerárias de Osíris. Tendo o “Livro dos Mortos”
caído em desuso por volta da XXII Dinastia, as estátuas de Ptah-Sokar-
Osíris apresentarão um novo conteúdo em sua cavidade: uma pseudo
“múmia-de-grãos”. Estas se encontravam no interior de uma cavidade no
torso da estátua ou na base (ver 12). Quando no interior da cavidade no
tronco, elas possuíam uma forma fina e alongada (Fig. 70), e, na cavidade da
base, a forma de um pequeno pacote tubular (Fig. 71). As análises feitas nas
figuras dos exemplares do Museo Cívico de Bologna, do Fitzwilliam Museum
Figura 70 - Pseudo ―múmia-de-grãos‖ alongada encontrada no interior da cavidade no tronco das estátuas de Ptah-Sokar-Osíris. (RAVEN, 1978-1979, pl. 41, 5)
214
em Cambridge, do Rijksmuseum van Oudheden
de Leiden e do Museo Egizio de Turim mostram
serem estas figuras feitas de uma mistura de
barro e grãos de trigo ou cevada, que não
germinaram, envoltos em linho. Estas análises
também provam serem falsas as afirmações de
serem estas pseudo-múmias membros do morto
ou pequenos animais mumificados, como ainda
é comumente afirmado por estudiosos. (RAVEN,
1982, pp. 16-18)
Segundo Raven, o simbolismo do conjunto da estátua deixa clara a
sua ligação com os Mistérios de Osíris praticados no mês de Khoiak. Esta
ligação já pode ser vista na inscrição de uma estátua de Osíris de verniz
preto encontrada no “cachette” dos sacerdotes em Deir el-Bahari. A inscrição
“pA xnty-Imntt n Wsir N mAa xrw” (O primeiro dos Ocidentais (figura) de Osíris N
justificado) é a mesma aplicada às múmias-de-grãos preparadas durante os
Mistérios de Osíris, segundo consta no texto de Dendera. (RAVEN, 1982, p.
16)
13.2.1 Outros Tipos de Figuras de Grãos encontradas no Contexto
Funerário
No Papiro Dramático Ramesseum do Médio Império encontramos a
primeira relação conhecida entre Osíris e os grãos. Neste, é descrito um
ritual no qual um burro, representando Seth, pisoteia a cevada, a qual seria
Osíris, numa alusão a quando Seth esquarteja o corpo de seu irmão em
pedaços (GRIFFITHS, 1966, pp. 106-107). No mesmo período histórico
também já é possível observar a existência de uma ligação do morto com os
grãos e Osíris, nos “Textos dos Caixões”, fórmula 269
Palavras a serem ditas para “Tornar-se cevada do Baixo Egito” N. que você é esse feixe de vida que sai de Osíris, que se
desenvolve sobre os lábios de Osíris, que faz viver os homens, que diviniza os deuses, que espiritualiza os bem-aventurados, que alimenta os mestres dos kas, mestre dos produtos, que faz os pães pakou para os bem-aventurados, que faz prosperar os vivos, que
Figura 71 – Pseudo ―múmia-de-grãos‖ em forma de pacote tubular encontrada no interior da cavidade no topo da base das estátuas de Ptah-Sokar-Osíris. (RAVEN, 1978-1979, pl. 41, 3)
215
fortifica o corpo dos vivos. N. que você viva em Nepri hety. N. você é Nepri hety dos vivos, N. que você se enriqueça sobre os lábios de Geb. O amor de N. que você está no céu, sobre a terra, nos campos. Ísis é vantajosa sobre seu Hórus, para o seu amigo que ele é, para o seu Hórus. N. que você reviva em Osíris.
(BARGUET, 1986, p.544)
e fórmula 330
“Tornar-se Neper” [...] Eu vivo e eu morro, (pois) eu sou Osíris. Eu saí de você, eu
entrei em você, eu cresci em você, eu me desenvolvi em você, eu vim de você, eu caí sobre meu lado, (de modo que) os deuses vivem de mim. Eu vivo e eu me desenvolvo em Nepri que os Imakhous carregam. Eu recupero Geb. Eu vivo, eu morro, eu sou o trigo, eu não sou destruído.
(BARGUET, 1986, p.544)
Em períodos anteriores quando encontramos uma relação entre o
morto e os grãos, os grãos estão presentes puramente como alimento para o
morto e não em um sentido simbólico ligado ao renascimento (RAVEN, 1982,
pp. 7-12).
As “Camas de Osíris” pertencentes ao Novo Império são as primeiras
provas arqueológicas encontradas de figuras feitas de grãos. Ao total foram
encontrados sete espécimes em diferentes graus de conservação em tumbas
reais de Biban el-Muluk (Vale dos Reis). Estes exemplares possuem em
comum o fato de serem representações do deus Osíris de perfil, olhando
para a direita, usando a coroa Atf e segurando nas mãos o cajado e o açoite.
Eles estão deitados em um suporte de grade de madeira, coberto por tecido
ou esteiras (FIGURA 72), ou em uma caixa de madeira, e os exemplares do
Período Pós-Amarniano estão numa caixa com perfurações (Figs. 73, 74 e
75). Nos espécimes que sobreviveram, os grãos de cevada germinaram e
cresceram a uma altura considerável. (RAVEN, 1982, pp. 12-15)
216
Figura 72 – ―Cama de Osíris‖ de Maihirpre
Figura 73 – ―Cama de Osíris‖ de Horemheb – XVIII Dinastia.
Figura 74 - Cama de Osíris de Tutankhamun – XVIII Dinastia.
Figura 75 - Cama de Osíris de Tutankhamun sem o envoltório – XVIII Dinastia.
217
A partir da Baixa Época em diante temos as chamadas “Múmias-de-
Grãos” encontradas em sua maioria em fossas simples. Estas coexistem com
as estátuas de Ptah-Sokar-Osíris, ao contrário das “Camas de Osíris” que
desaparecem no final do Novo Império. As “Múmias-de-Grãos” têm em
comum serem objetos mumiformes antropomorfos, geralmente enroladas ou
cobertas em bandagens de linho e providas com máscaras de cera (Fig. 76).
Ocasionalmente são encontrados atributos como cetros reais, um falo em
ereção e uma coroa Atf ou HDt. Seus corpos consistem de terra (barro, areia ou
uma mistura de ambos) contendo numerosos grãos de trigo que não
germinaram (Fig. 77). Algumas são encontradas dentro de caixões de
madeira ou barro com cabeça de falcão, podendo conter inscrições (Figs. 76,
78, 79 e 80). Também é possível encontrar junto com as figuras quatro
pacotes mumiformes tubulares, por vezes com máscaras de cera dos filhos
de Hórus (Fig. 80). Estes possuem igualmente uma mistura de areia e
cevada. Estas múmias de grãos foram encontradas em quatro localidades:
em Tebas, no Wadi Qubbanet el-Quirud (também conhecido como Vale das
Tumbas de Macacos), Tihna el-Gabal, es-Sheik Fadl, e num sítio
desconhecido no Médio Egito37. (RAVEN, 1982, pp. 18-27)
Um último grupo de figuras são os chamados “Tijolos de Osíris”.
Características comuns dessas figuras são de serem de barro cozido
vermelho, de forma retangular, e de possuírem ao centro um rebaixo com a
imagem de Osíris, de perfil, usando a coroa Atf e a barba divina e portando o
cajado e o açoite (Figs 81, 82, 83 e 84). A imagem de Osíris era originalmente
preenchida com uma mistura de terra com grãos, a qual não foi preservada
na maioria das figuras (Figs. 81 e 83). Os tijolos têm em média 24 cm de
comprimento, 12 cm de largura e 6 cm de profundidade. Alguns exemplares
contêm um rebaixo raso na parte superior (Fig. 82). Os exemplares
conhecidos foram encontrados no Wadi Qubbanet el-Quirud, Gebel el-Tarif e
possíveis outras localidades na margem Ocidental de Tebas, tendo uma
datação entre o III Período Intermediário e o Período Romano. (TOOLEY,
1996, pp. 167-179)
37 características comuns levam a crer pertencerem este grupo de figuras ao mesmo sítio.
218
Figura 76 – ―Múmia-de-Grãos‖ enrolada em linho e com máscara de cera em caixão com cabeça de Sokar - Museum of Fine Arts Boston
Figura 77 – ―Múmia-de-Grãos‖ de com falo ereto e máscara de cera - British Museum
Figura 78 – ―Múmia-de-Grãos‖ com máscara de ouro em caixão com cabeça de Sokar
Figura 79 - Caixão ―Múmia-de-Grãos‖ com cabeça de Sokar contendo inscrições e representação dos quatro Filhos de Hórus (primeira fileira) e de Ísis (segunda fileira à esquerda) e Néftis (segunda fileira à direita) - Museu do Louvre Inv. E 12181
Figura 80 – ―Múmia-de-Grãos‖ com quatro pacotes tubulares (Filhos de Hórus) em caixão com cabeça de Sokar - British Museum
219
Figura 81 - Tijolo de Osíris com embrulho de Grãos - Medelhavsmuseet, Stockholm Inv. MME 10988
Figura 82 - Tijolo de Osíris - Museu do Louvre Inv. E 11375
Figura 83 - Tijolo de Osíris preenchido com grãos—Sammlung des Ägyptologischen Instituts der Universität, Heidelberg
Figura 84 - Tijolo de Osíris—Pelizaeus-Museum, Hildesheim Inv. Nr. 4550
220
Alguns autores acreditam serem os “Tijolos de Osíris” na verdade os
moldes das figuras de grãos produzidas durante o Festival de Khoiak, já que
os moldes de ouro descritos nos textos do festival não foram encontrados
(RAVEN, 1982, p. 29). Angela Tooley contesta essa hipótese, assumindo que:
[...] Tijolos de Osíris eram preenchidos com terra e areia e cultivados com grãos, da mesma maneira que as Camas de Osíris do Novo Império, e de acordo com as posteriores instruções dos textos de Dendera, considerando a criação das múmias-de-grãos de Khenty-Imentiu. O fato de exemplares de tijolos de cerâmica terem sido encontrados com o seu conteúdo original indica que eles não podem ser vistos como moldes de figuras tridimensionais. Parece muito mais provável que estes sejam receptáculos com tampas, talvez uma variação das Camas de Osíris do Novo Império. Os dados do texto de Dendera e os materiais exatos ali citados podem não ter uma aplicação mais ampla, uma vez que está claro, conforme evidências existentes, que fatores locais determinavam esses fatos.
(TOOLEY, 1996, p.179)
13.2.2 O Festival de Khoiak
As figuras de grãos descritas acima se assemelham a figuras de grãos
produzidas durante o Festival de Khoiak. Este era um festival realizado no
quarto mês de Khoiak (Inundação) ou Akhet38, em homenagem ao deus
Osíris. Sua popularidade pode ser vista pelo aumento de sua duração, sendo
em seu período mais extenso comemorado do dia 12 ao 30 de Khoiak. Já no
final do Antigo Império, outro importante festival se junta ao Festival de
Osíris, o Festival de Sokar, realizado no princípio em Mênfis. Em pouco
tempo temos a fusão total dos dois festivais, sendo praticamente impossível
distinguir um do outro.
A menção ao festival nos chegou de várias fontes de diferentes
períodos. Mas as informações fornecidas muitas vezes se referem a
acontecimentos específicos, ou são lacunares. Portanto, ainda não sabemos
ao certo de todos os acontecimentos do festival, da mesma forma como nos
falta saber o seu verdadeiro significado. As hipóteses sobre o seu significado
concentram-se na idéia de este ser um festival agrícola em comemoração às
cheias do Nilo, ou um festival celebrando o renascimento de Osíris.
38 Khoiak é denominação copta para o mês egípcio de Akhet.
221
Das informações que possuímos podemos perceber que um dos
objetivos do festival era representar o mito de Osíris, desde seu assassinato
por seu irmão Seth até a sua ressurreição como o Senhor do Mundo dos
Mortos. Os assim chamados mistérios de Osíris contavam com
representações dramáticas, com a participação de músicos e dançarinas. Em
geral era um monólogo no qual um ator se dirigia a Osíris, o qual sempre era
representado por uma estátua. A intenção era a de que o mito de Osíris fosse
melhor visualizado (MIKHAIL, 1984a, p. 36). Além disso, outra importante
ação realizada era a fabricação de figuras feitas em geral de uma mistura de
areia e grãos.
Do material referente ao Festival de Khoiak que chegou aos nossos
dias, a maioria pertence aos Períodos Ptolomaico e Romano. As fontes de
Períodos anteriores são escassas, pertencendo as primeiras ao Médio
Império. No caso de levarmos em conta o Festival de Sokar, o qual se integra
ao Festival de Osíris, nossas fontes remontam ao Período Arcaico. As
evidências contidas principalmente na Pedra de Palermo mostram eventos
associando Sokar ao rei, os quais seriam a origem para o seu Festival. A
procissão de circundar os muros (pXr HA inbw) e o ato de capinar a terra já
estão presentes, ocorrendo no começo inicialmente em períodos irregulares,
na I Dinastia associando-se à Festa da Barca Maaty39, passando na II
Dinastia a ser comemorado a cada seis anos. (GABALLA, KITCHEN, 1969,
pp. 13-19)
No início do Antigo Império o Festival de Sokar passa a ser celebrado
anualmente. Também passamos a encontrar menções fora de Mênfis em
fórmulas funerárias em Assuan, Dendera, Meir e Sheik Said (GABALLA,
KITCHEN, 1969, p. 21; MIKHAIL, 1984b, p. 28). Fora do Festival de Khoiak
já encontramos evidências da associação de Sokar a Osíris em especial nos
Textos das Pirâmides (§ 1256 e 1824), levando em conta principalmente o
caráter funerário de ambos os deuses. Segundo Gaballa e Kitchen (1969, p.
23 e 34-36), a “osirificação” e a junção ao Festival de Khoiak com o Festival
de Sokar teria ocorrido no final do Antigo Império.
39 Barca pertencente ao grupo das barcas solares associadas à Sokar
222
No Médio Império nossas principais fontes são estelas encontradas em
Abidos, relatando a participação de seus donos no Festival de Khoiak.
Destas, a mais completa é aquela com o relato do príncipe Ikhernofret,
diretor do Tesouro e Edifícios de Senusret III e Chefe dos Segredos das
Palavras Divinas. Ao contrário da maioria dos autores, Frankfort (1948,
p.203-204) acha que os rituais descritos nessa estela não pertencem aos
Mistérios de Osíris celebrados no mês de Khoiak. Segundo ele, os fatos
ocorridos lembram os rituais praticados por ocasião da morte dos primeiros
reis, os quais estão ali enterrados, além da ausência de Hórus, que
desempenha importante papel no drama como filho que vinga a morte do
pai. Gwyn Griffiths (1966, p. 93), porém chama atenção para o fato de que
no Festival de Osíris, conforme representado na estela de Ikhernofret, temos
o resquício de um período anterior, no qual Osíris é representado como um
chacal, e o deus chacal Wepwawet é tido como seu filho. E, conforme a
inscrição da estela, Wepwawet vai salvar o seu pai Osíris, dessa forma
estando ele no lugar que posteriormente será ocupado por Hórus.
Outras evidências do Médio Império são relevos e inscrições em
Abusir, Assiut, Assuan, Beni Hassan, El Bersheh, Dendera, Meir e Licht
(GRAINDORGE-HÉREIL, 1994, pp. 58-59; MIKHAIL, 1984b, p. 28). O Papiro
Kahun menciona a celebração de dois Festivais de Sokar, sendo um no
quarto mês de Akhet, e a celebração do Festival no templo funerário do
Faraó, além de Mênfis. Nos “Textos dos Caixões” (fórmulas 419, 439, e 557)
temos à menção de que o Festival de Sokar está associado a Osíris:
Saudações para ti, Ó Osíris, pai dos deuses, no teu agradável dia do festival de Sokar! A população (rmT) observa-te, todo povo comum (rxyt) segue-te, todas as pessoas (pat) adoram-te.
(CT Fórmula 419)
No Novo Império as fontes que temos concentram-se nos templos da
região tebana, sendo a principal o relevo no templo funerário de Ramessés III
em Medinet Habu. O relevo está localizado no registro superior na parede
leste (correndo de oeste para leste) e no santuário de Sokar, na Sala 4, ao
norte da sala hipostila principal. O relevo está localizado no registro superior
da parede sul do Segundo Pátio e continua até a metade da parede leste
223
(correndo de oeste para leste). Nele estão retratados os principais
acontecimentos do dia 26 de Khoiak, dia do Festival de Sokar40. Estes
relevos estariam baseados nos que deveriam existir no Ramsseum.
(GABALLA, KITCHEN, 1969, pp. 2 e 30) No santuário de Sokar da Sala 4, ao
norte da sala hipostila principal ainda temos a representação da barca
Henu. Provavelmente a barca de Sokar usada em sua procissão ficava neste
recinto e no mesmo eram realizadas as partes reservadas do festival.
(MURNANE, 1980, p. 28)
Em Karnak, no templo de Akhmenu, temos a representação da
renovação do rei divino e do rei identificado à Sokar passando por rituais
funerários (Tenda da Purificação e Abertura da Boca), e, na parede sul do
templo principal de Amun, temos o relevo mostrando Ramessés II
conduzindo a barca de Sokar diante de Ptah-Sokar-Osíris. No templo de
Sethi I em Abidos também encontramos cenas do puxar da barca Henu.
(GABALLA, KITCHEN, 1969, p. 30)
Além dos templos também temos representações da barca de Sokar e
sua procissão ou a Litania de Sokar em algumas Tumbas Tebanas (exemplos
são: TT 45, TT 50, TT 158). (GABALLA, KITCHEN, 1969, p. 33; MIKHAIL,
1984b, p. 28)
Uma vasilha de granito para terra
semeada, inscrita sob um rei da XXII
Dinastia em Koptos; um sarcófago de
Hawara com uma representação de um
Osíris germinando (Fig. 85); e o Papiro
Louvre 3176[s] são as fontes que temos do
Período Tardio. O papiro nos conta dos
acontecimentos ocorridos em Karnak dos
dias 16 ao 26 de Khoiak.
No Período Greco-Romano temos a assimilação total do Festival de
Sokar ao Festival de Osíris, tornando-se Sokar apenas uma forma de Osíris.
Neste período a principal representação encontra-se em Dendera, na capela
de Osíris no terraço do templo de Háthor. Ali temos uma lista com 16
40 Neste caso Sokar-Osíris
Figura 85 - Osíris germinando - Baixa Época, sarcófago Hawara
224
cidades onde os mistérios eram realizados, estando Dendera fora dessa lista.
Este fato nos leva a pensar que a lista é de fato mais simbólica do que real,
fazendo uma associação com as 16 ou 14 cidades onde Ísis encontrou os
membros mutilados de Osíris (RAVEN, 1982, pp. 27-28). O ponto central do
texto está na fabricação das figuras de Sokar e Khenty-Amentet feitas de
uma mistura de grãos. Os relevos dos recintos interiores das duas capelas se
concentram principalmente nas cenas de ressurreição, enquanto que os
outros recintos representam a proteção de Osíris durante o embalsamento
(BRUGSCH, 1881; LORET, 1882, 1883, 1884; MIKHAIL, 1984a, p. 36).
Também possuímos os textos dramáticos representados durante o
festival. Estes se concentram no aspecto funerário do mito de Osíris e no
papel de Ísis e Néftis. “O Livro de Proteger a Barca do Deus” nos conta sobre
as lutas contra Seth na barca neshemet. Já “Os Guardiões das Horas” é a
descrição das 24 horas guarda da múmia de Osíris. E por fim temos as “As
Canções de Ísis e Néftis”, as quais representam o aspecto lírico das
performances. (MIKHAIL, 1984a, pp. 42-47)
13.2.2.1 Os Dias e Acontecimentos do Festival de Khoiak
O Festival de Osíris durante o mês de Khoiak foi celebrado por quase
toda a história egípcia, sendo a sua duração ampliada ao longo do tempo
devido a sua popularidade. Gaballa e Kitchen, levando em conta este
aumento de dias, propõem três fases históricas para o Festival de Khoiak:
Os assim chamados „Mistérios‟ atestados para Abidos no Médio Império, por exemplo, a estela de Ikhernofret (Khoiak „A‟), as celebrações do 18 ao 30 do 4ºAkhet atestados no Novo Império e no papiro de 300 a.C.41 (Khoiak „B‟) e finalmente, as celebrações mais estendidas de Dendera do 12 ao 30 sob os Romanos (Khoiak „C‟).
(GABALLA e KITCHEN, 1969:35)
Levando em conta o Festival de Sokar, poderíamos incluir uma fase anterior,
a qual levaria em conta o Festival de Sokar celebrado durante o Antigo
Império.
41 Papiro Louvre N.3176(s)
225
Como já mencionado, o Festival de Sokar em seus primórdios está
associado ao Festival da Barca Maaty. Neste, era realizado um ritual de
capinar a terra com uma enxada, ou a abertura de um canal, ao final
ocorrendo a navegação numa barca. No dia 26 de Khoiak era realizada a
procissão de circundar os muros de um templo real (GABALLA, KITCHEN,
1969, p.13-19; GRAINDORGE-HÉREIL, 1994, p. 55-56). O primeiro circuito
é feito por Sokar e sua barca, representando o rei morto que vai ao encontro
do céu, e, o segundo, pelo rei, assumindo o papel de Hórus como governante
na terra. Para Wilkinson (Apud GRAINDORGE-HÉREIL, 1994, p. 56), esta
procissão estaria ligada a um antigo ritual de coroamento, destinado a
ilustrar a unificação do Alto e Baixo Egito.
Nas estelas do Médio Império (Khoiak „A‟), na ausência de datas
específicas, podemos dividir os mistérios de Osíris realizados em Abidos em
cinco atos principais, tendo como base a estela de Ikhernofret
(GRAINDORGE-HÉREIL, 1994, p. 60-61; FRANKFORT, 1948, p. 203-204;
LICHTHEIM, 1973, pp. 123-125; MORET, 1927, p. 249-251):
1. Preparativos para o festival, em especial da barca neshemet, da
capela e da estátua de Osíris.
Eu dirigi o trabalho relacionado com a barca neshemet; Eu entalhei a cabine, Eu adornei o corpo do Senhor de Abidos com lápis-lazúli, malaquita, electrum e todos os tipos de pedras preciosas, dignas para adornar a carne de um deus. (Depois) Eu adornei o deus com a sua indumentária, no meu ofício de Chefe do Mistério. Meu ofício foi aquele de Sem (mestre das cerimônias rituais), para isto eu tenho mãos puras para adornar o Deus, Eu sou um Sem com dedos purificados.
(MORET, 1927, p. 250)
2. Procissão triunfal de Osíris acompanhado por Upwaut, repelência
dos rebeldes da barca neshemet.
Eu arranjei a Procissão de Upwaut quando ele foi defender (vingar, apoiar) seu pai. Eu repeli aqueles os quais se rebelaram contra a barca
neshemet e subjuguei os inimigos de Osíris.
(FRANKFORT, 1948, p. 203)
226
3. “Grande Procissão”, momento no qual Osíris morre; sua tumba é
então preparada e ele é enterrado em Peker, onde ele recebe a coroa de
justificação.
Eu dirigi a Grande Procissão e acompanhei o deus em seu caminho. Eu fiz a barca divina navegar e Thot guiou a jornada. Eu adornei a barca, chamada “Ela que reluz para frente em verdade”, e o Senhor de Abidos com uma capela, e coloquei nele (Osíris) belas jóias quando ele foi para a localidade de Peker. Eu conduzi o caminho do deus para a sua tumba em Peker.
(FRANKFORT, 1948, p. 203)
4. Grande Batalha de Nedit, na qual Osíris é vingado.
Eu vinguei Unnefer, naquele dia da Grande Batalha, Eu subjuguei todos os adversários nas margens de Nedit e Eu o fiz conduzir a grande barca, a qual carrega sua beleza.
(MORET, 1927, p. 251)
5. Retorno triunfante de Osíris à bordo da barca neshemet para o seu
templo.
Eles viram a beleza da barca neshemet, assim que ela chegava em Abidos. Ela trazia [Osíris, Primeiro dos Ocidentais, Senhor] de Abidos para o seu palácio. Eu segui o deus para a sua casa. A sua purificação foi feita; seu trono foi feito espaçoso. Eu soltei o nó no ---; [ele veio descansar entre] seus [companheiros], seu séquito.
(LICHTHEIM, 1973, p. 125)
Nas fases denominadas por Gaballa e Kitchen como Khoiak „B‟ e „C‟, já
temos uma datação mais específica dos acontecimentos. O maior número de
dias em períodos mais recentes acaba em geral por implicar apenas no
prolongamento por mais dias de certos rituais. Devemos levar em conta que
às vezes certos registros nos parecem meio confusos, por não estarem de
com os demais ou por não sabermos o seu significado. Destacamos abaixo
os principais acontecimentos mencionados nos templos de Abidos, Dendera,
Edfu, Karnak, Koptos, Medinet Habu e nos Papiros Jumilhac e Louvre
N.3176(s)42.
42 Ver ANEXO I para os eventos praticados em cada localidade nos dias do Festival de Khoiak.
227
No dia 12 de Khoiak, temos a “Grande Festa de Tena”, com a
cerimônia de lavrar e a semeadura. O material das figuras de Khenty-
Amentet e dos membros sagrados era preparado e colocado em moldes e, no
dia 14, dia da “Grande Festa Per-t”, eram preparadas as figuras de Sokar.
Ambas eram então irrigadas diariamente até o dia 24 ou 25, dependendo da
fonte (BRUGSCH, 1881, pp. 94-95; FRAZER, 1922, p. 376; LORET, 1884,
pp. 99-100; MIKHAIL, 1984, p. 32). Ao longo desses dias, diferentes
recitações rituais eram feitas para a proteção das figuras. No texto de
Dendera temos a menção de que no dia 19 a figura de Sokar era tirada do
molde, colocada num pedestal de ouro, coberta com um véu e então levada
para secar ao sol até o dia 23 de Khoiak (LORET, 1884, p. 101).
No dia 22 de Khoiak, temos a menção de dois importantes eventos: o
primeiro é a cerimônia de navegação de 34 barcas de deuses, feitas de
papiro, no lago sagrado iluminado por 365 luzes, na oitava hora da noite
(BRUGSCH, 1881, pp. 92-93 e 97; FRAZER, 1922, p. 376; GABALLA,
KITCHEN, 1969, p.38; LORET, 1884, p. 101). O segundo é a capinação da
terra, quando Osíris é vindicado ou justificado contra seus oponentes
perante o Grande Concílio (quatro deuses), na “Grande Capinação da Terra”,
quando a terra era capinada e fertilizada com o sangue de seus oponentes –
interpretados como os confederados de Seth, os quais assumiram a forma de
gansos (GABALLA, KITCHEN, 1969, p.39; MURNANE, 1980, p. 29).
No dia seguinte começava a preparação para o enterro. O corpo (inteiro
ou desmembrado) de (Sokar)Osíris deveria ser achado e/ou coletado,
trazendo-o de volta para o santuário Shetayet, e então seu embalsamento
por Anúbis era encenado ritualmente na Mansão de Ouro ou wabt. A
proteção do corpo de Osíris durante as horas vitais de embalsamento era
crucial e para estas eram devotadas as 24 horas do dia e da noite na “Vigília
das Horas”43 dos templos Ptolomaicos, que certamente tinha precursores
mais antigos. A figura deveria ser deitada no caixão, o qual deveria ser
mantido numa tumba temporária, e ritos de amortalhamento deveriam ser
praticados nas figuras do ano anterior. (GABALLA, KITCHEN, 1969, p. 40;
MIKHAIL, 1984, p. 32)
43 Ritual conhecido de forma geral na egiptologia pelo nome alemão de Stundenwachen.
228
No dia 25 de Khoiak era celebrada a festa Netjeryt, cujo significado não
sabemos. Talvez reflita a restauração dos poderes divinos ou do status do
(Sokar) Osíris mumificado e enterrado. Neste dia ocorria a navegação de
Osíris a bordo da barca neshemet para Abidos. Nesta ocasião, os inimigos do
deus eram virtualmente exterminados. (GRAINDORGE, 1992, pp. 95-98)
Oferendas eram feitas para Ptah-Sokar-Osíris, e os participantes das
cerimônias matinais amarravam colares de cebolas em seus pescoços para
acompanhar Sokar em sua procissão dentro dos precintos do templo (Fig.
86). Textos como “seja triunfante, seja triunfante, Ó soberano” e o
“Processionário de Sokar” eram recitados enquanto a imagem de Sokar era
carregada. À noite, colares de cebola eram novamente utilizados, desta vez
nas capelas de tumbas em Tebas. (GABALLA, KITCHEN, 1969 pp. 43-44) Os
colares de cebola tinham o papel de limpar e purificar a boca do morto, ou
seja, iluminar a face do deus morto, quando ao alvorecer do dia seguinte o
Sokar-Osíris desmembrado se tornasse um Osíris solar (GRAINDORGE,
1992, p. 98).
Figura 86 - participantes do Festival de Sokar diante de colares de cebolas, os quais eram utilizados por estes no dia 25 de Khoiak -
Tumba de Rai (TT225)
229
O dia 26 de Khoiak era o principal dia do Festival de Sokar. O único
dia que era considerado feriado, estando os demais dias ligados apenas a
rituais praticados nos templos (GABALLA, KITCHEN, 1969, p. 47). Nos
relevos do templo de Medinet Habu temos a representação mais completa
desse dia do festival. Todas as divindades do templo recebem o culto do
ritual matinal, e as oferendas são presenteadas aos ancestrais do faraó.
Ptah-Sokar-Osíris recebe uma oferenda maior que os demais. (Fig. 87) Em
seguida o rei oferece incenso para Khum presidindo sobre seus muros, e
Herremenwy-f(y) na Grande Mansão e Shesmu presidindo sobre a Per-Wer.
(Fig. 88) Estes deuses mênfitas tinham papéis de fertilidade e de guardiões
na renovação e proteção de Sokar-Osíris. Na Per-Henu, o sumo-sacerdote de
Ptah de Mênfis coloca a barca Henu sobre o seu trenó-mefekh. Em seguida
ocorria a performance da Litania de Sokar, invocando o deus em todas as
suas manifestações. (Fig. 89) Talvez ocorresse uma procissão até o terraço
do templo. Ao final acontecia a parte pública do festival, quando o rei, com a
ajuda de oficiais, dos filhos reais e de sacerdotes, puxa a barca Henu de
Sokar para circundar os muros do templo, seguindo-se talvez uma visita à
necrópole. (Fig. 90 e 91) Atrás da barca Henu seguiam sacerdotes
carregando o estandarte de Nefertum e outro estandarte menor de “Hórus
sobre a sua Haste de Papiro”. (Fig. 91) Em seguida, encontramos sacerdotes
incensando e fazendo libações pelo caminho, acompanhados por músicos e
seguidos pelas cinco barcas das deusas Háthor, “Wadjet”, Shesmetet, Bastet
e Sekhmet, cada uma acompanhada por um pequeno estandarte de
Nefertum e um sacerdote carregando um cesto com cinco gansos. Estas
eram seguidas por duas filas de sacerdotes com incenso, estandartes,
oferendas, bastões e símbolos. Após, vinham os quatro estandartes de
Wepwawet (um para o sul e outro para o norte), Khons, Hórus e Thot. Então,
por último, o primeiro dos sacerdotes-wab carrega um bastão, diante do
qual outros sacerdotes se ajoelham em adoração, enquanto o último
sacerdote da fila oferece incenso para o faraó (Ramessés III), seguido por
criados pessoais. (Fig. 92) (GABALLA, KITCHEN, 1969, pp. 48-52;
GRAINDORGE-HÉREIL, 1994, pp. 62-3, MURNANE, 1980, pp. 28-32)
Segundo Catherine Graindorge-Héreil (1994, p.63): “A aparição do deus
230
Figura 87 - Ramessés III fazendo uma oferenda de alimentos para Sokar-Osíris. Atrás do deus estão sentadas: ―a Grande Enéade, a qual está na Shetayet‖ (em cima) e a ―Enéade residindo na Grande Mansão‖ (em baixo). (EPIGRAPHIC SURVEY, 1940, Plate 218 A)
Figura 88 - Ramessés III oferece incenso para Khnum presidindo sobre seus muros, Herremenwy-f(y) na Grande Mansão e Shesmu presidindo sobre a Per-Wer. (EPIGRAPHIC SURVEY, 1940, Plate 218 B)
231
Figura 89 - Ramessés III recitando a Litania de Sokar diante da Barca Henu. (EPIGRAPHIC SURVEY, 1940, Plate 221)
Figura 90 - Ramessés III seguindo a barca Henu carregada por sacerdotes em procissão. (EPIGRAPHIC SURVEY, 1940, Plate 223)
Figura 91 - Ramessés III segurando a ponta de uma corda a qual é puxada por oficiais, príncipes e sacerdotes (direita) e grupo de sacerdotes carregando o estandarte de Nefertum seguidos por um sacerdote carregando o estandarte de ―Hórus sobre a sua Haste de Papiro‖ (esquerda). (EPIGRAPHIC SURVEY, 1940, Plate 224)
232
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226)
233
sobre sua barca é semelhante àquela de Rê. Ele sai do Nun, ultrapassa a
porta do horizonte, torna-se Akty, aquele do horizonte.”
Nos próximos dias eram feitas oferendas para Ptah-Sokar-Osíris e
outros deuses, e no dia 30 de Khoiak eram conduzidos os ritos finais. O Pilar
Djed era erigido. O enterro final de Osíris, para se tornar rei do Mundo dos
Mortos, era realizado, deixando o governo terrestre para Hórus. Dirigiam-se
ao sepulcro sagrado, um recinto subterrâneo sobre o qual aparentemente
crescia um arvoredo de Pérsea. Entrando na câmara mortuária pela porta
ocidental, eles deitavam a figura do deus morto, que se encontrava dentro de
um caixão, reverencialmente na câmara sobre um leito de areia. Assim eles o
deixavam para o seu descanso e partiam do sepulcro pela porta oriental.
Parte da cerimônia consistia em conduzir bois e burros ao redor dos muros
quatro vezes. Não se sabe ao certo o significado deste ritual, talvez seja
algum antigo ritual agrícola, o qual foi osírificado. (FRAZER, 1922, p. 377;
GABALLA, KITCHEN, 1969, p. 72-73, LORET, 1884, p. 101; MIKHAIL,
1984a, p. 32; MIKHAIL, 1984b, p. 33 e MURNANE, 1980, p. 32)
O Papiro Jumilhac menciona que a cada dia entre 19 à 30 de Khoiak
uma parte do corpo de Osíris deve ser encontrada. Provavelmente este
papiro se refere a um ritual, o qual tem a intenção de recriar a busca de Ísis
pelo corpo esquartejado de seu marido por seu irmão Seth.
Como podemos observar nos fatos discutidos acima, as informações
que possuímos a respeito do festival concentram-se na fabricação das
figuras de Khenty-Amentet e Sokar e os rituais feitos para estas. O seu
significado não é apresentado pelas fontes, restando-nos apenas conclusões
hipotéticas. Mas, podemos observar que o festival representa os
acontecimentos do mito de Osíris: seu assassinato por Seth e seus
seguidores, a procura dos membros de seu corpo por Ísis, a restauração do
seu corpo por Anúbis, a vingança de Hórus contra os inimigos de seu pai e
por fim a volta triunfal de Osíris, o qual renasce como o senhor do Mundo
dos Mortos.
Alguns rituais, como capinar a terra e a procissão de circundar os
muros no dia 26 de Khoiak permanecem ao longo da história. Outros rituais
se modificam, mas é possível perceber semelhanças. Um exemplo é o dia da
234
Grande Procissão em Abidos no Médio Império, e os fatos ocorridos no dia 23
de Khoiak no Novo Império, quando Osíris morre, os membros de seu corpo
são coletados e os rituais funerários são realizados. E o dia 24 de Khoiak,
que apresenta semelhanças com o dia do seu enterro em Peker. Desta forma
podemos ver nos rituais praticados em tempos mais recentes a influência
por um lado dos rituais praticados antigamente no Festival de Sokar em
Mênfis, e, por outro, a influência do Festival de Osíris praticado em Abidos.
Outro fator interessante é o aparecimento a partir do Novo Império de
símbolos ligados ao mito solar. Temos a presença do Benben, as sete barcas
das deusas na Procissão de Sokar no dia 26, as quais estão ligadas a Rê,
além de semelhanças simbólicas, como a aparição de Sokar sobre a sua
barca. A ligação de Sokar com o Sol se confirma no Período Greco-Romano,
quando Sokar (-Osíris) passa a ser conhecido como o “pequeno Sol”.
Autores do Período Greco-Romano, como Heródoto e Plutarco nos
relatam acontecimentos parecidos aos que observamos acima (navegação no
lago sagrado, acendimento de lâmpadas, fabricação de figuras), mas que se
realizavam em épocas diferentes do ano. Isto mostra a provável
popularização dos ritos de Osíris realizados durante o mês da Inundação,
sendo eles adotados em outros dias de festas que foram surgindo para
Osíris, ou mesmo independentes de Osíris.
13.2.2.2 As Figuras de Grãos do Festival
Como observado acima, durante o Festival temos a fabricação de dois
tipos de figuras segundo o Texto de Dendera: uma de Khenty-Amentet44 (Fig.
93) e outra de Sokar (Fig. 94). As primeiras deveriam ser feitas de areia e
cevada e as segundas deveriam ser feitas de uma mistura de pasta de
tâmaras, incenso, resina, terebinto, material aromático, e pó de pedras raras
combinadas com terra (BRUGSCH, 1881, p. 89-90). Mas o próprio texto
44 Mikhail considera que tais deuses devam ser considerados como formas de Osíris; certamente Gaballa e Kitchen têm a mesma opinião ao afirmarem que no Período Greco-Romano Sokar torna-se apenas uma forma de Osíris. Frazer é mais específico ao afirmar que o Texto de Dendera transmitia a natureza de Osíris em seu aspecto triplo como morto, sendo chamado de Chent-Ament (Khenti-Amenti) [Khenty-Amentet], como desmembrado, possuindo o nome de Osíris-Sep e, como reconstruído pela união de seus membros separados, sendo conhecido por Sokari (Seker) [Sokar].
235
menciona existirem variações das figuras em outras localidades, algumas
inclusive tendo apenas um tipo (BRUGSCH, 1881, pp. 80-82).
Na cripta de Osíris no templo de Karnak, Henri Chevrier encontrou
figuras de Osíris semelhantes às descritas no Texto de Dendera no interior
de nichos sobrepostos em vários níveis. Os nichos continham em seu
interior selos do Faraó Nekau II, da XXVI Dinastia, indicando que as figuras
foram ali depositadas nos Festivais de Khoiak realizados durante o seu
reinado. As figuras consistem de um corpo de areia, coberto por duas
camadas de estuque, tendo a forma de um Osíris mumiforme usando a
coroa branca. Ao seu lado encontram-se quatro pequenas figuras
representando os filhos de Hórus, e um objeto ovóide, o qual lembra um
escaravelho. Ao que parece, todas as figuras estavam envolvidas em linho,
conforme indica a impressão na resina negra de cobertura e elas eram
revestidas por uma rede de contas de faianças pretas, vermelhas e verdes
entrelaçadas. (GRIMAL, LARCHÉ, 2007, pp. 25-31)
Das figuras de grãos encontradas nas necrópoles, as “Múmias-de-
Grãos” são as que mais se assemelham às figuras produzidas durante o
festival. Pelo seu conteúdo, elas são similares às de Khenty-Amentet. Mas
alguns exemplares encontrados contêm inscrições para Sokar-Osíris, além
dos caixões com cabeça de falcão. No Texto de Dendera, as figuras de
Khenty-Amentet deveriam ser colocadas num caixão mumiforme, com
cabeça humana usando o toucado tripartite, barba divina e mãos segurando
cetros. Detalhes comuns às figuras encontradas nas necrópoles, como
máscaras de cera, falo, cetros e os Filhos de Hórus não são mencionados no
Figura 94 - tumba figura de Sokar, sendo velada por Ísis (esquerda) e Néftis (direita) — Templo de Dendera
Figura 93 - preparação figura de Khenty-Amentet – Templo de Philae.
236
texto. Além disso, o Texto de Dendera diz que as figuras deveriam germinar
após os nove dias em que foram irrigadas. Nas figuras encontradas, não há
nenhum sinal de que os grãos tenham brotado. (MIKHAIL, 1984a, p. 33;
RAVEN, 1982, pp. 28-30)
A partir da comparação das figuras de grãos encontradas nas
necrópoles e aquelas produzidas durante o festival (Tabela 3), podemos
chegar a três hipóteses possíveis a respeito. A primeira seria a de concordar
com a opinião de Frazer (1922, pp. 377-178) de que as figuras de grãos
encontradas nas necrópoles serem imitações daquelas produzidas durante o
Festival de Osíris para garantir ao morto a sua ressurreição. Isto incluiria
todos os tipos encontrados: “Camas de Osíris”, Ptah-Sokar-Osíris, “Múmias-
de-Grãos” e “tijolos de Osíris”. A segunda hipótese seria a de considerar as
figuras encontradas (em especial as “Múmias-de-Grãos”) como variações
locais, o que explicaria as diferenças encontradas. Como observado, o
próprio Texto de Dendera já nos aponta a existência de pequenas diferenças
na comemoração do Festival de Khoiak de uma cidade para a outra. A
terceira hipótese seria a proposta por Quack, feita a partir de uma
reinterpretação dos Textos de Dendera do Festival de Khoiak. Segundo ele,
para o ritual das cidades de Koptos e Sais, temos, no final, a instrução que
as figuras sejam jogadas na água: “No que se refere ao que é feito em Koptos,
assim é feito no dia 12 de Khoiak, da mesma forma em todas as coisas como
é feito em Abidos. Que seja jogado no lago sagrado desse nomo.” (QUACK,
2000/2001, p. 6) Essa representação ritual do afogamento de Osíris por
Seth seria uma explicação para o fato de não terem sido encontradas figuras
de grãos nas localidades próximas aos templos, onde o Festival de Khoiak
era realizado. Assim também ocorreria uma inutilização dos objetos rituais,
para que eles não pudessem ser utilizados por terceiros. (QUACK,
2000/2001, p. 5-18) As Camas de Osíris e as pseudo “múmias-de-grãos”
encontradas no interior das estátuas de Ptah-Sokar-Osíris certamente se
encaixam na primeira hipótese, pois essas foram encontradas no interior das
tumbas relacionadas com o morto.
237
Camas de
Osíris
Ptah-Sokar-Osíris
Múmias-de-Grãos
Tijolos de Osíris
Festival de Khoiak
Khenty-Amentet
Sokar
Proveniência
Vale dos Reis
(Biban el-Muluk)
Necrópoles em todo
Egito
Wadi Qubbanet el-Quirud, Tihna el-
Gabal, Es-Sheik Fadl
e sítio desconhecido Médio
Egito
Wadi Qubbanet el-Quirud, Gebel el-Tarif e
possíveis outras
localidades Tebas
Ocidental
Dendera
Período Novo
Império
XXV Dinastia –
Período Ptolomaico
Período Tardio – Período Greco-
Romano
III Período Intermediá
rio – Período Romano
Greco-Romano
Materiais
Mistura de cevada
com argila ou areia
com terra
mistura de barro e grãos de trigo ou cevada.
terra (barro,
areia ou uma
mistura de ambos)
contendo numerosos
grãos de trigo.
mistura de terra e grãos
mistura de areia e
cevada
mistura de pasta
de tâmaras, incenso, resina,
terebinto, material
aromático, pó de pedras raras
combinadas com terra
Formas
Tabela 3 – Comparação das figuras de grãos
13.3 EXCEÇÕES
Acima pudemos observar que, pela regra, as estátuas funerárias de
Osíris têm em seu interior um papiro com a inscrição do “Livro dos Mortos”,
e as estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris têm em seu interior uma
pseudo “múmia-de-grãos”. Mas temos relatos de algumas estátuas que
contêm em seu interior um papiro com uma inscrição diferente daquela do
“Livro dos Mortos”, ou outro conteúdo, além das pseudo “múmias de grãos”.
238
Na maioria desses casos, fica a dúvida se elas foram achadas em seu
contexto original com esse conteúdo ou se o mesmo foi ali colocado
posteriormente, por exemplo, por algum vendedor, na intenção de conseguir
um preço mais alto com a venda da estátua, ou ainda se a peça foi
examinada corretamente pela pessoa que publicou a informação.
Raven (1978-1979, p. 260) menciona a possibilidade de no interior das
figuras de Osíris do tipo 2.a ter existido um exemplar do “livro do Amduat”, o
qual fala da viagem do deus Sol pelas 12 horas da noite no Mundo Inferior.
Mas, em nota (n. 82), observa que este único exemplar descrito por
Wijngaarden (1932, nº 17), encontrado no interior de uma cavidade de um
Osíris da coleção do museu de Leiden, não pode ser identificado entre os
manuscritos pertencentes à coleção egípcia do presente museu. Talvez este
na verdade fosse um papiro mitológico, o qual misturava diferentes textos
funerários e estes muitas vezes acabam sendo denominados de Amduat. Um
desses papiros mitológicos é aludido por Piankoff e Rambova como tendo
sido encontrado no interior da estátua do sacerdote Ba(em)mut, uma figura
do tipo 2.a. (RAVEN, 1978-1979, p. 260)
Os Ensinamentos de Amenemope (BM EA 10474), um texto de
natureza não funerária é mencionado por Budge (apud RAVEN, 1978-1979,
p. 262) como tendo sido encontrado no interior de uma figura pintada de
Osíris, o qual pertenceria a Nakht. Ao mesmo morto pertencem dois “Livros
dos Mortos” (BM EA 10471 e BM EA 10473) encontrados no interior de uma
caixa de madeira. Pela natureza peculiar desse achado, talvez em algum
momento o presente papiro tenha sido trocado por um dos exemplares do
“Livro dos Mortos”, que demonstra ser o conteúdo mais condizente com a
estátua funerária de Osíris.
Na coleção do Egypt Centre em Swansea, temos um pedaço de uma
parte traseira de uma estatueta de madeira preta de um Ptah-Sokar-Osíris
com o toucado divino azul, que possui duas colunas com uma inscrição em
hieróglifos cursivos pretos sobre fundo branco e borda preta (W2051) (Fig.
95). Em seu interior foi encontrada uma figura feminina com braços
esticados ao longo do seu corpo, feita de linho e gesso, usando um vestido
azul claro e um toucado de um azul mais escuro (W2051a). Suas pernas
239
estão quebradas e na cabeça possui
um furo de cerca de 4 cm,
provavelmente para o encaixe de uma
coroa (Fig. 96). Segundo Schoske
(2001, pp. 184-186), o vestido azul
remeteria a deusas ligadas ao céu, em
especial a Nut. Podemos aqui remeter
à deusa Nut representada na tampa
dos caixões para proteger a múmia do
morto, representando seu filho Osíris,
deitado logo abaixo. Assim, aqui essa
figura substituiria aquela das
“múmias-de-grãos”, mas da mesma
forma, esta ajudaria no renascimento
do morto.
Neste capítulo observamos ter ocorrido uma mudança no conteúdo das
cavidades das estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris. Em um
primeiro momento temos um papiro do “Livro dos Mortos” no interior das
figuras de Osíris. Por volta da XXII Dinastia, quando este texto funerário cai
em desuso, as figuras de Osíris também irão ser substituídas por suas
similares, as estátuas de Ptah-Sokar-Osíris. Em seu interior não mais é
encontrado um papiro, mas sim uma pseudo “múmia-de-grãos”, a qual
lembra aquelas produzidas durante o Festival de Khoiak. Apesar dessa
mudança, percebemos que o seu propósito permanece o mesmo: o de ajudar
no renascimento do morto.
Figuras 95 e 96 – Verso da estátua de Ptah-Sokar-Osíris W2051 (esquerda), a qual continha em seu interior a figura feminina com vestido azul (W2051a) (direita) – Egypt Centre, Swansea
240
CAPÍTULO 14. INSCRIÇÕES
Uma grande parte de estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris
contêm inscrições. Podemos observar que com o passar do tempo elas
tendem a ser maiores. Nas estátuas funerárias de Osíris temos em geral
apenas um coluna de texto na frente, com o nome de Osíris acompanhado
de seus títulos, ou o nome de morto, podendo ambas serem presididas pela
fórmula de oferendas. Nas estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris, temos
os mesmos tipos de inscrições ou recitações, e invocações de maior
tamanho, e, no final da Baixa Época, temos o surgimento do hino a Ptah-
Sokar-Osíris.
14.1 LOCAL DAS INSCRIÇÕES
Nas estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris, podemos
encontrar inscrições em diferentes regiões de sua anatomia. O mais comum
é a presença de uma coluna vertical na frente da figura, entre o colar e os
pés, e outra coluna no verso entre o final da aba do toucado divino e os pés.
Conforme o tipo e o período, o número de colunas pode aumentar e se
estender por outras localidades, como a base. Abaixo descrevemos os
possíveis locais de inscrições.
Frente – na frente da figura, entre o colar ou a iconografia abaixo
deste, e os pés, podemos encontrar de uma a nove colunas verticais com
inscrições. Nas estátuas funerárias de Osíris (tipos 1., 2. e 3.) e nas estátuas
funerárias de Ptah-Sokar-Osíris do tipo 4. e subtipos 5.a, 5. b e 6.a, este
número se restringe a uma coluna. Em algumas estátuas funerárias de
Osíris do tipo 1., a coluna com a inscrição pode-se estender acima do topo
da base. Nas estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris dos tipos 5.c, 6.b, 6.c,
7. e 8., o número pode variar, chegando até nove colunas, mas sendo o mais
comum uma coluna ou três colunas.
Verso – na parte de trás da figura, muitas vezes sobre um pilar dorsal,
entre o final da aba do toucado divino e o calcanhar podemos encontrar de
uma a três colunas verticais com uma inscrição. Geralmente estas são uma
continuação do texto da frente. Nas estátuas funerárias de Osíris, ela
241
raramente é encontrada; quando presente, há apenas uma coluna. Nas
estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris do tipo 4., ela também se restringe
a apenas uma coluna vertical e, nos demais tipos de Ptah-Sokar-Osíris, este
também é o número mais comum de colunas quando presentes.
Laterais do Plinto – no plinto, uma inscrição pode estar presente em
todos os seus lados, todos os lados menos a frente, apenas na frente ou só
no verso. Esta pode ser uma continuação da inscrição do verso, e pode ser
encontrada nas estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris dos subtipos 5.c,
6.b., 6.c. e tipos 7. e 8..
Topo da Base – em geral nestas podem ser encontradas linhas
transversais na frente da figura, voltadas tanto para a figura, quanto para o
espectador, ou até sete colunas verticais, também na frente da figura.
Algumas vezes a inscrição se alterna entre colunas e linhas, ocupando os
espaços vazios ao redor da figura e da tampa da cavidade no topo da base,
quando presente. As inscrições no topo da base são encontradas com maior
freqüência nos exemplares pertencentes ao final da Baixa Época e início do
Período Ptolomaico.
Laterais da Base – essa inscrição consiste em um texto que se inicia
na frente e corre em sentido horário ao redor das demais laterais da base.
Assim como as inscrições no topo da base é a inscrição é encontrada
especialmente nos exemplares de estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris
pertencentes ao final da Baixa Época e início do Período Ptolomaico.
14.2 TIPOS DE INSCRIÇÕES
Por excelência as estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris
com inscrições estão dotadas do nome do morto, acompanhado de suas
funções em vida e do título Justo de Voz, que demonstrava que o mesmo
havia sido aprovado no julgamento do tribunal de Osíris. O nome é
acompanhado por uma série de outras inscrições, muitas das quais típicas
de objetos funerários. As mais comuns são mencionadas abaixo por nós.
242
14.2.1 Proscinema
O proscinema ou a fórmula de oferendas é a inscrição encontrada com
maior freqüência nas estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris. Ela
aparece em sua forma tradicional: Htp di nsw, “Uma oferenda que o rei faz” no
início da inscrição da coluna da frente, do verso ou ao redor da base. A
mesma é ofertada para Osíris ou suas formas sincréticas tardiamente,
acompanhado de seus epítetos de “Primeiro dos Ocidentais, Grande Deus,
Senhor de Abidos”. Após o nome de Osíris podem seguir aqueles de outros
deuses ligados ao ciclo de mitos osíriacos: Ísis, Néftis, Hórus, Anúbis e os
Filhos de Hórus. No pilar dorsal ela também pode estar endereçada ao deus
Rê-Horakhty (RAVEN, 1978-1979, p. 275). Após o nome dos deuses pode ou
não seguir a formula di.f prt-xrw, “que ele possa dar uma prece de oferendas
de ...” com uma listagem de alimentos e objetos ofertados.
Como nas outras localidades e em objetos de templos e de contexto
funerário, a fórmula tem a função de que as oferendas feitas pelo faraó para
os deuses fossem revertidas em favor do morto, garantindo o seu sustento
na outra vida. Devemos lembrar aqui que a mesma muitas vezes sendo
recitada para o morto por um familiar seu, era feita em nome do rei, pois
este era o verdadeiro dono de todas as riquezas do Egito e, desta forma,
somente ele estava habilitado a fazer as oferendas necessárias para os
deuses. (BRANCAGLION JUNIOR, 2004, p. 119)
14.2.2 Recitação
Nas estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris, outra fórmula bastante
comum encontrada no início das inscrições é a recitação Dd mdw n, “Palavras
ditas por” faladas por Osíris, às quais se seguem seus epítetos, ou pelo
morto. Ela também pode preceder o Hino à Ptah-Sokar-Osíris ou o
proscinema.
14.2.3 Invocação do Morto
Com menos frequência que as duas anteriores, mas também bastante
comum, em especial nos exemplares mais tardios, são as invocações do
243
morto: hA Wsir N, “Ó Osíris N” ou inD Hr.k Wsir N, “Saudações a ti, Osíris N”. A
última costuma anteceder o Hino à Ptah-Sokar-Osíris.
14.2.4 Hino a Ptah-Sokar-Osíris
No final da Baixa Época uma nova categoria de texto irá surgir nas
estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris: o Hino à Ptah-Sokar-Osíris. Por
sua criação tardia, ele se restringe aos tipos encontrados neste período: 5.b,
5.c, 6.b, 6.c, 7. e 8.. Na versão completa, o hino costuma aparecer em três
colunas verticais na frente e uma coluna no verso ou vice-versa podendo
continuar no plinto (RAVEN, 1978-1979, p. 276). Segundo Raven (1978-
1979, p. 276), ele teria surgido em Assasif. O Hino a Ptah-Sokar-Osíris
inscrito em suas estátuas funerárias é o único hino conhecido em
homenagem ao presente deus.
Dd mdw in Wsir N: “inD Hr.k, iw’w pr m nTr pn, nxx pr m &m, Dt nTr ii.ti m wHm, nTr aA, HqA &A-wrt, xa m iAbt, HqA Igrt m ixxw. ii.n nTr aA pr m Hbbt. HqA.n.f pr im.f psD.f m Nwt m ¤AH, Smsw.f (m) nA ¢mw-wrD. rmn.f pt Haa.ti Xr nb.s imyw m hy sA-tA n kA n Wsir N. sA nb sA.f.”
Palavras ditas por Osíris N: “Saudações a ti, herdeiro que procedeu desse deus, saliva que procedeu de Atum, corpo divino o qual retornou, grande deus, governador do nomo Tinita, o qual surgiu das lágrimas do olho esquerdo, soberano do reino dos mortos no crepúsculo. O grande deus retornou, saindo das águas primordiais. Ele (já) vinha reinando quando ele surgiu delas. Ele brilha no céu como Orion, seus seguidores são as estrelas infatigáveis. Ele sustenta o céu o qual está alegre sob o seu senhor. Os habitantes estão em júbilo para o ka de Osíris N. Toda proteção é a sua proteção.
(RAVEN, 1978-1979, p. 277)
Como pode ser observado, o Hino à Ptah-Sokar-Osíris faz uma série de
referências ligadas aos mitos de criação. Temos a menção ao deus Atum, o
qual se autocriou saindo das águas do oceano primordial e posteriormente
criou os deuses a partir de sua saliva. Outra alusão à criação dos deuses é
através das lágrimas de deus. Raven chama a atenção para essas menções
nas estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris e observa a presença constante
da água nesses mitos de criação.
244
“É evidente que esse longo texto cheio de associações mitológicas é da maior importância para entender porque estas estátuas eram parte do equipamento funerário padrão. Um ser divino é invocado, o qual é caracterizado como um deus primordial. Sua origem é referida de várias formas. Ele é o „herdeiro‟ de um deus ainda mais antigo; isso claramente indica o deus como da prole de Atum, entre cujos descendentes esse titulo foi a origem de tantas contendas. Depois ele é chamado de saliva de Atum, em outras palavras descendente de Shu, o qual foi criado dessa forma. Terceiro, ele se origina das lágrimas derramadas pelo olho esquerdo do céu, ou seja, da lua; este também é um modo comum de descrever a criação dos deuses e dos homens igualmente. Finalmente, do deus invocado é dito que tenha surgido das águas primordiais. Devemos observar que três desses quatro mitos de criação diferentes tem o elemento água em comum.”
(1978-1979, p. 280-281)
Ao final do Hino temos uma alusão ao destino estrelar do morto, aqui
temos a forma de Osíris como Orion, cujas bas dos mortos seguem na forma
das estrelas infatigáveis.
Assim, o Hino a Ptah-Sokar-Osíris representa o morto não apenas
ligado à (Ptah-Sokar-)Osíris, mas também ao deus-sol, ao qual aludem os
mitos de criação. Como pudemos ver nos capítulos anteriores, a menção a
ambos destinos do morto, osiríaco e solar, também está presente na
iconografia das estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris nesse seu período
final de existência. Dessa forma, o conjunto da estátua representa o morto
como tendo sido bem sucedido no tribunal dos mortos, tornando-se um
Justo de Voz e posteriormente um Glorificado perante Rê, podendo
acompanhar o deus-sol em sua jornada diária pelos céus.
Após o hino ainda podemos ter a seguinte invocação: inD Hr.k PtH-¤kr nTr
aA nb ^Tt Wsir N anx.k Dt, “Saudações a ti, Ptah-Sokar, Grande Deus, Senhor da
Shetayet, Osíris N, possa tu viver eternamente”. Esta sentença, como o resto
do Hino, também alude ao morto como um ser bem-sucedido na sua jornada
para a outra vida, podendo assim viver eternamente.
245
CAPÍTULO 15 - PROVENIÊNCIA
Ao observarmos o campo proveniência nas fichas do nosso catálogo de
referência, podemos ver que na maioria encontramos esse campo preenchido
com a palavra desconhecido. Quando preenchido ele geralmente remete à
origem provável, sendo mínimas as peças com uma proveniência exata.
Tal fator está ligado ao contexto da descoberta das estátuas funerárias
de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris. Primeiramente deve-se levar em conta que
muitas dessas peças foram descobertas no século XIX quando os registro
arqueológicos ainda não eram precisos. E, como objetos bastante apreciados
por colecionadores, muitas peças eram de propriedade particular antes de
serem doadas ou compradas por museus, perdendo-se a informação sobre a
sua proveniência.
Quando a origem está presente, em geral em relatórios de escavações
ou publicações mais recentes, muitas vezes temos a menção que uma
estátua funerária de Osíris ou Ptah-Sokar-Osíris foi encontrada, mas não há
maiores detalhes que permitam sua classificação. A partir de uma lista
elaborada por Raven com peças de proveniência conhecida (Anexo I), mas
sem uma tipologia, é possível observar que as estátuas funerárias de Osíris e
Ptah-Sokar-Osíris são encontradas em sepultamentos ao longo do território
egípcio. Em quantidades mais significativas, elas foram encontradas em
Tebas, El-Hiba, Abidos e Akhmin.
Das poucas peças do nosso catálogo com alguma referência quanto à
proveniência (Apêndice H), também temos um maior número de peças as
quais podem ser atribuída a Tebas (5 peças) e Akhmim (6 peças). Os outros
exemplares são originários de Dendera, Hissayeh, em Assuã, e Rifeh.
Pelas informações obtidas do nosso catálogo e da lista elaborada por
Raven, podemos observar a existência de uma maior concentração de peças
ao redor da região tebana e em Akhmim.
Observando as peças com tipos conhecidos, podemos ver que as
estátuas funerárias de Osíris aparecem quase que exclusivamente em Tebas
e em algumas outras cidades do Alto Egito. Este fato nos leva a acreditar em
uma origem tebana para as mesmas. As peças pertencentes à XXI Dinastia
246
são a maioria. Destas um total de 77 figuras foram encontradas no Segundo
Cachette de Deir el-Bahari. Estas eram em sua maioria estátuas de Osíris de
verniz preto com um papiro em seu interior. Seus proprietários eram na
maioria membros do Templo de Amun, com títulos administrativos e
religiosos. (GRAJETZKI, 2003, pp. 94-95) Fora de Tebas, temos um exemplar
de estátua funerária de Osíris com um papiro em seu interior, com
proveniência atribuída à tumba G50 em Abidos (GRAJETZKI, 2003, p. 122),
e o exemplar do tipo 1., pertencente à Anhai [02], tem a sua origem atribuída
a Akhmim.
Quanto às estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris podemos observar
que elas encontram-se espalhadas por todo Egito. Isto demonstra que,
quando estas surgiram em substituição às estátuas funerárias de Osíris,
houve uma popularização das mesmas. O grande número de peças
atribuídas a Akhmim deve-se à menção dessa cidade na inscrição desses
exemplares, e à semelhança que muitas delas apresentam com os estilos de
caixões típicos dessa cidade na Baixa Época e início do Período Ptolomaico.
Referente à sua localização no interior da tumba, a mesma é
igualmente imprecisa. Sua localização original muitas vezes não é conhecida
devido ao costume dessa época de reutilizar tumbas antigas. Assim, o
contexto em que foram originalmente depositadas encontra-se perturbado.
Dos poucos relatos a respeito, temos indicações de que se encontravam nas
proximidades dos caixões ou em seu interior junto à múmia.
247
CAPÍTULO 16. AS ESTÁTUAS FUNERÁRIAS DE OSÍRÍS E
PTAH-SOKAR-OSÍRIS DA COLEÇÃO DO MUSEU
NACIONAL/UFRJ – RIO DE JANEIRO
A coleção egípcia do Museu Nacional/UFRJ no Rio de Janeiro possui
atualmente um exemplar de uma estátua funerária de Osíris e seis
exemplares de estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris. Elas foram
adquiridas em 1826, por D. Pedro I e José Bonifácio em um leilão do
comerciante italiano Nicolau Fiengo junto com outros artefatos egípcios para
integrar o acervo do então Museu Real (atual Museu Nacional). Essa coleção
foi trazida por Fiengo de Marselha, alegando ele serem as peças fruto do
trabalho do famoso negociante de antiguidades egípcias, Giovanni Battista
Belzoni. Belzoni, por sua vez, afirma serem as peças originárias de suas
“escavações” em Karnak, no “Domínio de Amun”, e na necrópole tebana. A
origem de parte desses objetos se confirma, pois eles pertenceram a
sacerdotes e funcionários tebanos. (BRANCAGLION JUNIOR, 2002, p. 155) O
estudo da coleção nos últimos anos vem demonstrando, porém que existem
peças provenientes de outras localidades, como estelas de Abidos
(BRANCAGLION JUNIOR, 2002, 157) e shabtis de Saqqara (GAMA, 2008, p.
216).
A primeira referência feita às estátuas funerárias de Osíris e Ptah-
Sokar-Osíris encontra-se nos catálogos45 elaborado sobre as coleções de
Arqueologia Clássica do Museu Nacional/UFRJ por Alberto Childe em 1920,
quando ele era curador da mesma. Neste, as estátuas são erroneamente
chamadas de “duplo (ka) osiriano” e atribuídas em sua maioria ao Novo
Império. A outra referência que temos a respeito delas encontra-se no
catálogo da coleção egípcia46 elaborada por Kenneth A. Kitchen em 1990.
Neste, elas estão agrupadas sob a denominação de estatuetas de Ptah-
Sokar-Osíris na categoria de bens funerários, sem maiores acréscimos.
45 Catálogo das Collecções de Archeologia Clássica do Muzeu Nacional. Rio de Janeiro: 1920 e Catálogo
das peças de Archeologia Clássica da IVª Secção Museu Nacional. Rio de Janeiro: 1920. 46 Catálogo da Coleção do Egito Antigo existente no Museu Nacional, Rio de Janeiro: Preparado com a
colaboração da Professora Maria da Conceição Beltrão. Warminster: Aris & Philips Ltd, 1990.
248
Nestes catálogos estão incluídas dentre as estátuas funerárias de
Osíris e Ptah-Sokar-Osíris as peças de número de inventário 182 e 199. A
primeira foi excluída do catálogo por nós elaborado das presentes estátuas,
por termos chegado à conclusão de se tratar de uma estátua votiva de Osíris,
e não de uma estátua funerária de Osíris (ver abaixo). A segunda peça não
foi incluída no nosso catálogo do Museu Nacional/UFRJ por encontrar-se
desaparecida desde 1960 e pela falta de maiores detalhes a respeito. No
catálogo de Kitchen, a única informação que consta a respeito é a de que se
trata de “uma figura de madeira, pintada e gravada” (1990, p. 224)
Devido às informações quase nulas até agora publicadas a respeito das
estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris pertencentes à coleção
egípcia do Museu Nacional/UFRJ e levando em conta a sua importância no
contexto funerário do final do Novo Império até o Período Ptolomaico,
decidimos fazer um estudo mais aprofundado das mesmas, o qual resultou
na presente dissertação de mestrado.
Todas as estátuas encontram-se em um estado precário de
conservação. O estuque com a pintura caiu quase por inteiro em todas as
estátuas, restando apenas alguns traços. A base de todas as estátuas e a
coroa Swty das estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris estão faltando.
Mesmo com essas limitações, uma série de conclusões pode ser tirada das
mesmas com auxílio das informações registradas nos capítulos anteriores da
presente dissertação. As informações individuais a respeito de cada estátua
encontra-se no catálogo das mesmas no volume II e nas conclusões feitas
abaixo.
16.1 MN-1 (inv. 16)
Das estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris do Museu
Nacional/UFRJ, a de inv. 16 [MN-1] é a que preservou o maior número de
detalhes, permitindo uma reconstituição mais exata do que as demais peças.
Os restos de pigmentação apontam para uma estátua do tipo 5.c com a face
folhada a ouro e o tronco de fundo vermelho com uma rica iconografia. O
colar wsx n bik, com contas de diversos formatos, iniciando-se abaixo do fim
das abas do toucado divino e com terminais em formas de grandes cabeças
249
de falcões é típico em objetos funerários do final da Baixa Época e início do
Período Ptolomaico. O escaravelho alado sustentando o disco solar,
encontrado abaixo deste também é típico da iconografia das estátuas
funerárias de Ptah-Sokar-Osíris desse período. A ponta das fitas que se
projetam abaixo do colar são uma indicação do cargo sacerdotal exercido
pelo dono da estátua. (figs. 97 e 98)
Como possui uma cavidade no pilar dorsal, dentro da qual se deveria
encontrar originalmente uma pseudo “múmia-de-grãos” alongada, a base
certamente era sólida. A mesma poderia possuir ao seu redor um friso com
hieróglifos decorativos, como nas estátuas de número [28] e [30] do catálogo
de referência, ou o padrão serekh, como na estátua de número [29]. No topo
da base poderíamos ter uma continuação da inscrição que originalmente
existia no tronco, como no Ptah-Sokar-Osíris de número [30], ou um lago
acompanhando o padrão serekh como na estátua de número [29].
16.2 MN-2 (inv. 17)
Exceto pelo toucado divino de uma coloração preta, não há vestígios de
pintura na estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris de inv. 17. Os traços de
seu rosto são bem definidos, possuindo um rosto com um leve sorriso e
grandes orelhas projetadas para frente. Os pés terminam quase rentes ao
plinto. Este conjunto de características demonstra o seu pertencimento ao
estilo do Período Saíta ou inicial, por volta do final da XXV Dinastia e início
da XXVI Dinastia, ou final da XXX Dinastia. (figs. 99 e 100)
Como a estátua é sólida, uma cavidade com uma pseudo “múmia-de-
grãos” em seu interior poderia estar localizada na base desaparecida.
16.3 MN-3 (inv. 140)
A presente peça tem como característica principal o fato de sua
pintura ter sido aplicada diretamente sobre a madeira. O toucado divino
apresenta restos de pigmentação azul, o rosto verde e o tronco vermelho. As
fileiras do colar wsx e o contorno da coluna para inscrição em um tom
vermelho escuro ainda são visíveis. A inscrição desapareceu por completo.
250
Figura 97 – reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 16
(frente)
251
Figura 98 – reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 16 (lado)
252
Figura 99 – reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 17
(frente)
253
Figura 100 – reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 17 (lado)
254
Sua forma robusta e a face com as orelhas projetadas para frente são típicas
do Período Saíta. A combinação de todos esses traços visíveis aponta para
uma figura do tipo 4. pertencente à XXVI Dinastia. (figs. 103 e 104)
Como a estatua é sólida, uma cavidade com uma pseudo “múmia-de-
grãos” em seu interior poderia estar localizada na base desaparecida. Como
na maioria das estátuas do tipo 4. a base provavelmente era amarela, talvez
com uma borda preta nas laterais, como nos exemplares de [14] e [15] do
catálogo de referência. A tampa da cavidade poderia ser simples, como na
estátua funerária de Osíris [17], ou ter um falcão, como na peça [14]. A
coleção egípcia do Museu Nacional/UFRJ possui um desses falcões (inv.
106), o qual provavelmente representa o deus Sokar, e que servia como
tampa para a cavidade no topo da base das estátuas funerárias de Ptah-
Sokar-Osíris (figs. 101 e 102). Em geral os falcões costumam seguir a mesma
paleta de cores usada na estátua. O presente falcão também é vermelho
como o tronco da nossa estátua e proporcionalmente também poderia servir
de tampa. O único detalhe que talvez indique que o mesmo não pertencesse
à presente estátua, é que a pintura do falcão foi aplicada sobre uma fina
camada de gesso, enquanto a pintura da estátua foi aplicada diretamente
sobre a madeira.
Figura 101 – falcão provavelmente usado como tampa da cavidade na base das estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris - Museu Nacional/UFRJ (inv. 106)
Figura 102 - falcão provavelmente usado como tampa da cavidade na base das estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris - Museu Nacional/UFRJ (inv. 106)
255
Figura 103 – reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 140 (frente)
256
Figura 104 – reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 140 (lado)
257
16.4 MN-4 (inv. 181)
A estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris de inv. 181
é a única na qual restou parte de uma inscrição (Pr. VIII A).
A mesma, em hieróglifos cursivos pretos, está localizada em
uma coluna na frente do tronco da estátua. A marca de
uma coluna no verso da estátua aponta para a existência
de uma possível continuação da inscrição nesta localidade.
Os hieróglifos restantes identificados por nós apresentam
pequenas diferenças em relação às observações dos
mesmos feitos por Kitchen (1990, p.203), como pode ser
visto na figura 105, a qual mostra ambas as interpretações
das mesmas. A seguinte tradução para a inscrição foi
proposta por Kitchen (1990, p. 224): “[Ptah-Sokar-]Osíris, o
chefe da província de Thinis, grande deus, Senhor de
[Abidos].”
Comparando a tradução proposta por Kitchen com as
inscrições de estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris de
outras localidades, a mesma mostra-se incorreta, até
mesmo inexistente. Pelo tipo de decoração da estátua, um
colar wsx simples, com uma coluna de inscrição na frente e no verso e um
tronco vermelho, a presente estátua se encaixaria nos tipos 4. e 5.b. Na falta
da cor da face, poderíamos supor pela forma arredondada de sua face com
orelhas grandes, típica das representações do Período Saíta, tratar-se de
uma estátua do tipo 4., de face verde, da XXVI Dinastia. Em todo caso
temos em primeiro lugar o fato de não haver nenhuma estátua funerária de
Ptah-Sokar-Osíris por nós conhecida na qual a inscrição inicia diretamente
com o nome de Ptah-Sokar-Osíris. O mesmo costuma aparecer mais a diante
nas inscrições. Aqui, supondo pertencer a presente estátua ao tipo 4., nas
mesmas as inscrições mais comuns encontradas são o proscinema, ou para
a recitação para Osíris ou para o morto, ou para ambos. No nosso caso, a
mesma dirige-se para Osíris, como pode ser observado pela presença de seu
nome, . Pelo tamanho do espaço acima do nome de Osíris, o proscinema
a b
Figura 105 - comparação da inscrição observada por Kitchen (a) e Bielesch (b) da estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 181.
258
parece mais viável. Abaixo do nome de Osíris temos o provável início de seu
epíteto de xnty Imntt (“Primeiro dos Ocidentais”), seguido daquele de nTr aA
(“Grande Deus”) e por fim resta apenas a palavra nb (Senhor). Estes apontam
para a sequência de epítetos de Osíris encontrados junto a seu nome nas
estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris: “Osíris, Primeiro dos Ocidentais,
Grande Deus, Senhor de Abidos”. Assim, olhando o conjunto teríamos a
seguinte inscrição: Htp di nsw Wsir xnty Imntt nTr aA nb AbDw (Oferendas que o rei faz
para Osíris, Primeiro dos Ocidentais, Grande Deus, Senhor de Abidos). (figs.
106 e 107)
16.5 MN-5 (inv. 200)
A única estátua funerária de Osíris da coleção egípcia do Museu
Nacional [MN-5] é uma estátua do tipo 2.a de verniz preto. Originalmente
usava uma coroa Atf e uma barba divina. No interior da cavidade de seu
tronco volumoso possuia um papiro, provavelmente com a inscrição do
“Livro dos Mortos”. Este Osíris assemelha-se àqueles encontrados no
segundo cachette de sacerdotes de Deir el-Bahari. A partir da comparação
com estes, poderíamos datar a nossa estátua funerária de Osíris como
pertencente à XXI Dinastia e considerar que ele seja proveniente de algum
sepultamento de um sacerdote ou funcionário do templo de Amun, na região
de Deir el-Bahari. Outro fator que reforça o provável cargo de seu
proprietário é a grande quantidade de objetos pertencentes aos servidores do
deus Amun originários dos sítios arqueológicos da margem Ocidental de
Tebas. (figs. 108 e 109)
16.6 MN-6 (inv. 203)
A estátua de Ptah-Sokar-Osíris de inv. 203 apresenta uma forma
robusta, com um rosto arredondado, e com orelhas projetadas para a frente,
semelhante aos sarcófagos saítas. Da pintura restam apenas alguns traços
de tinta preta de duas fileiras do colar wsx e da borda da coluna para uma
inscrição na frente do tronco. Talvez ela fosse originalmente uma estátua do
tipo 4., devido a seus traços saítas, mas, na falta de maiores detalhes,
classificamos ela como sendo uma estátua do tipo 9. (figs. 110 e 111)
259
Figura 106 – reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 181 (frente)
260
Figura 107 – reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 181 (lado)
261
Figura 108 – reconstituição estátua funerária de Osíris inv. 200 (frente)
262
Figura 109 – reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 200 (lado)
263
Figura 110 – reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 203 (frente e verso)
264
Figura 111 – reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 203 (lado)
265
Como a estatua é sólida, uma cavidade com uma pseudo “múmia-de-grãos”
em seu interior poderia estar localizada na base, que desapareceu.
16.7 MN-7 (inv. 204)
A presente estátua de Ptah-Sokar-Osíris tem apenas vestígios de uma
pintura preta no toucado divino e na borda da coluna para inscrição na
frente e no verso do tronco. Uma peculiaridade que chama atenção é furo
quadrado para encaixe da coroa Swty (Pr. XVI B). Este tipo de furo não
redondo como nas outras estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris do
Museu Nacional/UFRJ é encontrado normalmente apenas em estátuas de
maior porte. Sua forma delgada lembra as estátuas do final da Baixa Época
e início do Período Ptolomaico, mas por falta de maiores detalhes
classificamos a mesma como pertencendo ao tipo 9. Na nossa reconstituição
representamos o presente Ptah-Sokar-Osíris usando um colar wsx n bik, o
qual normalmente é usado por estátuas desse período. Como a pintura
desapareceu por completo no local da disposição do colar, apenas podemos
supor o uso deste em comparação com outras estátuas do mesmo período
(tipos 5.c, 6.b, 6.c., 7 e 8).
Como a estátua é sólida, uma cavidade com uma pseudo “múmia-de-
grãos” em seu interior poderia estar localizada na base desaparecida. A
tampa da cavidade poderia ser simples, na forma de um falcão, de um falcão
sobre um sarcófago ou como um sarcófago na forma da capela Per-nu, como
optamos por ilustrar na nossa reconstituição. (figs. 112 e 113)
16.7 Osíris Votivo (inv. 199)
Esta estátua, a qual figura na lista de estátuas funerárias de Ptah-
Sokar-Osíris no catálogo de Kitchen (1990, p. 222), demonstrou, na análise
feita por nós ser na verdade uma estátua votiva de Osíris.
É uma estátua de um Osíris mumiforme, coberta por uma fina camada
de gesso. A coroa, originalmente uma Atf (orifícios para encaixe das plumas),
é preta e deveria ter um uraeus (orifício). A face era verde com olhos
originalmente incrustados. O tronco é branco e possui uma gola na parte de
trás. A mão esquerda está sobre a direita. Saindo de seus punhos serrados,
266
Figura 112 – reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv.
204 (frente)
267
Figura 113 – reconstituição estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris inv. 204 (lado)
268
Figura 114 – Osíris votivo inv. 199 (frente)
Figura 115 – Osíris votivo inv. 199 (verso)
269
Figura 116 – Osíris votivo inv. 199 (lado)
Figura 117 – detalhe rosto Osíris votivo inv. 199
Figura 118 – Detalhe mãos segurando cetros Osíris votivo inv. 199
270
é possível ver o resto da pintura do cabo de dois cetros, provavelmente o
cajado e o açoite. Os pés estão faltando. (figs. 114, 115, 116, 117 e 118)
A coroa Atf é usada por estátuas funerárias de Osíris dos tipos 1. e 2.a
e b.. Como o presente Osíris votivo apresenta policromia, ele poderia ser
pensado primariamente como um Osírís do tipo 1. Mas essa possibilidade é
logo descartada quando observamos a forma de ambos. As estátuas
funerárias de Osíris do tipo 1. apresentam todas uma forma mais volumosa,
devido à cavidade tubular em seu tronco para conter o exemplar de um
papiro, como pode ser observado na Pr. XXV. O presente Osíris é sólido e
apresenta uma forma delgada em “v”, sendo mais largo em cima devido à
posição dos braços e mais fino em baixo. Essa forma também não aparece
em nenhuma outra estátua funerária de Osíris. Apenas a estátua funerária
de Ptah-Sokar-Osíris de Ankhpakhéred [46] apresenta tal forma, mas
estátuas de Ptah-Sokar-Osíris não usam a coroa atf, apenas a coroa Swty.
Outro detalhe inexistente nas estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-
Osíris é gola projetada nas costas.
A presente estátua provavelmente pertence ao final do Novo Império ou
início do III Período Intermediário. A partir deste período estátuas votivas
ofertadas aos deuses nos templos tornam-se bastante populares. Com o
aperfeiçoamento da técnica do bronze, a qual permitiu uma produção em
larga escala, estas se tornaram bastante populares. Entre estas encontramos
estátuas de Osíris semelhantes à estátua votiva de madeira de Osíris do
Museu Nacional/UFRJ. Para comparação apresentamos aqui como exemplo
dois Osíris de bronze pertencentes ao British Museum. O primeiro (BM EA
67159) foi encontrado em Saqqara e pertence à Baixa Época. O segundo (BM
EA 11054) pertence igualmente à Baixa Época. Podemos observar que eles
apresentam as mesmas formas da nossa estátua, com a mão esquerda
posicionada sobre a direita, em cujos punhos cerrados segura o cajado e o
açoite, sua mortalha possui uma gola e usa a coroa Atf (Fig. 119 e 120). Está
estátua ainda possui uma base de madeira semelhante àquela que
encontramos nas estátuas funerárias de Osíris. Esta comparação com as
estátuas votivas de bronze de Osíris reforça a hipótese de o presente Osíris
271
da coleção do Museu Nacional ter sido ofertado em algum templo egípcio
como sinal de devoção ao presente deus.
Figura 119 – Osíris votivo de Bronze com base – Baixa Época, Saqqara –
British Museum (EA 67159)
272
Figura 120– Osíris votivo de – Baixa Época, – British Museum (EA 11054)
273
CONCLUSÃO
A presente dissertação centrada no estudo das estátuas funerárias de
Osíris e Ptah-Sokar-Osíris procurou elucidar a importância das mesmas no
contexto funerário egípcio, onde atuavam como um agente para o
renascimento do morto.
Apesar da sua importância para o equipamento funerário do final da
história do Egito antigo, não há quase publicações a respeito. No século XIX
juntamente com o início da egiptologia, são feitos os primeiros estudos a
respeito das estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris, sendo um
dos principais resultados alcançados a separação entre estátuas de Osíris e
de Ptah-Sokar-Osíris. Na primeira metade do século XX elas praticamente
caem em esquecimento entre os egiptólogos, como podemos ver pelo fato de
que muitas obras a respeito dos aspectos funerários no Egito antigo sequer
as mencionarem. O trabalho mais completo a respeito e a principal
referência até os dias atuais é um artigo publicado por Raven em 1978-1979,
no qual este estabelece uma tipologia das estátuas. Posteriormente surgiram
alguns artigos apresentando estátuas inéditas e propondo correções na
cronologia de Raven. Na presente dissertação procuramos organizar as novas
informações divulgadas após a publicação do artigo de Raven e suprir em
parte a carência de publicações a respeito das estátuas funerárias de Osíris
e Ptah-Sokar-Osíris.
Como base para o trabalho foram usadas as estátuas funerárias de
Osíris e Ptah-Sokar-Osíris presentes na coleção do Museu Nacional/UFRJ
no Rio de Janeiro, e foi elaborado um catálogo de referência com exemplares
presentes nas coleções de diferentes museus ao redor do mundo. Uma nova
tipologia foi elaborada para incorporar as atualizações de forma organizada
naquela anteriormente elaborada por Raven.
As estátuas funerárias de Osíris surgiram dentro do contexto do
Período Pós-Amarniano, no qual há uma popularização dos ritos funerários
antes reservados ao faraó. Cenas de deuses, antes restritas às tumbas reais
começam a aparecer em tumbas particulares. Neste contexto, um deus em
particular ganha grande popularidade, Osíris. O desejo das pessoas passa a
274
ser de ter o mesmo destino alcançado por Osíris e, como este, renascer no
Mundo dos Mortos, juntando-se a seus seguidores. Da mesma forma, a
literatura funerária, antes exclusiva dos monarcas, passa a ser usada por
pessoas comuns. Para passar a guardar o “Livro dos Mortos”, o principal
guia dessa jornada para o Outro Mundo, são criadas as estátuas funerárias
de Osíris. Assim, o “Livro dos Mortos” passa a ser guardado pelo Senhor do
Mundo dos Mortos, garantindo a sua eficácia na ressurreição de seu
proprietário.
Na XXI Dinastia, apesar da diminuição do equipamento funerário a
apenas alguns itens essenciais, as estátuas funerárias de Osíris continuam
a existir. Ao lado dos exemplares porta-papiro, os quais continuam sendo a
maioria, surgem outros exemplares sólidos com formas mais delgadas,
devido à ausência da cavidade. Uma grande quantidade de estátuas de
Osíris de Verniz Preto pertencentes a este período foi encontrada no cachette
de sacerdotes de Amun em Deir el-Bahari. No final da XXII Dinastia, com o
desaparecimento do “Livro dos Mortos”, as estátuas funerárias de Osíris
também desaparecem.
Por volta da XXV Dinastia as estátuas funerárias de Osíris reaparecem
reformuladas, intensificando seu simbolismo ligado ao renascimento. Agora
recebendo o nome genérico de estátua funerária de Ptah-Sokar-Osíris, o
papiro no interior de sua cavidade é substituído por uma pseudo “múmia-
de-grãos” semelhante àquela fabricada durante o festival de Khoiak. A forma
osiríaca é substituída pela saH e a coroa Swty usada junto com o toucado
divino torna-se o padrão, passando portanto a estátua a aludir a uma forma
divinizada do morto unificada com Osíris.
Entre o final da Baixa Época e início do Período Ptolomaico, a
iconografia das estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris torna-se mais
elaborada, incluindo uma série de novos símbolos e deuses, os quais atuam
na proteção e renascimento do morto. Nas inscrições, antes praticamente
restritas a fórmulas funerárias e recitações, temos a introdução do hino à
Ptah-Sokar-Osíris. Essa nova iconografia e inscrição não conectam o morto
apenas com um destino osiríaco, mas também solar. Assim, a estátua
funerária de Ptah-Sokar-Osíris passa a representar o morto como um
275
vitorioso em todas etapas de sua jornada no pós-vida; ele se tornou um
Justo de Voz perante Osíris e um Glorificado perante Rê. Com a maior
helenização do contexto funerário ao longo do Período Ptolomaico, as
estátuas funerárias de Ptah-Sokar-Osíris começam a desaparecer, dessa vez
por definitivo.
Sendo o segundo tipo de estátuas a representação de uma forma
sincrética do deus Osíris, Ptah-Sokar-Osíris, foi feito um breve estudo sobre
o uso do termo sincretismo, tanto nas Ciências Humanas como um todo,
quanto na Egiptologia para ver se o presente conceito realmente se aplica a
este deus.
Em linhas gerais podemos resumir o sincretismo como uma conexão
que ocorre em especial entre línguas, culturas ou religiões, ou elementos no
interior destas, que a princípio não tinham nenhuma ligação entre si. Esta
conexão também pode ser desfeita a qualquer momento e não anula a
existência das línguas, culturas ou religiões originais, as quais continuam
existindo ao mesmo tempo.
Na Egiptologia em especial podemos dizer que o princípio geral sobre o
sincretismo no Egito antigo foi cunhado em 1939 pelo egiptólogo alemão
Hans Bonnet. Ele criou o conceito de “habitação” (Einwohnung), segundo o
qual um deus de caráter nacional habita outro de caráter local, assim
reforçando o poder do mesmo. Essa “habitação” poderia ser desfeita a
qualquer momento e não implicava na perda da independência dos deuses
envolvidos. Ao longo do tempo outros tipos de ligações entre os deuses
egípcios foram ressaltadas, mas o princípio da “habitação” se manteve
central em todas elas.
No caso específico do deus Ptah-Sokar-Osíris, o mesmo resulta de dois
processos sincréticos. Primeiramente temos uma ligação sincrética de
caráter local entre os deuses Ptah e Sokar, a qual ocorre no Antigo Império.
Esta reforça a influência desses dois deuses mênfitas. No Médio Império, na
intenção de reforçar o caráter funerário do deus Ptah-Sokar, Senhor das
necrópoles mênfitas, Osíris, o principal deus do Mundo dos Mortos na época,
“habita” este deus. Dessa forma Ptah-Sokar-Osíris é um deus que atua em
276
todas as etapas da passagem do morto para a outra vida. Neste ciclo
regenerativo Ptah representa a criação, Sokar a metamorfose e Osíris o
renascimento.
Um ponto no qual não conseguimos fazer maiores avanços em relação
a Raven é sobre a proveniência exata das estátuas. Na publicação de novas
estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-Osíris encontradas nas últimas
décadas, em especial relatórios de escavação, muitas vezes a única
informação presente é a de que uma dessas estátuas foi encontrada, e não
uma descrição mais detalhada, como ocorre com outros objetos, o que
permite uma classificação da mesma. O local exato dentro da tumba
também não fica claro, devido ao contexto perturbado em muitos desses
casos, e devido a sua reutilização contínua ao longo de vários séculos, como
é típico nesse período final da história do Egito antigo.
Grande parte das peças usadas em nosso catálogo provém de coleções
muito antigas de museus, como é o caso dos exemplares do Museu
Nacional/UFRJ adquiridos no início do século XIX. Como é sabido,
antigamente informações como a origem exata da peça não tinham grande
importância, sendo ignoradas. As poucas peças por nós obtidas com uma
proveniência exata não permitiram a elaboração de uma tipologia por
origem, que pudesse ser aplicada a peças de proveniência desconhecida.
Esperamos que futuros trabalhos possam clarear essa questão, ampliando o
nosso conhecimento acerca das estátuas funerárias de Osíris e Ptah-Sokar-
Osíris.
277
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89. EPIGRAPHIC SURVEY. Medinet Habu, Volume 4. Festival Scenes of
Ramses III. Chicago: The University of Chicago Press, 1940, Plate 221) 90. EPIGRAPHIC SURVEY. Medinet Habu, Volume 4. Festival Scenes of
Ramses III. Chicago: The University of Chicago Press, 1940, Plate 223)
91. EPIGRAPHIC SURVEY. Medinet Habu, Volume 4. Festival Scenes of
Ramses III. Chicago: The University of Chicago Press, 1940, Plate 224) 92. EPIGRAPHIC SURVEY. Medinet Habu, Volume 4. Festival Scenes of
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93. MORET, Alexandre. Rois et Dieux d’Égypte. Paris: Librarie Armand Colin, 1925 (5ª edição); p.101.
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Acesso em 06 jul. 2008.
97. Desenho da autora 98. Desenho da autora
99. Desenho da autora
100. Desenho da autora 101. Autor: BRANCAGLION JUNIOR, Antonio. Data: jul. 2010.
102. Autor: BRANCAGLION JUNIOR, Antonio. Data: jul. 2010
103. Desenho da autora 104. Desenho da autora
105. Desenho da autora
106. Desenho da autora 107. Desenho da autora
108. Desenho da autora
109. Desenho da autora
110. Desenho da autora 111. Desenho da autora
112. Desenho da autora
113. Desenho da autora 114. Autor: BRANCAGLION JUNIOR, Antonio. Data: jul. 2010.
115. Autor: BRANCAGLION JUNIOR, Antonio. Data: jul. 2010.
116. Autor: BRANCAGLION JUNIOR, Antonio. Data: jul. 2010. 117. Autor: BRANCAGLION JUNIOR, Antonio. Data: jul. 2010.
118. Autor: BRANCAGLION JUNIOR, Antonio. Data: jul. 2010.
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299
APÊNDICES
300
APÊNDICE A – DIFERENTES FORMAS DE ESCRITA DO NOME
PTAH-SOKAR-OSÍRIS
Escrita Nome Exemplo Local Aparição
1
Caixão de Denytenamun (XXI Dinastia – Tebas) – BM
EA 6660;
Caixão de uma mulher (XXII Dinastia) BM EA 6686;
Caixão Nesperennub (XXII Dinastia – Tebas) BM EA
30720 A;
Corredor B, parede direita KV 1 (XX Dinastia –
Tebas);
Parede sul, segunda Corte Medinet Habu
2
Livro dos Mortos Sérimen (XXI Dinastia – Tebas),
Louvre E 17400;
Primeiro Pilono, passagem entrada principal Medinet
Habu (XX Dinastia)
3
Medinet Habu (MH VI (1963), pl. 450)
4
Fuste coluna 37, colunata sul, segunda Corte
Medinet Habu
5
Estela Tjentwawanu (XXVI Dinastia – Tebas?) – BM
EA 35897
6
Caixão interno Taywheret (XXI Dinastia – Tebas) -
Cairo CG 61032
7
Abitz, König und Gott, S. 246, Nr. 141
8
Aposento D1, parede esquerda KV 11 (XX Dinastia –
Tebas)
9
Pilar 4 Camara Funerária J KV 9 (XX Dinastia –
Tebas)
10
Tábua Caixão de Pa-Miu (III Período Intermediário) –
Pelizaeus Museum inv. 3099
Estela Horakhbit (III Período Intermediário) BM EA
66424
11
Estátua Cubo Amenhotep Hoey (XVIII-XIX Dinastia)
- Rijsmuseum van Oudheden AST 13
301
Fragmento torso estátua (Napata ou Meroítico –
Gebel Barkal) – Museum of Fine Arts Boston inv. 16-
3-204
12
Estela Príncipe Djad (II Período Intermediário – Gebel
Zeit) – Louvre C41
13
Estela Munique
14
Estela Príncipe Ahmose (XVII Dinastia) - BM EA
69673
15
Piankoff, Litany, 87 und 148
16
Stela de Tuthmosis (XVIII Dinastia) - KhM128
17
Estátua Familiar de Amenemheb (Período Pós-
Amarniano - Dira Abu el-Naga) - State Hermitage
Museum inv. 740
18
Livro dos Mortos de Anhay (XX Dinastia) – BM EA
10472,5
19
Medinet Habu (MH VIII (1964), pl. 521)
20
Estela Nespasekher (Período Ptolomaico - Tebas?) -
BM EA 3650
21
Estela Djasetyenhemet (Período Romano – Tebas?) –
BM EA 8486
22
Estela Pakapefhamentu (XXVI Dinastia – Tebas?) BM
EA 8476
Estátua Funerária Ptah-Sokar-Osíris Ankhpakhéred
(XXX Dinastia) – N 4131 A
23
Estela Nehemesratawy (Período Ptolomaico – Tebas?)
BM EA 8470
302
APÊNDICE B – CORRESPONDÊNCIA NÚMERO CATÁLOGO E
NÚMERO DE INVENTÁRIO
MUSEU NACIONAL/UFRJ
Nº Catálogo Nº Inventário Nº Catálogo Nº Inventário
MN-1 16 MN-5 200
MN-2 17 (16) MN-6 203
MN-3 140 (135) MN-7 204
MN-4 181 (176)
CATÁLOGO DE REFÊRENCIA
Nº Catálogo Nº Inventário Nº Catálogo Nº Inventário
01 BM EA 9861 29 APM 00020
02 BM EA 20868 30 03.1625a-c
03 AH 11 31 15242
04 N 2873 32 BM EA 9753
05 N2872 33 BM EA 9773
06 19666 34 NMGM M11043
07 51.2099 35 E 18936
08 L1030:101 36 BM EA 9737
09 BM EA 9870 37 KhM 974
10 72.4076 38 19656
11 BM EA 9769 39 NMGM 13.12.05.34a
12 BM EA 22913 40 BM EA 9736
13 51.2090 41 KhM 976
14 KhM 977 42 15244/a
15 KhM 987 43 E.23.1887
16 KhM 3945 44 11268
17 72.4074a-c 45 KhM 984
18 JE 94511 46 N 4131 A
19 KhM 980 47 N 1997
20 MAL E 143 48 D96.a-c-1982
21 BM EA 47577 49 KhM 975
22 14334/
D 670; 22; 207
50 E 126
23 BM EA 16784 51 E.3.1907
24 MAL E 142 52 2514
25 N 3510 D, N 4021 53 RPM 1677
26 SAT 102 54 E 120
27 SAT 3707 55 BM EA 69672
28 D 2056
303
APÊNDICE C - TABELA TIPOLOGIA
ESTÁTUAS FUNERÁRIAS OSÍRIS E DE PTAH-SOKAR-OSÍRIS RAVEN
Osíris Verniz Preto Osíris Policromado
PSO Face
Verde Ptah-Sokar-Osíris com Face Dourada
I A I B I C II A II B II C II D II E III IV A IVB IV C IV D IV E IV F
Ca
vid
ad
e Base
Tronco
Sólido
Co
nt.
Papiro
Múmia de Grão
Coroa
Toucado Divino Azul Azul Azul Azul Azul Azul Azul
Disco Solar
Pluma
Atf
hDt Br
Swty
pA-sxmty
Fa
ce
Barba Divina
304
Cor Preto Preto Preto Verde Verde Verde Verde Verde Verde Ouro Am Ouro Ouro Ouro, Br ou Am
Ouro ou Am
Tro
nco
Braços cruzados
Mãos
Cajado e Açoite 2
Rede de Contas
Decoração
Colar
Plinto
Pilar Dorsal
Cor Preto Preto Preto Preto Br varia varia Br Vermelho Vermelho Preto
Fo
rma
Volumosa
Delgada
Base
Falcão
Caixão
Lo
cal
Insc
riçã
o
Frente 1 Col. 1 Col. 3 Col. 1 Col. 3 Col.
Verso
Pilar Dorsal 1 Col. 1 Col. 1 Col.
Plinto
Topo Base
305
Laterais Base
Insc
riç
ão
Nome do Morto
Texto Religioso
Início LM 6
Hino PSO Início
Altura 43 cm (15 exempl. entre 26 e 59.5 cm)
56,5 cm (9 exemplares entre 38,5 e 76 cm)
58 cm (10 exempl.
entre 36 + x e 72.5
cm)
74 cm (12 exemplares entre 60 e 83 cm)
Datação
IA-C XXI Dinastia até início XXII Dinastia; I
A sobrevivendo até XXII Dinastia ou até
XXV Dinastia
Final XVIII Dinastia – XXII Dinastia
XXVI Dinastia, talvez um
pouco mais cedo
Criado por volta da XXV Dinastia e chegou até o Período Ptolomaico. IV A. ocorre em todos os períodos; IV B. no início, IV E possivelmente
apenas na XXX Dinastia, IV C., (IV D.) e IV F. são Ptolomaicos.
Observação Detalhes em pintura amarelo ou folhação Base Vermelha ou Amarela
Base Branca ou Amarela
Legenda:
possui pode possuir possui um dos itens indicados Br – branco Am - amarelo
306
APÊNDICE D - TABELA NOVA TIPOLOGIA
ESTÁTUAS FUNERÁRIAS DE OSÍRIS E PTAH-SOKAR-OSÍRIS
Osíris Ptah-Sokar-Osíris
Shabti Policr
omad
o
Verniz Preto Face
Verde
Face
Verde
Face Dourada Tronco
Branco
Folhado a
ouro Tronco Vermelho Tronco Preto
1. 2.a 2.b 2.c 2.d 3. 4. 5.a 5.b 5.c 6.a 6.b 6.c 7.a 7.b 8.a 8.b 10.
Ca
vid
ad
e Base
Tronco
Sólido
Co
nt.
Papiro
Múmia de Grão
Coroa
Toucado Divino Azul
Atf
hDt
Swty
Face
Cor Verde Preto Verde Verde Ouro Am Ouro Ouro
ou Am
Ouro, Br ou Am
Ouro ou Am
Br, Am ou Verm Ouro Preto
Barba Divina
Tro
nco Braços
cruzados
Mãos
307
Cajado e Açoite 2
Rede de Contas
Iconografia
Colar
Plinto
Pilar Dorsal
Cor varia Preto verm varia Vermelho Preto Branco Ouro Preto
Fo
rma
Volumosa
Delgada
Base
Tam
pa Simples
Falcão
Caixão
Fris
o D
ecor
ativ
o
Liso
Contorno
Listras
Serekh
Símbolos
Insc
riç
ão Frente
Verso
Pilar Dorsal
308
Plinto
Topo Base
Laterais Base
Insc
riç
ão
Nome do Morto
Proscinema
Recitação
Invocação
LM 6
Hino PSO
Datação
XIX– XXII
Dinastia
XXI-XXII Dinastia
2ª metade III
Período
Intermediário
XXV-XXVI Dinast
ia
XXV Dinast
ia-Períod
o Ptolomaico
XXX Dinastia-Período
Ptolomaico
XXX Dinastia-Período Ptolomaico
XXX Dinastia-Período
Ptolomaico
XXX Dinastia-Período
Ptolomaico
XXI-XXII
Dinastia
Observação
Base Verm
ou Am
Detalhes em pintura amarelo ou folhação a ouro
Base Br ou Am
pode
usar o Nemés
Observação: os tipos 9. e Misto não foram incluídos na tabela, pois podem apresentar diferentes características.
Legenda:
possui pode possuir possui um dos itens indicados Br – branco Am – amarelo Verm - vermelho
309
APÊNDICE E – ESTÁTUAS COM COLAR wsx n bik
Fileiras Simples
Nº catálogo Tipo
22 Variante 5.b
26 5.c
31 5.b-c
41 7.a
47 7.b
Fileiras com contas de diversos formatos
Nº catálogo Tipo
19 5.a
23 5.c
24 5.c
25 5.c
27 5.c
28 5.c
45 5.c
29 5.c
30 5.c
32 5.b-c
36 6.b
37 6.b
40 6.b-c
38 6.c
39 6.c
42 7.a
43 7.a
44 7.a
46 7.b
48 8.a
49 8.b
310
APÊNDICE F – ESTÁTUAS SEM BASE
Nº Catálogo Tipo
06 2.a
13 4.
16 4.
20 5.a
22 var. 5.b
23 5.c
27 5.c
32 5.b-c
33 6.a
47 7.b
52 9.
53 9.
311
APÊNDICE G – FRISOS DECORATIVOS BASE
Liso
Nº Catálogo Cor Tipo
03 Amarela 1.
04 Amarela 1.
05 Branca 1.
07 Preta? 2.b
08 Preta 2.b
09 Preta 2.c
10 Preta 2.c
11 Preta 2.d
12 Branca 3.
18 Branca 4.
50 Sem pintura 9.
51 Branca 9.
55 Preta 10.
Liso com contorno
Nº Catálogo Cor Tipo
01 Amarela com contorno preto 1.
02 Preta com contorno amarelo 1.
14 Amarela com contorno preto 4.
15 Amarela com contorno preto 4.
21 Amarela com contorno preto 5.b
31 Branca com contorno vermelho 5.b-c
37 Branca com contorno vermelho 6.b
41 Branca com contorno vermelho 7.a
42 Branca com contorno preto e amarelo 7.a
45 Branca com contorno vermelho 7.b
Listras
Nº Catálogo Cor Tipo
17 Amarela e preta 4.
Serekh
Nº Catálogo Tipo
29 5.c
38 6.c
44 7.a
312
Símbolos
Nº Catálogo Motivo Tipo
19 neb, ankh, was, métopa egípcia 5.a
25 métopa egípcia 5.c
28 neb, ankh, was, métopa egípcia 5.c
30 neb, ankh, was, métopa egípcia 5.c
36 métopa egípcia 6.b
39 neb, ankh, was 6.c
40 neb, ankh, was, métopa egípcia 6.b-c
43
frente: neb, wadjet, nefer, laterais: neb, ankh, was, verso: branco e contorno
vermelho todos os lados
7.a
46 neb, ankh, was, métopa egípcia 7.b
313
APÊNDICE H – TOPO DA BASE
Falcão
Nº Catálogo Tipo
14 4.
21 5.b
31 5.b-c
42 7.a
43 7.a
44 7.a
Sarcófago com Falcão
Nº Catálogo Tipo
25 5.c
36 6.b
40 6.b-c
Simples sem Tampa
Nº Catálogo Tipo
18 4.
19 5.a
26 5.c
28 5.c
29 5.c
30 5.c
34 6.a
38 6.c
48 8.a
54 9.
Sarcófago
Nº Catálogo Tipo
35 6.a
37 6.b
39 6.c
41 7.a
46 7.b
Tampa Simples
Nº Catálogo Tipo
17 4.
49 8.b
50 9.
51 9.
Tampa faltando
Nº Catálogo Tipo
15 4.
45 7.b
314
APÊNDICE I – TIPOS DE CAVIDADES
A. Cavidade tubular
no tronco
C. Cavidade na lateral da base
D. Estátua tipo
caixão
B. Cavidade
retangular no verso do
tronco
315
G. Cavidade no
topo da base
F. Cavidade no
Pilar Dorsal
E. Cavidade
retangular no verso
do toucado divino
316
APÊNDICE J – TABELA EVENTOS FESTIVAL DE KHOIAK
Localidade
Data Tumbas Tebanas
TT 50 Akhemenu Medinet Habu Dendera Edfu Koptos Pap.
Jumilhac Pap. Louvre N.3176(s)
12 de Khoiak
“Grande Festa de Tena”
Preparação material
figuras de Khenty-
Amentet e membros
sagrados e colocados em
moldes
Cerimônia de lavrar e
semeadura
Preparação material figuras
de Khenty-Amentet e membros
sagrados e colocados em
moldes
13 de Khoiak
Aguar os moldes
Aguar os moldes
14 de Khoiak
“Grande Festa Per-t”
Aguar os moldes
Preparação material figura
de Sokar
Aguar os moldes
15 de Khoiak
decoração do
caixão
aguar os moldes
317
Preparação óleo para untar
figuras
aguar os moldes
16 de Khoiak
“Festa de Osíris Khenty-Amentet”
aguar os moldes
aguar os moldes
enfaixar e ungir a figura de
Sokar, dando ela a sua mãe
chegada de Hórus para ver
seu pai.
Hórus na forma de crocodilo
carrega o corpo divino de Osíris a ser deitado no
templo
procissão de Sokar
acompanhado de Anúbis, das imagens dos
deuses nos seus estandartes e os quatro obeliscos
Benben circundando o
templo e a necrópole
318
17 de Khoiak
aguar os moldes aguar os moldes
18 de Khoiak
umedecer o grão
colocado em moldes para
Camas (“jardins”) de
Osíris
aguar os moldes aguar os moldes
recitação de hora em hora
do ritual “Proteção da
Cama” Abertura do “repositório de Osíris”
19 de Khoiak
aguar e umedecer os
grãos dos moldes
aguar os moldes
aguar os moldes
Procurar a cabeça de
Osíris
Recitação de hora em hora
do ritual “Proteção da
Cama” Secar e incensar
as figuras de Sokar
20 de Khoiak
Aguar e umedecer os
grãos dos moldes
aguar os moldes
aguar os moldes
procurar os olhos de Osíris
Recitação de hora em hora
do ritual “Proteção da
Cama” Confeccionar uma peça de
tecido
21 de Khoiak
Aguar e umedecer os
grãos dos moldes
início Festival de Ptah-
Sokar-Osíris com o “Dia de
abrir a abertura no Santuário Shetayet”
tirar figuras de Khenty-
Amentet, Sokar e membros
sagrados dos moldes e
transportar para o seu local
de enterro
aguar os moldes
procurar a boca de Osíris
Recitação de hora em hora
do ritual “Proteção da
Cama”
319
tecer um pedaço de tecido
22 de Khoiak
Aguar e umedecer grãos dos moldes
Capinar a terra
Capinar a terra
cerimônia de navegação de 34
barcas de deuses no lago
sagrado iluminado por 365 luzes na
oitava hora da noite
Aguar os moldes
Procurar o pescoço/ os
braço de Osíris
Recitação de hora em hora
do ritual “Proteção da
Cama”
“Grande Capinação da
Terra"
23 de Khoiak
Aguar e umedecer grãos dos moldes
Dia de libação
Preparar (fazer) o
caminho para o santuário
Shetayet
preparação para o enterro, devendo a
figura de Sokar ser deitada no caixão, o qual
deveria ser mantido numa
tumba temporária
aguar os moldes
Procurar as vísceras de
Osíris
Recitação de hora em hora
do ritual “Proteção da
Cama”
dia de procurar e/ou coletar o corpo
(inteiro ou desmembrado)
de Osíris, trazendo-o de volta para o
santuário para ser
embalsamado por Anúbis, encenado
ritualmente na Mansão de
Ouro
ritos de amortalhamento das figuras do ano anterior
rituais realizados sobre
os vasos canopos
24 de Khoiak
aguar e umedecer grãos dos moldes
procissão de Sokar-Osíris parando na entrada do vestíbulo do Akhmenu
dia de colocar Sokar em seus
centros
Ao anoitecer colocar a figura de Osíris em um
caixão de madeira de amoreira no
Festa de Hórus, o que resgatou as mortalhas de seu pai
procissão das figuras
Procurar os intestinos de
Osíris
Recitação de hora em hora
do ritual “Proteção da
Cama”
320 para: a litania de oferendas, incensamento,
libação, “massacre dos
inimigos”, e recitação dos
rituais: “Entrada de
Osíris”, “Proteção da
Cama”, “Adoração de
Osíris” e “Grande
Abertura da Boca na Casa
de Ouro”
túmulo procissão de Sokar-Osíris parando na entrada do vestíbulo do Akhmenu
para: a litania de oferendas, incensamento,
libação, “massacre dos
inimigos”, e recitação dos
rituais: “Entrada de
Osíris”, “Proteção da
Cama”, “Adoração de
Osíris” e “Grande
Abertura da Boca na Casa
de Ouro”
Na 9ª hora da noite remover a
figura depositada no ano anterior e coloca-la sobre
ramos de sicômoro.
Procissão de Sokar
acompanhado de Anúbis, das imagens dos
deuses nos seus estandartes e os quatro obeliscos
Benben circundando o
templo e a necrópole
Retorno ao santuário de
(Sokar-) Osíris com um ritual
das “Duas Irmãs” lido duas vezes
Retorno ao santuário de
(Sokar-) Osíris com um ritual
das “Duas Irmãs” lido duas vezes
rituais realizados sobre os vasos
canopos
À noite procissão para o topo do lago sagrado, onde eram entoados
os ritos da “Navegação de
Osíris” e
A noite procissão para o topo do lago sagrado, onde eram entoados
os ritos da
321 “Navegação de
Osíris” e “Abertura das
Portas da barca
Neshemet”
“Abertura das Portas da
barca Neshemet”
sacerdotes acompanham o retorno de
Sokar-Osíris à Mansão de
Sokar através da grande sala
hipostila de Karnak
Sacerdotes acompanham o retorno de
Sokar-Osíris à Mansão de
Sokar através da grande sala
hipostila de Karnak
25 de Khoiak
festa NTryt
aguar e umedecer grãos dos moldes
festa NTryt
Rituais realizados sobre
os vasos canopos
procissão de Sokar ao
santuário de Hórus
ritos finais no terraço
Procurar os pulmões/o
falo de Osíris
Recitação de hora em hora
do ritual “Proteção da
Cama” À noite uso de colares de cebolas nas capelas das tumbas
tebanas
festa NTryt
26 de Khoiak
todas divindades do
templo recebem o
culto do ritual matinal e as
oferendas são presenteadas aos ancestrais
do faraó
rituais realizados sobre
os vasos canopos
Dia de oferendas à
Osíris, trazer um
burro selvagem, matá-lo, matar
Apophis e oferecer aos
mortos
ritos finais no terraço
procurar as coxas/ as pernas de
Osíris
―União com o disco solar”
(Xnm-itn),
procissão para a tumba
rei oferece incenso para
Khum presidindo sobre seus
muros, Herremenwy-f(y) na Grande
procissão de Sokar
322 Mansão e Shesmu
presidindo sobre a Per-
Wer
Na Per-Henu, o sumo-
sacerdote de Ptah de Mênfis coloca a barca
Henu sobre seu trenó-mfx
performance da Litania de
Sokar
procissão pública da
barca Henu de Sokar para
circundar os muros do
templo seguida pelo Faraó, por
sacerdotes e pelos deuses.
27 de Khoiak
Festival de “untar a Enéada”,
oferendas para “Ptah-Sokar-Osíris e sua
Enéada”
rituais realizados sobre
os vasos canopos
Procurar as pernas/ os dedos de
Osíris
323
28 de Khoiak
oferendas para Ptah-Sokar-Osíris e sua Enéada no
“dia de puxar enfrente o Benben
rituais realizados sobre
os vasos canopos
Procurar o falo/ os
braços de Osíris
29 de Khoiak
evento
danificado
rituais realizados sobre
os vasos canopos
Procurar o coração de
Osíris
30 de Khoiak
ereção do Pilar Djed
ereção do Pilar
Djed
“Festa da Lavragem da
Terra”
Procurar os braços de Osíris/ os filhos de Hórus
dia do enterro das figuras
feitas no ano anterior
dia do enterro das figuras
feitas no ano anterior
ereção do Pilar Djed
ereção do Pilar Djed
324
APÊNDICE K – PEÇAS DO CATÁLOGO DE REFÊRENCIA COM
PROVENIÊNCIA CONHECIDA OU PROVÁVEL
Proveniência Nº Catálogo Tipo
Akhmim 48 8.b
Akhmim (?) 02 1.
23 5.c
38 6.c
42 7.a
43 7.a
Dendera (?) 30 5.c
Tebas
Asasif
55 10.
40 6.b-c
Tebas (?) 07 2.b
08 2.b
09 2.c
Hissayeh, Assuã 39 6.c
Rifeh 51 9.
Legenda: (?) – proveniência suposta
325
ANEXOS
326
ANEXO A – PROVENIÊNCIA CONHECIDA DE ESTÁTUAS
FUNERÁRIAS DE OSÍRIS E PTAH-SOKAR-OSÍRIS ANALISADAS POR RAVEN (1978-1979, pp. 291-292)
Lista de proveniência organizadas do Norte para o Sul
Sítio Publicações Número de Exemplares
Saqqara perto do Serapeum Basta 18, pls. VIII-IX 1 Saqqara perto da Pirâmide de . Userkaf
Khouly no. 71 1
Kafr Ammar tumba KA 34 Petrie/Mackay 35, pl. XXIX.4-6 6
Abusir el-Malaq Rubensohn/Knatz 6, 7, 15, figs. 5, 12 Möller/Scharff 104, pl. 78c
3+x 2
Sidmant el-Gabal Edinburgh reg. no. 1910.111.2&A 1
El-Hiba Ranke 1926, 50 Botti 1958, 173-184, pls. LI, LIII Bosse-Griffiths 101
1 35 (1)
Beni Hasan Garstang figs. 216, 218-219 2
El-Barsha Edinburgh reg. no. 1911.259 1
Dairut Kamal 1914, 60-61 2
Assiut Deir Dronka Kamal 1916, nos. 87, 95-97 4+x
Akhmin atribuído Budge 1893, nos. 15, 308 Price nos. 2063-2065 Budge 1925, 383-384 Daressy 1928, 11
2 3 x 2
Akhmin atribuído pelas inscrições Budge 1896, no. 30 Leiden inv. no. F 1961/12.2
1 1
Abidos tumbas G 50, 57, 61 Petrie 1902, 35-36, 38-39, pl. LXX 7 Abidos tumbas G S620, X7, R4 Peet 94-95, pl. XXXIX.1-2 5 Abidos atribuído Budge 1896, nos. 29, 31-32, pl. V 3
Tebas Qurna Petrie 1909, 15, pls. VIII, LIII 2 Tebas Cachette Real Edwards, A.B., 87
Maspéro 1889b, 592-594 (1) 7
Tebas Cachtte de Sacerdotes Daressy 1900, 144 Daressy 1902, 160 Daressy 1907, 3
77 (1)
Tebas outras tumbas Deir el-Bahri Winlock 1924, 28, fig. 26 Winlock 1928, 24, fig. 27 Winlock 1929, 19, fig. 21 Winlock 1930, 20-21, fig. 26 Winlock 1932, 82, pls. VII-VIII
6 1 1 (1) (1)
Tebas perto do Ramesseum Edinburgh reg. no. 1956.287&A 1 Tebas El-Asasif Bietak 32-33, pl. XVIIIb 2 Tebas Gabal Sheikh Abd el-Qurna Mond 99
Collins 35, 38 1 3
Tebas atribuído Budge 1899, 1, 19-20 Budge 1923, 9
2 1
Tebas atribuído pelas inscrições Champollion no. U 19 Rossi/Lanzone nos. 2470, 2479, 2483 Maspéro 1889a, no. 71 Budge 1898, 86 (BM 9736) Wijngaarden 1932 nos. 1, 4, 5, 9, 16, 24, 29, 34, 36
1 3 1 1 9
Nag el-Hissaya Gray/Slow 38, fig. 67 1
327
Assuan Qubbet el-Hawa Cecil 1903, nos. 6, 19, 21 Cecil 1905, no. 31 Edel 93
3+x x
1+x
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