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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Faculdade de Letras
VARIAÇÃO METAFÓRICA EM DUAS LÍNGUAS ROMÂNICAS:
METÁFORAS SOBRE CONQUISTA AMOROSA NO PORTUGUÊS
BRASILEIRO E NO ESPANHOL EUROPEU
por
Beatriz Batista Azevedo
Rio de Janeiro
2017.2
Beatriz Batista Azevedo
VARIAÇÃO METAFÓRICA EM DUAS LÍNGUAS ROMÂNICAS:
METÁFORAS SOBRE CONQUISTA AMOROSA NO PORTUGUÊS
BRASILEIRO E NO ESPANHOL EUROPEU
Orientador: Prof. Dr. Diogo Pinheiro
Rio de Janeiro
2017.2
Monografia submetida à Faculdade de
Letras da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito parcial para
obtenção do título de Licenciado em Letras
na habilitação Português/ Alemão.
Índice Geral
1. Introdução ....................................................................................................................... 1
2. Fundamentação teórica .................................................................................................. 3
2.1 Teoria da Metáfora Conceptual ................................................................................. 3
2.2 Variação Metafórica .................................................................................................. 5
3. Metodologia .................................................................................................................. 10
4. Análise de Dados ........................................................................................................... 12
5. Considerações Finais ..................................................................................................... 19
Resumo
Este trabalho busca compreender a variação metafórica intercultural a partir do ponto de
vista da Linguística Cognitiva. Tomando como referência a proposta de Kövecses (2005)
acerca da variação metafórica, este trabalho busca comparar metáforas sobre conquista
amorosa em duas línguas românicas: o português brasileiro (PB) e o espanhol europeu
(EE). Para isso, foi constituído um corpus formado por vinte edições da coluna
jornalística Ficadas e Rolos e Papo de BFF, presente, respectivamente nas revistas
brasileiras Atrevida e Todateen, e vinte edições da coluna Ligue, presente na revista
espanhola Superpop. O procedimento de análise consistiu em um levantar todos os usos
metafóricos referentes ao domínio-alvo CONQUISTA AMOROSA nas duas colunas,
classificando-as de acordo com o domínio-fonte e quantificando as categorias
encontradas. Os resultados, interpretados à luz do modelo de Kövecses (2005), sugerem
a existência de uma convergência e três divergências na conceptualização metafórica do
domínio CONQUISTA AMOROSA em relação às línguas estudadas. A convergência refere-
se ao alcance do domínio alvo, que é o mesmo em ambas as línguas: tanto o português
brasileiro quanto o espanhol europeu recorrem aos domínios GUERRA, JOGO/ESPORTE,
NEGÓCIO E MUDANÇA DE ESTADO FÍSICO para conceptualizar a CONQUISTA AMOROSA. A
primeira divergência relaciona-se com a categoria de conceptualização preferencial: a
língua espanhola utiliza com mais frequência o domínio-fonte GUERRA do que a língua
portuguesa. A segunda divergência também se refere à conceptualização preferencial:
neste caso, observamos que o domínio-fonte NEGÓCIO é mais produtivo no PB do que no
EE. Já a terceira divergência diz respeito às metáforas congruentes: existem tendências
diferentes na instanciação da metáfora genérica comum CONQUISTA AMOROSA É
JOGO/ESPORTE, ou seja, apesar de compartilharem a mesma metáfora genérica, as duas
línguas apresentam variações em relação aos detalhes.
Palavras-chaves: Metáfora. Variação intercultural. Linguística Cognitiva. CONQUISTA
AMOROSA.
1. Introdução
No campo da Linguística Cognitiva (LC), os anos 1980 testemunharam o
surgimento da conhecida Teoria da Metáfora Conceptual (TMC), que foi desenvolvida
originalmente pelo linguista George Lakoff e pelo filósofo Mark Johnson, no célebre livro
Metaphors we live by (LAKOFF; JOHNSON, 1980). As preocupações universalistas
dessa teoria, contudo, atraíram algumas críticas, as quais levaram ao desenvolvimento de
uma teorização a respeito da variação metafórica intra e intercultural. Essa teorização foi
desenvolvida, principalmente, por Zóltan Kövecses (2005, 2008).
Diante desse cenário, a principal finalidade deste trabalho é explorar a questão da
variação metafórica intercultural sob a perspectiva da Linguística Cognitiva e da Teoria
da Metáfora Conceptual, utilizando como base o trabalho realizado por Zóltan Kövecses
(2005, 2008). Para isso, foi desenvolvida uma análise comparativa entre os usos
metafóricos referentes ao domínio-alvo (DA) CONQUISTA AMOROSA de duas línguas
românicas: o português brasileiro (PB) e o espanhol europeu (EE). A análise tomou como
corpus três revistas direcionadas ao público adolescente feminino: as brasileiras Atrevida
e Todateen, e a espanhola Superpop.
Com base na análise realizada neste trabalho, foi possível comprovar a existência
de diferentes formas de variação intercultural e avaliar convergências e divergências em
relação à conceptualização da conquista amorosa no PB e no EE. Os resultados sugerem
a existência de uma convergência fundamental e, adicionalmente, três pontos
divergências entre as duas línguas. Em particular, verificou-se que ambas as
línguas/culturas dispõem de quatro domínios-fonte para a conceptualização do domínio-
alvo CONQUISTA AMOROSA: GUERRA, JOGO/ESPORTE, NEGÓCIO e MUDANÇA DE ESTADO
FÍSICO. No entanto, foi possível verificar também algumas diferenças importantes, em
especial no que diz respeito à produtividade de certas metáforas e aos detalhes de sua
instanciação.
Este trabalho está organizado em quatro capítulos, para além desta introdução. No
segundo capítulo, apresentamos a fundamentação teórica do estudo, descrevendo o
quadro teórico que sustenta as análises desenvolvidas. Em seguida, no terceiro capítulo,
passamos a expor os procedimentos metodológicos que foram utilizados neste trabalho.
No capítulo seguinte, apresentamos a análise de dados, com o levantamento quantitativo
das metáforas nos corpora e a interpretação dos resultados à luz de Kövecses (2005). Por
fim, nas considerações finais, onde faremos uma síntese da pesquisa desenvolvida e
apresentaremos as perspectivas futuras para este trabalho.
2. Fundamentação teórica
O arcabouço teórico em que o trabalho se insere é a Linguística Cognitiva (LC),
movimento surgido na década de 1980 em reação aos princípios estabelecidos pela
Linguística Gerativa e, em particular, pela semântica formal. Dessa maneira, uma de suas
ideias centrais é a de que os significados não devem ser estabelecidos através de
julgamentos de verdade ou falsidade da sentença, mas que, em vez disso, refletem a
perspectiva do observador e, consequentemente, suas experiências.
Atualmente, está claro que a LC é campo de investigação bastante vasto, ou seja,
um movimento heterogêneo e diversificado, formado por diversas teorias. Destas, uma
das mais importantes é a Teoria da Metáfora Conceptual (TMC), que se apresenta como
quadro teórico central deste trabalho. Diante disso, a sequência deste capítulo está
dividida em duas seções: a primeira terá como tema a TMC; a segunda se voltará,
especificamente, para o problema teórico da variação metafórica.
2.1. Teoria da Metáfora Conceptual
A TMC, uma das vertentes da LC, surgiu em meados da década de 1980 a partir
do trabalho pioneiro de George Lakoff e Mark Johnson. Uma primeira síntese dessa teoria
pode ser encontrada no livro Metaphors we live by (LAKOFF; JOHNSON, 1980), que
servirá de base para esta seção.
Do ponto de vista tradicional, a metáfora é tida apenas como uma "marca do
gênio", ou seja, uma figura de linguagem (utilizada, na maioria dos casos, em textos
literários) e, por causa disso, considerada como um ornamento linguístico facilmente
dispensável. Porém, do ponto de vista da LC a metáfora é muito mais do que apenas um
recurso estilístico. Trata-se, em vez disso, de uma operação conceptual que dá ao falante
a possibilidade de expressar ideias abstratas, ou menos familiares, tomando como base
suas experiências mais básicas e, em geral, mais concretas. Para os cognitivistas, portanto,
a metáfora é um processo mental, que se realiza primariamente no pensamento e apenas
secundariamente pode se manifestar na linguagem. Nesse sentido, de acordo com
Pinheiro e Alonso (2010), a metáfora não é um recurso opcional, mas sim um recurso
indispensável para a estrutura e organização do sistema conceptual humano.
Mas, afinal, o que exatamente vem a ser a metáfora, sob a ótica da LC? A TMC
entende que as metáforas são formadas por dois elementos básicos: o domínio-fonte (DF)
e o domínio-alvo (DA). Entende-se DF como o domínio mais básico, ou seja, ele funciona
como o ponto de partida da metáfora, e tipicamente inclui elementos físicos e concretos
da experiência humana. Já o DA é aquilo que se busca conceptualizar com auxílio do DF,
tendendo a ser, portanto, mais abstrato. Nesse sentido, uma metáfora é uma projeção
conceptual de elementos de um DF para um DA.
Entendendo-se a metáfora como um processo mental, é importante observar a
distinção, feita por Lakoff (1993), entre metáfora conceptual e expressões metafóricas.
A primeira se refere à relação analógica que está na mente dos falantes, isto é, à projeção
mental entre domínios conceptuais. Já as segundaspodem ser entendidas como "as
manifestações ou concretizações linguísticas particulares" (PINHEIRO; ALONSO, 2010,
p. 5), consistindo “no emprego de itens lexicais associados a um domínio para fazer
referência a um domínio distinto” (LEITÃO DE ALMEIDA et alii, 2010, p. 24). Para
melhor ilustrar essa ideia, bem como a diferença entre uma metáfora conceptual e uma
expressão metafórica, tomaremos três exemplos utilizados por Lakoff e Johnson (1980,
p. 15 e 16):
(1) a. I fell into a depression.
b. I'm feeling down.
c. Thinking about her always gives me a lift.
De acordo com a TMC, uma metáfora apresenta sempre a forma X É Y, onde o X
corresponde ao DA e Y, ao DF. Assim, nos exemplos acima, os termos em itálico, são
manifestações linguísticas das seguintes metáforas conceptuais subjacentes: BOM É PARA
CIMA (em (1a) e em (1c)) e RUIM É PARA BAIXO (em (1b)). Algo semelhante pode ser visto
no exemplo abaixo, retirado de Pinheiro e Alonso (2010):
(2) Maria entrou em/ está em/ saiu da depressão.
No exemplo acima, fica evidente a existência de uma relação metafórica, que pode
ser formulada da seguinte maneira: ESTADOS SÃO LUGARES.No exemplo acima, o estado
abstrato depressão é tratado como um lugar físico,conforme indicado pelos verbos
locativos “entrar”, “estar” e “sair”. Assim, a projeção mental entre elementos pertencentes
aos domínios ESTADO e LUGAR corresponde à metáfora conceptual subjacente, ao passo
que os enunciados concretos que a materializam correspondem às expressões metafóricas.
2.2 Variação metafórica
Apesar do amplo espaço que a TMC ganhou em diversas partes do mundo no
decorrer dos últimos 35 anos, aproximadamente, a teoria nunca ficou imune a críticas, até
mesmo por parte de outros autores alinhados à LC. Em particular, duas dessas críticas são
importantes para este trabalho. O primeiro contraponto à TMC diz respeito ao fato de que
seus estudos originais não levavam em conta a língua real e utilizavam, em vez disso,
dados inventados. A segunda crítica refere-se ao fato de que, durante muitos anos, o
interesse dos estudiosos recaía apenas sobre as metáforas universais, deixando de lado,
ou pelo menos minimizando, a variação metafórica inter e intracultural (KÖVECSES,
2005). Essa opção era consequência da ênfase sobre a base corpórea das projeções
metafóricas.
Para evitar esses dois problemas, recorremos neste trabalho à abordagem
desenvolvida por Zóltan Kövecses (2005). Seu trabalho é marcado por estudos
fundamentados em métodos empíricos, incluindo não somente análise de corpus, mas
também metodologia experimental. Porém, o elemento mais importante, ou mais
inovador, nos seus estudos é o fato de o autor trabalhar a questão da variação metafórica
intra e intercultural, tendo como principal objetivo aproximar e integrar a linguagem,
cognição e cultura.
Neste trabalho, interessamo-nos somente pela questão da variação metafórica
intercultural, uma vez que nosso principal objetivo, como já explicitado, será confrontar
as metáforas sobre conquista amorosa apresentadas em duas línguas distintas: o espanhol
do Brasil (por meio das revistas femininas Atrevida e Todateen) e espanhol europeu (por
meio da revista feminina Superpop).
De acordo com Kövecses (2005), há cinco maneiras por meio das quais as
metáforas podem variar de uma língua/cultura para outra, a saber: (i) um mesmo esquema
metafórico pode ser compartilhado por duas línguas/culturas, mas de modo tal que os
detalhes de instanciação irão variar de acordo com cada língua/cultura; (ii) duas
línguas/culturas podem utilizar DFs diferentes para conceptualizar um determinado DA;
(iii) duas línguas/culturas podem não ser equivalentes em relação ao conjunto de DAs a
que determinado DF pode se aplicar; (iv) duas línguas/culturas podem apresentar o
mesmo conjunto de DFs para um DA, porém divergindo com relação à produtividade de
cada DF; e (v) um dada relação entre DA e DF pode ser absolutamente única a uma
determinada língua/cultura, não estando presente, portanto, em nenhuma outra
língua/cultura.
A primeira das possibilidades listadas acima corresponde ao fenômeno a que
Kövecses (2005) se refere como metáforas congruentes. Trata-se de uma situação em que
duas ou mais línguas apresentam o mesmo esquema metafórico geral, mas divergem nos
detalhes de sua instanciação. Em outras palavras, uma mesma projeção metafórica pode
existir em duas línguas diferentes, sendo equivalentes em um nível mais genérico (no qual
se pode verificar inclusive a universalidade ou quase-universalidade) e, ao mesmo tempo,
divergente em um nível mais específico (que será então o locus da variação intercultural).
Uma metáfora será considerada genérica quando seus detalhes puderem ser preenchidos
de acordo com cada cultura, ou seja, essa metáfora genérica irá se tornar mais específica
ao receber o conteúdo único de uma dada cultura particular.
Para exemplificar, Ning Yu (1998, apud KÖVECSES, 2005, p. 56 e 57) compara
a metáfora conceptual genérica UMA PESSOA COM RAIVA É UM CONTÊINER PRESSURIZADO
nas línguas inglesa e chinesa, observando então que, no inglês, a raiva é conceptualizada
como um fluido, ao passo que, no chinês, ela é retratada como um gás, especificamente
um excesso de qi (energia que percorre o corpo). Em suma, a metáfora genérica é comum
às duas línguas/culturas, mas haverá diferenciação em um nível cultural específico
(líquido X gás).
A segunda possibilidade diz respeito às chamadas metáforas alternativas. Neste
caso, temos uma situação na qual línguas/culturas diferentes recorrem a DFs distintos
para um determinado DA. Isso significa que um determinado DF disponível em uma
língua/cultura para conceptualizar um determinado DA não estará disponível em outra
língua/cultura. Em casos como este, diz-se que há uma diferença com relação ao alcance
do DA. De acordo com Kövecses (2005), por exemplo, o inglês e o chinês compartilham
alguns DFs relativos ao DA FELICIDADE, mas, ao mesmo tempo, há certas metáforas que
existem em uma língua e não na outra. Por exemplo, a metáfora chinesa FELICIDADE É
FLORES NO CORAÇÃO (“Happiness is flowers in the heart”) não existe no inglês. Nos
termos de Kövecses (2005), o domínio-alvo felicidade não alcança o mesmo conjunto de
domínios-fonte nas duas línguas/culturas. Tal metáfora reflete, então, uma característica
específica da cultura chinesa.
Outro exemplo apresentado por Kövecses (2005) em seu trabalho diz respeito ao
húngaro e ao inglês norte-americano. Tanto falante nativos do húngaro quanto do inglês
norte-americano conceptualizam a vida como uma GUERRA, JOGO e VIAGEM, dentre outros
domínios-fonte possíveis. Porém, os falantes de Hmong, língua falada principalmente no
Laos e na Tailândia, não conceptualizam a vida da mesma maneira. Para esses falantes, a
vida é conceptualizada como uma corda, que pode ser cortada ou quebrada. Sendo assim,
podemos concluir que o Hmong, mas não o inglês ou o húngaro, possui a seguinte
metáfora para a vida: A VIDA É UMA CORDA (“Life is a string”). Mais uma vez, temos aqui
uma situação na qual línguas diferentes recorrem a DFs diferentes para conceptualizar
um mesmo DA.
A terceira possibilidade de variação intercultural, referida por Kövecses (2005)
por meio da expressão “Scope of the Source”, diz respeito aos casos em que há diferença
com relação ao conjunto de DAs a que determinado DF pode se aplicar. Para
exemplificar, utilizaremos o exemplo proposto por Kövecses (2005) em relação ao DF
CONSTRUÇÃO. De acordo com o autor, tal DF é capaz de gerar um extenso número de
metáforas, sendo assim muito utilizado por línguas ocidentais.
De fato, no português, há diversas metáforas que se baseiam nesse DF, dentre as
quais podemos mencionar as seguintes:TEORIAS SÃO CONSTRUÇÕES (“Cada vez mais, o
conhecimento científico é construído por um pequeno número de trabalhadores
especializados”), CARREIRA É CONSTRUÇÃO (“Estou construindo minha carreira”),
RELAÇÕES SÃO CONSTRUÇÕES (“Leva-se muito tempo para construir uma relação”) e
GRUPOS SOCIAIS SÃO CONSTRUÇÕES ("Essa informação vai abalar as fundações da
comunidade jurídica brasileira").
No entanto, apesar da alta produtividade do DF construções no português, o
mesmo não se verifica no tunisiano arábico (KÖVECSES, 2005). De fato, muito embora
as metáforas TEORIAS SÃO CONSTRUÇÕES e CARREIRA É CONSTRUÇÃO ainda estejam
presentes nessa língua, não se verificam as duas últimas metáforas listadas no parágrafo
anterior, isto é, RELAÇÕES SÃO CONSTRUÇÕES e GRUPOS SOCIAIS SÃO CONSTRUÇÕES.
Devido a isso, pode-se concluir que, entre o português e o tunisiano arábico,existe uma
diferença relacionada ao conjunto de domínios-alvo ao qual o domínio-fonte
CONSTRUÇÃO pode se aplicar.
A quarta situação reconhecida por Kövecses (2005) diz respeito às chamadas
conceptualizações preferenciais. Especificamente, trata-se aqui de casos em que duas
línguas/culturas utilizam as mesmas metáforas conceptuais para um determinado DA,
verificando-se apenas uma diferença intercultural relativa à produtividade dos DFs. Para
exemplificar, Kövecses (2005) reporta uma pesquisa de natureza experimental na qual se
pediu que vinte falantes nativos do inglês norte-americano e vinte falantes nativos do
húngaro produzissem um ensaio sobre a vida. Para estimular os participantes da pesquisa,
foram feitas as seguintes perguntas: (i) como você vê a vida humana de maneira geral?,
(ii) o que a vida significa para você?, (iii) o que você considera como uma vida bem
sucedida?, e (iv) qual a sua visão de vida, com bases nas suas experiências e pensamentos
pessoais?. Na análise dos resultados, o autor mapeou os diferentes enunciados
metafóricos que foram utilizados em referência ao domínio-alvo VIDA. Com isso, foi
constatado que os americanos conceptualizam preferencialmente a vida como um bem
precioso, ao passo que os húngaros tendem a conceptualizá-la como luta ou guerra. O
interessante aqui é que ambos os DFs – BEM PRECIOSO e LUTA/GUERRA – estão disponíveis
nas duas línguas/culturas, de maneira que a diferença entre eles está relacionada não à
presença ou ausência de cada um deles, mas à sua produtividade
Por fim, a última possibilidade mencionada por Kövecses (2005) diz respeito às
chamadas metáforas únicas. Estão neste caso aquelas metáforas que são culturalmente
únicas no que se refere tanto ao DF quanto ao DA. Para exemplificar, o autor menciona
o caso da conceptualização metafórica da fuga de escravos do Sul para o Norte dos
Estados Unidos na primeira metade do século 19. De acordo com o autor, os escravos
conceptualizavam a fuga como uma viagem de trem secreta. É interessante notar que tanto
o DF (situação específica da história), quanto o DA (uma viagem de trem secreta) não se
repetiram em nenhuma outra língua/cultura, até onde se sabe.
Pode-se então concluir que a abordagem de variação metafórica intercultural,
discutida por Kövecses, é importante para que possamos entender a relação existente entre
línguas e culturas diferentes no âmbito do estudo das metáforas.
3. Metodologia
Este capítulo tem o objetivo de apresentar e descrever os procedimentos e
instrumentos utilizados para a coleta e análise dos dados do trabalho.
Para analisarmos a conceptualização do domínio-alvo CONQUISTA AMOROSA,
tanto na língua portuguesa quanto na língua espanhola, compusemos
umcorpusconstituído por três revistas destinadas ao público adolescente feminino.: as
revistas brasileiras Atrevida e Todateen e a revista espanhola Superpop. Decidiu-se
trabalhar com essas revistas em função da alta probabilidade de encontrar nelas metáforas
relacionadas ao domínio CONQUISTA AMOROSA. Assumimos que, por se tratar de uma
revista adolescente feminina, haveria uma grande quantidade de dicas ou instruções de
como a leitora poderia se tornar bem-sucedida do ponto de vista amoroso/afetivo.
Para possibilitar uma comparação, utilizamos apenas textos pertencentes ao
gênero textual coluna de opinião. Sendo assim, para a revista Atrevida, utilizamos a
coluna Ficadas e rolos; para a Todateen, usamos a coluna Papo de BFF, que contém a
subcategoria Paquera; e, por fim, em relação à revista espanhola, utilizamos textos da
coluna Ligue. É importante destacar que os textos das três revistas abordam temas
semelhantes, ou seja, as relações amorosas entre adolescentes.
A análise de dados contemplou 20 colunas da revista Atrevida, 10 da revista
Todateen e 30 da Superpop, totalizando assim 30 colunas para o português brasileiro e 30
para o espanhol europeu. Todos os textos analisados foram publicados entre os anos de
2014 e 2016 e foram encontrados nos seguintes sites: http://atrevida.uol.com.br/
https://todateen.com.br/ e https://www.superpop.es/. Porém, após o período de coleta do
corpus as colunas foram removidas dos sites e substituídas por outras colunas.
A primeira etapa da análise consistiu em identificar e quantificar os domínios-
fonte relacionados ao domínio-alvo CONQUISTA AMOROSA. Nesse primeiro momento,
utilizamos como unidade de análise a palavra ou expressão metafórica. Para exemplificar,
tomemos como base o exemplo a seguir, retirado da revista Todateen:
(3) “Uma garota alegre e de bem com vida tem grandes chances de ganhar o
coração do rapaz. Mas isso se mirar o alvo correto.”
No exemplo acima, podemos identificar dois usos metafóricos: o primeiro
manifesta a metáfora CONQUISTA AMOROSA É JOGO/ESPORTE, enquanto o segundo uso diz
respeito à metáfora CONQUISTA AMOROSA É GUERRA. Para efeitos de quantificação,
assumimos que o trecho acima possui dois usos metafóricos. Assim, na expressão “mirar
o alvo” não fizemos uma contagem dupla, isto é, não contamos separadamente o verbo e
seu complemento. Em vez disso, consideramos a totalidade do sintagma como uma única
expressão metafórica.
Após fazer o levantamento geral dos usos metafóricos referentes ao domínio-alvo
CONQUISTA AMOROSA, foi realizada uma reanálise com o objetivo de atribuira cada um
desseusosum domínio-fonte. Na sequência, um levantamento quantitativo foi feito para
verificar a frequência de cada domínio-fonte, em ambas as línguas.
Por fim, a partir da última contagem tornou-se possível uma análise também
qualitativa, avaliando-se as ocorrências coletadas com base nas categorias analíticas
propostas por Kövecses (2005) e já apresentadas no capítulo Fundamentação Teórica
deste trabalho. Por fim, em relação a esse ponto, porém, é necessário fazer uma ressalva:
neste trabalho não contemplamos o caso das metáforas únicas, porque, como vimos
anteriormente, tais metáforas requerem um mapeamento em que tanto o DF quanto o DA
são únicos a uma dada língua, o que vai de encontro à proposta do presente trabalho, que
tem o objetivo de comparar as duas línguas/culturas em relação a um mesmo DA.
4. Análise de dados
O presente capítulo tem como objetivo apresentar os resultados da análise do
corpus constituído pelas revistas brasileiras Atrevida e Todateen e pela revista espanhola
Superpop, tendo como base as possibilidades de variação metafórica intercultural
identificadas por Kövecses (2005). Como já dissemos, a questão a ser abordada aqui será
a seguinte: de que maneiras o domínio-alvo CONQUISTA AMOROSA é conceptualizado nas
duas línguas sob análise, e quais são as diferenças e/ou semelhanças existentes entre essas
formas de conceptualização?
Ao analisar as 60 colunas (30 das revistas brasileiras e 30 da espanhola), foi
possível identificar 100 usos metafóricos relacionados com o DA CONQUISTA AMOROSA,
sendo 48 nas revistas Atrevida e Todateen e 52 na Superpop. A análise qualitativa desses
enunciados metafóricos revelou a existência de quatro conceptualizações, isto é, quatro
domínios-fonte. São eles: GUERRA, JOGO/ESPORTE, NEGÓCIO e MUDANÇA DE ESTADO
FÍSICO. Dessa forma, constatou-se a existência de quatro metáforas conceptuais:
CONQUISTA AMOROSA É GUERRA, CONQUISTA AMOROSA É JOGO/ESPORTE, CONQUISTA
AMOROSA É NEGÓCIO e CONQUISTA AMOROSA É MUDANÇA DE ESTADO FÍSICO. Seguem
abaixo, respectivamente, exemplos dos quatro mapeamentos encontrados:
(4) a. Uma boa estratégia de conquista é se aproximar dos amigos dele.
b. Dependendo da reação do menino, vai saber se pode atacar de maneira
mais direta ou se o melhor é continuar na sua.
c. ¡Pues a ellos les pasa ló mismo! Así que si tu ligue se resiste a tus armas
de seducción… ya sabes quétienes que hacer… ¡pasa de él!
d. ¡Te presentamos las últimas técnicas para que caigan rendidos a tus pies!
(5) a. Saber o que falar, como falar e tentar manter a calma são só alguns dos
obstáculos que precisam ser driblados para que esse momento seja perfect!
b. “Kristen Stewart conquistou um dos gatos mais desejados do
mundo: Robert Pattinson. Mas vocês sabem como esse amor aconteceu? É
claro que viver a história de Bella e Edward faria qualquer um se apaixonar,
mas a gata fez direitinho o jogo da conquista. Se liga nessas dicas!”
c. Es el momento de sacar el chiste que te guardabas en la manga ¡para
triunfar!
d. Conviértete en sus ojos durante las vacaciones y fijo que se empezará a
interesar por ti. Además, juegas con ventaja porque puedes saber su cultura, sus
tradiciones con facilidad... ¡Lo tienes muy fácil con ellos.
(6) a. Vocês se conhecem e já ficaram, então vale a pena investir em uma
aproximação.
b. Pra começar, pense se realmente quer investir nesse cara, que é um grosso.
Se concluir que sim, então acredite que até os mais durões têm coração e se declare, sem
enrolação.
c. Un «Hola» o un «¿Como va?» suelen ser su carta de presentación. Y no es
que el chico sea tradicional, es que es un tímido de cuidado.
(7) a. “Tenho um segredo pra te contar. Mas preferia sussurrar no seu ouvido. Se
você deixar, claro”. Ele vai se derreter!
b. Pero lo que realmente hace que te derritas es que los acabe conungran
«MUAK». Aiiish, ¡si pudieras tener lo delante y no fuera um beso virtual!
Em (4), a conquista é concebida como uma guerra. Nesse caso, a conquistadora é
vista como um soldado que utiliza estratégias e armas para alcançar o objetivo de
conquistar seu pretendente.
O segundo caso exemplifica a conceptualização da conquista amorosa como um
jogo ou uma atividade esportiva. Em (5a), a sedução é compreendida como um esporte
que exige esforço e habilidades físicas, como driblar. Em (5b) temos a conquista
concebida como um jogo, o que parece pressupor o conhecimento de certas regras e
táticas. Já em (5c), a conquista amorosa é conceptualizada como um jogo de cartas. Neste,
a piada (“chiste”) é uma tática utilizada para a sedução e que fica escondida na manga da
conquistadora. E, em (5d), a jovem é comparada a uma jogadora que tem algum tipo de
vantagem sobre o seu oponente.
O terceiro exemplo se refere ao âmbito dos negócios, ou seja, conceptualiza-se
conquista amorosa como negócio. Em (6a) a conquistadora é vista como uma investidora,
que decidirá quantos e quais recursos serão necessários para conquistar determinado alvo,
isto é, analisará o custo-benefício; e o alvo da conquista corresponderá, metaforicamente,
ao negócio, no qual poderá ter ou não investimentos. Em (6b) conquistadora deve decidir
se vale a pena ou não direcionar seus recursos – tempo, energia, etc. – em um “negócio”
(isto é, um alvo amoroso) que parece não-recomendável à primeira vista.
Por fim, o último caso evoca a conquista amorosa como uma mudança de estado
físico, como mostram os exemplos de (7) com os verbos “derreter”. Aqui, a metáfora
CONQUISTA AMOROSA É MUDANÇA DE ESTADO FÍSICO destaca o resultado final do ato da
conquista. Assim sendo, o objeto da conquista é entendido, metaforicamente, como algo
sólido que passa para o estado líquido quando a conquista ocorre. Já em (7c) podemos
concluir que o corpo é composto de explosivos e quando estamos apaixonado há reações
explosivas.
Tomando como base esses quatro mapeamentos metafóricos, chegamos ao ponto
central deste trabalho: que diferenças e semelhanças podem ser encontradas na
conceptualização da conquista amorosa nas duas línguas/culturas investigadas? Uma
interpretação dos resultados sob a perspectiva do modelo teórico de Kövecses (2005)
revela a existência de um ponto de convergência e de três pontos divergentes. O ponto de
convergência é bastante evidente: tanto o português brasileiro quanto o espanhol europeu
dispõem do mesmo conjunto de quatro domínios-fonte convencionais para a
conceptualização da ideia de conquista amorosa: GUERRA, JOGO/ESPORTE, NEGÓCIO e
MUDANÇA DE ESTADO FÍSICO. Isto é, talvez devido à proximidade das duas
línguas/culturas, não existenenhuma domínio-fonte que seja utilizada para a
conceptualização da conquista amorosa em uma língua mas não na outra. Pelo contrário,
todas as conceptualizações metafóricas presentes em uma língua/cultura estão também
presentes, em alguma medida, na outra.
Em relação às diferenças encontradas entre as duas línguas/culturas, a primeira
delas se refere à produtividade dos DFs pesquisados, conforme mostrado na tabela
abaixo:
Revistas GUERRA ESPORTE/JOGO NEGÓCIO MUDANÇA DE
ESTADO FÍSICO
Atrevida e
Todateen
39,5% 31,2% 25% 4,1%
Superpop 69,2% 17,3% 3,8% 9,6%
Tabela 1: frequência de ocorrência dos quatro domínios-fontes identificados
O gráfico abaixo representa as diferenças entre as duas línguas/culturas:
Gráfico 1: frequência de ocorrência dos quatro domínio-fonte identificados
Como se observa acima, os falantes de ambas as línguas têm preferência por
conceptualizar a ideia de CONQUISTA AMOROSA como GUERRA, em detrimento dos demais
domínios-fonte disponíveis. Apesar dessa convergência, contudo, pode-se perceber
também que o domínio-fonte GUERRA é muito mais produtivo no espanhol europeu
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
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70,00%
80,00%
GUERRA ESPORTE/JOGO NEGÓCIO MUDANÇA DEESTADO FÍSICO
REVISTA BRASILEIRA
REVISTA ESPANHOLA
(69,2%) do que no português brasileiro (39,5%). Em outras palavras, é muito mais
acentuado no espanhol europeu do que no português brasileiro o desequilíbrio entre o DF
GUERRA e os demais DFs disponíveis para a conceptualização da ideia de conquista
amorosa.
Uma situação semelhante se dá em relação à produtividade do domínio-fonte
NEGÓCIO. Neste caso, verifica-se o fenômeno inverso: é possível constatar que a
produtividade no português brasileiro (25%) é sensivelmente maior do que no espanhol
europeu (apenas 3,8%). Como se pode observar, embora a conceptualização da conquista
amorosa como um negócio não seja particularmente comum em nenhuma das duas
línguas investigadas, o fato é que ela ainda apresenta números expressivos no português
brasileiro, ao mesmo tempo em que se mostra quase inexistente no espanhol europeu.
Há ainda uma terceira diferença, que não é revelada por esse levantamento
quantitativo. No que diz respeito ao DF JOGO/ESPORTE, encontram-se na revista Atrevida
três enunciados que apresentam o verbo “fisgar”, que se relaciona especificamente ao
domínio conceptual da pescaria – um domínio que está, por assim dizer, subordinado à
categoria mais geral jogo/esporte. Ao mesmo tempo, a Superpop apresenta três vezes o
verbo “cazar”, evocando o universo da caça. Essa diferença pode ser vista nos exemplos
abaixo:
(8) “Cinco passos para você conquistar o superstar do Facebook Ele é
superpopular e tem um mooonte de amigos na rede social? Ele é do tipo inalcançável, um
cara que você sempre sonhou a vida toda. Saiba como se destacar na multidão e fisgar o
coração deste gato em meia dúzia de cliques!”
(9) “«A mí me va más el rollo de que me cacen que de cazar. Me encanta ver
cómo os la ingeniáis para seducir. Cuando queréis, no hay quien se resista a vosotras»,
Nick Jonas.”
Essa observação mais detalhada revela, em relação ao mapeamento metafórico
CONQUISTA AMOROSA É JOGO/ESPORTE, que a convergência entre as duas línguas/culturas
só se verifica em um nível mais genérico. Isto é, em ambos os casos, atividades físicas
evolvendo a captura de uma presa servem como domínio-fonte para a conceptualização
da conquista amorosa. Apesar dessa semelhança, é interessante notar que, no português
brasileiro, o alvo tipicamente é fisgado, ao passo que, no espanhol europeu, ele parece ser
caçado. Apesar do número reduzido de dados, essa diferenciação sugere formas bastantes
distintas de conceptualizar a conquista amorosa: enquanto, no PB, a conquistadora atrai
sua presa e aguarda pacientemente que ela caia em alguma espécie de armadilha, no EE,
a conquistadora parece atuar de maneira mais ativa no sentido de capturá-la.
A partir dos dados analisados, como podemos interpretar os resultados, utilizando
como base o trabalho de Kövecses (2005) sobre a variação metafórica intercultural?
Dentre as cinco possibilidades identificadas pelo autor e explicitadas no capítulo 3 deste
trabalho, foram encontradas apenas três nesta pesquisa, sendo uma semelhança e duas
diferenças. Aquela se refere ao que Kövecses intitulou como alcance do alvo (“range of
target”):a partir dos dados encontrados, pode-se afirmar, como já dissemos, que o
português brasileiro e o espanhol europeu possuem as mesmas possibilidades de
conceptualização para o DA CONQUISTA AMOROSA, visto que ambas as línguas/culturas
possuem os mesmo DFs.
Apesar de apresentarem os mesmos DFs, contudo, as duas línguas/culturas
possuem diferenças quanto à sua produtividade, o que nos leva à primeira diferença: as
chamadas conceptualizações preferenciais, propostas por Kövecses (2005). De acordo
com Kövecses, ao comparamos duas línguas/culturas diferentes, é comum que haja
diferenças relacionadas à preferência ou produtividade de determinado DF. Como já
vimos, há maior produtividade da metáfora CONQUISTA AMOROSA É GUERRA no espanhol
europeu do que no português brasileiro: enquanto, no primeiro caso, 69,2% das metáforas
sobre conquista amorosa se baseavam no domínio da guerra, o mesmo se aplicou apenas
a 39,9% das metáforas do português brasileiro. Assim, a diferença entre as duas
línguas/culturas se assemelha ao que se viu, no capítulo 2 deste trabalho, em relação à
conceptualização do domínio-alvo VIDA no inglês e no húngaro.
Por último, como observamos acima, ao examinar mais a fundo os usos ligados
ao DF JOGO/ESPORTE, constatamos, na revista brasileira Atrevida, três usos do verbo
“fisgar”, enquanto na revista espanhola Superpop foram detectados três usos do verbo
“cazar”. Com base nessa descoberta, podemos interpretar esse resultado como um caso
de metáforas congruentes. Conforme já dissemos, esse tipo de metáfora ocorre quando
duas línguas/culturas possuem variações nos detalhes da instanciação da metáfora, apesar
de disporem de uma metáfora genérica comum. Neste caso, percebe-se que, embora haja
uma similaridade entre conquista amorosa e atividades físicas/esportivas entre as duas
línguas/culturas comparadas, há ainda uma variação quanto ao tipo específico de
atividade, sendo a pescaria favorecida como DF no português brasileiro e atividades de
caça favorecidas como DF no espanhol europeu. Em resumo, pode-se concluir que há
tendências diferentes entre as duas línguas/culturas no que concerne à concretização ou
instanciação da metáfora CONQUISTA AMOROSA É JOGO/ESPORTE.
Em suma, constataram-se, no corpus organizado para esta pesquisa, três tipos de
variação metafórica intercultural elencados por Kövecses (2005). Em particular, a
comparação entre as metáforas de conquista amorosa em duas línguas/culturas revelou
uma semelhança no que se refere ao alcance do domínio-alvo, bem como duas diferenças
– uma referente à produtividade metafórica e outra referente a um caso de metáforas
congruente.
5. Considerações finais
Este trabalho teve como ponto central uma investigação a respeito da variação
metafórica intercultural entre o português brasileiro e o espanhol europeu. Para isso,
tomamos, como obra de referência, Kövecses (2005). O principal objetivo foi entender
como ocorre a conceptualização da metáfora CONQUISTA AMOROSA para falantes das duas
línguas/culturas.
Para que chegássemos a esse entendimento, foi necessária a seleção de três
revistas femininas, todas elas voltadas para o público adolescente. As revistas utilizadas
foram as brasileiras Atrevida e Todateen e a espanhola Superpop. Em cada revista,
analisamos textos pertencentes ao gênero textual coluna de opinião, nos quais
encontramos textos sobre relacionamentos amorosos. As colunas analisadas foram,
respectivamente, Ficadas e rolos, Papo de BFF e Ligue.
A análise desenvolvida permitiu identificar tanto convergências quanto
divergências em relação às duas línguas/culturas estudas. Em primeiro lugar, ambas as
línguas convergem em relação ao que Kövecses (2005) chama de alcance do alvo.
Especificamente, foi possível constatar as duas línguas/culturas possuem o mesmo
conjunto de domínios-fonte para a conceptualização da conquista amorosa; são eles:
GUERRA, ESPORTE/JOGO, NEGÓCIO E MUDANÇA DE ESTADO FÍSICO.
Por outro lado, foi possível identificar divergências em relação às
conceptualizações preferencias. Tanto nas revistas brasileira, quanto na revista espanhola
há preferência em conceptualizar a ideia de CONQUISTA AMOROSA utilizando o domínio-
fonte GUERRA. Porém, tal domínio-fonte é muito mais produtivo no espanhol europeu, do
que no português brasileiro.
Algo semelhante ocorre em relação ao domínio-fonte NEGÓCIO, que é bastante
produtivo no português brasileiro e, por outro lado, apresentou produtividade apenas
marginal no espanhol europeu, ao menos nos dados a que tivemos acesso. Assim, conclui-
se que a metáfora CONQUISTA AMOROSA É NEGÓCIO está disponível em ambas as
línguas/culturas, mas se mostra muito mais produtiva no PB.
Por último, encontramos o caso de metáforas congruentes. Na revista espanhola
notamos que se conceptualiza a conquista amorosa como CAÇA. Já nas revistas brasileiras
utilizou-se o domínio-fonte PESCARIA. Sendo assim, podemos concluir que neste caso há
uma metáfora geral comum às duas línguas, CONQUISTA AMOROSA É JOGO/ESPORTE, que,
no entanto, difere-se quanto aos detalhes de sua instanciação.
Para concluir, é necessário registrar que é preciso uma investigação em um corpus
mais amplo, para que se possa confirmar, ou não, a validade dos resultados obtidos nesta
pesquisa. É possível que, ao utilizar outros tipos de corpora ou até mesmo comparar
outras línguas, seja possível identificar outras metáforas relacionadas à conquista
amorosa, levando assim a uma reinterpretação de alguns resultados alcançados neste
trabalho.
Referências:
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