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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO SANDRO LUIZ COSTA ROMA DESAFIOS DO SUCESSO NO LONGO PRAZO EM ESTRATÉGIAS DE REESTRUTURAÇÃO: o caso da AmBev RIO DE JANEIRO 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

SANDRO LUIZ COSTA ROMA

DESAFIOS DO SUCESSO NO LONGO PRAZO EM ESTRATÉGIAS DE

REESTRUTURAÇÃO: o caso da AmBev

RIO DE JANEIRO

2011

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Sandro Luiz Costa Roma

DESAFIOS DO SUCESSO NO LONGO PRAZO EM ESTRATÉGIAS DE

REESTRUTURAÇÃO: o caso da AmBev

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do titulo de Mestre em Administração

Orientadora: Denise Lima Fleck, Ph.D.

RIO DE JANEIRO

2011

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Roma, Sandro Luiz Costa.

Desafios do sucesso no longo prazo em estratégias de reestruturação: o

caso da AmBev / Sandro Luiz Costa Roma.-- Rio de Janeiro: UFRJ, 2011.

332 f.: il.

Dissertação (Mestrado em Administração) - Universidade Federal do Rio

de Janeiro, Instituto Coppead de Administração, Rio de Janeiro, 2011.

Orientador: Denise Lima Fleck

1. Estratégia. 2. Administração - Teses. I. Fleck, Denise Lima (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de COPPEAD de Administração. III. Título.

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Sandro Luiz Costa Roma

DESAFIOS DO SUCESSO NO LONGO PRAZO EM ESTRATÉGIAS DE

REESTRUTURAÇÃO: o caso da AmBev

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do titulo de Mestre em Administração

Aprovada em

___________________________________________ - Orientadora

Profª. Denise Lima Fleck, Ph.D. (COPPEAD, UFRJ)

___________________________________________

Profº. Adriano Proença, D.Sc. (COPPE, UFRJ)

___________________________________________

Profº. José Vitor Bomtempo Martins, D.Sc. (EQ, UFRJ)

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por me proporcionar tantas oportunidades, conquistas e alegrias na

vida, bem como desafios e dificuldades que potencializaram o meu aprendizado e

crescimento. Obrigado por colocar no meu caminho familiares e amigos

maravilhosos que contribuíram para que me tornasse uma pessoa com princípios e

valores. Por me ensinar que humildade, caráter, generosidade, amor e fé são os

ingredientes fundamentais para a felicidade e o sucesso.

Aos meus avós Elza e Gerdal, que dedicaram grande parte de suas vidas a

mim sem que possuíssem nenhuma obrigação ou responsabilidade. Nunca serei

capaz de retribuir-lhes um décimo do que me deram, e carregarei essa gratidão

comigo por outras vidas, sempre com a esperança e empenho em cumprir essa

missão. Além de me proporcionar o direito de sonhar, vocês são a personificação do

amor e da caridade: com vocês aprendi o que significa ―amar sem esperar algo em

troca‖. Vocês me ensinaram que existe um propósito muito maior para a vida e que a

superioridade espiritual está acima de qualquer conquista material.

À minha madrinha Heloisa por tomar-me como filho e dedicar a sua vida à

minha criação e educação. Sua presença sempre me deu confiança e segurança

para seguir em frente e acreditar no alcance dos meus objetivos. Obrigado por estar

sempre disponível nos momentos de dificuldade, por possuir uma palavra de

incentivo e apoio, por ouvir sem julgar e por defender-me de tudo e de todos ao

longo desses anos.

À minha noiva Fernanda, por ser o quarto elemento a compor os alicerces da

minha vida. Mesmo chegando mais tarde, você conquistou o meu coração com tanto

amor, amizade, tolerância, paciência, companheirismo e respeito. Se não possui na

idade a experiência da vida, é capaz de demonstrá-la através de atitudes e ações.

São poucas as pessoas que compartilham da sua pureza e luz. Você é o meu futuro,

e dedicar-me-ei a tornar-lhe a pessoa mais feliz e amada do mundo.

À professora Denise Fleck, não só por aceitar o desafio de me orientar para a

realização desta pesquisa, mas pelo cuidado e preocupação em tornar esse

processo muito maior do que uma simples relação professor-aluno. Seu papel foi

além do que se espera de um professor, zelando acima de tudo pelo meu bem estar.

Obrigado pelos conselhos, críticas e incentivos. Obrigado pela compreensão nos

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momentos em que fraquejei ou falhei. Obrigado pelo rigor com que trabalhou,

estimulando-me a buscar o máximo de minha capacidade intelectual. Obrigado pela

dedicação e carinho com que participa e zela pela excelência do COPPEAD. Você

se tornou uma grande referência pessoal e acadêmica, e sempre serei grato por

essa experiência. Você tornou o Mestrado no COPPEAD único.

Aos professores Adriano Proença e José Vitor Bomtempo, que se dispuseram

prontamente a fazer parte da banca de defesa da dissertação. Ao Adriano, obrigado

por participar novamente do meu desenvolvimento acadêmico e profissional. Você é

sem sobra de dúvidas uma das principais referências para a minha carreira, e sua

participação engrandece ainda mais essa conquista. Em relação ao José Vitor, ainda

que não possuíssemos uma relação anterior, foi um enorme prazer conhecê-lo e ter

a possibilidade de trocar idéias e ouvir seus comentários e opiniões a respeito do

trabalho, o que lhe conferiu ainda mais excelência.

Aos entrevistados, que dedicaram parte de seu tempo a contribuir para a

realização desta dissertação. Obrigado pela disponibilidade, sinceridade, paciência,

atenção e entusiasmo. Mesmo sem citar nomes, recordo-me de cada um de vocês e

suas contribuições, e sempre serei grato pela ajuda.

Ao pessoal do Arquivo Nacional, em especial à Telma Roma, e da Comissão

de Valores Mobiliários, que ajudaram-me com muita cordialidade e prontidão na

árdua tarefa de levantar dados históricos que permitissem contar e analisar a

trajetória das empresas envolvidas.

Aos amigos e colegas de turma do COPPEAD, que compartilharam grande

parte dos desafios, dificuldades e alegrias do Mestrado, tornando essa experiência

uma das mais ricas de minha vida. A amigos de longa data como Marcos e Davi,

que se mostraram fundamentais e ganharam ainda mais carinho de minha parte, e a

pessoas que em tão pouco tempo me conquistaram, como Letícia, Thamy e Thiago.

Um agradecimento especial a Maurício e Rodrigo Penalva, grandes companheiros

de pesquisa, e a Bruno e Maria-Eugênia, fundamentais para a realização do

trabalho.

Aos professores do COPPEAD pela qualidade do ensino, em especial Celso

Lemme, Roberto Nogueira e Vitor Almeida. À equipe da Secretaria pelo suporte e

pela atenção que dedicam aos alunos, tornando nosso dia-a-dia mais fácil e

deixando-nos concentrar naquilo que é principal: o estudo. O mesmo vale para a

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equipe da Biblioteca do COPPEAD, em especial à Eliane, que nos apóia com sua

simpatia e dedicação. Aos demais funcionários, que contribuem para tornar o

COPPEAD um centro de excelência em ensino em administração.

À família ―Xavier de Oliveira‖, em especial Dutervil, Rosely e Mônica por

acreditarem no projeto do Mestrado e participarem ativamente da sua realização.

Obrigado pelo carinho, apoio e estímulo ao longo desse trabalho, bem como pela

forma com que me recebem em seu lar há cinco anos, fazendo-me sentir como se

fizesse parte da família desde sempre.

Ao Duda, por ser um verdadeiro irmão mais velho, sempre cuidando,

preocupando-se, dando bronca quando necessário, incentivando e elogiando. Por

sempre trazer questionamentos e provocações mais profundos quando muitas vezes

só preciso de um sim ou não. Isso é sinal de que você me entende como poucos e

de que sua opinião tem uma grande capacidade transformadora sobre mim. Você é

uma fonte de inspiração para a vida.

A Pedro, Cassol e Danilo, grandes irmãos que desde que surgiram em minha

vida só tornaram-na mais alegre e especial. Sou um sortudo por tê-los ao meu lado

há tanto tempo. Vocês fecham o seleto grupo de pessoas que compartilham da

minha amizade, lealdade, confiança e amor.

Ao Sr. Osvaldo e à Sra. Marlene, que fazem um trabalho tão bonito de

caridade à frente do Dispensário Antônio de Pádua, proporcionando conforto,

amparo, luz, fé e sabedoria àqueles que necessitam. O Dispensário foi fundamental

em todos os momentos da minha vida, e minha gratidão a todos que lá trabalham é

enorme, em especial ao Ubiratan.

Por fim, a todos os meus familiares e amigos. Tenho certeza de que cada um

contribuiu de uma maneira significativa não só para essa experiência do Mestrado,

mas para a minha vida.

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RESUMO

ROMA, Sandro Luiz Costa. Desafios do sucesso no longo prazo em estratégias de reestruturação: o caso da AmBev. Rio de Janeiro, 2011. Dissertação (Mestrado em Administração de Empresas) – Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

De acordo com Fleck (2009a), a observação empírica sugere que o sucesso

parece gerar o fracasso, já que muitas vezes empresas bem sucedidas e admiradas

num primeiro instante fracassam e se tornam alvos de críticas no futuro. Uma

discussão subjacente a esse fenômeno diz respeito a como firmas e executivos

definem, medem e avaliam o sucesso organizacional. Nesse sentido, o horizonte de

tempo que norteia a visão de futuro e as estratégias empresariais é um dos aspectos

mais relevantes, normalmente caracterizado pelo conflito entre a garantia de

resultados no curto prazo e o investimento em iniciativas estratégicas de longo prazo

de maturação.

Dentro desse contexto, esta dissertação se propôs a compreender a forma

com que estratégias de reestruturação, orientadas para a geração de valor aos

acionistas no curto prazo, respondem aos desafios do sucesso no longo prazo. Pelo

caráter exploratório e explanatório da pesquisa, o método adotado foi uma

combinação de estudo de caso e abordagem histórica, tendo como referencial

teórico o Modelo de Arquétipos de Sucesso e Fracasso Organizacional (FLECK,

2009a). Selecionou-se a AmBev como objeto de análise por ser uma empresa cuja

estratégia corporativa foi desenvolvida pelo grupo pioneiro na atividade de private

equity no Brasil, mas que possui ambições de longo prazo e cresce continuamente

há mais de vinte anos sob o comando dos antigos sócios do Banco Garantia.

Os resultados da pesquisa demonstraram que estratégias de reestruturação

estão de fato comprometidas com curtos horizontes de tempo, sem aparente

intenção em realizar ajustes e investimentos para o longo prazo. Concluiu-se ainda

que o crescimento contínuo é uma condição necessária à perpetuação de

estratégias de reestruturação, sendo, inclusive, o motivo para a longa permanência

dos controladores da AmBev à frente da empresa, refletido na expansão

internacional com a criação da ABInBev.

Palavras-chave: Longevidade Saudável da Firma. Estratégia de Reestruturação. Indústria de Cerveja.

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ABSTRACT

ROMA, Sandro Luiz Costa. Desafios do sucesso no longo prazo em estratégias de reestruturação: o caso da AmBev. Rio de Janeiro, 2011. Dissertação (Mestrado em Administração de Empresas) – Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

According to Fleck (2009a, p. 79), ―empirical observation suggests that

success seems to breed failure, as many today´s widely praised companies fail in the

future and become tomorrow´s highly criticized nightmares‖. An underlying

discussion to this phenomenon is related to how companies and executives define

organizational success and measure and evaluate it. In this sense, the time horizon

that drives corporate vision and strategies is one of the most relevant aspects,

usually characterized by the trade-off between short-term financial results and long-

term investment in strategic initiatives.

In this context, this thesis aimed to understand how restructuring strategies,

usually focused on shareholder value creation in the short-term, meet the challenges

of long-term success. Due to the exploratory and explanatory characteristics of the

research, the method adopted was a combination of case study and historical

research, using the archetypes of organizational success and failure (Fleck, 2009a)

as theoretical framework. AmBev was selected as the object of analysis because it is

a company whose corporate strategy was developed by the pioneering group of

private equity activity in Brazil, but has long-term ambitions and grows continuously

for over twenty years.

The results showed that restructuring strategies are indeed committed to the

short term, with no apparent willingness to make investments for the long term. It was

also concluded that continued growth is a necessary condition for the perpetuation of

restructuring strategies, being the reason why AmBev‘s majority shareholders remain

controlling the brewery for so long, reflected in their intention to expand

internationally with the creation of ABInbev.

Keywords: Organizational Longevity. Restructuring Strategy. Beer Industry.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 2-1: Trajetórias de crescimento de empresas do setor automotivo ................ 27

Figura 2-2: Modelo de Requisitos para o Desenvolvimento da Propensão à Auto-

perpetuação .............................................................................................................. 35

Figura 2-3: A relação prevista entre a folga organizacional e a inovação ................. 53

Figura 2-4: Modelo da relação entre a folga organizacional e a inovação ................ 54

Figura 2-5: Estrutura geral do motor de crescimento contínuo .................................. 57

Figura 2-6: Estrutura geral do motor de co-evolução de Todo e Partes .................... 58

Figura 2-7: O efeito de processos de institucionalização para o sucesso no longo

prazo ......................................................................................................................... 61

Figura 3-1: The building blocks of a scientific study .................................................. 63

Figura 3-2: Tipos de métodos de pesquisa organizacional ....................................... 70

Figura 5-1: Esquema de governança da AmBev ..................................................... 114

Figura 5-2: Diretoria Executiva da AmBev .............................................................. 115

Figura 5-3: Estrutura básica de uma Diretoria Regional .......................................... 116

Figura 5-4: Estrutura básica da Gerência Regional de Distribuição Direta ............. 117

Figura 5-5: Estrutura básica de uma Sala de Vendas ............................................. 118

Figura 6-1: Os dois motores de crescimento na indústria brasileira de cervejas ..... 131

Figura 6-2: Nova estrutura organizacional da CCB ................................................. 135

Figura 6-3: Aplicação do Modelo da relação entre a folga e a inovação para a AmBev

................................................................................................................................ 206

Figura 6-4: Dinâmica de funcionamento dos instrumentos de controle da AmBev . 207

Figura 6-5: Estratégia de Reestruturação da AmBev segundo o Modelo de

Requisitos para o Desenvolvimento da Propensão à Auto-perpetuação ................ 212

Figura 0-1: Primeiro Rótulo da Cerveja Brahma ...................................................... 290

Figura 0-1: Esquema básico do processo de produção de cerveja ......................... 327

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 4-1: Evolução do consumo de cerveja no Brasil ........................................... 86

Gráfico 4-2: Consumo per capita de cerveja no mundo em 2003 ............................. 87

Gráfico 4-3: Composição do preço da cerveja no mercado brasileiro ....................... 88

Gráfico 4-4: Volume e valor de vendas de cerveja de lojas – Brasil – 2000/2001 ..... 92

Gráfico 4-5: Preços – Garrafas de 600ml – Bares – Grande São Paulo ................... 96

Gráfico 4-6: Preços – Garrafas de 600ml – Bares – Interior de São Paulo ............... 97

Gráfico 6-1: Evolução do market share de cerveja no Brasil – década de 90 ......... 132

Gráfico 6-2: Evolução do número de funcionários da CCB em comparação com a

CAP ......................................................................................................................... 137

Gráfico 6-3: Evolução do indicador de produção por empregado (hl) CAP X CCB . 145

Gráfico 6-4: Evolução da composição da receita líquida da AmBev (R$ Milhões) .. 152

Gráfico 6-5: Evolução do passivo trabalhista da AmBev (R$ Milhões) .................... 171

Gráfico 6-6: Evolução do reaproveitamento de insumos e receitas geradas .......... 185

Gráfico 6-7: Evolução das margens bruta, líquida e EBITDA da AmBev ................ 189

Gráfico 6-8: Evolução do caixa e de aplicações financeiras da AmBev (R$ Milhões)

................................................................................................................................ 192

Gráfico 6-9: Evolução do indicador de tamanho da AmBev em comparação com a

CAP e a CCB .......................................................................................................... 198

Gráfico 6-10: Evolução do indicador de desempenho da AmBev em comparação

com a CAP e a CCB ................................................................................................ 199

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LISTA DE TABELAS

Tabela 2-1: Os Cinco Desafios Organizacionais ....................................................... 34

Tabela 2-2: Exemplos de motores de crescimento contínuo ..................................... 57

Tabela 3-1: Condições relevantes para a escolha da estratégia de pesquisa .......... 66

Tabela 3-2: Quadro resumo das principais fontes de informação ............................. 72

Tabela 3-3: Quadro resumo das entrevistas ............................................................. 73

Tabela 3-4: Exemplo do registro de fatos .................................................................. 83

Tabela 5-1: Principais empresas controladas e coligadas da AmBev ..................... 107

Tabela 5-2: Portfólio atual da AmBev ...................................................................... 110

Tabela 6-1: Quadro comparativo histórico das respostas da CAP e da CCB aos

desafios do crescimento .......................................................................................... 126

Tabela 6-2: Conflitos no processo sucessório da CAP ........................................... 136

Tabela 6-3: Lançamentos da AmBev para o segmento de cervejas ....................... 147

Tabela 6-4: Novas embalagens da AmBev para o segmento de cervejas .............. 149

Tabela 6-5: Iniciativas da AmBev para o segmento de bebidas não-alcoólicas ...... 152

Tabela 6-6: Iniciativas da AmBev para a sua expansão internacional .................... 154

Tabela 6-7: Iniciativas da AmBev para o aprimoramento da distribuição ................ 155

Tabela 6-8: Iniciativas da AmBev para a sua integração vertical ............................ 156

Tabela 6-9: Medidas impostas pelo CADE para compensar os custos econômicos da

criação da AmBev ................................................................................................... 158

Tabela 6-10: Ganhos de sinergia (R$ Milhões) ....................................................... 184

Tabela 6-11: Parque industrial da AmBev em 1999 ................................................ 191

Tabela 6-12: Quadro comparativo das respostas da AmBev e da CCB aos desafios

do crescimento ........................................................................................................ 197

Tabela 0-1: Lista de Dimensões de Análise ............................................................ 239

Tabela 0-2: Aquisições da CAP e da CCB .............................................................. 262

Tabela 0-3: Cronograma dos principais eventos que antecederam a aprovação da

AmBev pelo CADE .................................................................................................. 273

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Tabela 0-4: Indicadores de desempenho – Unidade Filial Santa Catarina .............. 308

Tabela 0-5: Fórmulas de cálculo de indicadores de desempenho – Unidade Filial

Santa Catarina ........................................................................................................ 309

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AB Anheuser-Busch ABInBev Anheuser-Bush InBev ABAP Associação Brasileira das Agências de Publicidade AC Administração Central da AmBev ADR American Depositary Receipt. Em português, Documento de Depósito

Americano AmBev Companhia de Bebidas das Américas BOVESPA Bolsa de Valores do Estado de São Paulo CA Conselho de Administração CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica CAP Companhia Antarctica Paulista CBZ Custo Base Zero CCB Companhia Cervejaria Brahma CDD Centro de Distribuição Direta COFINS Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social CONAR Conselho de Autorregulamentação Publicitária COPPEAD Instituto COPPEAD de Administração da UFRJ CSC Centro de Serviços Compartilhados CVM Comissão de Valores Mobiliários EBC European Brewery Convention EVA Economic Value Added. Em português, valor econômico adicionado FAHZ Fundação Antonio e Helene Zerrener HILA América Latina Hispânica HL Hectolitro

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ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços IBI Indústria de Bebidas de Igarassu IPI Imposto sobre Produtos Industrializados NANC Non-alcoholic and non-carbonated. Em português, bebida não-alcoólica

e não-carbonatada OBZ Orçamento Base Zero PDV Ponto-de-venda PEF Programa de Excelência Fabril PEV Programa de Excelência em Vendas PEX Programa de Excelência das Revendas PIB Produto Interno Bruto PIS Programa de Integração Social QUINSA Quilmes Industrial S/A S.A. Sociedade Anônima SEAE Secretaria de Acompanhamento Econômico, do Ministério da Fazenda SDE Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça SEC U.S. Securities Exchange Comission SINDICERV Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja STF Superior Tribunal Federal

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 21

1.1 OBJETIVO DO ESTUDO .................................................................................... 21

1.2 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO ............................................................................ 24

2 REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................... 26

2.1 ARQUÉTIPOS DO SUCESSO E DO FRACASSO ORGANIZACIONAL ............. 32

2.1.1 Desafios do crescimento ............................................................................... 35

2.1.1.1 Empreender ................................................................................................... 36

2.1.1.2 Navegar no ambiente .................................................................................... 41

2.1.1.3 Gerir a diversidade ........................................................................................ 46

2.1.1.4 Aprovisionar recursos gerenciais .................................................................. 47

2.1.1.5 Gerir a complexidade .................................................................................... 49

2.1.2 Gestão da folga organizacional .................................................................... 50

2.1.3 Processos ....................................................................................................... 54

2.1.3.1 Crescimento e renovação .............................................................................. 54

2.1.3.2 Manutenção da integridade ........................................................................... 59

3 METODOLOGIA .................................................................................................. 63

3.1 DEFINIÇÃO DO TEMA, DA PERGUNTA E DO OBJETO DE PESQUISA .......... 63

3.2 ESTRATÉGIA DE PESQUISA ............................................................................ 66

3.3 DELIMITAÇÃO DA UNIDADE DE ANÁLISE ....................................................... 67

3.4 ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA ......................................................................... 68

3.5 COLETA DE DADOS .......................................................................................... 70

3.5.1 Entrevistas ...................................................................................................... 72

3.5.2 Análise de arquivos ........................................................................................ 76

3.5.2.1 Indicadores .................................................................................................... 79

3.6 REGISTRO DOS DADOS ................................................................................... 82

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3.7 ANÁLISE DOS DADOS ....................................................................................... 83

4 A INDÚSTRIA BRASILEIRA DE CERVEJA ....................................................... 85

4.1 PANORAMA DO MERCADO BRASILEIRO DE CERVEJA ................................ 85

4.2 BASES COMPETITIVAS DA INDÚSTRIA BRASILEIRA DE CERVEJA ............. 90

4.2.1 Características fundamentais da indústria .................................................. 90

4.2.2 Mecanismos de competição .......................................................................... 95

4.2.3 Práticas ilegais ............................................................................................... 97

5 A COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS (AMBEV).............................. 106

5.1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 106

5.2 MARCAS E PRODUTOS .................................................................................. 108

5.3 CULTURA ......................................................................................................... 110

5.4 ORGANIZAÇÃO INTERNA ............................................................................... 113

6 ANÁLISE ........................................................................................................... 119

6.1 ANTECEDENTES DA AMBEV: CAP X CCB ..................................................... 119

6.1.1 Desafio de empreender ................................................................................ 127

6.1.2 Desafio de navegar no ambiente ................................................................ 131

6.1.3 Desafio de gerir a diversidade .................................................................... 133

6.1.4 Desafio de aprovisionar recursos gerenciais ............................................ 135

6.1.5 Desafio de gerir a complexidade ................................................................ 140

6.1.6 Gestão da folga organizacional .................................................................. 144

6.2 ANÁLISE DA AMBEV ........................................................................................ 146

6.2.1 Resposta da AmBev aos desafios de longo prazo .................................... 146

6.2.1.1 Desafio de empreender ............................................................................... 146

6.2.1.2 Desafio de navegar no ambiente ................................................................. 156

6.2.1.3 Desafio de gerir a diversidade ..................................................................... 164

6.2.1.4 Desafio de aprovisionar recursos gerenciais ............................................... 169

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6.2.1.5 Desafio de gerir a complexidade ................................................................. 177

6.2.1.6 Gestão da folga organizacional ................................................................... 182

6.2.2 A evolução da estratégia da AmBev e a sua forma de lidar com os

desafios de longo prazo ....................................................................................... 193

7 CONCLUSÃO .................................................................................................... 214

7.1 SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS .................................................. 218

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 221

APÊNDICES ........................................................................................................... 238

APÊNDICE A – LISTA DE DIMENSÕES DE ANÁLISE .......................................... 238

APÊNDICE B – HISTÓRIA DA CERVEJA .............................................................. 240

Surgimento ............................................................................................................ 240

Idade Média ............................................................................................................ 243

Introdução do lúpulo ............................................................................................. 245

Era de Desenvolvimento ....................................................................................... 245

Lei da Pureza ......................................................................................................... 247

Época de crise ....................................................................................................... 248

Surgimento da Pilsen ............................................................................................ 249

Retrocesso ............................................................................................................. 251

Modernidade .......................................................................................................... 253

APÊNDICE C – HISTÓRIA DA INDÚSTRIA DA CERVEJA NO BRASIL ................ 255

Surgimento da cerveja no Brasil .......................................................................... 255

Domínio Inglês ....................................................................................................... 256

Início das atividades produtivas .......................................................................... 258

Nascimento da indústria brasileira de cerveja ................................................... 260

De empreendimento regional a negócio de escala nacional ............................. 261

Reviravolta na indústria cervejeira brasileira ..................................................... 262

Ascensão da CCB e queda da CAP ..................................................................... 265

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Criação da AmBev ................................................................................................. 267

Intensificação da consolidação da indústria ...................................................... 274

Onda das microcervejarias ................................................................................... 279

APÊNDICE D – HISTÓRIA DA COMPANHIA ANTARCTICA PAULISTA ............... 280

APÊNDICE E – HISTÓRIA DA COMPANHIA CERVEJARIA BRAHMA ................. 289

Período Pré-Banco Garantia ................................................................................. 289

Período Pós-Banco Garantia ................................................................................ 299

APÊNDICE F – BREVE HISTÓRIA DO BANCO GARANTIA .................................. 319

ANEXOS ................................................................................................................. 324

ANEXO A – INGREDIENTES BÁSICOS DA CERVEJA ......................................... 324

Água ....................................................................................................................... 324

Malte ....................................................................................................................... 325

Lúpulo .................................................................................................................... 325

Fermento ................................................................................................................ 326

Outros Cereais ....................................................................................................... 326

ANEXO B – PROCESSO BÁSICO DE FABRICAÇÃO ........................................... 327

ANEXO C – TIPOS DE CERVEJA .......................................................................... 329

ANEXO D – BREVE HISTÓRIA DA SKOL .............................................................. 331

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1 INTRODUÇÃO

1.1 OBJETIVO DO ESTUDO

Sucesso é uma palavra recorrente e altamente desejada no ambiente

empresarial. Organizações, pessoas, processos, sistemas e até mesmo ferramentas

são usualmente classificados em termos do sucesso. Um problema que ocorre

nessa tarefa, porém, é que muitas vezes não há nenhuma preocupação anterior em

compreender com mais profundidade o conceito de sucesso e suas dimensões de

análise. Se não bastasse a falta de rigor ao se tratar o tema, observa-se a

proliferação de inúmeros métodos e critérios de avaliação que se diferenciam em

aspectos como a referência conceitual escolhida, os indicadores selecionados e o

horizonte temporal de análise, dentre outros. Há, com isso, certa dificuldade para se

criar um entendimento convergente e compartilhado sobre o tema.

Análises de mercado e de risco desenvolvidas por bancos e outras

instituições financeiras, por exemplo, têm como objetivo a identificação de ativos em

que investidores possuem maior probabilidade de obtenção de lucros. Prêmios de

qualidade empresarial também se destinam a categorizar empresas e destacá-las

em termos de sua excelência administrativa. Vê-se, então, que apesar da variedade,

todos os métodos se destinam à identificação explícita ou implícita de sinais e

evidências da propensão de um negócio ao sucesso.

Dentro desse contexto, um ponto que requer atenção diz respeito à visão de

sucesso adotada pelas próprias organizações, a qual está associada diretamente

aos objetivos e pretensões dos que as controlam e gerenciam. Sucesso

organizacional é comumente associado a termos como crescimento, longevidade,

sustentabilidade, sobrevivência e perpetuação. O racional dessa visão é o de que

―as organizações são feitas para durar‖. De certa maneira, quanto mais tempo uma

organização sobrevive e se mantém ativa no mercado, mais respaldo parece haver

para que seja considerada bem sucedida.

Todavia, essa premissa acerca do objetivo das organizações não pode ser

generalizada. Segundo Collis e Montgomery (1997), na década de 70 do século

passado, motivadas pelo desenvolvimento do mercado de capitais e pela

necessidade de diversificação de investimentos em busca de maiores retornos,

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instituições financeiras (fundos de investimento, em especial) passaram a vislumbrar

oportunidades de negócio do lado real da economia.

A atuação desses grupos se dava através da identificação e aquisição de

empresas de baixo desempenho em setores maduros, com baixos graus de

inovação tecnológica e produtividade. Também chamada de estratégia de

reestruturação (PORTER, 1987), a linha de ação desenvolvida pelos adquirentes

incluía uma intervenção proativa no negócio, promovendo mudanças em equipes,

processos e tecnologias. A mudança preconizava a responsabilização e autonomia

dos novos executivos, que eram estimulados a fornecer desempenho superior em

troca de recompensas financeiras agressivas. Para tal, fazia-se uso de métodos de

mensuração da criação de valor do negócio como mecanismo para alinhar as

decisões ao cumprimento dos interesses dos acionistas.

A visão que norteava a atuação dessas instituições financeiras limitava-se a

horizontes de tempo considerados curtos dentro do contexto empresarial. A partir do

momento em que o negócio estava recuperado e saneado, optava-se pela sua

venda de forma a obter o retorno decorrente da intervenção e buscar novas

oportunidades de negócio. Se as expectativas de retorno não se confirmassem, os

negócios eram desfeitos para reduzir as perdas, muitas vezes através da quebra de

empresas e venda de suas partes.

Essa estratégia empresarial expandiu-se para todo o mundo, inclusive o

Brasil, dando origem ao que se denomina de mercado de private equity. Ao longo

dos anos, passou a ocupar um papel cada vez mais relevante na economia global,

participando da reestruturação de grandes empresas e até mesmo grandes setores

econômicos, alçando-os a novos patamares de competição. É o caso, por exemplo,

da indústria mundial de cervejas.

No Brasil, um dos principais protagonistas da expansão do private equity no

país foi o Banco Garantia, criado na década de 70 por Jorge Paulo Lemann e

inspirado no banco de investimentos americano Goldman Sachs. Diante da vontade

de identificar novas opções para aplicação dos rendimentos acumulados pelo

Banco, Lemann e seus sócios Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles resolveram

adquirir empresas fazendo uso de estratégias de reestruturação.

O primeiro negócio foram as Lojas Americanas, em 1982, sendo também o

primeiro takeover no Brasil. Em 1989, o grupo adquiriu a Companhia Cervejaria

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Brahma (CCB), da qual mantém o controle acionário até os dias atuais. As duas

iniciativas levaram os sócios a criarem a GP Investimentos, uma administradora de

um fundo de investimento focada na gestão de diversos investimentos de risco e na

administração de recursos (sobretudo de terceiros) visando retornos financeiros em

prazos mais curtos, de 8 a 10 anos. Dentre os negócios já administrados pela GP

Investimentos, destacam-se a ALL Logísitica e o Submarino.

O caso da CCB é o mais emblemático dessa cultura de private equity no

Brasil. Em pouco menos de duas décadas, a cervejaria carioca deu fim à liderança

de mais de um século de sua concorrente paulista, a Companhia Antarctica Paulista

(CAP). Como resultado desse processo, as duas cervejarias líderes, que mantiveram

grande rivalidade por quase um século, uniram-se e criaram a Companhia de

Bebidas das Américas (AmBev) em 1999. A nova empresa já nasceu com mais de

70% do mercado nacional e o portfólio de cervejas mais amplo do país. Seu objetivo

principal, porém, era a entrada no mercado internacional, passando a competir numa

lógica global tanto no segmento de cervejas quanto de refrigerantes (neste caso,

com o Guaraná Antarctica).

Em apenas cinco anos, a AmBev passou a atuar em 14 países das Américas

de maneira eficiente e lucrativa, o que chamou a atenção dos grandes players

mundiais. Em 2004, foi comprada pela cervejaria belga Interbrew, produtora da

marca Stella Artois, formando a InBev. A participação da AmBev no novo negócio foi

maior do que se pensava: em dois anos, executivos da cervejaria brasileira

assumiram a maioria dos postos de comando da InBev, com a missão de

implementar a estratégia brasileira nas operações na Europa.

Em 2008, com a aquisição da cervejaria norte-americana Anheuser-Busch

(AB) por 52 bilhões de dólares, formou-se o maior grupo cervejeiro do mundo, a

ABInBev. Assim como ocorreu na Interbrew, o comando da AB foi assumido por

executivos brasileiros, que tinham novamente o desafio de implementar a estratégia

da AmBev nas operações nos EUA.

Pouco mais de um ano após comprar a cervejaria Anheuser-Busch, um ícone dos Estados Unidos, os brasileiros da InBev deixam claro qual o caminho escolhido para ganhar dinheiro: uma crença em metas, austeridade e meritocracia que choca os próprios americanos. (LETHBRIDDGE, 2010, p. 1)

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Conforme já mencionado, estratégias de reestruturação não preconizam

investimentos de longo prazo, já que não há expectativas de permanência no

controle acionário das empresas adquiridas por longos períodos de tempo. Lemann,

Telles e Sicupira seguiram essa mesma receita quando passaram a investir na

economia real, tanto que a iniciativa se tornou o embrião da GP Investimentos.

Contudo, os três mantêm o controle da AmBev há mais de 20 anos e sempre deram

demonstrações de que pretendem que a cervejaria se perpetue no longo prazo,

diferentemente dos negócios da GP Investimentos.

Dessa maneira, diante da dualidade existente entre a origem e as

características da estratégia de reestruturação desenvolvida pelo Banco Garantia e

o objetivo de auto-perpetuação presente no discurso dos sócios da AmBev, esta

dissertação objetivou investigar:

Como os desafios do sucesso no longo prazo são tratados em

estratégias de reestruturação?

1.2 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO

A presente dissertação está organizada em sete capítulos. Seguindo esta

parte introdutória, o segundo Capítulo apresenta o referencial teórico com base no

qual a pesquisa foi desenvolvida. O Capítulo 3, por sua vez, descreve a metodologia

utilizada para realizar o estudo, incluindo a estratégia de pesquisa adotada, as

fontes de dados utilizadas e os procedimentos para coleta e análise dos dados.

O quarto capítulo apresenta um panorama da indústria de cervejas no Brasil,

explicitando a forma com que a cadeia produtiva está organizada, os principais

vetores de competição e ainda uma visão sobre a recorrência de práticas anti-éticas

no setor.

O quinto capítulo oferece uma introdução à AmBev, contendo informações

gerais sobre a empresa, seus negócios, marcas, cultura e ainda alguns

detalhamentos sobre a sua organização interna.

O Capítulo 6 está dividido em duas partes. Primeiramente, há uma análise

comparativa das trajetórias da CAP e da CCB, tentando explicar como as duas

cervejarias estavam em situações tão distintas às vésperas da fusão, no ano de

1999. Em seguida, é apresentada a análise da AmBev, descrevendo suas repostas

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aos desafios do sucesso no longo prazo, comparando seu padrão de respostas ao

da CCB após a entrada do Banco Garantia e avaliando como se perpetuou ao longo

dos dez anos de existência. O sétimo capítulo, por fim, fecha o estudo,

apresentando as principais conclusões do autor em resposta à pergunta da

pesquisa.

Além da Bibliografia, os Apêndices incluem: a história da indústria da cerveja

no Brasil; as histórias detalhadas da CAP e da CCB; e a história resumida do Banco

Garantia. Já os Anexos contemplam informações básicas sobre a cerveja

(especialmente a sua composição, o processo de fabricação e os principais tipos de

cerveja) e um breve relato sobre a história da Skol.

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2 REVISÃO DE LITERATURA

O objetivo desta pesquisa é compreender a forma com que organizações

geridas a partir de estratégias de reestruturação respondem aos desafios

associados ao sucesso no longo prazo. Dessa forma, o ponto de partida para o

trabalho é o entendimento do que é sucesso no longo prazo, buscando um

enquadramento teórico que permita a sua avaliação tanto qualitativa quanto

quantitativamente.

A maneira mais comum de se avaliar o sucesso de algo é a sua comparação

com algum tipo de objetivo ou meta predeterminado. Para Miller e Friesen (1978

apud Fleck, 2009a, p. 79), ―[organizational] success is related to the degree to which

the firms are able to achieve their objectives subject to the constraints of long run

viability‖. O sucesso de uma campanha política, por exemplo, é medido pela eleição

do candidato. Esse caso, porém, é bastante particular, pois além do resultado final

ser facilmente compreendido, existe um limite temporal: a data da eleição. No

ambiente empresarial, por outro lado, há inúmeras situações em que os resultados

desejados não são evidentes, tangíveis e nem temporalmente determinados. Com

base em quais critérios pode-se afirmar que uma organização é bem sucedida?

Quanto tempo de análise é suficiente para se fazer tal afirmação? E como se sabe

se uma organização é capaz de sustentar o sucesso?

O crescimento da firma é um indicador amplamente utilizado para medir o

sucesso organizacional (FLECK, 2003). Segundo Whetten (1980 apud FLECK,

2009a, p. 79), o crescimento é uma premissa implícita em estudos e pesquisas, já

que se assume que ―crescimento é sinônimo de efetividade‖, que ―quanto maior,

melhor‖ e que ―há uma correlação entre tamanho e idade‖. Fleck (2001), partindo da

tese de que crescimento pode ser entendido como mudança no tamanho da firma,

propõe um indicador que auxilia a visualização da trajetória de crescimento das

organizações: Tamanho ano i = (Receita ano i ÷ PIB ano i) X 100. A figura abaixo

ilustra o uso do indicador para a comparação das trajetórias de três empresas do

setor automotivo: General Motors, Ford e Chrysler.

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Figura 2-1: Trajetórias de crescimento de empresas do setor automotivo

Fonte: Fleck, 2001.

Mesmo sendo um indicador que permite a comparação entre empresas ou

indústrias e que elimina a influência de fatores como inflação e deflação, Fleck

(2004) argumenta que o crescimento por si só não é uma medida confiável de

sucesso, já que muitas empresas crescem e depois morrem. O indicador serve de

instrumento para monitoramento do desempenho de uma empresa, mas não fornece

o diagnóstico nem as ferramentas necessárias para a sua realização. Mais

importante do que a medição do sucesso de forma quantitativa é a compreensão

dos mecanismos que explicam o sucesso ou o fracasso das organizações no longo

prazo.

Nesse sentido, Fleck (2009a) compartilha da mesma visão de Porter (1991),

para quem a identificação das razões do sucesso ou do fracasso organizacional é a

questão central do estudo da estratégia. Segundo este, qualquer esforço de

compreensão do sucesso da firma exige o desenvolvimento de uma teoria de

características dinâmicas a respeito da mesma. De maneira convergente, Fleck

(2009a) afirma que o sucesso organizacional, mais do que um estado final da

organização, é um estado potencial que pode ser alcançado na medida em que a

firma desenvolve a propensão à auto-perpetuação.

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Self-perpetuation has to do with the organization‘s capacity to outlive its members. Much like the growth process, the self-perpetuation process does not take place automatically. It requires the setting up of contributing mechanisms, such as managerial hierarchy formation. (FLECK, 2009a, p. 80)

Sua abordagem, portanto, pressupõe a natureza processual do sucesso

organizacional, tratando-se de um fenômeno dinâmico cujas duas características

básicas são: o caráter temporal, presente pela necessidade de se acompanhar a

trajetória histórica da firma (estudo longitudinal) e as suas perspectivas futuras no

longo prazo; e o caráter multidimensional (FLECK, 2001), entendendo-o como

resultado da conjunção de outras dimensões associadas ao contexto organizacional.

Ainda segundo Fleck (2009a), se o sucesso no longo prazo está associado à

capacidade de a organização se auto-perpetuar, o fracasso é o resultado do

processo de declínio organizacional. Sendo assim, o comportamento dinâmico da

organização pode levá-la a se tornar propensa a dois estados ideais opostos: a auto-

perpetuação ou a auto-destruição. Há duas implicações diretas dessa proposição: o

crescimento não é visto como um processo linear de desenvolvimento (GREINER,

1998), nem tampouco é passível de ser analisado sob a perspectiva do ciclo de vida

organizacional (WHETTEN, 1987).

Em relação à primeira implicação, Whetten (1987) afirma que não existe na

literatura nenhuma indicação de que os movimentos entre os estágios evolutivos das

organizações devam ser entendidos como uma progressão para níveis superiores

de desenvolvimento (ou seja, não é necessariamente um processo de melhoria).

Para ele, não se pode também afirmar que os movimentos entre estágios são

unidirecionais, pois não há evidências de que os problemas existentes em um

determinado estágio são resolvidos unicamente pela transição para os níveis

seguintes de desenvolvimento.

Já com relação ao ciclo de vida organizacional, Fleck (2009a) refuta a tese de

que o declínio é um estágio que as organizações invariavelmente experimentarão

em sua história, antecedendo a sua morte, como ocorre na biologia. Apóia-se,

portanto, em Penrose (1959), para quem não existem indícios que justifiquem o uso

de ciclos de vida biológicos no contexto organizacional, e em Whetten (1987), que

observa que o declínio é um tópico que ainda carece de maior estudo, e que os

modelos de ciclo de vida existentes contemplam especialmente os estágios de

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crescimento das organizações (do surgimento à maturidade), havendo pouca

atenção aos estágios de declínio e morte1. Whetten (1987) menciona que ainda há

questionamentos em relação a três aspectos da abordagem do ciclo de vida: (i) o

número de estágios a serem considerados no modelo; (ii) a natureza determinística

de cada estágio; e (iii) se os movimentos são lineares ou recursivos.

A natureza dinâmica do processo de desenvolvimento organizacional,

especialmente quanto à possibilidade de a firma se tornar propensa ao sucesso ou

ao fracasso, está presente também no trabalho de outros autores. Sull (1999), por

exemplo, observa um fenômeno que considera recorrente em organizações bem

sucedidas: a falha ao responder a mudanças em seus ambientes de atuação,

chegando ao ponto de não conseguir se recuperar do prejuízo e colocar em risco

sua existência. Para o autor, o problema não está na inabilidade da organização em

agir de maneira tempestiva, mas sim na incapacidade de agir da maneira

apropriada. Ou seja, não é uma questão de paralisia, mas do que chama de inércia

ativa: a tendência a seguir padrões de comportamento já estabelecidos e de

sucesso no passado para lidar com novos problemas e desafios.

Miller (1993), por sua vez, propõe uma visão alternativa à idéia de que o

crescimento e o sucesso aumentam o grau de complexidade das organizações. Para

ele, ocorre um fenômeno contrário ao senso comum: as organizações bem

sucedidas entram em declínio por se tornarem excessivamente simples; ou seja, por

demonstrarem grande preocupação com um único objetivo, atividade estratégica,

departamento ou visão de mundo, em detrimento da consideração de outros

aspectos relevantes.

They [most outstanding organizations] amplify and extend a single strength or function while neglecting most others. Ultimately, a rich and complex organization becomes excessively simple – it turns into a monolithic, narrowly focused version of its former self, converting a formula for success into a path toward failure. (MILLER, 1993, p. 116)

Apesar de identificar armadilhas que as organizações podem enfrentar em

seus processos de crescimento, Sull (1999) e Miller (1993) afirmam que, da mesma

forma que uma fase de sucesso pode ser seguida por um período de declínio,

existem caminhos ou meios para se alterar a trajetória auto-destrutiva rumo ao

1 É o caso, por exemplo, do ―Modelo das Cinco Fases de Crescimento‖ proposto por Greiner (1998).

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sucesso novamente. Reforçam, portanto, a importância da ação gerencial para a

garantia da perpetuação e da sobrevivência das organizações.

É preciso ressaltar, no entanto, que há na academia e na prática das

organizações exemplos de teorias, modelos e estratégias que não se pautam pela

visão processual e dinâmica do sucesso no longo prazo. Ulrich e Barney (1984), por

exemplo, evidenciam isso ao analisar a perspectiva da eficiência sobre a teoria

organizacional. Baseada fortemente na teoria econômica, essa perspectiva

estabelece a eficiência como o maior critério de sucesso organizacional: as

organizações de sucesso são aquelas capazes de gerenciar suas transações de

forma eficiente. Por trás dessa perspectiva, há quatro suposições:

Os atores econômicos visam a minimização dos custos de transação;

Há três tipos de mecanismos de governança para mediar as

transações: (i) os mercados, que, através de pressões competitivas,

garantem que o valor dos produtos e serviços transacionados esteja

refletido em seus preços; (ii) a burocracia, que estabelece o que cada

parte pode esperar dar e receber de uma transação, mantendo a

percepção de justiça e equidade entre as partes da organização; (iii) e

os clãs, outro tipo de estrutura hierárquica que governa as relações

através de um sistema de valores compartilhados;

A adequação de cada mecanismo de governança depende das

características de cada transação, a saber: complexidade, incerteza,

dificuldade de convencimento e convergência de objetivos; e

O maior objetivo teórico da perspectiva de eficiência é o alinhamento

entre os mecanismos de governança e as características das

transações, de forma a indicar os mediadores mais eficientes entre as

partes envolvidas.

Nessa visão, as organizações existem para mediar as transações econômicas

entre os seus membros, interna e externamente. Conseqüentemente, o fator

norteador do sucesso é o desenvolvimento de transações estáveis e de baixo custo.

Portanto, mesmo que tais tipos de relações contribuam para a sobrevivência no

longo prazo, Ulrich e Barney (1984) ressaltam que essa perspectiva não trata de

forma direta da questão do sucesso no longo prazo, já que desconsidera que a

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sobrevivência de uma firma pode decorrer de outros aspectos organizacionais, como

estratégia, estrutura e até mesmo sorte.

Porter (1987), ao analisar o processo de diversificação das principais

empresas norte-americanas, identificou um tipo de estratégia corporativa que não se

orienta pelo sucesso no longo prazo: a reestruturação (para o autor, diferentemente

da estratégia competitiva, que trata de como se criar vantagem competitiva em cada

um dos diferentes negócios de uma organização, a estratégia corporativa trata dos

negócios em que a organização deveria atuar e como gerenciar o seu portfólio,

garantindo que a corporação como um todo seja maior do que a soma das suas

partes).

Segundo ele, a estratégia de reestruturação se baseia na busca por negócios

ineficientes, mal desenvolvidos ou sofrendo ameaças que, por conseguinte,

necessitem de mudanças significativas. A empresa compradora atua de maneira

ativa, intervindo nos negócios adquiridos, mudando suas equipes, alterando

estratégias, aumentando a eficiência ou introduzindo novas tecnologias. O resultado

do processo é um negócio fortalecido ou uma indústria transformada. Contudo,

apesar da melhoria, o negócio é vendido uma vez que a empresa controladora

entenda que os resultados já estejam claros e que não seja mais capaz de adicionar

valor, preferindo transferir sua atenção para outras oportunidades.

Para funcionar, a estratégia de reestruturação requer uma equipe executiva

com a habilidade de identificar e avaliar empresas subvalorizadas ou posições em

indústrias apropriadas para mudanças. A mesma habilidade é requerida para

conduzir a mudança nas organizações selecionadas, mesmo que se trate de

negócios com os quais não se tenha familiaridade (PORTER, 1987).

Trata-se, portanto, de uma estratégia que não se orienta pelo longo prazo,

cujo critério de decisão para a avaliação do sucesso é a geração de valor para os

acionistas. Para tal, as empresas fazem uso do método do Economic Value Added

(EVA), ou valor econômico adicionado, que possibilita a mensuração do retorno do

negócio, correspondendo ao saldo do lucro, após a dedução do custo de capital

investido na empresa. O princípio por trás desse método é o de que o fluxo de caixa

livre da empresa ou do negócio é a medida correta do valor do acionista, enfatizando

as conseqüências de qualquer decisão estratégica ou operacional (COLLIS;

MONTGOMERY, 1997).

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Segundo Collis e Montgomery (1997), esse tipo de estratégia baseada em

valor surgiu na década de 80, quando o desenvolvimento do mercado de capitais e

as oportunidades de se lucrar através da revitalização de empresas de baixo

desempenho permitiram o aparecimento de “corporate raiders e leveraged buyout

firms”. Atentos ao baixo desempenho de grandes empresas diversificadas, esses

atores foram (e ainda são) responsáveis por uma série de tomadas de controle

acionário (―takeovers”), muitas delas de maneira hostil.

Apesar de ter sido útil na medida em que se tornou uma forma de disciplinar

os executivos através da conexão direta de suas ações com o valor gerado aos

acionistas, Collis e Montgomery (1997) concluem que a estratégia baseada em valor

é mais adequada para a melhoria da eficiência na utilização de ativos existentes do

que no desenvolvimento de iniciativas estratégicas de longo prazo, reforçando,

novamente, o seu caráter de curto prazo.

2.1 ARQUÉTIPOS DO SUCESSO E DO FRACASSO ORGANIZACIONAL

A seção anterior mostrou que há formas distintas de se compreender o

sucesso organizacional. Há perspectivas e estratégias que se voltam para o curto

prazo, eliminando a visão dinâmica do sucesso ao reduzi-lo a um único tipo de

indicador, como eficiência nas transações econômicas ou geração de valor aos

acionistas.

Todavia, um dos desafios desta dissertação é justamente investigar essa

natureza processual do sucesso no longo prazo, identificando as razões pelas quais

certas empresas desfrutam de crescimento e existência continuados, enquanto

outras acabam contraindo-se e, com o tempo, desaparecendo. Nesse sentido, o

modelo de arquétipos de sucesso e fracasso organizacional (FLECK, 2009a) se

propõe a responder essa questão, conforme será explicado ao longo desta seção.

O modelo origina-se da análise comparativa da história de duas grandes rivais

norte-americanas: a General Electric e a Westinghouse. Criadas praticamente na

mesma época, com atuação em segmentos de negócio semelhantes e num

ambiente que passou pelas mesmas grandes transformações, as empresas

apresentaram trajetórias bastante distintas: a primeira sustentou a posição de

dominância industrial e desempenho financeiro superior, perpetuando-se até os dias

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de hoje, enquanto a segunda, após período de sucesso, entrou em processo de

declínio e se extinguiu.

Buscando identificar as condições que explicaram a diferença no padrão de

comportamento e desempenho das duas rivais, Fleck (2009a) observou que, ao

longo do tempo, as empresas adotaram respostas distintas a um conjunto de

desafios associados ao crescimento, e que isso afetou suas chances de sucesso ou

fracasso no longo prazo. Com base na descoberta, a autora desenvolveu o modelo

de arquétipos de sucesso e fracasso organizacional, propondo um instrumento de

referência para se avaliar a propensão das organizações à auto-perpetuação ou à

auto-destruição.

O uso do modelo pressupõe a identificação de traços organizacionais

associados a cada desafio do crescimento. Um traço é um comportamento

consistente que a organização exibe ao longo do tempo, podendo ser entendido

como o padrão de resposta a um desafio gerencial. Dependendo de como responde

aos desafios, a organização aumentará a sua propensão à auto-perpetuação ou à

auto-destruição.

A Tabela 2-1 apresenta os cinco desafios do crescimento propostos por Fleck

(2009a). Além das dimensões que compõem cada desafio, a tabela contém ainda a

caracterização dos traços organizacionais para os dois estados extremos e ideais de

existência da empresa. Vale lembrar que, na prática, uma organização se situa em

algum estado intermediário entre os dois pólos. Uma das premissas do modelo é

que a sobrevivência é uma propriedade dinâmica da firma, pois, como os desafios

enfrentados e as respostas aos mesmos podem variar ao longo do tempo, as

chances de a empresa desenvolver uma existência continuada podem igualmente

variar ao longo do tempo, na medida em que aumenta ou diminui sua propensão à

auto-perpetuação.

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Categoria do Desafio

Descrição do desafio Pólos de respostas aos desafios

Auto-destruição Auto-perpetuação

Empreender

Promoção contínua do empreendedorismo através do fomento à disposição da firma para promover movimentos expansivos que sejam criadores de valor e auto-reforçantes (ou seja, que reforcem a busca por novas expansões), prevenindo-se contra a superexposição ao risco.

Baixo (baixos níveis de ambição, versatilidade, imaginação, visão, habilidade em levantar financiamento; e realização de expansões nulas ou defensivas)

Alto (altos níveis de

ambição, versatilidade, imaginação, visão,

habilidade em levantar financiamento; e

realização de expansões produtivas

ou híbridas)

Navegar no ambiente

Relacionamento com as múltiplas partes interessadas para assegurar a captura de valor e a legitimidade da organização.

Passivo (Monitoramento ruim, uso inadequado ou importuno de respostas estratégicas às pressões externas)

Ativo (Monitoramento

regular, uso adequado e oportuno de

respostas estratégicas às pressões externas)

Gerir a diversidade

Sustentação da integridade da organização em face do aumento de conflitos e rivalidades.

Fragmentação (Fracasso no estabelecimento tanto de relacionamentos de integração quanto de capacitações em coordenação)

Integração (Desenvolvimento bem

sucedido de relacionamentos de

integração e de capacitações em

coordenação)

Aprovisionar recursos gerenciais

Fornecer constante de recursos humanos qualificados de acordo com as necessidades da organização.

Tardio (Ações no momento da necessidade ou depois dela)

Planejado (Ações planejadas com

antecedência)

Gerir a complexidade

Gerenciamento de questões complexas e resolução de problemas de crescente complexidade, evitando riscos à existência da organização.

Ad-hoc (Fraca capacitação para solução de problemas, utilizando rápida análise e sem aprendizado)

Sistemático (Forte capacitação para solução de problemas,

promovendo buscas amplas por soluções e

estimulando o aprendizado)

Tabela 2-1: Os Cinco Desafios Organizacionais

Fonte: Fleck, 2009a.

Como mostra a Figura 2-1, o conjunto de respostas aos desafios, juntamente

com a gestão da folga organizacional, contribui para a capacidade da organização

de desenvolver duas habilidades necessárias ao sucesso no longo prazo: a

renovação organizacional, através de processos de crescimento contínuos, e a

preservação da integridade organizacional, que permite a sua existência continuada.

E o desempenho da organização nesses dois processos também influencia a sua

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capacidade de resposta aos desafios, demonstrando o dinamismo e a inter-relação

entre os elementos do modelo (ver as setas na Figura 2-1).

Gerir a

complexidade

Aprovisionar

RH

Gerir a

diversidade

Navegar no

ambiente

Empreender

Folga

Sucesso de

LP:

propensão à

auto-perpetuação

Crescimento

organizacional e renovação

Integridade

organizacional

+/-

+/-

CN

CN

CN

CN

+/-

+/- +/-

CN

1

2

3

4

5

6

7

8

7

7

7

8

8

8

DESAFIOS DO CRESCIMENTO

Figura 2-2: Modelo de Requisitos para o Desenvolvimento da Propensão à Auto-

perpetuação

Fonte: Fleck, 2009a.

A apresentação do modelo seguirá a seguinte ordem. Inicialmente, tratar-se-á

dos cinco desafios associados ao crescimento, buscando explicitar as dimensões de

cada proposição da autora. Em seguida, serão apresentados os dois processos

necessários ao sucesso no longo prazo, explicitando a influência das respostas aos

desafios para o seu alcance. Por fim, buscar-se-á descrever como a gestão da folga

organizacional contribui para a construção da propensão à auto-perpetuação.

2.1.1 Desafios do crescimento

Como evidencia a Tabela 2-1, os desafios do crescimento são, na verdade, o

que Cooper e Emory (1995) chamam de construtos: uma idéia ou imagem

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36

especificamente criada para o propósito de uma pesquisa científica. Um construto é

construído por meio da combinação de conceitos mais simples, especialmente

quando a idéia ou imagem que se pretende transmitir não está diretamente sujeita a

observação.

A seguir, portanto, cada desafio será detalhado de forma a explicitar suas

principais dimensões de análise, permitindo a compreensão dos conceitos e

fundamentos a partir dos quais foram desenvolvidos.

2.1.1.1 Empreender

O desafio de empreender diz respeito ao desenvolvimento da propensão da

organização a se expandir continuamente (FLECK, 2009a). Compreende a

disposição para correr riscos, buscar maneiras de evitar riscos e ainda assim

expandir, alcançando um crescimento contínuo, em vez de pontual.

A expansão organizacional requer a combinação de dois tipos de estratégias

(FLECK, 2010): de exploração (“exploration”) e de explotação2 (“exploitation”).

Estratégias do tipo “exploration” são aquelas que visam a exploração de novas

oportunidades de crescimento, e estão relacionadas a aspectos como pesquisa,

investigação, experimentação, risco, flexibilidade, descoberta e inovação (MARCH,

1991). As estratégias do tipo “exploitation”, por outro lado, referem-se ao

aproveitamento de oportunidades já existentes e conhecidas, a ―fazer mais do

mesmo‖, e estão relacionadas a aspectos como refinamento, produção, eficiência,

seleção, implementação e execução (MARCH, 1991).

Apoiar-se em uma única estratégia em detrimento da outra pode produzir uma

renovação excessiva ou insuficiente para a organização. A concentração em

estratégias de exploração tem o risco de gerar um ritmo de inovação mais rápido do

que os recursos gerenciais conseguem coordenar, impedindo a organização não só

de criar valor de forma responsável, mas de capturar o valor gerado por suas

inovações. Já a ênfase excessiva em estratégias de explotação reduz

2 Para as geociências, a explotação é um termo técnico usado para a retirada, extração ou obtenção

de recursos naturais, geralmente não-renováveis, para fins de aproveitamento econômico, pelo seu beneficiamento, transformação e utilização.O termo se contrapõe à exploração, que se refere à fase de prospecção e pesquisa de recursos naturais. A exploração visa a descoberta, delimitação e definição de tipologia e teores e qualidade da ocorrência do recurso. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Explota%C3%A7%C3%A3o_de_recursos_naturais.

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progressivamente a capacidade da organização de criar valor para seus

stakeholders, tendo que se preocupar mais com a captura de parcela do valor

gerado contra os concorrentes.

Além da natureza do processo de expansão, o desafio de empreender tem

outras três dimensões: a existência de serviços empreendedores; a presença de

mecanismos de reforço do crescimento contínuo; e a gestão da exposição à

incerteza e ao risco. A existência de mecanismos de reforço será discutida em

2.2.1.1, restando aqui a exposição dos elementos restantes.

Para Penrose (1959), empreendedorismo pode ser tratado como uma

predisposição psicológica da parte de indivíduos para correr riscos na expectativa de

obter ganhos futuros, comprometendo esforços e recursos disponíveis em atividades

especulativas3. A própria decisão de investigar perspectivas lucrativas de expansão

é uma decisão empreendedora, já que, caso não haja nenhum tipo de pressão ou

obviedade sobre o que fazer, a organização pode optar por continuar em seu curso

atual de atividades ou despender esforços e comprometer recursos para investigar

oportunidades desconhecidas. É uma decisão que requer, portanto, intuição e

imaginação, e deve preceder a decisão econômica referente à viabilidade de se

prosseguir com uma determinada iniciativa.

Contudo, uma empresa que não seja ambiciosa pode muito bem ser

administrada de maneira competente. Afinal de contas, há executivos e homens de

negócio muito competentes que, devido à exigência em termos de esforço, risco e

investimentos, não tentam constantemente obter mais lucros em seus negócios. Da

mesma forma, há empresas que operam a partir de uma gestão competente e até

mesmo imaginativa por décadas, porém abdicando de aproveitar todas as

possibilidades de expansão.

Segundo a autora, essa dualidade está relacionada aos tipos de serviços

produtivos de que uma organização dispõe. Em seu conceito básico, Penrose (1959)

define uma organização como uma coleção de recursos produtivos, físicos e

humanos, que são utilizados com o propósito de produzir e vender produtos e

serviços. No entanto, faz uma distinção entre recursos e serviços, reforçando a idéia

de que, na verdade, os recursos não são os inputs de um processo produtivo, mas

sim os serviços que aqueles recursos podem gerar (tais serviços decorrem da

3 Não se trata do caráter especulativo do mercado financeiro, mas do exercício de refletir sobre o

futuro e experimentar iniciativas que possibilitem níveis maiores de lucratividade.

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maneira com que os recursos disponíveis são utilizados – um mesmo recurso,

quando usado com diferentes propósitos ou de maneiras distintas e em combinação

com quantidades e tipos diferentes de outros recursos, fornece um serviço ou

conjunto de serviços distintos).

Dessa forma, há dois tipos básicos de serviços produtivos: empreendedores e

gerenciais. Os serviços gerenciais destinam-se à coordenação dos recursos,

planejamento de atividades e administração do dia-a-dia da operação, e são

responsáveis pelo que se chamou anteriormente de ―gestão competente‖. Os

serviços empreendedores, por sua vez, relacionam-se à absorção e criação de

novas idéias tendo em vista a expansão produtiva. Penrose (1959) destaca quatro

dimensões principais dos serviços empreendedores, que não resultam unicamente

das características dos indivíduos, mas são moldados e condicionados pela própria

organização (quando, por exemplo, institui rotinas e procedimentos de estímulo à

experimentação):

Versatilidade: é uma questão de imaginação e visão. Trata-se da

capacidade de investigar caminhos para a expansão que não são

óbvios para a maioria das pessoas e de investigar as possibilidades de

novos serviços produtivos provenientes de recursos já existentes. É o

caso, por exemplo, de uma organização que altera suas linhas de

produtos, até mesmo abandonando produtos anteriores, ou que

identifica um novo mercado potencial em uma nova região geográfica.

Tem a ver, portanto, com a predisposição de não se restringir às

formas tradicionais de enxergar a realidade, empregando recursos e

utilizando a criatividade para identificar possibilidades novas de

expansão produtiva;

Habilidade em levantar financiamento: é a capacidade de se obter

recursos independentemente do tamanho da organização e de sua

posição de mercado. Envolve não somente o acesso a fontes de

financiamento, mas também a habilidade para se criar confiança junto

a possíveis investidores e financiadores. Penrose (1959) menciona

ainda que há uma relação entre esta habilidade empreendedora e o

quanto de recursos uma empresa consegue obter: a falta de capital

pode ser atribuída à falta de serviços empreendedores apropriados, já

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que em situações semelhantes, diferentes empreendedores podem

alcançar resultados distintos. Portanto, mesmo que empresas

pequenas disponham de condições distintas em comparação com

grandes organizações, o acesso limitado a capital não pode ser aceito

como a única razão para a dificuldade de levantar recursos;

Ambição: é o desejo de expandir as operações de uma organização

na busca por níveis de lucratividade superiores àqueles já alcançados,

estando disposto a aumentar esforços, riscos e investimentos. Penrose

(1959) sugere dois tipos de perfil ambicioso. Há o “product-minded

entrepreneur”, empreendedor motivado principalmente pela

lucratividade e crescimento de suas empresas, através, por exemplo,

da melhoria da qualidade de seus produtos ou da redução de custos.

Por outro lado, o construtor de império (empire-builder), motivado pela

visão de construir um grande império industrial, preocupa-se em

ampliar o escopo de sua empresa através da aquisição ou eliminação

de competidores, adotando meios que não a competição no mercado.

Este pode ser um simples especulador financeiro, diferentemente do

“product-minded entrepreneur”, que administra sua organização com o

propósito de produzir e distribuir produtos e serviços; e

Julgamento: envolve muito mais do que uma combinação de

imaginação, bom senso, auto-confiança e outras qualidades pessoais.

Está diretamente relacionado à capacidade de reunir informações de

forma a considerar e, se possível, reduzir ao máximo os efeitos de

incertezas e os riscos decorrentes para a organização.

Se por um lado a presença dessas dimensões de serviços empreendedores

contribui para uma organização dar uma resposta efetiva ao desafio de empreender,

Penrose (1959) chama a atenção para outro aspecto igualmente importante a ser

gerenciado na busca pelo crescimento contínuo: os efeitos da incerteza (confiança

do empreendedor em suas estimativas e expectativas) e a exposição ao risco

(refere-se aos resultados possíveis da ação empreendida, especialmente às perdas

incorridas).

Primeiramente, a autora cita a existência de teorias que declaram que risco e

incerteza são necessariamente fatores restritivos aos planos de expansão de uma

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firma. Segundo tais teorias, o limite à expansão é algo ―dado‖, diante do qual só

resta ao empreendedor assumir uma postura passiva: ele pode se ajustar de acordo

com seus julgamentos, mas não pode alterar a situação. Penrose (1959), no

entanto, sugere que o grau com que o risco e a incerteza afetam os planos de

expansão de uma empresa está diretamente associado à disponibilidade de

recursos gerenciais para lidar com tais fatores.

A incerteza sobre o futuro, subjetiva em sua natureza, decorre, dentre outras

coisas, da opinião do empreendedor sobre a suficiência das informações a respeito

dos fatores determinantes do futuro. Dessa forma, uma maneira de reduzir a

incerteza e aumentar a confiança em seus julgamentos é obter mais informações

sobre tais fatores. Essa tarefa, porém, requer a alocação de recursos de diferentes

áreas de competências para a investigação sobre o futuro, de forma a permitir ao

empreendedor medir a sua exposição ao risco.

Empreender, portanto, contempla tanto a disposição de correr riscos quanto

de buscar formas de expandir evitando novos riscos. Sempre haverá um momento

em que o empreendedor não estará mais disposto a correr tantos riscos, mudando o

foco para a identificação de meios de expandir sem ampliar consideravelmente os

riscos de suas iniciativas. Por exemplo, em vez de executar um grande programa por

inteiro, pode-se dividi-lo em módulos e implementá-lo gradativamente.

Independente da solução encontrada, o fato é que quanto maiores a incerteza

e o risco, maiores serão as dificuldades enfrentadas pela organização. Portanto,

esses dois fatores afetam a quantidade e a variedade de recursos gerenciais

requeridos para a expansão da organização, não só por exigirem que se obtenham

certos tipos de informações antes da sua execução, mas porque afetam também a

composição dos planos de expansão. Afinal de contas, os recursos gerenciais não

devem somente reunir um conjunto significativo de informações, mas também

analisá-las e chegar a conclusões a respeito das linhas de ação que a organização

pode seguir com maior confiança.

Enquanto Penrose (1959) se preocupa com os ―pré-requisitos‖ ou aspectos

que explicam ou não o caráter empreendedor de uma organização, Chandler (1977)

tenta identificar os fatores que motivam as organizações a se expandir. Para o autor,

o crescimento contínuo resulta de dois tipos de estratégias motivadoras de

expansão: a produtiva, que promove a mudança, e a defensiva, que visa controlar a

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mudança. A expansão produtiva busca o aumento da produtividade através da

redução de custos unitários, possibilitando economias de escala, escopo ou

velocidade, já que se pauta pelo uso mais intensivo dos recursos existentes. A

expansão defensiva, por outro lado, é motivada pelo desejo de proteção e controle,

buscando evitar a entrada de novos competidores ou o aparecimento de restrições

de fornecimento ou de mercado para os produtos ou serviços da organização

(integrações verticais e horizontais que buscam a redução das forças competitivas

da indústria podem ser exemplos típicos de expansão defensiva).

Em complemento a Chandler, Fleck (2009a) sugere outros dois tipos de

estratégias de expansão: híbrida e nula. A expansão híbrida é ao mesmo tempo

produtiva e defensiva, objetivando tanto o ganho de eficiência quanto a proteção dos

domínios da organização. Já a expansão nula não assume nem o caráter produtivo

nem defensivo (há, portanto, o desperdício de recursos), sendo uma expansão típica

de construtores de impérios. Para a autora, uma organização que adota somente

estratégias defensivas ou nulas tem alta probabilidade de crescer de maneira

pontual, encontrando dificuldades para se expandir continuamente e se renovar no

longo prazo.

2.1.1.2 Navegar no ambiente

O desafio de navegar no ambiente refere-se à capacidade de atuar frente às

diversas partes interessadas (stakeholders) em um ambiente em mudança, de forma

a assegurar a captura de valor e a legitimidade da organização (FLECK, 2009a).

Segundo a autora, a resposta de uma organização ao desafio de navegar no

ambiente apresenta duas dimensões: o monitoramento das pressões do ambiente e

o uso de respostas adequadas a essas pressões. O fracasso nas duas tarefas

ameaça a capacidade da organização de crescer e se renovar continuamente. Por

exemplo, como oportunidades de captura de valor oriundas das iniciativas

empreendedoras são perdidas, produz-se menos folga financeira, que futuramente

poderia ser utilizada para gerar novas oportunidades de crescimento para a

organização.

Penrose (1959) afirma que, pelo fato de haver estímulos internos à busca

contínua por novas oportunidades produtivas que levem à expansão, o crescimento

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organizacional não pode ser unicamente associado a mudanças no ambiente. A

autora, porém, ressalta que o conhecimento e a experiência sobre o ambiente e os

impactos de suas mudanças não só fazem parte do estoque de conhecimento da

organização como podem mudar a importância dos recursos disponíveis,

influenciando o escopo do processo de expansão (por exemplo, se crescerá num

mesmo tipo de produto ou se diversificará). Conhecimentos sobre mercados,

tecnologias desenvolvidas por concorrentes e comportamento de consumidores, por

exemplo, transformam a maneira com que o empreendedor enxerga o ambiente e

suas demandas, e, conseqüentemente, interferem em sua pesquisa sobre a

utilização de recursos e serviços produtivos para a expansão de suas atividades.

Portanto, ainda que de forma não-explícita, Penrose (1959) reforça a

importância do monitoramento constante do ambiente para a renovação e o

crescimento contínuo. Fleck (2009a), porém, amplia o papel do monitoramento do

ambiente incorporando a questão da gestão do relacionamento com os

stakeholders, de forma a garantir a captura de valor e a legitimidade da organização.

Além de monitorar e avaliar constantemente o ambiente, Fleck (2009a)

propõe também que a organização precisa ser bem sucedida na adoção de um

conjunto de respostas estratégicas às pressões externas. Nesse sentido, Oliver

(1991), ao comparar a teoria institucional e a teoria da dependência de recursos,

busca identificar diferentes respostas estratégicas que uma organização pode adotar

diante de pressões institucionais (oriundas do seu ambiente social). A autora

demonstra que o comportamento organizacional pode variar da conformidade

passiva até a resistência proativa, dependendo de dois fatores: a natureza das

pressões institucionais, avaliada segundo cinco aspectos – causa, constituintes,

conteúdo, controle e contexto – e dos diferentes graus de resistência, consciência,

proatividade, influência e auto-interesse da organização. Assim, as respostas

estratégicas variam da conformidade à resistência, da passividade à proatividade, da

pré-consciência ao controle, da impotência à influência, e da habitualidade ao

oportunismo.

Com base nessas variações, Oliver (1991) propõe cinco principais estratégias

que as organizações podem adotar em resposta às pressões ambientais,

detalhando-as segundo um conjunto de táticas características de cada tipo de

comportamento:

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Estratégia de aceitação (“Acquiesce”): aceitação de normas e

pressões institucionalizadas no ambiente. As táticas utilizadas para

essa estratégia podem ser:

o Hábito (“Habit”): aderência inconsciente ou ―cega‖ a regras ou

valores institucionalizados;

o Imitação (“Imitate”): imitação consciente ou inconsciente de

modelos institucionalizados, incluindo modelos de sucesso ou

indicados por consultorias; e

o Conformidade (“Comply”): incorporação ou obediência

consciente a valores, normas ou requisitos institucionais. A

conformidade é considerada mais proativa do que o hábito ou a

imitação, já que a organização opta por conformar com certas

pressões institucionais em antecipação a certos benefícios que

vão desde o apoio social até a legitimidade e estabilidade.

Estratégia de negociação (“Compromise”): refere-se a situações em

que a organização se confronta com demandas conflituosas ou

inconsistências entre as expectativas institucionais e seus objetivos

internos relacionados a eficiência e autonomia. Nesse contexto, as

táticas adotadas podem ser:

o Balanceamento (“Balance”): acomodação de múltiplas

demandas de stakeholders em resposta a pressões e

expectativas institucionais;

o Pacificação (“Pacify”): conformidade parcial a expectativas de

um ou mais stakeholders. Uma organização que adota a tática

pacifista mantém um mínimo de resistência a pressões

institucionais, porém gasta suas energias para apaziguar as

fontes de pressão a que resiste; e

o Barganha (“Bargain”): envolve o esforço da organização em

exigir concessões dos constituintes externos para o atendimento

a suas demandas e expectativas. É uma forma mais ativa de

comprometimento do que a pacificação.

Estratégia de evasão (“Avoid”): é a tentativa da organização de

evitar a necessidade de se adequar a alguma pressão ou demanda

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externa. Enquanto as estratégias de aceitação e de comprometimento

constituem respostas empregadas pela organização com o objetivo de

conformar parcial ou integralmente às pressões externas, a estratégia

de evasão é motivada pelo desejo de contornar as condições que

fazem a conformidade necessária. As táticas utilizadas para essa

estratégia podem ser:

o Ocultação (“Conceal”): maquiagem de não-conformidades ao

aparentar aceitar e se comprometer com pressões externas;

o Prevenção (“Buffer”): tentativa de reduzir o grau com que a

organização é externamente inspecionada, examinada ou

avaliada através da dissociação parcial de suas atividades

técnicas do contato externo; e

o Fuga (“Escape”): sair do domínio onde a pressão é exercida ou

alterar seus objetivos, atividades e domínios para evitar a

necessidade de conformação.

Estratégia de confrontação (“Defy”): é uma forma mais ativa de

resistência a pressões institucionais. Em comparação às demais

estratégias, representa uma rejeição inequívoca às normas e

expectativas externas, sendo mais fácil de ocorrer quando: o custo de

rejeição é percebido como baixo; os interesses internos divergem

drasticamente dos valores externos; a organização acredita ser capaz

de demonstrar e justificar sua postura conflitante; ou a organização

acredita ter pouco a perder ao demonstrar seu antagonismo àqueles

que a julgam ou se opõem. As táticas são:

o Ignorar (“Dismiss”): caso em que a organização ignora regras ou

valores institucionalizados;

o Desafio (“Challenge”): é um afastamento maior das regras,

normas ou expectativas dos constituintes do que a tática de

ignorar. Ocorre quando uma organização adota uma postura

ofensiva de desafiar as regras e normas vigentes, sendo até

capaz de gerar valor ou reconhecimento a partir de sua

iniciativa; e

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o Ataque (“Attack”): distingue-se da tática de desafio pela

intensidade e agressividade do distanciamento da organização

em relação às pressões e expectativas externas. Uma

organização que adota essa tática empenha-se em atacar,

desmerecer ou condenar veemente tanto os valores quanto os

constituintes que os defendem.

Estratégia de Manipulação (“Manipulate”): de todas, é a forma mais

ativa de resposta às pressões externas, pois tem a intenção de alterar

ou exercer poder sobre o conteúdo das pressões ou sobre as fontes

que as exercem. Diferentemente das demais, considera que as

pressões e expectativas não são uma restrição dada, a ser obedecida

ou desafiada. As táticas são:

o Cooptação (“Co-opt”): persuadir constituintes institucionais a se

juntar à organização, de forma a neutralizar oposição e

aumentar a sua legitimidade;

o Influência (“Influence”): podem ser mais genericamente

direcionadas para crenças e valores institucionalizados ou para

definições e critérios de práticas aceitáveis ou desempenho; e

o Controle (“Control”): esforços específicos para exercer controle e

dominância sobre constituintes externos que pressionam a

organização. É uma resposta mais agressiva do que a

cooptação e a influência porque objetiva dominar as fontes de

pressão institucional, em vez de influenciar, moldar ou

neutralizá-las.

Tomando como base o trabalho de Oliver (1991), Fleck (2009a) propõe que

uma organização pode fazer uso de todas as respostas estratégicas às pressões

institucionais, com três finalidades: (i) moldar o ambiente (estratégias de

manipulação e confrontação); (ii) neutralizar pressões (estratégia de evasão); e (iii)

ajustar-se às situações que estão fora de seu controle (estratégias de aceitação e

comprometimento). Quanto mais bem sucedida ao moldar o ambiente, maior a

probabilidade de que a organização capture valor de seus empreendimentos e maior

a tendência para agir de forma a manter imutáveis tanto o ambiente favorável que

ajudou a moldar quanto si mesma.

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Por outro lado, também são maiores as chances de a organização se tornar

simples e mais vulnerável a sofrer processos autodestrutivos (MILLER, 1993). Fleck

(2009b), então, sugere que a busca por moldar um ambiente mais sustentável

neutraliza pressões para que as organizações experimentem processos de

simplificação e, conseqüentemente, de autodestruição. Além disso, levanta a

hipótese de que, ao incluir o planeta Terra entre os seus stakeholders, a

organização não só aumenta a variedade de formas para capturar valor como

também aciona um mecanismo para neutralizar a sua propensão a se tornar

simples.

2.1.1.3 Gerir a diversidade

O crescimento traz consigo o aumento da diversidade da organização sob

inúmeros aspectos, como mercados, produtos, tecnologias e recursos humanos.

Durante esse processo, a diversidade pode dar espaço ao surgimento de conflitos e

rivalidades entre as diferentes partes constituintes da organização, ameaçando a

sua unidade. Cyert e March (1963), por exemplo, afirmam que uma organização, por

ser uma coalizão de indivíduos (muitas vezes organizados em subcoalizões) tem um

potencial intrínseco para o surgimento de conflitos, pois tais indivíduos têm objetivos

e aspirações tanto convergentes quanto distintos entre si. Nesse sentido, quanto

mais uma organização cresce (seja por ampliar a quantidade de funcionários ou por

especializá-los), maior a probabilidade de conflitos e rivalidades, e maior ainda o

desafio de garantir a unidade em torno de um objetivo comum.

Diante disso, o desafio proposto por Fleck (2009a) diz respeito à sustentação

da integridade da organização à medida que se expande e experimenta o aumento

de sua diversidade. A gestão bem sucedida da diversidade inclui a distinção entre

elementos organizacionais heterogêneos e homogêneos e fomenta a criação de

laços ou vínculos entre tais elementos. Para a autora, a construção de vínculos e

laços entre os elementos constituintes da organização se dá de duas maneiras: pelo

compartilhamento de recursos para os aspectos homogêneos e pelo intercâmbio de

recursos para os aspectos heterogêneos.

O uso compartilhado de recursos não se limita a elementos tangíveis, como

produtos, serviços, pessoal ou instalações, mas engloba também itens como

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reputação, mitos e percepções a respeito de ameaças à existência da organização.

A padronização de processos, por exemplo, é uma forma de compartilhamento que

pode oferecer à organização economias de escala, escopo e velocidade. Além

disso, se os recursos compartilhados forem valiosos e raros devido a condições

históricas particulares, os laços criados podem conferir à organização recursos que

são difíceis e custosos de imitação (BARNEY, 1991).

No caso dos recursos heterogêneos, mais do que produtos, serviços, pessoal

e instalações, engloba principalmente o intercâmbio e a combinação de processos

organizacionais que requerem complexa interação entre as parte da organização.

Novamente, os laços e vínculos criados podem dotar a empresa de processos que

são difíceis e custosos de imitação, devido à complexidade social existente

(BARNEY, 1991).

No entanto, esses dois tipos de relação só serão efetivamente construídos se

houver o desenvolvimento de capacitações em coordenação (FLECK, 2009a). Ou

seja, a organização precisa dedicar recursos na formação de mecanismos de

integração, como forças-tarefa, comitês permanentes, departamentos de integração

ou até mesmo cargos responsáveis exclusivamente por integrar as suas partes

(como, por exemplo, em ocasiões de aquisições ou fusões). É preciso ressaltar que

a implementação de mecanismos de coordenação não elimina a heterogeneidade da

organização, mas visa, a partir do estímulo à integração, fazer uso de sua

diversidade para construir vantagens competitivas. Em caso de falha nessa tarefa,

os funcionários da empresa podem não estar dispostos a cooperar, buscando meios

para garantir sua autonomia e, assim, ocasionando a fragmentação da organização

e ameaçando a sua integridade.

2.1.1.4 Aprovisionar recursos gerenciais

Embora seja uma questão óbvia em se tratando de administração de

empresas, alguns autores chamam a atenção para a importância dos recursos

humanos para o processo de crescimento organizacional. Chandler (1990), por

exemplo, destacou o investimento em equipes gerenciais como uma condição

necessária (mas não suficiente) para aquelas empresas que chama de “first

movers”, ou seja, que rapidamente dominaram suas indústrias em seus estágios

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iniciais e mantiveram tal posição por diversas décadas. Para o autor, o sucesso

duradouro requer o investimento na formação de duas equipes distintas de gestão:

gerentes de níveis médio e inferior para a coordenação do fluxo de produtos através

das atividades de produção e de distribuição; e gerentes de alto nível para a

coordenação e monitoramento das operações correntes e para o planejamento e

alocação de recursos tendo em vista atividades futuras.

Penrose (1959), por sua vez, afirma que a disponibilidade de recursos

humanos gerenciais necessariamente estabelece um limite para a expansão da

firma. Os serviços fornecidos pelo grupo gerencial existente limitam a quantidade de

expansão que pode ser planejada pela organização, e quanto maiores e mais

complexos os planos de expansão, mais serviços são requeridos para apoiar o

processo de crescimento. Além disso, a quantidade de atividades que podem ser

planejadas em um determinado momento limita a quantidade de novo pessoal que

pode ser lucrativamente absorvido pela empresa no momento seguinte.

Para Penrose (1959), no entanto, o diferencial não está somente na formação

de um grupo coeso de indivíduos, mas nas experiências que tais pessoas obtiveram

ao trabalhar juntas na organização, e que lhes permitem oferecer novos serviços

produtivos que, além de singularmente valiosos para as atividades daquele grupo,

não podem ser adquiridos através de contratações de fora da empresa. Quando

profissionais se acostumam a trabalhar numa empresa ou em um grupo particular de

pessoas, eles se tornam mais valiosos, já que os serviços produtivos que geram são

fortalecidos pelos conhecimentos de seus companheiros, pelos métodos da empresa

e pela forma com que desempenham suas atividades na circunstância particular em

que estão inseridos.

Seguindo a mesma linha dos dois autores acima, o desafio de aprovisionar

recursos humanos diz respeito a constantemente equipar a organização com

recursos humanos qualificados e que disponham das habilidades necessárias ao

crescimento, antecipando necessidades, formando, retendo, desenvolvendo e

renovando tais recursos (FLECK, 2009a). Para a autora, a falha no desempenho

dessas atividades não só impede a expansão como também enfraquece a

integridade da organização.

É de fundamental importância, portanto, que a organização seja capaz de agir

de maneira antecipada e preventiva no sentido de sempre dispor de recursos

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humanos qualificados para as suas necessidades atuais e futuras (através, por

exemplo, de processos sistematizados de recrutamento e seleção de pessoas e de

gerenciamento da sucessão), bem como de criar condições e motivações para que

tais recursos se desenvolvam ao longo do tempo e mantenham vínculos com a

empresa, mesmo após saírem ou terem se aposentado.

2.1.1.5 Gerir a complexidade

Como visto anteriormente, o processo de crescimento traz consigo o desafio

de gerir a crescente diversidade da organização, buscando garantir a sua unidade.

Diretamente associado, outra conseqüência do crescimento é o aumento da

complexidade dos problemas colocados para a organização, não só pela ampliação

das questões a serem consideradas, mas pela interdependência das variáveis em

jogo.

O desafio de gerir a complexidade, então, refere-se à resolução de problemas

que envolvem um grande número de variáveis interdependentes, de forma a não

colocar a existência da organização em risco em decorrência de erros de análise

(FLECK, 2009a). Requer o desenvolvimento de uma abordagem sistemática para a

resolução de problemas, com procedimentos que permitam:

O levantamento de dados, através de rotinas e sistemas que permitam

o acesso a informações confiáveis e uniformes para toda a

organização, evitando conflitos dessa natureza;

A análise dos dados, através de rotinas, sistemas e ferramentas que

permitam o diagnóstico e monitoramento de dados a respeito do

desempenho da organização e do ambiente em que está inserida;

A identificação de soluções, envolvendo a criatividade para se criar

soluções fora do senso comum, juntamente com critérios de

priorização e avaliação da viabilidade das possibilidades, buscando

reduzir a exposição ao risco da organização; e

A posterior implementação, monitorando a execução das ações

propostas e avaliando a sua eficácia na solução dos problemas iniciais.

Além disso, tal abordagem deve preconizar o aprendizado contínuo da

organização, de forma a aprimorar constantemente a sua capacidade de avaliar e

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resolver problemas de alta complexidade. Envolve o desenvolvimento de

mecanismos de disseminação e compartilhamento do conhecimento obtido com as

experiências anteriores, de forma a se obter mais qualidade e eficiência na utilização

de recursos para a solução de problemas futuros.

É importante ressaltar que, por sua natureza, o desafio de gerir a

complexidade afeta diretamente as respostas da organização aos demais desafios

associados ao crescimento. Afinal de contas, a atuação da empresa em relação aos

desafios inclui invariavelmente a tomada de decisão e a solução de problemas

complexos. Por exemplo, a definição da maneira com que a organização se

expandirá é um problema complexo e que envolve uma série de variáveis

interdependentes: em função da limitação de recursos, um determinado processo de

expansão pode não só impedir o aproveitamento de outras oportunidades

produtivas, mas também colocar em risco a saúde da organização caso não se

alcance os resultados esperados.

2.1.2 Gestão da folga organizacional

Conforme a Figura 2-2, a gestão da folga organizacional influencia

diretamente a capacidade da organização de se renovar continuamente e de garantir

a sua existência continuada. Segundo Bourgeois (1980 apud LAWSON, 2001, p.

126), a folga pode ser entendida como ―o ‗colchão‘ de recursos atuais ou potenciais

que permitem à organização adaptar-se com sucesso a mudanças decorrentes de

pressões internas ou externas‖. Na mesma linha, Nohria e Gulati (1997, p. 604) a

definem como ―conjunto de recursos em uma organização que excede o mínimo

necessário para produzir um determinado nível de output‖.

Sharfman et al (1988 apud SENDER, 2004) consideram que, para os

recursos serem identificados como folga, precisam ser tanto visíveis para os

gestores quanto empregáveis no futuro. Sender (2004) enquadra os recursos

considerados como folga em três categorias:

Recursos humanos: pessoas ligadas à organização, em termos de

número ou de horas de trabalho, além do mínimo necessário para a

realização das atividades da empresa;

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Recursos físicos: recursos tangíveis que a firma adquire ou produz,

parte da operação da empresa cujo uso e propriedade a firma está

familiarizada. Dizem respeito à capacidade de máquina, existência de

matéria-prima ou outros recursos além do mínimo necessário para a

realização das atividades da empresa; e

Recursos financeiros: são aqueles recursos em espécie ou líquidos o

suficiente para utilização imediata não prevista na realização das

atividades da empresa.

Há na literatura duas linhas com visões opostas em relação à folga e seu

valor para a organização. De um lado, estão os que valorizam a folga com base na

sua relação com o processo de renovação contínua. Penrose (1959), Chandler

(1997) e Fleck (2009a), por exemplo, identificam o excesso de recursos produtivos

como um dos principais motivadores da expansão organizacional, já que cria

oportunidades para a busca por novas formas de se utilizar, de maneira lucrativa, os

recursos existentes. Complementarmente, Lawson (2001) e Nohria e Gulati (1997)

sugerem que a folga dota a organização de três competências fundamentais para o

sucesso no longo prazo – a flexibilidade, a inovação e o aprendizado.

[...] organizations will need to develop strategic flexibility, defined as ‗the capability of the firm to proact or respond quickly to changing competitive conditions and thereby develop and/or maintain competitive advantage‘. Organizations of the future must be able to adapt more quickly to more changes in more complex environments than ever before. Based on what we know, this will require more, rather than less, organizational slack. (LAWSON, 2001, p.126)

Outra linha de argumentação em favor da folga está associada ao seu papel

para a proteção da integridade organizacional. Cyert e March (1963 apud NOHRIA;

GULATI, 1997), por exemplo, sugerem que a folga não soluciona conflitos de

interesses entre as partes da organização, mas pode auxiliar ao permitir a

acomodação momentânea de demandas concorrentes. Além disso, a folga pode

funcionar como uma maneira de se reduzir o processamento de informações e os

custos de coordenação entre as partes da organização (THOMPSON, 1967;

GALBRAITH, 1973 apud NOHRIA; GULATI, 1997). Em processos de reestruturação,

por exemplo, a folga pode influenciar positivamente a integridade organizacional

quando aplicada, dentre outras coisas, para o desenvolvimento e a implementação

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de mecanismos de integração e coordenação (FLECK, 2009a). A autora sugere

ainda que, quando utilizada para compensar procedimentos operacionais

deficientes, comunicação insuficiente ou repostas insatisfatórias a conflitos, a folga

pode afetar negativamente a integridade da organização.

Por outro lado, Nohria e Gulati (1997) afirmam que a premissa básica do

pensamento que condena a folga organizacional é o seu entendimento como

sinônimo de desperdício, tratando-se, assim, de um indicador de incompetência ou

preguiça. Aqui, a lógica predominante é a econômica, que declara que a folga

organizacional deva ser zero ou a mínima possível em favor de um objetivo maior: a

eficiência.

When viewed as waste, resources vital to renewal, organizational learning, and adaptation to change…become candidates for elimination, since the net effect of these activities is difficult to see on the bottom line in a short period of time. (LAWSON, 2001, p.127)

Tais autores, inclusive, argumentam que a inovação e a adaptação podem ser

prejudicadas pelo excesso de folga, em função da diminuição da disciplina da

organização para, por exemplo, escolher projetos de investimento. Nesse mesmo

sentido, Nohria e Gulati (1997) desenvolvem a idéia de que, especialmente para os

economistas, a folga pode ser vista como um indício do auto-interesse gerencial, ou

seja, do interesse dos gerentes e executivos da organização em detrimento dos

interesses de acionistas. É o caso, por exemplo, de um gerente que mantém um

orçamento inflado não por necessidade daqueles recursos, mas como forma de

garantir o seu poder dentro da organização. Nesse ponto, Nohria e Gulati (1997)

relacionam a gestão da folga com a Teoria do Agente-Principal, que argumenta que

nem sempre os agentes têm incentivos para agir em benefício dos principais,

ocasionando o surgimento de conflitos organizacionais. Para os autores, uma das

saídas para solucionar esse problema acaba sendo a intensificação dos

instrumentos de controle interno de forma a reduzir a assimetria de informações

entre principais e agentes, permitindo que os primeiros possam monitorar

constantemente os segundos.

Diante dos prós e contras associados à folga organizacional, Nohria e Gulati

(1997) propõem que a relação entre a folga e a inovação é curvilínea, geralmente

positiva, porém decrescendo após um determinado ponto. Ou seja, sugerem que há

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um nível intermediário de folga em qualquer organização que é ótimo para a

inovação.

Inovação

ExperimentaçãoDisciplina

Folga organizacional

Figura 2-3: A relação prevista entre a folga organizacional e a inovação

Fonte: Nohria e Gulati, 1997, p. 605.

Como mostra a Figura 2-3, existe uma relação positiva (o aumento de um

fator é acompanhado pelo aumento do segundo fator), porém decrescente, entre a

folga e a experimentação. Por outro lado, a relação entre a folga e a disciplina é

negativa (o aumento de um fator leva à redução do segundo fator) e crescente, já

que, quanto maior a experimentação em decorrência da folga, menor é o controle

sobre a organização, afrouxando a disciplina utilizada para selecionar, apoiar e

finalizar projetos. A baixa disciplina não só permite a seleção de projetos ruins, mas

também pode levar à descontinuação de projetos promissores.

Além disso, os autores identificam a existência de duas variáveis adicionais

que mediam a relação entre folga e inovação, como mostra a Figura 2-4. Por um

lado, o contexto externo, caracterizado pelo grau de competição e de dinamismo

tecnológico do ambiente em que a organização está inserida, exerce um efeito

positivo sobre a inovação, já que demanda maior experimentação. Por outro lado, a

intensidade dos sistemas de controle interno adotados pela organização exerce um

efeito positivo, porém curvilíneo, sobre a sua capacidade de inovar.

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Folga Inovação

Experimentação

Disciplina

+ +

- ~

Contexto

ambiental

Grau de

controle interno

Legenda:

efeitos positivos

efeitos negativos

efeitos curvilíneos

variáveis observáveis

variáveis não-observáveis

+

-

~

Figura 2-4: Modelo da relação entre a folga organizacional e a inovação

Fonte: Nohria e Gulati, 1997, p. 606.

2.1.3 Processos

2.1.3.1 Crescimento e renovação

O processo de renovação organizacional através do crescimento contínuo

está associado à resposta aos desafios de empreender e de navegar no ambiente.

Uma organização que não busca continuamente caminhos e alternativas para se

expandir reduz as possibilidades de se tornar mais lucrativa, já que não se mostra

capaz de gerar valor. Lepak, Smith e Taylor (2007) propõem a existência de dois

tipos de valores: o valor de uso, associado à percepção (julgamento individual e

subjetivo) dos usuários sobre um determinado produto ou serviço frente às suas

necessidades; e o valor de troca, que se refere à quantidade monetária paga pelo

usuário ao vendedor para fazer uso do produto ou serviço. Dessa forma, a criação

de valor deve ao menos se traduzir em disposição do usuário para trocar uma

quantidade monetária pelo valor a ser recebido. Além disso, em vez de usar uma

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visão de usuários restrita aos clientes, a organização deve adotar uma abordagem

orientada para os stakeholders, já que suas percepções sobre o que é valioso

podem ser não só diferentes, mas conflitantes.

No entanto, os autores reforçam que, muitas vezes, organizações que criam

valor perdem ou são obrigadas a compartilhar esse valor com outros stakeholders,

como funcionários, competidores ou a própria sociedade. Tal situação, chamada de

“value slippage”, ocorre quando o valor de uso é alto e o valor de troca é baixo. E

dois fatores determinarão a parte que se apropriará do valor criado: a competição e

os mecanismos de isolamento (qualquer tipo de barreira física, legal ou de

conhecimento que pode prevenir a replicação, por parte de competidores, do novo

produto ou serviço criador de valor, como, por exemplo, uma patente).

Portanto, uma organização também se torna incapaz de se renovar de

maneira contínua se não monitora o ambiente e falha na adoção de estratégias para

moldá-lo ou para se ajustar e até mesmo neutralizar pressões externas. Além de

limitar sua capacidade de identificar oportunidades de crescimento, a organização

não consegue capturar todo o valor gerado por seus empreendimentos, o que reduz

a formação de folga financeira que apoiaria iniciativas futuras de expansão.

Mais do que a importância do crescimento contínuo, é preciso compreender a

forma com que esse processo ocorre dentro das organizações. Penrose (1959)

sugere que os incentivos internos à expansão provêm, em sua maior parte, da

existência de recursos e serviços produtivos não-utilizados pela organização.

Sempre haverá incentivos à expansão quando esta permitir a utilização de serviços

produtivos de uma forma mais lucrativa do que a corrente. Da mesma maneira, se

houver recursos que não sejam inteiramente utilizados, a organização também terá

uma razão para encontrar formas de utilizá-los por completo. Serviços e recursos

produtivos não-utilizados são um desperdício para a organização (muitas vezes

inevitável), mas podem ser, ao mesmo tempo, um desafio à inovação, um incentivo

à expansão e uma fonte de vantagem competitiva.

Chandler (1977), ao estudar a ascensão da moderna empresa de negócios e

de seus administradores na economia norte-americana, identificou que o

crescimento contínuo dessa nova forma de organização se dava mediante um

mecanismo de auto-reforço: a existência de recursos e habilidades subutilizados e

transferíveis (desequilíbrio) levava as grandes empresas industriais integradas a

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expandir suas atividades, em mercados e produtos correntes ou novos, para fazer

uso maior dos recursos e habilidades disponíveis. A expansão, por sua vez,

intensificava ainda mais o desequilíbrio, já que gerava novas modalidades de

recursos e habilidades subutilizados, o que, por sua vez, tornava-se um estímulo a

um novo movimento de expansão. Ainda segundo o autor, as motivações de

expansão produtivas contribuíram mais para o crescimento contínuo do que as

motivações defensivas.

O mecanismo de auto-reforço proposto por Penrose (1959) e Chandler (1977)

baseia-se na indivisibilidade dos recursos: uma organização nunca será capaz de

fazer uso completo dos recursos adquiridos, seja por falta de necessidade ou por

haver restrições que impedem o seu uso integral (como, por exemplo, a ausência de

folga financeira ou a insuficiência de recursos gerenciais para a sua coordenação).

Para Penrose (1959), no entanto, não se trata somente de eliminar a ociosidade dos

recursos, mas também de se aproveitar a sua especialização, alocando-os em

atividades que fazem o maior uso possível de suas competências e habilidades. É o

caso, por exemplo, de um químico que trabalha na farmácia de um hospital e gasta

a maior parte do seu tempo verificando fichas de controle de estoque, atividade em

que não utiliza a sua formação e que pode ser desempenhada por alguém com grau

menor de escolaridade.

Dessa forma, a organização terá um incentivo a buscar maneiras de ampliar o

uso e a especialização dos recursos e serviços produtivos, através, por exemplo, do

aumento da escala de sua operação ou da diversificação de produtos. E tal

iniciativa, além de requerer novos recursos, pode criar novos serviços a partir dos

recursos empregados, aumentando a heterogeneidade dos recursos e serviços

produtivos disponíveis e, conseqüentemente, tornando-se um novo estímulo à busca

por conhecimentos que possibilitem o aumento da lucratividade e da eficiência da

organização.

Fleck (2003, p. 19), tomando como base Penrose (1959) e Chandler (1977),

sugere que o mecanismo de auto-reforço proposto pelos autores pode ser visto

como ―uma instância de um processo mais geral de crescimento, em que a

expansão alimenta condições favoráveis a novas expansões‖. O motor de

crescimento contínuo, como o processo é chamado, pressupõe que algum tipo de

desequilíbrio ocorrendo dentro ou ao redor da empresa leva a algum tipo de

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expansão em função da percepção de oportunidades de crescimento, a qual, por

sua vez, gera algum tipo de mudança que pode intensificar o desequilíbrio.

Desequilíbrio Expansão

Mecanismo de

reforço

+ +

Figura 2-5: Estrutura geral do motor de crescimento contínuo

Fonte: Fleck, 2003.

A tabela abaixo ilustra algumas instâncias do motor de crescimento contínuo.

Tipo de motor Tipo de desequilíbrio Tipo de expansão Mecanismo de reforço

Inercial (crescimento quantitativo das mesmas coisas)

Demanda insatisfeita pelos mesmos produtos

Réplica das operações existentes aumentando o número de usuários

Difusão dos benefícios do produto, aumentando a demanda pelos mesmos produtos

Inovação (crescimento pelo refinamento de produtos novos)

Um impasse do tipo ―OU isso OU aquilo‖ (trade-off)

Inovação tornando o impasse ―OU/OU‖ em uma situação ―E‖

Resolução do impasse acaba produzindo novos impasses (típico de processos de inovação)

Horizontal (crescimento pela aquisição de rivais)

Vantagem competitiva da firma em alguns aspectos

Aquisição de rivais mais fracos possuidores de habilidades e/ou recursos valiosos, raros e difíceis de imitar

Disponibilidade e uso de recursos valiosos, raros e difíceis de imitar

Diversificação relacionada (crescimento orgânico pelo desenvolvimento de atividades relacionadas)

Desequilíbrio operacional devido a recursos subutilizados, porém transferíveis para outras atividades

Diversificação relacionada aumentando a diversidade de recursos e habilidades

Diversidade de recursos e habilidades que produzem outros desequilíbrios operacionais

Tabela 2-2: Exemplos de motores de crescimento contínuo

Fonte: Fleck, 2003.

Apesar de o mecanismo de auto-reforço do crescimento contínuo sugerir que

tal fenômeno ocorra segundo condições existentes dentro da firma, Chandler (1977)

observou também que a capacidade de crescimento da indústria em que uma

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organização atua é um requisito para que o seu crescimento ocorra. A partir do

relato e análise da indústria ferroviária norte-americana, o autor identificou que uma

condição necessária para a capacidade de crescimento das ferrovias era a

existência de certo grau de cooperação entre firmas rivais para que se pudesse

desfazer alguns gargalos de produção da indústria. Tal padronização, por sua vez,

levou ao aumento do nível de competição entre as ferrovias rivais em virtude da

redução da diferenciação entre as mesmas, estimulando, portanto, o nível global de

atividade da indústria pela ação das firmas existentes e novas. Segundo Fleck

(2003, p. 18), ―para ele [Chandler] a cooperação entre as firmas de uma indústria é o

mecanismo de deflagração que promove a padronização da indústria, uma condição

necessária para que sua capacidade de crescimento se desenvolva‖.

Fleck (2003) propôs uma generalização do processo de crescimento

concomitante de firmas e indústria descrito por Chandler (1977). Para a autora, esse

mecanismo pode ser visto como uma instância de um processo mais geral de co-

evolução de um todo e suas partes (Figura 2-6).

Voluntária ou

compulsóriaRecursos escassos

Tecnologia,

produtos e/ou

processos

+

+

Ofertas de produtos

e/ou serviços

Viabilizado

COOPERAÇÃO

PADRONIZAÇÃO

HOMOGENEIZAÇÃO COMPETIÇÃO

CRESCIMENTO

CN

CN

PARTES

TODO

Figura 2-6: Estrutura geral do motor de co-evolução de Todo e Partes

Fonte: Fleck, 2003.

A lógica do motor de co-evolução é a seguinte: em um determinado momento,

as partes de um todo (firmas de uma indústria, por exemplo) são levadas,

espontânea ou compulsoriamente, a cooperar tendo em vista um objetivo maior

(associado ao todo). O resultado da cooperação é a padronização do todo, que pode

abranger tecnologias, produtos e/ou processos. Se por um lado a padronização

viabiliza o crescimento da indústria, com o tempo as ofertas das partes se tornam

homogêneas, levando a um processo de competição por recursos escassos que

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permitam a diferenciação. Vale destacar que o motor de co-evolução pode se referir

a outros casos que não somente indústria e empresas, como: unidades de negócio e

firma; firma e funcionários; ou até mesmo economia e indústrias (FLECK, 2003).

2.1.3.2 Manutenção da integridade

A integridade organizacional está no cerne do processo de evolução

adaptativa de uma organização, também chamado por Selznick (1957) de processo

de institucionalização.

Inicialmente, as firmas podem ser entendidas como um conjunto de pessoas

cujas atividades são coordenadas segundo os princípios da racionalidade e da

disciplina, de forma a cumprir um objetivo específico de negócio (como, por

exemplo, assegurar a entrega de um produto ou serviço). Trata-se, na verdade, do

que o autor chama de ―organização‖, cujo escopo de atuação é bastante limitado em

função de uma visão de negócio igualmente restrita.

Contudo, se uma firma não goza de apelo junto aos seus stakeholders, ela

não passa de um mero instrumento ―descartável‖, e será facilmente alterada ou

deixada de lado quando outro instrumento mais eficiente se tornar disponível. Por

isso, Selznick (1957) propõe que a garantia da manutenção (sobrevivência) de uma

firma no médio e longo prazos está condicionada a se tornar uma instituição, quando

finalmente adquire uma identidade distintiva que lhe gera valor segundo a

perspectiva dos stakeholders.

Institucionalizar significa, acima de tudo, incutir valor. Do ponto de vista de

sistemas sociais, organizações são incutidas de valor à medida que simbolizam as

aspirações da comunidade e o seu senso de identidade. Uma organização que

alcança esse significado simbólico dispõe de apelo junto à comunidade pela sua

preservação, evitando a sua liquidação ou transformação por motivos puramente

econômicos e técnicos.

A institucionalização é um processo. Reflete a própria história distintiva da

firma, das pessoas que nela trabalham, dos grupos que compreende e dos

interesses que foram criados, e a forma com que se adapta ao seu ambiente.

Diferentemente da organização, uma instituição é um produto natural das

necessidades e pressões sociais – um organismo adaptativo. Esse estado final é

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resultado das sucessivas interações e adaptações em resposta a desafios internos e

externos que se colocam ao longo do tempo. Em estágios mais avançados de

institucionalização, visões, hábitos e outros compromissos são unificados,

influenciando todos os aspectos da vida organizacional e dando uma integração

social que vai além da coordenação e do comando formal. Nesse sentido, é

justamente a observação e a análise desses padrões persistentes de resposta que

permitem compreender a integridade de uma organização.

O conceito de integridade organizacional diz respeito ao conjunto de valores e

compromissos irreversíveis e repetitivos assumidos por uma organização ao longo

de sua história e que moldam o seu caráter, ou seja, estabelecem uma perspectiva

sobre o que é e como é fazer negócios para aquela empresa. De forma mais

tangível, sua manifestação se dá através das práticas, valores e princípios de gestão

que se perpetuam ao longo do tempo e que auxiliam na caracterização da

organização.

Selznick (1957) destaca quatro características principais do caráter

organizacional: (i) é histórico, refletindo as experiências particulares da organização;

(ii) é integrado, dado que se repete ao longo do tempo; (iii) é funcional, pois auxilia a

organização na sua adaptação a pressões internas e externas; e (iv) é dinâmico,

pois gera novos esforços, necessidades e problemas.

À primeira vista, fica a impressão de que o processo de institucionalização

tem uma conotação unicamente positiva. O autor, no entanto, ressalta que, à medida

que se incute valor em uma organização, cria-se naturalmente uma resistência a

mudanças em decorrência da preocupação com a sua auto-manutenção. Com a

estabilidade, há uma necessidade de acomodar interesses internos e adaptar-se a

forças externas, de forma a minimizar riscos, atingir objetivos de curto e longo

prazos e, assim, garantir a perpetuidade da organização. As pessoas sentem como

se a mudança fosse uma perda pessoal, e a identidade do grupo ou da comunidade

parece estar de alguma forma sendo violada.

Fleck (2007) também chama a atenção para essa armadilha, sugerindo que a

natureza do processo de institucionalização pode ser positiva ou negativa: se por um

lado contribui para a permanência e a estabilidade da organização, pode também se

tornar prejudicial na medida em que traz consigo rigidez e resistência a mudanças

(isomorfismo e complacência com regras e práticas institucionalizadas), inibindo a

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proatividade e a flexibilidade e podendo até eliminar as vantagens competitivas

construídas pela organização.

Longevidade organizacional

Processo de institucionalização

Sucesso no longo prazo

Vantagem competitiva no

longo prazo

Estabilidade e permanência

Rigidez e resistência a mudanças

CN

CN

+

-

Figura 2-7: O efeito de processos de institucionalização para o sucesso no longo prazo

Fonte: Fleck, 2007.

Diante dessa duplicidade, Fleck (2007) afirma não ser cabível estabelecer

uma avaliação única e definitiva sobre os efeitos do processo de institucionalização

para as organizações.

Organizational institutionalization is, therefore, neither good nor bad in itself. It may, however, create good as well as bad habits. Good habits such as the systematic problem solving of administrative issues and superior ability to handle environmental pressures are likely to foster a proactive institutionalization process, which neutralizes rigidity and change resistance. On the other hand, bad habits like unsystematic problem solving, and the inability to handle external pressures are likely to give rise to a reactive institutionalization process, which promotes rigidity and change resistance, and reduces long-term success chances. (FLECK, 2007, p. 78)

Sua conclusão reforça, ainda, a importância do líder para a condução da

organização em um processo de institucionalização proativo. Selznick (1957)

também destaca o papel do líder como agente da institucionalização. Seus principais

papéis são: (i) definição da missão e do papel da instituição; (ii) incorporação

institucional de propósito; (iii) defesa da integridade institucional; e (iv) organização

de conflitos internos.

O autor ainda menciona que a proteção da integridade é mais do que uma

tentativa de preservar um ambiente confortável ou familiar. É uma preocupação

prática de primeira importância porque a defesa da integridade é também a defesa

da competência distintiva da organização. À medida que a institucionalização

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progride, a empresa adquire um caráter especial, e isso significa que se torna

competente (ou incompetente) para realizar um determinado tipo de atividade.

As ameaças à integridade da organização podem ser externas ou internas.

No primeiro caso, os efeitos podem decorrer de fatos como crises, guerras e

mudanças regulatórias, dentre outros. Todavia, mesmo que a origem seja externa,

cabe à organização, na figura de seu líder, proteger-ser das ameaças, adotando as

respostas estratégicas adequadas. Já no que se refere às ameaças internas,

Selznick (1957) afirma que a rivalidade organizacional pode ser o mais importante e

perene problema na vida organizacional, por ameaçar a unidade do todo. A falta de

cooperação e a rivalidade mal gerida podem provocar o desmantelamento e

desaparecimento da organização. Barnard (1938) compartilha da mesma visão,

argumentando que a vitalidade da organização está na disposição dos indivíduos

para cooperar. O autor, no entanto, pontua que essa disposição é instável, não

podendo ser constante ao longo do tempo. Para ele, poucas organizações

sobrevivem, porque tal cooperação se constitui a exceção: a norma na história

humana é o fracasso da cooperação, a desorganização, a desintegração e a

destruição da organização.

Indo na mesma linha dos dois autores, Fleck (2009a) afirma que o

crescimento traz consigo ameaças potenciais à longevidade saudável da

organização. Além da rivalidade e da pobre cooperação, a autora ainda lista outros

dois tipos de pressões que ameaçam a integridade das organizações: a formulação

e implementação de estratégias apoiadas em avaliações incompletas da situação; e

a coexistência de subcoalizações, que, no caso, pode levar à fragmentação da firma.

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3 METODOLOGIA

Conforme a Figura 3-1, uma pesquisa acadêmica é composta de quatro

dimensões principais: teoria, campo, método e a pergunta da pesquisa (esta última

identificada com o ponto de interrogação ao centro do esquema). É, portanto, com

base nessa estrutura que este capítulo está organizado. Primeiramente, serão

apresentados o tema, a pergunta da pesquisa e a unidade de análise do estudo de

caso. Em seguida, será explicitado o método utilizado, descrevendo a estratégia de

pesquisa, as fontes consultadas e o processo sistemático de coleta, tratamento e

análise dos dados. Vale ressaltar que a dimensão teórica do trabalho já foi abordada

no capítulo anterior, que contém as principais referências da literatura necessárias

para se analisar o caso selecionado e responder a pergunta da pesquisa.

THEORY, FRAMEWORK,

MODEL SITE

METHOD

?

Figura 3-1: The building blocks of a scientific study

Fonte: Fleck, 2010.

3.1 DEFINIÇÃO DO TEMA, DA PERGUNTA E DO OBJETO DE PESQUISA

A motivação inicial para a realização desta pesquisa foi o interesse do

pesquisador pelo crescimento da firma e a perpetuação das organizações, buscando

compreender os fatores que explicam o sucesso duradouro das empresas.

Conforme apresentado na revisão de literatura, um aspecto importante dos estudos

sobre crescimento e sucesso organizacional é o horizonte de tempo a ser

considerado. Porter (1991) reforça essa idéia afirmando que o período a partir do

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qual se deve medir e compreender o sucesso competitivo é um desafio para

qualquer teoria dessa natureza.

Should we be building theories for explaining success over two or three years, over decades, or over centuries? Clearly the likelihood of significant environmental change will differ, as will the exogenous and endogenous variables. A theory that aims at explaining success over 50 years will focus on very different variables, almost inevitably more internal ones, than a theory that addresses success over one or two decades. (PORTER, 1991, p. 99)

Fleck (2009a), por exemplo, desenvolve o modelo de sucesso e fracasso

organizacional para identificar os mecanismos que contribuem para a longevidade

saudável das organizações. Na prática, porém, há exemplos de negócios que são

conduzidos segundo princípios contrários a esse. É o caso da Lord White of Hanson

Industries. A empresa foi construída com uma filosofia de gestão e um modelo de

negócios focados no curto prazo, preconizando a geração de valor e sem qualquer

tipo de planejamento de longo prazo (HILL, 1998). Em geral, a Hanson fazia uma

gestão de portfólio de negócios de diferentes ramos de atividade, sem a

necessidade de sinergia entre eles, e aplicava sempre os mesmos métodos de

redução de desperdícios e aumento de eficiência. Primeiramente, selecionava

empresas ineficientes, com potencial de melhoria, em setores maduros e com baixo

grau de inovação tecnológica. Depois de adquiridas, as empresas eram

administradas de maneira independente por executivos para os quais eram definidas

metas agressivas de desempenho e de recompensa financeira. A partir do momento

em que a operação demonstrasse sinais de recuperação, refletidos no valor de suas

ações, a Hanson vendia as empresas de forma a recuperar o valor inicialmente

investido e ainda obter lucro com a operação. Caso uma empresa não alcançasse

os resultados esperados, o problema era minimizado: durante o processo de análise

e seleção de empresas, uma premissa da Hanson era o foco em negócios que, caso

mal sucedidos, pudessem ser fragmentados e vendidos separadamente, de forma

que a soma das partes fosse maior do que o todo.

Um exemplo semelhante no Brasil é a GP Investimentos, uma das líderes no

mercado de private equity na América Latina. Fundada em 1993 pelos antigos

sócios do Banco Garantia, a GP adota métodos semelhantes aos da Hanson,

implementando uma gestão de curto prazo focada no aumento da geração de valor

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das empresas controladas, como foi o caso da ALL Logística e do Submarino S.A.

Segundo Jorge Paulo Lemann, um de seus sócios fundadores:

Ela [a GP Investimentos] é administradora de um fundo de investimento, que tem participação em uma porção de empresas – do Playcenter à Gafisa, passando pela Telemar. Na realidade, esse é seu foco: gerir diversos investimentos de risco, administrar recursos, sobretudo de terceiros, visando retornos financeiros em prazos mais curtos, de 8 a 10 anos. [...] A GP tem de sair de seus investimentos em períodos de 10 anos, porque os investidores do fundo da GP pretendem que o dinheiro retorne para eles. Na GP Investimentos existem várias situações cuja história final ainda não se conhece, não sabemos se serão bem-sucedidas ou não, mas a expectativa é de que se acerte mais do que se erre. (NETO, 2001, p. 10)

Diante desses casos que fogem à premissa de criar e gerir um negócio para

durar, surgiu o interesse em estudar a forma com que os desafios para o sucesso de

longo prazo são tratados estratégias de reestruturação.

Definido o tema, a empresa selecionada para ser objeto de estudo foi a

Companhia de Bebidas das Américas (AmBev). Inicialmente, a escolha se motivou

pelo fato de ser um dos principais negócios dos donos do Banco Garantia, e que,

junto com as Lojas Americanas, serviu de inspiração para a criação da GP

Investimentos. Todavia, com o avanço do trabalho, observou-se que o discurso dos

donos do Garantia – Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira –

apontava para o intuito de fazer da AmBev um empresa duradoura, contrapondo a

lógica de curto prazo até então prevalecente em seus negócios.

Na GP, nossa intenção é mesmo diferente. Basicamente é uma empresa que faz investimentos e que pode contribuir com a administração, mas não carrega a mesma pretensão de duração que temos com a AmBev. A AmBev é de longe nosso maior investimento, e seu market cap é de US$ 10 bilhões atualmente. [...] É onde temos o foco de construir alguma coisa duradoura, visando muitos e muitos anos. Acreditamos que o ramo de cerveja no Brasil e na América Latina é um negócio muito bom e pretendemos ter uma posição dominante nesse mercado durante muito tempo. Tudo é feito nesse sentido de construir algo duradouro. Temos gente que tem visão de longo prazo. E o comportamento da empresa ao lidar com seus associados, com seus acionistas minoritários, com o público em geral, com o governo, com a natureza, reflete uma visão de duração longa. Pretendemos que a AmBev seja uma empresa excepcional durante muitos anos. (NETO, 2001, p. 9)

Trata-se, então, de um caso de empresa aparentemente gerida pela lógica de

curto prazo, com foco em eficiência e geração de valor, cujos donos, porém, têm a

pretensão de tornar duradoura, almejando o sucesso no longo prazo. Diante dessa

dualidade, a pergunta a que essa pesquisa pretende responder é a seguinte:

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Como os desafios do sucesso no longo prazo são tratados em

estratégias de reestruturação?

3.2 ESTRATÉGIA DE PESQUISA

Segundo Yin (1989), uma estratégia de pesquisa representa uma forma

específica de coletar e analisar evidências empíricas. O autor enumera cinco

principais estratégias de pesquisa no campo das ciências sociais: experimentais,

amostrais, análise de arquivos, históricas e estudos de caso. Reforça ainda que é

incorreto tentar criar uma hierarquia de estratégias de pesquisa. Não se pode, por

exemplo, afirmar que o estudo de caso é apropriado a fases exploratórias de uma

investigação, enquanto estratégias amostrais e históricas se destinam à fase

descritiva e experimentos a questões explanatórias ou causais. Na verdade, cada

estratégia pode ser utilizada para os três propósitos – exploração, descrição e

explanação – e sua escolha depende de três condições básicas: o tipo de pergunta

da pesquisa, especialmente o seu formato; o controle do investigador sobre os

eventos comportamentais; e o foco em eventos contemporâneos ou históricos.

Estratégia

Formato da

pergunta da

pesquisa

Requer controle

sobre eventos

comportamentais?

Foco em eventos

contemporâneos?

Experimental Como, porquê Sim Sim

Amostral Quem, o que, onde, quanto

Não Sim

Análise de arquivos (p.ex., estudos econômicos)

Quem, o que, onde, quanto

Não Sim/ Não

Histórica Como, porquê Não Não

Estudo de caso Como, porquê Não Sim

Tabela 3-1: Condições relevantes para a escolha da estratégia de pesquisa

Fonte: Yin, 1989.

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Em geral, perguntas do tipo ―o que‖ podem ser usadas tanto em pesquisas

exploratórias (podendo-se usar qualquer das estratégias) quanto naquelas que

buscam identificar a incidência ou prevalência de um fenômeno ou prever a

ocorrência de determinados resultados (no caso, a análise de dados e registros

pode ser mais indicada). Por outro lado, em perguntas do tipo ―como‖ e ―porquê‖, é

mais provável que se faça uso de estudos de caso, experimentos ou históricos.

Assumindo-se que o foco da pesquisa encontra-se na segunda categoria de

perguntas, uma forma de distinguir entre as estratégias sugeridas está em quanto

controle e acesso o investigador tem sobre eventos comportamentais. Quando não

há nenhum tipo de controle, a estratégia histórica é recomendada (sugere-se o seu

uso para eventos passados). O estudo de caso é preferível no exame de eventos

contemporâneos, porém quando os comportamentos relevantes não podem ser

manipulados. Baseia-se, então, nas mesmas técnicas da pesquisa histórica, porém

adiciona duas novas fontes de evidência: observação direta e entrevistas

sistematizadas. Apesar de haver sobreposição entre as duas estratégias, o estudo

de caso traz o diferencial de lidar com uma grande variedade de evidências –

documentos, artefatos, entrevistas e observação direta. Por fim, diferentemente dos

demais, os experimentos se dão através da manipulação direta do comportamento e

dos eventos, como, por exemplo, em um laboratório onde certas variáveis podem

ser isoladas e submetidas a determinadas condições.

Com base na Tabela 3.1 e na pergunta da pesquisa – que reforça a sua

natureza exploratória e explanatória – a estratégia adequada é uma combinação de

estudo de caso e abordagem histórica.

3.3 DELIMITAÇÃO DA UNIDADE DE ANÁLISE

A unidade de análise se relaciona à questão fundamental de definir sobre o

que é o estudo de caso (YIN, 1989). Pode se tratar de um indivíduo, entidade,

evento, fenômeno ou até mesmo uma decisão, apresentando, portanto, diferentes

graus de precisão em relação aos seus limites (início e fim).

Yin (1989) cita três aspectos a serem considerados para a delimitação da

unidade de análise da pesquisa, com impactos para as etapas de coleta e de análise

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de dados: (i) o nível de análise (indivíduo, grupos, entidades, eventos, dentre

outros); (ii) o limite temporal; e (iii) a abrangência geográfica.

Considerando os critérios mencionados acima, a unidade principal de análise

deste estudo é uma organização; no caso, a AmBev. Todavia, como originou-se da

fusão entre a CAP e a CCB, tais empresas também foram analisadas, de forma a

não só contextualizar o momento de criação da AmBev, mas avaliar as influências

das duas cervejarias para a empresa resultante e compreender como a sua

estratégia evoluiu ao longo dos dez anos de existência. Outra justificativa para o

mapeamento histórico da CAP e da CCB é que a origem da estratégia da AmBev

remete à entrada do Banco Garantia no comando da CCB em 1989, implementando

um processo de mudanças que ocasionou importantes transformações na indústria

brasileira de cervejas.

No que se refere à delimitação temporal, foi realizado um levantamento

histórico para compreender as trajetórias da CAP e da CCB, que acabou

contribuindo para o entendimento da formação da indústria de cervejas no Brasil.

Além disso, levantou-se toda a história da AmBev, objetivando a visualização de sua

trajetória de crescimento e desenvolvimento, já que se trata do objeto central desta

pesquisa.

Quanto à delimitação geográfica, é importante destacar que, apesar de a

AmBev ser uma companhia de bebidas com atuação em 14 países das três

Américas, o contexto no qual a empresa é analisada restringe-se ao mercado

brasileiro, em função da inviabilidade prática (acesso a informações, restrições

geográficas e escassez de tempo) de sua incorporação ao estudo. Nessa mesma

linha, apesar de relevantes, outros dois fatos recentes – a compra da AmBev pela

cervejaria belga Interbrew em 2004, formando a InBev, e a aquisição da empresa

norte-americana Anheuser-Busch em 2008, formando a AB InBev – não ampliam a

unidade de análise do estudo. Contudo, suas implicações para a AmBev são

consideradas na análise.

3.4 ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA

Como o pesquisador não dispunha de conhecimento ou experiência prévia a

respeito da indústria de cervejas, a primeira fase do trabalho dedicou-se a gerar uma

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compreensão básica do setor e da empresa selecionada para o caso. De início,

através principalmente da internet, houve uma busca de informações básicas sobre

a cerveja: origem, matérias-primas, produção, tipos de cerveja, dentre outras. Em

paralelo, desenvolveu-se uma noção inicial sobre a AmBev, através da identificação

de seus negócios, marcas, operações e mercados de atuação.

Após o panorama inicial, a segunda etapa do trabalho objetivou uma

compreensão maior sobre a atividade cervejeira, mapeando o funcionamento básico

e as principais atividades de uma cervejaria, tendo como referência a AmBev. Para

tal, realizaram-se entrevistas com ex-funcionários da empresa que houvessem

atuado em cada uma de suas cinco áreas principais – distribuição e vendas,

financeiro, logística, recursos humanos e produção. Todos os entrevistados eram

jovens, que não ocuparam cargos gerenciais de primeiro nível, mas que tinham

domínio sobre as operações da empresa.

A terceira etapa da dissertação dividiu-se em duas partes: por um lado, houve

a intensificação da coleta de dados sobre a AmBev, buscando informações que

servissem para o desenvolvimento e análise do caso. Diferentemente das etapas

anteriores, a pesquisa não se restringiu à internet: além de documentos fornecidos

por alguns entrevistados, houve uma busca na Biblioteca do COPPEAD. Por outro

lado, iniciou-se o levantamento histórico da indústria de cerveja no Brasil e das duas

empresas que deram origem à AmBev. Essa tarefa fez uso de análise de arquivos –

revistas, jornais, estudos acadêmicos e documentos disponíveis no Arquivo Nacional

e na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – e de entrevistas com profissionais

que trabalharam por um longo período na CCB. O pesquisador não conseguiu

contato com ex-funcionários da CAP.

A quarta e última etapa destinou-se à análise dos dados coletados sobre a

CAP, a CCB e, por fim, a AmBev. Tentou-se ainda realizar uma terceira rodada de

entrevistas com gerentes e executivos da AmBev, de forma a contrapor a visão dos

demais entrevistados, porém o pesquisador não obteve sucesso em suas investidas.

Somente duas pessoas foram entrevistadas, mas apesar de ocuparem cargo

gerencial, haviam saído da empresa há aproximadamente um ano. Todavia, essa

restrição não impediu a conclusão do trabalho e a resposta à pergunta da pesquisa,

já que se dispunha de um grande e variado acervo composto de materiais públicos

sobre a AmBev. Além disso, por ser uma empresa constantemente abordada pela

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mídia no Brasil, a ausência de depoimentos de profissionais de nível gerencial e

executivo foi compensada pelos relatos e entrevistas dos lideres da empresa em

fontes como livros e revistas especializadas em administração.

3.5 COLETA DE DADOS

Segundo Snow e Thomas (1994), estudos de campo em gestão estratégica

se baseiam em uma variedade de métodos de pesquisa, utilizados de forma isolada

ou combinada. Os métodos variam consideravelmente em função de sua acurácia e

capacidade de capturar a realidade das organizações e do controle exercido pelo

pesquisador, podendo ser ordenados como mostra a Figura 3-2.

Altamente

artificial,

controlável

Pesquisador utiliza modelagem

matemática para construir um

modelo completo e fechado do

fenômeno de interesse

Simulações computacionais

Pesquisador examina processos

organizacionais sob condições bem

controladas

Experimentos laboratoriais

Pesquisador tenta criar uma cópia

exata e realista da situação, coloca

em ação e observa os

comportamentos

Simulações experimentais

Pesquisador acessa informações

colhidas por outrosBancos de dados computacionais

Análise de arquivos

Pesquisa amostral

Entrevista

Observação direta e participativa

Métodos de campo

Altamente

realista,

incontrolável

Altamente

artificial,

controlável

Pesquisador utiliza modelagem

matemática para construir um

modelo completo e fechado do

fenômeno de interesse

Simulações computacionais

Pesquisador examina processos

organizacionais sob condições bem

controladas

Experimentos laboratoriais

Pesquisador tenta criar uma cópia

exata e realista da situação, coloca

em ação e observa os

comportamentos

Simulações experimentais

Pesquisador acessa informações

colhidas por outrosBancos de dados computacionais

Análise de arquivos

Pesquisa amostral

Entrevista

Observação direta e participativa

Métodos de campo

Altamente

realista,

incontrolável

Figura 3-2: Tipos de métodos de pesquisa organizacional

Fonte: Snow e Thomas, 1994.

De forma semelhante, Yin (1989), ao tratar da etapa de coleta de dados de

um estudo de caso, lista seis tipos de fontes de onde as evidências podem ser

coletadas: documentação, registro de arquivos, entrevistas, observação direta,

observação participativa e artefatos físicos. Além disso, identifica três princípios que

devem nortear qualquer esforço de coleta de dados: (i) o uso de fontes múltiplas (ou

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seja, de duas ou mais fontes, porém convergindo para um mesmo conjunto de fatos

ou descobertas); (ii) um banco de dados para organização e documentação dos

dados coletados, de maneira que outros possam utilizar o material e não estejam

restritos aos relatórios finais; e (iii) uma cadeia de evidências com vínculos explícitos

entre a pergunta da pesquisa, os dados coletados e as conclusões. Para o autor, a

incorporação desses princípios à metodologia do estudo de caso aumenta

substancialmente a sua qualidade.

Snow e Thomas (1994) também destacam a importância de se utilizar

métodos múltiplos de pesquisa. No entanto, fazem questão de esclarecer que,

apesar de muitos estudos sobre gestão estratégica utilizarem múltiplos métodos em

etapas distintas do projeto de pesquisa, referem-se ao que chamam de triangulação,

ou seja, a combinação de métodos destinada a estudar um mesmo fenômeno.

Segundo eles, a premissa básica desse tipo de abordagem é que as limitações

particulares de um dado método podem ser compensadas pelas potencialidades dos

demais métodos. Dessa forma, o uso de métodos múltiplos auxilia o pesquisador

dando-lhe mais confiança em que a variabilidade entre os assuntos de sua pesquisa

seja um produto dos atributos dos assuntos, e não do método em si.

Yin (1989) já tratava do assunto ao afirmar que a vantagem mais importante

de se utilizar fontes de evidências múltiplas é o processo de triangulação, ou de

desenvolvimento de linhas convergentes de investigação. Afinal de contas, é mais

provável que uma descoberta ou conclusão seja mais precisa e convincente se

estiver baseada em várias fontes distintas de informação que fortalecem umas as

outras.

Nesse sentido, já que a estratégia de estudo de caso permite o uso de fontes

múltiplas de métodos de coleta de dados e esse tipo de abordagem melhora a

qualidade do trabalho, esta pesquisa acadêmica foi realizada segundo dois métodos

principais: entrevistas e análise de arquivos. A Tabela 3-2 apresenta as principais

fontes utilizadas, demonstrando a combinação dos dois métodos mencionados

anteriormente.

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Etapas Objetivo da etapa Principais fontes

Etapa 1

Avaliar a viabilidade do caso, verificando a

existência de dados e fontes de consulta

disponíveis sobre a AmBev e a indústria brasileira de

cervejas

- Sites especializados em cerveja

- Site da AmBev (Seções ―Cultura‖, ―Nossas Marcas‖, ―Gente‖, etc)

- Sites de associações do setor (Sindicerv)

- Estudos acadêmicos (dissertações, casos e outros trabalhos acadêmicos)

- Matérias de jornais e revistas comerciais

Etapa 2

Desenvolver referencial sobre a cerveja, mapear a

história da indústria nacional e elaborar um

panorama do setor

- Sites especializados em cerveja

- Site da AmBev (Seção ―Histórico‖)

- Livros (―Larousse da Cerveja‖ e ―Os Primórdios da Cerveja no Brasil‖)

- Estudos acadêmicos (dissertações e casos)

- Matérias de jornais e revistas comerciais

Etapa 3

Mapear as histórias da CAP e da CCB e obter evidências para a sua análise com base na revisão de literatura

- Sites especializados em cerveja

- Site da AmBev

- Livro (―Os Primórdios da Cerveja no Brasil‖)

- Estudos acadêmicos (dissertações e casos)

- Matérias de jornais e revistas comerciais (Exame, Istoé Dinheiro, Veja, Época Negócios, Folha de

São Paulo)

- Acervo Arquivo Nacional e CVM (rótulos e demonstrações financeiras – 1983 a 1997)

- Biblioteca do COPPEAD (central de casos, dissertação, trabalhos do mestrado e coleção

Revista Exame)

- Entrevistas (4, no total)

Etapa 4

Mapear a história da AmBev e obter evidências

para a sua análise com base na revisão de

literatura

- Site da AmBev (Seção ―Investidores‖, relatórios anuais)

- Livro (―Como fazer uma empresa dar certo em um país incerto‖)

- Estudos acadêmicos (dissertações e casos)

- Matérias de jornais e revistas comerciais (Exame, Istoé Dinheiro, Veja, Época Negócios, Folha de

São Paulo)

- Entrevistas (8, no total)

Tabela 3-2: Quadro resumo das principais fontes de informação

3.5.1 Entrevistas

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No total, foram realizadas 12 entrevistas, em sua maioria com ex-funcionários

da AmBev. O esquema de trabalho para as entrevistas dividiu-se em três rodadas,

as quais, devido a estágios específicos dentro do cronograma da pesquisa,

distinguiram-se em termos do perfil dos entrevistados, dos resultados esperados e

do uso do material coletado. A Tabela 3-3 apresenta um panorama das entrevistas.

Etapas Objetivo da etapa Perfil dos entrevistados Nº entrevistas Total de

horas

Rodada 1

Compreender o funcionamento básico de uma

empresa cervejeira, em especial a

AmBev

- Jovens que entraram na empresa recém-formados,

pelos Programas Trainee ou Talentos

- Atuação somente em Diretorias Regionais

- Nível máximo ocupado: coordenador

- Tempo de permanência na empresa baixo: de 2 a 4 anos

6 12:30

Rodada 2

Obter evidências para a análise da

CAP e da CCB, bem como preencher lacunas de suas

histórias

- Profissionais com longa história na CCB (de 20 a 30

anos), vivendo o período anterior ao Banco Garantia

- Atuação na AC

- Cargo gerencial, em alguns casos respondendo diretamente

ao Presidente

4 06:00

Rodada 3

Obter evidências sobre o estágio

atual da AmBev e discutir percepções

decorrentes de análises

preliminares

- Profissionais experientes, com formação acadêmica avançada

(Mestrado)

- Cargo de gerência e comando em Diretorias Regionais e na

AC, respondendo diretamente à diretoria

2 03:30

Tabela 3-3: Quadro resumo das entrevistas

A primeira rodada de entrevistas objetivou a compreensão básica do

funcionamento da AmBev. Para tal, entrevistou-se uma pessoa de cada área

principal da empresa – distribuição e vendas, financeiro, logística, recursos humanos

e produção. Como se tratava praticamente de uma “aula sobre a AmBev e

cervejarias em geral”, buscou-se pessoas com quem o pesquisador tivesse

proximidade, de modo a contar com a sua disposição em fornecer detalhes e tirar

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dúvidas básicas. Todos os entrevistados eram jovens com ensino superior completo,

que entraram pelos Programas Trainee ou Talentos, ocuparam até níveis de

coordenação dentro de gerências das Diretorias Regionais e permaneceram na

AmBev de 2 a 4 anos. Em geral, as conversas foram longas, variando de uma a

duas horas de duração. Em alguns casos, houve mais de um encontro, devido à

necessidade de esclarecer dúvidas. No total, 6 pessoas foram entrevistadas.

A segunda rodada de entrevistas dedicou-se à investigação acerca da história

da CAP e da CCB, preenchendo lacunas oriundas da análise de arquivos e

oferecendo impressões e depoimentos sobre as duas empresas. Diferentemente da

rodada anterior, pretendeu-se compreender a percepção dos entrevistados sobre as

duas empresas e coletar evidências, considerando-se as principais mudanças

ocorridas em suas trajetórias. Dessa forma, o perfil pretendido foi o seguinte:

pessoas com longa história nas empresas, que tivessem vivenciado as principais

mudanças e, se possível, que houvessem ocupado cargos gerenciais ou executivos.

Num primeiro momento, houve grande dificuldade para encontrar pessoas

que se enquadrassem no perfil desejado. A situação só se reverteu com o contato

com um professor do COPPEAD que, por ter trabalhado na CCB durante mais de 10

anos, mantém relacionamento com colegas da empresa através de um grupo de e-

mail de ex-funcionários. Quatro pessoas que se enquadravam perfeitamente no

perfil desejado participaram da atividade. Uma delas, inclusive, completa em 2010

trinta anos de trabalho na CCB e na AmBev.

A terceira e última rodada de entrevistas visou uma análise mais aprofundada

sobre a AmBev, buscando percepções que enriquecessem a análise e evidências

que permitissem avaliar a empresa com base no conteúdo (teorias, construtos,

conceitos, modelos) apresentado na revisão de literatura. Nessa etapa final,

conversou-se com duas pessoas que haviam saído recentemente da AmBev, com

longa experiência na empresa e que ocuparam cargos gerenciais e executivos tanto

na AC quanto em Diretorias Regionais, respondendo diretamente à diretoria. Em

relação ao último critério, era uma forma de complementar a visão dos entrevistados

da primeira rodada, que viveram experiências apenas em unidades operacionais

(chamadas de Regionais).

Todas as entrevistas contaram com o apoio de um roteiro que serviu como

um checklist dos principais elementos das referências da literatura selecionadas. Em

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vez de abordar de maneira direta o entrevistado com uma série de questões de

fundo teórico, o método adotado preconizou a história do entrevistado como fio

condutor da conversa. Ou seja, as questões sugeridas pela literatura eram tratadas

tendo como pano de fundo as experiências do entrevistado. Muitas vezes, a própria

história da pessoa incorporava elementos que se desejava investigar, não

necessitando perguntas objetivas sobre determinados assuntos.

Dentre os principais temas do roteiro, estavam: conhecimento da trajetória

profissional do entrevistado; identificação de fatos históricos relevantes da

organização; motivações por trás das principais decisões da organização; pontos de

vista de diferentes grupos sobre certos eventos e seus impactos; e posicionamento e

críticas à empresa sobre diferentes aspectos.

O roteiro, contudo, não foi seguido de maneira rígida, por razões diversas. O

avanço na revisão de literatura e na realização de análises dos dados coletados

justificou mudanças para incorporar novos aspectos de estudo. Muitas vezes, os

ajustes decorreram diretamente do entrevistado: seja por restrição de tempo,

desconhecimento de um determinado aspecto da empresa ou época de sua história

ou até mesmo algum tipo desconforto em relação a algum assunto. Além disso, o

próprio entrevistador sentiu a necessidade de promover mudanças, devido, por

exemplo, a só tomar conhecimento das características do entrevistado e de sua

trajetória profissional no momento da conversa.

Das 12 entrevistas, 8 foram realizadas de forma presencial e contaram com

um gravador de áudio para registro das conversas. Em seguida, com o apoio do

software Express Scribe, todas as entrevistas foram transcritas pelo pesquisador,

para que seu conteúdo pudesse ser posteriormente organizado e classificado em

futuras análises. O Express Scribe facilitou o trabalho por permitir o uso de teclas de

acesso rápido para manipulação do arquivo de áudio sem que houvesse

interferência no arquivo de texto. Além disso, sua versão mais simples pôde ser

baixada de graça diretamente no site da empresa desenvolvedora

(http://www.nch.com.au/scribe/), reduzindo os gastos da pesquisa.

Por fim, é importante ressaltar o compromisso de sigilo firmado com todos os

entrevistados, que são identificados através de numeração, sem a exposição de

seus nomes.

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3.5.2 Análise de arquivos

A análise de arquivos dividiu-se em quatro etapas distintas, cada qual com um

propósito específico e, consequentemente, com o acesso a fontes distintas de

informação.

Inicialmente, pelo desconhecimento prévio da indústria de cervejas e da

AmBev, houve uma pesquisa rápida e de baixa profundidade com o objetivo de

confirmar se havia quantidade e variedade significativas de fontes de arquivos da

empresa selecionada e do seu setor econômico. E a conclusão foi positiva,

sinalizando a continuidade do trabalho. Observou-se que a AmBev, por ser uma

empresa de capital aberto, publica regularmente relatórios sobre o seu desempenho

e trajetória, estando o material disponível em seu site. Além disso, por ser uma das

maiores empresas brasileiras, é alvo constante de análises e reportagens das

principais revistas e jornais comerciais do país. Quanto ao setor brasileiro de

cervejas, observou-se a existência de alguns sites destinados à bebida e à sua

história no Brasil, porém sem a demonstração de referências para os dados

publicados. Dessa forma, a alternativa encontrada foi a pesquisa em documentos

acadêmicos, complementada por matérias e reportagens de revistas e jornais

comerciais.

A segunda etapa da análise de arquivos foi desenvolvida com o intuito de

gerar um conhecimento mais aprofundado sobre a cerveja, a sua produção e a

história da indústria nacional. O ponto de partida para a formação desse conteúdo

foram os sites destinados à cerveja, que apresentam uma cobertura bastante ampla

de temas sobre a bebida. Havia, porém muita inconsistência entre os dados

fornecidos pelos diferentes sites, o que gerou insegurança em relação ao seu uso.

Dessa forma, a parte introdutória sobre a cerveja foi elaborada com base em três

fontes principais:

Trabalho do Laboratório de Engenharia Bioquímica da Universidade

Federal de Santa Catarina (UFSC), que, ao comparar a cerveja e o

vinho, fornece uma série de informações sobre a bebida, suas

características e produção;

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O site da AmBev, que oferece informações básicas sobre a cerveja,

suas matérias-primas, processo produtivo e histórias da CAP e da

CCB;

O livro ―Os primórdios da cerveja no Brasil‖, de Santos (2004), única

obra produzida exclusivamente para narrar o surgimento da indústria

nacional de cerveja; e

O livro ―Larousse da Cerveja‖, de Morado (2009), que, além de ser

recente e atualizado, fornece as fontes das informações apresentadas,

tornando-se uma referência mais completa sobre a bebida.

Para a história da cerveja no Brasil, além das fontes acima mencionadas,

tentou-se também o acesso a dados do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja

(Sindicerv)4 e da AC Nielsen, consultoria em pesquisa de mercado responsável

pelas principais pesquisas de market share do varejo brasileiro, e em especial do

setor de cervejas. No entanto, não houve sucesso com nenhuma das instituições. A

primeira, além de um site bastante limitado em termos de conteúdo (e com alguns

dados desatualizados), disponibilizou somente informações bem gerais da indústria

nacional, através de gráficos que sequer permitiam a manipulação dos dados. Já a

segunda disponibiliza somente dados consolidados por setor em seu site, sem

detalhar a evolução das participações de mercado e outras informações de interesse

(vendas por canais, por exemplo). O próprio site da consultoria afirma que seus

estudos não são publicados gratuitamente.

Outro ponto que merece observação foi não se encontrar uma quantidade

significativa de fatos sobre as décadas de 60 e 70 que permitisse um detalhamento

da história da indústria nacional de cerveja nesse período, deixando uma evidente

lacuna na seção 9.3.

A terceira etapa da pesquisa de arquivos destinou-se ao levantamento das

histórias da CAP e da CCB. Foi o trabalho mais desafiador em função da existência

de poucos documentos, estudos ou livros dedicados a narrar ou analisar a trajetória

centenária das duas cervejarias. Além disso, a AmBev não tem nenhum tipo de

biblioteca pública para consultas ao acervo das antigas cervejarias. Sabe-se que é

4 O Sindicerv atua em favor dos interesses de seus associados em diversas áreas, com ênfase no

encaminhamento de propostas aos governos federal e estaduais que estabeleçam um novo modelo tributário para o país - mais justo e que permita a criação de um maior número de postos de trabalho e a ampliação do mercado. Dentre seus associados, estão a AmBev e a Femsa. Fonte: Sindicerv. Disponível em: <http://www.sindicerv.com.br/quemsomos.php>. Acesso em: 14 maio 2010.

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proprietária de um dos maiores acervos empresariais do país, incluindo mais de

7.500 objetos históricos, como geladeiras do início do século XX, máquinas de

registrar, barris, chopeiras, garrafas e latas, além de 8.000 cartazes e 70.000

registros fotográficos. Porém, de acordo com o Entrevistado #11, o mesmo foi

fechado em julho de 2000.

Outro fator que dificultou a pesquisa sobre a Brahma e a Antarctica foi o fato

de que a maior parte dos dados coletados se encontrava sob a forma de tópicos,

sem nenhum tipo de narrativa ou preocupação com a sua contextualização e o seu

detalhamento. Sendo assim, tomando como base as informações disponíveis no site

da AmBev, o pesquisador complementou os eventos com dados encontrados nas

demais fontes, com destaque especial para:

O livro ―Os primórdios da cerveja no Brasil‖, de Santos (2004), que

conta de maneira detalhada o surgimento e os processos sucessórios

conturbados que a CAP vivenciou durante boa parte de sua história;

O caso “Brahma versus Antarctica: Reversal of Fortune in Brazil’s Beer

Market”, de Sull (2005), que descreve com grande detalhe o processo

de mudança conduzido pelo Banco Garantia na CCB, a partir de 1989.

O artigo ainda oferece um panorama da situação das duas empresas

nos anos que antecederam a fusão; e

Material do acervo pessoal do Entrevistado #11. Funcionária da CCB e

da AmBev por 30 anos, foi responsável pela organização e

manutenção do arquivo da empresa por 10 anos, havendo diversos

materiais sob seu domínio.

As três etapas até então mencionadas foram realizadas de forma seqüencial.

No entanto, paralelamente, houve um esforço constante de pesquisa de arquivos

relacionados à AmBev, unidade de análise do estudo. Foram acessados diferentes

tipos de documentos: publicações acadêmicas (dissertações, artigos científicos e

casos); publicações técnicas (estudos setoriais e notas técnicas); publicações

institucionais (relatórios anuais de empresas, órgãos governamentais, associações

de classe); e publicações comerciais (matérias de jornais e revistas, livros,

entrevistas). Assim como nas etapas anteriores, a maioria dos arquivos encontrava-

se em meio eletrônico.

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3.5.2.1 Indicadores

Parte dos dados coletados através da análise de arquivos é de natureza

quantitativa. Em alguns casos, esses dados são utilizados apenas para suportar ou

complementar uma determinada informação ou opinião, sem a pretensão de

oferecer uma análise mais aprofundada ou temporal do objeto de estudo. Outras

vezes, no entanto, o objetivo é justamente o contrário: reunir uma quantidade de

dados que, organizados e manipulados pelo pesquisador, apóiem análises e até

mesmo evidenciem suas descobertas. Para tal, os dados são geralmente

apresentados por meio de indicadores.

O uso de indicadores neste trabalho preconizou uma abordagem longitudinal,

objetivando a visualização da trajetória das empresas estudadas, especialmente

quanto à existência ou não de tendências de crescimento. Nesse sentido, o trabalho

baseou-se nos indicadores de crescimento da firma propostos por Fleck (2001), que,

além de permitir a comparação com o restante da indústria ou outros segmentos

econômicos, eliminam a influência de fatores como inflação ou deflação:

Tamanho ano i = (Receita ano i ÷ PIB ano i) X 100; e

Desempenho ano i = (Lucro ano i ÷ PIB ano i) X 100.

Algumas observações precisam ser feitas em relação ao uso dos dois

indicadores nesta pesquisa. Enquanto os dados referentes à AmBev foram

acessados através dos relatórios anuais e financeiros disponíveis pela empresa em

seu site, a coleta de dados sobre a CAP e a CCB se deu através da consulta aos

acervos do Arquivo Nacional e da Biblioteca da CVM, onde foram encontradas as

demonstrações financeiras das duas cervejarias no período 1983-19975. O Arquivo

Nacional armazena o antigo acervo da CVM com as principais demonstrações

financeiras de companhias abertas brasileiras no período 1983-1992. O material

referente aos cinco primeiros anos encontra-se em microfilme, sendo necessário

fazer a consulta nos equipamentos da instituição. Como é de fácil acesso, não

requer agendamento prévio: basta identificar o código do microfilme que se deseja

consultar e o funcionário o providencia de imediato. Já o material dos outros cinco

5 O Arquivo Central da CVM, criado em 1987, iniciou a organização da documentação das

companhias abertas nacionais a partir de 1983, pois foi o primeiro ano da padronização das demonstrações financeiras. A partir de 1997, a CVM, em conjunto com a Bovespa, informatizou os formulários periódicos, estando as informações disponíveis em: <http://www.cvm.gov.br/>.

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anos ainda não foi microfilmado, sendo necessário agendar uma data para que seja

separado e disponibilizado para consulta manual.

A coleta dos dados no Arquivo Nacional se deu através de duas formas. Os

dados dos microfilmes foram registrados através de um gravador de áudio, pois,

como a sala de consulta de microfilmes não possuía restrições sonoras e a

quantidade de informações era elevada, o pesquisador pôde ler aquilo que lhe

interessava e gravar com o aparelho. Esse método se mostrou bastante prático e

agilizou a tarefa, sem ocasionar em nenhum tipo de problema ou perda de material.

Já os dados dos documentos disponíveis em papel tiveram que ser registrados

manualmente. Diferentemente do caso anterior, o Arquivo Nacional dispõe de uma

sala com restrição ao barulho para que as pessoas consultem os documentos em

meio físico. Foi, portanto, uma tarefa mais trabalhosa e lenta, exigindo dois dias

completos para a sua concretização. Vale lembrar que o Arquivo Nacional oferece

ainda a possibilidade de se fazer cópias do material, porém o valor é alto: R$1,00

por página. Como o pesquisador estava com restrições financeiras, optou por meios

mais baratos.

A CVM, por sua vez, tem um acervo físico das principais demonstrações

financeiras das companhias abertas brasileiras no período 1993-1997.

Diferentemente do Arquivo Nacional, o material não está devidamente organizado,

não havendo todos os tipos de relatórios para todos os anos e todas as empresas.

Por outro lado, a CVM oferece a possibilidade de se fazer cópias a um valor bem

inferior ao cobrado pelo Arquivo Nacional: R$0,10 por página. Geralmente, a CVM

exige que a pessoa faça a solicitação prévia do material desejado e agende uma

visita para a consulta. No entanto, os funcionários do acervo da instituição foram

bastante solícitos e separaram as informações de imediato. Além disso, permitiram

que o pesquisador registrasse os dados através do gravador de áudio, facilitando o

trabalho.

Apesar do acesso às informações desejadas, houve dois ajustes importantes

na etapa de tratamento e uso dos dados. Primeiramente, devido a restrições à coleta

de dados sobre a receita bruta da CAP e da CCB no período 1983-1992, optou-se

por utilizar a receita líquida para o cálculo do indicador de tamanho. Além de Fleck

não fazer nenhuma menção a qual tipo de receita utilizar, a receita líquida oferece a

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vantagem de minimizar os efeitos da diferença de impostos entre diferentes regiões,

países e indústrias (DANTAS, 2007; TIECHER, 2009).

O segundo ajuste ocorreu em função dos impactos inflacionários para as

regras contábeis adotadas pela CVM. Como o Brasil passou por um período

inflacionário intenso nas décadas de 80 e 90, a instituição adotou a prática de se

elaborar os relatórios financeiros de acordo com dois métodos referentes ao nível

geral de preços: Legislação Societária e Correção Monetária Integral (MARQUES;

GRZESZEZESZYN; SOBRINHO, 2003).

O primeiro, estabelecido pela Lei 6.406/76, reconhece a perda do poder

aquisitivo da moeda nas demonstrações contábeis por meio de um índice geral de

preços, porém aplicando-o apenas ao patrimônio líquido e ao ativo permanente. Já o

segundo, denominação no Brasil para o Price-Level Accounting, desenvolvido nos

Estados Unidos, consiste na ‗restauração‘ das demonstrações contábeis,

preparadas com base na contabilidade a custo histórico (ou valor original), em outras

em que os valores são corrigidos a fim de refletir a alteração ocorrida no poder

aquisitivo da moeda (geralmente do exercício). Esse método foi introduzido no Brasil

pela Instrução Normativa CVM nº 64/87.

Diante das duas possibilidades, optou-se por trabalhar com os valores de

receita líquida e lucro líquido segundo o método da Legislação Societária, pois, ao

desconsiderar os impactos inflacionários, utiliza-se uma informação mais próxima da

realidade da organização em termos do seu desempenho operacional e financeiro.

Tal, escolha, porém, não permitiu o cálculo dos indicadores de crescimento para a

CCB nos anos de 1993 e 1994, pois a empresa não publicou suas demonstrações

financeiras segundo a Legislação Societária.

Por fim, se os comentários anteriores dizem respeito à coleta e tratamento

dos dados, houve ainda um desafio diretamente relacionado aos indicadores de

crescimento propostos. Conforme mencionado em 3.3, a AmBev é uma empresa

com atuação em 14 países das três Américas. Dessa forma, qual o valor do PIB a

ser considerado quando uma empresa atua em mais de um país, porém não

mundialmente?

Num primeiro momento, pensou-se em buscar algum tipo de PIB das

Américas. No entanto, esse tipo de solução, além de não resolver por completo o

problema inicial, ainda traria outro: o PIB norte-americano distorceria os resultados

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encontrados. Cogitou-se, então, a possibilidade de se usar o PIB da América Latina;

porém, apesar de haver essa informação em dólar na base de dados do Banco

Mundial (http://databank.worldbank.org/ddp/home.do?Step=3&id=4), só se encontrou

informações financeiras da AmBev em real, inclusive nos relatórios enviados à U.S.

Securities Exchange Comission (SEC).

Diante das limitações, o cálculo foi feito utilizando-se o PIB do Brasil.

Reconhece-se que não é o valor totalmente adequado para uma informação mais

real e completa sobre a AmBev. Por outro lado, o resultado encontrado oferece uma

aproximação aceitável da trajetória de crescimento da empresa, já que as operações

no Brasil sempre representaram a maior parcela de sua receita total (63% em 2009).

3.6 REGISTRO DOS DADOS

Os dados coletados foram registrados em dois arquivos distintos do software

Microsoft Excel. Um primeiro arquivo, chamado de ―Tabela de Fatos‖, foi destinado

ao armazenamento e posterior classificação de todos os fatos da pesquisa, que

poderiam se referir a seis temas principais:

História do Brasil;

Indústria da cerveja no Brasil;

Companhia Antarctica Paulista (CAP);

Companhia Cervejaria Brahma (CCB);

Companhia de Bebidas das Américas (AmBev); e

Banco Garantia.

No total, foram registrados 926 fatos, cada qual contendo: (i) a descrição do

fato; (ii) o ano de ocorrência; (iii) o tema a que se referia; (iv) a fonte bibliográfica; e

(v) outras informações complementares relevantes. A Tabela 3-4 apresenta um

exemplo do cadastramento de fatos.

Tema Ano Descrição do Fato Fonte Observação

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CCB 1934

A grande originalidade da empresa foi o lançamento, em 1934, da

Brahma Chopp, o chope engarrafado, que se tornou um

grande sucesso, estimulado pelo carnaval daquele ano, quando uma marchina de Ary Barroso e Bastos

Tigre, Chopp em Garrafa, foi gravada por Orlando Silva. A produção

daquele ano foi de 30 milhões de litros, enorme para a época.

Santos, S.P. Os primórdios da

cerveja no Brasil, 2ª ed.,

Cotia: Ateliê Real, 2004

Letra da Marchinha: ―O Brahma Chopp em

garrafa Querido em todo o

Brasil Corre longe, a banca

abafa É igualzinho ao do

Barril. Chopp em garrafa

Tem justa fama É o mesmo Chopp Chopp da Brahma.‖

Tabela 3-4: Exemplo do registro de fatos

O segundo arquivo em Excel serviu como banco de dados de informações

secundárias coletadas ao longo da pesquisa. Nele, por exemplo, foram

armazenados dados operacionais e financeiros da CAP, da CCB e da AmBev, bem

como do mercado de cerveja no Brasil. Foi nesse arquivo, inclusive, que foram

elaborados os gráficos apresentados neste trabalho. Diferentemente do arquivo

anterior, não houve padronização para o registro das informações, já que se

trabalhou com dados de diferentes naturezas e em diferentes formatos.

3.7 ANÁLISE DOS DADOS

Por fazer uso de múltiplas fontes de dados, a etapa de análise foi

desenvolvida segundo o método de equiparação de padrões, no qual várias partes

de informações do mesmo caso podem estar relacionadas às mesmas proposições

teóricas (YIN, 1989).

Dessa forma, cada dado foi classificado a partir de uma lista de dimensões de

análise construída com base no referencial teórico de Fleck (2009a), na seguinte

ordem: (i) identificação do(s) desafio(s) de crescimento; e (ii) identificação dos

aspectos associados àquele(s) desafio(s). Dependendo do fato, havia até dois níveis

de detalhamento de classificação. O Apêndice A apresenta a ―Lista de Dimensões

de Análise‖.

Após a classificação de todos os fatos, foi feita a análise das respostas das

empresas envolvidas no caso aos desafios do crescimento (FLECK, 2009a),

buscando identificar a evolução dos principais traços das organizações ao longo de

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suas histórias. A análise teve como referência as dimensões preestabelecidas a

partir de revisão de literatura.

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4 A INDÚSTRIA BRASILEIRA DE CERVEJA

4.1 PANORAMA DO MERCADO BRASILEIRO DE CERVEJA

Atualmente, o Brasil é o terceiro país do mundo em termos de consumo de

cerveja. Em 2009, mesmo com a crise financeira mundial, o mercado brasileiro de

cerveja cresceu 5,29% em volume e chegou a 10,7 bilhões de litros de cerveja

(JORNAL DO COMÉRCIO, 2010). Com esse desempenho, o Brasil ultrapassou a

Alemanha no ranking cervejeiro mundial, e agora só perde para China, Estados

Unidos e Rússia. Além disso, o faturamento do mercado de cervejas no Brasil

cresceu mais de 23% em 2010, demonstrando o seu potencial de crescimento.

Atualmente, Brasil e China são os países mais atraentes para investimentos, em

contraposição à perspectiva de crise maior na Europa e à falta de reação nas

vendas dos EUA (ROSA, 2011).

Segundo o Sindicerv, fatores como o verão de altas temperaturas; o aumento

da renda imediata do consumidor brasileiro, especialmente da classe C; a melhora

no desempenho operacional das empresas; e as inovações em embalagens

(lançamento do litrão e das latinhas de 260 ml) contribuíram para o aumento do

volume de vendas (JORNAL O GLOBO, 2010). A forte demanda em 2009

impulsionou o mercado de cervejas a ponto de faltar produto, como o chope, em

alguns bares e restaurantes. Para o período 2020-2015, espera-se um avanço de

4% no volume vendido de bebidas alcoólicas no Brasil (ROSA, 2011).

O Gráfico 4-1 ilustra a evolução do consumo de cervejas no Brasil. As colunas

se referem ao valor total consumido em milhões de hl, enquanto a linha apresenta a

variação percentual anual no consumo de cervejas. Como pode ser visto, a partir de

2004 se iniciou um processo de crescimento no consumo, freado somente pela crise

econômica em 2008, porém já recuperado em 2009, chegando a um nível superior a

2007.

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-0,3

-0,2

-0,1

0

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0

20

40

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120

1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Vo

lum

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tal

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mid

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Mil

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e h

ecto

litr

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e c

erv

eja

)

%

Gráfico 4-1: Evolução do consumo de cerveja no Brasil

Fonte: Baseado em Ferrari (2008), Sindicerv (2010) e Jornal do Comércio (2010).

O mercado consumidor brasileiro de cerveja é caracterizado

predominantemente por ter uma população jovem (61% entre 25 e 44 anos), que em

virtude do seu baixo poder aquisitivo, faz com que o consumo per capita (por volta

de 51,9 litros/habitante em 2006) ainda seja considerado relativamente baixo,

principalmente levando-se em consideração a tropicalidade do país (FERRARI,

2008).

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87

18

34

35,5

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50

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78,3

84

92

101,5

117,7

158

0 20 40 60 80 100 120 140 160 180

China

Argentina

França

Brasil

México

Japão

Espanha

Estados Unidos

Austrália

Reino Unido

Alemanha

Rep. Checa

Gráfico 4-2: Consumo per capita de cerveja no mundo em 2003

Fonte: Sindicerv, 2010.

Embora o consumo per capita tenha sido incrementado nos primeiros anos de

implantação do Plano Real (1994/1995), saltando de 38 litros/ano por pessoa para

aproximadamente 50 litros/ano/habitante, o nível se mantém estável desde então,

especialmente porque, ao se levar em conta o baixo poder aquisitivo de boa parte de

seus consumidores, o preço do produto é alto. Na saída da fábrica, seu custo é um

dos menores do mundo. Contudo, até chegar ao consumidor final, a cerveja sofre a

incidência de uma série de tributos, conforme demonstra o Gráfico 4-3.

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35,6%

26,6%

26,3%

11,5%

Impostos

Varejo

Indústria

Distribuidores

Gráfico 4-3: Composição do preço da cerveja no mercado brasileiro

Fonte: Sindicerv, 2010.

Apesar do aumento do número de microcervejarias a partir do início do século

XXI, o mercado brasileiro de cerveja ainda é caracterizado pela baixa diversificação

de pro dutos (SANTOS, 2001). Já na década de 80, a cerveja do tipo pilsen detinha

cerca de 96% da produção vendida no país, e esse valor é atualmente de 98% (o

restante se divide entre as do tipo Bock, Light, Malzbier e Stout, geralmente

destinadas a alguns nichos de mercado premium). A pouca diversificação tem suas

origens no desenvolvimento da cerveja no país, que foi direcionado a uma

uniformização dos sabores oferecidos ao mercado. Tipos alternativos de cerveja,

como Porter e München, foram retirados do mercado ou tiveram sua oferta

diminuída sensivelmente. Nesse aspecto, o mercado brasileiro caminhou em sentido

inverso ao que ocorre em países tradicionais na produção de cerveja. Alemanha,

Bélgica e Inglaterra, por exemplo, desfrutam de uma grande variedade de tipos de

bebida, indo das leves cervejas frutadas até variedades de puro malte, mais

encorpadas.

Em 2008, as classes C e D foram responsáveis por 72% das vendas totais do

setor. Cerca de 56% do público consumidor de cervejas é do sexo masculino. O

consumidor brasileiro é considerado como pouco exigente, não tendo o hábito de

degustar a bebida e apreciar seu sabor. Além de função socializante, a cerveja

também é vista como uma bebida para ―matar a sede‖, sendo consumida em

temperatura bastante baixa – daí a expressão ―estupidamente gelada‖. Devido a

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essa relação com o clima tropical, o consumo de cerveja no Brasil apresenta uma

sazonalidade anual, com forte redução no inverno.

Atualmente, o uso de embalagens retornáveis ocupa 71% do total consumido,

sendo 67% no formato de garrafas de vidro e 4% no formato de barril. Na década de

90 do último século, a participação das embalagens retornáveis no total

comercializado experimentou queda acentuada, particularmente na segunda metade

da década, caindo de 88,3% em 1994 para uma participação de aproximadamente

68% em 1998.

As embalagens descartáveis participam com 29%, sendo 26% em latas e 3%

em garrafas long-neck. A proposta de redução contínua da demanda por

embalagens retornáveis é decorrente da clara preferência das grandes redes de

supermercados pelas embalagens descartáveis, com o objetivo de reduzir seus

custos operacionais. Mais do que isso, o aumento do uso de embalagens

descartáveis amplia e diversifica canais de comercialização, sendo de extrema

relevância na medida em que contribui para a ampliação das situações de consumo

da bebida, o que, no limite, colabora para aumentar o consumo per capita de cerveja

no Brasil.

Existe hoje um projeto de lei, apoiado pelo Sindicerv, que estabelece que um

mínimo de 80% da produção de cerveja seja engarrafada em embalagens

retornáveis. Justifica a lei o fato de que haveria redução da geração de lixo urbano e

da embalagem retornável reduzir em até 25% o preço final ao consumidor, além do

fato de a reciclagem solucionar apenas parcialmente os problemas relacionados à

geração de embalagens descartáveis.

Com relação aos tipos de embalagens descartáveis, o alumínio não causa os

mesmos problemas ao meio ambiente que o vidro, pois, com o aumento dos preços

internos do alumínio, a partir da desvalorização do real em 1999, viabilizou-se a sua

reciclagem. Segundo a Associação Brasileira de Refrigerantes e Alumínio (Abal),

89% das latas de refrigerantes e cervejas foram recicladas em 2004.

A estrutura da indústria cervejeira brasileira permanece oligopolizada, onde

somente as grandes empresas podem arcar com elevados investimentos em

marketing, ampliação dos canais de distribuição e crescimento da capacidade

instalada, de forma a garantir participação nacional. Em 2009, a AmBev fechou o

ano na liderança, com 69,6% do mercado, posição que a empresa mantém desde a

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90

sua criação, em 1999. O Grupo Schincariol permaneceu em segundo lugar, com

11,8% de participação, seguido pela Cervejaria Petrópolis, com 9,5%. A Femsa, que

acabou de ser comprada pela holandesa Heineken, ficou em quarto lugar, com

7,6%. O 1,5% restante corresponde a médias e microcervejarias.

4.2 BASES COMPETITIVAS DA INDÚSTRIA BRASILEIRA DE CERVEJA

4.2.1 Características fundamentais da indústria

A indústria da cerveja tem sua cadeia produtiva organizada segundo três

principais elos: fornecimento de matérias-primas, produção e distribuição. A seguir,

serão abordados aspectos relevantes sobre cada um deles.

A cerveja é basicamente composta por água, grão (cevada, principalmente),

lúpulo e fermento. O lúpulo é totalmente importado (o Brasil não tem produção desse

insumo), e ainda que haja produção de cevada na Região Sul do país, grande parte

do seu fornecimento se dá também através de importações – especialmente do

Canadá, da Bélgica, da Argentina e da Austrália – em razão das dificuldades de se

obter uma cevada nacional de boa qualidade. Além disso, as empresas líderes do

mercado dispõem de maltarias próprias que lhes abastecem parcialmente as

necessidades dessa matéria-prima, reduzindo a dependência de fornecedores

(PAULA; SOUZA; LEVORATO, 1992).

Sendo assim, as cervejarias brasileiras estão expostas às variações nos

preços internacionais dessas commodities; contudo, devido à pulverização dos

fornecedores, nunca houve nenhum tipo de pressão de preço ou corte de produção

que se constituísse em ameaça à indústria nacional (SILVA, 2003). Segundo Schuch

(1998), os fabricantes de cerveja no Brasil são poucos e estão mais concentrados do

que as indústrias dos fornecedores, reduzindo o poder de barganha destes em

relação aos preços e condições de qualidade oferecidos.

No que se refere ao processo produtivo, além da preocupação logística de

instalar indústrias em pontos estratégicos para distribuição e consumo, outro fator

crítico é a disponibilidade de fontes naturais (água, especialmente) e investimentos

no desenvolvimento de novas idéias para a produção da cerveja. A questão

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tecnológica, porém, é simples e conhecida universalmente, não se tratando de uma

barreira de entrada ou driver de competição. Para Schuch (1998), o know-how e a

tecnologia de fabricação de cerveja deixaram de ser barreiras não só pela evolução

tecnológica e a automação dos processos de fabricação, como também pela

disseminação do conhecimento e da experiência na arte de produzir cerveja através

de escolas especializadas na formação de profissionais (cervejeiros práticos).

Pesquisa e Desenvolvimento é um investimento necessário, mas não uma barreira para dificultar a entrada de qualquer novo concorrente, pois a cerveja tem um processo de fabricação conhecido universalmente e que difere apenas na proporção e na qualidade de matérias-primas usadas, não se tratando de um elemento diferenciador. (PAULA; SOUZA E LEVORATO,1992, p. 7)

Já a distribuição é um dos pontos-chave da indústria cervejeira. Há um forte

vínculo entre a capacidade de distribuição e a promoção da marca, já que a venda

se concentra no varejo, principalmente em bares6. As vendas realizadas por esses

bares não somente são as de maior relevância em termos de volume (50,6%), como

também são as que representam maior valor (55,4%). Já as vendas em auto-serviço

aumentaram sua participação em 2001, mas não representam tanto na composição

do valor de venda.

6 Em suas pesquisas, a Nielsen considera três principais canais de distribuição para o mercado de

cerveja: bares (adegas, bares, bar e café, bar e lanches, bar e restaurante, boteco, botequim, lancheria, lanchonete e snacks bar); Tradicional (são lojas onde o atendimento é feito por um vendedor ou balconista; são conhecidas como mercearias, padarias, empórios e outros); e Auto-Serviço (são lojas onde o consumidor escolhe os produtos sem a intermediação de um vendedor ou balconista; tem como características fundamentais o "check-out", carrinhos ou cestas à disposição).

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Gráfico 4-4: Volume e valor de vendas de cerveja de lojas – Brasil – 2000/2001

Fonte: Reproduzido de Silva (2003), p. 2.

Diante disso, fica evidente que não basta ter uma ótima campanha de

marketing e forte investimento em propaganda se a empresa não mantiver um

adequado abastecimento no ponto-de-venda (PDV). Este é um dos grandes desafios

dessa indústria. Para se ter uma noção da complexidade que está por trás da

distribuição no mercado brasileiro, a AmBev afirma atender a mais de 1 milhão de

PDVs espalhados por todo o país, visitados por sua equipe de vendas e abastecidos

duas vezes por semana (AMBEV, 2009). Além disso, as grandes cervejarias tentam

exercer o controle sobre os distribuidores e os pontos-de-venda através da ―venda

casada‖ – ou seja, da imposição de compra de toda a linha de produtos do

fabricante, muitas vezes não se permitindo mais de um fornecedor por revendedor

ou PDV (EVANGELISTA; KELLER; SIQUEIRA, 1990).

Nos últimos anos, assistiu-se a uma verdadeira guerra entre as cervejarias

pelo controle dos PDVs, especialmente bares e restaurantes. Com o acirramento da

competição, as empresas passaram a oferecer vantagens e até mesmo dinheiro em

troca da exclusividade na comercialização e exposição de suas marcas e produtos.

Segundo Onaga (2006a), em outubro de 2006, representantes da AmBev e da

Femsa trocaram sopapos em um bar em Moema, zona sul de São Paulo, na

tentativa de ter mais espaço para seu material de propaganda. Um funcionário da

Femsa registrou boletim de ocorrência para verificar a prática de crime de

concorrência desleal. Na mesma semana, a AmBev ofereceu 350 mil reais para que

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o bar Dona Flor, onde foi lançada a Sol, abandonasse a parceria com a Femsa e

voltasse a vender o chope Brahma. Dias depois, a Femsa teria pago 3,5 milhões de

reais para que um dos maiores distribuidores de chope Brahma no país, o

empresário Robério Paiva, passasse a trabalhar exclusivamente com a marca Sol. A

AmBev, como era de se esperar, não assistiu passivamente à traição: a companhia

conseguiu uma liminar impedindo Paiva de vender produtos da Femsa. A disputa,

que inclui acusações de ameaça de morte registradas em delegacia por um

representante da AmBev contra Paiva, continua nos tribunais.

O mercado de cerveja brasileiro caracteriza-se pela presença de duas

principais barreiras à entrada: a de distribuição, relativa à dificuldade de fazer chegar

aos consumidores, de forma capilarizada, um produto cujo custo de transporte é

significativo, em virtude do volume e baixo valor unitário; e a de marca, consistindo

na dificuldade de tornar uma marca conhecida e desejada pelos consumidores

(FERREIRA; OLIVEIRA; SALGADO, 2008).

Os sistemas de distribuição são fundamentais para garantir a posição de

mercado das empresas cervejeiras. Embora a fabricação de cerveja esteja sujeita a

certas economias de escala, elas são limitadas por vários fatores, especialmente o

custo de transporte. Isso significa que as grandes empresas são obrigadas a

constituir unidades produtivas em cada região consumidora, pois geralmente aceita-

se que o frete além de 500 km inviabiliza a competitividade do produto. De outro

lado, a barreira do frete também permite o funcionamento das pequenas e médias

cervejarias, que sustentam sua competitividade em outros fatores que não a escala,

através, por exemplo, de uma identificação com a região ou da diferenciação de

produto.

A capacidade de gerar uma imagem positiva do produto, diferenciando-o em

relação aos de concorrentes, é outro aspecto fundamental para o sucesso de uma

marca, explicando o expressivo gasto em propaganda que caracteriza essa

indústria. Diante do baixo grau de exigência do consumidor brasileiro (refletido na

predominância das cervejas do tipo Pilsen), que direciona sua opção de compra por

fatores que não o sabor da bebida, as cervejarias investem agressivamente em

ferramentas de marketing (comunicação, embalagem, dentre outras) para gerar

identificação e simpatia por suas marcas.

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Um exemplo recente dessa ênfase em marketing foi a guerra travada entre as

campanhas das marcas Nova Schin, do Grupo Schincariol, e Brahma, da AmBev, na

primeira metade do século atual. Em setembro de 2003, a campanha de divulgação

da Nova Schin – também conhecida como ―Experimenta!‖ – foi protagonizada pelo

cantor Zeca Pagodinho, consumidor publicamente declarado da cerveja Brahma. No

ano seguinte, Nizan Guanaes, da Agência Africa (que tinha a conta da Brahma),

convenceu Zeca Pagodinho, cujo contrato com a Schin ainda estava em vigor, a se

tornar o garoto-propaganda da nova campanha da cerveja da AmBev. A empresa,

inclusive, se dispôs a assumir a multa de rescisão de contrato – que o mercado

estimava chegar a 18 milhões de reais – e outros custos possíveis com o processo

(ALMEIDA, 2004).

Intitulado de ―Amor de Verão‖, o filme da Brahma provocava a cervejaria

concorrente com a mensagem de que o ―caso‖ de Zeca Pagodinho com a

Schincariol havia sido nada mais do que um ―amor de verão‖. Segundo a fala do

cantor: ―cair em tentação pode ocorrer com qualquer um. Mas grande amor, só

existe um. Fui provar outro sabor, eu sei! Mas não largo meu amor, voltei‖.

A reação da Nova Schin, além da ira nos bastidores (incluindo pedido formal

da Fischer América, agência da Schincariol, pela expulsão da Agência Africa da

Associação Brasileira de Agências de Publicidade – ABAP) e de processo de quebra

de contrato contra Zeca Pagodinho e contra a AmBev, por aliciamento do cantor em

plena vigência de contrato, veio com o filme ―Botequim‖. O comercial mostrava uma

conversa de bar na qual um rapaz provoca seu amigo, personagem batizado de

Zequinha, perguntando se ele trocaria de cerveja por ―300 mil‖. Diante da resposta

negativa, o amigo ia subindo o valor da suposta proposta, até chegar a ―3 milhões de

dólares‖. Aí Zequinha se rende: ―E falo que amo, ainda beijo na boca e rodo até a

baiana‖, diz o personagem. O filme é encerrado com uma lata de cerveja com o

rótulo ―velha‖ cercada de dólares.

No final das contas, a AmBev saiu vencedora da briga. A ABAP decidiu não

fazer qualquer tipo de advertência à Agência Africa. E o CONAR indeferiu o pedido

da Fischer América e manteve o comercial da Brahma com Zeca Pagodinho.

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4.2.2 Mecanismos de competição

Diante de tudo que foi mencionado na seção anterior, e com base no trabalho

de Silva (2003), pode-se dizer que os principais vetores de concorrência do mercado

de cervejas estão concentrados na etapa de produção, distribuição e consumo, e

são: economias de escala e escopo; preço; segmentação de clientes; distribuição e

fortalecimento da marca.

As estratégias vinculadas à etapa de produção são as de economia de

escopo e de escala. Enquanto a primeira se refere aos ganhos obtidos com a

produção de itens diferentes na mesma fábrica, a segunda está relacionada à

produção em grande volume. Para ter economias de escopo, os fabricantes de

cerveja produzem outras bebidas, principalmente refrigerantes, e têm nesse tipo de

estratégia economias fundamentais para seu negócio. Já a economia de escala é

obtida com ganhos em: negociação e compra de maior volume de matéria-prima;

produção, por meio de maior produtividade a partir de um volume maior produzido

por planta; e distribuição, pela redução dos custos logísticos e de propaganda por

volume negociado. As estratégias de economia de escala e de escopo são seguidas

pelas principais cervejarias do mercado, em especial a AmBev.

A fim de conquistar consumidores de diferentes perfis, as cervejarias adotam

a estratégia de posicionar diferentes marcas em diferentes segmentos de mercado.

A classificação mais usual divide o mercado brasileiro em três faixas distintas, que

podem ser classificadas por ordem decrescente de preços como: premium, medium

e low. Para Silva (2003), as principais vantagens relacionadas à proliferação de

marcas e preços por parte das cervejarias são: reforçar o preço como sinal de

qualidade para o consumidor; ter a possibilidade de construir as denominadas

―marcas de combate‖, que são lançadas para disciplinar possíveis guerras de preços

sem interferir na imagem das marcas premium; e a diversificação de risco do

negócio, permitida pela atuação em segmentos com diferentes graus de

sensibilidade ao ciclo econômico.

O Grupo Schincariol adotou eficazmente essas duas estratégias. A

participação de mercado da cervejaria foi conquistada, em boa parte, graças ao

baixo preço, mas a empresa também resolveu apostar em uma nova marca para

agregar valor: a Primus, lançada em 2002. Em 2003, enquanto a Schin custava em

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torno de R$ 0,85 a garrafa padrão no comércio, a Primus custava em torno de R$

1,60 (SILVA, 2003). Ferreira, Oliveira e Salgado (2008), através de estudo

econométrico, encontraram indícios de que, diante da estratégia do Grupo

Schincariol, a AmBev fez uso da marca Antarctica como marca de combate, de

modo a bloquear a expansão da Nova Schin, como mostram os gráficos 4-5 e 4-6.

Gráfico 4-5: Preços – Garrafas de 600ml – Bares – Grande São Paulo

Fonte: Reproduzido de Ferreira, Oliveira e Salgado (2008), p. 22.

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Gráfico 4-6: Preços – Garrafas de 600ml – Bares – Interior de São Paulo

Fonte: Reproduzido de Ferreira, Oliveira e Salgado (2008), p. 23.

A AmBev também busca a segmentação de mercado por meio do

fortalecimento de marcas de maior valor (como Bohemia e Antarctica Original) e

ganhos na diferenciação de produtos (como a Bohemia Escura, lançada em 2002,

cujo preço está em torno de R$ 6,00). Essa estratégia está focada na atração de

consumidores das classes A e B, cujo consumo atualmente não ultrapassa 42 litros

per capita, enquanto o consumo das classes C e D chega a 55 litros per capita. Tais

informações alimentam a estratégia de agregação de valor, focada principalmente

na segmentação de produtos e em propaganda e distribuição. Por sinal, a Kaiser foi

pioneira na aplicação da estratégia de segmentação de mercado, criando a Kaiser

Bock em 1993, cerveja voltada aos períodos frios, buscando minimizar o problema

de sazonalidade enfrentado pela indústria de cervejas.

4.2.3 Práticas ilegais

As seções anteriores apresentaram um panorama da indústria brasileira de

cervejas e dos desafios enfrentados pelas companhias que concorrem no setor,

tendo como premissa básica a legalidade das ações e das condutas das empresas e

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de seus executivos. No entanto, nem sempre a história da cerveja no Brasil foi

construída através da legalidade e da ética empresarial. A primeira década do

século XXI, em especial, destacou-se negativamente pela descoberta de inúmeros

casos e acusações de práticas anti-competitivas adotadas pelas cervejarias

brasileiras.

A indústria nacional de cervejas passou por importantes mudanças no período

que compreendeu as duas últimas décadas do século passado e o século atual.

CAP e CCB, que historicamente disputaram a liderança no mercado nacional, foram

surpreendidas com o sucesso rápido de novas cervejarias regionais, apoiadas em

estratégias de baixo custo e baixo preço, como Kaiser e, especialmente, Schincariol

e Petrópolis. Apesar da criação da AmBev, que responde por quase 70% de market

share, as demais concorrentes mantiveram seu poder de fogo e intensificaram a

competição no mercado, obtendo, em geral, bons resultados e garantindo um pouco

mais de dinamismo ao setor.

O exemplo mais emblemático de ascensão talvez seja o Grupo Schincariol.

Em apenas doze anos, a participação da empresa saiu de 2,1% em 1992 para

13,1% em 2004, tornando-se a segunda maior cervejaria do país. Segundo Silva e

Martino (2005), ao longo desse período, a concorrência atribuiu o avanço às

brilhantes campanhas publicitárias financiadas pela empresa com o dinheiro que

deveria ter sido usado para recolher impostos (só em 2003, foram gastos 150

milhões de reais com publicidade). A denúncia provocou um verdadeiro bate-boca

no setor no fim de 2003, mas, inicialmente, nada foi provado.

Contudo, em junho de 2005, uma ação conjunta entre a Polícia Federal, a

Receita Federal e o Ministério Público, batizada de Operação Cevada, confirmou a

suspeita. A ação prendeu setenta pessoas em apenas um dia, dentre elas os cinco

sócios do Grupo Schincariol. A companhia foi acusada de sonegar 1 bilhão de reais

em quatro anos, num esquema de sonegação fiscal de tributos estaduais e federais

montado em conjunto com suas distribuidoras. Se não bastasse, as suspeitas

incluíam outros crimes: evasão de divisas, formação de quadrilha, lavagem de

dinheiro e corrupção ativa (SILVA; MARTINO, 2005).

O esquema de fraudes tinha como base o subfaturamento na venda de

produtos. A Primo Schincariol, fábrica da Schincariol, fechava contratos com

grandes distribuidoras e estabelecia uma proporção de 30% de produtos da fábrica e

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70% de produtos das distribuidoras, que contavam com benefícios fiscais. A

diferença era embolsada pela empresa. Segundo Lage (2005), a maior parte das

distribuidoras tinha "laranjas" como donos. Essas empresas, boa parte sem estrutura

mínima para realizar os serviços, obtinham liminares com a Justiça estadual e

federal para não recolher o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação

de Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Na prática,

quando a liminar era cassada, a empresa desaparecia. Em seguida, outra era aberta

e solicitava o não pagamento dos impostos. O esquema de sonegação foi

aperfeiçoado após sucessivas autuações dos fiscos estaduais e federal contra o

Grupo. As empresas distribuidoras também eram usadas para a emissão de notas

fiscais e simulação contábil.

As investigações indicavam também que a Schincariol remetia os recursos

sonegados ao exterior e então comprava títulos do Tesouro dos Estados Unidos;

depois, vendia os papéis no mercado internacional e repatriava o dinheiro,

concluindo o esquema de lavagem.

A polícia ainda identificou operações fictícias de exportação, sobre as quais

não incidiam impostos, intermediadas por empresas de Foz do Iguaçu, no Paraná.

Havia também indícios de importação com falsa declaração de conteúdo e

classificação incorreta de mercadorias. Além disso, foi encontrado nas batidas da

Operação Cevada um total de 227 placas de automóveis sem lacre, utilizadas em

caminhões que transportavam bebidas da Schincariol. As chapas frias faziam parte

de uma artimanha para driblar a cobrança do ICMS, com alíquota que variava entre

18% e 30% dependendo do estado.

Outra prática comum era o uso de notas fiscais "viajadas". A operação,

denominada triangulação de notas fiscais, caracterizava-se pela entrega em local

diferente do indicado na nota fiscal. A empresa emitia uma nota em São Paulo

descrevendo a entrega no Espírito Santo, por exemplo, onde a alíquota de ICMS é

de 7%. Na realidade, a mercadoria seguia para Minas Gerais, onde a alíquota era

maior, de 12%. A diferença era embolsada pela empresa. Sem o carimbo de fiscais

estaduais nas fronteiras, uma mesma nota era usada várias vezes até receber o

carimbo. A conivência dos fiscais era um dos principais pontos investigados.

Nas investigações, a Polícia Federal identificou o envolvimento de agentes

públicos no esquema. Eles eram usados tanto no momento de obter facilidades

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como para aparentar legalidade nas operações para cruzar as fronteiras federais.

Sete servidores públicos foram presos. "Descobrimos um dos mais sofisticados

sistemas utilizados para fraudar impostos. Eles aperfeiçoaram o esquema depois de

várias autuações feitas pelos fiscais", disse Gerson Schaan, coordenador da área de

inteligência da Receita Federal, à Revista Veja (2005).

As suspeitas de sonegação contra o Grupo Schincariol eram antigas. Ex-

funcionários que participaram dos golpes indicaram que a prática teria começado em

1989. Nesse período, o empresário Walter Faria (dono da Cervejaria Petrópolis na

época da Operação Cevada), que também foi preso na mesma semana, ainda era

proprietário de pelo menos 80% dos depósitos da Schincariol. Ele teria criado o

esquema de sonegação, juntamente com Nélson Schincariol, o então presidente da

empresa (assassinado com três tiros em 2003, quando entrava em casa, em Itu,

SP). Nesse caso, o golpe consistia em criar empresas de fachada em nome de

"laranjas". A maior parte recebia até 2 mil reais por mês para emitir as notas fiscais

usadas para burlar os impostos. Os laranjas participaram desse esquema até 1997,

quando se afastaram da empresa.

Em 1994, a Schincariol já havia enfrentado problemas com o Fisco. A

companhia foi acusada pela Receita Federal e pela Secretaria de Fazenda de São

Paulo de não pagar tributos sobre mais da metade das vendas. Tal prática permitia

que os preços da cerveja fossem jogados para baixo. Os fiscais foram acionados, e

a companhia passou a ser um dos maiores contribuintes paulistas.

Em 2001, surgiu nova suspeita, após uma denúncia anônima, que acabou por

desencadear a Operação Cevada. A cervejaria foi então tachada de ser conivente

com irregularidades ocorridas em uma de suas distribuidoras exclusivas de bebidas,

em Minas Gerais. A apuração do caso, que durou dois anos, confirmou os

problemas na distribuidora, autuada em 1 milhão de reais. Serviu também para

constatar a participação da cervejaria nas irregularidades.

Quem também foi preso na Operação Cevada foi Walter Faria, dono da

Cervejaria Petrópolis. Suspeito de ter ajudado a montar o esquema de fraude fiscal

do Grupo Schincariol na década de 90, época em que era o principal distribuidor da

companhia, Walter foi acusado de sonegação fiscal e formação de quadrilha

(SANCHES, 2008).

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Assim como a Schincariol, a Cervejaria Petrópolis também foi alvo de

inúmeros casos de desvio de conduta. Para Onaga (2006b), a cervejaria Petrópolis

basicamente repetiu a trajetória da concorrente, tanto no sucesso de vendas quanto

no noticiário policial. Em 2006, Paulo Henrique Vilela Pedras, diretor comercial e

sócio da cervejaria, foi preso durante a Operação Cerol, que também levou para a

cadeia policiais, empresários e advogados envolvidos em crimes contra a Receita

Federal e a Previdência Social. Dias antes, a Polícia Civil de São Paulo apreendeu

seis caminhões de entrega da Praiamar – a distribuidora de Walter Faria que

respondia por 40% das vendas da Petrópolis – com caixas de Itaipava e Crystal

sem as respectivas notas fiscais ou com notas emitidas com valores muito inferiores

aos que constavam nos pedidos.

Em 2008, outro incidente. O lobista Marcos Valério, acusado de participar do

esquema do mensalão do governo Lula, foi preso por sua atuação como

―conselheiro‖ da Cervejaria Petrópolis (SANCHES, 2008). No começo daquele ano,

a cervejaria havia sido multada em quase 105 milhões de reais pela Receita

Estadual de São Paulo por sonegação fiscal. Valério, então, arquitetou a abertura de

um inquérito policial para tentar desqualificar os dois fiscais responsáveis pela

autuação da cervejaria e assim evitar o pagamento da multa. O inquérito havia sido

aberto fazia dois meses na delegacia da Polícia Federal em Santos com a

participação de dois delegados e dois policiais federais aposentados, conhecidos de

Valério. Durante a operação, a polícia apreendeu em Belo Horizonte mais de 500 mil

reais na casa de uma advogada ligada ao grupo, valor que serviria para o

pagamento dos policiais que ajudaram na abertura do inquérito. Segundo as

investigações, Marcos Valério fazia a ligação entre a empresa, os policiais e os

advogados.

As práticas ilegais, no entanto, não se restringem somente à etapa de

distribuição de cervejas. Damiani (2003), em matéria da Revista ISTOÉ Dinheiro,

apresentou trechos de um dossiê no qual Edson Guterres, um transportador e

fornecedor de insumos (como malte e lúpulo) para diferentes companhias, declarava

abertamente que montou esquemas de sonegação fiscal para as principais

cervejarias, especialmente a Schincariol. Segundo ele, os esquemas de sonegação

eram uma prática comum no setor, envolvendo praticamente todos os fabricantes.

Ele admitia fazer negócios com a maior parte das pequenas cervejarias, como a

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Belco, dirigida por Walter Faria. Disse também que, no passado, realizou operações

ilegais para a CAP, ―nos anos que a Antarctica subiu, para dar o ‗pool‘ para a

AmBev, pra Brahma pegar ela‖. Guterres disse ter sido prestador de serviços para a

empresa, com registro em carteira, responsável pelo que chamava de ―toda a parte

ilegal‖, fazendo especialmente o esquema da garrafa, no qual vendia garrafas,

tampinhas e rótulos sem nota fiscal.

De acordo com o material, Guterres afirmava vender praticamente 50% dos

insumos sem nota, num esquema que significava 5% do mercado nacional de

matéria-prima e rendia em torno de 27 a 30 milhões de dólares por ano. O principal

esquema de sonegação ocorria com a compra de grandes quantidades de malte, um

dos mais importantes insumos na fabricação de cerveja. Como intermediário entre

as maltarias e as cervejarias, Guterres fazia com que parte dos insumos chegasse

às fábricas sem constar das notas fiscais. Dessa forma, as cervejarias podiam, ao

final do processo, vender lotes da sua produção também sem emitir notas fiscais.

Segundo Guterres, com a economia, as empresas utilizavam o dinheiro em outras

atividades, como o marketing e o pagamento de bonificação.

O mediador dizia ser muito próximo de Nélson Schincariol, presidente do

Grupo Schincariol, o que permitia uma estreita colaboração entre ambos nos

esquemas de sonegação. Segundo ele, Nélson faturava 1 milhão de dólares por

mês só com a compra de malte: [...] ―Bom, ele sonega em tudo, matéria-prima, na

venda, tudo‖. Em seu relato, Guterres demonstrava o temor com a morte de Nelson

Schincariol, com quem havia desenvolvido o modelo mais aperfeiçoado de

pagamento, também chamado de Estilo Schincariol, totalmente em dinheiro vivo,

para não deixar rastros. ―Estilo Schincariol [é] quilo, quilo de dinheiro. [...] Tem uma

sala lá deles com fedor de dinheiro, não dá para entrar‖.

Embora seu principal negócio fosse a venda de malte, Guterres vangloriava-

se também de operar da mesma forma com outros insumos usados na produção de

cerveja. Alegava ter, por exemplo, boas relações na indústria de latas de alumínio,

onde chegou a fazer 150 milhões de dólares em apenas um ano.

A história da sonegação na indústria cervejeira nacional é tão antiga quanto o

gosto por essa bebida (SILVA; MARTINO, 2005). Com impostos que chegam a 35%

do valor do litro de cerveja, é grande a tentação dos produtores e distribuidores de

criar alternativas para fugir do Fisco. Em 2003, o Sindicerv fez uma pesquisa com

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empresas do setor e descobriu que 15% do total de impostos devidos pelo setor era

sonegado, algo correspondente a cerca de 750 milhões de reais por ano.

Ferrari (2008), baseando-se nas demonstrações contábeis das empresas

cervejeiras e em dados obtidos com o Sindicerv, constatou que, do faturamento

bruto de 22,2 bilhões de reais registrado pelas indústrias brasileiras de cerveja no

ano de 2006, cerca R$ 10,3 bilhões foram destinados ao pagamento de tributos: 2,4

bilhões de reais referentes ao IPI, 6,7 bilhões de reais recolhidos ao ICMS e outros

1,2 bilhões de reais destinados ao pagamento do Programa de Integração Social

(PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS).

Segundo seus cálculos, o valor da carga tributária correspondeu a cerca de 46,40%

do faturamento da indústria, e teve um reflexo de 35,54% no preço final ao

consumidor. Ainda segundo a autora, a participação da cerveja na arrecadação dos

tributos indiretos é a maior entre todos os setores da economia que se dedicam à

produção de bens de consumo – 5,1% – superando até mesmo a carga incidente

sobre tabaco e automóveis.

A primeira medida mais abrangente adotada para diminuir a evasão fiscal foi

instituída pela Receita Federal em 2004. Foi a obrigatoriedade, a cervejarias com

produção superior a 5 milhões de litros/ ano, do uso do Sistema de Medição de

Vazão (SMV). O SMV é composto de equipamentos medidores de vazão,

condutivímetros e aparelhos para controle, registro, gravação e transmissão remota

dos dados medidos à Receita Federal. Esta, portanto, tem acesso, a qualquer

momento, aos números de produção, sem conhecimento das empresas, permitindo

o monitoramento contínuo da produção de cerveja nos estabelecimentos onde

estiver instalado.

A AmBev foi pioneira na adoção do mecanismo em sua fábrica em

Jaguariúna, interior de São Paulo, no ano de 2004. Após a instalação do primeiro

medidor, as demais cervejarias tiveram o prazo de seis meses para se adequar à

nova regra. Vale lembrar que o SMV já era amplamente utilizado nas indústrias de

bebidas, alimentos e farmacêutica em vários países do mundo. Nos Estados Unidos,

esses equipamentos são homologados pela Food and Drugs Administration (FDA)

para o controle de produção. Na Tailândia, são utilizados para a apuração dos

impostos da indústria de cervejas, com grande sucesso na redução da sonegação.

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No Brasil, o Sindicerv pesquisou e investiu em uma solução com o intuito de trazer o

que havia de melhor nas experiências em operação no mundo.

Ainda que não fosse considerado infalível no combate à sonegação, o

sistema foi um dos principais mecanismos de combate à evasão fiscal do setor nos

últimos anos. Logo em 2005, enquanto o volume de produção do setor cervejeiro

cresceu 6,5%, a arrecadação aumentou 15% – o equivalente a quase R$ 350

milhões – sendo que não houve nenhum tipo de alteração tributária no período. O

sucesso da medida foi tamanho que levou à sua adoção também no segmento de

refrigerantes, cachaça e água em 2007.

Apesar das melhorias possibilitadas pelo SMV, o dispositivo contabiliza

somente o volume de litros de produção. Diante da necessidade de aprimorar o

método de fiscalização em função da nova sistemática de tributação instituída pela

Lei nº 11.727/2008 – baseada no tipo de embalagem, marca comercial e preço – a

Receita Federal tornou obrigatório o uso do Sistema de Controle de Produção de

Bebidas (Sicobe) a todo o setor de bebidas em 2008 (MARTELLO, 2008).

Trata-se de um sistema que, além de contar a quantidade de produtos

fabricados pelos estabelecimentos industriais, também identifica o tipo de produto,

embalagem e sua respectiva marca comercial. As bebidas são marcadas pelo

Sicobe com códigos que funcionam como uma espécie de assinatura digital, e

possibilitam à Receita Federal fazer o rastreamento individual de cada bebida

produzida no país. Esses códigos contêm informações sobre o fabricante, a marca

comercial e a data de fabricação do produto.

A iniciativa não só foi apoiada pelo Sindicerv (―Apoiamos 100% o Sicobe. É

mais rigoroso do que o sistema de medidor de vazão, que era usado pela Receita

para controlar a produção de bebidas‖) como também pela principal empresa do

setor, a AmBev, primeira a ter 100% das instalações controladas pelo sistema:

―A sonegação servia de diferencial competitivo. Como os tributos compõem um terço

do preço, quem sonega vende mais barato. Está comprovado que o Sicobe intimidou

a sonegação".

Em 2009, a arrecadação de impostos federais do setor de bebidas aumentou

20% após a Receita Federal passar a controlar a produção de cervejas, refrigerantes

e água mineral com a instalação do Sicobe. No mesmo ano, o setor pagou R$ 8

bilhões em impostos federais e estaduais. Segundo a Receita Federal, o novo

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sistema é mais eficiente que o anterior porque permite fazer o rastreamento

individual de cada bebida produzida no país. Em 2009, a Receita controlou a

produção de 11 bilhões de litros de cerveja e de 13 bilhões de litros de refrigerantes

– correspondente a um faturamento de R$ 30 bilhões de reais – nas 108 fábricas, de

grande e médio portes, que já contavam com o sistema (ROLLI; FERNANDES,

2010).

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5 A COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS (AMBEV)

5.1 INTRODUÇÃO

Criada em 1999 a partir da fusão das duas cervejarias líderes do mercado

brasileiro – a CAP e a CCB – a AmBev faz parte da maior plataforma de produção e

comercialização de cervejas do mundo, por meio da Anheuser-Bush InBev

(ABInBev). Com operações em 14 países nas três Américas, é a quinta maior

cervejaria do mundo e a líder do mercado latino-americano. Suas operações

consistem na produção e comercialização de cervejas, refrigerantes, outras bebidas

não-alcoólicas e malte, dividindo-se em três unidades de negócio (AMBEV, 2010):

Operações Brasil, representadas pelas vendas de (i) cerveja; (ii)

refrigerantes e bebidas não-alcoólicas e não-carbonatadas; e (iii) malte

e sub-produtos;

América Latina Hispânica (HILA), dividida em duas operações: (i)

Quinsa, composta por operações na Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai

e Uruguai, e (ii) HILA excluindo Quinsa (denominada HILA-Ex),

composta pelas operações da Companhia em El Salvador, Equador,

Guatemala, Nicarágua, Peru, República Dominicana e Venezuela; e

América do Norte, representada pelas operações da Labatt Brewing

Company Limited (―Labatt‖), incluindo vendas de cerveja no Canadá e

exportações para os Estados Unidos (―EUA‖).

Dos países em que atua, é líder em pelo menos seis deles: Argentina,

Paraguai, Uruguai, Bolívia, Canadá e Brasil. Neste caso, é a líder do mercado de

cervejas com aproximadamente 70% de market share, posição mantida desde a sua

criação, em 1999. No segmento de refrigerantes e outras bebidas não-alcoólicas, é a

vice-líder, ficando atrás somente da Coca-Cola. Vale lembrar que a AmBev é a maior

engarrafadora da Pepsico no mundo (AMBEV, 2010).

A AmBev mantém vínculo com 47 empresas controladas (companhias nas

quais dispõe, direta ou indiretamente, de mais da metade do capital com direito a

voto ou outro tipo de controle sobre as operações que lhe permitam auferir

benefícios das atividades dessas companhias) e coligadas (pessoas jurídicas nas

quais exerce influência significativa sobre as políticas financeiras e operacionais,

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porém não o controle; em geral, isso é evidenciado por uma participação entre 20%

e 50% no capital votante). As principais empresas são listadas na Tabela 5-1,

juntamente com a respectiva participação acionária da AmBev.

País Empresa Localização Percentual de

participação

Argentina CERVECERIA Y MALTERIA QUILMES SAICA Y G

Buenos Aires 99,6%

Bolívia CERVECERIA BOLIVIANA NACIONAL S.A.

La Paz 86,1%

Brasil

COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS – AMBEV

São Paulo Companhia consolidadora

AMBEV BRASIL BEBIDAS LTDA.

Jaguariúna 100%

AROSUCO AROMAS E SUCOS LTDA.

Manaus 100%

EAGLE DISTRIBUIDORA DE BEBIDAS S.A.

Jaguariúna 100%

FRATELLI VITA BEBIDAS S.A. Jacarepaguá 99,5%

TAURUS INVESTMENTS SPC Cayman Islands 100%

Canadá LABATT BREWING COMPANY LIMITED – 207

Toronto 100%

República Dominicana COMPAÑIA CERVECERA AMBEV DOMINICANA, C. POR A.

Santo Domingo 100%

Equador Companhia Cervecera AMBEV ECUADOR S.A.

Guayaquil 100%

Guatemala INDUSTRIAS DEL ATLÁNTICO, SOCIEDAD ANÓNIMA

Zacapa 50%

Paraguai CERVECERIA PARAGUAY S.A. Ypané 87,2%

Peru COMPANÍA CERVECERA AMBEV PERU S.A.C.

Lima 100%

Uruguai CERVECERIA NACIONAL Payssandu 97,4%

Venezuela COMPAÑÍA BRAHMA VENEZUELA, S.A.

Caracas 51%

Tabela 5-1: Principais empresas controladas e coligadas da AmBev

Fonte: AmBev, 2010.

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5.2 MARCAS E PRODUTOS

Com a missão de ―Criar vínculos fortes e duradouros com os consumidores e

clientes, fornecendo-lhes as melhores marcas, produtos e serviços‖ e a visão de ―Ser

a Melhor Empresa de Bebidas em um Mundo Melhor‖, a AmBev é dona do portfólio

de bebidas mais diversificado do Brasil, que inclui as marcas apresentadas na tabela

abaixo.

Marcas Linha de produtos Ano de

lançamento da marca

Desenvolvedor País de origem

Segmento de cervejas

Skol . Skol Pilsen . Skol Beats

1967 Cervejarias Reunidas Skol-Caracu (adquirida pela CCB em 1980)

Brasil

Brahma

. Brahma Pilsen

. Chopp Brahma

. Brahma Malzbier

. Brahma Extra

. Brahma Liber

. Chopp Brahma Black

1888 CCB Brasil

Antarctica

. Antarctica Pilsen

. Antarctica Malzbier

. Antarctica Extra Cristal

. Antarctica Sub Zero

. Antarctica Chopp

. Antarctica Original*

1885

CAP (*Cervejaria Adriática, adquirida pela CAP em 1941)

Brasil

Bohemia

. Bohemia Pilsen

. Bohemia Weiss

. Bohemia Escura

. Bohemia Confraria

1853 Cervejaria Bohemia Brasil

Kronenbier . Kronenbier 1991 CAP Brasil

Serramalte . Serramalte Extra 1957 Cervejaria Serramalte, adquirida pela CAP em 1978

Brasil

Caracu . Caracu 1899 Cervejarias Reunidas Skol-Caracu (adquirida pela CCB em 1980)

Brasil

Polar . Polar Export 1929 Cervejaria Polar, adquirida pela CAP em 1972

Brasil

Quilmes . Quilmes Cristal 1888 Cervejaria e Maltaria Quilmes, adquirida pela AmBev em 2002

Argentina

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Pilsen . Pilsen 1956 Não encontrado Uruguai

Patrícia . Patrícia 1936 Compañía Salus S.A, adquirida pela AmBev em 2000

Uruguai

Norteña . Norteña 1948

Cerveceria y Malteria Paysandú (Cympai), adquirida pela AmBev em 2000

Uruguai

Stella Artois . Stella Artois 1366 Leuven's Den Horen Brewery

Bélgica

Budweiser . Budweiser 1883 Anheuser-Busch EUA

Paceña . Paceña 1888 Cerveceria Boliviana Nacional S.A.

Bolívia

Alexander Keith’s

. Alexander Keith‘s Não encontrado

Labatt Brewing Company Limited

Canadá

Segmento de refrigerantes e bebidas não-alcoólicas

Guaraná Antarctica

. Guaraná Antarctica Zero . Guaraná Antarctica Caçulinha . Guaraná Antarctica Ice . Guaraná Antarctica Açaí

1921 CAP Brasil

Soda Antarctica

. Soda Antarctica

. Soda Antarctica Diet 1912 CAP Brasil

Água Tônica Antarctica

. Tônica Antarctica

. Tônica Antarctica Diet 1914 CAP Brasil

Pepsi

. Pepsi Cola

. Pepsi Light

. Pepsi Twist

. Pepsi Twist 3

. Pepsi Twist Light

1898 Pepsico EUA

Sukita

. Sukita Laranja

. Sukita Uva

. Sukita Vitaminada

. Sukita Zero Açúcar

1976 Fratelli Vita Indústria e Comércio S.A., adqurida pela CCB em 1976

Brasil

H2OH!

. H2OH! Limão

. H2OH! Limão e Abacaxi com hortelã . H2OH! Limão e Maçã . H2OH! Limão e Maracujá

2006 Pepsico EUA

Teem . TEEM 1995 Pepsico EUA

Frutzzz . Laranja . Pêssego . Uva

2009 Pepsi Brasil Brasil

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Gatorade . Vários sabores 1988 Pepsico EUA

Guarah . Guarah 2007 AmBev Brasil

Lipton Ice Tea

. Pêssego (light)

. Limão (light)

. Chá Verde 1972 Pepsico Brasil

Propel Hydractive

. Kiwi-morango

. Limão

. Tangerina-laranja 2009 Pepsico EUA

Tabela 5-2: Portfólio atual da AmBev

Fonte: AmBev, 2010.

5.3 CULTURA

Em 2009, a AmBev contava com mais de 45 mil funcionários distribuídos em

64 fábricas, maltarias, Centros de Distribuição Direta e Centros de Excelência. Para

orientar a atuação de todos esses funcionários, a empresa dispõe de um conjunto de

10 princípios que definem quem quer ser e como quer agir, sendo a essência de sua

Cultura (AMBEV, 2009):

Sonho:

1. Nosso sonho nos motiva a trabalhar juntos com um único

objetivo: ser a Melhor Empresa de Bebidas em um Mundo

Melhor.

Ser a melhor é o que move a nossa Gente.

Seremos do tamanho do nosso sonho.

Nosso sonho é desafiador, factível e tem conseqüências

para todos nós.

Atingiremos nosso sonho de forma responsável.

Gente:

2. Pessoas excelentes, com liberdade para crescer em velocidades

condizentes com seus talentos e recompensadas

adequadamente, são os ativos mais valiosos da nossa

Companhia.

Gente excelente é fundamental.

Gente excelente atrai mais gente excelente.

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Líderes mantêm os caminhos livres.

Gente excelente gosta de meritocracia, informalidade e

sinceridade.

3. Nossos líderes devem selecionar pessoas com potencial para

ser melhor do que eles. Avaliaremos nossos líderes pela

qualidade das suas equipes.

Contratamos e selecionamos pessoas com potencial para

ser melhores do que nós.

Líderes precisam ter tempo para garantir que seu time

esteja engajado.

Proporcionamos experiências desafiadoras para ajudar a

desenvolver nossa Gente.

Cultura:

4. Nunca estamos completamente satisfeitos com os nossos

resultados. Foco e tolerância zero ajudam a garantir uma

vantagem competitiva duradoura.

O que importa são os resultados sustentáveis.

Focamos no que realmente interessa, no que nos trará

resultado.

Meios são importantes, mas sem resultados não

significam nada.

Celebramos nossas vitórias, mas imediatamente

buscamos novos desafios.

5. O consumidor é o patrão. Nos relacionamos com os

consumidores por meio de experiências significativas das

nossas marcas, unindo tradição e inovação, sempre de forma

responsável.

Consumidores e marcas são o nosso foco.

Conhecer nosso consumidor é a chave para o sucesso.

Tradição é importante para o nosso compromisso com os

consumidores.

Somos embaixadores dos nossos produtos.

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6. Somos uma Companhia de donos. Donos assumem resultados

pessoalmente.

Somos donos da Companhia e isso se reflete em nossas

decisões.

Aceitamos responsabilidades e vivemos as

consequências de nossas decisões.

Construímos nosso negócio todos os dias.

Donos assumem resultados e desafios pessoalmente.

7. Acreditamos que bom senso e simplicidade orientam melhor que

sofisticação e complexidade.

Senso comum e simplicidade conduzem a um melhor

julgamento.

Nossas ações são o resultado do que falamos.

Tomamos decisões baseadas em fatos e dados.

Mantemos a transparência e clareza no que fazemos.

Somos disciplinados na forma como executamos e

monitoramos nossos resultados.

8. Gerenciamos nossos custos rigorosamente para liberar mais

recursos para suportar nosso crescimento no mercado.

Controlamos nossos custos, sempre buscando

oportunidades.

Empresas ―enxutas‖ não apenas têm mais chance de

sobreviver em tempos difíceis como prosperam mais do

que as outras nos bons momentos.

Usamos o ―dinheiro que não gera valor para a

Companhia‖ para investir naquilo que gera valor e suporta

nosso crescimento no mercado – coisas que os

consumidores vêem, tocam e bebem e aquilo pelo qual

eles estão dispostos a pagar mais.

9. Liderança pelo exemplo pessoal é o melhor guia para nossa

Cultura. Fazemos o que falamos.

Exemplo pessoal, atitudes e comportamento são muito

mais poderosos do que as palavras.

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Vivemos o nosso trabalho todo dia com paixão e com

senso de urgência.

Liderança é a chave para apresentar resultados, junto

com a sua equipe, fazendo as coisas da maneira correta.

Líderes vão aonde as ―coisas acontecem‖.

Gerenciamos, sempre que possível, de onde devemos

estar: no campo.

10. Não pegamos ―atalhos‖. Integridade, trabalho duro e

consistência são a chave para construir nossa Companhia.

Adotar os mais elevados padrões de integridade na

condução do nosso negócio sempre valerão a pena.

A segurança da nossa Gente, a qualidade dos nossos

produtos e a singularidade da experiência do nosso

consumidor nunca podem ser comprometidas.

5.4 ORGANIZAÇÃO INTERNA

A AmBev não publica a sua estrutura organizacional; porém, com base nas

informações dos entrevistados, foi possível fazer um esboço de como a cervejaria

está organizada.

O órgão máximo de sua linha hierárquica é o Conselho de Administração

(CA). Composto por nove membros efetivos, determina o direcionamento geral

estratégico da companhia. Os conselheiros são responsáveis pela nomeação dos

diretores executivos e por garantir que valores, ética e cultura da empresa sejam

praticados e disseminados entre os colaboradores. Todos os conselheiros são

acionistas da AmBev e nenhum exerce cargo executivo na Companhia, visando

garantir maior independência e autonomia entre os principais órgãos de

Governança. Os membros são eleitos nas Assembléias Gerais de acionistas para

um mandato de três anos, com reeleição permitida. O bloco controlador é formado

pela Anheuser-Busch InBev e pela FAHZ, que juntas detêm 90,9% do capital votante

e 71,4% do capital total da empresa.

O Conselho de Administração recebe o apoio de dois Comitês: de Operações

e Finanças e de Compliance. O primeiro tem a finalidade de promover e manter uma

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cultura ética, competitividade e alcance de objetivos de longo prazo, assistindo o CA

em relação a inúmeras matérias, como Gente & Gestão, inovação, boas práticas,

dentre outras. Já o segundo tem por finalidade assistir o CA em operações com

partes relacionadas; situações de conflito de interesses; cumprimento dos

dispositivos legais, regulamentares e estatutários referentes a condutas,

concorrências; dentre outros.

Os membros do Conselho Fiscal são eleitos pelos acionistas em Assembléia

Geral, realizada uma vez ao ano. O mandato é de um ano com reeleição permitida.

As principais atribuições do Conselho Fiscal são: fiscalizar os atos dos

administradores; verificar o cumprimento dos seus deveres legais e estatutários; e

analisar e dar parecer sobre as demonstrações financeiras da Companhia. Como os

membros são independentes, sua isenção é garantida. Nenhum membro integra o

Conselho de Administração ou a Diretoria Executiva, sendo um deles representante

dos acionistas minoritários.

Acionistas

Conselho Fiscal

AGO

Conselho de Administração

Comitê de Compliance

Diretoria Executiva

Comitê de Operações e

Finanças

Figura 5-1: Esquema de governança da AmBev

Fonte: Baseado em AmBev (2009).

A Diretoria Executiva é integrada por 11 diretores, com mandato de três anos

e possibilidade de reeleição. É responsável pela gestão dos negócios da AmBev e

por apresentar propostas de planejamento de médio e longo prazos ao Conselho de

Administração. Os diretores são profissionais experientes que conhecem os

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mercados de atuação da AmBev e que estão na empresa, em média, há cerca de

dez anos.

Diretor Geral da AmBev

DIRETORIA EXECUTIVA

Diretor Industrial

Diretor de TI e Serviços

Compartilhados

Diretor Financeiro e de Relações com Investidores

Diretor de Marketing

Diretor Jurídico

Diretor de Relações

Corporativas

Diretor de Gente & Gestão

Presidente da Labatt

Presidente da Quinsa

Diretor de Logística

Diretor de Vendas

Diretor para HILA-Ex e de

Refrigerantes

Figura 5-2: Diretoria Executiva da AmBev

Fonte: Baseado em AmBev (2009).

Diretamente ligada ao Diretor de Vendas, existe uma rede de Diretorias

Regionais que são responsáveis pela operação dos negócios da AmBev, incluindo

as atividades de produção, envasamento e distribuição. A Figura 5-3 apresenta a

estrutura básica de uma dessas Diretorias, inspirada na Regional Rio de Janeiro.

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Diretor Regional

Gerente Jurídico

Gerente Comercial

(GC)

Gerente Adm.-

Financeiro (GAF)

Gerente de Informática

Gerente de Gente & Gestão

Jacarepaguá

Campo Grande

Campos

Niterói

São Cristóvão

Gerência de 1ª Linha

Gerentes de Distribuição

Direta (GDDs)

Gerente de Operação e Distribuição

(GOD)

Responsáveis pelos CDDs

Figura 5-3: Estrutura básica de uma Diretoria Regional

Fonte: Baseado nas entrevistas.

A área central de uma Diretoria Regional é a de Vendas, que contempla as

Gerências Comercial e de Distribuição Direta. Esta é responsável pela operação das

unidades próprias da AmBev – os Centros de Distribuição Direta (CDDs) – e

coordena dois tipos principais de estrutura: a de vendas, composta pelos

vendedores AmBev que visitam duas vezes por semana mais de um milhão de

PDVs por todo o Brasil, e a de Trade Marketing, que cuida de toda a visibilidade das

marcas da empresa nos PDVs, bem como de eventos e do relacionamento com

clientes considerados especiais (margem alta ou grande volume).

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Gerente de Distribuição Direta (GDD)

Gerentes de Vendas

Supervisores de Vendas

Gerente de Trade

Marketing

Vendedores

Supervisores de Trade

Marketing

Salas de Vendas

Mesas de Vendas

Marcas

Trade Marketing VIP e Eventos

Auxiliares

Repositores

Figura 5-4: Estrutura básica da Gerência Regional de Distribuição Direta

Fonte: Baseado nas entrevistas.

A forma de organização básica da Gerência de Distribuição Direta são as

Salas de Vendas. Cada Sala é composta por um conjunto de Mesas de Vendas,

divididas não por produto, mas por segmentos de cliente. Há três divisões bem

claras (ENTREVISTADO #1): as pessoas que vendem para o frio, que são os

botecos e restaurantes que comercializam o produto gelado pronto para o consumo;

as pessoas que vendem para o quente, que são os depósitos, que comercializam

para o consumo em casa; e aqueles que vendem para o que se chama de auto-

serviço (AS), que são supermercados e lojas de conveniência.

Cada Mesa de Vendas é liderada por um Supervisor de Vendas, que

coordena uma equipe de vendedores e de repositores (funcionários que repõem os

produtos nos PDVs). Os vendedores de uma mesma Mesa são divididos por marca,

da seguinte maneira: há sempre duplas que cobrem os mesmo PDVS, porém um

cuida da marca mais vendida enquanto o outro cuida das outras marcas, como se

fosse um espelho.

Existe, por exemplo, a questão do vendedor espelho, em que um vende Skol e Brahma e o outro vende Antarctica e Bohemia. Eu não lembro agora, mas eles não vendem os mesmos produtos, mas vendem para os mesmos

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PDVs. Eles não competem. Algumas vezes pode acontecer, como, por exemplo, se o cara estiver querendo aumentar o volume do seu produto e empurra mais produto em detrimento do outro. Mas isso é uma situação com qual o supervisor de vendas tem que lidar muito bem. (ENTREVISTADO #1)

A Figura 5-5 ilustra o funcionamento de uma Sala de Vendas.

Mesa 1 Mesa 2 Mesa 3

Mesa 4 Mesa 5 Mesa 6

GVGerente de

Vendas

Supervisores de Vendas

Vendedores M1

Mesa de Refrigerantes e Bebidas Não-

alcoólicas

Vendedores M2, M3

Figura 5-5: Estrutura básica de uma Sala de Vendas

Fonte: Baseado nas entrevistas.

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6 ANÁLISE

Este capítulo está organizado em duas grandes partes. Primeiramente, as

trajetórias das duas empresas que deram origem à AmBev – CAP e CCB – são

analisadas comparativamente, tendo como base o Modelo de Requisitos para o

Desenvolvimento da Propensão à Auto-perpetuação (FLECK, 2009a). Além de

apresentar o contexto em que a AmBev surgiu, este bloco servirá de referência para

a segunda parte da análise, onde será feita a comparação da situação atual da

AmBev em relação ao momento de sua criação, buscando compreender, após dez

anos de existência, como se comportou a estratégia desenvolvida pelo Banco

Garantia em relação às respostas aos desafios de sucesso no longo prazo.

6.1 ANTECEDENTES DA AMBEV: CAP X CCB

A Tabela 6-1 contém um quadro resumo com a comparação histórica da CAP

e da CCB tendo como base as suas respostas aos cinco desafios do crescimento

propostos por Fleck (2009a). A Tabela foi dividida em três grandes fases, definidas a

partir de eventos críticos identificados pelo pesquisador ao longo de sua

investigação, a saber:

Fase 1: compreende o período da época em que surgiu o embrião das

duas cervejarias (final do século XIX) até os anos 20 do século XX,

quando ambas se diversificaram rumo a bebidas não-alcoólicas;

Fase 2: período em que tanto a CAP quanto a CCB consolidaram a

indústria nacional, expandindo-se por todo o país e adquirindo uma

série de cervejarias regionais; e

Fase 3: vai de 1989, ano em que o Banco Garantia se tornou o

controlador da CCB, até 1999, quando foi anunciada a fusão entre as

duas cervejarias e a criação da AmBev. Essa delimitação foi

estabelecida para facilitar a análise das iniciativas empreendidas pelo

Banco Garantia em comparação com aquelas desenvolvidas pela CAP.

As linhas da Tabela 6-1 contêm as principais dimensões dos desafios

propostos por Fleck (2009a). Vale ressaltar que nem sempre foi possível encontrar

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evidências para se analisar os traços das duas empresas para todas as dimensões

dos desafios, em todas as três fases.

Após a Tabela 6-1, será feita uma análise comparativa mais detalhada das

respostas das duas empresas aos desafios do sucesso no longo prazo.

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Desafio Dimensão de análise Final do século XIX até os anos 1920: Surgimento e diversificação inicial

CAP CCB

Empreender

Estratégia de expansão: exploração x explotação (MARCH, 1991)

- Combinação de estratégias de exploração (produção de baixa fermentação, refrigerantes e geladeiras a gelo) e de explotação (ampliação da produção de cerveja).

- Estratégia de explotação, já que seguiu os movimentos da CAP com alguma defasagem de tempo

Serviços empreendedores (PENROSE, 1959)

- Ambição (pioneirismo de seus movimentos de diversificação e de expansão) - Versatilidade (diversificação) - Julgamento (negócios sinérgicos com a produção de cerveja e de gelo) - Levantamento de financiamento (primeira a ser tornar S.A.)

- Ambição (movimentos de diversificação e expansão) - Versatilidade (diversificação) - Julgamento (negócios sinérgicos com a produção de cerveja) - Levantamento de financiamento (capital alemão e depois ao se tornar S.A.)

Motivação da expansão (CHANDLER, 1977; FLECK, 2009a)

- Defensiva: aquisição de concorrentes e início de expansão geográfica pelo Brasil (SP e RJ), buscando ocupar espaços antes da CCB

- Defensiva: aquisição de concorrentes e início de expansão geográfica pelo Brasil (SP e RJ), respondendo aos movimentos da CAP

Gestão do risco (PENROSE, 1959)

- Sem evidências - Sem evidências

Navegar no ambiente

Monitoramento do ambiente (FLECK, 2009a)

- Sem evidências - Sem evidências

Respostas estratégicas a pressões externas (OLIVER, 1991)

- Sem evidências - Sem evidências

Gerir a diversidade

Compartilhamento de recursos homogêneos/ intercâmbio de recursos heterogêneos (FLECK, 2009a)

- Sem evidências - Sem evidências

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122

Capacitações em coordenação (FLECK, 2009a)

- Sem evidências - Sem evidências

Aprovisionar recursos gerenciais

Antecipação de necessidades (FLECK, 2009a)

- Sem evidências - Sem evidências

Manutenção da qualidade dos recursos e criação de vínculos com a organização (FLECK, 2009a)

- Sem evidências - Sem evidências

Gerir a complexidade

Levantamento e análise de dados (FLECK, 2009a)

- Sem evidências - Sem evidências

Identificação e priorização de soluções (FLECK, 2009a)

- Sem evidências - Sem evidências

Aprendizado (FLECK, 2009a)

- Sem evidências - Sem evidências

Desafio Dimensão de análise Década de 30 a 1988: Expansão nacional

CAP CCB

Empreender

Estratégia de expansão: exploração x explotação (MARCH, 1991)

- Estratégia de explotação, sem nenhum tipo de inovação

- Estratégia de explotação, sem nenhum tipo de inovação

Serviços empreendedores (PENROSE, 1959)

- Ambição (esforços crescentes para expandir-se nacionalmente) - Sem versatilidade (hiato de inovação)

- Ambição (esforços crescentes para expandir-se nacionalmente) - Versatilidade em embalagens

Motivação da expansão (CHANDLER, 1977; FLECK, 2009a)

- Defensiva: aquisição de concorrentes e disputa contra a CCB pelas oportunidades de expansão, especialmente através de aquisições

- Defensiva: aquisição de concorrentes e disputa contra a CAP pelas oportunidades de expansão, especialmente através de aquisições

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Gestão do risco (PENROSE, 1959)

- Sem evidências - Sem evidências

Navegar no ambiente

Monitoramento do ambiente (FLECK, 2009a)

- Sem evidências - Sem evidências

Respostas estratégicas a pressões externas (OLIVER, 1991)

- Sem evidências - Sem evidências

Gerir a diversidade

Compartilhamento de recursos homogêneos/ intercâmbio de recursos heterogêneos (FLECK, 2009a)

- Manutenção de algumas cervejarias adquiridas, chegando a incorporar seus produtos ao portfólio Antarctica como forma de lidar com a diversidade regional - Grupo formado por 28 empresas coligadas ou controladas, porém governadas com centralização da tomada de decisão

- Companhias adquiridas com o objetivo único de aumentar capacidade produtiva, descontinuando os seus produtos e substituindo pelo portfólio Brahma - Padronização de processos - Centralização da tomada de decisão na controladora

Capacitações em coordenação (FLECK, 2009a)

- Sem evidências - Sem evidências

Aprovisionar recursos gerenciais

Antecipação de necessidades (FLECK, 2009a)

- Três crises de sucessão que duraram quase meio século, envolvendo brigas judiciais pelo controle da cervejaria

- Sem problemas sucessórios, com o comando alternando entre herdeiros e profissionais de carreira na empresa, todos com experiência no negócio

Manutenção da qualidade dos recursos e criação de vínculos com a organização (FLECK, 2009a)

- Sem evidências - Sem evidências

Gerir a complexidade

Levantamento e análise de dados (FLECK, 2009a)

- Sem evidências - Sem evidências

Identificação e priorização de soluções (FLECK, 2009a)

- Sem evidências - Sem evidências

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124

Aprendizado (FLECK, 2009a)

- Sem evidências - Sem evidências

Desafio Dimensão de análise De 1988 a 1999: Reviravolta na indústria

CAP CCB

Empreender

Estratégia de expansão: exploração x explotação (MARCH, 1991)

- Estratégia de explotação, sem nenhum tipo de inovação

- Estratégia de explotação, com pouca ênfase em inovação de produto

Serviços empreendedores (PENROSE, 1959)

- Ambição (esforços crescentes para expandir-se nacionalmente) - Versatilidade (embalagens; renovação e extensão de linhas de produtos existentes) - Levantamento de financiamento: alto grau de endividamento

- Ambição (esforços crescentes para expandir-se nacional e internacionalmente) - Versatilidade (embalagens; renovação e extensão de linhas de produtos existentes; diversificação para NANCs através da parceria com a Pepsico) - Levantamento de financiamento: lançamento de ADRs na NYSE

Motivação da expansão (CHANDLER, 1977; FLECK, 2009a)

- Defensiva: aquisição de concorrentes e disputa contra a CCB e demais marcas de baixo custo pelas oportunidades de expansão e ganhos de market share

- Defensiva: aquisição de concorrentes e disputa contra a CAP e demais marcas de baixo custo pelas oportunidades de expansão e ganhos de market share

Gestão do risco (PENROSE, 1959)

- Sem evidências - Sem evidências

Navegar no ambiente

Monitoramento do ambiente (FLECK, 2009a)

- Falha ao não perceber a movimentação das cervejarias de baixo custo, deixando-as roubar sua participação de mercado - Foco excessivo para dentro

- Falha ao não perceber a movimentação das cervejarias de baixo custo, deixando-as roubar sua participação de mercado

Respostas estratégicas a pressões externas (OLIVER, 1991)

- Falha na resposta às marcas de baixo custo, fracassando no lançamento da Bavaria e realizando guerra de preços

- Resposta bem sucedida às marcas de baixo custo, com o lançamento da Skol, que se tornou a líder do mercado

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Gerir a diversidade

Compartilhamento de recursos homogêneos/ intercâmbio de recursos heterogêneos (FLECK, 2009a)

- Manutenção de algumas cervejarias adquiridas, chegando a incorporar seus produtos ao portfólio Antarctica como forma de lidar com a diversidade regional Grupo formado por 28 empresas coligadas ou controladas, porém governadas com centralização da tomada de decisão

- Companhias adquiridas com o objetivo único de aumentar capacidade produtiva, descontinuando os seus produtos e substituindo pelo portfólio Brahma (exceção para a Skol-Caracu) - Padronização de processos e métodos de trabalho - Descentralização administrativa e autonomia mediante pactuação de metas - Desenvolvimento de instrumentos de controle interno para alinhamento de funcionários com os interesses dos acionistas

Capacitações em coordenação (FLECK, 2009a)

- Complexa estrutura de governança - Coordenação independente das atividades de cervejas e de refrigerantes - Criação de Diretorias Regionais

Aprovisionar recursos gerenciais

Antecipação de necessidades (FLECK, 2009a)

- Demissão de quase 2/3 dos funcionários, com substituição em áreas específicas (Marketing, por exemplo)

- Demissão da metade dos funcionários - Programa Trainee para o recrutamento de jovens talentos e renovação dos quadros - Estímulo ao desenvolvimento de sucessores em todos os níveis gerenciais

Manutenção da qualidade dos recursos e criação de vínculos com a organização (FLECK, 2009a)

- Sem evidências

- Universidade Corporativa - Avaliação de desempenho sistemática com base em metas individuais vinculadas aos objetivos corporativos e remuneração variável - Aumento da competição interna, adoção de práticas anti-éticas entre pares e, assim, aumento do passivo trabalhista - Estímulo ao desenvolvimento de jovens líderes

Gerir a complexidade

Levantamento e análise de dados (FLECK, 2009a)

Insuficiência de sistemas informatizados de apoio à tomada de decisão

- Desenvolvimento de sistemas informatizados de apoio à decisão nas áreas de contabilidade, distribuição, logística e marketing

Identificação e priorização de soluções (FLECK, 2009a)

- Presa às soluções que deram certo no passado, com aversão a identificar problemas e desenvolver novas soluções - Predomínio da prudência e do conservadorismo na tomada de decisões

- Realização de benchmarking mundial em diversas áreas do negócio, buscando novas abordagens - Contratação de consultorias para diagnóstico e proposição de soluções - Adoção do método EVA como critério principal para

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126

a tomada de decisão

Aprendizado (FLECK, 2009a)

Complexa estrutura de governança impedia o aprendizado

Sem evidências

Tabela 6-1: Quadro comparativo histórico das respostas da CAP e da CCB aos desafios do crescimento

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6.1.1 Desafio de empreender

Em termos gerais, pode-se dizer que, com exceção da primeira fase, as

respostas da CAP e da CCB às dimensões do desafio de empreender foram

praticamente semelhantes.

A distinção no primeiro período decorre do fato de a CAP combinar

efetivamente as estratégias de exploração e de explotação propostas por March

(1991). No que se refere ao primeiro tipo de estratégia, a cervejaria foi pioneira em

três principais aspectos:

Primeira fábrica de cerveja do país com tecnologia apropriada para a

produção de baixa fermentação, permitindo a realização dessa

atividade em escala industrial;

Primeira cervejaria a diversificar para o segmento de bebidas não-

alcoólicas, passando a produzir água mineral e refrigerantes em escala

industrial. Além disso, foi pioneira na pesquisa com guaraná para fins

alimentícios, que se tornou responsável pelo lançamento do primeiro

refrigerante de guaraná no Brasil em 1921; e

Responsável pela fabricação das primeiras geladeiras a gelo do país,

utilizadas tanto em casas comerciais quanto em residências (1915). O

gelo para o funcionamento do equipamento era fornecido pela própria

empresa, por meio de assinaturas de consumidores.

Já em relação à estratégia de explotação, a CAP, paralelamente às

inovações, deu continuidade às suas atividades principais – a produção de cervejas

e de gelo – ampliando sua capacidade produtiva, aprimorando seus processos

produtivos e expandindo a comercialização de suas bebidas geograficamente.

A CCB, em contrapartida, fez uso apenas de estratégia de explotação, pois se

limitou a seguir os movimentos de sua concorrente paulista com alguma defasagem.

A cervejaria não foi capaz de apresentar nenhum tipo de novidade ao mercado,

contentando-se apenas em copiar as mesmas oportunidades de expansão que já

haviam sido desbravadas pela CAP. Por exemplo, o uso de tecnologia para

produção de cerveja de baixa fermentação só iniciou-se em 1896, 8 anos depois da

CAP. Enquanto a CCB ainda produzia cerveja de alta fermentação, de cor escura e

sabor amargo, a CAP já operava há tempos em escala industrial com a produção de

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baixa fermentação, desenvolvendo domínio sobre a nova tecnologia e oferecendo

um produto de maior qualidade e mais agradável ao paladar.

O processo de diversificação da CCB para o segmento de bebidas não-

alcoólicas também apresentou defasagem em relação à CAP. A companhia passou

a atuar nesse setor em 1918, quando lançou seis refrigerantes. Todavia, à época, a

CAP já dispunha de três refrigerantes e uma água mineral em seu portfólio de

produtos, tendo em vista que sua inserção no segmento iniciou-se em 1909, quase

dez anos antes. O caso do guaraná evidencia o atraso da CCB em relação à CAP: a

primeira bebida desse tipo desenvolvida pela CCB – o Guaraná Genuíno – foi

registrada somente em 1924, três anos após a CAP lançar o Guaraná Champagne

Antarctica. Vale lembrar que a empresa paulista iniciara as pesquisas com o

guaraná em 1905, vinte e dois anos antes da versão definitiva do produto da CCB –

Guaraná Brahma – ser finalmente lançada em 1927.

Apesar dessas diferenças iniciais, o que se vê no decorrer das fases

seguintes é que as duas cervejarias uniformizaram as suas maneiras de

empreender. Após a diversificação inicial, não houve mais nenhum tipo de inovação

substancial, com ambas restringindo-se a adotar estratégias de explotação. O foco

na inovação deu lugar à execução, não só no aprimoramento dos processos

produtivos e de distribuição, mas também na busca pela expansão nacional.

No meu entender, [a Brahma] não [era inovadora]. Ela, como a Antarctica, valorizava a compra de qualquer cervejaria que aparecesse no país, por isso elas se tornaram grandes. (ENTREVISTADO #9)

A atuação da CCB no segmento de bebidas não-alcoólicas é um exemplo da

renúncia à inovação. A empresa abriu mão de investir internamente no

desenvolvimento de novos produtos para incorporar ao seu portfólio marcas de

outras empresas, mediante contratos de concessão. O principal exemplo dessa

estratégia foi a parceria com a Pepsico, estabelecida em 1984, através da qual a

CCB se tornou engarrafadora e distribuidora dos produtos da empresa norte-

americana no Brasil. Outro caso foi a concessão da Unilever para fabricar,

comercializar e distribuir o chá gelado Lipton Ice Tea, líder mundial nesse segmento,

em 1997.

Ao longo da segunda e da terceira fases, observa-se que a CAP e a CCB

realizaram uma corrida expansionista pelo domínio do mercado nacional, buscando

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entrar primeiro nos principais centros consumidores. Para tal, apesar de também

crescerem organicamente através de investimentos para a construção de fábricas e

filiais, adquiriram várias cervejarias locais espalhadas por todo o Brasil,

consolidando a indústria nacional. Tomando como base Chandler (1977), não foram

encontradas evidências de que tais movimentos de expansão objetivassem o ganho

de economias de escala ou escopo, mas não há dúvidas de que foram expansões

de caráter defensivo, já que cada empresa tinha o intuito de evitar a entrada do

concorrente nos mercados-alvo.

Em relação aos serviços empreendedores (PENROSE, 1959), a principal

qualidade identificada nas duas empresas é a ambição, refletida na busca por níveis

maiores de lucratividade. Observa-se, porém, que o perfil ambicioso da CAP se

aproximou do que Penrose (1959) chama de construtor de império (“empire-

builder”), especialmente quando Walter Belian esteve à frente da cervejaria. Belian,

que dirigiu a empresa por quase 30 anos, tinha esse desejo pelo poder de estar à

frente do império industrial que era a CAP, sendo responsável pela maioria das

aquisições da empresa na década de 70.

Se a CAP foi mais versátil na primeira fase, sendo pioneira em termos de

inovação e diversificação, pode-se afirmar que, a partir da segunda fase, a CCB

passou a dar mais sinais de imaginação e visão com as novidades em termos de

embalagens, que contribuíam para o aumento do consumo de bebidas. A grande

mudança, porém, ocorreu após a entrada do Banco Garantia, quando a companhia

desenvolveu duas estratégias de expansão.

Primeiro, investiu no segmento de bebidas não-alcoólicas, buscando tornar-se

uma empresa completa dentro do conceito de “Total Beverage Company” (CCB,

1997). Além de ampliar seu portfólio com o segundo refrigerante de cola do mundo

(Pepsi-Cola, através da parceria com a Pepsico), a CCB acompanhou a tendência

de consumo mais saudável, com o isotônico Marathon e a concessão do Lipton Ice

Tea. Enquanto isso, a CAP manteve-se limitada ao segmento de refrigerantes,

comercializando as mesmas bebidas que havia lançado no início do século XX.

A segunda estratégia da CCB foi de internacionalização, com a construção de

sua primeira planta fora do Brasil, na Argentina (onde já atuava através de

exportação da cerveja Brahma), e a aquisição da Companhia Cervecera Nacional,

da Venezuela, que ocupava a segunda posição daquele mercado. Enquanto

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130

intencionava se tornar um “World Class Player” (CCB, 1997), a CAP manteve-se

concentrada ao mercado brasileiro, restringindo-se a ampliar a base de países para

onde exportava seus produtos, sem realizar nenhum tipo de investimento produtivo.

Diante de tudo que foi mencionado, especialmente a falta de inovação e a

corrida expansionista, conclui-se que o processo de crescimento e de renovação

tanto da CAP quanto da CCB condiz com o motor de crescimento inercial proposto

por Fleck (2003), crescendo de forma quantitativa com base nas mesmas atividades

e produtos.

Tal crescimento, por sua vez, só foi possível pela capacidade de crescimento

da indústria brasileira de cervejas, decorrente da padronização da oferta de

cervejas, coerente com o motor de co-evolução proposto por Chandler (1977). O

mercado brasileiro é caracterizado pela baixa diversificação de produtos, sendo a

cerveja do tipo Pilsen responsável por 98% de toda a produção vendida no país.

Segundo Santos (2001), a pouca diversificação tem suas origens no

desenvolvimento da cerveja no Brasil, que foi direcionado à uniformização dos

sabores oferecidos ao mercado. Tipos alternativos de cerveja, como Porter e

München, foram retirados do mercado ou tiveram sua oferta diminuída

sensivelmente. Nesse aspecto, o mercado brasileiro caminhou em sentido inverso

ao que ocorre em países tradicionais na produção de cerveja.

A Figura 6-1 demonstra o funcionamento e a conexão entre os dois motores

de crescimento da indústria de cervejas brasileira.

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131

Esforços

cooperativos entre as cervejarias

Competição com

base em MKT: canais de distribuição e

promoção

+

+

Homogeneização dos

produtos oferecidos ao mercado

Crescimento da

indústria

CN

CN

CERVEJARIAS

INDÚSTRIA

Consumo per capita muito baixo

em comparação com outros países

Expansão nacional centrada na

ampliação de ativos operacionais

As marcas Antarctica e Brahma se tornaram as

mais desejadas pelo mercado, havendo estímulo através de ações de marketing

Demanda insatisfeita

por cervejas

Réplica das

operações existentes ampliando o

consumo

Difusão dos

benefícios da cerveja pilsen, aumentando a

sua demanda

Padronização da

oferta, com a cerveja do tipo pilsen

++

Motor de

crescimento

contínuo

Motor de co-

evolução

Figura 6-1: Os dois motores de crescimento na indústria brasileira de cervejas

Fonte: Baseado em Fleck (2003).

6.1.2 Desafio de navegar no ambiente

Não foram encontradas evidências que permitissem uma análise histórica

mais aprofundada sobre as respostas das duas empresas ao desafio de navegar no

ambiente no período anterior a 1980. Em função da proximidade temporal, as

evidências coletadas abrangem o período mais recente que vai do final da década

de 70 até o final da década de 90 do século XX.

Observa-se que tanto a CAP quanto a CCB deram demonstrações de falha

em uma tarefa que Fleck (2009a) considera fundamental para uma resposta efetiva

a este desafio: o monitoramento do ambiente. Dois fenômenos em especial

demonstram a fraqueza das empresas neste quesito: as mudanças na economia

brasileira e o surgimento de novos concorrentes.

Com a redução do poder aquisitivo em decorrência do processo inflacionário,

houve, além da redução do consumo total, a migração dos consumidores das

marcas mais tradicionais – Brahma e Antarctica – para as de baixo custo, como

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132

Schincariol, Kaiser e Itaipava. Como pode ser visto no Gráfico 6-1, a marca

Antarctica saiu da liderança do mercado brasileiro com 40,8% de market share em

1989 para 17,5% em 1998. De forma semelhante, a marca Brahma foi de 37,8% em

1989 para 22,5% em 1998.

40,8%

37,8% 35,1%

34,0%

31,5%

30,2%

31,9%

25,5%

20,3%

17,5%

37,8%

38,1% 38,0%

37,4%

35,2%

33,3%

31,4% 28,6%

24,9%

22,5%

12,5% 12,7%13,3%

14,1%

15,0%16,8%

15,2%

20,3%

23,2%

25,3%

7,9%

9,8%

11,6% 11,5%

13,6%13,9%

14,6%

16,7%

15,9%

15,5%

0,0% 0,0%

4,9%

7,3%

0,2%0,8% 1,2%

2,1%

3,8%4,7%

5,4% 5,3%

7,8%

0,8%0,8% 0,8% 0,9%

0,9%1,1%

1,5%3,6%

3,0%

4,6%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

45%

1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

Antarctica

Brahma

Skol

Kaiser

Bavaria

Schincariol

Outras (premium)

Gráfico 6-1: Evolução do market share de cerveja no Brasil – década de 90

Fonte: Baseado em Ferrari (2008), Sindicerv (2010) e Sull (2005).

O Gráfico 6-1 acima mostra ainda que, se falharam no monitoramento do

ambiente, as duas cervejarias adotaram respostas estratégicas bem distintas às

pressões exercidas pelos novos concorrentes. Apesar de ambas agirem de maneira

proativa às pressões, a CCB foi mais bem sucedida em função de dois aspectos: o

processo de mudança empreendido pelo Banco Garantia e o sucesso no

relançamento da marca Skol, que se tornou a líder do mercado no final da década

de 90.

Vale lembrar que todo o posicionamento da nova Skol decorreu de uma série

de pesquisas desenvolvidas pela CCB, que passou a investir em inteligência de

mercado de maneira antecipada para compreender melhor o comportamento dos

consumidores. A CAP também investiu nesse quesito, porém de forma atrasada em

comparação com sua concorrente.

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133

6.1.3 Desafio de gerir a diversidade

As evidências coletadas apontaram para uma grande diferença na forma com

que a CAP e a CCB gerenciaram o aumento da diversidade decorrente de seus

movimentos de expansão. Como já mencionado, ambas fizeram bastante uso de

aquisições para tornar suas operações de escala nacional, estando presentes em

todas as regiões do País. Todavia, a maneira com que se deu a integração das

empresas adquiridas foi divergente.

A CAP, por um lado, apresentou evidências de preconizar a preservação de

algumas das cervejarias adquiridas, incorporando muitas marcas ao seu portfólio de

produtos como forma de lidar com a diversidade regional em termos de consumo,

que se constituía em importante barreira de entrada. Por exemplo, as cervejas

Bavária (Cervejaria Bavária), Original (Cervejaria Adriática), Bohemia (Cervejaria

Bohemia), Polar (Cervejaria Polar) e Serra-Malte (Cervejaria Serramalte)

continuaram presentes no mercado durante toda a história da CAP.

Além disso, apesar de se constituir em um grupo formado por 28 empresas

coligadas ou controladas, a CAP preconizou a centralização da tomada de decisão

mediante um esquema complexo de governança. Até 1995, a CAP não tinha um

presidente ou executivo-chefe. O órgão máximo de decisão era o Conselho de

Administração, e boa parte de seus integrantes acumulava postos na diretoria.

Muitas decisões, por mais simples que fossem, tinham de receber a ―bênção‖ desse

grupo. A concessão de um desconto para um bar no interior da Bahia, por exemplo,

era discutida pelos diretores em São Paulo. Conseqüentemente, muitas decisões

podiam se arrastar por até dez dias (CASTANHEIRA, 1995).

A CCB, por outro lado, gerenciou o aumento da diversidade com muito mais

ênfase na padronização de produtos, processos e métodos de trabalho.

Diferentemente da CAP, suas aquisições objetivavam unicamente o aumento da

capacidade produtiva, descontinuando os produtos das cervejarias adquiridas e

introduzindo o portfólio Brahma em suas linhas de produção. A única exceção foram

as Cervejarias Reunidas Skol-Caracu S.A., adquiridas em 1980. Não foi possível

descobrir a razão, mas a CCB manteve a autonomia da cervejaria, dando

continuidade à linha de produtos existentes e mantendo o seu mestre cervejeiro.

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134

O processo de padronização se tornou ainda mais intenso com a entrada do

Banco Garantia em 1989. Novos padrões de trabalho foram desenvolvidos tendo em

vista o aumento da eficiência e da qualidade dos produtos. Complementarmente,

foram desenvolvidos inúmeros instrumentos de controle e incentivo que visavam

alinhar toda a organização e até mesmo algumas partes interessadas

(revendedores, por exemplo) com os objetivos dos novos acionistas: sistemas de

informação e relatórios gerenciais; pagamento de bônus e distribuição de ações;

programas de excelência fabril e de vendas (PTP, PPF); dentre outros.

Todos nós temos metas claras e quantificáveis, que se ordenam e consolidam nas metas da Companhia para cada ano, e uma parcela muito grande de nossa remuneração depende de seu atingimento. Essas metas anuais levam em conta o mercado, a concorrência, as principais oportunidades de melhoria interna, mas sempre se subordinam ao que chamamos de ―as metas de longo prazo dos acionistas‖. (CCB, 1997, p.4)

Mais do que alinhar a organização e homogeneizar práticas, os novos sócios

também atuaram na construção de mecanismos de coordenação, considerado por

Fleck (2009a) uma condição necessária ao sucesso da gestão da diversidade.

Nesse sentido, as principais mudanças ocorrem na estrutura organizacional da CCB,

que já em 1990 se tornou mais leve, com uma sensível redução dos níveis

gerenciais, de 12 para 6, no máximo (CCB, 1991). Consolidou-se a estrutura de

gerenciamento distinto das atividades relativas a cervejas e refrigerantes. Foram

implantadas Diretorias Regionais, como forma de descentralização das atividades

operacionais, o que não só garantiu a agilidade na tomada de decisão, mas também

permitiu a integração de atividades operacionais em regiões próximas ou de

características comuns. A autonomia dada a essas novas unidades foi compensada

pelos instrumentos de controle desenvolvidos, de forma a evitar a fragmentação da

organização. Além disso, a Diretoria de Recursos Humanos passou a ter uma

função mais estratégica dentro da organização, ficando diretamente reportada à

Diretoria Geral (PAULA; SOUZA; LEVORATO, 1992), como mostra a Figura 6-2.

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135

Conselho de

Administração

Diretoria Geral

Diretoria

Administrativa

Diretoria

Industrial

Diretoria de

Marketing

Diretoria de

Refrigerantes

Diretoria

Financeira

Diretoria de

Revendas

Conselho Fiscal

Diretoria de

Recursos Humanos

Superintendência

Jurídica

Diretoria

Regional Rio/

Minas

Diretoria

Regional Sul

Diretoria

Regional São

Paulo

Diretoria

Regional

Centro-Oeste

Diretoria

Regional Norte/

NE

Figura 6-2: Nova estrutura organizacional da CCB

Fonte: CCB, 2001.

6.1.4 Desafio de aprovisionar recursos gerenciais

Um primeiro aspecto importante do aprovisionamento de recursos gerenciais

na CAP foram as crises de sucessão enfrentadas pela empresa por três décadas.

Antonio Zerrener, que consolidou a o controle acionário da empresa em 1923,

faleceu em 1932 sem deixar herdeiros nem tampouco preparar um sucessor,

limitando-se a ordenar que seus bens fossem enviados à Alemanha, sua terra natal.

A partir daí, foram três conflitos pelo controle da FAHZ, acionista majoritária

da cervejaria, que só se finalizaram em 1962, quando o STF decidiu pelo não-envio

dos bens de Zerrener à Alemanha. Se não bastassem as disputas judiciais, o foco

demasiado pelo controle do negócio levou a um vácuo de liderança dentro da CAP.

Diferentemente da CCB, cujos processos sucessórios foram sempre tranqüilos e

preconizaram a experiência técnica dos novos Presidentes da companhia (muitos

deles com carreira na empresa), a CAP passou a ser comandada por pessoas sem

experiência na produção de cervejas e de bebidas e que não foram preparadas para

exercer o cargo de liderança. Não foram encontradas evidências de que Walter

Belian e sua irmã, Erna Belian, tinham trabalhado anteriormente na CAP ou em

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136

outra cervejaria. Walter Belian, inclusive, não foi considerado um bom administrador,

chegando a ser afastado do comando da empresa pela Curadoria da FAHZ e

substituído por um juiz do Estado de São Paulo. Segundo Santos (2004), Belian era

ávido por poder e fazia uso de meios não-convencionais para se perpetuar na

direção da CAP, como foi o caso da aproximação junto a Juscelino Kubitschek para

voltar à companhia, com a conseqüente mudança de posição do STF após o apoio

presidencial.

A Tabela 6-2 resume as principais disputas pelo controle da CAP.

Disputas sucessórias

Motivo Envolvidos Resultado Duração

Briga 1 Herança de Antonio

Zerrener

Helene Zerrener (esposa) x herdeiros

alemães

Derrota dos alemães, cujos legados foram incorporados à

FAZH

1932-1962

Briga 2 Herança de Helene

Zerrener Testamenteiros de

Helen Zerrener

Vitória de Belian, que se tornou

plenipotenciário da FAZH

1936-1944

Briga 3

Quebra do acordo de cavalheiros existente entre as famílias von Bülow e Zerrener, por

Walter Belian

Herdeiros de von Büllow x Walter

Belian

Informação não disponível

1958-1963

Afastamento de Walter

Belian

Falta de transparência na condução da

companhia

Walter Belian x Procuradoria Geral do Estado de São

Paulo

Retorno de Belian ao comando da

FAZH

Final da década de 50 e início dos

anos 60

Tabela 6-2: Conflitos no processo sucessório da CAP

Fonte: Baseado em Santos (2004).

Uma segunda análise importante sobre as respostas ao desafio de

aprovisionamento de recursos humanos refere-se aos processos de mudança

ocorridos nas duas empresas na década de 90.

Após a entrada do Banco Garantia, a CCB vivenciou um intenso processo de

redução do seu quadro de funcionários. Em apenas uma semana, quase 2.000

pessoas foram demitidas (CCB, 2001). Em cinco anos de reestruturação, foram

aproximadamente 16.000 demissões, como mostra o Gráfico 6-2.

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25.000

21.654 21.609

15.850

13.610

9.003 9.535

9.987 10.955

10.708

23.054

23.102 22.900

17.748

15.997

16.416

19.190

14.591

11.400

7.800

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

30.000

1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

CCB

CAP

Gráfico 6-2: Evolução do número de funcionários da CCB em comparação com a CAP

Fonte: Baseado em Sull (2005).

Tais iniciativas, porém, trouxeram consigo impactos importantes no clima

organizacional, como insatisfação, medo, insegurança e resistência a mudanças.

Segundo entrevistados que presenciaram esse momento:

No início, foi muito medo, pois a coisa começou com uma consultoria da Arthur Anderson e todos sabiam que a Brahma seria vendida. Nisso, aparece o Garantia comprando o controle acionário e, nos primeiros anos, houve muitas demissões, fechamentos de fabricas, perda de direitos adquiridos pelos aposentados (IBSS). (ENTREVISTADO #9)

A linha de produção, por exemplo, não era automatizada. Possuíamos muitas fábricas antigas e desatualizadas. Tanto que, com a entrada do Marcel, fechamos diversas fábricas. E isso causou muita comoção em alguns lugares, como, por exemplo, pequenas cidades onde boa parte da população trabalhava na Brahma. (ENTREVISTADO #10)

Além disso, em decorrência da grande quantidade de demissões, a

reestruturação da CCB foi o ponto de partida para outro fenômeno presente na

história da AmBev, e que será trabalhado mais adiante: o seu elevado passivo

trabalhista.

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[O passivo trabalhista vem] desde a Brahma. Afinal de contas, muitas pessoas foram demitidas, e isso gera insatisfação. Acho que há um aproveitamento da situação por parte de advogados. Quando os caras entram com o processo na justiça, pedem valores absurdos. Mais tarde, na hora da negociação, esse valor cai significativamente. Não vejo esse passivo trabalhista como um problema. É natural. A empresa precisava fazer as mudanças, e demitir pessoas era necessário. (ENTREVISTADO #10)

No tempo da Brahma [antes do Garantia], se tinha passivo trabalhista, era muito pequeno. Acho que, como éramos 23.000 trabalhadores e chegamos a ter menos de 15.000, então o que aconteceu com essa diferença? E quando foi criada a AmBev, para comprar a Antarctica, quantas pessoas perderam emprego? E quantas fábricas foram fechadas? Deve ser daí esse passivo trabalhista atual. (ENTREVISTADO #9)

Outra grande mudança foi a implementação de uma nova política de

remuneração, através da qual a parcela fixa do salário ficava abaixo da média do

mercado, porém, em compensação, a parcela variável, associada ao desempenho,

era altamente agressiva, podendo-se ganhar até vinte salários ao final do ano. Além

disso, os melhores funcionários obtinham o direito de adquirir ações da empresa,

tornando-se sócios do negócio.

Tal política era apoiada por um sistema de medição de desempenho,

desenvolvido no início do processo. As novas práticas significaram grandes

mudanças em relação às formas tradicionais de trabalho dentro da CCB. Até então,

não havia essa pressão por resultados, nem tampouco algum tipo de sistema ou

esquema de medição de desempenho mais elaborado.

O Garantia trouxe isso de importante: eles aceleraram o uso de procedimentos e técnicas modernas de administração. Ou seja, acredito que faríamos as mudanças, porém num ritmo muito mais lento do que aquele imposto pelo Garantia. Por exemplo, já tínhamos avaliação de desempenho. No entanto, era uma avaliação mais tradicional, sem qualquer tipo de metas, dando margem para subjetividades. Ninguém tinha meta, e isso só passou a acontecer com o Garantia. (ENTREVISTADO #10)

Diante da nova regra, houve um aumento do clima de competição entre os

funcionários, já que todos buscavam estar entre os ganhadores de bônus. Isso, por

sua vez, levou ao aumento dos conflitos entre as pessoas, que não só se sentiam

insatisfeitas com a nova cultura, mas vivenciavam a adoção de inúmeras práticas

desleais entre os membros das equipes.

Essa cultura de cumprir metas trouxe problemas para muitas pessoas, pois eles mantiveram os salários abaixo do mercado (de propósito e comunicado

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a nós) para que 10% das pessoas pudessem se destacar como excelentes, ganhando 10 salários a mais, e 25% das pessoas destacadas como superiores pudessem ganhar mais 5 salários, causando uma disputa até às vezes desonestas. Era desonesta porque se uma pessoa descobrisse como fazer um trabalho que desse mais resultado, tentava cortar do outro a chance de também realizar aquele trabalho melhor. Eu conheci caso de chefe que indicava o funcionário para receber parte do prêmio. (ENTREVISTADO #9)

O mesmo fenômeno ocorreu também nas revendas Brahma, após a empresa

implementar o seu Programa de Excelência das Revendas – PEX. A CCB, buscando

a profissionalização e aumento de escala de sua rede de revendas, desenvolveu,

com base nas práticas da Anheuser-Busch, uma série de requisitos de desempenho

e de gestão que deveriam ser atendidos para se permanecer como revendedor

Brahma. Segundo uma entrevistada que trabalhava em uma revenda na época:

No meu caso, posso falar pelo que vivi [carga de trabalho e pressão] na revenda. Isso aconteceu na década de 90, lá por volta de 93, 94 e 95, quando do lançamento do PEX – Programa de Excelência das Revendas, pois tínhamos que cumprir uma série de requisitos colocados pela Brahma, e trabalhávamos muito. (ENTREVISTADO #7)

Mesmo sem trabalhar diretamente na CCB, a entrevistada afirmou ter ouvido

muito sobre funcionários da cervejaria que, diante da nova forma de trabalho,

ficavam insatisfeitas e chegavam a processá-la por isso.

E muita gente processava a empresa e ganhava na justiça. Eu ouvia muito sobre isso. Como não trabalhava na empresa, não posso afirmar. (ENTREVISTADO #7)

O aprovisionamento de recursos gerenciais foi diretamente afetado pela

busca por eficiência e redução de custos. Contudo, para dar conta da redução de

funcionários e garantir a qualidade das novas equipes (foram aproximadamente

4.000 novas admissões), a CCB lançou duas iniciativas – o Programa Trainee, em

1990, e a Universidade Brahma, em 1995 – passando a administrar seus recursos

humanos de maneira proativa, sistematizando práticas que permitissem

constantemente equipar a organização com os recursos gerenciais necessários,

através da seleção, do treinamento e do gerenciamento de carreiras.

Criado em 1990, o Programa Trainee Brahma recrutava estudantes

diretamente das faculdades, e servia como fonte primária de gerenciamento de

talentos. Já a Universidade Brahma foi criada em 1995 com o objetivo de

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sistematizar os esforços de treinamento e desenvolvimento de funcionários da

companhia.

Na CAP, os cortes de pessoal iniciaram-se bem depois e foram mais lentos

do que os que ocorreram na CCB. Mesmo assim, o fato é que aconteceram muitas

demissões: de 1989 a 1998, o total de empregados caiu de aproximadamente

23.000 para menos de 8.000 (SULL, 2005). Algumas demissões ocorreram de

acordo com a maneira tradicional, com o pagamento apenas de direitos trabalhistas.

A maioria, porém, seguiu o que Castanheira (1995) chama de figurino clássico da

Antarctica – sem alarde, com acomodações pessoais e em doses quase

homeopáticas. Aqui, está, portanto, uma demonstração de que a CAP sofreu da

armadilha da inércia ativa (SULL, 1999), prendendo-se a princípios e práticas do

passado mesmo quando havia pressão e razão para buscar novas formas de ação.

Infelizmente, não foram encontradas evidências que permitissem analisar os

impactos das demissões para o bem estar da CAP, como foi feito para o caso da

CCB. Todavia, observa-se que a cervejaria paulista, diferentemente de sua

concorrente, não desenvolveu iniciativas que compensassem os prejuízos das

demissões, nem tampouco se preocupou em sistematizar determinadas práticas de

gerenciamento de recursos humanos para antecipar necessidades e garantir a

qualidade de suas equipes.

6.1.5 Desafio de gerir a complexidade

A análise da CAP e da CCB em relação a este desafio no período anterior à

criação da AmBev não pôde ser realizada em função da ausência de evidências. Foi

o desafio com o menor número de fatos coletados, sendo os poucos registros

concentrados nos anos anteriores à fusão e criação da AmBev em 1999.

Uma das prioridades do Banco Garantia ao assumir o controle da CCB foi o

diagnóstico da organização. Marcel Telles e sua equipe não tomaram nenhuma

decisão crítica para o negócio sem antes compreender e avaliar com mais detalhe o

funcionamento da cervejaria. Nesse sentido, foram realizados estudos que indicaram

a situação da CCB e possíveis caminhos para melhorias, dentre os quais se

destacaram:

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A descoberta da dívida de 250 milhões de dólares no fundo de pensão,

que demonstrou que os problemas eram maiores do que se imaginava;

A pesquisa de mercado que evidenciou a desvantagem da marca

Brahma frente à Antarctica no gosto dos consumidores e a possível

ameaça de redução da demanda quando do aumento de capacidade

da cervejaria concorrente; e

O estudo do sistema produtivo da empresa, realizado por uma empresa

de consultoria, que apontou não só a ineficiência de inúmeras fábricas

da CCB, mas a desatualização tecnológica de seus processos de

produção em comparação com as principais cervejarias do mundo.

Além do diagnóstico, a nova diretoria da CCB investiu no desenvolvimento de

procedimentos sistemáticos de recolhimento e análise de informação, juntamente

com novos critérios para a tomada de decisão. Grande parte das iniciativas esteve

associada ao desenvolvimento de sistemas de informação que fornecessem dados

confiáveis e em tempo real.

Foi o caso, por exemplo, do Relatório Gerencial de Desempenho (RGD), um

demonstrativo de resultado baseado no custeamento direto variável, também

utilizado pelas unidades industriais como ferramenta de simulação para diversas

operações e investimentos. Até 1993, a CCB era a única cervejaria que dispunha de

um sistema de informações Commander EIS, que garantia a confiabilidade e

velocidade do fluxo de informações em tempo real dentro da empresa, numa

tentativa de obter maior agilidade e flexibilidade na tomada de decisão

(RONCARATI; LEMMA; MATTOS, 1995). As informações eram geradas pela área

de orçamento da matriz após a consolidação dos dados enviados pelas unidades e

encontravam-se disponíveis para os diretores e gerentes fabris. O acesso às

informações podia gerar um processo de investigação para se descobrir, por

exemplo, qual havia sido o insumo responsável pelo estouro do orçamento de custos

de uma determinada fábrica. Com essa informação, gerentes e diretores podiam

definir alternativas de ação, anulando o fato gerador do aumento dos custos ou

prevenindo a repetição desse aumento.

A adoção desse sistema de controle de custos subsidiou as decisões da

companhia de desativar fábricas antigas e investir cada vez mais na construção de

unidades novas e com maior grau de automação (RONCARATI; LEMMA; MATTOS,

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1995). Com base no sistema, foi possível determinar com maior exatidão e rapidez

as diferenças, em termos de custos, entre as unidades produtivas.

A área de Marketing também foi contemplada com um sistema informatizo de

apoio à tomada de decisão – o Sistema de Informações de Marketing (SIM).

Tratava-se de um banco de dados de cerveja e refrigerante que tinha como objetivo

a otimização do processo de decisão em marketing, e continha informações sobre

consumidores, participação de mercado e pontos-de-venda, de forma a subsidiar o

planejamento de marketing da companhia (CCB, 1997).

O Banco Garantia também realizou mudanças no que se refere aos critérios

de priorização para a tomada de decisão. A principal foi o uso do EVA para medir a

criação de valor na empresa. Sua implementação objetivava o uso de um indicador

que fosse ainda mais relacionado com a geração de valor para os sócios, já que, até

então, a companhia utilizava outros dois indicadores: Retorno sobre o Patrimônio

Líquido, cuja meta era acima de 20%; e o Lucro por Ação, cuja meta era acima de

15%. Até hoje a AmBev se baseia nesse indicador para avaliar seu desempenho

financeiro e distribuir bônus.

A gestão da complexidade na CAP, em contrapartida, evidencia que a

cervejaria foi vítima tanto da paralisia quanto da inércia ativa (SULL, 1999):

[A CAP possuía] uma cultura consolidada ao longo de mais de 100 anos de existência da empresa, e que se poderia resumir em algumas máximas indiscutíveis dentro de casa: ninguém conhece o negócio melhor que nós; não se mexe naquilo que está dando certo; decidir com rapidez é decidir mal; a prudência é a virtude número 1. [...] o estilo da Antarctica parece mais vagaroso, prudente demais, talvez pouco eficiente. Mas a empresa está convencida de que esse ―caminhar sobre os ovos‖, como diz um executivo, é essencial para que ―a Antarctica mude sem deixar de ser Antarctica‖. (CASTANHEIRA, 1995, p. 97)

Em 1993, o resultado de um trabalho de consultoria da Andersen Consulting

identificou que, a seu favor, a CAP tinha dois pontos: (i) um excelente produto,

graças ao domínio tecnológico e a um time de técnicos de primeira; e (ii) uma marca

fortíssima, dona de credibilidade e simpatia dos consumidores. Porém, de acordo

com Luiz Carlos Ferezin, diretor da Andersen e responsável pelo trabalho na

cervejaria, ―as más notícias eram muitas, todas derivadas, de uma forma ou de

outra, do que chama de ‗cultura do conformismo‘‖.

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A empresa não estava habituada a identificar problemas, nem a mudar mandamentos internos para enfrentá-los. Toda a estrutura era voltada para a produção, e não para o mercado. Alguns importantes canais de vendas, como os supermercados, eram olimpicamente ignorados. Os distribuidores eram tratados como uma extensão do departamento comercial da empresa, e não como empresários independentes. Havia, em tudo isso, uma receita clássica de paralisia: a mistura de envelhecimento gerencial com um mercado fechado e pouco exigente. (CASTANHEIRA, 1995, p. 98)

[Um ponto fraco da CAP] era a maior resistência à realização de mudanças em seus métodos de gestão, frente a seus concorrentes. (PAULA; SOUZA; LEVORATO, 1992, p. 14)

Como já mencionado, o processo decisório, além de centralizado, era lento,

confuso e não permitia o aprendizado, em função: (i) da falta de critério para a

escolha dos assuntos a serem tratados em níveis superior de decisão; (ii) e do

esquema de governança onde diretores ocupavam cargos no Conselho de

Administração.

Sull (2005) também chamou a atenção para a complexa estrutura de

governança da empresa, indicando-a como uma das razões para a dificuldade da

CAP em implementar as melhorias operacionais necessárias para a sua

recuperação. No mesmo sentido, Galuppo (1997) apontava a estrutura da CAP,

mais lenta do que as das concorrentes CCB e Kaiser, como a razão principal para a

inércia da empresa quando da perda de mercado. Até 1997, a Presidência do

Conselho era ocupada em sistema rotativo entre os seus membros segundo

periodicidade mensal. Somente nesse ano os executivos da cervejaria finalmente

convenceram a Fundação Zerrenner a simplificar sua estrutura de governança e

consolidar a tomada de decisão da Companhia (SULL, 2005).

Além disso, a CAP não dispunha de sistemas e rotinas sistematizadas de

coleta e análise de dados. Tal fator, inclusive, mostrou-se prejudicial quando a

empresa iniciou as reduções de preço para fazer frente às marcas de baixo custo. A

empresa passou a oferecer descontos aos PDVs sem nenhum tipo de critério, pois,

diferentemente da CCB, não dispunha de sistemas de informação, o que impedia os

vendedores de estabelecer metas de desconto para PDVs selecionados onde a

guerra de preços fosse mais intensa, enquanto mantivessem os preços em outras

regiões (SULL, 2005).

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6.1.6 Gestão da folga organizacional

Apesar de não ser um desafio associado ao crescimento organizacional, a

gestão da folga é um elemento fundamental do Modelo de Fleck (2009a), devendo

ser analisada em detalhe.

A gestão da folga foi, sem dúvidas, o elemento central do processo de

mudança empreendido pelo Banco Garantia na CCB, em virtude da cultura

predominantemente voltada para a eficiência e a busca incessante por redução de

custos.

Efficiency and low costs are the best insurance you can have in a turbulent environment. We always say that when the storm comes and everyone is drowning, we want to hold our breath longer. If everyone else drowns in three minutes, we want to be able to survive two minutes longer. Operational efficiency lets you do that. We have to hammer and hammer on cost savings and efficiency all the time. Sometimes when the business is going great, people start looking at you and ask why are we pushing for so much hardship? The answer is simple. This is our insurance for unexpected things on really hard times. (SULL, 2005, p. 1)

Logo ao assumir o controle da cervejaria, Marcel Telles e sua equipe

implementaram um conjunto de mudanças que, além de demonstrarem a nova

cultura pretendida, contribuíram para a redução imediata de desperdícios, tais como:

unificação dos restaurantes; eliminação de benefícios para diretores; alteração do

layout dos escritórios e estímulo à interação e troca de informações.

A Brahma era uma empresa muito familiar. Era controlada por três famílias – Gregg, Künning e Perez –, e o Banco Garantia adquiriu a participação das famílias Gregg e Künning. Além disso, era burocrática e formal. Com a entrada do Garantia, o clima ficou mais informal, saímos do terno e gravata e passamos a usar jeans e camisa, como era de hábito do Banco. Outro exemplo: às 17h01min, todos os funcionários da Antarctica iam embora. Isso mudou. Com a mudança, muitas vezes, tínhamos que ficar até mais tarde para terminar nossas tarefas. Isso é algo normal em qualquer trabalho. Mas não funcionava assim na Brahma. Com a mudança, os funcionários deixaram de se restringir às caixinhas, às suas áreas. Houve um estímulo e aumento do intercâmbio entre as áreas. As pessoas aprenderam a olhar para fora de suas caixas, a pensar também nas outras áreas da empresa. Um exemplo disso é que, uma vez por ano, todos os funcionários da Administração Central, inclusive Diretores e Gerentes, saíam para o mercado. Era um estímulo a olhar o mercado, olhar para fora. (ENTREVISTADO #10)

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As grandes transformações, porém, ocorreram no quadro de funcionários e no

parque industrial. Em relação aos funcionários, houve um intenso processo de

demissão, com a redução de quase 2/3 do contingente em apenas cinco anos. No

caso do sistema produtivo, dez fábricas foram fechadas só nos dois primeiros anos

de gestão Garantia (SULL, 2005). Além disso, houve o investimento na

modernização de plantas e no aumento da escala produtiva das novas instalações,

que passaram a contar com tecnologias modernas de produção.

Enquanto isso, a CAP continuou a construir plantas pequenas por vários

anos, com a justificativa de querer estar próxima dos consumidores. Sua primeira

fábrica "world-class" só foi construída em 1998, dois anos depois da CCB. Para se

ter uma noção da disparidade entre as duas empresas, em 1995, a CAP tinha 49

fábricas, mais que o triplo da CCB, que contava com apenas 16 (BARROS, 1995).

A CAP também alcançou níveis agressivos de produtividade, mas a lentidão

na modernização de plantas e nos cortes de pessoal resultou em ganhos de

produtividade que vieram com atraso e foram menos substanciais do que os da

CCB, como mostra o Gráfico 6-3

1.200

1.529 1.671

1.842

2.344

4.199 4.615

4.716 4.628

5.099

1.514

1.407 1.433 1.472 1.615

1.926 2.145

2.262

2.879

4.283

0

1.000

2.000

3.000

4.000

5.000

6.000

1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

CCB

CAP

Gráfico 6-3: Evolução do indicador de produção por empregado (hl) CAP X CCB

Fonte: Baseado em Sull (2005).

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6.2 ANÁLISE DA AMBEV

Inicialmente, assim como no item anterior, a AmBev será analisada em

relação aos desafios do crescimento no longo prazo e à gestão da folga

organizacional (FLECK, 2009a). Em seguida, a partir da comparação do padrão de

resposta aos desafios de longo prazo da AmBev em relação à CAP e à CCB, será

feita uma análise acerca da forma com que sua estratégia contribui para a

organização construir as condições para o sucesso no longo prazo.

6.2.1 Resposta da AmBev aos desafios de longo prazo

6.2.1.1 Desafio de empreender

As respostas da AmBev ao desafio de empreender seguem basicamente os

mesmo princípios da forma de empreender implementada pelo Banco Garantia na

CCB. Por um lado, a cervejaria se expande majoritariamente através do que March

(1991) chama de estratégias de explotação; ou seja, buscando ampliar suas

operações em mercados e produtos existentes. Por outro lado, observa-se também

a presença destacada da versatilidade e da ambição propostas por Penrose (1959),

em especial no que se refere à busca por alternativas e soluções para que a

organização se expanda continuamente e mantenha a sua trajetória de crescimento.

No segmento de cervejas, por exemplo, além de ampliar as três principais

linhas de produtos – Antarctica, Brahma e Skol – a empresa busca otimizar o mix de

seu portfólio, migrando progressivamente para marcas com maiores margens,

através da extensão da linha Bohemia. Mesmo se tratando de tipos de cerveja

amplamente conhecidos e fabricados em todo o mundo, inclusive por

microcervejarias no Brasil, a AmBev foi a pioneira entre as grandes cervejarias

nacionais na introdução de cervejas premium no mercado de massa, sendo a linha

Bohemia o exemplo mais emblemático dessa iniciativa.

A Tabela 6-3 apresenta os principais lançamentos da AmBev para o

segmento de cervejas.

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Iniciativas Descrição

Lançamento da Skol Beats (2002)

Nova versão da cerveja Skol dirigida ao público adulto jovem que se diverte nas baladas. Tem menor teor alcoólico e foi lançada em uma inovadora embalagem de garrafa de 330ml.

Lançamento da Bohemia Escura (2002)

Cerveja do tipo Schwarzbier de aroma com notas de toffe, maltes torrados e espuma cremosa.

Relançamento da Antarctica Original (2003)

Mantiveram-se as mesmas características do produto comercializado pela Cervejaria Adriática, porém houve uma renovação de sua identidade e novo posicionamento de mercado.

Lançamento da Bohemia Weiss (2003)

Cerveja de trigo, naturalmente turva e refrescante, com aroma frutado e de especiarias.

Lançamento da Bohemia Royal Ale (2004)

Cerveja encorpada, tipicamente inglesa. Feita com maltes especiais e lúpulos europeus que conferem cor acobreada, sabor marcante e paladar com notas de toffee.

Lançamento da Liber (2004)

Única cerveja com 0% de álcool do País. A Liber é produzida com tecnologia inédita na América Latina, que inclui o uso de equipamentos especiais para a retirada total do álcool da bebida.

Bohemia Confraria (2005)

Cerveja do tipo abadia, inspirada nas receitas e nos registros históricos dos mosteiros belgas. As garrafas eram produzidas de forma quase artesanal, proporcionando um efeito visual de cerâmica, o que faz com que cada unidade seja exclusiva.

Skol Lemon (2006) Cerveja com composto de limão. Unia refrescância e leveza, atributos valorizados pelos consumidores, principalmente em ocasiões de consumo diurnas.

Chopp Brahma Black (2006)

Chopp tipo pilsen escuro, com características inéditas: cremosidade extra e visual de cascata quando colocado no copo. O efeito é resultado do processo de fabricação especial, em que gás carbônico e nitrogênio são adicionados ao líquido.

Brahma Fresh (2007)

Lançamento exclusivo para os estados da Região Nordeste, para competir com a Schin. Cerveja pilsen refrescante, mais suave e de cor mais clara e brilhante do que a Brahma tradicional.

Bohemia Oaken (2008) Cerveja maturada em carvalho, inspirada no processo de produção de vinho e uísque.

Antarctica Sub Zero (2009) Cerveja com um novo método de filtragem, a menos 2ºC.

Tabela 6-3: Lançamentos da AmBev para o segmento de cervejas

Fonte: Baseado em AmBev.

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Paralelamente aos novos produtos, a AmBev sempre deu ênfase a novidades

em termos de embalagens, mantendo a tradição da Skol de pioneira nesse tipo de

estratégia que, após comprovação de sucesso, é replicada nas demais linhas de

produtos. Trata-se, assim, de um exemplo da presença do serviço empreendedor da

versatilidade na AmBev, já que a empresa sempre busca nova soluções de

embalagem que fujam à maneira tradicional de se pensar a venda de cervejas e

que, dessa forma, contribua para ampliar as vendas mediante a criação de novas

situações de consumo dos seus produtos. A Tabela 6-4 exemplifica essa

versatilidade da AmBev no que se refere a embalagens.

Embalagens Descrição

Brahma edição especial de Ano Novo (2001)

Garrafa com rolha, semelhante ao champanhe.

Lançamento da Skol Big Neck (2004)

Embalagem inédita no Brasil: uma garrafa de 500 ml com tampa de rosca e boca mais larga.

Skol Geladona (2006)

Lata que conserva a cerveja gelada por muito mais tempo, graças a uma tecnologia de isolante térmico inédita no Brasil que impede a passagem do calor externo para o líquido. Utiliza a tecnologia Cool2GoTM*, desenvolvida e patenteada pela DuPont.

Rótulo termossensível (2006)

Novidade da Skol para o verão, o rótulo vinha com uma seta transparente que se torna azul a partir dos 4°C e mostra quando a cerveja está na temperatura ideal para o consumo.

Skol Redondaço (2006)

Pack com 28 latas e alça para manuseio, colocado no mercado especialmente para a Copa do Mundo para os torcedores assistirem aos jogos com os amigos.

Pack Skol c/ 18 latas (2007) -

Skol redondinha (2008)

Lata de 269 ml com sensor termossensível, que gela mais rápido e avisa quando a cerveja está pronta para beber. Comercializada também em Pack de 15 latas.

Skol Litrão (2008) Primeira garrafa de 1 litro retornável do país.

Pack Skol 24 latas (2008) -

Skol Beats em lata (2008)

Versão latinha, com um formato moderno e 269 ml. Comercializada em um fridgepack com oito unidades, uma embalagem prática que o consumidor pode colocar direto na geladeira.

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Brahma edição de aniversário (2008)

Relançamento de 11 rótulos históricos na coleção comemorativa dos 120 anos da marca – Latas Centenárias. Ainda nas comemorações, foi lançada uma garrafa especial de fim de ano, ―Brahma Celebration‖, com formato similar ao de uma garrafa de champagne, fechada até com rolha.

Brahma Litrão + packs 18 e 14 latas (2008)

-

Stella Artois: lata e litrão (2008)

Lata de 269 ml e garrafa de 1 litro.

Antarctica 1 litro e latinha (2009)

A Antactica também lançou a sua embalagem de um litro a ―BOAZONA‖ e a latinha 269 ml no Rio de Janeiro.

Revitalização Bohemia (2009) Nova identidade visual e uma garrafa long neck proprietária, com shape exclusivo.

Tabela 6-4: Novas embalagens da AmBev para o segmento de cervejas

Fonte: Baseado em AmBev.

No segmento de bebidas não-alcoólicas, o objetivo é o mesmo: incluir novos

produtos de maior valor, possibilitando maiores margens para o negócio, como foi o

caso do Gatorade, que passou a ser fabricado e distribuído pela AmBev em 2002

através de concessão da Pepsico. Além disso, a empresa também prioriza a criação

de novas embalagens que ampliem as situações de consumo dos produtos.

Paralelamente, busca aumentar sua presença nos PDVs e diluir custos gerais de

vendas e de distribuição dessas bebidas, capturando as sinergias existentes com as

operações de cervejas. Cerca de 50% dos produtos originam-se de fábricas mistas

que, por engarrafar cerveja e refrigerantes, apresentam muitas oportunidades de

sinergias de produção.

Utilizamos nossas fortes marcas de refrigerantes e outras bebidas para maximizar nossa eficiência em distribuição, e para aumentar nossa posição de liderança nos pontos-de-venda. Quanto mais produtos temos nos pontos-de-venda, mais eficientes somos na redução dos custos de distribuição. (AMBEV, 2003, p. 17)

Apesar de o Guaraná Antarctica ser uma marca importante de refrigerantes, o

crescimento desse segmento baseia-se principalmente na parceria com a Pepsico,

que conferiu à AmBev um portfólio completo de bebidas não-alcoólicas, incluindo: o

guaraná mais vendido do país (Antarctica); a segunda marca de sabor cola do

mundo (Pepsi); o chá gelado mais vendido do mundo (Lipton Ice Tea); e o isotônico

líder mundial (Gatorade).

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De acordo com a parceria, a AmBev é responsável por produzir e distribuir os

produtos da Pepsico tanto no Brasil quanto nos demais países em que tenha

operações (contanto que não houvesse outro engarrafador já estabelecido). Se, por

um lado, essa parceria ampliou significativamente a importância das bebidas não-

alcoólicas para as vendas da empresa, por outro lado pode significar a presença do

serviço empreendedor do julgamento (PENROSE, 1959), na medida em que

demonstra a preocupação da cervejaria em reduzir os riscos associados à

comercialização de produtos próprios que não sejam capazes de competir

efetivamente com os principais lideres de suas categorias. Outra forma possível de

se enxergar esse aspecto pode ser como uma demonstração de renúncia à

inovação, optando por concentrar-se naquilo em que considera sua competência

principal: a execução.

Para a AmBev, o mais importante é ter um produto de melhor posicionamento

e de reputação comprovada do que gastar energia para tornar um produto próprio

bem sucedido. E a empresa não se preocupa em eliminar um produto existente caso

haja outro que tenha desempenho melhor. Foi o caso, por exemplo, do isotônico

Marathon, desenvolvido na década de 90 e que foi eliminado quando a AmBev

obteve da Pepsico o direito de produção e distribuição do Gatorade.

A Tabela 6-5 apresenta os principais lançamentos da AmBev para o

segmento de bebidas não-alcoólicas. Observa-se que as ações da AmBev se

concentram em variações de produtos existentes e novas embalagens, sendo as

novidades em termos de produtos decorrentes sempre da Pepsico.

Produtos/ Embalagens Descrição

Provenientes da AmBev

Lançamento do Guaraná Zon (2004)

Guaraná com uma dose extra de guaranina, substância que agrega ao produto energia. Refrigerante energético que combinava a fórmula original do Guaraná Antarctica com um conteúdo energético especial extraído do fruto do guaraná.

Garrafa PET 2,5 litros (2005) -

Guaraná Antarctica Seleção (2006)

Edição limitada para a Copa do Mundo que combinou o sabor do guaraná com um toque de frutas, diferenciando-se ainda pela coloração rosada.

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Garrafa PET 1,5 litros (2006) -

Guaraná Antarctica Ice (2007)

Baseado em um dos principais atributos do Guaraná Antarctica: a refrescância de um produto genuinamente brasileiro com seu sabor único e autêntico.

Picolé Guaraná Antarctica (2007)

Lançado em parceria com a Kibon.

Garrafa PET 3,3 litros (2007) Maior do mercado e desenvolvida para o consumo de famílias.

Guarah (2008) Refrigerante de guaraná de baixa caloria. Extensão de linha do Guaraná Antarctica.

Sukita Uva (2008) Refrigerante de uva.

Sukita Vitaminada (2009) Refrigerante de laranja com aroma de maça, mamão e banana.

Provenientes da Pepsico

Incorporação do Gatorade ao portfólio de produtos (2002)

Isotônico líder mundial, incorporado em 2002 mediante concessão da Pepsico. A AmBev, porém, foi obrigada pelo CADE a se desfazer da marca Marathon, seu antigo isotônico.

Lançamento da Pepsi Twist (2002)

Refrigerante tipo cola com suco de limão.

Lançamento da Pepsi X (2003) Energy Cola que mistura o sabor da Pepsi com as propriedades de uma bebida energética. Primeiro refrigerante energético do mundo.

Nova Garrafa PET 2l da Pepsi

A AmBev beneficiou-se da nova garrafa PET desenvolvida pela PepsiCo e coordenou seu lançamento no mercado brasileiro. Essa nova embalagem de dois litros requeria muito menos resina PET do que a garrafa anterior, resultando em uma significativa redução nos custos de produção.

H2OH! (2006)

Bebida sabor limão, sem açúcar e levemente gaseificada, lançada em parceria com a Pepsico. Novos sabores e embalagens foram lançados posteriormente.

Pepsi Max (2006) Lançada na Argentina, no Uruguai e no Estado do Rio Grande do Sul, era uma versão da tradicional cola com o máximo de sabor e zero caloria.

Gatorade (novos sabores e embalagens)

Sabores inéditos (Açaí-Guaraná) e novas embalagens plásticas e TetraPak 200ml.

Lipton Ice Tea: sabor chá verde (2007)

-

Pepsi Twist 3 (2008) Refrigerante zero açúcar, com sabor mais próximo ao da versão original e apenas três calorias do suco natural de limão.

Propel (2009) Extensão da linha Gatorade, é uma bebida sem calorias e com vitaminas.

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Frutzzz (2009) Bebida à base de suco com gás, comercializada na Região Sul.

Tabela 6-5: Iniciativas da AmBev para o segmento de bebidas não-alcoólicas

Fonte: Baseado em AmBev.

Outro exemplo de que a AmBev deu continuidade à forma de empreender

desenvolvida pelo Banco Garantia na CCB foi o seu processo de

internacionalização. Em apenas cinco anos, a cervejaria brasileira se tornou

efetivamente uma Companhia de Bebidas das Américas, estabelecendo operações

em 14 países nas três regiões do continente. O Gráfico 6-4 demonstra isso através

do aumento da participação de operações internacionais na receita líquida da

empresa.

0

5000

10000

15000

20000

25000

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

América do Norte

Hila

Outros - Brasil

Refrigenanc -BrasilCervejas - Brasil

Gráfico 6-4: Evolução da composição da receita líquida da AmBev (R$ Milhões)

Fonte: Baseado em AmBev.

Complementarmente, a Tabela 6-6 apresenta em detalhe os movimentos de

expansão internacional da AmBev.

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Iniciativas Descrição

Aquisição da Companhia Salus (2000)

Segunda maior cervejaria uruguaia, com participação de mercado de 20%, e líder do mercado local de águas minerais, com participação de 42%. A compra englobou duas unidades fabris, uma de água e outra de cerveja e refrigerantes.

Aquisição da Cerveceria y Malteria Paysandu S.A. (Cympay) (2001)

Dona das marcas de cerveja Norteña e Prinz, detinha market share de 19,7%. A Cympay também dispunha de 8% de participação do mercado água mineral, por meio de sua controlada Fuente Matutina S.A. A Cympay era dona de uma fábrica de malte, que aumentou em quase um terço a capacidade de produção da matéria-prima da AmBev.

Aquisição do parque industrial da Cervecería Internacional (2001)

Com a compra, as instalações da cervejaria paraguaia foram reformadas e a fábrica, com capacidade de 300 mil hectolitros anuais, passou a produzir as marcas Brahma e Ouro Fino.

Aquisição da Quilmes Industrial S/A (Quinsa) (2002)

Maior cervejaria da Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai, além de competir no mercado chileno. A compra criou a terceira maior operação comercial de bebidas do mundo, com 10 bilhões de litros anuais em 2002.

Joint venture com a Central American Bottling Corporation (CabCorp) (2002)

Principal engarrafadora da Pepsi na América Central, com operações na Guatemala, Honduras, El Salvador e Nicarágua. Contou ainda com a construção de uma fábrica, a Cerveceria Rio, que entrou em operação em setembro de 2003.

Aquisição de ativos de produção e distribuição da Embotelladora Rivera (2003)

Conferiu à AmBev a franquia da Pepsi nas regiões de Lima e Norte do Peru, que representavam mais de 80% do mercado, e duas unidades industriais, com capacidade de produção estimada de 630 milhões de litros anuais.

Construção de fábrica no Peru (2003)

Iniciada em 2003 e concluída em 2005.

Aquisição da Cerveceria SurAmericana (2003)

Segunda maior cervejaria do Equador. Com a operação, a AmBev obteve acesso às modernas instalações de fabricação de cerveja em Guaiaquil, maior cidade do Equador e principal mercado de cervejas.

Aquisição da Embotelladora Dominicana CXA (Embodom) (2004)

Engarrafadora exclusiva da PepsiCo na República Dominicana e principal no Caribe, e a maior fabricante de refrigerantes da República Dominicana.

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Incorporação da Labatt Brewing Company Limited (2004)

Principal cervejaria no mercado canadense, no qual detém uma participação de mercado de 43%. Sua incorporação se deu em função da fusão da AmBev com a cervejaria belga Interbrew.

Tabela 6-6: Iniciativas da AmBev para a sua expansão internacional

Fonte: Baseado em AmBev.

Pode-se observar na tabela acima que a maior parte da internacionalização

da AmBev se deu através de aquisições, com exceção das fábricas no Peru e na

Guatemala. Segundo a própria companhia, a estratégia de atravessar fronteiras

estava baseada na capacidade de penetração em mercados nos quais existisse um

potencial muito promissor para os seus produtos, possibilitando o incremento do

EVA da empresa (AmBev, 2001). Nesse sentido, devido à proximidade e à maior

semelhança com o mercado brasileiro, a AmBev optou por mercados na América

Latina, particularmente aqueles caracterizados por forte concentração de

participantes, onde acreditava que, após adquirir grandes players de mercado, suas

vantagens competitivas em execução poderiam ser um fator de conquista de

espaços importantes.

Outro aspecto da internacionalização da AmBev é que a empresa optou por

adquirir outras engarrafadoras da Pepsi espalhadas pelas Américas, tendo em vista

possíveis sinergias com as operações brasileiras de refrigerantes e, além disso, o

aproveitamento de sinergias de produção e distribuição para o lançamento da marca

Brahma nesses mercados. Atualmente, a AmBev é a maior engarrafadora da

Pepsico no mundo.

[...] conferiu à AmBev a franquia da Pepsi nas regiões de Lima e Norte do Peru. Essas regiões representam mais de 80% do mercado e esperamos que a plataforma de distribuição da Pepsi facilite o lançamento de nossas marcas de cerveja no país. (AMBEV, 2004, p. 14)

O processo de internacionalização da AmBev mostra que, novamente, o

intuito da companhia é simplesmente fazer uso de forma limitada do seu motor de

crescimento contínuo inercial, aumentando quantitativamente a produção dos

mesmos tipos de produtos, só que agora em outros mercados além do brasileiro. É

por essa razão, inclusive, que a empresa tem como prioridade a redução de custos e

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a excelência na execução, pois acredita que é daí que se origina a sua vantagem

competitiva. Desde a sua criação, a AmBev enfatiza o aprimoramento do processo

de distribuição, com quatro frentes de atuação: substituição de revendas por

distribuição direta; desenvolvimento de canais específicos com margens altas;

desenvolvimento de uma rede multi-marcas de distribuidores; e melhoria da

execução no PDV. A Tabela 6-7 resume as principais iniciativas da AmBev para o

aprimoramento da distribuição.

Iniciativas Descrição

Substituição de revendas por distribuição própria

Aplicado em grandes centros consumidores onde a escala das operações justificasse a mudança economicamente.

Desenvolvimento de canais de distribuição específicos

Para clientes com margens altas (bares especializados em cerveja) ou volumes altos (escolas de samba)

Desenvolvimento de rede multi-marcas de distribuidores

Em vez de redes exclusivas para cada uma das três principais marcas, houve a consolidação em redes multi-marcas comercializando todo o portfólio da AmBev. A mudança valeu tanto para a distribuição direta quanto para as revendas.

Melhoria na execução no PDV Uso da tecnologia para apoiar a tomada de decisão, bem como para a geração de folga de tempo dos vendedores.

Tabela 6-7: Iniciativas da AmBev para o aprimoramento da distribuição

Fonte: Baseado em AmBev.

Outro movimento importante da AmBev se refere ao fato de cada vez mais se

integrar verticalmente para frente, passando a atuar também no varejo e

comercializar seus produtos diretamente para os consumidores finais. Nesse

sentido, a cervejaria dá mais um exemplo do que Penrose (1959) chama de

versatilidade, não só por ampliar as possibilidades de lucro da companhia, mas por

ter sido a pioneira dentre as grandes cervejarias brasileiras a pensar maneiras

criativas e pouco óbvias de oferecer serviços que ampliem o consumo de seus

produtos e aumentem a geração de receita para a empresa.

As duas iniciativas nessa área estão apresentadas na Tabela 6-8.

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Iniciativas Descrição

Lançamento do Chopp Express (2001)

Sistema para tirar chopp Brahma gelado nas casas dos consumidores para festas e reuniões, utilizando um barril de 12 litros. Iniciativa voltada para ampliar o consumo residencial, que ainda era baixo.

Lançamento do Quiosque Chopp Brahma (2003)

Franquia de chopp voltada especialmente para shopping centers, aeroportos e outras áreas públicas.

Tabela 6-8: Iniciativas da AmBev para a sua integração vertical

Fonte: Baseado em AmBev.

Ao final de 2009, eram mais de 700 franquias do Quiosque Chopp Brahma no

Brasil, tornando a marca Brahma a 3ª maior franqueadora do país. O volume de

venda por loja é duas vezes superior à média do mercado de chope. Já o Chopp

Brahma Express ganhou um show-room em 2005 que proporcionava uma

experiência total da marca aos consumidores. No final daquele ano, já se

transformara no maior ponto-de-venda de chope na cidade de São Paulo. Em 2006,

o serviço de entrega em domicílio da bebida e do equipamento contava com sete

lojas no Brasil.

6.2.1.2 Desafio de navegar no ambiente

Ao longo de sua história, a AmBev fez uso de diversos tipos de respostas

estratégicas sugeridas por Oliver (1991), buscando ajustar-se a situações que

estivessem fora de seu controle, moldar o ambiente e neutralizar pressões, de forma

aderente à defendida por Fleck (2009a).

A aprovação da fusão da CAP e da CCB foi um exemplo claro da capacidade

da AmBev de navegar no ambiente, já que houve muita resistência e

questionamentos à validade da operação, tanto por parte de competidores quanto de

outros órgãos reguladores. A empresa, porém, resistiu proativamente às exigências

sugeridas pelos atores institucionais, muitas das quais significavam a inviabilidade

do negócio.

Isso ficou explícito quando se opôs publicamente aos pareceres da SEAE do

Ministério da Fazenda (recomendação de venda da Skol) e da SDE do Ministério da

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Justiça (recomendação de venda de uma de suas três mais importantes marcas de

cerveja — Brahma, Antarctica ou Skol). Mais do que se posicionar contrária à

posição dos dois órgãos reguladores, a AmBev partiu para o ataque, adotando um

misto de estratégias de confrontação e de manipulação. Por um lado, a empresa

rejeitou as propostas de restrição sugeridas, não se limitando a ignorá-las, mas

empenhando-se para desmerecer ou condená-las – tática que Oliver (2001) define

de ataque. Por outro lado, buscou alterar a natureza das pressões, de forma a torná-

las as mais benéficas possíveis, aproximando-se diretamente do então Presidente

Fernando Henrique Cardoso e de Ruy Coutinho, Secretário de Direito Econômico

(JARDIM, 1999), numa tática evidente de cooptação e influência, para que obtivesse

o seu apoio à aprovação do negócio.

Não se obteve acesso ao conteúdo das conversas, mas o desfecho do

processo mostra que a AmBev conseguiu aquilo que queria: em comparação com os

primeiros pareceres, a decisão final do CADE foi muito mais branda do que se

imaginava. A própria empresa afirmou que as restrições não eram capazes de

restringir a fusão.

Tão logo o presidente do Cade, Gesner Oliveira, cercado por um batalhão de fotógrafos e repórteres, anunciou na noite da quinta-feira 30 a autorização para a incorporação da Antarctica pela Brahma, os presidentes das duas empresas, Victorio De Marchi e Marcel Telles, se lançaram a uma comemoração discreta. Em alguns momentos, tentaram até amenizar o resultado, criticando as ―restrições pesadas‖ impostas no relatório aprovado. Não enganaram ninguém. A vitória da AmBev foi esmagadora, proporcional, aliás, ao poder de fogo que terá no mercado. A megacompanhia, com ativos de R$ 8,1 bilhões e 50 fábricas em quatro países, nasceu muito mais musculosa do que os sonhos mais otimistas dos próprios executivos poderiam indicar. (LÍRIO, 2000)

Ainda que a CAP tivesse investido intensamente na marca Bavaria, a

empresa não alcançou os resultados esperados: seu market share caiu de 7,3% em

1998 para 4,1% em 2000, demonstrando a decadência da marca. Juntas, Kaiser,

Schincariol e Bavaria teriam, no máximo, 27% do mercado, enquanto a AmBev se

tornaria responsável por 70%. Além do mais, as cinco unidades de produção a

serem vendidas faziam parte da lista de plantas que a AmBev pretendia desativar:

em alguns casos, a tecnologia estava ultrapassada; em outros, os incentivos fiscais

concedidos pelos Estados estavam chegando ao fim (LÍRIO, 2000).

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Após a aprovação da fusão, a AmBev passou a adotar outro padrão de

resposta ao desafio de navegar no ambiente. Se antes assumiu uma postura

proativa, agora precisava se adequar às exigências do CADE de forma a garantir a

sua legitimidade e estabilidade, numa tática semelhante ao que Oliver (1991) define

como de conformidade. A Tabela 6-9 apresenta as principais restrições do CADE.

Decisão do CADE

Restrições principais

Venda da marca Bavaria no prazo de oito meses, com a transferência dos contatos de fornecimento e distribuição da cervejaria. O comprador não poderá ter participação acima de 5% do mercado de cerveja.

Venda de cinco fábricas da Antarctica e da Brahma com capacidade total de 709 milhões de litros, também no prazo de oito meses, localizadas em Getúlio Vargas (RS), Ribeirão Preto (SP), Cuiabá (MT), Salvador (BA) e Manaus (AM).

A AmBev deverá compartilhar, por quatro anos, sua rede de distribuição com cinco pequenas empresas (com até 5% de participação de mercado), uma em cada região.

Restrições adicionais

A nova empresa fica proibida de desativar fábricas por um período de quatro anos. Se quiser se desfazer de uma unidade durante este prazo, terá de vendê-la a terceiros.

Deverá ser mantido o nível de emprego anterior à fusão. Em caso de demissão conseqüente de programas de reestruturação, a AmBev terá de oferecer cursos de qualificação e realocação profissional aos trabalhadores.

A fábrica da Antarctica de Ribeirão Preto deverá ser equipada antes da venda, passando a oferecer também envasamento em latas.

A AmBev terá de compartilhar sua rede de distribuição com os compradores da Bavaria e das outras cinco fábricas por um período de quatro anos, renovável por mais dois anos.

A AmBev não poderá obrigar a venda exclusiva de seus produtos nos pontos-de-venda.

A Empresa assinará com o CADE um termo de compromisso de desempenho com metas de redução de custos e ganhos de eficiência que devem ser cumpridas por um período de cinco anos, sob pena de pagamento de multa.

Tabela 6-9: Medidas impostas pelo CADE para compensar os custos econômicos da

criação da AmBev

Fonte: Higuthi, 2002.

Em maio de 2000, a AmBev assinou convênios com o Serviço Nacional de

Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e

Pequenas Empresas (Sebrae) para requalificação de funcionários. O primeiro ficou

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responsável pela elaboração de cursos de atualização e requalificação profissional,

e o segundo pela realização de cursos de desenvolvimento de novos

empreendedores. Os termos dos convênios tiveram aprovação do CADE, e foram

orientados e supervisionados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

No mês de junho, a AmBev contratou o banco de investimentos norte-

americano Donaldson, Lufkin & Jenrette Securities Corp. (DLJ), especializado em fu-

sões e aquisições no mercado mundial. O grupo passou a cuidar do processo de

negociações da venda da marca Bavaria e das fábricas. No final de julho, já havia 10

companhias estrangeiras interessadas na marca, entre elas a South African

Breweries (SAB) e a Anheuser-Busch. A melhor proposta foi apresentada pela

Molson Inc., cervejaria líder no mercado canadense com 45% de participação e 24º

lugar no ranking mundial. As negociações foram concluídas em novembro de 2000 e

a marca Bavaria foi vendida à Molson Inc. por US$ 213 milhões, dos quais US$ 98

milhões foram pagos no fechamento do negócio e o restante condicionado ao

desempenho da companhia. As cinco unidades produtivas foram entregues pela

AmBev em plena operação, que investiu cerca de R$ 17 milhões para a venda,

cumprindo a determinação do CADE. No acordo, a AmBev se responsabilizou pela

distribuição da Bavaria por um período de 10 anos.

Apesar de manter a liderança do mercado brasileiro de cervejas com grande

vantagem em relação aos demais concorrentes, a AmBev levou um susto com o

crescimento das cervejas Nova Schin e Itaipava em meados da década atual. Sua

liderança caiu para os menores valores desde a sua trajetória (67,2% em 2003 e

66,2% em 2004), sendo que cada ponto percentual representa aproximadamente

100 milhões de dólares em receitas anuais (ONAGA, 2007).

Diante da ameaça, a empresa partiu para o ataque às duas concorrentes. Por

um lado, adotou uma postura proativa em relação a uma das questões mais sérias

da indústria de bebidas no Brasil: a evasão fiscal. Como mencionado na seção 4.2.3

(―Práticas Ilegais‖), a companhia, em conjunto com a Receita Federal, foi pioneira na

adoção do Sistema de Medição de Vazão (SMV), que permitia o acesso a qualquer

momento aos números de produção, sem conhecimento das empresas.

Encontramos um ambiente de preços mais saudável no Brasil em 2004. Ficamos particularmente satisfeitos com a iniciativa de longo prazo que desenvolvemos em conjunto com o governo federal e que culminou, durante o ano, com a bem-sucedida implementação de medidores de vazão no

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mercado brasileiro de cerveja. Essa medida deve permitir que o governo federal arrecade cerca de R$700 milhões adicionais de impostos por ano, ao mesmo tempo em que elimina descontos artificiais no segmento das cervejas, subsidiados pela evasão fiscal. (AMBEV, 2005, p. 18)

O sucesso da medida foi tamanho que levou à sua adoção também no

segmento de refrigerantes, cachaça e água em 2007.

Estamos entusiasmados com a instalação de medidores de vazão nas indústrias de refrigerantes, que passa a ser obrigatória em setembro de 2006. Da mesma forma como aconteceu na indústria de cerveja, os equipamentos tornarão mais justa a competição no setor, reduzindo a pressão de descontos de competidores informais. (AMBEV, 2006, p. 12)

A AmBev sempre fez lobby junto aos órgãos governamentais para o aumento

do controle fiscal no setor de bebidas. A razão para essa postura foi que tanto o

Grupo Schincariol quanto a Cervejaria Petrópolis conseguiram crescer e se tornar

importantes players do mercado brasileiro fazendo uso de práticas ilegais para o não

pagamento de tributos, o que permitia a aplicação de preços bastante inferiores à

cervejaria líder. Enquanto isso, a AmBev agia em conformidade com a lei, chegando

a ser a quinta maior empresa privada do país em pagamento de impostos. Vale

lembrar que ela recolhe os impostos por muitos bares, já que quase nenhum é

pessoa jurídica (ENTREVISTADO #3).

Olha, não conseguimos competir com a Schincariol e a Petrópolis porque elas faziam uso de nota fria. Por isso que possuíam um preço muito inferior aos nossos. Não dava para competir: a gente pagava todos os impostos, e eles não. Tanto que, no final dos anos 90/ início 2000, houve a mudança na lei do imposto de renda, propondo nova forma de cálculo. Foi uma iniciativa da Receita Federal em conjunto com as cervejarias. A questão era simples: os dois lados perdiam. Nós, porque competíamos em condições desfavoráveis, e a Receita Federal porque deixava de arrecadar. (ENTREVISTADO #10)

Acho que o risco de mercado é muito baixo; a AmBev é muito mais eficiente que os outros. Está há anos luz dos concorrentes em eficiência. Uma Schin, por exemplo, só consegue ter um custo mais baixo por benefício fiscal ou por sonegação. Tem muita gente que sonega. A AMBEV não tem como sonegar, é muito grande. Os caras da AMBEV não dão mole. A Assessoria Jurídica é muito forte, o lobby político é muito forte. (ENTREVISTADO #4)

Outra linha de ação foi o lançamento, em 2003, do programa de fidelidade ―Tô

Contigo‖, através do qual distribuía prêmios e dava descontos aos bares

participantes em troca da garantia da exclusividade nas vendas. Com a iniciativa, a

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AmBev garantia a disponibilidade e o giro de seus produtos nos PDVs, dominando o

canal de distribuição com a força de seu portfólio.

Todavia, diante da iniciativa, o Grupo Schincariol moveu processo contra a

AmBev, denunciado que a cervejaria fazia uso de prática anti-competitivas, atuando

de forma monopolista já que concentrava mais da metade do mercado brasileiro. A

Schincariol argumentava que os bares viram-se forçados a aderir ao Tô Contigo

para ter direito aos descontos oferecidos pela AmBev, em troca da exclusividade

(ONAGA, 2007).

Após mais de dois anos de análise, em maio de 2007, a Secretaria de Direito

Econômico (SDE) do Ministério da Justiça recomendou que a empresa fosse

condenada, argumentando que o programa era contrário às leis da concorrência,

prejudicando o mercado de cervejas no Brasil. O processo foi enviado ao CADE com

a recomendação de que a AmBev desse tratamento igual a todos os bares do país,

independentemente de haver contrato de exclusividade de vendas (ONAGA, 2007).

Mesmo a AmBev afirmando ter feito os ajustes recomendados pela SDE, o

CADE confirmou a posição da SDE e declarou-a culpada em julho de 2009, sendo

obrigada a pagar multa de 2% do seu faturamento bruto no ano anterior à denúncia

e a cessar o programa (NETO, 2009). No total, o valor da multa foi de 352,6 milhões

de reais, a maior multa já aplicada a uma empresa no Brasil até então,

considerando-se não só o CADE como todos os demais órgãos e agências

reguladoras (BECK, 2009).

Para chegar a essa conclusão, o CADE baseou-se em investigações da SDE,

onde a ação correu nos três primeiros anos, e se valeu de uma pesquisa adicional

realizada pelo IBOPE com PDVs atendidos pelo programa. A partir da análise, o

CADE apontou três irregularidades na campanha de fidelidade da AmBev: a

exigência de exclusividade ou de concentração de ao menos 90% das cervejas

vendidas no estabelecimento; a proibição de exposição de material publicitário da

concorrência; e a escolha criteriosa dos PDVs participantes – adimplentes que

apresentassem as melhores vendas. Um dos prêmios adotados pela companhia, a

redução do preço das cervejas, também não foi aceito pelo CADE.

O depoimento de alguns entrevistados confirma a existência do Programa ―Tô

Contigo‖ como uma prática institucionalizada na AmBev, e de conhecimento de seus

funcionários.

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Eu era responsável direto pelo programa de fidelidade da empresa – o ―Tô Contigo‖. Eu tinha que monitorar todos os vendedores, todos os supervisores, todos os gerentes de vendas; a quantidade de estabelecimentos que estavam relacionados ao Tô Contigo. Eu tinha que cumprir uma meta do Tô Contigo e tinha que cumprir uma meta de volume de cada estabelecimento relacionado ao Tô Contigo. Então, eu tinha que ficar em cima de gerentes e vendedores, monitorando se eles estavam batendo as metas ou não, e desenvolver relatórios para o Diretor Regional. (ENTREVISTADO #4)

Era um plano de fidelização em que o vendedor dava um livro ao dono do bar e, de acordo com a regra, alcançando tantos pontos se ganhava uma geladeira, e com outros tantos se ganhava uma televisão. Mas, para ganhar esses pontos, só podia comprar AmBev, porque do contrário nunca ia bater a meta e ganhar os prêmios. E o pessoal que é dono de bar, boteco, é meio ignorante, pobre, e imagina ganhar uma TV de plasma gigantesca. (ENTREVISTADO #1)

O que acontece é que, principalmente os donos de bar que ficam atrás do balcão, são pessoas mais simples, então eles não fazem questão de dinheiro em troca. Se você vier com uma idéia boa (―Eu te dou 3 geladeiras, jogo de mesas, letreiro‖), você faz uma propaganda gatruita para a AmBev e ao mesmo tempo agradando o cliente e trazendo retorno. Só que eu só te dou isso tudo se você tirar a Coca-Cola e só trabalhar com as minhas marcas, se você for 100% exclusivo. Quando teve a fusão, o CADE proibiu a AmBev de negociar exclusividade com os donos de PDVs. Foi uma das imposições da fusão. Daí, o que eles fizeram foi criar um programa para burlar a regra e ao mesmo tempo ter o cliente exclusivo. Foi aí que criaram o Programa de Fidelidade. Que é o seguinte: a cada caixa de cerveja de 600ml (a maioria dos bares do Brasil vende garrafa de 600ml), um ponto. E você vai acumulando pontos e os trocando por prêmios. Você troca por televisão, viagem, jogos de futebol (Sky com jogos do Brasileirão). E, ao mesmo tempo, na hora em que se fecha o termo de adesão, o dono de bar fecha uma exclusividade verbal com a AMBEV, já que não pode colocar esse requisito no papel. E como a equipe de vendas está o tempo inteiro na rua e o trabalho é muito de parceria e eles conhecem os PDVS muito bem, isso é normal, é na palavra mesmo e funciona. (ENTREVISTADO #3)

O CADE entendeu que a AmBev estava consciente da ilegalidade de seu

programa e que agiu de má-fé, adotando mecanismos que visavam dificultar a

descoberta da operação pelo órgão regulador (NETO, 2009). O processo poderia ter

sido atenuado se, durante os cinco anos em que a ação correu na SDE e no CADE,

a AmBev tivesse apresentado um Termo de Compromisso de Cessação da Prática

(TCC). A companhia só apresentou seu parecer na véspera do julgamento, o que,

mesmo permitido por lei, não foi visto com bons olhos pelos conselheiros da

instituição, considerando uma demonstração de falta de compromisso da empresa

com a resolução do problema Por esses motivos, a multa inicial de 1,5% do

faturamento bruto foi aumentada para 2%.

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Além do processo movido pela Schin, a AmBev enfrentou outros três

processos na SDE. Um deles, aberto pela Kaiser, alegava as mesmas práticas anti-

competitivas informadas pela Schincariol no caso já julgado. Em outro, a cervejaria

reclamava do lançamento das marcas ―Puerto do Sol‖ e ―Puerto Del Mar‖, que trazia

um posicionamento e identidade muito semelhante à recém-lançada Sol, outra

marca do Grupo FEMSA, detentora da Kaiser, supostamente com o objetivo de

confundir o consumidor e prejudicar o lançamento da concorrente. A AmBev retirou

as marcas denunciadas do mercado brasileiro após uma imposição do Superior

Tribunal de Justiça, acionado pela FEMSA.

Outro caso ainda em investigação pela SDE é a adoção de uma nova garrafa

de vidro de 630 ml que traria em alto relevo o logotipo da AmBev. Como é comum a

utilização de um único modelo retornável de garrafa de 600 ml bastante semelhante,

as concorrentes alegavam que a adoção da nova garrafa para as marcas Bohemia,

no Rio Grande do Sul, e Skol, no Rio de Janeiro, prejudicava a livre

concorrência. Segundo a denúncia dos representantes em 2008, entre eles a Kaiser,

a concorrência não poderia reutilizar a embalagem e pagaria mais caro por garrafas

novas, além de ter um custo adicional de separá-las das demais. Por outro lado, o

pedido das concorrentes infringia o direto de inovar da AmBev.

Diante do que foi mencionado, as evidências mostram que a AmBev passou a

fazer uso de sua força econômica e da posição de liderança no mercado brasileiro

de bebidas para exercer controle sobre um dos stakeholders mais importantes – os

varejistas – numa estratégia claramente semelhante ao que Oliver (1991) chama de

manipulação. Os concorrentes logo se mexeram, passando a atuar de forma mais

agressiva na guerra que se constitui no mercado brasileiro pela presença nos PDVs

(ver item 5.3.1). Além disso, recorreram aos órgãos reguladores para frear a AmBev,

que não permitiram a manutenção de práticas dessa natureza, não só proibindo-as,

mas também aplicando penalidades à empresa.

A reação da AmBev foi típica do que Oliver (1991) define como estratégia de

confrontação, questionando a posição dos órgãos reguladores e dos concorrentes,

não aceitando as restrições com facilidade. O caso da multa de 352,6 milhões de

reais, por exemplo, ainda está em aberto, com a AmBev e o CADE duelando nas

instâncias judiciárias do país pela manutenção ou anulação da decisão.

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Segundo um entrevistado, o programa de fidelidade ainda funcionava quando

saiu da empresa em 2008. Outra pessoa que saiu da AmBev em 2009, porém,

afirmou que o programa não mais existia nos moldes antigos, mas que é natural

haver uma negociação entre vendedores e donos de PDVs por um relacionamento

exclusivo, como fazem as companhias aéreas.

O Programa Fidelidade já não existe há mais ou menos dois anos. Eu escutei nitidamente ser dito, em TV interna, que não existe mais. Nunca foi cobrada exclusividade no programa, não existe esse termo. Orientava-se, claro, e aí é questão de mercado. A gente tá vendendo, estamos batalhando por um mercado com consumidores que têm limite de compra, então o PDV tem que escolher de quem ele vai comprar. A idéia de qualquer programa de fidelidade é estimular o cara, de alguma forma, a ser fiel a você, a continuar comprando mais e em maior quantidade os seus produtos. Vale para a TAM, a Gol, a AMBEV, para qualquer empresa. Então, sempre o vendedor dizia: ―Poxa, cara, eu estou te oferecendo tudo isso, estou oferecendo esse programa em que você pode trocar por coisas, compra as minhas, por que você vai comprar as dele? O que ele está te oferecendo?‖ Era uma forma também de compensar um preço mais alto da AMBEV em relação à Schincariol. (ENTREVISTADO #2)

A grande diferença, porém, é que a companhia aérea não tem como

monitorar as escolhas de compra dos consumidores, sendo complicado para

descobrir se está viajando pelas concorrentes. No caso do varejo, isso é muito mais

simples, pois as empresas estão constantemente em contato com os clientes. De

qualquer forma, a divergência de opiniões só reforça a tese de que a AmBev não

aceitou a posição do CADE e de que resiste à suas decisões.

6.2.1.3 Desafio de gerir a diversidade

A gestão da diversidade está no cerne de um processo de fusão, já que é

necessário integrar culturas, processos, ferramentas e sistemas de trabalho com o

mínimo possível de conflitos e focos de resistência. A despeito do caráter positivo ou

negativo das ações empreendidas, observa-se que a AmBev soube gerenciar a

diversidade inerente à fusão, evitando uma possível fragmentação.

Em primeiro lugar, houve a preocupação em se criar o que Fleck (2009a)

define como mecanismos de integração, tanto para conduzir o processo de fusão

quanto para a gestão dos principais negócios da empresa. Em relação à integração,

foram criadas forças-tarefas compostas por membros da CAP e da CCB que,

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165

conjuntamente, planejaram e executaram as ações necessárias. Esse fator,

associado à imparcialidade dos critérios para escolha do que seria mantido, facilitou

a cooperação entre as equipes e garantiu a transparência do processo.

Assim como já havia acontecido na CCB, foi criada em 2000 uma divisão

independente de Refrigerantes e demais bebidas não-alcoólicas, segregando

integralmente as operações de refrigerantes das operações de cerveja e reforçando

seu foco no mercado nacional de bebidas. A divisão era responsável por traçar

políticas e estratégias próprias, focando em produtos premium, e utilizando a

estrutura de produção e logística propiciada pela AmBev.

Além disso, para fazer frente à crescente complexidade das operações no

exterior e buscando preparar-se para os próximos passos de internacionalização, a

AmBev criou em 2000 uma Diretoria de Operações Internacionais, responsável

pelas atividades de exportações e pelas operações de bebidas e malte no Exterior,

como já ocorria na Argentina, no Uruguai e na Venezuela.

Apesar dos fatos mencionados acima, o aspecto que mais chama a atenção

na AmBev em relação à gestão da diversidade é o esforço de homogeneização de

práticas e processos de trabalho. Tal prática esteve presente em todos os momentos

da empresa, seja na integração da CAP e da CCB ou nos movimentos de expansão

internacional.

A integração entre a CCB e a CAP foi marcada pelo predomínio do estilo de

gestão da primeira sobre a segunda, salvo pouquíssimas exceções. De fato, os

principais elementos da estratégia introduzida pelo Banco Garantia na CCB foram

replicados e disseminados na nova cervejaria.

No que se refere à gestão de recursos humanos, a política de remuneração

variável agressiva, sustentada por um Sistema de Medição e Avaliação de Metas, foi

mantida, juntamente com o modelo de partnership (programa de aquisição de ações

para funcionários de alto desempenho). Além disso, outras duas iniciativas

desenvolvidas na década de 90 na CCB também foram preservadas: (i) a

Universidade Brahma, que se tornou Universidade AmBev, mantendo o propósito de

integrar todos os esforços de desenvolvimento e aprendizagem da companhia; e (ii)

o Programa Trainee da Brahma, que se tornou o Programa Trainee AmBev,

mantendo as mesmas características (requisitos, etapas, mecanismos de avaliação,

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envolvimento da Diretoria, dentre outros) do processo de recrutamento e seleção de

talentos desenvolvido pelo Garantia.

Outra prática da CCB que foi replicada para toda a AmBev e existe até hoje

foram os programas de excelência, que contêm um conjunto de regras,

procedimentos, ferramentas e métodos de gestão que visam aprimorar os resultados

das unidades de negócio. Havia (e ainda há) dois programas internos de incentivo à

qualidade de gestão, com o objetivo de motivar e comprometer os profissionais com

a melhoria dos processos e da produtividade: o PEF (Programa de Excelência

Fabril) e o PEV (Programa de Excelência em Vendas).

O PEF foi desenvolvido com o objetivo de medir, orientar e motivar todos os

empregados, por meio de regras claras no que se refere à excelência do sistema de

gestão fabril, considerando-se tanto os resultados como os meios para alcançá-los.

O PEF estabelece uma classificação das melhores unidades, que são reconhecidas

e recompensadas por seus esforços. Já o PEV foi criado para orientar, medir,

reconhecer e motivar os funcionários das áreas comerciais, dos Centros de

Distribuição Direta e dos núcleos regionais de marketing também no que se refere à

excelência gerencial. O PEV estabelece uma base padrão para operação nas

unidades de negócios da AmBev.

Uma característica importante dos dois programas internos de excelência é

que a avaliação do desempenho das unidades e a construção do ranking final são

feitas pelas próprias unidades participantes que, no fundo, estão rivalizando pelos

melhores resultados. Ou seja, uma unidade é tanto avaliadora de outras unidades

quanto avaliada por outras unidades, havendo, assim, um estímulo à competição

interna.

Todos esses programas são dedicados a maximizar a eficiência, e as unidades competem entre si para atingir o maior número de pontos com base no cumprimento de determinados procedimentos. Os funcionários das unidades vencedoras de cada programa recebem uma remuneração extra, e, caso uma unidade atinja o maior número de pontos mais de três vezes, ela recebe o título de ―Embaixadora‖. Além de motivar pessoas e parceiros-chave, os programas de excelência dão apoio efetivo a nossas iniciativas de redução de custos. (AMBEV, 2004, p. 16)

Além desses dois programas, foi mantido o Programa de Excelência em

Revendas (PEX), criado em 1992 a partir do modelo desenvolvido pela Anheuser-

Busch para ser um instrumento de capacitação e profissionalização da rede de

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distribuição da AmBev. Sua aplicação permite à AmBev avaliar, orientar e motivar os

revendedores, buscando sempre melhores resultados, crescimento na participação

de mercado e maior lucratividade.

Todas as práticas, processos e ferramentas implementados nas atividades

brasileiras foram replicados para os negócios no exterior, na medida em que a

empresa executou seu processo de internacionalização.

A maior evidência da preocupação com a gestão eficiente e integrada das

novas operações foi o estabelecimento de uma nova estrutura administrativa em

2004, quando foi designado um Diretor Geral para cada uma das novas Unidades de

Negócios da companhia: Brasil, América Latina Hispânica (HILA) e América do

Norte. Ou seja, a empresa desenvolveu o que Fleck (2009a) chama de capacitação

em coordenação, criando mecanismos de integração de seus novos negócios às

operações brasileiras.

Além da reestruturação mencionada acima, a AmBev sempre buscou

construir vínculos e laços entre suas diferentes operações. Baseando-se em Fleck

(2009a), a empresa o fez através do compartilhamento de recursos para os aspectos

homogêneos e do intercâmbio de recursos para os aspectos heterogêneos.

O compartilhamento de recursos ocorre de diversas maneiras. No campo da

cultura, pode-se citar a busca interminável pela redução de custos e pela qualidade

da execução nos PDVs. Quanto a produtos, há a inserção da Brahma em

praticamente todos os países, com algumas variações de sabor, nome ou

embalagem. Em termos de práticas, replicam-se os programas de excelência; a

estratégia de consolidação da rede de distribuidores; os sistemas e equipamentos

de apoio às vendas. Os trechos a seguir evidenciam esse esforço de disseminação

daquilo que é desenvolvido no Brasil

Desenvolvemos processos proprietários e meios eficazes de replicar melhores práticas - que têm funcionado tão bem no mercado brasileiro - em nossa crescente rede de unidades industriais, sistemas de distribuição e negócios de bebidas em todas as Américas. (AMBEV, 2005, p. 6)

Maiores ganhos e vendas em toda a região da HILA durante o ano também podem ser atribuídos à implementação do programa para replicar em outros países as lições do nosso sucesso brasileiro. Isso incluiu o projeto para introduzir melhores práticas de gerenciamento em todas as operações da HILA extra-Quinsa, a partir da checagem de pontos tipo ―plano de vôo‖ que procurou assegurar o alinhamento com processos e práticas selecionados a partir de um benchmarking com as nossas experiências brasileiras. Também começamos a centralizar as funções administrativas da HILA, com

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a integração das suas unidades à rede central da AmBev, por meio do sistema de gestão SAP/R3. (AMBEV, 2005, p. 25)

A marca Brahma se renovou na Argentina em 2008 com o lançamento de Brahma Beats, uma nova proposta desenvolvida especialmente para a noite. (AMBEV, 2009, p. 26)

A Brahma Light foi a grande estrela em 2009 na República Dominicana. Ela ganhou o ―litrão‖ e a etiqueta termossensível. Em refrigerantes, nosso foco foram os lançamentos, visando manter nossa posição de vice-líder e crescer ainda mais no mercado. Lançamos H2OH! no país e novas embalagens como PET de 500ml (AMBEV, 2010, p. 33)

Já o intercâmbio de recursos heterogêneos ocorre principalmente através da

ida de talentos da AmBev para assumir posições de liderança nas operações

internacionais ou para somente apoiar as equipes locais na implementação dos

métodos de gestão brasileiros. Para tal, no entanto, a empresa necessita de folga de

recursos humanos e de uma resposta adequada ao desafio de aprovisionar recursos

humanos já que precisa se antecipar a eventuais necessidades de movimentação de

pessoas e garantir que não haja falta de pessoal qualificado nas posições

envolvidas.

Uma das regras que permaneceu e que serve de combustível para o crescimento da AmBev é a de estimular o crescimento das pessoas à base do desafio. É uma prática levada ao extremo de colocar pessoas de 24 anos para tocar as operações da empresa em outros países. "A gente joga sempre um osso maior do que se pode morder", diz Telles. "Tem gente que adora isso, tem gente que fica assustado pra burro. Assustou, saiu." E qual o custo de colocar pessoas tão jovens, inexperientes, para tocar operações importantes? "Nós damos o suporte e eles aprendem rodando. A vantagem de formar alguém assim compensa os riscos." Hoje [2005], a maioria da diretoria da AmBev é formada por profissionais que começaram a operação da Brahma na Argentina, concorrendo com a Quilmes, a cervejaria dominante na época, que acabou comprada pela Brahma em seis anos de briga. (INSTITUTO EMPREENDER ENDEAVOR, 2005, p. 115)

Outro exemplo do intercâmbio de recursos humanos ocorreu quando a

AmBev foi comprada pela Interbrew em 2004, formando a InBev. Em 2006, menos

de dois anos após o negócio, Carlos Brito, antigo Diretor Geral da AmBev, tornou-se

Presidente Mundial da InBev, assumindo a nova empresa juntamente com outros

executivos formados na AmBev – dos 13 da cúpula da InBev, nove eram e ainda são

brasileiros (CORREA, 2008).

O movimento protagonizado pela InBev já vem sendo chamado por pessoas próximas às empresas de reverse takeover – algo como aquisição às avessas. Trata-se de um evento incomum no mundo empresarial. Em geral,

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empresas compradas são simplesmente absorvidas pelos novos donos, que impõem o estilo de fazer negócios. Em casos raros, porém, prevalece a cultura considerada mais eficiente e capaz de entregar os melhores resultados aos acionistas. É justamente o caso da InBev, onde, apesar da trepidação interna, o estilo brasileiro gerou transformações positivas. (CORREA, 2005, p.1)

Um terceiro exemplo ocorreu em 2008, quando Carlos Brito enviou Luiz

Fernando Edmond (ex-presidente da AmBev) e outros comandados brasileiros para

comandar a incorporação da cervejaria norte-americana Anheuser-Busch, com a

missão de eliminar custos, aumentar a eficiência e reduzir o endividamento da

empresa a níveis considerados normais.

6.2.1.4 Desafio de aprovisionar recursos gerenciais

A gestão de recursos humanos da AmBev é organizada à semelhança

daquela da CCB, mantendo as principais práticas desenvolvidas pelo Banco

Garantia, como já mencionado no desafio de gerir a diversidade.

É esperado que uma fusão de empresas acarrete na demissão de pessoas, já

que se busca eliminar sobreposições e redundâncias. Esse fenômeno ocorreu na

criação da AmBev, porém em grau muito menor do que na CCB, até porque havia

restrição do CADE quanto a essa questão (passou de 18.500 em 1998 – soma da

CCB e da CAP – para 18.136 em 2001).

Não se ouviu falar na época da fusão da Brahma com a Antarctica a respeito do número de pessoas a serem demitidas. Foi analisado qual o tamanho da empresa seria necessário para tocar a operação. Isso deu a medida da empresa, que eventualmente resultou em demissões. (INSTITUTO EMPREENDER ENDEAVOR, 2005, p. 116)

Todavia, se os funcionários da CCB já estavam acostumados com as práticas

de trabalho que passaram a valer na AmBev, aqueles oriundos da CAP

experimentaram uma mudança radical em relação à gestão conduzida pela

cervejaria paulista, e nem todos se mostraram dispostos a aceitar ou se adaptaram à

nova cultura e ao novo modelo de gestão.

Quando teve a junção das duas empresas, foi um rolo compressor em termos de cultura, porque a cultura que prevaleceu foi sem dúvida nenhuma a da Brahma. Até porque já tinha passado dessa primeira fase de Brahma

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pré-Garantia para pós-Garantia, e foi mais ou menos o que aconteceu: Brahma pós-Garantia assumindo e passando por cima da Antarctica ―pré-banco‖. Porque, com essa nova cultura, poucas pessoas conseguiram permanecer da época da Antarctica. Não suportaram a pressão, a correria, a busca por resultado. Não se adaptaram. Não é que sejam melhores ou piores, mas não se adaptaram à cultura. Então, assim, hoje são pouquíssimas pessoas de época de Antarctica que ainda permanecem na empresa. Foi um rolo compressor. (ENTREVISTADO #8)

Os que ficaram conseguiram resistir durante muito tempo a essa ―número, número, número‖, produtividade, custo, receita, no mínimo detalhe? Não, porque não estavam acostumados a isso. Mesmo os que ficaram. Começou a ter uma saída natural dessas pessoas: ou as próprias pessoas falaram que não queriam continuar e foram embora ou o próprio ambiente as expeliu porque não estavam performando da maneira que se desejava. Foi um movimento forte e eu diria até rápido. (ENTREVISTADO #8)

Mas a saída de funcionários, especialmente aqueles que vinham da CAP, não

foi uma questão preocupante para a AmBev. O problema maior surgiu alguns anos

após a fusão, quando passou a haver um desvirtuamento da cultura de resultados

desenvolvida pelo Banco Garantia. O mesmo já havia acontecido na CCB, porém a

repercussão do fenômeno na AmBev foi muito maior do que na antiga cervejaria,

chegando aos principais veículos de comunicação e afetando a imagem da

cervejaria.

Então, aconteceu sim, o negócio andou meio solto durante um período. Isso [aumento dos processos trabalhistas] era pós-Garantia na Brahma, mas continuou acontecendo mesmo depois da fusão. Acho que até um pouco por causa dessa ansiedade de mostrar resultado, por ser uma nova empresa e etc. Então, isso chegou a acontecer muito também após a fusão. (ENTREVISTADO #8)

Sob vários aspectos, a AmBev é um exemplo de sucesso que pode inspirar orgulho da classe empresarial brasileira. Mesmo atuando num setor infestado de concorrência informal (gente que lucra muito porque não paga impostos), domina as vendas de cerveja no país com assombrosos 68% do mercado. Com todas as dificuldades brasileiras para se internacionalizar, está presente em 14 países. Essas conquistas são fruto de uma cultura especialmente agressiva na cobrança de metas e largamente compensadora para os bem-sucedidos. Analisada por seus números, a AmBev pratica, inegavelmente, um modelo de negócios vencedor. E, no entanto, é um modelo que está em xeque. (NEVES; CANÇADO, 2006, p.1)

Desde 2002, centenas de vendedores da AmBev foram à Justiça com a

denúncia de que sofriam castigos por não cumprir metas de venda. Em entrevista à

Revista Época em 2006, um vendedor de Porto Alegre afirmou que foi obrigado a

entrar num caixão para ouvir os insultos do chefe e dos colegas de trabalho. Outro

vendedor mineiro disse que era obrigado a fazer flexões de braço como forma de

punição. Havia relatos semelhantes no país todo, representando o extremo a que

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pôde chegar a cultura da AmBev de grande informalidade no ambiente de trabalho e

busca agressiva por resultados.

O curitibano Marcos Vinícius de Faria trabalhou na AmBev por dois anos. Ele diz que foi demitido porque não cumpriu as metas de venda. Em 2002, decidiu processar a companhia por assédio moral e horas extras não pagas. 'Além de trabalhar muito, era humilhado. Eu já fui obrigado a dançar na boquinha da garrafa de cerveja'.

Ronaldo diz que, enquanto trabalhou na AmBev, sua vida foi um inferno. Ele afirma que descontava o estresse do trabalho na família, e seu casamento quase acabou. Seu maior trauma eram os castigos por não-cumprimento de metas de venda. 'Era obrigado a atravessar um corredor polonês. Recebia insultos dos colegas e chefes.' Ronaldo já ganhou uma ação trabalhista contra a empresa. (NEVES; CANÇADO, 2006, p. 3)

O resultado desse processo foi a escalada no aumento do contingente

reservado pela empresa para processos trabalhistas. Conforme o Gráfico 6-5, entre

2002 e 2004 ocorreu o aumento mais expressivo – de 131 milhões de reais para 309

milhões de reais – chegando ao seu ápice em toda a história da companhia.

79,04

100,09

108,30

131,47

211,08

309,00

278,4

245,50

273,3

249,5

226,3

-

50,00

100,00

150,00

200,00

250,00

300,00

350,00

1999 (Pro forma*)

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Processos trabalhistas (acumulado)

Gráfico 6-5: Evolução do passivo trabalhista da AmBev (R$ Milhões)

Fonte: Baseado em AmBev.

O problema foi reconhecido oficialmente pela Companhia. ―Isso foi uma

distorção da nossa cultura‖, disse Marcio Fróes, gerente-corporativo de Gestão e

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Gente da AmBev, em 2006 (NEVES; CANÇADO, 2006). Um entrevistado que

presenciou essa fase também reconheceu a questão, identificando dois motivos: a

sobrecarga de trabalho e o assédio moral. Em sua opinião, por detrás dessas duas

questões está a política de remuneração variável da AmBev.

Por um lado, aqueles que se esforçam para receber o bônus e não o

conseguem acabam tomados pelo sentimento de frustração. Diante disso,

insatisfeitos com a empresa e acreditando que, no final das contas, poderiam ganhar

mais em outro lugar, buscam a complementação que faltou através de processos

trabalhistas.

O próprio modelo de remuneração, na parte variável (bônus), é muito agressivo. O que acontece: 60% das pessoas recebendo e 40% não recebendo variável. Só que quem recebe, recebe 5, 6, 7 ou 8 salários, e quem não recebe fica com zero. Então, muitas pessoas acabam desestimuladas na hora em que pegam um ano sem bônus. Até porque a remuneração-base é um pouquinho abaixo da média do mercado [...] e fica aquele sentimento de que poderia estar ganhando mais em outro lugar (pensando só no curto prazo). Isso é verdade, mas quando se pensa no longo prazo, deixa de ser verdade. Mas muita gente acaba sendo muito ―curto-prazista‖ e, por não receber o bônus, sai da empresa. E, normalmente, não sai muito contente (―não ganhei bônus, estou ganhando mal‖) e vai buscar essa complementação nesse tipo de coisa – hora-extra e outros argumentos que só se consegue via justiça. (ENTREVISTADO #8)

Quanto ao assédio moral, o entrevistado entende que algumas pessoas

desvirtuam o ―ser agressivo‖, aceitando comportamentos e atitudes anti-éticas em

função de um objetivo maior: o cumprimento dos resultados e a conquista do bônus.

O problema é que algumas pessoas desvirtuavam o ―ser agressivo‖. Você pode ser agressivo em termos de busca de resultados sem agredir fisicamente, sem ter que humilhar. Porém algumas pessoas começaram a desvirtuar que o ―ser agressivo‖ era atingir o resultado independente do método utilizado. Assim, gerava-se esse tipo de coisa: botar sapo ou caveira na mesa do supervisor que melhor performasse naquele dia ou naquela semana, ou um bobo ou palhaço, coisas desse tipo. Então, isso sim aconteceu em um determinado momento; as coisas andaram desvirtuando por esse caminho. (ENTREVISTADO #8)

Esse meu chefe falava: as pessoas na AMBEV às vezes confundem liberdade com libertinagem. Libertinagem na forma de tratar. O pessoal perde a noção: falta com respeito, xinga. (ENTREVISTADO #3)

Tomando como base o argumento de Barnard (1938) de que a vitalidade da

organização está na disposição dos indivíduos para cooperar, conclui-se que a

AmBev se encontra diante de uma ameaça à sua integridade, pois as evidências

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sugerem que muitas pessoas só estão dispostas a cooperar até o momento em que

recebem a remuneração variável. Ou seja, a sustentação da integridade da AmBev é

muito frágil, já que se baseia numa política de remuneração variável que, em sua

origem, preza a segregação entre as pessoas, premiando o sucesso de uns através

da punição aos demais.

De 2005 para cá, observa-se uma mudança da postura da AmBev, dando a

entender que a empresa percebeu a ameaça à sua imagem. Naquele ano, foi a

primeira vez que o tema ―qualidade de vida‖ foi tratado com destaque pela empresa

em seus Relatórios Anuais. A empresa lançou o Programa Vida Legal, que tem os

objetivos de estimular hábitos saudáveis, desenvolver ações preventivas de saúde e

incentivar o tratamento de doenças crônicas entre funcionários e seus familiares.

Mais do que a qualidade de vida dos funcionários, a empresa também busca a

redução de gastos com despesas de saúde.

Além de melhoria na qualidade de vida, vamos economizar 15% nos gastos anuais com assistência médica – e esses recursos serão convertidos em outros benefícios, como bolsas de estudo. (AMBEV, 2006, p. 44)

No mesmo ano, a AmBev lançou o Programa de Contratação de Profissionais

com Necessidades Especiais, iniciativa com o intuito de ser estímulo à diversidade e

à inclusão social. O programa foi acompanhado por um processo de conscientização

e mobilização, que despertou também o interesse de unidades de fora do Brasil,

como Equador e República Dominicana. Foram feitas parcerias com entidades

especializadas em recrutamento de portadores de necessidades especiais,

adotando-se os mesmos critérios de seleção e remuneração usados para os não-

portadores de deficiência.

Na área de segurança, a empresa mantém desde então um Plano Diretor de

Segurança para que as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPA), a

área de Serviço Especializado de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) e os

gerentes e supervisores estejam constantemente envolvidos no tema. As unidades

fabris e os centros de distribuição são regidos pelas Diretrizes de Segurança e

Saúde Ocupacional, que trata, entre outros itens, de permissão para trabalhos de

risco, inspeções de rota, bloqueio de energia, e exigências mínimas de segurança

para prestadores de serviço.

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Eu era a dona da minha revenda, eu andava para onde quisesse, mandava em todo mundo, falava o que não estava bom. E no dia seguinte da venda, que virou AMBEV, eu não podia entrar no armazém. Era regra da empresa: só entra no armazém se estiver com os equipamentos de segurança. Vivi ali por 3 anos e não tinha nada daquilo. Mudaram desde coisas básicas até um mundo de preocupação com a segurança das pessoas, a forma com que o líder fala com você. Qualquer pessoa que tenha sido da revenda e que tenha sido incorporada falará com brilho nos olhos, porque se sai de uma realidade péssima e vai para algo que parece um sonho. É muito forte. (ENTREVISTADO #5)

Nas áreas de Vendas e Distribuição também é realizado o Paz no Trânsito,

programa que busca garantir a integridade física dos profissionais, gerenciar os

índices de segurança e reduzir os acidentes de trânsito. Desde que foi criado no

Brasil, em agosto de 2003, o Programa foi fundamental para o alcance de cerca de

70% de redução do número de acidentes com afastamento na Companhia. O

depoimento de um funcionário da área de Gente & Gestão confirma essa

preocupação com a qualidade de vida e saúde dos trabalhadores, especialmente de

níveis mais inferiores.

Hoje, um cara passou no cone e esbarrou. Na segunda tentativa, esbarrou de novo. Aí a gente perguntou se ele estava legal, e ele disse que agora ia conseguir. Aí passou na última vez, e disse: ―Pô, sacanagem me fazer voltar, viu‖. Daí, a minha chefe disse: ―Cara, eu estou preocupada contigo. Quem vai cair da moto é você, não sou eu. Quem vai se machucar é você‖. Aí ele disse: ―É mesmo, né. Você se importa comigo de verdade. Eu sinto que vocês se importam comigo de verdade‖. Depois ele saiu e nós ficamos todos felizes, porque esse é o nosso maior objetivo. É óbvio que eu tenho meta em cima disso, todo mundo tem meta e tal, mas não é só pela meta. Dizem que a gente tem lavagem cerebral; pode até ser de uma forma inconsciente, mas é uma mensagem muito verdadeira. (ENTREVISTADO #5)

Apesar dos avanços, a análise dos depoimentos dos entrevistados mostra

que a questão da qualidade de vida ainda permanece controversa. Os que

acreditam que o trabalho na empresa é compatível com qualidade de vida são

pessoas que demonstram lidar melhor com o ambiente de pressão, tendo clareza

em relação às exigências da empresa e renúncias que precisam ser feitas para ser

bem sucedido no seu modelo de gestão, especialmente quanto ao modelo de

remuneração variável.

É possível ter qualidade de vida dentro da AmBev. O ponto é que o variável é uma coisa fora do padrão de mercado. Você só vai receber se entregar

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algo a mais do que deveria entregar. Então, isso é uma questão de querer ou não. (ENTREVISTADO #8)

Mas é uma pressão que chega a ser prazerosa; a gente vicia na pressão. A minha rotina mensal passa pelos primeiros quinze dias de pressão a ponto de eu não conseguir respirar, e os últimos quinze dias são muito tranqüilos. Eu tenho a minha rotina das coisas que eu tenho que fazer e dos prazos de entrega. Os primeiro quinze dias são enlouquecedores, mas a gente não percebe. O meu horário é das 8hs às 18:30 – quando necessário, chego às 6, 7hs da manhã (mas também quando preciso, posso chegar às 11; não tem problema nenhum) – e às vezes eu saio às 21, 22hs e não vejo a hora passar. É impressionante: você não vê a hora passar. É muito trabalho, mas a gente tem todas as ferramentas para aquele trabalho; se não tiver, a gente cria. Então, não é um desespero a ponto de você ficar anotando no papel as coisas sem saber como dar conta de tudo. Você vai dar conta, só que eu estou pedindo um pouco mais do que você pode me dar. Se eu deixasse, você faria um trabalho em dois dias, mas eu quero em um dia, pode ser? É um mega desafio, mas é um desafio bom de se vencer. Você acha que não consegue e vai lá e faz. Dá prazer ser mega desafiado. E nós somos muito desafiados. (ENTREVISTADO #5)

Para aqueles que acreditam ser impossível estar na AmBev e ter qualidade

de vida, os argumentos vão desde a necessidade de trabalhar nos fins de semana

até ter que mudar de base constantemente.

É difícil ter qualidade de vida dentro da AmBev. Eu acho que é uma questão de escolha e necessidade. Tem gente que precisa trabalhar, tem família para sustentar e não tem como sair. E há pessoas que têm como e escolhem isso: ―Quero virar sócio da Companhia antes dos 30 anos e, então, vou trabalhar pra caramba e abrir mão de um monte de coisa por causa disso‖. Eu acho difícil, e foi por isso que saí. Não quero necessariamente ser sócia da companhia antes dos 30 anos, mas óbvio que quero trabalhar em algo que me dê prazer. Mas eu acho que é uma empresa que tem uma política que valoriza as pessoas, que reconhece bons resultados. Eu acho que isso faz parte de uma empresa de pessoas. É claro que pode não ser bem executada em toda a operação, até porque é uma operação muito grande. Mas não é assim: tira as pessoas e que se danem. (ENTREVISTADO #6)

Eu acho que eles ainda não conseguiram a forma de atingir os resultados e as metas que eles querem com qualidade de vida. Não conseguiram ainda. Quando eles conseguirem isso, aí a empresa vai bombar mais ainda. Por exemplo, no meu emprego atual eu tenho qualidade de vida. Não me incomodo em trabalhar muito, contato que eu tenha tranqüilidade. Lá na AMmBev não, é muita pressão. Houve uma vez eu que eu trabalhei das 7 da manhã até as 6 da manhã do dia seguinte. Teve um ano em que eu não trabalhei só 9 sábados, de tão pesado que foi. (ENTREVISTADO #3)

Com relação aos casos de assédio moral, os entrevistados afirmaram que

houve uma mudança na postura da AmBev, que passou a não tolerar mais qualquer

tipo de constrangimento a funcionários.

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Depois que as ações trabalhistas começaram a tomar vulto maior, isso não só atrapalhou resultado, mas também imagem. Na hora em que se percebeu isso, foram feitos vários treinamentos e acompanhamentos. Atualmente, é feito um acompanhamento de perto desses casos fora da curva justamente para evitar que aconteçam. Isso aconteceu no passado, mas esses casos foram tratados para que não voltassem a acontecer. E sempre que isso acontece, as pessoas que fazem, de uma maneira ou de outra, são punidas por terem feito algo. Então, aconteceu sim, o negócio andou meio solto durante um período. (ENTREVISTADO #8)

Eu trabalhei três anos e meio chamando um cara de índio, porque é assim que ele gosta de ser chamado, e não posso fazer isso na AMBEV porque amanhã ou depois ele pode entrar com um processo dizendo que o chamavam de índio. É uma preocupação grande e forte em respeitar os limites das leis trabalhistas e do entendimento do funcionário. Então, se aquele cara se sentiu humilhado, isso já é um motivo para um processo trabalhista. Então, não vou humilhá-lo de forma alguma. (ENTREVISTADO #5)

Eu nunca vi. Eu acho que existe um esforço muito grande de não deixar esse tipo de coisa acontecer nunca mais. Eu acho que é um pouco de gestões passadas que acabam interpretando mal a cultura da empresa. Existe a cultura da empresa de querer resultados melhores, lutar por isso, e cada um vai interpretar da forma que entender. Se não tem um cara vendo aquilo e achando errado, o negócio vai acontecer. Isso é muito mais na parte de Vendas; na parte de fábrica não existe muito essa coisa. Porque em Vendas, o motivacional é muito importante. Quer dizer: é importante de um modo geral, mas lá é muito mais forte. Eu sempre ouvi falar, mas nunca presenciei nada disso. Nenhum tipo de humilhação. Acho que é uma coisa meio mito, que as pessoas ouviram falar, mas nunca viram. (ENTREVISTADO #6)

Mesmo agindo de maneira proativa para eliminar ou aliviar os focos de tensão

existentes no passado, criou-se um mito altamente nocivo à integridade da AmBev.

Para muitos entrevistados, entrar com um processo trabalhista se tornou comum, em

função de uma visão compartilhada por muitas pessoas de que acionar a justiça do

trabalho contra a empresa é vitória garantida. Dessa forma, surgiu praticamente um

negócio paralelo à empresa: de um lado, funcionários insatisfeitos e com pouco

compromisso com a companhia, e de outro, advogados em busca de clientes e

oportunidades de fazer negócios.

Tem muito processo trabalhista em cima da AMBEV. Colocar um processo trabalhista em cima da AMBEV é quase garantido ganhar muito dinheiro. Para citar um caso emblemático: na saída do CDD, em final de ano, tem advogado na porta entregando cartãozinho de advogado trabalhista dos funcionários. Já aconteceu isso comigo. Já recebi cartão de advogado trabalhista para processar a AMBEV. E isso acontece com todos os tipos de nível hierárquico. (ENTREVISTADO #1)

É isso mesmo. Sempre ganham. Especialmente os mais antigos. Quando eu saí, o passivo trabalhista só na Regional RJ era de 24 milhões de reais. Na época em que eu saí. E tem que separar o dinheiro, é contingência

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tributária. Mas pensa o seguinte: são 24 milhões, e eles conseguem enrolar por uns 5, 6 anos cada um. Eles já ganharam esses 24 milhões facilmente. (ENTREVISTADO #5)

Tais problemas, no entanto, parecem não afetar os jovens recém-formados

que estão em busca de oportunidades profissionais. E a maior prova foi o Programa

Trainee da AmBev em 2009, que contou com quase 60.000 candidatos,

praticamente o dobro de 2008, quando 32.000 pessoas participaram do processo.

Ao final, somente 26 jovens foram selecionados, o que resultou num recorde de

2310 candidatos por vaga. Segundo Amorim (2009), nenhum outro processo de

seleção na iniciativa privada ou na esfera pública é tão concorrido no Brasil. A

disputa por uma vaga na AmBev supera concursos públicos, como o da Polícia

Federal, um dos mais disputados do país, com 192 candidatos por vaga. É também

maior do que o vestibular de medicina da Universidade de São Paulo.

6.2.1.5 Desafio de gerir a complexidade

O primeiro desafio da AmBev em relação à gestão da complexidade foi a

tomada de decisão para a implementação da fusão entre a CAP e a CCB. Durante o

processo de aprovação pelo CADE, aproximadamente 100 funcionários da CCB e

da CAP desenharam as futuras operações da AmBev, definindo pessoas, processos

e objetivos que seriam adotados para garantir a efetiva integração das cervejarias no

prazo desejado. Ou seja, diante da necessidade de se analisar e solucionar

problemas de alta complexidade e compostos de variáveis interdependentes, a

tomada de decisão se deu de maneira antecipada, estruturada e sistemática.

Uma coisa interessante é que foram montados grupos de trabalho em logística, sistemas, RH e etc para ver o que tinha de bom e ruim em cada uma das empresas. Os grupos eram formados por pessoas das duas empresas, trabalhando juntas para, das duas operações, identificar qual era a melhor e poder garantir que a melhor, independente da empresa, fosse mantida. Tanto que algumas coisas da Antarctica ficaram – o sistema SAP, por exemplo, ficou. Não é que só da Brahma era bom. Uma série de coisas da Antarctica também eram boas e acabaram permanecendo. (ENTREVISTADO #8)

Outro aspecto importante desse processo foi a definição de três regras

básicas para subsidiar a tomada de decisão da equipe:

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Toda decisão deveria criar o maior valor possível para os investidores;

Seriam selecionados os melhores processos em cada área de cada

Companhia; e

Os melhores profissionais assumiriam a direção dos negócios.

Portanto, mesmo se tratando de uma aquisição (da CAP pela CCB), um

aspecto importante do processo de integração foi o trabalho conjunto entre as

equipes das duas cervejarias, baseado no princípio de que a adquirente não deveria

impor sua vontade à adquirida, mas sim definir em conjunto aquilo que seria melhor

para a nova empresa. Exemplo maior dessa postura foi o fato de a Presidência do

Conselho de Administração da AmBev ter sido ocupada por um representante de

cada empresa: Marcel Telles, por parte da CCB, e Victório de Marchi, da CAP.

Mesmo refutando a idéia de aquisição, Jorge Paulo Lemann reconhecia essa

abordagem igualitária:

A fusão da Antarctica com a Brahma foi realmente uma fusão, os principais dirigentes da Antarctica fazem parte do conselho da AmBev em condições equitativas com nossos representantes, nos damos muito bem, a integração tem funcionado. (NETO, 2001, p. 9)

Um entrevistado que participou do processo também reconheceu o trabalho

conjunto e a imparcialidade com que foi desenvolvido, especialmente quando à

questão das demissões:

O planejamento de demissões foi completamente diferente [do que ocorreu na Brahma]. Pusemos todos os pares das duas empresas, organizados por área, e começamos a definir o que era melhor para cada área. Foi um trabalho conjunto, sem nenhum tipo de imposição da Brahma. Houve muito mais transparência nesse processo em comparação com o da Brahma. (ENTREVISTADO #10)

No final, porém, a cultura da CCB acabou se impondo em relação à da CAP.

Sem querer melindrar ninguém, a cultura da Brahma era mais agressiva, mais forte. E, no tocar dos negócios, tem sido a predominante. Entretanto, a idéia é dar oportunidade às pessoas, não importa de onde venham, se da Antarctica ou da Brahma; simplesmente, quem é bom tem oportunidade, tem lugar para crescer. É assim que vemos a coisa e estamos todos lá tentando construir uma empresa excepcional, de longa duração, de grande sucesso em termos brasileiros e mundiais. (NETO, 2001, p. 9)

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Assim como na CCB, sempre houve uma preocupação constante com a

tomada de decisão dentro da AmBev. As próprias metas (individuais ou

corporativas) servem como um balizador para os funcionários, que têm a noção

exata dos objetivos a cumprir e dos critérios a utilizar na tomada de decisão. O uso

do EVA como critério fundamental de decisão, por exemplo, garante a geração de

valor para os acionistas.

Há também a preocupação com a coleta de dados para subsidiar a tomada de

decisão, especialmente com o desenvolvimento ou aquisição de sistemas

informatizados. Na área logística, a empresa desenvolveu um sistema próprio que

cruza informações dos 550 distribuidores, 45 centros de distribuição e 38 fábricas da

AmBev no Brasil, além de 350 diferentes itens de estoque (versões de embalagens

das diversas marcas de bebidas). Esse sistema inteligente de malha logística

analisa todas as variáveis de previsão de vendas, custo e produção regional e

aponta a melhor alternativa de atendimento aos pedidos das áreas de vendas e

distribuição.

No que se refere à gestão da distribuição, a AmBev utiliza um sistema

informatizado para levantamento de dados e cruzamento de informações sobre cada

PDV, capaz de permitir uma execução mais eficiente de roteiros de venda e de

entrega. Os avanços nas tecnologias de apoio aos vendedores para a execução no

PDV também demonstra que facilitar a tomada de decisão é algo importante para a

empresa, independente do nível das atividades.

Além de sistemas, existe o cuidado em preparar as equipes para a solução de

problemas. É o caso, por exemplo, do programa Seis Sigma, metodologia utilizada

pela AmBev desde 1999 e que busca a redução do número de defeitos nos

processos industriais, administrativos e de vendas. Para a sua execução, são

desenvolvidos programas de formação de Green Belts e Black Belts, envolvendo

profissionais de diferentes áreas da empresa que aprendem a solucionar problemas

crônicos e complexos com a ajuda de análises e ferramentas estatísticas. Os Green

Belts são selecionados e treinados para resolver problemas de curto prazo. Já os

Black Belts são capacitados para implementar o Seis Sigma e recebem uma carga

de treinamento de dois anos.

A questão do foco na execução é um aspecto importante da cultura da

AmBev que impacta na sua capacidade de gerir a complexidade. Em função dessa

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máxima, alguns entrevistados sugeriram que a empresa opta por investir naquilo que

acredita ser realmente a sua maior competência e que faz a diferença: distribuição e

logística. Analisando os Relatórios Anuais, verifica-se um destaque a sistemas que

de apoio a decisões de marketing e a sistemas que permitam a otimização de custos

e aumento da produtividade.

Um estruturado sistema de inteligência de mercado e o uso de técnicas de marketing e comunicação que permitem a nossas marcas tornarem-se referências – até mesmo ícones – e avançarem na preferência dos consumidores. Nossas pesquisas de mercado vão além de identificar hábitos de consumo, expectativas de consumidores e novas oportunidades de crescimento de volumes. (AMBEV, 2009, p. 11)

Uma conseqüência direta desse fato é que há uma resistência da AmBev a

investir em sistemas integrados de gestão que sejam mais robustos ou atendam a

toda a organização. E como os sistemas existentes muitas vezes não são capazes

de oferecer as informações da maneira que as áreas precisam, existe uma tradição

de se trabalhar em paralelo com o software Microsoft Excel para solucionar as

demandas internas. O funcionário AmBev é conhecido como especialista em fazer

macros, ou algoritmos que permitem a execução de funções de acordo com as

necessidades do usuário.

É Excel na veia. Você vê coisas lá de Excel...eu fiquei profissional em Excel lá. E o Excel é uma ferramenta poderosa. Eles dão treinamento em Excel para os funcionários, até e-learning. Eles fazem coisas no Excel que eu não imaginava. Você abra um programinha lá que não parece Excel, mas na verdade é um Excel na sua frente. Então, é praticamente gasto zero com sistema. Eu estou exagerando quando digo gasto zero, mas a maioria, principalmente na operação, é Excel na veia. (ENTREVISTADO #1)

É muito Excel. Muito, muito. Eles focam muito mais em desenvolver soluções internas porque, muitas vezes, não se paga comprar um sistema externo. Eu não sei até que ponto isso vale a pena, mas eu acho que tem pessoas bastante inteligentes lá em cima para tomarem esses tipos de decisão. Eles estão pensando em mudar e vão avaliando [....] assim, eu acho que eventualmente, e muito por causa da compra da AB, que é uma empresa extremamente automatizada na parte de operação, isso aos poucos vai vindo para cá. Mas acaba que é muito isso: são muitas soluções de Excel, porque na AmBev tudo é gigante e, então, você trabalha com um zilhão de dados. Todo mundo lá é macreiro – faz macro para lá e para cá – e acaba que se usa esse tipo de solução. E as pessoas compartilham. Por exemplo, o cara da fábrica de SP fez uma macro para fazer o controle de idade de produto, e ele compartilha com as outras unidades. Não tem, necessariamente, ferramentas bem desenvolvidas. Eu acho que acaba sendo caro para a AmBev porque as operações, apesar de serem razoavelmente homogêneas, têm muitas particularidades. Há, por exemplo, uma fábrica como a do Rio que é um monstro e outra que só tem uma linha

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de produção. Ao mesmo tempo em que muita coisa é igual, as operações são diferentes, têm complexidades diferentes. (ENTREVISTADO #6)

Se por um lado contribui para o desenvolvimento profissional do funcionário,

já que se trata de uma habilidade importante nos dias atuais, esse uso

descoordenado do Microsoft Excel leva muitas vezes a conflitos de informação, pois

pode acontecer de uma área, que utiliza uma mesma informação que a outra, ter

registros distintos, em função de ferramentas distintas de coleta e tratamento dos

dados.

O fato é que existem muitos conflitos de informação. A pessoa pode gerar a sua própria informação, mas tem uma informação consolidada da AC que é diferente. Por exemplo, eu aqui na Regional digo que vendi 10.000 hectolitros de cerveja hoje, e a informação da Regional é outra. Muitas vezes, as bases são diferentes, então há muito conflito de informação, e isso gera um stress para a pessoa muito alto. Não sei se já foi resolvido ou não, mas estavam com um projeto para fazer uma base única de dados. Enfim, conflito de informação acontecia muito, e isso estressa muito a pessoa, especialmente quem era do financeiro e da área de vendas (o cara acha que vendeu tanto e na verdade não vendeu – é uma grande confusão). (ENTREVISTADO #1)

Além da incompatibilidade de informações, outro entrevistado que ocupou

cargos gerencias em áreas de Tecnologia da Informação da AmBev mencionou que

o foco na execução já levou à falta de controle e sistematização de informações em

outras áreas da empresa. Para ele, isso explica em parte o problema do aumento do

passivo trabalhista, pois a AmBev não dispunha de sistemas ou procedimentos que

apoiassem a tomada de decisão sobre essa questão, ou que tampouco lhe dessem

insumos para agir diante das acusações de assédio moral ou de não-cumprimento

das leis trabalhistas brasileiras.

Como a Brahma sempre foi uma empresa de executar, boa em execução, era assim: planeja o básico, executa e o que dá errado vai lá e conserta para poder seguir. Então, não é tipo uma Unilever ou Shell da vida que passam 1, 2 anos planejando para estar com 100% dos riscos mapeados e, a partir daí, ter um percentual de insucesso menor. Lá é ao contrário: planeja 2 ou 3 meses, vai em frente e, o que der errado, vai acertando. Isso, portanto, gerou muita falta de controle de ponto, muita coisa se perdia, o arquivo não era muito bem organizado. E, quando se vai para uma reclamação trabalhista mal-embasado, a chance de perder é muito maior. Por isso que tinha muito essa lenda de que, se entrar contra a AmBev, ganha; porque a empresa estava desorganizada nesse sentido. ―Cadê o cartão de ponto? Não tem‖. Na verdade, o cara acaba exagerando, mas, no conceito, tudo isso era verdade. Podia ser mais ou menos horas, mas que tinha, tinha. Então, acabava ganhando. Mas aí, na hora em que se começou a mapear o problema, a empresa começou a organizar melhor o controle de

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jornada e outras coisas, como implementação de banco de horas, para evitar isso. Eu digo que é um outro ciclo: desorganização, pouco controle e etc geram problemas, despesas financeiras altas e riscos de imagem, e você começa a se organizar e a mitigar esses erros para evitar que aconteçam. Isso é fato. (ENTREVISTADO #8)

Apesar de confirmar as impressões acima, o mesmo entrevistado afirmou que

a empresa iniciou há alguns anos um processo de mudança desse panorama. Para

ele, o Centro de Serviços Compartilhados vem desempenhando papel importante na

consolidação das informações.

Eu acho que esse movimento tem diminuído ao longo do tempo, mas é uma verdade. O Excel era muito usado. Você tem um SAP por detrás, mas o SAP não tem todos os relatórios necessários, e para tê-los seria preciso gastar um dinheiro monumental. Quando eu saí de lá, estavam implantando um BI (Business Intelligence) de uma empresa cujo nome não recordo, mas para tentar diminuir a questão de contas feitas por fora. Mas, na verdade, você tem os sistemas mães, que um é o SAP e o outro é o PROMAX. Este é do Sul, usado para as partes de vendas e faturamentos nos Centros de Distribuição, e com o qual os palmtops têm interface. E tem também outro sistema, o SAV, que é da parte de Vendas [....]. Tem uns 3 ou 4 grandes sistemas, cada um na sua área, e o Excel acaba puxando as bases de todos esses locais para fazer relatórios, análises, coisas diferentes, contas diferentes, tentar descobrir coisas. Por ser uma base de dados muito grande, ela sempre te diz alguma coisa; você só precisa interpretar o que está ali por detrás, e o Excel é muito utilizado para isso. Sem dúvida que, num primeiro momento, todo mundo quer mostrar serviço. Então, como é que você mostra serviço? Por exemplo, um macreiro não sei de onde que gera um relatório que, ao invés de demorar um dia para sair a informação, sai em 5 minutos. Isso aconteceu muito e, justamente vendo que isso estava começando a gerar desencontro de informações, começou-se também a se aglutinar quem tira as informações. Por exemplo, hoje, uma grande parte das informações, mesmo que sejam em Excel, são geradas no Centro de Serviços Compartilhados (CSC) que fica em Jaguariúna (SP). (ENTREVISTADO #8)

6.2.1.6 Gestão da folga organizacional

Um dos argumentos em defesa da aprovação da fusão entre a CAP e a CCB

eram os ganhos de sinergia que poderiam ser obtidos com a transação, de mais de

500 milhões de reais. O alcance dessa meta, além de aumentar a eficiência das

operações da nova empresa, liberaria recursos para futuros investimentos,

especialmente num possível movimento de expansão internacional.

O desafio era semelhante àquele que os executivos do Banco Garantia

enfrentaram quando adquiriram o controle acionário da CCB: por um lado,

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aperfeiçoar o gerenciamento de receitas, e, por outro, buscar permanentemente uma

maior produtividade, com minimização de custos.

No que se refere ao gerenciamento de receitas, tendo em vista que a grande

maioria dos consumidores decide o que consome dentro do PDV, na ocasião de

compra, a execução no PDV era e ainda é um aspecto fundamental no reforço da

preferência das marcas AmBev. Ciente disso, a empresa desenvolve duas linhas de

ação:

Ativar as variáveis que aumentam a venda dos produtos dentro dos

PDVs: merchandising, disponibilidade, refrigeração e precificação; e

Garantir sempre o melhor preço, para que, na visão do consumidor, os

produtos sejam mais competitivos frente à concorrência.

Para tal, o esforço central da empresa está no desenvolvimento de sua rede

de distribuição direta e revendas, com o objetivo de manter o sistema de distribuição

mais eficiente do País, otimizando o custo de atendimento a cada PDV. A grande

iniciativa da AmBev, então, foi equipar seus vendedores com palmtops capazes de

analisar a base de dados (market share, histórico de pedidos, estoques, tipos de

embalagens, preço médio, dentre outros) de cada PDV a ser visitado, de forma a

auxiliar no processo de negociação. Ao facilitar a venda, o uso de palmtops traz

consigo outro ganho importante: dá mais tempo aos vendedores para ficar na rua

vendendo, já que o computador de mão cuida de toda a complexidade das decisões

de venda. Ou seja, é um caso em que o uso da tecnologia gera folga (no caso,

homem-hora) que pode ser utilizada para a expansão das atividades da

organização. Além disso, é uma forma de gerir a diversidade de formatos de canais

de venda, tornando mais efetivo o processo de negociação.

E, na rua, eles [vendedores] fazem o processo de vendas completo, que está cada vez mais fácil por causa da tecnologia. O palmtop já sugere quanto deve vender em cada ponto de venda. Todo palmtop tem todos os pontos de venda que o vendedor tem que passar naquele dia, incluindo a sugestão de venda. Além disso, o vendedor anota o estoque do cara e coloca no sistema. (ENTREVISTADO #1)

O desafio de minimizar custos, por sua vez, sempre foi um aspecto

fundamental da identidade ―Garantia‖, tornando-se um valor preconizado e seguido

em todas as empresas controladas pelo Banco. Com a criação da AmBev, tal

princípio se tornou ainda mais forte: a administração de custos é uma obstinação na

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AmBev, que busca se tornar um dos produtores de mais baixo custo do mundo

(AMBEV, 2009).

Em apenas dois anos de existência, a AmBev obteve aproximadamente 99%

dos ganhos de sinergia previstos com a fusão, conforme a Tabela 6-10.

Eu diria que, em um ano e meio a dois anos, 95% das sinergias já estavam capturadas. Porque é diferente, por exemplo, do movimento da AmBev quando juntou com a Interbrew lá na Bélgica e formou a InBev. Nesse caso, você está falando de mercados complementares, pois um estava nas Américas e o outro na Europa. Você pode ter sinergia mesmo nesses casos, mas são menores e demora-se um pouco mais de tempo para capturá-las. Mas aqui, onde as operações eram nas mesmas cidades e mesmos locais, uma do lado da outra (até porque tinham que estar uma do lado da outra porque eram concorrentes), então foi mais rápido de eliminar e mais fácil de cortar. (ENTREVISTADO #8)

Ganhos

projetados Real 2000

% Conquista

Real 2001

Real Total

% Conquista

Produção/ Industrial

273,7 91,3 33,4% 114,4 205,7 75,2%

Distribuição 105,8 31,8 30,1% 103,4 135,2 127,8%

Administrativo 49,5 34,9 70,5% 19 53,9 108,9%

Compras 15,0 14,5 96,7% 20,1 34,6 230,7%

Juros 60,3 19,6 32,5% 49,4 69 114,4%

Total 504,3 192,1 38,1% 306,3 498,4 98,8%

Tabela 6-10: Ganhos de sinergia (R$ Milhões)

Fonte: AmBev, 2001 e 2002.

O processo de redução de custos se baseia principalmente no Orçamento

Base Zero (OBZ) e no Custo Base Zero (CBZ), duas abordagens desenvolvidas no

tempo da CCB que estabelecem, a cada ano, novas metas para o controle de

despesas e custos, com o objetivo de ampliar as margens da empresa. Cada equipe

é responsável pela administração de seu próprio orçamento e o alcance das metas é

um dos itens de avaliação de desempenho e do programa de remuneração variável.

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185

Desde 2005, a AmBev é benchmark mundial em itens importantes na

composição dos custos de produção, como é o caso da água (AMBEV, 2010). Em

2009, houve uma redução índice de consumo de água de 2,4 bilhões de litros,

economia de água suficiente para abastecer, por um mês, uma população de 450

mil habitantes. Em março de 2009, a AmBev lançou um programa em referência ao

dia mundial da água criado pelas Nações Unidas. O ―Mês de redução da água‖

resultou numa redução de 132.000 m3 de água durante o período do programa, o

que representa R$1,2 milhão de economia no ano.

Outro aspecto em que a empresa se destaca é o reaproveitamento de

insumos, cuja origem remete à época da CCB. Em 2009, a AmBev reaproveitou

98,3% dos resíduos industriais na forma de subprodutos, que são tratados como

negócio: a sua comercialização gerou uma receita de 78,8 milhões de reais nas

operações no Brasil e no norte da América do Sul.

91,0%

92,0%

93,0%

94,0%

95,0%

96,0%

97,0%

98,0%

99,0%

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

R$ M

ilh

ões

Receita com a venda de subprodutos e resíduos

Reaproveitamento de resíduos sólidos do processo produtivo

Gráfico 6-6: Evolução do reaproveitamento de insumos e receitas geradas

Fonte: Baseado em AmBev.

Contribui ainda para a estratégia de eficiência em custo a decisão de produzir

parte dos insumos consumidos. A AmBev é proprietária de cinco maltarias (uma no

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186

Brasil, duas na Argentina e duas no Uruguai), que fornecem parte do malte

consumido na fabricação de cervejas, e ainda existe outra em construção no

município de Passo Fundo (RS), que será a maior maltaria do Brasil, com

capacidade para produzir 220.000 toneladas de malte. A empresa ainda mantém

uma fábrica de vidro no Paraguai, uma fábrica de rolhas metálicas e outra de pré-

formas de garrafas PET em Manaus (AM) e uma fábrica de embalagens de vidro em

Campo Grande (RJ), além de quatro unidades de adjuntos sólidos (grits de milho,

em Guarulhos e Cuiabá; flakes de milho, em Sergipe; e milho degerminado, em

Corrientes).

Os Centros de Serviços Compartilhados, localizados em Jaguariúna (SP) e

em Ontário (Canadá), possibilitam economias em termos de despesas gerais e

administrativas. A primeira estrutura foi criada no ano de 2001 em São Paulo,

visando racionalizar as atividades operacionais administrativas, com a expectativa

de ganhos de escala e de processos mais eficientes no curto prazo e a

implementação acelerada de novas tecnologias no médio prazo. Em 2004, a AmBev

montou estrutura semelhante em Ontário (Canadá), de forma a capturar economias

em compras de matérias-primas e obter vantagens em negociações globais, sem

contar a redução de gastos administrativos. As duas estruturas são compostas de

funcionários fluentes em pelo menos dois idiomas, para que possam atender todas

as operações da cervejaria espalhadas pelas Américas.

Ao centralizar atividades como logística, recursos humanos e finanças, os

CSCs permitiram que as unidades de vendas e produção pudessem atuar com mais

foco na operação.

[O escopo do CSC incluía:] RH; Compras; Logística; toda a parte de ressuprimento das fábricas e dos CDDs; uma série de projetos são tocados por lá; contabilidade; contas a pagar e a receber; tudo isso é tocado centralizadamente. Só o que não dá para fazer sem ser na ponta, como algo que precisa do contato com o vendedor, fica nas Regionais. Mas o restante, tudo que dá para ser feito remotamente, é feito no CSC. (ENTREVISTADO #8)

[O início do CSC] Foi em 2002 mais ou menos. Começou devagarzinho, juntando algumas coisas, e, com o passar do tempo, foi cada vez mais juntando. Tanto que, quando eu saí de lá, eles tinham quase 1.000 pessoas trabalhando no CSC. Se você tem 1.000 num esquema centralizado, deveria ter, disparado, de 3.000 a 5.000 pelo Brasil. O ganho de escala foi absurdo. E não só o ganho de escala; mas o ganho na padronização de informações. Às vezes, sem dúvida nenhuma, é mais barato fazer no Excel, mas se você tem um cara só que faz para o Brasil inteiro, garante a uniformidade da informação e dos dados. (ENTREVISTADO #8)

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Tal mudança, porém, impactou a organização, especialmente as áreas

operacionais, de outra maneira: com a centralização de determinadas atividades,

reduziu-se a necessidade de manter equipes espalhadas por várias unidades,

levando a um enxugamento dos quadros. A opinião de dois entrevistados que

trabalharam em Unidades Regionais da AmBev sustenta a idéia. Outro entrevistado

que ocupou cargos gerencias na AC, quando questionado se a criação do CSC

explicava os quadros reduzidos das Unidades Regionais, confirmou a hipótese,

argumentando inclusive que esse processo de enxugamento eliminou qualquer tipo

de folga de tempo nas atividades operacionais.

Não tem folga, principalmente nos CDDs. A equipe é 100% enxuta. Na minha percepção, eu acho que vai diminuindo à medida que aumenta o nível hierárquico. O CCD é pancada, execução de trabalho 100% do tempo, não se pára um minuto. Em cima do CDD, tem a Regional, onde já tem uma folguinha para se pensar outra maneira de desenvolver coisas, como uma nova medição para o acompanhamento da Área de Vendas, mas que também é muito reduzida. Já na AC, eu só passei por lá uma semana e minha visita foi muito superficial, mas a percepção é de que existe sim gente lá pensando estrategicamente. Não sei se pensar estrategicamente pode ser considerado como folga, eu acho que sim. (ENTREVISTADO #1)

Eu acho que não tem muito tempo. É claro que tempo você gera. Se você entende que uma coisa é importante para o seu negócio, que você vai perder mais tempo – vai trabalhar no final de semana, seja lá o que for – vai criar um momento, vai priorizar. Agora, todo mundo prioriza as coisas lá, em todas as funções, é uma regra porque se trabalha muito, com equipes enxutas, muito reduzidas. Cada vez mais. Gente muito boa, mas equipes enxutas e com muito trabalho. Vendedor, por exemplo, tem uma rotina legal. Vou dizer que até supervisores e gerentes trabalham mais, mas vendedor ao menos tem hora para chegar e para sair. Trabalha muito na rua, com palmtop e de lá para cá, mas às quatro e meia está em casa e cada vez mais tem se forçado para que isso seja cumprido (chegam às sete horas da manhã). E sempre foi cumprido. Já os outros cargos gerenciais ficam até concluir suas tarefas. Um Gerente de Vendas, por exemplo, tem a rotina inteira de vendas durante o dia e, se quiser desenvolver algo novo, uma ferramenta, fica trabalhando de noite. Isso é muito comum. Muita gente fica lá de noite madrugando e desenvolvendo coisas que não tiveram tempo. (ENTREVISTADO #2)

Ao longo dos anos, a AmBev sempre intensificou os esforços para a captura

das sinergias decorrentes das novas operações internacionais, impondo a esses

negócios a mesma cultura de redução de custos e aumento de produtividade

desenvolvida no Brasil. O caso da Quinsa foi o mais emblemático. Após a aprovação

do órgão regulador argentino, a Quinsa e a AmBev conduziram um amplo processo

de integração dedicado à fusão dos ativos de cerveja na Argentina, Paraguai e

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188

Uruguai. A combinação bem-sucedida das operações resultou em sinergias

operacionais, que permitiram à recém-ampliada Quinsa obter um crescimento de

108% no EBITDA ainda no primeiro ano de operação.

O sucesso da iniciativa, associado às expansões ocorridas em 2003, levou a

AmBev a desenvolver um ―pacote de serviços‖ visando apoiar o desenvolvimento de

novas operações de maneira eficiente. O pacote utilizava tecnologia que simplificava

o processo de integração, permitindo que a AmBev atribuísse tarefas

administrativas, a partir de qualquer uma de suas operações, aos seus Centros de

Serviços Compartilhados. Com isso, eliminava-se a necessidade de manter toda a

estrutura administrativa em cada nova subsidiária, reduzindo significativamente as

exigências de recursos humanos, além de evitar qualquer estrutura de custo fixo

adicional.

O resultado de todos esses esforços de redução de custos e aumento de

eficiência está demonstrado no Gráfico 6-7, que apresenta a evolução das margens

bruta e líquida da AmBev, juntamente com a margem EBITDA. Pode-se observar

que, apesar de algumas quedas, houve em sua maioria um aumento das margens

bruta e líquida, que decorrem, respectivamente, das iniciativas para redução dos

custos de fabricação e das despesas de marketing, gerais e administrativas. De

forma semelhante, verifica-se também o aumento da margem EBITDA, que serve

como uma proxy da capacidade de geração de caixa da organização.

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189

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

1999 (Pro forma*)

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Margem bruta

Margem líquida

Margem EBITDA

Gráfico 6-7: Evolução das margens bruta, líquida e EBITDA da AmBev

Fonte: Baseado em AmBev.

No que se refere ao parque industrial, a AmBev fez uso das unidades

produtivas que herdou da CAP e da CCB durante os primeiros cinco anos de

existência. Após a fusão, não houve fechamento de fábricas, pois o CADE, como

forma de compensar os custos econômicos da fusão, proibiu a desativação de

fábricas por um período de quatro anos, sendo a AmBev obrigada a vender a

terceiros qualquer unidade de que desejasse se desfazer durante o prazo.

A única exceção ficou por conta da obrigatoriedade em vender 5 fábricas para

um novo concorrente, cada uma em uma região do país. A Tabela 6-11 lista as

fábricas da AmBev no ano de sua criação. Nela estão destacadas com a cor cinza

as 5 fábricas que foram vendidas. Pode-se observar também que havia capacidade

disponível no parque industrial da cervejaria, passível de utilização para sustentar o

seu crescimento futuro.

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190

Localização Capacidade

(hl/ano) Utilização

Companhia Antarctica Paulista

AM Manaus 1.150.000 38%

BA Camaçari 3.225.000 48%

GO Goiânia 650.000 100%

MG Pirapora 1.200.000 100%

MT Cuiabá 2.000.000 100%

PA Belém 1.000.000 100%

PB João Pessoa 3.800.000 40%

PI Teresina 1.870.000 91%

RJ Jacarepaguá 7.500.000 62%

RN Natal 1.500.000 56%

RS Estrela 700.000 78%

RS Montenegro 680.000 78%

RS Getúlio Vargas 580.000 78%

SC Joinville 185.000 59%

SP Jaguariúna 7.000.000 44%

SP Ribeirão Preto 3.200.000 44%

TOTAL 36.240.000 21.672.650

Companhia Cervejaria Brahma

AM Manaus 380.000 38%

BA Camaçari 3.500.000 48%

DF Brasília 990.000 100%

GO Anápolis 1.000.000 100%

MA São Luis 1.000.000 77%

MG Mateus Leme 3.100.000 100%

MT Cuiabá 600.000 100%

PE Cabo 2.000.000 100%

PR Curitiba 1.850.000 100%

RJ Rio de Janeiro 12.000.000 62%

RS Viamão 3.000.000 78%

SC Lages 4.000.000 59%

SE Estância 3.000.000 20%

SP Jacareí 8.000.000 44%

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191

SP Agudos 3.500.000 44%

SP Guarulhos 3.000.000 44%

TOTAL 50.920.000 31.254.400

Tabela 6-11: Parque industrial da AmBev em 1999

Fonte: Baseado em Higuthi (2002).

Os principais investimentos da AmBev em capacidade produtiva só ocorreram

em 2006, com a duplicação da capacidade da maltaria e a ampliação de fábricas na

Argentina, para compensar a venda da unidade de Luján, como parte do

compromisso assumido com o órgão regulador daquele país após adquirir a Quinsa.

Também houve investimento no Canadá, com a aquisição das unidades produtivas

da Lakeport Brewing Income Fund, pelo valor de 208,5 milhões de dólares

canadenses, com o objetivo de ampliar sua atuação na região de Ontário.

O Brasil, porém, foi o foco principal de investimentos para aumento de

capacidade produtiva. Em 2007, a AmBev comprou a totalidade das quotas da

sociedade Goldensand Comércio e Serviços Lda., controladora da Cervejarias Cintra

Indústria e Comércio Ltda (Cintra). O valor da operação foi de aproximadamente 150

milhões de dólares, não incluindo a aquisição das marcas e dos ativos de

distribuição da Cintra, que foram incluídos no negócio posteriormente, em 2008. A

transação envolveu as duas fábricas da cervejaria em Piraí (RJ) e Mogi Mirim (SP),

com capacidade de produção de 420 milhões de litros de cerveja e 280 milhões de

litros de refrigerantes.

Ainda que tenha justificado a operação pela necessidade de expandir

capacidade de produção para atender à demanda crescente nos mercados de

cerveja e refrigerantes, Siqueira (2009) sugere que a aquisição ocorreu para impedir

que a Cervejaria Petrópolis o fizesse, já que tentara comprar a unidade de Mogi

Mirim da Cintra um ano e meio antes. A razão para a suspeita foi o fato de a AmBev

ter fechado a unidade em fevereiro de 2009 sob a alegação de que foi a única

cervejaria brasileira que teve aumento da carga de impostos federais (IPI/PIS e

Cofins) em 2009, sendo necessário assim encontrar alternativas para compensar

essa desvantagem relativa frente à concorrência. Ou seja, em vez de buscar a

geração de folga e disponibilidade de capacidade produtiva, tratou-se de uma

expansão puramente defensiva, objetivando impedir o crescimento de um

concorrente.

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192

Em 2009, a empresa iniciou a construção de uma nova fábrica em Sete

Lagoas (MG), no valor de 280 milhões de reais. A unidade, que foi inaugurada

oficialmente em março de 2010, tem a capacidade de ser a segunda maior fábrica

da AmBev nas Américas (a primeira é a Filial Nova Rio, no Rio de Janeiro). Em

2010, a AmBev anunciou um programa de 2 bilhões de reais destinado a ampliar

entre 10% e 15% a sua capacidade produtiva no Brasil no ano, na esteira do

crescimento de vendas em 2009 e nos primeiros meses de 2010. O valor é o maior

já investido pela empresa em um único ano desde a sua criação. De concreto, foram

anunciadas a ampliação da fábrica de Viamão (RS), no valor de 152 milhões de

reais, e a construção de uma fábrica em Pernambuco, no valor de 260 milhões de

reais.

No que se refere à folga financeira, a AmBev passou por três períodos, como

mostra o Gráfico 6-8. Nos três primeiros anos, focada na integração entre as duas

cervejarias e na captura de sinergias, a empresa priorizou a geração e renovação de

folga financeira. Num segundo momento, houve o gasto das disponibilidades de

caixa para financiar o seu processo de internacionalização até o ano de 2005. A

partir de 2006, o foco voltou a ser a geração de folga financeira.

1.751,40

1.028,30

2.539,00

3.505,00

2.534,00

1.505,00

1.096,00

1.539,00

2.308,00

3.299,00

4.043,00

-

500,00

1.000,00

1.500,00

2.000,00

2.500,00

3.000,00

3.500,00

4.000,00

4.500,00

1999 (Pro forma*)

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Caixa e aplicações f inanceiras

Gráfico 6-8: Evolução do caixa e de aplicações financeiras da AmBev (R$ Milhões)

Fonte: Baseado em AmBev.

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193

Por fim, a folga de recursos humanos é outro aspecto fundamental da AmBev

e da sua estratégia de expansão. Como já mencionado, diferentemente do que

houve na aquisição da CCB pelo Garantia, não ocorreram grandes demissões no

processo de fusão que deu origem à AmBev. Dessa maneira, a cervejaria fez uso do

quantitativo de pessoal para executar a sua expansão internacional.

Tanto na América Latina quanto na Europa e nos Estados Unidos, a

expansão se deu em grande parte através da exportação de talentos do Brasil para

assumir posições de liderança nos novos negócios no exterior. Tal intercâmbio de

pessoas, por sua vez, pressupõe a existência de folga de recursos humanos e uma

gestão de pessoas que evite que as movimentações de funcionários deixem lacunas

nas posições e atividades envolvidas.

Nesse sentido, a empresa se beneficia da grande procura por seu Programa

Trainee, que lhe garante a existência de reserva de mercado em termos de

candidatos interessados em fazer parte de sua equipe, e do programa de sucessão,

que estimula todos os funcionários a preparar continuamente seus sucessores e faz

dessa tarefa uma pré-condição para a movimentação interna. Com isso, a AmBev

consegue garantir um fluxo regular de pessoas entrando, saindo ou se

movimentando dentro da organização, minimizando riscos reais de falta de pessoal

qualificado e preparado para assumir posições.

6.2.2 A evolução da estratégia da AmBev e a sua forma de lidar com os

desafios de longo prazo

Após analisar o padrão de resposta da AmBev a cada desafio de longo prazo,

conclui-se que há uma grande semelhança com o padrão de resposta da CCB sob o

comando do Banco Garantia, com praticamente nenhum resquício da CAP. Na

verdade, o que aconteceu ao longo desses dez anos de existência da AmBev foi a

consolidação da estratégia empresarial do Banco Garantia, que se encaixa

perfeitamente no que Porter (1987) chama de estratégia corporativa de

reestruturação, também denominada por Collis e Montgomery (1997) de estratégia

baseada em valor. Isso se deu através da sua replicação não só para os negócios

internacionais da AmBev, mas para o grupo do qual faz parte, a ABInBev. Além

disso, houve em alguns casos o aperfeiçoamento das práticas e processos de

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194

trabalho, como mostra a tabela abaixo, que compara as respostas da AmBev e da

CCB aos desafios do sucesso no longo prazo.

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Desafio Dimensão de análise CCB (Período que antecedeu a fusão, já sob

comando do Banco Garantia) AmBev

Empreender

Estratégia de expansão: exploração x explotação (MARCH, 1991)

- Estratégia de explotação, com pouca ênfase em inovação de produtos

- Estratégia de explotação, com pouca ênfase em inovações de produto

Serviços empreendedores (PENROSE, 1959)

- Ambição (esforços crescentes para expandir-se nacional e internacionalmente) - Versatilidade (embalagens; renovação e extensão de linhas de produtos existentes; diversificação para NANCs através da parceria com a Pepsico) - Levantamento de financiamento: lançamento de ADRs na NYSE

- Ambição (expansão internacional, tornando-se presente nas três Américas) - Versatilidade (embalagens; renovação e extensão de linhas de produtos existentes; diversificação para NANCs através da parceria com a Pepsico; serviços para atendimento direto aos consumidores finais) - Julgamento (decisão de desativar produtos próprios e engarrafar e distribuir os produtos lideres em certas categorias, a exemplo do Gatorade - Levantamento de financiamento: lançamento de ADRs na NYSE

Motivação da expansão (CHANDLER, 1977; FLECK, 2009a)

- Defensiva: aquisição de concorrentes e disputa contra a CCB e demais marcas de baixo custo pelas oportunidades de expansão e ganhos de market share

- Híbrida: aquisição de empresas em mercados próximos objetivando tanto ganhos de eficiência quanto a proteção dos mercados contra concorrentes internacionais

Gestão do risco (PENROSE, 1959)

- Sem evidências - Sem evidências

Navegar no ambiente

Monitoramento do ambiente (FLECK, 2009a)

- Falha ao não perceber a movimentação das cervejarias de baixo custo, deixando-as roubar sua participação de mercado - Posterior desenvolvimento de bases de dados, pesquisas de mercado e estudos de benchmarking

- Desenvolvimento de bases de dados, pesquisas de mercado e estudos de benchmarking

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Respostas estratégicas a pressões externas (OLIVER, 1991)

- Resposta bem sucedida às marcas de baixo custo, com o lançamento da Skol, que se tornou a líder do mercado

- Uso dos diversos tipos de respostas estratégicas para moldar o ambiente, neutralizar pressões e ajustar-se a situações fora de seu controle, garantindo a sua legitimidade e a captura do valor gerado

Gerir a diversidade

Compartilhamento de recursos homogêneos/ intercâmbio de recursos heterogêneos (FLECK, 2009a)

- Companhias adquiridas com o objetivo único de aumentar capacidade produtiva, descontinuando os seus produtos e substituindo pelo portfólio Brahma (exceção para a Skol-Caracu) - Padronização de processos e métodos de trabalho - Descentralização administrativa e autonomia mediante pactuação de metas - Desenvolvimento de instrumentos de controle interno para alinhamento de funcionários com os interesses dos acionistas

- Companhias adquiridas com o objetivo de facilitar a entrada em mercados consolidados e semelhantes ao brasileiro - Padronização de processos, métodos de trabalho, produtos, marcas e embalagens - Descentralização administrativa e autonomia mediante pactuação de metas - Desenvolvimento de instrumentos de controle interno para alinhamento de funcionários com os interesses dos acionistas - Intercâmbio de recursos humanos para assumir posições de liderança nas operações no exterior

Capacitações em coordenação (FLECK, 2009a)

- Coordenação independente das atividades de cervejas e de refrigerantes - Criação de Diretorias Regionais

- Coordenação independente das atividades de cervejas e de refrigerantes - Divisão da coordenação das operações internacionais de acordo com as regiões de atuação

Aprovisionar recursos gerenciais

Antecipação de necessidades (FLECK, 2009a)

- Demissão da metade dos funcionários - Programa Trainee para o recrutamento de jovens talentos e renovação dos quadros - Estímulo ao desenvolvimento de sucessores em todos os níveis gerenciais

- Programa Trainee para o recrutamento de jovens talentos e renovação dos quadros - Estímulo ao desenvolvimento de sucessores em todos os níveis gerenciais

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Manutenção da qualidade dos recursos e criação de vínculos com a organização (FLECK, 2009a)

- Universidade Corporativa - Avaliação de desempenho sistemática com base em metas individuais vinculadas aos objetivos corporativos e remuneração variável - Aumento da competição interna, adoção de práticas anti-éticas entre pares e, assim, aumento do passivo trabalhista - Estímulo ao desenvolvimento de jovens líderes

- Universidade Corporativa - Avaliação de desempenho sistemática com base em metas individuais vinculadas aos objetivos corporativos e remuneração variável - Intensificação da competição interna, adoção de práticas anti-éticas entre pares e, assim, aumento do passivo trabalhista - Estímulo ao desenvolvimento de jovens líderes

Gerir a complexidade

Levantamento e análise de dados (FLECK, 2009a)

- Desenvolvimento de sistemas informatizados de apoio à decisão nas áreas de contabilidade, distribuição, logística e marketing

- Desenvolvimento de sistemas informatizados de apoio à decisão nas áreas de contabilidade, distribuição, logística e marketing - Sistemas em Excel são desenvolvidos em paralelo aos sistemas oficiais, acarretando em divergência de informações

Identificação e priorização de soluções (FLECK, 2009a)

- Realização de benchmarking mundial em diversas áreas do negócio, buscando novas abordagens - Contratação de consultorias para diagnóstico e proposição de soluções - Adoção do método EVA como critério principal para a tomada de decisão

- Adoção do método EVA como critério principal para a tomada de decisão - Treinamentos em solução de problemas

Aprendizado (FLECK, 2009a)

- Sem evidências - Condução do processo de fusão

Tabela 6-12: Quadro comparativo das respostas da AmBev e da CCB aos desafios do crescimento

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Os Gráficos 6-9 e 6-10 mostram a trajetória de crescimento da AmBev em

comparação com suas antecessoras, tendo como base os indicadores de tamanho e

de desempenho propostos por Fleck (2001). Observa-se que a AmBev não só

inverteu as trajetórias decrescentes da CAP e da CCB, mas também iniciou um

processo de crescimento que, apesar de algumas quedas, se mantém em

andamento, sem qualquer indicação de reversão na trajetória das curvas.

0,0000%

0,1000%

0,2000%

0,3000%

0,4000%

0,5000%

0,6000%

0,7000%

0,8000%

0,9000%

1981

1982

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1984

1985

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1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

Indicador de Tamanho - AmBev

Indicador de Tamanho - Antarctica

Indicador de Tamanho - Brahma

Poly. (Indicador de Tamanho - Antarctica)

Poly. (Indicador de Tamanho - Brahma)

Gráfico 6-9: Evolução do indicador de tamanho da AmBev em comparação com a CAP

e a CCB

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199

-0,0500%

0,0000%

0,0500%

0,1000%

0,1500%

0,2000%

0,2500%1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

Indicador de Desempenho - AmBev

Indicador de Desempenho - Antarctica

Indicador de Desempenho - Brahma

Poly. (Indicador de Desempenho - Antarctica)

Poly. (Indicador de Desempenho - Brahma)

Gráfico 6-10: Evolução do indicador de desempenho da AmBev em comparação com a

CAP e a CCB

É preciso, contudo, compreender a forma com que a empresa se renova e

cresce ao longo do tempo. Assim como a CCB, o motor de crescimento contínuo da

empresa é o que Fleck (2003) considera inercial, limitando-se a crescer

quantitativamente a partir das mesmas atividades e produtos.

A lógica por trás do motor inercial da AmBev se baseia em duas premissas.

Nos países em que os níveis de consumo ainda são inferiores a outros países com

tradição cervejeira, a empresa concentra-se na possibilidade de aumentar o

consumo de cerveja e de refrigerantes, capturando a maior parcela possível da

demanda potencial. Para tal, a AmBev investe na ampliação das ocasiões de

consumo de seus produtos através de diversas iniciativas, tais como: o lançamento

de novas embalagens; a verticalização para o varejo com serviços alternativos

(quiosques Chopp Brahma e Brahma Express); a comercialização de cervejas

importadas; e a ampliação de suas linhas de produtos com tipos de cervejas comuns

em outros mercados.

Já em mercados mais maduros, como o Canadá, a estratégia é de

gerenciamento de receitas e de redução de custos, de forma a ampliar as margens

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200

dos negócios. As novidades lançadas na situação anterior também aparecem aqui, e

servem como forma de manter o interesse dos consumidores nos produtos

comercializados e de garantir a sua parcela da demanda total.

Como a ênfase está em ―fazer mais do mesmo‖, a AmBev adota basicamente

estratégias de explotação, limitando-se a tirar proveito econômico das atividades já

estabelecidas. Dessa maneira, a companhia busca reduzir as incertezas e minimizar

os riscos do negócio, focando esforços naquilo que diz estar sob seu controle: a

eficiência de sua operação e a melhoria dos resultados financeiros.

O mainstream das operações em cervejas, por exemplo, são as marcas

Antarctica, Brahma e Skol. As duas primeiras foram lançadas há mais de um século

atrás, e a terceira foi adquirida pela CCB em 1980. A Bohemia, que pode ser

considerada a quarta linha de cerveja, adveio de outra aquisição da CAP em 1961.

Mesmo que a AmBev tenha estendido a linha Bohemia e criado uma série de

cervejas especiais (trigo, escura e de abadia), tratam-se de variações de cerveja

existentes na Europa e em outros países há séculos. Aqui mesmo no Brasil já eram

produzidas, em menor escala e muitas vezes artesanalmente, por microcervejarias.

Portanto, ainda que decorram de processos de pesquisa e desenvolvimento, só

ganharam destaque pelo fato de serem novidades no mercado de massa de

cervejas no Brasil, que é dominado em quase a sua totalidade por um único tipo de

cerveja (pilsen).

O mesmo padrão de comportamento se repete no segmento de refrigerantes

e bebidas não-alcoólicas. As poucas marcas próprias da AmBev foram

desenvolvidas no início do século passado, como é o caso do Guaraná Antarctica,

da Água Tônica e da Soda Limonada. No mais, o portfólio diversificado da empresa

pertence, na realidade, à Pepsico, com a qual tem contrato de engarrafamento e

distribuição. Marcas líderes mundiais como Gatorade, Pepsi, H2OH! e Lipton Ice Tea

são de propriedade da Pepsico, para quem a empresa brasileira paga royalties.

Em seu julgamento, a AmBev considera preferível ter um produto externo de

melhor posicionamento e de reputação comprovada a despender esforços e

recursos para tornar um produto próprio bem sucedido. Não há restrições para se

eliminar um produto atual se houver outro que tenha desempenho melhor. Foi o

caso, por exemplo, do isotônico Marathon, desenvolvido na década de 90 e

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201

posteriormente eliminado quando a AmBev obteve da Pepsico o direito de produção

e distribuição do Gatorade.

Esta pesquisa identificou três explicações plausíveis para essa ―renúncia‖ à

inovação de produto na AmBev. A primeira e mais importante é o próprio mercado

de cervejas brasileiro, que é de massa, composto principalmente de consumidores

das classes C e D e com baixo grau de inovação tecnológica. Dessa forma, a

competição não se dá através de produtos, mas nos canais de distribuição. Como a

fidelidade à marca é pequena e grande parte dos consumidores faz sua escolha nos

PDVs no momento do consumo, o mais importante para uma cervejaria é estar

presente e com visibilidade no maior número possível de canais. É por isso,

inclusive, que se observa uma batalha cada vez mais agressiva pelo domínio de

PDVs no Brasil. Outro ponto importante é que a AmBev nasceu com quase 70% de

participação de mercado e as três marcas líderes do pais, gozando de uma posição

frente aos competidores muito confortável e difícil de ser revertida. A empresa já

sofreu algumas perdas de participação de mercado, porém nunca foram ameaças

mais sérias à sua liderança.

A segunda explicação plausível é a própria visão de negócio dos antigos

sócios do Banco Garantia – Lemann, Sicupira e Telles. Analisando suas trajetórias,

os três afirmam seguir um princípio básico de negócios: vale mais a pena copiar do

que inovar (INSTITUTO EMPREENDER ENDEAVOR, 2005). O próprio Banco

Garantia ilustra perfeitamente essa mentalidade. Sua operação foi feita à imagem e

semelhança do Goldman Sachs, banco de investimentos americano com o qual

Lemann sempre buscou fazer o maior número possível de negócios. Segundo o

banqueiro: ―Consegui know-how para competir com os grandes bancos. O que é

bom a gente copia e tenta melhorar em cima" (INSTITUTO EMPREENDER

ENDEAVOR, 2005, p. 122). Sicupira reafirma essa visão, explicando que as

novidades que o Banco Garantia implementou no Brasil e que o levaram ao

reconhecimento no mercado financeiro basearam-se em instituições financeiras

internacionais como o Goldman Sachs: "Não tinha nenhuma novidade nisso. Era

tudo copiado de outro lugar‖ (INSTITUTO EMPREENDER ENDEAVOR, 2005, p.

143). De acordo com Lemann:

Vale muito mais uma lógica boa, uma execução boa, do que qualquer inovação brilhante. Você tem que se preocupar com a inovação. Mas se tem

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alguém fazendo bem, melhor não gastar muito tempo procurando como fazer. Vai lá, olha e adapta da sua maneira. E pronto. (INSTITUTO EMPREENDER ENDEAVOR, 2005, p. 173)

Sicupira se coloca como um pregador da cópia como o método mais seguro e

eficiente de ter bons resultados na empresa. E adotou essa mesma estratégia

quando assumiu o comando das Lojas Americanas. Desde o seu primeiro dia na

rede de varejo, já tinha uma boa noção do que fazer: descobrir de onde iria copiar o

negócio das Lojas Americanas. A empresa escolhida foi o Wal-Mart, onde teve a

autorização de Sam Walton para copiar o seu modelo de gestão.

A grande vantagem do Brasil durante a vida toda (inclusive hoje - 2005) é que você pode copiar o que está sendo desenvolvido em outro lugar e fazer aqui. Pode copiar tudo, não precisa ficar reinventando a roda. O que nós fizemos a vida toda? Só copiamos. Não inventamos nada, nada. Inventar coisas é um perigo danado. (INSTITUTO EMPREENDER ENDEAVOR, 2005, p. 174)

Telles fez o mesmo quando assumiu a direção da CCB em 1989. Como não

sabia nada de administração de empresas e nem tampouco de cervejas,

aconselhou-se com Sicupira, que lhe orientou a não tentar fazer nada sobre o

negócio, apenas aquilo que entendia, o básico. Telles focou na redução de custos

desde o início, ao mesmo tempo em que trabalhou para implantar uma boa medição

de resultados, para que pudesse recompensar quem atingia as metas. Montou

também um programa de trainee, que fez questão de supervisionar pessoalmente.

Foi o que eu fiz. O básico que eu entendia era que uma empresa precisa ser enxuta e que era preciso investir em pessoas. (INSTITUTO EMPREENDER ENDEAVOR, 2005, p. 190)

A estratégia da AmBev é um grande exemplo dessa ênfase na cópia em

detrimento da inovação. O foco em eficiência e produtividade foi inspirado na cultura

do Wal-Mart. Nas palavras de Lemann:

"Ele [Sam Walton, fundador da Wal-Mart] ia todo dia ao Carrefour no Brasil para entender como funcionava o conceito de hipermercado, que ainda não conhecia‖, diz Lemann. "Sam copiava tudo!" Algum tempo depois, Lemann e Walton estavam jogando tênis no Arkansas, terra natal da Wal-Mart, quando o americano reparou no tênis diferente do brasileiro. Lemann explicou que era um tênis mais largo que os outros, bom para ele, que tinha o pé mais largo. No dia seguinte, Walton apareceu para jogar com o um tênis absolutamente igual. Buscava a eficiência como a Wal-Mart, a maior

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empresa do mundo em vendas. Sem muita inovação. (INSTITUTO EMPREENDER ENDEAVOR, 2005, p. 121)

Outra prática da AmBev, o modelo de partnership, considerado um

pioneirismo do Garantia no Brasil e que foi replicado em todos os negócios do grupo,

foi copiado do Banco Goldman Sachs. Num sistema de partnership, os mais velhos

vão passando a sociedade para os mais jovens, que dão continuidade à empresa, a

seus princípios e à sua cultura, garantindo o sucesso da empresa nas gerações

futuras. A idéia é envolver o maior número de pessoas com responsabilidade

societária, de forma a se ter mais funcionários de destaque tomando para si a

necessidade de trazer bons resultados para o negócio.

A ênfase na simplicidade é uma marca tão forte da cultura Garantia que não

se limita à questão da inovação. Analisando também os processos de expansão da

AmBev, verifica-se, por exemplo, que sua expansão internacional foi feita em sua

maioria por aquisições, havendo um ou outro caso de investimento produtivo próprio.

Tal padrão também demonstra que a execução é realmente a prioridade da

empresa, já que, com as barreiras de entrada eliminadas, pode competir com base

naquilo que considera ser sua maior competência: a eficiência na operação.

A estratégia de atravessar fronteiras está baseada na capacidade de penetração em mercados nos quais exista um potencial muito promissor para os seus produtos, possibilitando o incremento do EVA da Companhia. Na América Latina, particularmente em mercados caracterizados por forte concentração de participantes, a AmBev acredita que existam situações em que as vantagens competitivas serão um fator de conquista de espaços importantes. (AMBEV, 2001, p. 20)

Em entrevista à Revista HSM Management em 2008, quando perguntado

sobre o andamento da fusão com a Interbrew, Lemann deu uma resposta que

resume a vocação da AmBev: ―Nós queremos construir um negócio grande e eles

também, e as aptidões deles são diferentes das nossas; somos mais operadores,

eles cuidam mais do produto. Há complementaridade‖ (NETO, 2008, p. 22, grifo

nosso).

A terceira explicação plausível para a ―renúncia‖ à inovação de produto está

diretamente associada à anterior: a cultura de gestão dos sócios do Garantia. Além

da preferência pela imitação e pela simplicidade, observa-se também que são

desenvolvidos diversos mecanismos de controle e motivação que, se por um lado

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estimulam a rivalidade mediante a competição interna, desempenham o papel

fundamental de garantir o alinhamento dos funcionários e a sua cooperação pelo

alcance do interesse maior dos acionistas: a geração de valor.

A referência conceitual por detrás desse traço da AmBev é a Teoria do

Agente-Principal, segundo a qual os agentes (funcionários, por exemplo) nem

sempre são motivados a agir em interesse dos principais (sócios, p.ex.), fazendo

uso, por exemplo, da assimetria de informações a seu próprio proveito. Cientes

desse fenômeno, Lemann, Sicupira e Telles trataram de forjar uma série de

instrumentos que reduzissem ao máximo qualquer tipo de comportamento

indesejado. De quebra, ainda reduziram a folga organizacional, que pode ser

entendida não só como desperdício, mas também como indício do auto-interesse

gerencial segundo Nohria e Gulati (1997).

A redução da folga ocorre especialmente nas Diretorias Regionais,

responsáveis pelas operações da empresa. Conforme mencionado pelos

entrevistados, a preocupação única dessas unidades é a execução das atividades

de produção e de distribuição de bebidas, o que contrasta com a AC, onde ficam as

―equipes criativas‖, ―que realmente pensam no futuro da AmBev‖ e ―tomam as

decisões estratégicas‖. Há, portanto, uma separação muito evidente entre os dois

mundos, presente especialmente na fala de muitos entrevistados, que sequer

sabiam explicar como a AC está organizada, suas áreas e equipes.

As inovações de produto, no meu entendimento, vêm lá da AC. São pessoas que pensam, principalmente pessoas de marketing que desenvolvem uma nova embalagem em conjunto com o cara do financeiro, que vai ver se é viável ou não. Mas a inovações de produto vêm de lá, do comando central da AMBEV, lá daquele quartel general em SP. E as inovações de processo, na maioria das vezes, surgem das Regionais. Ou seja, o que eu quero dizer é que as inovações de produto são top-down, e as de processo são bottom-up. (ENTREVISTADO #1)

É preciso ressaltar, entretanto, que a falta de estímulo à inovação de produto

não permite afirmar que a AmBev não seja uma empresa inovadora. Tomando como

base as quatro categorias de inovação do Manual de Oslo (OECD, 1997) – produto,

processo, marketing e organizacional –, as evidências permitem concluir que, com

exceção da primeira categoria, a AmBev pode ser considerada uma empresa

bastante inovadora.

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No que se refere a inovações de processo, pode-se destacar o pioneirismo na

construção de fábricas de alta tecnologia no Brasil e o uso de palmtops como

suporte ao processo de vendas. No campo do marketing, o freezer que mantém as

bebidas geladas em temperatura adequada ao consumo nos PDVs, as diversas

embalagens, as mudanças de rótulos e o esforço de posicionamento das marcas

também são inovações e demonstrações da criatividade da empresa. Já em termos

de inovação organizacional, pode-se destacar o Orçamento Base Zero (OBZ) e os

Programas de Excelência como exemplos, respectivamente, de práticas

desenvolvidas pela empresa e aprimoradas por ela para solucionar problemas

internos e que se tornaram referências no mercado.

Se por um lado a indústria de cervejas e a cultura dos sócios do Banco

Garantia não justificam os riscos inerentes a investimentos em P&D de produtos, a

busca constante por patamares superiores de eficiência e produtividade estimula a

existência dos demais tipos de inovação na AmBev. Ao pressionar seus funcionários

para que nunca estejam satisfeitos com os níveis correntes de desempenho e ao

vincular a remuneração variável ao alcance de metas cada vez mais desafiadoras, a

AmBev cria um mecanismo de estímulo à busca por soluções que resolvam

problemas em sua operação e a tornem mais ágil e barata. É por isso, por exemplo,

que muitos funcionários ampliam sua jornada de trabalho em busca de novas

práticas que impactem significativamente os resultados da empresa.

Conclui-se, assim, que a estratégia da AmBev se aplica perfeitamente ao

Modelo da Relação entre a Folga e a Inovação de Nohria e Gulati (1997), como

mostra a figura abaixo. O baixo grau de inovação de produto decorre da busca pela

redução da folga organizacional, sendo essa relação mediada por outros dois

fatores: a experimentação e o controle interno. Por um lado, a indústria de cervejas,

caracterizada pelo baixo dinamismo tecnológico e pela competição baseada nos

canais de distribuição, não demanda grandes investimentos em experimentação,

exercendo um efeito negativo sobre esse tipo de inovação. Por outro lado, o rigor

dos controles internos extrapola os limites em que a disciplina pode ser favorável à

inovação, já que a regra básica é de sempre fazer o mais simples, incluindo copiar

aquilo que funciona bem em outros casos.

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Folga Inovação

Experimentação

Disciplina

+ +

- ~

Contexto

ambiental

Grau de

controle interno

Legenda:

efeitos positivos

efeitos negativos

efeitos curvilíneos

variáveis observáveis

variáveis não-observáveis

+

-

~

-Baixo dinamismo tecnológico- Competição baseada nos canais de distribuição, e não em produtos e tecnologias

- Controle rígido e foco na disciplina, especialmente na execução- Metas, remuneração variável, programas de excelência, dentre outros

-Baixa nas Unidades Regionais- Segregação entre a AC e as Regionais: a primeira pensa estrategicamente, e a segunda executa

- AC: foco em embalagens e marketing- Regionais: foco em processos

Figura 6-3: Aplicação do Modelo da relação entre a folga e a inovação para a AmBev

Fonte: Baseado em Nohria e Gulati (1997).

Como o crescimento se dá através do motor inercial, a folga destina-se à

manutenção dessa forma de crescimento, especialmente no que se refere à folga

financeira e de pessoas. A primeira é relevante na medida em que dota a

organização de flexibilidade para se adaptar ao ambiente e crescer, especialmente

no que se refere à capacidade de adquirir outros negócios. A folga de pessoal, por

sua vez, visa construir e manter a habilidade da organização de absorver novos

negócios e garantir a efetiva implementação de sua estratégia corporativa. Para tal,

faz uso da padronização de processos e da replicação de práticas, produtos, marcas

e iniciativas testadas com sucesso anteriormente, reduzindo ao máximo a

diversidade e evitando a possibilidade de fragmentação.

Se a cultura da AmBev não preza pela inovação de produto, o mesmo não

pode se falar sobre o desenvolvimento de controles internos. Nesse aspecto, não se

resume apenas a um controle vertical entre níveis hierárquicos, mas compreende

também o controle horizontal, entre unidades e pares, como ilustra a Figura 6-4.

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Figura 6-4: Dinâmica de funcionamento dos instrumentos de controle da AmBev

O estímulo à competição interna, porém, é capaz de gerar possíveis conflitos

de interesses. A partir do momento em que aquela atividade interfere diretamente na

remuneração variável do funcionário, há uma mudança natural de comportamento,

pois, no limite, ele será beneficiado com o fracasso do concorrente. Por outro lado,

surge também certo de clima de insegurança, já que não se sabe qual será a

postura da unidade avaliadora, que é parte diretamente interessada no resultado do

processo.

Como a auditoria é feita por pessoal de outra Regional, o cara tem que estar com tudo certo mesmo. Porque há visitas de estabelecimento, até porque é a galera de fora que escolhe os estabelecimentos, e um cara quer ferrar o outro, ele quer descobrir erro porque estão disputando o bônus. (ENTREVISTADO #4)

O mesmo acontece com a política de remuneração variável para funcionários

de cargo gerencial, que apareceu como elemento sustentador da cultura Garantia.

Todos concorrem entre si pelos bônus, sem distinção por área ou nível hierárquico

(uma pessoa da área de Vendas concorre com outro do Financeiro). Além disso, os

bônus são distribuídos apenas a uma pequena parte dos elegíveis, sendo o salário

regular abaixo da média do mercado.

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Basicamente eu [Jorge Paulo Lemann] acho que o salário tem de ser o apropriado para viver adequadamente. Ninguém deve ficar aflito se não houver bônus, o salário deve conseguir pagar as contas. Mas, para que se tenha estímulo, é preciso haver o bônus, por ano, que no Banco Garantia às vezes podia chegar a algumas vezes o salário anual. Em negócios mais maduros, maiores, industriais, o bônus pode até duplicar o salário anual. (INSTITUTO EMPREENDER ENDEAVOR, 2005, p. 191)

Eu prefiro te dar um bônus maior a pagar a uma outra pessoa. Eu entendo dessa forma. Eu prefiro te dar toda a rede de benefícios que eu te dou, te dar o bônus e te dar o suporte que eu posso te dar porque você é um, do que ter que dividir tudo isso para duas pessoas. (ENTREVISTADO #5)

É importante lembrar que, na visão dos controladores, a alternativa de dividir o bolo por igual com o mesmo número de salários a mais para todos os colaboradores, é uma má alocação de recursos. Por conta disso, vale a pena remunerar - e bem - aqueles que têm um desempenho acima do normal. (INSTITUTO EMPREENDER ENDEAVOR, 2005, p. 192)

A AmBev ainda dispõe de outro instrumento de controle sobre os

funcionários: o programa de compra de ações. Ao oferecer a opção de uso do bônus

para compra de ações da companhia com prazo de carência, os sócios criam mais

uma motivação para garantir o alinhamento dos funcionários aos seus interesses.

Para Lemann:

Nós basicamente achamos que a empresa ideal é uma que tem acionistas públicos e também acionistas trabalhando dentro da empresa, porque estes certamente estão interessados no desempenho de longuíssimo prazo, em perpetuar o negócio, entende? Acho que esse é o equilíbrio ideal para uma empresa boa e duradoura. Eu participei de alguns conselhos de empresas americanas totalmente abertas, daquele tipo que ninguém tem mais de 2% ou 3% etc. Acho razoável o resultado, mas, em geral, os donos teóricos passam a ser os executivos, e isso não me parece saudável, porque gera esse clima de excesso de opções de ações, de gratificações, de atenção no resultado do trimestre. Em resumo, meu modelo ideal não é a empresa da qual ninguém é dono. Prefiro um modelo como o da InBev hoje em dia, que tem vários sócios na gestão, querendo que ela dure no longuíssimo prazo, e tem também o público investidor, os executivos e as pessoas que trabalham nela, com planos de compra de ações bastante generosos. (NETO, 2008, p. 23)

O grande perigo por trás desse modelo, porém, é que a remuneração variável

(bônus e compra de ações) se tornou o elemento de sustentação da cultura da

AmBev. É ela que mantém as pessoas dispostas a se dedicar pela empresa, muitas

vezes abdicando de suas vidas pessoais. Como afirmou um entrevistado, o bônus é

a moeda de troca oferecida ao funcionário pela renúncia que ele faz à sua vida.

A maior motivação de ficar até mais tarde não é porque não tem equipe, mas porque você quer o seu variável no final do ano. E tem um lado

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também que é o seguinte: tem muita gente que quer. Se você não quer ficar e não quer receber o variável, deixa o seu espaço porque alguém vai querer vir para o seu lugar e fazer. Sai, ou é saído, porque tem outro que quer o seu lugar porque quer receber o variável. E é isso que tem feito a empresa crescer em ritmos muito velozes. O variável é a chave do crescimento contínuo da AmBev. (ENTREVISTADO #8)

O problema é que esse pilar de sustentação pode não ser suficiente para

garantir a existência continuada da AmBev. O efeito mais imediato foi o aumento dos

processos trabalhistas, decorrentes tanto de assédio moral quanto de insatisfação

com o tratamento dado pela empresa. No primeiro caso, a manifestação se deu

através de funcionários levando ao extremo o clima de competição, fazendo uso de

práticas inadequadas para garantir a bonificação. No segundo caso, observou-se

que o comprometimento de algumas pessoas com a empresa durava até o momento

em que a remuneração variável se fazia presente. Era justamente quando isso não

acontecia que alguns funcionários mostravam sua verdadeira posição em relação à

cervejaria.

Mas eu quero dizer que a relação é conturbada no sentido de que é muita carga horária; nem sempre sai bônus (era muito difícil, agora eles flexibilizaram para bater as metas e liberar bônus). Então, os caras acabam querendo sair da empresa revoltados, porque trabalharam muito, não ganharam bem; enfim, muito processo trabalhista contra a empresa. (ENTREVISTADO #1)

Algumas fontes colocam em xeque a sustentação do modelo da AmBev em

função da mudança de comportamento do ser humano no novo século. Neves

(2006), por exemplo, afirmava que não eram bem os destemperos – tenham eles

acabado ou não – que colocavam em risco o modelo da AmBev. Para o autor, o

problema era de descompasso em relação ao espírito do tempo:

[...] Os sócios do Garantia adotaram a filosofia típica das empresas americanas das décadas de 80 e 90, cujo mantra era a célebre expressão americana ―Greed is good‖ (a ganância é uma coisa boa). Em linhas gerais, tratava-se de tirar o máximo das pessoas, alcançar o máximo de resultados e recompensá-las de acordo. O mundo, porém, mudou: entre a disseminação de filosofias orientais, busca de qualidade de vida, descrédito na riqueza como caminho para a felicidade e, finalmente, a descoberta de uma onda de fraudes nas empresas americanas, a ganância passou a ser vista com muita desconfiança. (NEVES; CANÇADO, 2006, p. 1)

Jorge Garcia, pesquisador e professor de Estratégia da Escola de

Administração do Ibmec, compartilhava da mesma visão de Neves, defendendo a

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tese de que o modelo da AmBev era mais aceitável nos anos 90. Para Garcia, não

significava que a AmBev já estava ameaçada, mas que o recrutamento de talentos

não era tão fácil como antigamente. Segundo ele, isso ficava visível na sala de aula,

onde ―uma parte da turma tinha horror à AmBev, enquanto a outra parte estava

doida para entrar‖. No passado, trabalhar na AmBev era o sonho dourado de todo

jovem que queria carreira em empresas (NEVES; CANÇADO, 2006, p. 1).

Mesmo quem entra pode não ficar muito tempo. Como a empresa exige

dedicação total – incluindo mudança de residência, horas extras e viagens

constantes – ela acaba atraindo gente mais jovem. Em 2006, um ex-executivo da

AmBev dizia que o modelo se esgotaria em cinco a dez anos.

No começo, você tem liberdade para agir, aprende muito e tem chances de subir. Depois, começa a questionar: será que é isso que quero para minha vida? Eu, por exemplo, buscava valores emocionais, que a empresa não entrega. Houve um ano em que trabalhei 42 dos 52 fins de semana. Você se sente explorado. Mas o jogo é limpo. Você aprende e ganha um bom dinheiro por isso. (NEVES; CANÇADO, 2006, p. 2)

Alguns entrevistados também mencionaram a fragilidade do modelo da

AmBev. Uns citaram que a passagem pela empresa pode ser vista através da lógica

de ciclo de vida, com um prazo indeterminado, mas existente.

Todo mundo diz que a AMBEV tem 3 fases. Primeiro, a fase do encanto, que é o deslumbramento, quando entra para a empresa e acha irado. Depois, a fase em que você já coloca os pés no chão, já se adapta, sabe como é a cultura, realmente vê que é fantástico, mas não é um mundo perfeito, mas você convive com aquilo. E, por fim, a fase do desencanto, que é quando você vê que não tem mais perspectiva, que não ganhou o bônus que queria ganhar, que foi sacaneado lá dentro. Sempre acontece isso. (ENTREVISTADO #3)

Todo mundo fala assim: ―Tem que vestir a camisa, não sei o que‖. Mas de vez em quando chegava a um grau tão intenso que uma menina que entrou comigo falou: ―Eu vou vestir a camisa, mas não vou tatuar na pele‖. Para você ver: estava naquele nível de, caramba, está muito. Eles têm isso claro na cabeça. É claro que eles não são ingênuos. Eles têm claro na cabeça que é uma seleção natural, e por isso que lá realmente trabalha muita gente boa, competente. Só que tem gente que não é para aquilo, ou é para aquilo. Todo mundo tem um prazo de validade lá dentro. Poucos ficam até a aposentadoria. Mas o que eu vi era isso: todo mundo tem um prazo de validade lá dentro. Chega uma hora em que aquilo ali não é mais para o cara. (ENTREVISTADO #1)

Eu sou apaixonada pelo que faço e pelo ambiente de trabalho. Mas ao longo do tempo, ele vai ser cansativo. Vai chegar uma hora em que ficar longe de casa, do filho e do marido pesará. Eu entendo claramente que a gente faz muito, mas também recebe muito. Isso é muito forte. Só que eu

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acho que chegará uma hora em que isso pesará na balança, porque a gente dá muito, recebe muito, mas tem um pequenininho em casa, um marido em casa, e na hora em que eu precisar ficar até mais tarde [....]. (ENTREVISTADO #5)

A AmBev está se dando conta dos riscos e tem feito esforço para mudar,

numa demonstração de que a organização aprende com seus erros e acertos e de

que sua estratégia corporativa está evoluindo com o tempo. Os primeiro sinais de

mudança ocorrem a partir de 2005, quando incluiu a questão da qualidade de vida

em sua agenda de gestão. Houve também algumas flexibilizações no programa de

remuneração variável, diminuindo as regras e ampliando as condições para que

mais pessoas se tornassem elegíveis.

Isso vem mudando muito nos dois anos em que estive na companhia. Antes era de acordo com o resultado da operação Brasil, tudo isso ia definir quantos salários a pessoa ganha. Agora, eles já estão dividindo de acordo com o resultado (EBITDA, por exemplo) da sua Regional, que junta a Regional na parte de fábricas, que vai ter toda a parte de custos, e a Regional de Vendas, onde há toda a parte de receita e margem. Agora, portanto, funciona com base nos resultados por Regionais pelo Brasil. (ENTREVISTADO #6)

A partir daí para baixo, mudou também, por conta das indisposições que estavam sendo geradas. Ao invés de ser 60%-40%, passou a ser 70% (recebem)-30% (não recebem). (ENTREVISTADO #8)

O fato é que, independente da natureza e da velocidade das mudanças, a

AmBev ao menos é coerente em seu discurso, mantendo-se fiel aos valores em que

acredita. Por detrás disso está a consciência da empresa de que fazer parte da

AmBev é viver de perto a seleção natural, onde a disputa é intensa e só alguns

sobrevivem. E o interesse da empresa é justamente esse: manter em seu quadro e

permitir a ascensão daqueles que concordam com a sua cultura e estão dispostos a

fazer parte disso, motivados em grande parte pelas promessas de ganho financeiro.

Como frisa a especialista em administração Betania Tanure, pesquisadora da Fundação Dom Cabral, a AmBev tem um discurso coerente. 'As pessoas que vão para lá sabem o que vão encontrar', afirma ela. 'É uma empresa boa para quem está interessado nesse modelo.' A questão é que há menos gente interessada. O grande desafio para a AmBev é incorporar valores mais modernos, como os que norteiam o Google, por exemplo, sem perder a identidade que a tornou uma empresa de tanto sucesso. (NEVES; CANÇADO, 2006, p. 2)

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Diante de tudo que foi mencionado, conclui-se que, durante grande parte de

sua história, a habilidade da AmBev em se renovar continuamente e em preservar a

sua integridade organizacional se sustentou em dois alicerces – o motor inercial

(com foco em eficiência) e a remuneração variável – que, apesar de terem

funcionado bem no período, já deram sinais de fragilidade, colocando em xeque a

sua suficiência para a organização construir a propensão à auto-perpetuação no

longo prazo.

A Figura 6-4 reúne todos os elementos discutidos nesta seção e ilustra, de

maneira sintética, a estratégia de reestruturação da AmBev segundo o Modelo de

Requisitos para o Desenvolvimento da Propensão à Auto-perpetuação (FLECK,

2009a).

Figura 6-5: Estratégia de Reestruturação da AmBev segundo o Modelo de Requisitos

para o Desenvolvimento da Propensão à Auto-perpetuação

Fonte: Baseado em Fleck (2009a).

Apesar dos riscos mencionados anteriormente, é de se reconhecer o sucesso

dos sócios do Banco Garantia no desenvolvimento e implementação de uma

estratégia corporativa que, reunindo elementos copiados de outras empresas e

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posteriormente aprimorados, tem oferecido uma resposta concreta à superação de

desafios gerenciais ainda predominantes na estrutura produtiva brasileira, como é o

caso da ineficiência.

Pode-se dizer que o caráter inovador da gestão do Banco Garantia residiu na

sua capacidade de promover um novo paradigma de gestão em um setor industrial

marcado pela ineficiência e pelo atraso gerencial, e até então considerado de

natureza artesanal. Esse paradigma é caracterizado, dentre outros, pela junção de

elementos oriundos do mercado financeiro e de gestão de custos e da qualidade

baseados na experiência japonesa, e se constituiu em uma vantagem competitiva

que concorrentes nacionais e internacionais ainda encontram dificuldades para

imitar. No Brasil e mais recentemente no mundo, por fazer parte do maior grupo

cervejeiro e deter os maiores níveis de eficiência do setor, as práticas da AmBev se

tornaram referência para a indústria como um todo, forçando concorrentes a seguir

seus passos em busca do alcance de patamar semelhante de operação.

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7 CONCLUSÃO

Tomando como base o estudo de caso da AmBev, a presente pesquisa se

propôs a compreender e discutir as questões das respostas aos desafios de longo

prazo no caso de estratégias corporativas de reestruturação.

Segundo Porter (1987) e Collis e Montgomery (1997), um aspecto relevante

de uma estratégia de reestruturação é a ausência de compromisso com o longo

prazo, refletida na atitude dos controladores de se desfazer dos negócios tão longo

alcançassem o retorno esperado pelo investimento, para então buscar novas

oportunidades para replicar a mesma abordagem.

No caso da AmBev, contudo, os antigos sócios do Banco Garantia

permanecem no controle da empresa há mais de 20 anos, chegando, inclusive, a

assumir posição de liderança no grupo internacional do qual a cervejaria brasileira

faz parte atualmente. Ou seja, ainda persiste o objetivo prioritário de criar

consistentemente valor aos acionistas, mas numa intervenção cujo horizonte de

tempo está além do esperado para estratégias de reestruturação.

Uma primeira maneira de interpretar essa inconsistência é imaginar que a

reestruturação da AmBev ainda está em andamento. Todavia, as evidências

levantadas na pesquisa demonstram que os processos de turnaround necessários

para reerguer a CCB e posteriormente para alavancar a posição da AmBev no

contexto internacional já foram há tempos superados.

No caso da CCB, o evento que simboliza o fim da reestruturação foi a fusão

com a CAP, pois se já não bastasse ter alcançado a liderança do mercado nacional,

a cervejaria praticamente adquiriu a sua concorrente no que se chamou de fusão em

1999.

Já no caso da AmBev, a operação com o grupo europeu Interbrew também

pode ser entendida como o fim do processo de reestruturação da cervejaria

nacional, pois ali os controladores da companhia brasileira, ao trocar suas ações por

participação no novo grupo criado (InBev), obtiveram o retorno esperado pelo

investimento na fusão em 1999.

Uma segunda interpretação plausível é que a atual estratégia de

reestruturação da AmBev, aprimorada ao longo do tempo em função do aprendizado

adquirido por seus acionistas e executivos, representa uma inovação em relação ao

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modelo inicialmente identificado por Porter (1987) e Collis e Montgomery (1997). Em

outras palavras, haveria uma nova estratégia de reestruturação que concilia a

geração de valor no curto prazo com ambições de longo prazo.

As evidências desta pesquisa realmente apontaram para um aprimoramento

da estratégia de reestruturação da AmBev, como é o caso da flexibilização nas

regras da remuneração variável. Todavia, essa ―evolução‖ do modelo é muito tímida

para se afirmar que se trata de um tipo avançado de estratégia de reestruturação. As

principais características apontadas por Porter (1987), como orientação para a

geração de valor, remuneração agressiva, ênfase em redução de custos e ganhos

de eficiência, ainda estão presentes nos dias de hoje na AmBev e compõem a

essência de sua estratégia corporativa. Em alguns casos, obviamente, houve

ajustes, mas nada que represente uma ruptura com o modelo inicial. Por exemplo, a

flexibilização da remuneração variável não eliminou o fato de que os funcionários

recebem um salário abaixo da média do mercado e precisam bater metas agressivas

de desempenho.

Resta, então, encontrar uma explicação para a permanência dos acionistas

no controle da AmBev, já que é o único aspecto que difere a estratégia da cervejaria

de uma típica estratégia de reestruturação. Nesse sentido, o pesquisador concluiu

que a necessidade primária de crescer, latente tanto para a organização quanto para

seus funcionários, foi o fator que justificou a manutenção do controle acionário por

parte dos antigos sócios do Banco Garantia.

A partir do momento em que a AmBev já havia se expandido de maneira bem

sucedida pela América do Sul, era preciso criar novas oportunidades de expansão

que permitissem manter a sua estratégia de reestruturação em pleno funcionamento.

O mecanismo de reforço que existe na pressão sobre os funcionários no sentido de

tirar-lhes da zona de conforto e sempre exigir metas mais audaciosas de

desempenho, por exemplo, só é sustentável na medida em que a organização

oferece condições concretas de expansão e crescimento. No caso, isso se deu

através da criação da ABInbev, oriunda dos movimentos de fusão com a Interbrew e

de aquisição da Anheuser-Busch.

Ao mesmo tempo em que significou o fim do processo de reestruturação da

AmBev, a formação da InBev representou para Lemann, Telles e Sicupira não só o

ganho financeiro esperado com a cervejaria brasileira, mas o início de um novo

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processo de reestruturação. Naquele momento, os ex-banqueiros estavam diante da

oportunidade de investir recursos e apostar na reestruturação de um novo negócio,

só que dessa vez em uma operação de escala global (e, portanto, com perspectivas

de ganhos ainda maiores) e com a vantagem de ser o mesmo setor onde

desenvolveram sua estratégia corporativa e onde detinham uma ampla experiência

de mercado.

A mesma análise pode ser estendida para a aquisição da Anheuser-Busch.

Assim como a Interbrew, a AB também era uma cervejaria que passava por

dificuldades em termos financeiros e operacionais, apresentando baixa eficiência e

perda de participação de mercado. Analisando atentamente, observa-se que CCB,

InBev e AB estavam em situações semelhantes quando houve a implantação da

estratégia de reestruturação do Banco Garantia. Além disso, constata-se também

que, da mesma forma que consolidaram a indústria nacional de cerveja e assumiram

a liderança nesse mercado, os sócios do Banco Garantia estão repetindo a receita

em escala mundial: a ABInBev é atualmente o maior grupo produtor de cervejas do

mundo.

Portanto, o foco dos antigos sócios do Banco Garantia passou a ser o desafio

de conduzir o processo de reestruturação da ABInBev de forma a consolidar a

liderança mundial do setor com patamares de desempenho financeiro e operacional

semelhantes ao sucesso obtido no Brasil. Não é à toa, inclusive, que a AmBev

ocupa papel central dentro da ABInBev: além da grande capacidade de geração de

caixa proveniente de sua eficiência operacional, exporta recursos humanos e

práticas de trabalho para todo o mundo.

Sendo assim, conclui-se que o crescimento contínuo é uma condição

necessária à perpetuação e o sucesso de estratégias de reestruturação.

Inicialmente, tal condição é atendida quando, ao analisar oportunidades de

investimento, priorizam-se negócios improdutivos em indústrias maduras, com baixo

grau de inovação, baixa produtividade e potencial de consolidação (PORTER, 1987),

como foi o caso da CCB e da indústria de cervejas no Brasil. No mais, é igualmente

importante uma boa capacidade de navegação no ambiente de forma a moldá-lo de

acordo com os seus interesses e mantê-lo sempre favorável às suas pretensões. A

AmBev, por exemplo, possui essa competência para navegar no ambiente, sendo a

referência para o setor e liderando-o sem grandes ameaças.

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Esse contexto do ambiente é que torna a implementação da estratégia de

reestruturação viável, pois permite que a intervenção nos negócios se oriente para a

geração de valor aos acionistas segundo horizontes curtos de tempo, sem oferecer

grandes entraves à organização e à sua maneira de ser gerida. Pode-se dizer que,

em linhas gerais, essa abordagem preconiza o cumprimento de um roteiro específico

e limitado de mudança que passa por iniciativas para reduções de custo e

gerenciamento de receitas, sem nenhuma propensão ao comprometimento de

recursos para explorar o futuro.

Além da ambiência favorável ao crescimento, o sucesso da implementação de

uma estratégia de reestruturação está associado a outros dois construtos do modelo

proposto por Fleck (2009a): a gestão da folga e o desafio de gerir a diversidade.

No primeiro caso, há uma prioridade deliberada pela maximização da folga

financeira. O racional para essa decisão é o entendimento de que esse tipo de folga

dota a empresa de flexibilidade necessária para crescer continuamente e se adequar

a possíveis mudanças no ambiente, indo de encontro ao sugerido por Lawson

(2001) e por Nohria e Gulati (1997).

Em geral, essa flexibilidade diz respeito à capacidade de adquirir outras

empresas. Tal aspecto é bastante evidente ao longo da história da AmBev,

assumindo um caráter tanto defensivo quanto produtivo. A fusão da Antarctica com a

Brahma é um exemplo dessa conduta, sendo justificada pela necessidade de

proteger a indústria brasileira de uma possível aquisição por parte de cervejarias

internacionais e de ganhar escala para competir mundialmente. A expansão da

empresa pela América Latina também se enquadra nesse racional: tendo em vista a

tendência de consolidação mundial da indústria de cervejas, a AmBev tratou de

adquirir negócios em países da região de forma a alcançar um tamanho que lhe

permitisse competir com os líderes mundiais e gozar de uma posição de maior poder

dentro do processo de fusões e aquisições.

Complementarmente à folga financeira, é preciso desenvolver competência

para absorver empresas adquiridas e imprimir-lhes as melhores práticas da

organização. Essa competência exige folga de recursos humanos e uma resposta

efetiva ao desafio de gerir a diversidade, permitindo que novos negócios sejam

rapidamente incorporados, sinergias capturadas e riscos de fragmentação da

organização minimizados. Para exemplificar, através de inúmeros mecanismos de

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controle interno e de padronização e do intercâmbio de pessoas, a AmBev adquiriu

aproximadamente 10 negócios nas Américas em apenas cinco anos, imprimindo

suas práticas e sempre ocupando posição entre as líderes dos mercados.

7.1 SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS

Um aspecto que provocou curiosidade durante a elaboração do trabalho e

que merece ser investigado em profundidade são as experiências dos executivos da

AmBev para implementar a estratégia de reestruturação brasileira na Europa e mais

recentemente nos Estados Unidos, por meio da ABInBev.

Em levantamento inicial, encontraram-se evidências de que está havendo

dificuldades para implementar a cultura, as práticas e os procedimentos brasileiros

nesses países. No cerne da questão há diferenças culturais que afetam não só o

mercado de cervejas naquelas regiões, mas também outras dimensões do ambiente

de negócios, em especial em relação a emprego e trabalho.

Primeiramente, nos EUA e em países da Europa que já apresentam uma

cultura cervejeira mais bem desenvolvida, a demanda pela bebida apresenta-se

estagnada, havendo bastante dificuldade para reverter o quadro atual. Um dos

desafios reside no crescimento do consumo de outras bebidas alcoólicas que são

substitutos diretos da cerveja, como o vinho. Isso faz com que a ABInBev venha

enfrentando dificuldades para aumentar suas receitas e volume de vendas,

diferentemente do que ocorre no Brasil. Boa parte dos ganhos obtidos até o

momento decorreram do aumento da eficiência das operações, através da redução

de custos e desperdícios e do aproveitamento de sinergias.

Na Bélgica, por exemplo, a cerveja é uma questão de orgulho nacional, e são

produzidos mais de 300 tipos da bebida em seu território. "A cerveja é para os

belgas o que o vinho é para os franceses" (MAMULY, 2008, p. 2). Diferentemente do

Brasil, onde a padronização e a concentração da oferta permitem o funcionamento

pleno do motor de crescimento inercial, a Europa é caracterizada pela diversificação

dos produtos oferecidos ao mercado, bem como pela existência de inúmeras

microcervejarias competindo contra as grandes empresas multinacionais. Além

disso, na Europa Ocidental, há anos os consumidores têm trocado a cerveja

tradicional por marcas mais caras ou mesmo por outros tipos de bebida, como vinho

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e destilados. Segundo Mamuly (2008), o consumo de cerveja caiu 20% entre 2000 e

2008 na Bélgica, berço da Interbrew.

Essa cultura cervejeira faz ainda com que muitos funcionários questionem as

características da estratégia brasileira, especialmente a ênfase excessiva em

execução. Dentre as queixas contra a ABInBev, há o suposto predomínio do volume

de vendas sobre a qualidade da cerveja. Nas palavras de um jornalista belga, a

impressão é de que os brasileiros são operadores de mercado e vendem cerveja

como venderiam sabonete.

Um segundo aspecto diz respeito ao mercado de trabalho, sua regulação e o

papel social assumido pelo Estado. Ainda na Europa, a implementação do modelo

da AmBev vem esbarrando em outro contraste cultural em relação ao Brasil:

diferentemente do que ocorre aqui, os trabalhadores europeus não demonstram a

mesma atração pelo esquema de remuneração variável, além de contar com o

auxílio do Estado em caso de desemprego.

Na Europa a situação é outra. "Lá, as relações de trabalho são muito diferentes das que encontramos no Brasil ou nos Estados Unidos", diz Betania Tanure, pesquisadora da Fundação Dom Cabral, especialista em comportamento organizacional. Em bom português, isso significa que trabalhar não é a prioridade na vida da maioria das pessoas.

Querem diminuir nosso salário fixo e aumentar a remuneração variável, mas não estamos interessados em ganhar bônus", afirma um funcionário da fábrica de Leuven, que pediu para não ser identificado. "Se quiserem nos mandar embora por causa disso não há problema algum, porque o Estado vai prover tudo de que precisamos. (CORREA, 2005, p. 3)

Ao longo dos cinco anos à frente da ABInBev, os executivos da AmBev já

contabilizaram algumas derrotas, dentre elas o fracasso na implementação integral

do sistema de remuneração variável na Bélgica. O máximo que conseguiram foi

condicionar 10% dos rendimentos dos funcionários com cargo de gerência a

resultados (MAMULY, 2008).

Em janeiro de 2010, trabalhadores belgas bloquearam as entradas às fábricas

em Leuven, Liège e Hoegaarden durante duas semanas, exigindo o abandono de

um plano para cortar 10% dos 8 mil empregados da AB InBev na Europa Ocidental.

Paralisaram inclusive a produção da Stella Artois, principal marca da empresa no

continente. Os sindicatos mobilizaram políticos e abriram sites de boicote na

internet. No 15º dia, a empresa retirou seu plano de demissões (MOREIRA, 2010).

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A ABInBev também está acumulando resistência da comunidade na Bélgica,

que se manifesta através da imprensa local e de outras mídias contrariamente às

mudanças empreendidas pelos brasileiros, questionando a legitimidade da

organização. Para um jornalista belga, "A InBev não faz mais parte da tradição

belga. Os diretores agora só querem saber de cortar, cortar e cortar, para gerar

lucros. Parece uma obsessão." (MAMULY, 2008, p. 3).

As experiências mais recentes nos Estados Unidos são semelhantes. A

cartilha seguida pelos executivos brasileiros foi a mesma: demissão de pessoal

(1400 demitidos semanas após a conclusão do negócio); corte de custos (venda dos

parques Busch Gardens e outras iniciativas que totalizaram aproximadamente um

bilhão de dólares em 2009); e fixação dos salários num nível abaixo da média de

mercado, sendo a parte variável maior do que a média (benefícios como seguro de

vida para aposentados foram cortados). Tais mudanças, contudo, provocaram a

reação da comunidade, em especial na cidade de Saint Louis, que abriga a

cervejaria norte-americana. Boicote às cervejas da empresa, críticas e mobilização

através das mídias sociais contra os novos métodos de trabalho e os executivos

brasileiros se tornaram freqüentes.

"Os novos donos não têm o menor respeito pelas tradições da Anheuser-Busch, e sua ganância é um tapa na cara do trabalhador americano. Descansem em paz, AB." afirmou à Revista Exame, por e-mail, um funcionário que deixou a cervejaria em abril. (LETHBRIDDGE, 2010, p. 4)

Os fatos mencionados acima, portanto, demonstram que a experiência de

internacionalização da estratégia de reestruturação da AmBev poderá contribuir para

o aprofundamento da discussão sobre o seu impacto para a longevidade das

organizações. Dado que se trata de um ambiente distinto em relação ao brasileiro,

quais são ou serão as grandes dificuldades para a implementação dessa estratégias

em outros mercados? Como essa estratégia evoluirá para se adaptar a essas

restrições? Haverá mudanças significativas ou manter-se-á o mesmo compromisso e

rigidez com a estratégia atual?

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APÊNDICES

APÊNDICE A – LISTA DE DIMENSÕES DE ANÁLISE

Processo Desafio Dimensão 1 Detalhamento 1 Dimensão 2

Detalhamento 2

Crescimento contínuo

Empreender Serviço empreendedor

Ambição Perfil ambicioso

“Empire-builder”

Crescimento contínuo

Empreender Serviço empreendedor

Ambição Perfil ambicioso

“Product-minded entrepreneur”

Crescimento contínuo

Empreender Serviço empreendedor

Versatilidade Natureza da novidade

“Exploration”

Crescimento contínuo

Empreender Serviço empreendedor

Versatilidade Natureza da novidade

“Exploitation”

Crescimento contínuo

Empreender Serviço empreendedor

Habilidade em levantar financiamento

- -

Crescimento contínuo

Empreender Serviço empreendedor

Julgamento - -

Crescimento contínuo

Empreender Predisposição da firma de crescer

Disposição de correr riscos

- -

Crescimento contínuo

Empreender Predisposição da firma de crescer

Busca pela minimização de riscos

- -

Crescimento contínuo

Empreender Motivação da expansão

Expansão produtiva

- -

Crescimento contínuo

Empreender Motivação da expansão

Expansão defensiva

- -

Crescimento contínuo

Empreender Motivação da expansão

Expansão híbrida - -

Crescimento contínuo

Empreender Motivação da expansão

Expansão nula - -

Crescimento contínuo

Navegar no ambiente

Monitoramento das pressões do ambiente

- - -

Crescimento contínuo

Navegar no ambiente

Respostas estratégicas

Estratégia de aceitação

Tática Hábito

Crescimento contínuo

Navegar no ambiente

Respostas estratégicas

Estratégia de aceitação

Tática Imitação

Crescimento contínuo

Navegar no ambiente

Respostas estratégicas

Estratégia de aceitação

Tática Conformidade

Crescimento contínuo

Navegar no ambiente

Respostas estratégicas

Estratégia de comprometimento

Tática Balanceamento

Crescimento contínuo

Navegar no ambiente

Respostas estratégicas

Estratégia de comprometimento

Tática Pacificação

Crescimento contínuo

Navegar no ambiente

Respostas estratégicas

Estratégia de comprometimento

Tática Barganha

Crescimento contínuo

Navegar no ambiente

Respostas estratégicas

Estratégia de evasão

Tática Ocultação

Crescimento Navegar no Respostas Estratégia de Tática Prevenção

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contínuo ambiente estratégicas evasão

Crescimento contínuo

Navegar no ambiente

Respostas estratégicas

Estratégia de evasão

Tática Fuga

Crescimento contínuo

Navegar no ambiente

Respostas estratégicas

Estratégia de confrontação

Tática Ignorar

Crescimento contínuo

Navegar no ambiente

Respostas estratégicas

Estratégia de confrontação

Tática Desafio

Crescimento contínuo

Navegar no ambiente

Respostas estratégicas

Estratégia de confrontação

Tática Ataque

Crescimento contínuo

Navegar no ambiente

Respostas estratégicas

Estratégia de manipulação

Tática Cooptação

Crescimento contínuo

Navegar no ambiente

Respostas estratégicas

Estratégia de manipulação

Tática Influência

Crescimento contínuo

Navegar no ambiente

Respostas estratégicas

Estratégia de manipulação

Tática Controle

Existência continuada

Gerir a diversidade

Construção de laços e vínculos

Compartilhamento de recursos homogêneos

- -

Existência continuada

Gerir a diversidade

Construção de laços e vínculos

Intercâmbio de recursos heterogêneos

- -

Existência continuada

Gerir a diversidade

Capacitações em coordenação

- - -

Existência continuada

Aprovisionar recursos gerenciais

Antecipação de necessidades

Antecipação - -

Existência continuada

Aprovisionar recursos gerenciais

Antecipação de necessidades

Retenção - -

Existência continuada

Aprovisionar recursos gerenciais

Antecipação de necessidades

Sucessão - -

Existência continuada

Aprovisionar recursos gerenciais

Manutenção da qualidade

Avaliação - -

Existência continuada

Aprovisionar recursos gerenciais

Manutenção da qualidade

Renovação - -

Existência continuada

Aprovisionar recursos gerenciais

Manutenção da qualidade

Desenvolvimento e formação

- -

- Gerir a complexidade

Resolução sistemática de problemas

Amplitude da busca

- -

- Gerir a complexidade

Resolução sistemática de problemas

Aprendizado - -

- Gerir a complexidade

Resolução sistemática de problemas

Forma de busca - -

Tabela 0-1: Lista de Dimensões de Análise

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APÊNDICE B – HISTÓRIA DA CERVEJA

Surgimento

Segundo Morado (2009), acredita-se que a cerveja tenha nascido no Oriente

Médio ou no Egito. Isso porque, em meados do século XIX, arqueólogos que

escavavam tumbas de faraós encontraram, preservados por séculos em meio a

valiosos tesouros e outras especiarias, vasos com resquícios de cevada.

Historiadores contam que o homem pré-histórico abandonou a vida nômade

ao desenvolver as primeiras técnicas de agricultura e começou a cultivar grãos. A

possibilidade do cultivo de cereais (sorgo, cevada, trigo) e seu armazenamento para

consumo permitiram a fixação do homem em grupos. Os primeiros campos de

cultura de cereais surgiram na Ásia Ocidental por volta do ano 9000 a.C. Os

agricultores primitivos colhiam os grãos e os transformavam em farinha. Daí surgiu a

lenda que diz que o que fixou o homem foi a necessidade de produzir pão e cerveja

(existe uma relação direta entre os dois alimentos: são feitos de grãos, água e

fermento, e apresentam o mesmo valor nutricional – assim como o pão, a cerveja

alimenta e já foi, por isso, chamada de ―pão líquido‖).

Ainda segundo o autor, há diversos indícios que levam a crer que, à época

em que o homem começou a construir cidades – por volta de 6000 a.C. – a

fabricação de cerveja já era uma atividade bem estabelecida e aparentemente

organizada. Os documentos mais antigos já encontrados estão repletos de símbolos

de cerveja como mercadoria e moeda de troca.

Em 1913, o arqueólogo e lingüista checo Bedrich Hrozny decifrou algumas

tábuas com registros comprovando que, na região entre os rios Tigre e Eufrates

(hoje Iraque), os sumérios consumiam uma bebida chamada sikaru. Quase vinte

tipos diferentes da bebida eram produzidos para serem usados como remédios (para

os olhos e a pele), para pagar o salário de trabalhadores ou servir de oferenda aos

deuses. A peça suméria conhecida como Monumento Blau, de 4.000 a.C., mostra a

cerveja sendo oferecida à deusa Nin-Harra.

Este capítulo foi elaborado com base na estrutura e no conteúdo desenvolvidos por Ronaldo Morado em ―Larousse da Cerveja‖, São Paulo: Larousse do Brasil, 2009.

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O Império Mesopotâmico, que sucedeu o Sumério, também deixou indícios da

importância social da cerveja, particularmente o Código de Hamurábi, escrito pelos

babilônios por volta de 1730 a.C. (SANTOS, 2004). Um dos artigos desse Código

previa o afogamento do cervejeiro em sua própria bebida, caso fosse intragável.

Outro artigo estabelecia a pena de morte para os sacerdotes encontrados em bares.

Também determinava que o pagamento pela venda de cerveja não poderia ser em

dinheiro, mas apenas em grãos de cereais. Na sociedade babilônica, o cervejeiro

era um homem de reputação, dispensado do serviço militar sob a condição de suprir

os exércitos com sua bebida. Já nos bordéis, cada prostituta produzia sua própria

cerveja para ser oferecida aos clientes.

A cervejaria mais antiga foi descoberta por arqueólogos em Tebas, Egito, e

data de 3400 a.C. Essa fábrica produzia cerveja de diferentes variedades, como a

―Cerveja dos Notáveis‖ e a ―Cerveja de Tebas‖ (SANTOS, 2001). O primeiro grande

centro produtor de cerveja da história foi a cidade de Pelesium, atual Port-Said,

também no Egito.

Os egípcios faziam vários tipos de cerveja sob o nome genérico de zythum

(MORADO, 2009). As mais suaves eram destinadas aos pobres e as aromatizadas

com gengibre, tâmara e mel ficavam reservadas aos nobres. A bebida era

indispensável nas cerimônias fúnebres e também usada em banhos, como

tratamento para a pele.

Os gregos conheceram a cerveja através dos egípcios, mas a bebida não era

bem aceita. Pedáneo Dioscórides (40-90), médico grego considerado o fundador da

Farmacognosia (parte da farmacologia que trata das drogas ou substâncias

medicinais em seu estado natural, antes de serem manipuladas), afirmava que a

cerveja tinha efeito diurético e a recomendava apenas para tratamento médico.

O poder de influência dos gregos e, mais tarde, dos romanos, produtores e

apreciadores do vinho, fez com que a cerveja perdesse um pouco de sua

popularidade, já que a política dos conquistadores era impor seus costumes aos

conquistados. Mais tarde, o vinho, por ser a bebida dos judeus e dos cristãos

europeus, com vários significados simbólicos e também identificado com o sangue

de Cristo, ocupou uma parte importante na cultura da época. Entretanto, a cerveja,

por ser mais abundante e barata, passou, gradualmente, a ser a bebida das classes

mais pobres e dos bárbaros (como os estrangeiros eram chamados pelos romanos).

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Outra razão da popularidade e prestígio da cerveja é que, ao contrário do vinho, que

dependia exclusivamente de uvas de cuidadoso plantio e colheita delicada, a cerveja

podia ser fabricada a partir de diferentes cereais (trigo, milho, sorgo e arroz, além da

cevada), produtos mais resistentes e abundantes, principalmente nas regiões

conquistadas e em parte do Império Romano. Consta que, em 49 a.C., Júlio César,

ao atravessar o Rio Rubicon, brindou suas tropas com cerveja.

A onda de expansão da cultura cervejeira a partir da Mesopotâmia teve outra

rota de difusão, igualmente importante, graças aos trácios, povo que dominava um

enorme território onde hoje estão, além da própria Trácia, a Bulgária, a Romênia, a

Moldávia e partes da Grécia, da Macedônia, da Sérvia e da Turquia. A cerveja era

uma bebida sagrada para esses povos, e acredita-se que, devido aos movimentos

migratórios, eles acabaram por influenciar os germânicos e os celtas.

Os celtas, por sua vez, habitaram boa parte da Europa e dividiam-se em

várias tribos: gauleses, belgas, bretões, batavos, escotos, eburões, gálatas,

trinovantes e caledônios. Foram eles os formadores de países como França,

Portugal, Espanha, Bélgica, Inglaterra, Irlanda e Escócia. Além de referência na

metalurgia do ferro, os celtas são reconhecidos por terem desenvolvido novas

receitas e técnicas de fabricação de cerveja. Plínio, o Velho, autor romano que viveu

entre os anos 23 e 79 a.C., escreveu, em Naturalis Historia, sobre celtas fazendo

cerveja na Gália (hoje França) e na Galícia (hoje Espanha). E foi exatamente na

Gália que a bebida recebeu o nome latino até hoje conhecido: era chamada de

cerevisia ou cervisia, em homenagem a Ceres, deusa da colheita e da fertilidade.

Era uma bebida alcoólica, fermentada a partir de cevada ou de outro cereal, não

continha lúpulo, era aromatizada com mel e maturada em ânforas de barro ou em

tonéis de madeira.

Durante o primeiro milênio da era cristã, celtas e germânicos eram os povos

que mais produziam e consumiam a cerveja. Ela era considerada sagrada, uma

recompensa aos heróis e uma oferenda aos deuses; era servida em intermináveis

festas e banquetes, assim como em cerimônias nas quais os guerreiros contavam

suas histórias de bravura e conquistas.

Vários outros povos (escandinavos, asiáticos, africanos e os da América

primitiva) desenvolveram bebidas fermentadas a partir de cereais, que eram também

muito populares, e que podem ser igualmente chamadas de cerveja. Os chineses,

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por exemplo, foram pioneiros na utilização de cereais para fazer as cervejas Kin e

Sanshu a partir de grãos de arroz, aproximadamente em 2300 a. C. Os índios norte-

americanos serviram uma bebida semelhante à cerveja aos primeiros espanhóis que

chegaram ao continente, e os Incas já preparavam a CHICHA e a SORA, cervejas

de milho fermentado (ENTREVISTADO #11).

Idade Média

Até o início da Idade Média, a produção de cerveja era uma atividade

exclusivamente caseira, de responsabilidade das esposas e dirigida ao consumo

doméstico, já que fazia parte da dieta da família. Era a bebida preferida, por sua

disponibilidade e seu baixo custo (em comparação ao vinho).

No período medieval, além de uma necessidade nutricional, a cerveja era, às

vezes, usada como remédio – para o que a ela eram misturadas cascas, raízes,

especiarias como tomilho, pimenta e ervas em geral. Também era consumida em

festas, como inebriante e refrescante, sendo, não raras vezes, uma alternativa para

a água, que nem sempre era possível.

As primeiras iniciativas de produção em maior escala aconteceram nos

mosteiros, a partir do século VI. Nessa época, os monges irlandeses Columbano e

Galo (hoje São Columbano e São Galo) fundaram, pela Europa, diversos mosteiros

que tinham amplas instalações para a fabricação de cerveja. Os mais famosos são a

Abadia de Sankt Gallen, na Suiça, e a Abadia de Bobbio, na Itália.

Numa época de sociedade iletrada, os mosteiros eram locais de

conhecimento, desenvolvimento de técnicas e com capacidade de registrar as

receitas e os acontecimentos que serviram para construir sua história. Por sua

capacidade de trabalho, dedicação e, principalmente, por serem alfabetizados, os

religiosos se tornaram, de fato, os primeiros pesquisadores sobre a cerveja, tendo

aprimorado seu método de fabricação e introduzido a idéia de conservação a frio da

bebida (MORADO, 2009).

Os mosteiros não eram os únicos estabelecimentos religiosos com

cervejarias. Casas episcopais e catedrais também estavam envolvidas de algum

modo com a fabricação e o consumo da bebida. A Catedral de Estrasburgo (França),

por exemplo, tem registros de produção para algumas festividades religiosas no

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século X. Era característica da vida monástica que as abadias e os mosteiros

fossem auto-suficientes. Assim, ali se cultivavam hortas e pomares e se construíam

móveis e ferramentas. Os mosteiros tornaram-se produtores de cerveja de boa

qualidade, e desenvolveram técnicas, utensílios e receitas próprias. Se necessário,

segundo as regras do Império, podiam contar com o abastecimento de cereais.

O Império de Carlos Magno contribuiu bastante para a consolidação da

cerveja como mercadoria e como atividade importante na economia da época. O

Capitulare de Villis, conjunto de regras para a correta administração das terras do

Estado, publicado por Carlos Magno no final do século VIII, reconhecia os

cervejeiros como artesãos especializados, com destacado papel na constituição dos

vilarejos. Seu Império era organizado em vários Estados, cada um com uma

estrutura própria: igreja, padaria, comércio em geral, estábulos, celeiros e

cervejarias. O apoio do Imperador à Igreja Católica, que beneficiou a instituição de

grandes mosteiros, contribuiu para a consolidação da cerveja como bebida e

alternativa ao vinho.

Durante todo o período medieval até a Renascença, os processos de

fabricação e comercialização de cerveja sofreram transformações lentas e graduais.

Morado (2009) identifica cinco diferentes estágios que ilustram a evolução da

organização do trabalho humano. Primeiro, ocorreu uma especialização da mão-de-

obra cervejeira, mas como atividade esporádica, apenas para completar a renda

familiar. Aos poucos esse trabalho passou a se concentrar em determinadas épocas

do ano, especialmente nas estações fora da época de plantio ou de colheita. De

maneira natural e espontânea, esses cervejeiros foram se reunindo em grupos

regionais como verdadeiros arranjos produtivos. Com a crescente urbanização e o

aumento da demanda, os grupos locais ampliaram sua capacidade e passaram a

produzir o ano todo. Então, as técnicas e melhorias de processo fizeram a grande

diferença na qualidade e produtividade, numa época considerada o primórdio da

industrialização. E, finalmente, os estados e burgos se interessaram pelo negócio,

regulando e assumindo a produção local e regional.

A Renascença trouxe os fundamentos do capitalismo, novos conceitos e

técnicas de produção, ampliação de volumes e de mercados. A urbanização

provocou mudanças comportamentais e sociais, e a cerveja acompanhou essas

mudanças.

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Introdução do lúpulo

Desde a origem da cerveja, na Antiguidade, os cervejeiros usam aditivos para

enriquecer o sabor da bebida, adicionar-lhe aromas, dar-lhe mais cor, aumentar seu

teor alcoólico, conservar ou provocar seus efeitos inebriantes. Mel, canela, açúcar

mascavo, anis, gengibre, rúcula, alecrim, cravo, e raízes em geral foram alguns dos

ingredientes usados ao longo do tempo.

O uso do lúpulo na produção de cerveja era comum desde o século IX, mas o

primeiro registro, escrito em plena Idade Média, está no livro Physica sive

Subtilitatum, da monja beneditina alemã Hildegarg von Bingen (1098-1179). Apesar

do seu amargor e do efeito inebriante, o lúpulo foi adotado porque suas

propriedades de conservação foram logo percebidas. Como o processo de

fermentação não era controlado, a produção de cerveja nos meses quentes era

muito difícil, pois as altas temperaturas aceleravam o trabalho dos micro-organismos

presentes no ar e azedavam mais rapidamente o produto. Portanto, qualquer

ingrediente ou processo que ajudasse a conservar o produto por mais tempo seria

um grande diferencial para os cervejeiros (MORADO, 2009).

Por volta do ano 1400, o lúpulo já era bastante difundido na Alemanha e nos

Países Baixos. Apesar da resistência inicial dos consumidores, especialmente no

Reino Unido, durante o século XV ele finalmente se impôs como conservante e

aromatizante, em contraposição à grande variedade de ervas, flores, frutas, raízes,

cascas e até hortaliças. O que não impediu, no entanto, que algumas cervejas

continuassem a receber a adição desses ingredientes que lhes conferiam sabores e

aromas diversos.

Era de Desenvolvimento

Entre os séculos VIII e XVI, a cerveja passou por vários estágios de

desenvolvimento, simultaneamente com toda a estrutura social e econômica da

sociedade ocidental. Tornou-se um item crítico de fornecimento nas vilas e cidades

que começaram a se formar: de atividade caseira, a produção de cerveja

transformou-se lentamente em um negócio com características de indústria.

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Ao longo de 700 anos, à medida que aglomerações humanas se tornaram

mais numerosas, algumas pequenas cervejarias comerciais foram se estabelecendo

nas cidades européias. Mais à frente, a urbanização ocorrida nos séculos XII e XIII

concentrou o consumo e ajudou na criação do negócio especializado da cerveja.

Durante esse período, diferentes estabelecimentos e instituições se desenvolveram

com a produção e a comercialização da bebida.

A partir da produção caseira – responsabilidade das donas de casas, sem fins

lucrativos e realizada de forma absolutamente artesanal – começaram a surgir

grupos de vizinhos e amigos que se reuniam temporariamente para produzir e

comercializar cervejas em escala maior e já com fins lucrativos. Começaram a surgir,

então, especialistas na produção da bebida. Tal profissional se ocupava desde o

plantio dos ingredientes, passando pela fabricação e indo até a comercialização.

Essa atividade era totalmente dominada pelo homem, chefe da família. O modelo

acabou evoluindo para os chamados grupos de produtores locais, que se uniam

para formar um núcleo mais forte, com o compartilhamento de técnicas, negociações

de compra de insumos e comercialização de seus produtos.

Finalmente, surgiram as primeiras manufaturas – protótipos das futuras

indústrias – nas quais grupos de especialistas se uniam em torno de instalações

comuns, produzindo cerveja em grande escala com o objetivo de atender a

mercados maiores e mais distantes. Em 1040, o Mosteiro de Weihenstephan, em

Freising, na Alemanha, conseguiu a licença para produzir cerveja comercialmente

(inclusive, se intitula a cervejaria mais antiga ainda hoje em funcionamento no

mundo).

No século XII, a cerveja era distribuída gratuitamente e era dada até mesmo

às crianças como preventivo ao tifo e à cólera, porque era isenta de contaminação.

Pressionados pelos senhores feudais, porém, a Igreja e os monastérios foram

obrigados a renunciar à prática de distribuição gratuita de cerveja, sob a alegação de

concorrência desleal, uma vez que sua produção era uma atividade lucrativa e

rendia impostos, enquanto a Igreja e os monges não pagavam nenhum imposto –

nem pelos ingredientes nem pelo trabalho.

Em 1200, a atividade cervejeira se estabeleceu comercialmente nas regiões

atualmente conhecidas como Alemanha, Áustria e Inglaterra. No primeiro país, a

primeira cervejaria de Frankfurt foi instalada em 1288, e, em menos de cem anos

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depois, Munique já tinha três cervejarias. Vale lembrar que a localização das

cervejarias dependia de bom fornecimento de água, que também determinava o tipo

de cerveja produzida, já que as possíveis manipulações químicas, especialmente da

água, ainda não eram conhecidas.

A demanda crescente estimulou o aumento da comunidade cervejeira e

promoveu o primeiro movimento de aperfeiçoamento dos artesãos e de

diversificação e melhoramento dos tipos de cerveja produzidos. Outro fator que

acompanhou o desenvolvimento da rudimentar indústria cervejeira foi o apetite dos

governos por arrecadação de impostos.

É difícil determinar o estilo das cervejas dessa época de acordo com as

classificações atualmente adotadas. Segundo Morado (2009), sabe-se que as

cervejas eram azedas, com muita variação de cor e de aroma, opacas e com

resíduos de fermentação. Tudo isso em conseqüência das más condições de

higiene, da falta de controle de temperatura e da não-filtração do produto final.

Lei da Pureza

O início da Idade Moderna, marcado pelo descobrimento da América em 1492

por Cristóvão Colombo e pela Reforma Protestante, trouxe consigo vários

acontecimentos relevantes para a cultura cervejeira.

A Reforma Protestante desencadeou, na Europa, uma onda de mudanças

que enfraqueceu e quase destruiu a estrutura dos mosteiros cervejeiros espalhados

pelo continente. Os primeiros passos para regulamentar as atividades relacionadas

à cultura cervejeira ocorreram paralelamente aos grandes avanços tecnológicos.

Mas todas as medidas de controle visavam questões econômicas (impostos) ou a

qualidade dos produtos.

Obter o direito de produzir cerveja comercialmente não era fácil. A atividade

era fortemente controlada por ser boa fonte de impostos. Em 1514, em Paris,

estabeleceu-se a exigência de três anos de formação para que alguém pudesse se

habilitar a abrir uma cervejaria comercial.

No entanto, já havia algum tempo que os governantes, em toda a Europa,

estavam preocupados em estabelecer padrões para o processo de produção da

bebida. Apesar de ter havido tentativas anteriores, registradas desde 1165, a

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primeira regulamentação sobre fabricação de cerveja foi decretada em 1487 pelo

Duque Albrecht IV da Baviera. Ela serviu de inspiração para a promulgação da Lei

da Pureza, a Reinheitsgebot, de 1516, de grande amplitude territorial, que se tornou

a mais famosa referência da história sobre a padronização do processo de

fabricação de cerveja. Estabelecida pelos Duques Wilhelm IV e Ludwig X, em 23 de

abril de 1516, essa lei dizia, entre outras coisas, que os únicos ingredientes

permitidos para a fabricação de cerveja eram a água, a cevada e o lúpulo. Não

mencionava a levedura porque não se tinha conhecimento de sua participação no

processo; ela era considerada uma dádiva dos céus.

A aceitação da Reinheitsgebot foi se espalhando gradativamente da Baviera

para outras regiões vizinhas. Em 1906, estendeu-se a todo o Império Alemão, mas

já incluindo o fermento como ingrediente básico e admitindo o trigo como adjunto em

cervejas de alta fermentação. A lei sobreviveu por mais de quatrocentos anos,

inclusive ao Terceiro Reich, que a adotou integralmente. Outros países como

Noruega, Suíça e Grécia também a adotaram.

Ainda que os alemães tenham aberto mão da lei no final do século XX, em

função de pressão competitiva no mundo globalizado, o apelo à Lei da Pureza é

uma referência bastante usada por cervejarias que desejam indicar a alta qualidade

de seus produtos, fazendo constar nos rótulos e no material de divulgação o

―atestado‖ de cumprimento do padrão por ela estabelecido.

Época de crise

Os séculos XV e XVI foram um período muito próspero para a indústria

cervejeira. Aproveitando os altos preços do vinho e a redução dos custos de

produção de cerveja pela escala alcançada, o mercado consumidor se espalhou por

toda a Europa. Um litro de vinho custava o equivalente a 6,1 litros de cerveja. O

consumo per capita alcançou os maiores índices em toda a história (MORADO,

2009).

A cerveja se tornou um item importante nas transações de mercado entre

países. O volume era considerável, a ponto de provocar uma crise no abastecimento

de madeira para os barris. Em 1543, um Ato do Parlamento Inglês determinou que

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toda exportação de cerveja deveria prever a importação de madeira equivalente ao

volume embarcado na forma de barril.

O século XVII, entretanto, já começou com uma série de desafios à nascente

indústria cervejeira. Em primeiro lugar, a alta demanda por cevada elevou o preço do

cereal, diminuindo as margens de lucro. Depois, surgiu uma intensa competição por

mercados: muitas cervejarias foram criadas, e muitos países que viviam da

exportação de seus produtos começaram a sofrer com a instalação de concorrentes

locais nos mercados-alvo.

Outro problema veio com a competição com os produtores de vinho, que

reagiram à queda do consumo e influenciaram governantes a aumentar os impostos

sobre a cerveja. Em alguns lugares da Europa, os impostos representavam mais de

50% do preço final da bebida. Além disso, para enfrentar a popularidade da cerveja,

lançaram o brandy (conhaque), feito a partir da destilação do vinho, a preços bem

competitivos.

Surgimento da Pilsen

Depois de quase duzentos anos de declínio e crises na história da produção

da cerveja, o século XIX assistiu ao renascimento da bebida, em grande parte

graças ao avanço tecnológico que caracterizou aquela época.

A partir da segunda metade do século XVI, algumas cervejarias alemãs

localizadas perto de Munique foram proibidas, pelo Duque Albrecht V da Baviera, de

fabricar cervejas no verão. Entretanto, era-lhes concedida a permissão para produzir

suas cervejas nos meses frios e guardá-las para serem consumidas no verão. Para

não sofrer com o aumento de temperatura, a bebida era, então, armazenada em

adegas frias e úmidas, nos Alpes. A cerveja assim produzida, chamada Lager – que

significa ―guardada, armazenada‖ em alemão (MORADO, 2009) – tinha

características interessantes. Embora não se soubesse explicar o motivo, percebeu-

se que a cerveja armazenada dessa forma adquiria sabor acentuado e aparência

mais clara e leve. Hoje se sabe que as leveduras, responsáveis pela aparência

esfumaçada ou turbidez da cerveja, tendem a não se flocular a baixas temperaturas,

o que tornava mais limpa, refrescante e leve a cerveja armazenada durante o

inverno.

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Outra mudança significativa no que diz respeito à composição da cerveja

ocorreu com o malte. Até o início do século XVII, a maioria dos maltes usados na

fabricação de cerveja era seco em fornalhas, o que os deixava um pouco

queimados, quase torrados, e invariavelmente defumados. Isso resultava em uma

cerveja escura e com notas de fumaça. As poucas cervejas claras existentes

usavam maltes secos naturalmente, mas essa prática não era muito comum. A partir

de 1642, o coque, um combustível derivado do carvão betuminoso, começou a ser

usado para secar o malte. Esse novo procedimento permitiu que os grãos

passassem pelo processo de secagem sem serem torrados, o que resultava em

cervejas mais claras, chamadas de Pale Ale.

Outro avanço aconteceu no início do século XIX, quando Gabriel Sedlmayr II,

de tradicional família de cervejeiros, desenvolveu um método de secagem via

aquecimento indireto dos grãos, tornando o processo de produção de malte passível

de total controle. Tal procedimento permitiu controlar melhor a cor e eliminou odores

e sabores de fumaça e de queimado do produto final.

O estilo mais popular de cerveja nos tempos atuais deve seu nome à cidade

de Pilsen, na Boêmia, atual República Checa. Era uma cidade como centenas de

outras, que desde o século XVI produziam suas próprias cervejas em pequenas

instalações, muitas delas caseiras.

No final da década de 1830, algum problema indeterminado estava ocorrendo

com a bebida na cidade, provavelmente contaminação, mas os conhecimentos

bioquímicos eram muito rudimentares para que se pudesse determinar sua real

causa. Foi, então, contratado um especialista – Josef Groll – mestre cervejeiro

atualizado com as novas tendências de maltagem clara (pale) e fermentação a frio

(lager).

Groll produziu, no dia 5 de outubro de 1842, uma nova cerveja clara e

carbonatada, com sabor acentuado e refrescante. Depois de alguns dias, em 11 de

novembro, ele apresentou a nova bebida à população da cidade, que imediatamente

a aprovou. Poucos anos depois, esse tipo de cerveja foi batizado de Pilsner ou

Pilsen, em alusão à cidade de Pilsen.

O lançamento da Pilsen se deu em uma época muito especial, coincidindo

com a novidade que eram os cristais da Boêmia. Até a primeira metade do século

XIX, as cervejas eram servidas em canecas de louça, estanho, madeira e até de

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couro. Mas a cor, o brilho, o colarinho e o borbulhar da nova cerveja Pilsen exigiam

transparência e leveza. Foi, portanto, uma combinação perfeita, já que, nessa

época, a região da Boêmia já era famosa por fabricar os melhores cristais da

Europa.

Portanto, a cerveja, como é conhecida até hoje, fabricada com malte de

cevada e lúpulo por grandes corporações, é resultado do desenvolvimento científico

e industrial ocorrido no século XIX.

Com a invenção da máquina a vapor e outras inovações trazidas pela

Revolução Industrial (segunda metade do século XVIII), como a melhoria dos

sistemas de refrigeração e nos meios de transporte, a produção de cerveja passou

de uma atividade doméstica para uma escala industrial. Também alguns

instrumentos, como o microscópio e o termômetro, que já eram utilizados há mais de

duzentos anos na medicina, passaram a ser empregados no acompanhamento do

processo de fermentação e no controle das variações de temperatura durante toda a

produção.

As descobertas da fórmula da fermentação pelo químico francês Gay Lussac

e da pasteurização pelo cientista Louis Pasteur, em 1859, proporcionaram um

melhor entendimento do processo de fermentação, que a partir de então passou a

ser um fator importante para a diversificação da cerveja. Apesar de o nome de

Pasteur ser popularmente associado ao processo de pasteurização do leite, na

verdade, suas pesquisas foram direcionadas à cerveja, como está registrado em seu

documento Études sur la bière, de 1876. Pasteur foi, durante muitos anos, consultor

de várias cervejarias.

Por fim, em 1883, o cientista dinamarquês Emil Christian Hansen isolou as

primeiras culturas puras de levedura, iniciando sua produção controlada na

cervejaria Carlsberg. Foi assim que a cerveja começou a ganhar estabilidade

organoléptica.

Retrocesso

O período compreendido entre o final do século XIX e o início do século XX foi

marcado pelos movimentos de repressão ao consumo de álcool. As primeiras

reações surgiram na Europa, especificamente na Bélgica e no Reino Unido, onde o

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gim, cujo teor alcoólico é quase dez vezes superior ao da cerveja, passou a ser um

fenômeno de consumo.

No primeiro país, o governo proibiu, em 1919, a venda de outras bebidas

alcoólicas além da cerveja em bares. Tal restrição só foi revogada em 1983. Já no

Reino Unido, o Parlamento Inglês aprovou, em julho de 1830, o ―Beer Act of 1830‖,

resolução que tentava incentivar a produção e venda de cerveja, numa tentativa de

diminuir a oferta e o consumo de gim. Isso levou ao surgimento das public beer

houses (pubs): em apenas oito anos, surgiram 46 mil pubs na Inglaterra e no País

de Gales, dobrando, assim, o número de estabelecimentos (tabernas, bares e

pousadas) existentes anteriormente.

No caso dos Estados Unidos, a Lei Seca só foi promulgada em 1918, mas

suas raízes remetem ao processo de colonização do país, já que o pensamento

proibicionista, ou movimento antialcoólico, existiu desde o início de sua colonização

e, de alguma forma, persiste até hoje. Na raiz da questão está a rejeição da

sociedade às conseqüências comportamentais e patológicas geradas pelo

alcoolismo.

A Lei Seca causou grande impacto econômico para o país, pois a indústria de

bebidas era o quinto segmento mais importante na economia americana. A Lei foi

lançada, mantida, disseminada e aprovada pelo Congresso como resultado da

influência da coalizão entre democratas e republicanos e religiosos cristãos e

protestantes. O tema da proibição foi absorvido como uma preocupação com a

saúde pública e as leis da época só permitiam o consumo de bebidas com teor

alcoólico abaixo de 0,5%.

Em função da inflexibilidade do Governo, que se manteve irredutível diante de

protestos e movimentos em favor da liberação da cerveja, aos poucos a

clandestinidade passou a incentivar a criminalidade, encorajando uma nova cultura

criminosa que girava em torno do contrabando de bebidas, como cervejas e

destilados, para atender à demanda de grande parcela da população. Nessa época,

os Estados Unidos praticamente começaram a ser controlados por gângsteres e

armas. Al Capone, filho de um imigrante italiano, passou a dominar as destilarias e

cervejarias do país e chegou a faturar cem milhões de dólares por ano durante a Lei

Seca.

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A situação, porém, começou a sair do controle: Al Capone comandou, em

Chicago, um massacre que ajudou a desencadear o fim da Lei Seca. A população

passou a se posicionar contra a restrição e o presidente Franklin Roosevelt aprovou,

em abril de 1933, uma emenda que previa a permissão para o consumo de bebidas

com 4,0% por volume de álcool, mas recebendo alta tributação. Por fim, em

dezembro do mesmo ano, no ápice da Grande Depressão e após treze anos de

proibição, a Lei Seca foi abolida pelo presidente Roosevelt, num clima de grande

comemoração.

A eficácia das ações contra o consumo de álcool era controversa e gerava

muita polêmica. Em 1929, em plena vigência da Lei Seca, o governo americano

estimava que a produção ilícita de cerveja era de 26 milhões de hectolitros (hl)7.

Para se ter uma idéia, em termos de comparação, esse foi o consumo de cerveja no

Brasil no final da década de 70.

Modernidade

As duas Grandes Guerras impactaram profundamente a indústria cervejeira

mundial. Cercados pela escassez de mão-de-obra, pelas restrições ao álcool em

alguns países, pela dificuldade de obter matéria-prima e pelas restrições financeiras

dos consumidores, a indústria e o comércio de cerveja foram drasticamente

reduzidos. As 3.223 cervejarias existentes na Bélgica antes da Primeira Grande

Guerra estavam reduzidas a 755 em 1946. Nos Estados Unidos, eram 2.330

cervejarias em 1880, caindo para 160 no início da Segunda Grande Guerra e para

apenas 60 no início da década de 60. No Reino Unido, eram 6.447 em 1990, tendo

sido reduzidas para 885 em 1939 e 358 em 1960.

O pós-guerra, no entanto, criou um clima de renascimento em todo o mundo.

Estimulada pelo renascimento das cervejarias européias no pós-guerra e pelo boom

desenvolvimentista norte-americano, uma onda de microcervejarias começou a se

formar na costa oeste do país.

Outro importante movimento surgiu a partir de 1970. A Inglaterra foi o berço

de uma iniciativa importante pelo ―renascimento‖ das cervejas Ale, motivada pela

preocupação com a crescente massificação e industrialização das cervejas. Em

7 Hectolitro=100 litros.

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novembro de 1972, alguns cervejeiros ingleses iniciaram o movimento Campaign for

Real Ale (CAMRA), uma campanha em favor da autêntica Ale, que motivou e

incentivou bares e pequenos produtores. Como conseqüência, milhares de micro e

pequenas fábricas surgiram, provocando um fenômeno mundial que se espalhou

pela Europa, Estados Unidos, Ásia e, mais recentemente, América Latina. Tal

movimento acabou favorecendo não só as cervejas do tipo Ale, mas a bebida de

maneira geral.

Livres da obsessão por satisfazer o gosto-padrão de mercado, essas

pequenas fábricas têm oferecido ao público a possibilidade de explorar a diversidade

de sabores, texturas, cores e aromas de cervejas. De certa maneira, essa situação

tem forçado as grandes cervejarias a também oferecer outros tipos além da cerveja

do tipo pilsen.

Outro acontecimento estimulante para o consumo de cerveja aconteceu em

fevereiro de 1979, nos Estados Unidos. O presidente Jimmy Carter revogou as

restrições à produção caseira de cerveja, em vigor desde 1917 (por uma falha, o Ato

que determinou o fim da Lei Seca em 1933 havia liberado a produção caseira de

vinho, mas não a de cerveja). Essa foi uma das principais razões da popularidade do

movimento de fabricação de cerveja em casa (homebrewing) que tomou conta do

Canadá e dos Estados Unidos nas últimas décadas, e que chegou finalmente ao

Brasil.

A despeito desses movimentos de revitalização da cultura cervejeira, o

mercado mundial tem crescido enormemente nas últimas décadas. A globalização

de mercados, que provocou o gigantismo das empresas e a competição

internacional, levou à massificação dos produtos. Se, por séculos, as cervejarias

foram direcionadas pelos mestres cervejeiros, os departamentos de marketing é que

assumiram a condução do negócio.

O final do século XX e o início do XXI representaram um momento de

transição na estrutura produtora e consumidora mundial de cerveja. Por um lado, as

fusões das cervejarias levaram a uma concentração cada vez maior do mercado nas

mãos de poucas empresas. Por outro lado, a proliferação de pequenas indústrias

aliviou essa pressão e favoreceu a diversificação e a experimentação. No tocante ao

consumidor, este se mostra cada vez mais exigente, buscando produtos

ecologicamente corretos e de boa qualidade, e atento a novidades e sofisticação.

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APÊNDICE C – HISTÓRIA DA INDÚSTRIA DA CERVEJA NO BRASIL

Surgimento da cerveja no Brasil

A cerveja é um produto com longa tradição no Brasil, surgindo já referências à

bebida em documentos que datam do século XVII, possivelmente com a colonização

holandesa pela Companhia das Índias Ocidentais (1634-1654): segundo Santos

(2004), os mercadores flamengos, grandes apreciadores de cerveja, tinham não só

uma boa organização política como de suprimentos e até de cultura e lazer. No

entanto, com a saída dos holandeses em 1654, a cerveja deixou o país por um

século e meio, só reaparecendo no final do século XVIII e início do seguinte. Ainda

assim, sua ascensão foi demorada e tortuosa, sendo que, no início do século XIX, a

cachaça e o vinho eram as bebidas alcoólicas preferidas pelo povo. Os

colonizadores portugueses não eram consumidores de cerveja, nem tampouco os

nativos, que sequer a conheciam.

A situação começou a mudar com a transferência da corte portuguesa para o

Brasil, em 1808. Como a economia portuguesa se encontrava há tempos

subordinada à inglesa, D. João relutou em aderir incondicionalmente ao Bloqueio

Continental, decretado por Napoleão em 1806, para fazer frente ao poderio britânico

e desestabilizar a economia inglesa. Diante do impasse, Napoleão ordenou a

invasão do reino ibérico, e a família real portuguesa, sem chances de resistir ao

ataque, fugiu para o Brasil, em 1808, sob proteção inglesa (KOSHIBA, 1996). A

capital do reino de Portugal foi estabelecida na capital do Estado do Brasil, a cidade

do Rio de Janeiro, registrando-se o que alguns historiadores denominam de

"inversão metropolitana"; ou seja, da antiga colônia passou a ser exercido o governo

do império português.

A fuga da Corte para o Rio de Janeiro trouxe duas importantes conseqüências

para o Brasil: a ruptura colonial e o seu ingresso na esfera de domínio da Inglaterra.

Ainda em 1808, D. João decretou a abertura dos portos às nações amigas, pondo

fim, na prática, ao exclusivo metropolitano que restringia drasticamente o comércio

do Brasil. A Carta Régia, de 28 de janeiro de 1808, permitiu a abertura dos portos a

todos "os navios estrangeiros das potências que se conservem em paz e harmonia

com a minha Real Coroa", acabando com o pacto colonial (KOSHIBA, 1996, p. 94).

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Segundo Santos (2004), antes desta data, a cerveja consumida no país vinha

contrabandeada para o Recife, Rio de Janeiro e Salvador. Freire (1977), em seu

livro ―Ingleses no Brasil‖, registra que o inglês Lindley a tomou em 1800 em um

mosteiro em Salvador, onde encontrou um grande estoque de cerveja de sua terra.

No início do século XIX, a cachaça e o vinho eram as bebidas alcoólicas preferidas

pelo povo; devido à pressão portuguesa, o vinho era a bebida mais comercializada

no país. Nessa época, a cerveja já era produzida, mas o seu consumo não se

encontrava generalizado, permanecendo como uma produção caseira e típica de

populações imigrantes. No final dos anos 20, o oficial alemão Carl Seidler encontrou,

no Rio Grande do Sul, imigrantes alemães com conhecimento para fabricar cerveja

lucrativamente.

Domínio Inglês

A partir da abertura dos portos, inúmeros comerciantes estrangeiros –

principalmente ingleses – instalaram-se no Brasil, fazendo vir da Europa, entre

outros produtos, a cerveja. Além de exercer grande influência comercial e cultural

sobre Portugal, a Inglaterra, no início do século XIX, era de longe a maior produtora

de cerveja da Europa (SANTOS, 2004). Os ingleses no Brasil não abriam mão de

suas preferências tradicionais, e os portugueses de mais posses os imitavam,

passando a ter em suas mesas o pão branco, o chá, o queijo, o presunto, o gim, o

uísque e a cerveja. Sendo assim, a cerveja inglesa dominou o mercado brasileiro por

muito tempo, com a Porter e a Pale Ale, menos alcoólica.

Em 1809, a Inglaterra fez D. João assinar três tratados que a favorecia

comercialmente, contendo artigos que feriam os interesses econômicos de Portugal

e do Brasil (KOSHIBA, 1996). Um deles era o de Amizade e Aliança; o outro de

Comércio e Navegação; e um último que regulamentou as relações postais entre os

dois reinos. De acordo com o segundo Tratado, o governo português concedia aos

produtos ingleses uma tarifa preferencial de 15%, ao passo que a que incidia sobre

os artigos provenientes de Portugal era de 16% e a dos demais países amigos, 24%.

A brutalidade dos tratados se explica pela pesada pressão econômica que o

bloqueio napoleônico exerceu sobre a Inglaterra, reforçando a necessidade de se

abrir novos mercados. A facilidade com que a Inglaterra impôs seus interesses ao

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Brasil permitiu a maciça exportação de seus produtos, inundando o mercado

brasileiro, e trouxe modificações radicais tanto nos hábitos de consumo quanto na

posição do Brasil dentro do mercado internacional: da órbita do colonialismo

mercantilista português para a dependência do capitalismo industrial inglês. Koshiba

(1996, p. 91, grifo nosso) cita trecho de um viajante inglês, John Mawe, que

descreveu o Rio de Janeiro dessa época da seguinte forma:

O mercado ficou inteiramente abarrotado; tão grande e inesperado foi o fluxo de manufaturas inglesas no Rio, logo em seguida à chegada do Príncipe Regente, que os aluguéis das casas para armazená-las elevaram-se vertiginosamente. A baía estava coalhada de navios, e em breve a alfândega transbordou com o volume de mercadorias. Montes de ferragens e pregos, peixe salgado, montanhas de queijos, chapéus, caixas de vidro, cerâmica, cordoalha, cerveja engarrafada em barris, tintas, gomas, resinas, alcatrão, etc., achavam-se expostos não somente ao sol e à chuva, mas à depredação geral; (...) espartilhos, caixões mortuários, selas e mesmo patins para gelo abarrotavam o mercado, no qual não poderiam ser vendidos e para o qual nunca deveriam ter sido enviados.

Os Decretos de 1810 praticamente anularam o Alvará de 1º de abril de 1808,

que revogou o de 1875 que proibia a instalação de manufaturas no Brasil

(complementando, desse modo, a Carta Régia de 1808). Ainda que a medida tenha

permitido a instalação, em 1811, de duas fábricas de ferro em São Paulo e Minas

Gerais, o sopro de desenvolvimento parou por aí, pois a presença de artigos

ingleses bem elaborados e a preços relativamente acessíveis bloqueava a produção

de similares em território brasileiro.

Nesse contexto, não há relatos de produção lucrativa de cerveja no Brasil até

o início do Segundo Reinado, em 1840. Durante o período, só houve venda e

comercialização de cerveja importada, especialmente da Inglaterra. Os anúncios

comerciais nos jornais referiam-se, exclusivamente, à venda de cerveja, nunca à

produção. Foi só a partir da década seguinte que as famílias de imigrantes

começaram a usar escravos e também a empregar trabalhadores livres para

produzir a bebida e vendê-la ao comércio local. Nesse momento, o Rio de Janeiro já

tinha uma população de padrão médio formada por militares, oficiais de indústrias,

proprietários de pequenas manufaturas, profissionais liberais e funcionários públicos.

A cidade já era comparável a outras da Europa Central, e tinha um mercado

consumidor relevante. A venda era feita no balcão e na própria cervejaria. Convites

eram espalhados pelos proprietários em bares próximos e festas eram realizadas

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dentro das cervejarias. As entregas eram feitas por carroças ao comércio dos bairros

próximos e, a partir da metade do século XIX, a fabricação de cerveja brasileira

começou a tomar vulto com o aparecimento de diversas fábricas.

Início das atividades produtivas

Para Santos (2004), não se pode precisar com exatidão o início da produção

de cerveja no Brasil. Além de as fábricas não produzirem cerveja com marca

alguma, a bebida era geralmente vendida em barris para os depósitos (comércio que

nem sempre era só de cerveja), que as comercializavam de várias formas, às vezes

engarrafadas e com rótulos próprios. No entanto, o autor reconhece que a década

de 40 foi um período de grande desenvolvimento na fabricação e consumo de

cerveja.

Em 1846, Georg Heinrich Ritter instalou uma pequena linha de produção de

cerveja na região de Nova Petrópolis – Rio Grande do Sul (RS), criando a marca

Ritter, uma das precursoras do ramo cervejeiro. Além dessa, muitas outras

aproveitaram o caminho anteriormente desbravado, como foram os casos da firma

Vogelin & Bager, que abriu uma cervejaria no bairro do Jardim Botânico, no Rio de

Janeiro (RJ); e a Henrique Leiden e Cia, que deu origem à Imperial Fábrica de

Cerveja Nacional, também no RJ. O Almanak Laemmert8 cita muitas outras

cervejarias que surgiram por todo o Brasil, desde Joinville – Santa Catarina (SC) a

São Paulo – São Paulo (SP), passando por Petrópolis e Niterói – RJ (CERVEJAS

DO MUNDO, 2010).

Na década seguinte (50), apareceu uma nova leva de industriais interessados

em investir nesse negócio: a Fábrica de Cerveja Nacional de Alexandre Maria

VillasBoas & Cia, no Rio de Janeiro - RJ; a Fábrica de Cerveja de Thimóteo Durier,

em Petrópolis - RJ; a Fábrica de Jacob Nauerth, no Rio de Janeiro - RJ; a Fábrica de

Cerveja Guarda Velha de Bartholomeu Correa da Silva, também no Rio de Janeiro;

e a Fábrica de Cerveja de Friederich Christoffel, em Porto Alegre - RS. Todas

8 O Almanak Laemmert, publicado no Rio de Janeiro entre 1844 e 1889, pelos irmãos Eduard e

Heinrich Laemmert, é considerado atualmente como um instrumento indispensável de consulta para conhecimento do passado comercial, financeiro e social brasileiro do Século XIX e início do Século XX. Fonte: Ministério da Cultura. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2008/05/14/almanak-laemmert/>. Acesso em: 19 fev. 2010.

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artesanais, de pequena produção – 200 a 300 mil garrafas/ano – e vida efêmera

(SANTOS, 2004).

Nas décadas de 60 e 70, houve um grande aumento da produção nacional de

cerveja, que se manteve até a Primeira Guerra Mundial, quando não se pôde mais

obter cevada e lúpulo de procedências alemã e austríaca. As cervejas brasileiras,

artesanais, tinham um precário controle de fermentação e, conseqüentemente, uma

pressão variável. As rolhas, portanto, eram presas às garrafas por barbantes (como

hoje se fixam as de champanhe com arame), dando origem à expressão "marca

barbante", usada, desde então, para qualquer produto ordinário. Vale lembrar

também que o abastecimento de cevada e de lúpulo sempre foi problemático, tendo

os cervejeiros que recorrer a outros cereais como arroz, trigo e milho, prática

corrente em vários países.

O domínio da cerveja inglesa no mercado brasileiro durou até os anos 70,

quando declinou significativamente, em função, principalmente, do aumento da

concorrência da cerveja já produzida no país, de qualidade inferior, porém mais

barata. De 1865 a 1869, o valor da cerveja inglesa enviada ao Brasil foi de 480 mil

libras, contra 90 mil de 1885 a 1889 (SANTOS, 2004).

No final do século XIX, a importação de cerveja voltou a crescer – ainda que a

níveis inferiores aos dos anos 60 – mas agora a preferência era pela cerveja alemã,

que vinha em garrafas e em caixas, ao contrário das antigas cervejas inglesas, até

então trazidas em barris. Na realidade, desde a segunda metade do século XIX a

cerveja alemã já vinha ganhando espaço e predominância em toda a Europa

Continental, pelo sucesso da variedade de baixa fermentação, oriunda da Baviera e

da Boêmia. Essa cerveja se contrapunha à de alta fermentação: era clara, límpida,

conservava-se melhor e correspondia mais ao paladar da época. Vale ressaltar que,

à época, havia ocorrido duas grandes inovações que se difundiram rapidamente pela

Europa e possibilitaram a produção de cerveja de baixa fermentação em grande

escala: o desenvolvimento de sistemas de refrigeração eficientes e as máquinas a

vapor, como as da Inglaterra.

O período áureo da cerveja alemã no Brasil, contudo, não foi longo, pois em

1896 o governo quadruplicou os impostos de importação e, em 1904, mais ainda,

limitando a importação. Com essas dificuldades e com o desenvolvimento da

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indústria nacional de cerveja, praticamente cessou a importação no início do século

XX.

Nascimento da indústria brasileira de cerveja

As primeiras cervejarias industrializadas do país surgiram nas décadas de

1870 e 1880 (SANTOS, 2004). A pioneira foi a de Friederich Christoffel, em Porto

Alegre, que em 1878 produzia mais de um milhão de garrafas. Ainda permanecia a

dificuldade de obtenção de matéria-prima e o mesmo problema de fermentação em

um país de clima tropical. Tentou-se o controle da temperatura de fermentação com

o uso do gelo natural, trazido em barcos a vela dos Estados Unidos.

Em 1880, instalaram-se no Rio de Janeiro as primeiras máquinas

compressoras frigoríficas que, produzindo gelo artificial, propiciavam um ambiente

refrigerado, representando um grande avanço na indústria cervejeira do país. Com

essa tecnologia, podia-se obter cerveja de baixa fermentação, uniforme e límpida,

como as da Bavária e da Boêmia. É desse contexto, inclusive, que se originam as

duas cervejarias que viriam a dominar a indústria nacional: a Companhia Antarctica

Paulista, de São Paulo, e a Companhia Cervejaria Brahma, do Rio de Janeiro.

No final do século XIX, a cidade de São Paulo contava com 52 fábricas, das

quais apenas a Antarctica e outras dez dispunham de mais de 100 funcionários. O

Brasil tinha uma população de 14 milhões de habitantes, uma inflação anual de 7,2%

e o PIB era de 1,8 milhão de contos de réis, produzidos basicamente pela economia

do café (SANTOS, 2001).

O século XX marcou a inserção e o fortalecimento do Brasil na indústria

internacional de cerveja, destacando-se tanto por fatores relacionados às condições

econômicas, quanto às previsões de demanda, alavancadas pela evolução do mapa

de consumo da população.

No início do século, seguindo movimento do final do século anterior, a

indústria nacional de cerveja surpreendia pelo grande número de cervejarias e de

marcas lançadas pelas empresas. Como o mercado cervejeiro se encontrava em

grande ebulição, inúmeras cervejarias foram fundadas por todo o Brasil, sendo que

cada empresa tratava logo de registrar um número elevado de marcas diferentes, de

forma a assegurar uma determinada fatia do mercado. A CCB era um exemplo claro

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dessa estratégia: entre 1894 e 1914, registrou aproximadamente 20 marcas de

cerveja, sem haver, no entanto, evidências da comercialização de todas as marcas.

Em 1913, um ano antes da Primeira Guerra Mundial, existiam 134 cervejarias só no

Estado do Rio Grande do Sul (CERVEJAS DO MUNDO, 2010).

A Primeira Guerra Mundial não trouxe grandes alterações ao panorama

cervejeiro do Brasil. O fato de a guerra se desenrolar principalmente na Europa e de

a importação de cerveja estrangeira ser reduzida fez com que não só o consumo

como também a produção se mantivessem a níveis bastante elevados e em franco

crescimento, havendo, contudo, restrições em relação à obtenção de cevada e

lúpulo de origem alemã e austríaca. Já no período da Segunda Guerra Mundial, o

mercado nacional foi beneficiado pela suspensão de importação de bebidas,

incentivando ainda mais o crescimento da indústria brasileira de cerveja.

De empreendimento regional a negócio de escala nacional

A despeito das duas Grandes Guerras, o século XX foi marcado pela vocação

expansionista da CAP e da CCB e pela sua consolidação na liderança da indústria

cervejeira nacional. Ambas experimentaram um crescimento bastante acentuado,

expandindo-se por todo o país e encampando inúmeras outras cervejarias

(SANTOS, 2004), como mostra o quadro abaixo. Para Sull (2005), Brahma e

Antarctica moldaram a indústria de cerveja no Brasil por mais de 100 anos: durante

o século XX, ambas consolidaram a fragmentada indústria nacional através da

aquisição de rivais menores e da construção de marcas, produção e distribuição de

proporções nacionais. Migrou-se, portanto, de uma situação de desconcentração e

regionalização para a consolidação de uma estrutura concentrada em escala

nacional.

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Companhia Antarctica Paulista Companhia Cervejaria Brahma

Cervejaria Bavária, SP (1904)

Companhia Adriática, PR (1941)

Cervejaria Bohemia, RJ (1961)

Cervejaria Polar, RS (1972)

Cervejaria Catarinense, SC (1972)

Cervejaria de Manaus S.A – Cerman, MA

(1972)

Companhia Baiana de Alimentos, BA (1972)

Companhia Cervejaria Paulista, SP (1972)

Cervejaria Pérola, RS (1973)

Companhia Itacolomy de Cervejas, MG

(1973)

Cervejaria Serramalte, RS (1978)

Companhia Alterosa de Cervejas, MG

(1980)

Cervejaria Nordestina S/A: Cerva, RS

(1989)

Companhia Guanabara, SP (1928)

Cervejaria Atlântica, PR (1942)

Bopp, Sassen, Ritter e Cia. Ltda –

Cervejaria Continental, RS (1946)

Companhia Paulista de Cerveja Vienenses,

SP (1954)

Fratelli Vita Indústria e Comércio S.A., BA

(1970)

Cervejaria Astra S.A., CE (1971)

Cervejarias Reunidas Skol – Caracu S.A.,

SP (1980)

Tabela 0-2: Aquisições da CAP e da CCB

Fonte: Baseado em CAP e CCB.

Reviravolta na indústria cervejeira brasileira

Os anos 70 e 80 foram um período difícil para a economia brasileira em geral

e especialmente para a indústria de cervejas. A alta na inflação e o controle de

preços impediram as cervejarias de aumentar seus preços para cobrir o aumento

dos custos de matérias-primas, reduzindo as suas margens. O alto custo de capital

tornou investimentos produtivos proibitivos, e a demanda muitas vezes excedeu a

capacidade de fornecimento. Além disso, a indústria se ressentia das importações

de malte, cevada e equipamentos necessários à produção da bebida. Por

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conseqüência, um dos problemas enfrentados pelo mercado era a falta da bebida

nos meses quentes, época de maior demanda (SANTOS, 2001).

Por ser a mais fraca das duas cervejarias líderes, a CCB vivenciou

dificuldades particulares para lidar com esses desafios. Em 1983, um grupo de

investidores liderados por dois bancos brasileiros – Banco Bradesco e Sul America

Seguros – lançaram uma oferta hostil pelo controle da CCB, que a empresa

conseguiu evitar com êxito mediante a ajuda do Banco Garantia (SULL, 2005).

Enquanto as demais cervejarias sofreram nos anos 80, a CAP superou a

tempestade em condições superiores às rivais. Em 1989, a marca Antarctica detinha

40,8% de participação de mercado, contra 37,8% da Brahma. No entanto, 60% dos

consumidores citavam a Antarctica como sua cerveja favorita, contra somente 20% a

favor da Brahma. Tais consumidores não tinham sempre a possibilidade de comprar

Antarctica, pois havia faltas freqüentes em bares e restaurantes em função de a

empresa ter evitado realizar os gastos de capital necessários para atender à

demanda existente, por causa dos baixos retornos sobre investimentos. A CAP era

também mais lucrativa do que a CCB: margem bruta de 44% em 1989, contra 16%

para a concorrente, e margem EBITDA de 25%, contra 5%.

Para mexer ainda mais com o mercado, com o término do controle de preços,

parte da década de 80 e a década de 90 presenciaram a entrada de três novas

marcas de cerveja que viriam a fazer frente às duas líderes centenárias: a Kaiser, a

Schincariol e a Itaipava.

Em 1982, o empresário mineiro Luis Otavio Possas Gonçalves, um dos

principais acionistas do Grupo Gonçalves-Guarany – proprietário, desde 1947, de

duas grandes engarrafadoras de Coca-Cola no estado de Minas Gerais – resolveu

fabricar cerveja. Tal decisão foi motivada pela perda gradual de participação da

empresa no mercado de refrigerantes, já que a CAP e a CCB praticavam a venda

casada de cervejas e refrigerantes, praticamente obrigando os comerciantes a

comprar guaraná e soda juntamente com cerveja. Diante disso, o empreendedor

arriscou todo o capital de que dispunha na construção de uma cervejaria (Cervejaria

Kaiser), em Divinópolis – MG, e em nove meses já colocava a sua primeira garrafa

no mercado. A cerveja Kaiser, de baixo preço e focada nos consumidores mais

jovens, rapidamente ganhou participação de mercado em Minas Gerais e,

posteriormente, no Brasil, em sua maioria da Brahma e da Antarctica. Em 1983, a

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cervejaria holandesa Heineken, uma das maiores exportadoras do mundo, passou a

dar assistência técnica à Kaiser. Diante do sucesso, a Coca-cola Internacional

comprou 10% da cervejaria em 1984, sendo o único investimento da empresa no

mundo em bebidas alcoólicas. E não era à toa: o Brasil é um dos poucos mercados

no mundo em que produtores de refrigerantes distribuem cervejas e vice-versa.

Em 1989, a Primo Schincariol, fundada em 1939 na cidade de Itu, SP, e que

no início se limitou à produção de conhaque, groselha, vinho e o refrigerante

Itubaína, lançou a sua primeira cerveja, do tipo pilsen: a Schincariol (GRUPO

SCHINCARIOL, 2010). Em uma década, a cerveja de baixo preço pulou de um

market share de menos de 1%, em 1990, para 7,5%, em 1999.

Por fim, em 1993, um grupo de empresários se associou e comprou algumas

máquinas, equipamentos e um terreno às margens da Rodovia BR 040 - Km 51,

dando origem à Cervejaria Petrópolis S/A, em Petrópolis – RJ. Aproveitando o clima

ameno da região serrana, a existência de água de qualidade excepcional e fazendo

uso dos conhecimentos de um mestre cervejeiro e de matéria-prima importada de

alta qualidade, foi lançada, em 1994, a cerveja Itaipava. Em 1998, a cervejaria foi

vendida a um grupo de empresários que, com mais capacidade financeira, ampliou

as instalações, lançou novas marcas – como a cerveja Crystal, em 1998 – dando

início a uma fase de crescimento vertiginoso. Foi também a primeira fabricante a

adotar o selo higiênico: uma folha final de alumínio que cobre a parte superior da

latinha, protegendo-a de poeira e eventuais contaminações (MORADO, 2009).

Se o início dos anos 90 foi marcado pela queda acentuada no consumo de

cerveja, em decorrência da redução do poder de compra da população brasileira

(inflação), a introdução do Plano Real, em 1994, propiciou um considerável aumento

no consumo da bebida no biênio 1994/95, sendo um dos mercados que mais

cresceu na era pós-real. Com a estabilização da economia, acredita-se que 30

milhões de novos consumidores entraram no mercado em 1995, considerando-se

aqueles que voltaram a beber cerveja e os que passaram a consumi-la em maior

escala (OLIVEIRA, 1996). As vendas para aquele ano foram de 7,5 bilhões de litros

de cerveja, representando um crescimento de 27% em relação a 1994 (SANTOS,

2001). O consumo per capita também experimentou aumento, passando de 38

litros/habitante para 48 litros/habitante. O mapa de consumo regional, entretanto,

determinava uma condição bastante heterogênea para o mercado brasileiro.

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Enquanto a região do Grande Rio apresentava índice de 96 litros/habitante, a região

Nordeste chegava a modestos 24 litros/habitante. O mercado brasileiro era formado

por uma população jovem e de baixo poder aquisitivo, sendo as classes C, D e E

responsáveis por 77% do total das vendas. O Estado de São Paulo era responsável

por cerca de 40% desse mercado.

Ascensão da CCB e queda da CAP

Com o aumento da demanda, as marcas de baixo preço, como Kaiser,

Schincariol e Itaipava começaram a ganhar participação de mercado: entre 1989 e

1998, a CAP e a CCB sofreram declínios no market share de suas marcas principais

de 23,8% e 15,7%, respectivamente (SULL, 2005). Diante da ameaça, as duas

cervejarias responderam através de duas iniciativas: o lançamento de cervejas para

concorrer diretamente com as novas marcas e o corte de custos.

No que se refere à primeira iniciativa, a CCB saiu na frente ao relançar, em

1994, a cerveja Skol. A combinação de uma série inovações de sabor e embalagem,

publicidade agressiva e direcionada ao público jovem, um preço menor do que o da

Brahma e intervenções na rede de distribuição, levou a Skol não só a experimentar a

maior taxa de crescimento entre as marcas disponíveis como a chegar à liderança

do mercado em 1998, com 25,3% de market share.

O sucesso da Skol serviu para consolidar a CCB como a líder do mercado

brasileiro. Apesar da perda de participação da marca Brahma, o crescimento da

marca Skol permitiu à cervejaria manter seu market share próximo de 50% do

mercado, enquanto a CAP passou de 40,8% em 1989 a 25,45% em 1998.

Historicamente, embora as duas empresas fossem comparáveis em termos de

tamanho, a CAP geralmente liderou em market share, lucratividade, introdução de

novos produtos e gestão da inovação. Sob a gestão do Banco Garantia, no entanto,

a história começou a mudar, com a CCB ultrapassando a sua rival.

Enquanto a Skol se tornou um dos maiores sucessos do País, a cerveja

Bavaria, lançada em 1996 pela CAP, atingiu seu ápice em 1998, com somente 7,3%

de market share. No final das contas, a Bavaria acabou desempenhando papel

muito diferente do pretendido: em vez de roubar participação de mercado das

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concorrentes, a marca canibalizou as altas margens das outras marcas da cervejaria

(SULL, 2005).

Diante do fracasso da Bavaria e buscando manter o market share e a

utilização de sua capacidade, a CAP iniciou uma intensa guerra de preços no

mercado brasileiro, embora sua grande estrutura de custos resultasse em perdas

operacionais quando os preços caíam. Por outro lado, a CCB, que iniciara um

processo de reestruturação após a entrada do Banco Garantia em 1989, conseguiu

manter saudáveis margens brutas apesar dos baixos preços, graças aos esforços

internos de redução de custos e aumento de eficiência produtiva e de distribuição.

A guerra de preços deixou a CAP com um alto grau de endividamento. Além

disso, a desvalorização do real em 1999 praticamente dobrou o custo de serviço da

dívida em dólar. A CCB, por sua vez, tinha uma dívida absoluta maior do que a

concorrente ao final de 1998, porém, além de gerar um fluxo de caixa operacional

muito maior para cobrir juros, havia feito o hedge de 100% de sua dívida em dólar.

Essa posição ajudou a empresa a resistir à desvalorização cambial, diferentemente

da CAP, cuja sobrevivência encontrava-se ameaçada.

Em matéria publicada na Revista Exame, Caetano (1999) mencionava estudo

realizado por Oscar Malvessi, professor de finanças da FGV-SP, que concluiu que a

CAP, ao contrário da CCB, vinha, gradativamente, destruindo o patrimônio de seus

acionistas. O professor atestava que, em 1994, ambas ocupavam o mesmo patamar,

com ligeira vantagem para a CAP, cotada em 2,5 bilhões de reais, enquanto a CCB

valia 2,2 bilhões de reais. Contudo, ao final de 1998, o valor da CCB havia crescido

para 3,7 bilhões de reais, ao passo que o da CAP se reduzira a apenas 330 milhões

de reais.

Pelo critério do EVA, Malvessi calculava que a cifra acumulada, entre 1993 e

1998, havia, no caso da CCB, crescido até 1997, com diminuição em 1998,

totalizando, ao final de seis anos, um valor positivo de 700 milhões de reais. A CAP,

por sua vez, só apresentou EVA positivo em 1993, e o valor acumulado até 1997

teria sido de 680 milhões de reais negativos. Para Malvessi, os números traduziam-

se numa lógica simples: enquanto a CCB era uma fonte de riqueza, a CAP destruía

valor para seus acionistas (o que explicava a queda da cotação da empresa na

Bolsa).

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Criação da AmBev

A urgência de injeção de caixa para salvar a CAP trouxe especulações a

respeito da possibilidade de uma cervejaria estrangeira adquirir participação

acionária na empresa. Após um longo período de isolamento da concorrência

internacional e de controle de preços, a indústria cervejeira, assim como todas as

demais, teve que se readaptar ao novo ambiente institucional de abertura comercial

e liberalização de preços.

Se até alguns anos atrás, uma das características marcantes do mercado mundial de cerveja era o fato de que as empresas dirigiam sua produção para o mercado doméstico, exportando pequenos excedentes, o que se constata atualmente, com relação às estratégias mercadológicas de empresas com atuações globais, é a agressiva penetração em mercados novos e promissores, buscando fixar suas marcas. (CASTRO, 1997 apud BANDES, 2004, p. 7)

Silva (2003) cita estudo da consultoria McKinsey segundo o qual as quatro

maiores cervejarias produziam cerca de 20% do consumo mundial. O estudo ainda

mencionava que a progressiva queda de barreiras regionais proporcionava um

ambiente favorável a uma série de fusões e aquisições no setor de cervejas. Se, até

então, as cervejarias atuavam de maneira regional, passariam a adotar uma postura

mais globalizada, transformando-se em companhias internacionais. O panorama

mostrava profundas mudanças: a holandesa Heineken, segunda maior cervejaria do

mundo, acabara de comprar a espanhola Cruzcampo; e a belga Interbrew e a sul-

africana South African Breweries esboçavam uma associação com empresas como

a Miller, do Grupo Philip Morris, e a Krönenburg, da francesa Danone.

Por sinal, ao longo da década de 90, houve um processo de aproximação

entre cervejarias estrangeiras e brasileiras, comprovando o real interesse no

mercado brasileiro:

Em 1995, a CCB firmou parceria com outra cervejaria norte-america, a

Miller Brewing Company, para distribuir a Miller Genuine Draft no país.

Um ano mais tarde, o acordo foi ampliado e a cerveja passou a ser

fabricada e distribuída pela rede de revendas exclusivas da CCB;

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A CAP associou-se à americana Anheuser-Busch, em 1997, no sentido

de viabilizar a distribuição da cerveja Budweiser nos postos de revenda

da cervejaria no Brasil e, em troca, a venda do Guaraná Antarctica nos

Estados Unidos. Vale lembrar que, em 1975, a japonesa Kirin havia

sondado a CAP com vistas à formação de uma joint venture (EXAME,

1979); e

A Carlsberg Beer, de origem dinamarquesa, chegou ao Brasil em 1997

por um acordo firmado com as Cervejarias Reunidas Skol-Caracu.

A ameaça de entrada de uma cervejaria estrangeira no mercado brasileiro

através da CAP levou a CCB a iniciar os contatos com os executivos da concorrente

no sentido de analisar e viabilizar uma possível fusão entre as duas empresas

(SULL, 2005). Tudo começou a partir de um almoço realizado entre Marcel Telles,

presidente do Conselho de Administração da CCB, e Victório de Marchi, da CAP, em

meados de maio de 1999, num restaurante em São Paulo (JARDIM, 1999). Os

executivos, embora de empresas concorrentes, cultivavam havia algum tempo o

hábito de conversar. "Para chorar as mágoas", segundo Telles. Logo no início do

almoço, Telles expôs suas dificuldades para expandir as operações da empresa.

Contou a De Marchi que tentara fincar o pé na Colômbia, comprando uma fábrica

local, mas que o negócio havia sido cancelado na fase final. De Marchi fez

reclamações semelhantes. Chegaram à óbvia conclusão de que era preciso ocupar

esses novos espaços. Com os pratos de sobremesa diante de ambos, Telles

formulou uma proposta tão ousada quanto direta. "Por que não juntar as duas

empresas?", perguntou. De Marchi não refutou a idéia; pelo contrário, sinalizou que

a CAP poderia topar.

A proposta foi levada ao conselho de administração da CAP, e o sinal verde

foi dado, já que a possível fusão era tratada como uma ―questão de sobrevivência‖

para a empresa. Os acionistas da CCB também deram o "sim" necessário para o

andamento das conversas. Formou-se, então, um grupo de trabalho que incluía,

além de Telles e De Marchi, mais dois executivos de cada uma das companhias. A

primeira reunião do grupo foi realizada no final de maio. Os encontros aconteciam

numa das salas do escritório da GP Investimentos, empresa que pertencia aos

controladores da CCB, em São Paulo. Nas duas primeiras semanas, essa pequena

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equipe traçou as bases do negócio. Aos poucos, o grupo dos seis foi sendo

ampliado. Na última semana, já eram mais de trinta pessoas (SULL, 2005).

Para evitar que a movimentação da equipe deixasse pistas, foram tomadas

algumas precauções. Os integrantes do grupo receberam crachás especiais,

identificados apenas por números. Isso lhes permitia movimentar-se à vontade pelo

prédio, sem ter de revelar seus nomes ou os das empresas para as quais

trabalhavam. Combinou-se também que os crachás seriam mantidos sempre à

mostra, para evitar que algum estranho fosse confundido com um membro da

equipe. Na tarde de quarta-feira, 20 de junho, no entanto, os executivos das duas

cervejarias temeram que o sigilo estivesse em xeque ao perceber que as ações da

CAP, estáveis há muito tempo, deram um salto de 8,1% naquele dia. Resolveram,

então, agir rápido, e antecipar em uma semana o anúncio da fusão.

No dia 1º de julho de 1999, foi anunciada a fusão da CAP e da CCB, para

criar a AmBev – Companhia de Bebidas das Américas, Compañia de Bebidas de

Las Américas, American Beverage Company. Considerada a primeira multinacional

brasileira, a AmBev surgiu como a terceira maior indústria cervejeira (menor apenas

que a holandesa Heineken e a americana Anheuser-Busch, dona da marca

Budweiser) e quinta maior produtora de bebidas do mundo (AMBEV, 2009).

As duas maiores concorrentes do setor tiveram reações distintas à notícia. A

Schincariol anunciou que não temia a nova organização e que estava pronta para

enfrentá-la, acreditando que poderia até ganhar espaço no mercado. Já a Kaiser se

manifestou por meio de uma nota oficial, repudiando a possibilidade de restrição de

concorrência: "A anunciada fusão entre Brahma e Antarctica, se concretizada,

concentrará em uma única empresa mais de 70% do setor, fato inaceitável em

qualquer economia do mundo moderno". Os argumentos da Kaiser contra a fusão

eram: a imposição de aumentos de preço aos consumidores; a concentração de

marca se caracterizaria como a formação de cartel; o sistema de distribuição

eliminaria as marcas menores; haveria desemprego em massa, sem absorção por

outras empresas; e as prioridades da AmBev seriam os investimentos no mercado

externo (SANTOS, 2001). O curioso é que um dos donos da Kaiser era a Coca-Cola,

que detinha metade do mercado brasileiro de refrigerantes.

Devido ao porte da nova empresa e por se tratar da maior fusão do mercado

brasileiro até então, a operação não foi tão facilmente completada. Logo após o

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anúncio, o CADE emitiu um Despacho Cautelar sobre a fusão, proibindo, por 120

dias, quaisquer operações da AmBev no mercado de bebidas que fossem

irreversíveis, como, por exemplo, o fechamento de fábricas e a demissão de

funcionários. O despacho não proibia, no entanto, a existência da nova empresa,

porém a aprovação do negócio só aconteceria nove meses mais tarde, em 30 de

março de 2000. Durante o período, houve de tudo: denúncia de corrupção,

gravações clandestinas de telefonemas e guerra declarada entre AmBev e Kaiser (a

principal oponente à fusão). O clima entre as empresas esteve tão tenso que foi

preciso a interferência do ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias, para apartar

os concorrentes e recomendar trégua (REVISTA VEJA, 2000). A batalha entre o

Sistema Coca-Cola/ Kaiser e a AmBev foi levada tão a sério pelas partes que, em 6

de julho de 1999, a AmBev entrou com um pedido de representação no Conselho de

Autoregulamentação Publicitária (Conar) reclamando a retirada de um anúncio da

Kaiser pejorativo às suas marcas, de título "Com Fusão - Sem Fusão", e de dois

filmes para TV. O anúncio externava as opiniões da Kaiser sobre a criação da

AmBev e era ilustrado, sob o título "Com Fusão", com uma garrafa formada a partir

de pedaços recortados de fotografias das várias marcas de cerveja produzidas pela

CAP e pela CCB. Ao lado, sob o título "Sem Fusão", aparecia uma garrafa íntegra da

Kaiser.

Após ouvir as partes, os membros da 1ª Câmara do Conselho de Ética do

Conar deliberaram julgar separadamente o anúncio em mídia impressa e os filmes

de TV. Em 29 de julho, depois de extenso debate ficou decidido, por maioria de

votos: propor alteração na ilustração do anúncio para jornal (a Câmara considerou

que o texto do anúncio refletia apenas a opinião do anunciante, sem ofensas aos

concorrentes, mas que a ilustração infringia a ética publicitária, uma vez que usava

marcas de terceiros em contexto pejorativo); e recomendar a sustação da veiculação

dos filmes para TV, pois entendeu-se que houve denegrimento, por gestos e

imagens, das marcas e produtos da Antarctica e Brahma (CONAR, 2000).

A estratégia da AmBev para obter o apoio do governo e a aprovação do

CADE incluiu uma passagem pelos gabinetes do Presidente Fernando Henrique

Cardoso e de Ruy Coutinho, Secretário de Direito Econômico. O encontro com o

presidente, inicialmente programado para dez minutos, durou cerca de quarenta e

cinco minutos. "O Brasil precisa internacionalizar-se para não ser

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internacionalizado", disse Fernando Henrique a Telles e De Marchi (JARDIM, 1999).

A visita seguinte, ao secretário de Direito Econômico, foi mais formal: ele

simplesmente recebeu a comitiva e ouviu uma rápida exposição sobre a idéia da

fusão.

Em novembro de 1999, a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE)

do Ministério da Fazenda, primeira a analisar o caso, divulgou um parecer

recomendando a venda da Skol, a marca mais consumida no país, que pertencia à

CCB, para que a fusão fosse permitida. Tal proposta, no entanto, foi rapidamente

rechaçada pela AmBev: se assim fosse, seria o primeiro caso em que a fusão de

duas empresas originaria uma nova empresa com menor participação de mercado

do que a anterior (no caso, CCB), já que a Skol detinha market share superior à

Brahma e à Antarctica. Na mesma linha, em fevereiro de 2000, a Secretaria de

Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça deu o seu veredicto: era a favor da

fusão, desde que a AmBev vendesse uma de suas três mais importantes marcas de

cerveja — Brahma, Antarctica ou Skol. Novamente, a AmBev contra-argumentou

afirmando que a proposta da SDE inviabilizaria os planos da nova companhia de

competir no mercado internacionalmente (NETTO; PERES, 2000).

A decisão do CADE de aprovar a fusão, ainda que com restrições, acabou

contrariando os pareceres da SDE e da SEAE. Por quatro votos a favor e um contra,

os conselheiros do CADE recomendaram a venda da Bavaria, marca que fazia parte

do portfólio da Antarctica e que detinha apenas 4,4% do mercado nacional, para a

concretização da fusão. Quem comprasse a marca teria de comprar também cinco

unidades fabris da AmBev (uma em cada região do País) e poderia compartilhar da

rede de distribuição da empresa por um período de quatro anos. Um detalhe, porém,

reduzia o número de interessados: o comprador não podia ter participação superior

a 5% no mercado de cervejas, o que automaticamente tirava da disputa

concorrentes como Kaiser e Schincariol (que detinham 15% e 9%, respectivamente)

e abria espaço para a entrada de um novo competidor estrangeiro.

Apesar das limitações, o ―pacote Bavária‖ era um atrativo para as

multinacionais, já que o Brasil se mostrava um país promissor (LÍRIO, 2000). Para o

autor, uma participação de 4% em um mercado com um potencial de crescimento

significativo como o brasileiro seria um trunfo bastante interessante para uma

empresa estrangeira. E não deu outra: em novembro de 2000, em cumprimento ao

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termo de compromisso firmado com o CADE, a cervejaria canadense Molson Coors

Brewing adquiriu a marca de cerveja Bavaria e cinco fábricas (Ribeirão Preto/SP,

Getúlio Vargas/RS, Camaçari/BA, Cuiabá/MT e Manaus/AM) por 213 milhões de

dólares. Um aspecto interessante da operação foi a composição do preço final. A

Molson pagou 98 milhões de dólares à vista, e o pagamento do restante da quantia

ficou condicionado ao desempenho da Bavaria nos cinco anos seguintes. A Molson

se comprometeu a pagar 23 milhões de dólares a cada meio ponto percentual

alcançado, a partir de 4,5% – à época, a marca detinha 3,4% de mercado. Tal

estratégia buscava garantir o comprometimento da AmBev com o crescimento da

Bavaria.

A Tabela 9-3 lista cronologicamente os principais fatos relativos à criação da

AmBev.

Data Fatos

01 de julho de 1999 Anúncio da criação da AmBev. O processo entrou em análise no CADE.

06 a 29 de julho de 1999 CAP e CCB entraram com pedido de representação no Conar contra anúncio da Kaiser. Foi a guerra entre o Sistema Coca-Cola/ Kaiser e a AmBev.

14 de julho de 1999 O CADE emitiu Despacho Regulamentar sobre a fusão, proibindo por 120 dias, até o parecer final, quaisquer operações da AmBev que fossem irreversíveis.

29 de julho de 1999

Foram anunciados os objetivos da AmBev – criar uma empresa global nacional, reduzir o custo de capital e combater a desnacionalização – e os benefícios da fusão, tais como a sustentação e criação de empregos no médio prazo, o crescimento das exportações brasileiras, a repatriação de divisas, a redução de preços aos consumidores e o aumento da receita de impostos para o país.

15 de setembro de 1999

Acionistas da CAP aprovaram a permuta de ações da companhia por papéis da AmBev, em operação aprovada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que abriu caminho para operação similar dos acionistas da Brahma e para o lançamento de títulos ADR (American Depositary Receipts) na bolsa de Nova Iorque.

20 de outubro de 1999

O Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, foi comunicado pessoalmente do acordo com a PepsiCo para distribuição do Guaraná Antarctica em todo o mundo. Inicialmente, o acordo era peça-chave do processo de internacionalização da AmBev.

11 de novembro de 1999

A SEAE propôs que a AmBev venda a marca Skol e os ativos da companhia para aprovar a fusão. A AmBev contestou a proposta, mostrando que isso inviabilizaria o surgimento da nova empresa, já que, dessa forma, ela ficaria menor do que a própria CCB.

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29 de novembro de 1999

A AmBev divulgou seu primeiro balanço financeiro com os resultados do terceiro trimestre de 1999. A receita líquida no período foi de 1,078 bilhão de reais, representando um crescimento de 4,9% em relação ao mesmo período de 1998. O lucro líquido subiu para 418,8 milhões de reais, um aumento de 10,2%.

31 de janeiro de 2000

A SDE divulgou parecer recomendando a venda dos ativos de uma das três companhias (Brahma, Antarctica ou Skol) para aprovar a fusão. A AmBev voltou a contestar a idéia, reforçando que inviabilizaria a fusão e abriria a porta para a entrada de mais empresas estrangeiras no setor.

9 de fevereiro de 2000

Os co-presidentes do Conselho de Administração da AmBev expuseram, na Comissão de Economia da Câmara dos Deputados, em Brasília, mostrando as vantagens que a AmBev traria para o desenvolvimento da economia brasileira, incluindo a redução de preços e inovações para os consumidores.

22 de fevereiro de 2000

Estudo da consultoria Trevisan & Associados calculou em 504 milhões de reais os ganhos anuais de eficiência decorrentes da fusão entre a CAP e a CCB (se aprovada sem restrições), valor que permitiria ampliar investimentos e reduzir os preços esperados aos consumidores.

02 de março de 2000 O Ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias, entregou ao CADE parecer favorável à fusão, considerada por ela como de interesse nacional.

03 de março de 2000

O presidente da Pepsi-Cola Internacional, Steve Reinemund, reuniu os principais executivos responsáveis pelas marcas da companhia no mundo para apresentar oficialmente o Guaraná Antarctica. O encontro foi no Rio de Janeiro, logo após o carnaval e serviu para dar início à estratégia de lançamento do Guaraná Antarctica mundialmente.

30 de março de 2000 A fusão foi aprovada pelo CADE com restrições que não inviabilizaram o negócio. Após nove meses, nasceu a primeira empresa global de bebidas brasileira.

Tabela 0-3: Cronograma dos principais eventos que antecederam a aprovação da

AmBev pelo CADE

Fonte: Baseado em Santos (2001).

À época da fusão, o Brasil era o quarto maior mercado de bebidas no mundo,

com um consumo total de 82 milhões de hectolitros, ficando atrás somente dos EUA

(230 milhões hl), China (199 milhões hl) e Alemanha (107 milhões hl). Todavia,

medido em termos do consumo per capita, o país ocupava a 23ª posição com 50

litros per capita por ano, em comparação a 131 litros na Alemanha, 101 no Reino

Unido e 84 nos EUA. Analistas acreditavam que a combinação de um consumo per

capita baixo com uma população relativamente jovem (44% da população abaixo

dos 48 anos de idade em 1998) fazia do Brasil um mercado crescente bastante

atrativo para as cervejarias (SULL, 2005).

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Entre 70% a 80% de toda a bebida vendida no Brasil era consumida no

estabelecimento comercial em garrafas retornáveis, com o restante vendido através

do varejo, principalmente em latas. Em outros mercados latinos (Chile e México, por

exemplo) e nos EUA, somente 20% a 25% das cervejas eram vendidas nos

estabelecimentos de consumo. Além disso, muitos clientes compravam cerveja sem

pedir uma marca específica. Dessa forma, o grande percentual de consumo

imediato, combinado com o baixo grau de preferência de marca, aumentava a

importância de uma forte rede de distribuição para disponibilizar cervejas em bares e

restaurantes locais. As margens das cervejarias com garrafas de cervejas vendidas

em bares e restaurantes eram aproximadamente 2,5 maiores do que as margens de

cervejas em lata vendidas através de distribuidores e varejistas (SULL, 2005).

As três maiores cervejarias controlavam quase 90% das vendas de cerveja no

Brasil, com a Brahma vendendo cerca de 48%, seguida por Antarctica (26%) e

Kaiser (16%). Cervejarias regionais de baixo custo, muitas vezes chamadas de

"tubaínas", tinham historicamente ganhado share em refrigerante sem cola e

estavam aproveitando uma participação crescente no mercado de cervejas,

lideradas pela Schincariol e pela Distribuidora Guararape de Bebidas (DGB). As

cervejas importadas (que incorriam em 23% de tarifa) correspondiam a menos de

1% do consumo total.

Intensificação da consolidação da indústria

Paralelamente ao domínio da AmBev, cujo market share sempre se manteve

próximo de 70%, o século XXI viu a intensificação do processo de consolidação da

indústria de cerveja. Diante da necessidade de competir com a AmBev, os principais

concorrentes foram ao mercado e protagonizaram uma série de aquisições na busca

não só pelo fortalecimento de sua presença por todo o país, mas também de

espaços e segmentos de atuação que oferecessem melhores oportunidades de

crescimento e maior rentabilidade.

Em março de 2002, a Molson Coors Brewing, que já comprara a Bavaria da

AmBev, adquiriu a Cervejaria Kaiser por quase 1 bilhão de dólares, motivada pela

expectativa de chegar a cerca de 30% do mercado nacional. Em outras palavras, a

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Kaiser, que não podia comprar a Bavaria, foi comprada pela dona da Bavaria,

jogando por terra toda a teoria do CADE para aprovar a criação da AmBev.

Todavia, desde a aquisição, a marca Kaiser só perdeu espaço no mercado.

De janeiro de 2002 a janeiro de 2004, a participação da Kaiser Pilsen caiu de 13,4%

para 8,6%. Em São Paulo, onde já havia sido líder, a marca perdeu quase cinco

pontos em 2003 e, no ano seguinte, disputava o terceiro lugar, sob assédio da Nova

Schin. No Rio de Janeiro, sua participação caiu a zero em 2004, segundo pesquisa

da Nielsen. Seu melhor mercado continuava sendo o Paraná, mas mesmo lá a

Kaiser já perdia nos bares e restaurantes para a Skol. Tudo isso apesar de ser a

terceira mais barata entre as principais marcas, atrás apenas da Bavaria (que

também pertencia à Molson) e da Nova Schin. Seu preço médio por litro era de R$

2,92, contra, por exemplo, R$ 3,52 da Antarctica (TEIXEIRA, 2004).

Diante do fracasso, a Molson vendeu o controle da marca Kaiser à empresa

mexicana Femsa em janeiro de 2006. A Femsa pagou 68 milhões de dólares por

68% do capital da Kaiser mais dívidas de cerca de 60 milhões de dólares. Outros

15% da empresa continuaram com a Molson e os 17% restantes pertencem à

holandesa Heineken (COUTINHO, 2010). O Grupo Femsa e a Heineken têm uma

parceria comercial no Brasil, de duração de 10 anos, segundo a qual a Femsa

Cerveja Brasil produz, distribui e vende, com exclusividade, a marca Heineken no

país.

Em outubro de 2006, a Femsa lançou a cerveja Sol no mercado brasileiro

para competir com as cervejas da AmBev. Embora a bebida tenha o mesmo nome

da Sol, popular cerveja premium da Femsa, a nova Sol é feita a partir de uma receita

inteiramente diferente, desenvolvida especialmente para o mercado brasileiro. A

Femsa continuou a comercializar a versão premium da Sol no Brasil em bares e

restaurantes refinados, direcionando o produto para o segmento premium. Já a nova

Sol, que tem rótulo parecido com a versão premium e é vendida por preço menor em

latas, garrafas e barril, essencialmente substituiu a Kaiser como bandeira de cerveja

da Femsa no Brasil. Desde que a cervejaria mexicana assumiu a Kaiser, sua

participação de mercado encolheu, recuando para 7,6% em 2009.

No ano de 2007, outras duas cervejarias protagonizaram importantes

aquisições no mercado nacional. Em maio, a Cervejaria Petrópolis, dona das marcas

Itaipava e Crystal, incorporou a Cervejaria Teresópolis, fabricante das cervejas

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Lokal, Black Princess e Therezópolis. Com essa estratégia de aquisição de outras

marcas e o lançamento de novos produtos (o mestre cervejeiro da Petrópolis, o

alemão Roland Reis, veio da Brahma), a empresa superou a cervejaria Femsa em

2007, assumindo a terceira posição do mercado nacional. Se, em 2003, era dona de

pouco de mais de 2% de market share, a Petrópolis fechou o ano de 2009 com 9,5%

de participação de mercado, mantendo-se atrás da AmBev e do Grupo Schincariol.

No entanto, o movimento de mercado mais surpreendente ficou a cargo do

Grupo Schincariol, que, em pouco menos de dois anos, adquiriu quatro das

principais microcervejarias brasileiras, num intuito evidente de ingressar no

promissor segmento de cervejas premium, que custam pelo menos 15% a mais que

a média das cervejas.

Em janeiro de 2007, o segundo maior grupo cervejeiro do país adquiriu a

marca e a fábrica da microcervejaria paulista Baden Baden, por valor não informado.

Considerado um negócio pequeno, com produção quase artesanal, a Baden Baden

faturou 5,5 milhões de reais em 2006, e suas cervejas eram vendidas na faixa entre

oito e dezesseis reais, com boa aceitação em São Paulo (CANÇADO; RIBEIRO,

2007).

Cinco meses depois, foi a vez da Indústria de Bebidas de Igarassu (IBI),

cervejaria pernambucana fabricante da marca premium Nobel, também por valor não

informado. Inaugurada em 2006, sua capacidade de produção instalada era de 42

milhões litro/ano, e contava com rede de distribuição própria em todo o Estado de

Pernambuco. A aquisição fez parte do plano do Grupo Schincariol de consolidar sua

posição na Região Nordeste, onde a cerveja Nova Schin era a marca líder com

36,2% de participação de mercado (G1, 2007).

Logo após a aquisição da IBI, o Grupo Schincariol comprou, em agosto de

2007, 70% da União das Devassas Cervejaria - UDC (Cervejaria Devassa) por 30

milhões de reais. A empresa assumiu as marcas da UDC, a unidade de produção e

a estrutura de distribuição. Com um faturamento anual de 12 milhões de reais, a

rede Devassa, criada no Rio de Janeiro em 2000, era uma das marcas mais

conhecidas de cerveja e chope artesanal no Brasil, e contava com 13 bares no Rio

de Janeiro e em São Paulo e uma fábrica no Rio (ARANHA, 2007). Com a compra, a

Devassa passou a utilizar não só os canais de distribuição da Schin como as 12

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fábricas espalhadas pelo país para produzir e distribuir o chope e a cerveja da

marca, possibilitando a sua expansão nacional.

Em maio de 2008, o Grupo Schincariol fez a sua quarta aquisição voltada ao

segmento premium: a cervejaria catarinense Eisenbahn, especializada na fabricação

de cervejas artesanais e premium, por valor não informado. Com a compra, o Grupo

Schincariol pretendia consolidar a sua posição de liderança na venda de cervejas

premium, já que a Eisenbahn tinha boa presença nas regiões Sul e Sudeste e nos

Estados de Goiás, Distrito Federal e Ceará, além de Estados Unidos, Austrália e

Uruguai. A expectativa era de que a Eisenbahn chegasse a 20 milhões de receita

em 2008. O plano era expandir as vendas para todo o país, reforçar a presença nos

Estados Unidos e abrir novos mercados, como Inglaterra, Alemanha e Japão

(SALLES, 2008).

Ainda em maio de 2008, a Schincariol deu outra demonstração de seu apetite

de crescimento e, principalmente, de sua capacidade financeira: adquiriu da AmBev

a marca e a fórmula de cervejas Cintra por 39 milhões de reais (REVISTA EXAME,

2008). Pelo negócio, a Schincariol também assumiu a rede de distribuição da Cintra

e todo o material promocional, como as mesas e geladeiras com logotipos instaladas

em bares.

O negócio fechado com a Schincariol não abrangeu as duas fábricas que a

AmBev adquiriu da Cintra no início de 2007 por 150 milhões de dólares. As plantas,

instaladas em Piraí, no Rio de Janeiro, e em Mogi Mirim, em São Paulo, continuaram

com a AmBev. Na época em que divulgou a compra, a AmBev afirmou que

precisava das plantas para atender à expansão da produção programada para essas

regiões.

Com a venda, a AmBev atendeu a uma recomendação dos órgãos brasileiros

de regulação do mercado. Em janeiro de 2008, a SDE, vinculada ao Ministério da

Justiça, aconselhou a companhia a vender a marca e a rede de distribuição da

Cintra, a fim de evitar problemas com o CADE. A idéia foi endossada pela SEAE, do

Ministério da Fazenda.

As aquisições do Grupo Schincariol foram motivadas, em grande parte, pela

perda de participação de mercado na segunda metade da atual década. Após o

sucesso da cerveja Nova Schin, lançada em 2003 juntamente com a campanha de

marketing ―Experimenta!‖, o Grupo Schincariol obteve perdas sucessivas de

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mercado: de 13,1% em 2005 para 11,8% em 2009. Com uma estratégia de

competição centrada em preço baixo, a Schincariol encontrou dificuldades para

enfrentar a resposta da AmBev ao lançamento e promoção da cerveja Nova Schin,

sendo que ainda tinha que lidar com a cada vez maior pressão competitiva da

Cervejaria Petrópolis.

Diante do ganho imediato de market share da Schin – segundo números da

AC Nielsen, a empresa avançou de 8,6% em agosto de 2003 para 13% em fevereiro

de 2004 – a AmBev fez uso de sua força nos canais de distribuição para frear o

crescimento da rival. A empresa passou a investir pesado na decoração e na

refrigeração dos PDVs, colocando foco nos bares, que representavam 65% do

volume de vendas. Também voltou a oferecer descontos em troca de fidelidade,

através do programa ―Tô Contigo!‖, prática que havia sido proibida na época da sua

criação (ALMEIDA, 2004).

Por fim, é importante mencionar que o processo de consolidação da indústria

brasileira de cervejas ainda se encontra em andamento. Se num primeiro momento

as cervejarias nacionais foram protagonistas do movimento em questão, a

expectativa de entrada de cervejarias estrangeiras é cada vez maior. Se não

bastasse a atratividade do mercado brasileiro, somam-se ainda a estagnação e até

mesmo crise em mercados mais maduros como EUA e Europa, respectivamente.

Mais recentemente, a realização de grandes eventos esportivos mundiais no Brasil

serviu para aumentar o interesse de cervejarias internacionais em participar do

mercado nacional. De acordo com Rosa (2011), as grandes cervejarias mundiais

estão olhando o Brasil como nunca. Companhias como a sul-africana SAB Miller, a

holandesa Heineken e a dinamarquesa Carlsberg passaram a intensificar a disputa

pela compra de empresas nacionais, especialmente os grupos Schincariol e

Petrópolis.

Vale lembrar que, em janeiro de 2010, a cervejaria holandesa Heineken

adquiriu a Femsa, dona da Kaiser e da Sol no Brasil, por 7,6 bilhões de dólares. Em

comunicado, a Heineken afirmou que, dentre os benefícios esperados com o

negócio, estavam: (i) o aumento dos valores e volumes de vendas no México; (ii) a

consolidação da marca nos Estados Unidos nos segmentos de bebidas importadas e

na comunidade hispânica no país; e (iii) marcar presença mais forte no Brasil

(FOLHA DE SÃO PAULO, 2010).

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Onda das microcervejarias

Paralelamente à consolidação da indústria, outro fenômeno ganhou particular

destaque no mercado brasileiro: a expansão das microcervejarias, juntamente com o

crescimento do segmento de cerveja premium. Segundo Morado (2009),

historicamente, a cerveja sempre teve um tratamento mais de refresco do que de

bebida alcoólica no Brasil, sendo tradicionalmente tratada como uma bebida gelada

pouco sofisticada. Muito explorada como produto para consumo de massa, tornou-

se pouco merecedora de cuidados e atenção, e ficou relegada ao plano dos itens

populares de baixo apelo gastronômico. Entretanto, a onda do renascimento da

cerveja, que começou na Inglaterra e nos Estados Unidos, acabou por atingir o

Brasil no final dos anos 1980 e, ainda mais fortemente, no início do século XXI.

Microcervejarias, importadoras de cervejas e cervejeiros caseiros começaram a

surgir em diversas cidades do país e foram transformando a oferta de produtos, e

excitando a curiosidade dos formadores de opinião e do público em geral. Pegando

carona na onda gastronômica, a cultura cervejeira abriu espaço na mídia

especializada para apresentar e defender novos conceitos de valorização da bebida,

por meio de degustações e harmonizações gastronômicas.

Após o aparecimento da primeira marca, que muitos consideram ser a

Bavarian Park, de Curitiba, surgem, por ano, entre 4 a 6 novas marcas, elaboradas

por microcervejarias tendo em vista a qualidade do produto e a satisfação do

consumidor. Com cervejas que fogem do padrão comum, nomeadamente o tipo

Pilsen, foco central das grandes cervejarias brasileiras, essas novas marcas estão

gradualmente conquistando o paladar do brasileiro.

Tal fato se refletiu nas grandes empresas, obrigadas a criar novos produtos

que acompanhem essas tendências. Como descrito no item anterior, o Grupo

Schincariol, também de olho nessa tendência, adquiriu uma série de

microcervejarias espalhadas pelo país com o objetivo de conquistar a liderança do

segmento. A AmBev, por exemplo, tem uma estratégia voltada para o

desenvolvimento do segmento premium e super premium de cervejas, buscando

produtos de maior valor agregado que, naturalmente, ofereçam maior rentabilidade.

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Um exemplo de ação da empresa ocorreu em 2002: o reposicionamento e a

ampliação da linha de produtos Bohemia, adicionando novos sabores e processos

de fabricação, e a sua comercialização em séries limitadas, com garrafas

personalizadas e numeradas.

Em 2006, o segmento de cerveja premium movimentou 1,4 bilhão de reais por

ano no Brasil, representando 7,6% das vendas de cerveja no país. Além disso, foi a

categoria que mais cresceu – de 2001 a 2006, a participação nas vendas totais de

cerveja mais que dobrou.

APÊNDICE D – HISTÓRIA DA COMPANHIA ANTARCTICA PAULISTA

A história da Companhia Antarctica Paulista se iniciou em 1868, quando Louis

Bücher, de uma família de cervejeiros de Wiesbaden, Alemanha, chegou a São

Paulo e abriu uma pequena cervejaria, na qual empregava arroz, milho e outros

cereais em vez de cevada (SANTOS, 2004). Em 1882, Bücher se associou a

Joaquim Salles, proprietário de um abatedouro de suínos cujo nome era "Antarctica".

A razão para a sociedade foi o fato de Salles, dono de uma máquina de fazer gelo

em seu abatedouro com capacidade ociosa, ter encontrado em Bücher, um

cervejeiro que necessitava de gelo para a fabricação de cervejas de baixa

fermentação, uma nova serventia para o equipamento. Dessa forma, em 1888, criou-

se a primeira fábrica de cerveja do país com tecnologia apropriada para a produção

de baixa fermentação: a "Antarctica Paulista – Fábrica de Gelo e Cervejaria", dirigida

por Louis Bücher. A produção inicial da nova cervejaria era muito pequena, de 1.000

a 1.500 litros diários, logo aumentando para 6.000.

Em 1889, foi publicado o primeiro anúncio da cerveja Antarctica no jornal ―A

Província de São Paulo‖ (atual O Estado de S. Paulo): “Cerveja Antarctica em

garrafa e barril – encontra-se à venda no depósito da fábrica à Rua Boa Vista, 50”. A

edição foi do dia 13 de março (AMBEV, 2009). No ano seguinte, além de aumentar

seu quadro de funcionários para 200, a empresa tinha capacidade de produção de

40 mil hectolitros/ano (COUTINHO, 2009).

Em 12 de fevereiro de 1891, motivada pelos incentivos oferecidos pela

República, a empresa passou a se chamar "Companhia Antarctica Paulista", uma

Sociedade Anônima (S.A.) com 61 acionistas e 2.245 contos de réis de capital

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inicial. O decreto oficializando a Sociedade Anônima da Antarctica foi assinado no

dia 11 de maio de 1891 pelo então presidente Marechal Deodoro da Fonseca.

João Carlos Antonio Zerrener, alemão, e Adam Ditrik von Bülow,

dinamarquês, ambos naturalizados brasileiros e proprietários da Zerrener, Bülow e

Cia., de Santos, importadores e exportadores de café, estavam entre os sócios da

nova empresa, e desempenharam papel fundamental na sua modernização,

fornecendo equipamentos importados da Alemanha e colocando à disposição da

nova sociedade 860 contos de réis de seu próprio capital.

No entanto, dois anos após se tornar uma S.A., a companhia estava em

situação de insolvência como conseqüência da crise financeira do início da

República, também conhecida como ―Crise do Encilhamento9‖. Foi quando a

Zerrener, Bülow & Cia., principal credora, assumiu o controle acionário da

Companhia Antarctica Paulista, tendo como sócios majoritários Antonio Zerrener e

Adam Ditrik von Bülow. Os acionistas decidiram pela redução do capital da empresa

para 1.710 contos de réis e o crédito concedido pela firma Zerrener, Bülow & Cia. foi

transformado em ações, tornando-os acionistas majoritários da cervejaria (SANTOS,

2004).

Os problemas financeiros não duraram muito tempo. Em 1899, o capital da

empresa, que empregava trezentos funcionários, produzia 50.000 hectolitros (hl)

anuais de cerveja e 50 toneladas de gelo por dia, passou a 3.500 contos de réis.

Além disso, em 1895, a Antarctica ganhou a sua primeira logomarca: uma estrela de

seis pontas com a letra ―A‖ inscrita em seu centro. A estrela, usada pelos fabricantes

europeus desde a Idade Média, foi uma sugestão de técnicos cervejeiros alemães

que estavam no Brasil desde 1891. A estrela também era usada na Idade Média

9 Crise do ―Encilhamento‖: Com o fim da escravidão e a imigração (e o trabalho assalariado), o

dinheiro passou a ser usado por todos, ampliando o mercado de consumo. Para atender à nova necessidade, o Governo Provisório adotou uma política emissionista em 17 de janeiro de 1890. Rui Barbosa dividiu o Brasil em 4 regiões (Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul), autorizando em cada uma delas um banco emissor. O objetivo da medida era o de cobrir as necessidades de pagamento dos assalariados e expandir o crédito a fim de estimular a criação de novas empresas. Todavia, a política acarretou uma inflação incontrolável, pois os "papéis pintados" não tinham como lastro outra coisa que não a garantia do governo. Por isso, em vez de estimular a economia a crescer, desencadeou uma onda especulativa. Os especuladores criaram projetos mirabolantes e irrealizáveis e, em seguida, lançaram as suas ações na Bolsa de Valores, onde eram vendidas a alto preço. Desse modo, algumas pessoas fizeram fortunas da noite para o dia, enquanto seus projetos permaneciam apenas no papel. Em 1891, Rui Barbosa se deu conta de sua medida e tentou remediá-la, buscando unificar as emissões no Bando da República dos Estados Unidos do Brasil, mas a demissão coletiva do ministério naquele ano frustrou a sua tentativa (Koshiba, 1996, p. 234).

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para identificar as estalagens que ofereciam melhores condições de hospedagem

aos viajantes, sistema semelhante à atual classificação de hotéis.

Em 1902, o capital da CAP era de 10.000 contos de réis, pagando altos

dividendos – de apenas 3% em 1891, a de 6 a 20% de 1898 a 1901 e estabilizando-

se em 10% em 1906. Dois anos depois, já recuperada financeiramente, comprou a

sua maior concorrente em São Paulo, a Cervejaria Bavária, por 3.700 contos de réis,

quando seu capital já era de 8.500 contos de réis. Fundada por Henrique Stupakoff

em 20 de outubro de 1892 e localizada no bairro da Mooca, a cervejaria recém-

comprada passou a ser a principal unidade fabril da Antarctica.

A partir de 1905, a CAP ampliou sua oferta de produtos para além da cerveja

e do gelo. Nesse mesmo ano, a empresa desenvolveu as primeiras experiências

com o guaraná, visando a sua utilização em alimentos. Quatro anos mais tarde,

iniciou a produção de água mineral e, em 1911, lançou o Club Soda Antarctica.

Ainda em 1911, a empresa construiu uma nova filial em Ribeirão Preto, município do

interior de São Paulo (SP), onde fabricava gelo e cerveja (AMBEV, 2009).

Nos três anos seguintes, a CAP deu continuidade ao seu processo de

diversificação e lançou dois novos produtos: a Soda Limonada Antarctica (1912) e a

Água Tônica Antarctica (1914). A primeira propaganda deste refrigerante destacava:

―Água Tônica de Quinino: bebida adequada ao clima quente. Tônica, com todas as

excelentes qualidades da casca de quina, agradável e refrescante‖. Em 1915, a

empresa foi além e fabricou as primeiras geladeiras a gelo. Batizadas de ―Perfeitas‖,

eram utilizadas tanto em casas comerciais quanto em residências, e o gelo era

fornecido pela própria empresa, por meio de assinaturas de consumidores.

No início dos anos 20, com um capital de 12.750 contos de réis e produção de

250 mil hl/ano, a companhia se mudou da Água Branca para as antigas instalações

da Cerveja Bavária, no bairro da Mooca. Em 1921, iniciou-se a produção e

comercialização do Guaraná Champagne Antarctica. À época, a empresa contava

com filiais em Santos, Ribeirão Preto e Rio de Janeiro, bem como agências nos

principais centros consumidores do país. Além disso, mantinha várias áreas de lazer

e entretenimento na cidade de São Paulo, como o Parque Antarctica, o Bosque

Saúde, o Bosque Ipiranga, o Teatro Cassino e o Cinema Central.

Em 1923, a CAP vivenciou o início de um processo de sucessão que se

prolongaria por várias décadas em virtude de três grandes brigas judiciais pelo

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controle do negócio. No mesmo ano, após a morte de Adam Ditrik von Bülow, seu

patrimônio passou aos seus cinco filhos, dos quais dois venderam suas partes na

Companhia a Antonio Zerrener, que se transformou no sócio majoritário e assumiu o

controle da cervejaria.

Zerrener morreu dez anos mais tarde, sem filhos. Seu testamento, de 1932,

dispunha que a esposa, Helene Mathilde Ilda Emma Zerrener, com quem era casado

em regime de separação de bens, fosse dotada somente de 50.000$000 (cincoenta

contos de réis), e que, após a sua morte, seus bens fossem enviados à Alemanha,

onde seriam destinados a uma fundação beneficente e a obras de caridade

(SANTOS, 2004). No entanto, os advogados da viúva procuraram transformá-la de

legatária em herdeira de todos os bens do marido, para evitar que fossem enviados

ao exterior. Iniciou-se, então, a primeira briga judicial envolvendo a Companhia, que

só teria fim em 1962 com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) contra os

alemães, que tiveram seus legados incorporados à Fundação Antonio e Helene

Zerrener (FAHZ), acionista majoritária da CAP à época.

Ainda durante o processo judicial, Helene faleceu em 1936, deixando como

testamenteiros: Walter Belian, Antonio Bento Vidal, Manuel Thedim Lobo, Albert

Wolf e Fritz Gericke, os dois últimos alemães e residentes na Alemanha. Coube aos

testamenteiros brasileiros e residentes no Brasil a posse e a administração de todos

os seus bens em sua totalidade e em conjunto. Contudo, logo após o seu enterro, os

testamenteiros se desentenderam em relação à administração do patrimônio,

especialmente quanto à criação da FAHZ. Iniciou-se, então, a segunda disputa

judicial envolvendo a empresa, dessa vez entre os grupos de acionistas ligados a

Belian, a Bento Vidal, a von Bülow e aos herdeiros na Alemanha, num longo e

desgastante processo que durou mais de uma década e envolveu quase todo o meio

jurídico de São Paulo (SANTOS, 2004).

Em 1936, criou-se a Fundação Antonio e Helene Zerrener Instituição Nacional

de Beneficência, acionista majoritária da CAP, que mantinha hospitais, escolas e

creches que atendiam os funcionários da empresa e seus dependentes. Ainda

assim, a disputa entre os testamenteiros só terminou em 1944, com a vitória do

grupo de Belian, que passou a ser o "plenipotenciário" da Fundação e,

conseqüentemente, da CAP.

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Nesse meio tempo, ocorreram três fatos relevantes para a empresa. O

primeiro disse respeito à sua marca: em 1935, houve mudanças no rótulo da

Antarctica – dois pingüins passaram a acompanhar a estrela dourada de seis

pontas, e o slogan ―A grande marca‖ também se incorporou ao visual. O segundo

acontecimento se referiu ao processo de crescimento e expansão da companhia: em

1941, a CAP adquiriu o controle da Companhia Adriática, instalada em Ponta

Grossa, Paraná (PR). Fundada em 1917 e de propriedade dos Thielen, família de

origem alemã, sua principal marca era a cerveja Original, produzida desde 1930. O

terceiro e último fato, por sua vez, esteve diretamente relacionado ao já conturbado

processo sucessório da empresa: Karl Adolph von Bülow, filho de Adam von Bülow,

morreu em 1942, sendo substituído na empresa por seu filho, homônimo do avô, e

por seu genro Luis de Morgan Snell. Walter Belian, zeloso pelo poder, afastou os

dois novos diretores, rompendo o "acordo de cavalheiros" que vigorava entre as

duas famílias majoritárias da empresa (Zerrener e von Bülow) desde a sua

fundação. Tal fato, então, deu origem à terceira disputa judicial pela CAP entre os

herdeiros de Von Bülow e Belian, e que duraria outros cinco anos.

Em 1953, buscando baratear os custos de produção, a companhia inaugurou

sua Maltaria própria em Jaguaré, SP. Ainda no início da década de 50, patrocinou

shows do Carnaval no Gelo, antecessor do Holiday on Ice, e lançou o Caçulinha, ou

Guaraná Caçula. Em tamanho menor (185 ml), o refrigerante se tornou popular entre

as crianças, levando a empresa a lançar, no ano seguinte, as histórias do Capitão

Caçula, herói dos quadrinhos criado para promover o produto.

Os esforços de promoção da marca e dos produtos não pararam por aí: com

a introdução da televisão no país por Assis Chateaubriand, a CAP, assim como sua

concorrente, fez uso da nova mídia para divulgar seus produtos. Vale lembrar que

não foi a primeira vez que a empresa utilizou os meios de comunicação com essa

finalidade: já na década de 30, a CAP e a CCB patrocinavam programas de

emissoras de rádio populares, como a Difusora e a Tupy, contribuindo para

impulsionar a era do rádio no Brasil. Alguns anos mais tarde, em 1966, a Companhia

novamente inovou ao promover uma campanha de distribuição de prêmios para

consumidores de seus refrigerantes, cujo principal prêmio era assistir à final da Copa

do Mundo na Inglaterra.

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De acordo com Santos (2004), Walter Belian, apesar de autoritário e eficiente

na política, não foi um bom administrador. Além de dispor de um batalhão de

advogados de alto nível que o acompanhavam até em reuniões de Diretoria da

cervejaria, Belian mantinha algumas ligações questionáveis, como, por exemplo,

com Assis Chateaubriand, cujas empresas, os Diários Associados, faziam toda a

publicidade da Antarctica. O autor menciona ainda que Belian, quando possível,

preferia resolver pendências com adversários através de dinheiro e vantagens. Por

exemplo, entre 1955 e 1957, O. A. Bindel e Samuel Wainer (este diretor da Última

Hora, jornal escandaloso criado para apoiar Getúlio Vargas), desafetos de Belian,

pretenderam extorqui-lo com reportagens caluniosas sobre a Antarctica. Wainer foi

derrotado na Justiça, mas Bindel não, recebendo como recompensa um cargo na

direção da empresa, situação que manteve até o fim da vida.

A contabilidade da empresa também não era clara, chegando ao ponto de a

Curadoria da FAZH, a mandado da Procuradoria Geral da Fazenda do Estado de

São Paulo, afastar Belian da Fundação, colocando em seu lugar um interventor, o

juiz da Segunda Vara da Família José Luiz Vicente de Azevedo Franceschini.

Buscando apoio para retornar ao controle da CAP, Belian se aproximou de Juscelino

Jubitschek na época da construção de Brasília, chegando a prometer ao presidente

a instalação de uma cervejaria na nova capital (SANTOS, 2004). A promessa não foi

cumprida, mas a CAP promoveu uma carreata até Brasília com o intuito de divulgar

seus produtos e comemorar a inauguração da nova capital federal, em 1960. O

apoio presidencial foi decisivo para Belian: se não teve um único voto a seu favor

nas primeiras instâncias no STF, venceu sem nenhum voto desfavorável após o

apoio de Juscelino. Vale ressaltar que Belian retomou o controle da empresa

justamente no ano em que se celebrava 75 anos de história. Nesse período, a CAP

ampliou sua capacidade de produção de cervejas e refrigerantes em mais de 100

vezes, atingindo a marca de 3,9 milhões de hectolitros/ano.

Belian permaneceu no controle da CAP até 1975, ano em que morreu, sendo

substituído por sua irmã, Erna Belian Wernsdorf Rappa. Durante as décadas de 60 e

70, a Companhia continuou seu processo de expansão, através da construção de

duas novas fábricas – em Manaus e em Minas Gerais – e, principalmente, da

aquisição de outras cervejarias. Em 1962, adquiriu o controle da Cervejaria

Bohemia, considerada a mais antiga do país, fundada em 1853, em Petrópolis (RJ).

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À época, a Cervejaria Bohemia era presidida pelo jornalista dos Diários Associados

Carlos Rizzini, e produzia cerca de 10.000 dúzias de garrafas por mês. Além da

cerveja Bohemia, a CAP eliminou um foco de competição no setor de refrigerantes:

a cervejaria produzia o Guaraná Petrópolis, grande concorrente do Guaraná

Antarctica.

Em 1972, a CAP adquiriu os controles da Cervejaria Polar (RS), da

Companhia Baiana de Alimentos (com fábrica de cervejas em Camaçari, BA), da

Cervejaria de Manaus S.A (Cerman) e da Cervejaria Catarinense (que se instalou

em Joinville em 1938). No ano seguinte, além de constituir filiais em Goiânia (GO),

Montenegro (RS), Rio de Janeiro (RJ) e Viana (ES), foram adquiridos os controles

da Cervejaria Pérola, de Caxias do Sul (RS), e da Companhia Itacolomy de

Cervejas, de Pirapora (MG). No mesmo ano, a empresa adquiriu a Companhia

Cervejaria Paulista, instalada em Ribeirão Preto (SP) desde 1913. E a expansão não

se restringiu ao segmento de cervejas: a CAP ainda construiu, em Maués,

Amazonas (AM), uma unidade de processamento de sementes de guaraná –

Sociedade Agrícola de Maués S.A. – e criou a Fazenda Santa Helena para pesquisa

e plantio de guaranazeiros.

No final da década de 70, a CAP continuou expandindo suas operações

através da constituição de filial em Teresina (PI), da ampliação da Maltaria em

Jaguaré (SP) e da aquisição de uma área de 14,32 hectares em Paulo de Frontim

(PR) para pesquisa e experimentação agrícola com a cevada cervejeira. Um ano

mais tarde, em 1978, a companhia assumiu o controle da Cervejaria Serramalte, do

RS, existente desde 1957, com as suas fábricas de Getúlio Vargas e Feliz (RS). No

ano seguinte, começou a exportar seus produtos para a Europa, os Estados Unidos

e a Ásia, sendo que, em duas décadas, seus produtos já eram consumidos em

diversos países e a cerveja Antarctica havia conquistado prêmios internacionais de

melhor cerveja estrangeira em Miesenbach, Berlim, Dusseldorf e Baviera (na

Alemanha) e o Selo de Qualidade Monde Selection.

A CAP chegou à década de 80 com a marca recorde de 16,4 milhões de

hl/ano, alcançada com a aquisição do controle da Companhia Alterosa de Cervejas,

em Vespasiano (MG), existente desde 1968. Em 1982, a empresa inaugurou sua

unidade de recebimento, armazenagem e beneficiamento de cevada cervejeira na

cidade de Lapa (PR). Dois anos mais tarde, com a realização de Assembléia Geral

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Extraordinária em 15 de fevereiro de 1984, nos termos da Lei 6.404/76, foi

constituído o ―Grupo Antarctica‖, conferindo à Companhia Antarctica Paulista

Indústria Brasileira de Bebidas e Conexos a condição de Unidade de Comando de

um total de 28 empresas controladas e coligadas (CAP, 1983). Coincidentemente ou

não, a mudança ocorreu justo no ano em que Erna Belian se afastou da Presidência

da FAZH. A partir daí, o comando da Fundação passou a ser exercido por um

Conselho de Administração, composto, dentre outros, por pessoas que acumulavam,

em paralelo, cargos na diretoria da empresa. É o caso, por exemplo, de Victório de

Marchi, que mais tarde se tornaria o grande líder da cervejaria, estando à frente do

período em que passou por importantes mudanças.

Ainda que a CAP mantivesse a busca constante pela ampliação de sua

capacidade produtiva por todo o País, o final da década de 80 foi marcado por um

movimento de renovação tanto do seu portfólio de produtos quanto de embalagens.

No que diz respeito à operação, além da aquisição do controle acionário da

Cervejaria Nordestina S/A: Cerva, em 1989, a Antarctica inaugurou uma série de

fábricas resultantes de investimentos próprios: Fábrica Antarctica de João Pessoa,

PB (1988); Fábrica de Cervejas Antarctica em Jacarepaguá (RJ), com capacidade

de produção de 3,5 milhões de hectolitros/ano (1988); fábrica de refrigerantes em

Jaguariúna, SP (1990); fábrica de cerveja em Jaguariúna; SP (1993); e as fábricas

no Rio Grande do Norte e em Canoas (RS), em 1994. Foi adquirida, ainda, uma

nova área de 40,2 hectares em Lapa (PR) para incremento dos trabalhos de

pesquisa com cevada cervejeira nacional. Para se ter uma noção do porte das

operações da empresa, de acordo com o Relatório Anual de Atividades de 1988, a

CAP contava com quase 22.000 funcionários espalhados por 99 unidades fabris, 7

filiais, 2 Maltarias – Jaguaré, SP, e Caxias do Sul, RS – e o Escritório Central, na

capital paulista.

Já no que se refere ao processo de renovação do portfólio de produtos e de

embalagens, destacaram-se os seguintes lançamentos: a versão diet do Guaraná

Antarctica (1989); a Bavaria Premium, considerada a primeira cerveja premium do

país, comercializada nos mercados de SP e RJ (1989); a embalagem PET de 2l para

refrigerantes, em SP e no RJ (1989); a Kronenbier (1991), primeira cerveja sem

álcool do país; Antarctica Bock, Antarctica Pilsen Extra em long neck e Antarctica

Pilsen em long neck com rótulo metalizado (1992); e Polar e Polar Pilsen. Além

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disso, a empresa foi eleita um dos 40 Marketing Superstars pela Advertising Age

Internacional, em 1993.

Apesar dos investimentos produtivos e do esforço de renovação de seu

portfólio de produtos, a década de 90 foi marcada pela perda de participação de

mercado da Antarctica (e de sua rival, a Brahma) para as cervejas Kaiser,

Schincariol e Skol. A resposta da empresa se deu através do lançamento, em 1996,

de uma segunda marca para competir diretamente com a Kaiser. A Bavaria obteve

aproximadamente 5% de mercado, mas os ganhos não foram suficientes para

contrapor as perdas incorridas com a marca Antarctica (SULL, 2005). No desespero

por uma retomada do crescimento, a empresa decidiu competir por preço baixo com

as novas concorrentes, iniciando grande parte das reduções de preço do mercado.

Tal estratégia, contudo, além de gerar perdas operacionais em virtude da grande

estrutura de custos da cervejaria, foi marcada por demonstrações de despreparo

para lidar com a nova realidade competitiva do mercado.

A guerra de preços levou a CAP a um alto grau de endividamento, e o pobre

desempenho operacional da cervejaria a deixou sem fundos para gerenciar sua

exposição monetária. Em entrevista à mídia, o Diretor Financeiro da empresa,

Victório de Marchi, explicou que a CAP não tinha condições de bancar os custos de

hedge de suas dívidas. Assim como outras empresas brasileiras, a CAP estava

exposta à desvalorização monetária, que desencadeou um problema imediato de

liquidez para a empresa. Tal situação exigia uma rápida injeção de caixa de uma

empresa forte para manter a cervejaria respirando.

Historicamente, esse papel havia sido desempenhado por multinacionais, que

adquiriam empresas brasileiras quando se encontravam com problemas. Diante do

interesse cada vez maior de cervejarias estrangeiras pelo mercado brasileiro,

evidenciado através da aproximação com as cervejarias brasileiras, Marcel Telles,

Presidente do Conselho de Administração da CCB, percebeu que a situação

financeira saudável de sua empresa lhe permitia se mover mais rapidamente do que

qualquer um dos rivais estrangeiros e fechar um acordo com a CAP. Após 4 meses

de negociação, foi anunciada, no dia 1º de julho de 1999, a fusão da CAP e da CCB,

para criar a AmBev – Companhia de Bebidas das Américas.

Vale lembrar, por fim, que, com a fusão, foi desfeita a parceria entre a CAP e

a cervejaria norte-americana Anheuser-Busch, firmada em 1997 para a criação da

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Budweiser Brasil, que tinha como objetivo a distribuição da cerveja Budweiser nos

postos de revenda da CAP e, em troca, a venda do Guaraná Antarctica nos Estados

Unidos.

APÊNDICE E – HISTÓRIA DA COMPANHIA CERVEJARIA BRAHMA

Período Pré-Banco Garantia

A história da Companhia Cervejaria Brahma iniciou-se no final do século XIX,

em 1879, com a chegada, ao Rio de Janeiro, do imigrante suíço Joseph Villiger

(SANTOS, 2004). Engenheiro de profissão e apreciador e conhecedor de cerveja,

Villiger, que morava em Petrópolis, não gostou da bebida que encontrou por aqui e

decidiu fazer a sua própria cerveja. A "produção" foi apreciada pelos amigos e pelos

amigos destes, a ponto de, em março de 1888, o suíço resolver industrializar sua

cerveja de alta fermentação. Para tal, fundou, juntamente com Paul Fritz e Ludwig

Mack, a "Manufactura de Cerveja Brahma, Villiger & Companhia", e registrou a

marca Brahma na Junta Comercial do Rio de Janeiro, então capital do Império, no

dia 6 de setembro do mesmo ano. A empresa, que se instalara na Rua Visconde de

Sapucahy nº 122-B, contava com apenas 32 funcionários e uma produção diária de

12.000 litros de cerveja.

O primeiro rótulo apresentava o desenho de uma mulher envolta em ramos

floridos de lúpulo e cevada, como mostra a Figura 9-2. Nunca se esclareceu a razão

exata pela escolha do nome Brahma, mas há três versões de acordo com a AmBev

(2009): a atração de Villiger pela cultura indiana; a admiração pelo compositor

Johannes Brahms; ou uma homenagem ao inventor da válvula de chope, o inglês

Joseph Brahma.

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Figura 0-1: Primeiro Rótulo da Cerveja Brahma

Fonte: Arquivo Nacional.

Seis anos depois, em 1894, a pequena empresa foi comprada pelo cervejeiro

Georg Maschke. Em outubro do ano seguinte, Maschke firmou sociedade com o

comerciante alemão J. Baptist Friederizi, proprietário do restaurante Stadt München,

localizado na Praça Tiradentes, então o centro nervoso da noite carioca, repleto de

teatros, restaurantes e boêmios. Maschke e Friederizi constituíram a firma ―Georg

Maschke & Companhia Cervejaria Brahma‖ (MARQUES, 2003). Maschke assumiu o

papel de sócio gerente, responsável pelo dia-a-dia da cervejaria. Friederizi era um

dos sócios capitalistas, e seu genro, Heinrich Hoelck, outro sócio gerente.

Em termos legais, a companhia era uma sociedade em comandita por ações.

Tratava-se de uma modalidade de associação de capitais em que havia dois ou mais

sócios gerentes, e um número não definido de sócios entrava apenas com o capital

para o negócio. Os primeiros detinham poder de administrar, e os comanditários

(capitalistas) não participavam da administração. Em compensação, os sócios-

gerentes assumiam a responsabilidade ilimitada por todas as dívidas, compromissos

e obrigações sociais. Já os sócios comanditários se responsabilizavam apenas pela

quota de capital que tivessem subscrito. Os sócios capitalistas podiam convocar

assembléias e dispunham de instrumentos para fiscalizar os negócios da empresa.

Podiam, inclusive, destituir os gerentes, fazendo valer uma decisão tomada em

assembléia.

Nos primeiros anos, o carro-chefe das vendas da CCB era a cerveja escura e

amarga, do tipo München, igual às de muitas outras cervejarias que havia pela

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cidade. Era, no entanto, preciso ampliar o negócio, passar a produzir em escala

industrial, como cerveja de baixa fermentação, bem como diversificar a linha de

produção. A saída para a escassez de recursos próprios foi buscar associação com

outras empresas pertencentes à comunidade de negócios alemã no Brasil. Assim,

Maschke negociou um pedido de empréstimo com a firma Herm. Stoltz & Cia. para

adquirir equipamentos e ampliar as instalações da fábrica.

A Herm. Stoltz & Cia., com sede em Hamburgo, Alemanha, pertencia ao

alemão Herman Stoltz, que esteve no Brasil desde a fundação da empresa, em

1883, até o início do século XX, quando deixou os negócios ao encargo de seu filho

Hans Stoltz. Era tanto uma empresa comercial importadora quanto agente de

seguros. Também fretava navios que percorriam o litoral brasileiro distribuindo

mercadorias das indústrias do Centro-Sul. Cabotagem, representação comercial de

fábricas de locomotivas e navios e importação de mercadorias diversas estavam

dentre as suas atividades. Da empresa saíram vários nomes que fizeram parte da

história da CCB, a começar por Hoelck, sócio capitalista de Maschke, que exercia o

cargo de gerente geral da Herm. Stoltz no Brasil, quando foram realizadas as

negociações do empréstimo de 1896. Outro nome egresso da Stoltz era J. Künning,

que se tornou presidente da CCB de 1907 até 1938, ano de sua morte (MARQUES,

2003).

O valor do empréstimo foi de 278.223,88 marcos alemães, cotados a

378:384$480 mil réis (MARQUES, 2003). Em complemento à concessão de crédito,

ou talvez como exigência imposta na negociação, Maschke firmou um contrato

privado com a Herm. Stoltz & Cia. em março de 1896. Por esse contrato, cabia à

firma fornecer matéria-prima originada no mercado europeu, especialmente no

alemão. A Stoltz também foi incumbida de distribuir parte da produção da CCB nos

mercados costeiros do Brasil.

Além de aperfeiçoar a fabricação de cerveja e importar equipamentos, a nova

cervejaria patrocinou bares, restaurantes, clubes e artistas. Houve também um

esforço contínuo, ao longo dos anos seguintes, de registro de uma série de marcas

de cerveja, sem evidências, no entanto, de que houvesse efetivamente a

comercialização de todos os produtos: Bier (1894); Crystal e Pilsener (1897); Pilsen

e Franziskaner-Bräu (1899); Ypiranga, München, Brahma Porter e Guarany (1902); e

Bock-Ale (1903).

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Em 1904, a companhia comprou a fábrica de cerveja Preiss, Häussler e

Companhia Teutônia, surgindo a Companhia Cervejaria Brahma S.A., presidida por

Georg Maschke (então com 28 anos), com capital de 5.000 contos de réis. A Fábrica

de Cerveja Teutônia foi instalada no ano de 1895 em Mendes, RJ. Dentre duas

principais marcas, destacavam-se: Excelsior, Munchen-Bock eTeutônia, todas

registradas pela empresa em 17 de outubro de 1901 (COUTINHO, 2010).

Segundo Marques (2003), a transação era uma resposta ao movimento de

concentração regional iniciado pouco antes pela CAP – com a aquisição da

Cervejaria Bavária em São Paulo. A partir da compra, a CCB passou a deter o

domínio quase absoluto sobre o mercado produtor de cerveja de baixa fermentação

da capital federal. Seu concorrente mais próximo, a Viveiros & Castro, fabricante da

cerveja Polônia, estava longe de representar uma ameaça. No interior do Estado do

Rio de Janeiro, restava a Bohemia, de Petrópolis, que, até onde se sabia, seguiu

sendo uma empresa familiar.

A conversão jurídica para sociedade anônima trouxe uma nova dinâmica ao

processo decisório da empresa. A CCB deixou de ser um negócio quase pessoal de

Maschke, que pouco partilhava as decisões com outros sócios, e assumiu a forma

mais complexa de uma associação de capitais. Surgiram novos atores políticos, os

acionistas e seus interesses.

No final de 1904, a produção de chope em tonéis chegou a 6 milhões de litros

e a distribuição contava com 9 depósitos situados no centro do Rio de Janeiro: Largo

de São Francisco de Paula, 18; Praça Tiradentes, 31; Rua dos Inválidos, 74; Rua da

Lapa, 19; Rua do Lavradio, 109 a 171; Rua do Riachuelo, 15; Rua do Rosário, 18;

Rua do Sacramento, 26; e outro cujo endereço não foi localizado. Dois anos mais

tarde, a cervejaria desativou a fábrica da Teutônia em Mendes, por ser impraticável

a comunicação permanente, e trouxe o seu maquinário para o Rio de Janeiro. Vale

destacar que, nos anos seguintes à fusão, a nova empresa manteve a linha de

registrar uma série de marcas de cerveja (sem que haja, novamente, evidências de

comercialização de todos os produtos): ABC (1905); Bock-Crystal (1907); Bramina e

Bull Bock (1910); Colombo e Rainha (1911); Cavalleira (1912); e Suprema, Malzbier

e Fidalga (1914).

Maschke renunciou ao cargo de presidente da cervejaria em setembro de

1906, retornando à Europa, e foi sucedido por Johann Friedrich Künning, que vinha

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participando da direção da companhia desde 1904. Nascido em Bremen, Alemanha,

Künning veio para o Brasil ainda jovem para trabalhar na Herm. Stoltz & Cia., onde

anteriormente exercia o cargo de gerente do setor de transporte de cerveja por

cabotagem. Ele permaneceu à frente da CCB até 1938, ano em que faleceu.

Sob o comando de Künning, a CCB expandiu sua rede de depósitos pela

cidade: a partir de 1908, foram estabelecidos os primeiros depósitos na Zona Sul,

como o situado à Praia de Botafogo, 260, e o da Rua Dezenove de Fevereiro, 54,

também em Botafogo. Em 1910, além do depósito na Av. Mem de Sá, 77, foi

construído o da Rua Payssandu, 55, no Flamengo. Em 1914, verificava-se a

existência de um depósito na área de aterro recém-criada junto ao centro, à Av. Cais

do Porto, 829, bem como no principal bairro residencial litorâneo que se formava, à

Av. Nossa Senhora de Copacabana, 562.

Paralelamente à expansão da infra-estrutura de distribuição, foi sob o

comando de Künning que a produção de refrigerantes iniciou-se em 1918, com o

lançamento de seis refrigerantes “com óptimas qualidades tônicas e digestivas”:

Água de Meza Crystal, Ginger-Ale, Berquis, Soda Limonada Especial, Soda

Limonada e High Life. No mesmo ano, ainda houve o lançamento da cerveja

Malzbier, marca registrada pela Companhia em 1914, e cujo anúncio dizia:

―Saborosa e nutritiva, recomendada especialmente às mulheres que amamentam‖.

Na década de 20, a CCB realizou dois movimentos de expansão. Por um

lado, houve um esforço de diversificação com o desenvolvimento do guaraná. Em

1924, foi registrado o primeiro guaraná da CCB, o Guaraná Genuíno. Dois anos

depois, lançou-se o Guaraná Athleta, cujo rótulo mostrava também o nome Genuíno.

Finalmente, só em 1927 é que foi lançado o Guaraná Brahma, que viria a concorrer

com o Guaraná Antarctica ao longo do restante do século XX. Aparentemente, não

houve mudanças em relação ao sabor das bebidas, ficando a diferença por conta

somente dos rótulos (ENTREVISTADO #11).

Diferentemente do anterior, o segundo movimento de expansão da década de

20 foi puramente geográfico: em 1928, a Companhia adquiriu o controle da

Companhia Guanabara, antiga Germânia, em São Paulo, que passou a ser

conhecida como filial Paraíso. A importância da aquisição estava no fato de marcar o

início da produção da cerveja Brahma no Estado de SP, reduto da CAP.

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No início da década de 30, a CCB apostou em novas tecnologias e em

publicidade para criar afinidade com os consumidores, verificada com o lançamento,

em 1934, da Brahma Chopp. O novo produto representava um feito tido na época

como impossível: engarrafar o chope sem alterar o sabor (EVANGELISTA; KELLER;

SIQUEIRA, 1990). O chope engarrafado da Brahma se tornou um grande sucesso,

estimulado pelo carnaval daquele ano, quando uma marchinha de Ary Barroso e

Bastos Tigre – Chopp em Garrafa10 – foi gravada por Orlando Silva. A produção

daquele ano foi de 30 milhões de litros, considerada enorme para a época, e a

Brahma Chopp se tornou a cerveja mais consumida no país.

Até 1932, todo o transporte era feito por animais, cavalos e bois, que

transportavam os produtos (inclusive o gelo) em carroças pelas ruas do Rio de

Janeiro. A CCB chegou a ter 440 animais para esse serviço. O transporte para os

subúrbios era penoso pela falta de calçamento. As carroças puxadas pelos animais

levavam muito tempo para chegar, e atolavam em dias de chuva, comprometendo a

distribuição da bebida, a ponto de a companhia ter que embarcar a cerveja e o

chope em vagões da Central do Brasil (ENTREVISTADO #11).

Com o crescimento da cidade do Rio de Janeiro e a expansão do consumo da

cerveja, contudo, surgiu a necessidade de melhorar o sistema de distribuição, o que

culminou na aquisição da primeira frota de caminhões para transporte dos barris, em

1932, e na criação de novos depósitos, dentre eles o depósito do Méier, em 1935, e

outros mais no subúrbio da cidade.

Johann Künning foi sucedido em outubro de 1938 por Franz Icken, alemão

que, por causa de sua experiência industrial, veio diretamente do país europeu para

trabalhar com Johann Künning, de quem foi assessor direto, dentre outras funções

que ocupou. Icken manteve-se no cargo de até setembro de 1941, quando Henrich

Künning, filho de Johann Künning, assumiu a Presidência da cervejaria, função que

exerceu até o ano de 1967.

Em 1941, a CCB adquiriu a Companhia Hanseática, no Rio de Janeiro, e suas

controladas: Cervejaria Moravia, de São Paulo, Paranaense, de Curitiba

(posteriormente desativadas) e ainda a cervejaria Atlântica, que deu origem à Filial

10

―O Brahma Chopp em garrafa/ Querido em todo o Brasil/ Corre longe, a banca abafa/ É igualzinho ao do Barril. / Chopp em garrafa/ Tem justa fama/ É o mesmo Chopp/ Chopp da Brahma‖. Fonte: Letras.com.br. Disponível em: <http://www.letras.com.br/ary-barroso/chope-em-garrafa-ou-chope-da-brahma>. Acesso em: 08 de mar. 2010.

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Curitiba. No ano seguinte, entraram em operação a Filial Hanseática, no RJ, e a

Filial Curitiba, no Paraná.

Em 1943, a Companhia ampliou sua linha Brahma com o lançamento da

cerveja Brahma Extra: ―Extra no sabor, Extra na qualidade, Extra nos ingredientes –

Cerveja Brahma Extra, em garrafas ou 1/2 garrafas‖. Paralelamente, a política de

aquisições da Brahma se manteve bastante ativa. Em 1946, a empresa adquiriu o

maior grupo cervejeiro do Rio Grande do Sul, a Bopp, Sassen, Ritter e Cia. Ltda,

também conhecida por Cervejaria Continental, que mais tarde viria a se tornar a filial

Rio Grande do Sul (essa fábrica foi, entretanto, descontinuada em 1988).

Assim como a sua principal concorrente, a CCB também investiu desde cedo

na promoção de sua marca e de seus produtos. Já na década de 30, através do

patrocínio a programas de emissoras de rádio populares, como a Difusora e a Tupy,

a empresa contribuiu para impulsionar a era do rádio no Brasil. Em 1950, tomou

carona na introdução da televisão no país, por Assis Chateaubriand, para divulgar

seus produtos. Em 1960, o programa radiofônico Irradiações Esportivas Brahma,

também patrocinado pela empresa, era um sucesso na Rádio Nacional (AMBEV,

2010).

Em 1954, a CCB celebrou o seu qüinquagésimo aniversário. Nesse curto

espaço de tempo, a empresa tinha se tornado uma das maiores do Brasil, com 6

fábricas e 1 maltaria em laboração (Maltaria Navegantes, em Porto Alegre,

inaugurada em 1960 com capacidade de 8 mil ton./ano). Para continuar a expandir-

se, tornava-se urgente a elaboração de um plano de distribuição que abrangesse as

áreas mais afastadas dos grandes centros urbanos. Para isso, a CCB comprou

pequenas empresas e criou filiais, como a de Agudos (SP), que nasceu a partir da

antiga Companhia Paulista de Cerveja Vienenses, e a Filial do Nordeste, na cidade

do Cabo (PE), que foi inaugurada em 1962.

As primeiras revendas da Brahma, constituídas por antigos funcionários da

empresa, surgiram em 1965. Dois anos mais tarde, no final de 1967, ocorreu mais

uma sucessão no comando da CCB: saiu Henrich Künning e entrou Rudolf Ahrns,

que ocupou a posição por somente dois anos, já que veio a falecer em junho de

1969.

Em 1968, por ser uma empresa de capital 100% nacional e preocupada em

manter o padrão de qualidade dos seus produtos e a participação no

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desenvolvimento do país, a Companhia decidiu incluir em seus planos um esforço

associado à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico. Assim, foi inaugurada, em

Encruzilhada do Sul (RS), a Estação Experimental de Cevada para testes de novas

variedades de cevada cervejeira, adaptadas ao clima e ao solo da região.

No ano seguinte, houve mais uma sucessão no comando da CCB: devido ao

falecimento de Rudolf Ahrns, Karl Hubert Gregg se tornou o Presidente da

cervejaria. Alemão e filho de um engenheiro dono de uma fábrica de refrigerantes

em sua terra natal, Gregg chegou ao Brasil em 1933, e começou sua carreira na

cervejaria como aprendiz de cervejeiro.

A década 70 foi marcada por novos lançamentos no segmento de

refrigerantes e por um conjunto de inovações em termos de embalagens e

apresentação dos produtos. Houve também a criação, em 1972, do Agro-Brahma,

projeto integrado para o cultivo de guaranazeiros em Camamu, Bahia.

Em 1970, a CCB firmou associação com a Fratelli Vita Indústria e Comércio

S.A., marcando o início da produção de mais três marcas de refrigerantes: a Sukita,

o Guaraná Fratelli e a Gasosa Limão. No ano seguinte, a filial em Curitiba (antiga

Cervejaria Atlântica, na posse da empresa desde 1942) inovou ao adotar

engradados plásticos para o transporte de cervejas e refrigerantes. Em 1972, a filial

de Agudos (SP) lançou embalagens em lata de folha de flandres para as cervejas

Brahma Chopp e Brahma Extra. Foi também nesse ano que chegou ao mercado a

garrafa "personalizada", de vidro incolor e com o nome do produto gravado no vidro.

Essa inovação deu origem, alguns anos mais tarde, ao lançamento da Brahma

Chopp em garrafa própria, de vidro e cor âmbar (antes era engarrafada em

vasilhames de qualquer cor).

No segmento de cervejas, o fato mais importante dos anos 70 foi a aliança

(aquisição) firmada com a Cervejaria Astra S.A., em 1971, para a fabricação e

distribuição dos produtos Brahma nas Regiões Norte e Nordeste do Brasil. A

Cervejaria Astra S.A. foi criada um ano antes pela firma J. Macêdo & Cia, em

Fortaleza - CE, produzindo então uma cerveja de marca própria. Ainda nesse ano, a

J. Macêdo adquiriu o controle acionário da Cervejaria Miranda Corrêa, de Manaus -

AM, para, em seguida, se associar à CCB (CERVEJAS DO MUNDO, 2010).

Em 1973, a CCB iniciou as primeiras exportações de cerveja e de

refrigerante, com a Brahma Beer e o Guaraná Rioco. Em 1976 e 1977 expandiu as

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novidades em embalagens para o negócio de refrigerantes. Primeiramente, todos os

produtos passaram a ser comercializados em embalagem de 1 litro. Em seguida, os

refrigerantes Brahma Soda Limonada, Guaraná e Água Tônica ganharam

embalagens em lata.

O ano de 1978 foi marcado por avanços em diversas áreas da empresa.

Possivelmente, o fato mais importante foi o Guaraná Brahma ser engarrafado por

duas franquias internacionais: a Fábrica de Bebidas Gasosas Oriental, de Santa

Cruz de La Sierra, e a Embotelladora Tunari, de Cochabamba, ambas na Bolívia.

Além do pioneirismo ao criar o primeiro curso de cervejeiro prático da América

Latina, a CCB recebeu o prêmio Mauá como empresa que mais se destacou na

comunicação e no atendimento aos acionistas, uma distinção conferida pelo Jornal

do Brasil, pela Bolsa de Valores e pela Associação Comercial do Rio de Janeiro.

Apesar do lançamento do limão Brahma em 1980, comercializado em garrafa

verde personalizada em todo o Brasil, os anos 80 começaram de maneira distinta

em relação à década anterior. Se antes a Companhia apostou forte no mercado de

refrigerantes, não havendo nenhum lançamento significativo de cerveja, a CCB deu

um passo importante para consolidar sua atuação neste segmento já em 1980: a

aquisição do controle acionário das Cervejarias Reunidas Skol – Caracu S.A.,

fabricante da cerveja Skol desde 196711. A negociação foi muito discreta para não

levantar suspeita e um possível interesse por parte da CAP. Além da cerveja Skol,

Chopp Claro Skol, da cerveja em lata Ouro Fino (destinada à exportação) e da

cerveja Caracu, a Companhia deu continuidade à sua linha de produtos, produzidos

em 7 fábricas espalhadas pelo Brasil, e manteve até mesmo o mestre cervejeiro,

diferentemente do que havia feito com a maioria das cervejarias adquiridas ao longo

da sua história.

Ainda em 1980, a Brahma Beer foi eleita pela revista The Washingtonian

como a melhor cerveja importada nos Estados Unidos. Aproveitando o sucesso de

sua principal marca, a Companhia lançou a primeira versão da cerveja Brahma

Light, do tipo pilsen de baixos teores alcoólicos e calóricos. Logo no ano seguinte, a

Brahma Light concorreu com mais de 972 trabalhos internacionais e 14 brasileiros

ao prêmio "Clio Awards", na cidade de Nova Iorque, um dos mais prestigiados do

mundo publicitário, tendo alcançado o primeiro lugar na categoria Melhor

11

A história resumida da Skol encontra-se na seção 9.6.

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Embalagem. Segundo Santos (2001), no entanto, a Brahma Light viria a ser, talvez,

o maior fracasso da cervejaria, sendo retirada do mercado em 1987.

Em 1982, foi criada a Fundação Assistencial Brahma, destinada a prestar

assistência médico-hospitalar e dentária aos empregados e dependentes da

cervejaria, bem como oferecer bolsas de estudo de 1º e 2º graus e estimular o

esporte, o lazer e atividades de caráter científicas e culturais.

Dois anos depois, a CCB e a PepsiCo International Inc. firmaram um acordo

para a fabricação, comercialização e distribuição da Pepsi Cola no Brasil

(inicialmente, no Rio de Janeiro), incluindo ainda a operação de três fábricas no Rio

Grande do Sul. É o início de uma parceria que duraria até os dias de hoje.

Ainda em 1984, a CCB, buscando se aproximar da ―leveza‖ da cerveja

Antarctica, lançou a cerveja Malt 90, destinada ao público jovem. Cerveja do tipo

pilsen, com cor clara, teor alcoólico médio e paladar suave, seu slogan era: ―O

prazer de fazer bem-feito‖. Infelizmente, foi descontinuada alguns anos mais tarde,

havendo duas versões para a decisão: não ter sido muito bem recebida pelos

consumidores (muitos a consideravam aguada) ou ter se tornado tão famosa a ponto

de ameaçar a Brahma, produto principal da cervejaria.

Em 1987, foi inaugurada, no laboratório da filial Brahma Rio, uma cervejaria-

piloto para o desenvolvimento de novos produtos. Outras duas grandes realizações

da década foram a aquisição da Fábrica de Refrigerantes Refinco, em 1987, e a

inauguração de mais uma fábrica de cerveja, a Cebrasp, em Jacareí (SP), em 1988.

O final dos anos 80 foi marcado pelo lançamento de novidades em termos de

embalagem dos produtos, dando prosseguimento ao processo iniciado no início da

década: os refrigerantes Brahma ganharam embalagem não-retornável (one way),

em 1988, e a Sukita ganhou embalagem PET, em 1999. Além disso, acompanhando

a evolução do mercado e a preocupação com o meio ambiente, a CCB lançou o

"Projeto Brahma para Reciclagem", introduzindo a embalagem em lata de alumínio

para a Brahma Chopp, a Skol e a Pepsi, e também a embalagem descartável de 300

ml para a Malt 90.

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Período Pós-Banco Garantia

Em 1989, o controle acionário da CCB foi adquirido pelo Banco Garantia12,

dando início a uma nova fase da história da cervejaria. Depois de quatro meses de

negociação, a BRACO, uma empresa de investimento fundada pelos parceiros do

Garantia, adquiriu, em novembro de 1989, 40,7% das ações da Companhia por um

investimento de 65 milhões de dólares. Essa participação deu aos sócios do Banco

Garantia – Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles – o controle

operacional sobre a cervejaria (Karl Hubert Gregg, que até então era o Presidente,

passou a exercer o cargo de Conselheiro Administrativo). À época da aquisição, a

CCB tinha uma capitalização de mercado de aproximadamente 380 milhões de

dólares, e suas ações eram negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (SULL,

2005).

Quando assumiu a direção da CCB, Marcel Telles não sabia nada sobre

cervejas. Seu segundo em comando, Magim Rodrigues, ex-presidente da Lacta,

sabia tudo sobre chocolates, mas também não estava familiarizado com o setor.

Além de Magim, Telles levou outros dois funcionários de sua confiança: Luiz Claudio

Nascimento, que trabalhava no Garantia, e Carlos Brito, recém egresso de um MBA

em Stanford, nos Estados Unidos (CORREA, 2008) – por sinal, financiado por Jorge

Paulo Lemann, experiência que deu origem à Fundação Estudar13.

Apesar da inexperiência, Marcel Telles tinha uma única certeza: teria que

transformar a organização e a cultura existentes na CCB para se parecer mais com

aquela que ele e seus sócios haviam construído no Banco Garantia. O ex-banqueiro

acreditava que a essência dessa cultura estava em escolher pessoas por sua

atitude, treiná-las, pagá-las bem para reter os talentos com alto desempenho,

manter um foco implacável em resultados e colocar em funcionamento uma estrutura

de incentivos com altas recompensas para desempenho e punições para falhas

(SULL ,2005).

12

A história resumida do Banco Garantia encontra-se na seção 9.7. 13

Criada por Jorge Paulo Lemann em 1991, a Fundação Estudar é uma instituição sem fins lucrativos que investe no desenvolvimento do Brasil por meio do incentivo à educação e à formação de futuros líderes. Para isso, seleciona jovens talentos que recebem bolsas de estudo nas melhores instituições de ensino do Brasil e do mundo para cursos de graduação e pós-graduação. Fonte: Fundação Estudar, 2010.

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Para tal, o novo CEO gastou as duas primeiras semanas de trabalho

conduzindo entrevistas com os dois níveis gerenciais superiores da empresa, uma

técnica que aprendeu com Sicupira, que havia feito o mesmo nas Lojas Americanas.

Com base nas entrevistas, ele selecionou um grupo de gerentes de nível médio para

ajudá-lo a liderar o processo de mudança, e também identificou aqueles que não

acreditava serem capazes de fazer a transição (tais gerentes saíram da empresa ou

foram realocados em posições menos importantes). O contingente total corporativo

foi reduzido em 10% por ano em 1990 e 1991, através principalmente de demissão

voluntária.

Outra iniciativa imediata de Telles, inspirado na cultura do Banco Garantia, foi

acabar com paredes e salas individuais na Administração Central (AC) para criar um

espaço de trabalho “single-floor, no cubicles", de forma a promover um ambiente

mais aberto. Além disso, selecionou 240 funcionários para estimular a interação

constante entre as pessoas e a troca de informação em tempo real. Os escritórios

abertos foram replicados para todas as instalações da empresa, incluindo plantas

industriais e call centers.

Também tomou uma série de medidas simbólicas para demonstrar

comprometimento com a mudança de cultura. Historicamente, a CCB tinha quatro

restaurantes separados de acordo com o público: diretores, executivos seniores,

gerentes médios e funcionários. Telles, no entanto, consolidou-os em um único

restaurante. Eliminou qualquer coisa que fosse vista como símbolo de status,

incluindo área reservada em estacionamentos, banheiros e carros separados para

diretores. Segundo ele, falou-se às pessoas que todo mundo estaria começando do

mesmo lugar, e que, de ali em diante, iriam se diferenciar por si mesmos através de

seus desempenhos.

O executivo, no entanto, teve que adiar momentaneamente a continuidade de

seus planos de reestruturação ao descobrir que a situação da CCB era pior do que

imaginava: havia uma dívida de 250 milhões de dólares sem financiamento,

resultado de um plano de pensão generoso através do qual os empregados podiam

se aposentar com 50 anos de idade. Telles percebeu que seria impossível cobrir

aquelas obrigações através do mercado de capitais ou de bancos. Dessa forma,

durante alguns meses, visitou pessoalmente todos os escritórios da CCB para

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301

persuadir funcionários e os representantes de sindicatos a assinar um novo plano de

pensão. Segundo Jorge Paulo Lemann:

[...] no caso da compra da Brahma, se nós tivéssemos feito o due diligence [análise e avaliação detalhada de informações e documentos de determinada empresa e/ou seu ativo, com abordagem contábil ou jurídica] adequadamente, nunca a teríamos comprado. Logo depois da aquisição, descobrimos grandes problemas financeiros, especialmente no fundo de pensão. Mas nós compramos. Por quê? Porque nosso feeling dizia que somos um país de população jovem, com muito calor, e acreditávamos que cerveja era um bom negócio mal tocado aqui. Para nós isso valia mais do que se o Lula ou o Collor ia ganhar ou se o fundo de pensão tinha ou não problema. (NETO, 2008, p. 24)

Além da dívida, a nova Direção descobriu que o aparente market share de

40% mascarava problemas mais profundos: pesquisas de opinião revelavam que

somente 20% dos consumidores preferiam a marca Brahma, enquanto mais de 60%

tomariam Antarctica se estivesse disponível. A Brahma só manteve seu market

share porque a capacidade de produção da CAP não acompanhava a demanda e os

consumidores compravam Brahma quando não encontravam sua cerveja predileta.

Segundo uma pesquisa feita pela Nielsen na época, à qual tive acesso, a Antarctica era uma loira muito acessível e a Brahma era como uma enfermeira alemã que vivia dando ordens (a Brahma dava a impressão de que você deveria tomá-la por obrigação e não por gosto). Isso fazia com que o público gostasse mais da Antarctica. Nessa mesma pesquisa, descobriu-se que a Kaiser seria um pequeno querendo se meter na briga de grandes, por isso a propaganda focou no baixinho. (ENTREVISTADO #9)

Avaliação realizada pela equipe concluiu que a baixa preferência pela marca

Brahma resultava, em grande parte, da baixa qualidade do produto. Enquanto o

restante das empresas de cervejaria no mundo havia migrado para processos

padronizados em busca da melhoria da qualidade, o Departamento de Produção da

CCB ainda via a fabricação de cerveja como um trabalho artesanal. O engenheiro-

chefe de cervejaria se considerava um artista em vez de um técnico, com a licença

para produzir cerveja da maneira que considerasse melhor. As quatro plantas da

empresa no Rio de Janeiro ainda fabricavam cerveja em tanques descobertos, um

processo que a maioria das grandes empresas já havia abandonado por causar

variação no sabor do produto.

Era necessário, portanto, repensar a estratégia de produção para garantir

produtos de alta qualidade e de maneira consistente. Telles fez da garantia de alta

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qualidade da cerveja a maior prioridade da empresa. Seu antecessor havia

contratado uma empresa internacional de consultoria em gestão para rever a

estratégia global da CCB, e pagou pelo estudo antecipadamente. Telles, então,

orientou os consultores a abandonar a revisão estratégica e analisar qual seria o

"optimal factory footprint14" se uma nova cervejaria pretendesse entrar no mercado

do zero, sem nenhum tipo de planta de legado. Segundo o executivo:

We asked ourselves the following question: If we could start from scratch, what types of factories should we build and where? We then visited several companies around the world (Modelo, Coors, Anheuser-Busch) and made an ideal blueprint of the factories and their locations throughout Brazil […]. We came back with a lot of ideas. (SULL, 2005, p. 8)

Com base nessa análise, concluiu-se que a CCB dispunha de muitas fábricas,

a maioria muito pequena. Algumas plantas eram altamente eficientes, como a de

Jacareí que produzia até 4.000 hectolitros/ empregado por dia, enquanto algumas

das plantas mais antigas produziam somente 150-200 hl/ empregado por dia. Além

disso, as grandes plantas produziam consistentemente cervejas com alta qualidade,

enquanto as menores produziam lotes de cervejas com sabor inconsistente.

Entre 1989 e 1991, a CCB fechou mais de dez fábricas. Essa estratégia, no

entanto, foi muito questionada quando, em 1995, a empresa perdeu a liderança do

mercado para a CAP, em virtude da falta de capacidade produtiva. Segundo Barros

(1995), ―‘A Brahma foi vítima do seu próprio sucesso‘, afirma um fornecedor da

empresa. Em sua opinião, a Brahma foi tão obsessiva em cortar custos que acabou

prejudicando seu próprio desempenho, como mostra o fechamento de fábricas‖. Por

trás dessa falha, estava o erro das previsões da companhia em relação ao aumento

de consumo decorrente do Plano Real, associado ao atraso na construção das

plantas de Lages, em Santa Catarina, e de Buenos Aires, Argentina, devido a

problemas de fornecimento.

O fato é que houve um brutal erro de cálculo da companhia. A Brahma não soube armar-se a tempo, aumentando sua capacidade de produção. Suas previsões de venda estavam todas frustradas, frustradíssimas. Ninguém definiu tão bem a responsabilidade pelo erro como seu próprio presidente: ‗O responsável sou eu‘, afirma [Marcel] Telles. (BARROS, 1995)

14

Manufacturing Footprint Optimization (MFO) is an approach for achieving a step-change in cost reduction across a company‘s manufacturing network. It addresses the fundamental ―What should be made, where?‖ question to maximize value.

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Diante da derrota, a empresa conseguiu, ainda no final de 1995, a aprovação

do projeto de construção de uma nova unidade no Rio de Janeiro, que estava

engavetado há dois anos pelo então governador Leonel Brizola. No ano seguinte,

iniciaram-se as obras daquela que seria a sua primeira fábrica "estado da arte",

incorporando as últimas novidades tecnológicas, com capacidade de 12 milhões de

hl. A CCB conseguiu incentivos do governo para custear o gasto de capital

necessário para a construção da nova planta.

Apesar dos avanços na área fabril, percebeu-se logo que as melhorias

operacionais não poderiam se limitar à produção, mas deviam incluir também o

marketing e a sua ampla rede de distribuição. No primeiro caso, foram

implementadas mudanças importantes na estrutura de Marketing da empresa, que

passou a assumir uma atitude mais agressiva, especialmente nas campanhas

publicitárias. O principal trabalho realizado foi a definição de uma forte identidade de

marca para a Brahma Chopp, surgindo então o conceito ―Número 1‖. Houve também

a implementação de uma arrojada política de comunicação de marketing no campo,

objetivando a liderança em merchandising e eventos promocionais. Neste caso, o

maior exemplo foi o lançamento do Camarote Brahma durante o carnaval carioca de

1991, sendo o primeiro evento exclusivo dedicado à cerveja.

Quanto às revendas, foi criada uma Diretoria com a função específica de

gerenciar o relacionamento com os revendedores e implementar melhorias nessa

área. Para isso, contribuiu o fato de a CCB ter 24 revendas próprias, que serviam

como laboratório, permitindo entender e acompanhar os problemas de distribuição.

O objetivo da empresa era que os negócios ―Revenda Brahma‖ e ―Revenda Skol‖

fossem encarados como verdadeiras franquias para comercialização de seus

produtos e continuassem atraindo empresários que quisessem levar adiante seus

objetivos de desenvolvimento do mercado e que buscasse sempre a eficiência.

Em 1991, Telles articulou um conjunto de prioridades centradas no aumento

da eficiência e do profissionalismo entre os revendedores.

We established a new rule in 1991 – no friends, relatives, or former employees could be distributors. Although this was a very common practice at the time, such relationships created tremendous conflicts and distractions…and for the most part family, former employees and friends turned out to be bad distributors because decisions were made for personal not business reasons. This new rule was a watershed event. (SULL, 2005, p. 8)

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Além da nova regra, a empresa, pretendendo colocar em prática um sistema

de incentivos e métricas para seus distribuidores, percorreu o mundo para aprender

as melhores práticas globais de gerenciamento de revendedores. A Anheuser-Busch

foi a grande inspiração da cervejaria:

Every year Anheuser-Busch gave out Excellence Awards to its best distributors based on objective criteria. They used the same data to decide which distributors to keep and which to shed. We decided to use similar criteria to start aligning our distributors with Brahma's goals. This way, we could shape their decisions on infrastructure, warehouse size, and so forth. We could also help them make a lot of money, which created incentives for them to re-invest in the business. The program was a way of getting other entrepreneurs with their own agendas to align their interests with ours. (SULL, 2005, p. 9)

Dessa forma, foi criado o Programa de Excelência em Distribuição no ano de

1992. A meta do programa era definir a padronização da atuação dos revendedores,

objetivando a Qualidade Total em termos da prestação de serviços e infra-estrutura

administrativa e operacional, considerando-se principalmente as atividades de

vendas, distribuição e comunicação de marketing no campo. O programa tinha

também um forte sentido motivacional, através de solenidades especialmente

destinadas ao reconhecimento de mérito de todos os revendedores classificados

como ―Competidores Fortes‖ ou ―Líderes Absolutos‖ (acima de 75% da pontuação

máxima possível). Os revendedores que não obtivessem a pontuação mínima de

40% podia ser automaticamente excluídos do sistema de revendas, tendo o contrato

rescindido (PORTO; VINICIUS; LINS, 1994).

Inicialmente, a mudança de regras gerou controvérsia entre os distribuidores.

Embora estudo de benchmarking demonstrasse que os distribuidores Brahma

ganhavam algumas das margens mais gordas do mundo, muitos não estavam

empolgados com os novos requisitos exigidos pela empresa. Diante disso, a direção

da CCB reduziu o número de distribuidores para não só focar naqueles que

estivessem entusiasmados com o novo plano, como também permitir que

alcançassem escala. A CCB exigia dos candidatos que cumprissem os requisitos

financeiros e de qualidade da informação preestabelecidos; mantivessem padrões

específicos de qualidade; controlassem um número mínimo de pontos de venda; e

tivessem um plano de sucessão para a alta gerência. Também pôs em prática um

programa de treinamento para filhos de distribuidores.

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Em 1989, a Brahma tinha 957 distribuidores, mas esse número foi reduzido

para 358 em 1998. O tamanho médio de um distribuidor aumentou quatro vezes: de

27.746 hl por ano em 1989 para 108.885 em 1996 (SULL, 2005).

Paralelamente às melhorias nas atividades produtivas e de distribuição, a

CCB lançou, em 1990, um programa trainee que recrutava estudantes diretamente

das faculdades, e servia como fonte primária de gerenciamento de talentos. Em

1999, mais de 9.000 estudantes se inscreveram para 25 vagas de trainee, colocando

o programa entre os mais populares do Brasil.

Magim Rodriguez, então presidente, coordenava pessoalmente o processo de

seleção, visitando as principais faculdades para explicar o programa, entrevistando

os candidatos na última etapa do processo e fazendo a seleção final dos aprovados.

Os candidatos eram avaliados com base em vários critérios, incluindo a sua

capacidade para lidar com situações inesperadas, habilidades de negociação,

potencial para trabalhar sob pressão, disposição para buscar novos desafios,

fluência em inglês e habilidades de informática. Os trainees passavam os primeiros

quatro meses rodando pelas diferentes unidades de negócio e, em seguida,

treinavam por 3 semanas na Administração Central da empresa. Durante as 5

semanas restantes, eram alocados em um projeto específico dentro de uma unidade

de negócio, e posteriormente assumiam posições de analistas ou gerentes-

assistentes. Em 1998, o turnover voluntário entre trainees foi zero (SULL, 2005).

Se, por um lado, a CCB investiu no desenvolvimento de um Programa Trainee

voltado ao recrutamento e gestão de talentos, por outro, a redução de custos se deu

através de muita demissão. Desde o início, Telles e sua equipe sabiam que, para

alcançar níveis de produtividade de classe mundial, era necessário reduzir

significativamente o quadro de pessoal da empresa. De 25.000 funcionários em

1989, a CCB chegou a ter apenas 9.003 em 1994, o que representa uma redução de

quase 2/3.

Ao longo desse processo, Telles inventou um procedimento para aumentar a

transparência nas decisões de demissão de pessoal. Durante uma semana, os

gerentes executivos da empresa faziam um "leilão" de todos os funcionários que não

poderiam manter em suas equipes para cumprir as metas de quantitativo de pessoal

estabelecidas pela direção. Cada chefe de área descrevia a pessoa que deixaria

sair, focando em seu desempenho em relação aos objetivos, e os gerentes de outras

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áreas decidiam se iriam ou não demitir a pessoa. Carlos Brito relembra o processo:

"Alguém se levantava e diria: 'Eu tenho que deixar o Paulo sair, o seu background é

esse, ele desempenhou da seguinte forma. Alguém pode fazer uso de suas

competências?‖.

Houve um leilão dos funcionários. Reuniram-se os diretores e gerentes, cada um com o ranking de suas equipes, e a indicação de quem não seria aproveitado. Essa pessoa era oferecida às demais áreas. Caso alguém quisesse, poderia ficar com o profissional, contanto que cumprisse suas metas de pessoal. Do contrário, era demitido. Em uma semana, demitimos 10% dos 19.000 funcionários da empresa. (ENTREVISTADO #10)

A modernização fabril, combinada com a redução de pessoal, permitiu à CCB

alcançar um ganho de 97% em produtividade entre 1993 e 1995, excedendo a

marca de 4.600 hl por empregado.

Em complementação à redução de pessoal, Telles e sua equipe planejavam

estabelecer incentivos baseados em desempenho, algo que não existia

anteriormente na companhia. Para existir meritocracia, no entanto, eram necessários

não só sistemas de informação, mas também de medição e avaliação de metas.

Quanto ao primeiro requisito, os sistemas gerenciais existentes não eram

capazes de oferecer informações confiáveis necessárias para a avaliação de

desempenho e a distribuição de bônus. Telles, então, entregou a Carlos Brito a

tarefa de construir um sistema de relatórios de gestão que oferecesse dados de

lucratividade por linha de produtos, territórios e embalagens. Brito gastou os seus

primeiros oito meses na empresa construindo o novo sistema do zero, com base em

um modelo que os gerentes da CCB haviam aprendido com outra empresa de

alimentos.

Já em relação ao estabelecimento de metas, Telles encontrou a solução de

maneira inesperada. No início dos anos 90, ao procurar a então ministra Dorothea

Werneck para obter um aumento nos preços (até então tabelados pelo governo),

ouviu que seu pedido estaria condicionado a que fosse procurar os professores da

Fundação Christiano Ottoni para investir em produtividade. Telles nunca tinha ouvido

falar deles, mas decidiu ir até lá (TEIXEIRA, 2008).

Vicente Falconi e José Martins de Godoy eram professores de metalurgia

quando começaram a ouvir sobre métodos gerenciais aplicados no Japão, nos anos

80. Na época, os dois prestavam consultoria pela Fundação Christiano Ottoni, ligada

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à Universidade Federal de Minas Gerais, para aumentar a produtividade de

metalúrgicas e siderúrgicas. Por meio de um convênio patrocinado pelo governo

brasileiro junto ao JUSE (Sindicato Japonês de Cientistas e Engenheiros), ambos

fizeram dezenas de visitas a empresas japonesas para aprender princípios do

conceito da qualidade total e também receber delegações de executivos japoneses

no país. Segundo Mano (2009), a essência do trabalho de Falconi e Godoy era a

metodologia do PDCA, do inglês plan-do-check-act ("planejar, executar, conferir e

corrigir").

A adoção do método transformou a empresa quando chegou a todos os níveis

da organização, e não apenas à área industrial. Ao longo dos anos 90, dezenas de

diretores da CCB visitaram o Japão para se aprofundar nas técnicas difundidas por

Falconi e Godoy. No Brasil, outras centenas de executivos aprenderam em sala de

aula o ciclo do PDCA e outras metodologias, como o ―Gerenciamento por Diretrizes‖,

que mais tarde se tornou a base para a formação e o desdobramento de metas da

companhia. "Nada foi mais convincente para que todos aceitassem o modelo do que

os resultados. Com o tempo, planejar metas com disciplina virou algo corriqueiro,

que ninguém mais pensava antes de fazer‖ (MANO, 2009, p. 3). Em abril de 1997,

Falconi passou se tornou a primeira pessoa de fora a integrar o conselho da CCB,

cargo que ocupa até os dias de hoje.

Aos 69 anos, mais do que um veterano do conselho de administração da AmBev, ele [Vicente Falconi] é uma eminência parda por trás da cultura de eficiência da empresa. Ao lado das inúmeras referências que a AmBev incorporou a seu DNA, como a meritocracia do Goldman Sachs e o mbwa [management by walking around] de Sam Walton, fundador do Wal-Mart, existe a aparentemente inabalável obsessão pelo método gerencial desse senhor de cerca de 1,70 metro, cabelos brancos e jeito de vovô. A maior manifestação disso está no fato de que hoje cada um dos 120 000 funcionários da ABInBev no mundo tem metas – calculadas e checadas com uma disciplina de inspiração declaradamente nipônica, sob influência de Falconi. "Trouxemos a meritocracia para a AmBev, mas devemos a Falconi o método e a disciplina para colocá-la em prática", afirma Telles. (MANO, 2009, p. 1)

O sistema formal de "Medição e Avaliação de Desempenho" da CCB,

baseado no modelo de desdobramento de diretrizes preconizado por Falconi, partia

do princípio de que as metas (objetivos) a serem alcançados pelas unidades de uma

empresa devem se originar das metas da organização. A CCB seguia rigorosamente

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essa filosofia para definir os objetivos anuais a serem alcançados por cada uma de

suas Unidades e pessoal (SCHUCH, 1998).

Para cada um dos objetivos definidos, que se constituíam em fatores críticos

de sucesso definidos pela Matriz, era elaborado um indicador ou um conjunto de

indicadores para medir o desempenho obtido, isto é, medir em que nível o objetivo

estava ou não sendo atingido.

Indicadores de Desempenho Objetivos (fatores críticos de sucesso)

- Eficiência das linhas - Volumes produzidos - Tempo médio de limpeza das linhas - Tempo médio de parada de equipamentos

Alta escala de produção

- Custo variável dos produtos - Receita de venda de sub-produtos e refugos - Custo de manutenção - Consumo de matéria-prima e insumos - Índice de horas-extras - Manut. do estoque dentro dos limites da política de estoques - % de diferença entre programação da Área Comercial e carregamento realizado pelas Revendas

Baixo custo de produção

- Reclamações no SAC (Sistema de Atendimento ao Consumidor)

Padrão de qualidade reconhecido

- % Itens verdes no Padrão Técnico de Processos (PTP) - Estabilidade da cerveja - % Padronização das atividades críticas

Conformidade dos processos

- Tempo médio de carregamento Não disponível

- % Satisfação do Revendedor no atendimento dos pedidos

Não disponível

- Mix de produtos produzidos Não disponível

- Tempo médio de atendimento ao distribuidor Não disponível

Tabela 0-4: Indicadores de desempenho – Unidade Filial Santa Catarina

Fonte: Schuch, 1998.

Os indicadores eram financeiros e não-financeiros, e, em sua maioria,

expressos por fórmulas matemáticas, com o método de coleta de dados e de

cálculos definido mediante padrões de uso corporativo da própria empresa. A Tabela

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9-5 exemplifica as fórmulas de cálculo de alguns dos indicadores da Filial Santa

Catarina.

Indicadores Mensais Fórmula (cálculo com os dados apurados no fechamento do mês)

Custo variável dos produtos

(Montante em Reais gasto com MP + Embalagem + MOD + Despesas Indiretas de Fabricação + Quebras de garrafas) / Produção envasada do mês

Índice de Consumo de MP (Consumo de malte + High-maltose) / Produção líquida de cerveja

Produtividade Homem-Hora (Horas normais e extras da MOD) /Produção envasada do mês

Tabela 0-5: Fórmulas de cálculo de indicadores de desempenho – Unidade Filial Santa

Catarina

Fonte: Schuch, 1998.

Complementando o Sistema de Medição e Avaliação de Desempenho, o

acompanhamento dos indicadores de todas as Unidades da Cia. Brahma era feito

mensalmente, sendo utilizado para monitorar as atividades gerais da empresa e

para avaliar os resultados de suas estratégias. Este acompanhamento se dava

através de uma reunião formal, na qual cada Gerente de Unidade apresentava para

os Diretores da empresa o desempenho obtido nos seus indicadores, o motivo

daquele desempenho e as ações que estava tomando para as eventuais correções

de rumo que se mostrassem necessárias.

Como já mencionado, o ponto de partida para o funcionamento do Sistema de

Medição e Avaliação de Metas eram os objetivos corporativos. Todo ano, os

executivos decidiam até 3 objetivos-chave para a empresa como um todo. Entre

setembro e novembro de cada ano, os gerentes se reuniam com seus supervisores

para estabelecer 5 metas para o próximo ano. As metas dos gerentes eram ligadas

aos objetivos corporativos, mas traduzidas em objetivos que pudessem ser

alcançados individualmente. As metas eram quantitativas e tipicamente incluíam

categorias como margem, giro do estoque, custos e indicadores de serviço. O

desempenho individual dos gerentes, em relação aos seus objetivos, era registrado

semanalmente e as informações disponibilizadas publicamente.

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Em vez de mudar a estratégia ou visão da empresa, Telles decidiu focar as

metas corporativas da empresa em melhorias operacionais. Uma das razões para

essa decisão foi o fato de, durante o processo de due diligence, ter observado que a

CCB compartilhava com a CAP essencialmente a mesma estratégia: ambas

aspiravam ser a melhor cervejaria no Brasil. Ele acreditava que suas diferenças de

desempenho tinham pouco a ver com estratégias diferentes, e tudo a ver com

execução. Como já citado, um de seus primeiros passos como CEO foi paralisar um

projeto desenvolvido por uma firma de consultoria internacional e realocar a equipe

para estudar potenciais de melhoria operacional. "A última coisa que nós

precisávamos era uma grande estratégia" (SULL, 2005, p. 7). Em vez de focar em

estratégia ou visão de futuro, Telles preferiu avaliar a situação, estabelecer um

número pequeno de prioridades para toda a organização e garantir que a empresa

as executasse.

We try to keep things down to three operational priorities per year. I always keep the company's three priorities on a sheet of paper on my desk, and these are translated into performance objectives for every employee in Brahma. Humans cannot keep more than three things simultaneously in their head - we are just not built for that. (SULL, 2005, p. 7)

A estratégia é uma história contada no retrovisor. – Carlos Alberto Sicupira (INSTITUTO EMPREENDER ENDEAVOR, 2005, p. 49)

Telles via o foco em melhoria operacional como consistente com o

aproveitamento de oportunidades estratégicas. Para o executivo, uma empresa só

pode capturar oportunidades extraordinárias se é muito boa nas operações

rotineiras, pois quando as grandes oportunidades aparecem, eles podem aproveitá-

las. Além disso, entendia ser sua obrigação exigir o máximo possível de sua equipe,

tarefa que cumpria através do estabelecimento de metas cada vez mais agressivas

para a organização:

My biggest challenge is setting the right targets that are almost impossible but not impossible. Management will always tell you that growth and profitability targets are impossible. They will tell you that there is an inherent tradeoff between the two. The good CEO has to know how far he can push his people. (SULL, 2005, p. 7)

E o pagamento de bônus agressivos era o principal estímulo para que os

funcionários superassem seus limites e fizessem o máximo possível para alcançar

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as metas estabelecidas. Enquanto a base salarial da CCB estava abaixo da média

da indústria, o bônus era muito maior. Segundo Telles, "um bônus tem que ser

grande o suficiente para motivar verdadeiramente as pessoas. Se você o dá a todos,

ele não será grande o suficiente" (SULL, 2005, p. 6). O estatuto da empresa permitia

a distribuição de até 10% do lucro líquido consolidado para empregados sob a forma

de bônus, porém nada era pago se a empresa não alcançasse seus objetivos

corporativos.

Caso os objetivos corporativos fossem alcançados, o bônus para os primeiros

3.000 gerentes variava de acordo com o seu desempenho em relação às metas. Os

13% melhores gerentes ganhavam o bônus duplo, equivalente a aproximadamente

18 salários, enquanto os gerentes entre 13%-60% ganhavam um bônus equivalente

a nove salários; os 40% restantes não recebiam bônus. Todas as fábricas, por

exemplo, eram comparadas entre si, e os empregados das 1/3 melhores em termos

de desempenho relativo (ajuste de acordo com o tamanho da planta, tecnologia

usada, dentre outros) eram recompensados com bônus, enquanto o restante não

ganhava nada.

Além do pagamento de bônus, outro artifício usado para alinhar o

comportamento e o desempenho dos funcionários aos objetivos e aspirações

corporativos era a possibilidade de adquirir ações da empresa, tornando-se sócios

do negócio através do ―Clube de Acionistas da Brahma‖. Os primeiros 200 gerentes

se tornavam elegíveis a adquirir ações da empresa, que os financiava com o

dinheiro necessário para adquirir suas cotas, mas exigia o pagamento do

empréstimo através dos bônus a serem recebidos, e aplicava um período de

carência de 5 anos.

A introdução do real como moeda brasileira em 1994 reduziu a inflação para

aproximadamente 4%-10% ao ano. Ainda que a moeda estável tenha aumentado a

renda disponível da população e, conseqüentemente, a demanda por cerveja, Telles

acreditava haver um lado negro com o fim da inflação no país:

Until 1994 companies needed good financial managers to stay afloat amidst hyperinflation. When prices stablilized, we had to control costs, something that was irrelevant in the past. During the hyperinflation years you could always pass on your cost inefficiencies to consumers via price increases and no one would notice. That all changed with the real. (SULL, 2005, p. 10)

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O alto escalão da empresa rapidamente percebeu que a cervejaria não tinha

disciplina para gerenciar custos, e respondeu ao novo desafio com o

estabelecimento de metas agressivas de redução de custos como a principal

prioridade por toda a empresa. Tudo começou com o refinamento dos sistemas de

contabilidade para garantir dados atualizados de custos no nível de produtos,

embalagens e distribuidores. A empresa também desenvolveu fontes de baixo custo

para matérias-primas e negociou descontos agressivos com seus fornecedores-

chave. Houve ainda a instituição de programas de melhoria, chamados de

"Programas de Excelência", tanto na parte industrial como na parte de distribuição,

tendo em vista a busca contínua de escala de produção e a redução dos custos

unitários dos produtos.

Na área fabril, o controle de custos variáveis se deu através da Padronização

Tecnológica de Processos (PTP), uma iniciativa que se consolidou na companhia

em 1996 e representou um avanço significativo na obtenção da excelência dos

produtos. No mesmo ano, lançou-se o Programa de Produtividade Fabril (PPF). Com

implantação de três anos, o objetivo era reduzir os custos fixos e variáveis através

da identificação de possíveis lacunas entre as práticas da empresa e o padrão de

comparação internacional da época. O programa trabalhava com um conjunto de 70

indicadores, contemplando três dimensões: aporte de novas tecnologias,

reestruturação de ativos e melhorias das fábricas (CCB, 1997). Diferentemente da

CAP, que experimentou aumentos de custos nos anos seguintes, a CCB reduziu o

seu custo de produto vendido (em termos reais) por hectoliro entre 1994 e 1995 e

sustentou os baixos custos pelos quatro anos seguintes.

Na área de marketing, houve um estudo detalhado sobre os custos de vendas

da cervejaria. Em conseqüência disso, desenvolveu-se e implantou-se o Sistema de

Informações de Marketing (SIM), um banco de dados de cerveja e refrigerante que

tinha como objetivo a otimização do processo de decisão em marketing. Foram

coletadas informações sobre consumidores, participação de mercado e pontos-de-

venda, de forma a subsidiar os planejamento de marketing da companhia (CCB,

1997).

Além da necessidade de aumentar a eficiência de suas operações, o ano de

1994 colocou outro desafio igualmente importante para a CCB: dar uma resposta à

ameaça crescente das cervejas de baixo preço, como a Kaiser e a Schincariol. E a

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saída encontrada pela empresa foi a elevação de sua segunda marca - Skol - à

posição de principal prioridade. Em 1994, a CCB investiu pesadamente para

anunciar a Skol como uma alternativa à Kaiser, e usou a marca para realizar uma

série de experimentos que seus diretores eram relutantes em tentar com sua marca

principal, a Brahma.

Em pouco tempo, a Skol introduziu várias inovações, incluindo: um sabor

mais leve; novas embalagens, como as garrafas long-neck e latas de alumínio;

publicidade explicitamente direcionada para o mercado jovem; e um preço menor do

que a Brahma. Embora uma empresa de consultoria tenha recomendado a

consolidação das redes de distribuição da Brahma e da Skol para reduzir custos,

Telles e sua equipe acreditavam que os distribuidores Brahma – muitos dos quais

era donos dos negócios há duas ou mais gerações de suas famílias – já estavam

ricos e satisfeitos com o status quo. Por outro lado, muitas revendas Skol ainda

eram conduzidas por primeiras gerações de empreendedores que haviam adquirido

a franquia, e, de acordo com as palavras de Telles, estavam famintos para crescer

seus negócios.

The Skol distributor would go out and drive his own delivery van to make sure costumers were happy, while his wife would sit in the passenger seat and check the books. Most Brahma distributors resisted the new franchise manual, while the Skol distributors wanted everything we could give them that would help them in the market‖. (SULL, 2005, p. 11)

Com a combinação de inovações de produto e de embalagem, distribuidores

agressivos e uma campanha de marketing significativa, a Skol se tornou a cerveja

de crescimento mais acelerado no Brasil. Depois de uma queda inicial em 1995, a

marca Skol ganhou 10,1% de market share até o ano de 1998, quando ultrapassou a

Brahma e se tornou a marca líder do mercado brasileiro. Os executivos da cervejaria

ficaram surpresos com o sucesso da Skol:

We re-lauched Skol as a light beer because we had to hedge our bets against continued losses in the Brahma brand, not because we necessarily believed it could ever approach or outsell Brahma. (SULL, 2005, p. 11)

A companhia também investiu pesadamente para construir sua divisão de

refrigerantes. Em 1994, a CCB lançou a Fratelli Vita para vender água mineral,

sucos prontos, chás, isotônicos e outros tipos de refrigerantes. Em 1995, adquiriu a

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marca Marathon para concorrer diretamente com o Gatorade. No entanto, cinco

anos depois, a empresa ainda não havia alcançado o mesmo nível de sucesso

financeiro e de market share como obteve com cervejas. Segundo Telles:

Telles described the company‘s continued investment in soft drinks: ―They are cheap call options, it costs us very little to offer soft drinks and one day it may prove itself useful. It also helps us compete with Coca Cola distributors which also sell Kaiser beer‖. (SULL, 2005, p. 11)

Paralelamente aos investimentos no mercado interno, os executivos da CCB

desejavam explorar opções para aumentar seu market share fora do Brasil. Porém,

eram relutantes a fazer grandes aquisições sem antes compreender melhor os

mercados externos. Dessa forma, em 1993, Telles enviou vários dos jovens

gerentes mais talentosos da empresa para explorar o mercado argentino e construir

as operações locais da empresa. No mesmo ano, iniciou-se a construção da Fábrica

de Luján, na Grande Buenos Aires, primeira fábrica fora do Brasil e que viria a ser

inaugurada em novembro de 1994, com custos de US$ 120 milhões (BLECHER,

1994). Vale lembrar que a cerveja Brahma já era exportada para a Argentina desde

1992, sendo que, ao final do primeiro ano, já se tornara a cerveja número 1 entre as

importadas.

Logo após a Argentina, a CCB expandiu suas operações para a Venezeula:

em janeiro 1994, adquiriu a Companhia Anônima Cervecera Nacional, vice-líder de

mercado, passando aí a produzir a Brahma Chopp para concorrer com a Polar, líder

do mercado (MAFEI, 1994).

O ano de 1994 foi ainda marcado pelo lançamento de duas novas cervejas no

mercado brasileiro: a Skol Bock e a Skol Ice em lata e long-neck, uma cerveja

refrescante produzida com o processo "ice process", inventado pela Cervejaria

Labatt, no Canadá, em 1993, onde parte da água da cerveja era retirada por

congelamento (COUTINHO, 2010).

Em 1995, a CCB mudou sua sede para São Paulo, de modo a ficar mais perto

dos fornecedores e de agências de propaganda, dando mais agilidade a seu

processo decisório. A decisão também foi tomada para reduzir a carga tributária,

pois o ICMS do Rio de Janeiro era um dos maiores no Brasil: 25%, mas pouco

tempo depois foi reduzido para 18% (MORGADO et al, 1997).

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Ainda no ano, os avanços e o desenvolvimento da CCB após a entrada do

Banco Garantia chamaram a atenção da empresa norte-americana Miller Brewing

Company, de Wisconsin, que produzia a cerveja Miller desde 1855. Diante da

previsão de crescimento do mercado cervejeiro mundial, e em especial na América

do Sul, a Miller estabeleceu uma joint venture com a Brahma para distribuir a Miller

Genuine Draft, num acordo que incluía ainda a possibilidade de se fabricar a cerveja

no Brasil para competir no mercado interno. E foi exatamente o que aconteceu no

ano seguinte: a Miller Genuine Draft passou a ser fabricada pela Cebrasp e

distribuída pela rede exclusiva de revendas da Brahma.

Ainda em 1996, a CCB, diante do crescimento da demanda oriundo tanto do

mercado doméstico (controle da inflação) quanto internacional (Argentina e

Venezuela), tomou a decisão de expandir o parque fabril. No início do ano, foi

inaugurada a Filial Rio de Janeiro, no bairro de Campo Grande - RJ e foram

iniciadas as obras de construção de mais 2 unidades fabris: uma em Viamão, RS, e

outra correspondente à Cervejaria Águas Claras, no município de Estância, Aracaju.

O aumento da produção permitiu também um incremento nas exportações, pelo que,

em 1998, a Brahma Chopp passou a ser exportada para a Europa, utilizando como

porta de entrada a França.

O ano de 1997 manteve o processo de fortalecimento e expansão da

cervejaria. A empresa deu um passo adiante em direção ao segmento de NANCs ao

adquirir, da Unilever, a concessão para fabricar, comercializar e distribuir o chá

Lipton Ice Tea no Brasil. Enquanto isso, a Skol-Caracu firmou acordo com a

cervejaria dinamarquesa Carlsberg Beer, fundada em 1847, para a sua distribuição

no mercado brasileiro. Por fim, buscando ampliar seus mecanismos de

financiamento, a CCB lançou ações na Bolsa de Nova Iorque, sob a forma de

American Depositary Receipts (ADRs), em junho de 1997 (AMBEV, 2009).

Além dos eventos acima, o ano de 1997 foi marcado pelo acordo de

franchising firmado entre a companhia e a Pepsico, de duração de 20 anos, para

produzir e distribuir os produtos Pepsi no Brasil. Na verdade, a CCB já havia firmado

acordo semelhante com a Pepsi em 1984, porém, em 1993, perdeu os direitos de

distribuição dos produtos Pepsi no Brasil quando a empresa americana transferiu a

licença para a Baesa, uma empresa argentina que pretendia distribuir por toda a

América do Sul e que foi, por alguns anos, a maior distribuidora internacional da

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Pepsi. Em 1997, contudo, a Baesa, que havia se endividado pesadamente para

construir capacidade, entrou em falência com a recessão na Argentina. No ano

seguinte, a Pepsi, retornando ao Brasil em busca de um parceiro distribuidor,

aproximou-se tanto da CCB quanto da CAP. A empresa selecionou a CCB com

base, em grande parte, na sua força financeira, pois não queria repetir o fiasco da

Baesa. Os executivos da Pepsi também ficaram impressionados com a velocidade

com que a cervejaria foi capaz de negociar e executar o acordo. Já em 1998, o

segmento de refrigerantes correspondia a 17% da receita líquida e 8% da margem

bruta da empresa.

Paralelamente ao crescimento em refrigerantes, a CCB chegou ao final da

década de 90 se consolidando como a maior cervejaria brasileira. Em 1999, suas

duas principais marcas – Skol e Brahma – detinham, respectivamente, 30,7% e

22,1% de market share, levando a empresa a ter mais da metade do mercado

brasileiro. No mesmo ano, buscando criar mais ocasiões de compra e mudar o perfil

de consumo nos PDVs, inovou com o lançamento do freezer para gelar as garrafas

de 600ml, com grande capacidade de resfriamento. Tais freezers se tornaram

padrão na indústria, pois mantêm a cerveja a -5ºC, não elevam o consumo de

eletricidade do PDV e não emitem CFC/poluentes que prejudicam o meio ambiente.

Já em relação às operações na Argentina e na Venezuela, a CCB também se

mostrava bem sucedida em sua expansão internacional. Em 1998, com uma

produção de 1,4 milhões de hl, a cervejaria aumentou seu volume de vendas no

mercado argentino (que caiu 2%) em 5%, tornando-se o segundo maior player no

país, atrás somente da Quinsa (73% do mercado). Já na Venezuela, sua produção

de 3 milhões de hl correspondia a 14% do mercado, atrás somente da líder Polar,

que controlava 75% do mercado. Em 1998, as vendas na Venezuela correspondiam

a 2,5% das receitas líquidas totais da empresa, enquanto as vendas na Argentina

contribuíam com 2,2% das vendas totais.

O bom desempenho de mercado da companhia era fruto direto do processo

de reestruturação conduzido pelos executivos do Banco Garantia. Se, inicialmente, a

pouca expertise de Telles e sua equipe no ramo de cervejas poderia ser uma

dificuldade para identificar e implementar as mudanças necessárias, a ampla

experiência no Banco Garantia contribuiu para a garantia da saúde financeira da

cervejaria.

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Primeiramente, no início da década de 90, por ter uma estrutura de custos

mais enxuta e desenvolver sistemas de informação contábeis e de vendas que

permitiam a decisão criteriosa em relação à precificação dos produtos, a CCB pôde

manter saudáveis margens brutas, apesar dos baixos preços. Ao final de 1998,

mesmo com uma dívida absoluta maior do que a Antarctica, a Brahma gerava fluxo

de caixa operacional muito maior para cobrir juros.

Em 1998, último ano antes do início do processo de fusão com a Antarctica, a Brahma havia deixado sua histórica concorrente vergonhosamente para trás. Seu lucro líquido era de R$ 329,1 milhões, ante R$ 64,2 milhões dos paulistas. Em 1999, um ano complicadíssimo por causa da desvalorização do real, o faturamento da Brahma foi mais do que o dobro do da Antarctica: US$ 7 bilhões, ante US$ 3,3 bilhões. A cervejaria, que custara US$ 60 milhões à turma do Garantia dez anos antes, valia então R$ 3,7 bilhões. A Antarctica, parada no tempo, foi simplesmente atropelada. (TEIXEIRA, 2008, p. 17)

Foi nesse ano, inclusive, que surgiu o embrião do hoje famoso Orçamento

Base Zero (OBZ), com o Programa Volta às Origens, organizado em torno de uma

meta de redução de custo de R$ 100 milhões (TEIXEIRA, 2008). Ao final de 1998,

numa reunião de conselho, Lemann quis saber qual havia sido a economia

conseguida com o tal programa, porém não se sabia a resposta exata.

Imediatamente, Telles acionou Falconi e o também consultor Gustavo Pierini.

Gustavo propôs métodos de planejamento para a redução de custos das várias

fábricas e da matriz. Falconi acrescentou métodos para execução e verificação das

economias - "sem um sistema que em sete dias úteis te mostra o resultado do mês

anterior, esqueça, não tem corte de custos".

Diferentemente do orçamento tradicional, que costumava se inspirar no

orçamento do ano anterior e aplicar-lhe índices de redução para montar o do ano

corrente, sem saber se o valor de cada despesa corresponde à realidade daquele

momento, o OBZ partia sempre do zero, estudando as despesas uma por uma para

identificar possíveis excessos (ou carências) nos gastos de cada item. Isso valia

para tudo: compra de insumos, aquisição de material de escritório ou gestão de

serviços terceirizados. Não por acaso, surgiram nos escritórios da Brahma

especialistas em itens como transporte, aluguel, iluminação e água, que atuavam

como consultores internos, conhecidos até hoje como Boinas Verdes.

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Além da capacidade de geração de caixa, a CCB havia feito o hedge de 100%

de sua dívida em dólar. Em janeiro de 1999, os sócios do GP reuniram um grupo de

CEOs para ouvir um economista renomado discutir a possibilidade de uma potencial

desvalorização cambial em função da reeleição de Fernando Henrique Cardoso. O

economista argumentou que o perigo havia praticamente dissipado e que o hedging,

a preços correntes, não era necessário. Muitos dos CEOs seguiram as orientações

do economista e foram pegos de surpresa, duas semanas depois, por uma

desvalorização de 64%. Telles, no entanto, sentiu que o custo financeiro de uma

desvalorização seria muito alto e manteve a empresa 100% coberta. Tal decisão

ajudou a cervejaria a resistir à desvalorização cambial.

Diferentemente da CCB, a CAP ficou exposta à desvalorização cambial e à

conseqüente crise de liquidez, sem capacidade operacional para cobrir suas dívidas.

Diante da fragilidade da empresa e da possibilidade de aquisição por parte de

alguma cervejaria estrangeira interessada em entrar no mercado brasileiro, Marcel

Telles propôs a Victório de Marchi, da CAP, a possibilidade de fundir as duas

empresas.

Para Aguiar (apud Santos, 2001), a fusão seria o antídoto imediato para o

problema do endividamento da CAP. O balanço da CCB de setembro de 1999

indicava a existência de um caixa de 1,455 bilhão de reais, suficiente para

recapitalizar a CAP. O tipo de endividamento da CCB, de 34,5% do patrimônio à

época, era todo de longo prazo e, se a operação da AmBev viesse a ser aprovada, a

nova empresa não apresentaria os problemas de liquidez que se abatiam sobre a

CAP.

Numa base pro forma, a fusão geraria a quinta maior cervejaria do mundo em

volume. E Telles acreditava que o consumo per capita de cerveja poderia crescer no

Brasil, e que a nova empresa poderia gerenciar melhor a distribuição de produtos e

lançar marcas premium para estimular a demanda. Além disso, internacionalmente,

a nova empresa poderia alavancar sua posição dominante no Brasil para expandir-

se em mercados estrangeiros.

Dessa forma, após quatro meses de negociações, foi anunciada, no dia 1º de

julho de 1999, a fusão da CAP e da CCB, para criar a AmBev – Companhia de

Bebidas das Américas.

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APÊNDICE F – BREVE HISTÓRIA DO BANCO GARANTIA15

Criado na década de 70 por Jorge Paulo Lemann, o Banco Garantia virou

sinônimo de banco nacional de investimento. Sua presença nas bolsas de valores e

nos mercados de câmbio e juros distinguiu-se pela agressividade das operações.

Sempre foi considerado o mais ousado e inovador entre seus pares. Os mesmos

adjetivos estiveram por vinte anos grudados no fundador do banco, também ele uma

lenda entre os banqueiros brasileiros.

Para o mercado de modo geral, o que mais define Jorge Paulo Lemann talvez seja sua capacidade de comprar participações em empresas, injetar-lhes competitividade com uma gestão excepcional e revender os papéis com lucro. Afinal, foi assim que ele subverteu a velha lógica das fusões e aquisições, em que uma companhia era comprada, desmontada e os pedaços vendidos com ágio e, geralmente, sem competitividade alguma. (NETO, 2008, p. 18)

A estréia de Lemann no mercado de capitais coincidiu também com o seu

primeiro fracasso. Na década de 70, abriu uma financeira para, anos depois,

quebrar, tanto na pessoa jurídica como na física. Um amigo do pai, Ricardo Haegler,

o ajudou a sair da encrenca. Lemann, porém, não abandonou o setor e criou a

Corretora Garantia, que logo virou banco e depois começou a fazer investimentos

em empresas de outros setores – uma atividade batizada de private equity, na qual

foi pioneiro no Brasil.

Além de Lemann, tido como um Midas das finanças, foram sócios do banco

nomes como Claudio Haddad, Marcel Hermann Telles, Carlos Alberto Sicupira, Luiz

César Fernandes, Tom Freitas Valle, entre outros. O sangue-frio nos negócios, a

disposição por correr riscos e uma cultura baseada na meritocracia transformaram o

Garantia numa espécie de escola para banqueiros. Fernandes deixou a sociedade

para criar o Pactual, e Valle, para montar o Matrix.

A operação do Garantia era feita à imagem e semelhança do Goldman Sachs,

banco de investimentos americano, com o qual Lemann tentava sempre fazer o

maior número possível de negócios. Foi lá, inclusive, que conheceu alguns dos

princípios que formam a ―cultura Garantia‖, como a meritocracia, o treinamento

15

Elaborado pelo autor com base em: Barros, 1998; Castanheira, 2000; Instituto Empreender Endeavor, 2005; Jardim, 1998; Magella, 2003; e Neto, 2001 e 2008.

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intenso e a necessidade de dar oportunidades às pessoas. Foi de lá também que

Lemann copiou o sistema de partnership e o introduziu pela primeira vez no Brasil.

Trata-se de uma sociedade na qual os sócios mais velhos vão gradualmente

passando suas ações e poder para os jovens mais promissores, que dão

continuidade à empresa, a seus princípios e sua cultura.

Eu [Lemann] tive a oportunidade de estudar no exterior e aprendi logo cedo que, em termos de negócios, eles estão na nossa frente. Isso não quer dizer que tudo o que eles fazem é melhor ou que tudo o que eles fazem é copiável aqui; é preciso analisar caso a caso. Mas sempre me dediquei muito a tentar aprender, ver como as coisas estão sendo feitas lá fora para aplicá-las aqui no Brasil. No banco, tentávamos fazer muitos negócios com a Goldman Sachs, procurávamos ver como eles funcionavam. (NETO, 2001, p. 7)

Mas nada era tão simples como parece. Algumas regras precisavam ser

cumpridas, como a de não levar ações para casa até completar certo tempo no

Banco. Telles, por exemplo, ganhou sociedade no Garantia, foi crescendo e

comprando ações. Mais tarde, passou a vender os papéis da empresa para os mais

novos, obrigando a reciclagem das ações dentro do próprio negócio. Para esse

modelo funcionar, em função de ser um banco de investimentos, não poderia haver

muito capital acumulado. Do contrário, seria muito caro para uma pessoa nova

entrar na sociedade, pois o valor das ações ficaria alto demais. Além disso, com

muito capital acumulado, a rentabilidade seria baixa, uma vez que o dinheiro estaria

parado, sem gerar nada. "Também não queríamos distribuir muito, porque pessoas

com dinheiro começam a fazer besteira", dizia Telles. "Foi assim que resolvemos

aplicar o dinheiro em um lugar que todos achassem ser um grande investimento

para um de nós tocar" (INSTITUTO EMPREENDER ENDEAVOR, 2005, p. 189).

A primeira empresa para a qual Sicupira e os sócios direcionaram a mira foi a

Brahma, logo descartada, pois achavam impossível de administrar. "Negócio de

cervejeiro era um mistério para nós", dizia. Além disso, as ações da Brahma eram

caras, o que os fez buscar outra companhia que pudessem comprar via Bolsa.

"Então, fomos para outra opção, as Lojas Americanas. Lá, começaríamos a comprar

ações devagar e, se desse tudo errado, estaríamos 'protegidos' pelo valor dos

imóveis pertencentes à empresa" (INSTITUTO EMPREENDER ENDEAVOR, 2005,

p. 144).

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O primeiro desembolso foi para a compra das Lojas Americanas via Bolsa de

Valores, em 1982. Foi o primeiro takeover no Brasil - jargão do mercado financeiro

para tomada de poder - via mercado de capitais. O escolhido para tocar a operação

foi Carlos Alberto Sicupira. Essa decisão abriu os horizontes de Lemann. "Isso nos

tirou da área financeira e nos colocou dentro da economia real." (INSTITUTO

EMPREENDER ENDEAVOR, 2005, p. 328) A vez de Telles chegou em 1989, com a

compra da Brahma. Ele estava no comando da área de trading do Garantia, mas, de

acordo com a política de deixar espaço para os mais jovens crescerem, saiu para

assumir a linha de frente na cervejaria.

Mesmo assim, investimentos como Lojas Americanas, Brahma e GP

Investimentos foram feitos em configurações societárias diferentes, conforme a

disponibilidade e vontade dos sócios. Segundo Lemann:

Cada empresa é totalmente autônoma. A Lojas Americanas compra cerveja de quem quer; a Brahma aplica seu caixa em várias instituições financeiras e até tem limites normais para aplicar no Banco Garantia. Nunca houve intenção de formar um grupo, fazer planejamento estratégico comum, buscar sinergias ou centralizar o caixa, coisas corriqueiras nos grupos. A única estratégia comum é a de fazer bons investimentos, buscar excelência e criar oportunidades excepcionais para quem quiser construir conosco. (BARROS, 1998, p. 1)

A GP Investimentos, por exemplo, é uma administradora de um fundo de

investimento criada pelos sócios, que já teve participação em diversas empresas,

como Gavisa, Submarino e Telemar. Diferentemente do Garantia, o foco da GP é

gerir diversos investimentos de risco, administrar recursos sobretudo de terceiros

visando retornos financeiros em prazos mais curtos, de 8 a 10 anos.

Apesar do sucesso e de anos de bom desempenho, o Garantia não resistiu

aos estragos provocados pela quebra da Rússia, em 1998. Lemann foi obrigado a

vendê-lo para o Credit Suisse First Boston. O problema do Garantia, e a razão de

sua venda, foi que o encanto quebrou. O banco sofreu um tranco violento no final de

outubro de 1997, em função da crise asiática. Seus operadores avaliaram mal os

riscos de uma virada repentina dos mercados, que vinham subindo havia tempos de

forma exuberante. Por estar fincados em posições mais agressivas, das quais

demoraram a se livrar, perderam mais – assim como teriam abarrotado seus cofres

de dinheiro se o cenário não virasse pelo avesso.

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A aposta errada foi desastrosa para os resultados do banco. O lucro do

Garantia reduziu-se para 10,8 milhões de dólares em 1997, volume equivalente a

um décimo do lucro do ano anterior. Seus acionistas foram obrigados a injetar às

pressas 50 milhões de dólares na instituição para cobrir perdas admitidas de 110

milhões de dólares, valor que seus concorrentes garantiam ter sido bem mais alto.

Para piorar, o patrimônio dos fundos de investimento administrados pelo banco caiu

pela metade no segundo semestre de 1997: era de 4,5 bilhões de reais em junho e

terminou o ano em 2,2 bilhões de reais.

Foi um baque de proporções inéditas para quem estava acostumado a vencer

sempre – ou a, pelo menos, conseguir recuperar-se no momento seguinte. "A

paulada asiática os atingiu num ponto fundamental na cultura do banco, a

invencibilidade", afirmava um banqueiro na época. "Foi um choque que os deixou

tontos".

A crise provocou uma tensão inigualável na história do Garantia. Chegou a

tal ponto que o trio Lemann, Telles e Sicupira passou a comandar diretamente a

mesa de operações por alguns dias, algo que não acontecia havia quase uma

década. A relação com sua fiel e riquíssima clientela também ficou abalada. Houve

fundos de alto risco, nos quais não se entrava com menos de 250.000 reais, que

viraram pó.

Não bastasse, o Garantia ousou pedir aos cotistas de alguns desses fundos

mais dinheiro para recapitalizá-los. Embora seja prática incomum, o banco estava

escorado nos estatutos dos tais fundos, que foram esquecidos pelos investidores

que aplicavam dinheiro no banco na crença de sua infalibilidade. Na maior parte dos

casos, em vez de dinheiro, o Garantia recebeu de volta impropérios de investidores

coléricos. "Eles venderam dinamite", dizia um diretor de um banco de investimentos

carioca. "Ela apenas explodiu, um dia tinha de acontecer." Como se estava falando

de muito dinheiro, os investidores preferiram perdê-lo no anonimato. Uma exceção

foi o piloto de Fórmula Indy Raul Boesel, que garantiu ter visto escorrer pelo ralo 1,5

milhão de dólares nos fundos do Garantia. A reclamação de Boesel era de que o

banco não o alertou inteiramente dos riscos que corria.

Foi essa implosão que levou Lemann a passar adiante o banco que fundou 27

anos antes. "O Jorge Paulo ficou desgostoso com tudo isso, com a credibilidade

construída ano a ano abalada", afirmou um executivo financeiro que conhecia o

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banqueiro desde os anos 80. "Passou por situações que ele considerava meio

humilhantes." Em meados de janeiro, por exemplo, recebeu a visita de Luiz Cezar

Fernandes, dono do Banco Pactual, um dos mais fortes concorrentes do Garantia.

Fernandes, ex-sócio do Garantia, deixou o banco em 1982 por causa de

desentendimentos com Lemann e acabou fundando o Pactual em seguida. "Se você

precisar de ajuda, eu compro ou podemos nos fundir", disse Fernandes no encontro.

"Lemann não topou, claro, mas detestou ter de passar por aquilo", diz um banqueiro.

"Detestou ver um banqueiro brasileiro lhe oferecendo ajuda."

Ainda assim, na época de sua venda, o Garantia valia muito. O banco ainda

estava em primeiro lugar em muitas das operações em que se envolvia, embora sua

liderança não fosse mais absoluta, como no passado. De acordo com o que foi

acertado com o Credit Suisse First Boston, Lemann, Haddad, Telles e Sicupira

saíram completamente do banco, mas os outros quinze sócios permaneceram. Só

que viraram funcionários, embora mantivessem os bônus milionários que faziam

parte da lenda Garantia.

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ANEXOS

ANEXO A – INGREDIENTES BÁSICOS DA CERVEJA

Como já mencionado, são quatro os elementos fundamentais para produzir

cerveja: água, malte, lúpulo e fermento. Cereais como milho, arroz e trigo também

são utilizados, em substituição parcial ao malte. O açúcar, em pequenas proporções,

também pode ser adicionado (AMBEV, 2009).

Água

Em quantidade, a água é o principal componente da cerveja, sendo um dos

principais fatores a serem levados em consideração na sua fabricação.

Basicamente, a água define o local onde a cervejaria deve ser instalada. Para cada

1 litro de cerveja produzida, são gastos, em média, 10 litros de água, considerando

todas as etapas do processo.

A água para cervejaria deve ser insípida e inodora para não interferir no gosto

e no aroma da cerveja acabada. Também deve possuir um pH entre 6,5 e 8,0, faixa

onde as enzimas do malte atuam para a transformação do amido em açúcares

fermentáveis.

Muito do sucesso de certas cervejas se deve às características da água com

que são produzidas. Por exemplo, a cerveja produzida em Pilsen, na

Tchecoslováquia, ficou famosa porque a água utilizada em sua produção

apresentava uma característica peculiar: baixíssima salinidade, o que conferia à

bebida um paladar especial, chegando a originar um tipo de cerveja conhecido no

mundo inteiro como "cerveja tipo Pilsen".

Atualmente, a tecnologia de tratamento de águas evoluiu de tal forma que, em

tese, é possível adequar a composição de qualquer água às características

desejadas. No entanto, como o custo de alterar a composição salina da água

normalmente é muito alto, muitas cervejarias ainda hoje consideram a qualidade da

água disponível como fator determinante para a localização de suas fábricas. No

Brasil, por exemplo, a maioria das regiões dispõe de águas suaves e adequadas à

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produção das cervejas lager, denominação genérica do tipo de cerveja clara e suave

que é produzida no país.

Malte

O malte utilizado em cervejaria é obtido a partir de cevadas de variedades

selecionadas especificamente para esta finalidade. A cevada é uma planta da família

das gramíneas, parente próxima do trigo, e sua cultura é efetuada em climas

temperados. No Brasil, é produzida em algumas partes do Rio Grande do Sul

durante o inverno; a Argentina, contudo, é a grande produtora na América do Sul.

Após a colheita da safra no campo, os grãos (sementes) de cevada são

armazenados em silos, sob condições controladas de temperatura e umidade,

aguardando o envio para a Maltaria, que é a indústria que irá fazer a transformação

da cevada em malte. Esse processo consiste, basicamente, em colocar o grão de

cevada em condições favoráveis à germinação, deixar esta começar a ocorrer e

interrompê-la tão logo o grão tenha iniciado o processo de criação de uma nova

planta. Nessa fase, além do amido do grão se apresentar em cadeias menores do

que na cevada, o que o torna menos duro e mais solúvel, formam-se enzimas no

interior do grão que são fundamentais para o processo de fabricação da cerveja. A

germinação é então interrompida por secagem a temperaturas controladas, de modo

a reduzir o teor de umidade sem destruir as enzimas formadas.

Malte, portanto, é o grão de cevada que foi submetido a um processo de

germinação controlada para desenvolver enzimas e modificar o amido, tornando-o

mais macio e solúvel. Esse processo utiliza basicamente as forças da natureza, que

proveu as sementes da capacidade de germinar para desenvolver uma nova planta;

a ação humana se limita a controlar as condições de temperatura, umidade e

aeração do grão.

Lúpulo

O lúpulo (Humulus lupulus L.) é uma trepadeira perene cujas flores fêmeas

apresentam grande quantidade de resinas amargas e óleos essenciais que

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conferem à cerveja o sabor amargo e o aroma que caracterizam a bebida. É o

tempero da cerveja e um dos principais elementos de que os mestres cervejeiros

dispõem para diferenciar seus produtos dos demais. A quantidade e o tipo

(variedade) de lúpulo utilizado são um segredo guardado a sete chaves pelos

cervejeiros.

Trata-se de uma cultura dos climas frios do hemisfério norte, sendo os países

do norte europeu e os Estados Unidos os grandes produtores. No Brasil, não

existem condições climáticas adequadas à produção de lúpulo, e todo o suprimento

nacional é importado da Europa e dos Estados Unidos.

Fermento

Fermento é o nome genérico de microorganismos, também conhecidos por

leveduras, que são utilizados na indústria cervejeira graças à sua capacidade de

transformar açúcar em álcool. Especificamente, a levedura utilizada em cervejaria é

a espécie Saccharomyces Cerevisiae e cada cervejaria dispõe de sua própria cepa

(linhagem de levedura). Embora todas as cepas façam basicamente o mesmo

trabalho de transformar açúcar em álcool e gás carbônico, o sabor do produto obtido

difere de uma cepa para outra, em virtude de pequenas diferenças de metabolismo e

da conseqüente formação de substâncias capazes de conferir aroma e sabor ao

produto, mesmo estando presentes em quantidades muito pequenas.

Outros Cereais

Na maioria dos países, inclusive o Brasil, é hábito substituir parte do malte de

cevada por outros cereais, também chamados de adjuntos. Consegue-se, dessa

forma, uma vantagem econômica, caso o cereal substituto seja mais barato que o

malte, e produz-se uma cerveja mais leve e suave que a obtida exclusivamente com

malte de cevada. Os adjuntos normalmente usados para esse fim são o arroz e o

milho, embora seja possível adotar qualquer fonte de amido.

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ANEXO B – PROCESSO BÁSICO DE FABRICAÇÃO

O processo básico de fabricação de cerveja segue as etapas apresentadas na

Figura 9-1 e descritas em seguida.

Figura 0-1: Esquema básico do processo de produção de cerveja

Fonte: Departamento de Engenharia Química e Engenharia de Alimentos – UFSC/

Laboratório de Engenharia Bioquímica – ENGEBIO.

Recebimento e Armazenagem do Malte: Em grandes empresas, o

malte é recebido a granel a partir de caminhões (1) e armazenado em

silos (2).

Moagem do Malte: No início da produção, o malte é enviado até

moinhos (3) que cuja função é promover um corte na casca e então

liberar o material amiláceo (amido) para o processo. Outra função da

moagem é promover a diminuição do tamanho de partícula do amido

de modo a aumentar a sua área superficial, para futuramente ocasionar

um aumento na velocidade de hidrólise do amido.

Mosturação: Após ser moído, o malte é enviado até os tanques de

mostura (4). Nessa etapa, o malte moído é misturado com água e

submetido a aquecimento. As enzimas contidas no malte são liberadas

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para o meio e, sob ação de calor, são ativadas pra promover a hidrólise

catalítica do amido. O aquecimento não costuma ultrapassar

temperaturas de 72ºC, pois as enzimas são inativadas em

temperaturas acima desses valores.

Filtração: A mistura obtida, também chamada de mostura, atravessa

um sistema de filtros (5) que tem por função separar a casca da

mistura. Na torta formada ainda existem frações de açúcares que

poderão ser utilizados na fermentação. Após filtrada, a mostura passa

a denominar-se mosto.

Fervura: Em seguida, o mosto é adicionado a um tanque (7) onde

recebe a adição de lúpulo (6). A mistura é fervida por volta de 30

minutos. Durante esse intervalo, ocorre a extração e isomerização de

alguns óleos essenciais extraídos do lúpulo.

Resfriamento: Terminada a fervura, o mosto fervido, acrescido de

lúpulo, é resfriado por trocadores de calor, com o objetivo de receber a

levedura (8) que irá promover a fermentação.

Fermentação: Nessa fase, as leveduras consomem os açúcares

fermentiscíveis, se reproduzem e, além disso, produzem álcool e

dióxido de carbono e também alguns ésteres, ácidos e alcoóis

superiores que irão transmitir propriedades organolépticas à cerveja. A

fermentação ocorre em tanques fechados, revestidos por uma camisa

externa que permite a passagem de fluído refrigerante (amônia ou

etileno glicol) para manter o sistema na temperatura desejada de

filtração, que pode variar de 10 a 25ºC. O tipo de fermentação

dependerá da levedura utilizada, de forma que podemos encontrar:

o Cerveja de Alta Fermentação - Levedura: Saccharomyces

Cerevisiae; e

o Cerveja de Baixa Fermentação - Levedura: Saccharomyces

Uvarum.

Maturação: Terminada a fermentação, a cerveja obtida do fermentador

(cerveja verde) é enviada aos tanques de maturação (10) onde é

mantida por períodos variáveis a temperaturas de aproximadamente

0ºC. Essa fase é importante porque ocorre a sedimentação de algumas

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partículas em suspensão e também desencadeiam-se algumas

reações de esterificação que irão produzir alguns aromatizantes

essenciais para a cerveja.

Segunda Filtração: Nessa nova filtração (12), é acrescida terra

diatomácea (11) à cerveja madura, com o objetivo de remover as

partículas em suspensão e também adsorver certas substâncias que

conferem cor desagradável à cerveja.

Acabamento: Após a segunda filtração, a cerveja passa por uma fase

de acabamento (13) onde irá receber dióxido de carbono (armazenado

a partir da fermentação) e outras substâncias que irão garantir a

qualidade da cerveja e aumentar o seu tempo de prateleira, como

estabilizantes e antioxidantes.

Engarrafamento: A cerveja acabada (14) é enviada à engarrafadora

(16), que recebe as garrafas limpas (15) com solução de hidróxido de

sódio.

Pasteurização: A cerveja engarrafada antes de ser pasteurizada recebe

a denominação Chopp. Após ser pasteurizada, ela passa a se

denominar cerveja. O objetivo da pasteurização (17) é eliminar alguns

microorganismos que irão prejudicar as características originais da

cerveja. A pasteurização costuma ser realizada a temperaturas por

volta de 70ºC, que é a temperatura letal dos microorganismos em

questão. Quando a cerveja é engarrafada antes da pasteurização, esse

processo é conduzido em câmaras onde a bebida recebe jatos de

vapor e em seguida é refrigerada com jatos de água fria. Caso a

pasteurização ocorra antes do engarrafamento, a cerveja é

pasteurizada através de sua passagem por trocadores de calor.

ANEXO C – TIPOS DE CERVEJA

As cervejas podem ser classificadas de acordo com os seguintes critérios16:

Tipo de fermentação:

16

Fonte: Departamento de Engenharia Química e Engenharia de Alimentos – UFSC/ Laboratório de Engenharia Bioquímica – ENGEBIO.

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o Cerveja de Alta Fermentação: obtida pela ação de levedura

cervejeira (saccharomyces cerevisiae) que emerge à superfície

do líquido na fermentação tumultuosa (Ale).

o Cerveja de Baixa Fermentação: obtida pela ação de levedura

cervejeira (saccharomyces uvarun) que se deposita no fundo da

cuba durante ou após a fermentação tumultuosa (Lager).

Teor de extrato primitivo:

o Cerveja Fraca: quando fabricada a partir de mosto com teor de

extrato primitivo igual ou maior que 7,0% e menor que 11% em

peso.

o Cerveja Normal ou Comum: quando produzida a partir de mosto

com teor de extrato primitivo igual ou maior que 11% e menor

que 12,5% em peso.

o Cerveja Extra: quando fabricada a partir de mosto com teor de

extrato primitivo igual ou maior que 12,5% e menor que 14% em

peso.

o Cerveja Forte: quando produzida a partir de mosto com teor de

extrato primitivo maior que 14% em peso.

Cor:

o Cerveja Clara: quando possuir cor correspondente a menos de

15 unidades European Brewery Convention (EBC)17.

o Cerveja Escura: quando possuir cor correspondente a 15 ou

mais unidades EBC.

Teor Alcoólico:

o Cerveja sem álcool: quando seu conteúdo de álcool for menor ou

igual a 0,5% em peso.

o Cerveja de baixo teor alcoólico: quando seu conteúdo for maior

que 0,5% e menor que 2,0% em peso.

17

A European Brewery Convention (EBC) é o braço científico e tecnológico da ―The Brewers of Europe‖ (fundada em 1958, é a associação que representa a indústria de cerveja européia), e tem como objetivo facilitar a criação e transferência de conhecimento e a colaboração entre seus parceiros, os produtores de cerveja e as instituições acadêmicas, para o benefício da indústria de cerveja, dos consumidores e da comunidade. Fonte: EBC. Disponível em: <http://www.europeanbreweryconvention.org/>. Acesso em: 19 fev. 2010.

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o Cerveja de médio teor alcoólico: quando seu conteúdo for igual

ou maior que 2,0% e menor que 4,5% em peso.

o Cerveja de alto teor alcoólico: quando seu conteúdo for igual ou

maior que 4,5% e menor que 7,0% em peso.

ANEXO D – BREVE HISTÓRIA DA SKOL18

A história das Cervejarias Reunidas Skol-Caracu começou em 1964, quando

a Sociedade Central de Cervejas, maior grupo cervejeiro português, associou-se a

outras cinco cervejarias – Allied Breweries Ltd (Inglaterra), John Labatt Ltd

(Canadá), Pripp Pryggerierna AB (Escandiávia), Unibra AS (Bélgica) e Bravarei

Schwechat AG (Áustria) – e juntas fundaram a Skol International Ltd.

O desejo de crescer em novos mercados fez com que a Sociedade Central de

Cervejas começasse a sondar o mercado brasileiro, quando então descobriu que já

havia um proprietário da marca Skol no País, o grupo Scarpa. Esse grupo detinha

cinco cervejarias – Cia Cervejaria Rio Claro (SP), Cia Cervejaria Caracu (SP), Cia

Cervejaria Santista (SP), Cia Cervejaria Cayru (RJ) e Cia Cervejaria Londrina (PR) –

e também desejava expandir-se no mercado nacional.

Em 1967, devido à comunhão de interesses, a associação entre o grupo

Scarpa e a Skol International Ltd, via Sociedade Central de Cervejas, foi rápida. O

grupo Scarpa cedeu a marca à cervejaria européia e, dois anos depois, as

cervejarias do grupo foram incorporadas à Skol, originando as Cervejarias Reunidas

Skol-Caracu S.A.

Paralelamente, o Grupo Brascan (Canadá) manifestava interesse em

ingressar no mercado nacional, adquirindo a Cia Mineira de Cerveja, fabricante das

marcas Ouro Fino, Ouro Branco e Ouro Preto, em 1972. Coincidentemente, os

acionistas das Cervejarias Reunidas Skol-Caracu S.A. buscavam novos sócios para

dar prosseguimento à sua ampliação. Em 1973, portanto, a Sociedade Central de

Cervejas e o já então constituído grupo Brascan-Labatt Participações Ltda

adquiriram as cotas da Skol International Ltd na Skol International Participações

Indústria e Comércio, acionista majoritária das Cervejarias Reunidas Skol-Caracu

S.A.

18

Fonte: Evangelista; Keller; Siqueira, 1990.

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Assim participaram, em iguais condições, até 1976, quando o grupo

português vendeu sua participação para o canadense. Em 1977, foi feita a

incorporação da Cia Brasiliense de Cervejas ao grupo, e em 1978 inaugurou-se uma

nova fábrica de Skol em Guarulhos (SP).

Em 1980, a Cia Cervejaria Brahma adquiriu as cotas da Brascan Labatt,

passando a controlar as Cervejarias Reunidas Skol-Caracu S.A., sob o nome

Brahma Administração Investimentos e Participações Ldta., mantendo, no entanto,

sua independência jurídica.

Sempre na vanguarda tecnológica, a Skol foi a primeira cerveja em lata do

Brasil a ser comercializada em folha de flandres, em 1971, além de ter inovado com

embalagens descartáveis de vidro e tampas de abertura fácil (AMBEV, 2009).