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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIENCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES- SCHLA DEPARTAMENTO DE CIENCIAS SOCIAS – DECISO DÉBORA DE FARIAS FIDELIS AS MULHERES E A PRÁTICA ESPORTIVA: GÊNERO E CORPORALIDADE. CURITIBA- PR 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE CIENCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES- SCHLA DEPARTAMENTO

DE CIENCIAS SOCIAS – DECISO

DÉBORA DE FARIAS FIDELIS

AS MULHERES E A PRÁTICA ESPORTIVA: GÊNERO E CORPORALIDADE.

CURITIBA- PR

2017

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DÉBORA DE FARIAS FIDELIS

AS MULHERES E A PRÁTICA ESPORTIVA: GÊNERO E CORPORALIDADE.

Trabalho apresentado ao Curso de Ciências Sociais da UFPR - Universidade Federal do Paraná, para a disciplina TCC em licenciatura. Profa.Dra. Miriam Adelman.

CURITIBA- PR

2017

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AGRADECIMENTOS.

A todas as pessoas que de alguma maneira partilharam comigo experiências

marcantes ao longo dos últimos cinco anos, facilitando a vivencia acadêmica e

fazendo meus dias mais alegres, muito obrigada.

Agradeço especialmente a minha família que mesmo em momentos de

adversidades nunca deixou de me apoiar e ter empatia com as minhas “sociologias

de boteco” sempre me incentivando a prosseguir no curso, e em outros tantos planos

que fiz durante esse tempo.

Agradeço as amizades que fiz no time de basquete da UFPR e que levarei para

a vida (1,2,3 federal!!), à todas as pessoas do coletivo Frente Negra que amenizara

minhas dificuldades me ensinando na prática o que é resistência e empoderamento,

à minha companheira que não mediu esforços para me auxiliar nos seis meses finais

de graduação, e a minha orientadora que pacientemente mostrou as coordenadas de

como conduzir esse trabalho.

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RESUMO

O presente trabalho teve o intuito de suscitar analises e questionamentos relacionados

as temáticas de mulheres atletas, gênero e corporalidade. Sabendo do aumento da

cultura fitness e da abrangência de mulheres que praticam algum esporte ou atividade

física atualmente, esse trabalho teve como objetivo norteador tentar compreender as

convergências e divergências em relação a visão normativa de gênero, que cerceava

ostensivamente a liberdade das mulheres dentro das diversas modalidades esportivas

antes de meados do século XX. Nos primeiros dois capítulos eu apresento uma

revisão de literatura de gênero e sua relação com corporalidade, esporte, atividade

física, e a luta das mulheres por direitos. No terceiro capítulo é abordado a formação

e a configuração da instituição esportiva e sua inter-relação com as mulheres, a

feminilidade e a masculinidade. Por último, é apresentada uma pesquisa empírica

sobre mulheres jovens que são atletas universitárias atualmente. Esse trabalho da

ênfase as mudanças sociais e culturais que perpassam a prática esportiva dessas

atletas.

Palavras chaves: Mulheres atletas; Gênero; Corpo; Esporte.

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ABSTRACT

The goal of the present work is to raise some fundamental questions an the themes of

sportswomen, gender and corporality. In light of the growth of the fitness culture and

the increased numbers of women who practice some sport or physical activity today, I

try to understand the convergences and divergences in relation to the normative views

of gender, that ostensibly restricted the freedom of the women within the various sports

before the mid- twentieth century. In the first two chapters I present a review of the

literature gender related specifically to questions of the body, sport, physical activity

and the history of women’s struggles. The third chapter deals with the formation and

configuration of sports institution as a social interrelationship to women, femininility and

masculinity. Finally, I present a empirical research on young women who are university

athletes today. This work emphasizing the social and cultures changes that enable

their sporting activity.

Keys Words: Women athletes; Gender; Body; Sport.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................9

2. REVISÃO DE LITERATURA: GÊNERO ENQUANTO CATEGORIA DE

PODER...................................................................................................................11

2.1A mobilização das mulheres e a conquista de

espaços..................................................................................................................14

2.2 O movimento de mulheres e a pós

modernidade .........................................................................................................18

3 DISCURSOS SOBRE OS CORPOS DAS

MULHERES ..........................................................................................................22

3.1 Mulheres e práticas

esportivas...............................................................................................................25

3.2.Masculinidade e

modernidade........... ...............................................................................................28

3.3 A organização do tempo livre no sistema capitalista: homens e mulheres no

esporte....................................................................................................................30

3.4 Esporte no Brasil: distinção de classe e

gênero ....................................................................................................................33

4. TRABALHO EMPÍRICO.....................................................................................37

4.1 Alguns trabalhos nesse sentido........................................................................38

4.2 Análise exploratória...........................................................................................42

4.3 Esporte amador e profissional..........................................................................44

4.4 Entrevistas....... ................................................................................................46

4.4.1 primeira categoria: motivação para a entrada no

esporte ...................................................................................................................46

4.4.2 Apoio dos pais ou responsáveis para a prática

esportiva .................................................................................................................48

4.4.3 Profissionalização...........................................................................................50

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................52

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................55

ROTEIRO DAS ENTREVISTAS.........................................................................57

ANEXO 1: ENTREVISTA ANA...........................................................................58

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ANEXO2: ENTREVISTA KARINE......................................................................61

ANEXO 3: ENTREVISTA ANA B........................................................................65

ANEXO 4: ENTREVISTA BRUNA......................................................................71

ANEXO 5: ENTREVISTA MAYARA....................................................................74

ANEXO 6: ENTREVISTA LETÍCIA ....................................................................76

ANEXO 7: ENTREVISTA LARISSA...................................................................81

ANEXO 8: ENTREVISTA AMANDA..................................................................83

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INTRODUÇÃO

A notícia de uma gravidez dentro de uma família é sempre seguida de uma

série de questionamentos e determinações relacionados a esse novo membro familiar,

anteriormente mesmo ao nascimento do bebê. A curiosidade sobre o sexo biológico

do bebê, tem como objetivo uma possível definição subjetiva da identidade de gênero

da criança – feminino ou masculino- e da correlação dessa identidade com uma pré-

concebida orientação sexual -heterossexual. A correlação entre sexo biológico,

identidade de gênero e orientação sexual, dentro de concepções mais populares,

sempre se encontra associada a um padrão 1heteronormativo.

Desse modo, caso o órgão sexual reprodutor da criança seja uma vagina, é

considerado ‘natural’ que a criança seja uma menina/mulher/feminina e que sua

orientação do desejo sexual ao longo da vida seja voltado para quem tem o órgão

sexual reprodutor contrário ao dela, isto é, os meninos/homens/masculino.

Essas definições mais do que meros enquadramentos sem propósitos maiores,

ditam por meio dos discursos –que instituem e reforçam - uma série de práticas e

modos de agir e pensar encaradas como padrão quando pensamos em

comportamentos de pessoas pela ótica do gênero. Mecanicamente, assim sendo,

atrelamos determinados comportamentos/modos de pensar a homens e, as demais

práticas antagônicas a eles, concatenamos a elas. Existe, assim, uma relação precoce

de características subjetivas, físicas e cognitivas que são associadas ao macho-

homem- masculino- hétero, e as contrárias a este são associadas à fêmea- mulher-

feminina- hétero.

Ainda muito novas as crianças aprendem que determinadas brincadeiras,

senão exclusivas, são melhores executadas ou por elas ou por eles, porém nunca por

ambos. Assim sendo, o futebol, a ‘lutinha’ e brincadeiras que envolvam competição de

habilidades motoras/técnicas, é um campo dominado pelos meninos enquanto

brincadeiras de ‘casinha’, isso é, brincadeiras que envolvam afazeres domésticos e

de cuidado com os filhos (bonecas) são dominadas por elas. Embora existam

1 A h e t e r o n o r m a t i v i d a d e v i s a r e g u l a r e n o r m a t i za r m o d o s d e s e r e d e v i v e r o s

d e s e j o s c o r p o r a i s e a s e x u a l i d a d e d e a c o r d o c o m o q u e e s t á s o c i a lm e n t e e s t a b e l e c i d o p a r a a s p e s s o a s , n u m a p e r s p e c t i v a b i o l o g i c i s t a e d e t e r m i n i s t a , h á d u a s - e a p e n a s d u a s - p o s s i b i l i d a d e s d e l o c a ç ã o d a s p e s s o a s q u a n t o a a n a t o m i a s e x u a l h u m a n a , o u s e j a , f e m i n i n o / f êm e a o u m a s c u l i n o / m a c h o . ( P ET R Y; M E YE R , 2 0 11 , p . 1 9 5 ) .

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brincadeiras partilhadas por meninos e meninas, essas não tendem demais a

competitividade e força física (coisa deles!) e nem demais ao cuidado e sutileza (coisa

delas!).

Sou atleta amadora desde os 13 anos de idade, e em minha trajetória esportiva

integrei os times de basquetebol do munícipio de São José dos Pinhais de Curitiba.

Desde a adolescência, desse modo, pratiquei de maneira intensa e diária os treinos e

competições de basquetebol e já na universidade também representei o time da UFPR

durante 5 anos na modalidade. Minhas indagações relacionadas à mulher e seu corpo

dentro do universo esportivo partem da minha experiência de vida como atleta

amadora e, junto dela os questionamentos de terceiros permeados de reprovação de

algumas características desenvolvidos por meio dos treinos frequentes. Como

exemplo dessas características é possível citar um possível corpo muito musculoso

(consultar imagens página 85), a própria escolha da modalidade esportiva em

detrimento de outras práticas lúdicas como alguns tipos de dança , a reprovação dos

hematomas na pele devido a choques entre jogadoras, escolhas de roupas esportivas

mais largas que não marcam o corpo, a dedicação para aprimorar a habilidade técnica

e física exigida pela modalidade, o tempo despendido para competições em

detrimento de outras atividades como ir a eventos familiares e etc. A pressão social

atrelada a normatividade de gênero faz com que as mulheres participem de maneira

periférica do campo esportivo profissional. Com base nesses questionamentos e

vivências tenho como pergunta norteadora “Quais os estímulos e apoios para a prática

esportiva destinados as mulheres, e influencia desse apoio em relação a modalidade

que elas escolhem praticar? Temos como hipótese de que o estimulo para a prática

esportiva de mulheres é baixa em alguns esportes que são considerados masculinos,

e visamos com tal trabalho investigar os estímulos que elas recebem para seu

desenvolvimento esportivo.

Viso com tal pesquisa que perpassa as discussões de gênero, compreender os

discursos das próprias atletas sobre as concepções de esporte e mulher, corpo atlético

e mulher, prática esportiva feminilidade e masculinidade.

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2. GÊNERO ENQUANTO CATEGORIA DE PODER.

A maneira de se comportar/vestir-se/ brincar ainda na infância reflete e introjeta

a todo momento o pensamento de gênero binário e heteronormativo, isto é, que divide

o mundo em homens e mulheres e características de homens e mulheres- femininas

e masculinas. Essas características que dizem respeito exclusivamente a matriz

discursiva de gênero fazem parte do que Butler (2003) chama de performance do

gênero:

[...] atos gestos e atuações, entendidos em termos gerais, são performativos, no sentido de que a essência ou identidade que por outro lado pretendem expressar são fabricações manufaturadas e sustentadas por signos corpóreos e outros meios discursivos. O fato de o corpo gênero ser marcado pelo performativo sugere que ele não tem status ontológico separado dos vários atos que constituem sua realidade. Isso também sugere que se a realidade é fabricada como uma essência interna, essa própria interioridade é efeito e função de um discurso decididamente social e público […] (BUTLER; 2003, p.195)

Nosso corpo segundo Le Breton (2003) é maleável, ao mesmo tempo que

realiza a mediação da nossa experiência de vida para com tudo. O autor afirma que

nossa existência corporal se dá por meio de um corpo inacabado, que pode significar

e ressignificar os símbolos e signos da cultura de modo que a anatomia não é mais

um destino, mas sim um momento:

Moldado pelo contexto social e cultural em que o ator se insere, o corpo é o vetor semântico pelo qual a evidência da relação com o mundo é construída: atividades perceptivas mas também expressão dos sentimentos, cerimoniais dos ritos de interação, conjunto de gestos e mímicas, produção da aparência, jogos sutis da sedução, técnicas do corpo, exercícios físicos, relação com a dor com o sofrimento etc.[...] .(LE BRETON, 2007, p. 7).

A maneira como fazemos o uso de nosso corpo, por sua vez, depende de um

conjunto de símbolos partilhados por determinada coletividade. Desse modo, o

entendimento coletivo desses signos permite a inteligibilidade das práticas e discursos

referentes a tais práticas. Assim o ator corporificado comunica a todo instante por meio

da sua experiência física com o mundo, suas vontades e compreensibilidade das

coisas. Essa experiência corporificada, dentro da maioria das sociedades, também é

generificada, isto é, carregada de características físicas e psicossociais que

historicamente tem caracterizado uma visão dicotômica sobre a performatividade de

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gênero em relação a homens e mulheres.

A performatividade de gênero (BUTLER,2003), seria esse modo de comunicar

por meio de uma prática discursiva e física determinado aspecto corpóreo e subjetivo

dentro desse universo de signos inteligíveis. Ela estaria relacionada ao modo como

exteriorizamos o nosso “eu”, que por sua vez é formado pelo processo de socialização

em que regras e discursos relacionados ao gênero são difundidas e introjetadas pelos

sujeitos.

A performatividade, entretanto, não pode ser considerada apenas um

aprendizado corpóreo sobre determinado modo de se comportar, isto é, não é uma

livre escolha de comportamento do sujeito já que esse mesmo sujeito não antecede

aos discursos de gênero. Desse modo, os discursos de gênero já estão dados dentro

de um esquema discursivo regulatório em que o sujeito se encontra inserido. Segundo

Sara Salih (2016, p. 90) “O script, se nos apraz chama-lo assim, já está sempre

determinado no interior desse quadro regulatório, e o sujeito tem uma quantidade

limitada de “trajes” a partir dos quais pode fazer uma escolha restrita do estilo de

gênero que irá adotar”.

Se pensarmos em exemplos mais concretos temos que garotos são

socializados para comportar-se de determinado modo e as garotas de outro modo, e

a introjeção e repetição desses modos de comportamento, ou ainda, a

performatividade, permitem a inteligibilidade de gênero dentro da maioria das

sociedades. Essa socialização generificada, por sua vez, está relacionada com esse

quadro regulatório discursivo que acaba por construir e instituir uma matriz de gênero,

matriz essa que todos nós estamos submetidos.

O gênero é a contínua estilização do corpo, um conjunto de atos repetidos no interior de um quadro regulatório altamente rígido e que se cristaliza ao longo do tempo para produzir a aparência de uma substância, a aparência de uma maneira natural de ser. Para ser bem- sucedida, uma genealogia política das ontologias dos gêneros deverá desconstruir a aparência substantiva do gênero em seus atos constitutivos e localizar e explicar esses atos no interior dos quadros compulsórios estabelecidos pelas várias forças que policiam a sua aparência social (BUTLER; 2003, p 33, apud SALIH; 2016, p. 89) .

As meninas quando ainda crianças, desse modo, aprendem a se vestir com

roupas de meninas, comportar- se e realizar brincadeiras de meninas etc. Já os

meninos vestem- se como meninos, comportam-se como meninos, brincam como

meninos etc. Lemos e classificamos o gênero de acordo com essas práticas

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padronizadas, e o que se encontra fora desta padronização é classificado como fora

do normal do natural, ou seja, de uma suposta essência de homens e mulheres. Existe

um esforço para que o padrão binário seja imposto como regra, e o que foge dele

encarado como estranho, passível de dúvidas ou 2abjeto (Butler, 1999).

Pensaremos a partir da ótica do gênero o ingresso, a permanência e a

construção corporal das mulheres no campo esportivo, pois a competitividade

presente nessas instituições, e junto dela o aprimoramento de habilidades técnicas e

motoras, como por exemplo a agressividade das disputas e uma construção corporal

especifica, são lidas socialmente como características comuns a homens.

Esse senso comum se encontra atrelado a formação da instituição esportiva já

que o campo esportivo se constituiu em meio ao processo civilizador como um locus

privilegiado em que a lógica de virilidade e confronto entre os homens e para homens

ganhou contornos espaciais, psicológicos e corporais, e excluiu as mulheres dessa

lógica. A ação de guerrear abertamente dos homens foi tolhida pela formação e

estabelecimento dos estados nacionais, transformando o campo esportivo no lugar

ideal para se consolidar a esportivização da violência, isto é, o confronto esportivo

regrado em detrimento da violência generalizada anterior ao processo civilizador. Tais

interpretações serão melhores exploradas no segundo capitulo do presente trabalho.

O campo esportivo, desse modo, se estabeleceu a partir de uma lógica dos

homens em que a violência simbólica a partir da exclusão das mulheres e do feminino-

categoria compreendida aqui como uma construção social assim como o masculino -

tinha como objetivo enaltecer a virilidade “natural” dos homens e, consequentemente,

reificar uma hierarquia entre os sexos.

A violência simbólica define-se, em um primeiro momento, como uma violência dissimulada, o que, diga-se de passagem, lhe confere poderes particulares e eficácia especifica. Tal violência não pode ser usada independentemente, pois não é um tipo distinto de violência. Ela é violência física mascarada e, por conseguinte, invisível e esquecida. Conforme afirma Terray (2005, p. 304): “esse tipo de violência tem por efeito, estabelecer a legitimidade de um discurso, de decisão de um agente ou uma instituição, entretanto, as relações de força que originam a violência simbólica, são desconhecidas” (SALVINI, SOUZA, MARCHI JUNIOR; 2012, p.404)

2 O a b j e t o d e s i g n a a q u i p r e c i s a m e n t e a q u e l a s zo n a s “ i n ó s p i t a s ” e “ i n a b i t á v e i s ”

d a v i d a s o c i a l , q u e s ã o , n ã o o b s t a n t e , d e n s a m e n t e p o v o a d a s p o r a q u e l e s q u e n ã o g o za m d o s t a t u s d e s u j e i t o , m a s c u j o h a b i t a r s o b r e o s i g n o d o “ i n a b i t á v e l ” é n e c e s s á r i o p a r a q u e o d o m í n i o d o s u j e i t o s e j a c i r c u n s c r i t o . ( B U T L E R ; 2 0 0 0 , p . 1 5 5 )

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2.1 A MOBILIZAÇÃO DAS MULHERES E A CONQUISTA DE ESPAÇOS.

A história da luta das mulheres e suas conquistas em relação as esferas pública

e privada foram determinantes para o começo e a continuidade da prática esportiva -

dentro de uma estrutura moderna do esporte- pelas mulheres. Desse modo, as

liberdades conquistas em relação a prática das distintas modalidades tem uma estreita

conexão com um movimento de luta por direitos que repercutiu de diferentes formas

em distintos setores das sociedades.

Os discursos que sempre vigoraram, e que ainda encontram ressonância no

presente, sobre uma concepção de mulher enquanto sujeito na sociedade tiveram

como objetivo, na maioria das vezes, o cerceamento de seu corpo.

[…] As alavancas do comando do mundo nunca estiveram nas mãos das mulheres; não influíram nas técnicas nem na economia, não fizeram nem desfizeram Estados, não descobriram mundos. Por causa delas, muitos acontecimentos ocorreram, mas elas foram muito mais pretextos do que agentes […] (BEAUVOIR; 1980, 170)

Todo esse cerceamento infringido as mulheres acabou sendo a causa da

aglutinação das mesmas, no século XIX, enquanto grupo que tinha como objetivo

primordial a luta pelo direito ao voto, e a partir da conquista dele elaborar uma possível

mudança política em muitas esferas da sociedade. Essa primeira onda do feminismo

– organização das mulheres que tinha como pauta norteadora a igualdade de direito

entre os gêneros- surgiu no Reino Unido e nos Estados Unidos, pois nesses lugares

as mulheres já haviam rompido determinadas barreiras no final do século XIX e

começo do XX como à barreira relacionada ao trabalho assalariado nas fábricas,

menos ganhando menos que os operários fabris.

Por conta das guerras que aconteceram nesses períodos, em ambos lugares

já citados, a demanda por mão de obra se fazia sensitiva já que a maioria dos homens

aptos para o trabalho nas fábricas se encontravam em combate defendendo seus

respectivos países3. Desse modo o trabalho das mulheres se fazia necessário para o

sustento das suas famílias, para a continuação das guerras, e também para bem estar

nacional já que elas participavam tanto da produção de armamentos quanto da

3 Guerra civil americana (1861-1865), guerras do século XIX motivadas pelo ideal de colonização

tanto da Inglaterra quanto dos EUA, e a primeira guerra mundial de (1914- 1918).

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produção de manufaturas que seriam comercializados com o intuito de melhorar a

economia do país que se encontrava defasada por conta dos gastos com a própria

guerra.

A mobilização das mulheres trabalhadoras das fábricas em prol do direito ao

voto, assim sendo, foi definidora para as outras ondas do feminismo. Tais ondas

surgiram inspiradas nesse primeiro momento, ou tendo como pano de fundo a

organização e a posterior conquista do voto pelas mulheres.

A segunda onda do feminismo foi uma das consequências das mudanças

culturais dos anos 60 registradas nos Estados Unidos e Inglaterra. A década de 60 é

caracterizada por um momento de efervescência cultural a nível mundial, e seus

desdobramentos impactaram não somente as potências mundiais que tinham vencido

a segunda grande guerra mundial como também os países considerados de ‘terceiro

mundo’. Nos anos 60 muitos movimentos sociais surgiram ou se consolidaram com o

intuito de mostrar o descontentamento em relação a algum aspecto da sociedade e

propor uma nova maneira de organizar essas problemáticas que até então eram o

motivo da insatisfação desses movimentos.

O movimento negro, ambientalista, hippie, feminista, anticolonialista e demais

movimentos que lutavam pelos direitos humanos de maneira geral, são alguns

exemplos de grupos de pessoas que se organizaram com pautas específicas para

reivindicar seus direitos como cidadãos.

Esse momento cultural dos anos 60 é um lastro da descrença do pós guerra da

década de 50, quando a sociedade ainda vivenciava as lembranças recentes dos

horrores da guerra. Os discursos relacionados ao consumo e conforto característicos

do american way of life4 que aparecia quase como uma filosofia na vida das pessoas,

perdeu lugar para a crítica de que esse desenvolvimento e crescimento exacerbado

da sociedade acabava findando em guerras ou disputas entre países por terras e

recursos.

O movimento beat da década de 50 teve uma grande influência sobre a maneira

crítica de pensar a sociedade que se proliferou nos anos 60. O movimento era

composto, em grande parte, por jovens da classe trabalhadora que puderam

4 Estilo de vida americano ancorado no ideal de prosperidade nacional em relação a extrema

produtividade do país, e no consumo individual da maior quantidade possível desses produtos para se obter conforto e bem estar.

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frequentar as universidades e que partilhavam uma indignação relacionado aos

discursos de conformismo difundidos pelo american way of life, e uma pretensão de

liberdade relacionados aos modos de levar a vida da época:

“Os beats articulavam, através da sua arte e suas vidas, uma crítica social que inspiraria às próximas gerações uma contribuição considerável no contexto da sociedade norte- americana que não só carecia de tradições anarquistas, socialistas, comunistas ou “esquerdistas” fortes, tais como as que existiam na Europa, mas que também estava sob a vigilância cruel do período macartista. Os beats atacavam diretamente o conformismo da época, satirizando as noções de propriedade moral e da obediência do bom cidadão norte- americano que cumpria com seus deveres familiares e patrióticos e, assim, desafiado a normatização que os meios de comunicação (em especial, a televisão, que era “fato novo” à época) impunham como força articular”.(ADELMAN; 2004, p.30)

Para o objetivo deste trabalho vamos explorar os desdobramentos da

organização das mulheres dessa época e a sua correlação com mudanças mais

amplas da sociedade.

A crítica feminista que floresceu no âmbito acadêmico na década de 50 e que

teve uma grande repercussão nas décadas seguintes, tem como pensadora expoente

Simone de Beauvoir. A escritora e filósofa representa um marco na produção feminista

pois sintetizou o pensamento da ainda incipiente produção acadêmica sobre a

maneira de se pensar o lugar destinado as mulheres dentro das sociedades,

promovendo, desse modo, uma interpretação estrutural sobre a sujeição das

mulheres.

Sua produção teve um grande impacto pois Beauvoir conseguiu demonstrar

como as mulheres eram pensadas enquanto pessoas de segunda classe devido a seu

equipamento biológico reprodutor distinto em relação ao dos homens.

A MULHER? É muito simples, dizem os amadores de formulas simples: é uma matriz, um ovário; é uma fêmea, e esta palavra basta para defini-la. Na boca do homem o epíteto “fêmea” soa como um insulto; no entanto, ele não se envergonha de sua animalidade, sente-se, ao contrário, orgulhoso, se dele dizem: “É um macho! ”. O termo fêmea é pejorativo, não porque enraíze a mulher na Natureza, mas porque a confina no seu sexo. (BEAUVOIR; 1980, p.25)

A autora tentou mostrar em sua obra que a submissão das mulheres se

desenvolve no discurso e na vida concreta, esse segundo sendo as situações

cotidianas da vida. No plano empírico ou plano das experiências concretas, existe

uma relação desigual quando se trata da divisão do trabalho com os homens tanto no

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5espaço privado quanto no 6ambiente público, e essa desigualdade também pode ser

verificada no âmbito dos discursos produzidos dentro da sociedade.

Em relação a essa produção discursiva Beauvoir sinaliza que a sujeição das

mulheres é consequência do domínio dos homens em relação as maneiras de se

pensar a mulher na sociedade. A maioria dos estudantes que frequentavam as

universidades eram homens que tinham aprendido desde a tenra idade que as

mulheres deveriam ocupar um lugar físico e discursivo muito específico em relação a

eles, e nunca interferir ou disputar esses espaços dominados por eles.

Desse modo a produção acadêmica, raras vezes, afrontava o senso comum de

que a mulher deveria ser exclusivamente a condutora do lar, uma ótima esposa e mãe,

e nunca levar problemas para o marido que trabalhava o dia todo para sustentar a

casa. Beauvoir, desse modo, elaborou uma critica a falta de incentivo para as

mulheres adentrarem na universidade, e, a toda estrutura da sociedade que ligava a

mulher a um segundo plano nas decisões das coisas:

Beauvoir percebeu com clareza que tanto os assuntos que estão explicitamente relacionados às questões de gênero, quanto aqueles que não têm uma relação tão evidente com elas, estão marcados no seu conteúdo e no seu método como produtos de uma cultura masculinista, na qual tudo sempre é pensado a partir da posição de um sujeito masculino- que é também um homem da elite branca, europeia e ocidental. Talvez o mais claro e discutido (em tempos mais recentes) exemplo desse viés embutido no cânone seja o mesmo conceito de indivíduo- o sujeito definido por sua racionalidade e capacidade de domínio de si mesmo, da natureza e da “sociedade” - que se tornou um conceito básico da filosofia, da história, da ciência política, da economia, da sociologia e até da psicologia nas suas vertentes não psicanalíticas. (ADELMAN;2004, P.91.).

A autora, desse modo, propôs uma nova maneira de interpretar a sociedade a

partir dessa critica estimulando que fossem repensadas a relação de poder entre os

gêneros e também com outros recortes sociais de outros grupos.

Os movimentos feministas7e também os demais movimentos sociais que

surgiram nos anos 60 e 70, apoiaram-se na teoria de Beauvoir para a condução dos

5Aquele de propriedade privada, em que se tem autonomia para administrar da maneira que se

quer. As relações tendem a ser mais pessoais nesse espaço. Exemplo: ambiente doméstico da casa de uma pessoa ou de uma família.

6Aquele de propriedade pública caracterizado pela impessoalidade em que a autonomia individual ou vontade individual deve ser renunciada em nome do bem público e direitos universais. Exemplo: seguir a constituição nacional para o pleno funcionamento da esfera política.

7 Destacamos aqui a presença de movimentos feministas no plural, isto é, as correntes feministas que se desdobraram a partir dos anos 60 e que tinham pautas especificas para a agenda política; Por exemplo, o feminismo negro.

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projetos políticos idealizados por seus movimentos. Tais movimentos tinham como

objetivo repensar a estrutura da sociedade e a relação de poder existente entre os

distintos grupos que favorecia alguns em detrimento de outros. O pensamento da

autora, portanto, permitiu reavaliar toda a organização social pautando a igualdade

entre os gêneros e demais interseções como um objetivo a ser alcançado por esses

movimentos.

2.2 O MOVIMENTO DE MULHERES E A PÓS MODERNIDADE.

A pós modernidade é caracterizada como um momento de ruptura em relação

aos discursos que tendiam a avaliar o mundo a partir de categorias generalizantes ou

homogêneas. Tais categorias partiam de uma ideia de identidade fixa, e que não

considerava as intersecções entre elas, isto é, a categoria mulher era analisada no

singular e não no plural: mulheres! Desse modo, as vivências das mulheres negras,

pobres, lésbicas e com todas as demais intersecções possíveis, não entrava na

pautas de luta política da categoria “mulher”, ou se entrava não obtinha um grande

espaço dentro agenda política do movimento.

As categorias relacionadas a explicações econômicas estruturais cuja

influência marxista foi definidora, também eram binárias e não contemplavam em suas

explicações uma proposta de debate ou produção teórica que estivesse olhando para

as identidades que iam além das mencionadas na discussão econômica, a saber,

burgueses e proletários, ou, pobres e ricos.

O debate teórico dicotômico não considerava que esses proletários e

burgueses também faziam parte de outras estruturas além da econômica, como por

exemplo às de gênero e racial. Assim sendo, Alguns movimentos sociais- como por

exemplo o movimento negro, o feminismo negro, e o feminismo de modo mais geral-

denunciaram a conivência e a perpetuação de opressões de gênero e racial, já que

não se olhava com a devida atenção para os problemas relacionados a essas outras

estruturas.

Todas as mudanças estruturais e de pensamentos dos anos 60 tiveram uma

grande influência na superação dessas categorias clássicas, pelas quais o

pensamento e os discursos eram ordenados anteriormente. Dentro do movimento

feminista as mulheres passaram a ter suas diversas experiências de vida

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contempladas, em detrimento da experiência de vida da categoria mulher8, isto é, una

e com pautas muito específicas.

As mulheres passaram então a ser consideradas com todas as suas

diversidades dentro do debate teórico: negras, pobres, lésbicas, imigrantes etc. A luta

política pela aquisição de direitos e mudanças culturais discursivas em relação a

essas mulheres, também se fragmentou em muitos movimentos dentro do movimento

maior que era o feminista.

A década de 60, assim sendo, foi um momento em que a maneira de se olhar

para a esfera do poder, ou seja, de quem ou quais grupos tinham poder na

configuração social, acabou sofrendo uma mudança considerável. O poder que

anteriormente a década de sessenta era visto como fixo, ou pertencente a apenas um

pólo - o burguês ou o grupo que tinha mais dinheiro em relação aos mais pobres; Os

homens em relação às mulheres; Os brancos em relação aos negros; E os

heterossexuais em relação aos homossexuais e lésbicas - passou a ser analisado a

partir das micro relações de poder, em que cada micro configuração social tem uma

relação de poder fragmenta ali.

Esse poder fragmentado, segundo Foucault (1988) sempre encontrava-se em

correlação com estruturas maiores de poder, sendo essa lógica o que possibilitava a

concatenação de opressões sociais em nível macro social e micro social. Essa

configuração do poder opressivo manifestado no ambiente público e o privado foi

denunciada pelos projetos políticos de alguns movimentos sociais.

Essa lógica do poder residual permitia que, por exemplo, mulheres brancas

tivessem determinados privilégios em relação às mulheres negras; Homens brancos

tivessem determinados privilégios em relação a homens negros ou gays e até fossem

uma fonte de opressão desses segundos; Gays brancos tivessem privilégios em

relação a não- brancos, independente da sexualidade; E assim por diante. Isso

aconteceria, segundo o autor, pois seriam as estratégias de poder utilizadas para

determinado fim.

Michel Foucault em ‘a história da sexualidade’ (1988) produziu uma analítica do

poder a partir do esclarecimento das estratégias e dispositivos usados pelos discursos

de poder que podem ser veiculados por pessoas ou grupos no intuito de exercer algum

8 Categoria no singular. Esse modo de pensar partia do pressuposto que toda e qualquer mulher,

enfrentava exatamente os mesmos entraves sociais.

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tipo de domínio ou influência em relação a algum aspecto da sociedade.

Em suma gostaria de desvincular a análise dos privilégios que se atribuem normalmente à economia de escassez e aos princípios de rarefação, para, ao contrário, buscar as instâncias de produção discursiva (que, evidentemente, também organizam silêncios), de produção de poder (que, algumas vezes têm a função de interditar), das produções de saber (as quais, frequentemente, fazem circular erros ou desconhecimentos sistemáticos);Gostaria de fazer a história dessas instâncias e de suas transformações […] (FOUCAULT; 1988, p. 17)

Para o objetivo desse trabalho daremos enfoque as contribuições de Foucault

sobre o dispositivo da sexualidade e seu caráter discursivo que legitima ou interdita

determinadas práticas, de acordo com os interesses mais gerais de determinados

grupos na sociedade. Essa interdição ou até mesmo o aval para determinados

comportamentos tem os corpos como principal modo de exteriorização das práticas.

O autor fala do dispositivo da sexualidade enquanto uma das maneiras de

produzir discursos em relação ao sexo e aos comportamentos pertinentes a ele. Esse

dispositivo seria o conjunto de práticas que permearia as instituições sociais como a

escola, a família, a igreja, e também o universo jurídico; Seu objetivo seria ditar

determinadas práticas consideradas ‘normativas’, de acordo com essas instituições,

em relação a sexualidade. O poder discurso sobre os corpos, isto é, o estabelecimento

por esse dispositivo de comportamentos considerados ‘corretos’ em detrimento de

outros considerados como ‘incorretos’, é o modo pelo qual o poder é exercido. Essa

lógica também é replicada nas escolhas e comportamentos das mulheres dentro da

instituição esportiva.

Assim sendo o jogo de poder está posto na maneira pela qual o domínio sobre

o sexo acontece, ou seja, quais são os discursos que legitimam a ou deferem

determinados comportamentos.

Esse mesmo poder, era essencialmente jurídico- discursivo, ao mesmo tempo

que promovia as práticas que se queriam normativas, em seu esteio também

legitimavam as práticas que apareciam fora dessa concepção idealizada de

normatividade. Desse modo, o dispositivo da sexualidade era como uma via de mão

dupla: tinha por objetivo delimitar uma identidade comportamental que se queria como

estatuaria e moralmente aceita, mas nessa tentativa também delimitava as práticas

que seriam imorais e portanto vergonhosas.

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No que diz respeito ao sexo. O que significa, em primeiro lugar, que o sexo fica reduzido, por ele, a regime binário: lícito e ilícito, permitido e proibido. Em seguida, que o poder prescreve ao sexo uma "ordem" que funciona, ao mesmo tempo, como forma de inteligibilidade: o sexo se decifra a partir de sua relação com a lei. E, enfim, que o poder age pronunciando a regra: o domínio do poder sobre o sexo seria efetuado através da linguagem, ou melhor, por um ato de discurso que criaria, pelo próprio fato de se enunciar, um estado de direito. Ele fala e faz- se a regra. A forma pura do poder se encontraria na função do legislador; e seu modo de ação com respeito ao sexo seria jurídico- discursivo. (FOUCAULT; 1988, p.80)

Apesar do discurso-jurídico estar diretamente associado ao poder, o autor

também colocou que o poder também era possível ser encontrado fora do ambiente

jurídico.

O autor realiza um analise dos conjuntos estratégicos do século XVIII ligados

aos dispositivos de saber poder em relação a sexualidade e, desse modo, elencou

quatro conjuntos que tiveram um profundo impacto nos discursos e em relação a

maneira de se comportar das pessoas: A histerizarão do corpo da mulher; A

pedagogização do sexo da criança; A socialização das condutas de procriação; E a

psiquiatrização do prazer perverso.

Para nosso objetivo nesse trabalho exploraremos no próximo capítulo, um

desses desses conjuntos estratégicos que foram determinantes para uma

interpretação especifica do corpo da mulher, e posteriormente do corpo da mulher

atleta: A histerização do corpo da mulher.

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3. DISCURSOS SOBRE OS CORPOS DAS MULHERES.

A histerização do corpo da mulher consistiu na patologização do corpo da

mesma, empreendida em grande parte pelo discurso médico da época. Seu corpo foi,

desse modo, “qualificado e desqualificado como integralmente saturado de

sexualidade”. (FOUCAULT, 1988, p.98). O discurso de saber poder difundido pela

medicina em relação, especificamente, ao corpo da mulher, portanto, promoveu não

só a delimitação de ações e comportamentos que seriam “adequados” para esses

corpos, como também a delimitação de espaços de convivência que seriam propícios

para o desenvolvimento pleno desse organismo.

A mulher, então, passou a ocupar um lugar social preponderante no corpo

social pois além de serem as pessoas que deveriam dar à luz a nova geração, também

estavam encarregadas de zelar pelas crianças já que estavam imbuídas, segundo o

discurso vigente da época “[...] de uma responsabilidade biológico- moral que dura

todo o período da educação” ( FOUCAULT, 1988, p.98)

Essa estratégia de saber poder, segundo o autor, estava associada a outras

três estratégias que, muito embora não tenham nascido em bloco, funcionaram de

maneira a complementar uma a outra: A pedagogização do sexo da criança; a

socialização das condutas de procriação; E a psiquiatrização do prazer perverso. Tais

estratégias, assim como a já abordada histerização do corpo da mulher, visaram o

estabelecimento menos da proibição de determinadas práticas e mais do

estabelecimento discursivo de comportamentos normativos.

O saber poder usado para elaborar essas estratégias também estabeleceu um

discurso sobre determinada “matriz sexual”9 que seria adequada, isto é, práticas

relacionadas a sexualidade que estariam dentro do que se queria como almejado.

Desse modo, os modos de gerenciar o corpo e performá -lo10 foram perpassadas por

discursos normativos que visaram o estabelecimento comportamentos e práticas

dentro do imaginário social.

9Matriz sexual entendida aqui como os discursos que visaram a fixação das práticas binárias relacionadas a sexualidade. 10[...]O efeito do gênero se produz pela estilização do corpo e deve ser entendido, consequentemente, como a forma corriqueira pela qual os gestos, movimentos, e estilos corporais de vários tipos constituem a ilusão de um eu permanente marcado pelo gênero. (BUTLER; 2OO3, p. 200)

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O saber poder do século XVIII que instituiu determinados discursos sobre os

corpos e comportamentos das mulheres encontra- se correlacionado com as maneiras

de conceber esses corpos em outros períodos, como por exemplo o discurso do “belo

sexo”.

Já nos séculos XV popularizou- se uma visão em relação às mulheres que,

mesmo tendo sofrido modificações ao longo do tempo, ainda se faz notável: o discurso

do “belo sexo”. Segundo esse modo de interpretação o “belo sexo” estaria relacionado

diretamente à mulher, seu corpo e seus modos de agir. Essa ideologia pregava um

padrão de comportamento e de aparência para as mulheres da época, que eram

consideradas perfeitas quando seguiam os ditames e a etiqueta da época oriundos de

tal pensamento.

A idolatria do “belo sexo” é uma invenção da Renascença: de fato, é preciso esperar os séculos XV e XVI para que a mulher seja alçada ao pináculo com personificação suprema da beleza. Pela primeira vez na história, realiza-se a conjunção das duas lógicas que instituem o reino cultural do “belo sexo”: reconhecimento explícito e “teorizado” da superioridade estética do feminino e glorificação hiperbólica dos seus atributos físicos e espirituais (LIPOVETSKY, 2000, p. 113 apud KNIJNIK,2003, p.29)

Assim sendo difundiu-se um discurso de corpo frágil e dócil que posteriormente,

no século XVIII, foi associado a maternidade, ao zelo com a casa e com os entes

familiares, pois seriam características das “verdadeiras mulheres”. Essa tônica

discursiva mais do que meramente associar as mulheres e determinadas atividades,

ditavam o que seria a identidade das mulheres, isto é, postulavam uma regra de

definição do “ser”, e o que escapava dessa regra era considerado imperfeito, anormal

ou ainda em desacordo com as regras sociais da época.

Desse modo a verdadeira mulher ou o exemplo máximo do que deveria

representá-la, deveria ser delicada e sutil nas práticas mais banais do dia-a-dia, ser

uma companhia agradável para os homens, comportar-se publicamente de modo a

nunca enfrenta -los ou desautoriza-los perante as demais pessoas e valorizar seu

casamento proporcionando o melhor convívio possível para seu marido e filhos. O

cuidado com a aparência também era encarado como de extrema importância pois

uma “dama” de verdade nunca poderia andar desalinhada. A vaidade e o alinhamento

da aparência, e principalmente a exteriorização pública desses modos, refletia a regra

social do belo sexo.

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Além do corpo perfeito, para ser bela é necessário ter qualidades capazes de seduzir e chamar para si o olhar do outro. Ser bela é ser atraente e sensual. E também, feminina: graciosa, virtuosa e submissa a ponto de não ameaçar os conceitos tradicionalmente demarcados para cada sexo.( GOELLNER; 2003, p. 49).

As concepções e crenças dessas épocas refletiam invariavelmente no corpo,

isto é, na exteriorização dos modos considerados padrão e correto de portar-se em

sociedade, pois tinham o corpo como estampa viva dos estereótipos de beleza, de

feiura e também das relações de gênero (KNIJNIK,2003).

As visões sobre o “belo sexo” da mulher ainda no século XV, desse modo,

tiveram uma capilaridade em todos os estratos e setores das sociedades do século

XV, sempre aparecendo na contramão do que era considerado pertencente ao sexo

masculino. Ou seja, aos homens era permitido e encarado como dentro das regras

sociais tudo aquilo oposto ao que então fazia parte da definição da identidade de

mulher.

Assim sendo, a identidade masculina ou do homem era associada as

características de força, agressividade, pensamento estratégico, tino para mandar, e

viagens por diversos lugares. Muito embora esse homem idealizado também tivesse

um cuidado com a aparência e o alinhamento público, tal regra estava relacionada

muito mais ao status e posteriormente a classe social a qual ele pertencia do que

necessariamente conectado a um imperativo de beleza. Assim sendo estar bem

vestido era um sinônimo de status que fazia referência a seu patrimônio e impunha

respeito até mesmo a quem não se conhecia, em detrimento da obrigação de ser

bonita das mulheres da época.

Essa visão binária dos gêneros dos que associava características específicas

a um gênero (o feminino) e outras características antagônicas as primeiras, ao

masculino, difundiu-se em muitos espaços dentro da sociedade como por exemplo

nas práticas de lazer associadas ao esporte e posteriormente o esporte moderno.

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3.1 MULHERES E PRÁTICAS ESPORTIVAS. As práticas esportivas estiveram historicamente associadas ao lazer dos

homens, legando a mulher uma participação de coadjuvante. As primeiras disputas

regradas, que configurou uma organização ainda tímida do campo esportivo, foram

registradas no século XVI com as cavalgadas e outras práticas que envolviam a

associação dos homens junto dos animais equestres. Essas competições eram

majoritariamente disputadas pelos homens e representavam a idealização de estilo

de vida aristocrático, isto é, que remetia a elite e o status decorrentes de pertencer a

alta sociedade da época.

Desse modo, ser adepto de práticas esportivas tinha como significado máximo

o pertencimento a um círculo social específico que cultivava costumes muito

particulares no intuito de constituir uma identidade aristocrática, que por sua vez se

distinguia de outros setores da sociedade.

[…] jogos deste tipo correspondiam à estrutura de uma sociedade em que os níveis de formação do Estado e do desenvolvimento social era, de modo geral, relativamente reduzidos, onde a violência era uma característica mais regular e manifesta da vida quotidiana e o equilíbrio de poder entre os sexos se inclinava nitidamente a favor dos homens. Em resumo, estes jogos populares expressavam uma forma extrema de regime patriarcal. Como tal, integravam a expressão macho de uma forma relativamente desabrida.( DUNNING, 1992, p.395)

Às mulheres era reservado o direito de auxiliares dessas práticas esportivas

masculinas, e seu principal papel em meio a essa esfera de competitividade era o de

torcer para seus maridos e outros parentes homens para que ganhassem a disputa.

O esporte, nesse sentido, historicamente promoveu a homossociabilidade masculina11

devido seu caráter fechado de promoção das características que foram construídas,

isto é, elaboradas discursivamente, como exemplo da representação máxima de uma

essência dos homens e do que seria o masculino. Desse modo, a própria

competitividade e o uso de estratégia e de força tinham como objetivo a construção

11[…] espaço de homossociabilidade conforme o conceito desenvolvido por Eve Kosofsky Sedgwick no seu trabalho pioneiro (1985). Ao voltar seu olhar, forjado na teoria feminista dos anos 70 e 80, para os padrões de sociabilidade e interação entre homens no espaço público – e conforme representados na literatura inglesa da época - ela traz à descoberta uma dimensão até então insuficientemente estudada e elaborada, da construção de espaços e discursos onde a exclusão das mulheres é um elemento central para o tipo e o conteúdo de laços sociais (e também, por vezes, sexuais e eróticas) entre homens. (ADELMAN, MORAES; 2008, p. 5-6).

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de um corpo vigoroso para o enfrentamento de circunstâncias adversas da vida, e de

um caráter moral relacionado a coragem.

Outro autor que fez uma leitura do esporte pela ótica do gênero, e que

indiretamente corrobora a visão do esporte enquanto local de homossociabilidade

masculina por meio das trocas de laços advindas dos momentos de disputas regradas,

é Norbert Elias (1994).

Em sua obra intitulada “processo civilizador” o autor, situado dentro do espectro

da sociologia configuracional, sinaliza que o processo civilizador está associado ao

estabelecimento de uma força centralizadora na sociedade que passa a ter o

monopólio da violência e da coerção física. Muito embora não seja possível especificar

momento em que essa força centralizadora se constitui estando ela na contramão da

violência e modos de sanção administrados individualmente para a resolução dos

problemas pessoais, ela pode ser associada ao processo de formação dos Estados

Modernos. Esse processo de formação dos estados tem como pressuposto a

introjeção do autocontrole relacionado a violência, isto é, o estado passa a administrar

os conflitos entre pessoas e grupos.

[…] a liberação das emoções em batalha durante a Idade Média não era, talvez, tão desinibida como no período anterior das Grandes Migrações. Mas era bastante franca e desinibida em comparação com a medida dos tempos modernos. Neste último, a crueldade e a alegria com a destruição e o tormento de outrem, tal como a prova de superioridade física, foram colocados sob um controle social cada vez mais forte amparado na organização estatal. Todas essas formas de prazer, limitadas por ameaças de desagrado, gradualmente viram a se expressar apenas indiretamente, em uma forma “refinada”. […] (ELIAS, 1994, p. 191)

Essa nova concepção do poder da violência, e, portanto, de mando,

pertencente unicamente ao Estado e não mais as pessoas bem-nascidas que

desfrutavam de status nas sociedades pré-modernas devido a sua condição financeira

ou hereditariedade, provocou uma mudança na personalidade das pessoas. Desse

modo, para a efetivação da soberania do Estado o abandono da violência cotidiana

aplicada arbitrariamente por indivíduos segundo suas próprias interpretações das

situações conflituosas, teve que ceder espaço para o privilégio de julgamento dessas

mesmas situações pelo Estado.

A energia que anteriormente era cultivada e despendida para a resolução dos

problemas pessoais por meio do enfrentamento físico, dentro do processo civilizador

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é coibida em nome de uma ainda incipiente ordem nacional. Esses enfrentamentos

violentos passaram, desse modo, a ser manifestados apenas em espaços específicos

da sociedade. O campo esportivo, de acordo com Elias (1992), usufruiu dessa

permissibilidade promovendo essas experiências miméticas12 de duelos entre os

homens, isto é, enfrentamentos nas disputas regras de cada modalidade.

O campo esportivo moderno, portanto, constitui-se a partir do século XIX como

o resultado de uma mudança mais ampla de toda sociedade. A especificidade de sua

expansão no século XIX está ligada ao projeto de alguns Estados Europeus

desempenharam para a manutenção da ordem e do controle social pois já se

encontravam consolidados enquanto nações. Desse modo a “educação primária

secular, as cerimônias públicas e a produção em massa de monumentos públicos”

(GEBARA;2002, p.7) , junto da produção do espetáculo esportivo de massa, foram

maneiras importantes de efetivar o controle social. Desse modo, a difusão nacional e

internacional da organização esportiva moderna possibilitou o fortalecimento de

identidades nacionais de modo a suplantar diferenças locais ou regionais dentro de

uma nação.

Esse processo mudou a sociedade em sua totalidade pois introduziu a auto-

disciplina em cada pessoa em detrimento da agressividade e violência para com os

outros, em um processo que segundo Norbert Elias e Eric Dunning (1992) é entendido

como ponto central do processo civilizador, isto é, a cortenização dos guerreiros

medievais:

O ponto central no qual se apoia a teoria do processo civilizador é a existência de um processo “cego” (não planejado) e empiricamente evidente. Trata-se do processo de “cortenização” e/ou parlamentarização dos guerreiros medievais; isso equivale em termos práticos: a violência imbricada no cotidiano dos guerreiros cede lugar ao debate e ao refinamento das atitudes dos cortesãos. A solução dos conflitos e o controle da violência passam a ser encaminhados de formas distintivas em relação ao uso imediato e explícito da

força/violência. (GEBARA;2002, p. 20).

12Perigo imaginário medo ou prazer mimético, tristeza e alegria são produzidos e possivelmente

resolvidos no quadro dos divertimentos. Diferentes estados de espíritos são evocados e talvez colocados em contraste, como a angustia e a exaltação, a agitação e a paz de espírito. Deste modo, os sentimentos dinamizados numa situação imaginaria de uma atividade humana de lazer têm afinidades com os que são desencadeados em situações reais da vida —e isso que a expressão mimética indica—, mas o ultimo está associado aos riscos e perigos sem fim da frágil vida humana, enquanto o primeiro sustenta, momentaneamente, o fardo de riscos e de ameaças, grandes e pequenas, que rodeia a existência humana. (ELIAS, DUNNING; 1992, P. 71)

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Nessa perspectiva do processo civilizador as práticas esportivas,

compreendidas como integrando um campo regrado e que exige a auto- disciplina das

pessoas que o praticam, consolidou-se nas sociedades e passou a ser de início um

artifício de distinção. Desse modo, sua prática estava restrita inicialmente as classes

abastadas que faziam parte anteriormente da aristocracia e agora da burguesia. As

práticas esportivas comuns a antiga aristocracia, entretanto, não possuía regras

universais de competição, isto é, variavam de região para região e eram mais

suscetíveis a práticas de violência. Existia uma dificuldade, desse modo, de realizar

a organização de grandes campeonatos esportivos como os conhecemos hoje,

situados dentro do campo esportivo moderno.

3.2 MASCULINIDADE E MODERNIDADE.

A modernidade encontra-se correlacionada com a ideia e os valores da

masculinidade pois a idade moderna se se constituiu tendo como aliada as

permanências da época medieval. Tais permanências diziam respeito as relações

estabelecidas entre as pessoas, ou seja, as maneiras de comportamentos

sancionadas como pertencentes a uma identidade masculina, portanto, dos homens.

Muito embora a modernidade tenha se constituído por meio de outros acordos

em detrimento daqueles que vigoravam na época medieval, e que tinham a violência

como um fator preponderante nas relações entre as pessoas, esses acordos ainda

que consagrado outros modos de relação como o autocontrole e a contenção das

violentas expressões emocionais, eram acordos realizados pelos homens.

A honra e a coragem eram valores que faziam parte da personalidade medieval,

e todo homem que quisesse ter um status e ser respeitado no seio daquela sociedade

deveria ter essas qualidades em sua personalidade. Já na modernidade, o homem

honrado e corajoso e controlado transformou- se no ideal da masculinidade. Esse

homem moderno deveria ter o controle da violência usada para a resolução dos

problemas, já que o autocontrole é um dos princípios que mantem essa modernidade

em seu pleno funcionamento.

A introjeção dos processos de disciplinarização aparecem aqui como um dos

fatores que permitem a organização e o mantimento desta nova ordem social

burguesa caracterizada por essa modernidade pujante. Essa disciplinarização

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também manifesta-se nas relações interpessoais sexuais e afetivas, isto é, para a

ordem burguesa se fez necessário a valorização da intimidade, da relação conjugal,

do núcleo familiar.

Em todas essas maneiras novas em que o autocontrole e a disciplina se faziam

presentes, a masculinidade, ou o ideal dela, também ocupou um lugar central tanto

na elaboração discursiva dessa nova organização moderna, quanto em relação as

características psicológicas e físicas que os homens deveriam ter dentro dessa

configuração.

Assim sendo os valores burgueses que despontaram com a modernidade

tiveram a intenção de valorizar também uma masculinidade e uma feminilidade

hegemônicas, isto é, comportamentos normativos que caracterizariam as mulheres e

comportamentos específicos que caracterizariam os homens. A masculinidade e a

feminilidade, desse modo, seriam medidas pela sua ausência e presença e nunca pela

variedade comportamental de masculinidades e feminilidades diversas.

Durante toda a modernidade é verificada uma conexão entre a masculinidade

e a prática esportiva. Essa conexão, que aparece mais explicitamente no século XVIII,

está diretamente ligada a ideia de espaços e atividades propriamente masculinas e

também com a ideia de desenvolvimento de um corpo masculino ideal.

1793 é publicado ‘gymnastic fuiz die jugemo’ (ginástica para a juventude). O autor

acreditava que a beleza de um corpo masculino robusto era indicio de valor moral, pois o

corpo atlético simbolizava ao mesmo tempo coragem máscula unida aos bons princípios morais

(OLIVEIRA; 2004, P. 61)

O esporte, desse modo, se tornou um meio pelo qual os jovens podiam

desenvolver um corpo disciplinado fisicamente junto de valores morais que eram

almejados socialmente por grande parte da sociedade e, que soava como herança -

mesmo que repaginada pela modernidade- do ideal de masculinidade medieval de

honra, coragem e bravura.

A popularização da ginástica entre os homens no século XIX, assim sendo,

tinha como objetivo a veiculação de determinados discursos da modernidade que

entravam em consonância com o discurso de masculinidade desse período. Por meio

da instituição esportiva era possível elaborar e passar discursos sobre nacionalidade,

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corpo ideal, sexualidade, disciplinarização, militarização, valores éticos e todos os

demais signos que aparecia aqui como símbolos dessa modernidade.

Essa veiculação discursiva de determinados signos, por meio de instituições e

também práticas culturais, que faziam o projeto de modernidade ganhar uma

concretude sem parecer uma imposição, está diretamente ligada com a ideia de poder

fluído, disseminado e móvel empreendido por Michel Foucault em “A história da

sexualidade”, e já apresentado no capítulo anterior

3.3 A ORGANIZAÇÃO DO TEMPO LIVRE NO SISTEMA CAPITALISTA; HOMENS E

MULHERES NO ESPORTE.

O desenvolvimento industrial alcançado pelos países que investiram no

aprimoramento tecnológico, deram a tônica para a constituição e dispersão do sistema

capitalista. Dentro desse sistema a organização das forças de trabalho representam

um fator importante para a obtenção do lucro, assim como a organização do tempo

que é despendido fora do ambiente de trabalho: o tempo livre e as práticas de lazer

(entre elas o esporte) que o envolvem.

Segundo Jean- Marie Brohm a forma pela qual a sociedade faz uso de seu

tempo livre é um reflexo da evolução do modo que as forças de trabalho se encontram

organizadas. Isto é, segundo o autor, a pacificação dos costumes da classe

trabalhadora estavam alinhadas com as normas de autocontrole, o que por sua vez

estaria na direção daquilo que se define como “processo civilizador”. Nos

passatempos esportificados, as regras foram tornando- se mais rígidas- assim como

a vigilância sobre a aplicação das mesmas- com o objetivo de permitir maior grau de

igualdade e justiça entre participantes.

Desse modo o campo esportivo seria mais do que um reflexo do modo de

funcionamento do capitalismo, e apresentaria, assim sendo, as suas características

desse sistema como, por exemplo, a de rendimento, que dentro do campo esportivo

estaria atrelada a uma ideia de rendimento corporal refletindo assim uma lógica de

concorrência econômica e industrial.

O nascimento do moderno esporte de competição está relacionado com a introdução da

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medição, em especial a cronometragem. Note-se que a mensuração exata dos resultados e a

comparação da performance dos atletas em diferentes ocasiões não faziam parte das

competições atléticas antigas. O mesmo sucede com o treinamento, que se converteu num

sistema científico de melhorar o desempenho do organismo. (PRONI; 2002, p. 37)

O autor tenta entender essa dinâmica esportiva por meio do conceito de

“processo de produção esportivo” pois segundo o mesmo o campo esportivo estando

situado dentro da lógica capitalista, teria como objetivo a produção de mercadorias

especificas como: campeões, espetáculos, recordes, competições: “O sistema

esportivo em vias de mundialização é o reflexo da universalização e da extenso para

todas as formações sociais do globo do modo de produção capitalista”( cap.1, p.63

APUD PRONI, 2002, p36)

A conclusão do autor, no entanto, demonstra um impasse. Segundo Brohn o

campo esportivo reduz a distância entre as classes, promovendo mobilidade social, e

realça o ideal humanitário que se faz necessário nas sociedades democráticas

(igualdade, liberdade, fraternidade). Isto é, para o pleno desenvolvimento do campo

esportivo, faz se o necessário o estabelecimento de uma sociedade democrática que

tenha como objetivo diminuir a distância entre as pessoas.

Se dentro do capitalismo, no entanto, os ideais do sistema de rendimento e

lucro organizam as sociedades de maneira desigual tornando difícil a mobilidade

social - é possível pensar na distribuição de renda mundial como exemplo dessa lógica

desigual, pois a riqueza se concentra nas mãos de uma porcentagem pequena a nível

mundial; Ou nas mãos de poucas pessoas dentro de um país, quando pensamos em

grupos específicos -mulheres, negros e negras, pobres, gays e a correlação desses

grupos com as práticas esportivas, essa dificuldade da mobilidade tende a crescer

exponencialmente.

A desigualdade, desse modo, encontra-se replicada na prática esportiva: quem

são os países que têm mais medalhas? O investimento esportivo nesses países é

melhor que em países menos desenvolvidos tecnologicamente? pensando em uma

estrutura racial, como analisar a participação étnica em competições? E em uma

estrutura de gênero, como a participação LBTT+ acontece?

Assim sendo, as mulheres enquanto um grupo específico dentro da lógica

capitalista devido a sua condição estrutural de tutela em relação aos homens, tende a

receber menos dinheiro e incentivo para a prática esportiva mesmo quando detém de

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capacidade técnica superior a eles. Assim sendo, quando partimos do pressuposto

que a instituição esportiva é reflexo do sistema capitalista, as mulheres nessa seara

teriam uma posição arbitrária ao ingresso e permanência nesse campo devido as

condições estruturais desse sistema. Brohm e sua conclusão do esporte enquanto um

espaço democrático, desse modo, não poderia ser aplicado em sua integridade às

mulheres que tiveram/têm algum tipo de atividade de engajamento nessa área, e sim

apenas aos homens esportistas, e ainda sim a um seguimento dele. A partir desse

entendimento inicial de um campo esportivo que se desenvolve concomitantemente

ao processo civilizador, e a um sistema econômico capitalista, tentaremos entender

como então se deu a participação das mulheres no campo.

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3.4 ESPORTE NO BRASIL: DISTINÇÃO DE CLASSE E DE GÊNERO.

No Brasil existe o registro, desde o século XVIII, da existência de muitas

tradições esportivas, mas apenas em meados dos anos de 1830 que se verifica o

surgimento de modalidades esportivas dentro da lógica moderna do esporte, ou seja,

com regras universais. Também no Brasil o esporte naquela época era considerado

uma prática de distinção pertencente às elites, e as pessoas que tinham esse status

e podiam treinar e participar das competições eram, majoritariamente, os homens.

Cabia às mulheres apenas o “prestigio” do acompanhamento das competições como

espectadoras.

Apenas depois da independência do Brasil, a chegada dos imigrantes e a

proclamação da eugenia como política de Estado, esse cenário da inibição da

participação das mulheres no esporte começa a mudar. Essa mudança aconteceu

devido a maior escolarização, acesso aos bens culturais e maior envolvimento dos

imigrantes com as famílias abastadas da época. Assim sendo as práticas de algumas

modalidades pelas mulheres, e que já eram comuns no exterior, como a natação,

esgrima, ginástica, tênis, turfe e remo, passaram ser aceitas no país.

Esse abrandamento das mulheres dentro do esporte, entretanto, se dava por

meio da visão higienista e eugênica sobre o crivo da medicina, que argumentava que

a prática esportiva pelas mulheres era benéfica pois elas seriam responsáveis por

proles mais saudáveis com o ideal de beleza eurocêntrico que, por sua vez, seria de

extrema necessidade para o desenvolvimento do país:

Ou seja, a degenerescência e a feiura eram representadas como produtos da inatividade;

portanto, nada mais pertinente do que indicar a exercitação física, dado que sua prática poderia possibilitar o desenvolvimento orgânico e social das mulheres, tornando-as mais fortes, saudáveis e aptas para os desafios de uma sociedade que se modernizava a passos rápidos

e empolgantes.(GOELLNER; DEL PRIORE, 2009, p. 273).

Os espaços da prática esportiva das elites eram lugares em que a sociabilidade

das classes abastadas se consolidava, onde se celebrava a distinção de classe e

reproduzia- se visões essencialistas sobre os corpos. Assim, segundo uma visão

difundida na época, esportes como o hipismo tinham uma correlação com a paixão

que homens e mulheres da antiga aristocracia tinham pelos cavalos, e a prática do

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tênis além de fazer alusão a elegância da elite europeia também era louvada por

manter a feminilidade natural das mulheres que era tão enaltecida no imaginário social

e cristalizada na literatura da época.

As instituições de ensino passaram a incorporar a educação física como

disciplina entre 1920 e 1930 sob a égide do discurso higienista que manifestava uma

visão positiva em relação a importância moral, sexual e social do comportamento das

pessoas que praticavam atividade física. Desse modo, quando se pensa na

proximidade da instituição escolar com o núcleo familiar, o discurso higienista também

tinha como objetivo a intervenção nos pressupostos familiares das maneiras de tratar

da educação do corpo para, supostamente, potencializar positivamente os indivíduos

em sua moral e estrutura físico- biológica.

Outro argumento que foi usado para aumentar a prática esportiva no começo

do século XX era de ordem eugênica. Nessa época entrou em vigor o projeto de

desenvolvimento e fortalecimento do Estado nacional e com ele o investimento em

atividades que pudessem beneficiar a saúde da população e promover a superação

dos “problemas” raciais causados pela miscigenação. Desse modo, o incentivo da

prática esportiva para jovens, homens e mulheres era uma maneira de formular o

caráter e refinar a raça:

Baseados na teorização darwinista de que a atividade física atuava no robustecimento

orgânico e, portanto, no aprimoramento da espécie, buscava-se uma educação corporal e

esportiva que, pautada por um estatuto científico e ao mesmo tempo moral, estivesse articulada

à Medicina e às normas jurídicas, fortalecendo a raça branca- ideal imaginário de um povo

ameaçado pela mestiçagem. (GOELLNER; DEL PRIORE 2009, p. 275).

Nesse processo da promoção das práticas corporais esportivas por parte do

Estado, ancorado no discurso científico biológico corrente da época e com a

permissão legal da jurisdição para a incorporação dessa disciplina nas instituições

escolares, a prática esportiva então é popularizada tanto entre os homens quanto

entre as mulheres. A mulher era compreendida como a célula mãe da nação pois dela

nasceria as futuras gerações de brasileiros e, assim sendo, passou a ter

permissividade moral para a prática esportiva em prol do projeto nacional.

Se por um lado essa nova concepção sobre o lugar que a mulher poderia

ocupar no esporte representou um rompimento com a visão que se cultivava antes da

mulher reclusa que apenas deveria se importar com afazeres domésticos, ela também

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não promoveu a independência das mulheres nesse campo pois a educação de seu

corpo por meio do esporte era um meio para a realização do ideal higienista e

eugênico proclamados pelo estado.

Desse modo irrompe uma nova imagem de mulher ideal que desestabiliza a

imagem anterior da mulher recatada, voltada para a família e que não tinha lugar no

espaço público. Essa nova visão das mulheres fazia alusão a ousadia, juventude,

beleza e disposição que as práticas corporais e esportivas desenvolvem

nelas.

O esporte, assim sendo, no início do século XX se tornou um importante meio

de sociabilidade das mulheres da época pois foi um dos responsáveis por introduzir a

mulher anteriormente pertencente ao espaço privado da família e das rotinas

domésticas, no espaço público das relações de troca, entre outras coisas, de

experiências entre elas.

A prática esportiva, o cuidado com a aparência, a mudança de atitude, o desnudamento do

corpo e o uso de artifícios estéticos conferiam a essa imagem novos contornos, externando,

como possíveis, outras experiências que não apenas aquelas valorizadas como integrantes

de sua “natureza”. Com isso, pode-se afirmar que o esporte, nos primeiros anos do século

XX, deve ser analisado como um importante espaço de exercícios de sociabilidade das

mulheres e entre mulheres, um espaço que tornou visível a sua presença não apenas como

espectadora ou co -partícipe de uma aparição, mas, fundamentalmente, como a sua principal

protagonista. ( GOELLNER; DEL PRIORE, 2009, p. 277).

Ainda assim, esse estímulo da prática esportiva feminina não promovia a livre

escolha das mulheres em relação ao esporte da preferência delas para a realização

das atividades físicas, mas tinha como pressuposto indicar e limitar o campo de

escolha de modalidades por meio de dispositivos jurídicos que encontravam

ressonância no discurso higienista e eugênico da época.

Desse modo um decreto lei foi elaborado com intuito de regulamentar o esporte

brasileiro e prescrever quais modalidades que não teriam a prerrogativa de romper

com a feminilidade e fragilidade das mulheres. O decreto lei 3.199 de 1941 e

oficializava a concepção presente em parte do imaginário social que esportes como

polo, polo aquático, rúgbi, futebol, lutas e corridas de fundo não deveriam ser

praticadas por elas. A consequência desse decreto que foi mantido por três décadas

se concretizou no afastamento das mulheres de parte considerável do universo

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esportivo.

Sob o discurso da fragilidade feminina, este documento e outros tantos que foram produzidos neste momento valorizavam a imagem de mulher mãe frágil e delicada. O suor

excessivo, o esforço físico, as emoções fortes, as competições, a rivalidade consentida, os

músculos delineados, os gestos espetacularizados do corpo, a liberdade de movimentos, a leveza das roupas e a seminudez, práticas comuns ao universo da cultura física, quando

relacionados à mulher, despertavam suspeitas porque pareciam abrandar certos limites que

contornavam uma imagem ideal de ser feminina. Pareciam, ainda, desestabilizar um terreno criado e mantido sobre o domínio masculino, cuja justificativa, assentada na biologia do corpo e do sexo, deveria atestar a superioridade deles em relação a elas. (GOELLNER; DEL PRIORE, 2009, p.279).

Depois da revogação do decreto lei em questão, que permaneceu em vigor até

meados de 70, foi intensificada o incentivo a prática esportiva feminina nas

modalidades que eram contraindicadas a elas anteriormente. Essa nova fase agora

marcada pela permissibilidade dos diferentes desportos para elas, caminhava com a

tentativa do estado brasileiro de se lançar como uma potência mundial durante a

ditadura militar. Assim sendo, por meio das conquistas no meio esportivos de atletas

homens e atletas mulheres o Estado exibia sua força, garra e predisposição para o

sucesso, isto é, nessa lógica de pensamento quanto mais vitórias colecionassem os

atletas e as atletas brasileiras mais vitorioso e promissor seria a projeção do país para

o exterior.

Outro fator que também foi de extrema importância para influenciar essa nova

concepção sobre a participação das mulheres em todo o campo esportivo foi a luta

feminista dos anos 60 que defendia o direito de liberdade sobre seu próprio corpo e a

efetiva e igualitária entrada das mulheres nos espaços públicos. Essa nova

perspectiva modificou lentamente, pelo menos no imaginário social, a visão sobre os

lugares tidos como destinados ao gênero feminino em parte das sociedades

ocidentais, quebrando essa delimitação que anteriormente segregava as mulheres em

determinados espaços e com práticas específicas.

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4. TRABALHO EMPIRICO.

No terceiro capitulo analisaremos por meio de entrevistas realizadas com 8

atletas amadoras universitárias de modalidades diferentes, as consonâncias e

dissidências dos discursos das próprias atletas em relação ao arcabouço teórico

empreendido nos primeiros capítulos desse trabalho que procurou sintetizar os

discursos e práticas em relação aos discursos sobre corpos e sua correlação com a

prática de atividade física pelas mulheres.

A metodologia escolhida foi a de entrevistas semi- estruturadas com o objetivo

de compreender os discursos das atletas sobre os estímulos da prática esportiva,

corpo, esporte, feminilidade e masculinidade, as dificuldades da profissionalização e

outros assuntos eventuais que fossem trazidos no decorrer da entrevista.

A escolha das entrevistas com atletas amadoras de distintos esportes se

justifica pois tivemos a intenção de realizar uma análise exploratória sobre as

percepções das esportistas sobre a prática da sua modalidade. Entendemos que

dependendo do desporto, o entendimento da atleta, da família da atleta e da

sociedade como um todo, tende a mudar proporcionando mais aprovação a pratica

esportiva ou menos aprovação. Isto é, os esportes de contato que tendem a promover

uma disputa mais agressiva, como por exemplo as lutas e grande parte dos jogos em

equipe, são mais associados a uma prática masculina correlacionados aos homens,

enquanto as práticas esportivas que envolvam menos contato ou nenhum contato,

como por exemplo o vôlei, as ginasticas ritma e olímpica e outas práticas lúdicas

relacionadas ao corpo, como as danças, são associadas ao feminino/mulher no senso

comum .

Essa associação generificada de determinados esportes para determinados

corpos, encontra- se correlacionado com a maneira como se deu formação da

instituição esportiva, como já mostrado nos capítulos anteriores. Nossa analise

exploratória levando em consideração atletas de distintas modalidades, não tem a

intenção de produzir generalizações sobre as percepções e entendimentos das atletas

sobre a condição de mulheres desportistas, mas sim tentar compreender se existe

uma consonância ou dissidência entre a pratica esportiva das mulheres e literatura

explanada nos capítulos anteriores. Tentaremos demonstrar por meio da análise das

entrevistas as continuações e mudanças dos discursos sobre mulheres e esporte por

meio da fala das atletas.

Outros trabalhos nesse sentido foram realizados com objetivo de promover

esse mesmo levantamento presente nesse trabalho, no entanto tais trabalhos

propuseram uma investigação comparando mulheres atletas de no máximo duas

modalidades, ou realizou uma análise com atletas de uma mesma modalidade. As

generalizações desses trabalhos obtidas por meio da quantidade considerável de

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atletas que foram entrevistas, serviram de base para a elaboração dessa analise

exploratória e serão comentadas a diante.

4.1 ALGUNS TRABALHOS NESSE SENTIDO.

Apesar de registrar uma aparente mudança de perspectiva em que a visão positivada

da participação delas em todas as modalidades ganha lugar em detrimento do

cerceamento de determinados desportos, a resistência por parte do imaginário social

encontrada em relação a participação das mulheres no campo esportivo em outros

séculos ainda persiste. Tal resistência ainda se encontra alocada nesse imaginário

social em relação, por exemplo, a quais modalidades são consideradas ou não de

femininas e como elas devem performatizar sua técnica esportiva.

Essa rejeição do imaginário social nem sempre é explícita, mas advém do que

Leila Salvini chama de dominação masculina do campo esportivo. Isto é, segundo

Salvini, devido ao processo de socialização diferente de homens e mulheres que

naturaliza e hierarquiza determinadas práticas relacionando-as ao sexo, existe uma

constante pressão para que as mulheres não fujam dessa delimitação psicológica e

física mesmo dentro do campo esportivo:

A partir dessa arquitetura teórica, podemos mencionar, de um lado, o uso social do corpo como forma de distinção entre os sexos e, de outro, a padronização das condutas e a utilização de objetos-signos a fim de retratar o que é aceito e desejável. Transpondo essas constatações de Bourdieu esmiuçadas no texto "A dominação masculina" para pensarmos o universo esportivo, podemos dizer que não é conferida a mulher - representada pela delicadeza do seu corpo, gestos e pela submissão de seus atos - uma prática legítima de esportes que possam ferir esses atributos, enquanto, a validação da masculinidade, em muitos momentos, é proporcionada pelo esporte - em especial esportes de contato - onde elementos de virilidade frequentemente são trazidos à tona e reafirmados.(SALVINI; MARCHI JÚNIOR, 2012, p. 405).

O estabelecimento do campo esportivo, portanto, passa a ser o locus de reforço da

masculinidade e virilidade dos homens devido a esportivização dos conflitos que eles

mantinham em outros períodos históricos e que agora são regrados dentro do

processo civilizador. As mulheres para fazerem parte de tal locus esportivo masculino

tendem a se adequar ao imaginário social que naturaliza características atrelando-as

aos sexos.

Desse modo, as mulheres para entrarem e permanecerem no campo esportivo

desenvolvem estratégias ou marcadores que façam alusão a construção do corpo que

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é o modelo de feminilidade imposto pela dominação masculina. Assim sendo, muitas

vezes, na prática de determinado esporte existe uma preocupação e predileção delas

por características que marcariam essa feminilidade: cabelos compridos, unhas

pintadas, uniformes mais justos, cores específicas de roupas e acessórios de treinos

(rosa). Esse discurso e representação de um padrão de feminilidade, segundo Salvini

e Marchi Júnior (2012) em exemplo relacionado ao futebol feminino, também é

reproduzido por dirigentes, técnicos e instituições esportivas:

Essa estratégia é também utilizada pelos meios de comunicação que além das habilidades esportivas anseiam pela espetacularização dos corpos femininos no esporte. Nessa esteira, os também incorporaram ao seu discurso e ações esse novo investimento na feminilização dos corpos das jogadoras, pois, estando próximo da centralidade esperada e construída socialmente para o gênero feminino a possibilidade de obter patrocínios de empresas que queiram vincular sua marca ao futebol das mulheres, aumenta. (SALVINI; MARCHI JÚNIOR, 2012, p.406).

Em um trabalho realizado nem 2006 a pesquisadora Miriam Adelmam elencou

duas categorias de modalidades esportivas com objetivo de investigar os pormenores

da corporeidade feminina que eram formadas ou resinificadas por meio da prática

esportiva.

Uma das modalidades desportivas era formada por jogadoras de vôlei, e a outra

por mulheres praticantes do hipismo. Nas entrevistas realizadas com as jogadoras de

voleibol ficou evidente o estimulo recebido da família e da escola, por parte dos

professores de educação física, e também de uma recomendação médica, pois a

altura que as meninas tinham era considerado um diferencial positivo para a prática

da modalidade em questão e poderia ser a solução para problemas na coluna que

algumas meninas manifestavam antes da prática esportiva. Desse modo a pesquisa

sinaliza para o incentivo a prática da modalidade que partia de fora das meninas, ou

seja, não partia primeiramente das atletas.

Entre as jogadoras de vôlei as histórias variam. Duas das cinco falaram que chegaram ao esporte "por acaso". Mara, hoje com 26 anos, conta: "Eu, quando comecei, tinha 12 anos. Comecei a treinar porque tinha problemas de coluna e o médico indicou para eu fazer um esporte, natação ou vôlei. Então entrei na Escolinha por causa disso, não por paixão. Depois eu fui gostando... se ninguém falasse 'vai treinar, vai treinar'... porque eu era alta aí ficavam o técnico do basquete e do vôlei me disputando... 'Eu não quero nada', eu falava. Eu comecei a fazer por acaso. Não por livre e espontânea vontade. Foi o médico que falou". (ADELMAN, 2003, P. 453.).

Já as entrevistas feitas com as amazonas revelaram que a vontade da prática da

modalidade partia primeiramente da paixão que elas tinham pelo cavalo, e que eram

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constantemente desestimuladas pela família em prosseguir com o aprendizado da

modalidade pois o perigo dos tombos e possíveis contusões assustava os pais que

diziam não ser um esporte para meninas:

"Eu fui a primeira amazona na família. Foi por vontade mesmo, por gostar de bicho e gostar do esporte. Numa viagem para Fortaleza, assisti a um campeonato numa praça; aí eu fiquei pedindo, pedindo até a minha mãe me colocar." Adriana, veterinária e amazona, teve uma determinação tão grande que se envolveu no esporte contra a vontade dos pais: "Quando eu vi isso aqui [prova de salto na Sociedade Hípica Paranaense] eu fiquei maluca. Meu Deus do céu, que maravilha! Eu falei para meus pais que eu estava a fim de entrar na hípica para aprender a montar e eles disseram que não, que é muito perigoso, para menina não!". (ADELMAN, 20O3, p. 453.).

As amazonas compreendiam o mundo do hipismo como um lugar aberto a

participação das mulheres e, de nenhuma maneira o interpretam como 'um mundo

masculino'. O hipismo conta com provas que são disputadas por homens e mulheres

concomitantemente, e, portanto, os relatos sobre o rompimento das diferenças entre

os homens e mulheres nessa modalidade são facilmente encontrados. As amazonas

também enunciaram que se sentiam competindo de igual para igual junto dos homens,

pois inexistia uma barreira institucional para a prática da modalidade pelas mulheres.

O preconceito estaria, segundo elas, mais arraigado na cultura do que nas instituições esportivas. São as famílias, as portadoras dessa cultura, agindo de forma a dificultar o avanço das meninas em um esporte que envolve risco físico considerável (“quem monta algum dia leva tombo”: as quedas são parte do cotidiano do esporte) (ADELMAN, 2003, P. 455)

Diferentemente das amazonas, as jogadoras de vôlei entrevistadas marcavam

a feminilidade a todo tempo. Quando comparavam sua modalidade com mulheres

atletas de outras modalidades como futebol, basquete e handebol, enfatizavam que

aquelas atletas eram muito musculosas, com um biótipo mais másculo e que as

roupas para treinos e jogos eram 'largas” em comparação com o voleibol, que tinham

roupas mais apertadas valorizando, portanto, a vaidade.

Em outra pesquisa feita por Leila Salvini, chamada ‘a luta como “oficio do

corpo”: entre a delimitação do subcampo e a construção de um habitus do Mixed

Martial Arts em mulheres lutadoras’ o capital corporal das atletas entra em evidência

como a soma do capital físico, que seria a o investimento no desenvolvimento da

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estrutura física da atleta por meio dos treinos e demais maneira de aprimoramento

físico, junto dos signos heteronormativos que são valorizados na estrutura

hegemônica de gênero da sociedade.

A pesquisadora cita como exemplos a lutadora Ronda Roussey como um

símbolo da empresa UFC que, para além da sua capacidade técnica em relação ao

domínio das lutas, tem sua imagem extra octógono constantemente associada a

sensualidade e a beleza, atributos esses atrelados a feminilidade hegemônica. Outro

exemplo levantado por Salvini (2012) diz respeito as jogadoras de futebol que não

raras vezes utilizam a extrema feminilidade ou a feminilidade forçada como estratégia

para permanecer no campo esportivo pois, a partir de suas vivências com atleta,

perceberam a valorização da feminilidade dentro do campo esportivo que diz respeito

as mulheres. Desse modo, o capital físico e feminilidade hegemônica aparece como

estratégia de manutenção das atletas dentro do campo.

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4.2 A ANÁLISE EXPLORATÓRIA:

Quando decidimos entrevistar 8 atletas mulheres universitárias para essa

análise devido a proximidade do campo esportivo enquanto pesquisadoras e atletas,

nos deparamos com certas dificuldades inicias já elucidadas por Roberto da Matta

(1973). O autor estabelece dois movimentos que marcam a produção da pesquisa

empírica, ou de campo, que seriam a transformação do exótico em familiar e do que

é familiar em exótico. Desse modo se faz necessário produzir um estranhamento em

relação aquilo que se observa quando seu objeto se encontra muito vinculado as suas

experiências de vida, ou ainda quando você faz parte desse objeto analisado. O outro

movimento de exótico em familiar também é necessário na medida que tentamos por

meio da análise proposta, produzir certas aproximações em relação ao objeto

observado e as experiências cotidianas. Enquanto atleta, tivemos que aprimorar esse

estranhamento no campo devido à proximidade das relações estabelecidas com as

pessoas sobre as quais a parte empírica desse trabalho se destinava.

Loic Wacquant (2002) em sua etnografia produzida em academias de boxe,

experimenta esses dois movimentos já explicados - familiar em exótico e exótico em

familiar- na produção de sua análise. Exótico em familiar na medida em que se

compromete a adentrar nesse espaço de sociabilidade das regiões periféricas como

maneira de tentar compreender não apenas as relações es estabelecidas dentro da

academia, como também a relação dos atletas e de um ethos13 de atleta para com a

comunidade periférica e com alto grau de criminalidade que se verifica ali.

Nesse processo Wacquant propõe-se não apenas a observar o que acontece

nas academias de boxe, mas a virar um lutador de boxe. Para tanto dá início a seus

treinos e por meio da prática intensiva percebe que sua inserção no campo é tanta –

pois virou um lutador- que precisa produzir o estranhamento em relação as dinâmicas

e regras vivenciadas ali para que o, agora familiar, se torne exótico novamente.

Em nossa proposta de pesquisa, o maior desafio foi e ainda o é a observação

do que nos é familiar, tendo como objetivo a produção de um olhar cientifico sobre

nossas indagações. A proximidade do campo tende a complexificar o entendimento

13 Seriam os hábitos e costumes que vigoram em determinado lugar; o aprendizado do ethos seria o

aprendizado das regras ou mecanismos de funcionamento desse lugar/ cultura/grupo/instituição.

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das regras que nos são aplicadas pois observamos o campo esportivo a partir de um

olhar de dentro dele, e não de fora devido a trajetória de atleta amadora que nos é

comum. Essa particularidade enfrentada para elaborar uma análise cientifica foi

sinalizada por alguns pesquisadores:

O processo de descoberta e analise do que é familiar pode, sem dúvida, envolver dificuldades diferentes do que em relação que é exótico. Em princípio dispomos de mapas mais complexos e cristalizados para nossa vida cotidiana do que em relação a grupos ou sociedades distantes, ou afastados. (VELHO, 2004 p, 128).

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4.3 ESPORTE AMADOR E PROFISSIONAL.

Antes de explorarmos os desdobramentos das entrevistas que realizamos com

as atletas, faz- se necessário um esclarecimento sobre as diferenças entre esporte

amador e profissional; Daremos certa ênfase na explicação ao esporte amador, já que

nossas atletas integram o universo das modalidades organizadas de modo amador

A classificação de esporte amador no que tange ao envolvimento das atletas

com campo, não tem como objetivo ser sinônimo de falta de comprometimento. O

esporte amador é caracterizado exatamente pelas mesmas regras e

comprometimento que circundam o esporte profissional, com a diferença que o atleta

não tem um contrato legalmente assalariado pelo clube que defende. Isso acontece,

pois, a pequena estrutura dos clubes de esporte amador não permite "contratar"

jogadores devido aos custos altos, que dentro do esporte profissional são pagos pelos

acordos monetários que envolvem a mídia e outros negócios já que o esporte

espetáculo - e sua implicação mercadológica- é a o objetivo final.

O esporte amador, desse modo, envolve redes de sociabilidade e uma

dedicação do atleta ao clube que se encontra mais ligada a "paixão" pela modalidade

e clube do que pelos ganhos reais, na esfera monetária, que podem ser obtidos dessa

dedicação. Essa paixão não inibe, todavia, uma certa ligação entre o esporte amador

e o profissional.

Em pesquisa sobre a competição de futebol amador de Curitiba, intitulada

"suburbana", Allan de Paula Oliveira (2013) por meio de uma etnografia elaborada nos

campos dos times que disputam a competição, percebeu certa correlação entre o

futebol amador e profissional nas falas dos atletas e torcedores dos times. Em meio

aos lances de jogo durante uma partida, quando um jogador deixava de se comportar

de maneira formal, isto é, jogando de maneira a colaborar com sua equipe e técnico,

os torcedores da partida em questão diziam que o jogo parecia uma "pelada", ou seja,

jogos em que os atletas podem ser mais ousados nos lances sem cogitar se poderia

soar como certa imprudência da parte deles

A “Suburbana não é pelada” opera exatamente neste sentido: o de aproximar o campeonato do profissionalismo e seu grau de organização. A pelada e a várzea – verdadeiros mitos na prática do futebol no Brasil – são vistos como a essência do amadorismo e os próprios agentes da Suburbana, oficialmente um campeonato de futebol amador, procuram se afastar disso. A principal característica da pelada, a bricolagem e o improviso no tocante a todos os aspectos da prática futebolística, são

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negados a todo instante na Suburbana e situações onde o improviso aparece automaticamente são relacionados à pelada. Numa partida entre o Nova Orleans (União Nova Orleans, fundado em 1973) e o Trieste, no estádio do primeiro, em um momento que a equipe se lançou ao ataque de forma desordenada, vários torcedores afirmaram, em tom crítico, “virou pelada”. Nesse sentido, chamar de “pelada” as partidas da Suburbana é uma ofensa aos seus participantes. (DE PAULA OLIVEIRA; 2013, p 124.).

Essa atitude dos torcedores revela uma aproximação do esporte amador ou de

várzea com a seriedade que se verifica dentro do esporte profissional, onde os e as

atletas estão submetidos as determinações do/ da técnica e do jogo em equipe sem

brechas para um comportamento inconsequente, ou ainda, sem cautela durante os

lances.

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4.4 ENTREVISTAS.

As atletas entrevistadas residiam em Curitiba e praticavam os distintos esportes

à nível universitário: uma atleta amadora do judô chamada Mayara, e outra do Jiu-

Jitsu chamada Bruna, duas atletas do voleibol cujos nomes eram Ana e Karine, duas

jogadoras de basquete, Ana B e Leticia, e duas jogadoras de futebol chamadas

Amanda e Larissa. Todas as atletas entrevistadas praticavam as modalidades de

maneira amadora, isto é, como uma atividade a ser conciliada com outras como

trabalho e estudo, e não como um compromisso que garante rendimento monetário e

exige uma rotina de trabalho como às rotinas destinadas a quaisquer outras atividades

de trabalho.

Organizamos as falas das atletas segundo categorias que podem nos ajudar a

compreender o que é ser mulher, jovem, universitária e atleta; Esses filtros

categóricos também podem auxiliar o entendimento das convergências e quebras

em relação a uma possível feminilidade hegemônica ou visões normativas de gênero.

4.4.1 primeira categoria: motivação para a entrada no esporte.

As primeiras perguntas tinham a intenção de tentar entender como as atletas

começaram a praticar esportes e como chegaram a modalidade em que se

encontravam como atletas.

A atleta de judô revelou que por residir na periferia de São Paulo, em uma área

violenta procurou as modalidades de lutas como modo de desenvolver sua defesa

pessoal pois tinha receio do que poderia acontecer a ela: “Eu comecei a praticar a

modalidade através de um projeto social, né. Que eu morava no interior de São Paulo,

não tinha nada para fazer, daí eu queria treinar alguma coisa pra descontar minha

raiva do mundo, e aí eu conheci o judô e quis treinar judô, e a partir disso, desde o

tempo que eu fiquei morando lá eu nunca parei de treinar né, que foi mais ou menos

uns 3 anos seguidos…estudava num colégio super violento daí eu quis começar a

fazer lutas pra eu não… né, pra alguém não vir e me arrebentar e eu ser

humilhada no meio de todo mundo, né. ” (MAYARA, JUDÔ). Já a atleta do Jiu Jitsu

disse que iniciou seu treinamento por acaso na modalidade, pois a universidade

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oferecia a prática e porque ela não podia mais voltar a praticar atletismo visto que

tinha se lecionado.

As atletas do voleibol começaram a praticar a modalidade principalmente por

conta de dois motivos relacionados a saúde e a atributo físico: Karine disse que era

muito ansiosa e, portanto, foi estimulada pelos médicos a praticar algum esporte, e

que também era muito estimulada pelos professores de educação física a ir praticar

voleibol por conta de sua altura. Já Ana disse que começou a praticar estimulada pela

mãe para obter uma melhor qualidade de vida, já que a mãe sempre praticou

atividades físicas como academia e atividades lúdicas.

As atletas de Basquete também indicaram que o conselho médico e a qualidade

de vida –idealizada na época pelos responsáveis de ambas as atletas- foram os

motivos para iniciarem a prática na modalidade. Leticia disse que sofria com dores

nas costas e o médico recomendou que ela praticasse esportes. Ela acabou

escolhendo basquete pois perto de sua casa viu um grupo de jovens praticando a

modalidade e se interessou. Ana Luiza contou que a mãe sempre estimulou que ela e

seus irmãos praticassem esportes pois como professora de educação física,

considerava hábitos saudáveis.

Já as atletas de futebol revelaram que escolheram a modalidade pois tinham

certa facilidade na prática desse esporte. Disseram que a escola foi o ambiente que

primeiro as apresentou a prática do futebol.

É possível notar na fala de pelo menos seis atletas o vínculo entre atividade

física e vida saudável que é legitimado pela visão médica. O estimulo médico aparece

aqui indiretamente como um dos motivos para que os pais ou responsáveis iniciassem

ou consentissem com a prática esportiva das atletas.

Já a escolha da modalidade esteve relacionada com a oferta da mesma no

cotidiano das atletas, a proximidade de casa ou do local de estudo foi definidora para

que as atletas permanecem treinando de modo a conciliar outras atividades com a

prática esportiva, como por exemplo o estudo.

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4.4.2 Apoio dos responsáveis para a prática esportiva.

As perguntas seguintes eram relacionadas ao tempo despendido para

treinamento ao longo da trajetória enquanto atletas amadoras e também dos estímulos

recebidos por parte da família. A atleta de judô disse que atualmente não estava

treinando, e que o estimulo da família sempre foi complicado pois sua mãe tinha

preferência por outras modalidades esportivas e práticas lúdicas: “Muito difícil, na

verdade minha mãe, no início da minha vida, assim, ela me influenciava a fazer

balé, ginástica olímpica, mas aí eu não dei muito certo em nada disso, assim, não

durei nessas modalidades. Daí eu comecei a fazer altos tipos de luta, até que eu me

encontrei no judô, mas nunca… nunca tive, assim, um incentivo, assim significativo,

sabe?! É… Minha mãe mesmo me assistiu lutando… é, judô, quando foi um

campeonato lá na cidade, daí ela me viu, tal, mas do resto, assim, eu não me

senti, assim, muito incentivada. E minhas irmãs, eu vejo que sempre que eu converso

com a minha mãe, assim, eu falo “ah levou as meninas no judô essa semana”,

né. Porque acho que é muito importante pra elas esse incentivo. Sem o incentivo

a criança, acho que não… não realiza, difícil que era. Dá preguiça, né?!” (MAYARA,

JUDÔ).

Já a atleta do jiu-jitsu disse que sempre recebeu certo incentivo da família para

praticar qualquer modalidade sendo do universo das lutas ou não, pois para a família

da mesma a prática esportiva está relacionada com a profissão futura da atleta-

professora de educação física.

As atletas de voleibol, ao contrário, disseram que foram estimuladas pela

família a praticar voleibol pois, segundo seus pais, seria benéfico para o

desenvolvimento físico e psicológico das mesmas. As atletas de Basquetebol também

sinalizaram o apoio recebido da família pelos mesmos motivos elencados pelas atletas

de voleibol, entretanto a atleta Leticia do basquetebol disse que sentiu uma falta de

estimulo para a prática da modalidade, que vinha da própria estrutura esportiva: “É…

mas mesmo assim é… era isso que eu sentia. Foi o que vivenciei na pele, né, que,

assim, a dificuldade, a falta de incentivo na base pra ge… pra menina, né, que era

meu caso, começar e continuar, e se sentir motivada, ver que tem outras meninas, ver

que tem times adultos bons e que um dia ela poderia chegar, não tem nada disso.

Então não tem como a gente visualizar uma coisa… sabe, não é concreta, tipo “aí

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quem sabe”. Não dá pra viver no “quem sabe” (LETÍCIA, BASQUETE.).

Dentre as jogadoras de futebol, uma delas manifestou em sua fala uma

diferença subjetiva em relação ao estimulo recebido das famílias, e ao apoio das

famílias em relação a modalidade. Em sua resposta é possível notar que percebe o

estimulo à prática do futebol com algo que os pais desejam para suas filhas, e o apoio

com uma possível não proibição, ou consentimento, da prática do futebol pelas atletas.

“Na verdade, nunca houve um estímulo assim, dos pais. Foi mais por conta própria

mesmo. Sempre apoiaram, mas nunca foi um estímulo grande, assim, que levou a…

a eu praticar o esporte”. (AMANDA FUTEBOL). Já a outra atleta disse que sempre

recebeu incentivo por parte de sua mãe para a prática de qualquer modalidade “A

minha mãe sempre me incentivou a praticar esportes, e independente do esporte,

nunca especificou algum, assim, sempre deixou eu praticar o que eu gostasse. E

também não foi uma coisa que precisasse, assim, eu sempre tive sede de esporte,

assim, sempre corri atrás”. (LARISSA, FUTEBOL).

Em geral as atletas manifestaram que tiveram o consentimento da família para

iniciarem na prática da modalidade em que tiveram mais afinidade. Com exceção da

atleta Mayara, que teve uma postura negativa da mãe em relação a modalidade

escolhida, todas as outras famílias foram coniventes com a escolha do desporto e com

a visão médica que colocou o esporte na vida das atletas para melhorar a saúde física

e mental.

As atletas foram questionadas se o incentivo para a prática esportiva foi igual

também para seus irmãos e irmãs, e com exceção da atleta do judô todas as outras

atletas disseram que o estimulo e incentivo para a prática da modalidade em que se

tornaram atletas amadoras foi o mesmo que os irmãos e irmãs receberam, revelando,

portanto, que os pais ou responsáveis das atletas de basquetebol e voleibol não

fizeram distinção entre o estimulo da pratica esportiva para os meninos e as meninas.

Acreditamos que a cultura fitness relacionando hábitos saudáveis a exercícios

físicos, e um corpo idealmente modelado por esses mesmos exercícios e certa

alimentação, ajudam a construir uma nova perspectiva de corpo e esporte para as

mulheres. O estímulo médico e familiar para a prática de esportes estão assim sendo

correlacionados com esses movimentos mais amplos.

4.4.3 profissionalização.

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Quando perguntadas sobre o porquê de não terem seguido na carreira

esportiva em busca da profissionalização na modalidade que praticavam, a atleta do

basquetebol Leticia manifestou que o modo como o universo esportivo está

organizado tende a desvalorizar determinados esportes, enquanto supervaloriza

outros e que a questão do gênero influencia também. Já Ana Luiza, também do

basquetebol, disse que os padrões corporais necessários a prática da modalidade

nunca foi atingida por ela. “Depois do primeiro ano da escolinha eu já tava super

envolvida, assim. Eu queria muito, era um sonho, assim idealizado, só que eu tinha

um pé na realidade, né, da situação do esporte no Brasil. E fui recortando o esporte

difícil, o esporte por eu ser menina era mais difícil, por ser basquete e por ser menina

era mais difícil ainda, mas mesmo assim eu não desisti, continuei jogando, mas eu

sabia que eu... ia chegar num momento que eu ia precisar fazer uma faculdade,

trabalhar e em algum momento ia acontecer que ia ficar de lado, né, que

infelizmente aconteceu” (LETICIA, BASQUETEBOL.).

Já as atletas de judô e jiu jitsu disseram que começaram a praticar a

modalidade tarde para pensar em profissionalização. Já as atletas de voleibol não

foram questionadas sobre a possibilidade de profissionalização, entretanto é possível

notar na fala de Ana que para ela o voleibol sempre foi mais uma diversão e um modo

de manter um modo de vida saudável, enquanto para Karine foi um modo de conhecer

pessoas e lugares e enquanto mantinha hábitos que melhorariam sua saúde física e

psicológica já que sofria de ansiedade. Entre as jogadoras de futebol, uma disse que

nunca se achou habilidosa suficiente para prosseguir no sonho da profissionalização,

enquanto a outra jogadora demonstrou certa desmotivação em relação a estrutura do

futebol feminino no país “ Bom, acredito que qualquer atleta que inicie uma

modalidade, tem um sonho, assim, de seguir carreira, porém é... como o futebol

feminino não é valorizado, eu não consegui seguir carreira. E por aqui, assim, em

Curitiba e muitas regiões, é...não têm muita oportunidade pra atletas poder crescer,

assim, no clube, então foi mais por prazer mesmo”.

As atletas também foram questionadas sobre uma possível prática de outra

modalidade, diferente do desporto que praticaram por mais tempo e que viraram

atletas amadoras. A atleta de judô disse que faria outros tipos de luta para refinar seus

conhecimentos técnicos enquanto professora e técnica. Entre as atletas do voleibol,

uma sinalizou que gostaria de começar a praticar algum tipo de luta, e a outra

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enunciou que já havia tido a experiência de praticar outras modalidades por um tempo,

entre as quais judô, basquete e tênis. Entre as entrevistadas de basquetebol uma

disse que praticaria algum tipo de luta (ANA B) e a outra disse que nunca pensou em

praticar outro esporte (LETICIA). Entre as jogadoras de futebol uma respondeu que

praticaria diversas modalidades, e que o handebol seria uma que gostaria muito de

continuar praticando além do futebol; Já a outra atleta de futebol disse que também

gosta de diversas modalidades, mas que tem predileção pelo futebol mesmo.

A não profissionalização na modalidade manifestada pelas atletas revelou

certas dinâmicas que perpassam a organização da instituição esportiva e a questão

de gênero. A organização da instituição esportiva no Brasil tende a oferecer a estrutura

e possibilidade de profissionalização para determinados esportes em detrimentos de

outros. Desse modo, a estrutura que o futebol masculino detém no país facilita a

profissionalização dos atletas pois quando um jogador é avaliado como promissor, ele

recebe um apoio monetário, médico, psicológico e escolar para não deixar de treinar

e futuramente ser jogador profissional em clubes conceituados.

Já dentro de outras modalidades esportivas, a organização se encontra menos

estruturada, de modo que muitos atletas (homens) necessitam arcar com custos

médicos, de treinos, e transporte. Quando pensamos na organização dessa mesma

estrutura a partir das mulheres atletas, existe uma oferta menor em relação a prática

das modalidades o que faz com que muitas delas comecem a treinar tardiamente e

arcando com os custos de treino. A possibilidade de profissionalização para elas,

assim sendo, é encarada pelas atletas como muito difícil por conta, principalmente, da

infraestrutura esportiva. Permanecer enquanto atleta amadora, desse modo, é menos

uma escolha pessoal e mais uma consequência da instituição esportiva organizada

de maneira marginal aos esportes masculinos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS.

As entrevistas revelaram que nossa hipótese inicial de que o estimulo para a

prática esportiva das meninas não acontecia, ou quando acontecia eram para

modalidades consideradas menos agressivas e, portanto, mais femininas, encontrou-

se reconfigurada. Acreditávamos, partindo da literatura sobre gênero e mulheres e

esporte, que o estimulo a determinados esportes como por exemplo o voleibol, as

ginásticas e outras modalidades em que uma feminilidade especifica poderia ser

mantida por meio da conservação estratégica de atributos associados a

mulheres/femininas/heteros, como determinadas roupas, arrumações de cabelo,

brincos, pulseiras, colares, maquiagem etc; eram mais estimuladas do que outras.

Desse modo, nossa hipótese inicial procurava analisar como se dava essa

entrada das mulheres, ainda novas, dentro das distintas modalidades e tentar

correlacionar com as teorias que visaram compreender as desigualdades iminentes a

estrutura de gênero, já que tais disparidades tinham um reflexo direto no campo

esportivo.

Os questionamentos que fizemos as atletas não nos possibilitaram apreender

todas a minucias que estão presentes na correlação entre instituição esportiva e

estrutura de gênero e que já foram explicitadas nos dois primeiros capítulos, mas

ainda sim é a possível compreender em determinadas entrevistas algumas

permanências e também transformações que de certo modo ainda se encontram

relacionadas a uma estrutura de gênero desigual também dentro do campo esportivo.

A primeira mudança notável que percebemos foi a inclusão cada vez mais

recorrente das meninas na prática esportiva nas diversas modalidades de competição.

A participação delas atualmente não se encontra restrita a modalidades consideradas

menos invasivas ou mais leves, mas sim também dentro de modalidades de grande

impacto no que tange a mudança da estrutura física do corpo como por exemplo as

lutas.

Embora não tenhamos explorado em nossas entrevistas o que seriam os

hábitos saudáveis que possivelmente poderiam ser adquiridos por meio da prática

esportiva e que foram norteadores para o apoio familiar recebidos das atletas, e para

que as próprias atletas permanecessem com os treinos de sua modalidade,

acreditamos que os motivos podem estar relacionados de algum modo com a cultura

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fitness.

O aumento da cultura fitness a partir dos anos 2000 que procurou difundir e

vincular um corpo malhado, uma rotina de exercícios e um tipo de alimentação

especifica ao aumento da qualidade de vida. Tudo isso passou a ser encarado como

sinônimo de saúde, assim como a procura e persistência de alcance de um corpo ideal

tanto para a mulher quanto para o homem, esse corpo ideal não se encontra isento

das visões de senso comum de feminilidade e masculinidade hegemônica.

A exemplo dessas visões de senso comum, umas das atletas do futebol, e que

também prática handebol, quando foi questionada sobre as mudanças corporais que

ela notou em seu corpo como resultado do aprimoramento da prática esportiva,

respondeu manifestando seu descontentamento: “Se eu sinto que meu corpo se

desenvolveu mais... por alguma… tipo, que tenha a ver com esportes… Ele com

certeza é diferente por causa do esporte, é… como é um esporte de contato, que

envolve muita força, eu… é padrão, assim, se você pegar as minhas amigas que

jogam handebol, com as minhas amigas que não jogam, você vai ver um braço

diferente, uma perna diferente, um biótipo totalmente diferente. E nossa, sou

claramente muito mais forte do que muita menina, não sei dizer se eu acho isso bom,

pra muitos momentos sim, mas meu braço não é uma coisa que me agrada (risos). ”

Quando foi questionada sobre esse desagrado com o desenvolvimento dos

músculos, visto que é uma vantagem dentro do handebol e do futebol e também um

sinônimo de hábitos saudáveis dentro da cultura fitness, respondeu “É… o meu braço,

ele não é enorme, eu tenho essa noção, até porque já estudei sobre como eu vejo

meu corpo, e como as outras pessoas veem. E antes eu achava que era uma coisa

que só eu achava enorme, enorme, enorme, não usava regata de jeito nenhum. Aí,

quando eu comecei a dar aula, eu vi que realmente ele é grande, porque os alunos

sempre falavam “nossa, prof., você é forte”, né (risos). Então, eu sei que ele é grande,

mas não é absurdo. Aí, assim, é músculo, é só músculo, que me incomoda e é muito,

eu acho exagerado, tipo não exagerado que fica masculinizado, mas fica… fica meio

grande, tipo, fica difícil de eu ser toda feminina com um braço tão definido, digamos

assim. Mas… claro, me ajuda pra jogar handebol, me ajuda, sei lá, já me mudei 9

vezes, eu não tenho problema nenhum em carregar peso, acho até muito fácil, e…

mas sei lá, no quesito beleza mesmo, ele acaba não me favorecendo, tipo, não é nada

feminino, não é.... tipo, quando eu vou me arrumar bem menininha, vestidinho e tal,

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ele não facilita muito (risos). ”

Em sua fala a atleta traça uma correlação entre feminilidade a falta de

músculos, força, já que para realizar as mudanças de casa os músculos são uteis, e

para sair de vestido “toda menininha” ficam são feios. A imagem da feminilidade

hegemônica está presente na fala dela enquanto as feminilidades plurais, diferentes,

são percebidas por ela como “feias”.

Em relação a pergunta que nos propomos a responder de quais os estímulos

e apoios para a prática esportiva destinados as mulheres, e influencia desse apoio em

relação a modalidade que elas escolhem praticar, concluímos por meio das

entrevistas com as atletas que fizeram parte da pesquisa: Que atualmente as

mulheres tem sido estimulas e apoiadas pelas famílias e professores de escola a

realizarem a prática esportiva, e a reprovação por parte da família em relação as

modalidades investigadas aqui, não existiram na percepção das mesmas.

Ainda assim é possível levantar determinados questionamentos em relação a

prática esportiva das mulheres, como por exemplo: Se existe um aumento de

mulheres praticantes de diversas modalidades, seja por escolhas pessoais ou a uma

influência da cultura fitnees, por que a profissionalização delas é tão difícil? É

necessário renunciar alguma coisa (como a maternidade) para essa

profissionalização? Embora o esporte amador envolva dedicação e seriedade por

parte das atletas mulheres, ele é visto por uma parcela da sociedade como

“brincadeira” ou menos “sério” e, portanto, de pouca relevância na vida dessas

mulheres?

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ROTEIRO DAS ENTREVISTAS.

O roteiro das entrevistas foi semi- estruturado e partiu dos seguintes

questionamentos apresentados abaixo. Cada entrevista teve sua particularidade em

relação a maneira de perguntar e explorar os questionamentos nas respostas e, assim

sendo, outras perguntas que não se encontram no roteiro foram feitas em cada

entrevista com o objetivo de conhecer melhor a história de vida das atletas.

1) Qual é o seu nome e sua idade. 2) você pratica ou praticou algum esporte durante muito tempo? 3) como você começou a praticar a modalidade? 4) seus pais estimularam que você praticasse algum esporte? 5) você tem irmãos ou irmãs que praticam esportes? 6) O estimulo do seus pais ou responsáveis foi igual para o início da prática esportiva de vocês? 7) você pensou em seguir carreira profissional? 8) Você pensa em praticar alguma outra modalidade? 9) Você sente que seu corpo desenvolveu de um modo que você gostou por meio da prática esportiva?

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ANEXO 1: ENTREVISTA ANA

DÉBORA: Então tá, como é seu nome? ATLETA I: Ana Petroski (?) DÉBORA: Ana, você praticou algum esporte, é..ou praticou durante muito tempo? ATLETA I: Sim, vôlei! DÉBORA: Você praticou vôlei, é… E como que você começou a praticar vôlei? ATLETA I: Eu… Minha mãe fazia academia, lá no… na academia de esporte e eu via as crianças jogando. Daí eu fui atrás de como fazer a inscrição. DÉBORA: aham ATLETA I: Daí eu comecei. Eu… a minha mãe foi, fez a inscrição pra mim e eu comecei a jogar. DÉBORA: Então tua mãe te estimulou a praticar o vôlei? ATLETA I: Sim, sim. Ela sempre praticou, é… estimulou a praticar DÉBORA: Ela sempre fez esportes, te estimulou a praticar esportes… E você tem irmãos e irmãs? ATLETA I: Tenho, todos eles jogaram vôlei. DÉBORA: Jogaram vôlei. Então a tua família… Mas a tua família sempre estimulou o vôlei? ATLETA I: Não. Na verdade isso foi por causa que eu fui atrás da inscrição. DÉBORA: Aham... ATLETA I: Daí eles viram que o projeto lá do rexona era bem legal, e... DÉBORA: Aham ATLETA I: E... DÉBORA: Aí eles são mais novos? ATLETA I: Tem um que é mais velho e uma mais nova. DÉBORA: É… irmão e irmã?

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ATLETA I: Aham! DÉBORA: E o estímulos dos seus pais, da sua mãe, pra vocês fazerem esse esporte foi igual? Tanto pra vocês quanto meninas, quanto para o irmão? ATLETA I: Foi igual, sim. DÉBORA: E você já quis praticar outra modalidade? ATLETA I: Eu pratiquei judô por um tempo. Basquete por um tempo e tênis por um tempo também DÉBORA: Ah tá! Então o estímulo dos seus pais foi igual pra todos os filhos… a praticar... ATLETA I: Foi igual. DÉBORA: Teve um que eles estimularam mais, outro menos... ATLETA I: Não. DÉBORA: Não?! Igual! É, Você sente que assim, seu corpo, ele desenvolveu de um modo que você gostou, por meia da prática esportiva do vôlei? ATLETA I: Eu acho que assim, a minha habilidade motora melhorou, mas a questão, tipo, for… formar... DÉBORA: Sim... ATLETA I: Físico, não sei se fez tanta diferença por causa do projeto que eu participava, que não era treino, era uma aula mais lúdica. DÉBORA: E você treinou assim, intensivamente, por quanto tempo? ATLETA I: Intensivamente, eu treinei por uns dois anos. DÉBORA: Uns dois anos. Aí era quan... é… dias na semana? como que era? ATLETA I: Eu treinava todos os dias, em dois lugares diferentes. Um eu treinava 2 horas e o outro eu treinava umas 4. DÉBORA: Aham. É, aí você falou assim que tem... com o vôlei você não sentiu que mudou tanto a tua estrutura física, mudou tua, né, coordenação motora mais ajudou. Você sente tem algum esporte que, você enquanto estudante de educação física, algum esporte assim, que muda muito a estrutura física? Você já viu? ou não? ATLETA I: Eu acho que... DÉBORA: Depende da prática…?

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ATLETA I: Assim, força ajuda bastante e a questão da agilidade. Mas acho que deixar a pessoa mais alta, deixar a pessoa... é... tipo baixa… essa coisa acho que não muda. Só a questão musculatória mesmo. DÉBORA: Aham ATLETA I: Opa… muscular. DÉBORA: Ah é isso, Ana. Muito obrigada.

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ANEXO 2: ENTREVISTA KARINE.

DÉBORA: Como é que é seu nome? ATLETA II: Meu nome é Karine. DÉBORA: Karine. Karine, você praticou ou pratica algum... praticou algum esporte durante muito tempo? ATLETA II: Sim, 7 anos DÉBORA: Qual que era o esporte que você praticava? ATLETA II: Handebol. Vôlei! DÉBORA: É… e como é que você começou a praticar o vôlei? ATLETA II: Eu comecei a praticar o vôlei desde os 11 anos de idade, por conta da minha altura, que eu sempre fui alta. Então os professores de educação física sempre me levavam pra... pra ir pra campeonatos, o professor Dirceu que sempre foi que me ajudou e tals. Mas eu tinha muito medo da bola assim, em sí, mas depois eu fui começando como atacante e daí ele me colocaram como atacante central e ganhei uma bolsa, daí pra ir jogar no Expoente. Daí eu vi que realmente dava pra ser atleta assim, com 15 anos. DÉBORA: Com 15 anos? ATLETA II: Que daí eu já tava, trabalhava no Banco do Brasil. Onde já é o maior patrocínio, né, do vôlei é o Banco do Brasil. Então, daí eu conheci o maracanãzinho, eu fui pra outros lugares, conheci pessoas importantes. Daí eu tinha o patrocinador direto do banco mesmo. Daí comecei a jogar só as finais mesmo, então eu não jogava com um time, então eu não tinha um time, eu só jogava as finais e treinava todo dia na academia do Círculo e comia lá... DÉBORA: Todos os dias? ATLETA II: ...Por causa da bolsa… Todos os dias! DÉBORA: Você treinou quanto tempo? Que você jogou, assim? ATLETA II: Intensivamente... DÉBORA: É… ATLETA II: 4 anos. DÉBORA: 4 anos…?

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ATLETA II: Daí nos 3 anos eu treinei, daí, com o time do Círculo mesmo DÉBORA: Com o time. É… e você tem irmãos, irmãs? ATLETA II: Assim, eu... DÉBORA: Que praticaram esportes? ATLETA II: Meu irmão, ele tem é mais alto que eu, mas ele nunca se interessou por nenhum tipo esporte nessa área. Mas a área cultural dele é mais tipo xadrez, turismo ele curte mais isso, esporte ele não tem muito vínculo. DÉBORA: E os pais de vocês estimularam que vocês praticassem... ATLETA II: Desde pequena, assim. Desde de bicicleta, de pião, levar no parque, soltar bola. DÉBORA: Você acha que os seus pais, eles estimularam que vocês praticassem esportes de igual, assim, tanto seu irmão? Eles estimularam mais, de repente, você? menos seu irmão ou mais o seu irmão? ATLETA II: Acho que… A mãe é mais pra mim, porque minha mãe sempre quis que eu fosse bailarina. E depois ela viu pelo fato de ser tanto agitada, eu fui pra área do vôlei, assim. DÉBORA: Aham ATLETA II: E meu pai sempre estimulou o Leandro com futebol, que esse negócio de pai já achar um time, mas meu o irmão nunca se interessou. Então, meu pai meio que deu uma desistida no sentido de deixar ele, também, querer o que ele quer. DÉBORA: E teu pai estimulou que você fosse jogasse futebol também ou não? mais vôlei? ATLETA II: Não. Ele gostava bastante de basquete. DÉBORA: De basquete? ATLETA II: Basquete! que eu fosse jogar basquete. Mas eu me interessei só depois quando entrei na universidade. DÉBORA: É?! E atualmente, você joga que esporte? ATLETA II: Atualmente na verdade, não como esporte, eu danço. Mas o basquete, 2 anos no time da universidade. DÉBORA: É... E Você sente que tem uma diferença do vôlei pro basquete, em relação à estrutura física, as pessoas que jogam, ou como a sociedade vê? Você sente alguma coisa assim?

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ATLETA II: Com o vôlei, quando eu treinava intensivamente, eu sentia bastante mudança, assim, desde corpo e tudo mais, que eu tomava também remédios fortes pra ansiedade, então eu parei até de tomar remédio, porque me ajudou muito a prática, né, quando eu praticava o vôlei. Mas no basquete me ajudou no físico, eu consigo andar mais sem sentir dor, consigo correr mais, e tomar mais água, me incentivou a tomar mais água porque o físico é totalmente diferente do vôlei. A gente ficava mais na parte de habilidade, de treinos com bolas, e o basquete é mais treino perna, braço, academia, então isso eu senti bastante dificuldades, até em jogo. Nunca consegui ficar um quarto inteiro, assim, jogando, porque o físico não aguentava mesmo DÉBORA: E você sente, alguma diferença na interpretação das pessoas quando você diz que você… você jogou vôlei muito tempo, agora você joga basquete, você acha que... como é a receptividade das pessoas? ATLETA II: Sim, porque a galera acha que as pessoas têm que ser determinado a um esporte, né. Tipo, eu quero poder conhecer todos. Ainda mais por fazer educação física eu tô em contato com todos. DÉBORA: Aham ATLETA II: E eu só desisti de ser atleta porque, acho que eu coloquei na minha cabeça que eu iria sentir… eu ia ficar fraca, porque eu só ia ter aquilo na minha vida, o contato só com o vôlei. Então, eu desisti pra mim ter outras esportes na minha vida, assim. Eu nunca pensei que eu ia jogar basquete da forma que eu jogo agora, claro que eu vou melhorar mais, mas eu acho que dá pra você, sei lá, se familiarizar com muito, porque hoje em dia pra ser atleta no brasil é muito complicado. DÉBORA: E você, é, já passou por alguma situação, assim, de preconceito por jogar vôlei ou depois jogar basquete, alguma situação embaraçosa, assim? ATLETA II: Não porque eu sempre fui alta. Então, tipo nesses dois esportes, nesses aspectos, até na hora da entrega da medalha sempre foi tipo: “ai por que você não joga vôlei”; Ou quando eu tô no basquete: ah por que você não joga basquete?”. Então, tipo sempre foi isso. Nunca tive... DÉBORA: Ah sempre te estimularam por causa da sua altura, então? ATLETA II: Sim. Sempre foi a minha altura que me estimularam pros dois esportes, assim. DÉBORA: Você pensa em praticar alguma outra modalidade, assim? daqui pra frente, sei lá? ATLETA II: Sim! Agora como eu tô envolvida mais com a dança, mas eu quero tentar algum tipo de luta. DÉBORA: Algum tipo de luta? Você Já sabe qual ou ainda não?

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ATLETA II: Muay thai! DÉBORA: Muay thai… é… deixa eu ver… acho que é isso, assim. Tá, obrigada então, Karine ATLETA II: De nada.

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ANEXO 3: ENTREVISTA ANA B. DÉBORA: Tá, como que é seu nome?

ATLETA III: Ana B. DÉBORA: É… E você praticou ou pratica, praticou durante muito tempo algum esporte? Alguma modalidade? ATLETA III: Sim, pratiquei basquete. DÉBORA: Você praticou quantos anos? Começou a jogar com quantos anos? ATLETA III: to calculando. deixa eu ver quantos anos eu tenho… 18, 10, 19, 20, 21… é 12, deixa eu pensar DÉBORA: Praticou 12? ATLETA III: Acho que é 12. DÉBORA: 12 anos?! E como que você começou a jogar basquete? ATLETA III: Porque minha mãe é professora de educação física, daí ela queria que a gente fizesse alguma atividade física. O meu sonho era fazer vôlei. Só que o vôlei era num horário muito ruim pra minha mãe levar e buscar a gente lá em Foz. DÉBORA: Ahn... ATLETA III: Aí ela tava na sala dos professores do colégio dela e o Cláudio, que foi meu técnico a vida inteira, tava junto. Daí ela pegou, e tava falando com uma amiga dela assim “ai, minhas filhas tão crescendo demais, elas são muito altas, acho que vou colocar elas pra fazer algum esporte, não sei o que...” Daí como ele já dava treino de basquete, ela falou “opa, são muito altas, manda elas lá pro basquete e tal” DÉBORA: Aham. ATLETA III: E aí ele morava perto da nossa casa, daí ele passava buscar a gente e levava a gente em casa todo dia, daí ficou uma logística melhor. Daí a gente começou a treinar basquete por isso. DÉBORA: Porque sua mãe estimulou, então?! ATLETA III: É! DÉBORA: E você tem irmãs e irmãos? ATLETA III: (risos) Tenho. Uma irmã, a Gabriela e um irmão, João Paulo.

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DÉBORA: E eles praticam alguma modalidade também? ATLETA III: A Gabriela joga basquete a vida inteira também. E o joão paulo já fez natação, judô, taekwondo, futsal, futebol, tudo. DÉBORA: E o estímulo dos pais de vocês, é... pra vocês praticarem esporte foi igual, assim? Pra você, pra sua irmã? Pro seu irmão? Como é que você vê isso? ATLETA III: Foi. Porque minha... como minha mãe é professora de educação física, o tempo todo ela quer que a gente esteja fazendo alguma coisa, sempre, assim. Ela nunca deixou a gente não fazer nada. DÉBORA: Uhum ATLETA III: Ou academia, ou fazer uma modalidade de alguma coisa, sempre assim. DÉBORA: Sempre?! É… E ela queria que vocês praticassem esses esportes, essas modalidades por que será? O que que você acha? ATLETA III: Por qualidade de vida. DÉBORA: Qualidade de vida… Saúde, assim? ATLETA III: Saúde, cuidar… sair de casa, também. Não ficar o tempo todo dentro de casa. Também quando a gente começou a usar celular, por exemplo, é que daí a galera fica muito no celular e tal, acho que o esporte é um momento que, tipo não tem como você estar no celular, minha mãe sempre fala isso. DÉBORA: Aham. ATLETA III: Principalmente em relação ao meu irmão agora, que é o tempo que ele fica fora do celular. DÉBORA: Agora atualmente ele tá jogando o que? ATLETA III: Agora ele tá fazendo academia, 3 vezes por semana. E ele faz... judô. Não! Karatê!!! DÉBORA: Karatê? ATLETA III: É Karatê. Daeko(?) Karatê. DÉBORA: E o… seu pai estimula vocês também? que que ele achava no começo, que que ele achava depois? ATLETA III: Olha, o meu pai (risos) nunca falou nada. No começo era, tipo, meu pai é indiferente em relação a isso, ele sempre… na maioria das coisas, na verdade, o que minha mãe fala… quem puxa as coisas lá em casa sempre é minha mãe, e meu pai “ok”, ele concorda com isso. Mas depois de um tempo, quando a gente começou a

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competir mais… é… estadual e tal, daí ele começou a incentivar bastante, assim. Ele ia pros jogos, ele corria junto do lado da quadra, ele… daí ele pirou um pouco junto também. DÉBORA: É… gostou, daí? ATLETA III: Ele gostou, mas ele praticar esportes, por exemplo, nunca aconteceu. DÉBORA: Então ele nunca desaprovou? ATLETA III: Não. Nunca desaprovou... DÉBORA: Sempre achou interessante…vocês...? ATLETA III: Sempre. Aham. De levar e buscar nos treinos à noite também, que minha mãe dava aula à noite, daí quem levava e buscava depois era ele. Nunca... DÉBORA: E você… você pensou em seguir carreira profissional? Dentro do basquete? Que que aconteceu? ATLETA III: Não, em seguir carreira profissional não. Eu nunca consegui atingir o peso ideal pra conseguir jogar (risos). DÉBORA: Peso ideal? Como assim? Fale mais sobre isso. ATLETA III: Ah, é porque eu sempre fui muito abaixo da… do porte físico pra... pra prática de esportes, né, sou muito magra. Tipo, aí todas as vezes em que… por exemplo, quando peguei seleção paranaense a minha meta era ganhar 5kg de massa muscular, daí nutricionista ficava me enfiando um monte de suplementação alimentar, e eu fazia sempre treino diferenciado, porque geralmente as meninas fazem pra perder um pouquinho de massa… de gordura, e ganhar um pouquinho de massa. Mas o meu só tinha que ganhar muita massa, daí meu treino sempre era diferenciado, só que eu nunca consegui... DÉBORA: Atingir... ATLETA III: Atingir... DÉBORA: Mas a tua técnica, ela era diferente por conta disso? Como que você avaliava, assim, em relação às outras meninas? ATLETA III: A minha técnica de jogo? DÉBORA: É. Por ter o peso abaixo do que era pedido lá, estabelecido, sabe? Você sentia alguma coisa, via essa diferença? ATLETA III: A nível estadual não. A nível estadual isso nunca me prejudicou em nada, porque eu acho que é.. a gente não chega a atingir esse patamar de ter uma padronização de nutricionista, uma padronização de alimentação em relação às

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atletas que a gente que tem. Mas quando eu fui jogar o brasileiro, sim! Quando eu fui jogar o brasileiro, eu praticamente fiquei no banco o tempo todo, assim, porque os outros times eram o dobro do meu tamanho. DÉBORA: E aí, muito pesadas, e aí? ATLETA III: Não eram nem muito pesadas. É, tipo,com massa muscular suficiente. Não eram pessoas pesadas, assim, de mais gordas e tal. DÉBORA: Aham... ATLETA III: Eram pessoas definidas, que corriam bem mais rápido que eu, inclusive. DÉBORA: Aham ATLETA III: Só que elas tinham mais massa muscular. DÉBORA: É?! E você já pensou em praticar outra modalidade depois que, por exemplo, você percebeu isso aí que você não ganhava massa? Você pensou “ai, gente, não vou conseguir” sei lá. Pensou em praticar outra coisa? Ou antes mesmo, junto com o basquete? ATLETA III: Não, no começo eu pensei em fazer junto o vôlei que eu queria, mas aí depois que eu comecei a jogar basquete, eu gostei muito do esporte e… não sei, foi sempre aquilo a vida inteira e daí... não… não cogitava trocar. DÉBORA: Mas por que que você gostou tanto do basquete e aí deixou de lado o vôlei? que que você viu, assim, no treinamento...? Que te fez gostar muito…? ATLETA III: É porque eu acho… é, acho que o basquete, ele se difere das outras modalidades porque ele se dá em dois âmbitos. Um âmbito físico e no âmbito estratégico, eu acho de uma forma muito maior do que nos outros esportes. Não desmerecendo nenhum esporte, mas eu acho que... eu entendo dessa forma. DÉBORA: Ahm ATLETA III: Tanto a parte tática e técnica, eu acho que ela tem um nível estratégico maior do que das outras coisas. E principalmente no basquete feminino. Acho que isso também é a diferença bastante grande do feminino para o masculino. O masculino, se você for alto, forte, você vai jogar basquete, no feminino, não necessariamente esse seja um… apesar de seguir, em grande parte, se você tiver uma boa estratégia de jogo, uma boa visão de quadra, eu acho que isso já supre as outras necessidades. DÉBORA: No feminino? ATLETA III: No feminino! DÉBORA: Mas por quê?

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ATLETA III: Até, tipo, de forma prática, assim. Em posicionamento de pés, passada cruzada, passada aberta, toda essa discussão não existe no basquete masculino. Basquete masculino ai “faz a cesta aí”. Tipo, dentro do basquete feminino não, você pega a bola, vai sair pra cá, vai sair pro meio, você tem que cruzar a perna, tem que fazer saída aberta, tem que sair com essa mão... DÉBORA: Aham... ATLETA III: Existe todo um cuidado de detalhamento maior da técnica do basquete feminino. DÉBORA: Mas por quê? É como se os meninos já tivessem isso? Que que é? ATLETA III: Não. eu acho que não é em relação a eles já terem isso. Mas eu acho que... como você tem porte físico maior, sempre jogando basquete no masculino... DÉBORA: Você não precisa de uma técnica... ATLETA III: Eles vão pra uma pancadaria maior, assim. DÉBORA: Ahm. Resolve num... ATLETA III: E aí… é, acho que daí a parte de um detalhamento e refinamento do basquete em relação à técnica e tática, ela fica um pouquinho em desvantagem nisso. Você, tipo, não precisa muito disso. Eles conseguem fazer as coisas na pancadaria, por exemplo. E não é nem questão de não precisar, assim, eles não fazem. Porque pra mim, acho que um basquete bom, o basquete bem jogado, é um basquete com todos esses detalhes. DÉBORA: Você sente, assim, que seu corpo, ele desenvolveu de um modo que você gostou, por meio da prática do basquete? Ou você teve que aprimorar de outra maneira? Você, sei lá, viu algum outro esporte que “ah, se eu praticasse esse esporte, eu ia ficar de tal modo que você queria”? Almejou alguma coisa em relação ao seu corpo? ATLETA III: Não, acho, nunca… Almejei sempre ganhar um pouquinho mais de massa, o tempo todo. Mas nunca consegui, e também nunca foi um problema, assim de “ai, vou deixar de fazer isso por conta de sempre…”, teve uma época, assim, uns dois anos, em que eu fiquei muito fissurada em ganhar massa muscular. Tipo, fazia academia 6 vezes por semana, mais treino de 3 horas por dia, todo dia. Fazia alimentação regrada com nutricionista, suplementava e tal, mas aí, tipo, não deu uma diferença tão significativa, e aí eu larguei mão, falei “ai, não vou ficar me matando por uma coisa que não dava diferença muito grande, pra fazer isso. DÉBORA: É… ai, acho que é isso, assim... ATLETA III: Mas em relação a desenvolvimento, principalmente tipo de… mais da psicomotricidade que você alcança, eu acho que isso faz muito parte dentro do

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detalhamento do basquete. Quando você vai fazer, por exemplo, lembra aquela escada que você... pisa dentro, pisa fora, e tal, acho que tudo isso... DÉBORA: Mas você acha que é mais, por exemplo, do que em outras modalidades, por exemplo? Você sente isso? ATLETA III: Eu acho que é mais. Não sei de todas, né, porque eu não… Mas dentro, por exemplo, eu acho que é mais. DÉBORA: Mas como é que você analisou isso? Vendo, por exemplo, outras competições? Outros treinos de outras modalidades? ATLETA III: É, porque quando a gente viajava, a gente conversa com gente de todas as modalidades, e você tá lá, você vê os outros treinos e tal. E nunca vi… sei lá, pode ser que os times que eu acompanhei não fossem dessa forma, mas nunca vi uma… um detalhamento de treino assim no nível do basquete. DÉBORA: Uhum. Eu acho que é isso, assim. Obrigada ATLETA III: De nada. Mas com o joão, sim, porque o joão quando ele era pequeno, a gente já tentou introduzir ele no basquete assim, e eu e a Gabriela, a gente já tava jogando há muito tempo, então quando ele era pequenininho e começava a andar a gente já tentava, por exemplo, comprar a bola de basquete menor e fazia ele ficar batendo bola com a mão esquerda. DÉBORA: Aham. ATLETA III: Que é uma coisa difícil dentro do basquete, então a gente fazia, ficava batendo bola com a mão esquerda ou ficar dando passe e recebendo passe só com a mão esquerda, e ficava ensinando ele a fazer alguns dribles e algumas coisas quando ele era pequeno, assim. Talvez por isso que ele nunca gostou de basquete. DÉBORA: Ele nunca gostou? ATLETA III: Ele gostou, mas não assim igual a gente, não. DÉBORA: Pra ir jogar?! Ah então tá bom. Muito obrigada. ATLETA III: De nada, querida

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ANEXO 4: ENTREVISTA BRUNA.

DÉBORA: Qual o nome, idade, curso e modalidade em que é atleta amadora? ATLETA VIII: Bruna Cristine , 23 anos. Eu curso educação física, e pratico jiu jitsu. DÉBORA: Quando e como você começou a praticar essa modalidade? ATLETA VIII: Quando eu entrei na universidade pra começar o curso, eu comecei a praticar o atletismo, né, ia treinar o atletismo. Eu fiquei durante um ano treinando atletismo, até que eu me lesionei, então, daí depois dessa lesão eu tentei voltar, mas não consegui porque cronificou e tal, teve um processo muito complicado pra volta, então eu desisti do atletismo. E nesse período tava acontecendo, é… já tava acontecendo os treinos de jiu jitsu, no departamento de educação física, e eu fiquei sabendo por amigos, é… e me interessei. Como eu nunca tinha feito arte marcial antes, eu sempre tive um… e sempre tive interesse, aí me disseram pra iniciar a noite lá, fazer alguns treinos, foi então que eu comecei a praticar mesmo. Gostei da arte marcial. DÉBORA: Por que escolheu essa modalidade e não outra? ATLETA VIII: Acho que eu escolhi o jiu jitsu porque… por não conseguir voltar pro atletismo, que eu gostava muito, é… era uma outra modalidade individual que o departamento é… proporcionava pros estudantes e comunidade interna e externa da faculdade, porque os coletivos eu não me interessava muito, porque eram grupos muito fechados, e/ou tinha que fazer seletiva e tal, e eu queria mesmo esporte individual. E me identifiquei bastante quando eu comecei a praticar, né, nas primeiras aulas ali e... fiquei, escolhi o jiu jitsu por isso. DÉBORA: Pensou em seguir carreira profissional? Se sim, o que aconteceu? ATLETA VIII: Já pensei em seguir carreira profissional no jiu jitsu, sim. É, mas como é uma arte marcial que demanda muito tempo, muita dedicação pra você ter uma graduação que você possa, é… dar… dar aula, né, usar a arte marcial pra isso, então é… não sei, é uma coisa a se pensar ainda. Então, talvez eu siga como atleta, talvez não também. DÉBORA: Aham... ATLETA VIII: Ainda respondendo à essa questão. Um dos motivos pra eu, talvez, não seguir na área como atleta, seja o investimento financeiro, que é… demanda de… de investimento considerável, né, pra... pra praticar esse esporte, e… tempo também, então, uma das razões seria isso também. DÉBORA: Entendi... ATLETA VIII: Investimento no sentido de comprar Kimonos, né, roupa específica do treino. É… investimento com alimentação… com... as competições, pagar inscrição, pagar anuidade de confederação, e tudo mais, que você tem que pagar, né, caso você

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não seja patrocinado. No caso da universidade, eles bancam a nossa inscrição, né, então fica mais fácil praticar essa ativi… esse esporte, por causa disso. Mas é… a partir do momento que eu formar, eu ainda posso treinar ali no… no departamento, por ser um projeto de extensão também, esporte e projeto de extensão, eu posso treinar ali, então. Vou continuar treinando, porém não sei se continuo competindo por esse fator, né?! Eu tenho que pagar as inscrições, né, e… sem ter um patrocinador, que geralmente são por empresas de suplemento, então é difícil conseguir um patrocínio. É… e também por ser... academia ser uma filial dentro da universidade, também, não é… não tem como… a… só sendo aluna pra ter esse investimento, então, depois que eu me formar, seria um empecilho pra mim, nesse sentido DÉBORA: Tem irmão e irmãs que praticam esporte? que modalidade? ATLETA VIII: Eu tenho um irmão mais velho, ele pratica… praticou esporte, do atletismo também, quando tava na carreira militar, e aí ele saiu, e aí parou. É… e hoje em dia ele só joga futebol, como hobbie mesmo. DÉBORA: Seus pais estimularam você a praticar esportes? Algum esporte específico? ATLETA VIII: Eu vivo com a minha mãe, com meu irmão, então eles me apoiam bastante na prática do esporte que eu escolhi, principalmente. É… assim, não são muito incisivos quanto a… ao tipo de esporte que eu pratico, mas eles... é… apoiam o meu envolvimento com o esporte, principalmente por eu ser da área da educação física também, então tem tudo a ver com o meu… com o meu campo de trabalho futuro. Então eles me apoiam bastante. DÉBORA: Você já pensou em praticar outra modalidade? Por que? ATLETA VIII: Já pensei, sim em praticar... basquete, né, por ter tido a vivência na minha grade curricular do curso, e também por já ter vivenciado em alguns momentos na… junto com as meninas da equipe competitiva da universidade, que competem pelo basquete. É... foi… fiz alguns treinos com elas e achei muito interessante, assim, o grupo, né… as… a convivência delas, e tal, e mais por isso, assim. E, claro, já pensei também em retornar pro atletismo, né, que é um esporte que eu tive primeiro contato e gosta… e gosto muito, então esse dois. DÉBORA: Sente que seu corpo desenvolveu de um modo que você gostou por meio da prática esportiva em relação a meninas que não praticavam/praticam esportes? Como? ATLETA VIII: Acredito que com a prática desse esporte, meu físico desenvolveu bastante, assim. É… e, além disso, tem a questão da defesa pessoal que esse esporte me proporcionou, né, que é uma coisa, assim, que… eu levo pra minha vida, independente de ser atleta ou não, profissionalmente. DÉBORA: Ser atleta amadora te influenciou na escolha do seu curso? Por quê?

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ATLETA VIII: Acho que a escolha do meu curso… sempre esteve ligado com a afinidade com esportes, né, e dança, e tudo mais. Porque eu sempre vivi nesse meio, é.. praticando esporte na escola, é… participando de projeto de dança aberto à comunidade, gratuita. É… então a escolha do meu curso foi mais por isso, mas as práticas que eu desenvolvi, né, práticas esportivas que eu desenvolvi dentro do curso, na universidade, é… são… eram... meu primeiro contato com elas, tanto o atletismo, quanto o jiu jitsu.

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ANEXO 5: ENTREVISTA MAYARA. DÉBORA: Como é seu nome, idade e qual a modalidade? Você é atleta? ATLETA V: Nome Vania Mayara Santos da Costa, 26 anos, atleta de judô, assim, mas ultimamente eu não to treinando. DÉBORA: Como você começou a praticar essa modalidade? Sempre treinou intensivamente? ATLETA V: Eu comecei a praticar a modalidade através de um projeto social, né. Que eu morava no interior de São Paulo, não tinha nada pra fazer, daí eu queria treinar alguma coisa pra descontar minha raiva do mundo, e aí eu conheci o judô e quis treinar judô, e a partir disso, desde o tempo que eu fiquei morando lá eu nunca parei de treinar né, que foi mais ou menos uns 3 anos seguidos. Então, eu treinei nesses 3 anos aí depois eu parei porque eu vim pra Curitiba, né. E aí como eu trabalhava era bem difícil pra eu treinar, ter tempo, assim. Aí, intensivamente mesmo, que seria alto rendimento, né, eu treinei só no Amazonas durante um mês só que eu fiquei por lá. Foi a única experiência, assim, que eu tive, assim, profissionalmente, né, no caso. E agora eu pretendo voltar a treinar ainda, mas não sei como que… isso será, assim né, essa minha volta. DÉBORA: Pensou em seguir carreira esportiva, o que aconteceu? ATLETA V: Ah, pode crer, dá hora! Então, pensei em seguir sim, mais no começo, né, quando eu sonhava em, tipo, treinar bastante pra chegar em algum lugar, só que eu percebi que eu entrei, assim, até um pouco tarde no judô, né, com 17 anos. Então, pra mim foi mais… mais difícil, né, ter esses resultados porque eu era faixa branca, né, com 17 e lutava com meninas faixa marrom, né, que tinha ali 10 anos de judô, tendo 17 anos, então tinha essa desvantagem. Aí, mas eu sempre pensei em ser professora, foi o que me motivou a continuar na modalidade e é o que me motiva até hoje. Eu penso em ser competidora, tal, mas numa forma mais light, penso mais em ser técnica e professora. DÉBORA: Tem irmãos, irmãs que praticam o esporte? Que modalidade? ATLETA V: Tenho duas irmãs, elas praticam também judô, e… é isso aí, acho mó da hora (risos). DÉBORA: Seus pais estimularam igualmente vocês a praticarem esportes? Algum esporte específico? ATLETA V: Muito difícil, na verdade minha mãe, no início da minha vida, assim, ela me influenciava a fazer balé, ginástica olímpica, mas aí eu não dei muito certo em nada disso, assim, não durei nessas modalidades. E aí quando eu comecei a entrar, tipo, que eu… estudava num colégio super violento daí eu quis começar a fazer lutas pra eu não… né, pra alguém não vir e me arrebentar e eu ser humilhada no meio de todo mundo, né. Daí eu comecei a fazer altos tipos de luta, até que eu me encontrei

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no judô, mas nunca… nunca tive, assim, um incentivo, assim significativo, sabe?! É… minha mãe mesmo me assistiu lutando… é, judô, quando foi um campeonato lá na cidade, daí ela me viu, tal, mas do resto, assim, eu não me senti, assim, muito incentivada. E minhas irmãs, eu vejo que sempre que eu converso com a minha mãe, assim, eu falo “ah levou as meninas no judô essa semana”, né. Porque acho que é muito importante pra elas esse incentivo. Sem o incentivo a criança, acho que não… não realiza, difícil que era. Dá preguiça, né?! DÉBORA: Já pensou em praticar outra modalidade? por que? ATLETA V: Já pensei em praticar, não só pensei, como gostaria de praticar outras modalidades, assim, pra aperfeiçoar mais é… o conhecimento nas lutas mesmo. E pra... também, talvez, me graduar em outras modalidades e poder ser professora, ter outras possibilidades e tal. Já pensei em fazer sumô, praticar sumô, né, porque é um esporte que tem poucas mulheres, no Brasil, e que é… é bem mais fácil poder crescer, assim, numa carreira esportiva do que outras modalidades que têm mais mulheres, no caso DÉBORA: Sente que seu corpo desenvolveu de um modo que você gostou por meio da prática esportiva? ATLETA V: Sim. Sim. Eu tenho que explicar como rolou esse processo ou alguma coisa assim? ou “sim” só tá bom??

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ANEXO 6: ENTREVISTA LETÍCIA.

DÉBORA: Então, como é que é seu nome? ATLETA IV: Letícia Takuno DÉBORA: É, você praticou algum esporte durante muito tempo ou ainda pratica? ATLETA IV: Sim, eu pratiquei dos 12 anos até os 24, 25, mais ou menos, é... basquete, basquetebol. DÉBORA: Basquete. Aí você treinava intensivamente, assim? ATLETA IV: Isso, Aham. Na verdade assim, dos 12 até os 14 eu fiz escolinha de basquete, que é… que era totalmente só… de não era com um fim competitivo, nada, era só mesmo pra aprender, né, os fundamentos do esporte. DÉBORA: Uhum. ATLETA IV: Quando eu completei 15 anos eu passei numa peneira, que foi o primeiro clube que eu joguei. E depois foi assim, joguei em 2 clubes e depois entrei no basquete universitário, daí. DÉBORA: E como é que você começou a jogar basquete? ATLETA IV: Então, foi… eu tinha 12 anos e eu tinha um... eu sentia dor na coluna e tinha mau postura, e o médico sugeriu, né, que eu praticasse algum esporte pra fazer essa correção na postura. DÉBORA: Aham ATLETA IV: E eu não conhecia, não tinha contato com nenhum esporte até então. E… só que, né, sendo auxiliada pelo médico eu fui procurar um. E a princípio eu queria fazer natação, só que quando eu cheguei no centro desportivo, as vagas para natação tinham… já tinham sido encerradas, já tavam… não tinha mais menina. Aí eu tava passando, assim, pelo ginásio e tava tendo treino de basquete, eu olhei e falei “bom, vou fazer” né, porque eu preciso fazer alguma coisa e não tenho… não tinha... preferência por nenhum, então que viesse... (inaudível)... e foi o basquete. Daí eu peguei gosto, me apaixonei e fiquei pra sempre, assim, até o quanto deu. DÉBORA: Aham... Aí começou a treinar intensivamente? ATLETA IV: Isso, aham DÉBORA: E você pensou em seguir carreira esportiva, assim? ATLETA IV: Aham! Muito! É...

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DÉBORA: O que aconteceu? ATLETA IV: Depois do primeiro ano da escolinha eu já tava super envolvida, assim. Eu queria muito, era um sonho, assim idealizado, só que eu tinha um pé na realidade, né, da situação do esporte no Brasil. E fui recortando o esporte difícil, o esporte por eu ser menina era mais difícil, por ser basquete e por ser menina era mais difícil ainda, mas mesmo assim eu não desisti, continuei jogando, mas eu sabia que eu... ia chegar num momento que eu ia precisar fazer uma faculdade, trabalhar e em algum momento ia acontecer que ia ficar de lado, né, que infelizmente aconteceu. DÉBORA: Aham. ATLETA IV: Mas enquanto eu pude continuar ali investindo e tentan… e sonhando, quem sabe, com a profissionalização. Eu tentei assim, né, enquanto.... DÉBORA: E quando você fala assim “que o esporte no Brasil, ele é difícil”, assim, ainda mais pra menina, como assim? Que que você… vivenciou alguma coisa? Que que você viu que era difícil? ATLETA IV: É que na verdade é… basta a gente ter... olhar pro cenário, assim, do esporte, que é muito valorizado o futebol e o masculino, então, se não for isso… já é difícil pra… nesse sentido, e o basquete, ele é um esporte que não tem muita procura. Na verdade tem procura, o que não tem é um incentivo na base. Tudo começa na base, sabe?! Se a base não tá sendo trabalhada é difícil evoluir para as próximas etapas. DÉBORA: Uhum. ATLETA IV: Então o que eu acho, o que eu vivenciei, o que eu vi de perto é a questão do incentivo. DÉBORA: Uhum. ATLETA IV: A escolinha que eu fui era uma única de várias, todos os outros centros esportivos que tinham todas as modalidades menos basquete, lá era o único lugar que tinha. No meu bairro, na minha regional, por exemplo, da SMELJ, na época era SMEL só, Secretaria Municipal de Esporte e Lazer, tinha basquete, mas era só meninos. DÉBORA: Aham ATLETA IV: Eu não me sentia bem, porém ia, né?! DÉBORA: Aham... ATLETA IV: Daí que eu mudei lá pra essa que tinha algumas meninas, assim, que eu me sentia um pouco mais apropriada ali do lugar, não me sentia aleatória. DÉBORA: Aham.

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ATLETA IV: E… mas mesmo assim é… era isso que eu sentia. Foi o que vivenciei na pele, né, que, assim, a dificuldade, a falta de incentivo na base pra ge… pra menina, né, que era meu caso, começar e continuar, e se sentir motivada, ver que tem outras meninas, ver que tem times adultos bons e que um dia ela poderia chegar, não tem nada disso. Então não tem como a gente visualizar uma coisa… sabe, não é concreta, tipo “ai quem sabe”. Não dá pra viver no “quem sabe” DÉBORA: Aham. E você tem, assim, irmãos e irmãs que praticam esportes? ATLETA IV: Não. DÉBORA: Não?! ATLETA IV: Não. Eu fui a única, assim. De casa, eu fui a única DÉBORA: E seus familiares, assim, estimularam, então, que você fosse praticar o esporte? Como é que foi, assim? Queriam? ATLETA IV: Então, eu fui criada pelos meus avós. A minha avó, ela… ela incentivava, mas ela incentivou até uma certa época, que foi a época do vestibular, de arrumar um trabalho, aí ela… mas, assim, ela nunca proibiu, porém quando chegou nessa fase ela.. meio que pedia pra eu ponderar “ah, tipo, você vai continuar aqui com uma coisa que você sabe que não vai levar a nada”, ela era bem sincera, “ou você vai fazer uma faculdade que é uma coisa que você sabe que vai te dar um retorno”... DÉBORA: Uhum... ATLETA IV: Que é o que a gente espera que dê, pelo menos… Só que eu não… eu entendi o lado dela, só que eu não parei, eu continuei até onde deu. O meu avô, ele já era mais, ele era uma pessoa, assim, mais, que ele já é falecido, os dois já são, mas ele era… ele faleceu enquanto eu ainda tava, tipo, eu não tinha parado ainda de jogar. Então, ele sempre, assim, me incentivava, ele que… ele me dava dinheiro pra passagem… é… pra eu ir pro treino, dia de jogo também ele me ajudava, até ele me acompanhou em alguns jogos e o treino ele também ia ver e tal. Ele me incentivava bastante, assim. Ele nunca… dele eu nunca ouvi, assim “ah, você nunca vai conseguir”. DÉBORA: E o incentivo deles era voltado assim pra qualidade de vida sua? O que que era? O que você acha? Por que que eles queriam que você jogasse? ATLETA IV: Não, na verdade eles nunca quiseram que eu jogasse, né. Eu, tipo, eu comecei a jogar e eles meio que tipo “ ah, ok”. É aquela velha história: melhor fazendo esporte, do que na rua fazendo coisas erradas. Então, pra eles era isso. DÉBORA: Aham...

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ATLETA IV: O principal era isso “que bom que você está praticando alguma coisa que tá te dando ganhos físicos e cognitivos”, enfim, que hoje em dia a gente tem um conhecimento melhor, “do que na rua fazendo qualquer coisa que, né” DÉBORA: Uhum. E você já pensou em praticar, assim, alguma outra modalidade? De algum esporte? ATLETA IV: Depois que eu parei de jogar basquete, eu… sinceramente, não. Nunca… nunca pensei. DÉBORA: Não pensou? ATLETA IV: Não. Eu até tenho vontade, mas eu sinto que eu vou atrapalhar DÉBORA: Você vai atrapalhar... ATLETA IV: Assim, tipo, fazer uma coisa que eu nunca fiz na vida… (inaudível) DÉBORA: Ahn. E que atividade, assim? ATLETA IV: Ah, talvez eu faria alguma luta. Karatê, eu acho... eu faria. DÉBORA: Aham... ATLETA IV: Mas sei lá, se fosse numa turma de iniciantes da minha idade, pode ser, né. Mas é só uma coisa que eu penso, assim, mas não... não tenho... DÉBORA: Só pensa…? ATLETA IV: ...aquela vontade, assim “ai, vou me matricular. Eu vou fazer” DÉBORA: Uhum. E você sente, assim, que seu corpo, ele desenvolveu de um modo que você gostou por meio da prática do basquete? ATLETA IV: Sim, aham. DÉBORA: Quais são? O que você sentiu, assim? ATLETA IV: Inclusive depois que eu parei, eu sinto que, né, a gente ganhou um pouquinho de peso, a gente fica mais (inaudível)... e tals, assim, qualquer atividade que faça… é… por exemplo, eu fui dar um banho na minha cachorra, esses dias, e fiquei morrendo de dor nas pernas porque eu fiquei na posição. DÉBORA: Aham… ATLETA IV: Imagina... o meu corpo já tá tão sentindo falta de fazer um exercício, um estímulo diferente, é… Mas eu sinto, eu cresci.. cresci mais do que… na verdade, tipo, já é um fenótipo, já era esperado que eu fosse uma pessoa alta, mas o basquete contribuiu. A questão do meu desvio lá de coluna que eu tinha na infância, que o

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esporte foi recomendado pra me ajudar, sumiu, hoje em dia tá tudo ok. Graças ao esporte. DÉBORA: E você sente, assim, que por… você falou que é alta e tal, você sente que por ser alta, é… você teve algum imprevisto, passou por alguma situação complicada ou sempre foi um benefício, uma qualidade para o esporte? Não sei, o que que você avalia disso? ATLETA IV: No sentido do esporte, sim, sempre foi ótimo. Na minha posição, que eu sempre joguei, que fui pivô, sempre fui mais alta que as outras meninas. Então, né, na escola, por exemplo, “ai, sempre a mais alta”, mas é quando a gente nos outros times também tem meninas mais altas, mas enfim. A gente tem a técnica e a tática que a gente se vira além da altura, né. Mas na vida, assim, para além do esporte, é tipo a questão de relação… relações de... é… de namoro, por exemplo, já… de pessoas chegarem em mim e falar “ai, eu só não fico com você porque você é muito alta”, e falaram na minha cara isso, já aconteceu. Mas é aquele ditado, né, se ele acha… se ele achou que, né, a questão do machismo “o homem tem que ser mais alto que a mulher pra proteger” e blá, blá, blá. DÉBORA: Aham. ATLETA IV: Isso a gente vê claramente assim, mas no esporte sempre foi muito bom. E sei lá, tranquilo também, por que na questão do relacionamento o que a gente faz: procura um cara que é mais alto do que a gente, né, porque os pequenos têm medo, sei lá DÉBORA: Então tá bom, . Obrigada. ATLETA IV: De nada, beijo.

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ANEXO 7: ENTREVISTA LARISSA.

DÉBORA: Qual o nome, idade, curso, e modalidade em que é atleta amadora? ATLETA VII: Meu nome é Larissa, eu tenho 24 anos, faço educação física na Federal. É… e jogo futebol, sempre que dá. DÉBORA: Como você começou a praticar essa modalidade? ATLETA VII: Eu comecei a praticar o futebol por volta, sei lá, dos... 5 anos mais ou menos, 4-5 anos, 5-6 anos, hãn, por influência dos meus primos, porque eu estudava na mesma escola que um primo meu, e… depois a gente ia pra casa dele, almoçava lá e passava a tarde lá, então pra ter o que fazer, ele acabou me ensinando a jogar futebol. E eu peguei super gosto pela coisa e joguei, dali pra frente, adorei jogar futebol. DÉBORA: Por que escolheu essa modalidade e não outra? ATLETA VII: Escolhi essa modalidade porque é, de longe, a minha preferida. É… eu jogo razoavelmente bem, então dá pra jogar quase sempre, tipo, me aceitam em times, digamos assim, em futebol de fim de semana, e festa, quando tem alguma coisa, tem cancha, alguma quadra, eu já to jogando. E... daí não sei como é que você faz pra... DÉBORA: Pensou em seguir carreira profissional? Se sim, o que aconteceu? ATLETA VII: Na verdade nunca me achei habilidosa suficiente pra seguir carreira profissional. Seguiria com certeza, porque gosto muito de jogar, viveria disso facilmente, independente de lesão, indepente de dor, de ter que seguir uma nutrição diferente, eu com certeza seguiria. Mas... eu nunca tive oportunidade, nunca tive contatos suficientes e também nunca corri atrás o suficiente, exatamente por achar que eu não jogo tanto assim. DÉBORA: Tem irmãos e irmãs que praticam esporte? Quais modalidades? ATLETA VII: Não tenho irmãos. DÉBORA: Seus pais estimularam você a praticar esportes? Algum esporte específico? ATLETA VII: A minha mãe sempre me incentivou a praticar esportes, e independente do esporte, nunca especificou algum, assim, sempre deixou eu praticar o que eu gostasse. E também não foi uma coisa que precisasse, assim, eu sempre tive sede de esporte, assim, sempre corri atrás. DÉBORA: Você já pensou em praticar outra modalidade? Por que? ATLETA VII: Eu já pensei em praticar outra modalidade. Já pensei em praticar, talvez até profissionalmente, que seria o handebol. E… porque… porque ele me aceitou um

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pouco mais do que o futebol, eu consegui times com mais facilidade e… porque, talvez, eu tenha um pouco mais de habilidade, embora eu prefira o futebol (risos). DÉBORA: Sente que seu corpo se desenvolveu de um modo que você gostou por meio da prática esportiva, em relação a meninas que não praticavam/praticam esportes? Como? ATLETA VII: Se eu sinto que meu corpo se desenvolveu mais... por alguma… tipo, que tenha a ver com esportes… Ele com certeza é diferente por causa do esporte, é… como é um esporte de contato, que envolve muita força, eu… é padrão, assim, se você pegar as minhas amigas que jogam handebol, com as minhas amigas que não jogam, você vai ver um braço diferente, uma perna diferente, um biotipo totalmente diferente. E nossa, sou claramente muito mais forte do que muita menina, não sei dizer se eu acho isso bom, pra muitos momentos sim, mas meu braço não é uma coisa que me agrada (risos). DÉBORA: Você pode explicar melhor sobre essa questão em relação ao seu braço? ATLETA VII: É… o meu braço, ele não é enorme, eu tenho essa noção, até porque já estudei sobre como eu vejo meu corpo, e como as outras pessoas veem. E antes eu achava que era uma coisa que só eu achava enorme, enorme, enorme, não usava regata de jeito nenhum. Aí, quando eu comecei a dar aula, eu vi que realmente ele é grande, porque os alunos sempre falavam “nossa, prof, você é forte”, né (risos). Então, eu sei que ele é grande, mas não é absurdo. Aí, assim, é músculo, é só músculo, que me incomoda e é muito, eu acho exagerado, tipo não exagerado que fica masculinizado, mas fica… fica meio grande, tipo, fica difícil de eu ser toda feminina com um braço tão definido, digamos assim. Mas… claro, me ajuda pra jogar handebol, me ajuda, sei lá, já me mudei 9 vezes, eu não tenho problema nenhum em carregar peso, acho até muito fácil, e… mas sei lá, no quesito beleza mesmo, ele acaba não me favorecendo, tipo, não é nada feminino, não é... tipo, quando eu vou me arrumar bem menininha, vestidinho e tal, ele não facilita muito (risos). DÉBORA: Ser atleta amadora te influenciou na escolha do seu curso? Por quê? ATLETA VII: Cara, que pergunta difícil. Se ser atleta me influenciou… na verdade eu sempre quis educação física, desde criança, tipo, nasci querendo isso, e fui me apaixonando mais ainda pela área. Mas, muito provavelmente, aprofundar os meus conhecimentos no esporte e ter praticado ele a vida inteira deve ter feito, tipo, com que eu tivesse mais certeza e quisesse, por exemplo, eu hoje faço licenciatura, mas eu queria o bacharel, o fato de eu querer o bacharel, muito provavelmente, é por causa do handebol, que ele é uma preparação física e daí por causa do handebol eu fui seguindo esse... essa linha.

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ANEXO8: ENTREVISTA AMANDA.

DÉBORA: Qual o nome, idade, curso, e modalidade em que é atleta amadora? ATLETA VI: Meu nome é… é Amanda, tenho 21 anos, faço educação física e eu jogo futsal. DÉBORA: Quando e como você começou a praticar essa modalidade? ATLETA VI: Eu comecei aos meus 12 anos de idade. E… eu participava de campeonato em escola, daí através da escola surgiu uma oportunidade de treinar numa escolinha que tinha perto da escola, aí foi a partir daí eu comecei a treinar... o futebol. Iniciei com o futebol de campo e agora eu jogo no futsal. DÉBORA: Por que escolheu essa modalidade e não outra? ATLETA VI: Eu escolhi essa modalidade por conta… de eu ter contato com isto desde muito cedo na escola, e foi algo que eu me identifiquei e gostei bastante. DÉBORA: Pensou em seguir carreira profissional? Se sim, o que aconteceu? ATLETA VI: Bom, acredito que qualquer atleta que inicie uma modalidade, tem um sonho, assim, de seguir carreira, porém é... como o futebol feminino não é valorizado, eu não consegui seguir carreira. E por aqui, assim, em Curitiba e muitas regiões, é... não têm muita oportunidade pra atletas poder crescer, assim, no clube, então foi mais por prazer mesmo. DÉBORA: Tem irmãos e/ou irmãs que praticam esporte? que modalidades ATLETA VI: O meu irmão, ele praticava capoeira. Praticou por uns... três anos, mas agora não pratica mais. DÉBORA: Seus pais estimularam igualmente vocês a praticarem esportes? Algum esporte específico? ATLETA VI: Na verdade nunca ouvi um estímulo assim, dos pais. Foi mais por conta própria mesmo. Sempre apoiaram, mas nunca foi um estímulo grande, assim, que levou a… a eu praticar o esporte. DÉBORA: Você já pensou em praticar outra modalidade? Por que? ATLETA VI: Bom, é… eu, esse período que eu comecei a… o futebol, logo em seguida eu comecei a praticar capoeira também. Então, é... como eu gosto de tar envolvida nesses meios... esportivo, que é, assim, a área que eu gosto, e tudo mais, é… sempre penso, assim, em praticar várias modalidades. Só que as que eu tenho mais afinidade mesmo, é essas duas que eu mencionei. DÉBORA: Sente que seu corpo desenvolveu de um modo que você gostou, por meio da prática esportiva, em relação a meninas que não praticavam ou praticam esportes?

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ATLETA VI: Bom, acredito que ajudou a desenvolver meu corpo. Hãn, porque a atividade física em sí, ela ajuda o desenvolvimento do ser humano. E em relação às pessoas que não praticam, porque… essas que não fazem nenhuma atividade física, acabam muitas vezes, é... sendo sedentários, alguns, é… obesos, porque, muitas das vezes, se alimentam de forma inapropriada e daí não fazem nenhuma atividade física pra compensar isso, então acaba tendo uma diferença no desenvolvimento corporal. DÉBORA: Ser atleta amadora te influenciou na escolha do seu curso? Por quê? ATLETA VI: Bom, é… eu acredito que ser atleta influenciou… quase 100% na escolha do meu curso, porque.... uma que eu sempre tive envolvida no meio esportivo, e é uma área que… que deu totalmente de encontro com o que eu gostava, então educação física foi bem de encontro com os esportes que eu sempre pratiquei. E também porque eu tive oportunidade de ministrar aulas de capoeira, então isso foi um dos motivos que me influenciou a escolher educação física, pra poder dar continuidade com esses treinos.

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IMAGENS

Figura 1- Serena Willians

https://pt.wikipedia.org/wiki/Serena_Williams

Figura 2- Ronda Rousey

https://www.mma-core.com/fighters/Ronda_Rousey/174489

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Figura 3- Rebeca Gusmão

http://www.gazetadopovo.com.br/esportes/por-doping-rebeca-gusmao-e-banida-do-

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Figura 4- Caster Semenya

hhhhhttps://www.theguardian.com/sport/2009/aug/19/caster-semenya-800m-world-

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