UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA 2010 RELATÓRIO FINAL DE PESQUISA PILLAR MUZILLO INICIAÇÃO CIENTÍFICA VOLUNTÁRIA PLANO DE TRABALHO: Análise Estético-Formal de Fortes e Fortificações Brasileiras Relatório apresentado à Coordenadoria de Iniciação Científica e Integração Acadêmica da Universidade Federal do Paraná UFPR por ocasião da conclusão das atividades de Iniciação Científica 2010. NOME DO ORIENTADOR: Prof. Dr. Antonio Manoel Nunes Castelnou, neto Departamento de Arquitetura e Urbanismo TÍTULO DO PROJETO: Arquitetura e sustentabilidade: bases conceituais para o projeto ecológico BANPESQ/THALES: 2007021212 CURITIBA 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2010 RELATÓRIO FINAL DE PESQUISA

PILLAR MUZILLO

INICIAÇÃO CIENTÍFICA – VOLUNTÁRIA

PLANO DE TRABALHO:

Análise Estético-Formal de Fortes e Fortificações Brasileiras

Relatório apresentado à Coordenadoria de Iniciação Científica e Integração Acadêmica da Universidade Federal do Paraná – UFPR por ocasião da conclusão das atividades de Iniciação Científica 2010.

NOME DO ORIENTADOR:

Prof. Dr. Antonio Manoel Nunes Castelnou, neto

Departamento de Arquitetura e Urbanismo

TÍTULO DO PROJETO:

Arquitetura e sustentabilidade: bases conceituais para o projeto ecológico

BANPESQ/THALES:

2007021212

CURITIBA

2010

2

1. TÍTULO

Análise Estético-Formal de Fortes e Fortificações Brasileiras

2. RESUMO

Esta pesquisa de Iniciação Científica, de caráter exploratório, realizou o estudo acerca

dos fortes e fortificações construídos no Brasil, desde a época de sua colonização até a Era

Contemporânea, levando em consideração as diversas transformações históricas ocorridas, que

levaram à sua concepção, desenho e execução. Com o objetivo de descrever e analisar

formalmente exemplares localizados na região litorânea e também sertaneja do país, fez-se a

seleção de 05 (cinco) exemplares de valor significativo e, a partir de pesquisas web e

bibliográficas acerca das diversas condicionantes que propiciaram a construção de tais obras,

elaborou-se um quadro comparativo, de modo a permitir estabelecer similitudes e discrepâncias

em suas características funcionais, técnicas e estéticas.

3. PALAVRAS-CHAVE:

História da Arquitetura brasileira. Arquitetura colonial militar. Patrimônio. Sustentabilidade.

4. OBJETIVOS

Entre os objetivos gerais desta pesquisa está a valorização do patrimônio histórico e

cultural do Brasil, de forma a garantir a preservação de sua história, memória e identidade, como

requisitos para o desenvolvimento sustentável e a conscientização socioambiental, que envolvem

tanto a conservação do meio ambiente natural como da paisagem cultural. Além disto, busca-se a

caracterização de diferentes obras de fortificação no país, tendo em vista seus respectivos

determinantes e sua importância para a administração e segurança da então colônia portuguesa

e/ou manutenção da soberania quando Império.

De modo específico, teve como intuito a seleção, a descrição e a análise comparativa de

05 (cinco) exemplares de arquitetura militar – fortes e fortificações realizadas em solo nacional –,

cada qual correspondente a uma determinada região brasileira, o que permitiu expôr diferenças

não limitadas ao estudo meramente formal, mas se considerando também as distintas situações

que fomentaram o desenvolvimento de cada caso.

5. INTRODUÇÃO

A construção de fortes e fortificações no Brasil teve seu início no fim da primeira metade

do século XVI, durante as primeiras décadas da colonização portuguesa, e com o objetivo de

proteger o território então recém-ocupado contra possíveis invasões por parte de outros povos

europeus, especialmente espanhóis, franceses e holandeses. Daí a preocupação, por parte de

Portugal, em se encontrar pontos estratégicos de defesa e controle do território nacional. Em sua

3

maioria, tais obras foram erguidas por engenheiros militares e, conforme Castelnou (2004),

caracterizavam-se por seus elementos medievo-renascentistas, apresentando-se como

construções em cantaria – ou seja, muros contínuos de alvenaria de pedra, esta retirada dos

costões, recifes, fundos de rios ou ainda soltas dos morros –, baseadas em princípios

configurados pelo conceito de “cidade ideal”, surgido entre os séculos XV e XVI.

Durante os primeiros séculos do domínio luso sobre o território brasileiro, devido a uma

série de fatores, entre eles as dificuldades em se seguir rumo aos sertões devido à topografia, a

ocupação deu-se somente na faixa litorânea, entre Maranhão e São Paulo, praticamente

respeitando o Tratado de Tordesilhas1 (Figura 01). Naquele momento, a arquitetura colonial

consistia em manifestações empíricas baseadas em técnicas construtivas dominadas por

indígenas, de modo que somente a partir do século XVII foi que se passou a construir de maneira

mais precisa.

Figura 01 – Território colonial brasileiro (CASTELNOU, 2007).

Vale ressaltar que o período compreendido do Descobrimento (1500) até o Tratado de

Madrid2 (1750) representou importantes mudanças socioeconômicas para o Brasil: primeiramente,

pela cultura açucareira em substituição ao extrativismo de pau-brasil, o qual deu início ao ciclo

pecuário para a manutenção do novo sistema; e, posteriormente, pela descoberta do ouro na

região do atual Estado de Minas Gerais (CASTELNOU, 2004). Além disso, foi a partir do século

1 Consiste em um tratado assinado pelas nações lusitana e espanhola, que determinava um limite entre as áreas passíveis de

ocupação por cada uma delas. O acordo, mediado pelo Papa Júlio II (1443-1513), data de 1494 e dividia o mundo em dois através de um meridiano estabelecido a 370 léguas a Oeste da ilha do Cabo Verde, de modo que as terras a Leste ficaram sob jurisdição portuguesa, enquanto que as a Oeste, sob jurisdição espanhola.

2 Assinado entre Portugal e Espanha em Janeiro de 1750, o Tratado de Madri definiu os limites fronteiriços ao norte da Colônia

brasileira (N.A.).

4

XVII que a Engenharia Militar passou a ser divulgada no país, de modo que profissionais europeus

foram enviados à Colônia portuguesa no intuito de ensinar à população, através da prática

assistida, os diversos processos envolvidos no projeto e execução de fortificações e fortalezas,

até então ignorados pela grande maioria.

6. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A colonização brasileira teve seu início propriamente na segunda metade do século XVI,

durante o período das Grandes Navegações, em especial com a chegada de embarcações de

origem portuguesa à costa da região Nordeste, que hoje abrange os Estados da Bahia, Sergipe,

Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão. A ocupação

deste território durante os primeiros anos após sua descoberta oficial em 1500 deu-se de modo

periférico dentro dos planos de Portugal, de maneira a permanecer somente como local de

abastecimento para embarcações rumo às Índias. Isto porque não havia à disposição os mesmos

produtos e especiarias exóticos adquiríveis em outras colônias mais antigas – localizadas nas

Índias orientais – e que na Europa representavam grande fonte de lucro.

No processo de colonização, o papel das fortificações foi de grande importância. Desde o

início, segundo Almeida (s/d), foi necessária a atenção à efetivação da presença portuguesa sobre

o território colonizado, tanto por ameaças internas, devido à resistência por parte de nativos,

quanto externas, por parte da rivalidade entre Portugal e outras nações, como Espanha, França e

Holanda. O site Universia (2010) afirma o interesse por parte de outras potências européias no

Brasil desde o início de seu processo de colonização, de modo que o território passou, entre os

séculos XVI e XVIII, por uma série de batalhas, principalmente pelo domínio do Rio de Janeiro,

Maranhão e Bahia.

De acordo com Castelnou (2004), os fortes construídos no Brasil eram projetados por

engenheiros militares e apresentavam características físicas similares às de construções medievo-

renascentistas, já que a influência de conceitos estabelecidos durante a Renascença fora

fundamental para a configuração dessas obras. Em termos gerais, seu formato derivava do

conceito utópico de “cidade ideal', cujas características físico-espaciais deveriam refletir a

racionalidade e perfeição do ser humano, além de seu domínio sobre a natureza3. Quase todas as

propostas tiveram como gatilho a divulgação da obra literária de Thomas More (1478-1535)

intitulada “Utopia” (1516) – em grego: utopos; "em lugar nenhum" –, a qual tratava basicamente de

uma ilha fictícia onde não haveria desigualdades sociais nem injustiça, o que se contrapunha à

realidade da Inglaterra daquele momento.

O conceito de “cidade ideal” surgiu como resposta à desorganização, descontrole e

3 Na busca pela forma perfeita, defendia-se que a cidade ideal deveria ser a ampliação tipológica da unidade-base entre sociedade real

e utopia social, ou seja, através de um modelo unitário, geométricos e rígido, no qual se excluiriam o movimento, a variação e o acontecimento casual, obter-se-ia ordem e justiça (CASTELNOU, 2007).

5

insalubridade da cidade medieval, propondo como modelo a ser seguido uma nova tipologia

circular e simétrica, de distribuição radial, cujo perímetro seria envolvido por muralhas de pedra

para proteção contra investidas de inimigos. Sua primeira aparição foi por volta de 1460, no

tratado de arquitetura do italiano Antonio Di Pietro Averlino – ou simplesmente Filarete (c.1400-69)

– sob a forma de uma cidade em formato de estrela, protegida por duas muralhas, sendo a mais

externa circular, tangente à primeira em suas diversas pontas. A cidade proposta, a qual jamais

fora executada, chamava-se Sforzinda (Figura 02); e influenciou diversos outros trabalhos

contemporâneos e posteriores, conforme se observa no caso de construções brasileiras.

Figura 02 – Planta de Sforzinda (CASTELNOU, 2007).

A situação das cidades européias daquele período revelava a impossibilidade de ali

serem executadas tais utopias urbanas, tanto por seu porte quanto por seus custos, o que

estimulou sua adoção como modelo para as novas cidades que seriam então erguidas no Novo

Mundo; ou ainda, nas fortificações de proteção dos novos e distantes territórios. Na Europa, já se

observava, desde o século XV, o surgimento de instalações militares baseadas nos princípios

compositivos da “Cidade Ideal”, inclusive por questões estratégicas. Conforme apresentado pela

Revista Galileu (2002), o formato das fortificações renascentistas visava, sobretudo, proteção

contra ataques com artilharia, os quais representavam novidade na época. Entre as principais

características dessas novas edificações, destacavam-se:

a) Adoção do formato pentagonal dos baluartes, abandonando a forma medieval, o que permitia seu uso para a artilharia e melhorava sua defesa, eliminando os pontos cegos;

b) Em comparação à fortificação medieval, diminuição da altura das cortinas – ou seja, das muralhas entre um baluarte e outro – somada ao aumento de sua espessura, o que lhe conferia maior resistência aos impactos de balas de canhões;

c) Enterramento de parte da estrutura em um fosso escavado, de modo a utilizar a terra removida como matéria para preenchimento dos baluartes, os quais eram revestidos por fora de pedras;

d) Presença de elementos como ameias, glacis, fossos, caminhos cobertos, canhoeiras, cavaleiros, escarpas, contra-escarpas, guaritas, hornaveques (ou obras cornutas), parapeitos, praças de armas, ravelins, tenalhas e terraplenos;

6

e) Conforme a proposta da “cidade ideal”: simetria axial, pelo menos na fortificação enquanto

projeto, pois sua execução seria dificultada por condicionantes locais desconsideradas no ato de projetar.

As “amostras”4 trazidas por Luís Dias, um dos mais importantes nomes da Engenharia

Militar no Brasil, sugeriam um traçado ordenado para a cidade de Salvador, mas necessariamente

durante sua execução deveria ser adaptado, de modo pragmático, às irregularidades do terreno

(BUENO, 2006).

A primeira tentativa de administração no país foi através da instalação do sistema de

Feitorias, que consistiam em uma espécie de armazém para o depósito de madeira extraída.

Correspondente ao período do extrativismo de pau-brasil, tal sistema permitia a exploração

territorial por ação de particulares contratados pela Coroa, aos quais fora concedido tal direito ao

longo de uma determinada faixa litorânea entre a Amazônia e o Rio Grande do Sul, através das

chamadas Capitanias Hereditárias (REBOUÇAS, 2010).

Segundo o site Universia (2010), as Feitorias eram estabelecimentos de permanência

temporária, sendo constituídas basicamente de um “galpão de madeira cercado por uma paliçada

de toras pontiagudas de madeira [...] e onde ao longo do ano inteiro permaneciam somente três

ou quatro homens”. Conforme Reis Filho (1968), o sistema de feitorias vigorava nas demais

colônias portuguesas, as quais, em sua maioria, possuíam condições de oferecer produtos de alto

valor econômico para a Europa e, ao mesmo tempo, atuarem como consumidores de mercadorias

de origem européia.

No Brasil, para Braick e Motta (2002), a incapacidade de importação derivada do baixo

nível técnico e econômico da população somada às grandes amplitudes desertas e a suposta

ausência de riquezas semelhantes às da América Espanhola levaram a uma forma de ocupação

rudimentar e grotesca do território: o estabelecimento do sistema de Capitanias Hereditárias em

1530 e a fundação do primeiro núcleo colonial, na Capitania de São Vicente. Este novo sistema foi

um dos propulsores para a ocupação efetiva do território – e também para o surgimento dos

primeiros núcleos urbanos – visto que era necessário para evitar invasões de frotas rivais – entre

elas, França e Holanda, as quais questionavam a ocupação lusitana e não estavam submissas ao

Tratado de Tordesilhas (1494).

As Capitanias eram subdivisões do território em grandes lotes, constituídos por faixas

paralelas entre si, que avançavam do litoral ao interior em aproximadamente 300 léguas, e cuja

ocupação fora concedida por Portugal a particulares, os denominados Capitães Donatários5. Cabe

aqui a observação de que, apesar desta concessão, os direitos e os deveres de cada capitão

4 Como explicado por Bueno (2006), “amostras” e “traças” são os nomes utilizados para designar as plantas arquitetônicas utilizadas

como base para a construção de Salvador.

5 Os documentos envolvidos no processo de concessão de terras aos capitães eram os seguintes: a Carta de Doação, responsável por

legitimar a administração da Capitania por um Capitão; e o Foral, que determinava os direitos e deveres do Capitão enquanto administrador da Capitania. Entre suas obrigações estavam inclusas a doação de sesmarias – porções de terra destinadas ao cultivo para subsistência dos habitantes – e a detenção do monopólio sobre a justiça e o comando militar (N.A.).

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eram determinados e regulamentados pelo poder lusitano. Segundo Reis Filho (1968), o sistema

de Capitanias era uma tentativa de forma econômica capaz de garantir a ocupação efetiva e

melhorar a defesa do território. A administração do novo território passaria então a ser dividida

entre a Metrópole e os Capitães, de maneira que estes detinham responsabilidades em nível

militar, judiciário e fazendário, enquanto que aquela se responsabilizava somente pela

fiscalização, de modo a se distanciar efetivamente das funções desempenhadas nas concessões.

De acordo com Marx (1980), as fortificações e os serviços de apoio à defesa tiveram uma

influência sobre as cidades do país maior do que se possa imaginar, uma vez que os núcleos

coloniais contavam com forte interferência de considerações militares, desde a escolha do local de

sua implantação até a definição de seus contornos e acessos. As fortificações brasileiras, apesar

de menores do que as demais, possuíam vantagens no tocante à localização e às técnicas

construtivas utilizadas. Ao abordar as fortificações marítimas, ou seja, que guardavam portos e

pontos de acesso marítimo, o autor faz a seguinte consideração:

Os seus sítios são exemplarmente escolhidos sobre promontórios rochosos, faldas de montanhas ou rasos cabedelos. Os seus projetos revelam o ajuste inteligente português às condições topográficas locais dos protótipos de reduto para a artilharia, desenvolvidos sobretudo na Itália e na França. Essas vetustas construções marcaram o perfil das marinhas e condicionaram a expansão de muitas cidades litorâneas (MARX, 1980, p. 88).

Foi a partir de 1549 que surgiram os primeiros esforços centralizadores para a

administração brasileira, sendo estabelecido o sistema do Governo Geral, o qual se caracterizava

por conceder a um único governador os plenos poderes administrativos sobre a Colônia. Em um

primeiro momento, isso não significava o fim do sistema de Capitanias, mas, progressivamente, os

capitães donatários foram perdendo seus poderes, até sua extinção em 17596. Conforme Furtado

apud Reis Filho (1968), a nova forma de administração objetivava “conservar e enobrecer as

Capitanias e as povoações das terras do Brasil”, uma vez que a América passava a constituir

“parte integrante da economia reprodutiva européia”, cuja técnica e capitais nela se aplicavam

para criar de forma permanente um fluxo de bens destinados ao mercado europeu.

Durante o Governo Geral, ocorreram diversas transformações no cenário brasileiro, tais

como o assentamento definitivo dos colonos, a implantação dos primeiros engenhos e o

aglutinamento de índios junto a povoados e vilas; além da tomada de medidas contra o comércio

ilegal de pau-brasil e a criação de diferentes cargos administrativos. A sede do poder colonial

passou a ser a cidade de Salvador, na Bahia, o que perduraria até 1763, quando a Capital

transferiu-se para o Rio de Janeiro7. Foi, também, por volta deste período, que surgiram as

6 Reis Filho (1968) acrescenta que esta nova forma de governo da Colônia visava a melhor coordenação militar e

administrativa das povoações, retirando para si parte das responsabilidades da Coroa e das Capitanias. Porém, a perda de poder por parte das Capitanias levou à falha do sistema.

7 Bueno (2006) afirma que para o Império Luso era vantagem sediar o poder colonial na Capitania da Bahia, por sua

posição estratégica, de onde “seria mais fácil enviar socorro, tanto para as Capitanias do Sul como para as do Norte”.

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primeiras fortificações no território nacional, destacando-se, por exemplo, Santo Antônio da Barra,

conhecido como o mais antigo forte então construído no Brasil, datado de 1548.

Tais mudanças visavam o reforço da presença da Coroa na colonização, de modo a se

obter maior rendimento econômico nas atividades coloniais e ampliação do desenvolvimento

mercantil português. Somado a isso, acrescentam Braick e Motta (2002), houve a crença, por

parte de Portugal, em seu papel missionário e de evangelização da população indígena brasileira.

Citado pelos autores, Johnson (1986) menciona que a instalação do Governo Geral no Brasil era

uma “reação do Estado contra a ambiguidade, a franqueza e a experimentação”; elementos

característicos da ocupação colonial portuguesa do início do século XVI, decretando “o fim do

período romântico do expansionismo luso”.

Em 1580, devido à crise dinástica que Portugal enfrentava desde a morte de D.

Sebastião em 1578, conforme apontado por Braick e Motta (2002), foi feita a união dos tronos

português e espanhol, através da chamada União Ibérica, o que deu início, conforme Holanda

(2004), ao Período Filipino, o qual durou até 1640. Isto também foi um marco para o Brasil, pelo

fato de anular o Tratado de Tordesilhas, o que permitiu o avanço português sobre o Continente,

mas, ao mesmo tempo, adicionando aos portugueses os inimigos da Espanha; entre eles, os

holandeses8, que posteriormente investiram em ataques à exploração açucareira, principalmente

na Região Nordeste.

Conforme Marques (2002), os anos que vão de 1581 até 1640 constituem um momento

importante da história do Brasil, uma vez que houve o registro de diversas transformações,

inclusive a “modernização do sistema político português” – segundo a formulação de António

Manuel Hespanha. Além destas mudanças, as quais tratavam principalmente da relação entre os

núcleos urbanos e as regiões periféricas, ocorreu também a expansão em direção ao Norte e a

conquista do Maranhão. Já durante as primeiras décadas do século XVII, aconteceram as

primeiras investidas holandesas contra o território brasileiro, as quais foram financiadas pela

Companhia das Índias Ocidentais e se constituíam basicamente em saques às Guianas, Sergipe e

Maranhão; estes seguidos por Pernambuco e Recife, o que levou à perda do controle português-

espanhol sobre aquela região.

Seguiu-se, portanto, para o Nordeste, um período de importantes conflitos bélicos.

Conforme Miranda (2004), apesar da expulsão dos holandeses do território em 1654, a ameaça

de seu retorno não permitiu aos portugueses a diminuição de seu resguardo, o que levou,

inclusive, à necessidade em se relatar à Coroa a situação das áreas então atingidas pela guerra.

Afirma o autor que a reorganização do aparato militar pode então ser dividida em duas etapas:

8Conforme Braick e Motta (2004), a revolta contra o fato dos Países Baixos serem até então posse da Coroa espanhola em 1568 – a

chamada União de Utrecht – levou a sua posterior independência em 1648 e à criação da República das Províncias Unidas dos Países Baixos, sob a liderança de Guilherme I d'Orange (1533-84). Desde então, as duas Companhias – das Índias Orientais e das Índias Ocidentais –, as quais se responsabilizavam pela expansão ultramarina dos Países Baixos, rivalizavam com as frotas espanholas e desafiavam o domínio ibérico sobre suas colônias.

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a) Entre 1654 e 1669, devido à guerra entre Portugal e Espanha: a segurança das fronteiras

tornou-se um problema, graças ao enfraquecimento da Colônia portuguesa durante o período após a guerra contra os holandeses. A crise financeira e a ruína dos meios de produção obrigaram a sugestão de melhoramentos quanto à defesa territorial (caso observado em Pernambuco);

b) Entre 1669 e 1701, devido a um período de relativa paz para as fronteiras, graças à assinatura de tratados entre Espanha, Portugal e Holanda: neste período, foram feitos os reparos nos sistemas de fortificação e para tanto trazidos para o Brasil os engenheiros militares. Havia também o reconhecimento da necessidade do país em adquirir autonomia em relação a seu sistema defensivo com o ensino de Engenharia Militar.

O fato de tal renovação ter ocorrido em fins do século XVII, em uma fase em que o perigo

não rondava com tanto vigor o Brasil pode reforçar a idéia de incapacidade de meios da Coroa e

da Colônia na primeira fase, entre 1654 e 1669. Foi justamente por reconhecer a vulnerabilidade

de suas conquistas que foi feita boa parte das melhorias previstas, ocorrendo o acréscimo, já em

fins do século XVII, de aulas de Engenharia Militar – àquele tempo já reorganizadas no Reino –

com o intuito de dotar a Colônia de autonomia técnica para sua defesa. Tais mudanças visavam,

acima de tudo, maior controle da Metrópole sobre seu domínio, ou seja, “a criação de vilas e seus

conjuntos defensivos era um meio de consolidar o sistema político em um único centro [...] na

tentativa de impedir o desafio à autoridade central” (MIRANDA, 2004).

A importância das aulas de Engenharia Militar deu-se na medida em que até então não

havia mão-de-obra qualificada para a reconstrução das fortificações danificadas pela guerra, o

que levava à constante necessidade de reforço com recursos humanos de outras nações. O

mesmo se observava em Portugal, que com a União Ibérica suspendeu este ensino, mas que,

durante o período seguinte, voltou a investir na divulgação deste conhecimento por meio das

instituições chamadas “aulas” ou “academias” a partir da iniciativa de Luís Serrão Pimentel (1613-

79), Tenente Geral de Artilharia e Engenheiro-Mor de Portugal.

Pimentel defendia a necessidade do uso da Engenharia Militar9 para a proteção, a

fiscalização e o ataque de praças, assim como para a edificação e reparos de obras de

fortificação, além da construção de alojamentos, entrincheiramentos e aproches, junto a obras

civis que obliterassem as atividades militares. As aulas foram divulgadas, segundo Miranda

(2004), também para suas colônias – entre elas, o Brasil, que recebeu aulas de Engenharia Militar,

além de artilharia, nas seguintes cidades: Salvador (1696), Rio de Janeiro (1698), São Luís

(1699), Recife (1701) e Belém (1758).

Cabia aos engenheiros militares supervisionar as obras de fortificação e de urbanismo,

além de assumir responsabilidade pelas obras públicas nos locais onde eram nomeados. A

moderna Arma de Engenharia de Portugal nasceu em 1647 com a criação, por decreto de D. João

9 Inicialmente, o termo “engenharia” era empregado como uma ramificação da arquitetura. A dissociação desta aconteceria somente no

século XVIII, na França. Nos manuais de Manuel de Azevedo Fortes, a expressão usada para designar a profissão de engenheiro era a de arquiteto militar, assim como naquele período as “Academias Militares” eram denominadas como “Aulas de Fortificação” ou “Aulas Militares”. Com a profissionalização desse ofício, o arquiteto civil, que até então se ocupava de obras militares, cedeu espaço à figura do engenheiro militar, que, além de estar ligado ao corpo marcial, aproximava-se também do corpo de artilheiros (MIRANDA, 2004).

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IV, do Corpo de Obreiros Sapadores. Quase todo o mundo seguiu a tendência da engenharia

francesa, inclusive Portugal, que criou a sua primeira Escola de Engenharia, a Real Academia de

Artilharia, Fortificação e Desenho, primeiro em Portugal e depois no Brasil Colônia em 1792, a

primeira escola de Engenharia das Américas, que deu origem ao Instituto Militar de Engenharia, a

Escola Politécnica da UFRJ e a Academia Militar das Agulhas Negras (DEC-EB, 2010).

De início, a profissão estava relacionada à educação de jovens nobres, mas no decorrer do século XVII passaria a compor uma atividade educacional militar aberta a outras camadas menos abastadas, uma vez que a atividade mecânica da medição servia de entrave à inclusão da fidalguia na profissão (MIRANDA, 2004).

Dentre os engenheiros de maior relevância para as fortificações brasileiras pode-se

mencionar Francisco de Frias da Mesquita (1578-1645), que em 1598 estudou arquitetura em

Portugal e fora enviado ao Brasil em junho de 1603, conforme Telles (2010), para a construção de

fortificações. Apesar da distância de um século entre a atuação deste profissional e o início das

aulas de Engenharia Militar no país, suas contribuições para a defesa do território e seu papel na

edificação de diversas obras ao longo do mesmo como um todo fizeram-no ser considerado o

engenheiro-mor do Brasil. Entre seus trabalhos de destaque estão: o Forte dos Três Magos

(1614/28, Natal RN) e o Mosteiro de São Bento (1617, Rio de Janeiro RJ).

Outro nome a ser considerado é o de Luís Dias (1538-1633), que, conforme Bueno

(2006), havia sido discípulo de Benedetto da Ravena (c.1485-1556) e indicado pelo arquiteto

Miguel de Arruda (?-1563) para o cargo de mestre da pedraria, no início do século XVI. Suas

obras mais relevantes incluem a fortificação da cidade de Salvador BA e a participação no projeto

da fortaleza de Magazão AP.

Se nos séculos XVI e XII, a ocupação portuguesa concentrou-se no litoral brasileiro, dada

a sua preocupação de encontrar pontos estratégicos de defesa e controle do território nacional, o

panorama alterou-se em seguida, iniciando-se o processo de interiorização. Durante o século

XVIII, com a descoberta do ouro em Minas Gerais, o crescimento populacional brasileiro

aumentou consideravelmente, devido ao súbito fluxo imigratório vindo de Portugal em busca da

nova riqueza. Somados a isto, tem-se os movimentos populacionais internos, os quais, por sua

vez, intensificaram a exploração do interior e provocaram o surgimento de novos núcleos urbanos,

afastados do litoral.

O processo de deslocamento da população levou à administração colonial a tomar novas

medidas, entre elas maior rigor fiscal e a mudança da Capital para a cidade do Rio de Janeiro,

devido a sua maior proximidade com a região aurífera, o que ocorreu em 1763.

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7. MATERIAIS E MÉTODOS

De caráter exploratório, esta pesquisa, baseada em revisão bibliográfica e estudo de

casos, realizou-se por meio da investigação, seleção e coleta de fontes impressas, tais como

artigos, periódicos e livros, nacionais e internacionais; ou ainda publicadas on line, que tratavam

direta ou indiretamente sobre a construção das fortificações no Brasil. Além de material para

registro computacional, gráfico e fotográfico, utilizou-se as instalações físicas destinadas ao

docente-adjunto, lotado na área de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo, do Departamento

de Arquitetura e Urbanismo, com a participação de 01 (uma) discente do Curso de Graduação.

Em suma, a metodologia de pesquisa seguiu as seguintes etapas:

a) Revisão Bibliográfica e Coleta de Dados:

Esta etapa baseou-se na pesquisa bibliográfica sobre o contexto e o processo histórico

que propiciaram a construção das Fortificações no Brasil. Foram feitas a seleção de informações

acerca do processo de colonização brasileiro e da participação da Engenharia Militar no mesmo,

tanto em meios impressos como eletrônicos, de modo a organizar um banco de dados a ser

utilizados nas próximas fases.

b) Seleção e Mapeamento de Obras:

Esta etapa envolveu a identificação e descrição de 05 (cinco) exemplares de fortificações

erguidas no Brasil durante o período colonial, sendo um de cada região nacional.

c) Análise e Avaliação dos Casos:

Fase que consistiu na reflexão crítica sobre os exemplares selecionados, onde se fez a

descrição, seleção e análise de suas principais características, considerando as transformações a

que foram submetidos ao longo da História. Os resultados são apresentados na seqüência em

forma de FICHAS DE ESTUDOS I, II, III, IV E V.

d) Conclusão e Redação Final:

O fechamento deu-se através da elaboração deste RELATÓRIO FINAL DE PESQUISA, além

de material expositivo por ocasião do XVIII Encontro de Iniciação Científica da UFPR – EVINCI,

previsto para outubro de 2010.

8. RESULTADOS E CONCLUSÕES

A partir da pesquisa e revisão bibliográfica, foi possível selecionar 05 (cinco) exemplares

para a descrição e a análise da construção de fortificações no Brasil. Como critérios de seleção,

adotou-se: a importância histórica de cada obra, tanto para suas respectivas regiões como para o

país; a sua representatividade dentro da arquitetura militar brasileira; e a disponibilidade e acesso

de informações segundo os objetivos da presente pesquisa. Tendo isto em mente, selecionaram-

se as seguintes obras com suas respectivas regiões:

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I. Região Nordeste: Forte dos Reis Magos

(1598/1628, Natal RN) Jerônimo de Albuquerque Maranhão/Francisco Frias de Mesquita

II. Região Sudeste: Forte de São Mateus (1617, Cabo Frio RJ) Engenheiro-Mor Francisco Frias de Mesquita

III. Região Norte: Forte de São José (1764/82, Macapá AP) Engenheiro-Militar Henrique Antonio Galucci

IV. Região Sul: Forte de Nossa Senhora dos Prazeres (1767/69, Ilha do Mel, Paranaguá PR)

Engenheiro-Mor José Custódio de Sá e Faria

V. Região Centro-Oeste: Real Forte do Príncipe da Beira (1776/83, Guajará-Mirim RO) Engenheiro-Militar Domingos Sambuceti

Na sequência, com base no material coletado em fontes web e bibliográficas, fez-se a

descrição formal, funcional e técnica de cada obra, abordando seus elementos mais importantes e

destacando-se seus principais objetivos e significados ao longo da História. Procurou-se delimitar

a explanação de modo objetivo e esquemático, definindo-se a discussão no formato de 05 (cinco)

FICHAS DE ESTUDOS I, II, III, IV e V, que estão apresentadas em seguida por ordem cronológica da

data de início da construção de cada fortaleza.

O CASO I corresponde a uma das mais importantes obras de Engenharia Militar no Brasil

Colônia: o Forte dos Reis Magos, situado em Natal RN e que teve essencial participação na

efetiva ocupação do litoral nordestino brasileiro, entre o fim do século XVI e início do XVII.

Inicialmente erguido em 1598 por Jerônimo de Albuquerque Maranhão durante a conquista do

litoral nordestino, após a expulsão dos franceses, aliados aos índios de Sergipe e da Paraíba.

Posteriormente, a forma de estrela de cinco pontas lhe foi dada em 1614 pelo engenheiro-militar

Francisco Frias de Mesquita, autor do traçado de muitas outras fortificações brasileiras. Sua

principal preocupação era a defesa contra investidas por parte de nações inimigas de Portugal,

além da importância enquanto centro de trocas comerciais e Porto no Rio Grande do Norte.

O CASO II trata-se do Forte de São Mateus, construído em 1617, na barra da Lagoa de

Araruama, também por Frias de Mesquita, vindo do Nordeste e destinado a proteger a região das

incursões de ingleses e franceses que, ali, com a cumplicidade dos índios, roubavam

carregamentos de pau-brasil. Essa fortificação ficava próxima da recém-fundada Vila de Cabo Frio

RJ, que participava de um conjunto de aldeamentos indígenas levantado pelos jesuítas residentes

nas imediações. Em São Pedro da Aldeia. Hoje, toda essa região vive da produção de sal

marinho, da pesca e principalmente do turismo, devido às suas apropriadas condições à prática

de esportes náuticos e à instalação de balneários.

A Fortaleza de São José do Macapá corresponde ao CASO III, tendo sido erguida na

segunda metade do século XVIII, pelo engenheiro-militar italiano Henrique Antônio Galucci, o

objetivo de efetivar a ocupação lusitana sobre os territórios conquistados com o Tratado de Madrid

13

(1750), ao fim do período Filipino, além de servir como ponto estratégico de defesa; elo entre o

interior e o litoral do território colonial e ponto auxiliar na exploração das Drogas do Sertão10. Já o

CASO IV equivale à Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres, construída no final da década de

1760, na Ilha do Mel, Estado do Paraná, com o objetivo de proteger a Vila de Paranaguá e seu

porto de ameaças vindas principalmente da Espanha.

Por fim, o CASO V trata do Forte Real do Príncipe da Beira, erguido para proteger o

território de investidas espanholas vinda da margem oposta do rio Guaporé, onde se encontra a

obra. Situado em Rondônia, Estado brasileiro localizado politicamente na Região Norte, adotou-se

para este estudo como caso a ser analisado no Centro-Oeste do país. Tendo em vista as

resoluções relativas às fronteiras entre as terras de Portugal e Espanha na América,

consubstanciadas pelo Tratado de Santo Ildefonso (1777), tratou o governo ultramarino de

construir essa fortaleza, destinada a marcar a posse lusitana do território conquistado pelos

bandeirantes paulistas em meio às desguarnecidas e longínquas florestas amazônicas. Projetada

em 1776 pelo engenheiro-militar italiano Domingos Sambuceti, foi concluída somente em 1783,

embora nunca tenha sido realmente equipada. Permaneceu no abandono e tomada literalmente

pelo mato, até ser encontrada em 1914 pelo Marechal Cândido Rondon (1865-1958). Atualmente,

o local em que se insere é próximo à fronteira do Brasil com a Bolívia.

CASO I – REGIÃO NORTE

FORTE DOS REIS MAGOS

Jerônimo de Albuquerque maranhão/Francisco Frias de Mesquita 1598/1628 – Natal RN

Local:

Barra do Rio Potengi, Praia do Forte, Natal, Estado do Rio Grande do Norte

Situação geográfica:

Orla marítima, às margens de um rio

Data:

Entre 1598 e 1628

Objetivos principais:

Consolidação da conquista de novos territórios (posse e domínio territorial)

Garantia da segurança da cidade nascente e de seus habitantes

Defesa contra conflitos indígenas e invasões por parte de povos estrangeiros

Funções desempenhadas:

Abrigo aos expedicionários

Residência oficial de autoridades

Centro de comunicação e trocas diversas (Porto)

10

Podem ser chamadas de Drogas do Sertão as diversas especiarias encontradas na exploração do interior do território amazônico pelos portugueses e que, a partir do século XVIII, passaram a constituir em fonte de renda para a Coroa lusitana (N.A.).

14

Cadeia

Planimetria/volumetria:

Planta poligonal estrelada (cinco pontas).

Descrição arquitetônica:

Em torno do terrapleno, ao abrigo das muralhas, encontram-se dispostas a Casa de Comando, os Quartéis e os Depósitos; ao centro, ergue-se uma edificação de planta quadrangular, em dois pavimentos: no inferior, situa-se a Capela, apresentando vãos em arco pleno; e, no superior, acedido externamente por uma escada em dois lances e através de uma porta de verga reta, dispõe-se a Casa da Pólvora, coberta por uma cúpula piramidal. Nos vértices desta pirâmide, cunhais, cornija e pináculo completam o conjunto. A Cisterna localiza-se no terrapleno; e o acesso ao forte é feito por uma passarela, da praia ao passadiço e, a partir daí, através de uma arcada à direita, saindo para o corredor. Outra escada dá acesso ao terrapleno e ao portão para a praça.

Técnica construtiva:

Inicialmente construída em pau-a-pique e taipa de mão, foi substituída por alvenaria de pedra e cal entaipada. Os muros em pedra (cantaria) possuem 14 m de largura, à prova de canhões.

Tombamento:

1949 (IPHAN)

Contexto histórico:

A história da Fortaleza da Barra do Rio Grande ou Forte dos Reis Magos começou em 25 de Dezembro de 1597, com a chegada da expedição de Manuel Mascarenhas Homem – Capitão-mor da Capitania de Pernambuco, a qual governou entre 1593 e 1603 – à embocadura do rio Potengui, na Capitania do Rio Grande, local sob domínio ibérico ameaçado de invasão por parte de nações que não reconheciam o Tratado de Tordesilhas. A expedição, sob responsabilidade do governador D. Francisco Souza (c.1540-1611), iniciou então a construção de uma fortaleza em pau-a-pique no local, aproveitando-se de recursos ali disponíveis: argila (taipa) e madeira, sem uso de qualquer força mecânica (ASSIS & PRIOR, 2010).

Segundo o relato de Sousa (1885) apud Galvão (1979), para a defesa do acampamento, junto à praia, fez-se uma paliçada com planta no formato circular, à moda indígena, enquanto se procedia à escolha do local definitivo para a fortificação ordenada pela Coroa: um recife, à entrada da barra, ilhado na maré alta e que, na vazante, permitia a comunicação com terra firme. Iniciado em 06 de janeiro de 1598, Dia dos Santos Reis – daí seu nome –, o local serviu de palácio para o governo da cidade de Natal, fundada em 1599; e, apesar dos constantes ataques por parte de indígenas e franceses, a obra já se encontrava em condições de defesa em 1602 com a guarnição e artilharia.

A planta do novo forte, traçada no Reino em 1597 e supostamente atribuída ao padre jesuíta Gaspar ou Gonçalves de Samperes, “mestre nas traças de engenharia na Espanha e Flandres" e discípulo do engenheiro-militar italiano Giovanni Battista Antonelli (1527-88), apresentava a forma clássica do forte marítimo seiscentista: um polígono estrelado, com o ângulo reentrante voltado para o Norte, construído em "taypa, estacada e área solta entulhada". As suas obras ficaram a cargo de seu primeiro comandante, Jerônimo de Albuquerque Maranhão (1548-1618), o qual foi sucedido por João Rodrigues Colaço (GARRIDO, 1940).

Engenheiro-mor do Brasil entre 1603 e 1634, Francisco Frias de Mesquita começou a construção de suas muralhas, no formato de estrela de cinco pontas (Figuras 03 e 04), e das obras de habitação interna em 1614, as quais prosseguiram até 1628 (UFSC, 1995). Embora incompleta, pois estavam ausentes as instalações de água e esgoto, da cisterna, da casa da pólvora e dos abrigos para os soldados, considera-se 1628 a data da sua conclusão como é conhecida atualmente. Apesar de ter sofrido diversas alterações e reformas ao longo deste percurso, ainda conservou sua planta original, supostamente elaborada pelo Padre Gaspar de Samperes (TELLES, 2010).

Em 1632, após seguidos conflitos com os holandeses, a fortaleza lhes foi entregue, a partir de quando teve seu nome mudado para Kasteel Keulen (“Castelo Ceulen”) em homenagem a Natttjis van Ceulen, um dos dirigentes colegiados holandeses no Brasil de 1633 a 1634. O capitão Joris Garstman foi o primeiro holandês a comandá-la, representando a Companhia Neerdelandesa das Índias Ocidentais – WIC. Posteriormente, em 1638, sofreu restaurações ordenadas por Maurício de Nassau (1604-79), que manteve seu domínio até 1654, quando foi retomada por Portugal, ao fim da União Ibérica. Foi nos calabouços desta praça que o ex-governador do Pará e Maranhão, Bento Maciel Parente (1567-1642), terminou os seus dias,

15

aprisionado contra as leis de guerra, após a capitulação de São Luís do Maranhão, em 1º de fevereiro de 1642 (SOUSA, 1885; apud GALVÃO,1979).

Figura 03 – Vista área do Forte dos Reis Magos (ACHETUDOEREGIAO, 2010).

Figura 04 – Planta do Forte dos Reis Magos (CERESCAICO, 2010).

O período seguinte foi caracterizado pela falta de recursos da Capitania, cujas dificuldades agravaram-se com a Confederação dos Cariris

11, acentuada em 1685. A partir do século XVIII, a fortaleza

teve suas funções alteradas, de sede administrativa a cadeia e, posteriormente, deixando de ser utilizada – com exceção das poucas situações em que entrou em estado de alerta, a saber: a chegada da Corte portuguesa em 1808; a Revolução Pernambucana

12 de 1817, durante a qual serviu novamente como prisão;

e a Guerra do Paraguai (1864/70), para saudação dos Voluntários da Pátria.

11

Também chamada de Guerra dos Bárbaros, consistiu na revolta indígena contra a dominação portuguesa, ou seja, um movimento de resistência dos cariris – ou kiriris – ocorrido entre 1683 e 1713, durante a administração do Capião-mor Pascoal Gonçalves de Carvalho.

12 Conhecida também como Revolução dos Padres, trata-se da revolta ocorrida em 1817 em nome da instauração da República no

Brasil. Durante este período, a má situação econômica para os comerciantes de açúcar, somada aos aumentos de impostos e aos ideais iluministas que permeavam a elite intelectual, levaram ao questionamento de forma de governo então presente e originaram o movimento revolucionário, liderado por Domingos José Martins, José de Barros Martins (também chamado de “Leão Coroado”), e os padres João Ribeiro e Miguelinho (GOMES, 2010; SOUSA, 2010).

16

No contexto da Questão Christie

13 (1862/65), a fortaleza sofreu reparos em 1863 e,

posteriormente, ampliação em 1874 (GARRIDO, 1940). Durante a Primeira Guerra Mundial (1914/18), foi guarnecida por uma Bateria Independente de Artilharia da Costa. Após isso, perdeu sua classificação como estabelecimento militar, sendo tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN em 1949 e integrada ao patrimônio da Fundação Cultural José Augusto em 1965, constituindo-se em um importante ponto de atração turística da Região Nordeste. Em seu interior, um museu acanhado expõe peças da época da ocupação holandesa, canhões e um marco de pedra.

CASO II – REGIÃO SUDESTE

FORTE DE SÃO MATEUS

Francisco Frias de Mesquita 1617 – Cabo Frio RJ

Local:

Praia do Forte, Cabo Frio, Estado do Rio de Janeiro.

Situação geográfica:

Orla marítima.

Data:

Entre 1617 e 1618.

Objetivos principais:

(Figuras 05 e 06)

CASO III – REGIÃO NORTE

FORTE DE SÃO JOSÉ DO MACAPÁ

Henrique Antônio Galucci 1764/82 – Macapá AP

Local:

Avenida Eng. Francisco Azarias Neto, Macapá, Estado do Amapá

Situação geográfica:

Às margens do rio Amazonas.

Data:

Entre 1764 e 1782.

Objetivos principais:

Efetivação do domínio de terras conquistadas com base no Tratado de Madri (1750)

Proteção da vila de São José do Macapá, evitando a entrada de navios invasores rio acima

Elo de ligação entre interior do território e suas fronteiras, mantendo o poder luso

Auxílio enquanto ponto estratégico para manobras de contra-ataque e a exploração das Drogas do

Sertão

13

A Questão Christie constituiu-se em um contencioso entre os governos do Império do Brasil e da Grã-Bretanha, entre 1862 e 1865; ou seja, uma questão diplomática que foi fruto de um conjunto de incidentes envolvendo ambas as nações, culminando, pela atuação do embaixador britânico creditado no Brasil, William Dougal Christie (1816-74), no rompimento das relações diplomáticas por iniciativa do Brasil em 1863. O desentendimento originou-se devido a uma briga entre marinheiros dos dois países (GARRIDO, 1940).

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Funções desempenhadas:

Abrigo aos expedicionários

Residência oficial de autoridades

Centro de comunicação e trocas diversas

Sede da Guarda Territorial, posterior Polícia Militar

Prisão política

Planimetria/volumetria:

Planta poligonal estrelada (quatro pontas)

Descrição arquitetônica:

O portão principal acessa a Casa do Órgão, bloco originalmente ligado ao Corpo da Guarda; edifício que se destaca por uma fachada em estilo clássico. No terrapleno, em redor da praça de armas, dispõem-se oito edifícios dispostos aos pares: Quartel da Tropa, Hospital, Casa do Capelão, Capela, Casa do Comandante e Paiol da Pólvora, Casa da Palamenta e Casa da Farinha. Ao abrigo do terrapleno, há duas cadeias casamatadas com doze celas cada uma; e ao centro da praça, um escoadouro de águas pluviais. Pelo lado Oeste, em frente ao portão principal, ergue-se um revelim para proteção do seu acesso pelo exterior, originalmente projetado compreendendo duas pontes sobre um fosso. Externamente, restam os vestígios de um fosso seco nas faces Sul e Oeste, que originalmente seria inundado em todo o perímetro da fortaleza.

Técnica construtiva:

Alvenaria de pedra e cal, com tratamento em cantaria. As muralhas possuem oito metros de altura, arrematadas por cantaria nos ângulos salientes e um fosso seco pelo lado de Sudoeste.

Tombamento:

1950 (IPHAN)

Contexto histórico:

A construção da Fortaleza de São José do Macapá deu-se a partir da necessidade portuguesa em reforçar os limites estabelecidos pelo Tratado de Madri (1750) entre seu território e o espanhol, além de servir de ponto estratégico para o atendimento de diversos interesses da Coroa. O início da construção deu-se em 29 de Junho de 1764, durante o governo de D. José I (1714-77), cujo primeiro ministro, Marquês de Pombal (1699-1782), era “representante do despotismo esclarecido” (ARAÚJO, 2010). De autoria do engenheiro-militar italiano Henrique Antônio Galucci, a obra foi concluída em 1782, após 18 anos de trabalho índio e escravo, apresentando um formato de um polígono quadrangular regular, com baluartes pentagonais nos vértices, sob a invocação respectivamente de Nossa Senhora da Conceição, São José, São Pedro e Madre de Deus. O conjunto da fortaleza ocupa 84.000 m² e seguiu o estilo e sistema construtivo de Vauban

14, dito de 8ª classe (BARRETTO, 1958; ALCÂNTARA, 1979).

Originalmente, a explanada exterior do forte ligava-se ao revelim por uma passarela em madeira e este ao portão principal, através de uma ponte levadiça; acessórios estes atualmente desaparecidos. Na face Norte, além de um fosso seco, o projeto original previa um segundo revelim, cercado por sua vez por um fosso inundado, elementos também desaparecidos. Pela face Leste, além do fosso seco, estavam projetadas duas bateriais baixas, identificadas pela recente campanha de prospecção arqueológica. Essa pesquisa comprovou ainda que, na parte do conjunto erguida sobre terreno originalmente alagado, fora utilizadas estacas de acapu (madeira resistente à água) formando uma sólida treliça sobre a qual foram erguidas as muralhas, técnica cujo emprego no Brasil ainda não havia sido comprovado (GARRIDO, 1940).

Sua utilização deu-se tanto por tropas lusitanas quanto, posteriormente, por tropas imperiais. Com a Proclamação da República (1889) e a inserção do Brasil no cenário econômico internacional, a fortaleza perdeu gradativamente suas funções, entrando em um processo de abandono e depois se expondo a saques e invasões. Apesar de no início do século XX receber do Serviço de Sinalização Náutica uma torre com um farolete sobre um de seus baluartes, a construção permaneceu abandonada até 1946, a partir de quando passou a abrigar o Comando da Guarda Territorial do Amapá, sendo então restaurada. Foi tombada

14

Célebre arquiteto militar francês, Sébastien Le Prestre de Vauban (1633-1707) foi o introdutor do chamado estilo Vauban de fortificação. Especialista em poliorcética (conjunto de técnicas de defesa e ataque de fortalezas), construiu ou ampliou mais de 160 fortificações. O aspecto principal do sistema de sítio de Vauban era o emprego de fortalezas temporárias – trincheiras e aterros – para proteger a progressão da tropa (N.A.).

18

pelo SPHAN em 1950, apesar de ter abrigado famílias de imigrantes e também presos da justiça sob vigilância da Guarda Territorial. Posteriormente, serviu de centro sociocultural e local para a instalação da Imprensa Oficial e do Museu Territorial (UFSC, 1995).

Em 1964, com a instauração do regime militar no país, foram para lá presos intelectuais e trabalhadores, que lá permaneceram junto a membros do corpo de guarda. Seguido a isto, ainda durante a Ditadura, instalou-se no entorno o clube social do Círculo Militar, sobre onde havia, originalmente, duas baterias baixas. Em 1975, a Guarda Territorial – então transformada em Polícia Militar – deixou o forte para se instalar em prédio próprio, de modo que aquele passou a ser habitado somente pelo Pelotão da Banda de Música, que além dos ensaios passou a executar também o serviço de guarnição no local.

De acordo com Araújo (2010), em 1979, a fortaleza foi concedida ao Governo do Território Federal do Amapá pela Delegacia do Serviço do Patrimônio da União para fins de preservação, de modo que foram realizados serviços de restauro na obra e, posteriormente, sob orientação do SPHAN, removida a torre com o sinalizador instalada sobre o Baluarte de N. S. da Conceição. Por fim, foram contratados os arquitetos Pedro e Dora Alcântara para a elaboração do projeto de restauração da fortaleza, concluindo “as etapas de pesquisa iconográfica e documental”. Nos anos 1980, a fortaleza acabou vinculada ao Departamento da Ação Complementar pela Secretaria de Educação e Cultura do Território Federal do Amapá, através da Seção de Patrimônio e Arquivo Histórico (Figuras 07 e 08).

Figura 07 – Vista área do Forte de São José do Macapá (360GRAUS, 2010).

Figura 08 – Vista área da Fortaleza (SKYSCRAPERCITY, 2010).

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CASO IV – REGIÃO SUL

FORTE DE NOSSA SENHORA DOS PRAZERES

José Custódio de Sá e Faria 1767/69 – Paranaguá PR

Local:

Ilha do Mel, Município de Paranaguá, Estado do Paraná

Situação geográfica:

Orla marítima, ao pé do Morro da Baleia, em ilha próxima ao continente

Data:

Entre 1767 e 1769.

Objetivos principais:

Domínio territorial por parte de Portugal da região sul

Proteção da Vila de Paranaguá contra a invasão de estrangeiros, principalmente espanhóis

Garantia de segurança para o Porto de Paranaguá

Funções desempenhadas:

Abrigo aos expedicionários

Proteção territorial

Centro de Estudos Ambientais

Ponto turístico

Planimetria/volumetria:

Planta poligonal irregular, adaptada à topografia

Descrição arquitetônica:

A estrutura desenvolve-se em quatro ou cinco lances de muralhas em cantaria, feitas com material extraído do próprio local e construídas em períodos distintos, sendo o trecho situado à direita da portada o mais recente. Os espaços abobadados sob o terrapleno foram utilizados como Casa da Guarnição e prisão, tendo sido levantados os Quartéis da Tropa ao abrigo da cortina interna da muralha. O conjunto em cantaria da portada a Leste é encimado por uma grande concha esculpida em um único bloco de pedra. Um grupo de toscas carantonhas e uma placa epigráfica completam a composição, destacada do alinhamento das muralhas, onde guaritas elevam-se nos vértices. Primitivamente, no interior da fortificação, erguia-se uma capela sob a invocação da padroeira, demolida em 1932, por determinação do então comandante da fortaleza, devido ao seu precário estado de conservação.

Técnica construtiva:

Alvenaria de pedra e cal, com tratamento em cantaria. As muralhas possuem dez metros de altura, sendo em número de quatro ou cinco, variando conforme a fonte, já que foram executadas em épocas distintas.

Tombamento:

1938 (IPHAN)

Contexto histórico:

A Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres – também conhecida como Forte da Barra (TELLES, 1985) – foi erguida entre 1767 e 1769, sob ordem do Tenente-Coronel Afonso Botelho, ao pé do Morro da Baleia, Ilha do Mel, no litoral paranaense, com o objetivo de garantir a segurança da Vila de Paranaguá,

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principalmente por sua importância econômica para o sul do Brasil. A importância de mais uma peça de artilharia, na realidade, visava muito mais do que a proteção da vila: com a transferência da capital para o Rio de Janeiro e o restabelecimento da Capitania de São Paulo, a construção de um forte adquiria considerável importância para as autoridades portuguesas, cujas preocupações incluíam a possibilidade da chegada de navios indesejados e a constante ameaça espanhola de avançar sobre o território português, mesmo após o estabelecimento do Tratado de Madri (1750) (UFSC, 1995).

Sob ordens do Marquês de Pombal (1699-1782), o então governador da Capitania de São Paulo, D. Luiz Antônio de Souza Botelho Mourão (1722-98) adotou como medida preventiva construir uma fortaleza para a proteção da Vila de Paranaguá, então concluída em 23 de abril de 1769. Não há certeza sobre a identidade do autor do projeto, embora haja a possibilidade de ser o então Engenheiro-Mor José Custódio de Sá e Faria. O que se sabe é que tal projeto não fora fruto de “trabalho amadorístico [...]para tanto, bastaria citar o trabalho que resultou no muro e no pórtico da fortaleza; concepção, inequívoca, de quem entende do riscado” (PATRIMONIOCULTURAL, 2010).

Entre o final do século XVIII e do XIX, o forte passou por diversos períodos de inatividade, a iniciar pelo ano de 1800, quando foi desarmado, uma vez que seus canhões foram removidos e transferidos para o Porto de Santos. Dois anos mais tarde, sofreu pequenas obras de restauro e, depois, mergulhou no abandono, de modo que em 1820 encontrava-se praticamente em ruínas e exigia novos reparos. Em 1831, ocorreu a desativação definitiva da fortaleza e, em 1846, houve a construção de um farol em sua área fronteiriça, para orientação dos governantes. Em 1850, ocorreram novas reformas, tais como a construção de “novo parapeito sobre o terrapleno superior às prisões, muralhas interiores, novo portão, além do remanejamento da capela e substituição do soalho das prisões” (PATRIMONIOCULTURAL, 2010).

Em 1905, houve a construção de um novo edifício para aquartelamento e, entre 1911 e 1913, aconteceram “pequenos melhoramentos”, para enfim ocorrer a demolição da capela em 1932. Tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN a partir de 1938, durante a Segunda Guerra Mundial (1939/45), aquartelou cerca de 200 homens, tendo o seu comandante respondido a inquérito pela destruição da vegetação de caixeta na encosta do morro e por ter aberto um portão no muro traseiro da fortaleza, sem a devida autorização. A guarnição operava um hoplofote, sendo posta fora de serviço em agosto de 1954 (BARRETTO, 1958).

No início da década de 1970, foram realizadas obras de conservação pelo IPHAN e, em 16 de maio de 1975, a Ilha do Mel foi tombada, visando-se a preservação da sua paisagem, fauna e flora, além da manutenção da cultura local e da minimização da especulação imobiliária. Logo, a construção militar foi completamente desativada e destituída de todas as suas funções originais. Mesmo assim, foi ocupada por um pelotão do Exército sob o comando do Sargento José Curralinho de Oliveira, período em que recebeu vários melhorias, como por exemplo a instalação de um moderno gerador elétrico, garantindo assim iluminação em todo o perímetro da fortificação.

Figura 09 – Vista do Forte de Nossa Senhora dos Prazeres (PARANAONLINE, 2010).

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Figura 10 – Vista aérea da fortaleza (FOLHA, 2010).

Desativada, como todos os outros antigos fortes do litoral Sul, por força dos novos conceitos de tática e estratégia, a Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres teve transferida, em 4 de novembro de 1982, sua utilização para a Fundação Nacional Pró-Memória, hoje pertencente ao IPHAN. No decorrer da década de 1980, sob o controle do Estado do Paraná, foi palco de uma "caça ao tesouro", alimentada pela Lenda do Padre Thiago e pela descoberta, nas suas dependências, de um cofre contendo papéis antigos e moedas de pouco valor. O conjunto sofreu intervenção de restauro entre 1985 e 1995, em parte graças a recursos do Banco Mundial, passando a abrigar um pequeno museu na Casa da Guarnição e o posto local da Polícia Florestal. Em conjunto com o governo do Estado do Paraná, o IPHAN, através da 10ª Coordenação Regional, elaborou em 1994 novo projeto de restauração e adaptação da fortaleza para centro de estudos ambientais. Os trabalhos no período compreenderam: prospecção arqueológica; limpeza e higienização; demolição de acréscimos; restauração das muralhas, do portão principal e das calçadas; restauro do Paiol da Pólvora e da Casa de Guarnição; impermeabilização das abóbadas; pintura e paisagismo (Figuras 09 e 10).

CASO V – REGIÃO CENTRO-OESTE

REAL FORTE DO PRÍNCIPE DA BEIRA

Domingos Sambuceti 1776/83 – Guajará-Mirim RO

Local:

Município de Guarajá-Mirim, Estado de Rondônia, situado politicamente na Região Norte

Situação geográfica:

Às margens do rio Guaporé, na fronteira entre o Brasil e a Bolívia

Data:

Entre 1776 e 1783.

Objetivos principais:

Efetivação do domínio de terras conquistadas com base no Tratado de Madri (1750)

Defesa territorial contra incursões de espanhóis

Elo de ligação entre interior do território e suas fronteiras, mantendo o poder luso

Funções desempenhadas:

Abrigo aos expedicionários

Proteção territorial

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Instalação do Exército

Planimetria/volumetria:

Planta poligonal estrelada (quatro pontas)

Técnica construtiva:

Alvenaria de pedra exposta e tratamento em cantaria

Tombamento:

1950 (IPHAN)

Contexto histórico:

Durante o reinado de D. José de Portugal (1714-77), entre 1750 e 1777, o ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal (1699-1782), lançou um projeto efetivo de colonização da Amazônia. Sob sua orientação, decisões estratégicas de grande alcance foram tomadas, destacando-se a construção de um verdadeiro cordão de fortes e fortalezas, a fim de barrar as vias de penetração que, pelo Norte e pelo Oeste atingiam a bacia amzônica. Visando à consolidação do domínio luso na calha do rio Guaporé, devido à aproximação dos espanhóis, desde 1743, o seu antecessor, D. João V (1706-50), tendo em vista a exploração de ouro na região, criou a Capitania do Mato Grosso, nomeando como seu primeiro Governador e Capitão-General, a D. Antônio Rolim de Moura Tavares. Este fundou Vila Bela da Santíssima Trinmdade, às margens do rio Guaporé que passou a ser a sede da Capitania.

O Real Forte do Príncipe da Beira foi construído com o objetivo de reforçar a presença portuguesa no intuito de conter o avanço dos espanhóis sobre as margens do rio Guaporé, vista a vulnerabilidade do forte pré-existente, o Forte de Nossa Senhora da Conceição, protegido somente por uma paliçada. Em local de maior altitude e, portanto, melhor localizado em relação ao primeiro, a nova fortaleza foi erguida por iniciativa do governador Dom Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres (1739-87), sob direção do adjunto de infantaria de Domingos Sambuceti, engenheiro-militar italiano a quem se atribui a autoria do projeto; e que acompanhou a construção do mesmo até sua morte.

Erguido em alvenaria de pedra, o forte segue, conforme o site da Reserva do Exército (2010), o sistema de Vauban ou em praças, o qual se desenvolve como a sucessão de muralhas de perímetro crescente em torno de uma praça de formato quadrado (Figuras 11 e 12), cujas dimensões são em média de 100 por 100 m (TELLES, 1985). Em cada vértice da muralha de maior extensão, há um baluarte, sendo que cada um deles batizado por um nome, a saber: Nossa Senhora da Conceição; Santa Bárbara; Santo Antônio de Pádua e São José Avelino (COUTINHO, 2010).

Durante as obras, Sambuceti faleceu vítima de malária, sendo substituído pelo engenheiro-mor Ricardo Franco de Almeida Serra, responsável mais tarde pela nova fortificação de Coimbra (Forte Novo de Coimbra, 1797). Entre 1766 e 1776, nela sempre se trabalhou "ao menos com duzentas pessoas e daí para mais", segundo o informe do governador e Capitão General da Capitania do Mato Grosso, em janeiro de 1786. Em 1797, nas suas dependências, funcionava um Armazém Real, depósito de armas, munições, fardamentos, ferramentas, alimentos, equipamentos náuticos, e tudo o mais necessário ao uso das forças militares da Coroa ou mesmo das suas repartições civis (GARRIDO, 1940).

No fim do século XVIII, com a consolidação da presença portuguesa no local, o forte perdeu sua importância, de modo que permaneceu, a partir de 1889, abandonado até 1914, quando foi redescoberto pelo Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), tendo-lhe procedido trabalhos de limpeza da mata que o asfixiara. Durante esse meio tempo, a construção sofreu com saques e invasões, tanto por brasileiros quanto por bolivianos, além de ser tomada pela floresta amazônica, estando, portanto, em ruínas (GARRIDO, 1940).

Demorou, entretanto, até 1930 para que uma nova expedição do Exército brasileiro o redescobrisse realmente, voltando a guarnecê-lo dois anos após, ali instalando o Contingente Especial de Fronteira do Forte Príncipe da Beira. Tombado em 1950 pelo IPHAN, em 1954, teve a sua designação mudada para 7º Pelotão de Fronteira, e, em 1977, para 3º Pelotão Especial de Fronteira, subordinado ao 6º Batalhão Especial de Fronteira. No dia 08 de abril de 1983, em solenidade com a presença do então Presidente da República do Brasil, General João Batista de Figueiredo (1918-99), e do embaixador de Portugal, Adriano Carvalho, sob salva de 21 tiros de canhão, foi assinado Termo de Compromisso entre o Ministério da Educação e Cultura, o Ministério do Exército e o Governo de Rondônia visando a restauração, conservação e utilização do forte. Técnicos do IPHAN responsabilizaram-se pela pesquisa arqueológica – a foi encontrado material lítico pré-colombiano com até 10.0000 anos de idade – e pelos levantamentos necessários à elaboração do projeto de restauração, que contou ainda com a participação de consultores portugueses da Fundação Calouste Gulbenkian, uma vez que todo o material iconográfico de construção da

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fortaleza encontrava-se em Portugal. O Ministério do Exército, através do 3º Pelotão Especial de Fronteira ficou responsável, à época, pelo apoio material ao projeto (BARBOSA e NUNES, 1985).

Atualmente, vizinho ao Real Forte Príncipe da Beira encontra-se o quartel do 1º Pelotão de Fuzileiros de Selva Destacado, sob a jurisdição do Comando Militar da Amazônia. Trata-se de uma organização militar vinculada à 17ª Brigada de Infantaria de Selva, sediada em Porto Velho RO, a quem o forte confere o nome histórico, através do 6º Batalhão de Infantaria de Selva.

Figura 11 – Vista área do Real Forte do Príncipe da Beira (SKYSCRAPER, 2010).

Figura 12 – Planta do Real Forte do Príncipe da Beira (ESPERANÇA-FUTURO, 2010).

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