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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
ELIZABETH PEREIRA ALVES DA FONSECA
O CASAMENTO SEGUNDO O TEATRO DE CORDEL EM PORTUGAL
(1783 - 1794)
CURITIBA
2011
2
ELIZABETH PEREIRA ALVES DA FONSECA
O CASAMENTO SEGUNDO O TEATRO DE CORDEL EM PORTUGAL
(1783 - 1794)
Monografia apresentada a disciplina de Estágio
Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito
parcial à conclusão do Curso de História, Setor de
Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal
do Paraná.
Orientador: Prof. Dr. Magnus Roberto de Mello Pereira
CURITIBA
2011
3
DEDICATÓRIA
À minha mãe, in memoriam
(1936 – 2009)
4
RESUMO
Procurando entender como os fenômenos da revolução industrial, da revolução
francesa, e do iluminismo teriam influenciado as práticas matrimoniais e a vida
familiar no final do século XVIII, este trabalho tem por objetivo pesquisar o tema do
casamento, através de uma presença notória para a sociedade da época: o teatro de
cordel, ou ainda, o entremez. O entremez foi um gênero cômico compartilhado com
a Espanha que associou o caráter critico as relações afetivas da sociedade de corte,
a antipatia à prática do casamento arranjado e à sátira aos costumes da nobreza.
Expõe intrigas e situações tensas de discordância entre velhos modelos fundados
em princípios e valores morais predominantes na comunidade versus novas
tendências que buscavam romper com o ultrapassado e instituir o novo. Aspectos
como a educação feminina, as novas sociabilidades, a beleza, a sedução, a
tradicionalista prática do dote e a honra são polemizados e desdenhados pelo
elemento cômico. Nesse sentido, procuramos confrontar a versão das peças com a
historiografia pertinente para entender o motivo dos conflitos apontados no ambiente
de convívio familiar e público envolvendo as personagens de mulheres, filhos e
criados.
Palavras chaves: casamento arranjado; teatro de cordel; práticas matrimoniais.
5
ABSTRACT
Seeking to understand how the phenomen of the industrial revolution, the French
Revolution, and the Enlightenment would have influenced the matrimonial practices
and family life in the late eighteenth century, this study aims to find the wedding
theme, through a large presence for the society of the time: the usual theater, or
even the entremez. The entremez was a comic genre shared with Spain, which
joined the critical nature of the relationships court society, the antipathy to the
practice of arranged marriage and the satire to the customs of the nobility. It exposes
intrigue and tense situations of disagreement between old models founded on moral
principles and values prevailing in the community versus new trends that pursued to
break up with the outdated and establish the new. Aspects such as female education,
new sociability, beauty, seduction, the traditional practice of dot and honor are
arguing and scorned by the comic element. In this sense, we confront the version of
the plays with its historiography to understand why the conflicts detected in the
environment of private and public life, involving the characters of women, children
and servants.
Keywords: arranged marriage; usual theater; matrimonial practices.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 7
1. CONTEXTUALIZAÇÃO....................................................................................9
1.1 O teatro de costumes .................................................................................9
1.2 O Entremez ..............................................................................................13
1.3 O Entremez e sua estrutura .....................................................................16
2. O CASAMENTO TRADICIONAL E AS ANTIGAS PRÁTICAS .....................27
2.1 O dote ......................................................................................................29
2.2 A honra .....................................................................................................33
3. A INFLUENCIA DAS NOVAS SOCIABILIDADES ........................................40
3.1 O casamento pela livre escolha ...............................................................41
3.2 A educação recomendada........................................................................48
3.3 Outras formas de casamento ...................................................................50
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................52
FONTES UTILIZADAS………....................................................................................54
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS…....…..............................................................57
7
Introdução
O século XVIII é conhecido na historiografia pelas transformações que
ocorreram em toda Europa como resultado das idéias iluministas, da revolução
industrial e da revolução francesa. Tais transformações agiram de forma irreversível
em todos os segmentos da sociedade, mais em alguns países, menos em outros,
afetando o cotidiano, as relações políticas e sociais, a vida familiar; enfim, elas
impulsionaram processos de adequação da comunidade a uma nova realidade
social.
Procurando entender como tais transformações chegaram ao ambiente
privado, este trabalho tem por objetivo pesquisar o tema do casamento, os
relacionamentos familiares, e as práticas matrimoniais através de uma presença
notória para a sociedade da época: o teatro de costumes, mais especificamente, em
Portugal, o teatro de cordel, ou ainda, o entremez.
O Entremez foi um modelo teatral cômico muito representado em Lisboa. Seu
inegável êxito e propagação durante o século XVIII são constatados pelo número
substancial de peças disponíveis para pesquisa, não obstante o significativo
conteúdo permaneça quase ignorado pelos estudiosos da dramaturgia. Com base
na regra número um do teatro, a verossimilhança1, e confrontando as fontes com a
historiografia pertinente, é possível localizar indícios de uma realidade social, por
vezes subjugada a certos silêncios.
Fazendo uso de elementos do cotidiano, situações particulares, pessoas
comuns, peças de teatro são fontes que podem contribuir para o conhecimento
histórico das práticas matrimoniais visto que o teatro recriava uma situação partindo
das convenções da realidade. Particularmente, o entremez zomba dos problemas
rotineiros, das situações habituais provocando o riso do público. Repetidamente,
satiriza a sociedade portuguesa, caracterizada como conservadora, estática,
praticante do tradicional casamento arranjado, ligada aos princípios morais da honra
1ROUBINE, Jean-Jacques. Introdução às grandes teorias do teatro. Rio de Janeiro. Jorge Zahar
Editor, 2003, p. 15.
8
e do decoro. Através do escarnecimento, o gênero atraía a crescente atenção, e
maior preferência do público configurando-se em “um grande surto” 2.
Partindo deste perfil instigante, o presente trabalho buscou investigar as
situações conflituosas envolvendo as práticas matrimoniais levadas ao público pelo
teatro popular, observando que motivos poderiam desencadear as discordâncias
apresentadas no ambiente familiar.
2 SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal. v. V Lisboa: Editorial Verbo, 1979, p. 434.
9
1 - Contextualização
1.1 - O teatro de costumes
Os fenômenos do cosmopolitismo, e da revolução industrial, operam
mudanças significativas nas relações humanas no decorrer do Século das Luzes. A
reorganização dos espaços, o predomínio de códigos de polidez, a crescente
alfabetização, aos poucos, transformava a sociedade, os costumes, e o cotidiano da
vida familiar. Acompanhando a onda de reação ao tradicionalismo, o teatro se
destacou como lugar de expressão e representação das ações possíveis3, ou ainda,
lugar de mediação recíproca.
Apoiando-se no enriquecimento e ascensão da burguesia4, na idéia iluminista
de liberdade, no hedonismo, em códigos de credibilidade5, os dramaturgos, em
geral, buscaram expandir sua influência junto ao espectador fazendo uso de um
formato maldizente e satírico6, instigando a opinião pública pelo seu perfil moral e
educativo. Desta forma, e de acordo com Leon Moussinac, o século das luzes
significou, em particular, o triunfo da comédia7, modelo bem apreciado pelas platéias
de todas as classes.
Opondo-se à tragédia e ao drama, gêneros predominantes no teatro clássico,
oficial, protegido pela corte, e que primavam pela grandeza e luxo do espetáculo, o
teatro cômico emergiu herdeiro de uma tradição teatral resultante do predomínio e
da inspiração que a commédia dell’arte exercia sobre a dramaturgia. A abordagem
improvisada de assuntos ligados ao dia a dia da sociedade, aos costumes, a
obtenção de riqueza, a sexualidade, ao trabalho, eram reforçados e desdenhados
3 ROUBINE, Jean-Jacques. Op. cit., p. 15.
4 GASSNER, John. Mestres do Teatro I. SP: Perspectiva, Ed. Universidade de São Paulo, 1974, p.
332. 5 SENNET, Richard. O declínio do homem público As tiranias da Intimidade. SP: Ed Schwarcz, b1988,
p. 88. 6 MOUSSINAC, Leon. História do Teatro Das Origens aos Nossos Dias. Portugal: Bertrand 1957, p.
265. 7 Ibidem, p. 280.
10
pelo elemento cômico. Dessa forma, a eficiência e preponderância de seu formato
resultaram em larga influência em diversas companhias teatrais por toda Europa8.
Na França, berço de novas perspectivas políticas e sociais, Molière foi
acentuadamente influenciado pela comédie italienne. O autor reformulou o gênero
quanto à sua forma improvisada dando-lhe forma textual para representação em
teatros fechados9. Não utilizou, porém, apenas elementos da comédia popular.
Associou a estes alguns elementos clássicos, escrevendo, por exemplo, nos formais
versos alexandrinos, dispondo também das unidades de tempo, espaço e ação10.
Empreendeu, pela primeira vez, usar de temas relativos ao cotidiano e aos
costumes da sociedade construindo uma comédia nova, diferente do modelo
clássico da alta comédia, e, diferente também da comédia popular italiana11,
inaugurando, assim, a comédia de costumes. Entre os temas introduzidos pelo
dramaturgo se encontram a crítica ao pedantismo, a pretensão social, a misantropia,
a hipocrisia religiosa12.
O bem sucedido ajustamento não só interferiu em outros tipos de comédia,
como abriu novos caminhos para o gênero cômico. John Gassner afirma que, não
obstante a reformulação empreendida por Molière, não podemos considerá-lo um
reformista militante, apesar de sua ampla influência sobre a comédia européia13.
No decorrer do seiscentos, e início do setecentos, na Itália, a pompa barroca
operística e a comédia improvisada dominavam os palcos. Contudo, esta última
tornara-se repetitiva e decadente, chegando ao fim14. Preocupado em salvaguardar
o espaço teatral italiano, Carlo Goldoni, de certa forma, inspirado pela comédia de
costumes de Molière, desejou questionar o mundo que o rodeava, propondo a
8VENDRAMINI, José E. A commedia dell'arte e sua reoperacionalização. Trans/Form/Ação, Marília,
v. 24, n. 1, 2001. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/trans/v24n1/v24n1a04.pdf > 9 GASSNER, John. Op. Cit., 1974, p. 336.
10 Ibidem, p. 332.
11 Ibidem, p. 337.
12 Ibidem, p. 342.
13 Ibidem, p. 350.
14 BROCKETT, Oscar G. The Theatre an introduction. United States of America: Holt, Rinheart and
Winston, Inc, 1964, p. 212.
11
reforma do teatro cômico italiano, dominado até aquele momento pela commedia
dell’arte.
Goldoni não era um erudito, a exemplo de uma grande parte dos dramaturgos
de sua época; mas era um profundo observador da sociedade e de seus costumes,
e também, grande conhecedor das técnicas teatrais essenciais para representar o
mundo. Escrevendo em verso e prosa, sua proposta reformista apresentou ao
público uma comédia baseada na sensibilidade, razão e naturalidade, orientada pelo
bom gosto estético. Suas peças exploraram questões presentes no cotidiano, como:
o problema da educação feminina, e o papel social da mulher na cultura15. Tais
questões além de provocarem debates nos círculos literários italianos, mais
precisamente em Veneza, tornaram-se temas freqüentemente representados da
época.
No espaço cênico espanhol sobrevivia a antiga comédia reportando-se a
personagens identificáveis com a nobreza ociosa, personificando valores
aristocráticos, e virtudes guerreiras. Não estamos falando dos modelos consagrados
do chamado “século de ouro”, e, sim, daquele modelo desgastado, marcadamente
material, a chamada comédia heróica, que apresentava façanhas bélicas bem diante
dos olhos do espectador.
Na segunda metade do século XVIII, o teatro espanhol conheceu a obra de
Leandro Fernández de Moratín, propondo a reforma daquele ultrapassado modelo
cômico. Moratín, a exemplo de outros dramaturgos, buscou um modelo novo de
comédia ancorado no uso de elementos do cotidiano, situações particulares,
pessoas comuns. Escrevendo em linguagem corrente, e manejando um conjunto
diversificado de tipos da nova sociedade burguesa16, lançou um modelo de comédia
nova que abordava temas como: a educação feminina, e o casamento contratado.
Observado o contexto geral, é importante frisarmos que, para os governantes,
assim como para os dramaturgos, o teatro era considerado um excelente
15 RODRÍGUEZ GÓMEZ, J. Inês. Representacion Del Mundo Femenino em El Universo Teatral de
Carlo Goldoni. Cuadernos de Filologia. Anejo L (2002) 339-350. 16
Ibidem, p. 23.
12
instrumento para educar e moldar a sociedade segundo as concepções de vida dos
autores. Ambos serviam-se dele para fins políticos, divulgando sua ideologia para
alçar seus objetivos17, muito embora nem sempre, um ou outro, obtivessem sucesso.
Em Portugal, o desenvolvimento geral da história do teatro foi semelhante ao
que ocorreu no restante da Europa. Na segunda metade do século XVIII, a tentativa
de reformulação da cena teatral esteve nas mãos da Arcádia Lusitana, “Inutilia
truncat”, fundada após o terremoto, em 1755.
Homens cultos, os poetas árcades, ambicionavam uma discussão estética
das obras dramáticas, quer fossem originais ou traduções, tentando retomar o bom
gosto e o equilíbrio dos moldes clássico-renascentistas18, e, principalmente,
pretendiam libertar o teatro português da influencia hispânica, assim como da
influência italiana da commedia dell’arte 19, particularmente.
Os árcades escreveram comédias, tragédias, e inúmeros textos teóricos. Sua
perspectiva estava voltada para o homem natural e espontâneo, situado em
contradição ao homem urbanizado20, ao pedantismo, e aos excessos da etiqueta
social. Segundo Laureano Carreira, os árcades partilhavam de uma idéia em
comum: “a utilidade da arte dramática como meio de instrução21”. Carreira explica
que esta concepção estava presente em todas as obras teatrais arcadistas, fossem
originais ou traduções. Apesar da breve existência da Arcádia lusitana, autores
como: Correia Garção, ou o polêmico José Agostinho de Macedo, deixaram obras
relevantes ainda pouco estudadas.
Enquanto transcorria este movimento de reação ao tradicionalismo dramático,
o teatro português desenvolveu um formato teatral estreitamente ligado à comédia
de costumes: o Entremez.
17 Ibidem, p. 20-21.
18 CAVALCANTI, C. Arcadismo: a cifra libertária. In: XII CONGRESSO NACIONAL DE LINGUISTICA
E FILOLOGIA, 2008, Rio de Janeiro, p. 35. 19
CARREIRA, Laureano. O Teatro e Censura em Portugal na segunda metade do século XVIII. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1988, p. 18. 20
ABDALA JR, Benjamim. História Social da Literatura Portuguesa. SP: Ática, 1985, p. 68. 21
CARREIRA, Laureano. Op. Cit., p. 18.
13
1.2 – O Entremez
O Entremez foi um modelo teatral cômico muito representado em Lisboa, e
seu inegável êxito e propagação durante o século XVIII, são constatados pelo
número substancial de peças disponíveis para pesquisa, não obstante o significativo
conteúdo permaneça quase ignorado pelos estudiosos da dramaturgia.
O mote principal deste formato consistia na ousadia da abordagem de temas
cotidianos, e ferrenha critica as práticas sociais da sociedade de corte. Partindo
deste perfil instigante atraía a crescente atenção, e cada vez maior preferência do
público configurando-se “um
grande surto”22.
O desenvolvimento deste
gênero específico,
compartilhado com a Espanha,
ficaria também conhecido como
teatro de cordel, assim
designado devido ao formato de
folhetos que, após a impressão
nas tipografias, eram postos à
venda dependurados em
cordéis.
Segundo Carreira, um
folheto de entremez continha 16
páginas, ao passo que as
comédias, dramas ou tragédias
continham de 36 a 40
páginas23. Por vezes, a última
página de um folheto de cordel ou de entremez poderia trazer uma advertência, um
comunicado, uma notícia de outras publicações teatrais como nas ilustrações 1 e 2.
22 SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Op. cit., p. 434.
23 Ibidem, p. 20.
Ilustração 1 – última página de um folheto de cordel – comédia nova Affetos de ódio e amor publicado em 1783 pela Officina Domingos Gonçalves
14
Ilustração 2: página final do entremez Casamento por nova idéia publicado em 1792 pela Officina de
Francisco Borges de Sousa.
A particularidade inerente ao teatro de cordel está ligada ao fato de que seus
roteiros podiam, ou não, destinar-se à encenação, o que atende a uma característica
própria da arte dramática em sua ambigüidade contraditória: um espetáculo teatral
termina imediatamente no passado. No entanto, o texto teatral permanece, em forma
literária, dando continuidade à arte24, propiciando, a ação, futuras retomadas em
forma de adaptações.
A origem do termo entremez é imprecisa e remonta à Idade Média. Segundo
Oscar G. Brockett, o intermezzo teria surgido na Itália onde se apresentava como
um breve interlúdio, uma breve representação dramática entre os intervalos das
óperas25.
Em Portugal, a popularidade do entremez foi notável. A adaptação ao gosto
português associou o caráter crítico dirigido às relações afetivas da sociedade do
antigo regime à contestação da prática do casamento arranjado, e à sátira aos
24 BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2004, prefácio.
25 BROCKETT, Oscar G. Op. Cit., 1964, p. 144.
15
costumes da nobreza. Tal como a comédia de costumes, o entremez buscou
suscitar questões referentes às práticas costumeiras da sociedade do Antigo
Regime como: o comportamento dos jovens, o papel econômico e social das
esposas, a honra da casa, enfim, escarafunchar o ambiente privado e familiar
doutrinando e incitando a opinião pública com toques de realismo.
Para Luciana Picchio, estudiosa do teatro português, os entremezes, cujos
autores costumavam permanecer no anonimato, não passavam de adaptações de
peças de autores estrangeiros26 reproduzidos repetidamente pelas tipografias de
Lisboa. A princípio, não podemos deduzir disto que todos os entremezes fossem
adaptações; no entanto, constatamos a re-publicação em alguns casos, como
exemplo disto, veja-se o novo entremez intitulado Os desprezos de hum filho peralta
a seu pai; ou sophismas, com que enganou a criada27, publicado em 1789, pela
Officina de Antonio Gomes, e que aparece re-publicado em 1792, pela Officina de
Francisco Borges de Sousa. Este é apenas um caso entre muitos outros.
Engenhosamente, o entremez também fala dele mesmo, satirizando o próprio corpo
teatral e seus componentes, como na pequena peça Anatomia cômica28, publicada
em 1789.
De uma forma ou de outra, o entremez não deixou de preservar princípios
intrínsecos à comicidade, pois está estruturado de acordo com os elementos básicos
componentes do texto teatral cômico, apresentando intrigas e linguagem
peculiares29. Portanto, se faz necessária a análise destes elementos, mesmo que de
forma superficial, pois torna compreensível o mecanismo dramático enquanto um
jogo de forças destinado a engendrar reações na opinião pública30.
26 PICCHIO, Luciana Stegagno. História do Teatro Português. Lisboa: Portugália Editora, 1964, p.
197. 27
Entremez Dos desprezos de hum filho peralta a seu pai; ou sophismas com que enganou a criada. Lisboa, Officina de Antonio Gomes, 1789. 28
Pequena peça Anatomia Comica. Lisboa, Officina de Francisco Borges de Sousa, 1789. 29
CARREIRA, Laureano. Op. Cit., 1988, p. 20. 30
Não é o objetivo deste trabalho discutir o conceito de “opinião pública”. A expressão aqui usada se aplica no sentido formulado por Jürgen Habermas. Segundo o autor a “opinião pública” é um fenômeno emergente no século XVIII, instrumentalizado pela publicação do privado e resultante da pretensão da burguesia de monopolizar e submeter o ancien regime apoiando-se nas relações socioeconômicas. LIMA, Luiz Costa. Mimesis e modernidade: formas das sombras. v. 1 Rio de Janeiro: Edições Graal, 1980, p. 99.
16
1.3 – O Entremez e sua estrutura
A narrativa predominante no entremez se desenvolve linearmente
obedecendo à regra aristotélica das três unidades: tempo, espaço e ação. A unidade
de ação exprimia-se através da intriga principal e ações secundárias; que se
passava em não mais de 24 horas, em um lugar situado em locais diversos, uma
praça, uma loja, uma sala, ou quarto31. Observando as unidades de tempo e ação o
entremez tem a particularidade de representar uma história breve, costumeira, e que
se remete ao seu próprio contexto histórico.
Até o século XVII, os diálogos das comédias eram escritos em verso
destinados à recitação. Mas, aos poucos, com a reação da dramaturgia ao elemento
clássico, os dramaturgos passariam a escrevê-los em prosa, como se nota na
maioria dos entremezes. Mas a prosa não é um recurso unânime, pois na década de
oitenta do século XVIII encontramos diálogos escritos em forma de palito métrico32,
como o entremez da Assembléa do Isque33, ou As Desordens do Peralta34. Os
versos curtos intercalados à prosa também são encontrados.
Os autores anônimos do entremez, por vezes, faziam uso de modinhas, ou
árias, pequenas estrofes musicais cantadas pelos atores durante a encenação, ou
no encerramento da peça, podendo anunciar um final moral, como o encerramento
do entremez intitulado As Loucuras da Velhice35. Mas, além do final moral e
disciplinador, muitas peças terminavam em briga e pancadaria (um recurso cômico
31 MEGALE, Heitor. Elementos da Teoria Literária. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975, p.
80. 32
O palito métrico era uma forma de escrever versos medidos com um palito. Este formato era usado pelos estudantes de Coimbra que escreviam o palito métrico em latim macarrônico. O palito métrico está inserido em uma obra maior a Macarronea Latino Portuguesa. A amostra deste escudo contém 5 peças escritas em palito métrico. 33
Entremez Da Assembléia do Isque. Lisboa, Officina de Filippe da Silva e Azevedo, 1784. 34
As Desordens do Peralta. Lisboa, Officina de Filippe da Silva, e Azevedo, 1784. 35
Entremez As loucuras da velhice. Lisboa, Officina Domingos Gonsalves, 1786.
17
próprio deste formato), como o novo entremez intitulado O Estudante Bazofio e
Desgraçado36.
Outro elemento relevante é o título, que consiste em uma forma de anunciar
objetivamente, ou não, a abordagem da peça37, por exemplo: A desordem dos
noivos de oito dias38, referindo-se a uma briga entre recém casados; ou As
desordens do Peralta39, abordando o mau comportamento de um filho que perdeu no
jogo certa quantia de dinheiro de seu pai. Por vezes, os títulos podem reportar-se a
um determinado personagem procurando adjetivá-lo, como: O estudante bazofio e
desgraçado40; ou, Os Disgostos que teve huma sécia de Lisboa, por amor do seu
amante41. Também poderá trazer o delineamento de uma moral, ou, o anúncio de
um desfecho, como: O libertino castigado e a prisão no jogo de bilhar42; ou ainda,
Desengano para os homens não se fiarem em mulheres43.
Embora a comédia (peça longa), se dividisse em diversos atos, e inúmeras
cenas, o entremez consiste em um só ato, o que não interferia na unidade de ação,
podendo apresentar uma, duas, até doze cenas, às quais movimentavam a peça,
fazendo-se reconhecer através das entradas e saídas das personagens44.
O número de personagens poderia variar entre um mínimo de quatro até
nove, com larga predominância de personagens masculinos. Ao contrário da França,
onde existiam atrizes encenando os papéis femininos, em Portugal, não era
permitido que mulheres atuassem no palco. Desta forma os papéis femininos eram
representados por “homens barbudos e de perna viril” 45, como afirma Arthur W.
36 Novo entremez O estudante bazofio e desgraçado. Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira,
1787. 37
RYNGAERT, Jean-Pierre. Introdução à análise do teatro. SP: Martins Fontes, 1996, p. 36. 38
Novo entremez A desordem dos noivos de oito dias. Lisboa, Officina de Francisco Borges de Souza, 1791. 39
Entremez As desordens do peralta. Op. cit. 40
Entremez O estudante bazofio e desgraçado. Op. cit. 41
Entremez Os Disgostos que teve huma sésia de Lisboa, por amor do seu amante. Lisboa, Officina de Francisco Borges de Sousa, 1789. 42
Pequena peça O Libertino Castigado, e a prizão no jogo de bilhar. Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789. 43
Entremez Desenganos para os homens, não se fiarem em mulheres. Lisboa, Officina de Francisco Borges de Sousa, 1788. 44
RYNGAERT, Jean-Pierre, Op. Cit., p. 38. 45
CARREIRA, Laureano. Op. Cit., 1988, p. 23.
18
Costigan, que por ocasião de sua estada na corte em Lisboa, deixou a descrição de
um destes espetáculos, em uma carta escrita a seu irmão, em 177946.
O espaço onde se desenvolvia a ação, algumas vezes, poderia ser a praça,
uma loja, um restaurante, ou, até mesmo o teatro do teatro. No entanto,
majoritariamente, a ação se desenvolvia em espaço privado, em casa dos
protagonistas, tendo a sala como lugar comum. Paralelamente, um terceiro
movimento se apresenta com certa freqüência: a transição do ambiente público ao
privado, apresentando um personagem que chega da rua e entra em casa. Esta
transição é sempre feita por um personagem masculino, nunca por um personagem
feminino, pois o espaço feminino de atuação é predominantemente o espaço
doméstico. É observável que, o entremez indica a janela como um espaço onde as
mulheres observavam o mundo. Para Gassner, o uso da janela consistia em um
recurso técnico teatral muito usado pelos dramaturgos47, pois permitia posicionar as
mulheres como uma presença devidamente distanciada do ambiente público.
Um mecanismo chave da comicidade do entremez está na nominação das
personagens. Ela nos remete a identificações caricatas e burlescas, como: o doutor
Cangalho, dona Perpétua, o criado Carrapato, a criada Campainha, o sallafrário,
Pantalão, Denguice, Cornélio, entre outros... De acordo com María José Martínez
Lopez, a questão da nominação caricata, além de valorizar a perspectiva cômica,
também tem por objetivo a rápida identificação dos tipos constantes no elenco, pois
são humorísticos por si mesmos48, embora esta não seja uma regra fixa, pois
podemos encontrar peças onde a identificação da personagem se faz tão somente
pelo próprio nome.
Mas, sobretudo, é preciso observar que o artifício nominal serve para indicar
uma comicidade predeterminada por uma convenção dramática e cênica49. Neste
sentido, o entremez não está preocupado com susceptibilidades psicológicas
46 COSTIGAN, Arthur William. Sketches of society and manners in Portugal. v. 2. University of Virginia
Library, 1787, p. 249. Disponível em Google books. 47
GASSNER, John. Op. Cit., 1974, p. 340. 48
MARTÍNEZ LÓPEZ, Maria José. El Entremés: Radiografia de um gênero. Toulouse. Universitaires Du Mirail, 1997, p. 149. 49
Ibidem, p. 109.
19
advindas desta caracterização, pois o efeito marcadamente cômico dos nomes
provoca o riso pelas conotações específicas que adquirem no contexto em que são
empregados, já que tais conotações pressupõem idéias, conflitos, pontos de vista, e
confronto de vontades50.
As personagens apresentadas pelo entremez convivem em situações tensas
de discordância entre velhos modelos fundados em princípios e valores morais
tradicionais vigentes na comunidade versus novas tendências que buscavam romper
o ultrapassado e instituir o novo.
Cada tipo possui características próprias dispostas de forma relativamente
equilibrada, quanto à sua visibilidade artística, atendendo, primeiramente, à
identificação social que a personagem carrega consigo. Tal posicionamento revela
uma função predeterminada pela ação, ou seja, alguns tipos são portadores da
ação, enquanto outros a sofrem51. Esta predisposição das personagens em seu
meio social tende a indicar uma sociedade de hierarquia bem definida, orientada por
padrões de comportamento vinculados a princípios e valores morais dogmáticos
destinados a preservar a ordem e a eliminar toda frivolidade.
A homogeneização dos tipos não quer dizer que determinadas personagens
não apresentassem um perfil próprio, mas antes o artifício atende a um mecanismo
de oposição entre personagens.
Das 29 peças usadas para o presente estudo, dentre a majoritária presença
de personagens masculinos, em particular, um protagonista tem maior visibilidade
em relação aos outros. Localizado conforme sua posição social, o “velho” está
destinado a representar o tradicional, o conservador, assim como tudo aquilo que
aos poucos está diminuindo sua capacidade de realização.
A identidade sociodramática deste personagem não se relaciona apenas a
sua idade cronológica, como poderíamos supor de imediato. Mas, trata-se, também,
de sua mentalidade considerada arcaica, inimiga das diversões52. Temos como
50 Ibidem, p. 112.
51 Ibidem, p. 108.
52 Ibidem, p.113.
20
exemplo o Divertido, e gracioso entremez Dos Desatinos, que a mulher fez a seu
marido, por motivo de não a deixar ir ver as Luminárias53.
De uma forma ou de outra, a identificação do „velho‟ está carregada de
conotação negativa ligada às suas pretensões que se difundem em dois planos: no
espaço privado, enquanto pai, ou tutor, pretende manter sua riqueza, mas é burlado
pelas filhas e criadas. No espaço público, ele se apresenta como um pretendente
ridículo e bonifrate54 (no sentido pejorativo de conotação sexual) envolvido nas
propostas de casamento contratado com mulheres mais jovens, mas que, como
marido e aos olhos da sociedade, será desonrado e enganado pela mulher. De certa
forma, o „velho‟ é uma permanência herdada da commedia dell’arte. O Pantaleão era
uma das máscaras - os zanni – naquela tradição dramatúrgica italiana.
Em qualquer circunstância, o „velho‟ se define em função do perfil de uma
personagem feminina55. Acima de tudo, e antes de qualquer prerrogativa, o
entremez estabelece duas condições que distinguem esta categoria: todos os velhos
são ricos, e possuem o pior dos vícios: a avareza. Por vezes, podemos vê-lo em um
papel específico, por exemplo, um médico, ou um fidalgo.
De acordo com Martínez López, a acentuada presença do tipo tradicional
representado pelo “velho” atende a objetivos práticos do teatro de comédia.
Particularmente, no entremez, tais objetivos estavam vinculados à ação dramática
e aos efeitos cômicos que suscitavam56. Se por um lado ele parece zelar pela
permanência de valores morais, pela honra e o decoro, por outro, ele diverte.
Como resultado de todos os aspectos que compõe este personagem nota-se sua
colocação estratégica em relação ao restante dos tipos, e à temática do
casamento e da família.
Diferentemente do legitimo representante da tradição, o entremez recorre à
disposição de figuras modernas procurando equilibrar a visibilidade artística dos
53 Entremez Dos Desatinos que a Mulher Fez a Seu Marido, por motivo de não a deixar ir ver as
Luminárias. Lisboa, Officina de Antonio Gomes, 1793. 54
Bonifratre - Pessoa que peca contra a gravidade e decoro de seu estado. 55
Ibidem, idem. 56
Ibidem, p. 109.
21
personagens. Identificadas também pela sua posição social, representam as
novas tendências e novos costumes da sociedade.
Martínez López classifica alguns destes personagens diretamente
envolvidos com o tema deste trabalho no grupo sociodramático ocioso57. São
aqueles que dividem características comuns, por exemplo, além de se definirem
em função do elemento feminino, estão à procura de um bom casamento, ou
ainda, de um bom dote. Os homens jovens deste grupo prezam por falsos valores,
crêem ser o que não são, e, tramam trapaças e burlas para alcançarem seus
empreendimentos. Certamente poderão existir algumas particularidades que
diferenciam estes personagens como veremos nas páginas seguintes. A princípio,
vale frisarmos que, o peralta, o estudante e o galã são os personagens que
exercem sobre o velho a pressão da intriga destinada a burlar e ridicularizar seus
costumes.
Também vale destacarmos o perfil do peralta apresentado como um tipo
casquilho58 caracteriza-se como homem jovem, com intensa vida social,
comparecendo nas assembléias para conversar, dançar, ou flertar com as mulheres.
Podemos encontrá-lo, também, na figura de um xisxisbéo59, um acompanhante de
mulheres casadas, autorizado pelo marido.
O peralta é um personagem carregado de conotação negativa, e que, por
vezes não se define em função do aspecto feminino. Nestes casos observamos que
ele se define em função da libertinagem, do vício, e do desregramento.
Seguramente, a identidade sociodramática do peralta o torna o maior antagonista do
„velho‟.
Os médicos são personagens que interagem livremente no ambiente privado
já que sua função era tratar dos doentes. O entremez O enganador enganado, ou o
57 Ibidem, p. 123.
58Casquilho - homem que se trata no vestir, com adornos excessivos.
59LOPES, Maria Antonia. MULHERES, ESPAÇO E SOCIABILIDADE A transformação dos papéis
femininos em Portugal à luz de fontes literárias (segunda metade do século XVIII) Livros Horizonte Ltda. 1989, p. 131.
22
testamento supposto60 traz um velho médico que trata de um velho fidalgo rico
disposto a casar com sua criada.
Porém, o médico não pode ser considerado exclusivamente um personagem
tradicional, já que para o entremez sua deformidade moral está relacionada à
conotação erótica que conserva seu ofício ao tratar das enfermidades femininas.
Neste sentido ele também pode ser considerado um personagem de transição entre
o tradicional e o moderno61.
Ao contrário da peça citada anteriormente, o entremez intitulado A Casa de
Pasto62 dirige uma dura critica a fidalguia da época retratada por um morgado
caloteiro escarnecido como um homem pobre, decadente, vivendo de sua enganosa
aparência.
Além destes, encontramos em segundo plano, mas também envolvidos direta
ou indiretamente no meio familiar, uma diversidade de personagens
complementares que servem de apoio aos diálogos, e, por vezes, veremos aspectos
coincidentes, ou divergentes no relacionamento deles com os demais. Eles também
desempenham tarefas cênicas, como introduzir objetos, ou outros personagens,
contribuindo para a sensação de movimento da peça. Sua presença funciona como
uma tela de fundo onde sobressai a figura principal63.
O entremez apresenta esses personagens suplementares pela função social,
mas não traça um perfil definido quanto a sua caracterização64. Daí resulta uma
situação circunstancial carecendo de importância por si mesmo definindo-se em
função do oficio que desempenham. São eles: noticioso, cadete, alcaide, fidalgo,
alfaiate, barbeiro, cabeleireiro, sapateiro, letrado, poeta, taverneiro, aldeão, filósofos,
galego, marujo, tabelião, morgado, meirinho e oficiais, mestre de dança, mestre
frances, mestre de capela (professor de música), músicos, cômico, gracioso,
maquinista, compositores, escravos, e criados.
60Entremez O enganador enganado, ou o testamento supposto. Lisboa. Officina de Fernando Joze
dos Santos, 1784. 61
MARTÍNEZ LÓPEZ, Maria José. Op. Cit., p. 116. 62
Pequena pessa A Casa de Pasto. Lisboa, Officina de João Antonio Reis, 1794. 63
Ibidem, p. 135. 64
Idem.
23
Apesar de classificados como personagens de apoio, precisamos fazer
algumas considerações a respeito dos criados. Os criados constituem um grupo
coeso, e são personagens sempre presentes quando o assunto é casamento, ou
família. Sua situação é de companhia incondicional ao lado de seus senhores no
espaço público, ou no privado. Assim, não podemos considerá-los completamente
subordinados, pois muitas vezes parecem manter uma relação de amizade com
seus senhores.
A utilidade cênica deste grupo contribui para viabilizar a exposição das
situações funcionando como apoio dialogal para os demais personagens65.
Especialmente, em relação ao casamento, são eles que fazem a ponte entre os
pretendentes facilitando sua entrada no espaço privado. Levam e trazem bilhetinhos,
armam intrigas e burlas contra pais e tutores intransigentes e tiranos. Todavia, a
arriscada colaboração dedicada aos patrões não é gratuita, pois eles aproveitam a
situação para concretizar o próprio casamento.
Se entre os personagens masculinos a identificação sociodramática é feita de
forma clara e objetiva, entre as personagens femininas não ocorre o mesmo. Em
geral, as mulheres são identificadas pelo nome seguido de seu grau de parentesco –
sua filha, sua mulher - em relação ao protagonista. Dito de outra forma, as mulheres
não têm identificação social definida, a não ser pelo seu papel dentro da família, e
com relação às criadas acontece o mesmo.
Assim como qualquer personagem masculino, o personagem feminino não
escapa a estereótipos, distinguindo-se segundo duas características apontadas por
Martinéz López: o impulso erótico, traço proveniente do entremez renascentista; e o
interesse pelos valores materiais, proveniente do entremez barroco, conforme
estudo desenvolvido por Huerta Calvo66. O palco de sua atuação não poderia ser
outro senão o ambiente doméstico.
65 Idem.
66CALVO, Huerta. Apud: MARTÍNEZ LÓPEZ, Maria José. El Entremés: Radiografia de um gênero.
Toulouse. Universitaires Du Mirail, 1997, p. 124.
24
Freqüentemente, o aspecto erótico acompanha o tipo tradicional feminino
representado pela mulher mal casada. Jovem e formosa, seu traço marcante é a
leviandade de sua conduta. Antes de qualquer prerrogativa, seu papel atende a um
sistema de oposição quando contrasta com o „velho‟ e enojado marido67. A idade
cronológica associada à decrepitude do esposo só fazem aumentar a luxuria da
mulher. Sua voluptuosidade constitui um componente indispensável nas intrigas
geradas por um matrimonio desigual (causa dos desvios das jovens esposas), como
exemplo veja-se o novo entremez intitulado O divertimento das noites de inverno68.
Coincidindo com a mal casada na busca da felicidade está a figura moderna
da jovem filha, lutando contra o pai, ou tutor, para defender a escolha do futuro
marido. Movida por impulsos sentimentais e sensuais, o traço característico desta
personagem é o gosto pela sociabilidade, ou viver em sociedade, e pela moda69, um
dos elementos mais reiterados pelas personagens femininas.
A jovem coquete é a expressão da frivolidade feminina70 de seu tempo. Sua
índole cômica está ligada às trapaças e burlas que se desenvolvem com a ajuda das
criadas para driblar as determinações casamenteiras dos pais, como exemplo a
pequena peça Esparrella da moda71. Também age pelos impulsos eróticos a velha
viúva.
Mas, nem todas as jovens filhas estão em conflito com os pais. Existem
aquelas que apesar de agirem por impulsos eróticos, podem escolher o futuro
marido, ou ainda, aquelas que não querem casar, como no exemplo do novo
entremez intitulado Da Doutora Brites Marta72.
Muito embora elementos discordantes dominem o cenário entremezil,
existem, em determinadas peças, situações onde jovens obedientes cumprem a
67Ibidem, p. 125.
68 Entremez O divertimento das noites de inverno. Lisboa, Officina de Joze de Aquino Bulhoens,
1789. 69
Ibidem, p. 132. 70
Ibidem, p. 133. 71
Pequena peça Esparrella da Moda composta por José Daniel Rodrigues da Costa. Lisboa, Officina de Domingos Gonsalves, 1784. 72
Entremez Da Doutora Brites Marta de Pedro Antonio Pereira. Lisboa, Officina de Domingos Gonçalves,1783.
25
vontade dos pais aceitando sem resistência o casamento contratado. Nestas peças
as mulheres se definem em função dos valores materiais contribuindo para a
permanência da tradição. O novo entremez intitulado O cazamento gostozo73 conta
a história de uma „dama‟ acatando a vontade de seu pai e casando-se com seu
primo, um médico.
As criadas, assim como vimos com os criados, compactuam as artimanhas
matrimoniais. Arquitetam estratégias que nem sempre dão certo. Sua presença no
seio da família é significativa e subordinada. Porém, são personagens ambíguos. Se
por um lado elas coincidem com a coquete nos impulsos sensuais, por outro, elas
mantêm o interesse em valores materiais. Certamente, aliar o útil ao agradável era o
projeto de vida destas mulheres, que costumavam concretizar o próprio casamento
juntamente com suas patroas, casando-se com o criado do noivo.
Ao oposto da variedade de personagens masculinos suplementares, as
personagens femininas suplementares constam em apenas uma peça. Trata-se de
uma mulher exercendo atividade econômica, uma vendedora de mercado, como
apresentado no entremez Os fulares da Paschoa74. Além dela podemos considerar
ma personagem exótica: uma cigana. Encontramos, ainda, a menção a um
cachorrinho de estimação chamado diamante; mas, curiosamente, o entremez não
traz nenhuma menção à presença de crianças. Isto ocorre, sem dúvida, pela
interdição de colocar crianças em cena.
Certamente, a análise dos elementos estruturantes do entremez pode ser
ampliada em um segundo momento, pois faz parte da organização e estruturação do
texto teatral articular elementos que prendam a atenção do público pela similaridade
com a vivência social75, não se restringindo a acontecimentos isolados, podendo
revelar indícios das práticas costumeiras do antigo regime.
É preciso lembrar também que o entremez, enquanto produção teatral ou
literária esteve submetido à apreciação da censura, assim como toda obra teatral ou
73Entremez O Cazamento gostozo. Officina de Fellipe José de França e Liz, 1790.
74Entremez Os fulares da Pascoa comprados por toda a plebe que nos dias santos se vão divertir ao
arayal do biato. Composto por A. R. Lisboa, Officina de Francisco Borges de Sousa, 1785. 75
RYNGAERT, Jean-Pierre Introdução à análise do teatro. SP: Martins Fontes, 1996, p. 37.
26
literária da época. O período de regência de D. Maria I exerceu intensa repressão e
perseguição aos liberais, aos pedreiros livres e a todos que se mostrassem
partidários de ideais franceses ou americanos76. De acordo com Carreira, a partir da
nomeação de Pina-Manique como Intendente Geral da Polícia, nem mesmo os
membros da Real Academia de Ciências de Lisboa escaparam77.
A despeito da atuação vigilante da censura sobre toda produção literária e
intelectual, os autores anônimos do entremez encontraram no casamento um ardil
competente para atacar as deficiências e os vícios da sociedade. Precisamente a
sociedade do Antigo Regime, constituinte da progressiva euforia da convivência em
ambientes públicos ou privados, onde as visitas, assembléias, funções, heranças, e
dotes corporificavam uma rede de relações sociais destinada a compor uma aliança
de opostos78.
76 MARQUES, A. H. de O. Breve história de Portugal. Lisboa: Editorial Presença, 1998, p. 365.
77 CARREIRA, Laureano. Op. Cit., 1988, p. 24.
78 LANA, Marcos. Nota sobre Marcel Mauss e o Ensaio sobre a dádiva. Revista de Sociologia e
Política, n° 14: p. 173-194, jun. 2000.
27
2 – O casamento tradicional e as antigas práticas
De acordo com a análise da estrutura do entremez exposta nas páginas
anteriores, pudemos verificar como o entremez articulava os elementos dramáticos.
A partir daí passaremos a analisar o casamento segundo a especificidade que lhe é
dada por essa forma popular de teatro, bem como as práticas costumeiras
apontadas e respectivas interações com seu contexto social.
A apresentação do casamento entremezil se desdobra em várias
circunstâncias dispostas de forma ambígua: enquanto o tradicional casamento
arranjado, uma prática antiga e comum à sociedade de corte; e, enquanto
casamento pela livre escolha dos noivos, que exploraremos posteriormente. As duas
vertentes matrimoniais mostram evidências de práticas sociais constituintes de “um
constante dar-e-receber” 79. Esteio de um sistema de trocas que cingia a sociedade
do antigo regime, a dádiva consistia em um fenômeno abrangente de toda estrutura
social da época, condicionando a comunidade nos planos econômico, jurídico e
religioso.
Conforme Marcos Lana, a etnografia da troca sugere certa alienabilidade, que
particularmente no século XVIII, com o enriquecimento da burguesia, adquiriu certa
potencialidade. Assim, as trocas não eram apenas materiais podendo se estender à
troca de valores morais e sentimentais. Como um ato espontâneo, mas ao mesmo
tempo obrigatório, a dádiva alimentava os vínculos relacionais e as alianças
matrimoniais80.
Primeiramente convém esclarecermos que o casamento abordado pelo
entremez é o casamento tradicional, católico, regulamentado pelo Concílio de
Trento, em 1563, onde ficou decidido que o casamento era um sacramento,
79 LANA, Marcos. Nota sobre Marcel Mauss e o ensaio sobre a dádiva. Revista de Sociologia e
Política, n° 14, 2000: p. 173-194. 80
Ibidem.
28
monogâmico e indissolúvel, acerca do qual a Igreja tinha autoridade exclusiva, e o
estado de virgindade era superior ao estado de casado81.
É preciso observar também o detalhe da idade do casamento entremezil.
Segundo o direito canônico, o casamento poderia realizar-se “como um livre contrato
entre um menino de 14 anos e uma menina de 12” 82, mas os pais protestavam
contra esta norma, pois no entendimento deles os filhos eram ainda muito jovens
para assumir o compromisso matrimonial. Somente no século XVIII, a maioria dos
Estados católicos, a exemplo dos Estados protestantes, resolveria a questão
exigindo a autorização paterna para o casamento de menores. Todavia, o
casamento entre menores não é mencionado pelo entremez, que apresenta o
casamento como um jogo de forças tenso e conflituoso entre pais e filhos, por vezes,
enfatizando valores materiais, por vezes, demonstrando um objetivo moral. Para
este gênero do teatro de cordel casar constituía uma aliança de interesses por parte
de homens e mulheres supostamente predispostos a formar uma família que não se
restringia aos limites do lar.
Nas sociedades do Antigo Regime o casamento tradicional era a base de uma
família patriarcal, dotado de objetivo e importância estratégica: a acumulação de
riqueza, e as alianças políticas83. Mas, cabe perguntarmos, de acordo com esta
dupla apreciação, como seria a estrutura das relações matrimoniais e familiares na
sociedade portuguesa no final do século XVIII?
Claude Lévi Strauss, em seu clássico estudo As estruturas elementares do
parentesco, observou que as sociedades complexas, como a sociedade européia
em geral, eram organizadas pela linha de descendência, e a regra principal, ou
ainda, a prática matrimonial vigente era a exogamia84, ou o casamento fora do grupo
de parentesco familiar. De fato, entre as peças de entremez constantes deste
trabalho observamos que este é o modelo predominante no teatro de costumes. No
81 LEBRUN, François. O sacerdote, o príncipe e a família. In: BURGUIÈRE, André ET all. História da
Família. v. 3 Lisboa: Terramar , 1998, p. 85. 82
CASEY, James. História da família. São Paulo, Editora Ática, 1992, p. 120. 83
Ibidem, p. 23. 84
Ibidem, p. 226.
29
entanto, a endogamia85, ou o casamento dentro do mesmo grupo de parentesco, da
vizinhança, vila ou classe, foi encontrada no entremez intitulado O cazamento
gostozo 86, datado de 1790. A peça apresenta a história de um casamento
contratado por um velho pai, viúvo, para Lucinda, sua filha, com seu sobrinho, um
velho médico. Segundo o pesquisador da história da família, James Casey, foi Lévi-
Strauss quem construiu a noção teórica da “esposa como a base da estrutura social”
87 nas sociedades complexas. A mulher estava na base das relações de troca
estabelecidas pelo casamento88 devendo casar-se fora do grupo familiar próximo.
Esta premissa está claramente evidenciada nas fontes.
2.1- O dote
A concretização de um casamento exigia a posse de um dote89, assim como o
apoio de parentes e amigos que tinham certo interesse nesta prática90. A mulher, ao
sair da tutela dos pais, passava para a tutela do marido levando com ela o dote,
bens móveis ou imóveis, consolidando uma estratégia política e econômica vigente
na nobreza91. Renata Ago esclarece que nem todas as filhas recebiam dotes, e
apenas uma ou duas delas recebiam dotes92 proporcionais ao seu status93.
85 Idem.
86 Novo entremez Cazamento gostozo. Lisboa, Officina de Fellipe José de França e Liz, 1790.
87 LÉVIS-STRAUSS, CLAUDE Apud: CASEY, James, Op. Cit., p. 85.
88 COELHO, Maria Helena da Cruz e VENTURA, Leontina. A mulher como um bem e os bens da
mulher. In: A MULHER NA SOCIEDADE PORTUGUESA; visão histórica e perspectivas actuais. Coimbra: Instituto de História Economica e Social, 1986. V. 1. P. 51-89. 89
O dote, ou, “donatio propter nuptias, em latim “presente de casamento” dado pelo noivo à noiva, era típico das sociedades mediterrâneas, onde serve como contrapartida do dote trazido pela nubente à nova família que se constitui. Não deve ser confundido com o arras.” CASEY, James. Op, Cit., p. 226. 90
Ibidem, p. 98. 91
COELHO, Maria Helena da Cruz e VENTURA, Leontina. Op. Cit., p. 51-89. 92
AGO, Renata. Jovens nobres na era do absolutismo: autoritarismo paterno e liberdade. In: LEVI, G. e SCHMITT, J. História dos jovens da antiguidade à era moderna. v. 1 São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 326. 93
O termo status se refere à posição social do individuo, que nas culturas tradicionais poderia ser „alcançado‟, enquanto que nas sociedades modernas o „status‟ é atribuído pelo grupo. Sobre a expressão ver CASEY, James. Op. Cit., p. 33.
30
Segundo Alan Macfarlane o casamento, na Inglaterra, era resultado de uma
escolha individual, constituindo uma família conjugal autônoma. Em Portugal não era
essa a prática corrente. Porém, alguns aspectos são comuns aos dois países. Para
o mundo anglo-saxão, o dote também era uma contribuição econômica da mulher
por ocasião do matrimonio. A contribuição da filha inglesa poderia ser feita em bens
móveis, principalmente a mobília da casa, ou um montante em dinheiro, ou ainda, a
antecipação de sua parte na herança94. Com o propósito de um negócio, ambos
procuravam “obter as maiores vantagens possíveis para cada uma das partes; não
por ambição, e sim para não ser logrado” 95. O autor explica que, acima da pequena
nobreza, o acerto de detalhes financeiros envolvia um intenso jogo de interesses
defendido por outros filhos e parentes96.
O teatro popular procura expor a prática do dote de forma a discutir o
costume, como acontece no entremez composto por A. R., As filhozes do Entrudo
feitas em caza de Pantufo Rombo sapateiro, e sua mulher Mona Xorina, com
asistencia de seus compadres Sergio Caroso, barbeiro, e sua mulher Tramoia
Morena97. Na fala de Tramóia Morena está o pesar de ter um marido que gastou os
dois dotes que ela levara ao matrimonio. No entanto, o diálogo revela que ele os
gastou divertindo-se com ela em passeios e funções. Pantufo, marido de Mona
Xorina, confessa ter gasto o dote da esposa, em romarias, o que o levou à
necessidade de trabalhar “para passar a vida sem calotes” 98.
Em tom de denúncia acerca do aspecto permutável do dote, o “novo e
divertido entremez” intitulado Os disgostos que teve huma secia de Lisboa, por amor
do seu amante 99, ilustra a preocupação de um pai, Pancracio, dono da casa, com o
casamento de sua filha, Silvia. O pai se lamenta do trabalho que tem para evitar que
94 MACFARLANE, Alan. História do casamento e do amor. São Paulo: Companhia das Letras, 1990,
p. 271. 95
Ibidem, p. 298. 96
Ibidem, idem. 97
Entremez As filhozes do entrudo feitas em caza de Pantufo Rombo sapateiro, e sua mulher Mona Xorina, com asistencia de seus compadres Sergio Caroso, barbeiro, e sua mulher tramóia morena. Lisboa, Officina de João Antonio da Silva, 1785. 98
Ibidem, p. 4. 99
Entremez Os Disgostos que teve huma sésia de Lisboa, por amor do seu amante. Lisboa, Officina de Francisco Borges de Sousa, 1789.
31
sua filha se case com um homem que não conhece “qual seja o seu fundo, e o seu
princípio” 100. O pai se diz honrado e não pretende ver a filha, “nas mãos de um
vadio, que se ella leva dote, tem certo o estrago delle, e quando o não leve, He de
continuo mortificada, passando a vida em horrida afflicção, e continos desgostos” 101.
A intensa preocupação de Pancrácio está voltada para a possibilidade de ter
como genro um peralta, o maior antagonista do bom casamento nos entremezes. A
figura do peralta corresponde ao filho da nobreza que não era primogênito, desta
forma não tinha direito a herança102. E, ao contrário do primogênito, a menos que ele
conseguisse dar o golpe do casamento em alguma herdeira rica, estaria condenado
ao celibato103.
Em Portugal, assim como na Inglaterra, somente o filho mais velho poderia
herdar imóveis. Mas, na Inglaterra, o primogênito, por vezes, poderia contribuir para
o dote de irmãos e irmãs mais jovens104. Assim, o casamento entre diferentes
classes sociais tornava-se comum, facilitando a mobilidade social. Registros de
casamentos mostram filhos artesãos ou de trabalhadores pobres frequentemente
desposando filhas de homens ricos105, o que em Portugal era menos frequente. No
espaço ibérico prevalecia a pressão exercida sobre as filhas, que se justificava em
função da evasão de bens que significava um casamento inconveniente, contrário a
consolidação de laços econômicos e políticos106.
O perfil satírico do teatro de costumes aborda de forma pungente o interesse
econômico envolvendo o casamento. No entremez A Grande Desordem de Huma
Velha Com Hum Peralta Por não querer casar com Ella107, um peralta promete
casamento a uma velha viúva. D. Corcomida, a viúva, acredita na promessa e
presenteia o peralta com dádivas, como prendas, e jóias. Contudo, no decorrer do
100 Ibidem, p. 6.
101 Idem.
102 AGO, Renata. Jovens nobres na era do absolutismo: autoritarismo paterno e liberdade. In: LEVI,
G. e SCHMITT, J. Op. Cit., p. 327. 103
Ibidem, p. 326. 104
MACFARLANE, Alan. Op. Cit., p. 287. 105
Ibidem, p. 265. 106
Ibidem, p. 255. 107
Novo, e divertido entremez A grande desordem de uma velha com hum peralta por não querer casar com ella. Lisboa, Officina de Antonio Gomes, 1790.
32
diálogo, verificamos que Aurélio traia a viúva com sua neta. Ao descobrir a traição,
D. Corcomida, enfurecida, ameaça deserdar a neta e retirar seu dote. Merlin e
Lesbia, os criados, interferem na confusão e fazem ver a senhora o desatino de seus
atos. D. Corcomida acaba reconhecendo seu erro, se arrepende, e, todos vão
“contentes festejar tão alegre dia.” 108.
Este entremez aponta diversos aspectos do casamento. Primeiramente,
chama a atenção para a promessa de casamento, ou os esponsais, que o peralta
não cumpriu. Segundo Casey, os esponsais, “constituíam uma obrigação solene” 109,
que caso não fosse cumprido, além de comprometer a reputação da noiva, também
era punido com a prisão do farsante. A promessa de D. Corcomida em deserdar a
neta e retirar seu dote é válida. Uma viúva herdava os bens do falecido marido, e,
podia transmiti-los, ou não, aos legítimos herdeiros110. Vale comentar que a viuvez,
em Portugal, na segunda metade do século XVIII, era considerada uma espécie de
alforria, já que o costume de enclausurar as viúvas havia desaparecido111. Em
oposição à materialidade enfatizada durante o desenrolar da história, no final, toda a
discórdia é colocada em segundo plano quando a viúva corrigindo o próprio erro
também perdoa os erros dos jovens.
Em outras fontes verificamos que não era só o peralta que procurava por um
bom dote. O entremez O estudante bazofio e desgraçado112, publicado em 1787,
apresenta um estudante de Coimbra tentando dar o golpe do casamento em um
letrado. O letrado, que havia “ajuntado bastante cabedal” 113, procurava para sua
filha um esposo morgado. Com o intento de conseguir o consentimento do letrado, o
estudante se faz passar por um filho da aristocracia, um nobre morgado da Província
de Alentejo, dizendo que seu pai era proprietário de fazendas, quando na verdade,
seu pai era estalajadeiro. Tentando convencê-lo de sua descendência o estudante
afirma:
108 Ibidem, p. 15.
109 Casey, James. Op. Cit., p. 119.
110 COELHO, Maria Helena da Cruz e VENTURA, Leontina. Op. Cit., p. 51-89.
111 SILVA, José Gentil. A situação feminina em Portugal na segunda metade do século XVIII. Revista
de História das Idéias. v. 2, tomo 1, 1982-1983, p. 151. 112
Novo entremez O estudante bazofio e desgraçado. Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1787. 113
Ibidem, p. 3.
33
Todo empenho de meu pai he casar-me. Os melhores
casamentos da Provincia se me tem offerecido, e ha pouco que
se me offereceo hum de huma Senhora herdeira de huma casa
avultadissima: porém eu não faço gosto de casar na Provincia
de Alemtejo; e a minha inclinação toda he casar nesta terra,
porque tenho gostado muito della, e as minhas rendas são tão
bem estabelecidas, que em qualquer parte as posso comer. 114
O caso acima não seria condenável na Inglaterra. Segundo Macfarlane, lá os
filhos eram aconselhados a usar sua boa educação e títulos para desposar filhas de
comerciantes ricos. Mesmo nas camadas mais inferiores da sociedade, “um filho de
trabalhador pobre poderia desposar a filha de um agricultor ou açougueiro rico” 115.
Para as sociedades do Antigo Regime esta atitude representava a decadência da
nobreza em favor das casas dos novos-ricos, e poderia colocar a riqueza acima da
honra116, um dos valores culturais mais caros as sociedades mediterrâneas.
2.2 - A honra
As sociedades do Antigo Regime eram formadas por reunião de indivíduos
localizados em grupos corporativos como as linhagens, corporações profissionais,
ou fraternidades, que controlavam a vida social e política117. Alicerçados pelas
alianças matrimoniais fundadas na honra, tais grupos permaneciam regulando a
ordem econômica e a ordem política da comunidade. A honra consistia em um
símbolo moral comunitário, mas também individualista118. No sentido comunitário
representava o reconhecimento público de uma família, ou de uma casa. No sentido
114 Ibidem, p. 12.
115 MACFARLANE, Alan. Op. Cit., p. 264.
116 Ibidem, p. 265.
117 Ibidem, p. 33.
118 PITT-RIVERS, J. Honra e posição Social. In: PERISTIANY, J. G. Honra e Vergonha: valores das
sociedades mediterrânicas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1988, p. 23.
34
individualista “tratava-se de uma disposição externa, de se comportar de forma
conveniente às regras sociais do seu estado”. 119
O aspecto comunitário da honra é observado na pequena peça Esparrella da
Moda, de 1784, de autoria de José Daniel Rodrigues120. Na fala de Fagodez, um
velho pai, mercador de azeite de peixe, que ao voltar do trabalho entrando em casa
encontra em sua sala, as filhas, de conversa com dois estranhos. A mãe vai ao
encontro do velho pai e explica que um dos estranhos é pretendente de uma das
filhas. Fagodez, porém, se mostra preocupado com o rumo da conversa e percebe
que a situação poderia colocar em jogo a honra de sua casa. Agindo rapidamente,
Fagodez consente no casamento da filha. No diálogo ele afirma: “Não importa, a
todo custo, sou de humilde nascimento, mas nada troco pela reputação da minha
caza.” 121 A perspectiva de Fagodez está relacionada ao “capital simbólico” de uma
“casa” 122, enquanto expressão de procedência e credibilidade, atributos usados
para o prestígio familiar em defesa de interesses econômicos, e políticos.
Em termos de comportamento individual masculino, e ancorado no papel
público do homem, a honra é um elemento fortemente ressaltado nos diálogos do
entremez. Vários entremezes clamam por ela, como por exemplo, A desordem dos
noivos de oito dias 123 que conta a breve história de um marido, recém casado,
tentando desfazer o casório, por causa do mau comportamento de sua esposa. A
recém casada esposa não se mostrava disposta ao bom „governo da casa‟, nem
disposta a cuidar dos cabedais do marido. Percebendo a ameaça que a rebeldia da
esposa representava à sua honra, e na tentativa de conservá-la o marido sente sua
autoridade desafiada e resolve devolver a mulher para casa do sogro.
Diz Rodrigo de Renginer, o marido:
119 XAVIER, A. B. e HESPANHA, A. M. “A representação da sociedade e do poder”. In:_____. História
de Portugal. v. 4. Editorial Estampa, p. 120. 120
Pequena peça Esparrella da Moda composta por José Daniel Rodrigues da Costa. Lisboa, Officina de Domingos Gonsalves, 1784. 121
Ibidem, p. 15. 122
A expressão “casa” está relacionada à importância da economia doméstica como um modelo organizacional e referencial para a gestão do poder político. Sobre a expressão, ver RODRIGUES, J. D. A casa como modelo organizacional das nobrezas de São Miguel (Açores) no século XVIII. História: Questões e Debates, Curitiba, n. 36, p. 11-28, 2002. Editora UFPR. 123
Novo entremez A desordem dos noivos de oito dias. Lisboa, Officina de Francisco Borges de
Souza, 1791.
35
Oh caspite, ainda mal, que por nossa disgraça se encontrão no
mundo tantos, e tantos desses maridos, que não tem outro
modo de viver, nem em sua casa, outra cousa se pratica, eu
sertamente nunca os emittarei, os estimollos da honra
conservo, e só os perderei quando perder a vida, em huma
palavra, logo logo se ponha V. m. prompta para irmos a casa
de seu pai, quero-lhe agradecer a sublime esposa de governo,
que me deo... 124
O entremez acima assinala a divisão das atribuições sociais relativos ao
homem e a mulher. À esposa cabia o „governo da casa‟125, ou seja, a administração
da casa, o oikos, pois a economia familiar dependia da cooperação mútua entre
marido e mulher, o homem na esfera pública e a mulher na esfera privada.
Segundo Maria Antonia Lopes, historiadora que também analisou fontes do
teatro de cordel, o valor moral da honra em relação ao homem “residia nos actos
públicos, e nas relações dos homens uns com outros” 126. A honra da mulher estava
ligada estritamente ao seu comportamento sexual, como vimos no entremez citado
anteriormente. Casey avalia que, nas sociedades tradicionais, a vida pública e a
familiar não estavam isoladas uma da outra, assim a honra sexual era “homenagem
que a primeira paga à segunda” 127.
O Gatuno de Malas Artes128, também discute a questão da honra dos maridos
apresentando ao público a história de Damiana e Roque. O pai de Damiana tinha a
intenção de casar sua filha com alguém tão rico quanto ele, “abundante de bens” 129.
Todavia, o entremez adverte que o hábito da „escolha de estado‟ para as filhas pode
colocar em risco as honras dos maridos e dos parentes, já que as filhas não podiam
124 Ibidem, p. 9.
125 CASEY, James. Op. Cit., p. 125.
126 LOPES, Maria Antonia. MULHERES, ESPAÇO E SOCIABILIDADE A transformação dos papéis
femininos em Portugal à luz de fontes literárias (segunda metade do século XVIII) Lisboa, Livros Horizonte, 1989, p. 22. 127
CASEY, James. Op. cit., p, 59. 128
Entremez Gatuno de malas artes. Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1791. 129
Ibidem, p. 5.
36
escolher seus cônjuges. A expressão „escolha de estado‟, ou ainda, „tomar estado‟
era usada para designar os dois estados que as mulheres tinham como opção de
vida: ou casadas, ou religiosas130.
Para romper a prática tirana, muitas filhas, com a ajuda das criadas, armavam
estratégias para fugir, ou mesmo simular um „rapto‟, com o marido escolhido. Na
peça, para concretizar seu casamento com Damiana, Roque conta com a ajuda de
Gatuno, que sugere a Roque uma fuga. Diz Gatuno: “Deixa o negócio por minha
conta, foge com ella, préga-te em casa, já que vives parede meias, e deixa zoar a
cavalheira.” 131
O Concílio de Trento havia definido que o casamento deveria se realizar em
uma cerimônia pública, na presença de um padre e duas testemunhas132; no
entanto, em relação ao consentimento paterno nada ficou definido. Dessa forma,
embora o casamento clandestino (casamento por fugas ou por rapto) 133 fosse ilegal,
era reconhecido como válido pela Igreja. Diante disso, a primeira medida tomada
pelos pais, habitualmente, era deserdar a filha, e perseguir publicamente o pretenso
marido134. Todavia, esta atitude não surtia nenhum efeito, pois os nubentes
poderiam se mostrar arrependidos e pedir perdão ao pai, e com o perdão do pai o
casório estava concretizado135. Inúmeros entremezes encerram a peça desta
maneira.
Gatuno expõe a situação da seguinte forma:
saiba Senhor Bastião, que a escolha de estado para as filhas,
deve ser a contento das mesmas, porque do contrario nascem
infinitas desordens, perigão as honras dos maridos, dos
parentes, &c: a sua tinha escolhido o Senhor Roque, cumprio o
130 ALMEIDA, Suely Creusa de. O sexo devoto: normatização e resistência feminina no Império
Português, XVI – XVIII. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2005, p. 26. 131
Entremez Gatuno de Malas Artes. Op. cit., p. 11. 132
CASEY, James. Op. Cit., p. 116. 133
Ibidem, p. 123. 134
COELHO, Maria Helena da Cruz e VENTURA, Leontina. Op. Cit., p. 51-89. 135
CASEY, James. Op. Cit., p. 123.
37
seu gosto, está satisfeita, alegre, e consolada. V. m. também
faça o mesmo, satisfaça-se com as alterações do Ceo, ...136
Simultaneamente os criados dos nubentes também pediam autorização para
o próprio casamento, e conseguiam. A prática referente ao casamento dos criados,
constante em grande número de peças, pode ser entendida de acordo com o que
Macfarlane nos explica: os criados domésticos arriscavam perder seus empregos
caso se casassem sem a autorização dos patrões. O casamento dos criados era
desencorajado pelos senhores, e em relação às criadas, simplesmente não era
admitido137.
Encontramos no entremez O contentamento dos pretos por terem a sua
alforria138, o modelo exemplar de obediência e recato louvável para uma filha. O pai,
um mercador, comunica a sua filha a vinda de seu noivo, escolhido pelo pai, e lhe dá
conselhos sobre o bom procedimento de uma esposa. Explica que, como uma
mulher casada ela deverá se sujeitar ao esposo, sendo carinhosa e paciente quando
ele se mostrar alterado. Deverá respeitá-lo, amá-lo, e jamais lhe dar motivo de
descontentamento139, com o que a filha concorda plenamente.
O discurso paterno expresso na peça referida é amplamente discutido e
divulgado pela literatura daquele tempo. Vale citar a Carta de Guia de casados, de
D. Francisco Manuel de Melo, uma das mais conhecidas obras literárias de época.
Editada pela primeira vez em 1651, ainda gozava de ampla difusão no século XVIII.
A obra coincide sua abordagem com o teatro popular, no sentido de prognosticar um
modelo ideal de casamento conjugado a um modelo ideal de esposa. Tal como uma
cartilha, a obra „aconselha‟ aos homens as atitudes adequadas ao trato do
comportamento feminino discorrendo
136 Entremez Gatuno de Malas Artes. Op. cit., p. 15.
137 MACFARLANE, Alan. Op. Cit., p. 100.
138Entremez O Contentamento dos Pretos, por terem a sua alforria. Lisboa, Officina de Domingos
Gonsalves, 1787. 139
Ibidem, p. 12.
38
pellos vários generos de ruins qualidades, que acõtece haver
nellas, para que a todos se possão aplicar os remédios
convenientes. Mas nem por isso se espere que de todas se
consiga a melhoria140.
Segundo Macfarlane, a literatura matrimonial era abundante também na
Inglaterra. No entanto, a questão do comportamento feminino não sofre a mesma
avaliação negativa como podemos notar nos países de religião católica. Em
qualquer das classes analisadas dentro do sistema malthusiano141 o casamento se
originava de uma escolha pessoal e a união de um casal era cercada de
preocupações com as necessidades práticas e com as inclinações pessoais. O
longo e pouco vigiado namoro estava voltado para o conhecimento mútuo do casal.
Os esponsais eram considerados um pré compromisso onde o intercurso sexual era
entendido como uma condição natural de envolvimento dos noivos, o que por vezes,
resultou em um percentual notável de mulheres grávidas por ocasião do casamento.
Mas isso certamente não causava nenhum tipo de embaraço, pois a circunstância
teria simplesmente aumentado nos séculos XVIII e XIX. Além disso, a idade tardia
para concretizar o casamento era acompanhada da proibição de relações sexuais
fora dele o que só fazia aumentar a pressão entre o casal142. Macfarlane explica
ainda que, a análise de Malthus considerava as vantagens e desvantagens do
casamento partindo de um ponto de vista individual direcionada à base econômica
do sustento de uma família, papel atribuído ao homem143.
De certa forma, percebe-se que o entremez ao abordar as práticas
tradicionalistas do dote e da honra tem por intuito questionar sua validade. Em
relação ao dote, não se mostra preocupado com a condição feminina, e sim com o
destino da riqueza ameaçada pela alteridade. Com relação à honra, deixa bem claro
a necessidade de mantê-la, a qualquer custo, reforçando o cenário do papel
140 MELO, Francisco Manuel de. Carta de Guia de casados. Disponível em
http://www.uc.pt/uid/celga/recursosonline/cecppc/textosempdf/05cartadeguiadecasados - 10.10.2010. 141
O sistema malthusiano de casamento foi um estudo realizado por Malthus analisando o controle preventivo da sociedade inglesa para retardar a realização de um casamento. MACFARLANE, Alan. Op. cit., p. 23. 142
MACFARLANE, Alan. Op. Cit., p. 310. 143
Ibidem, p. 286.
39
feminino e seu comportamento, e reiterando também o papel público do homem. Por
outro lado, para validar seu perfil cômico o teatro de cordel procura levar ao público,
em contraste com a tradição, as novas tendências trazidas pelos ventos franceses
da sociabilidade.
40
3 – A influência das novas sociabilidades
A segunda metade do século XVIII caracterizou-se pela difusão dos ideais
iluministas, pela transformação dos costumes decorrente do cosmopolitismo, e pela
crescente sociabilidade, conseqüência natural de um novo modo de pensar que
moldava uma nova cultura. Da França, as novas tendências se expandiam por toda
a Europa, mais em alguns países e menos em outros. A sociedade de corte em
geral lia os mesmo livros, tinha o mesmo gosto e gestual, orientados pelo modelo
social parisiense144. No ambiente intelectual as novas tendências impulsionaram
uma cultura emergente marcada principalmente pela crescente liberdade do
pensamento145 e da imprensa146.
Apesar de não podermos aplicar o argumento da liberdade de pensamento,
ou de expressão, ao nosso tema e fontes, consideramos, mesmo em parte, a
possibilidade de encontrarmos na versão entremezil do casamento arranjado um
novo modo de pensar, de se comportar, de se relacionar em sociedade observando
possíveis evidências que o ideal iluminista propagou.
De fato, o entremez apresenta uma abertura nas relações sociais decorrente
de influências iluministas tangendo o antigo modelo do casamento contratado. Esta
abertura propõe novas possibilidades de concretização em uma união matrimonial.
As novas possibilidades consideram algumas alternativas de realização de um
casamento, entre elas, a mais alardeada, era a possibilidade da livre escolha dos
noivos, ao contrário do que vínhamos observando até agora.
144 ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. v. II Rio de Janeiro, Zahar, 1993, p. 18.
145 HESPANHA, A. M. Poder e instituições na Europa do Antigo Regime. Lisboa: Fundação Caloute
Gulbekian, 1984, p. 253. 146
IM HOF, Ulrich. A Europa no século das luzes. Lisboa: Presença, 1995, p. 14.
41
3.1 - o casamento pela ‘livre’ escolha
O direito à verdadeira felicidade como o destino do ser humano147, a
expansividade, a alegria de viver, a utilidade e o prazer do convívio, da comunicação
promoveram entre os indivíduos alterações no cotidiano148. O espaço doméstico
abriu-se a sociabilidade urbana149 contrariando o velho modelo tradicional de
sociedade, e contrariando também o habitual modelo da mulher objeto, subalterna,
destinada às coisas domésticas150, à economia, ao bom governo da casa, e cuidado
com os cabedais do marido.
Para romper com o velho modelo, a perspectiva da „livre‟ escolha surge
vinculada à mudança de atitude decorrente do convívio heterossexual. Algumas
filhas descontentes e discordantes do tradicionalismo matrimonial lançavam mão de
estratégias a fim de burlar a vigilância e as duras regras paternas. Engendravam
planos para enganar seus pais e conseguir o casamento de seus sonhos.
Frequentemente contavam com a ajuda de suas criadas, que levavam bilhetinhos
para possíveis pretendentes.
No entremez intitulado Os Velhos Amantes151, publicado em 1784, Xarlon, um
pai estrangeiro, havia tratado o casamento de suas duas filhas com Otávio e
Ambrózio, dois velhos, “ricos mineiros”, com quem o pai fazia muito gosto do
casamento. Mas tal não era o plano das filhas que alegavam, acima de tudo, não
gostar e nem querer ginjas152 para marido. Lucilia, uma das filhas, expressa todo seu
desprezo por Ambrosio Camelo acusando-o de “incivil... confiado, grosseiro; e, por
tudo quanto há no mundo mais torpe e feio” 153. Burlando a vigilância paterna, as
filhas de Xarlon, auxiliadas pelos criados, levam os amantes à presença do pai, e,
147 Ibidem, idem.
148 LOPES, Maria Antonia. MULHERES, ESPAÇO E SOCIABILIDADE A transformação dos papéis
femininos em Portugal à luz de fontes literárias (segunda metade do século XVIII). Livros Horizonte
Ltda, 1989, p. 71. 149
LOPES, Maria Antonia. Op. cit., p. 67. 150
RIBEIRO, Arilda I. M. Vestígios da Educação Feminina no Século XVIII em Portugal. SP: Arte & Ciência, 2002, p. 44. 151
Pequena peça ou novo entremez Os velhos amantes. Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira,
1784. 152
Ginja - chulo, vulgar, homem velho que segue as máximas e usos antigos. 153
Entremez Os velhos amantes, Op. cit., p. 9.
42
mesmo diante da fúria dele, elas conseguem demovê-lo da decisão do casamento
arranjado. O convencimento do pai é obtido quando os pretendentes, depois de
afirmarem ter amor às filhas de Xarlon, mencionam uma renda superior a quinhentas
moedas; mas, não só isso, eles também oferecem a Xarlon uma farta merenda, com
vinho da França, perus, doces de calda, boa fruta, etc...154.
Percebe-se, de certa maneira, que o tom da negociação em torno do
casamento ainda persiste. No entanto, a concretização da escolha não está mais na
mão do pai, e sim na iniciativa das filhas. Primeiramente, a escolha das filhas se deu
pela estima e amor aos dois jovens e belos Valério e Tiburcio, dois galans.
Casey considera que o „amor‟, enquanto um sentimento conjugal, era um
interessante fenômeno moral, mais presente em países de língua inglesa. Explica,
porém, que este elemento não pode ser tomado em si mesmo, como justificativa
para as uniões matrimoniais. No contexto do século XVIII, ele se revela muito mais
um produto da sociabilidade capaz de revelar muito sobre os limites das convenções
sociais155.
Para os moralistas e os filósofos o casamento deveria basear-se no amor.
David Hume explicitava que o amor era resultado de impressões, ou paixões, como:
“a agradável sensação que emana da beleza; o apetite físico pela procriação; e uma
generosa ternura ou querer bem”. 156 Segundo Macfarlane, o amor era um tema
corriqueiro na literatura popular, fosse secular ou religiosa; peças teatrais também
recorriam constantemente ao uso do tema157. O amor romântico, antes e depois do
casamento, aparecia em várias outras fontes, como autobiografias, cartas,
romances, etc.
No teatro breve, a beleza, a aparência e as boas maneiras, frequentemente
estão associadas à idéia de amor, e se revelam parâmetros femininos e masculinos
de seleção de pretendentes, muitas vezes contrariando o interesse econômico que
154 Ibidem, p. 13.
155 CASEY, James. Op. cit., p. 108.
156 HUME, David apud MACFARLANE, Alan. Op. cit., p. 186.
157 Ibidem, p. 194.
43
envolvia o casamento contratado. Percebe-se também que os mesmos aspectos
intensificam a pressão das filhas na tentativa de enfraquecer as duras regras
paternas. Nesse sentido, tais aspectos contribuem para projetar um novo horizonte
de expectativas femininas com vistas a modificar experiências passadas.
Vários entremezes apresentam enfaticamente a beleza e a aparência como
um artifício da sedução com objetivo da conquista de um pretendente. O entremez A
dama prezumida por querer andar sempre à moda158, datado de 1794, apresenta
Claudina, uma filha preocupada com sua aparência, sua beleza, e seus penteados.
Seu pai reprova o gosto de Claudina pelas novidades, não apenas pelo gasto que
representava, mas também por que contrariava o virtuoso procedimento que as
mulheres deveriam ter.
Todavia, Claudina padece de convulsões, e cada vez que quer algo o pai se
vê obrigado a fazer suas vontades devido o padecimento da filha. Claudina usa
desta artimanha para convencer o pai a consentir em sua escolha de casar-se com
Clorindo, seu namorado, que nada sabia de seu estado de saúde. A peça termina
com uma mensagem exemplar na voz de Octavio, o pai. Ele afirma que prefere ficar
só, e fugir das senhoras da moda, que provocam a ruína das casas e da mocidade.
Aconselha os pais que ensinem aos filhos o amor, as virtudes, os sólidos princípios
morais, seguindo as disposições dos céus159.
De acordo com Santos, os viajantes que estiveram em Portugal, na segunda
metade do setecentos, contam que as mulheres casadas, ou solteiras, da nobreza,
ou da aristocracia costumavam vestir-se à francesa, arrumavam penteados altos
formando algo parecido com uma coroa entrelaçados com flores artificiais, e muitas
jóias160.
No entanto, a aparência gerava grandes enganos por parte dos homens ao
escolherem uma esposa. Julgando acompanhar as novidades, os chibantes eram
158 Novo entremez A dama prezumida por querer andar sempre à moda. Lisboa, Officina de Antonio
Gomes, 1794. 159
Ibidem, p. 14. 160
SANTOS, Piedade B. RODRIGUES, Teresa. NOGUEIRA, Margarida S. Lisboa Setecentista Vista por Estrangeiros. Lisboa. Livros Horizonte Ltda, 1996, p. 76.
44
homens que se opunham à antiga grifaria161 como Esganarello, um velho rico, que
aos 52 anos, preocupado em dar continuidade à antiqüíssima raça dos esganarelos,
escolheu se casar com a bela Lucilia, no entremez O Esganarello, ou o casamento
por força162. Ao perguntar a Lucilia acerca de sua satisfação em casar-se com ele,
Esganarello começa a sentir dor e um peso na cabeça quando a futura esposa
afirma esperar que ele, como um marido da moda, e homem civil não fosse
desconfiado dando a ela toda liberdade163. Diz Lucilia:
... faço tenção de viver comvosco na melhor harmonia:
eu prometto não me embaraçar com o vosso procedimento; de
vós espero outra igual correspondência; hei de jogar, visitar, ir
aos círculos, assembléias, aos theatros, aos bailes, só, ou
acompanhada de hum, ou muitos; a pé, ou em carruagem. Em
fim, fazer o mesmo que fazem todas as mais senhoras, sem
que vós desconfieis da minha fidelidade. Ciúmes nada, viver
como gente civil, e sociável; vós vivereis seguro da minha
fidelidade, e eu da vossa. 164
No diálogo, Esganarello se declara preocupado com a tal liberdade francesa,
pois a atitude dos maridos da escola moderna era, na verdade, digna de censura165.
Os chibantes, tal como Esganarello, queriam suas mulheres comportando-se à
francesa, luxuosamente vestidas, divertindo-se. Todavia, a liberdade supostamente
concedida era aparente, pois apenas se portavam de tal forma para acompanhar as
novas tendências166.
161 Grifaria – antigas normas.
162 Entremez O Esganarello ou O Casamento por Força. Lisboa, Officina de Francisco Borges de
Souza, 1792. 163
Ibidem, p. 4. 164
Ibidem, idem. 165
Idem. 166
LOPES, Maria Antonia. Op. cit., p. 121.
45
Se, por um lado, existia a sedução com vistas a arranjar um marido, por outro,
existia a sedução que invadia o domínio do ilícito. É o caso apresentado pelo
entremez publicado em 1789, O divertimento das noites de inverno167. Nesta peça é
contada a história de Faustina, que achava as noites de inverno entediantes e
aborrecidas. Com o desejo de animá-las, ela convence o marido, Pantalão, a deixá-
la realizar uma função em casa. A princípio o marido resiste, mas acaba permitindo:
Está bem: veremos o seu brinquedo em que dá: Já que me
pede isso pelo nosso amor, não posso, ainda que queira,
rezistir a hum forte empenho: Divirta-se, brinque, e faça o que
lhe parecer: o que só lhe peço he, que sejão todos os seus
passatempos moderados, sem cauzarem o mínimo escândalo
a ninguém;..168.
A função seria para poucos convidados, apenas sua vizinha, que na verdade
era sua irmã, o xisxisbéo desta, e respectivos criados. Na função, Ambelino, o belo e
amável xisxisbéo, se dispõe a tocar rabeca. Todos cantam e dançam, divertindo-se.
Pantalão, o velho, acompanha tudo, e também se diverte; até o momento em que
escuta a conversa da esposa confessando amor ao xisxisbéo da irmã. Percebendo
imediatamente que Faustina estava prestes a traí-lo, o que certamente poderia
acontecer dado o interesse dela pelo belo Ambelino, Pantalão interrompe a função e
manda todos embora. Faustina, para consertar a situação, em seguida se põe
prostrada pedindo perdão ao marido, prometendo viver com ele “em união, em paz,
abandonando, e aborrecendo todos os passatempos, adorando só a modéstia...” 169
Santos analisou a sociedade portuguesa, na segunda metade do século XVIII,
através de relatos de viajantes, e afirma que nesta época havia poucas festas
167 Entremez O divertimento das noites de inverno. Lisboa, Officina de Joze de Aquino Bulhoens,
1789. 168
Ibidem, p. 3. 169
Ibidem, p. 14.
46
particulares em Portugal, a não ser em dias de aniversário170. Carrère e Link
afirmaram que: “Em Lisboa as pessoas não tem o costume de se reunir
frequentemente como acontece no resto da Europa. Os portugueses vêem-se pouco
entre si...” 171 A Europa era francesa, Portugal nem tanto. De acordo com outro
viajante, mesmo em torno de década de noventa o hábito não havia mudado.
Contudo, a autora esclarece que nos últimos anos do setecentos, talvez por
influência de alguma colônia estrangeira, os portugueses teriam desenvolvido o
gosto pelo convívio, por serões musicais, bailes, e passeios, o que daria a Portugal
um certo “verniz de cosmopolitismo”172.
Um aspecto relevante neste entremez diz respeito ao papel do xisxisbéu.
Primeiro, é preciso esclarecer que o xisxisbéu não é uma figura apenas da
sociedade portuguesa podendo encontrar-se também em outros países. Em
Portugal, assim como na Espanha, era um acompanhante de mulher solteira ou
casada, designado pelo pai ou pelo marido, para acompanhá-las em sociedade. Sua
posição era de um subalterno e, no caso das mulheres solteiras não tinha como
propósito o casamento173.
Mas as novas sociabilidades eram a causa de grandes desordens e
confusões na vida familiar, podendo abalar a estabilidade do casamento. O
entremez Dos desatinos que a mulher fez a seu marido, por motivo de não a deixar
ir ver as Luminárias174 apresenta Braz Mercato, o velho, e sua mulher, Enália, em
grande conflito. Enália queria ver as luminárias, mas Braz argumenta que estava
muito velho para essas coisas175. A esposa lamenta a atitude do rabugento e grifo176
marido, mas não desiste. Braz, porém, não quer divertimentos ridículos, óperas, ou
romarias, que tudo provoca despesas excessivas. Muito alterado, ele começa a
170 SANTOS, Piedade B. RODRIGUES, Teresa. NOGUEIRA, Margarida S. Op. cit., p. 79.
171 CARRÈRE, J. B. F. e LINK, M. apud SANTOS, Piedade B. RODRIGUES, Teresa. NOGUEIRA,
Margarida S., Ibidem, idem. 172
SANTOS, Piedade B., Ibidem, p. 86. 173
LOPES, Maria Antonia. Op. cit., p. 111. 174
Entremez Dos Desatinos que a Mulher Fez a Seu Marido, por motivo de não a deixar ir ver as
Luminárias. Lisboa, Officina de Antonio Gomes, 1793. 175
Ibidem, p. 10. 176
Ibidem, p. 4.
47
gritar, ameaçando a mulher, tornando-se violento. Por fim, diante da agressividade e
da gritaria do marido, Enália desiste do passeio.
Primeiramente, o „grifo‟ ao qual a peça se refere opõe-se ao chibante e
aponta para o comportamento de maridos ciumentos e retrógrados que costumavam
manter suas esposas fechadas em casa exigindo delas total obediência177. No
entanto, para entendermos a fala de Braz, é preciso levar em conta o argumento das
despesas excessivas. Este aspecto está relacionado à característica da
generosidade que o modelo de homem aristotélico da sociedade do Antigo Regime
deveria exercitar. Nesta sociedade a avareza era considerada o pior dos vícios e o
acúmulo de riqueza como um fim em si mesmo era altamente reprovável178, pois o
dinheiro, entre outras funções, deveria congregar a comunidade em uma economia
da mercê, e praticar a generosidade consistia em uma virtude cristã.
Em termos comportamentais, chama-nos a atenção nesta peça a questão da
agressividade do marido. Muitas outras apontam não só para a agressividade física,
mas também para a exclusão social que sofriam esposas, filhas e filhos
desobedientes. As medidas punitivas podiam variar de “dar-lhe o remédio”, o que
sugere desde o espancamento, até o recolhimento ao convento179. O teatro de
costumes alardeia a violência física como forma punitiva usada buscando extinguir
um erro. A respeito da violência sofrida pela mulher casada manifestou-se o
Cavaleiro Oliveira contra as Ordenações Filipinas que concediam a um marido traído
o direito de matar sua esposa em defesa da honra quer a surpreendesse, ou não,
em flagrante delito180. De outro modo, para os filhos transgressores da boa conduta,
a punição consistia em sua exclusão da sociedade sendo mandados para Goa, ou
qualquer lugar remoto do império colonial, como se apresenta na pequena peça O
libertino castigado, e a prizão no jogo de bilhar181, datada de 1789.
177 LOPES, Maria Antonia. Op. cit., p. 121.
178 OLIVAL, Fernanda. Um rei e um reino que viviam da mercê. In: _________. As ordens militares e
o Estado Moderno; Honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar, 2001, p. 17. 179
LOPES, Maria Antonia. Op. cit., p. 133. 180
Ibidem, p. 35. 181
Pequena peça O Libertino Castigado, e a prizão no jogo de bilhar. Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789.
48
3.2 A educação recomendada
Com a abertura do espaço familiar, portanto doméstico, a mulher foi
requisitada a conviver „em sociedade‟. Se no início do século ela vivia para fiar, parir,
chorar e engordar, saindo de casa apenas para batizar, casar e ser enterrada182, ao
chegar o final do século esse panorama teria mudado, conforme Lopes183. Havia,
portanto, necessidade da preparação e educação da mãe, ou da filha para a
convivência social, buscando o refinamento dos modos, aprenderem bem à língua
portuguesa, o canto, a dança, saber falar, e agradar184. Nessas novas formas de
sociabilidade, a música era o item privilegiado pela educação185, constituindo gosto
geral da sociedade.
O entremez As loucuras da velhice186 apresenta Guimar, uma senhora
empenhada em ter aulas de canto com seu mestre, enquanto o marido se esforçava
em compor versos. Num dado momento, marido e mestre de canto se desentendem
devido à interferência do marido na cantoria da esposa. Ambos iniciam uma
discussão e o mestre, irritado, interrompe a aula dizendo que Guimar só voltaria a
ter aulas de canto com ele se fosse a sós, em um quarto187.
Este entremez satiriza a educação da mulher desmoralizando sua integração
no meio social através da fala do mestre em relação ao lugar de ensino destinado a
mulher: o quarto. Seu posicionamento está de acordo com o velho e rançoso
discurso masculino proveniente de uma literatura voltada a regulamentar a moral da
vida laica, associada aos princípios conciliares de Trento, edificando a imagem da
mulher ideal, boa mãe e esposa, submissa à dominação masculina ordenada por
Deus (portanto inquestionável). Estamos falando dos manuais portugueses de
182 RIBEIRO, Arilda I. M. Vestígios da Educação Feminina no Século XVIII em Portugal. SP: Arte &
Ciência, 2002, p. 67. 183
LOPES, Maria Antonia. Op. cit., p. 67. 184
RIBEIRO, Arilda I. M. Op. cit., p. 44. 185
LOPES, Maria Antonia. Op. cit., p. 106. 186
Entremez As loucuras da velhice. Lisboa, Officina Domingos Gonsalves, 1786. 187
Ibidem, p. 9.
49
casamento188 onde a mulher era naturalmente o objeto. De acordo com Arlinda
Ribeiro, Luís Antonio Verney, em seu Verdadeiro método de estudar, comentou:
Certamente que a educação das mulheres neste Reino é
péssima; os homens quase as consideram como animais de
outra espécie: e não só pouco aptas, mas incapazes de
qualquer gênero de estudo e erudição. Mas, se os pais e as
mães considerassem bem a matéria, veriam que têm
gravíssimo prejuízo à República, tanto nas coisas públicas,
como domésticas. 189
Na verdade, a reiteração da obediência e da modéstia propagada pelo teatro
de cordel baseia-se nos tratados de moral religiosos que previam que o dever dos
filhos era aceitar a vontade dos pais. Desobedecer ao pai poderia consistir em
pecado gravíssimo, a não ser que ele, o pai, ordenasse ações de certa forma
anticristãs, como por exemplo, um pai avarento que entregava uma filha em
casamento contra sua vontade190.
A questão da educação envolvendo diretamente a mulher e o casamento é
encontrada em outro entremez, Da Doutora Brites Marta191, de autoria de Pedro
Antonio Pereira, datado de 1783. Brites Marta era uma filha que não queria casar,
pois preferia seus “alfarrábios velhos” 192 e latinidades. O pai inconformado e
determinado a convencer a filha, a deixa escolher o marido, e traz três pretendentes
para que Brites fizesse sua escolha. Brites recusa os três, e após uma confusão por
causa de um incêndio, ela escolhe casar-se com um marujo. Esta peça foi
censurada em sua primeira versão em 1768, sob o motivo de não ter um objetivo
instrutivo193. Em 1783, foi finalmente liberada.
188 ALMEIDA, Angela Mendes. Casamento, sexualidade e pecado – os manuais portugueses de
casamento dos séculos XVI e XVII. Ler História, n° 12, 1988, p. 3-21. 189
VERNEY, Luís Antonio apud RIBEIRO, Arilda I. M. Op. cit., p. 38. 190
AGO, Renata. Jovens nobres na era do absolutismo: autoritarismo paterno e liberdade. In: LEVI, G. e SCHMITT, J. História dos jovens da antiguidade à era moderna. v. 1 São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 329. 191
Entremez Da doutora Brites Marta de Pedro Antonio Pereira. Lisboa, Officina de Domingos Gonçalves, 1783. 192
Ibidem, p. 1. 193
CARREIRA, Laureano. Op. cit., p. 220.
50
3.3 Outras formas de casamento
Os entremezes apresentavam, quase sempre, um modelo padrão de
casamento, que embora estivesse ameaçado pelas novas tendências ainda
permanecia nos costumes do dia a dia das sociedades do Antigo Regime. Todavia,
pudemos observar algumas vozes dissonantes. Por exemplo, o entremez A
impertinência das mulheres, e a paciência dos maridos194, datado de 1792,
apresenta a rotina de dois casais que têm como antagonistas esposas que dispõe
de liberdade em sua vida social não se sujeitando aos mandos de seus maridos. Os
pacientes maridos deste entremez concordam em fazer todas suas vontades195,
satisfazendo seus gostos, apetites, aturam suas rabugices, e agindo assim pensam
evitar que as mesmas “profanem o crédito de sua caza”196, pois com o passar dos
anos elas deixariam as modas e as peraltices197.
Um modelo dissonante aparece em dois entremezes, e trata de uma
possibilidade insólita: a de velhos ricos casando-se com suas criadas.
O entremez intitulado O enganador enganado, ou o testamento supposto198
datado de 1784, apresenta um casal de criados tentando dar o golpe do testamento
em Beltrão, um velho fidalgo solitário. Aproveitando-se de que o velho passara mal,
o criado chama um tabelião para escrever o seu testamento, antes que ele morra.
Em um papel assinado em branco o criado dita ao tabelião o testamento onde o
fidalgo declarava suas intenções de casar com a criada, e se escapasse da doença
assim o faria, deixando-a por sua herdeira universal, com a condição de que ela se
casasse com ele199. E assim acontece, o velho se recupera, descobre a tentativa de
194 Entremez A Impertinência das Mulheres e a paciência dos maridos. Lisboa, Officina de Francisco
Borges de Sousa, 1792. 195
Ibidem, p. 5. 196
Ibidem, p. 9. 197
Ibidem, p. 5. 198
Entremez O enganador enganado, ou o testamento supposto. Lisboa. Officina de Fernando Joze dos Santos, 1784. 199
Ibidem, p. 9.
51
golpe, e concorda com os termos do testamento. Informa a criada sobre a herança e
pede a ela para que assine o documento - com uma cruz já que a criada não sabia
ler ou escrever - caso ela aceitasse a herança. A condição é aceita prontamente
pela criada, que só após a assinatura fica sabendo que acabara de se casar com o
velho fidalgo.
O segundo exemplo, igualmente inédito, aparece na pequena peça O ópio
das marrafinhas, ao marujo, e ao soldado, ou os amantes logrados200, datado de
1791. Ela apresenta um pirangueiro rico e solitário, que não pretende terminar a vida
sem uma companheira. Mas, ele não sabe que também a criada gostaria de se
casar com ele. Em virtude de uma doença que exigia cuidados, o médico convence
o pirangueiro da necessidade dos cuidados e da companhia que só uma esposa
poderia suprir, realizando o casamento de ambos.
O teatro popular afirma e confirma a idéia de que todas as mulheres daquele
tempo estavam destinadas ao casamento, ora conservando a prática tradicional do
casamento arranjado, ora concretizando a própria escolha. Contudo, verificamos
uma narrativa contraditória para o padrão da época. O entremez intitulado
Dezenganos para os homens nam se fiarem em mulheres201, datado de 1788,
apresenta a história de duas mulheres, Elvira e Beatriz, chamadas pelo anônimo
autor de „damas logrativas‟. A peça discute a situação das mulheres que se casavam
acreditando em amáveis poesias dos peraltas, dos poetas, dos estudantes
esperando amor, e acabavam em um “negro cativeiro” 202. A peça coloca na voz das
damas logrativas, duas mulheres economicamente independentes, a crítica a esta
situação. As damas acreditavam poder zombar do amor, o sentimento essencial ao
casamento. Para Silvio e Claudio, dois peraltas desprezados restam a lamentação e
a desilusão. Os dois reagem tornando público seu desengano para que outros
homens não cometessem o mesmo erro.
200 Pequena peça O ópio das marrafinhas, ao marujo, e ao soldado, ou os amantes logrados. Lisboa,
Officina de Jose da Aquino Bulhoens, 1791. 201
Entremez Dezenganos para os homens nam se fiarem em mulheres. Lisboa, Officina de Francisco Borges de Sousa, 1788. 202
Ibidem, p. 6.
52
Considerações finais
De acordo com a análise de fontes do teatro de costumes podemos perceber
a existência de diversos pontos de atrito na vida familiar colocados em discussão.
Os problemas envolvendo o dote, a honra, as sociabilidades, bem como a educação
feminina são explorados da perspectiva da advertência que as influências externas
poderiam desencadear na sociedade.
Fazendo uso de ferrenha crítica ao casamento os dramaturgos procuram
comprometer e escandalizar as relações conjugais da sociedade de corte. Também
alertam para as possíveis ameaças decorrentes dos novos costumes que colocavam
em risco a harmonia que o ambiente privado familiar poderia sofrer. A preocupação
dos autores de entremezes se mostra voltada a enaltecer a permanência de um
modelo sacramentado e idealizado de casamento. Assim, o tradicionalismo é ao
mesmo tempo renovado, exaltado, e conservado frente aos novos movimentos que
rondavam a comunidade.
Desta forma, o projeto pedagógico cômico se fortalece e se explica na clara
associação que tem com os valores religiosos, já que os conflitos domésticos eram
resultantes da contestação e da rebeldia exercidas por esposas, filhas e filhos
desobedientes à autoridade do pai. Por isso, como pudemos observar em diversas
peças, apenas o pai era digno de louvor. Esta identificação é própria das sociedades
monárquicas que associavam a figura do pai à figura do rei. Dentro deste contexto,
os papéis sociais estão bem demarcados, principalmente em virtude do objetivo
moral reclamado pelos os pais. Para os pais, os filhos representavam um elo seguro
de continuidade do tradicionalismo conservador das velhas gerações projetado no
futuro. No entanto, os filhos estavam se inserindo num mundo de novos anseios,
novas descobertas, e outro apelo à sociedade gerava um movimento antes nunca
visto, quer fosse interiormente, quer fosse externamente.
Para o bem ou para o mal, a forma doutrinária propagada pelo teatro de
costumes, em parte legitima as velhas práticas tradicionalistas em detrimento do
horizonte de expectativas alimentado e iluminado pelas novas tendências.
53
Neste panorama, o casamento arranjado, que ocupava uma posição
estratégica econômica e politicamente, passa a constituir o ponto frágil da estrutura
social, e, já não se configurava mais como uma instituição forte, pois estaria
sofrendo mudanças provocadas por diversos fatores.
Percebe-se por parte dos autores do entremez a clara intenção de, não
apenas demonstrar a dimensão e as conseqüências que as influências externas
poderiam causar na ordem natural do cotidiano, mas também dissuadir qualquer
tentativa de romper as permanências conservadoras, por exemplo, quando estimula
o uso da violência como represália à desobediência.
Enfim, o que transparece claramente é a vigilância dos costumes públicos e
privados. Como explicou Hespanha, o Estado tinha necessidade de manter uma
vigilância preventiva e repressiva sobre os costumes da sociedade, quer fosse no
âmbito público, quer no privado, e o casamento era peça fundamental desta
engrenagem. Afirma o autor: “[...] o Estado deve promover e controlar a formação
dos costumes públicos e privados, servindo-se de três meios fundamentais: a
religião, a instrução escolar e a cultura científica. ” 203 No sentido político, portanto, a
sátira e a crítica social precisavam demonstrar um certo zelo pela ordem
estabelecida. Desta forma, o entremez busca incessantemente cumprir a proposta a
que se dispõe, corrigir os costumes pelo riso.
203 HESPANHA, A. M. Poder e instituições na Europa do antigo regime. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1984, p. 275.
54
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Lisboa, Officina de Domingos Gonsalves, 1784.
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1784.
As Desordens do Peralta. Lisboa, Officina de Filippe da Silva, e Azevedo, 1784.
Entremez O enganador enganado, ou o testamento supposto. Lisboa. Officina de
Fernando Joze dos Santos, 1784.
Entremez Da Assembléia do Isque. Lisboa, Officina de Filippe da Silva e Azevedo,
1784.
As filhozes do entrudo feitas em caza de Pantufo Rombo sapateiro, e sua mulher
Mona Xorina, com asistencia de seus compadres Sergio Caroso, barbeiro, e sua
mulher tramóia morena. Lisboa, Officina de João Antonio da Silva, 1785.
Os Fulares da Páscoa, com prados por toda a plebe que nos dias santos se vão
divertir ao arayal do Biato. Composto por A. R. Lisboa, Officina de Francisco Borges
de Sousa, 1785.
Novo entremez As loucuras da velhice. Lisboa, Officina Domingos Gonsalves, 1786.
Novo e devertido entremez O Contentamento dos Pretos, por terem a sua alforria.
Lisboa, Officina de Domingos Gonsalves, 1787.
Novo entremez O estudante bazofio e desgraçado. Lisboa, Officina de Simão
Thaddeo Ferreira, 1787.
55
Novo Entremez Desenganos para os homens, não se fiarem em mulheres. Lisboa,
Officina de Francisco Borges de Sousa, 1788.
Novo e divertido entremez Os Disgostos que teve huma sésia de Lisboa, por amor
do seu amante. Lisboa, Officina de Francisco Borges de Sousa, 1789.
Novo Entremez Dos desprezos de hum filho peralta a seu pai; ou sophismas com
que enganou a criada. Lisboa, Officina de Antonio Gomes, 1789.
Pequena peça O Libertino Castigado, e a prizão no jogo de bilhar. Lisboa, Officina
de Simão Thaddeo Ferreira, 1789.
Novo entremez O Noveleiro Extravagante e o Poeta Vaidozo, com a grande
desordem, que lhe succedeo em caza do velho rabugento nas assembléas das
filhas. Lisboa, Typografia Nunesana, 1789.
Novo entremez O divertimento das noites de inverno. Lisboa, Officina de Joze de
Aquino Bulhoens, 1789.
Novo, e divertido entremez A grande desordem de uma velha com hum peralta por
não querer casar com ella. Lisboa, Officina de Antonio Gomes, 1790.
Entremez Gatuno de malas artes. Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1791.
Novo entremez A desordem dos noivos de oito dias. Lisboa, Officina de Francisco
Borges de Souza, 1791.
Pequena peça O ópio das marrafinhas, ao marujo, e ao soldado, ou os amantes
logrados. Lisboa, Officina de Jose da Aquino Bulhoens, 1791.
Novo entremez Os Desprezos de hum Filho peralta a seu pai; ou sophismas, com
que enganou a criada. Lisboa, Officina de Francisco Borges de Souza, 1792.
Novo entremez O Esganarello ou O Casamento por Força. Lisboa, Officina de
Francisco Borges de Souza, 1792.
Novo e devertido entremez A Impertinência das Mulheres e a paciência dos maridos.
Lisboa, Officina de Francisco Borges de Sousa, 1792.
56
Entremez Dos Desatinos que a Mulher Fez a Seu Marido, por motivo de não a deixar
ir ver as Luminárias. Lisboa, Officina de Antonio Gomes, 1793.
Pequena pessa A Casa de Pasto. Lisboa, Officina de João Antonio Reis, 1794.
Novo entremez A dama prezumida por querer andar sempre à moda. Lisboa,
Officina de Antonio Gomes, 1794.
Bibliot. Nacional de Lisboa – Cota – L 3004 V – 11/04/89
Pequena pessa Anatomia Cômica. Lisboa, Officina de Francisco Borges de Souza,
1789.
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us 11.05.2011
Comédia nova Affectos de ódio e amor. Lisboa. Officina Domingos Gonçalves, 1783.
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