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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARINSTITUTO DE CINCIAS JURDICAS

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO

Luly Rodrigues da Cunha Fischer

PROJETO DE PESQUISAAPURAO DE REMANESCENTE DA 1 LGUA PATRIMONIAL DE BELM: IDENTIFICAO

DOS LIMITES DA PRIMEIRA LGUA PATRIMONIAL E SUA AFETAO AO USO PBLICO

VOLUME 5ANLISE DOS AFORAMENTOS MUNICIPAIS CONCEDIDOS ENTRE 1815-1930

Coordenao Geral do ProjetoProfa. Dra. Luly Fischer

Coordenao das Atividades de Pesquisa FundiriaProf. Dr. Jos Heder Benatti

EspecialistasAna Luisa Santos Rocha

Brenda Luana Viana RibeiroIsadora Cristina Cardoso de Vasconcelos

Joo Vittor Homci da C. OliveiraLaira Vasconcelos dos SantosLuana Nunes Bandeira Alves

Maria Claudia Bentes Albuquerque

BELM-PAAgosto/2017

FICHA CATALOGRFICA

FISCHER, Luly Rodrigues da Cunha; BENATTI, Jos Heder (coords.); ROCHA, Ana Luisa Santos; RIBEIRO, Brenda Luana Viana; VASCONCELOS, Isadora Cristina Cardoso de; OLIVEIRA, Joo Vittor Homci da C.; SANTOS, Laira Vasconcelos dos; ALVES, Luana Nunes Bandeira; ALBUQUERQUE, Maria Claudia Bentes.

Anlise dos aforamentos municipais concedidos entre 1815-1930. Luly Rodrigues da Cunha Fischer; Jos Heder Benatti (coords.); Ana Luisa Santos Rocha; Brenda Luana Viana Ribeiro; Isadora Cristina Cardoso de Vasconcelos; Joo Vittor Homci da C. Oliveira; Laira Vasconcelos dos Santos; Luana Nunes Bandeira Alves; Maria Claudia Bentes Albuquerque. So Paulo: Acquerello, 2017, XXXp. (relatrio de pesquisa).

1. Regime de concesso de terras. 2. Documentao Histrica. 3. Companhia de Desenvolvimento e Administrao da rea Metropolitana de Belm. 4. Belm. 5. Par. 6. Amaznia. I FISCHER, Luly Rodrigues da Cunha; BENATTI, Jos Heder (coords.); ROCHA, Ana Luisa Santos; RIBEIRO, Brenda Luana Viana; VASCONCELOS, Isadora Cristina Cardoso de; OLIVEIRA, Joo Vittor Homci da C.; SANTOS, Laira Vasconcelos dos; ALVES, Luana Nunes Bandeira; ALBUQUERQUE, Maria Claudia Bentes. II. Ttulo. III. Relatrio de Pesquisa.

RESUMO EXECUTIVO

Nos estudos dos livros de concesso de aforamento no se buscou, neste momento, fazer uma anlise aprofundada das concesses, avaliando os aspectos jurdico, social e econmico da transferncia do patrimnio municipal para o privado. O objetivo principal foi descrever como ocorriam as concesses das terras pblicas utilizando-se do aforamento.

Pelas informaes constantes nos termos de concesso de aforamento chega-se concluso que as reas concedidas tanto foram de iniciativa do interessado, como tambm derivou de iniciativa do Poder Pblico em regularizar uma gleba de terra, ou de estimular a ocupao de determinada regio da cidade.

Os livros analisados possuem em geral um padro nico com espaos em branco para preenchimento conforme as especificidades de cada foreiro, pginas numeradas e rubricadas com a assinatura do ento responsvel, data da concesso do aforamento, metragens do lote aforado, confinantes, localizao do terreno, nome do fiador, sendo que, alm destas informaes bsicas, h tambm determinados termos com anotaes realizadas mo informando, por exemplo, a existncia de ratificaes, traspasses ou comissos relacionados ao lote aforado.

Alguns livros analisados so manuscritos (n 03 - perodo de 27/01/1816 a 17/08/1825; e n 07 - 7/07/1850 a 4/05/1870), que representam uma minoria. Contudo, se reconhece que h em todos uma redao similar, seja ela manuscrita ou em sistema de formulrio.

Os livros de aforamento eram compostos por um termo de abertura, um termo de encerramento, ndice e vrios tipos de termos extraordinrios. Com os dados levantados no ficou claro porque alguns eram denominados de extraordinrios.

O requerente, tambm denominado de suplicante, peticionava junto Cmara ou a Cmara Municipal de Belm, pleiteando a concesso de aforamento perptuo referente a determinado lote, informando a localizao do terreno, as metragens e os confinantes.

Nos termos podem ser encontradas diferentes denominaes de estrada, via, rua, por ano, pelo tamanho do terreno, quanto ao gnero dos suplicantes, quanto aos comissos judiciais e administrativos, bem como dados sobre ratificaes, trespasses e certides de dvida.

O fundamento legal para elaborao dos termos previstos no aforamento era diverso. Ora baseavam-se em leis, ora em resolues do Conselho Municipal, o que leva a crer que existia em cada poca um procedimento especfico para a concesso dos lotes, que passava tanto pelo Conselho, quanto pela Intendncia Municipal.

H a predominncia do uso do termo terrenos devolutos em referncia aos terrenos repassados pela Intendncia Municipal aos postulantes de aforamentos.

H referncia de concesso de reas alagadas ou de igap. Solicitava-se para fins de moradia, produo agrcola, ou ambas.

No existe uma padronizao da unidade de medida utilizada, que na maioria dos termos a braa ou braa quadrada e palmos, e depois foi empregado metro. Tambm foi encontrado no mesmo livro o emprego de braa e metro. O metro comeou a ser utilizado nos anos de 1879 e 1882, Livro de Aforamento n 13 e se torna referncia majoritria a partir do Livro de Aforamento n 22, de 30/10/1894 a 18/06/1895.

Os tamanhos dos lotes concedidos eram variados. No mesmo livro esto descritos lotes de tamanhos diferentes. Contudo, quando ocorria loteamento de uma determinada gleba de terra, os lotes tinham os mesmos tamanhos.

So utilizadas tambm, na descrio dos lotes, a identificao por meio de letras do alfabeto especificando o lote e a quadra. Assim como de coordenadas geogrficas como meridional, setentrional, ocidental.

As terras deveriam ser ocupadas ou produtivas no prazo de trs anos, ou eram consideradas devolutas e retiradas da posse do arrematante sem a necessidade de ao judicial.

As mulheres tambm adquiriram lotes, por procurao ou solicitando pessoalmente. Contudo, a maioria de homens como foreiros.

As clusulas dos termos de aforamento incluam: pagamento de foro e laudmio, a impossibilidade de transferncia, sem a anuncia da Cmara, da necessidade de atribuio de uso e de cuidados com o terreno, a pena de comisso e a constituio de fiador.

Aps a concesso do foro, o enfiteuta no poderia vender, doar, transacionar, permutar, ceder, dividir, penhorar, hipotecar, constituir servido, dao em pagamento, constituir cesso enfitutica ou qualquer outra alienao de forma ou maneira alguma sem prvia audincia e expresso consentimento da Cmara Municipal.

Foi encontrado a decretao de comisso, como tambm o traspasse e a ratificao. O comisso poderia ser declarado pela via administrativa ou judicial, sendo esta a predominante.

Em todos os livros de aforamento h diferena entre o nmero de pginas do livro e o nmero de imagens analisadas, pois houve a necessidade de fotografar uma mesma pgina, mais de uma vez, na tentativa de obter melhores registros fotogrficos para transcries e anlises posteriores.

Todos os livros acessados encontram-se armazenados no Setor de Arquivo da Companhia de Desenvolvimento e Administrao da rea Metropolitana de Belm (CODEM) localizada na Av. Nazar, 708 - Nazar, Belm - PA, 66040-145.

Alguns livros de aforamento armazenados no setor de arquivo da CODEM passaram por processos de microfilmagem. Por conta disso, na maior parte dos livros analisados os termos possuem uma numerao referente ao microfilme produzido.

LISTA DE FIGURAS E TABELAS

Tabela 1 Cronologia de aprovao dos Cdigos Civis 16

Figura 1 Localizao da Rua So Silvestre 28

Figura 2 Ruas do Bairro da Pedreira 37

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Modelo de Termo de Aforamento do Livro n 03 23

Quadro 2 Modelo de Termo de Aforamento do Livro n 04 25

Quadro 3 Modelo de Termo de Aforamento do Livro n 07 28

Quadro 4 Modelo de Termo de Aforamento do Livro n 08 32

Quadro 5 Modelo de Termo de Aforamento do Livro n 09 36

Quadro 6 Modelo do Termo de Aforamento do Livro n 10 39

Quadro 7 Modelo do Termo de Aforamento do Livro n 11 42

Quadro 8 Modelo do Termo de Aforamento do Livro n 12 46

Quadro 9 Modelo do Termo de Aforamento do Livro n 13 51

Quadro 10 Modelo de Termo de Aforamento do Livro n 18 55

Quadro 11 Modelo do Termo de Aforamento do Livro n 19 59

Quadro 12 Modelo do Termo de Aforamento do Livro n 20 64

Quadro 13 Modelo do Termo de Aforamento do Livro n 21 68

Quadro 14 Modelo do Termo de Aforamento do Livro n 22 72

Quadro 15 Modelo do Termo de Aforamento do Livro n 23 76

Quadro 16 Modelo do Termo de Aforamento do Livro n 25 81

SUMRIO

INTRODUO 11

1 CONTEXTO HISTRICO DE BELM: 1815 - 1930 11

1.1. O perodo de estagnao e decadncia econmica: 1800 - 1840 ....................................................11

1.2. Da guerra do Paraguai modernizao de Belm: 1865-1900 .........................................................13

1.3. Da estagnao e o novo contexto internacional e nacional: 1900 - 1930 ........................................16

2 CONTEXTO HISTRICO JURDICO: 1815 a 1930 17

2.1. A doutrina e a legislao em vigor nos sculos XIX e XX ..................................................................17

2.2. Caractersticas do aforamento aplicado nos sculos XIX e XX .........................................................19

3 NOTAS TCNICAS DOS LIVROS DE AFORAMENTO 21

3.1. REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 27/01/1816 A 17/08/1825 LIVRO DE AFORAMENTO N 03 ...............21

3.1.1. Anlise Quantitativa dos Termos ..............................................................................................21

3.1.2. Anlise dos fundamentos legais nos Termos de Aforamento do Livro ....................................22

3.1.3. Consideraes Finais ................................................................................................................23

3.2. REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 1838 A 1846 LIVRO DE AFORAMENTO N 04 ...................................24

3.2.1. Anlise quantitativa dos termos .................................................................................................24

3.2.2. Anlise dos fundamentos legais nos termos de aforamento do Livro n 04 .............................25

3.2.3. Consideraes finais ................................................................................................................26

3.3. REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 07/07/1850 A 04/05/1870 LIVRO DE AFORAMENTO N 07 ...............26

3.3.1. Anlise quantitativa dos Termos ................................................................................................27

3.3.2. Anlise dos Fundamentos Legais nos Termos de Aforamento do Livro n 07 ..........................27

3.3.3. Consideraes Finais ................................................................................................................28

3.4. REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 26/06/1863 A 16/09/1869 LIVRO DE AFORAMENTO N 08 ..............29

3.4.1. Anlise quantitativa dos termos .................................................................................................29

3.4.2. Anlise dos fundamentos legais nos termos de aforamento do livro ........................................32

3.4.3. Consideraes finais .................................................................................................................33

3.5. REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 22/05/1868 A 05/01/1883 LIVRO DE AFORAMENTO N 09 ...............34

3.5.1. Anlise quantitativa dos termos ................................................................................................34

3.5.2. Anlise dos fundamentos legais nos termos de aforamento ....................................................36

3.5.3. Consideraes finais .................................................................................................................37

3.6. REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 30/09/1869 A 15/11/1869 LIVRO DE AFORAMENTO N 10, ANTIGO N 01 ...................................................................................................................................................37

8

3.6.1. Anlise quantitativa dos termos .................................................................................................38

3.6.2. Anlise dos fundamentos legais nos termos de aforamento do Livro n 10 .............................39

3.6.3. Consideraes finais .................................................................................................................41

3.7. REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 16/11/1869 A 03/09/1870 LIVRO DE AFORAMENTO N 11, ANTIGO N 02 ...................................................................................................................................................41

3.7.1. Anlise quantitativa dos termos .................................................................................................41

3.7.2. Anlise dos fundamentos legais nos termos de aforamento do Livro n 11 .............................42

3.7.3. Consideraes finais .................................................................................................................44

3.8. REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 1870 A 1873 LIVRO DE AFORAMENTO N 12 ...................................44

3.8.1. Anlise quantitativa dos termos .................................................................................................44

3.8.2. Anlise dos fundamentos legais nos termos de aforamento do Livro n 12 .............................45

3.8.3. Consideraes finais .................................................................................................................47

3.9. REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 18/06/1870 A 21/08/1882 LIVRO DE AFORAMENTO N 13 ...............48

3.9.1. Anlise quantitativa dos termos .................................................................................................48

3.9.2. Anlise dos fundamentos legais nos termos de aforamento do Livro n 13 .............................50

3.9.3. Consideraes finais .................................................................................................................52

3.10. REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 03/01/1873 A 25/01/1883 LIVRO DE AFORAMENTO N 18 ...............52

3.10.1. Anlise quantitativa dos termos ...............................................................................................53

3.10.2. Anlise dos fundamentos legais nos termos de aforamento do Livro n 18 ...........................54

3.10.3. Consideraes finais ...............................................................................................................56

3.11. REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 31/03/1873 A 07/04/1876 LIVRO DE AFORAMENTO N 19 ...............56

3.11.1. Anlise quantitativa dos termos ...............................................................................................57

3.11.2. Anlise dos fundamentos legais nos termos de aforamento do Livro n 19 ...........................58

3.11.3. Consideraes finais ...............................................................................................................60

3.12. REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 11/06/1879 A 04/04/1882 LIVRO DE AFORAMENTO N 20 ...............60

3.12.1. Anlise quantitativa dos termos ...............................................................................................61

3.12.2. Anlise dos fundamentos legais nos termos de aforamento do Livro n 20 ...........................64

3.12.3. Consideraes finais ...............................................................................................................65

3.13. REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 29/09/1882 A 26/06/1883 LIVRO DE AFORAMENTO N 21 ...............66

3.13.1. Anlise quantitativa dos termos ...............................................................................................66

3.13.2. Anlise dos fundamentos legais nos termos de aforamento do Livro n 21 ...........................68

3.13.3. Consideraes finais ...............................................................................................................70

9

3.14. REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 30/10/1894 A 18/06/1895 LIVRO DE AFORAMENTO N 22 ...............70

3.14.1. Anlise quantitativa dos termos ...............................................................................................70

3.14.2. Anlise dos fundamentos legais nos termos de aforamento do Livro n 22 ...........................71

3.14.3. Consideraes finais ...............................................................................................................73

3.15. REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 02/12/1895 A 22/11/1912 LIVRO DE AFORAMENTO N 23 ...............73

3.15.1. Anlise quantitativa dos termos ...............................................................................................74

3.15.2. Anlise dos fundamentos legais nos termos de aforamento do Livro n 23 ...........................75

3.15.3. Consideraes finais ...............................................................................................................76

3.16. REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 07/05/1913 A 10/07/1931 LIVRO DE AFORAMENTO N 25 ...............77

3.16.1. Anlise quantitativa dos termos ...............................................................................................77

3.16.2. Anlise dos fundamentos legais nos termos de aforamento do Livro n 25 ...........................80

3.16.3. Consideraes finais ...............................................................................................................84

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 84

ANEXO 1 DECRETO-LEI N 414 DE 7 DE JULHO DE 1931 87

ANEXO 2 - TRANSCRIES DOS LIVROS DE AFORAMENTO 88

10

11

INTRODUO

Para a realizao da pesquisa Apurao de Remanescente da 1 Lgua Patrimonial de Belm: identificao dos limites da primeira lgua patrimonial e sua afetao ao uso pblico, sob a coordenao da Profa. Dra. Luly Fischer, foi organizado um grupo de pesquisadores com a finalidade de estabelecer critrios, a partir da anlise jurdica da legislao nacional e local da 1 Lgua Patrimonial de Belm e da documentao fundiria do Municpio. O objetivo de trabalhar nos limites desta lgua patrimonial, e das reas pblicas municipais em seu interior, buscar informaes que permitam a CODEM realizar a apurao de seu remanescente patrimonial.

Um dos produtos finais da pesquisa estabelecer critrios que possibilitem a CODEM realizar a apurao de seu remanescente patrimonial. Para esse fim se far uma anlise jurdica da legislao nacional e local pertinente a rea urbana de Belm e da documentao fundiria do Municpio, o que ajudar na localizao dos limites da 1 Lgua Patrimonial e das reas pblicas municipais em seu interior.

Este Relatrio Tcnico, que o Produto 6 (seis), trata do levantamento documental sobre a legislao municipal que regula os aforamentos no Municpio de Belm at a edio do Novo Cdigo Civil.

O Relatrio est dividido em um Resumo Executivo, destacando as principais concluses da anlise; depois ser apresentada uma anlise do contexto histrico para ajudar na anlise do momento em que foram concedidos os aforamentos em Belm; um esboo sobre a compreenso histrica do instituto jurdico aplicado na poca, seguido dos estudos de cada livro correspondentes ao perodo. Como anexo consta a lista referente a cada Livro de Aforamento e seus respectivos imveis transcritos com as informaes da rea.

1 CONTEXTO HISTRICO DE BELM: 1815 - 1930

A compreenso da conjuntura social, econmica e jurdica do Brasil, especificamente da Provncia do Par e da cidade de Belm, no momento em que os termos de aforamento foram concedidos, de grande importncia para entendermos como se deu o processo de destinao das terras em nosso territrio, de que forma essas relaes eram regulamentadas e como se estabeleciam. No caso especfico iremos analisar entre os anos de 1815 a 1930.

O momento histrico das emisses dos aforamentos analisado est inserido no fim do Perodo Colonial do Brasil, durante todo o regime do Brasil Imperial, que vigorou a partir de 7 de setembro de 1822 (Independncia do Brasil) at a Proclamao da Repblica em 15 de novembro de 1889, e no incio da Nova Repblica, em 1930. Esperamos que essa breve apresentao possa ajudar a ter uma viso da conjuntura socioeconmica e jurdica daquele momento.

11 O PERODO DE ESTAGNAO E DECADNCIA ECONMICA: 1800 - 1840

Segundo Santos (1980), durante o perodo de 1800 a 1840 a Amaznia passou por uma fase marcada pelo declnio do comrcio das drogas do serto e incio da explorao da borracha. A crise econmica e a explorao da mo de obra regional (indgena e escrava) levou a uma instabilidade social, que vai desembocar no levante social conhecido como Cabanagem (1835 -1840).

Aps a adeso da Provncia do Gro-Par independncia do Brasil, durante o conturbado perodo regencial, quando se iniciaram inmeras revoltas no territrio do imprio, explode a cabanagem: a populao pobre se revolta contra a situao de misria e pobreza em que se encontravam. Alm disso, parte da elite estava em desagrado com o ento presidente. A Cabanagem se inicia em6 de janeirode1835com a tomada do palcio do governo e do quartel deBelm, sob a liderana de Antnio Vinagre, mantendo o controle da capital por 10 meses.

A Cabanagem foi um movimento ocorrido entre os anos de 1835 a 1840, sendo uma continuidade da Guerra da Independncia na regio. Vale ressaltar que desde a emancipao poltica, em 1822, a Provncia vivia um clima agitado. Esta regio do Pas era mais ligada Portugal, sendo isolada em relao as demais regies do Brasil. Depois da Declarao da Independncia, o Par s a reconheceu em agosto de 1823. Assim, a adeso ao governo de D. Pedro I foi imposta de modo violento. Ademais, a Independncia no trouxe melhorias significativas para a populao, composta por ndios destribalizados (tapuios), ndios aldeados,

12

negros forros, escravos e mestios. Estes viviam em pssimas condies e eram marginalizados, sendo conhecidos por cabanos. Alm disso, eram utilizados como mo de obra semi-escrava pela economia da Provncia, que era baseada na explorao das drogas do serto, madeira e pesca.

Como resposta a Cabanagem o Imprio brasileiro nomeia Francisco Jos de Sousa Soares de Andra, Baro de Caapava, como interventor para conter as revoltas e reestabelecer a ordem na Provncia. O Baro de Caapava permaneceu no posto de 9 de abril de 1836 a 7 de abril de 1839, suas aes resultaram numa dissoluo rpida do controle cabano na capital em 1836. A perseguio dos lderes cabanos permaneceu pelo interior resultando num verdadeiro extermnio da populao amaznica na poca. Os enfrentamentos s foram finalizados em 1840, resultando no trmino do conflito e na drstica reduo da populao da provncia paraense.

Os conflitos, somados a j precria situao da populao, assolaram a cidade com fome e doenas, que, juntamente, com a prpria situao do conflito contriburam para o elevado nmero de mortes, estimado entre 30 a 40% da populao de 100 mil habitantes do Gro-Par poca. Tal diminuio do contingente populacional, em grande parte da populao economicamente ativa, contribuiu para uma considervel queda econmica da Provncia, como afirma Santos1:

Calcula Arthur Reis em 30.000 o nmero de pessoas abatidas pela guerra civil. Considerando-se que a maior parte dos mortos pertencia ao grupo dos adultos, tem-se ideia do dramtico desfalque sofrido pela populao economicamente ativa.

Paralelamente Cabanagem, as pesquisas em relao s propriedades da borracha avanavam com velocidade no resto do mundo. Desse modo, logo aps a dcada de 1840 iniciou-se um crescimento da extrao da borracha na Amaznia, devido s novas descobertas no campo da qumica, como a vulcanizao, que permitiram um grande crescimento na explorao e comercializao do produto nas dcadas seguintes.

Contudo, no foi somente a guerra que levou ao decrscimo populacional no Par. As epidemias contagiosas (febre amarela, varola e clera) tambm abalaram a populao economicamente ativa, como tambm mudaram costumes fnebres. A principal razo da abertura do Cemitrio da Soledade ocorreu por questes de segurana (os ritos funerrios, antes realizados em igrejas, expunham a populao ao contgio) e devido quantidade de vtimas abatidas pelas trs epidemias, respectivamente entre os anos de 1850, 1851 e 1855, acabaram atingindo drasticamente a populao belenense, ainda atormentada pelas marcas da Cabanagem2.

A Febre Amarela foi introduzida em Belm pela barca Pollux, dinamarquesa, e a charrua Pernambucana, ambas vindas de Recife, onde a epidemia j se espalhara. Sem o conhecimento da ocorrncia da doena em Pernambuco, a falta de procedimentos sanitrios no desembarque infectou a cidade, como afirma Franco3:

De qualquer maneira, com ou sem quarentena, a febre -amarela instalou-se em Belm. No incio a morbidade foi grande e a mortalidade pequena. S de maro em diante, segundo consta do relatrio, a mortandade diria apresentou um quadro aflitivo de consternao e de dor; e o terror e o susto foi geral.

Ficaram paralizados os negcios pblicos e particulares; ocupavam-se todos em sepultar os mortos e cuidar dos enfermos. A partir de maio, entretanto, diminuiu a intensidade do flagelo e, em julho, j estava restrito aos indivduos procedentes do interior ou de fora da Provncia.

Estima-se que 75% da populao da cidade tenha sido infectada e a doena tenha levado a bito 5% da populao total. A enfermidade permaneceria at meados de 1905, matando neste perodo estimadas 5.205 pessoas4.

1 SANTOS, Roberto Arajo de Oliveira. Histria Econmica da Amaznia (1800-1920). So Paulo, TAQ, 1980. p. 34.2 BELTRO, Jane Felipe. Clera, o flagelo da Belm do Gro-Par. Belm: Museu Paraense Emlio Goeldi: Universidade Federal do Par, 2004.3 FRANCO,Odair.Histria da Febre Amarelano Brasil Rio, Ministrio da Sade, DNERu,1969. P. 29.4 Idem.

13

A epidemia de febre amarela foi seguida por uma maior ocorrncia de surtos de varola, entre 1851 e 1890, que ainda que no caracterizada como uma epidemia em termos tcnicos, pois era uma doena endmica poca, matou aproximadamente 600 pessoas, nmero considervel em relao populao do perodo.

A bordo da galeria Deffensor, vinda de Portugal, a servio da Companhia de Navegao e Comrcio do Amazonas, desembarcou em 1855 no Gro-Par a grande pandemia de clera que assolava o globo, tambm pela precria inspeo dos passageiros no desembarque, aliada a uma dificuldade de diagnstico e a negao da epidemia. Estima-se que 6 a 7 mil pessoas tenham sido acometidas pelo mal, mais de um tero da populao da cidade no perodo, havendo 1.443 fatalidades, principalmente nos distritos da Campina e Trindade, lar das camadas mais baixas da populao e das reas alagadas, portanto, propcias doena (FRANCO, 1969)5.

12 DA GUERRA DO PARAGUAI MODERNIZAO DE BELM: 1865-1900

No contexto da Guerra do Paraguai, em 29 de maro de 1865, embarcou em Belm o Corpo Paraense de Voluntrios da Ptria com destino ao Rio de Janeiro a fim de realizar a aquisio de armamentos, equipamentos e transportes ao pas. Com a ida de vrios policiais guerra, ficaram em Belm somente 74 praas a servio do policiamento da cidade, porm:

No ano de 1867, de conformidade com a Lei n 526 de 1 de outubro, sancionado pelo Presidente Joaquim Raimundo de Lamare, a fora passou a ser reorganizada com o efetivo de 400 praas, divididas em quatro companhias de infantaria, fazendo parte uma dessas, 30 praas de cavalaria. nova reorganizao foi dado o nome de Corpo de Polcia Paraense. (CRUZ, 1963a, p. 397).

Alm da organizao policial da cidade, a educao tambm se fez presente na discusso, assim, segundo Cruz (1963a), o Diretor Geral interino Jos Felix Soares, informou oficialmente a Jos Silveira de Sousa que existiam dois mil alunos matriculados nos determinados colgios, a exemplo do: Seminrio Menor, o qual era o colgio mais frequentado da cidade, Colgio Americano, Colgio Franco Brasileiro e Colgio Belm.

No que diz respeito organizao do Poder Judicirio em Belm, j em 1873, com o Decreto n 2.342, foi criado o chamado Superior Tribunal de Justia do Estado que substituiu o Tribunal da Relao de Belm, assim as contendas judiciais relacionadas a Belm, inclusive, por exemplo, os prprios processos de comisso com sentena judicial, no mais estavam submetidas ao Tribunal da Relao do Maranho.

importante destacar a questo oramentria que, em 1871, precisou de ajustes para equilibrar o dficit oramentrio existente na poca, sendo necessrios cortes para realizao de obras pblicas, as finanas somente se equilibram em 1880. Em anos posteriores, tambm houve dficits nas contas pblicas. Os cortes nos gastos pblicos podem ter relao com o nmero de concesses de aforamentos realizados na poca.

Em paralelo realidade verificada em Belm, o Brasil experimentava o declnio do reinado de D. Pedro II e o comeo de um perodo de grandes transformaes econmicas e sociais causadas sobretudo pela intensificao dos processos de urbanizao e industrializao6. As campanhas antiescravistas e republicanas acabaram levando edio da Lei dos Sexagenrios (1885) e da Lei urea (1888), a qual promoveu a libertao dos escravos no Brasil7.

O fim da escravido, a escassez de mo de obra e o aumento da migrao interna produziram em todo o pas um grande contingente de trabalhadores assalariados. De 1870 a 1890, a demanda por mo de obra para a produo da borracha na Amaznia e a seca de 1877 atraram muitos trabalhadores nordestinos para o Par, que migraram em busca de melhores condies de vida e trabalho8. Segundo Santos9, esse perodo da histria ficou conhecido como Fase de Adestramento Nordestino. No obstante, para suprir a crescente demanda por mo de obra, o Governo Brasileiro e alguns particulares passaram a subvencionar a vinda de

5 Ibidem.6 COSTA, Lus Csar Amad; MELLO, Leonel Itaussu A. Histria do Brasil. So Paulo: Scipione, 1999. p. 217-219.7 COSTA, Lus Csar Amad; MELLO, Leonel Itaussu A. Idem. p. 217-219.8 SARGES, Maria de Nazar. Belm riquezas produzindo a Belle-poque (1870-1912). 2 ed. Belm: Paka-Tatu, 2002. p. 77.9 SANTOS, Roberto Arajo de Oliveira. Histria Econmica da Amaznia (1800-1920). So Paulo, TAQ, 1980. p. 80.

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imigrantes (portugueses, italianos, espanhis e alemes) para trabalhar nas lavouras do sul e sudeste, no perodo de 1851 a 190010. Contudo, alm da imigrao induzida para a agricultura, tambm ocorreu imigrao espontnea para extrao de ltex nos seringais do Par11.

Entre 1872 e 1900 havia apenas um reduzido nmero de estrangeiros na Amaznia. O aumento expressivo teria ocorrido entre os anos de 1900 e 1920. Em 1872, por exemplo, havia 8.728 estrangeiros residindo no Brasil, equivalente a 2,6% da populao nacional; em 1890, eles eram 7.316 e, em 1900, o quantitativo subiu para 7.709; no ano de 1920, cerca de 39.723 habitantes eram estrangeiros, o que correspondia a 2,9% da populao total do Brasil12. No perodo de 1908 a 1911, chegaram em Belm, por meio do Porto Internacional da Amaznia, aproximadamente 19.500 imigrantes de diversas nacionalidades, tais como turcos-rabes, portugueses, espanhis, ingleses, franceses, alemes, italianos, norte-americanos etc13. De acordo com Santos14, a expressiva imigrao ocorrida em Belm teria sido espontnea, sem interferncia do Poder Pblico, motivada pela construo da estrada de ferro Madeira-Mamor e pelo crescimento da economia da borracha.

Com a proclamao da Repblica, em 15 de novembro de 1889, o Brasil registrou o fim do Regime Imperial e a instalao do Governo Provisrio. Em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a primeira Constituio Republicana Brasileira, tornando o pas uma federao marcada por relativa autonomia econmica e administrativa dada aos estados. A nova Constituio, entre outros, promoveu a transformao das provncias em estados; adotou o sistema presidencialista de governo; estabeleceu os trs Poderes da Repblica; criou o voto aberto, restrito aos homens maiores de 21 anos, excetuados analfabetos e estabeleceu a convocao da Assembleia Nacional Constituinte15.

Foi nesse contexto de profundas mudanas que Belm comeou a vivenciar o seu processo de modernizao, quando ento surgiram diversas fbricas (sabo, leos, olarias, serrarias etc.) no ncleo urbano16. A cidade apresentou um grande crescimento em termos populacionais e territoriais, de maneira que, em 1890, a populao de Belm j era de 50.064 habitantes, segundo o Censo Geral do Brasil17. Em 1900, a populao de Belm chegou ao patamar de 96.560 habitantes, de acordo com dados da Sinopse do Recenseamento de 1920, citados por Sarges18.

O aumento populacional produziu impactos no cotidiano da cidade, revelando insuficincia da infraestrutura urbana e habitacional para suprir as novas necessidades humanas. Consequncia disso foi a percepo de que o Poder Pblico deveria disciplinar os espaos pblicos e privados, o que levou edio de normas de conduta social, como o Cdigo de Posturas de 190019.

Entre os anos de 1840 e 1920, a atividade econmica de Belm baseou-se na extrao de ltex, pelo sistema de crdito denominado aviamento. Parte da riqueza oriunda da produo da borracha, que chegou a ser o principal produto de exportao brasileiro, foi aplicada na urbanizao da cidade, com a consequente construo do Teatro da Paz; criao do Arquivo e Biblioteca Pblicos e do Museu Paraense Emilio Goeldi; calamento de ruas; criao de quiosques e praas; valorizao e ampliao da rea do Bosque Municipal etc. (CRUZ, 1963a, p. 50-51).

De 1840 a 1910, a fase de expanso da economia da borracha tambm marcou a fase de expanso da cidade das partes baixas (atuais bairros do Comrcio, do Jurunas, do Guam e da Terra Firme, por exemplo) em direo s reas mais altas e no alagadas, provocando o surgimento dos bairros da Batista Campos, do Marco, de Nazar e do Umarizal, cujas reas foram sendo ocupadas pelas famlias mais favorecidas pela economia gomfera20. As reas localizadas nas proximidades do ncleo originrio (Cidade Velha) foram sendo ocupadas por comrcios, fazendo com que as famlias ali residentes se mudassem para locais mais afastados da cidade, favorecendo, inclusive, o surgimento do atual bairro da Pedreira21.

10 FREITAS NETO, Jos Alves de; TASINAFO, Clio Ricardo. Histria geral e do Brasil. 2 edio. So Paulo: Harbra, 2011. P. 569-570.11 SANTOS, Idem. p. 88.12 SANTOS, Idem. p. 88.13 SANTOS, Idem. p. 88.14 SANTOS, Idem. p. 88-89.15 COSTA, Lus Csar Amad; MELLO, Leonel Itaussu A. Histria do Brasil. So Paulo: Scipione, 1999. p. 241.16 SARGES, Maria de Nazar. Belm riquezas produzindo a Belle-poque (1870-1912). 2 ed. Belm: Paka-Tatu, 2002. p. 20-21.17 SARGES, Idem. p. 51.18 Idem, Ibidem. p. 136.19 Idem, Ibidem. p. 138.20 Idem, Ibidem. p. 52.21 SARGES, idem. p. 54.

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A fase de declnio da economia gomfera s viria a acontecer entre 1910 e 1920. Contudo, durante a Belle-poque ocorreu em Belm a abertura de largas avenidas, cujos nomes festejam importantes lutas nacionais e pessoas que nela se destacaram, a exemplo da Adeso Independncia do Brasil no atual bairro do Umarizal (Bernal do Couto, Oliveira Belo, Antnio Barreto, Diogo Mia, Domingos Marreiros, Boaventura da Silva, Joo Balbi, Dom Romualdo de Seixas e Dom Romualdo Coelho). Os nomes das ruas do atual bairro do Marco (antigo Marco da Lgua) prestigiam as lutas da Guerra do Paraguai, tais como Itoror, Lomas Valentinas, Angustura, Curuz, Humait, Vileta, Chaco, Visconde de Inhama, Marques de Herval e Duque de Caxias22.

As ruas do atual bairro da Batista Campos receberam nomes em homenagem aos povos indgenas da regio amaznica (Pariquis, Caripunas, Tamios, Mundurucus, Jurunas, Timbiras, Apinags e Tupinambs), enquanto as ruas da Cidade Velha foram prestigiadas com nomes de cidades portuguesas, que tambm so nomes de municpios paraenses, tais como Breves, Santarm, Camet, bidos, Gurup, Cintra, Monte Alegre e Vigia23.

No decorrer da administrao do Intendente Municipal Antnio Lemos, os melhoramentos urbanos (saneamento, esttica e ordenao) foram concentrados nas reas centrais da cidade, onde residia a elite local. As aes profilticas especialmente limpeza urbana, esgotamento sanitrio e incinerao de lixo, no atual bairro da Cremao foram intensificadas devido as epidemias que atingiram a populao da cidade, como a febre amarela, tuberculose, varola, beribri, diarreia, esterite infantil e hansenase24.

O nmero de bitos decorrentes das citadas enfermidades foi to elevado que o Cemitrio da Soledade, na Avenida Serzedelo Corra, destinado em 1850 para atender a demanda da dcada anterior e pr fim ao sepultamento em igrejas da cidade, acabou sendo interditado em 1874, por razes de sade pblica. Em 1905, tendo em vista a necessidade da classe dominante de higidez no fornecimento de alimentos, foi autorizada, por contrato com a Intendncia Municipal, a construo de curro e matadouro pela Companhia Pastoril Paraense, beira do Furo do Maguari, atualmente Distrito de Icoaraci25.

Na virada do sculo XIX, Belm foi cenrio de uma acirrada disputa entre a medicina oficial e as prticas teraputicas de cura por meio de pajs. Contudo, o progresso verificado nos servios pblicos bsicos, como o de sade, ficou restrito a poucos grupos sociais26. Nas questes de sade no houve qualquer iniciativa de dotar hospitais ou asilos com mdicos para o tratamento das doenas mais comuns, portanto eram os pajs e curandeiros quem tratavam verminoses, febres palustres e sezes, muito comuns nas populaes mais pobres da capital e do interior do Estado do Par27.

No final do sculo XIX, para favorecer as novas atividades econmicas e o objetivo de expanso territorial da cidade, foram difundidas ideias ligadas necessidade de conteno de cursos dgua, drenagem e aterramento de reas alagadas localizados na parte baixa de Belm, as quais levaram criao de pontes, cais, realizao de obras de canalizao de igaraps, abertura de valas etc. Mdicos da Inspetoria de Sade Pblica de Belm acreditavam que as epidemias que assolaram a populao tinham relao com as reas pantanosas existentes na cidade28. Por esse motivo, ruas e estradas foram criadas sob reas alagadas, inclusive sob o terreno alagadio do Igarap Piry, ligando os dois nicos bairros at ento existentes em Belm: Cidade Velha e Campina29. As obras de melhoria urbana do Boulevard da Repblica, s margens da Baa do Guajar, receberam destaque nacional30.

Aps a proclamao da Repblica, a Cmara Municipal de Belm foi dissolvida, por fora do Decreto n 03, de 05 de dezembro de 1889, expedido pela Junta Provisria Republicana, instaurada durante o governo provisrio. Em substituio a ela foi criado o Conselho Municipal, cujos vereadores passaram a decidir sobre assuntos municipais. O Decreto n 67, de 21 de fevereiro de 1890, do Governo do Estado do Par alterou o

22 CRUZ, 1963a, p. 50-51. No est listado na referncia bibliogrfica23 CRUZ, 1963a, p. 50-51. No est listado na referncia bibliogrfica24 Idem, Ibidem. p. 148-149.25 Idem, Ibidem. p. 156.26 FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Quem eram os pajs cientficos? Trocas simblicas e confrontos culturais na Amaznia, 1888-1930. In: FONTES, Edilza. Contando a histria do Par. Vol. III. Belm: E. Motion, 2002. p. 59.27 FIGUEIREDO, Idem.28 ALMEIDA, Conceio Maria Rocha de. Belm do Par, uma cidade entre as guas: histria, natureza e definio territorial em princpios do sculo XIX. Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH. So Paulo, julho 2011. p. 6.29 ALMEIDA, Idem. p. 9.30 SIMES JNIOR, Jos Geraldo. Cenrios de Modernidade: Os Projetos Urbanos das Capitais Brasileiras no Incio da Repblica. Anais do Encontro Nacional da ANPUR 12/2007. Belm. Anais. Belm: 2007.

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nome para Conselho de Intendncia Municipal31. A partir de 1891, os municpios passaram a ser governados tanto por um Intendente, com funes executivas, quanto pelo Conselho de Intendncia Municipal, que tinha atribuies deliberativas32.

13 DA ESTAGNAO E O NOVO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL: 1900 - 1930

No incio do sculo XX existia no contexto internacional grande divergncia e rivalidade entre os pases do continente europeu devido a intensa disputa por reas coloniais. Em virtude desta tenso e do clima hostil, as potncias europeias decidiram agrupar-se atravs de acordos de natureza econmica, poltica e militar. Desta forma, surgiram dois blocos distintos: a Trplice Aliana, formada pela Alemanha, Imprio Austro-Hngaro e Itlia, e a Trplice Entente, composta pela Rssia, Reino Unido e Frana33.

At ento, o mundo vivia a chamada paz armada, mantida por conta das alianas entre os pases dos blocos e o poder blico de cada um. Tal situao chegou ao fim quando o herdeiro do trono Austro-Hngaro, o arquiduque Francisco Ferdinando, foi assassinado por terroristas bsnios, em atentado planejado pela organizao secreta srvia Mo Negra34.

Em resposta ao atentado, as tropas austro-hngaras invadiram a Srvia. Imediatamente a Rssia se posicionou a favor dos srvios. Logo aps, Alemanha, Frana e Inglaterra entraram no conflito e a situao se generalizou. Comeava deste modo, em 1914, a Primeira Guerra Mundial que teve seu fim em 1918, com a assinatura do Tratado de Versalhes, onde a Alemanha foi considerada culpada pela guerra e aceitava uma srie de imposies dos pases vitoriosos que objetivavam enfraquec-la e desmilitariz-la.

Dentre os acontecimentos decisivos para o fim da guerra podemos citar a Revoluo Russa, onde o Czar Nicolau II foi retirado do poder e o ento novo governo russo assinou acordo com a Alemanha para por fim as hostilidades entre ambos, ensejando a retirada da Rssia e a entrada dos EUA no conflito.

A Revoluo Russa aconteceu em 1917, sendo o resultado do descontentamento da populao e agravamento da crise econmica e social que assolava o pas. Desde o sculo XVI, a Rssia se configurava como uma monarquia absolutista. Enquanto a nobreza vivia no luxo, o restante da populao no campo e na cidade viviam em condies precrias com alimentao escassa e pssimas habitaes35.

Em 1905, cerca de 200 mil pessoas marcharam para o palcio para entregar ao Czar Nicolau II um documento em que reivindicavam melhores condies de vida. Os soldados russos receberam a multido com tiros de fuzil, matando dezenas de pessoas. Este dia conhecido como Domingo Sangrento gerou inmeros conflitos pelo pas. Com o ingresso da Rssia na primeira guerra, a situao se tornou insustentvel. E ento, em 1917, os bolcheviques tomaram o poder, presididos por Lenin36.

No Brasil, os primeiros anos ps-proclamao da Repblica, perodo conhecido como Repblica Velha ou Primeira Repblica, foram marcados por um sistema de poder que em nada modificava a estrutura oligrquica e latifundiria no pas do perodo colonial e imperial37.

Sob a presidncia de Campos Sales, no incio do sculo XX, foi inaugurada a poltica dos governadores38, onde atravs de um jogo de poder e troca de favores polticos entre a esfera federal, estadual e local, mantinha-se um esquema de sustentao poltica do presidente, cuja base se fundamentava no coronelismo.

Nesse perodo, at o advento da Revoluo de 1930, atravs de instrumentos como o clientelismo poltico e o voto de cabresto, os coronis cuja classe era formada no s por grandes proprietrios de terras, como tambm por comerciantes controlavam politicamente seu eleitorado. O voto era tido como uma verdadeira mercadoria39 .

No plano federal, tambm se sustentando nesse sistema poltico de trfico de influncias e poder, foi marcante o poder poltico e econmico dos estados de So Paulo e Minas Gerais. So Paulo estava no auge da produo e economia do caf, enquanto os mineiros destacavam-se na produo do leite. Por conta disso,

31 CRUZ, 1963b, p. 400. No est listado na referncia bibliogrfica32 CRUZ, 1963b, p. 401. No est listado na referncia bibliogrfica33 PILETTI, Nelson & PILETTI, Claudino. Educao Jovens e Adultos Histria - 4 Ciclo. So Paulo: Editora tica, 2004. p. 107.34 VICENTINO, Cludio. Histria geral e do Brasil, vol. 3. So Paulo: Scipione, 2010.35 PILETTI, Idem.36 PILETTI. Idem.37 MARTINS, Jos de Souza. Os Camponeses e a Poltica no Brasil. 2. Ed. Petrpolis: Vozes, 1983.38 Idem, Ibidem. p. 46.39 Idem, Ibidem. p. 47.

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fala-se em Poltica do Caf com Leite, em referncia alternncia de representantes dos dois estados no poder federal.

No meio rural, com heranas do perodo colonial e imperial do pas, o final do sculo XIX e incio do sculo XX marcado pelas primeiras movimentaes camponesas. Entre 1912 e 1916, na fronteira dos Estados do Paran e Santa Catarina, ocorreu a Guerra de Contestado, uma disputa ligada ao acesso terra envolvendo posseiros e trabalhadores que se opunham objetivamente contra a elite que dominava a regio e contra a Repblica dos Coronis40.

Outro emblemtico e famoso movimento social do perodo o do banditismo social do Nordeste, representado pelos cangaceiros, tendo na figura de Lampio que entrou no cangao em 1917 e foi morto em 1938 , o maior expoente. Embora o movimento fosse marcado por vrias aes, incluindo vinganas privadas, o cangao representava, de modo geral, o questionamento do poder dos coronis41.

Neste contexto no Municpio de Belm, nos primeiros dez anos do perodo histrico ora assinalado, ainda reinava a boa fase de expanso da economia da borracha. O ano de 1910 considerado como o pice da borracha amaznica, seguido de uma queda da qual nunca se recuperou42.

Foi justamente a partir desse ano que comearam as primeiras colheitas das plantaes de seringa na sia. Nos anos seguintes, especialmente nas dcadas de 20 e 30, algumas tentativas fracassadas de novas plantaes de seringa na Amaznia foram realizadas, tendo como maior expoente a famosa Fordlndia, de Henry Ford, que foi posteriormente transferida para Belterra43.

A Belm da Belle poque do final do sc. XIX e incio do sculo XX teve em Antnio Lemos o grande expoente do cenrio poltico. Foi Intendente Municipal entre os anos de 1897 e 1912 e dentre suas marcas conhecidas est o projeto urbanstico formulado para a capital paraense. Urbanizao de Belm, delimitao do espao urbano, arborizao, alargamento das vias pblicas, estabelecimento de direitos e deveres dos cidados atravs de Cdigos de Posturas so fatos atribudos a Antnio Lemos44.

Neste contexto histrico de profundas mudanas econmicas e sociais que foi construdo um arcabouo jurdico para regular o acesso terra no final do perodo colonial, da monarquia brasileira e da primeira fase republicana. Ocorreu uma profunda mudana da paisagem e do espao urbano em Belm nesse perodo, contudo, na parte da legislao houve pouca alterao do instituto empregado para garantir o acesso terra para fim de moradia ou produo pastoril ou agrcola. o que passaremos a analisar.

2 CONTEXTO HISTRICO JURDICO: 1815 a 1930

Antes de discutir o instituto do aforamento, ou enfiteuse, que utilizaremos como categorias sinnimas, precisamos ter uma noo dos pressupostos jurdicos utilizados naquele momento histrico, quais eram as concepes empregadas e o que mudou em relao aos dias atuais. Com essa viso geral ser mais fcil avaliar em que contexto foram concedidos os aforamentos analisados (1815 a 1930), e o que podemos aprender com as experincias de quase dois sculos atrs de concesso de terra para moradia, principalmente.

Aps a apresentao rpida do contexto geral iremos discutir o aforamento, suas caractersticas e elementos constitutivos. Acreditamos que com essa viso ser mais fcil entendermos qual foi a base legal de distribuio de terra em Belm.

21 A DOUTRINA E A LEGISLAO EM VIGOR NOS SCULOS XIX E XX

A constituio dos institutos jurdicos que instrumentalizaram e legitimaram a apropriao do territrio brasileiro comea em Portugal com as Ordenaes deste reino. com base nas Ordenaes Filipinas, que representam a ltima fase de evoluo e atualizao normativa, que se implementou no Brasil as regras at ento existentes, com o intuito inicial de colonizar as terras descobertas alm-mar.

40 Idem, Ibidem.41 MARTINS, Idem. p. 46.42 SCHIMINK, Marianne & WOOD, Charles H. Conflitos Sociais e a Formao da Amaznia. Belm: UFPA, 2012.43 SCHIMINK, Idem.44 MONTENEGRO, 2010. No h nas referncias.

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As Ordenaes Afonsinas surgem em 1446 ou 1447, produto da revoluo de Avis. Elas tinham a preocupao bsica de legislar e dar unidade ao papel e atribuies dos cargos pblicos, aos bens e privilgios da Igreja, aos direitos do rei e da administrao fiscal, jurisdio dos donatrios e s prerrogativas dos fidalgos. Representou a substituio do direito local pela progressiva autoridade real. Porm, no logrou durar muito tempo, pois em 1521, foi substituda pelas Ordenaes Manoelinas, que introduziram as reformas administrativas e financeiras que a realidade ultramarina exigia. Essas Ordenaes representaram uma profunda reformulao do direito vigente, ficando de fora somente a Fazenda Real, que foi objeto das Ordenaes da Fazenda. Mas foi com as Ordenaes Filipinas, em 1603, com a confirmao de D. Joo IV, em 1640, que o absolutismo real, a centralizao poltica e administrativa foi codificada e consolidada, garantindo assim, a interveno do Estado na economia, nos negcios, no comrcio martimo, no tabelamento de preos e nas atribuies dos delegados do rei, fossem eles ligados corte, justia ou estrutura municipal45.

As Ordenaes Filipinas, que estavam em vigor durante o perodo analisado e a nica aplicada na Provncia do Gro-Par, foram concludas em 1595. Contudo, foi somente no reinado de Filipe II, com a publicao da Lei de 11 de janeiro de 1603, que iniciou a sua vigncia. O grande objetivo da nova Ordenao era rever e atualizar o direito vigente, realizando mnimas inovaes.46 Essa ordenao foi revogada em Portugal com o advento do Cdigo Civil de 1 de julho de 186747.

Precisa ser lembrado de que aps ter sido revogado em Portugal, em 1867, as Ordenaes Filipinas ficaram vigentes no Brasil at o advento do Cdigo Civil em 1916. O artigo 83 da constituio brasileira de 1891 afirmava: [c]ontinuam em vigor, enquanto no revogadas, as leis do antigo regime, no que explcita ou implicitamente no for contrrio ao sistema do governo firmado pela Constituio e aos princpios nela consagrados48.

Teixeira de Freitas elaborou a Consolidao das Leis Civis Brasileiras em 1857 e a considerava como um primeiro passo para a codificao, um trabalho provisrio na espera de seu substituto. Para elaborar a Consolidao das Leis Civis, Freitas levou apenas trs anos. A preparao do Esboo do Cdigo Civil, em sucessivos fascculos, ocorreu entre 1860 a 1865, contudo no conseguiu ver aprovado o Cdigo Civil.

A Consolidao, com os seus 1.333 artigos, era considerada um verdadeiro Cdigo Civil, pois passou a conter de forma compreensvel e sem repeties todo o direito privado que sobrevivia das Ordenaes, sendo utilizada por juzes, advogados e professores por muitos anos. Em 1899, foi publicada a Nova Consolidao das Leis Civis, elaborada por Carlos Carvalho (1851-1905) e foi considerada uma continuao da de Freitas49.

A implantao do processo de codificao no Brasil no significou uma ruptura com o direito anterior, como ocorreu na Europa e na Amrica Latina com a elaborao dos cdigos civis, mas representou a reafirmao dos privilgios vigentes, s que em uma forma atualizada. No campo doutrinrio, as fortes influncias da Escola Histrica do Direito e de Savigny ajudaram a retardar a adoo de um Cdigo unitrio50, a ponto que fomos o ltimo pas latino-americano a aprovar um Cdigo Civil e tambm um dos ltimos pases do mundo a abandonar o ius comuni, representado pelas Ordenaes Filipinas, conforme demonstra a tabela abaixo.51

45 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formao do patronato poltico brasileiro. v. 1 e 2, 7 ed. Rio de Janeiro, Globo, 1987.46 Devemos lembrar que no perodo de 1580 a 1640 ocorreu o processo de unificao das coroas portuguesa e espanhola (Unio Ibrica), ficando Portugal subjugado poltica e juridicamente Espanha. 47 (COSTA, 1927) No h na bibliografia48 MIRANDA, Pontes de. Fontes e evoluo do direito civil brasileiro. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 42.49 (BENATTI, 2003) No h na bibliografia50 NNEZ, Carlos Ramos. El cdigo napolenico y su recepcin en Amrica Latina. In: Codificacin y descodificacin en hispanoamrica: la suerte de los derechos castellanos y portugus en el Nuevo Mundo durante los siglos XIX y XX / Editores Bernadino Bravo Lira y Sergio Concha Mrquez de la Plata. Santiago do Chile: Impressos Universitaria, 1999, p. 177-215.51 A Escola Histrica do Direito, de claro perfil conservador, defendia que a interpretao da lei deve ocorrer em funo da concepo que a fez nascer. Em outras palavras, a Consolidao brasileira deveria ser interpretada com o auxlio do direito romano e do costume brasileiro, que eram a base de interpretao do direito brasileiro In: GILISSEN, John. Introduo histrica ao direito / Trad. A M. Hespanha e L. M. Macasta Malheiros. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1998. Na prtica, essa corrente doutrinria vai ser um forte obstculo terico que reagir contra a idia de codificao. Em oposio a essas idias temos a Escola da Exegese que defende a viso legalista, pois identifica o direito lei. A Escola da Exegese representa as idias filosficas e polticas do sculo XVIII e ser o fundamento para a justificao do estadismo jurdico e do racionalismo, que daro origem no sculo XIX ao positivismo.

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Tabela 1 Cronologia de aprovao dos Cdigos Civis1804 Cdigo Civil Francs

1824 Constituio do Imprio do Brasil

1857 Consolidao das Leis Civis Brasileiras

1860 -1865 Esboo do Cdigo Civil Brasileiro

1867 Cdigo Civil de Portugal

1891 Constituio Republicana do Brasil

1899 Nova Consolidao das Leis Civis no Brasil

1917 Cdigo Civil do Brasil

Fonte: Lira (1999a), com algumas modificaes realizadas.

Portanto, para entender a implementao do aforamento em Belm no sculo XIX preciso estar com os olhos voltados s Ordenaes Filipinas, atualizadas por Teixeira de Freitas.

22 CARACTERSTICAS DO AFORAMENTO APLICADO NOS SCULOS XIX E XX

O aforamento aplicado no Brasil colonial foi distinto do existente em Portugal porque aqui desde seu incio os prazos foram perptuos e as penses eram de valores baixos, com o intuito de estimular o aproveitamento da terra, seja para atividade agropastoris ou para moradia.52 Esse instituto no sofreu modificaes desde o incio de sua aplicao no Brasil, apenas que a partir do Cdigo Civil de 2002 a Unio, os Estados e Municpios no podem mais conceder aforamento.53

Desde o incio da utilizao do instituto jurdico da enfiteuse no houve preocupao de se elaborar uma legislao que o organizasse em um nico instrumento jurdico, sua regulamentao ocorreu de forma esparsa. Somente com a Consolidao das Leis Civis que se buscou sistematizar as normas que tratavam da matria. Tambm encontraremos no contrato de aforamento as regras que definem os direitos e deveres do foreiro e do senhorio.

Para constituir o aforamento eram necessrios o contrato civil, a escritura pblica e a onerosidade. Seu objeto era os bens imveis para edificaes de casa, terrenos incultos ou abandonados para desenvolver a lavoura ou criao de animais (Ord. L. 4 T. 19; art. 605 a 649 da Consolidao das Leis Civis).

A enfiteuse um direito real sob coisa alheia, de posse, uso e gozo pleno do imvel rural ou urbano, que o titular (enfiteuta ou foreiro) pode alienar e transmitir hereditariamente, porm tem a obrigao de pagar uma penso anual (foro) ao senhorio direto, como tambm de sua responsabilidade o pagamento pela transmisso da propriedade (laudmio).

O contrato de aforamento deve contar a medio, confrontao ou informaes que possam indicar a localizao dos imveis aforados.

Os bens municipais somente poderiam ser aforados com a autorizao das cmaras municipais, e poderiam ocorrer de duas formas: em hasta pblica, para o maior valor oferecido; ou dando preferncia para quem se achar de posse sem ttulo de aforamento.

O Aforamento desmembra o domnio em duas partes: o proprietrio do imvel aforado que se costuma chamar de senhor direto ou senhorio, que fica com o domnio direto, que tem o direito de receber uma certa renda anual; o foreiro ou enfiteuta que tem o domnio til, adquire o direito de possuir a coisa (jus possidendi), de gozar dela da maneira mais ampla e de transform-la, sem ter o direito de destru-la.54 Tambm direito

52 Portugal previa a constituio do aforamento por prazo certo, ou por vida, ou vidas, que acabou criando muitas confuses e abusos, o que obrigou a edio da Lei 4 de julho de 1776. In: FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidao das leis civis / Annotado por Martinho Garcez. 5a ed. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos, 1915..53 O art. 2038 do Cdigo Civil de 2002 afirma que Fica proibida a constituio de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, at sua extino, s disposies do Cdigo Civil anterior, Lei no 3.071, e 1 de janeiro de 1916, e leis posteriores.54 O direito de gozar est no sentido de poder usar, usufruir, de poder explorar as minas, cortar madeira existente. J a transformao refere-se ao poder de converter plantaes em pasto, demolir e reconstruir casas etc.

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do foreiro transferir esses direitos a outrem, assegurando o direito de preferncia ao senhorio, como tambm obrigao do foreiro satisfazer os impostos e nus reais que gravarem o imvel55.

Uma novidade instituda pela Cmara Municipal de Belm foi a figura do fiador do foreiro, portanto, assumia o compromisso de pagar a dvida como sua e renunciava a qualquer privilgio que pudesse eximi-lo ou desobrig-lo da referida fiana.56

No geral encontramos nos contratos de aforamento cinco clusulas e obrigaes bsicas a serem cumpridas pelo enfiteuta:

a) Pagamento do foro e do direito dominial de um laudmio correspondente a 2,5%;57

b) Efetuar o pagamento anualmente na Secretaria da Cmara;c) No realizar qualquer tipo de alienaes sem prvia audincia e consentimento da Cmara, como

por exemplo, venda, doao, transao, permutao, cesso, diviso, penhor, hipoteca, constituio de servido, doao em pagamento, cesso enfitutica;

d) Cercar e dar utilidade aos terrenos, no podendo destruir, escavar, inutilizar qualquer obra ou edifcio, ou parte do mesmo terreno j destinando ao uso pblico do Municpio. Consta ainda a ressalva de que quando houver necessidade, sem estrepito judicial ou outros embaraos, ser cedido ao uso ou servido pblica a quantidade de terreno necessria;

e) Penas de comisso e devoluo do terreno Cmara, em caso de desatendimento destas condies estabelecidas.

A enfiteuse se acabava pela deteriorao dolosa do bem, e a alienao sem prvia notificao do senhorio58. O comisso outra hiptese de extinguir a enfiteuse. O comisso ocorre quando o foreiro deixa de pagar as penses devidas por trs anos consecutivos. Nesse caso dever recorrer a via judicial para extinguir o aforamento e indenizar as benfeitorias necessrias existentes.

Havia o entendimento pelos juristas da poca, Teixeira de Freitas e Lafayette Pereira, que o fato de o foreiro deixar de pagar a penso por mais de trinta anos no caracterizava a prescrio aquisitiva, pois faltava um elemento fundamental, ou seja, a boa-f. O entendimento era que o enfiteuta tinha a cincia que o bem no lhe pertencia, e o tempo no poderia sanar essa situao e o senhorio direto continuava a conservar o seu domnio, que poder a qualquer tempo reivindicar o comisso. As mesmas situaes de comisso se aplicavam aos foreiros de terreno de marinha59.

O resgate do aforamento aps trinta anos de constitudo, mediante o pagamento de vinte penses anuais ao foreiro, s foi constitudo pelo Cdigo Civil de 1916, na legislao anterior no havia essa possibilidade, tanto que no se aplicava o resgate aos aforamentos constitudos antes de 1917, objetivando no ofender o direito dos senhorios, que com base na perpetuidade estipulavam valores mdicos das penses60.

Com essa breve anlise do instituto do aforamento fica claro as caractersticas e as clusulas e obrigaes bsicas dos contratos aplicados nos perodos histricos analisados. Dois elementos podem ser destacados. O primeiro que houve pouca alterao do instituto no Brasil em relao a Portugal, como tambm durante todo o perrante todo o estudado. O segundo elemento interessante que os aforamentos concedidos tinham como objetivo a moradia e a produo agropastoril. Esta situao no se aplicada mais aos dias atuais.

55 BEVILAQUA, Clovis. Cdigo Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. v. III, 10 ed. Atualizada por Achilles Bevilaqua e Isaias Bevilaqua. So Paulo Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora Paulo de Azevedo Ltda, 1955.56 Pela pesquisa at agora realizada nos arquivos pblicos, no est claro se essa clusula era aplicada na prtica, ou seja, se o fiador era executado judicialmente.57 O laudmio tambm era conhecido como quarentena ou quadraggima, pois significava 1 por 40, o que equivale a 2,5%. 58 BEVILAQUA, Clovis. Idem.59 PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direito das Coisas. Ed. Fac-similar. Braslia: Senado Federal: Superior Tribuna de Justia, 2004.60 BEVILAQUA, Clovis. Idem.

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3 NOTAS TCNICAS DOS LIVROS DE AFORAMENTO

Expostos os contextos histricos e jurdicos, locais, nacionais e internacionais dos perodos em que se enquadram os dezesseis livros de concesses de aforamentos no Municpio de Belm, sero a partir de agora elencados os principais aspectos de cada livro.

Os livros acessados no arquivo da CODEM foram fotografados e posteriormente analisados pela equipe de pesquisadores que compem o presente relatrio. A partir de uma leitura minuciosa das imagens fotografadas dos termos de aforamento, foram realizadas as transcries e elaborada uma tabela- sntese com as seguintes informaes: nome, localizao do bem, a fonte, especificando o livro, a folha, a data do termo e o referente microfilme e abertura de uma parte para observaes (transcrio de anotaes de canto de folha). Referidas tabelas com as transcries de cada livro esto anexadas ao relatrio.

Com exceo dos Livros n 03 (perodo de 27/01/1816 a 17/08/1825) e do Livro n 07 (07/07/1850 a 04/05/1870), que so inteiramente manuscritos, os outros 14 livros de aforamento analisados possuem o padro mimeografado, em que constam espaos em branco para preenchimento das informaes bsicas como nome do foreiro, data da concesso do aforamento, metragens do lote aforado, confinantes, localizao do terreno, nome do fiador, dentre outras.

Alm destas informaes bsicas, h tambm determinados termos com anotaes realizadas mo informando, por exemplo, a existncia de ratificaes, traspasses ou comissos relacionados ao lote aforado.

Em diversos livros foram verificados problemas no que tange dificuldade de entendimento da caligrafia da poca, ao lado de decurso do tempo e da conservao dos livros. Constam, por exemplo, folhas manchadas e rasgadas. Apesar disso, consideramos que boa parte das principais informaes puderam ser estudadas e transcritas.

Maiores especificidades de cada livro podero ser verificadas a partir das 16 anlises que seguem.

31 REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 27/01/1816 A 17/08/1825 LIVRO DE AFORAMENTO N 03

A presente nota tcnica refere-se transcrio e anlise histrica e jurdica do Livro de Aforamento n 03 atinente ao perodo de 27/01/1816 a 17/08/1825. O livro completamente manuscrito e apresenta diversos outros documentos alm dos termos de aforamento, como contratos de arrendamento e alferio de medidas, abarcando uma grande variedade de documentos do perodo.

Conforme termo de abertura datado de 04/01/1816, o Livro de n 03 contm 194 folhas; totalizando 388 laudas, entre termos de aforamento (109), na sua maioria preenchendo frente e verso, procuraes (1), contratos de marchantaria (4), contratos de alferio de medidas (6), contratos de aguardente (3), concesses (1), arremataes de couro (1) e arrendamentos (35), numeradas e rubricadas pelo presidente da Cmara Municipal de Belm.

Devido caligrafia dos registros da poca, pelo prprio vocabulrio, e os efeitos do tempo, algumas pginas no se conservaram legveis, o que dificultou a realizao de transcrio e anlise integral do livro. Apesar desta situao, foi possvel identificar os termos de aforamento indicados no termo de abertura.

Para viabilizar a transcrio dos referidos, foram realizados registros fotogrficos dos termos de aforamento na ntegra, de forma a auxiliar a execuo da transcrio das imagens (legveis e as ilegveis), o que resultou o total de 395 imagens. No foi realizada a leitura e manuseio do livro in loco.

Posteriormente, iniciou-se a leitura minuciosa dos termos de aforamento, as transcries em um dirio de pesquisa, assim como a elaborao de uma tabela-sntese, com as seguintes informaes: nome, localizao do bem, a fonte, especificando o livro, a folha, a data do termo e o referente microfilme e abertura de uma parte para observaes (transcrio de anotaes de canto de folha).

311 Anlise Quantitativa dos Termos

Os termos presentes no livro, revelam a ocupao de uma rea extensa em abrangncia, mas predominantemente central, apresentando lotes localizados nos arredores das reas tradicionalmente ocupadas da cidade, situadas em 32 ruas, travessas e estradas.

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No presente livro h preponderncia de termos nos atuais bairros da Campina (13 termos), Cidade Velha (9 termos) e Nazar (11 termos), alm de Guam (2 termos), Reduto (4 termos) e Terra Firme (6 termos), alm de alguns (3 termos) no bairro da Sacramenta.

Na rea atualmente situada no bairro da Campina, so mencionadas no livro as ruas: Rua de So Matheus, atual Trav. Padre Eutiquio (6 termos); Rua dos Inocentes, atual Rua Riachuelo (4 termos); Travessa da Mizericrdia, atual Trav. Padre Prudncio (2 termos); e Rua do Rozrio, atual Rua Aristides Lobo (1 termo).

No bairro da Cidade Velha, as ruas citadas foram: Rua Longa, atual Rua ngelo Custdio (4 termos); Rua da Alfama, atual Rua Camet (3 termos); Rua de So Vicente (1 termo), atual Rua Paes de Carvalho; e Rua de Santo Amaro, atual Rua Veiga Cabral (1 termo).

No bairro de Nazar, as ruas: Estrada do Pau dgua, atual Av. Gov. Jos Malcher (8 termos); Estrada de Nazareth, atual Av. Nazar (2 termos); e Largo do Chafariz do Bispo, atual Trav. Dr. Moraes (1 termo) aparecem no livro.

O bairro do Guam tem apenas uma rua citada, a Estrada do Bacuri, hoje Jos Bonifcio (2 termos), bem como o bairro da Terra firme, com a Rua das Flores, hoje Rua Lauro Sodr (6 termos) e do Reduto, com a Travessa da Estrella, atual Av. Assis de Vasconcelos (4 termos), existem ainda 3 termos localizados no Igarap do Una, atualmente no bairro da Sacramenta.

Devido s condies e denominaes das ruas, a Estrada que vem da Igreja de So Joo aos quarteis foi citada nos termos de aforamento por estrada que vem da igreja de so joo aos quarteis; travessa ou rua que vem de so joo por detraz da caza da opera principiando do canto da rua longa; estrada que vem por detrs da caza de opera aos quarteis e rua nova que vem ? da opera santa anna, verificando-se grande semelhana entre as descries das ruas.

As localizaes exatas das ruas: Estrada que vai do Largo do Palcio a So Jos (1); Estrada que vai da Cruz Das Almas a So Joz (1); Estrada que vai da Igreja de So Joz ao Arsenal (1); Rua nova da Princeza (28); Estrada que vem da Igreja de So Joo aos quarteis (6); Estrada que vai da Estrada de Nazar ao Xafariz (4); Rua Nova do Semitrio (2); Travessa das Preces (2); Estrada que vai ao Novo Semitrio (2); Rua dos Ferreiros (1); Rua dos Conselheiros (1); Rua Nova de So Francisco (1); Rua Nova (1); Estrada da Roza (1); Travessa que vai do Largo da Plvora memria (2); e Estrada que vem do Xafariz ao Reduto (2) no puderam ser verificadas. Contudo, as descries de tais ruas indicam que se localizavam na mesma regio que abrangem os outros termos do livro.

A existncia de 3 lotes localizados no Igarap do Una comprova que a ocupao dos terrenos de vrzea ainda ocorria na cidade. Em relao aos aforamentos em ruas no identificadas, que totalizam 5 termos, os referentes aos Sargento Antnio Coutinho De Almeida, e de Florncia Maria De Aguiar, so localizados no muro da quinta que foi de Joo Ferreira de Matos, o do Alferes Bento Joz Da Silva se localiza at as trincheiras, e o de Joanna Epifnia no muro da quinta do sargento Antnio Coutinho de Almeida.

Tais termos decorreram entre os anos de 1816 e 1825, e se apresentam na sua maioria (38) no ano de 1825, seguido por 1819 com 22 termos, 1820 com 15 termos, 1821,1818 e 1816 com 11 termos cada, e 1817 quando consta apenas um.

Os tamanhos dos terrenos so bastante variados, indo 1 a 400 braas, e em sua maioria mantendo-se por volta das 7 braas. Os termos se revelam, na sua maioria, concedidos para homens, ainda assim contendo relevante nmero de termos em nome de mulheres, todos por procurador.

Houve uma porcentagem de 18,34% de aforamento concedidos a mulheres, valor significativo, representando 20 dos 109 termos. A existncia deste relevante nmero de aforamentos femininos para poca se traduz no costumeiro aforamento de terras por famlias, usando tambm os nomes de filhas, esposas e irms.

312 Anlise dos fundamentos legais nos Termos de Aforamento do Livro

Os termos de aforamento do Livro n 03 possuem todos o mesmo padro, embora manuscritos e referentes a um perodo muito extenso, apresentam um breve resumo do assunto tratado no documento, contendo o tipo de documento, tamanho do lote, localizao, arrematante e valor do termo, apresentando ento com descrio mais detalhada a data do aforamento, especificaes sobre o terreno, nome do fiador, dentre outras informaes.

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Segue abaixo o modelo geral dos termos de aforamento do presente livro:

Quadro 1 Modelo de Termo de Aforamento do Livro n 03

Termo de arrematao do arrendamento que deve pagar ____ braas de choens de frente cito na ____________________ que arrematou ____________________ a cem reis por cada huma braa de Arrendamento que emporta anualmente a quantia de _______________.

Aos _______ dias do mez de _________ de ______________________________ annos. Nesta cidade de Santa Maria de Bellm do Gro Par, em os paos do conselho e caza da cmara estando presente O Doutor Joz Ricardo da Costa Aguiar de Andrade do Dezembargo de sua Magestade Fedellifsima seu juiz de fora presidente, os vereadores, e procurador do senado da cmara mandarao ao porteiro do juzo Jeronimo Rodrigues de Jezus do Bom Fim, que prezente estava, que visto ter andado em prego os dias da lei o arrendamento que deve pagar ____ braas de choens de frente com _____________ citos na _____________________ correse com os ltimos lanos para de arrematar aqum por elles mais der de arrendamento por cada huma braa o que logo fez e veio a Meza de Vereao dar sua f ter lancado _________________,________ reis de arrendamento por cada huma braa que emporta o arrendamento cada hum anno em _____ reis . Esendo ouvido pelo Senado da Camara, a por nao haver quem mais defse, mandarao afrontar arrematar, o que o dito porteiro fez com tuda a solenidade de Direito entregou hum ramo ao dito ____________ em firmeza da pura Valioza arrematao, que o dito eleitor sem contradio e pefsoa alguma, ficando obrigado a fazer vistoria no tempo determinado e fazer uteis os ditos choens ao termo de trez annos, e de nao trespasar a pefsoa alguma sem licena do Senado da Camara; pena de ficarem devolutos, se obrigou a pagar ao Senado da Camara o dito arrendamento por sy eseus bens e para maior segurana oferece por seu fiador e principal pagador a _____________________ que sendo prezente difse que elle afiancava o dito ________________________ e se obrigava como dvida sua prpria para o que renunciava tudo e qual quer privillegios que o pofsa desobrigar da referida fiana e de como afsim defserao e se obrigarao e fiquarao no livro das vereaoens n __ p__. Esendo pelo Senado da cmara, haverao esta Arrematao por finda e para constar fiz este termo em que afsignarao deque de dou f eu ___________________________ escrivao que o subescrevy.

Os estilos de caligrafia revelam-se bastante variados em decorrncia da pouca padronizao da escrita da poca, sendo mais evidentes mudanas em palavras como trespafse (trespasse) e ley (lei), escritas nestas duas formas por todo o livro. Alm disso, os termos eram escritos em sequncia, muitas vezes iniciando-se um termo na pgina da assinatura do termo antecedente e na referente poca, o sistema de medidas era o de braas e palmos, nico presente no livro.

As obrigaes contidas nos termos eram a de fazer vistoria no tempo determinado e dar utilidade ao terreno no prazo de trs anos, alm de no o trespassar sem licena da cmara, sob pena de serem considerados devolutos caso no cumpridas as condies. No se estabelece qualquer procedimento de aplicao da pena, nem se tal processo se daria por via judicial ou administrativa. No existe no livro qualquer meno ao termo comisso.

Ao final dos termos indicado um fiador para fins de garantia, que se obrigava ao pagamento das dvidas do foreiro como se suas dvidas fossem, devendo renunciar aos privilgios que o eximissem dessa obrigao.

Por fim, os termos eram redigidos por um escrivo que subscrevia o termo escrito, e assinava apenas o arrematante.

313 Consideraes Finais

No Livro n 03 de aforamentos concedidos entre os anos de 1816 a 1825 foi possvel observar algumas relaes de cunho social e jurdico que se estabeleceram no perodo em questo, especialmente no que tange concesso de terras pblicas municipais consideradas patrimnio da municipalidade de Belm, atravs do instituto do jurdico do aforamento:

O perodo foi marcado pela ocupao de reas prximas e pertencentes ao centro histrico municipal;

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Tais reas j apresentavam certa ocupao, algo visto no tamanho dos lotes, que no representam as grandes extenses de terra vistas em aforamentos posteriores, localizados em reas mais distantes;

Havia ainda um elevado nmero de ruas sem nome, localizadas por pontos de referncia; Algumas ruas constam com mais de uma descrio; Lotes maiores eram encontrados apenas no

Igarap do Una, mais afastado do centro; A juno dos termos de aforamento com diversos contratos, procuraes e outros documentos

demonstra que os aforamentos concedidos faziam parte de um conjunto de documentaes que regia o dia a dia da cidade;

Os termos com titulares femininos, todos realizados por procurao, demonstram que a mulher constava como cidad de segunda categoria, relativamente ou totalmente incapaz;

Os foros eram cobrados anualmente, tendo em base o valor acertado por cada braa de frente, geralmente de cem reis, que perfazia seu valor total;

No h menes a comissos; No h meno s Ordenaes Filipinas no termo.

32 REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 1838 A 1846 LIVRO DE AFORAMENTO N 04

A presente nota tcnica refere-se transcrio e anlise do Livro de aforamento n 04 referente ao perodo de 05/12/1838 a 12/04/1846. O livro apresenta 32 pginas, nas quais esto manuscritos em modelo impresso os dados referentes aos aforamentos na Cmara Municipal poca.

Devidos s condies de tempo e deteriorao do livro, bem como s condies de caligrafia da poca, cinco dos 31 termos extraordinrios presentes no livro estavam comprometidos. Esta anlise se baseou em critrios como: localizao, tamanho e proprietrio, como base para traar um parmetro sobre a ocupao na cidade no referido perodo.

As transcries foram realizadas com base em 34 imagens do livro. Aps a leitura, resultaram na elaborao de uma tabela- sntese com as seguintes informaes: nome, localizao do bem, a fonte, especificando o livro, a folha, a data do termo. Os ditos termos tm relevante importncia para um melhor entendimento da sociedade e organizao da Cidade de Belm no perodo de 1838 a 1846, e do curso de seu desenvolvimento aos dias atuais.

321 Anlise quantitativa dos termos

A partir da anlise dos termos de aforamento referente ao perodo de 1838 a 1846 constatamos a maior ocorrncia de pedidos de aforamentos nas reas que correspondem atualmente aos bairros da Cidade Velha, Campina e Nazar, representando 13 dos 26 termos. Os demais esto localizados na Rua de So Francisco (2), Rua Nova do Tucuman (10) e Rua de So Fernando (1), cuja correspondncia com logradouros atuais no foi possvel.

No bairro Cidade Velha h grande incidncia nas reas onde hoje est a Av. Almirante Tamandar, antiga Rua das Mangabeiras (4), e na Rua de So Pedro (2), seguindo ao antigo Largo de D. Pedro, atual Praa da Repblica (5), no bairro da Campina; e avenida Quintino Bocaiuva, antiga Rua do Prncipe, no bairro de Nazar (2).

Os termos so em sua maioria de 1838 (21), ocorrendo trs termos no ano de 1843 e dois em 1845. Alm dos citados acima, trs de 1838 se encontram com os dados ilegveis, e um, de 1846, tambm se apresenta desta forma.

Os lotes apresentam medidas em geral pouco discrepantes, todos so medidos em braas e apresentam na maioria por volta de 14 braas (30,8m) de frente e 14 braas de fundos, o menor com 6 braas (13,2m) e o maior com 27 braas (59,4m). H frequente indicao de nmero e quarteiro, indicados com letras, no formato NMERO 1 QUARTEIRO A. Os arremates dos termos so quase exclusivamente homens, havendo apenas uma mulher dentre os 26 termos, que arrematou terra representada por procurador.

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constatada a frequente arrematao de mais de um lote, muitas das vezes lotes subsequentes, pelo mesmo foreiro, estando em posse os 26 lotes de apenas 17 foreiros diferentes. Tendo arrematado os maiores terrenos: Affonso De Albuquerque e Mello (54 braas de frente em 4 terrenos); Marcos Antnio Rodrigues Martins (38,5 braas de frente em 3 terrenos); e Francisco Jos De Sousa Soares De Andrea (38 braas de frente em 3 terrenos).

Dentre os arrematantes possvel identificar que um era Capito de Polcia, Affonso De Albuquerque e Mello, e outro foi o Excelentssimo Marechal Presidente da Provncia do Par de 09/04/1836 e 07/04/1839, Baro de Caapava, nomeado pelo Imperador para acabar com a Cabanagem, cujo nome de batismo era Francisco Jos de Sousa Soares de Andrea, representado em seus arremates por procurador. H apenas uma mulher dentre os foreiros, Maria do Carmo Rodrigues Pinto, representada por procurador.

322 Anlise dos fundamentos legais nos termos de aforamento do Livro n 04

A legislao vigente no perodo sobre o tema ainda eram as Ordenaes Filipinas, mais especificamente o Livro IV nos ttulos 38 Do foreiro, que alheou o foro com autoridade do senhorio, ou sem ela e 39 Do foreiro, que no pagou a penso em tempo devido. E como purgar a mora.

Os termos de aforamento, baseados nas ditas ordenaes, no as citam diretamente no corpo do texto. No entanto, seus termos se apresentam semelhantes aos da Lei, conforme visvel no quadro abaixo. A Constituio de 25 de maro de 1824, vigente poca, no apresenta legislao a respeito de aforamentos.

Segue abaixo o modelo geral dos termos de aforamento do presente livro:

Quadro 2 Modelo de Termo de Aforamento do Livro n 04

Aos______ dias do mez de _______________ de mil oitocentos e quarenta e ____________ annos;____________ da Independencia, e do Imperio; nesta Cidade de Belm do Ga-Par, Paos do Conselho, e Salla das Sesses da Camara Municipal; achando-se reunidos em Sesso __________ os Membros da mesma Camara abaixo assignados, sob a Presidencia do Ser.___________ mandou a Camara ao Pregoeiro ____________________ metter em prega, para se arrematar, quem mais desse, o fro que divia pagar ______________________________________________________________________________________________________________________________________________________

cujo terreno assim descripto forma o numero ______ do Quarteira ___ seguindo a Planta existente no Archivo; o qual fro hera o de _________________ ris por cada braa, deduzido da quantia de _________ ris conforme a avaliaa a que se mandou proceder na forma da Lei; e visto acharem-se prehenchidos todos os requizitos que a mesma Lei tem prescripto: determinou mais, que dos lanos que encontrasse viesse participar Meza da Vereaa, para se ultimar a arremataa: o que o dito Pregoeiro comprio; e depois de largo espao de tempo veio Meza certificar que __________________________________________________________ havia lanado ________________ ris sobre a dita quantia deduzida; vindo por isso a ser o fro de cada braa anualmente _____________________ reis, e as _________________ prefazem o total de _____________________ ris; o que sendo ouvido pela Camara, e por no haver quem mais desse, mandou afrontar, e arrematar; o que o dito Pregoeiro fez com toda a solemnidade da Lei, dizendo -________________________ ris me da pelo fro anual de cada huma braa de chas (com as confrontaes acima mencionadas) h quem mais d, cheguese araim receber-lhe-hei seu lano; afronta fao, que mais na acho, se mais achara, mais tomara; dou-lhe huma, dou-lhe duas, dou-lhe trs; e entregou hum ramo ao sobredito __________________ em firmeza de pura e valioza arrematao; que elle acceitou sem contradia de pessoa alguma, obrigando-se a tornar uteis os ditos chas edificando ou cultivando conforme a capacidade do terreno, dentro do termo de trs annos sob pena de serem considerados de volutos, e arrancados de seu poder sem mais estrepito judicial, para o que, quando assim o na cumpra, desde j demite de s todo o js, e aca que nos ditos chos possa ter: obrigou-se mais a na vender, trocar, ou alhar por maneira alguma sem licena da Camara, como directa Senhoria sob pena de nulidade: a todo o referido ___________ e para segurana do fro offereceo por fiador e principal pagador a ___________________________________ que sendo presente foi acceito; e dice afianava ao sobredito a importancia do referido fro, obrigando-se como divida sua propria; para o que renunciava qualquer Privilegio que o possa eximir da referida fiana: se de como assim o dicera, e se obrigara, mandou-se lavrar este Termo que os Membros da Camara, Arrematante, Fiador e Pregoeiro todos assignara.

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Os termos do perodo de 1838 a 1846 possuem forma similar, pois so preenchidos manualmente em modelo impresso. Os termos iniciam com a data e referente ano da Independncia e do Imprio, citando que em sesso ordinria da Cmara Municipal, com seu respectivo presidente, foi posto em prego, para se arrematar, quem mais desse o terreno aforado, seguido do nome do arrematante, assim chamado, e descrio de tamanho, endereo, numerao e detalhamento dos valores, estes definidos conforme a medida frontal dos lotes. Aps descrio do procedimento de prego e exposio de obrigaes.

Eram obrigaes concesso pela Cmara do aforamento: 1. Obrigao de tornar teis os ditos chos, edificando ou cultivando-os conforme a capacidade do

terreno, dentro do termo de trs anos sob pena de serem considerados devolutos, e arrancados de seu poder sem a necessidade de processo judicial sem mais estrepito judicial, no havendo direito a contestao;

2. Obrigao de no vender, trocar, ou ceder a rea sem licena da Cmara, sob pena de nulidade do ato.

Consta tambm a necessidade de fiador, que se compromete a arcar com os valores, para maior segurana do foro.

Terminado o texto, arrematante, fiador e pregoeiro assinavam.

323 Consideraes finais

As anlises dos termos de aforamento do Livro n 04 revelam que, ainda em um perodo conturbado da histria brasileira, em particular a paraense, a concesso territorial e de certo modo o dia a dia possua uma estrutura ordenada, sendo possvel destacar os seguintes pontos:

As reas ocupadas ainda correspondiam aos arredores do centro histrico da cidade; O nmero de lotes adquiridos pelo mesmo foreiro era alto, o que representa concentrao de terras; Tal nmero estava diretamente relacionado posio social e nvel econmico; visvel o privilgio na concesso de aforamentos em nmero e tamanho, aos arrematantes cujas

funes detinham renome, como o Baro de Caapava, cujo papel foi determinante na represso da revolta da Cabanagem, entre 1835 e 1840;

Maria Do Carmo Rodrigues Pinto, nica mulher a adquirir, ainda que com procurador, terrenos, um quadro de uma realidade onde a mulher ainda constava como cidad de segunda categoria;

O foro era cobrado anualmente, tendo em base o valor acertado por cada braa de frente que perfazia o valor total do foro;

As terras deveriam ser ocupadas ou tornadas produtivas no prazo de trs anos, ou eram consideradas devolutas e retiradas da posse do arrematante sem a necessidade de ao judicial;

No h meno do termo comisso no Livro.

33 REGIME DE CONCESSO DE TERRAS ATRAVS DO AFORAMENTO NO MUNICPIO DE BELM NO PERODO DE 07/07/1850 A 04/05/1870 LIVRO DE AFORAMENTO N 07

A presente nota tcnica refere-se transcrio e anlise histrica e jurdica do Livro de Aforamento n 7 atinente ao perodo de 07/07/1850 a 04/05/1870. O livro em comento todo manuscrito e foi registrado sob a responsabilidade do Dr. Joo Diogo Clemente Malcher61. O referido livro composto por um termo de abertura, um termo de encerramento, ndice e vrios tipos de termos extraordinrios, dentre eles os termos extraordinrios de aforamento62.

Conforme consta no termo de abertura, todas as pginas do livro de n 7 so numeradas e rubricadas com a assinatura do ento responsvel o Dr. Joo Diogo Clemente Malcher, que assinou apenas com o seu apelido Malcher. No termo de encerramento est anotado que o livro possui noventa folhas63. Ambos os termos ora mencionados so datados em 05 de julho de 1850.

61 Joo Diogo Clemente Malcher era filho de Felix Antonio Clemente Malcher, o primeiro presidente do movimento cabano. Joo Malcher foi presidente da Cmara Municipal de Belm por diversas vezes (CRUZ, 1973, p. 434).62 At o momento ainda no identificamos a razo pela qual no Livro de n 7 os termos nele registrados so definidos como extraordinrios.63 De acordo com o termo de encerramento, o livro possui 90 folhas numeradas. Todavia, a partir da anlise realizada, observa-se existem apenas 88 folhas numeradas. Assim, foram utilizadas 176 pginas, constando nelas termo de abertura, os termos extraordinrios e o termo de encerramento.

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Para a realizao da pesquisa em questo, foi realizada a anlise integral do livro e a transcrio dos termos extraordinrios de aforamentos. Contudo, alguns fatores dificultaram a referida anlise, tais como: a caligrafia do secretrio da Cmara Municipal o qual era responsvel por escrever os termos; o vocabulrio da poca; e o prprio desgaste das muitas pginas, em razo do decurso do tempo e possivelmente pela conservao inadequada do livro.

Com o intuito de viabilizar a transcrio dos termos de aforamento do Livro n 7, foi realizado o seu registro fotogrfico, na ntegra, resultando no total de 179 imagens, assim como a leitura e manuseio do livro in loco. Posteriormente, foi iniciada a leitura minuciosa dos termos de aforamento, as transcries em um dirio de pesquisa, assim como a elaborao de uma tabela-sntese com as seguintes informaes: nome, localizao do bem, a fonte, especificando o livro, a folha, a data do termo e nmero do microfilme.

331 Anlise quantitativa dos Termos

Apesar da considervel dificuldade para compreender os documentos constantes no livro, foi possvel identificar, em 176 pginas, termos sobre variados assuntos: contrato de limpeza, emprstimo, obrigao, conduo, benzimento, depsito, entrega, fiana, arrendamento, assentamento, concesso, indenizao, desapropriao, desistncia, arrematao e os prprios termos extraordinrios de aforamento de terrenos que totalizam 20 no presente livro.

Analisando os mencionados termos extraordinrios de aforamento, foi possvel constatar que os terrenos foram concedidos em sua maioria na Estrada de Bragana, Estrada que vai da praa da independncia ao marco, Travessa So Matheus e Rua Bom Jardim. Os demais terrenos encontravam-se na Estrada da Independncia, Estrada do Boulevard, Pencacova, Travessa dos Mirandas, Estrada Duque de Caxias, Estrada de So Jos, Travessa da Piedade, Rua que passa pelo quartel do corpo de polcia provincial e Travessa Quatorze de Maro.

Observa-se que a maioria dos terrenos concedidos se encontravam ao longo da Estrada de Bragana, Bom Jardim, So Mateus e a estrada que partia da Praa da Independ