UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ NÚCLEO DE...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ NÚCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZÔNICOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO PÚBLICA MESTRADO EM GESTÃO PÚBLICA PARA O DESENVOLVIMENTO HERONILDES MARQUES BARBOSA O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E DINÂMICA MIGRATÓRIA RURAL URBANA: o caso do município de Bagre/Pará Belém, PA 2016

Transcript of UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ NÚCLEO DE...

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR

    NCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZNICOS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GESTO PBLICA

    MESTRADO EM GESTO PBLICA PARA O DESENVOLVIMENTO

    HERONILDES MARQUES BARBOSA

    O PROGRAMA BOLSA FAMLIA E DINMICA MIGRATRIA RURAL

    URBANA: o caso do municpio de Bagre/Par

    Belm, PA

    2016

  • HERONILDES MARQUES BARBOSA

    O PROGRAMA BOLSA FAMLIA E DINMICA MIGRATRIA RURAL

    URBANA: o caso do municpio de Bagre/Par

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao

    do Ncleo de Altos Estudos Amaznicos da Universidade

    Federal do Par como Requisito para obteno do Ttulo

    de Mestre em Gesto Pblica.

    Orientadora: Prof. Dr. Simaia do Socorro Sales das

    Mercs

    rea de Concentrao: Gesto Pblica Municipal.

    Belm, PA

    2016

  • Dados Internacionais de Catalogao de Publicao (CIP)

    Biblioteca do NAEA

    Barbosa, Heronildes Marques

    O programa bolsa famlia e dinmica migratria rural urbana: o caso do municpio de

    Bagre/Par / Heronildes Marques Barbosa; Orientadora, Simaia do Socorro Sales das Mercs.

    2016.

    123 f.: il.; 29 cm.

    Inclui bibliografias

    Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Par, Ncleo de Altos Estudos

    Amaznicos, Programa de Ps-graduao em Gesto Pblica, Belm, 2016.

    1. Poltica social Bagre (PA). 2. Pobreza. 3. Renda Distribuio - Bagre (PA). 4. Migrao. I. Mercs, Simaia, do Socorro Sales das, Orientadora. II. Ttulo

    CDD 22 ed. 361.6098115

  • HERONILDES MARQUES BARBOSA

    O PROGRAMA BOLSA FAMLIA E DINMICA MIGRATRIA RURAL

    URBANA: o caso do municpio de Bagre/Par

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao do

    Ncleo de Altos Estudos Amaznicos da Universidade Federal

    do Par como Requisito para obteno do Ttulo de Mestre em

    Gesto Pblica.

    rea de Concentrao: Gesto Pblica Municipal.

    Data de aprovao: ______/______/_________

    Banca Examinadora:

    Prof. Dr. Simaia do Socorro Sales das Mercs

    Orientadora - NAEA/UFPA

    Prof. Dr. Hisakhana P. Corbin

    Examinador Interna - NAEA/UFPA

    Pro. Dr. Marco Aurlio Arbage Lobo

    Examinador Externo - UNAMA

  • Dedico este trabalho aos meus amados

    Raimundo e Raimunda Marques (in

    memoriam) que sempre me incentivaram.

    A minha estrelinha Acsa Raphaela, luz da

    minha vida e ao Elison que me ensina todos os

    dias o significado do companheirismo.

  • AGRADECIMENTOS

    Acredito que na vida nada acontece por acaso. Algumas pessoas que fazem parte do

    nosso meio seja pessoal, profissional ou acadmico, tambm aparecem em nossa vida para

    somar ao nosso crescimento. Por isso agradecer um gesto que deveria abraar ao universo

    com atitude de gratido.

    Em primeiro lugar, a gratido a Deus, o Senhor e detentor da minha vida, sem Ele

    nada disso seria possvel.

    A minha filha Acsa Raphaela, que enfrentou junto comigo a distncia, a ausncia e os

    incontveis finais de semana dentro de casa.

    A minha me, porto seguro, quando as coisas apertavam. A minha irm, que sempre

    reconheceu minha capacidade intelectual, sempre me ajudou nos momentos mais difceis.

    Ao meu namorido Elison Leite, que foi incansvel em me ajudar a vencer todos os

    obstculos com companheirismo e amor.

    Secretaria Municipal de Sade, meu local de trabalho, tanto a gesto quanto aos

    colegas que compreenderam minha ausncia.

    Secretaria de Assistncia e Promoo Social, principalmente, gestora do PBF

    Erica Silva e ao responsvel pelo Cadnico, Silem Ephidio, por serem parceiros e me

    fornecerem informaes quando precisei.

    professora e Dr Simaia, pela orientao, por indicar o caminho. Aos professores,

    Corbin e Marco Aurlio pelas contribuies dadas no exame de qualificao do projeto de

    dissertao, pois, muitas das discusses incorporadas na dissertao foram frutos desse

    momento.

    Aos colegas da turma de mestrado em Gesto Pblica (turma de Breves) pelas trocas,

    pelo incentivo ao conhecimento, pelo desejo de construir um produto que contribua com a

    gesto local.

    Ao NAEA pela iniciativa de levar uma extenso do Mestrado em Gesto Pblica para

    a Regio do Maraj, tornando possvel o sonho de pesquisadores e possibilitando estudos com

    uma temtica regional.

    s famlias beneficirias do PBF em Bagre, pblico alvo da pesquisa que se

    constituram como fonte de inspirao e busca constante de aprimoramento profissional.

    Enfim, agradeo a todos aqueles que direta e indiretamente contriburam para que este

    ideal de vida fosse concretizado.

  • Agir, eis a inteligncia verdadeira. Serei o que

    quiser. Mas tenho que querer o que for. O xito

    est em ter xito, e no em ter condies de xito.

    Condies de palcio tem qualquer terra larga, mas

    onde estar o palcio se no o fizerem ali?

    (FERNANDO PESSOA)

  • RESUMO

    O objetivo principal deste estudo de caso verificar se existe uma relao entre a

    implementao do Programa Bolsa Famlia - PBF e a migrao da rea rural para a rea

    urbana no municpio de Bagre, no Estado do Par. O PBF uma poltica pblica voltada para

    a minimizao da misria, com enfoque intersetorial e mbito nacional, caracterizado pela

    transferncia direta de renda para os beneficirios, que devem cumprir certas obrigaes

    relacionadas educao e sade. O municpio de Bagre est localizado em uma das regies

    menos desenvolvidas do estado do Par e sua populao fortemente dependente dos

    programas governamentais de transferncia de renda. Em Bagre, o PBF atende a cerca de

    90% das famlias inscritas no Cadnico, o registro do governo federal que contm a

    identificao pessoal e as caractersticas socioeconmicas das famlias de baixa renda no

    Brasil. Vrios aspectos do PBF foram analisados, mas poucos estudos referem-se aos efeitos

    do programa em campos diferentes dos relacionados com seus objetivos explcitos. Apenas

    duas referncias mais especficas ao impacto do PBF sobre os movimentos migratrios foram

    encontradas na literatura. Este estudo foi realizado com uma abordagem mista, qualitativa e

    quantitativa, adotando a estratgia explanatria sequencial. Uma pesquisa de campo foi

    realizada em duas etapas. A primeira conduziu uma entrevista estruturada com uma amostra

    aleatria de famlias beneficirias imigrantes que vivem na rea urbana do municpio que

    viviam anteriormente em reas rurais. A seleo da amostra foi sistemtica e estratificada. A

    segunda etapa realizou entrevistas semiestruturadas com famlias selecionadas da mesma

    amostra. A pesquisa identificou o perfil dos beneficirios imigrantes, as razes da migrao e

    sua percepo das condies de vida na rea urbana. O estudo conclui que o PBF promoveu

    em Bagre o acesso de uma parcela significativa da populao a um rendimento mnimo e

    servios bsicos, que so os objetivos explcitos do programa. Alm disso, o movimento

    migratrio da rea rural para a urbana aumentou devido implementao do PBF. Isso foi

    causado pela expectativa de garantia de renda e incorporao no mercado de trabalho urbano

    levantado entre os beneficirios, o que lhes permitiu satisfazer seu desejo de migrar existente

    antes de entrar no programa ou decorrente da necessidade de atender aos requisitos impostos

    pelas obrigaes do programa. Embora na percepo dos imigrantes beneficirios do PBF a

    mudana de residncia para as reas urbanas tenha conduzido a uma melhoria nas suas

    condies de vida, as condies de habitao e infraestrutura ainda so muito precrias, o que

    coloca novos desafios para a gesto local.

    Palavras-Chave: Programa Bolsa Famlia. Migrao Rural Urbana. Municpio de Bagre.

  • ABSTRACT

    The main objective of this case study is to verify if there is a relationship between the implementation

    of the Bolsa Famlia Program (PBF) and the migration from rural to urban areas in the municipality of

    Bagre, Par State, Brazil. The PSF is a public policy aimed at minimizing misery, having an

    intersectoral focus and national scope, characterized by direct income transfer to the beneficiaries, who

    must fulfill certain obligations related to education and health. The municipality is located in one of

    the less developed regions of Par state, and its population is heavily dependent on government

    income transfer programs. In Bagre, the PBF serves about 90% of families enrolled in the Cadnico,

    the federal government register containing personal identification and socio economic features of low-

    income families in Brazil. Several aspects of the PBF have been analyzed, but few studies refer to the

    effects of the program in fields other than those related to its explicit objectives. Only two more

    specific references to the impact of PBF on migration movements were found in the literature. This

    study was carried out with a mixed, qualitative and quantitative approach, adopting the sequential

    explanatory strategy. A field research was carried out in two stages. The first one conducted a

    structured interview with a random sample of immigrant beneficiary families living in the urban area

    of the municipality who previously lived in rural areas. The sample selection was systematic and

    stratified. The second stage conducted semi-structured interviews with selected families from the same

    sample. The research has identified the profile of the immigrant beneficiaries, the reasons for

    migration and their perception of living conditions in the urban area. The study concludes that the PBF

    promoted in Bagre the access of a significant portion of the population to a minimum income and

    basic services, which are the explicit objectives of the program. Furthermore, the migratory movement

    from rural to urban areas has increased due to the implementation of PBF. This was caused by the

    expectation of income guarantee and incorporation into the urban labor market raised among the

    beneficiaries, which has allowed them to meet their desire to migrate existing before entering the

    program or arising from the need to meet the requirements imposed by the obligations of the program.

    Although in the perception of the immigrant beneficiaries of the BFM the change of residence to urban

    areas has led to improvements in their living conditions, the housing and infrastructure conditions are

    still very precarious, which poses new challenges to the local management.

    Key Words: Family Income Program. Rural to Urban Migration. Municipality of Bagre.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Mapa 1- Localizao geogrfica do municpio de Bagre-

    Par..............................

    16

    Imagem 1- Participao das famlias beneficiadas pelo Programa Bolsa Famlia

    no total de famlias cadastradas do Cadnico, segundo Regio de

    Integrao do Par, 2014........................................................................ 20

    Quadro 1- Benefcios, valores e pblico alvo do Programa Bolsa Famlia............ 53

    Quadro 2- Estratgia baseada na avaliao dos dados............................................ 66

    Quadro 3- Classificao da amostra por perodo de migrao ............................... 70

    Quadro 4- Oferta de servios no meio rural na percepo dos beneficirios do

    PBF migrantes da rea rural para a urbana, Bagre ............................. 82

    Quadro 5- Trechos das entrevistas com beneficirios PBF, migrantes rural-

    urbano ................................................................................................... 83

    Quadro 6- Percepo dos beneficirios sobre as condies de vida aps a

    insero no PBF e a migrao para rea urbana .................................. 84

    Mapa 2- rea urbana do municpio de Bagre-Par............................................. 97

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 - Evoluo do nmero de famlias cadastradas no Cadnico e

    beneficirias pelo Programa Bolsa Famlia (em mil), Bagre (Par),

    2009 2016....................................................................................... 75

    Grfico 2 - Idade dos responsveis pelas famlias beneficirias do PBF,

    migrantes da rea rural para a urbana, Bagre ................................... 79

    Grfico 3 - Escolaridade do titular do benefcio do PBF, migrantes da rea

    rural para a urbana, Bagre ............................................................... 80

    Grfico 4 - Motivos para migrao dos beneficirios do PBF da rea rural

    para a urbana, Bagre ......................................................................... 80

    Grfico 5 - Situao de ocupao beneficirios PBF, migrantes rural - urbano

    Bagre/Pa......................................................................................... 86

    Grfico 6- Valores dos benefcios recebidos pelos beneficirios do PBF,

    migrantes rural - urbano, Bagre ....................................................... 89

    Grfico 7 - Aplicao dos recursos financeiros recebidos pelos beneficirios

    do PBF, migrantes da rea rural para urbana, Bagre ....................... 90

    Grfico 8 - Relao de bens durveis possudos pelos beneficirios do PBF,

    migrantes da rea rural para urbana, Bagre ...................................... 91

    Grfico 9 - Participao dos beneficirios do PBF migrantes da rea rural para

    a urbana em atividades da assistncia social, Bagre ........................ 93

    Grfico 10 - Participao dos migrantes rural - urbano em atividades

    relacionadas ao PBF ........................................................................ 95

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1- Populao residente no municpio de Bagre por situao de domiclio

    no perodo de 1970 a 2010...................................................................... 17

    Tabela 2- Taxa mdia geomtrica anual total decrescimento da populao no

    municpio de Bagre, 1970-2010.............................................................. 17

    Tabela 3- Populao residente no municpio de Bagre, por faixa etria,

    (2010).......................................................................................................

    18

    Tabela 4- Famlias atendidas e valor total empregado no PBF, no Estado do Par

    e municpio de Bagre 2009 a 2015...................................................... 56

    Tabela 5- Acompanhamento das Condicionalidades Sade e Educao, Bagre

    (Par)........................................................................................................ 76

    Tabela 6 - Perfil das famlias inscritas no Cadastro nico em Bagre Par,

    agosto 2016 ............................................................................................ 76

    Tabela 7 - Estimativa de famlias beneficirias....................................................... 77

    Tabela 8 - Motivos para migrao dos beneficirios do PBF da rea rural para a

    urbana, Bagre por perodo em que ocorreu a migrao ......................... 81

    Tabela 9 - Distribuio das mudanas apontadas pelos beneficirios

    entrevistados........................................................................................ 85

    Tabela 10 - Renda familiar dos beneficirios do PBF, migrantes rural urbano,

    antes da insero no programa ............................................................... 88

    Tabela 11 - Renda familiar dos beneficirios do PBF, migrantes rural urbano,

    Bagre, baseado no salrio mnimo ano 2015 ......................................... 88

    Tabela 12 Portadores de condies especiais na rea da sade entre os

    beneficirios PBF Bagre/Pa,................................................................ 92

    Tabela 13 Infraestrutura de saneamento e de energia eltrica disponveis nos

    domiclios dos beneficirios do PBF migrantes da rea rural para a

    urbana , Bagre-Pa ................................................................................. 99

    Tabela 14 Condio de habitao relatada pelos beneficirios do PBF migrantes

    da rea rural para a urbana, Bagre .......................................................... 99

    Tabela 15 Material de construo utilizado nos domiclios dos beneficirios do

    PBF migrantes da rea rural para a urbana, Bagre ................................. 99

    Tabela 16 Nmero de banheiros nos domiclios dos beneficirios do PBF

    migrantes da rea rural para a urbana, Bagre ......................................... 100

    Tabela 17 Nmero de moradores por dormitrio nos domiclios dos beneficirios

    do PBF migrantes da rea rural para a urbana, Bagre ............................ 101

  • LISTA DE ABREVIATURAS

    ACS Agentes Comunitrios de Sade

    BPC Benefcio de Prestao Continuada

    CADNICO Cadastro nico de Programas Sociais do Governo Federal

    CMAS Conselho Municipal de Assistncia Social

    CNAS Conselho Nacional de Assistncia Social

    CNSS Conselho Nacional de Servio Social

    CRAS Centro de Referncia em Assistncia Social

    EXCEL

    ESF

    Programa de computador, Pacote Office

    Equipe Sade da Famlia

    FAPESPA Fundao Amaznia de Amparo a Estudos e Pesquisas do Par

    FNAS Fundo Nacional de Assistncia Social

    IAPs Institutos de Aposentadorias e Penses

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IDHM ndice de Desenvolvimento Humano Municipal

    IGD ndice de Gesto Descentralizada

    IGD-M ndice de Gesto Descentralizada Municipal

    IPS ndice de Progresso Social

    LBA Legio Brasileira de Assistncia

    LOAS Lei Orgnica da Assistncia Social

    IEM ndice de Eficcia Migratria

    INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

    IPS ndice Progresso Social

    MDS Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome

    MPAS Ministrio da Previdncia e Assistncia Social

    ONU Organizao das Naes Unidas

    PLHIS Planos Locais de Habitao de Interesse Social

    PARFOR Plano Nacional de Formao de Professores

    PBF Programa Bolsa Famlia

    PETI Programa de Erradicao do Trabalho Infantil

    PNADs Pesquisa Nacional de Amostragem de Domiclios

    POF Pesquisa de Oramentos Familiares

    PNAS Poltica Nacional de Assistncia Social

    PP Pontos Percentuais

  • PSF Programa Sade da Famlia

    RI Regio de Integrao

    SECULT Secretaria de Cultura

    SEMAD Secretaria Municipal de Administrao

    SEMAPS Secretaria de Assistncia e Promoo Social

    SEMSA Secretria Municipal de Sade

    SENARC Secretaria Nacional de Renda de Cidadania

    SICON Sistema de Gesto de Condicionalidades do Programa Bolsa Famlia

    SINASC Sistema de Informaes sobre Nascidos Vivos

    SUAS Sistema nico de Assistncia Social

    TAC Taxa de Atualizao Cadastral

    TAFE Taxa de Acompanhamento de Frequncia Escolar

    TCQC Taxa de Cobertura Qualificada de Cadastros

    UC Unidades de Contexto

    UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

    UR Unidades de Registro

  • SUMRIO

    1 INTRODUO................................................................................................ 15

    2 FATORES DE MIGRAO E TENDNCIAS NO

    BRASIL.............................................................................................................

    26

    2.1 A sada da terra de ningum para uma teoria da migrao.................. 26

    2.2 Fatores de anlise para compreenso do movimento

    migratrio..........................................................................................................

    35

    2.2.1 Seletividade........................................................................................................ 35

    2.2.2 Determinantes..................................................................................................... 36

    2.2.3 Consequncias.................................................................................................... 38

    2.3 Tendncias da mobilidade demogrfica no

    Brasil.................................................................................................................

    40

    2.4 A migrao no Par.......................................................................................... 43

    3 UMA ESTRATGIA POLTICA DE ENFRENTAMENTO

    POBREZA NO BRASIL - O PROGRAMA BOLSA FAMLIA................ 47

    3.1 A poltica de proteo social no Brasil............................................................ 47

    3.2 O Programa Bolsa Famlia: natureza, peculiaridades e resultados

    gerais...............................................................................................................

    50

    3.3 Os efeitos do programa Bolsa Famlia sobre a pobreza e

    desigualdade........

    57

    4 METODOLOGIA............................................................................................. 63

    4.1 Universo e amostra da pesquisa de campo..................................................... 69

    4.2 Pesquisa piloto................................................................................................... 70

    4.3 Instrumentos de pesquisa................................................................................. 71

    4.4 A coleta de dados.............................................................................................. 72

    4.5 Procedimentos de anlise................................................................................. 73

    5 PROGRAMA BOLSA FAMLIA EM BAGRE: CARACTERIZAO,

    EFEITOS NA DINMICA MIGRATRIA RURAL URBANA E

    CONDIES DE VIDA DOS BENEFICIRIOS

    MIGRANTES.................................................................................................... 74

    5.1 Caractersticas do PBF no municpio de Bagre-Pa....................................... 74

    5.2 Migrao rural urbana perfil socioeconmico dos beneficirios do PBF

    migrantes .......................................................................................................... 78

    5.3 Migrao rural urbana dos beneficirios do Programa Bolsa Famlia:

    motivos e expectativas...................................................................................... 80

    5.4 Condies de vida na rea urbana de Bagre dos beneficirios do PBF

    migrantes da rea rural .................................................................................. 86

    6 CONSIDERAES FINAIS .......................................................................... 102

  • REFERNCIAS................................................................................................ 106

    APNDICES..................................................................................................... 115

  • 15

    1 INTRODUO

    A migrao populacional de reas rurais para rea urbana um fenmeno que provoca

    mudanas na estrutura da cidade, gerando novas demandas a serem atendidas pelo Estado, em

    especial as administraes municipais. No Brasil, essa populao tende a se concentrar em

    reas especficas do territrio urbano, geralmente sem infraestrutura, e isso aprofunda as

    desigualdades socioespaciais, alijando os migrantes do acesso a bens e servios e exigindo da

    gesto pblica focalizao das polticas e execuo de projetos voltados a determinados

    territrios.

    A literatura sobre migrao aponta fatores como crise econmica, desemprego, baixa

    oferta de servios no meio rural, como fundamentais na deciso de migrao pela populao

    mais pobre. Na sociedade brasileira atual, a grande maioria da populao, especialmente os

    setores condenados excluso social, deixam sua terra e sua gente, no por um ato livre, mas

    por motivos de vida ou morte (GONALVES, 2001, p. 174). Nesse contexto de distribuio

    desigual entre recursos e necessidades, fundamental o conhecimento da populao no de

    modo homogneo, padronizado, e, sim de maneira especfica localizando a histria, fazendo o

    levantamento de problemas e planejando de maneira a minimizar positivamente a esses

    problemas.

    Estudos demonstram que a migrao interna brasileira explicada principalmente

    pelas desigualdades econmicas, sociais e regionais, historicamente existentes no pas

    (HOLANDA FILHO, 1989; JUSTO, 2006) e geralmente envolve pessoas deixando reas

    mais pobres e migrando para reas com mais oportunidades socioeconmicas. No entanto,

    como o movimento migratrio dinmico, o fluxo brasileiro de migrao interna vem

    apresentando algumas mudanas com muito menos pessoas que abandonam reas mais pobres

    e uma forte presena de migrao de retorno a essas regies, conforme descrito por Baeninger

    (2012, p. 96):

    As migraes no sculo 21 redefinem seus polos, configurando mais reas de

    reteno da migrao do que reas com uma tendncia polarizada de longa

    permanncia, como foi o caso do Sudeste nos ltimos cinquenta anos. Essas

    modificaes so resultados de inmeras transformaes ocorridas no cenrio

    econmico internacional e nacional, que trouxeram efeitos em termos polticos e

    econmicos. Tais mudanas exercem efeitos sobre a deciso de migrar, e num

    contexto mais atual, sobre a deciso de permanecer ou no na Regio /Estado para

    qual migrou em tempos passados.

    Nesse contexto, torna-se cada vez mais complexo o entendimento das migraes

    internas que ocorrem no espao brasileiro no sculo 21 e para melhor entendimento do

  • 16

    fenmeno necessrio que se analise casos de redistribuio espacial da populao nos

    variados contextos regionais, pois, temos grandes disparidades em nosso pas e um fenmeno

    que se observa no Sul no necessariamente se replica no Norte.

    Os movimentos migratrios ocorrem e podem ser observados relativamente a diversos

    recortes espaciais, envolvendo pases, regies, estados, municpios e reas urbanas e rurais.

    Neste trabalho estuda-se a migrao rural urbana no municpio de Bagre, localizado ao norte

    do estado do Par e integra a mesorregio do Maraj, microrregio de Portel, com rea de

    8.914 Km2 e densidade demogrfica de 5,43 hab/km. Seus limites geogrficos so: ao Norte

    Rio Par; Sul: Tucuru; Leste: Oeiras do Par e Baio; Oeste: Portel; Noroeste: Melgao

    (Mapa 1). A sede do municpio est localizada na ilha de Bagre, na margem esquerda subindo

    o Rio Par, distante da capital do estado (Belm) cerca de 200 Km, em linha reta.

    Mapa 1- Localizao geogrfica do municpio de Bagre-Par

    Fonte: LAENA (2016).

    Bagre um municpio que tem sua histria entrelaada com as dos municpios de

    Oeiras, Portel e Curralinho. Desconhece-se precisamente a origem histrica do municpio de

    Bagre, sabe-se, porm, que suas terras pertenciam ao municpio de Oeiras, quando o povoado

  • 17

    que se desenvolveu em torno de uma capela foi reconhecido pela lei n 934, de 31 de julho de

    1879. Em 28 de outubro de 1887, atravs da lei n 1.306, foi elevado categoria de freguesia.

    Em 28 de outubro de 1890, cria-se o municpio de Bagre atravs do Decreto n 210,

    desmembrando-o de Oeiras. Posteriormente, perde sua autonomia recuperando-a somente em

    29 de dezembro de 1961, atravs da lei n 2.460. (TAVARES, 2008).

    No municpio de Bagre, pelo menos desde 1970, a populao residente na rea urbana

    tem crescido a altas taxas anuais, inclusive no intervalo 1991-2000, em que a populao total

    decresceu, e, no perodo 2000-2010, essa dinmica tornou-se ainda mais acentuada,

    resultando, nas ltimas dcadas, no aumento de sua participao em relao populao total.

    (Tabelas 1 e 2).

    Tabela 1- Populao residente no municpio de Bagre por situao de domiclio no perodo de 1970 a 2010

    Populao Residente Situao de Domicilio Ano

    Habitantes

    1970 1980 1991 2000 2010

    Total 4.405 8.304 13.844 13.708 23.864

    Urbana 708 1.443 2.140 4.395 10.661

    Rural 3.697 6.862 11.704 9.313 13.203

    Percentual

    Total 100% 100% 100% 100% 100%

    Urbana 16,07 17,37 15,46 32,06 44,67

    Rural 83,93 82,63 84,54 67,94 55,33

    Fonte: IBGE (2010a), adaptado pela autora.

    Tabela 2- Taxa mdia geomtrica anual total decrescimento da populao no municpio de Bagre, 1970-2010 1970 a 1980 1980 a 1991 1991 a 2000 2000 a 2010

    Total 6,5 4,8 -0,1 5,7

    Urbana 7,4 3,6 7,5 9,3

    Rural 6,4 5,0 -2,3 3,6

    Fonte: Autora, com base IBGE (2010a)

    A avaliao do crescimento populacional de um territrio pode ser feita atravs da

    anlise das variveis demogrficas: fecundidade, mortalidade e migrao. Quanto varivel

    fecundidade no perodo 2008-2015 houve um decrscimo no que se refere taxa de

    natalidade do municpio passando de 25,13 a 18,21, respectivamente (SINASC; SEMSA,

    2015). Em 2010, contaram-se 738 habitantes de Bagre que haviam imigrado para o municpio

    no perodo 31/07/2000 a 31/07/2010 (IBGE, 2010b). Isso indica que a migrao rural - urbana

    interna ao municpio a responsvel pelo aumento da populao urbana.

    A populao do municpio composta em sua maioria por crianas e jovens (Tabela

    3), que constituem um grande contingente de dependentes no aspecto econmico.

  • 18

    Tabela 3 - Populao residente no municpio de Bagre, por faixa etria, (2010)

    Faixa

    etria

    0 a 4

    anos

    5 a 9

    anos

    10 a

    14

    anos

    15 a

    19

    anos

    20 a

    24

    anos

    25 a

    29

    anos

    30 a

    39

    anos

    40 a

    49

    anos

    50 a

    59

    anos

    60 a

    69

    anos

    70

    anos a

    mais

    Habitantes 3.364 3.396 3.496 2.859 2.261 2.017 2.849 1.541 975 686 420

    Percentual 14% 14,2% 15% 12% 9,4% 8,4% 12% 6,4% 4% 3% 2%

    Fonte: IBGE (2010c).

    As atividades econmicas presentes no municpio esto relacionadas ao extrativismo

    vegetal com base no comrcio de madeiras e palmito, na agricultura de subsistncia e na

    pesca. Nessas atividades est envolvida grande parte da populao, com um nvel de renda

    estimada ao salrio mnimo. Tendo um nmero considerado de pessoas economicamente

    ativas, desempregadas e sobrevivendo de atividades informais e programas sociais de

    transferncia de renda. (FAPESPA, 2015a).

    Ao longo dos anos, o modelo extrativista degradou parte da reserva natural do

    municpio. A extrao de madeiras e palmito so os principais responsveis por esse

    panorama. J existe no municpio rea de reflorestamento do aa nativo, entretanto, ainda

    insuficiente para o abastecimento local, prevalecendo cultura da extrao.

    Outra fonte de renda da populao so os empregos pblicos, cuja quantidade

    aumentou a partir da municipalizao da sade e da educao, gerenciadas pelo poder pblico

    municipal, que se constitui no maior empregador do municpio. (SEMAD, 2015).

    Bagre localiza-se em regio onde historicamente se encontram os piores indicadores

    sociais e econmicos do estado do Par (FAPESPA, 2015b), com muitos problemas sociais e

    grande dependncia de polticas pblicas dirigidas proviso de servios bsicos, como sade

    e educao, e de programas estatais de transferncia de renda.

    Os servios bsicos so concentrados na rea urbana do municpio, o que representa

    uma dificuldade adicional para a populao rural, que depende do deslocamento sede

    municipal para acess-los. O acesso rea urbana se d em sua maioria atravs de transportes

    como: barcos, rabetas, rabudos. Existem comunidades rurais ao longo do Rio Jacund, como a

    comunidade de Balieiro que, dependendo do perodo de seca do rio, fica isolada da sede do

    municpio, s sendo possvel o acesso atravs de motos, por grandes trechos dentro da mata e,

    depois, por barco. Essa localidade fica a 28 horas de viagem de barco da sede do municpio.

    O cenrio que se apresenta nas comunidades rurais de Bagre a inexistncia de

    equipamentos que atendam necessidade de servios bsicos: na rea da sade no existem

    Unidades Bsicas para atendimento de vacinas, acompanhamento pr-natal e vigilncia

    nutricional. Na rea de educao, no existem escolas de nvel mdio; quanto poltica de

  • 19

    assistncia social, somente na rea urbana existem equipamentos que garantem o atendimento

    dos usurios dessa poltica.

    Como antes mencionado, a atividade econmica restrita e o nvel de pobreza

    observado em Bagre tornam o municpio altamente dependente de programas de transferncia

    de renda, tais como o Programa de Transferncia de Renda Bolsa Famlia (PBF).

    O PBF um programa que surgiu na reformulao da politica social no Brasil que

    objetiva a erradicao dos nveis mais basais de pobreza a fome. O reconhecimento da

    alimentao como um direito inalienvel do ser humano uma luta antiga em nosso pas e no

    mundo. Diversos organismos internacionais, tais como a Organizao das Naes Unidas

    (ONU), entendem que o acesso a alimentos de qualidade condio bsica para a

    sobrevivncia dos seres humanos. Alm do acesso alimentao, renda, a qualidade de vida

    das famlias depende de outras dimenses. Entre as quais, o acesso a servios pblicos

    fundamentais, como saneamento bsico, sade, educao. Infelizmente, como, muitas vezes, a

    cobertura destes servios est longe de ser universal, a falta de acesso a eles, alm de

    comprometer o bem-estar da populao, pode atuar tanto como causa quanto como

    consequncia da pobreza.

    No sentido de contribuir para a minimizao desse quadro, o governo federal criou o

    PBF em 2004, que visa a diminuio da pobreza atual e intergeracional, atravs da exigncia

    de cumprimento de condicionalidades relativas sade, educao e assistncia social.

    Atualmente, no Brasil, contam-se 13.840.98 famlias beneficiadas pelo programa. No estado

    do Par, so 890.127 famlias beneficiadas e no municpio de Bagre, 2.868 famlias

    (FAPESPA, 2016). Pode-se estimar a relevncia desse programa para o Par e a regio em

    que Bagre est localizado, observando a participao das famlias beneficiadas no total das

    cadastradas no Cadnico (Imagem 1). O Cadnico o sistema utilizado pelo governo para a

    implementao de programas sociais e oferece uma aproximao magnitude da pobreza no

    pas. O municpio de Bagre est localizado na regio do Maraj, que concentra 57% da

    pobreza do estado do Par (FAPESPA, 2015c).

  • 20

    Imagem 1- Participao das famlias beneficiadas pelo Programa Bolsa Famlia no total de famlias cadastradas do Cadnico, segundo Regio de Integrao do Par, 2014

    Fonte: FAPESPA (2015a).

  • 21

    De acordo com a Imagem 1, o PBF beneficiou mais de 60% das famlias inscritas no

    Cadnico no ano de 2014 na maioria das regies do estado, ficando abaixo dessa cobertura

    em apenas quatro delas. Dentre as regies que tiveram uma maior participao de famlias

    beneficiadas com o PBF, destaque para a regio do Maraj, na qual 74,4% das famlias

    cadastradas no Cadnico receberam o benefcio. No entanto, mesmo sendo a regio com

    maior concentrao de famlias em situao de pobreza no estado do Par, a taxa de acesso

    dessas famlias ao PBF e de acesso ao cadastro no Cadnico inferior proporo de

    famlias pobres, justificando as dificuldades de acessibilidade da populao rural a servios de

    cadastramento da assistncia social. (FAPESPA, 2015a). Na regio Maraj, Bagre um dos

    municpios com os piores indicadores sociais, com um ndice de Desenvolvimento Humano

    Municipal (IDHM) 2010 de 0,471, e um ndice de Progresso Social (IPS) 50,72, com uma

    estimativa de famlias pobres de 2.927 segundo Censo (2010). Nesse contexto o PBF

    representa uma cobertura de 97,8% da estimativa de famlias pobres do municpio.

    A desigualdade na distribuio de renda e a concentrao de pobreza tambm se

    expressam em diferenas regionais no territrio brasileiro. Estudos indicam que tanto a

    pobreza quanto a extrema pobreza so cada vez mais problemas tpicos dos municpios do

    interior das regies Norte e Nordeste, que se configuram, portanto, reas prioritrias para

    intervenes pblicas.

    O PBF uma poltica de abrangncia nacional e seu desenho no o caracteriza como

    poltica espacial. No entanto, estudos demostram que se configura como uma poltica que tem

    papel importante na reduo da desigualdade entre as regies do pas e, por isso, poderia

    influenciar nos movimentos espaciais dos indivduos (SILVEIRA; AZZONI, 2007; PIRES;

    LONGO, 2008).

    O impacto do PBF em mbito regional e espacial tem sido pouco estudado. Foram

    encontradas na literatura duas referncias mais especficas: Pereira (2011) e Silveira Neto

    (2008).

    O estudo de Pereira (2011) uma anlise descritiva na qual foi analisada, para os

    municpios do estado da Bahia, a relao dos programas de transferncia de renda com a

    economia e com a migrao. A autora concluiu que a relao entre as transferncias e o PIB

    so mais significativas para os pequenos e mdios municpios, sendo que, quando essa relao

    envolve o PBF, mais significativa para os pequenos municpios. Concluiu tambm que os

    programas de transferncia de renda podem influenciar nos fluxos migratrios, favorecendo o

    deslocamento, dentro da mesma regio, das famlias com renda per capita at salrio

    mnimo.

  • 22

    O estudo de Silveira Neto (2008) utilizou suplemento dos micro dados da PNAD de

    2004 para analisar as evidncias a respeito do impacto das transferncias de renda do PBF

    sobre a migrao inter-regional brasileira, com as seguintes concluses: o PBF afeta

    negativamente o fluxo migratrio interno brasileiro e parece no afetar o retorno dos

    indivduos emigrados.

    No trabalho de acompanhamento das famlias em situao de vulnerabilidade social no

    municpio de Bagre realizado no Centro de Referncia em Assistncia Social (CRAS),

    percebeu-se que o deslocamento das famlias assistidas da rea rural para a urbana um

    movimento recorrente. Outro meio de observao desse deslocamento o recadastramento

    anual do PBF e seus desdobramentos atravs do acompanhamento das condicionalidades de

    sade e educao. No municpio de Bagre, os beneficirios so acompanhados pelos

    estabelecimentos de sade, na zona urbana e atravs do trabalho dos Agentes Comunitrios de

    Sade (ACS), na zona rural. Esse acompanhamento monitorado por programas especficos:

    de atualizao cadastral, o Cadnico; e de acompanhamento de sade, o SISVAN. Foi

    possvel observar nesses sistemas que os beneficirios alteraram o local de endereo a cada

    recadastramento, sendo que muitos que tinham endereo na zona rural, nos ltimos 10 anos,

    alteraram para endereo na rea urbana. Isso tambm se observa atravs dos relatrios dos

    ACS da rea rural, que costumeiramente perdem famlias em seu acompanhamento, por

    causa do deslocamento destas para rea urbana.

    Esse movimento requer aes pblicas no sentido de dotar a cidade das condies para

    receber o novo contingente populacional. Nesse sentido, planejar polticas sociais que venham

    a atender eficazmente as demandas implica a necessidade de conhecer o perfil e as

    expectativas da populao migrante, bem como os fatores que influenciaram a migrao.

    As observaes que emergiram da experincia profissional e a identificao de poucos

    estudos especficos acerca dos efeitos do PBF sobre o territrio conduziram realizao deste

    trabalho, com o objetivo principal de verificar se existe relao entre o PBF e a migrao da

    rea rural para rea urbana no municpio de Bagre. Nesse sentido, este estudo busca responder

    s seguintes questes especficas:

    a) Quais os principais fatores que motivaram a migrao dos beneficirios do

    PBF das reas rurais para reas urbanas no municpio de Bagre?

    b) Se o PBF tem influncia na migrao rural-urbana no municpio de Bagre,

    como se d essa influncia?

  • 23

    c) Havia, para a populao beneficiria do PBF, anteriormente obteno do

    benefcio, o desejo de migrar das reas rurais para reas urbanas no municpio, cuja efetivao

    no era possvel at a incluso no PBF?

    d) O PBF tem criado as condies concretas que possibilitam a efetivao do

    desejo de migrar das reas rurais para reas urbanas no municpio de Bagre? Se positivo,

    quais essas condies?

    e) Houve melhoria na qualidade de vida dos beneficirios migrantes, e se

    positivo, quais so as melhorias observadas aps a mudana da rea rural para urbana.

    As hipteses que nortearam a pesquisa so:

    a) Acesso educao, sade, emprego e fuga da misria so as principais

    motivaes que levam os migrantes da zona rural para a zona urbana;

    b) As exigncias (condicionalidades) do PBF induzem a migrao, dado que as

    condies concretas para seu atendimento, como rede escolar e de sade, se concentram nas

    reas urbanas do municpio;

    c) Havia o desejo de migrar da rea rural para a urbana que no era possvel at a

    incluso das famlias migrantes no PBF e foram viabilizadas pela concesso do

    benefcio;

    d) A ausncia de renda fixa, que dificultava ou impedia a migrao rural-urbana

    dos beneficirios do PBF que a desejavam, deixou de existir quando as

    famlias passaram a contar com a renda fixa proporcionada pelo programa; e

    e) A mudana para a rea urbana proporcionou acesso a servios e a emprego que

    no esto disponveis na rea rural.

    O estudo foi realizado sob a abordagem mista, integrando as perspectivas:

    quantitativa, que privilegia os aspectos quantificveis da coleta e anlise dos dados atravs da

    utilizao de procedimentos estatsticos, e qualitativa, que analisa sem numerar ou medir

    categorias homogneas (RICHARDSON, 1999).

    O mtodo da investigao o estudo de caso que, segundo Yin (2011), uma

    estratgia metodolgica para a pesquisa em cincias humanas, pois permite ao investigador o

    aprofundamento em relao ao fenmeno estudado, revelando nuances difceis de serem

    enxergadas de outra forma. Alm disso, o estudo de caso favorece uma viso holstica sobre

    os acontecimentos da vida real, destacando-se seu carter de investigao emprica de

    fenmenos contemporneos.

  • 24

    Como a natureza das questes da pesquisa exigem que se compartilhe uma

    combinao de tcnicas e mtodos, utilizou-se a pesquisa de mtodos mistos esses

    procedimentos se desenvolveram em resposta necessidade de esclarecer o objetivo de reunir

    dados quantitativos e qualitativos em um nico estudo (CRESWELL, 2007, p. 211).

    Neste estudo a estratgia de pesquisa escolhida foi a explanatria sequencial, descrita

    por Creswell (2007) como estratgia que trata as fases de implementao da coleta de dados

    de forma sequencial (primeira fase, segunda fase), com prioridade igual aos dados

    quantitativos e qualitativos, sendo que a integrao destes ocorre no processo de anlise,

    numa perspectiva terica explcita.

    Os procedimentos metodolgicos adotados foram: a) reviso bibliogrfica acerca dos

    temas migrao, poltica social no Brasil, programas de transferncia de renda, histria do

    municpio de Bagre; b) pesquisa documental, que permitiu coletar dados sociais sobre o

    municpio e dados referentes ao PBF; e c) pesquisa de campo, realizada conforme detalhado

    no captulo quatro desta dissertao.

    A dissertao est estruturada em cinco captulos. No captulo dois busca-se

    compreender o fenmeno migrao, desde a dificuldade de sua conceituao, as abordagens

    explicativas e as motivaes expressas na literatura que explicam o desejo de migrar, bem

    como apreender os aspectos gerais da migrao, incluindo as tendncias da mobilidade, no

    Brasil, no Par e no Maraj. O terceiro captulo aborda o percurso da poltica de proteo

    social no Brasil, descreve o PBF e apresenta as anlises identificadas sobre sua relao com a

    pobreza e a desigualdade social. No captulo quatro, expe-se detalhadamente a metodologia

    adotada na pesquisa. O quinto captulo contm o histrico, dados do PBF em Bagre,

    apresentao e discusso dos resultados da pesquisa e suas concluses. Nas consideraes

    finais so retomadas as principais constataes do estudo e apresentadas sugestes para a

    gesto pblica municipal, relativas a aes com o fim de favorecer o alcance dos objetivos

    mais amplos do PBF.

    Os resultados do trabalho permitem inferir que o PBF, poltica pblica inscrita no

    campo da assistncia social com intersetorialidade com as polticas de educao e sade,

    promove em Bagre o acesso de parcela importante da populao a uma renda mnima e aos

    servios bsicos, que so os objetivos explcitos do programa. Para alm disso, tem efeitos

    sobre o movimento migratrio no sentido rural urbano, internamente ao municpio,

    incrementando-o. Tais efeitos decorrem da expectativa de garantia de renda e incorporao ao

    mercado de trabalho urbano suscitada entre os beneficirios, que lhes permite atender a desejo

    de migrar existente antes da insero no programa ou surgido da necessidade de cumprir as

  • 25

    exigncias colocadas pelas condicionalidades do programa. Embora na percepo dos

    beneficirios do PBF migrantes a mudana para rea urbana tenha propiciado melhoria de

    condies de vida, as informaes relativas habitao e infraestrutura evidenciam ainda

    grande precariedade. Assim, o PBF tem implicaes no aprofundamento dos problemas

    urbanos que colocam novas demandas para a gesto local.

  • 26

    2 FATORES DE MIGRAO E TENDNCIAS NO BRASIL

    2.1A sada da terra de ningum _ para uma teoria da migrao

    A migrao processo complexo em suas caractersticas, mensurao, causas e

    efeitos. Nos ltimos tempos uma literatura abundante tem focalizado as mltiplas dimenses

    da migrao e os resultados desses estudos evidenciam a dificuldade de construo de uma

    teoria geral para medir, explicar e prever o fenmeno migrao. Muito embora haja um

    grande nmero de teorias sobre migrao, h pouca intercomunicao entre elas. Massey

    (1990) ressalta que esta fragmentao seria o resultado da divergncia entre os estudiosos do

    tema em relao a quatro dimenses bsicas.

    A primeira dimenso do conflito seria se o tema deve ser estudado de forma

    sincrnica ou em uma perspectiva histrica diacrnica. A segunda dimenso seria em

    relao ao lcus da ao de migrar. A questo que se coloca se a migrao seria mais bem

    compreendida a partir de uma anlise estrutural ou no mbito do indivduo. A terceira

    dimenso diz respeito ao nvel de anlise indivduo, domiclio, comunidade, regio

    geogrfica, ou outra dimenso. Por ltimo, ter-se-ia o impasse em relao nfase colocada

    nas causas ou nos efeitos da migrao. O resultado desta fragmentao, segundo Massey

    (1990, p. 4), que o nosso conhecimento terico sobre a migrao incompleto e incorreto,

    fornecendo bases fracas para pesquisa e polticas pblicas. O autor ressalta a importncia de

    se elaborar uma teoria sobre as migraes que incorporasse, simultaneamente, vrios nveis de

    anlise dentro de uma perspectiva processual.

    Estudo de Barbieri (2007) demonstra uma divergncia sobre mobilidade populacional

    e a clara definio do termo migrao, enquanto mudana de residncia que a diferencie de

    outras formas de mobilidade temporria. O que caracteriza os estudos a grande

    heterogeneidade de enfoques, que fazem a opo por linhas conceituais distintas entre si,

    principalmente quanto ao fato do fenmeno tratar-se de migrao ou de mobilidade espacial

    de uma populao. Por isso encontramos inmeras definies de migrao, como sintetizado a

    seguir.

    Migrao como fenmeno demogrfico consideraria o crescimento populacional

    independente da escala espacial, ou seja, qualquer entrada e sada de pessoas de uma

    localidade em um perodo de tempo considerado deveriam ser caracterizadas como migrao.

    Do ponto de vista demogrfico, o que interessa saber como a populao de determinado

    territrio foi modificada ao longo do tempo pela movimentao de pessoas que poderiam

  • 27

    contribuir para aumentar ou diminuir o contingente populacional do mesmo e alterar sua

    composio. (CUNHA, 2012).

    Define-se migrao de uma maneira geral como uma mudana permanente ou

    semipermanente de residncia, no colocando limitaes quanto: distncia do deslocamento,

    natureza voluntria ou involuntria do ato, como no se estabelece distino entre migrao

    interna e externa. (LEE, 1980).

    A migrao um fenmeno reflexo, isto , uma manifestao de processos e

    transformaes sociais e econmicas profundas, que lhe so subjacentes. Trata-se, pois de um

    tema que, por quase no ter essncia prpria, no pode ser estudado de forma particularmente

    estanque. Seu objeto de interesse e tratamento no pode ficar predominantemente a uma

    especificidade cientifica. (MOURA, 1980).

    Esses conceitos demonstram que estudar o fenmeno migrao no to simples e que

    a mudana do local de residncia no suficiente para definir o que seja migrao, que este

    fenmeno deve ser compreendido luz do objeto estudado.

    De fato, embora as vrias definies encontradas em textos especializados ou em

    manuais tenham um carter normativo quanto ao que deve ou no ser considerada

    migrao, preciso levar em conta que tal postura estaria muito mais atrelada

    necessidade de padronizao ou a disponibilidade de dado do que propriamente a

    uma definio, ou, o que seria muito mais complexa, a uma conceitualizao do que

    seria o fenmeno. (CUNHA, 2012, p. 32).

    Portanto, cabe ao pesquisador em seu campo de pesquisa definir qual a conceituao

    mais adequada que dever considerar de acordo com seu objeto de estudo. J que o fenmeno

    est atrelado a diversos eixos impossibilitando a existncia de uma teoria geral da migrao,

    conforme Jasen (1969) apud Peixoto (2004, p. 60).

    . A migrao um problema demogrfico: influencia a dimenso das populaes na

    origem e no destino; um problema econmico: muitas mudanas na populao so

    devidas a desiquilbrios econmicos entre diferentes reas; pode ser um problema

    poltico: tal particularmente verdade nas migraes internacionais, onde restries

    e condicionantes so aplicadas aqueles que pretendem atravessar uma fronteira

    poltica; envolve a psicologia social, no sentido em que o migrante est envolvido

    num processo de tomada de deciso antes da partida, e porque a sua personalidade

    pode desempenhar um papel importante no sucesso com que se integra na sociedade

    de acolhimento; e tambm um problema sociolgico, uma vez que a estrutura

    social e o sistema cultural tanto dos lugares de origem como de destino, so afetados

    pela migrao e, em contrapartida, afetam o migrante.

    O panorama apresentado a partir das abordagens explicativas da migrao varia desde

    estudos de precursores da teoria da migrao teorias mais atuais, abordaremos alguns eixos

  • 28

    de teorias preditivas ou explicativas da migrao sem a pretenso de aprofundar o tema cuja

    amplitude vai alm do objetivo desse trabalho.

    Um autor considerado clssico nas bases das pesquisas sobre migrao

    Ravenstein, gegrafo e cartgrafo ingls, que publicou no final do sculo XIX dois trabalhos

    sobre as leis das migraes (1885 e 1889). O primeiro trabalho baseado no recenseamento

    britnico de 1881 era uma anlise da migrao ocorrida dentro do Reino Unido com o

    objetivo de contrapor a tese do Dr. Willian Far, segundo a qual, s migraes pareciam

    ocorrer sem qualquer lei definida. O segundo trabalho estendeu-se a uma observao mais

    ampla que inclua a Inglaterra e mais vinte pases. Ao constatar que o segundo estudo

    confirmava as observaes do primeiro, ele props uma srie de generalizaes chamada de

    as leis da migrao. As leis so sete e estabelecem relaes entre: migraes e distncia,

    crescimento urbano e atividade econmica, distribuio por sexo, situao de domicilio,

    formao de contracorrentes. O carter percursor dos estudos de Ravenstein notrio apesar

    de seus estudos serem baseados em uma realidade emprica, no tendo base em uma teoria

    slida e sistemtica. (PEIXOTO, 2004).

    Os modelos explicativos e preditivos se baseiam em modelos estatsticos,

    matemticos, gravitacionais ou de interao espacial. Eles abordam o fenmeno migratrio

    como equaes matemticas que possibilitam a descrio de suas variaes no tempo e no

    espao e so usados para estimar e explicar os fluxos migratrios. No modelo gravitacional a

    regio considerada como uma massa, e as relaes inter-regionais so percebidas como

    interao entre as massas, ou seja, as correntes migratrias so concebidas como sendo

    diretamente proporcionais aos efetivos das populaes das regies de origem e de destino e

    inversamente proporcionais distncia que as separa. (PEIXOTO, 2004).

    Courgeau (1970) apud Castiglioni (2009), demonstra a abordagem do economista

    Vilfredo Pareto que constatou em seu trabalho realizados no sculo XIX que a maior parte da

    riqueza se concentrava nas mos de um nmero reduzido de pessoas, por isso distingue os

    modelos que utilizam a distncia generalizada medida em termos de distncia fsica, dos que

    consideram distncia social. Contriburam tambm para a formalizao dessa escola os

    trabalhos de Carey, Young e Reilly, Stewart e Warntz, Zipf, Olsson, Wilson, Stillwell. Carey

    observou a presena da fora gravitacional nos fenmenos sociais, o qual proporcional

    massa (populao) e inversamente proporcional distncia. De acordo com o conceito

    gravitacional as correntes migratrias so concebidas como sendo proporcionais a uma

    potncia da distncia que as separa. A contribuio de Young foi formulao algbrica do

    conceito de gravitao aplicado s migraes a ideia central apresentada por Young que as

  • 29

    correntes migratrias variam proporcionalmente fora de atrao do lugar de destino e de

    maneira inversa ao quadrado da distncia entre os lugares de origem e de destino. Reilly

    aplicou o conceito de gravitao ao transporte de mercadoria de varejo. Ele postula que a

    atrao que uma cidade exerce sobre um cliente em seu hinterland (expresso em alemo para

    se referir a parte menos desenvolvida de um pas, menos dotada de infraestrutura, menos

    densamente povoada) proporcional ao efetivo da populao e inversamente proporcional a

    distncia que separa o cliente do centro da cidade. J Stewart, baseou-se na fsica de Newton

    para apresentar seus conceitos fora demogrfica, energia demogrfica e potencial

    demogrfico, esses conceitos foram usados para elaborao de mapas de potencial da

    populao. Um segundo eixo composto por abordagens interdisciplinares do fenmeno

    migratrio que consideram a distncia social, buscando determinar que a varivel distncia

    possa explicar a lei de distribuio das migraes. As abordagens de Stouffer e Hagerstrand se

    enquadram nesse eixo, mas fundamentam-se, tambm na escolha racional caracterstica dos

    modelos econmicos centrados na escolha individual. (PEIXOTO, 2004).

    As teorias econmicas da migrao compreendem as teorias que apresentam como

    ponto comum o papel do indivduo como agente que promove a deciso da mobilidade,

    baseado no princpio do individualismo capitalista. A migrao resulta de uma deciso

    individual para maximizar o lucro.

    Lee (1966) apud Moura (1980) fundamenta o modelo de push-pull (empurra e

    puxa) baseado na existncia de fatores que impelem e atraem migrantes e na avaliao dos

    custos e benefcios propiciados pela migrao. Argumenta que a migrao resulta de uma

    resposta dada pelos indivduos a dois conjuntos de foras: os fatores pessoais, que atuam em

    um nvel micro, e os fatores estruturais, que compreendem estmulos econmicos, polticos e

    sociais.

    Na Teoria Macroeconmica Neoclssica, a migrao seria explicada pelas diferenas

    geogrficas de oferta e demanda por trabalho. O mercado de trabalho considerado o

    mecanismo primrio que induz os movimentos migratrios, sendo que estes no sofreriam

    efeitos relevantes dos demais mercados. Nas regies com excesso de oferta de trabalho em

    relao ao capital, os salrios seriam baixos. J nas regies com escassez de oferta de

    trabalhos em relao ao capital, os salrios seriam altos. Desta forma, o deslocamento

    populacional ocorreria de regies com baixos salrios ou excesso de mo-de-obra para regies

    com altos salrios ou escassez de mo-de-obra. Com a intensificao dos fluxos migratrios,

    haveria uma queda na oferta de trabalho e os salrios subiriam em pases carentes de capital e

    com excesso de mo-de-obra. Ao mesmo tempo, a oferta de trabalho aumentaria e os salrios

  • 30

    cairiam em pases com maior volume de capital e escassez de mo-de--obra. Tendo como

    pressuposto a existncia de um cenrio de pleno emprego, os movimentos migratrios

    levariam a uma situao de equilbrio, na qual as diferenas salariais iriam refletir apenas os

    custos financeiros e fsicos do deslocamento geogrfico. Ou seja, uma vez eliminada a

    diferena salarial, a migrao tenderia a cessar. (SANTOS, et al., 2010).

    Em contraste teoria econmica neoclssica estudos de Todaro (1969) e de Haris

    Todaro (1970) apud Castiglioni (2009), consideram que os movimentos migratrios so

    provocados no apenas por diferenas salariais entre duas regies, mas, tambm, por

    diferenas nas taxas de emprego. Dever existir pelo menos uma destas diferenas para que o

    movimento migratrio ocorra. Na abordagem de Todaro (1960) apud Castiglioni (2009) a

    deciso de migrar de uma rea rural para uma urbana depende da percepo, por parte do

    migrante potencial, do lucro esperado, que funo de duas variveis: o diferencial rural-

    urbano de renda real e a probabilidade de obter um emprego urbano. Em Harris e Todaro

    (1970) apud Castiglioni (2009) a considerao de que as transferncias de populao do

    campo para cidade continuaro ocorrer enquanto a renda real urbana esperada for superior

    produtividade agrcola real. (CASTIGLIONI, 2009).

    A abordagem explicativa da Teoria do capital humano se fundamenta na teoria

    neoclssica do investimento em capital humano, definido como aplicao de recursos em

    escolarizao, formao profissional, cuidados mdicos, migrao, os quais resultam em um

    horizonte mais longo, na melhoria do rendimento monetrio e psquico das pessoas. O

    movimento migratrio considerado como investimento pessoal que ser realizado se os

    retornos desse comportamento forem considerados satisfatrios. A anlise dos custos-

    benefcios feita pelo migrante potencial no se limita aos fatores do momento, mas considera

    tambm os efeitos futuros, e a tomada de deciso de migrar pode resultar da avaliao

    positiva das perspectivas a um prazo maior, da melhoria das condies futuras das famlias,

    mesmo que os custos do deslocamento sejam muito elevados para o migrante. (SANTOS, et

    al., 2010).

    O pressuposto bsico da teoria proposta pelos Novos Economistas da Migrao do

    Trabalho que a deciso de migrar no tomada por indivduos isolados, mas por um

    conjunto maior de pessoas que esto de alguma forma ligada. O foco da anlise no mais

    centrado no individuo, mais sim no domicilio ou em outra unidade de produo ou consumo,

    culturalmente definida. Os custos so divididos em um arranjo contratual visando maximizar

    ganhos e minimizar riscos. Os domiclios controlariam os riscos de queda no padro de vida,

    diversificando a alocao de seus recursos, incluindo a fora de trabalho familiar. Estes

  • 31

    autores consideram a existncia de um mercado de trabalho imperfeito e afirmam que, mesmo

    na ausncia de diferenas salariais, as migraes continuariam a ocorrer, ao contrrio do que

    preconizam os economistas neoclssicos, pois os domiclios, ou alguns de seus membros,

    poderiam se mover visando com isso, minimizar os riscos de queda no padro de vida.

    O conceito de privao relativa outra contribuio dos novos economistas da

    migrao. Estes tericos questionam a ideia de que um aumento na renda tenha o mesmo

    efeito, independentemente do contexto socioeconmico do domiclio. Os domiclios

    avaliariam sua situao de privao, tendo como parmetro certo padro de distribuio de

    renda, sendo o sentimento de privao relativa uma funo crescente da porcentagem de

    domiclios com renda superior do domiclio. Desta forma, a migrao representaria uma

    possibilidade de melhorar a posio relativa do domiclio, dentro do seu grupo de referncia.

    Entretanto, ao migrar, haveria o risco de substituio do grupo de referncia por um grupo do

    local de destino, o que levaria o domiclio a no reduzir o seu sentimento de privao relativa

    ou, at mesmo, aument-lo (STARK; TAYLOR, 1991). Analisando a relao entre o

    sentimento de privao relativa e a probabilidade de migrar, Stark; Taylor (1989), concluem

    que os domiclios tendero a enviar seus membros para locais onde o retorno potencial do

    movimento migratrio seja grande o suficiente para que possa alterar a posio relativa do

    domiclio na escala de distribuio de renda e, onde o risco de substituio do grupo de

    referncia seja o menor possvel.

    O trabalho de Mincer (1978) apud Santos et al. (2010) utiliza um modelo de anlise

    com maior foco no mbito da famlia e do domicilio. Ele define os laos familiares que so

    relevantes para a migrao, buscando explicar seus efeitos na probabilidade de migrar e nas

    consequentes mudanas nos ganhos dos membros familiares e na integridade da prpria

    famlia. O autor parte da hiptese inicial de que os ganhos de toda a famlia, e no de um

    nico indivduo, so os elementos motivadores dos movimentos migratrios de domiclios

    inteiros. No caso da migrao em famlia, os ganhos so calculados a partir da diferena entre

    o somatrio dos retornos obtidos por todos os membros e o somatrio dos custos que cada um

    dos membros ter com a migrao. Conclui que as famlias tendem a migrar menos, pois os

    retornos da migrao aumentam menos que os custos. O somatrio dos ganhos do casal com a

    migrao deve resultar em valor positivo, caso contrrio esta no ocorrer. Ocorrendo ou no,

    porm, ela sempre poder originar tiedmovers, ou seja, a migrao ocorre mesmo que para

    um dos dois, o clculo particular dos ganhos seja negativo, ou tiedstayers, neste caso a

    migrao no ocorre mesmo que para um dos dois, o clculo particular dos ganhos seja

    positivo. Desta forma, a deciso de migrar se transforma em uma fonte de conflito familiar,

  • 32

    assim como a escolha do local de destino da migrao, pois para cada um dos cnjuges,

    poder haver um local onde o seu ganho individual com a migrao seja maior. Entretanto, o

    casal se mover para um lugar onde o ganho da famlia com o movimento migratrio seja

    maximizado, o que leva possibilidade de que um ou at mesmo os dois se tornem

    tiedspouses.

    As Teorias do Tipo Histrico-Estruturalistas examinam as relaes e funes que os

    diversos elementos possuem dentro de um dado sistema. Todos os elementos so

    interdependentes, no sendo possvel analis-los de forma isolada. Exemplo de abordagens

    histrico-estruturalistas sobre o tema migrao so os trabalhos de Germani (1974) e Singer

    (1976).

    Segundo Germani (1974, p. 143) apud Santos et al. (2010, p. 11) o modelo que for

    empregado para anlise da migrao deve levar em conta no apenas fatores expulsivos e

    atrativos, como tambm as demais condies sociais, culturais e subjetivas em que tais fatores

    operam tanto no que diz respeito ao lugar da residncia, como no que diz respeito ao lugar de

    destino. O autor v a migrao como um processo de mobilizao social. H a necessidade

    de informao sobre o local de destino. A partir desta informao, so criadas expectativas

    melhores que aquelas no local de origem, o que fornece motivao para o indivduo migrar.

    Ou seja, no possvel que haja migrao se houver isolamento social. A anlise da migrao

    deve se dar, ento, em trs nveis. O primeiro nvel seria o ambiental, composto pelos fatores

    de expulso e de atrao, pela natureza e condies das comunicaes, de contato e

    acessibilidade existentes entre as reas de origem e destino. O segundo nvel, o normativo,

    seria composto pelos papis, expectativas e padres de comportamento socialmente

    institucionalizados, que forneceriam o referencial dentro do qual os indivduos conseguiriam

    perceber e avaliar as suas condies objetivas de existncia. O ltimo nvel de anlise seria o

    psicossocial, ou seja, devem ser consideradas as atitudes e expectativas dos indivduos

    concretos. Em uma sociedade totalmente integrada, essas atitudes e expectativas refletiriam o

    padro normativo vigente no grupo social, padro esse que estaria internalizado nos

    indivduos (SANTOS et al., 2010).

    Para Singer (1976, p. 217) apud Santos et al. (2010 p. 12) as migraes so sempre

    historicamente condicionadas, sendo o resultado de um processo global de mudana, do qual

    elas no devem ser separadas. O processo de migrao est diretamente associado com o

    desenvolvimento do capitalismo, principalmente com o processo de industrializao

    provocado por este. O principal motor das migraes seriam as desigualdades regionais. A

  • 33

    industrializao levaria concentrao das atividades econmicas, gerando desequilbrios

    regionais que, por sua vez, motivariam as migraes.

    O papel das redes sociais tem sido destacado por vrios autores, e, tambm teria um

    forte efeito sobre a perpetuao dos movimentos migratrios. Segundo Massey et al. (1993), a

    existncia de redes migratrias de trabalho aumenta a probabilidade do movimento

    internacional o que se aplica tambm s migraes internas , pois estas redes reduzem os

    custos e riscos do movimento e aumentam a expectativa de retorno com a migrao. As redes

    migratrias constituiriam uma forma de capital social que propiciaria s pessoas terem acesso

    ao mercado de trabalho no exterior (MASSEY et al., 1993, p. 448). A partir do momento em

    que a rede de contatos entre duas regies atinge um ponto crtico, a migrao se torna um

    processo que se autoperpetua. O volume dos fluxos migratrios entre duas regies no estaria,

    desta forma, fortemente relacionado a diferenas salariais ou de nveis de emprego, mas, sim,

    ao crescimento das redes sociais de migrantes. O crescimento das redes faz com que os custos

    e os riscos dos movimentos migratrios caiam gradativamente, at atingirem um ponto em

    que estes movimentos se tornam independentes dos fatores que os originaram.

    A Teoria de Sistemas Migratrios ressalta o papel das redes de parentesco no processo

    de perpetuao dos fluxos migratrios, pois relaes familiares tem um persistente impacto na

    migrao, porquanto, politicas, regras e mesmo normas podem mudar, porm obrigaes entre

    membros familiares so de natureza persistente. A necessidade de informaes vlidas e

    confiveis sobre os possveis locais de destino tambm reforariam. Segundo Fawcett (1989),

    a importncia das redes de parentesco, est relacionada com a credibilidade da informao

    recebida, sendo os membros familiares considerados as mais confiveis fontes de informao.

    Alm disso, as informaes seriam mais bem absorvidas e retidas quando o vocabulrio

    utilizado para transmiti-las so prximos do utilizado no cotidiano dos indivduos.

    A vertente terica de Anlises Institucionais ressalta que, a partir do momento em que

    a migrao internacional comea a acontecer, surgiro vrias instituies privadas, pblicas

    ou assistenciais que buscaro formas de contrabalanar o desequilbrio entre o nmero de

    imigrantes interessados em entrar em determinados pases e o nmero de imigrantes que esses

    pases esto dispostos a receber, podendo essas instituies atuar de forma legal ou ilegal

    (MASSEY et al., 1993).

    Piore (1979) apud Santos et al. (2010), com sua Teoria do Mercado Dual de Trabalho,

    o pioneiro neste tipo de anlise do fenmeno migratrio. Segundo Piore (1979), a migrao

    internacional algo inerente estrutura econmica dos pases desenvolvidos, e seu principal

    elemento motivador seria a constante demanda pelo trabalho de migrantes nesses pases. Em

  • 34

    sntese, a migrao no seria causada por fatores de expulso nos pases de origem, mas por

    fatores de atrao nos pases de destino. Os fluxos migratrios seriam estabelecidos a partir do

    recrutamento de mo-de-obra nos pases em desenvolvimento para atender s necessidades

    dos empregadores dos pases desenvolvidos, o que seria feito por instituies privadas ou

    pblicas.

    Guilmoto e Sandron (2001) tratam a migrao como uma instituio, explicitando as

    formas como essa estabelecida, os seus papis e a forma como est organizada.

    Inicialmente, so apresentadas algumas proposies com respeito ao contexto histrico

    especfico dos pases em desenvolvimento. Os autores ressaltam que esses pases seriam

    caracterizados pela existncia de mercados incompletos e/ou deficientes, ou mesmo pela

    inexistncia de mercados. Neste ambiente, onde as informaes so incertas e de alto custo, os

    indivduos procurariam antes se prevenirem contra riscos, do que maximizarem suas rendas.

    Para Guilmoto e Sandron (2001), as instituies correspondem a um conjunto de convenes,

    regras, normas e valores; enfim, a padres regularizados de interao que seriam conhecidos e

    praticados pelos indivduos de uma dada sociedade. O papel das instituies seria o de, dentro

    de contextos marcados pelas incertezas, criar condies para a regulao das transaes entre

    os indivduos, definindo seus tipos, as suas garantias, e fazendo com que estas se perpetuem.

    Como a migrao, por si s, uma atividade de risco, tem-se a necessidade de sua

    institucionalizao, ou seja, a sua transformao em um sistema quase autnomo, com leis e

    normas, permitindo que indivduos especficos e organizaes se ocupem de seus objetivos

    (GUILMOTO; SANDRON, 2001, p. 144). Os autores destacam que a institucionalizao no

    o melhor arranjo no sentido de maximizao da renda esperada, mas seria uma resposta

    possvel dentro de um contexto especfico. Cada forma institucional ir refletir a natureza das

    trocas, sendo as redes de trabalho as instituies de suporte preferidas.

    Embora quase todos os trabalhos citados que teorizam a migrao de forma geral

    tratem apenas das migraes externas, os conceitos e as estruturas de anlises propostas

    podem tambm, na maioria dos casos, ser aplicados s migraes internas. Na impossibilidade

    da construo de uma nica teoria sobre migrao que venha de alguma forma, abarcar todos

    os fragmentos tericos j produzidos. Toda anlise do comportamento humano est sempre

    condicionada a um contexto especfico, espacial e temporal, no qual esse comportamento

    ocorre. Desta forma, uma abordagem terica que seja extremamente til para se compreender

    a migrao de uma regio A para uma regio B, em um tempo especfico pode nada

    explicar ou explicar pouca coisa dos movimentos migratrios da regio A para uma

    regio C. Em sntese, o que se pode fazer para entender determinados movimentos

  • 35

    migratrios utilizar todo o arcabouo terico j produzido que, de certa forma, explique o

    que est acontecendo dentro do contexto analisado. Para isso, muitas vezes haver a

    necessidade de que as estruturas de anlise sejam adaptadas e que novos conceitos e tipos de

    abordagem sejam criados.

    2.2 Fatores de anlise para compreenso do movimento migratrio

    2.1.1Seletividade

    A caracterizao dos migrantes um fator importante para compreenso tanto dos

    determinantes como das consequncias do fenmeno migratrio. Os trabalhos de Ravenstein

    (1885) e Lee (1966) descritos em Moura (1980) podem ser considerados pioneiros entre os

    estudos sobre migrao, e preocuparam-se com uma temtica que recorrente em outras

    abordagens: a seletividade dos migrantes. A preocupao em especificar quais atributos

    individuais idade, sexo, educao, atividade profissional, por exemplo so responsveis

    pela seleo positiva dos indivduos que migram constitui o principal objetivo dos trabalhos

    desses dois autores, e a base para trabalhos de outros autores mais atuais. Trabalhos de

    OLIVEIRA; JANNUZZI, 2004; JUSTO; SILVEIRA NETO, 2009; JANNUZZI,1997, so

    exemplos de estudos que se baseiam nas caractersticas dos migrantes para subsidiar suas

    anlises.

    As pessoas que respondem aos fatores de seletividade apresentam certos traos

    comuns que as diferenciam das que no reagem. Esses traos esto ligados, sobretudo,

    idade, a instruo, estado civil, as aspiraes, ao sexo, atividade econmica. O tipo de

    seleo condicionado pelas causas que provocam o movimento. Os migrantes que

    respondem principalmente a fatores positivos predominantes na regio de destino tendem a

    constituir uma seleo positiva. A predominncia de fatores negativos existentes na regio de

    origem tende a produzir uma seleo negativa; no caso das regies onde os fatores expulsivos

    so desestimulantes para grupos inteiros da populao, a migrao pode perder seu carter

    seletivo.

    A idade a nica caracterstica universal da migrao. A propenso mais intensa a

    migrar, em certas etapas da vida, importante na seleo migratria, e essa relao foi

    amplamente verificada com dados empricos. Segundo a teoria da anlise de custos-

    benefcios, a deciso de migrar ser tomada se os benefcios parecerem superiores aos custos

    associados ao movimento. Nessa tica, o balano entre os custos e os benefcios favorece os

  • 36

    jovens. Estes se encontram na idade de entrar na vida profissional ou mudar de profisso e

    tm mais tempo para maximizar os benefcios de seu investimento. Os custos so menos

    importantes para esta faixa etria, visto que os jovens so mais susceptveis a adaptao de

    novas tecnologias e funes. A avaliao dos custos versus benefcios explica a migrao

    quando idade aumenta: o peso dos custos fica cada vez mais importante, enquanto que o

    perodo para o retorno dos investimentos fica cada vez mais curto.

    A composio da corrente migratria por sexo varia segundo a distncia, relao j

    destacada nas leis de Ravenstein. Segundo as hipteses tericas, as mulheres predominariam

    na migrao de curta distncia, enquanto que os homens seriam majoritrios nas de longa

    distncia. As relaes entre a caracterstica sexo e a direo do fluxo migratrio indicam que a

    seletividade por sexo est relacionada oferta de trabalho. As mulheres predominam nas

    migraes das regies rurais para urbanas. Isto por que as condies de trabalho so

    desfavorveis para elas nas regies rurais, onde acumulam as ocupaes domsticas com o

    trabalho agrcola sem direito a um salrio pessoal, ou com salrios inferiores aos dos homens,

    enquanto que o crescimento urbano abre um leque de empregos para mo de obra feminina. J

    a migrao para zonas rurais apresenta predominncia masculina.

    Quanto caracterstica estado civil, o solteiro tem uma mobilidade mais intensa que os

    casados, por que eles tm menos responsabilidades familiares e podem facilmente afrontar

    situaes instveis. Quanto ao grau de instruo, as pessoas mais instrudas so mais

    propensas a migrar para procurar ocupaes compatveis com as suas qualificaes.

    A seletividade do movimento migratrio uma varivel que produz modificaes

    importantes na composio da populao tanto nas regies de origem, quanto nas de destino.

    2.2.2 Determinantes

    Um eixo relevante no estudo da migrao diz respeito aos fatores que impulsionam os

    migrantes e os fluxos migratrios. Estudos tm evidenciado que o determinante principal da

    migrao a ordem econmica e a traduo do desejo de segurana e estabilidade. As pessoas

    migram, em geral, para melhorar o seu nvel de vida e de seus descendentes. Todavia, outras

    variveis foram levantadas alm dos determinantes econmicos, tais como: desejo de se

    instruir, atrao exercida pelas cidades, motivos polticos e religiosos. O trabalho de Lee

    (1980) apresenta o clssico estudo de Ravenstein sobre as Leis da Migrao e a classificao

    do pesquisador sobre os fatores que influenciam na deciso de migrar sendo divididos em

    quatro epgrafes:

  • 37

    a) Fatores associados a local de origem;

    b) Fatores associados a local de destino;

    c) Obstculos intervenientes;

    d) Fatores pessoais.

    Essa classificao da migrao implica uma srie de fatores prevalecentes nos locais

    de origem e de destino, uma srie de obstculos e uma srie de fatores pessoais que devem ser

    analisados conforme a relao das variveis pesquisadas com o fenmeno migrao.

    O fenmeno migratrio, por sua diversidade, abrange muitas dimenses em suas

    motivaes que podem interagir no processo de tomada de deciso. Como ressalta Emmi

    (2008, p. 254) em seu estudo sobre italianos na Amaznia: O fenmeno migratrio muito

    complexo e no redutvel mecanicamente a causas estritamente econmicas, outras

    motivaes como, por exemplo, os aspectos culturais tem peso significativo.

    Segundo a teoria das redes migratrias a deciso de migrar no decorre de um

    processo racional individual, mas sim de aes coletivas que ocorrem no seio de unidades

    mais amplas; redes familiares e sociais cujas aes coletivas levam em considerao no

    somente os motivos econmicos, tambm, as expectativas do grupo. (SASAKI; ASSIS,

    2000). Nesse processo, as diferenas de renda no so necessariamente determinantes do

    processo decisrio, mas sim as relaes sociais, uma vez que os migrantes podem contar com

    o apoio e a solidariedade dos integrantes dessas redes para minimizar os riscos associados ao

    empreendimento migratrio, sobretudo a migrao que ocorre a longa distncia. (MASSEY et

    al., 1993).

    No nvel macro, existe uma heterogeneidade de modelos, uma vez que as migraes

    representam respostas da populao a processos mais amplos, envolvendo contextos

    desiguais. A causa principal das migraes, nesse nvel, atribuda s disparidades de

    oportunidades socioeconmicas entre as regies. (CASTIGLIONI, 2009).

    Oliveira e Jannuzzi (2005) investigaram os motivos para migrao por padres etrios,

    sexo, origem/destino, nos dados da PNAD 2001, e apresentaram os seguintes resultados: No

    geral, o motivo mais mencionado para migrao foi acompanhar a famlia, seguido por

    motivaes relacionadas ao trabalho. Motivos relacionados a custo de moradia, questes de

    sade ou educao so mencionados com frequncia menor. Ao analisar os grupos etrios e o

    gnero dos sujeitos, a concluso que mulheres declaram em maior nmero a migrao pela

    necessidade de acompanhar a famlia, enquanto, para os homens a migrao mais motivada

    por trabalho. Entre crianas e adolescentes, a frequncia maior foi o motivo acompanhar a

  • 38

    famlia, enquanto que entre jovens entre 15 a 24 anos, alm da motivao do trabalho, o

    estudo figurou com uma motivao importante nessa faixa etria. Moradia bem mais

    significativa como motivao daqueles com idade prxima formao do grupo familiar e

    entre os migrantes idosos. Quanto a fatores relacionados regio, no Norte a migrao por

    estudo comparativamente mais citada por indivduos. Possivelmente isso se deve ao fato das

    condies geogrficas (longas distncias) em que se localizam as escolas de Ensino Mdio e

    as faculdades na regio.

    Misria, conflitos religiosos, guerras, desemprego, crise econmica, baixa oferta de

    servios de educao e sade so apontadas como causas prevalentes da migrao, como no

    caso do xodo rural e da migrao internacional dos pases mais pobres em direo aos de

    desenvolvimento avanado. (CASTIGLIONI, 2009).

    2.2.3 Consequncias

    A mudana de local de domiclio pode ter profundo impacto sobre a vida de uma

    pessoa. A migrao pode ser uma oportunidade para um indivduo viver em um ambiente com

    caractersticas sociais, econmicas, polticas e fsicas muito diferentes e, na percepo do

    migrante, melhores do que em seu local de origem. Novas oportunidades de estudo, trabalho e

    lazer podem existir. Melhores condies ambientais e de moradia podem ser experimentadas.

    Novas relaes sociais podem ser estabelecidas e realizaes pessoais impossveis de serem

    alcanadas no antigo local de moradia podem ser empreendidas. Em muitos casos, os

    migrantes conseguem obter rendas superiores s que teriam em seu local de origem e novas

    oportunidades educacionais e profissionais so vivenciadas.

    Os ganhos com a migrao so positivos em muitos casos, porm, o processo de

    adaptao muitas vezes difcil e envolve um grande custo pessoal. As relaes pessoais

    antigas foram parcialmente rompidas e as novas ainda no foram sedimentadas. O migrante

    recm-chegado pode ficar um longo perodo desempregado, vivendo em condies adversas

    ou mal ajustado em seu novo local de moradia. Em muitos casos as dificuldades so to

    grandes ou mal avaliadas que o migrante retorna para seu local de origem ou busca um novo

    local de moradia em outra cidade. Mesmo com todos os problemas existentes no processo

    migratrio, cada vez maior o nmero de pessoas vivendo em locais diferentes de sua

    origem. Em pases do terceiro mundo onde existem diferenas regionais marcantes, grandes

    fluxos de migrantes so criados e esses alteram de forma marcante a distribuio populacional

    dessas regies com profundas consequncias sociais e regionais. (CASTIGLIONI, 2009).

  • 39

    A mobilidade da populao entre as diversas regies tem consequncias bastante

    marcantes nas regies que absorvem e nas que perdem populao. Os efeitos da migrao no

    territrio so observveis sobre: a demografia, cultura, economia e a urbanizao.

    No eixo demogrfico, alm do impacto quantitativo direto, aportado pela modificao

    do efetivo populacional, devem ser considerados os efeitos qualitativos produzidos pela

    seletividade do fluxo modificaes nas estruturas por sexo, idade, mo de obra, instruo,

    etc., e, ainda, os efeitos indiretos ocasionados pela fecundidade dos migrantes aps o

    movimento (CASTIGLIONI, 1989). Nas regies de forte atratividade, os efeitos positivos so

    importantes: a migrao aporta um contingente de pessoas jovens que concorrem para

    rejuvenescer a populao e aumentar a oferta de mo de obra. Mas as consequncias da

    migrao no so sempre benficas para as regies relacionadas ao movimento. Nas regies

    atrativas, a migrao massiva provoca problemas de desigualdades entre o crescimento

    urbano e a criao de empregos e de servios de infraestrutura urbana. Nas regies rurais e

    pequenas cidades, a partida do segmento jovem provoca a reduo do nmero de pessoas em

    idade de procriar, a diminuio da nupcialidade e da natalidade e o aumento da proporo de

    pessoas idosas. Em consequncia, essas regies conhecem a reduo das taxas de crescimento

    natural, o aumento das taxas de mortalidade e o envelhecimento da populao.

    (CASTIGLIONI, 2009).

    A composio da populao atua diretamente nas caractersticas sociais e econmicas

    de uma regio, bem como de outros fatores. Os locais com grande poder de atrao de

    migrantes tero uma maior proporo de pessoas em idade de trabalhar buscando empregos.

    Esse fato pode ter um profundo impacto nas taxas de desemprego. Alm disso, muitos jovens

    se casam e querem ter sua prpria famlia e residncia, aumentando assim, a demanda por

    moradias e servios de maternidade.

    Quanto ao aspecto cultural, os homens tornam-se diferentes, entre si, pelos distintos

    modos de convivncia, de reproduo e de produo material e espiritual de seus

    agrupamentos humanos, criando variadas manifestaes culturais, de significados mltiplos,

    isso influencia diretamente nas formas de sentir, pensar e agir. O migrante ao deslocar-se para

    outra regio carrega seu modo de vida e se depara com uma realidade diferente da sua. A

    convivncia com modus vivendi diferente cria novas demandas, modifica valores e cria

    conceitos e conflitos, que iro influenciar diretamente no territrio.

    Rodrguez e Busso (2009) enfatizam que a migrao, em especial a interurbana, tem

    implicao direta no uso da infraestrutura urbana, sendo um dos determinantes da segregao

    residencial nas metrpoles. Dessa forma, conhecer as caractersticas e as motivaes da

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    migrao e seus desdobramentos sociais representa um importante instrumento de

    planejamento, j que o aumento no nmero da populao de uma regio implica em aumento

    de demandas, e, consequentemente em polticas sociais mais abrangentes.

    A compreenso dos efeitos da migrao sobre um territrio implica na ampliao do

    entendimento de que o fenmeno que outrora se dava apenas pelo vis da economia tem

    expandido seus interesses para outras reas e desenvolvido um papel importante na

    conformao de espaos regionais e locais, que trata-se de um fenmeno complexo em funo

    de suas mltiplas modalidades e que vem sofrendo alterao em sua configurao, conforme

    demostram estudos de Baeninger (2012, p. 25):

    Procuro apontar que anlise dos movimentos migratrios nos anos 2000, refora a

    tendncia de configurao de novos espaos da migrao, com a necessidade de

    diferentes olhares para as escalas onde esses fluxos se processam, seus sentidos e

    repercusses em diferentes nveis; entendo que no basta apenas indicar que se trata

    de novas modalidades migratrias, novos rumos da migrao interna, preciso

    buscar incluir as dimenses espaciais em que o fenmeno migratrio opera em suas

    diferentes escalas territoriais.

    Portanto, estudar a incidncia do fenmeno migratrio em um territrio compreender

    as relaes existentes, as alteraes e os fatores que se correlacionaram para a formao do

    mesmo, assim como as motivaes que possibilitaram a migrao populacional.

    2.3 Tendncias da mobilidade demogrfica no Brasil

    No Brasil, um dos fatores que historicamente exerceu maior influncia nos fluxos

    migratrios o fator econmico, uma vez que o modelo de produo capitalista cria espaos

    privilegiados para instalao de indstrias, forando indivduos a se deslocarem de um lugar

    para outro em busca de melhores condies de vida e procura de emprego para suprir suas

    necessidades bsicas de sobrevivncia.

    A regio Sudeste do pas, at o final do sculo XX, recebeu a maior quantidade de

    fluxos migratrios (principalmente o estado de So Paulo), pelo fato de oferecer, maiores

    oportunidades de emprego em razo do processo de industrializao desenvolvido. No

    entanto, nas ltimas dcadas, as