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1 O PROJETO POLÍTICO DA BURGUESIA TRANSNACIONALIZADA DO CEARÁ- BRASIL: papel do estado no desenvolvimento econômico. Maria Cristina de Queiroz Nobre 1 Lucio Fernando Oliver Costilla 2 Resumo Um grupo de empresários modernos assumiu o poder governamental no Ceará em 1987 defendendo nova forma institucional do Estado e que alterava sua relação com o mercado e a sociedade. Esse novo desenho estatal era apresentado como condição indispensável para realizar o desenvolvimento econômico do Ceará, inserindo-o na economia capitalista mundializada. Ao incorporar elementos do discurso neoliberal, tais empresários não deixaram de propugnar que as regiões pobres, como o Ceará e o próprio Nordeste, requerem a presença do Estado como financiador e promotor do desenvolvimento econômico, sendo necessária a recuperação das capacidades financeira e administrativa do poder público. Palavras Chaves: Estado, Neoliberalismo, Ceará, Era Tasso. Abstract A group of modern businessmen took the government power in Ceara in 1987 advocating a new institutional form of the state altering its connection with the market and society. This new state was presented as an essential condition to achieve the economic development of Ceará, inserting it into the globalized capitalist economy. Incorporating elements of the ‘neoliberal’ discourse, these businessmen believed that poor regions like Ceará and the Northeast region, required the presence of the state as financier and promoter of economic development, requiring the recovery of financial and administrative capacities of the government power . Keywords: State, Neoliberalism, Ceará, Tasso Era.. 1 Doutora. Universidade Estadual do Ceará – UECE. [email protected] 2 Doutor. Universidad Nacional Autonoma do México.. [email protected] .

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O PROJETO POLÍTICO DA BURGUESIA TRANSNACIONALIZADA DO CEARÁ-

BRASIL: papel do estado no desenvolvimento econômico.

Maria Cristina de Queiroz Nobre1

Lucio Fernando Oliver Costilla2

Resumo

Um grupo de empresários modernos assumiu o poder governamental no Ceará em 1987 defendendo nova forma institucional do Estado e que alterava sua relação com o mercado e a sociedade. Esse novo desenho estatal era apresentado como condição indispensável para realizar o desenvolvimento econômico do Ceará, inserindo-o na economia capitalista mundializada. Ao incorporar elementos do discurso neoliberal, tais empresários não deixaram de propugnar que as regiões pobres, como o Ceará e o próprio Nordeste, requerem a presença do Estado como financiador e promotor do desenvolvimento econômico, sendo necessária a recuperação das capacidades financeira e administrativa do poder público. Palavras Chaves: Estado, Neoliberalismo, Ceará, Era Tasso.

Abstract A group of modern businessmen took the government power in Ceara in 1987 advocating a new institutional form of the state altering its connection with the market and society. This new state was presented as an essential condition to achieve the economic development of Ceará, inserting it into the globalized capitalist economy. Incorporating elements of the ‘neoliberal’ discourse, these businessmen believed that poor regions like Ceará and the Northeast region, required the presence of the state as financier and promoter of economic development, requiring the recovery of financial and administrative capacities of the government power .

Keywords: State, Neoliberalism, Ceará, Tasso Era..

1 Doutora. Universidade Estadual do Ceará – UECE. [email protected]

2 Doutor. Universidad Nacional Autonoma do México.. [email protected].

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1. INTRODUÇÃO

Nossa pesquisa volta-se para uma análise do discurso da elite governamental do

Ceará num período chave da história do Brasil, o período neoliberal dos anos 1980 e

1990. Nesse momento, foram realizadas reformas institucionais de modernização

conservadora e estabeleceram-se relações com os movimentos sociais e os partidos

políticos que são tanto de resistência como também de apoio a essa modernização.

Desse complexo processo, nos detemos a considerar o discurso da burocracia dirigente

do Estado perante a sociedade civil, com o intuito de obter o consenso e legitimar o

projeto e as ações de modernização conservadora que estava em curso, sobretudo

quanto ao redesenho da estrutura burocrática do Estado e da redefinição do seu papel na

relação com o mercado e com a sociedade.

De fato, o eixo do projeto da nova elite dirigente consistia na adequação do Estado

às novas necessidades da acumulação capitalista do grande capital transnacionalizado o

que provocou mais desigualdade social a partir do crescimento do desemprego e da

predominância de precárias condições de trabalho e de renda, bem como da perda de

direitos sociais anteriormente assegurados pelo Estado. Todo esse processo ocorreu em

um momento em que se ampliou a institucionalidade democrática, reconquistada após

duas décadas de ditadura militar, impondo a essa elite transnacionalizada a necessidade

de obter significativo êxito eleitoral, durante vasto período, bem como introduzir formas de

participação social, ainda que limitada em seu conteúdo programático. Abriu-se, dessa

forma, um campo contraditório que tenciona o Estado democrático, reconquistado depois

de 1986, exigindo deste uma enorme capacidade de legitimação para fazer valer suas

políticas e funções.

Interessa-nos considerar o caso particular do Ceará por constituir-se numa

significativa experiência para a própria hegemonia neoliberal no Brasil. Isto porque o

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grupo político que administrou este estado federativo a partir de 1987 – o grupo

empresarial “das mudanças” 3 – demonstrou, desde cedo, grande capacidade de influir

nas reformas e políticas neoliberais desde os momentos iniciais desse processo, no

governo do presidente Fernando Collor de Mello, como também no período em que são

consolidadas, nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso. E ainda, em alguns

aspectos, o governo cearense chegou a se antecipar à experiência neoliberal em âmbito

nacional, como fica demonstrado pelo impacto causado em todo o país com as medidas

locais de ajuste fiscal e de reforma administrativa no final dos anos 1980.

2. “PROJETO DAS MUDANÇAS”: expressão de um discurso neoliberal

O discurso do “grupo das mudanças”, que alertava para a necessidade de

recuperar a capacidade administrativa e financeira do Estado, objetivou construir a idéia

geral de que o modelo de desenvolvimento adotado por eles no Ceará era a única forma

de acabar com a pobreza e as disparidades de renda desta sociedade, requerendo

também a integração da economia local à economia capitalista mundializada.

Propugnava-se, então, a realização do “projeto das mudanças” enquanto um projeto geral

da sociedade.

Nesse sentido, a modernização política e administrativa do Ceará exigia que o

sistema clientelístico fosse substituído por formas modernas de fazer política e de gerir a

3 Lideranças empresariais que passam a atuar mais diretamente na política local no início dos anos 1980. Nas eleições para o governo estadual em 1986, o empresário Tasso Jereissati, um dos mais importantes líderes desse grupo, se candidata e derrota antigos políticos, mais identificados com práticas políticas tradicionais. Iniciava-se com essa eleição um novo e prolongado ciclo de poder. Tasso, além de cumprir três mandatos à frente do governo estadual (1987-1990, 1995-1998 e 1999-2002), conseguiu fazer seus dois sucessores: Ciro Gomes (1991-1994) e Lúcio Alcântara (2003-2007), bem como foi eleito senador, com mandato até 2010, logo após a conclusão da sua última administração. Por sua vez, outros expoentes do grupo também foram eleitos senadores, são eles Beni Veras (1987-1994) e Sérgio Machado (1995-2002). Comandado por essa nova elite política, o poder público no Ceará passou por significativas mudanças econômicas e políticas.

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máquina burocrática estatal 4, bem como que o modo de intervenção estatal fosse

alterado. Nos termos de Tasso, o “projeto das mudanças” consiste:

... em mudar as relações políticas e econômicas, em nossa sociedade. Os componentes básicos desse projeto incluem a eleição dos objetivos da sociedade acima dos interesses grupais e pessoais; a eliminação do clientelismo e empreguismo do setor público; da má aplicação dos recursos do governo e da falta de transparência das ações governamentais (Jereissati, 1989).

Esse projeto é apresentado como uma radical ruptura em relação ao modelo anterior, o

dos “coronéis” 5. De um lado, ele deveria atacar as bases do clientelismo: a pobreza. De

outro, o “grupo das mudanças” se distinguiria dos seus antecessores por imprimir uma

nova forma de gerir a máquina burocrática estatal, garantindo o profissionalismo de seus

quadros e o fim da intermediação política, quer dizer, daquela política tradicionalmente

sustentada na troca de favores e de recursos públicos por votos.

Do ponto de vista político, o “projeto das mudanças” teria significado também uma

ruptura com a tradição política deste Estado federativo na medida em que abria espaço

para a participação da sociedade. Isto ocorreria, num primeiro momento, através de uma

relação direta do governo com as entidades comunitárias. Numa segunda fase, a ruptura

se faria notar por meio dos diferentes conselhos da sociedade civil criados pela proposta

de descentralização política e administrativa do governo Tasso II6.

A luta contra o clientelismo estava relacionada também a um novo desenho da

estrutura burocrática do Estado e a um novo espaço de atuação desse poder, adequando-

o a uma nova fase de desenvolvimento do Ceará: “Foi uma constante (...) o esforço em

prol de uma máquina administrativa reformada, com o intuito de dotar o serviço público de

uma estrutura organizacional moderna, compatível com os níveis de eficiência e de

eficácia que a empresa pública tem por dever e é capaz de oferecer” (Estado do Ceará,

1991:1-2). Um exemplo dessa associação de objetivos, moralizadores e modernizantes,

4 De acordo com Oliveira, o “projeto das mudanças” é um projeto de classe que “... não é anunciado em termos de classe, reconhecível facilmente no diagrama metodológico marxista, mas é enunciado em termos weberianos: eficiência, racionalidade, transparência, divisão entre o público e o privado”. (Oliveira, 1998: 9). 5 Como ficaram conhecidos os governantes do período militar: Virgílio Távora, César Cals e Adauto Bezerra. 6 Essa proposta é apresentada no programa de governo de Tasso para sua segunda gestão e foi exposta no Plano de desenvolvimento sustentável do Ceará – 1995/1998.

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está no combate ao empreguismo enquanto estratégia da política tradicional, aliado a

uma visão de desenvolvimento que enfatiza o setor privado na geração de empregos (O

Povo, 1987), o que também iria concorrer para o saneamento financeiro do Estado. O

pressuposto desse discurso era de que a má utilização dos recursos públicos e a

existência de políticas voltadas para interesses particulares ou de grupos teria resultado

na falência do Estado e contribuído para a permanência das condições de pobreza da

maioria da população cearense.

Sobre a relação entre Estado e mercado é preciso lembrar que, antes mesmo de

se constituírem como força hegemônica na política cearense, esses empresários –

aglutinados em uma de suas entidades de classe, o Centro Industrial do Ceará – já

expressavam duras críticas à intervenção estatal existente naquele dado momento no

Brasil. Essas críticas referiam-se “... ao crescimento exagerado da presença do Estado na

condução dos processos econômicos...” e, portanto, à “... defesa dos princípios da

economia de mercado e da livre iniciativa...” (Carvalho, 1991: 348). Mais tarde, essa

crítica será destacada como uma negação do Estado-empresário, ou seja, o poder político

na condição de agente produtivo. Em termos de políticas públicas, tal crítica se traduzirá

num esforço de privatizar as principais empresas estatais cearenses. Acontece aqui o

fenômeno que analisa Antônio Gramsci na nota 18 do Caderno 13 das Obras do Cárcere:

a introdução velada de uma regulamentação de caráter estatal e a substituição de uma

fração política da classe capitalista no Estado por outra:

... afirma-se que a atividade econômica é própria da sociedade civil e que o Estado não deve intervir em sua regulamentação. Mas, dado que sociedade civil e Estado se identificam na realidade dos fatos, deve-se estabelecer que também o liberismo é uma ‘regulamentação’ de caráter estatal, introduzida e mantida por via legislativa e coercitiva: é um programa político, destinado a modificar, quando triunfa, os dirigentes de um Estado e o programa econômico do próprio Estado, isto é, a modificar a distribuição da renda nacional. (Gramsci, 2000: 47).

Os argumentos para destituir o poder público de sua posição de empresário se

pautam, por um lado, no fato de que essa não é uma prerrogativa do Estado. Por outro

lado, nessa posição o poder público tem se mostrado ineficiente e esbanjador de recursos

e, na medida em que a ação das estatais é considerada insatisfatória, o custo para a

sociedade acaba sendo alto. Aparece aqui como pressuposto que, nesse papel, o Estado

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sempre será ineficiente: “... é preciso uma revisão no Estado brasileiro. Ele é muito

grande e economicamente se imiscui numa série de setores. Ele não precisava atuar nos

ramos em que atua, principalmente quando se sabe que é mau produtor de bens” (Veras,

1990). Dessa forma, os custos decorrentes do papel empresarial do Estado

sobrecarregam o próprio equilíbrio fiscal desse poder, tornando-se a privatização

exigência inadiável, como apregoaram as lideranças do “grupo das mudanças”.

A crítica à excessiva intervenção do Estado na economia não implicava na recusa

dos fundos de financiamento estatais. Ao contrário, será uma constante a defesa de

maiores investimentos do poder público no Nordeste, ou seja, mais subsídios aos

industriais locais. Portanto, o discurso contrário ao intervencionismo estatal, aliado a

essas reivindicações de mais recursos para esta região, construiu uma prática ambígua.

Assim, a preferência ao setor privado deveria ser dada sempre que possível, pois o

Estado deve ter um papel subsidiário no processo de acumulação capitalista. Como o

Nordeste e o Ceará não haviam atingidos ainda níveis satisfatórios de desenvolvimento

econômico, a presença do Estado seria mais exigida nestas áreas. Isto se traduz,

especialmente, na transferência de recursos do governo federal para as demais instâncias

do poder público. Nessas condições, não era possível pensar o Estado nos termos do

liberalismo ortodoxo: como ‘Estado mínimo’.

A recuperação financeira e administrativa do Estado era apresentada também com

o sentido de mudar a ótica das políticas do governo federal para a Região Nordeste,

superando as políticas assistencialistas que predominaram durante largo período: “O

Estado, falido, é incapaz de ordenar no momento sequer políticas compensatórias”.

(Veras, 1993). Na medida em que isso ocorre torna-se premente rever a questão

nordestina, pois “A crise do Estado regionalizou o País e nacionalizou nossas fragilidades”

(IBID). Esse caráter regional aparece também quando defendem ações do governo

federal para igualar os estados desta região para competirem no processo de expansão

capitalista com os mesmos recursos de que dispõem aqueles das regiões mais ricas.

“Nós queremos que se dê aos Estados não industrializados, como o Ceará, condições de

promover incentivos, para que seja possível competir com os Estados industrializados na

atração de indústrias” (Tribuna do Ceará, 1995).

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Essa proposta de desenvolvimento estava em consonância com a tendência de

abertura da economia iniciada ainda no governo Collor e que se prolongou, com maior

intensidade, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Nesse sentido, os esforços dos

“governos das mudanças” estariam voltados para tornar o Ceará “... mais próspero e

equânime integrado de forma competitiva na economia nacional e aberto ao intercâmbio

comercial e cultural com o resto do mundo” (IBID). Por conseguinte, a intervenção estatal

proposta, e realizada durante esses governos, não implicava em medidas visando

proteger os empreendimentos locais, mas será conformada pelas requisições do atual

estágio de desenvolvimento capitalista: ampla concorrência proporcionada pela abertura

dos mercados e, conseqüentemente, pela busca de melhores níveis de competitividade

entre os capitalistas individuais.

Por sua vez, tal modelo de desenvolvimento, que requer a reabilitação financeira e

estratégica do Estado para torná-lo indutor da expansão capitalista, não implicava a

reedição do Estado-empresário. Ao contrário, a ação do poder público na economia seria

delimitada pelos interesses privados, ou seja, deveria ocorrer como suporte ao setor

privado e não no sentido de substituí-lo. Da mesma forma, muitas atividades requeridas

pela dinâmica do desenvolvimento econômico, e que são financiadas pelo poder público,

podem ser realizadas pelo próprio setor privado. E isto ocorrerá sempre que tais

atividades despertem interesse econômico e na medida em que possam ser assumidas

diretamente pelo capital. Outra situação que também podemos destacar é o caso em que

o Estado assume temporariamente uma atividade econômica e esta, a partir de certa

fase, deveria passar a ser gerida pelo setor produtivo.

Assim, a principal demanda do “grupo das mudanças” em relação ao processo de

contrarreforma do Estado diz respeito à construção de um poder institucional recuperado

em termos financeiros e modernizado administrativamente, bem como habilitado a

equacionar as desigualdades regionais. A partir de tal propósito, os interlocutores desse

grupo participaram ativamente da aprovação das reformas constitucionais levado ao

Congresso pelo governo Fernando Henrique, inclusive assumindo papéis de destaque

como relatores de algumas emendas e como liderança do Governo Federal no

Legislativo. Na defesa das reformulações constitucionais, Tasso Jereissati define como

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deve ser esse poder, ao mesmo tempo em que rebate os críticos de Fernando Henrique e

afirma a incompatibilidade dessa proposta com o paradigma neoliberal, pois:

Governo liberal é aquele que quer o Estado desaparecendo e a iniciativa privada e o mercado tomando conta de tudo. Nós queremos um Estado menor, para que ele possa ser mais eficiente, seja mais forte e mais transparente. Não é um Estado fraco que estamos querendo. (O Estado de São Paulo, 1997).

Desses argumentos de Tasso pode-se inferir uma proposta que se contrapõem ao

paradigma neoliberal. Entretanto, de acordo com a análise feita anteriormente, podemos

perceber que a ação do poder público, tal como prevista na proposta do “grupo das

mudanças”, não poderia ser a mesma do passado recente, de intervencionismo do Estado

na economia e tampouco de desequilíbrio fiscal devido ao predomínio da política

tradicional e sua forma depredatória de recursos financeiros e desorganização

administrativa. Portanto, para os representantes desse grupo, bem como para os demais

defensores da política neoliberal do governo Fernando Henrique, a dinâmica competitiva

do mercado global não mais comportaria a presença do Estado na economia na condição

de agente produtivo. No caso do Ceará, dever-se-ia avançar na modernização

administrativa, criando um Estado flexível, eficiente e enxuto, tal como propugnou a

reestruturação capitalista que acompanhou o projeto neoliberal na fase mundial do capital.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao defenderem uma dada concepção de Estado, com forte teor neoliberal, os

empresários cearenses não perdem de vista seus interesses regionais, realizando a

própria recuperação do discurso regionalista. Advertimos, entretanto, que a identificação

com o paradigma neoliberal não pode ser feita tomando apenas como parâmetro a

exclusão do Estado na economia, o que justifica inclusive amplo processo de privatização

ocorrido nos anos 1990. O que dá forma a essa proposta é, sobretudo, a preocupação em

privilegiar o mercado, em detrimento mesmo de processos indutores de distribuição de

renda e de constituição de direitos sociais através do Estado. Nesse caso, não se trata de

excluir simplesmente o Estado da economia, transferindo todas as suas atividades para o

setor privado, bem como de anular sua função regulatória. Na verdade, o que as

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experiências neoliberais têm significado é a realização de um conjunto de políticas e

ações que estão voltadas para a recomposição financeira e administrativa desse poder.

Isto ocorre a fim de que ele possa corresponder às novas exigências do mercado e da

dinâmica capitalista.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CARVALHO, Rejane V. A. A nova burguesia - discurso regionalista e luta pela hegemonia. In: V Encontro de Ciências Sociais do Ne. - 1991. Anais; Vol. II. Modernidade e Pobreza: as ciências sociais dos anos 90. Recife, Pe: Instituto de Pesquisas Sociais/Fundação Joaquim Nabuco. 1991.

CEARÁ. Governador, 1995-1998 (Tasso Jereissati). Plano de desenvolvimento sustentável do Ceará: 1995 – 1998. Fortaleza/Ce: SEPLAN, 1995.

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JEREISSATI, Tasso. PALESTRA do Exmo. Governador Tasso Jereissati na FIEC, sobre o 2º ano de governo, Fortaleza/Ce, 14 mar. 1989. Digitado.

OLIVEIRA, Francisco de. O PT dos empresários: anacronismo ou modernidade do Grupo Jereissati. In: Cadernos Irreverentes 1. Maio 1998. Fortaleza/Ce, s/ed. P. 9-21.

TASSO. Programa de governo: 1998. Fortaleza/Ce, 1998.

VERAS, Beni. Novo padrão de ações inter-regionais, O Povo, Fortaleza/Ce, 09 jun. 1993.

____. Onde caminha o Brasil. O Povo, Fortaleza/Ce, 06 dez. 1995.