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Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO
Armazém da Memória da Seção de Estudos do Serviço de Proteção aos
Índios – SPI
Ione Helena Pereira Couto
2009
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IONE HELENA PEREIRA COUTO
Armazém da memória da Seção de Estudos do
Serviço de Proteção aos Índios – SPI
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Memória Social, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, como parte dos requisitos à obtenção do título de Doutor em Memória Social.
Orientador (a): Profa. Dra. Regina Abreu
Rio de Janeiro 2009
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C871d Couto, Ione Helena Pereira.
Armazém da Memória da Seção de Estudos do Serviço de Proteção aos Índios - SPI / Ione Helena Pereira Couto. - Rio de Janeiro: [s.n.], 2009.
279f. il. Tese (Doutorado em Memória Social) -
Universidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 1. Seção de Estudos 2. SPI 3. Museu do Índio 4.
Darcy Ribeiro 5. Coleção I. Tíltulo
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Armazém da memória da Seção de Estudos do
Serviço de Proteção aos Índios – SPI
Ione Helena Pereira Couto
Banca Examinadora:
--------------------------------------------------------------------------- Professora orientadora Dra. Regina Abreu (UNIRIO)
----------------------------------------------------------------------- Professor Dr. Mário de Souza Chagas (UNIRIO)
--------------------------------------------------------------------- Professor Dr. José Ribamar Bessa Freire (UNIRIO)
-------------------------------------------------------------------------- Professor Dr. Antonio Carlos de Souza Lima (PPGAS-UFRJ)
----------------------------------------------------------------------------- Professor Dr. Carlos Augusto da Rocha Freire (Museu do Índio)
------------------------------------------------------------------------ Professor Dr. Ivan Coelho de Sá (UNIRIO) - suplente
Rio de Janeiro
2009
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Ao meu pai que mesmo não estando mais presente, continua vivo em minha
memória.
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AGRADECIMENTOS
Certa vez o Prof. Bessa Freire me disse que uma tese é monogâmica e ele
estava coberto de razão. Não que durante a sua elaboração não compartilhemos
nosso tempo como pessoas e atividades não relacionada a pesquisa, mas o peso
na consciência que estes “desvios” nos causa é tão grande que muitas vezes
desistimos de tudo que é “extra” tese. Mas mesmo que a redação de qualquer
texto seja feito, na maioria das vezes, quando estamos “sozinhos”, sempre tem
alguém nos envolvendo, nos acompanhando, nos observando, nos ajudando,
muitas vezes sem saber. São pessoas que nos entendem ou por terem já trilhado
o mesmo caminho ou por terem conosco laços afetivos, em ambos os casos
aceitam o casamento compulsório que assumimos com a pesquisa e se mantém
fieis mesmo diante da nova condição. Cada uma delas se faz presente, de modo
diferente, cada uma do seu jeito, e para elas presto meus agradecimentos.
A José Carlos Levinho, diretor do Museu do Índio, pelo apoio e interesse na
proposta de tese e pelo esforço em obter junto a Fundação Nacional do Índio,
órgão ao qual o Museu do Índio se encontra vinculado, a minha licença de quatro
anos para me dedicar a esta pesquisa. A Denise Portugal, responsável do Serviço
de Registro Audiovisual, pelo atendimento as minhas demandas por imagens e
pela atenção aos meus “lamentos” e também ao seu “fiel escudeiro”, Cristiano
Pelosi Pellegrini, pelas reproduções fotográficas. A Lídia Lúcia Zelesco,
responsável pela biblioteca do Museu do Índio, pela liberação de um volume
significativo de títulos que pude consultar em minha casa. A Rejane Beatriz
Schneider, na época então responsável do Serviço de Arquivo e ao Francisco Luiz
de Carvalho, que com ela trabalhava, ambos pela boa “prosa” e pelo acesso a
documentação primária, cujos microfilmes estavam inteligíveis. A Sônia Coqueiro,
responsável do Serviço de Estudos e Pesquisa, pelo constante interesse por este
trabalho. Ao Márcio Ferreira, companheiro de profissão, pelas fotografias dos
objetos do acervo etnográfico do Museu do Índio.
Agradeço a minha orientadora, Regina Abreu, pela oportunidade de
participar do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e pelo
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acompanhamento que deu a este trabalho. Aos integrantes da Banca, os
professores José Ribamar Bessa Freire, Antonio Carlos de Souza Lima, Mario de
Souza Chagas, Carlos Augusto da Rocha Freire, por terem atendido ao convite e
por seu tempo precioso, dedicado à leitura de mais esta tese de doutorado, e
principalmente ao Prof. Ivan Coelho de Sá, não só pela boa vontade em atender
ao convite para unir-se aos demais e assim compartilhar da leitura deste trabalho,
mas também por franqueado o acervo pertencente ao Núcleo de Memória da
Escola de Museologia da UNIRIO.
À minha mãe, agradeço por não ter deixado eu me esquecer, como se
fosse possível, da redação da tese quando perguntava diariamente: “minha filha já
terminou seu trabalho?” Ao meu marido, Gilberto, que sendo engenheiro mecânico
teve toda a paciência do mundo em ouvir meus intermináveis assuntos sobre
política indigenista, antropologia, coleções e museus, e a meus filhos, Pilar e
Bento, herdeiros de nossas memórias e nosso maior patrimônio, por, digamos,
aceitar que lhes fosse subtraído do nosso tempo de convívio o tempo de
dedicação à tese. E a Deus porque eu acredito nele.
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Couto, Ione Helena Pereira. Armazém da Memória da Seção de Estudos do
Serviço de Proteção aos Índios – SPI. 2009. 281f. Tese (Doutorado em Memória
Social) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Rio de
Janeiro.
RESUMO
O presente trabalho recupera a trajetória das atividades da Seção de Estudos, um
dos núcleos que compunha a estrutura administrativa do Serviço de Proteção aos
Índios - SPI, responsável, entre outras atividades, pela promoção do inventário
cultural das populações indígenas tuteladas pelo SPI e pela implantação, em sua
sede, de uma unidade museológica. Para tanto foi estabelecido um recorte
temporal que vai de 1942, ano de sua criação, até 1953, quando ali foi concluído e
inaugurado o Museu do Índio. Neste período, na Seção de Estudos foi organizada
uma série de expedições etnográficas com base na “pesquisa de campo”,
conforme estabelecia a recém institucionalizada antropologia social, cujos
resultados foram traduzidos em textos, imagens e principalmente em objetos
etnográficos. A recuperação da trajetória institucional da Seção de Estudos não só
trouxe à luz os motivos que orientaram estas expedições e identificou as redes
sociais que foram formadas entre Estado e cientistas sociais, como também
revelou o processo de criação de uma instituição de memória.
ABSTRACT
This work was done to recover the path tracked by one division that composed the
organizational structure of 1910 founded brazilian agency for indigenous affairs,
Serviço de Proteção aos Índios – SPI, the “Seção de Estudos” (Section of
Studies), through one of its activities: the planning and execution of the inventory of
cultural asset of Brazilian natives and the conclusion of other of its missions : the
creation of a museum with the ethnological material collected by its teams during
their work all over the country. This field work was molded on the most modern
anthropological concepts, for that time, the period between 1942, year of creation
of Seção de Estudos, and 1953, the year that Museu do Indio (the Native´s
Museum) was opened. The result for this totally new approach was translated
through very rich set of texts, images, and ethnological objects. Recovering this
trajectory not only brought into light the motivation that guided all the expeditions
but also helped to identify the social networks created among its scientists and the
Administration and, at last but not least, revealed the creation process of an
institution of memory.
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2ISTA DE ILUSTRAÇÕES
1 - Reprodução fotográfica do Cel. Antonio Estigarribia que integra a publicação
“Serviço de Proteção aos Índios”, vol. III, número 3, 1943. Pag. 32.
2 – Reprodução fotográfica de Harald Schultz registrada por Heinz
Foerthamann em 1942. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio.
Pag. 42.
3 – Reprodução fotográfica de Heinz Foerthamann registrada por Nilo Velloso
em 1944. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 43.
4 – Reprodução fotográfica de Nilo Velloso registrada por Heinz Foerthamann
em 1945. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 44.
5 - Reprodução fotográfica do Cel. Vicente de Paulo Vasconcelos que integra a
publicação “Serviço de Proteção aos Índios”, vol. III, número 3, 1943. Pag. 52.
6 – Reprodução fotográfica do Mostruário de objetos etnográficos exibidos no
corredor da sede do Serviço Nacional de Proteção aos Índios em 1942, que
integra a publicação “Serviço de Proteção aos Índios”, vol. III, número 3, 1943.
Pag. 67.
7 - Reprodução fotográfica do Mostruário de objetos etnográficos exibidos na
sede da 1º Inspetoria Regional do Amazonas – IR1, que integra o Relatório
Anual da Inspetoria Regional do Amazonas de 1949. Pag. 68.
8 – Reprodução fotográfica do Mostruário de objetos etnográficos exibidos na sede da 9º Inspetoria Regional – IR9, que integra o processo de identificação de uma cerâmica arqueológica, 1947. Pag. 69 . 9 – Reprodução fotográfica da Equipe Etnográfica seguindo em direção do Posto Indígena Taunay, registrada por Harald Schultz em 1942. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 76.
10 - Reprodução fotográfica da Equipe etnográfica atuando no Posto Indígena Taunay, registrada por Heinz Foerthamann em 1942. Serviço de Registro de Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 76.
11 - Reprodução fotográfica do Posto Indígena de Bananal registrado por Harald Schultz em 1942. Serviço de Registro de Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 78.
12 – Fotografia da estrada de rodagem do Posto Indígena de Cachoeirinha,
registrada por Harald Schultz em 1942. Serviço de Registro Audiovisual do
Museu do Índio. Pag. 78.
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13 - Reprodução fotográfica da rede elétrica do Posto Indígena de
Cachoeirinha, registrada por Harald Schultz em 1942. Serviço de Registro
Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 79.
14 – Reprodução fotográfica da estrada de rodagem do Posto Indígena
Francisco Horta registrada por Harald Schultz em 1942. Serviço de Registro
Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 79.
15 – Reprodução fotográfica da Igreja católica (posto não identificado) com um grupo de índios Terena assistindo missa, registrada por Harald Schultz em 1942. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 81. 16 – Reprodução fotográfica da Igreja protestante do Posto Indígena de Bananal registrada por Harald Schultz em 1942. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 81. 17 - Reprodução fotográfica da placa da escola evangélica do Posto Indígena de Bananal registrada por Harald Schultz em 1942. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 82. 18 – Reprodução fotográfica do aspecto da escola do Posto Indígena de Presidente Alves de Barro registrada por Harald Schultz em 1942. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 82. 19 – Reprodução fotográfica de Harald Schultz ao lado de índia Kadiwéu no Posto Indígena Alves de Barro, registrado por Heinz Foerthamann em 1942. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 89. 20 – Reprodução fotográfica de índio Kadiwéu em trabalho artesanal no Posto
Indígena Alves de Barro registrado por Heinz Foerthamann em 1942. Serviço
de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 89.
21 – Fotografia da dança “Bate-Pau” dos índios Terena registrada por Heinz Foerthmann em 1942. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 89. 22 - Reprodução fotográfica de Índia Guarani-Kaiwá do Posto indígena Francisco Horta registrada por Heinz Foerthamann em 1942. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 90 23 – Reprodução fotográfica de Índio Guarani-Kaiwá do Posto indígena Francisco Horta registrada por Heinz Foerthamann em 1942. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 90.
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24 – Reprodução fotográfica de Curt Nimuendajú em 1943, ministrando o curso
de etnologia indígena no Museu Nacional. Imagem retirada do livro Etnologia e
Indigenismo, 1993. Pag. 94.
25 – Reprodução fotográfica da imagem do par de braçadeiras emplumada dos
índios Umutina, de Harald Schultz de 1943. Serviço de Registro Audiovisual do
Museu do Índio. Pag. 100.
26 – Fotografia de braçadeiras emplumadas dos índios Umutina pertencente ao
acervo etnográfico do Museu do Índio e recolhidas por Harald Schultz. Foto
Márcio Ferreira, 2009. Pag. 100.
27 - Reprodução fotográfica da imagem do diadema vertical dos índios
Umutina, de Harald Schultz em 1943. Serviço de Registro Audiovisual do
Museu do Índio. Pag. 101.
28 - Reprodução fotográfica de diadema vertical dos índios Umutina
pertencente ao acervo etnográfico do Museu do Índio e recolhidas por Harald
Schultz. Foto de Márcio Ferreira, 2009. Pag. 101.
29 – Reprodução fotográfica da imagem do machado de pedra dos índios
Umutina, de Harald Schultz em 1943. Serviço de Registro Audiovisual do
Museu do Índio. Pag. 101.
30 - Reprodução fotográfica de machado de pedra dos índios Umutina
pertencente ao acervo etnográfico do Museu do Índio e recolhidas por Harald
Schultz. Foto Márcio Ferreira, 2009. Pag. 101.
31 - Reprodução fotográfica da imagem do trompete de casco de boi dos índios
Umutina, de Harald Schultz em 1943. Serviço de Registro Audiovisual do
Museu do Índio. Pag. 102.
32 - Fotografia de trompete de casco de boi índios Umutina pertencente ao
acervo etnográfico do Museu do Índio e recolhidas por Harald Schultz. Foto
Márcio Ferreira, 2009. Pag. 102.
33 - Reprodução fotográfica do Índio Dilipé, registrada por Heinz Foerthamann,
1943. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 105.
34 - Reprodução fotográfica do Índio Bakairi registrado por Heinz Foerthamann, 1943. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 105. 35 – Reprodução fotográfica do Posto Indígena Fraternidade Indígena registrado por Heinz Foerthamann em 1943. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 111. 36 - Reprodução fotográfica do Índio Umutina registrado por Harald Schultz em 1944. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 112.
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37 – Reprodução fotográfica da “Equipe Etnográfica” transportando o material fotográfico e fílmico no rio Curusêvo, registrada por Heinz Foerthamann em 1944. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag.113.
38 – Reprodução fotográfica da “Equipe Etnográfica” no rio Curusêvo registrada por Heinz Foerthamann em 1944. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 113. 39 – Reprodução fotográfica das imagens das Pás de virar beiju recolhidas por Nilo Velloso em 1944. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 113. 40 – Reprodução fotográfica das imagens dos Paus de Cavucos recolhidas por Nilo Velloso em 1944. Serviço Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 113. 41 - Reprodução fotográfica do Dr. José Maria de Paula que integra a publicação “Serviço de Proteção aos Índios”, Ano VI, vol. III, nº 3. 1943. Pag. 118. 42 - Reprodução fotográfica retirada do relatório da exumação dos restos mortais de João Barbosa de Faria, antigo etnólogo da Comissão Rondon, 1946. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. Pag. 133. 43- Reprodução fotográfica da lista dos objetos etnográficos recolhidos pelo cinegrafista da Seção de Estudos Nilo Velloso em 1943, entre os índios Bororo. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. Pag. 150. 44 – Reprodução fotográfica de Nilo Velloso distribuindo presentes entre os índios Guarani-Kaiwá registrado por Harald Schultz em 1942. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 152. 45 – Reprodução fotográfica da exposição etnográfica organizada para a comemoração da “Semana do Índio” de 1945 – Relatório das Comemorações. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. Pag. 162. 46 - Reprodução fotográfica da exposição etnográfica organizada para a comemoração da “Semana do Índio” de 1945 - Relatório das Comemorações. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. Pag. 162. 47 - Reprodução fotográfica da planta baixa do primeiro pavimento da “Casa do Índio. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. Pag. 177. 48 – Reprodução fotográfica de Modesto Donatini Dias da Cruz, registrado por
Domingos Lamônica em 1948. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do
Índio. Pag. 182.
49 – Reprodução fotográfica da abertura da exposição etnográfica no Museu Paulista durante as comemorações do Dia do Índio de 1947. Da direita para
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esquerda, Sergio Buarque de Holanda; Modesto Donatini e Hebert Baldus. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 189. 59 – Reprodução fotográfica de Modesto Donatini durante a abertura da exposição etnográfica no Museu Paulista para as comemorações do Dia do Índio de 1947. Pag. 189. 51 – Reprodução fotográfica das vitrines etnográficas do Museu Paulista inaugura em 1947 para as comemorações do Dia do Índio de 1947. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 189. 52 – Reprodução fotográfica da abertura oficial da exposição etnográfica do Museu Paulista para as comemorações do Dia do Índio. Pag. 189. 53 – Reprodução fotográfica de Darcy Ribeiro entre os índios Kadiwéu, sem registro de autoria. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Pag. 196. 54 - Reprodução fotográfica de Max Boudin, Darcy Ribeiro e Heinz Foerthamann durante pesquisa aos índios Kaapor, retirada do Livro “Diários Índios” de autoria de Darcy Ribeiro, p. 211. 55 – Reprodução fotográfica da construção do Estádio Mario Filho, no Maracanã, tendo ao fundo o prédio da rua Mata Machado. R763-20. Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro. Pag. 224. 56 – Reprodução fotográfica do terreno que servia para manobra dos tanques de guerra do exército. 1942. R763-22. Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro. Pag. 225. 57 – Reprodução fotográfica de Dulce Rebello. Arquivo da Escola de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Pag. 229. 58 – Reprodução fotográfica de Geraldo Pitaguary. Arquivo da Escola de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Pag. 229. 59 – Reprodução fotográfica de um grupo de estudantes de filosofia colombianos em visita a Seção de Estudos do SPI em 1951 que integra o Relatório Anual do CNPI de 1951. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. Pag.250 60 - Reprodução fotográfica do corredor da diretoria do SPI em 1950 que integra o Relatório Anual do SPI de 1953. Serviço de Biblioteca do Museu do Índio. Pag. 251. 61 - Reprodução fotográfica do corredor da diretoria do SPI em 1951 que integra o Relatório Anual do SPI de 1953. Serviço de Biblioteca do Museu do Índio. Pag. 252.
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62 – Reprodução fotográfica do esquema da proposta museográfica do Museu do Índio elaborada pelo arquiteto Aldary Toledo, retirado do Relatório Anual do SPI de 1953. Serviço de Biblioteca do Museu do Índio. Pag. 264. 63 - Reprodução fotográfica do esquema da proposta museográfica do Museu do Índio elaborada pelo arquiteto Aldary Toledo, retirado do Relatório Anual do SPI de 1953. Serviço de Biblioteca do Museu do Índio. Pag. 264. 64 – Reprodução fotográfica da exposição etnográfica do Museu do Homem, Paris, integrante da publicação “Le goût dês autres de l’exposition coloniale aux arts premiers” de L’ESTOILE Benoit. Pag. 265. 65 - Reprodução fotográfica da exposição do Museu do Índio em 1953 pertencente ao acervo do Serviço de Registro Áudio-Visual do Museu do Índio. Pag. 266. 66 – Reprodução fotográfica da exposição do Museu do Índio em 1953 pertencente ao acervo do Serviço de Registro Áudio-Visual do Museu do Índio. Pag. 266. 67 - Reprodução fotográfica da exposição do Museu do Índio em 1953 publicada na Revista Cruzeiro daquele ano. Arquivo da Fundação Darcy Ribeiro. Pag. 267. 68 - Fotografia da exposição do Museu do Índio em 1953 publicada na Revista Cruzeiro daquele ano. Arquivo da Fundação Darcy Ribeiro. Pag. 267.
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Lista de siglas e abreviaturas
ABI – Associação Brasileira de Imprensa
CNPI – Conselho Nacional de Proteção aos Índios
CLTEMGA – Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Groso a Amazônia
DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público
FUNAI – Fundação Nacional de Proteção aos Índios
IBC – Instituto Benjamin Constant
IBECC – Instituto Brasileiro de Estudos Ciência e Cultura
III – Instituto Indigenista Interamericano
IR – Inspetoria Regional
MA – Ministério da Agricultura
MAIC – Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio
PI – Posto Indígena
SA – Seção de Administração
SE – Seção de Estudos
SESP – Serviço Especial de Saúde Pública
SOA – Seção de Orientação e Assistência
SOF – Seção de Orientação e Fiscalização
SNA – Sociedade Nacional de Agricultura
SNPA - Serviço Nacional de Pesquisas Agronômicas
SPILTN – Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhador Nacional
SPI – Serviço de Proteção aos Índios
MF - Microfilme
FG - Fotograma
UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
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SUMÁRIO
Introdução.........................................................................................................16
1. Antecedentes históricos da Seção de Estudos
1.1. O Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio e o SPI ........................22
1.2. O Serviço de Proteção aos índios e Localização de Trabalhadores
Nacionais e Rondon .........................................................................................25
1.3. As ligações entre o SPI e a Comissão Rondon .......................................27
1.4. A embrionária Seção de Estudos: o Serviço Etnográfico .........................30
2. Por uma Política de Preservação do Patrimônio e da Memória Indígena
2.1. A Seção de Estudos .................................................................................48
2.2. A primeira ação para a supressão da Seção de Estudos pelo SPI...........51
2.3. A segunda ação para a supressão da Seção de Estudos pelo CNPI .....53
3. A Seção de Estudos e “vários aspectos da vida indígena”
3.1. A primeira expedição etnográfica ...........................................................70
3.2. A segunda expedição etnográfica ...........................................................91
3.3. A terceira expedição etnográfica ..........................................................106
4. A difusão da Memória e do Patrimônio Indígena
4.1. Uma Seção em expansão e um acervo em exibição .............................116
4.2. A Seção de Estudos e o “Dia do Índio” ..................................................122
4.3. Arrumando a casa: a organização dos acervos da Seção de Estudos. 131
4.4. A Seção de Estudos e a expedição compartilhada ................................141
5. Enfim uma nova fase
5.1. A queda do Estado Novo e seus reflexos na Seção de Estudos ...........169
5.2. Uma Seção Científica .............................................................................178
5.3. As pesquisas científicas da Seção de Estudos ......................................195
5.4. Os financiamentos da Seção de Estudos ...............................................212
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5.5. O novo ambiente da Seção de Estudos: o prédio da Mata Machado ...219
5.6. A Seção de Estudos e a organização do acervo etnográfico .................227
6. Um museu em construção e uma idéia em ação
6.1. As primeiras iniciativas da Seção de Estudos para a organização de uma instituição museológica.................................................................................248
6.2. Darcy Ribeiro, os objetos etnográficos e os museus.............................253
6.3. A museografia de Darcy Ribeiro ...........................................................258
Notas Finais................................................................................................269.
Bibliografia..................................................................................................271
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16
Introdução:
Sobre o tema e a metodologia.
O homem sempre se interessou por sua trajetória histórica. Esta
curiosidade ultrapassa os poucos milênios da história da humanidade para cujo
conhecimento dispomos do legado da palavra escrita. Parte desta “escri ta” se
encontra preservada em arquivos constituindo um rico e diferenciado acervo a
espera de pesquisa que venha informar sobre a história do homem. Os
interessados em examinar essa massa documental devem ter claro que estarão
lidando com situações, muitas vezes, imponderáveis visto que nem sempre a
informação que se procura será achada, que muitos documentos ainda não
foram totalmente classificados, que haverá sempre impedimentos para sua
reprodução e, independente dos documentos pertencerem ou não a instituições
públicas, o acesso a eles nem sempre será tranquila, mas a pesquisa em
arquivo, respeitando as devidas proporções, além de pouco glamorosa lembra
muito uma pesquisa etnográfica, visto que o pesquisador deve cumprir os
deveres básicos exigidos do etnólogo, ou seja, buscar informações pouco
familiares e, posteriormente, tornar- las acessíveis à sociedade por meio um
estilo literário singular. A pesquisa que proponho, ou o “estar lá”, como dito por
Clifford Geertz1, será por meio de uma “viagem” por arquivos, bibliotecas,
centros de pesquisa à cata de informações sobre a criação e desenvolvimento
da Seção de Estudos (SE), ou SE como ficou conhecida.
A Seção de Estudos foi criada em 1942 dentro da estrutura do Serviço de
Proteção aos Índios - SPI (1910 - 1967)2, órgão destinado a aplicar a política do
Estado em relação aos povos indígenas no Brasil. O interesse em informar
sobre a criação da Seção de Estudos estar tanto em mostrar como uma agencia
assistencialista como SPI se envolveu na formação, organização e difusão do
1 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. 1978.
2 Sobre este serviço ver: GAGLIARDI, José Mauro. O indígena e a república, 1989; LIMA, Antonio
Carlos de Souza. Um grande cerco de paz, 1995.
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17
patrimônio cultural indígena, questão até então descolada de seu universo,
quanto em me instrumentalizar para documentar o acervo do Museu do Índio,
instituição a qual pertenço.
Sobre o primeiro objetivo tenho a informar que a Seção de Estudos fez
parte de um contexto político e cultural que via na preservação do patrimônio
cultural e na construção da memória nacional o caminho para a formação da
identidade da nação brasileira, onde o índio era parte constitutiva.
Sobre o segundo objetivo, ou seja, informar sobre a formação do acervo
que permitiu a abertura do Museu do índio em 1953, tenho a dizer que o
interesse surgiu de minha experiência profissional. Como museóloga do Museu
do Índio, respondo, desde 1987, pela documentação, exibição, conservação e
acondicionamento da coleção etnográfica; atividades que me colocaram
diariamente em contato com os objetos daquele acervo institucional, onde
recuperar a trajetória da Seção de Estudos significava recuperar a história de
formação dos acervos, principalmente o etnográfico.
Parte deste interesse teve início em 1996 devido a um projeto
institucional onde o então Setor de Museologia, transformado em Serviço, deu
início a montagem do banco de dados do acervo etnográfico. Para tanto foi
indispensável realizar um levantamento mais qualitativo de informações sobre
os objetos etnográficos. Era preciso recuperar datas e conteúdos das coleções,
informações que o Livro de Registro, aberto em 1949, não continha.
Devido a estudos correlatos sobre o Museu do Índio11 e na literatura de
Darcy Ribeiro, entre outros, já era sabido que desde 1943 um conjunto
significativo de objetos foi coletado pelo SPI, via Seção de Estudos, embora
todo o seu registro partisse do ano de abertura do supracitado Livro.
Com objetivo de corrigir estes dados e disponibilizá-los com referências
documentais existentes tanto no Serviço de Arquivo quanto na biblioteca, ambos
institucionais, aprofundei minha pesquisa na documentação primária que foi
acompanhada de um levantamento bibliográfico sobre a criação do Museu do
Índio. Neste levantamento foram consultados os documentos administrativos do
SPI, como relatórios, boletins informativos, correspondências e correlatos.
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18
Recuperar a memória institucional da Seção de Estudos não era uma
ideia definida, a única intenção clara naquele momento era a de recuperar a
memória das coleções etnográficas recolhidas antes da abertura do Museu do
Índio. A motivação surgiu após eu reunir um volume significativo de documentos
e associá-lo à bibliografia disponível sobre a Instituição, o que me fez constatar
a dispersão na narrativa da trajetória da Seção de Estudos.
Diante deste fato, procurei manter a ideia inicial, mas utilizando como viés
para a condução daquela questão as atividades desenvolvidas pela Seção de
Estudos durante seus primeiros onze anos de funcionamento, ou seja, até a
criação do Museu do Índio, já que a partir da inauguração do Museu as
atividades da Seção de Estudos acabaram se confundindo com as do novo
núcleo criado, situação decorrente da utilização do mesmo espaço físico tanto
para sede da Seção de Estudos quando para do Museu do Índio, devido a
problemas conjunturais que serão abordados no corpo deste trabalho.
A utilização da trajetória da Seção de Estudos como viés para descrever
o recolhimento e a organização do acervo etnográfico era oportuno porque tanto
me mantinha próxima ao meu objeto de trabalho - o acervo etnográfico - quanto
viabilizava acessar outros acervos intitucionais como o imagético, que
forneceria suporte para ilustrar as atividades e personagens que atuaram na SE,
quanto o acervo arquivístico e bibliográfico institucional.
Definido o tema deste trabalho e a sua relevância para o entendimento da
formação do patrimônio cultural dos povos indígenas no Brasil e para a
formação dos acervos que serviram de base para criação do Museu do Índio,
resta informar as fontes consultadas. A base deste trabalho se encontra nas
fontes primárias pertencentes ao arquivo textual do Museu do Índio, que inclui
relatórios, memorandos, circulares, correspondências e boletins informativos do
Serviço de Proteção aos Índios (SPI); relatórios, atas de reunião e
correspondências do Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI). Em
busca de mais informações sobre o tema, outros arquivos foram acionados,
como o da Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR); da Escola de Museologia da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO); do Instituto
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19
Estadual de Patrimônio Cultural (INEPAC) e da Casa de Cultura Heloisa Alberto
Torres.
Às informações fornecidas por esta documentação foram associadas a
outras fontes bibliográficas, especialmente aquelas que abordavam o Ministério
da Agricultura, o SPI, o CNPI e o Museu do Índio. Além destas foi necessária a
leitura de uma bibliografia sobre a formação do campo intelectual em Ciências
Sociais no Brasil, com ênfase na formação da comunidade antropológica. O
objetivo era o entendimento de algumas atividades desenvolvidas pela Seção de
Estudos e das pesquisas realizadas por seus agentes. Foram investigadas
ainda outras fontes bibliográficas referentes a coleções, memória e patrimônio,
que me auxiliariam no entendimento das relações entre indivíduos, objetos e
instituições.
É sobre esta Seção e suas atividades que redundaram na formação de
acervos como na abertura pública do Museu do Índio em 19 de abril de 1953,
que trata Armazém de Memória, título que busca uma analogia entre a Seção
de Estudos e um celeiro, um depósito rico de informações sobre as atividades
administrativas do SPI e sobre as populações indígenas, registradas a partir de
1910 e organizadas, de modo mais sistemático, com a criação da Seção de
Estudos cujo principal papel era a sistematização dos arquivos imagético,
textual e etnográfico.
O primeiro capítulo, Antecedentes históricos da Seção de Estudos, foi
agrupado em quatro seções. Nas duas primeiras apresento o histórico da
criação do Serviço de Proteção aos Índios, dentro da estrutura administrativa do
Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, em 1910, recuperando os fatos
que apontam para a criação de um núcleo na estrutura daquele Serviço voltada
para reunir seu conhecimento tutelar. Ao final destas narrativas tem início a
terceira seção, onde recupero as ligações do SPI com as atividades
desenvolvidas pela Comissão Rondon. A partir das informações organizadas
nas três primeiras seções, foi possível descrever a criação do Serviço
Etnográfico, núcleo embrionário da Seção de Estudos, e o responsável pela
contratação de agentes encarregados das pesquisas etnográficas e da captação
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20
de coleções etnográficas e imagéticas.
O segundo capítulo, Por uma Política de Preservação do Patrimônio e
da Memória Indígena, teve seu teor subdividido em três seções. A primeira
dedicada a informar sobre a criação da Seção de Estudos, sua base legal,
atribuições e as justificativas fornecidas sobre sua criação dadas pelo
Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), e pelos agentes que
atuavam no SPI. As duas seções subsequentes concentram as informações
sobre as ações organizadas pelo SPI e pelo CNPI em relação à supressão da
Seção de Estudos, apontando os objetivos que estiveram na base daquelas
ações.
O terceiro capítulo, A Seção de Estudos e “vários aspectos da vida
indígena”, concentrou suas informações em três seções, todas de conteúdo mais
analítico que os dos capítulos anteriores. Nesta quadra do texto foram descritas
as primeiras expedições etnográficas desenvolvidas pela Seção de Estudos,
apontando os motivos que orientaram a escolha das comunidades indígenas
eleitas e os acervos que foram organizados durante sua promoção, assim como o
uso que lhes foi dado. Ainda neste capítulo, aponto o crescimento organizacional
da Seção de Estudos, devido a necessidade de estruturar a massa documental
acumulada.
O capítulo quatro, A Difusão da Memória e do Patrimônio Indígena, teve
seu conteúdo distribuído em quatro seções. Cada uma apresenta as variadas
atividades da Seção de Estudos, que envolveram não só a difusão dos seus
acervos, principalmente o etnográfico devido a institucionalização do “Dia do
Índio”, mas também o início de medidas voltadas para a sua documentação, que
resultou em sua mudança de “status” no interior da Agência.
O quinto capítulo, Enfim uma nova fase reuniu informações sobre a
queda do Estado Novo e seus reflexos no SPI, traduzido pela mudança nos
seus cargos de comando; medida que viabilizou a Seção de Estudos a promover
a contratação de agentes especializados em antropologia e em museologia. Os
primeiros responsáveis pelas primeiras pesquisas etnográficas que resultaram
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21
na aproximação do SPI, via Seção de Estudos, com novos agentes sociais
envolvidos com a temática indígena e a concessão de financiamento a agentes
externos a Seção de Estudos. Ações que se converteram no aumento de
coleções etnográficas.
A descrição da memória institucional da Seção de Estudos foi exposta no
sexto capítulo, Um museu em construção e uma ideia em ação. Neste capítulo
foram expostas as bases ideológicas que sustentaram o projeto de criação do
Museu do Índio. Assim sendo, foi elencado os agentes que estiveram envolvidos
com o seu projeto e as peças etnográficas selecionadas para sustentarem suas
ideias.
A Nota Final apresenta uma análise das situações expostas nos capítulos
supracitados, demonstrando como um sistema coorporativo, como foi a Seção
de Estudos, auxiliou seus integrantes a conhecerem a vida e a história de
sociedades distintas, e, partir desta experiência, pôde narrá-las e difundi-las
com o apoio dos textos, imagens e objetos. Na posição de “narradores” tanto
reforçaram a ideologia que imperava naquele ambiente quanto foram
“dissidentes”, atitude que resultou em mudanças ideológicas marcadas
claramente nos discursos de criação do Museu do Índio. Nesta parte final do
texto, condensei as informações sobre a construção de uma instituição de
memória como base em um patrimônio cultural que não foi produzido pela
sociedade que a idealizou, mas que buscava inscrever seus indivíduos na
história e na memória de nossa sociedade por meio de seu aparato material.
Instituição gestada durante onze anos dentro da Seção de Estudos, que nasceu
em 19 de abril de 1953, batizada de Museu do Índio.
Em 5 de dezembro de 1967 o SPI foi extinto após a constatação de uma
série de irregularidades administrativas em sua gestão e de um incêndio em sua
sede, em Brasília. Em seu lugar foi criada a Fundação Nacional do Índio -
FUNAI. Da extinta instituição ficou o Museu do Índio, importante tanto para a
guarda da memória do extinto Serviço quanto para a cultura indígena devido ao
acervo que detém constituído, devido ao trabalho desenvolvido pela Seção de
Estudos.
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22
1. Antecedentes históricos da Seção de Estudos
1.1. O Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
Ao tratar do processo que possibilitou a criação da Seção de Estudos e a
formação dos acervos que serviram de base para o futuro Museu do Índio é
necessário fazer uma digressão, isto é, contextualizar inicialmente a agência
responsável pela sua criação. Isso porque tanto os acervos, quanto o Museu do
Índio, devem ser entendidos dentro de uma hierarquia institucional, como resultado
de um processo pelo qual vinha passando o Serviço de Proteção aos Índios (SPI).
Somente a partir de 1942, com a instituição da Seção de Estudos em sua estrutura
administrativa, o Serviço começou a ter uma política de recolhimento de materiais
etnográficos, visual e sonoro, que viriam a compor o futuro museu, entendido como
uma “subseção” da Seção de Estudos. Assim sendo, creio ser necessário
apresentar, de modo resumido, como e porque aquele Serviço foi criado. A partir
destas informações poderemos observar, gradativamente, os fatos que levaram à
criação da Seção de Estudos e, consequentemente, do Museu do Índio.
Para abordar o desenvolvimento dos processos de implantação da Primeira
República no Brasil (1910-30), no que tange a sua estrutura burocrático-
administrativa, é necessário ter-se em vista os interesses econômicos e políticos
presentes naquele contexto. O Brasil havia se tornado uma República, mas
continuava a existir um rei: o café. Razões não faltavam para que o café fosse
associado à figura de um rei. Por exemplo, em 1905, só no Estado de São Paulo
havia 689 milhões de cafeeiros, o que o tornou responsável pela comercialização
da metade do café mundial.
Em torno da economia do café existia uma grande euforia comercial que
vinha desde o período do Império, se estendendo até os primeiros anos da
República. Aqueles que mais tinham a lucrar com a monocultura cafeeira eram
principalmente os plantadores, comerciantes e banqueiros que investiam uma
quantidade sempre maior de recursos em transações comerciais e financeiras, o
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23
que lhes possibilitava, também, participar das decisões do Governo. Mas qual era,
por exemplo, a situação daqueles agricultores que não produziam café? Lima3
responde esta pergunta ao recuperar a história da criação do SPI.
Para o autor, os fatos não corroboravam a versão oficial, que confere à
criação do Serviço de Proteção ao Índio a atribuição de uma resposta do Estado
para solucionar os constantes conflitos que envolviam terras no sul do país
habitadas por índios, em sua maioria Kaingang e Xokleng. Terras estas que
vinham sendo destinadas à implantação de colônias de imigrantes alemães e
italianos e, ainda, às ações do Estado para construção de linhas férreas. O
resultado destes episódios era traduzido em morte e extermínio daquelas
populações, que teriam sido defendidas pelo então diretor do Museu Paulista,
Hermann von Ihering. A situação provocou, a partir de 1908, na imprensa da
época, principalmente pelo Jornal do Commércio, um debate público que envolveu
autoridades políticas e civis.
Para Lima, tais fatos, mesmo que relevantes para a época, não teriam tido
força o suficiente para que o Estado tomasse para si o destino dos índios, criando
assim um núcleo estatal, como foi o Serviço de Proteção aos Índios, para proteger
e defender os interesses das populações indígenas. Para Lima, a criação de um
núcleo daquela natureza esteve relacionada aos objetivos políticos e econômicos
de um seguimento agrário não relacionado com a agricultura do café, distribuído
pelo território nacional e que, além de formadores de opinião, detinham um capital
político significativo devido às alianças que mantinham com alguns opositores do
então governo.
Este grupo, segundo Mendonça,4 congregou seus interesses já em 1897, ao
fundar a Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), com o objetivo de reorganizar a
agricultura do país, em bases científicas, depois do abalo que sofrera durante o
Império em decorrência da perda do trabalho escravo. A proposta da SNA era
diversificar a produção agrícola por meio da introdução de ensino técnico e da
mecanização, e assim poder fixar a mão-de-obra no campo.
3 LIMA. Antônio Carlos de Souza. Um grande cerco de paz, 1995.
4 Sobre o assunto ver: MENDONÇA, Sônia Regina de. Ruralismo, agricultura, poder e Estado na primeira
República, 1990.
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24
O governo, a fim de cooptar aliados que se encontravam à sua margem,
entre eles os membros da SNA, acenou com a criação de um aparelho estatal de
menor peso político que outros ministérios, como o da Fazenda, responsável pelo
gerenciamento da economia do café. Entre outras atribuições, este núcleo ficaria
incumbido da fixação de mão-de-obra em pequenos lotes de terra e atuaria
importando a tradição norte-americana, onde agricultura, ciência e Estado
caminhavam juntos. Cabendo ao último efetivar, através de mecanismos
organizacionais, a política científica para a área agrícola: criando metas,
concedendo financiamento e gerando infraestrutura para o desenvolvimento
científico. Em contrapartida, a ciência ali produzida serviria para dar legitimidade
ao Estado, ao converter a política em uma técnica e numa engenharia social,
fomentando a ideia de um Estado racional.
Para os integrantes da SNA, a criação de um núcleo daquela natureza vinha
em resposta a um apelo que começou a ser manifestado 1901, por ocasião do I
Congresso Nacional de Agricultura. Contudo, devido a manobras políticas e
mudanças presidenciais, a proposta para criação do Ministério da Agricultura,
Indústria e Comércio (MAIC), apresentada a Câmara em 1902 e aprovada em
1906, só foi efetivamente implantada em 1909, durante o governo de Nilo Peçanha,
pelo Decreto nº 7.727 de nove de dezembro daquele ano, cujo conteúdo já previa
um núcleo destinado à “catequese dos índios”.
O primeiro ministro foi Antonio Cândido Rodrigues, engenheiro paulista e
cafeicultor que, devido a suas ligações políticas com o então governador de São
Paulo, opositor ferrenho de Nilo Peçanha, foi afastado do cargo, sendo substituído
por Rodolfo Nogueira da Rocha Miranda. Segundo Lima, foi Miranda o responsável
pela implantação do então Serviço de Proteção aos Índios e Localização de
Trabalhadores Nacionais (SPILTN), em 20 de junho de 1910, pelo Decreto nº
8.072. A partir de 1918, passou a se chamar somente Serviço de Proteção aos
Índios (SPI). Daí retirar do suposto “debate”, que envolveu o diretor do Museu
Paulista, Hermann von Ihering, e grupos sociais ligados à questão indígena, o fator
decisivo para a criação do então SPILTN; pois uma ação política voltada para
aquelas sociedades já se encontrava em andamento em período anterior.
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25
1.2. O Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores
Nacionais e Rondon
Seguindo ainda as informações fornecidas por Lima, foi Miranda o
responsável pela entrada em cena do então tenente coronel Cândido Rondon, que
ficaria à frente do SPI e cuja atuação já era reconhecida devido a sua atividade à
frente da implantação de linhas telegráficas na região centro oeste do país.
A entrada de Rondon neste cenário serve como exemplo de como se
formam as “redes sociais”, que acabam por aproximar agências e agentes dotados
de uma inserção determinada na estrutura social, sustentados por canais
específicos que atendem aos interesses do Estado. A escolha de Rondon como
candidato à direção do Serviço teria partido de Sérgio de Carvalho, na ocasião ex-
professor de Antropologia, Etnologia e Arqueologia do Museu Nacional, membro da
Sociedade Nacional de Agricultura e consultor técnico do gabinete do Ministro da
Agricultura para assuntos relacionados ao ensino agrícola.
Para Lima, a sugestão do nome de Rondon surgiu durante uma visita que
Miranda fez, em fevereiro de 1910, ao Museu Nacional, órgão pertencente ao
MAIC, na busca de informações sobre a “catequese de índios” e a reabilitação do
trabalhador nacional. Após esta visita, Miranda teria encaminhado uma carta,
datada de março de 1910, convidando o tenente Coronel Rondon a assumir a
direção do Serviço. A indicação ganhou força por sua experiência no contato com
os povos indígenas, adquirida durante as atividades à frente da implantação de
postos e linhas telegráficas, que teve início em 1890, e, ainda, pelas relações que
Rondon mantinha com o Museu Nacional. Some-se a estes fatos, a notoriedade
que seu nome já havia alcançado na imprensa da época, o que o colocava como
formador de opinião.
O Museu Nacional vinha participando desde 1910 – representado por
naturalistas, zoólogos e etnólogos – de algumas Comissões de Implantação de
Linhas Telegráficas chefiadas por Rondon, recolhendo material para ser
classificado e, posteriormente, divulgado na comunidade científica da época. Esta
parceria rendeu ao Museu Nacional coleções etnográficas significativas, objetos
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26
recolhidos durante as Comissões. Sobre este assunto, Rondon deu seu
depoimento na Ata da 15º Seção do CNPI, em 1946:
A lendária Comissão Telegráfica cumprindo as instruções do Ministério da Viação Doutor Miguel Calmon do Pin e Almeida, sintetizadas na decisiva ordem: ‘Estudar os recursos naturais da região percorrida’, requisitou do Museu Nacional, isto é, do seu preclaro Diretor Batista de Lacerda, os naturalistas indispensáveis para completar o pessoal militar da Comissão encarregada de penetrar os sertões do Noroeste de Mato Grosso e galgar os do Oeste do Amazonas até alcançar o Acre, e nessas regiões assentar a Linha Telegráfica que as ligasse à Capital da República. Assim foi que a referida Comissão partiu para o Grande Reconhecimento, acompanhada de provectos Naturalista, que pesquisaram em Zoologia, Geologia, Botânica e Etnologia (...). Pois, a Comissão Telegráfica auxiliada pelos seus íntegros Naturalistas, coligiu material, estudou-os e publicou o resultado desses estudos em Relatórios e Conferências, satisfazendo assim a maior aspiração de seu devotado Diretor.
5
De encontro às indicações técnicas vinham as de cunho pessoal, isto é, os
laços de amizade que ligavam Rondon aos irmãos Horta Barbosa, primos de Mário
Barbosa Carneiro, diretor geral de contabilidade do MAIC durante toda a primeira
República. O primeiro dos irmãos, Júlio Caetano, ao se graduar engenheiro militar,
em 1908, entrou para a Comissão Rondon, participou dos trabalhos de
administração, exploração e construção de postos e linhas telegráficas, ficando ao
lado de Rondon durante quinze anos.
Nicolau Bueno, ainda como alferes, participou de trabalhos na Comissão,
desde sua implantação em 1900, até 1910, ficando responsável pelo escritório
central da Comissão. Francisco Bueno participou da construção da linha no sul de
Mato Grosso aonde veio a falecer. E o último dos Horta Barbosa, Luís Bueno,
integrou o grupo que estruturou o Serviço, sendo seu diretor de 1918 até 1921.
Todos estiveram vinculados à Comissão e, como Rondon, participavam do
apostolado positivista.
As redes sociais não terminavam aí, Rondon também era ligado a Hermes
da Fonseca, pois durante sua formação militar serviu como mediador entre o
Exército e a Marinha no período da Proclamação da República, se afastando mais
5 Relatório Anual do CNPI de 1946, Ata da 15º Seção, documento original. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio.
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27
tarde do “poder” em lealdade à sua formação como militar, que determinava o não
envolvimento da classe na vida pública; conforme estabeleceu o exército após sua
reformulação baseada nos moldes da Missão Francesa. Foram as atividades
exercidas por Rondon, somadas às relações pessoais que mantinha, as
responsáveis pela indicação de seu nome à frente do futuro SPI.
Lima também informou que Rondon respondeu como diretor do Serviço por
apenas sete meses, mas continuou a figurar como tal até 1930, por coincidência,
mesmo ano da extinção oficial da “Comissão Rondon”. Claro está que ele não
poderia atuar em duas frentes.
1.3. As ligações entre o SPI e a Comissão Rondon
Após a desativação da Comissão Rondon, em 1915, apenas os trabalhos de
manutenção dos postos telegráficos e de execução de mapas cartográficos foram
mantidos. De 1915 a 1930, com o apoio da infraestrutura montada para as
comissões de linhas telegráficas – salas de desenho e laboratórios de montagem e
revelação de filmes e fotos –, Rondon organizou várias expedições geográficas
chefiadas por seus correligionários. A intenção era criar novos levantamentos
topográficos da região centro oeste, a fim de corrigir alguns dados e publicar uma
carta geográfica da região. Os desenhos eram executados nas salas situadas na
rua das Laranjeiras, nº 232, e as imagens, tanto fotográficas quanto fílmicas, nos
laboratórios localizados em algumas salas do térreo do Instituto Benjamin
Constant, no bairro da Urca. Os produtos materiais recolhidos durante aqueles
eventos, assim como os recolhidos durante o período de funcionamento das
Comissões, eram encaminhados para o Museu Nacional. De 1910 até 1930,
através das atividades realizadas por Rondon à frente das Comissões de
implantação de linhas telegráficas, e também das expedições geográficas, foram
encaminhadas para o Museu Nacional 3.380 peças indígenas, 5.676 espécimes
animais e 8.837 espécimes vegetais, relacionadas por Lima6 e Mendes7. Sobre o
assunto, Rondon deixaria um depoimento em Ata da reunião do Conselho de 1944.
6 LIMA, Antonio Carlos de Souza. Os museus de história natural e a construção do indigenismo, p. 45.
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28
Quando a Comissão Rondon fechou para os sertões, nós brasileiros, éramos exatamente os que tinham menos autoridade para dizer dos indígenas de Mato Grosso, a respeito das quais pouco ou quase nada sabíamos de conhecimento próprio, os únicos estudos etnográficos em que havia noções sobre esses silvícolas eram subscritos por estrangeiros, entre os quais os Dr. Karl von den Stein, Poul Ehrenreich e Max Schmidt. O nosso descaso por estes estudos era agravado pela indigência dos nossos museus, sobretudo o Museu Nacional, onde foi a coleção Guido, da tribo Bororo, doada por Maria do Carmo de Melo Rego, só se encontrava um ou outro artefato de alguma tribo, ao passo que as amostras dos museus estrangeiros, particularmente os da Alemanha, exibia ternos completos de ornamentos, de objetos domésticos e de indumentária das tribos do alto Xingu, do Bakairi, dos Pareci, dos Bororo e outros. É, de fato, ele reivindica para os museus estrangeiros essa proveniência, que hoje, cabe, sem dúvida, ao nosso Museu Nacional, e fá-lo a golpes de sobre-humano esforços, arrecadando e recolhendo a este estabelecimento, a todo preço e sem medir sacrifícios, os objetos indígenas de todos estes que obtivessem, pessoalmente, ou por intermédio de seus auxiliares. É assim que, no dizer de conspícuo professor do Museu Nacional, o General Rondon, durante sua peregrinação pelos sertões, supriu este estabelecimento de mais material etnográfico de que todas as suas aquisições de um século.
8
O que se percebe é que Rondon assume oficialmente a direção do SPI, mas
não deixa de exercer as atividades ligadas ao reconhecimento topográfico da
região centro oeste. Simultaneamente controla, por meio de seus correligionários, o
Serviço de Proteção aos Índios e as expedições geográficas, aparentemente
distintas, mas que se combinava em interesse e tema. À medida que promovia as
expedições de caráter técnico-administrativo, voltadas para a manutenção de redes
telegráficas, aproveitava para implantar e administrar postos indígenas, de caráter
assistencialista, que eram entregues aos seus correligionários militares. O produto
material das expedições era encaminhado para o Museu Nacional, como uma
espécie de “pagamento” pela cessão de técnicos, que por sua vez também
acabariam reforçando a importância daquelas iniciativas por meio da elaboração e
divulgação de artigos, cuja circulação atingiria a elite intelectual da época envolvida
com a questão indígena.
7 MENDES, Marcos de Souza. Heinz Foerthmann, p. 52.
8 Relatório Anual do CNPI, de 1944, documento original, Ata da reunião de 4/10/1944. Serviço de Arquivo do
Museu do Índio.
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29
Estando também à frente do SPI, o círculo se fechava, pois o domínio sobre
o território, e as ações sobre aqueles povos, atingiriam um duplo objetivo: político e
social. Político porque evitaria os conflitos entre índios e segmentos da sociedade
nacional, atraindo e pacificando. Social porque estava civilizando aquela parcela da
população por meio de técnicas que incluíam a educação, o aprendizado do
português, o ensino de técnicas agrícolas e pecuárias e regularizando a situação
de suas terras. O lócus principal destas ações eram os Postos Indígenas, que por
sua vez eram derivados dos postos militares implantados pelas Comissões. Neste
ambiente, considerado uma “unidade de ação”, o índio era agremiado e tutelado
pelos agentes do SPI, liberando, deste modo, seu antigo território para o
aproveitamento tanto pelo Estado quanto para a iniciativa privada. Naquele novo
ambiente os índios eram induzidos a abandonar suas práticas tradicionais,
principalmente as agrícolas, substituídas por novas práticas orientadas pelo
conhecimento científico, que a médio e longo prazo os transformariam em
trabalhadores nacionais, autossuficientes economicamente.
Toda esta “engenharia” carregava uma ideia subjacente, ou seja, o índio,
como uma categoria social e étnica, era passível de evoluir e atingir a civilização,
sendo para isso necessário implantar uma proteção fraternal, com base no ideal
positivista e por meio de uma disciplina militar, que Lima denominou de “cerco de
paz”, onde um só um aparelho do Estado era capaz de conduzir, ou seja, o SPI.9
9 Foge ao escopo deste trabalho detalhar os debates e polêmicas ocorridos no início do século XX sobre a
questão indígena, que culminou na criação do SPI em 1910. Esteve envolvido com aquele tema o Apostolado
Positivista do Brasil, agentes sociais reunidos em entidades tais como: Sociedade de Etnografia e Civilização
dos Índios, Associação de Proteção e Auxílio aos Silvícolas do Brasil, Centro de Ciências, Letras e Artes de
Campinas, Comissão Protetora da Defesa e Civilização dos Índios e a igreja católica. As ideias sobre como
melhor conduzir ou resolver o problema indígena foi veiculado, principalmente, pelos jornais como: Jornal do
Comércio (RJ), O Paiz (RJ), Jornal do Brasil (RJ) e Jornal do Comércio de São Paulo (SP). Entre as ideias
propagadas sobre os conflitos envolvendo os povos indígenas, dentro do quadro político da época, três
tendências ganharam relevo: os que defendiam o extermínio dos índios por verem neles um impeditivo para o
avanço econômico defendido por uma oligarquia conservadora; os que defendiam a permanência da Igreja na
condução da incorporação dos índios por meio da catequese, representada pelo Clero; e aqueles que defendiam
a intervenção do Estado na proteção dos povos indígenas orientado por princípios leigos. Sendo esta última
corrente, a que saiu vencedora. Primeiro, devido ao próprio momento político em que Estado e Igreja foram
separados como determina a orientação republicana e, segundo, por ter sido os positivistas os líderes do
movimento que culminou na proclamação da República, leia-se os militares, grupo onde o positivismo de
August Comte encontrou maior aceitação no Brasil. A doutrina de Comte era baseada na teoria dos três
estados, onde o conhecimento humano estaria sujeito a passar, inevitavelmente, por sucessivos estados na sua
evolução: o teológico, o metafísico e o positivo. Assim, as sociedades mais primitivas e os povos mais
civilizados se encontravam em estados diferentes dessa evolução. (Sobre a implantação do SPI e sua
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30
1.4. A embrionária Seção de Estudos: o Serviço Etnográfico
Após sua criação em 1910, o SPI permaneceu no âmbito do Ministério da
Agricultura, Indústria e Comércio, tendo simbolicamente Rondon como Diretor. Em
1930, após a Revolução, o SPI foi retirado daquela estrutura administrativa e
passou a fazer parte da estrutura do recém-criado Ministério do Trabalho, Indústria
e Comércio permanecendo neste ambiente até 1934, quando foi transferido para o
Ministério da Guerra onde permaneceu até 1939, retornando para o então
reestruturado Ministério da Agricultura, mas operando com regimento provisório
datado de 1934, quando pertenceu ao Ministério da Guerra. Aquele regimento lhe
organizava com uma diretoria e duas seções, denominadas simplesmente de 1º e
2º Seções. A 1º Seção era responsável pela atividade administrativa do SPI, ou
seja: “a contabilidade e escrituração dos bens pertencentes ao patrimônio nacional
e ao dos índios, em todos os estabelecimentos deste Serviço”.10 À 2º cabia a
orientação dos trabalhos de assistência aos índios e sua fiscalização, estrutura que
foi instalada nas salas do quarto andar do “Edifício Deodoro”, localizado na
Avenida Graça Aranha, nº 81.
Em dezembro de 1941 o SPI recebeu verbas para efetivar um “Serviço
Etnográfico” que ficou responsável pelo desenvolvimento da pesquisa etnográfica
do SPI. O novo “serviço” tinha por objetivo o registro das comunidades indígenas
por meio de fotos e filmes, e ficou sob a responsabilidade da 2º Seção, a cargo do
então engenheiro militar Antonio Estigarribia, local e agente aonde o conhecimento
tutelar do órgão vinha sendo depositado.
Como as verbas só chegaram em dezembro de 1941, sua aplicação ocorreu
no ano seguinte, pois era necessário organizar os meios para a efetivação daquela
atividade, devido a mesma não ser familiar às ações do Serviço. Em abril de 1942,
Estigarribia encaminhou um parecer técnico à direção do órgão, explicitando as
finalidades do novo serviço e defendendo os motivos de sua organização. Neste
documento ficaram mais claras a que se destinava a promoção de pesquisas
operacionalidade ver respectivamente: GAGLIARDI. O indígena e a República. 1989 e LIMA, Antonio
Carlos de Souza. Um grande cerco de paz. 1992. 10
Relatório do SPI de 1942. MF. 387, S/FG. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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31
etnográficas por parte do SPI. O documento insinua também que a implantação do
Serviço Etnográfico era uma medida experimental do SPI, já que se tratava de
núcleo que ainda estava em estudo, a ser incluído no novo Regimento Interno da
agência que vinha sendo organizada pelo Departamento Administrativo do Serviço
Público (DASP); como podemos verificar no trecho:
Em assunto de etnografia, e estudos correlatos, das nossas tribos indígenas, o SPI não teve até 1941, por falta de recurso, nenhuma iniciativa. Os recursos de que este serviço dispôs não deram nunca nem mesmo para acudir aos índios nas suas mais prementes e imediatas necessidades. Os dispositivos regulamentares em que entrou o SPI a partir, seguramente, de 1940 era natural que tais estudos fossem levados em consideração, sem demora, porque para serem completos e suficientes, é preciso observar o índio mais próximo possível do seu estado primitivo. E essa observação irá se tornando mais difícil a proporção que as tribos, em virtude dos auxílios, ensinamentos e convivência que o SPI lhes oferece, e elas espontaneamente aceitam, se vão infiltrando de ideia, costumes e instituições alienígenas que dentro em pouco desfigurarão todo o quadro do seu viver primitivo, cujo conhecimento pode trazer muita luz a detalhes das grandes leis da evolução humana. E poucas são já as tribos facilmente acessíveis, onde se possa encontrar intato algo de primitivo. O que caracteriza bem essa tendência atual do SPI a completar-se, instituindo essa Seção de estudos em sua organização, é a existência da letra d) no art. 1º do seu projeto de regimento, ainda em preparo, assim concebida: “proceder ao estudo e investigação das origens, línguas, ritos, tradições, hábitos e tendências do índio brasileiro, bem como efetuar o levantamento da estatística geral das populações indígenas, como declaração dos elementos citados e as suas profissões e situação geral”. É ao cumprimento desse dispositivo que corresponde a nova Seção etnográfica, cuja organização esta sendo procedida.
11
11 Informação nº 18. MF. 335, FG. 584. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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32
12
Nas palavras de Estigarribia estão inclusas uma série de preocupações dos
agentes do SPI em um plano mais amplo da conjuntura política e cultural do país,
do qual o SPI não se encontrava alheio. Para melhor compreendermos as várias
questões imbricadas no seu texto, se faz necessário dividi-lo em parágrafos, e
examiná-los separadamente.
No primeiro parágrafo Estigarribia se refere aos estudos etnográficos dentro
da esfera do SPI:
Em assunto de etnografia, e estudos correlatos, das nossas tribos indígenas, o SPI não teve, até 1941, por falta de recurso, nenhuma iniciativa. Os recursos de que este serviço dispôs não deram nunca nem mesmo para acudir aos índios nas suas mais prementes e imediatas necessidades.
13
12
Foto 1: Cel. Antonio Estigarribia. Reprodução fotográfica retirada da publicação “Serviço de Proteção aos
Índios”, ano VI, vol. III, nº 3, 1943. 13 Informação nº 18. MF. 335, FG. 584. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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33
Sobre este assunto, Lima14 informou que já fazia parte das intenções do SPI,
desde sua organização no Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, criar um
núcleo para organizar o “Saber Tutelar”. Esta necessidade, segundo o autor,
esteve relacionada a um problema estrutural do SPI. Qual seja: o poder dos
inspetores regionais, responsáveis diretos pela tutela dos índios nos postos e
aldeias indígenas e pela representatividade do Serviço junto aos governos locais.
Como a maioria daqueles agentes eram servidores civis recrutados entre a
população não índia local, suas ações necessitavam de constante vigilância por
parte da direção do órgão, pois eram percebidos como agentes fáceis de serem
cooptados tanto pelos políticos locais, quanto por agentes do segmento agrário ou
extrativista, contrários às ações tutelares do SPI. Este problema obrigava a direção
do SPI a manter permanente vigilância sobre eles, efetivada, principalmente, pela
2º Seção.
O SPI acreditava que a solução do problema estaria na criação de um
núcleo responsável pela sistematização de todo o conhecimento adquirido da
experiência tutelar, isto poderia gerar a base dos procedimentos a serem adotados
pelo Serviço que seriam absorvidas a seu favor. Posteriormente, o material seria
então repassado para os inspetores, qualificando-os no trato com os índios e na
aplicação de medidas que acelerassem a integração.
Supunha-se que o melhor entendimento sobre aquelas comunidades, e
sobre o trabalho do SPI, acabaria por evitar o aliciamento dos inspetores contrários
às causas do SPI. Como medida intermediária, o Serviço vinha há anos
promovendo alianças com algumas agências responsáveis pela produção cultural
das populações indígenas. Mas, devido a própria característica dos estudos
etnográficos do período, desenvolvidos dentro do paradigma evolucionista, a
questão ainda não havia sido resolvida. As análises promovidas por Lima
responderam em parte aos interesses que estiveram em jogo para a criação de um
núcleo que promovesse e organizasse o conhecimento sobre os povos tutelados
pelo SPI.
14
LIMA, Antonio Carlos de Souza. Um grande cerco de paz, pp. 208-10.
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34
Outra questão levantada por Estigarribia encontra-se no segundo parágrafo
de sua fala e está relacionada à reestruturação do SPI no âmbito do Ministério da
Agricultura:
Os dispositivos regulamentares em que entrou o SPI a partir,
seguramente, de 1940, era natural que tais estudos fossem levados
em consideração, sem demora, porque para serem completos e
suficientes, é preciso observar o índio mais próximo possível do seu
estado primitivo.15
As constantes mudanças pelas quais passou o Serviço de Proteção aos
Índios de 1930 até 1939, brevemente citadas no início deste capítulo, estão
relacionadas a uma série de questões que envolveram tanto o domínio e o
reconhecimento dos territórios onde os povos indígenas se encontravam, quanto a
economia agrícola do país.
Para Lima16 os motivos que levaram o SPI a fazer parte da estrutura do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), estão relacionados à questão
fundiária, ou seja, o povoamento das áreas rurais e seu controle por parte do
estado. Lima apontou que a política social daquele ministério esteve principalmente
direcionada para os trabalhadores das áreas urbanas, sendo que os das áreas
rurais, espaço territorial onde as populações indígenas se concentravam, eram
tratados pelo Ministério através do Departamento Nacional do Povoamento, cuja
ênfase estava na organização cooperativista e no controle de estrangeiros. Neste
ambiente, o SPI ficou reduzido a uma seção dentro daquele Departamento. Esta
posição significava o fim de sua autonomia financeira e do tipo de ação que
imprimia. Diante da dificuldade imposta por sua hierarquia dentro do MTIC, os
agentes do SPI articularam sua transferência para o âmbito do Ministério da
Guerra, ambiente institucional do qual a maioria dos integrantes do SPI eram
oriundos e cuja política, voltada para a defesa das fronteiras territoriais, era
desenvolvida. A mudança ocorreu em 1934, sob alegação que o tipo de ação que o
SPI praticava estava mais próxima aos ideais daquele Ministério.17
15
Informação nº 18. MF. 335, FG. 584. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 16
LIMA, Antonio Carlos de Souza. Um grande cerco de paz, p. 201. 17
Idem. p. 203.
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35
A passagem de um ministério para outro indica que o problema indígena
ainda não havia encontrado nicho próprio, mas a literatura oficial aponta como fator
da reorganização do SPI – primeiro no Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
e, posteriormente, no Ministério da Guerra –, as reformas administrativas
promovidas por Vargas durante seu governo provisório.
Em 1937, com a implantação do Estado Novo, uma nova mudança
substancial ocorreu na organização administrativa já estabelecida, marcada
principalmente pela criação do Departamento Administrativo do Serviço Público
(DASP), em 1939. A partir da nova estrutura organizada pelo DASP é que
podemos melhor compreender a reorganização do SPI no Ministério da Agricultura,
visto que aquele ambiente, e a política agrícola e fundiária que visava aplicar, era o
que melhor apresentava as condições de criar políticas públicas voltadas para as
populações indígenas.
O Ministério da Agricultura, desde o primeiro governo de Vargas, ficou
responsável pela organização da economia agrária do país e, após o golpe de
1937, passou por uma nova organização. Apolônio Sales em O Ministério da
Agricultura no Governo Vargas (1930-1944), informou que:
(...) de tal reforma (de 1938), se avolumaram os encargos do Ministério da Agricultura, que nova estruturação foi necessária. Destarte, todos os encargos relativos a economia agrária (...). O então Serviço de Irrigação, Reflorestamento e Colonização foi inteiramente reestruturado. (...) a Seção de Colonização foi transformada na Divisão de Terras e Colonização, do Departamento Nacional da Produção Vegetal
18.
Ou seja, a Seção de Colonização ganhou mais importância dentro da
estrutura do Ministério. Com a criação daquela Divisão, o Ministério procurou
desenvolver políticas de fixação da mão-de-obra no campo, associada à criação de
colônias agrícolas com infraestrutura que viabilizasse o treinamento no manejo do
solo ou nas atividades extrativistas e, também, incrementou as pesquisas e
estudos sobre as condições socioeconômicas do trabalhador das zonas rurais.
Independente do status jurídico que ocupava a população indígena no Código Civil
brasileiro, esta foi, desde a criação do SPI, uma categoria para a qual as políticas
18
SALES, Apolônio. O Ministério da Agricultura no Governo Vargas (1930-1944), p. 8.
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públicas estiveram voltadas na tentativa de enquadrá-los como “trabalhadores
nacionais”, devido não só a sua localização geográfica, mas também por
apresentarem um elevado contingente populacional. Mas a aplicação desta política
sobre as comunidades indígenas encontrava um entrave: a mobilidade dos grupos
associada ao seu modelo de organização social e econômica que tanto dificultava
sua fixação em pequenos lotes de terra, quanto impedia sua transição para a
categoria de trabalhador nacional.
É dentro deste espírito que devemos entender a reestruturação do SPI
dentro do Ministério da Agricultura. O tipo de política que o Ministério estava
adotando para as populações rurais, com a criação de Colônias Agrícolas, era
passível de ser estendida à população indígena. Mas, para a eficácia daquelas
ações, era necessário criar condições de fixação daqueles grupos em áreas
específicas e conhecer seu modus operandis. O SPI já possuía um capital
acumulado em ambas as esferas, faltando-lhe a criação de um núcleo específico
para reuni-lo. Oportunidade aberta com sua inclusão naquele Ministério, cujos
objetivos direcionados para as comunidades indígenas envolviam qualificação de
sua mão-de-obra por meio de ações pedagógicas. Para tanto, era necessário o
mapeamento daquelas comunidades para identificação daquelas que estariam
mais aptas a receberem, com menos resistência, tais medidas. Objetivo que
requeria o levantamento de sua situação sociocultural.
Para atingir tal objetivo não bastava apenas reorganizar o SPI nos quadros
daquele Ministério, era necessário criar mecanismos que viabilizassem a política
de integração, levando-se em consideração as singularidades de cada povo;
objetivo que só seria alcançado mediante a observação, in loco, de seu
funcionamento. Com meta tão pragmática, era o SPI que estava habilitado a
procedê-la, necessitando apenas dos meios necessários para a sua execução.
Associada a esta ideia, estava outra, que fugia ao escopo do Ministério, mas
estava entre as preocupações sociais e culturais da época levantadas por um
grupo de intelectuais. Na esfera mais abrangente havia a preocupação com a
formação dos patrimônios culturais e, na mais específica, representada pelos
envolvidos com a questão indígena, estava a necessidade de inventariar o
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37
patrimônio cultural dos povos indígenas.19 Ou seja, em ambos os casos era preciso
documentar o que até aquele momento havia sido recolhido e o que ainda restava
de tradicional daquelas culturas.
É dentro desta preocupação que o terceiro parágrafo do discurso de
Estigarribia se enquadra:
E essa observação irá se tornando mais difícil à proporção que as
tribus, em virtude dos auxílios, ensinamentos e convivência que o
SPI lhes oferece, e elas espontaneamente aceitam, se vão
infiltrando de ideia, costumes e instituições alienígenas que dentro
em pouco desfigurarão todo o quadro do seu viver primitivo, cujo
conhecimento pode trazer muita luz a detalhes das grandes leis da
evolução humana. E pouca são já as tribus facilmente acessíveis,
onde se possa encontrar intato algo de primitivo”20
Para Schwartzman,21 a ciência e a educação não estavam entre as maiores
prioridades do governo Vargas, mas uma orientação nesse sentido era um meio de
aglutinar apoio e, também, contribuir para o projeto de modernização do país.
Ciência e educação geravam conhecimento, e a falta deste era vista pelos
tecnocratas de Vargas como empecilho para o desenvolvimento do país. Segundo
o mesmo autor foi a necessidade de conhecimento associado ao programa
desenvolvimentista que levou Vargas a tomar medidas e desenvolver ações
voltadas para o problema. Estas necessidades teriam conduzido o governo a criar
e remodelar uma série de faculdades e institutos de pesquisas.22
Outra característica do período Vargas, apontada por Wahrlich23, era o
modelo orgânico de funcionamento das instituições. Havia uma coordenação de
ações entre os vários núcleos que compunham a estrutura administrativa, o que
possibilitava que departamentos distintos viessem a realizar atividades comuns,
desde que trabalhassem de modo harmônico e cooperativo, visando que a
experiência de um aproveitasse a do outro, e as questões comuns fossem
19
Sobre a questão do discurso sobre o patrimônio cultural nacional ver: GONÇALVES, José Reginaldo. A
retórica da perda, 2002; FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo, 2005; INSTITUTO
BRASILEIRO DO PATRIMÔNIO CULTURAL. Ideólogos do patrimônio cultural, 1991. Sobre
patrimônio cultural indígena ver: GRUPIONI, Luis Donisete Benzi. Coleções e expedições vigiadas, 1998. 20
Informação nº 18. MF. 335, FG. 584. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 21
SCHWARTZMAN, Simon. Um espaço para a ciência, cap. V, p. 9, 1979. 22
Refiro-me à criação da Universidade do Brasil em 1937 e à reorganização do Instituto de Biofísica e de
Química durante o Estado Novo. 23
WAHRLICH, Beatriz M. de Souza. Reforma administrativa na era de Vargas, p. 8.
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38
resolvidas com o concurso dos interessados. Assim sendo, a geração de
conhecimento sobre as populações indígenas não ficaria restrita às faculdades de
ciências sociais e aos museus de ciências naturais. Mas poderia se estender a
núcleos como o SPI, afinal, único órgão oficial da política indigenista, cujo
conhecimento sobre aquelas populações vinha sendo acumulado desde 1910;
característica que fica clara nas palavras que encerram o texto de Estigarribia.
O que caracteriza bem essa tendência atual do SPI a completar-se,
instituindo essa Secção de estudos em sua organização, é a
existência da letra d) no art. 1º do seu projeto de regimento, ainda
em preparo, assim concebida: “proceder ao estudo e investigação
das origens, línguas, ritos, tradições, hábitos e tendências do índio
brasileiro, bem como efetuar o levantamento da estatística geral
das populações indígenas, como declaração dos elementos
citados e as suas profissões e situação geral”. É ao
cumprimento desse dispositivo que corresponde a nova Seção
etnográfica, cuja organização esta sendo procedida (grifo do
autor).24
Ou seja, cabia ao recém implantando Serviço Etnográfico promover o
inventário cultural das populações e seu levantamento estatístico, objetivos que,
conjugados, forneceriam um quadro geral de como se encontravam aquelas
populações, medida que viabilizava identificar não apenas o seu modus operandis,
mas também o número de mão de obra disponível, o grau de habilidade de seus
indivíduos para o exercício de uma atividade econômica, e sua situação geral,
traduzida pelo levantamento do seu percentual de “assimilação” à sociedade
nacional. No entanto, a maneira como aquelas atribuições foram colocadas por
Estigarribia e os termos por ele utilizados faziam com que as atividades também se
prestassem a atender aos objetivos dos envolvidos com a questão indígena, que
além de estarem promovendo levantamentos daquela natureza também vinham
insistindo para que a agência estatal contribuísse com informações.
Em abril de 1942 oito novos funcionários foram contratados para atuarem no
“Serviço Etnográfico”, apenas quatro nos interessam, pois os demais
24 Informação Nº 18. MF. 335, FG. 584. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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39
desempenharam tarefas administrativas servindo como elemento de apoio para as
atividades técnicas desenvolvidas pelos primeiros. Foram eles: Harald Schultz,
Heinz Foerthamann, Charlotte Sophie Rosenbaum e Nilo de Oliveira Velloso. Em
comum, tinham as experiências profissionais em fotografia e cinematografia, o que
em certa medida contrariava o discurso sobre a finalidade do Serviço Etnográfico,
que visava promover pesquisas e estudos etnográficos, atividade que exigia
conhecimento específico para sua prática. No entanto, os contratados não
apresentavam experiência no assunto.
Harald Schultz foi designado para chefiar o Serviço Etnográfico, na época
estava com 33 anos e sua experiência advinha de trabalhos desempenhados como
técnico do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), durante cinco anos, no
Governo Vargas. Segundo Mendes,25 Schultz ingressou no SPI a convite do
próprio Vargas, por ser filho de um cirurgião alemão que teria prestado serviço ao
seu pai em sua especialidade.
Observa-se que o DIP foi criado, em 1939, da fusão de três Departamentos:
o Departamento Oficial de Publicidade (DOP), em 1931. Este foi substituído, em
1934, pelo Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), que veio a se
transformar em 1938 em Departamento Nacional de Propaganda (DNP), e,
finalmente, deu lugar ao DIP.26 Se levarmos em consideração a experiência de
cinco anos de Schultz naquele Departamento, concluímos que ele passou por parte
do processo que lhe deu origem e, durante aquele período, foi treinado na
realização de programas oficiais que buscavam sempre dar ênfase às atividades
do governo, visto que as ações do DIP estavam orientadas para a construção da
imagem do Estado a nível nacional.
Uma segunda observação relacionada ao período em que Schultz esteve
em atividade no DIP é sobre a sua organização. Os antigos Departamentos que lhe
deram origem faziam parte da estrutura administrativa do Ministério da Justiça e
Negócios Interiores. Com a criação do DIP, sua organização ficou subordinada ao
25
MENDES, Marcos de Souza. Heinz Foerthmann, p. 60. 26 Sobre o assunto ver: CAPELATO, Maria Helena. Propaganda política e controle dos meios de
comunicação, 1999; CARONE. Edgard. O Estado Novo (1937-45), 1997.
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40
gabinete da presidência, ambiente que de certo aproximou Schultz de Vargas;
considerando-se ainda os laços de amizade entre o pai de ambos.
Inserir Schultz em uma empreitada etnográfica, organizada pela agência
oficial do governo, cuja pesquisa contava com a geração de imagens, era oportuno
para Vargas, por dois aspectos: Schultz estava familiarizado com o tipo de
mensagem que o governo buscava veicular, o que significava garantia de imagens
dentro de um formato já reconhecido pelo Estado; e, ainda, porque sua presença
fortalecia os laços de solidariedade entre Estado e seus agentes, prática que vinha
sendo adotada pelo governo Vargas. Some-se a estas questões a necessidade do
Estado em divulgar o projeto de desenvolvimento, integração e nacionalização do
centro oeste, traduzido pela campanha “Marcha para o Oeste”.27 Espaço
geográfico que, segundo Mendonza,28 era no imaginário nacional o local que
apresentava um vasto potencial econômico, e onde repousava a ideia de
“brasilidade”, por concentrar um modelo de vida sertaneja e variadas populações
indígenas. Espaço e ideia que conjugados ofereciam ao Estado a ampliação da
economia e o auxiliava em sua política nacionalista, em que as imagens, e com ela
as mensagens sobre as ações que o governo vinha implementando naquela
região, em especial sobre as populações indígenas, eram convenientes para atrair
empresários e atenuar os conflitos entre os grupos locais e os índios.
Algumas ações já haviam sido tomadas por Vargas logo após o anúncio do
Programa, quando visitou, em agosto de 1940, aquela região, aproveitando a
ocasião para conhecer os índios Karajá, localizados no estado de Goiás. Segundo
Garfield,29 aquela viagem, e em especial a visita que Vargas fez aos Karajá, teve
como objetivo tanto popularizar o seu projeto quanto construir uma imagem para o
índio dentro do cenário nacional. Para tanto, Vargas foi acompanhado de um
cinegrafista do DIP encarregado de filmar e fotografar a sua empreitada. Segundo
Garfield, as imagens produzidas procuraram mostrar o “tradicional” das
comunidades indígenas, evidenciando o vigor daquela população e dando ênfase
27
A campanha “Marcha para o Oeste”, fez parte da política agrária de Vargas, lançada em 1938, objetivando
ampliar as fronteiras agrícolas, empurrando-as para a região central do país. 28
MENDOZA, Carlos Alberto C. Nos olhos do outro, pp. 123-5. 29
GARFIELD, Seth. As raízes de uma planta que hoje é o Brasil, p. 15.
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41
à força inata dos índios brasileiros. Ainda de acordo com a interpretação do autor,
a reportagem apresentava a camaradagem entre índios e brancos, a bonomia do
presidente – epítome do homem cordial brasileiro – e o longo braço do Estado
estendendo-se ao sertão para dar-lhe assistência. Ou seja, a visita de Vargas ao
centro oeste não tinha só o objetivo de divulgar a sua política desenvolvimentista,
mas também a social, exibindo-a como extensiva às populações indígenas.
Pacificar era então a palavra que melhor expressava a ideia para que o
projeto econômico e social do Estado viesse a ter êxito, já que era necessário
“pacificar” tanto as possíveis resistências agrárias que viessem a surgir, quanto as
relações entre os grandes proprietários de terra e as populações indígenas. Ações
que envolviam o concurso do SPI como o único órgão oficial cujos agentes se
encontravam treinados no convívio com as populações indígenas, e nas
negociações com o sistema político local.
É emblemático que um ano após o lançamento da campanha “Marcha para
o Oeste”, o SPI tenha sido reestruturado no âmbito do Ministério da Agricultura. E
um ano depois da visita que Vargas fez ao centro oeste, mesmo sem Regimento
Interno, o órgão recebesse verbas para implantar um Serviço Etnográfico com o
propósito de registrar, por meio de imagens e fotos, suas atividades
assistencialistas. Além do fato de ter sido contratado para chefiar aquele Serviço,
por indicação de Vargas, um ex-funcionário do DIP, visto que a equipe etnográfica
escolhida foi designada pela agência como: Equipe de Documentação Cine
fotográfica, não estando vinculada ao seu título trabalhos de pesquisas. Estes
seriam realizados como uma atividade subjacente à principal, de interesse do
Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI), como veremos adiante.
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42
30
Heinz Foerthamann foi contratado, aos 27 anos, por indicação de Schultz,
de quem sua irmã era cunhada, e, assim como ele, Heinz era natural do Rio
Grande do Sul. Sua experiência profissional era em desenho publicitário, layout e
fotografia, conhecimento que lhe rendou a contratação em um estúdio fotográfico,
em 1939, quando desembarcou na capital federal. E no ano de sua contratação no
SPI, ele teria sido convidado por Rubens Porto, então diretor da Imprensa
Nacional, para ser desenhista-chefe naquela casa, mas recusou o convite para
aceitar o cargo no Serviço Etnográfico.31
30
Foto 2 - Harald Schultz em 1942. Foto de Hainz Foerthamann. 31
MENDES, Marcos de Souza. Heinz Forthmann, p. 41.
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43
32
A contratação de Charlotte Sophie esteve relacionada aos onze anos em
que trabalhou na Comissão Rondon, quando foi admitida em primeiro de agosto de
1930, como extranumerário mensalista do Ministério da Guerra, para atuar na
elaboração da Carta de Mato Grosso, exercendo a função de fotógrafa e auxiliar de
cinema. Em seu currículo constavam noções de cartografia, geografia,
conhecimento em fotografia, cinema e projeção33.
Nilo Velloso, último dos técnicos contratados para exercer a função de
segundo cinematografista, estava então com 33 anos e 14 de experiência na firma
cinematográfica A. Botelho Filmes, com sede na cidade do Rio de Janeiro. Era o
único cujos laços sociais não estavam estabelecidos anteriormente, como indicou a
documentação.34
32
Foto 3 - Heinz Foerthmann em 1944. Foto de Nilo Velloso. 33
Relação do pessoal a ser admitido na seção de cinematografia e fotografia do Serviço Nacional de Proteção
aos Índios. MF. 335, FG. 579. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 34
Idem.
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44
35
Como chefe da equipe etnográfica, Schultz estabeleceu os planos de
trabalho a serem desenvolvidos pelo Serviço Etnográfico, esquematizando as
atividades que a equipe desenvolveria. Por seu plano de trabalho, as fotografias e
filmes etnográficos foram divididos em dois grupos: o primeiro de cunho científico e
o segundo de cunho jornalístico. Para o primeiro ficou definido que as imagens
apreenderiam vistas gerais e parciais de casas indígenas, aldeias, plantações, dos
índios – plano individual e em família, grupos de trabalho, de atividades sociais e
rituais – e dos objetos por eles fabricados; além da fauna e flora locais. Para o
segundo, as imagens deveriam registrar, além da vida cotidiana, as benfeitorias do
SPI, máquinas e equipamentos e tipos característicos de índios “destacando-se por
seu aspecto interessante e às vezes sensacional, despertando a curiosidade
pública”.36
Para os filmes etnográficos, foi estabelecido que eles iriam reter imagens do
cotidiano indígena com ênfase nos aspectos mais tradicionais, visto que eram
35
Foto 4 - Nilo Veloso em 1945 entre os índios do Xingu. Foto de Heinz Foerthamann. 36
Resumo dos planos de trabalho para a seção de cinematografia e fotografia do Serviço Nacional de Proteção
aos Índios. MF. 335, FG. 581. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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45
voltados para os “estudiosos”. Sobre eles Schultz se expressaria: “destinados aos
estudiosos em etnografia, carecerão de um cunho puramente artístico, devido a
necessidade de se ter que entrar em detalhes prolongados, às vezes
desinteressantes ao grande público”.37 Quanto aos filmes comerciais, destinados
ao grande público, deveriam reter imagens mais artísticas, que cativassem o
espectador a ponto de sensibilizá-lo: “obedecendo estes a uma orientação artística,
tanto na própria filmagem durante a expedição, como após nos trabalhos de
confecção nos laboratórios. Estes filmes, porém, não poderão carecer de um
conteúdo educativo e cultural”.38
Cabe ressaltar que os cinco anos de experiência de Schultz como técnico do
DIP lhe renderam algum conhecimento a respeito da linguagem jornalística voltada
para a propaganda das atividades governamentais, especialidade daquele
departamento, mas, quanto ao registro etnográfico, Schultz não apresentava
nenhuma experiência. Provavelmente, esta foi passada em conversas com Rondon
e com os agentes do SPI, cuja experiência naquela área estava calcada em uma
etnografia com base evolucionista e humanista, já então considerada ultrapassada,
mas cujos novos construtos ainda não haviam sido sedimentados.
As orientações dadas a Schultz por aqueles agentes foram baseadas no
conhecimento e na experiência que eles possuíam sobre documentação
etnográfica, construída pela observação que faziam de empreendimentos daquela
natureza praticados por agentes externos às agências que eles representavam.
Contudo, estes agentes leia-se os naturalistas do Museu Nacional, eram orientados
por uma agência que desde sua criação esteve voltada para a promoção de
conhecimento técnico e não científico, conforme esclareceu Lima, baseado no
discurso de sua criação, nas ações que promoveu e na estrutura administrativa na
qual se encontrava alocada;39 onde o conhecimento etnográfico por ela organizado
tinha como propósito instrumentar o Estado em suas ações voltadas para aquelas
comunidades.
37
Idem: MF. 335, FG. 582. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 38
Resumo dos planos de trabalho para a seção de cinematografia e fotografia do Serviço Nacional de Proteção
aos Índios. MF. 335, FG. 582. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 39
LIMA, Antonio Carlos de Souza. Os museus de historia natural e a construção do indigenismo, p. 38-43.
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46
Associado a estes fatos, e os reforçando, esteve o conteúdo do plano de
trabalho apresentado por Schultz para a efetivação das atividades do Serviço
Etnográfico. A captura das imagens “etnográficas” foi delineada dentro de um plano
comum ao tipo de imagem que era produzida para o estabelecimento do
conhecimento em antropologia física, ou seja, retratos de frente e perfil, que
buscavam realçar as diferenças tipológicas dos grupos analisados, modelo
utilizado tanto por Rondon em seus registros “etnográficos” quanto na maioria dos
trabalhos que tinham a imagem por documento. Pelo conjunto de informações
oferecidas podemos supor que o registro imagético rotulado de “etnográfico” por
Schultz foi o resultado de um modelo a ele transmitido pelos agentes tanto do SPI
quanto do CNPI, já sedimentado naquelas empresas pela presença de agentes
comuns atuando em ambas, apreendido pelas suas observações no trato com
aquela modalidade de registro e pela sedimentação daquele modelo de registro
para os estudos tipológicos; o mesmo não ocorrendo com os registros
“publicitários” já que estes eram a especialidade de Schultz.
Ficou também estabelecido que a Equipe Etnográfica promoveria gravações
de ruído de animais, de cantos rituais e da fala dos índios para sonorizar os filmes.
O plano também previu o recolhimento de objetos etnográficos destinados à “Casa
do Índio”, projeto arquitetônico que vinha sendo desenvolvido pelo CNPI, no qual
se previa a instalação de um museu em seu conjunto. Este item foi colocado no
plano de trabalho de Schultz como uma atividade secundária, que poderia ser
executada pela Equipe, mas não era obrigatório.
A expedição cinematográfica poderá ser encarregada com a coleção de objetos indígenas, bem como de pequenos animais, plantas, etc. destinados à futura “Casa do Índio” (grifo do autor).
40
O que demonstra que naquele momento o recolhimento de objetos
etnográficos não fazia parte das prioridades do Serviço Etnográfico, estando estas
basicamente calcadas no registro imagético. Fato é que entre a contratação da
Equipe e a organização da primeira expedição etnográfica, foi publicado, em
40
Resumo dos planos de trabalho para a seção de cinematografia e fotografia do Serviço Nacional de Proteção
aos Índios. MF. 335, FG. 582. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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47
outubro de 1942, o novo Regimento Interno do SPI que em seu conjunto criou a
Seção de Estudos (SE), que por sua vez acabou incorporando as atribuições do
Serviço Etnográfico.
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48
2. Por uma Política de Preservação do Patrimônio e da Memória Indígena
2.1. A Seção de Estudos
O novo Regimento Interno do SPI alterava substancialmente a estrutura
administrativa do Serviço, que até então contava com uma presidência
assessorada por duas seções. Além de lhe redefinir as atribuições, o novo
Regimento também aumentava o número de seções, a fim de lhes oferecer suporte
para o desenvolvimento de atividades relacionadas a “estudos” e “pesquisas”.
As 1º e 2º seções foram mantidas e receberam os nomes de: Seção de
Administração (SA) – responsável pelo protocolo, arquivo de pessoal, contratos,
rádio e linhas aéreas; e Seção de Orientação e Fiscalização (SOF) – responsável
pelo planejamento econômico, patrimônio indígena, cadastro de terras, curadoria,
serviço médico, controle escolar e boletim do SPI. A 3º Seção criada foi a de
Estudos (SE) – responsável pela pesquisa etnográfica, arquivo cinematográfico,
biblioteca, divulgação e intercâmbio, censo indígena e museu; cuja orientação não
foi definida.
A partir desta nova estrutura administrativa do SPI, nomeadamente do
Capítulo III, Art. 8º, foram definidas as competências da Seção de Estudos.
Formalizando a necessidade de “estudos” e “pesquisas” para “registros” e
“inventários” das manifestações culturais das populações indígenas, e da criação
de um Museu na sede do Serviço e mostruários em suas inspetorias. Conhecida e
identificada no âmbito do SPI como SE, esta acabou por se tornar o local de
produção de conhecimento científico do órgão, traduzido em textos, imagens e
objetos etnográficos, e uma das instâncias de negociação dos assuntos sobre o
destino das populações indígenas brasileiras.
A justificação de motivos apresentada pelo DASP41 ao Presidente da
República, para aprovação do Regimento Interno do SPI, informa que as
atribuições concernentes ao inventário cultural das populações indígenas era uma
41
O DASP e o SPI. Boletim Interno nº 11, de 31/10/1942. MF. 287. S/FG. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio.
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49
atividade que vinha sendo desenvolvida, mas que não estava devidamente
organizada, sendo assim o novo regimento teve como propósito organizá-la
convenientemente.
Como são, porém, nitidamente destacáveis as atividades do órgão em apreço, tornou-se indispensável grupá-las, segundo sua natureza, em 3 seções distintas de Estudos, de Orientação e Fiscalização e de Administração, que integram na Capital, o referido Serviço”
42
A explicação do DASP colocava a criação da Seção de Estudos como um
desmembramento do “Serviço Etnográfico”, instituído em 1941, e como parte das
atividades da 2º Seção. Já Darcy Ribeiro atribuiu à criação da Seção de Estudos, a
retomada de uma das tradições das Comissões das Linhas Telegráficas de
Rondon, qual seja:
a de contribuir para a cultura nacional naquele campo em que melhor poderia fazê-lo: no estudo aprofundado das culturas indígenas que lhe cabe assistir.
43
As palavras de Darcy Ribeiro, associando a criação da Seção de Estudos à
recuperação das atividades de pesquisa executadas pela Comissão Rondon,
deixam entrever que, das atividades executadas por aquele órgão, foram as
pesquisas etnográficas sua maior contribuição. Como deixou claro também que o
SPI era uma espécie de “desdobramento” da Comissão, sendo assim era o local
propício para o desenvolvimento de pesquisas naquela natureza.
Contudo, o próprio Darcy Ribeiro, um ano antes daquela declaração, datada
de 1951, em uma carta enviada ao seu ex-professor Hebert Baldus, em preparativo
para a sua segunda visita aos Estados Unidos da América, recomenda a Baldus
uma visita à seção de documentação dos índios do Novo México e do Arizona,
assim se expressando:
42
O DASP e o SPI. Boletim Interno nº 11, de 31/10/1942. MF. 287. S/FG. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio. 43
Atividade científica da Secção de Estudos do Serviço de Proteção aos Índios. MF. 380, FG. 961. Serviço de
Arquivo do Museu do Índio.
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50
Por favor, dê uma olhada na Seção de Documentação deles, foi visitando-a que Simões Lopes pensou em sugerir ao General a criação da SE”
44.
Ou seja, Darcy Ribeiro, nesta correspondência, atribuiu a criação da Seção
de Estudos a dois fatores: a Rondon, em 1939, e a sugestão de Luiz Simões
Lopes, então presidente do DASP. Ambas as declarações têm fundamento.
A primeira estava calcada nas intenções do CNPI, representado por
Rondon, em criar no Conselho uma Seção com as mesmas características da
Seção de Estudos. Visto que as negociações que estavam em curso, mediadas
pelo DASP, sobre os regimentos de ambas as agências, previam a inclusão de
estudos e pesquisas tanto no SPI quanto no CNPI. Mas no que tangia o SPI estas
fariam parte das atribuições gerais do Serviço e ficariam a cargo da 2º Seção,
como era o Serviço Etnográfico. Já para o CNPI, a documentação aponta que as
negociações entre o Conselho e o DASP estiveram baseadas na criação de um
núcleo específico para o desenvolvimento de estudos e pesquisas etnográficas,
atividade que daria suporte às ações do Conselho.
A segunda declaração de Darcy Ribeiro, a de ter sido a Seção de Estudos
criada por sugestão de Simões Lopes, também não deve ser descartada, pois
Lopes esteve de fato nos Estados Unidos da América em 1939 acompanhando a
comitiva do então Ministro das Relações Exteriores Oswaldo Aranha. Segundo
Hilton,45 a “Missão Aranha”, como ficou conhecida, entrou em contato com
empresários, sindicalistas, artistas e religiosos. No entanto, não foi localizada na
bibliografia, nem sobre Simões Lopes nem sobre Oswaldo Aranha, qualquer
referência sobre uma possível visita da Missão, ou de Lopes, à Seção de
Documentação dos índios do Novo México e Arizona. Mas o argumento de Darcy
Ribeiro encontra ressonância na ligação entre Lopes e Rondon, observada pela
presença do primeiro nos eventos promovidos por ambas as agências – SPI e
44
Arquivo Darcy Ribeiro, correspondência geral, sub-série correspondentes Hebert Baldus. Carta datada de 24
de fevereiro de 1950. 45
Sobre o assunto ver: HILTON, Stanley. Oswaldo Aranha, 1994.
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51
CNPI – e pelos vários encontros que tiveram para tratarem do estabelecimento
dos Regimentos tanto do SPI, quanto do CNPI. E ainda pela correspondência
trocada entre ambos, cujo conteúdo versava sobre o ponto de vista de Rondon em
relação à organização e à estrutura que o Conselho deveria apresentar. Tais
indicativos, reunidos, sugerem que uma conversa daquela natureza poderia ter
ocorrido.46
Independente da justificativa dada pelo DASP, e das declarações de Darcy
Ribeiro, no intuito de explicar a criação da Seção de Estudos no âmbito do SPI,
esta ocorreu de modo a não satisfazer nem as intenções da agência que a
comportava, nem as do CNPI.
2.2. A primeira ação para a supressão da Seção de Estudos pelo SPI
Em 23 de novembro de 1942, ou seja, um mês após entrar em vigor o
Regimento do SPI, e com ele a instituição da Seção de Estudos, o então diretor do
Serviço, Cel. Vasconcelos, encaminhou ao diretor do DASP, Simões Lopes, um
ofício solicitando a transferência de algumas atribuições relativas à Seção de
Estudos para a esfera do CNPI:
Prezado amigo Dr. Simões Lopes. Segundo combinação firmada em um dos nossos entendimentos – (Do General Rondon, vosso e meu), toda a parte referente à etnografia e estudos com ela relacionados, na organização do SPI, passaria para o CNP. Índios. Essa parte, com mais algumas atribuições, constitui a Seção de Estudos (SE) do Regimento que acaba de ser aprovado. Com essa passagem o dito Regimento terá que ser alterado, ficando sem essa Secção (SE) que passará ao do Conselho, permanecendo o SPI com as restantes. No entanto para que não se desintegre este Serviço, as atribuições da SE, referidas nos itens e, f, g, h, e m do artigo 8º deverão passar para a Secção do artigo 9º do atual Regimento.
47
46
Reprodução da correspondência enviada pelo Gal. Rondon a Simões Lopes contida no Relatório Anual do
CNPI de 1942. MF. 279, FG. 113 – 117. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 47
Relatório do SPI, de 1942. MF. 387, S/FG. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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52
48
Das atribuições da Seção de Estudos que permaneceriam a cargo do SPI só
restaria “manter um museu na sede e mostruários na Inspetoria”, mas como
atribuição da Seção de Orientação e Fiscalização (SOF). Para a esfera do CNPI
passariam as atribuições relativas ao estudo, do ponto de visto geográfico,
econômico, de origem, das línguas, dos ritos, das tradições, dos hábitos e dos
costumes dos povos indígenas, que deveriam ser realizados por meio de trabalhos
fotográficos, cinematográficos, gravações de disco, e aqueles que determinavam o
registro impresso contariam com a cooperação do Museu Nacional. Ou seja, a
Seção de Estudos seria suprimida da organização do SPI e suas atribuições
seriam distribuídas entre ambas as agências, sendo que aquelas a cargo do SPI,
como a criação do museu, seriam executadas pela SOF.
48
Foto 5 - Cel. Vicente de Paulo Vasconcelos, reprodução fotográfica retirada da publicação “Serviço de
Proteção aos Índios”, ano VI, vol. III, nº 3, 1943.
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53
A “carta” encaminhada por Vasconcelos foi acompanhada de uma minuta49
com as modificações sugeridas por ele para o Regimento do SPI, na qual se
observa que das competências da SOF não constava a criação de um museu. O
que nos leva a crer que a criação de uma instituição museológica não fazia parte
dos planos do SPI, ou era um aspecto pouco significativo para o Serviço. Contudo,
a transferência das atribuições concernentes à Seção de Estudos era conveniente
para ambas às agências.
2.3. A segunda ação para supressão da Seção de Estudos pelo CNPI
Para o melhor entendimento desta questão, ou seja, da ação do Conselho
Nacional de Proteção aos Índios pela supressão da Seção de Estudos da
organização do SPI, se faz necessário que examinemos o espólio da “Comissão
Rondon”, pois, para sua gestão, o CNPI dependia da criação de um núcleo com as
características da Seção de Estudos.
A Comissão Rondon foi desativada em 1915, após esta data sua atividade
ficou restrita à manutenção dos postos telegráficos e a expedições de caráter
geográfico para reconhecimento da região centro oeste com objetivo de elaborar
uma carta geográfica que cobrisse toda aquela área. Para tanto as salas que
davam suporte técnico à Comissão para a montagem e revelação das fotos e
filmes, e aquelas destinadas aos desenhos cartográficos dos terrenos percorridos
pela Comissão, foram mantidas e passaram a servir de base para aquelas
operações. Nestes espaços estavam reunidos os acervos documentais e
fotográficos da Comissão acumulados durante seus anos de funcionamento.
Em 1927, dois anos antes da extinção oficial da Comissão, ocorrida em
1930 como um dos resultados da Revolução, a atividade expedicionária de caráter
geográfico foi transferida para o recém-criado Serviço de Inspeção de Fronteiras
estabelecido no âmbito do Ministério da Guerra, cuja chefia foi entregue a Rondon
e sua sede foi “montada” nas antigas dependências da Comissão, o que significou
a manutenção do seu acervo em seu antigo ambiente, e ainda atrelado a Rondon,
49
Relatório do SPI, de 1942. MF. 387, S/FG, anexo 2. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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54
apenas passando a ser tutelado pelo novo órgão; o que representava que tanto a
sua integridade quanto a sua posse por parte de Rondon estava garantida.
O Serviço Especial de Fronteira tinha como finalidade promover o
mapeamento e demarcação das fronteiras internacionais do Brasil. Como chefe do
Serviço, Rondon foi designado a promover tal levantamento, mas a sua
organização continuava a atender tecnicamente a duas finalidades: preservar no
interior do Exército os arquivos da “Comissão” – documentos textuais, mapas, fotos
–, e viabilizar a conclusão da Carta de Mato Grosso, projeto iniciado por Rondon
que ainda estava curso.
Em 1930 Rondon estava no Rio Grande do Sul promovendo o mapeamento
da fronteira do Brasil com a Argentina e foi detido pelos agentes revolucionários
devido a sua não adesão ao movimento. Esta ação por parte dos envolvidos com a
Revolução foi a primeira em represália à posição que assumiu. A tomada do poder
por Getúlio Vargas e as mudanças administrativas promovidas pelo governo
atingiram de imediato o Serviço de Proteção aos Índios, que desligou-se do
Ministério da Agriculta e foi transferido para o recém criado Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio; espaço institucional onde as redes sociais de Rondon não
estavam estabelecidas. A medida significava um segundo golpe em sua direção,
pois representava a perda de parte do controle que tinha sobre o SPI. O terceiro
golpe foi traduzido pelo seu “exílio” forçado, imputado pelo governo ao mantê-lo na
atividade de demarcação das fronteiras internacionais do Brasil até 1934.
Em 1934, devido a novos rearranjos políticos, cujos detalhes não cabem no
corpo deste trabalho, tanto o Serviço Especial de Fronteira quanto o Serviço de
Proteção aos Índios foram afetados. O primeiro foi transformado na Inspetoria
Especial de Fronteira e o segundo se tornou um de seus departamentos; ambos
organizados no Ministério da Guerra. Consequência daquela “manobra” organizada
pelos agentes sociais ligados a Rondon que atrelava o SPI ao Exército, e que,
devido ao apoio deste, teve garantida a permanência do acervo da Comissão.
Situação confortável tanto para o grupo que orbitava em torno de Rondon, pois
garantia a continuação de suas atividades no SPI, quanto assegurava ao Exército a
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55
manutenção do conhecimento fundiário então contido naqueles documentos. Lima
fez a seguinte leitura em relação ao fato:
A leitura do decreto n 613, de 30 de janeiro de 1936 (Brasil, 1934:77-85), aprovando provisoriamente o regulamento da Inspetoria, demonstra que se tencionava criar um setor capaz de abrigar os trabalhos desenvolvidos por Cândido Rondon e seus correligionários. A hierarquia militar absorveria, assim, um saber “sertanista” formado em suas próprias fileiras, mencionando-se, inclusive (art.39), que a Inspetoria funcionaria como depositária do material da extinta CLTEMGA.
50
Aquela medida em parte redimia Rondon, mas não resultou em seu retorno
à vida política, pois foi nomeado, ainda naquele ano, para assumir a presidência da
Comissão Internacional de Letícia,51 e enviado para lá, onde permaneceu até 1938
quando o acordo entre o Peru e a Colômbia foi então assinado. As atividades de
inspeção e demarcação das fronteiras brasileiras e as de presidente da Comissão
de Letícia resultaram no afastamento de Rondon da arena política, por um período
de onze anos.52 Período que correspondeu a mudanças significativas no cenário
político, social e cultural do país, que tiveram início com a Revolução de 1930 e,
mais tarde, com o golpe de Estado de Vargas que instituiu o Estado Novo em
1937. Ao retornar de Letícia, em 1938, Rondon foi então convidado a assumir a
presidência do Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI).
50
LIMA, Antonio Carlos de Souza. Um grande cerco de paz, pp. 227-8. 51
A missão outorgada a Rondon era a de atuar junto aos governos peruano e colombiano caso houvesse
violação do acordo sobre o Porto de Letícia, localizado entre os Rios Putumaio e Solimões que vinha sendo
motivo de conflito entre a Colômbia e o Peru, devido a assinatura de um tratado de limites ocorrido em 1922,
que transferiu aquela região à Colômbia. 52
Mesmo estando fora do escopo deste trabalho é necessário colocar que a postura de Rondon, seguidor dos
ensinamentos da Missão Francesa, que determinava que o Exército tivesse como missão a defesa externa da
nação, ficando alheio ao jogo político interno, fazia dele um partidário da regularidade burocrática. Essa sua
postura lhe causou transtornos políticos nos episódios revolucionários promovidos pelo Exército, como o de
1924 e 1930. No primeiro foi afastado de suas atividades de demarcação e inspeção das fronteiras brasileira
para combater os soldados rebeldes que se insurgiram contra o governo no estado de São Paulo e Rio Grande
do Sul, onde parte daquele grupo formaria, em 1925, a coluna Prestes. Em 1930 foi preso no Rio Grande do
Sul por se posicionar contra o exército revolucionário de Vargas. Entre os revoltosos, tanto de 1924 quanto de
1930, estava Juarez Távora que com a chegada de Vargas ao poder, naquele ano, foi nomeado ministro da
Agricultura do governo provisório e, além de condenar a postura de Rondon diante dos movimentos
revolucionários de 1924 e 1930, também desclassificou os trabalhos realizados por ele à frente da Comissão de
Linhas Telegráficas. Coincidentemente, naquele mesmo ano, a Comissão Rondon foi extinta oficialmente e os
trabalhos que ela vinha realizando, de manutenção das linhas telegráficas e organização da carta topográfica de
Mato Grosso, foram suspensos. A recusa de Rondon em colaborar com os atos revolucionários do Exército fez
com que ele ficasse afastado da vida pública entre os anos de 1927 a 1938. Sobre o assunto ver: LASMAR,
Denise Portugal. Estoque de informações, 2002.
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56
Ao assumir a presidência do CNPI, uma de suas primeiras preocupações foi
atrelar aquele órgão ao Serviço de Conclusão da Carta de Mato Grosso,
depositário “do que se salvou do acervo e arquivos das várias repartições,
denominadas vulgarmente: ‘Comissões-Rondon’”.53 Em 20 de Abril de 1941,
durante a 5º Sessão do Conselho, Rondon informou aos seus membros que fez
uma consulta ao Ministro da Guerra sobre o destino que seria dado ao conjunto
documental da Comissão Rondon. Foi comunicado que aquele material não era de
interesse para o Ministério, e seu então ministro lhe sugeriu que encaminhasse um
ofício solicitando sua transferência para o Conselho ou para o SPI. A partir daquela
sugestão, acatada por Rondon, iniciou-se o processo de transferência, iniciativa
que envolveu o concurso do Ministério da Guerra, da Agricultura e do
Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), representado por Simões
Lopes.
Sobre este assunto Rondon deixou registrado no Relatório Anual do CNPI
de 1944 que naquela ocasião, além de sua presença e de Simões Lopes, esteve
presente no DASP, local onde os acordos vinham sendo feitos, o Cel. Jaguaribe de
Matos, chefe da Seção de Desenho da Comissão Rondon e então responsável
pela elaboração da Carta de Mato Grosso, e o presidente do SPI, Cel. Vicente de
Paula Teixeira, visto que não estavam negociando apenas a transferência do
acervo da Comissão, mas também as atribuições das agências que eles
representavam.
A posse do acervo da Comissão era estratégica, pois sua transferência para
o Conselho significava a possibilidade de extrair daquele conjunto documental
informações para a consecução das atividades do Conselho, tanto voltadas para a
área política quanto cultural. Para a primeira a possibilidade aberta por aqueles
documentos estava em extrair deles informações fundiárias necessárias para a
demarcação de terras indígenas, medida fundamental para qualquer ação
“protecionista” sobre aquelas comunidades; a segunda, pela possibilidade de
reedição de alguns relatórios da Comissão e edição de outros tantos que se
53
Conforme ofício assinado por Rondon, encaminhado ao presidente do DASP, datado de 1943. MF.
F1/CNPI, S/FG. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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57
encontravam inéditos. Entre eles o da Carta de Mato Grosso, produto que seria
convertido numa atividade da Comissão e, também, do Conselho. Contudo, a
transferência do acervo da Comissão só veio a ocorrer, por meio de um Ato
Ministerial assinado por Vargas em 18 de novembro de 1942, um mês após entrar
em vigor o regimento do SPI, no qual constava a criação da Seção de Estudos.
Diante daquele fato eram necessárias algumas ações do Conselho no
sentido de endossar o pedido encaminhado pelo diretor do SPI ao DASP
solicitando a supressão da Seção de Estudos de sua estrutura administrativa e sua
transferência para a esfera do CNPI, ou incrementar iniciativas que viessem a
resultar na criação de uma seção com aquelas características na esfera do
Conselho. E em cumprimento ao Ato Ministerial assinado por Vargas, não só foi
transferido para o Conselho, por meio do Serviço de Conclusão da Carta de Mato
Grosso, o acervo da Comissão Rondon, mas também todo o pessoal e as
instalações nas quais eles se encontravam instalados.54
O Exmo. Sr. Presidente da República, por despacho de 12/XI/42, autorizou a transferência de todo o acervo das antigas “Comissões-Rondon”, a cargo do atual “Serviço de Conclusão da Carta de Mato Grosso” para o Ministério da Agricultura (...) e alterou a (...) do Conselho (...) de modo a serem aproveitados todos os servidores que já há tempo vinham colaborando, tanto nos trabalhos técnicos da mencionada Comissão, como na guarda e conservação daqueles Acervo e Arquivos.
55
Com aquele objetivo em mente, Rondon convocou o Conselho em três de
dezembro de 1942, ou seja, quinze dias após a assinatura do Ato Presidencial, e
menos de um mês da entrada em vigor do Regimento do SPI, com o objetivo de
comunicar aos membros do Conselho sobre suas ideias com relação ao melhor
aproveitamento daquele acervo. De imediato solicitou ao grupo que
providenciasse, com urgência, um novo anteprojeto do regimento para ser
encaminhado ao DASP, antes que o projeto anterior, enviado em abril de 1941,
fosse assinado pelo presidente da República. Pediu ainda, em caráter provisório,
54
A relação de servidores solicitados por Rondon para fazerem parte do quadro do CNPI encontra-se
relacionada no MF. F1/CNPI, FG. 1999 e 2000. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 55
Relatório Anual do CNPI, 1942. MF. 279, FG. 114-115. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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58
que os membros passassem a exercer função administrativa, até a publicação do
Regimento do CNPI. Solicitação que apontava para duas direções: primeira, que o
ante-projeto encaminhado em 1941 foi organizado de modo a não contar com uma
seção voltada para “estudos” e “pesquisa”, aquela necessidade surgiu após a
possibilidade aberta pela transferência do acervo da Comissão que passaria a
exigir a gestão daqueles documentos; segundo, demonstrava um Rondon confiante
em sua “manobra” traduzida em uma mudança de redação do ante projeto,
alterado por um novo que atendesse à nova realidade do CNPI, ou seja, um
Conselho provido de documentação, pessoal e instalações.
A ideia de Rondon era fazer constar na estrutura do Regimento Interno do
CNPI duas seções. Uma destinada aos estudos etnográficos e a outra para a
promoção de pesquisas geográficas, sendo que ambas ficariam sob a
responsabilidade do Cel. Jaguaribe de Matos, então encarregado pelo Ministério da
Guerra da conclusão da Carta de Mato Grosso. Medida conveniente, pois a
estrutura para a operação daquelas ações já se encontrava montada e era
necessário apenas normatizar sua inclusão no Conselho. Para a primeira Seção
Rondon tinha a intenção de organizar um núcleo:
de estudos científicos, condizentes ao aproveitamento dos elementos de investigação que os Postos Indígenas do SPI, já instalados nos nossos sertões, proporcionariam, com preciosa colaboração administrativa, assim como facilitar, de outro lado, novas instalações do mesmo gênero, pelas pesquisas sertanejas que aquele departamento pudesse incrementar nas regiões desconhecidas ou pouco conhecidas do País.
56
Já para a segunda Seção, a ideia era criar um núcleo de atividades
geográficas para promover o mapeamento de terrenos, objetivando a elaboração
de mapas. A execução desta atividade, consequentemente, localizaria outros
grupos indígenas e, a partir das “descobertas”, o SPI implantaria novos postos
indígenas e organizaria a demarcação destes territórios, com base no artigo 154 da
Constituição da época.57
56
Ata da 13º Sessão do CNPI de 3/12/1942. Documento original. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 57
Art. 154 - Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se achem localizados em caráter
permanente, sendo-lhes, porém, vedada a alienação das mesmas.
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59
As intenções de Rondon eram convenientes para o SPI, porque enfatizavam
o pedido de supressão da Seção de Estudos de sua hierarquia institucional, e o
acervo transferido para o CNPI reforçava os esforços de Rondon naquela direção.
O Serviço não tinha “experiência” no desempenho de atividades de pesquisa e,
diante das prerrogativas difundidas pelos estudiosos de etnologia indígena naquele
período – segundo a qual tais políticas deveriam ser precedidas de estudos,
objetivando uma melhor compreensão das sociedades indígenas–,58 cabia ao
Conselho criar a política indigenista que seria aplicada pelo SPI. Além disto, já se
encontrava previsto no estatuto do Conselho a cooperação do Museu Nacional,
local cujos agentes se encontravam treinados no desenvolvimento de pesquisa
daquela natureza.
Com base em tais argumentos, Rondon encaminhou um novo projeto de
Regimento do CNPI, defendendo a supressão da Seção de Estudos da estrutura
do SPI e sua transferência para o âmbito do CNPI, acrescentando a criação de
uma seção geográfica. A justificativa para tal medida foi baseada no fato do
Conselho já se encontrar munido de um farto material etnográfico oriundo da
Comissão Rondon, além de já possuir material humano experiente na montagem e
gerência de expedições daquela natureza, e infraestrutura física, decorrentes da
transferia da Carta de Mato Grosso. Subjacente a esta ideia estava a vontade, não
claramente expressa pelos agentes sociais, que participaram das Comissões e que
atuavam no SPI, de sistematizarem o conhecimento que vinha sendo acumulado
no trato com os índios, constituídos pelas atividades das Comissões e pelo SPI; e
58
É conveniente colocar que durante o período do governo de Vargas houve uma associação entre Geografia e
Antropologia observada nos currículos das matérias oferecidas no curso de Geografia, onde o ensino de
antropologia, etnografia e etnografia figuravam como disciplinas em seus primeiros três anos. Já no curso de
Ciências Sociais somente no terceiro ano eram oferecidas as disciplinas de antropologia e etnografia. Castro
Faria (1984) esclarece que na naquele período a geografia alcançou uma posição de hegemonia no campo
intelectual, desfrutando de um indiscutível prestígio acadêmico como forma privilegiada de dominação. Pela
característica das Seções que Rondon procurou estabelecer na estrutura do CNPI, fica claro que sua intenção
estava concatenada como o tipo de fazer antropológico da época, ou seja, a prática profissional do etnógrafo
ancorada em uma tradição que tomava os espaços como lugares das manifestações concretas das variações
raciais e culturais. Não é de se estranhar que o conhecimento de Rondon no mapeamento de terrenos,
associado ao tipo de fazer antropológico que via nos espaços geográficos os locais privilegiados para a
descrição das manifestações culturais e raciais, o colocava como sujeito apto a praticar tais investigações.
Estando à frente do CNPI, já provido de infraestrutura material e humana, qualificada em estudos geográficos
e topográficos, restava-lhe o amparo legal que seria dado pela inclusão em seu regimento daquele tipo de
atribuição. Sobre este assunto ver: CASTRO FARIA, Luiz. A antropologia no Brasil, 1984.
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60
ainda não organizado por falta de instrumentos que viessem a dar conta daquela
matéria.
Uma observação do Cel. Francisco Jaguaribe Gomes de Matos, responsável
pela Carta de Mato Grosso, no Relatório anual do CNPI de 1942, não deixa
dúvidas sobre o assunto:
O SPI, com sua organização atual, não tem amplitude suficiente para orientar um serviço de explorações sertanejas que é, por sua natureza, muito complexo, abrangendo vários setores de atividade científica estranhas ao quadro daquele Serviço. (...) mostra também que é sobretudo no CNPI ou em outro organismo criado para a superintendência geral dos índios que devam agrupar os órgãos técnicos essenciais para tratar de tais assuntos. (...) Ninguém mais autorizado do que V. Ex. (Rondon) para tratar do assunto, apesar de estar sempre em causa, por isso que não seria possível, dispensar a orientação de quem passou mais de meio século em campanhas sertanejas e conserva vivazes luzes da sua experiência.
59
De acordo com o colocado, é possível extrair a “engenharia” de Rondon. Ao
criar duas seções no CNPI, o SPI, mesmo ficando privado de uma de suas seções,
seria compensado, pois a implantação daquelas medidas garantiria ao SPI a
ampliação de sua área de atuação. Isto é, à medida que as expedições,
principalmente as geográficas, avançassem, novos núcleos indígenas seriam
localizados, obrigando o SPI a criar novos posto de atendimento e,
consequentemente, aumentar sua esfera administrativa,
quer com as descobertas que as expedições de reconhecimento efetuassem, de aldeamentos de índios ainda arredios ou desconhecidos, de tribos naturalmente existentes na Mesopotâmia do Amazonas, território do Acre, Pará, Mato Grosso e Goiás, quer, talvez nalguns rincões pouco conhecidos de outros Estados da
Federação.60
A criação de uma Seção de Estudos no CNPI, e a supressão da já existente
no SPI, também era conveniente para o Serviço, em outro aspecto: não lhe
obrigaria a incluir no seu corpo profissional novos elementos que a aquela
59
Relatório anual do CNP, de 1945. MF. 1C/CNPI, FG. 2440. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 60
Ata da 13º Sessão do CNPI de 3/12/1942. Documento original. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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61
“atribuição” lhe conferia. Visto que além de fugir à sua proposta assistencialista,
significava incluir em sua esfera administrativa servidores “estranhos” ao Serviço.
O que de fato não agradava aos integrantes do SPI, que durante anos procuraram
manter um corpo funcional treinado e familiarizado com os procedimentos militares,
convertido em táticas de abordagem e controle de terreno, ações similares às
usadas pelo Exército em combates, onde a ocorrência assistencialista era
implantada com base em uma disciplina militar; característica que vinha desde a
época de criação do SPI (1910)61. Ficando as atividades de pesquisa a cargo do
CNPI, todos estes “problemas” estariam resolvidos, já que a equipe de Rondon,
formada por servidores civis, militares e pesquisadores, principalmente do Museu
Nacional, estavam familiarizados com os procedimentos adotados pelo Serviço.
A implantação de uma estrutura administrativa dentro do CNPI, também
possibilitaria ao SPI resolver outro antigo problema, ou seja, manter longe de suas
áreas de atuação pesquisadores oriundos de instituições tanto nacionais quanto
estrangeiras. Tendo o CNPI como promotor de expedições cientifica, auxiliado pelo
Museu Nacional, o SPI justificaria suas constantes negativas dadas aos pedidos de
pesquisa etnográfica, principalmente os encaminhados pelo Conselho de
Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas do Brasil62, informando que
estas estariam sendo realizadas pelo Conselho, com apoio de Museu Nacional,
agências oficiais sintonizadas com os procedimentos adotados pelo Serviço. Desse
modo, o monopólio das pesquisas etnográficas ficaria garantido.
É necessário ressaltar que desde a criação do SPI se procurou impedir o
contato de índios com outros indivíduos não índios, não fosse o próprio pessoal do
SPI, treinado durante décadas para aquela atividade. As justificativas para evitar a
entrada nas áreas indígenas, principalmente de “expedições”, iam desde a
salvaguarda da integridade dos índios aos riscos que tais expedições incorriam,
principalmente as estrangeiras, ao penetrarem em território desconhecido.
Apelavam ainda para o fato da existência de institutos nacionais capacitados para
executarem aquelas pesquisas, e, por fim, declaravam que as expedições
61
Sobre o assunto ver; LIMA, Antonio Carlos de Souza. Um grande cervo de paz, 1992. 62
Sobre o assunto ver GRUPIONE, Luís Donisete Benzi. Coleções e Expedições vigiadas. p. 111.
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62
científicas tinham como única finalidade recolher objetos etnográficos e encaminhá-
los aos museus estrangeiros. A preocupação com o “tráfico” de objetos indígenas
era de tal ordem que os Boletins Internos expedidos pelo SPI a todas as
Inspetorias e Postos Indígenas continham constantes apelos naquele sentido,
como podemos ver abaixo:
XV – Traficância de artesanato e material etnográfico indígena Devendo o SPI, em cumprimento de dispositivos de lei 5484/928 e do Decreto 736/936, velar pelo patrimônio dos índios, recomendo aos Srs. Chefes de Inspetoria que determinem aos seus auxiliares a maior vigilância sobre a coleta por parte de estrangeiros ou nacionais, leigos ou religiosos, de artefatos e material etnográfico indígena: – tratando-se de artefato, facilmente substituível, essa vigilância se referirá simplesmente a parte comercial das operações, evitando que o índio entregue ao “coletor” objeto por “um” que pela originalidade, trabalho e valor artístico, valha “mil”, como está acontecendo. Só após a verificação de que o índio não foi ludibriado no troca, poderá o “civilizado” de posse do consentimento escrito do serventuário do SPI, utilizar-se dentro da Inspetoria do artefato que obteve ou exportá-lo para fora da mesma Inspetoria, sem nenhuma oposição por parte dela; b) – tratando-se de material de valor etnográfico ou cultural a transação deverá ser proibida; e, quando efetuada à revelia do SPI, o material correspondente será aprendido e enviado a esta Diretoria para constituição do Museu de assuntos indígenas que está sendo organizado.“
63
Corrobora este tipo de instrução, outra que procurava controlar a entrada de
“estranhos” nos Postos Indígenas. Era item obrigatório dos avisos mensais
encaminhados à Diretoria do órgão pelas Inspetorias, que coletava, nos Postos
Indígenas, informações sobre os “visitantes”. Em cada aviso mensal, neste item
respectivo, eram relacionadas às pessoas que estiveram, por diversos motivos, nos
postos indígenas. Nem mesmo médicos e interventores eram poupados de serem
relacionados. A diretoria do SPI dava tanta importância a este procedimento que,
por várias vezes, o Boletim Interno, era distribuído contendo apelos dirigidos à
matéria, como apresentado a seguir:
63
Boletim Informativo do SPI, número 8, de julho de 1942. MF. 287, FG. 6461. Serviço de Arquivo do Museu
do Índio.
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63
III – Permanência de pessoas estranhas nos Postos e Aldeias Indígenas Ultimamente, a pretexto de estudos ou de simples curiosidade, muitas pessoas se têm apresentado nos Postos Indígenas permanecendo dias aí, no caráter de hóspede, em virtude de pedidos ou recomendações. Muitos desses indivíduos são estrangeiros, cujas intenções nem sempre será possível conhecer. O contato de pessoas de moralidade e saúde desconhecida pode ter as inconveniências previstas no Regulamento do SPI. Mas, além disso, a prática tem demonstrado que, leviana ou maldosamente e, sobretudo, por desconhecerem o problema indígena no Brasil e os métodos e recursos do SPI para resolvê-lo, tais hóspedes se intrometem muitas vezes, a condenar, junto aos índios ou dos empregados dos Postos, o modo pelo qual o serviço é feito. Uns convencem aos índios que a proteção que lhes é dada pela I.R é incompleta, uma vez que o Governo dispõe de amplos recursos para fornecer-lhes gratuitamente e à vontade deles todo quando desejam (...). Tais visitas, que se apresentam como devotados, sábios e pessoas importantes, dado o acolhimento que desfrutam, não podem deixar de impressioná-los, tanto mais quando se tem verificado que muitos deles se dão como autoridade e fiscais de como os trabalhos do SPI estão sendo feitos”
64.
Este conjunto de argumentos tinha como finalidade, de fato, impedir que
“estranhos“ ao Serviço viessem ter acesso ao sertão. O SPI argumentava que tais
medidas visavam “proteger” o índio do contato com elementos estranhos ao grupo,
por serem prejudiciais a sua organização social e por alterarem hábitos e costumes
tradicionais. Na realidade, o receio centrava-se na perda do monopólio sobre o
índio e sobre suas terras. Ambos, índio e terra, eram para o Estado, via SPI, fonte
de recursos. O índio, como força de trabalho na abertura de estradas de rodagem,
que avançavam, progressivamente, para o interior do país e como mão de obra
excedente nas atividades agrícolas das regiões em torno das aldeias e dos postos
indígenas; e a terra, devido a seus recursos naturais, que ainda não estavam
completamente mapeados e devidamente explorados.
A transferência do acervo da Comissão para o CNPI não só auxiliava o
discurso de Rondon, da necessidade de transformar o CNPI em um órgão com
uma estrutura administrativa para gerenciar aquele material, como também
possibilitou ao órgão aumentar suas instalações. Dois núcleos passaram a compor
sua estrutura: as salas do Quartel General do Exército, localizado na Praça da
64
Boletim Informativo do SPI, número 14, de 31 de janeiro de 1943. MF. 287, FG. 9121. Serviço de Arquivo
do Museu do Índio
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64
República, onde os trabalhos cartográficos eram executados e onde mapotecas
eram mantidas; e as salas onde funcionavam os laboratórios para revelação de
fotos e montagens dos filmes e de sua projeção, situadas no pavimento térreo do
Instituto Benjamim Constant, na Avenida Pasteur número 350. Ou seja, as mesmas
salas que abrigaram, no passado, ora algumas seções da Comissão Rondon, ora,
como em 1927, o Serviço Especial de Fronteira e, posteriormente, a Inspetoria
Especial de Fronteira.
Manter como atribuição do SPI a criação de um museu em sua sede, a
cargo da SOF, também era conveniente para o CNPI, visto que a documentação
aponta que o Conselho tinha um projeto mais ambicioso de museu, que não estava
voltado exclusivamente para a temática indígena. Ou seja, esta temática estaria
subjacente ao tema principal a ser exposto: a Comissão Rondon. Ao que tudo
indica o projeto de museu do CNPI procuraria dar ênfase à Comissão e seus feitos.
E os objetos etnográficos serviriam apenas como elemento ilustrativo do alcance
da Comissão, fazendo parte de um conjunto composto por fotografias, mapas e
objetos históricos que vinham sendo adquiridos pelo Conselho. No orçamento do
CNPI, assim como nos seus relatórios anuais, observamos que o Conselho vinha
usando uma de suas rubricas para comprar objetos históricos, tais como cartas
geográficas e topográficas antigas e telas com temas indígenas, principalmente as
executadas pelo artista plástico José Boscagli, amigo de Rondon, que transferiu
para seus óleos imagens registradas nas fotografias da Comissão.
Ao ser apresentada a proposta orçamentária do CNPI para 1944, foi pedida uma dotação de Cr$ 5.0000,00, destinada a aquisição de várias cartas topográficas e geográficas antigas, de alto valor documental e histórico. No aludido ano, porém, foi empregada a dotação na compra de vários telas que, do mesmo modo que as telas adquiridas no exercício vigente (1945) – com autorização do Sr. Ministro da Agricultura - se destinam a formação de um conjunto para a coleção do museu que este Conselho tem em organização.
65
Cabe acrescentar que desde 1943 o Conselho vinha recebendo verba para
aquela finalidade. De 1943 a 1945 o valor se manteve o mesmo, ou seja, Cr$
65
Relatório Anual do CNPI de 1945. MF.1C, FG. 2330. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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65
5.000,00, já no ano de 1946, passaram para Cr$ 25.000,00. No Relatório Anual do
Conselho de 1946 encontramos as justificativas para a manutenção daquela
quantia para o plano orçamentário de 1947: “as cartas geográficas e topográficas
antigas eram inéditas e dignas de figurarem em museus especializados.”66 Em
1947 a verba destinada para aquela finalidade foi cortada, o que fez com que o
Conselho solicitasse ao DASP o remanejamento da verba destinada às
publicações, para a aquisição de objetos históricos; o que foi negado por aquele
Departamento.
Pede-se a manutenção da dotação de Cr$ 25.000,00 concedida para este ano, afim de que este Conselho esteja habilitado, no curso de 1947, a adquirir objetos históricos e obras de arte que inesperadamente possa ser oferecidos e que convenha ser anexada a coleção que o CNPI está formando para o conveniente aparelhamento de seu museu.
67
Quanto a criação de um museu para o SPI em sua sede e mostruários nas
Inspetorias, como estabelecia o Regimento, era apenas a formalização de uma
situação já existente. O corredor do andar onde o SPI funcionava possuía vitrines
denominadas “mostruários”, com objetos indígenas, assim como as sedes das
Inspetorias; algumas organizadas a ponto de serem registrados nos relatórios
anuais do SPI e do CNPI. O Relatório Anual do CNPI de 1946 contém algumas
observações de Rondon a respeito do “Museu” da Inspetoria de Mato Grosso, local
onde se hospedava ao retornar de sua cidade natal, Mimoso, durante as férias.
Nesta excursão, tive a felicidade de visitar alguns estabelecimentos do SPI (...). Em Campo Grande visitei, como nos anos anteriores, o mostruário que a Inspetoria de São Paulo e Sul de Mato Grosso têm muito bem instalado em sua sede. Desses objetos que eu observei, chamaram a minha atenção os desenhos especializados dos índios Cadiuéu estampados em diversos objetos, em cestos, em vasos de barro e até em peles curtidas de animais, como por exemplo de veado. Este desenhos rivalizam como as da cerâmica marajoara e são interessantes, porque deles se encarregam as índias velhas. É aconselhável aumentar quanto possível a preciosa coleção cultural
66
Relatório Anual do CNPI de 1946. MF.1C, FG. 2344. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 67
Relatório Anual do CNPI de 1946. MF.1C, FG. 2343. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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66
desses desenhos, no mostruário de Inspetorias com sede em Campo Grande, pois que eles são dignos de admiração.
68
A manutenção no Regimento Interno do SPI para criação de um museu
também não oferecia grandes problemas. Sua efetivação envolvia pouco recurso já
que o material etnográfico se apresentava acabado e sua organização dependia
apenas de remessas que seriam solicitadas pela diretoria do Serviço ou recolhidas
pelo chefe da Seção de Orientação em suas inspeções pelas Inspetorias e Postos
indígenas; ou, ainda, encaminhados pelo CNPI como produto de suas expedições
etnográficas e geográficas. Porque respeitando a solicitação feita pelo diretor do
SPI de alteração no Regimento Interno daquela agência, o futuro museu estaria
vinculado à Seção de Orientação e Assistência, responsável pelas auditorias nos
Postos e aldeias indígenas, o que lhe facilitava o recolhimento de objetos
etnográficos. Este material, após recolhido, seria organizado nos mostruários já
existentes no corredor do andar onde o SPI funcionava, ou em outras salas que
seriam destinadas a exibi-los.
68
Relatório Anual do CNPI de 1946. MF.1C, FG. 2761. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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67
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69
Foto 6 - Mostruário existente no corredor onde funcionava o SPI e o CNPI. Imagem retirada publicação
“Serviço de Proteção aos Índios”, ano VI, vol. III, nº 3. 1943.
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68
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70
Foto 7 – Mostruário de material etnográfico da 1º Inspetoria Regional do Amazonas – IR1, foto que integra
o Relatório Anual da Inspetoria Regional do Amazonas de 1949. MF. 342, FG. 336.
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69
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71
Foto 8 - Mostruário de material etnográfico da 9º Inspetoria Regional – IR9, foto que integra o processo de
identificação de uma cerâmica arqueológica, 1947. MF. 380, FG. 196.
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70
3. A Seção de Estudos e “vários aspectos da vida indígena”72
3.1. A primeira expedição etnográfica
Como colocado, houve por parte do SPI e do CNPI uma série de iniciativas
que buscavam suprimir a Seção de Estudos do primeiro e transferi-la para o
segundo. Mas como resultado concreto, obtido até o final de 1942, o CNPI
alcançou a posse do acervo da Comissão Rondon e a transferência extraoficial dos
trabalhos de estudos e pesquisas etnográficas, e com ele do grupo de funcionários
contratados pelo SPI para os promoverem. Medidas ocorridas antes da publicação
do seu Regimento Interno, sendo que a última sinalizava que as ações tomadas
por ambos os órgãos em certa medida haviam surtido efeito, necessitando apenas
de regulamentação, que ocorreria com a publicação daquele Regimento.
Neste exercício começou o cumprimento do acordo entre o DASP, o SPI e esse Ministério para que o Conselho tomasse a si em caráter transitório a orientação e direção dos estudos e trabalhos da Equipe de Documentação foto-cinematográfica, muda, sonora e por vezes colorida, das zonas indígenas e seus habitantes, permanecendo com o SPI os encargos de providenciar os recursos e a legalização dos documentos de sua aplicação. Passaram assim virtualmente a jurisdição do Conselho, embora em caráter oficioso, a Equipe de documentação etnográfica e sertaneja, onde tinha sido admitidos pelo SPI, 9 bons elementos técnicos e auxiliares com salários estabelecidos pelo Ministério e segundo a relação aprovada pelo Presidente da República.
73
Provido de quadro para dar início às pesquisas etnográficas, o SPI inicia
aquela atividade utilizando a infraestrutura física do CNPI, salas e equipamentos da
antiga Comissão que haviam sido transferidos para o Conselho, e o conhecimento
técnico e científico, principalmente de Rondon, para a efetivação daquela atividade.
Naqueles ambientes foi instalada a “Equipe” do SPI que para dar início aos estudos
72
Parte da alínea I do Art. 8º, da Competência da Seção de Estudos. Decreto nº 10.652 de 16 de outubro de
1942. FM. 338, FG. 2434. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 73
Relatório Anual do CNPI de 1942. MF. 279, FG. 139 e 140. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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71
e pesquisas etnográficas somou, aos antigos, novos equipamentos adquiridos com
verbas do SPI.
O relatório anual do SPI,74 encaminhado ao Ministro da Agricultura pelo
então diretor do SPI, Cel. Vasconcelos, correspondente ao ano de 1942, informou
que a ideia inicial para as atividades etnográficas era partir para o estado do Mato
Grosso em direção a Inspetoria Regional 6 (IR6), que atendia aos índios Bororo,
localizados no rio São Lourenço, e aos índios Umutina, localizados no município de
Barra dos Bugres. O projeto atendia plenamente às intenções do SPI e do CNPI,
pois aquela inspetoria além de ser considerada “modelo” da administração do SPI,
e assim se prestando a publicidade do órgão, também atendia plenamente às
intenções do CNPI, já que tanto Rondon quanto a sua rede social, que vinham
atuando em ambas as agências, no inicio de suas carreiras haviam palmilhado
aquela região e conheciam amplamente os povos indígenas que nela habitavam.
No entanto, os levantamentos topográficos e humanos que promoveram não
foram concluídos. E dentro da oportunidade aberta pela inclusão de estudos e
pesquisas na esfera de ambas as agências, associada à política econômica do
Estado e ao desenvolvimento cultural do país, tais levantamentos foram então
favorecidos, pois tiveram suas reinserções no cenário cultural e político após
alguns anos de “anonimato” em ambas as esferas.75 Mas devido aos percalços
burocráticos, que envolveram a contratação da Equipe, a elaboração dos planos de
trabalho e sua instalação, a expedição foi impedida de partir na data prevista por
ter coincidido com o período de chuvas naquela região. Obrigando a uma alteração
do plano inicial que substituiu a IR6 pela IR5, também situada no mesmo estado,
mas que atendia aos índios Kadiwéu, Terena e Kaiwá.
Independente dos problemas que inviabilizaram a ida à IR-6, a nova
Inspetoria selecionada além de estar situada no centro oeste, como a primeira, era
reconhecida como um núcleo “modelo” da administração do SPI. Ou seja, a
74
Relatório Anual do SPI, de 1942. MF. 387, s/fotograma. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 75
A escolha da Inspetoria Regional 6 para promoção da primeira pesquisa etnográfica por parte do SPI e CNPI
fica clara a partir da leitura dos artigos de Amilcar Botelho de Magalhães publicados na Revista América
Indígena de 1947, onde ele forneceu os motivos que orientou tal escolha, o nome dos participantes e seus
respectivos roteiros de viagem quando estiveram em atividade na Comissão Rondon na região dos formadores
do rio Xingu. AMILCAR, Botelho de Magalhães. Revista América Indígena, V. VII, números I e III, pp.77-89
e 261-8.
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72
substituição de uma inspetoria pela outra pouco alterava os planos do SPI, no
entanto, não atendia completamente ao objetivo do Conselho que vinha reunindo
esforços para documentar os povos indígenas que habitavam o centro de Mato
Grosso, alguns deles atendidos pela IR6, cujas informações complementariam o
projeto de reedição das publicações da Comissão Rondon, que vinha sendo
organizado sob o título “Índios do Brasil”76.
A organização do SPI após o novo Regimento de 1942 compreendia, além
da diretoria e das três seções, oito inspetorias regionais. Atrelado a cada Inspetoria
estava um determinado número de postos indígenas que recebia uma designação
compatível com o tipo de atividade que exercia.77 A Inspetoria que possuía o maior
número de Postos era a do Amazonas (IR1), com sede em Manaus, que cobria o
estado do Amazonas e o território do Acre, tendo sob sua jurisprudência 21 Postos
Indígenas, sendo nove de atração, sete de fronteira e vigilância e cinco de
nacionalização. Portanto, a maioria dos postos indígenas administrados por aquela
inspetoria estavam voltados para a “atração” de índios ou assistindo índios não
completamente “assimilados” que funcionavam como agentes de vigilância de
fronteira.
Ao contrário do Estado do Amazonas e território do Acre, que contava com
apenas uma Inspetoria, os estados do centro oeste eram atendidos por duas
Inspetorias – IR5 e IR6 –, cujos postos indígenas somados contavam 26 unidades.
Apenas a IR6 contava com postos de atração (quatro), que atuavam na área do rio
Xingu buscando “atrair” os índios Xavante e Kuikuro, os demais atendiam índios
classificados como “assimilados”, ou em elevado estágio de integração com a
sociedade nacional devido as variadas atividades econômicas que praticavam.
A preocupação em expor este quadro está em demonstrar que não era a
intenção do SPI promover estudos e pesquisas visando formular uma nova
orientação para a prática que vinha desenvolvendo. Caso fosse, eram os postos
76
O primeiro volume de “Índios do Brasil” foi publicado em 1947 e abrangia as populações indígenas do
noroeste, centro e sul do estado de Mato Grosso. 77
Postos de Atração (PIA); de Assistência, Nacionalização e Educação (PIN); de Fronteira e Vigilância (PIF);
de Alfabetização e Tratamento (PIT), e de Criação (PIC). Informação contida na publicação Serviço de
Proteção aos Índios, ano VI, Volume III, nº 3, setembro de 1943.
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73
localizados na região amazônica os que apresentavam as melhores condições
para a promoção daquela atividade, pois a maioria das etnias atendidas pelas
unidades do SPI naquela região estava passando pela primeira fase caracterizada
pelo “contato”, ainda não envolvidos no processo de assimilação, que
consequentemente os levaria à integração com a sociedade envolvente.
Onde a maioria das comunidades indígenas ainda apresentava íntegras
suas organizações originais, era possível observar seu modelo de funcionamento
mais tradicional, medida que viabilizaria políticas que não sacrificassem aqueles
valores. O que já não era possível entre as comunidades indígenas atendidas
pelas IR5 e IR6, que já haviam passado por um processo de integração, numa
situação que os caracterizava, pelo SPI, como “assimilados”, inserindo-os na fase
final de todo o processo, ou seja, eram considerados “aculturados”.
A opção por parte do SPI em promover estudos e pesquisas junto aos índios
localizados no centro oeste, demonstrou claramente que com aquela atividade o
SPI, em parceria com o CNPI, atingiria um triplo propósito.
Primeiro, os postos indígenas localizados naquela região eram aqueles que
apresentavam as melhores estruturas montadas pelo SPI, sendo assim, se
prestavam à publicidade do órgão como “modelo” do serviço prestado pelo Estado
às comunidades indígenas; segundo, atenderia aos interesses do CNPI na revisão
e complemento das informações etnográficas que a Comissão Rondon já possuía e
viabilizaria publicações que tanto elevariam o nome do Conselho quanto
reforçariam as “realizações” da Comissão; terceiro, em um plano mais abrangente,
atenderia parte da demanda da classe antropológica que naquele período estava
interessada nos processos de aculturação. Contudo, este propósito contrariava as
justificativas dadas pela agência sobre os objetivos de implantação de atividades
daquela natureza, ao dizer que intencionava registrar o mais tradicional das
populações indígenas.
Sobre o local escolhido para o início das atividades de pesquisa da “Equipe”
do SPI, o Relatório Anual da agência de 1942 informou:
o chefe da Seção em suas inspeções às IR-5 e IR-6 teve o conforto de encontrar trabalhos e resultados acima de suas expectativas no
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74
sentido da assistência geral aos índios, de sua educação e independência econômica, como se verá do seu relatório anexo a este.
78
A IR-5 era chefiada, desde a década de 1920, pelo Cel. Nicolau Bueno Horta
Barbosa, ex-integrante da Comissão Rondon e responsável pelas primeiras
demarcações de terra para os índios Terena e Guarani. O Relatório Anual de 1942
da Seção de Orientação e Fiscalização trouxe a seguinte informação sobre sua
administração:
Mui felizmente continua a frente dessa importante Inspetoria o Sr. Coronel Nicolau Bueno Horta Barbosa de cujo devotamento nossos índios vêm, desde o tempo em que era simples Tenente ao Serviço da Comissão Rondon, gozando os maiores benefícios. Trata-se de uma existência inteira dedicada com inexcedível ardor à causa do índio brasileiro, desde a atração, que foi gravemente ferido até a assistência para que não mede fadigas nem sacrifícios. Confiada a semelhante serventuário a direção dessa Inspetoria, os trabalho respectivos marcharam da melhor maneira possível, tanto em organização como em execução. Isso foi verificado na inspeção procedida nos Postos de São Paulo em maio de 1941 pelo Chefe da 2ª Seção.
79
Levando em consideração o quadro apresentado, podemos inferir que a
escolha do local para onde a Equipe foi encaminhada para promover sua
documentação foi orientada de acordo com o espaço geográfico. Tratava-se,
portanto, da região cuja política desenvolvimentista do governo Vargas vinha sendo
direcionada, onde se concentrava o legado político e simbólico da Comissão
Rondon e abrigava as “melhores” Inspetorias, que “sobreviveram” independente
das diminutas verbas recebidas pelo SPI, durante os anos de 1930 a 1939, devido
à renda proveniente do trabalho indígena. Tais unidades foram poupadas dos
infortúnios financeiros pelos quais passou o SPI, justamente pelo patrimônio
indígena que viabilizou o seu funcionamento. A escolha de outras Inspetorias para
as atividades de pesquisa só ocorreria a partir de 1947, ou seja, após o governo
Vargas.
78
Relatório Anual do SPI de 1942. MF. 387, S/FG, p. 6. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 79
Relatório Anual da 2ª Seção do SPI em 1942. MF. 340, FG. 192. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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75
O Relatório Anual do CNPI80 informou que durante a permanência da Equipe
no Rio de Janeiro, no aguardo de soluções dos problemas administrativos, foi
então instalado o laboratório fotográfico, bem como o museu etnográfico, na antiga
sala do serviço cine-fotográfico do CNPI, localizados no Instituto Benjamin
Constant. Esta informação foi a primeira sobre a organização e exibição do acervo
etnográfico então existente no SPI, evidenciando que a agência possuía, além do
material exposto nos “mostruários” localizados no corredor de sua sede,
excedentes que foram encaminhados e organizados naquele novo ambiente. O
documento também informou que a partir de novas normas prometidas pelo DASP,
em colaboração com o Ministério da Fazenda e da Agricultura, esperava-se que no
ano seguinte a Equipe pudesse permanecer em “campo” por um período
correspondente a oito meses. Informação que expressou o modelo de pesquisa
que as agências procurariam imprimir, comum as atividades expedicionárias
praticadas pela Comissão e que se ajustavam a nova orientação antropológica.
A equipe partiu do Rio de Janeiro em outubro de 1942, com destino ao sul
de Mato Grosso, objetivando atingir inicialmente os postos indígenas de Bananal e
Cachoeirinha, classificados como postos de nacionalização. Agindo dentro do
estabelecido, foram inicialmente para a cidade de Aquidauna levando com eles o
material fotográfico e artigos para “presente” dos índios.
80
Relatório Anual do CNPI, de 1942. MF. 278, FG. 140. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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76
81
82
Visitaram nessa primeira viagem três grupos indígenas, a começar pelos
índios Terena, localizados no Posto Indígena do Bananal e Cachoeirinha. O Posto
Bananal estava situado próximo à Estação ferroviária de Taunay, pertencente a
Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (EFNOB), distante 140 Km a oeste de Campo
Grande. Já o Posto Cachoeirinha estava distante 25 Km do Posto Bananal,
81
Foto 9 - Equipe etnográfica em direção ao posto indígena Taunay, 1942. Foto de Harald Schultz. 82
Foto 10 - Harald Schultz e Nilo Velloso filmando no posto Taunay, 1942. Foto de Heinz Foerthmann.
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77
localizado no Município de Miranda, perto da Estação Duque Estrada da mesma
estrada de ferro.
A documentação sobre a IR-5 informou que o acesso aos Postos de
Bananal e Cachoeirinha era fácil, devido a pouca distancia em que se encontravam
das estações da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Além dos postos distarem
poucos quilômetros daquelas estações, as estradas que lhes davam acesso
haviam sido ampliadas pelos índios, sendo possível o transporte por automóvel. Os
postos também eram providos de energia elétrica e havia projeto para colocação
de rede telefônica. O único “desconforto”, na opinião do chefe daquela Inspetoria,
Cel. Nicolau Bueno Horta Barbosa, era que a agência dos correios ainda não havia
sido instalada em Duque Estrada, obrigando ambos os Postos a utilizarem a
agência de Miranda, que ficava mais distante. Ou seja, aqueles postos estavam
providos de uma infraestrutura que a maioria dos postos indígenas sob a jurisdição
de outras Inspetorias não possuía.
Em dezembro, a equipe visitou os Kadiwéu, localizados na Serra da
Bodoquena, concentrados no Posto Indígena Presidente Alves de Barros, no
Município de Dourados, a 280 Km de Campo Grande. Segundo a documentação,
aquele posto não estava ainda completamente organizado e, devido a sua
localização, estava desprovido dos benefícios de Cachoeirinha e Bananal. Já o
Posto Francisco Horta, onde se concentrava os Kaiwá, era comparado aos de
Cachoeirinha e Bananal, e seu acesso era por meio de uma estrada de rodagem
aberta pelos índios.
Entre os Terena, Schultz e Velloso realizaram um filme de curta-metragem
em 35 mm, sob o titulo “Dança do Bate-Pau”. Foerthmann ficou incumbido do
registro fotográfico, concebido dentro do programa idealizado por Schultz.
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84
83
Foto 11 - Posto Indígena de Bananal, 1942. Harald Schultz. 84
Foto 12 - Estrada principal do Posto Indígena de Cachoeirinha, 1942. Foto de Harald Schultz.
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79
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86
Sobre os dois primeiros Postos visitados pela Equipe em sua primeira
viagem – Bananal e Cachoeirinha –, núcleos onde residiam os índios Terena,
Oliveira87 forneceu, dez anos depois daquela visita, suas impressões sobre o grupo
e sobre o modo como os agentes do SPI agiam sobre ele. Observou que entre os
índios Terena havia presença missionária de católicos e protestantes que gerava
85
Foto 13 - Fios elétricos do Posto Indígena de Cachoeirinha, 1942. Foto de Harald Schultz, 86
Foto 14 - Estrada principal de acesso ao Posto Indígena Francisco Horta, 1942. Foto de Harald Schultz. 87
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Os diários e suas margens, 2002.
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conflito entre o grupo. Informação que relativizava a proteção leiga tão
enfaticamente defendida pelo SPI. Outro problema apontado por Oliveira foi o
grande número de casamentos entre Terena e brancos, medida que vinha sendo
adotada pelo SPI tanto para o “embranquecimento” da população indígena, quanto
para a “assimilação” de hábitos culturais e sociais da nossa sociedade. Já sobre o
SPI, a IR-5 e os Postos, as observações de Oliveira recaíram sobre a falta de
infraestrutura para a assistência à saúde dos índios e, principalmente, pela
utilização por parte dos agentes do SPI de índios Terena como “instrumento
civilizador”, ou seja, pela transferência de famílias Terena para territórios ocupados
por outras etnias, principalmente Guarani e Kaingang, com objetivo de utilizá-los
como instrutores de técnicas agrícolas, devido à fama que tinham no manejo do
campo. O mesmo autor informou ainda que aquela situação vinha de longa data,
descrita em inúmeros relatórios expedidos pela IR-5 aos agentes do SPI.
O relatório sobre a primeira viagem organizado pela Equipe não apontou os
problemas levantados por Oliveira, mas, pelas fotos, as questões levantadas por
Oliveira persistiam. As informações do relatório da “Equipe Etnográfica” se
concentraram na “excelência” das escolas, da merenda escolar, das construções
administrativas e das casas dos índios. Fizeram também referência às festas
assistidas entre os índios Terena e Kadiwéu e sobre as lendas a elas associadas.
Observando o acervo imagético daquela viagem, constatamos que o maior número
de fotos é dos índios Terenas, cujas imagens se concentram nos trabalhos
realizados por eles na agricultura, na construção de casas e escolas, no
carreamento do gado, na produção de telhas e tijolos e no beneficiamento de
madeira. Em menor quantidade estão as fotos dos Kaiwá e Kadiwéu. Ao final do
relatório da Equipe, ficamos sabendo que ao retornarem ao Rio de Janeiro deram
início aos trabalhos de revelação das fotos, interrompidos em decorrência de
Schultz ter sido acometido por tifo, tendo sido internado no Hospital São Sebastião,
no Caju.
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88
Foto 15 - Igreja católica (posto não identificado) com um grupo de índios Terena assistindo missa, 1942.
Foto de Harald Schultz. 89
Foto 16 - Igreja protestante do Posto Indígena de Bananal, 1942. Foto de Harald Schultz.
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82
90
91
O que se percebe pelo relatório da Equipe são os resultados do
desconhecimento da metodologia etnográfica e da orientação que receberam, o
que fez com que suas escritas ficassem concentradas nas atividades econômicas
exógenas à cultura tradicional dos povos indígenas, deixando de lado o registro
dos aspectos mais relevantes ou mais tradicionais das sociedades visitadas. Outra
característica observada no relatório da Equipe era o seu curto tempo de
90
Foto 17 – Placa da escola evangélica do Posto Indígena de Bananal, 1942. Foto de Harald Schultz. 91
Foto 18 – Aspecto da escola do Posto Indígena de Presidente Alves de Barro, 1942. Foto de Harald Schultz.
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permanência nos Postos, o que impossibilitava a observação do cotidiano das
comunidades assistidas. Acrescenta-se a estas características o fato de que o local
onde as atividades da Equipe se realizavam eram os Postos Indígenas e não as
aldeias. Ambientes geograficamente distintos, cuja diferença refletia no modo como
os índios se organizavam, impedindo que aspectos mais tradicionais da vida
indígena fossem revelados.
Outra observação que podemos retirar daquele documento e das fotos
capturadas pela Equipe é sobre o entendimento que tinham sobre os registros
etnográficos. Estes se resumiam ao registro imagético dos tipos indígenas, das
festas, das habitações tradicionais e dos objetos etnográficos e do registro textual
das lendas e do vocabulário dos índios, relegando os conflitos pelos quais os
índios estavam passando em decorrência da maneira como era organizado o SPI.
A documentação etnográfica da primeira viagem efetuada pela Equipe foi
exibida ao Ministro da Agricultura, que visitou o local onde a Equipe se encontrava
instalada. Acompanharam aquela visita, além do diretor do SPI e do CNPI, alguns
membros do Conselho. A Ata da 14º Sessão do Relatório Anual do CNPI, de 1943,
registrou informações sobre aquela ocasião. Seu conteúdo é elucidativo:
o Sr. Ministro da Agricultura visitará aquela dependência do Serviço de Proteção aos Índios, a fim de conhecer os trabalhos realizados pela primeira expedição de coleta de documentação sobre os estabelecimento do SPI, dos índios neles assistidos e dos trabalhos executados, bem como dos artefatos e costumes das respectivas populações indígenas (grifo original).
92
O conteúdo é claro porque explicita a que tipo de atividade a Equipe estava
voltada; mostra o interesse do Ministério por aquele evento, a ponto de fazer com
que o próprio ministro se deslocasse ao local para onde se encontrava a “Equipe”
para conhecer as instalações do SPI nos postos indígenas e os trabalhos que os
índios vinham executando; e revela que o material etnográfico recolhido naquela
viagem, somado aos que já vinham sendo expostos, começou a ser exibido a partir
de 1943.
92
Ata da 14ª Sessão, 1943. Documento original, p.97. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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84
Já a Ata da Seção subsequente do Conselho, ou seja, a 15ª Seção,
registrou que Rondon, como idealizador e gerente do projeto de registro
etnográfico, concluiu que os trabalhos realizados pela Equipe Etnográfica ficaram
aquém de sua expectativa:
A primeira expedição conseguiu realizar um serviço, que embora precário, apresenta resultados apreciáveis. Filmes cinematográficos, fotografias e discos sonoros foram apanhados entre os Caiwá, Terena, do sul de Mato Grosso, e dos Caingangues e Guarani, do noroeste de São Paulo, não obstante o tardio da partida da expedição e apesar da estação chuvosa em que tiveram que trabalhar os expedicionários. Essa documentação de filmes, fotografias, discos e artefatos foi vista pelo Sr. Ministro da Agricultura, que a propósito dos discos de registro das palavras sugeriu fossem eles apanhados sempre que possível não só em vozes de homens como de mulher por isso que a linguagem era apanágio sobretudo do sexo feminino. O Sr. Ministro dando notícias do que viu e ouviu num artigo publicado num matutino se declara satisfeito pelo que lhe foi dado observar já quanto ao bom emprego dos recursos fornecidos ao SPI para aquisição da aparelhagem cinematográfica, de máquina de gravação de som (...) Acrescenta o Sr. General Presidente acreditar que a Segunda expedição possa ser mais feliz que a primeira com a pequena experiência já adquirida pelos seus ocupantes e pelas instruções gerais recebidas da crítica construtiva que lhe fizeram dos trabalhos da primeira expedição, dos seus chefes do SPI, do Presidente do Conselho e do etnógrafo Kurt Nimuendajú que viera do Pará, sob os bons ofícios do Museu Goeldi, para colaborar conosco na organização dos serviços etnográficos. Infelizmente seu estado de saúdo não lhe permite fazer vida sertaneja como seria mister a um concurso pleno da sua parte (grifo do autor).
93
Deste texto três observações merecem destaque, além daquela que
classificou os trabalhos da Equipe como “precários”. Primeiro, que as expedições
foram organizadas para atender tanto aos propósitos do SPI quanto aos do CNPI,
sendo que o último devido a experiência profissional do chefe da Equipe, calcada
na documentação jornalística, não atingiu os objetivos “científicos” desejado pelo
presidente do Conselho. Segundo, refere-se à aprovação por parte do Ministério
dos gastos empreendidos com a expedição, o que garantiria nova concessão de
verbas para projetos futuros e, terceiro, e mais significativo, se refere à entrada em
93
Relatório anual do CNPI de 1939 a 1943, Ata da 15º Seção. Documento original, Serviço de Arquivo do
Museu do Índio.
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85
cena de Curt Nimuendajú,94 que para a segunda expedição foi convidado por
Rondon a fim de “treinar” a equipe que vinha se preparando para a sua segunda
“viagem ao sertão”.
Da documentação colhida nesta primeira viagem, as fotos serviram para
ilustrar o relatório anual da diretoria do SPI encaminhado ao Ministro da
Agricultura, que foi acompanhado de:
dois volumes de fotografias, umas comprobatórias dos trabalhos do SPI em 1942, outras referentes a tipos de índios e paisagens das diversas regiões onde se acham estabelecidos os postos indígenas.
95
Informação referendada no relatório do Ministério da Agricultura daquele
ano, ao colocar que o programa executado pela Equipe resultou em “excelentes”
fotografias dos tipos indígenas e dos trabalhos realizados pelo SPI junto aos postos
indígenas visitados.96 Comentários que reforça qual era de fato o interesse do
Ministério.
Já as informações sobre o material etnográfico ficaram restritas aquelas
sobre a sua exibição em algum dos ambientes que compunham os laboratórios,
suprimindo-se o número de peças recolhidas e suas respectivas etnias, conteúdo
do qual também não consta no Livro de Tombo aberto pela Seção de Estudos em
1949. Se por um lado o relatório anual do SPI não trouxe maiores informações
sobre os objetos etnográficos, ele informou que o recolhimento de elementos
daquela natureza não estava restrito às expedições etnográficas, já que o acervo
etnográfico continuou crescendo independente daquelas ações.
94
Nome adotado pelo etnólogo alemão, Curt Unkel, após contato com os índios Apopokuva-Guarani.
Nimuendajú era natural de Jena, Alemanha, e sua história como etnólogo se inicia em 1905 quando foi
contratado como cozinheiro da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo. Esta atividade lhe deu a
oportunidade de entrar em contato com vários grupos indígenas. Em 1910, quando da criação do SPILTN, é
convidado por Rondon para integrar aquele Serviço, onde participa da pacificação dos Kaingang de São Paulo
e da reunião dos Guarani que até aquele momento se encontravam dispersos. No início da primeira Guerra
Mundial é demitido daquele Serviço por ter nacionalidade alemã. Retorna ao órgão em 1921 e dois anos mais
tarde é novamente demitido. Após este período inicia pesquisas em vários grupos indígenas financiado por
instituições nacionais e estrangeiras. Fruto destes trabalhos são as coleções etnográficas que compôs tanto para
Museus brasileiros quanto Europeus. Morreu em 1944, entre os índios Tikuna. 95
Relatório anual do SPI, 1942. MF. 387, S/ FG. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 96
Relatório anual do Ministério da Agricultura do ano de 1942, p. 156.
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86
Em novembro daquele mesmo ano, o chefe da Seção de Orientação e
Fiscalização, Antonio Estigarribia, viajou para Mato Grosso a fim de inspecionar as
duas Inspetorias instaladas naquela região. Desta viagem trouxe para compor o
“mostruário do SPI” 97 objetos dos índios Bororo, Umutina e Pareci. A relação de
peças recebidas por Estigarribia que consta em seu relatório de viagem não
compreendia a totalidade da cultura material daqueles grupos e foram parcialmente
por ele descritas naquele documento.98 Estigarribia informou que o material lhe foi
dado como presente pelos índios para aumentar o volume de objetos destinado ao
“mostruário” do SPI. Modalidade de troca que inscreve aqueles objetos na
categoria de “mercadoria”, que tanto viabilizava a manutenção das relações sociais
entre agentes do SPI e os índios, quanto viabilizava aos índios receberem bens
comuns a nossa sociedade.
Douglas e Isherwood99 fizeram uma análise sobre o mundo dos bens
mostrando que os bens materiais, além de servirem para fornecer comida e abrigo,
também atendem a finalidades sociais. Nesta posição, os objetos funcionam como
mercadoria e têm como propósito o estabelecimento e manutenção de relações
sociais e políticas entre os envolvidos.
Appadurai100 ao analisar a “transferência” de objetos de uma sociedade para
outra, sem o concurso de uma referência monetária, também os classificou como
mercadorias, cuja “troca” além de viabilizar os laços sociais e políticos,
referendando as colocações de Douglas e Isherwood, também possibilita recuperar
sua vida “social” a partir da análise do meio do qual se encontra inserido.
Gordon101 foi outro autor que tratou das trocas entre duas sociedades não
simétricas cultural e economicamente, tomando como base as trocas promovidas
entre os índios Xikrin e agentes do nosso sistema social. Em suas análises,
classificou que os objetos Xikrin funcionam, naquele sistema, como mercadoria,
tanto aos olhos dos Xikrin quanto do agente envolvido naquela operação. Mas suas
observações vão além, não ficando restritas a confirmar os laços sociais que estas
97
Relatório anual do SPI, 1942. MF. 387, S/FG. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 98
Relatório de inspeção do chefe da SOF, 1942. MF. 387; S/ FG. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 99
DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens, p. 105. 100 APPADURAI, Arjun. La vida Social de Las Cosas, 1991. 101
GORDON, Cesar. Folhas pálidas, 2003.
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87
trocas promovem e às mudanças de padrão que elas provocam. Elas também
apontam para o lado positivo daquela operação dizendo que, entre os Xikrin, a
troca de objetos os auxilia na manutenção de seus objetos rituais, já que em seu
sistema mítico o conjunto material de bens que o compõe são vindos de “fora”,
tendo sido dado aos Xikrin por entidades exógenas ao grupo.
Não havia pesquisas semelhantes à de Gordon, promovidas sobre outras
famílias linguísticas que procurassem estabelecer como objetos de “fora” são
absorvidos e incorporados ao sistema cultural indígena, e em que proporção
causam danos ou auxiliam na manutenção de alguns de seus aspectos
tradicionais. Por isso, suas colocações muito auxiliaram na compreensão do
sistema dos objetos, esclarecendo que eles não funcionam de modo unilateral. Ao
contrário do que apontava a maioria das pesquisas sobre troca de objetos entre as
sociedades indígenas, ao informarem que objetos exógenos àquelas culturas
acabam por desestabilizarem a produção de seu conjunto material, tornado-se
objeto de “desejo” e constituindo um forte estímulo para a aproximação daquelas
comunidades com a sociedade produtora daqueles bens. Ou, então, são
interpretados como elemento que reforça a resistência cultural pela recusa dos
membros do grupo em não assimilá-los, procurando, em certa medida, manter
seus objetos tradicionais.
Transferindo aquelas ideias para o contexto que possibilitou Estigarribia
adquirir os objetos etnográficos para os “mostruários” do SPI, é possível verificar
que o processo de formação da coleção etnográfica da Seção de Estudos também
se fundou na troca de objetos onde estes funcionaram como mercadoria. Os
objetos doados pelos índios aos agentes do SPI tanto funcionavam como
elementos para o estabelecimento de relações sociais e políticas, quanto
buscavam assegurar sua manutenção, mas também serviam como meio de
obtenção de bens industrializados, compreendidos pelos índios como difíceis e
importantes.102 A documentação apontou que algumas coleções foram formadas
pela Seção de Estudos com base na troca de mercadorias industrializadas por
102
Esta assertiva foi baseada em um estudo promovido por Egon Schaden, de 1969, contido na publicação
Aculturação Indígena, cap. VI, “Aculturação no plano tecnológico e da cultura material”.
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88
coleções para comporem o acervo etnográfico do SPI. O que gerou coleções não
intencionais, feitas sem planejamento prévio e aleatórias. Mas caso tivessem sido
documentadas, ofereceriam uma visão do índio sobre a hierarquia de sua
parafernália material, informando o tipo de entendimento que tinham sobre o que
era importante dentro de sua organização cultural, para ser preservado como
representativo de sua comunidade.
Deixando de lado esta questão, a atitude dos agentes do SPI em organizar
coleções com base na troca de elementos da nossa cultura por elementos
materiais das comunidades indígenas, em certa medida relativizava o discurso do
SPI em promover expedições de caráter “científico”, com objetivo de recolher
documentação que viesse a sistematizar o conhecimento que se tinha sobre os
povos que tutelava e de organizar um arquivo documental reflexivo para a
compreensão de determinados aspectos daquelas sociedades, onde os objetos
eram parte integrante.
O telegrama junto, prende-se ao pedido que os índios Bororo, Bento Burebai e Jerônimo Liotodau, fizeram a esta Inspetoria, de duas espingardas, em pagamento de artesanatos indígenas fornecidos.
103
Dos fatos expostos podemos levantar a hipótese de que o SPI não estava
interessado em formar coleções orgânicas e documentadas. O objetivo dos
recolhimentos efetuados tanto pela Equipe, quanto por Estigarribia, como aqueles
formados por agentes do SPI atuando em suas sucursais, visavam de certo modo
ilustrar a produção de cultura material dos povos atendidos pelo SPI. No caso
especial das coleções formadas por objetos oriundos do Mato Grosso, sua
organização, por parte do SPI, tinha como objetivo oferecer um panorama da
produção cultural dos índios daquela região que viabilizasse uma exibição mais
orgânica do conjunto daquelas etnias, como também o de aumentar o volume de
material etnográfico nas dependências do SPI, até então escasso no órgão. Estes,
103
Ofício encaminhado pela Inspetoria IR-6, à direção do SPI em 23 de novembro de 1946. MF. 254, FG. 18.
Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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89
passaram, então, a formar a base de todas as operações de divulgação das
atividades da agência, como veremos nos capítulos subsequentes.
104
104
Fotos 19, 20 e 21 - Posto indígena Alves de Barros. No sentido horário: Harald Schultz e índia Kadiwéu;
índio Kadiwéu em trabalho artesanal e vista da dança Bate-Pau Terena, 1942. Fotos de Heinz Foerthmann.
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90
105 106
105
Fotos 22 - Índia Guarani-Kaiwá do Posto indígena Francisco Horta, 1942. Fotos de Heinz Foerthmann.
Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. 106
Foto 23 - Índio Guarani-Kaiwá do Posto Indígena Francisco Horta, 1942. Foto de Heinz Foerthmann.
Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio.
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91
3.2. A segunda expedição
No início de 1943, Rondon canalizou esforços para trazer Curt Nimuendajú
para integrar e treinar a Equipe em preparativo para a segunda viagem.
Nimuendajú era um velho amigo de Rondon e naquele período já gozava de
alta reputação como etnólogo: profundo conhecedor de uma série de sociedades
indígenas e com vários artigos publicados. Muito do conhecimento adquirido por
Nimuendajú se devia a sua atuação como funcionário do SPI. Em 1910, quando
Rondon assumiu a direção do recém-criado SPI, Nimuendajú foi contratado para
atuar junto aos índios Kaingang e Guarani, localizados nos estados de São Paulo,
Paraná e Mato Grosso. Em 1911 Nimuendajú pacificou aqueles povos e em 1912,
os reuniu no Posto Indígena Araribá. Um ano depois atuou entre os Ofaié, Guarani
e Kaiguá, localizados no sul de Mato Grosso, quando então foi transferido para o
Rio de Janeiro para prestar serviços ao Ministério da Agricultura. Mais tarde, foi
enviado para o Pará onde acabou fixando residência. Entre 1914 e 1915,
concentrou suas atividades entre os índios Tembé, Timbiras e Urubu, ficando
responsável pela pacificação do último. Mas antes de concluir o trabalho, foi
demitido do SPI em decorrência do início da Primeira Guerra Mundial. Em 1921 foi
novamente contratado pelo SPI, permanecendo como seu servidor até 1923. Neste
curto período entrou em contato com os Mura, Pirahã, Tora e Matanawí, e pacificou
os índios Parintintin. Atividades que fazia de Ninuendajú um elemento “não
estranho” ao Serviço.
No primeiro semestre de 1943, Nimuendajú estava no Pará, no Museu
Goeldi, ministrando um curso sobre etnologia americana, ao mesmo tempo em que
se ocupava da elaboração de uma nova versão do Mapa Etno-Histórico e das
providências necessárias à publicação de seus artigos no Handbook of South
American Indians, quando foi convidado por Rondon a se deslocar até o Rio de
Janeiro para iniciar os entendimentos com vistas a sua possível participação na
segunda expedição da equipe etnográfica. A expedição vinha sendo planejada pelo
CNPI e pelo SPI, e teria, a princípio, uma duração de seis meses, com
possibilidade de desdobramento em uma segunda etapa, na qual estaria em foco
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92
outras comunidades indígenas, localizadas na região do rio Xingu, cujos grupos
vinham sendo “atraídos” ao contato social.
A ideia era que Nimuendajú coordenasse os trabalhos que seriam
executados por Schultz e sua equipe. A este respeito Grupione107 informou que a
ideia do convite a Nimuendajú já deveria estar sendo gestada no Conselho desde
o início de 1943, pois um telegrama enviado ao diretor do Museu Goeldi, Carlos
Estevão, pelo Cel. Jaguaribe Mattos, responsável pela Carta de Mato Grosso,
solicitava informações a respeito das relações profissionais mantidas por
Nimuendajú com aquela Instituição. Nota-se que 1942 foi o ano em que o Brasil se
alinhou aos Aliados, e 1943 ficou marcado pelo incremento das perseguições por
parte do Estado aos indivíduos de nacionalidade alemã. Nimuendajú, mesmo
naturalizado, não ficou livre de tais iniciativas e vinha sendo controlado pelas
autoridades brasileiras108.
A resposta de Estevão teria sido sucinta, confirmando a função de
Nimuendajú na instituição, além de relacionar as Instituições, tanto nacionais
quanto estrangeiras, com as quais Nimuendajú vinha trabalhando. Entre elas, o
Museu Nacional e a Universidade da Califórnia, na figura de Robert Lowie. Dizia
ainda que Nimuendajú tinha residência fixa naquela cidade, mas que seus recursos
financeiros eram irregulares.
A Ata da 11º Sessão do Conselho109 informou que a expedição partiria em
julho ou agosto daquele ano e que seria “controlada” pelo Conselho e teria como
“técnico etnográfico” Nimuendajú, escolhido após várias consultas feitas à diretora
do Museu Nacional e membro do Conselho, Heloísa Alberto Torres, à Sociedade
Americanista, através de seus boletins e ao Museu Goeldi, na figura de seu diretor
Carlos Estevão. Diante da aprovação do nome de Nimuendajú, Rondon o convida
para uma visita às instalações do CNPI a fim de discutir sua participação na
próxima pesquisa etnográfica a ser executada pela equipe técnica da Seção de
Estudos.
107
GRUPIONE, Luis Donisete Benzi. Coleções e expedições vigiadas, pp. 229-30. 108
Sobre o assunto ver: WELPER, Elena Monteiro. Curt Unckel Nimuendajú, p. 57. 109
Livro Ata, nº 1, 1939. Documento Original. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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93
Ninuendajú chegou ao Rio de Janeiro em 30 de julho de 1943, onde foi
recebido, já no aeroporto, por Rondon, Heloisa Alberto Torres, Cel. Jaguaribe e por
Schultz, entre outros. Ao dar início às primeiras reuniões para o acerto de sua
participação na segunda expedição, Nimuendajú, mesmo entusiasmado com a
viagem, impressionado com o resultado dos trabalhos fotográficos realizados por
Schultz no curto espaço de tempo em que passou entre os índios e reconhecendo
a qualidade do material técnico empregado, não aceitou o convite. Alegou que não
poderia proceder a um trabalho daquela natureza acompanhado de uma equipe tão
extensa.
Para Nimuendajú, a realização de uma pesquisa etnográfica necessitava de
um “certo” recolhimento, um tempo para o pesquisador se aclimatar no interior do
grupo. Tempo necessário que a expedição não teria para executar sua tarefa.
Chegando com semelhante acompanhamento num núcleo de índios nada absolutamente poderei fazer no campo das minhas investigações. Só poderia trabalhar antes ou depois da estada da turma do Schultz que por sua vez tão pouco poderia esperar até eu ter me convertido à religião dos Bororo, por exemplo.
110
Mas a estadia de Nimuendajú no CNPI não seria totalmente em vão. Sua
“contribuição” seria prestada de outra maneira. Acometido de um glaucoma, que
quase o deixaria cego de uma das vistas, aproveitou o período para o seu
restabelecimento, que se estendeu por cerca de dois meses, para ministrar um
curso no Museu Nacional a pedido de Heloisa Alberto Torres, então sua diretora,
onde Schultz participou visando seu treinamento em assuntos “etnográficos” e
consequentemente, de sua equipe, como também auxiliou o Cel. Jaguaribe de
Matos na elaboração da Carta de Mato Grosso.
Sobre o curso organizado no Museu Nacional, a Ata da 11º Sessão do
Conselho informou que ele contava com três alunos das agências, dois
funcionários do Conselho e um do SPI, sem, no entanto, os nomear, mas
esclarecendo que, a partir dos resultados obtidos, o programa seria ampliado.
110
GRUPIONE, Luis Donisete Benzi. Coleções e expedições vigiadas. p. 23.
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94
111
Concomitantemente ao treinamento da Equipe, a Seção de Estudos vinha
procedendo aos preparativos para a segunda viagem, mesmo que ainda fosse
denominada de “Serviço Etnográfico” pelo SPI e pelo CNPI em seus documentos
administrativos. Este fato aparentemente insignificante levanta a hipóteses de que
a Seção de Estudos ainda não havia sido absorvida pelo Serviço, estava
aguardando a resposta do DASP para a sua supressão, conforme havia sido
solicitado pelo diretor da Agência.
Com a recusa de Nimuendajú em participar da segunda expedição houve
novas mudanças em sua organização de modo que a expedição foi projetada a
dividir o grupo em duas turmas: uma chefiada por Schultz e a outra por Velloso. Ou
seja, a chefiada por Schultz atenderia ao CNPI e, a por Velloso, aos objetivos do
SPI. O relatório de Schultz de 15 de Fevereiro de 1944 informou:
Tendo terminado a direção dos trabalhos de documentação cinematográfica, fotográfica, de gravação lingüística e do canto indígena no Posto Indígena Fraternidade Indígena, executados pela equipe
111
Foto 24 - Curt Nimuendajú, em 1943, ministrando o curso de etnologia indígena no Museu Nacional.
Destaca-se a presença de Heloisa Alberto Torres (sentada) e Castro Faria (segundo da direita para esquerda).
Reprodução fotográfica retirada do livro Etnologia e Indigenismo. São Paulo: Ed. Unicamp, 1993.
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95
técnica deste Serviço Etnográfico, este foi dividido em duas turmas, de acordo com as instruções recebidas por S. Excia. e Senhor General Cândido Mariano da Silva Rondon. A primeira turma, composta pelo chefe Sr. Harald Schultz e o capataz da equipe Sr. Carlos Barreto de Souza, era incumbida do estudo científico dos índios Umutina, e suas malocas, situadas algumas léguas distantes do referido Posto Indígena. A segunda turma, chefiada pelo cinematografista Nilo Oliveira Velloso e os demais membros, Srs. Heins Foorthann, encarregado das gravações sonoras e fotográficas e João de Souza Veríssimo Júnior, eletricista, dirigir-se-ão para o rio São Lourenço, em trabalho de documentação cine-fotográfica e sonora dos índios Bororo, obedecendo no percurso dos trabalhos às ordens que seriam expedidas por S. Excia. o Senhor General Rondon.
112
Para a segunda viagem o destino foi novamente o centro oeste. Esta nova
empreitada correspondia ao primeiro planejamento feito para a Equipe no ano de
1942, inviabilizada devido a problemas de ordem burocrática que se estenderam
atingindo o período de chuva naquelas regiões. Esta primeira “frustração”, contudo,
não impediu que a ideia fosse colocada em prática. A Inspetoria Regional 6 (IR-6),
localizada na cidade de Cuiabá, tinha sob sua jurisdição os índios Umutina, Bororo
e Paresi, etnias cujos primeiros contatos se deram por meio da Comissão Rondon.
Além de registrar os Postos Indígenas onde aqueles povos se encontravam
reunidos, a viagem tinha por objetivo promover um levantamento linguístico dos
índios, a fim de atualizar antigas informações incluídas no acervo da Comissão;
entre as quais o material linguístico sobre o vocabulário dos índios Umutina
recolhido durante o período em que Rondon esteve à frente das Comissões.113 Os
novos recolhimentos linguísticos significavam um aumento quantitativo e qualitativo
do material com informações a respeito da língua daquele povo. Medida necessária
pois o assunto era de interesse do CNPI em suas publicações.
Nesse conjunto este Conselho procurou dar o conveniente realce aos estudos lingüísticos. Deste modo além de publicar a interessante conferencia realizada pelo Sr. Prof. Nelson de Senna, da Universidade de Minas Gerais, sob o título “A influencia do índio na Linguagem Brasileira”, já promoveu a publicação dos seguinte trabalhos que tive o ensejo de preparar com a valiosa colaboração
112
Relatório de viagem de Harald Schultz de 1944. MF. SPI-1A, fg. 2347. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio. 113
Boletim do Museu do Índio. Documentação, número 2, agosto de 1982.
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96
do doutorando João Barbosa de Faria, saudoso companheiro de uma das fases mais produtivas da “Comissão” que chefiei.
114
Leite e Franchetto115 informaram que a linguística entrou como mais um
elemento de investigação dentro dos estudos etnográficos no século XIX, deixando
o campo da lógica e das descrições gramaticais, para se voltar para as
classificações linguísticas, buscando explicar, dentro de um paradigma
evolucionista, como uma língua ancestral comum evoluiu, possibilitando a
diversidade de línguas da atualidade. A metodologia utilizada nos primeiros
tempos para proceder a tais classificações era o método histórico-comparativo, que
possibilitava uma classificação e agrupamento em bases genéticas e diacrônicas
de línguas bastante diferenciadas. Este tipo de procedimento metodológico,
informa as autoras, era útil principalmente para as nações demonstrarem que cada
língua era um organismo com características próprias não compartilhadas por outra
língua. Informam ainda que no Brasil, até a segunda metade do século XX,
a produção sobre línguas indígenas estava praticamente entregue a missionários, zoólogos, botânicos, médicos, geógrafos de origem europeia, sem formação específica para a documentação, descrição e análise de línguas ágrafas.
116
Segundo as autoras, nos anos trinta, José Oiticica se manifestou sobre
aquela situação criticando tanto o modo como os estudos das línguas indígenas
vinham sendo conduzidos quanto sugerindo a criação de um programa integrado
de pesquisa e documentação, não só das línguas brasileiras, mas também para as
da América do Sul.117 Ainda naquela década foi criada na Universidade de São
Paulo a cadeira de Etnografia Brasileira e Língua Tupi-Guarani, regida por Plínio
Ayrosa. Para Corrêa118 a criação daquela cadeira marca a institucionalização da
Antropologia naquele centro e reforça uma tendência estabelecida desde o final do
século XIX do estudo das línguas tupi.
114
Carta do presidente do CNPI, Candido Mariano da Silva Rondon a Othon Xavier de Brito Machado, datada
de 16 de março de 1950. MF. 1C-CNPI, FG. 353. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 115
LEITE, Yonne; FRANCHETTO, Bruna. 500 anos de língua indígena do Brasil. 2006. 116
Idem. p. 33. 117
Idem, ibidem. 118
CORRÊA, Marisa. A antropologia no Brasil (1960-1980), p. 53.
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97
A atenção ao conhecimento e organização de listas vocabulares, de certa
forma, está relacionada à própria mudança nos paradigmas teóricos da
antropologia. Isto teria ocorrido na virada do século XIX para o XX, período
marcado, na Antropologia, pelo início do abandono das análises de gabinete, em
detrimento das pesquisas de campo, como as realizadas por Malinowski e Boas. A
necessidade de rigor e precisão na coleta e descrição de fatos observados acabou
gerando a necessidade de conhecimento da língua da cultura observada, fato que
colocou Boas como precursor da transformação estrutural no método e nos
pressupostos linguísticos americanos.119 Em sua visão era necessário, para a
melhor compreensão das sociedades estudadas, o domínio de suas línguas.
Partindo deste pressuposto, Boas procurou promover e incentivar os interessados
em descrever outras culturas, a fazê-lo na própria língua do grupo pesquisado.
No Brasil, segundo Bessa Freire,120 foi Couto Magalhães o primeiro a
concluir que era necessário o domínio, pelo menos da língua geral, ou nheengatu,
para o registro fidedigno das culturas indígenas, já na segunda metade do século
XIX. Seu interesse em registrar os deslocamentos e os mitos indígenas o levou ao
aprendizado da língua geral falada por índios e mestiços, cujo domínio o
possibilitou criticar textos traduzidos no passado pelos jesuítas. Após Couto
Magalhães, outros trabalhos contendo compilações do vocabulário indígena foram
efetuados por “naturalistas” tais como: Karl Von den Steinen, Ehrenreich, Max
Schmidt, Nimuendajú e pela Comissão Rondon; buscando registrar os termos
utilizados pelos grupos indígenas e a partir deles criar uma classificação das
famílias linguísticas.
No cômputo geral, os recolhimentos efetivados pela Comissão não se
afastam muito da tradição de pesquisa em línguas indígenas da época, A
metodologia de registro era composta de um vocabulário básico, com inclusão de
termos correntes como: partes do corpo, elementos da natureza e nomes dos
objetos de cultura material. O conjunto da documentação produzida pela Comissão
englobava, além dos vocabulários básicos, esboços gramaticais, lendas, histórias e
119
BOAS, Franz. A formação da antropologia americana, p. 193. 120
BESSA FEIRE, José Ribamar. Rio babel, cap. III.
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98
dicionários. E um número razoável de vocabulários recolhidos por outros
pesquisadores não integrantes da Comissão, tais como Nimuendajú, Coudreau e
Stradelli, que eram copiados e incorporados ao acervo linguístico da Comissão.121
É bom lembrar, como já mencionado, o interregno de tempo entre a criação
das primeiras Comissões – que datam do final do século XIX se estendendo até a
segunda década do século XX, quando foram extintas – e o novo momento
caracterizado pela criação do CNPI. O material linguístico recolhido pela Comissão,
à disposição do CNPI, estava desatualizado, se comparado com os estudos
linguísticos e antropológicos que vinham sendo desenvolvidos; pois ambos haviam
passado por mudanças conceituais e metodológicas. O material linguístico
disponibilizado para o CNPI no acervo da Comissão Rondon havia se tornado
impróprio para publicação no seu formato original. As listas vocabulares que
vinham sendo recolhidas e organizadas nas pesquisas antropológicas da década
de 1940 estavam voltadas para identificar as mudanças ou perdas vocabulares das
línguas indígenas, objetivo que orientava a maioria dos estudos antropológicos
naquele momento, cuja ênfase estava nas mudanças culturais ou nos processos
de aculturação pelos quais estavam passando as populações indígenas. Dentro
dessa tendência, as listas vocabulares recolhidas e organizadas pela Comissão só
ofereceriam interesse, caso apontassem naquela direção. Enfim, para atender as
novas demandas eram necessários novos registros.
Esta necessidade vinha sendo apontada pelos membros “científicos” do
Conselho, ou seja, Heloisa Torres e Roquete Pinto, que insistiam em novos
recolhimentos linguísticos, com objetivo de propiciar comparações entre os antigos
vocabulários e os novos. Com esta orientação em mente Rondon reúne o
Conselho ,em 15 de julho de 1943, para solicitar à Heloisa Torres e a Roquete
Pinto uma avaliação dos vocabulários Bororo e Paresi, recolhidos por João
Barbosa Faria, antigo etnógrafo de Comissão Rondon já falecido, mas cujo espólio
havia sido legado ao Conselho. Rondon pretendia publicar aquele trabalho por dois
121
Catálogo do material lingüístico da Comissão Rondon. Boletim do Museu do Índio número 2, agosto de
1982.
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99
motivos: primeiro devido a uma dívida afetiva que tinha com aquele antigo
comissionário. Segundo, por ter sido atribuído ao Conselho a:
missão de estudar as línguas, costumes e hábitos dos nossos índios, missão anteriormente confiada ao SPI pelo respectivo regimento, mas que por consideração de ordem administrativa foi transferida, temporariamente, a este Conselho”
122.
Imbuído daquele objetivo, Rondon criou duas comissões. A primeira
presidida por Heloisa Torres e a segunda por Roquete Pinto, para emitir pareceres
sobre o conteúdo “científico” do trabalho de Barbosa Faria. Nessa ocasião, tanto
Torres quanto Roquete Pinto concordaram que o material apresentava um
conteúdo científico, mas entendiam que o mesmo deveria vir acompanhado de
outros recolhimentos mais recentes, o que possibilitaria promover comparações e
assinalar as alterações ocorridas no vocabulário daqueles grupos. Sugeriram
também que o conteúdo da obra não fosse alterado, como era a intenção de
Rondon, visto que se tratava de uma publicação póstuma. A partir destas
sugestões Rondon passaria a dar mais ênfase a novos recolhimentos linguísticos,
principalmente entre os grupos indígenas anteriormente contatados por suas
Comissões.
Como chefe da primeira turma, Schultz seguiu para Mato Groso para
promover pesquisas junto aos índios Umutina, mas suas atividades não ficariam
restritas ao Posto indígena onde aqueles índios se encontravam reunidos, nesta
nova viagem, Schultz também promoveria pesquisas nas aldeias. Com mais
experiência naquela atividade, devidamente treinado por Nimuendajú, e de posse
do programa estabelecido por Rondon, partiu novamente para o centro oeste nos
primeiros dias de outubro de 1943. A princípio sua estadia foi planejada para durar
até fevereiro de 1944, tempo suficiente para recolher informações mais
sistematizadas sobre a língua umutina, como parte do projeto de atualização do
vocabulário daquele grupo dentro da proposta do CNPI. Ainda como parte daquela
proposta, aproveitaria a ocasião para proceder ao levantamento sobre a
organização social do grupo, suas habitações, manifestações religiosas, processos
122
Ata da 11º Sessão do CNPI, de 1943. Documento original, p. 90. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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100
de fabricação de seus objetos e matérias-primas que eram empregadas em sua
confecção; aproveitando assim para organizar uma coleção para o “museu
etnográfico”. Já especificamente para o SPI, o programa de trabalho de Schultz
visava organizar informações sobre o estado sanitário das aldeias e do posto
indígena.
Naquela viagem, Schultz, além de produzir uma série de fotografias sobre os
temas estabelecidos no seu plano de trabalho, também organizou uma coleção
composta de setenta objetos, somados a um conjunto de brincos que por serem
formados por um número não definido de pares de penas, não foram
contabilizados pelo coletor. Estes objetos foram encaminhados ao CNPI que os
entregou ao SPI, visando sua custódia.
Foto 25 – Braçadeira emplumada, Umutina. Peça
recolhida por Harald Schultz em 1943. Foto: SPI05810,
Serviço de Audiovisual do Museu do Índio.
Foto 26 – O mesmo objeto. Acervo do Serviço de
Museologia., 2009. Foto - Marcio Ferreira
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101
Foto 27 – Diadema Horizontal, Umutina. Peça
recolhida por Harald Schultz em 1943. Foto:
SPI05816, Serviço de Audiovisual do Museu do
Índio.
Foto 28 - O mesmo objeto. Acervo do Serviço de
Museologia., 2009. Foto - Marcio Ferreira.
Foto 29 – Machado de pedra, Umutina. Peça
recolhida por Harald Schultz em 1943. Foto:
SPI05839, Serviço de Audiovisual do Museu do
Índio.
Foto 30 - O mesmo objeto. Acervo do Serviço de
Museologia., 2009. Foto - Marcio Ferreira
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102
Foto 31 – Trompete de casco de boi, Umutina. Peça
recolhida por Harald Schultz em 1943. Foto:
SPI05921, Serviço de Audiovisual do Museu do Índio.
Foto 32 - O mesmo objeto. Acervo do Serviço de
Museologia., 2009. Foto - Marcio Ferreira
A segunda equipe, chefiada por Velloso, partiu do Rio de Janeiro em 15 de
setembro de 1943, e foi subdividida. Parte dela, composta do chefe da equipe e de
um capataz, dirigiu-se aos postos indígenas já visitados na primeira viagem, ou
seja, Cachoeirinha, Taunay e Bananal. Pelo conteúdo do relatório de Velloso fica
claro que esta segunda visita, principalmente o retorno aos postos de Bananal e de
Taunay, tinha como objetivo o registro cinematográfico das benfeitorias do SPI. Isto
é, um enfoque mais calcado na publicidade das atividades assistencialistas do SPI,
que não havia sido devidamente documentado por aquele meio.
Na ocasião foram filmadas as escolas, os alunos em aula, os prédios
administrativos, a plantação destinada à forração dos animais, as máquinas
agrícolas e a fabricação de rapadura destinada à comercialização. Com relação ao
posto Cachoeirinha, Velloso não pontua as filmagens ali realizadas. Ou seja, fica
claro que a primeira equipe, sob liderança de Schuttz, tinha como objetivo produzir
material voltado para o CNPI; e a segunda equipe, liderada por Velloso, para o SPI.
Daí o empenho de Rondon em qualificar Schultz em pesquisa etnográfica
recorrendo a Nimuendajú.
A outra parte da equipe era integrada pelo fotógrafo Foerthamann e um
eletricista. Sob a orientação de Velloso, partiram do Rio de Janeiro em 27 de
setembro de 1943 em direção a Campo Grande. Nesta viagem podemos verificar
que as atividades da Seção de Estudos começaram a se diversificar. A primeira
atividade desenvolvida por Foerthamann compreendeu a montagem de uma
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103
exposição fotográfica, no salão da Rádio Club de Campo Grande, com as imagens
colhidas em dezembro de 1942. Segundo Velloso esta mostra foi aberta pelo
prefeito da cidade e teve um volume significativo de público. A exibição daquelas
imagens era conveniente tanto para o SPI quanto para o CNPI, principalmente
porque a abertura da exposição contou com a presença do prefeito da cidade,
figura política cuja aproximação era uma questão estratégica para ambas as
agências.
A exposição tinha como propósito difundir a imagem de um SPI competente
na nacionalização do índio e evidenciar a capacidade de trabalho indígena,
necessidade que nos remete ao ano de 1939. Naquele ano, dois decretos foram
assinados: o primeiro que subordinaria o SPI ao Ministério da Agricultura, e um
segundo, de número 1.886, que organizaria o SPI no âmbito daquele Ministério. O
artigo 5º, deste último, versava sobre as terras indígenas, marcando a necessidade
de articulação do SPI com os governos estaduais, para cessão de terra às
populações indígenas. Como as terras habitadas pelos povos indígenas eram
entendidas como “devolutas”, estando sujeito seu uso a uma determinação do
governo local, cabia ao SPI negociar com estas instâncias para que as glebas
ocupadas pelos índios fossem transferidas para a união, a título definitivo. Neste
contexto, tanto o SPI quanto o CNPI, tinham interesse em divulgar suas atividades
junto aos índios, buscando destacar o valor de seus trabalhos e assim ganhar
respeitabilidade junto aos governos estaduais, responsáveis pela liberação de
glebas de terras às populações indígenas. Daí a importância na divulgação dos
trabalhos que vinham sendo executados pela Equipe Etnográfica, principalmente
aqueles que evidenciavam as benfeitorias e o trabalho indígena desenvolvidos nos
Postos Indígenas.
Finda a exposição, Foerthamann se reuniu a Velloso e ambos partiram para
Campo Grande em direção a Cuiabá, onde se encontraram com Schultz e sua
equipe e seguirem juntos para o Posto Fraternidade Indígena, localizado no Alto
Paraguai onde viviam os índios Umutina. A estadia no Posto Fraternidade Indígena
contou com uma documentação cinematográfica, fotográfica e sonora, que
registrou as atividades administrativas do posto e a gravação do vocabulário
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104
Umutina e dos cantos dos índios Pareci “que ainda vivem como silvícolas”.123 Após
estas primeiras tomadas, Schultz se desligou do grupo para, individualmente,
“iniciar na aldeia Umutina estudos sobre aqueles índios. Designados por sua Excia.
o senhor General da Divisão Cândido Mariano da Silva Rondon”. 124 Reassumindo
a chefia da equipe, Velloso retornou a Cuiabá e deu início à caminhada em direção
ao rio São Lourenço, onde viviam índios Bororo.
Nesse novo ambiente, Velloso e sua equipe mais uma vez filmaram as
benfeitorias dos postos indígenas realizadas pelo SPI. Durante a realização
daquela atividade, a Equipe foi solicitada por Rondon a deixar o posto onde se
encontravam para seguirem rumo ao rio Xingu, em direção do Posto Simões
Lopes, localizado no rio Paranatinga. Segundo Velloso esta foi uma manobra que
não estava prevista nos planos de trabalho da Equipe, mas foi incluída porque
havia circulado uma notícia que Vargas faria uma visita àquela região para
conhecer as instalações do posto e encontrar Dulipé, índio que presumiam ser neto
do Cel. Percy Fawcett,125 visita que não ocorreu.
Terminada aquela documentação a equipe seguiu para o Posto Indígena de
Colisêvo, localizado às margens do rio Batovi. Colisêvo era um posto recém-
implantado e destinava-se à atração dos índios ainda não pacificados;126 filmaram
e fotografaram os aspectos do novo posto. Terminado o “registro”, receberam uma
nova orientação de Rondon, determinando o retorno da Equipe para o rio São
Lourenço, para reencontrarem os índios Bororo. Ali aproveitaram para concluírem
os registros das instalações físicas do posto e das atividades que vinham sendo
123
Relatório de viagem de Nilo Velloso, 1943. MF. 381, FG. 485. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 124
Idem. 125
Cel. Percy Fawcett foi guarda da força imperial inglesa que veio ao Brasil em 1925. Chefiou uma
expedição em busca das ruínas de uma antiga civilização que estaria encravada nas matas do Brasil Central.
Durante a expedição desapareceu, e seu corpo jamais foi encontrado. 126
O SPI possuía cinco tipos de postos indígenas cujos objetivos eram assim identificados: Posto de
Assistência, Nacionalização e Educação (PIN), destinado a dar assistência aos índios já pacificados e com
elevado índice de dependência dos produtos e assistência, médica e alimentar do SPI. No entendimento do SPI,
destinava-se aos índios já incorporados à civilização, que estavam aprendendo a ler e escrever o Português e
ainda estavam sendo treinados para desempenharem atividades agrícola. Posto de Fronteira e Vigilância (PIF),
destinado a policiar as fronteiras brasileiras com objetivo de que os índios não fossem cooptados pelos países
limítrofes. Posto de Atração (PIA), destinado a atrair os índios ainda não pacificados. Posto de Alfabetização e
Tratamento (PIT), destinado a dar assistência aos grupos indígenas que já mantêm longa convivência com a
população envolvente, e Posto de Criação (PIC), implantado dentro das ‘Fazendas Nacionais”, voltado para a
criação pecuária.
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105
desenvolvidas pelo SPI, como também realizaram os registros etnográficos, isto é,
filmaram e fotografaram as festas que estavam sendo realizados, os cânticos e as
roças dos índios; além de providenciarem o recolhimento de 26 peças indígenas127
destinadas ao “Museu”. Os relatórios destas expedições foram encaminhados ao
CNPI, assim como todo material recolhido.
128
127
A relação destas peças se encontra no MF. 339, FG. 757. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 128
Foto 33 - Índio Dilipé, 1943. Foto de Heinz Foerthamann; Foto 34 - Índio Bakairi, 1943. Foto de Heinz
Foerthamann.
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106
3.3. A terceira expedição
Em agosto de 1944 ocorreu uma nova expedição e, como na segunda, as
equipes foram divididas. A primeira, chefiada por Schultz, retornou ao Posto
Fraternidade Indígena, a fim de dar continuidade aos registros etnográficos dos
Umutinas e a segunda, chefiada por Velloso, deu continuidade aos registros entre
os grupos que habitavam a cabeceira do rio Xingu. As duas equipes se
encontraram em Cuiabá a fim de firmar as últimas orientações para as expedições,
sob responsabilidade de Schultz.
Segundo o Relatório Anual do CNPI,129 os registros realizados nesta nova
viagem já não obedeciam mais aos planos de trabalho definidos por Schultz
quando de sua contratação; mas sim os estabelecidos por Nimuendajú. Tais
orientações também auxiliaram Rondon a delinear seu programa para aquela nova
expedição, principalmente para as atividades que seriam realizadas por Schultz
entre os índios Umutina.
O plano estabelecido para Schultz previa sua permanecia entre os Umutina
por seis meses, iniciando em setembro e finalizando em fevereiro de 1945. Um dos
objetivos era a retomada dos registros fotográficos, fílmicos, sonoros e etnográficos
iniciados na primeira expedição, obtidos tanto no Posto Indígena quanto nas
aldeias Umutina. Mas ao regressar das aldeias, Schultz deveria documentar e
recolher materiais arqueológicos, objetivando verificar as migrações do grupo
sinalizadas em suas lendas, que haviam sido recolhidas na ocasião da primeira
viagem. Contudo, ao chegar ao Posto Fraternidade Indígena, Schultz encontrou os
índios Umutina vitimados por uma epidemia de varíola e parte de seu recurso
financeiro foi utilizado para a compra de medicamentos para aqueles índios. Esta
situação impediu que seus trabalhos se iniciassem na data prevista no seu
cronograma de atividades.
tendo sido todos os índios atacados do mal, gradativamente viu-se obrigado a escolher entre o dilema: a) ou a socorrê-los lançando mão, para isso, de todos os recursos disponíveis, na ânsia de salvá-los,
129
Relatório Anual do CNPI, de 1944. Documento original p. 36. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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durante os meses de setembro, outubro e novembro e depois realizar os múltiplos trabalhos planejados. b) abandoná-los (...) e não realizar, por conseguinte, os trabalhos dos quais estava incumbido? Preferiu a primeira das duas alternativas.
130
Somado ao atraso imposto pela epidemia, estava a falta de equipamento
para geração de disco, que chegou a Cuiabá muito tempo depois do período
previsto, tendo ainda que sofrer reparos. Resolvidos aqueles problemas, Schultz,
após realizar no Posto as fotos e os filmes previstos para aquele ambiente, partiu
para as aldeias Umutina; onde acabou sofrendo um ataque de seu informante, o
índio Umutina Cupotonepá, em 11 de janeiro de 1945. O incidente interrompeu o
curso de suas atividades, impedindo que recolhesse o material arqueológico e
promovesse o levantamento das migrações realizadas pelo grupo em questão. Ele
foi então obrigando a retornar ao Posto, onde em seguida foi transferido para
Cuiabá a fim de tratar de seus ferimentos. Retornou ao Rio de Janeiro em 28 de
março de 1945, entrando de licença médica cujo tempo de duração não foi
especificado na documentação existente nos arquivos do Museu do Índio. Como
resultado deste acidente, Schultz, além de ter tido a perda de movimento em um
dos braços, se desligaria do SPI.
Em 1953, Schultz publicou Vinte e três índios resistem a civilização131, em
que descreve as duas viagens que empreendeu aos Umutina durante sua
permanência no SPI. A leitura do texto deixa claro que tanto em sua primeira
viagem quanto na segunda, teria “infringido” uma série de regras que faziam parte
das crenças dos Umutina. Isto se deu por conta de sua inexperiência no
relacionamento com os índios, uma vez que as duas expedições realizadas
marcariam o início de sua carreira etnográfica. O desconhecimento das regras
sociais teve como consequência o ataque que sofreu. Devido a situação na qual foi
exposto, seu relatório de viagem, só pode ser entregue ao CNPI em 16 de
novembro de 1945, ou seja, quase um ano após aquela expedição.
130
Relatório da expedição aos índios Umutina do Alto rio Paraguai, norte de Mato Grosso realizada pelo Sr.
Harald Schultz, em 1944. MF. 1C- CNPI, FG. 2481.Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 131
SCHULTZ, Harald. Vinte e três índios resistem à civilização, 1953.
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108
Dessa viagem aos Umutina, Schultz informou, no aludido relatório, ter
produzido mais de 950 fotos em preto e branco, 100 fotografias coloridas, 200
metros de filme de 16mm, 1200 metros de filme de 35mm e 11 discos contendo
vocabulário Umutina, lendas, canções e invocações religiosas. Foram coletados
ainda 81 objetos, sendo que um grupo de quatro itens não teve suas quantidades
especificadas pelo coletor, eram eles: brincos de penas132, objetos rituais133,
conchas fluviais134 e fechos penianos.
Sobre o material fílmico, afirmou que mesmo tendo produzido um filme de
caráter etnográfico, o executou dentro de um modelo artístico, visando sua
apresentação ao grande público. O que denota que sua visão ainda tendia para o
registro mais de cunho publicitário.
Foram obtidos resultados científicos, baseados nas instruções e treinamento recebidos do eminente etnólogo sr. Curt Nimundajú e que com os distintos e cultos chefes facilmente poderão verificar, mediante um rápido exame, proporcionam elementos básicos para a elaboração de uma pequena monografia sobre a tribo Umutina, além de outras finalidades que são sugeridas no item do “aproveitamento” deste relatório. Chama, porém, a atenção de que seus trabalhos científicos não puderam ser concluídos como pretendia, em virtude da interrupção ocorrida quando haviam chegado ao apogeu, sustados, a contragosto, pela agressão que sofreu do seu principal auxiliar e intérprete.
135
Já com relação aos objetos trazidos para o “Museu etnográfico”, Schultz
teceu o seguinte comentário:
Os artefatos trazidos representam a coleção quase completa de toda a arte manual dos Umutina. São de feitio primitivo e não traduzem nenhum sentimento artístico. A cerâmica é grosseira e sem ornamentos, lembrando formas antiqüíssimas da humanidade.
136
132
São objetos confeccionados com pares de penas, que reunidos em argolas de tucum, em quantidades
variadas, formam um brinco. 133
Trata-se de objetos trançados com palha de buriti, conformados em forma de peixe, utilizados em ocasiões
cerimoniais. 134
São conchas fluviais, de tamanhos variados, utilizadas como colher para levar o alimento à boca. 135
Relatório da expedição. MF. 1C - CNPI, FG. 2488. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 136
Relatório da expedição aos índios Umutina do Alto rio Paraguai, norte de Mato Grosso realizada pela Sr.
Harald Schultz, em 1944. MF. 1C- CNPI, FG. 2489. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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Schultz, ao rotular os objetos de cultura material Umutina como primitivos,
carentes de sentimento artístico e grosseiros, ilumina um conjunto de questões.
Para compreendê-las, devemos voltar nossa atenção não para os objetos
recolhidos por ele, nem para as pessoas que os produziu, mas para o próprio
contexto cultural e social no qual Schultz se encontrava; a fim de verificar os
múltiplos mecanismos que lhe serviram para executar aquela classificação.
Para Price137 o especialista é aquele cujas opiniões estão revestidas, para
terceiros, de uma autoridade especial. Estão eles aptos a fazer avaliações e
críticas, devido ao seu grau de conhecimento sobre um determinado assunto.
Levando em consideração a definição de Price sobre o que seja um “especialista”,
Schultz, devido a pouca experiência que tinha em etnografia, não se enquadraria
naquela definição. Não sendo um especialista, sua opinião a respeito do conjunto
material dos Umutina estava calcado na sua estética pessoal, que em certa medida
refletia aquela que permeava a sociedade de então.
A estética do gosto foi um tema no qual Bourdieu138 realizou algumas
análises apresentadas em La distinction. Nelas, o quadro geral fornecido por
Bourdieu mostra que o gosto é definido por fatores sociais, econômicos,
ocupacionais e educativos, ou seja, o gosto é uma construção cultural, um
processo sutil que se inicia no âmbito familiar, passa pela sala de aula e pelos
ambientes sociais nos quais os indivíduos circulam: “o cultural existe apenas pela
sua própria negação enquanto tal, ou seja, como algo que tanto é artificial com
artificialmente adquirido.”139 Levando em consideração as análises de Bourdieu,
concluímos que a estética de cada indivíduo é definida pelo meio cultural no qual
se encontra inserido, mais do que pela simples apreensão visual.
Assim, os comentários de Schultz a respeito dos objetos Umutina, além de
estarem relacionadas ao seu gosto pessoal, construído dentro de um ambiente
cultural específico, também, grosso modo, refletia o sentimento da sociedade
daquele período, que ainda não via os objetos etnográficos como produto de uma
cultura singular, provida de padrões estéticos diferentes dos ocidentais, refletindo
137
PRICE, Sally. Arte primitiva em centros civilizados, p. 27. 138
BOURDIEU, Pierre. La distinction, 1999. 139
Idem. p. 162.
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110
uma determinada identidade grupal. Neste aspecto seus comentários ajudam a
iluminar que os estudos etnográficos realizados até então, voltados para a
compreensão do funcionamento daqueles grupos, acabavam reforçando as
diferenças culturais entre eles e a sociedade majoritária impedindo, deste modo,
que houvesse uma melhor compreensão dos seus elementos materiais como
signos de uma identidade grupal. Portanto, o julgamento sobre a sua estética tinha
que necessariamente levar em consideração a estética do grupo que os produziu e
não aquela da sociedade que os envolvia. Os comentários de Schultz também
traduziam, em certa medida, a dificuldade que o SPI tinha de lidar com os objetos
indígenas. Como elementos de alteridade, entravam em choque com o discurso
que vinha sendo difundindo pelo SPI, cuja política primava pela diluição daquelas
diferenças culturais e, aqueles objetos, ao contrário, as reforçavam visualmente.
A respeito dos objetos recolhidos por Schultz entre os índios Umutina, o
Relatório Anual do CNPI de 1944 registrou que eles se destinavam ao “Museu em
organização na sede do Serviço Cine-fotográfico,”140 e que haviam sido obtidos por
meio da troca por “úteis presentes”, repetindo os procedimentos dos anos
anteriores, ou seja, o sacrifício de um objeto por outro141. No entanto no referido
documento ficou assinalado que a pesquisa promovida por Schultz entre os
Umutina era a primeira a registrar por meio fotográfico as “mais secretas” das
manifestações religiosas daqueles índios; além de ter recolhido informações
verbais sobre elas.
Os comentários registrados no supracitado documento sobre as
manifestações religiosas dos índios Umutina só foram possíveis devido à
permanência de Schultz em suas aldeias. Foi a primeira experiência naquela
140
Relatório Anual do CNPI, de 1944. Documento original, p. 37. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 141
Appadurai analisou a troca de coisas entre as sociedades sem o uso do dinheiro como modalidade
monetária. Sua análise, além de viabilizar recuperar a “vida social” das coisas, já que a inserção de coisas em
novos ambientes possibilita uma nova existência social, também ilustrou que as trocas entre coisas exigem o
sacrifício de uma coisa em detrimento da outra, visto que ela se tornou o objeto de desejo de alguém. A análise
realizada por Appadurai serve como base teórica para o tipo de troca que ocorria entre os agentes do SPI e os
integrantes das comunidades indígenas, pois nestes contextos o uso do dinheiro não prevalecia, sendo este
substituído por “coisas’, classificadas de “presentes”. Eram facas, tecidos, panelas de alumínio etc., dos quais
os índios ao longo dos anos foram ficando dependentes devido a sistemática desta operação. A contrapartida
oferecida pelos índios era seu trabalho, traduzido, muitas vezes, pelos objetos de cultura material. Sobre o
assunto ver: APPADURAI. La vida social de las cosas, 1991.
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111
natureza realizada até então pela Equipe, e possibilitou que Schultz não só
registrasse as manifestações religiosas dos índios Umutina, como também
capturasse, através de fotos e filmes, o cotidiano daquela população; o que tornou
seus registros bem diferentes dos realizados, até então, pela Equipe que vinha
produzindo imagens capturadas nos postos indígenas. Nas aldeias, Schultz pôde
assistir e registrar as atividades executadas por homens e mulheres Umutina em
seu próprio ambiente. Capturou imagens de caça na mata, da pesca com cipó
Timbó, dos jogos infantis, das roças e da preparação da farinha, dos objetos
cerâmicos e de tecelagem.
142
142
Foto 35 - Posto Indígena Fraternidade Indígena, 1943. Heinz Foerthamann. Serviço de Audiovisual do
Museu do Índio, SPI 02471.
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112
143
Quanto a segunda equipe, chefiada por Velloso, assim como a de Schultz,
enfrentou grandes dificuldades, decorrentes, sobretudo por obstáculos impostos
pelos acidentes geográficos da região, que acabaram por impedir que a equipe
alcançasse os grupos indígenas dentro dos prazos previstos, como assinalou
Velloso em seu relatório.144 Aquele documento informou ainda que a equipe visitou
os índios Kamayurá, Waurá, Mehinanco e Kuikuro. Desta viagem, que se encerrou
em sete de novembro de 1944, foram produzidas duas mil fotos, em preto e branco
e coloridas, três mil metros de filme de 35mm, e foram recolhidos para o “museu
etnográfico” 42 itens da cultura material daqueles índios. Ao contrário de Schultz,
Velloso não emitiu qualquer opinião a respeito dos objetos por ele recolhidos.
143
Foto 36 - Fotografia do Índio Umutina, 1944. Foto de Harald Schultz. Serviço de Registro Audiovisual do
Museu do Índio. 144
Relatório anual do CNPI, de 1944. MF. 1C - CNPI, FG. 2288 a 2296. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio.
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113
145 146
147 148
Observando mais atentamente os relatórios, tanto do CNPI quanto da
Equipe Etnográfica, fica evidente que as primeiras idas aos postos indígenas
tinham como objetivo o registro das benfeitorias do SPI, de interesse do Serviço, já
o retorno aos mesmos postos buscava registrar os aspectos etnográficos de
interesse do CNPI. A crítica feita por Rondon sobre o resultado da primeira
expedição estava calcada neste fato. Pois, mesmo retornando aos postos
indígenas, a equipe não conseguiu realizar um registro etnográfico conforme o
entendimento que se tinha sobre aquele assunto. Acabou se ocupando, mais uma
145
Foto 37 - Equipe Etnográfica transportando o material fotográfico e fílmico no rio Curusêvo, 1944. Foto de
Heinz Foerthamann. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. 146
Foto 38 - Equipe Etnográfica no rio Curusêvo, 1944. Foto de Heinz Foerthamann. Serviço de Registro
Audiovisual do Museu do Índio. 147
Foto 39 - Pás de virar beiju. Recolhidas por Velloso em 1944. Serviço de Registro Audiovisual do Museu
do Índio. 148
Foto 40 - Paus de Cavucos. Recolhidas por Velloso em 1944. Serviço de Registro Audiovisual do Museu
do Índio.
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114
vez, com os aspectos de infraestrutura dos Postos; deixando de registrar o que
tinha de tradicional na cultura observada naqueles ambientes.
Aquela terceira expedição, com exceção da atividade realizada por Schultz
nas aldeias Umutina, manteve a mesma característica das anteriores. No entanto,
dois fatos merecem ser ressaltados a partir de alguns comentários feitos por
Rondon, no Relatório Anual do CNPI de 1944. As imagens registradas por Schultz
dos índios Umutina nas aldeias foram aprovadas por ele, que teceu elogios a
respeito daquele trabalho, o que denota que os resultados esperados pelo CNPI
começaram a aparecer. Segundo, ainda relacionada à atividade desenvolvida por
Schultz e ao ataque que sofreu, acentuava-se a necessidade de atuação de uma
pessoa com mais experiência no trato com os índios, para a promoção de uma
atividade realizada em um ambiente onde os agentes do SPI não atuavam. Os
comentários de Rondon, após uma conversa com Schultz, não deixam dúvidas
aquele respeito:
o que nos arraigou no espírito a convicção de que não havia propriamente culpabilidade de uma e da outra parte (...) prova, com argumento irrefutável dos fatos, quando a altivez inata do índio e a repulsa de qualquer violência contra a sua liberdade de ação, pode deflagrar num conflito das mais trágicas conseqüências, principalmente quando parte do civilizado algum ato impensado ou irrefletido que só pode ser recebido pelo índio como sinal de humilhação pública.
149
Independente dos recolhimentos feitos pela Equipe de material etnográfico,
como parte de suas atividades etnográficas, o acervo não cessava de crescer. A
direção do SPI, através da emissão dos Boletins Informativos, prosseguia na
captação de novos objetos etnográficos para compor o “Mostruário do SPI”.
Encontramos no Boletim Informativo do órgão recomendações para
encaminhamento à Diretoria de elementos daquela natureza.
II – Mostruário do SPI Estando em organização nesta Diretoria um mostruário de arte, utensílios e objetos quaisquer dos índios, que será o ponto de partida para o “Museu Indígena” a ser inaugurado na “Casa do Índio”,
149
Relatório anual do CNPI, de 1945. MF. 1C - CNPI, FG. 2335. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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115
solicitamos para ela a contribuição de todos os Chefes de Inspetoria e dos demais servidores deste Serviço, para remeterem a esta sede o que aquele respeito puderam obter dos índios, por compra, troca ou dádiva, de acordo com os preceitos regulamentares.
150
O retorno do SPI para a esfera do Ministério da Agricultura lhe dotou de
maiores verbas a partir de 1941, o que viabilizou a contração da Equipe. Com a
publicação, em 1942, de um novo Regimento, novas atribuições foram impostas, o
que exigiu da agência o aumento de seu efetivo humano e de sua esfera
administrativa. A junção verba e regimento viabilizou a criação de novas
Inspetorias e postos indígenas, visando aumentar a atração e a pacificação dos
índios: “atrair o índio e fixá-lo pela cultura sistemática da terra e estabelecimento
das indústrias rudimentares mais necessárias”.151 Viria em socorro ao aumento na
demanda administrativa, a contratação de “funcionários ou extranumerários
especialmente admitidos para tais funções”.152 Para se ter uma ideia, o Decreto nº
15.151 de 27 de abril de 1944 criou 86 funções de agentes de índios, 4 de Inspetor,
12 de inspetor auxiliar e 13 de inspetor especializado. A expansão administrativa
pela qual passava o SPI também atingiu a Seção de Estudos.
150
Boletim Informativo do SPI, número 16, de 31 de março de 1943. Serviço de Biblioteca do Museu do
Índio. 151
Decreto nº 10.652 de 16 de outubro de 1942. MF. 338, FG. 2432. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 152
Idem. FG. 2434. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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116
4. A difusão da Memória e do Patrimônio Indígena
4.1. Uma Seção em expansão e um acervo em exibição
Por motivo de doença, em março de 1944, o então diretor do SPI, Cel.
Vicente de Paulo Teixeira Vasconcelos, pediu afastamento do cargo. Entre a saída
de Vasconcelos e a entrada de um novo diretor, Rondon manifestou sua
preocupação com o futuro da direção do SPI. Em seu entendimento já não estava
tão claro que a direção daquele órgão fosse entregue a um de seus indicados.
Mesmo receoso Rondon conseguiu efetivar na direção do SPI seu antigo
correligionário, e então chefe da Seção de Administração do SPI, o advogado José
Maria de Paula, que deu continuidade aos programas que vinham sendo
desenvolvidos no SPI pelo seu ex-diretor.
Mesmo mantendo o modelo de administração já estabelecido, José Maria de
Paula imprimiu um novo ritmo, principalmente na Seção de Estudos, que até
aquele momento estava apenas voltada às expedições e, quando não, sua equipe
ocupava-se, no espaço onde se encontrava instalada, das atividades de
organização de seus arquivos, fotográfico e fílmico, além de proceder à
catalogação do material etnográfico e exibi-lo em suas dependências. Uma de suas
primeiras medidas, tomada três dias após assumir a direção do SPI, foi promover
uma mudança no perfil das atividades que a Seção de Estudos vinha
desenvolvendo, traduzida inicialmente pela contratação, em seis de outubro
daquele ano, de Hebert Serpa153 como chefe daquela Seção.
153
Não foi possível recuperar informações sobre a formação acadêmica de Hebert Serpa. Os documentos
textuais existentes no Serviço de Arquivo do Museu do Índio não fornecem estes dados. Também não há
informações em outros trabalhos consultados sobre o SPI e seus funcionários. É importante ressaltar que Serpa
foi contratado inicialmente como comissionado, ou seja, para exercer uma função gratificada não como
funcionário do Ministério da Agricultura. Sua contratação definitiva ocorreu em seis de março de 1947, a
pedido de Modesto Donatini, então diretor do SPI. A fim de localizar alguns documentos que viessem a
esclarecer tanto a formação de Serpa, quanto sua trajetória profissional, foi procedida uma pesquisa nos
documentos do Ministério da Agricultura depositados no Arquivo Nacional, mas nada foi localizado. Parte da
documentação relativa ao Ministério da Agricultura, hoje, se encontra no Arquivo Nacional que funciona em
Brasília, mas devido a problemas pessoais não foi possível o deslocamento da pesquisadora para aquele local.
Fica aí a possibilidade de existência de algum tipo de documento localizado naquele acervo que faça referência
à formação de Hebert Serpa e aos cargos que ocupou tanto no Ministério, quanto fora dele. Sobre a contratação
de Serpa ver: MF. 374, FG. 24. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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117
O ingresso de Serpa veio acompanhado de uma nova readequação das
instalações físicas da Seção de Estudos. Se até então a Seção funcionava em
algumas salas no Instituto Benjamin Constant, a contratação de Serpa exigiu a
concentração de suas atividades junto à sede, ou seja, foi destinada à chefia da
Seção de Estudos uma sala anexa à diretoria do SPI.
Para a localização da S.E. foi cedida integralmente a sala nº 407, integrante ao 4º andar onde se encontra a sede do SPI, para onde foram removidos móveis e utensílios necessários à instalação provisória dos primeiros serviços.
154
Fato relevante, pois sinalizava a efetivação da Seção de Estudos no
conjunto de Seções que compunham o SPI, dando a ela uma chefia, até então a
cargo de Schultz, responsável técnico pela equipe etnográfica, e não da SE. Esta
medida estava relacionada ao redimensionamento de suas atribuições. Se até
então as atividades da Seção de Estudos estavam voltadas para as expedições
etnográficas, a entrada de Serpa e o conteúdo da circular que José Maria de Paula
expediu foram os primeiros sinais de algumas de suas atribuições relacionadas no
Regimento Interno, que até aquele momento não haviam ainda sido implantadas,
mas começavam a ser organizadas.
154
Relatório anual da SE, de 1944. MF. 335, FG. 673. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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118
155
Em três de outubro de 1944, José Maria de Paula fez circular um documento
definindo a competência de cada uma das Seções do SPI. Para a Seção de
Estudos houve um acréscimo de atividades. A ela caberia, além das incumbências
já rotineiras, o planejamento de expedições etnográficas e organização de seus
produtos, a responsabilidade pela promoção do censo das populações indígenas.
A circular de Paula visava atender a um encaminhamento feito pelo Serviço
de Estatística Demográfica, Moral e Política, vinculado ao Ministério da Justiça e
Negócios Interiores, que estava promovendo um censo geral, para a nova edição
do “Anuário Estatístico do Brasil”, cuja “estatística relativa à catequese indígena”156
ficou a cargo do SPI.
155
Foto 41 - Reprodução fotográfica do Dr. José Maria de Paula que integra a publicação Serviço de Proteção
aos Índios, ano VI, vol. III, nº 3, 1943. 156
Ofício SMP-22-45-49 de 20 de janeiro de 1945. Neste ofício Heitor Bracet, diretor do Serviço de
Estatística, Moral e Política, reitera sua solicitação feita, por meio do ofício SMP-17-44-495, em 24 de
novembro de 1944. MF. 335, FG. 635. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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119
Paula aproveitou a solicitação para promover um projeto mais ambicioso,
incluiu naquele levantamento, além do número de indivíduos, o registro da língua
dos grupos tutelados pelo SPI e a localização geográfica de cada aldeia, tanto a
nível regional quanto nacional, incluindo aí o número de índios aldeiados e dos que
viviam nas Inspetorias, seu grau de aculturação, o tipo de sistema social, político,
religioso e econômico, com indicação das linhas de parentesco e das formas
matrimoniais. Contaria ainda o levantamento engendrado por Paula, com o número
de unidades escolares e seus respectivos alunos, sendo que neste item era
necessário estabelecer quantos alunos falavam português, seu grau de interesse
para a agricultura, a pecuária ou para a “indústria” de artesanato.
As incumbências dirigidas por Paula à Seção de Estudos a obrigava a ficar
responsável pelo levantamento dos documentos relativos à propriedade da terra
junto às Inspetorias. E caso a Inspetoria não os possuísse, era a Seção de Estudos
que deveria proceder aquele levantamento, levando em consideração os limites de
caça e pesca de cada grupo e observando, dentro daqueles limites, a presença de
“intrusos”, a fim de informar que tipo de relação era por eles estabelecido com os
índios.
As “novas” atribuições da Seção de Estudos estavam, até então, a cargo da
Seção de Fiscalização e Orientação, da qual Paula havia sido chefe. Portanto,
ninguém melhor que ele para saber o quanto era difícil efetivar um projeto daquela
natureza. O que se percebe é que Paula procurou regularizar as determinações do
Regimento transferindo para a Seção de Estudos aquela atividade, como
determinava o documento. Mas sua transferência para a Seção de Estudos
também era providencial, pois à medida que a Equipe promovesse suas atividades
etnográficas, viabilizaria o levantamento estatístico das populações que visitava,
diminuindo o custo daquela operação. Contudo, sua efetivação por parte da Seção
de Estudos esbarrava em dois problemas: sua promoção exigiria tanto um grau de
conhecimento sobre as populações indígenas quanto um número elevado de
servidores para executá-la. Características que a Seção de Estudos não
apresentava.
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120
A fim de solucionar o problema, Rondon tomou uma nova iniciativa.
Encaminhou a Servulo de Lima, então diretor do Serviço Especial de Saúde
Pública,157 um ofício, em 28 de novembro de 1944, solicitando a liberação do
etnólogo americano Charles Wagley, que vinha desde 1939 chefiando a Divisão de
Educação Sanitária daquele Serviço, pois para Rondon:
tudo o que afeta o SPI (...) afeta a minha personalidade, tão integrado estou nesse Serviço, de que fui diretor, de 1910 a 1930, continuando até hoje solidário ininterruptamente, com todos os seus diretores.
158
O teor do ofício encaminhado por Rondon deixou claro os objetivos que
tinha em vista, ao expôr sua solicitação, baseava-se no artigo 1º, alínea “n”, do
Regimento Interno do SPI, que determinava: “proceder ao estudo e investigação
das origens, línguas, ritos, tradições, hábitos e costumes do índio brasileiro, bem
como efetuar o levantamento da estatística geral das populações indígenas”
(grifos do autor).159
Incluir entre a Equipe Etnográfica um elemento externo com reconhecida
capacidade de efetivar levantamento estatístico e mapas de parentesco,
significava, além da redução no custo daquela operação o aumento do contingente
humano para sua realização. Um grupo específico de indivíduos para a execução
daquela medida tanto desoneraria os chefes de postos quanto ofereceria maior
garantia de sucesso da operação. Para o CNPI, incluir um etnólogo cuja
experiência em estudos etnográficos era reconhecida pela revista Publications on
latin american anthropology, da Universidade de Harvard Press, abria a
157
A história do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) e suas políticas de saúde no Brasil entre 1942 e
1960, foram relatadas no livro “Políticas Internacionais de Saúde na Era Vargas: O Serviço Especial de Saúde
Pública, 1942-1960”, de VIEIRA, André Luiz Campos que recuperou a história do Serviço e a analisou
baseado em documentos históricos. Criado em 1942, no âmbito do Ministério da Educação e Saúde, o SESP
foi fruto de um acordo entre os governos brasileiro e norte-americano, mas suas atividades estiveram ligadas a
uma parceria com o Instituto de Assuntos Interamericanos (IAIA). O autor informa ainda que o SESP era
financiado tanto com recursos nacionais quanto internacionais, possuindo uma completa autonomia jurídica,
administrativa e financeira no âmbito daquele Ministério. Coloca ainda que o acordo que lhe deu origem tinha,
para os norte-americanos, um objetivo muito específico e imediato: criação de condições sanitárias adequadas
nos vales do Amazonas e do Rio Doce que garantissem o provimento de matérias-primas cruciais aos esforços
militares dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. 158
Relatório Anual do CNPI, de 1944. MF. 1C-CNPI, FG. 2169. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 159
Regimento Interno do Serviço de Proteção aos Índios – SPI, de 1942. MF. 338, FG. 3231. Serviço de
Arquivo do Museu do Índio.
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121
oportunidade de um estudo monográfico sobre o grupo visitado, visto que os
levantamentos “etnográficos” até então promovidos pela Equipe do SPI ainda não
haviam sido traduzidos em publicações daquela natureza, necessários à
consecução das atividades culturais do CNPI.
Concomitantemente ao encaminhamento do ofício, Rondon, buscando
garantir o sucesso de seu intento, saiu em busca de apoio, recorrendo à Heloisa
Alberto Torres, como membro do Conselho, diretora do Museu Nacional e
responsável pela vinda e permanência de Wagley no Brasil; o que a tornava o
elemento chave no desempenho daquela articulação. Mesmo tendo Heloisa Torres
como mediadora de sua iniciativa, ela não logrou êxito, demonstrando que as
relações pessoais não estavam acima dos interesses de cada grupo. O relatório
anual do CNPI de 1944160 informou que foram feitos reiterados pedidos, sem
sucesso. Mas Rondon manteria “todavia esperanças de contratar os serviços
etnográficos e etnológicos que projetamos realizar em 1945, com um especialista a
altura de tão importante missão”.161
Duas hipóteses podem ser levantadas para que a iniciativa de Rondon não
tivesse êxito, e ambas estavam relacionadas ao nome de Heloisa Alberto Torres.
Não era do interesse dela, como representante do Museu Nacional, abrir mão de
Wagley, que desde 1939 vinha treinando alguns naturalistas daquela Instituição no
desenvolvimento de pesquisas etnográficas; como parte do acordo informal
estabelecido entre o Museu Nacional e a Universidade de Columbia. Iniciativa
tomada por ela que visava a qualificação do corpo técnico do Museu Nacional,
esvaziado após a criação, em 1937, da Lei de desacumulação de cargos.162
A segunda hipótese é a de que Heloisa Alberto Torres, naquele momento,
estava fragilizada pelo enfrentamento de um movimento político liderado por um
grupo de técnicos do Museu Nacional que vinham questionando sua direção,
exigindo dela um grande esforço pessoal para interromper aquele processo e se
manter no cargo. Esta situação teve início com uma obra empreendida por Torres
160
Relatório Anual do CNPI, de 1944. MF. 1C-CNPI, FG. 2083 e 2303. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio. 161
Idem. FG. 2083. 162
Sobre o assunto ver: RIBEIRO, Adélia Maria Miglievich. Heloisa Alberto Torres e Marina São Paulo de
Vasconcellos, p. 65.
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122
no prédio da instituição em 1941 e que até aquele ano, 1944, ainda não havia sido
concluída; obrigando-a a manter o Museu fechado para visitação pública e
impedindo o funcionamento de alguns de seus laboratórios. Situação que se
agravou no ano seguinte. Desse modo, a cessão de Wagley significava a ausência
no Museu Nacional de uma peça fundamental em seu jogo político, visto que ele
“materializava” seus empreendimentos e catalisava ao seu favor, agentes que
viessem em sua defesa; já que Wagley se relacionava com uma série de
instituições científicas tanto nacionais quanto estrangeiras. Há ainda outro fator
relacionado a estas duas hipóteses.
O ano de 1944 também foi o primeiro em que o CNPI promoveu a primeira
comemoração oficial do Dia do Índio. Rondon solicitou à Heloisa Alberto Torres, na
posição de conselheira do CNPI, a elaboração de uma proposta para a
comemoração daquela data. Talvez a ineficiência na condução da proposta por ela
apresentada, somada ao momento político pelo qual estava passando no Museu
Nacional, também tenham sido motivos que a não fizeram se empenhar muito na
cessão de Wagley ao SPI e CNPI.
Para melhor entendimento deste assunto é necessário recuperar a
instituição do Dia do Índio e as questões políticas envolvidas em sua comemoração
por parte do SPI e do CNPI.
4.2. A Seção de Estudos e o “Dia do Índio”
Como venho expondo, cabia ao CNPI promover a política indigenista oficial,
e dois caminhos foram adotados para a sua consecução, a promoção de atividades
“científicas” e “culturais”. A primeira era viabilizada por publicações com o timbre do
Conselho e pela promoção, em parceria com SPI, de expedições etnográficas
executadas pela Seção de Estudos. A segunda ocorria por meio de eventos
convertidos em solenidades que procuravam homenagear figuras históricas e
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123
agentes políticos que estiveram envolvidos com a questão indígena,163 ações que
ocorriam nas dependências do Conselho.
O “Dia do Índio” foi instituído em junho de 1943 pelo governo brasileiro,
acatando uma recomendação do I Congresso Indigenista Interamericano, ocorrido
em 1940, na cidade de Patzcuaro, México. O Congresso foi um desdobramento de
dois eventos anteriores: a VII Conferência Internacional, ocorrida em 1933, na
cidade de Montevidéu, e a 8º Conferencia Internacional Pan-Americana, ocorrida
em Lima, em 1938. Ambas as reuniões deram início às discussões sobre a
possível criação de um programa indigenista integrado para o continente
americano; ideia que veio a se consolidar a partir da organização daquele
Congresso.
Participou daquele evento, como único representante brasileiro e membro do
CNPI, o antropólogo do Museu Nacional Edgar Roquete Pinto, então escolhido,
juntamente com outros participantes, para integrar o comitê executivo provisório
responsável pela preparação das diretrizes que norteariam a criação do Instituto
Indigenista Interamericano. Roquete Pinto retornou ao Brasil entusiasmado com o
que viu e ouviu, e, munido de um farto material impresso sobre a política
indigenista dos países que participaram da reunião, relatou suas impressões sobre
o evento ao presidente e aos membros do CNPI. Devidamente informado, Rondon
solicitou ao governo brasileiro a sua filiação ao recém-criado Instituto. Mas pelo
fato de ser o mexicano Francisco Lombardo Toledano, figura de destaque na
organização do Instituto e partidário de uma política marxista, o governo brasileiro
decidiu pela sua não filiação naquele momento, fato que só veio a ocorrer em
1952.164
A decisão tomada pelo governo brasileiro, no entanto, não impediu que uma
relação informal fosse estabelecida, já a partir de 1941, com o Instituto. Relação
que se traduziu por meio de intercâmbios que envolveram publicações de artigos
escritos por agentes do SPI na revista organizada pelo Instituto165 e visita do diretor
163
Sobre o assunto ver: FREIRE, Carlos Augusto da Rocha. Indigenismo e antropologia. 164
FREIRE, Carlos Augusto da Rocha. Indigenismo e antropologia. pp. 54 -8. 165
A revista América Indígena, organizada pelo Instituto Interamericano Indigenista, em seu número I, de
1941, publicou um artigo do então diretor do SPI, Cel. Vasconcellos, intitulado “A obra de Proteção ao
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124
do Instituto ao SPI e CNPI,166 e ainda pela adoção, por parte de ambos, do dia 19
de abril como data para a comemoração do “Dia do Índio”. O primeiro evento na
promoção daquela data no Brasil ocorreu em 1943, nas dependências do CNPI,
marcada pelo pronunciamento de Rondon exaltando a criação tanto do Instituto
quando de um dia específico para se enaltecer a figura do índio. Naquela ocasião
foi inaugurada, no corredor de acesso às salas do CNPI, uma galeria de retratos a
óleo de personalidades políticas ligadas à criação de ambas as agências, tais
como: Getúlio Vargas, Nilo Peçanha, Rodolfo Miranda e Apolônio Salles. Iniciativa
que foi acompanhada pela presença de representantes do gabinete do presidente
Vargas, do ministro da agricultura, além de Simões Lopes, presidente do DASP, e
dos filhos de Rodolfo Miranda, então já falecido.
Dois meses após aquele evento, Vargas, a fim de demonstrar seu interesse
em se manter próximo dos ideais do Instituto Indigenista Interamericano,
institucionalizou o Dia do Índio por meio do Decreto Lei 5.540, assinado em 20 de
junho daquele ano. Em decorrência de o Decreto ter sido assinado após a data
estipulada para o Dia do Índio, só foi possível organizar uma atividade de maior
volto e projeção no ano seguinte. Em 1944 Rondon projetou um evento de maior
envergadura a fim de tornar aquela data um momento político e cultural que
projetasse as agências positivamente no cenário social e viabilizasse algumas
medidas políticas, entre elas a filiação do Brasil ao Instituto. Seu programa para
aquele ano contava com atos cívicos, palestras, exibição de filmes, montagens de
exposição fotográfica e etnográfica. Conjunto de ações que tinham como objetivo
incutir, no conjunto da nação, a ideia de que as comunidades indígenas também
faziam parte do todo nacional. Atraindo assim uma parcela maior de agentes
políticos e sociais para a “causa” indígena, como mostram suas palavras:
Intimamente, tais manifestações nos sensibilizaram e nos fizeram refletir que o sentimento de nacionalidade domina a orientação social e política do povo brasileiro (...) me permito predizer que esta primeira celebração
Indígena no Brasil”. Em maio de 1944 o CNPI recebeu a visita do então diretor do Instituto, Manuel Gamio.
Sobre ambos os assuntos ver. FREIRE, Carlos Augusto da Rocha. Indigenismo e antropologia, p. 61. 166
Idem.
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125
do Brasil do Dia Americano do Índio, produzirá nos corações bem formados emoções capazes de reações benévolas.
167
A primeira providência naquele sentido foi tomada já na primeira reunião do
Conselho, em 17 de Janeiro de 1944, quando Rondon informou a seus pares da
intenção de transformar o Dia do Índio em Semana do Índio. Para tanto solicitou
aos membros do Conselho sua cooperação na elaboração do programa oficial que
seria implementado pelo Conselho e pelo SPI. A comemoração daquela data
visava atingir três objetivos específicos: difundir os trabalhos do CNPI e do SPI;
reforçar as relações entre as agências e os dirigentes do Instituto Indigenista
Interamericano; e aproximar o governo brasileiro das intenções daquele instituto.
Medida que também auxiliava o Estado que vinha canalizando esforços pela
construção, no imaginário social, de uma identidade comum da nação, como parte
de sua política nacionalista.168 Objetivos que ficaram registrados no Relatório Anual
do CNPI nos seguintes termos:
Não só pela alta significação desta resolução, como pelas finalidades deste Conselho, o entusiasmo e a satisfação que nos despertou semelhante ato, inspirou a sugestão por mim apresentada ao mesmo conselho logo na primeira sessão de 17/I/44, no sentido de que a primeira comemoração de tão auspicioso fato fosse realizada sob a mais ampla publicidade, durante uma “Semana do Índio”. Imaginamos, a princípio, fixá-la entre 12 e 19 de abril, mas coincidindo isto com as comemorações da data natalina do Exmo. Sr. Presidente Sr. Getúlio Vargas, transferimo-la para a semana seguinte: 19/24.
169
Para dar início à organização do evento, Rondon solicitou à conselheira
Heloisa Alberto Torres a elaboração de uma proposta para o mesmo. Não só como
membro do Conselho, mas principalmente como diretora do Museu Nacional,
Heloisa Alberto Torres estava habilitada para organizar eventos daquela natureza e
incluir nele ações que viessem a atingir objetivos políticos e culturais. Na seção do
Conselho ocorrida em três de fevereiro de 1944, Heloisa Alberto Torres apresentou
suas sugestões. Para ela, o evento deveria ter início em 15 de abril e se estender
167
Relatório anual do CNPI, de 1944. MF. 1C-CNPI, FG. 2044. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 168
D’ARAUJO, Maria Celina. O Estado Novo, p. 8. 169
Relatório Anual do CNPI, de 1944. MF. 1C- CNPI, FG. 2041. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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126
até o dia 19 do mesmo mês. Entre as atividades propostas estavam exibições de
filmes, irradiações e exposições, cuja divulgação ocorreria tanto pelo rádio quanto
pela imprensa escrita. Heloisa Alberto Torres também sugeriu que os filmes
destinados aos escolares fossem acompanhados de explicações dadas pelos
membros do Conselho, e os destinados ao grande público deveriam ser projetados
no auditório do Ministério da Agricultura, instituição na qual as agências estavam
inseridas, e em outras salas de fácil acesso. Sugeriu ainda que a abertura oficial da
comemoração fosse feita, via rádio, durante a “Hora do Brasil”, pelo vice-presidente
do CNPI e funcionário do Museu Nacional, o antropólogo Roquete Pinto, e nos dias
subsequentes, o evento contaria com transmissões de músicas cujas letras ou
composições, estivessem baseadas na temática indígena. E, finalizando a semana,
no dia 19, um discurso de Rondon encerraria o evento.
Para a exposição etnográfica, Heloisa Torres sugeriu ao CNPI que a
organizasse em parceria com o Museu Nacional, que estava projetando uma
exposição no mezanino do Ministério da Educação, instância na qual o Museu
Nacional se encontrava atrelado, sobre os grupos indígenas de língua Gê. A
sugestão de Heloisa Torres deixou claro que a sua intenção era capitalizar, para o
Museu Nacional, parte daquela comemoração. Uma iniciativa cuja concretização
viria em seu auxílio.
Conforme dito anteriormente, em 1944 começou a se esboçar certa
animosidade de alguns técnicos em relação à administração de Heloisa Alberto
Torres no Museu Nacional. E passou a ser de interesse dela, reunir a sua volta o
maior número possível de aliados. Para Rondon, consciente da situação pela qual
estava passava a diretora do Museu Nacional e membro do Conselho, era natural
que tomasse medidas que viessem em seu auxílio, aceitando, por exemplo, sua
sugestão para que Roquete Pinto abrisse as comemorações via rádio e
participando da exposição etnográfica que o Museu Nacional estava organizando.
As sugestões de Heloisa Torres abriam a oportunidade de capitalizar para o
Museu Nacional parte daquela comemoração, onde a inclusão dos nomes do CNPI
e do SPI, principalmente de Rondon, marcaria mais claramente o apoio daquelas
agências a sua administração. E a cessão de peças da Seção de Estudos ao
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127
Museu Nacional incrementaria a exposição que ela estava organizando; medida
conveniente visto que a exposição visava colocar à mostra parte do acervo
etnográfico daquela Instituição, alvo das críticas que vinha recebendo.
A posição tomada por Rondon, no entanto, deixou claro que os interesses
pessoais não estavam acima dos interesses de grupo, visto que Rondon alteraria
substancialmente a proposta apresentada por Heloisa Alberto Torres. O seu
encaminhamento para a comemoração da Semana do Índio acabou se tornando
um “erro estratégico” de sua parte. E nos meses subsequentes aos do evento,
quando houve oportunidade, Heloisa Alberto Torres deu sua retribuição à falta de
apoio que recebeu, ao não abrir mão do etnólogo americano Charles Wagley,
como era de interesse do CNPI. A programação levada a efeito para a
comemoração do Dia do índio de 1944 ficou registrada no Relatório Anual nos
termos:
sobre a 1º programação apresentada pela Conselheira D. Heloísa Alberto Torres e depois ligeiramente alterado em alguns pontos nas Sessões subseqüentes.
170
A programação apresentada por Heloisa Alberto Torres não foi
“ligeiramente” alterada por Rondon. Para se ter uma ideia, Rondon, de início,
manteve a data inicialmente por ele sugerida durante a primeira seção do
Conselho, ou seja, de 19 a 26 de abril. Duas outras alterações significativas
ocorreriam: a abertura oficial contou com o seu pronunciamento à nação, via “Hora
do Brasil”, e a cooperação com o Museu Nacional, para a montagem da exposição
etnográfica, não ocorreu. Rondon optou por exibir parte do acervo fotográfico e
etnográfico que a Seção de Estudos vinha reunindo dos povos indígenas do centro
oeste, recolhidos desde as primeiras expedições. Para isso contou com a
cooperação da equipe etnográfica que montou no hall da Associação Brasileira de
Imprensa (ABI) uma exposição etnográfica, ambiente, segundo Rondon,
170
Relatório Anual do CNPI, de 1944. MF. 1C- CNPI, FG. 2041. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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128
que, dando seu efetivo apoio às comemorações, ofereceu os salões de sua magnífica sede, onde igualmente foram realizadas conferências e exibições de assuntos sertanejos.
171
Essa foi a primeira exposição etnográfica montada pela Equipe fora das
dependências do SPI. A respeito desta exposição o mesmo relatório informou:
Exposição fotográfica dos tipos de índios das diferentes tribos existentes nos sertões brasileiros, bem como de artefatos e produtos da sua indústria de guerra e de paz, foi apresentada no salão do 9º andar da ABI, com esmerado senso artístico – Mereceu do público louvores espontâneos.
172
Acompanharam a exibição dos objetos etnográficos, fotos e filmes
elaborados pela Equipe com as imagens capturadas entre os índios Umutina,
Bororo e de outros povos contatados durante a expedição ao Xingu.
As transmissões, programadas para ocorrerem durante os intervalos da
“Hora do Brasil”, tiveram que ser alteradas, obrigando Rondon a fazer um novo
rearranjo. Aqueles horários haviam sido reservados para divulgar a programação
das comemorações do aniversário de Vargas, imprevisto que não se tornou um
obstáculo visto que foi contornado por Rondon que recorreu ao Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP), conseguindo o apoio necessário para a transmissão
do conteúdo da programação da comemoração do Dia do Índio pela Rádio
Educativa, do Ministério da Educação e Saúde.
A fim de reforçar a divulgação da Semana, Rondon mandou imprimir, pela
Imprensa Nacional, dois opúsculos. Um intitulado “Saudação”, texto que
aparentemente tinha como objetivo orientar o público sobre o surgimento do Dia do
Índio, mas que acabou por esclarecer os objetivos do Instituto Indigenista
Interamericano. O segundo intitulado “Semana do Índio”, que além de ter
apresentado o conteúdo da programação, continha sua mensagem à nação.
Ambos foram distribuídos às agências oficiais, federais e estaduais, localizadas em
todo o território nacional.
171
Relatório Anual do CNPI, de 1944. Documento original, p. 55. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 172 Relatório Anual do CNPI, de 1944. Documento original, p. 57. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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129
Rondon também providenciou, para o dia 19 de abril, duas solenidades. A
primeira ocorreu no início do dia, voltada para o público escolar, com uma
homenagem a Cuaugtémoc, líder Asteca, cuja estátua encontra-se localizada no
Aterro do Flamengo, que se tornou herói por ter sido martirizado até a morte pelos
espanhóis após defender seu povo. A homenagem contou com o apoio da
prefeitura, na pessoa do prefeito Henrique Dodsworth, que organizou uma
ornamentação formada com as bandeiras das nações americanas, dispostas junto
à estátua do herói. A outra iniciativa ocorreu com uma sessão solene nas
dependências do Conselho, que foi aberta ao público e contou com a presença de
políticos locais e de pessoas relacionadas ao ciclo pessoal de Rondon. Nesta
solenidade, Rondon, como presidente do Conselho, deu posse ao novo membro do
Conselho e diretor do SPI, José Maria de Paula Machado, como também
aproveitou a ocasião para proferir um discurso homenageando Vargas e o
congratulando por sua data natalícia, enfatizando a coincidência entre elas.173
O conjunto de iniciativas tomadas por Rondon visavam três objetivos
específicos: a) estreitar os laços do CNPI e do SPI com o Instituto Indigenista
Interamericano, no sentido de demonstrar à intenção de ambas as agências em se
173
O dia 19 de abril como aniversário de Vargas e comemoração do dia do Índio era um dado tanto positivo
para “causa” indígena, quanto negativo. Para a primeira auxiliava as agências associarem à figura do índio a do
estadista, cuja imagem fora utilizada por ele como símbolo do nacionalismo; a segunda acabava reduzindo o
“brilho” das comemorações do dia do Índio visto que todo o país estava voltado para os eventos que ocorriam
em torno do aniversário de Vargas; abrindo, informalmente, uma disputa no espaço simbólico no qual a figura
do índio acabava reduzida. Duas medidas foram tomadas por Rondon a fim de manter firme seus objetivos de
que a coincidência das datas não fossem conflitantes. Primeiro procurou organizar as comemorações do Dia do
Índio seguindo o modelo que vinha sendo adotado pelo Estado para as comemorações cívicas, ou seja, ações
que duravam uma semana. Esta estratégia auxiliava as agências a manterem seus nomes na imprensa por um
período mais longo, segundo, a fim de evitar que as comemorações se sobrepujassem, Rondon organizava a
Semana do Índio sempre na semana anterior às comemorações do aniversário de Vargas e a encerrava no dia
exato de seu aniversário, nas dependências do Conselho, onde pronunciava um discurso em que ressaltava as
iniciativas do Estadista voltadas para as populações indígenas. E prestava a sua homenagem a ele, que era
presenciada por convidados ilustres, ou seja, agentes públicos diretamente ligados ao presidente. Não foi
localizado nenhum trabalho que tenha enfocado a institucionalização do Dia do Índio como uma das
estratégias de Vargas voltada para o plano político e social, onde no primeiro a associação de sua imagem a da
dos índios auxiliaria a promoção da imagem do índio a nível nacional, viabilizando a buscada coesão social.
Neste plano, a medida teve mais impacto entre as populações indígenas visto que em todos os Postos e
Inspetorias foi organizado ações voltadas para aquela comemoração, buscando “incutir” entre as populações
indígenas noções de pertencimento à nação. O mesmo não acontecia no plano nacional, pois a comemoração
daquela data ficava “ofuscada” pela comemoração do aniversário de Vargas, impedindo, deste modo, uma
ampla promoção da imagem daqueles povos na sociedade nacional. FERREIRA, Andrey Cordeiro esboçou o
início de uma análise a este respeito que se encontra em sua tese de doutorado: Tutela e resistência indígena, p.
187-191.
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130
ajustarem aos modelos administrativos que estavam em formação no contexto pan-
americano; b) promover a aproximação do governo brasileiro dos objetivos do
governo mexicano, envolvido que estava em promover o Instituto, tendo para isso
enviado várias missões diplomáticas e políticas por todo o continente objetivando
tornar real aquele projeto; c) divulgar os empreendimentos das agências
relacionados à questão indígena.
As comemorações do Dia do Índio tiveram grande repercussão na imprensa
local, o que acabou realçando a imagem das agências indigenistas, e a exposição
etnográfica foi amplamente divulgada pela imprensa local:
Devo igualmente aos dignos colegas do quanto tocou-me a manifestação unânime de todos os jornais desta Capital em comunhão conosco nas solenidades em que empregamos toda a vibração do nosso amor.
174
Os objetos e fotos exibidos serviram como testemunho visual não só da
imagem do “índio”, e da sua variada capacidade de produção – agrícola, pecuária e
manufaturada – mas também dos personagens envolvidos com aquela população.
Isto é, o SPI e CNPI, e, consequentemente, o próprio Estado; representado na
figura do presidente, como agente responsável pela construção, em nível nacional,
da imagem daquelas populações. O conjunto de atividades programadas para a
Semana do Índio acabou imprimindo na Seção de Estudos uma rotina, pois sua
participação, a partir daquele evento, se deu de modo permanente e definitivo.
Visto que estava sob sua responsabilidade, a organização e efetivação daquela
comemoração, o CNPI, na figura de Rondon, passou a funcionar como elemento
de contato entre a Seção de Estudos e as demais agências convidadas a participar
da Semana.
174
Relatório anual do CNPI, de 1944. MF. 1C – CNPI, FG. 2044. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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131
4.3. Arrumando a casa: a organização dos acervos da Seção de Estudos
Em 26 de janeiro de 1945 foi publicado um novo Regimento Interno do SPI,
pelo Decreto Lei número 17.634, e a respeito de sua redação repousava a
esperança dos agentes do SPI e do CNPI da supressão da Seção de Estudos,
conforme havia sido solicitado pelo seu ex-diretor o Cel. Vasconcellos em 1942.
Pedido enfatizado pelo envio, por parte do CNPI, de uma nova proposta de seu
regimento. Contudo, suas sugestões não foram acolhidas, como demonstrou o
Regimento daquela agência, publicado em 1943, restava ainda a oportunidade,
mesmo que parcial, com aquele novo documento.
Deu-se que as modificações sugeridas pelo SPI não ocorreram. A redação
do novo Regimento deixou claro que a Seção de Estudos não só foi mantida como
suas atribuições também não foram alteradas. Quando comparado o novo
Regimento com o anterior, no que tange à Seção de Estudos, não houve sequer
alteração na apresentação de sua redação. As alterações observadas se
restringiram às finalidades do SPI, ou seja, em seu Art. 1º, em especial a alínea ‘m’.
Pelo antigo documento aquela alínea determinava que caberia ao SPI, “proceder
ao estudo e investigação das origens, língua, ritos, tradições, hábitos e costumes
do índio brasileiro, bem como efetuar o levantamento da estatística geral das
populações.”175 Tendo sido alterada para: “efetuar o levantamento da estatística
geral das populações indígenas e dar ao Conselho Nacional de Proteção aos
Índios cooperação no estudo e investigação das origens, ritos, tradições, hábitos,
língua e costumes do índios brasileiro.”176 O Art. 8°, alínea ‘b’ do antigo regimento,
que versava sobre as atribuições da Seção de Estudos, no que se referia à
realização de “estudos e investigação sobre as origens, línguas, ritos, tradições,
hábitos e costumes do índio, promovendo a divulgação dos resultados obtidos,”177
foi mantido e sua manutenção representava a sobreposição de competência entre
175
Artigo 1°, alínea n, do Regimento Interno do SPI, de 1942. MF. 338, FG. 2432. Serviço de Arquivo do
Museu do Índio. 176
Artigo 1º. Alínea m, do Regimento Interno do SPI, de 1954. MF. 1 A- SPI, FG. 4080. Serviço de Arquivo
do Museu do Índio. 177
Artigo 8°, alínea b, do Regimento Interno do SPI, de 1942. MF. 338, FG. 2434. Serviço de Arquivo do
Museu do Índio.
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132
o SPI e o CNPI no que tange a promoção de estudos e investigações sobre as
comunidades indígenas; o que significava que o novo regimento deixava de
resolver um “antigo” problema. A permanência deste dispositivo comprometia,
substancialmente, os trabalhos do CNPI, em duas de suas principais missões, ou
seja, na promoção de estudos etnográficos e no encaminhamento de soluções
para as demandas “mais difíceis” do SPI. Diante da nova realidade, o SPI daria
início ao programa das determinações de seu novo estatuto organizacional,
principalmente aquelas relativas às atividades da Seção de Estudos.
O primeiro passo naquela direção já havia sido dado no final de 1944, com a
contratação de Serpa como chefe da SE, sinalizando sua incorporação ao conjunto
de núcleos administrativos do SPI. Corrobora para a redefinição de suas
atividades, a saída de Schultz,178 que após o incidente ocorrido no inicio de 1945,
foi obrigado a se afastar por motivo de saúde, não mais retornando ao SPI,
deixando a equipe etnográfica acéfala quanto à coordenação de suas atividades,
assumidas pela nova chefia da Seção. Outro indício de que a Seção de Estudos foi
definitivamente incorporada à estrutura do Serviço, foi a substituição da sigla
“Serviço Etnográfico” até então utilizada na documentação administrativa do SPI,
para Seção de Estudos já nos primeiros meses de 1945. Outro indicativo da
mudança pela qual estava passando a Seção de Estudos se refere a suas
atividades. Se até ao final de 1944 elas estavam restritas às expedições
etnográficas e, esporadicamente, à montagem de exposições ou a exibição de
filmes, deixando entrever que a execução de outras atividades se encontrava em
compasso de “espera”, a partir de 1945 a Seção de Estudos dá início a
implantação de procedimentos técnicos até então não observados.
178
Após este acidente, Schultz se desligaria do SPI indo trabalhar como assistente de pesquisa de Hebert
Baldus, no Museu Paulista.
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133
179
Esta mudança esteve relacionada principalmente ao aumento no número de
funcionários da Seção. A contratação de Serpa veio acompanhada de novas
contratações, o que ampliou o quadro funcional, levando-se em consideração a já
existente “equipe etnográfica”. Com a saída de Schultz o grupo que compunha a
Equipe passou a ser chefiado por Serpa, e Velloso ficou incumbido pela orientação,
em campo, dos trabalhos e pelo controle dos laboratórios fotográficos e
cinematográficos. Assim, Serpa assumiu os destinos das expedições, ainda que
em parceria com CNPI, mas as futuras expedições já não seriam completamente
gerenciadas por Rondon, como até então vinha ocorrendo. Serpa como chefe da
Seção de Estudos assumiu parte daquela atividade.
A nova equipe de trabalho, a redefinição das responsabilidades do grupo de
pesquisa etnográfica e as novas atribuições que José Maria de Paula determinou,
via circular, constaram do relatório anual da Seção de Estudos, encaminhado por
Serpa à direção do Serviço, em fevereiro de 1945. O documento informou que a
Seção de Estudos somou a seu antigo quadro de pessoal, quatro novos servidores,
sendo dois auxiliares gerais e dois inspetores que tomaram posse em seis de
179
Foto 42- Reprodução fotográfica retirada do relatório da exumação dos restos mortais de João Barbosa de
Faria, antigo etnólogo da Comissão Rondon, 1946. MF. 2B, FG. 318 - 349. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio.
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134
dezembro de 1944.180 No dia 21 do mesmo mês e ano, foi a vez da equipe
etnográfica se apresentar à chefia da Seção de Estudos que aproveitou a ocasião
para redefinir a posição de cada elemento do grupo, deixando claro que o local
onde se encontrava instalado os laboratórios era um dos núcleos técnicos da
Seção, não representando a mesma.
O aumento do corpo funcional da Seção de Estudos e suas novas
atribuições foi resultado de um trabalho desenvolvido por Serpa no final de 1944.
Com objetivo de conhecer a estrutura do SPI e ter claras as atribuições de cada
uma de suas Seções, Serpa partiu inicialmente para a leitura do regimento interno
do SPI, de 1942, que ainda se encontrava em vigor. A partir desta leitura e de um
conjunto de documentos administrativos por ele consultado, procedeu a
organização de vários gráficos – financeiro, censitários, educacionais, de saúde –,
buscando deixar claro, tanto para si quanto para a diretoria do órgão, a estrutura e
o funcionamento do SPI. Acreditava que com aquela medida e com o auxílio
daquele método as interfaces entre as várias Seções, e destas com a direção do
Serviço, ficavam mais evidentes. Para ele, compreendendo a estrutura do órgão,
estava mais apto para colocar em prática as atribuições da Seção de Estudos e
estruturar um plano de trabalho mais condizente com as suas finalidades:
Creio, pois, ter razoavelmente seguido, com o processo organográfico, o mais adequado dos métodos para os fins a que me propusera, nesta iniciação dos trabalhos de organização da Seção de Estudos.
181
O resultado de sua iniciativa não apenas o auxiliou na definição de ações
para a SE, como acabou por fornecer à diretoria da agência um quadro mais
racional de seu desempenho.
180
Foram eles: como auxiliar de escritório na função de datilografa, Cecília Thereza R. Coelho; auxiliar geral,
Maria Luiza P. Jacobina; inspetores, Alberto Serra e José Braga Filho. Relatório da Seção de Estudos, 1945.
MF. 335, FG. 673. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 181
Relatório da Seção de Estudos, 1945. MF. 335, FG. 664. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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135
Foi a partir das informações geradas pelos gráficos de Serpa, que a direção
do SPI pôde observar com clareza seus maiores problemas e partir para um
planejamento de ações que envolverem a fiscalização de suas Inspetorias e Postos
Indígenas. Serpa fez acompanhar dos gráficos, um conjunto de modelos de fichas,
sugerindo sua adoção pela direção do SPI, para a obtenção de informações,
padronizadas, das seções, Inspetorias e Postos Indígenas. Justificou a
necessidade de implantação daquela medida em favor da melhoria na circulação
de informação entre a direção e suas sucursais. Com aquela iniciativa Serpa
acabou dando início a uma atividade que veio a se tornar motivo de grandes
“indisposições” entre o SPI e o CNPI, ou seja, tornou a Seção de Estudos um
núcleo normativo, dentro do SPI. Os resultados preliminares de sua análise
acabaram conferindo à Seção de Estudos a responsabilidade de fornecer o suporte
técnico necessário às atividades que seriam implantadas pelo SPI, no
equacionamento de seus problemas administrativos.
O levantamento de Serpa além de indicar as oscilações orçamentárias do
SPI, fonte de enormes problemas para o planejamento das atividades de
assistência aos milhares de índios distribuídos no território nacional, principalmente
aqueles que se encontravam "protegidos“ vivendo nos Postos Indígenas, acabou
revelando que a Seção de Estudos, tinha como um dos seus principais problemas
para realizar suas ações:
espaço exíguo, a lotação diminuta, as dificuldades de integração das equipes em virtude da reduzida remuneração tabelada, além das dificuldades naturais por escassez de técnicos ou mesmo autodidatas destes assuntos.
182
Ainda com relação à Seção de Estudos, o resultado das tabulações de
Serpa deixou claro que a iniciativa encaminhada pela direção de SPI, para
promoção do censo indígena sob responsabilidade daquela Seção, era inviável. A
remessa de informações não padronizadas, oriundas dos Postos Indígenas, via
Inspetorias, deixava lacunas de informações valiosas para a execução daquela
182
Relatório da Seção de Estudos, 1945. MF. 335, FG. 666. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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136
medida. Além deste obstáculo administrativo, existiam outros que estavam
relacionados à natureza da organização social dos grupos indígenas, ou seja, a
constante mobilidade sobre o território que eles ocupavam e o difícil acesso a suas
aldeias.
Mesmo constatando tais dificuldades para a implantação de um programa
completo de ação, Serpa dá início a alguns procedimentos técnicos que
impulsionaria tanto a montagem do Museu quanto a reestruturação das atividades
da SE. De imediato organizaria seu protocolo para em seguida recolher para os
“três mostruários existentes nos corredores do SPI”,183 todos os objetos indígenas
que estavam acondicionados em caixotes, no depósito do SPI ou distribuídos,
como os de plumária, decorando a biblioteca da agência. Ainda como
complemento desta medida, Serpa procurou articular o trabalho de restauração de
fotos que vinha sendo realizado pela Equipe com os de recuperação de objetos
danificados, “iniciando assim os mostruários, primeiro delineamento do futuro
museu indígena”.184
A atitude de Serpa ao determinar a retirada dos objetos etnográficos dos
caixotes e das paredes da biblioteca para reuni-los no “depósito”, e os expor nos
“mostruários”, acabou promovendo uma mudança no tratamento dado aquele
conjunto documental, até então não assinalado na documentação do SPI. Sua
atitude possibilitou que o acervo até antão recolhido passasse a posição de
documentos e como tal não cabiam estarem “decorando” paredes ou
“encaixotados”, o que os colocava em risco de degeneração. Sua ação em
recuperar os objetos danificados demonstrou a preocupação com a conservação e,
consequentemente, com a permanência daqueles objetos. Medida que associada
ao registro que procurou promover, apontava a preocupação de Serpa com o
controle daquele material. De fato, com tais medidas, Serpa delineou alguns
procedimentos básicos adotados para objetos museológicos, visto que a junção
“registro”, “guarda” e “conservação” fazem parte do processo de documentação
adotados por instituições museológicas; preocupação até então não manifestada
183
Relatório anual da Seção de Estudos, 1945. MF. 335, FG. 676. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 184
Idem.
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137
no corpo das medidas adotadas pelo SPI, conforme podemos observar no registro
feito por Serpa no Relatório Anual da Seção de Estudos de 1945:
É conhecido, por oficialmente relatado, que o acervo de artefatos indígenas da antiga Comissão Rondon foi, por seu chefe, doado ao Museu Nacional; é dos fatos do SPI ter-se consumido nos porões e mudanças por onde peregrinou o SPI, na sua odisséia por vários ministérios, tudo ou quase tudo do material indígena que já figurava em exposições pretéritas. Procurando relacionar e etiquetar quanto foi arrecadado na sede do SPI não foi com surpresa que esta chefia teve de ceder ainda um certo número de artefatos ao CNPI, que fez questão de provar e incorporar aos seus mostruários aquilo que as listas que seus funcionários traziam a esta SE, afim de não extraviarem artefatos que reclamavam. O que sobrou foi recolhido e etiquetado e consta das relações que serão anexadas as que inumaram os artefatos recentemente trazidos pela Equipe Etnográfica e que se encontram no Estúdio, também a espera de ocasião oportuna para oferecer campo de estudo estritamente etnográfico.
185
As colocações de Serpa a respeito dos objetos etnográficos além de indicar
que o SPI em período pretérito possuía um acervo que foi extraviado no decorrer
dos anos, principalmente entre 1930 a 1939 quando fez parte do Ministério do
Trabalho e da Guerra, também demonstra que até aquela data o acervo que vinha
sendo organizado, principalmente pela Equipe Etnográfica, ainda não havia sido
registrado. A falta de controle dos objetos recolhidos pelo SPI durante seus anos
de funcionamento reforça a hipótese de que não havia por parte de seus agentes
interesse em constituir um espaço, que não os mostruários existentes, para sua
exibição. Mesmo constando no Regimento de 1942 a criação de unidade
museológica, até 1945 ainda não havia sido tomada nenhuma medida concreta
para a sua criação; a não ser o recolhimento de objetos etnográficos, mas sem
controle devido a falta de registro.
A documentação apontou também que os objetos recolhidos pelo SPI, ao
longo dos seus anos de seu funcionamento, foram utilizados como elemento de
intercâmbio por meio de doações ou troca com outras agências ou como meio de
propaganda do Serviço através de montagem de exposições tanto institucional,
185
Relatório da Seção de Estudos, 1945. MF. 339, FG. 998. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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138
quanto organizadas por outras instituições. Nesta última situação, os objetos eram
utilizados sem que a instituição responsável por sua exibição fizesse referência a
qual instituição eles pertenciam. Nesta condição, a mesma documentação informou
que muitos objetos não retornavam ao SPI, que por muitas vezes os solicitavam,
sem, no entanto, terem sucesso em sua iniciativa.
Partindo das palavras de Serpa sobre o destino dado aos objetos
etnográficos recolhidos pela Comissão Rondon é possível proceder a uma
comparação entre eles e os recolhidos pelo SPI, a fim de verificar o porquê da
diferença de tratamento dado a um e a outro. Isto é possível porque o ano em que
as Comissões passaram a encaminhar objetos etnográficos para o Museu Nacional
coincide com o ano de criação do SPI, ou seja, 1910. Ambos os núcleos
recolheram objetos etnográficos concomitantemente e, pelo interesse da Comissão
em recolher elementos daquela natureza, podemos supor que naquele período,
devido ao desenvolvimento científico das ciências naturais e do interesse de
museus etnográficos estrangeiros por elementos enquadrados na categoria de
“naturais”, havia uma preocupação em recolher aquele tipo de material entendidos
como fonte de pesquisa, cujos produtores, acreditavam, que em curto ou médio
prazo desapareceriam ou teriam suas culturas transformadas radicalmente.
Preocupação da qual os diligentes do SPI não se encontravam alheios; até porque
seu primeiro diretor era também o promotor daquelas Comissões.
A diferença no tratamento de ambas as coleções, a princípio, não estava
relacionada ao tipo de atividade desenvolvida por aquelas instituições, já que
ambas eram empresas públicas de prestação de serviço. A Comissão tinha por
finalidade instalar postos telegráficos a fim de promover a comunicação de pontos
longínquos com o centro político, a capital, e o SPI visava à assistência às
populações indígenas a fim de evitar os conflitos sociais. A diferença de tratamento
dado aos objetos por ambas às empresas estava, portanto, no tipo de agente que
os recolhia e no local para onde eram encaminhados.
A Comissão, como informa a historiografia, foi acompanhada por
naturalistas, principalmente oriundos do Museu Nacional, cuja participação naquela
empreitada foi justificada pela oportunidade que a Comissão oferecia, ao palmilhar
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139
áreas até então desconhecidas e habitadas por povos nativos, aos estudos
etnográficos. A infraestrutura montada para a implantação de postos telegráficos se
prestava a acolher agentes interessados em mapear e descrever os produtos
“naturais”, entre eles os índios, cujas informações eram escassas no nosso meio.
Estando a Comissão sediada na capital federal e sendo o Museu Nacional, a única
instituição voltada para o estudo de ciência natural, foram os seus técnicos os
indicados a participarem daquela empreitada. Como não era a finalidade precípua
da Comissão recolher objetos etnográficos, este trabalho foi executado por aqueles
profissionais “especializados” no respectivo assunto. Os objetos por eles recolhidos
eram então encaminhados aquela Instituição e serviam como base para a definição
de identidades sociais, ou seja, os objetos eram a base para os “estudos” e
“pesquisas” que a instituição promovia. Conjunto material que viabilizava sua
classificação como instituição “científica”.
Já os objetos recolhidos pelo SPI em muito se diferenciavam daqueles,
primeiro por que não foram recolhidos por agentes “especializados”; segundo, não
foram encaminhados a uma agência “cientifica”. No ambiente em que foram
inseridos serviam como “mercadoria” que tanto viabilizava a sua detentora a se
relacionar com outras instituições, quanto a auxiliava a divulgar suas ações junto
às comunidades indígenas. Nesta posição não eram vistos como documentos que
devessem ser preservados, pois não funcionavam como fonte para pesquisas,
posição que exigia sua manutenção e permanência. Por não serem interpretados
como “documento” não recebiam registros como também não era encaminhados,
no interior da instituição, para um local que garantisse a sua guarda; o que resultou
no seu extravio e deterioração. Esta perda real ou estrutural ocorrida ao longo dos
anos de funcionamento do SPI deixa claro que para os agentes que atuavam no
SPI o controle e a manutenção dos objetos etnográficos não estava relacionado à
perda cultural. Como produtos acabados, produzidos pelo seu “sujeito de trabalho”,
sua reposição, além de garantida, exigia poucos recursos. À medida que eram
“trocados” ou “perdidos”, eram facilmente substituídos, prática que dispensava a
sua documentação e ações de preservação e manutenção.
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140
As medidas tomadas por Serpa, além de terem interrompido aquele
processo, a partir de iniciativas simples como determinar um espaço para sua
guarda e criar mecanismo para seu controle, acabou lhe proporcionando a
condição de dar início a uma retórica em prol da contração de técnicos
especializados, a curto e médio prazo, para atuarem na Seção de Estudos; a fim
de promoverem a documentação daquele acervo, como lemos: “Há problemas,
senão a maioria deles que imporiam em verdadeiras especializações quer nas
ciências físicas como nas sociais e morais”.186 A contratação de profissionais de
várias especialidades, para Serpa, possibilitaria a montagem de “equipes de
estudos” que atuariam em atividades de cunho científico e técnico, e que, segundo
ele, teria a princípio uma incumbência:
dúplice, embora conjugadas as naturezas das mesmas a finalidades correlatas. Isto, porém de início, porque a se incrementarem as atividades não há como atender a seus fins senão por sucessivos e convenientes desdobramentos.
187
Para tanto sugere a montagem de dez equipes, que seriam divididas
respeitando determinados critérios.
Equipes Responsável
1ª Biblioteca
2 ª Museu e Arquivo
3 ª Estudos etnográficos e cooperação cultural
4 ª Estudos socioeconômicos
5 ª Estudos médicos e educacionais
6 ª Estudos práticos, regionais e etnográficos
7 ª Estudos de terra e econômicos
8 ª Engenharia rural
9 ª Saneamento e assistência médica
10 ª Educação escolar e trabalhos agropecuários
Este quadro ideal jamais foi organizado pelo SPI, mas em médio prazo
algumas daquelas “equipes” acabou sendo montadas após o desenvolvimento de
186
Relatório da Seção de Estudos, 1945. MF. 335, FG. 667. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 187
Idem. FG. 666.
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141
outras atividades, já sedimentadas no SPI, que vinham sendo realizadas pela
Seção de Estudos.
4.4. A Seção de Estudos e a expedição compartilhada
Com a efetivação da Seção de Estudos na estrutura do SPI, impostas pelo
seu novo regimento foram eliminadas, a princípio, as esperanças do CNPI de
transferi-la para o seu âmbito. Mas a inexistência em sua estrutura de um núcleo
com as mesmas características da Seção de Estudos inviabilizava a realização de
um de seus projetos: a conclusão da carta de Mato Grosso, que ainda estava em
curso. Diante da necessidade de concluir a carta e sem infraestrutura
administrativa para gerir aquele empreendimento, que exigia a realização de
expedições de cunho geográfico, era necessário contornar aquele obstáculo, e a
solução encontrada foi recorrer à Seção de Estudos. Como núcleo responsável
pela organização de expedições de estudos e pesquisas, e com verba própria para
executar aquela atividade, era o ambiente certo para o desenvolvimento daquele
projeto. Para tanto foi feito um acordo informal entre as agências que transferiu
para o SPI a responsabilidade de organização de uma expedição geográfica,
planejada no CNPI, para ser executada pela Seção de Estudos.
A Seção de Estudos ficou responsável pela administração financeira da
expedição geográfica, e Rondon por sua logística, já que o efetivo humano que a
compunha era de funcionários pertencentes ao quadro do CNPI. Sobre o assunto
informou o Relatório Anual do CNPI:
(...) essa expedição a qual, depois de pronta, entrou nos quadros do SPI, batizada com o nome de Equipe Geográfica e ficou dependente da Seção de Estudos, tendo partido desta capital a 26 do corrente – Seria injusto não destacar a boa vontade do Diretor do SPI e a dos chefes das Seções respectivas, sobretudo a do chefe da Seção de Estudos. Destaque-se mais ainda, a paciência e tolerância de todos eles para persistirem conosco na consecução de um empreendimento iniciado no CNPI na suposição de lhe ser peculiar e, afinal, concluído no SPI, onde estão as verbas e a capacidade administrativa legal para o empreendimento.
188
188
Relatório anual do CNPI, de 1945. MF. 1C – CNPI, FG. 2449. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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142
O SPI, para ajustar em seus quadros uma empreitada de finalidade
geográfica, procurou organizar uma expedição de estudo que seguiria para a
mesma região da equipe do CNPI. Como a expedição geográfica tinha por
finalidade a conclusão da Carta de Mato Grosso, era necessário que a equipe
etnográfica também desenvolvesse seus trabalhos naquela região; o que
significava retornar mais uma vez ao local onde duas visitas já haviam sido
efetuadas. A medida era inevitável, pois o orçamento de trezentos mil cruzeiros,
destinados às expedições de estudo, seria “equitativamente” dividido entre ambas
as equipes, portanto, a conciliação de roteiro era necessária para justificar uma
empreitada geográfica na estrutura do SPI. Devido a um novo rearranjo informal
entre ambas as agências, o princípio de equitatividade foi abandonado, onde foi
subtraída da “equipe etnográfica” da Seção de Estudos uma parcela daquele
orçamento para cobrir as despesas com o deslocamento da “equipe geográfica” até
a entrada de Goiás, justificada pelo o número de seus integrantes, ou seja, a
expedição geográfica teria o dobro de pessoal da “etnográfica”.
Ambas as equipes partiriam do Rio de Janeiro em agosto de 1945, sendo
que a primeira, batizada de “Equipe Geográfica à Mesopotâmia Araguai-Xingu”, foi
chefiada pelo Gal. José Vieira da Rosa, sob orientação do Gal. Jaguaribe de
Matos, então chefe da Seção de Desenho do CNPI. A equipe etnográfica também
rumou para o rio Xingu, a fim de registrar os grupos indígenas que habitavam junto
a dois de seus afluentes, o Curisevu e Culuene. Esta foi a terceira viagem da
equipe ao Xingu e a primeira a um povo indígena que vinha sendo atraído ao
convívio “social”, os Kuikuro. Velloso foi feito responsável técnico desta expedição,
cujo gerenciamento foi executado por Serpa; marcando assim a saída de Rondon
de cena neste tipo de ação. Dos resultados obtidos nos restringiremos aos
efetuados pela Equipe.189
189
Mesmo que a descrição da expedição geográfica não faça parte da proposta deste trabalho, creio ser
importante colocar o que consta no Relatório Anual do CNPI de 1947: filme 279, fotograma 1199, informou
que todo o material recolhido pelos técnicos do Museu Nacional que dela participaram, compreendendo os
objetos etnográficos e os elementos da flora e fauna da região percorrida, foi encaminhado para aquela
Instituição em agosto de 1946. O que reforça a ideia de que Rondon procurou manter o mesmo tipo de
organização e procedimento adotados para as expedições aos da Comissão Rondon, ou seja, uma equipe
formada por militares e cientistas do Museu Nacional, ficando a cargo dos últimos as pesquisas etnográficas.
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143
Em agosto, Veloso solicitou a Serpa uma verba suplementar para envio de
cinco caixas que somadas dariam uns 250 quilos. Neste carregamento estavam
além dos materiais cine-fotográficos os objetos etnográficos recolhidos pela
expedição entre os índios Bakairi, Kuikuro, Yuwalapiti, Trumai. A expedição, após
uma série de percalços, chegou ao Rio de Janeiro em 21 de dezembro de 1945.
Sobre esta expedição Serpa escreveu em seu relatório anual encaminhado à
diretoria do SPI, em fevereiro de 1946:
Não é demais registrar que esta chefia julga a organização desta equipe, melhor chamada – equipe-cine-foto-etnográfica – como precária, por não participar da mesma um médico, um etnógrafo e um radiotelegrafista, embora os esforços despendidos para aquelas integrações.
190
Suas palavras estavam calcadas em três problemas que a Seção de
Estudos vinha enfrentando: o fraco desempenho da Equipe em suas atribuições
concernentes à pesquisa etnográfica; a educação, e a saúde indígena. Para Serpa,
os dois primeiros envolviam o concurso de um profissional qualificado em etnologia
indígena.
A carência de um profissional com aquele perfil era vista como o principal
motivo do fraco desempenho dos trabalhos da equipe etnográfica e da falta de
resultado na área educativa. Sobre a primeira Serpa informou que a Equipe já
havia feito quatro viagens a “campo”, no entanto os resultados não foram
traduzidos em benefício para o Serviço, ou seja, além de seus registros não terem
sido traduzidos em uma monografia que levasse o timbre do SPI, também não
continha elementos que orientasse os trabalhos assistencialistas do Serviço,
compensando todos os investimentos feitos. Das observações colhidas em campo,
com exceção das de Schultz, que teriam sido consideradas relevantes, mas que só
foram publicadas em 1953, quando ele não fazia mais parte do corpo funcional do
Serviço, as demais viagens ainda não haviam atingido a expectativa desejada.
Em troca desta cooperação o Museu Nacional recebia os produtos tanto etnográficos quanto os de espécimes
naturais. 190
Relatório da Seção de Estudos, 1945, MF. 339, FG. 1008. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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144
A Seção de Estudos vinha buscando atingir aqueles objetivos onde a
carência de um etnólogo integrado à equipe era vista como o principal motivo de
seu retardamento. Esta situação impedia que o SPI restringisse o acesso às áreas
por ele controladas por “técnicos” de outras instituições de pesquisa, como também
inviabilizava desenvolver uma política indigenista calcada nas novas orientações
da Antropologia, e, ainda, dificultava o SPI de estabelecer relações com instituições
de pesquisa, visto que o intercâmbio entre elas era promovido pela troca de
publicações.
Há a levar em conta o escrúpulo com que esta SE pretende publicar os seus trabalhos, que de modo geral, devem ultrapassar os limites da publicidade sensacionalista, como costuma ser quase tudo que se tem publicado sobre índios, nestes últimos tempos de “bandeiras” e “entradas” aventureiras rumo ao oeste. Pensa esta chefia, sem desfalecimento, orientar a publicidade da SE sob duas principais modalidades: científica e de propaganda honesta de fundo educacional. Visa, a primeira, os técnicos e a segunda o público. É que a SE deverá ser mais um ambiente de trabalho cientifico que apenas uma seção burocrática do SPI.
191
A falta de um técnico com aquele perfil também impedia a solução de
problemas administrativos, entre eles o da educação indígena, visto que sua
eficácia resultaria na maior rapidez da integração dos índios no conjunto nacional.
No entendimento de Serpa a solução para ambos os problemas necessitava da
intervenção de um técnico especializado, que dominasse a “realidade indígena”
para identificar a estrutura organizacional de cada povo tutelado pelo SPI, e propor
medidas diferenciadas que seriam adotadas, inclusive, nas várias escolas mantidas
pelo Serviço. Em sua opinião os problemas administrativos, entre eles o educativo,
se avolumavam devido à precariedade de informações utilizadas para a elaboração
das propostas voltadas para as comunidades que o SPI atendia; situação que o
próprio CNPI, como agência responsável pelo estudo e planejamento de tais
medidas, também não realizava. A base de informações para a área educativa do
SPI eram os relatórios organizados pelos chefes das Inspetorias Regionais,
encaminhados à direção do Serviço, que os repassava para a Seção de Estudos.
191
Relatório da Seção de Estudos, 1945, MF. 339, FG. 1001. Serviço de Arquivo do Museu do Índio
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145
Seu conteúdo era precário, pois eram elaborados a partir de observações feitas por
pessoas não qualificadas naquela matéria. Normalmente eram professoras das
escolas, na maioria das vezes esposas dos chefes de posto e que, por falta de
capacitação, não faziam nenhuma reflexão sobre os resultados e os métodos
empregados nas escolas por elas administradas.
A contratação de um etnólogo para compor a equipe da Seção de Estudos
era vista como a solução mais racional tanto para promover o levantamento de
dados fidedignos sobre a situação das escolas mantidas pelo SPI, quanto para
propor medidas administrativas que agilizassem o processo de socialização dos
índios. Um profissional dessa área estaria habilitado, a partir de suas observações
sobre a estrutura do grupo, a emitir sugestões mais eficazes sobre o melhor meio
de conduzir a política indigenista que envolvia a educação indígena – instrumento
eficaz no processo de socialização daqueles povos no conjunto nacional –,
amparado em sua visão integrada sobre aquelas comunidades.
Quanto ao comentário de Serpa, sobre a necessidade de um médico na
composição da equipe etnográfica, estava relacionado a outro problema que devia
ser enfrentado pelo SPI: a saúde indígena. A falta de um serviço de saúde,
formado por médicos e enfermeiros pertencentes aos quadros do SPI, era vista
como o motivo das constantes endemias e epidemias que assolavam os povos
indígenas assistidos pelo Serviço. A inclusão destes profissionais nos quadros do
SPI, em postos permanentes ou em atividades itinerantes, poria fim àquela
situação, motivo de críticas constantes por parte da imprensa e de agentes
envolvidos com a questão. Até aquele momento o SPI vinha contornando a
situação, recorrendo ao quadro de médicos e enfermeiros servidores dos estados
ou dos municípios, que atendiam a população indígena nos Postos Indígenas que
estivessem localizados próximos a suas bases de trabalho. A demora pela
contratação desses profissionais não justificava o investimento que vinha sendo
feito pelo SPI na construção e instalação de enfermarias em seus Postos
Indígenas, que continuavam desprovidas de profissionais que ali atuassem de
modo sistemático. Na opinião de Serpa a falta de médicos e enfermeiros impedia
que a Seção de Estudos elaborasse e implantasse uma política sanitária, como era
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146
sua prerrogativa. Com base nestas questões, Serpa elaborou sua opinião sobre as
pesquisas e a equipe etnográfica.
No mesmo documento, tece comentários sobre os resultados dos trabalhos
realizados pela equipe geográfica. E informa que mesmo passando por
dificuldades semelhantes às da Equipe do SPI, as informações por ela levantadas
foram de mais utilidade para o SPI. O levantamento topográfico que a equipe
geográfica promoveu possibilitou a correção da localização de algumas aldeias
indígenas, de lagoas e do curso de alguns rios. Ressaltou ainda que as
informações colhidas por um de seus “naturalistas” foi de muita serventia para o
Serviço:192
comentando fatos científicos, sugerindo questões técnicas e criticando problemas vários que implicam sempre no assunto das programações da Equipe Geográfica, assim como trazem à Diretoria do SPI e a esta SE informações fidedignas de como se exercitam os serviços do SPI na IR 8.
193
Dados que não constavam nos relatórios encaminhados pelos integrantes
da equipe etnográfica. As observações de Serpa demonstravam que os
investimentos financeiros aplicados nas viagens ao sertão continuavam a não dar o
retorno desejado, ou seja, prover a Seção de Estudos com dados etnográficos que
pudessem orientar o desenvolvimento de um modelo de ação assistencialista
voltado para as populações indígenas, como também fornecer subsídios para
publicações sobre os grupos indígenas atingidos pelas expedições. Serpa
192
Serpa se refere principalmente a dois naturalistas, são eles, o Gal. José Vieira Rosa, naturalista e chefe da
expedição e o oficial da reserva, Oton Xavier de Brito Machado, médico e botânico incumbido de chefiar o
Serviço de História Natural da mesma. Brito Machado durante suas atividades frente à expedição recolheu uma
variedade de dados etnográficos sobre os Karajá: língua, organização social, sistema econômico, aspectos da
navegação, arte, esporte, medicina, conhecimentos de meteorologia e astronomia e principalmente as lendas do
grupo. De posse destes dados elaborou uma monografia sobre aquele grupo que foi entregue ao Cel. Jaguaribe
de Matos, responsável pela organização da expedição, que a anexou ao relatório geral da expedição elaborado
por Rosa, por sua vez foi encaminhado a Rondon. Este documento na visão de Serpa ofereceu a SE
informações mais relevantes que as apresentadas no relatório elaborado pela Equipe. Primeiro porque veio
acompanhado de uma monografia sobre os Karajá, e segundo porque continha comentários, criticas e
sugestões sobre a atuação do SPI. Fato é que a monografia de Brito Machado acabou sendo publicada pelo
CNPI na “Publicação número 107”, como também recebeu o primeiro lugar do Prêmio Ribeiro, outorgado pela
Academia Brasileira de Letras, eventos ocorridos em 1947. Sobre o assunto ver MENDOZA, Carlos Alberto
Casas. Nos olhos do outro, 2005. 193
Relatório da Seção de Estudos, 1945. MF. 339, fg. 1010. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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147
esperava que os relatórios da equipe etnográfica viessem acompanhados de
comentários, críticas e questões que auxiliassem as atividades promovidas pelo
SPI.
A constatação de um fraco desempenho, no entanto, não impediu que a
Equipe colocasse em seu plano de trabalho para o ano de 1946 que as atividades
expedicionárias continuariam ainda voltadas para o registro fotográfico das
benfeitorias e dos trabalhos executados pelos índios nos Postos Indígenas. A
carência de um profissional com conhecimento em etnologia indígena obrigava a
Seção de Estudos a continuar a levantar informações etnográficas a partir dos
relatórios anuais, oriundos dos Postos Indígenas, documento que além de conter
relações numéricas de alunos, de rezas, de produtos agrícolas, de doentes e de
óbitos, muitas vezes vinham acompanhados de descrições da preparação das
roças, das etapas das festas organizadas pela população indígena, da descrição
de mitos, de lista de vocabulários e de atividades de cura empregadas pelos pajés.
A maioria destes relatórios era ilustrada por fotografias “comprobatórias”, tanto dos
trabalhos administrativos, quanto das manifestações culturais indígenas,
capturadas pelos chefes das Inspetorias ou de Posto, que, mais tarde, eram
retiradas destes documentos para comporem o arquivo imagético da Seção de
Estudos. Este conjunto documental além de auxiliar o Serviço em sua política de
difusão de informações sobre as atividades que desenvolvia, também era visto
como a fonte de informação para se traçar, no futuro, a trajetória administrativa do
Serviço.
Intensificação das pesquisas e registro que uma vez organizados forneceram o material próprio do arquivo para a História do SPI e suas atividades, até a atualidade, para o histórico de cada um dos Postos Indígenas e conseqüente conhecimento do comportamento dos índios controlados pelo órgão, o que equivale dizer, a história administrativa dos Postos Indígenas e das realizações, por um lado, e por outro, os aspectos da aculturação dos índios pelo SPI. Além disso daí derivarão registros e arquivamento fáceis de serem compulsados em qualquer consulta sobre qualquer fim.
194
194
Relatório da Seção de Estudos do Serviço, 1945. MF. 339, FG. 1010. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio.
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148
O que assistimos neste momento é que os registros fotográficos e fílmicos
eram vistos como elementos chave para publicidade do órgão e serviam também
como material de apoio para figurar tanto em documentos internos, quanto para
ilustrar pesquisas ou conteúdo didáticos de pesquisadores e professores de outras
instituições, entre elas o próprio CNPI. Em 1945 o Conselho solicitou fotos da
Inspetoria Regional 8, capturadas pela Equipe Etnográfica para integrarem os
álbuns fotográficos que estavam sendo impressos, entendidos pelo Conselho como
um de seus produtos “científicos”. No entendimento de Serpa, somente no futuro
os filmes e fotos seriam utilizados com finalidade científica pelo SPI, mas este tipo
de observação não recaia sobre os objetos etnográficos.
Pelo conteúdo, por mais que os objetos etnográficos configurassem no
conjunto da documentação ao lado dos filmes e das fotos, sua inserção era mais
problemática. A dificuldade em se trabalhar com os objetos etnográficos estava
relacionada à complexidade de informações que eles carregavam. Seu estudo
objetivando a sistematização de informações a seu respeito, exigia o conhecimento
completo da vida indígena, já que eles faziam parte de várias esferas das relações
sociais. Sem esse arcabouço de conhecimento sua inclusão como elemento, tanto
para construir a história do Serviço quanto para futuras pesquisas a seu respeito,
ficava comprometido. A dificuldade de organizar o conhecimento sobre cada objeto
por parte da Seção de Estudos estava relacionada inicialmente a falta de uma
metodologia para a sua captação, seu recolhimento era efetivado por agentes
distintos e pela falta de um técnico especializado em seu tratamento. Quanto ao
primeiro problema, ao contrário das fotos e filmes onde Schultz que criou uma
metodologia para sua promoção, para os objetos etnográficos não foi criado
qualquer manual que orientasse sobre os critérios a serem adotados para a sua
captação, resultando em conjuntos desordenados e não documentados. Associado
a esta falta de critério para a captação estava os vários meios utilizados pelo SPI
para ampliação da coleção etnográfica. Medidas naquela direção eram tomadas
tanto pela Equipe da Seção de Estudos quanto pela diretoria do órgão e pelos
agentes que atuavam na Seção de Orientação e Assistência. Estes dois últimos
modelos de captação eram ainda mais problemáticos visto que eles deixavam um
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149
vazio informacional maior que o aberto pela Equipe, já que os objetos que
chegavam nestas condições vinham desacompanhados de qualquer informação a
seu respeito, muitos não apresentavam sequer o nome do povo que lhe deu
origem.
A mais problemática das captações era aquela promovida pela direção do
Serviço que remetia pedidos de coleta de material etnográfico às sucursais do
órgão, via Boletim Interno. Por este tipo de procedimento as peças remetidas eram
conjuntos desordenados, que não respeitavam nem o critério de etnias como vinha
se orientando a Equipe. A documentação apontou que a maioria dos objetos
remetidos nesta situação chegava à sede sem informação, ou porque seus
remetentes não as colocavam ou porque sua identificação se perdia no translado
que por vezes demorava meses para chegar ao seu destino final.
O segundo modelo de captação ocorria de forma menos direcionada que o
primeiro. Eram conjuntos de peças encaminhados à Seção de Estudos pelos
chefes das duas outras Seções que compunham o Serviço, principalmente pela
Seção de Orientação e Assistência (SOA), cujo chefe em suas inspeções às
Inspetorias e Postos Indígenas recebia objetos etnográficos como “presentes”
dados pelos índios. No cômputo geral eram conjuntos também desordenados, mas
eram encaminhados à Seção de Estudos com indicações das etnias e, às vezes,
com pequenas descrições do seu conteúdo organizado pelo receptor.
![Page 152: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO · significativo de títulos que pude consultar em minha casa. A Rejane Beatriz ... na época então responsável do Serviço](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052517/5c03599609d3f2156d8c75b2/html5/thumbnails/152.jpg)
150
195
O terceiro grupo de peças encaminhadas à Seção de Estudos era
organizado pela Equipe que promovia seu recolhimento junto os povos que
visitava. Este conjunto apresentava informações mais detalhadas e compunham
conjuntos mais orgânicos, mas devido a inexperiência da Equipe, formada
respectivamente por cinegrafistas e fotógrafos, o conteúdo das informações sobre
cada objeto se restringia à etnia, ao nome étnico e, em alguns casos, ao uso que
195
Foto 43: Reprodução fotográfica da lista dos objetos etnográficos recolhidos pelo cinegrafista da Seção de
Estudos Nilo Velloso em 1943, entre os índios Bororo. MF 333, FG. 757. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio.
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151
os índios deles faziam. Somada a falta de conhecimento da Equipe estava a falta
de conhecimento dos servidores destinados pela Seção de Estudos a sistematizar
as informações a respeito daquele conjunto material, que tanto desconheciam os
povos que os produziu, quanto o uso e função dos objetos, consequentemente,
deixando de gerar informações a seu respeito.
Tentando resolver parcialmente este problema, Serpa incumbiu Oto Erneste
Mohn de organizar o material etnográfico. Este servidor foi auxiliar de Schultz
durante suas atividades etnográficas junto aos índios Umutina, tendo sido
transferido da Inspetoria de Cuiabá para trabalhar na Seção de Estudos. A
experiência “etnográfica” de Monh estava baseada nos conhecimentos que
adquiriu com Schultz. Como este não se deteve em documentar amplamente os
objetos etnográficos realizando um registro sumário de cada peça, a “experiência”
de Mohn reproduzia aquele modelo, o que resultou em uma parca informação
sobre o acervo etnográfico. A falta de um profissional com conhecimento em
museologia além de impedir a sistematização do acervo que a Seção de Estudos
vinha organizando, também inviabilizava seu melhor aproveitamento quando
exposto ou como fonte de pesquisa.
Em resumo, as “coleções” que a SE vinha organizando, com exceção
daquelas recolhidas pela Equipe, não respeitavam qualquer critério de seleção e
em todos os casos não eram documentadas a ponto de servirem como fonte de
pesquisa. No caso das fotos e filmes, apesar de as imagens falarem por si só, era
necessário um empreendimento de maior envergadura, pois, para sua inserção nos
meios de comunicação, as imagens capturadas deveriam apresentar boa qualidade
técnica, o que demandava o emprego de bons equipamentos e de conhecimento
especializado para o manuseio dos equipamentos. O mesmo não se aplicava ao
material etnográfico, produto acabado que dependia para a sua obtenção apenas
do escambo, ou seja, trocas, por “brindes”, prática comum adotada pelo SPI.
![Page 154: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO · significativo de títulos que pude consultar em minha casa. A Rejane Beatriz ... na época então responsável do Serviço](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052517/5c03599609d3f2156d8c75b2/html5/thumbnails/154.jpg)
152
196
Dois documentos deste período revelam com mais clareza os meios de
obtenção das coleções. Um “apontamento” sobre a Seção de Estudos, elaborado
por Serpa em setembro de 1945, encaminhado a Adalberto Mário Ribeiro, jornalista
que vinha produzindo reportagens sobre as atividades desenvolvidas pelas
agências do governo, veiculadas na Revista do Serviço Público, Neste documento
Serpa esclarece:
Quanto ao Museu e Arquivo Etnográfico, a SE já iniciou a coleta de artefatos das nove inspetorias de onde vão chegando os artefatos indígenas dos cem postos, pelos quais se irradiam os serviços do SPI, que mais tarde, estudados e sistematizados, constituíram o cabedal de valor inestimável do futuro museu etnográfico do SPI.
197
O segundo documento é um memorando encaminhado por Serpa ao Chefe
da 8° Inspetoria Regional, Cildo Meireles, solicitando artefatos indígenas. Neste
documento Serpa alegava a carência daquele tipo de material por parte da Seção
de Estudos devido às constantes remessas que deles faziam em atendimentos as
solicitações encaminhadas por instituições nacionais e estrangeiras, que viam na
agência o espaço institucional oficial para obtenção de elementos daquela
196
Foto 44 - Fotografia de Nilo Velloso distribuindo presentes entre os índios Guarani Kaiwá. Foto de Harald
Schultz, 1942. Serviço de Registro Audiovisual, SPI01781, do Museu do Índio. 197
Apontamentos sobre a Secção de Estudos, setembro de 1945. FM. 339, FG. 852. Serviço de Arquivo do
Museu do Índio.
![Page 155: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO · significativo de títulos que pude consultar em minha casa. A Rejane Beatriz ... na época então responsável do Serviço](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052517/5c03599609d3f2156d8c75b2/html5/thumbnails/155.jpg)
153
natureza. Tais instituições tinham por objetivo complementar seus acervos ou dar
início a um, visando a criação de instituições museológicas; reforçando o uso que
era dado pelo SPI aos objetos etnográficos como elemento de intercâmbio e
difusor das atividades do SPI. Ainda no mesmo documento encontramos o pedido
de Serpa para localização de possíveis funcionários “que se interessam pelos
estudos etnográficos”,198 o que demonstra com clareza o desejo de Serpa por
conteúdos daquela natureza.
O interesse e incentivo pela localização deste tipo de servidor reforça o fraco
desempenho da equipe etnográfica em registrar aspectos da cultura indígena, e
demonstra o quanto o SPI vinha se esforçando para obter informações etnográficas
sobre os povos que assistia, e para transformar estas informações em publicações,
a fim de “expor, propagar, publicar e recomendar todo o trabalho cultural” que
esses funcionários realizassem.199 O objetivo era manter com estes agentes uma
correspondência mais sistemática, objetivando a troca de informações sobre
alguns assuntos relacionados com aquela matéria. Em contrapartida a SE
remeteria livros e publicações a fim de auxiliar o interessado na execução de sua
atividade, ou seja, promoveria um treinamento a distância.
A dificuldade de reunir o maior número de informações sobre cada objeto
etnográfico acabava, por sua vez, inviabilizando a pesquisa. Situação que se
agravava quando estavam envolvidas pessoas externas ao Serviço, que
desconheciam a diversidade de povos indígenas e o conjunto material por eles
produzido. Devido a esta característica, as peças etnográficas, quando não
serviam como elemento de intercâmbio, eram utilizadas como material de apoio
das imagens ilustrativas das etnias, tanto visitadas pela Equipe quanto atendidas
pelo Serviço. As listagens de objetos produzidas pelos agentes do SPI, quando
muito, apresentavam uma relação das peças acrescida de pequenas descrições
informando a designação étnica, a matéria-prima mais evidente e, em alguns
casos, quem as utilizava. Não constava o nome de quem os confeccionou, os
grupos de idades, local onde o objeto foi coletado, as diversas matérias-primas
198
SE n° 8 - Circular, 3 de setembro de 1945. MF. 335, FG. 762. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 199
Idem. FG. 763.
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154
empregadas, as distintas etapas do processo de fabricação, em que circunstâncias
ou situações eram utilizados, e, tampouco, a descrição mais ampla do contexto
social do qual faziam parte. Tais dados deveriam acompanhar cada um dos objetos
coletados, pois são fundamentais para qualquer pesquisa desse tipo.
A falta de informação de cada objeto recolhido era compreensível no
contexto interno da agência, pois os agentes que estiveram envolvidos com aquela
atividade desconheciam os construtos teóricos e metodológicos da disciplina
etnográfica, no que tange à relação dos objetos com o todo social.
Desconhecimento que acabou impedindo o registro de informações mais
consistentes a respeito de cada objeto etnográfico coletado. De certo modo, o
próprio momento pelo qual passava a disciplina antropológica também em muito
contribuiu para aquela situação, ou seja, naquele momento da história a
antropologia já não via nos objetos um dos principais elementos de investigação.
Para Peirano200 até a década de 1950 a história da disciplina antropológica
ficou marcada pela “alteridade radical”, momento onde se procurou estudar os
povos radicalmente diferentes da sociedade do observador. Devido a esta
formulação, os estudos antropológicos acabaram dando ênfase às analises de
diferentes processos de contato, derivados tanto das frentes de expansão
econômica quanto de projetos de colonização, dando origem aos estudos de
fricção interétnica, que focalizavam o contato com a alteridade. É também o
período onde a disciplina antropológica atingiu uma substancial unidade conceitual
e metodológica e, de modo geral, foi dominada pela antropologia sociocultural;
podendo ser apreendida como uma entidade unitária, cuja caracterização é
possível definir a partir de um conjunto unificado de princípios teóricos e
metodológicos. Esta convergência teórica e metodológica se sobrepôs às
especificidades de cada escola, abrangendo não só a antropologia social britânica,
mas, também, a cultural americana e o então recente estruturalismo francês.
Dentro dos novos paradigmas antropológicos daquele período, o estudo
sobre o “outro” esteve voltado para as discussões sobre as relações sociais e para
200
PEIRANO, Mariza G. S. Antropologia no Brasil (alteridade contextualizada), p 226.
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155
os significados destas relações. Gonçalves201 colocou que nesta circunstância os
objetos de cultura material passam a ter valor como meio de demarcação de
identidades e de posição social, deixando de serem relevantes como elementos
necessários às práticas universais, ou como indicadoras de processos evolutivos e
de difusão.
Se no campo antropológico os objetos foram colocados em segundo plano
por questões conjunturais da disciplina, quase o oposto estava ocorrendo no
campo da memória e do patrimônio, em que os elementos materiais, categoria
onde os objetos encontram-se incluídos, assumiram importância expressiva. No
Brasil da década de 1930 e 1940, os objetos que traziam algum ou todo um
simbolismo nacional, ganharam relevo.
É precisamente a partir do ano de 1931, com a criação do Ministério da
Educação e Saúde, que começou o primeiro movimento de valorização dos objetos
musicológicos. Francisco Campos, então o primeiro ministro daquele Ministério,
promoveu ainda naquele ano uma reforma educativa que viabilizou, no ano
seguinte, a implantação do Curso de Museus no interior do Museu Histórico
Nacional. A implantação deste curso já sinalizava a preocupação do Estado com a
preservação de objetos depositados nos museus e em especial no Museu Histórico
Nacional, então referencia para os museus brasileiros.202 No ano seguinte foi
criado, no âmbito do reestruturado Ministério da Agricultura, o Conselho de
Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil, que segundo
Grupioni203 tinha dois objetivos: organizar a circulação de expedições científicas
tanto nacionais quanto estrangeiras no território brasileiro; e disciplinar a saída de
bens culturais constituídos de objetos etnográficos e elementos da fauna e flora
brasileira.
A criação destes dois núcleos estava relacionada a uma discussão mais
ampla que vinha sendo travada pela intelectualidade brasileira, onde inúmeros
profissionais com posição ideológica distinta buscavam criar uma identidade para o
201
GONÇALVES, José Reginaldo dos Santos. Antropologia dos objetos, p. 19 202
A respeito da conservação do ideário de 1922, que orientou a criação do Museu Histórico Nacional ver
ABREU, Regina. A fabricação do imortal. p. 161. 203
GRUPIONI, Luis Donisete Benzi. Coleções e expedições vigiadas, p. 45.
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país. Nesta busca, trabalhavam para definir, classificar e elaborar instrumentos
jurídicos, critérios e normas para a preservação dos lugares e coisas que
constituíssem a imagem do país.204 Hobsbawm205 apresenta a busca pela
construção de uma identidade nacional como uma característica de governos
nacionalistas implantados na Europa; como ocorreu na França e na Alemanha no
século XIX. Esta característica esteve presente no governo Vargas, cuja
formulação era indispensável a sua legitimação para implantação de uma nova
ordem social.
O mesmo autor colocou ainda que as práticas de conservação dos
chamados patrimônios culturais tornaram-se, nas modernas sociedades, a
representação simbólica da identidade, da memória e da nação. Para constituí-la e
preservá-la era necessário conservar, fiscalizar e valorizar elementos culturais
concretos. Neste “espírito” foi criado, em 1937, o Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (SPHAN), no âmbito do Ministério da Educação e Saúde, onde o
projeto de preservação do patrimônio cultural brasileiro se solidificou. Mas sua
criação não significou que o patrimônio cultural de todos os seguimentos sociais
fosse representado, como era a intenção de seu idealizador, Mário de Andrade.
Alguns segmentos ficaram sem espaço nitidamente definido para ser exibido à
massa populacional, como era o objetivo da vanguarda modernista responsável
pelo movimento em favor da preservação do patrimônio nacional.
A presença maciça de agentes caracterizados como pertencentes à
vanguarda modernista, vem sendo apontada como a principal corrente ideológica
para a formulação de uma política de patrimônio no Brasil. Mas a historiografia
aponta que agentes que não faziam parte daquele grupo, mesmo ligados a uma
ideologia mais conservadora, também a eles se alinharam, devido a seus
interesses pessoais ou pela posição que ocupavam na estrutura pública. Gustavo
Barroso e Heloisa Alberto Torres são exemplos destes agentes, cuja trajetória
profissional ficou marcada pela preocupação com a política de preservação de
204
CHAGAS, Mário de S.; SEPÚVEDA, Mirian. A vida social e política dos objetos de um museu, p. 202. 205
HOBSBAWM, Eric. Inventando as tradições, p. 15.
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bens culturais.206 Devido a sua associação com a temática indígena e sua
participação, em 1936, na condição de vice-diretora do Museu Nacional, como
membro nato do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, antes de sua criação oficial, Heloisa Alberto Torres se encontra mais
relacionada ao tema deste trabalho.
A presença dela no Conselho Consultivo do SPHAN, segundo Ribeiro,207
estava associada às atividades que desempenhava no Museu Nacional, tanto na
definição de normas de proteção aos bens arqueológicos e etnográficos nacionais,
quanto na captação de novos acervos para aquela instituição. No período que
antecedeu à criação do SPHAN, o projeto de burocratização do patrimônio,
apresentado por Mário de Andrade, continha a ideia de retirar do Museu Nacional
dois de seus departamentos, o de arqueologia e o de etnologia. A sugestão era de,
a partir deles, criar dois museus: um arqueológico e etnográfico e outro de História
Natural. A retirada daqueles departamentos do âmbito do Museu Nacional além de
significar a retirada das coleções, também representava a perda de uma posição
política importante para a instituição. Dentro da concepção de cultura e arte de
Mário de Andrade as coleções tinham uma função social, e aquelas do Museu
Nacional não cumpriam este objetivo, pois eram entendidas como científicas, o que
as afastava de um grande público.
Castro Faria em 1993 reuniu em uma edição algumas de suas palestras e
conferência, entre elas a conferência proferida em 1982, preparada para a
comemoração do 100º aniversário da Exposição Antropológica Brasileira. Neste
artigo fez uma retrospectiva das exposições nacionais das quais o Museu Nacional
participou, informando que aquele museu não tinha como objetivo ser um espaço
de memória, e sim um produtor de memória, “gerador de saber e não almoxarifado
de relíquias”.208 Ou seja, diferente dos museus históricos e de arte que
sacralizavam os objetos, o Museu Nacional não tinha este objetivo, o que em parte
206
Sobre Gustavo Barroso ver: CHAGAS, Mário de Souza. Imaginação museal, 2003; SEPÚLVEDA,
Myrian dos Santos. A escrita do passado em museus históricos, 2006; ABREU, Regina. A fabricação do
imortal, 1996. Sobre Heloisa Alberto Torres ver: CORRÊIA, Mariza. Antropólogas e Antropologia, 2003;
RIBEIRO, Adelia Maria Miglievich. Heloisa Alberto Torres e Marina São Paulo de Vasconcellos, 2000. 207
RIBEIRO, Adélia Maria Miglievich. Heloisa Alberto Torres e Marina São Paulo de Vasconcellos, p. 111.
RUBINO, Silvana. Clubes de pesquisadores, p. 501. 208
CASTRO FARIA, Luis de. A antropologia no Brasil, p. 77.
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esclarece o esforço de Mário de Andrade em retirar do Museu Nacional suas
coleções de etnologia e criar, com elas, um espaço destinado a exaltação dos
objetos etnográficos e arqueológicos, com ênfase na força estética daqueles
elementos, qualidades que o Museu Nacional não explorava devido ao seu perfil de
instituição de ensino e pesquisa. O tipo de exibição praticada pelo Museu Nacional,
por não “sacralizar” os objetos, era, na visão de Mário de Andrade, o motivo do
pouco envolvimento da massa populacional com aqueles elementos. O
“envolvimento” com os objetos era tido por ele como meio para melhor assimilar a
cultura nacional, entre ela a indígena, a fim de com elas o público se identificar.
A proposta de Mário de Andrade não encontrou respaldo junto aos
pesquisadores do Museu Nacional, traduzido na posição assumida por Heloisa
Alberto Torres que defendeu a permanecia daqueles departamentos no Museu
Nacional. Ela valeu-se, sobretudo, do momento pelo qual passavam os estudos
etnográficos, para argumentar que a transferência daqueles departamentos
representaria um prejuízo para a disciplina antropológica. Colocou ainda que o
Museu Nacional dispunha de recurso material e humano que garantia o tratamento,
classificação e conservação daqueles objetos. Fatos que não foram refutados por
Rodrigo Melo Franco, então diretor do SPHAN.209 A ênfase dada aos estudos
etnográficos, defendida por Heloisa Alberto Torres, associada tanto ao
encaminhamento de coleções confiscadas pelo Conselho de Fiscalização,210
quanto ao financiamento que o Museu Nacional recebeu do SPHAN em 1940 para
obras de infraestrutura, nos leva a supor que dentro da política de preservação do
patrimônio das populações indígenas teria sido o Museu Nacional eleito para ser o
palco de sua exibição. Mas sua posição como espaço para produção científica
comprometia a imagem do índio como produtor de arte, contribuição que estava
menos calcada na vida real indígena. Mantido dentro da esfera organizada pelo
Museu Nacional, o índio estava fadado a ser visto como sujeito de investigação.
Partindo do pressuposto que teria sido o Museu Nacional o eleito como
palco para a exibição do lugar do índio na cultura brasileira, mas mantido como
209
Sobre o assunto ver: RIBEIRO, Adélia Maria Milglievich. Heloisa Alberto Torres e Marina São Paulo de
Vasconcelos. p. 109 – 118.; RUBINO, Silvana. Clubes de pesquisadores, pp. 500-3. 210
GRUPIONI, Luis Donisete Benzi. Coleções e expedições vigiadas. p. 65.
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sujeito de investigação, e tendo sido a Seção de Estudos criada em um momento
posterior, não é de se estranhar que os agentes do SPI e do CNPI não vissem
naquela unidade o local por excelência para o arquivamento da memória dos povos
indígenas, como produtores de uma cultura singular refletida na sua produção
material. Além disso, para os agentes, o Estado já havia estabelecido o local para a
exibição da produção cultural daqueles povos.
Esta assertiva se baseia em dois fatos. O modelo adotado pela Expedição
Geográfica, organizada pelas agências em 1944, seguiu os moldes das extintas
expedições da Comissão Rondon. Ou seja, formada com a participação de
naturalistas do Museu Nacional e cujos produtos materiais por ela recolhidos –
objetos etnográficos e elementos da fauna e flora – foram encaminhados para
aquela instituição. Isto apesar de estar ciente tanto a Equipe do SPI quanto a do
CNPI, da necessidade de criação de uma instituição museológica no âmbito do
SPI. Era, portanto, necessário o recolhimento de material etnográfico. Além disto, a
documentação aponta que o museu que se pretendia criar, no âmbito de ambas as
agências, era um museu cuja memória a ser construída era da instituição onde os
objetos compareceriam ilustrando a abrangência de sua atuação. Ou seja, o índio
era um elemento subjacente, matéria-prima das ações das agências. Soma-se a
estes fatos, o direcionamento dos esforços dos agentes do SPI na montagem e
preservação do arquivo textual e imagético organizado, ao logo dos anos, com
informações e imagens das ações praticadas pelo Serviço, vistos como a principal
fonte de estudo da atuação daquele órgão.
A fonte principal de estudos, é porém os arquivos do SPI, principalmente nos relatórios dos funcionários, onde se registram não só as atividades como os planos de trabalho decorrentes das necessidades supervenientes.
211
As imagens e textos registravam com fidelidade os esforços que vinham
sendo feitos, ao logo dos anos, para integrar os povos indígenas no conjunto da
população, já os objetos etnográficos apontavam direção oposta. A permanência
211
Apontamentos sobre a Seção de Estudos. FM. 339, FG. 850. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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160
da morfologia dos itens de cultura material era a prova irrefutável de que todos os
esforços ainda não haviam sido alcançados, frustrando os resultados esperado. Os
objetos eram concretamente elementos da diferença, e, em certa medida,
ilustravam a resistência, colocando sobsuspeita a eficácia das ações até então
aplicadas e contrariando o discurso institucional que insistia em apresentar o índio
como “ícone” da pureza ou como “integrado” no conjunto da nação. Neste contexto
os objetos eram signos que ainda não haviam encontrado o seu espaço na
instituição, já que eles remetiam para uma imagem do índio real, que incomodava a
homogeneidade da nação; insistindo em se manter inassimilável. Esta realidade
mantinha a coleção etnográfica da Seção de Estudos como meio de intercâmbio e
de difusão da Agência, através de exposições.
Como no exemplo do acordo informal entre o SPI e o CNPI, em 1945, que
incumbiu à Seção de Estudos a responsabilidade pela organização das
comemorações do Dia do Índio.
Em virtude de termos assumido a chefia da Secção de Estudos, do Serviço de Proteção aos Índios, e por entendimentos, de que fomos parte, havidos entre os diretores do SPI e do Conselho Nacional de Proteção aos Índios, fomos designados para organizar o programa das comemorações do Dia do Índio – 19 de Abril de 1945. Seria a 2º Semana do Índio a ser comemorada, no Brasil, e, a fim de firmar-se tradição, desde logo ficamos incumbidos de planejar o programa e com ele interessar o CNPI, na pessoa de seu muito ilustre Presidente, General Cândido da Silva Rondon.
212
Para tanto foi montada uma exposição etnográfica que teve lugar no hall do
9º andar da Associação Brasileira de Imprensa. Contou com três fileiras de
mostruários que exibiam objetos coletados durante a expedição etnográfica ao
Xingu, realizada em 1944. Havia ainda exibição de fotos e projeções de filmes,
além de um grupo de objetos remetidos pela Inspetoria Regional 6, que também
atendia índios daquela região.213 Sua exibição, com base no relatório de Serpa,
deixa entrever que foi destinada ao grande público, ao contrário das conferências,
voltadas para um grupo mais seleto, ou seja, formado por “cientistas”. Serpa 212
Semana do Índio em 1945 - Relatório das Comemorações. MF. 339, FG. 895. Serviço de Arquivo do
Museu do Índio. 213
Ofício nº 153. MF. 339, FG. 981. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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161
justificou a não inclusão da amostra etnográfica no conjunto da programação
“científica” por causa da carência de informações de cada objeto, expressando:
Para as conferências convidaríamos as instituições culturais do Rio de Janeiro, como fizemos e vem relatado nos anexos deste relatório; os filmes cinematográficos seriam os que o Conselho Nacional de Proteção aos Índios conservam, do acervo da Comissão Rondon, além do colhido pela Equipe Cinefoto-etnográfica, que percorreu um dos sub-afluentes do Rio Xingu, e que acabara de regressar ao Rio. Para a exposição etnográfica, resolvemos aproveitar todo o material trazido do Xingu, pela Equipe, dispondo-o, quando possível, de modo acessível ao publico, uma vez que a escassez de tempo e a natureza técnica do estudo etnográfico não permitiu uma amostra de estudos e apreciações científicas desse mesmo material.
214
O tipo de público para qual foi destinado a exibição de material etnográfico
reforça a assertiva que aquele conjunto documental ainda não havia sido
devidamente documentado. E a consequências mais imediatas desta carência era
evidenciada no momento em que eram expostos, obrigando os agentes da SE a
exibi-los para grupos com menos conhecimento etnográfico. Soma-se a este fato, a
necessidade que o SPI e o CNPI tinham de explorar politicamente aquelas
ocasiões. E o acervo etnográfico era o que melhor se prestava aquele objetivo,
pois as peças funcionavam como um “chamariz”, por despertarem interesse na
massa populacional, auxiliando a aproximação das pessoas comuns das atividades
que eram desenvolvidas pelas agências indigenistas. Ainda dentro deste “espírito”
de ganhos políticos, a exibição de peças etnográficas possibilitava a inclusão de
outros tipos de objetos no conjunto da exposição. Ao final das “três fileiras de
mostruários”,215 decorados com corbelhas de flores, foram expostos óleos
representando ministros de Estado, Rondon e Vargas. Era a oportunidade de
associar àquelas figuras a política indigenista do Estado.
214
Semana do Índio em 1945 - Relatório das Comemorações. FM. 339, FG. 896. Serviço de Arquivo do
Museu do Índio 215
Foto 45 - Exposição etnográfica organizada para a comemoração da “Semana do Índio” de 1945 - Relatório
das Comemorações. MF. 339, FG. 902. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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162
216
216
Foto 45 - Exposição etnográfica organizada para a comemoração da “Semana do Índio” de 1945 - Relatório
das Comemorações. MF. 339, FG. 902. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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163
217
Mesmo que Serpa não tenha sinalizado com suas palavras o quanto aqueles
objetos despertaram o interesse do grande público, fica claro, que, devido ao alvo
para o qual foi destinado, eram eles os elementos que mais atraiam a atenção
dentro do conjunto dos eventos organizados pelas agências. Isto nos leva a supor
o quão apelativos eram aqueles itens, e evidencia a falta de espaço de exibição no
meio social que explorasse a estética daqueles elementos, reforçando a suspeita
que o Museu Nacional – como única instituição do gênero na capital federal – com
suas lições de etnologia, não atraia a massa para as suas exposições etnográficas.
Além disto, o conjunto de objetos pertencentes à Seção de Estudos eram itens
recolhidos pela Equipe que vinham sendo explorados visualmente.
Ainda sobre o Dia do Índio de 1945, observamos poucas mudanças quando
comparado à comemoração do ano anterior. Como em 1944, o Dia do Índio foi 217
Foto 46 - Exposição etnográfica organizada para a comemoração da “Semana do Índio” de 1945 - Relatório
das Comemorações. MF. 339, FG. 902. Serviço de Arquivo do Museu do Índio
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164
transformado em Semana do Índio e, além de contar com a exposição etnográfica,
as comemorações contaram também com exibições de filmes acompanhados de
conferências. Neste último aspecto é importante ressaltar a presença de Marina
Vasconcelos como representante de Arthur Ramos,218 que proferiu a palestra “Os
estudos indinológicos”, única transmitida pela rádio educativa. Sua presença na
comemoração do Dia do Índio foi significativa, pois marcou o interesse recíproco
entre as agências e as instituições que Arthur Ramos representava. Até porque os
interlocutores acadêmicos, com os quais o SPI e o CNPI vinham mantendo
contatos sistemáticos eram os do Museu Nacional, representado, respectivamente,
por sua diretora, Heloisa Alberto Torres, e um de seus pesquisadores, Roquete
Pinto. Marina Vasconcellos, como assistente de Arthur Ramos na disciplina de
Antropologia e Etnografia na Faculdade Nacional de Filosofia, e secretária geral da
Associação Brasileira de Antropologia e Etnologia, ocupava uma posição relevante
no cenário antropológico da época. Merece também destaque naquela
218
A importância que o Museu Nacional tinha no cenário cultural da capital da Repúblic,a somada a relação
que Rondon travou com a instituição desde 1910, até aquela data, justificava o grau de envolvimento entre ele
e as agências indigenistas. Relação que ficou claramente expressa na redação dos Regimentos Internos do
CNPI e do SPI. Reforçada pela presença de Heloisa Alberto Torres e Roquete Pinto, então pesquisadores
daquela Instituição como membros do Conselho, sendo que Heloisa Alberto Torres como diretora do Museu
Nacional possuía assento permanente no Conselho, conforme determinava o Regimento. Esta conjuntura fazia
com que o Museu Nacional fosse a única agência científica a manter relações com as agências indigenistas.
Durante a década de 1930 começaram a ser criadas as faculdades destinadas ao ensino de Ciências Sociais, em
São Paulo e no Rio de Janeiro, o que acabou gerando um deslocamento progressivo do ensino de antropologia,
até então a cargo do Museu de História Natural. Em 1939 foi criada, na capital federal, a Faculdade Nacional
de Filosofia (FNFI), cujo resultado para o Museu Nacional foi além de sua perda de hegemonia nos ensino da
etnologia e etnografia indígena, afetando também seu prestígio político. Esta situação acabou gerando o início
de uma disputa, não declarada, entre o Museu e aquela instituição, travada, principalmente, entre Heloisa
Alberto Torres e Arthur Ramos, então catedrático da disciplina de Antropologia e Etnografia daquele centro.
Somou-se a esta situação o fechamento do Museu Nacional, em 1941, para obras de infraestrutura do prédio, o
que acarretou a interrupção das visitações públicas. Situação que se estendeu até 1947, o que representou sua
saída do cenário cultural. O convite a Arthur Ramos para participar das comemorações do Dia do Índio,
organizado pelas agências indigenistas, demonstrou que elas estavam atentas às mudanças que vinham
ocorrendo no cenário cultural, e preocupadas em se manterem próximas as novas agências e agentes
envolvidos com as questões sociais, que incluía a indígena. Arthur Ramos era um prestigiado cientista social,
devidamente reconhecido pelos trabalhos que vinha desenvolvendo, e não podendo comparecer ao evento
organizado pelas agências, procurou marcar sua presença encaminhando, como sua representante, Marina de
Vasconcellos, cuja palestra foi a única transmitida pela rádio educativa. A presença de Marina de Vasconcellos
sinaliza o interesse de Arthur Ramos em ocupar um espaço dentro das agências indigenista e também o das
agencias em quebrar o monopólio com o Museu Nacional. Sobre Arthur Ramos ver: CORREIA, Mariza.
Antropólogas e Antropologia, 2003; RIBEIRO, Adélia Maria Miglievich. Heloisa Alberto Torres e Marina
São Paulo de Vasconcellos, 2000. Sobre o convite a Artur Ramos ver: MF. 339, FG. 972. Serviço de Arquivo
do Museu do Índio.
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165
comemoração a quantidade de Serviços governamentais e privados219 que foram
convidados para participarem dos eventos e contribuírem para sua divulgação.
A transferência da organização das comemorações do Dia do Índio para a
Seção de Estudos, além de ter possibilitado o aumento de recursos financeiros e
humanos, também desonerou o CNPI, principalmente Rondon, para desprender
mais tempo e esforços nos contato pessoal com as instituições convidadas.
Rondon, em companhia de Serpa, visitou inúmeras instituições e encaminhou
ofícios solicitando préstimos. Da lista, gostaria de destacar, além da Sociedade
Brasileira de Antropologia e Etnologia, e da Faculdade de Filosofia, representados
por Marina de Vasconcellos, o ofício encaminhado à Associação Paulista de
Imprensa, endereçado a seu diretor Willy Aureli,220 pedindo a divulgação do evento
na cidade de São Paulo. Medida que sinalizava o empenho das agências em
promover suas atividades fora do âmbito da capital federal, com objetivo de
aumentar o seu raio de publicidade.
É com prazer que comunico a V. Excia. estar esta Associação disposta a colaborar para o maior brilho das comemorações desta data, aguardando o envio de comunicações a respeito, comunicações essas que serão distribuídas e encaminhadas a todos os jornais desta capital.
221
Ainda como meio de aumentar a publicidade do Serviço, Serpa produziu um
artigo significativo onde procurou dar visibilidade aos trabalhos etnográficos que o
219
Das entidades convidadas, e que contribuíram para a Semana do Índio, estiveram: Serviço de
Documentação do Ministério da Agricultura, Associação Paulista de Imprensa, Escola de Estado Maior,
Colégio Pedro II, Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia, Serviço de Conclusão da Carta de Mato
Grosso, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Instituto Brasileiro de História da Arte, Departamento
de Administração do Serviço Público, Associação Brasileira de Imprensa, Academia Carioca de Letras,
Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro e Casa da Moeda. MF. 339, FG. 961 à 976. Serviço de Arquivo do
Museu do Índio. 220
Willy Aureli foi jornalista da Folha da Noite, Rio de Janeiro e o fundador da Bandeira Piratininga,
empreendimento que organizou motivado pelo plano econômico-político “Marcha para o oeste”. Como
expedicionário explorou os rios da região do Araguaia, atividade que lhe aproximou das agências indigenistas.
Desta aproximação resultaram alguns de seus trabalhos desenvolvidos para aquelas agências. Para o CNPI
Aureli executou desenhos sobre os Karajá, para constarem no livro de Othon Xavier de Brito Machado,
integrante da Expedição Geográfica à Mesopotâmia Araguaia-Xingu, organizada em 1945 e para o SPI
auxiliou Nilo Veloso em 1947, no documentário sobre Rondon, denominado Mimoso. Sobre o assunto ver:
MENDOZA, Carlos Alberto C. Nos olhos do outro. 2005. 221
Carta de Eduardo Pellegrini, presidente da Associação Paulista de Imprensa, ao General Rondon datada de
26 de março de 1945. MF. 339, FG. 975. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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166
Serviço vinha desenvolvendo por meio da Seção de Estudos, transformando os
registros cinematográficos e fotográficos em documentos científicos. O texto
intitulado “Os postos indígenas do SPI” pode ser visto como um passo neste
sentido, visto que nele Serpa procurou justificar a importância de se registrar as
atividades tanto administrativas quanto cotidianas que ocorriam Nos núcleos
Indígenas organizados pelo SPI, conforme lemos no trecho a seguir:
Esse contato sob o ângulo de visão científica, deve ser examinado especialmente, porque é nele, justamente, que se desenvolverão todas as fazes desse processo complexo, e extremamente árduo, que constitui um dos mais interessantes capítulos da moderna Sociologia Antropológica. É no Posto Indígena que se iniciam os problemas das concorrências, das competições, dos conflitos, das acomodações, e, por fim, se inicia a preparação para a assimilação para a miscigenação e para interculturação , com todas as suas imprevisíveis resultantes. Toda essa terminologia deve ser entendida como fazendo parte do vocabulário técnico moderno das pesquisas de Antropologia-Socio-Cultural.
222
Evocando termos utilizados na época, dando importância às atividades que
eram desenvolvidas nos Postos Indígenas, Serpa no decorrer do texto vai
transformando os registros imagéticos, e apontamentos organizados pela Seção de
Estudos, em trabalhos de cunho científico, deixando claro para o leitor, que a
organização de seus conteúdos estava em andamento. Esta iniciativa de Serpa
reforçava o discurso do Serviço no que tangia ao desenvolvimento de pesquisas
científicas, cujo início deu-se em 1941 com a criação do “Serviço Etnográfico”.
Daquele ano, até 1945, os discursos proferidos pelos agentes do SPI visavam dar
legitimidade ao acervo imagético como elementos científicos. Mas a insistência do
SPI em registrar suas atividades administrativas e a falta de entendimento sobre o
que era “conteúdo etnográfico” pelos técnicos que formavam a Equipe, impedia
que o material fosse incluído dentro daquela modalidade. Registrar instalações
físicas, lavouras e pecuária, por meio de fotos e filmes, esvaziava o conteúdo
daquelas imagens, principalmente, aos olhos de indivíduos e instituições que se
encontravam envolvidos com a questão indígena e com a disciplina antropológica.
222
Os postos indígenas do SPI. MF. 380, FG. 919. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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167
Mesmo utilizando para registro o trabalho “de campo”, modalidade
valorizada naquele período, considerada o meio mais eficaz para a produção de
conteúdos etnográficos, os resultados das pesquisas desenvolvidos pela Equipe
ainda não tinham sido traduzidos em monografias. Não bastava “ir a campo”,
desacompanhado de uma metodologia e conhecimento teórico sobre minorias
étnicas, ferramentas essenciais para o entendimento do sistema sociocultural
daquelas populações. No entendimento de Serpa, mesmo que a Equipe não
dominasse a metodologia antropológica e não possuísse conhecimento teórico
sobre a mesma, o trabalho que desenvolviam, em certa medida, exibia com
fidelidade as preocupações que rondavam os estudos etnográficos daquele
período, ou seja, as relações de contato.
Castro Faria223 informou que a criação, em 1939, da Faculdade Nacional de
Filosofia, no Distrito federal, foi acompanhada da reorganização de todas as suas
disciplinas. Medida que gerou a sua reprodução por todos os estabelecimentos de
ensino superior de Ciências Sociais distribuídos no território nacional, onde um
padrão único de ensino foi estabelecido a partir de 1940. A organização implantada
pelo Estado para aqueles cursos adotou como base de conhecimento principal a
Geografia e a História, ficando as disciplinas de Antropologia, Sociologia e
Etnografia em plano secundário. Castro Faria argumentou que esta medida esteve
relacionada à hegemonia que a Geografia havia alcançado durante o Estado Novo,
desfrutando de prestigio acadêmico, como forma privilegiada de conhecimento,
visto que era usada como elemento de dominação. Levando em consideração a
argumentação de Castro Faria é possível deduzir a associação entre Geografia e
Antropologia. Estando a prática antropológica ancorada no espaço, locais onde as
manifestações socioculturais se davam, com o mapeamento do terreno promovido
pela Geografia, os grupos e comunidades por ela localizados acabavam se
tornando “sujeitos de estudo” da antropologia. Esta prerrogativa lançada pelo curso
de Ciências Sociais foi para Castro Faria, o motivo da ênfase dada aos estudos de
comunidade, em voga na década de 1940.
223
CASTRO FARIA, Luis de. A Antropologia no Brasil, p. 8.
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168
Entre as comunidades que foram objeto de observação estavam as
indígenas. À medida que as Instituições universitárias organizavam seus cursos,
dando início a uma série de pesquisas, e tendo como base metodológica a
“pesquisa de campo”, a atenção dos novos cientistas sociais voltou-se para as
populações indígenas. Afinal eram muitas, distribuídas por todo o território
nacional, e seu conhecimento, grosso modo, até aquele momento era fruto de
descrições organizadas por “exploradores” estrangeiros ou “sertanistas” como
Rondon, cuja metodologia de coleta de informação já estava superada. Esta
situação, associada ao discurso vigente na época, que dava como certo o
desaparecimento das populações indígenas, como resultado de doenças
endógenas ou por sua assimilação à sociedade nacional, acabou reforçando a
escolha daquelas populações com “sujeito de estudo”.
Diante de tal prerrogativa, e do grande número de povos cujo registro do seu
conjunto cultural ainda não havia sido feito, tornou-se imprescindível inventariar o
maior número possível de culturas indígenas. Como decorrência imediata da
associação entre “índio” e “extinção”, os estudos sobre aculturação, contatos
interétnicos ou desaculturação, foram os que mais passaram a despertar interesse.
Schaden, em 1969, argumentou que: “até 1949 não dispunha a Etnologia Brasileira
de nenhuma obra que encarece uma cultura tribal em seu conjunto do ponto de
vista das reações ao contacto com a civilização, ou melhor, com as subculturas
rurais do interior do país”.224 O SPI e o CNPI estavam cientes daquela tendência e
Serpa procurou capitalizar o primeiro por meio dos trabalhos que vinham sendo
desenvolvidos pela Seção de Estudos, principalmente das fotos e filmes, os
transformando em material científico. Mas a chegada de 1946, interromperia
parcialmente o curso das atividades exploratórias realizadas pela Equipe. Contudo
os discursos de Serpa sobre os produtos já recolhidos continuariam visando
promovê-los àquela condição.
224
SCHADEN, Egon. Aculturação indígena, p. 15.
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169
5. Enfim uma nova fase
5.1. A queda do Estado Novo e seus reflexos na Seção de Estudos
Com a queda do Estado Novo em outubro de 1945 o Brasil retornou à vida
democrática. No início de 1946, um conjunto de deputados e senadores foi eleito
para formar a Assembleia Constituinte, visando à nova Constituição que substituiria
a de 1937. No decorrer dos debates travados no senado, o então senador Teixeira
de Vasconcelos225, representante do Estado de Alagoas, apresentou um projeto de
lei que reconduzia a Igreja como mais um núcleo a auxiliar o Estado nos trabalhos
de educação dos índios.
A possibilidade de inclusão na Constituição Federal de um artigo que viesse
dividir a responsabilidade pela educação das populações indígenas com a Igreja,
para as agências indigenistas representava um retrocesso na condução daquela
questão, que com a criação do SPI, teria sido interrompida. Significava também a
divisão do orçamento destinado àquelas ações, entre o Estado e a Igreja. Ambos
inconvenientes para o SPI, que já vinha trabalhando com um orçamento baixo para
desenvolver sua política assistencialista. A proposta representava uma maior
redução de suas verbas e a perda do controle sobre as populações indígenas.
Este foi o primeiro reflexo sentido pelas agências após o fim do Estado
Novo, que as obrigou a se movimentarem a fim de interromper aquele processo,
que em parte foi “aliviado” em junho daquele ano, pela pacificação dos índios
Xavante. Fato que afastou temporariamente as preocupações dos agentes do SPI
das atividades dos congressistas, e lhes deu um novo fôlego, visto que tal
ocorrência a colocou na ordem do dia tanto pela imprensa nacional quanto
225
Cícero Teixeira de Vasconcelos era padre ordenado em 1915 e devido aos seus conhecimentos de filosofia,
teologia e direito canônico, atuou como professor e assim deu início a sua ascensão na hierarquia da Igreja
Católica. Foi capelão em diversas igrejas até ser nomeado cônego de Santa Rita, AL (1945). Durante o Estado
Novo, foi membro do Conselho Administrativo do Estado de Alagoas (1942-1945), quando foi eleito como
senador para a Assembléia Constituinte pelo Partido Social Democrata (PSD). Se mantendo na vida pública,
como senador, até 1955.
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170
internacional. E a Seção de Estudos foi o local para onde todos, interessados em
maiores detalhes sobre o assunto, se encaminharam.
Mais que nunca o SPI, em 1946 esteve constantemente na ordem do dia da imprensa, vencendo mesmo competições de aspectos mais sensacionais para o noticiário do país, pois que, de fato, foi um ano repleto de acontecimentos políticos e sociais de relevância para a política indigenista deste Serviço, máxima devido a pacificação dos Índios Chavantes.
226
A pacificação dos índios Xavante além de colocar na mídia, de modo
positivo, as atividades que vinham sendo desenvolvidas pelo SPI, também acabou
avolumando os trabalhos da Seção de Estudos, principalmente de sua equipe
etnográfica que ficou responsável pela revelação e reprodução fotográfica das
imagens registradas durante o processo de pacificação; então encaminhadas por
Francisco Furtado Soares de Meireles, responsável por aquelas ações. Como local
onde as imagens e a difusão das notícias sobre aquele “evento” eram distribuídas,
para a Seção de Estudos se voltou, além de um número significativo de agentes
publicitários, um considerável número de profissionais ligados à temática indígena.
Até então os trabalhos desenvolvidos pelo SPI não lhes havia causado interesse.
Entre professores, cientistas, técnicos e intelectuais, destacando-se figuras de renome universal, professores e historiadores de alto conceito cultural no Brasil, e figuras do magistério universitário e secundário do Rio de Janeiro, além de artistas, jornalistas, representantes oficiais de vários países da Europa, interessados em enviar notícias e documentos foto-cinematográficos dos índios brasileiros. O Departamento de Publicidade do Ministério da Agricultura muito se interessou pelo problema Chavante, solicitando insistentemente todos os dados que dessem satisfação à curiosidade pública, dada a avidez com que se esgotavam as edições dos jornais que estampavam o assunto. A SE procurou satisfazer integralmente a esses reclamos, ensinando tudo que lhe pareceu suficiente digno de instruir, ilustrar e encaminhar a publicidade para as interpretações correntes dos problemas indigenistas brasileiros ainda tão mal compreendidos e tão deturpados.
227
As colocações de Serpa além informar sobre a variada classe de
profissionais que se deslocaram para a Seção de Estudos, também iluminaram
outras questões que esclarecem a situação na qual se encontrava o SPI no plano
226
Relatório Anual da Seção de Estudos, de 1946. MF. 335, FG. 963. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 227
Relatório Anual da Seção de Estudos, de 1946. MF. 335, FG. 963. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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171
político e dos seus contatos sociais. No plano político mais amplo, suas palavras
deixam entrever que a prestação de serviço que o SPI vinha promovendo não
atendia às expectativas do Estado, situação que provocou um dos constituintes a
levantar a hipótese de inclusão de uma lei que colocasse a Igreja como mais uma
agência responsável pela condução da educação indígena; ideia que com a
pacificação dos Xavante ficou arrefecida. No plano político interno, que envolvia as
relações entre o SPI e o Ministério da Agricultura, os comentários de Serpa deixam
claro, pela observação que fez sobre o interesse do Departamento de Publicidade
daquele Ministério, que até aquele momento pouco ou quase nada que dizia
respeito ao SPI foi digno de atenção por parte daquele Departamento, que, grosso
modo, traduzia os interesses do Ministério; o que leva a crer que dentro de sua
estrutura administrativa o SPI dispunha de pouco prestígio. No plano interno da
agência, a pacificação dos Xavante possibilitou a sua inserção, de modo positivo
na mídia. Até então as notícias que circulavam a seu respeito ressalvavam sua
ineficiência na condução da política indigenista, opinião que traduzia, em parte, os
sentimentos de agentes envolvidos com a questão indígena.228 Já no plano social,
o fato possibilitou ao SPI estabelecer ligações com agentes e agências até então
distanciadas de seu relacionamento.
Outra consequência que o novo governo trouxe para Seção de Estudos foi a
interrupção das suas atividades expedicionárias. No final de 1945, Vargas havia
dado autorização para que a Equipe Etnográfica promovesse uma nova viagem.
Mas com o golpe militar e a sua destituição, o cenário político foi reconfigurado.
Manoel Neto Carneiro Junior assumiu a pasta da agricultura, e, entre as medidas
que tomou, reduziu a verba orçamentária do SPI e cancelou a autorização já dada
por Vargas para a viagem da Equipe.
Com objetivo de contornar pelo menos aquele problema e manter a equipe
em campo, os agentes do SPI procuraram uma solução e a encontraram junto à
Fundação Brasil Central. Instituição criada em 1943 com objetivo de promover o
228
A pacificação dos índios Xavante trouxe desconforto para um grupo de etnólogos da época porque marcava
de modo claro a apropriação das terras ocupadas por aqueles índios pelo Estado. Entre aqueles estava Hebert
Baldus que se manifestou publicamente sobre o assunto. Ver: PASSADOR, Luiz Henrique. Hebert Baldus e a
antropologia no Brasil, 2002.
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172
povoamento e mapeamento do norte e centro oeste do Brasil, cujos trabalhos
vinham desde então sendo articulados com o apoio do SPI. Diante do impedimento
para que uma nova viagem fosse realizada pela Equipe Etnográfica, o diretor do
SPI procurou ampliar os acordos com aquela Fundação, incluindo na equipe
responsável pelo mapeamento dos terrenos para a Fundação um dos técnicos da
Seção de Estudos. Medida que tanto possibilitava dar continuidade às pesquisas
etnográficas quanto manter ativo os trabalhos da SE. Sobre o assunto Serpa fez o
seguinte comentário:
para os trabalhos de sertão houve mudança de plano em virtude de não poder ir ao Xingu a Equipe Cinefotoetnográfica, não obstante a confecção do plano de trabalho, a aprovação da Diretoria e a autorização inicial de S. Excia. o Sr. Ministro que, posteriormente, por determinação da Presidência da República, mandou reconsiderar aquele despacho.
229
Como integrante da equipe da Fundação Brasil Central foi designado o
cinegrafista Nilo Velloso, como responsável técnico da Equipe Etnográfica, e com
três visitas feitas aquela região era o que reunia as melhore condições para realizar
as pesquisas propostas pela Seção de Estudos. Velloso partiu em agosto de 1946
em direção ao rio Tanguro, afluente da margem direita do rio Colisevu, para
alcançar os índios Kalapalo. Além da incumbência de produzir fotos e filmes cujas
cópias foram encaminhadas à Fundação, ele também teve que organizar uma
coleção etnográfica e promover o levantamento de uma lista do vocabulário
daqueles índios, material que atendia aos interesses do CNPI.
Se por um lado a falta de verbas inviabilizou a viagem da equipe etnográfica,
por outro dinamizou a organização interna da Seção de Estudos. Até aquele
momento as atividades de classificação e reprodução do acervo fotográfico e
fílmico eram realizadas durante os intervalos das viagens. A suspensão daquela
atividade obrigou aos integrantes da Equipe a se voltarem para aquele tipo de
trabalho. O relatório anual da Equipe para o ano de 1946230 registrou os seguintes
trabalhos executados: fotografia de 1.158 objetos etnográficos, de um total de
229
Atividade de intercâmbio da SE em 1946. MF. SPI 2A, FG. 1789. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 230
Relatório das Atividades do Estúdio da Seção de Estudos do SPI. MF. 335, FG. 980 – 983. Serviço de
Arquivo do Museu do Índio.
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173
1.400 peças que já compunham o acervo etnográfico da SE. Providenciaram a
revelação de antigos negativos e fizeram cópias de fotos que acompanhavam os
relatórios. Promoveram a elaboração de slides para serem projetados em
instituições de ensino e iniciaram os trabalhos de revelação e arquivamento do
material oriundo da viagem ao Xingu, de 1945. Aproveitaram ainda para
executaram as ampliações fotográficas e a elaboração de slide para distribuição e
divulgação. Deram continuidade ao trabalho de registro e numeração das peças
etnográficas, criando o “fichário etnográfico” que passou a contar com 520 fichas,
separadas por etnia e assunto.
A permanência da Equipe na capital federal e os trabalhos que realizou
sobre os acervos os aproximou mais daqueles materiais, o que viabilizou o
diagnóstico com relação ao seu estado de conservação. Estava ficando claro que
em curto prazo os negativos, filmes e objetos etnográficos desapareceriam se
providências urgentes não fossem tomadas para preservá-los. Os dois primeiros
devido à sensibilidade dos seus suportes, o último devido à ameaça dos cupins
que haviam atacado as prateleiras onde as peças se encontravam expostas. Para
melhoria das condições físicas dos laboratórios Serpa providenciou uma reforma
naqueles ambientes, que contou com a substituição de armários e estantes
danificadas, e significou um rearranjo dos objetos que vinham sendo expostos
naquele local. No entanto a documentação não informou quais e como foram
rearranjados os objetos etnográficos, mas tal medida impediu que parte do material
exposto e estocado viesse a ser perdido.
Paralelamente às reformas dos laboratórios e das salas de exposição e do
acervo etnográfico, a Seção de Estudos deu início, em março, aos preparativos
para as comemorações do Dia do Índio, inseridas em sua grade de trabalho como
“atividade de rotina”. Em 1946 organizou o evento mantendo o protocolo dos anos
anteriores. A exposição etnográfica teve lugar no Ministério da Educação e Saúde,
mas a documentação não trouxe maiores menções a seu respeito, de novo apenas
o lançamento da pedra fundamental da Casa do Índio como parte do evento,
buscando resolver a antiga pendência que até aquele momento mantinha-se sem
solução.
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174
A ideia de construção da Casa do Índio não esteve relacionada com as
atividades que a Seção de Estudos vinha desenvolvendo, nem visava ampliar sua
área de atuação. Mas sua implantação resultaria na sua redefinição, pois o projeto
acolhia a criação do Museu Indígena, primeira iniciativa tomada até então pelas
agências para a criação de uma instituição museológica. O projeto da Casa do
Índio também serviu como base para a idealização do futuro do Museu da agência,
pois ela acolheu um museu cujo modelo foi efetivado na inauguração do Museu do
Índio em 1953.
A Casa do Índio era uma construção para abrigar as agências indigenistas e
começou a ser idealizada em 1941 quando Rondon negociou com o então membro
do Conselho e diretor do Serviço Florestal e do Jardim Botânico, João Augusto
Falcão de Almeida e Silva a transferência de uma parte do terreno pertencente ao
Jardim Botânico para o CNPI. A intenção era construir naquele espaço um edifício
para abrigar os índios em transito. Rondon informou que a escolha do local partiu
do então diretor do DASP, Simões Lopes, que via utilidade em reunir em um só
lugar as agências indigenistas. Em principio aquela transferência não encontrava
obstáculos, além do terreno se encontrar desocupado, ambos, CNPI e Jardim
Botânico, fazia parte do Ministério da Agricultura, o que reduziria a burocracia do
processo de transferência de titularidade do terreno em questão.
Nos relatórios anuais do CNPI é possível realizar um levantamento sobre o
início daquela ideia. Segundo aqueles documentos, Rondon vislumbrou a
construção da Casa do Índio desde a criação do SPI em 1910. Naqueles primeiros
anos de funcionamento da Agência ele já havia buscado construir, na capital, um
local para hospedar os índios em trânsito que buscavam auxílio do órgão para a
solução de seus problemas, principalmente aqueles relacionados com disputas de
terras. Comentou ainda que quando foi diretor do Serviço, chegou a mandar
elaborar um “desenho arquivado de um projeto para ‘Alojamento de Índio’”.231 Em
sua visão aquele antigo problema continuava sem solução, pois, ao receber índios
em transito, o SPI era obrigado a encaminhá-los aos albergues para mendigos.
231
Relatório Anual do CNPI, de 1944. MF. 1C-CNPI, FG. 2108. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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175
Em quatro de dezembro de 1944 Rondon encaminhou um ofício para o
então Ministro da Agricultura, Dr. Apolônio Salles, solicitando a transferência
daquela faixa de terra do Jardim Botânico para a esfera do CNPI para que ali fosse
construída a “Casa do Índio”. Neste documento Rondon omitiria que um dos
objetivos da Casa era o de solucionar o problema de hospedagem de índios em
trânsito. Argumentaria a favor da transferência e posterior construção, e das
vantagens pragmáticas do projeto.
Como se vê, as grandes distâncias existentes entre as instalações acima enumeradas dificultam o contato permanente que deve haver – a bem da eficiência do serviço – entre chefe e servidores. No entanto, não é apenas essa circunstância que aconselha a centralização de todos as seções e serviços superintendidos pelo Conselho. Além disso, as instalações mencionadas foram mantidas com caráter provisório por ocasião da criação do Conselho, razão pela qual atualmente são insuficientes para atender as necessidades efetivas. Como exemplo inequívoco disto, podem ser enumerados as seguintes: 1) A sala onde está instalada a biblioteca do CNPI já não dispõe de espaço para mais estantes, sendo que mesmo fora dela é necessário colocar livros. É conveniente notar que no momento, este Conselho possui duas bibliotecas, isto é, além da já escrita, conta com outra constituída pela coleção pertencente ao acervo da antiga Comissão Rondon (Serviço de conclusão da Carta de Mato Grosso). Outro exemplo é constituído pelo fato de numa das salas da secretaria, ter sido necessário guardar, durante certo tempo, por absoluta falta de espaço, vários pneus, câmaras de ar, caixas e latas de combustível, vassoura, etc. Este conjunto de circunstância apreciado que foi oportunamente, levou a chefia deste Conselho a estudar a possibilidade de ser construído um edifício especial para a localização de todas as instalações do Conselho Nacional de Proteção aos Índios, edifício este que seria denominado Casa do Índio.
232
Rondon relacionou também, a favor da construção do edifício, as vantagens
“científicas”, visto que ele concentraria todos os núcleos que compunham aquelas
agências, entre elas a “Biblioteca e o Museu Indígena, onde os cientistas e os
especialistas poderão encontrar elementos seguros de pesquisas e estudos de
etnografia, etnologia e antropologia, tudo concernente aos nossos anerabas-
brasilíndios”.233
Em 1945, Ângelo Gurgel, então engenheiro do Ministério da Agricultura,
apresentou a Rondon a planta baixa do edifício que contava com três pavimentos,
232
Relatório Anual do CNPI, 1944, p. 119. Documento original. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 233
Idem. FG. 2228. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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176
cuja distribuição seguia a hierarquia institucional. No térreo ficavam localizados o
museu indígena, sua administração e seus núcleos de apoio, tais como: sala de
projeção e laboratório fotográfico, auditório, toaletes e um café. No segundo
pavimento, o SPI e suas respectivas seções e, no último, o CNPI e os serviços de
Carta de Mato Grosso.
De posse do projeto, o DASP foi acionado para calcular o custo da
construção, repassado então para o Ministério da Agricultura com objetivo de ser
incluído no orçamento da União do ano subsequente. Com o fim do Estado Novo o
processo de construção da Casa do Índio foi interrompido. A situação política
estabilizada, em 1946, levou Rondon a insistir na questão, encaminhando um novo
ofício para o ministro da agricultura, solicitando a assinatura do documento que
efetivasse a transferência de titularidade do terreno.
Antes que tal ofício fosse respondido, Rondon organizou uma cerimônia
para o lançamento da pedra fundamental da construção da Casa do Índio, a fim de
pressionar o Ministério a assinar o documento e assim garantir uma solução
positiva para as agências. Para que o lançamento ganhasse mais vulto, foi incluído
dentro das comemorações do Dia do Índio, marcando o seu encerramento. Na
ocasião esteve presente, e assinou a Ata de lançamento, o Ministro da Educação e
Saúde, Souza Campos, além dos representantes dos ministros da agricultura e da
justiça, o diretor do Serviço Florestal, Pimentel Gomes, o ex-presidente do DASP,
Luis Simões Lopes, amigos e convidados dos diretores de ambas as agências. A
documentação apontou que dentro das comemorações do Dia do Índio este teria
sido o evento que teve maior repercussão na imprensa local, gerando um volume
significativo de publicidade para ambas as agências.
Diante de tamanha repercussão era de se esperar que a partir da “pressão”
que vinham fazendo as agências, junto ao Ministério da Agricultura, uma solução
para aquela questão, em curto prazo, ocorreria. Contudo o objetivo não seria tão
fácil de ser atingido. A demora na assinatura da transferência do terreno e o corte
promovido pelo Ministério da Agricultura às agencias não foram os únicos
obstáculos. Durante o período em que o processo passou em tramitação, ou
parado pelo excesso de burocracia, a faixa de terra destinada à construção da
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177
Casa do Índio começou a ser ocupada pelo Jardim Botânico. Vários prédios foram
construídos, diminuindo tanto as chances das agências em relação aos seus
objetivos, quanto o tamanho do terreno disponível para aquela construção.
234
O projeto de construção da “Casa do Índio”, como a primeira iniciativa
conjunta das agencias na criação de uma instituição museológica, mesmo que não
tenha tido o desdobramento esperado, definiu a organização do futuro museu que
não ficaria restrito ao ambiente da exposição. Ele seria composto de sala de
projeção e de um laboratório fotográfico como núcleo de apoio, um complexo de
atividades cujo modelo ainda não havia similar entre as instituições museológicas
de então. Além de apresentar um modelo original de organização, contava ainda
234
Foto 47 - Reprodução fotográfica da planta baixa do primeiro pavimento da “Casa do Índio”, apresentando
o espaço destinado ao “Museu Indígena”, retirada do Relatório Anual do CNPI de 1953. MF. 2B, S/FG, anexo
14. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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178
com um espaço social traduzido pelo “café”, evidenciando uma proposta ousada
para os padrões da época, que transformaria a futura instituição museológica em
um centro de cultura e lazer. Modelo organizacional efetivado em 1953 com a
abertura do Museu do Índio.
5.2. Uma Seção Científica
Findo o primeiro ano do novo governo, e contornado alguns problemas
referentes ao funcionamento e às atividades da Seção de Estudos, o ano de 1947
chegou trazendo para o SPI mudanças significativas. A primeira foi à nomeação de
um novo nome para a sua diretoria, medida que para Seção de Estudos
representou um “divisor de águas”, visto que viabilizou o ingresso de dois agentes
especializados em etnologia indígenas para atuarem no seu interior, foram eles:
Darcy Ribeiro e o linguista Max Boudin. Mas aquelas contratações estavam
relacionadas ao processo de mudanças que vinha ocorrendo, a nível interno,
desde 1944 marcadas inicialmente pela contratação de Serpa e pela redefinição e
ampliação das atividades da Seção estabelecida por José Maria de Paula, então
diretor do SPI. E, em nível nacional, pela saída de Vargas em 1945 e o início do
governo de Dutra.
Serpa, como chefe da Seção de Estudos, vinha insistindo pela contratação
de cientistas sociais. Profissionais, segundo ele, indispensáveis para a produção
do conhecimento sociocultural dos povos indígenas, e base fundamental para a
elaboração de políticas públicas eficazes voltadas para aquelas populações. Nos
documentos administrativos produzidos por Serpa, se destacam suas constantes
queixas sobre a carência de profissionais especializados para atuarem na Seção
de Estudos.
Não obstante cumpro o grato dever de vos informar que a S.E., se ainda não teve os favores de uma lotação adequada e indispensável pode, no entanto, cumprir as determinações regimentais tão somente dados ao espírito de dedicação e trabalho de todos os seus poucos auxiliares.
235
235
Relatório anual da Seção de Estudos - SE de 1946. MF. 335, FG. 956. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio.
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179
Os apelos de Serpa pela contratação de profissionais especializados
estavam relacionados, em certa medida, a um movimento tanto continental quanto
nacional, dos quais o SPI não se encontrava alheio. Para o primeiro, a criação do
Instituto Indigenista Interamericano serve como referência e, para o segundo, pelo
crescimento e difusão das pesquisas antropológicas que vinham sendo
desenvolvidas pelas comunidades científicas, principalmente aquelas
estabelecidas nos centros universitários implantados na década anterior. Temos aí
alguns elementos para entender a tomada de posição de Serpa a favor do ingresso
na Seção de Estudos de novos funcionários, principalmente de agentes que
pudessem desenvolver atividades de pesquisas científicas voltadas para o
entendimento da realidade indígena, produto que colocaria o SPI em posição de
igualdade com os institutos de pesquisa. Até porque, em seu entendimento, era o
SPI a única agência estatal em contato direto com aquelas populações, e nesta
posição era natural que promovesse pesquisas sobre as comunidades que atendia.
Obter de técnicos e especialistas, devidamente credenciados, as realizações de pesquisas de suas especialidades no âmbito da Antropologia Cultural, junto as tribos controladas pelo SPI ou de outras que a isso não se oponham.
236
A carência de estudos etnográficos realizados pelo SPI não impedia apenas
a elaboração de programas assistencialistas mais eficientes para a aceleração do
processo de integração dos índios aos meios de produção rural, mas também
retardava a política de intercâmbio entre o SPI e as instituições de pesquisas. E a
troca de publicações era o meio pelo quais as relações entre instituições científicas
eram estabelecidas, viabilizando a inserção tanto da instituição produtora da
pesquisa, quanto do pesquisador, na comunidade científica, tornando-os referência
dentro do campo antropológico.
Como complemento das atividades de propaganda do SPI enviou esta SE, a todos que lhe solicitaram, as publicações de que dispunha, perfazendo um número bem razoável, dada as condições precárias em
236
Relatório anual da Seção de Estudos – SE de 1946. MF. 335, FG. 967. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio.
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180
que se encontra na esfera de produção, impressão e distribuição de impressos de todos os gêneros, referentes ao SPI, em virtude de não possuir ainda organizado este serviço por falta de pessoal, verba e locais apropriados.
237
No entanto, o ano de 1947 não ficaria marcado na memória oficial do
Serviço apenas pelo ingresso no corpo funcional da Seção de Estudos de agentes
especializados em etnologia indígena. A memória retida nos documentos oficiais
informou que uma série de mudanças administrativas ocorreu na Instituição.
Em janeiro de 1947, Daniel Sarapião de Carvalho assumiu o Ministério da
Agricultura. O início de sua gestão foi marcado por uma renovação nos quadros de
direção do Ministério que atingiu o SPI. Paula, então diretor do Serviço desde
1944, foi exonerado e em seu lugar assumiu Modesto Donatini Dias da Cruz –
funcionário de carreira do Ministério da Agricultura com curtas passagens pelo SPI
como substituto de Paula na direção do Serviço. A documentação indicou que, ao
contrário de Paula, Donatini não possuía vínculos afetivos com o SPI, nem com a
Comissão Rondon, característica dos antigos diretores do Serviço, o que nos leva
a inferir que ele também não os tinha com Rondon, personagem que até aquele
momento monopolizava as ações do SPI.
Esta mudança na direção do Serviço foi significativa. As mudanças já se
anunciavam quando, em 1944, foi posta em xeque a capacidade de Rondon em
manter à frente do Serviço um nome referendado por ele, pronunciada durante a
saída de Vasconcelos e a entrada de Paula. Rondon não conseguiu indicar um dos
seus antigos colaboradores para assumir a direção do Serviço, que foi entregue a
um burocrata do Ministério, marcando o início da desocupação das posições
estratégicas do Serviço com agentes envolvidos ideologicamente com Rondon.
Este episódio, somado a outros, tais como: a não inclusão na estrutura do
Conselho das duas seções por ele solicitada, as perdas sucessivas de verba para
o Conselho e a não transferência do terreno para a construção da Casa do Índio,
deixam claro sua gradativa perda de prestígio político junto ao Ministério da
Agricultura. E, não sendo Donatini um nome ligado à estrutura do SPI, as relações
237
Relatório anual da Seção de Estudos – SE de 1946. MF. 335, FG. 960. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio.
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181
com o CNPI deixariam de apresentar um caráter personalista para assumir um
caráter mais tecnocrático.
238
A posse de Donatini no Conselho ocorreu de forma inusitada. Até aquele
momento o CNPI, presidido por Rondon, vinha mantendo o protocolo, dando posse
aos novos membros do Conselho sempre em sessão solene, na qual Rondon
proferia um discurso pontuando o grau de envolvimento do recém-empossado com
a questão indígena. No caso do diretor do SPI era evidenciando seu passado
sertanista como funcionário da Comissão Rondon ou como funcionário do Serviço.
Entretanto, a posse de Donatini diferiu do modelo original. Ocorrida em 24 de
janeiro de 1947, durante a 2ª. Sessão do Conselho foi marcada pelo discurso de
despedida de Paula proferido por Rondon e de outros, proferidos por outros
238
Foto 48 - Modesto Donatini Dias da Cruz, 1948. Foto de Domingos Lamônica. Serviço de Registro
Audiovisual do Museu do Índio.
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182
membros do Conselho. Não houve uma apresentação formal de Donatini por parte
de Rondon aos outros integrantes do Conselho, como também não houve uma
sessão solene, previamente organizada, para lhe empossar naquele órgão. Ao
contrário, Donatini foi recebido no novo ambiente onde as qualidades do antigo
diretor foram exaltadas.
A situação na qual foi exposto nos permite deduzir que aquele momento foi
dedicado para sinalizar Donatini de duas questões: que ele deveria conduzir as
ações do SPI, respeitando o modelo já consagrado pelos antigos diretores; e ainda
chamar-lhe a atenção para os vínculos entre SPI e Conselho, que se baseavam em
laços afetivos, construídos durante décadas. Portanto, a hierarquia entre as
agências deveria respeitar este “envolvimento”, onde Rondon era o personagem de
maior relevância.
Quero que nos recordemos daquela sessão memorável em que o nosso colega ilustre Conselheiro – Dr. José Maria – apresentava o relatório de seus trabalhos a respeito dos Chavante e em que ele, quase afônico, tanto nos empolgou que nem deparamos com o estado físico do nosso colega. Tinha este quadro na retina, quando se esboçou a perspectiva de sua substituição no cargo de diretor do SPI. Foi assim que eu vi, dum momento para o outro, corvejarem em torno do cargo e eu vi periclitando a grande obra do SPI. Lembro-me ainda do estado nervoso do nosso presidente, quando se falava na substituição de José Maria de Paula. Mas tivemos grande sorte. Para nossa felicidade apareceu Modesto Donatini. Não tive dúvida de que a obra de V. Exa não estava nem si quer abalada. Sr. José Maria, podeis ir tranqüilo e satisfeito, porque a vossa obra será continuada, mantida, estudada e estudada com o mesmo carinho que José Maria de Paula sempre lhe dispensou (grifo do autor).
239
Aquela sessão não ficou marcada apenas pela “inovação” no modelo de
posse do novo Conselheiro, também ficou marcada pela conduta de Donatini, que
aproveitou a ocasião para sugerir ao Conselho a criação de uma pauta de
discussão dos problemas indígenas, até então inexistente ou organizada à medida
que os problemas chegavam à presidência do Conselho ou da diretoria do SPI. Em
sua visão era atribuição do Conselho sugerir temas e colocá-los em discussão,
juntamente com os casos mais relevantes encaminhados pelo SPI. Como sugestão
239
Relatório Anual do CNPI de 1947. MF. 279, FG. 1271. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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183
de pauta, já como membro do Conselho, colocou a necessidade de se proceder ao
recenseamento indígena. Defendeu a sua ideia argumentando que, a partir dos
dados levantados com o censo, era possível se proceder a uma melhor distribuição
de verbas para as várias Inspetorias e Postos Indígenas, visto que até aquele
momento as verbas concedidas àqueles núcleos não levavam em conta o número
de índios por eles assistidos e o grau de desenvolvimento dos Postos. Donatini
ainda apela para o aproveitamento daqueles dados, tanto em nível prático como
técnico e científico.
De fato, se os argumentos de Donatini expressassem suas verdadeiras
intenções, a promoção do censo indígena traria resultados que tanto atenderiam às
ordens práticas, pela melhor distribuição de verbas, quanto à área científica, pois
se formalizaria em dados concretos o contingente indígena distribuído no território
nacional. Mas a necessidade de efetivar o censo indígena visava na realidade
saber o quantitativo indígena disponível para o trabalho, e a atividade econômica
que aquele contingente praticava. Tais informações possibilitariam a criação de
medidas para promover o aumento na verba do “patrimônio indígena”, ou seja,
rendas obtidas por meio do trabalho indígena, geridas pelo SPI e alocadas,
conforme a necessidade, em outros postos cujos resultados financeiros não
supriam a demanda do posto. A intenção de aumentar o volume desta verba
estava relacionada à necessidade do SPI de continuar funcionando cada vez mais
independente de verbas públicas. Medida que vinha sendo colocada em prática, de
modo indireto, pelos constantes cortes no orçamento da agência que, mesmo
apontando como motivo de seus parcos resultados aquelas medidas, no entanto
não impedia seu funcionamento, já que a renda do “patrimônio indígena” cobria
parte de seus gastos.
Donatini colocou a sua sugestão em um documento distribuído aos
membros do Conselho, mas sua proposta não logrou êxito; não foi sequer colocada
em discussão durante as reuniões subsequentes. Diante de tal indiferença,
Donatini tomou nova medida. Encaminhou um novo documento ao presidente e
membros do Conselho. Além de fazer alusão ao anterior, acrescentou um novo
tema, que, segundo ele, estava imbricado ao primeiro: educação indígena.
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184
Quero que me permitam dizer que esta segunda tese se encadeia, mediata e imediatamente, a primeira, porque versam ambas assuntos intrinsecamente presos a população indígena.
240
No entendimento de Donatini, a partir do momento que se soubesse o
número de índios assistidos pelo SPI, suas idades e interesses, dados que seriam
fornecidos pelo censo, era possível projetar escolas em número suficiente e
destinar a elas verbas adequadas a seu funcionamento. A ideia era atender nestes
espaços a públicos variados, como o infantil, juvenil e adulto, de ambos os sexos.
Para cada categoria haveria um tipo de educação diferenciada, com utilização de
material didático próprio e humano especializado. Neste mesmo documento
Donatini informou que Serpa, como chefe da Seção de Estudos, estava dando
início a um levantamento do problema educacional indígena. Contou com a ajuda
de uma pedagoga graduada pela Universidade do Brasil, buscando relacionar os
melhores métodos de ensino para aplicá-los nas comunidades indígenas.
A nova proposta de Donatini visava atingir seu primeiro objetivo, já que a
forma como o defendeu não sensibilizou os membros do Conselho. Diante de tal
“silêncio”, procurou articular aquela proposta com outra que versava sobre a
política educativa, acreditando que aquele tema encontraria ressonância entre os
membros do Conselho para que aderissem ao seu projeto. Contudo, o novo tema
apresentado por Donatini abriu a oportunidade para que o CNPI recuperasse uma
proposta semelhante a entregue ao Conselho por um de seus conselheiros.
Em 1944 o conselheiro Boaventura da Cunha encaminhou um projeto
educacional intitulado “Educação para os silvícolas”, para ser apreciado pelos
integrantes do Conselho. Sua proposta educacional representava uma tentativa de
modificação do modelo de ensino até então adotado pelo SPI nas comunidades
indígenas. O projeto exibia elementos pedagógicos oriundos dos métodos
Montessoriano e da corrente do pragmatismo-instrumentalista americano defendido
por John Dewey, mas o que mais chamava a atenção era a incorporação do
escotismo do inglês Baden Powell. Cunha defendia a implantação deste modelo de
240
Relatório Anual do CNPI de 1947. MF. 279, FG. 1284. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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185
ensino “inovador”, denominado por ele de “Nova Escola”, pela possibilidade de
aprendizado, tanto de crianças quanto de adultos, e de assimilarem o conteúdo das
matérias por meio de um sistema de jogos e de atividades integradas ao meio
social indígena. Mas até 1947 o projeto da “Nova Escola” ainda não havia sido
incluído na “pauta” das discussões organizadas pelo CNPI. A partir da
apresentação da proposta de Donatini sobre o mesmo tema, a proposta de
Boaventura foi recuperada.
Rondon na 4ª. Sessão do Conselho, ocorrida em 13 de fevereiro,
determinou que o assunto a ser discutido fosse a proposta de Boaventura, pois ela
era anterior a proposta apresentada por Donatini. Aproveitou a ocasião para
nomear a comissão responsável pelo seu estudo e elaboração do parecer técnico.
Rondon, como presidente do Conselho, designou para cumprimento daquelas
atividades Gal. Horta Barbosa, vice-presidente do Conselho, Gal. Boanerges Lopes
de Souza, como relator, e Donatini, como consultor técnico. A hierarquia da
Comissão já apontava para o seu desfecho final. Com a presidência da Comissão
e o cargo de relator da proposta assumido por dois Generais e amigos pessoais de
Rondon, era certo que a proposta seria aprovada. Na posição de consultor técnico,
restava a Donatini apenas verificar a existência de verba no SPI para implantação
do projeto.
A recuperação da proposta de Boaventura por parte do Conselho não foi o
único fato, nem o mais grave, a iluminar as primeiras indisposições entre o SPI e o
CNPI. Ao assumir a direção do SPI, Donatini promoveu, já nos primeiros meses de
seu mandato, a substituições dos antigos chefes de Inspetoria, dos Postos
indígenas e das Seções, por novos nomes. A documentação apontou que foram
substituídos os chefes de todas as inspetorias que compunham o SPI.241 Carlos
Olímpio Paes substituiu o antigo chefe da Seção de Orientação e Assistência
241
Assumiu a chefia da IR-1 Manoel da Rocha Vianna; da IR-2 Sebastião Moacir de Xerez; da IR-3 José
Teodoro Mendes; da IR-4 Raimundo Dantas Carneiro; da IR-5 Carlos Olimpio Paes; da IR-6 Benjamim Duarte
Monteiro; da IR-7 Paulino de Almeida; da IR-8 Nelson Perez Teixeira e para a IR- 9 recém instalada, foi
nomeado José Maria Malcher, antigo chefe da IR 2. Ver: MF. 374; FGs. 25; 26; 29; 30; 31; 32; 526; 261 e
762.
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186
(SOA)242, e naquela posição se tornou o pivô dos primeiros desentendimentos
entre ambas as agências.
Paes, como chefe da SOA, tinha como incumbência realizar auditorias nas
Inspetorias e encaminhar relatórios de suas inspeções à direção do Serviço. No
início daquele ano, Paes viajou para a IR 5, cuja chefia estava, desde a década de
1920, entregue ao oficial da reserva, Gal. Nicolau Bueno Horta Barbosa, antigo
correligionário de Rondon e irmão do Gal. Julio Caeteno Horta Barbosa, vice-
diretor do Conselho. Na ocasião da viagem, Paes foi acusado pelo Gal. Nicolau
Barbosa de ter mandado jogar no lixo uma foto de Rondon, assim como teria lhe
desrespeitado diante de seus funcionários. Este incidente foi denunciado ao
Conselho pelo próprio Gal. Nicolau Horta Barbosa. Diante da denúncia o secretário
do Conselho, Gal Boanerges de Souza, solicitou a Donatini que não só prestasse
maiores esclarecimentos sobre o caso, como também exonerasse o servidor
responsável pelo episódio, já que Gal. Nicolau Horta Barbosa além de ser um
antigo servidor SPI era oficial da reserva, e naquele episódio a hierarquia militar
havia sido quebrada.
Na 10ª Sessão do Conselho, de 22 de maio, Donatini prestou alguns
esclarecimentos sobre o episódio, mas deixou claro que aquele assunto dizia
respeito a sua administração, fugindo da esfera de atuação do CNPI. Diante desta
colocação o secretário do Conselho contesta a posição assumida por Danatini,
conforme mostra o trecho:
Quanto a declaração do Diretor do SPI de ser o caso de sua exclusiva competência, interpretação que não é só da atual, mas de diretorias anteriores – discordo, pois que efetivamente a lei não é taxativa, mas a lei também diz que o Conselho deve cooperar com o SPI. Cabe a ele os estudos de todas as questões relativas a assistência e proteção dos índios. É portanto natural que o Conselho tenha conhecimento dos fatos da ordem do que está sendo apreciada.
243
242
O Regimento Interno do SPI de 1945, que substitui o de 1942, transformou a Seção de Orientação e
Fiscalização (SOF), então a cargo de Cel. Antonio Estigarribia até 1944, em Seção de Orientação e Assistência
(SOA), chefiada após a saída de Estigarribia por Oswaldo Kneese. Em 1947 Kneese será substituído por
Carlos Olimpio Paes. 243
Relatório anual do CNPI, Ata da 10ª Sessão. MF. 279, FG. 1319. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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187
Este fato acabou gerando uma série de consequências. Primeiro o Conselho
encaminhou um ofício ao Ministro da Agricultura solicitando a retratação, por parte
da diretoria do SPI, ao Gal. Caetano Horta Barbosa. Como resultado imediato
daquela solicitação, Donatini abriu um processo administrativo contra Gal. Júlio
Horta Barbosa; a fim de apurar algumas irregularidades que haviam sido
levantadas pelo chefe da SOA. Para que não houvesse interferência do Gal. no
andamento do processo, Donatini o afastou temporariamente do seu antigo posto e
nomeou, interinamente, Paes, pivô de todo a história.
Levo também ao conhecimento de V. Exª que, visando modificar os métodos adotados pela 5ª Inspetoria Regional, relativamente aos seus trabalhos técnico-administrativos, resolvi designar, para a Chefia daquela IR, um servidor que nela adotará a orientação que esta Diretoria está seguindo, visivelmente diversa da das administrações passadas do SPI e que, pouco a pouco, se uniformizará em todas as dependências deste órgão.
244
A situação levou o Gal. Nicolau Horta Barbosa a pedir, ao Ministro da
Agricultura, exoneração do cargo de vice-presidente do Conselho. Neste episódio,
Rondon procurou evitar o confronto direto com Donatini, se colocando em posição
de neutralidade, e defendendo sua postura pelo fato de ter sido uma de suas
fotografias o motivo dos desentendimentos. Mas pelo teor das atas do Relatório
Anual do CNPI, percebe-se que Rondon, com anuência dos membros do
Conselho, evitou pronunciar-se sobre o caso, optando por um afastamento
estratégico, ciente que o momento político não era favorável a uma disputa com o
SPI. A partir de então, os desentendimentos e desencontros entre o SPI e o
Conselho se acirrariam.
Aquele episódio ocorreu no mês de março e seu desdobramento se
estendeu por todo ano. Mas durante o mês de abril, dedicado às comemorações do
Dia do Índio, as cisões entre o SPI e o CNPI ficariam mais evidentes. Como nos
anos anteriores, o Dia do Índio foi transformado em Semana do Índio, e sua
comemoração seguiu o mesmo protocolo dos anos anteriores. Como nos anos
anteriores, houve apresentação de filmes, palestras e a montagem de uma
244
Ofício de Donatini para o Gal., Rondon a respeito das apurações dos fatos ocorridos na IR5 datado de 9 de
junho de 1947. MF. 374, FG. 269. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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188
exposição etnográfica. Contudo, naquele ano a exposição teve lugar em algumas
salas do Museu Nacional, marcando não só as comemorações do Dia do Índio,
mas também a reabertura daquela Instituição que se encontrava fechada desde
1941.
A postura assumida por Donatini naquela ocasião deixou claro que seus
interesses eram outros. Como diretor do SPI não participou das comemorações do
Dia do Índio promovidas na capital da República, e aceitou um convite feito por
Hebert Baldus, então professor da Escola Livre de Sociologia e Política e chefe da
Seção de Etnologia do Museu Paulista, para participar da primeira comemoração
do Dia do Índio fora da capital federal. A iniciativa de Baldus, além de marcar a
primeira comemoração daquela data pelo Museu Paulista, também buscava marcar
a nova fase pela qual estava passando a Seção de Etnografia, agora sob o seu
comando.
O convite de Baldus feito a Donatini naquele momento era providencial,
Além de ser uma oportunidade de se retirar de “cena”, por um motivo nobre –
seguir para São Paulo arrefeceria os ânimos entre as agências – abria também a
possibilidade de travar relações sociais com o círculo antropológico de São Paulo.
A ausência de Donatini nas comemorações daquela dada na capital federal oferece
algumas leituras: marca a quebra de um protocolo instituído pelo CNPI desde a
primeira comemoração do Dia do Índio, em 1943, onde as presenças do diretor do
SPI e do presidente do CNPI eram obrigatórias para as ações políticas e culturais;
reforça a ideia da pouca estima de Donatini ao grupo formador do Conselho, em
certa medida também o afasta do Museu Nacional, co-patrocinador das
comemorações do Dia do Índio daquele ano; além de demonstrar o alto interesse
de Donatini, como diretor do SPI, em estabelecer contato com instituições
científicas fora da capital federal e que, grosso modo, não eram “influenciadas”
pelos representantes do Conselho.
Sobre as comemorações do Dia do Índio no Museu Paulista, Donatini
informou que naquela ocasião foram inauguradas cinco salas do Museu Paulista,
com a presença do representante do governador do Estado e de outras
autoridades locais. Informou ainda que, por iniciativa da Escola Livre de Sociologia
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189
e Política (ELSP) e do diretor do Museu Paulista, Sérgio Buarque de Holanda, teve
a oportunidade de proferir algumas palavras e projetar, no auditório da Instituição,
os filmes “Umutina”, “Guido Meireles” e do “sensacional encontro dos índios
Xavante”,245; acervo pertencente ao SPI. Ou seja, Donatini não incluiu da seção de
filmes os realizados pela extinta Comissões Rondon como até então era comum
nas atividades do Serviço. Aproveitou a ocasião para oferecer a cooperação do SPI
ao Museu Paulista, e informou que recebeu do diretor da Instituição, em recíproca,
a afirmação que o Museu Paulista estaria pronto para colaborar com o Serviço.
246
245
Relatório Anual do CNPI de 1947. MF. 279, FG. 1311. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 246
Fotos 49, 50. 51 e 52 - Inauguração da exposição etnográfica no Museu Paulista para a comemoração do
Dia do Índio de 1947. Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio. Imagem 1 da direita para esquerda,
Sergio Buarque de Holanda; Modesto Donatini e Hebert Baldus; imagem 2 - Modesto Donatini; imagem 3 -
aspecto de uma das vitrines com material etnográfico; imagem 4 - aspecto da abertura oficial da exposição.
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190
Vale destacar que a relação de Baldus com o SPI teve início em 1946,
meses antes da contratação de Donatini, e em um período anterior a sua
contratação no Museu Paulista. Seu nome constou da relação de pessoas que
visitaram a Seção de Estudos naquele ano. Sua presença naquele núcleo esteve
relacionada a objetivos profissionais e pessoais. Entre os profissionais, estava o
desejo de obter informações sobre a pacificação dos Xavante e conseguir
autorização para a pesquisa que pretendia empreender entre os índios Kaingang.
Em relação às motivações pessoais estava a amizade com Schultz, ex integrante
da Equipe Etnográfica, com quem travou conhecimento em 1945; ponte para que
ele desse início a seus contatos com o circulo antropológico do Distrito Federal.
Castro Faria247 informou que Baldus manifestou interesse em se aproximar
das agências de pesquisa em Ciências Sociais, estabelecidas na capital federal, já
na década de 1930 quando encaminhou em 18 de setembro de 1936 uma carta a
então diretora do Museu Nacional, Heloisa Alberto Torres, expressando sua
vontade de trabalhar no Rio de Janeiro. Segundo o mesmo autor, na ocasião
Baldus forneceu seus dados pessoais e profissionais informando que possuía
formação em antropologia geral e americanista, como também relacionou as
expedições etnográficas que participou e os trabalhos que havia publicado. Mas a
demonstração de seu grau de envolvimento com a antropologia não foi o suficiente
para sensibilizar Heloisa Alberto Torres a ponto de incluí-lo em seus projetos.
A oportunidade para a prática de seus conhecimentos antropológicos surgiu
em 1939 quando foi contratado pela ELSP, como professor de etnologia brasileira.
Segundo Passador248, naquele ambiente Baldus teve a oportunidade de consolidar
sua carreira acadêmica, formando uma geração de etnólogos locais, orientados
para desenvolverem uma antropologia aplicada, voltada para criação de políticas
oficiais. Entretanto, mesmo alcançando tal posição, não foi possível sua inserção
no círculo antropológico da capital federal. Com o ingresso no Museu Paulista, em
1946, a “aproximação” começou a se concretizar, visto que “estar” no Museu
247
CASTRO FARIA, Luís de. A antropologia no Brasil, p.2. 248
PASSADOR, Luis Henrique. Hebert Baldus e a antropologia no Brasil, p. 73.
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Paulista significou, profissionalmente, a oportunidade de circulação dentro e fora do
Brasil, devido aos encontros e congressos dos quais pôde participar; ampliando
sua área de atuação e influência na comunidade antropológica nacional e
estrangeira.
Como etnólogo, Baldus tecia algumas críticas ao modelo de
operacionalidade do SPI, e como professor foi formador de opinião. Na primeira
posição Baldus condenava o modelo de “contato” e seu desdobramento. Em sua
opinião, as medidas tomadas pelo SPI, após aquela operação, modificavam
radicalmente as estrutura social e econômica das comunidades indígenas, com
reflexos negativos para as suas atividades culturais e religiosas. Em seu
entendimento, o “contato” em si fazia parte de uma realidade inescapável, mas ele
deveria ser mediado por agentes especializados no conhecimento daquelas
comunidades. Posição assumida por ele já em seu discurso de posse como
professor da ELSP, em 1939, quando colocou que um dos objetivos da etnologia
indígena moderna era “suavizar o choque causado pelo encontro de grupos
humanos tão diferentes”.249 O SPI não utilizava agentes especializados em
etnologia indígena como “ferramenta” de suas ações de aproximação e contato,
gerando ações que desrespeitavam a organização social e econômica tradicionais,
e resultava em mudanças profundas na estrutura de funcionamento dos povos
indígenas. Já na segunda posição, como professor, Baldus formou “técnicos”
voltados tanto para promover pesquisas etnográficas, que verificassem as
mudanças provocadas pelas ações pós “contato”, quanto para atuarem na
promoção de políticas voltadas para a manutenção das estruturas tradicionais dos
povos indígenas. Em ambas as posições interessava a Baldus se aproximar do
Serviço.
O interesse de Baldus não era unilateral, os agentes do SPI também vinham
expressando a vontade de ampliar a rede social e se aproximar de outras
comunidades antropológicas, que não fosse aquela representada pelo Museu
Nacional. Interesse que foi marcado pelo convite feito à Marina de Vasconcelos, na
qualidade de representante da Associação Brasileira de Antropologia e Etnologia,
249
BALDUS, Hebert. A necessidade do trabalho indigenista no Brasil, p. 140.
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para que ela participasse das comemorações do Dia do Índio de 1945, e pela
iniciativa do SPI de mostrar, naquela mesma data na imprensa paulista, fatos que
revelam que o Serviço vinha buscando novas alianças políticas e novos contatos
sociais. A presença de Baldus na Seção de Estudos valeria como ponte para
atingir aqueles objetivos, ao mesmo tempo, viabilizaria a promoção de pesquisas
etnográficas por agentes credenciados naquele assunto; outro objetivo que o
Serviço vinha tentando atingir traduzido nas tentativas frustradas direcionadas a
Curt Nimuendajú e Charles Wagley, respectivamente, em 1943 e 1944. Embora a
posição de Baldus não fosse compatível com as atividades desenvolvidas pela
agência, ela representava para Donatini, além da oportunidade de se afastar do
círculo antropológico da capital federal, na qual o Conselho era um dos
representantes, visto que dois de seus conselheiros, Heloisa Alberto Torres e
Roquete Pinto, representavam o Museu Nacional; também abria a oportunidade de
conseguir respaldo político para alguns de seus projetos, ou seja, substituir o
modelo de operacionalidade do SPI contanto com o apoio das instituições que
Baldus representava.
Após a presença de Donatini no Museu Paulista, um novo episódio marcou
as relações entre ambas às instituições. Em 17 de maio Donatini encaminhou um
ofício ao Ministro da Agricultura informando sobre o novo programa de pesquisa
elaborado pela Seção de Estudos. O objetivo do programa era proceder a uma
pesquisa científica tanto para inventariar o patrimônio cultural dos índios assistidos
pelo SPI, quanto para avaliar o modelo administrativo que vinha sendo adotado
pela agência. O objetivo de Donatini era ao mesmo tempo atender a uma demanda
da comunidade antropológica, que vinha cobrando do SPI mudanças em sua
operacionalidade, como mudar o perfil administrativo da agência até então muito
calcado na ideologia que Rondon havia imprimido.
Com aqueles objetivos em mente, com base na legislação vigente e diante
da verba destinada ao Serviço, Donatini pediu ao Ministério da Agricultura a
contratação de três especialistas para executarem aqueles trabalhos, que deveriam
ser realizados durante um período de sete meses, encerrando-se em 31 de
dezembro de 1947. Os nomes indicados foram: Max H. Boudin, que ficaria
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responsável pela pesquisa linguística; Darcy Ribeiro, para realizar pesquisa de
contatos interétnicos e Othon Xavier de Brito Machado, para a pesquisa referente à
ecologia indígena.250
O plano de trabalho e o pedido de contratação foram aprovados pelo
ministro, mas devido ser Brito Machado oficial médico da reserva, sua liberação
para exercer uma atividade remunerada necessitava de uma autorização especial
que dependia de autorização do Ministro da Guerra. O fato de Brito Machado não
ter integrado a equipe, indica que a autorização não foi concedida ficando a equipe
de especialistas restrita a Max Boudin e a Darcy Ribeiro.
Dos três candidatos relacionados no ofício de Donatini, temos referência
quanto a indicação de Brito Machado e Darcy Ribeiro. A indicação do primeiro
partiu de Serpa, e se deu devido a participação de Machado, na qualidade de chefe
do Serviço de História Natural na expedição da “Equipe Geográfica á Mesopotâmia
Araguai-Xingu”, organizada em 1945, em parceria com o CNPI. Os registros
etnográficos efetuados por Brito Machado, naquela ocasião, foram elogiados por
Serpa que o citou em seu relatório anual, como também redundaram em uma
monografia sobre os índios Karajá publicada pelo CNPI em 1947.251 O seu
desempenho naquela atividade e o material colidido o habilitava a ocupar o posto
de pesquisador da ecologia indígena. Já a contratação de Darcy Ribeiro deveu-se
ao acordo informal estabelecido entre Baldus, como representante do ELSP e do
Museu Paulista, e o diretor do SPI.252
A súmula do relatório anual da Seção de Estudos de 1947 informou que as
contratações promovidas pelo SPI abriram uma nova fase de suas atividades
científicas, exposto por Serpa nos termos:
Com esses antropologistas iniciou a Seção de Estudos uma verdadeira fase nova para os assuntos técnicos indigenistas brasileiros, sob a sua responsabilidade direta, e cuja repercussão indiscutivelmente levará o SPI, a execução de trabalhos técnicos calcados nos mais modernos métodos e processos aconselháveis, e já em prática em outros países da América. A primeira e imediata conseqüência dessa nova fase foi o início do planejamento das pesquisas técnicas de campo, que esses etnólogos se prontificaram a realizar sob o patrocínio da SE, que não
250
Ofício número 551 datado de maio de 1947. MF. 379, FG. 200. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 251
BRITO MACHADO, Othon Xavier. Os carajás (inan-sou-uéra), 1947. 252
Ofício número 551 datado de maio de 1947. MF. 379, FG. 200. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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recusou nenhum esforço no sentido de dar ao Serviço de Proteção aos Índios a oportunidade de recuperar a sua posição impar no indigenismo americano, e oferecer ao consenso científico universal a promessa de solução coerente de seus problemas, através do progressivo crescente da ciência social em que se especializa como órgão oficial que é do governo brasileiro.
253
As contratações, em certa medida, vieram atender às necessidades que
Serpa vinha pregando desde 1944, insistindo pela contratação de “especialistas”
para atuarem na Seção de Estudos. O hiato entre suas primeiras pregações e a
efetivação de seus objetivos, o auxiliou a sistematizar sua retórica e difundi-la nos
seus relatórios anuais e parciais. Com a entrada de Donatini na direção do Serviço,
e suas ações voltadas para promover mudanças na estrutura administrativa, o
ingresso de novos servidores, principalmente de especialistas, ganha sentido. Os
novos agentes passaram a ser vistos pela direção do órgão como ferramentas que
tanto viabilizariam as pesquisas etnográficas quanto, a partir delas, auxiliaria o
Serviço a mudar sua operacionalidade. Objetivo que foi claramente exposto no
conteúdo do ofício encaminhado por Donatini ao Ministério da Agricultura
solicitando a contratação daqueles técnicos:
Visam as pesquisas de campo propostas no presente plano, não só os problemas de especulação científica como, também, os de natureza prático-administrativa, pois serão realizadas junto as tribos controladas por este Serviço, em seus postos indígenas, no sentido da avaliação dos resultados obtidos pelos processos até agora postos em prática e, ao mesmo tempo, examinar as possibilidades de substituição daqueles cujo rendimento tem sido precário.
254
Para Donatini, o ingresso de novos agentes além de viabilizar as pesquisas
cientificas preconizadas por Serpa, também tornava possível algo muito específico:
elas forneceriam as bases da estrutura mental e organizacional das sociedades
indígenas. E, de posse delas, era possível organizar ações que viessem a acelerar
pedagogicamente o processo de integração dos índios. Ou dito de outro modo, o
253
Sumula – resumo do relatório de 1947. MF. 335, FG. 844. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 254
Ofício número 551. MF. 379, FG. 200. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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que a direção do SPI buscava não era registrar por meio de pesquisas etnográficas
a cultura indígena a fim de melhor preservá-la, mas melhor conhecê-la para poder
agir sobre ela de modo a acelerar a integração dos índios à sociedade nacional.
Sobre o episódio de contratação que envolveu Darcy Ribeiro, ele próprio
disse em Confissões255 que foi contratado para trabalhar no CNPI após uma carta
de recomendação encaminhada por Baldus a Rondon, lida pelo Cel. Amilcar
Botelho de Magalhães, então secretário do Conselho, diante de Rondon. Deste
encontro saiu contratado. A carta na qual Darcy Ribeiro se referiu não foi localizada
entre a documentação arquivada no Museu do Índio, nem em seu arquivo pessoal
depositado na Fundação que leva o seu nome. Fato que Darcy Ribeiro foi
contratado por Donatini para atuar no SPI, inicialmente por um período de sete
meses, tendo como tarefa específica produzir um estudo sobre o grupo que
visitaria para suprir o SPI com informações que acelerassem o processo de
integração dos índios assistidos pelo Serviço.
5.3. As pesquisas científicas da Seção de Estudos
Os primeiros quatro meses de trabalho de Boudin e Darcy Ribeiro foram
dedicados a escolha dos grupos indígenas que iriam pesquisar. Em Confissões,
Darcy Ribeiro registrou que a escolha de um grupo indígena como sujeito de
pesquisa representa a “instância mais tensa da vida de um etnólogo”,256 visto que o
pesquisador, ao escolher o povo que irá pesquisar, “dedicará um longo tempo
preparando-se para ir a seu encontro. Depois, um tempo crucial de convívio com
eles por meses. Por fim, muitos anos, talvez a vida inteira, elaborando como saber
antropológico do que aprendeu deles”.257
O primeiro grupo indígena pesquisado por Darcy Ribeiro foi o dos índios
Kadiwéu. Mas contrariando sua própria memória retida em Confissões, onde
255
RIBEIRO, Darcy. Confissões, p.149. 256
Idem. p. 167. 257
Ibidem.
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colocou que a escolha de um sujeito de trabalho representa um momento de
grande tensão para o pesquisador, ao que tudo indica a escolha dos índios
Kadiwéu não passou por aquele processo. Darcy Ribeiro, na mesma obra,
informou que durante seu período de formação como etnólogo, na Escola Livre de
Sociologia e Política, já havia manifestado interesse por aqueles índios. Ainda
seguindo suas memórias ficamos sabendo que seu antigo professor e “padrinho”,
Hebert Baldus, acenou positivamente com a sua intenção.
Em “Pesquisas Etnológicas no Brasil”, também assinada por Darcy Ribeiro
em 1951, ele afirmou que a escolha dos índios Kadiwéu partiu de Serpa: “Foi
também em 1947 que ingressamos no SPI, iniciando, por sugestão do Dr. Herbert
Serpa, o estudo dos índios Kadiwéu”.258 Levando em consideração a data deste
ultimo artigo, podemos aferir que suas lembranças sobre aquela ocasião estavam
mais vivas em sua memória que as retidas em Confissões, de 1997, ou seja,
quarenta e seis anos após sua contratação.
259
258
Pesquisas etnológicas no Brasil: Atividades Científicas da Secção de Estudos do Serviço de Proteção aos
Índios. MF. 380, FG. 960 – 986. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 259
Foto 53 - Darcy Ribeiro entre os índios Kadiwéu, Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio.
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197
Não há certeza se Baldus influenciou ou não a escolha de Darcy Ribeiro
sobre o primeiro povo indígena a ser por ele pesquisado, mas ele foi, sem dúvidas,
o orientador no desempenho da pesquisa. Darcy Ribeiro, em janeiro de 1949,
escreveu a Baldus comentando sobre a pesquisa que estava organizando sobre os
índios Urubu:
Como no caso dos Kadiwéu o Sr. terá de nos orientar, é um projeto
ambicioso e só poderá ser realizado com segurança e inteiro
aproveito científico, se for muito bem orientado desde o início, e
para isso dependemos do Sr.260
No roteiro da primeira pesquisa de Darcy Ribeiro estava também incluída
uma rápida visita aos índios Terena e Kaiwá.261 Os três povos indígenas já haviam
sido visitados pela Equipe Etnográfica, mas, levando-se em consideração que as
pesquisas anteriores foram classificadas como insatisfatórias, o retorno era de
interesse do Serviço, que pretendia fazer uma avaliação das atividades
econômicas promovidas pelo SPI naqueles núcleos, e das quais não havia registro
textual, pois a Equipe restringiu-se ao registro imagético.
Mattos262 informou que a visita de Darcy Ribeiro aos índios vizinhos aos
Kadiwéu tinha como finalidade lhe propiciar treinamento e lhe oferecer alguma
base comparativa sobre a diferença entre os povos. Mas os índios do sul, assim
como os do nordeste, eram aqueles que apresentavam um alto grau de
envolvimento com a sociedade nacional. No entendimento dos agentes do SPI,
aqueles índios eram, portanto, os mais aptos a aceitarem as novas diretrizes que a
agência procurava implantar: intensificar o ritmo das atividades econômicas e,
como consequência, acelerar o processo de integração. Objetivos que ficam claros
nas palavras de Serpa:
O SPI ensaia, agora, os primeiros passos no sentido dessa reforma.
Tudo indica que deverá procurar concentrar cada vez mais suas
atividades junto daqueles grupos indígenas já amadurecidos por um
260
Carta de Darcy Ribeiro para Hebert Baldus datada de 1º de agosto de 1949. Correspondência geral, sub-
série correspondente Hebert Baldus. Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR). 261
Darcy Ribeiro visitou os índios Ofaié em sua segunda viagem aos índios do sul do Brasil. 262
MATTOS, André Luis Lopes Borges. Darcy Ribeiro, p. 87.
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contato maior, por um nível mais alto de aculturação, a fim de
proceder sua adaptação a novas condições de vida.263
O mesmo objetivo orientou a ida de Max Boudin para o nordeste do Brasil na
promoção de pesquisas linguísticas entre os índios Funi-ô e Kariri, ou seja, aqueles
grupos foram escolhidos devido ao seu alto grau de aculturação que os colocava
em condições de aceitarem, com menos resistência, um incremento econômico por
parte do SPI. Um objetivo tão pragmático exigia que outros contornos fossem
colocados a fim de suavizá-lo, para tanto, o próprio contexto da época serviu como
pano de fundo.
Andion Arruti264 informou que no final da década de 1930, e durante a
década de 1940, houve um interesse dos intelectuais em produzir descrições a
partir da observação local e direta dos “remanescentes” de populações indígenas
extintas. Buscavam, principalmente, curiosidades folclóricas que acreditavam
estarem em avançado processo de desaparecimento, e seu recolhimento poderia
auxiliar no entendimento da composição do folclore nordestino e, de modo mais
amplo, como elemento integrante da cultura nacional. Dentro destas inspirações
encontrava-se a preocupação com o mapeamento linguístico.265
O mesmo autor informou ainda que a implantação do primeiro Posto
Indígena no nordeste ocorreu em 1924, com a fundação do Posto General Dantas
Barreto, medida tomada pelo SPI graças a intervenção do religioso Alfredo Pinto
Damaso que tanto insistiu pela implantação daquela unidade quanto conseguiu
assegurar um quinhão de terra para outros grupos indígenas locais. A partir desta
data, incrementando-se nas décadas de 1930 e 1940, houve a fundação de novos
Postos, ainda com auxílio do mesmo religioso, mas também com o de Carlos
263
Notas críticas sobre a atuação do Serviço de Proteção junto aos índios no sul de Mato Grosso. MF. 381, FG.
1838. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 264
ANDION ARRUTI, José Maurício. Morte e vida do nordeste indígena, p.7. 265
Complementando a informação de Andion Arruti a respeito do interesse sobre o folclore brasileiro e temas
regionais, que envolvesse a contribuição da cultura indígena, é importante colocar que o SPI fazia parte da
Comissão Nacional de Folclore, organizada pelo Instituto Brasileiro de Estudos, Ciência e Cultura (IBECC),
participando, inclusive, das reuniões preparatórias para a formação daquele Conselho, e promovendo
exposições etnográficas para divulgação do assunto. Como representante do Serviço, foi nomeado Hebert
Serpa, chefe da SE. Estes dados reforçam a colocação de Andion Arruti sobre a inclusão da cultura indígena no
movimento folclórico. Sobre o assunto ver: MF. 374, FG. 685; MF. 335, FG. 824 e 851. Serviço de Arquivo
do Museu do Índio.
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199
Estevão de Oliveira, então diretor do Museu Goeldi. O interesse e o envolvimento
de Oliveira neste processo, e com os índios do nordeste, esteve primeiro
relacionado a sua origem: Carlos Estevão de Oliveira era nordestino e durante as
férias retornava à terra natal, aproveitando a ocasião para promover pequenas
observações etnográficas. Além disto, uma pesquisa realizada pelo Deputado
Mário Mello junto aos índios Kariri e Fulni-ô lhe despertou interesse, a ponto de
levá-lo a publicar, a partir das observações de Mello, uma análises sobre a família
linguística daqueles índios. Neste artigo, Carlos Estevão de Oliveira promoveu uma
comparação entre os vocábulos reunidos por Mello, com os recolhidos, entre os
mesmos grupos, pelo padre Luiz Vicenzo Mamiani e Von Martius. O resultado
dessas observações foi publicado em 1931 na Revista Paulista,266 onde Oliveira
deu início a discussão sobre as possíveis afiliações linguísticas daqueles povos:
De tudo que fica dito, entretanto, só um ponto está isento de toda e
qualquer dúvida. É a necessidade de um escrupuloso trabalho de
investigação a cerca dos interessantíssimos “Funió”, visando
principalmente, a sua lingüística, a sua cultura material, moral e
intellectual.267
Em outro artigo publicado por Oliveira,268 no Boletim do Museu Nacional,
ficamos sabendo que, entre os anos de 1935 a 1937, ele promoveu novas
pesquisas etnográficas e arqueológicas nos sertões nordestinos de Pernambuco,
Bahia e Alagoas, tendo visitado além dos índios Fulni-ô os índios Pankararú,
respectivamente, de Brejo-dos-Padres e de Águas Belas. Naquela publicação,
declarou que os índios apresentavam um vasto campo de estudos a ser explorado,
e que devido às condições em que viviam, necessitavam de rápida proteção.
Argumentou ainda que:
266
OLIVEIRA, Carlos Estevão. 1931. “Uma lenda tapuya dos apinagé do Alto Tocantins”. Revista do Museu
Paulista. São Paulo, t. XVII. 267
OLIVEIRA, Carlos Estevão. Os “Carnijó” de Águas Bellas, p. 527. 268
OLIVEIRA, Carlos Estevão. O ossuário da ‘gruta do padre’ em Itaparica e algumas notícias sobre
remanescentes indígenas do Nordeste. 1938-1941.
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200
A que família lingüísticas pertenciam os povos reunidos no “Brejo”, é
assunto que não foi ainda explorado. Os vocabulários por mim
levantados demonstram a existência de, pelo menos, três dialetos.269
Ou seja, até 1941 ainda não estava definido a que tronco linguístico
pertencia os índios Funi-ô, Kariri e Pankararú. Em 1948, sete anos depois do artigo
de Oliveira, Arion Dall’ Igna Rodrigues270 publicou na Revista Paulista um texto
sobre os índios Kariri. Ele afirmava que a língua dos índios Kariri já era bastante
conhecida, dispensando estudos ao contrário de sua cultura material e imaterial,
totalmente desconhecidas. As fontes utilizadas por Dall’Igna como base para sua
afirmação foram duas listas vocabulares: uma recolhida pelo Padre Luiz Vicenzo
Mamiani, organizada em 1699, e a outra por Frei Bernardo de Monte, datada de
1709, sendo que a primeira foi a mesma utilizada por Oliveira. Pela bibliografia
utilizada por Rodrigues, podemos aferir que até 1948 ainda não havia estudos
recentes que viesse a classificar a família linguística daqueles povos.
Andion Arruti271 também informou que a partir do reconhecimento das terras
Funi-ô, outros povos indígenas do nordeste passaram a reivindicar a propriedade
das terras que ocupavam, obrigando ao SPI promover novas demarcações ou
comprar fazendas para fixá-los. Diante do quadro apresentado, podemos levantar a
hipótese de que a escolha dos índios Kariri e Funi-ô, como sujeito de estudos para
os agentes da Seção de Estudos, esteve também relacionada à necessidade do
SPI em definir a qual tronco linguístico pertenciam aqueles índios. Interesse que
atenderia à comunidade científica e auxiliaria a agência em seus processos
demarcatórios, pois uma vez comprovado que aquelas comunidades apresentavam
elementos étnicos que as diferenciavam do conjunto populacional, onde a língua
funcionava como elemento irrefutável, o SPI estaria munido para tecer suas
argumentações nos processos que estavam em andamento.
269
OLIVEIRA, Carlos Estevão. O ossuário da ‘gruta do padre’ em Itaparica e algumas notícias sobre
remanescentes indígenas do Nordeste, p. 157. 270
RODRIGUES, Arion Dall’ Igna. Notas sobre o sistema de parentesco dos índios Kariri, 1948. 271
ANDION ARRUTI, José Maurício. Morte e vida do nordeste indígena, pp. 22 -3.
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201
Sobre as pesquisas realizadas por Max Boudin e Darcy Ribeiro, as
informações contidas no resumo do relatório da Seção de Estudos de 1947272
mostram que aqueles agentes realizaram suas pesquisas nos três últimos meses
do ano de 1947. Além de estarem relacionadas a suas áreas de conhecimento, a
pesquisa teve por resultado um documentário fotográfico dos aspectos etnográficos
dos povos visitados e uma coleção de objetos.273 Ainda segundo o mesmo
documento, os relatórios por eles apresentados vieram acompanhados de críticas
sobre a atuação do SPI e de sugestões para solução dos problemas encontrados.
Fora de suas áreas de conhecimento, eles promoveram o recolhimento de
amostras sanguíneas para tast-teste a pedido do Instituto Oswaldo Cruz.
Provavelmente para atender às pesquisas do médico Ernani Martins que vinha
organizando estudos daquela natureza contando com o apoio do SPI. Também
promoveram o recenseamento dos povos visitados, como era o objetivo de
Donatini. O mesmo documento informou ainda que o material por eles recolhido
aumentou o conteúdo do material científico que o SPI vinha organizando em seus
arquivos, como também auxiliou o SPI em sua empreitada de transformação
daqueles índios em agricultores rurais.
Sendo de profunda complexidade a compreensão dos estudos
interculturais nas zonas neo-brasileiras, em função de criar
harmonia política entre indígenas, mestiços e nacionais civilizados,
antevemos para o próximo futuro uma real possibilidade de
execução dos trabalhos indigenistas do SPI, dentro de uma
realidade nacional, evitando-se o enquistamento de grupos
indígenas cuja missibilidade nunca se fará suficientemente rápida e
272
Resumo do relatório da Seção de Estudos de 1947, MF. 335, FG. 844. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio. 273
Devido a falta de informação não foi possível levantar o número de objetos encaminhados a SE por Max
Boudin e Darcy Ribeiro. Primeiro porque inexistem, nos documentos textuais concentrados no Serviço de
Arquivo do Museu do Índio, as listagens dos objetos por eles recolhidos; segundo o Livro de Tombo, aberto
somente em 1949, não relaciona os coletores dos objetos. Podemos simplesmente fazer um levantamento dos
objetos pertencentes aos grupos visitados tanto pela Equipe quanto pelos especialistas, como também pelas
chefias da Seção de Orientação e Assistência e os remetidos pelas Inspetorias Regionais a pedido da Direção
do Serviço durante o período que estamos tratando sem, no entanto, afirmarmos que se tratam dos objetos
recolhidos por aqueles agentes. O livro de Tombo registrou, para o ano de 1949, os seguintes objetos: 149
objetos Kaingang; 25 objetos Carnijó; 19 objetos Umutina; 13 objetos Bororo; 12 objetos Potiguara; 10 objetos
Pakidai; 7 objetos “índios do Xingu”; 7 objetos Pareci; 6 objetos Mehinako; 6 objetos Funi-ô; 5 objetos
Xavante; 4 objetos Kadiwéu; 3 objetos Terena; 3 objetos Baniwa; 3 objetos Kuikuro; 2 objetos Tikuna; 2
objetos Trumay; 1 objeto Karajá; 1 objeto Guarani; 1 objeto Tukano; 1 objeto Waurá; 1 objeto Desana; 1
objeto Kamayurá; 1 objeto Kanela e 1 objeto Palikur.
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202
econômica, sem levar em conta os enormes problemas que
representam os conflitos culturais.274
Ou seja, tão ou mais importante que as informações científicas e os objetos
etnográficos para comporem os arquivos textual e etnográfico do órgão, eram as
informações que viessem a ser utilizadas como “ferramenta” contra aqueles povos,
utilizadas para o processo de sua integração, via incremento econômico, a fim de
acelerar o processo de transição daquelas comunidades em sertanejas. As
pesquisas promovidas pelos “especialistas” tinham, acima de tudo, o objetivo de
instrumentalizar o SPI naquela empreitada. As informações recolhidas por eles, e
posteriormente sistematizadas, ofereceriam soluções a uma variada gama de
problemas ainda não resolvidos pelo Serviço. Ao final de todo o processo os
ganhos para o SPI seriam: a paz social pela eliminação dos conflitos entre índios e
não-índios; a redução dos custos envolvidos naquele programa e a criação de
excedente de mão-de-obra. Segundo Lima,275 o período entre o final da década de
1940 e início da de 1950 ficou marcado, no campo indigenista, pelo incremento do
trabalho indígena nos Postos, visando o crescimento da renda indígena com o uso
do patrimônio dos índios, constituído de semi-moventes, ferramentas, máquinas,
terra, cujo controle, já em mãos dos diligentes do SPI, se procuraria ampliar.
Independente dos recolhimentos de objetos etnográficos, efetivados pelos
especialistas, o acervo daquele tipo de material continuava crescendo, em
conformidade com o modelo que já vinha sendo adotado nos períodos anteriores;
ou seja, coleções remetidas pelas chefias das Inspetorias Regionais a pedido da
direção do Serviço. Naquele ano foram remetidos para a Seção de Estudos
conjuntos de objetos oriundos das Inspetorias IR-1, IR-8 e IR-9,276 que atendiam
aos índios localizados nos estados do Amazonas, Goiás e Pará.
274
Resumo do relatório da Seção de Estudos de 1947, MF. 335, FG. 847. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio. 275
LIMA, Antonio Carlos de Souza. Um grande cerco de paz, p. 246. 276
Pedidos contidos nos ofícios números, 481; 987 e 1254. MF. 374, respectivamente nos FGs. 154, 410 e
563. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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203
Solicito determineis providencia no sentido de que a Agencia
Pestana de Transporte Ltda, retire três (3) caixas contendo material
indígena, remetido a esta Diretoria pela 1º Inspetoria Regional,
sediada em Manaus, Estado do Amazonas, embarcadas no vapor
“Duque de Caxias” a 5 de março passado.277
A Seção de Estudos encerrou o ano de 1947 com duas pesquisas
etnográficas efetivadas por técnicos especializados o que significou o fim da
Equipe Etnográfica. A partir daquelas contratações, seus componentes passaram a
condição de “pessoal de apoio”, encarregados de gerenciar os laboratórios
fotográficos e cinematográficos, quando não, seguiam junto com os etnólogos
como técnicos naquelas especialidades.
Os resultados daquelas pesquisas foram publicados nos anos posteriores.
As de Max Boudin saiu em 1950, na Revista Cultura278, publicação do Ministério da
Educação e Saúde e na Revista Verbum,279 da Universidade Católica do Rio de
Janeiro. A de Darcy Ribeiro saiu na Revista do Museu Paulista,280 em 1948, edição
especializada em etnologia indígena, da qual Baldus era o responsável. Para Darcy
Ribeiro o espaço aberto por Baldus naquela Revista significava sua inserção como
membro da comunidade antropológica e seu fortalecimento interno. Para o SPI, as
publicações, tanto de Boudin quanto de Ribeiro, significavam o “sombreamento” do
estigma de agência incapaz de resolver o problema indígena e de promotora da
desorganização social de grupos étnicos. Em curto, e médio prazo, a tal perfil seria
sobreposto o de agência integracionista, cuja base de trabalho era organizada a
partir de modelos científicos, desenvolvidos e difundidos por seus agentes por meio
de pesquisas, reconhecidas pelos veículos próprios. Em outras palavras, era a
tentativa do SPI de obter reconhecimento por suas ações junto à comunidade
científica. Essa assertiva encontra ressonância nas palavras ditas por Baldus em
1948, quando expressou sua opinião sobre o Serviço:
277
Ofício nº 481, de 30 de abril de 1947. MF. 374, FG. 127. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 278
MAX, Boudin. Aspectos da vida tribal dos índios fulni-ô, 1950. 279
MAX, Boudin. Singularidades da língua ia-té, 1950. 280
RIBEIRO, Darcy. Sistema familial Kadiwéu, 1948.
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204
Todos os esforços do Serviço de Proteção aos índios estavam
dirigidos, até agora, unilateral e exclusivamente para aproximar da
nossa cultura as tribos do Brasil, pacificando as hostis e
acaboclando as outras. Tentava-se aplicar a chamada
“administração direta”, da qual portugueses e franceses se servem
nas suas possessões africanas, procurando substituir a cultura
indígena pelas nossas instituições (...). A “administração indireta”,
usada em colônias inglesas, conserva a cultura indígena o mais
possível, tornando-a como ponto de partida de um desenvolvimento
orientado para evitar choques que poderiam desorganizá-las. A
orientação é dada por etnólogos (grifos do autor).281
As pesquisas desenvolvidas pelos etnólogos da Seção de Estudos, e sua
difusão, não ficaram restritas aos objetivos do Serviço. Elas também serviram para
que Serpa reforçasse seu discurso em defesa da contratação de novos técnicos, e
o auxiliou a colocar a Seção de Estudos em igualdade de condição com as
instituições cientificas, conforme mostra o seguinte trecho:
é indispensável a SE a compreensão da Diretoria no que diz
respeito ao aumento do seu quadro técnico e progressiva liberdade
de ação funcional a fim de que possa manter relações oficiais e
cooperação científica isentas da rotineira limitação burocrática, visto
que a SE, por sua natureza mesma, tem de servir normativamente
ao SPI e, cientificamente, a Cultura Nacional Brasileira, visto como
sua ação técnica não se poderá restringir ao âmbito administrativo
de um Serviço Público, ultrapassando-o porque realiza estudos e
trabalhos técnicos de repercussão universal, trabalhos e estudos
esses equivalentes ao de nível universitário, quanto a cultura, e, aos
das expedições científicas do mais alto nível, sendo que se
particulariza excepcionalmente com única instituição de pesquisa
anuais programadas em antropologia no Brasil.282
Para Serpa a contratação de novos funcionários significava a expansão das
atividades da Seção de Estudos que, até aquele momento, estava quase
exclusivamente voltada para as pesquisas etnográficas e para a montagem de
exposições etnográficas durante as comemorações do “Dia do Índio”. No seu
281
BALDUS, Hebert. Tribos da bacia do Araguaia e o serviço de proteção aos índios, p. 162. 282
Atividade da Seção de Estudos em 1948. MF. 335, FG. 853. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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205
entendimento era necessário dar início a outras que se encontravam relacionadas
no seu estatuto jurídico, mas, antes que sua proposta fosse acolhida pela direção
do Serviço, novas pesquisas etnográficas foram organizadas.
Em 1948 Max Boudin permaneceu no Rio de Janeiro, e Darcy Ribeiro
retornou aos núcleos indígenas por ele já visitados para complementar seus
primeiros registros, obtidos nos últimos meses de 1947. Nesta nova etapa foi
incluída uma visita aos índios Ofayé. Antes de embarcar para a empreitada, em
quatro de fevereiro, Darcy Ribeiro escreveu para Baldus283 informando que não
acreditava que sua contratação definitiva ocorresse antes de março daquele ano.
Aquela informação deixa entrever que ambos estavam preocupados com a
possibilidade do SPI não renovar o contrato dos pesquisadores. Para Baldus a
permanência da Darcy Ribeiro no SPI era estratégica, porque significava a
manutenção da influência da etnologia paulista sobre o SPI, ou seja, representava
a hegemonia da etnologia paulista sobre a praticada na capital federal na condução
da política indigenista oficial. E, ainda, abria uma oportunidade de futuros
financiamentos por parte da agência para pesquisas, tanto suas quanto de agentes
relacionados a seu círculo social, como também viabilizava o pronto atendimento
de seus pedidos de autorização de entrada nas áreas controladas pelo SPI.
Contudo, a permanência de Darcy Ribeiro no SPI enfraquecia a influência do
Museu Nacional sobre o Serviço, já que aquela instituição além de não ter nenhum
de seus técnicos atuando no órgão, ou sendo financiado por ele, estava, naquele
momento, com seu canal de interlocução com o Serviço interrompido, devido às
poucas afinidades ideológicas entre o diretor do SPI e grupo formador do Conselho
Nacional de Proteção aos Índios, local onde o Museu Nacional se fazia
representar. Aquelas preocupações foram dissipadas em maio, já que Donatini
renovou os contratos de trabalho de Max Boudin e Darcy Ribeiro, a fim que eles
pudessem sistematizar as pesquisas que tinham realizado no ano anterior.
Os resultados daquelas pesquisas circularam nos anos posteriores. Darcy
Ribeiro publicou dois trabalhos sobre os Kadiwéu e um sobre os Ofeié. Os
283
Carta de Darcy Ribeiro a Hebert Baldus datada de 04 de fevereiro de 1948. Correspondência geral; sub-
série correspondente Hebert Baldus, acervo Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR).
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206
trabalhos sobre os Kadiwéu tiveram os respectivos títulos: “Arte dos índios
Kadiweú” e “Religião e Mitologia Kadiwéu”, ambos de 1950. O trabalho sobre os
Ofaié,284 circulou no ano seguinte na Revista do Museu Paulista. Destas
publicações uma merece destaque, trata-se de “Religião e Mitologia Kadiwéu”,
artigo que antes de ser publicado pelo Ministério da Agricultura foi premiado em
São Paulo pelo concurso “Fábio Prado”. Esta premiação, que contou com uma
grande ajuda de Baldus285, o que possibilitou que o nome e o trabalho de Ribeiro
fosse reconhecido no interior da comunidade antropológica, como também marcou
as primeiras preocupações de Darcy Ribeiro com a arte indígena.
Em 1949 a Seção de Estudos deu início a um novo projeto de pesquisa
etnográfica e linguística. O povo escolhido foi os índios Kaapor, localizados no
Estado do Maranhão. A escolha foi defendida por Darcy Ribeiro como tendo sido
motivado, primeiro, pela experiência acumulada tanto dele quando por Max Boudin
nas pesquisas anteriores, o que os deixavam aptos a se lançarem a um projeto de
maior envergadura; segundo, tratava-se de um dos maiores povos de língua tupi
com pouco contato com a população envolvente, situação provocada pela sua
localização geográfica e pelo poucos anos da ocorrência de sua pacificação,
realizada por Curt Nimuendajú, em 1928. A documentação não apontou outros
motivos que estiveram na base daquela escolha, mas dois outros fatos bem que
poderiam ter influenciado, no entanto, não se acham registrados.
O primeiro era o conhecimento que José da Gama Malcher, então chefe da
Seção de Orientação e Assistência, tinha sobre aquela região e dos grupos
indígenas que nela habitavam com exceção dos índios Kaapor, o que poderia ter
influenciado o SPI pela sua escolha. Além disto, o Museu Nacional já havia feito
284
RIBEIRO, Darcy. Notícias sobre os Ofaié-Chavante, 1951. 285
A composição da mesa julgadora do prêmio “Fábio Prado” era de responsabilidade de Sérgio Buarque de
Holanda, então diretor do Museu Paulista e chefe de Hebert Baldus, que naquele ano foi indicado por Holanda
para dela fazer parte junto com Osmar Pimentel e Alice Canabrava da mesa julgadora. Após o anúncio do
nome de Darcy Ribeiro como vencedor, um leitor do Jornal das Letras – RJ encaminhou um questionamento
sobre a lisura do prêmio fazendo referências às relações entre os integrantes da mesa julgadora e o premiado.
Saiu em defesa dos integrantes da Mesa, Sérgio Buarque de Holanda, que encaminhou para aquele jornal um
artigo contra o questionamento levantado. As correspondências trocadas entre Baldus e Darcy Ribeiro sobre
este assunto encontram-se no arquivo pessoal de Darcy Ribeiro, organizado na fundação que leva o seu nome.
Sobre o assunto ver também: MATTOS, André Luis Borges de. Darcy Ribeiro, pp. 95-9.
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207
uma pesquisa entre os índios Tenetehara,286 grupo vizinho aos Kaapor, cujo
material, em parte, já vinha sendo divulgado; deixando claro o grau de
“assimilação” daqueles índios na economia local.
José da Gama Malcher, antes de ser convidado por Danatini para assumir a
chefia da Seção de Orientação e Assistência em três de setembro de 1947, foi
chefe da 2º Inspetoria Regional localizada na cidade de Belém, estado do Pará,
após ter sido aprovado em concurso público promovido pelo DASP em 1940.
Aquela inspetoria estava desde a década de 1920 promovendo os trabalhos
assistencialistas dos povos indígenas localizados no estado do Maranhão, situação
que se manteve até a década de 1970. Malcher como chefe da IR-2 viajou em
1941 para São Luís a fim de providenciar a reinstalação da 3º Inspetoria Regional
responsável pelos índios daquele estado que se encontrava desativa. Ainda no
mesmo ano fez outra viagem aquele estado para conhecer os postos indígenas e
constatou que muitos estavam desativados, em total abandono, e outros, como
Gonçalves Dias, então o primeiro posto instalado pelo SPI, estava funcionando
precariamente. O conjunto de medidas que tomou e o itinerário que percorreu
foram informadas em seu relatório encaminhado ao então diretor do SPI, Cel.
Vasconcellos.287 Neste documento observamos que Malcher não se deteve aos
índios Kaapor, focando sua atenção sobre os Tenetehara, Krikati, Gavião e
Timbira. Ou seja, Malcher, como ex-chefe da Inspetoria Regional 2, responsável
pela assistência dos índios do Maranhão e naquele momento como chefe da
Seção de Orientação e Assistência, tinha pouco conhecimento sobre os índios
Kaapor. Situação que nos leva a crer que parte do projeto de pesquisa sobre
aqueles índios também esteve relacionada à necessidade do Serviço em obter
maiores informações sobre aquela etnia, e elaborar medidas que a colocasse apta
às ações integralistas da Agência. O que responde em parte as declarações de
Darcy Ribeiro sobre o pouco conhecimento que se tinha sobre os índios Kaapor.
Outro fator que teve de ser corroborado para a escolha dos índios Kaapor,
pelos técnicos da Seção de Estudos, era o conhecimento que se tinha sobre seus
286
O povo Tenetehara é também conhecido com Guajajara. Boletim do Museu do Índio nº 8. 1998. 287
Relatório de José Maria da Gama Malcher. MF. 391, FG. 4 á 15; 39 á 44. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio.
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208
vizinhos, os Tenetehara. Por parte de Malcher, que já havia visitado toda a área
que estes índios ocupavam, foram promovidas algumas medidas nos postos
indígenas que lhe davam auxílio, entre elas, o funcionamento de uma escola que
se encontrava desativa. E ainda o Museu Nacional, que havia realizado uma
pesquisa entre aqueles índios em 1941. Naquele ano os Tenetehara foram alvo de
uma investigação realizada pelo antropólogo americano Charles Wagley, como
parte do acordo informal entre aquela Instituição e a Universidade de Columbia.
Acompanhou Wagley, entre aqueles índios, o então estudantes de etnologia do
Museu Nacional: Eduardo Galvão, Nelson Teixeira e Rubens Meanda.
Os trabalhos de pesquisa do grupo se estenderam até março de 1942. Em
fevereiro de 1945, Eduardo Galvão retornou ao grupo por um período de quatro
meses, e complementou os dados levantados na primeira estadia. Conjunto de
informações publicadas em inglês, em 1949, e em português, em 1961. A
conclusão que Charles Wagley e Eduardo Galvão chegaram foi a de que os
Tenetehara estavam em franco processo de aculturação e assimilação, vivendo um
intenso relacionamento com a sociedade regional em expansão e com a tendência
para abandonar muitos dos seus costumes originais.288 Informação que os
colocava como alvo das novas medidas administrativas do SPI.
Diante do quadro exposto, era estratégico para o SPI promover uma
pesquisa entre os Kaapor, visto que sobre o seu vizinho, os Tenetehara, já era
possível promover um mapeamento da situação na qual se encontravam; restando
para tanto realizar um mapeamento da situação dos Kaapor. Estes fatores não
constam na documentação como o motivo que levou a Seção de Estudos a
promover uma pesquisa naquela região, mas, provavelmente, eles contribuíram
para a escolha dos índios Kaapor como sujeito de pesquisa. Ou seja, além dos
motivos expostos por Darcy Ribeiro para a realização daquela pesquisa, esta,
assim como as outras, foi orientada para identificar o grau de assimilação dos
índios Kaapor, a fim de criar medidas mais adequadas que viessem a intensificar
os trabalhos para a sua integração, que tiveram início na gestão de Malcher289 com
288
WAGLEY, Charles; GALVÃO, Eduardo. Os índios Tenetehara, p. 10. 289
O relatório de Darcy Ribeiro encaminhado à direção do SPI em nenhum momento cita a pesquisa que o
Museu Nacional fez entre os índios Tenetehara (Tembé), no início da década de 1940, citando apenas
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209
outros povos da região. Era necessário identificar o “melhor” método de ação para
“adaptar” aqueles índios a um meio de produção mercantil, cujo rendimento viesse
a desonerar o caixa do SPI. E de certa maneira Darcy Ribeiro o fez, quando
indicou em seu relatório o melhor mecanismo para se extrair do grupo serviços que
viessem ao encontro daquele objetivo:
A solução hoje é concentrar num local adequado aqueles que o
desejem, orientados por autoridades que lhes mereçam respeito, e
iniciar uma empresa de produção coletiva, venda e distribuição de
produtos, proporcionalmente a contribuição da cada índio. Será
trabalho difícil que só atrairá aos índios depois de demonstrar
resultados positivos. As terras do Gurupi se prestam otimamente a
produção da cana de açúcar, arroz, feijão e mandioca, para cujo
desdobramento o posto tem máquinas; pode ser tentada também a
plantação da pimenta do reino e outras culturas mais adiantadas e
rendosas como o café e o cacau para elas existem um amplo
mercado.290
No entanto, antes que aquele programa fosse iniciado, Max Boudin retornou
ao nordeste brasileiro em meados de 1949, para revisitar os índios Fulni-ô, a fim de
finalizar suas pesquisas. Esta viagem ocorreu durante o intervalo imposto pela
demora na liberação da verba da Seção de Estudos para o início das pesquisas
entre os índios Kaapor. Se por um lado aquele problema administrativo viabilizou o
retorno de Max Boudin para o nordeste, por outro, alterou significativamente o
projeto inicial das pesquisas aos índios Kaapor, que foi organizado contando com
três viagens àquela região. A primeira estava programada para ocorrer na primeira
quinzena de julho de 1949 e se estenderia até o final daquele ano, e as seguintes
aconteceriam nos anos subsequentes, ou seja, 1950 e 1951. Como a primeira
etapa ficou em parte inviabilizada, Darcy Ribeiro e Max Boudin reorganizaram o
projeto inicial. A solução encontrada foi prolongar a primeira viagem de 1949 e
pesquisas mais antigas. O relatório também não cita as medidas adotadas pelo SPI durante a gestão Malcher,
detendo-se a informar os trabalhos realizados pelo serventuário que o substituiu, no entanto, informou que
encontrou uma série de equipamentos agrícolas abandonados, adquiridos pelo SPI durante a década de 1940, e
que nunca haviam sido utilizados. RIBEIRO, D. Relatório do antropólogo Darcy Ribeiro 1949/1950, 1997. 290
RIBEIRO, D. Relatório do antropólogo Darcy Ribeiro 1949/1950, pp. 34-5, 1997.
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210
estende-la até o fim do primeiro trimestre de 1950, o que significava realizar em
uma só viagem duas etapas da pesquisa.
Em novembro de 1949 Darcy Ribeiro e Max Boudin, acompanhados do
fotógrafo e cinematografista Heinz Forthmann, partiram em direção ao Maranhão
para o encontro com os índios Kaapor, via rio Gurupi. Aquela pesquisa era bem
diferente das anteriores. Primeiro, porque foi projetada para cobrir o ciclo anual de
atividades daquele grupo, ou seja, cada visita teria uma duração de
aproximadamente quatro meses, sendo que a cada viagem os meses não se
sobreporiam. Segundo, o projeto contava com o acesso às aldeias por vias
distintas que partiriam tanto do estado do Maranhão quanto do Pará, iniciativa que
viabilizava cobrir todo o território habitado por aqueles índios. E, ainda, porque a
pesquisa envolvia os dois especialistas, que pela primeira vez seguiriam juntos a
fim de observarem o mesmo povo. A soma destes fatores colocava a pesquisa
sobre os índios Kaapor com características diferentes das pesquisas anteriores.
Pela primeira vez as pesquisas etnográficas da Seção de Estudos não se
concentravam em povos indígenas com um elevado grau de contato com a
população envolvente, e uma aparente “assimilação” de padrões econômicos e
sociais exógenos. O projeto buscava um estudo completo daquele povo: língua,
estrutura social, econômica, religiosa e política. Contava ainda com um
documentário fotográfico e cinematográfico. Segundo Darcy Ribeiro, o projeto de
pesquisa dos índios Kaapor representava o “mais ambicioso programa de estudos
etnológicos já tentados no Brasil”.291
291
RIBEIRO, Darcy. Pesquisas etnológicas no Brasil. MF. 380, FG. 973. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio.
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211
292
O grupo deixou a região em abril de 1950, chegando ao Rio de Janeiro no
mês seguinte, munido de um farto material linguístico, fotográfico e etnográfico. O
primeiro, reunido por Max Boudin, que não se restringiu aos índios Kaapor,
estendendo-o a outros dois povos da região: os Tembé e Tenetehara. Material
recolhido durante sua temporada no Posto Indígena Pedro Dantas que abrigava
indivíduos daquelas etnias. O material fotográfico foi captado por Fortamann e o
etnográfico por Darcy Ribeiro que contava com uma coleção etnográfica, pequena,
segundo ele, visto que os índios Kaapor estavam vitimados por uma epidemia de
sarampo, que os levou a abandonar suas aldeias para se refugiarem nas matas,
estado físico e ambiente social que inviabilizou a produção plena da pesquisa.293
Em agosto de 1951 ocorreu a segunda viagem. O grupo alcançou os índios
Kaapor via rio Pindaré, localizado na divisa do estado do Maranhão e Pará. Esta
nova viagem, com um intervalo de um ano e alguns meses da primeira, ocorreu em
um período de menor incidência de chuvas e encontrou os índios Kaapor em
melhor estado de saúde; o que resultou em um volume maior de objetos
etnográficos e na promoção de um filme sobre grupo. Os resultados destas
292
Foto 54 - Reprodução fotográfica de Max Boudin, Darcy Ribeiro e Heinz Foerthamann durante pesquisa
aos índios Kaapor, retirada do livro Diários Índios, de Darcy Ribeiro, p. 48. 293
Sobre as duas viagens em que Darcy Ribeiro empreendeu nas aldeias Kaapor e a coleção etnográfica que
organizou ver: COUTO, Ione Helena Pereira. Darcy e os Urubus, 2005.
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212
pesquisas foram publicados nos anos seguintes, por Darcy Ribeiro e por Max
Boudin. O primeiro publicou em 1955, nos anais do Congresso Internacional de
Americanistas, o artigo “Os Índios Urubus: ciclo anual das atividades de
subsistência de uma tribo na floresta tropical”, e, em 1957, “Arte plumária dos
índios Kaapor”. O segundo publicou, em 1950, “Apontamento para um estudo da
língua Krê-Yê”.
5.4. Os financiamentos da Seção de Estudos
Paralelamente à primeira pesquisa de Darcy Ribeiro e Max Boudin aos
índios do sul do centro oeste e nordeste brasileiro, a política de “boa vizinhança”
entre Baldus e a direção do SPI continuava. Em meados de 1947, Baldus foi
convidado por Donatini para, em sua companhia, como representante do Museu
Paulista e da Escola Livre de Sociologia e Política, participar de uma inspeção aos
postos indígenas localizados na bacia do rio Araguaia, região habitada pelos índios
Karajá, Tapirapé e Javaé.
O convite feito a Baldus estava relacionado às intenções do SPI em estreitar
os laços com a “antropologia” paulista, e assim afastar-se da “antropologia”
praticada no Rio de Janeiro, representada pelo Museu Nacional.294 No
entendimento de Donatini, a ideologia do Museu Nacional estava associada às de
Rondon, com a qual a direção do Serviço vinha se incompatibilizando. Outro fator
que levou ao convite, foi o conhecimento que Baldus tinha dos índios daquela
região, principalmente dos índios Tapirapé, com os quais vinha, desde 1935,
colhendo material para pesquisa.
294
Assim com Baldus, Charles Wagley também era um pesquisador dos índios Tapirapé, que constituíram
tema de sua primeira pesquisa no Brasil, iniciada em 1939, ano que selou o convênio entre o Museu Nacional e
a Universidade de Columbia. O conteúdo de suas observações vinha sendo publicado pelo Museu Nacional
desde 1943, mas, mesmo assim, seu nome não foi cogitado para participar daquela viagem, o que reforça a
suspeita de que Donatini procurava alguém, detentor de conhecimento sobre um determinado povo, cujo nome
não estivesse vinculado ao Museu Nacional.
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213
Para Baldus aquele convite representava a oportunidade de aprofundar seus
conhecimentos sobre os Tapirapé e assim finalizar suas pesquisas sobre aquela
comunidade. Desse modo, poderia conhecer um pouco mais os índios Karajá e
Javaé, como, também, era a oportunidade de interferir na política indigenista oficial,
já que o propósito da viagem foi o de oferecer ao SPI sugestões para uma
mudança nos padrões administrativos da agência, situação que também resultaria
no fortalecimento de seus laços com aquela instituição.
Para a Seção de Estudos a viagem de Baldus representou o primeiro
“financiamento” dado pela agência a um agente externo ao Serviço. Com o apoio
financeiro do SPI, Baldus teve seu deslocamento, acomodação e alimentação
garantidas por um período de três meses. Como produto desta viagem o SPI
recebeu um relatório do pesquisador contendo suas observações; publicado em
1948, na Revista do Museu Paulista.
Um ano mais tarde, em maio de 1948, após o término da excursão, Darcy
Ribeiro, em correspondência com Baldus, informou que tanto suas pesquisas
quanto aquelas que fossem por ele indicadas estavam garantida por verbas da
Seção de Estudos. Ou seja, estava garantido os recursos financeiros destinados a
pesquisas organizadas por agentes externos ao Serviço, que foi incluído no
orçamento da Seção de Estudos como parte de seu plano de trabalho.
Sobre a possibilidade de contribuição financeira do SPI para a
realização de trabalho de campo do Museu, tenho boas noticias: o
terreno esta bem preparado e qualquer proposta que o Sr. mandes
neste sentido será aprovada pelo Serpa e pelo Donatini. Entretanto,
acho conveniente mandar o quanto antes o plano de trabalho, se
vier enquanto eu estiver aqui saberei fazê-lo correr depressa pelos
célebres “canais” e como lhe disse, o SPI poderá financiar este ano:
1) despesa de viagem do técnico; 2) despesa de embalagem e
transporte de coleção etnográfica; 3) salário de quatro trabalhadores
a razão de 20 cruzeiros por dia, durante quatro meses e; 4) verba
para aquisição de brindes para os índios. O SPI poderá
provavelmente financiar também pesquisa do Schaden ou de outro
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214
etnólogo, caso o Sr. queira apadrinhá-lo em nome do Museu ou da
Escola e nos mandar o plano.295
Até 1948 não estava relacionada, no plano de trabalho da Seção de
Estudos, verbas destinadas a pesquisas etnográficas que não fossem realizadas
por seus técnicos. Pesquisas realizadas por agentes externos contavam apenas
com o apoio administrativo do SPI, traduzido em hospedagem para os
pesquisadores e, em alguns casos, no transporte entre os postos e a Inspetoria,
feito em veículos de propriedade do Serviço. O ingresso e a permanência de Darcy
Ribeiro na Seção de Estudos, associado às pesquisas que vinha promovendo e à
rede social com a qual se encontrava envolvido, acabou viabilizando a criação de
medidas voltadas para a concessão de recursos financeiros a agentes externos;
que passaram a ser previamente programadas e incluídas no orçamento da Seção.
Ainda como resultado da permanência de Darcy Ribeiro nos quadros da
Seção de Estudos, as autorizações para entrada em área indígena controladas
pelo SPI e as concessões para financiamento, foram orientadas, principalmente,
para Baldus. Ele e aqueles envolvidos no seu círculo social foram os maiores
beneficiários. Para se ter uma ideia, Harald Schultz, então assistente de Baldus,
teve todos os pedidos de autorização concedidos, tanto para pesquisas
etnográficas, envolvendo o recolhimento de coleções, quanto o apoio pela
infraestrutura do Serviço. A partir de 1949 a Seção de Estudos passou a contar
com recursos próprios para pesquisas externas oferecendo, além do apoio
administrativo dos postos indígenas; o transporte do pesquisador até a área onde
efetuaria sua pesquisa; verbas para pagamento de informante, de auxiliares de
“campo” como remeiros e cozinheiros e para a compra de “brindes” para os índios.
O primeiro beneficiado com aquela medida foi o então professor da Escola
Livre de Sociologia e Política, Kalervo Oberg, e seu aluno, Fernando Altenfelde
Silva, que a partir dos recursos financeiros disponibilizados pela Seção de Estudos
295
Carta de Darcy Ribeiro para Hebert Baldus datada de 24 de maio de 1948. Série correspondência geral,
sub-série correspondente Herbert Baldus. Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR).
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215
deram início às suas pesquisas junto aos índios do Xingu.296 No entanto o
financiamento não garantiu à Seção de Estudo o recebimento, além da publicação
da própria pesquisa, outro material que, em parte, cobrisse o custo daquela
operação, tais como uma coleção fotográfica ou etnográfica. Nestes primeiros anos
de concessão de financiamento, o que se ressaltou foi o papel desempenhado por
Darcy Ribeiro dentro da Seção de Estudo para aquela iniciativa que correspondeu
a colocação que Miceli297 fez quando se referiu ao modelo de financiamento dado
às pesquisas em Ciências Sociais. Para ele, os cientistas sociais, no período de
1930 a 1940, receberam financiamento para as suas pesquisas em proporção
ajustada à dimensão da área; obtidas por meio de alianças entre as lideranças
intelectuais dos diversos setores da produção científica e os burocratas do
governo. Segundo o autor, este relacionamento revelou:
uma das modalidades de inserção dos cientistas sociais numa nova
etapa de divisão do trabalho político e cultural, fazendo com que
essa área acadêmica de formação fosse se tornando um espaço
diferenciado de suprimento de quadros técnicos e de mão-de-obra
altamente qualificada para postos executivos de alto nível dentro e
fora das agencias de fomento da atividade científica e
tecnológica.298
A posição assumida por Darcy Ribeiro ilustra com clareza tal colocação.
Atuando no interior do SPI, Darcy Ribeiro acabou viabilizando financiamentos a
agentes externos à agência, que passaram a organizar suas pesquisas e difundi-
las em revistas especializadas também organizadas por eles. Nesta posição
tornaram-se formadores de opinião. À medida que suas pesquisas eram
organizadas e publicadas, outras agências interessadas nos seus temas ofereciam
novos financiamentos. Devidamente qualificados, técnica e publicamente,
296
ALTENDELDE SILVA, Fernando. O estado de “Uanki” entre os Bakairi, 1950. Ver também sobre as
viagens que o autor promoveu na região do Xingu em 1947 e 1948 em: ALTENDELDE SILVA, Fernando. O
mundo mágico dos Bacairis, 1993. 297
MICELI, Sérgio. O cenário institucional das Ciências Sociais no Brasil, 1995. 298
Idem, p. 11.
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216
acabavam por interferir na condução das políticas públicas; assim, ocupavam,
simbolicamente, um espaço na arena social.
A aliança estabelecida entre Darcy Ribeiro, como representante de uma
agência oficial, e Baldus funcionava como uma via de mão dupla. Para Baldus
representava, além da influência da etnologia paulista sobre a agência indigenista
oficial, a possibilidade de financiamento de suas pesquisas e daquelas
relacionadas ao seu círculo social. Para Darcy Ribeiro significava a garantia de
orientação técnica na programação e desenvolvimento de suas pesquisas
etnográficas e espaço para a publicação de seus trabalhos, já que Baldus era o
editor da Revista do Museu Paulista – publicação especializada em etnologia
indígena cuja inserção de artigos representava para seus autores reconhecimento
no interior do circulo antropológico. Para Darcy Ribeiro, além do reconhecimento
dado por seus artigos naquele espaço literário, as publicações o fortaleciam
institucionalmente, possibilitando sua intervenção, sempre em maior escala, na
condução da política indigenista oficial.
Em 1949 a Seção de Estudos ampliou seu financiamento, que foi destinado
a Egon Schaden, amigo de Baldus e professor substituto de Emílio Willems na
disciplina de etnologia indígena da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
São de Paulo. Segundo Schaden, suas pesquisas etnológicas começaram em
1943, mas devido a falta de recursos não foi possível realizar nenhuma viagem à
área indígena. Os financiamentos para aquela atividade começaram em 1946,
quando recebeu da Faculdade de Filosofia verba para realizar uma investigação de
campo junto aos índios Guarani. No ano seguinte, por meio de um financiamento
dado a Baldus pela Escola Livre de Sociologia e Política, em cujo projeto ele foi
incluído, pôde reencontrar os índios Guarani e travar conhecimento com os
Kaingang e Terena, que viviam na mesma área. Esta pesquisa, mesmo não tendo
sido por ele mencionada, contou com o apoio do SPI, representado pela Seção de
Estudos que viabilizou sua acomodação e transporte entre os postos.
Aquele financiamento direcionado a Schaden pela Seção de Estudos, em
1949, representava, tanto para ele quanto para a Seção de Estudos, o primeiro a
cobrir todas as despesas de pesquisa. Para ele, foi o primeiro financiamento
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217
recebido de instituição não acadêmica e lhe garantiu recursos suficientes para
permanecer em “campo” por um período maior que os das viagens anteriores. A
verba disponibilizada pela Seção de Estudos incluía os valores das passagens
para o deslocamento do financiado, da cidade onde residia até a Inspetoria de
destino, e desta para os postos indígenas; cobria também o pagamento de
auxiliares de campo e de informante e a compra de “brinde” para os índios. Em
contra partida o financiado tinha que encaminhar para a Seção de Estudos, além
de um plano de trabalho que apontasse os objetivos da pesquisa, sua importância
científica, os ganhos administrativos para a agência e os meios de sua publicidade,
tendo em vista a organização de uma coleção etnográfica e fotográfica e de um
relatório de viagem.
Em junho de 1949 Schaden partiu em direção aos principais núcleos
ervateiros dos índios Guarani Kaiwá, localizados no sul de Mato Grosso. Em
agosto daquele ano, em correspondência com Darcy Ribeiro, deu notícias sobre o
seu trabalho informando que havia organizado uma coleção etnográfica para o
“Museu do SPI”:
Fiz uma coleção etnográfica, em que estão representados quase
todos os produtos característicos da cultura material dos grupos
visitados. Tratarei de estudar pormenorizadamente as várias peças
e farei um catálogo que acompanhará a coleção quando esta for
enviada ao Museu do SPI. (...) a documentação fotográfica também
é boa.299
A coleção organizada por Schaden contou com 142 objetos divididos nas
categorias de cestaria, plumária, tecido, instrumentos musicais, implementos de
madeira e adornos de materiais ecléticos, que foram prontamente registrados. No
entanto, o mesmo não ocorreu com a coleção fotográfica, motivo de queixa anos
mais tarde, expresso em seu comentário:
299
Carta de Egon Schaden para Darcy Ribeiro datade de 04 de agosto de 1949. Série indigenismo, sub-série
SPI – Egon Schaden. Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR).
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218
A Seção de Estudos do Serviço de Proteção aos índios me forneceu
dinheiro para uma viagem ao sul do Mato Grosso com a
incumbência de trazer uma coleção de objetos Kayowá para o
museu. Entreguei a coleção, cuidadosamente fichada, junto com os
negativos fotográficos e as gravações de música indígena, que tinha
feito com muito sacrifício. Não se inventara ainda gravador com
pilhas e eu tivera de levar comigo um monstruoso gerador de
energia elétrica movido a motor de gasolina. Consta-me, aliás, que
as gravações já não se encontram no museu. Quanto aos
negativos, não foram localizados quando, certa vez, pedi algumas
ampliações para uma publicação.300
As pesquisas realizadas por Schaden, iniciadas em 1949 e finalizadas em
1950, em parte só foram possíveis devido à interferência de Darcy Ribeiro que
procurou controlar as verbas da Seção de Estudos destinadas a financiamentos
externos. Mesmo quando Darcy se encontrava longe da Seção, como ocorreu em
1949 quando esteve promovendo pesquisa junto aos índios Kaapor, encaminhava,
principalmente a Serpa, cartas recomendando a inclusão nos planos de trabalho da
Seção de recurso para a continuação das pesquisas que Schaden vinha
desenvolvendo.
A SE deverá, a nosso ver, dar oportunidade ao Sr. Egon Schaden
de continuar seus estudos de cultura material, organização social e
vida religiosa dos índios Kaiwá do Sul de Mato Grosso, iniciada ano
passado. Em virtude dos seus compromissos como professor da
Faculdade de Filosofia, ele só poderá realizar trabalhos de campo
no segundo semestre. Já tendo feito o “survey” sobre a
possibilidade de pesquisa etnológica naquela área, deverá iniciar o
estudo do grupo, para o qual será necessária uma permanência de,
ao menos, três meses (...). Creio que ele poderá realizar este
programa com 25 contos por se tratar de núcleo pequeno e de
região de fácil acesso. A SE não interessa financiar-lhe pesquisa
por um período menor de três meses.301
300
SCHADEN, Egon. Os primeiros tempos da antropologia em São Paulo, p. 255. 301
Carta de Darcy Ribeiro para Hebert Serpa datada de 21 de novembro de 1949. Série indigenismo, sub-série
SPI. Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR).
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219
O teor desta correspondência deixa entrever que para Darcy Ribeiro era
importante que os financiamentos oferecidos pela Seção de Estudos continuassem
destinados aos seus interlocutores. Como também fica nítida sua ascendência
sobre o grupo que atuava na Seção de Estudos, principalmente sobre Serpa;
posição que o favorecia no encaminhamento das questões relativas aos trabalhos
que a Seção vinha desenvolvendo.
5.5. O novo ambiente da Seção de Estudos: o prédio da Mata Machado
Paralelamente às atividades de pesquisa que vinham sendo realizada desde
1947, a Seção de Estudos começou a enfrentar seus primeiros problemas com
relação às instalações de seus núcleos de apoio, ou seja, os laboratórios e as
salas de exposição etnográficas localizados no Instituto Benjamim Constant. Em
abril de 1947 o então diretor do Serviço, Donatini, enviou um ofício ao Ministro da
Agricultura informando que o diretor do Instituto Benjamim Constant (IBC), João
Alfredo Lopes, havia lhe encaminhado um pedido solicitando a desocupação das
salas em que o Serviço abrigava os núcleos de apoio da Seção de Estudos. O
pedido estava relacionado à necessidade do IBC em ampliar sua Seção de
Medicina e Prevenção de Cegueira a fim de transformá-la no Serviço de Medicina e
Prevenção de Cegueira.
A utilização daqueles ambientes começou em 1891, pela Comissão de
Linhas Telegráficas, que a partir de 1907 ficou conhecida como Comissão Rondon,
quando o Instituto foi transferido para a Praia Vermelha. A situação esteve
relacionada a dois motivos: a falta de prédios para instalação de serviços públicos
e ao fato de que os órgãos eram parte do mesmo Ministério, o Ministério da
Instrução Pública, Correios e Telégrafos, cujo Ministro naquele período era
Benjamim Constant.
Instalado o Instituto em seu novo edifício, a sua administração tem
procurado vencer todos as dificuldades que naturalmente deveria
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220
encontrar, já por causa dos trabalhos de construção que continuam
a se fazer, já por falta de acomodação necessária para os diversas
repartições que estão funcionando por enquanto em
compartimentos provisórios.302
Com a desativação da Comissão em 1915, aqueles espaços foram mantidos
para darem suporte ao que sobrou de suas atividades. Em 1927 eles se tornaram
um dos núcleos do Serviço Especial de Fronteira, que assumiu o espólio da
Comissão. Como este foi transferido para o CNPI, em 1942, aqueles ambientes
vieram “anexados” ao processo e foram, naquele mesmo ano, cedidos extra-
oficialmente para o SPI instalar a sua Equipe Etnográfica. Esta situação só veio a
mudar em 1948, quando os laboratórios deixaram o Instituto e foram transferidos
para a Rua Mata Machado, no Maracanã, passando definitivamente para o controle
do SPI.
Todo o pessoal que fazia parte do Serviço Foto-cinematográfico,
instalado no porão do Instituto Benjamin Constant, na praia
vermelha, passou a ficar, para todos os fins, subordinado ao
SPI,(Seção de Estudos), sob cuja guarda ficou todos os materiais
pertencentes a este Conselho, bem como vários filmes, negativos e
positivos.303
O histórico do Instituto304 informou que a construção da segunda etapa do
edifício, prevista em seu projeto inicial, teve início somente em 1937 tendo sido
finalizada em 1944, interregno de tempo que interrompeu suas atividades de
ensino, sem, no entanto, interferir nas atividades das outras instituições instaladas
naquele ambiente. No ano que antecedeu a sua reinauguração, ou seja, 1943,
João Alfredo Lopes, então seu diretor, encaminhou um ofício ao Ministro da
Agricultura solicitando a desocupação daquelas salas pelo SPI.
302
Relatório do diretor do Instituto Benjamim Constante ao Ministro da Instrução Pública, Correios e
Telégrafos. Série Educação IE5-64, 1891 – CODES, pp. 22-3. Arquivo Nacional. 303
Relatório Anual do CNPI de 1947, 2º folha da introdução, MF. 279, FG. 1192. Serviço de Arquivo do
Museu do Índio. 304
Instituto Benjamin Constant. 150 anos do Instituto Benjamin Constant, 2007.
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221
Sr Ministro. Devido este colégio padrão para crianças cegas e amblíopes inaugurar os cursos em sua nova fase no próximo ano e tendo esta Diretoria urgente necessidade de restaurar e instalar a sua Seção Médica e de Pesquisa na parte ocupada a título precário, pelo Serviço de Proteção aos Índios desse Ministério, solicito a V. Ex. providencia para a mudança do referido Serviço do edifício do IBC.
305
Seu apelo não surtiu efeito. Em junho de 1944 um novo ofício306 foi por ele
encaminhado, mas dirigido a Rondon, reiterando a necessidade de desocupação
das salas conforme acordo estabelecido entre aquela Instituição, o Ministério da
Agricultura e o DASP. No entanto o acordo não foi cumprido e as salas
continuaram ocupadas pela Equipe. O relatório do IBC, de 1946, encaminhado à
Comissão de Inquérito informou que a ocupação de algumas salas do Instituto –
pelo Conservatório Nacional de Canto Orfeônico e pelo Serviço Nacional de
Proteção aos Índios – impedia que o órgão ampliasse o número de alunos, internos
e externos. Situação que se mantinha, mesmo depois de reiterados pedidos
encaminhados aos dirigentes daqueles órgãos e às autoridades competentes.
Apesar dos meus reiterados ofícios aos Srs. Ministro da Agricultura
e Educação, encarecendo a necessidade de desocuparem as
instalações do IBC, aquelas duas repartições, até hoje não consegui
tão desejado intento.307
Buscando encontrar uma solução para aquele problema, o SPI saiu em
busca de um novo local para instalar “seus” laboratórios e sua Equipe. De início
recorreu ao Serviço Nacional de Pesquisas Agronômicas (SNPA), ligado à
Universidade Rural, e que se encontrava instalado no prédio onde funcionava o
gabinete do Ministro da Agricultura, ou seja, na Avenida Pasteur nº 404. Em 1947 o
SNPA estava em processo de mudança para o Km 47 da estrada Rio-São Paulo,
onde se encontrava instalada a Universidade Rural. O objetivo do SPI era transferir
305
Série Educação, fundo 93, IE5-104, 1943. Arquivo Nacional. 306
Idem. IE5-99, 1944. Arquivo Nacional. 307
Ibidem. IE5-116, p. 13, 1946. Arquivo Nacional.
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222
seus laboratórios para os espaços liberados pelo SNPA. No entanto, o processo de
transferência, iniciado no mês de abril, em novembro ainda não havia sido
concluído. Circulou por uma série de seções e departamentos cujos despachos
não foram favoráveis ao SPI. Isto, de certo modo, deixa entrever que o órgão,
representado por Donatini, não tinha influência política suficiente para reverter o
conteúdo dos despachos contrários a sua solicitação. Diante da necessidade de
desocupação das salas do Benjamin Constant, e sem local para onde transferi-las,
foi aceita a proposta oferecida pelo diretor do IBC para instalação provisória dos
laboratórios nos porões daquele prédio.308 O novo ambiente, além de provisório,
apresentava uma infraestrutura pior do que o anterior, obrigando o Serviço a
continuar buscando um novo local.
No início de 1949 o Ministério da Agricultura destinou para uso do SPI o
primeiro andar do prédio localizado na Rua Mata Machado, no Maracanã, que além
de abrigar os laboratórios, serviu como sede da Seção de Estudos. Aquela medida
resolveria dois problemas que a Seção vinha enfrentando, um intrínseco ao outro:
encontrar um espaço com melhor infraestrutura para instalar seus laboratórios; e
reunir em um só local suas subseções, ou seja, a biblioteca, o acervo etnográfico,
os arquivos textuais e imagéticos, visando uma maior integração entre eles.
Sobre o imóvel da Rua Mata Machado o relatório do Ministério da
Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC), de 1923,309 informou que o mesmo fazia
parte de um conjunto de sete pavilhões pertencentes ao Ministério, localizado na
Rua Mata Machado, onde funcionavam Postos Veterinários. Estes Postos faziam
parte do Serviço de Indústria Pastoril, criado em 1914, em substituição ao Serviço
de Veterinária instituído na estrutura do Ministério já no ano de sua criação, ou
seja, 1909. Referendando estas informações Ferraz e Biase310 informaram que o
casarão possuía vários medalhões, em estuque, aplicados na fachada trazendo as
inscrições SV, monograma que o ligam ao extinto Serviço Veterinário. Os mesmos
autores também informam que a instalação de um serviço daquela natureza na
308
Relatório Anual do CNPI de 1948. Introdução, 2º folha, documento original. Serviço de Arquivo do Museu
do Índio. 309
Relatório anual do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio de 1923, p. 274. Base CRL. 310
FERRAZ, Eucanaã; BIASE, Maria Tereza. Histórico, 1997.
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223
região atendia a uma determinação governamental. O MAIC tinha como função
auxiliar a criação nacional e a importação de cavalos puro sangue por intermédio
da sociedade de corridas hípicas da Capital da República, e a Derby Club, primeira
sociedade naquela natureza na Capital Federal, estava instalada naquela região.
Sendo assim, explicam os autores, era pertinente a construção de imóveis que
viessem servir à confluência de interesses que estavam em jogo.
Quanto aos responsáveis por sua construção e a data em que ela ocorreu,
não foram localizados na documentação disponível. O mais provável é que tenha
sido projetado pelos engenheiros que atuavam no escritório do MAIC. A construção
dos imóveis públicos era de responsabilidade de cada ministério, por isso, cada um
deles tinha um departamento responsável pelos seus projetos e conservação. Esta
situação só foi alterada em 1927, quando as propriedades nacionais passaram
para a esfera da Diretoria do Patrimônio Nacional, pertencente ao então Ministério
da Fazenda.311
Quanto ao ambiente em torno do local onde o imóvel se encontrava, no
momento da instalação da Seção de Estudo, a documentação apontou que a
região era desprovida de qualquer comércio e rede de transporte. Em 1960, ou
seja, mais de uma década após a transferência da Seção de Estudos para aquele
local, Nilo Velloso, então chefe da Seção de Estudos, fez o seguinte comentário
sobre a localização do Museu do Índio no Maracanã: “Sr. Diretor, os visitantes
deste Museu do SPI são pessoas interessadas pelo problema indígena uma vez
que pela localização é difícil o acesso a este Museu”.312 No período em que se deu
a transferência da Seção de Estudos, o atual Estádio Mário Filho estava sendo
construído no terreno onde antes havia o hipódromo Derby Club e o terreno
localizado atrás do prédio era utilizado para as manobras dos tanques de guerra do
Exército. Somadas estas características relativas ao entorno do prédio, a região
também abrigava uma das maiores favelas da Capital da República, a do
Esqueleto, construída em torno de um prédio abandonado, e sua remoção só
ocorreu na década de 1960, para dar lugar à Universidade do Estado do Rio de
311
Sobre o assunto ver: Relatório Anual do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio de 1927. 312
Ofício SPI/4526/59, de 9 de fevereiro de 1960. MF. 339, FG. 1330. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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224
Janeiro (UERJ). Portanto, no ano em que ocorreu a transferência, a região não
apresentava boas condições de serviço e transporte para abrigar a Seção de
Estudos.
313
313
Foto 55 Construção do Estádio Mario Filho, no Maracanã, tendo ao fundo o prédio da rua Mata Machado.
R763-20. Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro.
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225
314
Além das adversidades da região, o espaço interno do prédio também
apresentava dificuldades. Foi destinada à Seção de Estudos a ocupação do
primeiro pavimento, visto que o térreo, segundo Ney Land315, era ocupado pelo
Serviço de Óleo e Gorduras do Ministério da Agricultura.
Mesmo que o local onde o prédio se encontrava construído não
apresentasse as melhores características, sua cessão para a instalação da Seção
de Estudos acabou aliviando parte dos problemas que ela vinha enfrentando, pois
viabilizou a reunião, junto à chefia da Seção, dos seus demais núcleos de apoio.
Problema que até então impedia o melhor aproveitamento dos seus arquivos,
principalmente, o imagético e o textual que passariam, junto com a biblioteca, a
serem acessados conjuntamente; facilitando a consulta dos mesmos pelos agentes
internos e externos da Seção de Estudos.
314
Foto 56 - Terreno que servia para manobra dos tanques de guerra do exército. 1942. R763-22. Arquivo da
Cidade do Rio de Janeiro. 315
Depoimento de Ney Land, funcionário do Museu do Índio, ao Jornal O GLOBO, em 8 de janeiro de 1991.
DR/i/f 1969.03.29. Fundação Darcy Ribeiro.
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226
Para a efetivação da transferência da Seção de Estudos, foi necessário que
o espaço passasse por uma reforma tanto para melhoria de seu aspecto interno,
quanto para adaptar o novo espaço às funções que exerceria. Ou seja, acomodar
técnicos e instalar o laboratório fotográfico e cinematográfico. Sobre os trabalhos
de adaptação da Seção de Estudos Serpa informou:
Com a mudança da sede e dos laboratórios complementares da SE,
para a Rua Mata Machado, foram desarticulados os trabalhos
técnicos de fotografia, cinematografia, almoxarifado, arquivos e
biblioteca, que transferidos para a nova sede tiveram de ser
reinstalados. Essas trabalhosas reinstalações realizadas pelos
próprios serventuários e técnicos da SE dão provas sobejas de
dedicação aos trabalhos que carecem de registro especial nesta
sumula.316
Informações sobre o mesmo assunto foram fornecidas pelo relatório anual do CNPI
de 1949. Há registro de que as obras promovidas pelo SPI, no espaço destinado a
abrigar a Seção de Estudos, foram estendidas a todo o prédio do Ministério:
(...) a Seção de Estudos do SPI depois que se instalou no Maracanã, à Rua Mata Machado, passou por grandes reformas que também se estenderam ao próprio nacional do Ministério da Agricultura, cedido para sede daquela Seção, da Biblioteca e de outras dependências do Serviço. Tais reformas visavam ampliar e melhorar a aparelhagem relativa à fotografia e à cinematografia, assim como organizar convenientemente os mostruários de artefatos indígenas e de todo material concernentes aos estudos de etnografia e etnologia. Embora ainda em período de organização, já se pode apreciar que, sob segura orientação técnica, estará em breve nas condições de cumprir as obrigações regulamentares que lhe são atribuídas”
317
O encerramento das reformas foi marcado por um evento que contou com a
presença dos membros do Conselho, e de Rondon, como primeiro diretor do SPI
Na ocasião da inauguração da nova sede da Seção de Estudos, ele se manifestou:
316
Sumula dos trabalhos realizados pela Seção de Estudos no período de 18/10/1948 á 19/10/1949. MG. 335,
FG. 859. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 317
Relatório Anual do CNPI, 1949. MF. 1C-CNPI, FG. 3914. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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227
Atendendo a este gentil convite, tive ocasião de visitar essas novas instalações e verificar a ampliação, ali estão sendo tomados o mostruário de artefactos indígenas e as instalações de fotografia e cinematografia, inclusive mesmo instalações destinadas a executar trabalhos em tecnicolor.
318
Pelos comentários ficamos sabendo que houve um esforço por parte do SPI
em adaptar os ambientes destinados à Seção de Estudos, como também do
investimento para a compra de novos equipamentos fotográficos e
cinematográficos visando à obtenção de fotografias e películas coloridas e de
mobiliário destinado às amostras etnográficas. Os fatos relatados demonstram que
a operação formada pelo novo ambiente, a reunião do acervo, contratação de
técnicos especializados e mobiliários, resultou no delineamento da organização do
futuro museu, de modo mais incisivo que em épocas anteriores. Como também
demonstrou que ao futuro museu já estavam associados os serviços que lhes
dariam suporte técnico, tais como biblioteca, arquivo textual e imagético e salas de
projeção, ou seja, respeitando o projeto da “Casa do Índio”.
5.6. A Seção de Estudos e a organização do acervo etnográfico
Resolvidos os problemas relacionados à adaptação do espaço físico da
Seção de Estudos e a reunião de seus acervos textual, fotográfico e etnográfico,
restava resolver os problemas de sistematização daquele conjunto documental. A
biblioteca já contava com técnico especializado e, em certa medida, o arquivo
textual e imagético vinha sendo organizado por agentes administrativos, sobretudo
o imagético, que estava sendo instituído pelo fotógrafo Nilo Velloso e pelo
cinematografista Heinz Forthmann; restando apenas o etnográfico, cujos servidores
que promoviam a sua documentação desconheciam os melhores métodos para a
sua sistematização e aproveitamento. Em 1949 a Seção de Estudos promoveu a
contração de dois museólogos, buscando melhorar a sistematização daquele
acervo que vinha se avolumando e, assim, iniciar a organização do museu
etnográfico. A contratação dos museólogos foi um desdobramento das relações
318
Relatório anual do CNPI, 1949. MF. 1C-CNPI, FG. 3609. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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228
entre a Seção de Estudos e o Museu Histórico Nacional, iniciada em 1948 quando
aquele ambiente institucional serviu para abrigar a exposição etnográfica para as
comemorações do Dia do Índio.
Na vida interna da SE, cumpre registrar com nota auspiciosa a admissão dos técnicos próprios a instalação do Museu Indigenista do SPI. Assim é que por intermédio de indicação do ilustre Diretor do museu Histórico do Rio de Janeiro, foi proposta e admitida a técnica museologista Srta. Dulce da Silva Rebello e logo em seguida o zelador do museu, também diplomado pelo curso de Museologista do referido Museu Histórico, Sr. Geraldo Pitaguary.
319
Dulce Rebello e Geraldo Pitaguary foram contratados em junho de 1949 por
um período de seis meses, e deram início às atividades de identificação, separação
e higienização do acervo etnográfico. Para Serpa aquelas contratações, além de
auxiliar a Seção na organização do acervo etnográfico, significavam o início de
algumas atividades da Seção relacionadas no Regimento Interno do Serviço, até
então inviabilizadas devido à carência de material humano.
319
Sumula dos trabalhos realizados pela Seção de Estudos no período de 18/10/1948 a 19/10/1949. MF.
Arquivo do Museu do Índio.
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229
320 321
Em junho, Rebello encaminhou seu primeiro relatório informando sobre os
trabalhos que vinha realizando junto ao material etnográfico.322 Informou que, a
partir daquelas observações, encaminhou à chefia da Seção de Estudos uma
sugestão para promover uma visita a instituições museológicas, com o objetivo de
verificar como elas procediam para a catalogação dos seus acervos, visando a
adotar o mesmo padrão para o pertencente à Seção. Sua sugestão ficou restrita ao
Museu Histórico Nacional e ao Museu Nacional, ambas instituições renomadas e
cujos acervos, em princípio, se encontravam documentados.
Do livro de registro do Museu Histórico Nacional, Rabello copiou seus itens
informacionais. O mesmo procedimento não foi possível no Museu Nacional, pois a
museóloga não teve acesso àquele tipo de documento. Segundo o mesmo
relatório,323 Rebello foi recebida pela então diretora da instituição, Heloisa Alberto
320
Foto 57 - Dulce Rebello. Arquivo da Escola de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro. 321
Foto 58 - Geraldo Pitaguary. Arquivo da Escola de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro. 322
Relatório de Dulce Rebello de junho de 1949. MF. 380, FG 946 a 951. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio. 323
Idem.
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230
Torres, que lhe prestou todas as informações sobre o tipo de registro que o museu
praticava sem, no entanto, autorizar o seu acesso aos documentos.
Após estas visitas os museólogos adotaram como modelo de catalogação
do acervo etnográfico da Seção de Estudos, o utilizado no Museu Histórico
Nacional. Esta atitude provavelmente esteve relacionada tanto à familiaridade que
eles tinham com aquela instituição, já que o curso que os formou era ministrado em
suas dependências, quanto à atitude de Heloisa Alberto Torres em não permitir o
acesso ao livro de registro do acervo etnográfico do Museu Nacional. Assim sendo,
o processamento das informações do acervo etnográfico da Seção de Estudos foi
um registro sumário das peças em livro padronizado, modelo 1542, impresso pela
Imprensa Nacional complementado com fichas, também padronizadas, que
continham maiores informações sobre cada objeto.
O mesmo documento que informou sobre o modelo de registro adotado para
o material etnográfico da Seção de Estudos, também esclareceu em que estado se
encontrava a sua documentação, sem, no entanto, quantificar o número de objetos
que a Seção possuía. Rebello informou que 40% do material etnográfico se
encontravam etiquetados e listados pelo antigo responsável; 20% estavam
etiquetados e relacionados, mas não apresentavam informações quanto a sua
procedência, e os 40% restantes não possuíam etiquetas, nem estavam
relacionados. E muitos dos objetos que se encontravam etiquetados e relacionados
apresentavam números repetidos. Pela situação exposta conclui-se que cerca de
60% do material etnográfico não estava documentado. A situação na qual se
encontrava a documentação do acervo, em parte, justifica a dificuldade que a
Seção de Estudos tinha para explorar, cientificamente, aquele material, tanto nas
exibições etnográficas, quanto em sua abertura para pesquisa, pois a grande
maioria dos objetos não tinha sequer as etnias identificadas.
Como medida para amenizar a situação, os museólogos promoveram uma
recatalogação de todos os itens por eles encontrados, que contou com uma nova
numeração para cada peça, relacionada no Livro de Tombo,324 aberto em 16 de
324
O Livro de Tombo é aquele que promove a ordenação das peças que fazem parte de um acervo. A palavra
Tombo vem do latim Tomex,que significa inventário, arrolamento, registro.
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231
dezembro de 1949. Pela orientação que receberam no Museu Histórico Nacional,
as possíveis correções das informações inscritas no Livro seriam feitas
posteriormente, nas fichas individuais de cada peça, a partir de pesquisas
efetuadas pela equipe. Como inexistem maiores informações sobre os
procedimentos adotados pelos museólogos para a abertura do Livro, e como as
fichas individuais não foram localizadas, o primeiro registro sistematizado do
acervo etnográfico da Seção de Estudos foi o Livro de Registro aberto naquele
ano, organizado por Geraldo Pitaguary:
Uma vez registrado o objeto, é o mesmo separado para estudo. Ao estudá-lo, o técnico verifica, se são verídicas ou não, as informações constantes da guia de encaminhamento do objeto ou do expediente que o acompanha quando de sua doação. Estudado o objeto, e devidamente identificado, faz se uma ficha para o mesmo. Nesta os elementos que estão discriminados no catálogo geral ou livro de registro, acrescidos de alguns outros, como bibliografia e número do catálogo, ainda no verso da ficha, e no reverso, descrição, histórico e comentário da peça
325.
Nascimento326 fala sobre o apagamento de memória das coleções que
deram entrada no Museu Nacional no século XIX. Segundo a autora, a situação foi
efetivada pela retirada nos registros dos objetos dos nomes de alguns de seus
coletores e doadores. Para ela, aquela atitude esteve relacionada tanto à
necessidade do Museu Nacional em reforçar a coleção institucional, quanto apagar
a memória de alguns agentes cujos nomes não estavam sintonizados com os
projetos republicanos. Mas esta característica não ficou restrita àquele século.
Muitas coleções que deram entrada no Museu Nacional, e em outras instituições,
durante as décadas de 1930 a 1950, apresentam as mesmas características. Não
devido a um tratamento proposital por parte daquelas instituições, buscando
apagar a memória de seus coletores e colecionadores, mas devido ao volume de
material que nelas deram entrada sem que, contudo, estivessem preparadas para
promoverem a sua documentação. Ao se folhear os livros de registro destas
325
Relatório de Junho de 1949. MF. 380, S/FG. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 326
NASCIMENTO, Fátima Regina. A formação da coleção de indústria humana no Museu Nacional, no
século XIX, pp. 21, 67-9.
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232
instituições, leia-se Museu Nacional, Museu Goeldi e Museu Paulista, verifica-se
um grande volume de objetos que não possui informações sobre seus coletores,
doadores e sobre sua procedência. Entre estas instituições incluo a Seção de
Estudos, visto ter sido ela a organizadora do acervo que serviu de base para a
exposição etnográfica que abriu o Museu do Índio em 1953; cuja documentação do
acervo também apresentava os mesmos problemas. Grupione,327 em artigo
recente, referenda esta afirmação:
Em quase todos os museus (etnográficos) encontramos conjuntos significativos de peças sem identificação sequer do coletor e da data de coleta e muitas vezes também do grupo étnico que as produziu. Uma parte considerável das coleções existentes em museus brasileiros constitui, na verdade, conjuntos de peças, coletadas de forma aleatória, fragmentadas e desacompanhadas de uma documentação básica, necessária para seu estudos.
328
Folheando os artigos sobre as pesquisas etnográficas desenvolvidas entre
as décadas de 1930 a 1970 é fácil verificar que um grande número de objetos foi
coletado como complementos de pesquisas e encaminhados, na sua grande
maioria, para os museus etnográficos. Os escritos que versam sobre estas
coleções, poucos ainda, também nos fornecem um panorama do volume de
objetos recolhidos naquele período. Este volume acentuado de objetos tem sua
base explicativa no contexto político e cultural daquele período.
Dentro do contexto político, o colecionismo de acervos etnográficos esteve
relacionado ao afã patrimonialista envolvido na política nacionalista de Vargas, que
por meio de Atos e Decretos criou cursos, conselhos e serviços voltados para o
reconhecimento e manutenção dos bens móveis e imóveis nacionais. Neste
contexto a preocupação com os objetos etnográficos, ou seja, seu reconhecimento,
ficou mais explícito tanto no Curso de Museus quanto no Conselho de Fiscalização
das Expedições Artísticas e Científicas329. No primeiro, pela inclusão em sua grade
327
GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. Os museus etonográficos, os povos indígenas e a antropologia, 2008. 328
Idem. p, 26. 329
O curso de Museu foi instituído no âmbito do Museu Histórico Nacional em 1932 e o Conselho de
Fiscalização de Expedições Artísticas e Científicas no Brasil foi criado em 1933. Sobre o primeiro ver: SÁ,
Ivan Coleho de; SIQUEIRA, Graciele Karine. Curso de Museus – MHN, 1932-1978. 2007. Sobre o segundo
ver: GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. Coleções e Expedições vigiadas. 1998.
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233
curricular das disciplinas de Antropologia e Arqueologia, apontando para uma
preocupação com o reconhecimento e a preservação de objetos daquela
natureza.330 No segundo, tanto pelo seu objetivo,331 quanto pela origem dos seus
membros, oriundos do Museu Nacional, da Escola Nacional de Belas Artes e do
Instituto Geológico e Mineralógico. Instituições cuja tipologia da matéria-prima com
a qual tratavam identificava quais eram as categorias que estavam envolvidas na
constituição de “patrimônios” culturais nacionais, como também reforça a ideia que
os bens naturais – flora, fauna, objetos etnográficos e arqueológicos e materiais
mineralógicos – estavam relacionados entre os objetos históricos e artísticos, como
constitutivos do “patrimônio nacional”.
Deixando o campo político, e nos restringido ao plano cultural,
especificamente aquele formado pelos intelectuais que militavam na área de
antropologia, o colecionismo de material etnográfico esteve relacionado a dois
fatores fundamentais. Primeiro, a suspeita de que as comunidades indígenas
estavam em vias de desaparecer em decorrência da atuação devastadora das
frentes de expansão econômicas que se intensificaram nas décadas de 1930 a
1950. E, segundo, porque mesmo que aquele período tenha ficado marcado pelo
deslizamento do ensino de etnologia e etnografia dos museus de história natural
para as recém-criadas faculdades de ciências sociais, espaços vazios de coleções
e plenos de teorias, o paradigma que vinha servindo como base para os estudos
antropológicos era o “culturalista” cujo seu precursor, Franz Boas, defendia a
formação de coleções “holísticas” como instrumento para o entendimento do todo
cultural. Assim, o recolhimento de material etnográfico não cessou, porque além de
representar o retorno de parte dos gastos efetuados nas pesquisas de campo, era
330
A Escola de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO é a detentora da
documentação sobre o curso de museus. Entre a documentação estão as fichas de inscrição e o histórico escolar
dos alunos que freqüentaram o curso já no ano de sua institucionalização, ou seja, 1932 onde podemos
observar a oferta da disciplina de antropologia e arqueologia, ministrada pelo Prof. João Angyone Costa a
partir de 1937. Esta documentação se encontra disponível para consulta. 331
A Escola de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) é a detentora da
documentação sobre o curso de museus. Entre a documentação estão as fichas de inscrição e o histórico escolar
dos alunos que frequentaram o curso já no ano de sua institucionalização, ou seja, 1932, onde podemos
observar a oferta da disciplina de Antropologia e Arqueologia, ministrada pelo Prof. João Angyone Costa a
partir de 1937. Esta documentação se encontra disponível para consulta.
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234
um dos meios para o entendimento do funcionamento das comunidades étnicas
distintamente diferentes da formação nacional.
Portanto, para os agentes envolvidos com as ciências sociais, os objetos
eram “produtos culturais”, pois ofereciam informações necessárias para a
construção de referências capazes de resgatar o locus de sociedades particulares,
auxiliando na compreensão do seu todo social. E para aqueles envolvidos com a
questão da formação do patrimônio nacional, os objetos eram “heranças culturais”,
representativos da nação. Em ambos os casos, eram encaminhados aos museus,
ou para determinados departamentos universitários.332 Sendo que os museus eram
as instituições que mais se encontravam aptas a recebê-los, e aquelas cuja base
de criação envolveu os elementos relacionados aos segmentos constitutivos da
nação, ou seja: o histórico, o artístico e o natural. Mesmo que inexista uma
pesquisa que aponte o volume de material etnográfico encaminhado aos museus
no período em que estamos tratando, ou seja, as décadas de 1930 a 1950, é
possível realizar um levantamento sumário desse volume através de algumas
publicações da época, recolhidas por agentes preocupados em preservar aquele
tipo de acervo.333
No período assinalado, o Museu Nacional promoveu inúmeras pesquisas
que resultaram em coleções.334 Quando estas coleções não eram fruto de
pesquisa, eram produtos de compras e doações, principalmente provenientes das
ações do Conselho de Fiscalização.335 O Museu Paulista também viu suas
coleções etnográficas serem ampliadas. A contratação de Herbert Baldus, em
1946, viabilizou o seu incremento. Baldus promoveu coletas, compras, doações e
permutas de objetos etnográficos. Ações que elevaram, significativamente, o
332
Estou me referindo ao Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, criado em 1935 com o propósito de promover a integração entre o
ensino e a pesquisa, viabilizando que seus alunos aprendessem sobre cultura material dos grupos associada aos
projetos de pesquisa dos professores. Sobre o assunto ver: ABREU, Adilson Avansi de. Quantos anos faz o
Brasil?, p. 133. 333
Sobre o assunto ver: DAMY, Antonio Sérgio; HARTMANN, Thekla. As coleções etnográficas do Museu
Paulista, 1986. DORTA, Sonia Ferraro. Coleções etnográficas, 1992. ABREU, Edilson Avansi de. Quantos
anos faz o Brasil, 2000. 334
O Boletim do Museu Nacional, Nova Série, possui diversos artigos onde os pesquisadores utilizaram as
coleções etnográficas que coletaram como base para seus artigos, como exemplo: LIMA, Pedro E. Os índios
Waurá, 1950. 335
GRUPIONI, Luis Donisete B. Coleções e expedições vigiadas, 1998. Toda a obra, em especial as pp. 64-7.
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235
número de objetos daquela natureza, segundo as pesquisas de Damy e
Hartmann336. As coletas eram “produto” das pesquisas de Baldus e de seu
assistente, Harald Schultz. As doações, “pagamento” pelos financiamentos
concedidos tanto pelo Museu quanto pela Escola Livre de Sociologia e Política,
onde Baldus era professor. O mesmo pode ser verificado no Museu Goeldi, onde
Carlos Estevão, então seu diretor, também investiria no aumento da coleção
institucional, financiando pesquisas e comprando coleções, principalmente de Curt
Nimuendajú. Mas todos, sem exceção, conviveram com o mesmo problema: a
documentação.
Sobre a documentação do acervo etnográfico do Museu Paulista até a
década de 1940, Brefe337 informou que embora o Museu possuísse um acervo
etnográfico significativo, organizado já nos primeiros anos de sua existência,
durante a gestão de Affonso Taunay, sua manutenção e documentação ficou
prejudicada em virtude do seu projeto político que esteve voltado para o
fortalecimento do acervo histórico. As coleções etnográficas, segundo a autora,
ficaram sem espaço para guarda e exibição, e sua documentação comprometida
devido à falta de funcionários qualificados para seu trato, o que inviabilizava seu
melhor aproveitamento. Este quadro só veio a mudar após 1946, com a
contratação de Baldus, que além de promover seu aumento, também realizou sua
documentação. No segundo volume da Revista do Museu Paulista, Baldus
informou a situação na qual encontrou o acervo etnográfico, como também sobre
as coletas que praticou , as compras que realizou, as doações que recebeu e as
permutas que providenciou. E, ainda, as medidas que tomou em relação a sua
documentação e conservação:
Quando, em 20 de outubro de 1946, fui contratado pelo Governo do Estado de São Paulo, para exercer as funções de Técnico de Etnografia do Museu Paulista, as coleções etnográficas e arqueológicas deste estabelecimento se encontravam no estado mais lamentável, como alias, já foi exposto a V. S. pelo Sr. João Alberto Jose Robbe em relatório datado de 4 de dezembro de 1946. Grande parte das peças estava completamente deteriorada, seja
336
DAMY, Antônio Sérgio; HARTMANN, Thekla. As coleções etnográficas do Museu Paulista, 1986. 337
BREFE, Ana Cláudia Fonseca. O Museu Paulista, p. 289.
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236
pela ação perniciosa dos insetos, seja por outros fatores. Muitos rótulos tinham caído, outros estavam colocados erradamente ou se tinham tornado ilegíveis pela influência do sol. Numerosas classificações eram produtos de pura fantasia, ao passo que outras diziam somente “Índios do Brasil” ou, quando muito, “Índios do Norte”. Tudo isso era de molde a penalizar os que conhecem as imensas dificuldades com que semelhante material costuma ser reunido e que percebem ser a perda irreparável.
338
Abreu339 informou que só Harald Schultz recolheu para o Museu Paulista
aproximadamente cinco mil objetos oriundos de diversas sociedades indígenas,
coletados entre os anos de 1940 e 1960. Quanto ao estado físico daqueles objetos,
e a sua documentação, devemos a Baldus as maiores informações.
Sobre o Museu Nacional inexiste bibliografia disponível que informe sobre o
volume, a documentação e o estado de conservação de suas coleções. No
entanto, é possível, a partir de seus Boletins, proceder um levantamento sumário
do número de objetos recolhidos pelos seus técnicos em sua pesquisas
etnográficas, onde verificamos que um significativo número de peças etnográficas
foi agremiada àquela instituição. Quanto a sua documentação, o modelo
administrativo adotado pelo Museu Nacional talvez seja o maior responsável pelas
parcas informações que temos sobre cada objeto, e pelas lacunas documentais
que seus livros de registros apresentam. Ao que tudo indica o registro das coleções
do Museu Nacional, desde o período de sua criação até a década de 1970, foi
realizado pelos seus pesquisadores, como revelou Nascimento.340 Assim como as
pesquisas, a tarefa pela documentação dos objetos recolhidos fazia parte dos
trabalhos do pesquisador, era parte de seu treinamento, como também a
montagem de exposições que envolvessem os materiais por eles recolhidos. Este
modelo de registro das coleções adotado pelo Museu Nacional, mesmo sendo
executado por técnicos especializados, acabava comprometendo a documentação,
já que era uma atividade desenvolvida por muitos e de modo intermitente. O tipo de
338
BALDUS, Hebert. Revista do Museu Paulista, Nova Série, v. II, p. 305. 339
ABREU, Adison Avansi de. Quantos anos faz o Brasil?, p. 127. 340
NASCIMENTO, Fátima Regina. A formação da coleção de indústria humana no Museu Nacional, no
século XIX, pp. 18-20.
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237
pesquisa que eles realizavam exigia viagens constantes, interrompendo, deste
modo, as atividades de registro das coleções.
Duas passagens relatadas por Castro Faria são ilustrativas desse modelo. A
primeira se referiu às atividades desenvolvidas por Heloisa Alberto Torres quando
ingressou no Museu Nacional, e a segunda se encontra em um fragmento de uma
correspondência encaminhada por Eduardo Galvão, solicitando seu desligamento
do quadro funcional do Museu Nacional, e que Castro Faria reproduziu. Ambas são
elucidativas porque esclarecem o modelo de exercício profissional que os
pesquisadores do Museu Nacional praticavam. Vejamos trechos das passagens:
Ao mesmo tempo trabalha em levantamento de fontes bibliográficas, organiza as coleções de arqueologia e etnologia, restaura peças, identifica materiais com base em documentos do arquivo histórico geral do Museu (...). Em 1926 viaja para o litoral de São Paulo, a fim de verificar através de atividade intensa – de manuseio, da catalogação, de restauração – todas as grandes coleções arqueológicas e etnográficas do Museu Nacional.
341
Minha folha de serviço, no que se refere a pesquisa de campo, quer nos trabalhos rotineiros da Divisão, ou ainda, na montagem de exposições de Antropologia, atesta o esforço com que me dediquei as tarefas exigidas pelos diversos cargos ....
342
Ou seja, cabia aos técnicos do Museu Nacional, além das pesquisas
etnográficas, as atividades de rotina, que consistiam no processamento dos dados
recolhidos durante a pesquisa e no registro de coleções e montagem de
exposições. Castro Faria mesmo que não tenha deixado registrado em seus artigos
as atividades de rotina que desenvolvia no Museu Nacional, sua formação em
biblioteconomia e Museologia343 o tornava apto no registro e na montagem de
exposições. Familiaridade que ficou marcada nos termos que empregou e no grau
de análise que promoveu da exposição etnográfica montada pelo Museu Nacional
341
CASTRO FARIA, Luís. Anuário antropológico 77, p. 330-331. 342
_____________. Anuário antropológico 76, p. 350. 343
SÁ, Ivan Coelho de; SIQUEIRA, Graciele Karine. Curso de Museus- MHN, 1932- 1978, 2007, pp. 35-6.
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238
em 1947, no texto “As exposições de antropologia e arqueologia do Museu
Nacional”.344
O número variado de técnicos que processava a documentação etnográfica
do Museu Nacional, somado ao volume de objetos que dava entrada em seu
departamento de Etnologia, e à falta de listagens de algumas de suas coleções,
principalmente aquelas oriundas dos confiscos promovidos pelo Conselho de
Fiscalização, acabou resultando em falhas e atrasos na documentação dos
acervos. Lacunas que hoje podem ser observadas, principalmente, no que tange à
procedência dos objetos. Mesmo que a sistematização dos dados fosse executada
por agentes especializados, esta atividade exigia um trabalho sistemático e
continuo em que as interrupções representavam atraso no registro e erros no
conjunto das informações.
As observações de Dulce Rebello sobre as condições em que se encontrava
a documentação do acervo etnográfico da Seção de Estudo, somadas ao quadro
aqui apresentado, nos levam à conclusão que a sistematização das informações
daquele tipo de acervo, no período de 1930 a 1950, era deficitária. E os motivos
envolvidos com aquela situação eram os mesmos, ou seja, falta de agentes
qualificados para exercer aquela atividade de modo continuo e sistemático, caso
observado no Museu Paulista e na Seção de Estudo. Mesmo quando a instituição
possuía agentes especializados, caso do Museu Nacional, a documentação do
acervo era feita de modo intermitente, o que também gerava problemas. Uma
declaração de Eduardo Galvão, em carta para Darcy Ribeiro, de 1955, já como
funcionário do Museu Goeldi e atuando no Departamento de Etnologia, é revelador
de como nos bastidores dos grandes museus as condições das coleções pouco
diferiam das condições em que se encontrava a documentação da coleção
etnográfica da Seção de Estudos, em 1949.
Não senhor, o museu é do papai. Tem tradição, tem armários maiores que as salas, o que facilita muito a arrumação porque você bota a sala dentro do armário, tem uma coleção africana (...), tem uma cabecinha dos Jivaros metida no armário dos Tikuna (...), tem
344
CASTRO FARIA, Luís. As exposições de antropologia e arqueologia do Museu Nacional, 1949.
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caixas e mais caixas de coleções, mas não tem um livro de registro.
345
Diante do quadro exposto é possível supor que a atitude de Heloisa Alberto
Torres de não permitir que os técnicos da Seção de Estudos, em 1949,
consultassem o livro de registro daquela Instituição estivesse relacionada a este
problema. Ou seja, em 1949, o Museu Nacional ainda não tinha concluído a
documentação dos objetos que haviam dado entrada em seus departamentos,
tanto naquele ano, quanto nos anos anteriores, estando esta atividade em
processo, e ocorrendo de maneira não sistemática.
Para a Seção de Estudos, o ingresso de Rabello e Pitaguary marcou uma
nova fase no processamento da documentação etnográfica que a partir de suas
contratações institucionalizou o acervo etnográfico, e criou o primeiro mecanismo
que permitiu acessar suas informações e manter um controle sobre cada um dos
objetos. De modo mais amplo, aquela medida significou a integração daqueles
elementos no sistema de patrimônio cultural, tornando a Seção de Estudos
mediadora entre seus produtores e a nação.
No início, os museólogos, na tentativa de amenizar a falta de informações
sobre um grande número de peças, procuraram registrar novamente os objetos
que já se encontravam listados e registrar aqueles que ainda não possuíam
qualquer registro, ou seja, 60% de todo o acervo. Como não temos dados sobre o
número de peças que a Seção possuía até 1949, não é possível levantar o
quantitativo das peças que foram registradas. Para começar o trabalho, realizou-se
um registro sumário de cada uma das peças, e foram então preenchidos cinco dos
dez itens contidos no impresso padrão. Os registros ocorreram de modo
sequencial, cujo último número foi 8999, em 1967, ano que correspondeu à
aposentadoria de Geraldo Pitaguary. A partir daquela data, assumiu como
responsável pelo registro dos objetos a museóloga Marília Duarte Nunes, que
substituiu o registro sequencial pela numeração tripartida.346
345
Carta de Eduardo Galvão para Darcy Ribeiro, de 20 de agosto de 1955. Série: correspondência geral, sub-
série: correspondente Eduardo Galvão. Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR). 346
A numeração tripartida foi adotada pela museóloga Marília Duarte Nunes que veio a substituir Geraldo
Pitaguary ao se aposentar, e caracteriza-se por ser composta de três partes com diferentes significados. A
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A dificuldade de se levantar o número de objetos recolhidos pela Seção de
Estudos até 1949, a partir do livro de registro, está relacionada a uma série de
questões intrínsecas umas às outras. Não há no arquivo institucional as listagens
dos primeiros objetos recolhidos pela Seção de Estudos a partir de 1943; salvo
algumas exceções contidas em alguns relatórios ou documentos avulsos347. Em
decorrência disto, o Livro de registro, aberto pelos primeiros museólogos
contratados, tornou-se a única documentação existente sobre o acervo inicial, no
entanto, partem do ano de sua abertura, ou seja, 1949. A tomada de decisão dos
museólogos em registrar os objetos a partir daquele ano pode estar relacionada a
uma falta de informação sobre as coleções etnográficas nos arquivos da Seção de
Estudos já naquele período; ou ser decorrência de uma decisão institucional, visto
que as coleções que não apresentam informações sobre seu “colecionador” são
exatamente aquelas que foram recolhidas por agentes não especializados em
etnologia indígena. Ou seja, pelos agentes que atuavam no SPI, como Estigarribia,
chefe da Seção de Orientação e Assistência, ou recolhidas pela Equipe
Etnográfica, formada por Harald Schultz, Nilo Velloso e Heinz Forthmann, ou ainda
aquelas encaminhadas pelas Inspetorias Regionais.
É, portanto, inviável quantificar os objetos recolhidos pela Seção de Estudos
entre 1943 e 1949, e também associar o conjunto de peças às pesquisas
executadas pela Equipe Etnográfica, que resultaram em coleções etnográficas
significativas, tais como: Terena, Kaiwá, Kadiwéu, Bororo, Umutina. E dos povos
dos formadores do rio Xingu, como Bakairi, Mehinako, Waurá, Kuikuro Trumai,
organizadas entre 1943 e 1946. Conjunto documental que se insere no espaço
temporal do desenvolvimento da disciplina antropológica no Brasil e das
transformações econômicas e culturais pelas quais aqueles povos estavam
passando. Sem contar aquelas recolhidas entre povos que vinham sendo atraídos
ao convívio com a sociedade nacional, como a Kuikuro e Xavante.
primeira refere-se ao ano de entrada do objeto na instituição; a segunda refere-se ao número do objeto dentro
da coleção e a terceira, ao colecionador ou à coleção. 347
Relatório Anual do SPI de 1942. MF. 387, S/FG, p. 19; Documentos avulsos de 1945. MF. 339, FG. 757,
758, 759, 760, 761, 762, 1086. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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241
A hipótese de que houve uma ação deliberada, por parte dos agentes que
atuavam na Seção de Estudos, de não identificar os nomes dos agentes
responsáveis pela coleta das primeiras coleções etnográfica, não deve ser
descartada, por dois motivos: as primeiras coleções identificadas são as de Darcy
Ribeiro e Max Boudin, mesmo que seu registro tenha como base o ano de 1949; no
período em que houve o registro das coleções, Nilo Velloso, assim como Harald
Schultz, eram agentes que facilmente poderiam ser acessados para dar
informações a respeito dos objetos que recolheram. O primeiro era funcionário da
Seção de Estudos, assim sendo, poderia identificar o material por ele coletado
entre os índios do Xingu, e Harald Schultz, mesmo não atuando na Seção de
Estudos, mantinha contato permanente com o Serviço, devido a sua necessidade
de obtenção de autorização para pesquisas etnográficas que vinha desenvolvendo
para o Museu Paulista, podendo ter identificado as peças que coletou entre os
índios Terena, Kaiwá, Kadiwéu e Umutina. Ou seja, a não identificação no Livro de
Registro da Seção de Estudos dos responsáveis pela captação do seu acervo
inicial não se justifica.
Diante do quadro apresentado é possível levantar a hipótese de que para os
agentes que atuavam na Seção de Estudos não era conveniente identificar aquelas
coleções cujos autores não estivessem, reconhecidamente, inseridos na
comunidade antropológica. Buscava-se com essa medida uma valorização das
coleções que apresentassem aquela característica, deixando, contudo, de sinalizar
os coletores cujos nomes não eram reconhecidos como aptos a praticarem aquele
tipo de atividade. A observação preliminar dos registros contidos no Livro aberto
naquela ocasião também reforça aquela suspeita, pois indicava a falta de
integração entre as equipes técnicas que atuavam na Seção de Estudos. Isto está
estampado no registro das coleções de Max Boudin e de Darcy Ribeiro, as
primeiras identificadas, mas que, no entanto, as peças que a compõem foram
catalogadas de modo não sequencial, apresentando intervalos entre elas,
preenchidos com peças cujos doadores não estão identificados. E, ao lado de
alguns objetos daquelas coleções, encontramos pontos de interrogação, sinal
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242
gráfico que indica dúvidas quanto ao seu coletor, ou seja, dúvidas passíveis de
serem retiradas, já que ambos os pesquisadores atuaram na Seção.
Ainda sobre a catalogação do material etnográfico é necessário levantar
alguns pontos para o esclarecimento da questão. Como colocado, havia uma
listagem inicial dos objetos do acervo etnográfico que serviu de base para a criação
do Livro de Registro, aberto em 1949. Este documento, no entanto, não se
encontra relacionado entre o acervo microfilmado da Instituição, mas o arquivo
textual possui uma listagem de objetos etnográficos, sem data, cujos números
aparecem ao lado do novo número que os objetos receberam no Livro aberto em
1949. Esta Listagem, mesmo não apresentando dados, permite visualizar a ordem
inicial da coleção da Seção de Estudos. A partir deste documento é possível
levantar algumas hipóteses sobre os coletores, ou as unidades de envio das
coleções iniciais da Seção de Estudos.
Outra informação importante sobre o registro da coleção é que o primeiro
Livro de Registro foi encerrado sem que no entanto se saiba em que ano isto
ocorreu, e tampouco quando foi substituído pelo novo, que promoveu mudanças
substanciais na organização das coleções. Isto é, as peças ganharam novos
números, e a ordem anterior foi alterada, sendo que a única informação registrada
sobre tal fato foi fornecida por Marília Duarte Nunes, então responsável pelo núcleo
de Museologia, que ao encerrar a adoção da numeração sequencial, informou:
a partir do ano de 1967, o Museu do Índio passou a adotar nova forma de numeração de sua coleção etnográfica, mais condizente com o processo da ciência museológica, isto é, a numeração tripartida. Por esta razão encerrou-se, aqui, o presente livro. Marília Duarte Nunes, museóloga.
348
O abandono do documento que continha o registro inicial das coleções da
Seção de Estudo, resultou em uma maior desinformação sobre o acervo. A antiga
numeração foi abandonada, não só na escrita do documento, mas fisicamente nas
peças, que tiveram os antigos números retirados e substituídos por novos. Além
disto, por esta iniciativa alterou-se a ordem inicial do acervo, provocando a
348
Livro de Registro. Serviço de Museologia.
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243
sensação de que a nova ordem estabelecida correspondia à sequência de entrada
dos objetos na Instituição. Soma-se a este fato, a não transferência para o novo
documento de todas as informações que constavam no registro antigo, e que muito
ajudavam a elucidar dúvidas a respeito de alguns objetos e coleções. A impressão
preliminar, ao se “olhar” o novo registro, é que houve uma intenção de agrupar os
objetos por etnia, sem que, no entanto, documentassem o porquê de tal fato. Ou
seja, o novo documento sugere que a primeira coleção organizada pela Seção de
Estudos foi a dos índios Kaingang, quando o antigo registro informou que foi a dos
índios Bororo, seguida por outras etnias que, coincidentemente, acompanham
tanto as áreas visitadas pela Equipe Etnográfica, quanto as áreas onde o SPI
promoveu inspeções, ou estava atuando na “pacificação” de alguns grupos
indígenas.
De posse destes dados podemos partir para o levantamento de certas
hipóteses sobre os coletores de algumas coleções, ou da unidade de seu
encaminhamento, a partir do cruzamento de dados entre estes vários
documentos,349 auxiliados por referências bibliografias que informam sobre as
pesquisas e os acontecimentos daquele período, e fornecem pistas sobre alguns
daqueles objetos. A listagem inicial na qual me referi, que serviu de base para a
abertura do primeiro Livro de registro, não apresenta uma ordem por etnia, no
entanto, as maiores coleções são as dos povos Canela; Kaingang; Umutina,
Bororo, Xavante e Kadiwéu.350 Em menor número, vêm as coleções dos povos
Mehinako, Carnijó, Waurá, Urubu, Kuikuro, Kamayurá e Terena.351 Excluindo as
peças dos índios Canela, Urubu e Carnijó, anteriores a 1947, cujos agentes da
Seção de Estudos não promoverem pesquisas, o conjunto restante são de povos
com os quais a Equipe Etnográfica entrou em contato.
Entre os maiores conjuntos de peças supracitadas estão as dos índios
Umutina e Bororo, povos indígenas visitados tanto por agentes do SPI quanto pela
349
Relatório Anual do SPI de 1942. MF. 387, S/FG, p. 19; Documentos avulsos de 1945. MF. 339, FG. 757,
758, 759, 760, 761, 762, 1086 e documentos originais tais como: primeiro Livro de Registro e listagens de
objetos etnográficos reunidos no Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 350
São 261 peças Canela; 187 peças Kaingang; 172 peças Umutina; 77 peças Bororo ; 56 peças Xavante; 47
peças Kadiwéu 351
São 36 peças Mehinako; 35 peças Carnijó ou Funi-ô; 30 peças Waurá; 29 peças Urubu; 26 peças Kaikuro,
26 peças Kamayurá e 23 peças Terena.
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244
Equipe, a partir de 1942. No entanto, estas informações não constam no primeiro
livro de registro. Naquele ano, Estigarribia, chefe da Seção de Orientação e
Assistência, esteve vistoriando o Posto Fraternidade Indígena, ambiente onde se
concentravam os índios Umutina e Pareci, tendo recebido daqueles índios um
conjunto de objetos cuja listagem se encontra em seu relatório de viagem,352
organizada a partir de seus nomes étnicos; e Harald Schultz também promoveu
uma visita àqueles povos, em 1943, tendo permanecido no mesmo Posto, onde
procedeu ao recolhimento de uma série de objetos dos índios Umutina. Mesmo que
Schultz não tenha deixado registrado em seu relatório de viagem o recolhimento de
peças do povo Pareci, é provável que tenha procedido, em menor escala, o
recolhimento de alguns objetos daquela etnia, pois tanto os Umutina, quanto os
Pareci residiam naquele ambiente. No ano seguinte ao daquela viagem, Harald
Schultz retornou ao mesmo Posto a fim de completar suas observações. Nessa
nova incursão, visitou também uma das duas últimas aldeias Umutina, cujos
integrantes vinham resistindo ao contato sistemático com o Posto. Naquele
ambiente promoveu novos recolhimentos cujos registros não são tão precisos
quanto os de sua primeira viagem, devido ao acidente que sofreu e que o obrigou a
retornar antes do prazo estabelecido. Deixou para trás os objetos que recolheu que
foram enviados à sede do Serviço, tempos depois, pelo seu assistente de viagem,
o inspetor Otto Ernesto Mohn. Ou seja, a coleção dos índios Umutina e Pareci
foram organizadas para a Seção de Estudos por Estigarribia e, principalmente, por
Harald Schultz, entre os anos de 1942 a 1944, sendo que o último informou que
recolheu para o SPI todo o conjunto material dos índios Umutina.
Quanto à coleção dos índios Bororo, suas referências documentais estão
atribuídas a Estigarribia, Nilo Velloso e dois índios Bororo, Bento Burebal e
Jerônimo Liotadau. Sobre o primeiro, a viagem que empreendeu em 1942 não ficou
restrita à visita ao Posto Fraternidade Indígena, Estigarribia a estendeu aos Postos
Simões Lopes e Piabaça,353 também localizados naquela região. Neste ambiente
352
Relatório Anual da Seção de Estudos de 1942. MF. 387, S/FG, p. 54. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio. 353
Este nome se encontra pouco legível no documento. Relatório do SPI de 1942. MF. 387, S/FG, p.19.
Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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245
recebeu dos índios Bororo um conjunto de peças cuja listagem também se
encontra em seu relatório de viagem.354 Nilo Velloso esteve entre aqueles índios
em 1943, tendo deixado registrados os recolhimentos etnográficos que efetuou
naquela ocasião.355 Tanto a listagem de Estigarribia quanto a de Velloso se
encontram incompletas, e foram organizadas a partir do nome do objeto em língua
Bororo, o que dificulta sua identificação no primeiro Livro de registro. Os técnicos
que o organizaram não acataram aquelas informações, deixando de transferi-la
para o supracitado documento, optando por utilizarem referências taxonômicas
comuns dadas aquele tipo de material. Somou-se àquela coleção inicial,
organizada por Estigarribia e Nilo Velloso, um conjunto de objetos dos índios
Bororo, Bento Burebal e Jerônimo Liotadau, que foram “trocados” por armas
adquiridas pelo SPI em 1944, sem que o documento que forneceu estes dados
tenha quantificado o número de objetos que participou daquela “transação” e suas
categorias materiais.356 De posse destes elementos temos uma coleção dos índios
Bororo formada por agentes distintos e organizada entre os anos de 1942 a 1944.
O terceiro grupo de peças cujo volume é significativo na Listagem é dos
índios Xavante. Esta coleção foi provavelmente encaminhada para a Seção de
Estudos no final de 1946, ou início de 1947, por Francisco Meirelles então
responsável pelos primeiros contatos “pacíficos” com aqueles índios, ocorridos em
1946357. A hipótese sobre o organizador desta coleção e sua data de recolhimento
está baseada em dois fatos. Primeiro, a relação das peças Xavante que se
encontra na supracitada Listagem ocupa as últimas páginas do documento, ou
seja, se levarmos em consideração que ela foi organizada pela ordem de entrada
dos objetos na Seção de Estudos, antes de 1949, aqueles registros correspondem
aos últimos realizados antes da abertura do Livro. Segundo, o artigo de Amílcar
Botelho de Magalhães publicado na Revista América Indígena de 1947 versou
sobre a pacificação dos índios Xavante. Nele, Magalhães informou que durante os
354
Relatório Anual da Seção de Estudos de 1942. MF. 387, S/FG. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 355
Apetrechos Bororos existentes na Seção de Estudos. MF. 339, FG. 757-758. Serviço de Arquivo do Museu
do Índio. 356
Correspondência datada de 23-11-1946. MF. 254, FG. 18. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 357
FREIRE, Carlos Augusto. Vida de sertanista, p. 96; MAGALHÃES, Amilcar Botelho. A pacificação dos
índios Xavante, p. 333.
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trabalhos de atração os índios Xavante vinham trocando objetos de seu uso
pessoal pelos “brindes” deixados em seu território pelos agentes do SPI, e em
1946, ano que marcou o contato oficial com aqueles índios, foi deixado por eles,
em troca dos brindes recebidos, suas armas, flechas e bordunas358, e é esta a
categoria de objetos que se encontra relacionada na referida Listagem. Soma-se a
isto, o fato de Serpa, desde 1945, vir pedindo sistematicamente remessa de
material etnográfico da 8º Inspetoria Regional, da qual Meireles era responsável,
alegando a carência daquele gênero de documento nas dependências do SPI359.
Quanto às peças Kadiwéu, que deram entrada na Seção de Estudos antes
de 1949, estão relacionadas as viagens empreendidas tanto pela Equipe
Etnográfica em 1943 quanto por Darcy Ribeiro em 1947. O relatório da viagem da
Equipe Etnográfica organizado por Schultz não apresenta a relação de peças que
foram recolhidas naquela ocasião, o documento restringiu-se apenas a informar
sobre aquela prática. Em 1947 somou-se àquele conjunto de objetos outros tantos
recolhidos por Darcy Ribeiro quando empreendeu sua primeira viagem etnográfica,
cujo foco foi os Kadiwéu. As peças que recolheu estão assinaladas no Livro, no
entanto, a data de seu recolhimento corresponde ao ano de 1949, ou seja, da
abertura daquela documentação.
Com relação às peças Kaingang, última das etnias, cujo volume de objetos
registrados no Livro é significativo, a hipótese é a de que esta coleção também
tenha sido organizada por Harald Schultz, em 1946. Dois fatos justificam tal
hipótese. Em 1946, Schultz se encontrava de licença médica e seguiu para São
Paulo onde travou contato com Hebert Baldus. Deste encontro saiu convidado por
Baldus para lhe acompanhar em uma pesquisa aos índios Kaingang, localizados
em São Paulo e no Paraná, subvencionada pela Escola Livre de Sociologia e
Política. Baldus também o convidou para que ele assistisse, como ouvinte, às suas
aulas de etnologia indígena naquela Faculdade.360A viagem ocorreu em maio e
junho de 1946, quando Baldus recolheu, entre os índios Kaingang, material
mitológico e, auxiliado por Schultz, aplicou o método psicológico denominado
358
MAGALHÃES, Amílcar Botelho. A pacificação dos índios Xavante, pp. 335-6. 359
SE n° 8 - Circular, 3 de setembro de 1945. MF. 335, FG. 762. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 360
BALDUS, Hebert. Harald Schutz: 1906-1966. pp. 1-19.
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247
Rorschach361 entre aqueles índios362. Outro fato é a informação contida no
relatório anual da Seção de Estudos de 1946,363segundo a qual Schultz estaria,
desde março daquele ano, em atividade de “campo” na Inspetoria Regional 7; ou
seja, na unidade administrativa do SPI que atendia aos índios do Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul, região na qual se localizavam os índios Kaingang.
Um terceiro fato que reforça a hipótese de que a coleção Kaingang fora organizada
por Schultz se encontra no memorial dedicado a ele, organizado por Baldus em
1965-66, que informou que Schultz, como seu assistente de pesquisa, esteve com
ele atuando entre os Kaingang de Avaí.364 Contudo, não há no artigo referência
sobre o recolhimento de objetos dos Kaingang para o Museu Paulista, prática
comum de Baldus durante suas pesquisas etnográficas. Como não foram
localizados no acervo textual do Museu do Índio documentos que viessem a
informar sobre possíveis remessas de material etnográfico para a Seção de
Estudos daqueles índios, antes de 1949, é provável que a coleção Kaingang, que
deu entrada na Seção de Estudos antes daquele ano, tenha sido coletada por
Schultz como funcionário da Seção de Estudos, atuando no sul do país e em
treinamento por Baldus cuja orientação etnográfica compreendia o recolhimento de
objetos de cultura material. A soma destas evidências levam a Harald Schultz
como organizador daquela coleção para o SPI.
Quanto às peças dos índios do Xingu, estas foram recolhidas tanto por
Estigarribia quanto por Nilo Velloso, e deram entrada na Seção de Estudos entre
os anos de 1942 a 1946. Estigarribia esteve no posto indígena Simões Lopes em
1942, local onde viviam os índios Bakairi tendo recebido daqueles índios um
conjunto de objetos que foram por ele relacionados em seu relatório de
viagem,365e, assim com as listagens anteriores por ele organizadas, os objetos
foram identificados por sua designação étnica.
Quanto às coleções formadas por Nilo Velloso, estas foram obtidas durante
as três visitas que ele realizou àquela região entre os anos de 1944 a 1946.
361
SOUSA, Cícero Christiano de. O método de Rorschach aplicado a um grupo de índios Kaingang. p. 311. 362
PASSADOR, Luis Henrique. Hebert Baldus e a antropologia no Brasil. p. 106. 363
Relatório Anual da Seção de Estudos de 1946. MF. 335, FG. 980. Serviço de Arquivo do Museu do Índio. 364
BALDUS, Hebert. Harald Schultz: 1906-66. pp. 1-19. 365
Relatório anual do SPI de 1942. MF. 378, planilha 119, S/FG, p. 26.
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248
Em1944 recolheu peças entre os índios Kamayura, Waurá, Mehinako e Kuikuro366;
em 1945, entre os índios Bakairi, Kuikuro, Yualapiti e Trumai e, em 1946 não há
informações sobre as peças que recolheu, mas os grupos visitados foram os
mesmo das viagens anteriores.
De posse destes dados temos um panorama sumário dos organizadores das
primeiras coleções etnográficas da Seção de Estudos e do período em que tais
objetos foram recolhidos. A partir da abertura do Livro de Registro em 1949 até
1953, quando o Museu do Índio foi inaugurado, outras tantas coleções deram
entrada na Seção de Estudos cujos coletores ou unidade de encaminhamento
foram sumariamente registrados naquele documento sendo que as datas
assinaladas em sua grande maioria não correspondem ao período em os
recolhimentos se deram. Nesta situação está a coleção do povo Canela, cujo
volume de objetos corresponde a mais de dois mil itens recolhidos por Roberto
Tâmara367 entre os anos de 1948-49, mas cujo registro informou terem sido
recolhidas em 1950, ano que correspondeu a sua compra pela Seção de Estudos
sem que, no entanto, tais dados fossem transferidos para o Livro de Registro.
6. Um museu em construção e ideias em ação
6.1. As primeiras iniciativas da Seção de Estudos para a organização de uma
instituição museológica
Em 21 de setembro de 1949, Serpa comunicou à museóloga da Seção de
Estudos a disponibilidade de verba para aquisição de mobiliário próprio para a
exibição do acervo368. Entre as recomendações feitas, duas merecem destaque: a
primeira, que sugeriu uma visita a instituições museológica para verificar o modelo
366
Relação das peças Kuikuro recolhidas por Nilo Velloso. MF. 335, FG. 1208-1209. Serviço de Arquivo do
Museu do Índio. 367
Não foi localizado tanto no acervo textual do Museu do Índio quanto em qualquer bibliografia informações
sobre Roberto Tâmara. O número de objetos que compunha a coleção que organizou e sua oferta ao SPI se
encontra no MF. 334, FG. 804. Serviço de Arquivo do Museu do Índio 368
Papeleta de serviço nº 16-SE de 1949. MF. 339, FG. 1108. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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249
de mobiliário por elas utilizado, e a segunda, para que a técnica organizasse um
relatório destas visitas e o arquivasse para que, no futuro, servisse de material para
a reconstituição da história do Museu.
O relatório organizado pela museóloga, em atendimento àquela solicitação,
informou que dos modelos de mobiliário expositivo que viu nos catálogos
internacionais e nas instituições que visitou, leia-se Museu Nacional e Museu
Histórico Nacional, pouco se diferenciavam um dos outros visto que aquelas
instituições organizaram suas exibições seguindo o modelo de exibição dos
museus europeus, e seus equipamentos expositivos eram cópias dos utilizados
naqueles ambientes; o mesmo ocorrendo em relação à apresentação dos objetos
em seu interior. Das vitrines que viu, a que mais lhe chamou a atenção foram às
utilizadas pelo Museu Nacional,369 que segundo ela se tratava de um mobiliário
simples, de linhas retas cujo fechamento evitava a entrada de poeira em seu
interior, características importantes ao tipo de função para qual eram destinados.
Entre as respostas dadas por Pitaguary ao questionário encaminhado pelo
centro regional da UNESCO para o Museu do Índio, ele colocou no item referente
aos antecedentes do Museu do Índio, que seu acervo era exibido em armários e
mesas distribuídos em algumas salas da Seção de Estudos “desde então,
começou-se a propaganda e o nome de “museu do índio” começou a aparecer”370.
Ou seja, suas palavras, associadas ao encaminhamento dado por Rebello sobre o
mobiliário que melhor se adequava à exibição do acervo, nos leva a supor que o
mesmo foi adquirido pela Seção.
369
Creio ser oportuno informar que o Museu Nacional após sete anos fechado ao publico reabriu em 1947 com
novas vitrines e um novo conceito museográfico que foi, segundo Castro Faria, baseado nas novas tendências
ditadas pelo Museu do Homem de Paris. CASTRO FARIA, Luís de. As exposições de antropologia e
arqueologia do Museu Nacional, p.13. 370
Idem. 1º folha do documento, 2º item.
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250
371
Em 1951 houve uma nova mudança no cenário político devido ao retorno de
Getúlio Vargas como chefe da nação. Sua volta resultou em uma nova
reconfiguração nos cargos de comando da estrutura administrativa do Estado, da
qual o SPI não escapou. Donatini, então diretor do Serviço desde 1947, foi
afastado, assumiu seu lugar José Maria da Gama Malcher, funcionário de carreira
do SPI desde 1940 e então chefe da Seção de Orientação e Assistência (SOA)
desde 1947. A entrada de Malcher na direção do Serviço, primeiro, restabeleceu a
aliança entre o SPI e o CNPI que se encontrava “estremecida” devido a postura
assumida por Donatini; segundo, ele deu início a reformas tanto na sede da
diretoria quanto da Seção de Estudos, que recebeu novos mobiliários, e assegurou
a melhoria na prestação de serviço. A sede da diretoria foi “repaginada” recebendo
novos mobiliários para a exibição dos objetos indígenas localizados nos seu
corredor. Já a sede da Seção de Estudos teve seus espaços físicos reorganizados
para dar lugar a um ambiente destinado à consulta dos livros da biblioteca, a uma
371
Foto nº 59 – Grupo de estudantes de filosofia colombianos e visita a Seção de Estudos do SPI em 1951.
Imagem contida no Relatório Anual do CNPI de 1951, MF. 1C-CNPI, FG. 4050. Serviço de Arquivo do
Museu do Índio.
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251
discoteca, um estúdio sonoro e a um pequeno auditório, medidas que exigiram a
melhoria da catalogação dos acervos bibliográfico, sonoro e imagético.372
373
372
Relatório Anual da Seção de Estudos de 1952. MF. 387, FG. 2017-2018. Serviço de Arquivo do Museu do
Índio. 373
Foto nº 60 - Corredor da diretoria do SPI em 1950 retirada do Relatório Anual do SPI de 1953, p. 34.
Documento original. Serviço de Biblioteca do Museu do Índio.
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252
374
Outra medida tomada por Malcher foi conseguir mudar o status funcional de
Darcy Ribeiro e Max Boudin que deixaram a condição de “assalariados” para se
tornarem “contratados”, mudança que possibilitou a nomeação do primeiro como
chefe da Seção de Estudos, em 1952:
A atual gestão procurou desde logo amparar com melhor salário os dois cientistas, propondo-os como extranumerário contratados, o que foi feito em 1952, podendo assim entregar a Darcy Ribeiro a chefia da S.E.
375
E mesmo não estando diretamente vinculado à Seção de Estudos, Malcher
também promoveu, em 1952, a contratação do antropólogo Eduardo Galvão, então
já PhD pela Universidade de Columbia, para assumir a chefia da SOA, a qual ele
era anteriormente o responsável.
O conjunto daquelas medidas, além de ter melhorado as instalações físicas
do SPI como um todo, também aumentou o número de etnólogos atuando no
Serviço. A contratação de Galvão estreitou a relação social entre ele e Darcy, até 374
Foto nº 61 - Corredor da diretoria do SPI em 1951 retirada do Relatório Anual do SPI de 1953, p. 34.
Documento original. Serviço de Biblioteca do Museu do Índio. 375
Relatório Anual do SPI de 1953. Documento original, p. 32. Serviço de Biblioteca do Museu do Índio.
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253
então não assinalada na literatura antropológica, e sua presença no SPI, atuando
ao lado de Darcy Ribeiro, somada a uma série de outros fatos, que serão em
seguida assinalados, é relevante para a compreensão da tomada de decisão de
Darcy Ribeiro na efetivação do projeto de criação do Museu do Índio.
6.2. Darcy Ribeiro, os objetos etnográficos e os museus.
Chagas chamou a atenção para o fato de Darcy Ribeiro não ter deixado
registrado entre seus escritos qualquer menção à visita a Museus, ou qualquer
opinião sobre estes ambientes antes da criação do Museu do Índio. Para Chagas,
o interesse de Darcy Ribeiro era pelo presente, “conhecer o passado era apenas
uma forma de alimentar ainda mais o desejo de mudança do presente”376.
Entretanto, após seu ingresso no SPI, ele se viu envolvido com a coleta de objetos
destinados a se tornarem “musealisados”, como também se viu, na qualidade de
servidor da Seção de Estudos, descrevendo as coleções que organizou. Ainda
naquela posição pode acompanhar o movimento da Seção para exibição daqueles
elementos, como também passou a ter contato mais sistemático com pessoas cuja
trajetória de ascensão profissional se devia ou estava relacionada a suas
associações com instituições museológicas, Ele pôde então observar que aqueles
ambientes abriam oportunidade para a criação e desenvolvimento de projetos,
devido a sua aparente neutralidade ideológica por se apresentarem como positivos,
científicos e objetivos.
A situação na qual se encontrava envolvido, inicialmente, acabou gerando
interesse pelo “mundo” dos objetos, o que pode ser comprovado tanto pelo tema
dos artigos que publicou, quanto pela quantidade de artigos de jornais que passou
a acumular sobre a exibição de material etnográfico. Este material, atualmente, se
encontra depositado em seu arquivo pessoal, gerenciado pela fundação que leva
seu nome. Ou seja, após se assumir como etnógrafo, Darcy Ribeiro passou a
prestar mais atenção aos objetos etnográficos e ao uso que deles faziam os
agentes sociais e, suas observações, provavelmente o levaram a perceber que
376
CHAGAS, Mário de Souza. Imaginação museal, p. 202.
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254
havia uma demanda por parte de determinados seguimentos sociais por aquele
tipo de material, expressa de diversas maneiras: pelas notícias que circulavam a
seu respeito; pela quantidade de solicitações de material daquela natureza que
chegavam à Seção de Estudos, pelo número de pessoas que buscavam na Seção
de Estudos informações sobre eles e, principalmente, pelo contato que passou a
ter com a comunidade antropológica que via naqueles objetos o meio para a
compreensão do modo de funcionamento das sociedades com as quais ele
também havia passado a interagir.
Entre os vários recortes de jornais existentes no seu arquivo pessoal,
destaco dois. O primeiro datado de 1947377 e assinado por Osório Cezar e o
segundo de Yvonne Jean, de 1949378, colunistas de arte que emitiram suas
opiniões sobre aqueles elementos. A seleção destes recortes se deveu tanto a
suas datas quanto aos seus conteúdos. O de 1947 confirma a atenção que Darcy
Ribeiro passou a dar às notícias que envolviam os objetos etnográficos a partir de
sua contratação no SPI, pois antes de seu envolvimento com a temática indígena
não há em seu arquivo qualquer documento que aborde aquele tema; quanto ao
seu conteúdo, porque exprime a opinião que um crítico de arte tinha sobre os
padrões decorativos impressos nos objetos etnográficos. Cezar comparou àqueles
elementos as manifestações “das crianças e os doentes mentais”379, que por
incapacidade os usam para dar forma aos seus pensamentos. Como crítico de arte
Cezar expressava, grosso modo, a opinião majoritária da classe artística quanto ao
grafismo impresso em parte do material etnográfico, e como formador de opinião
colocava aqueles elementos em pé de igualdade com as produções de
seguimentos sociais não aptos a produzirem “arte”. Se por um lado este artigo
sinalizava a concepção que tinha a respeito da produção material dos povos
indígenas, por outro, seu arquivamento por parte de Darcy Ribeiro além de revelar
seu interesse pelo modo como a produção indígena era vista e apreciada também
nos revela seu interesse pelo universo artístico.
377
Este recorte não apresenta o nome do veículo que o publicou. 378
Artigo sobre o 3º Salão de Cerâmica. Série Indigenismo, sub-Série Recortes de 1949. Fundação Darcy
Ribeiro (FUNDAR). 379
Artigo Artes Plásticas. Série Indigenismo, sub-Série Recortes de 1947. Fundação Darcy Ribeiro
(FUNDAR).
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255
O segundo artigo, de 1949, de Yvonne Jean, é significativo porque além de
reforçar o interesse de Darcy Ribeiro pelas notícias que circulavam sobre material
etnográfico, principalmente aqueles expressos pelos críticos de arte, também
abordava a participação da Seção de Estudos no 3º Salão de Cerâmica que
aconteceu no Museu Nacional de Belas Artes em dezembro daquele ano.
Independente dos motivos que levaram Darcy Ribeiro a preservar aquela
reportagem, atualmente, ela nos fornece um conjunto de informações que
sinalizam várias questões.
Primeiro porque revela que o 3º Salão contou com peças de porcelana
elaboradas com base nos modelos franceses, ingleses, italianos e chineses,
analisadas pela colunista como fruto do desconhecimento dos artistas sobre os
temas nacionais, comentário que se antagoniza com o de Cezar, feito três anos
antes, e que sinalizava que o ambiente cultural havia passado por mudanças e os
temas exógenos à cultura nacional estavam em processo de “esgotamento” e,
ainda, que existia por parte da sociedade uma demanda pelo conhecimento de
temas relacionados à realidade brasileira.
Segundo, Jean argumentou que os motivos que levavam as pessoas a
desconhecerem a arte dos nossos índios, assim como as da cultura popular,
estavam relacionados tanto à dificuldade de obtenção de objetos etnográficos,
quanto à carência de espaço para sua exibição, que acabavam obrigando seus
interessados a se deslocarem para região distante a fim de obtê-los ou conhecê-
los. Seus comentários a este respeito, em certa medida, levantavam a suspeita que
as lições de etnologia dadas pelo Museu Nacional, até então única instituição na
capital federal a exibir permanentemente elementos daquela natureza, tinham
pouco apelo para o conjunto da população resultando em seu “afastamento” do tipo
de exibição que praticava, ao mesmo tempo em que sinalizava que a sociedade
sentia falta de um espaço reservado para a exibição daqueles itens, não só como
produto da cultura nacional ou como objetos científicos, mas também como
elemento artístico devido, ao seu forte poder estético.
Do conjunto de objetos expostos no Salão, foram as peças indígenas –
Kadiwéu e Karajá – as únicas cuja imagem foi estampada na reportagem de Jean.
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256
Ou seja, aquela reportagem deu ênfase aos objetos indígenas dentro de um evento
de arte, abrindo uma brecha até então não explorada pelos agentes que lidavam
com aquele tipo de material, potencial do qual Darcy Ribeiro não estava alheio.
Em relação à experiência de Darcy Ribeiro com agentes relacionados a
instituições museológicas, temos como o primeiro do rol seu mestre intelectual,
Hebert Baldus. Darcy Ribeiro vinha acompanhando as oportunidades abertas a
Baldus após seu ingresso no Museu Paulista, visto que após assumir a chefia do
Departamento de Etnologia daquela instituição, em 1947, sua carreira de etnólogo
deslanchou.380 Naquele ambiente institucional, Baldus pôde difundir seus
conhecimentos etnológicos e sua ideologia para aquela área, pela publicação de
seus artigos na revista na qual o Museu mantinha – aliás, publicação que até seu
ingresso na instituição estava interrompida e que ele já no primeiro ano de
administração recuperou –, também por meio de congressos nacionais e
internacionais dos quais participou e, mesmo que não haja uma pesquisa
específica sobre o modelo de exibição dos objetos etnográficos do Museu Paulista
na década de 1940 a 1960, período de sua maior atuação naquele ambiente, ele
além de ter implementado a coleta de material etnográfico, aumentou o número de
salas para a sua exibição, o que significou aumentar seu meio de difusão. O
segundo nome da lista era o de Eduardo Galvão, que atuou ao lado de Darcy
Ribeiro no SPI, cujo conhecimento profissional foi construído no Museu Nacional,
instituição que foi cimento e tijolo para difusão de seu trabalho e responsável pelo
seu título de PhD, o primeiro dado a um etnólogo brasileiro. O terceiro nome da
lista era de Alfred Métraux com quem Darcy Ribeiro havia travado conhecimento no
inicio de 1951381, e cuja trajetória profissional estava associada à criação do Museu
do Homem em Paris, quando na década de 1930 participou, junto com outros
etnólogos de seu tempo e principalmente Rivet, do projeto de criação daquela
instituição.382 Ou seja, estava claro para Darcy Ribeiro que havia um nicho ainda
não explorado para exibição de material etnográfico, leia-se o artístico, e a
380
Sobre o assunto ver: PASSADOR, Luis Henrique. Hebert Baldus e a antropologia no Brasil, cap. III. 381
Carta de Darcy Ribeiro para Hebert Baldus datada de 27 março de 1952. Série Correspondência geral, Sub-
Série correspondentes Hebert Baldus. Fundação Darcy Ribeiro – FUNDAR. 382
CLIFFORD, James. A experiência etnográfica. p. 160.
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257
importância de uma instituição museológica para promoção de contatos e para o
desenvolvimento de projetos tanto institucionais como pessoais.
O conjunto de situações supracitadas, somado a um ambiente institucional
que vinha incentivando a melhoria das instalações físicas e de prestação de
serviço, era um incentivo para colocar em prática a instrução regulamentar interna
da Seção de Estudos, que previa a instalação de uma instituição museológica em
sua sede. Agregou-se a esta conjuntura o fato de tanto a biblioteca quanto os
laboratórios da Seção de Estudos estarem prontos para darem suporte documental
e material à futura instituição, e a reunião de todos resultaria na formação de um
complexo de prestação de serviço até então sem similar na capital da República. A
nova instituição museológica “nasceria” provida de uma biblioteca, sala de projeção
e arquivos: sonoro, fotográfico e fílmico, ou seja, um “centro” de cultura e lazer
onde seu usuário, além de ter à disposição uma exposição, podia assistir a filmes e
ouvir músicas, todos relacionados ao mesmo tema.
Outro acontecimento que auxiliou Darcy Ribeiro no desenvolvimento de seu
projeto de implantação de uma instituição museológica, e principalmente no que se
referia a sua concepção museográfica, foi a presença do museólogo da Seção de
Estudos Geraldo Pitaguary atuando no Museu do Homem e no Museu de Arte e
Tradições Populares de Paris durante todo o ano que antecedeu à abertura do
Museu do Índio, período marcado pelos primeiros passos de Darcy Ribeiro naquela
direção. No final de 1950, Pitaguary recebeu do governo Francês uma bolsa de
estudos para estagiar no Museu do Homem e no Museu de Arte e Tradições
Populares, tendo partido do Rio de Janeiro em janeiro de 1952 e permanecendo na
Europa até julho de 1953. Durante aquele período, além de ter atuado em todos os
departamentos daquelas instituições, promoveu, ao final de seu estágio, visitas aos
principais museus europeus instalados nas capitais dos países daquele continente.
Se por um lado, Pitaguary se ausentou da Seção de Estudos no justo momento em
que Darcy Ribeiro assumiu a sua chefia, por outro, a correspondência que ambos
trocaram durante aquele período contribuiu para a preparação do projeto
museográfico do novo núcleo da Seção de Estudos, que veio a receber o nome de
Museu do Índio.
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258
6.3. A museografia de Darcy Ribeiro
Das medidas que vinham sendo tomadas no ano que antecedeu a
inauguração do Museu do Índio, ficou registrado no relatório anual da Seção de
Estudos, preparado por Darcy Ribeiro, que ele pretendia implantar, definitivamente,
o dispositivo regulamentar do Regimento Interno do Serviço que previa a
manutenção de um museu em sua sede, para tanto estava promovendo a
adaptação de duas salas do prédio da rua Mata Machado, que foi entregue aos
cuidados do arquiteto Aldary Toledo, visto que até aquele momento a Seção de
Estudos contava apenas com “simples depósito onde o material etnográfico colhido
em dez anos de atividade da SE era meramente conservado”383.
Aquela tarefa, do conjunto de atribuições da Seção, era a única que ainda
não se encontrava devidamente organizada. Ao contrário, funcionava de modo
precário em algumas salas da Seção de Estudos. Mas o que Darcy Ribeiro deixou
de dizer foi que aquele simples “depósito” era provido de armários e mesas, onde
os objetos etnográficos eram expostos, contava com uma sala para guarda do
material excedente, com técnicos especializados para a manipulação dos objetos e
sua documentação, e vinha prestando serviço aos interessados. No entanto, não
possuía um nome, uma feição própria que lhe desse uma identidade, como
também não tinha uma data de “nascimento”, requisitos que caracterizavam as
instituições daquela natureza. Era necessário criar aquelas condições e informá-las
à “sociedade”, com dados sobre seu nome, objetivo, endereço e filiação,
investimento que a direção de Malcher estava disposta a oferecer, visto que ele já
vinha investindo na melhoria da imagem e da prestação de serviço do SPI.
Para que se possa entender o tipo de “ambiente” ou de “museu” que Darcy
Ribeiro pretendia criar, acredito ser necessário retroceder ao início de sua carreira
como etnólogo. Quando Darcy Ribeiro assumiu a chefia da Seção de Estudos em
1952 ele já contava com cinco anos de atividade no Serviço, durante os quais teve
a oportunidade de conhecer parte da “realidade” indígena devido às pesquisas que
383
Relatório Anual da Seção de Estudos de 1952. MF. 387, fg. 2016. Serviço de Arquivo do Museu do Índio.
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259
promoveu. Aquelas atividade lhe expuseram um país estranho às suas vivências
pessoais, promovendo um “choque” de realidade até então não vivenciado, mas
apenas sentido, em decorrência de seu envolvimento com o partido comunista,
sentimento que segundo ele o tornou “herdeiro do drama humano”384.
Sua contratação se deveu ao processo de reestruturação pelo qual o SPI
havia passado poucos anos antes, e que resultou na criação da Seção como
núcleo destinado a oferecer à agência metodologia científica na condução de sua
política indigenista, argumento que, aliás, foi referendado pelo próprio Darcy
Ribeiro385. De 1942, data de criação da Seção de Estudos, passando pelo ano de
contratação de Darcy Ribeiro e Max Boudin, em 1947, até 1951 a tão propalada
“metodologia” ainda não havia sido implantada, o SPI continuava operando com
base nos mesmos métodos que orientaram a sua criação, vale lembrar, ações
voltadas para assimilação dos índios à sociedade nacional e sua transformação em
trabalhadores rurais, sem levar em conta os complexos fatores socioculturais
envolvidos neste objetivo e cujo conhecimento era fundamental para a sua
consecução. Os cinco anos, quase ininterruptos, de experiência acumulada em
trabalho de campo foram suficientes para que Darcy Ribeiro constatasse que de
“novo” nada vinha ocorrendo com SPI. Por mais que ele acreditasse que com seu
trabalho e com o de outros antropólogos a realidade do SPI viesse a mudar, os
fatos que vivenciava apontavam para outra direção. Esta percepção estava
assinalada nas correspondências que trocava com Baldus, no conteúdo de seus
relatórios encaminhados à direção do SPI, informando da situação precária na qual
vivia as populações indígenas, tônica que se manteve na escrita de seu Diários
Índios, transcrição de suas observações de campo entre os índios Kaapor, entre
1949 e 1951. Sintomas da sua tomada de consciência. Como lemos no trecho:
É muito interessante observar que a ideologia explícita do SPI tantas vezes expressa por seus diretores, vem distanciando cada vez mais da realidade. Nos primeiros anos de atividade, fizeram-se todos os esforços neste sentido, tragicamente até, juntando nos mesmo postos índios e neo-brasileiros, o que é sem dúvida, o
384
RIBEIRO, Darcy. Mestiço é que é bom! p. 95. 385
Atividade cientifica da Seção de Estudos do Serviço de Proteção aos Índios. MF. 380, FG. 961. Serviço de
Arquivo do Museu do Índio.
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260
método mais eficiente de assimilar compulsoriamente um grupo, ou destruí-lo, pois as duas coisas se equivalem. Mas todo o fracasso daquela tentativas não teve nunca o efeito de modificar a ideologia porque ela é antes uma expressão da ideologia racial brasileira que o pensamento de Rondon e seus discípulos, fruto de suas experiências no trato com os índios. O efeito disto é que continua falando nela nos discursos enquanto lá no mato a coisa anda de
improviso, geralmente como o oposto da teoria. 386
Quando Métraux lhe encomendou a pesquisa sobre política indigenista no
Brasil, a necessidade de pensar sobre o assunto talvez tenha sido o “passaporte”
derradeiro para sua tomada de posição.387 Após o convite que recebeu daquele
“ilustre” antropólogo, Darcy Ribeiro escreveu para Baldus lhe informando sobre o
assunto:
Métraux me encomendou um trabalho sobre a política indigenista do Brasil para a UNESCO e o caso dos Kaingang é um exemplo desta capacidade notável que o SPI desenvolve desde seus primeiros anos para aproximar-se de grupos hostis e desarmar-lhes o ânimo guerreiro e, também, da incapacidade, igualmente notável, de assistir aos índios que pacifica, impedindo sua extinção. Quando se pede apenas heroísmo, dedicação, persistência, manha, temos a mão cheia, mas que fazer do índio pacificado? Apaixonado por nossas bugigangas, que morrer aos montes, abatidos por nossa peste e depois que inicia esta morte lenta e mais terrível que é o esmagamento compulsório em nossa sociedade, como mão-de-obra e como consumidor. Esta é uma face do problema de mil faces. Preciso de sua ajuda para destrinchá-lo. Estou inclinado a aceitar a encomenda, embora o peso da responsabilidade que assumo. Saiba. Um balanço crítico sincero dos quarenta anos de atividade do SPI é tarefa difícil, mas é também dolorosamente necessária. Se tomando consciência dos nossos erros e acertos poderemos assegurar uma vida melhor aos índios.
388
Baldus não só era seu interlocutor e orientador, mas acima de tudo era sua
referencia ideológica, e a tônica de Baldus apresentava um perfil humanista
associado a ações políticas389. Baldus acreditava que o contato entre índios e
386
Carta de Darcy Ribeiro para Baldus, de 28 de maio de 1952. Série Indigenismo, sub-série Correspondência,
correspondente Hebert Baldus. Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR). 387
O relatório sobre esta pesquisa foi enviado à UNESCO em 1953 e posteriormente parte deste estudo serviu
de base para o livro “A política indigenista brasileira”. RIBEIRO, Darcy. 1962. 388
Carta de Darcy Ribeiro para Baldus, de 27 de março de 1952. Série: Indigenismo, sub-série:
Correspondência, correspondente Hebert Baldus. Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR). 389
Sobre o assunto ver: PASSADOR, Luis Henrique. Hebert Baldus e a antropologia no Brasil. p. 91-2.
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261
sociedade deveria ocorrer por meio da intervenção do Estado, mediados pelo
conhecimento da teoria científica, sendo que após sua efetivação o Estado deveria
oferecer os meios para a sobrevivência daquelas populações, sem lhe impor a
adesão compulsória ao conjunto nacional, como vinha ocorrendo. Quanto ao
primeiro aspecto, Baldus e Darcy Ribeiro compartilhavam da mesma visão, ou seja,
eram a favor da ação humanística do Estado em defender a sobrevivência
daquelas populações mediando o contato entre eles e a população e demarcando
suas terras, diretrizes que orientavam as ações do SPI, mas divergiam do
encaminhamento dado após a efetivação do contato, pois acreditavam que a
adesão daquelas comunidades à sociedade nacional não deveria ser compulsória,
mas uma opção que cabia a cada sociedade. Darcy Ribeiro chegou a escrever
para Baldus informando com certo “otimismo” sobre sua observação a respeito de
pequenos movimentos "contra-aculturativos" que se iam desenvolvendo entre
certas comunidades indígenas. Argumentou que não acreditava que se
expandissem, pois alem da pressão sócio-educativa, exercida pelo SPI, havia a
própria dependência que os índios passaram a ter de nossas tecnologias para o
seu desenvolvimento. Entretanto, contemporizava, dizendo que talvez fosse um
meio dos índios se salvarem.390
As esperanças de melhores dias estão em que o problema indígena se torne cada vez mais gritante e a consciência dele comece a surgir. É preciso, à força, de campanhas da imprensa, do Parlamento, de sociedades como a SAI agitar isto para mostrar a esta gente que o SPI tem uma função precisa além de dar empregos a filhotes de políticos e levar umas minguadas
bugigangas a alguns índios (grifo do autor). 391
Somados, estes fatores certamente contribuíram para sua decisão de se
tornar um etnólogo comprometido com seu sujeito de estudo e adotar como meio
de defesa daquelas comunidades o espaço institucional que se apresentava,
390
Carta de Darcy Ribeiro para Baldus, de 24 de fevereiro de 1950. Série Indigenismo, sub-série
Correspondência, correspondente Hebert Baldus. Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR). 391
Carta de Darcy Ribeiro para Baldus, de 01 de agosto de 1949. Série Indigenismo, sub-série
Correspondência, correspondente Hebert Baldus. Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR).
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262
naquele momento, mais viável a promover o início de seu projeto político em
defesa das populações indígenas. Ao contrário de outras instituições museológicas
que tratavam do mesmo tema, cujo ranço e o peso de suas histórias impediam
mudanças radicais de trajetória, o núcleo a ser criado na Seção de Estudos não
contava com tais características, não tinha uma identidade estabelecida e nem
uma história sedimentada, tudo estava para ser criado. Agregou-se a isto o fato do
SPI não ter experiência naquela área, o que em certa medida inibia ações de
restrições ao seu projeto museológico. Tudo conspirava ao seu favor facilitando,
deste modo, instituir um museu com o seu projeto ideológico. Somou-se ainda aos
fatos a disposição da direção da agência em implantar o núcleo, o forte movimento
modernista na arquitetura e nas artes, a conjuntura internacional pela união entre
as raças ou a sua tolerância392 e, claro, sua estética pessoal.
A ideia que orientou Darcy Ribeiro na concepção do Museu do Índio ou o
sua “imaginação museal”393 como foi descrita por Mário Chagas, esteve associada
à reunião destas variáveis, que o levou a criar um espaço, a um só tempo,
científico e moderno, exibindo e exaltando a produção cultural dos povos indígenas
com base nos seus produtos materiais, buscando diminuir a distancia cultural que
existia entre eles e “nós”. Definida a questão principal que norteou a concepção
museográfica do futuro Museu do Índio, Darcy Ribeiro deu início ao seu projeto.
Vitrines e estantes estavam sendo desenhadas por Thomas Santa Rosa394,
mas segundo Darcy Ribeiro mesmo que “excelentes”, não atendiam às finalidades
a que se propunham395. A correspondência que enviou a Pitaguary com este dado
também informou que ele aguardava a visita de “um etnólogo alemão, duble de
museologista, que trabalhava no Museu Goeldi”396, para tentar resolver aquele
problema. A fim de auxiliar no andamento da atividade, Pitaguary forneceu a Darcy
Ribeiro o tipo de mobiliário que o Museu do Homem utilizava em suas exposições e
o modo como os objetos eram exibidos em seu interior. Tratava-se de vitrines
392
ABEU, Regina. Tal antropologia qual museu? p. 125-31. 393
CHAGAS, Mário de Souza. Imaginação museal, 2003. 394
Não foi possível saber, na documentação consultada, quem foi Thomas Santa Rosa, provavelmente
desenhista da Seção de Estudos. 395
Carta de Darcy Ribeiro para Geraldo Pitaguary, de 6 de agosto de 1952. Série Indigenismo, sub-série SPI,
correspondente Geraldo Pitaguariy. Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR). 396
Idem.
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263
amplas, com estrutura de metal e vidro que eram usadas de modos diferenciados:
umas destinadas a servirem como “vitrine-síntese”, que exibiam uma variedade de
objetos para aqueles que não tinham tempo de percorrer todo o circuito proposto
pela instituição; outras eram destinadas a exibir o material recentemente recebido.
Informou ainda que o Museu do Homem havia abolido as exposições permanentes
tendo optado pelas temporárias a fim de fazer circular o acervo que detinha.
Quanto à disposição dos objetos, Pitaguary informou que os pequenos eram
expostos sobre prateleiras, os maiores eram pendurados na altura dos olhos e os
raros sempre envidraçados397. Em agosto de 1952 Darcy Ribeiro informou a
Pitaguary, que Aldary Toledo, “um dos nossos melhores arquitetos modernos”398
vinha desenhando as instalações do Museu. Toledo trabalhava para o escritório
técnico da Cidade Universitária, atrelado à Universidade do Brasil, como arquiteto
assistente do projeto do Instituto de Puericultura. O escritório encontrava-se sob a
direção do engenheiro Luiz Hidelbrando de Barros Horta Barbosa399, parente
próximo dos militares Júlio Horta Barbosa e Nicolau Horta Barbosa, amigos
pessoais de Rondon que haviam atuado no SPI e CNPI, o primeiro como chefe da
Inspetoria Regional 5 do SPI e o segundo como vice-presidente do Conselho,
ambos afastados de seus antigos postos durante a gestão de Donatini. A presença
de Toledo no projeto de criação do Museu do Índio não deixava de representar, em
um plano mais amplo, o restabelecimento das relações entre o SPI e CNPI,
abalada durante a antiga gestão, já que sua indicação partiu da rede social de
Rondon.
397
Carta de Geraldo Pitaguary para Darcy Ribeiro, de 22 de janeiro de 1952. Série: Indigenismo, sub-série SPI,
correspondente Geraldo Pitaguary. Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR). 398
Carta de Darcy Ribeiro para Geraldo Pitaguary de 06 de agosto de 1952. Série: Indigenismo, Sub-Serie SPI,
correspondente Geraldo Pitaguary. Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR). 399
Brasil revista bimestral de arquitetura contemporânea, nº 4, 1954, p.2.
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400
401
400
Foto 62. Esquema da proposta museográfica para o Museu do Índio de autoria do arquiteto Aldary Toledo.
Relatório Anual do SPI de 1953. Serviço de Biblioteca do Museu do Índio. 401
Foto 63 - Esquema da proposta museográfica para o Museu do Índio de autoria do arquiteto Aldary Toledo.
Relatório Anual do SPI de 1953. Serviço de Biblioteca do Museu do Índio.
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Toledo, em seis meses, preparou a cenografia do Museu do Índio para os
dois salões utilizando os elementos arquitetônicos que estavam em voga pelos
arquitetos modernistas, ou seja, linhas simples e claras com uso de persianas para
controlar a luminosidade dos ambientes. Não é sabido se o próprio prédio
apresentava um mezanino no segundo andar, mas a escada que lhe dava acesso
foi substituída por outra que acompanhava o estilo do projeto. As vitrines, os
expositores externos, o modelo de exibição e o tempo de duração de cada
exposição foi orientado pelas “informações” passadas remotamente por Pitaguary
seguindo os modelos e as normas adotadas pelo Museu do Homem.
402
Já o conceito foi dado a partir da ideologia proposta por Darcy Ribeiro. Das
peças selecionadas para compor a primeira exibição, foram escolhidos os objetos
dos índios do Xingu, Kadiwéu, Terena, Bororo e Karajá, então recolhidas por
Pitaguary em 1950, em sua primeira viagem etnográfica. Em uma segunda-feira,
aos dezenove dias do mês de abril de 1953, as portas do Museu do Índio foram
abertas ao público durante uma cerimônia que contou com a presença dos
membros do Conselho, dos funcionários do SPI e de Hebert Baldus, que, ao lado
402
Foto 64 - Exposição etnográfica do Museu do Homem, Paris,1938, que integra “Le goût des autres”.
L’ESTOILE Benoit, p. 231.
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266
do idealizador do projeto, Darcy Ribeiro, na posição de etnólogo e, porque não, co-
orientador do projeto ideológico, proferiu um discurso, não registrado.
403
404
403
Foto 65 - Exposição etnográfica do Museu do Índio em 1953. Serviço de Áudio-Visual do Museu do Índio. 404
Foto 66 - Exposição etnográfica do Museu do Índio em 1953. Revista Cultura 4.
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267
405
406
405
Foto 67 - Exposição do Museu do Índio em 1953. Arquivo da Fundação Darcy Ribeiro. 406
Foto 68 - Idem.
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A criação do Museu do Índio não significou o aumento de núcleos atrelados
à Seção de Estudos, mas o seu “sombreamento”, tanto por ter reunido em sua
órbita todos os núcleos que até então lhe davam sustentação, quanto por ter feito
do seu responsável, Darcy Ribeiro, chefe da nova unidade, situação criada em
decorrência do seu estatuto jurídico. Ao mesmo tempo, a criação do Museu do
Índio representou, em um plano interno mais amplo, a ruptura “simbólica” de Darcy
Ribeiro com a ideologia do SPI, pela valorização que passou a dar à cultura dos
povos indígenas que se antagonizava com o discurso da agência, já que em
quarenta anos de atividade pouco ou nada buscou difundir sobre tais valores.
Em 1961 o SPI foi transferido para a nova capital federal, permanecendo no
Rio de Janeiro a Seção de Estudos e com ela o Museu do Índio, reforçando a
simbiose entre as duas unidades. SPI. Em 1963 a Seção de Estudos foi transferida
para Brasília e o Museu do Índio passou a integrar a Seção de Documentação e
Divulgação do Conselho Nacional de Proteção aos Índios, transferido para o prédio
da rua Mata Machado onde o museu funcionava.
O fim da Seção de Estudos se deu em 1967 pela extinção do SPI e do
CNPI, e pela criação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que mesmo tendo
absorvido o Museu do Índio o manteve no Rio de Janeiro.
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269
Notas Finais
Quando me propus a recuperar a trajetória das atividades desenvolvidas
pela Seção de Estudos do Serviço de Proteção aos Índios de 1942 a 1953, período
que correspondeu da sua criação até a inauguração do Museu do Índio, utilizando
como fonte o acervo etnográfico ali organizado durante aquele interregno estava
ciente que a tarefa não seria simples. Tal constatação esteve associada ao fato da
Seção de Estudos não ter tido como objetivo o registro da memória e a constituição
do patrimônio dos povos indígenas, como também não foi um núcleo consagrado
na produção de memória e proteção de patrimônios culturais como os museus, os
arquivos e as bibliotecas e seus acervos. Seu principal objetivo era promover e
sistematizar o conhecimento do modus operandi das populações indígenas sob
abrangência do SPI, características que traziam algumas limitações. Entretanto,
pude perceber, no contato com a documentação arquivística que havia, entre as
ações da Seção de Estudos, o anseio de implantar um núcleo museológico em
suas dependências. Esta era uma boa razão para focalizar uma reflexão sobre a
construção da memória e do patrimônio no contexto do SPI.
Reforçou a vontade de recuperar a memória da SE, especialmente, o
contexto econômico e cultural do país, visto que a criação da Seção de Estudos se
inscreve no período conhecido como Estado Novo caracterizado, na esfera cultural,
por uma ideologia nacionalista que envolvia a criação de um sentimento de
pertencimento à ideia de nação, onde o índio era parte integrante. Na esfera
econômica, a idéia-força do Estado Novo esteve voltada para interiorização,
promovida pelo projeto de incursão ao Centro-Oeste, que implicou no
desbravamento e povoamento daquela região, local onde vários povos indígenas
se encontravam instalados.
A conjugação destas características valia o esforço de recuperar a
memória das ações da Seção de Estudo no âmbito do SPI, principalmente aquelas
voltadas para a criação de um núcleo de memória, que veio a receber, em 1953, o
nome de Museu do Índio.
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270
Em 1977 o Museu do Índio foi transferido do seu prédio original para se
instalar em um casarão na Rua das Palmeiras, 55, Botafogo, Rio de Janeiro, mas
seu espaço original ficou na memória, devido ter sido aquele o primeiro ambiente,
outrora, destinado a abrigar um espaço museológico, exclusivamente, dedicado à
apresentação das culturas dos povos indígenas do Brasil, fato que lhe permitiu
tanto entrar para a história da cidade do Rio de Janeiro quanto para a memória dos
povos indígenas.
Prova cabal da potência que aquele ambiente teve se apoia no fato de
ter sido invadido, em 2006, por índios de diversas etnias que o batizaram de
“Aldeia Maracanã”, resultado da memória que aquele local deixou. Maurice
Halbwachs (1950) informa que a memória se apoia em locais e imagens espaciais,
colocação reforçada por Pierre Nora (1993), quando esclarece que são lugares de
memória aqueles que carregarem uma simbologia dos acontecimentos passados
vividos por uma minoria que dele não participou.
Mas se o antigo prédio do Museu do Índio se manteve na memória tanto
da cidade quanto dos índios, se deveu ao fato da SE ter reunido, em seus vinte
anos de existência, um vasto patrimônio, que inclui o Museu do Índio, custodiador,
na atualidade, de 839 mil documentos arquivísticos, 53.204 mil fotos, 19.734 itens
bibliográficos e 19.094 itens etnográficos, herança da SE, onde apenas uma
pequena parte foi acessada para contar essa história.
Com tanto acervo disponível outras vontades de memória poderão surgir
iluminando outras memórias, como aquela que me animou a contar esta história.
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